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Psicologia ·

Psicanálise

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CAPÍTULO 2 A Teoria Psicanalítica Clássica de Sigmund Freud INTRODUÇÃO E CONTEXTO 50 HISTÓRIA PESSOAL 50 A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE 53 O Id 53 O Ego 54 O Superego 54 A DINÂMICA DA PERSONALIDADE 55 Instinto 55 A Distribuição e a Utilização da Energia Psíquica 58 Ansiedade 60 O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE 61 Identificação 61 Deslocamento 62 Os Mecanismos de Defesa do Ego 63 Estágios de Desenvolvimento 65 PESQUISA CARACTERÍSTICA E MÉTODOS DE PESQUISA 68 O Credo Científico de Freud 69 Associação Livre e Análise de Sonhos 70 Estudos de Caso de Freud 72 AutoAnálise de Freud 74 PESQUISA ATUAL 74 Ativação Psicodinâmica Subliminar 75 Nova Visão 3 77 STATUS ATUAL E AVALIAÇÃO 78 INTRODUÇÃO E CONTEXTO Quando a psicologia emergiu como uma disciplina científica independente na Alemanha em meados do século XIX ela definiu sua tarefa como a análise da consciência no ser humano normal adulto Ela considerava a consciência como constituída por elementos estruturais estreitamente correlacionados a processos nos órgãos dos sentidos As sensações visuais de cor por exemplo estavam correlacionadas com mudanças fotoquímicas na retina do olho e os tons com eventos ocorrendo no ouvido interno As experiências complexas resultavam da reunião de várias sensações imagens e sentimentos elementares A tarefa da psicologia era descobrir os elementos básicos da consciência e determinar como eles formavam compostos A psicologia era muitas vezes referida como química mental As objeções a esse tipo de psicologia vieram de muitas direções e por uma variedade de razões Havia aqueles que se opunham à ênfase exclusiva na estrutura e insistiam com considerável vigor que as características notáveis da mente consciente eram seus processos ativos e não seus conteúdos passivos Sentir e não as sensações pensar e não as idéias imaginar e não as imagens esses processos afirmavase deveriam ser o principal assunto da ciência da psicologia Outros protestavam que a experiência consciente não podia ser dissecada sem destruir a própria essência da experiência a saber sua qualidade de totalidade A consciência direta diziam consiste em padrões ou configurações e não em elementos reunidos Um outro grupo grande e barulhento afirmava que a mente não era suscetível a investigações pelos métodos da ciência por ser demasiadamente privada e subjetiva Eles queriam que a psicologia fosse definida como a ciência do comportamento O ataque de Freud à tradicional psicologia da consciência veio de uma direção muito diferente Ele comparou a mente a um iceberg a parte menor que aparecia acima da superfície da água representava a região da consciência enquanto a massa muito maior abaixo da água representava a região do inconsciente Nesse vasto domínio do inconsciente encontramos os impulsos as paixões as idéias e os sentimentos reprimidos um grande mundo subterrâneo de forças vitais invisíveis que exercem um controle imperioso sobre os pensamentos e as ações dos indivíduos Desse ponto de vista uma psicologia que se limita à análise da consciência é totalmente inadequada para compreender os motivos subjacentes do comportamento humano Por mais de 40 anos Freud explorou o inconsciente pelo método da associação livre e desenvolveu o que geralmente é considerado como a primeira teoria abrangente da personalidade Ele traçou os contornos de sua topografia penetrou nas fontes de sua corrente de energia e diagramou o curso legítimo de seu desenvolvimento Ao realizar essas façanhas incríveis ele se tornou uma das figuras mais controversas e influentes do nosso tempo Para um relato do status do inconsciente antes de Freud ver White 1962 HISTÓRIA PESSOAL Sigmund Freud nasceu na Morávia em 6 de maio de 1856 e morreu em Londres em 23 de setembro de 1939 Por quase 80 anos todavia ele morreu em Viena e só saiu daquela cidade quando os nazistas invadiram a Áustria Quando jovem ele decidiu que queria ser cientista Com esse objetivo em mente ingressou na escola de medicina da Universidade de Viena em 1873 formandose oito anos mais tarde Freud nunca pretendeu praticar a medicina mas as escassas recompensas do trabalho científico as oportunidades limitadas de avanço acadêmico para um judeu e as necessidades de uma família crescente o obrigaram a entrar na prática privada Mesmo com o atendimento aos pacientes ele encontrava tempo para pesquisar e escrever e suas realizações como investigador médico granjearamlhe uma sólida reputação O interesse de Freud pela neurologia fez com que se especializasse no tratamento de transtornos nervosos um ramo da medicina que ficara para trás na marcha ativa das artes curadoras durante o século XIX Para melhorar suas habilidades técnicas ele estudou um ano com o famoso psiquiatra francês Jean Charcot que estava usando a hipnose no tratamento da histeria Embora tentasse a hipnose com seus pacientes Freud não ficou muito impressionado com sua eficácia Conseqüentemente quando ouviu falar sobre um novo método desenvolvido por um médico vienense Joseph Breuer um método pelo qual o paciente era curado dos sintomas ao falar sobre eles Freud Sigmund Freud o experimentou e o achou efetivo Breuer e Freud escreveram em parceria sobre alguns de seus casos de histeria tratados pela técnica da fala 1895 Entretanto os dois logo divergiram sobre a importância do fator sexual na histeria Freud considerava que os conflitos sexuais eram a causa da histeria enquanto Breuer adotava uma visão mais conservadora ver Ellenberger 1970 para uma discussão sobre os antecedentes históricos da posição de Freud A partir de então Freud trabalhou praticamente sozinho desenvolvendo as idéias que seriam os fundamentos da teoria psicanalítica e que culminaram na publicação de seu primeiro grande trabalho A Interpretação dos Sonhos 1900 Outros livros e artigos logo chamaram a atenção de médicos e cientistas do mundo inteiro e Freud logo se viu cercado por um grupo de discípulos de vários países entre os quais Ernest Jones da Inglaterra Carl Jung de Zurique A A Brill de Nova York Sandor Ferenczi de Budapeste Karl Abraham de Berlim e Alfred Adler de Viena Jung e Adler posteriormente se afastaram do círculo e desenvolveram pontos de vista rivais No breve espaço que nos é permitido é impossível cobrir todos os pontos mais interessantes da vida intelectual e pessoal de Freud os primeiros anos como estudante de medicina e investigador a influência decisiva do grande fisiologista alemão Ernst Brücke um dos líderes da Helmholtz School of Medicine com quem Freud aprendeu a ver o indivíduo como um sistema dinâmico sujeito às leis da natureza Amacher 1965 seu casamento com Martha Bernays e sua devoção vitalícia a ela e aos seis filhos um dos quais Anna seguiu os passos do pai o estimulante ano com Charcot em Paris sua autoanálise investigativa que começou na década de 1890 e continuou por toda sua vida a tentativa abortada de explicar os fenômenos psicológicos em termos de anatomia cerebral os anos de isolamento da comunidade médica de Viena o convite de G Stanley Hall o eminente psicólogo americano e presidente da Clark University para fa Consultório de Freud Digitalizado com CamScanner lar no encontro em comemoração à fundação da universidade a criação da Associação Psicanalítica Internacional e a secessão de discípulos importantes como Jung Adler Rank e Stekel a influência da Primeira Guerra Mundial sobre o pensamento de Freud e sua cuidadosa revisão dos princípios básicos da teoria psicanalítica a aplicação dos conceitos psicanalíticos em todos os campos de empreendimento humano as características pessoais de Freud e o longo sofrimento do câncer de mandíbula e finalmente sua fuga melodramática das garras dos nazistas Felizmente todos os recantos e frestas da longa vida de Freud foram examinados pelo grande psicanalista inglês Ernest Jones e brilhantemente relatados em uma biografia de três volumes 1953 1955 1957 Mais recentemente Peter Gay 1988 escreveu uma biografia abrangente e simpática de Freud O espaço também não nos permite listar os trabalhos publicados de Freud Começando com A Interpretação dos Sonhos em 1900 e terminando com Esboço da Psicanálise publicado postumamente em 1940 os textos psicológicos de Freud totalizam vinte e quatro volumes na edição inglesa padrão definitiva 19531974 Para o leitor que não está familiarizado com a teoria da personalidade de Freud recomendamos os seguintes livros A Interpretação dos Sonhos 1900 A Psicopatologia da Vida Cotidiana 1901 Conferências Introdutórias Gerais à Psicanálise 1917 Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise 1933 e Esboço da Psicanálise 1940 No seguinte relato das idéias de Freud trataremos apenas das questões relativas à sua teoria da personalidade No processo excluiremos de consideração a teoria psicanalítica da neurose que de qualquer forma foi tão bem examinada por Otto Fenichel 1945 as técnicas de psicanálise e as vastas aplicações da psicologia freudiana nas ciências sociais ver Hall Lindzey 1968 artes e humanidades Também deixaremos de lado a evolução do pensamento de Freud a respeito dos conceitos básicos de sua teoria da personalidade será suficiente apresentar sua palavra final sobre os conceitos que vamos discutir No Capítulo 5 examinaremos algumas das adições e das modificações na teoria clássica de Freud feitas por seus seguidores As teorias dissidentes de Jung e Adler que começaram como proponentes da psicanálise são apresentadas nos Capítulos 3 e 4 A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE A personalidade é constituída por três grandes sistemas o id o ego e o superego Embora cada uma dessas partes da personalidade total tenha suas próprias funções propriedades componentes princípios de operação dinamismos e mecanismos elas interagem tão estreitamente que é difícil senão impossível desenaranhar seus efeitos e pesar sua relativa contribuição ao comportamento humano O comportamento é quase sempre o produto de uma interação entre esses três sistemas e raramente um sistema opera com a exclusão dos outros dois O Id O id é o sistema original da personalidade ele é a matriz da qual se originaram o ego e o superego O id consiste em tudo que é psicológico que é herdado e que se acha presente no nascimento incluindo os instintos Ele é o reservatório da energia psíquica e fornece toda a energia para a operação dos outros dois sistemas Ele está em estreito contato com os processos corporais dos quais deriva sua energia Freud chamou o id de a verdadeira realidade psíquica porque ele representa o mundo interno da experiência subjetiva e não tem nenhum conhecimento da realidade objetiva Para uma discussão do id ver Schur 1966 O id não tolera aumentos de energia que são experienciados como estados de tensão desconfortáveis Conseqüentemente quando o nível de tensão do organismo aumenta como resultado ou de estimulação externa ou de excitações internamente produzidas o id funciona de maneira a descarregar a tensão imediatamente e a fazer o organismo voltar a um nível de energia confortavelmente constante e baixo Esse princípio da redução de tensão pelo qual o id opera é chamado de princípio do prazer Para atingir seu objetivo de evitar dor e obter prazer o id tem sob seu comando dois processos as ações reflexas e o processo primário As ações reflexas são reações inatas e automáticas como espirrar e piscar e geralmente reduzem a tensão imediatamente O organismo está equipado com vários desses reflexos para lidar com formas relativamente simples de excitação O processo primário envolve uma reação psi cológica um pouco mais complicada Ele tenta descarregar a tensão formando a imagem de um objeto que vai remover a tensão Por exemplo o processo primário apresenta à pessoa faminta a imagem mental de um alimento Essa experiência alucinatória em que o objeto desejado é apresentado na forma de uma imagem de memória é chamada de realização do desejo O melhor exemplo do processo primário nas pessoas normais é o sonho noturno que Freud acreditava representar sempre a realização ou a tentativa de realização de um desejo As alucinações e as visões dos pacientes psicóticos também são exemplos do processo primário O pensamento autista ou veleitário é altamente colorido pela ação do processo primário Essas imagens mentais de realização do desejo são a única realidade conhecida pelo id Obviamente o processo primário sozinho não é capaz de reduzir a tensão A pessoa faminta não pode comer as imagens mentais de comida Conseqüentemente desenvolvese um processo psicológico novo ou secundário Quando isso ocorre a estrutura do segundo sistema da personalidade o ego começa a tomar forma O Ego O ego passa a existir porque as necessidades do organismo requerem transações apropriadas com o mundo objetivo da realidade A pessoa faminta tem de buscar encontrar e comer o alimento para que a tensão da fome seja eliminada Isso significa que a pessoa precisa aprender a diferenciar entre uma imagem mnemônica do alimento e uma percepção real do alimento conforme ele existe no mundo externo Tendo feito essa diferenciação crucial é necessário converter a imagem em uma percepção o que se consegue localizandose o alimento no ambiente Em outras palavras a pessoa compara a imagem mnemônica do alimento com a visão ou com o aroma do alimento conforme lhe chegam pelos sentidos A distinção básica entre o id e o ego é que o id só conhece a realidade subjetiva da mente ao passo que o ego distingue as coisas na mente das coisas no mundo externo Dizemos que o ego obedece ao princípio da realidade e opera por meio do processo secundário O objetivo do princípio da realidade é evitar a descarga de tensão até ser descoberto um objeto apropriado para a satisfação da necessidade O princípio da realidade suspende temporariamente o princípio do prazer mas o princípio do prazer é eventualmente atendido quando o objeto necessário é encontrado e quando a tensão é então reduzida O princípio da realidade pergunta se uma experiência é verdadeira ou falsa isto é se tem existência externa ou não enquanto o princípio do prazer só quer saber se a experiência é dolorosa ou prazerosa O processo secundário é o pensamento realista Por meio do processo secundário o ego formula um plano para a satisfação da necessidade e depois testao normalmente com algum tipo de ação para ver se ele vai funcionar ou não A pessoa faminta pensa sobre onde pode encontrar comida e depois segue para aquele lugar Isso é chamado de teste de realidade Para desempenhar seu papel eficientemente o ego tem controle sobre todas as funções cognitivas e intelectuais esses processos mentais superiores são colocados a serviço do processo secundário Afirmamos que o ego é o executivo da personalidade porque ele controla o acesso à ação seleciona as características do ambiente às quais irá responder e decide que instintos serão satisfeitos e de que maneira Ao realizar essas funções executivas imensamente importantes o ego precisa tentar integrar as demandas muitas vezes conflitantes do id do superego e do mundo externo Essa não é uma tarefa fácil e em geral coloca grande tensão sobre o ego Mas devemos lembrar que o ego é a porção organizada do id que passa a existir para atingir os objetivos do id e não para frustrálos e que todo o seu poder se deriva do id Ele não existe separadamente do id e nunca se torna completamente independente dele Seu principal papel é o de mediador entre as exigências instintuais do organismo e as condições do ambiente circundante seus objetivos supraordenados são manter a vida do indivíduo e assegurar que a espécie se reproduza Freud certa vez resumiu o quinhão do ego dizendo que ele tinha três duros senhores o id a realidade externa e o superego O Superego O terceiro e último sistema da personalidade a se desenvolver é o superego Ele é o representante interno dos valores tradicionais e dos ideais da sociedade conforme interpretados para a criança pelos pais e impostos por um sistema de recompensas e de punições O superego é a força moral da personalidade Ele representa o ideal mais do que o real e busca a perfeição mais do que o prazer Sua principal preocupação é decidir se alguma atitude é certa ou errada para poder agir de acordo com os padrões morais autorizados pelos agentes da sociedade O superego como árbitro moral internalizado de conduta desenvolvese em resposta às recompensas e punições impostas pelos pais Para obter as recompensas e evitar os castigos a criança aprende a orientar seu comportamento de acordo com os pais Tudo o que eles dizem ser impróprio e por isso castigam a criança por fazer