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Psicologia ·

Psicanálise

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SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS VOLUME 17 INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA 3312 SUMÁRIO ESTA EDIÇÃO INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA 1926 A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA DIÁLOGO COM UM INTERLOCUTOR IMPARCIAL 1926 PÓSESCRITO 1927 APÊNDICE CARTA SOBRE THEODOR REIK E O CHARLATANISMO O FUTURO DE UMA ILUSÃO 1927 O FETICHISMO 1927 PSICANÁLISE 1926 O HUMOR 1927 UMA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA 1928 DOSTOIÉVSKI E O PARRICÍDIO 1928 APÊNDICE CARTA A THEODOR REIK TEXTOS BREVES 19261929 KARL ABRAHAM 18771925 A ROMAIN ROLLAND NO 60o ANIVERSÁRIO DISCURSO NA SOCIEDADE BNAI BRITH APRESENTAÇÃO DE UM ARTIGO DE E PICKWORTH FARROW A ERNEST JONES NO 50O ANIVERSÁRIO CARTA SOBRE ALGUNS SONHOS DE DESCARTES 5312 ESTA EDIÇÃO Esta edição das obras completas de Sigmund Freud pretende ser a primeira em língua portuguesa traduzida do original alemão e organizada na sequência cronológica em que apareceram originalmente os textos A afirmação de que são obras completas pede um esclarecimento Não se incluem os textos de neurologia isto é não psicanalíticos anteriores à criação da psicanálise Isso porque o próprio autor decidiu deixálos de fora quando se fez a primeira edição completa de suas obras nas décadas de 1920 e 30 No ent anto vários textos prépsicanalíticos já psicológicos serão incluídos nos dois primeiros volumes A coleção inteira será composta de vinte volumes sendo dezenove de textos e um de índices e bibliografia A edição alemã que serviu de base para esta foi Gesammelte Werke Obras completas publicada em Londres entre 1940 e 1952 Agora pertence ao catá logo da editora Fischer de Frankfurt que também recolheu num grosso volume intitulado Nachtragsband Volume suplementar inúmeros textos menores ou inéditos que haviam sido omitidos na edição londrina Apenas al guns deles foram traduzidos para a presente edição pois muitos são de caráter apenas circunstancial A ordem cronológica adotada pode sofrer pequenas alterações no interior de um volume Os textos considerados mais importantes do período coberto pelo volume cujos títulos aparecem na página de rosto vêm em primeiro lugar Em uma ou outra ocasião são reunidos aqueles que tratam de um só tema mas não foram publicados sucessivamente é o caso dos artigos sobre a técnica psicanalítica por exemplo Por fim os textos mais curtos são agrupa dos no final do volume Embora constituam a mais ampla reunião de textos de Freud os dezessete volumes dos Gesammelte Werke foram sofrivelmente editados talvez devido à penúria dos anos de guerra e de pósguerra na Europa Embora ordenados cronologicamente não indicam sequer o ano da publicação de cada trabalho O texto em si é geralmente confiável mas sempre que possível foi cotejado com a Studienausgabe Edição de estudos publicada pela Fischer em 196975 da qual consultamos uma edição revista lançada posteriormente Tratase de onze volumes organizados por temas como a primeira coleção de obras de Freud que não incluem vários textos secundários ou de conteúdo repetido mas incorporam traduzidas para o alemão as apresentações e notas que o inglês James Strachey redigiu para a Standard edition Londres Hogarth Press 195566 O objetivo da presente edição é oferecer os textos com o máximo de fidel idade ao original sem interpretações de comentaristas e teóricos posteriores da psicanálise que devem ser buscadas na bibliografia sobre o tema Informações sobre a gênese de cada obra também podem ser encontradas na literatura secundária Para questionamentos de pontos específicos e do próprio conjunto da teoria freudiana o leitor deve recorrer à literatura crítica de M Macmillan Joel Paris F Cioffi J Van Rillaer E Gellner e outros A ordem de publicação destas Obras completas não é a mesma daquela das primeiras edições alemãs pois isso implicaria deixar várias coisas relevantes para muito depois Decidiuse começar por um período intermediário e de pleno desenvolvimento das concepções de Freud em torno de 1915 e daí pro ceder para trás e para adiante Após o título de cada texto há apenas a referência bibliográfica da primeira publicação não a das edições subsequentes ou em outras línguas que interes sam tão somente a alguns especialistas Entre parênteses se acha o ano da 7312 publicação original havendo transcorrido mais de um ano entre a redação e a publicação a data da redação aparece entre colchetes As indicações biblio gráficas do autor foram normalmente conservadas tais como ele as redigiu isto é não foram substituídas por edições mais recentes das obras citadas Mas sempre é fornecido o ano da publicação que no caso de remissões do autor a seus próprios textos permite que o leitor os localize sem maior dificuldade tanto nesta como em outras edições das obras de Freud As notas do tradutor geralmente informam sobre os termos e passagens de versão problemática para que o leitor tenha uma ideia mais precisa de seu sig nificado e para justificar em alguma medida as soluções aqui adotadas Nessas notas são reproduzidos os equivalentes achados em algumas versões es trangeiras dos textos em línguas aparentadas ao português e ao alemão Não utilizamos as duas versões das obras completas já aparecidas em português das editoras Delta e Imago pois não foram traduzidas do alemão e sim do francês e do espanhol a primeira e do inglês a segunda No tocante aos termos considerados técnicos não existe a pretensão de im por as escolhas aqui feitas como se fossem absolutas Elas apenas pareceram as menos insatisfatórias para o tradutor e os leitores e profissionais que empregam termos diferentes conforme suas diferentes abordagens e per cepções da psicanálise devem sentirse à vontade para conservar suas opções Ao ler essas traduções apenas precisarão fazer o pequeno esforço de substituir mentalmente instinto por pulsão instintual por pulsional repressão por recalque ou Eu por ego exemplificando No entanto essas palavras são poucas em número bem menor do que geralmente se acredita PCS 8312 INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA 1926 TÍTULO ORIGINAL HEMMUNG SYMPTOM UND ANGST PUBLICADO PRIMEIRAMENTE COMO VOLUME AUTÔNOMO VIENA INTERNATIONALER PSYCHOANALYTISCHER VERLAG EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIONAL 136 PP TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 113205 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE VI PP 227308 I Ao descrever fenômenos patológicos a linguagem corrente diferencia entre sintomas e inibições mas não dá grande valor a essa distinção Se não encon trássemos casos de doença que apresentam inibições mas não sintomas e se não quiséssemos saber a razão para isso dificilmente nos preocuparíamos em delimitar os conceitos de inibição e sintoma Eles não se originam do mesmo solo A inibição tem uma relação especial com a função e não significa necessariamente algo patológico podese também chamar de inibição a restrição normal de uma função Já o sintoma indica a ex istência de um processo patológico Portanto também uma inibição pode ser um sintoma A linguagem corrente fala de inibição quando há uma simples di minuição da função e de sintoma quando se verifica uma inusitada alteração dela ou uma nova manifestação Muitas vezes parece ser algo arbitrário se en fatizamos o lado negativo ou o lado positivo do processo patológico se carac terizamos seu resultado como sintoma ou como inibição Mas isso é realmente desprovido de interesse e nossa colocação inicial do problema não se revela bastante fecunda Como a inibição é tão ligada conceitualmente à função podese ter a ideia de investigar as diversas funções do Eu para ver de que formas se manifesta seu distúrbio em cada uma das afecções neuróticas Para esse estudo comparat ivo escolhemos a função sexual a nutrição a locomoção e o trabalho profissional a A função sexual está sujeita a muitos transtornos a maioria dos quais tem o caráter de inibições simples Estas são classificadas como impotência psíquica O desempenho sexual normal pressupõe um desenvolvimento bastante complicado o transtorno pode se apresentar em qualquer ponto desse desenvolvimento Eis os principais estágios da inibição no homem o afasta mento da libido no início do processo desprazer psíquico a ausência da pre paração física falta de ereção a abreviação do ato ejaculatio praecox que também pode ser descrita como sintoma a interrupção do mesmo antes do desfecho natural ausência de ejaculação a não ocorrência do efeito psíquico da sensação de prazer do orgasmo Outros distúrbios decorrem dos vínculos entre a função sexual e condições especiais de natureza perversa ou fetichista A existência de um laço entre inibição e angústia não pode nos escapar por muito tempo Várias inibições são claramente renúncias à função pois o exer cício desta produziria angústia É frequente na mulher o medoa da função sexual nós o incluímos na histeria do mesmo modo que o sintoma defensivo do nojo que originalmente surge como reação a posteriori ao ato sexual exper imentado passivamente e mais tarde se apresenta com a simples ideia do ato Também grande número de atos obsessivos se revela como precauções e garantias contra a experiência sexual sendo de natureza fóbica portanto Nisso não progredimos muito na compreensão do tema notamos apenas que procedimentos bastante diversos são utilizados para perturbar a função 1 o mero afastamento da libido que parece provocar mais facilmente aquilo que denominamos uma inibição pura 2 a piora no cumprimento da função 3 a dificultação desta graças a condições especiais e sua modificação pelo desvio para outras metas 4 sua prevenção através de medidas de segurança 5 sua interrupção mediante o desenvolvimento da angústia quando seu começo não pode mais ser impedido e por fim 6 uma reação a posteriori que protesta e busca desfazer o acontecido se a função foi mesmo realizada b O mais frequente distúrbio da função da nutrição é a falta de vontade de comer devido à retirada da libido O aumento da vontade de comer também não é raro a compulsão de comer que busca justificarse pelo medo de passar 11312 fome é pouco estudada O sintoma do vômito nos é conhecido como defesa histérica contra a alimentação A recusa de comer em consequência da angús tia é própria de estados psicóticos delírio de envenenamento c A locomoção é inibida pela falta de vontade de andar ou fraqueza para andar em vários estados neuróticos o impedimento histérico se serve da paralisia do aparelho motor ou gera uma suspensão específica dessa função dele abasia Especialmente características são as dificuldades impostas à loco moção ao se introduzirem condições cuja inobservância produz angústia fobia d A inibição do trabalho que frequentemente é objeto de tratamento como sintoma isolado mostranos prazer diminuído ou pior execução ou manifestações reativas como fadiga desmaio vômitos quando o indivíduo é forçado a prosseguir o trabalho A histeria obriga a suspensão do trabalho ao gerar paralisias de órgãos e de funções cuja existência é incompatível com a realização do trabalho A neurose obsessiva perturba o trabalho ao afastar con tinuamente dele o indivíduo e fazêlo desperdiçar tempo com atrasos e repetições Esse resumo poderia incluir outras funções mas nada mais obteríamos com isso Não iríamos além da superfície dos fenômenos Então vamos nos decidir por uma concepção que não deixe muito de misterioso no conceito de inibição dizendo que esta exprime uma limitação funcional do Eu limitação que pode ter causas muito diversas Conhecemos vários dos mecanismos desse abandono de função assim como uma tendência geral que ele tem Nas inibições específicas é mais fácil notar essa tendência A análise mostra que se atividades como tocar piano escrever ou mesmo andar são atingidas 12312 por inibições neuróticas a razão para isso está numa erotização excessiva dos órgãos requeridos para essas funções os dedos e os pés De modo bastante geral adquirimos o entendimento de que a função do órgão subordinada ao Eu fica prejudicada quando aumenta sua erogenidadeb sua significação sexual Ele age então se nos for permitida a comparação um tanto burlesca como uma cozinheira que já não quer trabalhar junto ao fogão pois o dono da casa começou a entreter relações amorosas com ela Se o ato de escre ver que consiste em verter o líquido de um tubo num pedaço de papel branco assume o significado simbólico do coito ou se o ato de andar tornase o substi tuto simbólico de pisotear o corpo da mãe Terra deixase de escrever e de an dar pois seria como realizar o ato sexual proibido O Eu renuncia a estas fun ções que lhe cabem para não ter de efetuar nova repressão para evitar um con flito com o Id Outras inibições se acham claramente a serviço da autopunição como não raro sucede com as inibições da atividade profissional O Eu não pode fazer certas coisas pois elas lhe trariam vantagens e êxitos o que o severo Supereu lhe proíbe Então o Eu renuncia também a essas realizações para não entrar em conflito com o Supereu As inibições mais gerais do Eu obedecem a outro mecanismo de natureza simples Quando o Eu é solicitado por uma tarefa psíquica particularmente di fícil como por exemplo um luto uma enorme supressão de afeto ou a ne cessidade de refrear fantasias sexuais que emergem continuamente ele se em pobrece de tal forma no tocante à energia disponível que tem de reduzir seu dispêndio em muitos lugares simultaneamente como um especulador que imobiliza seu dinheiro nos seus empreendimentos Um exemplo instrutivo dessa forte inibição geral de curta duração eu pude observar num doente ob sessivo que em situações que claramente deveriam produzir uma explosão de 13312 raiva sucumbia a uma fadiga paralisante que durava um ou vários dias A partir daí deve ser possível encontrar uma via para compreender a inibição geral que caracteriza os estados de depressão incluindo o mais grave deles a melancolia Sobre as inibições podemos dizer concluindo que são limitações das fun ções do Eu por precaução ou devido ao empobrecimento de energia Agora é fácil perceber em que a inibição e o sintoma se distinguem um do outro O sin toma já não pode ser descrito como um processo que ocorre dentro do Eu ou que age sobre ele II As principais características da formação de sintomas foram estudadas há muito tempo e assim esperamos enunciadas de forma inatacável O sin toma é indício e substituto de uma satisfação instintual que não aconteceu é consequência do processo de repressão Esta procede do Eu que por soli citação do Supereu eventualmente não deseja colaborar num investimento instintual despertado no Id Através da repressão o Eu obtém que a ideia portadora do impulso desagradável seja mantida fora da consciência A análise demonstra com frequência que a ideia foi conservada como formação incon sciente Até esse ponto tudo estaria claro mas logo têm início as dificuldades não solucionadas As descrições que até agora fizemos do que sucede na repressão destacaram expressamente a exclusão da consciência mas deixaram dúvidas em outros pontos Surgiu a questão de qual seria o destino do impulso instintual ativado no Id que busca a satisfação A resposta indireta foi que mediante o processo 14312 da repressão o prazer que se espera da satisfação é transformado em desprazer e então nos vimos diante do problema de como o desprazer poderia resultar de uma satisfação instintual Esperamos esclarecer a questão afirmando espe cificamente que devido à repressão o pretendido desenvolvimento excitatório no interior do Id não se realiza o Eu consegue inibilo ou desviálo Então de saparece o enigma da transformação do afeto na repressão Mas assim fazemos ao Eu a concessão de que pode exercer tamanha influência sobre os processos do Id e devemos averiguar como esta surpreendente demonstração de poder se torna possível Penso que o Eu adquire essa influência devido a suas íntimas relações com o sistema perceptivo que afinal constituem sua essência e proporcionam a base para sua diferenciação do Id A função desse sistema que denominamos PcpCs é ligada ao fenômeno da consciência ele recebe excitações não apenas de fora mas também do interior e mediante as sensações de prazerdesprazer que dessas direções o atingem procura guiar todos os desenvolvimentos psíquicos de acordo com o princípio do prazer Nós tendemos a imaginar o Eu como impotente contra o Id mas quando ele se opõe a um processo instintual no Id precisa apenas dar um sinal de desprazer para realizar sua intenção com a ajuda da quase todopoderosa instância do princípio do prazer Se por um mo mento consideramos esta situação de forma isolada podemos ilustrála com um exemplo de outra esfera Tomemos um Estado em que determinada facção luta contra uma medida que aprovada corresponderia às inclinações da massa Tal facção apoderase então da imprensa com esta influencia a sober ana opinião pública e impede que ocorra a aprovação planejada Tal resposta leva a outras questões De onde vem a energia que é utilizada na produção do sinal de desprazer O caminho nos é indicado pela ideia de que a defesa contra um processo interior indesejado poderia ocorrer seguindo 15312 o modelo da defesa contra um estímulo exterior de que o Eu toma a mesma linha de defesa tanto contra o perigo interno como contra o externo No caso do perigo externo o organismo empreende uma tentativa de fuga inicialmente retira o investimento da percepção do que é perigoso depois enxerga um meio mais eficaz realizar ações musculares tais que a percepção do perigo se torne impossível mesmo que não haja a recusa de percebêlo ou seja subtrairse ao campo de ação do perigo A repressão equivale a essa tentativa de fuga O Eu retira o investimento préconsciente do representante de instintoc a ser rep rimido e o aplica na liberação de desprazer angústia O problema de como surge a angústia na repressão pode não ser simples mas temos o direito de nos apegar à ideia de que o Eu é a genuína sede da angústia e de rejeitar a con cepção anterior de que a energia de investimento do impulso reprimido é transformada automaticamente em angústia Se antes me expressei desse modo forneci uma descrição fenomenológica não uma exposição metapsicológica Disso procede esta nova pergunta como é possível do ponto de vista eco nômico que um simples processo de retirada e descarga como a retração do investimento préconsciente do Eu produza desprazer ou angústia que por nossas premissas podem apenas resultar de um investimento intensificado Respondo que essa sequência causal não deve ser explicada economicamente a angústia não é gerada novamente na repressão e sim reproduzida como um es tado afetivo segundo uma imagem mnêmica já existente Mas se indagamos também pela origem dessa angústia como dos afetos em geral abando namos o terreno inconteste da psicologia e adentramos a área fronteiriça da fisiologia Os estados afetivos incorporaramse à psique como precipitados de antiquíssimas vivências traumáticas e são despertados como símbolos mnêmi cosd quando situações análogas ocorrem Quero dizer que não errei ao 16312 comparálos aos ataques histéricos adquiridos depois e de forma individual e considerálos modelos normais desses ataques No ser humano e nas criaturas a ele aparentadas o ato do nascimento sendo a primeira vivência individual da angústia parece ter dado traços característicos à expressão da angústia Mas embora reconhecendo esse nexo não devemos superestimálo nem esquecer que um símbolo afetivo é uma necessidade biológica na situação de perigo e de toda forma teria sido criado Além disso não me parece justificado supor que em cada irrupção de angústia sucede na psique algo que equivale a uma re produção da situação do nascimento Nem mesmo é certo que os ataques histéricos que originalmente são dessas reproduções traumáticas mantenham duradouramente esse caráter Como expliquei em outro lugare as repressões com que deparamos no tra balho terapêutico são na maioria casos de pósrepressão Elas pressupõem repressões primordiais sucedidas anteriormente que exercem influência sobre a nova situação Sabese ainda muito pouco sobre esse pano de fundo e esses es tágios anteriores da repressão Correse o risco de superestimar o papel do Supereu na repressão Por ora não é possível dizer se a emergência do Super eu marca o limite entre repressão primordial e pósrepressão As primeiras ir rupções de angústia bastante intensas ocorrem de toda maneira antes da diferenciação do Supereu É perfeitamente plausível que fatores quantitat ivos como a intensidade muito grande da excitação e a ruptura da proteção contra estímulos sejam as causas imediatas das repressões primordiais A referência à proteção contra estímulos nos recorda à maneira de uma senha que as repressões aparecem em duas situações diferentes a saber quando um impulso instintual desagradável é despertado por uma percepção externa e quando emerge no interior sem que haja essa provocação Mais 17312 adiante retornaremos a essa diferença Mas a proteção contra estímulos existe apenas para estímulos externos não para exigências instintuais internas Enquanto estudamos a tentativa de fuga do Eu permanecemos afastados da formação de sintomas O sintoma se origina do impulso instintual prejudicado pela repressão Quando o Eu pela utilização do sinal de desprazer alcança seu propósito de suprimir completamente o impulso instintual nada aprendemos sobre como isso ocorre Descobrimos algo apenas a partir dos casos que de vem ser designados como repressões mais ou menos malogradas Podese dizer então de maneira geral que o impulso instintual apesar da repressão encontrou um substituto mas um bastante atrofiado deslocado ini bido e que já não é reconhecível como uma satisfação Quando esse impulso substituto é concretizado não há sensação de prazer em vez disso tal concret ização assume o caráter de coerção Ao assim rebaixar a satisfação a um sin toma a repressão mostra seu poder ainda em outro ponto O processo sub stitutivo tem a descarga dificultada possivelmente pela motilidade mesmo quando isso não sucede ele tem de se esgotar na alteração do próprio corpo e não pode se estender ao mundo exterior élhe interditado se converter em ação Como sabemos na repressão o Eu trabalha sob a influência da realidade externa e por isso exclui que o processo substitutivo ocorra com sucesso nesta realidade O Eu domina tanto o acesso à consciência como a passagem à ação no mundo exterior Na repressão ele exerce seu poder nas duas direções o repres entante do instinto vem a experimentar um lado de sua manifestação de poder e o impulso instintual o outro lado É o caso de nos perguntarmos então como o reconhecimento do poder do Eu se harmoniza com a descrição da posição desse Eu que esboçamos em O Eu e o Id 1923 Nele traçamos um quadro da dependência do Eu para com o Id e o Supereu revelamos sua 18312 impotência e suscetibilidade à angústia perante os dois sua arrogância pen osamente mantida Esse juízo encontrou forte eco na literatura psicanalítica Inúmeras vozes insistiram na fraqueza do Eu em relação ao Id do elemento ra cional em relação ao demoníaco em nós e puseramse a transformar essa afirmação num dos pilares de uma visão de mundo psicanalítica Mas a com preensão do modo de agir da repressão não deveria impedir que justamente um analista adotasse partido tão extremo Não sou a favor da fabricação de visões do mundo Isso deve ser deixado para os filósofos que confessadamente acham inexequível a jornada da ex istência sem um guia de viagem como esse que informa sobre tudo Aceitemos humildemente o desprezo com que eles nos olham do alto de sua sublime carência Mas como também não podemos negar nosso orgulho narcísico acharemos consolo na reflexão de que todos esses guias de existência envel hecem rapidamente de que é justamente nosso trabalho miúdo estreito e míope que torna necessárias novas edições deles e de que inclusive os mais modernos desses guias são tentativas de achar substituto para o velho cate cismo tão cômodo e tão completo Sabemos que até agora a ciência pôde lançar muito pouca luz sobre os enigmas deste mundo o barulho dos filósofos nada mudará isso apenas a paciente continuação do trabalho que tudo subor dina à exigência de certeza pode gradualmente produzir mudança Ao cantar na escuridão o andarilho nega seu medo mas nem por isso enxerga mais claro III 19312 Voltando ao problema do Eu a aparente contradição entre sua força e a fraqueza ante o Id se deve a que tomamos muito rigidamente as abstrações e ora destacamos um lado ora o outro num complicado estado de coisas A sep aração entre Eu e Id parece justificada uma determinada constelação de ele mentos nos obriga a fazêla Por outro lado o Eu é idêntico ao Id é apenas uma parte diferenciada deste Se pensamos nessa parte em contraposição ao to do ou se realmente ocorreu um divórcio entre os dois então a fraqueza do Eu fica evidente para nós No entanto se ele permanece ligado ao Id indistin guível deste então sua força aparece Semelhante é a relação entre o Eu e o Supereu em muitas situações eles convergem na maioria das vezes podemos distinguir um do outro apenas quando se produz uma tensão um conflito entre os dois No caso da repressão tornase decisivo o fato de o Eu ser uma organ ização mas o Id não o Eu é justamente a parte organizada do Id Seria total mente injustificado imaginar o Eu e o Id como dois campos opostos pela repressão o Eu buscaria suprimir uma parte do Id então o restante do Id cor reria em auxílio do atacado e mediria forças com o Eu Isso pode ocorrer com frequência mas certamente não é a situação inicial da repressão via de regra o impulso instintual a ser reprimido permanece isolado Se o ato da repressão nos mostra a força do Eu atesta igualmente a sua impotência e o caráter não influenciável dos impulsos instintuais do Id Pois o processof transformado em sintoma pela repressão afirma então sua existência fora da organização do Eu e independentemente dela E não apenas ele mas todos os seus derivados gozam da mesma prerrogativa de extraterritorialidade digamos e quando se en contram de forma associativa com partes da organização do Eu cabe pergun tar se não atraem estas para si expandindose com esse ganho obtido à custa do Eu Numa analogia que há muito nos é familiar o sintoma se compara a um corpo estranho que incessantemente gera estímulos e reações no tecido em que 20312 se incrustoug Ocorre é certo que a luta defensiva contra o impulso instintual desagradável termine com a formação do sintoma até onde vemos tal é pos sível principalmente na conversão histérica mas via de regra o desenvolvi mento é outro após o primeiro ato de repressão há uma longa e quase inter minável sequência a luta contra o impulso instintual tem prosseguimento na luta contra o sintoma Essa luta defensiva secundária nos mostra duas facetas de expressão contraditória De um lado a natureza do Eu o obriga a fazer algo que temos de ver como tentativa de recuperação ou conciliação O Eu é uma organização baseiase no livre intercâmbio e na possibilidade de influência recíproca das partes que o compõem sua energia dessexualizada revela ainda sua origem no empenho por ligação e união e essa compulsão à síntese aumenta à medida que o Eu se desenvolve É compreensível então que o Eu busque eliminar a estranheza e o isolamento do sintoma utilizando todas as possibilidades de vinculálo a si de alguma forma e de incorporálo à sua organização mediante esses vínculos Sabemos que tal empenho já influencia o ato da formação de sintoma Exemplo clássico disso são os sintomas histéricos que claramente se nos revelaram como compromissos entre a necessidade de satisfação e a ne cessidade de castigo Como satisfações de uma exigência do Supereu tais sin tomas participam do Eu desde o início enquanto por outro lado constituem posições e locais de irrupção do reprimido na organização do Eu são por as sim dizer postos fronteiriços de ocupaçãoh mista Valeria a pena investigar cuidadosamente se todos os sintomas histéricos primários são estruturados as sim Em seguida o Eu se comporta como se fosse guiado por esta consider ação o sintoma já está presente e não pode ser eliminado agora é necessário haverse com esta situação e dela tirar a melhor vantagem possível Ocorre uma adaptação ao pedaço do mundo interior alheio ao Eu representado pelo 21312 sintoma tal como normalmente o Eu a realiza diante do mundo exterior Nunca faltam ensejos para isso A existência do sintoma talvez ocasione certo impedimento da capacidade com o qual se pode atenuar uma exigência do Supereu ou rejeitar uma demanda do mundo exterior Desse modo o sintoma gradualmente se torna o representante de importantes interesses adquire valor para a afirmação de si entrelaçase cada vez mais intimamente com o Eu tornase imprescindível para ele Apenas em casos muito raros o processo de enquistamento de um corpo estranho repete algo assim Podese também ex agerar o significado dessa adaptação secundária ao sintoma dizendo que o Eu o adquire apenas para gozar de suas vantagens Isso equivaleria a sustentar que um veterano de guerra teve a perna amputada para depois viver da aposenta doria sem trabalhar Outras configurações de sintomas a da neurose obsessiva e a da paranoia tornamse bastante valiosas para o Eu não porque lhe propor cionem vantagens mas porque lhe trazem uma satisfação narcísica que não ob teria de outra forma Os sistemas construídos pelos neuróticos obsessivos lis onjeiam seu amorpróprio com a ilusão de que por serem particularmente limpos ou escrupulosos são indivíduos melhores que os demais os delírios da paranoia oferecem à perspicácia e à fantasia desses doentes um campo de atividade que não pode ser facilmente substituído De tudo o que foi mencionado resulta aquilo que conhecemos como o be nefício secundário da doençai no tocante à neurose Ela favorece o esforço do Eu em incorporar o sintoma e aumenta a fixação deste Quando buscamos pre star ajuda analítica ao Eu em sua luta contra o sintoma vemos que esses laços conciliatórios entre Eu e sintoma atuam do lado das resistências e não é fácil rompêlos 22312 Os dois procedimentos que o Eu adota contra o sintoma achamse real mente em contradição O outro é de caráter menos amigável prossegue na linha da repressão Mas parece que não podemos acusar o Eu de incoerência Ele é pacífico e gostaria de incorporar o sintoma de acolhêlo dentro de seu conjunto O transtorno parte do sintoma que como verdadeiro substituto e derivado do impulso reprimido continua a desempenhar o papel deste renova constantemente sua exigência de satisfação assim obrigando o Eu a nova mente emitir o sinal de desprazer e se dispor para a defesa A luta defensiva secundária contra o sintoma assume várias formas de corre em diferentes cenários e recorre a meios variados Não poderemos dizer muita coisa sobre ela se não tomarmos como objeto de investigação os diver sos casos de formação de sintoma Nisso teremos ocasião de abordar o prob lema da angústia que há muito percebemos como a nos espreitar em segundo plano É aconselhável partir dos sintomas gerados pela neurose histérica ainda não estamos preparados para os pressupostos da formação de sintomas na neurose obsessiva na paranoia e em outras neuroses IV Consideremos em primeiro lugar uma zoofobia histérica infantil por ex emplo a fobia de cavalos do pequeno Hans um caso certamente típico em seus traços principais1Já à primeira vista percebemos que num caso real de doença neurótica a situação é bem mais complicada do que podíamos imaginar enquanto lidávamos com abstrações É preciso algum trabalho para resolver qual é o impulso reprimido qual o seu sintoma substitutivo e onde se acha o motivo da repressão 23312 O pequeno Hans se recusava a sair à rua porque tinha medo do cavalo Esse é o material bruto do caso Qual é o sintoma o desenvolvimento da an gústia a escolha do objeto da angústia a renúncia ao livre movimento ou vári as dessas coisas ao mesmo tempo Onde está a satisfação que ele proíbe a si mesmo Por que ele tem de se proibila Inicialmente podese responder que o caso não é tão enigmático O incom preensível medo dos cavalos é o sintoma a incapacidade de sair à rua é uma inibição uma restrição que o Eu impõe a si próprio para não despertar o sin toma da angústia Vêse que a explicação deste último ponto é claramente cor reta e essa inibição não será considerada na discussão subsequente Quanto ao sintoma presumível um conhecimento ligeiro do caso não nos mostra sequer sua verdadeira expressão Como percebemos numa inquirição mais precisa não se trata de uma angústia indeterminada ante um cavalo mas da angustiada expectativa de que será mordido por ele De fato esse conteúdo busca subtrairse à consciência e ser substituído pela fobia indeterminada em que apenas a angústia e seu objeto aparecem Seria esse conteúdo então o núcleo do sintoma Não faremos nenhum progresso enquanto não considerarmos toda a situ ação psíquica do menino tal como ela se desvenda no curso do trabalho analítico Ele se acha na ciumenta e hostil postura edípica diante do pai o qual porém ama intensamente quando a mãe não surge como causa de discórdia Um conflito de ambivalência portanto um amor fundamentado e um ódio não menos justificado ambos dirigidos para a mesma pessoa Sua fobia tem de ser uma tentativa de solucionar esse conflito Tais conflitos gerados pela ambival ência são muito frequentes e deles conhecemos outro desenlace típico em que um dos dois impulsos em luta geralmente o afetuoso fortalecese bastante enquanto o outro desaparece Apenas o caráter exagerado e compulsivo da 24312 afeição nos revela que tal postura não é a única presente que ela está sempre em guarda para manter suprimido seu contrário e nos leva a imaginarj um processo que caracterizamos de repressão por formação reativa no Eu Casos como o do pequeno Hans não evidenciam tal formação reativa claramente há caminhos diversos para sair de um conflito de ambivalência Outra coisa percebemos com segurança nesse meiotempo O impulso in stintual que sofre a repressão é um impulso hostil em relação ao pai Obtive mos a prova disso na análise ao rastrear a origem da ideia do cavalo que morde Hans viu um cavalo cair também viu cair e se ferir um amigo com quem brincava de cavalinho A análise nos autorizou a imaginar em Hans o desejo de que o pai caísse e se machucasse como o cavalo e o amiguinho As relações entre isso e a partida de alguém por ele observada fazem supor que o desejo de eliminação do pai também teve expressão menos hesitante Mas tal desejo equivale à intenção de eliminálo ele próprio ao impulso homicida do complexo de Édipo Até o momento não há ligação entre esse impulso reprimido e seu substi tuto que supomos existir na fobia de cavalos Simplifiquemos agora a situação psíquica do pequeno Hans dispensando o fator infantil e a ambivalência di gamos que ele seja um jovem servente de uma casa enamorado da patroa e que goza de certas demonstrações de afeto por parte dela É seguro que odeia o patrão mais poderoso que ele e bem gostaria de sabêlo afastado A con sequência mais natural dessa situação é que ele tema a vingança desse patrão que nele se desenvolva um estado de angústia diante dele exatamente como a fobia do pequeno Hans diante do cavalo Isto significa que não podemos ca racterizar como sintoma a angústia dessa fobia se o pequeno Hans enamorado de sua mãe demonstrasse medo diante do pai não teríamos o direito de lhe at ribuir uma neurose uma fobia Estaríamos diante de uma reação afetiva 25312 perfeitamente compreensível O que a torna uma neurose é unicamente outra característica a substituição do pai pelo cavalo Esse deslocamento portanto produz aquilo que pode ser denominado sintoma Ele é aquele outro mecan ismo que permite a resolução do conflito de ambivalência sem a ajuda da form ação reativa É tornado possível ou facilitado pelo fato de os traços congênitos do modo de pensar totêmico ainda serem facilmente reanimados nessa tenra idade O fosso entre animais e seres humanos ainda não é reconhecido certa mente não é tão enfatizado como vem a ser depois O homem adulto ad mirado mas também temido achase ainda no mesmo plano que o grande an imal que a criança inveja em tantas coisas mas contra o qual é admoestada já que pode ser perigoso Portanto o conflito da ambivalência não é resolvido na mesma pessoa mas contornado por assim dizer voltandose um de seus dois impulsos para outra pessoa como objeto substitutivo Até aqui tudo está claro para nós mas em outro ponto a análise da fobia do pequeno Hans nos decepcionou inteiramente A distorção que constitui a formação do sintoma não é feita no representante o conteúdo ideativo do im pulso instintual a ser reprimido mas em um completamente diferente dele que corresponde apenas a uma reação ao que é realmente desagradável Estaria mais de acordo com nossa expectativa se o pequeno Hans tivesse desen volvido no lugar do medo ante os cavalos uma inclinação a maltratar cavalos a bater neles ou tivesse claramente manifestado o desejo de vêlos caindo se machucando porventura estrebuchando até morrer a agitação das pernask Algo assim apareceu de fato em sua análise mas não se destacava absoluta mente na neurose e curiosamente se ele tivesse dirigido essa hostilidade apenas contra os cavalos e não contra o pai como sintoma principal não jul garíamos de forma nenhuma que ele sofria de uma neurose Então alguma coisa está errada seja em nossa concepção da repressão seja em nossa 26312 definição de um sintoma Algo nos chama a atenção de imediato natural mente se o pequeno Hans se comportasse realmente dessa forma em relação aos cavalos o caráter do impulso chocante agressivo não teria sido mudado pela repressão apenas seu objeto Sem dúvida há casos em que a repressão não faz mais do que isso mas na gênese da fobia do pequeno Hans ocorreu mais O quanto mais é algo que percebemos a partir de um trecho de outra análise Já vimos que o pequeno Hans expressou como conteúdo de sua fobia a ideia de ser mordido por um cavalo Ora depois pudemos saber algo sobre a gênese de outro caso de fobia animal em que um lobo era o animal temido mas tinha igualmente o significado de substituto do pai2 Após um sonho que a análise conseguiu elucidar desenvolveuse nesse garoto o medo de ser devor ado por um lobo como um dos sete cabritinhos do conto de fadas O fato de o pai do pequeno Hans haver comprovadamente brincado de cavalinho com ele fora determinante na escolha do animal gerador da angústia certamente Assim também se pôde estabelecer de maneira no mínimo bastante provável que o pai do paciente russo que fez análise comigo quando já tinha mais de vinte anos de idade havia imitado um lobo nas brincadeiras com o filho ameaçando devorálo Desde então encontrei um terceiro caso o de um jovem americano que não chegou a desenvolver uma fobia de animal mas que justa mente por isso ajuda a compreender os outros casos Sua excitação sexual fora despertada por uma fantástica história infantil que lhe haviam lido de um chefe tribal árabe que perseguia um indivíduo feito de substância comestível o gingerbread manl a fim de devorálo Ele próprio se identificava com esse homem comestível o chefe árabe era facilmente reconhecível como substituto do pai e essa fantasia tornouse o primeiro fundamento de sua atividade auto erótica Mas a ideia de ser devorado pelo pai é típico e antiquíssimo material da 27312 infância são de conhecimento geral analogias do campo da mitologia Cronos e da vida animal Apesar desses antecedentes a ideia é tão estranha para nós que apenas com dificuldade a admitimos numa criança Tampouco sabemos se ela realmente significa o que parece exprimir e não compreendemos como pode se tornar objeto de uma fobia A observação analítica nos traz a informação necessária porém Ela nos ensina que a ideia de ser devorado pelo pai é a expressão de gradada de forma regressiva de um impulso terno passivo o de ser tomado como objeto de amor pelo pai no sentido do erotismo genital A história sub sequente do caso do paciente russo não deixa dúvida quanto à natureza cor reta dessa interpretação É verdade que o impulso genital já não revela nen hum traço de sua intenção terna quando é expresso na linguagem da fase de transição superada entre a organização libidinal oral e a sádica Além disso tratase apenas de uma substituição do representante psíquico por uma ex pressão regressiva ou de uma verdadeira degradação regressiva do impulso genitalmente orientado dentro do Id Não parece nada fácil decidir A história clínica do Homem dos Lobos russo favorece resolutamente a segunda a mais séria possibilidade porque a partir do sonho decisivo ele se conduz de modo malcriado atormentador sádico desenvolvendo uma autêntica neur ose obsessiva logo em seguida De toda forma percebemos que a repressão não é o único meio de que o Eu dispõe para se defender de um impulso instin tual desagradável Se ele consegue levar o instinto à regressão prejudicao mais fortemente no fundo do que seria possível através da repressão No ent anto às vezes faz a repressão suceder à regressão obtida O caso do Homem dos Lobos e aquele um tanto mais simples do pequeno Hans suscitam várias outras reflexões mas duas coisas inesperadas já perce bemos agora Não há dúvida de que o impulso instintual reprimido nessas 28312 fobias é um impulso hostil ao pai Podese dizer que ele é reprimido mediante o processo de transformação no contráriom no lugar da agressividade contra o pai surge a agressividade a vingança do pai contra a própria pessoa Como de toda forma tal agressividade tem raízes na fase libidinal sádica bastalhe apenas alguma degradação até o estágio oral que em Hans é apenas insinuado pela ideia de ser mordido mas no russo é vivamente apresentado no temor de ser devorado Além disso a análise também permite constatar sem sombra de dúvida que outro impulso instintual sucumbiu simultaneamente à repressão o impulso oposto de natureza terna e passiva em relação ao pai que já havia alcançado o nível da organização libidinal genital fálica Esse outro parece inclusive ser o mais importante para o desfecho final do processo de repressão ele experimenta a regressão mais pronunciada tem influência deci siva no conteúdo da fobia Portanto ali onde começamos por investigar um só impulso instintual temos de reconhecer a convergência de dois desses pro cessos Os dois impulsos instintuais atingidos a agressividade sádica em re lação ao pai e a postura terna e passiva diante dele formam um par de opos tos mais ainda apreciando corretamente a história do pequeno Hans perce bemos que com a formação de sua fobia também foi abolido o terno investi mento objetal relativo à mãe algo não revelado pelo conteúdo da fobia Trata se no caso de Hans no paciente russo isso é muito menos claro de um processo de repressão que atinge quase todos os componentes do complexo de Édipo os impulsos hostil e afetuoso em relação ao pai e o afetuoso no tocante à mãe Essas são complicações indesejáveis para nós que queríamos apenas estudar casos simples de formação de sintoma em decorrência de repressão e com esse objetivo nos voltamos para as primeiras e aparentemente mais trans parentes neuroses da infância Em vez de uma única repressão deparamos com 29312 uma série delas e além disso lidamos com a regressão Talvez tenhamos aumentado a confusão ao pretender pôr no mesmo saco as duas análises de fo bias animais disponíveis a do pequeno Hans e a do Homem dos Lobos Determinadas diferenças entre elas são agora evidentes para nós Apenas do pequeno Hans podese dizer com segurança que a sua fobia deu conta dos dois principais impulsos do complexo de Édipo o impulso agressivo para com o pai e o bastante afetuoso em relação à mãe É certo que também havia o impulso afetuoso em relação ao pai ele teve um papel na repressão de seu oposto mas não podemos demonstrar que era forte o bastante para suscitar uma repressão nem que tenha desaparecido depois Hans parece ter sido um garoto normal com o assim chamado complexo de Édipo positivo É possível que os fatores que não encontramos atuassem nele também mas não temos como evidenciá los até o material de nossas análises mais exaustivas tem lacunas nossa docu mentação é incompleta No paciente russo o defeito está em outro lugar sua relação com o objeto feminino foi perturbada por uma sedução precoce o lado passivo feminino achase nele bastante desenvolvido e a análise de seu sonho com os lobos não revela muito da agressividade pretendida contra o pai forne cendo isto sim provas inequívocas de que a repressão diz respeito à atitude passiva afetuosa para com o pai Também aqui não se exclui a participação de outros fatores mas eles não sobressaem Se apesar dessas diferenças entre os dois casos que quase vêm a ser uma contraposição o resultado final a fobia é praticamente o mesmo temos de buscar a explicação para isso em outro lugar ela vem da segunda conclusão de nosso pequeno estudo comparado Acreditamos conhecer o móvel da repressão nos dois casos e vemos seu papel confirmado pelo curso que toma o desenvolvimento das duas crianças É o mesmo nos dois casos o medo de uma castração ameaçada É por medo da castração que o pequeno Hans abandona a agressividade para com o pai seu 30312 medo de que um cavalo o morda pode ser entendido de maneira não forçada como medo de um cavalo morderlhe o genital de castrálo Mas por medo da castração também o pequeno russo renuncia ao desejo de ser amado pelo pai como objeto sexual pois compreendeu que tal relação teria por pressuposto que ele sacrifique seu genital aquilo que o diferencia das mulheres Ambas as formas do complexo de Édipo a normal ativa e a invertida fracassam devido ao complexo da castração A angustiada ideia do russo de ser devor ado por um lobo não contém alusão nenhuma à castração distanciouse muito da fase fálica mediante a regressão oral é verdade mas a análise de seu sonho torna qualquer outra prova supérflua É também um sólido triunfo da repressão o fato de nada mais no teor da fobia aludir à castração Eis agora o resultado inesperado nos dois casos o móvel da repressão é o medo da castração os conteúdos do medon ser mordido por um cavalo e ser devorado por um lobo são substitutos distorcidos do conteúdo ser castrado pelo pai Foi esse que sofreu verdadeiramente a repressão No russo ele era expressão de um desejo que não pôde subsistir em face da revolta da masculin idade em Hans exprimia uma reação que transformou a agressividade em seu oposto Mas o afeto da angústia que constitui a essência da fobia não vem do processo de repressão não vem dos investimentos libidinais dos impulsos rep rimidos mas da instância repressora mesma a angústia da fobia de animal é o medo da castração inalterado ou seja um medo realistao angústia ante um perigo propriamente ameaçador ou considerado real Aqui é a angústia que gera a repressão e não como julguei anteriormente a repressão que gera a angústia Não é agradável lembrar mas tampouco adianta negar muitas vezes sustentei que o representante instintual é distorcido deslocado etc pela repressão mas a libido do impulso instintual é transformada em angústia A 31312 investigação das fobias que seria a mais indicada para demonstrar essa tese não a confirma portanto parece isto sim contradizêla diretamente A angús tia da fobia animal é o medo da castração sentido pelo Eu a da agorafobia algo que foi menos estudado parece ser medo da tentação que em sua gênese deve estar relacionado ao medo da castração Até onde podemos enxergar ho je a maioria das fobias remonta a essa angústia do Eu ante as exigências da li bido A postura angustiada do Eu é sempre o elemento primário e instigador da repressão A angústia não provém jamais da libido reprimida Se eu tivesse me contentado em dizer que aparece um montante de angústia em vez da es perada manifestação da libido após a repressão não teria nada a retirar atual mente A descrição é correta e entre a força do impulso a ser reprimido e a in tensidade da angústia resultante existe a correspondência que afirmei Mas confesso que acreditava fornecer mais que uma mera descrição supunha haver percebido o processo metapsicológico da conversão direta da libido em angús tia algo que hoje não posso mais sustentar Naquele tempo também não pude explicar como se realiza tal transformação Mas de onde tirei a ideia dessa conversão Do estudo das neuroses quando ainda estávamos longe de distinguir entre processos do Eu e processos do Idp Vi que certas práticas sexuais como coitus interruptus excitação frustrada e ab stinência forçada geram ataques de angústia e uma predisposição geral à an gústia sempre portanto que a excitação sexual é inibida detida ou desviada em seu caminho para a satisfação Como a excitação sexual é expressão de im pulsos instintuais libidinais não parecia muito ousado supor que a libido se transforma em angústia por influência dessas perturbações Essa observação é válida ainda hoje por outro lado não há como rejeitar que a libido dos pro cessos do Id experimenta perturbação instigada pela repressão ainda pode ser correto então que na repressão se forme angústia a partir do investimento 32312 libidinal dos impulsos instintuais Mas como harmonizar esse resultado com o outro segundo o qual a angústia das fobias é uma angústia do Eu que nasce no Eu não procede da repressão e sim a provoca Isso parece uma contra dição e nada fácil de ser resolvida A redução das duas fontes da angústia a uma só não é algo simples Pode tentar fazêlo com a suposição de que o Eu na situação do coito perturbado da excitação interrompida da abstinência pressente perigos e a eles reage com angústia mas isso não nos leva adiante Por outro lado nossa análise das fobias não parece pedir correção Non liquetq V Propusemonos estudar a formação de sintomas e a luta secundária do Eu con tra os sintomas mas evidentemente não tivemos sorte ao escolher para isso as fobias A angústia predominante no quadro dessas afecções parecenos agora uma complicação que obscurece a questão Há muitas neuroses em que não há indício de angústia A autêntica histeria de conversão é desse tipo mesmo em seus sintomas mais graves não são acompanhados de angústia Apenas esse fato já nos aconselharia a não ver uma relação muito firme entre angústia e formação de sintomas De resto as fobias se acham tão próximas das histerias de conversão que me senti autorizado a classificálas de histerias de angús tia Mas ainda ninguém pôde indicar as condições que determinam se um caso toma a forma de uma histeria de conversão ou de uma fobia ou seja ninguém averiguou as condições para o desenvolvimento da angústia Os mais frequentes sintomas da histeria de conversão paralisia motora contração ação involuntária ou descarga dor alucinação são processos de investimento duradouros ou intermitentes o que gera novas dificuldades para 33312 a explicação Na verdade não se sabe muito sobre esses sintomas Mediante a análise podese saber qual processo de excitação perturbado eles substituem Em geral se verifica que eles próprios têm participação nele como se toda a energia deste tivesse se concentrado nessa parte A dor estava presente na situ ação em que ocorreu a repressão a alucinação era naquele momento per cepção a paralisia motora é a defesa contra uma ação que deveria ter sido ex ecutada naquela situação mas foi inibida a contração costuma ser o desloca mento de uma inervação muscular que então se destinava a outra parte do corpo a convulsão expressão de um arrebatamento afetivo que se subtraiu ao controle normal do Eu Varia notavelmente a sensação de desprazer que acom panha o surgimento dos sintomas Naqueles duradouros deslocados para a motilidade como paralisias e contrações ela está em geral inteiramente aus ente o Eu se comporta em relação a eles como se não tivesse nenhum envol vimento nos sintomas intermitentes e nos da esfera sensorial há via de regra nítidas sensações de desprazer que no caso de sintoma de dor podem chegar a um grau excessivo É muito difícil descobrir em meio a essa variedade o fator que torna possíveis essas diferenças e no entanto permite explicálas de modo coerente Na histeria de conversão também há poucos indícios da luta do Eu contra o sintoma já formado Apenas quando a suscetibilidade à dor de uma parte do corpo se torna sintoma ela é capacitada a desempenhar um duplo pa pel Quando essa parte é tocada externamente o sintoma de dor aparece tão seguramente como quando a situação patogênica por ela representada é ativada internamente de modo associativo e o Eu adota precauções para evitar que o sintoma seja despertado por percepções externas Não podemos dis cernir de onde vem a peculiar opacidade da formação de sintomas na histeria de conversão mas ela nos fornece um motivo para abandonar esse terreno 34312 infecundo Voltamonos para a neurose obsessiva na esperança de nela apren der mais sobre a formação de sintomas Os sintomas da neurose obsessiva são em geral de dois tipos e de tendências opostas Ou são interdições medidas de precaução penitências de natureza negativa portanto ou pelo contrário satisfações substitutivas frequente mente em camuflagem simbólica Desses grupos o mais velho é o negativo defensivo punitivo com o prolongamento da doença no entanto prevalecem as satisfações que zombam de toda defesa A formação de sintomas obtém um triunfo quando consegue mesclar a proibição e a satisfação de forma que o mandamento ou proibição originalmente defensivo adquire também o signific ado de uma satisfação para isso frequentemente se recorre a vias de ligação bastante artificiais Nessa realização mostrase a tendência à síntese que já at ribuímos ao Eu Em casos extremos a maioria dos sintomas do paciente ad quire além do seu sentido original também aquele diretamente contrário um atestado do poder da ambivalência que não sabemos por quê tem grande pa pel na neurose obsessiva No caso mais grosseiro o sintoma é em dois tempos ou seja ao ato que realiza determinado preceito seguese imediatamente outro que o cancela ou anula embora ainda não ouse efetuar o que lhe é contrário Duas impressões surgem de imediato deste breve panorama dos sintomas obsessivos A primeira é que aí se trava uma contínua luta contra o reprimido cada vez mais desfavorável às forças repressoras a segunda que Eu e Super eu participam enormemente da formação dos sintomas A neurose obsessiva é provavelmente o mais interessante e recompensador objeto da investigação analítica mas como problema ainda não foi superada Se queremos penetrar mais profundamente em sua natureza temos de admitir 35312 que ainda não podemos dispensar hipóteses incertas e conjecturas não prova das A situação de partida da neurose obsessiva é provavelmente a mesma da histeria a necessidade de defenderse das exigências libidinais do complexo de Édipo Também parece haver em cada neurose obsessiva uma funda camada de sintomas histéricos formados bastante cedo Depois no entanto sua config uração é alterada decisivamente por um fator constitucional A organização genital da libido se revela fraca e pouco resistente Quando o Eu dá início a seu empenho defensivo o primeiro resultado obtido é que a organização genital da fase fálica é recuada totalmente ou em parte ao anterior estágio sádico anal Esse fato da regressão permanece determinante para tudo o que se segue Ainda outra possibilidade pode merecer consideração Talvez a regressão não seja consequência de um fator constitucional mas sim temporal Não ocorreria porque a organização genital da libido resultou muito frágil mas porque a oposição do Eu começou muito cedo ainda em pleno vigor da fase fálica Tampouco nessa questão me arrisco a fazer uma afirmação segura mas a observação analítica não favorece essa hipótese Mostra isto sim que na virada para a neurose obsessiva já se alcançou o estágio fálico Além disso essa neurose irrompe numa idade posterior à da histeria o segundo período da in fância após a instauração da época de latência e num caso de desenvolvi mento bem tardio dessa afecção que tive ocasião de estudar mostrouse clara mente que uma real depreciação da vida genital até então intacta criou condições para a regressão e o surgimento da neurose obsessiva3 A explicação metapsicológica para a regressão eu enxergo numa disjunção de instintosr no afastamento dos componentes eróticos que com o início da fase genital haviam se agregado aos investimentos destrutivos da fase sádica Ao forçar a regressão o Eu obtém seu primeiro sucesso na luta defensiva contra as exigências da libido Nisso é pertinente fazermos a distinção entre a 36312 tendência mais geral da defesa e a repressão que constitui apenas um dos mecanismos de que a defesa se utiliza De forma talvez ainda mais clara do que em casos normais e histéricos na neurose obsessiva percebemos o complexo da castração como o motor da defesa e tendências do complexo de Édipo como o alvo da defesa Achamonos agora no início do período de latência ca racterizado pela dissolução do complexo de Édipo pela criação ou consolid ação do Supereu e pelo estabelecimento de barreiras éticas e estéticas no Eu Esses processos vão além da medida normal na neurose obsessiva à destruição do complexo de Édipo juntase a degradação regressiva da libido o Supereu se torna particularmente rigoroso e inclemente o Eu desenvolve em obediên cia ao Supereu elevadas formações reativas conscienciosidade compaixão asseio Com severidade implacável e portanto nem sempre bemsucedida condenase a tentação de prosseguir a masturbação infantil que agora se apoia em ideias regressivas sádicoanais mas que representa a parte não sub jugada da organização fálica Há uma contradição interna no fato de justa mente no interesse de preservar a masculinidade medo da castração ser impe dida a atividade masculina mas também essa contradição é apenas exacerbada na neurose obsessiva ela já se encontra na forma normal de eliminação do complexo de Édipo Todo excesso contém o gérmen de sua própria abolição o que é confirmado também na neurose obsessiva pois justamente a masturb ação suprimida consegue sob a forma de atos obsessivos aproximarse cada vez mais da satisfação As formações reativas no Eu do neurótico obsessivo que percebemos como exageros da formação normal do caráter podem ser ca racterizadas como um novo mecanismo de defesa ao lado da regressão e da repressão Elas parecem não existir ou ser bem mais fracas na histeria Ol hando para trás chegamos a uma conjectura do que seria peculiar ao processo de defesa da histeria Parece que ele se limita à repressão o Eu se afasta do 37312 impulso instintual desagradável deixao tomando seu curso no inconsciente e não mais participa de seu destino É verdade que isso não pode ser invariavel mente correto pois conhecemos o caso em que o sintoma histérico é ao mesmo tempo o cumprimento de uma punição requerida pelo Supereu mas pode descrever uma característica geral do comportamento do Eu na histeria Podemos simplesmente admitir como fato que na neurose obsessiva se forma um Supereu tão forte ou podemos considerar que o traço fundamental dessa afecção é a regressão libidinal e procurar relacionar a esta o caráter do Supereu Realmente o Supereu originandose do Id não pode furtarse à regressão e à disjunção que ali ocorreram Não seria de admirar que ele se tor nasse mais duro mais atormentador e mais inclemente do que no desenvolvi mento normal Durante o período de latência a defesa contra a tentação masturbatória parece ser a tarefa principal Essa luta produz uma série de sintomas que retor nam de forma típica nas mais diferentes pessoas e costumam ter o caráter de um cerimonial É lamentável que ainda não tenham sido reunidos e sistemat icamente analisados sendo as primeiras realizações da neurose lançariam mais luz sobre o mecanismo de formação de sintomas nela empregado Já exibem os traços que numa doença posterior e mais severa surgirão de modo fatídico alojamse em atividades que depois serão realizadas como que automatica mente ir dormir banharse vestirse locomoverse tendem à repetição e ao desperdício de tempo Por que acontece assim é algo que ainda não com preendemos a sublimação de componentes eróticoanais tem nisso um papel importante A puberdade constitui um divisor de águas no desenvolvimento da neurose obsessiva A organização genital interrompida na infância reiniciase com grande vigor Mas sabemos que o desenvolvimento sexual da infância também 38312 estabelece a direção do recomeço que se dá na puberdade Assim por um lado os impulsos agressivos dos primeiros tempos são novamente despertados e por outro lado uma porção maior ou menor dos novos impulsos libidinais todos eles nos casos ruins toma as vias assinaladas pela regressão surgindo como intenções agressivas e destrutivas Graças a essa camuflagem das tendências eróticas e às poderosas formações reativas no Eu a luta contra a sexualidade passa a ser travada sob a bandeira da ética O Eu se rebela sur preso contra as demandas cruéis e violentas que lhe são enviadas à consciência desde o Id e não suspeita que nisso está combatendo desejos eróticos entre os quais alguns que normalmente não teriam seu veto O severíssimo Supereu insiste mais energicamente na supressão da sexualidade depois que ela adota formas tão repulsivas Desse modo na neurose obsessiva o conflito é ex acerbado em duas direções aquilo que exerce a defesa se torna mais intoler ante aquilo que deve sofrêla se torna mais insuportável ambas as coisas por influência do mesmo fator a regressão libidinal Uma objeção a várias de nossas premissas estaria no fato de que a ideia ob sessiva desagradável se torna consciente Não há dúvida porém de que antes ela experimentou o processo da repressão Na maioria dos casos o autêntico teors do impulso instintual agressivo não é conhecido do Eu É necessária boa dose de trabalho analítico para tornálo consciente O que penetra na con sciência é via de regra apenas um sucedâneo distorcido ou de uma impre cisão onírica borrada ou tornado irreconhecível por uma camuflagem ab surda Quando a repressão não corrói o conteúdo do impulso instintual agress ivo certamente elimina o caráter afetivo que o acompanha Assim a agressão não aparece para o Eu como um impulsot mas sim conforme dizem os pa cientes como um mero pensamento que os deixaria friosu O mais curioso é que não é esse o caso 39312 Ocorre que o afeto não considerado na percepção da ideia obsessiva aparece em outro lugar O Supereu se comporta como se não tivesse havido repressão como se o impulso agressivo lhe fosse conhecido em seu teor exato e com seu pleno caráter afetivo e trata o Eu com base nessa premissa O Eu que por um lado sabese inocente deve por outro lado perceber que tem um sentimento de culpa e carregar uma responsabilidade que não pode explicar para si mesmo O enigma que isso nos coloca porém não é tão grande como parece à primeira vista A conduta do Supereu é inteiramente compreensível a contradição dentro do Eu apenas demonstra que ele fechouse para o Id me diante a repressão enquanto permaneceu totalmente acessível às influências vindas do Supereu4 A pergunta de por que o Eu não procura se furtar à tor mentosa crítica do Supereu perde a razão de ser com a informação de que isso realmente ocorre em grande número de casos Há também neuroses obsessivas sem nenhuma consciência de culpa até onde podemos compreender o Eu poupa a si mesmo a percepção desta mediante uma nova série de sintomas atos de penitência restrições autopunitivas Ao mesmo tempo esses sintomas con stituem satisfações de impulsos instintuais masoquistas que também foram re forçados pela regressão A diversidade de manifestações da neurose obsessiva é tão grande que ainda não conseguimos fornecer uma síntese coerente de todas as suas vari ações Há o empenho em extrair correlações típicas mas há sempre o temor de fechar os olhos a outras regularidades não menos importantes Já descrevi a tendência geral da formação de sintomas na neurose obses siva Ela consiste em dar cada vez mais espaço à satisfação substitutiva às ex pensas da frustração Graças ao pendor do Eu para a síntese os mesmos sinto mas que originalmente significavam restrições do Eu assumem depois o sen tido de satisfações e é inegável que este último significado se torna pouco a 40312 pouco o mais influente O resultado desse processo que cada vez mais se aproxima de um completo fracasso do empenho defensivo inicial é um Eu bastante restrito obrigado a buscar suas satisfações nos sintomas O desloca mento das relações de força em favor da satisfação pode levar a um desfecho temido a paralisia da vontade do Eu que encontra para cada decisão incita mentos mais ou menos tão fortes de um lado e do outro O agudíssimo conflito entre Eu e Supereu que desde o início governa essa afecção pode estenderse a ponto de nenhuma das atividades do Eu incapaz de exercer a mediação poder escapar do envolvimento nesse conflito VI Durante essas lutas podemos observar duas atividades do Eu que formam sin tomas e merecem particular interesse pois são claramente subrogados da repressão podendo assim ilustrar muito bem sua tendência e sua técnica Talvez seja lícito ver o aparecimento dessas técnicas auxiliares e substitutivas como prova de que a execução da repressão propriamente dita encontra di ficuldades Tais variações da repressão talvez se tornem mais compreensíveis se tivermos em conta que na neurose obsessiva o Eu é cenário da formação de sintomas muito mais do que na histeria que esse Eu se apega tenazmente à sua relação com a realidade e com a consciência empregando para isso todos os seus recursos intelectuais e que a atividade mesma do pensamento aparece su perinvestida erotizada As duas técnicas a que nos referimos são a anulação do acontecidov e o isola mento A primeira tem um vasto campo de aplicação e remonta a muito atrás Ela é digamos magia negativa procura através de um simbolismo motor 41312 fazer desaparecer não as consequências de um evento impressão vivência mas ele próprio Usando essa expressão aludimos ao papel que essa técnica desempenha não somente na neurose mas também nas ações mágicas nos cos tumes populares e nas cerimônias religiosas Na neurose obsessiva encon tramos a anulação do acontecido primeiramente nos sintomas de dois tempos em que o segundo ato cancela o primeiro como se nada tivesse ocorrido quando na realidade ambos aconteceram A intenção de anular o acontecido é o segundo motivo básico do cerimonial neurótico obsessivo A primeira é a prevenção a adoção de medidas para que algo não suceda ou não se repita Notase com facilidade a diferença as medidas preventivas são racionais as anulações do acontecido são de natureza mágica irracional Devemos supor naturalmente que essa segunda causa é a mais antiga tendo origem na atitude animista ante o mundo ao redor O empenho em desfazer o acontecido tem sua forma atenuada menos distante do que é normal na decisão de tratar um evento como non arrivé não acontecido mas então nada se faz contra ele a pessoa não faz caso nem do evento nem de suas consequências enquanto na neurose procurase cancelar o passado mesmo reprimilo por via motora Tal tendência pode também explicar a frequente compulsão à repetição que há nessa neurose repetição na qual se reúnem várias intenções conflitantes O que não aconteceu de maneira conforme ao desejo é tornado não acontecido mediante a repetição de outra maneira e a isso juntamse todos os motivos para se deter nessas repetições No decorrer da neurose a tendência de tornar não acontecida uma vivência traumática se revela frequentemente como um motivo de primeira ordem na formação de sintomas Assim descobrimos ines peradamente uma nova técnica motora de defesa ou como podemos afirmar aqui de modo menos impreciso de repressão 42312 A outra das novas técnicas que estamos descrevendo é a do isolamento pe culiar à neurose obsessiva Diz respeito igualmente à esfera motora e consiste no fato de após um acontecimento desagradável e também após a pessoa haver feito algo significativo no contexto da neurose introduzirse uma pausa em que nada mais pode suceder em que nenhuma percepção é feita e nenhuma ação é realizada Essa conduta inicialmente estranha logo nos revela seu vín culo com a repressão Sabemos que é possível na histeria relegar à amnésia uma impressão traumática Na neurose obsessiva frequentemente não se con segue fazer isso a vivência não é esquecida mas é despojada de seu afeto e suas relações associativas são suprimidas ou interrompidas de modo que ela se acha como que isolada e também não é reproduzida no curso da atividade do pensamento O efeito desse isolamento é o mesmo que há na repressão com amnésia Essa técnica então é reproduzida nos isolamentos da neurose obses siva mas ali é também intensificada de forma motora com intenção mágica O que assim é mantido separado é justamente o que se acha unido de modo asso ciativo o isolamento motor deve garantir a interrupção do nexo no pensamento Um pretexto para esse procedimento da neurose é dado pelo pro cesso normal da concentração o que nos parece relevante como impressão como tarefa não deve ser perturbado pelas solicitações simultâneas de outras atividades mentais ou ocupações Mas já na pessoa normal a concentração é utilizada para manter à distância não somente o que não importa o que é al heio mas sobretudo o que é oposto e inapropriado É sentido como o ele mento mais perturbador aquilo que originalmente se achava ligado e no curso do desenvolvimento foi separado como por exemplo as manifestações de ambivalência do complexo paterno na relação com Deus ou os movimentos dos órgãos excretores nas excitações amorosas Assim normalmente o Eu tem de realizar um grande trabalho de isolamento ao dirigir o curso dos 43312 pensamentos e nós sabemos que no exercício da técnica analítica temos de en sinar o Eu a renunciar a esta função de resto inteiramente justificada Segundo a experiência de todos nós para os neuróticos obsessivos é partic ularmente difícil obedecer à regra psicanalítica fundamental Provavelmente graças à elevada tensão conflituosa entre seu Supereu e seu Id o Eu é mais alerta e faz isolamentos mais agudos Durante o trabalho do pensamento ele tem de se defender de muitas coisas da intrusão de fantasias inconscientes da manifestação das tendências ambivalentes Não lhe é permitido relaxar acha se continuamente pronto para a luta Ele favorece esta compulsão a concentrar e isolar através das ações mágicas de isolamento que como sintomas se tornam tão evidentes e adquirem muita importância prática mas naturalmente são in úteis em si e têm o caráter de um cerimonial No entanto ao assim procurar evitar associações conexões de pensamen tos o Eu obedece a um dos mais antigos mandamentos da neurose obsessiva o tabu do toque Quando nos perguntamos por que a evitação do contato do toque do contágio tem papel tão grande na neurose tornandose o conteúdo de sistemas tão complicados a resposta que alcançamos é que o toque o con tato físico é o objetivo imediato tanto do investimento objetal agressivo como do afetuoso Eros quer o contato pois busca a união a abolição das barreiras espaciais entre o Eu e o objeto amado Mas também a destrutividade que antes da invenção das armas de ação à distância só podia ocorrer de perto pressupõe necessariamente o toque físico a apreensão manual Tocar numa mulher tornouse em alemão um eufemismo para sua utilização como objeto sexual Não tocar no membro é a frase com que se proíbe a satisfação autoerótica Como a neurose obsessiva foi inicialmente hostil ao toque erótico e depois após a regressão ao toque mascarado de agressão nenhuma outra coisa foi tão proibida para ela nada prestouse tão bem para tornarse o centro de um 44312 sistema de interdição Mas o isolamento é a suspensão de toda possibilidade de contato o meio de subtrair uma coisa a qualquer contato e quando o neurótico isola também uma impressão ou uma atividade mediante uma pausa ele nos dá a entender simbolicamente que não quer que os pensamentos relat ivos a ela entrem em contato associativo com outros Eis até onde chegam nossas investigações sobre a formação de sintomas Talvez não valha a pena resumilas permaneceram inconclusivas e incom pletas pouco trouxeram que já não fosse conhecido antes Seria inútil examin ar a formação de sintomas em outras doenças que não as fobias a histeria de conversão e a neurose obsessiva sabese muito pouco sobre elas Já a consid eração conjunta dessas três neuroses faz aparecer um grave problema cuja abordagem não admite adiamento Para todas três a destruição do complexo de Édipo é o ponto de partida em todas três supomos o medo da castração é o motor da oposição do Eu Mas apenas nas fobias esse medo se torna apar ente é confessado abertamente Que é feito dele nas outras duas formas como o Eu consegue se furtar a essa angústia O problema se complica ainda mais quando lembramos a possibilidade mencionada acima de que a angústia pro ceda por uma espécie de fermentação do próprio investimento libidinal per turbado em seu curso e além disso está estabelecido que o medo da castração é o único motor da repressão ou defesa Se pensamos nas neuroses das mul heres temos de pôr isso em dúvida pois por mais seguramente que se con state nelas o complexo da castração não se pode falar propriamente de um medo da castração quando esta já foi consumada 45312 VII Retornemos às fobias infantis de animais afinal compreendemos esses casos melhor do que todos os outros Portanto nelas o Eu precisa atuar contra um investimento libidinal do Id investimento do complexo de Édipo positivo ou do negativo pois compreendeu que aceitálo acarretaria o perigo da cas tração Já abordamos isso e agora temos ocasião de esclarecer uma dúvida que nos ficou dessa primeira discussão Devemos supor que no pequeno Hans ou seja num caso de complexo de Édipo positivo é o impulso terno diante da mãe ou aquele agressivo em relação ao pai que provoca a defesa por parte do Eu Em termos práticos não parece fazer diferença sobretudo porque os dois impulsos determinam um ao outro mas há um interesse teórico na questão pois apenas a corrente afetuosa dirigida à mãe pode ser vista como puramente erótica Aquela agressiva depende essencialmente do instinto de destruição e sempre acreditamos que na neurose o Eu se defende das solicitações da libido não das dos outros instintos De fato vemos que após a formação da fobia a ligação terna à mãe como que desaparece é liquidada pela repressão e a form ação de sintomas substitutiva ocorre com o impulso agressivo No caso do Homem dos Lobos as coisas são mais simples o impulso reprimido é real mente erótico a atitude feminina diante do pai e é com esse impulso que tam bém ocorre a formação de sintomas É quase de envergonhar que ainda tenhamos dificuldades na apreensão de fatos fundamentais após tão longo trabalho mas propusemonos nada simplifi car e nada esconder Se não conseguimos ver claramente ao menos vejamos precisamente o que não está claro O que está nos atrapalhando é ao que tudo indica uma irregularidade no desenvolvimento de nossa teoria dos instintos Começamos por seguir as organizações da libido do estágio oral ao sádico 46312 anal e desse ao genital e nisso equiparamos todos os componentes do instinto sexual Mais tarde o sadismo mostrouse como representante de outro in stinto contrário a Eros A nova concepção de dois grupos de instintos parece destruir a anterior de fases sucessivas de organização libidinal Mas não pre cisamos inventar o expediente que nos leve a sair dessa dificuldade Há muito ele se ofereceu a nós quase nunca lidamos com impulsos instintuais puros e sim com amálgamas dos dois instintos em diferentes proporções O investi mento objetal sádico tem também o direito de ser tratado como um investi mento libidinal as organizações da libido não necessitam ser revisadas o im pulso agressivo em relação ao pai pode muito bem se tornar objeto de repressão tanto quanto o impulso terno diante da mãe Mas deixemos de lado como matéria para reflexão futura a possibilidade de que repressão seja um processo que tem relação especial com a organização genital da libido de que o Eu recorra a outros métodos de defesa quando tem de se defender da libido em outros estágios de organização Um caso como o do pequeno Hans não nos permite uma conclusão é certo que nele se dá conta de um impulso agressivo mediante a repressão mas isso depois que a organização genital é alcançada Desta vez não perderemos de vista a relação com a angústia Dissemos que tão logo o Eu reconhece o perigo de castração ele dá o sinal de angústia e inibe através da instância prazerdesprazer e de um modo que compreen demos em maior profundidade o iminente processo de investimento no Id Simultaneamente ocorre a formação da fobia O medo da castração adquire outro objeto e uma expressão deformada ser mordido por um cavalo ser de vorado por um lobo em vez de ser castrado pelo pai A formação substitutiva tem duas vantagens óbvias a primeira o fato de que evita o conflito da am bivalência pois o pai é também um objeto amado a segunda o fato de que permite ao Eu cessar com o desenvolvimento da angústia Pois a angústia da 47312 fobia é facultativa surge apenas quando seu objeto é alvo da percepção O que é inteiramente correto já que apenas então se acha presente a situação de perigo Não há como temer a castração por um pai ausente Ora não é pos sível remover o pai ele aparece quando quer Se é substituído pelo animal no entanto basta fugir à visão isto é à presença do animal para estar livre do perigo e do medo Desse modo o pequeno Hans impõe a seu Eu uma re strição produz a inibição de sair para não encontrar cavalos Para o pequeno russo é ainda mais cômodo quase não constitui um sacrifício para ele não mais dar uma olhada em certo volume ilustrado Se sua malvada irmã não lhe mostrasse repetidamente a fotografia do lobo em pé que estava nesse livro ele poderia sentirse salvo de seu medo Certa vez atribuí à fobia o caráter de uma projeção pelo fato de ela sub stituir um perigo interno instintual por um externo perceptivo Isso tem a vantagem de o indivíduo poder protegerse do perigo externo fugindo e evitando a percepção ao passo que não há fuga ante o perigo interno Minha observação não é incorreta mas se mantém na superfície A exigência instintu al não é um perigo em si mas apenas por acarretar um real perigo externo a castração Assim o que ocorre na fobia no fundo é um perigo externo ser substituído por outro O fato de o Eu na fobia poder escapar à angústia evitando algo ou desenvolvendo um sintoma de inibição harmonizase muito bem com a concepção de que essa angústia é apenas um sinal afetivo e de que nada se alterou na situação econômica A angústia das fobias de animais é portanto uma reação afetiva do Eu ao perigo e o perigo que nelas é sinalizado é aquele da castração A única difer ença em relação à angústia realista que o Eu manifesta normalmente em situações de perigo é que o conteúdo do medo permanece inconsciente só vindo a se tornar consciente numa deformação 48312 Creio que a mesma concepção se mostrará válida igualmente nas fobias de adultos ainda que o material trabalhado pela neurose seja mais abundante e haja alguns outros fatores na formação de sintomas No fundo é a mesma coisa O agorafóbico impõe a seu Eu uma restrição para escapar a um perigo instintual Esse perigo é a tentação de ceder a seus desejos eróticos com o que suscitaria novamente como na infância o perigo da castração ou algum outro análogo Ofereço como simples exemplo o caso de um homem jovem que se tornou agorafóbico porque temia ceder às incitações das prostitutas e adquirir sífilis como punição Bem sei que muitos casos apresentam estrutura mais complicada e que muitos outros impulsos instintuais reprimidos podem confluir na fobia mas estes são apenas de natureza auxiliar e em geral ligaramse posteriormente ao núcleo da neurose A sintomatologia da agorafobia é complicada pelo fato de que o Eu não se contenta em renunciar a algo ele realiza algo mais a fim de retirar da situação o perigo Esse algo mais consiste habitualmente numa re gressão temporal aos anos de infância em caso extremo até o útero materno a um tempo em que se estava protegido dos perigos que agora ameaçam e apresentase como a condição em que a renúncia não precisa ocorrer Assim o agorafóbico pode sair à rua quando como uma criança pequena é acompan hado por alguém de sua confiança A mesma consideração também pode lhe permitir sair só desde que não se afaste de casa mais do que certa distância e não vá a locais que não conhece bem e onde não é conhecido das pessoas A escolha dessas especificações é influenciada pelos fatores infantis que o gov ernam mediante sua neurose Totalmente inequívoca mesmo não havendo essa regressão infantil é a fobia de ficar só em que se pretende no fundo es capar à tentação de se masturbar solitariamente A condição para essa re gressão infantil é naturalmente a distância temporal da infância 49312 Por via de regra a fobia se estabelece depois que o indivíduo sofre em de terminadas circunstâncias na rua no trem na solidão um ataque de an gústia pela primeira vez A angústia é então excluída mas reaparece sempre que falta a condição protetora O mecanismo da fobia presta bons serviços como meio de defesa e tem grande tendência à estabilidade Com frequência mas não necessariamente há uma continuação da luta defensiva que passa a dirigirse contra o sintoma O que aprendemos sobre a angústia nas fobias se aplica igualmente à neur ose obsessiva Não é difícil reduzir a situação da neurose obsessiva àquela da fobia Nesta o motor de toda formação de sintomas posterior é claramente a angústia do Eu perante seu Supereu A hostilidade do Supereu é a situação de perigo a que o Eu tem de subtrairse Nisso não há o menor traço de pro jeção o perigo é completamente internalizado Mas se nos perguntamos o que o Eu teme por parte do Supereu impõese o entendimento de que o castigo do Supereu é um prosseguimento do castigo da castração Tal como o Super eu é o pai que se tornou impessoal assim também o medo da castração pelo pai transformouse em angústia social indeterminada ou angústia da consciênciaw Mas esse medo é oculto o Eu se subtrai a ele executando de forma obediente os mandamentos preceitos e penitências que lhe são impostos Se é impedido de fazêlo logo há um malestar extremamente penoso no qual podemos enxergar o equivalente da angústia e que os próprios doentes equiparam à an gústia Nossa conclusão é a seguinte portanto A angústia é a reação à situação de perigo dela é poupado o Eu ao fazer algo para evitar a situação ou subtrair se a ela Poderseia dizer então que os sintomas são criados para evitar o desenvolvimento da angústia mas isso não nos leva a enxergar profunda mente É mais correto dizer que os sintomas são criados para evitar a situação 50312 de perigo que é sinalizada pelo desenvolvimento da angústia Nos casos até aqui examinados porém esse perigo era a castração ou algo dela derivado Se a angústia é a reação do Eu ao perigo cabe então conceber a neurose traumática que frequentemente sucede a um perigo mortal que o indivíduo experimentou como consequência direta do medo da morte ou medo pela vida deixando de lado as dependências do Eu e a castração Foi o que fez a maioria dos observadores das neuroses traumáticas da última guerrax tendose anunciado triunfantemente que fora obtida a prova de que uma ameaça ao in stinto de conservação pode produzir uma neurose sem nenhuma participação da sexualidade e sem consideração pelas complicadas hipóteses da psicanálise De fato é muito de lamentar que não exista uma única análise aproveitável de uma neurose traumática Não porque iria contradizer a importância etiológica da sexualidade há muito essa contradição foi eliminada com a introdução do narcisismo que situa o investimento libidinal do Eu na mesma categoria dos investimentos objetais e sublinha a natureza libidinal do instinto de conser vação mas porque perdemos com a falta dessas análises a mais valiosa oportunidade para conclusões decisivas sobre a relação entre angústia e form ação de sintomas Após tudo o que sabemos sobre a estrutura das neuroses mais simples da vida cotidiana é bastante improvável que uma neurose venha a produzirse apenas graças ao fato objetivo do perigo sem participação das camadas inconscientes mais profundas do aparelho psíquico Mas não existe no inconsciente um conteúdo que equivalha ao nosso conceito de aniquilação da vida A castração tornase imaginável digamos pela experiência cotidiana de separarse do conteúdo do intestino e mediante a perda do seio materno vivenciada no desmame mas algo semelhante à morte nunca foi vivenciado nem como no desmaio deixou traço demonstrável Por isso me atenho à con jectura de que o medo da morte deve ser compreendido como algo análogo ao 51312 medo da castração e a situação a que o Eu reage é a de ser abandonado pelo Supereu protetor pelas forças do destino de modo que não há mais se gurança contra todos os perigos Há a considerar também que nas vivências que levam à neurose traumática é rompida a proteção contra estímulos exter nos e quantidades muito grandes de excitação se aproximam do aparelho psíquico de maneira que uma segunda possibilidade se apresenta a angústia não apenas é sinalizada como afeto mas também é produzida como algo novo nas condições econômicas da situação Com essa última observação de que o Eu foi preparado para a castração por repetidas perdas de objetos adquirimos uma nova concepção da angústia Até aqui nós a enxergamos como sinal afetivo do perigo mas agora tratando se tão frequentemente do perigo da castração ela nos parece constituir a reação a uma perda a uma separação Ainda que várias coisas possam ser ime diatamente aduzidas contra essa conclusão saltanos à vista uma notável cor relação A primeira experiência angustiante ao menos para os seres humanos é o nascimento e ele significa objetivamente a separação da mãe pode ser comparado a uma castração da mãe segundo a equação criança pênis Seria bastante satisfatório se a angústia como símbolo de uma separação se repe tisse a cada separação posterior mas infelizmente somos impedidos de utilizar essa concordância pelo fato de o nascimento não ser vivido subjetivamente como separação da mãe pois ela é totalmente desconhecida como objeto do feto completamente narcisista Outra objeção será que conhecemos as reações afetivas a uma separação e que as sentimos como dor e luto não como angús tia No entanto lembremonos de que ao discutir o lutoy também não pu demos compreender por que ele é tão doloroso 52312 VIII Vamos parar e refletir O que buscamos é um entendimentoz que nos leve à natureza da angústia um critério que distinga o que é verdadeiro e errado acerca dela Mas isso não é coisa fácil a angústia é algo difícil de apreender Até aqui obtivemos tão só visões contraditórias entre as quais não era possível fazer uma escolha despreconcebida Agora sugiro fazermos de outra forma vamos imparcialmente reunir tudo o que podemos dizer sobre a angústia sem esperar chegar a uma nova síntese A angústia é em primeiro lugar algo que se sente Nós a denominamos um estado afetivo embora também não saibamos o que é um afeto Como sensação ela tem caráter obviamente desprazeroso mas isso não esgota seus atributos nem todo desprazer pode ser denominado angústia Há outras sensações de caráter desprazeroso tensões dor tristeza e a angústia precisa ter outras particularidades além dessa Conseguiremos entender as diferenças entre esses vários afetos desprazerosos De todo modo alguma coisa podemos extrair da sensação da angústia Seu caráter desprazeroso parece ter um traço particular Isso é difícil de demon strar mas provável não seria algo de chamar a atenção Além dessa peculiar idade dificilmente isolável no entanto percebemos na angústia sensações físicas mais definidas que relacionamos a determinados órgãos Como não nos interessa aqui a fisiologia da angústia basta que mencionemos uns poucos rep resentantes dessas sensações os mais frequentes e mais nítidos sendo os rela cionados aos órgãos respiratórios e ao coração Eles são prova de que in ervações motoras ou seja processos de descarga participam do fenômeno geral da angústia A análise dos estados de angústia revela portanto 1 um caráter desprazeroso específico 2 reações de descarga 3 percepções destas 53312 Os pontos dois e três já nos trazem uma diferença em relação aos estados similares como por exemplo o luto ou a dor Nesses não há manifestações motoras quando estas estão presentes evidenciamse não como partes integ rantes do todo mas como consequências ou reações a ele A angústia port anto é um estado desprazeroso especial com reações de descarga em trilhas específicas Seguindo nossa concepção geral acreditaremos que na base da an gústia exista um aumento da excitação que por um lado gera o caráter de sprazeroso e por outro lado aliviaa com as descargas mencionadas Mas esse resumo puramente fisiológico não poderá nos satisfazer ficamos tentados a supor que há um fator histórico que une firmemente as sensações e as in ervações da angústia Em outras palavras que o estado de angústia é a re produção de uma vivência que encerrava as condições para tal aumento da ex citação e para a descarga em trilhas específicas e que é desse modo que o de sprazer da angústia adquire seu caráter próprio No ser humano tal vivência prototípica é o nascimento e por isso nos inclinamos a ver no estado de angús tia uma reprodução do trauma do nascimento Mas nada no que dissemos confere à angústia uma posição excepcional entre os estados afetivos Pensamos que também os outros afetos são re produções de experiências antigas de importância vital eventualmente préin dividuais e os comparamos como ataques histéricos universais típicos in atos aos acessos adquiridos mais recentemente e de forma individual que são próprios da neurose histérica cuja origem e significado como símbolos mnemônicos tornaramse claros mediante a análise Naturalmente seria dese jável poder comprovar essa concepção numa série de outros afetos algo de que estamos longe atualmente Fazer a angústia remontar ao evento do nascimento suscita objeções imedi atas de que é preciso defenderse A angústia é provavelmente uma reação 54312 comum a todos os organismos superiores o nascimento é vivido apenas pelos mamíferos e é questionável que signifique um trauma para todos eles Port anto existe angústia sem o modelo do nascimento Essa objeção porém ignora as fronteiras entre biologia e psicologia Justamente porque a angústia tem de cumprir uma função indispensável em termos biológicos como reação ao es tado de perigo pode ter sido estabelecida de forma diferente em diferentes seres vivos Tampouco sabemos se em organismos mais distantes do ser hu mano ela envolve as mesmas sensações e inervações que no ser humano Isso não impede portanto que a angústia tome o processo do nascimento por mod elo no ser humano Se tal é a estrutura e a procedência da angústia a questão seguinte seria qual a sua função e em que ocasiões é reproduzida A resposta parece plausível e inevitável A angústia surgiu como reação a um estado de perigo e agora é reproduzida sempre que um estado desses se apresenta Nisso há algo a se notar porém Provavelmente as inervações do estado de angústia original também tinham significado e propósito tal como as ações musculares do primeiro ataque histérico Querendo esclarecer o ataque histérico basta procurar a situação em que aqueles movimentos eram parte de uma ação justificada Assim durante o nascimento é provável que a inervação dirigindose para os órgãos respiratórios preparasse a atividade dos pulmões e que a aceleração das batidas do coração atuasse contra o envenenamento do sangue Naturalmente não há essa adequação a um propósito quando o estado de angústia é depois reproduzido como afeto assim como não existe no ataque histérico repetido Quando o indivíduo se acha numa nova situação de perigo pode ser despropositado responder com o estado de angústia com a reação a um perigo anterior em vez de optar pela reação agora adequada No entanto a adequação ao fim pode novamente se evidenciar quando a situação de perigo 55312 é reconhecida como iminente e sinalizada pela irrupção da angústia Então a angústia pode ser imediatamente substituída por medidas mais apropriadas Portanto de imediato se distinguem duas possibilidades para o surgimento da angústia uma inapropriada quando há uma nova situação de perigo a outra apropriada para sinalizar e evitar esta situação Mas o que é um perigo No ato do nascimento há um perigo objetivo para a conservação da vida sabemos o que isso significa na realidade Mas psicologicamente isso nada nos diz O perigo do nascimento não tem ainda um conteúdo psíquico Certamente não podemos pressupor no feto algo que de algum modo se assemelhe a um conhecimento da possibilidade de um desfecho fatal para sua existência O feto não pode notar senão um imenso distúrbio na economia de sua libido narcísica Grandes quantidades de excitação chegam até ele produzindo novas sensações de desprazer vários órgãos conquistam investimentos elevados algo como um prelúdio do investimento objetal que logo começará o que em tudo isso será utilizado como sinal distintivo de uma situação de perigo Infelizmente sabemos muito pouco a respeito da compleição psíquicaaa do recémnascido para responder diretamente a essa questão Não posso nem mesmo garantir a validade da descrição que acabo de fazer É fácil dizer que o recémnascido repetirá o afeto da angústia em todas as situações que lhe re cordarem o evento do nascimento Mas o ponto decisivo é saber o que o faz se recordar e o que ele recorda Não nos resta senão estudar as ocasiões em que o lactente ou a criança um pouco mais velha se dispõe para o desenvolvimento da angústia Em seu livro O trauma do nascimento5 Otto Rank fez uma vigorosa tentativa de demonstrar as relações entre as primeiras fobias da criança e a impressão deixada pelo nas cimento mas não posso dizer que seja uma obra bemsucedida É possível 56312 fazerlhe duas objeções Primeiro baseiase no pressuposto de que a criança ao nascer recebe determinadas impressões sensoriais sobretudo de natureza visual cuja recorrência pode provocar a lembrança do trauma do nascimento e assim a reação de angústia Essa hipótese é inteiramente infundada e bastante improvável não se pode crer que a criança retenha do processo do nascimento mais do que sensações tácteis e de natureza geral Quando mais tarde ela vem a mostrar medo de pequenos animais que desaparecem em bura cos ou deles saem isso acontece conforme Rank devido à percepção de uma analogia que porém não se evidencia para a criança Segundo ao consid erar tais situações de angústia posteriores Rank vê como fator operante con forme sua necessidade ou a lembrança da existência intrauterina feliz ou a da perturbação traumática desta e com isso estão abertas as comportas para a ar bitrariedade na interpretação Casos específicos desse medo infantil contrad izem frontalmente a aplicação do princípio de Rank Quando a criança é deix ada sozinha na escuridão seria de esperar que respondesse com satisfação a esse restabelecimento da situação intrauterina e quando o fato de que justa mente então reage com angústia é relacionado à lembrança da perturbação daquela felicidade não é mais possível ignorar o que existe de forçado nessa tentativa de explicação Sou levado à conclusão de que as fobias da primeira infância não podem ser diretamente referidas à impressão deixada pelo ato do nascimento e até agora se esquivaram a toda explicação Certa predisposição à angústia é algo inequívoco no bebê Ela não é mais intensa logo após o nascimento diminu indo então aos poucos mas sim aparece apenas depois com o avanço do desenvolvimento psíquico e mantémse por determinado período da infância Quando tais fobias precoces se estendem além desse período criam a suspeita 57312 de um transtorno neurótico embora estejamos longe de entender sua relação com as posteriores neuroses evidentes da infância Apenas alguns casos da manifestação da angústia na infância nos são com preensíveis a eles precisaremos nos ater Quando por exemplo a criança está sozinha ou na escuridão ou depara com uma pessoa desconhecida no lugar da que lhe é familiar a mãe Esses três casos se reduzem a uma só condição a falta da pessoa amada ansiada Com isso achase livre o caminho para o en tendimento da angústia e para a resolução das contradições que parecem ligar se a ela A imagem mnemônicaab da pessoa ansiada é intensamente investida sem dúvida no início de forma alucinatória provavelmente Mas isso não produz resultado e então é como se o anseio se transmutasse em angústia Temse mesmo a impressão de que essa angústia seria uma expressão de perplexidade como se aquele ser ainda pouco desenvolvido não soubesse fazer nada melhor com esse investimento de anseio A angústia aparece então como reação à falta do objeto e duas analogias se nos apresentam que também o medo da castração tem por conteúdo a separação de um objeto bastante estimado e que a angústia mais primordial o medo primevo do nascimento originase na separação da mãe Outra reflexão nos conduz além dessa ênfase na perda do objeto Se o bebê exige ter a percepção da mãe isso ocorre porque sabe por experiência que ela satisfaz rapidamente todas as suas necessidades A situação que ele avalia como perigosa contra a qual deseja estar garantido é a da insatisfação do aumento da tensão gerada pela necessidade diante da qual é impotente Acho que consid erado dessa maneira tudo se ordena A situação de insatisfação em que mag nitudes de estímulo alcançam nível desprazeroso não sendo controladas medi ante utilização psíquica e descarga deve ser análoga à vivência do nascimento 58312 para o bebê uma repetição da situação de perigo Comum a ambas é a perturb ação econômica gerada pelo aumento das magnitudes de estímulo a pedir solução sendo esse fator portanto o autêntico núcleo do perigo Em ambos os casos há a reação de angústia que no bebê ainda se mostra adequada pois a descarga via músculos respiratórios e vocais solicita a mãe tal como antes in citou a atividade dos pulmões para afastar os estímulos internos Não é preciso que o bebê tenha conservado de seu nascimento outra coisa além dessa forma de assinalar o perigo Tendose constatado que um objeto externo apreensível pela percepção pode pôr fim à situação perigosa que lembra o nascimento o teor do perigo se desloca da situação econômica para sua condição a perda do objeto A falta da mãe tornase o perigo tão logo este surge o bebê dá o sinal de angústia ainda antes que se instale a temida situação econômica Essa transformação constitui um primeiro grande avanço no desvelo pela autoconservação e ao mesmo tempo compreende a transição do automático e involuntário ressurgimento da angústia para a sua deliberada reprodução como sinal de perigo Nos dois aspectos como fenômeno automático e como sinal salvador a angústia revelase produto do desamparoac psíquico do bebê que é a contra partida evidente de seu desamparo biológico Não requer interpretação psicológica a notável coincidência de que tanto a angústia do nascimento como a angústia do bebê são determinadas pela separação da mãe explicase biolo gicamente de forma simples pelo fato de a mãe que antes atendera todas as necessidades do feto mediante os mecanismos de seu corpo prosseguir com esta função também após o nascimento em parte com outros meios Há bem mais continuidade entre vida intrauterina e primeira infância do que nos faz crer a notável ruptura do ato do nascimento O objeto psíquico materno sub stitui para a criança a situação biológica do feto Mas não devemos esquecer 59312 que na vida intrauterina a mãe não era um objeto que naquele tempo não havia objetos É fácil ver que nesse contexto não há espaço para uma abreação do trauma do nascimento e que não é possível achar outra função da angústia que não a de sinal para evitar a situação de perigo Mas a perda do objeto como condição da angústia tem alcance maior Também a forma seguinte da angústia o medo da castração que aparece na fase fálica é uma angústia de separação ligada à mesma condição Nela o perigo é a separação do genital Num raciocínio que parece inteiramente justificado Ferenczi nos permite notar uma clara linha relacionando este e os conteúdos anteriores da situação de perigo A alta apre ciação narcísica do pênis pode alegar que a posse desse órgão envolve a garantia de uma reunificação com a mãe a substituta da mãe no ato do coito A subtração desse membro equivale a uma nova separação da mãe significa portanto ser abandonado desprotegido a uma tensão desprazerosa gerada pela necessidade como no nascimento Mas a necessidade de que se teme a intensificação é agora especializada da libido genital não é mais geral como no período da primeira infância Acrescento que a fantasia do retorno ao útero materno é o sucedâneo do coito para o homem impotente inibido pela ameaça de castração Podese dizer seguindo Ferenczi que esse indivíduo que pretendeu fazerse representar por seu órgão genital para retornar ao útero materno agora substitui regressivamente o órgão por toda a sua pessoa Os progressos no desenvolvimento da criança sua crescente independên cia a mais clara diferenciação de seu aparelho psíquico em várias instâncias o surgimento de novas necessidades não podem deixar de influir sobre o con teúdo da situação de perigo Acompanhamos a mudança desta da perda do ob jeto materno à castração e vemos que o passo seguinte é ocasionado pelo poder do Supereu Com a impessoalização da instância parental da qual se 60312 temia a castração o perigo se torna mais indeterminado A angústia da cas tração evolui para angústia de consciência angústia social Agora já não é tão fácil dizer o que a angústia temead A fórmula separação exclusão da horda diz respeito somente àquela porção ulterior do Supereu que se desenvolveu apoiandose em modelos sociais não ao núcleo do Supereu que corresponde à instância parental introjetada Expresso de maneira mais geral é a raiva o castigo do Supereu a perda do amor deste que o Eu avalia como perigo e a que responde com o sinal de angústia Pareceume que a variante final dessa angústia ante o Supereu é a angústia diante da morte pela vida o medo da projeção do Supereu nos poderes do destino Uma vez atribuí certo valor à explicação de que o investimento retirado no curso da repressão é que seria utilizado para descarga da angústia Hoje isso não me parece digno de atenção A diferença está em que antes eu acreditava que o medo sempre surgia automaticamente por um processo econômico en quanto a atual concepção da angústia como um sinal emitido pelo Eu para in fluir sobre a instância prazerdesprazer nos torna independentes dessa coação econômica Naturalmente não há o que dizer contra a suposição de que o Eu utiliza para despertar o afeto precisamente a energia liberada ao ser retirada no curso da repressão mas tornouse irrelevante saber com que porção de en ergia isso ocorre Outra tese que lancei precisa ser examinada à luz dessa nova concepção Tratase da afirmação de que o Eu é propriamente a sede da angústiaae acho que ela se mostrará correta De fato não temos motivo para atribuir ao Super eu qualquer manifestação de angústia Quando se fala de angústia do Id porém não há o que contradizer devese apenas corrigir uma expressão can hestra A angústia é um estado afetivo que naturalmente pode ser sentido apenas pelo Eu O Id não pode ter angústia como o Eu não é uma 61312 organização não pode julgar situações de perigo Por outro lado ocorre fre quentemente que no Id se preparem ou se realizem processos que induzem o Eu à geração de angústia de fato provavelmente as primeiríssimas repressões e também a maioria daquelas posteriores são motivadas por tal angústia do Eu em relação a determinados processos do Id Nisso temos boas razões para novamente distinguir entre dois casos aquele em que algo sucede no Id que ativa uma das situações de perigo para o Eu assim levandoo a dar o sinal de angústia para que haja a inibição e o outro caso em que se produz no Id a situação análoga ao trauma do nascimento na qual automaticamente se chega à reação de angústia Os dois casos podem ser aproximados se enfatizamos que o segundo corresponde à primeira original situação de perigo e o primeiro a uma das condições para a angústia dela derivadas posteriormente ou relacionandoos às afecções que efetivamente sucedem o segundo caso se verifica na etiologia das neuroses atuais o primeiro é característico das psiconeuroses Vemos então que não é necessário desvalorizar nossas pesquisas anteri ores mas apenas estabelecer uma relação entre elas e as perspectivas mais re centes É inegável que havendo abstinência transtorno indevido no curso da excitação sexual desvio desta quando de seu processamento psíquico a angús tia se origina diretamente da libido ou seja estabelecese aquele estado de des amparo do Eu ante uma enorme tensão gerada pela necessidade o qual como no nascimento resulta na geração de angústia e nisso há novamente a possib ilidade plausível mas pouco relevante de que justamente o excesso de libido não utilizada ache descarga na geração de angústia Vemos que no ter reno dessas neuroses atuais desenvolvemse psiconeuroses com muita facil idade o que pode significar que o Eu faz tentativas de furtarse à angústia que aprendeu a manter suspensa por algum tempo e atála por meio da formação 62312 de sintomas A análise das neuroses de guerra traumáticas nome que porém cobre afecções bastante diversas provavelmente mostraria que um bom número delas partilha traços das neuroses atuais Ao expor como as diferentes situações de perigo se desenvolveram a partir do seu protótipo o nascimento de maneira nenhuma pretendíamos afirmar que toda condição posterior para a angústia simplesmente invalida a anterior É certo que os avanços no desenvolvimento do Eu contribuem para depreciar e descartar a situação de perigo anterior de modo que podemos dizer que a cada fase do desenvolvimento caberia certa condição para a angústia O perigo do desamparo psíquico se adéqua ao período de vida em que o Eu é imaturo assim como o perigo da perda do objeto corresponde à dependência dos primeiros anos da infância o perigo da castração à fase fálica a angústia ante o Supereu à época de latência Mas todas essas situações de perigo e con dições para a angústia podem subsistir uma ao lado da outra e induzir o Eu à reação de angústia também em épocas posteriores àquela adequada É possível que também haja relações estreitas entre a situação de perigo que tem efeito e a forma da neurose subsequente6 Quando numa passagem anterior desta investigação descobrimos a im portância do perigo de castração em várias afecções neuróticas advertimos a nós mesmos para não superestimar esse fator já que não poderia ser decisivo para o sexo feminino que é certamente mais predisposto à neurose Agora vemos que não há o perigo de considerarmos o medo da castração o único mo tor dos processos defensivos que conduzem à neurose Expus em outro en saio como o desenvolvimento da menina é guiado para o investimento afetu oso do objeto pelo complexo da castração Precisamente na mulher a situação de perigo que consiste na perda do objeto parece ter permanecido a mais efetiva É lícito fazermos em sua condição para a angústia a pequena 63312 modificação de que já não se trata da falta ou da perda real do objeto mas da perda do amor do objeto Como é indubitável que a histeria tem maior afinid ade com as mulheres assim como a neurose obsessiva tem com os homens cabe supor que a condição para a angústia que é a perda do amor desempenha na histeria um papel semelhante à ameaça de castração nas fobias e à angústia ante o Supereu na neurose obsessiva IX O que agora resta a fazer é considerar as relações entre formação de sintomas e geração de angústia Duas opiniões sobre o tema parecem bastante difundidas Uma diz que a própria angústia é sintoma da neurose a outra que há uma relação bem mais íntima entre as duas Segundo esta toda formação de sintomas seria realizada apenas para evitar a angústia os sintomas atam a energia psíquica que de outro modo seria descarregada como angústia de maneira que a angústia seria o fenômeno básico e problema principal da neurose A segunda afirmação se justifica ao menos em parte como demonstram al guns exemplos marcantes Se abandonarmos uma pessoa agorafóbica na rua após têla acompanhado ela terá um ataque de angústia Se impedirmos um neurótico obsessivo de lavar as mãos após tocar em algo ele será presa de uma angústia quase insuportável É claro então que a condição de ser acompan hado e o ato obsessivo de lavar as mãos têm o propósito e também o resultado de prevenir tais acessos de angústia Nesse sentido toda inibição que o Eu im põe a si próprio pode ser denominada sintoma 64312 Como fizemos a geração de angústia remontar à situação de perigo preferiremos dizer que os sintomas são criados para subtrair o Eu à situação de perigo Sendo impedida a formação de sintomas o perigo realmente aparece ou seja produzse aquela situação análoga ao nascimento em que o Eu se en contra desamparado ante exigências instintuais cada vez maiores a primeira e primordial condição para a angústia Em nossa concepção os laços entre an gústia e sintoma se revelam menos estreitos do que se imaginou consequência do fato de havermos interposto entre eles o fator da situação de perigo Po demos acrescentar que a geração de angústia preludia a formação de sintomas que é mesmo um pressuposto necessário dela pois se o Eu não despertasse a instância prazerdesprazer pela geração de angústia não adquiriria o poder para sustar o ameaçador processo gestado no Id Nisso é evidente a tendência de limitar a um mínimo a geração de angústia de empregar a angústia apenas como sinal pois de outra forma o desprazer que o processo instintual ameaça produzir seria apenas sentido em outro lugar o que não seria um êxito con forme a intenção do princípio do prazer embora suceda com frequência nas neuroses A formação de sintomas tem portanto o resultado concreto de anular a situação de perigo Ela tem dois aspectos um deles que permanece oculto para nós produz no Id a alteração pela qual o Eu é subtraído ao perigo o outro ap resentado abertamente mostra o que ela criou no lugar do processo instintual afetado a formação substitutiva Mas deveríamos nos expressar mais corretamente atribuindo ao processo defensivo o que acabamos de dizer sobre a formação de sintomas e utilizando essa expressão mesma como sinônimo de formação substitutiva Parece claro então que o processo defensivo é análogo à fuga mediante a qual o Eu se sub trai a um perigo que ameaça de fora que constitui uma tentativa de fuga ante 65312 um perigo instintual As dúvidas quanto a essa comparação nos ajudarão a es clarecer melhor as coisas Primeiro podese objetar que a perda do objeto a perda do amor do objeto e a ameaça de castração são perigos que vêm de fora assim como um animal feroz digamos ou seja não são perigos instintuais Mas não se trata do mesmo caso Um lobo provavelmente nos atacaria qualquer que fosse nossa conduta em relação a ele mas uma pessoa amada não nos negaria seu amor e não seríamos ameaçados de castração se não nutrísse mos determinados sentimentos e propósitos em nosso interior Dessa maneira esses impulsos instintuais se tornam condições para o perigo externo e assim perigosos eles mesmos e podemos então combater o perigo externo adotando medidas contra o perigo interno Nas fobias de animais o perigo ainda parece ser sentido inteiramente como externo assim como experimenta um desloca mento externo no sintoma Na neurose obsessiva ele é bem mais interiorizado a porção de angústia ante o Supereu que é a angústia social representa ainda o sucedâneo interno de um perigo externo a outra porção a angústia da con sciência é inteiramente endopsíquica Uma segunda objeção diz que ao tentar fugir de um ameaçador perigo ex terno tudo o que fazemos é aumentar a distância física entre nós e o que nos ameaça Não nos pomos em defesa contra o perigo não procuramos mudar algo nele como seria o caso se nos voltássemos contra o lobo com um pedaço de pau ou atirássemos nele com uma arma Mas o processo de defesa parece consistir em mais do que uma tentativa de fuga Ele intervém no curso instin tual ameaçador suprimeo de alguma forma desviao de sua meta tornandoo assim inócuo Essa objeção parece irrefutável temos de levála em conta Achamos que provavelmente existem processos de defesa que é lícito com parar a uma tentativa de fuga ao passo que em outros o Eu se defende de maneira bem mais ativa empreende enérgicas ações contrárias Isto se a 66312 comparação entre a defesa e a fuga não for prejudicada pelo fato de o Eu e o instinto no Id serem partes da mesma organização e não existências distintas como o lobo e o menino de modo que toda espécie de conduta por parte do Eu terá de influir no processo instintual e alterálo de alguma forma Estudando as condições para a angústia vimos o comportamento defens ivo do Eu numa transfiguração racional por assim dizer Cada situação de perigo corresponde a certo período de vida ou fase de desenvolvimento e parece justificarse para ele No começo da infância o indivíduo realmente não se acha equipado para lidar psiquicamente com grandes quantidades de excit ação que lhe chegam de fora ou de dentro Em determinado período da vida o que realmente mais importa é que as pessoas de que dependemos não nos re tirem seu terno cuidado Quando o menino vê o pai poderoso como rival no tocante à mãe e se torna cônscio de suas inclinações agressivas para com ele e suas intenções sexuais relativas à mãe tem razão em temêlo e o medo de ser castigado por ele pode reforçado filogeneticamente manifestarse como medo da castração Com o ingresso na vida social o medo do Supereu a consciência tornase um imperativo e a ausência desse fator uma fonte de graves conflitos e perigos etc Mas justamente a isso relacionase um novo problema Procuremos por um instante substituir o afeto da angústia por outro a dor por exemplo Achamos inteiramente normal que uma menina aos quatro anos de idade chore penosamente quando sua boneca é quebrada aos seis anos quando a professora lhe faz uma recriminação aos dezesseis quando o namorado não lhe dá atenção e aos vinte e cinco talvez quando lhe morre um filho Cada uma dessas condições para a dor tem seu tempo e acaba quando ele passa as derradeiras definitivas mantêmse por toda a vida Ficaríamos sur presos se essa garota já sendo mulher e mãe chorasse por uma quinquilharia 67312 danificada Mas é assim que se comportam os neuróticos Todas as instâncias para o controle de estímulos em amplas áreas achamse desenvolvidas há muito tempo em seu aparelho psíquico eles são adultos o bastante para satis fazer por si próprios a maioria de suas necessidades há muito sabem que a cas tração não é mais utilizada como castigo porém se comportam como se ainda existissem as velhas situações de perigo mantêmse apegados a todas as velhas condições da angústia A resposta a isso será um tanto laboriosa Antes de tudo será preciso dis criminar os fatos Em grande número de casos as velhas condições para a an gústia realmente perdem vigência depois de já terem produzido reações neuróticas As fobias que crianças pequenas têm de ficar sós da escuridão e de pessoas estranhas que são quase consideradas normais geralmente desa parecem após alguns anos os pequenos as deixam para trás como se diz de vários transtornos da infância As frequentes fobias de animais têm o mesmo destino muitas das histerias de conversão infantis não têm prosseguimento de pois Atos cerimoniais ocorrem muito frequentemente no período de latência e apenas uma percentagem mínima desses casos evolui para uma neurose plena mais adiante As neuroses infantis são segundo as observações que fizemos em crianças da cidade de raça branca e submetidas às altas exigências da civil ização episódios regulares do desenvolvimento embora ainda recebam muito pouca atenção Os sinais da neurose infantil não deixam de estar presentes em nenhum neurótico adulto mas as crianças que os mostram estão longe de tornaremse todas elas neuróticas mais tarde Portanto condições para a angústia devem ter sido abandonadas no decorrer da maturação e situ ações de perigo devem ter perdido sua importância Além disso algumas des sas situações de perigo sobrevivem em épocas posteriores ao modificar e ad equar a estas a condição para a angústia Assim por exemplo o medo da 68312 castração se conserva sob a máscara da fobia de sífilis após o indivíduo saber que a castração não é mais habitual como punição para a entrega aos apetites sexuais mas que por outro lado graves doenças ameaçam a liberdade instin tual Outras condições para a angústia como as do medo ao Supereu não se acham absolutamente fadadas à dissolução devendo acompanhar o indivíduo por toda a vida O neurótico distinguese das pessoas normais então por ex acerbar enormemente as reações a esses perigos Por fim também o fato de ser adulto não oferece proteção suficiente contra o retorno da traumática situação angustiosa original Deve haver para cada indivíduo um limite além do qual seu aparelho psíquico fracassa em lidar com as quantidades de excitação que requerem aviamentoaf Essas pequenas retificações não podem absolutamente alterar o fato aqui discutido de que muitas pessoas permanecem infantis em seu comportamento diante do perigo e não superam condições para a angústia já caducadas Ques tionar isso significaria questionar o fato da neurose pois tais pessoas são justa mente as denominadas neuróticas Mas como isso é possível Por que todas as neuroses não são episódios do desenvolvimento que têm fim quando é al cançada a fase seguinte De onde vem o elemento duradouro dessas reações ao perigo De onde vem a prerrogativa que o afeto da angústia parece ter em re lação a todos os outros de ser o único a provocar reações que se distinguem das outras como anormais e que sendo inadequadas contrapõemse ao fluxo da vida Em outras palavras mais uma vez nos achamos subitamente diante do velho enigma de onde vem a neurose qual o seu móvel último e que lhe é pe culiar Após décadas de esforços analíticos esse problema ainda se apresenta diante de nós incólume como no início 69312 X A angústia é a reação ao perigo Afinal não se pode afastar a ideia de que se o afeto da angústia é capaz de obter posição excepcional na economia psíquica isso está relacionado à essência do perigo Mas os perigos são humanamente universais são os mesmos para todos os indivíduos Aquilo de que necessit amos e que não temos à disposição é um fator que torne compreensível como são selecionados os indivíduos capazes de submeter o afeto da angústia ao fun cionamento psíquico normal apesar de sua peculiaridade ou que determine quem deve fracassar nessa tarefa Conheço duas tentativas de descobrir tal fat or é natural que cada uma delas possa ter uma acolhida já que prometem sat isfazer uma necessidade incômoda A primeira foi empreendida por Alfred Adler reduzida a seu âmago ela afirma que as pessoas que fracassam em lidar com a tarefa imposta pelo perigo são aquelas a quem a inferioridade dos ór gãos reserva dificuldades muito grandes Sendo correto que Simplex siggilum veri a simplicidade é o selo da verdade teríamos de saudar esta solução como uma salvação Mas muito pelo contrário a crítica dos últimos dez anos demonstra a total insuficiência dessa explicação que além disso ignora toda a riqueza do material descoberto pela psicanálise A segunda tentativa foi feita por Otto Rank em 1923 no livro O trauma do nascimento Seria injusto comparála à tentativa de Adler em algum outro ponto além desse que destacamos pois ela permanece no terreno da psicanál ise a cujas ideias dá prosseguimento e deve ser reconhecida como legítimo es forço para resolver os problemas analíticos Na relação entre indivíduo e perigo Rank não faz caso da fraqueza de órgãos do indivíduo atentando isto sim na variável intensidade do perigo O processo do nascimento é a primeira situação de perigo a convulsão econômica por ele produzida se torna o 70312 modelo da reação de angústia Já acompanhamos a linha de desenvolvimento que une essa primeira situação de perigo e condição de angústia a todas aquelas posteriores e vimos que todas mantêm algo em comum pois em certo sentido todas constituem uma separação da mãe primeiro apenas do ponto de vista biológico depois no sentido de uma direta perda do objeto e mais tarde de uma perda por vias indiretas A descoberta desse grande nexo é um in dubitável mérito da construção Konstruktion de Rank Ora o trauma do nas cimento atinge cada indivíduo com intensidade diferente a veemência da reação de angústia varia com a força do trauma e de acordo com Rank essa grandeza inicial da angústia gerada é que determina se o indivíduo poderá dominála algum dia se se tornará neurótico ou normal Não é nossa tarefa criticar detalhadamente as teses de Rank apenas exam inar se contribuem para a solução do nosso problema Sua formulação de que se tornam neuróticos aqueles que devido à força do trauma do nasci mento jamais conseguem abreagir inteiramente este é muito discutível teoricamente Não se sabe direito o que significa abreagir o trauma Entend endo isso literalmente chegase à conclusão insustentável de que quanto maior a frequência e a intensidade com que o neurótico reproduz o afeto da angústia tanto mais se aproxima ele da saúde Foi por contrariar dessa forma a realidade que abandonei tempos atrás a teoria da abreação que teve papel importante na prática da catarse A ênfase na força variável do trauma do nascimento não deixa espaço para a justificada postulação da constituição hereditária como fator etiológico Pois aquela é um fator orgânico que em relação a esta atua como um elemento do acaso e depende ela mesma de muitas influências que devem ser chamadas casuais a oportuna ajuda prestada no nascimento por exemplo A teoria de Rank deixa de considerar tanto fatores constitucionais como filogenéticos No entanto querendose dar espaço para a importância da 71312 constituição através da modificação da teoria por exemplo de que in teressaria antes em que grau o indivíduo reage à intensidade variável do trauma do nascimento então a teoria seria despojada de sua importância e o fator introduzido seria relegado a um papel secundário O que decide se a neurose será o desenlace está em outro âmbito desconhecido como dissemos Dificilmente favorece a teoria de Rank o fato de o homem ter em comum com os outros mamíferos o processo do nascimento enquanto lhe cabe como prerrogativa entre os animais uma especial predisposição para a neurose A principal objeção porém é de que ela paira no ar em vez de sustentarse em observações garantidas Não há boas investigações que mostrem de forma in dubitável a correlação entre um nascimento difícil e prolongado e o desenvol vimento da neurose ou que apenas as crianças que assim nasceram exibem os fenômenos da ansiedadeag da primeira infância de modo mais duradouro ou mais intenso que outras Admitindose que partos induzidos e partos fáceis para a mãe tenham possivelmente o significado de traumas severos para a cri ança permanece válido exigir que os nascimentos que levam à asfixia tenham de evidenciar com certeza as consequências pretendidas Uma vantagem da etiologia de Rank seria o fato de dar proeminência a um fator suscetível de verificação com o material da experiência enquanto não se faz tal verificação é impossível julgar seu valor Por outro lado não posso partilhar a opinião de que a teoria de Rank con tradiz a importância etiológica dos instintos sexuais até agora sempre recon hecida na psicanálise pois ela diz respeito somente à relação do indivíduo com a situação de perigo deixando em aberto o bom expediente de que quem não foi capaz de dominar os perigos iniciais fracassa também nas situações de perigo sexual que vêm a surgir e desse modo é impelido para a neurose 72312 Portanto não creio que a tentativa de Rank nos traga a resposta ao prob lema das causas da neurose e acho que ainda não é possível determinar em que medida ela talvez contribua para a solução do problema Se as pesquisas rev elarem que o parto difícil não influi na predisposição à neurose tal con tribuição deverá ser considerada mínima É de temer que a necessidade de achar uma causa última específica e tangível para a condição neurótica nunca será satisfeita O caso ideal pelo qual os médicos provavelmente an seiam ainda hoje seria o do bacilo que se pode isolar e cultivar e que injetado em qualquer indivíduo produz sempre a mesma afecção Ou um tanto menos fantástico substâncias químicas cuja administração poderia gerar ou eliminar certas neuroses Mas é pequena a probabilidade de soluções tais para o problema O que a psicanálise nos permite dizer é menos simples e menos satisfatório Nisso tenho apenas coisas há muito conhecidas para repetir nada de novo para acrescentar Quando o Eu consegue defenderse de um impulso instintual peri goso mediante o processo da repressão por exemplo é certo que inibe e dani fica essa parte do Id mas também lhe dá simultaneamente um quê de inde pendência e renuncia a um quê de sua soberania Isso vem da natureza da repressão que é fundamentalmente uma tentativa de fuga O reprimido se acha então à margemah excluído da grande organização do Eu sujeito apen as às leis que vigoram no âmbito do inconsciente Caso se altere a situação de perigo de sorte que o Eu não tenha motivo para a defesa contra um novo im pulso instintual análogo ao reprimido tornamse manifestas as consequências da restrição do Eu O novo curso instintual se dá sob influência do automat ismo eu preferiria dizer da compulsão à repetição ele percorre os mes mos caminhos do que foi reprimido antes como se a situação de perigo ultra passada ainda existisse Assim o fator que fixa na repressão é a compulsão à 73312 repetição do Id inconsciente que normalmente é eliminada apenas pela função livremente móvel do Eu De vez em quando o Eu pode conseguir derrubar as barreiras da repressão que ele próprio ergueu recuperar sua influência sobre o impulso instintual e guiar o novo curso instintual no sentido da alterada situ ação de perigo O fato é que muito frequentemente malogra que não pode fazer suas repressões retrocederem Relações quantitativas podem ser determ inantes para o desfecho dessa luta Em alguns casos temos a impressão de que a decisão é inevitável a atração regressiva do impulso reprimido e a força da repressão sendo tão grandes que o novo impulso tem de obedecer à compulsão de repetição Em outros casos percebemos a contribuição de outro jogo de forças a atração do modelo original reprimido é fortalecida pela repulsão por parte das dificuldades reais que se contrapõem a algum outro curso do novo impulso instintual Assim ocorre a fixação na repressão e se mantém a situação de perigo não mais atual o que é provado pelo simples fato da terapia analítica modesto em si mas teoricamente inestimável Quando na análise prestamos ao Eu o auxílio que pode pôlo em condições de eliminar suas repressões ele readquire seu poder sobre o Id reprimido e pode deixar os impulsos instintuais tomarem seu curso como se as velhas situações de perigo não mais existissem O que as sim obtemos condiz com o raio de ação normal da nossa atividade médica Por via de regra nossa terapia deve se contentar em produzir de maneira mais rápida mais confiável e com menor aplicação de esforço o bom desenlace que espontaneamente ocorreria em circunstâncias favoráveis As considerações anteriores nos dizem que são relações quantitativas que não podem ser diretamente apontadas mas apenas inferidas que determinam se as velhas situações de perigo são preservadas ou não se as neuroses infantis têm ou não prosseguimento Dos fatores envolvidos na causação das neuroses 74312 que criaram as condições nas quais as forças psíquicas se enfrentam três se destacam em nossa compreensão um biológico um filogenético e um pura mente psicológico O biológico é a longa fase de desamparo e dependência do bebê humano A existência intrauterina do ser humano mostrase relativa mente breve comparada à da maioria dos animais ele é trazido ao mundo menos pronto do que eles Por isso a influência do mundo real externo é re forçada a diferenciação do Eu em relação ao Id é logo promovida os perigos do mundo externo têm sua importância elevada e o valor do único objeto capaz de proteger contra esses perigos e tomar o lugar da vida intrauterina perdida é bastante aumentado Portanto o fator biológico dá origem às primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que jamais abandona o ser humano O segundo fator o filogenético é apenas inferido por nós um fato notável do desenvolvimento da libido nos leva a supôlo Vemos que a vida sexual do ser humano não se desenvolve de maneira contínua do início até a maturação como a da maioria dos animais que lhe são próximos mas que após um primeiro florescimento que dura até os cinco anos de idade sofre uma enérgica interrupção para depois começar novamente na puberdade retomando os ger mens infantis Achamos que deve ter ocorrido entre as vicissitudes da espécie humana algo importante que deixou essa interrupção do desenvolvimento sexual como precipitado históricoai A significação patogênica desse fator é demonstrada pelo fato de as exigências instintuais dessa sexualidade infantil serem na maioria tratadas como perigo pelo Eu e rechaçadas de modo que os posteriores impulsos sexuais da puberdade que deveriam ser conformes ao Euaj correm o perigo de sucumbir à atração dos modelos infantis originais e acompanhálos na repressão Nisso deparamos com a mais direta etiologia das neuroses É digno de nota que o primeiro contato com as exigências da 75312 sexualidade tenha sobre o Eu efeito semelhante ao do prematuro encontro com o mundo exterior O terceiro fator o psicológico deve ser buscado numa imperfeição de nosso aparelho psíquico relacionada justamente à sua diferenciação em um Eu e um Id ou seja também remonta em última instância à influência do mundo exterior Atentando para os perigos da realidade o Eu é obrigado a pôrse em defesa contra certos impulsos instintuais do Id a tratálos como perigos Mas o Eu não pode protegerse de perigos instintuais internos de modo tão eficaz como de uma porção da realidade que lhe é alheia Sendo ele mesmo ligado in timamente ao Id pode rechaçar o perigo instintual somente restringindo sua própria organização e admitindo a formação de sintomas em compensação por prejudicar o instinto Renovandose a pressão do instinto rechaçado surgem para o Eu todas as dificuldades conhecidas como sofrimento neurótico Até o momento não vai além disso creio o nosso conhecimento sobre a natureza e as causas da neurose XI COMPLEMENTOS Ao longo desta discussão foram abordados vários temas que tiveram de ser prematuramente abandonados e que agora serão reunidos a fim de receber o quinhão de atenção a que têm direito A MODIFICAÇÃO DE OPINIÕES ANTERIORES A RESISTÊNCIA E CONTRAINVESTIMENTO 76312 Algo importante na teoria da repressão é que ela não constitui um evento único mas requer isto sim uma permanente aplicação de esforço Se esta ces sasse o instinto reprimido ao qual continuamente afluem reforços de suas fontes tornaria a encetar o mesmo caminho do qual foi afastado a repressão fracassaria ou teria de ser repetida indefinidamente Assim a natureza con stante do instinto solicita que o Eu garanta a ação defensiva através de um es forço permanente É esta ação para salvaguardar a repressão que sentimos como resistência no tratamento analítico Resistência pressupõe o que denom inei contrainvestimento Na neurose obsessiva esse contrainvestimento é clara mente notado Ali ele se mostra como alteração do Eu como formação reativa no Eu pelo reforço da atitude que é o oposto da direção instintual a ser rep rimida compaixão escrupulosidade asseio Tais formações reativas da neur ose obsessiva são exacerbações de traços de caráter normais desenvolvidos durante o período de latência É bem mais difícil apontar o contrainvestimento na histeria onde conforme a expectativa teórica é igualmente imprescindível Também nela é inequívoco certo grau de alteração do Eu através de formação reativa e em algumas circunstâncias ele é tão evidente que se impõe como o principal sintoma da doença Dessa maneira é resolvido por exemplo o con flito da ambivalência na histeria o ódio a uma pessoa amada é sofreado por um excesso de ternura e de ansiedade por ela Mas é preciso enfatizar que à difer ença do que ocorre na neurose obsessiva tais formações reativas não têm a natureza geral de traços de caráter limitandose a relações muito específicas A mulher histérica por exemplo pode tratar de modo excessivamente afetuoso os filhos que no fundo odeia mas isso não significa que seja mais amorosa em geral do que outras mulheres nem mais afetuosa com outras crianças Na his teria a formação reativa se atém firmemente a determinado objeto não se ar vorando em predisposição geral do Eu É algo característico da neurose 77312 obsessiva justamente essa generalização o afrouxamento das relações objetais a facilitação do deslocamento na escolha do objeto Outra espécie de contrainvestimento parece mais adequada à natureza pe culiar da histeria O impulso instintual reprimido pode ser ativado novamente investido de dois lados de dentro por um fortalecimento do instinto a partir de suas fontes de excitação internas e de fora pela percepção de um objeto desejado pelo instinto O contrainvestimento histérico se volta preferencial mente para fora contra percepções perigosas toma a forma de uma vigilância especial que evita através de restrições do Eu situações em que inevitavel mente surgiriam tais percepções e que se estas ocorrem ainda assim consegue subtraílas à atenção da pessoa Autores franceses como Laforgueak distin guiram recentemente essa operação da histeria com o termo escotomização Mais ainda que na histeria essa técnica de contrainvestimento é evidente nas fobias em que o interesse do indivíduo se concentra em tomar a maior distân cia possível da percepção temida O contraste na direção do contrainvesti mento entre histeria e fobias de um lado e neurose obsessiva de outro parece significativo embora não seja absoluto Ele nos permite supor que haja um nexo mais íntimo entre a repressão e o contrainvestimento externo assim como entre a regressão e o contrainvestimento interno alteração do Eu at ravés de formação reativa A defesa contra uma percepção perigosa é aliás uma tarefa comum a todas as neuroses Diferentes proibições e mandamentos da neurose obsessiva servem ao mesmo propósito Já vimos em ocasião anterioral que a resistência que temos de superar na análise é exercida pelo Eu que se atém a seus contrainvestimentos É difícil para o Eu voltar sua atenção para percepções e ideias que até então ele teve por preceito evitar ou reconhecer como seus impulsos que representam o completo oposto daqueles que lhe são familiarmente próprios Nossa luta 78312 contra a resistência na análise fundamentase nessa concepção que dela fazemos Tornamos a resistência consciente ali onde como sucede com fre quência ela própria é inconsciente devido ao nexo com o reprimido contrapomoslhe argumentos lógicos quando é ou depois que se torna con sciente prometemos vantagens e prêmios ao Eu quando este renuncia à res istência Logo não há o que duvidar ou retificar no tocante à resistência do Eu Mas podemos nos perguntar se ela cobre inteiramente o estado de coisas que deparamos na análise Pois notamos que o Eu ainda acha dificuldades para fazer retrocederem as repressões mesmo após haver decidido abandonar suas resistências e denominamos elaboração a fase de exaustivo empenho que se segue a tal decisão louvável Agora cabe reconhecer o fator dinâmico que tor na necessária e compreensível tal elaboração Dificilmente será outro que não este após a remoção da resistência do Eu ainda há que superar o poder da compulsão à repetição a atração dos modelos inconscientes sobre o processo instintual reprimido e não há por que não designar esse fator como resistência do inconsciente Não fiquemos desanimados com essas retificações elas são bemvindas quando