tende a ser incorporado à sua consciência que é um dos dois subsistemas do superego Tudo o que eles aprovam e por isso recompensam a criança por fazer tende a ser incorporado ao seu ideal do ego o outro subsistema do superego O mecanismo pelo qual ocorre essa incorporação é chamado de introjeção A criança absorve ou introjeta os padrões morais dos pais A consciência pune a pessoa fazendoa sentirse culpada o ideal do ego recompensa a pessoa fazendoa sentirse orgulhosa Com a formação do superego o autocontrole substitui o controle parental Nós faremos comparações com este processo de autoavaliação quando discutirmos o autosistema de Bandura no Capítulo 14 As principais funções do superego são 1 inibir os impulsos do id especialmente aqueles de natureza sexual ou agressiva uma vez que estes são os impulsos cuja expressão é mais condenada pela sociedade 2 persuadir o ego a substituir objetivos realistas por objetivos moralistas e 3 buscar a perfeição Isto é o superego está inclinado a se opor tanto ao id quanto ao ego e a reformar o mundo segundo sua própria imagem Entretanto ele é como o id ao ser nãoracional e como o ego ao tentar exercer controle sobre os instintos Diferentemente do ego o superego não se satisfaz em adiar a gratificação instintiva ele tenta bloqueála permanentemente Uma análise histórica do superego foi feita por Turiel 1967 Nós concluímos essa breve descrição dos três sistemas da personalidade salientando que o id o ego e o superego não devem ser pensados como homúnculos que operam a personalidade Eles são apenas nomes para vários processos psicológicos que obedecem a diferentes princípios de sistemas Em circunstâncias comuns esses diferentes princípios não colidem um com o outro e nem têm propósitos opostos Pelo contrário eles trabalham juntos como uma equipe sob a liderança administrativa do ego A personalidade normalmente funciona como um todo e não como três segmentos separados De maneira muito geral o id pode ser pensado como o componente biológico da personalidade o ego como o componente psicológico e o superego como o componente social A DINÂMICA DA PERSONALIDADE Freud foi educado sob a influência da filosofia fortemente determinista e positivista do século XIX Ele considerava o organismo humano como um sistema complexo de energia que era obtida do alimento consumido e que gastava uma quantidade limitada de energia em propósitos variados como circulação respiração exercício muscular perceber pensar e lembrar Freud não via nenhuma razão para supor que a energia que fornece o poder para respirar ou digerir fosse diferente salvo em forma da energia que fornece o poder para pensar e lembrar Afinal de contas como insistiam firmemente os físicos do século XIX a energia tinha de ser definida em termos do trabalho que realiza Se o trabalho consiste em uma atividade psicológica como pensar é perfeitamente legítimo acreditava Freud chamar essa forma de energia de energia psíquica Segundo a doutrina da conservação da energia ela pode ser transformada de um estado para outro mas nunca se perde no sistema cósmico total Disso decorre que a energia psíquica pode ser transformada em energia fisiológica e viceversa O ponto de contato ou a ponte entre a energia do corpo e a da personalidade é o id e seus instintos Instinto Um instinto é definido como uma representação psicológica inata de uma fonte somática interna de excitação A representação psicológica é chamada de desejo e a excitação corporal da qual se origina é chamada de necessidade Assim o estado de fome pode ser descrito em termos fisiológicos como uma condição de déficit nutricional nos tecidos do corpo ao passo que psicologicamente ela é representada como um desejo de alimento O desejo age como um motivo para o comportamento A pessoa faminta busca alimento Por isso os instintos são considerados os fatores propulsores da personalidade Eles não só impulsionam o comportamento mas também determinam a direção que o comportamento tomará Em outras palavras um instinto exerce um controle seletivo sobre a conduta ao aumentar a sensibilidade da pessoa a tipos específicos de estimulação A pessoa faminta é mais sensível aos estímulos alimentares e a pessoa sexualmente excitada tende mais a responder a estímulos eróticos ParenteTicamente observamos que o organismo também pode ser ativado por estímulos do mundo externo Mas Freud achava que essas fontes ambientais de excitação desempenham um papel menos importante na dinâmica da personalidade do que os instintos inatos Em geral os estímulos externos fazem menos exigências ao indivíduo e requerem formas menos complicadas de ajustamento do que as necessidades Sempre podemos fugir de um estímulo externo mas é impossível fugir de uma necessidade Embora Freud relegasse os estímulos ambientais a um lugar secundário ele não negava a sua importância sob certas condições Por exemplo uma excessiva estimulação durante os primeiros anos de vida quando o ego imaturo não é capaz de reunir grandes quantidades de energia livre tensão pode ter efeitos drásticos sobre a personalidade como veremos quando examinarmos a teoria de Freud sobre a ansiedade Um instinto é um quantum de energia psíquica ou como Freud colocou uma medida da exigência feita à mente para trabalhar 1905a p 168 Todos os instintos tomados juntos constituem a soma total de energia psíquica disponível para a personalidade Como salientamos previamente o id é o reservatório dessa energia e é também a sede dos instintos Ele pode ser considerado um dínamo que fornece a energia psicológica para as múltiplas operações da personalidade Essa energia derivase é claro dos processos metabólicos do corpo Um instinto tem quatro aspectos característicos uma fonte uma meta um objeto e um ímpeto A fonte já foi definida como uma condição corporal ou uma necessidade A meta é a remoção da excitação corporal A meta do instinto de fome por exemplo é abolir a deficiência nutricional o que conseguimos evidentemente comendo o alimento Todas as atividades que intervêm entre o aparecimento do desejo e sua realização são agrupadas sob o nome de objeto Isto é o objeto se refere não só à coisa ou à condição específica que vai satisfazer a necessidade mas inclui também todos os comportamentos que acontecem para assegurar a coisa ou a condição necessária Por exemplo quando uma pessoa está com fome ela normalmente tem de realizar algumas ações antes de atingir a meta final de comer O ímpeto de um instinto é a sua força determinada pela intensidade da necessidade subjacente À medida que aumenta a deficiência nutricional até o ponto em que se instala uma fraqueza física a força do instinto aumenta correspondentemente Vamos considerar brevemente algumas das implicações nessa maneira de conceitualizar um instinto Em primeiro lugar o modelo oferecido por Freud é um modelo de redução de tensão O comportamento de uma pessoa é ativado por irritantes internos e cessa quando uma ação apropriada remove ou diminui a irritação Isso significa que a meta de um instinto tem um caráter essencialmente regressivo uma vez que faz a pessoa retornar a um estado anterior um estado que existia antes de o instinto aparecer Esse estado anterior ao qual a personalidade retorna é de relativa tranqüilidade Também dizemos que um instinto é conservador porque sua meta é conservar o equilíbrio do organismo abolindo as excitações perturbadoras Assim podemos descrever um instinto como um processo que repete tão freqüentemente quanto aparece um ciclo de eventos que se inicia com a excitação e termina com o repouso Freud chamou esse aspecto do instinto de compulsão à repetição A personalidade é compelida a repetir interminavelmente o inevitável ciclo da excitação à tranqüilidade O termo compulsão à repetição também é empregado para descrever o comportamento perseverante que ocorre quando os meios adotados para satisfazer a necessidade não são completamente apropriados Uma criança pode perseverar chupando o dedo quando está com fome Segundo a teoria freudiana dos instintos a fonte e a meta de um instinto permanecem constantes por toda a vida a menos que a fonte seja modificada ou eliminada pelo amadurecimento físico Novos instintos podem aparecer à medida que se desenvolvem novas necessidades corporais Ao contrário dessa constância de fonte e meta o objeto ou os meios pelos quais a pessoa tenta satisfazer a necessidade podem variar e realmente variam consideravelmente durante o tempo de vida da pessoa Tal variação na escolha do objeto tornase possível porque a energia psíquica é deslocável ela pode ser gasta de várias maneiras Conseqüentemente se um objeto não está disponível ou por estar ausente ou pela presença de barreiras dentro da personalidade a energia pode ser investida em outro objeto Se esse objeto também se mostrar inacessível pode ocorrer outro deslocamento e assim por diante até ser encontrado um objeto disponível Em outras palavras os objetos podem ser substituídos o que definitivamente não acontece com a fonte ou a meta de um instinto Quando a energia de um instinto é investida de modo mais ou menos permanente em um objeto substituto isto é um que não é o objeto original e inatamente determinado o comportamento resultante é chamado de derivado instintual Assim se a primeira escolha de objeto do bebê for a manipulação dos próprios órgãos sexuais e ele for forçado a desistir desse prazer em favor de formas mais inócuas de estimulação corporal como chupar o polegar ou brincar com os dedos dos pés as atividades substitutas são derivados do instinto sexual A meta do instinto sexual não muda quando ocorre uma substituição a meta buscada ainda é a da gratificação sexual O deslocamento de energia de um objeto para outro é o aspecto mais importante da dinâmica da personalidade Ele explica a aparente plasticidade da natureza humana e a notável versatilidade do comportamento humano Praticamente todos os interesses preferências gostos hábitos e atitudes adultas representam os deslocamentos de energia das escolhas de objeto instintuais originais Eles são quase todos derivados instintuais A teoria de Freud da motivação baseavase solidamente na suposição de que os instintos são as únicas fontes de energia para o comportamento humano Nós teremos muito mais a dizer sobre o deslocamento em seções subseqüentes deste capítulo Número e Tipos de Instintos Freud não tentou fazer uma lista de instintos porque sentiu que não sabíamos o suficiente sobre os estados corporais dos quais os instintos dependem A identificação dessas necessidades orgânicas é uma tarefa para o fisiologista não para o psicólogo Embora Freud não pretendesse saber quantos instintos existem ele realmente supunha que todos podiam ser classificados sob dois títulos gerais os instintos de vida e os instintos de morte Os instintos de vida servem ao propósito da sobrevivência individual e da propagação racial A fome a sede e o sexo se enquadram nessa categoria A forma de energia pela qual os instintos de vida realizam sua tarefa é chamada de libido O instinto de vida ao qual Freud prestou mais atenção é o do sexo e nos primeiros anos da psicanálise quase tudo o que a pessoa fazia era atribuído a esta pulsão ubíqua Freud 1905a Na verdade o instinto sexual não é um único instinto mas muitos Isto é existem várias necessidades corporais separadas que originam os desejos eróticos Cada um desses desejos tem sua fonte em uma região corporal diferente referidas coletivamente como zonas erógenas Uma zona erógena é uma parte da pele ou da membrana mucosa que é extremamente sensível à irritação e que quando manipulada de certa maneira remove a irritação e produz sentimentos prazerosos Os lábios e a cavidade oral constituem uma dessas zonas erógenas a região anal outra e os órgãos sexuais uma terceira Sugar produz prazer oral a eliminação provoca prazer anal e massagear ou esfregar traz prazer genital Na infância os instintos sexuais são relativamente independentes uns dos outros mas quando a pessoa atinge a puberdade eles tendem a se fundir e a servir conjuntamente à meta da reprodução Os instintos de morte ou como Freud às vezes os chamava os instintos destrutivos realizam seu trabalho muito menos conspicuamente do que os instintos de vida Por essa razão pouco sabemos sobre eles a não ser que inevitavelmente cumprem a sua missão Todas as pessoas seguramente morrem um fato que levou Freud a formular seu famoso ditado a meta de toda vida é a morte 1920a p 38 Freud supunha especificamente que a pessoa tinha um desejo geralmente inconsciente é claro de morrer Ele não tentou identificar as fontes somáticas dos instintos de morte embora possamos especular que residem nos processos catabólicos ou de decomposição do corpo Ele também não deu nome à energia pela qual os instintos de morte executam seu trabalho A suposição de Freud de um desejo de morte baseiase no princípio de constância conforme formulado por Fechner Esse princípio afirma que todos os processos vivos tendem a retornar à estabilidade do mundo inorgânico Em Além do Princípio do Prazer 1920a Freud apresentou o seguinte argumento em favor do conceito do desejo de morte A matéria viva se desenvolveu pela ação das forças cósmicas sobre a matéria inorgânica A princípio essas mudanças eram extremamente instáveis e rapidamente revertiram ao seu estado inorgânico anterior Mas gradualmente a duração da vida aumentou devido a mudanças evolutivas no mundo mas essas formas animadas instáveis eventualmente regressavam à estabilidade da matéria inanimada Com o desenvolvimento dos mecanismos reprodutivos os seres vivos conseguiram reproduzir sua própria espécie e não dependiam mais de serem criados do mundo inorgânico Mas mesmo com esse avanço cada membro da espécie inevitavelmente obedecia ao princípio da constância uma vez que este era o princípio que governava sua existência quando ele fora dotado de vida A vida dizia Freud era apenas um caminho indireto para a morte Arrancada de sua existência estável a matéria orgânica tenta voltar a um estado de tranqüilidade O desejo de morte no ser humano é a representação psicológica do princípio da constância Um derivado importante dos instintos de morte é a pulsão agressiva A agressividade é a autodestruição voltada para fora contra objetos substitutos Uma pessoa briga com outras e é destrutiva porque o desejo de morte está bloqueado pelas forças dos instintos de vida e por outros obstáculos na personalidade que agem contra os instintos de morte Foi necessária a Primeira Guerra Mundial de 19141918 para convencer Freud de que a agressão era um motivo tão soberano quanto o sexo Essa visão de que a Grande Guerra estimulou o interesse de Freud pela agressão foi contestada por Stepansky 1977 Os instintos de vida e de morte e seus derivados podem se fundir neutralizar um ao outro ou substituir um ao outro Comer por exemplo representa uma fusão da fome e da destrutividade que é satisfeita por morder mastigar e engolir o alimento O amor um derivado do instinto sexual pode neutralizar o ódio um derivado do instinto de morte Ou o amor pode substituir o ódio ou o ódio o amor Uma vez que os instintos contem toda a energia pela qual os três sistemas da personalidade realizam o seu trabalho examinemos agora como o id o ego e o superego controlam e utilizam a energia psíquica A Distribuição e a Utilização da Energia Psíquica A dinâmica da personalidade consiste na maneira pela qual a energia psíquica é distribuída e utilizada pelo id ego e superego Uma vez que a quantidade de energia é uma quantidade limitada existe uma competição entre os três sistemas pela energia disponível Um sistema obtém controle da energia disponível à custa dos dois outros sistemas À medida que um sistema se torna mais forte os outros dois necessariamente se tornam mais fracos a menos que uma nova energia seja acrescentada ao sistema total Originalmente o id possui toda a energia e a utiliza para a ação reflexa e para a realização do desejo por meio do processo primário Ambas as atividades estão a serviço direto do princípio do prazer pelo qual o id opera O investimento de energia em uma ação ou imagem que vai gratificar um instinto é chamado de escolha objetal ou catexia objetal A energia do id está em um estado muito fluido o que significa que ela pode ser facilmente desviada de uma ação ou imagem para outra ação ou imagem A qualidade deslocável dessa energia instinctual se deve à incapacidade do id de fazer discriminações sutis entre os objetos Os objetos diferentes são tratados como se fossem o mesmo O bebê faminto por exemplo vai pegar qualquer objeto que puder agarrar e o levará aos lábios Uma vez que o ego não tem nenhuma fonte de energia própria ele precisa tomála emprestada do id O desvio da energia