acrescentam algo à nossa compreensão e não são nen huma vergonha quando não refutam mas enriquecem o conhecimento anteri or eventualmente limitando uma generalização muito vasta ou ampliando um entendimento muito estreito Não se deve supor que com esta retificação tenhamos obtido um panorama completo dos tipos de resistência que encontramos na análise Um exame mais aprofundado revela que temos de combater cinco tipos de resistência que provêm de três lados do Eu do Id e do Supereu sendo que o Eu é a fonte de três formas cada qual diferente em sua dinâmica A primeira dessas três resistências do Eu é a resistência da repressão de que tratamos acima sobre a qual não há muito a acrescentar Dela se distingue a resistência da transferência 79312 que é da mesma natureza mas que na análise se manifesta de modos diferentes e bem mais nítidos pois consegue estabelecer uma relação com a situação analítica ou com a pessoa do analista assim revivescendo uma repressão que deveria ser apenas lembrada É também resistência do Eu mas completamente de outra natureza aquela que procede do benefício da doença e que se baseia na assimilação do sintoma ao Eu Ela corresponde à revolta contra a renúncia a uma satisfação ou alívio O quarto tipo de resistência o do Id é o que vi mos como responsável pela necessidade da elaboração A quinta resistência a do Supereu reconhecida por último a mais obscura mas nem sempre mais fraca parece originarse da consciência de culpa ou necessidade de castigo ela desafia todo êxito e portanto também a cura pela análise B ANGÚSTIA POR TRANSFORMAÇÃO DA LIBIDO A concepção da angústia sustentada neste ensaio distanciase em algo daquela que até agora me parecia correta Antes eu considerava a angústia uma reação geral do Eu em condições de desprazer sempre buscava justificar seu apareci mento em termos econômicosam e supunha que com base na investigação das neuroses atuais a libido excitação sexual que é rejeitada ou não utilizada pelo Eu encontra uma descarga direta em forma de angústia Não há como ig norar que essas diferentes afirmações não combinam muito bem ou de toda maneira uma não decorre necessariamente da outra Além disso temse a im pressão de que há um nexo bastante íntimo entre angústia e libido que tam pouco se harmoniza com o caráter geral da angústia como reação de desprazer As objeções a essa concepção vieram da tendência a fazer do Eu a única sede da angústia eram portanto uma das consequências da divisão do aparelho psíquico proposta em O Eu e o Id Na concepção anterior era plausível enxergar na libido do impulso instintual reprimido a fonte da 80312 angústia na nova o Eu tinha de responder por essa angústia Portanto angús tia do Eu ou angústia instintual do Id Como o Eu trabalha com energia des sexualizada também o íntimo nexo entre angústia e libido foi afrouxado na in ovação Espero ter conseguido ao menos deixar clara a oposição traçando niti damente os contornos da incerteza A alegação de Rank de que o afeto da angústia seria como eu próprio havia dito primeiramente uma consequência do ato do nascimento e uma re petição da vivência então experimentada obrigoume a reexaminar o prob lema da angústia Não me levava adiante sua concepção do nascimento como trauma do estado de angústia como reação de descarga a ele de todo novo afeto de angústia como tentativa de abreagir o trauma de forma cada vez mais completa Houve a necessidade de remontar à situação de perigo por trás da reação de angústia Com a introdução desse fator novos pontos de vista se apresentaram à consideração O nascimento tornouse o modelo para todas as ulteriores situações de perigo que se apresentavam nas novas condições do modo de existência alterado e do progressivo desenvolvimento da psique Mas sua significação também foi limitada a esse papel de modelo em relação ao perigo A angústia sentida no nascimento tornouse então o modelo de um es tado afetivo que inevitavelmente partilhava o destino de outros afetos Ou ele se reproduzia automaticamente em situações análogas à situação de origem como forma de reação inadequada depois que ele havia sido adequado na primeira situação de perigo ou o Eu obtinha poder sobre esse afeto e o re produzia ele mesmo servindose dele como advertência ante o perigo e como meio para suscitar a intervenção do mecanismo prazerdesprazer Fezse justiça à importância biológica do afeto da angústia reconhecendose a angús tia como a reação geral à situação de perigo o papel do Eu como sede da an gústia foi confirmado dandose ao Eu a função de produzir o afeto da angústia 81312 conforme suas necessidades Assim na vida posterior foram atribuídas à an gústia duas modalidades de origem uma não desejada automática sempre justificada economicamente quando se produzira uma situação de perigo aná loga à do nascimento e outra gerada pelo Eu quando havia apenas a ameaça de tal situação a fim de requerer que fosse evitada Neste segundo caso o Eu se submetia à angústia como se esta fosse uma vacina aceitando a forma atenu ada de uma doença para escapar ao seu ataque pleno É como se ele imaginasse vivamente a situação de perigo com o inconfundível propósito de limitar a vivência penosa a uma indicação um sinal Já expusemos em detalhe no capítulo VIII como as diferentes situações de perigo se desenvolvem uma após a outra permanecendo no entanto geneticamente ligadas entre si Talvez consigamos avançar um pouco mais na compreensão da angústia se atacarmos o problema da relação entre angústia neurótica e angústia realista A transformação direta de libido em angústia que propusemos antes tornouse agora menos significativa para nós Se ainda assim a levarmos em consideração teremos que distinguir entre vários casos Ela não se aplica à an gústia provocada pelo Eu como sinal tampouco então a quaisquer situações de perigo que induzem o Eu a iniciar uma repressão O investimento libidinal do impulso instintual reprimido tem como se vê tão claramente na histeria de conversão outro emprego que não a transformação e descarga como angústia Mas na discussão subsequente sobre a situação de perigo depararemos com um caso de geração de angústia que provavelmente deverá ser julgado de maneira diversa C REPRESSÃO E DEFESA Ao abordar o problema da angústia retomei um conceito ou mais mod estamente um termo que utilizava exclusivamente quando iniciei meus 82312 estudos sobre o tema trinta anos atrásan e que depois abandonei Refirome a processo de defesa Vim a substituílo por repressão mas a relação entre os dois permaneceu indefinida Agora penso que há uma vantagem segura em retornar ao velho conceito de defesa desde que estabeleçamos que seja uma designação geral para todas as técnicas que o Eu utiliza em seus conflitos que eventualmente conduzem à neurose enquanto repressão fica sendo o nome de um desses métodos de defesa que inicialmente conhecemos melhor devido à direção que tomaram nossas pesquisas Também uma inovação apenas terminológica pede justificação deve ex pressar um novo ponto de vista ou uma ampliação de nossos conhecimentos A retomada do conceito de defesa e a limitação do conceito de repressão levam em conta um fato que há muito é conhecido mas que adquiriu maior im portância graças a algumas descobertas recentes Foi com a histeria que inicial mente aprendemos algo sobre a repressão e a formação de sintomas vimos que o conteúdo da percepção de vivências excitantes e o conteúdo ideativo de formações patogênicas do pensamento são esquecidos e excluídos da re produção na memória e então discernimos no afastamento da consciência uma das características principais da repressão histérica Depois estudamos a neur ose obsessiva e descobrimos que nessa afecção os acontecimentos patogênicos não são esquecidos Permanecem conscientes mas são isolados de uma forma que ainda não concebemos de modo que se alcança aproximadamente o mesmo resultado que na amnésia histérica Mas a diferença é grande o sufi ciente para justificar nossa opinião de que o processo pelo qual a neurose ob sessiva elimina uma exigência instintual não pode ser o mesmo da histeria In vestigações subsequentes nos mostraram que na neurose obsessiva é alcançada por influência da oposição do Eu uma regressão dos impulsos instintuais a uma fase libidinal anterior que não torna supérflua uma repressão mas 83312 claramente atua no mesmo sentido da repressão Além disso vimos que na neurose obsessiva o contrainvestimento que supomos também presente na histeria tem enorme papel na proteção do Eu na forma de alteração reativa do Eu e tivemos a atenção chamada para um processo de isolamento cuja técnica ainda não podemos precisar que acha direta expressão sintomática e para o procedimento quase mágico da anulação do acontecido de cuja tendência defensiva não pode haver dúvidas mas que já não tem semelhança com a repressão Tais observações constituem motivo suficiente para rein troduzir o velho conceito de defesa que pode abranger todos esses processos de igual tendência proteção do Eu contra exigências instintuais e para nele subsumir a repressão como um caso especial A importância de tal denom inação aumenta se consideramos a possibilidade de que um aprofundamento de nossos estudos revele uma íntima conexão entre formas específicas de defesa e determinadas afecções por exemplo entre repressão e histeria Nossa expect ativa se acha voltada além disso para a possibilidade de outra correlação sig nificativa Pode ser que o aparelho psíquico antes da nítida separação em Eu e Id e antes da formação de um Supereu pratique métodos de defesa diferentes dos adotados após atingir esses estágios de organização B OBSERVAÇÕES SUPLEMENTARES SOBRE A ANGÚSTIA O afeto da angústia exibe alguns traços cujo exame promete nos trazer mais es clarecimentos A angústia tem uma inconfundível relação com a expectativa é angústia diante de algoao Nela há uma característica de indeterminação e ausên cia de objeto a linguagem correta chega a mudarlhe o nome quando ela en contra um objeto e o substitui por temor Furcht Além de estar relacionada ao 84312 perigo a angústia tem também relação com a neurose que há muito nos em penhamos em esclarecer Cabe a pergunta de por que nem todas as reações de angústia são neuróticas por que reconhecemos tantas delas como normais e por fim a diferença entre angústia realista e angústia neurótica requer uma apreciação aprofundada Comecemos por essa última questão Nosso progresso foi remontar da reação de angústia à situação de perigo Se aplicarmos essa mesma alteração ao problema da angústia realista a solução deste será fácil Perigo real é um perigo que conhecemos e angústia realista é a angústia ante tal perigo con hecido A angústia neurótica é a angústia ante um perigo que não conhecemos O perigo neurótico tem de ser primeiramente encontrado a análise nos ensin ou que ele é um perigo instintual Ao levar à consciência esse perigo descon hecido do Eu apagamos a diferença entre angústia realista e angústia neurót ica podemos tratar esta última como a primeira No perigo real desenvolvemos duas reações a afetiva a irrupção de angús tia e a ação protetora É de esperar que no perigo instintual ocorrerá o mesmo Conhecemos o caso em que as duas reações atuam conjuntamente de forma adequada uma dando o sinal para que haja a outra mas também o caso inad equado da paralisia gerada pela angústia em que uma se expande à custa da outra Há casos em que características da angústia realista e da angústia neurótica aparecem mescladas O perigo é conhecido e real mas a angústia diante dele é excessiva maior do que poderia ser pelo nosso julgamento O elemento neurótico se mostra neste excesso Mas esses casos nada trazem de novo em termos de princípio A análise revela que um perigo instintual não reconhecido se acha ligado ao perigo real conhecido 85312 Avançaremos mais se não nos contentarmos em fazer a angústia remontar ao perigo Qual é o núcleo o significado da situação de perigo É claramente a avaliação de nossa força em comparação com sua grandeza a admissão de nosso desamparo em relação a ela do desamparo material no caso do perigo real do desamparo psíquico no caso do perigo instintual Nosso julgamento será guiado pelas experiências tidas verdadeiramente se ele erra na avaliação é algo indiferente para o resultado Chamemos traumática tal situação de des amparo vivida teremos um bom motivo então para distinguir a situação traumática da situação de perigo Ora constitui um importante progresso em nossa autopreservação que tal situação traumática de desamparo não seja simplesmente aguardada mas prev ista esperada A situação que inclui a condição para tal expectativa pode ser chamada situação de perigo e nela é dado o sinal para a angústia Esse quer dizer estou esperando uma situação de desamparo ou a situação atual me lembra uma das vivências traumáticas já sofridas Por isso antecipo esse trauma vou me comportar como se ele já tivesse chegado enquanto ainda há tempo para afastálo Portanto a angústia é de um lado expectativa do trauma e de outro lado repetição atenuada do mesmo As duas características que nos chamaram a atenção na angústia têm origens diversas portanto Sua relação com a expectativa se liga à situação de perigo sua indeterminação e ausência de objeto à situação traumática de desamparo que é antecipada na situação de perigo Tomando a sequência angústiaperigodesamparo trauma podemos agora fazer o seguinte resumo A situação de perigo é a reconhecida re cordada esperada situação de desamparo A angústia é a original reação ao de samparo no trauma que depois é reproduzida na situação de perigo como sinal para ajuda O Eu que viveu passivamente o trauma repete ativamente uma 86312 reprodução atenuada do mesmo na esperança de poder ele próprio dirigir seu curso Sabemos que a criança se comporta dessa maneira com todas as im pressões que lhe são penosas reproduzindoas na brincadeira ao assim mudar da passividade para a atividade ela busca dominar psiquicamente as im pressões de sua vida Se este for o sentido da abreação de um trauma não há mais o que objetar a isso O decisivo porém é o primeiro deslocamento da reação de angústia de sua origem na situação de desamparo à expectativa dessa a situação de perigo Seguemse depois os deslocamentos do perigo para a condição para o perigo a perda do objeto e as já mencionadas modificações dessa perda Mimar excessivamente uma criança traz a consequência indesejável de que o perigo de perder o objeto o objeto sendo proteção contra todas as situ ações de desamparo é bastante aumentado em relação a todos os demais perigos Mimar em demasia favorece a permanência na infância idade carac terizada pelo desamparo motor e psíquico Até agora não tivemos ensejo de considerar a angústia realista de modo di verso da angústia neurótica Conhecemos a distinção o perigo real ameaça a partir de um objeto externo o neurótico a partir de uma exigência instintual Na medida em que essa exigência instintual é uma coisa real podese também admitir um fundamento real para a angústia neurótica Já compreendemos que se parece haver uma relação muito íntima entre angústia e neurose é porque o Eu se defende tanto de um perigo instintual como de um perigo real externo com a reação de angústia mas que devido a uma imperfeição do aparelho psíquico essa orientação da atividade defensiva resulta em neurose Também chegamos à convicção de que frequentemente a exigência instintual se torna um perigo interno apenas porque sua satisfação acarretaria um perigo exter no ou seja porque esse perigo interno representa um externo 87312 Por outro lado também o perigo externo real deve ter sofrido uma in ternalização para se tornar significativo para o Eu deve ser visto em sua re lação com uma situação de desamparo vivida7 O ser humano não parece ter sido dotado de um conhecimento instintivo dos perigos que ameaçam de fora ou se o foi apenas em grau bastante modesto As crianças pequenas não cessam de fazer coisas que lhes trazem perigo de vida e justamente por isso não podem ficar sem o objeto protetor Perigo externo e interno perigo real e exigência instintual convergem na relação com a situação traumática em que o indivíduo se encontra desamparado O Eu pode experimentar num caso uma dor que não cessa em outro um acúmulo de necessidades que não obtêm satisfação a situação econômica é a mesma em ambos os casos e o desamparo motor acha expressão no desamparo psíquico As enigmáticas fobias da primeira infância merecem ser novamente men cionadas aqui Algumas delas medo de estar só da escuridão de pessoas desconhecidas pudemos compreender como reações ao perigo de perder o objeto outras medo de pequenos animais de tempestade etc talvez ad mitam a explicação de serem resíduos atrofiados de um preparo congênito em relação aos perigos reais que em outros animais se acha claramente desen volvido Nos seres humanos é adequada apenas a parte dessa herança arcaica que concerne à perda do objeto Quando essas fobias infantis se tornam fixas e se fortalecem mantendose até a vida adulta a análise demonstra que seu con teúdo estabeleceu relação com exigências instintuais passou a representar perigos internos também C ANGÚSTIA DOR E LUTO 88312 Sabese tão pouco da psicologia dos sentimentos que as tímidas observações aqui oferecidas devem ser julgadas com enorme indulgência O problema surge a propósito da conclusão seguinte Tivemos de afirmar que a angústia vem a ser uma reação ao perigo da perda de objeto Ora já conhecemos uma reação à perda de objeto é o luto Então quando ocorre uma e quando a outra Ocupamonos anteriormente do luto8 e nele há um traço que per manece incompreendido sua natureza particularmente dolorosa O fato de a separação do objeto ser dolorosa nos parece evidente contudo Então o prob lema se complica ainda mais quando é que a separação do objeto traz angústia quando ocasiona luto e quando apenas dor talvez Deixemos claro de imediato que não há perspectiva de fornecermos res postas a essas perguntas Vamos nos contentar em fazer algumas demarcações e algumas indicações Tomemos como ponto de partida mais uma vez uma situação que acredit amos compreender aquela do bebê que avista em lugar da mãe uma pessoa desconhecida Mostra então o medo que interpretamos por referência ao perigo da perda de objeto Mas tratase provavelmente de algo mais complic ado que merece discussão mais demorada Não há dúvida quanto à angústia do bebê mas a expressão facial e a reação de choro permitem supor que ele sente dor também É como se nele confluíssem várias coisas que depois serão diferenciadas Ele ainda não é capaz de distinguir entre ausência temporária e perda duradoura se perde a mãe de vista um momento age como se nunca mais fosse vêla e são necessárias repetidas experiências contrárias consol adoras até que ele aprenda que a mãe sempre costuma reaparecer Ela faz amadurecer esse conhecimento tão importante para ele com a familiar brin cadeira de ocultarlhe o rosto e em seguida novamente mostrálo para alegria 89312 do bebê Então ele pode digamos sentir anseio que não é acompanhado de desespero Devido à sua incompreensão a situação em que ele sente falta da mãe não é para ele uma situação de perigo mas sim traumática ou melhor é traumática se nesse instante ele tem uma necessidade que a mãe deveria satisfazer transformase em situação de perigo se tal necessidade não é atual Portanto a primeira condição para a angústia que o próprio Eu introduz é a da perda da percepção do objeto que é equiparada à da perda do objeto Uma perda do amor ainda não entra em consideração Mais tarde a experiên cia ensina à criança que o objeto pode continuar existindo mas estar zangado com ela e então a perda do amor do objeto tornase um novo bem mais per sistente perigo e condição de angústia A situação traumática da falta da mãe difere num ponto decisivo da situ ação traumática do nascimento Neste não havia objeto que pudesse fazer falta A angústia era a única reação a ocorrer Desde então repetidas situações de satisfação criaram o objeto que é a mãe que surgindo na criança uma ne cessidade recebe um investimento intenso que pode ser denominado anseio A essa novidade devemos relacionar a reação da dor Portanto a dor é reação propriamente dita à perda do objeto e a angústia ao perigo que essa perda traz consigo e em deslocamento posterior ao perigo da perda do próprio objeto Também acerca da dor não sabemos muito O único fato de que há certeza é que a dor inicialmente e por via de regra nasce quando um estímulo que ataca na periferia rompe os dispositivos que protegem contra estímulos e passa a agir como um estímulo instintual constante diante do qual são impot entes as ações musculares normalmente eficazes que subtraem ao estímulo o local estimuladoap Se a dor não vem de um ponto da pele mas de um órgão 90312 interno nada muda na situação apenas sucede que uma porção da periferia in terna tomou o lugar da externa Obviamente a criança tem oportunidade de passar por experiências de dor desse tipo que são independentes de suas ex periências de necessidades Mas essa condição para o surgimento da dor parece ter bem pouca semelhança com uma perda de objeto e além disso o fator es sencial para a dor que é a estimulação periférica falta completamente na situ ação de anseio da criança E contudo não desprovido de sentido que a lin guagem tenha criado o conceito de dor interna psíquica e que compare à dor física o sentimento da perda de objeto Na dor física há um forte investimento no local dolorido do corpo investi mento esse que podemos chamar narcísico que aumenta cada vez mais e age sobre o Eu de modo digamos esvaziador É sabido que ao sentir dor em órgãos internos temos noções espaciais e de outro tipo das partes do corpo en volvidas que normalmente não são representadas na imaginação consciente Também o fato notável de que havendo distração psíquica gerada por um in teresse de outra espécie as mais intensas dores físicas não aparecem aqui não se pode dizer permanecem inconscientes acha explicação no fato de haver concentração de investimento no representante psíquico do local dolorido do corpo Neste ponto parece estar a analogia que permite a transferência da sensação da dor para o âmbito psíquico O forte investimento com anseio no objeto que faz falta perdido sempre crescente porque não pode ser ac almado cria as mesmas condições econômicas que o investimento no local ferido do corpo e torna possível ignorar o prérequisito da origem periférica da dor física A passagem de dor física para dor psíquica corresponde à mudança de investimento narcísico para objetal A noção de objeto altamente investida pelas necessidades desempenha o papel do local do corpo investido pelo aumento de estímulo A natureza contínua do processo de investimento e 91312 a impossibilidade de inibilo produzem o mesmo estado de desamparo psíquico Se a sensação de desprazer que então nasce tem o caráter específico da dor que não pode ser mais precisamente definido em vez de manifestarse na forma de reação da angústia é razoável atribuir isso a um fator ainda pouco aproveitado em nossa explicação o alto nível de investimento e ligação em que ocorrem tais processos que conduzem à sensação de desprazer Conhecemos ainda outra reação emocional à perda de objeto o luto Mas sua explicação já não oferece dificuldades Ele surge por influência do exame da realidade que exige categoricamente que o indivíduo se separe do objeto porque esse não existe mais Cabe ao luto a tarefa de executar esse desprender se do objeto em todas as situações em que o objeto era alvo de grande investi mento O caráter doloroso dessa separação condiz com a explicação acima a do elevado e irrealizável investimento com anseio no objeto na reprodução das situações em que a ligação ao objeto deve ser dissolvida a No original Angst palavra que significa tanto medo como angústia algo que o leitor deve ter presente ao longo de todo este trabalho em que os dois termos serão usados alter nadamente cf capítulo sobre Angst em Paulo César de Souza As palavras de Freud São Paulo Companhia das Letras 2a ed revista 2010 De modo semelhante Hemmung normal mente traduzido por inibição também admite os sentidos de impedimento entrave es torvo freio e seu verbo cognato hemmen pode ser vertido por obstruir reter refrear difi cultar tolher etc Um bom exemplo tomado de outra área é Hemmschuh que significa sap ata do freio na engenharia mecânica Schuh sapato corresponde ao inglês shoe tendo a mesma pronúncia As notas chamadas por asteriscos e as interpolações às notas do 92312 autor entre colchetes são de autoria do tradutor As notas do autor são sempre numeradas b No original Erogeneität substantivo correspondente ao adjetivo erogen erógeno c No original Triebrepräsentanz nas versões estrangeiras consultadas representación in stintiva representante de pulsión rappresentanza pulsionale représentance pulsionelle psychical rep resentative of the impulse instinctual representative driverepresentamen com nota driftrepres entant Além daquelas normalmente utilizadas duas em espanhol da Biblioteca Nueva e da Amorrortu a italiana da Boringhieri e a inglesa da Standard edition pudemos dispor da versão francesa orientada por J Laplanche PUF da primeira tradução inglesa de Joan Riviere em Great Books of the Western World v 54 da mais recente inglesa de John Red dick Penguin e da holandesa da editora Boom como sempre elas são citadas por ordem decrescente de proximidade ao português e havendo mais de uma num idioma por ordem cronológica Cf notas relativas a Triebrepräsentanz e alguns outros termos compostos da metapsicologia freudiana no v 12 destas Obras completas pp 59 78 86 100 115 125 d O conceito de símbolo mnêmico Erinnerungssymbol em que Erinnerung recordação é explicado nas últimas páginas da primeira das Cinco lições de psicanálise 1910 e No ensaio A repressão de 1915 f Vorgang que também pode ser traduzido por evento g Cf Estudos sobre a histeria 1895 cap 4 seção 3 h Ocupação é outro significado do termo Besetzung que nos textos psicanalíticos se traduz por investimento cf capítulo sobre a tradução de Besetzung em As palavras de Freud op cit i Benefício da doença Krankheitsgewinn literalmente ganho da doença é um conceito discutido na 24a das Conferências introdutórias à psicanálise 19167 e numa longa nota acres centada em 1923 a Fragmento da análise de um caso de histeria Caso Dora 1905 cap I As edições estrangeiras consultadas o traduzem por ventaje de la enfermedad ganancia de la enfermedad tornaconto della malattia bénéficedemaladie esses dois pontos são uma peculi aridade da tradução francesa dirigida por J Laplanche epinosic gain gain from illness illness gain com nota ziektewinst 1 Análise da fobia de um garoto de cinco anos 1909 j Imaginar no original konstruieren que literalmente significa construir As versões es trangeiras consultadas empregam omissão na antiga tradução espanhola construir 93312 costruire construire postulate idem idem construeren Seria possível manter a tradução literal para enfatizar o uso freudiano do termo cf o título de um dos seus últimos ensaios Kon struktionen in der Analyse de 1937 mas no presente contexto ela nos parece muito forçada Os dicionários alemãoportuguês de Udo Schau ed Porto e de L Tochtrop Globo oferecem apenas construir mas o alemãoespanhol de Slaby Grossmann e Illig bem mais volumoso traz também diseñar proyectar trazar Também no parágrafo seguinte o verbo é traduzido por imaginar e impulso instintual é uma versão não muito feliz para Triebre gung a mesma adotada na Standard inglesa mas não tão infeliz quanto a alternativa moção pulsional sendo que na mesma frase impulso é versão literal de Impuls l Cf Caso do pequeno Hans cap II 2 História de uma neurose infantil 1918 k Literalmente homem de bolo de gengibre também designa um biscoito de gengibre com formato de pessoa l Cf Os instintos e seus destinos 1914 no v 12 destas Obras completas onde o termo empregado porém é reversão Verkehrung em vez de transformação Verwandlung m Conteúdos do medo Angstinhalte O tradutor da mais recente versão inglesa John Red dick recorre a uma paráfrase para verter essa expressão the particular notions attaching to the individuals fear as noções particulares ligadas ao medo dos indivíduos e justificase numa nota que é pertinente reproduzir aqui parte dela O problema está no uso especial que Freud faz do termo Inhalt plural Inhalte Na utilização comum ele significa apenas con teúdos de um livro ou de um pote de doces por exemplo Mas conteúdos indica algo ob jetivo ao passo que Freud geralmente usa a palavra para designar a leitura que o sujeito faz de sua psique as noções ou sentidos subjetivos que ligamos aos fenômenos psíquicos o medo fear no caso Inhibition symptom and fear em Beyond the Pleasure Principle and Other Writings Londres Penguin 2003 p 26 Esse termo que também traduzimos por teor aparecerá outras vezes ao longo deste ensaio n Medo realista Realangst ver também nota sobre a tradução de Angst acima p 15 o Cf Sobre os motivos para separar da neurastenia como neurose de angústia um de terminado complexo de sintomas 1895 1894 p Literalmente Não é claro Não convence antiga fórmula jurídica utilizada quando as provas não eram conclusivas 94312 3 Cf A predisposição à neurose obsessiva 1913 q Triebentmischung cf nota sobre o termo em nossas traduções de O Eu e o Id 1923 e A negação 1925 no volume 16 destas Obras completas r O autêntico teor der eigentliche Wortlaut nas traduções consultadas el verdadero sentido el texto genuino lenunciato preciso lénoncé véritable the actual text the actual wording the real purport de eigenlijke woordelijke inhoud s Impuls no original na maioria das vezes impulso é a tradução dada a Regung nesta edição t Cf a propósito Observações sobre um caso de neurose obsessiva O Homem dos Ra tos 1909 parte I seção C nota e início da parte II 4 Cf Reik Geständniszwang und Strafbedürfnis A compulsão à confissão e a necessidade de castigo 1925 p 51 u Anulação do acontecido no original Ungeschehenmachen substantivado com a maiúscula literalmente fazer tornar não acontecido desfazer o acontecido nas versões es trangeiras consultadas dehacer lo sucedido el anular lo acontecido com o original entre chaves il rendere non avvenuto le rendre non avenu undoing what has been done idem com nota obliteration of past events com nota ongedaan maken No mesmo parágrafo fazer de saparecer traduz wegblasen que literalmente significa fazer desaparecer soprando as ver sões consultadas apresentam suprimir hacer desaparecer soffiar via enlever en soufflant des sus blow away idem vanish into thin air wegblazen O novo tradutor inglês inclui a seguinte nota sobre a expressão simbolismo motor que surge na mesma frase do termo anterior A expressão de Freud motorische Symbolik é fácil de traduzir mas não tão fácil de entender v Cf O malestar na civilização cap VII e VIII w A Primeira Guerra Mundial x Cf Luto e melancolia 1917 y Entendimento uma das várias traduções possíveis para Einsicht as oito versões es trangeiras consultadas têm outras sete opções o termo holandês equivale ao alemão conocimiento intelección formula conclusiva manière de voir idea something decisive insight in zicht cf nota sobre a tradução do termo em Nietzsche Além do bem e do mal trad Paulo César de Souza São Paulo Companhia das Letras 1992 nota 67 95312 z Compleição psíquica seelische Verfassung no original nas versões consultadas esquema mental conformación anímica condizione psichica état animique mental constitution mental make up psychic makeup psychische toestand 5 Rank Das Trauma der Geburt und seine Bedeutung für die Psychoanalyse O trauma do nasci mento e seu significado para a psicanálise Internationale Psychoanalytische Bibliothek XIV 1924 aa Imagem mnemônica como frequentemente ocorre na tradução de termos científicos alemães para o português o adjetivo de origem grega faz o conceito parecer mais difícil do que é na realidade o termo original Erinnerungsbild designa simplesmente a imagem Bild guardada na lembrança Erinnerung no caso é a imagem da mãe que a criança conserva ab Desamparo no original Hilflosigkeit nas versões estrangeiras consultadas desamparo desvalimiento impotenza désaide helplessness nas três de língua inglesa hulpeloosheid ac Também no original a frase é insólita Es ist jetzt nicht mehr so leicht anzugeben was die Angst befürchtet ad Está claro que sede nessa frase designa assento morada matriz sendo pronun ciada com o primeiro e aberto séde e não deve ser confundida com o desejo ou ne cessidade de beber em que esse e é fechado A tendência de suprimir os acentos diferen ciais que há anos ou décadas predomina entre os legisladores de nosso idioma tem dificultado a percepção das nuances ou diferenças entre os termos 6 Após a diferenciação entre Eu e Supereu era inevitável que também nosso interesse nos problemas da repressão experimentasse novo alento Até então nos contentávamos em abordar os aspectos do fenômeno que diziam respeito ao Eu o afastamento da consciência e da motilidade e a formação substitutiva de sintomas quanto ao impulso instintual mesmo supúnhamos que permanecia inalterado no inconsciente por tempo indefinido Agora nosso interesse se volta para as vicissitudes do elemento reprimido e suspeitamos que essa sobrevivência inalterada e inalterável não seja algo natural talvez nem sequer ha bitual O impulso instintual original é certamente inibido e desviado de sua meta pela repressão Mas permaneceu ele no inconsciente de forma rudimentar mostrandose resist ente às influências da vida alteradoras e depreciadoras Existem ainda aqueles velhos desejos de cuja existência a psicanálise nos informou A resposta parece fácil e segura os velhos desejos reprimidos têm de subsistir no inconsciente já que ainda vemos em atuação seus derivados os sintomas Mas ela não é suficiente não permite decidir entre duas pos sibilidades se o velho desejo agora atua apenas através de seus derivados aos quais 96312 transferiu toda a sua energia de investimento ou se ele próprio também se conserva ainda Se o seu destino foi exaurirse no investimento de seus derivados há ainda uma terceira possibilidade a de que ele tenha sido reavivado pela regressão no curso da neurose por mais intempestivo que seja atualmente Estas considerações não devem ser tidas como supérfluas muitas coisas tanto na vida psíquica normal como na patológica parecem requerer que sejam lançadas estas questões Em meu estudo sobre a dissolução do com plexo de Édipo 1924 pude notar a diferença entre a mera repressão e a efetiva anulação de um velho impulsodesejo ae Aviamento Erledigung do verbo erledigen que significa aviar resolver despachar e também eliminar os primeiros sentidos nos parecem mais pertinentes no uso que Freud faz do termo aqui e em outros lugares e por isso discordamos dos tradutores que recorr em a este último Eis o que as versões consultadas apresentam que se necesitan utilizar que aguardan trámite che pretendono di essere liquidati requérant liquidation which require to be dis posed of idem that require urgent processing om afwerking vragende que requer terminação af Ansiedade tradução que aqui se dá a Ängstlichkeit substantivo formado a partir de ängstlich temeroso angustiado ansioso naturalmente relacionado a Angst aqui vertido por angústia ou medo como se disse numa nota anterior as versões consultadas o traduzem por angustia estado de angustia ansietà anxiété apprehensiveness idem anxiety sendo que Angst é traduzida por fear angstigheid ag À margem no original vogelfrei nas versões consultadas omissão na antiga tradução espanhola proscrito proscritto hors la loi com nota sobre o termo as it were out lawed as it were an outlaw beyond the pale vogelvrij ah Em O Eu e o Id 1923 parte III a referida vicissitude por que passou a espécie humana é explicitada seria a Era Glacial Sobre o termo precipitado como versão literal de Nieder schlag ver nota do tradutor no v 16 destas Obras completas p 94 aj Conformes ao Eu Ichgerecht nas versões consultadas egosintónicos acordes con el yo in sintonia con lIo conformes au moi egosyntonic idem egoaccordant com nota Ikadequat ak René Laforgue Verdrängung und Skotomisation Repressão e escotomização Interna tionale Zeitschrift für Psychoanalyse 1926 v 12 pp 5465 O termo escotomização é discutido por Freud no artigo O fetichismo de 1927 al Em O Eu e o Id 1923 final do cap I 97312 am Em termos econômicos ökonomisch o termo não se acha no texto dos Gesammelte Werke que utilizamos mas sim no da Studienausgabe v VI Uma nota de James Strachey esclarece que ele se encontra na primeira edição alemã deste trabalho mas foi omitido provavelmente por descuido nas que se seguiram an Cf As neuropsicoses de defesa 1894 ao No original Angst vor etwas a preposição vor tem também sentido temporal antes de A expressão como já vimos também pode ser vertida por medo de diante de algo 7 Pode muito bem ocorrer que numa situação de perigo corretamente avaliada como tal um quê de angústia instintual se acrescente à angústia realista A exigência instintual cuja sat isfação atemoriza o Eu seria então a masoquista o instinto de destruição voltado contra a própria pessoa Talvez esse acréscimo explique os casos em que a reação de angústia é ex cessiva inadequada paralisante As fobias de altura de janelas torres abismos poderiam ter essa origem seu oculto significado feminino está ligado ao masoquismo 8 Luto e melancolia 1917 ap Cf Além do princípio do prazer 1920 cap IV 98312 A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA DIÁLOGO COM UM INTERLOCUTOR IMPARCIAL 1926 TÍTULO ORIGINAL DIE FRAGE DER LAIENANALYSE UNTERRREDUNGEN MIT EINEM UNPARTEIISCHEN PUBLICADO PRIMEIRAMENTE COMO VOLUME AUTÔNOMO VIENA INTERNATIONALER PSYCHOANALYTISCHER VERLAG EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIONAL 123 PP TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 20986 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE ERGÄNZUNGSBAND VOLUME COMPLEMENTAR PP 271341 INTRODUÇÃO O título desta pequena obra não é imediatamente compreensível Então devo explicálo leiga significa não praticada por médicos e a questão seria se também aos não médicos deve ser permitido exercer a psicanálise Essa questão é condicionada pelo tempo e pelo lugar Pelo tempo dado que até agora ninguém se preocupou com o fato de quem exerce a psicanálise Sim as pessoas preocuparamse muito pouco em relação a isso concordaram isto sim no desejo de que ninguém deveria praticála justificandose com razões diversas todas baseadas na mesma aversão Logo a exigência de que apenas médicos devem ser analistas corresponde a uma atitude nova e aparentemente mais amigável diante da psicanálise contanto que escape à suspeita de ser apenas uma ramificação um tanto modificada da atitude anterior É admitido que em certas circunstâncias se realize um tratamento analítico mas nesse caso apenas médicos devem poder realizálo O porquê dessa limitação é que será examinado A questão é também condicionada pelo lugar pois não apresenta o mesmo alcance em todos os países Na Alemanha e na América é uma discussão pura mente acadêmica já que nesses países cada qual pode se tratar como e com quem quiser e quem assim desejar pode como curandeiroa tratar qualquer paciente desde que assuma a responsabilidade por seus atos A lei interfere apenas quando é chamada para fazer com que se pague por um dano causado ao cliente Mas na Áustria país no qual e para o qual escrevo a lei é pre ventiva proíbe ao não médico realizar tratamentos sem esperar o resultado deles1 Portanto aqui tem sentido prático a questão de os leigos não médi cos poderem ou não tratar doentes com a psicanálise Ao ser lançada porém ela já parece estar resolvida no próprio texto da lei Neuróticos são doentes leigos são não médicos a psicanálise é um procedimento para a cura ou mel hora das enfermidades neuróticas por consequência não é permitido que lei gos pratiquem a análise em neuróticos e se o fizerem poderão ser punidos Numa situação tão simples dificilmente alguém ousaria se ocupar da questão da análise leiga No entanto há algumas complicações que a lei não considera e que por isso mesmo exigem a nossa atenção Pode suceder que os doentes nesse caso não sejam como outros doentes que os leigos não sejam propria mente leigos e que os médicos não ofereçam exatamente aquilo que se espera dos médicos em que eles baseiam suas prerrogativas Se isso for provado será justo solicitar que a lei não seja aplicada sem modificações ao caso presente I A decisão dependerá de pessoas que não são obrigadas a conhecer as peculiar idades de um tratamento analítico Nossa tarefa é instruir acerca de tais peculi aridades esses indivíduos imparciais que supomos ainda não informados atual mente Lamentamos não poder convidálos a assistir a um tratamento desses A situação analítica não admite uma terceira pessoa Além disso as sessões de tratamento têm valor desigual esse espectador não qualificado ao presen ciar uma sessão qualquer não teria normalmente uma impressão que lhe fosse útil correria o risco de não entender o que se passa entre o analista e o pa ciente ou ficaria entediado Assim de bom grado ou não ele terá de se con tentar com nossas informações que buscaremos transmitir da maneira mais fidedigna possível O paciente talvez sofra de flutuações de humor que não consegue dominar ou de um desânimo que o faz sentirse paralisado em sua energia por não 101312 acreditarse capaz de fazer algo corretamente ou de angustiado embaraço no meio de estranhos Ele pode se dar conta sem compreender por quê de que sente dificuldades na execução de seu trabalho profissional e também de qualquer medida ou empreendimento mais sério Um dia não sabe como foi tomado de um doloroso acesso de angústia e desde então não consegue sem enorme esforço andar na rua ou tomar um trem sozinho talvez tenha de sistido de fazer ambas as coisas Ou o que é muito curioso seus pensamentos seguem seus próprios caminhos não se deixando guiar por sua vontade Perseguem problemas que lhe são indiferentes mas dos quais ele não consegue se desprender Ele também se vê obrigado a fazer coisas ridículas como contar o número de janelas nas fachadas das casas e um instante após realizar atos simples como fechar a torneira do gás ou lançar cartas na caixa do correio fica em dúvida se realmente os fez Isso pode ser apenas irritante e importuno mas a situação fica intolerável quando de repente ele não consegue afastar a ideia de que empurrou uma criança para debaixo das rodas de um carro de que jogou um desconhecido na água do alto de uma ponte ou quando chega a se perguntar se não é o homicida que a polícia busca como autor de um crime recémdescoberto É um evidente absurdo ele bem sabe nunca fez mal a nin guém mas ainda que fosse realmente o assassino procurado a sensação o sentimento de culpa não poderia ser mais forte Ou nosso paciente digamos que seja agora uma mulher sofre de outra forma em outra área É uma pianista mas seus dedos têm cãibras não lhe obedecem Ou a paciente pretende ir a uma recepção mas logo sente uma necessidade cuja satisfação seria incompatível com uma reunião social Então ela deixa de ir a recepções bailes concertos peças de teatro Nas circunstân cias mais inoportunas é acometida de fortes dores de cabeça ou alguma outra sensação dolorosa Talvez ela tenha vômitos a cada refeição o que pode se 102312 tornar perigoso com o tempo Por fim lamentavelmente ela não suporta agit ações que são parte inevitável da vida Nessas ocasiões perde os sentidos muitas vezes tendo contrações musculares que lembram estados patológicos inquietantes Outros doentes sofrem distúrbios num âmbito especial em que a vida emocional está ligada a exigências feitas ao corpo Tratandose de homens sentemse incapazes de dar expressão física aos mais ternos impulsos que lhes inspira o outro sexo ao passo que talvez disponham de todas as reações em face de objetos pouco amados Ou sua sensualidade os liga a pessoas que de sprezam das quais gostariam de se libertar Ou lhes impõe condições cujo cumprimento é repulsivo para eles mesmos Tratandose de mulheres sentem se impedidas de ceder às exigências da vida sexual por angústia por nojo ou por entraves desconhecidos ou tendose rendido ao amor veemse privadas do prazer que a natureza instituiu como prêmio para tal docilidade Todas essas pessoas se reconhecem como doentes e procuram médicos dos quais se espera afinal que curem esses transtornos nervosos Os médicos tam bém possuem as categorias em que são classificados esses distúrbios Eles os diagnosticam segundo seus critérios dandolhes nomes diversos neurastenia psicastenia fobias neurose obsessiva histeria Examinam os órgãos onde se manifestam os sintomas coração estômago intestino genitais e veem que es tão sadios Recomendam interrupções no modo de vida habitual descansos procedimentos revitalizantes medicamentos tônicos e assim obtêm alívios passageiros ou não Por fim esses doentes ouvem que existem pessoas que se dedicam ao tratamento desses problemas e dão início a uma análise com elas Nosso interlocutor imparcial que imagino aqui presente deu sinais de im paciência enquanto expúnhamos os sintomas dos neuróticos Neste ponto ele 103312 se mostra atento curioso e diz o seguinte Agora vamos saber o que o an alista faz com o paciente a quem o médico não pôde ajudar Tudo o que acontece entre eles é que falam um com o outro O analista não usa instrumentos nem sequer para um exame e não prescreve medica mentos Sempre que possível deixa inclusive que o doente permaneça no seu ambiente e com suas relações habituais enquanto o trata Naturalmente isso não é uma condição nem pode ser sempre realizado O analista recebe o pa ciente em determinada hora do dia deixao falar escutao fala com ele e faz com que o escute Com isso o rosto de nosso interlocutor mostra sinais inconfundíveis de re laxamento e alívio mas também de algum menosprezo É como se estivesse pensando Nada além disso Palavras palavras e palavras como diz o prín cipe Hamlet Certamente também lhe passa pela cabeça a tirada zombeteira de Mefistófeles sobre como é fácil manejar palavras versos que nenhum alemão pode esquecerb Ele diz também Então isso é uma espécie de mágica você fala e a doença dele desaparece Exatamente seria mágica se tivesse efeito rápido Na magia é essencial a rapidez o êxito imediato podese dizer Mas os tratamentos psicanalíticos requerem meses e até mesmo anos uma mágica assim lenta já não tem o caráter de algo maravilhoso Por outro lado não podemos desprezar a palavra É um instrumento poderoso o meio de comunicarmos nossos sentimentos o caminho para termos influência sobre as demais pessoas Palavras podem be neficiar enormemente ou infligir danos terríveis Sem dúvida no começo foi o atoc a palavra veio depois em vários aspectos significou um progresso cultur al que atenuandose o ato se transformasse em palavra Mas a palavra era ori ginalmente magia um ato mágico e ainda conserva muito de sua velha força 104312 O interlocutor imparcial prossegue Digamos que o paciente não esteja mais preparado para entender o tratamento analítico do que eu como pretende fazêlo acreditar na magia da palavra ou da fala que deve livrálo de seus sofrimentos Temos de preparálo naturalmente e há um meio simples de fazêlo Pedi mos que seja totalmente sincero com seu analista que não guarde intencional mente nada do que lhe vem à cabeça e depois que ignore toda reserva que o impediria de comunicar certos pensamentos ou recordações Todo indivíduo sabe que tem dentro de si coisas que preferiria não comunicar a outros ou que absolutamente não comunicaria São suas intimidades Além disso pres sente o que constitui um grande avanço no conhecimento psicológico que há também coisas que a pessoa não quer confessar a si mesma que de bom grado esconde de si mesma e que por isso logo interrompe e afasta do pensamento quando ainda assim afloram Talvez ela própria perceba o gér men de um curioso problema psicológico nessa situação em que um pensamento seu deve ser mantido oculto de si mesma É como se seu Eud não fosse mais a unidade que ela sempre achou que fosse como se nele houvesse ainda outra coisa capaz de se contrapor a ele A pessoa talvez note obscura mente algo assim como uma oposição entre o Eu e a vida psíquica num sen tido mais amplo Então se atender a solicitação para dizer tudo facilmente partilhará a expectativa de que comunicar e trocar pensamentos sob condições tão inusitadas também pode produzir efeitos peculiares Entendo diz nosso ouvinte imparcial Vocêe supõe que todo neurótico tem algo que o oprime um segredo e ao fazer com que ele o exponha livrao do peso e o faz sentirse bem Mas esse é o princípio da confissão desde sempre utilizado pela Igreja católica para assegurar seu domínio sobre os espíritos 105312 Sim e não devemos responder A confissão é parte da análise como sua in trodução digamos Mas está longe de constituir a essência da análise ou de ex plicar seu efeito Na confissão o pecador diz o que sabe na análise o neurótico deve dizer mais E não temos notícia de que a confissão tenha desenvolvido a capacidade de eliminar sintomas patológicos Então não compreendo responde ele O que pode significar isto dizer mais do que se sabe Posso imaginar que como analista você adquira maior influência sobre o paciente do que o padre confessor sobre o penitente pois se dedica a ele por muito mais tempo de modo mais intenso e mais individual e que use essa grande influência para desenredálo de seus pensamentos doentios dissuadilo de seus temores etc Seria bastante notável se por essa via se chegasse a controlar fenômenos puramente físicos como diarreia vômitos e contrações mas sei que é possível influenciar de tal forma uma pessoa quando ela se encontra hipnotizada É provável que você consiga com todo o seu em penho em relação ao paciente um vínculo hipnótico desse gênero uma ligação sugestiva à sua pessoa mesmo que não pretenda isso e os milagres de sua terapia seriam então efeitos da sugestão hipnótica Pelo que sei no entanto a terapia hipnótica funciona de modo bem mais rápido que sua análise que como você diz dura meses e anos Nosso interlocutor imparcial não é nem tão ignorante nem tão desori entado como o julgamos inicialmente É inegável que ele tenta compreender a psicanálise com o auxílio de seus conhecimentos anteriores que busca associá la a coisas que já sabe Temos agora a difícil tarefa de explicarlhe que não conseguirá fazêlo que a análise é um procedimento sui generis algo novo e peculiar que apenas mediante novas percepçõesf ou se preferirem suposições pode ser compreendida Mas ainda lhe devemos uma resposta a suas últimas observações 106312 O que você diz sobre a influência especial exercida pela pessoa do analista é certamente digno de nota Tal influência existe e tem um grande papel na anál ise Mas não o mesmo que no hipnotismo É possível provar que as duas situ ações são muito diferentes Deve bastar a observação de que não empregamos essa influência pessoal o fator sugestivo para suprimir os sintomas da doença como ocorre na sugestão hipnótica Além do mais seria um erro acreditar que apenas esse fator é o veículo e promotor do tratamento No iní cio talvez mas depois ele se opõe a nossos propósitos analíticos obrigando nos a tomar extensas medidas contrárias Gostaria também de lhe dar um ex emplo de como são alheias à técnica psicanalítica a distração e a dissuasão Se o paciente sofre de um sentimento de culpa como se tivesse cometido um grave delito nós não o aconselhamos a ignorar seus tormentos de consciência enfat izando sua indubitável inocência isso ele já procurou fazer sem sucesso O que fazemos isto sim é advertilo de que um sentimento tão forte e persistente deve estar baseado em uma coisa real que talvez possa ser encontrada Eu me surpreenderia observa o interlocutor imparcial se você fosse capaz de aplacar o sentimento de culpa do seu paciente concordando assim com ele Mas quais são seus propósitos analíticos e o que faz você com o paciente II Para fazerme compreender tenho de informálo sobre uma teoria psicológica que não é conhecida ou considerada fora dos círculos analíticos Dessa teoria se poderá deduzir facilmente o que desejamos do paciente e de que modo o ob temos Eu a exporei de forma dogmática como se ela fosse um edifício teórico 107312 acabado Não pense no entanto que ela nasceu assim pronta como um sis tema filosófico Nós a desenvolvemos bastante lentamente muito pelejamos por cada pedaço dela sempre a modificamos em contato com a observação até finalmente ela adquirir uma forma em que parece nos bastar para nossa finalid ade Ainda alguns anos atrás eu teria que expor essa teoria em termos difer entes Naturalmente não posso lhe garantir que a forma em que hoje é ex pressa será definitiva Como sabe a ciência não é uma revelação ela carece muito depois de seus primórdios dos atributos de certeza imutabilidade e in falibilidade pelos quais o pensamento humano tanto anseia Ainda assim é tudo o que podemos ter Se também levar em conta que nossa ciência particu lar é muito jovem tem quase a idade do século e que se ocupa da matéria talvez mais difícil que se pode oferecer à investigação humana poderá então adotar a atitude correta perante minha exposição Mas não hesite em me inter romper sempre que tiver dificuldade em me acompanhar ou quando quiser mais esclarecimentos Vou interrompêlo já antes de começar Você diz que vai me expor uma nova psicologia mas eu não diria que a psicologia seja uma nova ciência Já houve psicologia e psicólogos bastantes e ouvi falar de grandes realizações nessa área quando estava na escola Isso é algo que não contesto Mas se examinar mais atentamente essas real izações verá que devem ser incluídas sobretudo na fisiologia dos sentidos A teoria da vida psíquica não pôde se desenvolver pois se achava inibida por um malentendido essencial O que abrange ela atualmente tal como é ensinada nas escolas Além daqueles valiosos conhecimentos da fisiologia dos sentidos certo número de classificações e definições dos processos psíquicos que graças ao uso corrente da linguagem tornaramse patrimônio comum das pessoas cultas Claramente isso não basta para o entendimento de nossa vida 108312 psíquica Já notou que todo filósofo escritor historiador e biógrafo faz sua própria psicologia traz suas premissas particulares sobre as relações e as final idades dos atos psíquicos todas de maior ou menor interesse e todas igual mente duvidosas É evidente que aí falta um fundamento comum Também por causa disso não há no campo da psicologia respeito e autoridade por as sim dizer Nele cada qual pode fazer e acontecer Quando se levanta uma questão da física ou da química quem sabe que não possui conhecimento es pecializado guarda silêncio Mas se nos arriscamos a fazer uma afirmação de natureza psicológica temos de esperar julgamento e contradição vindos de toda parte Provavelmente não existe conhecimento especializado nessa área Cada qual tem sua vida psíquica então cada qual se considera um psicó logo Mas isso não me parece bastar como qualificação Contase que uma mulher se oferecia para trabalhar cuidando de crianças e ao lhe perguntarem se também sabia lidar com bebês respondeu Claro eu também já fui bebê E esse fundamento comum da vida psíquica ignorado por todos os psicólogos você pretende têlo descoberto mediante a observação de pessoas doentes Não creio que tal procedência tire o valor de nossas descobertas A embri ologia por exemplo não mereceria crédito se não explicasse diretamente a ori gem das malformações congênitas Mas eu lhe falei de pessoas cujos pensamentos tomam seus próprios rumos de modo que se veem forçadas a ru minar problemas que lhes são totalmente indiferentes Acredita você que a psicologia acadêmica tenha alguma vez contribuído para o esclarecimento de uma anomalia como essa E também nos acontece a todos que durante a noite o nosso pensamento segue o próprio caminho e cria coisas que depois não en tendemos que nos intrigam e de modo preocupante lembram produtos patológicos Refirome a nossos sonhos O povo sempre conservou a crença 109312 de que os sonhos têm sentido têm valor significam algo A psicologia acadêmica não foi capaz de nos apontar o sentido dos sonhos Nunca soube o que fazer com os sonhos Quando buscou por explicações foram de natureza não psicológica relacionandoos a estímulos sensoriais a uma desigual pro fundidade do sono de partes diferentes do cérebro etc Mas podese dizer que uma psicologia que não consegue explicar o sonho também é inútil para a compreensão da vida psíquica normal não tem o direito de se denominar ciência Você está se tornando agressivo certamente tocou num ponto sensível De fato ouvi dizer que a psicanálise dá grande valor aos sonhos interpretaos busca lembranças de eventos reais por trás deles etc Mas também que a inter pretação dos sonhos é deixada ao arbítrio dos analistas e que eles próprios não cessaram as disputas acerca de como interpretar sonhos e o que justifica que sejam tiradas conclusões deles Se é assim você não pode enfatizar tanto a vantagem da psicanálise em relação à psicologia acadêmica Há muita coisa certa no que você diz É verdade que a interpretação dos sonhos adquiriu importância incomparável tanto na teoria como na prática da psicanálise Se pareço agressivo para mim isso é uma forma de defesa Se penso nos disparates que alguns analistas têm cometido com a interpretação de sonhos perco o ânimo e dou razão ao nosso grande satírico Nestroy quando diz que todo progresso é apenas metade do que pareceu à primeira vistag Mas já viu as pessoas fazerem outra coisa que não embaralhar e desfigurar o que lhes cai nas mãos Com alguma precaução e disciplina podese evitar a maioria dos perigos da interpretação dos sonhos Mas não acha que eu jamais chegarei a expor minha teoria se continuarmos com essas digressões Sim você queria falar da premissa fundamental da nova psicologia se o entendi corretamente 110312 Não pretendia começar por aí Tenho a intenção de exporlhe a ideia que formamos da estrutura do aparelho psíquico em nossos estudos psicanalíticos O que você chama de aparelho psíquico e o que o compõe se não for de mais perguntar Quanto ao que é o aparelho psíquico isso logo se tornará claro Mas peço que não me pergunte de que material ele é composto Isso não é de interesse psicológico pode ser tão indiferente para a psicologia quanto é para a ótica saber se o tubo de um telescópio é feito de metal ou papelão Não consider aremos o aspecto do material mas sim o espacial Pois imaginamos o aparelho desconhecido que serve para cumprir as atividades psíquicas como um instru mento feito de várias partes que chamamos instâncias cada qual tendo sua função particular e uma relação espacial fixa com as outras ou seja a relação espacial diante e atrás superficial e profundo apenas signi fica para nós primeiramente uma representação da sequência regular das fun ções Estou sendo claro Não muito talvez eu compreenda isso depois De todo modo é uma es tranha anatomia da alma que certamente não existe mais para os cientistas Mas o que espera você É uma ideia provisória como tantas que há nas ciências Open to revision Suscetível de revisão podese dizer nesses casos Acho desnecessário invocar aqui o Como se que se tornou popular O valor de tal ficção como o filósofo Vaihingerh a denomina depende do quanto podemos conseguir com ela Prossigamos Nós nos situamos no terreno da sabedoria cotidiana e recon hecemos no ser humano uma organização psíquica intercalada entre seus es tímulos sensoriais e a percepção de suas necessidades corporais por um lado e suas ações motoras por outro lado e que media entre eles com intenção de terminada Chamamos essa organização de seu Ich Eu Isso não constitui 111312 novidade cada um de nós faz essa suposição mesmo não sendo filósofo e al guns apesar de sêlo Mas com isso não terminamos de descrever o aparelho psíquico Além do Eu discernimos outro âmbito psíquico mais amplo mais grandioso e mais obscuro que o Eu e o denominamos Es Id Vamos abordar agora a relação entre os dois Provavelmente você reclamará por havermos escolhido simples pronomes para designar nossas duas instâncias psíquicas em vez de sonoras palavras gre gas Acontece que gostamos na psicanálise de permanecer em contato com o modo de pensar popular e preferimos aproveitar seus conceitos para a ciência em vez de rejeitálos Não há mérito nisso temos de fazer assim porque nossas teorias devem ser compreendidas por nossos pacientes que às vezes são muito inteligentes mas nem sempre muito instruídos O impessoal Es ligase direta mente a certas expressões das pessoas normais Es hat mich durchzuckt Passoume pela cabeça dizse es war etwas in mir was in diesem Augenblick stärker war asls ich havia algo em mim que naquele instante foi mais forte do que eui Cétait plus fort que moi Na psicologia podemos descrever as coisas apenas com o auxílio de analo gias Nada há de especial nisso também em outras áreas é assim Mas temos de sempre mudar essas comparações nenhuma se sustenta muito tempo para nós Para tornar compreensível a relação entre Eu e Id peçolhe que imagine o Eu como uma fachada do Id um frontispício como uma camada cortical externa dele por assim dizer A última comparação pode ser mantida Sabemos que as camadas corticais devem suas características especiais à influência modific adora do meio externo com que se acham em contato Então imaginamos que o Eu seja uma camada do aparelho psíquico do Id modificada por influência do mundo exterior a realidade Nisso você nota como levamos a sério a con cepção espacial na psicanálise O Eu é realmente a instância superficial o Id a 112312 mais profunda olhadas do exterior naturalmente O Eu se acha entre a real idade e o Id o que é propriamente psíquico Ainda não vou lhe perguntar como é possível saber tudo isso Digame primeiro o que se ganha com essa distinção entre um Eu e um Id o que o leva a fazêla Sua pergunta me mostra o caminho certo para prosseguir O importante e valioso é saber que o Eu e o Id divergem bastante um do outro em vários pon tos No Eu vigoram outras regras para o curso dos atos psíquicos que no Id o Eu persegue propósitos diferentes com outros meios Sobre isso haveria muito a dizer mas talvez uma nova comparação e um exemplo possam satisfazêlo Pense na diferença entre o fronte e o interior tal como se desenvolveu durante a Guerraj Não nos surpreendemos de que no fronte algumas coisas su cedessem de modo diferente do interior e de que neste fosse permitida muita coisa que tinha de ser proibida no fronte A influência determinante era natur almente a proximidade do inimigo para a psique é a proximidade do mundo exterior Houve tempo em que fora alheio inimigo eram conceitos idênti cos Agora chegamos ao exemplo no Id não há conflitos oposições contra dições existem lado a lado sem se perturbar frequentemente se ajustando at ravés de formações de compromisso Nesses casos o Eu sente um conflito que tem de ser resolvido e a decisão consiste em que uma tendência é abandonada em favor da outra O Eu é uma organização caracterizada por uma notável tendência à unificação à síntese Ao Id falta esse caráter ele é por assim dizer desconcentrado suas diversas tendências perseguem seus propósitos independentemente e sem consideração mútua Mas se existe um interior psíquico assim tão importante como pode expli car que tenha sido ignorado até a época da psicanálise 113312 Isso nos leva de volta a uma de suas questões anteriores A psicologia havia bloqueado para si mesma o acesso ao território do Id atendose a um pres suposto que é plausível mas que não se sustenta A saber que todos os atos psíquicos são conscientes que ser consciente é a marca distintiva do que é psíquico e que havendo processos não conscientes em nosso cérebro eles não merecem o nome de atos psíquicos e não dizem respeito à psicologia Creio que isso é óbvio Isso é o que também acham os psicólogos mas é fácil demonstrar que é uma diferenciação inadequada Uma autoobservação superficial nos ensina que podemos ter pensamentos espontâneos que não podem ter surgido sem preparação Mas você nada sabe desses estágios anteriores de seu pensamento que certamente também foram de natureza psíquica em sua consciência aparece apenas o resultado pronto Ocasionalmente você poderá tornarse consciente a posteriori dessas formações preparatórias do pensamento como que numa reconstrução Provavelmente a atenção foi distraída de modo que a pessoa não notou essas preparações Isto são evasivas Não há como eludir o fato de que dentro de você podem ocorrer atos de natureza psíquica frequentemente bastante complicados dos quais sua consciência não tem informação dos quais você nada sabe Ou você pretende supor que um grau maior ou menor da sua atenção seja suficiente para transformar em ato psíquico um que não é psíquico De todo modo para que discutir Há experiências hipnóticas em que a existência de tais pensamen tos não conscientes é demonstrada irrefutavelmente para qualquer um que deseje aprender 114312 Não vou negar mas creio que o compreendo enfim O que você chama de Eu é a consciência e o seu Id é a assim chamada subconsciência de que tanto se fala agora Mas por que o disfarce dos novos nomes Não é disfarce os outros nomes não têm utilidade E não procure me dar literatura em vez de ciência Quando alguém fala de subconsciência não sei se o faz no sentido topológico referindose a algo que fica abaixo da consciência na psique ou qualitativo indicando outra consciência subterrânea por assim dizer Provavelmente nada disso é claro para ele A única oposição aceitável é aquela entre consciente e inconsciente Mas seria um grave erro acreditar que essa oposição coincide com a distinção entre Eu e Id Certamente seria uma maravilha se fosse tão simples para nossa teoria seria uma grande vantagem mas não é simples assim O que é certo é que tudo o que se passa no Id é in consciente e assim permanece e que os processosk no Eu podem se tornar con scientes apenas eles Mas nem todos o são nem sempre não necessariamente e grandes parcelas do Eu podem permanecer duradouramente inconscientes O modo como um processo psíquico se torna consciente é algo complic ado Não posso deixar de lhe expor mais uma vez de forma dogmática nossas suposições a respeito disso Você se lembra de que o Eu é a camada ex terior periférica do Eu Ora acreditamos que na superfície mais externa do Eu haja uma instância especial diretamente voltada para o mundo exterior um sistema um órgão cuja excitação produz o fenômeno que chamamos consciên cia Esse órgão pode ser excitado tanto de fora recebendo através dos órgãos sensoriais estímulos do mundo exterior como de dentro onde pode tomar conhecimento primeiro das sensações do Id e depois também dos processos no Eu Isso está ficando cada vez pior e compreendo cada vez menos Você me convidou para um diálogo sobre a questão de leigos ou não médicos também 115312 poderem realizar tratamentos analíticos Por que então essa apresentação de teorias obscuras ousadas de cuja correção você não pode me convencer Sei que não posso convencêlo Está fora de toda possibilidade e portanto também fora de meus propósitos Dando instrução teórica em psicanálise a nossos discípulos podemos observar a pouca impressão que lhes fazemos no início Eles recebem as teorias psicanalíticas com a mesma frieza com que rece beram outras abstrações de que foram nutridos Alguns talvez queiram ser convencidos mas não há indício de que sejam Mas também exigimos que todo aquele que quer analisar outros se submeta antes a uma análise ele próprio So mente no decorrer dessa autoanálise como é impropriamente denominadal quando vivenciam no próprio corpo ou melhor na própria alma os pro cessos postulados pela psicanálise adquirem as convicções que depois os guiarão como analistas Como posso então esperar convencêlo da exatidão de nossas teorias a um interlocutor imparcial a quem posso apenas oferecer uma exposição incompleta abreviada e portanto não muito clara e que não é re forçada por suas próprias experiências Minha intenção é outra Não se trata entre nós de estabelecer se a análise é razoável ou absurda se está certa nas coisas que afirma ou se incorre em grandes erros Apresentolhe nossas teorias porque esta é a melhor maneira de esclarecerlhe o teor de ideias da psicanálise com que premissas ela aborda o paciente e o que faz com ele Assim poderemos lançar uma luz nítida sobre a questão da análise leiga Mas fique tranquilo tendo me acompanhado até agora você já superou o pior todo o restante lhe será mais fácil Permitame agora fazer uma pausa para respirar 116312 III Agora espero que a partir das teorias da psicanálise você possa nos dar uma ideia de como surge a doença neurótica Tentarei fazêlo Mas para isso teremos que estudar nosso Eu e nosso Id de uma nova perspectiva a dinâmica ou seja considerando as forças que agem neles e entre eles Até este momento nos contentamos com a descrição do aparelho psíquico Desde que não seja tão incompreensível Acredito que não Logo você entenderá Supomos pois que as forças que impelem o aparelho psíquico à atividade são geradas nos órgãos do corpo como expressão das grandes necessidades físicas Você deve se lembrar das pa lavras de nosso poetafilósofo Fome e amorm Aliás um par de forças bastante respeitável Chamamos tais necessidades físicas na medida em que são estímulos à atividade psíquica Triebe instintos impulsos uma palavra que muitas línguas modernas nos invejam Esses instintos preenchem o Id podese dizer resumidamente que toda a energia que há no Id vem deles As forças que existem no Eu também não têm outra procedência derivam daquelas no Id Mas que querem os instintos Satisfação ou seja o estabeleci mento de situações em que as necessidades do corpo sejam aplacadas O abaixamento da tensão das necessidades é sentido como algo prazeroso por nosso órgão da consciência um aumento dela é logo sentido como desprazer oso Dessas oscilações é que surge a série de sensações de prazerdesprazer pela qual se regula a atividade de todo o aparelho psíquico Falamos então de um domínio do princípio do prazer Se as exigências instintuais do Eu não acham satisfação surgem situações intoleráveis Logo a experiência mostra que tais situações de satisfação podem 117312 ser produzidas apenas com o auxílio do mundo exterior Com isso entra em ação a parte do Id voltada para o mundo exterior o Eu Se toda a força im pulsora que põe o veículo em movimento é fornecida pelo Id então o Eu as sume por assim dizer o volante sem o qual não se atinge nenhuma meta nat uralmente Os instintos do Id pressionam por satisfação imediata inexorável mas desse modo nada alcançam ou até mesmo sofrem danos palpáveis É tarefa do Eu então evitar esse malogro mediar entre as exigências do Id e as objeções do mundo exterior Ele desenvolve sua atividade em duas direções Por um lado observa o mundo exterior com seu órgão sensorial o sistema da consciência a fim de agarrar o momento propício para uma satisfação sem danos por outro lado influencia o Id refreia suas paixões induz os instin tos a adiar sua satisfação e até mesmo se percebida a necessidade a modificar suas metas ou abandonálas em troca de compensação Ao assim domar os im pulsos do Id substitui o princípio do prazer que antes era o único a decidir pelo que denominamos princípio da realidade que embora tenha os mesmos objetivos finais leva em conta as condições estabelecidas pelo mundo real ex terno Mais tarde o Eu aprende que há ainda outro meio para garantir a satis fação além da mencionada adaptação ao mundo exterior Podese intervir de maneira transformadora no mundo exterior nele produzindo intencionalmente as condições que possibilitam a satisfação Essa atividade se torna então a su prema realização do Eu decidir quando é mais adequado controlar suas paixões e curvarse ante a realidade ou tomar o partido delas e oporse ao mundo exterior constitui a essência da sabedoria de viver E o Id se conforma em ser assim dominado pelo Eu quando é a parte mais forte se o entendi bem Sim a coisa vai bem quando o Eu está de posse de toda a sua organização e capacidade de funcionamento tem acesso a todas as partes do Id e pode 118312 influenciálas Não existe oposição natural entre Eu e Id eles formam um con junto e praticamente não se distinguem um do outro em caso de saúde Tudo isso é aceitável mas não vejo nessa relação ideal o menor lugar para um distúrbio patológico Tem razão Enquanto o Eu e suas relações com o Id cumprem essas exigências ideais não há distúrbio neurótico O ponto de irrupção da doença está num local inesperado embora um conhecedor de patologia geral não se surpreenda com a confirmação de que justamente os mais significativos desen volvimentos e diferenciações trazem em si o gérmen do adoecimento do fra casso da função Sua linguagem está muito erudita não o compreendo Então precisarei fazer uma digressão O pequeno ser vivo como sabemos é uma coisa frágil e miserável ante o poderoso mundo exterior cheio de in fluências destrutivas Um ser primitivo que não desenvolveu suficientemente uma organização do Eu achase exposto a todos esses traumas Vive apenas da cega satisfação de seus desejos instintuais frequentemente sucumbindo por causa deles A diferenciação de um Eu é antes de tudo um passo para a conservação da vida É certo que nada se aprende com a destruição mas superandose com êxito um trauma atentase para a iminência de situações an álogas sinalizando o perigo por meio de uma repetição abreviada das im pressões vivenciadas no trauma mediante um afeto de angústia Tal reação à percepção do perigo leva à tentativa de fuga que pode salvar a vida até que se esteja forte o bastante para enfrentar os perigos do mundo exterior de maneira mais ativa talvez agressivamente até Isso está muito longe do que você prometeu falar Você não sabe como estou próximo de realizar o que prometi Mesmo nos organismos que vêm a possuir uma organização do Eu eficiente esse Eu se 119312 acha inicialmente fraco e pouco diferenciado no período da infância Agora imagine o que ocorrerá se esse Eu impotente deparar com uma exigência in stintual por parte do Id à qual gostaria de resistir pois sente que a sua satis fação seria perigosa acarretaria uma situação traumática uma colisão com o mundo exterior e que não é capaz de dominar pois ainda não tem força para isso O Eu então trata o perigo instintual como se fosse um perigo externo empreende uma tentativa de fuga retirase dessa parte do Id e a abandona ao seu destino depois de recusarlhe todas as contribuições que normalmente faz aos impulsos instintuais Dizemos que o Eu efetua uma repressão desses im pulsos instintuais No momento isso tem o efeito de afastar o perigo mas não se pode confundir impunemente o interior e o exterior Não é possível escapar de si mesmo O Eu segue na repressão o princípio do prazer que normal mente costuma corrigir por isso terá de arcar com os custos Esses consistem em limitar duradouramente seu âmbito de poder O impulso instintual está agora isolado abandonado a si mesmo inacessível mas também não suscetível de influência Segue seu próprio caminho Mesmo depois quando se acha fortalecido o Eu não pode mais suspender a repressão sua síntese é perturb ada uma parte do Id permanece terreno proibido para o Eu Mas o impulso in stintual isolado também não fica ocioso sabe obter compensação pelo fato de lhe ser negada a satisfação normal produz derivados psíquicos que o representam ligase a outros processos que mediante sua influência também arrebata ao Eu e enfim irrompe no Eu e na consciência como formação sub stitutiva irreconhecivelmente distorcida gera o que denominamos sintoma Subitamente deparamos com o fato de um distúrbio neurótico um Eu inibido em sua síntese que não tem influência sobre partes do Id obrigado a renunciar a algumas de suas atividades para evitar um novo choque com o reprimido que se esgota em ações defensivas geralmente inúteis contra os sintomas os 120312 derivados dos impulsos reprimidos e um Id no qual certos instintos se torn aram independentes perseguem seus objetivos sem considerar os interesses da pessoa inteira e obedecem apenas às leis da psicologia primitiva que vigora nas profundezas do Id Olhando a situação em seu conjunto há uma fórmula simples para a gênese da neurose o Eu fez a tentativa de suprimir de forma in apropriada determinadas parcelas do Id isso fracassou e o Id se vingou A neurose é portanto consequência de um conflito entre Eu e Id no qual o Eu entra porque como mostra a investigação minuciosa busca manter sua flexib ilidaden em relação ao mundo real externo A oposição é entre mundo exterior e Id e como o Eu fiel à sua íntima natureza toma o partido do mundo exter no entra em conflito com seu Id Observe entretanto que não é o fato desse conflito que gera a condição para a doença afinal tais oposições entre real idade e Id são inevitáveis e uma das constantes tarefas do Eu é mediar entre as duas partes mas a circunstância de que o Eu recorre ao insuficiente meio da repressão para lidar com o conflito E mesmo isso tem sua razão no fato de o Eu ser pouco desenvolvido e impotente quando a tarefa lhe foi dada As repressões decisivas ocorrem todas na primeira infância Que singular trajetória Seguirei seu conselho de não criticar pois deseja apenas me mostrar o que a psicanálise pensa sobre a origem da neurose para então expor o que ela faz para combatêla Eu teria várias perguntas a fazer al gumas apresentarei depois Neste momento sinto a tentação de levar adiante sua linha de pensamento e arriscar uma teoria própria Você abordou a relação mundo exteriorEuId e estabeleceu como condição da neurose que o Eu em sua dependência do mundo exterior esteja em luta contra o Id Não é conce bível o outro caso que o Eu se deixe arrastar pelo Id em tal conflito e rejeite a consideração pelo mundo externo Que acontece neste caso Em minha leiga concepção da natureza de uma doença mental essa decisão do Eu poderia ser a 121312 condição para a doença mental Tal afastamento da realidade parece ser o es sencial nesta doença Sim eu próprio imaginei essa possibilidadeo e a considero pertinente in clusive mas demonstrála requer uma discussão de questões muito complica das Neurose e psicose são intimamente aparentadas e no entanto devem distinguirse num ponto decisivo Esse ponto poderia ser o partido tomado pelo Eu nesse conflito Nos dois casos o Id conservaria seu caráter de cega intransigência Prossiga Que indicações sua teoria nos dá para o tratamento das enfer midades neuróticas Agora é fácil definir nosso objetivo terapêutico Queremos restabelecer o Eu livrálo de suas restrições restituirlhe o domínio sobre o Id que perdeu em consequência de suas repressões passadas Apenas com esse propósito fazemos a análise toda a nossa técnica está voltada para essa meta Temos de procurar as repressões acontecidas e induzir o Eu a corrigilas com nossa ajuda a lidar com os conflitos de maneira melhor do que uma tentativa de fu ga Como essas repressões são da primeira infância o trabalho analítico nos conduz de volta a esse período O caminho para as situações de conflito geral mente esquecidas que pretendemos reavivar na lembrança do paciente é in dicado pelos seus sintomas sonhos e pensamentos espontâneos que todavia primeiramente temos de interpretar traduzir pois sob a influência da psicolo gia do Id assumiram formas de expressão alheias ao nosso entendimento Acerca das ideias espontâneas pensamentos e lembranças que o paciente não sem relutância interior pode nos comunicar é lícito supor que de al gum modo se vinculam ao material reprimido ou são derivados dele Incitando o doente a superar suas resistências em comunicálas educamos seu Eu para vencer a inclinação a fugir e tolerar a aproximação do reprimido No final se 122312 conseguimos reproduzir em sua memória a situação da repressão sua flexibil idade é enormemente recompensada A diferença entre a época passada e a presente atua a seu favor e aquilo que levou seu Eu infantil a fugir apavorado frequentemente parece apenas brincadeira de criança para o Eu adulto fortalecido IV Tudo o que você me disse até agora foi psicologia Às vezes pareceu es tranho seco obscuro mas sempre foi se posso usar o termo limpo Ora até o momento tive pouca informação sobre sua psicanálise mas ouvi o rumor de que ela se ocupa sobretudo de coisas que não têm direito a esse pre dicado Tenho a impressão de que há uma reticência deliberada no fato de até agora você não haver abordado esse tipo de coisa E há outra dúvida que tam bém não posso omitir As neuroses são como você próprio falou distúrbios da vida psíquica E coisas importantes como nossa ética nossa consciência nos sos ideais não teriam nenhuma participação nesses transtornos profundos Ou seja parecelhe que até agora faltou em nossas discussões considerar mos tanto o que é mais elevado como o que é mais baixo Mas isso é porque ainda não abordamos os conteúdos da vida psíquica Permitame agora fazer eu mesmo o papel de quem interrompe de quem detém o avanço da conversa Se lhe expus tanta psicologia foi por desejar que você tenha a impressão de que o trabalho analítico é um exercício de psicologia aplicada de uma psicolo gia além do mais que não se conhece fora da análise O analista deve antes de tudo ter aprendido essa psicologia a psicologia das profundezas ou do incon sciente pelo menos aquilo que hoje se sabe dela Precisaremos disso para 123312 nossas conclusões posteriores Mas agora o que você quis dizer com a alusão à limpeza Em toda parte se diz que nas análises são discutidas em detalhes as questões mais íntimas e mais chocantes da vida sexual Se assim for e de suas explanações psicológicas não pude concluir que seja necessariamente assim seria um forte argumento para permitir esses tratamentos aos médi cos apenas Como se pode admitir que outras pessoas de cuja discrição não es tamos seguros de cujo caráter não temos garantia disponham de liberdades tão perigosas É verdade os médicos gozam de certas prerrogativas no âmbito sexual eles podem inclusive examinar os genitais Embora não pudessem fazêlo antes no Oriente e alguns reformadores idealistas você sabe a quem me refirop combateram essa prerrogativa Mas você quer saber se na análise é assim e por que tem de ser assim Exato é assim Mas tem de ser assim primeiramente porque a análise se baseia na com pleta sinceridade Nela a condição financeira do paciente por exemplo é abor dada com a mesma franqueza e minúcia a pessoa diz coisas que não revelaria a qualquer concidadão mesmo não sendo ele um concorrente ou um auditor fiscal Essa obrigação de total franqueza impõe ao analista uma grande re sponsabilidade moral isso é algo que não discuto pelo contrário enfatizo en ergicamente Em segundo lugar tem de ser assim porque fatores da vida sexu al têm papel muito importante predominante talvez específico entre as causas e ensejos das doenças nervosas Que pode a análise fazer senão apegarse ao seu tema ao material trazido pelo doente O analista jamais atrai o paciente para o terreno do sexo não lhe diz de antemão Trataremos das intimidades de sua vida sexual Deixa que inicie suas comunicações por onde quiser e es pera tranquilamente até que o próprio paciente toque nas questões sexuais Eu 124312 costumo avisar a meus discípulos Nossos adversários disseram que encon traremos casos em que o fator sexual não desempenha nenhum papel cuidemos de não introduzilo na análise não estraguemos a oportunidade de achar um caso assim Mas até agora não tivemos tal sorte Sei naturalmente que nosso reconhecimento da sexualidade se tornou confessadamente ou não o mais forte motivo para a hostilidade à psicanál ise Pode isso nos abalar Apenas mostra como é neurótica toda a nossa vida civilizada pois os supostamente normais não se comportam de maneira muito diferente dos neuróticos Na época em que nos círculos estudiosos da Ale manha a psicanálise era solenemente julgada hoje em dia as coisas estão mais sossegadas um conferencista alegou ter autoridade especial porque também deixava que os doentes se manifestassem segundo afirmou Evidente mente para fins de diagnóstico e para testar as asseverações dos psicanalistas Mas acrescentou ele quando eles começam a falar de questões sexuais digo lhes para calar a boca Que acha você de um método de prova como esse A sociedade de estudiosos ovacionou o conferencista em lugar de envergonhar se dele como devia Apenas a certeza triunfante gerada pela consciência dos preconceitos em comum pode explicar o descaso pela lógica que esse confer encista demonstra Anos depois alguns de meus discípulos de então cederam à necessidade de libertar a sociedade humana do jugo da sexualidade que a psic análise deseja impor a esta Um deles explicou que sexual não se refere abso lutamente à sexualidade e sim a algo mais abstrato místico outro chegou a dizer que a vida sexual é apenas um dos âmbitos em que se exercita a necessid ade de poder e domínio que impele o ser humano Eles receberam muitos aplausos ao menos no instante Nisso eu me atrevo a tomar partido por uma vez que seja Pareceme bastante arriscado afirmar que a sexualidade não é uma necessidade natural 125312 primordial dos seres vivos mas sim expressão de algo mais Basta ver o exem plo dos animais Não importa Não existe beberagem por mais absurda que seja que a so ciedade não se disponha a engolir se for anunciada como antídoto para a temida predominância do sexo Mas confessolhe que a relutância que você próprio demonstrou em at ribuir ao fator sexual um papel relevante na gênese das neuroses não me parece condizer com sua função de interlocutor imparcial Não receia que tal antipatia possa impedilo de formar um juízo justo Lamento que diga isso Sua confiança em mim parece abalada Por que então não escolheu outro para interlocutor imparcial Porque esse outro não pensaria de modo diferente de você E se já de antemão ele se dispusesse a reconhecer a importância da vida sexual todos gritariam Mas esse não é um indivíduo imparcial é um partidário seu Não não perco a esperança de influir em sua opinião Admito porém que para mim esta situação é diferente da anterior Em nossa discussão psicológica não im portava se você me dava crédito ou não desde que obtivesse a impressão de que se tratava de problemas puramente psicológicos Desta vez na questão da sexualidade gostaria que você adquirisse a percepção de que seu mais forte motivo para se opor é justamente a hostilidade preconcebida que compartilha com muitos outros Mas veja que me falta a experiência que lhe deu esta certeza inabalável Bem agora posso continuar minha exposição A vida sexual não é apenas um assunto picante mas também um sério problema científico Nela havia muita coisa nova a se aprender e muita coisa peculiar a esclarecer Já lhe disse que a psicanálise teve de remontar até aos primeiros anos da infância do pa ciente pois nessa época enquanto o Eu era fraco ocorreram as repressões 126312 decisivas Mas não é certo que na infância não há vida sexual que ela começa apenas na puberdade Pelo contrário descobrimos que os impulsos instintuais sexuais acompanham a vida desde o nascimento e que é justamente para se de fender desses instintos que o Eu infantil realiza as repressões Uma notável co incidência não é verdade que já uma criança pequena se revolte contra o poder da sexualidade como depois o conferencista na sociedade de estudiosos e depois ainda os meus discípulos que propõem suas próprias teorias Como sucede isso A resposta mais geral seria que nossa cultura é construída às ex pensas da sexualidade mas há muito mais a dizer sobre isso A descoberta da sexualidade infantil é um desses achados de que temos de nos envergonharq Ao que parece alguns médicos pediatras sempre souberam dela assim como algumas babás Homens inteligentes que se denominam psicólogos de crianças puseramse a falar em tom recriminatório de uma profanação da infância Mais uma vez sentimentos em vez de argumentos Nas assembleias políticas são comuns tais procedimentos Alguém da oposição se levanta e denuncia um abuso na administração pública no Exército na Justiça etc Ao que outro membro muito provavelmente do governo declara que tais alegações ofendem a honra do Estado dos militares da dinastia ou até mesmo da nação De modo que elas não são verdadeiras Sentimentos como esses não toleram ofensas Naturalmente a vida sexual das crianças é diferente da dos adultos A fun ção sexual perfaz um desenvolvimento complicado desde seu início até a forma final que nos é conhecida Cresce a partir de numerosos instintos parci ais com metas particulares e passa por várias fases de organização até final mente se pôr a serviço da procriação Entre os instintos parciais nem todos são igualmente aproveitáveis no resultado final têm de ser desviados remodela dos e em parte suprimidos Um desenvolvimento tão amplo não se realiza 127312 sempre de modo impecável há inibições do desenvolvimento fixações parciais em fases anteriores do desenvolvimento quando mais tarde o exercício da função sexual encontra obstáculos o afãr sexual a libido como dizemos retrocede para esses pontos de fixação passados O estudo da sexualidade in fantil e suas transformações até a maturidade também nos deu a chave para a compreensão das assim chamadas perversões sexuais que costumavam ser ap resentadas com as devidas expressões de horror mas cuja origem não era ex plicada Todo esse campo é de enorme interesse mas para os fins de nossa conversa não há muito sentido em lhe relatar mais acerca disso Naturalmente é preciso para poder se orientar nessa área ter conhecimentos de anatomia e fisiologia que infelizmente não podem ser todos adquiridos na escola de medi cina e alguma familiaridade com a história da civilização e a mitologia tam bém é indispensável Após tudo isso ainda não consigo formar uma ideia da vida sexual da criança Então me estenderei sobre o tema de toda forma não é fácil livrarme dele Veja o que me parece mais notável na vida sexual da criança é o fato de que ela perfaz todo o seu grande desenvolvimento nos primeiros cinco anos de vida Depois disso até a puberdade há o assim chamado período de latência no qual normalmente a sexualidade não faz progressos pelo contrário o afã sexual perde em intensidade e muitas coisas que a criança já fazia e sabia são abandonadas e esquecidas Nesse período da vida depois que o floresci mento precoce da sexualidade feneceu formamse aquelas atitudes do Eu que sob forma de vergonha nojo moralidade estão destinadas a fazer frente à tempestade da puberdade e indicar o caminho ao desejo sexual que novamente desperta Isso que denominamos começo em dois tempos da vida sexual tem muita relação com a gênese das enfermidades neuróticas Parece encontrarse 128312 apenas no ser humano talvez seja uma das condições para a prerrogativa hu mana de tornarse neurótico Antes da psicanálise a préhistória da vida sexual foi tão ignorada quanto em outro âmbito o pano de fundo da vida psíquica consciente Você suspeitará com razão que os dois estão intimamente ligados Sobre os conteúdos manifestações e atividades desse primeiro período da sexualidade haveria muitas coisas a dizer que contrariam a expectativa Por ex emplo você ficará espantado em saber que frequentemente os meninos pequenos têm medo de serem devorados pelo pai Não se admira também de eu incluir esse medo entre os fenômenos da vida sexual Mas deixeme lembrarlhe o mito que talvez não tenha esquecido de seu tempo de escola se gundo o qual também o deus Cronos devora os filhos Como deve lhe ter parecido estranho esse mito quando o ouviu pela primeira vez Mas acho que nenhum de nós pensou sobre ele então Hoje podemos recordar vários contos de fadas em que surge um animal devorador como o lobo e nele reconhecer o pai disfarçado Aproveito a ocasião para lhe assegurar que a mitologia e o mundo das fábulas só se tornam compreensíveis mediante o conhecimento da vida sexual infantil Isso é digamos assim um ganho colateral dos estudos analíticos Não será menor sua surpresa ao ouvir que a criança do sexo masculino so fre do medo de que o pai lhe roube o membro sexual de maneira que essa an gústia da castração adquire forte influência no desenvolvimento de seu caráter e na decisão sobre sua orientação sexual Também nisso a mitologia pode encorajálo a crer na psicanálise O mesmo Cronos que devorou os filhos havia emasculado seu pai Urano e depois em retaliação foi emasculado por seu filho Zeus que fora salvo pela argúcia da mãe Caso você se incline a supor que tudo o que a psicanálise conta sobre a sexualidade das crianças vem da dissoluta imaginação dos analistas admita ao menos que essa imaginação 129312 gerou as mesmas produções que a atividade imaginativa da humanidade prim ordial da qual os mitos e fábulas são o precipitado A outra concepção mais amigável e provavelmente mais correta seria que na vida psíquica das crianças podem ser comprovados ainda hoje os mesmos fatores arcaicos que um dia nos primeiros tempos da cultura humana predominaram de forma geral A criança repetiria em seu desenvolvimento psíquico abreviadamente a história da raça tal como se dá com o desenvolvimento físico como a embriologia re conheceu há muito tempo Outra característica da sexualidade infantil dos primeiros anos é que o ver dadeiro membro sexual feminino não tem nela papel nenhum a criança ainda não o descobriu Toda a ênfase cai sobre o membro masculino todo o interesse se volta para a questão de saber se ele está presente ou não Sabemos menos sobre a vida sexual da menina pequena do que sobre a do menino Não precisamos nos envergonhar por essa diferença afinal também a vida sexual da mulher adulta é um dark continent continente escuro para a psicologia Mas notamos que a garota sente muito a falta de um membro igual em valor àquele masculino considerandose inferior por causa disso e que essa inveja do pênis dá origem a toda uma série de reações caracteristicamente femininas Também é próprio da criança que as duas necessidades excrementais sejam investidas de interesse sexual Mais tarde a educação estabelece aí uma dis tinção radical que é novamente abolida quando se fazem chistes Pode nos parecer repugnante mas é notório que passa um bom tempo até a criança sen tir nojo Isso não é negado sequer pelos que defendem a pureza seráfica da alma infantil O que mais merece a nossa atenção porém é o fato de a criança dirigir seus desejos sexuais às pessoas que lhe são mais proximamente aparentadas ou seja em primeiro lugar pai e mãe e em seguida os irmãos Para o menino a 130312 mãe é o primeiro objeto de amor para a menina o pai se uma disposição bissexual não favorecer simultaneamente a atitude contrária O outro genitor é percebido como um rival incômodo e não raro visto com forte hostilidade Compreendame não quero dizer que a criança deseje apenas do genitor fa vorito a espécie de afeição em que nós adultos gostamos de enxergar a essên cia da relação entre os pais e o filho Não a análise não deixa dúvida de que os desejos do filho vão além dessa afeição de que visam aquilo que entendemos como satisfação sensual até onde vai a capacidade de imaginação infantil É fácil ver que a criança jamais adivinha os verdadeiros fatos da união dos sexos ela os substitui por outras noções derivadas de suas experiências e percepções Habitualmente seus desejos culminam na intenção de dar à luz ou de maneira vaga gerar um filho Nem mesmo o garoto em sua ignorância ex clui o desejo de dar à luz um filho A todo este edifício psíquico denominamos complexo de Édipo com base na famosa lenda grega Normalmente ele seria abandonado inteiramente demolido e transformado no fim do primeiro per íodo sexual e os produtos dessa transformação estariam destinados a grandes funções na vida psíquica posterior Mas isso por via de regra não ocorre de maneira radical o suficiente e a puberdade provoca um reavivamento do com plexo que pode ter graves consequências Admirame que você não diga nada Isso provavelmente não significa aprovação Quando a psicanálise afirmou que a primeira escolha de objeto da criança é incestuosa para usar um termo técnico ela tornou a ofender os mais sagrados sentimentos da humanidade e devia imaginar que suscitaria descrença oposição e acusação E assim aconteceu em grande medida Nada lhe prejudicou mais o nome entre os contemporâneos do que a proposição do complexo de Édipo como uma formação universal inerente ao destino hu mano O mito grego certamente significava isso mas a maioria das pessoas de 131312 agora tanto as instruídas como as não instruídas prefere achar que a natureza instituiu em nós uma aversão inata como proteção contra a possibilidade do incesto Inicialmente é a história que pode vir em nosso auxílio Quando Júlio César chegou ao Egito encontrou a jovem rainha Cleópatra que logo se torn aria tão relevante para ele casada com o irmão Ptolomeu ainda mais jovem que ela Isso não era algo excepcional na dinastia egípcia os ptolomeus ori ginalmente gregos apenas prosseguiam o costume que seus antecessores os antigos faraós haviam praticado por milhares de anos Mas isso é apenas in cesto entre irmãos que ainda nos dias de hoje não é julgado tão severamente Voltemonos então para a nossa principal testemunha sobre os tempos prim itivos a mitologia Ela nos conta que os mitos de todos os povos não apenas dos gregos abundam em relações amorosas entre pai e filha e até mesmo entre mãe e filho A cosmologia e também a genealogia das linhagens reais se ba seiam no incesto Com que propósito você acha que foram feitas essas cri ações Para estigmatizar os deuses e reis como criminosos desviar para eles a repulsa da espécie humana Foram feitas isto sim porque os desejos incestu osos são antiquíssima herança humana e nunca foram superados completa mente de modo que ainda se consentia sua realização aos deuses e seus des cendentes quando a maioria dos comuns mortais já era obrigada a renunciar a eles Em plena concordância com esses ensinamentos da história e da mitolo gia vemos o desejo incestuoso presente e atuante ainda hoje na infância do indivíduo Eu poderia levar a mal que você não pretendesse me revelar tudo isso sobre a sexualidade infantil Justamente pela relação com os primórdios da história humana isso me parece muito interessante 132312 Eu temia que nos afastasse muito de nosso propósito Mas talvez seja pro veitoso afinal Agora me diga que certeza você pode oferecer quanto aos resultados analíticos sobre a vida sexual da criança Sua convicção se baseia apenas nas concordâncias com a mitologia e a história Oh de maneira nenhuma Ela se baseia na observação direta Foi assim inicialmente inferimos o conteúdo da infância sexual das análises de adultos ou seja vinte a quarenta anos depois Mais tarde fizemos análises nas próprias crianças e foi um triunfo nada pequeno que nelas se confirmasse tudo o que havíamos conjecturado apesar das superposições e deformações ocorridas naquele meiotempo Como Você tomou em análise crianças pequenas crianças com seis anos de idade Isso é possível E não é algo arriscado para elas Pode ser feito sem problemas É incrível tudo o que já sucede numa criança de quatro ou cinco anos de idade As crianças são mentalmente bastante alertas nessa idade o primeiro período sexual é também uma época de florescimento intelectual para elas Tenho a impressão de que ao entrar no período de latên cia elas também se tornam mentalmente inibidas mais tolas Muitas também perdem algo do encanto físico Quanto aos possíveis danos de uma análise empreendida tão cedo posso lhe informar que a primeira criança na qual ar riscamos fazer essa experiência quase vinte anos atrás veio a se tornar um jovem sadio e capaz que atravessou a puberdade sem motivo para lamentos apesar de sérios traumas psíquicos É de esperar que as outras vítimas da an álise infantil não tenham se saído pior Muita coisa de interesse ligase a essas análises de crianças é possível que futuramente adquiram importância ainda maior Para a teoria seu valor é indiscutível Elas fornecem respostas inequí vocas a questões que permanecem não resolvidas na análise de adultos e desse 133312 modo guardam o analista de erros que poderiam ter graves consequências para ele Surpreendemos em seu trabalho os fatores que conformam a neurose e não podemos deixar de reconhecêlos Não há dúvida de que no interesse da criança a influência analítica deve ser combinada com medidas pedagógicas Essa técnica ainda aguarda aperfeiçoamento Mas um interesse prático é des pertado pela observação de que grande número de nossas crianças atravessa uma fase nitidamente neurótica em seu desenvolvimento Desde que apren demos a observar mais agudamente inclinamonos a dizer que a neurose in fantil não é a exceção mas a regra como se dificilmente pudesse ser evitada no caminho que vai da disposição infantil inata à sociedade civilizada Na maioria dos casos esse acesso neurótico dos anos da infância é superado espontanea mente ele não poderia por via de regra deixar seus traços também nas pess oas medianamente sadias Por outro lado em nenhuma das que vêm a se torn ar neuróticas deixamos de encontrar laços com a doença infantil que pode não ter sido muito evidente na época De modo bastante análogo creio os médi cos afirmam atualmente que todo indivíduo chegou a adoecer de tuberculose na infância É certo porém que no caso das neuroses não se pode falar em in oculação apenas em predisposição Agora retomo sua pergunta sobre a certeza De modo bastante geral a direta observação analítica das crianças nos convenceu de que havíamos inter pretado de forma certa as comunicações dos adultos sobre sua infância Mas numa série de casos foi possível obter ainda outra espécie de confirmação A partir do material da análise havíamos reconstruído certos eventos exteriores que a memória consciente das pessoas doentes não conservara e acasos felizes informações dadas por parentes e babás trouxeram a prova irrefutável de que tais ocorrências inferidas realmente haviam se dado Naturalmente não chegamos a isso com frequência mas quando sucedeu produziu formidável 134312 impressão É preciso que saiba que a reconstrução correta de tais vivências in fantis esquecidas tem sempre um grande efeito terapêutico admitam elas ou não a confirmação objetiva Tais acontecimentos devem sua importância nat uralmente ao fato de terem ocorrido tão cedo num tempo em que ainda po diam atuar de maneira traumática sobre o Eu frágil E de que espécie são os acontecimentos que devem ser encontrados at ravés da análise De vários tipos Em primeiro lugar impressões capazes de influenciar de forma duradoura a nascente vida sexual da criança tais como observações de atividades sexuais entre adultos ou experiências sexuais próprias com um adulto ou com outra criança ocorrências nada raras e além disso a escuta de conversas que a criança não entendeu na época ou somente depois delas acreditando obter explicações sobre coisas misteriosas ou inquietantes e tam bém manifestações e atos da própria criança que mostram uma significativa postura afetuosa ou hostil para com outras pessoas Tem importância especial na análise fazer com que seja lembrada a atividade sexual esquecida da cri ança juntamente com a intervenção de adultos que a ela pôs fim Isso me fornece a oportunidade para uma pergunta que há muito queria lhe fazer Em que consiste a atividade sexual da criança nesse período que conforme diz foi ignorada antes da psicanálise Estranhamente o que é mais comum e essencial nessa atividade sexual não foi ignorado ou melhor não é estranho pois não podia ser ignorado Os im pulsos sexuais da criança se expressam sobretudo na autossatisfação mediante o estímulo dos próprios genitais da parte masculina deles na realidade A extraordinária difusão desse mau hábito infantil sempre foi conhecida dos adultos sendo ele visto como um grave pecado e severamente castigado Mas não me pergunte como essa observação das inclinações imorais das crianças 135312 pois estas fazem isso porque lhes dá prazer como elas próprias afirmam pode se conciliar com a teoria da inata pureza e assexualidade infantil Deixe que os oponentes da psicanálise resolvam esse enigma Para nós há um prob lema mais importante Como agir em relação à atividade sexual da primeira in fância Sabemos da responsabilidade que assumimos ao reprimilas mas não ousamos darlhe rédea livre Em povos de baixa civilização e nas camadas in feriores dos povos civilizados a sexualidade das crianças parece não ter re strições Assim provavelmente se obtém uma forte proteção contra o posterior adoecimento neurótico do indivíduo mas não implicaria ao mesmo tempo uma extraordinária perda na capacidade para realizações culturais Há vários indícios de que nos achamos ante mais uma escolha entre Cila e Caríbdist Quanto a saber se os interesses estimulados pelo estudo da vida sexual dos neuróticos criam uma atmosfera favorável ao despertar da lascívia isso é algo que prefiro deixar a seu próprio julgamento V Acho que entendo seu propósito Quer me mostrar que tipo de conhecimento se requer para o exercício da análise para que eu possa julgar se apenas o médico deve ser autorizado a exercêla Bem até agora surgiu pouca coisa lig ada à medicina houve muito de psicologia e algo de biologia ou sexologia Mas talvez ainda não tenhamos chegado ao fim Certamente não ainda há lacunas a preencher Posso lhe pedir algo Quer me descrever como imagina agora um tratamento analítico como se você mesmo fosse realizar um 136312 Ora isso pode ser interessante Eu realmente não posso querer decidir nossa controvérsia por um experimento como esse mas lhe farei o favor a re sponsabilidade é sua Suponho então que a pessoa doente me procure e se queixe de seus problemas Eu lhe prometo melhora ou cura caso ele siga min has orientações Solicito que me relate com toda a franqueza tudo o que sabe e que lhe vem à mente e que não se desvie dessa intenção mesmo que lhe seja desagradável falar algumas coisas Entendi bem essa regra Sim Deve apenas acrescentar que ele faça isso mesmo quando achar que o que lhe ocorre é insignificante ou sem sentido Isso também Então ele começa a falar e eu escuto E depois Com base no que ele diz imagino que impressões vivências desejos ele reprimiu porque lhe sucederam numa época em que seu Eu ainda era fraco e os temia em vez de lidar com eles Ao saber isso de mim ele se coloca nas situações de outrora e com minha ajuda se sai melhor Então desaparecem as limitações que eram impostas a seu Eu e ele se restabelece Está bem assim Bravo bravo Vejo que novamente poderão me recriminar por fazer um psicanalista de alguém que não é médico Você absorveu muito bem isso Apenas repeti o que lhe ouvi dizer como algo que se aprendeu de cor Não posso realmente imaginar como faria e não compreendo absolutamente por que um trabalho desses tomaria tantos meses com uma sessão diária Em geral um indivíduo comum não vivenciou tanta coisa e o que foi reprimido na infância é provavelmente o mesmo em todos os casos Aprendese muita coisa mais quando realmente se exerce a psicanálise Por exemplo você não acharia nada fácil inferir do que o paciente comunica as vivências que ele esqueceu os impulsos instintuais que ele reprimiu Ele lhe diz algo que inicialmente nada significa tanto para você como para ele Você terá que se decidir a considerar de uma maneira muito especial o material que 137312 ele obedecendo à regra lhe fornece Como um minério bruto do qual se deve extrair por determinados processos o conteúdo de metal precioso Você tam bém estará preparado para trabalhar muitas toneladas de minério que talvez contenham muito pouco do material valioso que procura Esta seria a primeira justificativa para a longa duração do tratamento Mas como trabalhamos essa matériaprima para conservar sua analogia Com a hipótese de que as informações e ideias espontâneas do paciente são apenas deformações do que é procurado como que alusões a partir das quais você tem que adivinhar o que se acha escondido atrás Numa palavra primeiramente você tem que interpretar esse material seja ele recordações pensamentos espontâneos ou sonhos Isso ocorre naturalmente levando em conta as expectativas que em você se formaram enquanto escutava graças a seu conhecimento especializado Interpretar Eis uma palavra horrível Não gosto de ouvila tirame toda segurança Se tudo depender de minha interpretação quem me garantirá que estou interpretando corretamente Tudo ficará mesmo entregue ao meu arbítrio Calma a coisa não é tão feia Por que pretende excluir os seus processos psíquicos das leis que reconhece para os dos outros Quando tiver adquirido certa disciplina e dispuser de determinados conhecimentos suas interpretações não serão influenciadas por suas peculiaridades e resultarão corretas Não digo que a personalidade do analista não faça diferença quanto a essa parte da tarefa A questão é ter certa sensibilidade para o que é inconsciente e reprim ido e nem todos a possuem em igual medida A isto se relaciona a obrigação de o analista fazerse apto mediante profunda análise própria a acolher sem préconceito o material analítico É certo que algo ainda resta que pode ser 138312 comparado à equação pessoal em observações astronômicas Esse fato indi vidual sempre desempenhará na psicanálise um papel maior do que em outras áreas Um indivíduo anormal pode vir a ser um bom físico como analista sua anormalidade sempre o impedirá de apreender sem distorções os quadros da vida psíquica Já que ninguém pode demonstrar sua anormalidade será muito difícil obter uma concordância geral nas questões da psicologia das profun dezas Alguns psicólogos acham mesmo que isso é totalmente impossível e que qualquer doido terá igual direito de apresentar sua doidice como sabedoria Admito ser mais otimista nesse ponto Nossa experiência mostra que também na psicologia podese chegar a concordâncias satisfatórias Cada âmbito de pesquisa tem suas dificuldades próprias que devemos nos esforçar por elimin ar Além disso também na arte interpretativa da análise há coisas que se apren dem como qualquer outro material de estudo por exemplo aquilo relacionado à peculiar representação indireta por símbolos Bem já não tenho vontade de realizar um tratamento analítico nem mesmo em sonhos Quem sabe as surpresas que me aguardariam Faz bem em deixar de lado uma intenção dessas Você pode notar quanto estudo e treinamento seriam necessários Depois que você acha as inter pretações certas outra tarefa se impõe Você tem de aguardar o momento certo de comunicar ao paciente sua interpretação com perspectiva de êxito E como perceber o momento certo em cada caso É uma questão de tato que pode ser refinado com a experiência Você comete um grave erro quando talvez num esforço para encurtar a análise joga suas interpretações no rosto do paciente tão logo as encontra Assim provoca nele manifestações de resistência rejeição indignação e não consegue que seu Eu se apodere do material reprimido A prescrição é esperar até que ele se 139312 aproxime deste a ponto de orientado pela interpretação que você sugere pre cisar apenas dar alguns passos mais Eu creio que jamais aprenderia a fazer isso E depois de tomar essas pre cauções na interpretação o que acontece Então você fará uma descoberta para a qual não estava preparado Qual seria ela A de que se enganou com seu paciente de que não pode contar com a flex ibilidade e cooperação dele de que se acha disposto a criar toda espécie de di ficuldades para o trabalho em comum em suma de que ele não quer se curar Não isso é a coisa mais louca que você me disse até agora Também não posso acreditar nisso O sujeito doente que tanto sofre que se queixa de seus males de forma tão tocante que faz sacrifícios pelo tratamento não quer se curar Certamente não é isso que você quer dizer É isso mesmo acredite O que falei é a verdade não a verdade inteira mas parte considerável dela É certo que o doente quer se curar mas também não quer Seu Eu perdeu a unidade por isso ele também não mostra uma vontade una Ele não seria um neurótico se fosse diferente Se eu fosse prudente não seria o Tellu Os derivados do reprimido irromperam em seu Eu nele se firmaram e o Eu tem tão pouco domínio sobre as tendências dali originadas quanto sobre o reprimido mesmo e habitualmente nada sabe acerca delas Pois esses pacientes são de um tipo especial e oferecem dificuldades com que não costumamos lid ar Todas as nossas instituições sociais foram feitas para pessoas com um Eu normal uno que se pode classificar como bom ou mau que ou cumpre sua função ou é excluído por uma influência muito poderosa Daí vem a altern ativa judicial responsável ou não responsável Essas distinções não se aplicam aos neuróticos Devese admitir que não é fácil adequar as exigências sociais à 140312 sua condição psicológica Isso foi visto em grande escala na última guerra Os neuróticos que se furtavam ao serviço militar eram fingidores ou não Eram as duas coisas Quando eram tratados como fingidores e a condição de doente se tornava muito incômoda para eles curavamse quando aqueles supostamente curados eram enviados para o serviço logo se refugiavam de novo na doença Nada se podia fazer com eles E o mesmo sucede com os neuróticos da vida civil Queixamse de sua doença mas exploramna o quanto podem e quando queremos livrálos dela defendemna como faz a leoa com os filhotes não havendo sentido em recriminálos por essa contradição Mas não seria então melhor não dar tratamento a estas pessoas difíceis e sim abandonálas a si mesmas Não posso acreditar que valha a pena dedicar a cada uma delas tanto esforço como imagino que faz um analista de acordo com suas palavras Não posso aprovar tal sugestão Certamente é mais correto aceitar as com plicações da vida do que rebelarse contra elas Pode ser que nem todo neurótico que tratamos mereça o empenho de uma análise mas também há pessoas muito valiosas entre eles Nosso objetivo deve ser que o menor número possível de indivíduos enfrente a vida civilizada com tão precário equipamento psíquico e para isso temos de juntar muita experiência aprender a compreender muita coisa Cada análise pode ser instrutiva pode trazer nov os esclarecimentos não importando o valor pessoal de cada paciente Mas se no Eu do doente se formou a vontadev de manter a doença ela tem de evocar razões e motivos de poder justificarse com algo É impossível en tender por que uma pessoa deseja ficar doente o que ela obtém com isso Oh não é difícil Pense nos neuróticos de guerra que não têm de prestar serviço porque estão doentes Na vida civil a doença pode ser utilizada como proteção para esconder as deficiências da pessoa no trabalho e na competição 141312 com as outras na família como um meio de impor a própria vontade às outras e fazêlas sacrificarse e dar provas de amor Tudo isso está próximo da super fície nós o denominamos ganho benefício da doença Digno de nota é que o doente seu Eu nada sabe da vinculação entre esses motivos e suas ações consequentes Combatese a influência de tais tendências obrigando o Eu a to mar conhecimento delas Mas ainda há outros motivos mais profundos para apegarse à doença com os quais não é tão fácil lidar Sem uma nova incursão na teoria psicanalítica não se pode entendêlos porém Continue um pouco mais de teoria já não faz diferença agora Quando lhe expus a relação entre Eu e Id omiti uma parcela importante da teoria do aparelho psíquico fomos obrigados a supor que no próprio Eu diferenciouse uma instância particular que chamamos Supereu Esse Supereu tem uma posição especial entre o Eu e o Id Pertence ao Eu partilha a elevada organização psíquica deste mas se acha em relação bastante íntima com o Id É na realidade o precipitado das primeiras relações objetais do Id o herdeiro do complexo de Édipo após o desaparecimento deste Esse Supereu pode contraporse ao Eu tratálo como um objeto e frequentemente o trata de maneira bastante dura Para o Eu é tão importante estar em harmonia com o Supereu quanto com o Id Desavenças entre Eu e Supereu têm grande relevância para a vida psíquica Você já adivinha que o Supereu é o portador do fenômeno que chamamos consciência moral Para a saúde psíquica in teressa muito que o Supereu tenha se desenvolvido normalmente isto é que tenha se tornado impessoal o bastante Justamente isso não acontece no neurótico cujo complexo de Édipo não experimentou a transformação correta Seu Supereu ainda confronta o Eu tal como um pai severo faz com o filho e sua moralidade consiste de modo primitivo em o Eu ser castigado pelo Supereu A doença é utilizada como meio para essa autopunição o 142312 neurótico tem de comportarse como se o dominasse um sentimento de culpa que para sua satisfação necessita da doença como punição Isso realmente parece muito misterioso O mais notável nisso é que o doente não se torne consciente desse poder de sua consciência moral Sim nós apenas começamos a avaliar o significado dessas importantes re lações Por isso minha exposição foi inevitavelmente obscura Agora posso continuar Denominamos resistências do paciente a todas as forças que se opõem ao trabalho da cura O ganho obtido com a doença é a fonte de tal res istência o sentimento de culpa inconsciente representa a resistência do Supereu é o fator mais poderoso e o que mais tememos Ainda encontramos outras resistências durante o tratamento Se no primeiro período a angústia fez o Eu realizar uma repressão essa angústia ainda persiste e se manifesta en tão como uma resistência quando o Eu se aproxima do material reprimido Enfim podese imaginar que surjam dificuldades quando um processo instin tual que durante décadas seguiu determinado caminho subitamente deve to mar o novo caminho que lhe foi aberto Isso pode ser denominado resistência do Id A luta contra todas essas resistências é nosso principal trabalho no curso do tratamento analítico a tarefa das interpretações não é nada comparada a ela Mas através dessa luta e da superação das resistências o Eu do paciente é tão modificado e fortalecido que podemos ficar tranquilos quanto ao seu com portamento futuro após o fim da terapia Por outro lado agora você com preende porque necessitamos de tratamentos longos A extensão do curso de desenvolvimento e a riqueza do material não são os fatores decisivos A questão é se o caminho está livre Num trecho de estrada que é percorrido em algumas horas de trem em tempos de paz um exército pode ficar retido por semanas se ali tiver de enfrentar a resistência de um inimigo Essas lutas tam bém requerem tempo na vida psíquica Infelizmente devo constatar que até 143312 agora fracassaram todos os esforços de apressar bastante a terapia analítica A melhor maneira de encurtála parece ser realizála corretamente Se eu ainda tivesse vontade de me meter em sua seara e tentar analisar al guém o que você diz sobre as resistências me curaria definitivamente disso Mas e quanto à influência pessoal que você admitiu Ela não atua contra as resistências É bom que você pergunte sobre isso Essa influência pessoal é a nossa arma dinâmica mais poderosa é o elemento novo que introduzimos na situação e com o qual a fazemos andar O conteúdo intelectual de nossas explicações não pode fazer isso pois o doente que partilha todos os preconceitos de seu ambi ente não acredita nelas necessariamente mais do que os nossos críticos do mundo científico O neurótico participa do trabalho porque acredita no an alista e tem fé nele porque adquire uma especial atitude emocional para com a pessoa do analista Também a criança acredita somente nas pessoas a quem es tá ligada Já lhe disse para que utilizamos essa grande influência sugestiva Não para a supressão dos sintomas é isso que distingue o método analítico de outros procedimentos de psicoterapia mas como força motriz para in duzir o Eu do paciente a superar suas resistências E quando conseguem isso tudo corre perfeitamente então Sim deveria Mas surge uma complicação inesperada Foi talvez a maior surpresa para o analista o fato de a relação afetiva que o doente estabelece com ele ser de uma natureza bastante peculiar Já o primeiro médico que tentou fazer uma análise não fui eu deparou com esse fenômeno e ficou desori entado com ele Pois essa relação afetiva tem para falar de modo claro a natureza de uma paixãow Curioso não é Sobretudo quando você leva em conta que o analista nada faz para provocála que pelo contrário mantémse humanamente à distância do paciente rodeando sua própria pessoa de uma 144312 certa reserva E quando além disso você é informado de que essa estranha re lação amorosa desconsidera quaisquer outros dados reais que pudessem favorecêla e ignora todas as variantes envolvidas na atração pessoal de id ade sexo e classe Esse amor é compulsivo Não que essa característica esteja ausente na paixão espontânea Como você sabe sucede frequentemente o con trário mas na situação analítica esse amor se produz com total regularidade não encontrando nela uma explicação racional Acreditaríamos que a relação do paciente com o analista deve comportar apenas certo grau de respeito con fiança gratidão e simpatia humana Em vez disso temos essa paixão que dá ela mesma a impressão de um fenômeno doentio Bem eu acreditaria que isso favorece seus propósitos terapêuticos Quando a pessoa ama é sempre dócil faz tudo pelo outro Sim no começo é favorável mas depois quando essa paixão se aprofunda aparece inteiramente sua natureza em que muita coisa não se concilia com a tarefa da análise O amor do paciente não se contenta em obedecer tornase exigente requer satisfações afetuosas e sensuais pede exclusividade desen volve ciúmes mostra cada vez mais seu lado reverso a disposição à hostilidade e à vingança quando não pode atingir seus propósitos Ao mesmo tempo como toda paixão repele todos os demais conteúdos psíquicos extingue o in teresse no tratamento e na cura em suma não podemos duvidar de que tomou o lugar da neurose e que nosso trabalho teve o efeito de substituir uma forma de doença por outra Isso é desanimador Que fazer então A análise teria de ser abandonada mas se como você diz isso ocorre em todo caso então seria impossível fazer qualquer análise Primeiro vamos aproveitar a situação e aprender com ela O que apren demos pode nos servir para governála Não é bastante digno de nota que 145312 consigamos transformar uma neurose seja qual for seu conteúdo num estado de paixão doentia Essa experiência fortalece bastante a nossa convicção de que a neurose tem por base uma parte da vida amorosa empregada de forma anormal Com essa percepção voltamos a pisar terra firme agora podemos tomar essa paixão mesma como objeto da análise E fazemos outra observação Não é em todos os casos que essa paixão psicanalítica se manifesta do modo claro e gritante como busquei descrevêla Por que isso não acontece Logo percebemos Na mesma medida em que os lados sensuais e os hostis de sua paixão se mostram também desperta a oposição do paciente a eles Ele os combate procura reprimilos ante os nossos olhos Agora entendemos o que sucede O paciente repete em forma de paixão pelo analista vivências psíquicas por que passou antes ele transfere para o analista atitudes psíquicas que se acham prontas dentro dele e estão intimamente ligadas à origem de sua neurose Ele também repete suas reações defensivas de então sob os nossos olhos gostaria muito de repetir todas as vicissitudes daquele período esquecido da vida em sua relação com o analista O que ele nos mostra é portanto o âmago de sua história ín tima ele o reproduz de forma palpável como algo presente em vez de recordálo Assim é solucionado o enigma do amor de transferência e a análise pode prosseguir justamente com o auxílio da nova situação que parecia tão ameaçadora para ela Isso é algo refinado E o doente acredita facilmente que não está apaixon ado mas apenas se vê obrigado a reencenar uma velha peça Tudo agora depende disso e toda a habilidade no manejo da transferência consiste em obter isso Como vê as exigências da técnica analítica alcançam o auge nesse ponto Aí podem ser cometidos os mais graves erros ou angariados os maiores sucessos A tentativa de evitar as dificuldades suprimindo ou 146312 negligenciando a transferência seria algo absurdo Não importando o que mais se fizesse não mereceria o nome de análise Mandar embora o doente tão logo surgem as inconveniências de sua neurose de transferência tampouco faria sentido além de ser uma covardia Seria mais ou menos como conjurar espíritos e depois fugir tão logo aparecessem É certo que às vezes não se pode fazer outra coisa há casos em que não se consegue dominar a transferência desencadeada e se tem de interromper a análise mas é preciso ao menos haver lutado por todos os meios contra os maus espíritos Ceder às solicitações da transferência contentar os desejos de satisfação afetuosa e sensual do paciente é não apenas vetado justificadamente por considerações morais mas também totalmente inapropriado como recurso técnico para se alcançar o propósito analítico Um neurótico não pode ser curado por lhe possibilitarem repetir sem correção um clichê inconsciente já pronto dentro dele Se o analista faz com promissos com ele oferecendolhe satisfações parciais em troca de sub sequente cooperação na análise deve atentar para não se ver na cômica situ ação do religioso que tinha de converter um agente de seguros bastante adoe cido O doente não se converteu mas o religioso saiu com uma apólice de se guro A única saída possível para a situação da transferência é referila ao pas sado do doente como ele realmente a viveu ou a conformou pela atividade da imaginação realizadora de desejos E isso requer muita habilidade paciência calma e abnegação por parte do analista E onde você acha que o neurótico vivenciou o modelo de seu amor de transferência Em sua infância por via de regra na relação com um dos genitores Você se lembra que importância tivemos de atribuir a essas primeiras relações afetivas Então o círculo se fecha 147312 Você terminou finalmente Estou meio confuso com a quantidade de coisas que ouvi Digame apenas como e onde se aprende o que é necessário para exercer a psicanálise No momento há dois institutos para o ensino da psicanálise O primeiro es tá em Berlim foi fundado pelo dr Max Eitingon membro da sociedade psic analítica de lá O segundo é mantido pela Sociedade Psicanalítica de Viena com sacrifícios consideráveis A participação das autoridades se resume por agora nas várias dificuldades que criam para o novo empreendimento Um terceiro instituto de ensino está sendo aberto em Londres pela sociedade de psicanálise local sob a direção do dr Ernest Jones Nesses institutos os can didatos se submetem eles próprios à análise recebem instrução teórica com aulas em todos os assuntos relevantes para eles e desfrutam da supervisão de analistas mais velhos e experientes quando lhes permitem fazer as primeiras tentativas em casos mais leves Calculase aproximadamente dois anos para essa formação Naturalmente após esse tempo o indivíduo é apenas um inici ante não é ainda um mestre O que ainda falta precisa ser adquirido na prática e pela troca de ideias nas sociedades psicanalíticas em que membros mais jovens se encontram com aqueles mais velhos A preparação para a atividade analítica não é simples e fácil o trabalho é duro e a responsabilidade é grande Mas quem passou por essa aprendizagem foi ele próprio analisado com preendeu o que hoje se pode ensinar da psicologia do inconsciente está infor mado da ciência da vida sexual e aprendeu a difícil técnica da psicanálise a arte da interpretação o combate às resistências e o manejo da transferência esse não é mais um leigo no campo da psicanálise Está capacitado a empreender o tratamento de distúrbios neuróticos e poderá com o tempo realizar tudo o que se pode requerer dessa terapia 148312 VI Você fez um grande esforço para me mostrar o que é a psicanálise e que con hecimentos são necessários para exercêla com perspectivas de êxito Ótimo gostei de escutálo Mas não sei como espera que suas explicações influam no meu julgamento O que vejo não tem nada de extraordinário em si mesmo As neuroses são um tipo especial de doença a análise é um método especial para o tratamento delas uma especialidade médica Também em outras áreas o médico que escolheu uma disciplina especial não se contenta com a formação registrada no diploma Sobretudo quando pretende se estabelecer numa cidade grande o único lugar onde cabem especialistas Quem quer se tornar cirurgião busca servir alguns anos numa clínica de cirurgia o mesmo vale para um oftal mologista um laringologista etc e mais ainda um psiquiatra que talvez nunca abandone uma instituição do Estado ou um sanatório Assim também com um psicanalista quem se decidir por essa nova especialidade médica de verá após o estudo fazer os dois anos de formação de que você falou se real mente for preciso um tempo tão longo Depois ele notará como é proveitoso manter contato com seus colegas numa sociedade psicanalítica e tudo correrá muitíssimo bem Só não compreendo onde entra a questão da análise leiga Um médico que faz isso que você prometeu em seu nome será bemvindo para nós todos Oitenta por cento das pessoas que reconheço como meus dis cípulos são médicos em todo caso Mas permitame exporlhe como se config uraram realmente as relações dos médicos com a psicanálise e como provavel mente se desenvolverão no futuro Os médicos não têm o direito histórico à posse exclusiva da psicanálise pelo contrário até recentemente fizeram tudo para prejudicála da mais tola zombaria à mais grave calúnia Você dirá com 149312 razão que isso é coisa do passado e não deve influir no futuro Concordo mas receio que o futuro será diferente do que previu Deixeme dar à palavra curandeirox o sentido a que faz jus em vez do significado legal Para a lei um curandeiro é aquele que trata doentes sem pos suir um diploma do Estado para provar que é um médico Eu daria preferência a outra definição curandeiro é aquele que empreende uma terapia sem possuir os conhecimentos e capacidades que ela requer Com base nessa definição atrevome a afirmar que não apenas nos países europeus os médicos formam o maior contingente de curandeiros na psicanálise Com muita fre quência eles exercem a psicanálise sem têla aprendido e sem compreendêla De nada vale querer objetar que isso é inescrupuloso que você não acred ita que os médicos o façam Segundo você os médicos sabem que um diploma médico não é uma licença de caça e um doente não é uma presa e que sempre devemos supor que um médico age em boafé embora talvez estando equivocado Os fatos persistem vamos esperar que eles se expliquem como você pensa Tentarei lhe mostrar como é possível que um médico se comporte em matéria de psicanálise de uma forma que evitaria cuidadosamente em qualquer outro campo Nisso devemos considerar em primeiro lugar que na faculdade o médico recebeu uma formação que é mais ou menos o oposto do que ele necessitaria como preparação para a psicanálise Sua atenção foi dirigida para fatos ob jetivamente verificáveis de anatomia física e química o sucesso da prática médica depende da exata compreensão e adequada modificação deles O prob lema da vida é colocado em seu horizonte tal como até agora se explicou para nós a partir do jogo das forças observáveis também na natureza inorgânica Não é despertado o interesse pelos aspectos psíquicos dos fenômenos da vida 150312 não concerne à medicina o estudo das realizações mentais superiores isso é domínio de outra faculdade Somente a psiquiatria deveria se ocupar dos tran stornos das funções psíquicas mas sabemos de que modo e com que intenção ela o faz Ela busca os determinantes físicos dos distúrbios psíquicos e os trata como outras causas de doenças A psiquiatria está certa nisso e a formação médica é claramente muito boa Se dela afirmamos que é unilateral temos de primeiramente explicitar o ponto de vista a partir do qual essa característica se torna uma objeção Toda ciência em si é unilateral tem de sêlo por restringirse a determinados conteúdos perspectivas e métodos É um contrassenso que não desejo partilhar jogar uma ciência contra a outra A física não diminui o valor da química não pode tomar seu lugar e tampouco pode ser substituída por ela Sem dúvida a psicanálise é especialmente unilateral como ciência do inconsciente psíquico Portanto não deve ser negado às ciências médicas o direito à unilateralidade O ponto de vista que buscamos será encontrado apenas se nos voltarmos da medicina científica para a terapêuticay prática O indivíduo doente é um ser complicado ele nos adverte que também os fenômenos psíquicos de tão difícil compreensão não podem ser excluídos do quadro da vida E o neurótico é uma complicação indesejável um embaraço tanto para a medicina como para a Justiça e o serviço militar Mas ele existe e concerne muito especialmente à medicina E a instrução médica não faz nada absolutamente nada para sua avaliação e seu tratamento Dada a íntima relação entre as coisas que diferen ciamos como físicas e como psíquicas podese prever que chegará o dia em que se abrirão caminhos de conhecimento e esperamos também de in fluência da biologia dos órgãos e da química para o âmbito dos fenômenos neuróticos Esse dia ainda parece distante atualmente esses estados patológi cos nos são inacessíveis desde o lado médico 151312 Seria tolerável se a instrução médica apenas falhasse em orientar os médi cos no âmbito das neuroses Faz mais do que isso porém ela lhes dá uma atit ude errada e prejudicial Como não tiveram o interesse despertado para os fatores psíquicos da vida os médicos se acham predispostos a subestimálos e a ridicularizálos como pouco científicos Por isso não são capazes de levar real mente a sério o que tem relação com eles e não sentem as obrigações que deles decorrem Em razão disso incorrem na falta de respeito dos leigos ante a pesquisa psicológica e tornam fácil sua própria tarefa Sim é preciso tratar os neuróticos porque são doentes e se dirigem ao médico e também é preciso tentar sempre algo novo Mas por que darse ao trabalho de uma preparação demorada Também desse outro modo pode funcionar sabese lá que valor tem o que ensinam nos institutos psicanalíticos Quanto menos esses médicos entendem do assunto mais arrojados se tornam Apenas o homem que real mente sabe se torna modesto pois faz ideia de como é insuficiente este saber Portanto não é válida a comparação da especialidade analítica com outras disciplinas médicas que você fez para me apaziguar Em cirurgia oftalmologia etc a própria faculdade oferece a possibilidade de continuar a formação Os institutos de ensino da psicanálise são poucos existem há pouco tempo e não possuem autoridade A faculdade de medicina não os reconheceu e não se in teressa por eles Um médico jovem que tendo de dar crédito a seus mestres em tantas coisas pouca oportunidade teve de formar seu próprio juízo de bom grado aproveitará a ocasião de enfim fazer também o papel de crítico Ainda há outras circunstâncias que podem leválo a atuar como curandeiro psicanalítico Se ele quisesse realizar operações de olhos sem a devida pre paração o fracasso de suas remoções de cataratas e iridectomias e a fuga dos pacientes poriam fim à sua temeridade Já o exercício da psicanálise é relativa mente inócuo para ele O público está acostumado a que as operações 152312 oftalmológicas tenham bons resultados e sempre espera a cura Mas se um médico de nervos não restaura a saúde dos pacientes ninguém se sur preende com isso As pessoas não estão habituadas a êxitos na terapia dos neuróticos pelo menos o médico ocupouse bastante deles Pois aí não há muito que se possa fazer a natureza tem que ajudar ou então o tempo Na mulher primeiro temos a menstruação depois o casamento mais tarde a men opausa Por fim a morte ajuda realmente Além disso o que o analista médico fez com o neurótico é tão pouco notório que não dá margem a objeções Ele não utilizou instrumentos ou medicamentos apenas conversou com ele buscou persuadilo ou dissuadilo de algo Isso não pode fazer mal especial mente quando se evitou tocar em coisas dolorosas ou estimulantes O analista médico tendo se libertado da aprendizagem estrita certamente não deixará de tentar aperfeiçoar a análise tirandolhe o veneno e tornandoa mais agradável para os doentes E é bom que ele fique nessa tentativa pois se realmente ousas se despertar as resistências e depois não soubesse como enfrentálas então po deria realmente se fazer malquisto Em nome da