do id para os processos que constituem o ego fazse por meio de um mecanismo conhecido como identificação Esse é um dos conceitos mais importantes na psicologia freudiana e um dos mais difíceis de entender Podemos lembrar de uma discussão prévia que o id não distingue entre imagem subjetiva e realidade objetiva Quando ele investe energia psíquica na imagem de um objeto é o mesmo que investir no próprio objeto Entretanto se uma imagem mental não pode satisfazer uma necessidade a pessoa é forçada a diferenciar entre o mundo da mente e o mundo externo Ela precisa aprender a diferença entre uma memória ou idéia de um objeto que não está presente e uma impressão ou percepção sensorial de um objeto que está presente Então a fim de satisfazer a necessidade a pessoa tem de aprender a comparar o que está em sua mente ao seu equivalente no mundo externo por meio do processo secundário Essa comparação de uma representação mental com a realidade física de algo que está na mente com algo que está no mundo externo é o que queremos dizer como identificação Já que o id não faz distinção entre os conteúdos da mente sejam eles percepções imagens mnemônicas idéias ou alucinações pode ser feita uma catexia investimento em uma percepção realista tão facilmente quanto em uma imagem mnemônica de realização de desejo Dessa maneira a energia se desvia dos processos psicológicos puramente subjetivos do id para os processos objetivos lógicos ideacionais do ego Em ambos os casos a energia é usada para propósitos estritamente psicológicos mas no caso do id não é feita nenhuma distinção entre o símbolo mental e o referente físico ao passo que no caso do ego essa distinção é feita O ego tenta fazer com que o símbolo represente acuradamente o referente Em outras palavras a identificação permite que o processo secundário substitua ou suplante o processo primário Já que o processo secundário é tão mais satisfatório para reduzir tensões formamse mais e mais catexias de ego Gradualmente o ego mais eficiente obtém um monopólio virtual sobre a reserva de energia psíquica Esse monopólio entretanto é apenas relativo porque se o ego deixa de satisfazer os instintos o id retoma seu poder Uma vez que o ego armazenou energia suficiente pode usála para outros propósitos além do da gratificação dos instintos pelo processo secundário Parte da energia é usada para levar a um nível superior de desenvolvimento vários processos psicológicos tais como perceber lembrar julgar discriminar abstrair generalizar e raciocinar Parte da energia tem de ser usada pelo ego para impedir o id de agir impulsiva e irracionalmente Essas forças restritivas são conhecidas como anticatexia em distinção às forças pulsionais ou catexias À medida que o id se torna muito ameaçador o ego erige defesas contra ele Esses mecanismos de defesa que serão discutidos em uma seção posterior também podem ser usados para lidar com as pressões do superego sobre o ego Para a manutenção dessas defesas é necessária energia eviden A energia do ego também pode ser deslocada para criar novas catexias objetais de modo que se forma no ego uma verdadeira rede de interesses atitudes e preferências derivadas Essas catexias do ego podem não satisfazer diretamente as necessidades básicas do organismo mas estão conectadas por vínculos associativos a objetos que satisfazem A energia da pulsão da fome por exemplo pode desdobrarse para incluir catexias como o interesse por colecionar receitas frequentar restaurantes exóticos e vender porcelana Tal desdobramento de catexias em canais que estão apenas remotamente conectados com o objeto original do instinto é possibilitado pela maior eficiência do ego ao realizar sua função fundamental de gratificar os instintos O ego tem um excedente de energia para usar para outros propósitos Finalmente o ego como o executivo da organização da personalidade usa a energia para efetuar uma integração entre os três sistemas O propósito dessa função integrativa do ego é produzir uma harmonia interna dentro da personalidade de modo que as transações do ego com o ambiente possam ser feitas tranquila e efetivamente O mecanismo de identificação também explica a energização do sistema do superego Essa também é uma questão complexa e ocorre da seguinte maneira Entre as primeiras catexias objetais do bebê estão as dos pais As catexias se desenvolvem cedo e entrincheiramse firmemente porque o bebê é completamente dependente dos pais ou de substitutos dos pais para a satisfação de necessidades Os pais também desempenham o papel de agentes disciplinares eles ensinam à criança o código moral e os ideais e valores tradicionais da sociedade em que a criança é criada Eles fazem isso recompensando a criança quando ela apresenta a atitude certa e punindoa quando está errada Uma recompensa é qualquer fato ou objeto que reduza a tensão ou prometa isso Um pedaço de chocolate um sorriso ou uma palavra gentil podem ser uma recompensa efetiva Uma punição é qualquer elemento que aumente a tensão Pode ser um tapa um olhar desaprovador ou a negação de um prazer Assim a criança aprende a identificar isto é a comparar seu comportamento com as sanções e as proibições impostas pelos pais A criança introjeta os imperativos morais dos pais em virtude das catexias originais que fez neles como agentes que satisfazem necessidades Ela investe energia em seus ideais e estes se tornam o seu ideal de ego ela investe energia em suas proibições e estas se tornam a sua consciência Assim o superego ganha acesso ao reservatório de energia no id por meio da identificação da criança com os pais O trabalho realizado pelo superego freqüentemente mas nem sempre é na direção oposta aos impulsos do id Isso acontece porque o código moral representa a tentativa da sociedade de controlar e até de inibir a expressão das pulsões primitivas especialmente as do sexo e da agressão Ser bom geralmente significa ser obediente e não fazer nem dizer coisas feias Ser mau significa ser desobediente rebelde e lascivo A pessoa virtuosa inibe seus impulsos a pessoa pecadora os satisfaz Mas o superego pode às vezes ser corrompido pelo id Isso acontece por exemplo quando alguém em um ataque de fervor moralista toma medidas agressivas contra aqueles considerados maus ou pecadores A expressão da agressão nesses casos é coberta pelo manto de honra da indignação Depois que a energia fornecida pelos instintos foi canalizada para o ego e o superego pelos mecanismos de identificação tornase possível uma complicada interação de forças pulsionais e restritivas O id podemos lembrar só possui forças pulsionais ou catexias ao passo que a energia do ego e do superego é usada tanto para satisfazer quanto para frustrar as metas instintuais O ego tem de supervisionar tanto o id quanto o superego para poder governar sabiamente a personalidade no entanto ele precisa que lhe reste energia suficiente para realizar a interação necessária com o mundo externo Se o id mantém o controle sobre uma grande parcela da energia o comportamento da pessoa tende a ter um caráter impulsivo e primitivo Por outro lado se o superego obtém o controle de uma quantidade indevida de energia o funcionamento da personalidade será dominado por considerações moralistas em vez de realistas As anticatexias da consciência podem amarrar o ego com nós moralistas e impedir qualquer tipo de ação enquanto as catexias do ideal de ego podem estabelecer padrões tão elevados para o ego que a pessoa vai se sentir continuamente frustrada e pode eventualmente desenvolver um sentimento depressivo de fracasso As mudanças de energia súbitas e imprevisíveis de um sistema para outro e de catexias para anticatexias são comuns especialmente durante as duas primeiras décadas de vida antes que a distribuição de energia tenha se tornado mais ou menos estabilizada Essas mudanças de energia mantêm a personalidade em um estado de fluxo dinâmico Freud era pessimista em relação às chances de a psicologia se tornar uma ciência exata porque como ele salientava até uma mudança muito pequena na distribuição da energia poderia fazer a balança pender em favor de uma forma de comportamento e não da oposta Freud 1920 b Quem pode dizer se a pessoa em pé no parapeito da janela vai pular ou não ou se o atacante do time de futebol vai falhar ou conseguir fazer o gol e obter a vitória Na análise final a dinâmica da personalidade consiste na interação das forças pulsionais catexias e das forças restritivas anticatexias Todos os conflitos da personalidade podem ser reduzidos à oposição entre esses dois conjuntos de forças Toda tensão prolongada se deve à oposição entre uma força pulsional e uma força restritiva Seja uma anticatexia do ego oposta a uma catexia do id ou uma anticatexia do superego oposta a uma catexia do ego o resultado em termos de tensão é o mesmo Como Freud gostava de dizer a psicanálise é uma concepção dinâmica que investiga a vida mental na interação entre forças que favorecem ou inibem uma à outra 1910b p 213 Ansiedade A dinâmica da personalidade é em grande extensão governada pela necessidade de gratificar as próprias necessidades por meio de transações com objetos no mundo externo O ambiente circundante provê o organismo faminto com alimento e o sedent0 com água Além de seu papel como fonte dos suprimentos o mundo externo desempenha um outro papel importante como moldador do destino da personalidade O ambiente contém regiões de perigo e insegurança ele pode ameaçar assim como satisfazer O ambiente tem o poder de produzir dor e aumentar a tensão assim como de trazer prazer e reduzir a tensão Ele perturba assim como conforta Sentir medo é a reação costumeira do indivíduo às ameaças externas de dor e destruição com as quais não está preparado para lidar A pessoa ameaçada normalmente é uma pessoa com medo Esmagado pela estimulação excessiva que não consegue controlar o ego é inundado pela ansiedade Freud reconheceu três tipos de ansiedade ansiedade de realidade ansiedade neurótica e ansiedade moral ou sentimentos de culpa 1926b O tipo básico é a ansiedade de realidade ou o medo de perigos reais no mundo externo dele se derivam os outros dois A ansiedade neurótica é o medo de que os instintos escapem ao controle e levem a pessoa a tomar alguma atitude pela qual ela será punida A ansiedade neurótica não é tanto o medo dos próprios instintos quanto o medo da punição que provavelmente se seguirá à gratificação instintual A ansiedade neurótica tem uma base na realidade porque o mundo conforme representado pelos pais e outras autoridades realmente pune a criança por ações impulsivas A ansiedade moral é o medo da consciência As pessoas com superegos bemdesenvolvidos tendem a sentir culpa quando praticam algum ato ou inclusive quando pensam em fazer alguma ação contrária ao código moral pelo qual foram criadas Dizemos que são aprisionadas pela consciência A ansiedade moral também tem uma base realista pois a pessoa foi punida no passado por violar o código moral e pode ser punida novamente A função da ansiedade é alertar a pessoa em relação a um perigo iminente ela é um sinal para o ego de que a menos que sejam tomadas medidas apropriadas o perigo pode aumentar até o ego ser aniquilado A ansiedade é um estado de tensão é uma pulsão como a fome ou o sexo mas em vez de surgir das condições tissulares internas é produzida originalmente por causas externas Quando a ansiedade é despertada ela motiva a pessoa a fazer algo Ela pode fugir da região ameaçadora inibir o impulso perigoso ou obedecer à voz da consciência A ansiedade que não pode ser manejada com medidas efetivas é chamada de traumática Ela reduz a pessoa a um estado de desamparo infantil De fato o protótipo de toda ansiedade posterior é o trauma do nascimento O neonato é bombardeado com estímulos do mundo para os quais não está preparado e aos quais não consegue se adaptar O bebê precisa de um ambiente protegido até o ego ter tido a chance de se desenvolver a ponto de conseguir dominar os fortes estímulos do ambiente Quando o ego não consegue lidar com a ansiedade por métodos racionais ele tem de recorrer a métodos irrealistas Esses métodos são os chamados mecanismos de defesa do ego que serão discutidos na seção seguinte O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE Freud foi provavelmente o primeiro teórico da psicologia a enfatizar os aspectos desenvolvimentais da personalidade e em particular o papel decisivo dos primeiros anos do período de bebê e da infância como formadores da estrutura de caráter básica da pessoa Na verdade Freud considerava que a personalidade já estava muito bem formada pelo final do quinto ano de vida e que o desenvolvimento subsequente era praticamente só a elaboração dessa estrutura básica Ele chegou a essa conclusão com base em suas experiências com pacientes que se submetiam à psicanálise Inevitavelmente suas explorações mentais os levavam de volta a experiências da infância inicial que pareciam decisivas para o desenvolvimento de uma neurose mais tarde na vida Freud acreditava que a criança é o pai do homem É interessante em vista de sua forte preferência por explicações genéticas do comportamento adulto que Freud raramente tenha estudado as crianças pequenas diretamente Ele preferia reconstruir a vida passada da pessoa a partir de evidências fornecidas por lembranças adultas A personalidade se desenvolve em resposta a quatro fontes importantes de tensão 1 processos de crescimento fisiológico 2 frustrações 3 conflitos e 4 ameaças Como uma consequência direta de aumentos de tensão emanando dessas fontes a pessoa é forçada a aprender novos métodos de reduzir a tensão Tal aprendizagem é o que seria o desenvolvimento da personalidade Para uma lúcida discussão da teoria de Freud da aprendizagem ver Hilgard Bower 1975 A identificação e o deslocamento são dois métodos pelos quais o indivíduo aprende a resolver as frustrações os conflitos e as ansiedades Identificação O conceito de identificação foi introduzido em uma seção anterior para ajudar a explicar a formação do ego e do superego No presente contexto a identificação pode ser definida como o método pelo qual alguém assume as características de outra pessoa e tornaas uma parte integrante de sua personalidade Ela aprende a reduzir a tensão modelando o próprio comportamento segundo o de outra pessoa Freud prefe ria o termo identificação ao termo imitação mais familiar Ele achava que imitação denota uma espécie de comportamento de copiar superficial e temporário e queria uma palavra que transmitisse a idéia de uma aquisição mais ou menos permanente da personalidade Nós escolhemos como modelos aqueles indivíduos que nos parecem mais bemsucedidos do que nós na gratificação das próprias necessidades A criança se identifica com os pais porque eles parecem ser onipotentes pelo menos durante os anos da infância inicial À medida que as crianças crescem encontram outras pessoas com as quais se identificar pessoas cujas realizações estão mais de acordo com seus atuais desejos Cada período tende a ter suas figuras de identificação características Nem é preciso dizer que a maioria dessas identificações ocorre inconscientemente e não como pode parecer com intenção consciente Essa ênfase na modelação inconsciente distingue a identificação de Freud da aprendizagem observacional de Bandura ver Capítulo 14 Não é necessário que uma pessoa se identifique com outra em todos os aspectos Geralmente selecionamos e incorporamos apenas aquelas características que acreditamos que vão nos ajudar a atingir um objetivo desejado Existe muita tentativa e erro no processo de identificação porque geralmente não temos certeza do que existe na outra pessoa que explica o seu sucesso O teste supremo é se a identificação ajuda a reduzir a tensão se ajuda aquela qualidade é absorvida se não ajuda ela é descartada Podemos identificarnos com animais personagens imaginários instituições idéias abstratas e objetos inanimados assim como com outros seres humanos A identificação também é um método pelo qual podemos recuperar um objeto que foi perdido Quando nos identificamos com uma pessoa amada que morreu ou de quem nos separamos a pessoa perdida é reencarnada como uma característica incorporada da personalidade As crianças que foram rejeitadas pelos pais tendem a formar sólidas identificações com eles na esperança de recuperar seu amor Também podemos nos identificar com alguém por medo A criança se identifica com as proibições dos pais a fim de evitar o castigo Esse tipo de identificação é a base para a formação do superego A estrutura final da personalidade representa um acúmulo de numerosas identificações feitas em vários períodos da vida da pessoa embora a mãe e o pai provavelmente sejam as figuras de