honestidade devese admitir que a atividade de um analista sem treino é mais inofensiva para o doente que a de um cirurgião sem habilid ade Os possíveis danos se limitam ao fato de o paciente ser induzido a um dis pêndio inútil e de perder ou piorar as chances de cura Além de a reputação da terapia analítica ser prejudicada Claro que tudo isso é indesejável mas não se compara ao perigo que pode representar o bisturi de um cirurgião curandeiro Mesmo com o emprego inábil da análise não se deve temer um agravamento severo e duradouro do estado patológico a meu ver As reações desagradáveis acabam após certo tempo Ao lado dos traumas da vida que provocaram a doença o algum mau trato sofrido nas mãos do médico não chega a contar 153312 Apenas ocorre que a tentativa terapêutica inadequada não beneficiou o paciente Ouvi sua descrição do curandeiro médico dentro da psicanálise sem interrompêlo mas com a impressão de que é dominado pela hostilidade em relação à classe médica hostilidade que se explica historicamente como você mesmo indicou Uma coisa lhe concedo porém se deve haver análises elas devem ser feitas por gente bastante treinada para isso Você não acha que com o tempo os médicos que se voltam para a análise farão tudo para obter essa formação Receio que não Enquanto não mudar a relação da faculdade com o insti tuto de ensino psicanalítico a tentação de tornar as coisas mais fáceis continu ará sendo muito grande para os médicos Mas você parece evitar sistematicamente uma afirmação direta sobre a questão da análise leiga Devo imaginar que você propõe que sendo impos sível controlar os médicos que querem analisar devese como que por vingança para castigálos tirarlhes o monopólio da análise e abrir essa ativid ade médica também aos leigos Não sei se você imaginou corretamente os meus motivos Talvez eu possa mais adiante darlhe prova de uma atitude menos parcial Mas enfatizo a exigência de que não deve exercer a psicanálise quem não tenha adquirido o direito de fazêlo mediante uma formação específica Se essa pessoa é ou não médico pareceme secundário Que propostas específicas você tem a fazer então Ainda não cheguei a esse ponto e não sei se um dia chegarei Eu gostaria de abordar uma outra questão com você mas tocando primeiramente em de terminado tema Dizem que as autoridades por injunção da classe médica querem proibir a todos os leigos o exercício da análise Tal proibição atingiria 154312 também os membros não médicos da sociedade de psicanálise que tiveram ex celente formação e ainda se aperfeiçoaram na prática Se isso ocorrer teremos uma situação em que vários indivíduos estarão impedidos de exercer uma atividade que podemos estar seguros são capazes de realizar muito bem en quanto a mesma atividade é liberada a outros que estão longe de ter essa garantia Isso não é exatamente o resultado que uma legislação pretenda al cançar No entanto esse problema especial não é muito importante nem difícil de ser resolvido Tratase de um grupo de pessoas que poderão ser grave mente prejudicadas Provavelmente emigrarão para a Alemanha onde sem obstáculos de natureza legal logo terão sua competência reconhecida Se houver o desejo de lhes poupar isso atenuandolhes o rigor da lei não será difícil fazêlo baseandose em precedentes conhecidos Na Áustria monár quica aconteceu repetidas vezes que notórios curandeiros tiveram autorização ad personam para exercer a atividade médica em determinadas áreas porque as pessoas estavam convencidas de sua real capacidade Esses casos eram quase sempre de curandeiros camponeses e geralmente se deram por recomendação de uma das numerosas arquiduquesas da época o mesmo porém deve ser possível para habitantes da cidade e com base em outra garantia de caráter es pecializado O efeito de tal proibição seria maior no instituto psicanalítico de Viena que não poderia mais admitir candidatos de círculos não médicos Assim mais uma vez seria suprimida em nossa pátria uma linha de atividade intelectual que pode se desenvolver livremente em outro lugar Sou a última pessoa a reivindicar competência no julgamento de leis e ordenações Mas posso ver que a ênfase em nossa lei relativa aos curandeiros vai no sentido oposto ao avizinhamento das condições alemãs que hoje é claramente bus cadoz e que a aplicação dessa lei ao caso da psicanálise tem algo de anacrônico 155312 pois quando ela foi promulgada ainda não havia análise e não se conhecia a natureza especial das enfermidades neuróticas Agora chego à questão que me parece mais importante discutir O exercí cio da psicanálise é algo que deve ser submetido à intervenção das autoridades ou é mais apropriado deixar que ele siga seu desenvolvimento natural Eu cer tamente não me decidirei aqui mas tomo a liberdade de lhe oferecer esse prob lema para reflexão Em nosso país existe desde sempre um verdadeiro furor prohibendi mania de proibição uma inclinação a tutelar intervir e proibir que como sabemos não trouxe exatamente bons frutos Ao que parece na nova Áustria republicana as coisas ainda não mudaram muito Imagino que sua palavra terá peso na decisão sobre o caso da psicanálise que agora nos ocupa não sei se terá a vontade ou a influência para se opor às tendências burocráticas De todo modo não lhe pouparei meus modestos pensamentos sobre esta nossa questão Acho que uma abundância de regulamentos e proib ições é prejudicial à autoridade da lei Podese observar isto onde há poucas proibições elas são cuidadosamente respeitadas onde o indivíduo depara com proibições a todo momento sente praticamente a tentação de ignorálas E não é preciso ser um anarquista para se dispor a ver que leis e regulamentos não podem por sua origem reivindicar um caráter de santidade e inviolabilidade que muitas vezes são deficientes no conteúdo e ofensivos ao nosso sentimento de justiça ou assim se tornam após algum tempo e que dada a vagareza das pessoas que dirigem a sociedade frequentemente não há outro meio de corri gir tais leis inadequadas senão infringilas resolutamente Também é aconsel hável quando se quer que seja mantido o respeito às leis e regulamentos não promulgar nenhuma cuja obediência ou inobservância seja difícil de controlar Muita coisa que dissemos sobre o exercício da psicanálise por médicos poderia ser repetido a propósito da análise leiga que a lei quer suprimir O curso de 156312 uma análise é algo pouco perceptível ela não utiliza medicamentos ou instru mentos consiste apenas em conversas e troca de comunicações Será difícil provar que um leigo pratica análise se ele afirmar que apenas dá conselhos e esclarecimentos e busca ter uma influência salutar sobre aqueles que necessit am de ajuda psíquica Não se pode proibilo de fazer isso apenas porque os médicos às vezes também o fazem Nos países de língua inglesa se acham bastante difundidas as práticas da Christian Science uma espécie de negação dialética dos males da vida que recorre aos ensinamentos do cristianismo Não hesito em afirmar que esse procedimento constitui um lamentável extravio do espírito humano mas quem na América ou na Inglaterra pensaria em proibi lo ou tornálo suscetível de punição Então as nossas altas autoridades se acham tão seguras do caminho correto para a felicidade que ousam impedir que cada qual procure ser feliz à sua maneira E admitindo que muitos abandonados a si mesmos encontram perigos e se prejudicam as autoridades não fariam melhor delimitando cuidadosamente as áreas que devem ser con sideradas inacessíveis e de resto tanto quanto possível deixando que os indi víduos se eduquem pela experiência e pela influência mútua A psicanálise é algo tão recente no mundo o público em geral tem tão pouca informação sobre ela a atitude da ciência oficial ainda oscila tanto diante dela que me parece prematuro intervir já agora na evolução das coisas com preceitos legais Deixemos que os próprios doentes façam a descoberta de que é prejudicial para eles buscar a ajuda psíquica de pessoas que não aprenderam como se deve prestála Vamos esclarecêlos e prevenilos sobre isso e nos pouparemos a necessidade de proibilo Nas estradas italianas os postes que levam cabos de eletricidade têm uma inscrição curta e eloquente Chi tocca muore Quem toca morre Isso basta completamente para estabelecer a conduta dos passantes di ante de algum fio pendente Os avisos alemães correspondentes são de uma 157312 verbosidade supérflua e ofensiva Das Berühren der Leitungsdrähte ist weil lebensgefährlich strengstens verboten Tocar nos fios de transmissão é termin antemente proibido pois representa perigo de vida Por que a proibição Quem tem amor à vida proíbe tal coisa a si mesmo e quem quer se matar dessa maneira não pede permissão Mas há casos que podem ser mencionados como precedentes na questão da análise leiga Refirome à proibição de leigos praticarem hipnose e mais re centemente à proibição de fazer sessões de ocultismo e de fundar sociedades ocultistas Não posso dizer que sou um admirador dessas medidas A segunda é um evidente abuso da supervisão policial em detrimento da liberdade intelectual Estou livre da suspeita de ter muita fé nos chamados fenômenos ocultos ou mesmo de ansiar por seu reconhecimento mas com tais proibições não se elim ina o interesse pelo suposto mundo oculto Pelo contrário talvez façam muito mal talvez fechem o caminho para a curiosidade imparcial impedindoa de chegar a um juízo liberador quanto a essas preocupantes possibilidades Mais uma vez no entanto isso diz respeito apenas à Áustria Em outros países a pesquisa parapsicológica também não encontra empecilhos legais O caso do hipnotismo é um tanto diferente daquele da análise Hipnotismo é a evocação de um estado psíquico anormal e atualmente os leigos o utilizam apenas para exibições públicas Se a terapia hipnótica inicialmente tão promissora tivesse vingado teria se produzido uma situação semelhante à da psicanálise Aliás a história do hipnotismo fornece um precedente para a da psicanálise em outro sentido Quando eu era um jovem docente de neuropatologia os médicos bra davam contra o hipnotismo declaravamno um embuste uma ilusão do Demônio uma intervenção perigosíssima Hoje eles monopolizam o hipnotismo usamno tranquilamente como método de investigação e ele 158312 ainda constitui o principal recurso terapêutico para não poucos especialistas em doenças nervosas Mas como já lhe disse não penso em fazer propostas que se baseiem na de cisão do que seria mais correto a regulamentação legal ou a completa licença em matéria de análise Sei que é uma questão de princípios em cuja solução provavelmente influem mais as inclinações das pessoas competentes do que os argumentos Já expus o que me parece falar em favor de uma política de laissez faire não intervenção Se for decidido diferentemente por uma política de in tervenção direta então me parecerá insuficiente a medida fraca e injusta de proibir inexoravelmente a análise feita por não médicos Será preciso cuidar de algumas coisas mais estabelecer as condições em que a prática analítica será permitida para todos os que quiserem exercêla instituir uma autoridade junto à qual se possa adquirir informações sobre o que é psicanálise e que preparação é necessária para ela e favorecer possibilidades de instrução na psicanálise Portanto ou deixar em paz ou promover ordem e clareza e não imiscuirse numa situação intrincada com uma proibição mecanicamente derivada de um regulamento que se tornou inadequado VII Sim mas e os médicos os médicos Não consigo fazêlo entrar no ver dadeiro tema de nossa conversa Você está sempre se esquivando A questão é se os médicos devem ter o direito exclusivo de praticar a psicanálise após cumprirem determinadas condições que seja Eles certamente não são na maioria os curandeiros da psicanálise tal como você os retratou Você próprio disse que a grande maioria de seus discípulos e seguidores são médicos 159312 Chegoume aos ouvidos que eles não partilham absolutamente o seu ponto de vista na questão da análise leiga Devo supor naturalmente que os seus dis cípulos estão de acordo com suas exigências de preparação satisfatória etc e no entanto esses discípulos acham compatível com isso a interdição do exercí cio da psicanálise pelos leigos É assim E se for como explica isso Vejo que você está bem informado é assim É certo que nem todos mas boa parte de meus colaboradores que são médicos não me acompanha nisso defende o direito exclusivo dos médicos no tratamento analítico de neuróticos Com isso você percebe que também em nosso campo há diferenças de opinião Minha posição é conhecida e a discrepância no tema da análise leiga não des faz o nosso bom entendimento Como posso lhe explicar a atitude desses meus discípulos Não sei com certeza acredito que seja a força do espírito da profis sãoaa Eles tiveram uma evolução diferente da minha sentemse ainda pouco à vontade no isolamento em relação aos colegas gostariam de ser totalmente aceitos pela profession profissão e se acham dispostos a fazer em troca dessa tolerância um sacrifício num ponto cuja relevância não está clara para eles Talvez seja outra coisa atribuirlhes razões de concorrência significaria não apenas acusálos de mentalidade pobre mas também suporlhes uma peculiar estreiteza de visão Eles sempre se dispõem a iniciar outros médicos na análise e não pode fazer diferença para sua condição material que tenham de dividir com colegas ou com leigos os pacientes disponíveis Mas provavelmente existe algo mais a se levar em conta Esses meus discípulos podem estar influenciados por certos fatores que garantem ao médico na prática analítica uma vantagem indiscutível sobre o leigo Garantem uma vantagem Aí está Então você admite finalmente essa vantagem Com isso a questão estaria resolvida 160312 Não me é difícil reconhecer isso Pode lhe mostrar que não sou tão ob cecado como você imagina Adiei a menção desse fato porque sua discussão requer novas considerações teóricas Que quer dizer com isso Em primeiro lugar temos a questão do diagnóstico Quando se toma em análise um doente que sofre do que é chamado de distúrbios nervosos é pre ciso antes ter a certeza na medida do possível de que ele é adequado para essa terapia de que se pode ajudálo por essa via Mas isso só acontece quando ele tem de fato uma neurose Isso não se percebe nas manifestações nos sintomas de que ele se queixa É justamente aí que surge uma nova complicação Nem sempre isso se per cebe com toda a certeza O doente talvez tenha o quadro exterior de uma neur ose mas pode ser algo diferente o início de uma doença mental incurável o estágio preliminar de um processo degenerativo do cérebro A distinção o diagnóstico diferencial nem sempre é fácil e não pode ser feita imediata mente em cada fase Naturalmente só um médico pode assumir a responsabil idade por tal decisão Como disse nem sempre ela é fácil para ele A doença pode ter um aspecto inofensivo por um bom tempo até finalmente se mostrar sua natureza maligna E de fato um temor constante dos neuróticos é o de se tornarem doentes mentais Porém se o médico enganouse por algum tempo ou ficou incerto num caso desses não importa muito nenhum dano foi cau sado e nada de supérfluo ocorreu Já o tratamento psicanalítico desse paciente também não lhe faria nenhum dano mas seria apontado como um dispêndio supérfluo Além disso certamente haveria pessoas que imputariam um res ultado infeliz à análise Injustamente sem dúvida mas não se deve dar ensejo a isso 161312 Mas isso é desanimador Atinge as raízes de tudo o que você me falou sobre a natureza e a gênese de uma neurose De maneira nenhuma Apenas confirma novamente que os neuróticos são uma contrariedade e um embaraço para todas as partes também para os analis tas Mas talvez eu possa desfazer sua perplexidade se exprimir de modo mais correto o que tenho de novo a dizer Será provavelmente mais certo afirmar sobre os casos que agora nos ocupam que eles desenvolveram realmente uma neurose mas que esta não seria psicogênica e sim somatogênica não teria causas psíquicas mas sim físicas Pode me compreender Compreender sim mas não posso conciliar isso com o outro lado o psicológico Bem isso é possível quando se leva em conta as complexidades da sub stância viva Onde vimos a essência da neurose No fato de o Eu a organiz ação mais alta do aparelho psíquico gerada por influência do mundo externo não ser capaz de cumprir sua função de mediador entre o Id e a realidade de retirarse em sua fraqueza de porções instintuais do Id e por isso ter de aguentar as consequências dessa renúncia na forma de restrições sintomas e formações reativas malsucedidas Tal fraqueza do Eu ocorre em todos nós na infância por isso as vivências dos primeiros anos adquirem tamanha importância na vida posterior Sob o ex traordinário fardo desse período da infância em poucos anos temos de per fazer a enorme distância evolutiva do homem primitivo da Idade da Pedra até o participante da cultura de hoje e sobretudo rechaçar os impulsos instintuais do primeiro período sexual nosso Eu se refugia em repressões e se expõe a uma neurose infantil cujo precipitado ele leva consigo para a vida madura como predisposição para uma posterior doença nervosa Tudo passa a depend er de como este ser adulto será tratado pelo destino Se a vida se tornar dura 162312 demais grande demais a distância entre as exigências dos instintos e as ob jeções da realidade então o Eu pode malograr em seus esforços de conciliar os dois e isso tanto mais facilmente quanto mais ele for inibido pela predis posição trazida da infância Repetese então o processo de repressão os instin tos se desprendem da dominação do Eu acham satisfações substitutivas pela via da regressão e o pobre e desamparado Eu tornase neurótico Não esqueçamos isto o ponto central e decisivo de toda a situação é a re lativa força da organização do Eu Então nos será fácil completar o panorama etiológico Já conhecemos como causas digamos normais da condição neurótica a debilidade do Eu na infância a tarefa de dominar os primeiros im pulsos da sexualidade e os efeitos das vivências infantis mais ou menos casuais Mas não é possível que também outros fatores desempenhem um papel oriun dos da época anterior à vida infantil Por exemplo uma inata força e incontro labilidade da vida instintual no Id que já de início impõe tarefas demasiado grandes ao Eu Ou uma particular fraqueza no desenvolvimento do Eu por razões desconhecidas Evidentemente esses fatores vão adquirir importância etiológica proeminente em alguns casos Com a força instintual do Id sempre temos de contar quando ela se desenvolveu de forma excessiva não são boas as perspectivas de nossa terapia Sobre as causas de uma inibição no desenvolvimento do Eu ainda sabemos muito pouco Estes seriam então os casos de neurose com base essencialmente constitucional Sem algum favoreci mento assim constitucional congênito é difícil que se produza uma neurose Mas quando a relativa fraqueza do Eu é o fator decisivo para o surgimento da neurose também deve ser possível que uma posterior enfermidade física gere uma neurose se é capaz de motivar a fraqueza do Eu E isso ocorre em ampla medida Um distúrbio físico assim pode afetar a vida instintual no Id e aumentar a força dos instintos além dos limites do que o Eu pode enfrentar O 163312 modelo normal de tais processos seria por exemplo a transformação produz ida na mulher pelos distúrbios da menstruação e da menopausa Ou um adoe cimento físico geral até mesmo uma doença orgânica do sistema nervoso cent ral que ataca as condições de alimentação do aparelho psíquico e o obriga a reduzir sua função e cessar suas operações mais sutis entre as quais se acha a manutenção da organização do Eu Em todos esses casos surge aproximada mente o mesmo quadro de neurose a neurose tem sempre o mesmo mecan ismo psicológico mas como vemos a mais variada etiologia frequentemente bastante complexa Agora gostei mais finalmente você falou como um médico E agora es pero que admita que um assunto médico tão complicado como uma neurose só pode ser tratado por um profissional da medicina Calma acho que está indo um pouco longe demais O que apresentamos foi matéria de patologia a análise é um procedimento terapêutico Eu concedo não eu insisto que em todo caso que se considere para a análise um médico faça primeiramente o diagnóstico A grande maioria das neuroses que nos ocupam são felizmente de natureza psicogênica não deixam dúvida do ponto de vista patológico Se o médico constatou isso pode tranquilamente confiar o tratamento a um analista leigo Em nossas sociedades psicanalíticas sempre fizemos assim Graças ao íntimo contato entre membros médicos e não médicos os erros que podemos temer foram quase inteiramente evitados Há outro caso em que o analista deve solicitar o auxílio do médico No decorrer do tratamento analítico podem aparecer sintomas mais provavelmente físi cos em que ficamos em dúvida se devemos situálos no contexto da neurose ou relacionálos a uma enfermidade orgânica independente que se apresenta como distúrbio A decisão também deve ser entregue a um médico 164312 Ou seja também durante a análise o analista leigo não pode dispensar o médico Um novo argumento contra a utilização dele Não não se pode forjar um argumento contra o analista leigo a partir dessa possibilidade pois o analista médico não agiria de outra forma nesse caso Não compreendo Existe a norma técnica de que o analista quando surgem tais sintomas am bíguos no tratamento não aplica a eles o seu próprio julgamento e sim recorre a um médico alheio à psicanálise um clínico digamos mesmo quando ele próprio é médico e ainda confia em seus conhecimentos de medicina E por que criaram essa norma que me parece tão supérflua Não é supérflua há várias razões para ela inclusive Primeiro não é bom que o tratamento orgânico e o psíquico sejam realizados por uma só pessoa se gundo a relação de transferência pode tornar desaconselhável que o analista faça um exame físico no paciente terceiro o analista tem todo motivo para duvidar de sua neutralidade já que seu interesse é intensamente voltado para os fatores psíquicos Sua atitude em relação à análise leiga é clara para mim agora Você insiste em que tem de haver analistas leigos Mas como não pode questionar as defi ciências deles para o trabalho está reunindo tudo o que pode servir para des culpar e facilitar a existência deles No entanto não vejo por que razão devem existir analistas leigos que afinal podem ser apenas terapeutas de segunda classe Posso admitir se quiser os poucos leigos que já têm formação analítica mas não deveriam ser formados outros e os institutos de ensino não deveriam mais aceitar leigos para treinamento Estou de acordo se for demonstrado que essa restrição atende a todos os interesses em questão Convenha em que tais interesses são de três espécies os dos pacientes os dos médicos e last not least por fim e não menos 165312 importantes os da ciência que incluem aqueles de todos os pacientes futur os Vamos examinar juntos esses três pontos Para o doente não faz diferença que o analista seja médico ou não desde que o parecer médico solicitado antes do início do tratamento e mesmo durante este se for o caso exclua o perigo de um mau julgamento de sua condição Para ele é bem mais importante que o analista tenha os atributos pessoais que o tornam confiável e que tenha adquirido o conhecimento e a compreensão assim como a experiência que o capacitam a cumprir sua tarefa Talvez se pense que é prejudicial à autoridade do analista que o paciente saiba que ele não é médico e não possa em várias situações dispensar o apoio de um médico Naturalmente jamais deixamos de informar os pacientes sobre a qual ificação do analista e pudemos verificar que preconceitos relativos à profissão não são bem acolhidos entre eles que se acham dispostos a aceitar a cura de onde quer que lhes seja oferecida algo que a classe médica descobriu há muito tempo para seu profundo desgosto Além disso os analistas leigos que hoje exercem a psicanálise não são indivíduos quaisquer aparecidos não se sabe de onde e sim pessoas de formação acadêmica doutores em filosofia pedagogos e algumas mulheres com grande experiência de vida e personalid ade marcante A análise que todos os candidatos de instituto psicanalítico têm de fazer é ao mesmo tempo a melhor maneira de obter informação sobre a aptidão pessoal para o exercício dessa exigente atividade Passemos ao interesse dos médicos Não posso crer que tenham a ganhar com a incorporação da psicanálise à medicina Atualmente o estudo da medi cina já dura cinco anos e os últimos exames avançam por quase um ano mais A cada três ou quatro anos aparecem novas exigências aos estudantes e o não cumprimento delas os deixaria mal equipados para o futuro O caminho para a profissão médica é bastante duro e o seu exercício não é muito satisfatório 166312 nem muito vantajoso Se for aceita a exigência certamente justificada de que o médico deve se familiarizar também com o lado psíquico da doença e por conta disso a formação médica se estenda para incluir alguma preparação para a análise isso significará mais um acréscimo no currículo e correspondente prolongamento do período de estudo Não sei se os médicos ficarão satisfeitos com essa consequência da reivindicação que fazem da psicanálise Mas ela difi cilmente poderá ser evitada E isso numa época em que pioraram tanto as con dições de existência material das camadas de onde vêm os médicos que a nova geração se vê impelida a ganhar o próprio sustento o mais cedo possível Mas talvez você prefira não sobrecarregar o estudo da medicina com o treino para a prática da análise achando mais adequado que somente após a conclusão dos estudos médicos os futuros analistas se preocupem com a form ação requerida Você poderia dizer que a perda de tempo envolvida pratica mente não conta pois um homem jovem de trinta anos jamais goza da confi ança do paciente que é a condição para a ajuda psíquica A isso poderíamos re sponder que um médico de doenças físicas recémformado também não deve esperar grande respeito dos pacientes e que um jovem analista empregaria muito bem seu tempo trabalhando numa policlínica psicanalítica sob a super visão de praticantes experimentados Mais importante me parece entretanto que com essa sugestão você advoga um desperdício de energia que não pode se justificar economicamente nesses tempos difíceis É verdade que a formação analítica se sobrepõe em parte à preparação médica mas não inclui e não é incluída por esta Se fôssemos criar o que hoje ainda pode parecer fantástico uma faculdade de psicanálise nela se haveria de ensinar muita coisa que é ensinada também na escola de medicina ao lado da psicologia profunda que sempre seria a matéria principal uma introdução à biologia o estudo mais amplo possível da vida sexual uma 167312 familiaridade com os quadros clínicos da psiquiatria Por outro lado a in strução analítica também abrangeria matérias distantes da medicina com as quais o médico não tem contato em sua atividade história da civilização mito logia psicologia da religião e literatura Sem bons conhecimentos nessas áreas o analista deixaria de compreender grande parte de seu material Inver samente ele não tem utilidade para a maioria das coisas que são ensinadas numa escola médica O conhecimento da anatomia do pé da composição dos carboidratos do percurso das fibras nervosas do cérebro de tudo o que a medicina descobriu sobre bacilos patogênicos e as formas de combatêlos sobre reações sorológicas e neoplasias tudo isso é bastante valioso em si não há dúvida mas carece de importância para o analista não lhe diz respeito não ajuda a entender e curar uma neurose nem contribui para refinar as fac uldades intelectuais que a sua atividade mais solicita Não se diga que algo semelhante ocorre quando o médico se dedica a outra especialidade como a odontologia por exemplo Também nesta ele pode não necessitar de coisas sobre as quais tem de prestar exame e tem de aprender outras para as quais a escola não preparou Mas os dois casos não se comparam Também para a odontologia conservam toda a importância os grandes princípios da patologia os ensinamentos sobre inflamação supuração necrose sobre o efeito recí proco dos órgãos do corpo Mas a experiência leva o analista a outro mundo com outros fenômenos e outras leis Ainda que a filosofia ignore o hiato entre o psíquico e o somático ele existe para nossa experiência imediata e especial mente para nossos esforços práticos É injusto e inapropriado forçar um indivíduo que quer livrar outros da tor menta de uma fobia ou obsessão a fazer antes um longo desvio pelo estudo da medicina E tampouco isso terá êxito a menos que seja o de suprimir inteira mente a análise Imagine uma paisagem em que dois caminhos levem a 168312 determinado ponto no alto um deles curto e reto o outro longo indireto e sinuoso Você procura fechar o caminho curto mediante uma placa de proib ição talvez porque ele passa por alguns canteiros de flores que você gostaria que fossem poupados Sua interdição será respeitada apenas se o caminho curto for íngreme e penoso enquanto o mais comprido sobe suavemente Se for o contrário se o desvio for o mais trabalhoso você adivinhará facilmente qual a utilidade de sua proibição e qual o destino de suas flores Acho que você não conseguirá induzir os leigos a estudar medicina e eu também não serei capaz de fazer os médicos aprenderem psicanálise Nós dois sabemos como é a natureza humana Se você está certo ao dizer que o tratamento analítico não pode ser realiz ado sem uma formação especial mas o estudo de medicina não tolera a sobre carga de uma preparação para ele enquanto os conhecimentos médicos são em boa parte supérfluos para um analista como fica a meta de alcançar a per sonalidade médica ideal que esteja à altura de todas as tarefas de sua profissão Não posso prever qual será a saída dessas dificuldades nem cabe a mim especificála Vejo apenas duas coisas primeiro que a psicanálise é algo em baraçoso para você melhor seria se ela não existisse sem dúvida também o neurótico é embaraçoso e em segundo lugar que momentaneamente todos os interesses serão levados em conta se os médicos resolverem tolerar uma classe de terapeutas que os livra do laborioso tratamento das tão frequentes neuroses psicogênicas e em benefício desses doentes está em contato permanente com eles Esta é sua última palavra sobre o tema ou teria algo mais a dizer 169312 Sem dúvida eu pretendia considerar ainda outro interesse o da ciência O que tenho a dizer sobre isso não lhe interessará muito mas para mim é de grande importância Não nos parece desejável de forma nenhuma que a psicanálise seja engol ida pela medicina e venha a ter sua morada definitiva nos manuais de psiquiat ria na seção sobre terapias ao lado de procedimentos como sugestão hipnót ica autossugestão e persuasão que gerados por nosso pouco saber devem seus efêmeros efeitos à inércia e covardia da massa humana Ela merece des tino melhor e temos esperança de que o terá Na condição de psicologia pro funda de teoria do inconsciente psíquico ela pode se tornar imprescindível para todos os saberes que se ocupam da gênese da cultura humana e de suas grandes instituições como arte religião e organização social Creio que ela já lhes prestou ajuda considerável na solução de seus problemas até agora mas tais contribuições ainda são pequenas comparadas ao que se pode alcançar quando historiadores da civilização psicólogos da religião estudiosos da lin guagem etc aprenderem a manejar por si mesmos o novo instrumento de pesquisa colocado à sua disposição O emprego da análise na terapia das neur oses é apenas uma de suas aplicações o futuro talvez mostre que não é a mais importante De toda maneira não seria justo sacrificar todas as demais em prol desta única aplicação apenas porque ela tem relação com o círculo de in teresses médicos Pois aqui se abre um novo nexo em que não se pode interferir de maneira inócua Se os representantes das várias ciências humanas aprenderem a psic análise para aplicar os métodos e abordagens desta ao seu material não bastará que se atenham aos resultados consignados na literatura psicanalítica Terão de aprender a conhecer a análise pela única via possível submetendose a uma análise eles próprios Assim aos neuróticos que necessitam de análise se 170312 juntará uma segunda classe de pessoas as que a farão por motivos intelectuais mas que certamente aprovarão o aumento de sua capacidade de trabalho que também ocorrerá A realização dessas análises vai requerer certo número de analistas para os quais conhecimentos médicos terão pouca relevância Mas esses analistas de ensinoab vamos chamálos assim necessitarão de uma formação particularmente cuidadosa Para que esta não seja atrofiada será preciso darlhes a oportunidade de reunir experiência com casos instru tivos e comprovativos e como indivíduos sãos a quem falta a motivação da curiosidade não se submetem à análise é apenas com neuróticos que sob rigorosa supervisão os analistas de ensino poderão ser treinados para sua posterior atividade não médica Tudo isso porém exige certo grau de liber dade de movimentos e não é compatível com restrições mesquinhas Talvez você não acredite nesses interesses puramente teóricos da psicanál ise ou não lhes reconheça influência na questão prática da análise leiga Então devo lembrarlhe que existe outra área de aplicação da psicanálise que se acha fora do âmbito da lei sobre charlatanismo e que os médicos dificilmente poderão reivindicar para si Refirome ao seu emprego na pedagogia Quando uma criança começa a dar sinais de um desenvolvimento difícil tornase mal humorada teimosa e desconcentrada o pediatra ou o médico da escola nada poderão fazer por ela mesmo quando a criança tem claros sintomas neuróticos como ansiedades falta de apetite vômitos insônias Um tratamento que reúna influência analítica e medidas pedagógicas conduzido por pessoas que não se neguem a preocuparse com o ambiente da criança e que saibam ganhar acesso à sua vida psíquica um tratamento assim obtém duas coisas ao mesmo tempo eliminar as manifestações neuróticas e reverter a incipiente mudança de caráter Nossa percepção da importância que têm as neuroses infantis fre quentemente pouco visíveis como predisposição para graves adoecimentos 171312 na vida adulta indicanos tais análises infantis como excelente meio de pro filaxia É inegável que a psicanálise ainda tem inimigos não sei de que instru mentos disporiam para impedir a atividade desses analistas pedagógicos ou pedagogos analíticos e não creio que possam fazêlo com facilidade De todo modo nunca se pode estar seguro De resto voltando à nossa questão do tratamento analítico de neuróticos adultos também aí não esgotamos todos os aspectos Nossa civilização exerce sobre nós uma pressão quase intolerável ela pede um corretivo Seria fantasio so esperar que a psicanálise não obstante suas dificuldades esteja destinada a preparar os seres humanos para tal corretivo Talvez ocorra a algum amer icano a ideia de gastar um pouco do seu dinheiro para treinar analiticamente os social workers assistentes sociais de seu país transformandoos numa força auxiliar no combate às neuroses da cultura Aha Uma nova espécie de Exército da Salvação Por que não Nossa imaginação sempre trabalha com modelos A torrente de pessoas ansiosas de aprender que então afluirá à Europa terá de passar ao largo de Viena pois aqui o desenvolvimento psicanalítico terá talvez sucum bido a um precoce trauma de proibição Você ri Não digo isso para angariar seu apoio claro que não Bem sei que não acredita em mim e também não posso garantir que será assim Mas uma coisa eu sei Não importa muito a de cisão que você venha a tomar na questão da análise leiga Ela poderá ter um efeito local Aquilo que realmente conta as possibilidades internas de desen volvimento da psicanálise não é afetado por regulamentos ou proibições 172312 PÓSESCRITO 1927ac O ensejo para que eu redigisse a pequena obra em que se baseia a discussão precedente foi a acusação de charlatanismo feita contra nosso colega não médico o dr Theodor Reikad junto às autoridades vienenses Como já deve ser do conhecimento de todos essa queixa foi julgada improcedente após a realização de um inquérito preliminar e a obtenção de pareceres diversos Não creio que isso tenha sido consequência da minha publicação o caso não era muito favorável à acusação e a pessoa que se declarara ofendida não se rev elou confiável A suspensão do processo contra o dr Reik provavelmente não significou uma decisão baseada em princípio acerca da questão da análise leiga por parte dos tribunais de Viena Quando inventei a figura do interlocutor imparcial tinha em mente a pessoa de um dos nossos altos funcionários um homem de atitude benévola e excepcional integridade com quem eu mesmo havia conversado sobre o caso Reik e para o qual a seu pedido havia escrito um parecer privado Eu sabia que não tivera êxito em conquistálo para o meu ponto de vista e por isso não finalizei o diálogo com um interlocutor imparcial com um entendimento entre as duas partes Tampouco achei que conseguiria forjar uma posição homogênea ante o problema da análise leiga entre os próprios analistas Quem comparar no de bate aqui publicado as opiniões da Sociedade Húngara com as do grupo de Nova York talvez suponha que meu livro não teve nenhum efeito que cada qual se atém à mesma perspectiva que defendeu antes Mas também não creio isso Penso que muitos colegas terão moderado sua posição extrema que a maioria deles adotou minha concepção de que o problema da análise leiga não 173312 pode ser resolvido pelos moldes tradicionais mas surgindo de uma situação nova requer um novo veredicto Também a abordagem que dei a toda a questão parece ter encontrado aprovação Pus em primeiro plano a tese de que o que importa não é se o an alista possui ou não um diploma de medicina mas se adquiriu a formação es pecial que o exercício da análise requer Isso levou à questão ardorosamente discutida pelos colegas de qual seria a formação mais adequada para um an alista Sustentei e continuo sustentando que não é aquela que a universidade prevê para um médico A assim chamada formação médica me parece um cam inho tortuoso para a profissão de psicanalista que é verdade proporciona muita coisa indispensável para o analista mas também o sobrecarrega com muitas outras que ele jamais utiliza e traz o perigo de que seu interesse e seu modo de pensar sejam afastados da compreensão dos fenômenos psíquicos O plano de ensino para um analista ainda será criado ele deve abranger material das ciências humanas de psicologia história da civilização sociologia e tam bém da anatomia biologia e história da evolução Nele haverá tanta coisa a en sinar que se justifica deixar fora da aula o que não tem relação direta com a atividade analítica e pode contribuir apenas indiretamente como qualquer outro estudo para o treino do intelecto e da capacidade de observação É cô modo lembrar em objeção a essa proposta que tais faculdades de psicanálise não existem que isso é apenas uma exigência ideal Sem dúvida é um ideal mas que pode ser realizado e tem de ser realizado Com todas as deficiências devidas à sua pouca idade nossos institutos já são o começo de tal realização Não terá escapado a meus leitores o fato de que pressupus nas afirmações precedentes algo que ainda é muito questionado nas discussões que a psic análise não é um ramo especial da medicina Não vejo como alguém pode se recusar a perceber isso A psicanálise é parte da psicologia não da psicologia 174312 médica no velho sentido ou psicologia dos processos patológicos mas psico logia simplesmente não o conjunto da psicologia mas sua base talvez seu fun damento mesmo Não nos deixemos enganar pela possibilidade de sua utiliza ção para fins médicos também a eletricidade e os raios X acharam aplicação na medicina mas a ciência de ambos é a física Tampouco argumentos históricos podem alterar esse vínculo Toda a teoria da eletricidade tem origem na obser vação de um preparado de nervos musculares mas a ninguém ocorreria dizer que ela é parte da fisiologia Afirmase que a psicanálise foi afinal de contas inventada por um médico enquanto se empenhava em ajudar os pacientes Mas isso é claramente irrelevante para um julgamento acerca dela Além disso esse argumento histórico é perigoso Prosseguindo nele poderíamos lembrar a pou ca simpatia a hostilidade mesmo com que os médicos trataram a psicanálise desde o começo disso concluiríamos que também hoje eles não podem reivin dicar direitos sobre ela E realmente ainda hoje embora eu rejeite essa conclusão não sei se a corte que os médicos estão fazendo à psicanálise deve ser referida segundo a teoria da libido ao primeiro ou ao segundo dos sube stágios de Abrahamae isto é se se trata de uma tentativa de posse para fins de destruição ou de conservação do objeto Vamos nos deter um pouco mais no argumento histórico tratandose de minha própria pessoa posso dar para os interessados alguma informação sobre os meus motivos Após quarenta e um anos de atividade médica meu autoconhecimento me diz que não fui propriamente um médico Eu me tornei médico por ter sido obrigado a me desviar de minha intenção original e meu triunfo consistiu em reencontrar após um longo rodeio a direção inicial De minha infância não recordo nenhuma necessidade de ajudar pessoas que sofr em minha predisposição sádica não era muito grande de forma que esse de rivado dela não chegou a se desenvolver E nunca brinquei de médico 175312 minha curiosidade infantil tomou outros rumos Na juventude tornouse muito forte a necessidade de compreender algo dos enigmas do mundo e talvez contribuir para solucionálos Matricularme na faculdade de medicina pareceu o melhor caminho para isso e logo experimentei sem êxito a zoologia e a química até que sob a influência de Brücke a maior autoridade que sobre mim influiu permaneci no campo da fisiologia que naquele tempo limitava me bastante à histologia Eu já havia prestado os exames todos de medicina sem me interessar por temas médicos quando esse venerado mestre me adver tiu que em minha precária situação material eu não poderia escolher uma car reira teórica Foi assim que passei da histologia do sistema nervoso para a neuropatologia e graças a novos estímulos ao trabalho com as neuroses O que quero dizer é que a ausência em mim de autêntica predisposição para a clínica médica não prejudicou muito meus pacientes Pois o doente não ganha muito quando o interesse terapêutico do médico tem grande ênfase afetiva Para ele é melhor quando o médico trabalha friamente e com a máxima correção Certamente o que acabo de expor contribui pouco para elucidar o prob lema da análise leiga Deve apenas reforçar minha legitimação pessoal quando justamente eu defendo o valor intrínseco da psicanálise e sua independência da aplicação médica Mas aqui será feita a objeção de que é uma questão acadêm ica sem interesse prático que a psicanálise como ciência seja uma área da medicina ou da psicologia O que se discute dirão é outra coisa a utilização da psicanálise no tratamento de doentes e dado que ela reivindica isso teria de aceitar que a acolhessem na medicina como especialidade tal como a radi ologia por exemplo e de submeterse às regras vigentes para todos os méto dos terapêuticos Isso eu reconheço e admito apenas quero estar seguro de que a terapia liquide a ciência Infelizmente toda comparação vai apenas até certo 176312 ponto a partir do qual as duas coisas comparadas divergem Com a psicanálise é diferente da radiologia os físicos não precisam de uma pessoa doente para estudar as leis dos raios X Mas a psicanálise não tem outro material senão os processos psíquicos do ser humano pode ser estudada apenas no ser humano Devido a circunstâncias especiais facilmente compreensíveis o indivíduo neurótico é um material bem mais instrutivo e acessível do que o normal e subtrair esse material a quem deseja aprender e aplicar a psicanálise significa priválo de boa parte de suas possibilidades de formação Naturalmente estou longe de querer que o interesse do doente neurótico seja sacrificado ao da in strução e da investigação científica Meu pequeno livro sobre a questão da an álise leiga procura justamente mostrar que observandose determinadas pre cauções os dois interesses podem muito bem ser harmonizados e que tal solução também vai ao encontro do interesse médico se este é corretamente entendido Eu próprio especifiquei essas precauções e posso dizer que a discussão nada acrescentou de novo quanto a isso Também gostaria de salientar que muitas vezes a ênfase dada não fez justiça à realidade É correto o que foi dito sobre a dificuldade do diagnóstico diferencial a incerteza na avaliação de sin tomas físicos algo que torna necessário o saber ou a intervenção de um médico mas é incomparavelmente maior o número de casos em que não surgem tais dúvidas em que o médico não é requerido Esses casos podem ser desinteressantes para a ciência mas na vida seu papel é relevante o suficiente para justificar a atividade do analista leigo perfeitamente capaz de tratálos Algum tempo atrás analisei um colega que era terminantemente contrário a que um não médico exercesse alguma atividade médica Eu lhe perguntei certo dia Já estamos trabalhando há mais de três meses Em que momento de 177312 nossa análise eu tive ocasião de recorrer a meus conhecimentos médicos Ele admitiu que isso não acontecera Também não concedo muito valor ao argumento de que o analista leigo porque deve estar pronto para consultar o médico não pode adquirir autorid ade com o doente nem ter prestígio maior que um assistente um massagista etc A analogia uma vez mais é inapropriada mesmo não considerando que geralmente o doente atribui autoridade com base em sua transferência afetiva e que a posse de um diploma médico está longe de impressionálo como acred ita o médico O analista leigo profissional não terá dificuldade em conquistar o respeito que lhe é devido como pastor profanoaf A expressão pastor profano poderia descrever a função que o analista seja ele médico ou leigo tem a cumprir na relação com o público Nossos amigos entre os religiosos protest antes e ultimamente também católicos com frequência libertam seus paroquianos de suas inibições vitais ao lhes restaurar a fé após terem lhes oferecido algum esclarecimento analítico a respeito de seus conflitos Nossos rivais os seguidores da psicologia individual de Adler procuram obter igual transformação em pessoas que se tornaram instáveis e incapazes despertando seu interesse na comunidade após lhes terem iluminado um único aspecto da sua vida psíquica e mostrado a participação que seus impulsos egoístas e desconfiados têm na sua enfermidade Ambos os procedimentos que devem sua força ao fato de apoiarse na análise têm seu lugar na psicoterapia Nós analistas temos por meta a análise mais completa e profunda do paciente que seja possível nós não queremos darlhe alívio mediante o acolhimento na comunidade católica protestante ou socialista mas sim enriquecêlo a partir de seu próprio interior conduzindo para seu Eu as energias que através da repressão se acham inacessíveis atadas em seu inconsciente e aquelas outras que o Eu de modo infrutífero tem de gastar para manter as repressões O que 178312 assim fazemos é trabalho pastoral no melhor sentido Será que nos propusemos um objetivo elevado demais Merecerão nossos pacientes pelo menos a maioria deles o esforço que aplicamos nesse trabalho Não seria mais econ ômico escorar as falhas a partir de fora em vez de reformálas de dentro Não sei dizer mas sei de outra coisa Na psicanálise sempre houve um liame indis solúvel entre a cura e a pesquisa o conhecimento trazia o êxito não se podia tratar sem aprender algo de novo não se ganhava um esclarecimento sem ex perimentar seu efeito benéfico Nosso procedimento analítico é o único que mantém essa valiosa conjunção Apenas quando executamos o trabalho pastor al analítico aprofundamos nossa incipiente compreensão da vida psíquica hu mana Essa perspectiva de ganho científico tem sido o aspecto mais nobre e mais gratificante do trabalho analítico deveríamos sacrificálo em nome de al guma consideração prática Algumas observações feitas nesse debate me levam a suspeitar que meu es crito sobre a análise leiga foi mal compreendido num ponto Os médicos são defendidos contra mim como se eu os tivesse declarado inaptos para exercer a análise e tivesse emitido a palavra de ordem de evitar a admissão de médicos Ora esse não foi meu propósito Talvez assim tenha parecido provavelmente porque em minha exposição de matiz polêmico afirmei que analistas médicos sem formação são ainda mais perigosos do que os leigos Minha real opinião sobre o tema teria ficado mais clara se eu tivesse reproduzido a observação cín ica sobre as mulheres que certa vez apareceu no Simplicissimusag um homem se queixava a outro sobre as debilidades e dificuldades do belo sexo ao que esse outro respondia Mas a mulher ainda é o melhor que temos no gênero Eu admito que enquanto existem as escolas que desejamos para a formação de analistas as pessoas já formadas em medicina são o melhor material para futur os analistas Mas devemos solicitar que não ponham sua educação prévia no 179312 lugar da formação analítica que superem a parcialidade que o ensino médico estimula e que resistam à tentação de flertar com a endocrinologia e o sistema nervoso autônomo quando se trata de apreender fatos psicológicos mediante conceitos psicológicos De igual modo partilho a opinião de que todos os problemas que concernem às relações entre fenômenos psíquicos e seus funda mentos orgânicos anatômicos e químicos podem ser atacados apenas por aqueles que tenham estudado ambos ou seja por analistas médicos Não se deve esquecer porém que isso não é tudo na psicanálise e que no tocante a seu outro lado não podemos dispensar a colaboração de pessoas com formação prévia em ciências humanas Por motivos práticos adotamos o hábito também em nossas publicações de distinguir entre análise médica e aplicações da anál ise Isso não é correto Na realidade a linha de separação é entre psicanálise científica e suas aplicações nos âmbitos medicinal e não medicinal Nesse debate a mais severa rejeição da análise leiga partiu de nossos coleg as americanos Pareceme pertinente responderlhes com algumas obser vações Não significará abuso da psicanálise não a estarei usando para fins polêmicos se expressar a opinião de que a resistência desses colegas se rela ciona inteiramente a fatores práticos Eles veem que em seu país os analistas leigos cometem absurdos e abusos com a psicanálise e portanto prejudicam os pacientes e a reputação da psicanálise É compreensível que em sua indig nação eles queiram se afastar desses elementos inescrupulosos e excluir os lei gos de qualquer participação na psicanálise Mas esses fatos já bastam por si só para reduzir o significado de sua tomada de posição Pois a questão da an álise leiga não pode ser resolvida apenas por considerações práticas e as con dições locais americanas não podem ser as únicas determinantes para nós A resolução desses nossos colegas contra os analistas leigos guiada essen cialmente por motivos práticos pareceme bem pouco prática já que não pode 180312 modificar nenhum dos fatores que governam a situação Ela equivale di gamos a uma tentativa de repressão Se não é possível impedir a atividade dos analistas leigos não havendo apoio do público na luta contra eles não seria mais adequado levar em conta a realidade de sua existência oferecendolhes oportunidades de formação adquirindo influência sobre eles e estimulandoos com a possibilidade da aprovação da classe médica e da solicitação para o tra balho em conjunto de modo que eles tenham interesse em elevar seu nível ético e intelectual Viena junho de 1927 APÊNDICE CARTA SOBRE THEODOR REIK E O CHARLATANISMOah Prezados senhores Num artigo do dia 15 deste que trata do caso de meu discípulo dr Theodor Reik numa seção intitulada Informações dos Círculos Psicanalíti cos há uma passagem que me parece requerer algumas correções Ali está es crito nos últimos anos ele teria se convencido de que o dr Reik que ganhou reputação por seus trabalhos filosóficos e psicológicos possui mais tal ento para a psicanálise do que os médicos que pertencem à escola freudiana e confiou os casos mais difíceis apenas a ele e à sua própria filha Anna que se mostrou especialmente capacitada na difícil técnica da psicanálise 181312 Acho que o próprio dr Reik seria o primeiro a rejeitar essa caracterização de nossos vínculos Mas é certo que me vali de sua competência para casos par ticularmente difíceis apenas para aqueles porém em que os sintomas eram muito afastados do âmbito somático E nunca deixei de informar ao paciente que ele não é médico e sim psicólogo Minha filha Anna dedicouse à análise pedagógica de crianças e jovens Ja mais lhe enviei um caso de séria enfermidade neurótica num adulto O único caso com sintomas graves quase psiquiátricos que ela tratou até hoje recom pensou com um êxito pleno o médico que o enviara Aproveito a ocasião para informar que acabo de enviar para o editor um pequeno livro sobre A questão da análise leiga Nele procuro mostrar o que é uma psicanálise e o que exige ela do analista discuto as relações nada simples entre psicanálise e medicina e concluo a partir dessa exposição que a ap licação mecânica do parágrafo sobre charlatanismo do código penal austríaco ao caso de um analista treinado está sujeita a sérios reparos Como já não tenho clínica em Viena limitandome ao tratamento de um pequeno número de estrangeiros espero que este anúncio não dê margem à acusação de publicidade imprópria Atenciosamente Professor Freud 182312 a Curandeiro no original Kurpfuscher formada de Kur tratamento e Pfuscher substantivo correspondente ao verbo pfuschen que significa fazer um mau trabalho Outra versão pos sível que também será usada ocasionalmente neste trabalho é charlatão Nas versões estrangeiras consultadas temos curandero idem guaritore empirico quack idem além daquelas habitualmente utilizadas duas em espanhol da Biblioteca Nueva e da Amor rortu a italiana da Boringhieri e a inglesa da Standard edition dispusemos da nova tradução inglesa da Penguin assinada por Alan Bance 1 O mesmo se dá na França b Cf Goethe Fausto cena 4 diálogo entre Mefistófeles e o estudante c Cf idem cena 3 Im Anfang war die Tat paródia do começo do evangelho de S João No princípio era o Verbo A mesma citação é usada no final de Totem e tabu 1913 d Seu Eu no original sein Selbst que já apareceu na frase anterior em que o traduzimos simplesmente por si mesma as versões estrangeiras consultadas apresentam su yo su sí mismo il nostro io his own self the self e O pronome de tratamento usado no original é Sie mais formal que o você brasileiro por outro lado a opção o senhor é mais formal que o pronome alemão Em Portugal você es tá mais próximo do Sie pois é empregado menos informalmente que no Brasil f Percepções Einsichten nas versões consultadas conocimientos intelecciones concetti in sights cf nota acima p 71 sobre outras versões possíveis para o termo g Johann Nestroy 180162 famoso comediógrafo vienense h Hans Vaihinger 18521933 autor de Die Philosophie des Als Ob A filosofia do como se em O futuro de uma ilusão 1927 cap V Freud manifestase criticamente sobre essa obra i O pronome neutro da terceira pessoa es que também funciona como sujeito dos verbos impessoais é muitas vezes intraduzível em português correspondendo ao pronome latino id cf o capítulo sobre Ich e Es em As palavras de Freud op cit Sobre os termos aqui adotados para traduzir Ich Es e Überich Eu Id e Supereu ver notas nos volumes 16 pp 29 e 34 e 18 p 213 destas Obras completas j Ele se refere à Primeira Guerra Mundial k No original Vorgänge que também pode significar eventos 183312 l Segundo nota de James Strachey equivaleria à atual análise didática não à célebre autoanálise de Freud que teria gerado a psicanálise m Referência ao poema Die Weltweisen Os sábios universais de Schiller n Flexibilidade é apenas uma das traduções possíveis para Gefügigkeit como demonstra o fato de as cinco versões estrangeiras consultadas empregarem cinco outros termos docilid ad obediencia subordinazione adaptability compliance o Cf Neurose e psicose 1924 e A perda da realidade na neurose e na psicose 1924 p Provavelmente a Tolstói e seus discípulos como se depreende de uma passagem em Ob servações sobre o amor de transferência 1915 q Entendase por causa de sua natureza óbvia cf Contribuição à história do movimento psicanalítico 1914 cap I r O afã no original das Streben que os dicionários bilíngues dão como equivalente de aspir ação ambição tendência e que é a substantivação do verbo que significa aspirar a esforçarse por Nestas Obras completas temos traduzido esse substantivo e a forma Stre bung que Freud também usa por tendência evitando empregar impulso normalmente reservado aqui para Regung e Impuls Neste caso porém não caberia falar de tendência sexual por isso recorremos a afã Outra alternativa poderia ser ímpeto As versões es trangeiras consultadas recorrem a tendencia el quereralcanzar limpulso the sexual urge urges s Ao reprimila durch ihre Unterdrückung literalmente por sua supressão ou repressão conforme a tradução que se der ao substantivo cf nota sobre o termo em A repressão no v 12 destas Obras completas as versões consultadas utilizam yugular sofo car reprimere suppress repress t São os dois monstros com que depara Ulisses no canto XII da Odisseia vv 85110 a ex pressão veio a designar uma situação crítica um dilema u Citação de Friedrich Schiller Wilhelm Tell ato III cena 3 no original Wär ich besonnen hieß ich nicht der Tell v Vontade no original se encontra Willensregung formado de Wille vontade e Regung que costumamos verter por impulso As versões estrangeiras consultadas empregam im pulso volitivo moción voluntaria intenzionale tendenza volitional impulse conceived the Will 184312 w Paixão no original Verliebtheit que também pode ser traduzido por enamoramento como fizemos em Psicologia das massas e análise do Eu 1920 cap VIII Enamoramento e hipnose e que significa literalmente o estado de estar apaixonado verliebt x Curandeiro ver nota sobre o termo original Kurpfuscher na p 125 Dois dos tradutores consultados preferiram usar nesse ponto uma palavra diferente daquela que empregaram antes curandero idem ciarlatano quack medical impostor y Terapêutica no original Heilkunde composto de heilen curar e Kunde ciência saber é o termo germânico que equivale a medicina de procedência latina e usado na mesma frase Medizin na grafia alemã z Referência à Alemanha da república de Weimar pois este trabalho foi escrito na década de 1920 aa A força do espírito da profissão no original die Macht des Standesbewusstsein que literal mente pode significar o poder da consciência da classe As versões consultadas ap resentam el poder de la conciencia profissional el poder de la conciencia estamental la forza dello spirito di corpo the power of professional feeling a matter of statusconsciousness ab No original Lehranalytiker nas versões consultadas omissão no texto da Biblioteca Nueva analistas didactas analisti insegnanti teaching analysts idem mas sem aspas ac Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v XIII 3 1927 como conclusão de um debate sobre o tema Traduzido de Gesammelte Werke XIV pp 28796 Também se acha em Studienausgabe Ergänzungsband pp 3429 ad O nome de Reik vem precedido de dr pelo fato de ele haver se doutorado em psicologia o uso do título acadêmico ao se dirigir ou se referir a uma pessoa é tradicional em vários países da Europa ae Referência aos dois subestágios da fase sádicoanal do desenvolvimento da libido pro postos por Karl Abraham num ensaio de 1924 cf a menção mais explícita feita na 32a das Novas conferências introdutórias à psicanálise 1932 af Pastor profano tradução que aqui se dá a Seelsorger palavra formada de Seele alma psique e Sorger substantivo correspondente ao verbo sorgen cuidar Nas versões es trangeiras consultadas temos guía espiritual secular curador profano de almas secolare curatore danime secular pastoral worker secular pastor O termo foi usado anteriormente no Prefácio a 185312 O método psicanalítico 1913 obra do pastor suíço Oskar Pfister um dos primeiros seguid ores de Freud ag Célebre revista cômica de Munique ah Publicada originalmente no jornal Neue Freie Presse de Viena em 18 de julho de 1926 Traduzida de Gesammelte Werke Nachtragsband pp 7157 186312 O FUTURO DE UMA ILUSÃO 1927 TÍTULO ORIGINAL DIE ZUKUNFT EINER ILLUSION PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VOLUME AUTÔNOMO VIENA INTERNATIONALER PSYCHOANALYTISCHER VERLAG EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIONAL 1927 91 PP TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 325380 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE IX PP 13589 I Quando alguém viveu longo tempo no âmbito de determinada cultura e fre quentemente se empenhou em estudar suas origens e a trajetória de sua evolução também se sente tentado em algum momento a volver o olhar para a outra direção e perguntar que destino aguarda essa cultura e que transform ações deverá sofrer Mas logo percebe que o valor de uma investigação dessas é já de antemão comprometido por diversos fatores Primeiramente porque há poucos indivíduos capazes de ter uma visão abrangente da empresa humana em todas as suas ramificações Para a maioria deles foi necessário restringirse a uma só área ou algumas poucas No entanto quanto menos se sabe do pas sado e do presente tanto mais incerto é o juízo acerca do futuro Em segundo lugar porque precisamente nesse juízo intervêm de uma maneira difícil de avaliar as expectativas de cada sujeito e estas se relacionam a fatores pura mente pessoais de sua vivência à sua atitude de maior ou menor esperança di ante da vida tal como lhe foi dada pelo temperamento e pelo sucesso ou fra casso E há por fim o fato notável de que geralmente as pessoas vivem o presente de modo ingênuo digamos sem apreciar devidamente o seu con teúdo Primeiro necessitam ganhar distância dele isto é o presente deve se tornar passado a fim de fornecer pontos de apoio para se julgar o futuro Portanto quem cede à tentação de se manifestar sobre o futuro provável de nossa cultura deve levar em conta essas dificuldades e também a incerteza in erente a toda predição Disso resulta no tocante a mim que fugindo de tão grande tarefa buscarei o mesmo pequeno setor que até hoje requereu minha atenção assim que determinei sua posição no quadro maior das coisas A cultura humana refirome a tudo aquilo em que a vida humana se er gueu acima de suas condições animais e em que se diferencia da vida animal e eu me recuso a distinguir cultura de civilizaçãoa apresenta notoriamente dois aspectos àquele que a observa Por um lado abrange todos os conheci mentos e habilidades que os homens adquiriram para controlar as forças da natureza e dela extrair os bens para a satisfação das necessidades humanas e por outro lado todas as instituições necessárias para regulamentar as relações entre os indivíduos e em especial a distribuição dos bens obteníveis Essas duas faces da cultura não são independentes uma da outra primeiro porque as relações recíprocas dos indivíduos são profundamente influenciadas pelo grau de satisfação instintual que os bens existentes possibilitam em segundo lugar porque o próprio indivíduo pode assumir a condição de um bem na relação com outro uma vez que este utilize sua força de trabalho ou o tome como ob jeto sexual e em terceiro lugar porque todo indivíduo é virtualmente um in imigo da cultura que no entanto deveria ser um interesse humano geral É digno de nota que os seres humanos embora incapazes de viver no isola mento sintam como um fardo os sacrifícios que a civilização lhes requer para tornar possível a vida em comum Portanto a civilização tem de ser defendida contra o indivíduo e todos os seus regulamentos instituições e decretos são postos a serviço dessa tarefa objetivam não apenas efetuar certa distribuição dos bens mas também mantêla e de fato têm de proteger dos impulsos hostis dos seres humanos tudo aquilo que serve ao domínio da natureza e à produção de bens As criações humanas são facilmente destruídas e a ciência e a técnica responsáveis por sua existência podem ser utilizadas também para a sua aniquilação Assim temse a impressão de que a civilização foi algo imposto a uma maioria recalcitrante por uma minoria que soube se apropriar dos meios de poder e de coação Naturalmente cabe supor que tais dificuldades não são da própria essência da cultura mas determinadas pelas imperfeições das formas 189312 culturais até agora desenvolvidas E realmente não é difícil apontar esses defei tos Enquanto a humanidade fez contínuos avanços no controle da natureza podendo esperar avanços ainda maiores não se constata seguramente um pro gresso igual na regulação dos assuntos humanos e provavelmente em todas as épocas como agora novamente muitos indivíduos se perguntaram se valia mesmo a pena defender tal porção de conquista cultural Podese acreditar que seria possível um reordenamento das relações humanas que eliminasse as fontes do descontentamento com a civilização por renunciar à coação e à repressão dos instintosb de modo que as pessoas pudessem se dedicar à ob tenção e fruição dos bens sem serem perturbadas pela discórdia interna Seria a Idade de Ouro mas é duvidoso que possa tornarse realidade Parece isto sim que toda cultura tem de se basear na coação e na renúncia instintual nem mesmo parece seguro que na ausência da coação a maioria dos indivíduos se disponha a assumir a execução do trabalho requerido para a obtenção de novos bens vitais É necessário creio levar em conta o fato de que em todos os seres humanos se acham tendências destrutivas ou seja antissociais e anticulturais e de que estas em grande número de pessoas são fortes o bastante para de terminar sua conduta na sociedade humana Esse fato psicológico tem importância decisiva para a avaliação da cultura humana Se antes pudemos acreditar que o essencial nesta seria o domínio da natureza para a obtenção dos bens vitais e que os perigos que a ameaçam po deriam ser afastados mediante uma adequada distribuição deles entre os indiví duos agora a ênfase parece ter se movido do campo material para o psíquico Tornase decisiva a questão de se e até onde é possível reduzir o fardo dos sacrifícios instintuais impostos aos seres humanos reconciliálos com aqueles que inevitavelmente permanecem e compensálos por isso Tão impre scindível quanto a coação ao trabalho cultural é o domínio da massa por uma 190312 minoria pois as massas são ignaras e indolentes não gostam de renunciar aos instintos argumentos não as persuadem de que tal renúncia é inevitável e seus indivíduos reforçam uns aos outros na indulgência com o próprio desregra mento Apenas influenciadas por indivíduos exemplares que reconhecem como líderes elas podem ser induzidas aos trabalhos e privações de que de pende a existência da civilização Tudo vai bem quando esses líderes são pess oas que têm superior discernimento das necessidades da vida e que chegaram ao domínio dos próprios desejos instintuaisc Mas há o perigo de a fim de não perder sua influência eles cederem mais à massa do que esta a eles e então parece necessário que disponham de meios de poder que os tornem independ entes da massa Em resumo duas características bastante comuns dos seres hu manos são responsáveis pelo fato de as instituições da cultura poderem ser mantidas apenas através de certo grau de coação eles não se inclinam espon taneamente a trabalhar e os argumentos são ineficazes contra suas paixões Sei o que se poderá dizer contra essas observações Dirão que o caráter das massas humanas aqui retratado que provaria a necessidade da coação ao tra balho cultural é apenas ele próprio consequência de instituiçõesd culturais defeituosas que tornaram os homens amargos vingativos e intratáveis Novas gerações educadas na gentileza e na valorização do pensamento e tendo ex perimentado cedo os benefícios da civilização terão outra relação para com ela percebendoa como seu patrimônio mais autêntico e dispostas a fazer os sacrifícios de trabalho e de satisfação instintual que são requeridos para a sua preservação Elas poderão dispensar a coação e pouco se distinguirão de seus líderes Se até agora não houve massas humanas dessa qualidade em nenhuma cultura é porque nenhuma delas encontrou ainda as instituições que influen ciem as pessoas de tal maneira já desde a infância 191312 Podese duvidar que seja de todo possível ou que o seja agora no estado atual de nosso domínio da natureza produzir instituições culturais assim podese perguntar de onde virão os líderes superiores firmes e desinteressados que serão os educadores das gerações futuras e podese ficar horrorizado ante o enorme emprego de coação que será inevitável até que se realizem tais in tenções A grandiosidade desse plano e sua importância para o futuro da cul tura humana não podem ser questionadas Ele certamente se baseia na per cepção psicológica de que o ser humano é dotado das mais diversas disposições instintuais cuja orientação definitiva é indicada pelas primeiras vivências da infância Por causa disso os limites da educabilidade do ser humano também estabelecem restrições à eficácia de uma transformação cultural desse tipo Podese questionar que um meio cultural diverso consiga ou até onde con seguiria eliminar as duas características das massas humanas que tornam tão difícil a condução dos assuntos humanos O experimento ainda não foi feito Provavelmente determinada percentagem da humanidade sempre per manecerá associal devido a uma predisposição doentia ou a um excesso de força instintual mas se for possível converter em minoria a maioria que hoje é hostil à cultura muito se terá alcançado talvez tudo o que se pode alcançar Não quero dar a impressão de que me afastei muito da via traçada para a minha indagação Afirmo expressamente portanto que não pretendo julgar o grande experimento cultural que agora se faz na imensa terra entre a Europa e a Ásiae Não possuo os conhecimentos nem a capacidade para me pronunciar sobre sua exequibilidade para examinar a adequação dos métodos empregados ou medir a amplitude do inevitável abismo entre a intenção e a execução Por ser incompleto o que ali está sendo preparado não se oferece à reflexão da mesma forma que a nossa civilização há muito consolidada 192312 II Inadvertidamente passamos do âmbito da economia para o da psicologia No começo nos inclinamos a enxergar o patrimônio da cultura nos bens disponí veis e nas instituições destinadas à sua distribuição Mas com o entendimento de que toda cultura se baseia na coação ao trabalho e na renúncia aos instintos e portanto inevitavelmente provoca a oposição daqueles atingidos por tais exigências tornouse claro que os próprios bens os meios para a sua aquisição e os regulamentos para a sua distribuição não podem constituir o essencial ou o único elemento da cultura Pois eles se acham ameaçados pela rebeldia e pela ânsia destrutiva dos participantes da cultura Ao lado dos bens há agora os meios que podem servir para defender a cultura os meios de coação e de outro tipo que devem reconciliar os homens com ela e indenizálos por seus sacrifí cios Esses podem ser caracterizados como o patrimônio psíquico da civilização Para nos expressarmos de maneira uniforme vamos chamar frustraçãof ao fato de um instinto não poder ser satisfeito proibição ao regulamento que a determina e privação ao estado produzido pela proibição O passo seguinte então será distinguir as privações que atingem a todos daquelas que alcançam apenas grupos classes ou mesmo indivíduos As primeiras são as mais antigas com as proibições que as estabeleceram a cultura começou a desprenderse do estado animal primitivo há não se sabe quantos milhares de anos Para nossa surpresa descobrimos que ainda vigoram que continuam a formar o núcleo da hostilidade à cultura Os desejos instintuais que delas se ressentem tornam a nascer com cada criança há uma classe de pessoas os neuróticos que já reagem a essas frustrações com um comportamento associal 193312 Esses desejos instintuais são os do incesto do canibalismo e do prazer em matar Causa estranheza colocar esses desejos que todos os indivíduos pare cem unânimes em repudiar ao lado daqueles em torno dos quais tanto se de bate em nossa cultura se deveriam ser permitidos ou interditados mas psico logicamente é justificável fazêlo Além disso a atitude cultural ante esses an tiquíssimos desejos instintuais não é absolutamente a mesma apenas o canibal ismo parece proscrito em todo lugar e para a abordagem não analítica inteira mente superado ainda podemos sentir a força dos desejos incestuosos por trás de sua proibição e o assassinato em determinadas circunstâncias ainda é prat icado e até mesmo ordenado por nossa cultura Talvez o futuro nos reserve desenvolvimentos culturais em que outras satisfações de desejos agora inteira mente possíveis parecerão tão inaceitáveis como hoje é o canibalismo Já nessas antigas renúncias instintuais comparece um fator psicológico que permanecerá significativo para todas aquelas subsequentes É incorreto afirmar que a psique humana não experimentou nenhuma evolução desde os tempos mais antigos e contrastando com os progressos da ciência e da técnica ainda é a mesma do início da história Um desses avanços psíquicos podemos demon strar aqui Está de acordo com nossa evolução que a coação externa seja gradualmente internalizada pois uma instância psíquica especial o Supereu humano a acolhe entre os seus mandamentos Toda criança nos exibe o pro cesso dessa transformação é o que a torna um ser moral e social Tal fortaleci mento do Supereu é um valiosíssimo patrimônio cultural psicológico As pessoas nas quais ele se realizou passam de adversários a portadores da cultura Quanto maior é o seu número num grupo cultural tanto mais garantida se acha essa cultura tanto mais pode prescindir de meios de coação externos Mas o grau dessa internalização varia muito nas diversas proibições instintuais Nas mencionadas exigências culturais mais antigas a internalização parece se 194312 deixamos de lado a indesejável exceção dos neuróticos amplamente alcançada A situação muda quando nos voltamos para as outras exigências instintuais Notase então com surpresa e inquietação que a maioria dos indivíduos somente obedece às proibições culturais a elas relativas sob pressão da coação externa ou seja apenas quando esta se faz valer e enquanto é temida Isso acontece também com as chamadas exigências culturais morais que do mesmo modo dirigemse a todos A maior parte do que ouvimos falar sobre a pouca retidão moral dos humanos está relacionada a isso Muitíssimas pessoas civilizadas que recuariam horrorizadas ante o assassinato e o incesto não se negam à satisfação da sua cobiça de seu prazer em agredir de seus apetites sexuais não deixam de prejudicar outras com mentiras fraudes e calúnias se puderem fazêlo impunemente e assim sempre foi ao longo de muitas épocas da civilização Quanto às restrições que concernem apenas a determinadas classes da so ciedade encontramos condições duras e que jamais foram ignoradas É de es perar que essas classes desfavorecidas invejem as prerrogativas das privilegia das e tudo façam para livrarse de suas privações extras Quando isso não for possível haverá uma duradoura insatisfação no interior dessa cultura que poderá conduzir a rebeliões perigosas Porém se uma cultura não foi além do ponto em que a satisfação de uma parte de seus membros tem como pres suposto a opressão de outra parte talvez da maioria e esse é o caso de todas as culturas atuais então é compreensível que esses oprimidos desenvolvam forte hostilidade em relação à cultura que viabilizam mediante seu trabalho mas de cujos bens participam muito pouco Assim não se pode esperar uma internalização das proibições culturais nos oprimidos pelo contrário eles não se dispõem a reconhecêlas empenhamse em destruir a própria cultura e eventualmente em abolir seus pressupostos A hostilidade à cultura dessas 195312 classes é tão evidente que não se deu atenção à hostilidade mais latente das ca madas favorecidas da sociedade Não é preciso dizer que uma cultura que deixa insatisfeito e induz à revolta um número tão grande de participantes não tem perspectivas de se manter duradouramente nem o merece O grau de internalização dos preceitos culturais ou expresso de maneira popular e nãopsicológica o nível moral dos participantes não é o único bem de natureza psíquica a ser considerado na avaliação de uma cultura Há também o seu patrimônio de ideais e criações artísticas ou seja as satis fações que podem ser obtidas de ambos Com muita facilidade se tende a incluir entre os bens psíquicos de uma cul tura os seus ideais ou seja as estimativas do que seriam as realizações mais el evadas e mais dignas de serem buscadas Inicialmente parece que esses ideais determinariam as realizações do grupo cultural o que sucederia de fato porém seria os ideais se formarem após as primeiras realizações possibilitadas pela ação conjunta de dotes interiores e circunstâncias externas de uma cultura e essas primeiras realizações serem mantidas pelo ideal para terem continu ação Logo a satisfação que o ideal oferece aos participantes da cultura é de natureza narcísica baseiase no orgulho pela realização já conseguida Para ser completa necessita da comparação com outras culturas que se dedicaram a outras realizações e desenvolveram outros ideais Em virtude dessas difer enças cada cultura se arroga o direito de menosprezar as outras Dessa maneira os ideais culturais se tornam ensejo para discórdia e inimizade entre diferentes grupos culturais como claramente se vê entre as nações A satisfação narcísica advinda do ideal cultural é também uma das forças que atuam eficazmente contra a hostilidade à cultura no interior do grupo cul tural Não apenas as classes privilegiadas que desfrutam os benefícios dessa cultura mas também os oprimidos podem partilhar essa satisfação pois o 196312 direito de desprezar aqueles de fora os compensa pelos danos que sofrem no seu próprio grupo O indivíduo pode ser um miserável plebeu importunado por dívidas e pelo serviço militar mas é um cidadão de Roma tem seu quin hão na tarefa de dominar outras nações e ditarlhes as leis Mas essa identi ficação dos oprimidos com a classe que os domina e explora é apenas parte de um contexto maior Aqueles podem estar afetivamente ligados a esta apesar da hostilidade enxergam nos senhores o seu ideal Se não existissem tais re lações fundamentalmente satisfatórias seria incompreensível que certas cultur as se conservassem por tanto tempo não obstante a justificada hostilidade de grandes massas De outro gênero é a satisfação que a arte confere aos participantes de um grupo cultural embora permaneça geralmente inacessível às massas absorvi das no trabalho extenuante e desprovidas de educação pessoal A arte como há muito sabemos oferece satisfações substitutivas para as mais antigas renúncias ligadas à cultura ainda hoje as mais profundamente sentidas e por isso con tribui mais que qualquer outra coisa para reconciliarnos com os sacrifícios que envolvem essas renúncias Por outro lado suas criações elevam os senti mentos de identificação de que todo grupo cultural necessita ao dar ensejo a experiências emocionais vivenciadas conjuntamente e altamente apreciadas Mas também servem à satisfação narcísica quando representam as realizações de determinada cultura e lembram de forma impressionante os seus ideais Ainda não foi mencionado o que talvez seja o mais importante elemento do inventário psíquico de uma cultura suas ideias religiosas no mais amplo sen tido em outras palavras a serem justificadas mais adiante suas ilusões 197312 III Em que reside o valor especial das ideias religiosas Falamos aqui da hostilidade à cultura gerada pela pressão que esta exerce pelas renúncias instintuais que exige Imaginemos que suas proibições fossem abolidas um homem poderia escolher como objeto sexual toda mulher que lhe agradasse poderia liquidar tranquilamente seu rival ou quem mais estivesse em seu caminho também poderia tomar qualquer dos bens do outro sem ne cessidade de permissão que beleza seria então a vida que sequência de satis fações É verdade que logo ele encontraria dificuldades Cada qual teria os mesmos desejos e não o trataria de modo mais indulgente do que foi por ele tratado No fundo portanto apenas um indivíduo teria felicidade irrestrita eliminandose as restrições culturais um tirano um ditador que açambarcasse todos os instrumentos de poder e mesmo ele teria bons motivos para desejar que os outros observassem pelo menos um dos mandamentos da cultura o que diz não matarás Mas como seria ingrato como seria tolo pretender abolir a cultura O que então restaria seria o estado da natureza e este é bem mais difícil de suportar É certo que a natureza não exigia de nós nenhuma restrição dos instintos permitianos fazer de tudo mas ela tem sua maneira particularmente eficaz de nos restringir ela nos mata de modo frio cruel e inabalável assim nos parece e talvez justamente através das coisas que nos satisfazem Foi precisamente por causa desses perigos com que nos ameaça a natureza que nos juntamos e cri amos a cultura que se destina entre outras coisas a tornar possível nossa vida em comum A principal tarefa da cultura sua autêntica razão de ser é nos de fender contra a natureza 198312 Sabese que em muitos aspectos ela já o faz razoavelmente bem e pelo visto fará melhor ainda no futuro Mas ninguém comete o engano de achar que a natureza já está dominada e poucos têm a audácia de esperar que algum dia ela se sujeite inteiramente ao ser humano Existem os elementos que pare cem zombar de toda tentativa de coação humana a terra que treme se abre e soterra o que é humano ou obra do homem a água que tudo inunda e afoga ao sublevarse a tempestade que tudo varre para longe há as doenças que há pouco tempo descobrimos serem ataques de outros seres vivos e por fim o doloroso enigma da morte para a qual até agora não se achou e provavel mente não se achará remédio Com essas forças a natureza se ergue contra nós majestosa cruel implacável sempre nos recordando nossa fraqueza e desvalia que pensávamos haver superado mediante o trabalho da civilização Uma das poucas impressões agradáveis e comoventes que podemos ter da humanidade sucede quando em vista de uma catástrofe natural ela se esquece de suas dis cordâncias culturais de todas as dificuldades e hostilidades internas e se lem bra da grande tarefa comum que é sua preservação ante o superior poder da natureza Assim como para o conjunto da humanidade também para o indivíduo é difícil suportar a existência A cultura de que ele participa lhe impõe certo grau de privação e as demais pessoas lhe trazem alguma medida de sofrimento apesar dos preceitos da cultura ou devido às imperfeições dela A isto se acres centam os golpes que recebe da natureza indomada por ele chamados des tino A consequência dessa situação teria de ser um estado constante de ex pectativa angustiada e uma severa afronta ao narcisismo natural Já sabemos como o indivíduo reage aos danos que sofre da cultura e das demais pessoas ele desenvolve um correspondente grau de resistência às regulamentações 199312 dessa cultura de hostilidade a ela Mas como se defende ele dos poderes su periores da natureza do destino que o ameaçam como todos os demais A cultura o dispensa dessa tarefa executandoa para todos igualmente e é notável nisso que quase todas as culturas ajam da mesma forma Ela não cessa de realizar sua tarefa de proteger o homem contra a natureza ela a continua por outros meios A tarefa é múltipla a autoestima gravemente ameaçada do ser humano exige consolação o mundo e a vida devem ficar livres de pavores e além disso a ânsia de saber humana impelida é verdade por fortes in teresses práticos também pede uma resposta Muito já se obteve com o primeiro passo Ele consistiu em humanizar a natureza De forças e destinos impessoais não podemos nos aproximar eles são eternamente distantes Mas se nos elementos as paixões se agitam como no interior da própria alma se nem sequer a morte é algo espontâneo e sim o ato violento de uma virtude maligna se em toda parte na natureza o indivíduo está rodeado de seres tais como os que conhece da própria sociedade então ele respira aliviado sentese em casa num meio inquietante pode elaborar psiquicamente a sua angústia sem sentido Talvez ainda esteja indefeso mas não mais paralisado e desvalido pode ao menos reagir sim talvez não esteja sequer indefeso e possa utilizar contra os violentos superhomens lá fora os mesmos recursos que emprega em sua sociedade tentando suplicarlhes aplacálos subornálos tirandolhes assim parte de seu poder Tal substitu ição de uma ciência natural pela psicologia não apenas produz alívio imediato também mostra o caminho para um subsequente controle da situação Pois tal situação não é nova ela tem um modelo infantil é na realidade apenas a continuação daquela anterior pois o indivíduo já se encontrou assim desamparado quando pequeno perante o pai e a mãe que ele tinha razões para temer sobretudo o pai cuja proteção porém também estava seguro de 200312 ter ante os perigos que então conhecia De modo que era natural igualar as duas situações E assim como na vida onírica o desejo tem seu papel Um pressentimento da morte assalta aquele que dorme quer conduzilo ao túmulo mas o trabalho do sonho sabe escolher as condições em que mesmo esse temido acontecimento se torna uma realização de desejo aquele que sonha se vê num antigo túmulo etrusco ao qual desceu feliz contente por satisfazer seu interesse arqueológico De modo semelhante o ser humano transforma as forças naturais não simplesmente em indivíduos com os quais pode lidar como faz com seus iguais isso não faria jus à impressão avassaladora que elas lhe causam mas lhes dá um caráter paterno transformaas em deuses e nisso segue um modelo não apenas infantil mas também filogenético como pro curei mostrar Com o passar do tempo foram feitas as primeiras observações sobre a reg ularidade dos fenômenos naturais e sua conformidade a leis e as forças da natureza perderam seus traços humanos Mas permanece o desamparo do ser humano e com isso o anseio pelo pai e os deuses Esses conservam sua tripla tarefa afastar os terrores da natureza conciliar os homens com a crueldade do destino tal como ela se evidencia na morte sobretudo e compensálos pelos sofrimentos e privações que lhes são impostos pela vida civilizada que partilham Mas gradualmente foi deslocada a ênfase no tocante a essas funções Observouse que os fenômenos naturais se desenvolvem por si conforme ne cessidades internas certamente são os deuses os senhores da natureza eles a dispuseram assim e agora podem abandonála a si mesma Apenas ocasional mente nos chamados milagres eles interferem no seu curso como que para garantir que nada cederam do seu poder original No que concerne à dis tribuição dos destinos persiste a desagradável suspeita de que a perplexidade e 201312 o desamparo humanos não podem ser remediados É nisso antes de tudo que os deuses fracassam Se eles próprios fizeram o destino temos de considerar inescrutável sua deliberação o povo mais talentoso da Antiguidade vislum brou que existe a Moira destino fatalidade acima dos deuses e que os próprios deuses têm seus destinos E quanto mais a natureza se torna inde pendente quanto mais os deuses dela se retiram tanto mais seriamente as ex pectativas se voltam para a terceira função que lhes foi atribuída tanto mais a esfera moral se torna o seu verdadeiro domínio Passa a ser tarefa divina com pensar os defeitos e prejuízos da civilização atentar para os sofrimentos que os homens infligem uns aos outros na vida em comum zelar pelo cumprimento dos preceitos culturais a que os homens obedecem tão mal As próprias normas culturais são tidas como de origem divina são elevadas acima da sociedade hu mana estendidas para a natureza e o universo Assim é criado um acervo de concepções nascido da necessidade de fazer suportável o desvalimento humano e construído com o material das lem branças da infância do indivíduo e da raça humana Vêse claramente que esse patrimônio protege os seres humanos em duas direções contra os perigos da natureza e do destino e contra os danos oriundos da própria sociedade hu mana Eis o que ele diz em seu conjunto a vida neste mundo serve a um propósito mais elevado que certamente não é fácil de descobrir mas que sig nifica não há dúvida um aperfeiçoamento da natureza humana O objeto dessa elevação e exaltação deve ser o elemento espiritual do homem a alma que ao longo do tempo se separou de maneira tão lenta e relutante do seu corpo Tudo o que sucede neste mundo é a realização dos propósitos de uma inteligência superior que embora por vias e desvios nada fáceis de acompan har termina guiando tudo para o bem ou seja para o que nos contenta Cada um de nós é velado por uma Providência bondosa só aparentemente severa 202312 que não permite que nos tornemos joguete de forças naturais poderosas e im placáveis A própria morte não é aniquilação retorno à inorgânica ausência de vida mas sim o começo de uma nova espécie de existência que se acha no cam inho para um desenvolvimento superior E voltandonos para a outra direção as mesmas leis morais que nossas culturas instituíram também governam todo o universo com a diferença de que são mantidas por uma instância judicial su prema de muito maior poder e consistência Todo o bem encontra enfim sua recompensa todo o mal seu castigo se não nesta forma da vida então nas ex istências posteriores que começam após a morte Assim todos os terrores so frimentos e durezas da vida estão fadados à extinção a vida após a morte que dá continuidade à nossa vida terrena tal como a parte invisível do espectro se acrescenta à visível traz toda a perfeição de que podemos ter sentido falta aqui E a superior sabedoria que dirige esse desenvolvimento a infinita bondade que nele se manifesta a justiça que nele se implementa são os atrib utos dos seres divinos que também nos criaram a nós e ao mundo como um todo ou antes do ser divino único em que se condensaram na nossa cultura todos os deuses das eras passadas O povo que primeiramente realizou essa concentração dos atributos divinos teve bastante orgulho desse progresso Ele pôs à mostra o pai que desde sempre se ocultara como um núcleo em cada figura divina Isso foi no fundo um retorno aos começos históricos da ideia de Deus Agora que Deus era único as relações com ele podiam reaver a in timidade e intensidade dos laços infantis com o pai Mas se fez tanto pelo pai esse povo também quis ser recompensado quis ser o único filho amado o Povo Eleito Muito tempo depois a piedosa América pretendeu ser Gods own country o país de Deus e como uma das formas de os homens venerarem a divindade a pretensão é válida 203312 As concepções religiosas aqui resumidas perfizeram naturalmente uma longa evolução foram adotadas por culturas diversas em fases diversas Tomei apenas uma dessas fases de evolução que corresponde aproximadamente à forma final assumida em nossa cultura de hoje branca e cristã É fácil notar que nem todas as partes desse todo se harmonizam que nem todas as questões prementes são respondidas que apenas com algum esforço a divergência da experiência cotidiana pode ser rechaçada Mas tal como são essas concepções religiosas no sentido mais amplo são tidas como o mais precioso pat rimônio da cultura a coisa mais valiosa que ela tem a oferecer aos seus parti cipantes são bem mais apreciadas que todas as artes para extrair da Terra seus tesouros para prover a humanidade de alimentos prevenir suas doenças etc As pessoas acreditam não poder suportar a vida se não derem a tais con cepções o valor que é reivindicado para elas Cabe então perguntar o que são essas concepções à luz da psicologia de onde vem sua alta estima e ar riscando timidamente qual o seu real valor IV Uma investigação que procede como um monólogo imperturbada não é is enta de perigos Cedese facilmente à tentação de afastar pensamentos que buscam interrompêla adquirindose em troca um sentimento de insegurança que por fim pretendese vencer mediante excessiva resolução Por isso ima ginarei um oponente que segue meus argumentos com desconfiança e lhe cederei a palavra de quando em quando Já o ouço dizer Vocêg usou várias vezes expressões como a cultura cria essas concepções religiosas a cultura as coloca à disposição de seus 204312 membros e há algo de estranho nelas não sei explicar por quê mas não parece tão evidente como dizer que a cultura criou regulamentos sobre a dis tribuição dos produtos do trabalho ou sobre os direitos relativos à mulher e aos filhos Acho porém que é justificado expressarse dessa forma Procurei mostrar que as concepções religiosas se originaram da mesma necessidade que todas as demais conquistas da civilização da necessidade de protegerse do opressivo poder superior da natureza A isso juntouse um segundo motivo o impulso de corrigir as imperfeições da cultura dolorosamente sentidas E é pertinente afirmar que a cultura proporciona ao indivíduo essas concepções pois ele já as encontra elas lhe são trazidas prontas ele não seria capaz de chegar a elas por si só Ele entra de posse na herança de muitas gerações dela se apropria como da tabuada da geometria etc É certo que há aqui uma diferença mas ela se acha em outro aspecto ainda não pode ser esclarecida O sentimento de es tranheza que você menciona pode se ligar ao fato de que esse patrimônio de concepções religiosas nos é geralmente apresentado como revelação divina Mas isso mesmo já é parte do sistema religioso ignora completamente o que se sabe do desenvolvimento histórico dessas ideias e de suas diferenças em épocas e culturas diversas Eis outro ponto que me parece mais relevante Segundo você a antropo morfização da natureza vem da necessidade de pôr fim à perplexidade e ao des amparo humanos em face das temidas forças naturais de estabelecer relação com elas e influenciálas por fim Mas tal motivo parece desnecessário O homem primitivo não tem mesmo escolha não tem outro modo de pensar É natural é como que inato para ele projetar no mundo seu ser enxergar todos os eventos que observa como manifestações de seres que no fundo são semel hantes a ele próprio Este é seu único método de compreensão De maneira 205312 nenhuma é evidente mas sim uma coincidência notável que ele teria e tenha logrado satisfazer uma de suas grandes necessidades dando rédea larga à sua disposição natural Isso não me parece tão extraordinário Então você acha que o pensamento humano não tem motivos práticos é somente expressão de uma desinteressada ânsia de saber Isso é bastante improvável Acredito isto sim que o ser hu mano mesmo quando personifica as forças naturais segue um modelo infantil Ele aprendeu com base nas pessoas de seu primeiro ambiente que estabelecer uma relação com elas é o caminho para influenciálas e por isso com a mesma intenção tratará depois tudo o que encontra tal como tratava aquelas pessoas De modo que não contradigo sua observação descritiva é mesmo nat ural para o ser humano personificar tudo o que quer compreender para depois controlálo o domínio psíquico como preparação para o físico mas eu acrescento o motivo e a gênese dessa peculiaridade do pensamento humano E agora um terceiro ponto Você já abordou antes a origem da religião em seu livro Totem e tabu 1913 Mas ali é diferente Tudo consiste na relação paifilho Deus é o pai elevado o anseio pelo pai é a raiz da necessidade reli giosa Desde então ao que parece você descobriu o fator da impotência e des amparo humanos ao qual é geralmente atribuído o papel principal na form ação das religiões e agora você transpõe para o desamparo tudo o que antes era complexo paterno Pode me dar algum esclarecimento sobre essa mudança De bom grado eu apenas aguardava esta solicitação Mas será realmente uma mudança Totem e tabu não pretendeu explicar a origem das religiões apenas a do totemismo Você poderia a partir de alguma das abordagens que conhece explicar por que a primeira forma em que a divindade protetora se 206312 manifestou ao ser humano foi a de um animal por que havia a proibição de matar e devorar esse animal e ao mesmo tempo o costume solene de uma vez por ano matálo e devorálo É justamente isso o que ocorre no totemismo Não seria muito pertinente discutir se o totemismo deve ou não ser chamado de religião Ele tem estreitas relações com as posteriores religiões de deuses os animais totêmicos se tornam os animais sagrados dos deuses As primeiras e também mais profundas restrições morais as proibições de assassinato e de incesto surgem no âmbito do totemismo Aceitando ou não as conclusões de Totem e tabu você admitirá espero que nele um bom número de fatos dispersos e bastante notáveis é reunido num todo coerente A questão de por que com o passar do tempo o deus animal não bastou e foi substituído pelo deus humano mal foi tocada em Totem e tabu e outros problemas ligados à formação das religiões não foram sequer mencionados naquela obra Você acha que tal limitação equivale a uma negação Meu tra balho é um bom exemplo de estrita demarcação da parte que a abordagem psicanalítica pode contribuir para a solução do problema da religião Se agora busco acrescentar o resto que se acha menos oculto você não deve me acusar de contradição tal como antes me acusou de parcialidade É tarefa minha nat uralmente assinalar as vias de ligação entre o que disse antes e o que apresento agora entre a motivação mais profunda e a manifesta entre o complexo pater no e o desamparo e necessidade de proteção do ser humano Não é difícil encontrar essas ligações Tratase das relações que o desam paro da criança tem com aquele do adulto que lhe dá prosseguimento de modo que como seria de esperar a motivação psicanalítica da formação da re ligião se torna a contribuição infantil para a sua motivação manifesta Transportemonos para a vida psíquica de uma criança pequena Lembrase do tipo de escolha de objeto por apoio de que fala a psicanálise A libido 207312 acompanha as vias das necessidades narcísicas e se apega aos objetos que garantem sua satisfação Assim a mãe que satisfaz a fome da criança tornase o primeiro objeto de amor e certamente também a primeira proteção contra to dos os perigos indeterminados e ameaçadores do mundo exterior a primeira proteção contra a angústia podemos dizer Nessa função logo a mãe é substituída pelo pai que é mais forte e a exer cerá por toda a infância Mas a relação com o pai é dotada de uma peculiar am bivalência Ele próprio constitui um perigo talvez devido à anterior relação com a mãe Assim a criança o teme tanto quanto anseia por ele e o admira Os sinais dessa ambivalência da relação com o pai se acham profundamente grava dos em todas as religiões como também mostrei em Totem e tabu Quando o indivíduo em crescimento percebe que está destinado a permanecer uma cri ança que nunca pode prescindir da proteção contra superiores poderes desconhecidos empresta a esses poderes os traços da figura paterna cria os deuses que passa a temer que procura cativar e aos quais no entanto confia sua proteção Dessa maneira o motivo do anseio pelo pai equivale à necessid ade de proteção contra os efeitos da impotência humana a defesa contra o des amparo infantil empresta à reação ao desamparo que o adulto tem de recon hecer que é justamente a formação da religião seus traços característi cos Mas não é intenção nossa examinar aqui o desenvolvimento da noção de Deus interessanos o patrimônio já completo das ideias religiosas tal como a cultura o transmite ao indivíduo V 208312 Para retomar o fio de nossa investigação qual é portanto o significado psicológico das ideias religiosas e como podemos classificálas Não é nada fácil responder imediatamente a essa questão Após haver descartado diversas formulações ficaremos com esta as ideias religiosas são ensinamentosh enun ciados sobre fatos e condições da realidade externa ou interna que dizem algo que a pessoa não descobriu por si e que exigem a crença Como nos informam acerca do que é mais importante e mais interessante na vida são altamente val orizadas Quem nada sabe delas é muito insciente quem as incorporou ao próprio saber pode se considerar bastante enriquecido Claro que existem ensinamentos sobre as mais diversas coisas deste mundo Toda aula de escola está plena deles Tomemos a de geografia Nela ouvimos que Constança fica no Bodenseei Uma canção estudantil acrescenta Quem não acredita vá lá e veja Por acaso estive lá e posso confirmar que a bela cidade fica à margem de uma vasta superfície de água que todos os habit antes do local chamam Bodensee Agora também estou convencido da justeza dessa afirmação de caráter geográfico Mas recordome de outra experiência bastante notável Eu já era um homem maduro quando estive pela primeira vez na colina da Acrópole de Atenas em meio às ruínas do templo tendo a visão do mar azul Ao meu contentamento mesclouse uma sensação de es panto que assim se expressava em mim Então é realmente como aprendemos na escola E como devia ser fraca e superficial a crença que eu tinha na realid ade do que me diziam lá se hoje fico tão assombrado Mas não quero enfatiz ar demais a importância dessa experiência é possível dar outra explicação para meu assombro que não me ocorreu então e que é de natureza puramente subjetiva relacionandose ao caráter especial do lugarj Todos esses ensinamentos requerem portanto a crença em seus conteúdos mas não sem fundamentar sua pretensão Eles se apresentam como o 209312 resultado abreviado de um longo processo de pensamento baseado na obser vação e sem dúvida também na inferência Se alguém pretende refazer por si esse processo em vez de apenas aceitar sua conclusão eles lhe mostram o cam inho para isso E quando o ensinamento não é óbvio como é nas afirmações de natureza geográfica sempre é dada a origem do conhecimento que ele pro clama Por exemplo o de que a Terra tem o formato de uma esfera como provas disso são aduzidos a experiência do pêndulo de Foucault o comporta mento do horizonte a possibilidade de circumnavegar a Terra Sendo imprat icável como reconhecem todos os interessados enviar todo estudante para uma viagem ao redor do mundo contentamonos em fazer que os ensina mentos escolares sejam aceitos de boafé sabendo no entanto que sempre estará aberto o caminho para o convencimento pessoal Vamos tentar usar o mesmo critério nos ensinamentos religiosos Quando perguntamos em que se fundamenta sua reivindicação de que as pessoas acred item neles recebemos três respostas que curiosamente não se harmonizam muito bem entre si Primeiro são dignos de fé porque nossos ancestrais já acreditavam neles em segundo lugar possuímos provas que nos foram trans mitidas dessa mesma época préhistórica por último é simplesmente proibido questionar essa comprovação Antes esse atrevimento era punido com as mais severas penas e ainda hoje a sociedade não gosta de vêlo renovado Esse terceiro ponto suscita fortes reservas de nossa parte O único motivo que pode haver para essa proibição é que a sociedade sabe perfeitamente como é precária a reivindicação que faz para suas doutrinas religiosas Não fosse as sim de bom grado ela colocaria o material pertinente à disposição de todo aquele que busca por si próprio chegar a uma convicção Por isso é com uma desconfiança difícil de ser atenuada que passamos a examinar os outros dois argumentos Devemos acreditar porque nossos antepassados acreditavam Mas 210312 esses nossos ancestrais sabiam muito menos do que nós acreditavam em coisas que hoje em dia não podemos aceitar É possível então que também as doutri nas religiosas sejam desse tipo As provas que elas nos deixaram estão consig nadas em textos que trazem eles mesmos todas as características de algo duvidoso São contraditórios foram retocados falsificados quando relatam comprovações factuais eles mesmos carecem de comprovação Em nada ajuda afirmar que suas palavras ou apenas seu conteúdo têm origem na revelação divina pois tal afirmação é em si mesma parte das doutrinas que devem ter sua credibilidade investigada e obviamente nenhum enunciado pode provar a si mesmo Assim chegamos ao curioso resultado de que precisamente as manifest ações de nosso patrimônio cultural que poderiam ter o maior significado para nós que têm o papel de nos esclarecer os enigmas do universo e nos reconcili ar com os sofrimentos da vida precisamente elas têm as mais frágeis com provações Mesmo um fato bastante indiferente para nós como o de as baleias parirem os filhotes em vez de botarem ovos nós não conseguiríamos aceitar se ele não pudesse ter melhor confirmação Isso é um notável problema psicológico em si mesmo Mas não se pense que as observações anteriores sobre o caráter indemonstrável das doutrinas re ligiosas contêm algo de novo Ele foi percebido em todas as épocas certa mente também pelos ancestrais que nos deixaram tal herança É provável que muitos deles tivessem as mesmas dúvidas que nós mas estavam submetidos a uma pressão muito forte não ousariam expressálas Desde então incontáveis indivíduos se atormentaram com as mesmas dúvidas que quiseram suprimir porque se acreditavam na obrigação de crer muitos intelectos brilhantes su cumbiram nesse conflito muitos caracteres sofreram danos devido aos com promissos nos quais buscavam uma saída 211312 Se todas as provas que são aduzidas em favor da credibilidade dos ensina mentos religiosos vêm do passado é natural olhar em redor e ver se o presente que podemos julgar melhor também não poderia oferecer tais provas Se conseguíssemos dessa forma pôr a salvo de dúvidas um só com ponente do sistema religioso todo o conjunto ganharia extraordinariamente em credibilidade A isso relacionase a atividade dos espíritas que estão con vencidos da sobrevivência da alma individual e querem demonstrar de maneira indiscutível a veracidade desse ponto da doutrina religiosa Mas infelizmente não conseguem refutar o argumento de que as aparições e manifestações dos seus espíritos são apenas produtos de sua própria atividade psíquica Eles evo caram os espíritos de grandes homens de eminentes pensadores mas todos os pronunciamentos e informações que deles receberam eram tão tolos tão irre mediavelmente vazios que não podemos acreditar em outra coisa senão na ca pacidade que têm os espíritos de se adaptar ao círculo de pessoas que os invoca Agora devemos considerar duas tentativas que nos dão a impressão de ser em enérgicos esforços de escapar ao problema Uma de natureza bastante forçada é antiga a outra sutil e moderna A primeira é o Credo quia absurdum daquele Pai da Igrejak Isso quer dizer que as doutrinas religiosas se subtraem às exigências da razão que estão acima da razão Devese sentir interiormente a sua verdade não é necessário compreendêlas Ocorre que esse Credo é in teressante apenas como confissão pessoal como imperativo não tem valor de obrigatoriedade Devo ser obrigado a crer em todo absurdo E se não por que precisamente nesse Não há instância acima da razão Se a verdade das doutrinas religiosas depender de uma vivência interior que ateste essa verdade o que fazer das muitas pessoas que não têm essa rara vivência Podese requerer que todas as pessoas utilizem o dom da razão que possuem mas não 212312 se pode estabelecer uma obrigação válida para todos com base num motivo que existe apenas para uns poucos Se um indivíduo obtém a convicção in abalável da verdade das doutrinas religiosas após ser tomado de profundo êx tase que significado tem isso para os outros A segunda tentativa é a da filosofia do como se Ela diz que em nossa atividade de pensamento há bastantes suposições cuja falta de fundamento e até mesmo absurdo nós percebemos inteiramente São chamadas ficções mas por diversos motivos práticos temos de nos comportar como se acred itássemos nelas Seria o caso das doutrinas religiosas devido à sua inigualável importância para a preservação da sociedade humana1 Essa argumentação não se acha muito distante do Credo quia absurdum Mas acho que o requisito do como se é de natureza tal que somente um filósofo é capaz de fazêlo O in divíduo cujo pensamento não é influenciado pelas artes da filosofia jamais poderá aceitálo para ele tudo está encerrado com a admissão do caráter ab surdo contrário à razão Ele não pode justamente ao tratar de seus mais relev antes interesses ser levado a renunciar às certezas que requer para todas as suas atividades habituais Lembrome de um de meus filhos que cedo se desta cou por enfatizar bastante a objetividade Quando se contava às crianças uma história que elas escutavam com solene atenção ele vinha e perguntava Essa história é verdadeira Ao lhe responderem que não ele se afastava com ex pressão de desdém É de esperar que as pessoas logo se comportem de igual maneira em relação às fábulas religiosas apesar da recomendação do como se Mas atualmente elas ainda se comportam de maneira bem diferente e em épocas passadas não obstante sua indiscutível falta de comprovação as ideias religiosas exerceram fortíssima influência sobre a humanidade Esse é um novo problema psicológico Devemos perguntar em que consiste a força interna 213312 dessas doutrinas e a que devem sua eficácia que independe da aceitação racional VI Creio que já preparamos suficientemente a resposta a ambas as perguntas Ela surge quando consideramos a gênese psíquica das ideias religiosas Estas que se proclamam ensinamentos não são precipitados da experiência ou resultados finais do pensamento são ilusões realizações dos mais antigos mais fortes e prementes desejos da humanidade o segredo de sua força é a força desses desejos Como já sabemos a terrível impressão deixada pelo desamparo da cri ança despertou a necessidade de proteção proteção através do amor fornecida pelo pai e a compreensão de que esse desamparo continua por toda a vida motivou o apego à existência de outro pai agora mais poderoso Medi ante a benévola ação da Providência divina a angústia ante os perigos da vida é atenuada o estabelecimento de uma ordem moral universal assegura o cumprimento da exigência de justiça que tão frequentemente deixou de ser cumprida no interior da cultura humana a continuação da existência terrena numa vida futura fornece a moldura especial e temporal em que devem se con sumar essas realizações de desejos Dentro dos pressupostos desse sistema são elaboradas respostas aos enigmas da humana ânsia de saber como o da origem do mundo ou o da relação entre o físico e o psíquico É um enorme alívio para a psique individual que os conflitos da infância originados do complexo pater no e nunca inteiramente superados lhe sejam tirados e levados a uma solução aceita por todos 214312 Se afirmo que todas essas coisas são ilusões tenho que delimitar o sentido da palavra Uma ilusão não é idêntica a um erro tampouco é necessariamente um erro A opinião de Aristóteles de que os vermes nascem da sujeira partilhada ainda hoje pelo povo ignorante era um erro assim como a de uma geração anterior de médicos segundo a qual a tabes dorsall resulta de ex cessos sexuais Seria incorreto chamar de ilusões esses erros Por outro lado foi uma ilusão da parte de Colombo achar que havia descoberto um novo caminho marítimo para a Índia É bastante clara nesse erro a participação de seu desejo Podese designar como uma ilusão a afirmação de certos nacion alistas segundo a qual os indogermanos são a única raça humana capaz de civilização ou a crença que somente a psicanálise destruiu de que a criança é um ser desprovido de sexualidade É característico da ilusão o fato de derivar de desejos humanos nesse aspecto ela se aproxima do delírio psiquiátrico mas ainda não considerando a mais complicada estrutura do delírio também se diferencia dele O que destacamos como essencial no delírio é a contradição com a realidade a ilusão não tem de ser necessariamente falsa isto é irreal izável ou contrária à realidade Uma garota de classe média por exemplo pode ter a ilusão de que um príncipe virá buscála É algo possível já aconte ceram casos assim Bem menos provável é que venha o Messias e dê início a uma nova Idade de Ouro conforme a atitude pessoal daquele que julga ele classificará essa crença como ilusão ou como análoga ao delírio Exemplos de ilusões que se tornaram realidade não são fáceis de encontrar Mas a ilusão dos alquimistas de poder transformar qualquer metal em ouro poderia ser uma delas O desejo de ter muito ouro tanto ouro quanto possível foi amortecido por nossa atual compreensão do que determina a riqueza mas a química já não vê como impossível a transformação dos metais em ouro Desse modo chamamos uma crença de ilusão quando em sua motivação prevalece a 215312 realização de desejo e nisso não consideramos seus laços com a realidade as sim como a própria ilusão dispensa a comprovação Após esse esclarecimento vamos retornar às doutrinas religiosas e po demos repetir que todas elas são ilusões são indemonstráveis ninguém pode ser forçado a tomálas por verdadeiras a acreditar nelas Algumas são tão im prováveis tão incompatíveis com tudo o que laboriosamente viemos a saber sobre a realidade do mundo que podem levandose devidamente em conta as diferenças psicológicas ser comparadas aos delírios Acerca do valor de realidade da maioria delas não há como formar um juízo Assim como são in demonstráveis são também irrefutáveis Sabemos ainda muito pouco para abordálas criticamente Apenas aos poucos os enigmas do mundo se desvelam à nossa pesquisa ainda hoje a ciência não é capaz de responder a muitas questões Mas o trabalho científico é a única via para o conhecimento da real idade exterior Não passa de ilusão mais uma vez esperar algo da intuição e da introspecção Elas podem nos dar apenas indicações de difícil inter pretação sobre a nossa própria vida psíquica jamais informações sobre as questões que a doutrina religiosa responde tão facilmente Seria um sacrilégio deixar o arbítrio pessoal preencher a lacuna e seguindo a própria avaliação declarar que essa ou aquela parte do sistema religioso é mais ou menos aceitável do que outra Tais questões são importantes demais para isso quase diríamos sagradas demais Neste ponto devemos estar preparados para a seguinte objeção Bem se os céticos mais duros admitem que as afirmações da religião não podem ser re futadas com a inteligência por que não devo acreditar nelas já que têm muito a seu favor a tradição a concordância das pessoas e tudo o que há de consol ador no que dizem Sim por que não Assim como ninguém pode ser obri gado a crer ninguém deve ser obrigado a descrer Mas não nos deleitemos no 216312 autoengano de que ao usar argumentos assim estamos no caminho do correto pensar A acusação de subterfúgio é pertinente nesse caso Ignorância é ig norância dela não provém nenhum direito a crer em algo Nenhuma pessoa razoável se comporta de maneira tão leviana em outros assuntos nem se dá por satisfeita com justificativas tão pobres para seus juízos suas posições apenas nas coisas mais elevadas e sagradas ela se permite agir dessa forma Na realidade são apenas tentativas de simular para si ou para os outros que ainda se atêm à religião quando há muito já se afastou dela Quando se trata de reli gião as pessoas incorrem em todas as insinceridades e maus costumes intelec tuais possíveis Filósofos estendem o sentido das palavras até sobrar pouco do seu sentido original chamam Deus a alguma vaga abstração que engendraram tornamse deístas ou crentes aos olhos do mundo gabamse de haver chegado a um conceito mais alto e mais puro de Deus embora seu Deus seja apenas uma sombra desprovida de substância e não mais a poderosa per sonalidade da doutrina religiosa Críticos insistem em designar como pro fundamente religioso alguém que admite o sentimento da pequenez e impot ência humana em face do universo embora tal sentimento não seja o que con stitui a essência da religiosidade e sim o passo seguinte a reação a ele a busca de remédio para ele Quem não vai adiante quem humildemente se conforma com o mínimo papel do ser humano neste mundo imenso este é na verdade irreligioso no autêntico sentido da palavra Não é intenção deste estudo tomar posição quanto ao valor de verdade das doutrinas religiosas Basta que tenhamos percebido que em sua natureza psicológica elas são ilusões Mas não precisamos ocultar que essa revelação também influi enormemente em nossa atitude ante a questão que deve parecer a mais relevante para muitos Sabemos aproximadamente em que épocas e por que tipo de homens as doutrinas religiosas foram criadas Se também 217312 soubermos por que motivos isso ocorreu nosso ponto de vista ante o prob lema da religião experimentará um sensível deslocamento Dizemos a nós mes mos que seria muito bom se houvesse um Deus que fosse criador do mundo e benévola Previdência se houvesse uma ordem moral universal e uma vida após a morte mas é muito singular que tudo seja como inevitavelmente dese jaríamos que fosse E seria ainda mais estranho se nossos pobres ignorantes e cativos ancestrais tivessem conseguido resolver todos esses difíceis enigmas do mundo VII Tendo percebido como ilusões as doutrinas religiosas imediatamente depara mos com mais uma questão não seriam de natureza semelhante outros bens culturais que temos em alta conta e pelos quais regemos nossa vida Não deveriam igualmente ser chamados de ilusões os pressupostos que governam nossas instituições políticas e as relações entre os sexos em nossa cultura não seriam perturbadas por uma ou várias ilusões eróticas Se nossa desconfiança foi despertada tampouco recearemos perguntar se teria maior fundamento nossa convicção de que podemos aprender algo sobre a realidade exterior me diante o emprego da observação e do pensamento no trabalho científico Nada pode nos impedir de considerar válido que a observação seja dirigida a nosso próprio ser e o pensamento seja utilizado em sua própria crítica Aqui se abre para nós uma série de investigações cujos resultados seriam certamente decis ivos para a construção de uma visão de mundo Também imaginamos que tal esforço não será em vão e que justificará ao menos em parte a nossa sus peita Mas a capacidade do autor se intimida em face de uma tarefa tão ampla 218312 ele tem de restringir seu trabalho à abordagem de uma só dessas ilusões a religiosa precisamente Nosso opositor nos diz com voz firme que devemos parar Somos chama dos a prestar conta de nosso procedimento irregular Os interesses arqueológicos são certamente louváveis mas não fazemos escavações quando elas minam as residências dos vivos de modo que essas desmoronam e soterram as pessoas sob os seus escombros As doutrinas reli giosas não podem ser objeto de reflexões como qualquer outro tema Nossa cultura está edificada sobre elas a conservação da sociedade humana tem por pressuposto que a maioria dos seres humanos acredite na verdade dessas doutrinas Se lhes for ensinado que não existe um Deus inteiramente justo e todopoderoso e tampouco uma ordem universal divina e uma vida futura eles se sentirão livres de toda obrigação de seguir os preceitos culturais Livre de inibições e de medos cada qual seguirá seus instintos egoístas e antissociais procurará exercitar seu poder e novamente haverá o caos que afastamos em milênios de trabalho cultural Ainda que soubéssemos e provássemos que a re ligião não está de posse da verdade deveríamos silenciar a respeito disso e nos comportar como requer a filosofia do como se No interesse da conservação de todos E não considerando o caráter perigoso da empresa tratase também de uma crueldade inútil Inumeráveis pessoas têm nas doutrinas religiosas o seu único consolo apenas com o auxílio delas podem suportar a vida Pretendese priválas desse apoio e não se tem nada de melhor para lhes dar em troca Já se admitiu que a ciência não é capaz de grande coisa atualmente mas ainda que ela tivesse avançado muito não bastaria para os homens O ser humano tem também outras necessidades imperiosas que jamais podem ser satisfeitas pela fria ciência e é muito estranho é mesmo o cúmulo da incoerên cia que um psicólogo que sempre enfatizou o quanto na vida humana a 219312 inteligência fica em segundo plano em relação aos instintos agora procure despojar os homens de uma preciosa satisfação de desejo e queira indenizálos por isso com nutrição intelectual São muitas acusações de uma vez Mas estou pronto para responder a to das e além disso sustentarei que representa um perigo maior para a civiliza ção manter sua atitude atual perante a religião do que abandonála Só não sei exatamente como iniciar minha réplica Talvez assegurando que eu próprio considero inofensiva e inócua a minha empresa Desta vez a superestimação do intelecto não se acha da minha parte Se as pessoas são como meus oponentes as descrevem e não vou contradizêlos não há o perigo de um devoto vencido por meus argu mentos ser privado de sua fé Além disso não afirmei nada que outros ho mens melhores não tivessem dito antes de maneira bem mais completa vig orosa e efetiva Seus nomes são conhecidos não os mencionarei para não dar a impressão de que desejo me incluir entre eles Eu apenas é a única novid ade em minha exposição adicionei alguma fundamentação psicológica à crítica de meus grandes predecessores É pouco provável que justamente esse acréscimo produza o efeito que foi negado aos autores anteriores E claro que alguém poderia me perguntar por que escrevo tais coisas se estou seguro de que não terão nenhum efeito Mas voltaremos a isso depois O único a quem esta publicação pode prejudicar sou eu mesmo Terei de ouvir as mais indelicadas recriminações de superficialidade estreiteza e falta de idealismo e de compreensão pelos mais elevados interesses da humanidade Por um lado contudo essas admoestações não são algo novo para mim e por outro lado quando um homem já em sua mocidade colocouse acima do de sagrado de seus contemporâneos como poderá isso afetálo na velhice quando sabe que logo estará fora do alcance de todo favor e desfavor Em 220312 tempos passados era diferente com declarações deste gênero se obtinha se guramente uma abreviação da própria existência na Terra e uma boa ante cipação da oportunidade de fazer observações próprias sobre a vida além túmulo Mas repito esses tempos passaram e hoje esses escritos são inócuos também para o autor Quando muito pode ocorrer que a tradução e difusão do seu livro seja proibida nesse ou naquele país e justamente claro num país que esteja convencido de sua elevada cultura Mas também precisamos ser capazes de tolerar esse dano quando defendemos a renúncia do desejo e a aceitação do destino Depois perguntei a mim mesmo se a publicação desta obra não poderia afinal trazer infortúnio Não a uma pessoa é certo mas a uma causa a causa da psicanálise Pois não se pode negar que ela é criação minha e já de parou com muita desconfiança e má vontade Se agora apareço com afirmações tão desagradáveis as pessoas não hesitarão em fazer um deslocamento de minha pessoa para a psicanálise Agora se vê dirão aonde leva a psicanál ise A máscara caiu leva à negação de Deus e do ideal moral como sempre suspeitamos Para nos dificultar essa descoberta simularam que a psicanálise não possui uma visão de mundo e não é capaz de formar uma Esse barulho realmente me incomodaria por causa de meus numerosos colaboradores dos quais alguns não partilham absolutamente minha atitude ante os problemas da religião Mas a psicanálise já aguentou muitas tormentas será preciso expôla também a esta Na realidade a psicanálise é um método de pesquisa um instrumento imparcial como o cálculo infinitesimal digamos Se empregando este um físico viesse a descobrir que a Terra acabará ao fim de certo tempo as pessoas hesitarão em atribuir tendências destrutivas ao próprio cálculo e interditálo por isso Tudo o que afirmei sobre o valor de verdade das religiões prescinde da psicanálise já foi dito por outros muito 221312 antes que ela existisse Se a aplicação do método psicanalítico proporcionar um novo argumento contra o teor de verdade da religião tant pis tanto pior para a religião mas os defensores desta poderão com o mesmo direito utilizarse da psicanálise para apreciar plenamente a importância da doutrina religiosa Agora prosseguirei com a defesa É evidente que a religião prestou grande serviço à cultura humana contribuiu muito para domar os instintos associais embora não o bastante Por muitos milênios ela dominou a sociedade humana teve tempo para mostrar do que é capaz Se tivesse conseguido tornar feliz a maioria dos homens consolálos conciliálos com a vida tornálos portadores da cultura ninguém pensaria em buscar uma mudança nas condições exist entes E o que vemos em vez disso Que um número assustador de indivíduos está insatisfeito com a civilização e nela se sente infeliz percebea como um jugo de que é preciso livrarse que tais indivíduos põem todas as forças numa modificação dessa cultura ou chegam ao ponto em sua hostilidade a ela de nada mais querer saber de cultura e restrição de instintos Neste ponto ouviremos a crítica de que isso vem justamente do fato de a religião haver per dido boa parte de sua influência sobre as massas humanas graças precisamente ao lamentável efeito dos avanços na ciência Tomaremos nota dessa admissão e de seus motivos e depois a utilizaremos para nossos propósitos mas a ob jeção mesma não tem força É duvidoso que na época do domínio inconteste das doutrinas religiosas os seres humanos fossem em geral mais felizes do que hoje mais morais eles certamente não eram Sempre souberam como banalizar os preceitos reli giosos fazendo assim malograr seus propósitos Os sacerdotes que deviam zelar pela obediência à religião eram complacentes com eles A bondade de Deus tinha de atrapalhar sua justiça as pessoas pecavam e depois faziam sacri fícios ou penitências ficando livres para novamente pecar A 222312 introspectividadem russa chegou ao ponto de concluir que o pecado é indis pensável para a fruição de todas as felicidades da graça divina ou seja é agradável a Deus no fundo Evidentemente os sacerdotes só puderam manter a sujeição das massas à religião fazendo essas grandes concessões à natureza instintual humana Ficou assim apenas Deus é bom e forte o homem é fraco e pecador Em todas as épocas a imoralidade não encontrou menos apoio na re ligião do que a moralidade Se não são melhores as realizações da religião no que toca à felicidade dos homens à aptidão destes para a cultura e a seu con trole moral cabe então perguntar se não superestimamos sua necessidade para a humanidade e se agimos sabiamente ao nela basear nossas exigências culturais Tomemos a inconfundível situação de hoje Como sabemos já se admitiu que a religião não exerce nas pessoas a mesma influência de antes falamos da cultura europeia cristã E isso não porque suas promessas tenham se tornado menores mas porque as pessoas as consideram menos dignas de crédito Con cedamos que o motivo dessa mudança é o fortalecimento do espírito científico nas camadas superiores da sociedade humana mas talvez não seja o único A crítica solapou a força comprobatória dos documentos religiosos as ciências naturais apontaram os erros que eles continham os estudos comparativos not aram a fatal semelhança entre as ideias religiosas que veneramos e as produções espirituais de povos e tempos primitivos O espírito científico gera uma maneira específica de nos colocarmos diante das coisas deste mundo ante as coisas da religião ele se detém por um instante hesita e afinal também aí cruza o limiar Nesse processo não há interrupção quanto mais pessoas têm acesso aos tesouros do nosso conhecimento tanto mais se dissemina o afastamento da fé religiosa primeiro apenas de suas roupagens antiquadas e chocantes depois também de suas premissas 223312 fundamentais Os americanos que instauraram o processo dos macacos em Daytonn foram os únicos a se mostrar coerentes Normalmente a inevitável transição sucede entre meiastintas e falsidades Das pessoas instruídas e dos que trabalham com o intelecto a civilização tem pouco a temer Neles ocorreria discretamente a substituição dos motivos religiosos do comportamento cultural por outros seculares além disso eles próprios são em boa parte portadores da cultura É diferente com a grande massa dos não instruídos oprimidos que têm todas as razões para serem in imigos da civilização Enquanto não sabem que não se acredita mais em Deus tudo está bem Mas saberão infalivelmente mesmo que este livro não seja publicado E estão prontos para aceitar os resultados do pensamento científico sem que neles tenha havido a modificação que este produz no homem Não ex iste o perigo de que a hostilidade dessas massas à cultura venha a se lançar con tra o ponto fraco percebido em sua tiranao Quando alguém não pode matar o próximo apenas porque Deus não o permite e o punirá severamente nesta ou na outra vida mas depois esse alguém descobre que não há nenhum Deus que não precisa temer sua ira então matará o próximo sem qualquer escrúpulo apenas um poder terreno o impedirá de fazêlo Portanto ou se faz uma severa contenção dessas massas perigosas um rigoroso bloqueio de toda oportunid ade para o despertar intelectual ou uma profunda revisão dos laços entre civil ização e religião VIII Seria de acreditar que a implementação desta última proposta não encontrará dificuldades especiais É certo que ela envolve alguma renúncia mas o ganho é 224312 talvez maior e evitase um grande perigo Há receio em executála porém como se assim a cultura fosse exposta a um perigo ainda maior Quando são Bonifácio abateu a árvore tida como sagrada pelos saxões os circunstantes acharam que um evento terrível sucederia ao sacrilégio Nada ocorreu e os saxões aceitaram o batismop Se a cultura instituiu o mandamento de não assassinar o próximo que odiamos que está em nosso caminho ou cujos bens cobiçamos evidentemente isso se deu no interesse da convivência humana que caso contrário seria im praticável Pois o homicida atrairia a vingança dos parentes do morto e tam bém a surda inveja de outros que sentissem a mesma inclinação para tal violên cia Assim ele não fruiria por muito tempo a vingança ou o roubo provavel mente seria logo assassinado por sua vez Ainda que mediante extraordinária força e cautela ele se protegesse de oponentes isolados sucumbiria à asso ciação de homens mais fracos Não havendo esta associação os assassinatos não teriam fim e os homens acabariam por exterminar uns aos outros Seria o mesmo estado de coisas que ainda perdura na Córsega entre famílias mas em outras partes apenas entre nações A insegurança na vida perigo igual para to dos junta os homens numa sociedade que proíbe ao indivíduo o assassinato e se reserva o direito de assassinar comunalmente aquele que desrespeita a proibição Temos aí então justiça e castigo Mas não fornecemos essa fundamentação racional da proibição de matar afirmamos isto sim que Deus ditou essa proibição Desse modo ousamos adivinhar seus propósitos e constatamos que também ele não quer que os ho mens se exterminem Assim procedendo revestimos a proibição cultural de uma solenidade toda especial mas arriscamos fazer com que sua obediência dependa da fé em Deus Se nisso retrocedemos se não mais atribuímos a Deus nossa vontade e nos contentamos com a fundamentação social é certo que 225312 renunciamos a essa transfiguração da proibição cultural mas também evitamos pôla em risco Também ganhamos outra coisa porém Por uma espécie de di fusão ou infecção o caráter de santidade inviolabilidade de pertencimento ao outro mundo digamos estendeuse de umas poucas proibições maiores para todas as demais instituições leis e prescrições culturais Mas nessas o halo de santidade raramente fica bem não só elas mesmas invalidam umas às outras ao estabelecer coisas opostas em diferentes tempos e lugares como exibem to do sinal de imperfeição humana Facilmente distinguimos nelas o que pode ser apenas produto de uma estreita ansiedade manifestação de interesses mesquin hos ou conclusão a partir de premissas frágeis A crítica que temos de fazer a elas também diminui em grau indesejável o respeito por outras exigências culturais mais justificáveis Como é uma tarefa delicada separar o que o próprio Deus exige do que vem da autoridade de um parlamento com plenos poderes ou de um alto magistrado seria uma vantagem indiscutível deixar Deus de fora e honestamente reconhecer a origem puramente humana de todas as instituições e normas culturais Com sua pretendida santidade também de sapareceria a rigidez e a imutabilidade desses mandamentos e leis Os homens poderiam compreender que estes são criados não tanto para dominálos mas para servir a seus interesses adotariam uma atitude mais amistosa para com eles visariam seu melhoramento em vez de sua abolição Este seria um im portante progresso no caminho que leva à reconciliação com as pressões da cultura Aqui porém nosso arrazoado em prol de uma fundamentação puramente racional dos preceitos culturais ou seja de sua explicação a partir da necessid ade social é subitamente interrompido por uma dúvida Tomamos como ex emplo a origem da proibição de matar Mas nossa descrição dela corresponde à verdade histórica Receio que não ela parece ser apenas uma construção 226312 racionalista Justamente essa parte da história cultural humana nós estudamos com o auxílio da psicanálise e com base nesse esforço precisamos dizer que na realidade foi diferente Ainda nos homens de hoje motivos puramente ra cionais não podem muito contra os impulsos passionaisq quanto mais impot entes deviam ser naqueles bichoshomens da préhistória Talvez os seus des cendentes ainda hoje liquidassem uns aos outros sem inibições se entre aqueles assassinatos não tivesse havido um a eliminação do pai primitivo que provo casse uma reação emocional irresistível e de grande consequência Dela surgiu o mandamento que diz Não matarás que no totemismo se limitava ao sucedâneo do pai depois foi estendido a outros e ainda hoje não é universal mente obedecido Mas esse pai primordial foi de acordo com argumentos que não cabe repe tir aqui o protótipo de Deus o modelo segundo o qual gerações posteriores formaram a figura de Deus Assim a narrativa religiosa está certa Deus real mente participou da gênese daquela proibição foi sua influência que a criou não a compreensão da necessidade social E o deslocamento da vontade hu mana para Deus se justifica plenamente os homens sabiam que haviam elim inado violentamente o pai e na reação a seu ultraje propuseramse respeitar a vontade do pai dali em diante Portanto a doutrina religiosa nos comunica a verdade histórica com alguma modificação e disfarce é certo nossa ex plicação racional ela renega Agora notamos que o patrimônio de ideias religiosas não inclui apenas realizações de desejos mas também importantes reminiscências históricas Essa atuação conjunta de passado e futuro deve dotar de incomparável poder a religião Mas com o auxílio de uma analogia talvez já vislumbremos uma outra percepção Não é bom trasladar conceitos para muito longe do solo em que nasceram mas há uma concordância que temos de explicitar Sabemos a 227312 respeito da criança que ela não perfaz seu desenvolvimento rumo à cultura sem passar por uma fase de neurose ora mais ora menos nítida Isso vem do fato de a criança não poder suprimir com o trabalho intelectual racional muitas das exigências instintuais que depois serão inúteis e sim precisar domá las com atos de repressão que via de regra têm por trás de si o motivo do medo A maioria dessas neuroses infantis é superada espontaneamente ao longo do crescimento sobretudo as neuroses obsessivas da infância têm esse destino Quanto ao resto o tratamento psicanalítico deverá removêlas mais tarde De maneira muito semelhante podemos supor que a humanidade como um todo em seu desenvolvimento ao longo dos séculos põese em estados que são análogos às neuroses e pelas mesmas razões porque em seus tempos de insciência e fraqueza intelectual ela só pôde fazer as renúncias instintuais in dispensáveis à convivência humana recorrendo a forças puramente afetivas Os precipitados dos processos similares à