identificação mais fortes na vida de qualquer pessoa Deslocamento Quando uma escolha de objeto original de um instinto se torna inacessível por barreiras externas ou internas anticatexias uma nova catexia se forma a menos que ocorra uma forte repressão Se essa nova catexia também é bloqueada ocorre um outro deslocamento e assim por diante até ser encontrado um objeto que traga certo alívio para a tensão encurralada Esse objeto é então catexizado até perder seu poder de reduzir a tensão momento em que é instituída outra busca por um objeto apropriado Durante toda a série de deslocamentos que constitui em grande medida o desenvolvimento da personalidade a fonte e a meta do instinto permanecem constantes É só o objeto que varia Um objeto substituto raramente é tão satisfatório ou redutor de tensão quanto o objeto original e quanto mais diferente for o objeto substituto do original menos a tensão é reduzida Em conseqüência de numerosos deslocamentos vaise acumulando uma grande tensão que age como uma permanente força motivacional para o comportamento A pessoa está constantemente buscando maneiras novas e melhores de reduzir a tensão Isso explica a variabilidade e a diversidade do comportamento assim como a inquietude humana Por outro lado a personalidade realmente se torna mais ou menos estabilizada com a idade devido aos compromissos feitos entre as forças pulsionais dos instintos e as resistências do ego e do superego Como escrevemos alhures Os interesses os apegos e todas as outras formas de motivos adquiridos persistem porque são até certo grau frustrantes assim como satisfatórios Eles persistem porque não produzem uma satisfação completa Todo compromisso é ao mesmo tempo uma renúncia A pessoa desiste de alguma coisa que realmente quer mas não pode ter e aceita uma segunda ou terceira melhor escolha que pode ter Hall 1954 p 104 Freud salientou que o desenvolvimento da civilização foi possível devido à inibição das escolhas objetais primitivas e ao desvio da energia instintual para canais socialmente aceitáveis e culturalmente criativos 1930 Um deslocamento que produz uma realização cultural superior é chamado de sublimação Freud observou em relação a isso que o interesse de Leonardo da Vinci por pintar madonas era uma expressão sublimada de um desejo de intimidade com a mãe de quem ele fora separado em tenra idade 1910a Uma vez que a sublimação não resulta em uma satisfação completa não mais que o deslocamento sempre fica certa tensão residual Essa tensão pode descarregarse na forma de nervosismo ou inquietude condições que Freud apontou como o preço que os seres humanos pagavam por seu status civilizado 1908 A direção tomada por um deslocamento é determinada por dois fatores 1 a semelhança do objeto substituto com o original e 2 as sanções e as proibições impostas pela sociedade O fator de semelhança é na verdade o grau em que os objetos são identificados na mente da pessoa Leonardo pintava madonas em vez de camponesas ou aristocratas porque imaginava sua mãe mais parecida com uma madona do que com qualquer outro tipo de mulher A sociedade agindo por meio dos pais e de outras pessoas disciplinadoras autoriza certos deslocamentos e proíbe outros A criança aprende que é permitido chupar um pirulito mas não o polegar A capacidade de formar catexias objetais substitutas é o mecanismo mais poderoso para o desenvolvimento da personalidade A complexa rede de interesses preferências valores atitudes e apegos que caracterizam a personalidade do adulto humano é possibilitada pelo deslocamento Se a energia psíquica não fosse deslocável e distributiva não haveria nenhum desenvolvimento da personalidade A pessoa seria meramente um robô mecânico levada pelos instintos a executar padrões fixos de comportamento Os Mecanismos de Defesa do Ego Sob a pressão de excessiva ansiedade o ego às vezes é forçado a tomar medidas extremas para aliviar a pressão Essas medidas são chamadas de mecanismos de defesa As principais defesas são a repressão a projeção a formação reativa a fixação e a regressão Anna Freud 1946 Todos os mecanismos de defesa têm duas características em comum 1 eles negam falsificam ou distorcem a realidade e 2 eles operam inconscientemente de modo que a pessoa não tem consciência do que está acontecendo Repressão Este é um dos primeiros conceitos da psicanálise Antes de Freud chegar à sua formulação final da teoria da personalidade em termos de id ego e superego ele dividiu a mente em três regiões consciência préconsciência e inconsciência O préconsciente consistia no material psicológico que poderia se tornar consciente quando surgisse a necessidade O material no inconsciente entretanto era visto por Freud como relativamente inacessível à consciência ele estaria em um estado de repressão Quando Freud revisou sua teoria da personalidade o conceito de repressão foi mantido como um dos mecanismos de defesa do ego Gill 1963 salienta que Freud abandonou uma topografia da mente em termos de consciente préconsciente e inconsciente por uma visão estrutural em termos de id ego e superego porque a repressão e o que estava reprimido não podiam estar no mesmo sistema A repressão estaria no ego e o que era reprimido no id Ver também Arlow Brenner 1964 Dizemos que ocorre repressão quando uma escolha de objeto que provoca um alarme indevido é empurrada para fora da consciência por uma anticatexia Por exemplo podemos impedir que uma memória perturbadora se torne consciente ou que uma pessoa não enxergue algo que está bem à vista porque a percepção daquilo está reprimida A repressão pode inclusive interferir no funcionamento normal do corpo Alguém pode ficar sexualmente impotente porque tem medo do impulso sexual ou desenvolver uma artrite em conseqüência de sentimentos de hostilidade reprimidos As repressões podem abrir caminho à força por meio das anticatexias opositoras ou encontrar expressão na forma de um deslocamento Para que o deslocamento consiga impedir o redesepertar da ansiedade ele precisa estar disfarçado em alguma forma simbólica adequada Um filho que reprimiu seus sentimentos hostis em relação ao pai pode expressar esses sentimentos hostis diante de outros símbolos de autoridade um sentimento hostil reprimido no processo de deslocamento que pode se realizar nos sonhos de maneira disfarçada Uma vez formadas as repressões são difíceis de serem apagadas A pessoa precisa reassegurarse de que o perigo não mais existe mas não pode obter essa segurança até a repressão se erguer e ela poder testar a realidade É um círculo vicioso É por isso que os adultos levam consigo muitos medos infantis Eles nunca têm a chance de descobrir que esses medos não têm nenhuma base na realidade Observem a semelhança com a posição comportamentalista de que os medos irracionais persistem porque levam o indivíduo a evitar situações em que o medo poderia ser extinto ver Capítulo 12 Projeção Normalmente é mais fácil para o ego lidar com a ansiedade de realidade do que com a ansiedade neurótica ou a moral Conseqüentemente se a fonte da ansiedade pode ser atribuída ao mundo externo em vez de aos impulsos primitivos do indivíduo ou às ameaças da consciência a pessoa provavelmente obterá maior alívio para a condição ansiosa Esse mecanismo pelo qual a ansiedade neurótica ou moral é convertida em um medo objetivo é chamado de projeção Tal conversão é feita facilmente porque a fonte original tanto da ansiedade neurótica quanto da moral é o medo de ser castigado por um agente externo Na projeção alguém simplesmente diz Ela me odeia em vez de Eu a odeio ou Ele está me perseguindo em vez de Minha consciência está me perturbando A projeção geralmente tem um propósito duplo Ela reduz a ansiedade ao substituir um perigo maior por um menor e permite que a pessoa que está projetando expresse seus impulsos sob o disfarce de defenderse dos inimigos Formação Reativa Esta medida defensiva envolve substituir na consciência um impulso ou sentimento ansiogênico pelo seu oposto Por exemplo o ódio é substituído pelo amor O impulso original ainda existe mas é encoberto ou mascarado por outro que não causa ansiedade É comum a pergunta sobre como podemos distinguir uma formação reativa de uma genuína expressão de um impulso ou sentimento Por exemplo como o amor reativo pode ser diferenciado do amor verdadeiro Normalmente uma formação reativa é marcada por uma manifestação extravagante a pessoa faz protestos exagerados e pela compulsividade As formas extremas de qualquer tipo de comportamento geralmente denotam uma formação reativa Às vezes a formação reativa consegue satisfazer o impulso original contra o qual a pessoa se defende como quando uma mãe cobre o filho de afeição e atenção Fixação e Regressão No curso do desenvolvimento normal como veremos na próxima seção a personalidade atravessa uma série de estágios bemdefinidos até chegar à maturidade Cada novo passo dado todavia envolve certa frustração e ansiedade Se elas se tornam muito intensas o crescimento normal pode ficar temporária ou permanentemente interrompido Em outras palavras a pessoa pode ficar fixada nos estágios iniciais do desenvolvimento porque dar o passo seguinte desperta muita ansiedade A criança excessivamente dependente exemplifica a defesa pela fixação a ansiedade a impede de aprender a ser independente Uma defesa estreitamente relacionada é a da regressão Nesse caso uma pessoa que encontra experiências traumáticas recua para um estágio anterior de desenvolvimento Por exemplo uma criança que está assustada com o primeiro dia na escola pode apresentar um comportamento de bebê como chorar chupar o dedo agarrarse à professora ou esconderse em um canto Uma jovem mulher casada que está com dificuldades com o marido pode voltar para a segurança da casa dos pais ou um homem que perdeu o emprego pode buscar consolo na bebida O caminho da regressão normalmente é determinado pelas fixações anteriores da pessoa Isto é as pessoas tendem a regredir a um estágio no qual estiveram previamente fixadas Se eram excessivamente dependentes quando crianças é provável que se tornem mais uma vez excessivamente dependentes quando sua ansiedade atingir um nível intolerável A fixação e a regressão em geral são condições relativas uma pessoa raramente se fixa ou regride completamente Mais propriamente a personalidade tende a incluir infantilismos isto é formas imaturas de comportamento e predisposição a manifestar conduta infantil quando frustrada As fixações e as regressões são responsáveis pela irregularidade no desenvolvimento da personalidade Estágios de Desenvolvimento A criança atravessa uma série de estágios dinamicamente diferenciados durante os primeiros cinco anos de vida depois dos quais a dinâmica fica mais ou menos estabilizada por uns cinco ou seis anos o período de latência Com o advento da adolescência a dinâmica irrompe outra vez e depois gradualmente se acomoda à medida que o adolescente entra na idade adulta Para Freud os primeiros anos de vida são decisivos para a formação da personalidade Cada estágio de desenvolvimento durante os primeiros cinco anos é definido em termos dos modos de reação de uma zona específica do corpo Durante o primeiro estágio que dura cerca de um ano a boca é a principal região de atividade dinâmica O estágio oral é seguido pelo desenvolvimento de catexias e de anticatexias em relação às funções eliminativas o chamado estágio anal Ele acontece no segundo ano de vida e é seguido pelo estágio fálico em que os órgãos sexuais se tornam as zonas erógenas mais importantes Esses estágios oral anal e fálico são chamados de estágios prégenitais A criança então atravessa um prolongado período de latência os chamados anos de tranqüilidade dinamicamente falando Durante esse período os impulsos tendem a ser mantidos em um estado de repressão O ressurgimento da dinâmica na adolescência reativa os impulsos prégenitais Se eles forem satisfatoriamente deslocados e sublimados pelo ego a pessoa passa para o estágio final da maturidade o estágio genital O modelo desenvolvimental de Freud baseiase na suposição da sexualidade infantil Isto é os estágios representam uma seqüência normativa de diferentes modos de gratificar os impulsos sexuais e é a maturação física a responsável pela seqüência de zonas erógenas e de estágios correspondentes Os estágios são chamados de psicossexuais porque são as pulsaões sexuais que levam à aquisição das características psicológicas Freud é freqüentemente malentendido nesse ponto Quando usou o termo sexualidade ele não estava se referindo exclusivamente à sexualidade genital melhor dizendo as forças sexuais que induzem os estágios desenvolvimentais refletem tipos diferentes de prazer corporal Os locais de prazer corporal mudam conforme a maturação física que leva a uma seqüência normativa de zonas erógenas cada uma com um conjunto diferente de ações e objetos característicos Essa relação entre o físico e o psicológico continua pois muitos dos traços de caráter associados a um estágio específico são transformações de atos físicos característicos daquele estágio específico Por exemplo o bebê que literalmente tenta engolir tudo durante o estágio oral podese tornar o adulto crédulo que aceita ou figurativamente engole tudo o que as outras pessoas dizem Ou o bebê que morde agressivamente podese tornar o adulto sarcástico com um humor mordaz Esses exemplos podem parecer extremos mas observem que o processo de fixação em si é muito razoável Na verdade a noção de uma continuação ou de um retorno a modos estabelecidos de comportamento é a essência das abordagens da teoria da aprendizagem ao comportamento e à personalidade ver Capítulos 12 13 e 14 Com essa introdução agora passamos a tratar de cada estágio O Estágio Oral A principal fonte de prazer derivado da boca é comer Comer envolve a estimulação tátil dos lábios e da cavidade oral e do engolir ou se o alimento é desagradável do cuspir Mais tarde quando surgem os dentes a boca é usada para morder e mastigar Esses dois modos de atividade oral incorporar alimento e morder são os protótipos de muitos outros traços de caráter que se desenvolvem O prazer derivado da incorporação oral pode ser deslocado para outros modos de incorporação tais como o prazer da aquisição de conhecimentos ou possessões Uma pessoa crédula por exemplo está fixada no nível incorporativo oral da personalidade essa pessoa vai engolir quase tudo o que lhe disserem A agressão mordaz ou oral pode ser deslocada na forma de sarcasmo e de argumentatividade Por meio de vários tipos de deslocamentos e sublimações assim como de defesas contra os impulsos orais primitivos esses modos prototípicos de funcionamento oral constituem a base para o desenvolvimento de uma vasta rede de interesses atitudes e traços de caráter Além disso já que o estágio oral ocorre em uma época na qual o bebê é completamente dependente da mãe para sobreviver surgem nesse período sentimentos de dependência Tais sentimentos de dependência tendem a persistir por toda a vida apesar dos posteriores desenvolvimentos do ego e podem aflo rar sempre que a pessoa se sentir ansiosa e insegura Freud acreditava que o sintoma de dependência mais extremo é o desejo de voltar ao útero O Estágio Anal Depois que o alimento foi digerido os resíduos se acumulam na extremidade inferior do trato intestinal e são reflexamente eliminados quando a pressão sobre os esfíncteres anais atinge um certo nível A expulsão das fezes remove o desconforto e produz um sentimento de alívio Quando é iniciado o treinamento para deixar as fraldas em geral durante o segundo ano de vida a criança tem sua primeira experiência decisiva com a regulação externa de um impulso instintual Ela precisa aprender a adiar o prazer que vem de aliviar tensões anais Dependendo do método específico de treinamento para deixar as fraldas usado pela mãe e de seus sentimentos em relação à defecação as conseqüências desse treinamento podem ter efeitos importantes sobre a formação de traços e valores específicos Se a mãe for muito rígida e repressiva em seus métodos a criança pode reter as fezes e ter prisão de ventre Se esse modo de reação se generalizar para outras maneiras de se comportar a criança vai desenvolver um caráter retentivo Ela se tornará obstinada e avarenta Ou sob a coerção de medidas repressivas a criança pode expressar sua raiva expelindo as fezes nos momentos mais inadequados Esse é o protótipo de todos os tipos de traços expulsivos crueldade destrutividade desenfreada ataques de raiva e desorganização desleixada para mencionar apenas alguns Por outro lado se a mãe é o tipo de pessoa que apela para que a criança evacue e elogiaa extravagantemente quando ela o faz a criança vai adquirir a noção de que toda a atividade de produzir fezes é extremamente importante Essa idéia pode ser a base para a criatividade e a produtividade Inúmeros outros traços de caráter têm raízes no estágio anal O Estágio Fálico Durante este estágio de desenvolvimento da personalidade os sentimentos sexuais e agressivos associados ao funcionamento dos órgãos genitais ficam muito claros Os prazeres da masturbação e a vida de fantasia que acompanham a atividade autoerótica montam o cenário para o aparecimento do complexo de Édipo Freud considerava a identificação do complexo de Édipo como uma de suas grandes descobertas O complexo de Édipo recebeu o nome do rei de Tebas que matou o pai e casou com a mãe Definindo brevemente o complexo de Édipo consiste em uma catexia sexual no progenitor do sexo oposto e em uma catexia hostil no progenitor do mesmo sexo O menino quer possuir a mãe e afastar o pai a menina quer possuir o pai e afastar a mãe Esses sentimentos se expressam nas fantasias da criança durante a masturbação e na alteração dos atos de amor e rebelião em relação aos pais O comportamento da criança de três a cinco anos é marcado em grande extensão pela operação do complexo de Édipo e embora seja modificado e sofra repressão depois dos cinco anos ele permanece sendo uma força vital na personalidade por toda a vida As atitudes em relação ao sexo oposto e em relação a pessoas de autoridade por exemplo são grandemente condicionadas pelo complexo de Édipo A história e o destino do complexo de Édipo diferem para homens e mulheres A princípio ambos os sexos amam a mãe porque ela satisfaz suas necessidades e ressentemse do pai porque o consideram um rival pelas afeições da mãe Esses sentimentos persistem no menino mas mudam na menina Vamos considerar primeiro a seqüência de eventos que caracteriza o desenvolvimento do complexo de Édipo masculino O desejo incestuoso do menino pela mãe e seu crescente ressentimento em relação ao pai fazemno entrar em conflito com os pais especialmente com o pai Ele imagina que seu rival dominador vai machucálo e seus medos podem realmente ser confirmados pelas ameaças de um pai rancoroso e punitivo Seus medos relativos ao que o pai pode fazer com ele centramse em ataques a seus órgãos genitais pois eles são a fonte de seus sentimentos de desejo Ele tem medo de que o pai ciumento remova os órgãos ofensores O medo da castração ou como Freud chamou a ansiedade de castração induz à repressão do desejo sexual pela mãe e da hostilidade em relação ao pai A repressão também ajuda o menino a se identificar com o pai Ao identificarse com o pai o menino também obtém certa satisfação vicária de seus impulsos sexuais dirigidos à mãe Ao mesmo tempo seu sentimento erótico perigoso pela mãe é convertido em uma afeição terna e inofensiva por ela Por último a catexias sexuais no progenitor do mesmo sexo Conseqüentemente os sentimentos do menino pelo pai e os sentimentos da menina pela mãe teriam um caráter ambivalente ao invés de univalente A suposição da bissexualidade foi apoiada por investigações das glândulas endócrinas que mostram que hormônios sexuais masculinos e femininos estão presentes em ambos os sexos A emergência e o desenvolvimento dos complexos de Édipo e de castração são eventos principais do período fálico e deixam um grande número de depósitos na personalidade O Estágio Genital As catexias dos períodos prégenitais têm um caráter narcísico Isso significa que o indivíduo obtém gratificação a partir da estimulação e da manipulação do próprio corpo e que as outras pessoas só são catexizadas porque proporcionam formas adicionais de prazer corporal para a criança Durante a adolescência parte desse autoamor ou narcisismo é canalizada para escolhas objetais genuínas O adolescente começa a amar os outros por motivos altruístas e não simplesmente devido a razões egoístas ou narcisicas Atração sexual socialização atividades grupais planejamento vocacional e preparação para casar e criar uma família tudo isso começa a se manifestar Pelo final da adolescência essas catexias altruístas socializadas tornamse bem estabilizadas devido aos habituais deslocamentos sublimacões e identificações A pessoa se transforma de um bebê narcisista que busca o prazer em um adulto socializado e orientado para a realidade Entretanto não devemos pensar que os impulsos prégenitais são deslocados pelos genitais O que acontece é que as catexias dos estágios oral anal e fálico se fundem com os impulsos genitais A principal função biológica do estágio genital é a reprodução os aspectos psicológicos ajudam na obtenção desse fim ao oferecer certa medida de estabilidade e segurança Apesar do fato de Freud diferenciar quatro estágios no desenvolvimento da personalidade ele não supôs rompimentos bruscos ou transições abruptas na passagem de um estágio para outro A organização final da personalidade representa contribuições dos quatro estágios PESQUISA CARACTERÍSTICA E MÉTODOS DE PESQUISA Os dados empíricos sobre os quais Freud baseou suas teorias consistiam principalmente nas verbalizações e no comportamento expressivo de pacientes sob tratamento psicológico Embora Freud conhecesse os métodos exatos da ciência do século XIX e tivesse estabelecido uma reputação substancial como investigador médico antes de mudar sua atenção para a psicologia ele não empregou técnicas experimentais ou observacionais controladas em suas investigações da mente humana Ele não fez parte do movimento da psicologia experimental iniciado por Fechner em 1860 e transformado em uma ciência por Wundt nas duas décadas seguintes Conhecia esse movimento e a filosofia de Fechner o influenciou mas Freud não foi um psicólogo experimental Ele não realizou experimentos psicológicos controlados nem coletou dados e analisouos quantitativamente como outros psicólogos do século XIX estavam fazendo Procuramos em vão por uma tabela ou gráfico em seus extensos textos Freud também nunca empregou um teste diagnóstico ou qualquer outro tipo de avaliação objetiva da personalidade Suas teorias germinaram enquanto ele ouvia os fatos e as fantasias verbalizados por personalidades perturbadas Uma anedota do final da vida de Freud ilustra essa posição a respeito da validação experimental de suas proposições Em 1934 Saul Rosenweig enviou a Freud os resultados de alguns experimentos que pareciam apoiar a teoria psicanalítica da repressão Rosenweig 1933 Freud replicou polidamente mas um tanto sumariamente que embora achasse a investigação interessante via nela pouco valor porque a riqueza de observações confiáveis sobre as quais se baseia a psicanálise tornaas independentes da verificação experimental Entretanto mal ela não faz Gay 1988 p 523 itálicos acrescentados Gay acrescenta que Freud ocasionalmente citava apoios experimentais para a sua posição mas de modo geral acreditava que suas horas analíticas ofereciam provas suficientes de suas idéias Gay conclui que esta posição foi no mínimo um erro tático Muitos críticos alegam que tal atitude representa muito mais do que um erro tático na verdade ela é anticientífica e impede que a repressão do complexo de Édipo faz com que o superego sofra seu desenvolvimento final Nas palavras de Freud o superego é o herdeiro do complexo de Édipo masculino Ele é a proteção contra o incesto e a agressão A sequência de eventos no desenvolvimento e na dissolução do complexo de Édipo feminino é mais complicada Em primeiro lugar a menina troca seu objeto de amor original a mãe por um novo objeto o pai Isso ocorre porque ela fica desapontada ao descobrir que o menino possui um órgão sexual protuberante o pênis enquanto ela tem somente uma cavidade Dessa descoberta traumática decorrem várias consequências importantes Primeiro ela vê a mãe como responsável por sua condição castrada o que enfraquece sua catexia na mãe Segundo ela transfere seu amor para o pai porque ele tem o órgão valorizado que ela aspira compartilhar com ele Entretanto seu amor pelo pai e por outros homens está também misturado a um sentimento de inveja pois eles possuem uma coisa que ela não tem A inveja do pênis é o equivalente feminino da ansiedade de castração no menino e as duas ansiedades são chamadas de complexo de castração Ela imagina que perdeu algo valioso enquanto o menino tem medo de perder Em certa extensão a falta de um pênis é compensada quando a mulher tem um bebê especialmente se o bebê for do sexo masculino Na menina o complexo de castração inicia o complexo de Édipo ao enfraquecer sua catexia na mãe e instituir uma catexia no pai O complexo de Édipo do menino é reprimido ou de outra forma modificado pela ansiedade de castração Em contraste o complexo de Édipo da menina tende a persistir embora sofra alguma modificação devido às barreiras realistas que a impedem de gratificar seu desejo sexual pelo pai Mas ele não é fortemente reprimido como no menino Essas diferenças na natureza dos complexos de Édipo e de castração são as bases para muitas diferenças psicológicas entre os sexos A proposta de Freud da inveja do pênis foi amplamente atacada e nós examinaremos várias rejeições nos capítulos seguintes Entre as reações contra Freud destacase a afirmação de que ele confundiu expectativas culturais com necessidades biológicas Afinal de contas Freud escreveu que a distinção anatômica entre os sexos tem de se expressar em conseqüências psíquicas 1933 p 124 Entretanto para fazer justiça a Freud devemos observar que ele considerava as diferenças sexuais como supradeterminadas ie como o produto de várias forças diferentes No mesmo texto em que aparece a citação anterior Freud escreveu o seguinte Mas nós devemos ter o cuidado de não subestimar a influência dos costumes sociais que igualmente forçam as mulheres a situações passivas Vocês podem tomar como um exemplo de injustiça masculina se eu afirmar que a inveja e o ciúme desempenham um papel ainda maior na vida mental da mulher do que na do homem Não é que eu pense que essas características estejam ausentes nos homens ou que eu ache que elas não tenham outras raízes nas mulheres além da inveja do pênis mas eu estou inclinado a atribuir sua maior quantidade nas mulheres a esta última influência Nós não pretendemos que essas afirmações tenham mais do que uma validade média também nem sempre é fácil distinguir o que deve ser atribuído à influência da função sexual e o que deve ser atribuído à influência da educação social Os determinantes da escolha objetal da mulher muitas vezes são tornados irreconhecíveis pelas condições sociais Mas não esqueçam que eu só estou descrevendo as mulheres uma vez que sua natureza é determinada por sua função sexual É verdade que essa influência vai muito longe mas nós não ignoramos o fato de que uma mulher pode ser um ser humano em outros aspectos também 1933 p 116135 Apesar desses cuidadosos qualificativos está claro que a conclusão de Freud de que a menina tem três possíveis linhas de desenvolvimento a inibição sexual ou a neurose um complexo de masculinidade ou a feminilidade normal ie narcisismo vaidade vergonha ou modéstia pouco senso de justiça interesse social mais tênue e menor capacidade de sublimar os instintos não soa como ele próprio colocou muito amigável Freud supunha que cada pessoa é inerentemente bissexual cada sexo é atraído para membros do mesmo sexo assim como para membros do sexo oposto Essa é a base constitucional da homossexualidade embora na maioria das pessoas os impulsos homossexuais permaneçam latentes Tal condição de bissexualidade complica o complexo de Édipo ao induzir posição de Freud seja aceita no panteão das teorias científicas No entanto seria um sério erro dizer que as verbalizações das pessoas em tratamento foram os únicos ingredientes usados por Freud para criar suas teorias Tão importante quanto esses dados brutos certamente foi a atitude rigorosamente crítica com que Freud analisou as associações livres de seus pacientes Hoje nós diríamos que ele analisou esse material bruto pelo método da consistência interna As inferências feitas a partir de uma parte do material eram comparadas com evidências que apareciam em outras partes de modo que as conclusões finais sobre o caso se baseavam em uma rede entrelaçada de fatos e de inferências Freud procedia em seu trabalho como um detetive reunindo evidências ou um advogado apresentando um caso para o júri Tudo tinha de encaixarse coerentemente antes de Freud achar que tinha encontrado a interpretação correta Devemos lembrar além disso que o material produzido por um caso atendido cinco horas por semana durante dois ou três anos tinha imensas proporções e que Freud tinha amplas oportunidades de verificar e reverificar suas posições antes de decidir sobre a interpretação final Em contraste o sujeito dos experimentos psicológicos típicos realizados sob condições controladas é observado ou testado por apenas uma ou duas horas em média Certamente duas das contribuições mais importantes de Freud para a estratégia de pesquisa foram o estudo intensivo do caso único e o uso do método da consistência interna para testar hipóteses Inúmeras vezes Freud foi obrigado a revisar suas teorias porque novas descobertas não podiam ser explicadas adequadamente por suas teorias correntes Ele ficava relutante em abandonar uma posição sistemática depois de têla formulado mas a história da teoria psicanalítica da personalidade de seu começo na década de 1890 ao final da década de 1920 demonstra muito conclusivamente que as visões de Freud eram finalmente determinadas pelo peso da evidência conforme ele a via Embora seus associados próximos possam ter tido certa influência em suas idéias parece razoavelmente claro que o teste supremo da validade de suas teorias era sua autocrítica e sua disposição de ser guiado por novas evidências A onda de ataques indignados à psicanálise que começou assim que Freud enunciou sua teoria da etiologia sexual da histeria e que continuou pelo resto de sua vida não influenciou seu pensamento Poucas vezes em sua vida ele respondeu aos seus críticos Nem a falta de apoio de seus colegas mais próximos fez com que Freud alterasse suas teorias Ele parecia ser dotado de uma imensa autonomia intelectual o que sem dúvida é um dos prérequisitos da grandeza O Credo Científico de Freud As idéias de Freud sobre como o cientista deve trabalhar para desenvolver uma ciência foram apresentadas sucintamente em um de seus raros pronunciamentos sobre esse tópico Ele escreve Nós ouvimos freqüentemente a afirmacão de que as ciências deveriam ser fundamentadas em conceitos básicos claros e nitidamente definidos Na verdade nenhuma ciência nem mesmo a mais exata começa com tais definições O verdadeiro início da atividade científica consiste mais exatamente em descrever fenômenos e depois prosseguir para agrupálos classificálos e correlacionálos Mesmo no estágio da descrição não é possível evitar aplicar certas idéias abstratas ao material sob exame idéias derivadas de algum lugar mas que certamente não derivam das novas observações sozinhas Tais idéias que mais tarde se tornarão os conceitos básicos da ciência são ainda mais indispensáveis à medida que o material vai sendo trabalhado Elas a princípio necessariamente possuem certo grau de indefinição não pode haver nenhuma clara delimitação de seu conteúdo À medida que elas permanecem nessa condição chegamos a um entendimento de seu significado fazendo repetidas referências ao material de observação do qual elas parecem ter sido derivadas mas ao qual de fato elas foram impostas Assim estritamente falando elas têm o caráter de convenções embora tudo dependa de não serem arbitrariamente escolhidas e sim determinadas por suas relações significativas com o material empírico com as relações que parecemos sentir antes de podermos reconhecer e demonstrar claramente É só depois de uma investigação mais completa do campo da observação que seremos capazes de formular seus conceitos científicos básicos com crescente precisão e progressivamente modificálos para que se tornem úteis e especialmente na França Freud ficou sabendo de um novo método que fora usado com sucesso por seu amigo e colega Dr Joseph Breuer no tratamento de um caso de histeria Esse método que Breuer chamava de catarse ou cura pela fala consistia em o paciente relatar os detalhes do aparecimento de cada um dos sintomas depois do que os sintomas desapareceram A partir desse método Freud gradualmente desenvolveu seu método inigualável da associação livre Ernest Jones chamou tal desenvolvimento de uma das duas grandes façanhas da vida científica de Freud a outra sendo a sua autoanálise Em essência o método da associação livre requer que o paciente diga tudo o que lhe vem à consciência por mais ridículo ou inadequado que possa soar Diferentemente do método catártico o método da associação livre não para na origem dos sintomas Ele permite na verdade exige que os pacientes falem sobre qualquer coisa que lhes ocorrer sem restrições e sem qualquer tentativa de produzir um discurso lógico organizado e significativo O papel do terapeuta é em grande extensão um papel passivo O terapeuta fica sentado escutando ocasionalmente estimula quando o fluxo verbal do paciente se esgota mas não interrompe quando o paciente está falando A fim de reduzir ao máximo a influência de distrações externas o paciente normalmente fica deitado em um divã em uma sala tranquila Freud observou que quando prevaleciam essas condições o paciente eventualmente começava a falar sobre as memórias de suas experiências infantis iniciais Tais memórias proporcionaram a Freud seu primeiro insight real sobre a formação da estrutura da personalidade e seu desenvolvimento subseqüente Esse método de reconstruir o passado a partir de verbalizações atuais pode ser comparado com o método desenvolvimental de observar o desenvolvimento da personalidade do período de bebê à idade adulta Talvez o insight mais original de Freud sobre os vôos indisciplinados das verbalizações de seus pacientes tenha sido que cada declaração estava associada de alguma maneira significativa e dinâmica à declaração precedente de modo que da primeira à última havia uma cadeia contínua de associações Tudo o que o paciente dizia se relacionava sem exceção ao que fora dito previamente Podia haver numerosos circunlóquios e bloqueios verbais mas eventualmente a história da mente da pessoa e sua presente organização seriam divulgadas para o ouvinte que seguisse a cadeia de associações por meio do labirinto verbal A análise dos sonhos não é um método separado do método da associação livre ele é uma conseqüência natural da instrução dada ao paciente para que fale sobre tudo o que lhe vier à mente Os primeiros pacientes de Freud lembravam os sonhos espontaneamente e prosseguiam para associar livremente sobre eles Freud logo percebeu que esses sonhos relatados e as associações livres concomitantes eram fontes de informação especialmente ricas sobre a dinâmica da personalidade humana Em resultado desse insight que testou com os próprios sonhos Freud formulou a famosa teoria de que o sonho é uma expressão do funcionamento e dos conteúdos mais primitivos da mente humana 1900 O processo primitivo que cria o sonho foi chamado por Freud de processo primário Como vimos o processo primário tenta realizar um desejo ou descarregar uma tensão ao induzir uma imagem do objetivo desejado Uma vez que as defesas não estão tão vigilantes durante o sono é mais fácil negociar uma expressão de compromisso de um desejo inconsciente Esse compromisso assume a forma de um sonho Os sonhos portanto têm duas funções Primeiro eles servem como os guard iães do sono para o sonhador ao distinguir os desejos cujo conteúdo traumático de outra forma o faria acordar Segundo eles oferecem ao analista a via régia para o inconsciente A missão do analista é reverter os processos de trabalho onírico e a formação de símbolo que transformaram o conteúdo latente subjacente no conteúdo manifesto superficial experienciado pelo sonhador A interpretação dos símbolos é o mais conhecido desses dois instrumentos talvez devido à natureza sexual de muitos dos símbolos comuns Por exemplo Freud escreveu Todos os objetos alongados como bastões troncos de árvores e guardachuvas podem representar o órgão masculino Caixas estojos baús armários e fornos representam o útero assim como objetos ocos navios e naves de qualquer tipo As salas nos sonhos geralmente são mulheres Nos sonhos dos homens as gravatas freqüentemente aparecem como símbolo do pênis Um símbolo muito recente do órgão masculino nos sonhos merece ser mencionado o avião cujo uso neste sentido é justificado por sua conexão com voar e às vezes por sua forma 1900 p 354357 Freud entretanto deixou clara a relativa importância dessas duas técnicas Eu gostaria de emitir uma advertência expressa sobre superestimar a importância dos símbolos na interpretação dos sonhos sobre restringir o trabalho de traduzir os sonhos meramente a traduzir símbolos e sobre abandonar a técnica de fazer uso das associações do sonhador As duas técnicas de interpretação dos sonhos devem ser complementares mas tanto na prática quanto na teoria o primeiro lugar continua cabendo aos comentários feitos pelo sonhador 1900 p 359360 Ao fazer seus pacientes associarem livremente sobre os sonhos Freud conseguiu penetrar nas regiões mais inacessíveis da mente humana e descobrir os fundamentos da personalidade Estudos de Caso de Freud A vasta quantidade de material bruto a partir da qual Freud criou sua teoria da personalidade nunca será conhecida As poucas histórias de caso que Freud escolheu publicar representam apenas uma fração infinitesimal dos casos tratados por ele A ética profissional impediuo parcialmente de apresentar seus casos ao mundo pois sempre havia o risco de o público curioso descobrir a identidade de seus pacientes Além das histórias de caso que aparecem em Estudos Sobre a Histeria 1895 que escreveu em colaboração com Breuer antes que a teoria psicanalítica assumisse uma forma definida em sua mente Freud publicou apenas seis relatos de caso Um deles o chamado Caso Schreber 1911 não foi paciente de Freud Freud baseou sua análise em um relato autobiográfico de um caso de paranóia escrito pelo Juiz Daniel Schreber Um outro estudo de caso referiase a uma fobia em um menino de cinco anos de idade o Pequeno Hans 1909a que foi tratado pelo pai um médico sob a orientação e as instruções de Freud Nos outros quatro casos Freud foi o terapeuta Eles são conhecidos como Dora 1905b o Homem dos Ratos 1909b o Homem dos Lobos 1918 e um caso de homossexualidade feminina 1920b Cada um desses casos foi apresentado para destacar os aspectos importantes de um ou mais dos conceitos teóricos de Freud Dora foi publicado disse Freud para mostrar como a análise dos sonhos nos permite descobrir as partes escondidas e reprimidas da mente humana e para demonstrar que os sintomas histéricos são motivados pelo impulso sexual Após um relato bastante longo dos fatores históricos e do quadro clínico atual Freud apresenta uma análise detalhada de dois dos sonhos de Dora Grande parte do material consiste no relato exato das associações livres de Dora e das interpretações de Freud e apresenta um quadro notavelmente lúcido da maneira exata de interpretar os sonhos Nessa história de caso como nas outras nós vemos como Freud tecia a urdidura desenhada da personalidade a partir dos fios verbais emaranhados de uma pessoa sofredora e percebemos seu talento incomum para enxergar relações entre verbalizações amplamente discrepantes Operando a partir da suposição de que tudo o que a pessoa diz ou faz é significativo e encaixase no quadro total da organização da personalidade Freud era um observador vigilante a declaração ou o ato mais comum era minuciosamente esquadrinhado em busca de um significado mais profundo Freud não considerava seu talento para a observação como incomum de nenhuma maneira como indica a seguinte citação Quando estabeleci para mim a tarefa de trazer à luz o que os seres humanos mantêm escondido dentro de si mesmos não pelo poder compelidor da hipnose mas ao observar o que eles dizem e o que eles mostram pensei que a tarefa era mais difícil do que realmente é Aquele que tem olhos para ver e ouvidos para escutar pode convencerse de que nenhum mortal é capaz de manter um segredo Se seus lábios estão selados ele conversa com as pontas dos dedos ele se trai em cada poro E assim a tarefa de tornar consciente os recessos mais escondidos da mente é uma tarefa muito possível de realizar 1905b p 7778 A notável capacidade de Freud de fazer inferências de grande importância a partir do comportamento comum é claramente observada naquele que provavelmente é um de seus textos mais populares A Psicopatologia da Vida Cotidiana 1901 Esse livro está repleto de exemplos da importância dinâmica de sim consistentes em uma grande área Então realmente pode ter chegado o momento de confinálos em definições O avanço do conhecimento entretanto não tolera qualquer rigidez mesmo em definições A física fornece uma excelente ilustração da maneira pela qual até os conceitos básicos que foram estabelecidos na forma de definições têm seu conteúdo constantemente alterado 1915 p117 Portanto Freud preferia o tipo mais aberto e informal de construção de teoria indutiva que permanece razoavelmente próximo dos apoios empíricos sobre os quais se baseia ao invés do tipo de teoria dedutiva mais formal que começa com conceitos nitidamente definidos e postulados e corolários cuidadosamente enunciados dos quais as hipóteses testáveis são derivadas e subseqüentemente testadas Além disso como mostra essa citação Freud estava inteiramente consciente da importância da mente preparada do cientista para poder fazer o melhor uso dos dados empíricos Essas idéias abstratas poderiam vir de várias fontes no caso de Freud vinham de amplas leituras dos clássicos e de outras literaturas de seu passatempo de arqueologia de suas observações como pai de seis filhos de experiências cotidianas de todo tipo e acima de tudo talvez de seu hábito vitalício de autoanálise Existe certo debate sobre se Freud defendia o reducionismo e o determinismo biológicos Sulloway 1979 argumentou que a teoria de Freud foi uma continuação do trabalho revolucionário de Charles Darwin sobre a evolução e seleção naturais Sulloway chamou Freud de um criptobiólogo cujas teorias psicanalíticas estavam enraizadas em suposições e abordagens biológicas Dessa perspectiva o trabalho de Freud baseavase na evolução e o próprio Freud é mais bemcompreendido por meio da expressão que se tornou o título do livro de Sulloway O Biólogo da Mente Na opinião de Sulloway grande parte dessa influência foi exercida pela associação de Freud com Wilhelm Fliess e sua biologia sexual Na verdade Sulloway argumentou que a psicanálise era em grande parte uma transformação das idéias fliessianas Os conhecimentos de Sulloway são impressionantes mas sua reconstrução intelectual de Freud foi convincentemente contestada por Robinson 1993 Parisi 1987 1988 ver também Silverstein 1985 1988 1989 igualmente contesta a concepção de Freud como um reducionista e determinista biológico Parisi argumentou que Freud fracassou em sua tentativa mais notavelmente no Projeto para uma psicologia científica de construir uma teoria da mente baseada na ciência natural Mas Freud estava ricamente enganado e seu fracasso nos ajudou a compreender as limitações conceituais da teorização sobre o comportamento humano que ele próprio passou a reconhecer Parisi escreve A neurociência contemporânea tende a supor que as explicações da vida psicológica para que tenham mérito têm de ser consistentes com a neurofisiologia Freud concluiu exatamente o oposto para que tenhamos uma ciência natural da psicologia ela tem de ser consistente com a experiência Ele sabia o que a ciência natural deve ser mas também estava agudamente consciente da natureza dos fenômenos que lhe interessavam Freud chegou à conclusão de que não é possível reduzir esses fenômenos às suas raízes biológicas os fenômenos psicológicos são irredutíveis a fenômenos biológicos 1987 p 237 Freud argumentava que as idéias são causas e os sintomas se reduzem a idéias Parisi 1987 p 238 De maneira semelhante segundo Parisi Freud rejeitava a teoria darwiniana conforme a entendia porque não acreditava que a biologia oferecesse o nível primário de explicação na verdade nem a biologia nem a psicologia são primárias Esse é um argumento um tanto desorientador Em essência Parisi concluiu que Freud resistiu à tentação de reduzir sua teoria de mente à neurologia ou à seleção natural porque essa redução distorceria o fenômeno da vida mental Parisi acredita que lucraríamos seguindo a orientação de Freud Vamos examinar agora algumas das técnicas empregadas por Freud para coletar dados Elas foram usadas evidentemente na situação terapêutica pois era nela que Freud coletava seus dados Associação Livre e Análise de Sonhos Após uma breve tentativa com o método da hipnose 18871889 que estava muito em voga na época ples lapsos da fala erros de memória acidentes e vários tipos de equívocos A teoria de Freud da sexualidade infantil foi formulada com base em memórias adultas O caso do Pequeno Hans deu a Freud a primeira oportunidade de verificar a teoria usando observações sobre uma criança pequena Hans temia que um cavalo o mordesse se ele se aventurasse na rua A partir de anotações cuidadosas mantidas pelo pai do menino muitas das quais são apresentadas textualmente no relato publicado Freud conseguiu mostrar que essa fobia era uma expressão de dois dos mais importantes complexos da infância inicial o complexo de Édipo e o complexo de castração O caso do Pequeno Hans exemplifica e corrobora a teoria da sexualidade infantil proposta por Freud em 1905 Ver Brown 1965 para uma reinterpretação persuasiva do caso do Pequeno Hans de um ponto de vista de condicionamento No caso do Homem dos Ratos que sofria da revoltante obsessão de que sua namorada e seu pai seriam castigados tendo uma quantidade significativa de roedores vorazes amarrados às suas nádegas Freud juntou a dinâmica envolvida e as conexões de pensamento de um neurótico obsessivo Embora a apresentação seja apenas fragmentária esse caso ilustra claramente como Freud resolveu as aparentes contradições distorções e os absurdos nas divagações desconexas de uma personalidade doente e transformouas em um padrão logicamente coerente Ao relatar esse caso Freud nos diz que ele se baseia em notas feitas na noite do dia do tratamento e não em notas feitas durante a sessão analítica Freud se opunha à tomada de notas por parte do terapeuta durante o período de tratamento porque sentia que a retirada da atenção do terapeuta iria interferir no progresso da terapia Ele acreditava de toda maneira que o terapeuta se lembraria do material importante e esqueceria os detalhes triviais A análise de Freud do caso Schreber baseiase no relato do próprio Schreber de sua paranóia Freud justificou o uso desse livro autobiográfico dizendo que a paranóia é um tipo de transtorno em que a história de caso escrita é tão satisfatória quanto um conhecimento pessoal do caso O sintoma característico da paranóia é o sistema delirante e tortuoso construído pelo paciente Os delírios de Schreber consistiam em pensar que ele era o Redentor e que estava sendo transformado em uma mulher Em uma análise intrincada desses dois delírios Freud mostrou que eles estavam relacionados e que a força motriz de ambos assim como dos outros aspectos do caso era a homossexualidade latente Nesse estudo de caso Freud apresentou sua famosa hipótese do relacionamento causal entre a homossexualidade e a paranóia O pendor de Freud para derivar uma generalização de imensa importância a partir de um rol de fatos específicos é maravilhosamente retratado no caso de Schreber O Homem dos Lobos é um relato de uma neurose infantil que aflorou durante a análise de um jovem e estava relacionada dinamicamente à presente condição do paciente Freud observou que a análise de uma experiência ocorrida há cerca de quinze anos antes tinha vantagens assim como desvantagens quando comparada à análise de um evento logo depois de ele ocorrer A principal desvantagem é a nãoconfiabilidade da memória relativa àquela experiência Por outro lado se tentamos analisar crianças muito jovens há a desvantagem de elas não saberem se expressar verbalmente O Homem dos Lobos é o equivalente adulto do Pequeno Hans e ambas as abordagens a reconstrutiva e a genética revelaramse fontes valiosas de evidência empírica para as teorias da psicanálise O principal aspecto dessa história de caso é uma longa análise de um sonho com lobos que o paciente lembrava de sua infância inicial e que foi interpretado como sendo causado pela reação da criança à cena primária o termo usado por Freud para quando a criança observa ou fantasia os pais tendo relações sexuais Para uma discussão desse caso ver Gardner 1971 O último caso relatado por Freud foi um que ele teve de interromper porque a resistência da paciente a desistir de sua homossexualidade foi tão forte que nenhum progresso pôde ser feito No entanto como mostra a história de caso publicada Freud conseguiu chegar a um completo entendimento da origem e do desenvolvimento da homossexualidade A homossexualidade em ambos os sexos devese a dois fatores principais uma bissexualidade inerente a todas as coisas vivas e a uma inversão do complexo de Édipo Ao invés de amar o pai e identificarse com a mãe essa mulher identificouse com o pai e catexizou a mãe No caso da homossexualidade masculina haveria uma identificação com a mãe e um amor pelo pai Esse caso também contém algumas das idéias de Freud sobre o suicídio já que a razão para essa mulher procurar Freud em primeiro lugar foi uma tentativa de autodestruição 25 É impossível dizer com certeza que essas histórias de caso específicas que Freud decidiu tornar públicas foram as fontes empíricas reais das teorias que elas exemplificam ou se elas foram meramente exemplos convenientes e claros das formulações teóricas que já tinham tomado forma na mente de Freud Realmente não faz muita diferença se o caso Schreber por exemplo foi o caso que revelou a Freud a dinâmica da paranóia ou se ele fez a descoberta fundamental com base em casos anteriores e apenas a aplicou a esse caso específico De qualquer forma o tipo de material coletado por Freud as técnicas empregadas por ele e a maneira pela qual ele pensava são revelados nesses seis estudos de caso Qualquer pessoa que deseje conhecer o material bruto com o qual Freud trabalhava deveria lêlos Não devemos confundir tais histórias de caso com a aplicação da teoria psicanalítica para um melhor entendimento da literatura e das artes ou para propósitos de crítica social Freud não aprendeu sobre sublimação a partir de seu estudo sobre a vida de Leonardo da Vinci e não descobriu o complexo de Édipo lendo Sófocles Shakespeare ou Dostoevsky Nem ele compreendeu a irracionalidade básica do ser humano observando o comportamento humano religioso ou político A interpretação de uma obra literária ou a análise de uma instituição social usandose os insights da teoria psicanalítica podem ter ajudado a confirmar a utilidade dos insights e até a validar sua autenticidade e universalidade mas as produções literárias e as instituições sociais em si não fizeram parte dos dados empíricos de Freud antes de testáIa em si próprio Freud continuou sua autoanálise por toda a vida reservando a última meia hora de cada dia para essa atividade PESQUISA ATUAL Não há dúvida nenhuma de que a teoria psicanalítica de Freud tem um enorme valor intelectual e impacto heurístico Mas não está claro se a teoria existe em uma forma que permita a predição e a testagem experimental Conflito defesa sexualidade agressão e a psicopatologia da vida cotidiana são temas que parecem relevantes para a nossa vida Mas será que esse senso de relevância pode ser validado por alguma corroboracão experimental Será que as forças e as contraforças que por definição existem fora da consciência estão sujeitas à mensuração e será que os motivos e os relacionamentos que existem em um estado de esquecimento motivado estão sujeitos à regra da desconfirmabilidade Em resumo em que extensão a teoria freudiana é testável Grunbaum 1984 1986 1993 argumentou que algumas das hipóteses de Freud são de fato falsificáveis mas que os dados clínicos não são válidos como evidência científica em testes dessas hipóteses Em conseqüência existem poucas evidências apoiando as hipóteses psicanalíticas Westen 1990 entretanto observa que Grunbaum subestima consideravelmente as evidências experimentais que apóiam as proposições psicanalíticas ver Robinson 1993 e Sachs 1989 para amplas refutações de Grunbaum Examinemos agora algumas das evidências experimentais Há muitos anos de fato existem tentativas de submeter hipóteses derivadas da teoria psicanalítica à testagem de laboratório Nós já referimos o trabalho de Rosenzweig por exemplo A pesquisa inicial foi revisada por Sears 1943 1944 Hilgard 1952 e Blum 1953 Essas revisões todavia são principalmente de valor histórico porque grande parte da pesquisa inicial foi realizada com metodologia inadequada e um entendimento insuficiente da teoria psicanalítica Horwitz 1963 Kline 1972 concluiu que uma parte grande demais do que é distintivamente freudiano foi confirmada para ser possível a rejeição de toda a teoria psicanalítica p 350 Hans Eysenck um implacável inimigo da psicanálise em 75 colaboração com Glenn Wilson reexaminou os dados sobre os quais Kline baseou sua conclusão e afirmou não existe absolutamente nenhuma evidência em favor da teoria psicanalítica 1974 p 385 Fisher e Greenberg 1977 ao contrário acreditam que as evidências geralmente falando favorecem Freud Uma revisão anual intitulada Psychoanalysis and Contemporary Science editada por Holt e Peterfreund tem circulado desde 1972 Em vez de tentar revisar todos os testes experimentais das proposições psicanalíticas realizados nos últimos anos nós examinaremos o programa de pesquisa que tem recebido a maior atenção Ativação Psicodinâmica Subliminar Lloyd Silverman 1966 1976 1982 1983 Silverman Lachman Milich 1982 Weinberger Silverman 1987 desenvolveu um programa de pesquisa para testar hipóteses derivadas da noção freudiana geral de que o comportamento anormal ou desviante pode ser intensificado ou atenuado quando os conflitos relativos a desejos inconscientes sexuais e agressivos são atiçados ou diminuídos respectivamente A dificuldade nessa pesquisa evidentemente é desenvolver um método para se ter acesso ao material conflitual em um nível inconsciente Como veremos Silverman desenvolveu um método para esse propósito o qual ele chamou de ativação psicodinâmica subliminar Antes de examinarmos a pesquisa em si certos fundamentos são necessários Silverman 1976 começa chamando a atenção para a distinção entre proposições clínicas e metapsicológicas dentro da psicanálise As proposições clínicas referemse a declarações baseadas em dados empíricos tais como o comportamento dos pacientes durante a hora analítica As proposições clínicas podem ser dinâmicas referindose à motivação subjacente ao comportamento ou genéticas referindose às origens do comportamento em experiências iniciais Como exemplo de uma proposição dinâmica Silverman ofereceu a proposição psicanalítica de que muitas depressões envolvem um desejo inconsciente conflitual e hostil em relação a alguém que desapontou a pessoa deprimida quando a depressão resulta em voltar defensivamente a hostilidade contra o self Da mesma forma uma proposição genética é a que as pessoas que experienciaram a perda de um outro significativo tendem a responder com depressão a desapontamentos subseqüentes Observem que as proposições clínicas baseiamse exclusivamente na covariança observada dos comportamentos As proposições metapsicológicas em contraste vão além dos dados empíricos ao relacionar desejos a instintos ou pulsões instinctuais e ao tentar especificar em uma linguagem de energia a maneira pela qual os motivos afetam o comportamento p 622 Silverman argumentou que as proposições clínicas representam o núcleo da psicanálise mas que a maioria dos críticos da teoria psicanalítica focaliza as proposições metapsicológicas O programa de pesquisa de Silverman foi planejado para aplicar aqueles controles investigatórios adequados característicos do método experimental às proposições clínicas centrais da teoria psicanalítica O método de estimulação subliminar envolve mostrar a uma pessoa uma figura ou frase escrita tão rapidamente que ela não consegue reconhecer o que é A breve exposição 0004 segundos é feita por um instrumento chamado taquistoscópio Foi claramente demonstrado em várias investigações que embora a pessoa não esteja consciente daquilo que foi apresentado taquistoscopicamente o material mostrado pode afetar os sentimentos e o comportamento de maneiras demonstráveis Como exemplo da metodologia nós descreveremos experimentos com pessoas deprimidas Segundo a teoria psicanalítica a depressão é produzida voltandose os sentimentos agressivos inconscientes em relação aos outros contra o próprio self Se essa hipótese estiver correta uma pessoa deprimida deveria se sentir ainda mais deprimida quando os desejos agressivos inconscientes forem ativados Para estimular esses desejos é mostrada uma figura agressiva a pessoas deprimidas Por exemplo um homem rosnando e segurando uma adaga e uma mensagem verbal do tipo CANIBAIS COMEM PESSOAS Os estímulos foram mostrados aos sujeitos como podemos lembrar por apenas 0004 segundos Antes e depois da apresentação o indivíduo faz uma autoavaliação de seus sentimentos Os mesmos sujeitos em uma sessão diferente foram expostos a uma figura neutra por exemplo uma pessoa lendo um jornal e uma mensagem verbal por exemplo AS PESSOAS ESTÃO CAMINHANDO e foram solicitadas a fazer autoavaliações antes e depois da apresentação Silverman 1976 escreve A apresentação subliminar do conteúdo destinado a estimular desejos agressivos levou a uma intensificação de sentimentos depressivos que não estavam evidentes depois da apresentação subliminar do conteúdo neutro p 627 Para mostrar que o efeito do material foi específico para o conteúdo agressivo como exige a teoria psicanalítica da depressão e não poderia ter sido produzido por um tipo diferente de material emocional o grupo de Silverman realizou o seguinte experimento Em uma ocasião pacientes deprimidos foram expostos subliminarmente a uma figura agressiva e em outro momento a uma figura de uma pessoa defecando Esta última figura estimularia desejos anais conflituais que segundo a teoria freudiana estão ligados à gagueira Os deprimidos ficaram ainda mais deprimidos depois da apresentação da figura agressiva mas não depois da apresentação da figura anal O efeito oposto foi mostrado por um grupo de gagos Eles gaguejaram mais depois de ver subliminarmente a figura anal mas não a agressiva Silverman também demonstrou que os sintomas anormais podiam ser reduzidos diminuindose os desejos conflituais Nesses experimentos foram testados pacientes esquizofrênicos Eles foram expostos taquistoscopicamente à mensagem impressa MAMÃE E EU SOMOS UM SÓ Seus sintomas anormais foram reduzidos por essa mensagem subliminar e não por outras mensagens de controle Por que a mensagem MAMÃE teve um efeito benéfico Por três razões diz Silverman Primeiro a unidade com a mãe afasta sentimentos hostis inconscientes em relação a ela Segundo a fantasia de unidade implica um suprimento ininterrupto de nutrição maternagem da mãe E terceiro a fantasia diminui a ansiedade de separação Ao contrário quando os esquizofrênicos foram expostos a mensagens que continham hostilidade em relação à mãe ou medo de perdêla seus sintomas anormais aumentaram O leitor podese perguntar o que aconteceria se as mensagens destinadas a ativar desejos inconscientes fossem mostradas em condições normais isto é em que os sujeitos pudessem facilmente reconhecer e compreender a mensagem A resposta é que as mensagens conscientemente percebidas não tiveram nenhum efeito sobre os sintomas dos pacientes Aparentemente os desejos inconscientes só podem ser atiçados por alguma coisa da qual a pessoa não tem consciência Os efeitos psicodinâmicos subliminares também foram demonstrados em amostras nãopatológicas Geisler 1986 expôs universitárias a estímulos destinados a intensificar o conflito edípico Amar o papai é errado a reduzir o conflito edípico Amar o papai é certo ou a ser neutros As pessoas estão caminhando Ela descobriu que os estímulos de intensificação do conflito realmente afetavam a memória para materiais neutros subseqüentemente apresentados como opostos aos sexuais Esse efeito só existia para aqueles sujeitos que eram propensos a conflito edípico e à repressão ver Dauber 1984 para um estudo semelhante com universitárias deprimidas Em um estudo com universitários do sexo masculino Silverman Ross Adler e Lustig 1978 apresentaram estímulos destinados a intensificar o conflito edípico Bater no papai é errado a reduzir o conflito edípico Bater no papai é certo ou a ser neutros As pessoas estão caminhando Os escores dos sujeitos em arremesso de dardo foram medidos antes e depois da exposição taquistoscópica aos estímulos Conforme predito os dois estímulos experimentais tiveram efeitos fortes e opostos O estímulo errado levou a uma queda nos escores de arremesso de dardo mas o estímulo certo levou a um aumento nos escores O efeito foi o mesmo quando os escores pósestímulo foram comparados com os escores préestímulo nas mesmas condições ou com escores obtidos após a apresentação do estímulo neutro Os trabalhos subseqüentes de Silverman e de seus colegas Silverman Weinberger 1985 centraramse na potência do estímulo Mamãe e eu somos um só para produzir melhora terapêutica em vários contextos Na verdade Silverman sugeriu que esse estímulo simbiótico serve como um agente terapêutico ubíquo Silverman 1978 Silverman incorporou vários controles experimentais ao seu programa de pesquisa Por exemplo os estudos freqüentemente eram replicados e conduzidos de modo duplocego ie nem o sujeito nem o experimentador sabiam em que condição estava o sujeito A ordem de apresentação dos estímulos controle e experimentais era contrabalanceada e era tomado cuidado para confirmar que os sujeitos não conseguiam relatar acuradamente os conteúdos dos estímulos aos quais eram expostos Apesar desses controles Balay e Shevrin 1988 fizeram várias objeções Por exemplo eles revisaram as questões psicofísicas e de mensuração feitas por examinadores anteriores Além disso eles sugeriram que a replicação real dos achados é rara no programa de pesquisa de Silverman porque os pesquisadores empregam medidas ou medidas de resultado diferentes em diferentes estudos Eles também salientaram que a mudança relatada em muitos dos estudos era um artefato estatístico Isto é a patologia na verdade não era reduzida nos sujeitos expostos a estímulos experimentais como Mamãe e eu somos um só de fato os sujeitos expostos a estímulos neutros como As pessoas estão caminhando aumentavam sua patologia Isso produz a ilusão de apoio para o efeito predito do estímulo experimental quando de fato o que se observa é um efeito negativo nãopredito e contraintuitivo do estímulo neutro Observem que esse não foi o caso no experimento de arremesso de dardo de Silverman e colaboradores 1978 em que os efeitos dos estímulos errado e certo foram na direção predita nos três estudos relatados Finalmente Balay e Shevrin questionaram a interpretação dos achados de Silverman O que as mensagens subliminares realmente fazem Como elas ativam os resíduos inconscientes de conflitos infantis Em resumo Balay e Shevrin estavam preocupados com a falta de uma base teórica e empírica sólida no programa de pesquisa de Silverman 1988 p 173 ver Weinberger 1989 para uma réplica e Balay e Shevrin 1989 para uma refutação ver também Holender 1986 para uma crítica geral do processamento inconsciente da informação Nesta como na maioria das tentativas de oferecer apoio experimental para a psicanálise todavia as questões estão longe de estar claras Com base em uma metaanálise de 64 estudos Hardaway 1990 p 190 descobriu um efeito de tratamento moderado e confiável do estímulo MAMÃE E EU SOMOS UM SÓ que se generaliza por meio de laboratórios e de populações de sujeitos As críticas afirmando que há carência de estudos bemplanejados nessa literatura são claramente o resultado de amostragem incompleta e tendenciosa Apesar dessa controvérsia a metodologia de ativação subliminar psicodinâmica de Silverman oferece os apoios experimentais mais convincentes para a teoria da psicanálise de Freud dinâmica e cognição social O foco desses artigos não é se o inconsciente existe mas quão inteligente i e complexo e flexível ou tolo é o inconsciente Bruner 1992 descreveu como a Nova Visão original impôs uma visão construtivista da percepção Sua mensagem preconizava que a percepção não era neutra e sim influenciada por outros processos mentais concorrentes O foco não se fixava no inconsciente ou em Freud mas simplesmente em como alguns objetos se tornam mais fenomenologicamente importantes do que outros Os adeptos da Nova Visão subseqüentemente se dividiram naqueles interessados na cognição e naqueles interessados nas defesas do ego e nos processos psicodinâmicos Bruner concluiu que o inconsciente não é muito inteligente e que o processamento perceptual préconsciente ocorre apenas na extensão em que é necessário Erdelyi foi a força propulsora por trás da Nova Visão 2 que emergiu na década de 70 O objetivo dessa segunda onda era forjar vínculos entre Freud e a emergente psicologia cognitiva Em contraste com esse ímpeto cognitivo Erdelyi 1992 argumentou que os fenômenos inconscientes não são simples e nem tolos Apesar de demonstrações de laboratório de que a percepção inconsciente é limitada no alcance semântico as memórias inconscientes são amplamente complexas e influentes As memórias patogênicas e os hábitos desadaptados com os quais lida a psicanálise não envolvem lampejos de estímulos ou inputs despercebidos mas estruturas de memória declarativa e procedural altamente complexas que são inacessíveis à consciência do sujeito p 786 Assim a questão dos constrangimentos experimentais sobre a complexidade dos processos e dos conteúdos inconscientes que podem ser manipulados continua a limitar a aceitação da pesquisa de laboratório Greenwald provocou esse intercâmbio com sua sugestão de que está a caminho uma terceira Nova Visão 1992 p 766 Ele concluiu que há pouca dúvida de que as pessoas ocasionalmente percebem fatos sem ter consciência disso mas que esses processos não são muito sofisticados Ao contrário das elaboradas defesas e transformações hipotetizadas por Freud o inconsciente cognitivo de Greenwald não é particularmente inteligente Greenwald resumiu evidências de cognição sem atenção e de cognição nãorelatada verbalmente ver artigo influente de Nisbett e Wilson 1977 sobre este último ponto Greenwald insere esses processos em um modelo de cognição de rede neural ou conexionista ou de processamento distribuído em paralelo Kihlstrom Kihlstrom Barnhardt Tataryn 1992 ofereceu um ótimo resumo desse intercâmbio e da distinção entre a pesquisa sobre o inconsciente cognitivo e a teoria freudiana sobre o inconsciente dinâmico O inconsciente psicológico documentado pela psicologia científica contemporânea é muito diferente daquele que Sigmund Freud e seus colegas psicanalíticos tinham em mente na Viena do fim de século Seu inconsciente era quente e úmido ele fervilhava com luxúria e raiva ele era alucinatório primitivo e irracional O inconsciente da psicologia contemporânea é mais bondoso e mais gentil do que aquele e mais ligado à realidade e racional mesmo que não seja inteiramente frio e seco p 789 itálicos acrescentados Assim a hora terapêutica freudiana e o laboratório experimental permanecem separados por seus constrangimentos conceituais e procedurais distintivos STATUS ATUAL E AVALIAÇÃO Nenhuma outra teoria psicológica foi submetida a tal escrutínio e muitas vezes a críticas tão amargas quanto a psicanálise De todos os lados e por todos os motivos concebíveis Freud e sua teoria foram atacados injuriados ridicularizados e caluniados O único caso comparável na ciência moderna em que tanto a teoria quanto o teórico foram tão ardentemente difamados é o de Charles Darwin cuja doutrina evolutiva chocou a Inglaterra vitoriana As principais ofensas de Freud consistiram em atribuir desejos lascivos e destrutivos aos bebês impulsos incestuosos e pervertidos a todos os seres humanos e em explicar o comportamento humano em termos da motivação sexual As pessoas decentes ficaram enfurecidas com as idéias de Freud sobre o indivíduo e chamaramno de libertino e pervertido Freud também foi criticado em termos morais como sendo um covarde intelectual A posição original de Freud durante a década de 1890 era de que a histeria resultava da memória reprimida de abuso se xual na infância Em 21 de abril de 1896 ele fez uma conferência sobre isso na Sociedade de Psiquiatria e Neurologia de Viena Em 21 de setembro de 1897 todavia Freud escreveu a seu confidente Wilhelm Fliess que ele já não acreditava mais na sua teoria da sedução Ele agora defendia que os relatos de sedução de seus pacientes eram produto de seus desejos fantasiosos de contato sexual Esse foi um momento divisor de águas no desenvolvimento das teorias de Freud porque mudou a base dos sintomas das ações dos adultos no mundo objetivo para os desejos sexuais intrapsíquicos das crianças A teoria de Freud da sexualidade infantil decorreu diretamente de tal transformação Em The Assault on Truth Masson 1984 afirmou que a posição original de Freud é que era exata que o próprio Freud sabia disso na época e que a sua renúncia a ela se constituía em um ato covarde originado por sua incapacidade de lidar com o desprezo público que ela gerara A dupla consequência foi que a teoria de Freud teve uma base falaciosa e que os analistas subsequentes foram levados a ignorar a realidade e as terríveis consequências do abuso sexual infantil Além disso é claro Masson está acusando Freud de mentiroso e covarde Essas são acusações provocativas para dizer o mínimo e Freud delas tem sido fielmente defendido p ex Robinson 1993 Mas o que precisamos reconhecer é que os méritos intelectuais das idéias de Freud são independentes de suas origens e de sua história pessoal A história intelectual é fascinante mas a questão central continua sendo o poder da teoria Foi justamente isso a integridade intelectual do modelo que Frederick Crews atacou recentemente de forma violenta Crews conclui que não existe literalmente nada a ser dito em termos científicos ou terapêuticos em favor de todo o sistema freudiano ou de qualquer um de seus dogmas componentes 1996 p 63 O artigo de 1996 oferece uma introdução para o veredito de Crews de que Freud conjurou um emaranhado de quaseentidades pseudoexplanatórias p 64 de que a investigação das associações livres é um jogo de salão divertido mas dispendioso p 66 e que todo o empreendimento deve ser visto como uma pseudociência ver Begley 1994 para uma perspectiva em relação a uma série anterior de comentários de Crews De uma perspectiva diferente a teoria freudiana foi criticada como excessivamente aliada à visão mecanicista e determinista da ciência do século XIX em conseqüência ela não é suficientemente humanista A teoria é considerada por muitos atualmente como uma abordagem que pinta um quadro triste demais da natureza humana As feministas como Beauvoir 1953 Friedan 1963 Greer 1971 e Millett 1970 atacaram vigorosamente as especulações de Freud sobre a psicologia feminina especialmente o conceito da inveja do pênis embora uma figura proeminente no movimento das mulheres Mitchell 1975 tenha vindo em defesa de Freud ver Robinson 1987 para uma avaliação das críticas e defensoras feministas de Freud Não é nossa intenção revisar as críticas dirigidas à psicanálise Grande parte delas não foi nada além do som e fúria de pessoas perturbadas A maioria das críticas já está desatualizada por avanços subseqüentes no pensamento de Freud ver discussão no Capítulo 5 de recentes avanços na psicanálise E agora podemos ver que uma porção considerável das críticas se baseava em interpretações erradas e em distorções da psicanálise Além disso revisar as críticas à psicanálise de maneira adequada exigiria um livro pelo menos tão grande quanto este Em vez disso nós discutiremos várias críticas freqüentemente dirigidas à psicanálise e ainda amplamente discutidas Uma dessas críticas afirma que existem graves falhas nos procedimentos empíricos por meio dos quais Freud validou suas hipóteses Ele teria feito suas observações em condições nãocontroladas Freud reconheceu que não mantinha um relato textual do que ele e o paciente faziam durante a hora de tratamento mas que trabalhava a partir de anotações feitas várias horas mais tarde É impossível dizer quão fielmente essas notas refletiam os eventos como eles realmente tinham ocorrido Julgando a partir de experimentos sobre a fidedignidade dos testemunhos não é improvável a existência de várias distorções e omissões nos registros A suposição de Freud de que o material significativo seria lembrado e os incidentes triviais esquecidos nunca foi provada e parece improvável Críticos dos métodos de Freud também fazem objeções ao fato de ele aceitar tudo o que os pacientes diziam sem tentar corroborar aquilo com alguma forma de evidência externa Eles acham que Freud deve ria ter obtido evidências com parentes e conhecidos documentos dados de teste e informações médicas Entretanto Freud afirmava que o importante para o entendimento do comportamento humano era um conhecimento completo do inconsciente que só podia ser obtido a partir da associação livre e da análise dos sonhos Dado então o que seguramente era um registro incompleto e mais do que provavelmente imperfeito Freud prosseguia para fazer inferências e chegar a conclusões por uma linha de raciocínio que raramente foi explicitada Em geral o que encontramos nos textos de Freud é o resultado final de seu pensamento as conclusões sem os dados originais sobre os quais se basearam sem um relato de seus métodos de análise e sem uma apresentação sistemática quer qualitativa quer quantitativa de seus achados empíricos O leitor é convidado a acreditar implicitamente na validade de suas operações indutivas e dedutivas Conseqüentemente é praticamente impossível repetir qualquer uma das investigações de Freud com alguma certeza de estarmos prosseguindo de acordo com o planejamento original Isso pode ajudar a explicar por que outros investigadores chegaram a conclusões bem diferentes e por que existem aparentemente tantas interpretações do mesmo fenômeno Freud abstevese de quantificar seus dados empíricos o que torna impossível pesar a fidedignidade e a significação estatística de suas observações Em quantos casos por exemplo ele encontrou alguma associação entre paranóia e homossexualidade entre histeria e fixação no estágio oral entre um desejo e uma fobia entre a cena primária e a instabilidade adulta Quantos casos de um determinado tipo ele estudou e de que classes e backgrounds vinham esses casos Que medidas e critérios eram usados para designar um caso para uma categoria clínica específica Será que Freud alguma vez comparou suas interpretações com a de um outro psicanalista competente para estabelecer a fidedignidade do seu julgamento Essas e outras numerosas perguntas de natureza semelhante preocupam o psicólogo quantitativamente orientado A relutância de Freud em seguir as convenções de um relato inteiramente científico de seus dados deixa a porta aberta para muitas dúvidas relativas ao status científico da psicanálise Hook 1960 Será que Freud encontrava em seus casos aquilo que queria encontrar neles Seriam suas inferências guiadas mais por suas tendenciosidades do que pelo material à mão Será que ele selecionava apenas as evidências que estavam de acordo com suas hipóteses e desconsiderava os exemplos negativos As associações livres de seus pacientes eram realmente livres ou eles diziam aquilo que Freud queria ouvir Teria Freud criado uma elaborada teoria da personalidade que se afirmava valer para todos baseada em inferências feitas a partir das verbalizações de um número relativamente pequeno de pacientes atípicos Que evidências sólidas Freud realmente tinha para apoiar suas especulações grandiloqüentes Que salvaguardas ele empregava contra a influência insidiosa da tendenciosidade Perguntas desse tipo têm lançado dúvidas sobre a validade da teoria psicanalítica Lawrence Kubie um proeminente psicanalista resumiu da seguinte maneira as limitações da psicanálise como uma ciência básica Em geral elas as limitações podem ser resumidas dizendose que o planejamento básico do processo de análise tem uma validade científica essencial mas que as dificuldades de se registrar e reproduzir observações primárias a conseqüente dificuldade de derivarse a estrutura conceitual básica as dificuldades de examinarse com igual facilidade o relacionamento circular do inconsciente para o consciente e do consciente para o inconsciente as dificuldades de avaliarse quantitativamente a multiplicidade de variáveis e finalmente a dificuldade de estimarse as coisas que aumentam e as coisas que diminuem a precisão de suas hipóteses e a validade de suas predições estão entre os problemas científicos que ainda precisam ser resolvidos 1953 p 143144 Por outro lado Paul Meehl faz uma declaração eloquente que conclui quando testes adequados se tornarem disponíveis para nós uma porção considerável da teoria psicanalítica escapará à refutação 1978 p 831 Um outro tipo de crítica ataca a teoria em si e diz que a teoria é ruim porque muitas partes suas não têm e não podemos fazer com que tenham conseqüências empíricas Por exemplo é impossível derivar quaisquer proposições empíricas da postulação de um instinto de morte Assim sendo o instinto de morte permanece oculto na escuridão metafísica e não tem nenhum significado para a ciência Embora pos samos usar o instinto de morte para explicar certos fenômenos como suicídio ou acidentes tais explicações depoisdofato pouco significam É como apostar em um cavalo depois de ele ter corrido Uma boa teoria por outro lado permite ao seu usuário predizer antecipadamente o que vai acontecer Algumas pessoas podem prefirir juntar e organizar uma grande quantidade de dados aparentemente nãorelacionados sob o nome único de instinto de morte mas preferências desse tipo indicam apenas os interesses do sistematizador e não a verdade do nome Usado dessa maneira o instinto de morte é pouco mais do que um slogan A teoria freudiana realmente não oferece um conjunto de regras relacionais para chegarmos a uma expectativa exata do que vai acontecer se ocorrerem certos eventos Qual é exatamente a natureza do relacionamento entre experiências traumáticas sentimentos de culpa repressão formação de símbolos e sonhos O que conecta a formação do superego ao complexo de Édipo Essas e milhares de outras perguntas ainda precisam ser respondidas com referência à rede emaranhada de conceitos e suposições conjurados por Freud A teoria fica omissa sobre o intrincado problema de como medir quantitativamente as catexias e anticatexias De fato não existe nenhuma especificação sobre como podemos estimar mesmo nos termos mais aproximados diferenças de quantidade Quão intensa tem de ser uma experiência para ser traumática Quão frágil tem de ser o ego para ser dominado por um impulso instintual De que maneira as várias quantidades interagem uma com a outra para produzir um determinado resultado E no entanto tudo depende da análise final justamente dessas especificações Sem elas nenhuma lei pode ser derivada Se aceitarmos que a teoria psicanalítica é culpada de pelo menos duas faltas sérias primeiro que ela é uma teoria ruim e segundo que ela ainda não foi substanciada por procedimentos cientificamente respeitáveis e também atentos ao fato de que muitas outras críticas poderiam ter sido citadas podemos perguntar por que a teoria psicanalítica é levada a sério e por que não foi relegada ao esquecimento há muito tempo Como podemos explicar seu status influente no mundo de hoje O fato é que todas as teorias do comportamento são teorias bastantes deficientes e decepcionam em termos de prova científica A psicologia tem um longo caminho pela frente antes de poder ser chamada de ciência exata Conseqüentemente o psicólogo precisa selecionar a teoria que pretende seguir por outras razões que não a adequação formal e a evidência factual O que a teoria psicanalítica tem a oferecer Algumas pessoas gostam da linguagem pitoresca que Freud usa para projetar suas idéias Elas são atraídas por sua maneira habilidosa de empregar alusões literárias e mitológicas para apresentar noções muito obscuras e por seu talento para se expressar ou criar uma figura de linguagem para iluminar um ponto difícil para o leitor Seu texto tem uma excitante qualidade literária rara entre os cientistas Seu estilo combina com a excitação de suas idéias Muitas pessoas acham os conceitos de Freud fascinantes e sensacionais O sexo é claro é um tópico atraente e tem um valor de sensação mesmo quando discutido em trabalhos científicos A agressão e a destrutividade são quase tão absorventes quanto o sexo Na verdade as novelas os programas de entrevistas e os filmes na televisão testemunham a presença constante dos temas sexuais e agressivos na nossa sociedade É muito natural então que as pessoas se sintam atraídas pelos textos de Freud Mas um belo estilo literário e um assunto excitante não são as razões principais para a grande estima dedicada a Freud As razões mais exatamente seriam suas idéias são desafiadoras sua concepção do indivíduo é ao mesmo tempo ampla e profunda e sua teoria tem relevância para a nossa época Freud pode não ter sido um cientista rigoroso ou um teórico de primeira linha mas ele foi um observador paciente meticuloso e penetrante e um pensador tenaz disciplinado corajoso e original Acima de todas as outras virtudes de sua teoria está a seguinte ela tenta considerar indivíduos de carne e osso vivendo parcialmente em um mundo de realidade e parcialmente em um mundo de fazdeconta assolados por conflitos e contradições internas mas capazes de pensamento e ação racionais movidos por forças das quais eles têm pouco conhecimento e por aspirações que estão além de seu alcance alternadamente confusos e lúcidos frustrados e satisfeitos esperançosos e desesperados egoístas e altruístas em resumo um ser humano complexo Para muitas pessoas esse quadro do indivíduo tem uma validade essencial Calvin S Hall Gardner Lindzey John B Campbell Teorias da Personalidade 4ª Edição