repressão ocorridos na préhistória permaneceram ainda por muito tempo na cultura A religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade originandose tal como a da criança do complexo de Édipo da relação com o pai Segundo essa concepção é de supor que o afastamento da religião deverá suceder com a mesma fatal inexorabilid ade de um processo de crescimento e que justamente agora nos encontramos no meio dessa fase de desenvolvimento Nossa conduta então deveria se orientar pelo modelo de um educador compreensivo que não se opõe a uma reorganização iminente buscando isto sim promovêla e refrear a violência de sua irrupção Mas com essa analogia não se esgota a questão da natureza da religião Se por um lado ela traz re strições obsessivas como somente a neurose obsessiva costuma fazer ela con tém por outro lado um sistema de ilusões de desejo com repúdior da realid ade como apenas encontramos de forma isolada na amência um estado de 228312 alegre confusão alucinatória São apenas comparações com que buscamos compreender o fenômeno social a patologia individual não nos fornece uma contrapartida inteiramente válida Já foi assinalado várias vezes por mim e especialmente por Theodor Reik o grau de detalhes a que pode chegar a analogia entre a religião e a neurose ob sessiva quantas peculiaridades e vicissitudes da formação da religião podem ser compreendidas por essa via E bem se harmoniza com isso o fato de o crente religioso estar altamente protegido de certas enfermidades neuróticas a adoção da neurose geral o dispensa da tarefa de desenvolver uma neurose pessoal O reconhecimento do valor histórico de certas doutrinas religiosas aumenta o nosso respeito por elas mas não invalida nossa proposta de excluí las como motivação para os preceitos culturais Pelo contrário Graças a esses resíduos históricos pudemos formar a concepção das teses religiosas como relíquias neuróticas digamos e hoje podemos afirmar que provavelmente é hora de como acontece no tratamento analítico substituir os efeitos da repressão pelos resultados do trabalho do intelecto Podese prever mas di ficilmente lamentar que essa reelaboração não ficará na renúncia à transfig uração solene dos preceitos culturais que uma revisão geral destes últimos de verá trazer a abolição de muitos É desse modo que nossa tarefa de conciliar os homens com a cultura será realizada em ampla medida Não precisamos lam entar a renúncia à verdade histórica ao fornecer uma motivação racional para os preceitos culturais As verdades contidas nas doutrinas religiosas são tão de formadas e tão sistematicamente disfarçadas que a grande massa dos seres hu manos não pode reconhecêlas como verdade Algo semelhante ocorre quando dizemos a uma criança que a cegonha traz os bebês Também aí falamos a ver dade em roupagem simbólica pois sabemos o que significa essa grande ave 229312 Mas a criança não sabe ouve apenas o elemento distorcido sentese enganada e sabemos que muitas vezes sua desconfiança dos adultos e sua rebeldia se lig am justamente a essa impressão Adquirimos a convicção de que é melhor evitar esses encobrimentos simbólicos da verdade e não privar a criança do conhecimento das circunstâncias reais conforme o seu estágio intelectual IX Você se permite incorrer em contradições muito difíceis de serem harmoniza das Primeiro afirma que um livro como o seu é completamente inofensivo que ninguém se desfará da própria fé religiosa por causa de considerações desse tipo Mas visto que sua intenção é realmente abalar essa fé como depois se verificou podemos perguntar por que vai publicálas enfim Em outra passagem porém você admite que pode ser perigoso perigosíssimo até uma pessoa descobrir que não se acredita mais em Deus Até então ela era dócil mas agora manda às favas a obediência aos preceitos culturais Todo o seu ar gumento de que a motivação religiosa dos mandamentos culturais representa um perigo para a cultura se baseia na suposição de que o crente pode ser con vertido em descrente e isso é uma contradição total Outra contradição se dá quando você por um lado admite que o ser hu mano não se deixa guiar pela inteligência que é governado pelas paixões e pelas exigências dos instintos mas por outro lado propõe que os fundamentos afetivos da obediência humana à cultura sejam substituídos por fundamentos racionais Quem puder que entenda isso A meu ver uma coisa exclui a outra Além disso a história não lhe ensinou nada A tentativa de substituir a re ligião pela razão já foi feita uma vez de modo oficial e em grande estilo Então 230312 não se lembra da Revolução Francesa e de Robespierre Claro que sim mas também se recorda da brevidade e do lamentável fracasso do experimento Está sendo repetido agora na Rússia e não precisamos perguntar como ter minará Você não acha que devemos aceitar que o ser humano não pode viver sem religião Você mesmo disse que a religião é mais que uma neurose obsessiva Mas não tratou desse outro aspecto dela Bastoulhe fazer a analogia com a neurose E de uma neurose as pessoas têm de ser libertadas O que por outro lado se perde com isso não o interessa Essa aparência de contradição provavelmente surgiu porque tratei de coisas complicadas de maneira apressada Podemos remediar isso em parte Ainda sustento que meu pequeno livro é inofensivo num aspecto Nenhum crente deixará que argumentos semelhantes perturbem a sua fé Quem crê mantém certos laços de afeto com o teor da religião Certamente há muitos outros que não são crentes no mesmo sentido Obedecem aos preceitos da cul tura porque se deixam intimidar pelas ameaças da religião e temem a religião enquanto têm de considerála parte da realidade que os limita São esses que se afastam dela assim que podem abandonar a crença em seu valor de realidade mas também aí os argumentos não exercem nenhuma influência Eles cessam de temer a religião quando notam que outros não a temem foi acerca deles que afirmei que saberiam do declínio da influência religiosa mesmo que eu não publicasse este trabalho Mas acho que você dá mais peso à outra contradição de que me acusa Os homens são pouco acessíveis a motivos racionais são inteiramente governados por seus desejos instintuais Por que deveríamos então retirarlhes uma satis fação instintual substituindoa por motivos racionais Certamente os homens são assim mas você já se perguntou se eles têm de ser assim se a sua íntima 231312 natureza os obriga a isso Um antropólogo é capaz de fornecer o índice crani ano de um povo que tem o costume de pôr bandagens nas cabeças das crianças desde cedo deformandoas Pense no penoso contraste entre a radiante in teligência de uma criança saudável e a fraqueza de intelecto de um adulto me diano Não será possível que justamente a educação religiosa tenha boa parte de culpa por essa relativa atrofia Acho que uma criança livre de influência de moraria muito para começar a refletir sobre Deus e as coisas do além Talvez essas reflexões tomassem os mesmos caminhos que percorreram nos antepassa dos da criança mas não esperamos por esse desenvolvimento incutimos nela as doutrinas religiosas numa época em que não tem interesse por elas nem ca pacidade de lhes compreender o alcance Postergação do desenvolvimento in telectual e antecipação da influência religiosa não são esses os dois pontos principais na agenda da pedagogia atual Quando o intelecto da criança des perta as doutrinas religiosas já se tornaram inatacáveis Ou você acha que contribui para o fortalecimento da função intelectual que uma área tão relev ante lhe seja interditada com a ameaça dos castigos do inferno Se alguém chegou a aceitar todos os absurdos que as doutrinas religiosas lhe apresentam sem críticas e sem enxergar inclusive as contradições entre elas não devemos nos espantar com sua fraqueza de intelecto Mas não temos outro meio de con trolar nossos instintoss senão a inteligência Como esperar que indivíduos sujeitos a proibições de pensar alcancem o ideal psicológico o primado da in teligência Como você sabe atribuise às mulheres em geral a debilidade mental fisiológicat ou seja uma inteligência menor que a do homem O fato em si é discutível e sua interpretação é duvidosa mas um argumento quanto à natureza secundária dessa atrofia intelectual diz que as mulheres sofrem sob o rigor da proibição precoce de voltar o pensamento para aquilo que mais as in teressaria ou seja os problemas da vida sexual Enquanto influírem nos 232312 primeiros anos de vida da pessoa além da inibição de pensar sobre o sexo a inibição religiosa e a política derivada desta não se pode realmente dizer como é a pessoa de fato Mas vou moderar meu zelo e admitir a possibilidade de que também eu persigo uma ilusão Talvez o efeito da proibição religiosa de pensar não seja tão mau como suponho talvez se evidencie que a natureza humana permanece a mesma ainda que não se abuse da educação para a submissão religiosa Isso nem eu nem você podemos saber Não só os grandes problemas desta vida parecem insolúveis no momento mas também muitas questões de menor monta são difíceis de resolver Você há de convir porém que nisso é justific ado ter esperança quanto ao futuro que talvez se possa desenterrar um tesouro que enriqueça a cultura que vale a pena fazer a tentativa de uma educação sem religião Se o resultado for insatisfatório estarei disposto a desistir da reforma e voltar ao julgamento anterior puramente descritivo o homem é um ser de inteligência fraca governado por seus desejos instintuais Em outro ponto concordo com você inteiramente Sem dúvida é um começo insensato querer eliminar a religião violentamente e de uma vez Sobretudo porque não há perspectiva de êxito O crente não deixará que lhe tirem sua fé seja com argumentos seja com proibições E mesmo que se conseguisse fazer isso com alguns seria uma crueldade Quem tomou sonífer os durante décadas naturalmente não dorme quando o privam do remédio O efeito das consolações religiosas pode ser igualado ao de um narcótico algo que é bem ilustrado pelo que ocorre na América de hoje Lá se procura sob a clara influência do domínio das mulheres privar os indivíduos de toda substância que produz embriaguez estímulo ou prazer e saturálos do temor a Deus como compensação Não precisamos perguntar como também terminará esse experimentou 233312 Discordo portanto quando você conclui que o ser humano é incapaz de prescindir do consolo da ilusão religiosa que ele não suportaria sem ela o peso da vida a realidade cruel De fato não o indivíduo a quem desde a infân cia tenha sido instilado esse doce ou doceamargo veneno Mas e outro que tenha sido educado sobriamente Não sofrendo da neurose talvez ele não necessite de um tóxico para entorpecêla Claro que o ser humano se verá en tão numa situação difícil terá de admitir seu completo desamparo sua ir relevância na engrenagem do universo já não será o coração da Criação o ob jeto da carinhosa atenção de uma Providência bondosa Estará na mesma situ ação de um filho que deixou a casa do pai que era aquecida e confortável Mas não é inevitável que o infantilismo seja superado O ser humano não pode permanecer eternamente criança tem de finalmente sair ao encontro da vida hostil Podemos chamar a isso educação para a realidade ainda preciso lhe dizer que o único objetivo deste trabalho é chamar a atenção para a necessid ade de dar esse passo Você teme provavelmente que o ser humano não resista a essa dura prova Bem vamos esperar que sim Já é alguma coisa quando alguém sabe que conta apenas com as próprias forças então aprende a usálas corretamente E o ser humano não é inteiramente sem recursos desde os tempos do Dilúvio sua ciência lhe ensinou muita coisa e incrementará mais ainda o seu poder Quanto às inevitabilidades do destino contra as quais não existe remédio ele aprenderá a suportálas com resignação De que lhe serve a miragem de uma grande fazenda na Lua cuja colheita ninguém jamais viu Como honesto cam ponês aqui na Terra ele saberá cultivar seu pequeno torrão de modo que este o alimente Retirando as expectativas que havia posto no Além e concentrando na vida terrena todas as forças assim liberadas ele provavelmente alcançará que a vida se torne suportável para todos e a civilização não mais oprima 234312 ninguém Então poderá dizer como um de nossos companheiros de descrença sem lamentar O céu deixaremos Para os anjos e os pardaisv X Isso parece mesmo formidável Uma humanidade que abandonando todas as ilusões tornouse capaz de arranjarse toleravelmente na Terra Mas não posso partilhar suas expectativas Não por ser o teimoso reacionário que talvez me considere mas por prudência Acho que agora trocamos os papéis você se apresenta como o entusiasta que se deixa arrebatar por ilusões e eu represento as demandas da razão os direitos do ceticismo O que você expôs me parece baseado em erros que acompanhando o seu procedimento posso chamar de ilusões pois claramente revelam a influência de seus desejos Você tem esper ança de que as gerações que não sofreram a influência de doutrinas religiosas na infância atingirão facilmente a ansiada primazia da inteligência sobre os in stintos Mas isso é uma ilusão nesse ponto decisivo a natureza humana dificil mente mudará Se não estou enganado sabemos tão pouco de outras cultur as já existem povos que não vivem sob a pressão de um sistema religioso e eles não se aproximam mais do que outros deste seu ideal Se você pretende expulsar a religião de nossa cultura europeia isso poderá ocorrer apenas medi ante outro sistema doutrinal e este assumiria desde o começo todas as carac terísticas psicológicas da religião a mesma sacralidade rigidez e intolerância e a mesma proibição de pensar para defenderse Alguma coisa assim é preciso 235312 ter para fazer frente às necessidades da educação E não é possível abdicar da educação O caminho que vai do lactente ao adulto civilizado é longo muitos pequenos humanos se perderiam nele e não chegariam a realizar sua tarefa na vida se fossem abandonados sem direção ao próprio desenvolvimento As doutrinas empregadas na educação deles sempre poriam limites ao pensamento dos anos maduros exatamente como você recrimina hoje à religião Não per cebe que o inerradicável defeito congênito da nossa e de toda cultura é solicitar da criança governada por instintos e fraca de intelecto que tome decisões que apenas a inteligência amadurecida de um adulto pode justificar Mas não pode ser de outra forma pois o desenvolvimento humano de séculos é concentrado em alguns anos da infância e apenas através de forças afetivas a criança pode ser levada a lidar com a tarefa que lhe foi dada São essas as perspectivas para o seu primado do intelecto Não se surpreenda se me pronuncio pela manutenção do sistema doutrinal religioso como base da educação e da vida humana em comunidade É um problema prático não diz respeito ao valor real Como no interesse da preser vação de nossa cultura não podemos aguardar que o indivíduo se torne cultur almente maduro para influenciálo muitos jamais se tornarão como temos de impor ao indivíduo em crescimento algum sistema de doutrinas que nele funcione como um pressuposto a salvo da crítica o sistema religioso me parece o mais apropriado Graças naturalmente a seu poder de consolar e ir ao encontro dos desejos no qual você acredita reconhecer uma ilusão Con siderando as dificuldades em conhecer algo da realidade e até mesmo a dúvida de que isso nos seja possível não esqueçamos que também as necessidades hu manas constituem parte da realidade uma parte muito importante que nos concerne de maneira especial 236312 A meu ver outra vantagem da doutrina religiosa está numa peculiaridade que parece chocálo de modo especial Ela permite uma purificação e sublim ação conceitual em que se pode anular a maior parte daquilo que tem traços do pensamento primitivo e infantil O que resta então é um teor de ideias que a ciência já não contradiz e que também não pode refutar Essas modificações da doutrina religiosa que você condenou como sendo meiastintas e compromis sos tornam possível prevenir a ruptura entre a massa não instruída e o pensad or filosófico mantêm o laço comum entre eles tão importante para a salva guarda da cultura Não será de temer então que o homem do povo descubra que as camadas superiores da sociedade não creem mais em Deus Assim acredito haver mostrado que os seus esforços se reduzem à tentativa de trocar uma ilusão provada e afetivamente valiosa por outra que não é provada nem tem esse valor Não pense que sou indiferente à sua crítica Sei como é difícil escapar às ilusões talvez as esperanças que eu manifesto sejam também de natureza ilusória Mas insisto em que há uma diferença Minhas ilusões além do fato de não haver punição por não serem partilhadas não são incorrigíveis como as religiosas não têm caráter delirante Se a experiência vier a mostrar não a mim mas a outros depois de mim que pensam da mesma forma que nos equivocamos abandonaremos nossas expectativas Você deve tomar minha tentativa pelo que ela é Um psicólogo que não se engana quanto à dificuldade de alguém se orientar neste mundo empenhase em avaliar o desenvolvimento da humanidade à luz da pequena compreensão que adquiriu através do estudo dos processos psíquicos do indivíduo em seu desenvolvimento de criança a adulto Ao fazêlo impõeselhe a ideia de que a religião é comparável a uma neurose infantil e ele é otimista o bastante para supor que a humanidade su perará essa fase neurótica assim como muitas crianças deixam para trás a 237312 neurose à medida que crescem Esses conhecimentos extraídos da psicologia individual podem ser insuficientes a transposição para a espécie humana pode não se justificar e o otimismo pode ser infundado Admito todas essas incer tezas mas é frequente não conseguirmos deixar de dizer o que achamos e nossa desculpa é que não o oferecemos por mais do que aquilo que vale Há dois outros pontos em que ainda preciso me deter Primeiro a fraqueza de minha posição não significa um fortalecimento da sua Acho que você de fende uma causa perdida Podemos repetir à vontade que o intelecto humano é impotente em comparação aos instintos e ter razão nisso No entanto há algo de peculiar nessa fraqueza a voz do intelecto pode ser baixa mas não descansa até ser ouvida E afinal o consegue após inumeráveis repetidas rejeições Cer tamente é um dos raros pontos em que podemos ser otimistas em relação ao futuro da humanidade mas o seu significado não é pequeno A ele podem se ligar outras esperanças O primado do intelecto está sem dúvida a uma dis tância muito grande mas não infinita E como é de se presumir que ele terá os mesmos objetivos que você espera serem realizados por seu Deus na me dida humana claro até onde o permitir a realidade externa a Άνάγκη Ananke necessidade destino o amor entre os homens e a limitação do so frimento podemos dizer que o nosso antagonismo é apenas temporário não é irreconciliável Esperamos a mesma coisa mas você é mais impaciente mais exigente e por que não dizêlo mais egoísta do que eu e os que pensam como eu Você deseja que a bemaventurança comece logo depois da morte solicita dela o impossível e não quer abandonar as pretensões do indiví duo Desses desejos nosso deus Λóγoς Logos razão palavraw realizará o que nos permitir a natureza fora de nós mas muito gradualmente num futuro indefinido para novas criaturas humanas E ele não promete nenhuma recom pensa para nós que tanto sofremos com a vida No caminho para essa meta 238312 distante suas doutrinas religiosas terão de ser abandonadas não importando que as primeiras tentativas fracassem ou que os primeiros substitutos se mostr em insustentáveis Você sabe por quê a longo prazo nada pode resistir à razão e à experiência e é palpável que a religião contraria ambas Tampouco as idei as religiosas purificadas escaparão a esse destino enquanto mantiverem algo do conteúdo consolador da religião É verdade que se elas se limitarem a pro clamar a existência de um ser espiritual superior de atributos indefiníveis e propósitos indiscerníveis estarão imunes às objeções da ciência mas per derão o interesse para os homens Em segundo lugar veja a diferença entre a sua e a minha atitude diante da ilusão Você precisa defender a ilusão religiosa com todas as forças se ela ficar sem valor e está verdadeiramente ameaçada o seu mundo desmoronará nada lhe restará senão o desespero com a civilização e com o futuro da hu manidade Dessa servidão eu estou nós estamos livres Como estamos dispos tos a renunciar a boa parte de nossos desejos infantis podemos tolerar que al gumas de nossas expectativas se revelem ilusões A educação liberada do peso das doutrinas religiosas talvez não venha a al terar muita coisa na natureza psicológica do ser humano nosso deus Λóγoς talvez não seja muito poderoso cumpre somente uma pequena parte do que seus antecessores prometiam Se temos de reconhecer isso vamos aceitálo com resignação Não perderemos o interesse na vida e no mundo por causa disso pois temos um firme apoio que lhe falta Acreditamos que seja possível para o trabalho científico obter algum conhecimento sobre a realidade do mundo através do qual podemos aumentar nosso poder e organizar nossa vida Se esta crença é uma ilusão achamonos na mesma situação que você mas a ciência já nos provou por meio de numerosos e importantes êxitos que não é uma ilusão Ela tem muitos inimigos declarados e inúmeros outros 239312 disfarçados entre aqueles que não lhe perdoam haver debilitado a fé religiosa e ameaçar destronála Recriminamlhe o pouco que nos ensinou e o tanto que deixou na escuridão Mas esquecem como ainda é jovem como foi duro o seu início e como transcorreu pouquíssimo tempo desde que o intelecto humano se fortaleceu para as tarefas da ciência Não cometemos todos o erro de basear nossos juízos em períodos de tempo demasiado curtos Deveríamos seguir o exemplo dos geólogos Deplorase a incerteza da ciência dizse que ela anun cia como lei o que a próxima geração reconhece como erro e substitui por nova lei de validade igualmente curta Mas isso é injusto e apenas parcial mente verdadeiro As mudanças nas opiniões científicas são desenvolvimento avanço não reviravolta Uma lei que foi tida como absolutamente válida no início revelase o caso especial de uma mais ampla regularidade ou é re stringida por outra lei que apenas depois se descobre uma grosseira aproxim ação à verdade é substituída por outra mais cuidadosamente adequada que por sua vez aguarda novo aperfeiçoamento Em diversas áreas ainda não se ultrapassou a fase da pesquisa em que são testadas hipóteses que logo serão re jeitadas como deficientes em outras porém existe já um núcleo garantido e quase imutável de conhecimento Por fim fezse a tentativa de desvalorizar radicalmente o esforço científico observando que ligado às condições de nossa própria organização ele não pode fornecer senão resultados subjetivos enquanto lhe permanece inalcançável a verdadeira natureza das coisas fora de nós Mas isso não leva em conta vários fatores decisivos para a concepção do trabalho científico que nossa organização nosso aparelho psíquico foi desen volvido justamente no esforço de indagar o mundo exterior e portanto deve ter incorporado certa adequação funcional em sua estrutura que ele próprio é parte desse mundo que investigamos e admite muito bem tal investigação que a tarefa da ciência fica plenamente circunscrita quando ela se limita a mostrar 240312 como deve se apresentar para nós o mundo em consequência da particularid ade de nossa organização que os resultados finais da ciência justamente devido à maneira como foram obtidos não são condicionados apenas por nossa organização mas também pelo que agiu sobre essa organização e en fim que sem considerar nosso aparelho psíquico perceptivo o problema da constituição é uma abstração vazia sem interesse prático Não nossa ciência não é uma ilusão Seria ilusão isto sim acreditar que poderíamos obter de outras fontes aquilo que ela não pode nos dar a No original Kultur e Zivilisation o segundo termo é empregado apenas nessa frase em to do o restante o autor usa o primeiro que aqui é vertido tanto por cultura como por civiliza ção pois pode significar as duas coisas segundo o contexto Ver a propósito a nota à tradução de O malestar na civilização no v 18 destas Obras completas pp 489 b Repressão dos instintos Triebunterdrückung nas versões consultadas deste trabalho repressão dos impulsos yugulación de los instintos sofocación de lo pulsional repressione delle pulsioni suppression of the instincts suppression of drives Além das versões estrangeiras normal mente utilizadas aqui duas em espanhol da Biblioteca Nueva e da Amorrortu a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa consultamos a nova tradução em português de Renato Zwick Porto Alegre LPM 2010 e a nova tradução inglesa de J A Underwood no volume Mass Psychology and Other Writings Harmondsworth Penguin 2009 Cf a nota sobre a versão de Unterdrückung em nossa tradução de A repressão 1915 no v 10 destas Obras completas c Desejos instintuais Triebwünsche nas versões consultadas desejos impulsionais deseos instintivos deseos pulsionales desideri pulsionali instinctual wishes libidinal desires 241312 d O termo original Einrichtungen também admite outras traduções utilizadas em algu mas das versões consultadas que oferecem instituições instituiciones normas ordena menti regulations institutions O termo é usado várias vezes neste ensaio e Alusão à Rússia comunista naturalmente Mas vejase o que ele diz sobre o tema em O malestar na civilização 1930 cap V Novas conferências introdutórias à psicanálise 1932 n 35 e Por que a guerra 1932 f No original Versagung substantivo que corresponde ao verbo versagen falhar recusar negar nas versões consultadas frustração interdicción frustración denegación frus trazione frustration denial g Ver nota sobre o uso desse pronome acima p 132 h No original Lehrsätze nas versões consultadas proposições principios enseñanzas as siomi teachings dogmas i Bodensee See significa lago é nome alemão do lago de Constança O verso da canção estudantil que é citado em seguida rima com esse nome Wers nicht glaubt geh hin und seh j O episódio é narrado e interpretado em Um distúrbio de memória na Acrópole 1936 k Creio por ser absurdo frase de origem desconhecida mas atribuída a Tertuliano c 160c 220 Segundo Paulo Rónai em Não perca seu latim Rio de Janeiro Nova Fronteira 5a ed 1980 pode ser adaptação da seguinte frase desse teólogo Certum est quia impossibile est É certo porque é impossível em Da carne de Cristo cap 5 1 Espero não cometer uma injustiça ao atribuir ao filósofo do como se uma concepção que também não é estranha a outros pensadores Cf H Vaihinger Die Philosophie des Als ob A filosofia do como se 8a ed 1922 p 68 Nós incluímos no âmbito da ficção não apenas op erações teóricas indiferentes mas também conceitos imaginados pelos homens mais nobres a que se apegam os corações da parte mais nobre da humanidade e que esta não permite que lhe sejam arrancados E tampouco pretendemos fazer isso deixamos que tudo continue a existir como ficção prática como verdade teórica porém desaparece l Neuropatia provocada pela degeneração da medula espinhal resultante do não tratamento da sífilis 242312 m Introspectividade pode não ser um equivalente preciso do termo original Innerlichkeit As traduções consultadas oferecem profundeza de espírito fervor interioridad interiorità introspectiveness inwardness n Em 1925 nessa pequena cidade do estado de Tennessee um professor de ciências John Scopes foi processado por ensinar aos alunos que o ser humano descende de animais o Tirana Zwangsherrin palavra composta de Zwang coação e Herrin senhora nas ver sões consultadas subjugadora amos sujuzgadora tiranna taskmistress the system that keeps them in check com nota p São Bonifácio 675c 754 nascido na Inglaterra foi missionário de povos germânicos sendo chamado o apóstolo da Alemanha q No original leidenschaftliche Antriebe notese o substantivo formado de Trieb mais o pre fixo an que os dicionários traduzem por impulso impulsão incitamento etc As versões consultadas trazem ímpetos passionais passiones impulsiones apasionadas impulsi passion ali passionate impulsions passionate impulses r Repúdio Verleugnung cf O fetichismo 1927 neste volume com nota sobre a tradução do termo Sobre a amência nessa mesma frase ver Complemento metapsicoló gico à teoria dos sonhos 1917 s No original Triebhaftigkeit substantivação do adjetivo triebhaft que nesta edição traduzi mos por instintual e que outros preferem verter por pulsional nas versões consultadas impulsos instintos pulsionalidad pulsionalità instinctual nature libidinal nature t No original physiologischer Schwachsinn expressão do neurólogo e psiquiatra Paul Julius Moebius 18531907 usada no título da controversa obra que publicou em 1903 Sobre a de bilidade mental fisiológica da mulher cf o ensaio A moral sexual civilizada e o nervosismo moderno 1908 em que Freud discute brevemente esse livro u Referência à chamada Lei Seca então em vigor nos Estados Unidos entre 1920 e 1933 v No original Den Himmel überlassen wir Den Engeln und den Spatzen Heinrich Heine Deutschland cap I w O par de divindades ΛγςΆνάγκη do holandês Multatuli pseudônimo de E Douwes Dekker 182087 um dos autores favoritos de Freud cf a referência a ele e a essas divindades em O problema econômico do masoquismo de 1924 243312 O FETICHISMO 1927 TÍTULO ORIGINAL FETISCHISMUS PUBLICADO SIMULTANEAMENTE EM ALMANACH 1928 pp 1724 E INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 13 N 4 PP 3738 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 3117 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 37988 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 30 N 5556 1997 PP 36570 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS OU MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO Nos últimos anos tive oportunidade de estudar analiticamente vários homens cuja escolha de objeto era dominada por um fetiche Não se suponha que essas pessoas tenham recorrido à análise por causa do fetiche pois ele é reconhecido como anormalidade por seus adeptos mas raramente percebido como sintoma de doença em geral parecem bem satisfeitos com ele e chegam a louvar as fa cilidades que traz à sua vida amorosa Logo o fetiche apareceu geralmente como uma descoberta secundária Por razões evidentes os detalhes desses casos não devem ser publicados Por isso não posso mostrar de que maneira circunstâncias ocasionais con tribuíram para a escolha do fetiche O caso mais curioso foi o de um jovem que tinha elevado certo brilho no nariz Glanz auf der Nase à condição de fetiche A explicação surpreendente para isso era que o paciente havia sido cri ado na Inglaterra mudandose depois para a Alemanha onde esqueceu quase completamente sua língua materna O fetiche originário de sua infância mais recuada devia ser lido em inglês não em alemão o brilho no nariz era na verdade um olhar para o nariz glance olhar o nariz era então o fetiche ao qual ele emprestava esse brilho peculiar que os outros não viam A resposta que a psicanálise deu sobre o sentido e propósito do fetiche foi a mesma em todos os casos E revelouse de modo tão desimpedido parecendo me tão categórica que não me surpreenderei se deparar com a mesma solução em todos os casos de fetichismo Se eu afirmar agora que o fetiche é um substi tuto para o pênis certamente causarei decepção Apressome então a acres centar que não é o substituto de um pênis qualquer mas de um especial bem determinado que nos primeiros anos infantis tem grande importância porém é perdido depois Isto é normalmente seria abandonado mas o fetiche se destina exatamente a preserválo Colocando isso de maneira mais clara o fetiche é o substituto para o falo da mulher da mãe no qual o menino acreditou e ao qual sabemos por quê não deseja renunciar1 Sucedeu então que o menino se recusou a tomar conhecimento de um dado de sua percepção o de que a mulher não possui pênis Não isso não pode ser verdade pois se a mulher é castrada o seu próprio pênis corre perigo e contra isto se rebela a porção de narcisismo de que a natureza por cautela dotou precisamente esse órgão Um pânico semelhante talvez experimente de pois o adulto quando se ouve o grito de que o Trono e o Altar estão ameaça dos pânico esse que trará consequências igualmente ilógicas Se não me en gano Laforgue diria nesse caso que o menino escotomizou a percepção da falta de pênis na mulher2 Um termo novo se justifica quando descreve ou res salta um fato novo Este não é o caso a mais antiga palavra de nossa termino logia psicanalítica repressão Verdrängung já se refere a esse processo patológico Querendose diferenciar mais firmemente o destino da ideia daquele do afeto reservando o termo repressão para o afeto a designação alemã correta para o destino da ideia seria Verleugnung recusa repúdioa Escotomização me parece particularmente inadequado por dar a entender que a percepção foi simplesmente apagada tal como ocorreria se uma im pressão visual caísse no ponto cego da retina A situação que consideramos mostra pelo contrário que a percepção permaneceu e que uma ação bastante enérgica foi realizada para sustentar a recusa Não é certo dizer que a criança depois de fazer sua observação da mulher manteve intacta a crença de que ela tem um falo Conservou esta crença mas também a abandonou no conflito entre o peso da percepção indesejada e a força do desejo contrário chegou a um compromisso o que é possível apenas sob a direção das leis do pensamento inconsciente dos processos primários Sim na psique a mulher continua a ter um pênis mas este pênis já não é o mesmo de antes Outra coisa ocupou 246312 seu lugar foi como que nomeada seu substituto e veio a herdar o interesse que antes se dirigia a ele Mas tal interesse experimenta ainda um extraordinário ac réscimo porque o horror à castração ergue para si um monumento ao criar esse substituto Também uma aversão frente ao genital feminino real jamais ausente num fetichista permanece como stigma indelebile da repressão ocor rida Agora vemos o que o fetiche faz e de que modo é mantido Ele subsiste como signo de triunfo sobre a ameaça de castração e como proteção contra ela ele permite também que o fetichista não se torne um homossexual ao empre star à mulher a característica que a torna aceitável como objeto sexual Em sua vida posterior o fetichista acredita desfrutar ainda de outra vantagem do seu substituto para o genital A significação do fetiche não é reconhecida pelos outros portanto ele não lhe é negado é facilmente acessível a satisfação sexu al a ele relacionada pode ser comodamente obtida O fetichista não tem di ficuldade em conseguir o que outros homens têm de solicitar e buscar com empenho Provavelmente nenhum ser masculino é poupado do pavor da castração ao avistar os genitais femininos Por que alguns se tornam homossexuais em con sequência desta impressão outros a rechaçam pela criação de um fetiche e a grande maioria chega a superála é algo que não conseguimos explicar É pos sível que ainda não conheçamos entre os fatores que agem simultaneamente aqueles decisivos nos raros desenlaces patológicos de resto devemos nos dar por satisfeitos se podemos explicar o que aconteceu deixando provisoriamente de lado a tarefa de explicar por que algo não aconteceu Podese esperar que como substitutos do falo cuja falta se sente na mulher sejam escolhidos os órgãos ou objetos que em outros casos também simbol izam o pênis Isso pode ocorrer com frequência mas certamente não é determ inante A instauração de um fetiche parece antes obedecer a um processo que 247312 lembra a detenção da memória na amnésia traumática De modo semelhante o interesse como que se detém no caminho a última impressão antes do que foi traumático inquietante seria conservada como fetiche Assim o pé ou o sap ato deve sua preferência como fetiche ou parte dela à circunstância de que a curiosidade do menino olhou a partir de baixo a partir das pernas para o órgão genital da mulher veludos e peles como há muito se presumia fixam a visão dos pelos púbicos à qual seguiria a ansiada visão do membro feminino as peças íntimas de roupa tão frequentemente tomadas como fetiche retêm o instante do desnudamento no qual ainda se podia imaginar a mulher como fálica Não pretendo afirmar no entanto que toda vez se possa discernir com segurança a determinação do fetiche A investigação do fetichismo é recomendada a todos que ainda duvidam da existência do com plexo da castração ou acreditam que o pavor ao genital feminino tenha outro motivo que derive por exemplo da suposta lembrança do trauma do nasci mento Para mim o esclarecimento do fetiche teve ainda outro interesse teórico Recentemente descobri por via especulativa apenas que a diferença essen cial entre neurose e psicose está em que na primeira o Eu a serviço da realid ade suprimeb uma parte do Id enquanto na psicose ele é levado a desprender se de uma parte da realidade pelo Id Depois abordei mais uma vez o tema3 Mas logo tive ocasião de lamentar que tivesse me adiantado tanto A análise de dois jovens me revelou que ambos haviam se negado a reconhecer haviam escotomizado a morte do pai querido quando tinham dois e dez anos de id ade e no entanto nenhum deles desenvolvera uma psicose Uma signific ativa porção da realidade fora repudiada pelo Eu tal como no fetichista o de sagradável fato da castração da mulher Comecei também a suspeitar que ocor rências desse tipo não são raras na vida infantil e me considerei culpado de um 248312 erro na caracterização da neurose e da psicose É certo que restava uma saída minha fórmula precisava ser válida apenas num grau mais elevado de diferen ciação do aparelho psíquico à criança talvez fosse permitido o que traria sérios danos para o adulto Mas novas pesquisas conduziram a outra solução da contradição Verificouse de fato que os dois jovens haviam escotomizado a morte do pai tanto quanto os fetichistas a castração da mulher Apenas uma corrente de sua vida psíquica não reconhecera a morte do pai havia também uma outra que tinha plenamente em conta esse fato a atitude conforme ao desejo e a atit ude conforme à realidade existiam lado a lado Em um dos dois casos esta cisão constituía a base de uma neurose obsessiva medianamente severa em to das as situações da vida ele oscilava entre dois pressupostos o de que seu pai ainda vivia e estorvava suas ações e o contrário de que ele tinha o direito de verse como sucessor do pai falecido Posso então conservar a expectativa de que na psicose uma dessas correntes aquela conforme à realidade estaria mesmo ausente Retornando à descrição do fetichismo devo acrescentar que há outras provas ainda numerosas e de peso para a atitude dividida dos fetichistas ante a castração feminina Em casos bem refinados o próprio fetiche acolheu na sua construção tanto a recusa como a afirmação da castração Assim ocorreu com um homem cujo fetiche era um suporte atlético que podia ser usado tam bém como calção de banho Essa peça de roupa cobria totalmente os genitais e portanto a diferença entre eles Como demonstrou a análise isto significava que a mulher era castrada e também que não era e além disso permitia supor a castração do homem pois todas essas possibilidades podiam se esconder atrás do suporte cujo precursor tinha sido a folha de parreira de uma estátua vista na infância Um tal fetiche duplamente sustentado por opostos é sem dúvida 249312 particularmente sólido Em outros a divisão se mostra no que o fetichista faz com o seu fetiche na realidade ou em fantasia Não basta sublinhar que ele venera o fetiche em muitos casos ele o trata de um modo que claramente equi vale a uma representação da castração Isso ocorre especialmente quando se desenvolveu uma forte identificação com o pai e ele faz o papel do pai pois a este o menino atribuíra a castração da mulher A ternura e a hostilidade no tratamento do fetiche que correspondem à recusa e ao reconhecimento da castração misturamse desigualmente em casos diversos de maneira que ora uma ora outra é mais facilmente reconhecível Dessa perspectiva acreditamos entender ainda que à distância o comportamento do cortador de trançasc no qual a necessidade de efetuar a castração negada colocouse em primeiro plano Seu ato reúne em si as duas afirmações incompatíveis a mulher manteve o pênis e o pai castrou a mulher Outra variante também um paralelo etnopsicológico para o fetichismo pode ser vista no costume chinês de primeiramente mutilar o pé da mulher e depois venerálo como um fetiche É como se o homem chinês quisesse agradecer à mulher por se haver submetido à castração Por fim podese dizer que o modelo normal do fetiche é o pênis do homem assim como o do órgão inferior é o pequeno pênis da mulher o clitórisd 1 Em Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci 1910 fiz essa interpretação sem fundamentála 250312 2 Corrijo a mim mesmo porém afirmando que tenho boas razões para pensar que Laforgue não diria isso Segundo suas próprias observações escotomização é um termo que se ori gina da descrição da dementia praecox que não surgiu do emprego de concepções psicanalít icas nas psicoses e não pode ser aplicado aos processos de desenvolvimento e à formação de neuroses A exposição se empenha em tornar clara essa incompatibilidade a Nas versões estrangeiras consultadas há as seguintes equivalências para Verleugnung renegación o repudiación desmentida rinnegamento déni disavowal além daquelas normal mente utilizadas dispusemos de uma antiga versão francesa realizada por Jean Laplanche e outros num volume intitulado La Vie sexuelle Paris PUF 1969 Ver nota sobre o termo na tradução do ensaio A organização genital infantil 1923 no v 16 destas Obras completas p 173 b No original unterdrückt nas versões consultadas somete sofoca reprime réprime suppresses Ver nota sobre unterdrücken e verdrängen reprimir no v 10 destas Obras completas p 88 3 Neurose e psicose 1924 e A perda da realidade na neurose e na psicose 1924 c Cf Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci 1910 cap III d Alusão ao conceito de inferioridade de órgão de Alfred Adler cf Novas conferências in trodutórias à psicanálise 1933 no 31 251312 PSICANÁLISE 1926 TÍTULO ORIGINAL PSYCHOANALYSIS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VERSÃO INGLESA ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA 13A ED NEW V 3 PP 2535 PRIMEIRA EDIÇÃO ALEMÃ EM GESAMMELTE SCHRIFTEN XII PP 37280 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 299307 Como a psicanálise não foi mencionada na 11a edição da Encyclopaedia Britan nica é impossível limitar este relato a seus progressos desde 1910 O período mais importante e mais interessante de sua história é anterior a esse anoa PRÉHISTÓRIA Entre 1880 e 1882 um médico vienense dr Josef Breuer 18421925 inventou um novo procedimento para livrar de diversos sintomas uma garota que sofria grave histeria Ocorreulhe que os sintomas podiam estar relacionados às im pressões de um período agitado em que ela cuidara do pai doente Então ele a induziu em estado de sonambulismo hipnótico a procurar esses nexos na memória e reviver as cenas patogênicas sem inibir os afetos que se mostravam Depois disso o sintoma desapareceu permanentemente Nessa época ainda não havia os trabalhos de Charcot e P Janet sobre a gênese dos sintomas histéricos Portanto Breuer agiu de modo independente desses estímulos Mas não deu prosseguimento à sua descoberta apenas dez anos depois veio a retomála em colaboração com S Freud Em 1895 os dois publicaram o livro Estudos sobre a histeria que informava sobre os achados de Breuer e buscava explicálos mediante a teoria da catarse Conforme sua hipótese o fenômeno histérico surge porque a energia de um processo psíquico é impedida de ter elaboração consciente e dirigida para a inervação somática conversão O sintoma histérico seria então o substituto para um ato psíquico não acontecido e a reminiscência do ensejo que deveria têlo ocasion ado A cura se daria através da liberação do afeto desencaminhado e de sua descarga pelo caminho normal abreação O tratamento catártico teve ótimos resultados terapêuticos mas não eram duradouros e dependiam da re lação pessoal entre o doente e o médico Freud que depois continuou sozinho essa pesquisa modificou a técnica empregando o método da associação livre em vez da hipnose Ele criou o nome psicanálise que no curso do tempo ad quiriu dois significados Hoje significa 1 um método especial para tratamento de doenças neuróticas 2 a ciência dos processos psíquicos inconscientes que também é chamada apropriadamente psicologia profunda TEOR DA PSICANÁLISE Como procedimento terapêutico a psicanálise ganha cada vez mais adeptos pois faz mais pelos doentes do que qualquer outro método de tratamento Seu campo de aplicação são as neuroses mais leves a histeria as fobias e os estados obsessivos e também deformações de caráter inibições sexuais e anormalid ades em que obtém consideráveis melhoras e inclusive curas Sua influência sobre a dementia praecox e a paranoia é duvidosa em circunstâncias favoráveis pode lidar também com depressões severas Em todos os casos ela exige bastante do médico e do paciente requer do primeiro uma formação especial e uma prolongada dedicação a cada paciente e deste notáveis sacrifícios materi ais e psíquicos mas na maioria dos casos compensa todos os esforços A psic análise não é uma cômoda panaceia para os males psíquicos cito tuto jucundeb pelo contrário sua aplicação contribuiu primeiramente para esclare cer as dificuldades e os limites da terapia em tais afecções No momento apen as em Berlim e Viena há instituições privadas que tornam o tratamento psic analítico acessível também à população trabalhadora sem recursos A influên cia terapêutica da psicanálise baseiase na substituição de atos psíquicos 254312 inconscientes por conscientes e seu alcance é determinado por esse fator Tal substituição é efetuada superandose resistências internas na vida psíquica do paciente O futuro provavelmente dirá que a importância da psicanálise como ciência do inconsciente ultrapassa em muito a sua importância terapêutica A psicanálise como psicologia profunda considera a vida psíquica de três perspectivas a dinâmica a econômica e a topológica Na primeira delas faz remontar todos os processos psíquicos salvo a recepção de estímulos exter nos ao jogo de forças que promovem ou inibem uma às outras juntamse entram em compromissos etc Originalmente estas forças são todas da natureza de instintos Triebe ou seja de origem orgânica caracterizadas por enorme capacidade somática compulsão à repetição e acham representação psíquica em ideias investidas de afeto A teoria dos instintos é um terreno obscuro tam bém para a psicanálise A análise das observações leva a postular dois grupos de instintos os chamados instintos do Eu cuja meta é a autoafirmação e os in stintos objetais que consistem na relação com o objeto Os instintos sociais não são vistos como elementares e irredutíveis A especulação teórica leva a supor a existência de dois instintos fundamentais que se escondem por trás dos instintos do Eu e objetais que são manifestos o instinto que busca a união sempre maior Eros e o que conduz à dissolução do que é vivo o instinto de destruição A manifestação da energia de Eros é denominada libido na psicanálise O ponto de vista econômico supõe que as representações psíquicas dos in stintos sofrem investimento cathexisc de determinadas quantidades de ener gia e que o aparelho psíquico tende a evitar um represamento dessas energias e manter o mais baixa possível a soma total de excitações que a atingem O curso dos processos psíquicos é regulado automaticamente pelo princípio do prazer 255312 desprazer no qual o desprazer se liga de alguma forma ao crescimento e o prazer ao decréscimo da excitação O princípio de prazer original experimenta no curso do desenvolvimento uma modificação tendo em vista o mundo exterior princípio da realidade em que o aparelho psíquico aprende a postergar satisfações do prazer e tolerar por algum tempo sensações de desprazer O ponto de vista topológico apreende o aparelho psíquico como um instru mento composto e busca verificar em que lugares dele ocorrem os diferentes processos psíquicos Segundo nossas concepções atuais o aparelho psíquico se divide em um Id que é o portador dos impulsos instintuais em um Eu que constitui a parte mais superficial do Id modificada por influência do mundo exterior e um Supereu que oriundo do Id domina o Eu e representa as inib ições instintuais características do ser humano Também a qualidade de ser consciente tem sua referência topológica os processos do Id são inteiramente inconscientes a consciência é a função da ca mada mais externa do Eu destinada à percepção do mundo exterior Duas observações cabem aqui Não se deve supor que essas concepções bastante gerais sejam os pressupostos do trabalho psicanalítico São isto sim seus resultados últimos abertos à revisão A psicanálise baseiase firmemente na observação dos fatos da vida psíquica por isso a sua superestrutura teórica é ainda incompleta e sujeita a constante transformação Além disso não deve surpreender que a psicanálise que originalmente queria apenas explicar fenô menos psíquicos patológicos tenha chegado a desenvolver uma psicologia da vida psíquica normal Isso justificouse quando se descobriu que os sonhos e os atos falhos de indivíduos normais têm o mesmo mecanismo dos sintomas neuróticos 256312 A tarefa imediata da psicanálise foi o esclarecimento das doenças neuróticas A teoria psicanalítica das neuroses baseiase em três pilares 1 a teoria da repressão 2 da importância dos instintos sexuais 3 da transferência Na psique há um poder censurador que evita que os impulsos que lhe de sagradam se tornem conscientes e influenciem os atos Dizse que tais im pulsos são reprimidos Eles permanecem inconscientes quando o analista se empenha em tornálos conscientes para o paciente provoca uma resistência Mas esses impulsos instintuais reprimidos não ficam sempre impotentes em muitos casos conseguem adquirir influência sobre a psique mediante rodeios e as satisfações substitutivas do reprimido assim alcançadas formam os sintomas neuróticos Por razões culturais os instintos sexuais são os mais fortemente afetados pela repressão de modo que os sintomas neuróticos aparecem como satisfação substitutiva da sexualidade reprimida Não é certo que a vida sexual do ser hu mano comece apenas na puberdade já no início da vida extrauterina podese comprovála ela alcança o primeiro auge até o quinto ano de idade primeiro período e experimenta então uma inibição ou interrupção época de latência que tem fim com a puberdade o segundo clímax do desenvolvimento O começo em dois tempos da vida sexual parece ser peculiar ao gênero hu mano Todas as vivências desse primeiro período da infância são de enorme importância para o indivíduo juntamente com a constituição sexual herdada elas geram as predisposições para o posterior desenvolvimento do caráter e das doenças É errado acreditar que a sexualidade coincide com a genitalidade Os instintos sexuais perfazem um desenvolvimento complicado apenas no fi nal deste há o primado das zonas genitais Ao longo do caminho se in stauram diversas organizações prégenitais nas quais a libido pode se 257312 fixar e às quais retorna em caso de repressão posterior regressão As fix ações infantis da libido determinam a posterior escolha da forma de doença Assim as neuroses aparecem como inibições no desenvolvimento da libido Não se encontram causas específicas para o adoecimento neurótico são re lações quantitativas que decidem se o desfecho do conflito será a saúde ou uma neurótica inibição funcional A mais relevante situação de conflito que a criança tem de resolver é a da relação com os pais o complexo de Édipo tentando lidar com ele é que fracas sam via de regra aqueles destinados à neurose As mais valiosas e socialmente mais significativas realizações do espírito humano se originam das reações às exigências instintuais do complexo de Édipo tanto na vida do indivíduo como provavelmente na história da espécie humana Quando da superação do com plexo de Édipo surge também a instância moral do Supereu que domina o Eu 3 Transferência é como se chama a notável peculiaridade que têm os neuróticos de desenvolver relações emocionais de natureza tanto afetuosa como hostil em relação ao médico que não se fundamentam na situação real procedendo isto sim da relação dos pacientes com os pais complexo de Édipo A transferência é uma prova de que também o adulto não superou a dependência infantil de outrora ela coincide com a força que foi denominada sugestão O médico tem de aprender a manejála e apenas assim é capaz de induzir o doente a superar suas resistências internas e eliminar suas repressões Desse modo o tratamento psicanalítico vem a ser uma póseducação do adulto uma correção da educação infantil Neste breve resumo da psicanálise não podem ser abordados muitos temas do mais amplo interesse como a sublimação dos instintos o papel do simbol ismo o problema da ambivalência etc Também não é possível infelizmente 258312 referir as aplicações da psicanálise originada no terreno da medicina às ciências humanas à história da civilização e da literatura ao estudo da religião e à pedagogia Limitemonos a observar que a psicanálise como psicologia dos atos psíquicos profundos inconscientes promete converterse no elo entre a psiquiatria e todas estas ciências do espírito VICISSITUDES EXTERNAS DA PSICANÁLISE O começo da psicanálise foi marcado por duas datas 1895 ano da publicação de Estudos sobre a histeria de Breuer e Freud e 1900 da Interpretação dos son hos de Freud Inicialmente ela não despertou interesse entre os médicos e no público em geral Em 1907 teve início a colaboração de psiquiatras suíços lid erados por E Bleuler e C G Jung Em Salzburgo em 1908 houve o primeiro encontro de adeptos de vários países Em 1909 Freud e Jung foram convida dos por G Stanley Hall para ir à América para dar conferências sobre psic análise na Clark University em Worcester Massachusetts O interesse na Europa cresceu rapidamente mas manifestouse em rejeição enérgica fre quentemente pouco científica Essa hostilidade era motivada do lado da medi cina pela ênfase dada pela psicanálise ao fator psíquico do lado filosófico pela fundamental adoção do conceito de atividade psíquica inconsciente sobretudo porém pela aversão geral a conceder ao fator da sexualidade a importância que a psicanálise lhe reserva Não obstante a oposição geral o movimento em favor da psicanálise não pôde ser detido Seus adeptos se organizaram numa Associação Internacional que passou pela prova da Grande Guerra e 259312 atualmente 1925 abrange as sociedades locais de Viena Berlim Budapeste Londres Suíça Holanda Moscou e Calcutá além de duas americanas Algu mas revistas servem aos propósitos dessas sociedades a Internationale Zeits chrift für Psychoanalyse a Imago para aplicações às ciências humanas e o In ternational Journal of PsychoAnalysis Entre os anos de 1911 e 1913 dois dos seguidores Alfred Adler de Viena e C G Jung de Zurique abandonaram o movimento e fundaram correntes próprias tiveram acolhida benevolente graças à hostilidade geral contra a psicanálise mas que permaneceram cienti ficamente estéreisd Em 1921 o dr M Eitingon fundou em Berlim a primeira policlínica psicanalítica e instituto de ensino logo seguida por outra em Viena Bibliografia Breuer e Freud Studien über Hysterie Estudos sobre a histeria 1895 Freud Die Traumdeutung A interpretação dos sonhos 1900 Freud Psychopathologie des Alltagslebens Psicopatologia da vida cotidiana 1904 Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie Três ensaios de uma teoria da sexual idade 1905 Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse Conferências introdutórias à psic análise 1916 As obras de Freud tiveram edição completa em alemão Gesammelte Schriften de i a x Desde 1923 há também uma edição espanhola Obras completas A maioria dos textos foi traduzida para o inglês e outras línguas Como breves exposições do teor e da história da psicanálise mencionemse Freud Über Psychoanalyse Cinco lições de psicanálise as conferên cias de Worcester Zur Geschichte der psychoanalytischen Bewegung Contribuição à história do movimento psicanalítico 1914 Selbstdarstellung Autobiografia na coletânea de Grote Die Medizin der Gegenwart da atualidade in Selbstdarstellungen 1925 Particularmente acessí veis aos leitores de língua inglesa são Ernest Jones Collected Papers on PsychoAnalysis e A A Brill Psychoanalysis 260312 a Trecho omitido na Encyclopaedia Britannica Freud redigiu esse texto como um verbete para três volumes complementares lançados em 1926 que pretendiam apenas atualizar a 11a edição de 1911 Por isso achou necessária essa explicação preliminar b Cf Aulo Cornélio Celso De medicina III 41 Asclepiades officium esse medici dicit ut tuto ut celeriter ut jucunde curet Esculápio diz que o ofício do médico é curar de forma segura rápida e agradável c O termo inglês consta no original alemão provavelmente a única vez segundo Strachey em que o próprio Freud usou o termo como equivalente do alemão Besetzung d A última oração foi omitida na versão publicada na Encyclopaedia Britannica como informa Strachey 261312 O HUMOR 1927 TÍTULO ORIGINAL DER HUMOR PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM ALMANACH 1928 PP 916 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 3839 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE IV PP 27582 Em O chiste e sua relação com o inconsciente livro que publiquei em 1905 tratei o humor apenas do ponto de vista econômico Procurei discernir a fonte do prazer que temos com o humor e acredito haver demonstrado que o ganho de prazer humorístico vem de uma economia no dispêndio afetivo O processo humorístico pode ocorrer de duas formas ou numa única pess oa que adota ela mesma a atitude humorística enquanto outra pessoa tem o pa pel de espectador e fruidor ou entre duas pessoas das quais uma não tem par ticipação nenhuma no processo mas a outra toma esta pessoa como objeto de sua consideração humorística Quando para ficarmos num exemplo bem cru um condenado que está sendo levado para a forca numa segundafeira diz É a semana começa bem ele próprio faz o humor o processo humorístico se completa em sua pessoa e claramente produzlhe certa satisfação Quanto a mim o ouvinte não participante sou como que afetado à distância pela frase de humor do condenado sinto talvez como ele o ganho de prazer humorístico O segundo caso acontece quando por exemplo um escritor ou um nar rador descreve de forma humorística o comportamento de pessoas reais ou in ventadas Tais pessoas não precisam mostrar humor elas mesmas a atitude hu morística é coisa apenas daquele que as toma por objeto de humor e como no caso anterior o ouvinte ou leitor participa da fruição do humor Resumindo podese dizer que a postura humorística não importando em que ela con sista pode ser dirigida para a própria pessoa ou para outras é de supor que traga um ganho de prazer para quem a adota o espectador não participante tem um ganho de prazer semelhante Compreenderemos melhor como surge o ganho de prazer humorístico se nos voltarmos para o que ocorre no ouvinte diante do qual outro indivíduo produz humor Ele vê esse outro numa situação que leva a esperar que o outro vai gerar sinais de algum afeto vai se zangar se queixar expressar dor se hor rorizar talvez até se desesperar e o ouvinteespectador se acha pronto para acompanhálo nisso para evocar em si os mesmos impulsos emocionais Mas essa disposição para emocionarse é fraudada o outro não exprime nenhum afeto faz um chiste Do dispêndio afetivo assim poupado nasce no ouvinte o prazer do humor Não temos dificuldade em chegar a isso mas logo achamos que o que su cede no outro no humorista é que merece maior atenção Não há dúvida a essência do humor consiste em que o indivíduo se poupa dos afetos que a situ ação ocasionaria e com uma piada afasta a possibilidade de tais expressões de afeto Nisso o que ocorre no humorista tem de coincidir com o que sucede no ouvinte mais corretamente o processo que tem lugar neste precisa haver copi ado o que ocorre no humorista Mas como cria este a postura psíquica que lhe torna supérflua a liberação de afeto o que se passa nele do ponto de vista dinâmico na postura humorística Claramente devese buscar a solução do problema no humorista no ouvinte cabe supor apenas um eco uma cópia desse processo desconhecido É hora de nos familiarizarmos com algumas características do humor Ele não apenas possui algo liberador como o chiste e a comicidade mas também algo de grandioso e exaltante traços que não se acham nos dois outros tipos de ganho de prazer a partir da atividade intelectual O traço grandioso está clara mente no triunfo do narcisismo na vitoriosa afirmação da invulnerabilidade do Eu Este se recusa a deixarse afligir pelos ensejos vindos da realidade a ser obrigado a sofrer insiste em que os traumas do mundo externo não podem tocálo mostra inclusive que lhe são apenas oportunidades para a obtenção de prazer Esta última característica é absolutamente essencial no humor Suponhamos que o criminoso levado para a execução na segundafeira 264312 dissesse Isso não me preocupa que importa se um sujeito como eu é enfor cado o mundo não vai acabar por isso concluiríamos então que essa fala implica uma grandiosa superioridade sobre a situação real que é sábia e justi ficada mas não revela nenhum sinal de humor baseiase inclusive numa avaliação da realidade que contraria diretamente a do humor O humor não é resignado é rebelde ele significa não apenas o triunfo do Eu mas também do princípio do prazer que nele consegue afirmarse contra a adversidade das circunstâncias reais Mediante esses dois últimos traços o repúdio às exigências da realidade e a imposição do princípio do prazer o humor se avizinha dos processos regress ivos ou reacionários que tanto nos ocupam na psicopatologia Com sua re jeição da possibilidade de sofrer ele assume um lugar na série de métodos que a psique humana desenvolveu para fugir à coação do sofrimento uma série que tem início com a neurose e culmina na loucura e na qual se incluem tam bém a intoxicação o ensimesmamento e o êxtase O humor deve a esta relação uma dignidade que falta inteiramente ao chiste por exemplo já que este ou serve apenas ao ganho de prazer ou coloca o ganho de prazer a serviço da agressão Em que consiste então a postura humorística mediante a qual a pess oa se recusa ao sofrimento enfatiza a invencibilidade do Eu ante o mundo ex terior sustenta vitoriosamente o princípio do prazer mas isso tudo sem abandonar o terreno da saúde psíquica como outros procedimentos que têm a mesma intenção Essas duas realizações não seriam inconciliáveis Se nos voltamos para a situação em que alguém se coloca humoristica mente em relação a outros apresentase a concepção que já propus timida mente no livro sobre os chistes ele se comportaria diante deles como o adulto em relação à criança na medida em que reconhece e ri da futilidade dos in teresses e sofrimentos que a ela parecem grandes Então o humorista obteria 265312 sua superioridade por colocarse no papel do adulto por identificarse de certo modo com o pai e reduzir os outros a crianças Esta suposição provavelmente corresponde aos fatos mas não é inteiramente persuasiva Perguntamonos como pode o humorista se arrogar esse papel Mas recordemos a outra situação do humor provavelmente mais antiga e mais significativa em que a pessoa dirige a postura humorística para si mesma a fim de afastar o sofrimento possível Há sentido em dizer que alguém trata a si mesmo como uma criança e simultaneamente faz o papel de adulto superior diante dessa criança Acho que daremos boa sustentação a essa hipótese pouco plausível se levarmos em consideração o que aprendemos sobre a estrutura de nosso Eu a partir de observações patológicas Esse Eu não é algo simples ele abriga no in terior como seu núcleo uma instância especial o Supereu e às vezes os dois convergem de forma tal que não conseguimos diferenciálos enquanto em outras circunstâncias se distinguem agudamente No que toca à sua gênese o Supereu é herdeiro da instância parental muitas vezes ele mantém o Eu em rigorosa dependência tratandoo realmente como os pais ou o pai trataram a criança nos primeiros anos Assim chegaremos a uma elucidação dinâmica da postura humorística se supusermos que ela consiste em que a pess oa do humorista tirou o acento psíquico de seu Eu e o transpôs para seu Super eu O Eu então pode parecer pequenino para o Supereu assim inflado e to dos os seus interesses insignificantes e pode se tornar fácil para o Supereu nessa nova distribuição de energia suprimir as possibilidades de reação do Eu Fiéis a nosso modo de expressão habitual diremos em vez de transposição do acento psíquico deslocamento de grandes montantes de investimento Cabe perguntar então se é lícito concebermos deslocamentos assim amplos de uma instância da psique para outra Parece tratarse de uma nova hipótese feita 266312 ad hoc mas devemos nos lembrar que algumas vezes embora não com sufi ciente frequência levamos em conta um fator assim em nossas tentativas de uma representação metapsicológica do funcionamento psíquico Imaginamos por exemplo que a diferença entre um investimento objetal erótico habitual e o estado de paixão consiste em que neste último caso um investimento in comparavelmente maior vai para o objeto o Eu como que se esvazia em prol do objeto Estudando alguns casos de paranoia pude constatar que as ideias persecutórias são formadas bem cedo e subsistem por longo tempo sem produzir efeito notável até que determinado ensejo as faz receber as mag nitudes de investimento que as levam a se tornar dominantes Também a cura de tais acessos de paranoia não consistiria tanto em dissolver e corrigir as idei as delirantes mas em subtrairlhes o investimento que lhes foi dado A altern ância de melancolia e mania de cruel supressão do Eu pelo Supereu e de lib eração do Eu após essa pressão nos pareceu indicar tal mudança do investi mento à qual também seria preciso recorrer para explicar toda uma série de manifestações da vida psíquica normal Se até agora isso ocorreu em grau muito pequeno o motivo se acha na cautela que exercemos que é louvável no fundo O terreno em que nos sentimos seguros é o da patologia da vida psíquica nele fazemos nossas observações e adquirimos nossas convicções No momento só nos arriscamos a fazer um julgamento sobre o normal na medida em que o discernimos nos isolamentos e distorções do patológico Uma vez su perada essa reserva perceberemos o grande papel que têm para a com preensão dos processos psíquicos tanto as condições estáticas como a alteração dinâmica na quantidade do investimento energético Portanto acho que devemos reter a possibilidade aqui sugerida de que em determinada situação a pessoa sobreinveste repentinamente seu Supereu e a partir dele modifica as reações do Eu Aquilo que suponho para o humor tem 267312 uma analogia digna de nota no aparentado âmbito do chiste Tive de conjec turar em relação à origem do chiste que por um instante um pensamento pré consciente é deixado à elaboração inconsciente que o chiste seria desse modo a contribuição ao cômico fornecida pelo inconsciente De forma semelhante o humor seria a contribuição ao cômico por intermédio do Supereu Normalmente conhecemos o Supereu como um senhor severo Talvez se diga que não harmoniza muito bem com isso o fato de ele consentir em possib ilitar um pequeno ganho de prazer ao Eu É certo que o prazer humorístico ja mais alcança a intensidade do prazer no cômico ou no chiste jamais se ex pressa em riso aberto também é verdadeiro que o Supereu ao provocar a at itude humorística está efetivamente rejeitando a realidade e servindo a uma ilusão Mas atribuímos sem saber exatamente por quê um alto valor a esse prazer não tão intenso sentimolo como particularmente liberador e ex altador E o gracejo que o humor produz não é o essencial tem apenas o valor de uma amostra o principal é a intenção que o humor realiza seja atuando sobre a pessoa mesma ou sobre uma outra Ele quer dizer Vejam isso é o mundo que parece tão perigoso É uma brincadeira de crianças é bom para um gracejo Se é realmente o Supereu que no humor fala de modo assim carinhoso e consolador ao Eu amedrontado isso nos mostra que ainda temos muito a aprender sobre a natureza do Supereu Além do mais nem todas as pessoas são capazes de adotar a atitude humorística ela é um dom precioso e raro e a muitas falta inclusive a capacidade de fruir o prazer humorístico que se lhes oferece E por fim se o Supereu busca através do humor consolar e pro teger do sofrimento o Eu não contradiz dessa forma sua procedência da in stância parental 268312 James Strachey observa que em O Eu e o Id 1923 numa nota do início do cap III Freud afirma que só o sistema PcpCs pode ser visto como núcleo do Eu 269312 UMA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA 1928 TÍTULO ORIGINAL EIN RELIGIÖSES ERLEBNIS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM ALMANACH 1929 PP 912 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 3936 No outono de 1927 um jornalista teutoamericano que eu tivera gosto em re ceber G S Viereck publicou uma conversa comigo em que também men cionava minha falta de fé religiosa e minha indiferença à questão da sobre vivência após a morte Essa entrevista como se diz foi bastante lida e deu origem a algumas cartas que me chegaram entre elas a seguinte de um médico americano O que mais me impressionou foi sua resposta quando perguntado se acredita numa sobrevivência da personalidade após a morte Consta que respondeu Não penso nisso Escrevo para lhe relatar uma experiência que tive no ano em que me graduei na Universidade de X Uma tarde ao passar pela sala de dissecção chamou minha atenção uma velha senhora de rosto amável sweetfaced dear old woman que estava sendo carregada para uma mesa de dissecção Esta sweetfaced woman me causou tal impressão que me veio o seguinte pensamento Não existe Deus se existisse um Deus ele não teria per mitido que essa dear old woman fosse levada para a sala de dissecção Quando cheguei em casa naquela dia o sentimento que tive ante aquela visão na sala de dissecção me fez decidir não mais frequentar a igreja Antes disso as doutrinas do cristianismo já eram objeto de dúvida em meu espírito Enquanto pensava sobre isso uma voz falou à minha alma que eu devia considerar o passo que ia dar Meu espírito respondeu a esta voz dizendo Se eu soubesse com certeza que o cristianismo é a verdade e que a Bíblia é a palavra de Deus eu o aceitaria Durante os dias seguintes Deus tornou claro para minha alma que a Bíblia é sua palavra que os ensinamentos sobre Jesus Cristo são verdadeir os e que Jesus é nossa única esperança Após uma revelação tão clara eu aceitei a Bíblia como a palavra de Deus e Jesus Cristo como meu Salvador pessoal Desde então Deus se revelou para mim através de muitas provas infalíveis Peçolhe como irmão médico brother physician para refletir sobre essa importante questão e assegurolhe que se olhar para esse tema com o es pírito aberto Deus revelará a verdade à sua alma assim como fez comigo e tantos outros Eu respondi educadamente que me causava satisfação saber que tal exper iência lhe havia permitido conservar a fé Deus não fizera tanto por mim não me fizera ouvir tal voz interior e se não se apressasse considerando minha idade não seria minha culpa se eu continuasse sendo até o fim da vida o que era então um infidel Jew judeu ateu Numa réplica gentil o colega assegurou que meu judaísmo não era um ob stáculo no caminho da verdadeira fé assinalando vários exemplos E cul minava com a informação de que rezava fervorosamente por mim para que me fosse dada faith to believe fé para crer Até agora esse pedido não surtiu efeito Enquanto isso a experiência reli giosa do colega dá o que pensar Eu diria que ela requer uma tentativa de in terpretação baseada em motivos afetivos pois é surpreendente e funda mentada numa lógica particularmente ruim Como se sabe Deus permite que aconteçam outros horrores muito diferentes da remoção do cadáver de uma senhora de traços simpáticos para uma mesa de dissecção Sempre foi assim e não terá sido diferente na época em que meu colega americano concluiu seus estudos E nem podia ele como estudante de medicina ficar tão alheio ao mundo a ponto de nada saber desses males Por que então sua indignação para com Deus tinha de irromper justamente ao lhe vir aquela impressão na sala de dissecção 272312 Para quem está habituado a considerar analiticamente as vivências interi ores e os atos dos humanos a explicação é óbvia tão óbvia que se misturou realmente à lembrança que eu tinha do fato Quando certa vez mencionei a carta do piedoso colega numa discussão disse que ele escrevera que o rosto da mulher lhe lembrara sua própria mãe Ora isso não estava na carta e um momento de reflexão nos diz que não poderia estar mas é a explicação que inevitavelmente se oferece ante as palavras ternas com que a velha senhora é descrita sweetfaced dear old woman Podemos imputar a fraqueza de julga mento do jovem médico ao afeto provocado pela lembrança da mãe E sendo difícil nos livrarmos do mau hábito psicanalítico de apresentar como provas miudezas que também admitem outra explicação menos profunda recor demos que depois o colega me trata de brother physician algo que em minha tradução não pude reproduzir satisfatoriamente Podemos imaginar o acontecido da seguinte maneira A visão do cadáver nu ou quase a ser desnudado de uma mulher que lembra ao jovem sua mãe desperta nele a saudade da mãe procedente do complexo de Édipo à qual logo se junta a indignação contra o pai Pai e Deus ainda não se diferenciaram bastante para ele a vontade de aniquilar o pai pode se tornar consciente como dúvida da existência de Deus e pretender legitimarse ante a razão como irrit ação pelos maustratos do objeto materno Tipicamente a criança vê como maustratos aquilo que o pai faz à mãe no intercurso sexual O novo impulso deslocado para o âmbito religioso é apenas uma repetição da situação edípica e por isso tem o mesmo destino pouco depois Sucumbe a uma poderosa con tracorrente Durante o conflito o nível de deslocamento não é mantido não há argumentos para justificar Deus nem se diz quais foram os sinais infalíveis com que Deus provou sua existência àquele que duvidava O conflito parece ter se desenrolado na forma de uma psicose alucinatória vozes interiores se 273312 fizeram ouvir para dissuadilo da resistência a Deus O desfecho da luta se dá novamente na esfera religiosa é aquele já determinado pelo destino do com plexo de Édipo total submissão à vontade do DeusPai o jovem se torna crente aceita tudo o que desde a infância lhe ensinaram sobre Deus e Jesus Cristo Tem uma experiência religiosa passa por uma conversão Tudo isso é tão simples e transparente que não podemos deixar de nos per guntar se a compreensão desse caso não traria alguma contribuição para a psicologia da conversão em geral Remeto o leitor a um excelente livro de Sante de Sanctis La conversione religiosa Bolonha 1924 em que também são utilizadas todas as descobertas da psicanálise A leitura desse volume confirma nossa expectativa de que nem todos os casos de conversão podem absoluta mente ser entendidos de maneira tão fácil como o que aqui relatamos mas que em nenhum aspecto este nosso caso contraria o que a pesquisa moderna veio a concluir sobre o tema O que distingue nossa presente observação é o vínculo com um ensejo especial que faz a descrença reavivarse ainda uma vez antes de ser definitivamente superada A edição brasileira dessa entrevista foi publicada em Paulo César de Souza org Sigmund Freud o gabinete do dr Lacan São Paulo Brasiliense 2a ed 1990 pp 11728 Freud se refere à sua versão alemã da carta mas aqui ela foi traduzida do original inglês a expressão por ele usada para brother psysician conservando entre parênteses a original é wohlwollender Kollege que significa algo como benevolente colega 274312 DOSTOIÉVSKI E O PARRICÍDIO 1928 TÍTULO ORIGINAL DOSTOJEWSKI UND DIE VATERTÖTUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM R FÜLÖPMILLER E F ECKSTEIN ORGS DIE URGESTALT DER BRÜDER KARAMASOFF A FORMA ORIGINAL DOS IRMÃOS KARAMÁZOV MUNIQUE PP XIXXXVI TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 399418 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE X PP 26786 Na rica personalidade de Dostoiévski podemos distinguir quatro facetas o es critor o neurótico o moralista e o pecador Como devemos nos orientar nessa desconcertante complexidade Quanto ao escritor há poucas dúvidas ele ocupa um lugar não muito atrás de Shakespeare Os irmãos Karamázov é o mais formidável romance jamais es crito o episódio do Grande Inquisidor é um dos cumes da literatura universal de valor incomparável Mas ante o problema do escritor a psicanálise tem que depor as armas infelizmente O mais prontamente questionável em Dostoiévski é o moralista Querendose exaltálo como ser moral com o argumento de que só atinge o mais alto nível da moralidade quem esteve nas profundezas do pecado ignora se uma consideração Moral é aquele que já reage à tentação sentida interior mente não cedendo a ela Quem alternadamente peca e arrependido formula elevadas exigências éticas expõese à objeção de facilitar as coisas para si Não realiza o essencial da moralidade a renúncia pois a condução ética da vida é um interesse prático da humanidade Lembra os bárbaros do tempo das mi graçõesa que matavam e logo expiavam o ato no que a expiação se tornou uma técnica para possibilitar o assassínio Ivan o Terrível comportavase da mesma forma esse ajeitarse com a moralidade é um traço característico russo Tampouco o resultado do empenho moral de Dostoiévski é muito louvável Após violentas lutas para conciliar as exigências instintuais do indivíduo com as reivindicações da sociedade humana ele cai de maneira retrógrada na sub missão tanto à autoridade secular como à espiritual na veneração ao czar e ao deus cristão e num estreito nacionalismo russo uma posição a que chegaram com menos esforço espíritos menores Eis o ponto fraco dessa grande person alidade Dostoiévski jogou fora a oportunidade de se tornar um mestre e liber tador dos homens filiouse aos carcereiros destes o futuro da civilização humana não terá muito a lhe agradecer Foi condenado a esse fracasso por sua neurose provavelmente A altura de sua inteligência e a intensidade de seu amor aos homens lhe teriam aberto um outro caminho na vida um caminho apostólico Considerar Dostoiévski como um pecador ou um criminoso desperta uma veemente oposição que não se baseia necessariamente na avaliação vulgar do criminoso Logo nos apercebemos do verdadeiro motivo para ela dois traços são essenciais num criminoso o ilimitado egoísmo e a forte tendência destru tiva comum a ambos e um pressuposto para suas manifestações é a ausência de amor a falta de apreciação afetiva dos objetos humanos De imediato nos lembramos do contraste que nisso apresenta Dostoiévski de sua grande ne cessidade e enorme capacidade de amor que se expressa em manifestações de bondade excessiva e o faz amar e ajudar mesmo quando teria direito ao ódio e à vingança como nas relações com a primeira mulher e o amante desta Então é preciso perguntar de onde vem a tentação de incluir Dostoiévski entre os criminosos A resposta vem da sua escolha do material ele prefere caracteres violentos assassinos e egoístas a todos os demais o que aponta para a existên cia de tais inclinações no seu interior e também alguns fatos de sua vida como seu vício de jogar e talvez o abuso sexual de uma garota ainda imatura pos sível confissão1 A contradição se resolve ao percebermos que o fortíssimo impulso destrutivo Destruktionstrieb de Dostoiévski que facilmente o teria tornado um criminoso foi orientado na vida real principalmente contra sua própria pessoa para dentro em vez de para fora expressandose como masoquismo e sentimento de culpa No entanto sua personalidade conserva bastantes traços sádicos que se manifestam em sua irritabilidade seu gosto em atormentar e sua intolerância também para com pessoas amadas e ainda transparecem na forma como o autor Dostoiévski trata seus leitores ou seja 277312 nas pequenas coisas sádico para fora nas grandes sádico para dentro isto é masoquista a pessoa mais branda mais bondosa e solícita Da complexa personalidade de Dostoiévski selecionamos três fatores um quantitativo e dois qualitativos seu extraordinário grau de afetividade a dis posição instintual perversa que faria dele um sadomasoquista ou um crim inoso e seu dom artístico insuscetível de análise Esse conjunto poderia muito bem existir sem neurose afinal há masoquistas plenos não neuróticos Se gundo a relação de forças entre as exigências instintuais e as inibições que lhes são contrárias mais as vias de sublimação disponíveis Dostoiévski deve ser classificado como o que se chama de caráter dominado pelos instintosb Mas a situação é obscurecida pela presença simultânea da neurose que como foi dito não seria inevitável nas circunstâncias mas surge tanto mais facilmente quanto mais substancial é a complicação com que o Eu tem de lidar Pois a neurose é apenas um sinal de que o Eu não conseguiu fazer tal síntese de que perdeu sua unidade ao tentar fazêla Mas como se prova a existência da neurose estritamente falando Dostoiévski se definiu e era tido como epiléptico com base em sérios ataques que envolviam perda da consciência convulsões musculares e subsequente mau humor É bastante provável que o que chamamos de epilepsia fosse apen as um sintoma de sua neurose que então deveria ser classificada de histeroep ilepsia ou seja de histeria grave Por dois motivos a certeza completa não pode ser alcançada primeiro porque são insuficientes os dados anamnésicos sobre a assim chamada epilepsia de Dostoiévski segundo porque não há uma compreensão clara dos estados patológicos associados a ataques epileptoides Vejamos inicialmente o segundo ponto É desnecessário reproduzir aqui a inteira patologia da epilepsia que nada traz de decisivo mas podemos dizer que continua sobressaindo como aparente unidade clínica o velho morbus 278312 sacer a inquietante enfermidade com suas imprevisíveis convulsões aparente mente não provocadas com sua alteração do caráter que se torna irritadiço e agressivo e a progressiva degradação das atividades intelectuais Mas por to dos os lados esse quadro se desfaz na imprecisão Os ataques que aparecem brutalmente com mordidas na língua e esvaziamento da bexiga que se acumu lam em perigoso status epilepticus conducente a graves injúrias de si próprio podem se reduzir a curtas ausências a simples vertigens passageiras podem ser trocados por breves períodos em que o doente como sob o domínio do in consciente faz alguma coisa que lhe é alheia Ordinariamente determinadas de modo incompreensível por causas tão somente físicas eles podem dever seu primeiro surgimento no entanto a um influxo puramente psíquico um pavor ou passar a reagir a excitações psíquicas Embora a degradação intelec tual seja característica da imensa maioria dos casos sabese pelo menos de um caso em que a doença não impediu a elevada realização intelectual o de Helm holtz Outros casos de que se disse o mesmo não são seguros ou estão sujei tos às mesmas dúvidas relativas a Dostoiévski As vítimas da epilepsia podem dar a impressão de obtusidade de desenvol vimento retardado pois muitas vezes a enfermidade acompanha uma evidente idiotia e graves defeitos cerebrais embora não como um componente ne cessário do quadro da doença Mas esses ataques também se acham com todas as suas variantes em pessoas que mostram completo desenvolvimento psíquico e uma afetividade extraordinária em geral insuficientemente contro lada Não é de estranhar que nessas circunstâncias se considere impossível manter a unidade de uma afecção clínica chamada epilepsia A similaridade que se vê nos sintomas manifestos parece requerer uma concepção funcional como se fosse organicamente préformado um mecanismo de descarga instin tual anormal que é utilizado em situações muito diferentes tanto em distúrbios 279312 da atividade cerebral causados por grave doença tóxica e dos tecidos como no controle insuficiente da economia psíquica no funcionamento crítico da ener gia atuante na psique Por trás dessa bipartição vislumbramos a identidade do mecanismo de descarga instintual subjacente Ele também não deve estar longe dos processos sexuais que no fundo são de origem tóxica já os mais antigos médicos chamavam o coito de uma pequena epilepsia ou seja viam no ato sexual uma atenuação e adaptação da descarga epiléptica de estímulos A reação epiléptica como podemos denominar esse conjunto certa mente se coloca também à disposição da neurose cuja essência consiste em eliminar pela via somática massas de excitação com que não pode lidar psiquicamente Assim o ataque epiléptico vem a ser um sintoma da histeria por ela adaptado e modificado de modo semelhante à descarga sexual normal É perfeitamente lícito então distinguir entre uma epilepsia orgânica e uma afetiva A significação prática é quem tem aquela é um doente do cérebro quem tem esta um neurótico No primeiro caso a vida psíquica está sujeita a um distúrbio vindo de fora no segundo o distúrbio é expressão da vida psíquica mesma É bastante provável que a epilepsia de Dostoiévski seja do segundo tipo Isso não pode ser provado rigorosamente seria preciso estar em condição de situar o primeiro surgimento e posteriores flutuações dos ataques no contexto de sua vida psíquica e para tanto sabese muito pouco As descrições dos ataques nada ensinam as informações sobre nexos entre ataques e vivências são incompletas e frequentemente contraditórias A suposição mais provável é que os ataques remontem bem atrás na infância de Dostoiévski que fossem primeiramente representados por sintomas mais brandos e tomassem a forma epiléptica somente após a perturbadora vivência dos dezoito anos o assas sinato do pai2 Estaria bem de acordo com isso se ficasse provado que eles 280312 cessaram totalmente durante a prisão na Sibéria mas outras informações con trariam isso3 A inegável relação entre o assassinato do pai nos Irmãos Karamázov e o des tino do pai de Dostoiévski foi percebida por mais de um biógrafo levandoos a mencionar uma certa corrente psicológica moderna A abordagem psic analítica pois é a ela que aí se alude inclinase a ver nesse acontecimento o mais sério trauma e na reação de Dostoiévski o ponto central de sua neur ose Mas se trato de fundamentar psicanaliticamente essa colocação temo não ser compreendido por aqueles não familiarizados com a linguagem e a teoria da psicanálise Temos um ponto de partida seguro Sabemos o sentido dos primeiros ataques de Dostoiévski no período da infância muito antes do surgimento da epilepsia Tinham o significado de morte eram anunciados por um medo da morte e consistiam em estados de sono letárgicos A doença lhe veio primeira mente quando ainda era um garoto em forma de súbita e injustificada melan colia uma sensação como depois relatou ao amigo Soloviov de que morreria imediatamente e de fato seguiase um estado inteiramente similar à morte verdadeira Seu irmão Andrei conta que já quando menino Fiódor cos tumava deixar pequenas mensagens antes de dormir ele receava cair no sono semelhante à morte durante a noite e pedia que o enterrassem apenas depois de cinco dias Dostojewski am Roulette Introdução p LX Conhecemos o significado e a intenção desses ataques que semelham a morte Eles significam uma identificação com um morto com uma pessoa que realmente morreu ou que ainda vive e a quem se deseja a morte O último caso é o mais significativo O ataque tem então o valor de um castigo O indi víduo desejou a morte de outro e agora é esse outro e está morto Aqui a teor ia psicanalítica traz a afirmação de que esse outro para o menino via de regra 281312 é o pai e o ataque denominado histérico é então uma autopunição pelo desejo de morte relativo ao pai odiado O parricídio é segundo uma visão que já se conhece o crime principal e primordial tanto da humanidade como do indivíduo4 É de todo modo a fonte principal do sentimento de culpa não sabemos se a única as invest igações ainda não puderam estabelecer com segurança a origem psíquica da culpa e da necessidade de expiação Mas não precisa ser a única A situação psicológica é complicada e requer elucidação A relação do menino com o pai é como dizemos ambivalente Além do ódio que o leva a querer eliminar o pai enquanto rival normalmente há ternura por ele As duas atitudes se com binam na identificação com o pai o garoto quer estar no lugar do pai porque o admira gostaria de ser como ele e porque quer afastálo Todo esse desenvol vimento depara com um obstáculo poderoso Em certo momento o menino compreende que a tentativa de eliminar o pai como rival pode ser punida com a castração Por medo dela isto é no interesse de conservar sua masculinid ade abandona o desejo de possuir a mãe e liquidar o pai Na medida em que permanece no inconsciente esse desejo constitui a base do sentimento de culpa Nisso acreditamos descrever processos normais o destino habitual do chamado complexo de Édipo mas temos um importante acréscimo a fazer Outra complicação surge quando o fator constitucional que denominamos bissexualidade é mais fortemente desenvolvido no garoto Então com a mas culinidade ameaçada pela castração é fortalecida a tendência a enveredar pela feminilidade colocarse antes no lugar da mãe e assumir o papel desta como objeto de amor do pai Mas o medo da castração torna impossível também esta solução O menino compreende que tem de admitir sua castração se quiser ser amado pelo pai como uma mulher Assim ambos os movimentos o ódio e a paixão pelo pai sucumbem à repressão Uma certa diferença psicológica 282312 consiste no fato de que o ódio é abandonado devido ao medo de um perigo ex terno a castração e a paixão é tratada como perigo instintual interno mas re montando no fundo ao mesmo perigo externo O que faz inaceitável o ódio ao pai é o medo do pai a castração é terrível seja como castigo seja como preço do amor Dos dois fatores que reprimem o ódio ao pai o primeiro o medo direto à punição e à castração pode ser cha mado o normal o fortalecimento patogênico parece vir apenas com o outro fator o medo da atitude feminina Assim uma disposição fortemente bissexual tornase uma das condições ou intensificações da neurose Tal disposição é certamente admissível no caso de Dostoiévski mostrandose de forma pos sível homossexualidade latente na importância de amizades masculinas em sua vida em sua conduta peculiarmente terna em relação aos rivais no amor e em sua notável compreensão de situações que se explicam apenas pela homos sexualidade reprimida como mostram muitos exemplos de suas novelas Eu lamento mas nada posso fazer se esta exposição sobre as atitudes de ódio e amor para com o pai e suas transformações por influência da ameaça de castração parecer incrível e de mau gosto para o leitor que não conhece a psic análise E sei que justamente o complexo de castração deve provocar a rejeição mais ampla Mas devo assegurar que a experiência psicanalítica põe justamente essa questão acima de qualquer dúvida convidandonos a nela enxergar a chave de toda neurose Devemos aplicar essa chave então à assim chamada epilepsia do nosso autor Tão alheias à nossa consciência são as coisas que governam a nossa vida psíquica inconsciente As consequências da repressão do ódio ao pai no complexo de Édipo não se esgotam com o que foi dito até agora Há o elemento novo de que a identificação com o pai termina obtendo um lugar duradouro no Eu Ela é acolhida no Eu mas ali se estabelece como uma instância especial oposta ao conteúdo restante do Eu Nós a chamamos 283312 de Supereu e lhe atribuímos como herdeira da influência dos pais import antíssimas funções Se o pai era duro violento cruel o Supereu toma dele esses atributos e é restabelecida na sua relação com o Eu a passividade que seria reprimida O Supereu tornouse sádico o Eu se torna masoquista ou seja femininamente passivo no fundo Surge uma grande necessidade de punição no Eu que em parte assim permanece à disposição do destino e em parte encontra satisfação nos maustratos por parte do Supereu consciência de culpa Todo castigo é no fundo a castração e como tal realização da velha atitude passiva para com o pai Também o destino é afinal apenas uma projeção posterior do pai Os processos normais da formação da consciência moral devem ser semel hantes aos anormais que aqui apresentamos Ainda não conseguimos fazer a delimitação entre aqueles e estes Notase que aqui se atribui a máxima parti cipação no desenlace do processo ao componente passivo da feminilidade reprimida E deve ser importante como fator acidental que o pai de toda forma temido tenha sido particularmente violento na realidade É o caso de Dostoiévski e o fato de seu extraordinário sentimento de culpa assim como sua conduta masoquista nós relacionamos a um componente feminino particu larmente forte Esta seria a fórmula para Dostoiévski alguém com disposição bissexual muito forte que sabe defenderse com grande intensidade da de pendência de um pai especialmente duro Essa característica da bissexualidade juntase aos componentes de sua natureza que já identificamos O sintoma dos ataques que semelham a morte que aparece já na infância pode ser com preendido como uma identificação com o pai por parte do Eu admitida pelo Supereu como punição Você quis matar o pai para se tornar o pai você mesmo Agora é o pai mas o pai morto o mecanismo habitual dos sinto mas histéricos E além disso Agora é o pai que mata você Para o Eu o 284312 sintoma da morte é ao mesmo tempo satisfação imaginosa do desejo mas culino e satisfação masoquista para o Supereu satisfação de castigo isto é sádica Ambos Eu e Supereu continuam a desempenhar o papel do pai No conjunto a relação entre a pessoa e o objetopai se transformou mantendo seu conteúdo numa relação entre Eu e Supereu uma nova en cenação num segundo palco Tais reações infantis oriundas do complexo de Édipo podem se extinguir quando a realidade não mais lhes fornece alimento Mas o caráter do pai continuou o mesmo não piorou com o tempo e assim o ódio de Dostoiévski ao pai foi mantido seu desejo de morte para esse pai ruim Ora é perigoso quando a realidade satisfaz esses desejos reprimidos A fantasia tornouse realidade todas as medidas de defesa foram então reforça das Os ataques de Dostoiévski assumiram caráter epiléptico certamente ainda significavam a identificação com o pai a título de punição mas tornaramse terríveis como a própria morte pavorosa do pai Outros conteúdos sobretudo sexuais que eles tenham assumido são algo que escapa a nossas conjecturas Uma coisa é notável na aura do ataquec experimentase um instante de su prema beatitude que pode muito bem haver fixado o triunfo e a libertação ante a notícia da morte do pai a que logo se seguiu a punição tanto mais cruel Uma tal sucessão de triunfo e tristeza alegria festiva e luto percebemos tam bém nos irmãos da horda primitiva que mataram o pai e a encontramos re petida na cerimônia da refeição totêmica Se for verdadeiro que Dostoiévski não sofria de ataques na Sibéria isso apenas confirmará que os ataques eram seu castigo Ele não precisava deles quando era castigado de outra forma No entanto não há como provar isso A necessidade de castigo na economia psíquica de Dostoiévski explica isto sim que ele tenha suportado aqueles anos de miséria e humilhações Sua condenação como criminoso político era injusta ele certamente o sabia mas aceitou o castigo não merecido do pai czar como 285312 substituto para a punição que merecia pelo pecado contra o pai verdadeiro Em lugar da autopunição deixouse punir pelo representante do pai Nisso vis lumbramos algo da justificação psicológica dos castigos impostos pela so ciedade É fato que muitos criminosos anseiam pelo castigo Seu Supereu o requer assim evitando infligilo ele mesmo Quem sabe das complexas mudanças de significado dos sintomas histéricos compreenderá que não tentamos aqui verificar o sentido dos ataques de Dostoiévski além desse começo5 Basta podermos supor que o seu sentido ori ginal permaneceu inalterado por trás de todas as sobreposições ulteriores Podese dizer que Dostoiévski nunca se livrou do fardo de consciência da in tenção parricida Isso também determinou seu comportamento nas duas outras áreas em que a relação com o pai é decisiva a autoridade estatal e a fé em Deus Na primeira chegou à plena submissão ao papai czar que representara com ele na vida real a comédia da morte que os seus ataques lhe costumavam encenar Nisso preponderou a penitência No âmbito religioso ficoulhe uma maior liberdade segundo relatos aparentemente confiáveis até o último in stante de sua vida ele teria oscilado entre a fé e o ateísmo Sua grande in teligência lhe tornava impossível ignorar as dificuldades intelectuais a que con duz a fé Em repetição individual de um desenvolvimento histórico universal ele esperou encontrar no ideal de Cristo uma saída e uma libertação da culpa e usar seu próprio sofrimento como título para reivindicar um papel de Cristo Se ele tudo somado não chegou à liberdade e se tornou reacionário foi porque nele a culpa filial universalmente humana em que se baseia o senti mento religioso alcançou intensidade superindividual e permaneceu inex pugnável até para seu enorme intelecto Neste ponto incorremos na recrimin ação de que abandonamos a imparcialidade da análise e submetemos Dostoiévski a avaliações que se justificam apenas do ponto de vista de uma 286312 determinada concepção do mundo Um conservador tomaria o partido do Grande Inquisidor e julgaria Dostoiévski de outra forma A objeção se justi fica como atenuante podemos apenas dizer que a decisão de Dostoiévski parece comandada pela inibição do pensamento causada pela neurose Não será um acaso que três obrasprimas da literatura de todos os tempos Édipo Rei de Sófocles Hamlet de Shakespeare e Os irmãos Karamázov de Dostoiévski tratem do mesmo tema o parricídio Em todas três também se evidencia o motivo do ato a rivalidade sexual em torno da fêmea A exposição mais direta sem dúvida ocorre no drama relacionado à lenda grega Nele é ainda o herói que comete o crime Mas sem atenuação e ocultamento não é possível a elaboração poética A admissão crua da intenção do parricídio tal como a obtemos na análise parece intolerável sem preparação analítica No drama grego a necessária mitigação é magistralmente produzida mantendose as circunstâncias do crime ao se projetar na realidade o motivo inconsciente do herói como coação do destino que lhe é alheia O herói realiza o ato sem intenção e aparentemente não influenciado pela mulher mas esse nexo é con siderado quando após repetir o ato com o monstro que simboliza o pai ele consegue obter a mãe rainha Depois que sua culpa é descoberta tornada con sciente não há tentativa de afastála de si invocando a construção auxiliar da compulsão do destino ela é isto sim reconhecida e castigada como uma plena culpa consciente o que deve parecer injusto à reflexão mas é perfeitamente correto em termos psicológicos No drama inglês a representação é mais indireta não foi o herói mesmo quem cometeu o ato mas outro para quem esse não constitui parricídio O chocante motivo da rivalidade sexual em torno da mulher não precisa ser ma quiado portanto Também o complexo edípico do herói nós vemos como que em luz refletida ao nos inteirarmos do efeito que o ato do outro tem sobre ele 287312 Ele deveria vingar o crime e se acha estranhamente incapaz de fazêlo Sabemos que é seu sentimento de culpa que o paralisa de maneira inteira mente conforme aos processos neuróticos o sentimento de culpa é deslocado para a percepção de sua inaptidão para cumprir essa tarefa Surgem indícios de que o herói vê essa culpa como supraindividual Ele não despreza os outros menos que a si mesmo Tratem cada homem segundo seu mérito e quem es capará do açoited O romance do russo vai um passo adiante nessa direção Também nele foi outro que cometeu o assassinato mas alguém que tinha com a vítima a mesma relação filial do herói Dmitri e no qual o motivo da rivalidade sexual é clara mente admitido outro irmão a quem Dostoiévski notavelmente atribui sua própria doença a suposta epilepsia como se quisesse confessar que o epi léptico o neurótico em mim é um parricida Depois na defesa ante o tribunal há a famosa caçoada da psicologia dizendo que ela seria um bastão com duas pontase Um formidável mascaramento pois basta invertêlo para achar o sentido mais profundo da concepção de Dostoiévski Não é a psicolo gia que merece a zombaria mas o procedimento judicial Não importa quem cometeu realmente o crime à psicologia interessa apenas quem o desejou em seu íntimo e uma vez acontecido recebeuo com satisfação e por isso todos os irmãos exceto Aliócha figura de contraste são culpados o sensual impuls ivo o cínico cético e o criminoso epiléptico Em Os irmãos Karamázov há uma cena bastante emblemática de Dostoiévski O stárets monge percebe ao con versar com Dmitri que este tem predisposição para o parricídio e prostrase diante delef Isso não pode ser expressão de admiração deve significar que o homem santo afasta de si a tentação de desprezar ou abominar o assassino e portanto humilhase perante ele A simpatia de Dostoiévski pelo criminoso é realmente sem limites vai muito além da compaixão a que tem direito o infeliz 288312 lembra o temor sagrado com que a Antiguidade via o epiléptico e o doente mental O criminoso para ele é quase um redentor que assumiu a culpa que outros deveriam carregar Não se necessita mais matar depois que ele matou mas é preciso serlhe grato por isso de outro modo teríamos nós mesmos que matar Isso não é apenas bondosa compaixão é identificação com base nos mesmos impulsos homicidas na verdade um narcisismo ligeiramente deslo cado Com isso não questionamos o valor ético dessa bondade Talvez seja este o mecanismo do bondoso interesse por outro ser humano que podemos distinguir com facilidade no caso extremo do romancista dominado pelo senti mento de culpa Não há dúvida de que essa simpatia por identificação influiu decisivamente na escolha do tema por Dostoiévski Mas ele tratou inicialmente do criminoso comum motivado pelo egoísmo do criminoso político e do religioso antes de no final da vida voltar ao criminoso primordial o parri cida e com ele fazer sua confissão poética A publicação de seu espólio literário e do diário de sua mulher lançou viva luz sobre o tempo em que Dostoiévski vivendo na Alemanha era tomado pelo vício do jogo Dostojewski am Roulette Um inconfundível acesso de paixão patológica que não se poderia julgar de outra forma Não faltaram ra cionalizações para essa curiosa e indigna atividade Como não é raro nos neuróticos o sentimento de culpa criou uma representação palpável como fardo de dívidas e Dostoiévski podia alegar que ganhando no jogo teria a pos sibilidade de voltar para a Rússia sem que os credores o lançassem na prisão Mas isso seria apenas pretexto ele era perspicaz o bastante para percebêlo e honesto o bastante para confessálo Sabia que o importante era o jogo em si le jeu pour le jeu o jogo pelo jogo6 Todas as particularidades de seu com portamento impulsivo e insensato provam isso e ainda mais Ele não des cansava enquanto não perdia tudo O jogo também era um meio de castigar a 289312 si próprio Inúmeras vezes deu a sua jovem esposa a palavra de honra de que nunca mais jogaria ou não mais jogaria em determinado dia e como diz ela quase sempre quebrou a palavra Quando as perdas levavam os dois à miséria extrema ele tirava disso uma outra satisfação patológica Podia xingar a si mesmo humilharse diante dela incitandoa a desprezálo a lamentar haver casado com um velho pecador como ele e após esse desafogo da consciência retomava o jogo no dia seguinte E a esposa habituouse a este ciclo pois per cebera que a única coisa da qual podia esperar a salvação ou seja a produção literária nunca ia melhor do que quando haviam tudo perdido e penhorado seus últimos haveres Naturalmente ela não entendia a relação entre uma coisa e outra Quando o sentimento de culpa do marido era satisfeito pelas punições que ele próprio havia se imposto diminuía a sua inibição para o trabalho ele se permitia dar alguns passos no caminho do sucesso7 Não é difícil notar baseandose na obra de um escritor mais recente que traço da infância há muito soterrado logra repetirse na compulsão de jogar Stefan Zweig que aliás consagrou ele mesmo um estudo a Dostoiévski em Três mestres narra numa coletânea de três novelas Die Verwirrung der Ge fühle A confusão dos sentimentos uma história intitulada Vinte e quatro horas na vida de uma mulher Essa pequena obraprima quer apenas mostrar supostamente que ser irresponsável é a mulher a que excessos sur preendentes para ela mesma pode ser levada por uma experiência imprevista Ocorre que essa novela diz muito mais do que isso ela apresenta sem qualquer intenção exculpatória algo muito diferente universalmente humano ou melhor masculino quando a submetemos a uma interpretação analítica e tal interpretação se oferece com tamanha insistência que não podemos rejeitá la É típico da natureza do fazer artístico que o autor quando lhe perguntei a respeito disso pois somos amigos tenha me assegurado que a mencionada 290312 interpretação lhe era totalmente estranha embora alguns detalhes da história pareçam calculados justamente para deixar uma pista secreta Na novela de Zweig uma senhora distinta já idosa relata ao escritor uma experiência que teve mais de vinte anos atrás Tendo enviuvado cedo mãe de dois filhos que já não a solicitavam e não mais esperando muito da vida aos quarenta e dois anos de idade numa de suas viagens sem propósito entrou no salão de jogos do cassino de Monte Carlo e entre todas as notáveis impressões do lugar viuse fascinada por duas mãos que pareciam revelar todos os senti mentos de um jogador infeliz com franqueza e intensidade assombrosas Essas mãos pertencem a um belo jovem o autor lhe atribui como que por acaso a mesma idade do primeiro filho da espectadora que após tudo perder abandona a sala no mais fundo desespero provavelmente para dar fim no parque adjacente à sua vida desesperançada Uma inexplicável simpatia faz com que ela o siga e empreenda todos os esforços para salválo Ele a toma por uma das várias mulheres importunas que há no local e procura afastála mas ela permanece com ele e é levada do modo mais natural a partilhar seus aposentos no hotel e enfim sua cama Após essa inesperada noite de amor ela extrai do jovem então aparentemente tranquilo a solene promessa de que nunca mais jogará fornecelhe dinheiro para o retorno a casa e diz que vai encontrálo na estação antes da partida do trem Mas logo é tomada de grande ternura por ele quer tudo sacrificar para têlo e decide partir com ele em vez de despedirse Alguns contratempos a retardam de modo que ela perde o tr em No anseio pelo ausente volta ao salão de jogos e lá enxerga novamente horrorizada as mãos que lhe haviam despertado a simpatia esquecido da promessa o jovem reincide no jogo Ela lhe lembra o que jurou mas tomado por aquela paixão ele a chama de estragaprazeres e a manda embora arremessandolhe o dinheiro com que ela pretendia resgatálo Profundamente 291312 envergonhada ela sai vindo a saber depois que fracassou em impedir seu suicídio Essa história brilhantemente narrada sem lacunas nas motivações certa mente é completa em si mesma e capaz de ter grande efeito sobre o leitor Mas a análise mostra que sua invenção se baseia primordialmente numa fantasia en volvendo desejo da época da puberdade que várias pessoas inclusive recor dam como uma lembrança consciente Segundo essa fantasia a própria mãe inicia o jovem na vida sexual para salválo dos temíveis danos causados pela masturbação As inúmeras obras literárias que envolvem a salvação têm a mesma origem O vício da masturbação é substituído pelo do jogo a ênfase na apaixonada atividade das mãos é reveladora quanto a isso De fato a febre do jogo é um equivalente da antiga compulsão de masturbarse a palavra brincadeira Spieleng é justamente aquela usada para designar a manipu lação dos genitais pela criança Na substituição permanecem inalterados o caráter irresistível da tentação a sagrada mas nunca mantida intenção de não fazer novamente aquilo o inebriante prazer e a má consciência de estar se arruinando o suicídio É certo que a novela de Zweig é contada pela mãe não pelo filho Deve ser lisonjeiro para o filho pensar se minha mãe soubesse dos perigos que a masturbação me traz sem dúvida me salvaria deles permitindome fazer todas as carícias em seu corpo A equiparação da mãe à prostituta realizada pelo jovem na novela de Zweig relacionase com a mesma fantasia Torna palpável a mulher inatingível a má consciência que acompanha essa fantasia provoca o desfecho ruim da história Também é in teressante notar como a fachada que o autor dá à sua novela procura encobrir lhe o sentido analítico Pois é muito discutível que a vida amorosa da mulher seja governada por impulsos repentinos e misteriosos A análise revela isto sim uma motivação suficiente para a surpreendente conduta dessa mulher até 292312 então afastada do amor Fiel à memória do marido que perdera ela se protegia de todas as solicitações como as dele mas nisso a fantasia do filho está certa não escapou como mãe de uma inconsciente transferência amorosa para o filho e nesse ponto desguarnecido é que o destino pôde apanhála Se o vício de jogar com os vãos esforços para superálo e os ensejos de autopunição for uma repetição da compulsão de se masturbar não nos surpreenderá que tenha tido um espaço tão grande na vida de Dostoiévski Pois não encontramos casos de neurose severa em que a satisfação autoerótica na infância e na puber dade não tenha desempenhado um papel e os laços entre o empenho de suprimila e o medo do pai são por demais conhecidos para requerer mais que uma simples menção8 a Tempo das migrações no original Völkerwanderung literalmente migração dos povos que é como em alemão se designa o que os demais europeus chamam invasões bárbaras 1 Ver a discussão a respeito em Der unbekannte Dostojewski O Dostoiévski descon hecido de Stefan Zweig 1926 Ele não se detém ante os muros da moral burguesa e nin guém sabe dizer exatamente até onde ele ultrapassou a barreira jurídica em sua vida o quanto dos instintos criminosos de seus heróis nele se converteu em ato Drei Meister Três mestres 1920 Sobre as relações íntimas entre as figuras de Dostoiévski e suas pró prias vivências ver as observações de René FülöpMiller na seção introdutória de Dostojew ski am Roulette Dostoiévski na roleta 1925 que retomam as de Nikolai Strakhov b No original triebhafter Charakter nas versões estrangeiras consultadas caracteres in stintivos uno de esos caracteres apasionados carattere pulsionale instintual character 2 Cf o ensaio Dostojewskis heilige Krankheit A doença sagrada de Dostoiévski de René FülöpMiller em Wissen und Leben Ciência e vida 1924 n 1920 Desperta especial 293312 interesse a informação de que na infância do escritor teria ocorrido algo terrível in esquecível e doloroso a que estariam relacionados os primeiros sinais de sua doença Su worin num artigo da Nowoje Wremja 1881 conforme citado na introdução a Dostojewski am Roulette p XLV E também Orest Miller em Dostojewskis autobiographische Schriften Os es critos autobiográficos de Dostoiévski Munique 1921 Sobre a enfermidade de Fiódor Mikhailovitch há outra declaração especial que se refere à sua mais tenra infância e que relaciona a doença a um evento trágico na vida familiar dos pais de Dostoiévski Mas em bora essa declaração me tenha sido feita pessoalmente por alguém bastante próximo a Fiódor Mikhailovitch não posso me decidir a aqui apresentála em detalhes e com precisão pois de nenhuma outra parte obtive confirmação desse rumor Os biógrafos e os especialis tas em neuroses não podem sentirse gratos por essa discrição 3 A maioria das declarações inclusive a do próprio Dostoiévski informa que a doença tomou seu caráter definitivo epiléptico somente durante a pena siberiana Infelizmente há motivos para se duvidar das comunicações autobiográficas dos neuróticos A experiência mostra que a sua memória realiza falsificações destinadas a romper um nexo causal de sagradável Parece mesmo fora de dúvida no entanto que o período no cárcere siberiano in fluiu profundamente na doença de Dostoiévski Cf a propósito A doença sagrada de Dostoiévski p 1186 4 Cf Totem e tabu 19121913 c Aura é o nome dado às sensações que prenunciam o ataque epiléptico 5 A melhor informação sobre o sentido e o teor de seus ataques é dada pelo próprio Dostoiévski quando diz a seu amigo Strakhov que sua irritabilidade e depressão após um ataque epiléptico deviamse ao fato de ele se ver como um criminoso e não conseguir afastar o sentimento de ter uma culpa desconhecida de haver cometido um grande malfeito que o oprimia A doença sagrada de Dostoiévski p 1188 Nessas autoacusações a psic análise vê algum reconhecimento da realidade psíquica e se empenha em tornar con hecida para a consciência a culpa desconhecida d Hamlet ato II cena 2 Use every man after his desert and who should scape whipping ver sos 5523 da edição Oxford 1988 e Cf Os irmãos Karamázov livro XII capítulo 10 Bastão com duas pontas é a expressão usada no texto de Freud numa edição brasileira do romance lêse arma de dois gumes Rio 294312 de Janeiro Aguilar 1968 em outra mais recente traduzida diretamente do russo faca de dois gumes São Paulo Editora 34 2008 trad Paulo Bezerra f Livro II cap 6 6 O principal é o jogo mesmo escreveu numa carta Jurolhe que não se trata de cobiça embora eu necessite de dinheiro mais do que tudo 7 Ele sempre permanecia na mesa de jogo até perder tudo até ficar totalmente arruinado Apenas quando o infortúnio se cumpria inteiramente o demônio abandonava sua alma dando lugar ao gênio criador René FülöpMiller Dostojewski am Roulette p LXXXVI g O verbo spielen tal como seu equivalente inglês play significa tanto jogar como brin car ou tocar um instrumento no texto original ele é substantivado por isso tem a inicial maiúscula 8 A maioria das opiniões aqui expostas se acha também na excelente obra de Jolan Neufeld Dostojewski Skizze zu seiner Psychoanalyse Dostoiévski esboço para a sua psicanálise pub licada em 1923 ImagoBücher n IV Várias afirmações de Freud neste ensaio foram ques tionadas por especialistas em literatura russa e da área médica que chamaram a atenção entre outras coisas para a fragilidade das informações biográficas em que ele se baseou cf por exemplo o primeiro dos cinco volumes da biografia de Joseph Frank Dostoiévski As sementes da revolta 1821 a 1849 São Paulo Edusp 1999 trad Vera Ribeiro 295312 APÊNDICE CARTA A THEODOR REIK 14 de abril de 1929 Li com grande prazer sua resenha crítica de meu estudo sobre Dostoiévski Tudo o que você critica merece atenção e deve ser visto como pertinente em certo sentido Mas posso apresentar algumas coisas em defesa de minha posição Naturalmente não se trata de saber quem está certo ou errado Acho que você está exigindo demais desse pequeno texto Ele foi escrito como favor a uma pessoa e escrito relutantemente Agora só escrevo com re lutância Certamente você notou essa característica Claro que isso não pre tende justificar opiniões superficiais ou duvidosas apenas a descuidada ar quitetura do conjunto Não há como negar que o acréscimo da análise de Zweig produz um efeito dissonante Um exame detido talvez a justifique Se não tivesse de levar em conta o local de publicação eu certamente teria escrito É de esperar que a luta contra a masturbação tenha um papel especial na história de uma neurose com tão forte sentimento de culpa Essa expectativa é plenamente confirmada pela patológica mania de jogar de Dostoiévski Pois como nos mostra uma novela de Zweig etc Ou seja o espaço dado a essa novela não corresponde à relação ZweigDostoiévski mas a outra à relação masturbaçãoneurose Mas isso não foi expresso de forma adequada Atenhome a uma deliberada avaliação social e objetiva da ética e por isso também não negaria a um pacato filisteu o certificado de boa conduta ética ainda que este não lhe custasse grande superação de si Ao mesmo tempo ad mito a visão subjetiva e psicológica da ética que você defende Embora concorde com seu juízo sobre o mundo e a humanidade de hoje não posso considerar justificada como sabe sua rejeição pessimista de um futuro melhor Certamente incluí o Dostoiévski psicólogo no escritor Também lhe criti caria o fato de sua percepção limitarse muito à vida psíquica anormal Con sidere sua espantosa perplexidade ante os fenômenos do amor na verdade ele só conhece o desejo cru e instintual a submissão masoquista e o amor por compaixão Você também está certo ao supor que com toda a minha admir ação pela intensidade e superioridade eu não gosto de Dostoiévski na ver dade Isso porque minha paciência com naturezas patológicas se esgota na an álise Na arte e na vida não sou tolerante com elas Estes são traços de caráter pessoais outros indivíduos não precisam têlos Onde você pretende publicar seu trabalho Achoo muito bom Apenas a pesquisa científica deve ser isenta de pressupostos Nos outros tipos de re flexão não se pode evitar a escolha de um ponto de vista e existem vários deles naturalmente Traduzida de Gesammelte Werke Nachtragsband pp 6689 Pelo que se depreende da per gunta no último parágrafo Freud leu a crítica de Reik antes de ela ser publicada na revista Imago em 1929 v 15 pp 23242 297312 KARL ABRAHAM 18771925a No dia 25 de dezembro morreu em Berlim o dr Karl Abraham fundador e diretor da sociedade de Berlim e atual presidente da Associação Psicanalítica Internacional Ainda não tinha cinquenta anos de idade e sucumbiu a uma doença interna contra a qual seu corpo robusto vinha lutando desde a primavera de 1925 No último congresso em Homburg ele parecia recuper ado para alegria de todos nós mas uma recidiva trouxe a dolorosa desilusão Com esse homem integer vitae scelerisque purusb enterramos uma das maiores esperanças da nossa ciência jovem e ainda tão combatida e talvez também uma parte de seu futuro que permanecerá não realizada Entre todos os que me acompanharam pelos sombrios caminhos do trabalho psicanalítico ele conquistou uma posição tão destacada que somente um nome poderia ser mencionado ao lado do seuc A confiança dos colaboradores e discípulos que ele possuía de modo irrestrito provavelmente o destinaria à liderança e certa mente ele se tornaria um líder exemplar na pesquisa da verdade que não seria perturbado pelos elogios ou censuras da multidão nem pelo brilho sedutor das próprias fantasias Escrevo estas linhas para os amigos e colegas que conheceram e estimaram Abraham como eu Eles compreenderão o que significa para mim a perda desse amigo tão mais jovem e perdoarão que eu não me esforce ainda mais em dar expressão ao que dificilmente se exprime Outro colega fará nesta revista uma caracterização da personalidade artística de Abraham e uma apreciação de seus trabalhos A ROMAIN ROLLAND NO 60O ANIVERSÁRIOd Viena IX Berggasse 19 29 de janeiro de 1926 Caro e inesquecível Que esforços e sofrimentos o senhor deve ter superado para chegar a essas alturas de humanidade Muito antes de encontrálo eu já o venerava como artista e apóstolo do amor humanitário Também me tornei partidário deste último não por razões de sentimentalidade ou de exigência ideal mas por motivos sóbrios econômi cos pois considerando nossas disposições instintuais e o mundo que nos rodeia tive de proclamálo tão indispensável para a conservação da espécie humana quanto a técnica Quando finalmente vim a conhecêlo surpreendime ao ver que o sr sabe estimar altamente a força e a energia e que sua própria pessoa encarna grande força de vontade Que a década vindoura lhe seja plena de realizações Afetuosamente Sigm Freud aetat 70 300312 DISCURSO NA SOCIEDADE BNAI BRITHe Ilustríssimo sr presidentemaior ilustres presidentes caros irmãos Obrigado pelas homenagens que hoje me prestaram Os srs sabem por que não posso respondêlas com minha própria voz Escutaram um de meus ami gos e discípulos falar de meu trabalho científico mas um julgamento sobre tais coisas é difícil e talvez ainda requeira muito tempo para ser pronunciado com segurança Permitamme acrescentar algo ao que foi dito pelo outro orador que é também meu amigo e meu médico atenciosof Gostaria de lhes relatar brevemente como me tornei BB e o que busquei junto aos senhores Aconteceu que nos anos após 1895 duas fortes impressões em mim se produziram tendo o mesmo efeito Por um lado tive as primeiras percepções das profundezas da vida instintual humana vi coisas que podiam desencantar e inicialmente até mesmo assustar por outro lado a comunicação de meus desagradáveis achados fez com que eu perdesse a maioria das relações pessoais que tinha na época sentiame como um proscrito que era evitado por todos Aquele isolamento gerou em mim o anseio por um grupo de homens seletos de espírito elevado que pudesse me acolher amigavelmente não obstante minha temeridade Foime dito que na sua sociedade eu encontraria homens assim O fato de serem judeus só podia me agradar sendo eu próprio judeu e parecendome não apenas indigno mas simplesmente absurdo negálo O que me ligava à condição judaica não era devo confessálo a fé e tampouco 301312 o orgulho nacional pois sempre fui um descrente tendo sido educado sem re ligião embora não sem respeito pelas exigências denominadas éticas da cul tura humana Esforceime por suprimir o entusiasmo nacionalista quando me inclinava a têlo como algo injusto e nefasto assustado que sempre fui pelos exemplos admoestadores dos povos entre os quais nós judeus vivemos Mas restavam coisas bastantes que tornavam irresistível a atração do judaísmo e dos judeus muitas forças afetivas obscuras tanto mais poderosas por mal ad mitirem a expressão em palavras assim como a clara consciência da identidade interior a cumplicidade da mesma construção psíquica A isso logo se jun tou a percepção de que apenas à minha natureza judaica eu devia as duas carac terísticas que haviam se tornado indispensáveis em meu difícil trajeto de vida Por ser judeu vime isento de muitos preconceitos que atrapalham outros na utilização de seu intelecto como judeu estava preparado para ficar na oposição e renunciar ao entendimento com a maioria compacta Assim me tornei um dos seus partilhei seus interesses humanitários e nacionais ganhei amigos aqui e persuadi os poucos amigos que me restavam a ingressar em nossa sociedade A questão para mim não era absolutamente convencêlos de minhas novas teorias mas numa época em que ninguém me escutava na Europa e eu não tinha discípulos nem sequer em Viena os srs me brindaram com uma benévola atenção Os srs foram minha primeira plateia Durante uns dois terços do tempo transcorrido desde o meu ingresso per maneci conscienciosamente ao seu lado e achei distração e estímulo no trato com os senhores Hoje foram bastante gentis ao não me censurar a ausência durante esse terceiro período O trabalho me assoberbava então solicitações a ele vinculadas eram prementes o dia já não era longo o suficiente para que eu frequentasse as reuniões e logo o corpo também não tolerava o adiamento da 302312 hora da refeição Por fim chegaram os anos de enfermidade o que também agora me impede de estar com os srs Não sei se fui um autêntico BB no sentido que os srs o entendem Talvez não houve muitas condições particulares em meu caso Mas posso lhes garantir que os srs significaram muito e muito fizeram por mim nos anos em que fui um dos seus Recebam então por aquele tempo e por hoje os meus calorosos agradecimentos Com W B Eg Seu Sigm Freud APRESENTAÇÃO DE UM ARTIGO DE E PICKWORTH FARROWh Conheço o autor como um homem de inteligência vigorosa e independente que provavelmente devido a certa teimosia não pôde entenderse com os dois analistas a que recorreu Voltouse então para uma aplicação coerente da autoanálise de que eu próprio me servi para analisar meus sonhos no passado Seus resultados são merecedores de atenção justamente pela particularidade de sua pessoa e de sua técnica 303312 A ERNEST JONES NO 50O ANIVERSÁRIOi A primeira tarefa que coube à psicanálise foi desvelar os impulsos instintuais comuns a todos os seres humanos de hoje mais ainda que os seres humanos de hoje têm em comum com os humanos dos tempos antigos e préhistóricos Não lhe custou muito portanto colocarse acima das diferenças que foram geradas entre os habitantes da Terra pela multiplicidade de raças línguas e países Desde o começo ela foi internacional e é notório que os seus seguidores superaram antes que todos os demais os antagonismos suscitados pela Grande Guerra Entre os homens que se reuniram em Salzburgo na primavera de 1908 para o primeiro congresso psicanalítico destacouse um jovem médico inglês que apresentou um pequeno ensaio intitulado Rationalisation in everyday life O teor desse trabalho de iniciante é válido ainda hoje ele enriqueceu nossa jovem ciência com um importante conceito e um termo indispensável CARTA SOBRE ALGUNS SONHOS DE DESCARTESj Ao tomar conhecimento da carta em que o sr me pede para examinar alguns sonhos de Descartes meu primeiro sentimento foi de apreensão pois discutir sonhos sem poder obter do sonhador indicações sobre laços que os liguem uns aos outros ou os vinculem ao mundo exterior o que evidentemente sucede quando se trata de sonhos de personalidades históricas geralmente produz 304312 poucos resultados Depois a tarefa se revelou mais fácil do que eu imaginara mas certamente o fruto de minha investigação lhe parecerá bem menos import ante do que o sr podia esperar Os sonhos de nosso filósofo são o que denominamos sonhos de cima isto é formulações de ideias que poderiam ter sido feitas tanto no estado de vigília como no estado onírico e que apenas em certas partes extraíram sua substância de estados psíquicos um tanto profundos Por isso tais sonhos ap resentam na maioria das vezes um conteúdo de forma abstrata poética ou simbólica A análise desse tipo de sonho nos leva comumente ao seguinte nós não po demos compreender o sonho mas o sonhador ou o paciente sabe traduzilo de imediato e sem dificuldade dado que o conteúdo do sonho é bastante próximo de seu pensamento consciente Então restam algumas partes do sonho acerca das quais o sonhador não sabe o que dizer são justamente as partes que pertencem ao inconsciente que são sob vários aspectos as mais interessantes Nos casos mais favoráveis esses elementos inconscientes são explicados com base em ideias que o sonhador lhes acrescentou Esse modo de julgar os sonhos do alto e devese compreender a ex pressão no sentido psicológico não no sentido místico é o que se há de seguir no caso dos sonhos de Descartes O filósofo os interpretou ele mesmok e em conformidade com as regras da interpretação de sonhos devemos aceitar sua explicação mas é preciso acres centar que não dispomos de uma via que nos conduza além dela Confirmando sua explicação diremos que os obstáculos que o impedem de se mover com liberdade são nossos conhecidos são a representação pelo 305312 sonho de um conflito interior O lado esquerdo é a representação do mal e do pecado e o vento o gênio mau animus As diferentes pessoas que se apresentam no sonho não podemos identificar naturalmente embora Descartes se questionado não teria deixado de fazêlo Quanto aos elementos bizarros quase absurdos pouco numerosos aliás como o melão de um país estrangeiro permanecem inexplicados assim como os pequenos retratos No que toca ao melão o sonhador teve a ideia original de figurar dessa maneira os encantos da solidão mas apresentados por solicitações puramente humanas Certamente não é correto mas poderia ser uma associação de ideias que levasse a uma explicação exata Relacionada a seu estado de pecado tal as sociação poderia figurar uma representação sexual que ocupou a imaginação do jovem solitário Sobre os retratos Descartes não fornece nenhum esclarecimento a Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v 12 n 1 1926 assinado O Editor traduzido de Gesammelte Werke XIV p 564 b Íntegro na vida e isento de culpas Horácio Odes I XXII 1 c Provavelmente o nome de Sándor Ferenczi d Publicado primeiramente em Liber amicorum Romain Rolland Zurique Rotapfel 1926 traduzido de Gesammelte Werke XIV p 553 e Lido em nome de Freud numa reunião da Sociedade Bnai Brith Filhos da Aliança feita em homenagem aos seus setenta anos em 6 de maio de 1926 Traduzido de Gesammelte Werke XVII pp 513 306312 f O doutor e professor Ludwig Braun 18611936 que fez o discurso de louvor g Abreviatura de Wohlwollen Bruderliebe und Eintracht o lema da sociedade que significa Benevolência Amor Fraterno e Harmonia h Publicada primeiramente acompanhando o artigo Eine Kindheitserinnerung aus dem 6 Lebensmonat Uma recordação de infância do sexto mês de vida em Internationale Zeits chrift für Psychoanalyse v 12 n 1 1926 traduzido de Gesammelte Werke XIV p 568 i Publicada primeiramente em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v 15 n 23 1929 traduzida de Gesammelte Werke XIV pp 5545 j Publicada primeiramente em versão francesa no livro de Maxime Leroy Descartes le philo sophe au masque Paris Le Rider 1929 Não se conhece o texto original dessa carta por isso ela foi reproduzida em francês em Gesammelte Werke XIV pp 55860 de onde foi traduzida Os sonhos de Descartes submetidos ao exame de Freud foram os seguintes conforme o relato de Leroy em seu livro pp 81 ss Então à noite quando tudo é febre tempestade pânico fantasmas se erguem diante do sonhador Ele tenta se levantar para afastálos Mas cai de novo envergonhado de si mesmo sentindo uma grande fraqueza no lado direito Bruscamente se abre uma janela do quarto Espantado ele se sente transportado nas rajadas de um vento impetuoso que o faz rodopiar várias vezes sobre o pé esquerdo Arrastandose hesitante ele chega ante os edifícios do colégio onde foi educado Faz um esforço desesperado de entrar na capela para fazer suas devoções Nesse momento chegam passantes Ele quer parar e falar com eles observa que um deles carrega um melão Mas um vento violento o empurra de novo para a capela Então ele abre os olhos importunado por uma viva dor no lado esquerdo Não sabe se dorme ou se está acordado Semiacordado acha que um gênio mau quis seduzilo e murmura uma oração para exorcizálo Torna a adormecer É despertado por uma trovoada o quarto se enche de cintilações Ele se pergunta uma vez mais se dorme ou está acordado se é um sonho ou um devaneio ab rindo e fechando os olhos para ter alguma certeza depois tranquilizado desvanece vencido pelo cansaço Com o cérebro em fogo excitado por esses rumores e vagos sofrimentos Descartes abre um dicionário e depois uma coletânea de poemas Esse intrépido viajante sonha com este verso Quod vitae sectabor iter Que caminho seguirei na vida Mais uma viagem ao país dos sonhos De repente então surge um homem que ele não conhece querendo fazer com 307312 que leia um trecho de Ausônio que começa assim Est et Non É e Não é Mas o homem de saparece surge outro O livro some por sua vez depois retorna ornado de retratos em talho doce A noite sossega enfim k Eis a interpretação do próprio Descartes segundo Leroy pp 85 ss Ele achou que o Dicionário não podia significar outra coisa senão as Ciências todas reuni das e que a coletânea de poesias intitulada Corpus Poetarum indicava particularmente e de uma maneira mais distinta a Filosofia e a Sabedoria combinadas O sr Descartes con tinuando a interpretar o sonho enquanto dormia considerou que o Verso sobre a incerteza do tipo de vida que se deve escolher que começa por Quod vitae sectabor iter indicava o bom conselho de uma pessoa sábia ou mesmo a Teologia Moral Nos Poetas reunidos na coletânea ele via a Revelação e o Entusiasmo com os quais mantinha a esperança de ser favorecido No trecho de verso Est et Non que é o Sim e o Não de Pitágoras ele enxergava a Verdade e a Falsidade no conhecimento humano e as ciências profanas Notando que a aplicação de todas essas coisas lhe saía tão bem foi ousado o bastante para se convencer de que era o Espírito da Verdade que havia querido lhe abrir os tesouros de todas as ciências com este sonho E como só lhe restava a explicar os pequenos Retratos de talhodoce que havia encontrado no segundo livro não buscou mais explicação para ele após a visita que um Pintor Italiano lhe prestou no dia seguinte Esse último sonho que tivera apenas coisas muito doces e agradáveis marcava o futuro segundo ele e dizia respeito ao que deveria lhe acontecer no resto de sua vida Mas tomou os dois sonhos precedentes como advertências ameaçadoras relativas a sua vida passada que po dia não ter sido tão inocente aos olhos de Deus e dos homens Ele acreditou que era essa a razão do terror e do medo que acompanhavam esses dois sonhos O melão que quiseram lhe oferecer no primeiro sonho significava dizia ele os encantos da solidão mas apresentados por solicitações puramente humanas O vento que o empurrava em direção à Igreja do colégio quando ele sentia dor no seu lado direito não era senão o Gênio mau procurando lançálo à força num lugar onde ele pretendia ir voluntariamente Por isso Deus não permitia que ele avançasse mais e que não se deixasse levar nem mesmo a um lugar santo por um Espírito que não tinha enviado embora ele estivesse convencido de que fora o Espírito de Deus que lhe fizera dar os primeiros passos rumo a essa Igreja O assombro de que foi tomado no segundo sonho indicava para ele sua sindérese ou seja o remorso de sua consciência quanto aos peca dos que ele podia haver cometido em sua vida até então O trovão que ele havia escutado era o sinal do espírito da verdade que descia para dele se apoderar 308312 SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS EM 20 VOLUMES COORDENAÇÃO DE PAULO CÉSAR DE SOUZA 1 TEXTOS PRÉPSICANALÍTICOS 18861899 2 ESTUDOS SOBRE A HISTERIA 18931895 3 PRIMEIROS ESCRITOS PSICANALÍTICOS 18931899 4 A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1900 5 PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA E SOBRE OS SONHOS 1901 6 TRÊS ENSAIOS DE UMA TEORIA DA SEXUALIDADE FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA O CASO DORA E OUTROS TEXTOS 19011905 7 O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE 1905 8 O DELÍRIO E OS SONHOS NA GRADIVA ANÁLISE DA FOBIA DE UM GAROTO DE CINCO ANOS O PEQUENO HANS E OUTROS TEXTOS 19061909 9 OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA O HOMEM DOS RATOS UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO DA VINCI E OUTROS TEXTOS 19091910 10 OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA O CASO SCHREBER ARTIGOS SOBRE TÉCNICA E OUTROS TEXTOS 19111913 11 TOTEM E TABU HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO E OUTROS TEXTOS 19131914 12 INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 13 CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE 19151917 14 HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL O HOMEM DOS LOBOS ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER E OUTROS TEXTOS 19171920 15 PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS 19201923 16 O EU E O ID AUTOBIOGRAFIA E OUTROS TEXTOS 19231925 17 INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 18 O MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS E OUTROS TEXTOS 19301936 19 MOISÉS E O MONOTEÍSMO COMPÊNDIO DE PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS 19371939 20 ÍNDICES E BIBLIOGRAFIA Copyright da tradução 2014 by Paulo César Lima de Souza Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Os textos deste volume foram traduzidos de Gesammelte Werke volumes XIII XIV e XVII Londres Imago 1940 1948 e 1941 Os títulos originais estão na página inicial de cada texto A outra edição alemã referida é Studienausgabe Frankfurt Fischer 2000 Capa e projeto gráfico warrakloureiro Preparação Célia Euvaldo Revisão Huendel Viana Jane Pessoa ISBN 9788543800035 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ SA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr