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ASA BRIGGS PETER BURKE U M A H I S r F O R I A S O C I A L M I D IA De Gutenberg à Internet ZAHAR i 2 EDI Ç Ã O R EV IST A E AM P LI A DA N OV O C AP ÍTULO Uma História Social da Mídia Figura 1 Anônimo A visão de são Bernardo Livro das horas c1470 INTRODUÇÃO COLEÇÃO INTERFACE Direção Paulo Vaz Cultura da interface Como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar Steven Johnson Emergência A dinâmica de rede em formigas cérebros cidades e softwares Steven Johnson A Galáxia da Internet Reflexões sobre a Internet os negócios e a sociedade Manuel Castells Uma história do espaço de Dante à internet Margaret Wertheim Uma história social da mídia De Gutenberg à Internet Asa Briggs e Peter Burke Asa Briggs e Peter Burke Uma História Social da Mídia De Gutenberg à Internet edição revista e ampliada Tradução MARIA CARMELITA PÁDUA DIAS Depto LetraspucRio Revisão Técnica PAULO VAZ ECOUFRJ ZAHAR Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro Titulo original A Social History of the Media From Gutenberg to the Internet Tradução autorizada da reimpressão da primeira edição publicada em 2002 por Polity Press em associação com Blackwell Publishing Ltd de Oxford Inglaterra Copyright 2002 2006 Asa Briggs e Peter Burke Copyright da edição brasileira 20042006 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21080808 fax 21 21080800 email jzezaharcombr site wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Tradução do capítulo 7 Carlos Alberto Medeiros Capa Sérgio Campante Data das edições 2004 2006 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Briggs Asa 1921 B864h Uma história social da mídia de Gutenberg à Internet Asa Briggs e 2ed Peter Burke tradução Maria Carmelita Pádua Dias revisão técnica Paulo Vaz 2ed rev e ampl Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2006 Interface Tradução de A social history of the media from Gutenberg to the Internet Inclui bibliografia ISBN 9788571107717 1 Comunicação de massa História 2 Comunicação de massa Aspec tos sociais I Burke Peter 1937 II Título III Série CDD 3022309 064314 CDU 31677 09 Sumário Lista de ilustrações 7 Prefácio 9 Introdução 11 Capítulo 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto 24 Reconsiderando a revolução da impressão gráfica 30 Comunica ção física 31 Império e comunicação 33 Comunicações transa tlânticas 35 Comunicação oral 36 Comunicação escrita 39 Linguagens de comunicação 42 Comunicação visual 43 Imagens impressas 44 Comunicação multimídia 47 Interação entre meios de comunicação 51 Censura 56 Comunicação clandestina 58 O crescimento do mercado 61 A história da leitura 67 Instrução e divertimento 72 A revolução da prensa gráfica revisitada 73 Capítulo 2 A mídia e a esfera pública no início da Europa moderna 80 A reforma 81 As guerras religiosas e a revolta dos holandeses 89 Da revolução puritana à Revolução Gloriosa 93 O Iluminismo e a Revolução na França 101 Variedades da esfera pública 107 Co mércio indústria e comunicação 109 Capítulo 3 Do vapor à eletricidade 111 Capítulo 4 Processos e padrões 126 Ferrovias 126 Navios 131 O correio 134 Telégrafos 137 Telefones 145 Radiotelegrafia 155 Cinema e televisão 165 Gramofones 180 Conclusões 183 Capítulo 5 Informação educação entretenimento 188 A imprensa o quarto poder 192 A era da difusão 215 A idade da televisão 233 Comentário e pesquisa 243 As dinâmicas da mudança 250 A sociedade da informação 259 Conclusões 262 Capítulo 6 Convergência 266 Cornucópia opção e crise 267 Computadores 273 Satélites 285 Cabo 290 Dados visuais 294 A Internet 300 Conclusões 305 Capítulo 7 Multimídia 312 O novo milênio 314 O 11 de Setembro e suas conseqüências 317 Os serviços públicos de radiodifusão num contexto político e tecno lógico em mudança 320 Cronologia 330 Leituras adicionais 343 Índice remissivo 363 Lista de ilustrações 1 Anônimo A visão de são Bernardo Livro das horas c1470 Utrecht Museum het Catherineconvent ABM hs 19 2 Tintoretto O milagre de são Marcos 1548 Foto AKG Londres Cameraphoto 3 Tapeçaria anônima Apocalipse século xiv Angers Musée des Tapisseries foto LaurosGiraudon 4 Índice ramista de Anatomy of Melancholy de Robert Burton lá ed 1621 Biblio teca da Universidade de Cambridge 5 John Ogilby mapa rodoviário de Britannia exibindo Cambridge 1675 Biblio teca Britânica 6 Registro do exame doméstico de escolaridade na Suécia 7 A revogação ou Cortejo fúnebre de miss SeloAmérica 1765 C Museu Britânico 8 Margueritte Gérard e Jean Honoré Fragonard O Leitor Cambridge Fitzwilliam Museum foto Bridgeman Art Library 9 Lucas Cranach xilogravura da Paixão de Cristo e Anticristo 1521 Biblioteca Britânica 10 Hans Baldung Grien xilogravura de Martinho Lutero rodeado por um halo c1523 Biblioteca Britânica 11 As 17 províncias e principais cidades da iconoclastia Em S Deyon e A Lottin Les casseurs de lété 1566 Paris Hachette 1981 12 Richard Overton Canterbury a mudança da Assembléia página de rosto 1641 Biblioteca Bodleian 13 Placa política c1789 Nevers Musée Municipal 14 O Rei do Vapor e o Rei do Carvão olham ansiosamente para o Bebê Eletricidade Caricatura do Punch de 1881 Biblioteca de Imagem Mary Evans 15 O lançamento do cabo transatlântico 1865 Biblioteca de Imagem Mary Evans 16 Thomas Edison trabalhando Tanto o laboratório como o estúdio funcionavam para ele como local de trabalho Hulton Getty 17 Tecelãs da palavra Um anúncio de telefone da Bell Telephone Company Propriedade dos Arquivos da ATT Reimpresso com permissão da ATT 7 8 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 18 O jovem Guglielmo Marconi Hulton Getty 19 O cantor de jazz Warner Brothers 1927 Bettmann Corbis 20 Alfred Harmsworth primeiro visconde de Northcliffe aqui fotografado em 1911 em companhia de pessoas da família Astor Hulton Getty 21 No estádio Adolph Hitler fala em um comício monstro AKG Londres 22 Perto da lareira Franklin D Roosevelt usa o rádio para conversar com seus concidadãos Arquivo Hulton 23 A caricatura de John Reith mostrao na fachada da então recente Broadcasting House Reproduzido com permissão de Punch Ltd 24 Os rádios transistores transformaram a vida em praias e desertos Os transistores têm uma história ainda mais importante do que essa foram essenciais para o posterior desenvolvimento dos computadores Arquivos Publicitários 25 A descida na Lua 1969 Os norteamericanos mostram para o mundo que estão no espaço Nasa 26 A imprensa conserva seu poder policiais e fotógrafos nos protestos do Dia do Trabalho Londres 2001 Geoff Caddick National Pictures 27 Colossus decifrador eletrônico de códigos foi usado em Bletchley Park Bucking hamshire para ajudar a GrãBretanha e seus aliados a ganhar a Segunda Guerra Mundial Bletchley Park Trust Biblioteca da Imagem Científica e da Sociedade 28a A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Alunos da Esco la Wembley ouvem uma transmissão de rádio em 1933 BBC Worldwide 28b A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Walter Perry vicereitor da Universidade Aberta da GrãBretanha na inauguração da primei ra produção de estúdio BBC em Alexandra Palace 1970 BBC Worldwide 29 Os fundadores do Yahoo ferramenta de pesquisa na Internet Jerry Yang e David Filo Frank Spooner Pictures Nota à edição brasileira Como a maioria dos termos técnicos do universo da informática provém do inglês grande parte sendo imediatamente assimilada à nossa língua e estando inclusive dicionarizada optouse nesta edição por mantêlos sem destaque ou seja sem uso de itálico Preferiuse além disso o emprego de termos mais correntes e adotados independentemente de já contarem com tradução ou terem se mantido em inglês Prefácio O objetivo deste livro sobre tema vasto e em contínua expansão é mostrar a importância do passado em relação ao presente trazendo a história para o interior dos estudos de mídia e a mídia para dentro da história Nossa própria escolha do meio sem dúvida reflete otimismo quanto ao futuro do livro que acreditamos continuará a existir mesmo com o aparecimento de novas formas de comunica ção assim como aconteceu com os manuscritos na era das publicações em uma nova divisão de trabalho entre mídias No que concerne à nossa própria divisão de trabalho Peter Burke é respon sável pela Introdução e pelos capítulos 1 e 2 Asa Briggs pelos capítulos 3 a 7 e pela Conclusão mas os dois autores somaram forças para revisar o texto en contrandose regularmente em diferentes locais desde a Estação de Kings Cross até o Hotel Claridge e mantendose em contato telefônico Historiadores do século XXI podem gostar de saber que o livro foi escrito em parte a mão e em parte no computador por dois acadêmicos cuja resistência em dirigir carros e usar correio eletrônico não é de forma alguma incompatível com o interesse em mu danças tecnológicas e sociais no presente no futuro e também no passado Gostaríamos de agradecer a Amleto Lorenzini por inicialmente nos acorren tar a um projeto sobre a história da comunicação e a John Thompson por se encarregar da edição deste volume Estamos em débito com Pat Spencer que nos ajudou a elaborar a primeira edição e esta nova submetida à revisão e Peter Burke é grato a Joan Raymond por seus comentários sobre uma versão preliminar do Capítulo 2 Introdução De acordo com o Oxford English Dictionary foi somente na década de 1920 que as pessoas começaram a falar de mídia Uma geração depois nos anos 1950 passaram a mencionar uma revolução da comunicação O interesse sobre os meios de comunicação porém é muito mais antigo A retórica estudo da arte de se comunicar oralmente e por escrito era muito valorizada na Grécia e na Roma antigas Foi estudada na Idade Média e com maior entusiasmo no Renascimento A retórica também era muito incentivada nos séculos XVIII e XIX quando começaram a surgir novas idéias importantes O conceito de opinião pública apareceu no final do século XVIII e a preocupação com as massas tornouse visível a partir do século XIX na época em que os jornais cuja história é aqui apresentada em todos os capítulos ajudavam a moldar uma consciência nacio nal levando as pessoas a ficarem atentas aos outros leitores ver p39 Na primeira metade do século XX especialmente pela eclosão das duas guerras mundiais teve início o interesse acadêmico pelo estudo da propaganda Mais recentemente alguns teóricos ambiciosos desde o antropólogo francês Clau de LéviStrauss até o sociólogo alemão Niklas Luhmann ampliaram ainda mais o conceito de comunicação LéviStrauss escreveu sobre trocas de mercadorias e mulheres Luhmann sobre poder dinheiro e amor assim como muitos outros Kommunikationsmedien Se assim é devem estar se perguntando os leitores o que no mundo não é comunicação Por outro lado esta história se restringirá à comu nicação de informação e entretenimento e idéias sob a forma de palavras e ima gens por meio de fala escrita publicações rádio televisão e mais recentemente da Internet De modo significativo foi com a era do rádio que o mundo acadêmico começou a reconhecer a importância da comunicação oral na Grécia antiga e na Idade Média O início da idade da televisão na década de 1950 deu surgimento à comunicação visual e estimulou a emergência de uma teoria interdisciplinar da mídia Realizaramse estudos nas áreas de economia história literatura arte ciência política psicologia sociologia e antropologia o que levou à criação de departamentos acadêmicos de comunicação e estudos culturais Frases bombásti 11 1 2 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA cas envolvendo novas idéias foram criadas por Harold Innis 18941952 que escreveu sob o viés das comunicações por Marshall McLuhan 191180 que falou da aldeia global por Jack Goody que traçou a domesticação da mente selva gem e por Jürgen Habermas o sociólogo alemão que identificou a esfera públi ca uma zona para o discurso no qual as idéias são exploradas e uma visão pública pode se expressar Este livro propõe que seja qual for o ponto inicial as pessoas que trabalham com comunicação e estudos culturais em número ainda crescente devem levar em consideração a história e que aos historiadores de qualquer período ou tendência cumpre levar em conta seriamente a teoria e a tecnologia da comunicação Alunos de comunicação por exemplo deveriam saber que alguns fenôme nos da mídia são mais antigos do que em geral se imagina como se pode ver nos dois exemplos seguintes As séries atuais de televisão copiam o modelo das novelas radiofônicas que por sua vez se moldam nas histórias em capítulos de revistas do século XIX alguns romancistas como Dickens e Dostoiévsky originalmente pu blicaram seus trabalhos desta maneira Algumas das convenções das histórias em quadrinhos do século XX seguem direta ou indiretamente uma tradição visual ainda mais antiga Os balões com falas podem ser encontrados em publicações do século XVIII que por sua vez são uma adaptação dos textos em forma de rolo que saíam das bocas da Virgem e outras figuras da arte religiosa medieval Figura 1 São Marcos na pintura de Tintoretto 151894 conhecida como O milagre de são Marcos é representado como o SuperHomem das revistas em quadrinhos com 400 anos de antecedência mergulhando de cabeça do Céu para resgatar um cristão cativo Figura 2 Denúncias da nova mídia seguem um padrão semelhante não importando se o objeto é a televisão ou a Internet Elas nos remetem a debates antigos sobre os efeitos prejudiciais dos romances sobre os leitores e de peças teatrais sobre o público nos séculos XVIII ou mesmo XVI ao alimentar o ímpeto das paixões São Carlo Borromeo 153884 arcebispo de Milão descreveu as peças de teatro como uma liturgia do diabo enquanto o primeiro capítulo de Four Arguments for the Elimination of Television de Dennis e Merrill intitulavase A barriga da besta O papel da imprensa e dos jornalistas que vivem dela sempre foi controvertido A falta de confiança nos jornalistas já era lugarcomum no sécu lo XVII Por sua vez as acusações sobre denúncias de corrupção também são antigas Apesar de todas essas ligações este livro se concentrará sobre as mudanças na mídia Na apresentação dessas mudanças será feita uma tentativa de evitar dois perigos o de afirmar que tudo piorou ou admitir que houve um progresso contí nuo De todo modo a suposição de que as tendências seguiram em uma mesma direção deve ser rejeitada embora os escritores que nelas acreditam tenham sido 14 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 2 Tintoretto O milagre de são Marcos 1548 muitas vezes eloqüentes e brilhantes em seus campos de atuação O historiador italiano Carlo Cipolla em seu estudo Letramento e desenvolvimento no Ocidente 1969 deu ênfase à contribuição da capacidade de ler e escrever para a industria lização e mais genericamente para o progresso e a civilização Sugeriu que a difusão da capacidade de ler e escrever significava uma atitude mais racional e mais receptiva diante da vida O trabalho de Cipolla é representativo de uma fé na modernização típica de meados do século XX crença subjacente às campa nhas de alfabetização organizadas pela Unesco e pelos governos de países do Terceiro Mundo como Cuba Os problemas levantados por esse tipo de abordagem exigem algum debate ver p255 assim como as declarações de que a Internet e seu potencial repre sentam uma agência de democratização Não é possível nessa altura de sua história concluir que pela facilidade de acesso e pela transformação a partir de baixo ela desempenhará um papel renovador a longo prazo Alguns críticos até temem que a Internet mine todas as formas de autoridade afete negativamente o comportamento e ameace a segurança individual e coletiva Alguns especialistas em estudos de mídia por conseguinte têm posto em evidência de modo correto o que chamam de debates da mídia Eles englobam temas específicos e processos a longo prazo I N T R O D U Ç Ã O 1 5 Uma história relativamente curta como esta deve ser muito seletiva e privile giar alguns temas em detrimento de outros dentre os selecionados destacamse alguns como o papel da esfera pública a obtenção e difusão de informação o crescimento das redes e a chegada do entretenimento na mídia A obra também deve se concentrar na mudança em lugar da continuidade embora se lembre aos leitores de quando em quando que ao se introduzirem novas mídias as mais antigas não são abandonadas mas ambas coexistem e interagem Com o surgi mento das publicações os manuscritos continuaram sendo importantes como aconteceu com os livros e o rádio na idade da televisão A mídia precisa ser vista como um sistema um sistema em contínua mudança no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque Temos aqui essencialmente uma história social e cultural que inclui política economia e também tecnologia Ao mesmo tempo rejeita o determinismo tecnológico baseado em simplificações enganosas ver p23 26 Fomos influen ciados de início pela famosa fórmula clássica simples e digna de merecimento formulada pelo cientista político norteamericano Harold Lasswell 190278 Ele descreve a comunicação em termos de quem diz o quê para quem em que canal com que efeito O quê conteúdo o quem controle e o para quem au diência têm o mesmo peso Onde também interessa As reações dos diferentes grupos de pessoas sobre o que ouvem vêem ou lêem exigem estudo permanente O tamanho dos diferentes grupos e mesmo se eles constituem uma massa também é relevante A linguagem das massas surgiu durante o século XIX e nos lembra que o para quem de Lasswell deve ser considerado em termos de quantos Intenções imediatas estratégias e táticas dos comunicadores precisam estar sempre relacionadas ao contexto no qual operam assim como as mensagens que transmitem Os efeitos a longo prazo especialmente as conseqüências surpreen dentes e involuntárias do uso de determinado meio de comunicação são mais difíceis de separar mesmo que haja um distanciamento em razão do tempo decorrido Na verdade o próprio uso do termo efeito é controverso pois impli ca uma relação de causa e efeito em uma só direção As palavras rede e Web já estavam em uso no século XIX Este livro focaliza o mundo ocidental moderno a partir do século XV A narrativa começa com a impressão c1450 dC e não com o alfabeto c2000 aC a escrita c5000 aC ou a fala Apesar da importância muitas vezes atribuí da a Johann Gutenberg c140068 em quem os leitores de um jornal inglês votaram recentemente como o homem do milênio Sunday Times 28 de no vembro de 1999 não há evidência ou marco zero do começo da história Assim algumas vezes será necessário voltar no tempo até os mundos antigo ou medieval Naquela época a comunicação não era imediata mas já atingia todos os pontos do mundo conhecido 16 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O canadense Harold Innis foi um dos vários acadêmicos do século XX a apontar a importância da mídia no mundo antigo Economista de formação fez fama com a chamada teoria da matériaprima do desenvolvimento canadense ressaltando o domínio sucessivo do comércio de peles peixe e papel e os efeitos desses ciclos na sociedade canadense Cada produto básico deixa sua marca e a mudança para novos produtos invariavelmente traz períodos de crise Ao fazer uma pesquisa sobre o papel chegou à história do jornalismo pesquisando sobre o Canadá onde as comunicações tiveram importância capital para o desenvol vimento econômico e político colonial e póscolonial chegou à história com parativa dos impérios e seus meios de comunicação desde a Antigüidade com Egito e Assíria até o presente Em sua obra Empire and Communications 1950 Innis conta por exemplo que o império assírio foi pioneiro na construção de estradas diziase que uma mensagem podia ser mandada de qualquer lugar para o centro e a resposta chegaria no prazo de uma semana Como bom historiador de economia quando escreveu sobre a mídia Innis se referia aos materiais usados para a comunicação contrastando os relati vamente duráveis como pergaminhos argila e pedra com produtos razoa velmente efêmeros como papiros e papéis mais adiante as seções sobre as chamadas idades do vapor e da eletricidade irão sublinhar o ponto de vista de Innis a respeito da matéria na mídia de comunicação Ele chega a sugerir que o uso dos materiais mais pesados como ocorreu na Assíria levou à adoção de um viés cultural com relação ao tempo e às organizações religiosas enquanto os materiais mais leves podiam ser transportados rapidamente a distâncias maiores resultando em uma tendência relacionada a espaço e organizações políticas Parte da história inicial que Innis apresenta é frágil e alguns de seus conceitos são malde finidos mas suas idéias permanecem assim como a ampla abordagem compara tiva como estímulo e inspiração para os próximos pesquisadores desse campo Esperase que futuros historiadores analisem as conseqüências do uso de plástico e fios da mesma forma como Innis fez com a pedra e o papiro Outro conceito central na teoria pioneira de Innis foi a idéia de que cada meio de comunicação tendia a criar um perigoso monopólio de conhecimento Antes de decidir ser economista ele pensou seriamente em tornarse pastor batis ta O interesse do economista na competição no caso competição entre diferentes tipos de mídia estava ligado à radical crítica protestante da politicagem do clero Argumentava ele que o monopólio intelectual dos monges da Idade Média basea do em pergaminhos foi solapado pelo papel e pela impressão gráfica do mesmo modo que o poder do monopólio sobre a escrita exercido pelos sacerdotes egípcios na idade dos hieroglifos havia sido subvertido pelos gregos e seu alfabeto No entanto no caso da Grécia antiga Innis enfatizou mais a fala do que o alfabeto A civilização grega escreveu era um reflexo do poder da palavra falada A esse respeito ele seguiu um colega seu de Toronto Eric Havelock 19038 INTRODUÇÃO 17 Cujo Preface to Plato 1963 focalizava a cultura oral dos primeiros gregos Os discursos na Assembléia de Atenas e as peças teatrais recitadas nos anfiteatros a céu aberto foram elementos importantes da antiga civilização grega Nela assim como em outras culturas orais canções e histórias tinham forma muito mais fluida do que fixa e a criação era coletiva no sentido de que cantores e contadores de histórias continuamente adotavam e adaptavam temas e frases uns dos outros Os acadêmicos fazem o mesmo hoje em dia embora o plágio seja censurado e nossas concepções de propriedade intelectual exijam que as fontes de empréstimo sejam indicadas ao menos em nota de rodapé Ao esclarecer o processo de criação Milman Parry 190035 professor de Harvard argumentava que a Ilíada e a Odisséia embora tenham sobrevivido até hoje somente porque foram passadas para o papel eram essencialmente impro visadas como poemas orais Para testar sua teoria Parry fez um trabalho de campo nos anos 1930 na Iugoslávia rural como era na época gravando performances de poetas narradores com um gravador de rolo o predecessor do gravador de fita Analisou as fórmulas recorrentes em frases como mar escuro como vinho e temas recorrentes como um conselho de guerra ou o modo de armar um guerrei ro elementos préfabricados que permitiam aos cantores improvisar histórias durante horas No trabalho de Parry desenvolvido por seu antigo assistente Albert Lord no The Singer of Tales 1960 a Iugoslávia e por analogia a Grécia homérica ilustrava os aspectos positivos das culturas orais muitas vezes desconsideradas e ainda o são como meramente iletradas A visão atual amplamente adotada pelo mundo acadêmico é de que a antiga cultura grega foi moldada pelo domínio da comunicação oral Ainda assim nas expedições que fazia Alexandre o Grande carregava con sigo um portajóias com a Ilíada de Homero Além disso uma grande biblioteca com cerca de meio milhão de manuscritos foi erguida na cidade que levou seu nome Alexandria Não é acidental que associada a essa vasta biblioteca de ma nuscritos fornecedora de informação e idéias de diferentes indivíduos lugares e épocas a serem superpostos e comparados tenhase desenvolvido uma escola de críticos que utilizava os recursos da biblioteca para incrementar práticas que somente seriam disseminadas na era dos impressos ver p30 O equilíbrio entre tipos de mídia é discutido por Rosalind Thomas em Literacy and Orality in Ancient Greece 1992 Imagens especialmente estátuas eram outra importante forma de comuni cação e mesmo de propaganda no mundo antigo sobretudo em Roma na era de Augusto Essa arte oficial romana influenciou a iconografia dos primórdios da Igreja Católica a imagem de Cristo em sua majestade por exemplo era uma adaptação da imagem do imperador Para os cristãos as imagens eram tanto um meio de transmitir informação como de persuasão Conforme afirma o teólogo 18 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA grego Basil de Caesarea c33079 os artistas fazem tanto pela religião com suas pinturas quanto os oradores com sua eloqüência De maneira semelhante o papa Gregório o Grande c540604 dizia que as imagens serviam para aqueles que não sabiam ler a grande maioria da mesma maneira como a escrita servia para aqueles que liam Beijar uma pintura ou uma estátua era um modo comum de expressar devoção o que ainda hoje em dia se vê nos mundos católico e ortodoxo Foi a igreja bizantina que chegou mais próximo dos antigos modelos Cristo era representado em sua majestade como Pantocrator o senhor de todos nos mosaicos que decoravam o interior dos domos das igrejas bizantinas Desenvolvi da em uma parte da Europa onde o analfabetismo era muito grande a cultura bizantina foi também a cultura dos ícones pintados de Cristo da Virgem e dos santos Um abade do século XVIII declarou Os evangelhos foram escritos com palavras mas os ícones com ouro O termo iconografia foi transmitido para a cultura erudita e mais tarde no século XX para a popular em que ícone se refere a uma celebridade secular como aliás apropriadamente a cantora Madonna Os ícones bizantinos podiam ser vistos em casas nas ruas e nas igrejas onde eram colocados em lugares próprios com portas afastando os leigos do santuário Não havia essa separação nas igrejas católicas romanas Em ambas as fés o simbo lismo era um aspecto da arte religiosa e das mensagens que transmitia mas em Bizâncio ao contrário do Ocidente até a Reforma o ensinamento pela cultura visual esteve sob ataque e as imagens eram algumas vezes encaradas como ídolos e destruídas por iconoclastas destruidores de imagens em um movimento que alcançou seu clímax no ano de 726 O islã assim como o judaísmo baniu o uso da figura humana na arte religiosa por isso mesquitas e sinagogas pareciam tão diferentes de igrejas No entanto na Pérsia a partir do século XIV figuras humanas com pássaros e ani mais ressaltavam nas iluminuras que vieram a florescer nos impérios otomano e mogul da Índia Elas eram fábulas ou histórias ilustradas Os mais famosos exem plos de tais ilustrações no Ocidente foram os bordados como os da Tapeçaria Bayeux c1100 que descreve vivamente a conquista normanda da GrãBretanha em 1066 em uma peça de aproximadamente sete metros de comprimento que mostra uma narrativa visual às vezes comparada a um filme no que diz respeito a suas técnicas e efeitos Figura 3 Nas catedrais da Idade Média as imagens esculpidas em madeira pedra ou bronze e figurando em vitrais formavam um poderoso sistema de comunicação No romance O corcunda de NotreDame 183132 Victor Hugo descreveu a catedral e o livro como dois sistemas rivais Este matará aquela De fato os dois sistemas coexistiram e interagiram durante longo período como mais tarde os manuscritos e os impressos Para a Idade Média de acordo com o historiador de INTRODUÇÃO 19 Figura 3 Tapeçaria anônima Apocalipse século IV arte francês Emile Mâle 18621954 a arte era didática As pessoas aprendiam com as imagens tudo o que era necessário saber a história do mundo desde a criação os dogmas da religião os exemplos dos santos a hierarquia das virtudes o âmbito das ciências artes e ofícios tudo era ensinado pelas janelas das igrejas ou pelas estátuas dos pórticos O ritual era um outro destacado meio de comunicação medieval e se man teve firme em contextos posteriores A importância dos rituais públicos na Euro pa inclusive os celebrados em festivais durante os mil anos que vão de 500 a 1500 é explicada de modo perceptível apesar de inadequado pelo baixo índice de letramento da época O que não podia ser anotado devia ser lembrado e o que devia ser lembrado devia ser apresentado de maneira fácil de se apreender Rituais elaborados e teatrais como a coroação de reis e a homenagem de vassalos ajoelhados em frente a seus superiores sentados demonstravam para quem via a cena que havia ocorrido um evento importante Transferências de terras podiam ser acompanhadas por presentes objetos simbólicos como um pedaço de turfa ou uma espada O rito e seu forte componente visual era uma forma superior de publicidade e ainda seria na idade dos eventos televisivos como a coroação da rainha Elisabeth II A palavra espetáculo comumente usada no século XVII foi ressuscitada no século XX 20 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA No entanto a Europa medieval assim como a Grécia antiga sempre foi considerada uma cultura essencialmente oral Os sermões eram um meio impor tante de disseminar informação O que hoje chamamos de literatura medieval teve sua produção nas palavras de um estudioso pioneiro neste tema o decano HJ Chaytor voltada para um público ouvinte e não para um público leitor Muitas vezes a leitura era feita em voz alta Em From Script to Print 1945 explicou que se a sala de leitura da digamos Biblioteca Britânica fosse totalmente ocupada por leitores medievais o ruído dos sussurros e murmúrios seria intolerável Os relatos medievais eram realizados em uma audição no sentido literal pois al guém os ouvia enquanto eram lidos em voz alta O mesmo acontecia com poemas de todos os tipos monásticos ou seculares A saga islandesa referente a um passa do que não o grecoromano recebeu esse nome por ser lida em voz alta ou seja falada ou dita Foi somente pouco a pouco a partir do século XI que a escrita começou a ser empregada por papas e reis para uma variedade de propósitos práticos enquanto a confiabilidade na escrita como registro conforme Michael Clanchy mostrou em From Memory to Written Record 1979 se desenvolveu ainda mais lentamente Por exemplo na Inglaterra em 1101 algumas pessoas preferiam confiar mais na palavra de três bispos do que em um documento do papa que descreviam com desdém como peles de carneiros castrados escurecidas com tinta No entanto apesar desses exemplos de resistência a penetração gradual da escrita na vida cotidiana do fim da Idade Média teve conseqüências importantes Inclusive na mudança de costumes tradicionais por leis escritas no surgimento da falsificação no controle da administração por escriturários clérigos instruídos e como salientou Brian Stock em The Implications of Literacy 1972 no surgimento de hereges Estes justificavam suas opiniões nãoortodoxas baseando se nos textos bíblicos e portanto ameaçando o que Innis chamou de monopólio do conhecimento pelo clero medieval Por este e outros motivos os estudiosos falam do surgimento da cultura escrita nos séculos XII e XIII Manuscritos inclusive iluminuras foram produzidos em número cada vez mais elevado nos dois séculos anteriores à invenção da impressão gráfica nova tecnologia introduzida para satisfazer uma demanda crescente por material de leitura Nos dois séculos anteriores à impressão gráfica a arte visual também se desenvolveu no que em retrospecto foi visto como arte dos retratos O poeta Dante e o artista Giotto 12661330 foram contemporâneos Ambos eram fasci nados pela fama assim como Petrarca 130474 de uma geração posterior e todos os três alcançaramna durante a vida O mesmo aconteceu com Boccaccio 131775 e Chaucer 13401400 na Inglaterra O último escreveu um notável poema A casa da fama com imagens de sonho tiradas do tesouro de seu cérebro para dizer o que significava a fama Petrarca escreveu uma Carta à posteridade na qual dava detalhes pessoais inclusive de sua aparência física e orgulhosamente INTRODUÇÃO 21 proclamava que os gloriosos serão gloriosos por toda a eternidade A ênfase na permanência seria ainda mais forte na idade da impressão gráfica Com o desenvolvimento da comunicação elétrica iniciada com o telégrafo no século XIX surgiu uma percepção de mudança iminente e imediata Os deba tes na mídia na segunda metade do século XX estimularam a reavaliação tanto da invenção da impressão gráfica quanto de todas as outras tecnologias que foram tratadas no princípio como maravilhas Geralmente aceitase que as mudanças na mídia tiveram importantes conseqüências culturais e sociais Controversos são a natureza e o escopo dessas conseqüências São elas primordialmente políticas ou psicológicas Pelo lado político favorecem a democracia ou a ditadura A era do rádio foi não somente a era de Roosevelt e Churchill mas também de Hitler Mussolini e Stálin Pelo lado psicológico a leitura e a visão estimulam a empatia com os outros ou o isolamento em um mundo particular A televisão ou a rede aniquilam ou criam novos tipos de comunidades nas quais a proximidade espacial não é menos importante De novo as conseqüências do letramento ou da televisão são mais ou menos as mesmas em qualquer sociedade ou variam de acordo com o contexto social ou cultural É possível distinguir culturas da visão nas quais o que é visto se sobrepõe ao que é ouvido e culturas da audição mais ligadas a sons Cronologicamente há uma grande divisão entre as culturas orais e literárias ou entre sociedades pré e póstelevisão Como a máquina a vapor e a industrialização se relacionam com essa divisão A invenção assim como a adoção e o desenvolvimento de locomotivas e navios a vapor fez reduzir o tempo das viagens e ampliou os merca dos E a eletrônica palavra que não era usada no século XIX propiciou o imedia tismo como previam os comentadores da época Alguns pioneiros desses debates deram respostas positivas e não somente Cipolla ver p14 mas também teóricos de áreas acadêmicas bastante diferentes como Marshall McLuhan e seu aluno Walter Ong mais conhecido por sua Orality and Literacy 1982 O primeiro rapidamente se tornou famoso enquanto o outro se contentou em ser padre e acadêmico Na Galáxia de Gutenberg 1962 escrita de forma experimental em Os meios de comunicação 1964 e em outros traba lhos McLuhan seguindo seus colegas de Toronto Innis e Havelock afirmou a centralidade da mídia ao identificar e traçar as características específicas inde pendentemente das pessoas que as usam das estruturas organizacionais com as quais operam os produtores e dos objetivos para os quais são usadas Para McLuhan que tinha formação de crítico literário o importante não era o conteúdo da informação e sim a forma que ela assumia Ele embutiu sua inter pretação em frases memoráveis como o meio é a mensagem e na distinção entre mídia quente como rádio e cinema e mídia fria como televisão e telefone Mais recentemente outro canadense o psicólogo David Olson em The World of Paper 1994 cunhou a expressão a mentalidade letrada para resumir 22 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA as mudanças que as práticas da leitura e da escrita provocaram segundo ele no modo como pensamos a linguagem o espírito e o mundo do surgimento da subjetividade à imagem do universo como livro Ong mais interessado no contex to reconheceu sua dívida com a teoria de mídia da Escola de Toronto o nome como o da escola de Frankfurt é uma lembrança da contínua importância das cidades na comunicação acadêmica Ele enfatizou as diferenças de mentalidade entre culturas orais e quirográficas ou culturas da escrita fazendo uma distin ção entre o pensamento baseado na oralidade na quirografia na tipografia e na eletrônica Observou por exemplo o papel da escrita na descontextualização de idéias ou seja na sua retirada das situações face a face nas quais foram original mente formuladas de modo a aplicálas em outro lugar O antropólogo Jack Goody discutiu as conseqüências sociais e psicológicas do letramento de maneira similar a Ong Em The Domestication of the Savage Life 1977 baseandose em uma análise de listas escritas no antigo Oriente Médio Goody enfatizou a reorganização ou reclassificação de informação uma outra maneira de descontextualização possibilitada pela escrita Trabalhando em seu próprio campo de estudos no oeste da África salientou a tendência da cultura oral para adquirir o que ele chama de amnésia estrutural isto é o esquecimento do passado ou mais exatamente a lembrança de um passado que é igual ao presente Por outro lado a permanência de registros escritos age como um obstáculo a esse tipo de amnésia e portanto estimula uma consciência da diferença entre passado e presente O sistema oral é mais fluido e flexível o escrito mais fixo Outros analistas fizeram observações contundentes sobre as conseqüências do letramento como condição para a emergência do pensamento abstrato e crítico para não mencionar a empatia e a racionalidade Essas observações sobre os efeitos do letramento foram contestadas sobre tudo por outro antropólogo britânico Brian Street Em Literacy in Theory and Practice 1984 Street criticou não somente o conceito da grande divisão mas também o que chamou de modelo autônomo do letramento como uma tecno logia neutra que pode ser destacada de contextos sociais específicos Em seu lugar propôs um modelo de letramentos no plural que enfatizava o contexto social de práticas como leitura e escrita e o papel ativo das pessoas comuns que fazem uso dessas aptidões Tomando exemplos de seu trabalho de campo no Irã na década de 1970 fez um contraste entre dois tipos de escolaridade a arte da leitura do Corão ensinada na escola religiosa e a arte da contabilidade lecionada na escola comercial do mesmo lugar Caso semelhante pode ser relatado na moderna Turquia onde o líder nacio nal Kemal Atatürk ordenou a troca da notação arábica para o alfabeto ocidental em 1929 declarando que nossa nação mostrará com sua notação e sua mente que seu lugar é no mundo civilizado A troca ilustra vivamente a importância simbó lica da mídia de comunicação Ela também é relacionada à questão da memória INTRODUÇÃO 23 pois Atatürk queria modernizar o seu país e mudando a notação eliminava o acesso da nova geração à antiga tradição No entanto nas escolas religiosas que ensinam o Corão tanto na Turquia quanto no Irã a notação tradicional arábica ainda é ensinada A disputa entre Goody e Street junto com o debate mais recente sobre realidade virtual e ciberespaço tema da conclusão deste livro oferece ilustra ções claras e sempre pertinentes sobre os enfoques e as limitações associadas às tendências disciplinares No transcurso de seus trabalhos de campo os antropólo gos por exemplo têm mais oportunidades que os historiadores para investigar em profundidade o contexto social mas menos chances de observar mudanças com o passar dos séculos A partir da década de 1990 as análises da mídia tanto por antropólogos quanto por historiadores foram postas de lado pelos escritores inclusive romancistas e cineastas Enquanto isso ao confrontar os temas levan tados no interior da rubrica globalização os economistas tendiam a se concen trar no estatisticamente mensurável Alguns produtores e roteiristas desviando se do problema da relação entre ciência e tecnologia reduziam todas as coisas do mundo a pontos luminosos dados unidades de mensagem contidas dentro do cé rebro e de seu assistente o computador Outros alongavamse sobre a complexi dade e o modo como o computador alterou a arquitetura das ciências e artes e a imagem que temos da realidade material Para historiadores e especialistas em estudos sociais há uma divisão contí nua entre os que enfatizam a estrutura e os que realçam a organização De um lado alguns reivindicam que não há conseqüências do uso do computador em si pelo menos não mais do que há com o letramento incluindo o visual e o compu tacional Somente há conseqüências para indivíduos que usam essas ferramentas De outro lado outros sugerem que o uso de um novo meio de comunicação inevitavelmente muda a longo prazo se não antes a visão das pessoas sobre o mundo Uma corrente acusa a outra de tratar pessoas comuns como passivas objetos do impacto do letramento ou da computação A acusação inversa é tratar a mídia inclusive a imprensa como passiva espelho da cultura e da sociedade e não como agência de comunicação transformando tanto uma quanto outra Este não é o lugar para tentar dar fim ao debate Ao contrário pedimos aos leitores que se lembrem dos pontos de vista alternativos durante a leitura das páginas a seguir Nenhuma teoria única fornece um guia completo para o reino contemporâneo das tecnologias de comunicação de alta definição de interação e mutuamente convergentes nas quais as relações sejam elas individuais ou so ciais locais ou globais estão em fluxo contínuo CAPÍTULO 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto Este capítulo e o seguinte referemse à Europa no período que antecedeu a chama da era moderna indo desde cerca de 1450 até 1789 em outras palavras desde a revolução da prensa gráfica até as Revoluções Francesa e Industrial O ano de 1450 é a data aproximada para a invenção na Europa provavelmente por Johann Gutenberg de Mainz de uma prensa gráfica talvez inspirado pelas prensas de vinhos de sua região natal banhada pelo rio Reno que usava tipos móveis de metal Na China e no Japão a impressão já era praticada há muito tempo desde o século VIII se não antes mas o método geralmente utilizado era o chamado de impressão em bloco usavase um bloco de madeira entalhada para imprimir uma única página de um texto específico O procedimento era apropriado para culturas que empregavam milhares de ideogramas e não um alfabeto de 20 ou 30 letras Provavelmente por essa razão teve poucas conseqüências a invenção de tipos móveis no século XI na China No entanto no início do século XV os coreanos criaram uma fôrma de tipos móveis descrita pelo acadêmico HenriJean Martin como de uma quase alucinatória similaridade àqueles de Gutenberg A invenção ocidental pode ter sido estimulada pelas notícias do que havia aconteci do no Oriente A prática da impressão gráfica se espalhou pela Europa com a diáspora dos impressores germânicos Por volta de 1500 haviam sido instaladas máquinas de impressão em mais de 250 lugares na Europa 80 na Itália 52 na Alemanha e 43 na França As prensas chegaram a Basiléia em 1466 a Roma em 1467 a Paris e Pilsen em 1486 a Veneza em 1469 a Leuven Valência Cracóvia e Buda em 1473 a Westminster distinta da cidade de Londres em 1476 e a Praga em 1477 Todas essas gráficas produziram cerca de 27 mil edições até o ano de 1500o que significa que estimandose uma média de 500 cópias por edição cerca de 13 milhões de livros estavam circulando naquela data em uma Europa com cem milhões de habitantes Cerca de dois milhões desses livros foram produzidos somente em Veneza enquanto Paris era um outro centro importante com 181 estabelecimen tos em 1500 24 A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 25 Em contraste a impressão gráfica custou a penetrar na Rússia e no mundo cristão ortodoxo uma região incluindo o que hoje são a Sérvia a Romênia e a Bulgária onde o alfabeto utilizado era o cirílico e na qual a educação formal estava praticamente confinada ao clero Em 1564 um russo educado na Polônia levou a técnica para Moscou mas sua oficina foi logo destruída por uma quadrilha A situação mudou no início do século XVIII graças aos esforços do czar Pedro o Grande reinado de 1686 a 1725 que fundou uma gráfica em São Petersburgo em 1711 seguida pela Gráfica do Senado em São Petersburgo e Moscou da Gráfica da Academia Naval 1721 e da Gráfica da Academia de Ciências 1727 A localiza ção desses estabelecimentos sugere que o czar estava interessado basicamente em aprendizado e educação de modo a tornar os russos familiarizados com a ciência e a tecnologia modernas em especial a tecnologia militar O fato de os materiais impressos terem chegado tão tarde à Rússia mostra que a revolução da impressão gráfica não era um fator independente ver p15 e não se ligava somente à tecno logia Essa revolução precisava ter condições sociais e culturais favoráveis para se disseminar e a ausência de população laica letrada na Rússia foi um sério obstá culo para o surgimento na região da cultura impressa No mundo muçulmano a resistência à impressão gráfica permaneceu forte durante o início da era moderna Na realidade os países muçulmanos têm sido vistos como uma barreira à passagem dos impressos da China rumo ao Ocidente De acordo com um embaixador imperial em Istambul em meados do século XVI os turcos pensavam ser pecado imprimir livros religiosos O medo de heresia estava por trás da oposição à impressão gráfica e do aprendizado sobre o Ociden te Em 1515 o sultão Selim I reinado de 1512 a 1520 fez um decreto punindo com a morte a prática da impressão No fim do século o sultão Murad III reinado de 1574 a 1595 permitiu a venda de livros impressos nãoreligiosos com caracte res árabes mas estes provavelmente eram importados da Itália Alguns europeus tinham orgulho dessa superioridade técnica Henry Olden burg 161877 o primeiro secretário da Sociedade Real de Londres e homem profissionalmente ligado à comunicação científica relacionou a ausência da im pressão gráfica com o despotismo Observou em uma carta de 1659 que o Grande Turco é um inimigo da aprendizagem para seus súditos porque ele acha vantajoso conservar as pessoas na ignorância para poder imporse Por isso não tolerará qualquer impresso sendo da opinião de que a impressão gráfica e o aprendizado especialmente aquele encontrado nas universidades são o combustível principal da divisão entre cristãos A história irregular da impressão gráfica no império otomano revela a força dos obstáculos a essa forma de comunicação e também às representações visuais A primeira prensa turca só foi instalada no século XVIII cerca de 200 anos depois da hebraica 1494 e 150 depois da norteamericana Um húngaro convertido ao islã e expastor protestante enviou um memorando ao sultão falando sobre a 26 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA importância da impressão gráfica e em 1726 teve permissão para imprimir livros seculares No entanto houve oposição de escribas e líderes religiosos A nova gráfica imprimiu apenas uma pequena quantidade de livros e não durou muito tempo A gazeta oficial otomana só foi fundada em 1831 enquanto o primeiro jornal nãooficial turco lançado por um inglês só apareceu em 1840 A idéia de que a invenção da impressão gráfica marcou época é antiga seja a nova técnica discutida isoladamente seja em conjunto com a invenção da pólvora ou como parte do trio imprensapólvorabússola Para o filósofo inglês Francis Bacon 15611626 foi este trio que mudou todo o estado e a face das coisas em todo o mundo embora o ensaísta francês Michel de Montaigne 153392 escre vendo uma geração antes tenha lembrado a seus leitores que os chineses usu fruíam os beneficios da impressão há mil anos Samuel Hartlib um exilado do Leste europeu na GrãBretanha que apoiou diversas iniciativas de reformas sociais e culturais escreveu em 1641 que a arte da impressão disseminará tanto conhecimento que as pessoas comuns sabedoras de seus direitos e liberdades não serão governadas de forma opressora O bicentenário da invenção da impressão gráfica foi celebrado em 1640 cerca de dez anos antes segundo alguns modernos acadêmicos e o terceiro centenário em 1740 no famoso esboço da história mundial do marquês de Con dorcet 174394 publicado em 1795 a impressão gráfica junto com a escrita foi identificada como um dos marcos do que o autor chamou de progresso da mente humana A inauguração da estátua de Gutenberg em Mainz em 1837 fezse acompanhar de celebrações entusiásticas Entre salvas de artilharia a coberta foi removida da estátua e mil vozes cantaram um hino Depois vieram orações janta res bailes discursos corridas de barcos procissões com tochas Gutenberg foi saudado com muitos copos transbordantes de vinho do Reno No entanto alguns comentaristas desejaram que a nova época jamais tivesse chegado As loas triunfais da invenção foram contrariadas pelo que se pode cha mar de narrativas catastróficas Os escribas cujo negócio era ameaçado pela nova tecnologia deploraram desde o início a chegada da impressão gráfica Para os homens da Igreja o problema básico era que os impressos permitiam aos leitores que ocupavam uma posição baixa na hierarquia social e cultural estudar os textos religiosos por conta própria em vez de confiar no que as autoridades contavam Para os governos essas conseqüências mencionadas por Hartlib não deviam ser celebradas O surgimento de jornais no século XVII aumentou a ansiedade sobre os efeitos da nova tecnologia Na Inglaterra na década de 1660 sir Roger LEstrange o censorchefe de livros ver p97 ainda questionava se mais males que vantagens eram ocasionados ao mundo cristão pela invenção da tipografia ó Tipografia Como distorcestes a paz da Humanidade escreveu o poeta inglês Andrew Marvell 162178 em 1672 A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 27 Os acadêmicos ou qualquer pessoa em geral à procura de conhecimento tinham outros problemas Olhemos desse ponto de vista a tão propalada explo são de informação metáfora imprópria reminiscente da pólvora que se seguiu à invenção dos impressos As questões mais graves eram as de recuperação de informação e ligada a isso a seleção e crítica de livros e autores Havia necessi dade de novos métodos de administração de informação assim como hoje em dia nos primeiros tempos da Internet No início da Idade Média o problema havia sido a falta de livros a escassez No século XVI foi o oposto Um escritor italiano queixouse em 1550 de que havia tantos livros que não temos nem tempo de ler os títulos Os volumes eram uma floresta em que os leitores podiam se perder de acordo com o reformador João Calvino 150964 Era um oceano no qual os leitores tinham de navegar ou uma enchente de material impresso em que era difícil não se afogar Com a multiplicação dos livros as bibliotecas tiveram de ser ampliadas ficou mais difícil encontrar um livro nas prateleiras e os catálogos se tornaram cada vez mais necessários Os compiladores de catálogos deviam decidir se classi ficavam a informação por assunto ou ordem alfabética de autores A partir do meio do século XVI bibliografias impressas ofereciam informação sobre o que havia sido escrito mas como as compilações cresceram em tamanho tornaramse cada vez mais necessárias as listagens por assunto Os bibliotecários também enfrentaram o problema de manter os catálogos atualizados e se inteirar sobre as novas publicações Jornais acadêmicos forneciam informação sobre livros recémpublicados o número desses jornais se multiplica va e portanto era necessário buscar dados em outros lugares Como havia mais livros do que era possível ler durante uma vida deviase ajudar os leitores a escolher produzindo bibliografias selecionadas e a partir do final do século XVII resenhas das novas publicações A coexistência de relatos triunfalistas e catastróficos sobre as publicações indica a necessidade de precisão em qualquer debate sobre suas conseqüências O historiador vitoriano lorde Acton 18341902 foi mais acurado que seus prede cessores ao enfatizar tanto o que se pode chamar de efeitos colaterais ou tópicos das publicações tornar o conhecimento acessível para um público maior quanto seus efeitos verticais e cumulativos permitindo às novas gerações partir do trabalho intelectual das gerações anteriores De acordo com Acton na sua palestra Sobre o estudo da história 1895 os impressos deram a certeza de que as obras do Renascimento permaneceriam para sempre de que aquilo que fora escrito seria acessível a todos que a nãodivulgação de conhecimentos e idéias característica da Idade Média jamais ocorreria de novo nem mesmo uma idéia seria perdida Esta era uma visão parcial e livresca sobre a Idade Média que ignora a tradição oral e deixa de fora muita coisa hoje considerada básica Estudos mais 28 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA recentes sobretudo aqueles associados ao debate sobre a mídia freqüentemente rejeitam antigas posições aumentandoas e ocasionalmente exagerandoas Os historiadores sociais por exemplo mostraram que a invenção da impressão gráfica mudou a estrutura ocupacional das cidades européias Os próprios impressores eram um novo tipo de grupo de artesãos necessariamente letrados A correção das provas tipográficas constituía uma ocupação recente surgida com a nova técnica assim como a quantidade de vendedores de livros e bibliotecários naturalmente cresceu em conseqüência da explosão do número de livros Mais aventuroso e especulativo do que os historiadores Marshall McLuhan sublinhou a mudança do foco auditivo para o visual chegando a dizer que os impressos abriram uma fenda entre a cabeça e o coração Tanto a força quanto a fraqueza de sua abordagem estão contidas em um dos muitos conceitos que ele lançou a cultura das publicações sugerindo ligações entre a nova invenção e as mudanças culturais do período sem nunca especificar no entanto o que pode riam ser esses elos Ong foi mais cauteloso mas também ele acreditava nas conse qüências psicológicas a longo prazo das publicações Enquanto a invenção da prensa tipográfica tem sido discutida convencionalmente em termos de seu valor para disseminar idéias sua contribuição maior foi levar mais longe a mudança a longo prazo na relação entre espaço e discurso Ong também enfatizou o surgi mento de diagramas e a organização visual ou espacial dos livros acadêmicos do século XVI com seus índices dicotomizados que tudo significavam para os olhos e nada para os ouvidos porque é impossível lêlos alto O conteúdo da primeira edição de Anatomy of Melancholy de Robert Burton 1621 foi sumarizado dessa maneira Figura 4 O mesmo problema de informação projetada para os olhos pode ser mencionado nas tabelas de tempo e de astronomia a partir do século XVI e para as tábuas de logaritmos impressas primeiramente no século XVII Tais livros eram muito dispendiosos e técnicos para atrair mais do que uma minoria da população também surgiu contudo material impresso mais barato e simples sob a forma de brochuras muitas vezes ilustradas embora as figuras fossem freqüentemente tiradas de livros já publicados e pouco tivessem a ver com o texto As brochuras eram folhetos comercializados por vendedores ambulan tes ou mascates em vários lugares no início da Europa moderna em algumas regiões circulavam no século XIX e mesmo no XX Desde a década de 1960 os historiadores vêm estudando as brochuras francesas a chamada Biblioteca Azul Bibliothèque Bleue em uma referência à encadernação com áspero papel azul usado para embrulhar açúcar O maior centro de produção ficava em Troyes no nordeste da França Mas graças ao trabalho dos mascates as brochuras eram amplamente distribuídas tanto no interior quanto nas cidades Os assuntos mais comuns eram as vidas de santos e romances de cavalaria levando alguns histo riadores à conclusão de que a literatura era escapista ou mesmo uma forma de A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 29 tu Ecraluocaduariu DifpothieuMpfnierAc biéN amovo 4bleed8canceitc l a r e b Sliricloadj naeurallanimaL M i u á s To its cs B e d y C o u t i e u e d a s 1 sabps iispdarfpennadcall or Haia lkite à esuenterecr Sallsg 4i invbjek I g estai Diflimularbraifte bortliuc r Wl f91140 22 t V gy 1 tiaticistit 4 VegeAL I tjedê ad at Scafible uhr078 tr r4449C Raciona Soirjr to 11 i T uutc sob IA r o 2 1011241 ti 4 Figura 4 Índice ramista de Anatomy of Melancholy de Robert Burton 1a ed 1621 anestesia além de representar um modo de difundir entre as camadas mais baixas de artesãos e camponeses os modelos culturais criados por e para o clero e a nobreza Essa conclusão é muito simples para ser aceita sem comentários Em primei ro lugar os livros não eram comprados somente por pessoas comuns Sabese que nobres os liam Em segundo lugar a Biblioteca Azul não representava toda a cultura de seus leitores Provavelmente a cultura oral era mais importante De qualquer modo não sabemos como os leitores ou os ouvintes reagiam às histórias se por exemplo se identificavam com Carlos Magno ou com os rebeldes e contra ele Apesar dos problemas levantados por esse estudo de caso é certo que na 30 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA França e em outros países europeus inclusive na Itália na Inglaterra e na Holan da o material impresso tornouse parte importante da cultura popular no século XVII se não antes Resumindo o trabalho de toda uma geração sobre o assunto uma historia dora norteamericana Elizabeth Eisenstein sustentou em um ambicioso estudo lançado em 1979 que a impressão gráfica era a revolução não reconhecida e que seu papel como agente de mudança havia sido subestimado nos levantamentos tradicionais sobre Renascença Reforma e revolução científica Trabalhando com as idéias de McLuhan e Ong Elizabeth Eisenstein domesticouas traduzindoas em termos que seriam aceitáveis à sua própria comunidade profissional formada por historiadores e bibliotecários Embora fosse cautelosa ao tirar conclusões gerais ela enfatizou duas conseqüências a longo prazo da invenção dos impressos Em primeiro lugar as publicações padronizaram e preservaram o conhecimento fenômeno que havia sido muito mais fluido na era em que a circulação de in formações se dava oralmente ou por manuscritos Em segundo lugar as impres sões deram margem a uma crítica à autoridade facilitando a divulgação de visões incompatíveis sobre o mesmo assunto Para ilustrar esse ponto a historiadora tomou o exemplo de Montaigne cujo ceticismo parece ter sido fruto de vasta leitura Explicando por que Montaigne percebia maior conflito e diversidade nos trabalhos que consultava do que os comentaristas medievais de uma era anterior comenta a autora algo deve ser dito sobre o crescente número de textos que ele tinha à mão Mais deveria ser dito porém sobre essa distinção entre público e privado resultado de sua experiência Reconsiderando a revolução da impressão gráfica O livro de Elizabeth Eisenstein permanece sendo uma síntese valiosa No entanto 20 anos após sua publicação os argumentos da autora sobre as mudanças revolu cionárias que se seguiram à invenção da impressão gráfica parecem exagerados Em primeiro lugar as alterações que ela salientou aconteceram por um período de pelo menos três séculos da Bíblia de Gutenberg à Enciclopédia de Diderot ver p102 A adaptação ao novo meio foi gradual tanto no caso de estilos de apre sentação quanto no dos hábitos de leitura ver p67 Em outras palavras como na Revolução Industrial na visão de alguns historiadores modernos o que vemos é aquilo que o crítico britânico Raymond Williams 192188 chamou uma vez de uma Longa Revolução Tratase de uma questão intrigante será que uma revolução lenta pode afinal ser considerada uma revolução Um segundo problema é o do agente Falar da impressão gráfica como agente de mudança é dar muita ênfase ao meio de comunicação em detrimento de escritores impressores e leitores que usaram a nova tecnologia cada qual segundo A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 31 seus próprios e diferentes objetivos Talvez seja mais realista ver a nova técnica como aconteceu com outros meios de comunicação em séculos posteriores a televisão por exemplo como um catalisador mais ajudando as mudanças sociais do que as originando ver p25 Em terceiro lugar Elizabeth Eisenstein toma a impressão gráfica de forma relativamente isolada No entanto para estimar as conseqüências sociais e cultu rais da nova técnica é necessário ver a mídia como um todo avaliar todos os diferentes meios de comunicação como interdependentes tratandoos qual um pacote um repertório um sistema ou o que os franceses chamam de regime seja ele autoritário democrático burocrático ou capitalista O sistema devese enfatizar sofria mudanças constantes mesmo que algu mas delas só se tornassem visíveis a longo prazo Por exemplo a tecnologia de impressão não se manteve inalterada após Gutenberg O impressor alemão Wil lem Blaeu aprimorou o modelo da prensa de madeira no século XVII Foram desenvolvidos mecanismos maiores para mapas A prensa manual de ferro de Stanhope 1804 dobrou a taxa normal de produção enquanto a de vapor de Frie drich Koenig 1811 quadruplicou a produtividade em relação à de Stanhope Pensar em termos de um sistema de mídia significa enfatizar a divisão de trabalho entre os diferentes meios de comunicação disponíveis em um certo lugar e em um determinado tempo sem esquecer que a velha e a nova mídia podem e realmente coexistem e que diferentes meios de comunicação podem competir entre si ou imitar um ao outro bem como se complementar As mudanças no sistema de mídia precisam ser também relacionadas a alterações no sistema de transporte o movimento de mercadorias e pessoas seja por terra ou água rio canal ou mar A comunicação de mensagens é ou pelo menos foi parte de um sistema de comunicação física Comunicação física Sem dúvida constitui uma tradição o fluxo de informações seguir o fluxo do comércio pois os mercadores operando por mar ou terra traziam novidades juntamente com a mercadoria A própria impressão gráfica se difundiu na Europa pelo rio Reno da Mainz de Gutenberg a Frankfurt Estrasburgo e Basiléia Nos séculos XVI XVII e XVIII as mensagens em papel seguiram a rota da prata do México ou Peru para o Velho Mundo ou a rota do açúcar do Caribe para Londres Nova nos séculos XVI e XVII é a evidência do aumento da consciência sobre os problemas da comunicação física O entusiasmo dos humanistas do Renascimento pela antiga Roma incluía o interesse pelas estradas romanas discu tidas por exemplo no famoso tratado de Andrea Palladio Quatro livros de arqui tetura 1570 Publicaramse guias de estradas de determinados países notada 32 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 5 John Ogilby mapa rodoviário de Britannia exibindo Cambridge 1675 mente o Guide des Chemins de France 1553 de Henri Estienne e Britannia 1675 Figura 5 de John Ogilby o primeiro atlas das estradas inglesas apresentadas no que o autor chamou de rolos imaginários Uma versão atualizada desses mapas em formato reduzido foi produzida em 1719 e alcançou a vigésima segunda edição em 1785 uma evidência da necessidade que os viajantes tinham de uma publicação como essa Os governos também se preocuparam mais com as estradas mesmo que seja dificil ver grandes melhorias no sistema europeu antes de meados do século XVIII Na França uma nova função foi criada por volta de 1600 a de Grand Voyer para supervisionar o sistema Uma das razões dessa preocupação com as estradas era a crescente necessidade em uma época na qual os Estados europeus estavam em processo de centralização de transmitir comandos mais rapidamente das capitais para as províncias O interesse dos governantes pelas comunicações foi a razão principal para a rápida expansão do sistema postal no início do período moderno embora os mercadores e outros indivíduos dele também tenham tirado vantagem No início do período moderno na Europa o transporte aquático era nor malmente muito mais barato do que o terrestre Um impressor italiano calculou em 1550 que a remessa de uma carga de livros de Roma para Lyon custaria 18 scudi A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 33 por terra comparado com os quatro scudi por mar Normalmente as cartas eram entregues por terra porém no século XVII desenvolveuse na república holande sa um sistema de transporte de correspondência jornais e pessoas por meio de barcaças em canais A velocidade média das barcaças era um pouco acima de 64 quilômetros por hora lenta se comparada a um correio a cavalo Por outro lado o serviço era regular freqüente barato e permitia a comunicação não somente entre Amsterdã e cidades menores mas também entre as próprias cida des menores equalizando assim o acesso à informação Somente em 1837 com a invenção do telégrafo elétrico ver p137 foi quebrada a tradicional ligação entre transporte e comunicação das mensagens Império e comunicação A comunicação segundo o cientista político norteamericano Karl Deutsch são os nervos do governo especialmente importante em grandes Estados e acima de tudo em extensos impérios Carlos V reinado de 1519 a 1558 cujos domínios incluíam a Espanha a Holanda a Alemanha e grande parte da Itália assim como o México e o Peru tentou resolver o problema da comunicação viajando incessan temente por toda a Europa O discurso de abdicação de Carlos V ressaltava que durante quatro décadas como imperador ele fizera 40 viagens dez visitas à Ho landa nove à Alemanha sete à Itália seis à Espanha quatro à França duas à Inglaterra e duas ao norte da África No entanto o estilo tradicional dos reinos nômades na Idade Média não foi mais suficiente para as necessidades de Carlos V A idade do império do papel havia chegado juntamente com um sistema regu lar de transmissão de mensagens o sistema postal assim chamado porque envol via o estabelecimento de postos com homens e cavalos estacionados ao longo de algumas estradas ou rotas de correio No século XVI uma família dominava o sistema postal europeu a Tassis ou Taxis o termo táxi atualmente de uso internacional é derivado de seu nome Foi essa família dona dos correios dos imperadores Habsburgo a partir de 1490 que desenvolveu o sistema usual operando de acordo com uma tabela fixa dispo nível em forma impressa a partir de 1563 Bruxelas atualmente foco de tantas outras coisas era o ponto central do sistema Uma rota ia de Augsburg e Innsbruck a Bolonha Florença Roma e Nápoles Outra ia a Paris e através da França a Toledo e Granada Mensageiros especiais trocando os cavalos a intervalos regulares eram capa zes de viajar até cerca de 200 quilômetros por dia e assim trazer as notícias de importantes eventos com relativa rapidez Em 1572 por exemplo as notícias do massacre de protestantes em Paris conhecido como Dia de São Bartolomeu chegaram a Madri em três dias Viajar à velocidade do correio era uma expressão 34 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA comum no período Entretanto o tempo em geral gasto para a chegada das men sagens era consideravelmente maior pois correios normais andavam cerca de dez a 13 quilômetros por hora De Roma a Milão um correio comum levava de dois a três dias dependendo da estação do ano de Roma a Viena 12 a 15 dias de Roma a Paris 20 e eram necessários de 25 a 30 dias para o correio ir de Roma a Londres ou Cracóvia Os correios normais levavam cerca de 11 dias de Madri que foi capital da Espanha a partir de 1556 a Paris e 12 ou 13 dias de Madri a Nápoles que era parte do império espanhol O império espanhol na época do filho e sucessor de Carlos V Felipe II reina do de 1556 a 1598 embora menor em extensão foi bem descrito pelo grande historiador francês Fernand Braudel 190285 em seu famoso estudo La Mediter ranée et le monde méditerranée à lépoque de Philippe II 1949 um empreendimento colossal de transporte por mar e terra que requeria a expedição diária de centenas de ordens e relatórios A estratégia de Felipe era oposta à de seu pai Ele preferia na medida do possível permanecer em um lugar Madri ou seus arredores e sentar a sua mesa de trabalho durante várias horas por dia lendo e anotando os documentos que chegavam de todos os seus domínios Não é de estranhar que os súditos te nhamno apelidado de el rey papelero rei do papel O grande problema era o tempo demasiado que os documentos levavam para alcançar Felipe ou que suas ordens levavam para alcançar seus destinatários A obsessão dos homens de Estado e embaixadores do século XVI com a chegada do correio foi enfatizada por Braudel A lentidão do governo espanhol era notória levando um oficial a desejar que a morte viesse da Espanha Essas demoras não podem ou nem sempre podem ser explicadas pela indecisão do rei Felipe II mas principalmente por problemas de comunicação de um império que se estendia pelo Mediterrâneo desde a Espanha até a Sicília atravessava o Atlântico até o México e o Peru e o Pacífico até as Filipinas chamadas assim em homenagem a Felipe por terem se tornado uma possessão espanhola em sua época Naquele tempo um navio levava normalmente uma ou duas semanas de acordo com os ventos para atravessar o Mediterrâneo de norte a sul e dois ou três meses de leste para oeste Por isso o mundo mediterrânico do período foi chamado por Braudel de Sessenta dias de comprimento A comunicação por mar no entanto era normalmente mais rápida do que por terra Por exemplo no México os espanhóis tiveram de construir o que cha maram de estradas reais como a famosa estrada da prata das minas de Zaca tecas até a cidade do México Os nomes dessas vias também sobreviveram na Califórnia e no Novo México Na Europa Oriental onde a população era menos densa que na Ocidental e as cidades eram menores e em número reduzido a comunicação também se fazia mais lenta No império russo na época de Catari na a Grande reinado de 1762 a 1796 por exemplo uma ordem imperial chegava A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 35 a levar 18 meses para ir de São Petersburgo a Kamchatka na Sibéria e outros 18 para se receber a resposta na capital Os problemas de comunicação ajudam a explicar por que os impérios dos primórdios da Europa moderna com exceção da Rússia eram marítimos Eram os impérios intercontinentais de Portugal Espa nha Holanda França e GrãBretanha e também o império sueco na Europa construído em redor do mar Báltico Comunicações transatlânticas Para se comunicar com seus vicereis no México e no Peru Felipe II e seus sucessores dependiam das partidas e retornos anuais dos navios que transporta vam a prata do Novo Mundo para o porto de Sevilha os quais por medida de segurança andavam com escoltas O comboio para o México por exemplo zar pava no verão e começava a viagem de volta para o Velho Mundo no outono Cartas da Espanha para o México podiam levar apenas quatro meses para chegar porém para Lima normalmente demoravam de seis a nove meses levando quase dois anos para atingir as Filipinas As comunicações entre a Inglaterra e a Nova Inglaterra eram muito mais rápidas mas as missivas podiam se perder ou atrasar Uma carta relatando a execução de Carlos I escrita em março de 1649 chegou somente em junho à Nova Inglaterra Era prática comum fazer cópias de cartas e enviálas por diferentes navios para minimizar o risco de perda Somente no século XVIII com as melhorias das comunicações os intervalos de tempo via Atlântico encurtaram pelo menos no que concerne ao Império Britânico O tráfego entre a Inglaterra e a América do Norte dobrou entre as décadas de 1680 e 1730 Em 1702 foi implantado um sistema de navios conhecido como navios de pacotes levando cartas de Londres para Barbados ou para a Jamaica com partidas mensais horários para cem dias e carregamentos de cerca de 8500 cartas em cada navio Como resultado do ponto de vista das comunica ções o Atlântico encolheu com relação ao tamanho do Mediterrâneo na era de Felipe II Os navios que atravessavam o Atlântico carregavam além de cartas livros e jornais Como os livros eram objetos pesados a maioria das cópias tendia a ficar perto do lugar em que eram impressas No entanto há evidências de distribuição a longa distância No século XVI por exemplo foram exportados romances de cavalaria em grande número para o México e o Peru apesar da desaprovação do clero Em 1540 um único editor tinha 446 cópias do romance popular Amadis de Gaula em estoque em sua loja na Cidade do México O mesmo livro era um dos favoritos em Lima em 1583 Em 1600 não menos que dez mil cópias de outro romance Pierres y Magalona chegaram à Cidade do México Na puritana Nova Inglaterra ao contrário parece ter havido maior demanda por sermões impressos 36 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Indivíduos como o clérigo Increase Mather 16391723 recebiam regularmente carregamentos de livros de Londres Durante a guerra civil inglesa eram enviadas folhas de notícias para Boston e no começo do século XVIII a chegada regular de notícias estimulou a criação de jornais locais como o Boston Newsletter 1704 Assim pouco a pouco foi diminuindo o que o historiador australiano Geoffrey Blayne descreveu como a tirania da distância Comunicação oral Muitas vezes dizse que a invenção do jornal impresso não alterou fundamental mente a natureza oral da cultura européia Como este livro tenta mostrar a afir mativa é exagerada como é enganadora a tentativa de caracterizar a cultura européia em termos de um único meio mas por trás do exagero se esconde um ponto notável Apesar da vasta literatura sobre a importância da comunicação oral e em especial o que é muitas vezes chamado de literatura oral a posição desse meio de comunicação e sua relação com as mudanças na cultura visual têm recebido na história do início da Europa moderna menos atenção do que merece Na Idade Média o altar mais do que o púlpito ocupava o centro das igrejas cristãs No entanto o sermão dos padres já era obrigação aceita e os frades prega vam nas ruas e praças das cidades assim como nas igrejas Havia distinções entre os sermones dominicales para os domingos e os sermones festivi para os vários dias de festa sendo que o estilo da pregação simples ou rebuscado sério ou divertido contido ou histriônico era conscientemente adaptado às platéias urbana ou rural clerical ou leiga Em suma as possibilidades do meio oral eram conscientemente exploradas pelos mestres do que era conhecido no século XVI como a retórica eclesiástica Não admira que o sociólogo Zygmunt Bauman tenha descrito os púlpitos da Igreja Católica como um meio de comunicação de massa Após a Reforma o sermão dos domingos se tornou parte cada vez mais importante da instrução religiosa tanto para protestantes quanto para católicos Embora Martinho Lutero 14831546 saudasse a nova técnica de impressão como a maior graça de Deus ele ainda considerava a igreja uma casa da boca e não da pena Alguns pregadores reuniam multidões como o poeta John Donne c15721631 que foi o decano da catedral de São Paulo em Londres A função pública do sermão também era reconhecida pelos católicos romanos especialmente depois do Concílio de Trento e houve grandes pregadores católicos como Jacques Bossuet 16271704 na Corte de Luís XIV Se não tivéssemos o registro da época seria difícil acreditar hoje que houvesse entusiasmo de alguns membros do público por sermões que duravam duas ou três horas Os governos tinham plena consciência do valor do púlpito para difundir informação especialmente nas áreas rurais e estimular obediência A rainha A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 37 Elisabeth I falou da necessidade de sintonizar os púlpitos e Carlos I concordou declarando que em tempos de paz as pessoas são mais governadas pelo púlpito do que pela espada uma clássica e primeira declaração da idéia de hegemonia cultural O outro tipo de comunicação oral era a acadêmica O ensino nas universi dades baseavase em palestras debates formais ou disputas testando a habilidade lógica dos estudantes e discursos formais ou declarações testando seus poderes de retórica A arte da fala e do gesto era considerada pelos retóricos tão impor tante quanto a da escrita Ao contrário o ensaio escrito como por exemplo o exame escrito era praticamente desconhecido nos círculos acadêmicos da épo ca Nas escolas de gramática davase grande ênfase à habilidade de falar latim e os professores compunham diálogos e peças para que os estudantes praticassem a fala Outro importante domínio da comunicação oral era o canto especialmente a balada canção que contava uma história As teorias de Parry e Lord discutidas anteriormente ver p17 são bastante relevantes para as baladas que circulavam no início da Europa moderna Não é difícil identificar fórmulas e temas das famosas baladas da fronteira norte da Inglaterra e das Terras Baixas da Escócia por exemplo assim como as equivalentes escandinavas e espanholas Vinho vermelhosangue ou corcel brancoleitoso eram expressões tão batidas quanto o mar escuro como o vinho de Homero Havia temas recorrentes nas baladas britânicas enviar uma carta sentar em um pavilhão galopar um cavalo cresce rem plantas nos túmulos de amantes trágicos para por fim reunilos A sobrevi vência de diferentes versões de uma determinada balada The Bonny Earl of Mur ray por exemplo ou Barbara Allen em manuscritos ou impressos diferentes no tamanho e no fraseado sugere que como na Iugoslávia de Parry os menestréis desenvolveram seus próprios estilos de recitar que provavelmente eram semiim provisados Os boatos foram descritos como um serviço postal oral funcionando com velocidade admirável As mensagens transmitidas nem sempre eram espontâneas algumas vezes se disseminavam por motivos políticos e em tempos de conflito um lado regularmente acusava o outro de espalhar boatos Três exemplos famosos de boatos e seus efeitos espontâneos ou não no início da era moderna na Europa foram o movimento iconoclasta de 1566 no norte da França e na Holanda ver p91 a conspiração papal inglesa na década de 1680 ver p99 e o chamado grande medo no interior da França em 1789 estudado em profundidade na década de 1930 pelo historiador especialista em Revolução Francesa Georges Lefebvre 18741959 Neste último caso circularam notícias entre os trabalhado res rurais sobre os efeitos das brigadas que estariam vindo para massacrálos ou atacar suas plantações talvez por ordem dos ingleses ou da aristocracia Em vez de ignorar tais rumores ou acreditar neles Lefebvre estudou sua cronologia e geo grafia com cuidado e usouos como evidência de tensões sociais 38 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA A cultura oral daquele período não deve ser pensada unicamente em termos de sobrevivência ou do que Ong chamou de resíduo oral Na época desenvolve ramse novas instituições que estruturaram esse tipo de comunicação oral inclu sive grupos de discussões mais ou menos formais como academias sociedades científicas salões clubes e cafés A julgar pelos tratados sobre o assunto a arte da conversação foi cultivada com particular intensidade As livrarias também funcio navam como centros sociais e James Boswell encontrou Samuel Johnson pela primeira vez na sala dos fundos de uma livraria pertencente a Tom Davies O desenvolvimento do comércio trouxe notáveis conseqüências para a co municação oral sobretudo o aumento das trocas de valores e mercadorias in cluindo as bolsas de Bruges 1409 Antuérpia 1460 Lyon 1462 Amsterdã 1530 Londres 1554 Hamburgo 1558 e Copenhague 1624 O mercador judeu sefardim José Penso de la Vega em um diálogo em espanhol intitulado Confusiones de las confusiones 1688 deu uma vívida descrição de uma delas a de Amsterdã mostrando que a prática de especulação com ações de companhias e mesmo a classificação em compradores e vendedores já eram comuns na época E também o hábito de lançar boatos de modo a forçar os preços para cima e para baixo O comportamento volátil das ações e sua dependência das mudanças de humor do maníaco para o depressivo mais obviamente perceptível nesse pe ríodo pelo rápido aumento e colapso da South Sea Bubble em outras palavras especulação com as ações da South Sea Company de Londres em 1720 devem ser em parte explicados pelo meio oral O fenômeno ainda é observado atualmente nas bolsas de valores Os centros de comunicação oral incluíam tabernas banhos públicos e cafés uma inovação no período Istambul era famosa no século XVI pelos cafés cerca de 600 Neles contadores de histórias faziam suas performances como ainda na Iu goslávia da década de 1930 quando Parry e Lord visitaram os chamados kafanas com seus gravadores Havia pelo menos 500 cafés em Londres na época da rainha Ana reinado de 1702 a 1714 Eles prepararam o caminho para a terra dos clubes A ampla variedade de estabelecimentos atendia a diversos tipos de clientes e dife rentes tópicos de conversação Podiamse presenciar discussões de assuntos cientí ficos no café Childs no Garraway ou no Grecian onde era possível ver e ouvir sir Isaac Newton 16421727 Discutiamse seguros no Lloyds que era um café até o fim do século XVII antes de se tornar instituição independente Em meados do século XVIII o café Slaughters era o local de um grupo de artistas que compreendia William Hogarth 16971764 No século XVIII em Paris os principais cafés in cluíam o Café de Maugis um centro de ataques à religião e o Procopes fundado em 1689 e ainda funcionando freqüentado pelos principais intelectuais do Ilumi nismo como Denis Diderot 171384 Em várias cidades as autoridades preocu padas com a possibilidade de os cafés estimularem comentários subversivos sobre o governo mantinhamnos sob vigilância A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 39 Clubes e cafés inspiraram a criação de comunidades originais de comunica ção oral O melhor exemplo inglês é o do criativo Spectator Club composto por uma variedade de pessoas que incluía um proprietário rural um comerciante um religioso e um oficial militar formando a base do The Spectator editado por Joseph Addison 16721719 e Joseph Steele 16721729 e publicado em 171112 ver p79 Um diário fundado em Leipzig em 1689 tinha o título de The Curious Coffeehouse of Venice O ainda mais famoso jornal milanês Il Caffe 17646 teve importante papel no Iluminismo italiano Várias peças eram apresentadas nesses locais culminando com a comédia de Voltaire Le café ou Lecossaise 1760 na qual são representados clientes fazendo críticas a outras peças Da mesma maneira alguns jornais do século XVIII do Bristol Postboy ao Hamburgische Patriot também ajudaram a criar comunidades locais da mesma forma como alega Benedict Anderson em Imagined Communities 1983 o jornal do século XIX contribuiu para a formação de uma consciência nacional por tratar seus leitores na condição de comunidade um público nacional Comunicação escrita O mérito dos contextos em que a escrita é aprendida ou utilizada já era bastante evidente no início da Europa moderna em que muitas vezes ensinavamse a leitura e a escrita separadamente Sobre o contexto comercial da leitura e a de manda da escrita por parte do mundo dos negócios podemos citar Florença nos séculos XIV e XV Ali escolas especializadas ensinavam escrita e aritmética com base em exemplos comerciais para meninos que iriam se tornar comerciantes ou contadores Como outras cidades do mundo mediterrâneo Florença pode ser definida como uma cidade de notários na qual os documentos escritos tinham função indispensável sobretudo para registrar transferências de propriedades por ocasião de matrimônios ou mortes A literatura laica era relativamente numerosa na cidade e a prática de escrever diários ou crônicas encontravase bastante difun dida Exemplos desse tipo de documento pessoal também podem ser encontrados em outras cidades como Augsburg Barcelona Bolonha Londres Nuremberg e Paris Usualmente essas autobiografias focalizavam mais as famílias ou a cidade e menos os indivíduos e algumas vezes circulavam sob forma de manuscritos na comunidade urbana O contexto religioso do letramento é visível principalmente na Europa pro testante nos séculos XVII e XVIII Um exemplo clássico é o da Suécia luterana onde a igreja fazia exames anuais em toda casa para avaliar a leitura de cada membro da família seu conhecimento do catecismo etc Os resultados eram registrados sistematicamente distinguindo níveis de habilidade como começan do a ler lendo um pouco e assim por diante Os registros eram conservados 40 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA vila J Ap ta 10 5w100dr WIaSaijrad1 484 i f4141t 4r i y o m f r o 11 prer Figura 6 Registro do exame doméstico de escolaridade na Suécia com cuidado e tornaramse uma rica fonte para o estudo do início do letramento moderno Figura 6 Entre outras coisas revelam que a disseminação do ensino da leitura extensível às mulheres e às crianças na área rural foi resultado de uma maciça campanha entre 1620 e 1720 No entanto no conjunto o início da era moderna européia constituía uma sociedade pouco letrada em que somente uma minoria da população especialmente homens moradores de cidades e protestan tes sabia ler e menos ainda escrever Daí vem a importância do que se chama letramento mediado em outras palavras o uso do letramento para o benefício dos iletrados Nas cidades daquele período ocupação comum como na cidade do México ou em Istambul hoje ou A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 41 pelo menos até há pouco tempo era a de escritor público pessoa com um escritório na rua compondo ou escrevendo cartas para gente que não sabia escrever Em Paris por exemplo alguns desses homens trabalhavam no cemitério dos Inocentes O viajante inglês John Evelyn 16201706 descreveu a imagem desses indivíduos redigindo cartas para pobres criadas e outras pessoas ignoran tes que vinham pedir conselhos e escrever para o interior para namorados pais e amigos servindo como mesa a pedra mais alta do túmulo Na Finlândia do século XVIII camponeses analfabetos precisavam se comunicar por escrito com o gover no para escapar do recrutamento do Exército sueco Nesse caso um intermediário crucial era o clérigo local que servia como escriba Um exemplo contundente do letramento mediado e suas conseqüências imprevistas é o caso que se apresentou ao tribunal do governador de Roma em 1602 envolvendo uma carta de amor escrita por um certo Giovanantonio para sua vizinha de 16 anos Margarita Infelizmente a moça não sabia ler e precisou pedir isso a outra vizinha o que aumentou a chance de o romance ser descoberto pelos pais eles realmente descobriram e levaram o caso ao tribunal As conseqüências do aumento do letramento e sua penetração na vida diária foram muitas e variadas Cresceu o número de pessoas em ocupações ligadas à escrita empregados de escritório contadores escrivãos notários escritores pú blicos e carteiros por exemplo Alguns desses cargos possuíam status social relati vamente alto entre eles a de secretário particular a serviço de figuras importantes que não tinham tempo de escrever suas próprias cartas O conhecimento da leitura e da escrita obstáculo para o processo tradicional de amnésia estrutural ver p22 estimulou um sentimento de distância entre passado e presente A percepção de anacronismo histórico por exemplo parece terse tornado cada vez mais intensa a partir dos séculos XIV e XV Os resultados políticos do letramento compreendiam a disseminação dos registros escritos o que se pôde notar a partir do século XIII se não antes e com eles a grande dependência do processamento da informação termo que iria aparecer com destaque nas futuras teorias de comunicação a saber na identifica ção no final do século XX de uma sociedade da informação ver p264 A informação parecia se referir a números o que viria a ser chamado de estatísti ca ou a fatos Tendo acesso a ela o estilo de governo caminhou rumo ao modelo de administração escritural ou burocrática como a denominou o sociólogo ale mão Max Weber 18641920 Na exposição do que chamou autoridade racional legal Weber enfatizou a relação entre a ampliação do uso da escrita para formular e registrar decisões e um tipo de administração mais impessoal Esta caracterizase pela imposição de regras formais nas nomeações de funcionários para as respecti vas esferas de responsabilidade e seu lugar dentro de uma hierarquia Os argu mentos de Weber desde então foram estendidos da política para os domínios da religião dos negócios e das leis 42 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Felipe II cujos problemas de comunicação já se discutiram não foi o único rei do papel no início da Europa moderna Grandes nobres vendo sua participa ção nas tomadas de decisão diminuir freqüentemente se queixavam do governo dos secretários A intensificação do uso da escrita no processo de administração era condição necessária para o controle a distância para o crescimento de um Estado centralizado No entanto o número de documentos a serem lidos e assina dos era excessivo mesmo para monarcas conscienciosos como Felipe II da Espa nha ou no século XVII Luís XIV da França Os secretários eram autorizados a forjar a assinatura do rei em documentos que este não havia lido pois as ordens não seriam cumpridas se não parecessem vir diretamente do monarca E como ocorre muitas vezes as práticas sociais avançam mais devagar do que as inovações técnicas Não se devem esquecer também os usos políticos do letramento para pessoas comuns As rebeliões eram acompanhadas por queixas escritas como no caso por exemplo da Guerra dos Camponeses na Alemanha em 1525 ou dos cahiers no começo da Revolução Francesa para mencionar somente duas das mais profun das convulsões sociais A assinatura de petições por grande número de pessoas foi uma prática que se infiltrou na política inglesa no século XVII Quinze mil cida dãos de Londres assinaram a Root and Branch Petition em 1640 no início da Guerra Civil e petições posteriores tinham mais de 30 mil assinaturas No século XIX diziase que o número de nomes havia subido à casa dos milhões Meio de comunicação escrito não é sinônimo de manuscrito menos ainda de pena e tinta No início do período moderno as inscrições pintadas e cinzeladas eram uma forma nítida de comunicação Os epitáfios nos túmulos e monumentos das igrejas eram escolhidos com cuidado e os visitantes estrangeiros faziam ques tão de lêlos prática facilitada pelo fato de que até o século XVIII a maioria deles era escrita em latim Uma história da comunicação não pode neglicenciar os meios lingüísticos pelos quais acontecia a comunicação Linguagens de comunicação O crescimento de uma sociedade com tecnologia de impressão é muitas vezes associado ao desenvolvimento das línguas vernáculas da Europa em contraste com uma sociedade medieval préimpressão na qual a comunicação escrita era predominantemente em latim e a oral faziase no dialeto local O crescimento do emprego de vernáculos para propósitos literários foi acompanhado por sua pa dronização e codificação processo ajudado pela nova técnica A tradução da Bíblia para o alemão por Martinho Lutero é citada muitas vezes como um exemplo da nova tendência importante por si mesmo e também modelo para outras tradu A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 43 ções como a Bíblia de Tyndale ver p89 a Bíblia tcheca de 157994 a Bíblia de Kralice e a inglesa de 1611 a versão autorizada Dante e Chaucer no entanto escreveram seus poemas em italiano e inglês Mesmo preocupado como era com o status do latim também Petrarca empregou o italiano para sua poesia introspectiva e de louvor à musa Laura Fora da Itália o francês Joachim Du Bellay 152260 e o alemão Martin Opitz 15971639 esta vam entre os escritores que cantavam as vantagens do vernáculo como veículo para a poesia No campo da política uma data freqüentemente citada é 1539 quando o rei da França Francisco I ordenou que os documentos legais utilizassem o francês em vez do latim tradicional No campo acadêmico o médico alemão Theophrastus von Hohenheim conhecido como Paracelso 14931541 quebrou a tradição dando aulas em vernáculo na Universidade de Basiléia embora muitos de seus colegas resistissem à inovação e somente se fosse ouvir usualmente o alemão o inglês e o italiano nas salas das universidades no século XVIII Na mesma época o francês tomou o lugar do latim como língua principal da diplomacia internacional Entretanto como sugerem os dois exemplos citados não se deve datar dessa época o declínio do latim Eram comuns traduções dos vernáculos para essa língua especialmente do italiano e do francês dedicadas ao público do norte da Europa Pelo menos 900 delas foram feitas entre os fins dos séculos XV e XVIII alcançando o auge na primeira metade do século XVII Para citar somente exemplos ingleses os ensaios de Francis Bacon a filosofia de John Locke o Sceptical Chemist e outras obras de Robert Boyle Óptica de Newton e mesmo o Paraíso perdido de Milton e Elegy in a Country Churchyard de Thomas Gray eram mais familiares no continente europeu na versão latina pois não se conhecia muito a língua inglesa nos outros países até a segunda metade do século XVIII Comunicação visual A linguagem do gesto levada a sério no início da Europa moderna era ensinada nas escolas como parte da disciplina de retórica e constituía assunto de vários tratados desde A arte do gesto 1616 do jurista italiano Giovanni Bonifacio até a Chirologia 1644 do médico inglês John Bulwer que tratava da retórica ma nual em outras palavras da linguagem natural das mãos No que tange à comunicação visual em sentido mais amplo os humanistas do Renascimento teriam pouco a aprender com o crítico francês Roland Barthes 191580 a respeito do que ele chamava de a retórica da imagem o próprio Barthes que analisou a propaganda moderna com a ajuda da Retórica de Aristóte les provavelmente teria sido o primeiro a reconhecer isso 44 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA A despeito de suas admiráveis inovações de estilo as peças normal e anacro nicamente chamadas obras de arte da Renascença deveriam ser vistas como imagens ou mesmo como o que os sociolingüistas denominam eventos comuni cativos A punição de Cora por exemplo afresco do pintor florentino Sandro Botticelli 14451510 na Capela Sistina em Roma representa a terra abrindose para engolir um homem que tinha ousado se rebelar contra a autoridade de Moisés Encomendado pelo papa Sisto IV no fim do século XV época em que se falava em reunir um concílio para limitar o poder papal o afresco afirma categoricamente que o papa é o novo Moisés e que a rebelião não vale a pena A esse respeito as famosas pinturas religiosas do Renascimento como Juízo final de Michelangelo ou O milagre de são Marcos de Tintoretto Figura 2 não eram tão inovadoras embora a então recente tridimensionalidade talvez as tenha tornado mais eficazes do ponto de vista da comunicação religiosa Já era bem conhecido o emprego das imagens para despertar emoções Imagens seculares cada vez mais identificadas com os pintores individual mente a partir dos anos 1500 comunicavam uma variedade maior de mensagens a platéias menores Enquanto colocavase grande número de pinturas religiosas em igrejas onde todos podiam vêlas a maior parte das imagens seculares do Renascimento era comprada por indivíduos que as punham em suas casas Por exemplo a Primavera de Botticelli pode ser muito conhecida hoje graças a expo sições e reproduções mas na Renascença não era vista pela maioria das pessoas pois estava pendurada em uma residência particular Geralmente tanto trabalhos religiosos quanto seculares eram feitos sob en comenda por clientes particulares e de acordo com suas especificações algumas vezes extremamente precisas como mostram os contratos da época As obras literárias também eram freqüentemente criadas para clientes específicos e a eles dedicadas Foi somente no início do período moderno no século XVI na Holan da e no XVIII na França e na Inglaterra que os artistas e escritores ver p66 começaram a trabalhar para o mercado produzindo primeiro e vendendo depois Imagens impressas O crescimento do mercado deuse de modo associado ao da imagem reproduzida mecanicamente em particular da estampa termo geral empregado para ima gens impressas O meio utilizado era um bloco de madeira ou uma placa de cobre ou aço com a imagem cinzelada na placa gravada ou feita por corrosão com ácido no caso de águaforte A primeira xilogravura conhecida data do final do século XIV e foi provavel mente inspirada pela estamparia de tecidos De fato coleções de imagens de cenas religiosas em xilogravuras já estavam sendo produzidas uma geração antes da A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 45 Bíblia de Gutenberg A águaforte se desenvolveu nos séculos XVI e XVII particu larmente famosas eram as feitas por Rembrandt A vantagem desse método no qual uma placa de metal é coberta com cera sobre a qual são desenhadas linhas antes de a placa ser submersa em um banho de ácido é que se podem obter gradações de tom por meio de nova imersão da placa acrescentandose novas linhas e tornando os primeiros sulcos mais profundos e escuros No século XVIII com a invenção da meiatinta com pequenos orifícios de profundidades dife rentes substituindo as linhas sobre a placa com gradações ainda mais sutis tornouse possível fazer reproduções realísticas em pretoebranco de pinturas a óleo Em 1796 a litografia foi inventada por Aloys Senefelder 17711834 Con sistindo de um desenho com lápis de cera sobre uma pedra o novo meio permitiu pela primeira vez produzir imagens coloridas a custo baixo O crescimento da figura impressa foi a mudança mais profunda da comuni cação visual de todo aquele período pois permitia como nunca que as imagens ficassem disponíveis para difusão O processo rapidamente envolveu os principais artistas do Renascimento como Botticelli que criou uma série de ilustrações em xilogravuras para a Divina comédia de Dante Os impressos eram relativamente baratos de se fazer e transportar permitin do que o trabalho dos artistas alcançasse rapidamente um número elevado de pessoas É provável por exemplo que as mais memoráveis e vívidas imagens do Novo Mundo não sejam aquelas relatadas por Cristóvão Colombo e viajantes posteriores mas as xilogravuras representando índios ornados de cocares de pe nas cozinhando e comendo carne humana A devoção popular era estimulada por imagens de santos em xilogravuras distribuídas nos dias de festa imagens simila res de Lutero ajudaram a difundir as idéias dos reformadores da Igreja em 1520 As pinturas de Leonardo da Vinci Rafael e Michelangelo foram reproduzidas sob a forma de gravuras e xilogravuras e apresentadas para um público bem maior assim como as pinturas de Rubens no século XVII Os impressos também apresentavam as imagens da Europa Ocidental para outras culturas Eles foram usados como modelos por pintores religiosos no mundo russo ortodoxo a partir de meados do século XVII Influenciaram igualmente estilos de representação em lugares tão distantes quanto a Pérsia a Índia a China o México e o Peru A consciência política popular que será discutida com maiores detalhes no próximo capítulo foi estimulada pela difusão de impressos satíricos espe cialmente nos séculos XVII e XVIII na Inglaterra e na França revolucionária ver p1017 Sabese que algumas dessas imagens vendiam bastante bem Por exemplo um impresso celebrando a revogação da Lei do Selo que tinha grande objeção por parte das colônias norteamericanas em 1765 vendeu duas mil cópias a um xelim cada uma em quatro dias e dizse que outras 16 mil cópias ilegais foram vendidas Figura 7 Durante o período os padrões figurativos mudaram e o impresso alegórico como os dos funerais caricatos foi substituído pela carica Figura 7 A revogação ou Cortejo fúnebre de Miss SeloAmérica 1765 tura de cunho político mais direto As caricaturas representavam por exemplo sir Robert Walpole Charles James Fox ou o Príncipe de Gales os principais temas do artista James Gillray 17561815 na década de 1780 antes que mudasse e começasse a satirizar a Revolução Francesa No mundo acadêmico as discussões sistemáticas sobre a importância da imagem impressa como meio de comunicação se comparam às detalhadas investigações a respeito de textos impressos Os bibliógrafos dos séculos XIX e XX preocuparamse com o aparecimento a datação e a impressão de livros enquanto os historiadores de arte analisaram a impressão de figuras Os dois grupos supostamente deveriam prestar atenção à reprodução e ao número de cópias em circulação embora isso nem sempre tenha acontecido De acordo com o crítico marxista alemão Walter Benjamin 18921940 o trabalho artístico mudou de caráter após a Revolução Industrial O que decai na idade da reprodução mecânica é a aura da obra de arte A máquina substitui por uma pluralidade de cópias o que era uma existência única e fazendo isso produz um deslocamento do valor culto da imagem em direção a seu valor de exibição Se a aura da imagem se perde ou não esta é uma hipótese difícil de testar sempre é possível argumentar que a familiaridade com a reprodução aguça em vez de saciar o desejo de ver o original Benjamin estava pensando na mídia do século XIX como a litografia e a fotografia ver p165 mas William M Ivins Jr 18811961 curador de gravura A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 47 do Metropolitan Museum of Art de Nova York salientou com veemência a impor tância das gravuras do século XVI como relatos pictóricos reproduzíveis de maneira exata Ivins argumentava que elas estavam entre as ferramentas mais importan tes e poderosas da vida e do pensamento modernos Ressaltou que os antigos gregos por exemplo abandonaram a prática de ilustrar tratados botânicos pela impossibilidade de produzir imagens idênticas de uma planta em diferentes có pias manuscritas do mesmo trabalho Por outro lado a partir do fim do século XV os tratados sobre ervas eram regularmente ilustrados com xilogravuras Os mapas que começaram a ser impressos em 1472 oferecem outro exemplo do modo pelo qual a comunicação por imagens foi facilitada com a possibilidade de repetição representada pelo prelo Em um sentido mais literal do que afirmava David Olson ver p21 elas ofereciam aos leitores o mundo no papel e torna vam mais fácil do que antes para grupos munidos desses documentos controlar partes da Terra independentemente de seu controle ser basicamente militar político econômico ou ideológico Tanto generais e governos quanto mercadores e missio nários estimularam a produção de mapas manuscritos do mundo além da Europa Muitas vezes tinham a esperança de conservar a informação para si mas ela foi gradativamente sendo impressa e distribuída ao público A transferência do mapa de duas dimensões para o globo tridimensional cujo sobrevivente mais antigo é o de Martin Behaim de 1492 tornou ainda mais fácil pensar sobre a Terra como um todo Quando os mapas foram agrupados em atlas começando com O teatro do mundo de Abraham Ortelius publicado pri meiro na Antuérpia em 1570 eles permitiram ao leitor ver o mundo como um todo e em detalhe Embora o ideal de um mundo cosmopolita remonte aos filósofos estóicos na era do Império Romano a difusão de globos e mapas impres sos estimularam a consciência global Outra novidade desse período foi a narrativa em tiras ou história em ima gens a ancestral da história em quadrinhos do século XX A narrativa visual em que o leitor lê os episódios normalmente da esquerda para a direita e de cima para baixo já era conhecida na Idade Média mas sua importância cresceu com o surgimento da xilogravura no Renascimento Produziamse xilogravuras em lon gas tiras para registrar certos eventos como o percurso de procissões nas ruas Essas tiras equivalentes aos rolos medievais davam aos leitores a impressão de ver a procissão passar No entanto as verdadeiras imagens em movimento do início do período moderno eram as próprias procissões Comunicação multimídia Parece que as formas de comunicação mais efetivas daquele período assim como acontece hoje eram as que apelavam simultaneamente para os olhos e os 48 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA ouvidos combinando mensagens verbais com nãoverbais musicais e visuais desde tambores e trombetas de paradas militares até os violinos que acompanha vam performances de salão No início da era moderna na Europa essas formas incluíam rituais espetáculos montagens de teatro amador peças balés e óperas Os rituais eram mensagens mas também um meio mais ou menos eficaz de comunicar informação Menos porque a maior parte da informação codificada na ação provavelmente não era assimilada pela maioria dos espectadores um público incapaz de compreender as alusões à história antiga ou à mitologia clássica por exemplo ou literalmente incapacitado de ver o que se passava Por outro lado os rituais eram mais do que um meio de transmitir informação pois criavam solida riedade fosse entre o padre e sua congregação o governante e seus súditos fosse entre os membros de uma associação ou corporação desfilando juntos em procis são Devese acrescentar que na época acreditavase que os rituais fossem um meio de promover mudanças no mundo A consagração da hóstia transformavaa em corpo e alma de Cristo enquanto a cerimônia da coroação tornava a pessoa um rei Supunhase que o toque dos reis da França e da Inglaterra curava os doentes pelo menos aqueles sofrendo da doença de pele conhecida como escrofulose Em certos dias do ano os enfermos chegavam aos palácios dos reis aos milhares Ritual nem sempre é a melhor palavra para descrever vários desses eventos multimídia É melhor seguir o uso do século XVII e qualificar pelo menos alguns deles como espetáculos Naquela época a forma principal de espetáculo público era a procissão geralmente religiosa mas muitas vezes secular como no caso das entradas reais nas cidades Batalhas de exibição como as justas ou os torneios também podem ser descritas como forma de espetáculo ao ar livre outro modo comum de espetáculo que continuava a ser importante na época embora não tivesse nada de exibição eram as execuções Realizadas em público precisamente para impressionar os espectadores comunicavam a mensagem de que não adian tava tentar resistir às autoridades e que os malfeitores teriam final funesto Outro tipo de espetáculo pode ser descrito como teatro da vida diária do governante que muitas vezes fazia suas refeições em público e podia até mesmo transformar em rituais seus atos de se levantar pela manhã e ir dormir à noite como o famoso caso de Luís XIV da França reinado de 1643 a 1715 Também a rainha Elisabeth I a que declarou que os príncipes eram colocados em palcos foi habilidosa ao explorar essa situação para propósitos políticos transformandose em uma deusa ou em um mito com tanta competência quanto Eva Perón no sistema de mídia tão diferente na Argentina em meados do século XX Os exemplos sugerem que os estudantes de mídia devem tentar colocar sob perspectiva histórica a declaração de RogerGérard Schwartzenberg segundo a qual a origem do espetáculo de Estado e do star system na política foi uma conseqüência do surgimento da televisão ou ainda a afirmação de Guy Debord ver p 249 de que a sociedade do século XX é uma sociedade do espetáculo em A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 49 que a classe dominante discursa interminavelmente sobre si mesma em um ininterrupto monólogo de autoelogio A televisão pode ser responsável pelo reflorescimento do teatro político e certamente lhe deu novas formas permitindo a tantas pessoas observar os líderes políticos em closeup mas a dramatização pública e a personalização da política como o monólogo oficial de autoelogio têm um passado muito mais antigo Como estudo de caso do espetáculo como comunicação o festival florentino de são João Batista do fim do século XV é interessante pois era uma celebração da riqueza e do poder da cidade de Florença e especialmente de seu governo Trata vase de uma cidade grande para o período com cerca de 40 mil habitantes e uma cidadeestado que controlava parte substancial da Toscana São João Batista foi o principal patrono e protetor de Florença e sua festa em 24 de junho era uma ocasião particularmente esplêndida Um dos eventos principais da festa era uma procissão de ida e volta da catedral até ao rio Amo na qual tomavam parte monges frades clero secular meninos cantores e confrarias religiosas Todos desfilavam em ruas decoradas com ricos tecidos e abarrotadas de espectadores acompanhados por músicos carregando relicários e seguidos por balsas repre sentando cenas religiosas como o nascimento de são João ou o batismo do santo por Cristo A parte secular das celebrações em Florença incluía uma exposição de pro dutos de luxo fornecidos pelos artesãos da cidade em especial tecidos jóias e trabalhos de ourivesaria exibidos fora das oficinas e também uma corrida palio não muito diferente da que ainda existe em Siena duas vezes por ano com cavalos e cavaleiros em paramentos coloridos O aspecto civil do festival era marcado por um banquete para a Signoria o equivalente local do conjunto formado por prefei to e vereadores um agradecimento à parte desempenhada na organização dos eventos do dia por diferentes distritos da cidade e pela chegada de delegados das cidades toscanas dominadas por Florença entre elas Pisa Arezzo Pistoia Vol terra e Cortona para oferecer tributo ao santo e portanto à cidade do qual era patrono Por isso os rituais podem ser descritos como uma expressão da identida de coletiva dos florentinos O estilo do ritual europeu mudou nos séculos XVI e XVII Duas dessas mudanças merecem ênfase especial a reestruturação do ritual conforme práticas romanas antigas e o aparecimento do teatro que culminou com um dos mais famosos slogans associados à comunicação O mundo todo é um palco Os humanistas do Renascimento no processo de reviver a Antigüidade clássica utili zaram rituais antigos como a montagem de uma batalha naval no estilo da Roma antiga no pátio do Palazzo Pitti em Florença o qual se enchia de água para a ocasião Em diversas outras cidades dispersas em diferentes países uma versão recorrente do espetáculo clássico acontecia com a entrada ritual de um príncipe De acordo com a tradição romana antiga o príncipe circulava em uma carruagem 50 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA atravessando arcos triunfais e sendo saudado por pessoas representando a Fama a Vitória ou a Justiça Exemplos famosos foram a entrada do imperador Carlos V em Bolonha para sua coroação em 1530 do rei Henrique II em Rouen em 1550 e do rei Carlos IX em Paris em 1571 A prática se tornou bastante difundida e não se limitou aos governantes No século XVII em Londres o novo lorde prefeito atravessou arcos triunfais semelhantes no ritual de sua posse a Festa do Lorde Prefeito Até que ponto esses espetáculos eram compreensíveis Para ajudar os espec tadores a entender o que acontecia durante o evento podia haver um intérprete como são Jorge na Festa do Lorde Prefeito em Londres em 1609 Alternativa mente podiam ser anexadas resenhas escritas a algumas personalidades procedi mento ridicularizado pelo dramaturgo Ben Johnson 15721637 que preferia uma audiência letrada a outra popular com exemplos satíricos como Isto é um cachorro ou Isto é uma lebre Freqüentemente os espetáculos eram descritos em livros impressos e ilustrados disponíveis no próprio dia ou logo nos dias se guintes para permitir aos espectadores ou pelo menos a alguns deles saber pre cisamente o que esperar e compreender o que estavam vendo ou descobrir o sig nificado do que acabaram de ver Quem estava dizendo o quê e para quem nesses rituais No caso das visitas dos oficiais aos centros urbanos a resposta óbvia é que a cidade estava demons trando sua lealdade ao príncipe A resposta não é incorreta mas está incompleta A comunicação era um processo de duas vias uma forma de diálogo e os prínci pes demonstravam sua boa vontade em relação aos súditos ao mesmo tempo que recebiam aplausos Além disso os rituais eram às vezes executados em proveito de príncipes estrangeiros para os quais tornavase inapropriada a expressão de leal dade Bolonha fazia parte dos estados da Igreja quando em 1529 recebeu Carlos V Veneza era uma república independente quando em 1574 o rei Henrique III da França fez sua entrada formal Finalmente é possível encontrar ocasiões nas quais as cidades usaram rituais para enviar outro tipo de mensagem para o prínci pe não tanto um panegírico ou uma petição Quando Carlos V entrou em Bruges em 1515 os adornos chamavam atenção para o declínio econômico da cidade que estava sendo substituída como centro comercial pelo porto de Antuérpia Uma das cenas mostradas a Carlos V era uma roda da fortuna com Bruges ao fundo A mensagem era clara consistia em um apelo ao príncipe para que restaurasse a prosperidade perdida pela cidade A época dos principais festivais era a melhor para os espetáculos teatrais como por exemplo as peças religiosas para a festa de Corpus Christi ou peças profanas durante o carnaval Esses espetáculos aconteciam normalmente na rua no pátio real ou em residências Uma importante evolução a partir do fim do século XVI foi o surgimento do teatro público em Londres Madri Paris e outros lugares As peças começaram a ser encenadas por atores profissionais em hospeda A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 51 rias ou prédios próprios os teatros como o Hôtel de Bourgogne em Paris 1548 o Teatro 1576 ou o Globe 1598 em Londres Os teatros eram abertos a todos mediante o pagamento de um ingresso bastante barato Na Londres de Shakespea re uma entrada de teatro custava um penny preço que tanto aprendizes quanto mercadores e cavalheiros podiam pagar A ópera comercial começou um pouco mais tarde em Veneza onde o primeiro teatro público foi aberto em 1637 O aparecimento ao mesmo tempo do teatro comercial em diversos países sugere que o fator crucial de seu desenvolvimento além da imitação de novos modelos estrangeiros foi o crescimento da população das cidades ultrapassan do cem mil habitantes Com um público potencial desse tamanho os atores profissionais foram capazes de se estabelecer em um lugar em vez de vagar pelo país em busca de novos espectadores e atuar na mesma peça para diferentes platéias noite após noite ou com maior freqüência levar duas ou três peças du rante algumas semanas Interação entre meios de comunicação Eventos multimídia não são os únicos exemplos nesse período da interação entre diferentes meios de comunicação da interface entre esses meios Há outros como os chamados iconotextos imagens cuja interpretação depende de textos a elas incorporados o nome dos santos rolos com falas saindo da boca das figuras ou títulos acima ou abaixo das imagens Por exemplo o entendimento das gravu ras de William Hogarth como A rua do gim O progresso de uma prostituta e O aprendiz diligente dependem do material textual preso nos lados das imagens Hogarth também foi contratado para produzir pinturas a partir de cenas de um musical de grande sucesso na época a Ópera dos mendigos de John Gay Outro tipo de interação pode ser ilustrado pela função dos manuscritos no início da Europa moderna É tema recorrente na história cultural que quando aparece um novo gênero ou meio de comunicação no caso a impressão gráfica os anteriores não somem O velho e o novo por exemplo o cinema e a televisão coexistem e competem entre si até que finalmente se estabeleça alguma divisão de trabalho ou função É óbvio que os manuscritos continuaram a ser usados para comunicações específicas como cartas familiares ou comerciais embora devase ressaltar que a carta manuscrita foi influenciada pela impressão gráfica no perío do por meio dos vários tratados sobre a arte de escrever cartas publicados em grande número na Itália e em outros lugares a partir do século XVI Esses manuais ofereciam modelos úteis para cartas de congratulações condolências amorosas apologias ou para pedir dinheiro Requer aqui exame mais atento a sobrevivência no início do período mo derno do manuscrito como canal importante para a circulação pública de mensa 52 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA gens Para ser mais preciso os manuscritos ainda eram usados para transmitir mensagens de maneira semipública Na Rússia em 1700 ainda circulava literatu ra secular sob as formas oral ou de manuscritos pois as poucas prensas existentes estavam localizadas em mosteiros e eram usadas para a produção de livros religio sos Mesmo na Europa Ocidental na qual como vimos havia muitas prensas a circulação de manuscritos continuou a desempenhar algumas funções úteis Nos séculos XVI e XVII homens de status elevado e as mulheres mais ainda sentiamse incomodados com a idéia de publicar livros sob o pretexto de que eles seriam vendidos ao público em geral e portanto fariam com que os autores se identificassem aos comerciantes Como resultado desse preconceito poetas de círculo social íntimo e alguns escritores preferiam fazer seus trabalhos circularem entre amigos e conhecidos em cópias manuscritas Foi desta forma que por exemplo os poemas de sir Philip Sidney 155486 como a seqüência de sonetos Astrophel e Stella circularam na Inglaterra elisabetana E os poemas líricos de John Donne escritos na década de 1590 só foram publicados em 1633 dois anos após a morte do autor Provavelmente Donne não queria publicar poemas sobre o amor porque havia entrado para a Igreja e se tornado um pregador mere cidamente famoso As formas de circulação de manuscritos se diferençavam daquela dos im pressos de várias maneiras No caso dos primeiros tratavase de um meio de criar vínculos sociais entre os indivíduos envolvidos às vezes um grupo de amigos Freqüentemente a caligrafia dos manuscritos transformavaos em obras de arte Os textos eram menos fixos e mais maleáveis que os impressos pois quem fazia as transcrições muitas vezes sentiase livre para acrescentar ou subtrair algo dos versos que copiava ou então modificava os nomes para adaptar o que estava escrito à sua própria situação Atualmente o manuscrito seria chamado meio interativo Uma segunda e ainda mais importante razão para a circulação de manuscri tos era escapar da censura religiosa moral e política Em outras palavras para adotar um termo amplamente usado alguns anos atrás os manuscritos eram o samizdat do início do período moderno o equivalente aos textos datilografados publique você mesmo e às fotocópias criticando os regimes comunistas que circulavam oficiosamente na União Soviética Polônia e outros lugares antes de 1989 Por exemplo a Carta para a Grande Duquesa de Galileu Galilei 1564 1642 discussão do delicado tema sobre a relação entre religião e ciência circulou em grande número sob a forma manuscrita até ser finalmente impressa em 1636 Na França no fim do reinado de Luís XIV de 1661 a 1715 circulava uma grande variedade de manuscritos satirizando o rei sua família e seus ministros Também transitavam de forma oficiosa livros atacando o cristianismo Em alguns casos volumes impressos eram copiados para distribuição clandestina em uma região na A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 53 qual sua publicação tivesse sido proibida No começo do século XVIII em Paris o comércio de cópias manuscritas de livros nãoortodoxos era extremamente orga nizado e os copistas profissionais trabalhavam para negociantes que os vendiam próximo aos cafés Cerca de uma centena de textos desse tipo circulava na primei ra metade do século XVIII Entre os dois tipos de manuscritos discutidos anteriormente apareceram os noticiosos cartas enviadas para um número limitado de assinantes em múltiplas cópias principalmente entre 1550 e 1640 ou seja uma ou duas gerações antes do surgimento dos jornais A flexibilidade da forma manuscrita permitia varia ções nas notícias enviadas a cada assinante de acordo com seus interesses e necessidades Esse serviço personalizado de notícias só estava disponível para pessoas ricas mas permitia a circulação de informações que os governos prefe riam manter secretas Assim mesmo após 1650 ainda havia um mercado para esse tipo de manuscrito apesar do aparecimento dos noticiosos impressos ver p65 Na França por exemplo o conde de Lionne era o centro de uma rede de notícias manuscritas em Paris por volta de 1671 Seus empregados seguiam as forças armadas francesas no exterior e lhe enviavam relatórios que depois eram colocados em circulação Outro exemplo de interação entre manuscritos e impressos nos leva de volta à carta Os editores de jornais impressos de tipos diferentes desde o Transactions of the Royal Society até The Spectator freqüentemente solicitavam e recebiam correspondência de seus leitores Algumas dessas cartas eram impressas enquanto outras influenciavam os tópicos escolhidos para discussão e as opiniões expressas pelo jornal Como um exemplo final das interfaces entre meios de comunicação pode mos nos voltar para a relação entre divulgação oral e impressa Muitas vezes os textos impressos reproduziam o que Ong chamou de resíduo oral tipos de frases ou construções gramaticais mais apropriadas à fala do que à escrita à audição do que à visão Populares durante o início do período moderno os livros sob a forma de diálogo de O cortesão de Castiglione 1528 ao Neveu de Rameau de Diderot escrito na década de 1760 mas só publicado em 1830 transcreviam o que se falava nas cortes academias ou salões Muitas vezes os pregadores se inspiravam em textos desde a Bíblia até os esboços de sermões que já estavam disponíveis sob forma impressa no século XV de modo que o clérigo não precisava ficar acordado no sábado à noite pensando no que dizer à sua congregação no dia seguinte Os próprios pregadores também mandavam seus textos para impressão se não o fizessem outros se encarregariam disso tomando anotações taquigráficas dos sermões e transcrevendoas posteriormente A utilização de livros impressos nesse período também revela a interação entre a fala e o texto impresso Por exemplo um dos mais famosos livros devocio 54 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA nais do século XVI era Exercícios espirituais 1548 escrito por Inácio de Loyola o fundador da ordem dos jesuítas Um guia para meditação e exame de consciência publicado em latim a obra não foi escrita para ser lida pelos leigos católicos Era um manual de instrução para um padre ou orientador espiritual que passaria o texto para a comunidade sob a forma oral De maneira semelhante os manuais de treinamento que começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII destinavamse aos oficiais ou sargentos e não às tropas Na Inglaterra do início do século XVII canções populares impressas eram às vezes usadas como apoio às performances orais o equivalente ao atual karaokê Os textos eram copiados nas paredes das tavernas de modo que as pessoas que não conhecessem a letra de uma determinada balada ou dela não se lembrassem pudessem cantar junto com os outros Além disso ainda havia uma cultura oral viva em que muitas pessoas exercitavam sua criatividade compondo baladas sobre seus vizinhos ou inimigos Essas canções simples adaptavam versos de um texto impresso de modo similar ao dos escritores de manuscritos como já foi comentado e freqüentemente eram entoadas com melodias conhecidas A arte da conversação foi influenciada se não transformada pela difusão do assunto em livros impressos já disponíveis na Itália no século XVI como O cortesão 1528 de Baldassare Castiglione o Galateo 1558 de Giovanni Della Casa e La civil conversazione 1574 de Stefano Guazzo Tal influência continuou com uma série de tratados em francês espanhol e alemão e com as reflexões de Swift Fielding e lorde Chesterfield sobre o assunto Esses tratados ofereciam instruções a homens e mulheres de diferentes idades e grupos sociais aconselhan doos quando falar ou ficar em silêncio para quem falar sobre o quê e em que estilo O número de edições feitas os destaques e as anotações em algumas cópias que restaram sugerem que esses conselhos eram levados a sério Em outras pala vras as publicações estavam contribuindo para aquilo que os autores dos tratados teriam chamado de refinamento do discurso e também para sua crescente unifor midade processo estimulado ainda mais pela publicação de gramáticas de diver sas línguas européias Realmente a linguagem é um dos domínios que melhor ilustra a afirmação de Elizabeth Eisenstein sobre as conexões entre o material im presso e a padronização As interações entre as formas oral e impressa podem ser examinadas com maior detalhe pelo estudo de algumas versões italianas do que os acadêmicos ingleses chamam de livros populares ver p289 Uma pesquisa dessas brochuras publicadas na Itália no fim do século XV e começo do XVI revela a contínua im portância dos romances de cavalaria assim como na França mais de um século depois Um livro de contabilidade com registro das despesas de uma casa impres sora perto de Florença entre 1476 e 1486 revela que aproximadamente 500 cópias de um romance de cavalaria foram vendidas a um homem descrito como Bernardi A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 55 no que canta em um banco Parece plausível sugerir que Bernardino fazia o que ainda se faz em remotas partes do Brasil e em alguns lugares do Terceiro Mundo recitar o poema e depois dele vender cópias impressas A performance era uma espécie de marketing Juntava uma audiência de leitores potenciais e dava a eles a oportunidade de testar a qualidade do produto O texto vendido permitia que os ouvintes repetissem a performance para a família e os amigos Se fossem analfabe tos sempre poderiam pedir a alguém que lesse ou recitasse o poema Nessa época muitos outros textos publicados em Florença e Veneza começa vam ou acabavam com a fórmula sugerindo que um cantor estava se apresentando em público freqüentemente solicitando a ajuda de Deus e conclamando os ouvin tes a prestar atenção Prestem atenção em mim pois vou recitar um poema com rima Ou Se vocês prestarem atenção eu vou fazer vocês se divertirem Ou ainda Senhores e boa gente eu posso contar muitas histórias que sei de cor A fórmula de fechamento expressava a esperança de que os ouvintes tivessem gosta do da história possivelmente seguida de um chapéu que passava pela platéia para recolher dinheiro Esta história é contada em sua honra Pense sobre minhas necessidades ouvinte prudente Elegantes lindas e graciosas senhoras agradeço a atenção dispensada à minha pobre eloqüência As aberturas ou os finais lem bram os trechos normalmente em versos do começo e fim de peças teatrais e mais tarde de óperas em que o autor ou compositor se dirige diretamente à platéia Nesses textos não é difícil identificar fórmulas e temas do tipo discutido por Milman Parry e Albert Lord ver p17 Elas incluem alguns daqueles usados por poetas iugoslavos do século XX tais como convocar um conselho ou enviar uma carta lembrandonos da importância da escrita em uma cultura semioral Exemplos de fórmula são com fala mansa deixeo de cara no chão como um gato parecia ser um dragão e assim por diante Os textos também oferecem exemplos freqüentes da redundância típica da performance oral como por exem plo Chorando e soluçando com tristeza Lacrimando e piangendo con dobrei ou Aquele dia foi de grande calor e excessiva vivacidade Era quel di gran caldo e grande ardore Redundâncias desse tipo não devem ser interpretadas como fra queza da parte do poeta É um artifício que torna mais fácil para a audiência seguir a história Em resumo as mídias oral e impressa coexistiam e interagiam nos séculos XV e XVI na Itália assim como nas fronteiras angloescocesas no século XVIII No seu famoso estudo sobre poesia oral Lord argumenta que o letramento e a im pressão gráfica necessariamente aniquilam a cultura de tradição oral Chega a falar da morte da tradição oral Por outro lado esses exemplos italianos sugerem que as culturas oral e impressa foram capazes de coexistir por longo período Certa mente graças a esse tipo de coexistência sobreviveram as baladas tradicionais da Escócia Inglaterra e Escandinávia que foram transcritas e impressas a partir do século XVI 56 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Censura Como sugerem as observações feitas sobre a comunicação clandestina por manus critos no início do período moderno a censura da mídia sobretudo por heresia sedição ou imoralidade era uma grande preocupação das autoridades dos estados e das igrejas européias fossem elas católicas ou protestantes Em uma sociedade na qual somente a minoria era letrada a repressão não podia ser confinada apenas nos livros As peças de teatro por exemplo freqüente mente estavam sujeitas a censura Em Londres deviam obter licença do Mestre de Festas antes de serem encenadas Examinavamse os textos cuidadosamente pro curando comentários sobre pessoas importantes no país ou no exterior e sobre assuntos religiosos ou políticos O problema do censor era que embora o texto da peça fosse submetido previamente ficava difícil impedir os atores de improvisar e fazer observações subversivas durante a encenação Por isso algumas peças leva das em Londres como a conhecida Game at chess 1625 de Thomas Middleton que satirizava a Corte da Espanha foram abruptamente tiradas de cartaz por ordem do bispo ou do Conselho Privado Um arcebispo reformador de Bolonha falou em estabelecer um índex de imagens proibidas Isso nunca aconteceu talvez porque fosse muito difícil organi zar uma iniciativa desse tipo mas freqüentemente as imagens eram criticadas destruídas ou expurgadas e repintadas No caso do Juízo final de Michelangelo por exemplo ordenouse que os corpos fossem ocultos por grandes folhas O pintor Paolo Veronese 152888 foi indiciado perante a Inquisição em Veneza porque seu quadro sobre a Última Ceia incluía o que os inquisidores chamavam de bufões bêbados alemães anões e vulgaridades similares Alguns protestantes destruíam imagens consideradas idólatras enquanto os católicos queimavam as que consideravam erradas por exemplo são Sebastião nu as representações de são Martinho como soldado ou de santo Elói como ourives O sistema de censura mais famoso e difundido do período foi o da Igreja Católica com seu Índex dos Livros Proibidos O Índex era um catálogo talvez seja mais bem descrito como um anticatálogo de livros impressos que os fiéis estavam proibidos de ler Havia também vários índices locais começando com o publicado em 1544 pela Sorbonne a Faculdade de Teologia da Universidade de Paris porém os mais importantes foram aqueles editados pela autoridade papal e distribuídos por toda a Igreja de meados do século XVI a meados do XVII Podese dizer que o Índex foi uma invenção que funcionou como um antí doto ao protestantismo e à impressão gráfica Tratavase de uma tentativa de lutar contra as publicações usando publicações O Índexmodelo editado em 1564 começava com uma série de regras gerais proibindo três tipos principais de livros os heréticos os imorais e os mágicos Seguiase uma lista de autores e títulos sendo aqueles divididos em primeira classe todos os seus escritos eram proibidos A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 57 e segunda classe somente alguns trabalhos estavam proibidos A maioria dos livros listados pela Igreja era dedicada à teologia protestante em latim mas tam bém podiamse encontrar algumas obras literárias que mais tarde se tornaram clássicas entre elas as sátiras escritas pelo humanista Erasmo além de Gargan tua e Pantagruel de Rabelais não pela obscenidade que horrorizava alguns leito res dos séculos XVIII e XIX mas pela crítica do autor à Igreja Também consta vam O Príncipe de Maquiavel assim como o tratado de Dante Sobre a monarquia pela exaltação ao imperador e não ao papa os sonetos de Petrarca contra o papado e o Decameron de Boccaccio Nem todos os censores concordavam sobre até onde ia a censura Uma linha severa foi adotada pelo jesuíta italiano Antonio Possevino 15341611 que ata cou os romances de cavalaria como estratagemas de Satã talvez por darem ênfase ao amor ou à magia Por outro lado outro jesuíta italiano Roberto Bellar mino 15421621 defendia o grande trio de escritores toscanos Dante Petrarca e Boccaccio com a tese de que eram bons católicos Dois exemplos da prática de censura podem mostrar mais claramente o que os inquisidores procuravam Quando Montaigne visitou a Itália submeteu seus Ensaios então recentemente publicados a um censor papal que sugeriu algumas alterações referências à fortuna deviam ser mudadas para providência por exemplo e menções a poetas heréticos deveriam ser completamente apagadas Um pastor calvinista expurgou os Ensaios antes que sua publicação em Gênova fosse permitida tirando uma referência favorável ao imperador romano Juliano o Apóstata que se convertera do cristianismo ao paganismo O segundo exemplo é o do Decameron de Boccaccio há muito alvo dos críticos clericais Sua condenação foi assunto do Concílio de Trento que se reali zou em meados do século XVI para discutir a reforma da Igreja O duque de Florença enviou um embaixador ao Concílio com o propósito de implorar pela não suspensão do livro pois seu próprio prestígio dependia do capital cultural representado pelos escritores locais Dante Petrarca e Boccaccio Graças a essa interferência diplomática a condenação do livro foi transformada em expurgo A Inquisição era sempre muito sensível à sua própria reputação e na edição expur gada uma história que tratava da hipocrisia de um inquisidor desapareceu completamente Em vários lugares do texto foram removidos nomes de santos e clérigos chegandose a deixar incompreensíveis algumas histórias Como no caso de Rabelais o que preocupava os inquisidores não era a freqüente obscenidade dos relatos de Boccaccio mas sim seu anticlericalismo A campanha de repressão teve seu lado absurdo porém obteve razoável sucesso em seus propósitos Do ponto de vista ortodoxo os livros eram perigosos O exemplo de Menocchio o moleiro italiano que foi estimulado pelos livros a pensar por si mesmo ver p70 mostra que eles tinham certa razão É difícil medir 58 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA a eficácia da repressão mas os próprios registros da Inquisição revelam a con tinuada importância do contrabando de livros como as cópias de Erasmo ou Maquiavel que ainda entravam ilegalmente em Veneza nas décadas de 1570 e 1580 A censura protestante era menos eficaz do que a católica não porque os protestantes fossem mais tolerantes mas porque eram mais divididos fragmenta dos em diferentes igrejas com estruturas administrativas diversas como a lutera na e a calvinista Na Gênova calvinista antes da publicação o impressor submetia os manuscritos a profissionais de teologia direito medicina e assim por diante Para garantir o cumprimento das ordens as gráficas recebiam inspeções regula res e os livros proibidos eram confiscados e podiam ser queimados pelo executor público A censura secular na França Inglaterra Holanda no Império dos Habs burgo e em outros lugares organizavase de forma semelhante Na Inglaterra as impressoras restringiamse a Londres Oxford e Cambridge e eram controladas pela Companhia dos Livreiros fundada em 1557 que registrava as publicações novas Os manuscritos de livros também eram inspecionados antes da publicação De acordo com o Ato de Licenciamento Inglês de 1662 os livros sobre leis deviam ser inspecionados pelo Lord Chancellor os de história por um secretário de Estado e a maioria dos outros pelo arcebispo de Canterbury o bispo de Londres ou delegados seus O sistema terminou em 1695 quando o Ato de Licenciamento caducou Comunicação clandestina A eficácia do sistema de censura não deve ser superestimada Uma de suas conse qüências não intencionais foi despertar o interesse por obras que de outro modo talvez não chegassem a ser conhecidas pelos leitores Outra reação à censura formal foi organizar e reorganizar a comunicação clandestina Uma considerável variedade de mensagens era difundida às ocultas de segredos dos governos a segredos comerciais ou técnicos de idéias religiosas nãoortodoxas a pornografia Pornografia termo cunhado no século XIX não é uma palavra de definição fácil É usada para se referir a textos que têm por intenção não somente despertar luxúria mas vender e por essa mesma razão o termo também foi apli cado a várias das primeiras obras modernas Os Cento e vinte dias de Sodoma do Marquês de Sade 17401814 é um dos exemplos mais notórios porém está longe de ser o primeiro Um século antes o anônimo Vênus no claustro 1683 também era muito conhecido No início do século XVI imagens de diferentes posições sexuais desenhadas por Giulio Romano 14991546 e gravadas por Marcantonio Raimondi falecido em 1534 acompanhadas de versos de Pietro Aretino circu laram em Roma antes de serem descobertas e suprimidas A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 59 Não é fácil traçar a linha divisória entre comunicação pública e privada A divulgação de segredos boca a boca embora pudesse parecer segura estava vulne rável a bisbilhoteiros pelo menos em um caso literalmente Em 1478 alguns venezianos fizeram um buraco no teto do palácio do doge para descobrir as últimas notícias de Istambul novidades que obviamente tinham valor comercial Não é de admirar que o segredo mantido em determinado grupo fosse muitas vezes guardado com a ajuda de uma linguagem própria como no caso do jargão de pedintes e ladrões Obras de ocultismo e alquimia assim como obras heréticas ou subversivas freqüentemente circulavam em cópias manuscritas Em outros casos transcrevia se uma carta ou relatório confidencial como o relatório de um embaixador do Senado de Veneza na volta de sua missão ao exterior No século XVII cópias nãooficiais desses relatórios eram vendidas abertamente em Roma Em Paris no século XVIII muitas vezes circulavam relatórios policiais entre algumas pessoas comuns Para evitar vazamentos muitas vezes usavamse códigos e cifras de diversos tipos prática adotada por mercadores governantes e mesmo cientistas ou como eram chamados no século XVII filósofos naturais que desejavam garantir que suas idéias não seriam roubadas pelos rivais Um famoso exemplo no campo da astronomia foi o do holandês Christiaan Huygens 162995 que descobriu em 1655 o anel do planeta Saturno Para assegurar sua prioridade e ao mesmo tempo evitar o plágio ele anunciou a descoberta com um anagrama em latim AAAAAAA CCCCC D EEEEE G H IIIIIII LLLL MM NNNNNNNNN 0000 PP Q RR S TTTTT UUUUU significando Annulo cingitur tenui plano nusquam cohaerente ad eclipticam inclinato É rodeado por um anel que é fino chato de nenhuma forma coerente e inclinado para a eclíptica Os governos faziam uso considerável de códigos graças à ajuda dos principais matemáticos e pessoas que a elaboravam e decifravam essa criptografia tornouse cada vez mais sofisticada no início do período moderno Alguns indivíduos também utilizavam cifras e o memorialista Samuel Pepys não era o único a empregar línguas estrangeiras para ocultar de possíveis leitores inclusive a própria esposa algumas das atividades que anotava Em terceiro lugar havia publicações clandestinas As batidas em gráficas suspeitas de comercializar livros proibidos eram comuns mas algumas delas fica vam instaladas em residências e mudavam de endereço por todo o país para evitar apreensões Na Inglaterra elisabetana por exemplo panfletos atacando o episco pado foram originalmente impressos em uma residência em Surrey e posterior mente em Northampton e Warwick As Lettres provinciales 1657 famosa crítica aos jesuítas feita pelo polímato Blaise Pascal 162362 foram impressas em sigilo Uma crítica à escravidão à censura e à autocracia o Journey from Petersburg to Moscow 1790 foi publicado pelo autor Aleksander Nikolaevich Radishchev 60 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 17491802 em uma prensa particular na sua propriedade campestre Ele foi imediatamente preso e mais tarde exilado para a Sibéria Os autores de tais publicações normalmente se escondiam sob o manto da anonimidade referindose a si mesmos somente com pseudônimos As críticas aos bispos elisabetanos eram assinadas por Martin Marprelate as de Pascal aos jesuítas por Louis de Montalte Da mesma maneira os impressores disfarça vam suas identidades enquanto o lugar da publicação se acaso fosse mencionado geralmente era falso com freqüência imaginário algumas vezes fruto de um espírito extremamente criativo Como se lamentavam dois cardeais italianos do começo do século XVII para enganar mais facilmente os católicos a propagan da protestante trazia os nomes de cidades católicas na capa alguns editores chega vam a imitar a tipografia das gráficas católicas de Paris Lyon ou Antuérpia Um dos lugares imaginários preferidos de publicação era Cidade Livre ou seu equi valente em outras línguas Villefranche Vrijstadt Eleutheropolis Por alguma razão outro local era Colônia onde durante 150 anos foram atribuídos livros a um editor inexistente Pierre de Marteau Pedro de Martelo talvez assim chama do porque martelava suas vítimas O editor dos panfletos de Marprelate alegava trabalhar no estrangeiro na Europa a cerca de 400 metros de um padre saltitan te Algumas obras pornográficas francesas do fim do século XVIII sustentavam ser publicadas na prensa das odaliscas em Istambul ou no próprio Vaticano No início do período moderno uma outra possibilidade como tantos escritores do Leste europeu fizeram durante a Guerra Fria era efetivamente publicar em algum país estrangeiro em vez de simplesmente fingir que fazia isso Um famoso exemplo do século XVII é o da obra antipapal História do Concílio de Trento escrito por um monge de Veneza Paolo Sarpi 15521623 O livro foi primeiro publicado em italiano em Londres em 1619 O manuscrito foi trazido em segredo de Veneza para Londres pela embaixada britânica em fascículos des critos na correspondência sob o código de canções Os livros impressos freqüentemente eram contrabandeados nas fronteiras No início da década de 1550 havia rotas clandestinas regulares da Suíça para Veneza por onde viajavam livros heréticos No começo do século XVII contra bandeavamse para a Espanha livros proibidos normalmente não encadernados grandes bíblias escondidas em peças de fazenda e pequenos catecismos disfar çados como pacotes de cartas de jogar Livros de crítica ao rei Luís XIV e à sua Corte eram publicados em francês em Amsterdã e depois contrabandeados para a França Finalmente é óbvio que era possível publicar da maneira normal mas co municando as mensagens em dois níveis o manifesto e o latente Na Polônia sob o regime comunista por exemplo os críticos do governo usavam o que chama vam de método de Esopo o antigo escritor grego de fábulas sobre animais que podiam ser facilmente aplicadas ao gênero humano No início do período moder A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 61 no os escritores também seguiam Esopo Um dos exemplos mais famosos são as Fábulas de Jean de la Fontaine 162195 Atualmente são tratadas como histórias para crianças mas o fato de La Fontaine terse recusado a servir a Luís XIV permanecendo leal a um patrocinador que havia caído em desgraça política sugere que por exemplo a figura do leão tirânico deva ser lida de outra maneira Uma mensagem sobre um assunto também podia ser disfarçada como histó ria de eventos semelhantes do passado A deposição do rei Ricardo II por Henry de Bolingbroke o futuro rei Henrique IV por exemplo teve enorme ressonância política no fim do governo da rainha Elisabeth com o conde de Essex assumindo o papel de Henrique Não é de admirar que em 1599 quando sir John Hayward publicou uma história da Vida e reinado do rei Henrique IV a rainha perguntasse a Francis Bacon se havia alguma traição no livro E quando o conde de Essex 15661601 se rebelou contra a rainha seus seguidores deram dinheiro para que fosse encenada a peça Ricardo II de Shakespeare Elisabeth teria dito na época Eu sou Ricardo II você não sabia Técnicas alegóricas semelhantes estavam em uso no final do século XVII na Inglaterra durante a chamada crise da exclusão ver p98 O método alegórico não deixou de ser usado de tempos em tempos Arthur Miller por exemplo empregouo em As feiticeiras de Salem 1953 que apresenta va uma crítica da caça às bruxas empreendida pelo senador Joseph McCarthy 1909 57 contra os comunistas sob a forma de um julgamento de feitiçaria na Nova Inglaterra do século XVII O crescimento do mercado A impressão gráfica pode ser perigosa mas também lucrativa Alguns editores embora nem todos eram mercenários trabalhando tanto para católicos quanto para protestantes durante as guerras religiosas ver p83 Uma das conseqüências mais importantes da invenção da nova técnica de impressão foi envolver com maior intensidade os negociantes no processo de difundir conhecimento A lista dos mais vendidos tem seus primórdios nos primeiros dias da impressão gráfica A Imitação de Cristo um trabalho religioso atribuído ao holandês Thomas Kem pis que viveu no século XIV tinha aparecido em não menos que 99 edições por volta de 1500 A Sagrada Escritura também vendia muito na época especialmente o Novo Testamento e os Salmos embora a Igreja Católica tivesse proibido as bíblias em vernáculo no fim do século XVI sob a alegação de que estimulavam a heresia A tiragem dos livros era pequena segundo os padrões posteriores de 500 a mil cópias em média mas cerca de três ou quatro milhões de almanaques foram impressos no século XVII na Inglaterra 62 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Para vender mais livros os editores cuja gama de produtos podia incluir muito mais do que se conhece como literatura publicavam catálogos e se envolviam com outras formas de publicidade Na Itália o primeiro catálogo de li vros com preços conhecido data de 1541 No século XVI como hoje a Feira de Livros de Frankfurt e sua equivalente em Leipzig faziam com que determinados títulos ficassem conhecidos internacionalmente As páginas iniciais e finais dos volumes faziam propaganda de outros livros vendidos pelo mesmo editor ou livreiro as distinções modernas entre impressor editor e livreiro de livros ainda não eram norma A publicidade impressa também se desenvolveu no século XVII Em Lon dres por volta de 1650 um jornal teria em média seis anúncios cem anos depois 50 Entre mercadorias e serviços anunciados na época na Inglaterra estavam peças teatrais corridas médicos charlatões e Tinta em Pó de Holman talvez o primeiro nome de marca de um produto patenteado em 1688 As notícias eram vistas na época como mercadoria ao menos pelos que escreviam sátiras como Ben Johnson em sua peça A matéria das notícias 1626 em que retratou uma tentativa de monopolizar o negócio Como argumenta o sociólogo Colin Campbell as novelas do século XVIII assim como os atuais seriados de televisão permitiam aos leitores o desfrute vicário de caras mercado rias de consumo e estimulavaos a comprálas servindo de parteiras ao que tem sido chamado de nascimento da sociedade de consumo ver p67 O surgimento da idéia de propriedade intelectual foi uma resposta tanto à emergência de uma sociedade de consumo quanto à difusão da nova tecnologia de impressão Algum sentimento de propriedade literária já havia no século XV se não antes Os humanistas se acusavam uns aos outros de roubo ou plágio en quanto eles próprios gabavamse de praticar imitação criativa Bastante típico do período é um famoso exemplo de plágio na Espanha A segunda parte de Dom Quixote publicada em 1614 não foi escrita por Cervantes mas por um certo Avellaneda Esta era uma forma ligeiramente diferente de plágio pois envolvia o roubo de um personagem e não de um texto ou o roubo do nome de alguém para assinar um trabalho e ganhar dinheiro com a reputação do outro De todo modo o autor ofendeuse A fim de desmoralizar o trabalho do concorrente o próprio Cervantes teve de produzir uma segunda parte Dessa maneira as forças de mercado estimulavam a idéia de autoria indivi dual reforçada por novas práticas tais como imprimir o retrato do autor no frontispício ou apresentar uma edição das obras reunidas de um autor com sua biografia Por volta de 1711 o primeiro número de The Spectator zombou do leitor incapaz de desfrutar um livro até que soubesse se o escritor era negro ou claro de temperamento afável ou colérico casado ou solteiro Escrever era cada vez mais um passo rumo à fama individual mais do que na Idade Média ver p20 monografia A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 63 Durante o século XVIII a regulamentação legal também fortaleceu a idéia da propriedade literária ou intelectual assim como a prática de garantir um mono pólio de curto prazo sobre a impressão de determinado livro Na Inglaterra por exemplo em 1709 foi adotada a Lei de Direitos Autorais que dava aos autores ou seus procuradores o direito exclusivo de imprimir seus trabalhos por 14 anos William Hogarth 16971764 que sofreu com a pirataria de sua popular série de gravuras O progresso de uma prostituta 1732 obteve sucesso ao fazer campanha para que uma nova lei de direitos autorais 1735 desse aos artistas gráficos como a ele próprio os mesmos direitos concedidos aos autores O significado da lei de 1709 foi esclarecido nas cortes em casos como os de Millar x Taylor 1769 e Donaldson x Beckett 1774 No entanto no caso dos direitos autorais internacio nais foi necessário esperar a Convenção de Berna de 1887 Para se ter uma visão detalhada do mercado de mídia talvez facilite a análise em ordem cronológica de três dos principais centros do comércio de livros no início da Europa moderna Veneza no século XVI Amsterdã no XVII e Londres no XVIII No século XV foram impressos mais livros em Veneza do que em qualquer outra cidade da Europa cerca de 4500 edições equivalentes a algo como dois milhões de cópias ou 20 do mercado europeu A indústria de livros de Veneza tinha uma organização capitalista com um pequeno grupo no controle e o apoio financeiro de mercadores cujo interesse econômico era muito maior do que a venda de livros No século XVI estimavase que cerca de 500 impressores e edito res produziram de 15 mil a 17500 títulos e possivelmente 18 milhões de cópias O mais famoso desses impressores Aldo Manuzio c14501515 criou reputação e provavelmente fortuna com a publicação de clássicos gregos e latinos em um formato pequeno permitindo aos professores e estudantes carregálos com facili dade um correspondente elogiou seus jeitosos volumes que podiam ser lidos mesmo enquanto se andava Os impressores se debatiam em uma concorrência ferrenha em geral ignorando os privilégios uns dos outros e publicando os mes mos livros que seus rivais eles alegavam que suas edições eram mais corretas ou incluíam novas passagens mesmo que não fosse o caso O grande número de impressores e editores em Veneza era uma das atrações da cidade para os homens de letras uma vez que lhes possibilitava sustento independentemente de patroci nadores ainda que isso não os tornasse ricos Um grupo desses homens de letras era apelidado de poligrafi porque escre via muito e sobre grande variedade de assuntos para sobreviver Eram o que seria conhecido no século XVIII na GrãBretanha como escritores de aluguel pois podiam ser alugados como carroças Seus trabalhos incluíam verso ou prosa textos originais ou traduções adaptações ou plágios de outros escritores Um gênero no qual se especializaram foi o de trabalhos que ofereciam informação prática incluindo livros de conduta tratados explicando como escrever cartas 64 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA para finalidades diferentes e um guia de Veneza para visitantes estrangeiros que ainda estava sendo reimpresso no século XVII Alguns desses escritores trabalha vam para determinados impressores principalmente Gabriel Giolito que publi cou cerca de 850 livros em sua longa carreira como editores ou leitores críticos e também como autores De certo modo os poligrafi estavam na fronteira entre dois mundos Eram essencialmente compiladores trabalhando segundo a tradição me dieval reciclando o trabalho de outros No entanto como viviam na época da impressão gráfica eram tratados como autores e tinham os nomes impressos na capa Conseqüentemente eram criticados pelos rivais por plágio uma acusação que os escritores da Idade Média não sofriam A posição econômica e política de Veneza foi habilmente explorada pelos impressores Por exemplo levando em conta as diferentes capacidades de diversos grupos de imigrantes da cidade eles imprimiam livros em espanhol croata grego demótico eslavo da Antiga Igreja hebraico árabe armênio Olhavam também para além da Europa como geralmente fazia a cidade de Veneza Entre suas especialidades estavam relatos sobre a descoberta de novas terras No século XVI Veneza só perdia para Paris na publicação de livros sobre as Américas tendo sido feitas várias edições das cartas de Cristóvão Colombo 14511506 e Fernão Cor tês 14851547 Os produtos impressos em Veneza no século XVI podem ser descritos como multiculturais e poliglotas A notável contribuição de Veneza para o comércio de livros associada à tradição da cidade de tolerância com outras culturas e religiões a atitude prática de viva e deixe viver dos mercadores foi solapada pela expansão da Contra Reforma A Inquisição se estabeleceu na cidade em 1547 livros foram queimados na praça São Marcos e perto de Rialto em 1548 um índex de Livros Proibidos de Veneza foi elaborado em 1549 15 anos antes do Índex que abrangia toda a Igreja Em 1554 foram proibidas publicações em hebraico Vendedores de livros começa ram a ser interrogados sob a acusação de contrabandear obras heréticas ou perni ciosas do exterior Alguns impressores migraram para outras cidades como Turim Roma e Nápoles Outros como Gabriel Giolito direcionaram seus investimentos para a publicação de livros religiosos em italiano destinados a um mercado geo graficamente mais limitado No século XVII a República holandesa tomou o lugar de Veneza como ilha de relativa tolerância religiosa como centro importante e mercado de informação A exportação de material impresso em latim francês inglês e alemão teve contri buição importante para a prosperidade dessa nova nação Um dos principais impressores da República a família Elzevir seguiu o exemplo de Aldo Manuzio publicando edições dos clássicos em pequeno formato Elzevir também lançou o que deve ter sido a primeira série de livros a ter um editor acadêmico Caspar Barlaeus encarregado de elaborar uma série de compêndios com informações sobre a organização e os recursos dos diversos países do mundo da França à Índia A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 65 Barlaeus pode ser descrito como o equivalente holandês dos poligrafi Ou tros escritores de aluguel incluíam pastores calvinistas franceses que tinham vindo para a República da Holanda depois que Luís XIV forçouos a escolher em 1685 entre a conversão ao catolicismo ou a emigração Como havia pastores em excesso para as necessidades das igrejas protestantes francesas no exílio alguns desses homens quando bemeducados tornaramse escritores para sobreviver Pierre Bayle 16471706 por exemplo que havia trocado a França por Roterdã editou um jornal literário o Notícias da República das Letras que saía mensalmente a partir de 1684 Compilou também seu famoso compêndio Dicionário histórico e crítico 1696 O centro de publicações holandesas era a cidade de Amsterdã também grande centro industrial e financeiro na Europa No início do século XVII Ams terdã já era o maior centro europeu de jornais um novo gênero literário que provavelmente ilustra melhor do que qualquer outro a comercialização da infor mação Entre os jornais que saíam uma duas ou três vezes por semana em latim francês inglês e também em holandês estavam os primeiros impressos em inglês e francês The Corrant out of Italy Germany etc e o Courant dItalie que começaram a ser publicados em 1620 A partir de 1662 um jornal semanal em francês a Gazette dAmsterdam oferecia não somente informação sobre negócios europeus mas também críticas sobre a Igreja Católica e às políticas do governo francês Na segunda metade do século XVII Amsterdã tinha se tornado o mais importante centro de produções de livros na Europa como fora Veneza antes Mais de 270 vendedores de livros e impressores lá estiveram em atividade durante os 25 anos entre 1675 e 1699 Uma substancial proporção deles como os escritores profissionais era composta de refugiados protestantes saídos da França Como em Veneza os mapas e relatos de viagem a lugares exóticos formavam parte fundamental do repertório dos impressores O estabelecimento mais impor tante da cidade de Joan Blaeu c15981673 com nove impressoras para escrita e seis para gravação uma empresa tão grande que se tornou um dos pontos turísticos para visitantes estrangeiros pertencia a uma firma especializada em atlas A família Blaeu anunciou em um jornal de 1634 que iria produzir um atlas mundial em quatro línguas latim holandês francês e alemão Os dois volumes apareceram realmente em 1635 e continham 207 mapas Poucos anos depois um editor rival publicou um atlas ainda mais completo que foi ultrapassado pela segunda versão do atlas da família Blaeu desta vez em seis volumes publicado em 1655 Como em Veneza e novamente por causa das habilidades de diferentes grupos de imigrantes os livros impressos em Amsterdã apareciam em diversas línguas inclusive o russo o iídiche o armênio e o georgiano Em 1678 um visitan te inglês encontrou uma editora holandesa produzindo bíblias em inglês e comen 66 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tou que você pode comprar livros em Amsterdã em todas as línguas mais baratos do que nos lugares em que foram originalmente impressos Livros franceses eram adquiridos por leitores alemães por intermédio de negociantes holandeses Os impressores protestantes produziam missais em latim com Colônia na página título para vender ao mundo católico Eles não se preocupavam muito em infrin gir os direitos de seus competidores Durante o século XVIII o predomínio de Amsterdã passou para Londres Os vendedores de livros dessa cidade assim como aqueles de Veneza e Amsterdã antes eram muito conhecidos no fim do século XVII como ladrões da proprieda de literária de seus rivais em uma prática conhecida como falsificação ou pira taria no século XX o termo foi estendido para estações de rádio nãooficiais Como proteção contra a pirataria os impressores começaram a formar alianças e dividir despesas e lucros Somar recursos permitialhes financiar trabalhos gran des e caros como os atlas e enciclopédias que exigiam considerável investimento Não era difícil que obras desse tipo fossem publicadas com subscrições muitas vezes trazendo uma lista impressa dos patrocinadores prefaciando o livro O sistema de sociedade foi comparado ao das sociedades anônimas e as participa ções nas edições eram compradas e vendidas pelos negociantes privadamente A partilha de custos e riscos permitia às editoras um grupo novo emergindo entre impressores e vendedores de livros dispensar as subscrições Alguns autores começaram a receber pagamentos substanciais de seus im pressores em valor suficiente para que começassem a pensar em abandonar os patrões e viver somente da escrita O dr Johnson 170984 por exemplo cujo ódio ao patronato era notório recebeu 1575 libras adiantadas por seu Dicionário de um grupo de cinco livreiros que incluía Thomas Longman e Andrew Millar Este deu ao filósofo e historiador David Hume 171176 1400 libras como adianta mento pelo terceiro volume de sua História da GrãBretanha e William Robert son 172193 3400 libras por sua História de Carlos V O poeta Alexander Pope 16881744 recebeu uma soma ainda maior 5300 libras por sua tradução da Ilíada de Homero Os sucessores de Millar os sócios William Strahan e Thomas Cadell ofereceram seis mil libras pelos direitos das descobertas do capitão Cook Não devemos nos apressar em idealizar a situação de escritores no século XVIII em Londres Um grupo deles conhecido coletivamente como Rua Grub pelo lugar onde moravam lutavam para garantir seu sustento como havia acon tecido anteriormente em Amsterdã e Veneza Como na primeira cidade o grupo incluía vários protestantes franceses emigrados particularmente ativos no jorna lismo Mesmo para os mais bemsucedidos a nova liberdade tinha seu preço Provavelmente Johnson teria preferido escrever seus próprios livros a compilar um dicionário e Pope escrever poemas a traduzir Homero Hume escrevia sobre história porque vendia mais do que filosofia e se pudesse voltar à Terra e consul tar o catálogo da Biblioteca Britânica não ficaria satisfeito em encontrar seu nome A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 67 listado como David Hume historiador De qualquer maneira alguns homens de letras do século XVIII desfrutaram maior independência do que seus predecesso res do século XVI os poligrafi Um contexto mais amplo do desenvolvimento das publicações gráficas deve se ao que os historiadores vieram a chamar de o nascimento de uma sociedade de consumo no século XVIII mudança particularmente visível na Inglaterra mas extensiva a outras partes da Europa e mesmo mais longe Exemplos ingleses da comercialização de lazer nesse período incluíam corridas de cavalos em Newmar ket concertos em Londres a partir de 1670 e em algumas cidades no interior óperas na Royal Academy of Music fundada em 1718 e suas rivais mostras de pinturas na Royal Academy of Art fundada em 1768 palestras sobre ciência nos cafés festas e bailes de máscaras em espaços públicos recéminaugurados em Londres Bath e outros lugares Como as peças apresentadas no teatro Globe e outros teatros públicos a partir do século XVI esses eventos eram abertos a todos que pudessem pagar o preço da entrada A história da leitura A comercialização do lazer incluía a leitura Considerandose a prática de leitura de livros e jornais ou até da contemplação de figuras podemos fazer uma passa gem da oferta para a procura À primeira vista a idéia da história da leitura talvez pareça estranha pois a maioria das pessoas considera ler uma atividade normal Em que sentido podese dizer que ela mudou no tempo E supondo que isso tenha ocorrido dado que o movimento dos olhos não produz qualquer marca na pági na como podem os historiadores dizer algo confiável sobre as mudanças A última geração de historiadores tem se debruçado sobre o assunto Com argu mentação baseada na evidência física do formato de livros nas notas escritas nas margens e nas descrições ou imagens de leitores concluíram que os estilos de leitura realmente se alteraram entre 1500 e 1800 Cinco tipos de leitura merecem uma atenção especial crítica perigosa criativa extensiva e privada 1 Relatos tradicionais dos efeitos da impressão gráfica como vimos ver p17 enfatizam o surgimento de leitura crítica graças ao aumento das oportuni dades de se compararem opiniões diversas em livros diferentes sobre o mesmo assunto A mudança de hábitos não deve ser superestimada pois nem sempre a leitura era crítica Há ampla evidência sobre o respeito ou mesmo a reverência que os leitores nutriam pelos livros no início dos tempos modernos Os que faziam sátira debochavam daqueles que acreditavam em tudo o que viam impresso A Bíblia que ainda não havia sido objeto de exame minucioso por parte dos estudiosos com exceção de uns poucos indivíduos nãoortodoxos como o filóso 68 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MíDIA fo judeu Baruch Spinoza 163277 era objeto de reverência particular Dizia se que são Carlos Borromeo arcebispo de Milão lia as Escrituras de joelhos Algumas vezes a Bíblia era usada de forma medicinal colocada sob o travesseiro do doente Algumas pessoas abriam suas páginas a esmo tomando as passagens que liam como um guia celestial dirigido aos problemas do leitor 2 Os perigos da leitura privada eram freqüentemente discutidos Agindo ou não como tranqüilizante ver p29 a atividade era vista como perigosa espe cialmente quando praticada por grupos subordinados como mulheres e gente comum As analogias com os debates do século XX sobre a cultura de massa e os perigos da televisão são bastante claros e foram apontados há mais de uma geração pelo sociólogo Leo Lowenthal Atualmente o surgimento da Internet iniciou outra discussão semelhante Se definirmos a questão de forma mais abrangente esses debates podem ser colocados em uma perspectiva mais a longo prazo Após 1520 o declínio de imagens da Virgem Maria lendo relativamente comuns no fim da Idade Média parece ter sido uma resposta prematura do que se pode chamar de demonização da leitura pela Igreja Católica Em Veneza no fim do século XVI por exemplo um trabalhador do ramo da seda foi denunciado à Inquisição porque lê o tempo todo e um ferreiro de espadas porque fica acordado a noite inteira lendo De maneira semelhante tanto nessa época como posteriormente autoridades secula res consideravam a leitura sem supervisão como atividade subversiva Em particu lar a leitura de jornais era vista como forma de encorajar pessoas comuns a criticar o governo Os perigos da leitura de ficção especialmente para as mulheres eram usual mente discutidos por escritores homens a partir do início do século XVI Como no caso do teatro os romances eram temidos por seu poder de despertar emoções perigosas como o amor Alguns homens pensavam que as mulheres não deviam aprender a ler pois poderiam receber cartas de amor ainda que o analfabetismo não fosse uma defesa inexpugnável como vimos ver p41 Outros opinavam que as mulheres podiam ler um tanto mas somente a Bíblia ou livros religiosos Uns poucos bravos argumentavam que as mulheres da classe alta podiam ou deveriam ler os clássicos Várias fontes mostram que na prática os mais variados tipos de mulheres liam os mais diversos tipos de livros apesar das críticas Na Espanha por exemplo santa Teresa de Ávila 151282 descrevia seu entusiasmo juvenil por romances de cavalaria Algumas evidências vêm não de autobiografias mas de retratos nos quais mulheres eram representadas muitas vezes com livros de poesia nas mãos Quanto à ficção as evidências apontam na mesma direção A heroína de uma história italiana escrita pelo padre Matteo Bandello c14851561 é descrita lendo na cama o Decameron de Boccaccio e Orlando Furioso de Ariosto Na França de A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 69 Figura 8 Margueritte Gérard e Jean Honoré Fragonard O leitor Luís XIV os romancistas mais importantes eram mulheres em especial madame de Lafayette 163493 que escreviam principalmente para outras mulheres As oportunidades de leituras para o público feminino cresceram no século XVIII quando os romances e alguns textos históricos incluindo histórias de mulheres publicadas na GrãBretanha e na Alemanha visavam deliberadamente a esse mer cado Lillian Lov descreveu os livros em 1726 como companheiros íntimos e várias pinturas de mulheres do século XVIII mostramnas com livros nas mãos Figura 8 Naquela época algumas também liam jornais Uma moça francesa de 70 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 23 anos que trabalhava como cozinheira vangloriavase de ler regularmente qua tro jornais 3 A extensão da leitura criativa requer um tipo distinto de exame O signi ficado dos textos foi o principal tópico de debates nos estudos literários da década de 1990 De uma perspectiva histórica é evidente que os textos podem ser e muitas vezes são lidos de modo oposto às intenções do autor A Utopia de Thomas More 14781535 por exemplo é tratada não só como sátira da Ingla terra da época mas também como projeto de uma sociedade ideal uma utopia no sentido moderno do termo O cortesão de Baldassare Castiglione 14781529 um diálogo aberto no qual é debatido sem conclusão o comportamento apro priado em situações sociais diversas foi apresentado por editores do século XVI e tratado por alguns leitores como sabemos pelas anotações à margem como guia inquestionável à boa conduta As ironias de Daniel Defoe 16601731 e Jonathan Swift 16671745 escaparam das mentes literais de alguns leitores que acredita vam que Shortest Way with the Dissenters de Defoe realmente recomendava a perseguição dos nãoconformistas e que Modesta proposta de Swift argumentava em favor do canibalismo Menocchio um moleiro italiano do século XVI tirado da obscuridade por seu conterrâneo o historiador Carlo Ginzburg oferece um exemplo fascinante de leitura nãoortodoxa em mais de um sentido Menocchio interrogado pela Inqui sição sob a acusação de heresia foi questionado sobre os livros que lia que in cluíam a Bíblia o Decameron de Boccaccio as Viagens imaginárias de um certo sir John Mandeville um livro muito conhecido nos séculos XV e XVI e possivel mente o Corão O que ele lia era menos surpreendente para os inquisidores do que o modo como lia as interpretações que dava aos textos Da história de Boccaccio sobre os três anéis por exemplo ele chegou à conclusão de que se tivesse nascido muçulmano teria se conservado como tal 4 Menocchio oferece um bom exemplo de leitor intenso relendo uns pou cos textos e ruminando sobre eles um estilo de leitura aparentemente típico dos primeiros séculos da impressão gráfica à semelhança da era dos manuscritos que a precedeu No entanto dizse que o fim do século XVIII testemunhou uma revolução na leitura no sentido de uma mudança nas práticas de folhear dar uma olhada e ver os capítulos durante a consulta para procurar informação sobre um tópico específico No período anterior a 1750 havia poucos livros e os im pressos eram muitas vezes tratados como sagrados Após aquela data por outro lado veio um período de leitura extensiva marcado pela proliferação e conse qüente dessacralização de livros A mudança não deve ser superestimada pois é perfeitamente possível prati car os estilos intensivos e extensivos alternadamente de acordo com a necessidade A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 71 Por um lado há evidências da leitura com o propósito de referência no fim da Idade Média especialmente entre os círculos acadêmicos Por outro há os exem plos no fim do século XVIII de leitores absortos imersos em um dos romances lacrimejantes e populares da época do Nova Heloísa de JeanJacques Rousseau 171278 a Os sofrimentos do jovem Werther de Johann Wolfgang von Goethe 17491832 5 De qualquer maneira parece ter havido uma alteração na importância relativa dos dois estilos de ler ligada à tendência de privacidade da leitura De qualquer modo o formato dos livros mudou facilitando o folhear Cada vez mais os textos eram divididos em capítulos e dentro destes em parágrafos Notas impressas nas margens resumiam a mensagem de cada parte Sumários detalha dos e índices organizados em ordem alfabética ajudavam os leitores que tinham pressa de encontrar informações específicas A leitura privada é freqüentemente vista como parte do crescimento do individualismo e também da empatia ou mobilidade psíquica como foi cha mada pelo sociólogo Daniel Lerner em seu livro The Passing of Traditional Society 1958 A idéia básica por trás das frases é bem capturada em imagens relativa mente comuns a partir do século XVIII de uma pessoa sozinha homem ou mulher lendo um livro sentada em uma cadeira ou esparramada no chão e ausente do mundo à sua volta A tendência de longo prazo rumo à privacidade do século XIV ao XX é evidenciada pelo formato dos livros No século XV eles freqüentemente eram fólios de tamanho grande que necessitavam de apoios ou estantes para serem lidos Nos séculos XVI e XVII pequenos livros se tornaram populares como por exemplo o formato inoctavo ou outros ainda menores in12 ou in16 usados pelo famoso editor Aldo Manuzio de Veneza em suas edições dos clássicos No breve relato da vida de Thomas Hobbes 15881679 o biógrafo Aubrey 162697 contava que quando o filósofo foi empregado como pajem do conde de Devonshire comprou para si livros de um impressor de Amsterdã que podia carregar em seus bolsos principalmente os Comentários de César e que ele lia no saguão ou na antecâmara enquanto seu senhor atendia as visitas Esse trecho nos mostra como o leitor via os usos dos clássicos de Elzevir em pequeno formato já discutidos anteriormente ver p64 Os livros de poesia em especial eram impres sos nesse formato que estimulava a leitura na cama principalmente no século XVIII quando no caso das classes altas ou médias os quartos passaram a ser lugares privados Encarar a história da leitura em termos de transição entre atividade pública e privada é uma simplificação grosseira e também pensála como simples mudan ça de intensiva para extensiva A leitura silenciosa foi algumas vezes praticada na Idade Média Inversamente a leitura em voz alta em público persistiu no início do 72 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA período moderno do mesmo modo como acontecia nos círculos operários no século XIX A Reforma alemã oferece alguns vívidos exemplos da leitura como atividade pública ver p84 É possível fazer uma distinção entre hábitos de leitura de acordo com as classes sociais a classe média tendia a ler em privacidade enquanto os trabalha dores em público e em voz alta Também podese dividilas de acordo com as situações Por exemplo a prática medieval de ler alto durante as refeições nos monastérios ou nas cortes reais persistiu nos séculos XVI e XVII Ler alto em família era comum no século XIX pelo menos como um ideal como atestam muitas imagens É provável que os textos da Biblioteca Azul ver p29 que circulavam em regiões onde o analfabetismo era alto fossem lidos em voz alta nas veillées ocasião em que os vizinhos se encontravam para passar parte da noite trabalhando ou ouvindo esses textos O surgimento dos jornais também estimu lou a leitura em voz alta no café da manhã ou no trabalho assim como o fato de tantas pessoas lerem as mesmas notícias mais ou menos ao mesmo tempo ajudou a criar uma comunidade de leitores Instrução e divertimento Os usos da leitura no início da era moderna européia eram tão variados quanto os de hoje embora não fossem descritos da mesma maneira como os atuais As princi pais categorias eram a informação e a instrução moral e foi só muito lentamente que um terceiro tipo de livro orientado para a diversão foi admitido como de uso legítimo para o leitor ver p188 Entre 1450 e 1800 percebese a importância crescente da leitura como instrumento para adquirir informação pela abundância do que chamamos livros de referência de diversos tipos dicionários enciclopé dias tabelas cronológicas gazetas e uma série de volumes sobre como fazer a respeito de assuntos tão variados como agricultura boas maneiras culinária e caligra fia A importância da instrução moral se revela pelo número de sermões que apare ceram impressos e também pelos tratados sobre virtudes necessárias aos principais comportamentos na sociedade nobre esposa comerciante etc Por outro lado a história das palavras diversão e divertimento nos mostra algo sobre os obstáculos para a emergência dessa categoria de livros ou panfletos No início do século XVII o divertimento era associado com a hospitalidade de monstrada aos visitantes Somente perto de 1650 o termo adquiriu um sentido adicional de algo interessante ou divertido e apenas no início do século XVIII certas performances como peças de teatro puderam ser descritas como divertimento para o relato mais recente da história da mídia como diversão ver o Capítulo 5 Livros que podemos descrever como de entretenimento reunindo de piadas a romances já se imprimiam no século XV mas eram muitas vezes supridos com A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 73 uma moldura ou embalagem moralizante provavelmente para arrefecer a resis tência de clérigos pais de família ou outros avaliadores desse tipo de texto Os panfletos e as páginas duplas que contavam histórias de criminosos novo gênero do século XVI que parece ter sido feito para um novo grupo de leitores eram apresentados de forma semelhante enfatizando a punição e se possível o enor me arrependimento do criminoso No entanto esse moralismo foi abafado pela retórica do sensacionalismo com títulos como os de hoje referindose a eventos terríveis maravilhosos ou medonhos atrocidades sangrentas assassinatos estranhos e inumanos e assim por diante A longo prazo e especialmente no século XVIII a literatura de entretenimento dispensou seu lado moral para se tornar parte da comercialização do lazer junto com concertos corridas de cavalos e circos A revolução da prensa gráfica revisitada Depois do exame do início da mídia moderna pode ser mais esclarecedor retomar a discussão sobre a revolução da impressão gráfica ver p30 Há um paralelo óbvio entre a controvérsia sobre a lógica da escrita e aquela relativa à impressão gráfica com os debates sobre as conseqüências da técnica de impressão e os efeitos do letramento ver p21 O paralelo chega a detalhes como o surgimento de textos fixos e os problemas da confiabilidade do novo meio Os críticos da tese da revolução freqüentemente argumentam que a impressão gráfica não é um agente mas uma tecnologia empregada por indivíduos ou grupos para propósitos dife rentes em locais diversos Por essa razão recomendam o estudo dos usos da nova técnica em contextos sociais e culturais distintos Por outro lado os defensores da tese da revolução vêem tanto a impressão gráfica quanto a escrita como uma ajuda à descontextualização Parece que volta mos ao conflito entre um modelo autônomo e um contextual problema já discu tido anteriormente ver p22 Devemos nos referir à cultura da impressão no singular ou no plural Certamente não é necessário tomar uma posição extrema nessa controvér sia É mais compensador procurar as justificativas de cada grupo de pesquisadores e considerar se ao se fazerem as distinções e qualificações apropriadas é possível combinálas Podese começar rejeitando as pesadas formulações de ambos os lados tanto o determinismo implícito na posição revolucionária quanto o voluntarismo dos contextualistas Provavelmente é mais útil falar como fez Innis ver p12 de um viés estabelecido em cada meio de comunicação Do ponto de vista geográfico é preferível pensar em termos de efeitos similares da impressão gráfica em lugares diferentes mais do que em efeitos idênticos em todos os luga res ou completamente diferentes em cada local Do ponto de vista cronológico é 74 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA útil distinguir entre as conseqüências imediatas e a longo prazo da introdução da impressão gráfica Os contextualistas trabalham melhor com o curto prazo com as intenções as táticas e as estratégias individuais Por outro lado os revolucioná rios agarramse mais intimamente ao longo prazo e às conseqüências inesperadas da mudança No início da Europa moderna assim como em outros lugares e períodos muitas vezes a mudança cultural foi mais aditiva do que substitutiva especial mente nos primeiros estágios de inovação Como foi mostrado a velha mídia de comunicação oral e por manuscritos coexistiram e interagiram com a nova mídia impressa assim como esta hoje uma mídia antiga convive com a televisão e a Internet desde o princípio do século XX Nesta etapa podemos retornar aos argumentos sobre permanência e fixação discutidos anteriormente ver p28 acrescentando as qualificações necessárias É verdade que a escrita estimulou a fixação de textos muito antes que fosse conheci da a técnica da impressão Também é verdade que diversos livros impressos foram tratados por contemporâneos como efêmeros Divergências entre cópias dos pri meiros livros impressos são muito comuns porque as provas eram corrigidas nas lojas durante a produção Impressos postos em circulação principalmente nas mãos de piratas ver p66 muitas vezes tinham textos incorretos Por essas razões nos últimos tempos os intelectuais têm enfatizado mais a fragilidade dos impressos Podese dar uma resposta semelhante à questão maior da estabilidade do conhecimento A impressão gráfica facilitou a acumulação de conhecimento por difundir as descobertas mais amplamente e por fazer com que fosse mais difícil perder a informação Por outro lado como ressaltamos anteriormente ver p30 a nova técnica desestabilizou o conhecimento ou o que era entendido como tal ao tornar os leitores mais conscientes da existência de histórias e interpretações conflitantes Portanto no que diz respeito aos textos a fixação do conhecimento estimulada pela impressão gráfica foi mais relativa do que absoluta As mudanças acontecidas embora importantes foram mais de grau do que de tipo Uma delas foi um conceito relativamente novo de escrita que hoje em dia chamamos de literatura junto com o conceito de autor alteração ligada à idéia de uma versão do texto correta ou autorizada Como salientado antes a cultura oral é fluida e a criação oral um empreendimento colaborativo Na cultura manus crita já havia uma tendência à fixação mas isso era contrariado pela imprecisão e também como vimos ver p50 pela criatividade dos escribas O que chamamos de plágio assim como a propriedade intelectual ameaçada por ele ver p61 é essencialmente um produto da revolução da imprensa Outra importante conseqüência da invenção foi envolver empreendedores mais intimamente no processo de difundir conhecimento O uso do novo meio estimulou cada vez mais a consciência da importância da publicidade tanto eco A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 75 nômica anúncios ver p62 quanto política que chamamos de propaganda termo que começou a ser usado no fim do século XVIII A reputação de Luís XIV por exemplo sua glória como ele a chamava se deveu muito à nova tecnologia Durante seu reinado centenas de retratos gravados do monarca foram postos em circulação Outra forma de reprodução mecânica era a medalha de bronze Seguindo precedentes clássicos a medalha foi revivida no século XV na Itália e logo foi adotada por governantes como meio de difundir uma imagem favorável deles mesmos e de suas políticas O número de cópias feitas era relativamente baixo talvez não mais de uma centena mas distribuíamse a embaixadores ou chefes de Estado estrangeiros de modo a causar impressão onde mais importava A propa ganda por meio das medalhas se tornou cada vez mais importante no século XVII Os primeiros governantes se contentavam com 30 ou 40 medalhas diferentes mas 300 tipos foram feitos para comemorar os principais eventos do reinado de Luís XIV Elas podiam ser apreciadas em gabinetes mas os volumes que mostravam as medalhas reproduzidas graficamente junto a comentários explicativos ou de exal tação alcançavam um público muito maior Poetas oficiais louvavam em impres sos os feitos de Luís XIV e de outros monarcas da época e historiadores oficiais publicavam relatos de suas maravilhosas realizações para os contemporâ neos e para a posteridade Os principais festivais da Corte caros e efêmeros eram fixados na memória em descrições impressas e ilustradas Dentre os eventos ilustrados dessa forma alguns jamais aconteceram De acordo com o historiador norteamericano Daniel Boorstin em A imagem 1962 a criação de pseudoeventos foi o resultado do que chama Revolução Gráfica dos séculos XIX e XX a era da fotografia e da televisão Todavia eventos seme lhantes não eram difíceis de se ver na época das xilogravuras e das gravuras As últimas falas dos criminosos executados em Newgate Londres no século XVIII eram vendidas completas e ilustradas no dia da execução caso o ato fosse suspenso o assassino podia ler sobre sua própria morte Uma gravura de Luís XIV mostrandoo perto da Academia Real de Ciências de Paris foi publicada em 1671 quando o rei ainda não tinha visitado a recémfundada instituição Confiáveis ou não materiais impressos se tornaram muito importantes na vida diária A capacidade de penetração desses materiais merece ser enfatizada A difusão de livros panfletos e jornais constituía somente uma parte da história que incluía também o surgimento de dois gêneros normalmente associados apenas aos séculos XIX e XX o cartaz e o formulário oficial Notícias oficiais se multipli cavam nas esquinas e nas portas das igrejas Em Florença em 1558 por exemplo o novo Índex de Livros Proibidos foi fixado nas portas das igrejas da cidade Em Londres a partir de 1660 aproximadamente por exemplo anunciavamse as peças em placares colocados nas ruas Em 1872 na mesma cidade um visitante suíço ficou surpreso pela abundância de nomes de lojas no lugar de sinais Os nomes das 76 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ruas eram cada vez mais escritos nas paredes Para os habitantes das principais cidades européias o analfabetismo estava se tornando cada vez mais desvantajoso Um visitante ocidental em Tóquio hoje pode apreciar a ansiedade de alguém consciente de que as várias mensagens afixadas na rua possivelmente muito importantes não são decodificáveis As formas impressas já eram usadas no início do período moderno para o caso de aluguéis recibos censo e declarações de renda No século XVI por exemplo tudo o que os recenseadores precisavam fazer em Veneza era preencher os quadra dos corretos classificando as residências como pertencentes a nobres cidadãos ou artesãos e contar o número de empregados e gôndolas A Igreja e o Estado usavam formulários Os padres das paróquias preenchiam formulários para certificar que as mulheres órfãs prestes a se casar eram boas católicas No século XVII os cardeais usaram cédulas impressas em um conclave para a eleição de um novo papa com espaços em branco nos quais escreviam o próprio nome e o de seu candidato Acima de tudo devese agradecer ao jornal diário do século XVIII uma amostra do efêmero que se tornaria extremamente valioso para os historiadores sociais o fato de os impressos se tornarem parte da vida cotidiana ao menos em algumas regiões da Europa quando Goethe visitou a cidade de Caltanissetta na Sicília em 1787 descobriu que os habitantes ainda não tinham ouvido falar da morte de Frederico o Grande ocorrida um ano antes Somente na GrãBreta nha estimase que 15 milhões de jornais foram vendidos durante o ano de 1792 E o jornal diário semanal ou bissemanal era complementado por publicações mensais ou trimestrais chamadas posteriormente periódicos ou revistas Ha via também jornais acadêmicos como The Transactions of the Royal Society of London 1665 ou News of the Republic of Letters 1684 que difundiam informa ções sobre novas descobertas óbitos de acadêmicos e também livros novos A resenha de livros foi uma invenção do fim do século XVII Dessa maneira uma forma de impresso anunciava e reforçava a outra Outros jornais como o periódico francês Mercure Galant fundado em 1672 eram dirigidos a um público de escolaridade inferior Escrito pelo menos em sua maior parte por um homem o teatrólogo Jean Donneau de Visé 16381710 mas dirigido principalmente às mulheres o jornal que era ilustrado tomou a forma de uma carta escrita por uma senhora de Paris a outra do campo Natural mente a carta dava notícias da Corte e da cidade das peças recentes e da última moda em roupas e decoração interior mas o Mercure Galant também tinha contos principalmente de amor Os leitores eram convidados a enviar versos e resolver quebracabeças e publicavamse os nomes e endereços daqueles que conseguiam resolvêlos assim como os vencedores de competições de poesia O jornal tam bém incluía relatos em geral elogiosos das ações de Luís XIV e das vitórias de seu Exército uma forma de propaganda pela qual o editor recebia polpuda pensão do governo A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 77 Ao contrário o periódico inglês The Spectator que começou a ser publicado em 1711 dois anos depois do The Tatler tinha orgulho de sua liberdade A característica principal do título do jornal era enfatizar sua liberdade em relação a partidos políticos e mostrar que os editores pretendiam observar os debates em vez de se juntar a eles O objetivo declarado era trazer a filosofia para fora das instituições acadêmicas para ser tratada em clubes e assembléias em mesas de chá e cafés O jornal cobria desde questões morais e estéticas até a última moda em luvas Como Donneau de Visé os editores Joseph Addison e Richard Steele escondendose sob as máscaras de Mr Spectator e Spectator Club estimula vam os leitores a participar no jornal ao colocar um anúncio no primeiro número solicitando que enviassem cartas aqueles que tiverem idéias para se corresponder conosco Muitos o fizeram e algumas missivas foram impressas De maneira semelhante pouco anos antes de Addison e Steele o livreiro londrino John Dun ton 16591733 fundou um jornal The Athenian Mercury para resolver todas as questões interessantes e curiosas propostas por pessoas inteligentes Nos seis anos de sua existência o jornal deu respostas a cerca de seis mil perguntas de seus leitores A idéia de um meio interativo muito discutida atualmente sem dúvida tem suas raízes no passado Dunton foi um genuíno pioneiro dessa idéia O sucesso da fórmula de Addison e Steele pode ser parcialmente medido pelo número de edições reunidas de The Spectator que continuaram a aparecer no restante do século em parte graças a traduções para línguas estrangeiras mas acima de tudo pelos muitos semanários morais que imitavam seu estilo e pro postas na Inglaterra França Holanda Alemanha Itália Espanha e outros lugares Os efeitos do aparecimento de jornais e outros noticiosos têm sido discuti dos desde aqueles dias até hoje No início eles tiveram seus críticos alguns se queixando de que traziam à luz o que devia ser mantido em segredo outros acusan doos de trivialidade No entanto também tiveram admiradores O jornal Il Caffè de Milão alegava que abria as mentes das pessoas e mais exatamente que trans formava romanos e florentinos em europeus O aparecimento de novos tipos de livros de referência como o dicionário jornalístico Zeitungslexikon ou o di cionário das gazetas originalmente um dicionário de nomes e lugares mencio nados nos jornais mostra que tais publicações abriam o horizonte de seus leito res pelo menos ao tornar as pessoas conscientes daquilo que elas não sabiam Dois exemplos concretos de como ajudar a moldar as atitudes de seus leito res referemse ao suicídio e ao ceticismo Em Sleepless Souls 1990 Michael MacDonald e Terence Murphy escrevem que o estilo e o tom das histórias dos jornais sobre suicídio promoveram uma atitude secular crescente e simpática sobre esse ato no século XVIII na Inglaterra Essa impressão foise criando pela freqüência dos relatos que mostravam o suicídio como coisa comum As cartas dos que se matavam eram publicadas nos jornais permitindo aos leitores ver o evento 78 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA do ponto de vista dos atores sendo que essas cartas por sua vez influenciavam o estilo de outras deixadas por suicidas posteriores Dizse também que os jornais incentivavam o ceticismo As discrepâncias entre relatos dos mesmos eventos em diferentes jornais que eram mais extre mas do que as discrepâncias nos livros e foram percebidas por Elizabeth Eisenstein ver p30 geraram desconfiança sobre a imprensa Mesmo os que liam só um jornal ficavam impressionados pela regularidade com que relatos posteriores con tradiziam os primeiros escritos No fim do século XVII as discussões sobre a confiabilidade de escritos históricos em geral citam as gazetas como casopadrão de relatos não confiáveis de eventos Para aqueles que participaram deles ou simplesmente os testemunharam os textos impressos nos jornais muitas vezes pareciam totalmente falsos pelo menos nos detalhes Essas foram as conseqüências negativas Genericamente os jornais contri buíram para o aparecimento da opinião pública termo que tem seu primeiro registro em francês por volta de 1750 em inglês em 1781 e em alemão em 1793 Esse desenvolvimento foi redefinido na última geração como o surgimento da esfera pública graças a um influente livro de Habermas Mudança estrutural da esfera pública lançado em 1962 Para ser mais exato a expressão foi difundida pela tradução de uma palavra cunhada por Habermas Õffentlichkeit literalmente publicidade no sentido amplo de tornar público foi traduzida por uma expressão espacial mais explícita uma transformação que em si nos diz algo sobre o processo de comunicação entre culturas Como no caso de Elizabeth Eisenstein sobre a revolução da impressão gráfi ca o que Habermas nos deu não foi somente um novo argumento mas a reformu lação de uma justificativa tradicional Em vez de falar sobre opinião pública que parece ter um consenso ele fala sobre uma arena na qual aconteceram os debates e oferece um argumento sobre um argumento Habermas afirma que o século XVIII um longo século XVIII começando na década de 1690 foi um período crucial para o aparecimento da argumentação racional e crítica presente dentro de uma esfera pública burguesa liberal a qual pelo menos em princípio estava aberta para a participação de todos O estudo de Habermas é especialmente importante pela visão da mídia como um sistema incluindo jornais café clubes e salões no qual os elementos distintos trabalhavam em conjunto O livro enfatiza a transformação estrutural dessa esfera no final do século XVIII na Inglaterra e na França sua nãoinstrumentabilidade em outras palavras a liberdade quanto a manipulações e sua contribuição para o surgimento de atitudes racionais e críticas do que seria conhecido depois da Revolução Francesa como o Velho Regime A visão de Habermas sobre o debate público levou a uma outra discussão pública na qual ele foi criticado por oferecer um relatório utópico daquele século não perceber a manipulação do público pela mídia mesmo naquela época A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 79 ter dado muito pouca atenção às pessoas que na prática estavam excluídas dos debates mulheres e homens comuns e ter salientado demais o que chama de caso modelo da GrãBretanha no final do século XVIII em detrimento de outros lugares e períodos A contraargumentação é que há mais de uma esfera pública no início da moderna Europa como a das cortes reais nas quais a informação política estava disponível em abundância e era avidamente discutida Governantes como Luís XIV como vimos anteriormente neste capítulo eram muito conscien tes da necessidade de se apresentarem sob um foco favorável da Corte para o público por meio de uma ampla atuação da mídia desde poemas e peças até pinturas gravuras tapeçarias e medalhas Um dos propósitos do próximo capítulo será testar as idéias de Habermas pelo exame mais detalhado de alguns debates públicos sobre religião e política na Europa desde o Renascimento e a Reforma até a Revolução Francesa As novas técnicas do século XX começando com o rádio a televisão e o crescimento da propaganda mudaram totalmente o contexto da tese de Habermas como ele próprio reconheceu Elas serão discutidas nos capítulos 2 3 e 4 O Capítulo 6 volta à instrução educação e ao entretenimento que ao lado da informação iriam constituir a trindade da mídia CAPITULO 2 A mídia e a esfera pública no início da Europa moderna Este capítulo apresenta uma narrativa sobre mudanças na mídia analisando a seqüência dos eventos da comunicação da década de 1450 até a de 1790 focaliza acontecimentos ou grupos de ocorrências que receberam algum rótulo como a Reforma as guerras religiosas a guerra civil inglesa a Revolução Gloriosa de 1688 e a Revolução Francesa de 1789 Concentrase em um único tema introduzido no fim da conclusão o surgimento da esfera pública e daquilo que ficou conhecido como política cultural a informação política as atitudes e os valores compartilhados em determinadas sociedades européias ou em grupos sociais específicos dentro de uma sociedade Examinaremos como diferentes meios de comunicação contribuíram para esses eventos e como os próprios acontecimentos colaboraram para a evolução e modificação do sistema de mídia Um estudo recente sobre os primeiros livros de notícias em The Invention of the Newspaper 1996 de Joad Raymond previne os leitores contra o relato linear tradicional de uma expansão da participação política refletida no crescente e amplo acesso a notícias no término da censura e na evolução da liberdade políti ca em resumo no movimento do Antigo Regime para um regime democrático Ao contrário a história a ser contada nestas páginas pode ser descrita como um ziguezague que se move entre regiões e mostra momentos particulares nos quais o acesso à informação tornouse menor e não mais amplo Da mesma maneira algumas mudanças a longo prazo são visíveis entre as décadas de 1520 e 1790 Como no caso da revolução da imprensa não há uma data precisa para começar essa história nenhum marco divisor nítido Antes da Reforma nas cida desestados italianas especialmente em Florença nos séculos XIII XIV e XV faziase referência constante ao povo il popolo os membros do comércio e de associações de artesãos Uma proporção relativamente alta da população floren tina participava da vida política entre quatro e cinco mil adultos homens em uma cidade de menos de cem mil habitantes Escritórios políticos importantes eram preenchidos por nomes sorteados de uma sacola e por sua vez as pessoas não se mantinham no cargo mais de dois meses A política cultural de Florença como a da Atenas clássica ver p16 era essencialmente oral e visual As praças da cidade 80 A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 81 sobretudo a Piazza della Signoria eram um tipo de esfera pública nas quais se ouviam discursos e debatiase política Discursos fluentes eram bastante aprecia dos sendo cruciais para o que os italianos da época chamavam de vita civile a vida ativa política do cidadão Os cronistas urbanos freqüentemente registravam os cartazes políticos afixa dos e os grafites desenhados nas paredes sendo que as relações públicas da cidade eram feitas além da forma oral com o envio de embaixadores a outros estados e também por escrito A chancelaria de Florença onde se escreviam as cartas ofi ciais era cheia de humanistas estudantes da cultura da Antigüidade clássica capazes de escrever em um latim elegante e persuasivo Diziase que o duque de Milão um dos principais inimigos da República florentina afirmava temer mais a pena do chanceler humanista Coluccio Salutati 13311406 do que uma tropa de cavalei ros Em escala menor do que Florença ou Veneza algumas cidades da Holanda Alemanha e Suíça como Antuérpia Nuremberg e Basel desenvolveram cultura cívica parecida A Reforma Se a cidadeestado italiana foi o ambiente onde se desenvolveu o Renascimento sua correspondente alemã a cidade livre como Nuremberg ou Estrasburgo ainda não incorporada à França foi o centro da Reforma o primeiro e principal conflito ideológico no qual a matéria impressa teve papel preponderan te A Reforma pelo menos em sua primeira geração foi um movimento social uma empresa coletiva consciente mesmo que tivesse como objetivo reformar a velha Igreja e não fundar outras novas o que na realidade aconteceu Martinho Lutero nascido em 1483 um frade que se tornou herege era professor da Univer sidade de Wittenberg no leste da Alemanha e se ressentia muito do que via como a dominação italiana da Igreja da magia da Igreja e sua comercialização Favorável a um envolvimento mais direto de leigos com as atividades religiosas Lutero incentivou a leitura da Bíblia e a liturgia em vernáculo o que envolveu novas traduções Ele justificava esse envolvimento pelo que chamou de sacerdócio de todos os crentes a idéia de que cada um tivesse acesso direto a Deus sem necessidade da mediação dos clérigos Habermas realçou o que chama de efeitos da privatização da Reforma um deslocamento dos crentes para o domínio interior movimento apoiado pela cren ça de Lutero de que a obediência ao governante era dever de todo bom cristão devese ressaltar que Lutero não viveu em uma cidade livre e autogovernada mas era súdito do eleitor da Saxônia No que concerne às conseqüências a longo prazo da Reforma Habermas pode estar certo No entanto nos primeiros anos do movimento os vigorosos debates ocorridos primeiro na Alemanha e depois em 82 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA outras partes da Europa sobre as funções e os poderes do papa e da Igreja e a natureza da religião deram uma contribuição importante para a emergência do pensamento crítico e da opinião pública Esses eventos seguiram um padrão recorrente que pode ser descrito como um modelo aprendiz de feiticeiro de mudança política no início da Europa moderna Repetidas vezes as disputas entre as elites levaramnas a requisitar apoio de um grupo maior freqüentemente descrito como o povo Para atingir esse grupo mais amplo as elites não podiam se basear na comunicação boca a boca e então começaram a promover debates públicos e utilizar panfletos Muitas vezes o apelo ao povo teve sucesso Na realidade foi mais bemsucedido do que o espera do ou desejado pelos solicitantes Em certas ocasiões amedrontada pelo que havia começado a elite tentava acabar com o debate somente para descobrir que era tarde demais e o fogo já estava fora de controle Embora o termo opinião pública ainda não estivesse em uso no início do século XVI a visão do povo interessava aos governos da época por motivos práti cos fosse a intenção suprimir esses pontos de vista moldálos ou raramente seguilos como em alguns lugares da Alemanha na década de 1520 em que o Conselho perguntou aos cidadãos se a cidade deveria permanecer católica ou virar protestante O envolvimento do povo na Reforma foi tanto causa quanto conse qüência da participação da mídia A invenção da impressão gráfica solapou o que foi descrito com certo exagero como monopólio de informação da Igreja medie val ver p16 e algumas pessoas tinham consciência disso na época O protestante inglês John Foxe por exemplo pregava que o papa deve abolir o conhecimento e a impressão gráfica ou esta a longo prazo vai acabar com ele Como vimos os papas parecem ter concordado com Foxe e foi por essa razão que se criou o índex de Livros Proibidos ver p56 Depois que as igrejas protestantes se estabeleceram luteranas calvinistas e zwinglianas elas começaram a transmitir suas tradições por intermédio da educação das crianças Peças pinturas e impressos agora eram rejeitados em favor da palavra fosse ela escrita ou falada Bíblia ou sermão Por outro lado na primei ra geração um período bem curto essencialmente as décadas de 1520 e 1530 os protestantes se baseavam no que pode ser chamado de ofensiva da mídia não somente para comunicar suas próprias mensagens mas também para enfraquecer a Igreja Católica ridicularizandoa usando o repertório tradicional do humor popular para destruir o inimigo pelo riso Em contraste com o comportamento posterior esse foi um período em que os protestantes fanáticos eram muitas vezes satíricos irreverentes ou subversivos Um dos principais objetivos dos reformadores era se comunicar com todos os cristãos Enquanto o grande humanista Erasmo c14661536 que também quis reformar a Igreja escrevia em latim para ser lido nos círculos acadêmicos de toda a Europa Lutero normalmente usava a estratégia oposta Escrevia em A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 83 vernáculo de modo que sua mensagem pudesse ser compreendida pelas pessoas comuns mesmo que tivesse de se restringir no início ao mundo de língua ger mânica Graças ao novo meio Lutero não pôde ser silenciado da mesma maneira como o foram os primeiros hereges a exemplo do reformador tcheco Jan Hus 13691415 cujas idéias em diversos aspectos eram parecidas com as de Lutero e que foi morto na fogueira Nesse sentido a impressão gráfica converteu a Reforma em uma revolução permanente Na realidade pouco teria ajudado à Igreja Cató lica queimar Lutero como herege uma vez que seus escritos estavam disponíveis em grande número e a preços bastante razoáveis Quatro mil cópias do discurso Aos nobres cristãos da nação germânica An der christichen Adel Deutscher Nation foram vendidas em poucos dias após a publicação em 1520 pelo impressor Melchior Lotter de Wittenberg um amigo do autor Para o desenvolvimento do protestantismo a longo prazo a tradução da Bíblia de Lutero foi ainda mais importante do que seus panfletos Ele não ficou totalmente satisfeito com o texto impresso de seu Novo Testamento de 1522 que tinha alguns erros Mas qualquer impressão em vernáculo permitia que muito mais gente lesse a Bíblia Um único impressor em Wittenberg Hans Lufft vendeu cem mil cópias em 40 anos de 1534 a 15740 Pequeno catecismo de Lutero 1529 provavelmente alcançou público ainda maior A façanha não deve ser menosprezada Não havia um vernáculopadrão da língua alemã na época em parte porque também não havia muitas publicações de literatura popular e uma das razões para a pequena quantidade de textos era a falta de um vernáculopadrão De um modo ou de outro Lutero conseguiu que brar o círculo vicioso ao escrever não em seu dialeto saxão mas em um tipo mais simples de dialeto que funcionava como denominador comum dos outros usan do como modelo o estilo da chancelaria compreensível de leste a oeste da Saxô nia às terras do Reno Dessa maneira a leitura potencial de seus escritos se multi plicou tornandoos um empreendimento comercial a longo prazo sua tradução da Bíblia ajudou a tornar padrão a língua escrita alemã Não foi somente a técnica de impressão nem apenas Lutero mas a combinação de ambos que tornou isso possível Alguns impressores de Estrasburgo e outros lugares estavam preparados para publicar tanto os textos de Lutero quanto de seus oponentes católicos como se fossem mercenários interessados apenas nas vendas ver p61 outros porém como Lufft e Lotter comprometidos com as idéias de Lutero e seus seguidores imprimiam somente obras protestantes Não eram os únicos Uma carta ao refor mador suíço Ulrich Zwinglio 14841531 mencionava um mascate que vendia de porta em porta somente os escritos de Lutero Apesar de pequena a cidade universitária de Wittenberg onde Lutero vivia e ensinava era o centro de comunicações do luteranismo Uma das razões para a 84 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA difusão de suas idéias no nordeste da Alemanha ao contrário do sudeste onde prevaleceram as de Zwinglio era a facilidade com que chegavam àquela região pregadores e material impresso de Wittenberg Em ambos os casos os panfletos em vernáculo dirigidos às pessoas comuns foram de importância crucial para o sucesso da Reforma Mais de 80 dos livros em alemão publicados no ano de 1532 para ser exato 418 títulos em um total de 498 tratavam da reforma da Igreja Em 1525 foram impressas 25 mil cópias dos Doze Artigos dos camponeses rebeldes Duzentos e noventa e seis panfletos polêmicos apareceram na cidade de Estrasburgo entre 1520 e 1529 Por volta de 1550 cerca de dez mil panfletos tinham sido impressos em alemão Eles foram descritos com algum exagero como um meio de comunicação de massa O exagero devese ao fato de que somente uma minoria da população de língua germânica tinha recursos para comprar panfletos e capacidade para lêlos Provavelmente os textos eram lidos muito mais em público do que privadamente e suas mensagens ouvidas por mais pessoas do que apenas aquelas que sabiam ler Outra afirmação que hoje parece exagerada é que sem o livro não teria havido a Reforma Essas assertivas ignoram o papel importante na época da propaganda oral e visual Para entender a difusão da Reforma é necessário olhar não somente para as publicações mas também para o sistema de mídia como um todo Como somente uma minoria da população sabia ler e menos ainda escrever presumese que a comunicação oral deva ter continuado a predominar na chamada era da impressão gráfica Ela teve muitas formas distintas em diferentes contextos indo de sermões e conferências em igrejas e universidades a rumores e boatos nos mercados e tabernas O sermão teve muita importância nos primeiros anos da Reforma enquanto os hinos em vernáculo permitiam à audiência participar dos serviços religiosos mais ativamente do que nos dias em que simplesmente ouvia missa O próprio Lutero compôs hinos com esse objetivo sendo que o mais notável deles ainda hoje é cantado Uma poderosa fortaleza é Nosso Senhor Ein Feste Burg ist Unser Gott Os arquivos judiciais que registram tentativas de reprimir heresias têm mui to a dizer sobre a recepção das idéias novas com a ajuda de diversos meios de comunicação Eles revelam por exemplo a freqüência com que as baladas impressas tratando de tópicos religiosos e eventos políticos podiam ser cantadas outro exemplo da interação entre meios de comunicação o que foi discutido no capítulo anterior ver p51 Muitos desses registros ressaltam em particular a taberna revelandoa como centro importante de troca de idéias e boatos Talvez seja uma tradição o papel comunicador das hospedarias mas esse fato não costuma ser registrado a respeito da Idade Média No entanto na Alemanha dividida da década de 1520 certos indivíduos eram apanhados no ato de criticar o clero debatendo A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 85 os textos de panfletos ou levantando dúvidas sobre as doutrinas católicas como a transubstanciação ou a imaculada concepção Os registros revelam a importância dos debates públicos de idéias heréticas assim como o papel do livro ou panfleto em provocar tais discussões Portanto os julgamentos de heresia se baseavam na chamada teoria de comunicação de dois passos desenvolvida a partir de um estudo sobre a eleição presidencial norte americana de 1940 De acordo com essa teoria difundida por Elihu Katz e Paul Lazarsfeld em Personal Influence 1955 os eleitores que mudavam o voto não eram diretamente influenciados pelas mensagens vindas de jornais ou rádios O que sentiam era a influência pessoal dos líderes de opinião locais Esses líderes seguem os eventos na mídia no nosso caso os panfletos protestantes com mais atenção do que os leitores mas depois influenciam seus seguidores sobretudo no contato corpo a corpo Também as imagens entravam na batalha religiosa Lutero ao contrário de Calvino não as desaprovava mostrava uma imagem da Virgem Maria em seu estudo Opunhase à superstição que chamava de idolatria a veneração do significante à custa do significado Nas igrejas luteranas continuaram a ser exibi das algumas pinturas religiosas principalmente de Cristo tendo a Ressurreição como um dos temas mais populares Uma importante forma de comunicação com os analfabetos as imagens ainda constituíram um meio muito importante na difusão das idéias protestantes Lutero tinha plena consciência disso quando apelava para o povo simples como ele chamava Seu amigo Lucas Cranach 14721553 produziu não somente pin turas de Lutero e sua mulher mas também muitas gravuras polêmicas como a famosa Paixão de Cristo e Anticristo que contrastava a vida simples de Jesus com a magnificência e o orgulho de seu Vicário o papa Assim um par de xilogravuras mostra Cristo fugindo dos judeus porque estavam tentando transformálo em seu rei enquanto o papa ao contrário defendia com a espada o direito de governar os estados da Igreja uma referência óbvia ao beligerante papa Júlio II que morrera em 1513 Cristo foi coroado com espinhos o papa com a tríplice coroa ou tiara Cristo lavava os pés de seus discípulos mas o papa apresentava os seus para serem beijados pelos cristãos Cristo viajava a pé enquanto o papa era carregado de liteira Figura 9 Muitas pinturas de Lutero foram feitas no ateliê da família de Cranach em Wittenberg sem dúvida para serem colocadas em residências privadas como sím bolo de lealdade à Reforma Algumas dessas imagens principalmente uma xilo gravura de cerca de 1520 mostrava o reformador como uma espécie de santo com um halo e uma pomba acima da cabeça para representar sua inspiração pelo Espírito Santo Figura 10 O uso de tais convenções facilitava a comunicação com pessoas comuns de mentalidade tradicional No entanto o preço desses recursos Figura 9 Lucas Cranach xilogravura da Paixão de Cristo e Anticristo 1521 preço pago muitas vezes na história da comunicação era a diluição da mensagem protestante pela adoção das mesmas práticas que ela pretendia substituir Nessa época os rituais eram meio e objeto de debates Os ritos católicos foram parodiados na procissão da Saxônia na década de 1520 em que ossos de cavalos eram carregados como relíquias falsas em protesto contra a canonização recente de um santo local Beno da Saxônia Nos primeiros anos da Reforma os protestantes também se valiam de encenações teatrais de rua para convencer as pessoas a ficarem contra a Igreja Por exemplo em 1521 o impressor suíço Pamphilus Gengenbach da Basileia c14801524 encenou um ataque aos lucros do clero provenientes da doutrina sobre o Purgatório A peça se intitulava Os comedores dos mortos Die Totenfresser e mostrava um bispo um macaco e outros padres sentados ao redor de uma mesa cortando um cadáver Novamente em 1528 o pintor suíço Nikolas Manuel de Berna c14841530 encenou outra peça chamada de O vendedor de indulgências Der Ablasskrämer na qual ridicularizava a comercialização da religião pelo catolicismo assim como Lutero havia feito antes A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 87 Figura 10 Hans Baldung Grien xilogravura de Martinho Lutero rodeado por um halo c1520 Quanto aos católicos eles não respondiam aos desafios protestantes usando os mesmos meios de comunicação pelo menos não na mesma escala ou para o grande público Também não produziam tantos panfletos para defender a Igreja quanto os protestantes para atacála Não faziam suas próprias traduções da Bi 88 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA blia o que a Igreja achava perigoso Quando produziam peças religiosas em geral eram dirigidas não ao povo mas a uma audiência de elite como a dos pais de alunos de colégios jesuítas na França Itália e Europa Central Isso ilustra uma característica geral de comunicação que pode ser chamada dilema conservador comum a regimes autoritários pelo menos nas sociedades em que há poucos letrados quando sob ataque No caso do século XVI se a Igreja não respondesse a Lutero o povo podia ser levado a pensar que os hereges tinham razão Por outro lado se respondesse podia encorajar a laicidade como já foi discutido anteriormente a comparar os dois lados pensar por si mesmo e escolher entre alternativas em vez de fazer o que era dito Para os defensores de velhos regimes que se baseiam em hábitos de obediência a resposta correta à mensagem pode portanto ser a resposta errada em termos de meio Por sua vez os católicos continuaram a se esforçar por produzir imagens religiosas sobretudo depois que os iconoclastas protestantes destruíramnas dentro e fora das igrejas no processo de transformação da aparência dos lugares sagra dos Os católicos prestavam grande atenção à retórica da imagem tornando as pinturas e estátuas mais dramáticas e assim acreditavam em um meio mais eficaz de persuasão do que haviam sido antes da chamada ContraReforma em seguida ao Concílio de Trento 154563 Muitas vezes a iconografia se referia às doutrinas que os protestantes haviam atacado Cenas do arrependimento de são Pedro ou de santa Maria Madalena por exemplo eram especialmente retratadas pois representavam justificativas para o sacramento da confissão Os halos voltaram aos santos que em alguns casos os tinham perdido apesar do halo de Lutero O desenvolvimento das instituições opostas em retrospecto complemen tares de propaganda e censura pode ter sido conseqüência inevitável da invenção da impressão gráfica mas ambas foram resultado imediato das guerras religiosas do século XVI A propaganda e a censura eram religiosas antes de se tornarem políticas Assim como os impressos ajudaram a garantir a sobrevivência da Refor ma protestante tornando impossível suprimir as idéias de Lutero do modo como foram aniquiladas as dos hereges medievais também a Reforma repre sentou um sucesso econômico para os impressores seja com grande venda de panfletos ou a prazo mais longo de bíblias em vernáculo Contrariamente à tese de Habermas podese argumentar que a Reforma alemã contribuiu para o aparecimento de uma esfera pública pelo menos du rante algum tempo Os escritores de panfletos usavam estratégias autoconscientes de persuasão tentavam atingir um vasto público e estimulavam a crítica à Igreja Há semelhanças incríveis entre o que aconteceu no mundo germanófono no início do século XVI e o que está acontecendo agora no mundo muçulmano a ascensão de uma esfera pública amplamente religiosa e vinculada à emergência de novos veículos a imprensa no século XVI os vídeos e os sites nos dias de hoje A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 89 Quanto às autoridades seculares também elas descobriram que a nova mí dia era uma força poderosa que talvez servisse para fins políticos O conflito entre o imperador Carlos V e seu rival o rei Francisco I da França travase também em panfletos além das batalhas campais a partir de meados da década de 1520 o desenvolvimento dessa campanha de papel mostra que ambos os governantes tinham aprendido uma lição com Lutero As guerras religiosas e a revolta dos holandeses Após a década de 1520 houve um declínio das discussões públicas pois os lutera nos formaram uma igreja e limitaram ou suprimiram os debates populares A ênfase mudou do sacerdócio de todos os crentes para a importância de um sacer dote instruído que diria ao povo em que acreditar e interpretaria o significado da Bíblia Encontramos processos semelhantes acontecendo posteriormente no mesmo século em outras partes da Europa Do ponto de vista da mídia a batalha entre católicos e protestantes é muitas vezes apresentada como uma guerra entre a cultura da imagem e a do livro Tratase de uma visão simplista No mundo católico a padronização de práticas religiosas associadas à ContraReforma se ajustou tanto às necessidades dos impressores quanto às dos produtores de imagens Houve uma demanda crescente por mis sais breviários e acima de tudo catecismos Alguns impressores como Christophe Plantin da Antuérpia enriqueceram com o fornecimento desses produtos Al guns laicos liam as vidas dos santos outros trabalhos devocionais No entanto houve um contraste relativo entre a cultura protestante do livro e a cultura católica da imagem Bem antes da ContraReforma por exemplo em uma época na qual era perigoso imprimir literatura protestante na França na Itália ou na Inglaterra de Henrique VIII a cidade de Antuérpia era o centro de um florescente comércio de exportação imprimindo bíblias e panfletos em francês italiano e inglês Em uma ocasião por instruções do bispo de Londres que parece não ter assimilado a ciência econômica relativa à impressão um mercador inglês católico da Antuérpia Augustine Packington comprou toda a edição do Novo Testamento de William Tyndale originalmente publicada em Worms em 1526 para queimála O episódio abaixo foi extraído de uma fonte da época a Chronicle Crônica de Edward Hall Augustine Packington encontrou William Tyndale e disse William sei que vós sois um homem pobre e tendes convosco uma pilha de Novos Testamentos e livros que põem em perigo vossos amigos e vos empobrecem e eu tenho um mercador com dinheiro que pode expedir tudo o que tendes se achardes que é lucrativo para vós Quem é o mercador perguntou Tyndale O bispo de Figura 11 As 17 províncias e principais cidades da iconoclastia A M Í D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 9 1 Londres respondeu Packington Ah Isso é porque ele vai queimálos disse Tyndale Claro falou Packington Eu trago as boasnovas disse Tyndale pois dois benefícios virão juntos eu ganho o dinheiro dele com esses livros saldo minhas dívidas e o mundo todo irá chorar pela queima da palavra de Deus O que sobrar do dinheiro ficará comigo e me fará mais estudioso para corrigir o Novo Testamento e imprimilo de novo e tenho certeza de que o segundo fará melhor por você do que o primeiro E assim foi feita a barganha o bispo teve os livros Packington os agradecimentos e Tyndale o dinheiro No século XVI sobretudo os calvinistas estimularam uma onda de iconoclastia que se espalhou por toda a Europa dirigida principalmente contra estátuas em bora os vitrais também tenham sofrido Às vezes as estátuas eram destruídas outras apenas removidas O movimento aconteceu no mundo de língua alemã na década de 1520 apoiado por Andreas von Karlstadt em Wittenberg e Ulrich Zwinglio em Zurique Ele se espalhou para Genebra e partes da Inglaterra e França na década de 1530 Teve seu clímax na França e na Holanda em meados de 1556 quando se documentou a destruição de imagens em 25 locais entre 10 de agosto e 29 de setembro Um mapa Figura 11 mostra que em muitos lugares a iconoclastia era uma reação às notícias ou aos boatos sobre destruição de imagens em outros lugares É tentador interpretar esse movimento organizado o primeiro em larga escala desde o império bizantino no século VIII como reação à proliferação de imagens e especialmente ao poder de comunicação das estátuas no fim da Idade Média e no Renascimento Embora os luteranos não fossem iconoclastas de tal forma que Karlstadt só conseguia remover as imagens das igrejas de Wittenberg quando Lutero estava fora a comunicação por imagens foi especificamente proibida nas áreas calvi nistas Em um templo calvinista assim como em uma mesquita o campo visual do crente era dominado por textos pintados como os Dez Mandamentos Foram os calvinistas que tiveram a liderança nos dois conflitos no fim do século XVI as guerras religiosas na França do início da década de 1560 até meados da década de 1590 e a revolta dos holandeses da década de 1560 a 1609 Tais conflitos são importantes no contexto deste livro graças ao papel desempenhado pela mídia e também porque a mescla de debates religiosos e políticos que eles estimularam sugere a possibilidade de se falar no surgimento de uma esfera pública nesses dois países vizinhos nas décadas de 1570 e 1580 As guerras religiosas francesas eram tanto de mídia quanto de espadas e armas de fogo conflitos em que tinham suma importância a panfletagem a feitura de imagens sua destruição e a comunicação oral Em 1534 os protestantes franceses já usavam a imprensa para dar publicidade às suas idéias Grandes cartazes ou placares atacando a massa católica foram impressos na Suíça contra bandeados para a França e colocados em lugares públicos até mesmo ainda que 92 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA por pouco tempo na porta do quarto do rei Na década de 1570 o conflito se tornou triangular quando a poderosa família Guise acusou o governo de ser muito tolerante com os protestantes e organizou uma Liga Católica com ajuda espanhola A Liga comandou o que se pode chamar de uma campanha de mídia pois havia cartazes para serem colocados em paredes imagens satíricas sermões causticantes e panfletos incendiários O que se diz hoje sobre essa campanha devese às atividades do advogado parisiense Pierre LEstoile c15461611 que se dispôs a registrar boatos e ser mões além de estampar em seu diário cartazes e gravuras que de outra forma teriam desaparecido Graças a ele sabemos que as guerras civis francesas foram em parte guerras de imagens muitas delas produzidas em uma rua de Paris a Mon torgueil próxima de Les Halles De um lado circulava um Mapa do Papado satírico enquanto de outro preferiase a imagem de A marmita derramada um grande caldeirão contendo protestantes e ateus sendo cozidos no fogo Quando Henrique duque de Guise e seu irmão o cardeal de Guise inimigos de Henrique III reinado entre 1575 e 1589 foram assassinados imediatamente apareceram xilogravuras comemorando suas mortes cruéis As palavras impressas tiveram importância enorme na luta Como na Ale manha na década de 1520 a França no fim do século XVI estava em plena era dos panfletos com mais de 30 por ano produzidos entre 1559 e 1572 Depois do Dia de São Bartolomeu no qual muitos protestantes foram mortos os panfletos se tornaram mais violentos em ataques pessoais como a prostituta ou pantera rainha Catarina de Médici 151989 Eles também passaram da religião para a política Daí vem a conclusão do historiador Donald Kelley de que em 1572 nasceu a moderna propaganda política Tendo alcançado seu pico no período 158894 e depois de declinar em números na época em que a paz foi restabelecida os panfletos reapareceram em escala ainda maior durante a crise política de 1614 17 quando um grupo de nobres se rebelou contra o rei Mais de 1200 panfletos foram produzidos naquele curto período O cardeal Richelieu que governou a França junto com o rei Luís XIII entre 1630 e 1643 pode ter aprendido muito sobre a importância da mídia naquela crise Ele inspirou a fundação de um jornal oficial em 1631 a Gazette e ocasionalmente mandava para o editor notícias a serem publicadas JeanBaptiste Colbert o ministro mais importante de Luís XIV entre 1661 e 1683 tinha ainda maior consciência do alcance da mídia do que Richelieu A criação de uma imagem favorável do rei para público estrangeiro e interno por meio de reportagens na imprensa histórias oficiais poemas peças balés óperas pinturas estátuas gravuras e medalhas foi produzida por uma equipe de artistas e escritores supervisionados por Colbert O papel público da mídia foi ainda maior na Holanda do que na França começando com a revolta contra Felipe II da Espanha ou o que os holandeses hoje chamam a Guerra dos Oitenta Anos de 1568 a 1648 Mais de sete mil panfletos A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 93 desse período ainda sobrevivem nas bibliotecas holandesas A tiragem era comu mente de mil a 1250 cópias mas pela demanda eles eram rapidamente reimpres sos Foram os panfletos por exemplo que difundiram a lenda negra do despotis mo obscurantismo e fanatismo da Espanha Os escritores a serviço do líder rebelde Guilherme o Silencioso 153384 apresentavam Felipe II como um tirano que não respeitava as liberdades e os privilégios tradicionais das cidades holandesas Versos impressos glorificando os rebeldes e denunciando Felipe II como He rodes ou faraó e os espanhóis como descendentes de judeus descrentes tinham circulação provavelmente maior do que os panfletos pois eram cantados e ouvidos mais freqüentemente do que lidos As imagens impressas também deram sua contribuição para a campanha dos rebeldes Uma xilogravura da execução em 1568 dos condes de Egmont e Hoorne por ordem de Felipe II logo circulou na Holanda os cabeçalhos diziam o que pensar sobre os eventos ilustrados Os panfletos holandeses não eram produzidos de forma contínua mas se agrupavam em resposta aos principais eventos históricos sobretudo nos períodos 157885 15981606 1618 e 16478 Registrouse também um aumento repentino na produção por volta de 1607 poucos anos antes do lançamento dos panfletos na já mencionada crise francesa de 161417 O panfleto político estava se tornan do parte da vida holandesa Chegava a haver mesmo um debate sobre os debates um diálogo por exemplo que discutia se cada um podia ou não expressar sua opinião sobre assuntos de Estado Não por acidente foi na República holandesa especialmente em Amsterdã que os jornais cujos primeiros registros são da Alemanha em 1609 tornaramse uma instituição popular Ao contrário do panfleto apareciam em intervalos regu lares normalmente uma ou duas vezes por semana costumavam ter as edições numeradas de modo que os leitores podiam saber se tinham perdido algum exemplar Na sociedade urbana e extraordinariamente letrada da República ho landesa no século XVII a esfera pública temporária estava transformandose em algo permanente À diferença de seu equivalente holandês o panfleto inglês antes de 1640 era mais moral do que político Mas a situação iria mudar muito rapida mente com a deflagração da guerra civil Da revolução puritana à Revolução Gloriosa A mídia européia estava cheia de notícias para publicar na década de 1640 uma década de crises Em Portugal palco da luta pela independência com relação à Espanha a Gazeta de Lisboa noticiou a guerra de 1641 a 1647 Na França os panfletos tiveram novamente um papel político importante sendo muito empre gados para atacar o governo e o primeiroministro Jules Mazarin na guerra civil 164852 conhecida como Fronda Cerca de cinco mil mazarinades foram produ 94 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA zidos na época vendidos a meio ou um quarto de sou cada ultrapassando as pro duções feitas em 161417 assim como os panfletos haviam ultrapassado em número os produzidos durante as guerras religiosas As edições da oficial Gazette foram mais extensas do que o normal entre 1648 e 1650 porque havia muitas notícias para publicar além disso jornais nãooficiais como o Courrier Bordelais também estavam em circulação No entanto depois de 1650 e com maior evidência após o início do governo de Luís XIV em 1661 a esfera pública francesa voltou a se contrair Assim como a Fronda a guerra civil inglesa também conhecida como Revo lução Inglesa foi acompanhada pela mídia em palestras e sermões textos e ima gens ações rituais como procissões e destruição de imagens De novo encontramos uma situação em que as elites estavam divididas e ambos os lados recorriam a apoio público apesar de não serem capazes de prever ou controlar as conseqüências Em muitos aspectos a guerra civil na Inglaterra foi um conflito religioso entre os defensores da Igreja Anglicana próxima em termos de liturgia senão de doutrina da Igreja Católica e os chamados puritanos que acreditavam em formas mais simples de prática religiosa mesas em vez de altares ausência de imagens ritual reduzido ao mínimo etc No entanto no curso da guerra os conflitos entre os próprios puritanos ou cabeças redondas assim chamados porque usavam cabelo curto se tornaram cada vez mais agudos Presbiterianos batistas quintomonarquistas e outros tentavam converter leitores e ouvintes à sua forma particular de cristianismo Voltando à mídia o clero por exemplo havia perdido o controle sobre o sermão nessa época e tinha de competir com prega dores leigos alguns deles artesãos como o exfunileiro John Bunyan 162888 e algumas mulheres como a pregadora batista mrs Attaway Pelo menos em Londres aquela foi uma época de política veiculada em cartazes petições e manifestações Em 1640 por exemplo a petição denominada Raiz e ramos contra os bispos obteve cerca de 15 mil assinaturas enquanto mais de mil pessoas levaramna ao Parlamento Em 1642 o Parlamento recebeu a Petição das senhoras das esposas de comerciantes e de muitas outras do sexo feminino Artífices e aprendizes se envolviam em políticas praticamente todo dia Não surpreende que alguns historiadores recentes debruçados sobre aquele período falem do surgimento de políticas de massa apesar da natureza problemáti ca desse conceito Os anos da metade do século XVII foram significativos pelo uso de panfletos e jornais em que monarquistas e parlamentaristas expressavam os respectivos pontos de vista Entre 1640 e 1663 um livreiro George Thomason equivalente inglês do parisiense LEstoile coletou perto de 15 mil panfletos e mais de sete mil jornais coleção conservada na Biblioteca Britânica e conhecida como Thomason Tratos A deflagração da guerra civil também coincidiu com o chamado surgi mento do livro de notícias inglês em 1641 Mercurius Aulicus foi um jornal A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 95 Figura 12 Richard Overton página de rosto de Canterbury a mudança de regime importante para um dos lados e Mercurius Britannicus o equivalente para o outro lado cada qual produzindo sua versão dos eventos foram seguidos por Mercurius Melancholicus Mercurius AntiMelancholicus Mercurius Morbicus Mercurius Phre neticus Mercurius Pragmaticus Mercurius AntiPragmaticus e muitos outros Essa explosão de matéria impressa serviu de contexto ao famoso debate sobre liberdade de imprensa do qual participou o poeta puritano John Milton ao publicar o Areopagitica 1644 que atacava a prática de imprensa do Alto Parla mento e defendia a liberdade de imprimir sem licença era uma crítica a todo tipo de censura em todos os níveis afirmando especialmente que todos os ho mens independentes deveriam ser livres para escolher Ele associava a censura ao catolicismo salientando que os papas tinham estendido seu domínio sobre os olhos dos homens com a invenção do novo Purgatório de um índice Mensagens temáticas não estavam confinadas a panfletos e jornais Inscri ções políticas nas paredes londrinas e outros lugares públicos eram ilustrações vivas da ampliação da esfera pública na época A propaganda pictórica também tornavase proeminente Sobreviveram cerca de 150 impressos políticos somente do ano 1644 sendo que alguns deles atacavam os ministros de Carlos I o conde de Strafford e o arcebispo Laud Figura 12 A cena de Laud atrás de grades mostra 96 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA uma pista sobre o estilo de teatro de rua que floresceu em Londres na época da mesma maneira como acontecera nas cidades alemãs durante a Reforma ver p85 O julgamento de Carlos I seguido por sua execução pública em um cada falso à frente da Banqueting House em Whitehall 1649 foi um grande drama político que em parte compensou o fechamento dos teatros em 1642 A continua da importância da comunicação oral é revelada pelos chamados Debates de Put ney em 1647 nos quais um rascunho de constituição conhecido como Consen timento do povo foi discutido no Conselho do Exército onde todas as categorias estavam representadas e no qual foi desafiada a propriedade e solicitada a extensão de privilégios Os impressos também foram importantes para atrair pessoas e para a conse qüente ampliação da esfera pública Em 1641 estavam em circulação mais de 20 mil cópias do Grande protesto do Parlamento contra o regime de Carlos I Relató rios dos debates na Câmara dos Comuns impressos pela primeira vez aumenta ram a audiência dos discursos parlamentares A ascensão das petições por escrito contribuiu para a cultura democrática já que elas eram uma forma que as pessoas comuns tinham de participar da política mais ativamente do que antes exercendo algum tipo de pressão sobre o Parlamento A grande questão aqui como em qualquer lugar deste estudo é a extensão do efeito da mídia e suas mensagens sobre as mudanças de atitude e mentalidade das pessoas Alguns estudiosos têm enfatizado a banalização das matérias políticas nas folhas de notícias mas o outro lado da moeda foi a entrada da política nacional na vida cotidiana Um piedoso artesão londrino Nehemiah Wallington referiuse em seu diário a mais de 300 panfletos Outro contemporâneo declarou que o Mercurius Aulicus fez no Parlamento mais feridos do que dois mil soldados do rei observação semelhante ao comentário sobre as cartas de Salutati ver p81 Olhando para trás do ponto de vista de uma geração posterior e ampliando a metáfora um escritor de 1682 declarou que não conhecia nada que ferisse mais o antigo rei do que as balas de papel da imprensa Outro escritor literalmente usou seu panfleto como míssil arremessandoo contra a carruagem real em 1641 Quando o general alemão Erich von Ludendorff 18651937 anunciou durante a Primeira Guerra Mundial que as palavras se tornaram batalhas ele estava expri mindo um lugarcomum apesar de os desenvolvimentos das técnicas de propa ganda terem dado à sua observação um novo ponto de vista O efeito preciso da explosão de notícias e comentários continua sendo maté ria controversa Os historiadores ainda debatem se a cultura política inglesa foi essencialmente local ou nacional na época embora observando que os jornais mantinham as províncias informadas sobre os eventos nacionais e estimulavam a discussão e a redação de petições locais para influenciar a política em Londres Ilustrando a afirmativa de Deutsch em The Nerves of Government 1963 de que uma comunidade é uma rede de canais de comunicação a difusão de notícias A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 97 forjou ligações mais estreitas entre o centro político e as regiões ajudando desse modo a construir uma cultura política de âmbito nacional Como na Alemanha da década de 1520 uma esfera política pública e uma outra popular surgiram na GrãBretanha especialmente em Londres nos notá veis 20 anos entre a convocação do Parlamento em 1641 e a restauração de Carlos II em 1660 Nas palavras de Nigel Smith Nunca antes na história britânica a literatura escrita e impressa desempenhou um papel tão predominante nos negó cios públicos e jamais seus contemporâneos sentiram tanto a importância dela A restauração de Carlos II em 1660 apresentou a seus arquitetos um proble ma comum em tais situações o retorno de um sistema relativamente aberto para um fechado A proliferação de folhas de notícias concorrentes foi barrada pelo monopólio exercido pela London Gazette um jornal oficial de modelo francês exemplo mais recente seria o Pravda na era de Stálin ou Brejnev e pela reintro dução do licenciamento de livros Em 1663 sir Roger LEstrange cuja reprovação à impressão gráfica já se mencionou anteriormente ver p26 foi designado para impor o cumprimento dos regulamentos governamentais sendo seu título de inspetor da imprensa um eufemismo para censor LEstrange estava consciente do que foi descrito acima como o dilema con servador o problema enfrentado pela Igreja Católica no tempo de Lutero ignorar as críticas públicas feitas pelos radicais ou lutar contra elas com as mesmas armas Certa feita escreveu que um mercúrio jornal público nunca terá meu voto pois acho que levará as multidões a se tornarem muito familiarizadas com as ações e deliberações de seus superiores No entanto ele editou pelo menos três folhas de notícias primeiro The Intelligencer impresso segundo suas próprias palavras para a satisfação e informação das pessoas depois The News e por último The Observator de 1681 a 1687 LEstrange escreveu em The Observator em abril de 1681 Foi a imprensa que os tornou loucos então que os torne saudáveis nova mente Dessa forma os governos foram forçados a utilizar o jornalismo e contri buir tanto para a difusão de uma consciência política popular que em geral as elites deploravam quanto para o surgimento dos jornalistas homens de notícias como eram chamados no século XVII na Inglaterra como uma nova força nos assuntos políticos e que mais tarde seriam descritos como quarto poder ver p192 As atividades da mídia no período da restauração foram iluminadas por um grande evento de comunicação em 1678 a chamada conspiração papal para assassinar Carlos II a fim de que seu irmão católico Jaime duque de York pudesse substituílo Em 6 de setembro de 1678 Titus Oates um exconvertido ao catoli cismo e exseminarista jesuíta procurou um magistrado sir Edmund Berry God frey para contarlhe sobre a conspiração Em seguida em 28 de setembro repetiu a história ao Conselho Logo depois Godfrey foi encontrado morto provavelmen te assassinado Quando a procissão funerária foi realizada em 31 de outubro a 98 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Câmara dos Comuns resolveu que acontecera uma conspiração diabólica e mal dita tramada e levada adiante pelos oponentes ao papa para assassinar o rei No julgamento dos acusados Oates apresentou provas do caso mas não foi convin cente e a partir dessa época começou a perder credibilidade assim como o senador Joseph McCarthy 190957 com suas histórias de conspirações comunistas de repente desacreditado pela opinião pública norteamericana na década de 1950 No final Oates foi condenado por perjúrio O estudo mais conhecido sobre a conspiração papal escrito pelo historiador John Kenyon é marcado por um autêntico senso comum e ilustra com vivacidade os lados forte e fraco desse tipo de abordagem Preocupado em elucidar o que na realidade aconteceu ou deixou de acontecer Kenyon se concentra em mostrar que nunca houve uma conspiração rejeitando as crenças contemporâneas como irra cionais pânico histeria medo paranóico do catolicismo ou mesmo hipno tismo de massa No entanto certamente a conspiração papal necessita ser estu dada da maneira como o historiador francês George Lefebvre analisou o grande medo de 1789 ver p37 levando em conta o papel da mídia Como em tantas crises políticas os estereótipos desempenharam um importante papel o católi co traiçoeiro o jesuíta astuto e assim por diante Foram reativadas memórias populares sobre a conspiração da pólvora de Guy Fawkes e também sobre o grande incêndio de Londres de 1666 de que os católicos levaram a culpa A Gazette oficial não mencionou a conspiração Uma vez que não havia jornais nãooficiais na época as notícias do evento circularam indiretamente por meio de cartas privadas ou oralmente isto é em boatos A crise ilustra claramente o argumento de Tamotsu Shibutani em Improvised News 1966 segundo ele os rumores florescem quando o suprimento de informação é inadequado com rela ção à demanda Nesse caso havia boatos de misteriosos cavaleiros noturnos em Yorkshire Wiltshire Gloucestershire e outros lugares seguidos de relatos de uma invasão francesa Imagens impressas também difundiram a horrível conspiração papal em particular uma série de gravuras em cartas de baralho representando cenas como Os conspiradores assinando a resolução para matar o rei Além disso depois que se mostrou que a conspiração fora afinal uma mera invenção seus temas continuaram a ser explorados pelo Partido Whig hostil aos católicos e que desejava limitar os poderes do monarca Portanto havia uma ligação direta com a chamada Crise da Exclusão 167981 cujo objetivo era afastar o irmão de Carlos Jaime da sucessão do trono Jaime era o seguinte na linha sucessória pois Carlos não tinha herdeiro legítimo masculino Os Whig fizeram petições publicaram baladas e impressos e organizaram várias procissões sobretudo em Londres em 1679 1680 e 1681 nas quais se queimava a efígie do papa A conta dessas demonstrações políticas era paga pelo Clube da Fita Verde uma organização Whig Nessas ocasiões um escritor profissional Elkanah Settle era contratado para compor representações sobre o papa cardeais frades inqui A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 99 sidores freiras e um rapaz foi empregado para gritar Lembremse de Justice Godfrey Às figuras eram afixados rótulos para que todos pudessem entender a mensagem Também eram gravadas e impressas imagens das procissões O grava dor Stephen Colledge deu uma importante contribuição para a causa Whig pela qual foi executado em 1681 ele representou o rei como um boneco de duas faces ou ator de variedades Por outro lado os Tory se queixavam em impressos dos abusos da imprensa comparando as difamações sediciosas de seus opositores com aquelas de 1641 Calculase que entre cinco e dez milhões de cópias de panfletos estives sem em circulação entre 1679 e 1681 com argumentos a favor ou contra a exclu são A mídia mais tradicional também não foi esquecida O poeta John Dryden 16311700 por exemplo escreveu ou colaborou na peça O duque de Guise a fim de mostrar o que chamava de paralelo entre o ano de 1584 na França e o de 1684 na Inglaterra com o líder Whig o primeiro lorde de Shaftesbury 162183 no lugar do duque e os dissidentes no lugar da Liga Católica Em outras palavras o paralelo era uma cópia ao contrário com os ultraprotestantes na GrãBretanha desempenhando o papel dos ultracatólicos na França A peça teve a aprovação de Carlos II que pediu a Dryden que traduzisse uma história recente da Liga Católica de Guise Ao dedicar sua tradução ao rei Dryden sugeriu que uma comparação entre os eventos de 1584 na França e 1684 na Inglaterra mostrava que as seme lhanças eram totais Apesar de tudo Jaime duque de York sucedeu seu irmão Carlos em 1685 e foi coroado como Jaime II No entanto foi expulso três anos depois quando o protestante Guilherme de Orange 16501702 casado com a irmã de Jaime Mary invadiu a Inglaterra partindo da Holanda O papel da mídia nesses eventos revolucionários foi muito importante A Declaração de Guilherme sobre os moti vos da invasão foi impressa e começou a ser distribuída na Inglaterra antes mesmo de a invasão se efetivar O fato de ainda nos referirmos aos eventos de 1688 como a Revolução Gloriosa testemunha o poder de uma imagem conscientemente fabricada na época Por exemplo a Festa do Prefeito de 1689 intitulada O grande jubileu de Londres apresentava Guilherme III como herói conquistador protestante O texto foi escrito por um poeta profissional Matthew Taubman que anteriormente havia escrito contra os Whig e a mensagem era complementada por baladas procissões impressos medalhas baralhos e sermões Particularmente influente foi o sermão do bispo Gilbert Burnet 1643 1715 em St James em dezembro de 1688 que circulou impresso logo depois A comunicação a longa distância continuava a ser difícil Na América do Norte as notícias dos eventos de 1688 custaram a chegar O desembarque de Guilherme de Orange e a queda de Jaime II ocorreram em novembro e dezembro na época do ano errada para que os relatos chegassem à Nova Inglaterra com rapidez Portanto a chegada de Guilherme à Inglaterra só foi conhecida em 100 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Boston no começo de abril de 1689 Na Carolina só depois Guilherme foi procla mado rei porque as notícias sobre sua coroação levaram ainda mais tempo para chegar àquela região Enquanto a importância da Revolução Inglesa de meados do século XVII é bastante conhecida na história da mídia os estudiosos parecem ter dado menor atenção a essa seqüência de eventos Eles mencionaram todavia a assinatura da lei de licenciamento de 1695 que fez terminar não somente a censura mas tam bém o controle sobre os impressos exercido pela Companhia de Papéis controle que durou desde que a ela foi concedida uma carta real em 1557 e o fim da Lei de Taxação dos Jornais ou do Selo Stamp Act de 1712 que estabelecia um imposto sobre impressos com o intuito de reprimir o poder crescente da imprensa escrita Houve uma disputa entre as memórias políticas e os sermões impressos naqueles anos cabendo salientar o sermão feito contra o governo Whig em 1710 por Henry Sacheverell c16741724 da alta direção Tory No sermão que ven deu 40 mil cópias em poucos dias Sacheverell ilustrava o modo como o desem penho em uma das mídias ecoava ou se mostrava presente em outra O fato de o texto ter vendido dez vezes mais cópias do que Aos nobres cristãos da nação germânica ver p83 de Lutero fornece uma medida da crescente importância da matéria impressa na cultura européia O mais significativo de tudo isso foi o surgimento da imprensa periódica nãooficial incluindo jornais como The Post Man The Post Boy ambos funda dos em 1695 The Flying Post e The Protestant Mercury Esses jornais eram mais extensos do que o órgão oficial a London Gazette e apareciam com maior fre qüência três vezes por semana em vez de duas Eram também muito mais in formativos Os dados sobre circulação parecem ter sido elevados seis mil cópias do Gazette no início do século XVIII quatro mil cópias do The Post Man três mil do The Post Boy Foram esses jornais nãooficiais que transformaram a esfera pública tempo rária inicial em uma instituição permanente tornando a política parte da vida diária de considerável parcela da população especialmente em Londres Muitas vezes os jornais eram lidos em voz alta e discutidos nos cafés que se tornaram um foro político e nos quais tanto artífices como cavalheiros mulheres e homens tinham voz embora nem todas fossem ouvidas com igual interesse pelos partici pantes Outros tipos de informação estavam começando a se tornar mais públi cos A Bolsa de Valores e os jornais difundiam informação econômica Também a ciência participava da esfera pública graças às conferências abertas e aos Relató rios da Royal Society ver p76 que davam notícias das experiências e descobertas então recentes mesmo que os encontros da sociedade permanecessem semipúbli cos abertos somente para os membros do clube Foi a cultura britânica que produziu o político radical John Wilkes cuja extraordinária carreira como defensor da liberdade e opositor persistente do siste A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA ma político dependeu do apoio popular mobilizado pela mídia e não somente nos jornais principalmente no North Briton mas em impressos políticos volan tes e procissões A distinta efígie de Wilkes foi reproduzida em medalhas botões canecas caixas de rapé e bules de chá Durante muito tempo os festivais apresen tavam mensagens políticas ver p48 A novidade do período o surgimento do que o século XIX chamaria de manifestação um evento nem sempre festivo organizado para apoio a determinada política Outra novidade foi o que podemos designar como institucionalização do impresso político que agora aparecia regularmente e não apenas em tempos de crise Os impressos estimulavam o pensamento crítico sobre política satirizando ambos os lados os ataques dos Whig aos Tory e viceversa Nem mesmo a família real era poupada O duque de Cumberland foi representado como açougueiro por sua brutalidade no aniquilamento da rebelião jacobina de 1745 enquanto o prín cipe regente mais tarde Jorge IV foi objeto contínuo de crítica visual no início do século XIX O Iluminismo e a Revolução na França No continente europeu com exceção da República da Holanda o desenvolvimen to de uma esfera pública permanente atrasouse com relação à GrãBretanha Na França por exemplo a Fronda foi seguida pelo longo reinado de Luís XIV que exerceu o poder de 1660 até 1715 em que a mídia era controlada e mínima era a crítica pública ao regime A situação mudou no entanto durante o século XVIII e nenhuma história da mídia pode deixar de citar o Iluminismo francês parte dominante de um movimento europeu de educação crítica e reforma que teve outros centros na Escócia e na Suíça e afetou também as Américas do Norte e do Sul A metáfora da luz foi levada a sério na definição do movimento pelos seus participantes A luz era da Razão palavrachave da época usada em oposição a fé superstição tradição e preconceito Outra palavrachave do período era crítica Em sua ênfase no pensamento racional e crítico do século XVIII assim como no destaque à idéia de público Habermas repetiu ou traduziu em termos do século XX o que os participantes do Iluminismo já diziam sobre si mesmos Exigindo reforma em vez de revolução eles concebiam seu papel como educacional no mais amplo sentido da palavra educação A mídia foi o instrumento usado O papel central desse movimento foi desempenhado por pensadores france ses os chamados philosophes entre eles Voltaire 16941778 Rousseau 1712 78 Diderot 171384 e DAlembert 171783 Designando a si mesmos como homens de letras muitas vezes foram descritos como os primeiros intelectuais independentes de patronos ou mesmo como a primeira manifestação de intelli gentsia no sentido de serem críticos sistemáticos do regime sob o qual viviam Eles 102 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tentaram difundir amplamente sua mensagem dentro e fora da França tanto para mulheres quanto para homens embora não buscassem atingir o povo Voltai re em particular foi desdenhoso com o que chamava ralé canaille Esses homens de letras pensavam e escreviam dentro de um sistema no qual havia censura embora mais fraca do que aquela da época de Luís XIV Os jornais por exemplo não podiam tratar de assuntos políticos As restrições oficiais torna ram a cultura oral dos cafés politicamente importante assim como a cultura dos salões nos quais senhoras aristocráticas organizavam reuniões de intelectuais A correspondência particular sobretudo com soberanos como Frederico da Prússia reinado de 1740 a 1786 e Catarina da Rússia reinado de 1762 a 1796 foi outro meio usado pelos philosophes para difundir suas idéias Algumas vezes gêneros artísticos como peças de teatro pinturas e estudos históricos serviam de veículos para mensagens políticas As bodas de Fígaro por exemplo do dramaturgo francês PierreAugustin Beaumarchais 173299 es treou em 1784 depois de dificuldades com os censores que suspeitavam que a peça fosse uma sátira ao regime Os sentimentos políticos de Beaumarchais foram suavizados no libreto italiano da ópera de Mozart 1786 mas algo da mensagem original permaneceu Acima de tudo a famosa Enciclopédia publicada entre 1751 e 1765 foi impor tante veículo para a política Originalmente planejada como tradução em quatro volumes da Cyclopaedia inglesa de Chamber ela transformouse em um trabalho independente com 35 volumes DAlembert Diderot Voltaire e Rousseau esta vam entre os que contribuíram para os volumes que tinham por objetivo desper tar a consciência política e transmitir conhecimento A publicação da Enciclopédia foi um evento crucial na história da comunicação Somente os ricos podiam comprá la mas imprimiramse edições mais baratas e muitas pessoas podiam consultar os volumes em bibliotecas públicas Outra reação à censura foi a organização da comunicação clandestina ver p58 fosse ela sob forma impressa ou manuscrita fossem os livros contrabandea dos do exterior ou produzidos secretamente na França Os livreiros franceses se referiam a essas publicações clandestinas como livres philosophiques categoria geral que incluía pornografia e obras heréticas e politicamente subversivas O historiador norteamericano Robert Darnton sugere que a pornografia estava ligada ao Iluminismo e à Reforma por meio de um processo de dessacralização O ataque à conduta sexual da mulher de Luís XVI Maria Antonieta intitulado Les amours de Carlot e de Toinette pode ter encorajado não somente a Reforma mas também a Revolução A maneira como as famílias reais eram apresentadas na mídia pode ter tido conseqüências políticas de longo alcance Como no caso dos movimentos descritos anteriormente neste capítulo o envolvimento do povo na Revolução Francesa de 1789 foi tanto causa quanto conseqüência da participação da mídia Um aspecto similar pode ser salientado na A MiDIA E A ESFERA PÚBLICA 103 revolução norteamericana de 1776 A causa da independência dos Estados Uni dos que se valeu de um precedente inglês o Grande Protesto inglês do século XVII serviu de fonte para a declaração de independência norteamericana foi precedida tanto por panfletos quanto por jornais Já havia em circulação 42 jornais diferentes nas colônias da América do Norte em 1775 e alguns deles como o New York Journal o Philadelphia Evening Post e o Massachusetts Spy incitaram a causa revolucionária descrevendo atrocidades cometidas pelo Exército britânico A longo prazo eles criaram uma cultura política nacional com as notícias que publi cavam como aconteceu na Inglaterra durante a guerra civil e ajudaram na emer gência de uma nova comunidade idealizada e definida em oposição aos ingleses Um visitante francês na América do Norte após notar a reimpressão freqüente do panfleto Senso comum de Thomas Paine na imprensa periódica disse Sem jornais a revolução norteamericana não teria ocorrido Outros viajantes euro peus fizeram comentários sobre o número de jornais existentes nos Estados Uni dos Por volta de 1800 havia 178 semanários e 24 diários Quanto à Revolução Francesa sua relação com o Iluminismo que a precedeu tem sido objeto de freqüentes debates No fim do século XVIII o governo francês reconheceu a opinião pública como uma entidade que necessitava ser informada ao fazer isso ajudou a oposição a derrubar o Antigo Regime dessa maneira a Revolução pode ser descrita como a continuação do Iluminismo sob outra forma O apelo à razão personificada como deusa e aos direitos do homem tratados como universais seguiam as tradições do Iluminismo Os philosophes eram vene rados e o corpo de Voltaire foi levado em procissão solene para ser sepultado no Panthéon em 1791 No entanto o programa revolucionário foi mais radical Deve ria mudar o sistema em vez de reformálo A reorganização do calendário tornan do 1792 o Ano 1 foi um importante ato simbólico uma declaração de inde pendência em relação ao passado Os historiadores tinham por hábito ver a Revolução Francesa basicamente como uma resposta aos problemas sociais e econômicos da década de 1780 Atual mente atribuise maior ênfase à invenção de uma nova cultura política e à constru ção de uma nova comunidade de cidadãos onde foi criado um lugar junto às duas ordens estados ou poderes privilegiados o clero e a nobreza isto é um terceiro estado formado por advogados comerciantes artesãos e camponeses Novamen te nesse trabalho de invenção e construção a mídia desempenhou papel crucial A matéria impressa teve parte importante na Revolução Francesa que come çou com apelos a uma imprensa livre O conde de Mirabeau 174981 adaptou a Areopagitica 1788 de Milton MarieJoseph Chénier lançou uma forte Dénoncia tion des inquisiteurs de la pensée 1789 e JacquesPierre Brissot produziu um Essai sur la nécessité de la liberté de presse 1789 Brissot tinha em mente os jornais em particular pois na época em que sua obra surgiu os eventos se sucediam com tamanha velocidade que não podiam ser acompanhados pela produção de livros 104 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 13 Prato com mensagem política ou mesmo panfletos Houve uma explosão de novas publicações com pelo menos 250 jornais fundados nos últimos seis meses de 1789 Diferentes periódicos diri giamse a públicos díspares inclusive de camponeses para quem se destinava La Feuille villageoise O tamanho dessas novas folhas era pequeno mas a Gazette Nationale imitou o formato grande dos jornais ingleses A Revolução foi boa para a imprensa pois havia grande número de notícias interessantes para publicar e não faltavam leitores A cozinheira que confessou em 1791 ler quatro jornais ver p 70 pode não ter sido a única em sua época Por seu lado a imprensa foi boa para a Revolução Jeremy Popkin por exemplo sugeriu que a imprensa periódica foi indispensável para dar legitimidade à feitura das novas leis da Revolução tornando o processo público Entretanto o poder da imprensa não deve ser exagerado Em 1789 a maioria do povo francês não sabia ler Por isso é preciso considerar todos os aspectos do sistema de comunicação tal como foi feito no caso dos primeiros grandes movimentos europeus como a Reforma A comunicação oral foi particularmente importante A época da Revolução Francesa foi de intensos debates discursos na Assembléia Nacional e nos clubes políticos recémformados em Paris e outras cidades Os debates eram orientados segundo uma nova retórica revolucionária apelando mais às paixões do que à razão e baseandose na magia de palavras como liberté fraternité nation patrie peuple e citoyen Naquela época fora das assembléias e dos clubes os rumores tinham ainda mais relevo do que o normal e outra rápida sucessão de eventos A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 105 emocionantes aconteceu O notório grande medo de 1789 discutido anterior mente ver p98 foi simplesmente o boato mais importante de todos durante a Revolução A comunicação visual inclusive a iconoclasta também teve significação A destruição de imagens religiosas expressava a idéia de que a Igreja pertencia ao Antigo Regime Houve também iconoclastia secular ou vandalismo como foi chamado na época na destruição das estátuas de Luís XIV em duas das principais praças de Paris até 1792 O lado positivo foi criar uma nova linguagem para servir ao novo regime O pintor JacquesLouis David 17481825 por exemplo deu apoio ativo à Revolução tanto dentro quanto fora de seu estúdio Seu quadro sobre o assassinato de Marat foi uma contribuição à martirologia da Revolução Produziramse mais de 600 impressos no período revolucionário tentando am pliar o debate político para os iletrados Uma xilogravura da tomada da Bastilha por exemplo simbolizava a queda do Antigo Regime Até mesmo leques e pratos carregavam mensagens políticas como Longa vida ao terceiro estado Vive le tiers état ou União e Liberdade Figura 13 assim como as cartas de jogar A Revolução Francesa pode ser descrita como um teatro político de longa duração sendo as cenas mais dramáticas as das execuções públicas de Luís XVI Maria Antonieta e mais tarde dos líderes revolucionários como Danton e Robes pierre Havia também festivais públicos em Paris sobretudo no grande espaço aberto do ChampdeMars ou nas províncias o Festival da Federação por exem plo ou os da morte do rei da soberania do povo do ser supremo e da razão O pintor David foi o projetista e coreógrafo de alguns desses festivais As proporções em grande escala desses eventos aos olhos do século XX reminiscentes da Corri da de Nuremberg ou das paradas do 10 de maio da Rússia mostravam os novos valores democráticos da época ao permitir a participação de milhares de pessoas Eram também a expressão de um processo de secularização no sentido do que a historiadora francesa Mona Ozouf chamou de transferência da religiosidade da Igreja para o Estado A mobilização consciente da mídia com o objetivo de mudar atitudes pode ser descrita como propaganda Originalmente um termo religioso inventado para descrever a propagação do cristianismo a palavra propaganda adquiriu sentido pejorativo no fim do século XVIII quando os protestantes usaramna para descre ver técnicas da Igreja Católica Durante a Revolução Francesa o termo foi adapta do à política A jornalista revolucionária Camille Desmoulins 176094 por exemplo comparou a propagação do patriotismo com a do cristianismo en quanto os monarquistas no exílio denunciavam a propaganda da Revolução A nova palavra se referia a um fenômeno recente Embora o uso de imagens e textos para moldar atitudes já fosse feito há bastante tempo na história da humanidade a autoconsciência e a escala da campanha na mídia revolucionária constituíam algo novo 106 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Disse Habermas A Revolução na França criou da noite para o dia o que na GrãBretanha havia levado mais de um século de evolução constante as instituições para o debate crítico público de matéria política As limitações dessa esfera pública francesa têm sido objeto de considerações principalmente a exclusão virtual das mulheres No entanto a mídia francesa desempenhou um papel necessário tanto na destruição de tradições antigas quanto na invenção de novas ao tentar criar uma nova cultura política sem igreja ou rei Não é por acidente que a frase opinion publique e o termo propaganda se tornaram de uso comum na época Da mesma maneira a famosa guilhotina entrou para a linguagem da comunicação seja no nome de uma máquina usada por impressores para cortar as bordas de folhas de papel seja designando a tentativa de finalizar os debates parlamentares sobre determinado tópico Como no caso da Inglaterra depois da restauração de Carlos II a França sob Napoleão que governou entre 1799 e 1815 experimentou uma espécie de retor no à situação prérevolucionária No entanto era impossível a repetição de situa ções uma vez que as pessoas se lembravam do que havia acontecido O poder da mídia residia em sua capacidade de reavivar memórias do passado revolucionário A antiga analogia entre a imprensa e o Exército ver p80 e 96 foi relembrada por Napoleão ao declarar que quatro jornais hostis devem ser mais temidos do que cem mil baionetas Para retornar ao debate que tem ecoado neste estudo e que prosseguirá seria absurdo negar a criatividade de indivíduos como Diderot ou Robespierre na política e nos sistemas de comunicação do Iluminismo e da Revolução Como vimos esse sistema de comunicação incluía palestras imagens e festivais além de material impresso Entretanto ao se pensar sobre o modo como estimulou a cons ciência política na condição de uma consciência mais acurada que por sua vez levou a um crescimento no consumo de material impresso é dificil evitar uma expressão tal como a lógica da impressão gráfica assim como é difícil com res peito a um período posterior evitar a expressão a lógica da tecnologia A Revolução e mais tarde o Império deu estímulo à ciência inclusive à ciência da comunicação a começar com as estradas Os engenheiros eram respei tados e sua instrução incentivada O mesmo acontecia com as invenções Entre 1792 e 1798 a cada ano era proposto um novo projeto de invenção O pioneiro do telégrafo foi Claude Chappe 17631805 um jovem que fazia experiências com eletricidade e acreditava que revolucionários deviam recompensar os experimen tos que fossem úteis para o público Ele apresentou um memorando à Assem bléia Legislativa em 1792 insistindo que ela desse apoio a um sistema de sinais de transmissão de mensagens que receberiam respostas rápidas de torre a torre O sistema iria unificar a nação argumento fortalecido no ano seguinte após a França entrar em guerra contra o império dos Habsburgo agora ele seria significativo do A M I D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 1 0 7 ponto de vista militar A primeira linha de sinalizadores entre Paris e Lille foi construída para a comunicação com o Exército no norte e uma das primeiras iniciativas de Napoleão foi a construção rápida de outra linha entre Lyon e Milão Ao mesmo tempo buscavase a universalidade tanto nas declarações de direitos quanto na adoção do sistema métrico por exemplo À época em que o telégrafo elétrico foi desenvolvido ver p137 o poder francês não podia influenciar as decisões de outros países e a França preservava seu sistema de sinalizadores ou arranjos híbridos mesmo depois de terem se tornado obsoletos A história na GrãBretanha foi o contrário O governo britânico rejeitou em 1816 o oferecimento de Francis Reynolds o pai da telegrafia inglesa para suprir um método ativo de transmitir inteligência Porém com o surgimento da in dústria a ser descrito no próximo capítulo investidores privados patrocinaram tanto as estradas de ferro quanto a telegrafia Reynolds recebeu o título de cavalei ro em 1870 quando o desenvolvimento das comunicações estava entrando em nova fase Variedades da esfera pública Este capítulo tenta trabalhar tanto a favor quanto de alguma forma contra a idéia do surgimento da esfera pública associada ao pensamento de Jürgen Habermas o qual ao responder a seus críticos alegou que levar o conceito de esfera pública para os séculos XVI e XVII envolve a mudança do próprio conceito de esfera pública em grau tamanho que ela se torna outra coisa De nossa parte enfatiza mos a sua fraqueza estrutural nos antigos regimes e distinguimos dois tipos de esfera pública o temporário e o permanente ou o estrutural e o conjuntural Nós nos movemos da Reforma Alemã na década de 1520 para as revoluções norteamericana e francesa passando pelas guerras civis na Holanda França e In glaterra Notamos uma seqüência de situações semelhantes nas quais as elites en volvidas nos conflitos mais acirrados apelaram para o povo e nos quais a mídia especialmente a impressa ajudou a elevar a consciência política Em cada situação uma crise levou a um debate vivo mas relativamente curto que pode ser descrito como o estabelecimento de uma esfera pública temporária ou conjuntural Pelo menos alguns dos personagens dessa longa história reconheciam seus predecessores e tentavam construir algo a partir de suas realizações Por exemplo a guerra civil inglesa foi vista na época como uma repetição das guerras religiosas francesas do século XVI A Crise da Exclusão também foi considerada da mesma forma com Shaftesbury no lugar de Guise ver p99 O Grande Protesto inglês do século XVII se tornou modelo para a declaração de independência norteame ricana A Areopagitica de Milton adaptada por Mirabeau foi usada na campanha 108 UMA HISTORIA SOCIAL DA MÍDIA francesa pela liberdade de imprensa enquanto a execução do rei Carlos I foi citada como um precedente para a guilhotina de Luís XVI Registraramse precedentes impressos com panfletos que asseguravam a lembrança das rebeliões e dessa forma permitiam a construção do que pode ser chamado uma tradição de revolução Ao mesmo tempo os jornais e periódicos tornaram cumulativo o processo de crítica às autoridades A imprensa já era uma força na sociedade em 1789 juntamente com o clero a nobreza e o resto Na GrãBretanha ela mais sustentou as autoridades do que as subverteu durante as longas guerras contra Napoleão Sem dúvida as guerras foram vencidas por uma superioridade econômica e naval mas muitos contemporâneos atribuem a vitória a qualidades morais e religiosas superiores Entretanto essa história não é linear como sugerimos no início deste capítu lo ela progrediu em ziguezague Movimentouse de uma região da Europa para outra muitas vezes dando um passo atrás depois de dois à frente deve ser traçada no contexto de uma mudança geográfica global A palavra descobrimento co meçou a ser usada quando os oceanos do mundo foram abertos Apesar disso do ponto de vista da mídia ainda não víamos um único mundo O islã como observamos resistiu bastante à impressão gráfica Somente após 1800 se juntaram a imprensa e os movimentos políticos revolucionários no Oriente Médio Por outro lado no leste da Ásia onde a cultura da impressão tomou corpo muito antes do que no Ocidente as conseqüências foram diferentes daquelas verificadas na Europa O que Benedict Anderson chama de capitalismo da im pressão certamente existiu especialmente no plano popular Os impressos japo neses do século XVIII por exemplo hoje tão procurados por colecionadores originaramse de cartazes anunciando atores casas de chá cortesãs e mesmo marcas de saquê Ainda assim na China bem como no Japão os impressos sofriam maior controle pelo Estado do que na Europa adiando o desenvolvimen to de uma esfera pública durante séculos e podese discutir até que ponto a China tem uma esfera pública No caso da Europa a partir da Reforma a fragmentação da autoridade re ligiosa e política tornou impossível o controle total pelos governos da impressão gráfica que tinha por trás de si um forte interesse econômico Esse interesse tor nouse ainda maior e aparentemente irreversível e irresistível nos séculos XIX e XX quando os impressos se tornaram uma entre tantas tecnologias de mídia verbais e visuais dirigidas por novas formas de poder finalmente convergindo para uma estrutura global Em retrospecto na época a impressão com tipos móveis realizada por em preendedores independentes parece uma combinação explosiva embora uma proporção substancial da atividade estivesse ligada a setores econômicos não relacionados com o surgimento da mídia O fracasso dos governos europeus em controlar totalmente o que se imprimia levou a outros desenvolvimentos em ter A M Í D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 1 0 9 mos de comunicação começando com o transporte e em pouco tempo chegando à industrialização movida a vapor no que foi considerado uma verdadeira revo lução Comércio indústria e comunicação A tecnologia nunca pode ser separada da economia e o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação longa contínua e eterna O segundo conceito claramente formulado apenas no fim do século XX já tinha começado a tomar forma no século XIX Seguindo o que Charles Knight 1791 1873 pioneiro do livro barato e da imprensa popular chamou de uma vitória sobre o tempo e o espaço o tempo e distância foi redefinido sob a influência primeiro da ferrovia e do primeiro barco a vapor e depois de um conjunto de novos meios de comunicação telégrafo rádio fotografia e cinema Mesmo antes da ferrovia as pessoas da época já comparavam os revolucio nários franceses Danton e Robespierre com James Watt 17361819 incensado como o inventor da máquina a vapor e Richard Arkwright 173192 o primeiro rei das fábricas que começou como muitos outros proprietários de fábricas de algodão utilizando água em lugar de vapor como força motriz Logo a seguir apareceu Napoleão As vitórias de Napoleão se deram na guerra as de Watt e Arkwright na paz As realizações dos últimos foram imaginadas muitas vezes em linguagem bíblica como invenções de conseqüências globais mesmo os deser tos do mundo podiam ser transformados Vapor se as nações não envelhecerem Por que não balançais vossa bandeira Sobre as terras sem mares sem força e construís Uma única nação para o homem Antes que tivesse início a seqüência industrial mais tarde chamada de indus trialização que resultou na tecnologia baseada na ciência as primeiras invenções tecnológicas eram aclamadas com orgulho mas poucas vezes sem controvérsia Os mercadores precederam os empreendedores industriais pois olhavam além dos oceanos em busca de oportunidades econômicas Ao abrirem novos mercados eles ficavam cada vez mais dependentes da comunicação de informações Daniel Defoe 16601731 autor do romance Robinson Crusoé 1719 observou 13 anos antes de escrever o livro como o Mercador por sua Correspondência reconcilia aquela infinita variedade que pela Infinita Sabedoria da Providência foi espalha da sobre a face do mundo Cada país comunica o que quer com outras nações 110 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA e não há país tão insignificante nem tão sem utilidade que não possa ter algo a ser encontrado e que não exista em nenhum outro lugar Havia novas conexões e novas formas de viver O conceito de revolução industriosa que teria precedido a Revolução Industrial foi criado por Jan de Vries historiador holandês Ela influenciou também comportamentos e hábitos Defoe também estava interessado em projetos inventivos que iriam mudar a extensão e os locais de comércio e mais tarde no século XVIII o sócio do inventor James Watt Matthew Boulton 17281809 que passou da produção de brin quedos para a de máquinas a vapor se gabava de ter estabelecido correspondên cia com quase todas as cidades mercantis da Europa que regularmente me solici tam encomendas Energia acreditava ele é o que o mundo todo quer CAPÍTULO 3 Do vapor à eletricidade Ao mesmo tempo que se vangloriava de que podia oferecer tudo o que o mundo quisesse energia Matthew Boulton dependia das patentes de James Watt a primeira registrada em 1769 cinco anos antes da associação de Watt e Boulton na mais famosa de todas as parcerias entre inventor e homem de negócios Antes da década de 1760 o número de patentes pedidas durante um ano na GrãBretanha raramente ultrapassava uma dúzia em 1769 o número foi de 36 e em 1783 quando terminou a Guerra de Independência dos Estados Unidos chegou a 64 Muitas dessas patentes relacionavamse à comunicação orientada para o poder A energia a vapor tinha uma longa história retrocedendo até o mundo antigo e foi usada em minas durante décadas antes de movimentar as máquinas Na época em que as patentes de Watt expiraram em 1800 o motor a vapor tinha se estabelecido como a mais importante das invenções aquela da qual muitas outras dependiam Dionysius Lardner 17931859 um prolífico escritor especia lizado em máquinas de energia a vapor e editor de uma Cabinet Cyclopaedia descreveua com exagero como produto exclusivo do gênio britânico fomen tado e apoiado pelo capital britânico Na França com seus grandes mananciais de água canais e rios navegáveis a utilização da máquina a vapor na indústria foi relativamente pequena assim como nas novas comunidades industriais norte americanas como Lowell em Massachusetts a cidade do fuso No entanto foi lá que em 1848 um escritor famoso ao considerar o ano de 1789 perguntou Que descoberta especulativa da mente tinha exercido tanta influência quanto a da máquina a vapor Isso aconteceu em um ano no qual tinham acontecido diversas revoluções políticas na França e em outros países europeus e o escritor era Ernest Renan 182392 autor de uma controversa vida de Cristo Nos Esta dos Unidos um fabricante de Lowell Erastus Brigham Biggelow 181479 já havia descrito como na época era possível com a crescente aplicação da máquina a vapor alcançar o que os antigos sonhavam em suas fábulas Uma melhoria significativa foi a da velocidade bem maior do que a do cavalo unidades de cavalos de força ainda eram usadas com relação ao vapor assim como seriam mais tarde nos motores a combustão Já se dava ênfase à 111 112 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA velocidade antes do advento do vapor no entanto agora ela havia se tornado imperativa Como escreveu o poeta Samuel Taylor Coleridge 17721834 em 1826 Avante Vapor ou Gás ou Carruagem Mantenha a Cabine pequena gaiola dirigível Passeio Jornada Viagem Ócio Corrida Caminho Planar Projetar Excursionar Papear na Viagem Moverse você deve Esse é o desejo de hoje Lei e moda atual As mensagens seguiam nas histórias em quadrinhos panfletos e romances Um personagem do livro The Mill of the Floss de George Eliot disse O mundo marcha em um ritmo mais acelerado do que quando eu era jovem É esse vapor que você vê Dentro dessa perspectiva a Revolução Industrial e a revolução da comu nicação podem ser vistas como parte do mesmo processo com a revolução dos transportes em primeiro lugar na seqüência tecnológica que parecia ter uma lógica própria principalmente depois que a eletricidade substituiu o vapor como nova fonte de energia apesar de ser no início ainda mais misteriosa a palavra eletrônica surgiu muito depois No século XX a televisão precedeu o compu tador do mesmo modo que a impressão gráfica antecedeu o motor a vapor o rádio antecedeu a televisão e as estradas de ferro e os navios a vapor precederam os automóveis e aviões A seqüência não manteve um ritmo regular e cada demo ra precisa ser explicada Uma máquina de voar factível foco de aspiração de muitas pessoas teve de esperar a invenção do motor a combustão interna para se tornar uma possibilidade técnica O telégrafo precedeu o telefone e o rádio deu início à telegrafia sem fio Mais tarde depois da invenção da telefonia sem fio ela foi empregada para introduzir uma era da radiodifusão primeiro em palavras depois em imagens Ao tratar do advento da energia a vapor que durante muito tempo pare ceu ter sido o começo de tudo David Landes um respeitado historiador norteamericano estudioso do longo processo de industrialização se concentrou na substituição das habilidades humanas pelos aparelhos mecânicos na substi tuição da força humana e animal pela energia inanimada e em uma marcante melhoria na obtenção e manipulação da matériaprima No entanto não havia nada definitivo na associação desses desenvolvimentos com o vapor como reco nheceram as pessoas da época Em lugar disso havia começado um contínuo processo de industrialização durante o qual se adquiriram mais habilidades hu manas desenvolveramse formas novas de energia inanimada inclusive depois DO VAPOR À ELETRICIDADE 113 da energia elétrica solar e nuclear e inventaramse materiais substitutos graças ao avanço da química e no século XX da ciência dos materiais O processo de descobertas estava no centro do que muitos contemporâneos de cada invenção viam como progresso freqüentemente exaltado pela mídia Um dos órgãos que promoveu tal processo no século XVIII na GrãBretanha foi a Sociedade para o Fomento de Artes Manufaturas e Comércio fundada em 1754 que dividiu as invenções em categorias colocando aquelas ligadas ao transporte em posição proeminente Navegação interna longitude no mar rodas car ruagens e estradas já figuravam nas listas em 1760 No século XIX a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil fundada em 1827 foi apelidada de Socie dade do Intelecto a Vapor Em todos os países na idade do vapor bem como na subseqüente idade da eletricidade tornouse motivo de orgulho ser o primeiro a registrar uma inven ção embora raramente fosse fácil estabelecer a autoria Muitas delas aconteceram de modo independente em lugares diferentes segundo processos que reconheci damente ultrapassavam fronteiras Eram freqüentes os litígios sobre direitos de patentes As disputas legais tornavamse batalhas por poder e dinheiro sendo que a quantia dependia tanto do tempo de validade da patente quanto da sua vulnerabilidade em termos de mudança Amiúde invocada a lei variava de país a país No entanto havia uma retórica abundante sobre a conquista da natureza Em 1776 ano da declaração da independência dos Estados Unidos e de A riqueza das nações de Adam Smith um ágil versificador escreveu Virá o tempo em que nada acontecerá Sem que uma preciosa Patente assim o decrete E no futuro deveremos abrir algum dia A porta da Natureza com uma chave patenteada E o futuro significou tanto para os inventores britânicos e homens de negócios apoiados não somente por versificadores mas também por grandes poetas quanto para os revolucionários franceses Na verdade foi na França que o termo revolução industrial foi cunhado em 1827 por um economista político Adol phe Blanqui Erasmus Darwin 17311802 avô do grande biólogo Charles Darwin que morava nas cercanias de Black Country escreveu no início do primeiro ano da Revolução Francesa de 1789 que o transporte era a chave principal para o mundo do futuro Logo armese O VAPOR NÃO CONQUISTADO a distância Arraste a lenta barcaça ou dirija o carro célere Ou com grandes asas transporte facilmente A carruagem alada pelos campos de ar 114 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA O médico Erasmus Darwin era membro da Sociedade Lunar um conjunto de amigos do oeste de Midlands formalmente constituída como sociedade em 1780 Boulton e Watt faziam parte dela Os integrantes tinham consciência de que esta vam distantes de Londres embora o tempo gasto para chegar lá nas chamadas carruagens voadoras houvesse diminuído drasticamente com tempo bom depois da construção de autoestradas A milhagem dos membros da sociedade aumentou cinco vezes entre 1750 e 1790 A forma mais prática de transporte a interessar os membros da sociedade não era o tráfego rodoviário ou a locomoção a vapor mas o transporte pelos canais que por sua disposição já estava transformando a vida econômica dos interioranos Um dos membros da sociedade o oleiro Josiah Wedgwood 1730 95 que tinha particular interesse no assunto contribuiu bastante para a fase dos canais na história do transporte A primeira delas teve seu apogeu na GrãBreta nha em 17903 quando o capital barato trouxe um estímulo à mania de canais no país sendo que o Parlamento autorizou 53 leis relativas a canais e navegação Esse entusiasmo antecipou a mania das ferrovias da década de 1840 A especula ção nesse caso foi tão importante quanto o investimento na história posterior da mídia incluindo a Internet O mesmo se pode dizer para a pressão sobre a legisla ção Como usar a lei para regulamentar os processos de comunicação essa era uma questão fundamental tanto naquela época quanto hoje Na Europa continental com quilômetros de rios navegáveis os canais já eram um traço conhecido da paisagem antes de se tornarem também comuns na GrãBretanha Lá iniciouse uma era dos canais no fim do século XVII Em 1810 na França o complexo do canal de Saint Quentin ligava o mar do Norte e os sistemas fluviais dos rios Scheldt e do Lys com o canal da Mancha através do rio Somme e com Paris e Le Havre através dos rios Oise e Sena Na época Napoleão era imperador e a GrãBretanha estava ocupada em protelar as guerras contra ele A compra da Louisiana de Napoleão por parte dos Estados Unidos em 1803 resultou no controle de uma via marítima primordial no fim do século XIX ela se tornou parte de uma rede de navegação continental com mais de seis mil quilôme tros de canais Havia somente uma centena e meia de quilômetros em 1800 mas entre 1817 e 1825 o estado de Nova York construiu o canal Erie uma ligação vital da rede de transportes abrindo caminho para o Oeste Antes que a GrãBretanha entrasse em conflito armado com a França revolu cionária prénapoleônica em 1793 Darwin terminava sua coletânea de versos Botanic Garden 178991 que se referia a algo mais do que o transporte a alguma coisa que ele ansiosamente mencionava como a imaginação sob o estandarte da ciência Ao mesmo tempo o jovem William Wordsworh 17701850 que como Coleridge saudou a Revolução Francesa como uma nova alvorada fez a seguinte exaltação em seu poema An Evening Walk 17889 D O V A P O R À E L E T R I C I D A D E 1 1 5 aqueles para quem as portas harmoniosas Da Ciência têm margens celestiais ilimitadas Para quem uma energia vibrante concedeu Aquele outro olho que dispara pela terra e pelo céu Sob essa perspectiva a ciência e a tecnologia eram uma coisa só Na realidade a relação entre ambas era complicada Nenhuma das duas pa lavras ciência e tecnologia havia sido inventada Cientista era um termo novo em 1840 enquanto tecnologia foi cunhada somente em francês na Enciclo pédia e ainda não era usada na GrãBretanha No entanto a palavra invenção precedida por descobrimento fazia parte do vocabulário usual do fim do século XVIII juntamente com desenvolvimento Sua ligação freqüentemente era com jogo e não com objetivo a palavra brinquedo usada antes na França do que na GrãBretanha fazia parte do mesmo vocabulário O desejo de novidade pode ter fomentado as invenções assim como o que passou a ser chamado de ne cessidade econômica Uma das locomotivas que integraram os protótipos de trens a vapor de 1829 vencida pela Foguete de George Stephenson palavra com futuro no século XX foi denominada Novidade vocábulo ainda favorito no século XIX Uma das figuras ilustres daquele século Karl Marx 181883 viu a invenção do motor a vapor como o grande marco da história humana separando o passado do presente e descortinando um futuro revolucionário No Manifesto comunista de 1848 ele se alongou de maneira eloqüente sobre as maravilhas conseguidas pela industrialização mas previu que a revolução viria não por meio da tecnologia mas sim da luta de classes entre capitalistas que possuíam as máquinas a vapor e a maquinaria e o proletariado que trabalhava para os industriais e por eles era explorado Nos seus diários Gründrisse escritos em meados da década de 1840 listou as principais mudanças industriais desde a Revolução Francesa e explicou que a natureza não constrói máquinas nem locomotivas estradas de ferro telégrafos elétricos etc Eles são produtos da indústria humana matéria natural transformada em instrumentos da vontade humana A referência de Marx ao telégrafo elétrico salientou a primeira invenção elétrica que daria início ao processo de transformação do que veio a ser chamado de mídia Figura 14 No entanto ainda mantinha seu foco sobre o vapor e a relação entre o vapor e a impressão gráfica quando perguntou O que se torna a Fama o boato a notoriedade quando a Printing House Square sede do jornal londrino The Times difunde notícias no exterior e em casa O jornal original mente chamado em 1785 de The Daily Universal Register teve seu nome trocado três anos depois pelo proprietário John Walter I 17391812 que fez seu apren dizado com um livreiro também editor Em 1814 uma enorme prensa a vapor 116 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 14 O Rei do Vapor e o Rei do Carvão olham ansiosamente para o Bebê Eletricidade Caricatura do Punch de 1881 realçando duas tecnologias a antiga e a nova em oposição simbólica Na verdade elas coexistiram A eletrônica foi uma invenção do século XX DO VAPOR À ELETRICIDADE 117 feita de ferro e patenteada na Inglaterra por Frederick Koenig foi instalada por seu filho John Walter II na sede do The Times na Printing House Square ela não somente poupava mãodeobra mas tornou possível a produção de mil exempla res por hora O jornal agora podia ser impresso mais tarde e trazer notícias mais recentes A idéia de usar um cilindro rotativo para impressão não era nova mas o cilindro de Koenig sim e como salientou o jornal The Times de 29 de novembro de 1814 sem se referir ao vapor a edição daquele primeiro dia significava o resultado prático do maior desenvolvimento ligado à impressão gráfica desde a sua descoberta Koenig era considerado um artista Entretanto não foi a primei ra pessoa que Walter empregou e depois que ele deixou The Times tendo louva do a lei de patentes inglesa houve mudanças técnicas substanciais na Printing House Square em 1828 quando foi instalada uma impressora a vapor com quatro cilindros Na época era comum descrever os jornais como máquinas sociais com ênfase não no vapor mas no seu poder sobre a opinião pública Marx não observou ou não sabia que The Times como organização de trabalho estabeleceu sua hegemonia ao se recusar a empregar mãodeobra sindi calizada em uma indústria na qual combinações e sindicatos de linotipistas e impressores técnicas específicas eram fortes desde 1785 Antes de se voltar para Koenig que anteriormente havia contatado um editor de livros Walter subsidiara um inventor britânico para desenvolver uma prensa gráfica na qual o trabalho manual se tornasse quase desnecessário Porém tanto Marx como seu amigo e associado Friedrich Engels 182095 que viveu a maior parte de sua vida na cidade industrial de Manchester consideravam importante o poder da mídia impressa e escreviam para jornais entre eles o The New York Tribune uma ironia se olharmos a história do nosso ponto de vista Eram ambos fervorosos comunicadores Além de cartas de um para o outro que preenchem vários volu mes escreveram panfletos e livros desde o Manifesto comunista até O Capital um clássico da economia política Os marxistas fizeram uma distinção entre infraestrutura econômica e supe restrutura cultural sendo que o marxista italiano Antonio Gramsci 18911937 que tinha especial interesse na mídia contribuiu sobremaneira para o debate a respeito do assunto no século XX introduzindo a palavra hegemonia que no futuro iria influenciar a maior parte dos comentadores da mídia Ao lidar com a infraestrutura todos eles acentuaram a distância existente entre empregadores e empregados e não previram um aumento geral da riqueza material ou o surgi mento da mídia de massa particularmente da televisão que mais do que qualquer outra moldaria a superestrutura cultural do futuro Além de fornecer informa ção a mídia estava envolvida em um processo de persuasão Em sua época Engels retirava sua renda da infraestrutura e Marx trabalhando na magnífica Sala de Leitura do Museu Britânico da superestrutura e de Engels 118 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA O mundo deles era permeado sobretudo de livros e outras formas impressas inclusive livros de viagem e jornais que registravam o tempo Durante suas vidas o número de livros de economia política aumentou muito a maioria deles com posições diferentes das marxistas Porém em todos os países europeus os livros de economia eram ultrapassados por volumes sobre religião considerada por Marx e Engels como ópio do povo Mesmo em uma era de eventos na qual havia uma demanda por notícias muito maior do que antes principalmente durante a Guerra da Criméia 18536 quando correspondentes especiais foram enviados para cobrila e artistas e fotógrafos para ilustrar as cenas de guerra ainda existia um mercado substancial de textos impressos trazendo sermões que procla mavam o eterno No século XX discutiuse a televisão ver p233 não somente como fotojornalismo ou entretenimento mas como uma versão moderna de religião A prosa mais criativa do século XIX era o romance palavra que só se estabe leceu no fim do século XVIII quando muitos deles já haviam sido publicados Anteriormente ainda no mesmo século vários escritores entre eles Daniel Defoe colocaram em evidência o novo original e o estranho e surpreendente adjetivos que figuram no título de Robinson Crusoé Mais tarde o estímulo à novidade teve certa variação na Inglaterra sendo que a extensão dessa variação é discutida pelos estudiosos de literatura com a contribuição de Henry Fielding 170754 que começou escrevendo para teatro e de seu rival Samuel Richardson 16891771 um editor cuja obra Pamela 1741 foi escrita sob a forma de cartas Havia um continuísmo na Inglaterra assim como em outros lugares mas como afirmou Fielding em Tom Jones 1749 que ele chamou de poema épico cômico em prosa tinha consciência de estar entrando em uma nova provín cia na Escrita A produção anual de trabalhos de ficção na GrãBretanha apresentava uma média de cerca de sete itens entre 1700 e 1740 mas chegou a triplicar entre 1740 e 1770 e mais do que dobrar entre 1770 e 1800 Nessa época o gênero romance com seu poder de adaptação atraiu escritoras e também grande número de leitoras O potencial máximo estava ainda por vir e transbordou com o advento da televisão e do cinema Em 1750 um dos grandes contemporâneos de Fielding e Richardson Samuel Johnson 170984 que tinha pouco a dizer sobre escritoras e leitoras fez uma distinção específica entre a nova ficção e os antigos romances heróicos dominados por gigantes cavaleiros e castelos imaginários As obras de ficção que a geração atual parece mais apreciar são aquelas que exibem a vida em seu estado natural com variações apenas nos acidentes do diaadia Foi Johnson quem sugeriu que nenhum homem lê um livro de ciência por pura inclinação Os livros que lemos com prazer são composições leves contendo rápida sucessão de eventos Entretanto a opinião de Johnson sobre jornalistas que tratavam muitas DO VAPOR A ELETRICIDADE 119 vezes inadequadamente o fluxo de eventos reais era péssima ele os chamava de patifes rabiscadores de jornais Entre 1700 e 1750 houve grandes mudanças no mundo das publicações com o surgimento de um importante periódico o Gentlemans Magazine 1731 lançado pelo livreiro e jornalista Edmund Cave Sylvanus Urban e copiado com menos sucesso por outros Johnson escrevia para a revista Ela apresentava atrações para gostos mais variados do que The Spectator ver p39 pois combina va informação inclusive detalhes de novas invenções e entretenimento ver p188 A publicação já ventilava diversos assuntos que seriam abordados mais tarde na história da mídia inclusive a relação entre autor e público e entre conteú do e forma Antes de se empregar o termo mídia ou meio de comunicação os livrei ros eram vistos como intermediários entre escritores e leitores E já havia um sentimento de mercado Conforme escreveu o amigo e colaborador de Fielding James Ralph em The Case of Authors 1758 Fazer livros é a manufatura que mais prospera as regras de Comércio obrigam o livreiro a comprar barato e vender o mais caro possível Conhecendo bem os Tipos de Mercadorias que melhor se ajustam ao Mercado ele faz suas Encomen das de acordo com isso e é tão categórico ao estabelecer a Data da Publicação quanto ao realizar o Pagamento O livreiro sagaz sente o Pulsar dos Tempos e de acordo com a batida prescreve não a cura mas o incremento da Doença contanto que o Paciente prossiga engolindo ele continua a administrar e aos primeiros Sintomas de Náusea muda a Dose Conseqüentemente vai introdu zindo Contos Novelas Romances etc Mais tarde ainda no século XVIII fezse uma distinção entre livreiros e editores a qual começou a se tornar visível no grande dicionário de Samuel Johnson de 1755 No passado a palavra publicar tinha conotação religiosa a de anunciar notícias felizes das grandes alegrias de toda a humanidade Agora com a crescente dife renciação entre gráficos e editores tão grande quanto a que impera entre poetas e escrevinhadores da rua Grub publicar ficou associado a colocar um livro no mundo Colocar mais coisas no mundo o que com o apoio da propaganda iria se tornar uma grande preocupação nos séculos vindouros dependia a longo prazo do avanço da tecnologia contudo em seus estágios iniciais na GrãBretanha era mais uma ampliação de habilidades do que utilização de conhecimento científico O mesmo acontecia do outro lado do Atlântico onde Benjamin Franklin 1706 90 que amava os livros e os imprimia além de brincar com eletricidade afirmou em 1783 no fim da Guerra de Independência dos Estados Unidos que não há qualquer manufatura importante em que os trabalhadores aprenden 120 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA do no próprio emprego não tenham inventado alguns processos úteis para eco nomizar tempo e materiais ou melhorar a produção Na França do século XVIII havia uma relação íntima entre a teoria científica e os novos avanços técnicos e ambos foram exaltados pelo governo durante a Revolução e sob Napoleão Um pensador francês pósNapoleão SaintSimon 17601825 atraiu um grupo de discípulos os saintsimonianos que retomando uma tradição que remontava a Colbert atribuíram ao Estado um papelchave no desenvolvimento técnico e econômico Onde o interesse público estiver em jogo escreveu um deles Michel Chevalier 180679 o governo deve intervir As influências desses intelectuais estavam ativas na França sob o regime do sobrinho de Napoleão Bonaparte Napoleão III 184870 Tecnologia foi uma palavra introduzida nos Estados Unidos em 1828 ao mesmo tempo que o termo revolução industrial estava sendo empregado pela primeira vez na França Em 1832 o matemático e economista político britânico Charles Babbage 17921871 publicou On the Economy of Machinery and Manu factures e saudou o fato de que o trabalho de uma centena de artífices agora é feito pelas operações de uma única máquina Babbage que tinha familiaridade com o que acontecia na Printing House Square inventou um computador mecânico que descreveu como uma máquina Sinal dos tempos ele não conseguiu apoio finan ceiro do governo Ela foi exposta em uma galeria de instrumentos científicos no Kings College em Strand em 1843 Enquanto isso surgiram indícios de que os Estados Unidos que antes de 1848 não possuíam uma academia ou instituição comparável à Sociedade de Artes iriam sobressair no futuro como república da tecnologia não somente satis fazendo necessidades humanas mas até mesmo inventando algumas O processo atingiria um impulso contínuo e irreversível apesar de após 1848 acontecerem altas e baixas repentinas na economia em escala internacional tais movimentos identificados como ciclos comerciais eram considerados por marxistas e não marxistas uma característica do capitalismo Alguns economistas sobretudo Ni kolai Kondratieff também entraram em ondas longas uma associada à eletrici dade e outra um século depois à Internet ver p284 O economista austríaco JA Schumpeter 18831950 criou um modelo de sistema econômico impelido por pressões tecnológicas exercidas por empreendedores criativos A geopolítica que é a geografia do poder do Estado a ciência e a economia sempre influenciaram o modo de desenvolvimento da tecnologia da mídia era objeto de disputa que país ou indivíduo seria responsável por uma invenção no século XX o fato de o Sputnik soviético 1957 coviajante preceder o norteamericano Telstar 1962 teve importante significado A cooperação espa cial só aconteceu depois do colapso da União Soviética O esquecimento histórico fica reservado para determinadas invenções rejeitadas por não levarem a resulta D O V A P O R À E L E T R I C I D A D E 1 2 1 dos econômicos não importando sua origem ou a de seus inventores Porém quando ocorria o oposto e uma invenção produzia efeito havia uma mudança de perspectivas históricas Somente hoje no estágio atual da história da mídia nas primeiras fases da idade da Rede que não é uma metáfora nova podese ver claramente como seqüências diferentes de desenvolvimentos na comunicação têm se relacionado entre si em culturas diversas Por prever o futuro e sonhar com ele mito e ciência freqüentemente são invocados Ícaro que tentou voar apa rece tanto quanto Prometeu que roubou o fogo Marx falava de Vulcano o ali mentador de fornalhas No século XVII Francis Bacon 15611626 já previra a abertura da porta da Natureza Sua visão da Casa de Salomão em New Atlantis escrito antes de 1620 incorporava um Colégio de Inventores que incluiria não somente casas de máquinas onde máquinas e instrumentos de todos os tipos fossem feitos mas também duas galerias para Inventores do Passado e espaços ou bases para Inventores do Futuro Dentro da Casa imitamos os vôos dos pássaros temos navios e barcos que viajam sob a água dos mares relógios curiosos e mesmo alguns movimentos perpétuos Bacon ao contrário de Leonardo da Vinci não deixou desenhos de máquinas novas mas Erasmus Darwin sim No meio do século XIX quando partes do mundo ocidental estavam se tornando semelhantes à Casa de Salomão o grande químico orgânico alemão Justus von Liebig 180373 escreveu que o nome de Bacon fulgura como uma estrela brilhante e Charles Darwin 180982 de acordo com sua lógica própria de desenvolvimento mesmo que às vezes relutante depois de publicar A origem das espécies em 1859 assegurava trabalhar sob verdadeiros princípios de Bacon O historiador britânico Thomas Babington Macaulay 180059 foi tão elo qüente quanto o próprio Bacon em um ensaio sobre este filósofo publicado em 1837 ano em que a rainha Vitória subiu ao trono No ensaio exalta os benefícios para a raça humana da influência dos descobrimentos Como predisse Bacon a natureza havia sido dominada pontes construídas transpondo grandes rios e estuários e distâncias conquistadas Comunicação correspondência mensa gens sobre negócios tudo ficara fácil Considerada do ponto de vista atual a filosofia de Bacon era uma filosofia que nunca descansava Sua lei era o progresso Para Herbert Spencer 18201903 escritor e sociólogo que confiava pre sunçosamente em seu próprio pensamento original o progresso era não um acidente mas uma necessidade Ele era parte da Natureza Spencer deu publi cidade a essa proposição no ano de 1851 quando o progresso era visível na Grande Exposição das Nações no Palácio de Cristal em Londres Haveria uma seqüência de exposições nos séculos XIX e XX sempre alardeando os novos dispositivos de comunicação amplamente divulgados na imprensa Muitas exposições tinham caráter internacional assim como as idéias por trás delas A 122 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA influência de Spencer nos Estados Unidos onde ocorreu a grande Exposição do Centenário em 1876 foi maior do que na GrãBretanha No entanto Spencer não tratou em detalhes do mundo da mídia ou do trabalho o qual se modificou tanto quanto o mundo das coisas no século XIX por meio da urbanização e da industrialização Quando grandes números de trabalha dores passaram a ficar concentrados sob o teto de uma fábrica desenvolveramse novas formas de comunicação coletiva semelhante ao que aconteceu quando muitas pessoas que não se conheciam antes foram habitar em novos e imensos centros industriais sendo Manchester uma cidade assustadora o primeiro exemplo desses centros Pela massa de gente podese dizer que inteligência e energia estavam se comunicando aos socialmente carentes Para um conhecido observador inglês escrevendo em 1823 antes que a palavra socialismo houvesse sido cunhada os trabalhadores colocados juntos em grande número tiveram suas habilidades refinadas e melhoradas pela comunicação constante Os líderes que surgiram em suas fileiras falando mais de sindicato do que de competição conduziam um movimento metáfora derivada do transporte Outra metáfora via expressa seria recriada na década de 1990 e aplicada à revolução eletrôni ca ver p267 A mera presença de multidões urbanas insufladas por líderes militantes ou quase tão perigosas quanto estas de massas sem líderes pode provocar tanta apreensão entre os proprietários quanto a linguagem que usavam assim como o medo da turba nos tempos préindustriais No fim do século XIX principal mente na França começaram a se fazer estudos acadêmicos sobre as multidões nas áreas de psicologia e sociologia Em 1895 Gustave Le Bon publicou um livro famoso traduzido um ano depois como The Crowd e em 1901 G Tarde publicou Lopinion et la foule traduzido somente em 1969 para o inglês norteamericano em forma reduzida e integrando com reveladora troca de palavras o volume On Communication and Social Influence A despeito da língua e das grandes diferenças entre Le Bon e Tarde pois o segundo tinha plena consciência da importância da mídia e a despeito do espaço de tempo curto ou longo para a tradução a idéia de uma sociedade de massa já se tornava comum na linguagem de 1914 sobretudo nos países da Europa conti nental Essa idéia foi complementada em um contexto cultural no século XX pelas expressões elites e sociedade de massa James Bryce escreveu sobre política e sobre o que veio a ser chamado de meios de comunicação de massa Afirmou ele em 1900 que a ação e reação mútua dos formadores de opinião sobre a massa e da massa sobre eles foram a parte mais curiosa de todo o processo pelo qual é produzida a formação de opinião Outro elemento deve figurar em tais cálculos especialmente nos dois países mais conhecidos por Bryce a GrãBretanha e os Estados Unidos Era a germinação DO VAPOR À ELETRICIDADE 123 de associações de voluntários algumas se autodenominando filosóficas outras estatísticas outras com objetivos específicos sobre moradia saúde ou educação A maioria produzia relatórios e levantamentos muitas vezes o instrumento mais efetivo de comunicação em cidades socialmente segregadas como Liverpool e Boston Londres e Nova York No fim do século XIX observadores franceses relataram que a grande maioria de adultos britânicos pertencia a uma média de cinco a seis organizações voluntárias que incluíam sindicatos e sociedades civis ao mesmo tempo que o historiador norteamericano AM Schlesinger chamava seu país de uma nação de associados Quase um século depois o sociólogo e cientista político norteamericano Robert Putnam temendo por várias razões que isso não fosse mais verdade alertou sobre as prováveis conseqüências que advi riam desse fato não somente para a sociedade norteamericana mas para a de mocracia Antes de Marx o perspicaz observador e analista Alexis de Tocqueville 180559 elogiou o poder da associação que hoje é normalmente visto como força impulsionadora por trás do que é chamado na América do Norte de setor sem fins lucrativos Para Tocqueville foi lá que aconteceu a apoteose do desenvol vimento dessa força mesmo antes do advento da ferrovia que tornou possível o desbravamento do Oeste O setor sem fins lucrativos cresceria em importância no século XX O mesmo aconteceria com o princípio da autoregulamentação como alternativa para a regulamentação feita pelo Estado Nessa matéria havia significativo contraste entre os Estados Unidos e a França Antes de a expressão mercado de massa ser cunhada havia muitos boatos sobre milhões em ambos os lados do Atlântico entre vendedores de todos os tipos e principalmente entre editores de livros baratos e periódicos Charles Knight ver p109 o mais eloqüente e bem informado deles um dos fundadores da Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil em 1834 lançou uma revista chamada The Printing Machine a Review for the Many Onze anos antes em Glasgow Archibald Constable pensou em lançar uma série de livros que devem e vão vender não somente milhares ou dezenas de milhares mas centenas de milha res e com certeza milhões No século XX um novo ismo deveria nascer consumismo que sob o conceito de sociedade de consumo deveria dar nova forma tanto às perspectivas históricas quanto à nova tecnologia Paris lugar de nascimento da loja de departamentos varejista no século XIX abriu o caminho seguida por Liverpool Londres Nova York Helsinque e Tóquio Na realidade a loja de departamentos foi um grande fenômeno urbano um lugar para se passar tempo e gastar dinheiro Padrões de gastos interessavam cada vez mais Foi um escritor norteamericano Thorstein Veblen 18571927 que levantou a idéia de consumo conspícuo Era um processo como a introdução da administração científica no trabalho que envolvia tanto a psicologia quanto economia e tecnologia E também publicidade 124 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Na época em que Veblen escreveu depois de duas ou três gerações de indus trialização o ritmo da vida se intensificara ainda mais do que o previsto por Knight Antes da eletricidade havia se imposto um sentido de rotina à atividade econômica Os sistemas de fábricas e de transporte ferroviário haviam trazido novo significado à disciplina bem como ao tempo As estações valiam menos nas cidades e metrópoles pois o dia de trabalho era anunciado por mil apitos e não por sinos de igrejas E na hora determinada ouvese uma campainha De importância mais estridente que o dobrar de sinos Chamadas locais para a incessante labuta O sistema ferroviário dependia de horários listados em tabelas Folhetos de horá rios já existiam na Europa para o correio na Itália desde o fim do século XVI para os canais na Holanda desde o século XVII e para as carruagens na GrãBre tanha e na França desde o século XVIII A lista completa de horários de trem na GrãBretanha de Bradshaw apareceu em 1839 seguida por outras na Europa e na América do Norte Em ambos os lados do canal e em ambos os lados do Atlântico perder o trem se tornou uma metá fora tal como a expressão nos trilhos Jürgen Habermas concluiria mais tarde que o mundo se tornara um universo de sistemas com um novo calendário Nos Estados Unidos o fenômeno só teve o mesmo significado depois de muita luta o tipo de luta social de cunho darwinista aprovada por Spencer em nome da seleção natural e condenada por Arnold Toynbee 185283 quando popularizou o termo revolução industrial em palestras sobre o assunto publica das postumamente em 1884 A indústria agora parecia ser uma única coisa Entretanto houve espaço para um novo avanço como deixou claro Schum peter ao associar o uso da eletricidade à empresa e à quebra de rotinas Ela deve também ser associada ao surgimento de especialistas inclusive de um crescente corpo de engenheiros eletricistas que tiveram que lutar para estabelecer a profis são no mesmo nível dos engenheiros civis e mecânicos Os primeiros trabalhos foram ligar a eletricidade a bondes e estradas de ferro com o tempo acabaram também estabelecendo suas próprias rotinas no século XX Graças a todos esses conflitos e contratos a linguagem na era da eletricidade ainda ecoava aquela usada no tempo do vapor Assim por exemplo o norteame ricano William Shockley 191089 um dos responsáveis por uma invenção do século XX o transistor eletrônico que estudava no último ano da Hollywood High School em 1927 pôde escrever em uma composição Nossa era é eminentemente mecânica Viajamos de um lugar a outro a velocida des relativamente monstruosas falamos uns com os outros a grandes distâncias DO VAPOR À ELETRICIDADE 125 e lutamos contra nossos inimigos com surpreendente eficiência tudo com a ajuda de artifícios mecânicos Shockley nada mencionou sobre eletricidade nem qualquer coisa que se relacio nasse à mídia embora em 1925 tivesse construído um aparelho de cristal para ouvir rádio Em 1956 porém depois que foi para o Instituto de Tecnologia da Califórnia onde estudou mecânica quântica ele dividiria um prêmio Nobel de Física Quando a miniaturização de circuitos elétricos estava começando a trans formar todos os aspectos tecnológicos ele não estava sozinho ao prever um novo avanço social e técnico radical Todavia a demanda por transistores ainda engati nhava e só aumentou acentuadamente após o advento do circuito integrado ver p275 Os primeiros consumidores estavam interessados em pequenos rádios portáteis e foram estes e não os dispositivos eletrônicos que continham que receberam o nome de transistores CAPÍTULO 4 Processos e padrões Este capítulo examina com o detalhamento máximo permitido pelo espaço a história dos diversos dispositivos novos de comunicação que prepararam o cami nho até o transistor naquilo que foi chamado apenas com certo toque de exagero a revolução da mídia do século XX As ferrovias vêm em primeiro lugar pois definiram o padrão de muitas coisas na arte na literatura e também na tecnologia economia política e administração e não menos no mundo da imaginação Não é por acaso que desde 2000 nos corredores dos escritórios centrais da Novel a companhia de alta tecnologia do século XX localizada no Vale do Silício haja pinturas das grandes locomotivas norteamericanas Em 1851 um viajante britânico nos Estados Unidos fez comentários sobre a afinidade natural entre a natureza ianque do movase e a locomotiva Qualquer que seja a causa é certo que os seres humanos parecem tratar a máquina como a chamam mais como uma amiga do que como a coisa perigosa e desesperada que realmente é Ferrovias Não surpreende que o título do estudo de Albro Martin sobre estradas de ferro palavra que ele prefere em lugar de ferrovias seja Railroad Triumphant 1992 Ele descreve como a idéia das estradas de ferro tomou conta dos Estados Unidos com enorme velocidade como as primeiras ferrovias foram construídas de forma precária e barata até depois da Guerra Civil e como prosseguiu a idade de ouro das construções entre 1868 e o fim do século Havia cerca de 90 mil quilômetros de trilhos em 1865 no meio da década de 1870 o número alcançava os 320 mil As últimas décadas do século testemunharam forte industrialização ao mes mo tempo que os magnatas das ferrovias amealhavam suas fortunas e criavase um folclore popular sobre elas Mais uma vez havia sempre uma visão superior e outra inferior mesmo em um país onde cada pessoa era um cidadão e ninguém um objeto Há uma fala vivaz e precisa criada pelo pessoal das ferrovias que não se encontra na cidade e só é acessível a um condutor de trem escreveu Benjamin 126 PROCESSOS E PADRÕES 127 Taylor em seu livro The World on Wheels de 1874 A locomotiva é uma educado ra perfeita Ela ensina a todos aquela virtude que chamamos de pontualidade Não espera por ninguém Demonstra como é útil na economia de coisas aquela criatura denominada minuto A construção de ferrovias também mostrou os problemas de se criar um sistema junções sinais calibres lugares para os via jantes permanecerem sem esquecer as potenciais emboscadas e o entusiasmo especificamente norteamericano de unificar um continente triunfo registrado tanto no folclore quanto na imprensa O momento mais dramático da história das ferrovias norteamericanas foi a colocação de um marco dourado no chão onde duas locomotivas se encontra riam uma vindo do Leste a outra do Oeste marcando a conclusão da primeira estrada de ferro transcontinental em 10 de maio de 1869 A cerimônia simbólica que marcava a conclusão da primeira ferrovia transcontinental foi comemorada por uma fotografia de AJ Russell que circulou em todo os Estados Unidos sob a forma de xilogravura um mês depois do evento A novidade se espalhou imediata mente por telégrafo um fio ligado ao marco dourado tornou possível ouvir mesmo em lugares distantes sua fixação ao solo Houve celebrações espontâneas em São Francisco e Chicago Tocaramse sinos e os prefeitos de São Francisco e Nova York trocaram telegramas Chicago uma das mais novas cidades norteamericanas acabaria por se tornar o maior centro ferroviário mundial Uma grande locomotiva a Expositor Flyer levaria milhares de pessoas até a cidade em 1893 para a imensa Exposição sobre Colombo uma celebração da descoberta da América 400 anos antes Muitos viajaram partindo de cidades pequenas várias delas nascidas com as respectivas inaugurações com a chegada da ferrovia O poeta norteamericano Walt Whit man 181992 entusiasmado com a nova tecnologia chamou a ferrovia de reali zação dos sonhos de Colombo o casamento de continentes climas e oceanos Um escritor britânico já havia registrado oito anos antes na revista Macmil lan de maiooutubro de 1861 sobre a abertura do mundo não somente para imigrantes mas também para turistas e foram estes que mais claramente tomaram conhecimento de que o mundo era pequeno e não enorme Nós agora estamos infinitamente mais familiarizados do que nossos antepassados com a idéia das limitadas dimensões da Terra uma bola perfeita com oito mil milhas de eixo Havia também dimensões psicológicas uma utilização conhecida da via gem consiste na autoconfiança e na criatividade geral que ela desenvolve embora o fascínio por lugares estrangeiros pudesse ser partilhado a distância Guias de viagem e romances sobre países estrangeiros tinham grande circulação antes e depois dos melhoramentos físicos dos transportes No lado europeu do Atlântico outro escritor registrou em janeiro de 1878 na revista britânica Quarterly Review que se pode dizer que nossas ferrovias marcam o ponto máximo alcançado pela civilização européia 128 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Elas fizeram mais do que qualquer outra coisa conseguida pelas gerações ante riores para modificar a influência do tempo e do espaço Instrumentos comuns e conhecidos para nossos negócios e prazeres podem ser descritos literalmen te como as mais surpreendentes manifestações de poder do homem sobre a ordem material do Universo Os monumentos mais imponentes dos tempos clássicos ou préclássicos não são mais do que fracos triunfos da habilidade humana diante do trabalho do engenheiro ferroviário que cobriu a face da Terra com estradas de ferro ultrapassando vales e furando montanhas atraves sadas por fugazes e velozes corcéis de fogo em sonhos poéticos Tal linguagem metafórica era comum no início meio e fim do século XIX ela floresceu juntamente com as tabelas estatísticas e com uma enorme coleção pictó rica de impressos e figuras que tratavam as ferrovias como um meio de transporte o que seria seguido por pôsteres e filmes Também havia música em todo o processo e poesia Whitman descreveu a locomotiva com ardente garganta como o tipo de modernidade o pulsar do continente e em cada continente a antiga metáfora da viagem tomou formas novas Uma gravura de grande circula ção na Europa mostrava uma ferrovia espiritual para o céu Da Terra para o Céu a linha se estende Para a vida eterna onde termina Você pode tomar o caminho errado em um entroncamento e pode facilmente se desviar da ferrovia Essa era a nova versão do Pilgrims Progress de John Bunyan Foi na Europa que se desenvolveu uma literatura ferroviária sendo Bunyan um dos autores escolhidos Os editores WH Routledge produziram uma série barata de ficção com obras reimpressas chamada Biblioteca de Ferrovias em 1849 Dois anos depois WH Smith garantiu um monopólio de postos de venda de livros nas linhas da London and NorthWestern Railway mais tarde adicionan do pontos em outras linhas As edições alemãs de preço baixo de Tauschnitz do melhor em literatura bastante conhecidas por viajantes não estavam à venda nem lá nem em qualquer outro lugar da GrãBretanha mas eram obtidas facil mente em estações ferroviárias da Suíça Itália Espanha e naturalmente da Alema nha Livros de roteiro amplamente usados sobretudo os de Karl Baedecker 1801 59 eram carregados mundo afora pelos primeiros turistas que tinham suas demandas atendidas por Thomas Cook 180892 agente de viagem britânico Para os ingleses da época que olhavam a comunicação por ferrovias como um triunfo da idade do vapor nós que vivemos antes das ferrovias e sobrevive mos ao mundo antigo como afirmou o romancista WM Thackeray somos como o Patriarca Noé e sua família sobreviventes da Arca Outro escritor Charles Dickens foi ambivalente em suas reações Ele descreveu as ferrovias como o poder que se forçava a si mesmo sobre a via férrea desafiando velhos caminhos PROCESSOS E PADRÕES 129 e estradas atravessando o coração de cada obstáculo e em um de seus melhores romances Dombey e seu filho 1848 escolheu empregar metáforas sobre morte e progresso Esse livro representa para a literatura da comunicação o que o quadro de JM Turner Chuva vapor e velocidade significa para o reino da arte tendo os impressionistas franceses acrescentado obras memoráveis à coleção internacional de pinturas de locomotivas e estações mais tarde no mesmo século A GrãBretanha liderou o desenvolvimento ferroviário apenas 40 anos se param a conversão da máquina a vapor por Watt de brinquedo científico a verdadeiro implemento a serviço do homem A inauguração da linha ferroviária entre Liverpool e Manchester em 1830 acompanhada por um desastre a morte por acidente de um importante ministro William Huskisson foi tão aclamada quanto a cerimônia do marco dourado nos Estados Unidos mas por uma geração posterior O comentário imediato de um jornal escocês sobre o evento foi que ele estabeleceu princípios que darão à civilização um impulso maior do que qual quer outro fornecido por uma só causa desde que a imprensa abriu as portas do conhecimento para toda a espécie humana A regulamentação quanto ao interesse público teria uma história futura longa e complicada no que concerne a toda a mídia O desenvolvimento das ferrovias na era do capitalismo carbonífero não só revelou aos passageiros uma velocidade impressionante como gerou também uma enorme demanda por car vão e ferro baixou os custos dos negócios desenvolveu mercados estimulou o emprego em muitas indústrias e criou outras novas comunidades e algumas vezes prejudicou as antigas Os mapas da GrãBretanha e dos Estados Unidos pareciam diferentes muito diferentes na década de 1870 daqueles vistos meio século antes Na Inglaterra Londres era um ponto de convergência nenhuma ferrovia principal a atravessava e no interior com exceção das novas cidades ferroviárias como Crewe e Swindon a maior parte das comunidades existentes foi diretamente ligada entre si Nos Estados Unidos começaram a surgir comuni dades novas que cresciam rapidamente A escala dos empreendimentos era mais continental do que nacional A economia do desenvolvimento contudo nunca foi totalmente confiável Na década de 1840 os ansiosos compradores de ações de ferrovias na GrãBreta nha aprenderam lições amargas sobre a diferença entre investimento e especula ção antes que as ações passassem a integrar as usuais carteiras do meio da época vitoriana Houve anos de paixão e de crise O risco nunca era fácil de verificar A carreira de George Hudson 180071 o rei das ferrovias que tinha seu escritó rio central em York entrou em colapso em 1849 Dickens chamouo de O Grande Impostor Certamente havia muito mais planos sobre ferrovias do que linhas ou estações ferroviárias e qualquer que fosse o tipo de economia não se podiam prever todos os problemas de engenharia Havia uma óbvia necessidade de regulação em nome do interesse público à medida que novas linhas eram 130 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA construídas mas isso nem sempre era possível Houve na GrãBretanha uma batalha sobre a largura das bitolas em 1865 havia pelo menos 30 lugares na GrãBretanha onde os passageiros tinham que mudar de trem por esse motivo A Ferrovia Great Western de bitola grande adotada por Isambard Kingdom Brunel 180659 construtor de grandes obras além de ferrovias só se converteu total mente à bitola que se tornou padrão em 1892 mais de 30 anos após sua morte Nessa época vários recordes haviam sido quebrados na Great Western uma das poucas companhias que sobreviveram no século XX Desde o princípio houve um incentivo para concentrar os negócios como aconteceria no século XX com a mídia mas em 1844 havia mais de 104 companhias independentes A quilome tragem total triplicou entre 1850 e 1900 quando já havia quase 30 mil quilômetros de trilhos e emergiram quatro grupos principais cada qual com seu próprio territó rio organização e registros estatísticos relativos a velocidade e número de passa geiros transportados Na Great Western em 1844 a Actaeon de Daniel Gooch fez a viagem sem baldeação da estação Paddington de Londres até Exeter Esse feito foi comparável ao da mais famosa locomotiva britânica do século XX a Flying Scotsman pertencente à London and North Eastern Railway número 447 que registrou 160 quilômetros por hora na linha de Londres a Edimburgo Cada país assim como cada companhia ferroviária tem sua própria história com suas datas memoráveis Em 1845 já havia nove países na Europa que tinham ferrovias tendo a GrãBretanha exportado grande parte do ferro e das locomoti vas em 1855 eram 14 Fora da Europa havia ferrovias em cinco continentes em 1855 nos locais onde a GrãBretanha mantinha o setor ferroviário por intermédio de Thomas Brassey 180570 o maior contratante do século XIX Brassey e seus sócios muitas vezes utilizavam força de trabalho inglesa Quando estavam cons truindo ferrovias na Austrália no início da década de 1860 organizaram o trans porte de dois mil experientes operários braçais da GrãBretanha e da Escócia A história das ferrovias na Índia criação de engenheiros britânicos é incomparável Os trabalhos das duas primeiras linhas só começaram em 1850 e apenas em 1853 a primeira locomotiva a lorde Falkland puxou um trem de Bombaim a Thana numa distância de menos de 40 quilômetros No entanto já em 1844 no auge da paixão inglesa por ferrovias um dos visionários das estradas de ferro Rowland McDonald Stephenson havia preparado um projeto para ligar por trilhos Bombaim Calcutá Madras e Deli em suas simples palavras sem retórica A primeira consideração é de natureza militar para maior segurança e com menor gasto de todo o território na época sob o controle da East India Compa ny a segunda é um ponto de vista comercial no qual o objetivo principal é prover os meios de transportar do interior aos portos mais próximos os produ tos ricos e variados do país e trazer de volta em troca mercadorias manufatura das da GrãBretanha sal etc P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 3 1 A linha de argumentação interessava ao marquês de Dalhousie governadorgeral da Índia que escreveu um texto de referência sobre ferrovias aos diretores da East India Company poucos dias depois da abertura da linha entre Bombaim e Thana As vantagens comerciais e sociais que a Índia receberia de suas linhas estavam ele realmente acreditava além de qualquer cálculo atual O que nem Dalhousie nem os engenheiros jamais previram foi a popularida de das ferrovias para os indianos Já em 1855 um jornal de língua inglesa Friend of India pôde observar na linguagem socialmente estratificada do período que o gosto de viajar de trem tinha se tornado quase uma paixão nacional entre as classes baixas e estava produzindo uma mudança nos hábitos da sociedade em geral muito mais profunda e extensa do que qualquer outra mudança trazida pelas revoluções políticas dos últimos 20 séculos Em 1900 a Índia tinha mais de 40 mil quilômetros de trilhos alguns dos mais caros do mundo enquanto a GrãBre tanha tinha 29 mil a França 36 mil a Alemanha 53 mil a Rússia 37 mil o Canadá 28 mil e os Estados Unidos impressionantes 418 mil quilômetros Em todos os países houve acidentes ferroviários alguns deles horríveis Eles se tornaram uma das principais matériasprimas para revistas e jornais e depois para o rádio e a televisão Os desastres também eram reproduzidos em gravuras algumas delas melodramáticas Nos países católicos como a Espanha e o México a arte popular do exvoto nas últimas décadas do século XIX retratavam pessoas salvas de desastres de trem pela intervenção dos anjos ou de Deus Navios A história dos navios a vapor fascinava os contemporâneos tanto quanto a das ferrovias Era natural portanto que o historiador britânico A Fraser MacDonald especialista em transporte marítimo escolhesse para título de seu livro de 1893 sobre o assunto Our Ocean Railways Entre 1776 e 1940 mais de 30 milhões de imigrantes da Europa alcançaram seu destino favorito os Estados Unidos alguns refugiados políticos outros jovens ambiciosos à procura de fortuna outros ain da as duas coisas A Estátua da Liberdade 1886 foi projetada por um francês Frédéric Auguste Bartholdi sendo que uma contribuição substancial para o custo do pedestal foi coletada entre os leitores de um jornal norteamericano popular e apropriadamente chamado The World ver p204 A estafante viagem de travessia do Atlântico tinha se tornado muito mais rápida com o vapor Os norteamericanos foram notáveis no desenvolvimento do vapor para transporte na água tirando vantagem da quantidade de lagos e rios como fonte de energia hidráulica Já antes da Independência em 1763 William Henry da Pensilvânia que visitara a GrãBretanha em 1760 já tinha construído 132 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 15 O lançamento do cabo transatlântico 1865 O Great Eastern 22500 toneladas era o único navio capaz de carregálo A tarefa só foi concluída em julho de 1866 uma máquina a vapor anterior à de Watt Em 1785 depois da Independência John Fitch um mecânico de Connecticut experimentou um barco com rodas de remos um barco que carregava fogo que patenteou em dois anos Em 1788 dizse que James Rumsey dirigiu um barco a vapor pelo rio Potomac e obteve uma patente na França três anos depois Robert Fulton que viveu na Europa na GrãBretanha e Escócia e na França usou um motor de Watt quando em 1807 construiu o Clermont que levava passageiros em viagens de lazer ao longo do rio Hudson O primeiro barco a vapor a fazer uma viagem oceânica foi o Phoenix do coronel John Steven navegando mais de 20 quilômetros de Hoboken à Filadélfia em 1809 O Savannah cruzou o Atlântico dez anos depois Somente em 1839 o navio britânico Sirius completou uma viagem transa tlântica totalmente impulsionada a vapor em 18 dias e dez horas Poucas horas depois o Great Western especialmente construído para a viagem chegou a Nova York vindo de Bristol em 15 dias e 15 horas Quatro anos depois o Great Britain de Isambard Kingdom Brunel o primeiro grande navio de ferro com propulsão a hélice foi lançado pelo príncipe Alberto em Bristol e completou a viagem em 14 dias e 21 horas O Great Eastern de Brunel recebeu a maior publicidade que a imprensa já havia feito quando atravessou o Atlântico em 1865 colocando o primeiro cabo transatlântico Figura 15 Na época Samuel Cunard nascido no P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 3 3 Canadá em 1787 havia estabelecido a North American Packet Company com uma frota de cinco navios semelhantes Charles Dickens viajou no primeiro deles o Britannic em 1843 O ano que representou o apogeu da construção de novos navios na GrãBre tanha foi 1864 mesmo depois disso o vapor não suplantou completamente a vela Nem foi a mudança da vela para o vapor o único desenvolvimento significativo O primeiro navio de aço o Serbia foi lançado ao mar em 1881 e também foi o pri meiro a ter luz elétrica A turbina inventada na GrãBretanha representou uma grande mudança tecnológica Enquanto isso os canais que ligavam oceanos o Suez e o Panamá reduziam o tempo de viagem O primeiro aberto com pompa e música de Afila de Verdi em 1869 foi sonho de um francês de Lesseps Ele acreditava como SaintSimon uma das pessoas que o inspiraram que com a ligação entre os mares a indústria e as comunicações poderiam transformar a his tória Por motivos bem práticos muitos negociantes britânicos partilhavam dessa crença e Thomas Cook esteve presente à inauguração do canal Uma data menos conhecida na história foi 1887 quando os navios que atravessavam o canal passa ram a dispor pela primeira vez de iluminação elétrica o que permitia viagens noturnas Esse melhoramento reduzia uma viagem longa para um transcurso de 16 horas Durante a década de 1880 havia ampla evidência de uma expressiva explo são de invenções com a energia a vapor dando lugar à eletricidade e com a mídia no centro da atividade As ruas norteamericanas começaram a ter ilumi nação elétrica antes das casas e no porto de Nova York a face iluminada da Estátua da Liberdade agora brilhava sobre os dejetos escuros das águas A eletri cidade como espetáculo precedeu a introdução das tomadas elétricas No entanto foi durante essa década e a seguinte que se fez menção a uma futura sociedade de botões O conceito de tempo estava agora sendo transformado mais drastica mente do que havia sido nos séculos XVIII e XIX quando foi padronizado em intervalos espaciais de tempo As diferenças locais de tempo desapareceram em bora nem todas de uma vez ou em todos os lugares Em 1884 representantes de 25 países se encontraram em Washington De pois de muitos debates estabeleceuse um sistema que fixava Greenwich como ponto zero de meridiano Imediatamente a GrãBretanha a Suécia o Canadá e os Estados Unidos adotaram a convenção A França objetando a escolha de um meridiano britânico somente iria reconhecêlo em 1919 embora seu governo tenha aceitado a idéia de um tempopadrão Na Conferência Internacional sobre o Tempo em Paris em 1912 a França fez pressão para que se transmitisse para todo o mundo sinais precisos de tempo Desta vez a França onde Marcel Proust estava explorando em palavras os mistérios do tempo foi o lugar escolhido e transmitiramse os primeiros sinais da Torre Eiffel em 10 de julho de 1913 134 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O correio As ferrovias e os navios transportavam não somente pessoas e mercadorias entre as zonas de tempo mas também cartas um modo indispensável de comunica ção tanto nacional quanto internacional No fim do século também transporta vam cartõespostais Os primeiros cartõespostais oficiais papéis abertos de car ta foram introduzidos na Áustria em 1869 e na Alemanha e na GrãBretanha em 1870 Eles levantaram questões específicas como a privacidade relevantes para outros meios de comunicação Por que escrever informação privada em um pedaço de cartão que pode ser lido por meia dúzia de pessoas antes de chegar ao seu destino Não interessava se seriam lidos ou não principalmente depois que os cartõespostais ilustrados começaram a ser usados na década seguinte sobre tudo na França Alemanha e Suíça O que seria escrito neles tornouse cada vez mais padronizado Em 1900 o jornalista inglês GR Sims descreveu em The Referee como no topo de uma montanha na Suíça um dos países mais visitados por turistas chegamos diretamente ao cume e todos correram para o hotel e disputaram os cartõespostais Cinco minutos depois cada um estava escrevendo para seus entes queridos Creio que todos subiram não pela experiência ou pelo cenário mas para escrever cartõespostais lá do topo A rapidez do correio precedera na GrãBretanha a utilização em 1840 do primeiro adesivo mundial um selo postal perfurado um atraente objeto de arte trazendo impressa a cabeça da jovem rainha Vitória e que logo se tornaria objeto de colecionador O selo postal adesivo foi uma invenção importante do século XIX mas a palavra selo não era nova tampouco era nova a idéia de uma taxa de selo especialmente nos Estados Unidos No entanto o selo era prépago como a taxa postal barata e uniforme para todo o país independentemente do destino Um subproduto foi o envelope com cola O filho do poeta Coleridge Hartley saudou o selo barato como uma inven ção que beneficiava a todos a melhor das medidas ministeriais Que transporta as plumas das asas do jovem Cupido Pai e mãe irmã irmão filho Marido e mulher dêem suas bênçãos No entanto essa era uma versão idealizada do que aconteceu As taxas de analfa betismo embora decrescentes entre 1840 e 1870 ainda eram altas e muitas pes soas pobres tinham de empregar intermediários para escrever cartas e ler as res postas O líder político Richard Cobden deu as boasvindas ao selo postal não somente sob o aspecto político ele tornava possível mobilizar a opinião pública PROCESSOS E PADRÕES 135 em favor do livre comércio mas também sob o aspecto moral Agora havia um novo estímulo para aprender a ler e escrever O sistema postal britânico se desenvolveu antes que o sistema educativo nacional fosse planejado Rowland Hill 17951879 criador do sistema e advoga do apaixonado pela educação popular chamou os correios de poderosa máquina de civilização Seu irmão Matthew escreveu em 1862 A quantidade de corres pondência pelo correio medirá levando em conta o número de pessoas letradas quanto o público alcançou em termos de verdadeira civilização Por exemplo quan do vemos que a cidade de Manchester se iguala em número de cartas ao império de todos os russos tanto na Europa quanto na Ásia obtemos um meio de estimar os graus relativos de civilização da GrãBretanha e da Rússia Outros comentaris tas chegaram à mesma conclusão fazendo comparações com o passado em vez de olharem para os lados e comparar com os outros continentes Os dois tipos de comparação foram feitos por Henniker Heaton membro do Partido Conservador 35 anos depois por ocasião do jubileu de diamante da rainha Vitória quando todas as realizações técnicas e sociais do século XIX esta vam sendo revistas especialmente na imprensa Entusiasta defensor de um siste ma de selos imperial Heaton tendo em mente as cartas particulares julgava que no ano em que a rainha subiu ao trono 1837 as massas estavam quase restritas à comunicação oral e ao comércio local como seus antepassados sob o reinado dos Stuart ou os turcos sob Abdul Hamid Cada parte diferente do país encontravase absorvida em seus próprios interesses nada sabendo sobre outras comunidades além do que uma vila russa conhece outra a cem milhas de distân cia Os bemnascidos os profissionais dos distritos rurais e os cidadãos das gran des cidades mantinham intercomunicação suficiente Porém embora os pontos mais elevados estivessem ligados pela luz nos mais baixos reinava a escuridão As imagens contrastantes de escuridão e luz pertenciam à nova era da eletri cidade mas as duas já haviam sido opostas com acuidade no século XVIII por escritores do Iluminismo Foi então que o correio pela primeira vez aumentou significativamente sua velocidade usando carruagens para transportar a corres pondência real e encurtando a duração das viagens A linguagem das massas que Heaton empregava era típica do século XIX de alguma forma substituindo a linguagem de classe uma palavra associada à industrialização No entanto as expectativas muitas vezes expressas em linguagem sentimental de que o selo de preço único aumentaria muito o volume da correspondência da classe trabalha dora não se tornaram realidade na primeira década de sua implantação Foi a classe média quem mais se beneficiou com o valor único de postagem e o aumen to contínuo da velocidade do correio foi uma resposta à demanda de negócios e não das massas Artigos pinturas e gravuras de meados da era vitoriana sobre o apogeu do conhecido Correio Geral de Londres no Le Grand em StMartin 136 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA identificavam exatamente o que os negócios significavam na época podiam facilmente ser comparados às pinturas e gravuras das grandes estações de trens Quase a metade dos 161 milhões de cartas de Londres em 1863 vinha da própria cidade e era entregue 12 vezes por dia dentro de seu perímetro Quando Heaton exortou a utilização de um sistema imperial de selos de preço único em 1890 encontrou outros argumentos além dos benefícios econô micos Não somente o comércio seria estimulado alertava ele mas o selo simbo lizaria a unidade imperial e a irmandade anglosaxônica Havia norteameri canos notadamente Elihu Burritt 181079 o instruído ferreiro que como Heaton defendiam um sistema de selos internacionais baratos no interesse da irmandade universal No entanto foi a Nova Zelândia e não os Estados Unidos o primeiro país a tomar providências nesse sentido em 1901 ano da morte da rainha Vitória Os Estados Unidos só lançaram seus primeiros selos postais em 1853 ano em que foi concluída a ligação ferroviária entre Nova York e Chicago Desde o início porém o selo era barato e o número de itens que ele postava duplicou para 74 milhões entre 1886 e 1901 Uma das conseqüências diretas dessa situação foi o crescimento de pedidos via postal nos negócios a varejo embora alguns dos produtos comprados fossem transportados por firmas privadas sendo a Wells Fargo a mais conhecida delas O Correio norteamericano com funcionários pagos por patronos não tinha a mesma autoridade dos similares europeus que por exigências governamentais ou iniciativa própria determinavam as políticas nacionais relativas a ferrovias telégrafos telefones e mais tarde o que veio a ser chamado de telecomunicações além dos serviços postais Um correio geral o Union Postale Universelle foi fundado em 1874 sendo a GrãBretanha membro fundador uma empresa britânica De La Rue produzia então selos para diversos países e uma das regras da Union era a padronização das cores dos selos Nove anos antes em Paris uma Convenção Telegráfica Interna cional havia sido assinada por 20 países que formaram então a International Telegraph Union a GrãBretanha não foi convidada na época porque seu serviço de telégrafo estava em mãos de empresas privadas ver p138 Reflexo do tempo o velho e o novo foi o fato de que uma das delegações presentes a da Turquia tivesse que viajar parte do caminho a cavalo para chegar a Paris Cem anos depois quando a Union celebrou o centenário com seus escri tórios centrais estabelecidos em Berna Suíça desde 1868 as questões com que lidava como organização intergovernamental eram de natureza radicalmente diferente dois anos antes ela havia organizado o Primeiro Congresso Mundial de Comunicações Espaciais A Primeira Convenção de Radiotelegrafia Internacional havia sido realizada em Berlim em 1903 ver p158 sendo que em 1932 em um congresso em Madri que tratava de bandas de rádio foi adotado um novo nome PROCESSOS E PADRÕES 137 a International Telecommunications Union Em 1947 depois de dois outros congressos em Atlantic City ela se tornou uma agência especializada das Nações Unidas Telégrafos A telegrafia foi o primeiro grande avanço da área de eletricidade descrita em 1889 pelo primeiroministro britânico o marquês de Salisbury como uma estranha e fascinante descoberta que tivera influência direta na natureza moral e intelec tual e nas ações da humanidade Ela havia reunido toda a humanidade em um grande nível em que se podia ver sic tudo que é feito e ouvir tudo que é dito e julgar cada política adotada no exato momento em que os eventos aconteciam Se toda a humanidade estava colocada nessa posição isso não era óbvio o certo é que os políticos agora tinham à sua disposição um novo e poderoso instrumento No entanto eles o saudaram em termos gerais Dalhousie deixando a Índia em 1856 compôs uma minuta final para os governadores da East India Company em que se referia ao Correio Uniforme e ao Telégrafo Elétrico juntamente com as ferrovias como três grandes forças motrizes de desenvolvimento social que a sagacidade e a ciência dos últimos tempos tinham previamente dado como não previstas poderia ter dito restringidas para as Nações Ocidentais Dalhousie estava falando para as pessoas que tinham poder As ferrovias transportando pessoas mercadorias jornais e livros e os telégrafos a primeira invenção elétrica do século XIX a transmitir mensagens públicas e privadas estavam diretamente relacionados entre si na cabeça dele e de outras pessoas Se com a percepção de hoje consideramos as ferrovias seguidas de bicicle tas automóveis e aviões como um provável capítulo da história do transporte e consideramos a telegrafia seguida por telefonia rádio e televisão como um pro vável capítulo da história da mídia toda essa separação é artificial O desenvolvi mento do telégrafo estava intimamente associado ao desenvolvimento das ferro vias métodos instantâneos de sinalização eram necessários por motivo de segurança em linhas simples embora houvesse alguns fios telegráficos que seguiam os trilhos não das ferrovias mas dos canais Babbage procurava associa ções ainda mais antigas quando sugeriu que cada campanário de igreja deveria ser usado como poste telegráfico Houve também alusões clássicas A queda de Tróia diziase havia sido sinalizada a Argos Em um país a Austrália o telégrafo foi mais importante que a ferrovia Em 1830 a população total restrita pelo que Geoffrey Blainey chamou de tirania da distância não passava de meros 70 mil habitantes E essa população era depen dente dos serviços postais um serviço do povo caro mas jamais questiona do A comunicação oficial a distâncias curtas era feita por semáforos um sistema 138 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA mecânico óptico até a corrida do ouro da década de 1850 quando a abertura da primeira linha telegráfica entre Melbourne e Porto Melbourne em 8 de março de 1854 precedeu em seis meses a inauguração da primeira ferrovia entre os dois lugares Durante muitos anos esta foi a única linha férrea rentável na Austrália A história subseqüente do telégrafo foi contada de maneira envolvente por Ann Moyal em Clear Across Australia a History of Telecommunications 1984 Em comparação a história das ferrovias construídas pelo governo foi uma colcha de retalhos e ainda mais confusa por causa das diferentes bitolas apesar do aumento das vias férreas de cerca de 2600 quilômetros para 16 mil quilômetros entre 1875 e 1890 O pico de quilometragem foi cerca de 42 mil quilômetros no século XX A chegada de ligações a longa distância por cabo foi obviamente de enorme importância para a Austrália e a Nova Zelândia Elas avançaram aos poucos com os cabos atravessando a Europa e a Ásia por terra e mar e chegando ao porto australiano de Darwin via arquipélago da Indonésia em 1872 Mesmo então precisaram atravessar a Austrália central onde solitários operadores de telégrafos tiveram que viver a mais de 160 quilômetros de seus vizinhos mais próximos No princípio o serviço era caro mas até a década de 1880 os custos baixaram signifi cativamente Foi somente com a telefonia que os lucros privados começaram a se acumular A colocação de cabos submarinos oceânicos para telegrafia um empreendi mento gigantesco mas difícil teria sido impossível sem o desenvolvimento e a expansão do transporte marítimo a vapor que teve no comércio global o seu prin cipal estímulo A própria realização técnica impressionou bastante na época e quando Charles Bright que colocou o primeiro cabo transatlântico em 1858 em bora não funcionasse recebeu o título de cavaleiro com a idade de 26 anos The Times descreveu o cabo como a maior descoberta desde Colombo uma grande conquista dada à esfera da atividade humana Para Dickens em uma idade de trens expressos operações indolores palácios de cristal e uma centena de curiosidades que nossos avôs e avós jamais sonharam o telégrafo era de todas as nossas mara vilhas modernas a mais espetacular Desde o início os efeitos sociais e econômicos do telégrafo foram vistos na GrãBretanha como tão impressionantes quanto o próprio desenvolvimento téc nico Graças à iniciativa da primeira companhia privada a Electric Telegraph Company um escritor na Edinburgh Review sugeriu em janeiro de 1869 que o telégrafo que representava para o mundo normal pouco mais do que uma curio sidade filosófica se convertesse em um império de intercomunicação geral O escritor estava analisando e avaliando os vários resultados econômicos e sociais do desenvolvimento da telegrafia nem todos eles previstos no ano em que o Parla mento sob o governo conservador de Disraeli aprovou a Lei do Telégrafo de 1868 PROCESSOS E PADRÕES 139 que transferia a administração do sistema telegráfico das companhias privadas para o Correio Oficial Como os canais ferrovias e ligações oceânicas também o telégrafo ligou mercados nacionais e internacionais incluindo bolsas de valores e de mercadorias algodão trigo e peixe por exemplo Também aumentou a velocidade de trans missão de informação pública e privada local e regional nacional e imperial e essa característica a longo prazo foi seu efeito mais significativo A distância ia sendo conquistada à medida que se transmitiam informações relativas a governos negócios assuntos familiares condições climáticas e desastres naturais ou provo cados pelo homem a maior parte delas como notícias Agências nasceram para levar as notícias através das fronteiras a primeira delas sendo a Agência Havas fundada em Paris em 1835 A Reuter Telegram Company fundada em Londres em 1851 pelo barão Julius Reuter que era alemão sempre foi simplesmente conhecida como Reuters Foi Julius quem em 1859 forneceu notícias das bata lhas de Napoleão III na Itália e transmitiu os textos dos 20 pequenos despachos que o imperador enviava todo dia para a frente de batalha Não havia qualquer agência de notícias norteamericana até 1892 quando a Associated Press AP conhecida primeiramente como Associated Press of Illinois começou a atuar As principais invenções na telegrafia assim como em muitos outros campos aconteceram em países diferentes de formas independentes em um processo cumulativo no qual não havia um inventor único Também não houve um cien tista único associado à teoria do eletromagnetismo apesar de AndréMarie Am père 17751836 que desenvolveu na França o trabalho do dinamarquês Hans Christian Oersted 17751851 ter dado seu nome à unidade do elemento de corrente do circuito elétrico Na GrãBretanha James Clerk Maxwell 183174 formulou em 1864 as equações matemáticas básicas relativas ao que veio a ser chamado de campo eletromagnético ver p155 Na GrãBretanha William Fothergill Cooke e Charles Wheatstone embora parceiros improváveis foram os primeiros a obter sucesso na telegrafia A inven ção do telégrafo ficaria particularmente associada aos dois Sua patente conjunta de 1837 carregava a magnífica descrição de Melhorias em dar sinais e alarmes sonoros em lugares distantes por meio de correntes elétricas transmitidas por circuitos metálicos O próprio Cooke usou linguagem menos pesada quando anunciou que o telégrafo permitiria às ferrovias se tornarem estrada de alta velocidade imagem que seria retomada nos Estados Unidos no início da década de 1990 Mas em 1842 a imagem então recémcriada foi de apelo imediato para o Railway Times Nos Estados Unidos Samuel Morse 17911872 artista profissional filho de um pastor formado na Universidade de Yale foi quem inventou um código de pontos e traços que podia ser lido à velocidade de 40 palavras por minuto e se tornou de uso universal para transmissão telegráfica Os instrumentos básicos dos 140 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA operadores de Morse eram uma chave um relé e um sonorizador um registrador uma bateria e uma troca de circuito Enquanto isso no começo da década de 1840 em um continente diferente e muito distante William B OShaughnessy cirur gião assistente do Exército da Índia e entusiasta do telégrafo fazia experiências telegráficas em Calcutá estendendo fios de ferro sobre árvores Contudo a pri meira linha telegráfica entre Calcutá e Bombaim só foi concluída em 1854 Desde o início houve contatos internacionais sobre o tema Cooke assistira à palestra do professor Muncke sobre telegrafia na Universidade de Heidelberg e vira uma demonstração de um telégrafo a agulha projetado por um diplomata russo o barão Pawel Schilling Morse se dirigira à Academia de Ciências de Paris em 1838 e no mesmo ano patenteou seu aparelho em Paris uma vez que fora impedido de fazêlo em Londres por causa das patentes de telégrafos de Cooke e Wheatstone Isso aconteceu dois anos antes de fazer o mesmo nos Estados Unidos onde uma nova Lei de Patentes tinha sido aprovada em 1836 com o conseqüente estabelecimento de um Escritório de Patentes Um jovem canadense de origem irlandesa Samuel Walker McGovan que introduziu a telegrafia na Austrália havia trabalhado com Morse e seu colega Ezra Comell inventor dos primeiros insuladores telegráficos A primeira mensagem de longa distância enviada em 1872 depois de a Austrália ter sido conectada à Europa e à Ásia via Darwin foi Avance Austrália embora terminasse com a esperança de que a conexão com o cabo submarino levaria ao longe palavras de paz Na verdade a primeira mensagem telegráfica foi britânica Feita entre Cooke e Wheatstone um fisico também interessado em música e inventor de uma concertina que originalmente haviam trabalhado de modo independente cada qual encarando o outro com suspeita Usando um sistema de agulha Cooke telegrafou a Wheatstone da estação de Camden Town uma semana depois da inauguração formal da Ferrovia de Londres e Birmingham em 1837 Wheatstone respondeu imediatamente de uma sala sombria iluminada somente por uma vela na estação de Euston tendo experimentado o que chamou em suas próprias palavras uma sensação de tumulto como nunca havia sentido antes sozinho na sala quieta eu ouvi o dique das agulhas Senti toda a magnitude da invenção prosseguiu Wheatstone anunciada para ser prática além de todo sofisma ou disputa Essas lembranças das primeiras sensações e conversas tornaramse parte do folclore da mídia O telefone o rádio a televisão e a Internet iriam fornecer mais material para esse folclore A primeira mensagem de Morse foi O que fez Deus Em um contexto militar sempre crítico na história das telecomunicações a telegrafia elétrica afetou o planejamento e as operações tanto na terra quanto no mar assim como a telegrafia por meio de sinais fizera durante as guerras revolu cionárias e napoleônicas As mensagens telegráficas foram organizadas em ca deias de comando e ordens gerais e especiais A primeira vez em que foi PROCESSOS E PADRÕES 141 utilizada significativamente em escala operacional foi durante a Guerra da Cri méia quando um cabo de cerca de 550 quilômetros foi estendido pelo mar Negro Seu valor se revelou de forma ainda mais contundente durante a Guerra Civil dos Estados Unidos quando mais de 24 mil quilômetros de linhas de telégrafo esta vam em uso e mais de mil operadores trabalhavam no sistema Na época Reuters telegrafava pelo Atlântico dando detalhes das batalhas e muito mais Em 1889 iniciouse um Serviço Especial para Índia e China e a partir daí por quase um século a Índia nas palavras do historiador Donald Read que estudou a Reuters estaria destinada a desempenhar um papel central no império Reuter dentro do Império Britânico um domínio que se tornaria dependente da telegrafia Have ria também ligações estreitas com o Japão A primeira fase de desenvolvimento da telegrafia na GrãBretanha terminou em 1846 com a criação da Electric Telegraph Company cinco anos antes da colocação de um cabo entre Londres e Paris O anúncio dessa realização foi feito logo depois que a rainha Vitória que aprovava entusiasticamente o novo siste ma assim como a maioria das invenções mas que ainda não era Imperatriz da Índia declarou encerrada a Grande Exposição Dois anos depois a Electric Telegraph Company se fundiu com sua rival a English and Irish Magnetic Tele graphic Company para formar a nova Magnetic com imponentes escritórios perto do Banco da Inglaterra ver p188 À medida que o setor da telegrafia se expandia iam se levantando constante mente questões cruciais sobre os respectivos papéis das empresas privadas e públi cas do Estado e do mercado Não é a comunicação telegráfica uma função do governo como o transporte de cartas perguntou o Quarterly Review em 1854 quando pelo menos 120 jornais de províncias no auge de sua influência recebiam por telégrafo colunas sobre notícias do Parlamento Foram feitas comparações com outros países onde o sistema era controlado pelo Estado como a Suíça onde para cada cem mil habitantes havia 66 postos telegráficos contra os 56 da GrãBretanha Nos Estados Unidos o Estado foi envolvido no início quando Morse asse gurou verbas públicas para construir uma linha aérea experimental de Washing ton a Baltimore a primeira mensagem famosa transmitida na linha foi O que fez Deus O agentegeral dos Correios fez uma firme declaração de que um instru mento tão poderoso para o bem e para o mal não podia ser deixado com segurança em mãos dos indivíduos sem um controle legal Ele também fez em 1845 a pertinente pergunta Até onde o governo iria permitir que indivíduos dividissem com ele a tarefa de transmitir inteligência um dever importante confiado ao Estado pela Constituição O controle foi devolvido rapidamente a Morse e seus financiadores apenas porque parecia haver um escopo limitado nos Estados Unidos para o desenvolvimento de um sistema não testado pelo investimento privado A decisão de deixar a telegrafia para o mundo dos negócios 142 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA foi crucial na história da comunicação nos Estados Unidos A partir dela tomou forma a grande empresa corporativa Western Union que assumiu esse nome em 1854 Na França desde o princípio e por diferentes razões o controle das comuni cações pelo Estado foi julgado essencial No entanto como a sinalização projetada pelos irmãos Chappe foi introduzida com sucesso durante a Revolução ver p106 e havia mais de 4800 quilômetros de linhas de sinais em funcionamento durante a década de 1840 todos operados pelo Ministério da Guerra o pro gresso da telegrafia elétrica foi lento Uma lei de 1837 determinava que deveria haver monopólio contínuo pelo governo das comunicações a distância dez anos depois o ministro do Interior francês reiterava com firmeza que a telegrafia deveria ser um instrumento de política e não de comércio Quaisquer que tenham sido os regimes constitucionais subseqüentes na França os sucessores concordavam nes se ponto Na verdade atitudes muito semelhantes sobre lespace nationale carac terizariam a política francesa no século XX referente ao rádio e às telecomuni cações Nos regimes europeus pré1848 a telegrafia chegou antes da revolução foi inevitável que no império dos Habsburgo Metternich com suas políticas antili berais exigisse que o telégrafo estivesse sob monopólio do governo e ficasse fechado ao público como acontecia na Prússia A situação permaneceu mesmo depois das revoluções de 1848 que o depuseram apesar dos surpreendentes desenvolvimentos na Hungria onde a telefonia foi introduzida mais tarde no século XIX ver p183 Na Rússia Nicolau I conectou com sinais São Petersburgo a Varsóvia chegando até a fronteira alemã também foi inaugurada uma linha de São Petersburgo para Moscou com várias torres cada uma operada por seis homens com oito a nove quilômetros entre si Nicolau proibiu a circulação de qualquer informação concernente à telegrafia elétrica sob alegação de que ela seria subversiva embora um nobre russo o barão Schilling ver p140 tivesse planejado um sistema usando um galvanômetro energizado a bateria e um código binário Antes e depois de 1848 um país a Bélgica onde as linhas telegráficas assim como as ferrovias eram propriedade do Estado parecia estar estabelecendo um exemplo Em 1869 diziase que suas linhas tinham sido excelentemente planeja das e constituídas a preços baixos portanto as tarifas cobradas sempre um motivo de preocupação na GrãBretanha eram relativamente baratas Naquela data o mercado de ações era responsável por metade do fluxo de informações por telegrafia e os negócios familiares por 13 A imprensa em comparação usava somente 4 e o governo 2 Um funcionário ambicioso do British Post Office o correio oficial britânico Frank Scudamore que já havia criado uma Associação de Poupança dos Correios tinha a firme opinião de que os correios deveriam assumir as companhias de PROCESSOS E PADRÕES 143 telegrafia Com a Lei do Telégrafo de 1868 os correios realmente as compraram junto com os negócios telegráficos das empresas ferroviárias A medida foi apoia da pelo político liberal WE Gladstone 180998 então na oposição mas que logo se tornaria primeiroministro assim como pelas Câmaras de Comércio e pela im prensa Contou porém com uma oposição ardente apesar de malsucedida das companhias ferroviárias e telegráficas ligadas intimamente por meio de diretorias entrosadas um precoce e interessante exemplo de concentração de controle na mídia As empresas ferroviárias apresentavam também um especial interesse no Parlamento em ambas as Câmaras e mostravam o seu poder já no início da década de 1840 quando o jovem Gladstone então presidente do Conselho do Comércio foi forçado a retirar uma cláusula do seu projeto de lei de regulamen tação das ferrovias de 1844 dando ao governo a autorização para absorver isto é nacionalizar as ferrovias que começassem a operar depois que o projeto se tor nasse lei A lei de regulamentação das ferrovias em sua forma final prescrevia que toda futura empresa de estradas de ferro providenciasse acomodações de terceira classe em pelo menos um trem por dia trafegando em cada direção Esses chama dos trens parlamentares também um híbrido sobreviveriam por bastante tem po no século XX Em 1868 foi feita uma transação financeira com as companhias telegráficas antes que os correios as encampassem Os críticos avisaram em vão sobre a provável estagnação e enfadonha rotina inseparáveis das regulamentações oficiais que se seguiriam à nacionalização mas o governo argumentava que os telégrafos não se riam tratados como os serviços postais e que seria adotada uma tarifa única para mensagens telegráficas de 20 palavras independentemente da distância Em 1844 não havia tal regulamentação depois que a cláusula de nacionalização foi retirada O monopólio dos correios teria problemas financeiros no século XIX em bora o número de mensagens transmitidas aumentasse de 65 milhões logo de pois da aprovação da lei para 265 milhões dez anos após um crescimento gigantesco em comparação com outros países europeus e mesmo com os Estados Unidos Contudo estavam em jogo mais do que estatísticas comparativas As perdas dos correios com o fluxo nãoremunerado descrito pelos críticos como subsídios cresceram com o aumento do número de mensagens transmitidas provocando críticas tanto de parlamentares quanto do público as quais levanta vam outras questões relativas à mídia A imprensa defendia a situação pois se beneficiava das tarifas baixas e dizia que elas estimulavam o interesse pelas notí cias ver p195 Ela também constituíase como interesse Após a mudança para propriedade pública muitos diretores das antigas companhias telegráficas privadas com o dinheiro de indenização nos bolsos adquiriram títulos e ações em empresas de telegrafia atuando no estrangeiro Assim foi fundada em 1872 uma nova e grande incorporação a Eastern Telegraph 144 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Company a qual pagou dividendos entre 65 e 10 durante quase um quarto de século Ela foi uma das várias empresas que no fim do século reforçaram o domínio britânico nos negócios de cabos internacionais Havia um reconhecimento do interesse imperial relativo aos cabos pois de acordo com um comitê oficial em 1902 era desejável que cada base naval ou colônia importante possuísse um cabo no país que tocasse território britânico ou um território neutro e amigável Diziase que os incentivos comerciais vinham em segundo lugar Depois disso deve haver tantos cabos alternativos quanto possí vel e esses cabos devem seguir as vias normais sugeridas por considerações comerciais Não é surpreendente a suspeita sobre os interesses financeiros britâ nicos desde o início Essa suspeita cresceu na Europa continental no fim do século XIX a ponto de jornalistas parisienses avaliarem em 1894 se a segurança de outras nações poderia ser preservada caso a GrãBretanha controlasse todas as fontes de informação Os norteamericanos iriam fazer a mesma pergunta Fora da Europa o telégrafo foi uma importante fonte de unificação de terras distantes levando mais mensagens por quilômetro do que na Europa continental Quatro anos depois de inaugurada a linha de Toronto para Québec por exemplo conduzia duas vezes mais mensagens por quilômetro do que as linhas britânicas Na Austrália o Melbourne Argus declarava em 1854 Para nós velhos colonos que deixamos a GrãBretanha há muito tempo há algo muito agradável na contem plação atual da mais perfeita das invenções Algo mais perfeito que isso é pouco provável e nós realmente começamos a imaginar o que será deixado para a próxima geração em termos de empreendimentos imagináveis para o cérebro humano Comecemos com a telegrafia elétrica Na década de 1850 mesmo antes do grande movimento para o Oeste os Estados Unidos tinham orgulho de seus feitos na telegrafia Uma canção popular de 1860 dizia o seguinte e havia canções semelhantes na Inglaterra Nossos pais nos deram liberdade mas pouco sonharam Com os grandes resultados que fluem na poderosa era do vapor Pois nossas montanhas lagos e rios são labaredas de fogo E enviamos nossas notícias pelo relâmpago no fio telegráfico Por volta de 1846 havia mais de 1600 quilômetros de linhas norteamericanas inclusive um trecho de 450 quilômetros entre Nova York e Búfalo Uma ligação telegráfica entre Nova York e São Francisco foi concluída em 1859 Até o fim da Guerra Civil que estimulou enormemente os negócios da telegrafia e princi palmente os da Western Union havia quase 60 mil quilômetros de linhas Apesar de ajudar na construção da primeira linha telegráfica o governo de Washington desempenhou um pequeno papel nessa história incumbência deixa da para as empresas privadas sem regulamentação com as forças de mercado PROCESSOS E PADRÕES 145 conflitando muitas vezes de forma dramática nos primeiros anos do que foi chamado de expansão imprudente De acordo com AD Chandler historiador norteamericano e autor de um livro indispensável The Visible Hand 1977 as competitivas companhias telegráficas que então se formaram foram as primeiras empresas modernas de negócios a surgirem nos Estados Unidos Todavia da competição entre muitas firmas veio o oligopólio com poucas delas competindo sem organização e a partir do oligopólio surgiram as tentativas de monopólio A gigantesca Western Union que se beneficiou de vantajosos arrendamen tos e acordos de franquias além de suas alianças com as empresas de ferrovias afirmava que o monopólio era natural Entre 1870 e 1890 seus lucros corporati vos em termos reais cresceram mesmo nos anos em que os principais setores da economia norteamericana estavam em depressão e o número de suas agências aumentou de 3972 para 19382 As maiores ficavam em Nova York onde pelo menos 444 operadores de telégrafo trabalhavam em uma imensa sala de opera ções Thomas Edison 18471931 o mais famoso dos inventores norteamerica nos começou sua longa carreira como operador na agência da Western Union de Boston em 1868 Figura 16 Por volta de 1890 80 do fluxo de mensagens do país estavam nas mãos da Western Union e as críticas ao monopólio embora sempre em evidência eram desqualificadas sob a alegação de que isso era o resultado de uma lei inevitável do setor que deveria ser comandado sobretudo por uma grande organização O próprio Morse desde o início desejou que a rede telegráfica se tornasse um grande todo como os correios Durante as últimas décadas do século havia um argumento mais forte para o monopólio somente ele tornaria possível a necessária pesquisa para inovações Não havia carência de inovações Com o desenvolvimento do Dúplex uma única linha telegráfica podia ser usada para transmitir duas mensagens em dire ções opostas e quando em 1874 o Quadrúplex foi projetado por Edison a capacidade foi de novo duplicada Cinco anos depois uma grande greve nacional da Associação dos Telegrafistas dos Estados Unidos e do Canadá foi totalmente interrompida pela Western Union mas o último desafio ao setor da telegrafia não viria dos trabalhadores e sim do desenvolvimento da telefonia Telefones A história do telefone que se tornou um instrumento de comunicação pública e privada começou alguns anos antes em março de 1876 quando Alexander Gra ham Bell 18471922 inventor norteamericano mas nascido na Escócia paten teou seu telefone palavra usada pela primeira vez em 1796 para um método puramente acústico de comunicação Em 1837 o norteamericano CG Page 146 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 16 Thomas Edison trabalhando Tanto o laboratório como o estúdio funcionavam para ele como local de trabalho Inventor dos inventores teve mais idéias do que qualquer outro antes ou depois Obteve a patente do fonógrafo em 1878 dois meses depois da solicitação o Escritório de Patentes jamais vira algo semelhante PROCESSOS E PADRÕES 147 descobrira que mudanças rápidas na magnetização do ferro produziam uma nota musical música galvânica sendo que alguns pesquisadores depois dele usaram um diafragma para aumentar a saída de som Dentre tais pesquisadores destacase especialmente Philip Reiss professor de Frankfurt que alegava haver transmitido fala inteligente Tal alegação era ambiciosa demais se a fala fosse recebida isso teria sido acidentalmente e por períodos curtos Somente Bell podia afirmar com certeza ter feito o telefone funcionar Ele o demonstrou na Exposição Internacional da Fila délfia em 1876 celebrando o centenário da Independência dos Estados Unidos A primeira chamada telefônica de Bell para seu sócio Thomas Edison foi uma das mensagens que entraram para o anedotário Sr Watson venha aqui preciso do senhor Havia um elemento de folclore real ligado ao telefone também na Grã Bretanha A rainha Vitória a quem Bell tinha sido apresentado em 1876 ouviu atentamente Kate Field cantar a música Comin through the rye e descreveu o aparelho que Bell havia trazido consigo como um extraordinário modelo Em 1876 alguns sugeriram que não havia necessidade de telefone a socie dade sempre passou bem sem ele Esse comentário porém que jamais poderia ter sido feito sobre o telégrafo era enganoso Recebido no início com incredulida de no século XX o telefone viria a se tornar uma necessidade para muitas pessoas tanto no trabalho quanto em casa na realidade mais tarde com o celular também na rua A revista Scientific American já havia sugerido em 1880 com muita acuidade que o telefone levaria a uma nova organização da sociedade um estado de coisas em que qualquer indivíduo mesmo completamente isolado poderá ligar para qualquer outro indivíduo da comunidade poupando infindá veis complicações sociais e comerciais sem necessidade de idas e vindas Em 1897 um professor australiano de engenharia da Universidade de Mel bourne declarou em uma palestra que se um prognóstico de próximos desenvol vimentos tivesse sido feito para qualquer pessoa inteligente em 1837 de todas as invenções modernas o telefone seria visto com o maior ceticismo E o cientista escocês sir William Thompson mais tarde lorde Kelvin 18241907 após experi mentar o telefone de Bell na Filadélfia onde estava para atuar como juiz na Exposição Internacional descreveuo como a coisa mais extraordinária que ha via visto na América Thompson uma das primeiras pessoas na GrãBretanha a instalar lâmpadas elétricas em casa trouxe para seu país dois telefones Bell Em 1877 juntamente com sir William Preece 18341913 uma figurachave da história dos correios de quem se tornou engenheirochefe mostrouos aos membros da Associação Britâ nica para o Progresso da Ciência No mesmo ano uma jornalista norteamericana contratada por Bell apresentou uma Matinée Téléphonique para coincidir com a abertura do Parlamento Na Austrália notícias da invenção chegaram a Sydney e Melbourne no mesmo ano por meio da palavra impressa artigos no English 148 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Mechanic and World of Science e no Scientific American Imediatamente os austra lianos tentaram produzir telefones nacionais Bell que anteriormente havia trabalhado em problemas envolvendo o ensi no da fala para surdos havia concebido a idéia de transmitir sons orais por ondas elétricas em 1865 em 1874 idealizou um aparelho modelado segundo a estrutura do ouvido humano O dispositivo foi patenteado em março de 1876 no dia do aniversário de seu inventor O pedido havia sido feito em 14 de fevereiro no mesmo dia em que outro inventor norteamericano Elisha Gray também solici tara uma patente para o telefone Assim houve um litígio vencido por Bell uma vitória considerada controvertida na época e até hoje O transmissor que Bell usou na sua mensagem para Watson era semelhante ao imaginado por Gray Não foram somente Bell e Gray os dois únicos inventores envolvidos no começo do que hoje se chamaria uma convergência de duas longas histórias a da acústica e a da eletricidade No início porém a comunicação era em um só sentido e o primeiro pedido de patente de Bell foi descrito como um melhoramento na telegrafia é notável mas ele não se referia especificamente à fala Essa limitação técnica foi rapidamente superada em 1876 e o segundo pedido de patente já mencionava a fala Os primeiros prospectos da Bell Telephone Company de julho de 1877 afirmavam sem equívoco que o telefone realmente fala e por esta razão pode ser utilizado para quase todo objetivo no qual a palavra seja empregada Figura 17 Os negócios também entraram em jogo convergindo com a tecnologia Tendo falhado em despertar o interesse de William Orton presidente da Western Union Bell criou uma companhia privada em 1877 três anos depois convertida em empresa púbica a National Bell Percebendo que cometera um grave erro Orton voltou suas esperanças para Edison o inventor dos inventores procu rando sua orientação técnica Edison então produziu com sucesso um transmissor de carbono o que levou Bell um Davi em face de um Golias a pensar em inter pelação judicial Contudo em novembro de 1879 as partes chegaram a um acor do fora dos tribunais do qual Gray também se beneficiou modestamente Os termos eram que a Western Union seria o único fabricante dos aparelhos de Bell e a operação do sistema de telefones seria deixada para uma nova firma a National Bell Company que poderia fazer uso de todas as patentes relevantes da Western Union O acordo funcionou por diversas razões Uma delas foi a vinda para a Natio nal Bell como gerentegeral de um indivíduo muito capaz Theodore Vail 18451920 primo de um dos assistentes de Morse que havia administrado ante riormente a rede ferroviária postal norteamericana Sob sua eficiente liderança a companhia cresceria em poder defendendo com sucesso todos os direitos de patente da Bell que até expirarem em 1893 foram contestados pelo menos 600 vezes Enquanto duraram as patentes a National Bell usufruiu o mesmo tipo de PROCESSOS E PADRÕES 149 Figura 17 Tecelãs da palavra Um anúncio de telefone da Bell Telephone Company usando metáforas um passado mítico e um futuro tecnológico e comercial Há um efeito wagneriano na tecelagem e uma indicação do que seria a Web vantagens comerciais que Boulton e Watt haviam tido um século antes Bell agora um homem rico viveu até 1922 entusiasmadamente interessado em cada aspecto de progresso do telefone e em muitos outros assuntos no campo das telecomunicações Desde o início Bell provou ser mais do que um inventor propondo ao mundo uma visão como faria Vail Depois de visitar a GrãBretanha em 1877 ele estabeleceu o que chamou de um grande sistema algo que pode parecer utópico uma rede universal alcançando casas escritórios e locais de trabalho Para esse empreendimento era necessário inventar mesas e estações telefônicas assim como as melhorias necessárias para a transmissão da voz Embora isso tenha acontecido rapidamente a primeira mesa telefônica foi instalada em New Ha ven em 1878 e a primeira estação foi inaugurada em Londres na rua Coleman em 1879 levou tempo para o telefone chegar ao alcance do usuário normal Foi um médico de Lowell outra cidade que faz parte da história da comunicação que faria surgir um sistema de números em 1880 mas a discagem não apareceu antes de 1896 em Milwaukee A comutação mecanizada à qual normalmente se associa o nome de AB Strowger um empreiteiro do setor funerário de Kansas City foi introduzida em La Porte Indiana em 1892 pela primeira vez os usuários podiam fazer uma chamada 150 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sem a ajuda de um telefonista No entanto a introdução dessas mudanças mecâ nicas foi lenta mesmo nos Estados Unidos Na GrãBretanha fora da cidade de Londres onde uma estação de central telefônica automática foi instalada em 1897 somente Epson Surrey perto de famoso hipódromo tinha sistema semelhante instalado em maio de 1914 Darlington famosa pela ferrovia teve o seu sistema um ano mais tarde Só em 1927 inaugurouse um sistema automático em Londres Durante os primeiros anos muitos associavam o telefone ao entretenimento para audiências dispersas e à comunicação ponto a ponto entre indivíduos So mente por essa razão o telefone deve figurar como mais importante que o telégra fo na préhistória da radiodifusão Entretanto a mesma associação havia sido feita antes entre entretenimento e telegrafia em 1848 quando a revista Punch publicou como pseudonotícias textos de canções enviadas por telegrama de Boston para Nova York Em 1876 a revista Nature previu que pagando uma quantia a um indivíduo talentoso poderemos pedir a ele uma valsa uma quadrilha ou um galope o que quisermos Uma das previsões do Springfield Republican em 1877 foi que por meio do telefone toda a música de uma primadonna poderia ser distribuída no país durante seu canto popularizando assim a boa música de uma forma jamais co nhecida e longe de Springfield na Suíça um engenheiro retransmitiu uma ópera de Donizetti em 1879 Mais longe ainda na Hungria o inventor Theodore Puskas imaginou o mais ambicioso e sustentável projeto de uso do telefone para entrete nimento Puskas que trabalhara para a Companhia Edison fez demonstrações na Exposição de Eletricidade de Paris em 1881 e garantiu direitos exclusivos para o desenvolvimento do telefone na Hungria no mesmo ano Puskas teve a assistência de seu brilhante amigo Nikola Tesla 18561943 um pioneiro da eletricidade e principalmente do uso da corrente alternada uma forma de energia apoiada pela Westinghouse Nascido na Croácia Tesla freqüen temente discutia sobre os méritos dos sistemas elétricos enquanto outro pioneiro da eletricidade o escritor norteamericano Park Benjamin sem entrar em dispu tas baseouse na retórica no livro The Age of Electricity 1887 ao descrever os múltiplos usos da nova forma de energia como simplesmente uma multidão Um deles estava ligado diretamente ao que se tornou a radiodifusão Ela levará nossas vozes a centenas de quilômetros de distância estava longe de fazer isso na época Registrará os votos que mudarão o destino de uma grande nação ou divulgarão a mais recente melodia popular Isso era o que Puskas estava tentando fazer quando inaugurou e seu irmão continuou um serviço a Telefon Himondo em Budapeste 1893 oferecendo assinaturas do que com efeito foi o primeiro sistema de radiodifusão do mundo Os assinantes recebiam longos fios flexíveis e dois fones de ouvido redondos e macios e podiam ouvir um programa diário com variados itens como boletins PROCESSOS E PADRÕES 151 de notícias e sumários dos jornais relatórios sobre a Bolsa de Valores palestras notícias esportivas e visitas à opera Havia também um programa infantil sema nal e palestras lingüísticas em inglês italiano e francês A palavra Himondo tinha suas raízes no passado ela se traduzia como anunciador de notícias e relembrava a antiga expressão pregão da cidade O programa diário anunciado para os assinantes apontava para o futuro Um dos primeiros escritores ingleses a trabalhar na estação Arthur Mee que se tornou editor do The Childrens Newspaper em 1908 chamavao de horário com inspi ração na tão em moda linguagem das ferrovias a revista Invention o chamava de programa A própria visão de Mee era global Se como se diz não é de todo improvável que em futuro próximo o princípio da visão seja aplicado ao telefone como já acontece com o som a Terra será realmente um paraíso e a distância perderá seu encantamento ao ser abolida A Telefon Himondo não tinha mais assinantes em 1910 do que em 1897 seis mil mas sobreviveu à deflagração da Primeira Guerra Mundial O sistema húngaro foi muito mais ambicioso e bemsucedido do que seus equivalentes britânico e norteamericano A Electrophone Company na GrãBre tanha oferecia em 1884 por meio de uma assinatura anual ligações para teatros concertos e até mesmo serviços de igreja os sermões seriam feitos pelas mais divinas eminências e um empreendimento norteamericano a Telephone He rald em Newark Nova Jersey começou sete anos depois de a companhia britâni ca ter fechado em 1904 Vários esquemas de teatrofone em Paris também fali ram apesar do interesse de Marcel Proust que anteviu muitos outros usos para o telefone Enquanto o aparelho de lazer era desenvolvido como um veículo de entretenimento alguns comentaristas o consideravam um brinquedo Bell estava certo ao prever que os usos sérios do telefone prevaleceriam Sua previ são estava sempre além da tecnologia então corrente Embora o sistema telefônico com base em assinaturas fosse diferente do telegráfico o governo britânico sustentado pelas cortes decidiu em 1880 que dentro dos termos da Lei do Telégrafo de 1868 ver p143 o telefone era um telégrafo A decisão seguiu uma fusão entre as companhias British Bell e British Edison o que levou os correios apoiados por fortes interesses do telégrafo a adquirir o controle de toda a atividade de telefonia na GrãBretanha Essa ativida de seria operada por um grande sistema de licenciamento tendo as empresas interessadas que pagar direitos de utilização No entanto os correios mantiveram algumas estações próprias como por exemplo em NewcastleuponTyne havia também um certo número de companhias telefônicas municipais como a Hull que mais tempo sobreviveu entre todas Assim mesmo a maior das empresas licenciadas a National Telephone Company tornouse quase um monopólio antes de ser adquirida pelos correios em 1912 Na época haviase desenvolvido um sistema de troncos nacional de novo lentamente e aumentado o tráfego internacional Um cabo submarino ligando 152 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA a Inglaterra à França foi inaugurado em 1891 mas a ligação nacional só surgiria anos depois Atravessando o Atlântico a primeira linha a longa distância concluí da em 1880 ligou Boston a Lowell e em 1892 havia linhas abertas entre Nova York e Chicago em 1915 entre Nova York e São Francisco Duas invenções norteamericanas o filtro de onda e a bobina de carga tornaram a comunicação cada vez mais econômica diziase até que a substituição de amplificadores ou repetidores de tipo eletrônico por eletromecânicos anunciava uma nova era Em comparação com os Estados Unidos e o Canadá o progresso no uso extensivo de telefone na GrãBretanha que liderava a fabricação mundial de cabos e em outros países europeus foi lento Na realidade na GrãBretanha não se acreditava como o The Times escreveu em 1902 que o telefone fosse um negócio para milhões Era mais uma comodidade para os ricos e um instrumen to de comércio para pessoas que podiam pagar por ele A esmagadora maioria da população não o usa e não é provável que venha a utilizálo exceto talvez para mandar uma mensagem ocasional de uma estação pública Um ano antes o chanceler do Tesouro anunciara que a comunicação telefônica não era desejável para a mente rural enquanto no Canadá nos Estados Unidos e na Austrália a maior demanda era nas áreas rurais A expiração dos direitos de patentes de Bell em 1894 favoreceu a exploração comercial e após 1893 apareceram os inde pendentes com a grande expansão do uso do telefone Agora havia acúmulo de provas a mostrar que o telefone facilitava a descentralização permitindo que famílias dispersas se comunicassem mais facilmente tornando as fazendas menos isoladas e mudando métodos de marketing práticas médicas políticas e jornalís ticas Também estava mudando hábitos sociais sobretudo os das mulheres logo felizes para conversar ao telefone Na verdade houve uma emergente lingua gem e cultura telefônica Como foi o caso anos depois na história da Internet em ambos os lados do Atlântico surgiram comentários sobre o temor de que a verdade pudesse estar ameaçada De fato antes que fosse cunhado o adjetivo phoney a Punch já havia se queixado não do telefone mas das lorotas telegráficas Que mentiras horríveis pelo fio elétrico São lançadas Que falsidades trazem seus choques Ah É melhor ficar com o fato que em comparação Se arrasta pelo correio tão lento Do que com a falsa calma que como os relâmpagos salta E nos faz acreditar no que não é A palavra phoney tem sua formação ligada à de telefone e significa falso NT PROCESSOS E PADRÕES 153 Em 1902 HG Wells foi mais conciso O negociante pode ficar em casa e contar mentiras que não ousaria escrever Esse tipo de crítica não era o único feito na época A invasão do telefone no domicílio freqüentemente esteve sob ataque e o mesmo aconteceria com a televisão décadas depois Xingar pelo telefone levantou problemas éticos Deveria ser tratado como ofensa O crime telefônico ficava isolado de seu contexto Em 1907 um artigo no Cosmopolitan Magazine de novo antecipando em quase um século opiniões também relativas à Internet tinha como título As companhias telegráficas e telefônicas aqui tratadas como agências associadas e não concorren tes são aliadas dos antros de apostas Não é de surpreender que outros críticos considerassem o telefone e o telégrafo como aliados da polícia No entanto havia uma concordância de que os telefones eram os aliados da imprensa dos sistemas bancários e da Bolsa de Valores sendo que os últimos eram instados a colaborar com o capital necessário para o desenvolvimento da telefonia Em abril de 1877 quando os corretores da Bolsa de Nova York já usavam o novo meio a notícia sobre uma das palestras de Bell foi passada por telefone de Salem para o Boston Globe Em Londres já em 1889 The Times estabeleceu uma conexão telefônica com a Câmara dos Comuns a fim de incluir reportagens sobre os debates noturnos em sua edição do dia seguinte Por volta de 1900 o jornalis mo diário de massa nos Estados Unidos dependia mais do telefone que do telégra fo Na França a ênfase foi diferente A palavra francesa para estação era central e isso sugeria um modo nãoamericano e nãobritânico de olhar para o que viria a ser pensado como rede Ainda em 1922 diziase que Paris rejeitava o telefone Quase meio século após sua invenção o telefone permanecia como uma ferra menta reservada essencialmente aos profissionais Os Estados Unidos estavam muito mais adiantados do que todos os países europeus na distribuição de telefones por volta de 1900 com um aparelho para cada 60 pessoas A Suécia vinha em primeiro lugar entre os países da Europa com um telefone para cada 215 habitantes A França tinha um para cada 1216 e a Rússia um para cada 6958 Em 1904 havia 65 telefones por centena de pessoas em Manhattan e no Bronx e somente 14 em Londres O dinamismo norteame ricano bem expresso no título de um artigo de 1914 do McClures Magazine Telefones para milhões se devia à American Telephone and Telegraph Compa ny ATT empresa que se instalou em Nova York em 1885 como uma subsidiá ria da rede a longa distância da National Bell localizada desde o início em Boston Em uma mudança criativa nos dois sentidos em 1899 a ATT tornouse a empresa principal permanecendo em Nova York a administração central Uma outra companhia fabricante de equipamentos elétricos a Western Electric já havia sido assimilada em um processo acumulativo iniciado em 1881 Desde o início a ambição de Vail era controlar o que ele pensava ser o sistema nervoso da comunidade social e dos negócios nos Estados Unidos por 154 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA meio de um sistema que reconhecia como necessariamente de monopólio regula mentado As operações centrais poderiam e deveriam ser descentralizadas reali zadas por firmas licenciadas mas a integração era essencial Retornando à ATT em 1900 após ter feito fortuna fora dela Vail assumiu a presidência da empresa em 1907 dois anos depois comprou a parte societária da Western Union a principal empresa telegráfica ver p142 Ele também aumentou o controle do financia mento das companhias licenciadoras Contudo a despeito do que Vail tivesse escrito sobre a importância do controle do Estado e da regulamentação havia nos Estados Unidos fortes objeções locais e nacionais e dentro e fora do governo ao monopólio da ATT Nós não pedimos ao governo que lute nas nossas batalhas declarou em 1910 a Asso ciação Nacional de Estações Independentes de Telefone fundada em 1897 mas solicitamos proteção contra métodos de guerra ultrajantes que são ilegais e noci vos ao bemestar público No que se tornou uma luta de proporções darwinianas sociais Vail tinha porém uma vantagem específica Ele acreditava em pesquisa enquanto muitas companhias independentes não Assim uma geração após o término dos direitos sobre as patentes originais de Bell foi criada formalmente em 1925 a Bell Telephone Laboratories que se tornaria conhecida em âmbito mundial Com relação à questão do monopólio foi firmado em 1913 um compromis so entre o que parecia ser abordagens totalmente diversas sobre assuntos espinho sos tanto práticos quanto teóricos Essa solução conciliatória foi reafirmada após a Primeira Guerra Mundial na Lei de Graham de 1921 Em 1913 a ATT lançou a Western Union tornou disponíveis para os independentes suas linhas de tarifas a distância concordou em trabalhar com a Comissão de Comércio Interestadual e solicitar aprovação prévia para abrir novos sistemas telefônicos A Lei de Graham reconhecendo esse esforço isentou a ATT das condições da legislação antitruste Assim embora a empresa continuasse a sofrer a hostilidade de oponentes do monopólio e a partir de 1934 ficasse sujeita ao questionamento regular da Co missão Federal de Comunicações ver p231 nas vésperas da Segunda Guerra Mundial a ATT controlava 83 de todos os telefones dos Estados Unidos e 98 de todas as chamadas tarifadas de longa distância Tinha também o monopólio total de toda a radiotelefonia ultramarina Era a maior companhia da história Havia paralelos no estrangeiro com diversos países lentamente adotando um ideal de serviço universal como acontecera com a evolução dos sistemas postais mas baseandose principalmente em seus correios para ditar a política de telecomunicações Enquanto o número de telefones por mil pessoas continuava a aumentar depois de 1918 com uma interrupção durante a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial foi somente após a década de 1950 que o crescimen to começou a ser identificado como tendência social importante dos dois lados do Atlântico PROCESSOS E PADRÕES 155 Radiotelegrafia A história inicial da radiotelegrafia tem mais a ver com a telegrafia do que com a telefonia embora após o desenvolvimento da radiodifusão a linhagem de Puskas tenha adquirido novo significado Em 1925 sir Frank Gill que participou das negociações dos Correios Britânicos que levaram à criação da BBC salientou como a telefonia tinha algumas das propriedades tanto das cartas quanto dos jornais Ela pode ser fechada para garantir privacidade ou aberta para transmis são para milhões de pessoas simultaneamente A ciência por detrás da radiotelegrafia possuía uma longa história até mes mo anterior ao trabalho do cientista alemão Heinrich Hertz 185794 Foi ele quem comprovou experimentalmente o brilhante trabalho teórico do cientista britânico James Clerk Maxwell 183174 de uma geração anterior que formula ra em 1864 as equações matemáticas básicas relativas ao campo eletromagnético Tanto Hertz quanto Maxwell morreram jovens Oliver Lodge nascido em 1851 que morreria de velhice em 1940 foi quem demonstrou as ondas hertzianas tal como foram imediatamente rotuladas para a Royal Institution em 1895 Ele também inventou um rádio coesor como o chamou um receptor de onda hertziana tendo um fio de ferro dentro de um tubo sem que jamais percebesse a importância econômica de seu trabalho Para ele o coesor era um dispositivo pedagógico Também houve pioneiros do rádio em outros países como AS Popoff 18591906 na Rússia Edouard Branly 18441940 na França e Augusto Righi 18501920 na Itália Portanto quando Guglielmo Marconi 18711937 chegou à GrãBretanha em junho de 1896 para demonstrar o que chamava de desenvolvimentos na transmissão de sinais e impulsos elétricos um escritor do Quarterly Review pôde avaliar que mr Marconi tinha somente introduzido outro modo de fazer o que já havia sido feito anteriormente Foi sua nacionalidade sua juventude e imerecidas tentativas de depreciar seu próprio sucesso que atraíram a atenção da imprensa É ótimo concluiu o autor anônimo que a imprensa deva ocasionalmente acordar para os rápidos avanços da ciência prática A civilização tem avançado mais com o trabalho dos engenheiros do que com a fala dos políticos Marconi na verdade vinha conversando se não com políticos pelo menos com funcionários civis oficiais navais soldados e cientistas inclusive com AA Campbell Swinton um profeta da televisão ver p176 a quem foi apresentado e que lhe fez um convite para encontrar sir William Preece com quem teve conver sas informais na sede dos correios ver p157 Um dos oficiais navais o capitão HB mais tarde sir Henry Jackson já havia feito sozinho algumas experiências com rádio um ano antes agora ele e Marconi realizavam experimentos com a esquadra britânica na mesma linha daqueles realizados com a frota russa por Popoff A necessidade não o avanço da ciência os movia Navios encouraçados 156 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 18 O jovem Guglielmo Marconi Vindo da Itália ele chegou a Londres em 1896 e trazia consigo vários aparelhos sem fio Fundou a Wireless Telegraph and Signal Company em 1897 precisavam de modos novos de sinalização como os cavalos de ferro das ferro vias haviam precisado duas gerações antes Nesse contexto a transmissão sem fio auge da história das comunicações no século XIX foi pensada simplesmente como um substituto para a telegrafia por fios assim como os automóveis destaque máximo da história dos transportes no mesmo século foram imaginados como carruagem sem cavalos somente pessoas que possuíssem carruagens poderiam desejálos O que aconteceu foi que o rádio se tornou de uso prático nos oceanos ou em grandes continentes com baixa densidade demográfica O fato de enviar mensagens todas em Morse que podiam ser captadas por pessoas a quem não eram dirigidas foi julgado não uma vanta gem mas uma séria desvantagem Da mesma forma um automóvel era um produto de luxo e ninguém o imaginava em uma casa de subúrbio com uma garagem da mesma forma como mais tarde o mesmo tipo de domicílio não podia ser associado a aparelhos de rádio Ao visitar a Inglaterra Marconi queria resultados rápidos Quando fundou a Wireless Telegraph and Signal Company em 1897 se concentrou principalmente em planejar e vender equipamentos sem fio a clientes comerciais de grande escala e ao governo Figura 18 Também tinha em mente a realeza em 1897 cerca de PROCESSOS E PADRÕES 157 cem mensagens foram enviadas entre a rainha Vitória de Osborne House na ilha de Wight e o iate real do príncipe de Gales ao largo de Cowes onde ele estava de cama doente Marconi não via o rádio como um meio de grande difusão Na verdade nem usou a palavra rádio E nisso não estava sozinho Por exemplo em 1899 The Electrician afirmava que mensagens dispersas por radiodifusão somente desperdiçam energia viajando com persistência fútil para o espaço celestial Preece membro fundador da Sociedade dos Engenheiros Telegráficos criada em 1871 e que mudou de nome em 1889 para Instituto de Engenheiros Elétricos foi cauteloso sobre as perspectivas das patentes de Marconi mesmo dentro do contexto em que este as colocava Mesmo após Marconi ter transmitido mensagens através do canal para a França em 1899 Preece preveniu que a telegrafia sem fio em sua forma atual e velocidade limitada uma limitação genuína não poderia ser colocada na mesma categoria do velho sistema Com uma abordagem mais burocrática do que empreendedora sobre o desenvolvi mento das comunicações ele acreditava que a pior coisa possível para uma invenção como a de Marconi é ser posta nas mãos de uma companhia Basta olharmos para o telefone para nos convencermos disso A posição de Preece porém não deixou de ser atacada O Chambers Journal cobrindo uma de suas palestras colocoua ao lado de uma matéria intitulada Os pomboscorreio de Sua Majestade Como afirmou um escritor no Quarterly Review em 1898 houve uma ime diata reação de entusiasmo por parte do público sobre o meio de transmissão das mensagens de Marconi o ilimitado incompreensível sensível meio o éter ele chegou a sugerir que um termo melhor para o sistema seria telegrafia etérea pois na realidade não era sem fio Cabos eram usados em cada terminal como parte e parcela do equipamento Outro escritor afirmou que o milagre da telegrafia sem fio consistia no fato de ela ser acima de tudo misteriosa como os raios X recémdescobertos em 1895 Era o mais próximo que o mundo havia chegado da telepatia O potencial só se tornou evidente para a maioria das pessoas e também para especialistas que falavam como autoridades sobre o assunto quando o rádio entrou nas casas primeiro nos Estados Unidos e depois na GrãBretanha e na Holan da No entanto antes que novas instituições tivessem sido criadas para oferecer programas uma rede amadora de entusiastas do rádio conhecidos como ra dioamadores havia formado conexões nacionais e internacionais a maioria dos radioamadores usava código Morse e alguns outros a telefonia Eles foram descri tos com presciência no livro The Wireless Man de H Collins lançado nos Estados Unidos em 1912 como pelo menos potencialmente a maior audiência do mun do Na época estimavase haver 122 clubes de transmissão sem fio na América Só foi possível escrever sobre o tamanho de audiência graças a uma série de invenções no período compreendido entre as décadas de 1890 e 1920 Algumas 158 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA dessas invenções foram produto de detalhadas pesquisas científicas outras foram estimuladas por circunstâncias especiais como a Primeira Guerra Mundial quan do o rádio foi usado com propósitos militares Entretanto as aplicações futuras da tecnologia poderiam ter sido previstas caso se tivesse levado em conta os fatores sociais quando era iminente a transmissão sem fio Por exemplo quando sir William Crookes em um artigo de grande repercussão na Inglaterra em 1892 propôs que as desconcertantes possibilidades da telegrafia sem fios correios cabos ou qual quer instrumento caro atual faz supor alguns postulados aceitáveis ele não sugeria o que iria acontecer depois Marconi seguiu sua própria linha de desenvolvimento instigando a imagi nação norteamericana quando em 1899 aceitou o encargo financiado por Ja mes Gordon Bennett Jr proprietário do New York Herald de cobrir as corridas de barco da Copa Americana Ele também surpreendeu tanto os norteamericanos quanto os europeus em 1901 quando mandou uma mensagem por transmissão sem fio a 3200 quilômetros de distância através do Atlântico da Terra Nova para a Cornualha A empresa AngloAmerican Telegraph Company tinha o monopó lio de telegrafia na Terra Nova e expulsou a equipe de Marconi da ilha que na época era independente do Canadá A publicidade subseqüente não precisou ser inventada Em 1904 a radio transmissão chegou às manchetes quando foi usada para relatar a prisão do dr Crippen um assassino que fugia da Inglaterra para o Canadá por mar com sua amante Oito anos depois foi a estação de Marconi em Long Island que captou as mensagens de SOS do Titanic que afundava e enviou as notícias para a Casa Branca o operador foi um homem que mais tarde se tornaria famoso ver p162 David Sarnoff 18911971 Em 1906 a Segunda Convenção de Radiotelegrafia Internacional ocorrida em Berlim a primeira tinha sido em 1903 havia estabelecido que SOS deveria ser o sinal padrão para pedido de socorro Na verdade Berlim estava fora do império de Marconi os alemães tinham agora seu próprio sistema Telefunken sem fio administrado por uma subsidiária da Sie mens e pela Allgemeine Elektricitãts Gesellschaft fundada em 1907 com o indis pensável apoio do governo Ela possuía um orçamento para pesquisa e desenvol vimento e criou estações de rádio em muitas partes do mundo Desafiou as pa tentes de Marconi e tentou evitar que obtivesse outras Marconi tinha criado uma companhia subsidiária norteamericana em 1899 e não sofria competição corporativa nos Estados Unidos em 1901 exceto das companhias de cabos Um dos primeiros estudos históricos sobre o assunto Radio Beam and Broadcast de AB Morse lançado em 1925 depois do início da radiodifusão contava a história do desenvolvimento do rádio sobretudo por meio de registros colhidos no escritório de patentes de invenções em uso hoje ou seus antecedentes diretos Aquela era uma história que tomara outros rumos nos Estados Unidos depois da formação em outubro de 1919 de uma nova corpora PROCESSOS E PADRÕES 159 ção a Radio Corporation of America RCA uma versão civil do monopólio militar que tinha controlado o rádio durante a guerra Ela assumiu necessaria mente todas as patentes de Marconi Se ele fosse um cidadão norteamericano sua tão bemsucedida empresa talvez tivesse seguido a rota alternativa da ATT A RCA era uma empresa sancionada pelo governo que estabeleceu ligações íntimas com a ATT a General Electric e a Westinghouse agora construindo aparelhos de rádio para fins civis Todas elas tinham que se preocupar não somen te com patentes e concorrentes mas também com as solicitações de acesso às ondas de rádio governamentais e principalmente das forças armadas pela enorme e pacífica legião de radioamadores um Exército com batalhões também do outro lado do Atlântico De acordo com os termos da Lei do Rádio de 1912 a primeira desse tipo nos Estados Unidos mensagens radioamadoras estavam restritas por lei para com primentos de onda de 200 metros ou menos limite ampliado em alguns estados para 425 metros em 1915 Apesar da pressão do Exército e da Marinha houve resistência dentro e fora do Congresso para qualquer regulamentação Nós fo mos educados com a idéia de que o ar era absolutamente livre para todos Por que não deveria ser A mesma questão seria levantada na GrãBretanha e também nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial quando a radiodifusão ama dora não foi permitida por motivos militares Em 1921 para um portavoz da Sociedade de Radiotelegrafia de Londres na época totalmente comprometida com a radiotelefonia todo inglês tem o direito de ouvir o que está se passando em seu éter contanto que seu aparelho de escuta não perturbe os vizinhos Em todos os países a maioria dos radioamadores usava aparelhos a cristal de baixo custo feitos por eles mesmos Foi uma felicidade para eles a descoberta no fim do século XIX de que muitos tipos de cristal serviam para detectar ondas transmitidas sem fio que podiam ser listadas e classificadas como o foram entre 1908 e 1911 Havia um retificador de cristal muito conhecido antes de 1914 o Perikon uma ponta de latão pousada em uma superfície polida ou não de silício substância com um futuro ainda mais romântico do que o dos próprios radio amadores A primeira história detalhada do transistor e do berço da era da informação seria chamada de Fogo de Cristal Na GrãBretanha de acordo com os termos da Lei da Telegrafia sem Fio de 1904 todos os transmissores ou receptores de sinais emitidos sem fio deveriam ter uma licença dos correios A Companhia Marconi tinha uma licença geral em 1920 para fazer experiências com a telefonia No entanto ela teve forte oposição da Comissão da Telegrafia sem Fio na qual havia grande representação militar após começar a transmitir os concertos de Marconi de Chelmsford A Comissão argumentava que tais transmissões não somente interferiam nas mensagens de defesa mas também estavam tornando a técnica que era um serviço para a humanidade em brinquedo para divertir crianças À luz de seu aconselhamen 160 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA to a permissão para a radiodifusão a partir de Chelmsford foi cancelada no outo no do mesmo ano Essa decisão por sua vez levou os radioamadores a protestarem Agora procurando comunicarse entre si e ouvir programas de rádio a eles dirigidos re digiram uma petição assinada por 73 sociedades de transmissão sem fio o que levou o presidentegeral dos correios que havia chamado os concertos de frívolos a repensar o assunto Quando ele se rendeu em dezembro de 1921 teve o cuidado de declarar que a retomada dos concertos seria para o beneficio das sociedades de radiotelegrafia Ainda não havia o sentido de uma grande audiência A primeira estação da Companhia Marconi a irradiar concertos de meia hora depois da permissão foi a de Writtle perto de Chelmsford O primeiro concerto descrito modestamente por seus realizadores como um feito de engenheiros foi transmitido em 14 de fevereiro de 1922 o último foi em 17 de janeiro de 1923 Os engenheiros provaram ser programadores brilhantes e bastante informais as gravações fonográficas eram de consumo geral mas eles transmitiram a primeira peça no rádio Cyrano de Bergerac Peter Eckersley líder natural do grupo tornou se o primeiro engenheirochefe da BBC inaugurada no outono de 1922 anterior mente ao fechamento da estação de Writtle Antes de 1914 houve três destacados inventores que abriram o caminho para a transmissão de som um britânico um norteamericano e um canadense Em 1904 Ambrose Fleming 18491945 professor do University College de Londres que havia assistido às palestras de Maxwell inventou a válvula termiônica descri ta bem antes do microchip como o mais diminuto gigante da história Um passo ainda maior foi dado dois anos depois por Lee de Forest 18731961 em Palo Alto ele adicionou um terceiro eletrodo sob a forma de uma tela entre o catodo e o ânodo da válvula a diodo de Fleming descrita nos Estados Unidos como válvula a vácuo A última foi patenteada pela empresa Companhia Marconi na GrãBretanha e também por HJ Round nesse caso houve conflitos entre patentes que se prolongaram até expirar o prazo da patente de Forest em 1922 Na verdade apenas em 1943 a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que Forest tinha direito exclusivo sobre seu triodo ou audion como ele o chamou O triodo foi mais do que uma melhoria ele permitiu que sinais fracos de rádio não somente em Morse mas em palavras e música fossem ampliados e possibilitou que se cobrissem longas distâncias Era com orgulho que Forest se chamava o pai do rádio O terceiro homem do trio Reginald Fessenden 18661932 um canadense usou um alternador de alta freqüência para enviar o primeiro evento na década pré1914 um concerto com transmissão sem fio enviado de Brant Rock Massa chusetts na véspera de Natal de 1906 e recebido em lugares tão distantes quanto o Caribe O próprio Fessenden tocou violino cantou músicas natalinas e apresen tou o Largo de Hãndel em seu fonógrafo Se alguém estiver me ouvindo disse PROCESSOS E PADRÕES 161 para sua audiência desconhecida por favor escreva para o sr Fessenden em Brant Rock Alguns anos mais tarde Forest que havia feito transmissões a partir de navios da Marinha alcançou audiências diferentes e desconhecidas quando enviou mensagens da Torre Eiffel em Paris que já estava enviando sinais de tempo ver p133 Forest que supostamente não tinha visão comercial mas era um radioama dor nato percebeu a necessidade desse tipo de serviço antes de 1914 Assim insistiu que deveria continuar a apresentar concertos de rádio depois que fez um acordo com a ATT em 1914 pelo qual vendia para a Companhia suas patentes de audion e concordava em ficar fora das transmissões por rádio ponto a ponto de transmissores para receptores específicos Forest queria se concentrar em trans mitir música particularmente ópera para a casa das pessoas e em 1910 fez transmissões diretamente do Metropolitan Opera House de Nova York com Enrico Caruso como um dos solistas Ele já havia pensado sobre a radiodifusão como um meio de comunicação e acreditava mesmo antes que a tecnologia permitisse em especial em relação à produção de receptores que ela poderia se transformar em um grande negócio Enquanto a Europa mas não os Estados Unidos estava em guerra ele transmitiu a partida de futebol americano Yale x Harvard em 1916 na noite da eleição do mesmo ano manteve no ar uma cober tura de seis horas sobre os resultados da disputa presidencial que levou Woodrow Wilson 18561924 à Casa Branca erroneamente divulgou que Wilson havia perdido como aliás fizeram alguns órgãos de imprensa Mesmo em 1916 a maioria dos especialistas britânicos em transmissão sem fio inclusive figuras proeminentes da Sociedade de Radiotelegrafia de Londres que tinha Crookes e Lodge como membros honorários não estava convencida de que a telefonia sem fio tivesse um futuro do tipo imaginado por Forest Não estava muito claro um deles escreveu em 1913 de que região viria a primeira demanda efetiva No entanto no mesmo ano a Illustrated London News mostra va fotografias de ouvintes britânicos em roupas de noite e com fones de ouvido absorvidos em ouvir não palavras ou música mas informações sobre o tempo O presidente da Sociedade em 1914 era Campbell Swinton homem ao mes mo tempo visionário e cauteloso Ele relatou para os associados que com um pouco de imaginação se podia visualizar em um futuro não muito distante esta ções receptoras que estariam colocadas em salões semelhantes a palácios onde as pessoas poderiam ir para ouvir viva voce todos os radialistas famosos do dia embora estivessem a muitos quilômetros de distância Mas esta não era a forma do futuro A telefonia sem fio assim como a telefonia em geral invadiria a casa das pessoas Um magistrado de Londres em um artigo intitulado O renascimento da vida do lar de 1924 chamou a telefonia de um novo vínculo de interesses para a família Esse aspecto do futuro foi imaginado depois de Forest por Arthur Burrows 18821974 que trabalhou para a Companhia Marconi durante a guerra cole 162 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tando editando e distribuindo mensagens interceptadas em transmissões sem fio e do outro lado do Atlântico por David Sarnoff ver p158 Durante a guerra Sarnoff que viria a ser o primeiro administrador comercial da RCA concebeu uma simples caixa de música de rádio funcionando com vários e diferentes comprimentos de onda que poderiam ser mudados com o acionamento de um único interruptor ou a pressão de um único botão O problema de transmitir música já havia sido resolvido dizia ele e não era necessário ter imaginação para prever isso E a música poderia ser suplementada com notícias palestras e comentários Sarnoff estava pensando em irradiar ou disseminar as informações Palavras usadas nessa área como cultura foram retiradas de agricultura e não da tecno logia ou da indústria difundir as sementes era lançálas livremente não fazendo furos ou jogandoas em fileiras A dispersão como já vimos ver p157 foi inicial mente considerada uma desvantagem comercial No entanto quando a radiodifu são começou a ser percebida como um meio de comunicação a desvantagem foi transformada em razão de ser Sarnoff desejava tornar o rádio um utilitário doméstico como um piano ou um fonógrafo Ele sugeriu também que cada novo assinante do serviço recebesse cópias do jornal interno da Companhia Marconi o Wireless Age que havia alterado seu nome para Marconigraph em 1913 Por incrível que pareça foi o responsável britânico pela previsão de tempo que incorporou a publicidade a seus prognósticos Não haveria dificuldade téc nica explicava Burrows para uma agência de propaganda inserir nos intervalos dos programas musicais anúncios audíveis com apelos enérgicos ou patéticos no tom apropriado em nome de algum sabão ou extrato de tomate Houve outros fatos inusitados Para o financiamento de programas Sarnoff organizou um consórcio superpoderoso de comerciantes e fabricantes de rádio cobrindo todo o país similar ao que o correio britânico acabara congregando em Londres em 1922 e de onde surgiu a BBC como monopólio Para Sarnoff a própria indústria tinha a responsabilidade de manter e apoiar as estações transmissoras de modo que os aparelhos vendidos ao público e comprados por ele não sejam como um refrigerador sem gelo A BBC idealizada como um grande monopólio por motivos técnicos teve seu faturamento inicial proveniente dos direitos de venda de aparelhos sem fio e taxas de licenças e não de publicidade O monopólio foi estabelecido por causa de uma decisão do governo como havia demandas rivais com relação ao acesso a um espectro escasso ele estabeleceu que somente uma organização de radiodifusão entraria em funcionamento Nos Estados Unidos sem uma organização como os correios por trás e sem o desejo de regulamentar o espectro escasso essa solução nem foi considerada A RCA não conseguiu agir como monopólio Tam pouco a ATT como transportadora comum obteve sucesso em seu esforço de promover a programação com a venda de tempo na rede por meio de uma taxa a PROCESSOS E PADRÕES 163 ser paga pelos futuros assinantes do mesmo modo como havia vendido o tempo na telefonia A radiodifusão nos Estados Unidos teve um início muito diferente Uma enorme demanda por aparelhos de rádio em 1922 descrita como uma verdadeira mania semelhante ao que aconteceu anteriormente com os canais e as ferrovias pegou o país de surpresa Como reação surgiu um grande número de estações de todos os tipos algumas associadas a jornais outras a organizações de venda a varejo outras ainda ligadas a cidades escolas ou universidades Um observador da época dizia que qualquer coisa que pudesse falar era chamada de estação de rádio Em maio de 1922 o Departamento de Comércio já havia concedido mais de 300 licenças para radiotransmissão As primeiras estações ficaram conhecidas como as de Chelmsford e Writtle seriam na Inglaterra por seus sinais de chamada e a KDKA foi considerada a primeira de todas inaugurada em 1920 em Pittis burgh O responsável pela iniciativa era um diletante no ramo do rádio Frank Conrad engenheiro da Westinghouse que usou uma loja de departamentos para anunciar seus concertos sem fio Houve um interesse particular de Westinghou se quando descobriu que os discos que Conrad tocava vendiam mais na loja graças às transmissões A rotatividade das estações foi alta e no início todas usavam o mesmo com primento de onda 360 metros criando caos no éter a ruína que fora prevista antes da guerra No final de 1922 o número de licenças havia alcançado a marca de 572 Jornais e periódicos produziam suplementos para o rádio encorajando o público a comprar aparelhos Cerca de cem mil aparelhos foram vendidos em 1922 e em 1923 mais de meio milhão deles Por volta de 1925 havia 55 milhões de aparelhos em uso nos Estados Unidos praticamente metade do total mundial O número de empreendimentos individuais de radiodifusão cairia e finalmente surgiriam redes poderosas a primeira delas sendo a NBC a National Broadcasting Company lançada por Sarnoff como um serviço público A segunda a CBS Columbia Broadcasting System foi criada em 1927 pelo homem que se tornaria o principal rival de Sarnoff William Paley 190190 Paley que havia trabalhado para a agência United Independent Broadcasting começou no rádio anunciando o comércio de charutos de seu pai A participação das redes aumentou de 64 das estações de transmissão em 1926 para 30 em 1931 ao mesmo tempo diminuiu o número de radioamado res que haviam lutado pela introdução de programas e de muitos proprietários de pequenas transmissoras Para os radioamadores permaneceu o desafio de tentar captar as mensagens mais distantes Todavia no caso dos proprietários locais que tentavam como em Chicago se concentrar não na transmissão distan te mas na próxima houve um desapontamento geral à medida que a elevação do poder das redes se manifestava no aumento de programações semelhantes Para os fãs do radioamadorismo que não tinham interesse no conteúdo das mensagens 164 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA que recebiam o rádio era um esporte Para as redes tratavase de um grande negócio A publicidade tornouse a dinâmica financeira Criticada por diversos seto res da imprensa também foi atacada em 1922 e 1923 por Herbert Hoover 1874 1966 futuro presidente dos Estados Unidos e então secretário do Comércio em uma frase notável ele declarou ser inconcebível permitirse que um grande potencial para uso em serviços notícias lazer e educação e em objetivos comer ciais vitais fosse afogado por tagarelice publicitária Ele estava errado e em 1927 quando tornouse presidente e fez aprovar a primeira lei governamental estabele cendo a Comissão Federal de Rádio um exercício limitado de regulamentação ela não falava de serviço mas de interesse público utilidade necessidade Edgar Felix um dos primeiros consultores de propaganda de rádio olhava entusiasticamente para a época na qual havia ocorrido a expansão antes de qual quer regulamento Que gloriosa oportunidade para o publicitário difundir sua propaganda de venda Havia uma audiência incontável disposta entusiástica curiosa interes sada à procura de divertimento e alcançável na privacidade de seus lares A Westinghouse concordava A propaganda radiofônica assegurava a compa nhia era o meio moderno de expressão dos negócios Operando com companhas cada vez mais sofisticadas articulava a indústria Os negociantes norteamerica nos graças ao rádio têm disponível o fecho da porta de quase todas as casas dos Estados Unidos Frank Arnold diretor de desenvolvimento da NBC chegou a chamar a radiodifusão de a quarta dimensão da propaganda A GrãBretanha e a maioria dos países da Europa não tinham a mesma visão A Holanda abriu o caminho para transmissões regulares emitindo programas a partir de Haia em novembro de 1919 pela PCGE uma estação lançada pela Nederlandse RadioIndustrie Até 1927 havia somente um transmissor holandês que era dividido sem uniformidade embora em consonância com a história do país entre cinco pilares cada qual fincado em uma base religiosa Na Inglaterra o caminho foi diferente Embora a British Broadcasting Company só recebesse licença dos correios em janeiro de 1923 ela transmitiu seus primeiros programas em 14 de novembro de 1922 Burrows leu o boletim de notícias das seis horas em duas velocidades baixa e alta em um receptor comum de telefone ligado ao transmissor 2L0 da Companhia Marconi Na antípoda Nova Zelândia no mesmo dia houve a primeira transmissão de mensagens de rádio Como alocar os escassos comprimentos de ondas este foi o tema de difícil barganha nacional que se tornaria internacional em 1926 Em julho daquele ano foi criado e adotado a duras penas o Plano Genebra para comprimentos de ondas na Europa um ano depois o Congresso Mundial de Radiotelegrafia em Washing PROCESSOS E PADRÕES 165 ton o primeiro do tipo desde 1912 examinou o que Hoover chamou de conges tão das rotas em que são conduzidas as comunicações Um congresso posterior em Praga em 1929 organizado por autoridades governamentais e técnicas dei xou para os governos nacionais inclusive a União Soviética não representada em Genebra ou Washington a tarefa de detalhar as alocações para elas reservadas dentro de um total geral Todo ano a União Soviética comemorava no dia 7 de maio o aniversário da demonstração do rádio feita por Popoff em 1895 e a primeira transmissão pública foi feita em 1919 no entanto não havia uma au diência de rádio em larga escala antes do final da década de 1920 Em todos os países interessados no desenvolvimento da radiodifusão a atividade foi deixada para as novas instituições criadas locais regionais ou nacio nais que cresceram rapidamente na década de 1920 Elas empregavam a mesma tecnologia de rádio mas tinham estruturas diferentes Algumas eram comerciais outras controladas pelo governo outras ainda como a BBC moldada por John Reith 18891971 não eram comerciais nem controladas pelo governo Entre tanto independentemente de sua estrutura elas tinham que dividir o que foi chamado de papel de corretagem cultural com a indústria de gravação de discos o cinema as artes cênicas os esportes e até com os jornais Cada um desses itens tinha sua própria história e organização O mesmo aconteceu com o que mais tarde seria conhecido por telecomunicações Houve choques antes da fusão em 1927 do Eastern Group uma corporação poderosa com a Companhia Marconi para constituir a Cable and Wireless empresa com um futuro bastante ativo Houve um ponto simbólico no tempo depois que a radiodifusão se estabe lecera quando a história inicial da radiotelegrafia chegou ao fim um ponto de silêncio Marconi morreu em 20 de julho de 1937 e no dia seguinte quase todas as estações transmissoras do mundo inclusive as estações de radiodifusão pelas quais ele nunca se interessara muito permaneceram em silêncio durante um ou dois minutos Foi um momento único na história Cinema e televisão Em tempos calmos o rádio trouxe mais barulho para o mundo inclusive música ambiente não apreciada por pessoas que sentem que a música deve ser ouvida com atenção Enquanto isso a história do cinema no início cinema mudo que começou antes de Marconi não serviu como modelo para Reith Nos Estados Unidos e na GrãBretanha as origens do rádio e do cinema foram bem diferentes No entanto haveria interação entre rádio e televisão entre transmissão de ima gens e palavras Em sua forma original a televisão não permitia aos usuários trocar para um canal internacional como faziam os aparelhos de rádio embora houvesse um crescente tráfego internacional de imagens A produção e o controle 166 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA das imagens nas telas de televisão estavam em mãos de corporações que haviam trabalhado com o som antes das imagens na época em que o cinema mostrava imagens sem som O desenvolvimento do cinema e da televisão dependia da câmera a qual tem uma longa história atrás de si a camera obscura câmera escura fora durante sécu los uma ferramenta para os artistas A nova câmera do século XIX foi desenvolvida primeiro na França e na GrãBretanha e posteriormente de forma revolucionária nos Estados Unidos Em 1802 um membro da família Wedgwood havia redigido uma Descrição de um método para copiar pinturas no vidro e para fazer silhuetas pelo efeito da luz no nitrato de prata Mas foi um pesquisador francês Joseph Nicéphore o que traz a vitória Niepce quem produziu a primeira fotografia da vida por meio do que chamou de heliografia logo após as guerras napoleônicas a palavra fotografia foi cunhada por Wheatstone Niepce informou a Sociedade Real de Londres de seu sucesso em 1827 mas foi seu jovem sócio Louis Daguerre admitido em 1829 quem desenvolveu as primeiras imagens fotográficas precisas dando a elas o nome de daguerreótipos e distribuiu detalhes de seu processo fotográfico em Paris no interesse das ciências e das artes em 1839 O Estado orgulhoso da proeza científica francesa adquiriu os direitos de monopólio de seu trabalho mas logo renunciou a eles e declarou a fotografia aberta para o mundo todo No entanto o anúncio fora menos dra mático do que parecia pois a invenção havia sido astutamente patenteada antes em Londres onde permaneceu protegida Assim mesmo houve uma certa com petição Também em 1839 em Londres William Henry Fox Talbot 180077 que havia trabalhado ao mesmo tempo que Daguerre mas empregando um processo inteiramente diferente usando nitrato de prata e produzindo negativos sobre papel demonstrou seus calotipos Chamouos de desenhos fotogênicos para amantes da ciência e da natureza ao apresentálos na Royal Society As imagens eram mais delicadas do que os daguerreótipos e dizse que em 1840 o suíço Johann Baptiste Isenring mostrou um método para colorilas No entanto somente em 1861 a primeira fotografia em três cores foi feita por um grande cien tista famoso em outros campos James Clerk Maxwell ver p139 e 155 ela só podia ser vista através de um projetor O desenvolvimento subseqüente da fotografia foi uma realização do século XX Os primeiros daguerreótipos de muito sucesso eram objetos únicos vistos como expressões de arte que não permitiam reprodução múltipla e seu sucesso pode ser medido estatisticamente O número de daguerreotipistas cresceu rapida mente em diversos países a começar pela França onde se falava de daguerréoma nie Havia dez mil deles na América em 1853 entre eles Samuel Morse ver p139 e na GrãBretanha havia cerca de dois mil fotógrafos registrados no censo de 1861 ano em que a Photographic News descreveu o retrato fotográfico como a melhor PROCESSOS E PADRÕES 167 forma de artes plásticas dos milhões de formas que a engenhosidade do homem jamais imaginou Ela varreu muitas diferenças restritivas de hierarquia e riqueza Contudo a fotografia ganhou favorecimentos especiais de políticos e da realeza A rainha Vitória e o rei Alberto compraram seus primeiros daguerreótipos em 1840 Daguerre dedicou um a Metternich As patentes de Daguerre foram alvo de uma disputa legal em Londres e somente depois de propostas da Royal Society em 1852 as patentes de Talbot em 1854 foram liberadas Anteriormente uma nova era de placa de vidro molhada tinha começado em 1851 ano da morte de Daguerre quando Frederick Scott Archer um dos primeiros 12 membros do Clube de Calotipos de Fox Talbot inventou um processo com colódio que tornava as imagens mais nítidas colódio era algodãopólvora dissolvido em éter O processo de aprimoramento tecnoló gico continuou com ligeiros melhoramentos nos processos e ligeiras variações nos resultados sendo discutidos com animados detalhes nas palavras de lady Eastlake a mulher do presidente da Sociedade Fotográfica de Londres como se envolvessem o futuro da humanidade No entanto nem tudo era ligeiro e havia interessantes experiências novas em estereofotografia o lema da Stereoscopic Company de Londres era nenhum lar sem estereocopia e como medida correta nenhuma escola também Entre tanto a estereocopia se tornou uma moda passageira expressão de uso consa grado na história da mídia O desenvolvimento da fotografia tomou um caminho diferente quando na década de 1870 placas de gelatina seca que podiam ser fabricadas industrialmente foram usadas na GrãBretanha na França e nos Esta dos Unidos Enquanto isso o tamanho e os custos das câmeras caíram quando o empreendedor norteamericano George Eastman nascido em 1854 era um ban cário que se transformou em fabricante fotográfico criou um grande mercado Vivamente interessado por tudo de novo que era mostrado na Exposição de 1876 na Filadélfia 12 anos mais tarde Eastman deu sua contribuição para a lista das coisas mais famosas do século a câmera Kodak usada por qualquer um em qualquer lugar Ele acreditava com razão que o nome Kodak seria fácil de lem brar em qualquer língua Também tinha um lema Aperte o botão nós fazemos o resto Mais de 90 mil Kodaks baratas foram vendidas em cinco anos Comparadas a câmeras posteriores elas não tinham sistemas de foco e possuíam somente uma velocidade de disparo a arte vinha da fotografia mas tinham tempo de exposição de somente um vigésimo de segundo e eram vendidas já carregadas com um rolo de papel negativo suficiente para produzir cem imagens Quando o rolo acabava a câmera era empacotada e enviada para a fábrica Eastman onde era descarregada recarregada com filme novo e devolvida ao consumidor em dez dias Com isso e de outras maneiras os Estados Unidos estavam estabelecendo o ritmo de evolução de uma sociedade de consumo registrada generosa e brevemen 168 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA te em instantâneos Como o telefone e o rádio a câmera foi produzida para uso doméstico e para milhões No decorrer do tempo o mesmo aconteceu com os aparelhos elétricos em âmbito maior do que os profetas da eletricidade haviam antecipado A tecnologia que deveria se tornar amigável para o usuário mas que nem sempre conseguia continuaria a se desenvolver no século XX mas o desenho desses objetos seria influenciado também pela moda Não foi apenas nos Estados Unidos que as novas tendências sociais que também refletiam as mudanças demográficas se tornavam evidentes A indus trialização havia aumentado imensamente a riqueza material e o número de horas de lazer em todos os países industrializados havia muitos exemplos de luxos que se tinham tornado necessidades Alimentos e outros produtos receberam marcas registradas inclusive os itens tropicais importados A propaganda passou a ser usada tanto para lançar produtos quanto para aumentar as vendas inclusive propaganda elétrica como anúncios em néon Em todos os lugares as cidades cresceram estendendose para novos subúrbios com bondes gôndolas do povo como Richard Hoggart descreveu as versões britânicas e metrô tornando possível o movimento diário das pessoas para dentro e fora dos centros urbanos O comutador precedeu o computador no mundo preparado para o florescimento do que veio a ser chamado de mídia de massa a velha mídia era a imprensa líder do processo A introdução da imagem em movimento foi a maior alteração tecnológica daquele momento contudo antes que ela se tornasse usual já se debatia se a fotografia era uma forma de arte antecipando discussões semelhantes sobre o cinema Fox Talbot não tinha dúvidas e a fotógrafa Juba Margaret Cameron que ilustrou o livro Idylls of the King de Tennyson foi chamada de Rembrandt da arte fotográfica inglesa No mesmo grupo estavam o sueco Oscar Gustav Rejlan der e o inglês Henry Peach Robinson que explicaram como e por que havia aspectos individualizados tanto em uma boa fotografia quanto em um desenho ou uma pintura Imagens em movimento revificariam o argumento mas suas origens eram mecânicas e pertenciam ao mundo dos brinquedos Elas tinham nomes menos memoráveis que Kodak Praxinoscópio Phenakisti s cope e depois que as fotografias começaram a ser usadas no lugar de pinturas Kaamatografia O pri meiro a empregar uma câmera com sucesso formando uma seqüência de modo a transmitir um sentido de movimento muitas tentativas anteriores falharam foi Eadweard Muybridge 18301904 Sua série cronofotográfica de movimen tos de cavalos feita em 1872 para o governador da Califórnia que gostava muito desses animais provou que um cavalo ao trotar por vezes ficava com todas as patas fora do chão Muybridge ou Edward Muggeridge era um inglês nascido em Kingston upon Thames cujas experiências pessoais incluíam uma acusação de homicídio PROCESSOS E PADRÕES 169 com posterior absolvição Ele divulgou seu trabalho em Animal Locomotion 1888 e Animais in Motion 1899 Ao mesmo tempo o médico e professor uni versitário francês Etienne Marey 18301906 divulgava seu próprio trabalho em Le Mouvement 1894 ele registrou múltiplas imagens de pássaros em vôo em um único filme Muybridge abriu um Espaço Zoopraxográfico na exposição sobre Colombo em Chicago no ano de 1893 onde uma exibição fotográfica de cavalos e ginastas saltando foi a grande atração popular Um ano mais tarde Edison que tinha instalado um laboratório em Menlo Park em 1876 ano em que também houve uma grande exposição colocou à venda sua patente do kinetoscópio um aparelho que tornava possível ver individual mente um filme em movimento com a ajuda de um visor Inspirado por Muy bridge e provavelmente por Marey ele tencionava fazer para o olho o que o fonógrafo ver p180 fez para o ouvido No entanto sua ambição prática era li mitada primeiro concebeu um kinetoscópio como um cinema a ser visto por uma pessoa de cada vez a pessoa colocava uma moeda e via as imagens por um orifício em um brinquedo de parque de diversões Edison não acreditava que usar o aparelho para projetar imagens em uma tela fosse financeiramente rentável Mas entre 1893 e 1895 dois de seus técnicos WKL Dickson e William Heise fizeram uma série de filmes interessantes de 20 minutos no primeiro estúdio cinematográfico do mundo o Black Maria entre eles Bar Room Brawl e Edison in Laboratory Em novembro de 1895 Max e Emil Skladanowsky rodaram nove filmes em Berlim usando o sistema Bioskop por eles criado que incluíam cangurus lutando com luvas de boxe Um mês depois Edison apresentou seu cinematógrafo uma nouveauté du jour para uma platéia de 35 pessoas no Grand Café em Paris em 1895 no ano seguinte fez o mesmo para uma platéia ainda maior no Empire Music Hall em Leicester Square Londres O programa londrino foi muito varia do começando com uma abertura e incluindo um grupo de dançarinos russos e atos de acrobacia Um dos filmes mostrados era A chegada do expresso de Paris outro De barco no Mediterrâneo Lumière foi um de dois irmãos que fez filmes mais tarde chamados docu mentários O escritor russo Máximo Gorki 18681938 que viu e apreciou al guns disse que o filme era nascido da vida Havia outros cineastas como Georges Méliès 18611938 que tinha experiência com mágica e acreditava que a ilusão era a força do que veio a ser chamado o cinema Outros diretores estavam de olho no teatro De fato em 1906 um observador sustentava que em vez de tomar o lugar do papel ilustrado como o cinematógrafo fez no início quase exclusivamente ele estava tirando o lugar do teatro Na verdade o formato dos filmes provou ser tão adaptável como o romance em que se baseava e enquanto alguns cineastas que seriam tratados por sofisticados críticos como auteurs ti nham por objetivo a arte uma nova platéia de massa se formava por causa dos 170 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA filmes platéia muito maior que a do teatro no que seria chamado a era de ouro do cinema O termo se aplicaria a outros meios de comunicação inclusive a radiodifusão que novamente criaria uma grande variedade de programas No entanto isso levou tempo tanto tempo quanto aquele de que o cinema precisou para desenvolver suas formas e instituições próprias embora Edison tivesse se convertido rapidamente ao novo meio beneficiandose de suas patentes e trabalhando estreitamente com Eastman A França dominou a produção inicial mas houve cineastas ativos em outros lugares inclusive na GrãBretanha onde Brighton despontou como um dos primeiros centros A obra desses realizadores foi reavaliada nos últimos anos O Cinema de Atrações como foi chamado aproximou uma rica variedade de tradições de representação RW Paul por exemplo que começou a carreira no cinema reduplicando o kinetoscópio de Edison que não estava na época patenteado em Londres produziu em 1896 um filme de 26 segundos sobre um dia de corridas Nos Estados Unidos em 1898 mostravase um jovem desenhista de histórias em quadrinhos JS Backton fa zendo um esboço do retrato de Edison Na França Francis Pathé produziria dois anos depois a primeira versão da vida de Cristo O drama da Paixão inspirou inúmeros cineastas norteamericanos e em 1914 os Estados Unidos estavam em segundo lugar no mercado de exportação de filmes Nessa época Hollywood na Califórnia que seria o centro da futura era de ouro já havia produzido seu primeiro filme Ainda era uma cidade mínima com pequenos bosques de laranjas recémintegrada 1903 ao crescente comple xo metropolitano de Los Angeles Todavia mesmo antes de 1914 Hollywood já tinha suas estrelas de cinema entre elas Charles Chaplin 18891977 natural de Londres exartista de espetáculos de variedades na Inglaterra Na atividade cinematográfica extremamente influenciada por considera ções de mercado havia maior divisão na Europa entre produção e distribuição do que entre representação e produção Os proprietários de salas de espetáculos e os empresários foram as primeiras pessoas na GrãBretanha e na França a passar filmes e somente em 1904 podiamse alugar filmes em vez de comprálos No final da década foram abertas salas especiais para exibilos a primeira delas na GrãBreta nha em Colne Lancashire A primeira sala de cinema norteamericana foi aberta em Pittsburgh em 1905 Na França Charles Pathé criou suas próprias salas de projeção O mesmo fez Gaumont que deu seu nome a uma cadeia delas Outra palavra usada para denominar os teatros ou salas era bioscope termo anterior mente empregado por um inventor alemão Durante a idade de ouro os maiores cinemas uma palavra adotada mais tarde para designar as salas se transformariam em glamourosos palácios de sonhos oferecendo outras atrações além de filmes inclusive música tocada em enormes órgãos Wurlitzer café e doces em seus bares Também havia cinemas PROCESSOS E PADRÕES 171 pulguentos embora nos tempos do cinema mudo eles também tivessem pia nistas ao vivo acompanhando o filme na tela Entre 1913 e 1932 o número de cinemas na cidade de Liverpool para tomar apenas um exemplo aumentou de 32 para 69 enquanto o número de teatros caiu de 11 para seis Estimavase em 1932 que pelo menos quatro em cada dez pessoas em Liverpool iam ao cinema uma vez por semana e uma pessoa em cada grupo de quatro ia ao cinema duas vezes por semana Enquanto isso como registrou Gilbert Seldes autor norteamericano de uma análise pioneira sobre o assunto The Great Audience 1951 devagar mas inexoravelmente a atividade cinematográfica passou das mãos do que cha mou de homens agressivos e ignorantes sem gosto ou tradição mas com um senso altamente desenvolvido de negócios para as mãos de grandes corporações Em 1909 a Provincial Cinematograph Theatres Ltd foi estabelecida na GrãBreta nha com um capital inicial de cem mil libras Vinte anos mais tarde houve duas grandes fusões a GaumontBritish Picture Corporation 1927 que tinha ligações com a Fox Films dos Estados Unidos e possuía 300 cinemas e a Associated British Cinemas 1928 ligada à First National norteamericana e à Pathé esta última começou com 28 salas e em um ano tinha 88 Uma terceira companhia surgiu em 1933 o Odeon Circuit embora não produzisse filmes O padrão de filmagem fora afetado pela existência das patentes de Edison nacionais e internacionais Em 1908 as dez maiores produtoras e fornecedoras norteamericanas todas usando as patentes de Edison em acordo feito com ele tentaram formar um conglomerado que representaria um monopólio a Motion Picture Patents Company Na época os chamados independentes termo usado anteriormente com relação à arte e aos negócios tinham chegado a Hollywood E também Chaplin que havia trabalhado primeiro em Nova York nos Keystones Studios de Mack Sennett 18881960 estrelando comédiaspastelão O primeiro filme de Chaplin em Hollywood Making a Living 1914 rendeulhe elogios em todo o mundo e generosos contratos Não poderia haver estrelas sem fãs e ambos estavam em evidência antes de Hollywood Também no teatro havia os chamados ídolos de matinê Os motivos que levaram Chaplin a mudarse para Hollywood ligavamse a seu trabalho e não ao desejo de ganhar mais dinheiro Cansado das guerras de tortas de Sennett sempre com a mesma fórmula Chaplin fundou seu próprio estúdio e uma companhia a United Artists em 1919 com Douglas Fairbanks 18831939 Mary Pickford 18931979 que havia adquirido status de estrela a primeira mulher a conseguilo e DW Griffiths 18751949 Quatorze anos mais velho que Chaplin Griffiths tinha produzido um dos primeiros clássicos termo que se tornaria comum no futuro de Hollywood O nascimento de uma nação 1915 Era um filme longo integrado por atores brancos e efeitos de multidões gigantescas sendo freqüentemente reinterpretado desde 1915 tal como 172 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA uma ópera de Verdi Na época o presidente Woodrow Wilson descreveuo como ler história por flashes de luz Ele não fez comentários sobre a duração do filme Já em 1920 havia rumores sobre chaplinices para designar um filme que era acompanhado por produtos música danças bonecas e mesmo coquetéis uma combinação que se tornou familiar no cinema e mais tarde no esporte Os filmes de Chaplin da década de 1920 particularmente Em busca do ouro 1928 promoveriam um personagem mítico Caracterizado como o Vagabundo o Carlitos Chaplin era apreciado por sua graça e humor pelo senso de oportuni dade e por seu pathos Sennett consideravao o maior artista que já viveu Sua fama continuaria a crescer enquanto emergiam outras estrelas muito diferen tes dele como Rodolfo Valentino 18951926 o grande amante Depois que o inigualável crescimento dos Estados Unidos na década de 1920 foi sucedido pela igualmente enorme depressão iniciada em 1929 o filme Tempos modernos 1936 de Chaplin que mostrava linhas de montagem em uma indústria semelhante à do fabricante de automóveis Henry Ford 18361947 fascinou tanto os histo riadores sociais quanto O nascimento de uma nação havia fascinado Wilson em 1915 Outros filmes produzidos nas décadas de 1920 e 1930 conseguiram reputação semelhante Por exemplo Metrópolis de Fritz Lang realizado na Alemanha em 1927 é um assombroso retrato da vida na cidade Lang 18901976 nascido um ano depois de Chaplin também lidou diretamente com mitos Die Nibelungen 1924 e deu início aos filmes com atmosfera de crimes com Dr Mabuse der Spieler 1922 Seu primeiro filme falado o policial M feito em 1931 era o seu favorito Como o romance o filme tinha um formato internacional e entre os grandes diretores conhecidos estavam o russo Sergei Eisenstein 18981948 o japonês Akira Kurosawa 191098 e o sueco Ingmar Bergman 1918 cujo pai era pastor luterano e capelão da família real sueca Entretanto na história do romance nunca uma única cidade reinou como centro de atividade como Hollywood para os filmes com seu poderoso sistema de estúdios Do exterior por diversas razões inclusive políticas tanto atores quanto diretores se dirigiram para Holly wood Chaplin que nunca se tornou cidadão norteamericano acabou emigran do em 1952 quando uma caça às bruxas anticomunista foi feita pelo FBI Durante muito tempo houve censura em Hollywood sob a forma de um código O homem que arquitetou o código em 1930 WH Hays 18791954 foi presidente dos correios do governo Harding tendo sido recrutado para Hollywood em 1923 O contexto do setor de filmes e romances era totalmente diferente Entre os independentes que se mudaram para Hollywood Adolph Zukor 18731976 depois de ter ajudado a destruir a Motion Picture Patents Company passou ele próprio para uma atividade integrada mudando da produção para a distribui ção Foi ele também que abriu o caminho de Hollywood para Wall Street quando em 1919 levantou fundos com o lançamento de dez milhões de dólares em ações PROCESSOS E PADRÕES 173 Figura 19 O cantor de jazz Multidões juntamse para ver Al Jolson no primeiro filme falado produzido pela Warner Brothers em 1827 preferenciais a primeira grande tentativa de financiar cinema pelo mercado de capitais Dois anos depois controlava mais de 300 cinemas As reclamações que Zukor tinha ouvido antes eram agora feitas contra ele com suas ações ficou difícil para produtores e distribuidores pequenos e independentes entrarem ou perma necerem na indústria cinematográfica ou mesmo lançar bons filmes individuais A dificuldade permaneceria da mesma maneira como acontecera nas estruturas corporativas de radiodifusão que se tornaram fortes Os magnatas que manda vam no sistema iriam ficar No entanto surgiu uma nova empresa a Warner Brothers cujos proprietá rios deixaram de ser operadores de entretenimento barato para se tornarem gi gantes da indústria cinematográfica Eles empregariam e criariam muitas estrelas em uma enorme variedade de filmes Foi na Warner que O cantor de jazz o pri meiro filme sonoro famoso realizouse em 1927 dando início à era de ouro do cinema na mesma época o Mickey Mouse de Walt Disney estava sendo desenha do O cantor de jazz custou 500 mil dólares e rendeu cinco vezes mais nas bilhete rias o teste final para qualquer filme comercial Em 1928 o ativo da Warner Brothers estava avaliado em 16 milhões de dólares em 1930 com a forte depres são de 1929 era de 230 milhões de dólares Figura 19 174 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Era dificil que a indústria de filmes de outros países se equiparasse à de Hollywood Mesmo assim com o fim do cinema mudo e a introdução do som a existência de muitas línguas diferentes no mundo descrita nos meios como uma Babel deu aos produtores não norteamericanos uma oportunidade Apesar das diferenças do inglês nos Estados Unidos e na GrãBretanha a Inglater ra não teria essa oportunidade Expressaramse em filmes as culturas nacionais distintas muitas vezes de modo inconsciente outras deliberadamente em espe cial na França e na Alemanha até o advento de Hitler em 1933 enfatizando o papel do cinema como arte Era forte a sensação de que havia uma avantgarde criativa nos filmes Alguns realizadores faziam distinções precisas entre seus produtos e os filmes comerciais exibidos nos cinemas No século XIX George Gissing antecipa ra o que eles diriam quando escreveu sobre literatura no romance New Grub Street 1891 Outra reviravolta aconteceu na década de 1930 A Crise de 1929 estimulou a realização de filmes que expressassem a consciência social de seus diretores Na Europa alguns foram influenciados pelos documentaristas motivados por proble mas sociais e em busca de realidades autênticas Na GrãBretanha John Grier son 18951972 foi o pioneiro na década de 1920 Dez anos depois em 1939 foi nomeado para a chefia do Conselho Nacional de Cinema do Canadá O rádio também exerceu sua parcela de influência Para André Malraux na França o cinema falado só se tornou uma forma de arte quando os diretores perceberam que seu modelo não deveria ser o gramofone mas o rádio Entretanto havia pouco em comum entre as características do rádio e os pródigos musicais coloridos realizados no fim da década de 1930 como O mágico de Oz 1939 ou o épico E o vento levou lançado no mesmo ano Durante a Segunda Guerra Mundial eles seriam vistos por platéias enormes Depois da guer ra deveriam assumir nova existência Os cinejornais eram uma categoria à parte e havia até salas específicas para eles as que alcançaram maior sucesso localiza vamse perto das estações de trem A maior parte das empresas pioneiras era francesa como a Gazette Animée da Pathé Assim como sua rival a Gaumont ela apresentou durante a década de 1920 uma edição feminina A FoxMovietone atravessou o Atlântico em 1929 para produzir durante a década de 1930 um cinejornal falado na GrãBretanha com a voz de Leslie Mitchell que logo se tornaria conhecida na narração depois que lorde Rothmere proprietário do Daily Mail se juntou à Fox para criar o British Movietone News um dos cinco cinejornais da época Em 1933 os cinco grandes estavam produzindo a média de 520 cinejornais por ano Na GrãBretanha a atitude protecionista em relação ao cinema ficou eviden te nos círculos do governo a partir de 1927 Até essa data a única medida gover namental de controle sobre a indústria havia sido uma lei de 1909 que dava às autoridades locais o poder de licenciar as construções a serem usadas como salas PROCESSOS E PADRÕES 175 de exibição e a exercer censura sobre os filmes a própria indústria estabeleceu um Conselho Britânico de Censores de Filmes em 1912 O governo admitiu em 1927 que embora não visse razão para oferecer assistência financeira à indústria britâ nica de filmes havia aspectos que mereciam intervenção pela magnitude daquilo que o Parlamento via como interesses industriais comerciais educacionais e imperiais envolvidos Em 1926 somente 5 dos filmes exibidos na GrãBreta nha eram realizados no país A Lei Britânica de Cinematografia de 1927 descrita por Jeffrey Richards como uma brecha marcante na doutrina em curso do livre comércio controlou a compra por antecedência e a reserva em bloco de filmes elaborou um sistema de cotas mantido em lei posterior de 1937 e criou um Comitê Consultivo de Filmes Cinematográficos para assessorar o Conselho de Comércio sobre a administração da lei Nenhuma empresa produtora de filmes ou cinejornais via a televisão como um adversário em 1927 ou 1933 Na verdade quase nenhum país possuía regular mente canais de televisão embora a palavra houvesse sido inventada em fran cês em 1900 Antes disso ela já contava com uma longa préhistória de expe riências no século XIX remontando em geral à data de 1839 ver p165 marco de referência na história da fotografia No rastro das experiências de Edouard Bec querel Willoughby Smith um dos engenheiros de telegrafia que supervisionaram a colocação do cabo transatlântico ver p132 percebeu em 1873 a correlação entre o comportamento peculiar dos resistores de selênio e a luz do sol Na mesma década um advogado francês sugeriu que o selênio poderia ser usado em um sistema de varredura O que ele tinha em mente no entanto era a transferência de imagens individuais instantâneas mas fugidias e não de imagens contínuas em tela e quando três anos depois o inglês Shelford Bidwell demonstrou a telegrafia de imagens necessariamente de pouca definição à Sociedade de Física de Londres ele era um precursor do fax e não da televisão A base técnica da televisão é diferente da demonstrada por Bidwell sobre a transmissão de fotos estáticas Ela envolve a varredura de uma imagem por um feixe de luz em uma série de linhas seqüenciais movendose de cima para baixo e da esquerda para a direita Quando a luz passa sobre ela cada parte da imagem produz sinais que são convertidos em impulsos elétricos fortes ou fracos Os im pulsos são então amplificados e transmitidos por cabos ou pelo ar por ondas de rádio que são reconvertidas em sinais de luz na mesma ordem e no mesmo valor da fonte original A capacidade que esse processo tem de parecer como imagem completa e em movimento ao olho humano em uma tela depende da retenção da visão Nenhum progresso pôde ser feito até a invenção do amplificador a válvula a chave para a radiotelefonia Há duas possibilidades técnicas de varredura mecânica por meio de um disco e eletrônica com um feixe eletrônico e antes de 1914 houve experiências com as duas Paul Nipkow um estudante de ciência de Berlim concebeu o pri 176 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA meiro scanner mecânico na Alemanha em 1884 embora jamais tenha efetiva m e n t e construído um aparelho Era um instrumento mecânico Elektrisches Teles kop um disco rotativo perfurado em espiral com pequenos orifícios pelos quais passava uma luz forte O scanner eletrônico que se tornou a chave da televisão foi identificado por Campbell Swinton em 1908 Ele sugeriu o emprego de dois feixes de raios catódicos um na estação de transmissão e outro na de recepção defletidos em sincronia pelos campos variáveis de dois eletromagnetos No que se refere ao aparelho de recepção ele não o chamou de televisão o feixe móvel do raio catódico tem somente que sensibilizar de acordo com as varia ções corretas de intensidade uma tela fluorescente adequada para obter o resultado desejado Quando Swinton escreveu essas palavras ele não conhecia as experiências que estavam sendo realizadas em São Petersburgo por Boris Rosing professor do Instituto Técnico que pediu uma patente em 1907 propondo um sistema de televisão que empregava um tubo de raio catódico como receptor O trabalho com esses tubos havia começado na Alemanha mas Rosing desenvolveuos bastante criando protótipos Mas viu sua pesquisa ser esvaziada na Rússia durante a Pri meira Guerra Mundial Depois da Revolução Vladimir Zworykin um dos discípulos de Rosing que emigrou duas vezes para os Estados Unidos na primeira ocasião não conseguiu trabalho patenteou com sucesso um sistema elétrico completo de televisão em 1932 Mais tarde ele foi para a RCA levado por Sarnoff em segredo para dirigir um laboratório onde desenvolveu um novo tubo de câmera o iconoscópio de 240 linhas Em um congresso em Chicago em 1933 Zworykin descreveu seu invento apesar de não fazer qualquer demonstração segundo ele era uma nova versão do olho elétrico Há uma diferença imensa entre previsões com base científica como Zwory kin e especulação popular sobre o futuro das imagens na tela A primeira forma de projeção do futuro contudo nem sempre leva em consideração como bem sabia Marconi as necessidades das empresas ou da propaganda nem do conheci mento Os prognósticos populares poderiam estar mais próximos da realidade em certos aspectos mesmo que fossem muito remotos sob outros Um escritor da Lightning uma das muitas revistas populares de ciência da década de 1980 estava mais certo do que errado quando explicou em 1893 que antes que o próximo século expire os netos da geração atual se verão uns aos outros através do Atlântico e os grandes eventos mundiais ao passarem diante da câmera serão realizados no mesmo instante perante a humanidade PROCESSOS E PADRÕES 177 Outro escritor parecia ter mais o cinema do que a casa em sua mente quando previu que o artista do futuro será capaz de viajar com as corridas de Derby ou Leger as apostas de Cesarewitch ou Jubilee com o jogo de críquete dos Gentlemen contra os Players que não sobreviveu por razões que ele não previu o campeo nato amador de boxe a corrida de barcos de Varsity ou um murro com luvas no National Sporting Club para mostrar a você os espectadores os dirigentes os árbitros os juízes os cavalos os jóqueis os barcos a água os campos espor tivos e tudo o mais e deleitálo com um dia de esportes quando quiser ou quando planejar Como muitos outros visionários o escritor estava comparando visão com audi ção Nenhum escritor focalizou os inventores que poderiam tornar as previsões possíveis ou os dispositivos inclusive as telas que permitiriam aos espectadores uma palavra do futuro acompanhar eventos distantes Quando uma geração depois a primeira propaganda apareceu na televisão a situação havia mudado Os aparelhos de TV televisores foram postos à venda no fim da década de 1920 antes disso não foram objeto de muita discussão E na GrãBretanha o foco agora recaía sobre um inventor um escocês nascido em Helensburg John Logie Baird 18881946 Apesar de ser homem solitário enge nhoso diligente e descuidado seu primeiro scanner mecânico foi feito com uma caixa de chapéus Baird apreciava a publicidade pois dependia de levantar fundos de patrocinadores conseqüentemente fez mais propaganda da televisão em ambos os lados do Atlântico do que qualquer outra pessoa Baird aliás também teve sua primeira vez na verdade duas Trabalhando com um jovem assistente VR Mills ficou emocionado de ver seus próprios dedos aparecerem na tela Mais emocionante ainda para ele foi ver a cabeça e os ombros de seu contí nuo William Taynton que teve medo da luz intensa do arco da lâmpada usada no estúdio Baird ficou tão contente que presenteou Taynton com meia coroa Uma data que merece ser lembrada é o dia 30 de setembro de 1929 quando Baird depois de infindáveis negociações com uma relutante BBC obteve permis são para lançar um serviço experimental de televisão O presidente do Conselho Britânico de Comércio dando sua bênção disse aos espectadores ainda não descritos assim que esperava ansiosamente que esta nova ciência aplicada esti mulasse e criasse uma nova indústria não somente para a GrãBretanha e para o Império Britânico mas para o mundo todo Um ano antes o eminente filósofo e matemático Bertrand Russell tinha avisado a seus leitores que embora houvessem construído um aparelho capaz de transmitir imagens mais ou menos reconhecíveis de naturezasmortas como um desenho uma página escrita ou uma face estaticamente iluminada não existe 178 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MiDIA nem provavelmente existirá no futuro próximo pelo menos que se possa prever aparelho algum capaz de transmitir uma imagem da vida real com movimento como uma corrida de barcos ou de cavalos Russell estava tão errado quanto HG Wells no início do século ao discutir o futuro da aviação A televisão já havia se tornado uma realidade de fato quando uma peça de Pirandello foi televisionada em julho de 1930 Na GrãBretanha as relações de Baird com a BBC e com os correios que deviam aprovar as transmissões experimentais de televisão eram complexas As dificuldades advinham não tanto porque a empresa tinha dúvidas sobre a televi são apesar de alguns dos seus principais executivos realmente sentirem dúvidas mas porque suspeitavam do próprio Baird e acima de tudo de seus associados Um desses associados Isidore Ostrer por um tempo dirigiu a Companhia Gau mont britânica e adquiriu um jornal o Sunday Referee Baird estava interessado em todos os aspectos da televisão inclusive transmissão a longa distância cor e telas grandes mas achou tão difícil trabalhar nos Estados Unidos onde sofria limitações graças aos interesses do rádio quanto na GrãBretanha Todos esses fatores aliados à tecnologia determinaram o futuro da televi são inclusive seu lançamento desde o início todas as vantagens do negócio esta vam do lado das grandes organizações e não de inventores individuais Uma dessas companhias era a então recente fusão que resultou na Electrical and Musi cal Industries Ltd EMI Não houve troca de informações durante a década de 1930 entre a EMI a Marconi Wireless Company a RCA e Baird que foi deixado de lado assim como o inventor norteamericano CP Jenkins que anteriormente havia contribuído para o desenvolvimento do projetor de cinema Da mesma forma que Baird ele fez experiências com scanners mecânicos Um segundo inventor norteamericano Philo Farnsworth nascido em uma fazenda de Idaho que trabalhava no desenvolvimento de um sistema de televi são totalmente elétrico usando equipamentos diferentes dos de Zworykin teve mais sorte Ele fazia parte da diretoria da Philadelphia Battery Company a Philco uma rival da RCA que produzia aparelhos de rádio inclusive para automóveis Farnsworth deixou a Philco amigavelmente e com bom suporte financeiro Mas antes de sair entregou suas patentes para Baird que havia mudado de interesse agora eram os scanners eletrônicos Enquanto isso a EMI tendo acesso às patentes da RCA reuniu uma equipe notável dirigida por outro discípulo de Rosing Isaac Shoenberg que havia trabalhado anteriormente na Compania Marconi A equipe incluía também Alan Blumlein um gênio que cuspia uma idéia atrás da outra Usando uma câmera Emitron eles desenvolveram um sistema de 405 linhas para a GrãBretanha Ao mesmo tempo a Telefunken da Alemanha com interesses tanto em gramofones quanto em rádios e televisores fazia experiências com um aparelho de Zworykin P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 7 9 Na Alemanha assim como na Inglaterra dois sistemas de televisão se con frontavam em meados da década de 1930 em uma disputa que alcançou o clímax na GrãBretanha quando ambos foram colocados frente a frente nos tribunais como poderia ter ocorrido no caso da história das ferrovias no segundo semes tre de 1936 Em janeiro de 1935 um inquérito oficial do governo havia recomen dado a criação de um serviço geral limitado mas definitivo sem fazer sugestões claras sobre a parte financeira e a instalação de um Comitê de Consultoria de Televisão Em resposta a BBC organizou as primeiras transmissões de televisão a partir da Radiolympia a principal feira comercial de rádio em agosto de 1936 O primeiro programa foi chamado Heres Looking at You O julgamento começou seriamente em 2 de novembro quando em uma disputa de sorte o sistema de Baird foi o primeiro sorteado Ele descreveu assim suas instalações construídas de forma cuidadosa e tipicamente britânicas tão sólidas quanto um navio de guerra enquanto MarconiEMI confiantemente escolheu como lema O sistema de hoje e de amanhã Os primeiros estúdios usados pela BBC ficavam no Alexandra Palace um grande centro de entretenimento do século XIX situado no norte de Londres que tinha de órgão a pistas de corrida O próprio Baird estava na época trabalhando no Crystal Palace Assim a avançada tecnologia da televisão se desenvolvia em Lon dres sob mantos vitorianos No entanto a tecnologia da EMI é que poderia ser considerada realmente avançada Cecil Madden que tratava dos programas disse que trabalhar no estúdio de Baird era um pouco como usar o código Morse quando se sabe que na porta ao lado podese usar o telefone Esse julgamento era típico Quando o engenheiro da BBC DC Birkinshaw viu pela primeira vez em 1934 o sistema MarconiEMI equipado com as novas câmeras Emitron ele não teve dúvidas de seu triunfo e tinha uma razão a mais Uma imagem produzida por meios nãomecânicos Nenhum disco zumbindo nenhum cilindro de espe lho silêncio claridade portabilidade Parecia o caminho certo a seguir Ele estava certo Baird que havia feito mais do que qualquer outra pessoa para divul gar a televisão perdeu a disputa e com isso muito mais Ele continuou a trabalhar em televisão até a morte mas sua companhia passou a se dedicar à atividade de recepção em 1939 Um dos engenheiros que haviam trabalhado com Baird e que depois se tornou consultor de radares parte de um sistema próprio para as necessidades da guerra viu o trabalho dele de uma perspectiva a longo prazo No fim da era mecânica escreveu Jim Percy pensava em termos de anéis rodas dentadas e mecanismos que girassem Na realidade não estava dentro da era eletrônica Mal sabia como funcionava um tubo de raios catódicos Mas criou uma demanda Se não fosse pelos gritos e 180 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA berros de Baird e pela divulgação de imagens de 30 linhas em Londres nós não teríamos tido televisão no país antes da guerra Ele demonstrou que a televisão podia ser feita mesmo que de outra forma Em outros países europeus sem um Baird a televisão eletrônica venceu mais facilmente Na Alemanha Fernseh subsidiária da Zeiss Ikon fabricante de câmeras assim como Baird também perdeu para o rival Enquanto isso a produção de câmeras e aparelhos de televisão fazia progressos na Holanda e na Suécia A Philips Company construiu um iconoscópio holandês em 1935 no mesmo ano começou a fazer transmissões experimentais de 180 linhas trocando mais tarde a definição para 450 linhas e depois para 405 como na GrãBretanha Quando a guerra começou em 1939 estavam à venda aparelhos de televisão Philips que podiam ser usados na Holanda e na GrãBretanha Na Suécia em 1939 começaram as transmissões experimentais licenciadas pelo Conselho Sueco de Telegrafia e Rádio AB uma subsidiária da WM Ericsson Telephone Manufactu ring Company Na França as subsidiárias de Baird levaram adiante experiências antes que um iconoscópio fosse instalado na Exposição de Paris de 1937 Uma nova estação foi inaugurada na Torre Eiffel pela Administration des Postes Télégraphes et Téléphones Usando 455 linhas a estação de 1939 tinha capacidade total de 45 mil watts tornandose a mais potente estação de televisão do mundo Enquanto isso a televisão na GrãBretanha era suspensa no início da Segun da Guerra Mundial embora continuasse na Alemanha e na França apesar de forma não regular a televisão só reviveu em Londres em 1946 e mesmo assim só para uma platéia limitada A idade da televisão descrita no próximo capítulo só começaria na década de 1950 ver p165 Nos Estados Unidos e no Japão usa vamse 525 linhas na Europa empregavamse sobretudo 625 linhas Os interesses e as cronologias naturalmente eram diferentes Mas também estiveram presentes os mesmos problemas de controle discutidos por ocasião da radiodifusão Gramofones Um dos primeiros inventores a se interessar pela transmissão de imagens foi Edison mas ele estava envolvido durante a década de 1870 com a transmissão de palavras e música É interessante portanto comparar a história inicial do cinema com a história inicial da indústria do gramofone Uma levava as pessoas para fora de casa e a outra como a televisão o inverso Antes do envolvimento de Edison o fotógrafo francês Nadar concebeu em linguagem bastante apropriada um da guerreótipo acústico que reproduz com fidelidade e continuamente todos os sons PROCESSOS E PADRÕES 181 sujeitos à sua objetividade Como Sarnoff muito depois dele Nadar sugeriu uma caixa na qual melodias poderiam ser gravadas e fixadas como a câmera obscura capta e fixa imagens Ele chamou sua máquina de fonógrafo Edison que com a idade de 30 anos era citado em alguns jornais norteame ricanos como professor Edison transformou o conceito em fato interessado que estava em mais do que gravar sons para seus contemporâneos Depois de um trabalho de equipe meticuloso e bem acompanhado patenteou um registrador telegráfico mecânico em 1877 um ano depois da patente de telefone de Bell No aparelho de Edison um disco recoberto com papel girava em um tocadiscos uma agulha de gravação suspensa por um braço marcava uma série de pontos e traços em espiral Edison não tinha dúvida de que seria capaz de gravar e reprodu zir a voz humana e na revista Scientific American descreveu sua descoberta como uma invenção maravilhosa capaz de repetir a fala vezes sem fim por meio de gravações automáticas Um assinante de telefone dizia Edison poderia ligar seu aparelho a um fo nógrafo a mesma palavra e em cada chamada informar à estação que havia saído e voltaria dentro de certo tempo Do mesmo modo um assinante ligando para outro que tivesse saído seria capaz de dizer o que quisesse e suas palavras seriam gravadas em um fonógrafo Com essa perspectiva em mente Edison estava à frente de seu tempo assim como estavam os profetas da telefonia móvel Ele também visualizou como Bell que construiu um grafofone o uso possível do fonógrafo como máquina de ditado para escritórios o que complementaria outra grande invenção do século XIX a máquina de escrever da qual já havia muitas versões Como sempre os jornalistas foram a princípio mais longe do que Edison ao refletir sobre múltiplos usos Para a revista Leslies Weekly o fonógrafo viraria todas as velhas trilhas de pernas para o ar e estabeleceria uma ordem de coisas que jamais poderia ser sonhada mesmo por uma prodigiosa imaginação como a da rainha Scherazade nas Mil e uma noites Edison não teria gostado dessa lingua gem mas em 1878 ele também estava sugerindo dez usos possíveis para o fonógra fo Este podia ser totalmente dedicado à música por exemplo mas o quarto item mencionado por ele seria servir como um gravador familiar um registro de falas reminiscências etc de membros da família e suas palavras perdidas A Electric World de 1890 atormentava seus leitores com uma atração ainda mais futurística Imagine uma entrevista com Gladstone ou Bismarck reproduzida não somente com as palavras mas com todas as entonações dos grandes estadis tas O escritor não estava pensando em aulas mas em jornais fonográficos en trando nos lares Na realidade o aparelho de Edison efetivamente gravou Glads tone o poeta Robert Browning e o cardeal Manning Durante os primeiros anos da indústria fonográfica quando o crescimento do mercado era lento Edison e Bell travaram ferozes disputas de interesse antes 1 8 2 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA que um forasteiro Jesse H Lippincott um negociante de Pittsburgh manobrasse para controlar os dois em 1888 e ir à falência rapidamente dois anos mais tarde No ano seguinte havia outra empresa a considerar a Columbia Phonograph Company Antes disso Emile Berliner 18511921 um inventor de origem ger mânica que havia primeiro trabalhado com Bell de quem se desligara em 1883 já tinha entrado em cena A partir do trabalho de outros inventores Berliner em 1888 desenvolveu um novo aparelho tocadiscos com ranhuras que chamou de gramofone Mais bem desenvolvido tecnicamente por Eldridge Johnson que in troduziu os marcadores de direção e velocidade o gramofone se tornaria um produto de sucesso nos anos seguintes A tecnologia por trás dos dois produtos era diferente mas as intenções dos inventores também Profundamente interessado na qualidade de gravação de música clássica pois era um amante de música Berliner optou pelo uso de uma matriz para duplicar as gravações sonoras A capacidade de repetição importava para ele mais do que inicialmente para Edison ou Bell Em muito pouco tempo Edison reconheceu que os discos planos de Berliner chapas como ele os cha mou e que vieram a ser conhecidos como discos eram mais populares do que seus cilindros Porém na primeira década do século XX depois de uma negocia ção de patente compartilhada em 1901 e do fim do prazo de validade de outras patentes de Edison em 1903 o preço dos cilindros caiu Os novos processos téc nicos foram amplamente responsáveis por isso A estrutura das empresas era complexa e diferia nos dois lados do Atlântico Nos Estados Unidos a Victor Talking Machine Company se estabeleceu em 1901 e exerceu um controle sobre a indústria fonográfica norteamericana por mais de meio século Seu método seguia o que Michael Chanon chamou de um modelo de consumo o disco era tratado como livro e não como fotografia No entanto artistas de sucesso ganhariam muito dinheiro com seus discos muito mais do que a maioria dos escritores ganhavam com seus livros O tenor italiano Enrico Caruso que fez sua primeira gravação com qualidade em 1901 e teve seu primeiro milhão de discos vendidos em 1904 ganhou dois milhões de dólares só com a venda de discos até sua morte em 1921 A organização da música clássica e popular e as fortunas dos músicos baseadas em direitos de exibição seriam transformadas pelo aparecimento do que primeiro foi chamado de música mecânica E o mesmo certamente aconteceria com os ouvintes O gramofone tomou o lugar do piano nas casas não totalmente no início mas era um objeto diferente que tinha uma imagem muito familiar associada à música a de um cachorro ouvinte A marca His Majestys Voice co nhecida em toda a Europa tinha sido criada por um pintor que reproduzira um aparelho de Edison em um de seus quadros No entanto mais do que a imagem estava em questão o som a longo prazo por meio da gravação e difusão houve uma grande melhoria de qualidade tanto das performances quanto das gravações Enquanto isso os lucros da Victor Taiking Machine Company cresceram sete vezes PROCESSOS E PADRÕES 183 entre 1902 e 1917 quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mun dial Em 1914 ela era uma entre aproximadamente 200 companhias norteameri canas de gramofone comparadas às 80 empresas da GrãBretanha no fim da Primeira Guerra Mundial tinha um capital de pouco menos de 38 milhões de libras Na Europa continental onde haviam surgido outras companhias a história começou com a Pathé Frères na França formada em 1898 primeiro produzindo cilindros antes de mudar para os discos em 1906 A mudança foi mais geral embora na GrãBretanha os cilindros se tornassem mais populares do que os discos até uma crise financeira em 1908 quando muitos negócios acabaram no que um jornal de comércio chamou de uma boa triagem separando o joio do trigo Em uma indústria como essa ainda nos estertores do desenvolvimen to generalizou é sempre assim No entanto os negócios reviveram entre aque la data e 1914 com a Alemanha desempenhando um papel crescente no comércio internacional Depois da Primeira Guerra Mundial a Victor Talking Machine Company estava vendendo quatro vezes mais discos em 1921 do que em 1914 o mesmo acontecendo com as empresas rivais na GrãBretanha e na Europa continental No entanto ao contrário da indústria do cinema a do gramofone sofreria uma gran de crise entre 1929 e 1932 Ela sobreviveu à Crise de 1929 mas foram vendidos apenas seis milhões de discos em 1932 6 das vendas totais de 1927 A era de ouro dos discos mesmo que não do gramofone ainda estaria por vir Conclusões Este capítulo e o anterior traçaram um panorama cronológico do desenvolvimen to das comunicações desde o advento da máquina a vapor na década de 1920 e início da de 1930 quando havia muitos instrumentos de mídia e foram criadas novas organizações algumas das quais rapidamente se transformaram em instituições Diferentes desdobramentos surgiram em cada ramo do que passou a ser conhecido como uma única indústria da mídia Mas há ligações e superposi ções econômicas sociais e tecnológicas reconhecidas pelos indivíduos de cada época A Science Siftings escolheu começar com as ferrovias quando já no início de 1892 observou como todos nós estamos aprendendo a nos mover juntos agir juntos atuar em grandes empresas No mesmo ano a revista Electrical Engineer avaliando o que já havia sido feito com relação à disseminação de serviços de mensagens concluiu que a demanda ainda é de comunicação mais rápida Não foram somente indivíduos como Wheatstone Vail ou acima de todos Edison que forneceram as ligações Havia conexões geográficas também Londres e Paris estavam sempre no mapa das comunicações O mesmo acontecia com 184 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 20 Alfred Harmsworth primeiro visconde de Northcliffe o maior magnata da imprensa britânica aqui fotografado em 1911 em companhia de pessoas da família Astor Sua grande paixão eram os automóveis Chicago depois de sua emergência das planícies do MeioOeste dos Estados Unidos Contudo lugares menores como Lowell figuravam nos mapas em diver sos pontos no tempo e Hollywood iria transformar radicalmente a região em que se localizava como aconteceria com o Vale do Silício meio século depois Duas inovações em transporte durante e no final do século XIX uma delas mencionada mais de uma vez neste levantamento afetaram o quadro geral os automóveis e os aviões O advento das bicicletas serviria como prelúdio aos auto móveis que ainda eram artigo de luxo no fim do século XIX A fabricação de bicicletas serviu também de aprendizado para alguns inventores relacionados a essa história Na GrãBretanha Edward Butler que produziu o primeiro motor movido a gasolina capaz de ser colocado em um automóvel começou seus proje tos com uma bicicleta a gasolina e William Morris 18771963 mais tarde lorde Nuffield consertava bicicletas em Oxford antes de se dedicar ao conserto de carros John K Stanley era mecânico em Coventry que se tornou um dos pólos da indústria automobilística inglesa e inventou a primeira bicicleta Rover em 1885 O mais importante de todos na história da mídia Alfred Harmsworth mais tarde lorde Northcliffe 18651922 fundador de Answers e do Daily Maü traba P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 8 5 lhou para as revistas de bicicletas Wheel Life e Bicycling Times antes de se transfe rir para o ramo dos motores sua grande paixão e se tornar ao mesmo tempo um magnata da mídia Figura 20 Em 1902 Harmsworth publicou um livro ainda hoje atual Motors and Motor Driving Nos Estados Unidos Hiram Maxim 1869 1936 filho do inventor do revólver Maxim e ele próprio inventor de um automó vel escreveu na autobiografia que a bicicleta não conseguia satisfazer a demanda que ela própria havia criado Era necessário um veículo acionado mecanicamente em lugar dos pedais e agora sabemos que o automóvel era a resposta O automóvel não era a resposta para as pessoas que no século XX não podiam comprálos mesmo depois que eles deixaram de ser um luxo pois as bicicletas continuaram a coexistir com eles como coexistiram as mídias antiga e nova e permaneceram como a forma dominante de transporte no fim do século XX na China Enquanto isso o Japão se tornou um grande fabricante de bicicletas algumas delas até viraram produtos de luxo a partir da década de 1960 e de automóveis Podemse destacar um ângulo psicológico e outro econômico no desenvolvimento do transporte como meio assim como aconteceu em matéria de propaganda e reembolso postal A bicicleta podia ser considerada da mesma forma como Marshall McLuhan 19111980 consideraria a mídia do rádio e da televisão na década de 1960 uma extensão do homem O homem de bicicleta não era somente um homem e uma máquina Ele era mais rápido As diferentes partes da bicicleta assim como as das ferrovias trilhos loco motivas estações sinais tiveram sua própria préhistória guidom 1817 pedais 1839 manículas da roda da frente 1861 pneumáticos 1890 e marchas 188996 Surgiram ainda outros produtos intermediários como os velocípedes franceses em inglês boneshakers sacodeossos e triciclos As bicicletas eram associadas não apenas a indivíduos homens e mulheres ou famílias mas tam bém coletivamente a clubes Tratavase de um meio de transporte democrático Os automóveis só iriam adquirir o mesmo status depois de Ford uma figura tão influente em sua época quanto James Watt ou Matthew Boulton ter se estabeleci do Seu modelo T lançado em 1908 baseavase no princípio pouco atraente para os desenhistas de que um automóvel deve ser igual a qualquer outro automóvel um produtopadrão a ser vendido pelo mais baixo custo Os automóveis embora inicialmente considerados produtos de luxo devem ser considerados uma das principais invenções de um grupo de inovações que iniciou uma nova era a era do automóvel ou a era do rádio Foram introduzi dos na França e na Alemanha por Gottfried Daimler e Karl Benz que produziram um motor a quatro tempos em 1885 Rudolf Diesel usava combustíveis líquidos mais pesados Poderiam ter sido elétricos Porém por vários motivos essa opção foi rejeitada e se tornaram dependentes da indústria de petróleo de escala interna cional mas com uma geopolítica própria E essa indústria ficou mais importante 1 86 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MíDIA com o advento dos aviões e do tráfego aéreo A geopolítica do Oriente Médio seria gravemente afetada pelo petróleo As conseqüências sociais das invenções foram desde logo ambivalentes Al gumas encorajavam a privacidade outras a ameaçavam Algumas geravam pro blemas novos acidentes poluição Outras prometiam e forneciam novas possi bilidades de independência entre elas a liberdade das estradas No entanto embora se usassem bandeiras vermelhas para limitar a velocidade muito antes que as autoestradas fossem construídas Desde o início a liberdade das estradas apon tava para a necessidade de controle do tráfego e da velocidade Os jornais orgu lhosos de sua liberdade principalmente na GrãBretanha e nos Estados Unidos enfatizavam em editoriais a necessidade de controle o que muitas vezes contras tava com a propaganda neles impressa Como na Introdução que tratava do período anterior ao advento do vapor é difícil aqui tratar a história do complexo de comunicações no século XIX em termos puramente lineares embora naquele século um sentido autoconsciente de progresso quando desafiado normalmente unificasse a história do ponto de vista de seus contemporâneos Na Exposição de Paris de 1900 o clímax do século em frente ao Palácio da Eletricidade havia um chafariz elétrico no qual uma cascata de água caía em um pequeno lago com uma escultura retratando um grupo de pessoas derrubando as figuras das Fúrias iluminada ela representava a Humani dade conduzida pelo Progresso e as Fúrias a Rotina do Presente e do Passado Ao visitar a exposição o perspicaz escritor norteamericano Henry Adams medi tou sobre o culto ao dínamo elétrico que comparou ao culto à Virgem Maria Podese ver mais do que um significado simbólico na mudança do vapor para a eletricidade durante as últimas décadas do século XIX pois eram as inven ções elétricas que demandavam nova infraestrutura que pareciam apontar mais claramente para o futuro Uma charge do Punch de fevereiro de 1899 mos trava a Eletricidade dando um Aviso ao Vapor no contexto do cabo submarino e da telegrafia por terra A legenda dizia Eu não quero me ver livre de servidores antigos e valiosos mas tenho medo de não conseguir mantêlos por muito mais tempo Outro contexto mais amplo poderia ter sido o escolhido O vapor tivera seu evangelho inteligível para grande número de pessoas inaceitável para muitas outras e a máquina a vapor do planeta foi exibida na Exposição do Centenário em 1876 dois anos antes de Charles Parsons construir a primeira turbina a vapor do mundo O vapor sempre teve seu evangelho a eletricidade uma força natural fascinava sem ser compreensível Na melhor das hipóteses tinha uma missão A eletricidade tinha contudo o que Carolyn Marvin chamou de sacerdó cio homens que além de terem conhecimento específico possuíam autorida de própria As mulheres não faziam parte desse grupo exceto quando eram cha madas para representar a deusa da eletricidade ou mais prosaicamente a Luz Elétrica De fato uma das filhas de Marconi se chamava Electra PROCESSOS E PADRÕES 187 Com efeito uma ampla variedade de diferentes grupos ocupacionais era clas sificada numa nova categoria eletricista O lucro só preocupava alguns deles entre os quais os criadores da mídia moderna mídia para milhões começando com a imprensa escrita antes do cinema e do rádio Somente em retrospecto contudo seria possível chamálos de empreendedores culturais Outros dos que se preocupavam com a eletricidade forneciam aquilo que era visto como serviço de utilidade pública e o desenvolvimento dessas empresas entre elas as de fornecimento de água dependia da criação de sistemas de infraestrutura fossem eles públicos ou privados No capítulo seguinte assim como no Capítulo 1 iremos nos concentrar em períodos e conjuntos de eventos específicos personalidades e tendências selecio nando quatro períodos superpostos identificados tal como naquela época a cada um dos rótulos que eles foram atribuídos a era da imprensa a era do rádio a era do cinema e a era da televisão Essas etiquetas tendem a reunir períodos particulares ao que parece segundo a tecnologia dominante A imprensa nem sempre dá esse nome à era em que se tornou o principal veículo de comunicação mas divulgou todos esses rótulos e até criou alguns deles O próximo capítulo portanto tratará brevemente de três funções conhecidas das diversas mídias informação educação e entretenimento e descreverá as diferentes maneiras de lidar com elas CAPÍTULO 5 Informação educação entretenimento Como se mostrou nos capítulos anteriores a importância da informação naquilo que se tornou no século XX quase uma tríade sagrada informação educação e entretenimento foi completamente reconhecida muito antes da populariza ção dos termos sociedade da informação e tecnologia da informação durante as décadas de 1970 e 1980 No entanto os elementos da trindade nem sempre foram identificados com a mesma linguagem Nos séculos XVII e XVIII a infor mação era geralmente descrita como inteligência educação era instrução e entretenimento recreação passatempo ou diversão Existiam termos semelhantes em outras línguas européias No século XIX distinto e elevado eram palavras de grande importância e estabeleciase uma diferença entre infor mação útil e trivial enquanto o termo entretenimento era considerado aviltante Tanto a educação quanto o entretenimento tiveram longos períodos de história que remontam ao mundo antigo e se relacionam a academias bibliote cas jogos e teatros Também a inteligência teve uma longa história O verbo informar derivado do latim originalmente significava em inglês e francês não somente relatar os fatos o que poderia ser incriminador mas formar a mente A importância da informação já era claramente apreciada em alguns círculos políticos e científicos no século XVII mas foi ressaltada ainda mais na sociedade comercial e industrial do século XIX quando as noções de velocidade e distância sofreram transformações Sydney Chapman escreveu em um livro sobre a indús tria de algodão de Lancashire publicado em 1904 que durante o último século a quantidade e a exatidão de informação disponível para os revendedores aumen tou enormemente além disso o tempo passado entre um evento e o conhecimen to a seu respeito diminuiu para uma pequena fração do que costumava ser A mesma afirmação foi ressaltada por Walter Bagehot em Lombard Street 1873 que retratava uma rua do centro da cidade de Londres É notável que perto dessa localidade na rua Threadneedle uma das primeiras corporações de empresas telegráficas a Magnetic tivesse construído novos e imponentes escritórios em 1859 Em 1884 MG Mulhall o compilador do que ele próprio chamou de o 188 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 189 primeiro dicionário estatístico em qualquer língua afirmava que entre 1840 e 1880 o mundo bancário tinha aumentado 11 vezes três vezes mais rápido do que o comércio e 20 vezes mais do que a população esta sobretudo na GrãBreta nha amplamente concentrada em cidades e vilas Houve mais mudanças que continuidade na educação e no entretenimento durante os séculos XIX e XX A maioria delas é explicável em termos econômicos e sociais desde que se incorpore na análise a tecnologia tratada como uma atividade social envolvendo pessoas produtos e patentes A tecnologia requer e produz mudanças sociais e organizacionais Muitas vezes é mais difícil de se atingir a mudança institucional e no século XIX muito se falou sobre era de transição Também havia diferenças institucionais naquilo que no século XX veio a ser considerado um complexo de mídia Mesmo então escolas e universidades eram bastante diferentes pelo menos quanto aos princípios de redações de jornais estúdios de rádio e televisão teatros cinemas e estádios esportivos embora pudessem incorporar cada uma dessas atividades ou todas e muitas vezes o fizessem É verdade tanto para a educação quanto para a tecnologia que ambas requerem e demandam mudanças sociais e organizacionais No fluxo da história ou para usar uma metáfora alternativa na marcha do tempo a industrialização que como vimos aumentou a riqueza e o lazer deu um novo significado a cada elemento da trindade Enquanto demandava circulação de informação mais substancial e confiável tanto por motivos finan ceiros quanto para o controle dos processos industriais a industrialização tam bém precisava a longo prazo de um acesso público mais amplo à educação come çando com a escola cuja freqüência se tornou compulsória na GrãBretanha em 1800 e na França com ensino totalmente laico em 1882 a Prússia já havia tomado esse caminho no século XVIII A instrução de massa era agora julgada essencial assim como a educação continuada e o aprendizado da computação se tornaram imprescindíveis nas últimas décadas do século XX A longo prazo o desenvolvimento industrial necessitou de maiores oportu nidades de lazer ativo ou passivo sob a forma de recreação A primeira lei de educação nacional na GrãBretanha foi aprovada com atraso em 1870 precedi da em 1850 pela primeira lei relativa a bibliotecas públicas e seguida em 1871 depois pela primeira lei de feriado bancário definindo que alguns dias deveriam ser feriados nacionais Anteriormente os feriados eram diretamente ligados nos países católicos e protestantes ao calendário sazonal e religioso sendo alguns deles locais No século XX por causa da mídia cada vez mais se relacionam aos novos ritmos de trabalho e diversão e nesse processo foram comercializados O Dia de Ação de Graças se manteve como o grande feriado festivo nos Estados Unidos o mesmo acontecendo com o Carnaval em lugares tão diferentes como Nova Orleans Trinidad Rio de Janeiro e Colônia Na GrãBretanha os jornais não circulavam no Natal e na SextaFeira Santa No mundo muçulmano que ganhou 190 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA importância no fim do século XX sobreviveu o grande período de jejum do Ramadã que comemora a primeira revelação do Corão Em países onde houve revoluções o aniversário delas entrou para o calendário comemorativo No coração de um evangelho vitoriano o trabalho e não a diversão tal como pregado por Samuel Smiles que foi traduzido em árabe e japonês perma necia um aspecto necessário da existência humana nas entrelinhas de várias escrituras Nas sociedades cada vez mais secularizadas e urbanizadas é tratado explicitamente como uma necessidade social tanto nos anos de alto desemprego cíclico ou estrutural como naqueles em que o progresso tecnológico diminui o número de empregos A automação dos processos industriais inclusive das fábri cas de armamentos tornada possível pela eletrônica afetou e continua a afetar diretamente a oferta de empregos assim como afetou e afeta a mídia com as conseqüências imediatas para os indivíduos Cibernética a ciência do controle automático e dos processos de comunicação dos animais e equipamentos foi o título de um estudo pioneiro do norteamericano Norbert Wiener 18941964 publicado em 1948 Bem antes que a automatização se tornasse tema de discussão durante a década seguinte os padrões lugares contexto e significados do trabalho haviam mudado substancialmente A primeira transformação ocorreu no fim do século XVIII e início do XIX quando a indústria pensada no início do século XVIII como uma qualidade humana começou a ser vista em separado da agricultura e finalmente identificada como um setor nãoagrícola da economia produtiva No fim do século XX a palavra também seria aplicada à agricultura cuja participação na força de trabalho e no produto nacional bruto diminuíra drasticamente Uma segunda mudança veio com a administração científica baseada em estu dos de tempo e movimento desenvolvida primeiro nos Estados Unidos e poste riormente adaptada sob diversas formas em países muito diferentes entre si O fabricante de automóveis Henry Ford com a padronização do produto e as linhas de montagem foi um herói na antiga União Soviética No fim do século XX a palavra trabalho começou a ser aplicada também a lazer viagem e esporte Os esportes tornaramse o esporte embora o plural tenha permanecido nos Estados Unidos os entretenimentos tornaramse o entretenimento em ambos os lados do Atlântico Lazer turismo e esporte eram agora tratados como indústrias ou às vezes como setores de uma indústria O esporte em particular ilustra essa tendência Inicialmente organizado em âmbito local ele se tornaria global de atividade amadora transformouse em ampla mente profissional com regras estabelecidas no século XIX e mais tarde modifica das Nos séculos XX e XXI os jogadores profissionais de futebol trabalhavam e trabalham para empresários que podiam contratálos ou demitilos por seu esforço de atividade os próprios administradores inclusive aqueles que tinham atuação local eram contratados e depois demitidos enquanto os jornalistas jul INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 191 gavam e julgam os desempenhos dos jogadores e administradores no campo nos mesmos termos Alguns deles eram e são celebridades recebendo altíssimos salários dependendo dos agentes como aqueles que mantinham o mesmo tipo de relação de dependência de atores músicos e escritores desde o fim da década de 1890 As vidas privadas dos atletas fora do campo eram divulgadas pela mídia Também tinham suas próprias galerias da fama Alguns poucos tornavamse jornalistas regiamente pagos A 29a AssembléiaGeral da European Broadcasting Union acontecida em Atenas em 1978 marcou a primeira ocasião na Europa em que se discutiram todos os aspectos da organização do esporte porém na década de 1990 essa organização inteira se modificou A expressão esporte para o público perdeu muito de seu sentido O esporte ganhou ampla evidência na mídia e se tornou tão comercializado quanto as cadeias de alimentação sob a influência dos su permercados O detalhe é especialmente interessante quando se comparam os esportes ao longo do tempo por exemplo as representações na mídia de cenas do Dia do Derby ou do Superbowl eventos nacionais que passaram a integrar o próprio calendário da mídia Diversos eventos internacionais em particular os Jogos Olímpicos revividos em Atenas em 1896 em 2004 voltaram a se realizar nesta cidade tornaramse matériaprima de toda a mídia que diretamente in fluenciou o local de realização e as imagens a serem transmitidas A Olimpíada alemã de 1936 realizada e filmada pelos nazistas recebeu atenção maciça bem como os primeiros jogos em um país asiático realizados na cidade de Tóquio Japão em 1964 eles poderiam ter acontecido lá antes se não fosse a Segunda Guerra Mundial Havia também uma dimensão tecnológica As Olimpíadas de Estocolmo de 1912 por exemplo testemunhou o primeiro uso de equipamento elétrico de medição de tempo em eventos de corrida Câmeras novas e menores agrupadas e colocadas de maneira cuidadosa tornaram possível a visão de detalhes Isso foi só o começo Filmagens de reprise em câmera lenta além de fascinarem os especta dores serviram como base para estudo E também semanalmente eram televisio nados incidentes nos campos de futebol críquete ou beisebol envolvendo árbitros e juízes assim como jogadores agora sob perpétuo escrutínio da mídia A câmera podia se tornar um árbitro A televisão teve também influência no tempo dos eventos esportivos e mesmo em suas regras no final do século XX Ela interferiu no controle da parte financeira e através desta em muito mais As linhas divisórias entre informação e entretenimento tornaramse cada vez mais embaçadas durante as décadas de 1950 e 1960 tanto na imprensa escrita quanto na mídia eletrônica mais tarde viriam a ser ainda mais indistintas Os produtores mostraram aos esportes estabelecidos possibilidades incríveis Até en tão os espectadores haviam se encantado antes e depois dos jogos agora o encanto era dos jogadores que por dinheiro faziam milagres fora dos campos Os produ 192 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tores de programas esportivos apresentavam essas atrações como itens de entrete nimento Havia alguns esportes de turmas de loucos como as lutas romanas compradas pela televisão como produto da Federação Mundial de Luta Romana somente com o objetivo de entretenimento No entanto essa função da imprensa não era um fenômeno novo como se vê na sua própria história e muito antes de Alfred Harmsworth lançar o jornal Daily Mail em Londres em 1896 com o preço de meio centavo com o objetivo explícito de entretenimento e informação O jornal de Harmsworth foi o primeiro diário a incluir uma página para as mulheres e a divulgar proezas como parte de seu modelo de imprensa A educação também não foi deixada de fora de sua esfera de influência Conforme observou um importante jornalista liberal JA Spender Harmsworth e seus imitadores influenciaram o homem comum mais do que todos os ministros da Educação juntos Nesse contexto devese levar em conta e louvar a tecnologia Não é segredo liase nas primeiras cópias do Daily Mail que invenções novas e maravilhosas acabaram de aparecer para ajudar a impren sa Nosso tipo é feito por máquinas Podemos produzir cortar e dobrar 200 mil jornais por hora A imprensa o quarto poder A importância da tecnologia na história da imprensa já havia sido mencionada duas gerações antes de Harmsworth e após Koenig quando os Estados Unidos tomaram a liderança da GrãBretanha na tecnologia de impressão a prensa ro tativa No entanto o jornalismo popular não se baseava em tecnologia Nem os argumentos que defendiam o velho jornalismo Na Europa o jornal The Times órgão dominante de imprensa em Londres se considerava durante as décadas de 1830 1840 e 1850 um quarto poder Dizse que quem cunhou a frase foi o historiador Macaulay embora ele estivesse se referindo à Galeria de Imprensa no Parlamento e não especificamente ao The Times ou à imprensa como um todo O conceito medieval de um Estado ou poder espiritual temporal e co mum havia sido quebrado na França revolucionária mas sobreviveu residual mente na GrãBretanha nas duas casas do Parlamento e a nova expressão quar to poder foi usada como título de um livro sobre imprensa em 1850 escrito pelo jornalista F Knight Hunt A expressão se tornou aceita na GrãBretanha em diversos países europeus e até nos Estados Unidos No século XX o periódico norteamericano Broadcasting imprimiu orgulhosamente em sua capa as pala vras O quinto poder The Times descrito em 1871 como o maior jornal jamais visto no mundo era um periódico caro e não um jornal de massa e perdeu parte de seu domínio na GrãBretanha depois que os impostos sobre impressão reduzidos em 1836 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 193 afinal foram abolidos em 1855 e os impostos sobre papel foram revogados em 1861 No entanto muito antes disso o jornal barato já havia aparecido em Nova York O primeiro a fazer sucesso foi o Sun 1833 lançado por um gráfico batalha dor Benjamin Day Quando ele o passou adiante em 1838o jornal estava venden do 34 mil cópias principalmente nas esquinas de Nova York Grande parte da informação publicada envolvia pessoas comuns e a polícia Um relato total mente ficcional da vida na Lua A mistificação da Lua fazia parte do seu conteú do de entretenimento O Herald 1835 jornal de Nova York criado por Gordon Bennett tinha uma visão mais inovadora e abrangente Minha ambição escreveu Bennett 17951872 que havia nascido na Escócia é fazer da imprensa escrita o grande órgão e pivô do governo sociedade comércio finanças religião e de toda a civilização humana A religião tinha papel importante nessa lista Um jornal pode mandar mais almas para o céu e salvar mais do inferno do que todos os clubes e capelas de Nova York JG Bennett Jr 18411918 seguiu a mesma linha a missão de Stanley para a África com o intuito de descobrir o paradeiro de Livingstone foi financiada por ele A tecnologia também fazia parte da visão de Bennett Em 1854 Bennett pai experimentou um método de impressão usando uma placa de metal de tipos em vez dos próprios tipos Foi uma inovação genuí na e na década de 1870 a impressão por estereótipos já havia se difundido bastan te Em Paris o jornal La Presse usava o processo em 1852 Onze anos antes Horace Greeley 181172 inventor da frase Vá para o Oeste jovem vá para o Oeste que havia se envolvido com o jornalismo antes de Bennett lançou o Tribune em Nova York o Grande órgão moral que acreditava que seria autosuficiente no suprimento de notícias Havia então 12 jornais na cidade O Tribune incluía artigos enviados da Europa por Marx muitos deles escritos por Engels ver p117 mas deliberadamente excluía algumas notícias nacionais recusandose a imprimir detalhes sobre crimes reportagens sobre jul gamentos e peças de teatro O New York Times 1851 um jornal sensato e sensível fundado por Henry Raymond 182069 um jovem repórter da equipe de Greeley seguia uma linha rigidamente balanceada já no século XX separando explicitamente notícias de pontos de vista Nós não acreditamos que cada coisa na sociedade seja completamente certa ou errada desejamos preservar e melhorar o que é bom e exterminar e reformar o que é ruim Neste caso e em outros a imprensa norteamericana ficou livre das amarras políticas que haviam sido tão significativas no início Na prática a exten são de sua liberdade era uma questão de justiça e de política A Primeira Emenda incorporada em uma lista de direitos aprovada pelo Congresso em 1791 dizia que O Congresso não fará lei alguma sobre qualquer estabelecimento religioso ou que resulte na proibição do seu livre exercício ou que limite a liberdade de falar das pessoas ou da imprensa A linguagem parecia simples e influenciou toda a 194 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA história norteamericana subseqüente mas o significado que a Emenda poderia trazer para mudar as circunstâncias foi deixado para os tribunais e para a discussão pública Nunca se tinha certeza O juiz Learned Hand afirmava que as conclusões corretas são provavelmente mais bem tiradas do conjunto de diversas línguas do que de qualquer tipo de seleção autoritária ao mesmo tempo o juiz Oliver Wendell Holmes 18411935 introduziu a metáfora mercado livre de idéias A radiodifusão ver p163 seria tratada diferentemente da imprensa e sujeita a regulamentação Uma das alegações para essa atitude era que por causa da escassez de espaço nas ondas de rádio se não houvesse a regulamentação o conjunto de diversas línguas soaria como algaravia Julgamentos legais e dados públicos tornaramse emaranhados de argumen tos sobre o monopólio A legislação antitruste e sua implementação ambas causas de conflitos de opinião e também de interesses centraramse no termo interesse público proclamado pela doutrina imparcial desenvolvida pela Comissão Fe deral das Comunicações e estabelecida em Washington em 1934 pela Lei Federal de Comunicação Os programadores radiofônicos foram obrigados a dedicar um tempo razoável do rádio a assuntos controversos e importantes para o público e a dar oportunidade de se manifestarem pontos de vista contrastantes sobre esses temas Foi uma doutrina que não sobreviveu à desregulamentação da mídia ele trônica norteamericana nas décadas de 1980 e 1990 embora evidentemente a Primeira Emenda tenha permanecido em vigor Somente por essa razão a história da mídia dos Estados Unidos foi diferente da de todos os outros países sendo que a Suécia tinha uma antiga lei de imprensa de 1766 que protegia a liberdade de expressão Desde o início a imprensa em Nova York era somente um elemento da imprensa norteamericana que nunca foi centralizada e continuou a ter bases locais O mesmo aconteceu na França e na Itália embora Paris fosse o centro dos jornais de circulação de massa começando com Le Petit Journal em 1863 que vendia 250 mil cópias por dia afirmavase na época que era a maior circulação do mundo havia muitas disputas sobre qual era o maior e o primeiro a ser inventado mas nenhuma sobre patentes legais Seguiramse Le Petit Parisien em 1876 Le Matin em 1882 e Le Journal em 1889 Na GrãBretanha enquanto The Times perdia espaço para a concorrência em Londres depois da revogação da lei de imposto sobre impressão e dos impostos sobre papel a imprensa de provín cia prosperou durante meados do século XIX Em 1864 havia 96 diários de província ao passo que Londres contava com 18 Edward Baines proprietário do liberal Leeds Mercury proclamava orgulhoso que de um total anual de 546 milhões de cópias de jornais 340 milhões eram de órgãos da província A imprensa interiorana da Inglaterra perderia muito de sua influência no fim do século XIX e no século XX quando por várias razões a informação e também o entretenimento veio centralizarse em Londres Um jornal do século INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 195 XIX o Manchester Guardian que havia se tornado um periódico barato em 1855 conquistou audiência nacional sob a liderança talentosa e altamente responsável de CP Scott 18461932 Contudo somente em 1952 o jornal colocou notícias na primeira página oito anos antes de mudar suas impressoras para Londres tirando o nome Manchester do título Foi Scott quem disse que nada de bom podia vir da televisão pois a palavra era meio latina e meio grega Scott e sua família consideravam o Manchester Guardian um jornal de qualidade um termo britânico e The Times também era visto assim na década de 1950 muito depois que o quarto poder já tinha se tornado moda O Daily Telegraph caiu na mesma categoria de qualidade embora isso não parecesse verdade quando começou como jornal diário na véspera da revogação do imposto Com a redução do preço de três centavos para um e a duplicação do tamanho imediatamente teve circulação duas vezes maior do que o The Times Fazia parte da sua equipe o mais conhecido jornalista do país na época vitoriana GA Sala um dos colaboradores de Dickens no Household Words 1850 O próprio Dickens foi o primeiro editor do Daily News 1842 É de importância estratégica na história da mídia britânica a maneira como diversos jornais e vários segmentos da população viram a abolição dos impostos sobre impressão e papel e sobre a propaganda Os impostos de consumo sobre papel criados no reinado da rainha Ana foram considerados por radicais como taxas sobre conhecimento e a sua revogação foi saudada pelo Morning Star como um dia de festa em todos os calendários ingleses Para o Daily Tele graph era de importância fundamental que a produção de papel fosse dali por diante governada exclusivamente por regras comerciais Não seriam somente os jornais que se beneficiariam da revogação dos impostos Toda a classe de literatura também teria proveitos Shakespeare Milton e Shelley assim como a literatura de ferrovia disponível nos jornaleiros de WH Smith ver p128 Para o Daily Telegraph a revogação abriu aos escritores um campo consideravel mente extenso para uma atividade de gênio e de talento como jamais eles haviam desfrutado Fazendo coro com Richard Cobden que lançou apelos morais para a liber dade de imprensa tão sublimes quanto fez para os selos baratos o Daily Telegraph acrescentou que no futuro um jornal seria considerado uma autoridade mais notável e confiável do que qualquer procurador geral ou censor oficial da impren sa O uso do termo autoridade uma palavrachave do vocabulário vitoriano assim como a palavra progresso ver p121 é interessante e não apenas porque foi muito comum no século XX em relação à radiodifusão Para Cobden que havia escrito em 1834 que a influência da opinião pública tal como exercida pela imprensa era a característica que diferenciava a civilização moderna a opinião importava ainda mais do que a informação E ele escreveu isso em uma época na qual os mais atuantes editores e distribuidores de uma imprensa radical que 196 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA lidavam com jornais sem impostos e eram rejeitados nos círculos Whig e Tory como imprensa pobre esbravejavam e muitas vezes acabavam na prisão O protesto seria engolido pelo cartismo um movimento confessional da classe trabalhadora que lutava por liberdades democráticas Às vezes esse movi mento funcionava paralelamente à Liga Legal Antigrão de Cobden outras vezes ficava em campo oposto e ocasionalmente trabalhava em cooperação Porém permanecia sempre hostil ao conservadorismo Whig Muitos líderes da classe trabalhadora antes e depois do cartismo acreditavam que conhecimento é po der lema que servia de brasão em todo número de Poor Mans Guardian que não pagava imposto e cuja primeira impressão foi feita em 1831 Acreditavam também que o conhecimento entendido como mais do que informação podia vir de panfletos e livros e também de jornais inclusive enquanto durou do influente jornal cartista Northern Star fundado pelo líder cartista Feargus OConnor 1794 1855 em 1838 e publicado pela primeira vez em Leeds O Star incluía muita informação que jamais teria entrado nas páginas do The Times baseavase no serviço voluntário de correspondentes locais e conservava também um lugar para a poesia Incluía ainda a ficção cartista Ele trazia dinheiro por ser representativo e mobilizar a opinião Na história da imprensa cada país tem sua data marcante Na França foi 1881 quando depois dos debates infindáveis e amplos da Terceira República surgiu uma nova lei de imprensa com as estimulantes palavras La Presse est libre A imprensa é livre Restrições antigas foram abolidas inclusive a que exigia dos jornais que depositassem dinheiro em caução contra a possibilidade de multas por difamação ou outras ofensas O jornal londrino The Times saudou a nova lei com as palavras uma imprensa melhor torna as leis excepcionais desnecessárias Em 1848 foram retiradas todas as restrições à imprensa germânica mas elas voltariam três anos depois Em alguns países inclusive na Índia imperial estavam sendo aprovadas novas leis repressivas no fim do século Bismarck rachou a imprensa socialista em 1878 e no mesmo ano uma lei de imprensa do vernáculo na Índia impôs novos controles sobre jornais em idioma local Três anos antes a lei japonesa de impren sa de 1875 especificava que o ministro do Interior pode proibir a venda ou distribuição de jornais ou se necessário recolhêlos quando julgar que os artigos perturbam a paz e a ordem ou ofendem a moral Na maioria dos países era difícil o cumprimento das leis de imprensa A Rússia czarista tinha uma imprensa clan destina que estava diretamente envolvida na política Em todos os países independentemente do tipo de lei a imprensa havia se estabelecido por volta de 1900 como uma força social que deveria ser avaliada em uma democracia futura tanto quanto havia sido em um passado autoritário A impressão gráfica permaneceu um meio de comunicação básico mesmo depois do aparecimento da mídia eletrônica com o florescimento de jornais livros e INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 197 enciclopédias A tecnologia não era o fator dominante As primeiras folhas de notícias australianas eram escritas a mão e o jornal Sydney Morning Herald foi fundado em 1831 e publicado diariamente a partir de 1840 Dez anos mais tarde havia jornais em todas as cidades do Canadá Longe dos centros urbanos e de seus subúrbios em expansão as florestas estavam sendo abatidas para produzir polpa de madeira Os processos de mudança eram complexos e com a queda dos custos de impressão e o aumento da massa de leitores o conteúdo dos jornais que não se qualificavam como jornais de qualidade incluía mais entretenimento e menos informação O estilo também era menos formal No entanto os chamados tablói des não constituíam um produtopadrão como sugerem algumas histórias de jornais Eles competiam não apenas entre si mas também com o resto da mídia e outros produtos não associados à comunicação sendo alguns deles a fonte de seu próprio lucro em publicidade O papel dos jornalistas homens que colhiam notícias havia poucas mu lheres antes da década de 1890 e dos editores que as selecionavam compila vam apresentavam e interpretavam sempre foi controverso e essa característica cresceu com o aumento das vendas Fato ainda mais importante foi o surgimento de uma nova geração de proprietários empreendedores Nos Estados Unidos William Randolph Hearst 18631951 e EW Scripps 18541926 construíram imensas cadeias de jornais Hearst que também tinha interesses no cinema ter minou seus dias em um palácio de conto de fadas na Califórnia não longe de Hollywood morando com uma estrela de cinema Marion Davies Sua história levou Orson Welies a produzir um dos filmes mais fortes de todos os tempos Cidadão Kane 1941 Os produtos da cadeia de Hearst foram atacados como imprensa marrom os de Scripps como liberais e prótrabalhistas Na GrãBretanha Harmsworth que depois de 1900 abandonara as revistas mas não as enciclopédias para se dedicar aos jornais adquiriu o The Times em 1908 não foi o primeiro magnata a mudar para a publicação de amenidades O poeta e ensaísta Leigh Hunt 17841859 havia lançado um jornal chamado The Weeks Chat na década de 1820 e em 1881 George Newnes 18511910 havia lançado TitBits descrito como o primeiro jornal de amenidades e que estaria vendendo 350 mil cópias sete anos depois Harmsworth saudouo como o come ço de um setor que vai mudar toda a face do jornalismo Dirigiase às centenas e aos milhares de garotos e garotas que saíam das novas escolas públicas criadas pela Lei da Educação de 1870 Em 1881 diziase que como um fenômeno admirável dos tempos moder nos circulavam somente em Londres entre cinco e seis milhões de publicações baratas semanais ou mensais mas isso era menos moderno do que parecia E não estava relacionado à Lei de Educação como foi sugerido na época Em 1858 o romancista Wilkie Collins 182489 havia escrito anonimamente um artigo em 198 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Household Words intitulado O público desconhecido O letramento já estava em alta antes da lei de 1870 e havia uma viva demanda por material de leitura diferente daquele oferecido às pessoas cultas O que aconteceu nas décadas de 1880 e 1890 foi que o ideal de um público informado estava dando lugar às realidades do mercado tanto na mídia quanto na economia A força do radica lismo diminuiu e não eram somente os conservadores que falavam em dar ao público o que ele quer Para alguns as publicações impressas eram um negócio como qualquer outro O romance ainda era a principal forma literária tendo diminuído de tama nho com relação aos três volumes que haviam sido o padrão do início do século e que desapareceriam na década de 1890 No entanto para Gissing e Henry James 18431916 o grande romancista norteamericano que viveu na Inglaterra os jornalistas pareciam estar tomando conta de tudo tendo atrás de si seus andrajo sos editores A mesma impressão tinha o historiador WEA Lecky 18381903 que escreveu em 1888 um artigo sobre as mortes coincidentes do advogado cons titucional sir Henry Maine 182288 e do poeta e crítico Matthew Arnold 1822 88 O talento literário declarou estava sendo pulverizado e absorvido pela imprensa diária ou semanal Suponho concluiu que jamais houve um país ou uma época em que excelentes talentos literários em tão grande número tivessem se dedicado à escrita e se tornado imediatamente anônimos e efêmeros Treze anos mais tarde no ano da morte da rainha Vitória GM Trevelyan 18761962 historiador muito conhecido hoje em dia e que deixaria sua marca na interpretação do passado do século XX queixouse no periódico The Nine teenth Century de que os filisteus haviam capturado a Arca da Aliança nome com o qual se referia à imprensa escrita Ele tomou emprestado o termo filisteu de Arnold para quem a década de formação do século XIX havia sido a de 1860 Quanto à Arca da Aliança ela tinha obviamente uma linhagem mais longa do que o quarto poder É importante não simplificar demais os processos que afetam tanto o jorna lismo quanto a ficção ou seu progresso cronológico Como nas seqüências de filmes é necessário saltar no tempo A linguagem correta não é aquela de causa e efeito O próprio Arnold não tinha certeza de que a Arca da Aliança uma descri ção que ele jamais usaria estaria segura mesmo nos anos do meio do século que Trevelyan considerava como a era de ouro da imprensa Advogado da doçura e da luz Arnold essencialmente um intelectual se sentia infeliz com o papel das comunicações em geral Seu homem da classe média pensa haver o mais alto grau de desenvolvimento e civilização quando suas cartas são levadas 12 vezes por dia de Islington para Camberwell e se os trens passam por ele de 15 em 15 minutos Ele pensa não significar nada se os trens o levam de uma vida nãoliberal e melancólica em Islington para uma vida nãoliberal e melancólica em Camberwell INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 199 Tal atitude sobre as comunicações era acompanhada no caso de Arnold por um medo daqueles que não tinham voz Depois que alguns deles ganharam direito a voto em 1867 e 1884 ele ainda ficou pouco à vontade com os primeiros e novos eleitores a democracia como as pessoas gostam de chamar Têm muitos méritos mas entre eles não está o de ser em geral pessoas razoáveis que pensam correta e seriamente O novo jornalismo e Arnold pode ter sido a primeira pessoa a usar este termo era segundo ele de espírito cerebral pois tentava atrair leitores que acabavam de ganhar direitos civis A influência de Arnold sobre os estudos cultu rais do século XX seria profunda ver p246 Mas na sua época ele deixou total mente de lado o entretenimento quando fez considerações sobre o papel da imprensa Arnold não examinou com cuidado a opinião de pessoas que não tinham direito a voto antes das leis de reforma de 1867 e 1884 Como inspetor de escolas era pessimista sobre as chances de a imprensa servir como força educacio nal No entanto os escritores que se julgavam socialistascristãos eram otimis tas e JM Ludlow sustentou em 1867 que os jornais baratos e periódicos não podiam ser definidos estritamente como educativos Para o bem e para o mal e provavelmente afinal para o bem eles são muito poderosos Apesar dos vários pecados e deficiências da imprensa escrita o trabalhador de hoje com sua folha de um centavo é com esta ajuda um homem mais bem informado que sabe julgar melhor e tem mais compreensão do que o trabalhador de 30 anos atrás que tinha de se contentar com fofocas e boatos Certamente os trabalhadores mais articulados inclusive os excartistas saudaram como uma grande vitória a revogação dos impostos sobre impressos em 1855 no aniversário da Carta Magna Apesar de tudo com a vitória garantida havia mais do que um toque de ironia para os otimistas no que viria a seguir Circulavam mais fofocas e boatos em 1900 do que em 1800 Vários dos beneficiados pelos direitos civis recorriam à imprensa mais por diversão e mesmo como escape do que para obter informação e conhecimento ou poesia Thomas Wright um trabalhador amigo de Arnold que amava a ironia não acreditava nem mesmo na Lei de Educa ção de 1870 A extensão da educação elementar se deixada por si mesma nos dará um maior número de pessoas capazes de ler sobre os serviços policiais nos tipos pequenos dos jornais semanais e que não desejarão ler sobre quase mais nada O fundador do popular jornal de domingo Reynolds News que alcançou grande circulação por tratar de assuntos diversos inclusive o serviço secreto da polícia e não de informação política era um antigo cartista Todavia GWM Reynolds 181479 não era mais um fundador do tipo de jornalismo que seria chamado de novo do que seria Harmsworth 20 anos de 200 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA pois O adjetivo não estava certo Antes do início do século XIX o entretenimento ou a diversão era tão importante quanto a informação em diversos jornais sobretudo naqueles publicados aos domingos e distribuídos por pequenos jorna leiros que gritavam os títulos nas esquinas Em 1812 havia 18 deles e poucos eram dirigidos a leitores da classe trabalhadora O Sunday Times que surgiu em 1821 originalmente se chamou New Observer o Observer era de 1791 e o Bells Life in London and Sporting Chronicle que apareceu em 1822 fazia propaganda de si mesmo dizendo combinar as NOTÍCIAS da SEMANA com um rico REPERTÓ RIO de MODA GRAÇA e HUMOR além de INCIDENTES da VIDA SOCIAL e COTIDIANA Em 1886 apropriadamente seria incorporado ao Sporting Life Uma outra produção de Bell o Bells Weekly Messenger 17961896 focali zava também crimes escândalos sexo desastres epidemias e turfe O mesmo fazia o ainda sobrevivente News of the World lançado em 1843 e muitas publica ções de Edward Lloyd que não resistiram ao tempo Lloyd 181590 começou sua vida profissional assim como diversos cartistas como vendedor de jornais e livreiro no East End de Londres Sua primeira aventura no jornalismo foi Penny Sunday Times and Peoples Police Gazette dois anos depois lançou o Lloyds Illus trated Sunday Newspaper o primeiro jornal a vender um milhão de cópias depois que mudou o título para Lloyds Weekly News Lloyd levantou capital com a venda das pílulas laxativas Old Parr Mesmo antes do começo do século XIX portanto antes da difusão do ensino e da chegada das ferrovias que davam à imprensa oportunidades sem precedentes de aumentar a circulação a Arca da Aliança não havia sido sempre tratada de forma reverente na GrãBretanha como sugeria Trevelyan baseandose em tradi ções Whig Apesar disso as tradições Whig eram fortes no início do século Na realidade o novo periódico Whig Edinburgh Review fundado em 1802 descrevia a imprensa como forjada com um poder que em reverência pode ser assimilado se qualquer ser humano pode ser assimilado para a serventia da onipotente sabe doria Fora da tradição Whig à qual pertencia Trevelyan assim como seu ante passado o historiador Macaulay outro periódico o Westminster Review fun dado em 1842 por admiradores do filósofo radical Jeremy Bentham 17481832 deixou de lado todas as metáforas religiosas quando descreveu os jornais em uma linguagem que Cobden usaria como os melhores e mais confiáveis civilizadores do país Contêm em si mesmos além dos elementos do conhecimento os incen tivos para aprender É preciso ver um povo que não tenha sido atingido pelos jornais para conhecer a quantidade de preconceitos que esses produtos dissipam instantânea e necessariamente Para o Westminster Review assim como para Knight um termo melhor do que Arca da Aliança era Marcha do Intelecto uma marcha mais intencional do que a do tempo Um dos escritores do primeiro número salientou que finalmente o público estava se percebendo como entida INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 201 de pelo menos na literatura em que as dedicatórias de adulação aos patrões haviam falecido Todos os nossos grandes poetas escrevem para o povo Portanto no início do século XIX mais coisas estavam envolvidas no debate sobre a imprensa do que o acesso à informação ou a melhoria da educação O jornal era um símbolo e um meio Walter Bagehot 182677 editor do The Eco nomist fora da tradição Whig transcreveu as memoráveis palavras de Dickens Londres era como um jornal Tudo está lá e tudo está separado Há todo tipo de pessoa em algumas casas mas não há mais ligação entre as casas do que entre os vizinhos nas listas de nascimentos casamentos e mortes Bagehot achava que a sua era a época da discussão e acreditava que os jornais e periódicos eram órgãos formadores de opinião necessários para tornar as discussões possíveis E não parou aí Era fascinado pelo contexto dentro do qual a comunicação acontecia ou deixava de acontecer Para ele além da dimensão educacional para a disseminação de idéias havia sempre também uma dimen são social e política Achava axiomático que em política a forma de governo se torna liberal na proporção exata em que aumenta o poder da opinião pública Mas permaneceria liberal Antes de Bagehot e Arnold mesmo antes de Dickens um outro romancista Edward Bulwer Lytton 180373 em England and the English 1833 precoce anatomia da GrãBretanha havia incluído uma seção sobre a imprensa que olhava tanto para o passado quanto para o futuro Se os jornais de sete centavos fossem vendidos por dois qual seria o resultado Se a venda fosse ampliada daqueles que pagam sete centavos para aqueles que pagam dois um maior número de pessoas deveria ser consultado pois serão alcançados os sentimentos e desejos dos mais pobres e assim se traria uma nova influência para nossas relações sociais e nossas leis Lytton também levantou outras questões algumas já antigas inclusive o proble ma da relação entre partidarismo e objetividade em uma imprensa livre Essa mesma questão havia sido levantada nos Estados Unidos do fim do século XVIII no ano da Primeira Emenda que tornaria diferente a história da mídia norteamericana subseqüente ou posterior O propósito do jornal manti nha John Fenno primeiro editor da Gazette of the United States 1789 era mos trar o governo próprio do povo sob um foco de luz favorável e imprimir apenas idéias sobre a administração com a exibição de FATOS O que eram só idéias O que eram fatos A Gazette que colocou na primeira página um epítome do presente estado da União era subsidiada por Alexander Hamilton e pelo Partido Federalista Thomas Jefferson não era o único a acreditar que todos os jornais fe deralistas tratavam de mentiras e rabiscos Fenno tinha confiança nos desco nhecidos leitores norteamericanos do tipo identificado por Wilkie Collins Nos 202 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sos cidadãos podem ser e foram enganados por um certo tempo mas enquanto a imprensa estiver protegida podemos confiar nela William Cobbett 17631835 um dos escritores mais partidários e cuja carreira se estendeu pelos dois lados do Atlântico primeiro nos Estados Unidos defendia o partidarismo político vigorosamente do mesmo modo como defendia suas causas Em seu Political Register primeiro publicado na GrãBretanha em uma versão barata em 1810 apelidado de Lixo de dois vinténs ele foi tão agressivo quanto fora ao escrever sob o pseudônimo de Pedra PorcoEspinho nos Estados Unidos Em 1816 diziase que o Register vendia de 40 a 50 mil cópias por semana No entanto nunca se pôde alegar que Cobbett tratasse simplesmente de fatos Seu jornalismo influente levava diretamente à ação política O subtítulo de seu panfleto The Poor Mans Friend 1826 era uma defesa dos direitos daqueles que realmente trabalham e lutam as batalhas Havia um elemento conservador nos pontos de vista de Cobbett mas a maioria dos conservadores ingleses da época fazia objeção a seu radicalismo Tory um produto supremamente inglês Muitos deles eram hostis também à Marcha do Intelecto para eles motivo de sátira embora a imprensa tivesse um advogado conservador George Canning 17701827 futuro primeiroministro que havia editado um periódico na juventude The AntiJacobin Em um discurso para os constituintes de Liverpool em 1822 ele referiuse ao forte poder da opinião pública corporificado por uma imprensa livre Chegou a comparála ao poder do vapor Nem todos os liberais tinham a mesma opinião O historiador socialista Sismondi 17731843 casado com uma Wedgwood mas com uma visão euro péia formada na Suíça observou com rudeza em 1823 que enquanto a imprensa diária é um poder seu objetivo não é o bem público mas conseguir o maior número de assinantes John Stuart Mill 180673 filho de um dos mais íntimos amigos de Bentham James Mill 17731836 militante do utilitarismo que acreditava sinceramente na necessidade de mobilizar a opinião pública suge riu que são necessárias mais artificialidade e hipocrisia na profissão literária em especial nos jornais do que em um zelador de bordel imagem que voltaria a ser utilizada Enquanto isso sir Robert Peel 17881852 conservador que vinha de uma formação diferente da de Canning descreveu a opinião pública como com preendendo um grande composto de insensatez fraqueza preconceito senti mentos errados sentimentos corretos obstinação e parágrafos de jornais The Times mesmo considerado como um quarto poder não deixou de ter vários críticos entre eles o radical William Hazlitt 17781830 que escreveu um brilhante ensaio sobre O espírito da época em 1823 Embora admitisse que The Times atribuíase o direito de se intitular o jornal líder da Europa Hazlitt não gostava dele Ele deve imaginar não apenas ser impresso mas também composto de uma máquina a vapor Em contraste Peel alarmado pelo apoio dado por seu INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 203 poderoso editor Thomas Barnes 17851841 à reforma parlamentar durante os conturbados anos de 1830 a 1832 chamou o The Times de principal maior e mais poderoso advogado da reforma A contraparte Tory do Edinburgh Review o Quarterly Review fundado em 1809 descreveuo como o mais devasso dos jor nais londrinos e o mais descaradamente inconsistente em tudo exceto em malícia e maldade Certamente Barnes ouvia seus leitores mas conhecendo as aspirações polí ticas de muitos deles sentia que em momentos históricos como a crise da Lei da Reforma de 1831 tinha que instigar e ao mesmo tempo ouvir The Times era O Trovejante Constituía para a literatura o que o conhaque é para a bebida John Bull cuja compreensão é bastante lerda requer um estímulo forte Ele consome seu bife e não consegue digerilo sem um trago de álcool cochila tranqüilamente sobre seus preconceitos que sua presunção chama de opiniões e devese dar uma grande sacudida no seu intelecto densamente compacto antes de fazêlo com preender alguma coisa Barnes estava de olho nos leitores da classe média muitos dos quais defenderam o voto em 1832 Mas o que estava dizendo era para ser ecoado em linguagem alternativa por editores diversos em uma grande gama de circunstâncias políticas e sociais Doze anos mais tarde Benjamin Disraeli 180481 um dos mais contun dentes críticos de Peel colocou na boca de seus personagens do romance Conings by frases como Deus fez o homem à sua própria imagem mas a do público é feita pelos jornais A opinião atualmente é suprema e fala pela imprensa e a repre sentação da imprensa é muito mais completa do que a do Parlamento Mas quanto a outros romancistas Anthony Trollope 181582 que odiava Disraeli e desejava ser político na época não acreditava que isso fosse uma coisa boa Para ele The Times era Júpiter o deus dos deuses mas os jornalistas que trabalhavam lá não mereciam respeito ou estima Foram por muito tempo considerados pouco sérios mas agora estavam se tornando algo pior intrometidos e intrusos O número de jornalistas aumentaria a partir de 1860 com a participação de profissionais formados em universidades os intelectuais termo pouco usado na GrãBretanha da época Eles também se organizaram coletivamente Em 1886 foi criada em Birmingham uma Associação Nacional de Jornalistas que mais tarde obteve licenciamento e foi renomeada como Instituto de Jornalistas incluindo tanto editores quanto repórteres Em 1907 foi fundada a União Nacional de Jorna listas um verdadeiro sindicato No entanto os jornalistas britânicos não eram treinados como começava a acontecer nos Estados Unidos Para eles o jornalis mo era um oficio a ser aprendido com a experiência Muitos norteamericanos também achavam o mesmo embora outras forças estivessem ativas no país Em 1869 bolsas de estudo para a imprensa eram oferecidas para jornalistas pelo Washington College na Virgínia O comandante da defesa do Exército sulista Robert E Lee 180770 achava que o jornalismo podia fortalecer a sociedade pósGuer 204 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ra Civil no Sul Em 1908 no Missouri tem início a primeira escola de jornalismo dirigida por um decano No Norte em Nova York capital da mídia a Universidade de Colúmbia se tornaria a principal fornecedora de profissionais depois de 1912 embora ela fosse uma escola de pósgraduação O homem que concebeu o papel da universidade Joseph Pulitzer 18471911 cujo nome designa uma quantidade de prêmios oito para campos específicos de jornalismo seis para letras nasceu na Hun gria e assumiu a direção de The World em Nova York em 1833 Ele pensava que o treinamento dos jornalistas deveria se basear na contribuição que a imprensa podia dar à idéia de progresso especialmente progresso de justiça civilização humanidade opinião pública da noção e do ideal democráticos Essa não era uma perspectiva Whig mas progressista No entanto ela significava que embora as escolas de jornalismo não fossem do mesmo tipo ou qualidade a história do jornalismo teria em várias delas uma visão particular Entre os textos clássicos do jornalismo havia ensaios de Robert Ezra Park 18641944 que havia sido repórter e hoje é conhecido como um dos fundadores da Escola de Sociologia de Chicago O jornal sugeria Park em 1916 era o grande meio de comunicação e com base em sua informação sustentavase a opinião pública Outro grande nome do panteão jornalístico norteamericano foi Walter Lippmann 18891974 colunista de jornal muito respeitado sua coluna Hoje e Amanhã iniciada em 1931 era publicada em 250 jornais sendo um em cada dez fora dos Estados Unidos Muitas pessoas compram um jornal reconhecia Lippmann porque suas próprias vidas são tão desinteressantes que elas desejam uma emoção vicária a leitura sobre um conjunto de pessoas imaginárias cheias de vícios magníficos com os quais em suas fantasias possam se identificar Todavia ele investigava mais do que isso e ganhou merecidamente dois prêmios Pulitzer Seu famoso livro Public Opinion lançado em 1922 talvez continue sendo o mais conhecido volume sobre o assunto Lippmann sugeria que o poder da imprensa era expresso menos pela personalidade do editor de um jornal do que pelo próprio fluxo de notícias Em um mundo moderno e complexo as notícias eram inevitavelmente seletivas e os leitores dependendo do que era oferecido histórias condensadas encon travam dificuldades enormes para construir julgamentos por conta própria Ofe reciamlhes estereótipos pseudorealidades sobre questões públicas A idéia de Lippmann sobre esfera pública como a de Habermas ver p78 dificilmente se sustenta ao dar a impressão de que a mídia distorce e os anunciantes manipulam A idéia permaneceu como um ideal e várias escolas norteamericanas de jornalismo havia 84 em 1917 e 812 em 1987 acreditavam em manter os ideais no interior de uma cultura e de uma sociedade complexas Foram fundadas a Associação Profissional de Jornalismo em 1912 e a Associação para o Ensino de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 205 Jornalismo em 1949 e em 1924 foi produzido um Journalism Bulletin que se tornaria trimestral em 1930 e se faria seguir em 1974 por um periódico Journa lism History Como relacionar o treinamento jornalístico às mudanças no mundo da comunicação este permanecia e permanece sendo um assunto de debate mesmo na GrãBretanha onde entre 1919 e 1939 o único diploma universitário de jornalismo era oferecido pela Universidade de Londres Nos Estados Unidos James W Carey decano da Escola de Comunicação de Illinois onde se localizava um departamento de jornalismo era um líder nesse campo e acreditava que os programas da Escola deveriam contribuir para o conhecimento histórico Outras escolas de comunicação e jornalismo contudo se inclinavam para os estudos de mídia dentro de um contexto cultural em mudança Nem a idéia nem o ideal de um quarto poder tampouco a esperança da criação de uma força política progressista jamais pareceram relevantes para mui tos jornalistas e proprietários de jornais alguns tão interessados em imagens quanto em palavras O Illustrated London News fundado em Londres em 1842 fornecia uma alternativa um panorama do mundo oferta assumida pelos programas de televisão Panorama mais de um século depois O primeiro jornal diário ilustrado o Evening Illustrated Newspaper era apenas um entre o número crescente de diários vespertinos britânicos fundados em 1881 outro era o Evening News 1894 de Harmsworth o Daily Mirror seria lançado em 1903 Os jornais ves pertinos tiveram muitas edições sendo que a primeira aparecia em Londres cedo às 11 horas da manhã Leia tudo o que aconteceu era a informação diária Enquanto isso o semanário Punch renomado por suas caricaturas e trocadilhos e fundado um ano antes do Illustrated London News havia se espraiado a partir de Londres onde mantinha uma base firme para muitas casas da província vitoriana junta mente com The Times Radical em suas origens ele se descrevia com variações através de imagens e também de palavras como observador zelador protetor justiceiro punhal Em 1860 sob a editoria de John Thaddeus Delane 181779 o jornal The Times em uma época na qual os periódicos influenciavam mais a opinião do que os jornais diários exerceu algumas dessas funções Suas manchetes eram lidas avidamente no café da manhã tanto nas casas quanto nos clubes e sua oferta de notícias internacionais superava a encontrada em qualquer outro jornal Foi na quele ano antes da revogação do imposto sobre o papel que um observador de fora afirmou que o jornal não se apóia em classe alguma não representa qualquer partido exclusivo não advoga qualquer interesse específico Pretende englobar e exprimir e várias vezes engloba e exprime a opinião corrente de todos os setores inteligentes e informados da comunidade britânica Sem dúvida este era o obje tivo de Delane O dever máximo da imprensa é obter a primeira e mais correta informação sobre os eventos da época e instantaneamente revelálos transfor mandoos em propriedade comum da nação 206 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA No fim do século XIX o clima era outro e as manchetes dos jornais replica das em cartazes nas ruas e gritadas por pequenos jornaleiros tão familiares nas ruas de Londres e Birmingham e de outras cidades quanto nas de Chicago e Nova York tornavamse mais importantes do que os textos ou as reportagens sobre acontecimentos legislativos A ênfase recaía sobre histórias acompanha das ou suplementadas pelo que veio a ser chamado de modelos alguns delibe radamente dirigidos às mulheres e a partir de 1880 por colunas de fofocas e entrevistas Em 1800 já havia interesse em histórias mas no decorrer do século elas começaram a chegar com maior rapidez e os editores queriam acelerar esse processo os jornalistas passaram a escrevêlas com menos palavras e em parágra fos mais curtos Algumas histórias agora abriam caminho para a publicidade Já no século XVIII apareceram jornais nacionais e locais com a palavra anúncio em seus títulos A propaganda tem uma história longa somente em parte contada Como foi dito ver p61 no século XVII havia anúncios de tinta muito apropria damente e no século XVIII de remédios patenteados notar a palavra paten teados seguidos de propaganda de chá chocolate sabão e tabaco Em 1900 quando muitos produtos de consumo foram padronizados a propaganda era mais longa e muito pictórica chamando a atenção para produtos de marcas nacionais não apenas na imprensa mas também em cartazes brilhantemente coloridos um triunfo da cromolitografia Foi nos Estados Unidos país em que surgiram entre 1880 e 1914 as primeiras agências de publicidade que as despesas com propaganda quebraram todos os recordes O total que cresceu de 40 milhões de dólares em 1881 para mais de 140 milhões em 1904 alcançou a marca de um bilhão de dólares em 1916 Haveria outras quebras de recordes em ambos os lados do Atlântico e levando em conta mais de um meio de comunicação durante o fim das décadas de 1950 e 1960 É interessante que Harmsworth que anunciava o Daily Mail em cartazes de muro e no céu pensasse que usar tipos para publicar propaganda em páginas de seus jornais era vulgar As palavras faziam as imagens Harmsworth pagava ao editor do Daily Mail mais do que qualquer jornalista do país recebia e fez muito para estabelecer a imagem de Fleet Street diferente da de Madison Avenue em Nova York o centro das agências de propaganda ou do iluminado Times Square o centro do entretenimento assim como dos escritórios do New York Times Todavia por trás dos três lugares e de suas imagens havia uma pode rosa base econômica Foi um dos empreendedores da confiança de Northcliffe Kennedy Jones quem disse a John Morley 18381923 escritor de ensaios e livros inclusive a biografia de Gladstone e editor de periódicos Você fez do jornalismo uma profissão nós o transformamos em um ramo do comércio A figura mais controvertida na história do jornalismo do fim da era vitoriana e começo do século XX foi WT Stead 18491912 que sucedeu Morley um tipo INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 207 muito diferente de jornalista político como editor do influente jornal londrino Pall Mall Gazette muito lido nos clubes de Londres em 1885 O próprio Morley sucedera um tipo de editor muito diferente Frederick Greenwood 18301901 conhecido por seus contemporâneos como o Príncipe dos Jornalistas Antes de Stead que era filho de um ministro da Assembléia diziase que o jornal Gazette nada tinha de vulgar vistoso ou sensacionalista Agora ele misturava instigantes editoriais com notícias sobre denúncias de corrupção várias delas relacionadas a campanhas sendo que a mais notória foi uma sobre prostituição juvenil que rotulou de escravidão branca Em um artigo de 1886 publicado em Contempo rary Review e intitulado Governo do jornalismo Stead argumentava que a im prensa significava muito mais do que um controle sobre o Parlamento Era uma câmara de iniciativas Stead permaneceu como editor do Gazette somente durante cinco anos fundando logo depois com a ajuda financeira de George Newnes o Review of Reviews que se tornou imediatamente lucrativo além de indispensável para os historiadores do jornalismo mundial Ele também escreveu um livro sensacional If Christ Carne to Chicago mas em 1904 falhou na tentativa de criar um jornal próprio que chamou de folha da casa Stead foi um dos passageiros que se afogaram no Titanic em 1912 assunto de que ele próprio teria gostado assim como de alguns filmes feitos sobre o naufrágio no fim do século XX Stead começara a carreira jornalística em 1870 ano da primeira lei de educa ção nacional obtendo muito sucesso como editor da folha matutina provinciana e barata Northern Echo em Darlington jornal com um ousado futuro no século XX Harold Evans mais tarde sir Harold editor do Sunday Times despedido em 1982 por seu proprietário Rupert Murdoch começou sua carreira no mesmo jornal Poucos defensores do direito que o público tem de saber foram mais eloqüentes do que Evans autor de um comunicado de 1974 publicado pela TV Granada da GrãBretanha Os governos assim como os cidadãos precisam de uma imprensa livre e inves tigativa Com um eleitorado volátil pluralístico e uma burocracia complexa a imprensa livre proporciona um sistema indispensável de realimentação para governados e governantes consumidores e produtores periferia e centro e também para os diversos setores da burocracia Os contextos político e social desse comunicado eram muito diferentes daqueles de Delane e de Stead E também diversa era a constelação da mídia A mulher de Evans Tina Brown foi editora da revista New Yorker O Sunday Times sob a direção de Evans criou em 1961 uma bela revista colorida cheia de anúncios e não era o único com essa característica e um grande setor de periódicos de província formado por jornais livres folgadamente 208 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sustentados por anúncios locais O jornalismo investigativo era agora uma palavrachave tão familiar como a frase investigar e denunciar a corrupção polí ticoadministrativa muckraking termo derivado de Bunyan nos Estados Uni dos no início do século XX A mídia impressa estava envolvida em mais coisas do que histórias da primeira página e agora surgiam reclamações contra operações jornalísticas formuladas por líderes políticos ou romancistas sofisticados além de pessoas comuns perturbadas pelas ameaças à privacidade Essa era uma história pouco comentada na mídia e que transcende o tempo e o lugar Foi nos Estados Unidos que floresceu o jornalismo investigativo sobre corrupção décadas antes de Evans fundando o que o historiador norte americano Richard Hofstadter chamou de A idade da reforma Orgulhosos de suas contribuições a grandes causas jornalistas famosos como Lincoln Steffens 18661936 formaram suas reputações tanto em jornais como em periódicos sobretudo em uma revista nova McClures de conteúdo e estilo muito diferentes de antigas revistas como Atlantic Harpers e Century Os investigadores de corrup ção suspeitavam de todos os tipos de magnatas inclusive dos milionários da imprensa cujas contrapartes britânicas geravam uma suspeita adicional quando além de exercerem muito poder recebiam homenagens públicas Harmsworth que se tornaria visconde em 1917 não foi o primeiro proprietário de jornal a entrar para a lista de honra britânica Algernon Borthwick proprietário do Mor ning Post confidente de lorde Palmerston foi feito cavaleiro em 1880 tornando se barão de Salisbury e par do reino em 1895 No mesmo ano em que Harmsworth tornouse visconde ele encontrou Ford e Edison em uma visita aos Estados Uni dos e descobriu satisfeito que o primeiro estava tão interessado em dinheiro quanto eu e que o segundo odiava os alemães como se odeia o veneno Eles roubaram todas as patentes que ele tinha O papel dos proprietários no jornalismo britânico investigadores de cor rupção ou patriotas estridentes estava sob ataque durante a primeira década do século principalmente nos círculos Whig ou liberais dentro dos quais Treve lyan atuava Para LT Hobhouse 18641929 chamado de novo liberal a imprensa de 1909 era cada vez mais monopólio de alguns homens ricos longe de ser o órgão da democracia o que era a esperança dos radicais havia se tornado basicamente o lugar de ressonância de quaisquer idéias recomendáveis aos grandes interesses materiais Todavia essa comparação era simples demais para constituir atrativo na época ou mesmo depois Alguns ricos proprietários achavam que representavam mais o público do que o Parlamento enquanto outros como o quacre George Cadbury 18391922 que em 1899 adquiriu o Daily News determinavam que deveriam sugerir seus próprios princípios Ele imediatamente cortou informações e palpites sobre apostas e Hobhouse foi seu primeiro candidato a editor INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 209 Cadbury continuou a adquirir os jornais regionais acreditando que era melhor despender dinheiro tentando levar meus compatriotas a realizar ações políticas do que gastar em caridade Outra grande família quacre os Rowntree acreditava que podia fazer as duas coisas O Northern Echo estava sob o controle do truste Rowntree antes da guerra assim como o influente semanário The Nation que em 1931 se fundiria com o New Statesman um dos mais importantes jornais semanais do entreguerras Um dos patrocinadores do novo jornalismo de maior sucesso antes de 1914 foi CA Pearson 18661921 que fundou o Daily Express em 1900 Em 1890 ele havia lançado o Pearsons Weekly que tinha como lema Interessar elevar e divertir em uma ocasião Pearson besuntou os periódicos com óleo de eucalipto para tornar seus leitores imunes à gripe Joseph Chamberlain 18361914 para cuja controversa campanha de reforma da tarifa Pearson dera um apoio valioso embora algumas vezes estridente chamavao de a pessoa mais ativa que havia conhecido Em 1903 Pearson comprou o St Jamess Gazette e um ano depois o Standard e o Evening Standard seguidos por um conjunto de jornais regionais inclusive o Birmingham Daily Gazette e o Evening Dispatch A política era um assunto constante nos jornais de Pearson sendo que os mais importantes deles mudaram de mãos em 1919 foram adquiridos pelo canadense Max Aitken 18791964 que em 1917 havia se tornado lorde Beaver brook Sobrevivendo a Northcliffe embora 14 anos mais velho que ele Bea verbrook trabalharia durante a Segunda Guerra Mundial no gabinete de Winston Churchill Ele já havia escrito um estudo clássico sobre o papel dos políticos inclusive de Northcliffe durante a crise política da Primeira Guerra Mundial quando Herbert Asquith foi substituído no cargo de primeiroministro por David Lloyd George Bravo Lloyd George havia sido a feliz manchete do Daily Mail Northcliffe estava seriamente interessado em explorar o poder da imprensa não somente na política mas também no desenvolvimento de nova tecnologia Na aviação ele patrocinou o vôo de Blériot sobre o canal da Mancha em 1909 Financiou também o rádio ainda no início em 1920 quando conseguiu uma transmissão a partir de Chelmsford da cantora australiana Nellie Melba o rou xinol australiano Apesar do que diziam as manchetes e o texto do Daily Mail afirmava que agora a arte e a ciência deram as mãos não houve fones de ouvido suficientes na redação do jornal durante a transmissão Em Paris fezse uma gravação fonográfica do desempenho de Melba em uma sala de transmissão radiofônica sob a Torre Eiffel Se Northcliffe não tivesse tido distúrbios mentais e morrido em 1922 o ano da fundação da BBC ver p162 ele poderia ter tido um importante papel na história da radiodifusão assim como desempenhara na história da imprensa Beaverbrook que sobreviveu a ele teve uma atitude mais ambivalente com rela ção ao novo meio Opunhase aos fabricantes de rádio que têm o controle mas 210 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA sentia total desconfiança em relação ao primeiro diretorgeral da BBC John Reith Depois que Reith disse em 1923 que a liberdade no ar resultaria em caos a manchete do Daily Express foi Lutando contra a liberdade Um crítico mais aberto de Beaverbrook do que Reith foi o líder conservador Stanley Baldwin 18671947 que fez as manchetes de 1931 ano de crise financei ra e drama político quando acusou os jornais de Fleet Street de objetivarem o poder sem responsabilidade acrescentando que esse poder havia sido prerroga tiva das prostitutas ao longo dos tempos Apoiado por The Times cujo editor George Dawson mantinha ligações com fontes do partido conservador oficial Baldwin havia sido ele próprio um alvo certo O herdeiro de Northcliffe o viscon de Rothermere junto com Beaverbrook ameaçava fazer oposição na eleição geral seguinte aos candidatos conservadores que não prometessem fazer campanha em prol do livre comércio do Império Durante a década seguinte até a Segunda Guerra Mundial Rothermere apoiaria o líder fascista sir Oswald Mosley 18961980 Vivam os camisas pretas foi uma manchete do Daily Mail O Daily Express de Beaverbrook órgão que expressava as opiniões do dono chegou a prometer aos leitores na véspera da invasão da Polônia por Hitler que não haveria guerra Na GrãBretanha essa foi a época dos barões da imprensa que festejavam seu poder Ela foi bem descrita no segundo volume de um estudo magistral feito por um historiador norteamerica no Stephen Koss e publicado em 1985 The Rise and Fall of the Political Press in Britain que colocou o adjetivo aparente antes de poder do baronato Na avaliação de Koss a imprensa popular podia estimular ou produzir opinião mas não conseguia determinar como os leitores reagiriam Havia outras maneiras contudo de interessar os leitores de jornal como a oferta de palavras cruzadas jogos e acima de tudo esportes A política muitas vezes vinha por último e no que toca a ela havia muita informação incorreta Como afirmou o poeta WH Auden era sempre necessário para os leitores ler nas entrelinhas A Segunda Guerra Mundial porém trouxe várias mudanças e alterou o tom da época O poder político da imprensa mostrouse limitado em 1945 quando apesar de toda a liderança do Daily Mail e do Daily Express o primeiro jornal diário a alcançar a marca de dois milhões de tiragem Winston Churchill sofreu grande derrota e o Partido Trabalhista ganhou a eleição geral Nesse ponto da história da mídia é necessário investigar mais profundamen te e comparar a imprensa e o rádio como mídias que influenciam a informação e a opinião Também é preciso olhar para a história social e política e para a própria história da mídia Havia muitos motivos para a vitória do Partido Trabalhista em 1945 e Churchill célebre por seus pronunciamentos à nação pela BBC durante a guerra não tocou a nota correta para seus partidários nas transmissões radiofôni cas sobre as eleições E em nada lhe ajudou o fato de parecer estar recebendo con selhos de Beaverbrook sobre estratégia Enquanto isso Clement Attlee 18831967 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 211 que iniciara sua carreira como diretorgeral dos correios e seus colegas do Partido Trabalhista desfrutavam em 1945 a poderosa ajuda do Daily Mirror que havia se tornado um tablóide genuíno em 1934 com assessoria da agência norteameri cana de propaganda J Walter Thompson Dentre as histórias em quadrinhos veiculadas pelo jornal o personagem preferido pelo público Jane era mais co nhecido em 1945 do que Attlee Independentemente das fontes de atrativo da imprensa em 1945 e das limitações de sua influência a circulação de jornais nacionais havia crescido durante a guerra aumentando vagarosamente durante a década de 1930 quando diminuiu a circulação dos jornais regionais Koss terminou seu livro com a nomea ção da primeira Comissão Real sobre Imprensa em 1947 que dedicou 150 páginas à educação e ao treinamento de jornalistas Contudo ele incluiu um pós escrito sobre a extinção na década de 1960 de jornais bem estabelecidos Em 1960o News Chronicle herdeiro do liberal Daily News do século XIX desapareceu Em 1964 o Daily Herald fundado como jornal trabalhista em 1912 com o apoio de sindicatos se transformou no Sun que recebeu um novo e enganoso slogan Um jornal nascido na época em que vivemos Em 1967 foi a vez do funeral do Reynolds News um jornal que inequivocamente pertencia a uma outra época O Daily Herald havia entrado em dificuldades financeiras em 1930 durante a depressão quando 51 de suas ações foram adquiridos pela Odhams Press 49 ficaram com os sindicatos O novo Sun perdeu ainda mais dinheiro e depois de cinco anos de incertezas e esforços foi vendido em 1969 para um jovem pro prietário de jornais o australiano Rupert Murdoch que ainda se encontrava a meio caminho de se tornar um magnata da mídia No mesmo ano ele adquiriu o News of the World e em 1971 seguindo o caminho de Northcliffe comprou The Times do proprietário canadense Roy Thomson 18941976 que havia adquirido o jornal dez anos antes Tendo começado a carreira no setor de jornais e rádio no Canadá Thomson havia montado uma base britânica por meio da aquisição da maioria das ações de uma das primeiras companhias de televisão independentes da GrãBretanha a Televisão Escocesa que se mostrou em suas inesquecíveis palavras uma licença para imprimir dinheiro A concentração de poder na mídia no século XX tornouse uma fonte cada vez maior de preocupação pública entre 1961 e 1981 Ela embaçou não apenas a maioria das possíveis linhas divisórias entre informação e entretenimento com um pouco de educação no meio mas também a linha que separa os partidos políticos entre esquerda e direita e por fim as diferenças entre as mídias O império de Murdoch estendeuse ao cinema e à televisão Thomson também havia incluído na lista de seus interesses o turismo ramo em que finalmente se concentrou Cecil King 190187 sobrinho de Northcliffe havia adquirido o controle do grande grupo Daily Mirror em 1933 o qual seria renomeado como International Publishing Group IPG em 1963 Ele também tinha participação na Associated Television 212 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Assim após assumir a Odhams o grupo ficou responsável por cerca de 200 periódicos semanais mensais e trimestrais Em 1968 King estava mais envol vido em uma política para minar o governo trabalhista do primeiroministro Harold Wilson do que em política partidária o que o forçou a deixar a presidência do grupo O periódico mais conhecido do IPG Woman havia sido lançado pela Od hams Press em 1937 ao preço de dois centavos e tinha meio milhão de leitores no fim do ano Em 1945 tinha três quartos de milhão e no pico no final da década de 1950 três e meio milhões Fora do círculo de Northcliffe a publicação mais característica havia sido Picture Post fundada em 1938 com artigos sobre altos temas políticos e fotografias memoráveis ela não só refletia as atitudes da esquer da dos tempos de guerra mas também as influenciava fortemente No Picture Post Stefan Lorant refugiado da Alemanha nazista usando uma pequena câmera Leica elevou o jornalismo pictórico britânico a novas alturas O proprietário do jornal Edward Hulton 190688 que havia começado sua carreira de proprietá rio de jornais em 1937 com Farmers Weekly foi sagrado cavaleiro em 1957 ano em que fechou o Picture Post Dois anos depois todo o grupo de periódicos de Hulton foi assumido pela Odhams antes que esta por sua vez fosse incorporada ao IPG É interessante comparar Picture Post com a revista Life fundada por Henry Luce 18981967 em 1936 13 anos depois do Time e quase simultaneamente ao jornal cinematográfico mensal March of Time Seu prospecto era eloqüente Ver a vida ver o mundo testemunhar os grandes eventos observar as faces dos pobres e os gestos dos orgulhosos ver coisas a milhares de quilômetros de distância coisas escondidas atrás de paredes e dentro de salas coisas perigosas de se obter ver e ficar pasmado ver e aprender Sem a motivação de Lorant Hulton e Tom Hopkinson 190590 o último editor de Picture Post que estava profundamente interessado na educação de jornalistas a revista Life vivia de acordo com o prospecto distribuído aos anunciantes antes de chegar ao público Em telegrama enviado em 1936 o poeta e ensaísta Archibald MacLeish 18921982 escreveu a Luce que as grandes revoluções do jornalismo não são as da opinião pública mas as revoluções no modo como ela é formada A opinião pública seria formada de diversos modos assim como a procura de entretenimento e educação seria moldada de maneiras diferentes O caminho do fotojornalismo havia mudado significativamente antes da morte de Luce em 1967 A própria Life oferecendo um registro em cores e em tempo integral da feitura da história morreria em 1972 depois de tentar competir frontalmente com a televisão ainda em grande parte em pretoebranco Luce teve de concorrer com revistas de notícias com a sua própria revista Time e com as concorrentes da Time as revistas Newsweek e US News and World Report cuja circulação combinada cresceu entre 1961 e 1970 de 538 para 847 milhões de cópias Depois da morte de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 213 Luce a revista Time ficou como o centro do que se tornou um imenso conglome rado econômico no início formado pela Time e pela Warner Brothers e mais tarde em 1995 incluindo Ted Turner que de uma inviável base em Atlanta havia criado contra todas as expectativas e as antigas redes uma rede global de notícias a CNN Cable News Network construída a partir do nada Nessas circunstâncias os jornais norteamericanos tiveram de se adaptar como fizeram quando chegou o computador A antiga sede de um jornal com uma sala de redação onde os repórteres usavam máquinas de escrever e em que os textos eram cortados e editados mudaria tão radicalmente quanto os processos de impressão O tipo de chumbo quente ainda não havia sido substituído em todos os lugares pela impressão em offset e o primeiro terminal de editoria eletrônica já era inaugurado em 1973 Ainda havia velhos odores e antigos ruídos nos prédios dos jornais e esses odores e ruídos mais tarde iam parecer curiosida des e serviriam de segundo plano para o brilhante filme político Todos os homens do presidente 1976 Como no século XIX as páginas continuavam a sair em estágios diferentes do processo de produção E as vendas caíam o número de jornais vendi dos por família menor em tamanho do que no século XIX caiu de 112 em 1960 para 088 em 1974 Em termos sociais a cidade em que se baseavam os antigos jornais locais perdeu seu poder para áreas mais extensas incluindo agora além dos subúrbios os exurbia que se estendiam para além deles Quando o proprietário do Sun de Nova York adquiriu três outros jornais metropolitanos na década de 1920 para lançar o Herald Tribune ele pôde escolher entre 14 jornais em 1963 12 deles ainda estavam sendo publicados O próprio Herald Tribune porém já havia desaparecido em 1958 e 20 anos depois só exis tiam três dos antigos jornais Em 1977 Anthony Smith com experiência em rádio televisão e filmes na GrãBretanha foi convidado pelo Fundo George Marshall dos Estados Unidos sob os auspícios do Instituto Internacional de Comunicações um exemplo interessante de cooperação internacional para estudar as mudan ças que estavam ocorrendo na publicação de jornais em diversos países O que acontecia nos outros países não era diferente daquilo que se passava nos Estados Unidos e na GrãBretanha embora as políticas nacionais variassem mesmo entre vizinhos Na Suécia que perdeu 50 jornais conservadores 30 liberais e vários outros de vocação socialdemocrata entre as décadas de 1920 e 1960 o Estado introduziu em 1970 um fundo de empréstimo e descontos para distribuição em conjunto seguidos por outros subsídios governamentais principalmente para jornais pequenos Foram também estabelecidas subvenções para jornais novos A Noruega adotou política semelhante A Dinamarca não Na Suécia e na Noruega a extinção dos jornais dos partidos representou para a maioria dos militantes um desastre total As comparações internacionais feitas no fim dos anos 1970 mostraram que depois de uma década de adversidade econômica os suecos consumiram mais 214 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA jornais por mil habitantes do que qualquer outro povo exceto o Japão e chega ram perto dos Estados Unidos em número de telefones per capita Além disso 95 da população sueca tinha aparelho de televisão Nesses tempos de compa ração a mídia era agora normalmente considerada uma só sendo os Estados Unidos o principal ponto de referência O crescimento das transmissões pri meiro de rádio e depois de televisão levou ao declínio dos anúncios em jornal de 45 de toda a propaganda em 1935 para 23 em 1995 mas a participação conjunta de jornais e televisão na propaganda total teve um número mais ou menos constante 46 comparados a 45 Não foi somente a televisão que representou um desafio para a imprensa Quando ela teve que se preocupar com outra mídia tanto em termos culturais quanto de negócios precisou examinar as possíveis mudanças futuras de seu próprio papel Estas não eram questões novas Na GrãBretanha uma das primei ras pessoas a especular sobre as relações na mídia e suas implicações foi lorde Riddell 18651934 então proprietário do News of the World o primeiro jornal britânico a ser comprado por Murdoch que em 1909 já tinha uma tiragem de mais de quatro milhões de cópias quando Riddell tornouse par do reino em 1909 Enfrentando o som do rádio e não a televisão ele foi amistoso com o novo meio mas levantou alguns pontos interessantes alguns dos quais estavam em ascensão do outro lado do Atlântico Qual o efeito que o rádio terá na vida Aliás não gosto da expressão sem fio por que descrever uma coisa com uma negação Estarão as pessoas dispostas a ler menos Falarão menos Serão mais ou menos informadas Irão menos ao teatro e a concertos de música Os que moram em áreas rurais estarão mais ou menos satisfeitos Quem pode dizer Riddell continuou a colocar questões que permaneciam no tempo No que con cerne à geração atual eu acredito que as pessoas acostumadas a ler e que gostam de ler continuarão a fazêlo usem elas o rádio ou não E a nova geração que crescerá com o rádio Preferirá se informar com um meio visual ou auditivo A geração seguinte e houve muita discussão sobre isso ia adquirir informa ção e mais ainda entretenimento na tela pelo meio visual o olho universal da televisão Na realidade no mesmo número de Radio Times em que Riddell colocava suas preocupações um ouvinte palavra nova e controvertida sugeriu em uma carta ao editor que não era profecia dizer que dentro de dez anos a televisão será tão avançada quando a radiotelefonia hoje A palavra es pectador ainda não havia sido pensada mas a BBC ao lançar um segundo periódico em 1929 chamouo de Ouvinte mais intelectual do que Radio Times Quando a televisão realmente chegou ela levantou mais questões do que aquelas expressas por Riddell com respeito ao rádio Como escreveu o então INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 215 crítico de televisão do Evening Standard e editor associado de Television Kenneth Baily em 1949 Milhares de pessoas e depois milhões se tornarão súditas em certo grau da tela de suas casas O que isso significará para elas Um bem ou um mal Com este novo poder parece não haver meiasmedidas ele escolherá seu caminho e então fará o que não pode deixar de fazer O determinismo tecnológico não era a resposta como irá mostrar a terceira seção deste capítulo A idade da televisão Mas outras tentativas foram feitas no sentido de fornecer respostas sobre as conseqüências sociais da televisão e estas nem ao menos haviam sido levantadas a respeito do rádio A era da difusão É necessário começar com o que a BBC sempre chamou de transmissão de som em vez de iniciar com a televisão tanto por seu interesse intrínseco quanto pelo menos no início pelo fato de que as mesmas instituições que conduziram a era da radiodifusão foram também responsáveis em introduzir a idade da televisão E cada instituição tinha sua própria história Normalmente tratavase mais de instituições do que de organizações nos Estados Unidos a NBC e a CBS se con sideravam assim e na GrãBretanha a BBC também Em 1926 o arcebispo de Canterbury já havia dito isso e pouco depois a BBC seria comparada à igreja anglicana que ele presidia Em 1940 RS Lambert um antigo editor do diário da BBC o Listener se voltou para uma instituição diferente afirmando em seu livro Ariel and All His Quality que no campo da arte intelecto e política a BBC exercia pelo patrocínio todo o poder antes exercido pela Corte Ed Murrow 190865 um dos grandes repórteres de rádio nos tempos de guerra famoso nos dois lados do Atlântico era ele mesmo quase uma instituição assim reconhecido graças às transmissões que fizera de Londres durante a batalha da Inglaterra Para MacLeish então bibliotecário do Congresso essas transmis sões foram responsáveis por destruir a superstição da distância Hoje inestimá veis como registro histórico na época tornavam os acontecimentos mais vivos O próprio MacLeish havia aberto um novo capítulo na rádio norteamericana com uma peça em versos transmitida em 1937 A queda da cidade tinha a presença de Orson Welles como locutor de rádio Outro programa da CBS transmitido em 1938 em que Welles de novo figurava como locutor foi uma versão muito modi ficada de A guerra dos mundos de HG Wells O anúncio da descida de marcianos na Terra gerou pânico mas o programa foi descrito por Dorothy Thompson como a notícia do século fornecendo uma contribuição para o entendimento 216 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA de hitlerismo fascismo stalinismo e todos os outros terrorismos de nossa época maior do que todas as palavras escritas sobre o assunto por homens sensatos Em dois anos a maioria das estações européias de transmissão estava em mãos nazistas e a demanda por notícias reais era maior do que nunca Ao for necêlas o rádio pela primeira vez teve sensível vantagem sobre os jornais uma vantagem de certa forma malvista nos Estados Unidos mas muito apreciada na GrãBretanha Antes da guerra a BBC tinha sido restringida em seu noticiário principalmente no tempo e conteúdo pela imprensa e pelas agências de notícias Agora com o apoio do Ministério da Informação um ministério novo e impopu lar ela estava liberada Era também a sede de muitos radialistas europeus em busca de liberdade política e ficou conhecida como a Voz da Liberdade No auge da guerra chegou a fazer transmissões em 45 línguas incluindo o tâmil o tai e o japonês Em casa ela tinha a responsabilidade de manter o ânimo e entre os programas de entretenimento irradiados o ITMA de Tommy Handley tornouse lendário O modo como a BBC interpretava no tempo da guerra opiniões de um conjunto de radialistas vários nãoprofissionais foi de especial importância A rádio norteamericana também utilizou muitos voluntários de fora da profissão uma legião de críticos fazendo propaganda da democracia que também iria se destacar em Hollywood A guerra fornece uma posição favorável necessária mas incomum para examinar esses aspectos da radiodifusão assim como as mudanças tecnológicas por exemplo como o radar e os foguetes Uma guerra de palavras estava sendo travada entre 1939 e 1945 e tanto nos países democráticos quanto nos totalitários o microfone tornouse uma arma poderosa Ele já havia sido utilizado durante a década de 1930 por Adolf Hitler 18891945 e Joseph Goebbels 18971945 encarregado da máquina de propaganda nazista e anteriormente pela União Soviética Na primeira transmissão radiofônica nazista em 1933 Goebbels que estava empenhado em destruir a autonomia da imprensa afirmou com convicção que o rádio seria para o século XX o que a imprensa fora para o XIX Nos colossais comícios inteligentemente organizados em Nuremberg o microfone seria usado como megafone assim como aconteceu em praças públicas e prédios da União Soviética Figura 21 A radiodifusão tinha também a vantagem de poder ser controlada e os aparelhos de rádio das pessoas produzidos durante o fim da década de 1930 não captavam as transmissões de outros países Nem Lênin 18701924 nem Stálin 18791953 contudo ambos associados a panfletos que traziam seus nomes foram radialistas ativos e os programas soviéticos eram maçantes repletos de estatísticas dúbias atraindo apenas a militância partidária A imprensa era rigoro samente controlada Nos Estados Unidos onde grande parte dela era hostil a Franklin D Roosevelt 18821945 que chegou ao poder no mesmo ano que Hitler o presidente usava o microfone de modo diverso Em suas conversas diante INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 217 Figura 21 No estádio Adolph Hitler com a coordenação de seu ministro da propaganda Joseph Goebbels usa o microfone como um megafone Aqui afastado do imenso público ele fala em um comício monstro 218 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA da lareira pretendia fazer com que os ouvintes sentissem que estava presente junto com eles em seus lares Figura 22 E esse não era o único uso do rádio As oito conversas representaram somente 8 de suas falas radiofônicas entre 1933 e 1936 uma delas transmitida em um feriado foi ouvida por 64 dos aparelhos norte americanos Nenhum desses usos do rádio havia sido contudo parte da experiência britâ nica A BBC que durante os primeiros anos de sua história teve recomendações governamentais para ficar fora de transmissões controvertidas na mudança da paz para a guerra teve de adaptar sua estrutura e suas políticas muito mais do que qualquer outra grande organização Apesar disso o alcance de seus programas préguerra foi muito maior do que em qualquer outro país principalmente nos Estados Unidos e a BBC manteve essa vantagem durante e depois do conflito Em transmissões para o exterior ela continuava a se orgulhar de propagar a verdade Na programação interna agora abandonava grande parte do que fora considerado fundamental nos primeiros anos por exemplo um padrão de programas aos domingos e a má vontade em transmitir música popular No começo da guerra obedecendo a instruções governamentais a BBC irradiou somente um único programa Mas em janeiro de 1940 lançou nova pro gramação a chamada Forces Programme como alternativa para o conjunto na cional anterior o chamado Home Service Irradiada para todo o mundo a estra tégia mudou completamente o tipo de programação préguerra da BBC que diferençava o domingo dos outros dias da semana Quando o conflito acabou em julho de 1945 foi chamada de Programação leve Light Programme Tratavase de uma das três programações para o público britânico sendo que a terceira era voltada para um aspecto cultural minoritário talvez com mais prestígio no exte rior do que na GrãBretanha Com essas mudanças o grande público cujos elogios haviam sido cantados por Reith e Seldes estava agora se fragmentando embora sir William Haley 190187 o diretorgeral que jamais usaria a palavra fragmentação tivesse a esperança de que os ouvintes se educassem passando de uma programação para outra Não havia sinal de política semelhante no sistema de rádio norteamericano as redes continuavam a ter controle firme embora o Departamento de Guerra dos Estados Unidos tivesse sua própria rede com 1800 postos em 1944 Também na União Soviética durante a guerra nenhum esforço foi feito para apresentar pro gramas anexos As impressoras soviéticas estavam competindo com armas e artilharia com material de guerra e poetas romancistas e letristas foram mobi lizados para a causa Stálin usou as palavras irmãos e irmãs em sua primeira transmissão radiofônica em 3 de julho de 1941 e algumas semanas depois um programa típico do rádio consistia na leitura de cartas de homens e mulheres escritas na frente de batalha Depois da guerra haveria uma ênfase maior em cultura definida e monitorada de cima por Andrei Zhdanov e seus associados INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 219 Figura 22 Diante da lareira Franklin D Roosevelt usa o rádio para conversar com seus concidadãos Ele confiava naquilo que julgara ser comunicação democrática Para examinar as experiências norteamericana e russa e também a britâni ca é necessário voltar ao começo Na GrãBretanha Reith ministro da Informa ção por curto período durante a guerra ao olhar para o passado podia combinar história pessoal e institucional Escocês engenheiro de profissão filho de pastor e nascido em um presbitério Reith tinha somente 33 anos em 1922 quando foi designado gerentegeral da British Broadcasting Company uma empresa comer cial com dividendos restritos coisa inconcebível nos Estados Unidos Ele per maneceu no cargo durante cinco anos antes de se tornar diretorgeral da nova British Broadcasting Corporation Reith havia planejado a grande mudança estru tural feita em 1927 por uma Concessão Real que estipulava que a BBC deveria fornecer informação entretenimento e educação e que seria comandada por uma diretoria formada por cinco pessoas com mandato de cinco anos nomeadas pela Coroa com base em recomendação do primeiroministro Esses diretores seriam provedores e não administradores pois era convicção de Reith mais do que uma opinião de que a administração da radiodifusão deveria ser feita por especialistas do ramo independentes do governo e do mundo dos negócios O significado de dirigir a BBC seria interpretado de diversos modos no futuro em tempos de paz e de guerra por diferentes diretorias e individualmente 220 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA por parte de cada diretor Mas a filosofia de Reith sobre a responsabilidade social permaneceu muito tempo depois de sua saída da BBC em 1938 Suas idéias foram colocadas em um dos mais reveladores livros sobre os anos de formação da radiodifusão Broadcast Over Britain 1942 escrito em velocidade enquanto Reith estava sob grande pressão como gostava Lorde Riddell fazia perguntas ver p214 Reith fazia perguntas e ele próprio respondia Reith escreveu que quando entrou para o ramo não havia ordens lacradas para abrir Muito poucos sabiam o que ela significava nenhum sabia o que poderia se tornar No entanto mesmo em 1924 ele já previa os desafios da radiodifusão em uma perspectiva a longo prazo algo que Riddell não havia feito Até o advento deste meio universal extraordinário e barato de comunicação uma grande proporção de pessoas não tinha acesso aos eventos que fazem história Elas não partilhavam de interesses ou diversões com aqueles que pos suem duas riquezas lazer e dinheiro Não tinham acesso aos grandes homens da época e estes só podiam enviar suas mensagens a um limitado número de pessoas Hoje tudo isso mudou Reith sentia que cumpria uma missão Usar o rádio simplesmente como meio de entretenimento acreditava seria prostituílo Ele não desejava oferecer às pes soas meramente o que elas queriam Cumpria à BBC estabelecer padrões Ela deve levar para o maior número possível de lares o que de melhor houver em cada setor de conhecimento esforço e realização humanos Havia aqui mais do que um toque de Matthew Arnold embora Reith provavelmente não tenha perce bido Para ele a preservação do tom moral era obviamente e observe o advér bio de capital importância Ele atribuía grande destaque à religião Nunca usou os termos mídia de massa ou comunicação de massa O monopólio era o instrumento natural para a missão de Reith mesmo que fosse um monopólio bruto ele próprio escolheu o adjetivo anos mais tarde pois somente esse tipo de organização poderia desafiar a lei cultural de Gresham segundo a qual o mal expulsa o bem O que significam mal e bem naturalmente isso era motivo de discórdia Mesmo na época a posição de Reith recusando a procura do menor denominador comum parecia autoritária com a passagem do tempo mostrouse rígida e obsoleta Todavia Reith recebeu apoio oficial e nãooficial como já acontecera com Vail tomando a defesa do monopólio da ATT nos Estados Unidos ver p153 Em agosto de 1922 uma manchete do Manchester Guardian afirmava antes de Reith ser nomeado que a radiodifusão de todas as indústrias é a mais indicada para o monopólio Doze anos mais tarde à luz da experiência The Times observou que havia sido uma sábia decisão confiar o rádio neste país a uma única organização um monopólio independente sendo o serviço público sua principal motivação Figura 23 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 221 Figura 23 John Reith arquiteto das transmissões britânicas foi objeto de diversas caricaturas inclusive no Punch onde podia mesmo figurar como Próspero a revista interna da BBC chamavase Ariel A ilha está repleta de música sons guloseimas e ares aprazíveis A caricatura mostrao na fachada da então recente Broadcasting House 222 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA E mais ainda o Comitê Crawford indicado oficialmente em 1926 para avaliar o futuro da radiodifusão britânica concordava com a linha de pensamento de Reith de que o monopólio era mais uma questão de missão do que de tecnolo gia para enfrentar freqüências escassas Embora admitindo que comprimen tos de ondas especiais ou serviços alternativos pudessem fornecer um derivativo do que chamava o dilema da programação havia então somente um serviço de programação o Comitê acreditava que eles nunca seriam usados para contentar grupos de ouvintes mesmo extensos que pressionassem para a inclusão de programas triviais ou comuns A decisão tomada pelo Comitê Crawford de esta belecer uma corporação pública por concessão real foi saudada pelo socialista WA Robson como uma invenção na esfera da ciência social tão admirável quan to a descoberta da radiotransmissão no campo da ciência natural No ano de 1927 quando a Comissão Federal de Rádio foi estabelecida nos Estados Unidos com a finalidade de tratar da radiodifusão previase no princípio que ela seria temporária Já naquela época o sistema de rádio norteamericano apresentava significativas divergências em relação ao modelo britânico Era prin cipalmente um meio de entretenimento com o noticiário vindo em segundo lugar e tinha também posições diferentes sobre transmissões religiosas e políticas incluindo as eleições Em 1930 havia aproximadamente 14 milhões de aparelhos de rádio em uso e esse número em um ambiente de depressão era apenas o começo da idade de ouro quando o rádio se tornou acima de tudo um meio de comunicação de massa As estações locais ofereceriam o folclore do futuro como aconteceria uma geração depois quando a Prairie Home Companion programa de Garrison Keillor originalmente da Rádio Pública de Minnesota foi irradiado nacionalmente porém as redes nacionais estavam no controle A principal diferença em termos de abordagens internacionais sobre o rádio se relacionava no entanto com a propaganda Em nenhum país a estação de rádio era um presente dos céus livre como o ar mas o financiamento britânico vinha de taxas de licença e não de impostos gerais em oposição frontal ao modelo norteamericano que costumava auferir a audiência dos programas patrocinados e tirálos do ar caso não atraíssem número suficiente de ouvintes Durante a década de 1950 a publicidade segmentada dirigida a alvos específicos se estabelecia com o apoio da pesquisa psicossocial Os debates sobre os méritos dos dois sistemas começaram aí e jamais terminaram A caixa ainda é a chave dizia uma manchete da revista interna da BBC Ariel em 1979 Apesar disso os sistemas britânico e norteamericano foram apenas dois entre vários outros que apareceram na década de 1920 embora ambos servissem de modelo Havia muitos sistemas híbridos como sempre houve em telecomuni cações O Canadá era um exemplo particularmente interessante pois mesmo tendo um poderoso vizinho jamais quis seguilo como modelo A radiodifusão INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 223 foi usada deliberadamente para reforçar a identidade nacional como já havia sido feito com a política de transportes A radiodifusão extensiva norteamericana perturbou bastante a Liga Canadense de Rádio e influenciou diretamente a defini ção da Lei de Radiodifusão do Canadá de 1932 que estabelecia uma Comissão Canadense de Radiodifusão a CBC e a subseqüente criação da Canadian Broad casting Corporation em 1936 O modelo era a BBC mas desde o princípio foi incorporado um aspecto comercial incluiuse um segmento de propaganda espe cificamente canadense Antes de 1945 o sistema soviético construído segundo fundamentos marxis tasleninistas não servia como modelo Nem o nazista O italiano que era propa gandista tampouco no entanto por transmitir propaganda em árabe levou a BBC a fazer sua primeira irradiação em língua estrangeira antes da guerra em 1938 Jamais considerado modelar o sistema francês era dirigido desde 1928 por um serviço público organizado pelos correios e competia com 13 estações comer ciais privadas A audiência era relativamente pequena e em 1939 o serviço foi colocado sob o controle de um novo Departamento para Informação Pública Depois que a França sofreu a invasão alemã em 1940 que foi apoiada por inteli gente propaganda nazista o serviço perdeu toda a credibilidade Cada sistema de rádio mesmo o francês tinha seus defensores Alguns países desenvolveram identidades institucionais próprias a maioria deixavase ficar em uma coexistência desconfortável entre transmissões comerciais e serviços públicos A rádio NHK Nippon Hoso Kyokai do Japão antes e depois da guerra com sua junta de diretores parecia se assemelhar à BBC Ela foi fundada em 1926 dependente de taxas de licenciamento mas ao contrário da BBC estava sujeita ao controle do governo que aliás se intensificou bastante mesmo antes da invasão da Manchúria em 1931 quando o número de portadores de licenças havia alcançado a cifra de um milhão Houve pressões antes e depois da guerra do Japão com a China em 1937 para se concentrar em transmissões que exaltassem o espírito nacional incluindo emissões como o tema do dia que incorporavam o hino nacional canções patrióticas e chamadas para que os súditos do imperador fizessem uma reverência na direção de seu palácio Ironicamente a Segunda Guerra Mundial terminaria com uma transmissão sem paralelo do imperador Hirohito 190189 que poucos ouvintes compreenderam por causa da extrema formalidade da linguagem da Corte Depois que o Japão foi ocupado o status da NHK como pessoa jurídica foi confirmado pela Lei de Rádio e Radiodifusão de 1950 idealizada para garantir a liberdade de expressão nas transmissões e somente depois daquela data a NHK passou a sofrer a competição de estações comerciais a maioria delas associada a jornais De maneira semelhante enquanto a Alemanha estava ocupada e neste caso dividida o modelo de seus sistemas de radiodifusão pósguerra foi estabe 224 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA lecido por dois poderes diferentes de ocupação Na Europa Oriental a principal função do rádio e mais tarde da televisão foi definida como a formação de uma consciência do Estado socialista o sistema soviético tinha se tornado um mode lo como na Europa Central Na Alemanha Ocidental arquitetouse um sistema de rádio bastante descentralizado depois de 1945 sob grande influência britânica com nove estações públicas legais e regionais cada qual oferecendo três progra mações diferentes Nessas circunstâncias não poderia haver grande audiência mas desde o princípio outros elementos distintos estavam em jogo na Alemanha A descon fiança sobre a radiodifusão por parte da imprensa que era dominada por po derosos interesses financeiros representados em particular pelo grupo Springer baseado em Hamburgo e Berlim limitava inovações Além disso a existência de ouvintes e mais tarde de espectadores que na parte oriental captavam emissões estrangeiras era um fato de importância política antes da reunificação da Alemanha em 1989 O mercado de massa foi deixado para a imprensa O quinto artigo da lei básica do novo Estado germânico feito em 1949 especificamente tornou a imprensa livre como elemento integrante da Constituição mas não previu os triunfos do grupo Springer BildZeitung Picture Post da Springer vendia quatro milhões de exemplares por dia Na Itália poucos jornais eram vendidos para uma pequena parte da população menos do que em outros países europeus em 1975 99 a cada grupo de mil habitantes em comparação com 441 na GrãBretanha Os jornais eram no entanto instituições de reconhecida impor tância Havia também um semanário de massa Oggi semelhante a Paris Match A agência de radiodifusão italiana RAI Radiotelevisione Italiana fomentou a polí tica de objetivar um público unificado mas muitas vezes ela foi comprometida por clara interferência política Independentemente de país regime agência e período a raison dêtre de toda a radiodifusão era oferecer programas a uma grande e invisível audiência Por vários motivos a maioria deles históricos diversos países usando basicamen te a mesma tecnologia não tinham a mesma gama de programação ou não apre sentavam o mesmo estilo Mas em todos eles havia alguma divisão operacional de trabalho como na indústria de filmes Salvo os programas completamente infor mais todos os tipos de programas de estúdio que contavam com a possibili dade de gravação em fita magnética técnica na qual a Alemanha foi pioneira envolviam profissionais diversos roteiristas até que roteiros desse tipo fossem abolidos produtores normalmente trabalhando atrás de telas de vidro apresen tadores trabalhando diante delas e artistas nem todos profissionais em tempo integral Também os engenheiros estavam sempre por trás das cenas e o alcance da transmissão externa uma demanda de ouvintes em todos os países não teria sido possível sem eles INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 225 Nos Estados Unidos onde desde o início as transmissões foram integradas ao sistema de negócios havia uma divisão como acontecia na imprensa entre de um lado os realizadores e apresentadores dos programas geralmente os que ganhavam mais as celebridades e de outro lado os vendedores que arrecada vam as receitas dos anúncios Com essa divisão foi inevitável que se desenvolvesse um sistema de classificação de programas que se tornaria mais sofisticado do que a própria programação Os patrocinadores mediam estatisticamente o impacto dos programas de rádio assim como mais tarde mediriam a audiência da televisão horário nobre ou não e isso determinaria o custo publicitário A BBC com Reith evitava a utilização de classificações como guia para elaborar suas políticas e a estação só veio a fazer pesquisas de audiência em 1937 No entanto em 1945 ela já havia desenvolvido um sofisticado sistema interno que considerava a qualidade de cada programa e o número de ouvintes A empresa norteamericana AC Nielsen Company fundada em 1923 projetou a primeira máquina de medição direta o audímetro em 1941 e estabeleceu o que seria geralmente aceito como padrão de classificação Quando passou a se dedicar à televisão em 1950 a empresa tinha se tornado uma instituição tão reconhecida quanto as agências de propaganda que precederam o aumento da radiodifusão e organizavam dispendiosas campanhas de rádio e mais tarde de televisão As agências que desenvolveram uma linguagem distinta de marketing foram objeto do mesmo processo de concentração por que passaram as empresas de rádio e mais tarde a televisão Na GrãBretanha onde o processo de radiodifusão não apresentava nada de monolítico havia uma nítida divisão entre as pessoas criativas ou não que se dedicavam diretamente à realização dos programas e aquelas que administravam e tratavam das finanças No entanto as linhas que marcavam essa divisão podiam ser ultrapassadas Na opinião de um dos mais eloqüentes administradores criati vos Huw Wheldon que entrou para a empresa em 1952 a BBC era a soma de seus programas nem mais nem menos O padrão da programação que para ele necessariamente incorporava atrações dedicadas à arte nunca era fixo embora houvesse programas definidos para o mesmo horário em cada semana alguns de vida longa muitos ouvintes não queriam que acabassem e quando isso acontecia havia muita controvérsia A previsão de tempo foi incluída na lista de programas na GrãBretanha bem cedo em 26 de março de 1923 Na montanhosa Suíça constituiu um dos princi pais motivos de venda para aparelhos de rádio Desde o começo os eventos espor tivos eram populares em diversos países mas no início era difícil transmitilos pela falta de cooperação por parte dos interesses envolvidos na GrãBretanha a primeira corrida de cavalos ao vivo com comentários também ao vivo foi irradiada em 6 de junho de 1923 Diariamente eram transmitidos programas religiosos e a semana terminava com um epílogo religioso e um longo amém Nos 226 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA países católicos havia opiniões diferentes sobre a conveniência de se transmitir a missa A Rádio do Vaticano logo em seguida à criação do jornal Osservatore Romano desenvolveu um estilo próprio Nos Estados Unidos a religião e a políti ca se misturaram às vezes com alarde O televangelismo afetaria os dois setores A principal forma de entretenimento transmitida antes da guerra eram as variedades um nome estranho e descrito em 1934 pelo jornal The Times como o pão com manteiga da radiodifusão Nos Estados Unidos era o nome de um periódico profissional Tinha suas origens no teatro e o primeiro programa trans mitido em 30 de janeiro de 1923 se chamava apropriadamente Veteranos de Variedades no entanto nem todos os veteranos se adaptaram à nova experiência O cabaré tinha um apelo diferente Nos Estados Unidos o programa Amos n Andy Show com origem nos espetáculos de menestréis negros e brancos encenados no século XIX sobreviveu à depressão e à guerra Esteve cotado nos primeiros lugares antes da guerra e em 1950 após 21 anos ainda era um dos dez mais da lista de Nielsen antes de ir para a televisão O formato do programa era aberto permitin do a realização em série A palavra inglesa programme tinha dois empregos bem distintos na GrãBre tanha o primeiro uma transmissão global mais ou menos contínua que viria a se chamar canal na época da televisão ou seja programação o segundo os com ponentes individuais irradiados dentro da programação Muitos programas indi viduais tiveram suas histórias registradas mas não há quase estudos comparativos sobre o equilíbrio entre os programas individuais que constituíam uma progra mação Na televisão a situação é melhor existem muitas monografias especializa das sobre os diversos gêneros nela apresentados O equilíbrio mudou com o tempo sobretudo na GrãBretanha e mais durante a década de 1960 período caracterizado por conflitos sociais e culturais do que entre 1945 e 1960 quando a televisão começava a oferecer um serviço alternativo Os rádios transistores portáteis ver p124 foram responsáveis por uma ruptura social e cultural na GrãBretanha na Europa e pelo mundo afora inclusive no mundo árabe Neste último conforme ressaltou Daniel Lerner no famoso livro The Passing of Traditional Society 1958 o rádio portátil se tornou um símbolo de modernização Tanto o deserto quanto a praia seriam lugares apropriados para observar de que modo eram usados Figura 24 Na Europa um pouco mais tarde um dos motivos para fazer as instituições estabelecidas mudarem a programação foi a pirataria A Rádio Caroline trans mitindo do mar do Norte foi a primeira 1964 de um conjunto de estações piratas a desafiar as autoridades e transmitir principalmente música popular para a GrãBretanha e outros países europeus Depois de tentativas de controlar a situação pela lei tentativas mais raras na GrãBretanha do que nos Estados Unidos a própria BBC criou em 1967 uma nova Rádio 1 com programas Figura 24 Os rádios transistores transformaram a vida em praias e desertos onde não havia vivalma Os aparelhos eram móveis característicachave na história da mídia vejam o telefone celular portáteis e baratos Os transistores têm uma história ainda mais importante do que essa foram essenciais para o posterior desenvolvimento dos computadores 228 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA semelhantes aos das estações piratas sobretudo de rock e empregou funcioná rios que vinham das rádios clandestinas Havia então quatro canais de rádio 1 2 3 e 4 em vez de três A Rádio 4 assumiu o estilo do chamado Home Service estação que os ouvin tes sintonizavam para ter cobertura completa de notícias e comentários sobre as notícias e a Rádio 3 ficou com o que sobrou de uma estação Third Programme que se especializara em programação musical em 1964 e 1965 Também começa ram a surgir atrações regionais pela primeira vez desde os primórdios da antiga British Broadcasting Company que teve um transmissor de alta potência de ondas longas inaugurado em Daventry em 1926 e iniciou um esquema regional no ano seguinte As mudanças ocorridas na década de 1960 foram muito controvertidas dentro e fora da BBC mas o novo padrão rapidamente se estabeleceu Frank Gillard que se tornara conhecido como radialista nos tempos de guerra fazendo reportagens na frente de batalha em um programa brilhantemente organizado Reportagem de Guerra considerava que o rádio tinha a grande vantagem de ser relativamente barato e simples Essa era uma vantagem de importância especial na educação enquanto a televisão era cara e incômoda Embora o rádio possa ter sido sacudido pela televisão ele sempre pôde competir com os cinejornais e depois disso nunca foi por ela substituído Ocorreu uma mudança drástica semelhante na Holanda onde antes de 1939 havia uma única estrutura transmissora grandemente modelada por aspectos religiosos Uma nova lei de radiodifusão de 1967 incluiu duas estações novas a TROS e a VOD planejadas especificamente para entretenimento a partir da idéia das rádios piratas Na realidade ainda que uma das últimas pressões na radiodifusão tenha partido de jornalistas ansiosos por lançar programas regulares de notícias somente em 1974 o Ministério da Cultura insistiu junto à TROS para que se incluísse na programação algum boletim de notícias A trossificação exerceu um impacto sobre as emissões tradicionais apesar de a lei definir o objetivo da radio difusão como oferecer uma programação completa em proporções razoá veis de diferentes categorias de programas As atrações deveriam satisfazer às necessidades culturais religiosas e espirituais da população Nos Estados Unidos os objetivos da radiodifusão jamais poderiam ser defi nidos da mesma maneira Tampouco as rádios norteamericanas na época prin cipalmente regionais operavam de acordo com os desafios contemporâneos tal como haviam feito as tão criticadas BBC e as estações holandesas Antes da guerra as novelas que foram batizadas em inglês como soap operas óperas do sabonete por serem patrocinadas pela ColgatePalmolive e pela Procter e Gamble apresen tavam dramas diários de 15 minutos Havia também uma Hora Palmolive e uma Hora MaxwellHouse de café As notícias custaram a entrar na programação e Lowell Thomas apesar das reclamações da imprensa começou a ler regularmente notícias na NBC em 1930 Mas somente em 1934 elas tiveram lugar cativo na INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 229 programação muitas vezes com manchetes e excertos Algumas celebridades pas sariam diretamente do rádio para a televisão A Hora Fleischmann apresentou Milton Berle que havia iniciado como cômico de boate e teatro Um evento que sobressaiu na história foi transmitido somente por rádio em 30 de outubro de 1938 seis milhões de pessoas estavam ouvindo O Teatro no Ar Mercury da CBS quando a música de baile foi interrompida por um comunicado autorizado de que a Terra estava sendo invadida por Marte A Guerra dos Mundos havia começado Depois do advento da televisão de costa a costa após 1945 as rádios locais receberam um novo estímulo Mas enquanto caía a grande audiência noturna de 17 milhões de casas para três milhões pouco foi feito para melhorar a programa ção além do aumento do número de canais O surgimento do rádio transistor primeiramente oferecido como item de luxo nos Estados Unidos na década de 1950 além do rápido desenvolvimento de rádios para automóveis garantiu um lugar de destaque para a música popular inclusive para os estilos country e wes tern a qual pontuada por breves boletins de notícias permaneceu como um item de consumo geral Somente com o passar do tempo e com o conhecimen to de que o estreito espectro do rádio não importava mais a música clássica se tornou uma alternativa assim como posteriormente a rádio comunitária O subtítulo de um artigo de 1964 escrito por Desmond Smith sobre o Rádio norteamericano hoje na revista Harper era que se dane o ouvinte Tratavase de uma mensagem muito diferente daquela feita pelo editor do Daily Mirror de Londres face à crítica do governo Publique e se dane Os objetivos do rádio afirmava Smith são idênticos aos da televisão no tipo mas diferentes em magni tude O rádio norteamericano como qualquer ouvinte pode dizer é um escravo ainda mais dócil do dólar comercial Os padrões do rádio são piores do que os da televisão se isso é possível porque as emissoras só podem sobreviver em uma atmosfera de vendas estridentes como um meio de barganha de anúncios com os comerciantes locais as lojas de departamentos voltando aos primórdios do rá dio ou as agências de carros usados Em 1946 a participação da propaganda local na receita total do rádio tinha sido de 34 em 1963 70 Contudo os lucros das operações das estações locais eram altos ironicamente com o rádio em baixa como meio criativo a Comissão Federal de Comunicações CFC teve de congelar parcialmente a concessão de novas licenças em 1962 As perspectivas mudariam de alguma forma na década de 1970 que come çou com a criação de uma Rádio Pública Nacional e terminou com o número de ouvintes de FM freqüência modulada menos vulnerável a interrupções de re cepção pela primeira vez ultrapassando o de consumidores da AM amplitude modulada A história da FM envolveu mais o ramo dos negócios do que da tecnologia Um engenheiro o major Edwin H Armstrong originalmente amigo de Sarnoff se tornou seu inimigo quando este ao ver uma demonstração em 1933 230 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA considerou a FM um perigo para o sistema de redes E embora Armstrong tivesse autorização de construir uma estação experimental em Nova Jersey em 1939 e a FM se tornasse popular essa guerra atrapalhou o seu progresso E ainda mais ela o estagnou até 1957 Consternado com as atitudes da CFC e tendo de comparecer repetidas vezes diante de tribunais Armstrong cometeu suicídio em 1953 saltan do de um arranhacéus Podese traçar um paralelo entre a história da FM e o vagaroso desenvolvimento da UHF na televisão No entanto a FM tornou o ato de ouvir rádio muito mais agradável particularmente a música clássica enquanto a UHF em vários lugares piorou o ato de ver televisão É possível fazer uma série de generalizações sobre a era da radiodifusão antes que a televisão se tornasse o meio dominante É quase impossível contudo assim como no caso da televisão um meio muito mais estudado ou até no dos automóveis separar a extensão de sua influência sobre atitudes e hábitos em oposição a outras influências sobre a cultura e a sociedade Como o sistema postal o rádio alcançou toda a população mesmo nos lugares mais remotos e de modo diferente de outras mídias como a imprensa e o cinema Em qualquer lugar era um bom companheiro consolando e entretendo informando e educando além de oferecer em qualquer lugar conforto para cegos doentes solitários e os que estavam confinados em suas casas Na memória pelo menos as imagens que evocava subsistiam tanto quanto as palavras que oferecia O espectro de atuação da radiodifusão para estabelecer uma cultura comum nos países onde se considerava essa atitude como um ideal é motivo de debates ele permanecia bastante limitado principalmente em relação às classes mas as anedotas e os casos foram compartilhados antes que o processo de fragmentação se estabelecesse As conseqüências econômicas tornaramse substanciais além da criação de indústrias novas de dimensões assustadoras Mesmo em locais como a GrãBretanha onde havia pouca ou nenhuma integração entre o rádio e o ramo dos negócios pela via da propaganda os jornais e periódicos e também as exposições puderam usar a existência do rádio para vender produtos inclusive aparelhos receptores Havia também um atrativo especial para as mulheres Já em 1928 o Guia da BBC incluía um anúncio para as mulheres da GrãBretanha que depois de instalarem um aparelho de rádio e com isso afastarem os maridos do clube precisavam urgentemente dar um passo adiante e tornar os lares mais confortáveis e alegres adicionando globos e abajures Hailgloss nas lâmpadas O anúncio trazia a legenda Os prazeres em volta da lareira Sentarse diante da lareira parece ter se tornado nostálgico tanto a lareira quanto o próprio aparelho de rádio atualmente quase desapareceram Por ocasião do seu qüinquagésimo aniversário em 1972 a BBC convidou Alasdair Clayre escritor cantor e radialista para produzir uma série de programas radiofônicos com o intuito de examinar o impacto da radiodifusão sobre as pessoas INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 231 que cresceram ouvindo rádio Ele começou com A Hora das Crianças 1922 apresentado por tios e tias supostas figuras familiares um reforço para os pais mas não substitutos para eles No levantamento de Clayre a política vinha em seguida com McLuhan uma das pessoas entrevistadas sublinhando em bora de modo não inteiramente convincente como o rádio havia colocado em primeiro plano chefes tribais mas ele não mostrou as distinções entre as políti cas de radiodifusão levadas a cabo na GrãBretanha e na Alemanha na GrãBreta nha e nos Estados Unidos ou mesmo na GrãBretanha e no Canadá A música veio em terceiro lugar O acesso do público ouvinte à música clássica e a audiência desse tipo de arte havia aumentado enormemente o gramofone e o rádio tinham se tornado interdependentes Uma estação de rádio comercial britânica a Clássica FM 1992 provaria essa tendência depois que a BBC perdeu o monopólio En quanto isso música ambiente incluindo a música de elevador foi o grande fenômeno novo em todos os países Olhando para a trindade entretenimento educação e informação podese observar que o primeiro certamente mudou de caráter depois da chegada do som às casas embora não tão drasticamente quanto aconteceu nas décadas de 1980 e 1990 Normalmente o cinema era uma atração popular alternativa com os Cinco Grandes dominando a produção e a distribuição MetroGoldwyn Mayer Paramount Warner Brothers RKO e Twentieth Century Fox e poderosos colunistas de jornais promovendo às vezes infernizando os astros e estrelas da tela A premiação com o Oscar a primeira delas realizada em 1927 pela Academia NorteAmericana de Cinema Artes e Ciências sempre foi ocasião para um evento de mídia A publicidade no rádio nunca teve o mesmo apelo popular No item educação o papel do rádio assim como o da televisão foi maior do que a cota prevista de educação formal Na GrãBretanha porém a BBC quase desde o início se envolveu tanto com a educação escolar quanto com a de adultos e a concepção da fala como uma forma de arte limitada em tempo e cuidadosamente redigida e tão estranha para franceses e norteamericanos teve origem na educação para adultos A primeira transmissão para escolas na GrãBretanha foi feita em abril de 1924 Em 1939 havia um elaborado mecanismo de transmissões para escolas organizado por um Conselho Central de Radiodifusão para Escolas bastante independente que muito fez para conservar as instituições escolares abertas e alerta durante a Segunda Guerra Mundial Perto do final do conflito houve também um sistema de Radiodifusão Educacional das Forças Armadas apoiado com entusiasmo pelos responsáveis pela administração do Exército O esquema só foi desfeito em 1952 quando começou um experimento educacional mais am plo O esquema das Forças Armadas e o experimento focalizavam a extensão da compreensão por parte do público e queriam responder à seguinte pergunta 232 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Quantos programas as pessoas realmente compreendiam A resposta menos do que pensavam seus produtores A radiodifusão contudo nunca foi simplesmente um modo de transmissão pois como os historiadores têm ressaltado ela serviu pelo menos para algumas funções estabelecidas por Habermas quando escreveu sobre a esfera pública A maioria dos radialistas era da classe média os sotaques tiveram de ser padroniza dos e não se falava de interatividade mas de horizontes abertos o que se tornou um clichê além disso o rádio estimulava passatempos bem como a leitura Os bibliotecários em geral julgavamno um aliado e não um adversário Um programa radiofônico podia provocar uma corrida às livrarias e bibliotecas Nos Estados Unidos como em nenhum outro lugar no mundo o rádio se desenvolveu no início apoiado por instituições educacionais mas no fim da déca da de 1920 elas estavam perdendo influência e diminuindo em número Quando em 1934 uma nova Lei Federal de Comunicações substituiu a Comissão Federal de Rádio FRC pela Comissão Federal de Comunicações FCC voltada tanto para as telecomunicações quanto para o rádio houve uma pressão organizada no sentido de controlar e apoiar uma programação educacional No entanto a nova FCC favorecia as estações que chegavam a todo público ouvinte dentro da área de transmissão da estação e não mostrava interesse em apoiar emissoras educativas Nem o Congresso se interessou Apesar do apoio filantrópico e acadêmico em 1935 nas palavras de Robert W McChesney as autoridades haviam lavado as mãos sobre a política de radiodifusão neste e em outros campos Tal atitude teve maiores implicações quanto à oferta de informação pelo rádio Nos países europeus em 1935 a radiodifusão já havia feito muito para elevar o nível geral de informação e continuou com a tarefa durante a guerra e depois do advento da televisão quando os noticiários tomaram uma nova direção Nos Estados Unidos havia esperanças em 1922 de que o rádio pudesse reanimar a democracia uma palavra mais usada lá do que na GrãBretanha para acentuar nos cidadãos seu sentido de participação Foi Herbert Hoover e não Roosevelt que expressou a questão mais claramente Para ele o rádio estava revolucionan do os debates políticos que subjazem às ações políticas sob os princípios de gover no em termos concretos ele nos transforma literalmente em um povo em todas as ocasiões de interesse público geral O mesmo aconteceu na GrãBretanha por exemplo sobretudo na época da abdicação de Eduardo VIII em 1936 em um programa radiofônico apresentado pelo próprio Reith Mas o que isso tinha a ver com democracia Dez anos antes a tarefa final de Reith como administrador da BBC antes de se tornar diretorgeral de uma em presa pública fora manter ou pelo menos tentar conservar ao máximo a independência da empresa quando a nação ficou dividida por uma greve geral em 1926 havia pessoas no governo como haveria em crises posteriores que INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 233 desejavam assumir o controle da BBC Somente permaneceram disponíveis du rante a greve um jornal oficial folhas clandestinas do Partido Trabalhista e o papel da BBC como monopólio se mostrou controvertido Reith tinha muitas preocupações mas não dúvidas Haveria muito mais dúvidas no futuro A idade da televisão A radiodifusão em ambos os lados do Atlântico e em muitas outras partes do mundo independentemente do padrão adotado estava tão bem estabelecida em meados da década de 1930 que nunca foi fácil para aqueles com ela comprometi dos proprietários administradores apresentadores e artistas decidir como a televisão com sua longa préhistória poderia se encaixar ver p175 Além do mais embora houvesse uma minoria dedicada de entusiastas a situação econômi ca geral era desfavorável a um desenvolvimento rápido Nos Estados Unidos que poderia ter tomado a liderança os primeiros anos da década antes do New Deal foram de depressão quando o crescimento das vendas mesmo de automóveis esteve sob ameaça A despeito do emprego dado por Sarnoff a Zworykin ver p176 a palavra experiência era citada sempre que se mencionava a televisão na década de 1930 mesmo na GrãBretanha Quando a década que terminou em guerra estava quase no fim a televisão estava sendo apresentada publicamente na Feira Mundial de Nova York em 1939 na qual Roosevelt discursou havia até uma Sala da Fama da Televisão Somente em 1941 ano em que os Estados Unidos entraram na guerra a NBC e a CBS arquirivais iniciaram de Nova York algumas transmissões de televisão limitadas e em horários definidos Entretanto quem continuou a fazer programas regulares de televisão durante a guerra não foi uma das redes mas os Laboratórios DuMont ambiciosa emissora recémchegada ao mercado sem base no rádio e com investimentos da Paramount Pictures Sarnoff e William Paley o fundador da CBS estavam fora em serviços de mídia relacionados a nãocomba tentes e a terceira rede ABC que se voltou para a televisão em 1943 estava à volta com tantos problemas financeiros que não tinha como iniciar o processo Quando a Segunda Guerra Mundial acabou ainda era reduzido o entusias mo acerca da televisão nos círculos do rádio e do cinema sob a superfície prova velmente havia muita apreensão Nenhum grupo saiu a campo para fazer pressão como aconteceu com os radioamadores que desempenharam um papel crítico nos anos iniciais do rádio As decisões tinham que ser tomadas de cima e pelos grandes interesses do rádio a FCC também não ajudou Ela se debatia em argu mentos protelatórios sobre tecnologia inclusive sobre televisão em cores e a esco lha de VHF em vez de UHF ao congelar a licença para novas estações entre 1945 e 1949 a FCC prejudicou bastante os Laboratórios DuMont mo acerca da televisão nos círculos do rádio e do cinema sob a superfície prova velmente havia muita apreensão Nenhum grupo saiu a campo para fazer pressão como aconteceu com os radioamadores que desempenharam um papel crítico nos anos iniciais do rádio As decisões tinham que ser tomadas de cima e pelos grandes interesses do rádio a FCC também não ajudou Ela se debatia em argu mentos protelatórios sobre tecnologia inclusive sobre televisão em cores e a esco lha de VHF em vez de UHF ao congelar a licença para novas estações entre 1945 e 1949 a FCC prejudicou bastante os Laboratórios DuMont 234 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Nos chamados círculos informados havia um conceito errôneo sobre as expectativas da televisão Acreditavase que somente os grupos de alto rendimento pudessem ser atraídos por ela Essa crença porém mostrouse totalmente incor reta mesmo antes do fim do congelamento Com a oferta de poucos programas a produção de aparelhos cresceu consideravelmente entre 1947 e 1952 de 178 mil para 15 milhões em 1952 havia mais de 20 milhões de aparelhos em uso Mais de um terço da população norteamericana tinha um os dados para 1948 eram de 04 com significativa proporção de aparelhos em bares e não em casas No entanto mesmo em 1948 a Business Week impelida pela explosão de crescimento no pósguerra chamou a televisão de o mais recente e valorizado bem de luxo do cidadão comum e proclamou aquele como o ano da televisão A RCA estava em dia também em 1948 o preço de suas ações se elevaram em 134 graças às vendas de aparelhos Uma audiência realmente de massa começava a crescer explosivamente a cada semana enquanto o público de cinema diminuía apesar da popularidade descrita no epíteto era do cinema e do difundido slogan de Hollywood Os filmes estão melhores do que nunca Em 1953 o presidente Eisenhower escreveu no diário o seguinte Se um cidadão vai se entediar ao máximo é mais barato e mais confortável ficar em casa e ver televisão do que sair e pagar um dólar por um ingresso A ida média semanal ao cinema caiu de 90 milhões em 1948 para 47 milhões em 1956 O número de salas de cinema chegou ao auge em 1945 com 20 mil casas e depois caiu para 17575 em 1948 e 14509 em 1956 De Hollywood algumas tentativas de pressão para que a televisão fosse paga não obtiveram su cesso graças ao poder das redes de rádio embora essa tendência demorasse a se definir E algumas empresas de cinema se mexeram para garantir concessões para televisão Em 1948 a Twentieth Century Fox tentou comprar a ABC Uma das saídas a venda de filmes para empresas de televisão só foi concretizada em mea dos da década de 1950 Naquela época ninguém falava da era do cinema e Hollywood longe de ser uma fábrica de sonhos havia sido abalada pelo senador Joseph McCarthy que tinha uma lista negra da televisão de artistas supostamente prócomunistas McCarthy usou a televisão mas depois foi destruído por ela e por outras razões Suas aparições na tela mostraramse contraproducentes e os jornalistas Ed Mur row e Fred Friendly usaram o meio sem o apoio de sua empresa a CBS para expôlo Algumas emissoras não exibiram os interrogatórios e o próprio papel de Murrow e de seu programa Veja Agora na derrubada de McCarthy foi exagerado Havia muitos tipos de programas de televisão eram raros os interrogató rios de McCarthy embora em menor número que no rádio e havia sistemas com números de linhas diferentes Os Estados Unidos empregavam 525 linhas como o Japão e muitos países europeus usavam 625 Na década de 1960 haveria mais tráfego de programas entre as fronteiras do que no rádio e mesmo nos filmes INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 235 e Hollywood mais uma vez se organizou em novos termos enquanto a Broadway que influenciou muito o início da televisão norteamericana perdia terreno No entanto não havia na televisão o equivalente a girar o botão experiência exclusiva do rádio como as bandas do cidadão nos Estados Unidos na década de 1970 O teatro era popular no início se o New York Times reclamava que assistir às cenas de palco levadas da Broadway não era diferente de ver uma série de cartões postais havia otimistas que consideravam o novo meio um teatro cultural Houve também espaço no primeiro estágio da história da televisão norteameri cana para diferenças locais de conteúdo e estilo de programação rapidamente perdidas quando as redes assumiram Essas diferenças foram ajudadas pelo avan ço tecnológico relativo ao desenvolvimento do videoteipe magnético Os progra mas de televisão podiam agora ser transmitidos a qualquer tempo de qualquer lugar Bem antes das redes parte da criatividade havia desaparecido A queixa partiu em 1950 de Gilbert Seldes que havia sido diretor da CBS durante a guerra e observara com interesse no final da década de 1950 como Hollywood estava rapidamente voltando a ser o que era mas em novos termos Na época a televisão norteamericana exibia mais filmes mesmo filmes antigos do que programas ao vivo inclusive faroestes como Gunsmoke que passou durante 20 anos e Disney lândia O principal fornecedor era a Warner Brothers a ABC com um novo pre sidente que tinha ligações com Hollywood era o principal comprador E uma nova geração de independentes estava produzindo filmes de baixo custo tais filmes se bemsucedidos traziam grandes lucros quando passavam nos cinemas Sindicato de ladrões 1948 com Marlon Brando logo celebridade foi um deles Alguns produtores como Otto Preminger estavam preparados para desafiar os tabus de Hollywood Os programas básicos de televisão eram muito mais estereotipados In cluíam espetáculos de jogos como Beat the Clock quebracabeças que logo levantariam problemas éticos e novelas Uma das atrações mais conhecidas e não somente nos Estados Unidos foi I Love Lucy 1957 O Ed Sullivan Show da CBS que ficou em cartaz durante muitos anos foi lançado ao ar em 1948 em uma tentativa de concorrer com Milton Berle da BBC A televisão vai do mesmo jeito que o rádio tão rapidamente quanto possível isto é na direção do entreteni mento observou o editor do CourierJournal de Louisville em fevereiro de 1956 Nem todas as empresas não norteamericanas de radiodifusão queriam se guir na mesma direção certamente não tão rapidamente quanto possível Nem os cineastas italianos que estavam no auge da criatividade nos difíceis anos pósguerra Na GrãBretanha a BBC operando em um país que não passava por um crescimento acelerado mas sim por um período de austeridade seguiu uma estratégia completamente diferente dando crédito a George Burnes 190460 Burnes um radialista culto se sentia mais à vontade dirigindo sua programação 236 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA de rádio dentro da chamada Third Programme do que em um estúdio de tele visão e acabou deixando de ser dirigente de televisão para se responsabilizar por uma nova universidade William Haley diretorgeral da BBC depois da guerra não estava satisfeito com o próprio meio apesar de ter sido a BBC em 1936 a primeira a manter uma estação de televisão regular mas em escala pequena antes da guerra ver p179 Quando em junho de 1946 após o intervalo de sete anos da guerra a televisão de 405 linhas foi restaurada a primeira série suspensa foram os desenhos animados da Disney de 1939 ela foi considerada uma ressur reição O número de licenças de televisão na GrãBretanha chegava somente a 14560 no fim de março de 1947 e a marca de um milhão foi atingida no fim de 1951 com a preponderância de espectadores do grupo de baixa renda um relató rio da BBC mostrava que 70 deles só haviam freqüentado escolas até a idade de 15 anos No início diziase que as antenas de televisão eram símbolo de status colocadas para fazer figuração mas logo ficou claro que efetivamente havia um número elevado de espectadores genuínos A mesma tendência se observou em grande parte da Escócia no País de Gales e no norte da Inglaterra em 1952 Agora havia potencial para uma audiência de massa Um evento de grande impacto foi a coroação da rainha Elisabeth literalmen te à vista do povo em 1953 Cerca de 20 milhões de pessoas assistiram ao evento também nos Estados Unidos a audiência foi marcante transportandose os fil mes por avião Dado que somente pouco mais de dois milhões de licenças de televisão haviam sido concedidas na GrãBretanha muitas pessoas devem ter assistido à cerimônia fora de suas casas em cinemas salas e edifícios públicos O comentarista Richard Dimbley 191365 havia se tornado conhecido pelos ou vintes de rádio durante a guerra e trabalhava agora na televisão tornandose ainda mais famoso como apresentador de Panorama um dos programas de informação líderes da BBC iniciado no mesmo ano da coroação Seus dois filhos também se tornariam muito conhecidos O número de licenças exclusivamente para rádio havia alcançado seu pico três anos antes em 1950 11819190 e caiu para menos de 95 milhões em 1955 quando o número combinado de licenças para rádio e televisão estava acima dos 45 milhões Aquele foi o ano em que o Parlamento depois de protelações e debates calorosos acabou com o monopólio da BBC Em um informe oficial do governo conservador de 1952 parte de uma série de relatórios sobre radiodifu são o que mais tarde seria descrito como uma cláusula cavalodetróia estipulava o resultado de 1955 Na expansão do campo da televisão devemse estabelecer condições que permitam algum tipo de competição quando os atrati vos para os recursos de capital atualmente necessários para finalidades de grande importância nacional tornarem isso possível INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 237 Dentro da BBC surgiria o homem que iria desempenhar importante papel na quebra do monopólio Norman Collins 190782 durante certo tempo res ponsável por uma das programações Light Programme e pela televisão BBC criou em julho de 1953 uma Associação Popular de Televisão A Associação não ganhou apoio de The Economist cujo diretor fez uma pergunta ilusoriamente simples com freqüência formulada nos Estados Unidos e na Europa continental Por que a radiodifusão deveria ser tratada diferentemente das outras mídias inclusive a imprensa A Associação não atuava como um grupo de pressão e conduziu sua campanha contra o monopólio da BBC em termos populares Um de seus membros atacou a BBC porque ela descaradamente procurou fazer as pessoas pensarem a partir daí falta somente um pequeno passo para dizer o que elas devem pensar Faltou dizer na campanha que os norteamericanos jamais teriam permitido isso mas o novo canal competitivo de televisão britânica não foi planejado no estilo norteamericano Na verdade para muitas pessoas inclusive para os observadores franceses hostis a qualquer pressão anglosaxônica sobre sua língua ou cultura os Estados Unidos serviam como aviso e não como exemplo tal como acontecera nos primórdios do rádio Os críticos britânicos compartilhavam o sentimento de ameaça quando emissoras comerciais com bases regionais des critas como independentes algumas com interesses na imprensa se emanci param elas foram postas sob a órbita de uma Autoridade de Televisão Inde pendente ITA estabelecida por uma lei do Parlamento em 1954 A palavra autoridade significa o que diz Era a ITA que controlaria a publicidade da qual dependiam as receitas das empresas e limitaria a propaganda a pequenas inserções entre os programas A prática não seria apoiada pelas empresas comerciais No entanto os intervalos comerciais se tornaram uma característica da experiência britânica na televisão A duração e suas características foram regulamentadas Mas na década de 1990 o processo de regulamentação já se abrandara com algumas exceções como o fim da publicidade de tabaco por etapas A publicidade dirigida às crianças foi submetida a uma regulamentação bem mais rígida que nos Estados Unidos Ao mesmo tempo a BBC nunca relutou em fazer publicidade de seus próprios programas num crescente número de trailers apresentados nos intervalos das programações diárias A competição no caso da GrãBretanha foi vantajosa financeiramente para produtores artistas e uma gama de organizações de fora em particular as despor tivas Ao mesmo tempo aguçouse a competição dentro da própria BBC entre profissionais empregados na televisão muitos deles ainda jovens e os que traba lhavam no rádio Para Anthony Jay membro da equipe pioneira da televisão BBC que produziu o popular programa Tonight que não tinha roteiro predefinido e teve início em 1957 a BBC se desenvolveu mais pela competição interna do que pela competição direta com a ITA 238 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O advento da televisão independente com certeza deu nova vitalidade ao modo britânico de apresentar notícias Até essa época a veiculação de notícias tinha sido superior nos Estados Unidos onde Walter Cronkite há muito já havia desenvolvido uma carreira de influência e na realidade de autoridade Cronkite era um profissional genuíno e tanto na GrãBretanha quanto nos Estados Unidos estava se fortalecendo consideravelmente o senso de profissionalismo durante as décadas de 1960 e 1970 A BBC conseguira por meio de habilidades profissionais e políticas institu cionais recobrar a competitividade nos esportes Grandstand 1958 e nas comé dias Os sitcoms comédias de situação britânicos eram mais populares do que as séries dramáticas embora as últimas tenham prendido a atenção de espectado res tanto fora como dentro de casa a Forsyte Saga de John Galsworthy vista em Nova York e Washington também passava em Moscou A Hancock Half Hour que saiu do rádio para a televisão em julho de 1956 e perdurou até 1961 se baseava em um comediante de gênio Tony Hancock 192468 nascido para fazer rir um de seus mais memoráveis programas foi sobre radioamadores Outra série de suces so da BBC Z Cars 1962 focalizava o novo estilo da polícia motorizada contras tando com Dixon of Dock Green que apresentava o velho estilo policial Em programas como esses que espelhavam mudanças a BBC agora com um novo ativo e controvertido diretorgeral sir Hugh Greene 191087 que assumiu em 1960 estava sendo mais sensível às novas circunstâncias sociais e às mudanças institucionais da década de 1960 do que as emissoras Nem tudo o que aconteceu porém foi planejado para apresentar esse resultado O programa Dr Who 1963 que teve tantas mudanças quanto os lordes que o caracteriza vam começou como um programa para crianças mas finalmente tornouse cult como Jornada nas estrelas nos Estados Unidos que sucessivamente passou da televisão para o cinema e sobreviveu ao desaparecimento do elenco original A BBC foi mais longe do que os Estados Unidos quando introduziu a sátira That Was the Week that Was TW3 1962 era um programa que tratava com irreverência todas as instituições e autoridades inclusive o primeiroministro Harold Macmillan Assim como o novo e semanal Private Eye 1961 foi um sucesso instantâneo No teleteatro em que havia mais ênfase sociológica do que sátira a Televisão Independente ITV obteve os serviços do criativo produtor canadense Sydney Newman 191797 para levar ao ar Armchair Theatre seu grande sucesso Ele foi depois pescado pela BBC em 1961 e fez uma série parecida e igualmente polêmica The Wednesday Play O teleteatro floresceu mas havia críticos insistentes sendo Mary Whitehouse a mais pertinaz que questionavam os fundamentos morais dos programas e fundaram uma Associação Nacional de Espectadores e Ouvintes os próprios fiscais da tela Apesar da grande evidência de criatividade aliada à controvérsia o Comitê Pilkington habilmente influenciado por Greene mostrouse alarmado no relató INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 239 rio publicado em 1962 sobre a possibilidade de o declínio da participação da BBC levar inexoravelmente a um contínuo rebaixamento de padrões e voltava a um velho argumento familiar durante os debates parlamentares sobre o fim do mo nopólio de que as companhias estavam tendo lucros excessivos sobre o uso de um meio que é parte do público e não de domínio privado Estava claro no princípio da década de 1960 que a própria BBC ainda não tinha aceitado o veredicto do Parlamento em 1954 No volumoso testemunho ao Comitê Pilkington que tinha sete vezes o tamanho de Guerra e paz de Tolstoi e incluía um filme Esta é a BBC a empresa se ateve ao que Greene considerava o mais alto fundamento moral muito diferente do da sra Whitehouse defensora da decência A independência era tudo A BBC certamente sabia que apesar do que pudesse dizer o Comitê Pilkington a própria empresa deveria desenvolver uma estratégia adaptável para defender o serviço público de radiodifusão e o sistema de licenças sob o qual ela se baseava qualquer que fosse o governo no poder Harold Wilson sucessor do trabalhista Macmillan aceitou entusiastica mente a ITV Tony Benn à esquerda do partido embora entusiasta da nova tecnologia não acreditou em uma frase memorável que a radiodifusão pudesse ser deixada para os radialistas No início da década de 1970 a rádio BBC local parte da reorganização estru tural preparada durante a década de 1960 estava sendo aberta à competição como em outros países europeus Foi a natureza unificada do sistema de transmissão britânico incluindo a televisão e o rádio que começou a sobressair mais do que as diferenças entre a BBC e a ITA renomeada depois do desenvolvimento do rádio comercial local como IBA Pelo menos era isso o que achavam alguns comentaristas conhecidos e o diretorgeral da IBA sir Brian Young antigo diretor de escola pública nomeado em 1973 Diretores e mesmo diretorias estavam sendo trocados entre instituições e os profissionais podiam mudar livremente de lugar Os programas também podiam começar em um canal e ir para outro A única grande diferença parecia ser em relação às finanças A BBC não admitia publicida de as emissoras comerciais sim A BBC dependia das taxas de licenças as emisso ras comerciais eram movidas pelo lucro Ambos os lados se adaptaram às mudanças inclusive à chegada da televisão em cores em 1967 muito depois de seu advento nos Estados Unidos e à introdu ção de uma licença específica e mais cara para transmissão em cores em 1968 Durante algum tempo isso manteve as finanças da BBC Outros sistemas em países tão diferentes quanto o Canadá e Portugal sofreriam sérios cortes Cada vez mais os sistemas de radiodifusão se tornavam mistos com serviço público e emissoras comerciais existindo lado a lado nunca dentro do mesmo modelo institucional da GrãBretanha Nos Estados Unidos houve tentativas de reescrever a Lei das Comunicações de 1934 mas todas elas falharam 240 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Eram enormes as diferenças entre a GrãBretanha e os Estados Unidos onde as redes permaneciam imensamente fortes Também diferentes eram seus objeti vos Depois que o mercado doméstico de televisão parecia ter alcançado seu ponto de saturação no meio da década de 1950 os poderosos interesses da televisão norteamericana começaram a olhar para o exterior Em fevereiro de 1955 havia 36 milhões de aparelhos nos Estados Unidos e somente 48 milhões em toda a Europa sendo que 45 milhões estavam na GrãBretanha A explosão tinha que acontecer e em meados da década de 1960 mais de 90 países tinham estações de televisão A audiência global alcançava agora mais de 750 milhões Em meados da década de 1950 a CBS já tinha afiliadas em Havana na Cidade do México em Porto Rico e em 20 cidades canadenses Foi fora da Europa que o estilo norteamericano de televisão comercial se espalhou mais facilmente bus cando oferecer o entretenimento que acreditava que os telespectadores desejavam e evitando todo tipo de ofensa política Em 1966 o bem informado Wilson P Dizard em um livro sem afetações e sem o uso de jargão Television a World View dedicado a Murrow e escrito depois que a primeira fase da explosão da televisão havia terminado estimava que até o princípio da década de 1970 a grande audiência teria dobrado e que a influência da TV se estenderia de Minsk a Manila de Londres a Lima e até a cidade nigeriana de Kaduna onde mesmo hoje condutores de camelo barbados e homens tribais juntamse em uma casa para embevecidos assistir ao seriado Bonanza Dizard notou que havia diferenças entre os estilos de programas bem como nas estruturas institucionais em um mundo no qual os Estados Unidos tinham a liderança substancial na exportação de seus próprios programas Na América Latina por exemplo a telenovela uma forma nativa de drama doméstico de custo baixo tornouse imediatamente popular Os capítulos de meia a uma hora de duração eram transmitidos todos os dias da semana exceto domingos e feriados e gravados somente no dia anterior ao da exibição Às vezes ofereciamse finais alternativos e pediase aos espectadores que opinassem sobre eles No Japão os samurais trilharam seu caminho pelos séculos até a tela pequena e também até outros países o mesmo ocorreu com os monstros das profundezas No Japão a NHK introduziu a televisão em 1953 e foi seguida no mesmo ano pela primeira estação comercial As ruas de Tóquio fervilharam quando milhares de pessoas se reuniram para assistir à transmissão ao vivo de uma luta Cinco anos depois um casamento real japonês teve impacto tão grande para os telespectadores quanto haviam tido as bodas reais britânicas um milhão de apa relhos foram vendidos Naquele ano de 1958 alguém disse que o Japão estava se tornando tão obcecado pela televisão quanto os Estados Unidos As Olimpíadas de Tóquio de 1964 ver p191 foi grande atração nacional e internacional nas televi sões em cores ou pretoebranco A NHK que gastou mais dinheiro em pesquisa do que qualquer outra organização semelhante mostrou que em 1960 um japonês INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 241 adulto gastava em média três horas e 11 minutos por dia assistindo à televisão e as crianças gastavam um tempo ainda maior Na França e na Alemanha o desenvolvimento da televisão seguiu linhas que poderiam ter sido antecipadas dada a história pósguerra da radiodifusão em ambos os países na França em particular devese levar em conta um período muito mais longo remontando até às lutas revolucionárias e às guerras napoleô nicas pelo menos ou mesmo antes disso a Colbert Em 1946 os partidos políticos franceses haviam apoiado a legislação que nacionalizava todo o sistema francês de rádio e televisão porém sete anos mais tarde com a política de televisão seguindo a do rádio havia somente 60 mil aparelhos de televisão nos lares franceses Foi preciso um plano nacional qüinqüenal em 1954 para projetar 45 transmissores Mas foi somente depois de ficar óbvio que se estava perdendo audiência para organizações vizinhas como as de Luxemburgo e Mônaco que a maré começou a virar De Gaulle apreciava o potencial político da televisão e depois que se tornou chefe do governo em 1958 fizeramse os primeiros esforços para modificar o sistema Em 1964 foi criada uma nova organização autônoma a LOffice de Radio difusion Télévision Française ORTF Na época havia cinco milhões de especta dores comparados aos dez milhões da Alemanha Ocidental e quase seis milhões da Itália Na Alemanha Ocidental a televisão e o rádio tinham sido deixados pelos Aliados para os governos locais e a primeira estação de televisão a Nordwest Deutscher Rundfunk começou a operar em dezembro de 1952 A autonomia da ORTF era mais dúbia do que a dos serviços da Alemanha e da Itália mas não houve mudança alguma até a renúncia de De Gaulle em 1969 seguida pelos distúrbios les événements de Paris em 1968 No entanto a grande mudança só ocorreria depois da morte de Georges Pompidou o sucessor de De Gaulle O presidente Giscard dEstaing aboliu a ORTF em 1974 e em uma medida de grande alcance criou sete organizações autônomas uma para o rádio duas para canais de televisão uma para televisão regional uma para trabalhar como companhia de produção independente de fornecimento para as outras uma para tratar com o lado tecnológico da operação e uma para pesquisas e arquivos Para presidir a estrutura elaborada mas ainda monopolística foi criado um Conselho Audiovisual de Alto Nível Esta foi somente uma entre várias reorganizações estruturais da televisão A mais drástica aconteceu na Itália Em 1974 as decisões da Corte Constitucional confirmando a necessidade de serviços públicos de transmissões de rádio e televi são baseados em objetividade e imparcialidade acabaram por abrir caminho para sistemas de radiodifusão privados e em seguida à Lei de Transmissões de 1975 também para uma extraordinária explosão de empresas privadas a maioria das quais não sobreviveu Em 1978 havia mais de 506 canais locais de televisão e 2275 estações de rádio Havia agora mais estações por pessoa do que nos Estados Unidos 242 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Dez anos depois a contraparte espanhola da Corte italiana tomou decisão seme lhante salientando que como a Constituição não citava a questão das transmissõ es nenhuma estrutura era explicitamente proibida Alegava ainda que se poderia considerar que o princípio constitucional de liberdade de expressão incluía o princípio da liberdade para transmissão de rádio e televisão um julgamento não reconhecido nos Estados Unidos onde a telegrafia a telefonia o rádio e a televisão operavam segundo princípios legais diferentes dos seguidos pelas publicações O cenário da Itália entretanto continuou a evoluir e não foi copiado pela Espanha Em 1980 Silvio Berlusconi futuro primeiroministro inaugurou um canal quase nacional o Canale 5 e depois comprou outros canais italianos em 1983 e 1984 Seu conglomerado financeiro a Fininvest controlava agora três canais contra três da RAI uma situação de duplo monopólio que foi sancionada por lei em 1990 Contudo a RAI sobreviveu como sobreviveu à queda dos dois partidos políticos italianos o dos democratacristãos e o dos socialistas e a longa permanência de Berlusconi no poder desde 2001 Na GrãBretanha o governo trabalhista havia solicitado em 1974 um rela tório sobre o futuro da radiodifusão ao comitê dirigido por Noel Annan 19162000 Pronto em 1977 ele rejeitava os esquemas defendidos pelo Partido Trabalhista inclusive a formação de uma comissão e de um conselho nacional de radiodifusão e a cisão da BBC Em 1980 o primeiro governo conservador de Margaret Thatcher levando em conta as recomendações mas modificandoas decidiu introduzir o novo Canal 4 fora do controle do IBA mas com receita parcialmente dependente de publicidade Em vez de produzir programas ele retransmitiria atrações feitas por produtores independentes que cresciam em número e continuavam a crescer O Canal 4 logo mostrou ser uma instituição altamente inovadora exibindo pro gramas estrangeiros e nacionais Alguns dos novos produtores britânicos inde pendentes de áreas específicas eram muito criativos e em breve constituiriam um setor novo com participação britânica e estrangeira Annan contribuiu bastante para a diversidade de vozes e para a falta de consenso moral na GrãBretanha do início da década de 1970 Todavia na França onde a esquerda e a direita eram fortes o presidente Georges Pompidou disse em 1970 que ser um jornalista da ORTF não era como ser um jornalista de qualquer outro lugar a ORTF era a voz da França A nova ORTF de Giscard dEstaing não correspondeu às esperanças nela depositadas A radiodifusão permaneceu rigida mente nas mãos do governo tanto que em 1981 após a eleição de um presidente socialista François Mitterrand todos os antigos diretores da televisão francesa foram destituídos e substituídos por socialistas Uma nova comissão de estudos indicada para reformar a programação na França recomendou a criação de uma Alta Autoridade para a Mídia Audiovisual INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 243 antiga e nova e mudanças na distribuição de fundos entre os vários setores de programação Na legislação que se seguiu baseada nos estudos da comissão aban donouse a linguagem de monopólio mas adotouse uma ênfase crescente no serviço público Reiteravase que somente uma autoridade pública tinha o direito de tomar decisões sobre a programação de rádio e televisão para o povo francês Essas decisões foram postas em prática também nas reformas da legislação de outros países No entanto não havia cláusulas sobre financiamento e as seções sobre estruturas continham muitos casos ambíguos A televisão se difundia deixando poucos países fora de seu alcance como a Tanzânia e a Guiana Francesa ambos por vontade própria Em certos países só se permitia que uma voz fosse ouvida e algumas figuras privilegiadas fossem vistas na tela Na Tailândia por exemplo os regulamentos oficiais da televisão estabeleciam em 1965 que os primeiros objetivos da radiodifusão eram a pro mover as diretrizes nacionais e os interesses comuns na área da política no setor militar na economia e na área de bemestar social b promover a lealdade dos cidadãos com relação ao país a religião e o rei c promover a unidade e a mútua cooperação das Forças Armadas e de seus cidadãos e d convidar os cidadãos a delatar e a se opor ao inimigo inclusive àquelas doutrinas perigosas para a segu rança da nação Comentário e pesquisa Os comentários sobre a televisão em países onde seu padrão dependia de debates salientavam mais as implicações globais do que as nacionais como fez Marshall McLuhan quando introduziu o conceito de aldeia global em 1960 Seus livros de grande divulgação e escritos em seqüência começando com A galáxia de Guten berg 1962 dirigiram a atenção para as características intrínsecas de determinada mídia incluindo a impressa o rádio e a televisão Em todos os livros ele tratou mais da abrangência da mídia quente ou fria uma diferença que ele estabe leceu do que das mensagens e seus conteúdos programas não levando em con sideração as diferenças nacionais ou as diversidades sociais dentro de cada país as quais influenciaram diretamente junto com as estruturas educacionais os pa drões de controle e as gamas de conteúdo e os estilos de apresentação Entretanto quando generalizou sobre a aldeia ou o globo estava influenciado pelas tradições e experiências típicas do Canadá McLuhan cujas palavras e imagens subsistem era mais comentador do que analista e a televisão provocou mais comentários e estimulou mais discussões e mais charges do que qualquer outra mídia na história começando talvez com o comentário do Daily Mirror em 1950 Se você deixar um aparelho de televisão entrar por sua porta a vida jamais será a mesma É memorável a opinião do 244 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA norteamericano Ernie Kovac de que a televisão é um meio porque não é raro nem bemfeito E também as charges do New Yorker que como as do Punch começaram considerando o meio mais como uma engenhoca do que uma mensa gem e terminaram com a experiência da televisão Havia pouco consenso sobre o significado da televisão era o olho univer sal mas o arquiteto Frank Lloyd Wright chamoua de chicletes para os olhos A crítica era maior nos Estados Unidos onde a ênfase nas redes de televisão e rádio centravamse em entretenimento estereotipado levando Newton Minow presi dente da FCC em 1961 aliás um presidente excepcional a dizer que a televisão em rede era uma vasta terra inútil Em Londres Milton Schulman que fazia vigorosas críticas de certos programas em jornais chamou a televisão britâ nica de a menos pior televisão do mundo mas também observou como Lloyd Wright que para muitas pessoas o ato de ficar fixado na tela tinha se tornado mais um hábito do que um ato discriminatório consciente Para Schulman a televisão era o olho voraz Para outros era o olho do mal mal occhio destruin do não somente os indivíduos que a assistiam mas todo o contexto social Hoje a maioria dessas críticas está ultrapassada No entanto algumas pare cem curiosamente persistentes Para muitos críticos a televisão permaneceu uma agência de redução tornando triviais as notícias e os assuntos dos programas no entanto para outros era uma força negativa que distorcia as notícias e seus con teúdos McLuhan foi menos citado na década de 1980 do que havia sido 20 anos antes Para Neil Postman escrevendo em 1986 estamos agora nos divertindo à beça No entanto se a crítica se esgotasse nessas questões jamais haveria tantos debates como os que aconteceram em diversos países sobre decência sexo violên cia e bom gosto ou sobre padrões e códigos Nem a lei teria sido freqüentemente evocada sobretudo nos Estados Unidos Lá como vimos desde o início a radio difusão foi tratada de forma diferente das publicações e a televisão a cabo quando chegou ver p290 foi tratada de forma diferente das redes de televisão tanto nos tribunais como na FCC A maioria das ações legais originouse aí Tanto dentro quanto fora dos tribunais a maior parte dos debates concentrouse sobre o papel da família uma instituição em mudança e sobre a qual ainda era difícil encontrar um consenso ou generalizar mais ainda do que no caso da televisão Era fácil dizer que as crianças precisavam ser protegidas quando a televisão entrou nas casas mas as idéias de como protegêlas dividia as famílias Os assuntos legais eram complexos e essa complexidade aumentou com o advento do cabo e finalmente com a Internet O debate a respeito da influência da televisão sobre as crianças foi aberto por Hilde Himmelweit em Television and the Child publicado com o apoio da Fundação Nuffield em 1958 que também consi derava a influência da televisão sobre o adolescente e o comportamento político e social do adulto incluindo protestos violentos Os Estados Unidos contribuíram INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 245 muito para esses debates Não houve acordo sobre qualquer um deles apesar da demanda pública para fazer algo e da grande quantidade de pesquisa empírica Em geral dáse mais atenção à proteção das crianças do que à sua educação foram propostos sistemas de classificação e avaliação com horários impróprios em que determinados tipos de programa não seriam transmitidos e mais recentemente com dispositivos técnicos de filtragem As mesmas questões foram levantadas para o caso do cinema Em 1919 um periódico hoje extinto chamado significativamente de Educação se queixava da tendência das crianças para imitar as ousadas ações vistas na tela e não somen te as crianças mas também adolescentes e adultos O Código de Produção Hays começou a vigorar em 1931 e um novo código da MPAA Motion Picture Asso ciation of America em 1968 Dentro de casa eram necessárias várias respostas A última delas se baseava em tecnologia a invenção do chipviolência VChip um dispositivo eletrônico canadense que podia ser instalado nos aparelhos para iden tificar os programas de televisão considerados impróprios pelos pais Os políticos se apoderaram desse dispositivo para seus propósitos e em 1996 em uma lei de decoro nas comunicações o Congresso mandou que o chip fosse instalado em todo televisor novo a ser vendido nos Estados Unidos A Suprema Corte consi derou a lei inconstitucional em 1977 baseando sua resolução na liberdade de expressão O melhor exemplo de ação norteamericana para usar a televisão positiva mente em relação a crianças nos leva a uma geração anterior à lei da televisão para crianças de 1990 e nos conduz à Oficina de Televisão para Crianças criada com apoio da Fundação Nuffield que planejou a série Sesame Street iniciada em 1969 Produto comercial deliberadamente feito para entreter e educar ensinando crianças de jardimdeinfância a ler o programa dependia da cooperação de uma equipe e de colaborações similares àquelas da Universidade Aberta Durante sua longa vida foi transmitido em 150 países e serviu de modelo para programas como Plaza Sesamo no México Vila Sésamo no Brasil Sesamstraat na Holanda e Iftah Ya Simsin no Kuwait tornandose talvez a série de maior pesquisa na história da televisão Apesar disso ela inspirou quase tanta controvérsia quanto entusiasmo prin cipalmente em países que tinham atitudes em relação às crianças diferentes da quelas comuns nos Estados Unidos e que não queriam tratálas como consumido res comerciais É interessante voltar às simplificações do dr Maire Messenger Davies no livro Television is Good for Your Kids lançado na GrãBretanha em 1989 que usava testemunhos derivados de pesquisas tal como a feita na Austrália por Bob Hodge e David Tripp O estudo intensivo de 600 crianças de cinco a 12 anos de idade concluiu que a bête noire dos grupos lobbistas os desenhos anima dos terminou por se mostrar uma forma saudável idealmente adaptada ao crescimento da capacidade das crianças 246 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Algumas vezes mas não sempre a pesquisa empírica a respeito do uso do rádio e da televisão ou de programas específicos costuma evitar a teoria Todavia com a expansão das universidades e de outras instituições de altos estudos no século XX muitas delas com departamentos de estudos de mídia não é surpresa que se tenha dado um lugar de destaque à teoria e que a grande variedade de teorias existentes nem sempre pareça se relacionar com propriedade à experiência das pessoas que trabalham na mídia Na verdade elas não se basearam nessa experiência Muitas teorias focalizam a educação outras tantas a semiologia poucas o entre tenimento e algumas das mais interessantes as notícias A Universidade Co lumbia em Nova York onde Robert Merton e Paul Lazersfeld se conheceram em 1941 publicou um artigo bem amplo Mass Communication Popular Taste and Organized Social Action publicado em 1948 Na GrãBretanha o Grupo de Estudos de Mídia da Universidade de Glasgow abriu um debate muitas vezes amargo sobre notícias tendenciosas em um livro de 1976 intitulado Bad News O livro que se desdobraria em outros tinha como epígrafe uma citação do semiólo go francês Roland Barthes A relutância para mostrar seus códigos é uma marca da sociedade burguesa e da cultura de massa que dela se desenvolveu Na GrãBretanha Richard Hoggart fundou em 1964 o Centro de Estudos Culturais de Birmingham a primeira instituição acadêmica britânica a tratar de estudos culturais uma designação então discutível e debatida Hoggart começou a carreira trabalhando com educação de adultos e de 1960 a 1962 foi membro do Comitê Pilkington sobre Radiodifusão cujas opiniões ele conseguiu moldar ver p243 Antes disso em 1957 ele havia publicado The Uses of Literacy obra que retirava de revistas femininas grande parte do material analisado Na época supu nhase que o letramento universal não era problemático hipótese que se revelou prematura Hoggart mostrou suas limitações anos antes de a BBC tomar sua pri meira iniciativa sobre o assunto E esse tipo de campanha ainda era visto como necessário talvez ainda mais necessário em 2001 graças à baixa classificação da GrãBretanha na Europa em termos de escolaridade básica Junto com outro acadêmico britânico Raymond Williams que também co meçara a carreira com educação de adultos Hoggart remodelou a abordagem aca dêmica britânica sobre a mídia vista como um conjunto e sobre seu papel na sociedade contemporânea Os prolíficos escritos de Williams incluem Communi cations 1962 com uma revisão significativa na segunda edição 1966 e The Long Revolution 1961 Este último uma continuação de Culture and Society 1958 estimulou o estudo da mudança da mídia durante um longo período de tempo começando formalmente com a Revolução Industrial A abordagem que deixa va de fora a religião era mais de história social e cultural acima de tudo que econômica e política embora Williams como marxista jamais ignorasse o fator econômico Os livros aparecem com mais proeminência em seu texto que os jornais mas o rádio e a televisão também têm seu lugar INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 247 O livro de Daniel Boorstin sobre mídia The Image era muitas vezes citado junto com o de Williams embora fosse escrito através de uma óptica norteame ricana bem diferente Ele dirigia sua atenção não somente aos pseudoeventos fabricados pela mídia mas às celebridades conhecidas ao contrário dos heróis por suas imagens e não por seus feitos Antigamente um homem público precisava de um secretário particular para criar uma barreira entre ele e o público Hoje tem uma assessoria de imprensa para mantêlo regularmente à vista do público Desde então as técnicas de comunicação inclusive as de inventar tornaramse muito mais sofisticadas mesmo que nem sempre mais efetivas Quanto aos even tos seriam descritos pelos estudiosos israelenses Elihu Katz e Daniel Dayan em 1992 como eventos de mídia e tratados como reforços de integração social Nem Williams nem Boorstin nem na verdade Katz trabalharam com estatísticas Outros o fizeram alguns pesadamente inclusive a Unesco que produ ziu uma série de relatórios sobre comunicação de massa o primeiro deles em 1954 Newspaper Trends 19281951 Os relatórios demonstraram que o Canadá era de longe o principal fornecedor de notícias publicadas tanto antes quanto depois da guerra entre os 120 países que consumiam mais de 50 toneladas de noticiários impressos em 1951 o Reino Unido estava consumindo menos em 1951 599 mil toneladas do que em 1938 um milhão e 250 mil toneladas No mesmo ano 1938 uma organização nãopartidária denominada Planejamento Econômico e Político produziu o primeiro relatório empírico sobre a imprensa britânica Três comissões reais britânicas do pósguerra em relatórios de 1949 1962 e 1977 mostraram comparações proveitosas sobre hábitos de leitura em todo o país Em 1920 um em cada dois adultos lia um jornal diário de qualquer tipo e podia ser considerado um luxo em 1947 cada grupo de dez adultos lia em média 12 jornais diários e 23 jornais no domingo As vendas totais de diários nacionais e regionais eram 50 mais elevadas do que antes da guerra apesar do tamanho menor em razão da escassez de noticiários impressos Trinta anos mais tarde o total de leitores baixou um pouco mas a imprensa regional ocupava uma posição melhor do que antes O segundo volume de Cultural Studies o produto regional do Centro de Birmingham publicado em 1971 incluía um fascinante artigo de Stuart Hall que foi ser professor da Universidade Aberta sobre O olhar social do Picture Post e o terceiro volume tinha um longo artigo do mesmo autor sobre As de terminações dos novos fotógrafos Ambos lançaram luz sobre a evolução dos jornais e do fotojornalismo mais desenvolvido na Alemanha do que em qual quer outro país antes da tomada do poder pelos nazistas Enquanto isso o centro submetia o entretenimento a uma análise mais apurada do que em qualquer outra época na GrãBretanha Também as subculturas despertavam fascínio Na Alemanha escritores da chamada Escola de Frankfurt fundada por Theodor Adorno 190369 e Max Horkheimer desenvolveram uma teoria críti 248 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ca da mídia antes de serem expulsos do país em 1934 e se reagruparem nos Estados Unidos De origem marxista como muitas das análises européias da mídia certa vez a Escola foi descrita por Ralf Dahrendorf como a não sagrada família da teoria crítica No entanto quando os membros da Escola retornaram a Frankfurt depois da Segunda Guerra Mundial eles arquivaram seus antigos textos no porão e abandonaram a teoria crítica Apesar disso convidaram para se juntar a eles o jovem Jürgen Habermas que passou uma temporada infeliz nessa companhia antes de ir para Marburg e Hamburgo Seu primeiro trabalho importante publi cado em 1962 Mudança estrutural da esfera pública mostrava o ideal de uma discussão bem informada e racional sobre políticas públicas descrito nos capí tulos iniciais deste livro Foi nesse momento que a área de estudos culturais começou a surgir nas universidades francesas holandesas britânicas e alemãs em que o interesse pela imagem por meio de jornal televisão e cinema e pela história de baixo come çou a gerar novos tipos de estudos acadêmicos e foi também quando os professo res universitários e acima de tudo os estudantes começaram cada vez mais a ser recrutados entre as parcelas até então socialmente menos privilegiadas da socieda de Houve uma convergência social que precedeu a convergência tecnológica Nos Estados Unidos onde a maior parte da pesquisa sobre o rádio realizada antes da guerra havia investigado o tamanho do mercado o que levou aos estudos sobre pesquisa de opinião pública o restante da investigação contando com apoio restrito e inadequado se concentrava nas escolas de jornalismo Em 1959 um dos pesquisadores mais conhecidos e influentes Bernard Berelson que ficara famoso com seus estudos sobre conteúdo na mídia anunciou no Quarterly Public Opinion que a pesquisa sobre comunicação estava murchando Era um julgamento provocativo e que levou diretamente anos depois em 1983 à publi cação de um número especial do Journal of Communication intitulado Fermen tação no campo que examinava toda a cena norteamericana e mundial de pesquisa de comunicação Um tipo novo de acadêmico norteamericano havia aparecido Uma das contribuições mais interessantes e breves foi a de James W Carey ver p205 que ao se referir a um novo estilo de estudos culturais pergun tou se os portavozes seriam capazes de reter o alegre otimismo do pragmatismo e o discernimento de alguns de seus antepassados diante das questões de poder e dominação nas comunicações e na sociedade Os estudos culturais eram para Carey uma tentativa de pensar por meio de uma teoria ou de um vocabulário das comunicações que seja simultaneamente uma teoria ou um vocabulário da cultu ra Será que eles abarcariam todas as questões relevantes Os estudiosos franceses entraram no tema por vias diversas três deles cons cientes de que estavam escrevendo de dentro de uma sociedade eletrônica sobres saíram em grande parte graças à influência que exerceram sobre os outros Eles INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 249 eram Guy Debord Jean Baudrillard e Pierre Bourdieu A obra A sociedade do espetáculo 1970 de Debord tradução de um manifesto em francês e publicada em 1967 com poucas evidências empíricas argumentava que em sociedades nas quais prevalecem as modernas condições de produção toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos Tudo que era vivido diretamente mudouse para uma representação Portanto o espetáculo tornouse o mundo Devese contrastar essa observação com o modesto comentário do escritor norte americano de televisão Richard Adler A tela pequena limita gravemente a eficácia do espetáculo Baudrillard julgava que o slogan o meio é a mensagem de McLuhan era a fórmulachave da era da simulação ele considerava a televisão como o meio da simulação eletrônica ressaltando a dissolução da televisão na vida e a dissolução da vida na televisão Vindo de uma tradição diferente Bourdieu em um pequeno livro muito conciso e de grande vendagem Televisão publicado na França em 1996 e nos Estados Unidos em 1998 menciona Debord somente uma vez e Baudrillard nenhuma Essa atitude era comum entre os teóricos da mídia que preferiam procedimentos paralelos a se engajar com os outros Enquanto isso os editores do jornal britânico Media Culture and Society lançado em 1977 fizeram um grande esforço para manter os estudiosos britânicos de mídia em contato com a teoria desenvolvida no resto da Europa Enquanto os professores universitários franceses começavam a discutir a mídia no fim da década de 1960 com pontos de vista bastante diversos os estu dantes universitários envolvidos com les événements de 1968 em Paris aprendiam como os participantes das marchas de protesto de direitos civis nos Estados Uni dos por meio da experiência e não da pesquisa como usar a televisão para garantir que fossem vistos e ouvidos Inevitavelmente eram atacados sobretudo nas colunas de cartas de jornais que recebiam menos atenção dos estudiosos da mídia que os programas de entrevistas o rádio e a televisão Era a televisão perguntavam os críticos que os estaria agitando e fazendo com que se comportas sem de um modo que não adotariam caso não houvesse a tela pequena e o mundo grande Os que protestavam contra a Guerra do Vietnã apareceriam imediatamente e com freqüência na tela norteamericana Quem eles estavam agitando Houve amplos debates sobre a questão na tela pequena com a televisão levando a culpa na realidade toda a mídia Esses debates chegaram ao clímax quando em 1969 o primeiro vicepresidente de Richard Nixon Spiro Agnew lançou contra a televisão um ataque premeditado mas não impopular Freqüen temente o próprio Richard Nixon usava a frase a imprensa é o inimigo Por que perguntavam eles deveriam a imprensa e a televisão definir a agenda Por que de veriam determinar o tom da argumentação Os políticos eram eleitos e os cida dãos pagavam impostos Qual era a reivindicação dos jornalistas para exercer o 250 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA poder Estas foram questões que persistiam muito tempo depois que os estudan tes revoltosos haviam deixado o palco dos acontecimentos Na realidade elas eram centrais no fim de um século e no começo do outro O modo como a religião foi afetada pela televisão provocou um debate mais longo e desconfortável nos Estados Unidos do que os efeitos da televisão sobre os políticos em especial sobre os políticos republicanos Jerry Falwell estrela de A hora do Antigo Evangelho que reivindicava ter 50 milhões de telespectadores durante certo tempo mobilizou o poder da maioria moral E na década de 1990 a religião televisionada a igreja eletrônica tornouse evidente em Garden Glove Califórnia onde o reverendo Robert Schüller uma pessoa menos arrebatadora e provocadora na tela que Jimmy Swaggart eloqüente mas pessoalmente vulnerável ou Pat Robertson o esperançoso presidenciável construiu uma enorme catedral com dez mil janelas Na época elogiado por Rupert Murdoch ele fazia transmissões semanais para uma audiência de milhões que se estendia muito além dos Estados Unidos A televisão religiosa ainda está em mudança Nenhuma catedral consegue contêla O mais global dos televangelistas o norteamericano Billy Graham jamais precisou de uma catedral Bastavalhe um campo de futebol e uma capa de chuva lhe cairia tão bem quanto um grêmio escolar Independentemente do estilo e do meio de comunicação havia indagações persistentes sobre os jornalistas e sua relação com o governo e os grupos religio sos A Guerra do Vietnã seguida por Watergate levantou questões básicas sobre a dependência da mídia com relação às fontes oficiais assim como sobre o âmbito da influência da imprensa e da televisão sobre os políticos norteamericanos Mais tarde as reportagens sobre a vida pessoal do presidente Clinton confirmaram os debates Robert Manoff e Michael Schudson começaram a escrever o livro Reading the News 1986 antes que a Internet levantasse outros assuntos com três antigas perguntas propostas de um modo diferente por Harold Lasswell ver p15 Todo repórter de jornal deve responder às perguntas O quê Quem Onde Quando Por quê além de como e deve fazer isso no primeiro parágrafo quanto antes melhor Acrescentaram os autores que as perguntas parte dos mandamentos das escolas de jornalismo escondiam dentro de sua simplicidade e do aparente senso comum um quadro geral de interpretação De fato a vasta gama de interpretação que tem pouco a ver com tecnologia é explicável somente em termos de valores e de que forma eles são atenuados ou expressos As dinâmicas da mudança A gama de questões relacionadas à televisão algumas idênticas às levantadas sobre a imprensa freqüentemente tinham pouco a ver com tecnologia É interessante comparar a estrutura e as dinâmicas da televisão conforme descritas em 1966 por INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 251 Wilson P Dizard em Television a World View com Television a History de Francis Wheen que apareceu em 1985 juntamente com uma ambiciosa série de televisão de 14 horas da Granada Britânica Essa série quebrou o tabu de que a televisão não deveria jamais investigar a si própria Ela levou três anos para ser feita e envolveu centenas de entrevistas na Europa América Ásia e África Demonstrou que gra ças à sua difusão no mundo tanto em países democráticos quanto em autoritários deixando fora de seu alcance apenas uns poucos deles a televisão havia adquiri do novos amigos e novos inimigos Os comentários agora eram multiculturais Assim a revista India Today descreveu o serviço da televisão indiana como um departamento do governo letárgico inexoravelmente vagaroso funcionando mal sem diferença alguma com relação ao órgão que emite passaportes o tédio é a mensagem E nas Filipinas um padre jesuíta afirmava que o presidente Ferdinand Marcos adorava a mídia com idolatria como as pessoas acreditam em Deus Um japonês ao escrever que o vício da televisão havia transformado milhões de seus compatriotas em imbecis deve ter tirado esse testemunho em parte de uma pesquisa de opinião de 1982 Quando perguntaram aos norteamericanos e japo neses qual a única coisa que levariam para uma ilha deserta mais de 36 dos japoneses escolheram a televisão contra 4 de estadunidenses Na época as crian ças japonesas de dois anos viam uma média de três horas e meia de televisão por dia sozinhas ou com as mães Grande parte do livro de Wheen se dedicava a programas específicos sendo um exemplo as novelas de longa duração como Coronation Street da Granada 1960 e ao tratamento de eventos especiais pela televisão na verdade ficção ou transmissões de facção principalmente de documentários sobre eventos de guerra Desde os primeiros anos da televisão no pósguerra a Guerra Fria estava na retaguarda e sua influência podia inspirar propaganda e gerar entretenimento O mesmo se podia dizer da Segunda Guerra Mundial Na GrãBretanha houve o retorno de Dads Army 1968 e de vários outros programas preocupação que inquietava os críticos germânicos World at War 1982 da Televisão Thames foi produzido por Jeremy Isaacs que primeiro fora diretor do Canal 4 e crítico feroz do programa Bad News do Grupo de Mídia de Glasgow A Primeira Guerra Mundial foi objeto de uma série em 36 partes organizada em conjunto pela BBC Canadian Broadcasting Corporation e Australian Broadcasting Commission Ela se baseava em reminiscências de mais de 50 mil sobreviventes de uma forma impossível de ser feita nos séculos anteriores A Guerra do Vietnã longa e com fases distintas teve como já se afirmou uma grande influência na história da mídia Foi o primeiro conflito visto na tela mesmo que de forma seletiva embora as imagens das matanças escolhidas para serem mostradas tenham mais que horrorizado os espectadores prejudicado a credibi lidade de Lyndon Johnson Naquela época e depois os jornais tinham mais influên cia sobre a opinião pública Em 1972 uma série norteamericana de muito suces 252 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA so passada durante a guerra da Coréia AC AS11 e freqüentemente reprisada teve 251 episódios e só terminou em 1983 O presidente Nixon foi obrigado a deixar o cargo em 1974 não em função da guerra mas pelo escândalo doméstico de Watergate forçado não por Walter Cronkite mas por dois jovens repórteres do Washington Post Na década anterior as batalhas sobre direitos civis nos Estados Unidos tinham sido transformadas por causa da exposição na televisão O assassinato de Martin Luther King em 1968 foi captado pela tela pequena mas o assassinato de Kennedy teve de ser primeiro anunciado pela voz de Walter Cronkite antes que intermináveis imagens de televisão fossem transmitidas seguiuse também uma série da televisão britânica comprada pelos Estados Unidos O terrorismo forneceu um tema importante em muitas ocasiões tanto para o cinema quanto para a televisão E também o espaço Os funcionários da Nasa no início não ficavam à vontade com o uso da televisão mas por motivações políticas e televisi vas logo mudaram de opinião Quando John Glenn entrou em órbita em 1962 o mundo e os Estados Unidos viram seu lançamento sete anos depois as primeiras imagens da Lua foram um prelúdio do que foi saudado como o maior espetáculo da história da televisão a descida da Apollo XI Ela foi vista por 125 milhões de norteamericanos e 723 milhões de pessoas em todo o mundo Esse foi um evento de mídia além de tecnológico e científico Figura 25 O entretenimento ligado inexoravelmente a notícias e esportes teve seus eventos marcantes com freqüência revistos na televisão e no cinema Um progra ma norteamericano em particular Dallas 1979 a novela final foi objeto de pesquisa sociológica em muitas universidades Tratando em formato dramático de sexo riqueza poder e família uma combinação irresistível e sugerindo que o cinturão ensolarado do Texas era tão comunicável para o mundo quanto havia sido o Oeste a novela foi mostrada muitas vezes dublada em mais de 90 países com governos de todos os tipos Enquanto isso um tipo muito diferente de programa a comédia britânica Monty Pythons Flying Circus 1969 com apelo ainda maior do que o igualmente inovador Goon Show do rádio também teve audiência internacional A comédia usava animação entre as cenas e divertia com tiradas absurdas o que se conservou quando a série televisiva foi levada para o cinema Till Dead Do Us Part 1966 um terceiro tipo de programa de comédia essencialmente britânico era inspirado nos programas norteamericano e alemão All in the Family e Um coração uma alma Educar não entreter esse permanecia o objetivo prioritário para alguns dos primeiros defensores da televisão contra as acusações de que ela exercia uma influência inevitavelmente corruptora da sociedade e da cultura e de que levava os espectadores a gastar mais tempo com ela do que com outras atividades Duzentos e cinqüenta milhões de homenshora norteamericanos por dia se dedicavam a INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 253 Figura 25 A descida na Lua 1969 Os norteamericanos mostram para o mundo que estão no espaço O bemsucedido Projeto Apollo permitiu que Neil Armstrong fosse o primeiro ser humano a andar sobre o solo da Lua Yuri Gagárin foi o primeiro a entrar em órbita ao redor da Terra ver televisão em meados da década de 1960 quando Harry J Skornia produziu um livro que teve uma boa acolhida e ganhou o prêmio McLuhan Television and Society an Inquest and Agenda for Improvement Deveria a educação ser tratada como uma tarefa diferente e segregada em canais distintos ou em organizações separadas Havia respostas diversas O Japão criou um canal exclusivo NHK dedicado à educação pela televisão em 1957 A GrãBretanha tomou um caminho diferente e incorporou a educação na progra mação geral A idéia de lançar um canal educativo em separado teve apoio de companhias independentes de televisão mas encontrou oposição por parte do Comitê Pilkington Foi a televisão independente e não a BBC quem lançou um 254 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA serviço para escolas na sua programação normal Mas em 1964 o novo presidente do Conselho de Radiodifusão para Escolas sir Charles Carter vicechanceler da nova Universidade de Lancaster frisou apesar da opinião contrária de muitos professores que a televisão abria oportunidades mais estimulantes do que qual quer outra coisa desde o advento do livro impresso barato Nos Estados Unidos a CFC reservou mais de duas centenas de estações de televisão para fins educacionais em 1952 mas muitas delas não possuíam suporte financeiro adequado e não teriam sido capazes de operar sem ajuda igualmente oferecida pela Fundação Ford que apoiou a Televisão Educacional Nacional NET na produção de programas Outras fundações também deram apoio A Fundação Ford deu início a programas educacionais pioneiros em esquemas formais e informais na América Latina Índia e África O mesmo fez o CETO Conselho para Televisão Educacional uma organização britânica financiada pela Fundação Nuffield A situação norteamericana mudou quando em 1967 uma comissão esta belecida pela Corporação Carnegie propôs a criação de uma Corporação para a Radiodifusão Pública e a Fundação Ford destinou fundos para um Laboratório Público de Radiodifusão Todavia uma vez estabelecido em 1967 o sistema nor teamericano de transmissão pública PBS com verbas extremamente limitadas preocupouse tanto com informação quanto com educação não deixando intei ramente de lado o entretenimento e importando alguns programas de teleteatro da GrãBretanha O entretenimento como a educação era uma tarefa que ultra passava fronteiras Na GrãBretanha a mais antiga instituição pública do mundo de radiodifusão a BBC não hesitou em importar programas de entretenimento dos Estados Unidos Sob o regime comunista sérvios croatas bósnios e eslovenos assistiam à novela The Forsyte Saga Poucas notícias vinham da então Iugoslávia durante a década de 1960 mas informar tornouse uma preocupação relevante em todo lugar inclusive naquele país no fim da década de 1960 e durante a década de 1970 quando se falava tanto em falta de informação quanto em saturação de informação Nos Estados Unidos em particular havia uma crescente tendência em tratar a informação como mercadoria criada e distribuída em uma economia da informação termo explo rado na próxima seção deste capítulo Em janeiro de 1966 por exemplo dizse que o senador democrata George McGovern contrário à Guerra do Vietnã que seis anos depois seria o candidato democrata à Presidência observou que quando começávamos a nos sentir confortáveis por vivermos na era do espaço o título em negrito de um anúncio da IBM nos dizia que cada vez mais concordamos que estamos agora na era da informação Portanto era aquela a hora de olhar para as aplicações da informação tanto interna como internacionalmente Tais aplicações estavam interrelacionadas e se tornaram cada vez mais de pois da crise de petróleo de 1973 que se seguiu à vitória de Israel na Guerra do INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 255 Yom Kippur As pressões árabes sobre a Opep a Organização dos Países Produto res e Exportadores de Petróleo fizeram com que os preços mundiais desse produ to quadruplicassem Isso gerou demandas no Terceiro Mundo por uma nova ordem econômica Naquele ano a GrãBretanha e a Europa assim como os Es tados Unidos se viram diante de uma grande crise social e econômica Houve duas eleições gerais na GrãBretanha num único ano 1974 Nos Estados Unidos Richard Nixon que obtivera uma vitória esmagadora sobre McGovern em 1972 e mais tarde livrara o país da Guerra do Vietnã viuse forçado a renunciar o primeiro presidente norteamericano a fazer isso como resultado do escândalo de Watergate Nessas circunstâncias o clima da década de 1960 deu lugar a temo res sem precedentes de ruptura social política e constitucional Não foram os eventos na GrãBretanha e nos Estados Unidos mas a reação do Terceiro Mundo ao domínio norteamericano na geração e distribuição de infor mação hegemonia e a nãopressão política ou a opinião interna norteameri cana que levou a informação para o centro de debate internacional a partir de meados da década de 1970 A Unesco em que se concentrava grande parte do debate tornouse o foro do diálogo um termo novo NorteSul em que os países desenvolvidos tinham o poder e os países em desenvolvimento a maioria Este foi o começo da segunda década de desenvolvimento da Unesco descrita cronológi ca e analiticamente em Electronic Colonialism 1987 de Thomas McPhail Já em 1959 antes do começo da primeira década de desenvolvimento o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas havia solicitado à Unesco a preparação de uma Assembléia Geral das Nações Unidas de um programa con creto de ação no sentido de promover o desenvolvimento de informação na mídia de massa em todo o mundo Porém pouco se fez até a década de 1970 quando por causa das mudanças econômicas diversos países que se descreviam como nãoalinhados colocaram na extensa agenda internacional as disparida des não somente de riqueza e renda mas também de informação préeletrônica e eletrônica Isso aconteceu em uma época na qual novas atitudes relacionadas ao processo de desenvolvimento tomavam forma nos Estados Unidos e na GrãBre tanha A palavra modernização não tinha mais apoio a palavra subdesenvolvi mento foi substituída por em vias de desenvolvimento e foram consideradas diversas alternativas para o desenvolvimento A necessidade de abordagens novas para os problemas e políticas de comunicações foi enfatizada em um estilo pioneiro no Intermedia jornal do Instituto Internacional de Radiodifusão que significativamente mudou o nome para Instituto Internacional de Comunicações em 1978 Ele explicava em suas proposições principais com testemunhos tirados não dos Estados Unidos mas do Terceiro Mundo que sem informação sem a oportunidade de selecionar distribuir e discutir informação não há poder Aqueles que carecem de infor mação são freqüentemente mais conscientes dessa relação A maior parte das 256 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA proposições foi redigida pelo diretor sueco Edi Ploman que anteriormente havia trabalhado na rádio e na televisão da Suécia e posteriormente foi vicereitor da Universidade das Nações Unidas com sede em Tóquio No texto de uma propo sição estava escrito que há muito uma frustração dos países em desenvolvimento de que suas janelas do mundo são filtradas pelas lentes escolhidas e ajustadas dos países desenvolvidos indus triais A sua própria infraestrutura de informação jornais estações de rádio e televisão satélites e ligações internacionais e nacionais de microondas agên cias de notícias institutos de treinamento unidades de produção de filmes é pequena e dispersa Poucos países têm os requisitos mínimos da Unesco de dez cópias de jornais diários cinco aparelhos de rádio dois aparelhos de televisão e dois lugares no cinema para cada grupo de mil pessoas Um jornalista em Bom baim pode telefonar mais rapidamente e mais facilmente para Londres ou Nova York do que para Cabul ou Dar es Salaam Nessa afirmação que ainda não incluía a expressão ambiente de mídia todos os meios de comunicação estavam relacionados entre si e à Unesco cabia um papel especial o de estabelecer padrões Por incrível que pareça durante certo tempo o Irã que depois da queda do xá em 1979 proclamaria os valores islâmicos face à modernização foi o centro de estudos do desenvolvimento e do papel que a mídia poderia desempenhar nesse processo O primeiro editorial do periódico Communications and Development Review que surgiu em 1977 sob a editoria de Majid Teheranian foi intitulado Comunicações e desenvolvimento as mudanças de paradigmas seguido por um artigo com uma entrevista investigativa de David Lerner Um artigo posterior foi intitulado Modernidade e modernização como conceitos analíticos um obi tuário Mudando de Teerã para Paris onde por ironia estava exilado o homem que assumiu o poder depois da queda do xá o aiatolá Khomeini em 1972 um ano antes que a crise internacional do petróleo efetivamente fechasse a década de 1960 a 17á Sessão Geral da Unesco emitiu uma Declaração de princípios nortea dores para o uso do espaço de transmissões para o livre fluxo de informação para a difusão da educação e para maior intercâmbio cultural A Declaração que desde o início foi considerada restritiva pelos Estados Unidos afirmava ser neces sária a soberania cultural e o controle internacional apurado das notícias transmi tidas Pelo menos 55 países aceitaram a Declaração e somente sete incluindo os Estados Unidos o mais importante deles foram contra Houve 22 absten ções entre elas a da União Soviética A demanda por soberania cultural foi um protesto contra o imperialismo cultural conceito desenvolvido nos Estados Unidos por estudiosos como Herbert INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 257 Schiller que também usou a frase dominação cultural em 1976 Na América Latina onde o imperialismo cultural estava no centro dos estudos de mídia e de comunicação a televisão comercial era o alvo de ataque mais visível Nas fortes palavras do delegado chileno a um Grupo de Trabalho das Nações Unidas a televisão competitiva comercial baixando padrões e oferecendo refugos da cul tura de massa constituía uma fonte de preocupação para nossos educadores sociólogos estatísticos e para todos nós que participamos de uma política cultural em busca de enobrecer e não de degradar o nosso povo Informação desequilibrada era outra queixa que ganhou peso quando os estatísticos entre eles professores escandinavos ligados à comunicação como Karle Nodenstreng reuniram detalhes sobre fluxos Na época os geógrafos também estavam desempenhando uma parte importante na pesquisa sobre comunicação não apenas estudando as rotas dos fluxos e comparandoas com as rotas de comér cio do passado mas também examinando pelo que viria a se conhecer como geografia fenomenológica a relação entre as pessoas e o mundo que habitam Um marco nesse processo foi o livro de J Meyrowitz No Sense of Place 1985 segundo o qual a mídia eletrônica afetava as pessoas não tanto pelo conteúdo mas sobretudo por dissociar o lugar físico do social Quando nos comunicamos por telefone rádio televisão ou computador o que somos fisicamente não mais deter mina onde estamos nem quem somos socialmente Os críticos do desequilíbrio continuaram a assinalar nas linhas do Bad News que a maior parte das notícias do Terceiro Mundo era negativa Os assuntos mencionados eram desastres intrigas militares ou políticas problemas de escassez e fome Mais tarde as reclamações se desviaram para atacar os satélites de radiodifu são vistos como ameaça à identidade cultural e a distribuição de freqüências no espectro do rádio ainda concebidas como escassa fonte de comunicação O espectro não era matéria para a Unesco mas para o Congresso Mundial Administrativo do Rádio Warc organizado pelo ITU que anteriormente se concentrava mais em questões técnicas Agora as políticas de comunicação viriam dominar a agenda da conferência Tratavase de uma guinada no que era conside rado importante na história da União Internacional de Telecomunicações que em um encontro plenipotenciário em Nairóbi em 1982 estabeleceu uma Comis são Independente para o Desenvolvimento das Telecomunicações Mundiais sob a direção de um antigo diplomata britânico sir Donald Maitland Seus 16 membros incluíam o ministro da Informação e das Telecomunicações da Costa Rica como vicepresidente o presidente do Conselho Consultivo do primeiroministro da Índia e um antigo presidente da ATT Embora houvesse 600 milhões de telefones no mundo em 1982 a metade da população mundial morava em países que juntos tinham menos de dez milhões de telefones Nos cinco encontros que realizou a Comissão tratou não somente das implicações dessa situação mas igualmente dos significativos avanços da 258 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tecnologia das telecomunicações que estavam então ocorrendo O relatório da Comissão A ligação que falta de 1984 salientava pontos freqüente e enfaticamente mencionados na década de 1980 mas não confirmados desde então pois a tecnologia apropriada de uma nação do Terceiro Mundo pode ser mais avança da que a norma corrente e uma estratégia de planejamento de avanços bruscos funcionaria bem Antes da publicação do relatório da Comissão a Unesco tinha designado um tipo diferente de comissão também em um encontro em Nairóbi na 192 Sessão Geral em 1976 quando se aprovou uma resolução bastante polêmica Ela incluía o que para muitos países desenvolvidos era um notório artigo XII atacado ao menos pelo texto que dizia Os Estados são responsáveis na esfera internacional pelas atividades de toda a mídia de massa sob sua jurisdição A nova Comissão dirigida por um político irlandês Sean McBride recebeu a formidável tarefa segundo ele de examinar a totalidade dos problemas de comunicação da socie dade moderna Seus membros incluíam McLuhan o romancista colombiano Gabriel Garcia Márquez um conhecido jornalista japonês Michio Nagai e o diretorgeral da agência de notícias soviética Tass Eles concordavam sobre a necessidade de abor dar as comunicações de maneira global Porém mesmo antes de serem nomea dos estava claro que com a Guerra Fria não tinham esperança de ganhar apoio universal para qualquer recomendação que fizessem Em 1977 as graves diver gências de abordagem defendidas pelos Estados Unidos e pela União Soviética tornaramse evidentes no Congresso sobre Direitos Humanos de Helsinque e quando o relatório da Comissão Muitas vozes um mundo veio a público em 1980 suas recomendações rapidamente passaram para a história Na realidade os países nãoalinhados estavam eles mesmos divididos depois da repressão de Indi ra Gandhi à liberdade de imprensa na última fase de seu longo governo como primeiraministra da índia entre 1966 e 1977 Quando em 1978 a vigésima Sessão Geral da Unesco aprovou a resolução pomposamente intitulada Declaração dos princípios fundamentais relativos às contribuições da mídia de massa para fortalecer a paz e o entendimento interna cional a promoção dos direitos humanos e a contenção do racismo do apartheid e do incitamento à guerra o artigo XII estava ausente Contudo esse exercício magistral de tornar o círculo quadrado como chamou um bem informado jornalista na época era para parecer magistral somente a curto prazo Quando os Estados Unidos seguidos pela GrãBretanha incomodados com esta e outras políticas da Unesco deixaram a organização ela nunca mais se dispôs a tratar da totalidade dos problemas de comunicação na sociedade moderna A iniciativa do debate intelectual no plano mundial agora pertencia aos porta vozes estudiosos do livre tráfego de idéias que o mais hábil deles Ithiel de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 259 Sola Pool professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts favorável à des regulamentação de toda a mídia chamou em 1983 de tecnologias da liberdade Para Pool que mencionou a Unesco somente uma vez en passant em seu livro publicado no mesmo ano o que a mídia de notícias fazia independentemente de quem a possuísse era criar contrapesos para as autoridades estabelecidas Eram os governos autoritários e não as culturas tradicionais que estavam em perigo As culturas iriam florescer não por causa da proteção mas por causa do estímulo de suas capacidades de produção e por trocas recíprocas Nenhuma cultura poderia permanecer isolada Essa seria a linha adotada pelos Estados Unidos no fim da década de 1990 de acordo com um periódico editado pelo sociólogo norteame ricano Daniel Bell Correspondence Em 2000 ele utilizou dados de uma pesquisa para alegar que dentre 186 países do mundo somente 69 tinham imprensa livre Pool não considerava necessário esmiuçar sistematicamente as operações da mídia nos países democráticos nem tratou de assuntos globais Ele deu ênfase à mídia eletrônica que estava se tornando dispersa no uso e abundante na oferta permitindo maior conhecimento acesso mais fácil e maior liberdade de expressão do que jamais foi permitido Embora não fosse de forma alguma deter minista tecnológico ele saudou a extinção da máquina de escrever e a perspectiva de que no futuro não muito distante nada será publicado que não tenha sido digitado em um editor de textos ou por um computador Ao olhar adiante em direção a um novo milênio ele estimava que no início da década de 1990 haveria mais de 600 milhões de telefones e 680 milhões de aparelhos de televisão e milhões de computadores Pool tinha pouco a dizer sobre entretenimento ou a ameaça às culturas locais representada por uma cultura homogeneizada embora saudasse o fim da carência do espectro e o advento da abundância eletrônica Haveria mais opções de mídia Foram as surpresas e os problemas de uma sociedade da informação ba seada em novos suportes de comunicação não muito diferente de uma economia da informação que levaram a expressão a ser um dos rótulos mais familiares embora sempre controversos de todo o século XX Podese mesmo dizer que há uma bênção de McLuhan sobre ela Em Understanding Midia 1964 ele já havia escrito Na era eletrônica nos vemos cada vez mais sendo traduzidos como informação nos movendo para o âmbito da consciência tecnológica A sociedade da informação Uma das pessoas mais articuladas a tratar a economia da informação e a socie dade da informação expressões já usadas na época foi um jovem norteamerica no Marc Porat Associado ao Instituto Aspen Porat publicou um artigo em 1977 260 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA denominado em sua primeira forma Implicações globais na sociedade da infor mação O texto havia sido encomendado pela Agência de Informação dos Estados Unidos As expressões já haviam passado para a linguagem usual durante a década de 1960 Fluxo era então o substantivo em voga Na época também a palavra informação já havia sido incorporada à expressão tecnologia da informação TI primeiramente usada nos círculos administrativos e na teoria da informa ção da matemática Como foi assinalado o verbo medieval enforme informe emprestado do francês significava dar forma a ou modelar e a nova expressão sociedade da informação dava forma ou modelava um conjunto até agora organizado de forma frouxa de aspectos relacionados à comunicação conhecimento notícias literatura entretenimento todos permutados entre mídias e elementos de mídias diferentes papel tinta telas pinturas celulóide cinema rádio televisão e computadores Da década de 1960 em diante todas as mensagens públicas e priva das verbais ou visuais começaram a ser consideradas dados informação que podia ser transmitida coletada e registrada qualquer que fosse seu lugar de ori gem de preferência por meio da tecnologia eletrônica De novo no fim do século XX assim como no XVI foi a língua francesa que serviu de portadora de conceitos extensivos e mutantes por meio de palavras como informatique e informatisation que influenciaram não só a maneira de pensar e sentir a comunicação mas também os procedimentos e decisões de homens de negócios e as políticas de governo Havia uma ligação clara em francês entre esses termos e a computação Na realidade um texto essencial de Simon Nora inspetorgeral de Finanças e de Alain Minc exaltando uma sociedade da informa ção como refinamento da civilização teve implicações políticas imediatas no governo francês e foi chamado em uma tradução inglesa 1980 de The Computa rization of Society Ele havia sido escrito por Nora como relatório para o presidente da França Giscard dEstaing com o título de LInformatisation de la société Havia no entanto outras forças por trás das mudanças de linguagem Nas ciências biológicas a descoberta do DNA ácido desoxirribonucleico o portador da informação genética a maior descoberta da década de 1960 deu novo impulso ao que foi chamado de paradigma da informação A informação foi considerada o princípio organizacional da própria vida O código genético era o código e a transmissão tornouse então o caminho preferido para considerar todos os modos de informação A própria palavra paradigma bastante incomum rapidamente passou a ser usada na linguagem geral Sua disseminação seguiuse ao enorme sucesso do livro do norteamericano Thomas S Kuhn The Structure of the Scientific Revolu tion que vendeu quase 600 mil exemplares entre 1962 ano de sua primeira publi cação e 1984 ano em que o romancista George Orwell imaginou como o do INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 261 desastre das comunicações De fato 1984 foi um ano de formação quando os padrões de comunicações reagindo à nova tecnologia mostraram ser bem dife rentes daqueles descritos por Orwell 50 anos antes Um elemento diferente mais central à emergência do conceito de uma sociedade de informação relacionavase ao desenvolvimento não da biologia ou da tecnologia de informação mas da economia e da sociologia quase nunca com ausência da política O sociólogo norteamericano Daniel Bell autor de Ofim da ideologia tinha conhecimento do trabalho de seu conterrâneo o economista Fritz Machlup quando publicou um segundo livro The Coming of Post Industrial Society a Venture in Social Forecasting 1974 no qual focalizava a maneira como o setor de serviços da economia estava se tornando mais importante do que o de produção Os horizontes de Bell eram novos assim como a terminologia por ele adotada Ele empregou no título o prefixo pós que ficaria cada vez mais em moda pouco depois surgiu o adjetivo pósmoderno No entanto nada havia de novo na sua identificação que Bell fez de uma mudança da produção para os serviços transformação que já estava clara para o economista australiano Colin Clark especializado em agricultura quando publicou o livro Conditions of Econo mic Progress 1940 que hoje não merece muita atenção A análise de Bell quanto às implicações sociais da mudança estrutural que dava pouca atenção às conexões com o capitalismo independentemente da tecno logia dominante era nova e desafiadora tal como sua explicação para o modelo social que ele também chamou da sociedade da informação Não surpreende que sua análise fosse criticada por marxistas como Schiller que publicou em 1981 Who Knows Information in the Age of Fortune 500 focalizando os promoto res financeiros da nova sociedade Enquanto isso Machlup que havia apresentado a teoria da economia do conhecimento no livro The Production and Distribution of Knowledge 1962 continuava a atualizar seus dados demonstrando que no decorrer de um século o número de trabalhadores engajados na agricultura nos Estados Unidos assim como para Clark o principal grupo de referência tinha caído de 40 para cerca de 4 e que a proporção de trabalhadores no setor de informação estava crescendo assim como na GrãBretanha A definição trabalhadores da informação categoria extremamente extensa e vagamente delimitada e analisada parecia ter mais apelo do que trabalhadores em serviços A primeira expressão parecia definir um grupo atraente e dinâmico que lidava com o conhecimento estava livre de ideologias e que transformaria não somente o país como os saintsimonianos queriam fazer mas o mundo Peter Drucker o mais bemsucedido e prolífico dos analistas da mudança sem tentar previsões quanto ao futuro chamou a atenção sobre a presença desse grupo em 1969 no livro The Age of Descontinuity cuja primeira parte se dedicava à tecno logia do conhecimento Os processos de aprender e ensinar seriam afetados mais 262 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA profundamente pela nova disponibilidade de informação do que qualquer outra área da vida humana Para Drucker porém ainda havia um caminho considerável a trilhar Uma grande companhia internacional já estava expedindo computadores à taxa de mil por mês mas ainda não havia algo equivalente no campo dos computadores às lâmpadas de Edison O equivalente seria um utensílio eletrônico com preço inferior ao de um aparelho de televisão capaz de ser ligado a qualquer tomada de eletricidade e dar acesso imediato a toda informação necessária para os estudan tes da primeira à última série Drucker também viu claramente que esse utensílio daria acesso a muito mais do que informação para uso escolar mas não imaginou como poderia parecer a televisão do futuro ou do que ela seria capaz Ainda era considerada em muitos lugares como a sucessora dos aparelhos de rádio e gramo fones e não como um arauto dos computadores O desenvolvimento e o impacto dos computadores serão tratados no próxi mo capítulo Agora é necessário voltar a um conjunto de textos sobre informa ção que acabou ultrapassado por escritos e discursos sobre a globalização Um dos mais interessantes em retrospecto foi um livro pequeno esquemático e bas tante objetivo The Information Society as PostIndustrial Society 1980 de Yoneji Masuda um professor japonês trabalhando em um país que já produzia milhões de microchips o livro foi publicado pelo Instituto de Tóquio para a Sociedade de Informação e previu que o trabalho seria dispersado em cabanas eletrônicas a mídia seria desmassificada e a percepção humana se aceleraria como um fluxo global de mensagens da sociedade da informação Não surpreende dada essa visão que um outro rótulo sociedade pósindustrial se estabelecesse até que novas metáforas fossem criadas O próprio Masuda assinalou mais de uma delas quando em um breve encontro chamado Globalização o espírito de um novo Renascimento chamou atenção para a globalização A informação não tem fronteiras naturais Quando o espaço da informação se constituir as atividades mundiais de comunicação entre cidadãos de todo o mundo ultrapassarão todas as fronteiras nacionais Diferentemente do espaço geográfico convencional o espaço de informação global será conectado por redes de informação Conclusões Em seqüência cronológica ao Capítulo 5 e por vezes sobrepondose a ele este capítulo mostrou que enquanto a inovação tecnológica vem em ondas e fei xes associadas a tendências econômicas os rótulos históricos tendem a se fixar às sociedades segundo o que parece ser por uma variedade de razões sua principal tecnologia de comunicações A era das ferrovias descrita no Capítulo 4 foi uma INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 263 delas A era da radiodifusão a era da televisão e a era do cinema descritas neste capítulo sobrepuseramse uma à outra A imprensa que como quarto estado não deu nome a uma era divulgou os outros rótulos chegando mesmo a criálos No caso da Internet descrita na última parte do próximo capítulo a palavra idade por vezes aplicada à radiodifusão viria a ser mais usada na GrãBretanha do que era junto com antigas metáforas relativas à navegação Em nenhuma das eras mesmo naquelas que receberam a alcunha de ouro pelo menos em retrospecto nenhum meio eliminou o outro O velho e o novo coexistiram A imprensa permaneceu uma força poderosa na década de 1960 e em alguns aspectos cresceu de importância depois daquela data A televisão às vezes chamada de quinto poder ver p192 não suplantou o rádio rejeitado na infância da televisão como rádio a vapor mais fácil de operar que a televisão permanece o veículo predominante nos países do Terceiro Mundo A ferrovia continuou a ser um importante meio de transporte nos países do Primeiro Mun do mesmo quando ou mesmo porque o número de automóveis cresceu enormemente As cartas ainda são enviadas pelo correio No entanto à medida que os avanços tecnológicos se aceleravam cada vez mais com períodos de calma ria as antigas tecnologias eram desafiadas e acima de tudo sua estrutura insti tucional precisava ser repensada Figura 26 Há um aspecto do processo que olha para trás e também para o futuro Os interesses começaram a crescer durante as décadas de 1960 e 1970 não somente por locomotivas a vapor bondes remodelados e carros da moda mas na gama de temores e expectativas das gerações anteriores quando nas palavras de Carolyn Marvin as velhas tecnologias eram novas Retro iria tornarse um dos prefixos mais usados uma década depois nos Estados Unidos Desde o começo a palavra geração foi aplicada a computadores e pessoas Enquanto isso em cada uma das idades eram levantadas questões semelhantes sobre a relação entre a proprie dade da mídia e seu conteúdo entre o conteúdo e a estrutura e entre a estrutura e a tecnologia principalmente a tecnologia nova Todos esses temas estão ligados pelo controle A necessidade de informação em cada idade foi associada com esforço para controlar o presente e o futuro por motivos pessoais políticos e econômicos O próximo capítulo tratará do que foi considerado mesmo na época e do que vem sendo considerado desde então como um marco na história da humani dade Seu título Convergência está diretamente relacionado à tecnologia à história do computador que apesar de abreviada deve ser contada do transis tor do circuito integrado e da digitalização No entanto ele envolve muito mais do que tecnologia por mais fascinante ou intimidante que ela seja Com um contínuo processo inovador a invenção do futuro parece ser o desafio como foi quando Erasmus Darwin ver p113 escreveu seus versos antes do fim do século XVIII 264 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 26 A imprensa conserva seu poder policiais e fotógrafos nos protestos do Dia do Trabalho Londres 2001 As palavras informação e convergência que já haviam sido unidas na década de 1960 estariam cada vez mais ligadas durante as décadas de 1970 e 1980 Enquanto isso como o advento da televisão estimulou os historiadores da mídia a reexaminar as implicações da descoberta da impressão gráfica também o desen volvimento de novas tecnologias eletrônicas culminando com a Internet e a World Wide Web estimulou seus sucessores a reexaminar as implicações da seqüência de invenções do século XIX cobertas nos capítulos anteriores Assim em 1986 James Beninger fez um levantamento meticuloso dos dias de hoje até o século XIX e mesmo antes dele das origens dos controles técnicos assim como sociais alguns deles internalizados e realimentados por novos dispositivos mecânicos e eletrônicos O regulador um dispositivo mecânico da máquina a vapor de Watt foi um dos primeiros exemplos de controle antes que o advento da eletrici dade multiplicasse tanto o número de aparelhos quanto o das oportunidades que ofereciam E em 1998 Tom Standage com a Internet já no centro das atenções escreveu um livro intitulado The Victorian Internet sobre o telégrafo e seus pio neiros online Os usuários modernos da Internet dizia ele são de várias maneiras os herdei ros da tradição da telegrafia o que significa que hoje estamos em posição espe cial para entender o telégrafo E o telégrafo por sua vez pode nos dar uma perspectiva fascinante dos desafios oportunidades e perigos da Internet INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 265 Ele poderia ter observado como imagens da rede e da Web foram usadas fora dos círculos de tecnologia durante o século XIX Mesmo antes um interessante estudo sobre o romancista Thomas Hardy feito em 1974 por Ian Gregor foi chamado de The Great Web Em seu romance The Woodlanders transformado em filme no século XX o próprio Hardy obser vou que os trajetos solitários de seus personagens não formavam afinal tipos específicos mas eram parte da grande rede humana de seres entrelaçandose em ambos os hemisférios do mar Branco ao cabo Horn CAPÍTULO 6 Convergência Convergência é uma palavra útil embora excessiva empregada livremente por Pool e outros antes de se tornar moda A partir da década de 1980 foi aplicada ao desenvolvimento tecnológico digital à integração de texto números imagens sons e a diversos elementos na mídia que foram examinados em separado nos períodos anteriores da história compreendida neste livro Durante a década de 1970 a palavra já era usada com uma abrangência mais ampla em particular no que Alan Stone chamou de um casamento perfeito entre os computadores parceiros também de outros casamentos e as telecomunicações A menos feliz expressão compunicações híbrida era mais uma descrição que qualquer outra coisa As definições de dicionário da palavra comunicação têm mudado nos últimos 25 anos Em 1955 o Oxford English Dictionary definia comunicação como 1 A ação de comunicar agora raramente se referindo a coisas materiais 2 Compartilhamento transmissão ou troca de idéias conhecimento etc seja por meio da fala da escrita ou de sinais Em 1972 lançouse um suplemento desse dicionário em que a palavra comunicação era definida como a ciência ou o processo de transmissão de informações em especial por meio de técnicas eletrô nicas ou mecânicas Uma enorme diferença A palavra convergência foi sendo subseqüentemente aplicada a organiza ções e processos em especial à junção das indústrias de mídia e telecomunicações Ela também teve empregos diversos e abrangentes em relação a sociedades e culturas inclusive na sociedade e cultura britânicas durante a década de 1930 DL LeMahieu examinando o conceito de uma cultura comum e seus limites no brilhante livro A Culture for Democracy 1988 incluiu um capítulo chamado Visão e som estudos de convergência Jeremy Black escolheu Convergência como parte do título de seu livro Convergence or Divergence Britain and the Continent 1994 sobre a GrãBretanha e a Europa Já Boorstin em seu fascinan te mas agora ultrapassado livro The Republic of Technology 1978 usava a palavra em seu sentido mais geral a tendência de tudo se tornar igual a tudo Ele acrescentava duas afirmações dignas de nota primeiro a tecnologia dilui e dis solve a ideologia segundo esclarecendo melhor enquanto a comunicação era 266 CONVERGÊNCIA 267 em determinada época um substituto inferior ao transporte hoje muitas vezes é a alternativa preferida Boorstin pode ter pensado principalmente no transporte rodoviário Porém à medida que a sociedade se tornava mais móvel o termo favorito para trans porte aquele que fez seu caminho na retórica convergente da década de 1990 foi via expressa Diziase que sociedades e culturas diferentes que haviam começa do suas jornadas históricas separadamente estavam viajando juntas na mesma via expressa de informação Em 1972 o jornalista independente Ralph Lee Smith encarava as inovações como a televisão a cabo ver p290 como um meio de prover comunicação eletrônica em via expressa para uma nação ligada por cabos pelos quais todos os tipos de serviços poderiam ser providenciados para as casas os escritórios e as fábricas Durante a década de 1960 o desenvolvimento de tecnologias para suprir esses serviços ainda estava em estágio experimental de laboratório embora a teoria estivesse bem avançada e mesmo durante a década de 1980 um período crítico quando a gama de possibilidades começou a ser apreciada ainda não havia certeza sobre que tipo de tecnologia teria sucesso Parecia provável mas não certo que a tecnologia digital iria prevalecer na maioria dos ramos das comunicações se não em todos Ainda não existia o verbo digitalizar Só depois de 1993 a expressão supervia expressa ou suas variantes como via expressa de dados ou mesmo o que a revista Wired um periódico que se tornou imediatamente sucesso de ven das chamou de Infobahn em fevereiro de 1994 só decolou em 1993 Isso ocorreu depois que o presidente Bill Clinton e o vicepresidente Al Gore então recémelei tos nos Estados Unidos a introduziram na política A digitalização um processo unificador logo começou a ficar corriqueira assim como o conteúdo global com que iria operar Na década de 1980 contudo as discussões políticas sobre tecno logia implicavam a multiplicidade Cornucópia opção e crise Três expressões foram identificadas e ainda outra interatividade palavra usada com mais freqüência que criatividade Interatividade era uma palavra usada não apenas em relação à televisão mas a uma ampla gama de instrumentos emprega dos em lojas museus e salas de aula Para um biógrafo participante dos arquite tos da rede Robert H Reid a interatividade na televisão era o estratagema final da Grande Convergência ainda no início da década de 1990 Ela traria o vídeo por assinatura em grande escala a milhões de pessoas sua infraestrutura seria inte grada com os sistemas de transações de marketing que pulariam na jugular da indústria biliardária de catálogos Cornucópia abundância estas eram palavras tradicionalmente aplicadas a produtos e recursos e não aos veículos eletrônicos limitados no estágio inicial de 268 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sua história pela escassez de comprimentos de onda O que Anthony Smith um intelectual crítico e criativo preocupado com todo tipo de mídia e diretorgeral do British Film Institute chamou de a confortável lógica da carência voltando ao início da radiodifusão tinha agora de ser abandonado As tecnologias novas tornariam possível opções individuais mais ricas sobre o que ver e ouvir e de quando ver e ouvir Enquanto isso as minorias passariam a ganhar influência quando somadas sem levar em conta suas fronteiras Se essa escolha seria verdadeira ou benéfica este era o tema de discussão já que tanto ouvintes quanto espectadores passaram a ser vistos como clientes O mesmo ocorreu com os cidadãos Será que os novos canais são cada vez mais a mesma coisa Crise palavra usada com tamanha freqüência que per deu um pouco de seu caráter de alerta se referia tanto às finanças quanto mais genericamente à autoridade e foram os correios uma das mais antigas institui ções da mídia empenhadas em serviço universal que enfrentaram os mais dificeis problemas financeiros ao se ajustarem às mudanças Nos Estados Unidos uma comissão presidencial relatou em 1970 que Os Correios dos Estados Unidos que nunca chegaram a desfrutar a autoridade que tinham na Europa enfrentam uma crise A cada ano ficam aquém da economia em termos de serviço eficiência e cumprimento de responsabilidades como empregador Todo ano operam com grande perda financeira Depois de acordos no Congresso foi estabelecido um serviço postal novo mas os problemas financeiros continuaram e as alternativas eletrônicas que acaba riam tomando a forma de email estavam sob avaliação no fim da década de 1970 Um texto de Henry Geller e Stuart Brotman sobre o tema tratava de compu tadores conexões digitais satélites televisão a cabo fibras ópticas e fax Este último originalmente uma evolução da telegrafia foi descrito pelos autores como possivelmente a ponte para os sistemas eletrônicos do futuro usando entradas e saídas digitais Nas transmissões de rádio e televisão o panorama institucional em que os programas eram produzidos e distribuídos por agências públicas que tinham de enfrentar novas formas de competição ou nos Estados Unidos pelas gran des redes de televisão sendo que a estas veio se somar a Fox em 1992 estava sob constante e minucioso exame O cabo tratado como competidor mantevese firme com a promessa de conforto entretenimento em abundância e vários outros usos notáveis do tubo de raios catódicos Henry Geller pessoa influente dos bastidores na definição de posicionamentos para as comunicações em Washing ton viu a perspectiva da abundância como um incentivo à desregulamentação outra palavrachave do período A competição embora darwiniana levava a uma nova idade das comunicações CONVERGÊNCIA 269 O cenário parecia promissor para a maioria dos comentaristas nos Estados Unidos inclusive para Neil Hickey colaborador freqüente do TV Guide uma fonte inestimável para os historiadores A idéia de um Gõtterdümmerung para as redes lhe agradava É certo que os jovens de 20 anos de idade de hoje irão preferir um ambiente de comunicações muito mais saudável e multifacetado a tudo o que conhecemos Finalmente o público será tratado em toda a sua variedade poten cialidade e dignidade em vez de ser considerado um imenso rebanho de carneiros indecisos a ser entregue ao melhor arrematante Embora a esperança fosse desca bida o otimismo no entanto não ficou confinado aos Estados Unidos pois o Economist de Londres em 1982 descreveu uma decisão do Gabinete de expandir na GrãBretanha uma rede de cabos de fibras ópticas que ofereceriam um grande potencial à GrãBretanha em seu movimento para o próximo século tal como o realizado pela malha ferroviária no século anterior O primeiro governo Thatcher estava no poder na época e se empenhava ao máximo ou quase ao máximo em ser competitivo assim como os Estados Unidos de Reagan O pensamento do governo britânico estava fortemente in fluenciado pelo relatório sobre Sistemas de cabos de um Painel Consultivo de Tecnologia de Informação cujos membros eram pessoas sem experiência em radiodifusão o relatório enviado no fim de 1981 não via a necessidade de fundos públicos para as empresas a cabo No entanto os governos por mais com prometidos que fossem com a desregulamentação e alguns faziam isso com relutância achavam difícil ficar de fora do cenário Em qualquer discussão sobre futuro infraestrutura era outra palavrachave do vocabulário como viria a seguir o termo herança na GrãBretanha onde o transporte estava se tornando um tópico no Parlamento e na mídia a maior parte da infraestrutura doméstica permaneceria vitoriana como a imprensa aliás como sempre rapidamente apontou Havia espaço para desastres imediatos e crises de longa duração Muitas vezes consideravase que a própria imprensa vivia em estado de crise em ambos os lados do Atlântico Neste caso o computador afinal veio para resgatála como argumentou Anthony Smith em 1980 em um livro com o chamativo título Goodbye Gutenberg mas isso só aconteceu depois da resistência de editores e jornalistas organizados em sindicatos fortes Enquanto isso nos Estados Unidos as sugestões de que a imprensa se desenvolveria da mesma maneira que as ferrovias baseavamse mais na lógica do que na história A imprensa não estava indo em direção diferente da sua similar na GrãBretanha onde nas últimas décadas do século XX crescia o poder dos tablóides alimentado por fotografias que rompiam todo o sentido da privacidade Tampouco desapare ceu a maioria das instituições públicas de radiodifusão em outros países onde tinham sido criadas por lei Elas foram contudo forçadas a reformular seus servi ços a princípio defensivamente depois muitas vezes de forma eloqüente 270 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O contexto tecnológico e cultural continuou a mudar e passou a tema de muitos artigos de jornal panfletos políticos e livros e o próprio comércio de livros muitas vezes foi descrito como em crise Em 1983 quando se inaugurou um novo setor de comunicações no Museu de Ciências de Londres Eryl Davies escre veu um folheto informativo Telecommunications a Technology for Change que começava com telefones e fotos de repetidoras submarinas instrumentos de comunicação internacional montados a bordo de navios lançacabos e terminava com torres de rádio e antenas parabólicas de TV Ele incluía partes sobre ligações a laser e satélites enfatizando as possibilidades de aumentar a capacidade ou a amplitude de banda Quando toda fonte de informação é reduzida antes da transmissão a uma corrente de informações digitais como dados de computa dor concluiu ele não há razão para que todas as informações não comparti lhem as mesmas vias e os mesmos intercâmbios Argumentos semelhantes foram defendidos em dois conjuntos de textos publicados em 1976 e 1979 O primeiro Novas perspectivas nas comunicações internacionais 1976 foi organizado por Jim Richstad e publicado pelo Instituto de Comunicação LesteOeste de Honolulu para onde iria a Teheranian via Unes co depois da revolução no Irã seguida por uma crise que envolveu reféns norte americanos intensamente exibida na televisão o segundo Comunicações para o amanhã 1979 foi publicado sob os auspícios de Aspen e editado por Glen O Robinson Estas eram somente duas coleções de um grande conjunto de textos sobre mídia Muitos dos melhores deles seriam encontrados na Intermedia que lançou uma série de pesquisas especiais cobrindo uma vasta gama de países e abordando temas como televisão de altadefinição espectro de freqüência e tele texto Particularmente informativa foi a matéria dedicada ao mundo árabe O nome de um colaborador em especial se destacou dentre os reunidos por Richstad Wilbur Schramm 190787 que escreveu sobre Comunicação entre culturas sugestões para a construção de pontes tão importante na história das comunicações quanto as autoestradas Schramm havia sido redator de discursos para Roosevelt músico concertista e jogador de beisebol da segunda divisão antes de trabalhar em comunicações Em 1948 produziu um livro Communications in Modern Society e em 1961 escreveu um estudo conjunto Television in Life of Our Children três anos mais tarde publicou Mass Midia and National Development Fazendo uso de sua própria experiência inclusive uma temporada na Universi dade de Hong Kong Schramm tinha familiaridade com transmissões tanto no Oriente quanto no Ocidente e na realidade no que então era identificado como Norte e Sul ele havia escrito um artigo sobre a teoria da imprensa comunista em livro publicado no ano de 1956 No final do século XX a China ganhara o título de oficina do mundo e caminhava ativamente para um planeta controla do pelas comunicações não apenas como um cliente de mercado mas como ator A Índia também era um ator em operação CONVERGÊNCIA 271 O volume de Robinson Communications for Tomorrow que teve Porat como primeiro colaborador enfatizava mais a pluralidade de tecnologias diversas do que suas convergências Como escreveu Robinson o cerne das questões relacio nadas à política de comunicações é um esquema de controle social da estrutura e desempenho das indústrias de comunicação ondas portadoras comuns ondas portadoras comuns especializadas redes de valor agregado serviços e recursos de satélite equipamentos de telecomunicações transmissões de televisão e rádio TV a cabo TV paga bandas móveis de radiocidadão etc O etc era significativo A radiodifusão estava sendo colocada em um novo contexto técnico antes da digita lização se tornar uma palavrachave As apostas acrescentava Robinson eram altas Em 1977 as receitas brutas da ATT ultrapassaram o produto nacional bruto de 118 dos 145 países membros das Nações Unidas Como sempre a economia de desenvolvimento envolvia a tentativa da pri meira patente como foi no caso da invenção do circuito integrado ver p285 e das batalhas e acordos subseqüentes Mas a garantia do investimento inicial e de seu desenvolvimento colocava tantas questões embaraçosas quanto as próprias tecnologias Havia um alto grau de risco e mais falências do que desmembramen tos O mais significativo deles o da ATT em 10 de janeiro de 1984 acompanhou o maior caso antitruste da história Para o historiador da mídia foi tão importante quanto seria 20 anos mais tarde o caso Microsoft Também haveria casos como este fora dos Estados Unidos Na época contudo o cenário tinha mudado com pletamente assim como os participantes do jogo das comunicações alguns deles atuando no palco com permissão de Wall Street por um curto período de tempo O cenário das comunicações mudou na época aparentemente de forma drástica em uma noite a última noite de dezembro de 1983 Antes de seu desmembramento a ATT forçada a se retirar de acordos em outros mercados por lei ou política dominava os quatro maiores mercados de telefonia inclusive o da fabricação de interruptores computadorizados um mercadoponte conectan do diretamente a mídia de rádio e televisão e as agências de telecomunicações Há tempos porém estava sob o escrutínio da CFC e da Divisão Antitruste Fora também forçada a enfrentar um grande número de ações privadas antitruste e comentários diversos na mídia como o da Businessweek já em novembro de 1974 o processo de regulamentação não consegue mais conter o poder da ATT Novembro de 1974 foi o mês em que o caso legal Estados Unidos vs ATT com a ATT a Western Electric e a Bell Labs como réus que se prolongaria por anos foi aceito pela Corte Distrital Federal de Colúmbia O processo terminaria fora do tribunal em agosto de 1982 por desapropriação voluntária de bens pouco antes de finalmente ter a possibilidade de se encerrar de vez No acordo estabelecido o sistema Bell que havia evoluído por mais de um século foi desmembrado ver p148 O presidente da ATT descreveu a reorganização como o trabalho mais complexo de reestruturação já realizado por qualquer setor em qualquer lugar 272 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Um estudo detalhado do caso feito por Alan Stone apresentado no início deste capítulo sugere que poucos se é que alguém antes de meados da década de 1970 viram as maneiras extraordinárias pelas quais as tecnologias logo iriam convergir Na época foi a pluralidade que apareceu como acontecera com Robin son e graças a ela também um sentimento de que grande número de opções deveria ser considerado e decidido não somente pelos diversos participantes do jogo das comunicações alguns deles jovens novatos mas por milhares de usuários que muitas vezes iam achar tudo muito confuso Contudo eles agora tinham à disposição uma grande gama de periódicos às vezes altamente especiali zados que lhes ofereciam aconselhamento e seu número ainda aumentaria com o Wired estabelecendo um novo estilo 20 anos depois sendo que alguns deles também se tornaram participantes do jogo Como escreveu John Hopkins então editor de Intermedia em 1979 toda semana aparece uma publicação nova ou uma antiga é relançada para registrar o sempre crescente setor das comunica ções As páginas de setor de negócios dos jornais também dedicavam cada vez mais comentários sobre o assunto Elas mudariam quase totalmente de caráter em todos os países quando as ações das novas tecnologias foram lançadas e aumenta ram as opções de negócios Os cadernos de comunicação dos jornais se tornaram comuns criando uma linguagem de discurso Mesmo em um suplemento de esportes italiano podiase ler Al Futurshow di Bologna i gol si fanno sul computer Havia algumas pessoas que por motivos ocupacionais sentiram a necessi dade de seguir cuidadosamente os eventos em um nível menos dominado pela mídia Assim em 1985 John Black examinando o que acontecia com as comunicações não em uma Corte legal nem em um laboratório mas em um dos mais antigos centros de comunicações a biblioteca da Universidade de Guelf no Canadá encontrou a existência de tecnologias novas sob nove denominações satélites transmissão a laser o laser amplificação da luz por emissões simuladas de radiação com uma longa história atrás de si foi imaginado pela primeira vez em 1960 fibras ópticas sistemas de terminais digitais de microondas redes locais outras conexões de banda larga CATV antena de televisão comunitária por exemplo usos novos das redes telefônicas existentes rádio celular inicial mente para voz no futuro para dados e muito mais e novos dispositivos de distribuição offline Black um dos mais bem informados bibliotecários que ava liavam as tecnologias novas assim como os antenados diretores de museus e de modo pioneiro mudavam a organização das bibliotecas em resposta a seus desafios usou a palavra superposição e não convergência Como todos os outros comentaristas reconheceu que haviam sido as descobertas em microele trônica em especial o grande aumento da potência dos computadores que tornaram possível a maioria das transformações até então imaginadas Em Londres o relatório anual do reorganizado Conselho Nacional de Eletrô nica descreveu o ano de julho de 1984 até julho de 1985 como um dos mais ativos CONVERGÊNCIA 273 de seus breves 15 anos de história Durante esse ano passouse a enfatizar o estímu lo às crianças para fazer cursos na escola que levassem a uma carreira na eletrônica e tecnologia da informação Um artigo de Basil de Ferranti presidente da companhia Ferranti de computadores chamavase Eletrônica energia e sobrevivência Em 1950 Ferranti havia construído e vendido os primeiros computadores a serem comercializados no mundo dez Manchester Mark Is Contudo pouco se falava então em qualquer país sobre a maneira como os computadores iriam afetar a produção de toda a mídia sua estrutura e a produção de seus programas Computadores Embora a história da tecnologia não seja o único elemento na história da mídia da segunda metade do século XX os computadores devem vir em primeiro lugar em qualquer análise histórica pois logo que deixaram de ser considerados simples máquinas de calcular ou úteis acessórios de escritório e isso só aconteceu no começo da década de 1970 eles passaram a fazer com que todos os tipos de serviços e não somente os de comunicações tomassem novas formas Contudo para isso tiveram que se tornar menores e mais baratos E na realização dessa tarefa os Estados Unidos e não a GrãBretanha ou a Europa dominaram o curso dos eventos Os primeiros computadores digitais eletrônicos operacionais foram planeja dos de ambos os lados do Atlântico para propósitos militares de guerra e da Guerra Fria Como na história anterior o estímulo era a guerra e não o lucro ainda que pudesse haver lucros O Colossus o Eniac e o Univac 1953 eram máquinas gigantescas segundo alguns monstruosas dependentes de milhares de vál vulas e nem sempre confiáveis chamadas nos Estados Unidos de tubos a vácuo Figura 27 Em 1950 foram descritos com propriedade pelo brilhante pioneiro britânico no campo dos computadores Alan Turing como máquinas universais que tornavam desnecessário o planejamento de várias máquinas novas para fazer diversos processos de computação o modelo das máquinas porém mudou radicalmente depois da substituição das válvulas por transistores No primeiro estágio de seu desenvolvimento os transistores eram ainda menos confiáveis que as válvulas mas a longo prazo tornaram possível a necessária revolução em ter mos de escala A fabricação dos primeiros transistores dependeu dos avanços da física de semicondutores após experimentos realizados na Bell Laboratories e em diversos outros lugares Em 1947 John Bardeen Walter Brattain e William Shockley que ganhariam o prêmio Nobel três anos mais tarde planejaram dispositivos de am plificação de estado sólido feitos de germânio e com dois detectores parecidos com bigodes de gato Foi somente em 1959 que as vendas de transistores suplantaram 274 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 27 Colossus decifrador eletrônico de códigos foi usado em Bletchley Park Buckinghamshire para ajudar a GrãBretanha e seus aliados a ganhar a Segunda Guerra Mundial Ele empregava 1500 válvulas Enquanto isso a Universidade da Pensilvânia desenvolveu o Eniac Electronic Numerator Integrator and Computer entre 1942 e 1946 A União Soviética desenvolveu o MLSM as das válvulas sendo os primeiros compradores os fabricantes de aparelhos de audição O nome transistor pouco familiar dado por seus projetistas foi inicialmente adotado pelo público para se referir não aos próprios dispositivos mas aos pequenos aparelhos portáteis de rádio a bateria que os continham vendi dos sete anos mais tarde sendo o primeiro modelo o norteamericano Regency TRI Bardeen ficou estarrecido com o interesse principal dos usuários pelo rock Nomear é um assunto sempre interessante e muitas vezes revelador o mesmo ocorre na história da mídia que é cheia de acrônimos ou da tecnologia a ela subjacente A escolha imaginativa de nomes freqüentemente triunfa sobre a des crição funcional dos objetos Nesse caso particular porém foi menos interessante do que nos desenvolvimentos posteriores da tecnologia realizados por diversos fisicos e engenheiros de computação O primeiro deles Gordon Teal substituiu o germânio pelo silício que foi rapidamente chamado de chip Teal havia saído da Bell Laboratories para uma firma bem diferente uma empresa forasteira a Texas Instruments que havia começado como supridora de serviços de petróleo e em outubro de 1954 passou a vender diminutos chips de silício do tamanho de CONVERGÊNCIA 275 uma unha Depois de outros avanços tecnológicos na Fairchild SemiConductor Company que introduziu a fotolitografia no processo de produção de chips a miniaturização se tornou mais barata e os transistores mais confiáveis mas como no caso da invenção dos transistores não havia ainda demanda adequada para inspirar confiabilidade nos negócios Os negócios realizados com os gover nos eram importantes A confiança tampouco aumentou imediatamente depois que se soube que um engenheiro da Texas Instruments Jack Kilby havia solicitado uma patente em 1959 para o circuito integrado um corpo de material semicondutor em que todos os componentes do circuito eletrônico estão totalmente integrados Ele havia escrito em seu diário em julho de 1958 que a extrema miniaturização de muitos circuitos elétricos pode ser obtida colocandose resistores capacitores transistores e diodos em uma única fatia de silício Uma patente já havia sido concedida a Robert Noyce um dos fundadores da Fairchild e mais tarde da Intel que escreveu um dos mais conhecidos artigos pioneiros sobre o significado da microeletrônica usando a palavra revolução em um número especial da Scien tific American em 1977 A primeira exposição sobre o assunto tinha aparecido na revista Fortune dois anos antes Esta e outras publicações de negócios são boas fontes para o historiador embora suas previsões tenham de ser lidas criticamente e avaliadas à luz da experiência posterior Com o advento do circuito integrado um chip de silício de um sexto por um oitavo de polegada contendo 2250 transistores miniaturizados tinha agora a mesma potência do Eniac que ocupava uma sala inteira Com circuitos lógicos internos o novo chip tornou possível o desenvolvimento de computadores para todos os tipos de propósitos Suas minúsculas unidades centrais de processamen to receberiam instruções a partir de Roms memórias somente de leitura espe cialmente escritas Apesar disso os primeiros usos mostraramse bastante limita dos Em 1963 somente 10 dos circuitos à venda eram integrados A idéia de um circuito integrado havia sido imaginada por um físico britâni co GWA Dummer em 1952 mas mesmo depois que ele foi simultaneamente patenteado a reação da indústria de computadores pelo lado dos suprimentos foi humhum palavras de Noyce o dispositivo não teve apelo imediato entre os especialistas consagrados Quando o microprocessador depois descrito como o coração do computador foi planejado por Marcian Ted Hoff em 1971 seu primeiro emprego foi em um relógio que soava como um piano parecido com o que teria acontecido com uma invenção mecânica francesa do século XVIII Apesar disso fabricado e vendido pela Intel o microprocessador tornou possível não somente um enorme aumento da potência do computador mas também uma descentralização de seu uso O chip RAM memória de acesso randômico da Intel introduzido em 1970 reduziu substancialmente o custo do componente de memória e daí por diante haveria gerações de computadores sobretudo os japoneses esquentaram esse conceito 276 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Noyce que tinha com as palavras a mesma habilidade que possuía com as invenções comparou o minúsculo microprocessador com o enorme automóvel era o modo mais simples de ir daqui até ali Centenas de milhares de componen tes podiam ser colocados em um microprocessador e quando sua versatilidade tornouse reconhecida injetou um estímulo à tecnologia digital em detrimento da analógica em toda a mídia que logo seria uma de suas principais usuárias impressos filmes gravações rádio televisão e todas as formas de telecomunica ções agora sendo pensadas cada vez mais como parte de um complexo A com pressão digital que eliminava dados de um arquivo inclusive de áudio para ganhar espaço era de grande valor para o rádio e a televisão Em 1964 o químico Gordon Moore cofundador e primeiro presidente da Intel formulou a chamada lei de Moore que desde então teve sua veracidade mais ou menos confirmada o número de transistores que poderiam ser colocados em um único chip dobraria a cada 18 meses Moore como Shockley Teal Kilby Hoff e um bando de outros fisicos especializados em semicondutores trabalhavam em uma região do Vale do Silício na Califórnia que até pouco tempo antes havia abrigado pomares uma área que começava a se destacar em um novo mapa global de comunicações tão importante quanto a Torre Eiffel a Broadcasting House de Londres a Bell Laboratories ou mais perto de casa Hollywood que foi construído sobre um laranjal De suma importância na história das comunicações foi o fato de os novos negócios mais inovadores de estrutura menos informal menos de cima para baixo e menos hierarquizado que os outros apontarem o caminho a ser seguido na área financeiramente arriscada de desenvolvimento de computadores um setor mais lento na procura do que na oferta Na primeira fase da história do computador a IBM International Business Machines Company teve uma enor me vantagem comercial Produto de uma fusão ocorrida em 1924 que incluía a sucessora da Tabulating Machine Company companhia de cartões perfurados digitais fundada por Herman Hollerith em 1896 a IBM tinha uma cultura corpo rativa distinta que ajudava a tratar com governos e consumidores em grande escala No entanto seus produtos pertenciam à fase chamada por Brian Winston historiador da mídia ao examinar em retrospecto o período inicial da imprensa de período das origens da história do computador Isso terminou em 1952 com a demonstração não restrita dos computadores 701 IBM no princípio denomina dos calculadores de segurança juntamente com os Mark Is da Ferranti Em 1961 a IBM já estava vendendo mais de sete linhas diferentes de computadores mas nenhuma delas indicava o que o microprocessador tornaria possível o compu tador pessoal Havia na época uma divergência marcante entre a história do computador nos Estados Unidos e na GrãBretanha tendo o Japão desempenhado papel cada vez mais relevante no cenário internacional Os primeiros computadores cons CONVERGÊNCIA 277 truídos no mundo vendidos em 1950 eram britânicos como já se observou Porém embora a Ferranti Company sua fabricante viesse a construir um grande computador Atlas que atraiu enorme interesse a empresa e suas sucessoras corpo rativas britânicas inclusive a ICL 1980 se ressentiram da falta de garantias oferecidas pela escala do mercado norteamericano para prosseguir no desenvol vimento de suas máquinas Tampouco tiveram acesso ao maciço poderio militar naval e espacial dos Estados Unidos Nesse ínterim o Japão sem o ônus dessas dispendiosas instituições se tornou não apenas produtor de microchips mas também importante participe em todo o jogo das comunicações Um interessante sumário do envolvimento japonês surgiu em um abrangente estudo sobre microeletrônica publicado em 1985 pelo Instituto Nacional para o Progresso da Pesquisa Nira do Japão Foram identificados seis períodos depois da restauração imperial de 1868 O quarto de 1955 a 1964 se seguiu à Guerra da Coréia e com o estabelecimento de uma Agência de Tecnologia e Ciência governa mental em 1956 O sexto período os últimos dez anos presenciou um avanço maior com o país preparado para se opor às iniciativas dos Estados Unidos Havia agora mais do que um toque de orgulho Gravadores de fita e VCRs ver p305 eram praticamente monopólio japonês A entrada japonesa no campo da pesquisa de computadores não foi tardia segundo os padrões mundiais continuava modestamente o estudo e houve muita dependência da cooperação de fabricantes norteamericanos principal mente a IBM O advento dos transistores levou à produção em 1964 de um televisor transistorizado pela Sony uma companhia nova a palavra tinha seu significado e a pronúncia do nome da empresa que se tornaria conhecida mun dialmente foi decidido com inspiração A Sony também lançou o walkman um estéreo portátil pessoal que transformou a maneira de se ouvir música gravada Era um instrumento móvel e a mobilidade das pessoas andando na rua ou diri gindo um automóvel influenciaria bastante a direção do desenvolvimento tecno lógico futuro sobretudo o do telefone celular móvel ver p299 Agora era fácil ter acesso pessoal à popmusic em qualquer lugar Um artigo publicado nos Estados Unidos em 1977 intitulado Comunica ções para uma sociedade móvel se referia às longas viagens entre a residência e o local de trabalho dentro das áreas metropolitanas em expansão uma grande quantidade de viagens entre cidades em um avançado sistema de autovias e um alto grau de dependência de caminhões para transportar mercadorias Havia aproximadamente 105 milhões de automóveis e 25 milhões de caminhões e ôni bus a maioria equipada com unidades receptoras de rádio para entretenimen to O artigo se referia ao sistema celular com capacidade cada vez maior de comunicação móvel à tecnologia do FM celular e ao uso de sistemas de voz digitalizados de banda estreita Os telefones móveis ainda não tinham começa do a ser promovidos com agressividade embora existissem cem mil em uso 278 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA mas a rádio cidadão mostrouse tão popular que cerca de um milhão de pessoas havia solicitado à FCC licenças para esse tipo de faixa em janeiro de 1977 Para o autor do estudo Raymond Bowers o crescente uso de radiocidadão tinha implicações que se estendiam além do próprio serviço Entre os fatores sociais e culturais que apoiavam o desenvolvimento tecno lógico no Japão estavam uma sociedade baseada na igualdade tecnologia especializada em companhias de porte pequeno e médio uma tradição de res peito pelas relações humanas e não menos importante o respeito cultural pela tecnologia evidente no fim do século XIX com a precoce introdução do telefone 1890 e do telégrafo 1893 observem a ordem à medida que se expandiam os serviços governamentais e ficava evidente o desejo cultural de adotar idéias novas A habilidade para a miniaturização veio no final Esses fatores operaram dentro de um contexto particular ao Pacífico que foi então comparado favoravel mente com o da Europa Um último fator foi o desenvolvimento entre 1965 e 1973 de uma substancial indústria japonesa de automóveis que rapidamente atingiu a escala global A partir desse sumário é óbvio que do lado da oferta a história da evolução do computador não pode ser contada simplesmente capítulo a capítulo passo a passo ou mesmo página a página sem que se faça uma enorme simplificação Como a história da evolução das ferrovias ver p126 ela apresentou aspectos diversos projeto memória linguagem circuito lógico programas e novos e diferentes dispositivos como o modem moduladordemodulador necessário à transmissão de dados por linhas telefônicas e o mouse um dispositivo de entrada para controlar uma seta na tela do computador Pessoas e lugares diversos desem penharam seus papéis nessa história em períodos distintos do tempo Foi uma história de evolução não de revolução palavra usada por Noyce mas ele tinha razão ao salientar que ela não foi linear O projeto sempre fora crucial como reconheciam todos os envolvidos velhos ou novos em qualquer dos setores relacionados aos computadores O início da memória volta à década de 1940 mesmo antes de Jay Forrester do MIT ter começado a trabalhar no projeto Whirlwind relativo à estabilidade de aviões Foi Forrester quem assegurou a incorporação nos computadores da me mória de núcleo magnético em 1953 As linguagens de programação tiveram uma história menor e mais complexa John Backus trabalhando na IBM desenvolveu em 1957 uma nova linguagem de computador de programação interna a For tran formula translating system ou sistema de tradução de fórmula Plankalku a primeira dessas linguagens foi criada por um engenheiro alemão Konrad Zuse três anos antes de ser inventado o primeiro computador eletrônico Zuse costuma ser esquecido na história Joseph Licklider psicólogo do MIT autor de um artigo seminal ManComputer Symbiosis 1960 não Ele também escreveu um livro Libraries of the Future e foi um pioneiro da Arpanet CONVERGÊNCIA 279 A visão de Licklider de cérebros humanos e máquinas de computação acoplados estreitamente era compartilhada por um grupo de empregados do Laboratório da Xerox em Palo Alto fundado em 1970 por outro psicólogo Bob Taylor e dirigido por Alan Kay Foi esse grupo que desenvolveu o mouse origi nalmente chamado de indicador de posição XY para um sistema de exibição A Xerox envolvida exclusivamente em suas operações de diaadia no mercado de cópias não quis explorar comercialmente seus esforços pioneiros e as idéias do grupo foram absorvidas por outras empresas inclusive a Apple e a Microsoft Enquanto isso Douglas Engelbart especialista em radares na época da guerra tinha cunhado a expressão amplificação da inteligência Em 1962 estabeleceu um arcabouço conceitual para a computação em rede Usou um kit de ferra mentas como o chamou para demonstrar seu oN Line System NLS na cidade de São Francisco em 1968 É difícil fazer justiça aos muitos provedores de software cujo número se multiplicou após a invenção do microprocessador plenamente conscientes de que representavam o lado criativo da nova tecnologia Eles deram outro significado à palavra software já em uso o oposto de hardware o conjunto de componentes físicos de um sistema de comunicações Sabiam que o papel do software era vital Nenhum computador podia funcionar sem algum tipo de programação Como diria Reed Hundt primeiro chefe da FCC no governo Clinton sem programas os computadores ficariam como criaturas inertes esperando que o Criador lhes desse vida Pode ser enganoso pensar em termos de marcos cronologicamente precisos na história do computador Enquanto nas condições da Guerra Fria a solicitação de pedidos militares navais e espaciais muitas vezes é considerada responsável por eventos públicos os continuamente alterados processos de mercado nos quais os usuários acadêmicos ou comerciais têm de se identificar serem agendados e registrados de formas diferentes Mesmo antes dos grandes aumentos de venda já se começava a reconhecer no fim da década de 1970 quando foram feitas e perdidas grandes fortunas que estava começando uma idade nova na história das comunicações uma época na qual se inseria a história da mídia Os computadores serviam agora não somente como instrumentos de negócios mas como mola principal de toda uma gama de atividades de mídia estimulando a imaginação da mesma forma como ocorrera com as locomotivas Algumas vezes afetavam a mídia tradicional e os impressos não constituíam exceção O termo livro eletrô nico foi cunhado por Andy van Dam que fundara uma companhia em Rhode Island chamada Electronic Book Technology Enquanto isso livros revistas e jornais tradicionais eram cada vez mais editados elaborados impressos e distri buídos de acordo com as rotinas do computador Algumas vezes eles facilitavam uma atividade completamente nova Nos sistemas de comunicação de dados variados eles estavam definindo o ritmo Este foi o título de um artigo da 280 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Intermedia de 1978 A palavra intermídia foi usada em 1966 por Richard Hig gens com referência ao que chamou de a arte dos meios mesclados A velocidade do ritmo de desenvolvimento dependia não somente de avanço tecnológico mas de impulso empresarial dentro de um clima econômico em transição O maior avanço tecnológico foi a introdução do computador pessoal Em uma coletânea de ensaios publicados na GrãBretanha em 1979 e intitulada From Television to Home Computer o computador pessoal foi tratado apenas como um item de uma série de variedades eletrônicas e os gravadores de vídeo VCRs figuravam em primeiro lugar Muitos aparelhos computadorizados fo ram inúmeras vezes desprezados como parafernália de comunicações Uma palavra bem diferente inteligente passou a ser cada vez mais aplicada a coisas e não a pessoas desde cartões a residências No que diz respeito à GrãBretanha porém o autor do capítulo sobre computadores pessoais na coletânea de 1979 achou necessário lançar uma obser vação mais confortadora do que entusiasmada o computador pessoal poderia custar tão pouco quanto uma TV em cores barata Em uma seção chamada Um olhar sobre os programas ele explicou que embora os computadores fossem peças eletrônicas complexas isso não significava que se devia saber tudo sobre eles para desfrutar seus benefícios Um computador pessoal um dos primeiros foi chamado animal de estimação era tão simples de lidar quanto um sistema de altafidelidade se não mais simples Da mesma forma quando você compra um sistema de altafidelidade vale a pena procurar os fabricantes e ven dedores conhecidos A indústria estava crescendo rapidamente dizia ele e seu conhecimento como usuário também crescerá Suas necessidades se expandirão quando você se tornar mais experiente É revelador comparar essa visão doméstica com aquelas do laboratório à da biblioteca ou acima de tudo com a de escritórios nos quais onde a edição de texto virou uma atividade altamente computadorizada e a máquina de escrever naquela época objeto altamente sofisticado rapidamente se tornou obsoleta No entanto a edição de texto junto com os debates sobre seus efeitos no conteúdo e no estilo de escrever era muitas vezes concebida no mesmo nível que o fax e não um segmento do complexo tecnológico computadorizado Quando os primeiros computadores pessoais apareceram eles foram segundo Eli Noam em retrospec tiva um dos produtos de consumo mais antipáticos jamais criados desde o uniciclo Um minicomputador o PDP8 foi colocado no mercado em 1963 por Wil liam Olsen e a prova de que havia uma demanda foi o crescimento de nove vezes nas vendas da Olsens Digital Equipment Corporation entre 1965 e 1970 e o crescimento de 20 vezes em seus lucros A empresa fundada em 1957 e situada em Massachusetts e não no Vale do Silício não previu como outras companhias de que maneiras os mercados iriam mudar Ela encarava os usuários da área de edu CONVERGÊNCIA 281 cação como os clientes mais promissores em uma época na qual as empresas ainda mais recentes tinham em mira grupos de entusiastas em computação Sabiam que essas fileiras iriam crescer rapidamente A primeira loja de computadores foi aberta em Los Angeles em julho de 1975 e a primeira revista especializada Byte apareceu um mês depois Byte e bits andavam juntos e em 1973 Anthony Smith publicaria um livro intitulado From Books to Bytes A palavra bit pronunciada pela primeira vez em 1946 por John Stukey um estatístico de Princeton não tinha conotações literárias Era uma abreviação de binary digit dígito binário a menor unidade de informação digitalizada Um sistema digital ao contrário de um sistema analógico de registro e transmissão de palavras imagens e música só precisa determinar quais bits correspondem a zero e quais correspondem a um No entanto desde o início do debate técnico não constituía a única atração de uma loja de computadores ou de uma revista especializada no tema Um dos sucessos da Internet seria a venda pela Amazon de milhões de livros novos e velhos Por muitos anos seu fundador Jeff Brezos não cometeu erro algum Seu principal editor James Marcus mudouse de Nova York para Seattle a fim de se juntar ao chefe Descreveu suas experiências em Amazon Five Years at the Epicentre of the DotCom Juggernaut 2004 Mais importantes que os livros ou a educação na história inicial dos computadores pessoais foi o entretenimento diretamente visado por empreende dores como Nicolas Bushnell um dos responsáveis pelo desenvolvimento do video game Em 1974 Bushnell começou a vender um brinquedo com microprocessador embutido chamado Pong que podia ser ligado a um aparelho de televisão Em 1980 sua companhia a Atari estava vendendo cem milhões de dólares em video games e computadores domésticos simples Tanto adultos quanto crianças se tornariam entusiastas dos jogos de computador mas havia razões de marketing justificando uma concentração em torno de crianças e adultos jovens como acon teceu na indústria de cinema Já se dissera em uma geração anterior que uma criança nascida na mesma época da radiodifusão consideraa tão natural que não pode imaginar uma era an terior Ela acha normal ter rádio O mesmo se podia afirmar para as crianças nas cidas na época dos primeiros jogos de computador Mas nem todas as crianças reagiam ativamente às novas tecnologias e gênios como o garoto holandês Wou ter Couzijn apresentado numa reportagem do jornal The Times em 1996 eram excepcionais Ele construiu um robô que andava falava e se deslocava construído com peças amarelas de Lego e um microcomputador Aos 13 anos ele havia construído seu próprio laptop com 12 processadores paralelos que podiam rodar simultaneamente ou dividir uma tarefa entre si A imprensa e a televisão gostam de fazer publicidade de prodígios incluindo os jovens hackers elas também co meçaram a dedicar atenção especial aos videogames A relativa priorização dentro das residências de aparelhos de televisão e computadores pessoais não havia se estabelecido quando este livro começou a ser 282 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA escrito e os dispositivos sem fio eram aclamados no mundo todo No entanto em retrospecto é certo que em toda parte o elemento jogo na popularização da nova tecnologia foi tão importante no início da história dos computadores quanto na história do telefone ver p150 e havia uma aura associando os dois Um dos primeiros jogos Space War parece ter sido criado por um estudante do MIT na década de 1960 No início da década de 1990 um dos primeiros jogos a usar 3D foi Doom Os jogos embora tecnicamente sofisticados e na década de 1990 eram somente um item do desenvolvimento do computador foram descritos em uma publicação da BBC Television in the Eighties the Total Equation 1982 como os descendentes naturais das máquinas eletrônicas das salas de entretenimento que tinham uma extensa genealogia Mas foi seu papel nas casas onde suplanta ram outros jogos que se revelou diferente Em 1983 os videogames estavam nas telas de televisão de 15 milhões de lares norteamericanos sendo que somente um em cada 15 deles possuía computador pessoal Jogos de bolas com efeitos sonoros e contagem na tela tornaramse imediatamente populares e o microprocessador que os tornava mais baratos e variados ampliaram o gênero A violência era um ingrediente tão familiar quanto o esporte Dada a organização cada vez maior do mercado de lazer altamente organizado no qual a mídia estava presente direta mente ou por meio de fusões era inevitável que o mundo dos negócios procurasse novas oportunidades Bushnell vendeu sua companhia Atari para a Warner Com munications Havia na GrãBretanha um desnorteador argumento característico a respei to dos possíveis efeitos dos jogos de vídeo principalmente sobre as crianças Video Fever era o título de um livro de C Beamer publicado em 1982 que tinha como subtítulo Entretenimento educação vício O livro ao mesmo tempo prático e especulativo é historicamente interessante pelo contraste entre seus dois breves apêndices O primeiro Uma breve história dos videogames era tão resumido e destituído de detalhes cronológicos que pouco acrescentava O segundo Como os jogos funcionam que tratava da tecnologia subjacente foi escrito com clareza e concisão muito mais do que os primeiros manuais de computadores pessoais No texto principal o capítulo que apresentava questões de valor foi chamado de Atividades da família um olhar atualizado Comentários diversos e diferentes podem chamar a atenção para a publici dade e a crítica da cultura do computador A Radio Electronics em julho de 1974 lançou um computador junto com um manual sob o título Seu minicomputador pessoal enquanto a Popular Electronics em janeiro de 1975 anunciava um pro duto novo próprio como O primeiro kit mundial de um minicomputador que rivaliza com os modelos comerciais O modelo comercial seguinte se tornou disponível em julho de 1976 quando Steve Wozniak que havia trabalhado para Bushnell e Steven Jobs ambos nativos do Vale do Silício lançaram o Apple I CONVERGÊNCIA 283 vendido inicialmente nos clubes locais para os entusiastas No mesmo ano foi lançado o Apple II com capacidade de realizar várias tarefas Um dos seus finan ciadores foi Mike Markutta exgerente de marketing da Intel que havia deixado a empresa milionário com a idade de 32 anos Jobs tinha 22 anos A Apple Macintosh tornouse uma companhia pública avaliada em 12 bilhão de dólares e em 1984 ela lançou uma das peças de publicidade mais notáveis de todos os tempos um comercial de TV 1984 durante o jogo do Superbowl A Apple estava relutante em usálo mas gastara 500 mil dólares com o comercial e ainda deveria desembolsar 600 mil dólares para pôlo no ar O espectador primeiro via um túnel tubular no qual andavam figuras humanas di minutas Eram prisioneiros com roupas pesadas sapatos de sola grossa Tinham sofrido a lavagem cerebral do Grande Irmão de Orwell Vemos então uma linda moça loura que representa a resistência Havia muitos significados subliminares nesse anúncio e por isso ele mereceu figurar no contexto cultural examinado com brilhantismo por Asa Berger em Manufacturing Desire 1996 Em termos comer ciais o Grande Irmão era a IBM e os prisioneiros representavam os empregados da empresa ou o público norteamericano A imagem loura era a Apple O con traste era binário e a apresentação feita diretamente por Ridley Scott sugeria mais uma peça de arte que de propaganda Havia um breve anúncio a fazer Em 24 de janeiro a Apple Computers vai lançar o Macintosh e você vai ver por que o ano de 1984 não será parecido com 1984 Seria isso uma realidade Era para a Apple guardar o segredo mas ironica mente foi uma empresa bem estabelecida a IBM lenta no desenvolvimento de computadores pessoais que aplicou primeiro o adjetivo virtual à realidade durante os anos 1960 quando começou a fazer referência a laços não físicos entre processos e máquinas também foi ela quem anunciou em 1984 um Sistema Operacional de Universo Virtual OSVU incorporando em seus anúncios as palavras sistema planetário e galáxia Também em 1983 Jaron Lanier de 31 anos falou de realidade virtual ao trabalhar nas novas abordagens do uso do com putador Em 1985 sua companhia produziu uma gama de acessórios ou ferra mentas de realidade virtual bem melhores que os da IBM Lanier vinha do ramo dos videogames Um de seus colegas era da Nasa Havia uma forte associação entre a exploração do espaço lá fora e do que veio a se chamar de espaço interno Em 1980 a IBM havia encomendado um sistema operacional de uma peque na firma a Microsoft em três anos volta ao profético 1984 40 de todos os computadores pessoais rodavam com os programas da Microsoft Quando ela foi revelada ao público dois anos depois Bill Gates que a havia criado quando tinha 19 anos de idade tornouse milionário da noite para o dia Era óbvio em 1984 quando havia somente menos de um milhão de máquinas em uso no mundo muitas delas incompatíveis entre si e todas se tornando rapidamente obsoletas que os programas eram a chave para aumentar o uso dos computadores fossem eles pessoais ou de empresas pequenos ou grandes A Microsoft rapidamente se 284 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA transformou no maior fornecedor do ramo quando seu sistema operacional Windows foi distribuído para o mundo todo Embora dominasse o mercado havia competidores sobretudo a Netscape de Marc Andreesen que ainda antes de se formar tinha desenvolvido o programa de navegação Mosaic lançado em 1993 Quando Gates anunciou em 7 de dezembro de 1995 aniversário de Pearl Harbor que a Microsoft estava investindo pesado na Internet e ia introduzir um servidor de informações para a Internet e o Internet Explorer o Netscape Naviga tor já estava em produção Três anos antes de se fazer esse anúncio após imensas mudanças políticas e sociais no mundo e de muitas disputas jurídicas no mercado de computadores o Financial Times de Londres produziu um estudo sobre Computadores e comunicações em outubro de 1992 O artigo começava proclamando a lenta mas inevitável convergência notar a palavra e o adjetivo que a acompanha entre a computação e as telecomunicações acrescentando que ela supriria a força motriz para uma implosão de novas tecnologias e práticas de processamento de informação Cinco empresas japonesas estavam então entre os dez maiores pro dutores de microchips a Toshiba e a Hitachi ocupavam respectivamente o se gundo e o terceiro lugares A Philips empresa européia de multiprodutos vinha em décimo e a Coréia já havia entrado em cena Tiveram desenvolvimento anterior os discos compactos com memória CD Rom capazes de armazenar para uso em casa não somente o conteúdo de arquivos de jornais mas de uma enciclopédia inteira Eles também serviam para jogos No início os discos tinham capacidade limitada para gravar filmes mas revolucionaram a transmissão e a distribuição de música tanto clássica quanto popular Logo foram lançados os DVDs discos versáteis de vídeo digital com capacidade de armazenagem seis vezes superior à dos CDRoms O preço era um fatorchave no mercado e no marketing da mesma forma que a publicidade Em 1992 porém havia menos otimismo sobre o potencial de venda de toda uma gama de produtos computadorizados que dois anos antes A indústria de computadores estava participando como muitas outras do período de depressão econômica que se seguiu ao dramático craque de Wall Street em 1987 as novas tecnologias estavam cortando as margens de lucros assim como os custos E enquanto os preços despencavam o desemprego estrutural alcançou seu pico No entanto o otimismo de longo prazo parecia justificado quando se falava sobre interatividade e redes de trabalho Uma mudança de humor foi óbvia dez anos depois quando Peter Schwartz e Peter Leyden em uma breve História do futuro 19802020 publicada em Wired em 1997 puderam escrever sobre uma nova grande onda a maior explosão de crescimento na história do mundo O que havia começado com a divulgação de computadores pessoais e o desmembra mento do sistema Bell adquiria novo impulso Os novos titãs da indústria estavam determinados a pressionar a onda para a frente com financiamento go vernamental A inflação estava agora controlada e a globalização ganhava impul CONVERGÊNCIA 285 so Segundo previam depois da passagem do milênio poderia haver outros avan ços inovadores como a energia alternativa e a descida em Marte Satélites A capacidade para chegar a Marte dependeria dos progressos em comunicações no espaço que já tinham sua própria história desde 1960 época à qual devemos voltar agora Por um breve período na história mundial os satélites de comunicações os comsats impossíveis de serem lançados sem os computadores atraíam mais atenção do que os próprios computadores Os satélites eram as mais fascinantes alguns diziam até sexy expressões de tecnologia depois do lançamento do Sput nik pela União Soviética em outubro de 1957 o surpreendente acontecimento que levou o governo norteamericano a encontrar uma resposta o mais rápido possível Levou também a uma explosão do interesse popular norteamericano sobre o espaço interesse captado e ampliado pela televisão ver p252 Em 1945 em Wireless World Arthur C Clarke então tesoureiro da Socieda de Interplanetária Britânica e futuro escritor de ficção científica havia feito e publicado uma previsão hoje famosa uma cadeia de três radiossatélites geoesta cionários tripulados Em 1961 sete anos antes de o romance de ficção científica de Clarke 2001 uma odisséia no espaço ser transformado em filme por Stanley Kubrik a Nasa a recente agência espacial e aeronáutica norteamericana concordou em lançar o Telstar que podia circundar o globo em menos de 275 horas Ele conti nha mais de 2500 transistores mas nenhum circuito integrado Os correios britâ nicos e franceses que ainda pareciam seguros concordaram em construir esta ções de Terra conectadas uma delas perto do lugar onde Marconi tinha enviado mensagens transatlânticas décadas antes Uma outra estação de Terra em Barein a ser construída pela Companhia Marconi era de propriedade não do governo local mas da Cable and Wireless britânica que se tornou comercialmente forte quando ficou claro que apesar de todo o seu fascínio e uma queda de custos graças à introdução de novos sistemas os satélites não suplantariam o cabo no qual a GrãBretanha tinha interesses antigos As fibras ópticas haviam garantido a continuidade do cabo e a primeira ligação de cabo óptico para conduzir o tráfego comercial e canais de televisão em pretoebranco foi feita em Sussex Inglaterra em 1976 O primeiro sistema de televisão a cabo de fibra óptica nos Estados Unidos estava operando em Birmingham Alabama em 1984 Quatro anos mais tarde a ATT e seus parcei ros instalaram um cabo de fibra óptica através do Atlântico Trinta companhias inauguraram um cabo no Pacífico um ano depois Os oceanos ainda eram impor tantes como os céus Haveria um aumento de cerca de dez vezes na capacidade dos cabos transatlânticos entre 1996 e 1999 286 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA As primeiras transmissões de programas de televisão usando o Telstar foram enviadas em 11 de julho de 1962 com um diálogo familiar inicial ouvido por milhões Um locutor de televisão norteamericano irrompeu em um teleteatro para declarar que os britânicos estavam prontos para transmitir um programa do Telstar Os espectadores viram e ouviram os britânicos sentados ao redor de uma mesa no outro lado do Atlântico À minha direita está este austero escocês Robert White À minha esquerda John Bray encarregado de nosso planejamento espacial São três e meia da manhã Boa sorte Este foi um programa menos notável com apenas 20 minutos de duração do que muitos outros posteriores enviados via satélite como a ocasião em que Churchill aceitou a cidadania hono rária norteamericana O Telstar foi o primeiro de uma série de satélites de construção cara que serviram para funções de transmissões sem fio de rádio e televisão como substitu tos para os cabos A ATT mantinha a liderança em uma arena de conhecidas competições entre companhias e sistemas O governo Kennedy porém empenha do no programa Um homem na Lua não queria depender inteiramente da ATT E enquanto a União Soviética criava um sistema planejado de órbita de 12 horas órbita Washington explorava outras opções Um modelo de controle ficou estabelecido na primeira lei de satélites de comunicações de 1962 que levou à organização de uma nova companhia a Communications Satellite Corporation com metade das ações pertencentes à ATT e outras empresas de comunicação e a outra metade destinada à compra pelo público Não era um monopólio privado nem uma agência pública mas havia um mercado para as suas ações que rapidamente aumentaram de valor Os satélites Syncom I e II foram lançados em 1963 assim como o Telstar II no ano seguinte o Syncom III transmitia as Olimpíadas de Tóquio ver p191 A Copa do Mundo de Futebol em 1966 foi transmitida por seis satélites transatlân ticos para televisão No entanto a televisão era um cliente intermitente não contí nuo as imagens instantâneas que os telespectadores viam dependiam de priori dades jornalísticas e financeiras A imprensa também teve oportunidades sem precedentes e foi possível lançar um novo jornal diário norteamericano USA Today em 1982 impresso simultaneamente via satélites domésticos de baixa potência em 17 cidades ele veio a ser dividido em seções separadas a mídia podia aparecer tanto em cotidiano quanto em negócios e até em esportes ou ocasionalmente na seção de novidades Em todos os países a imprensa trans formou a mídia em item básico das notícias e as informações sobre os progra mas usuais eram acompanhadas por fofocas cada vez mais sobre as celebrida des e às vezes em particular no que se refere a filmes de alguma base teórica Tratavase de um novo mundo de mídia Nunca fora possível na história dos satélites ignorar as possibilidades e os obstáculos internacionais Em agosto de 1964 cinco anos antes do anúncio pela FCC de uma política doméstica de céus abertos foi estabelecida a Organi CONVERGÊNCIA 287 zação Internacional de Telecomunicações por Satélite Intelsat com acordos intergovernamentais ela se tornou definitiva em 1973 A propriedade no início era determinada pelo uso do telefone os Estados Unidos por meio do Comsat detinham 61 em 1964 e a GrãBretanha 84 A União Soviética não partici pava era o auge da Guerra Fria e em 1968 havia criado um corpo internacio nal alternativo Intersputnik que entretanto juntou somente sete países O Intel sat por outro lado atraiu grande número de países muitos nãoalinhados sendo que em 1975 mais de 89 países grandes e pequenos com necessidades de telecomunicações variadas eram membros da organização O primeiro de seus satélites geoestacionários o Intelsat I 1965 pesando apenas cerca de 40 quilos controlado pela Nasa e fabricado pela Corporação Hughes foi denominado Early Bird Seu razoável sucesso garantiu mais contratos para a Hughes relativos às gerações seguintes de satélites Intelsat lançados em 1967 Os satélites geoestacionários foram colocados numa órbita precisa e limitada sobre a linha do equador local que permitia um contato permanente entre o satélite e a única estação no solo As trilhas na órbita eram finitas e conseqüente mente foram objeto de barganhas que se realizavam nos bastidores por meio da União Internacional de Telecomunicações e da Conferência Mundial Administra tiva de Rádio Warc Cada trilha antiga tinha o que era chamado de pegadas terrestres as quais determinavam amplamente seu preço de venda Outro fator era o conteúdo que podiam oferecer Havia algumas surpresas na alocação Assim em 1985 a Warc concedeu sete trilhas orbitais a Tonga um porto de escala no Pacífico que arrendou a outras empresas com fins lucrativos sem relação com o governo Monroe Price em seu livro Media and Sovereignty 2002 lançava um olhar para o passado distante e comparava as rotas aéreas dos satélites às rotas comerciais dos séculos XVII e XVIII Houve gerações posteriores de satélites cada qual oferecendo maior capa cidade confiabilidade e potência com custos menores de serviços Todos os satélites internacionais tinham de obedecer à exigência contratual de fornecer acesso eqüitativo aos usuários mas havia poucas limitações para os satélites domésticos Quando o primeiro satélite norteamericano doméstico de baixa potência foi lançado em 1974 ele pertencia à Western Union e não ao Comsat Um ano antes o Canadá tinha lançado o primeiro satélite doméstico do mundo o Anik irmão um nome esquimó mas ele foi construído nos Estados Unidos e lá usado pela RCA antes que a Western Union o colocasse em órbita Tratavase de uma época de reavaliações e planejamento para o futuro Em um número especial de agosto de 1975 a Intermedia listava os problemas Embora demonstrasse entusiasmo eles eram similares aos de uma conexão internacional a palavra global ainda não fora mencionada de meio ambiente energia desarmamento fundo do mar e dos oceanos As análises da relevância das co municações por satélite apresentam uma quantidade de interpretações semelhante à quantidade de teorias a respeito do papel da função e do efeito das comunica 288 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ções sobre a sociedade e os indivíduos O número de tópicos abarcados era amplo Notouse por exemplo que a Argélia foi o primeiro país africano a usar um sistema de satélite com objetivos nacionais e que na Ásia estavam bem adian tadas as propostas de radiodifusão educacional para seis regiões diferentes em quatro línguas por meio do Site sigla para satellite instructional television experi ment experimento de instrução por televisão via satélite As transmissões usan do um satélite da Nasa começariam em 1975 e cobririam saúde higiene e agricul tura O Site teve um sucesso real mas limitado e mais tarde iria figurar com destaque em todos os relatos da história recente da educação Mais recentemente na história das comunicações por satélite a índia país em que o padrão de radiodifusão foi influenciado por diversos outros inclusive a GrãBretanha figu rava na década de 1990 como país ansioso por manter as transmissões interna cionais por satélite fora das áreas do entretenimento e do noticiário Nos Estados Unidos o começo do uso efetivo do sistema de satélite domés tico ocorreu somente depois de uma convergência de interesses de satélites e cabos sendo que a regulamentação sobre os últimos caiu totalmente no governo de Reagan Enquanto isso o desenvolvimento da televisão por satélite na Europa transcorreu de modo independente apesar dos altos custos isso tornou impossí vel ao projeto Coronet com financiamento norteamericano lançar um satélite de comunicações e operar de uma base em Luxemburgo Um acordo francoger mânico de 1974 para construir um sistema de satélite cooperativo de múltiplos propósitos o Symphonie de modo a fornecer transmissão de som e circuitos telefônicos entre a Europa e regiões da África e mais tarde da América Latina iniciou o processo que em 1988 culminou com os lançamentos frustrados do TVSat alemão e do TDF1 francês Dez anos antes havia sido estabelecida uma Agência Espacial Européia para sondar o espaço e lançar e operar satélites O primeiro satélite foi lançado em 1983 Em 1982 a comunidade européia tinha declarado que a projeção da cultura da Europa por meio de uma política de televisão local mais tarde como vimos incorporando a digitação oferecia a chave para a integração do continente Compartilhar imagens e informações será o meio mais efetivo de aumentar o entendimento mútuo entre os povos da Europa e dará a eles um maior sentimento de pertencer a uma unidade cultural e social comum Assim no mesmo ano foi estabelecido o primeiro sistema operacional euro peu de televisão por satélite o SATV e a União Européia de Radiodifusão iniciou um ambicioso Serviço Europeu o Eurikon mais tarde chamado de Europa em caráter experimental empregando o satélite piloto da Agência Espacial Européia OTS2 sigla para orbital test satellite A programação da primeira noite incluía discursos uma hora e meia de alta cultura principalmente Haydn um episó dio de Coronation Street um programa de Mundo em Ação e 50 minutos de música popular Desta vez o conteúdo foi considerado tão merecedor de aclamação quanto a tecnologia CONVERGÊNCIA 289 Era improvável que todos os países de uma Comunidade Européia em ex pansão aceitassem totalmente o princípio de integração por meio da televisão o que foi reformulado em uma diretriz A televisão sem fronteiras adotada em 1989 ano em que caiu o Muro de Berlim e o comunismo entrou em colapso e aplicada em 1991 por mais fundamental que ela parecesse aos paneuropeus Em vez disso o mercado comercial pareceu ter triunfado por volta de 1989 embora houvesse diferenças significativas quanto ao que estava acontecendo no rádio e na televisão e nas telecomunicações apesar da palavra convergência No que diz respeito às telecomunicações o governo britânico que nomeou seu pri meiroministro de Tecnologia de Informação em 1980 liderou o caminho colo cando o truste no setor de negócios e em 1984 já tendo vendido suas ações da Cable and Wireless privatizou a British Telecom Para alguns políticos essa era uma questão de princípio Para a maioria contudo tratavase de uma questão de eficiência competitiva Os investimentos novos se mobilizariam e a competição seria estimulada Os planos relacionados ao desenvolvimento de transmissões diretas por satélite por meio de um consórcio de risco contudo falharam em 1988 apesar de incluir jogadores poderosos como a British Telecom a British Aerospace a GECMarconi e o Banco Rothschild Um novo consórcio o BSB sigla para British Satellite Broadcasting um conglomerado que incluía uma empresa jornalística a Westminster Press os jornais Financial Times e The Economist e um bem estabelecido empresário no ramo de livros Longman fundada em 1924 obteve sucesso no lançamento em 1990 de um satélite construído pela Hughes Communications No entanto o consórcio considerou os custos operacionais e de suprimento de programas tão altos que mais tarde naquele mesmo ano foi forçado a fazer uma fusão com seu concorrente a Sky Television nascendo a BSkyB A Sky pertencia a Murdoch que na época já era uma figura poderosa tanto na televisão quanto na imprensa Ele usava o satélite Astra de Luxemburgo o mesmo que a BBC a primeira a entrar no jogo antes de se estabelecer o consórcio havia descartado porque suposta mente não tinha a potência necessária Com múltiplos interesses internacionais na área da mídia incluindo o cinema Fox e jornais sua News Corporation tinha sede na Austrália Murdoch havia demonstrado que as transmissões comerciais por satélite podiam ser um negócio rentável a ponto de sobrepujar a BBC sobre tudo no campo dos esportes e desafiála na apresentação de notícias Em 199394 três milhões de residências britânicas uma em cada sete assinavam seus serviços e mais de 30 das televisões domésticas em 16 países da Europa viam televisão por satélite BSkyB com a maior proporção 92 situada na Holanda que como Bélgica Dinamarca Suécia e Suíça já tinha grande difusão por cabo meta de das casas holandesas tinha ligação para rádio em 1939 A relação entre o uso do satélite e os números de transmissão por cabo requer uma análise e um levantamento Na Finlândia por exemplo que tinha orgulho de ter adotado integralmente a nova tecnologia a audiência por satélite 290 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA era muito baixa 1 mas por cabo era de 40 O Reino Unido onde o cabo custou a se desenvolver tinha uma audiência por satélite muito menor no início da década de 1990 do que a Holanda provavelmente porque a BBC e a ITV ofereciam de graça um serviço em geral bem mais aceitável A BBC tinha se oposto ao rádio antes de 1939 sob o argumento de que se não controlado ele podia romper o espírito e as intenções da concessão da BBC Agora ela fazia fortes objeções à televisão a cabo fosse ela terrestre ou por satélite mas em vão As diferenças de abordagens nacionais com relação ao satélite e ao cabo foram tão significativas quanto as variações de princípio nos sistemas de radiodi fusão e os índices da audiência que eles refletiam Por isso os números totais em cada país eram interessantes principalmente quando examinados ao longo do tempo A proporção de residências britânicas que assinavam os serviços por saté lite chegava a quase 6 dos telespectadores em 1993 três anos depois alcançava 11 No Japão onde um satélite experimental o Yuri lançado em 1978 foi considerado o primeiro a se dedicar às comunicações a NHK tinha tomado a liderança de desenvolvimento de inovações em 1991 ao planejar transmissões a cabo e abertas Ela seguiuse mais tarde no mesmo ano pela Japanese Satellite Broadcasting que começou operando um canal de 24 horas Em 1996 tinha mais de dois milhões de assinantes Em 1997 Murdoch então cidadão norteamericano vendeu sua empresa de satélite nos Estados Unidos a ASkyB que ele havia criado em janeiro de 1996 prometendo 200 canais na América Murdoch e sua companhia a News Corpora tion tinham imaginado o satélite como o elemento primordial de uma estratégia global Ele tinha garantido o controle da TV Star em Hong Kong em 1993 e havia lançado no Japão a JSkyB em dezembro de 1996 em associação com a empresa japonesa Soft Bank A Sony veio logo em seguida Por conseguinte quando Mur doch abandonou a ASkyB um executivo de televisão descreveu os negócios via satélite como um deleite teórico e um pesadelo na prática Essa condição po rém era apenas parcialmente verdadeira mesmo depois de Murdoch vender sua participação no controle da Star IV Em meados da década de 1990 havia 11 milhões de telespectadores asiáticos ligados pelo Sat2 da Ásia Quatro anos antes a BBC lançou o Serviço Mundial de Televisão que rapidamente alegou ter milhões de espectadores na Ásia Austrália América e África Significativamente a China preferiu a televisão de Murdoch à oferecida pela BBC Cabo Nas listas das tecnologias novas surgidas na década de 1960 ver p272 outras ligações de banda larga a CATV Televisão a Cabo figurava bem abaixo dos satélites No princípio as estações de televisão a cabo em qualquer lugar que operassem eram locais de uma só via e ofereciam aos telespectadores uma seleção CONVERGÊNCIA 291 de até 12 programas A promessa de melhor recepção importava na época tanto quanto a possibilidade de escolhas melhores Em muitos países a história do cabo se iniciou no período do rádio com fio que havia melhorado a recepção sem oferecer aos ouvintes uma grande variedade de programas Com seu desenvolvi mento durante a década de 1970 contudo havia entusiastas que acreditavam que ele era o núcleo de uma revolução nas telecomunicações e na radiodifusão A primeira onda de entusiasmo verdadeiro pela televisão a cabo veio com o reconhecimento de que ela poderia oferecer um número maior de canais no princípio normalmente 12 no final cem ou mais do que as ondas aéreas Um dos entusiastas norteamericanos era Ralph Lees Smith que cunhou o lema Na ção Ligada em famoso artigo publicado em The Nation em maio de 1970 Os primeiros passos foram vacilantes no entanto e o prognóstico de Smith foi considerado em alguns círculos como uma dúbia previsão do tempo Pouco depois provouse que os céticos aqueles que falavam de uma Fábula do cabo estavam errados ou pelo menos parcialmente errados à proporção que o cabo se espalhava das áreas rurais e pequenas cidades para os grandes centros ver p293 Em 1970 havia 2639 sistemas de cabos nos Estados Unidos com 53 milhões de assinantes ou seja 87 dos lares norteamericanos em 1975 havia 3506 siste mas com 98 milhões de assinantes 143 das residências e cinco anos depois os números eram respectivamente 4300 172 milhões e 23 O desenvolvimento do cabo levantou importantes aspectos políticos para a FCC que sem orientação do Congresso não quis enfrentar diretamente as TVs a cabo Em 1959 a FCC decidiu que como o cabo não fazia parte da radiodifusão nem da comunicação habitual por ondas não tinha jurisdição sobre o assunto Mais tarde depois do temor expresso em círculos de redes de televisão de que o crescimento do cabo poderia colocar as redes livres fora do negócio ou alijálas de eventos externos em particular os eventos esportivos ela fez uma intervenção direta nos negócios em 1968 indo longe a ponto de restringir as estações de cabo de importar sinais distantes isto é todos os sinais fora de sua área de concessão Esse congelamento provouse impopular em vários círculos e em 1972 em um acordo desconfortável após discussões entre interesses diferentes a CFC decidiu que os sistemas a cabo podiam importar pelo menos dois sinais distantes Contu do eles deviam ainda se submeter à regulamentação e ter alguns canais dirigidos para a educação para o governo local e o público em geral Após mais quatro anos e vários processos legais muitas restrições foram canceladas mas não todas No entanto nem mesmo isso foi suficiente para barrar o crescente número de adeptos da desregulamentação Em 1977 um painel com três juízes da Corte de Apelações no Distrito de Colúmbia declarou que todas as restrições de proteção sobre o cabo eram inválidas que não havia diferença constitucional entre cabo e jornais e que nos termos da Primeira Emenda televisão a cabo não era radiodifusão Temores de espécies diferentes se expressa 292 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA vam particularmente na época com a crescente convergência entre eletrônica e mídia impressa esta última poderia se ver emaranhada em regulamentos seme lhantes àqueles aplicados pela FCC à radiodifusão Nessas circunstâncias como o Congresso ainda não queria ou não podia intervir havia advogados constitucio nais alegando com ênfase que a escassez do espectro não devia mais ser tratada como base lógica para regulamentar a radiodifusão Na prática o crescimento do uso do cabo nos Estados Unidos era mais importante do que os argumentos legais Entre o início da década de 1960 e o fim da de 1970 a penetração do cabo nas residências cresceu de 2 para 20 com espectadores em algumas partes do país podendo assistir a 20 e mais tarde 30 canais Posteriormente nas cidades a oferta chegava até a 50 canais A verdadeira escolha parecia estar se abrindo localmente e o cabo embora fragmentasse a audiência de massa permitiu que alguns canais fossem usados para outras programações além do entretenimento Havia agora lugar como no setor de publicações de livros e periódicos para um nicho de estações de conteúdo como o Canal de História ou o Discovery pois as audiências locais limitadas não se podiam mais agregar Nem todos esses canais tiveram sucesso ou foram rentáveis A maior gama de opções tampouco trouxe a variedade que poderia ter propiciado Para Brian Winston escrevendo em 1998 os canais norteamericanos a cabo tinham falhado quase totalmente em alterar de modo significativo as formas e os gêneros já estabelecidos das transmissões de televisão No entanto em termos financeiros a televisão paga tinha se firmado e fornecia uma lucrativa fonte de renda para os proprietários dos cabos Também havia aberto oportunidades para as televendas A primeira mudança significativa na orientação do uso do cabo e nos lucros nos Estados Unidos veio em 1976 quando a Home Box Office HBO ligada à Time Inc decidiu entrelaçar seu futuro com o Satcom I da RCA Desse modo adquiriu capacidade de distribuição nacional comparável àquela das três grandes redes de televisão apenas com uma fração do custo Outras empresas rapidamen te seguiram a direção da HBO e algumas delas logo se tornaram operadoras de serviços múltiplos especializandose em filmes e esporte Seguiuse um proces so familiar de concentração de negócios e alguns canais tornaramse superesta ções a cabo entre elas a WORTV de Nova York e a WTBS de Atlanta Era comum a propriedade de mais de um meio de comunicação E também acordos com Hollywood que ofereciam mais lucros do que a maioria dos nichos Contu do revelaramse alguns canais com programas locais e muitos deles não depen diam de publicidade Nas áreas urbanas mais ativas os assinantes de televisão a cabo tinham acesso a uma grande variedade de canais de programação por mais restrito que fosse seu conteúdo e crescia o apetite por novos canais Em conseqüência disso o Comitê Nacional de Cidadãos para a Radiodifusão uma organização abençoada CONVERGÊNCIA 293 pelo guru do consumo Ralph Nader sugeriu que os cidadãos deviam solicitar o dobro de canais locais oferecidos à comunidade pelos canais a cabo extraindo uma alta taxa de franquia Eles deveriam descobrir o que estava disponível para o financiamento das empresas de cabo já existentes e pedir mais Os custos para os assinantes variavam e no início os sistemas tinham produção cara Esse dado era parte da economia Estimavase que o custo de instalação em uma cidade como Danas por exemplo com 400 mil residências seria de cem milhões de dó lares Contudo as perspectivas financeiras eram atraentes pois pelo menos seis grupos disputavam a franquia Quando a Câmara Municipal deu a concessão para a Warner Amex uma companhia local a Sammons Communications Inc solicitou um referendo Dallas cidade conhecida no mundo todo graças à televisão já tinha duas vezes mais empresas de televisão paga do que qualquer outra cidade nos Estados Unidos Era a líder Em meados da década de 1980 quase a metade dos domicílios norte americanos tinha televisão a cabo Algumas companhias de cabo haviam se tornado então empresas de bilhões de dólares de escala nacional As dez maiores operadoras de sistemas múltiplos tinham cerca da metade dos assinantes de televisão a cabo do país No Canadá comparativamente esse número correspondia a 60 A distribuição do cabo fora dos Estados Unidos era desigual em meados da década de 1980 Na Itália onde o cabo era considerado simplesmente uma versão da radiodifusão já havia uma companhia desde 1971 a Tele Biella Na Holanda os municípios eram donos de mais da metade dos sistemas a cabo A França só adotou uma lei abrangente relativa ao sistema de cabo em 1982 O progresso foi lento na Alemanha e na Suécia Também na GrãBretanha o cabo demorou a ser usado mesmo depois que o governo em nome da competição e da preferência concedeu 11 franquias em 1983 Sete delas estavam em operação em 1985 Dez anos depois 13 operavam algumas em tempo parcial Certas empresas formaram consórcios transatlânticos com grandes companhias norteamericanas Por motivos tanto de programação quanto de negócios muitas vezes houve uma dimensão internacional assim como local para a implantação do cabo A CNN Cable News Network de Ted Turner baseada em Atlanta tinha objeti vos deliberadamente globais após a fusão em 1995 com o grupo TimeWarner também internacional o conglomerado passou a ter um capital de 36 bilhões de dólares A TimeWarner já era por sua vez produto de uma fusão realizada em 1990 Essa inesperada fusão com a CNN levaria a uma rotatividade anual maior do que a da Walt Disney Company conhecida no mundo todo que há pouco havia comprado a Capital CitiesABC proprietária do que era então a maior rede norteamericana A TimeWarner já tinha 18 da CNN e dizse que Turner havia feito ofertas em mais de uma ocasião para comprar a CBS Sob a bandeira da CNN em 1995 ele estava operando dois novos canais e mais duas estações de filmes uma delas o Cartoon Network Turner também era proprietário do arqui vo da MGM em Hollywood que agora poderia ser juntado ao arquivo da Warner 294 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Murdoch fora citado na imprensa como alguém em quem Turner estava de olho em 1995 ele tinha se reunido a uma aliança norteamericana o bando dos quatro a Globo do Brasil a Televisa do México e a United States Telecommu nications Inc Tudo isso representava convergência de negócios e não de tecnolo gia A Globo e a Televisa eram enormes empresas latinoamericanas com tentácu los por toda parte Dados visuais O cabo era naturalmente um grande negócio Como escreveu Timothy Hollins no bem informado estudo Beyond Broadcasting Into the Cable Age 1984 não havia mais pessoas na GrãBretanha do que na Itália antes de 1982 que tivessem qualquer suspeita de que o cabo fosse algo mais do que outro nome para um telegrama ou uma peça de telégrafo Agora muitas pessoas em ambos os lados do Atlântico acreditavam que o cabo seria a vanguarda de uma revolução tecnológi ca o sistema nervoso de uma sociedade centrada na informação Richard Hog gart em novo papel como presidente da Unidade de Pesquisa de Radiodifusão escreveu um prefácio ao estudo de Hollins assinalando que o debate público na GrãBretanha sobre o assunto não tinha ido muito além de por um lado especulações semiutópicas e por outro lado profecias sobre desgraças do tipo Cassandra Nos Estados Unidos ao contrário acrescentava Hollins havia um sortimento de superlativos mas pouco senso de proporção O comentário tinha aplicação mais geral relativa não somente ao cabo em si mas a uma vasta gama do que foi usualmente descrito como dados visuais incluindo teletexto na chamada família de novos desenvolvimentos associa dos ao receptor de televisão O teletexto era um sistema para transmitir páginas de informação palavras e gráficos em uma tela de televisão fazendo uso de linhas separadas anteriormente não empregadas em transmissões normais Vi deotexto um termo mais abrangente era o envio pela linha telefônica ou por cabo de informações arquivadas por computador para uma tela de televisão ou um terminal especializado de videotexto Graças ao acesso a dados computadorizados proporcionado pelo videotex to e ao modo como eles eram fornecidos pelas agências de informação muito do que se dizia sobre suas vantagens e problemas antecipou o que se falaria mais tarde sobre a Internet e a World Wide Web Será que os dados visuais se tornariam uma mídia de massa ou um meio individual ou como dizem os japoneses uma mídia individual de massa Essa foi a pergunta de um escritor da Intermedia em 1979 Um dos seus lemas era o mundo da informação está agora ao alcance de seus dedos mas a tecnologia sobre a qual se baseava continuava analógica e não digital tecnologia de hoje não de amanhã O interesse pelo videotexto concentravase na visão do escritor principalmente na sua provável CONVERGÊNCIA 295 evolução de identidade À proporção que cresciam novos serviços eletrônicos o escritor da Intermedia e alguns outros observadores tinham a esperança de chegar à beira do equilíbrio Não haveria tal equilíbrio Em vez disso houve uma corrida mais intensa rumo às novas tecnologias nem todas bemsucedidas naquela que já foi chamada em 1970 de uma sociedade baseada em dados Algumas tecnologias ficaram em determinadas etapas incompletas de desenvolvimento às vezes mesmo em estágio de protótipo Uma em particular a televisão de altadefinição HDTV que ofe recia melhor definição de cores e clareza de imagem com 1125 linhas em vez de 525 ou 625 e uma tela maior mais parecida com a de cinema foi exibida com sucesso nos Estados Unidos e em outros lugares porém para tristeza dos japone ses que trabalharam duramente para desenvolvêla por várias razões não houve avanços nessa área Isso também não ocorreu com o cinerama o sensorama ou a halografia embora Denis Gabor em 1976 tenha usado laser para produzir um filme de 47 segundos em Moscou que mostrava uma mulher de corpo inteiro carregando um buquê Não importava o fato de que a HDTV fosse capaz de enviar imagens de vídeo com cinco vezes mais informação do que as imagens convencionais Havia aspec tos mais significativos Uma mudança de sistema teria envolvido não somente pesados investimentos mas a alocação de um novo espectro Os padrões técnicos de diversos países eram diferentes e mais importante ainda a tecnologia ofereci da era analógica e não digital A digitalização ou digitização como alguns conti nuavam a descrevêla já era considerada a base provável de grande parte da nova tecnologia durante a década de 1980 mas o processo de mudança foi lento O ponto de virada deuse em 1997 quando o governo britânico em seus planos de difusão digital escolheu a opção de oferecer maior número de canais que uma televisão de altadefinição Antes dessa revolução um sistema de telecomunicações fragmentado com telecomunicações e transmissões dotadas de culturas radicalmente diferentes criou a família de dados visuais Principalmente na Europa os correios algumas vezes em cooperação com empresas privadas foram os pais ambiciosos dessa família Nas palavras dos correios britânicos a nova família criada estava se disse minando e sob o exame minucioso da imprensa Foram os correios britânicos que logo perderam a comercialização da telefonia que colocaram em serviço em 1979 o primeiro sistema operacional mundial de dados visuais o Prestel depois de um período experimental comum a outros desenvolvimentos tecnoló gicos Foi o ano do videotexto Os observadores descreviam os novos serviços como uma das primeiras manifestações da tão anunciada convergência das tec nologias de computadores e de comunicações Elas foram debatidas em Londres em março do mesmo ano no encontro considerado o primeiro fórum interna cional sobre dados de vídeo 296 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O Prestei teria se chamado Dados Visuais se os correios tivessem consegui do registrar o nome mas ele não era o único sistema desse tipo que estava sendo desenvolvido A IBA na GrãBretanha tinha o Oracle a França o Teletel a Fin lândia o Telset a CBS nos Estados Unidos o Teletexto e o Canadá o Telidon Em todos esses casos a indicação da boa qualidade dos sistemas não era mágica tecnológica mas utilidade social O Prestel o pioneiro que não incorporava microprocessadores em seus terminais nunca esteve sozinho na exploração da nova tecnologia Não é fácil classificar a cronologia posterior de desenvolvimento dos dados visuais pois houve atrasos entre demonstrações e instalações assim como lacunas entre retórica e desempenho Muitas vezes foram feitos anúncios e reportagens ambiciosos enquanto o planejamento ainda estava em fase inicial Os aparelhos eram caros e a maneira de cobrar era complicada e controvertida para calcular e implementar Na França haveria subsídios na GrãBretanha não Nos Estados Unidos foi difícil despertar o interesse popular Uma experiência local como a do Los Angeles Mirror lançado na Califórnia em 1884 foi suspensa depois de vários anos de prejuízos Havia dois tipos de sistemas de dados visuais um baseado no telefone como o Prestei e o Telidon e outro baseado em radiodifusão como o Ceefax da BBC e o Oracle da IBA Os comitês consultivos da ITU escolheram videotexto como o nome genérico para todos eles O primeiro tipo que alardeava sua simpli cidade baseava a oferta de dados em provedores de informação que adquiriam páginas não havia editor central ou coordenador de conteúdo O papel dos correios era semelhante ao de um transmissor comum nesse e em outros aspectos houve amostras do que aconteceria com a Internet tanto na linguagem usada quanto nos procedimentos O primeiro problema que o método Prestel levanta para o provedor de informação assinalou um de seus administradores é como direcionar o usuário para a informação o mais rapidamente possível O administrador de uma com panhia de programas para a Internet poderia dizer a mesma coisa Contudo na época os provedores de informação atraídos pelos correios seguiam antigos para lelos Diziase que o Prestel potencialmente uma mídia de massa estava muito mais próximo das publicações impressas do que do rádio e da televisão Esse foi um dos supostos motivos por que os jornais entre eles o Financial Times e The Economist algumas vezes na defensiva decidiram se tornar provedores de infor mação Alguns se opunham A imprensa germânica em particular era bastante hostil ao sistema introduzido por seus correios em 1984 Dois pontos foram enfatizados por um dos primeiros provedores de infor mação na GrãBretanha havia 160 deles que não estava na defensiva e via novas oportunidades de negócios Primeiro não havia a tirania do horário de pico para transmissão o horário nobre tanto para o provedor de informação quanto para o CONVERGÊNCIA 297 usuário Segundo o usuário tinha de ser ativo A menos que ele tomasse as decisões e apertasse os botões de uma página de controle ela ficaria na tela para sempre O número de páginas de dados porém era estritamente limitado e exigiase muita iniciativa por parte do provedor de informação para introduzir gráficos simples assim como texto No Canadá o Telidon desenvolvido por especialistas ligados ao Centro de Pesquisas do Departamento Canadense de Comunicações demonstrava tal iniciativa pois atribuía grande importância à oferta de informação visual tanto quanto verbal Uma série diferente de aparelhos de videocomunicação que nada ficavam a dever aos correios ou aos governos foram o gravador de videocassete VCR e o videodisco logo seguidos pelos CDRoms As tecnologias eram distintas o video cassete logo estava empregando tecnologia a laser mas o uso de ambos levantou questões sobre direitos autorais e pirataria particularmente em relação à música que haviam sido debatidas anteriormente em um contexto social e econômico bastante diferente nos séculos XVIII e XIX Todos os aparelhos permitiam que se fizessem mudanças no tempo isto é as pessoas gravavam programas de televi são que poderiam ser vistos em horários diferentes dos transmitidos Contudo na prática o principal uso era passar filmes comerciais prégravados alugados ou comprados uma fonte de lucros para empresas de cinema principalmente para Hollywood Mais tarde desenvolveramse filmes especialmente produzidos para uso doméstico e eles acabaram se transformando em um modo de entretenimento público nos canais a cabo e nas redes As estatísticas eram surpreendentes Em 1985 nos Estados Unidos havia mais lojas de videocassete do que cinemas Entre 1980 e 1995 o número de VCRs nos Estados Unidos cresceu de 18 milhão para 86 milhões a mais impressionante de todas as estatísticas de mídia daqueles anos Setenta por cento das residências norteamericanas possuíam um aparelho de videocassete em 1990 Fora dos Esta dos Unidos a demanda britânica tinha crescido ainda mais rapidamente do que a norteamericana e fora da Europa 85 das casas da Arábia Saudita tinham VCR em 1985 Os VCRs residenciais começaram a ser postos à venda em 1972 depois de anos de testes com cassetes e discos à medida que empresas norteamericanas holandesas suecas e japonesas participavam de uma corrida para conquistar o novo mercado consumidor A Sony introduziu uma fita magnética nos cassetes em 1969 enquanto a RCA apesar da familiaridade com o uso de fita persistiu com discos até 1984 A Philips na Holanda preferiu a tecnologia do videodisco a laser em 1978 Nos Estados Unidos o primeiro videodisco estava à venda em tempo para o Natal de 1980 Os efeitos sociais da difusão do VCR receberam menos atenção do que a tecnologia havia uma batalha de padrões e a parte econômica que envolve ram pesados investimentos em pesquisa Como as fitas podiam ser alugadas e não 298 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA apenas compradas em muitos países as lojas de vídeo se tornaram mais numero sas e importantes nas cidades do que as livrarias Muitas lojas vendiam os dois produtos Havia também muitos agentes de notícias no ramo da locação de vídeo Grupos étnicos alguns muito distantes de sua terra natal agora tinham acesso a vídeos em suas próprias línguas Assistir a filmes em família podia dar vida nova ao lar No livro From Television to Home Computer publicado em 1979 Adrian Hope imaginava um dia quando a bem sortida casa do futuro se gabaria de ter um gravador de videocassete e um aparelho de disco a laser Acrescentava também que as felizes pessoas que os possuíssem deveriam conserválos para sempre mesmo quando se tornassem obsoletos Eles acabariam se tornando antigüida des valiosas como os fonógrafos originais de Edison Hollywood a princípio resistente ao gravador de vídeo como havia sido com a televisão lucrou enormemente com as vendas de fitas de vídeo E também a indústria musical com áudio e vídeo quando a música passou a ser ouvida e gravada O disco longplaying ele próprio saudado como grande invenção ao substituir os discos de 78 rotações tornouse tão obsoleto quanto a máquina de escrever A câmera de vídeo passou a fazer parte do equipamento da família O maior sucesso da chamada reviravolta do videocassete foi uma câmera da Sony de 1984 a pequena camcorder versão em TV da Polaroid E o dia da câmera digital ainda estava por chegar Houve uma invenção viável mas que não decolou o videofone mais vistoso que um telefone de voz A ATT começou a comercializar um picture phone telefone com imagem de base analógica na década de 1960 projetando ter um mercado de até 1 de todos os telefones instalados em domicílio na década de 1980 Bem antes disso porém ela decidiu interromper a fabricação A idéia nunca perdeu a atração e foi novamente levantada na década de 1990 quando de acordo com um estudo europeu realizado durante 18 meses em 199293 cobrindo a GrãBretanha a França a Alemanha a Holanda e a Noruega as ligações de video fone prodigamente anunciadas eram mais longas do que as dos telefones e freqüentemente necessitavam de banda dez vezes mais larga Os videofones eram muito mais caros do que os telefones celulares a quali dade não era confiável e havia claramente um mercado limitado para eles e tam bém para videoconferências Em janeiro de 1994 a ImagiNation empresa asso ciada à ATT e à Sierra OnLine registrou 40 mil residências que pagavam assinaturas mensais de mais de 400 mil libras Foram previstos quiosques fonos cópicos embora eles certamente precisassem de um nome diferente para se po pularizar como aconteceu com os bares e cafés da Internet Com um olhar retrospectivo foram os técnicos em comunicação voltados para a mobilidade que mais anteciparam o que viria a acontecer incluindo câme ras digitais logo adicionadas a seu repertório com o grande futuro do telefone móvel propiciando usos na época ainda não previstos A banda de radiocidadão CONVERGÊNCIA 299 tinha aberto o caminho com navegadores e caçadores seguindo o rastro dos motoristas de caminhões O primeiro sistema de telefone móvel foi licenciado nos Estados Unidos em 1983 dez anos após a instalação da faixa cidadão no rastro da crise do petróleo e a conseqüente redução do limite de velocidade nas estradas norteamericanas Apesar da fraca recepção havia um milhão de telefones celula res em uso no país em 1989 A grande explosão de venda veio mais tarde Apesar da recepção freqüentemente insatisfatória e da falta de privacidade alguns usuá rios não se preocupavam com isso ou eram muito exibicionistas ao fazer as cha madas os números continuaram a crescer na Europa e na Ásia tanto quanto nos Estados Unidos Assim em 1996 havia mais de seis milhões de celulares na GrãBretanha e quatro anos mais tarde entre abril e junho de 2000 foram ven didos mais de três milhões e meio de aparelhos um a cada dois segundos Esse fenômeno de distribuição inspirou a manchete do Times Metade do país está loucamente móvel Um comentarista diferente do Times preferiu descrever o que estava aconte cendo como um caso de amor à mobilidade A GrãBretanha estava agora na frente dos Estados Unidos onde sempre houve mais telefones residenciais e dentro da Europa a Finlândia e a Itália ultrapassaram a GrãBretanha No Japão onde houve uma enorme divulgação do celular depois de 1996 o grupo principal de compradores tinha entre 20 e 24 anos de idade e usava o telefone principalmen te para se manter em contato com pequenos grupos de amigos descritos como colegas celulares O mercado expandido com a ajuda de publicidade maciça foi construído com base em um único serviço a comunicação de voz mas havia a promessa implícita de que isso logo iria mudar O protocolo de solicitação de aparelhos sem fio WAP traduziria dados móveis e multimídia em importantes receitas para as companhias Já havia serviços novos como o fornecimento do pequeno serviço de mensa gens julgado passageiro uma palavra antiga na história da tecnologia do rádio Logo se tornaram algo diferente Naquilo que foi tratado como novidade tam bém uma palavra antiga na história da tecnologia os adolescentes foram fisga dos pelo envio de mensagens Cerca de 400 mensagens foram transmitidas so mente na GrãBretanha em março de 2000 Em março de 2001 o Sunday Times descreveu com fotografias uma adolescente que enviava mais de mil mensagens de texto por mês Essas mensagens que não podiam ter mais de 160 caracteres incluíam vários símbolos e emoticoms A gramática e a ortografia eram total mente irrelevantes Ao descrever o fenômeno as finanças roubavam muitas das manchetes mas algumas delas e também algumas transmissões mencionaram os possíveis efei tos colaterais da nova tecnologia Haveria um risco para a saúde nas ondas de rádio próximas ao ouvido Deveriam as crianças usar celulares Poderiam as companhias erigir torres transmissoras sem permissão Deveriam os usuários ser 300 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA controlados nas ferrovias como eram nos aviões Em todos os países os não usuários se queixavam As colunas de correspondência dos jornais serviram como um local regular para reclamações Da mesma forma os programas de rádio em que os ouvintes participam por telefone passaram a integrar um importante com ponente da programação Especialistas diferentes encorajavam os questionado res e talvez com menor freqüência os questionados A Internet Em 1991o livro Technology 2001 The Future of Computing and Communications escrito por figuras de destaque em computação e publicado pelo MIT não fazia referências à Internet Nem as palavras World Wide Web ou ciberespaço figuravam no índice No entanto no mesmo ano David Gelernter publicou um livro para técnicos Mirror Worlds uma pesquisa fascinante na qual ele previa a Web sem usar a palavra E no final da década de 1990 EM Noam então diretor do Instituto para Teleinformação da Universidade de Colúmbia afirmou que quando for escrita a história da mídia do século XX a Internet será vista como sua maior contribuição O grande avanço aconteceu entre setembro de 1993 e março de 1994 quan do uma rede até então dedicada à pesquisa acadêmica se tornou a rede das redes aberta a todos A rede era frouxa e não tinha proprietário embora dependesse das agências de comunicação No mesmo período o acesso público a um progra ma de navegação Mosaico descrito na seção de negócios do New York Times de dezembro de 1993 como a primeira janela para o ciberespaço tornou possível atrair usuários na época chamados adaptadores e provedores os pionei ros em programas cujas origens já foram descritas Em um período de aceleração da tecnologia de comunicação a Internet desafiou previsões e trouxe consigo muitas surpresas Mais fenômeno que fatos diziase tal como ocorrera com os telefones celulares Também se declarava que ela era o equivalente nas comunicações à fronteira desbravada no Oeste Rapi damente deixou para trás a física e desenvolveu uma psicologia própria como havia feito o desbravamento da fronteira e o que veio a ser chamado de sua eco logia palavra nova nos estudos de comunicação De forma mais auspiciosa em 1997 começou a ser tratada como paradigma palavra que já estivera na moda Contudo suas origens estavam na física e nas políticas de defesa durante o perío do da Guerra Fria uma geração antes Ela foi inicialmente estabelecida em 1968 69 com o indispensável apoio financeiro do governo norteamericano por meio da Arpa Administração dos Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos fundado em 1957 como parte da resposta do governo ao Sputnik CONVERGÊNCIA 301 No início tratavase de uma rede limitada Arpanet compartilhando infor mação entre universidades hitec outra palavra nova e outros institutos de pesquisa em 1975 havia dois mil usuários Graças ao tipo de informação que estava sendo compartilhada um elemento essencial de sua razão de ser era que a rede pudesse sobreviver à retirada ou destruição de qualquer computador ligado a ela e na realidade até à destruição nuclear de toda a infraestrutura de co municações infraestrutura era outra palavra nova Essa era a visão do Pentá gono A visão das universidades era que a Net oferecia acesso livre aos usuários professores e pesquisadores e que eram eles comunicadores Qualquer que fosse a posição vantajosa de cima ou de baixo era de importân cia crucial tanto de imediato quanto a longo prazo que a arquitetura do sistema termo empregado com freqüência diferisse daquela construída para a rede telefô nica Os responsáveis pelo sistema se orgulhavam disso Qualquer computador podia se ligar à Net de qualquer lugar e a informação era trocada imediatamente em fatias dentro de pacotes O sistema de envio quebrava a informação em peças codificadas e o sistema receptor juntavaa novamente depois de ter viajado até seu destino Esse foi o primeiro sistema de dados empacotados da história A idéia da quebra de mensagens em pacotes de informação blocos de mensagens estava nas mentes dos pesquisadores de computação desde meados da década de 1960 entre eles Donald Watt Davies do Laboratório Nacional de Física da GrãBretanha que usou a expressão transferência de pacote Ele verifi cou também que para colocar em rede computadores com faces diferentes e linguagens distintas era necessário utilizar microcomputadores para agir como interfaces conhecidas nos Estados Unidos como IMPs processadores de mensa gens de interface O primeiro deles chegou ao campus da Universidade da Califór nia em Los Angeles em janeiro de 1969 quando Leonard Kleinrock os instalou e usou em seu laboratório em dois anos a Arpanet era totalmente operacional As mensagens de email eram a base da comunicação e nem todas tratavam de assun tos de defesa Já então muitas convenções da futura Internet encontravamse estabelecidas Assim o sinal no endereço se tornou rotina Em 1986 foram introduzidas as novas abreviações de com para comercial mil para militar e e para educacional O valor da Net fora das universidades e das unidades militares dependia da ampliação da consciência de suas possibilidades comerciais O primeiro provedor de serviços comerciais online o CompuServe começou a operar em 1979 no início servindo ao que foi chamado de um clube privado em parte propriedade do grupo TimeWarner Seguiuse um rival de peso a American Online ligada a grupos alemães e franceses Também houve um terceiro o Prodigy Os três rivais alertas tinham um conjunto de assinantes em 1993 que havia duplicado em dois anos até os 35 milhões Graças a essa força é possível traçar pelo menos em retrospecto o que parece ser uma seqüência lógica na complexa história da Inter 302 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA net tal como aconteceu em vários ramos da história das comunicações uma nova fase se abriu quando a Net atraiu interesses comerciais e seu uso se ampliou Nesse período a ecologia de uma rede mundial World Wide Web www tinha se alterado não de uma base nos Estados Unidos mas a partir do CERN um instituto europeu de pesquisas de física de partículas instalado nas montanhas da Suíça onde um inglês Tim BernersLee imaginou o que chamou de World Wide Web em 1989 Suponha que eu tenha a possibilidade de programar meu compu tador para criar um espaço em que tudo possa ser ligado a tudo especulava ele Suponha que toda a informação arquivada nos computadores de todos os lugares estivesse interligada Essa hipótese era notável mas não fazia parte do que a Arpa ou o CSNET ou o NSFNET tinham em mente na realidade nem mesmo os fabri cantes de computadores individuais pessoais ou de outra espécie BernersLee não sabia então que Vannevar Bush pesquisador do MIT presente na história inicial dos computadores e exdiretor do Departamento NorteAmericano de Desenvolvimento de Pesquisa Científica durante a Segunda Guerra Mundial ha via feito observações similares em um artigo da revista Atlantic Monthly em 1945 quando projetou uma máquina fotomecânica chamada Memex Para BernersLee tecer a rede o verbo e o substantivo de Thomas Hardy ver p265 não era inicialmente uma tarefa lucrativa ou de alta segurança mas um meio de ampliar oportunidades Ele desejava conservar a Web sem proprietá rios aberta e livre Contudo como os empreendedores norteamericanos que de senvolveram a Internet buscavam lucro em sua autobiografia fez uma breve referência a Vint Cerf e Bob Kaban ele era movido por uma crença firme no seu potencial global de uso ela podia e devia ser world wide O desenvolvimento de hiperlinks o destaque de palavras ou símbolos dentro de documentos clicando sobre eles isso era a chave de todo o progresso futuro A revista Time que o saudou como o único pai da Web chamou suas realizações de quase gutenberguianas BernersLee tinha tomado um sistema de comunicações poderoso que somente a elite poderia usar e transformarao em meio de comunicação de massa Nem todos queriam convertêla nisso Para alguns usuários pioneiros da Arpanet ou da CSNET a palavra massa carregava consigo as mesmas conotações que levava quando ligada à radiodifusão Quanto mais usuários da Internet hou vesse mais terreno inútil existiria No entanto esses críticos eram minoria e havia muito mais sinais de euforia do que de alarme A maioria dos primeiros provedo res de software considerava que a Internet liberava e dava poder aos indivíduos oferecendo vantagens sem precedentes à sociedade Também pensavam assim os entusiastas de uma Internet sem controle William Winston em sua obra Twilight of Sovereignity 1995 argumentava com mais confiança que com a convergência tecnológica alcançaríamos maior liberdade humana mais poder para o povo e mais cooperação internacional Neil Postman nos Estados Unidos cunhou o termo tecnopólio para descrever o que chamou de rendição da cultura diante da tecnologia CONVERGÊNCIA 303 Havia abordagens muito contrastantes sobre o futuro da Internet Assim como nas ferrovias ela reuniria estranhos você nunca sabia quem iria encontrar Semelhante à mídia e pela mídia ela oferecia informação entretenimento e educação Ao contrário de tudo isso porém cresceria a partir de baixo sem direcio namento por parte do governo Isso era um atrativo mesmo para os críticos Mas poderia a Internet continuar assim Para Benjamin Parker escritor norteamerica no com uma autodeclarada paixão pela democracia estavam surgindo novos titãs das telecomunicações ansiosos para exercer controle monopolístico não somente sobre bens materiais como carvão petróleo aço e ferrovias mas sobre os instru mentos essenciais de poder de uma civilização baseada em informação Um dos principais usos da Internet como tinha sido para a Arpanet era o envio de mensagens de correio eletrônico em linguagem real sendo a maioria delas de pessoa a pessoa Esse uso foi objeto de um número do New Yorker A idade digital em dezembro de 1999 que também continha um artigo intitulado Carros inteligentes tecnologia em movimento Havia imaginação mas não fan tasia na abordagem adotada pelo artigo não exatamente porque o escritor descre via o correio eletrônico como o retorno da palavra depois de uma longa idade visual mas porque sugeria que o email reacionário não voltava no tempo Ele olhava para trás para Swift Pope e lorde Chesterfield cada um deles contempla do com uma página da Web Eliminando a imaginação o email tinha óbvia im portância para as famílias principalmente no caso de pessoas distantes umas das outras pois ajudava bem mais a reunilas do que os correios E o email fez isso em uma época na qual apareciam reclamações sobre o impacto do vício da Internet na família uma verdadeira doença mental da qual sofriam em particular inte grantes mais jovens O rápido crescimento da rede encobre muitos outros aspectos da história da mídia Em março de 1996 houve um grande evento simbólico para o presidente Clinton e o vicepresidente Al Gore quando se uniram a outras autoridades inclusive o presidente da FCC os republicanos liderados por Newt Gingrich haviam tentado abolir a comissão para inaugurar a ligação de telefones fixos das salas de aula da Califórnia com a Internet O presidente prometeu que todas as salas de aula norteamericanas estariam conectadas no próximo século pela Infra Estrutura Nacional de Informação NII Isso se deu em uma época na qual o secretário de Educação de Clinton descreveu a Internet tratada na seção anterior deste capítulo como o quadronegro do futuro O entretenimento não foi men cionado na ocasião Nem a televisão Tampouco a politica embora fossem neces sárias intricadas habilidades políticas e a ameaça do veto presidencial para assegu rar a aprovação sob a forma de compromisso da lei da reforma das telecomuni cações As tentativas anteriores de atualizar a lei de 1934 fracassaram e a nova lei tinha a finalidade dupla de desregulamentar e abrir a competição e estimular os novos investimentos Com efeito a nova lei somava a confusão dessa regulamen tação com algo de competição 304 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA IA A conexão das salas de aula à Internet foi uma ocasião simbólica e as metá foras usadas para isso eram sagazes como a da rodovia aprovada por Bill Clin ton e Al Gore No final dos anos 1990 a metáfora era usada com menor freqüência pela mídia do que no início dessa década Palavras de origem e circulação no meio epalavras como ecommerce se tornaram mais elegantes a maioria mais voltada para o mundo dos negócios que para o universo da educação O ecom merce era visto como o auge da revolução do consumo um paraíso do comprador que nas palavras de Bill Gates no livro The Way Ahead 1995 faria com que todas as mercadorias do mundo possam estar disponíveis para serem examina das comparadas e muitas vezes feitas sob medida Porém o que Gates estava realmente dizendo e fazendo com a tecnologia podia ser visto como o ápice de uma revolução mais antiga na produção Numa perspectiva histórica teríamos de nos voltar como nos capítulos anteriores deste livro para Boulton e Watt O próprio Gates falava uma linguagem diferente Via as máquinas como libertadoras permitindo que seus colegas se dedicassem a tarefas criativas Usava parte substancial da imensa fortuna que ganhava para financiar projetos educa cionais Enquanto isso a Microsoft e suas patentes raramente ficava fora do noticiário antes e depois da passagem do milênio Tampouco a Internet que em menos de dez anos viveu um boom excepcional e uma dramática queda Um dos primeiros colapsos foi o da empresa sueca Boocom no verão de 2000 seguido de uma notável diminuição no valor das ações da Amazon uma das empresas mais conhecidas na Internet que negocia com livros ela perdeu um quinto de seu valor na Wall Street em um dia Corretores esperam a ressaca da Amazon dizia uma manchete de jornal Em contraste saiu em manchete em julho de 2001 Amazon bate as expectativas e fecha em alta O mesmo aconteceu com a AOL e a TimeWar ner Em um guia da economy em abril de 2000 The Economist falava não em flutuações mas em rodopios O destino dos cibermilionários uma plutocraciacom ombreavase com o das outras celebridades quando durante as enganadoras oscilações dos preços em Wall Street e as trocas mundiais de estoque ficaram mais radicalmente expos tos às subidas e descidas das ações hightech da Nasdaq que começou a ser classi ficado como grupo distinto nos Estados Unidos em 1993 Mas a economia por trás da tecnologia da Internet era apenas uma dimensão do debate A política da leveza freqüentemente captava as atenções da mesma forma que as manobras e os escândalos políticos Assim em seu livro Communi cation and Control 1991 Geoffrey Mulgan tendo examinado o que chamou de a trama do mundo das redes considerava as técnicas de saturação o controle da rotatividade das notícias os vazamentos anônimos e as mentiras sem resposta tudo parte do processo de mediação e todos se desenvolvendo juntamente com as tecnologias que lhes servem de suporte De modo significativo o papel da imprensa nesses processos recebeu mais atenção crítica durante a década de 1990 CONVERGÊNCIA 305 em ambos os lados do Atlântico do que o papel de outras mídias e das tecnologias novas em que se baseavam na realidade mais do que o impacto da Internet sobre os jornalistas e o jornalismo Somente por essas razões deixando de lado todas as questões de promoção o período mais recente da história social da mídia não pode tratar a Internet como o clímax Foi um período como tantos outros que teve diversos caminhos Por essa razão o último capítulo deste livro que abarca o período de 2000 a 2004 recebeu o título de Multimídia Em uma sociedade multimídia o que se mostrava mais alarmante para a maio ria dos contemporâneos não era o tecnopólio mas a ascensão do que o crítico norteamericano David Halberstam chamou de o surgimento de uma cultura de alegação e afirmação à custa de uma cultura mais antiga de verificação foi um tópico que despertou preocupações em ambos os lados do Atlântico Ele escrevia a introdução para um estudo norteamericano denominado Warp Speed 1999 que incluía entre seus capítulos títulos como O surgimento da fonte anônima Sem guardacancelas aqui e A cultura da argumentação Os autores Bill Kovach e Tom Rosenstiel citaram um comentário de Lipmann de 1920 Tanto a razão pública quanto a privada dependem da importância de se ter um relato preciso e confiável dos eventos Não é o que se diz nem o que se deseja mas o que é independentemente de nossa opinião que se constitui a pedra de toque da sanidade Habermas concordaria Conclusões Tais julgamentos como a condenação da imprensa por se basear em fontes políti cas anônimas ou dos produtores de televisão por deixarem de apresentar notí cias duras ou da Internet por apresentar lixo incluindo pornografia em vez de facilitar a troca de idéias devem ser colocados em contexto histórico Portanto como conclusão vale a pena voltar ao começo aos últimos anos do século XX a época da então familiar trindade constituída por informação educação e entrete nimento A informação suscitava as antigas questões com uma discussão permanente sobre eventos particulares assim como a respeito da economia da informação e da sociedade da informação Porém um livro publicado em 2000 The social information atraiu a atenção pelo fato de que um de seus autores John Seely Brown trabalhara como cientistachefe da Xerox Corporation e Diretor da Parc Sua argumentação de que o abismo entre o hype na tecnologia de comunicações e o desânimo do usuário final deveuse em grande medida à visão de saída do túnel que se tinha a respeito das tecnologias orientadas para a informação Esses eventos específicos alguns deles dramáticos incluíram a queda do Muro na Alemanha em 1989 e o colapso da União Soviética a Praça da Paz 306 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Celestial a derrubada de Ceaucescu na Romênia o Irangate a Guerra do Golfo o bombardeio da Líbia pelos Estados Unidos a desintegração da Iugoslávia a Bósnia e o ataque da Otan à Sérvia e a queda de Milosevic mais tarde julgado em Haia como criminoso de guerra foram depois relatados e interpretados de maneiras diversas por historiadores a maioria deles inspirada na descrição dos eventos por parte dos jornalistas Então e desde então independentemente da tecnologia que tornou possível trazer as palavras e ainda mais importante as imagens para dentro de casa parecia estar ameaçada a veracidade como valor necessário por trás do jornalismo na imprensa escrita e na televisão e não pela primeira vez na história Tanto os eventos quanto os assuntos eram por vezes secretamente transformados em tragédias com a introdução de elementos faccionais As linhas divisórias entre informação entretenimento e educação estavam por conseguinte mais embaçadas do que anteriormente Na década seguinte à retirada norteamericana do Vietnã com o desenvolvi mento da comunicação por computador e satélite um fator tecnológico as notícias viajavam muito mais rapidamente que antes e a atuação da CNN global de Ted Turner na Guerra do Golfo chamou a atenção mundial Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1990 a CNN tinha menos de um milhão de teles pectadores Na época em que os aliados bombardeavam Bagdá toda noite em 1991 ela tinha cerca de sete milhões de espectadores O Pentágono procurava controlar as notícias usando videoteipes e relatos regulares e em certo sentido teve sucesso a cobertura porém era acompanhada por Margaret Thatcher Bóris Yeltsin e o coronel Kadafi assim como pelo primeiro presidente George Bush e Saddam Hussein Havia um sentimento de proximidade mas com a ajuda de videocassetes os telespectadores podiam assistir ao que estava acontecendo quan do queriam fora do tempo real Havia realimentação também A CNN tinha o correio do ódio Peter Arnett fazendo reportagens do território inimigo de Bagdá era para muitos um vilão A vitória contra Saddam seria descrita como vã mas a mídia tinha conseguido sua vitória particular Numa nova performan ce em 2003 o papel da mídia seria muito diferente Dado o registro da informação apresentada por vezes deturpada por vezes ultrapassada durante a última década do século XX o que dizer da edu cação e do entretenimento nesses anos multimídia em que a propriedade dos veículos impressos e eletrônicos com freqüência encontravase nas mãos das mes mas pessoas A educação esteve em geral submetida a um exame minucioso o entretenimento dominava as estratégias de planejamento O tempo todo o entre tenimento foi o principal fator da mídia visual embora a oferta de notícias sempre figurasse em destaque no planejamento estratégico da BBC no Reino Unido e a CNN não o incluísse como tal em suas avaliações Parecia haver sempre oportunidades educacionais únicas na convergência digital apesar dos temores em todas as sociedades e culturas das defasagens CONVERGÊNCIA 307 Figura 28a A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Alunos da Escola Wembley ouvem uma transmissão de rádio em 1933 digitais internas ou internacionais As brechas entre aqueles que conheciam a nova tecnologia e os que não a conheciam nunca seriam superadas Quando o Estado escolheu intervir diretamente durante as décadas de 1950 e 1960 para ampliar o acesso à melhor educação no interesse como viam seus líderes não somente dos indivíduos mas das sociedades a intervenção coincidiu com a emergência da televisão A palavra convergência foi usada então no sentido de esperança o mesmo tipo de esperança que tinha sido evidente nos primeiros dias do rádio Também houve uma mudança correlata e encorajadora na linguagem ao mesmo tempo que a palavra aprendizado começou a ser mais usada generica mente algumas vezes mas nunca universalmente no lugar da palavra ensino ou que a palavra conhecimento Como parte da mudança expressões como aprender a aprender e educação continuada começaram a ser levadas a sério Falouse até de uma sociedade de aprendizagem expressão utilizada pelo segundo reitor da nova universidade das Nações Unidas o indonésio Soejatmoko que con vidou Edi Ploman ver p256 a Tóquio para se juntar à sua equipe como vice reitor e responsável por uma nova divisão de conhecimento A expressão sociedade de aprendizagem seria posteriormente usada no título de um estudo oficial produzido pela Comunidade Européia em 1995 Figura 28a 308 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MiDIA Figura 28b A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Walter Perry vicereitor da Universidade Aberta da GrãBretanha na inauguração da primeira produção de estúdio BBC em Alexandra Palace 1970 CONVERGÊNCIA 309 A Universidade Aberta da GrãBretanha planejada meticulosamente e com imaginação durante a década de 1960 foi pioneira em recrutar estudantes para aprendizado a longa distância no primeiro exemplo da iniciativa política do pri meiroministro britânico Harold Wilson que estava determinado a ampliar o acesso à educação superior e também a empregar novas tecnologias ele foi o pri meiro político a falar de uma revolução tecnológica importante por estar total mente consciente de que ela estava acontecendo fora da GrãBretanha Nenhuma qualificação formal era pedida para quem entrasse na Universidade Aberta Nas palavras de seu primeiro reitor Geoffrey Crowther exeditor do The Economist que deu boa acolhida à iniciativa de Wilson ela era aberta a estudantes idéias e métodos A universidade matriculou sua primeira turma de graduação em 1971 e seu aluno de número cem mil graduouse em 1989 Ela estendeu enormemente seu trabalho sem diploma durante a década de 1980 e sua área de atuação durante a década de 1990 estabelecendo mesmo uma filial nos Estados Unidos em 1999 Figura 28b O aprendizado a distância tinha sido lançado antes de 1971 no Canadá na Austrália e na Nova Zelândia e em 1989 foi criada uma Comunidade de Apren dizado com escritório central em Vancouver para fomentar a canalização de recursos para projetos e programas de educação a distância nos países da Comu nidade O relatório que levou a seu estabelecimento foi encomendado pelo secre táriogeral da Comunidade o caribenho Sonny Ramphal seu primeiro dirigen te James Maraj também era caribenho Os recursos financeiros eram restritos mas o empreendimento tinha escala global Na época surgiram outras universida des abertas entre elas a Universidade Aberta Nacional Indira Gandhi na Índia em 1985 e a Universidade Aberta de Israel junto com as chamadas megauniversida des abertas na Tailândia e na China com imenso número de alunos No Japão a Universidade do Ar fundada em 1984 e modelada como Universidade Aberta usou o segundo canal educativo NHK Nesse processo havia mais do que institu cionalização havia uma mudança significativa de percepção As próprias univer sidades tradicionais começaram a oferecer cursos a distância sob o termo ex tensão Algumas também mudaram suas formas de ensinar nos próprios campi em resposta ao crescimento do número de alunos fenômeno generalizado Com a chegada da Internet aumentaram as possibilidades de aprendizado continuado formal e informalmente sempre que a experiência ou a expectativa requisitassem Sustentouse que a World Wide Web se o acesso fosse aberto serviria para muitos como uma universidade sem paredes e até eliminaria as salas de aula Todavia na publicação de 1995 da Comunidade Européia distribuí da na véspera do Ano de Aprendizado Continuado na Europa assim como nos governos membros da Comunidade principalmente a GrãBretanha as tecnologias da sociedade da informação foram consideradas mais por seus efeitos no local de trabalho que por seu impacto sobre as salas de aula ou as universidades 310 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA do que sobre os locais de trabalho Nesse ínterim a Cisco Systems uma das companhias mais eficientes da Internet fundada em 1984 por um grupo de cien tistas da computação da Universidade Stanford profundamente envolvida em educação e trabalhando com hardware software e serviços estava procurando com a mesma ênfase ajudar a mudar o modo como trabalhamos vivemos nos divertimos e aprendemos John Chambers em suas estratégias também valori zava a necessidade de trabalhar por intermédio de outras instituições educacio nais e não contra elas Um estudioso especializado em Internet não diretamente envolvido como Chambers nos negócios usou linguagem diferente e voluntariamente provoca dora Quando David Gelernter publicou Mirror Worlds prevendo a rede em 1991 ver p300 uma foto dele apareceu na primeira página da seção de negócios do New York Times em 1992 Infelizmente em junho de 1993 ele foi ferido com gravidade em um atentado terrorista Assim The Second Coming foi um título apropriado para seu manifesto publicado em 2000 embora se referisse a compu tadores e não a ele mesmo Gelernter argumentava que enquanto na primeira era dos computadores os principais temas tinham sido o poder crescente a queda de preços e computadores para todos o tema da segunda idade que agora se aproxi mava seria a computação transcende os computadores Nessa segunda idade toda sua vida eletrônica seria compartilhada em um cibercorpo As linguagens da publicidade e da educação podem convergir como o fize ram em um texto enviado à imprensa anunciando a publicação por Eurídice a rede de informação sobre educação da Comissão Européia de Duas décadas de reforma na educação superior na Europa 2000 O texto foi intitulado A conver gência nos sistemas de educação superior europeus vistos à luz dos fatos Em contraste Gelernter parecia interessado mais em metáforas que em fatos Para ele a imagem da área de trabalho estava errada baseada na falsa analogia entre computadores e arquivos sobre ou sob a mesa Os computadores eram funda mentalmente diferentes de arquivos porque podiam levar à ação em qualquer nível Eles criaram uma torrente de vida numa paisagem em que se podia navegar ou voar em qualquer nível Sobrevoar expressão vinda da aviação era uma metáfora aérea muito diferente de decolar A paisagem que se sobrevoava ou na qual se descia era o ciberespaço palavra usada pela primeira vez pelo escritor de ficção científica de vanguarda William Gibson que divisou um cibermundo no qual os telefones de todo o planeta estavam sob o controle de Matrix a soma interconectada de todas as redes de computadores do mundo Ao descrever sobre o porto que então sobrevoava em seu Especial de Ficção Científica da Nova Era intitulado Neuromancer 1984 ele apresentou a imagem poderosa de um céu da cor de um aparelho de TV sintonizado num canal inati vo Mas a televisão não morreu no começo do século XXI e há poucos canais CONVERGÊNCIA 311 inativos Na verdade ela continuou a ser um veículo popular poderoso do mes mo modo que a imprensa escrita num ambiente multimídia O próprio Gibson examinando em retrospecto seus primeiros textos de 20 anos atrás valorizava muito isso Em 2000 escreveu o prefácio da coletânea de textos históricos de Randall Packer e Ken Jordan intitulada Multimedia From Wagner to Virtual Reality na qual descreveu a cibernética desigualmente emergente da década de 1980 e seu papel de meninoprodígio ao ajudar a criála Seu entusiasmo pela multimídia do século XXI baseavase na crença de que ela não era uma inven ção mas a permanente descoberta do modo como a mente e o universo que ela imagina se ajustam e interagem CAPITULO 7 Multimídia Os três últimos capítulos se estenderam de forma resumida e seletiva por um território muitas vezes não mapeado Eles sugerem que embora as novidades acerca dos desenvolvimentos recentes em comunicação sobretudo os tecnológi cos possam ser superestimadas e apesar das coincidências e convergências não houve um caminho único Afixar rótulos como era da televisão ou era digital aos fenômenos do passado e do presente pode ser revelador e útil tal como foi escrever sobre a era da radiodifusão nas décadas de 1920 e 1930 Mas na realida de nos diz mais sobre as percepções que sobre os fatos Nas décadas de 1980 e 1990 parecia haver maior complexidade outra das nossas palavraschave Era difícil não apenas entender as implicações políticas econômicas e sociais das novas tecnologias mas também opinar sobre como em sua presença escapar dos labirintos morais associados aos antigos problemas centrados na liberdade e na responsabilidade assim como aos novos problemas relacionados aos direitos humanos Qual seria o papel da lei Será que por exemplo se deveria proibir as crianças de assistir a programas prejudiciais Um cientista canadense inventou um Vchip em meados da década de 1990 para os pais bloquearem os programas assim considerados e em 1996 o Congresso dos Estados Unidos aprovou a lei do decoro nas comunicações posteriormente declarada ilegal pela Suprema Corte para colocar esse chip em uso Essa foi uma manifestação dos dilemas que a televisão traz para o lar A Internet tornou as coisas mais complexas Será que devemos aplicar a ela as regras diferentes daquelas que valem para os veículos mais antigos A pornografia deveria ser proibida por lei Pode ser mais difícil manter a vigilância sobre ela mas sem dúvida serão descobertos alguns dispositivos para controlar as novas tecnologias No ano 2000 o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma legislação pela qual as bibliotecas são obrigadas a instalar sistemas de filtragem como condição para obter erates favoráveis a conexões na Internet Foi uma regulamentação na era da desregulamentação Implementada por Bill Clinton a iniciativa erate tem como objetivo a concessão de subsídios do governo para conectar as escolas públicas e bibliotecas de áreas carentes à Internet NT 312 MULTIMÍDIA 313 Com maior freqüência contudo nos Estados Unidos e em vários outros países porém não na Índia na China ou em Cingapura a autoregulamenta ção termo controverso foi aplicada aos novos veículos tal como acontecera na GrãBretanha em relação à imprensa Em 1999 os australianos aprovaram a lei dos serviços online que se refere não somente a matérias proibidas mas tam bém inadequadas e ofensivas Porém ficou a cargo da autoridade específica relativa à radiodifusão negociar um código de conduta industrial para o material produzido no país A década de 1990 foi um período em que se romperam as fronteiras entre os meios antigos e novos no interior de cada meio entre a mídia experimental e a já estabelecida os limites se embaçaram da mesma forma que as linhas divisórias que separavam as estratégias de mídia nacionais dos problemas e oportunidades globais As decisões nacionais tinham implicações globais e viceversa O termo gap digital não foi cunhado para descrever um abismo entre os países mas dentro deles Na cultura as fronteiras entre o alto e o baixo nível entre as histórias em quadrinhos ou as histórias ilustradas vinham sendo rompidas há décadas O mesmo ocorreu com os limites entre disciplinas história sociologia antropologia psicologia economia e direito por exemplo e entre o que é ficção e crítica literária e de cinema principalmente quanto à ficção científica No com portamento a distinção entre hábito e aquisição se tornou confusa E também em muitas partes do planeta no interior das culturas das drogas termo que permanece em uso no século XXI esmaeceu o limiar entre a alucinação e as psicoses Timothy Leary guru das drogas na década de 1960 escreveu 20 anos depois que os computadores viciam mais que a heroína Vinte anos mais tarde aliás o crime por computador por vezes mas nem sempre altamente sofisti cado era tão divulgado quanto as formas mais antigas de delitos O romancista norteamericano William Burroughs que Gibson reconheceu como um de seus predecessores aplicou a palavra vírus à mídia o que já havia sido assunto no cinema antes de ela começar a ser usada por tecnólogos e jornalistas com relação aos computadores Também houve referências entre mí dias Quando um vírus de computador da vida real foi descrito na imprensa em tempo real em 1988 tanto o jornal New York Times quanto a revista Time usaram uma tira de histórias em quadrinhos para ilustrar o que foi relatado como infecção viral e a Time acrescentava uma referência mais antiga com o título vampiro de dados Cada vírus tinha sua própria assinatura e embora fosse possível proteger o equipamento com um programa antivírus não havia garantia total contra a infec ção Os paralelos com a saúde pareciam pertinentes talvez apenas porque houves se uma preocupação crescente durante esses anos tanto na mídia quanto entre os políticos com a saúde privada e pública esta última redefinida para englobar a proibição do fumo e as defesas contra a obesidade embora a alma assim como o corpo também possa fornecer imagens interessantes O chamado love bug 314 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA foi amplamente noticiado porque parecia ter origem nas Filipinas e não nos Estados Unidos Era realmente global como o conhecido bug do milênio cujo medo foi afastado com altos custos O novo milênio Desde a década de 1960 quando uma série de comentaristas incluindo os chama dos futurólogos procurava antecipar em suas análises e previsões o que seria o ano 2000 muito se escreveu sobre o fim do antigo milênio e o começo do novo Ironicamente porém quando ele chegou em meio às comemorações havia menos a falar sobre o futuro que nas décadas de 1960 e 1970 Foi o presente contudo que assomou e o ano acabou com fogos de artifício e o desperdício no papel de entretenimento em todas as capitais do mundo sua escala e impacto foram comparados na imprensa e foi isso o que as manchetes apresentaram mais que os balanços de perdas e ganhos do século anterior e as previsões para o novo milênio Na maioria dos países ou mesmo em Nova York dedicouse relativamen te pouca atenção à Cúpula do Milênio realizada nas Nações Unidas em setembro de 2000 quando 150 chefes de Estado estiveram presentes e se estabeleceu uma série de objetivos para o milênio Jonathan Sacks rabinochefe da GrãBretanha que se encontrava na reunião observou que grandes multidões se formaram no centro de Manhattan não para ver os líderes políticos ou religiosos a caminho do prédio das Nações Unidas mas para dar uma olhada nas celebridades reunidas para o MTV Video Awards A empresa de televisão MTV dedicavase apenas ao entretenimento Para dois jornalistas norteamericanos que escreviam sobre a campanha presidencial nos Estados Unidos em 2000 as realidades dominantes do presente eram a apatia dos cidadãos os mergulhos em parafuso e políticos e repórteres em diálogos dúbios Quando a eleição terminou tanto políticos quanto jornalis tas estavam em baixa Para uma jornalista Elizabeth Weise os concorrentes ainda não estavam na Net A tecnologia ela própria sujeita à crítica era canhestra as bases de dados algumas vezes deixavam de cobrir informações cruciais e os sites eram tediosos Na GrãBretanha o Domo do Milênio construído no East End de Londres foi tema de permanente controvérsia na mídia antes e depois da virada do milê nio embora o projeto tivesse angariado o apoio de governos conservadores e trabalhistas Ele atraiu menos visitantes do que se esperava embora estes ficassem impressionados com a sofisticada diversão acrobática e com as partes do Domo dedicadas à educação e aos transportes O mais duradouro de uma ampla gama de projetos referentes ao milênio grande parte de âmbito local foi uma cadeia de novas estações de metrô entre Westminster e Greenwich A BBC tentou ampliar a M U L T I M í D I A 3 1 5 agenda do milênio Abriu o site BBC History 2000 fornecendo um guia para a história britânica com material visual e de áudio incluindo modelos em 3D em conjunto com uma ambiciosa história oral a primeira vez que isso foi possível The Century Speaks A religião desempenhou nas comemorações um papel menos relevante que aquele que tivera na celebração do centenário em 1900 No Domo foi difícil financiar a zona espiritual nome derivado da Internet uma das 14 áreas em que se dividia a construção No entanto no período imediatamente posterior ao ano 2000 houve amplas evidências tanto na GrãBretanha quanto em outras partes do mundo da força do fundamentalismo religioso fosse ele cristão ou islâmico e da espiritualidade da nova era A Internet foi amplamente usada pelos adeptos de ambos os grupos como em 2003 e 2004 por defensores e opositores anglicanos dos sacerdotes gays e do casamento de pessoas de mesmo sexo Houve agudas e ásperas divisões regionais sobre o tema tanto na África quanto nos Estados Uni dos com minorias discordantes particularmente neste último país A globaliza ção agora uma expressão da moda não acarretava a uniformidade religiosa ou cultural O principal tema das ainda prestigiosas Reith Lectures britânicas de 1999 Mundo em fuga era a globalização com ênfase maior no que unia que naquilo que dividia O objetivo do palestrante Anthony Giddens diretor da Escola de Economia de Londres era iniciar uma conversa global eletrônica sobre globali zação que serviria para mostrar que ela era menos econômica que política tecnológica e cultural Porém como ele mesmo reconheceu tratavase de um assunto não apenas para conversa mas para debate Giddens tinha pouco a dizer sobre o papel da mídia na Europa mas havia muitos comentários da mídia sobre o processo de globalização e também sobre a nova moeda o euro com uma variedade de reportagens e avaliações tanto na Europa quanto nos países do Terceiro Mundo Em algumas partes do mundo as conferências provocaram não apenas uma reafirmação ou um ricochete fundamentalista mas também uma resposta religio sa com ramificações políticas e uma onda de críticas entre círculos intelectuais bastante diversos Em Londres Michael Gove ao resenhar filmes de Hollywood feitos para o mercado mundial muitos deles dotados de efeitos especiais impressionantes e caros que antes não podiam ser produzidos tinha medo de que interromper a globalização fosse uma missão impossível título de um então recente filme de Hollywood entre os mais bem dirigidos e protagonizados Gove acrescentava que a globalização talvez seja inevitável mas não temos de gostar dela A globalização pode tornar mais fácil o encontro de culturas novas mas torna a viagem menos valiosa porque as culturas se tornam parecidas umas com as outras 316 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O desejo de frear se não de interromper a globalização para proteger as culturas nacionais objetivo capaz de ser amplamente percebido desempenhara um grande papel na política e mais ainda na retórica da mídia e dos políticos midiáticos durante a década de 1990 Assim continuou após a virada do milênio O Canadá confrontado por seu poderoso vizinho os Estados Unidos deu seqüên cia à política anterior de estimular o desenvolvimento de conteúdos canadenses que pudessem competir com o melhor que o mundo tem a oferecer incluindo produtos culturais educacionais e de entretenimento Essa foi a promessa do administrador de mídia canadense Paul Racine Ele estava na Finlândia outro país com um vizinho poderoso a Rússia A Finlândia anunciara seu objetivo de se tornar o país líder mundial nas comunicações Seus vizinhos os antigos estados da União Soviética que reconstruíam seus sistemas de comunicação após o colapso do comunismo não eram tão ambiciosos mas se encontravam igualmen te preparados para afirmar suas identidades culturais e determinados a fazêlo O mesmo podia ser dito de países situados fora da Europa e com herança colonial sobretudo a Malásia e sua vizinha Cingapura Mohammed Maharthir primeiromi nistro da Malásia até 2004 enfatizava os valores asiáticos e em 1996 o Ministé rio das Comunicações de Cingapura exigiu que todos os provedores de Internet se registrassem e submetessem às leis aplicadas à mídia em geral tais como a lei da difamação a lei da sedição a lei da manutenção da harmonia religiosa e a uma nova categoria mais ampla para arbitrar sobre o conteúdo indesejável As atitudes em relação à globalização mudaram ainda mais entre 2000 e 2004 porém permaneceram entusiásticas hostis ou ambivalentes conforme o lugar e a posição intelectual e social dos agentes A Seleta Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara dos Lordes na GrãBretanha produziu em 2003 um relatório sobre o tema que abarcava as questões mais relevantes desde a lei Geoffrey Howe falou sobre a globalização do direito até a tecnologia Foi o primeiro relatório oficial a ser publicado na GrãBretanha juntamente com as evidências pertinentes sobre o CDRom O chefe da Comissão lorde Peston economista observou que os protestos contra a globalização haviam reunido um conjunto extraordinário de preocupações algumas delas mutuamente contra ditórias Do lado positivo ele citou outro economista e havia muitos com ele que afirmava que todos os relatos de sucesso na história recente do desenvol vimento econômico se referiam a países que tinham ingressado na economia mundial A Índia e a China foram destacadas por muitos oradores Os indianos agora manipulavam informações e mensagens transmitidas por organizações européias incluindo bancos e corporações empresariais A China que entrou para a Organi zação Mundial do Comércio em 2001 tivera dificuldades em introduzir uma estrita regulamentação para controlar a pirataria de software Quase todos os oradores se concentraram nas atividades do Banco Mundial e do Fundo Monetá MULTIMÍDIA 317 rio Internacional ao enfrentarem o que um deles chamou de vergonhosa pobre za mundial Para um dos oradores globalização significava efetivamente comu nicação física elétrica e eletrônica Foi ela que produziu um mundo intercam biável em que o comércio a cultura a linguagem e os avanços sociais se tornaram rapidamente intercambiáveis O próprio Peston citou outro economista norteamericano Joseph Stiglitz o qual em artigo posteriormente publicado num jornal Financial Times 25 de fevereiro de 2004 a respeito do relatório da Comissão sobre as Dimensões Sociais da Globalização criada em 2002 pela Organização Mundial do Trabalho assumiu uma linha bem diferente da maioria dos oradores do debate Ele observou que algumas mensagens da Comissão tais como a necessidade de reestruturar a dívida poderiam ser controversas algum tempo atrás mas que agora eram defen didas pela corrente principal O mesmo acontecia com o entendimento de que o Estado tinha um papel a desempenhar em termos de amortecer o impacto da rápida mudança econômica sobre indivíduos e sociedades O artigo tinha como título Os custos sociais da globalização O 11 de Setembro e suas conseqüências Não importa o que se tenha dito em 2002 2003 ou 2004 sobre os custos e as vantagens da globalização ou sobre o papel da mídia em explicálos havia o reconhecimento geral de que o planeta já não estava no mesmo lugar desde 11 de setembro de 2001 quando terroristas suicidas destruíram num horrível ataque as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York e no mesmo dia parte do prédio do Pentágono em Washington A tragédia é o pivô da história escreveu Michael Wines correspondente em Moscou do New York Times Para outros jornalistas e historiadores esse foi o verdadeiro começo do novo milênio Houve um sentimento de choque mundial não diminuído pelo fato de muitos outros países incluindo a GrãBretanha terem sofrido ataques muito antes disso A reação norteamericana foi típica com a aprovação da chamada lei patriota destinada a unir e fortalecer os Estados Unidos fornecendo instru mentos adequados para obstruir o terrorismo Esses instrumentos incluíam a autorização para se instalarem grampos telefônicos sem necessidade de especificar o lugar a ser vigiado nem exigir que apenas as conversas do alvo fossem bisbilhotadas Internacionalmente declarouse uma guerra ao terrorismo destinada a mobilizar corações e mentes Constituiuse uma coalizão liderada pelos Estados Unidos para travar a guerra no Afeganistão país remoto então recentemente invadido e abandonado pela União Soviética onde Osama bin Laden terrorista originário da Arábia Saudita responsável por organizar uma rede internacional de terrorismo a al 318 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Quaeda tinha seu quartelgeneral A guerra foi vencida mais rapidamente do que a mídia ou o público esperava e o regime talibã foi destituído do poder De modo extravagante e repressivo ele tinha armado fogueiras com aparelhos de TV Ago ra no curso da guerra os Estados Unidos e seus aliados bombardearam as emis soras de rádio Mas havia tantas complexidades na situação do Afeganistão que era difícil transmitir informações fidedignas tanto durante quanto após a guerra uma dispu ta que não levou à captura de Bin Laden o qual apareceria outra vez na televisão mundial perto do fim da eleição presidencial norteamericana de 2004 graças a uma estação de TV árabe a alJazeera com a ameaça de uma ação terrorista permanente As eleições afegãs estavam então na agenda Pouco se sabia sobre Bin Laden em 2001 exceto que tivera o apoio dos Estados Unidos ao se rebelar contra a União Soviética Durante a exitosa guerra de 2001 todas as informações sobre os afegãos vinham da periferia geográfica algumas obtidas por repórteres do sexo feminino As mulheres foram as principais vítimas dos talibãs que também proibiram a Internet Grande parte da informação então e depois era propaganda Ficava dificil estabelecer o limite entre as duas coisas Em 2003 a segunda resposta militar dos Estados Unidos ao terrorismo a guerra no Iraque contra Saddam Hussein desta vez com um número menor de aliados dividiu profundamente a opinião pública de início mais na GrãBreta nha o aliado mais próximo dos americanos do que nos próprios Estados Unidos Dentro das Nações Unidas que tinham imposto sanções a Saddam Hussein a França e a Alemanha se recusaram a apoiar o presidente George W Bush e Tony Blair naquilo que foi desde o início uma aventura controversa condenada tanto pela Rússia que tinha seus próprios problemas de terrorismo quanto pela China Foi uma aventura ainda mais controversa que o ataque anterior a Saddam Hus sein liderado pelos norteamericanos a primeira Guerra do Golfo após a invasão do Kwait em 1991 que terminou sem a derrubada de Saddam por ordem do primeiro presidente Bush levando em consideração a opinião da Arábia Saudita da qual os Estados Unidos dependiam para o suprimento de petróleo A percepção dos americanos em 2003 e 2004 de que não tinham mantido o apoio da opinião pública mundial quase unanimemente favorável a eles em setembro de 2001 era evidente no próprio Iraque onde um governo nomeado tentava realizar eleições e nas eleições presidenciais norteamericanas de 2004 Saddam Hussein fora um governante secular que não dependia do islã Agora grupos islâmicos de diferentes tipos se manifestavam contra os Estados Unidos da mesma forma que diversos integrantes dos partidos de esquerda na Europa Um feroz filme político em 2004 vencedor do Festival de Cannes Fahrenheit 11 de setembro de Michael Moore uma obra antiBush mesclava fato e ficção para mostrar que o presidente norteamericano vencedor da eleição de 2004 enfren tava alguns de seus opositores mais hostis dentro dos próprios Estados Unidos MULTIMÍDIA 319 Como disse o deputado Harry Hyde em 2003 por que o país que inventou Holly wood e a Madison Avenue tinha tantos problemas em promover uma imagem positiva de si mesmo no exterior A controvérsia de 2004 tanto nos Estados Unidos quanto na GrãBretanha girava em torno de uma questão central embora com muitos subtemas tais como o papel das Nações Unidas a decisão de atacar Saddam Hussein em 2003 oficial mente justificada à luz dos dados fornecidos pelos serviços de informação fora uma decisão sensata ou justa Teria havido um motivo adequado para a guerra Bush e Blair não tinham dúvidas Ambos também se recusavam a ver a guerra ao terrorismo como uma guerra entre o mundo cristão e uma jihad islâmica tal como era encarada por uma parcela substancial da opinião pública muçulmana Houve uma dimensão midiática uma guerra de palavras nessa discus são em particular na GrãBretanha em cada estágio do conflito e depois de seu término O governo submeteu em especial a BBC a uma muralha de críticas sem que nenhum veículo adotasse a linha gritantemente propagandística de algumas empresas jornalísticas e de televisão norteamericanas sobretudo a Fox News con trolada por Rupert Murdoch A bandeira americana era exibida a tremular no canto da tela e ouviamse músicas marciais enquanto as tropas norteamericanas avança vam Em contraste na GrãBretanha os críticos da BBC alguns dos quais tinham bases totalmente diferentes para suas críticas acusavam a emissora de assumir um posicionamento antiguerra antes mesmo de uma transmissão feita em 29 de maio de 2003 pelo jornalista Andrew Gilligan contratado pelo influente programa de rádio matutino Today afirmando que Downing Street havia esquentado os rela tos dos serviços de inteligência ao declarar que Saddam Hussein podia usar armas de destruição em massa que ele agora possuía dentro de 45 minutos Nenhuma arma de destruição em massa jamais foi descoberta no Iraque após a queda de Saddam mas Gilligan seguindo a prática jornalística de modo coerente negouse a revelar a fonte de suas afirmações o dr David Kelly um inspetor de armamentos e nãointegrante da comunidade de informações cujo nome tinha vazado do Ministério da Defesa Perseguido pela imprensa Kelly cometeu suicídio tragédia pessoal que obrigou o governo a nomear uma comis são presidida por um juiz experiente lorde Hutton com a finalidade de investi gar não a precisão da informação fornecida pelos serviços de inteligência mas as circunstâncias da morte de Kelly Antes que o relatório de Hutton fosse publicado criticando profundamente a BBC a maior parte da mídia impressa e a própria BBC parecia esperar que ele se concentrasse sobre as atividades do governo e de Alastair Campbell o altamente político assessor de comunicações de Blair e que Em inglês sexedup pretérito passado de um verbo muito utilizado no jargão jornalístico anglosaxão que significa tornar atraente esquentar anabolizar ou bombar uma informação NT 320 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA não era funcionário público responsável pela muralha de críticas por emails enviados à Broadcasting House O relatório não seguiu esse caminho Os jornalistas da imprensa escrita que haviam hostilizado Kelly poderiam ter sido mais criticados no relatório o qual se concentrou na BBC que inicialmente se mostrara relutante em se desculpar por Gilligan e por seu superconfiante diretor de notícias desde 2001 Richard Sambrook responsável por dois mil jornalistas da BBC em todo o mundo O relatório foi tão duro que o presidente da emissora Gawn Davies pediu demissão e seus diretores aceitaram a exoneração do enérgico e belicoso diretorgeral Greg Dyke que viera da televisão comercial para a BBC quando Birt se aposentou em 1999 Falando num debate na Câmara dos Lordes sobre o relatório Hutton depois que Dyke e ele haviam deixado a BBC Birt também oriundo da televisão comer cial e então assessor de Blair afirmou que a emissora se prejudicara mais em 2003 por não reagir de maneira adequada depois que a reportagem de Gilligan fora transmitida Outros oradores no debate concordaram com Birt mas o forte apoio se manifestou pela permanência da BBC apesar dos pesares saudada por um orador como uma jóia internacional da coroa Apoio ainda mais forte foi oferecido em abril de 2004 num debate realizado na Câmara dos Lordes sobre a licença da BBC que deveria ser renovada em 2007 Participaram muitos dos mesmos oradores do debate sobre a Comissão Hutton um dos quais lorde Sheldon disse que quando se observam as imprecisões do jornalismo de Fleet Street ficase impressionado com os padrões da BBC os mais elevados de toda a mídia O assunto contudo não estava encerrado e consti tuiuse um processo de investigação sob a presidência de lorde Butler um dos primeiros dirigentes do Serviço Civil Em janeiro de 2005 um painel governa mental liderado por lorde Burns um dos primeiros funcionários civis diagnosti cou o sistema da BBC como insustentável à medida que o governo atuava ao mesmo tempo como regulador e como patrocinador Os serviços públicos de radiodifusão num contexto político e tecnológico em mudança Em seu discurso na Câmara dos Lordes Birt assinalou que a BBC pode e sem dúvida vai encontrar o caminho para sair desse terrível imbróglio palavra muito usada na época Tessa Jowell secretária de Estado do Departamento de Cultura Mídia e Esporte nova designação de um departamento que com Blair adquirira âmbito mais amplo confirmou que o debate Hutton não influenciaria as decisões Rua que se tornou sinônimo da imprensa britânica onde se localizam as sedes dos principais jornais de Londres NT MULTIMIDIA 321 do governo sobre a renovação da licença da BBC O processo já tinha começado afirmou ela assegurando um lugar especial para a BBC no coração da nação Ela promovera uma pesquisa em dezembro de 2003 para descobrir o que as pessoas gostavam ou não em relação à BBC Em 31 de março de 2004 mais de cinco mil respostas tinham sido recebidas e 25 mil pessoas haviam visitado um site sobre a renovação da licença Nem todas mas certamente uma ampla maioria 75 tinham boas coisas a dizer sobre a emissora A falta de publicidade apareceu entre as três qualidades mais elogiadas depois vinham os programas de alta qualidade e os noticiários de alta qualidade Se isso é verdadeiro não é necessariamente válido para a maioria das ins tituições públicas de radiodifusão na maior parte dos países as quais com uma identidade institucional menos estabelecida e menos recursos à disposição atravessaram quase todas uma crise entre 2000 e 2004 Também eram poucas as que dispunham de um forte senso de seu papel global Algumas na verdade tinham administradores que não pensavam em termos globais Mas o Serviço Mundial de Rádio da BBC estabeleceu sua reputação há muito tempo inclusive em outros países e seu serviço de televisão tinha capacidade de competir em qualquer lugar para onde pudesse ser transmitido com a CNN ou qualquer outro rival global Um comunicado de maio de 2004 referiase ao fato de ela ser uma expressão dos valores britânicos da abertura imparcialidade e diversidade de visão Ela construía pontes num mundo inseguro Uma atenção particular era dedicada ao islã No próprio Iraque onde as paixões de sunitas e xiitas estavam agora desatreladas uma pesquisa de audiência realizada em junho de 2004 indicou que mais de 15 da população adulta 32 milhões de pessoas ouvia o Serviço em Árabe pelo menos uma vez por semana Outro 1 ouvia a programação em inglês do Serviço Mundial embora esta só fosse disponível em duas cidades em FM e em outros lugares apenas em ondas curtas Essa realização foi reconhecida no exterior até nos Estados Unidos onde um número da revista Time brilhantemente escrito e apoiado por uma pesquisa de igual calibre concentrado na BBC 13 de outubro de 2003 mostrou na capa um microfone da emissora sob o título A Beeb toma conta do mundo Do ponto de vista da radiodifusão doméstica e a Time também se preocu pava com isso três temas foram repetidamente mencionados nas várias discus sões sobre o futuro do serviço público de radiodifusão realizadas tanto informal mente quanto em fóruns organizados muitos deles como parte do processo de renovação da licença da BBC Foram eles o conteúdo dos programas a gerência institucional e as finanças Sobre o primeiro que necessariamente levantava a questão da qualidade do produto de outras emissoras houve um amplo consenso Beeb apelido pelo qual os britânicos chamam a BBC NT 322 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tinha havido uma queda de qualidade nos programas de entretenimento da BBC apesar de novos sitcoms brilhantes como The Office O Canal 4 que come morou o 222 aniversário em 2004 também foi objeto de críticas Um dos muitos defensores de um quarto canal antes de ele entrar no ar Anthony Smith queixou se em 2004 não tanto dos programas de mau gosto e deles havia muitos mas da falta de programas genuinamente inovadores como Film Four que o Canal 4 tinha deixado de produzir Uma nova categoria de programa de entretenimento esteve particularmente sob ataque sem importar quem fosse o produtor os chamados reality shows tais como Castaway 2000 Big Brother Im a Celebrity Get Me Out of Here explo rando montagens melodramáticas e que os críticos consideravam moralmente repugnantes Mas eles atraíam grandes audiências e as revelações editadas dos participantes alguns dos quais ao que se dizia emocionalmente esgotados fasci navam os psicólogos Esses programas deram nova conotação à palavra realida de numa época em que a realidade virtual antes explorada de forma tão criati va estava se pondo a perder Permanecia sob discussão saber se a BBC podia estabelecer padrões no en tretenimento embora a Voz do ouvinte e espectador comemorando seu 21 ani versário em 2004 acreditasse que devia fazer isso Mas ela se concentrava não apenas no estabelecimento de padrões para os serviços públicos de radiodifusão em face da competição comercial em grande parte do exterior mas também no gerenciamento e numa governança esclarecidos e criativos Apoiando vigorosa mente o sistema de rádio e televisão financiado por direito de licença para a BBC considerado uma característica básica da radiodifusão britânica tanto nas pesqui sas de opinião quanto nos debates parlamentares a Time observava com preocu pação que havia indivíduos e grupos que não apenas questionavam o nível mas defendiam sua abolição ou substituição gradual pela publicidade ou de modo mais geral pela televisão paga Um relatório elaborado em 2003 para o Grupo de Política de Radiodifusão do Partido Conservador recomendava esta última suges tão com o apoio de Alan Peacock que apontara pela primeira vez nessa direção quase dois anos antes em 1986 Uma taxa compulsória de assinatura incluiria o núcleo do serviço público de rádio e os canais de televisão da BBC com a opção de acrescentar contra pagamento outros canais se desejado Em 2003 o financiamento da BBC passara a depender cada vez mais das receitas comerciais A BBC Worldwide administrava um grupo de empreendi mentos comerciais dos dois lados do Atlântico A BBC Ventures realizava tarefas sob contrato com organizações sem vínculos com a emissora publicando livros e revistas e produzindo vídeos e material multimídia Também vendia séries de programas esportivos para usuários de celulares Toda organização para ser efi ciente exige certa massa crítica e a BBC Worldwide a BBC Ventures e suas subsidiárias logo se tornaram grandes o bastante para desafiar organizações maio MULTIMÍDIA 323 res do que elas e acima de tudo penetrar em mercados difíceis Por exemplo um novo canal de TV de entretenimento geral financiado com verbas publicitárias a BBC Japan na órbita da BBC Worldwide foi anunciado em outubro de 2004 devendo começar a transmitir no final daquele ano Foi o segundo canal da BBC disponível no Japão O BBC World já estava presente em mais de um milhão e meio de lares Um canal semelhante de entretenimento geral o BBC Prime era oferecido na Europa na índia no Oriente Médio e na África Em conjunto os dois principais braços comerciais da BBC mantidos cui dadosamente afastados das outras operações da organização empregavam mais de cinco mil pessoas que dependiam de seu sucesso ou fracasso nos competitivos mercados de mídia As receitas em 2002 foram 35 maiores que as de 2000 Ao mesmo tempo empresas rivais afirmavam que várias operações das quais obti nham seus lucros não poderiam ser realizadas pela BBC Também protestavam contra a presença da BBC online e do poder daquele que se mostrara ser o site mais atraente da Europa Em todos os países em que há serviços públicos de radiodifusão como parte dos sistemas de multimídia levantaramse críticas similares na primeira década do novo milênio As instituições de serviço público afirmavase estavam ultrapas sando sua jurisdição e nesse processo distorcendo a competição nãosubsidiada Seu papel deveria restringirse ao fornecimento de um serviço universal de inte resse público Mas tal restrição implicava manter as instituições públicas tranca das numa armadilha temporal incapazes de se adaptar às novas tecnologias ou de converter serviços públicos em empresas Em alguns países as pressões comer ciais conseguiram impor sua própria filosofia política e econômica Assim foi anunciado na primavera de 2002 que a Rádio e Televisão de Portugal RTP ficaria com apenas um canal e que um novo canal cívico seria administrado por um consórcio que teria acesso às instalações de produção da RTP No mesmo ano a Espanha anunciava propostas para privatizar o departamento de notícias do Canal 9 em Valência No ano seguinte a Holanda cortou o orçamento de seu serviço público de radiodifusão e a Dinamarca planejava privatizar a TV2 O destino da PBS norteamericana com sua insuficiência de recursos ofere ceu mais uma advertência que um modelo para as emissoras públicas de outros países Na Europa Ocidental a partir de uma direção bem diferente a determina ção da União Européia de ampliar a competição uma política que remonta à Télévision sans Frontières incomodou algumas instituições públicas de radiodi fusão O mesmo ocorreu com uma série de decisões de processos em torno da lei de comunicações apresentados à Corte Européia embora nem todas favoráveis aos interesses comerciais Na maioria dos países da Europa Ocidental e em algumas outras regiões incluindo certos países asiáticos agora havia agências reguladoras como a Ofcom na GrãBretanha a CSA na França a RegTP na Alemanha e a Ascom na Itália com as funções de coordenação e concessão de licenças incluindo supervisionar ou 324 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA mais do que isso todo o setor de comunicações Não houve na GrãBretanha em 2004 nenhuma pressão governamental ou mesmo da Ofcom para limitar a independência da BBC e o diretor dessa agência chegou mesmo a se dar ao trabalho de elogiála O primeiro relatório anual da Ofcom cobrindo todo o período de sua existência revelou a ampla gama de preocupações e responsabilidades in cluindo organizar o espectro partilhado comprado e distribuído por meio de licen ças proteger as audiências e o público promover o aumento da competição na área da radiodifusão das telecomunicações e da alocação do espectro além de se responsabilizar pelo cumprimento da lei e por seu monitoramento Era uma agenda suficientemente ampla para manter a Ofcom bem mais ocupada que sua predecessora que tinha poderes limitados a Oftel Esta tomara forma no interior do Departamento de Comércio e Comunicações cujo próprio nome havia sido alterado em 1982 Ela também absorveu outros órgãos como a Comissão para Reclamações sobre Radiodifusão Broadcasting Complaints Commission Quaisquer que fossem os problemas do serviço público de radiodifusão no novo milênio as empresas privadas do setor de comunicações também tinham seus grandes problemas em todos os países Essas empresas eram maiores contu do que a maior parte das instituições nãolucrativas e as de escala global tinham uma posição elevada na valiosa lista anual das duas mil maiores da revista Forbes Em 2002 a Microsoft apareceu em segundo lugar a IBM em nono a Vodafone em 122 a Intel em 132 e a Cisco Systems em 182 Conglomerados como a Pearson operando a partir da GrãBretanha e a Bertelsmann com sede na Alemanha eram suficientemente grandes para mudar de estratégias reduzindo ou amplian do o número de empresas constituintes Este foi o caso da Bertelsmann que em 2000 comprou a CDNow especializada na venda online de CDs a varejo e em 2001 se aliou à RealNetworks para criar a MusicNet fornecedora de licenças para tecnologia musical a outros serviços de música online Muito se escreveu e fofocou nas páginas de jornais voltadas para o mundo empresarial sobre os grandes executivos dessas grandes corporações alguns dos quais viviam trocando de empresa enquanto alguns poucos desapareciam do cenário Entre os primeiros estava na GrãBretanha Dawn Airey cuja saída do Canal 5 para a BSkyB em setembro de 2002 foi anunciada como um golpe Havia uma expectativa de que ela fosse para a ITV de propriedade da Granada and Carlton cuja fusão em 2002 levou à destituição de Michael Green como diretor O poder por trás do Canal 5 era Gerhard Zeller um australiano pouco conhecido na GrãBretanha embora como principal executivo do RTL grupo europeu de tamanho considerável ele tivesse tido a ambição de adquirir uma fatia do Canal 4 Em escala mundial Michael Eisner o homem que controlava a Disney e que antes a havia revitalizado esteve freqüentemente sob os holofotes dos dois lados do Atlântico em grande parte por causa das ferozes rivalidades internas assim como do afastamento de seu amigo Michael Ovitz da presidência após 14 MULTIMíDIA 325 Figura 29 Os fundadores do Yahoo ferramenta de pesquisa na Internet Jerry Yang e David Filo eram dois típicos jovens pioneiros da Internet Sem a possibilidade de realizar buscas a Internet na época em expansão perderia o seu poder Em 2001 seus principais competidores eram os jovens e indepen dentes pioneiros da Google Sergey Brin e Larry Page que realizaram um criativo lançamento de títulos no mercado meses apenas em 1996 Censuravamse os contrastes entre as culturas corpora tivas Uns poucos empreendedores jovens conseguiram o tipo de atenção que se dedica às celebridades mesmo quando não havia culturas corporativas para louvar ou reprovar Os dois mais divulgados em agosto de 2004 eram Sergey Brin e Larry Page os jovens gênios que fundaram numa garagem de São Francisco em 1998 o Google um serviço de Internet Brin tinha então 24 anos e Page 25 A razão da publicidade em 2004 era o fato de a empresa deles ter acabado de lançar suas ações no mercado por meio de um leilão nãoconvencional e de eles terem sido apresentados ao público por um artigo da Playboy Eram comparados a seus jovens rivais apenas um pouco mais velhos Jerry Yang e David Filo que em 1994 tinham criado o Yahoo ver Figura 29 mas parece que não houve referência na 326 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA imprensa européia ao fato de que o presidente e principal executivo do Google era Eric Schmidt que saíra da Novell no ano 2000 A juventude também foi o tema do suplemento Tech Track do jornal britâni co Sunday Times publicado em outubro de 2004 com detalhes das empresas britânicas de maior crescimento na área da tecnologia encabeçadas pela Cam bridge Broadband que a partir de um laboratório vinculado à Universidade de Cambridge atraiu um grupo internacional de investidores A China era um dos mercadosalvo Todas cem companhias tinham suas próprias histórias em maté ria de finanças e tecnologia Mas um dos poucos artigos assinados do suplemento foi escrito por uma executiva da Microsoft Natalie Ayres que conclamou os inovadores britânicos a aderir ao programa de parceria das gigantes do software americanas O Google e o Yahoo são duas páginas de busca que auxiliam a navegação na Internet Diziase que o Google foi inspirado no computador da série de TV Jornada nas estrelas capaz de responder a quase qualquer pergunta A Internet era agora considerada tão comum que as atenções populares se voltaram na imprensa e outros veículos em que havia uma crescente demanda por informa ções para o cronograma de criação de uma sociedade digital e para a mutável tecnologia das comunicações por telefonia móvel Assim ao realizar sua pesquisa sobre o que as pessoas gostavam ou não na BBC Tessa Jowell fez uma segunda pergunta o que elas pensavam sobre o papel da emissora na era digital dos multicanais ela deixou de acrescentar da multimídia Havia de fato menos interesse público na GrãBretanha pela digitalização do que o governo esperava embora isso fosse uma prioridade tanto dele quanto da BBC Em seu último discurso à equipe da BBC em 1999 Birt fizera da revolu ção digital seu principal assunto A tecnologia digital explicou ele não tinha apenas uma característica mas muitas Ela nos levaria embora do mundo da escassez nos capacitaria a solicitar programas e serviços no momento que dese jássemos e nos propiciaria a interatividade Além disso ela aumentaria o acesso e os editores se multiplicariam Nada disso era novo A Ofcom tomou a dianteira em setembro de 2004 afirmando que a passagem do analógico para o digital poderia ter início em 2007 e fixando detalhes para as licenças da ITV e dos Canais 4 e 5 antes de o governo estabelecer uma data segura O sucessor de Birt como diretorgeral da BBC Greg Dyke assumira a mes ma causa alguns meses antes O jornal Times de dezembro de 2003 falou de seu desejo de injetar milhões na finalização de um sistema nacional de transmissão que traria o rádio e a televisão digitais para toda a população do Reino Unido Sua permanente falta de disponibilidade em certas áreas criara um sentimento de frus tração até mesmo de desilusão Dyke afirmou numa palestra no Festival de Te levisão de Edimburgo que num mundo de multicanais de audiências fragmenta das a BBC seria mais e não menos importante MULTIMÍDIA 327 Uma relação de riscos e perigos que Birt incorporou à sua palestra era tão pertinente em 2003 e 2004 quanto o fora em 2000 e novamente a recitaram num contexto bem diferente na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informa ção realizada em Genebra no mês de dezembro de 2003 A linguagem dos orado res que se concentraram nos perigos e que pouco falaram das vantagens da digitalização ou de fato da globalização não tinha mudado muito desde os debates da Unesco 30 anos antes um artigo publicado na Intermedia abril de 2004 por Guy Gough Berger chefe do Departamento de Estudos do Jornalismo e da Mídia na Universidade Rhodes na África do Sul sob o título Interrogar a sociedade da informação ainda perguntava A sociedade da informação é algo que já estamos vendo e que conhecemos ou uma coisa a ser decidida e determina da E prudentemente acrescentava uma pergunta subsidiária Poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo algo aqui e agora e algo que ainda está por vir Inconscientemente isso faz eco ao comentário de Gibson de que o futuro já está aqui Berger não fez referência à comunicação por telefone móvel e no entanto foi nesse ramo do desenvolvimento da mídia na verdade mais que um ramo onde houve uma expansão significativa entre 2000 e 2004 tanto no mundo em desen volvimento quanto na Europa e nos Estados Unidos ainda que as condições eco nômicas fossem desfavoráveis Em 2000 havia cinco milhões de telefones celula res no Reino Unido Em 2004 eles eram quase 50 milhões Seus modos de uso permaneciam controversos O mesmo ocorreu com o crescimento concomitante das torres de telefones celulares Isso provocou a formação de um novo grupo de pressão o Mast Sanity wwwmastsanityorg concentrado em controversos peri gos para a saúde Havia uma permanente incerteza quanto ao futuro da terceira e da quarta gerações de telefones celulares cujas operadoras precisavam de licenças do gover no A provável demanda por celulares que pudessem incorporar características multimídia tais como câmeras digitais e havia certamente uma crescente deman da própria para eles tocadores de música digital e dispositivos manuais para videogames outro mercado ainda em expansão entre 2000 e 2004 era difícil de calcular Apesar disso a competição na produção de telefones celulares era dura Philips Ericsson Sony e Nokia estavam entre os fabricantes que faziam ofertas ideais e a Vodafone freqüentemente fora das páginas de publicidade e do noticiário Arun Sarin que assumiu como CEO em julho de 2002 colocava toda a ênfase na implementação Sem êxito num leilão para adquirir a divisão de radio telefonia da ATT ele não abandonou a esperança de transformar a Vodafone num nome genérico para telefonia móvel um correlativo global da CocaCola e do Kleenex Ele sabia muito bem tal como seus concorrentes que não havia carência de hype mas existiam diferentes padrões de demanda assim como de esquemas de licenciamento em diferentes países 328 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Mas havia um fator comum a velocidade Os de terceira geração tinham muito mais capacidade de transmitir e receber dados em alta velocidade A Coréia do Sul e o Japão eram líderes no processo de mudança tanto na manufatura quanto na distribuição evidência de que a economia do Nordeste Asiático que tinha sofrido durante as turbulências econômicas da década de 1990 havia se recuperado A economia do Sudeste Asiático contudo viuse extremamente per turbada pelo tsunami de dezembro de 2004o terremoto submarino que produziu ondas gigantescas até na Somália na África A ajuda da tecnologia estava prevista para o futuro mas quando as ondas estouraram o horror do presente revelou os limites da comunicação numa era na qual o entretenimento conta mais que a informação e cunhouse uma nova expressão edutainment Apenas um desastre de escala sem precedentes poderia influenciar as prioridades Enquanto isso a opção pela ênfase na tecnologia ainda era motivo de discórdia Nem todos pareciam otimistas em particular com respeito ao uso da banda larga e houve advertências da Intel em 2004 de que a Internet não podia mais agüentar o enorme volume de tráfego que passava por ela incluindo os spans mensagens indeseja das que ocupavam ao que se dizia quatro quintos do email Vinton Cerf fre qüentemente descrito como um dos pais se não o pai da Internet em 1970 juntamente com Robert Kahn ele produziu o primeiro artigo sobre aquilo que se tornaria a Internet Um protocolo para as intercomunicações acondicionadas em rede disse numa conferência realizada em São Francisco em setembro de 2004 que o mundo ainda estava na Idade da Pedra em termos de formação de rede Posfácio A Idade da Pedra se estende muito além do período coberto por este livro De qualquer modo era raro para os pioneiros da mídia velhos ou novos exigir uma perspectiva de longo prazo Os historiadores mais que os futurólogos devem fornecêla Houve algumas guinadas históricas curiosas no curto período coberto por esse último capítulo Em 2002 Winston Churchill esbravejou na entrega dos prêmios da televisão norteamericana no rastro do 11 de Setembro quando o artista britânico Albert Finney ganhou o prêmio de melhor ator por seu impecável e comovente retrato de Churchill em The Gathering Storm produção da HBO sem título em português No outono de 2004 um filme alemão sobre Hitler Der Untergang a primeira produção alemã centrada nesse personagem desde 1945 e a primeira a tratálo como ser humano foi apresentado em Berlim Ao mesmo tempo a televisão alemã mostrou um documentário sobre a produção desse filme para enfatizar sua importância nacional Num contexto global em contínua mudança Churchill e Hitler agora aparecem de maneira diferente daquela do passado Da mesma forma Stálin e Franklin D Roosevelt MULTIMÍDIA 329 Houve um elemento de ironia na aquisição pela Sony em setembro de 2004 de uma coleção de 41 filmes antigos da Metro Goldwyn Mayer apresentados pelo leão que ruge um ícone do cinema em face da concorrência inicial da Time Warner norteamericana A venda de filmes antigos da MGM em DVD tinha quase tripli cado desde 2001 Entre eles BenHur O mágico de Oz Doutor Jivago A pantera corderosa Amor sublime amor e os filmes de James Bond a constelação do século Em 1989 quando a Sony adquiriu a Columbia Pictures e a cadeia de cinemas Loews o evento foi comparado a Pearl Harbor que agora não passa de uma velha história Houve outro evento com ecos do passado em 2004 os Jogos Olímpicos de Atenas as Olimpíadas olímpicas globalmente narrados e televisados só nos Estados Unidos por sete redes diferentes que evocaram não apenas as Olimpía das de 1896 a primeira da era moderna mas os Jogos Olímpicos da Antigüidade sobre os quais vários livros foram escritos Atenas mostrou ser o local perfeito para os jogos em que a China escolhida para sediar as próximas Olimpíadas se destacou na lista de medalhas O esporte com seus protocolos e códigos próprios agora deve figurar no final de qualquer relato de longo prazo sobre a história da mídia global Em circunstâncias de multimídia ele apareceu com mais proemi nência na televisão e na imprensa que no cinema ou na Internet A psicologia é fascinante Em setembro de 2004 o Financial Times estampava no suplemento de fim de semana O esporte se tornou uma obsessão O esporte é usado como uma forma de distração para a guerra e a política dizia Simon Kruger mas depois de um verão em que as Olimpíadas a Eurocopa 2004 e Wimbledon prenderam a atenção de todo o público televisivo ficou mais difícil nos distrair do esporte A palavra histórico é agora usada mais em relação aos eventos esportivos do que para os econômicos políticos e diplomáticos pois a mídia se concentra no dia hoje e amanhã e na semana muitas vezes sugerindo o que irá acontecer e não relatando o que já aconteceu A maior parte das coisas é efêmera Os autores deste livro vivendo numa sociedade e numa cultura com uma longa história tentaram manter seu senso de perspectiva o que é difícil de conseguir quando a mídia se concentra no dia hoje e amanhã e na semana freqüentemente sugerin do o que vai acontecer e não descrevendo o que ocorreu Grande parte disso é efêmero Deixa para os leitores contudo como dissemos na Introdução a tarefa de preparar suas próprias cronologias e formar seus próprios julgamentos Não há uma agenda estabelecida para o futuro Cronologia c5000 aC Invenção da escrita c2000 aC Invenção do alfabeto c764 aC Mais antigo exemplar conhecido de impressão em xilogravura Japão 868 Primeiro livro impresso conhecido China c1040 Invenção do tipo móvel China c1390 Primeiro entalhe em madeira com imagem 1390 Primeira medalha do Renascimento 1403 Molde em bronze de tipo móvel Coréia c1456 Impressão da Bíblia de Gutenberg 1460 Fundação da Bolsa de Antuérpia 1467 Primeira prensa estabelecida em Roma 1468 Primeira prensa estabelecida em Paris 1476 Primeira prensa estabelecida em Westminster 1492 Colombo chega à América 1492 Mais antigo globo conhecido Martim Behaim c1500 Primeiras águasfortes 1506 Primeiro mapa impresso a incluir informação sobre a América 1517 Impressão das 95 teses de Lutero 1522 Martim Lutero Novo Testamento 1525 Impressão de Doze Artigos dos camponeses rebeldes 1526 William Tyndale Novo Testamento publicação em Worms Alemanha 1529 Lutero Pequeno Catecismo 1534 O Caso dos Placares na França 1544 Primeiro Índice de Livros Proibidos publicado em Paris 1554 Fundação da Bolsa de Valores de Londres 1557 Concessão feita à Stationers Company de Londres 156294 Guerras religiosas na França 1563 Primeira tabela impressa de horário de serviços postais no Império dos Habsburgo 1564 Primeiro Índice de Livros Proibidos geral 1564 Primeira prensa estabelecida em Moscou 1566 Iconoclastismo na França e na Holanda 15681648 Guerra dos Oitenta Anos entre Espanha e Holanda 330 CRONOLOGIA 331 1570 Ortelius Theatrum Orbis Terrarum 1576 Primeiro teatro em Londres 157994 Bíblia Kralice publicada na Boêmia 1585 Abertura do Teatro Olímpico em Vicenza 1594 Primeira apresentação de ópera em Florença 1598 Teatro Globo Londres 1605 Cervantes Dom Quixote 1609 Primeiras folhas de notícias Alemanha 1611 Publicada versão autorizada da Bíblia 1617 Primeiras tabelas logarítmicas 161848 Guerra dos Trinta Anos 1620 Publicação de The Corrant out of Italy 1626 Ben Johnson The Staple of News 1631 Gazette começou a ser publicada em Paris 1637 Abertura do primeiro teatro público em Veneza 1638 Abertura do primeiro teatro em Amsterdã 1640 Comemoração do bicentenário da impressão gráfica 1640 Root and Branch Petition em Londres 1641 Grande Protesto Londres 164260 Guerra Civil inglesa 1642 Primeira gravura a meiatinta 1644 Milton Areopagitica 164852 Fronda na França 1662 Início da publicação da Gazette dAmsterdam 1663 Primeira lei de cobrança de pedágio 1665 Lançamento de Philosophical Transactions of the Royal Society of London 1668 Início da publicação do Giornale dei letterati em Roma 1672 Lançamento do Mercure Galant 167981 Crise de exclusão na Inglaterra 1683 Luís XIV vai para Versalhes 1684 Lançamento das Nouvelles de la République des Lettres 1688 A Revolução Gloriosa na Inglaterra 1689 Fundação do Café Procope em Paris 1695 Prescreve a lei de licenciamento na Inglaterra 1695 Flying Post Londres 1695 Post Boy Londres 1704 Lançamento do Boston Newsletter 1709 Lei de direitos autorais britânica 1710 Sermão de Sacheverell 1711121714 Publicação de The Spectator 1711 Primeira prensa estabelecida em São Petersburgo 1712 Imposição da Lei do Selo Stamp Act 1719 Defoe Robinson Crusoé 332 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1726 Primeira prensa estabelecida em Istambul 1740 Comemoração do terceiro centenário da impressão gráfica 1740 Richardson Pamela 1749 Fielding Tom Jones 175165 Publicação da Encyclopédie 1761 Primeiras gravuras a águatinta 1764 II Caffe é publicado em Milão 1765 Revogação da Lei do Selo 1766 Fundação da Sociedade Lunar de Birmingham 1768 Fundação da Academia Real 1771 Primeira edição da Encyclopaedia Britannica 1775 Máquina a vapor aperfeiçoada por Watt e Boulton 1776 Declaração de Independência dos Estados Unidos 1779 Primeiro Derby 1780 Primeiro jornal de domingo britânico 1787 Constituição dos Estados Unidos 1788 Primeira Emenda à Constituição norteamericana 1788 Fundação de The Times por John Walter 1789 Revolução Francesa 1790 Primeiro moinho a vapor na GrãBretanha 1790 Primeira lei de patente nos Estados Unidos 1792 Invenção da máquina de fabricar cabos 1794 Associação de Watt e Boulton 1794 Sistema de sinalização a longa distância de Choppe na França usando semáforos 1796 Senefelder inventa a litografia 1798 Máquina de fabricar papel 1798 Suspensão do selo de imposto sobre jornais na GrãBretanha proibição de importação de jornais estrangeiros 1800 Prensa de Stanhope 1802 Weekly Political Register de Cobbett 1802 Edinburgh Review 1803 Fulton põe em funcionamento um barco a vapor 1804 Máquina a vapor de Trevithick anda sobre trilhos 1805 Conclusão do canal Grand Union britânico 1807 Travessia do Clermont no rio Hudson 1809 Quarterly Review 1811 Início da operação da prensa a vapor 1812 Distúrbios luditas 1814 The Times é impresso a vapor 1815 Aumento do imposto sobre o selo 1816 Isolamento do selênio elemento presente na Lua 1816 Political Register publicação barata dois centavos de Cobbett CRONOLOGIA 333 1819 Decretos Carlsbad pondo fim à liberdade de imprensa 1819 Seis leis novos impostos do selo 1820 Leis da eletrodinâmica de Ampère 1820 Primeiro navio de ferro a vapor 1821 SaintSimon Système Industrie 1821 Fundação do Manchester Guardian 1823 Babbage começa a construir o computador mecânico 1824 Westminster Review 1827 Cromolitografia Nièpce produz imagem fotográfica permanente numa placa de chumbo 1829 Primeira máquina de escrever 1830 Ferrovia entre Liverpool e Manchester 1831 Gazette otomana 1832 Lei da Reforma na GrãBretanha 1832 Artigos de Metternich restringindo as liberdades civis 1834 Táxis de Hansom introduzidos em Londres 1834 Register of Shipping de Lloyd 1835 New York Herald 1836 Primeira ferrovia do Canadá 1837 Primeira ferrovia francesa de passageiros 1837 Telégrafo elétrico 1837 Taquigrafia de Pitman 1838 A Great Western de Brunel travessia do Atlântico 1839 Demonstração de daguerreótipos 1839 Abertura da linha telegráfica entre Paddington e West Drayton 21km 1840 A GrãBretanha introduz o selo de correio de um centavo 1840 Polpa de madeira usada na Alemanha para fazer papel 1840 Primeiros jornais nãooficiais na Turquia 1841 Punch 1841 New York Tribune 1841 Primeiro Guia de Ferrovias de Bradshaw 1842 Lei de direitos autorais britânica 1842 Biblioteca móvel de Mudie 1842 Illustrated London News 1843 Máquina de escrever quirográfica 1843 Primeira mensagem telegráfica de Morse transmitida usandose o có digo Morse 1844 Primeira lei das ferrovias britânicas 1844 Cooke e Wheatstone formam a Electric Telegraph Company 1846 Prensa de cilindro rotativo 1846 Siemens isola cabeamento elétrico 1846 Instituto Smithsonian Washington 1846 The Economist 334 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 1846 News of the World 1848 Ano de revoluções 1849 Berlim e Frankfurt ligadas por telégrafo 1850 Harpers New Monthly 1850 Primeira lei das bibliotecas públicas na GrãBretanha 1850 Patente da primeira máquina de escrever com alimentação contínua de papel 1850 Primeiro cabo submarino entre GrãBretanha e França 1851 Grande Exposição no Palácio Cristal de Londres 1851 Fotografia com chapa molhada 1854 Laws of Thought de Boole 18546 Guerra da Criméia 1857 Primeiro cabo transatlântico malsucedido 1858 Fonoautógrafo 18615 Guerra Civil norteamericana 1861 Harpers Weekly 1862 Exposição de Londres auge da estereoscopia 1864 Maxwell expõe a teoria da onda eletromagnética 1864 Metropolitan Railway de Londres 1865 Lei da bandeira vermelha na GrãBretanha limitando a velocidade nas estradas 1865 Primeiro cabo transatlântico a ter sucesso 1865 Convenção Telegráfica Internacional 1867 Michaux começa a fabricar bicicletas 1868 NW Ayer and Son primeira agência de publicidade de multisserviços fundada na Filadélfia 1868 Primeiro jornal norteamericano a usar papel de polpa de madeira 1868 Primeira lei da telegrafia na GrãBretanha 1869 Primeiros cartõespostais 1869 Encontro transcontinental de linhas ferroviárias nos Estados Unidos comemoração Golden Spike 1869 Abertura do canal de Suez 1870 Velocípede 1870 Primeira lei de educação nacional na GrãBretanha 1872 Muybridge demonstra imagens móveis de animais 1873 Reconhecimento das propriedades fotossensíveis do selênio 1873 Companhia Globe Telegraph and Trust 1874 Fundada a União Postal Universal 1876 Exposição do Centenário dos Estados Unidos 1876 Telefone de Bell primeira transmissão de Boston para Cambridge 32 quilômetros 1877 Protótipo da máquina de escrever Remington 1877 Fotografia com chapa seca CRONOLOGIA 335 1877 Fonógrafo de Edison 1878 Primeira estação norteamericana de telefone em New Haven 1878 Microfone de Hughes 1879 Trem elétrico da Siemens em Berlim 1880 Hertz descreve as ondas de rádio 1880 Meiotom de preto usado no New York Daily Graphic 1882 Câmera de cinema de Motley 1883 Abertura da ferrovia SydneyMelbourne 1883 Máquina de dobrar jornais de Hoe 1884 Disco rotativo de Nipkow 1885 Gottlieb Daimler desenvolve máquina leve a gasolina na Alemanha 1886 Convenção de Berna sobre direito autoral 1886 Câmera portátil de Eastman Kodak 1886 William G Greene usa uma câmera de fotografia em movimento 1886 Abertura da Ferrovia CanadianPacific 1886 Automóvel de quatro rodas de Daimler 1888 Uso de celulóide em fotografia 1888 Financial Times 1889 Lei de direitos autorais nos Estados Unidos 1889 Câmera de cinema de Edison 1890 Primeiros trens elétricos subterrâneos em Londres 1892 Primeira mesa telefônica automática 1892 Pulitzer compra o World de Nova York 1892 O Correio Britânico adquire o controle de todas as principais linhas telefônicas 1893 Telefon Hirmondo Budapeste 1893 Revista McClures 1893 Guerra Hispanoamericana guerra dos correspondentes 1893 Cinetoscópio 1894 Expiram as patentes de Bell 1894 Primeira ferrovia nos Andes 1895 Descoberta dos raios X 1895 Os irmãos Skladanowsky exibem filmes em Berlim 1896 Jogos Olímpicos de Atenas 1896 Marconi chega a Londres com aparelhos sem fio 1896 Daily Mail de Harmsworth 1896 Espetáculo de cinema de Lumière em Londres 1896 Hollerith forma a Tabulating Machine Company para fazer cartões perfurados 1896 Corrida de automóveis LondresBrighton 1896 Máquina de voar de Langley 1897 Marconi funda a Wireless Telegraph and Signal Company 1897 Máquina de composição monotipo 336 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1898 Dirigível Zeppelin 1898 Telegrafone gravador magnético de Poulson 1899 Gravação magnética de som 1899 Lei da Telegrafia na GrãBretanha 18991902 Guerra dos bôeres 1900 Exposição de Paris 1900 Fessenden transmite mensagens de voz 1901 Marconi transmite mensagens da Cornualha para Terra Nova 1901 Modelo de automóvel MercedesSimplex 1901 Primeira bicicleta a motor 1901 Ferrovia Transiberiana alcança Porto Artur 1902 Válvula termiônica de Fleming tubo a vácuo 1903 Primeiro congresso mundial sobre telegrafia sem fio 1903 Os irmãos Wright voam com aeroplano movido a gasolina 1903 Detroit capital mundial do automóvel 1903 Primeiro táxi com motor em Londres 1904 Início das obras do canal do Panamá 1904 Daily Mirror de Harmsworth 1904 Válvula termiônica de Fleming 1904 Primeiro metrô de Nova York 1904 Lei do telégrafo sem fio na GrãBretanha 1905 Primeiros ônibus com motor em Londres 1905 Luminosos de néon 1906 Lei de patentes britânica 1906 Fessenden transmite palavras e música 1907 Patente da válvula adíon de De Forest 1908 Harmsworth adquire The Times 1909 Modelo T da Ford 1909 Blériot atravessa o canal da Mancha em um aeroplano 1909 Lei de licenciamento cinematográfico na GrãBretanha 1909 Conferência Imperial de Imprensa em Londres 1911 Lei de direito autoral britânica 1911 Primeiro estúdio de Hollywood 1912 Correios assumem as companhias telefônicas britânicas 1912 Primeira lei do rádio norteamericana 1912 Naufrágio do Titanic 1912 Daily Herald 1912 Primeira locomotiva a diesel na Alemanha 1913 Ford introduz a esteira rolante 1913 Clube Sem Fio em Londres 1913 Sinais sem fio enviados da Torre Eiffel 191418 Primeira Guerra Mundial 1915 Griffiths Nascimento de uma nação CRONOLOGIA 337 1915 Formada em Berlim a companhia UFA 1919 Alcock e Brown voam sobre o Atlântico 1919 Ross Smith voa da GrãBretanha para a Austrália 1919 Primeiro vôo de helicóptero 1919 Primeira motoneta 1919 Fundação da Radio Corporation of America 1920 Transmissão de dame Nellie Melba 1920 Companhia Marconi inaugura a estação de transmissão Writtle 1920 Inauguração da estação KDKA em Pittsburgh 1920 Comitê de Censura de Filmes Britânicos 1922 Fundada a Broadcasting British Company BBC 1923 Radio Times 1923 Time Magazine 1923 Primeira conversa transatlântica de rádio 1924 Completado o primeiro trecho de rodovia na Itália 1925 New Yorker 1925 Sinal de tempo de Greenwich 1925 Inaugurado o transmissor de onda longa da BBC em Daventry 1925 Primeira reunião geral da União Internacional de Radiodifusão 1926 Plano de Genebra para distribuição internacional de comprimentos de onda 1926 Primeira transmissão na NBC Red Network anteriormente WEAF ATT 1926 Amazing Stories de Hugo Gernsback 1927 British Broadcasting Corporation 1927 CBS Columbia Broadcast System comprada por William Paley 1927 Comissão Federal de Rádio 1927 Primeiro serviço telefônico transatlântico com e sem fio 1927 HS Black emprega a retroalimentação negativa 1927 Fusão da Cable and Wireless 1927 Londres adquire sistema de telefonia automático 1927 Entrega dos primeiros Oscars 1928 Baird faz demonstração da televisão 1928 Eisenstein Outubro 1928 É criado o Mickey Mouse 1929 Craque da Bolsa de Wall Street 1929 Filme em cores 17mm da Kodak 1929 Warner Brothers anuncia o fim do filme em pretoebranco 1929 Graf Zeppelin voa ao redor do mundo 1929 The Listener 1930 Serviço telegráfico de imagem entre a GrãBretanha e a Alemanha 1930 Foto com flash 1930 Primeira apresentação de televisão sistema Baird 338 UMA HISTORIA SOCIAL DA MIDIA 1930 Código de cinema Hays em Hollywood 1932 Vitória eleitoral de FD Roosevelt para a Presidência 1932 Abertura da Broadcasting House em Londres 1932 Inaugurado o serviço de onda curta da BBC Empire Service 1932 União Internacional de Telecomunicações 1933 Hitler é eleito chanceler germânico 1933 Diretoria de Transporte de Passageiros de Londres 1933 Fundado o Instituto de Filme Britânico 1934 Sistema Mútuo de Radiodifusão 1934 Famous Funnies 1934 Assinado o acordo internacional sobre comprimentos de onda 1934 Corrida de Nuremberg 1934 Correio aéreo regular entre a GrãBretanha e a Austrália 1934 Comissão Federal de Comunicações CFC 1935 Radar 1935 Filme Kodachrome de 35mm 1936 Nasce a Fundação Ford 1936 Revista Life 1936 Inaugurada a televisão BBC 1936 Jogos Olímpicos de Berlim 1936 Chaplin Tempos Modernos 1937 Alec Reeves propõe a modulação do código de pulso binário 1938 Primeiras transmissões da BBC em língua estrangeira árabe 1938 Alemanha produz o primeiro Fusca da Volkswagen 1938 Relatório PEP sobre a imprensa britânica 1938 Orson Welles transmite invasão marciana 193945 Segunda Guerra Mundial 1939 Modulação de freqüência Armstrong 1941 Orson Welles Cidadão Kane 1943 Contrato assinado para o Eniac sigla para Computador e Integrador Numérico Eletrônico 1943 Colossus funciona em Bletchey 1945 Vannevar Bush Como podemos pensar 1945 Arthur C Clarke prevê os satélites 1946 Serviço de televisão recomeça em Londres 1947 Comissão Real da Imprensa na GrãBretanha relatório 1949 1947 Transistor projetado por Bardeen Brattain e Shockley 1948 Primeiro disco longplaying 1948 Norbert Wiener Cibernética 1948 Claude Shannon lança a teoria da informação 195053 Guerra da Coréia 1950 Formada a União Européia de Radiodifusão 1950 Plano de Copenhague para distribuição de freqüência CRONOLOGIA 339 1950 Primeiros sistemas a cabo 1952 Primeiros computadores IBM 1952 Último bonde de Londres 1952 Convenção Universal sobre Direito Autoral 1953 Estabelecido o Conselho de Imprensa na GrãBretanha 195475 Guerra do Vietnã 1954 Texas Instruments começa a vender chips 1954 Lei da televisão estabelece a televisão independente e seu controle na GrãBretanha 1955 Fim do controle do tempo de guerra sobre a imprensa 1955 Primeira programação comercial de televisão na Inglaterra 1955 Ondas de freqüências muito altas UHF geradas no MIT Massachu setts Institute of Technology 1955 Começo da música rock 1955 Primeira assinatura inglesa para discagem em tronco 1956 Colocado o primeiro cabo telefônico transatlântico 1956 Crises de Suez e da Hungria 1957 Rússia lança o Sputnik primeiro satélite construído pelo homem 1958 Renda vinda da publicidade na televisão ultrapassa a da publicidade na imprensa na GrãBretanha 1958 Gravações estereofônicas 1958 Primeira transmissão de televisão ao vivo da África via Eurovision 1958 Estados Unidos lançam o Explorer I 1958 Estados Unidos estabelecem a Arpa Agência de Projetos de Pesquisa Avançada 1959 Manchester Guardian tornase Guardian impresso em Londres 1959 Hovercraft britânico cruza o canal da Mancha em duas horas 1959 Primeiro trecho de rodovia na GrãBretanha 1959 Vendas de transistores ultrapassam as de válvulas 1959 Advento do circuito integrado 1960 Comitê Pilkington sobre Radiodifusão 1961 Yuri Gagárin primeiro homem no espaço 1961 Quebra do código genético 1961 Suplemento colorido do Sunday Times 1961 Private Eye 1962 Primeira transmissão de televisão ao vivo dos Estados Unidos via saté lite Telstar 1962 Acordo anglofrancês para desenvolvimento do Concorde 1962 Packetswitching abre caminho para a rede de trabalho 1963 Assassinato do presidente Kennedy 1963 Membros leigos se juntam ao Conselho de Imprensa 1963 Venda do minicomputador de William Olsen 1964 Jogos Olímpicos de Tóquio 340 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 1964 Japão introduz trensbala 1964 Começo da rádio pirata Rádio Carolina 1964 Primeiro passeio espacial norteamericano 1965 Satélite de comunicações comercial Early Bird 1965 Primeiras exibições de replay na televisão norteamericana 1965 Proibição de anúncios de tabaco na televisão inglesa 1966 The Times imprime notícias na primeira página 1966 Televisionamento da Copa Mundial de Futebol audiência mundial c400 milhões 1966 Anunciada a fibra óptica 1966 Dia Mundial das Telecomunicações 1967 Rádio pirata proibida na GrãBretanha 1967 Rádio local da BBC 1968 Invasão russa da Tchecoslováquia 1968 Assassinato de Martin Luther King 1968 Protestos estudantis na Europa 1968 Demonstração de Sistema oNLine NLS em São Francisco 1969 Neil Armstrong desce na Lua 1969 BBC e ITV começam a transmitir televisão em cores 1969 Rupert Murdoch adquire o Sun 1969 Sony lança gravadores de videocassete 1969 Festival de rock de Woodstock 1970 A Opep ameaça aumentar o preço do petróleo 1971 Lançamento dos microprocessadores 1971 Primeira rádio local independente da GrãBretanha 1972 Desenvolvimento do email dentro da Arpa 1972 Gravadores de videocassete domésticos são postos à venda 1973 Crise do petróleo 1973 GrãBretanha se une à Comunidade Econômica Européia 1974 Comitê Annan sobre Radiodifusão relatório 1979 1974 Comissão Real de Imprensa relatório 1979 1975 Fibras ópticas 1975 Sistema Prestel de Dados Visuais na GrãBretanha e teletexto 1975 Primeira loja de computadores Los Angeles 1975 Liberalização da Radio Televisione Italiana RTI 1975 Lei de Helsinque 1976 Fundada a Apple Corporation 1976 Lei de direitos autorais dos Estados Unidos 1976 Primeiros computadores portáteis 1977 Fim da proibição da televisão na África do Sul 1977 Primeiro cabo de fibra óptica instalado na Califórnia 1977 Telefone celular 1978 Computador pessoal Apple II CRONOLOGIA 341 1979 Estabelecida a Agência Espacial Européia 1979 Início da comercialização na Internet 1980 Lei de software computacional nos Estados Unidos 1980 Primeiro automóvel com tração nas quatro rodas produzido em massa Estados Unidos 1980 Voyager I primeiros sinais enviados de Saturno 1981 Murdoch adquire The Times 1981 Decisão norteamericana de que gravar sinais em casa não quebra a lei de direitos autorais 1982 Guerra das Falklands 1983 Comercialização de videodiscos a laser 1984 William Gibson Neuromancer 1984 Lançamento dos discos compactos CDs nos Estados Unidos 1984 Camcorders 1984 Primeiro estatuto do Congresso desregulamentando a TV a cabo 1984 Desmembramento da ATT 1984 Lei da Radiodifusão e Cabo na GrãBretanha 1985 Lei para emenda de direito autoral software computacional na Grã Bretanha 1986 The Times vai para Wapping 1986 Chernobyl 1986 Microsoft se torna companhia pública 1987 Intifada 1988 Rede Internacional de Serviços Digitais ISDN lançada no Japão 1988 Lei de direitos autorais na GrãBretanha 1988 Implantação da nova lei de mídia holandesa 1989 Primeiro automóvel com tração nas quatro rodas produzido em massa Japão 1989 Primeiro cabo de fibra óptica transatlântico 1989 Queda do Muro de Berlim 1989 Praça Tiananmen 1989 Queda de Ceaucescu 1989 Fusão da Time Inc com a Warner Brothers 1989 União Européia Diretriz da Televisão sem Fronteira 1990 Nova lei de radiodifusão britânica 1990 Surgimento do império Berlusconi na Itália 1990 BSkyB formada pela fusão BSB e Sky 1991 Cave Meio Ambiente Virtual Cave 1991 Guerra do Golfo 1991 Completado o túnel do canal da Mancha primeiro trem 1994 1991 ISDN na GrãBretanha 1992 Clinton eleito presidente dos Estados Unidos 1993 CFC autorizada a leiloar porções não utilizadas do espectro 342 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1993 Listagem em separado das ações Nasdaq 1993 Proclamação da supervia 1993 Anunciada a privatização da British Rail 1994 Tropas russas entram na Chechênia 1994 Fundada a Netscape 1994 Conferência do Gatt Uruguai tira do acordo o setor audiovisual 1995 Fusão CNN e TimeWarner 1995 Fundação Nacional de Ciências cede a Internet para interesses comer ciais 1995 Linguagem de programação Java 1995 Acordo de Paz de Dayton para a BósniaHerzegovina 1996 Lei de telecomunicações russa 1996 Lei de radiodifusão britânica 1996 Lei das Telecomunicações nos Estados Unidos 1996 Ano europeu do aprendizado continuado 1996 Inaugurada a estação de TV alJazeera 1996 Estabelecido na Alemanha o Grupo de Trabalho sobre Conteúdo na Internet 1996 Comissão Européia Comunicação sobre Informação Ilegal e Prejudi cial na Internet 1997 Conferência Mundial Administrativa do Rádio 1998 Lei européia de direitos humanos 1998 Lei norteamericana de extensão dos direitos autorais 1998 Fundada a Corporação da Internet para o Registro de Nomes e Núme ros Incat 1999 Queda da Organização Mundial do Comércio Seattle 1999 Lei australiana para os serviços online código de práticas na Internet 2000 Fusão da American OnLine e da TimeWarner 2000 Microsoft luta contra o desmembramento antitruste 2000 Televisão mostra multidão em Belgrado expulsando Milosevic 2001 Fusão da Disney e da Fox 2001 Rompimento da cúpula do G8 Gênova 2001 Conselho da Europa Convenção sobre o Crime Cibernético 2001 Lei da Autoridade em Radiodifusão de Cingapura 2001 Ataques aéreos terroristas a Nova York e Washington 2001 Lei patriota norteamericana 2003 Lei das Comunicações na GrãBretanha constituição da Ofcom 2003 Fórum Mundial sobre Mídia Eletrônica 2004 Relatórios Hutton e Butler 2004 Eleição presidencial nos Estados Unidos Bush versus Kerry Leituras adicionais A lista que se segue é bastante seletiva e representa a nossa escolha daquilo que podemos chamar adotando a conhecida metáfora de um oceano de estudos nesses campos Para aprofundar as pesquisas sobre os diversos tópicos discutidos na Intro dução recomendamos os livros citados no próprio texto Os periódicos são indispensáveis inclusive os especializados entre eles The Economist Publishing History Fortune The Author Variety Popular Music and Socie ty American Sociological Review Journal of Communication Media Culture and Society Intermedia Media Studies Journal New Media and Society e Historical Journal of Film Radio and Television Melody Maker que também faz parte desta lista infelizmente deixou de ser publicado em 2001 Os quatro volumes da International Encyclopedia of Communications Nova York Oxford 1989 compõem uma obra acadêmica de referência indispensável embora atualmente ultrapassada Erik Barnouw era editorchefe e George Gerbner presidente do conselho editorial A enciclopédia foi publicada pela Oxford University Press junto com a Annenberg School of Communications da Universidade da Pensil vânia Wilbur Schramm era o editor consultivo 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto p 2479 Sobre a revolução gráfica J Moran Printing Presses History and Development from the Fifteenth Century to Modern Times Berkeley 1973 E Eisenstein The Printing Press as an Agent of Change 2 vols Cambridge 1979 G Marker Russia and the Printing Revolutionsm Slavic Review 41 1982 HJ Martin The French Book Baltimore 1996 M Giesecke Der Buchdruck in den frühen Neuzeit Eine historische Fallstudie über die Durchsetzung neuer Informations und Kommunikationstechnologien Frankfurt 1991 D McKitterick Print Manuscript and the Search for Order 1450 1830 Cambridge 2003 Sobre jornais CJ Sommerville The News Revolution in England Nova York 1996 JD Popkin News and Politics in the Age of Revolutions Ithaca 1989 B Dooley The Social History of Scepticism Experience and Doubt in Early Modern Culture 343

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ASA BRIGGS PETER BURKE U M A H I S r F O R I A S O C I A L M I D IA De Gutenberg à Internet ZAHAR i 2 EDI Ç Ã O R EV IST A E AM P LI A DA N OV O C AP ÍTULO Uma História Social da Mídia Figura 1 Anônimo A visão de são Bernardo Livro das horas c1470 INTRODUÇÃO COLEÇÃO INTERFACE Direção Paulo Vaz Cultura da interface Como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar Steven Johnson Emergência A dinâmica de rede em formigas cérebros cidades e softwares Steven Johnson A Galáxia da Internet Reflexões sobre a Internet os negócios e a sociedade Manuel Castells Uma história do espaço de Dante à internet Margaret Wertheim Uma história social da mídia De Gutenberg à Internet Asa Briggs e Peter Burke Asa Briggs e Peter Burke Uma História Social da Mídia De Gutenberg à Internet edição revista e ampliada Tradução MARIA CARMELITA PÁDUA DIAS Depto LetraspucRio Revisão Técnica PAULO VAZ ECOUFRJ ZAHAR Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro Titulo original A Social History of the Media From Gutenberg to the Internet Tradução autorizada da reimpressão da primeira edição publicada em 2002 por Polity Press em associação com Blackwell Publishing Ltd de Oxford Inglaterra Copyright 2002 2006 Asa Briggs e Peter Burke Copyright da edição brasileira 20042006 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21080808 fax 21 21080800 email jzezaharcombr site wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Tradução do capítulo 7 Carlos Alberto Medeiros Capa Sérgio Campante Data das edições 2004 2006 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Briggs Asa 1921 B864h Uma história social da mídia de Gutenberg à Internet Asa Briggs e 2ed Peter Burke tradução Maria Carmelita Pádua Dias revisão técnica Paulo Vaz 2ed rev e ampl Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2006 Interface Tradução de A social history of the media from Gutenberg to the Internet Inclui bibliografia ISBN 9788571107717 1 Comunicação de massa História 2 Comunicação de massa Aspec tos sociais I Burke Peter 1937 II Título III Série CDD 3022309 064314 CDU 31677 09 Sumário Lista de ilustrações 7 Prefácio 9 Introdução 11 Capítulo 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto 24 Reconsiderando a revolução da impressão gráfica 30 Comunica ção física 31 Império e comunicação 33 Comunicações transa tlânticas 35 Comunicação oral 36 Comunicação escrita 39 Linguagens de comunicação 42 Comunicação visual 43 Imagens impressas 44 Comunicação multimídia 47 Interação entre meios de comunicação 51 Censura 56 Comunicação clandestina 58 O crescimento do mercado 61 A história da leitura 67 Instrução e divertimento 72 A revolução da prensa gráfica revisitada 73 Capítulo 2 A mídia e a esfera pública no início da Europa moderna 80 A reforma 81 As guerras religiosas e a revolta dos holandeses 89 Da revolução puritana à Revolução Gloriosa 93 O Iluminismo e a Revolução na França 101 Variedades da esfera pública 107 Co mércio indústria e comunicação 109 Capítulo 3 Do vapor à eletricidade 111 Capítulo 4 Processos e padrões 126 Ferrovias 126 Navios 131 O correio 134 Telégrafos 137 Telefones 145 Radiotelegrafia 155 Cinema e televisão 165 Gramofones 180 Conclusões 183 Capítulo 5 Informação educação entretenimento 188 A imprensa o quarto poder 192 A era da difusão 215 A idade da televisão 233 Comentário e pesquisa 243 As dinâmicas da mudança 250 A sociedade da informação 259 Conclusões 262 Capítulo 6 Convergência 266 Cornucópia opção e crise 267 Computadores 273 Satélites 285 Cabo 290 Dados visuais 294 A Internet 300 Conclusões 305 Capítulo 7 Multimídia 312 O novo milênio 314 O 11 de Setembro e suas conseqüências 317 Os serviços públicos de radiodifusão num contexto político e tecno lógico em mudança 320 Cronologia 330 Leituras adicionais 343 Índice remissivo 363 Lista de ilustrações 1 Anônimo A visão de são Bernardo Livro das horas c1470 Utrecht Museum het Catherineconvent ABM hs 19 2 Tintoretto O milagre de são Marcos 1548 Foto AKG Londres Cameraphoto 3 Tapeçaria anônima Apocalipse século xiv Angers Musée des Tapisseries foto LaurosGiraudon 4 Índice ramista de Anatomy of Melancholy de Robert Burton lá ed 1621 Biblio teca da Universidade de Cambridge 5 John Ogilby mapa rodoviário de Britannia exibindo Cambridge 1675 Biblio teca Britânica 6 Registro do exame doméstico de escolaridade na Suécia 7 A revogação ou Cortejo fúnebre de miss SeloAmérica 1765 C Museu Britânico 8 Margueritte Gérard e Jean Honoré Fragonard O Leitor Cambridge Fitzwilliam Museum foto Bridgeman Art Library 9 Lucas Cranach xilogravura da Paixão de Cristo e Anticristo 1521 Biblioteca Britânica 10 Hans Baldung Grien xilogravura de Martinho Lutero rodeado por um halo c1523 Biblioteca Britânica 11 As 17 províncias e principais cidades da iconoclastia Em S Deyon e A Lottin Les casseurs de lété 1566 Paris Hachette 1981 12 Richard Overton Canterbury a mudança da Assembléia página de rosto 1641 Biblioteca Bodleian 13 Placa política c1789 Nevers Musée Municipal 14 O Rei do Vapor e o Rei do Carvão olham ansiosamente para o Bebê Eletricidade Caricatura do Punch de 1881 Biblioteca de Imagem Mary Evans 15 O lançamento do cabo transatlântico 1865 Biblioteca de Imagem Mary Evans 16 Thomas Edison trabalhando Tanto o laboratório como o estúdio funcionavam para ele como local de trabalho Hulton Getty 17 Tecelãs da palavra Um anúncio de telefone da Bell Telephone Company Propriedade dos Arquivos da ATT Reimpresso com permissão da ATT 7 8 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 18 O jovem Guglielmo Marconi Hulton Getty 19 O cantor de jazz Warner Brothers 1927 Bettmann Corbis 20 Alfred Harmsworth primeiro visconde de Northcliffe aqui fotografado em 1911 em companhia de pessoas da família Astor Hulton Getty 21 No estádio Adolph Hitler fala em um comício monstro AKG Londres 22 Perto da lareira Franklin D Roosevelt usa o rádio para conversar com seus concidadãos Arquivo Hulton 23 A caricatura de John Reith mostrao na fachada da então recente Broadcasting House Reproduzido com permissão de Punch Ltd 24 Os rádios transistores transformaram a vida em praias e desertos Os transistores têm uma história ainda mais importante do que essa foram essenciais para o posterior desenvolvimento dos computadores Arquivos Publicitários 25 A descida na Lua 1969 Os norteamericanos mostram para o mundo que estão no espaço Nasa 26 A imprensa conserva seu poder policiais e fotógrafos nos protestos do Dia do Trabalho Londres 2001 Geoff Caddick National Pictures 27 Colossus decifrador eletrônico de códigos foi usado em Bletchley Park Bucking hamshire para ajudar a GrãBretanha e seus aliados a ganhar a Segunda Guerra Mundial Bletchley Park Trust Biblioteca da Imagem Científica e da Sociedade 28a A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Alunos da Esco la Wembley ouvem uma transmissão de rádio em 1933 BBC Worldwide 28b A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Walter Perry vicereitor da Universidade Aberta da GrãBretanha na inauguração da primei ra produção de estúdio BBC em Alexandra Palace 1970 BBC Worldwide 29 Os fundadores do Yahoo ferramenta de pesquisa na Internet Jerry Yang e David Filo Frank Spooner Pictures Nota à edição brasileira Como a maioria dos termos técnicos do universo da informática provém do inglês grande parte sendo imediatamente assimilada à nossa língua e estando inclusive dicionarizada optouse nesta edição por mantêlos sem destaque ou seja sem uso de itálico Preferiuse além disso o emprego de termos mais correntes e adotados independentemente de já contarem com tradução ou terem se mantido em inglês Prefácio O objetivo deste livro sobre tema vasto e em contínua expansão é mostrar a importância do passado em relação ao presente trazendo a história para o interior dos estudos de mídia e a mídia para dentro da história Nossa própria escolha do meio sem dúvida reflete otimismo quanto ao futuro do livro que acreditamos continuará a existir mesmo com o aparecimento de novas formas de comunica ção assim como aconteceu com os manuscritos na era das publicações em uma nova divisão de trabalho entre mídias No que concerne à nossa própria divisão de trabalho Peter Burke é respon sável pela Introdução e pelos capítulos 1 e 2 Asa Briggs pelos capítulos 3 a 7 e pela Conclusão mas os dois autores somaram forças para revisar o texto en contrandose regularmente em diferentes locais desde a Estação de Kings Cross até o Hotel Claridge e mantendose em contato telefônico Historiadores do século XXI podem gostar de saber que o livro foi escrito em parte a mão e em parte no computador por dois acadêmicos cuja resistência em dirigir carros e usar correio eletrônico não é de forma alguma incompatível com o interesse em mu danças tecnológicas e sociais no presente no futuro e também no passado Gostaríamos de agradecer a Amleto Lorenzini por inicialmente nos acorren tar a um projeto sobre a história da comunicação e a John Thompson por se encarregar da edição deste volume Estamos em débito com Pat Spencer que nos ajudou a elaborar a primeira edição e esta nova submetida à revisão e Peter Burke é grato a Joan Raymond por seus comentários sobre uma versão preliminar do Capítulo 2 Introdução De acordo com o Oxford English Dictionary foi somente na década de 1920 que as pessoas começaram a falar de mídia Uma geração depois nos anos 1950 passaram a mencionar uma revolução da comunicação O interesse sobre os meios de comunicação porém é muito mais antigo A retórica estudo da arte de se comunicar oralmente e por escrito era muito valorizada na Grécia e na Roma antigas Foi estudada na Idade Média e com maior entusiasmo no Renascimento A retórica também era muito incentivada nos séculos XVIII e XIX quando começaram a surgir novas idéias importantes O conceito de opinião pública apareceu no final do século XVIII e a preocupação com as massas tornouse visível a partir do século XIX na época em que os jornais cuja história é aqui apresentada em todos os capítulos ajudavam a moldar uma consciência nacio nal levando as pessoas a ficarem atentas aos outros leitores ver p39 Na primeira metade do século XX especialmente pela eclosão das duas guerras mundiais teve início o interesse acadêmico pelo estudo da propaganda Mais recentemente alguns teóricos ambiciosos desde o antropólogo francês Clau de LéviStrauss até o sociólogo alemão Niklas Luhmann ampliaram ainda mais o conceito de comunicação LéviStrauss escreveu sobre trocas de mercadorias e mulheres Luhmann sobre poder dinheiro e amor assim como muitos outros Kommunikationsmedien Se assim é devem estar se perguntando os leitores o que no mundo não é comunicação Por outro lado esta história se restringirá à comu nicação de informação e entretenimento e idéias sob a forma de palavras e ima gens por meio de fala escrita publicações rádio televisão e mais recentemente da Internet De modo significativo foi com a era do rádio que o mundo acadêmico começou a reconhecer a importância da comunicação oral na Grécia antiga e na Idade Média O início da idade da televisão na década de 1950 deu surgimento à comunicação visual e estimulou a emergência de uma teoria interdisciplinar da mídia Realizaramse estudos nas áreas de economia história literatura arte ciência política psicologia sociologia e antropologia o que levou à criação de departamentos acadêmicos de comunicação e estudos culturais Frases bombásti 11 1 2 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA cas envolvendo novas idéias foram criadas por Harold Innis 18941952 que escreveu sob o viés das comunicações por Marshall McLuhan 191180 que falou da aldeia global por Jack Goody que traçou a domesticação da mente selva gem e por Jürgen Habermas o sociólogo alemão que identificou a esfera públi ca uma zona para o discurso no qual as idéias são exploradas e uma visão pública pode se expressar Este livro propõe que seja qual for o ponto inicial as pessoas que trabalham com comunicação e estudos culturais em número ainda crescente devem levar em consideração a história e que aos historiadores de qualquer período ou tendência cumpre levar em conta seriamente a teoria e a tecnologia da comunicação Alunos de comunicação por exemplo deveriam saber que alguns fenôme nos da mídia são mais antigos do que em geral se imagina como se pode ver nos dois exemplos seguintes As séries atuais de televisão copiam o modelo das novelas radiofônicas que por sua vez se moldam nas histórias em capítulos de revistas do século XIX alguns romancistas como Dickens e Dostoiévsky originalmente pu blicaram seus trabalhos desta maneira Algumas das convenções das histórias em quadrinhos do século XX seguem direta ou indiretamente uma tradição visual ainda mais antiga Os balões com falas podem ser encontrados em publicações do século XVIII que por sua vez são uma adaptação dos textos em forma de rolo que saíam das bocas da Virgem e outras figuras da arte religiosa medieval Figura 1 São Marcos na pintura de Tintoretto 151894 conhecida como O milagre de são Marcos é representado como o SuperHomem das revistas em quadrinhos com 400 anos de antecedência mergulhando de cabeça do Céu para resgatar um cristão cativo Figura 2 Denúncias da nova mídia seguem um padrão semelhante não importando se o objeto é a televisão ou a Internet Elas nos remetem a debates antigos sobre os efeitos prejudiciais dos romances sobre os leitores e de peças teatrais sobre o público nos séculos XVIII ou mesmo XVI ao alimentar o ímpeto das paixões São Carlo Borromeo 153884 arcebispo de Milão descreveu as peças de teatro como uma liturgia do diabo enquanto o primeiro capítulo de Four Arguments for the Elimination of Television de Dennis e Merrill intitulavase A barriga da besta O papel da imprensa e dos jornalistas que vivem dela sempre foi controvertido A falta de confiança nos jornalistas já era lugarcomum no sécu lo XVII Por sua vez as acusações sobre denúncias de corrupção também são antigas Apesar de todas essas ligações este livro se concentrará sobre as mudanças na mídia Na apresentação dessas mudanças será feita uma tentativa de evitar dois perigos o de afirmar que tudo piorou ou admitir que houve um progresso contí nuo De todo modo a suposição de que as tendências seguiram em uma mesma direção deve ser rejeitada embora os escritores que nelas acreditam tenham sido 14 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 2 Tintoretto O milagre de são Marcos 1548 muitas vezes eloqüentes e brilhantes em seus campos de atuação O historiador italiano Carlo Cipolla em seu estudo Letramento e desenvolvimento no Ocidente 1969 deu ênfase à contribuição da capacidade de ler e escrever para a industria lização e mais genericamente para o progresso e a civilização Sugeriu que a difusão da capacidade de ler e escrever significava uma atitude mais racional e mais receptiva diante da vida O trabalho de Cipolla é representativo de uma fé na modernização típica de meados do século XX crença subjacente às campa nhas de alfabetização organizadas pela Unesco e pelos governos de países do Terceiro Mundo como Cuba Os problemas levantados por esse tipo de abordagem exigem algum debate ver p255 assim como as declarações de que a Internet e seu potencial repre sentam uma agência de democratização Não é possível nessa altura de sua história concluir que pela facilidade de acesso e pela transformação a partir de baixo ela desempenhará um papel renovador a longo prazo Alguns críticos até temem que a Internet mine todas as formas de autoridade afete negativamente o comportamento e ameace a segurança individual e coletiva Alguns especialistas em estudos de mídia por conseguinte têm posto em evidência de modo correto o que chamam de debates da mídia Eles englobam temas específicos e processos a longo prazo I N T R O D U Ç Ã O 1 5 Uma história relativamente curta como esta deve ser muito seletiva e privile giar alguns temas em detrimento de outros dentre os selecionados destacamse alguns como o papel da esfera pública a obtenção e difusão de informação o crescimento das redes e a chegada do entretenimento na mídia A obra também deve se concentrar na mudança em lugar da continuidade embora se lembre aos leitores de quando em quando que ao se introduzirem novas mídias as mais antigas não são abandonadas mas ambas coexistem e interagem Com o surgi mento das publicações os manuscritos continuaram sendo importantes como aconteceu com os livros e o rádio na idade da televisão A mídia precisa ser vista como um sistema um sistema em contínua mudança no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque Temos aqui essencialmente uma história social e cultural que inclui política economia e também tecnologia Ao mesmo tempo rejeita o determinismo tecnológico baseado em simplificações enganosas ver p23 26 Fomos influen ciados de início pela famosa fórmula clássica simples e digna de merecimento formulada pelo cientista político norteamericano Harold Lasswell 190278 Ele descreve a comunicação em termos de quem diz o quê para quem em que canal com que efeito O quê conteúdo o quem controle e o para quem au diência têm o mesmo peso Onde também interessa As reações dos diferentes grupos de pessoas sobre o que ouvem vêem ou lêem exigem estudo permanente O tamanho dos diferentes grupos e mesmo se eles constituem uma massa também é relevante A linguagem das massas surgiu durante o século XIX e nos lembra que o para quem de Lasswell deve ser considerado em termos de quantos Intenções imediatas estratégias e táticas dos comunicadores precisam estar sempre relacionadas ao contexto no qual operam assim como as mensagens que transmitem Os efeitos a longo prazo especialmente as conseqüências surpreen dentes e involuntárias do uso de determinado meio de comunicação são mais difíceis de separar mesmo que haja um distanciamento em razão do tempo decorrido Na verdade o próprio uso do termo efeito é controverso pois impli ca uma relação de causa e efeito em uma só direção As palavras rede e Web já estavam em uso no século XIX Este livro focaliza o mundo ocidental moderno a partir do século XV A narrativa começa com a impressão c1450 dC e não com o alfabeto c2000 aC a escrita c5000 aC ou a fala Apesar da importância muitas vezes atribuí da a Johann Gutenberg c140068 em quem os leitores de um jornal inglês votaram recentemente como o homem do milênio Sunday Times 28 de no vembro de 1999 não há evidência ou marco zero do começo da história Assim algumas vezes será necessário voltar no tempo até os mundos antigo ou medieval Naquela época a comunicação não era imediata mas já atingia todos os pontos do mundo conhecido 16 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O canadense Harold Innis foi um dos vários acadêmicos do século XX a apontar a importância da mídia no mundo antigo Economista de formação fez fama com a chamada teoria da matériaprima do desenvolvimento canadense ressaltando o domínio sucessivo do comércio de peles peixe e papel e os efeitos desses ciclos na sociedade canadense Cada produto básico deixa sua marca e a mudança para novos produtos invariavelmente traz períodos de crise Ao fazer uma pesquisa sobre o papel chegou à história do jornalismo pesquisando sobre o Canadá onde as comunicações tiveram importância capital para o desenvol vimento econômico e político colonial e póscolonial chegou à história com parativa dos impérios e seus meios de comunicação desde a Antigüidade com Egito e Assíria até o presente Em sua obra Empire and Communications 1950 Innis conta por exemplo que o império assírio foi pioneiro na construção de estradas diziase que uma mensagem podia ser mandada de qualquer lugar para o centro e a resposta chegaria no prazo de uma semana Como bom historiador de economia quando escreveu sobre a mídia Innis se referia aos materiais usados para a comunicação contrastando os relati vamente duráveis como pergaminhos argila e pedra com produtos razoa velmente efêmeros como papiros e papéis mais adiante as seções sobre as chamadas idades do vapor e da eletricidade irão sublinhar o ponto de vista de Innis a respeito da matéria na mídia de comunicação Ele chega a sugerir que o uso dos materiais mais pesados como ocorreu na Assíria levou à adoção de um viés cultural com relação ao tempo e às organizações religiosas enquanto os materiais mais leves podiam ser transportados rapidamente a distâncias maiores resultando em uma tendência relacionada a espaço e organizações políticas Parte da história inicial que Innis apresenta é frágil e alguns de seus conceitos são malde finidos mas suas idéias permanecem assim como a ampla abordagem compara tiva como estímulo e inspiração para os próximos pesquisadores desse campo Esperase que futuros historiadores analisem as conseqüências do uso de plástico e fios da mesma forma como Innis fez com a pedra e o papiro Outro conceito central na teoria pioneira de Innis foi a idéia de que cada meio de comunicação tendia a criar um perigoso monopólio de conhecimento Antes de decidir ser economista ele pensou seriamente em tornarse pastor batis ta O interesse do economista na competição no caso competição entre diferentes tipos de mídia estava ligado à radical crítica protestante da politicagem do clero Argumentava ele que o monopólio intelectual dos monges da Idade Média basea do em pergaminhos foi solapado pelo papel e pela impressão gráfica do mesmo modo que o poder do monopólio sobre a escrita exercido pelos sacerdotes egípcios na idade dos hieroglifos havia sido subvertido pelos gregos e seu alfabeto No entanto no caso da Grécia antiga Innis enfatizou mais a fala do que o alfabeto A civilização grega escreveu era um reflexo do poder da palavra falada A esse respeito ele seguiu um colega seu de Toronto Eric Havelock 19038 INTRODUÇÃO 17 Cujo Preface to Plato 1963 focalizava a cultura oral dos primeiros gregos Os discursos na Assembléia de Atenas e as peças teatrais recitadas nos anfiteatros a céu aberto foram elementos importantes da antiga civilização grega Nela assim como em outras culturas orais canções e histórias tinham forma muito mais fluida do que fixa e a criação era coletiva no sentido de que cantores e contadores de histórias continuamente adotavam e adaptavam temas e frases uns dos outros Os acadêmicos fazem o mesmo hoje em dia embora o plágio seja censurado e nossas concepções de propriedade intelectual exijam que as fontes de empréstimo sejam indicadas ao menos em nota de rodapé Ao esclarecer o processo de criação Milman Parry 190035 professor de Harvard argumentava que a Ilíada e a Odisséia embora tenham sobrevivido até hoje somente porque foram passadas para o papel eram essencialmente impro visadas como poemas orais Para testar sua teoria Parry fez um trabalho de campo nos anos 1930 na Iugoslávia rural como era na época gravando performances de poetas narradores com um gravador de rolo o predecessor do gravador de fita Analisou as fórmulas recorrentes em frases como mar escuro como vinho e temas recorrentes como um conselho de guerra ou o modo de armar um guerrei ro elementos préfabricados que permitiam aos cantores improvisar histórias durante horas No trabalho de Parry desenvolvido por seu antigo assistente Albert Lord no The Singer of Tales 1960 a Iugoslávia e por analogia a Grécia homérica ilustrava os aspectos positivos das culturas orais muitas vezes desconsideradas e ainda o são como meramente iletradas A visão atual amplamente adotada pelo mundo acadêmico é de que a antiga cultura grega foi moldada pelo domínio da comunicação oral Ainda assim nas expedições que fazia Alexandre o Grande carregava con sigo um portajóias com a Ilíada de Homero Além disso uma grande biblioteca com cerca de meio milhão de manuscritos foi erguida na cidade que levou seu nome Alexandria Não é acidental que associada a essa vasta biblioteca de ma nuscritos fornecedora de informação e idéias de diferentes indivíduos lugares e épocas a serem superpostos e comparados tenhase desenvolvido uma escola de críticos que utilizava os recursos da biblioteca para incrementar práticas que somente seriam disseminadas na era dos impressos ver p30 O equilíbrio entre tipos de mídia é discutido por Rosalind Thomas em Literacy and Orality in Ancient Greece 1992 Imagens especialmente estátuas eram outra importante forma de comuni cação e mesmo de propaganda no mundo antigo sobretudo em Roma na era de Augusto Essa arte oficial romana influenciou a iconografia dos primórdios da Igreja Católica a imagem de Cristo em sua majestade por exemplo era uma adaptação da imagem do imperador Para os cristãos as imagens eram tanto um meio de transmitir informação como de persuasão Conforme afirma o teólogo 18 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA grego Basil de Caesarea c33079 os artistas fazem tanto pela religião com suas pinturas quanto os oradores com sua eloqüência De maneira semelhante o papa Gregório o Grande c540604 dizia que as imagens serviam para aqueles que não sabiam ler a grande maioria da mesma maneira como a escrita servia para aqueles que liam Beijar uma pintura ou uma estátua era um modo comum de expressar devoção o que ainda hoje em dia se vê nos mundos católico e ortodoxo Foi a igreja bizantina que chegou mais próximo dos antigos modelos Cristo era representado em sua majestade como Pantocrator o senhor de todos nos mosaicos que decoravam o interior dos domos das igrejas bizantinas Desenvolvi da em uma parte da Europa onde o analfabetismo era muito grande a cultura bizantina foi também a cultura dos ícones pintados de Cristo da Virgem e dos santos Um abade do século XVIII declarou Os evangelhos foram escritos com palavras mas os ícones com ouro O termo iconografia foi transmitido para a cultura erudita e mais tarde no século XX para a popular em que ícone se refere a uma celebridade secular como aliás apropriadamente a cantora Madonna Os ícones bizantinos podiam ser vistos em casas nas ruas e nas igrejas onde eram colocados em lugares próprios com portas afastando os leigos do santuário Não havia essa separação nas igrejas católicas romanas Em ambas as fés o simbo lismo era um aspecto da arte religiosa e das mensagens que transmitia mas em Bizâncio ao contrário do Ocidente até a Reforma o ensinamento pela cultura visual esteve sob ataque e as imagens eram algumas vezes encaradas como ídolos e destruídas por iconoclastas destruidores de imagens em um movimento que alcançou seu clímax no ano de 726 O islã assim como o judaísmo baniu o uso da figura humana na arte religiosa por isso mesquitas e sinagogas pareciam tão diferentes de igrejas No entanto na Pérsia a partir do século XIV figuras humanas com pássaros e ani mais ressaltavam nas iluminuras que vieram a florescer nos impérios otomano e mogul da Índia Elas eram fábulas ou histórias ilustradas Os mais famosos exem plos de tais ilustrações no Ocidente foram os bordados como os da Tapeçaria Bayeux c1100 que descreve vivamente a conquista normanda da GrãBretanha em 1066 em uma peça de aproximadamente sete metros de comprimento que mostra uma narrativa visual às vezes comparada a um filme no que diz respeito a suas técnicas e efeitos Figura 3 Nas catedrais da Idade Média as imagens esculpidas em madeira pedra ou bronze e figurando em vitrais formavam um poderoso sistema de comunicação No romance O corcunda de NotreDame 183132 Victor Hugo descreveu a catedral e o livro como dois sistemas rivais Este matará aquela De fato os dois sistemas coexistiram e interagiram durante longo período como mais tarde os manuscritos e os impressos Para a Idade Média de acordo com o historiador de INTRODUÇÃO 19 Figura 3 Tapeçaria anônima Apocalipse século IV arte francês Emile Mâle 18621954 a arte era didática As pessoas aprendiam com as imagens tudo o que era necessário saber a história do mundo desde a criação os dogmas da religião os exemplos dos santos a hierarquia das virtudes o âmbito das ciências artes e ofícios tudo era ensinado pelas janelas das igrejas ou pelas estátuas dos pórticos O ritual era um outro destacado meio de comunicação medieval e se man teve firme em contextos posteriores A importância dos rituais públicos na Euro pa inclusive os celebrados em festivais durante os mil anos que vão de 500 a 1500 é explicada de modo perceptível apesar de inadequado pelo baixo índice de letramento da época O que não podia ser anotado devia ser lembrado e o que devia ser lembrado devia ser apresentado de maneira fácil de se apreender Rituais elaborados e teatrais como a coroação de reis e a homenagem de vassalos ajoelhados em frente a seus superiores sentados demonstravam para quem via a cena que havia ocorrido um evento importante Transferências de terras podiam ser acompanhadas por presentes objetos simbólicos como um pedaço de turfa ou uma espada O rito e seu forte componente visual era uma forma superior de publicidade e ainda seria na idade dos eventos televisivos como a coroação da rainha Elisabeth II A palavra espetáculo comumente usada no século XVII foi ressuscitada no século XX 20 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA No entanto a Europa medieval assim como a Grécia antiga sempre foi considerada uma cultura essencialmente oral Os sermões eram um meio impor tante de disseminar informação O que hoje chamamos de literatura medieval teve sua produção nas palavras de um estudioso pioneiro neste tema o decano HJ Chaytor voltada para um público ouvinte e não para um público leitor Muitas vezes a leitura era feita em voz alta Em From Script to Print 1945 explicou que se a sala de leitura da digamos Biblioteca Britânica fosse totalmente ocupada por leitores medievais o ruído dos sussurros e murmúrios seria intolerável Os relatos medievais eram realizados em uma audição no sentido literal pois al guém os ouvia enquanto eram lidos em voz alta O mesmo acontecia com poemas de todos os tipos monásticos ou seculares A saga islandesa referente a um passa do que não o grecoromano recebeu esse nome por ser lida em voz alta ou seja falada ou dita Foi somente pouco a pouco a partir do século XI que a escrita começou a ser empregada por papas e reis para uma variedade de propósitos práticos enquanto a confiabilidade na escrita como registro conforme Michael Clanchy mostrou em From Memory to Written Record 1979 se desenvolveu ainda mais lentamente Por exemplo na Inglaterra em 1101 algumas pessoas preferiam confiar mais na palavra de três bispos do que em um documento do papa que descreviam com desdém como peles de carneiros castrados escurecidas com tinta No entanto apesar desses exemplos de resistência a penetração gradual da escrita na vida cotidiana do fim da Idade Média teve conseqüências importantes Inclusive na mudança de costumes tradicionais por leis escritas no surgimento da falsificação no controle da administração por escriturários clérigos instruídos e como salientou Brian Stock em The Implications of Literacy 1972 no surgimento de hereges Estes justificavam suas opiniões nãoortodoxas baseando se nos textos bíblicos e portanto ameaçando o que Innis chamou de monopólio do conhecimento pelo clero medieval Por este e outros motivos os estudiosos falam do surgimento da cultura escrita nos séculos XII e XIII Manuscritos inclusive iluminuras foram produzidos em número cada vez mais elevado nos dois séculos anteriores à invenção da impressão gráfica nova tecnologia introduzida para satisfazer uma demanda crescente por material de leitura Nos dois séculos anteriores à impressão gráfica a arte visual também se desenvolveu no que em retrospecto foi visto como arte dos retratos O poeta Dante e o artista Giotto 12661330 foram contemporâneos Ambos eram fasci nados pela fama assim como Petrarca 130474 de uma geração posterior e todos os três alcançaramna durante a vida O mesmo aconteceu com Boccaccio 131775 e Chaucer 13401400 na Inglaterra O último escreveu um notável poema A casa da fama com imagens de sonho tiradas do tesouro de seu cérebro para dizer o que significava a fama Petrarca escreveu uma Carta à posteridade na qual dava detalhes pessoais inclusive de sua aparência física e orgulhosamente INTRODUÇÃO 21 proclamava que os gloriosos serão gloriosos por toda a eternidade A ênfase na permanência seria ainda mais forte na idade da impressão gráfica Com o desenvolvimento da comunicação elétrica iniciada com o telégrafo no século XIX surgiu uma percepção de mudança iminente e imediata Os deba tes na mídia na segunda metade do século XX estimularam a reavaliação tanto da invenção da impressão gráfica quanto de todas as outras tecnologias que foram tratadas no princípio como maravilhas Geralmente aceitase que as mudanças na mídia tiveram importantes conseqüências culturais e sociais Controversos são a natureza e o escopo dessas conseqüências São elas primordialmente políticas ou psicológicas Pelo lado político favorecem a democracia ou a ditadura A era do rádio foi não somente a era de Roosevelt e Churchill mas também de Hitler Mussolini e Stálin Pelo lado psicológico a leitura e a visão estimulam a empatia com os outros ou o isolamento em um mundo particular A televisão ou a rede aniquilam ou criam novos tipos de comunidades nas quais a proximidade espacial não é menos importante De novo as conseqüências do letramento ou da televisão são mais ou menos as mesmas em qualquer sociedade ou variam de acordo com o contexto social ou cultural É possível distinguir culturas da visão nas quais o que é visto se sobrepõe ao que é ouvido e culturas da audição mais ligadas a sons Cronologicamente há uma grande divisão entre as culturas orais e literárias ou entre sociedades pré e póstelevisão Como a máquina a vapor e a industrialização se relacionam com essa divisão A invenção assim como a adoção e o desenvolvimento de locomotivas e navios a vapor fez reduzir o tempo das viagens e ampliou os merca dos E a eletrônica palavra que não era usada no século XIX propiciou o imedia tismo como previam os comentadores da época Alguns pioneiros desses debates deram respostas positivas e não somente Cipolla ver p14 mas também teóricos de áreas acadêmicas bastante diferentes como Marshall McLuhan e seu aluno Walter Ong mais conhecido por sua Orality and Literacy 1982 O primeiro rapidamente se tornou famoso enquanto o outro se contentou em ser padre e acadêmico Na Galáxia de Gutenberg 1962 escrita de forma experimental em Os meios de comunicação 1964 e em outros traba lhos McLuhan seguindo seus colegas de Toronto Innis e Havelock afirmou a centralidade da mídia ao identificar e traçar as características específicas inde pendentemente das pessoas que as usam das estruturas organizacionais com as quais operam os produtores e dos objetivos para os quais são usadas Para McLuhan que tinha formação de crítico literário o importante não era o conteúdo da informação e sim a forma que ela assumia Ele embutiu sua inter pretação em frases memoráveis como o meio é a mensagem e na distinção entre mídia quente como rádio e cinema e mídia fria como televisão e telefone Mais recentemente outro canadense o psicólogo David Olson em The World of Paper 1994 cunhou a expressão a mentalidade letrada para resumir 22 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA as mudanças que as práticas da leitura e da escrita provocaram segundo ele no modo como pensamos a linguagem o espírito e o mundo do surgimento da subjetividade à imagem do universo como livro Ong mais interessado no contex to reconheceu sua dívida com a teoria de mídia da Escola de Toronto o nome como o da escola de Frankfurt é uma lembrança da contínua importância das cidades na comunicação acadêmica Ele enfatizou as diferenças de mentalidade entre culturas orais e quirográficas ou culturas da escrita fazendo uma distin ção entre o pensamento baseado na oralidade na quirografia na tipografia e na eletrônica Observou por exemplo o papel da escrita na descontextualização de idéias ou seja na sua retirada das situações face a face nas quais foram original mente formuladas de modo a aplicálas em outro lugar O antropólogo Jack Goody discutiu as conseqüências sociais e psicológicas do letramento de maneira similar a Ong Em The Domestication of the Savage Life 1977 baseandose em uma análise de listas escritas no antigo Oriente Médio Goody enfatizou a reorganização ou reclassificação de informação uma outra maneira de descontextualização possibilitada pela escrita Trabalhando em seu próprio campo de estudos no oeste da África salientou a tendência da cultura oral para adquirir o que ele chama de amnésia estrutural isto é o esquecimento do passado ou mais exatamente a lembrança de um passado que é igual ao presente Por outro lado a permanência de registros escritos age como um obstáculo a esse tipo de amnésia e portanto estimula uma consciência da diferença entre passado e presente O sistema oral é mais fluido e flexível o escrito mais fixo Outros analistas fizeram observações contundentes sobre as conseqüências do letramento como condição para a emergência do pensamento abstrato e crítico para não mencionar a empatia e a racionalidade Essas observações sobre os efeitos do letramento foram contestadas sobre tudo por outro antropólogo britânico Brian Street Em Literacy in Theory and Practice 1984 Street criticou não somente o conceito da grande divisão mas também o que chamou de modelo autônomo do letramento como uma tecno logia neutra que pode ser destacada de contextos sociais específicos Em seu lugar propôs um modelo de letramentos no plural que enfatizava o contexto social de práticas como leitura e escrita e o papel ativo das pessoas comuns que fazem uso dessas aptidões Tomando exemplos de seu trabalho de campo no Irã na década de 1970 fez um contraste entre dois tipos de escolaridade a arte da leitura do Corão ensinada na escola religiosa e a arte da contabilidade lecionada na escola comercial do mesmo lugar Caso semelhante pode ser relatado na moderna Turquia onde o líder nacio nal Kemal Atatürk ordenou a troca da notação arábica para o alfabeto ocidental em 1929 declarando que nossa nação mostrará com sua notação e sua mente que seu lugar é no mundo civilizado A troca ilustra vivamente a importância simbó lica da mídia de comunicação Ela também é relacionada à questão da memória INTRODUÇÃO 23 pois Atatürk queria modernizar o seu país e mudando a notação eliminava o acesso da nova geração à antiga tradição No entanto nas escolas religiosas que ensinam o Corão tanto na Turquia quanto no Irã a notação tradicional arábica ainda é ensinada A disputa entre Goody e Street junto com o debate mais recente sobre realidade virtual e ciberespaço tema da conclusão deste livro oferece ilustra ções claras e sempre pertinentes sobre os enfoques e as limitações associadas às tendências disciplinares No transcurso de seus trabalhos de campo os antropólo gos por exemplo têm mais oportunidades que os historiadores para investigar em profundidade o contexto social mas menos chances de observar mudanças com o passar dos séculos A partir da década de 1990 as análises da mídia tanto por antropólogos quanto por historiadores foram postas de lado pelos escritores inclusive romancistas e cineastas Enquanto isso ao confrontar os temas levan tados no interior da rubrica globalização os economistas tendiam a se concen trar no estatisticamente mensurável Alguns produtores e roteiristas desviando se do problema da relação entre ciência e tecnologia reduziam todas as coisas do mundo a pontos luminosos dados unidades de mensagem contidas dentro do cé rebro e de seu assistente o computador Outros alongavamse sobre a complexi dade e o modo como o computador alterou a arquitetura das ciências e artes e a imagem que temos da realidade material Para historiadores e especialistas em estudos sociais há uma divisão contí nua entre os que enfatizam a estrutura e os que realçam a organização De um lado alguns reivindicam que não há conseqüências do uso do computador em si pelo menos não mais do que há com o letramento incluindo o visual e o compu tacional Somente há conseqüências para indivíduos que usam essas ferramentas De outro lado outros sugerem que o uso de um novo meio de comunicação inevitavelmente muda a longo prazo se não antes a visão das pessoas sobre o mundo Uma corrente acusa a outra de tratar pessoas comuns como passivas objetos do impacto do letramento ou da computação A acusação inversa é tratar a mídia inclusive a imprensa como passiva espelho da cultura e da sociedade e não como agência de comunicação transformando tanto uma quanto outra Este não é o lugar para tentar dar fim ao debate Ao contrário pedimos aos leitores que se lembrem dos pontos de vista alternativos durante a leitura das páginas a seguir Nenhuma teoria única fornece um guia completo para o reino contemporâneo das tecnologias de comunicação de alta definição de interação e mutuamente convergentes nas quais as relações sejam elas individuais ou so ciais locais ou globais estão em fluxo contínuo CAPÍTULO 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto Este capítulo e o seguinte referemse à Europa no período que antecedeu a chama da era moderna indo desde cerca de 1450 até 1789 em outras palavras desde a revolução da prensa gráfica até as Revoluções Francesa e Industrial O ano de 1450 é a data aproximada para a invenção na Europa provavelmente por Johann Gutenberg de Mainz de uma prensa gráfica talvez inspirado pelas prensas de vinhos de sua região natal banhada pelo rio Reno que usava tipos móveis de metal Na China e no Japão a impressão já era praticada há muito tempo desde o século VIII se não antes mas o método geralmente utilizado era o chamado de impressão em bloco usavase um bloco de madeira entalhada para imprimir uma única página de um texto específico O procedimento era apropriado para culturas que empregavam milhares de ideogramas e não um alfabeto de 20 ou 30 letras Provavelmente por essa razão teve poucas conseqüências a invenção de tipos móveis no século XI na China No entanto no início do século XV os coreanos criaram uma fôrma de tipos móveis descrita pelo acadêmico HenriJean Martin como de uma quase alucinatória similaridade àqueles de Gutenberg A invenção ocidental pode ter sido estimulada pelas notícias do que havia aconteci do no Oriente A prática da impressão gráfica se espalhou pela Europa com a diáspora dos impressores germânicos Por volta de 1500 haviam sido instaladas máquinas de impressão em mais de 250 lugares na Europa 80 na Itália 52 na Alemanha e 43 na França As prensas chegaram a Basiléia em 1466 a Roma em 1467 a Paris e Pilsen em 1486 a Veneza em 1469 a Leuven Valência Cracóvia e Buda em 1473 a Westminster distinta da cidade de Londres em 1476 e a Praga em 1477 Todas essas gráficas produziram cerca de 27 mil edições até o ano de 1500o que significa que estimandose uma média de 500 cópias por edição cerca de 13 milhões de livros estavam circulando naquela data em uma Europa com cem milhões de habitantes Cerca de dois milhões desses livros foram produzidos somente em Veneza enquanto Paris era um outro centro importante com 181 estabelecimen tos em 1500 24 A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 25 Em contraste a impressão gráfica custou a penetrar na Rússia e no mundo cristão ortodoxo uma região incluindo o que hoje são a Sérvia a Romênia e a Bulgária onde o alfabeto utilizado era o cirílico e na qual a educação formal estava praticamente confinada ao clero Em 1564 um russo educado na Polônia levou a técnica para Moscou mas sua oficina foi logo destruída por uma quadrilha A situação mudou no início do século XVIII graças aos esforços do czar Pedro o Grande reinado de 1686 a 1725 que fundou uma gráfica em São Petersburgo em 1711 seguida pela Gráfica do Senado em São Petersburgo e Moscou da Gráfica da Academia Naval 1721 e da Gráfica da Academia de Ciências 1727 A localiza ção desses estabelecimentos sugere que o czar estava interessado basicamente em aprendizado e educação de modo a tornar os russos familiarizados com a ciência e a tecnologia modernas em especial a tecnologia militar O fato de os materiais impressos terem chegado tão tarde à Rússia mostra que a revolução da impressão gráfica não era um fator independente ver p15 e não se ligava somente à tecno logia Essa revolução precisava ter condições sociais e culturais favoráveis para se disseminar e a ausência de população laica letrada na Rússia foi um sério obstá culo para o surgimento na região da cultura impressa No mundo muçulmano a resistência à impressão gráfica permaneceu forte durante o início da era moderna Na realidade os países muçulmanos têm sido vistos como uma barreira à passagem dos impressos da China rumo ao Ocidente De acordo com um embaixador imperial em Istambul em meados do século XVI os turcos pensavam ser pecado imprimir livros religiosos O medo de heresia estava por trás da oposição à impressão gráfica e do aprendizado sobre o Ociden te Em 1515 o sultão Selim I reinado de 1512 a 1520 fez um decreto punindo com a morte a prática da impressão No fim do século o sultão Murad III reinado de 1574 a 1595 permitiu a venda de livros impressos nãoreligiosos com caracte res árabes mas estes provavelmente eram importados da Itália Alguns europeus tinham orgulho dessa superioridade técnica Henry Olden burg 161877 o primeiro secretário da Sociedade Real de Londres e homem profissionalmente ligado à comunicação científica relacionou a ausência da im pressão gráfica com o despotismo Observou em uma carta de 1659 que o Grande Turco é um inimigo da aprendizagem para seus súditos porque ele acha vantajoso conservar as pessoas na ignorância para poder imporse Por isso não tolerará qualquer impresso sendo da opinião de que a impressão gráfica e o aprendizado especialmente aquele encontrado nas universidades são o combustível principal da divisão entre cristãos A história irregular da impressão gráfica no império otomano revela a força dos obstáculos a essa forma de comunicação e também às representações visuais A primeira prensa turca só foi instalada no século XVIII cerca de 200 anos depois da hebraica 1494 e 150 depois da norteamericana Um húngaro convertido ao islã e expastor protestante enviou um memorando ao sultão falando sobre a 26 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA importância da impressão gráfica e em 1726 teve permissão para imprimir livros seculares No entanto houve oposição de escribas e líderes religiosos A nova gráfica imprimiu apenas uma pequena quantidade de livros e não durou muito tempo A gazeta oficial otomana só foi fundada em 1831 enquanto o primeiro jornal nãooficial turco lançado por um inglês só apareceu em 1840 A idéia de que a invenção da impressão gráfica marcou época é antiga seja a nova técnica discutida isoladamente seja em conjunto com a invenção da pólvora ou como parte do trio imprensapólvorabússola Para o filósofo inglês Francis Bacon 15611626 foi este trio que mudou todo o estado e a face das coisas em todo o mundo embora o ensaísta francês Michel de Montaigne 153392 escre vendo uma geração antes tenha lembrado a seus leitores que os chineses usu fruíam os beneficios da impressão há mil anos Samuel Hartlib um exilado do Leste europeu na GrãBretanha que apoiou diversas iniciativas de reformas sociais e culturais escreveu em 1641 que a arte da impressão disseminará tanto conhecimento que as pessoas comuns sabedoras de seus direitos e liberdades não serão governadas de forma opressora O bicentenário da invenção da impressão gráfica foi celebrado em 1640 cerca de dez anos antes segundo alguns modernos acadêmicos e o terceiro centenário em 1740 no famoso esboço da história mundial do marquês de Con dorcet 174394 publicado em 1795 a impressão gráfica junto com a escrita foi identificada como um dos marcos do que o autor chamou de progresso da mente humana A inauguração da estátua de Gutenberg em Mainz em 1837 fezse acompanhar de celebrações entusiásticas Entre salvas de artilharia a coberta foi removida da estátua e mil vozes cantaram um hino Depois vieram orações janta res bailes discursos corridas de barcos procissões com tochas Gutenberg foi saudado com muitos copos transbordantes de vinho do Reno No entanto alguns comentaristas desejaram que a nova época jamais tivesse chegado As loas triunfais da invenção foram contrariadas pelo que se pode cha mar de narrativas catastróficas Os escribas cujo negócio era ameaçado pela nova tecnologia deploraram desde o início a chegada da impressão gráfica Para os homens da Igreja o problema básico era que os impressos permitiam aos leitores que ocupavam uma posição baixa na hierarquia social e cultural estudar os textos religiosos por conta própria em vez de confiar no que as autoridades contavam Para os governos essas conseqüências mencionadas por Hartlib não deviam ser celebradas O surgimento de jornais no século XVII aumentou a ansiedade sobre os efeitos da nova tecnologia Na Inglaterra na década de 1660 sir Roger LEstrange o censorchefe de livros ver p97 ainda questionava se mais males que vantagens eram ocasionados ao mundo cristão pela invenção da tipografia ó Tipografia Como distorcestes a paz da Humanidade escreveu o poeta inglês Andrew Marvell 162178 em 1672 A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 27 Os acadêmicos ou qualquer pessoa em geral à procura de conhecimento tinham outros problemas Olhemos desse ponto de vista a tão propalada explo são de informação metáfora imprópria reminiscente da pólvora que se seguiu à invenção dos impressos As questões mais graves eram as de recuperação de informação e ligada a isso a seleção e crítica de livros e autores Havia necessi dade de novos métodos de administração de informação assim como hoje em dia nos primeiros tempos da Internet No início da Idade Média o problema havia sido a falta de livros a escassez No século XVI foi o oposto Um escritor italiano queixouse em 1550 de que havia tantos livros que não temos nem tempo de ler os títulos Os volumes eram uma floresta em que os leitores podiam se perder de acordo com o reformador João Calvino 150964 Era um oceano no qual os leitores tinham de navegar ou uma enchente de material impresso em que era difícil não se afogar Com a multiplicação dos livros as bibliotecas tiveram de ser ampliadas ficou mais difícil encontrar um livro nas prateleiras e os catálogos se tornaram cada vez mais necessários Os compiladores de catálogos deviam decidir se classi ficavam a informação por assunto ou ordem alfabética de autores A partir do meio do século XVI bibliografias impressas ofereciam informação sobre o que havia sido escrito mas como as compilações cresceram em tamanho tornaramse cada vez mais necessárias as listagens por assunto Os bibliotecários também enfrentaram o problema de manter os catálogos atualizados e se inteirar sobre as novas publicações Jornais acadêmicos forneciam informação sobre livros recémpublicados o número desses jornais se multiplica va e portanto era necessário buscar dados em outros lugares Como havia mais livros do que era possível ler durante uma vida deviase ajudar os leitores a escolher produzindo bibliografias selecionadas e a partir do final do século XVII resenhas das novas publicações A coexistência de relatos triunfalistas e catastróficos sobre as publicações indica a necessidade de precisão em qualquer debate sobre suas conseqüências O historiador vitoriano lorde Acton 18341902 foi mais acurado que seus prede cessores ao enfatizar tanto o que se pode chamar de efeitos colaterais ou tópicos das publicações tornar o conhecimento acessível para um público maior quanto seus efeitos verticais e cumulativos permitindo às novas gerações partir do trabalho intelectual das gerações anteriores De acordo com Acton na sua palestra Sobre o estudo da história 1895 os impressos deram a certeza de que as obras do Renascimento permaneceriam para sempre de que aquilo que fora escrito seria acessível a todos que a nãodivulgação de conhecimentos e idéias característica da Idade Média jamais ocorreria de novo nem mesmo uma idéia seria perdida Esta era uma visão parcial e livresca sobre a Idade Média que ignora a tradição oral e deixa de fora muita coisa hoje considerada básica Estudos mais 28 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA recentes sobretudo aqueles associados ao debate sobre a mídia freqüentemente rejeitam antigas posições aumentandoas e ocasionalmente exagerandoas Os historiadores sociais por exemplo mostraram que a invenção da impressão gráfica mudou a estrutura ocupacional das cidades européias Os próprios impressores eram um novo tipo de grupo de artesãos necessariamente letrados A correção das provas tipográficas constituía uma ocupação recente surgida com a nova técnica assim como a quantidade de vendedores de livros e bibliotecários naturalmente cresceu em conseqüência da explosão do número de livros Mais aventuroso e especulativo do que os historiadores Marshall McLuhan sublinhou a mudança do foco auditivo para o visual chegando a dizer que os impressos abriram uma fenda entre a cabeça e o coração Tanto a força quanto a fraqueza de sua abordagem estão contidas em um dos muitos conceitos que ele lançou a cultura das publicações sugerindo ligações entre a nova invenção e as mudanças culturais do período sem nunca especificar no entanto o que pode riam ser esses elos Ong foi mais cauteloso mas também ele acreditava nas conse qüências psicológicas a longo prazo das publicações Enquanto a invenção da prensa tipográfica tem sido discutida convencionalmente em termos de seu valor para disseminar idéias sua contribuição maior foi levar mais longe a mudança a longo prazo na relação entre espaço e discurso Ong também enfatizou o surgi mento de diagramas e a organização visual ou espacial dos livros acadêmicos do século XVI com seus índices dicotomizados que tudo significavam para os olhos e nada para os ouvidos porque é impossível lêlos alto O conteúdo da primeira edição de Anatomy of Melancholy de Robert Burton 1621 foi sumarizado dessa maneira Figura 4 O mesmo problema de informação projetada para os olhos pode ser mencionado nas tabelas de tempo e de astronomia a partir do século XVI e para as tábuas de logaritmos impressas primeiramente no século XVII Tais livros eram muito dispendiosos e técnicos para atrair mais do que uma minoria da população também surgiu contudo material impresso mais barato e simples sob a forma de brochuras muitas vezes ilustradas embora as figuras fossem freqüentemente tiradas de livros já publicados e pouco tivessem a ver com o texto As brochuras eram folhetos comercializados por vendedores ambulan tes ou mascates em vários lugares no início da Europa moderna em algumas regiões circulavam no século XIX e mesmo no XX Desde a década de 1960 os historiadores vêm estudando as brochuras francesas a chamada Biblioteca Azul Bibliothèque Bleue em uma referência à encadernação com áspero papel azul usado para embrulhar açúcar O maior centro de produção ficava em Troyes no nordeste da França Mas graças ao trabalho dos mascates as brochuras eram amplamente distribuídas tanto no interior quanto nas cidades Os assuntos mais comuns eram as vidas de santos e romances de cavalaria levando alguns histo riadores à conclusão de que a literatura era escapista ou mesmo uma forma de A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 29 tu Ecraluocaduariu DifpothieuMpfnierAc biéN amovo 4bleed8canceitc l a r e b Sliricloadj naeurallanimaL M i u á s To its cs B e d y C o u t i e u e d a s 1 sabps iispdarfpennadcall or Haia lkite à esuenterecr Sallsg 4i invbjek I g estai Diflimularbraifte bortliuc r Wl f91140 22 t V gy 1 tiaticistit 4 VegeAL I tjedê ad at Scafible uhr078 tr r4449C Raciona Soirjr to 11 i T uutc sob IA r o 2 1011241 ti 4 Figura 4 Índice ramista de Anatomy of Melancholy de Robert Burton 1a ed 1621 anestesia além de representar um modo de difundir entre as camadas mais baixas de artesãos e camponeses os modelos culturais criados por e para o clero e a nobreza Essa conclusão é muito simples para ser aceita sem comentários Em primei ro lugar os livros não eram comprados somente por pessoas comuns Sabese que nobres os liam Em segundo lugar a Biblioteca Azul não representava toda a cultura de seus leitores Provavelmente a cultura oral era mais importante De qualquer modo não sabemos como os leitores ou os ouvintes reagiam às histórias se por exemplo se identificavam com Carlos Magno ou com os rebeldes e contra ele Apesar dos problemas levantados por esse estudo de caso é certo que na 30 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA França e em outros países europeus inclusive na Itália na Inglaterra e na Holan da o material impresso tornouse parte importante da cultura popular no século XVII se não antes Resumindo o trabalho de toda uma geração sobre o assunto uma historia dora norteamericana Elizabeth Eisenstein sustentou em um ambicioso estudo lançado em 1979 que a impressão gráfica era a revolução não reconhecida e que seu papel como agente de mudança havia sido subestimado nos levantamentos tradicionais sobre Renascença Reforma e revolução científica Trabalhando com as idéias de McLuhan e Ong Elizabeth Eisenstein domesticouas traduzindoas em termos que seriam aceitáveis à sua própria comunidade profissional formada por historiadores e bibliotecários Embora fosse cautelosa ao tirar conclusões gerais ela enfatizou duas conseqüências a longo prazo da invenção dos impressos Em primeiro lugar as publicações padronizaram e preservaram o conhecimento fenômeno que havia sido muito mais fluido na era em que a circulação de in formações se dava oralmente ou por manuscritos Em segundo lugar as impres sões deram margem a uma crítica à autoridade facilitando a divulgação de visões incompatíveis sobre o mesmo assunto Para ilustrar esse ponto a historiadora tomou o exemplo de Montaigne cujo ceticismo parece ter sido fruto de vasta leitura Explicando por que Montaigne percebia maior conflito e diversidade nos trabalhos que consultava do que os comentaristas medievais de uma era anterior comenta a autora algo deve ser dito sobre o crescente número de textos que ele tinha à mão Mais deveria ser dito porém sobre essa distinção entre público e privado resultado de sua experiência Reconsiderando a revolução da impressão gráfica O livro de Elizabeth Eisenstein permanece sendo uma síntese valiosa No entanto 20 anos após sua publicação os argumentos da autora sobre as mudanças revolu cionárias que se seguiram à invenção da impressão gráfica parecem exagerados Em primeiro lugar as alterações que ela salientou aconteceram por um período de pelo menos três séculos da Bíblia de Gutenberg à Enciclopédia de Diderot ver p102 A adaptação ao novo meio foi gradual tanto no caso de estilos de apre sentação quanto no dos hábitos de leitura ver p67 Em outras palavras como na Revolução Industrial na visão de alguns historiadores modernos o que vemos é aquilo que o crítico britânico Raymond Williams 192188 chamou uma vez de uma Longa Revolução Tratase de uma questão intrigante será que uma revolução lenta pode afinal ser considerada uma revolução Um segundo problema é o do agente Falar da impressão gráfica como agente de mudança é dar muita ênfase ao meio de comunicação em detrimento de escritores impressores e leitores que usaram a nova tecnologia cada qual segundo A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 31 seus próprios e diferentes objetivos Talvez seja mais realista ver a nova técnica como aconteceu com outros meios de comunicação em séculos posteriores a televisão por exemplo como um catalisador mais ajudando as mudanças sociais do que as originando ver p25 Em terceiro lugar Elizabeth Eisenstein toma a impressão gráfica de forma relativamente isolada No entanto para estimar as conseqüências sociais e cultu rais da nova técnica é necessário ver a mídia como um todo avaliar todos os diferentes meios de comunicação como interdependentes tratandoos qual um pacote um repertório um sistema ou o que os franceses chamam de regime seja ele autoritário democrático burocrático ou capitalista O sistema devese enfatizar sofria mudanças constantes mesmo que algu mas delas só se tornassem visíveis a longo prazo Por exemplo a tecnologia de impressão não se manteve inalterada após Gutenberg O impressor alemão Wil lem Blaeu aprimorou o modelo da prensa de madeira no século XVII Foram desenvolvidos mecanismos maiores para mapas A prensa manual de ferro de Stanhope 1804 dobrou a taxa normal de produção enquanto a de vapor de Frie drich Koenig 1811 quadruplicou a produtividade em relação à de Stanhope Pensar em termos de um sistema de mídia significa enfatizar a divisão de trabalho entre os diferentes meios de comunicação disponíveis em um certo lugar e em um determinado tempo sem esquecer que a velha e a nova mídia podem e realmente coexistem e que diferentes meios de comunicação podem competir entre si ou imitar um ao outro bem como se complementar As mudanças no sistema de mídia precisam ser também relacionadas a alterações no sistema de transporte o movimento de mercadorias e pessoas seja por terra ou água rio canal ou mar A comunicação de mensagens é ou pelo menos foi parte de um sistema de comunicação física Comunicação física Sem dúvida constitui uma tradição o fluxo de informações seguir o fluxo do comércio pois os mercadores operando por mar ou terra traziam novidades juntamente com a mercadoria A própria impressão gráfica se difundiu na Europa pelo rio Reno da Mainz de Gutenberg a Frankfurt Estrasburgo e Basiléia Nos séculos XVI XVII e XVIII as mensagens em papel seguiram a rota da prata do México ou Peru para o Velho Mundo ou a rota do açúcar do Caribe para Londres Nova nos séculos XVI e XVII é a evidência do aumento da consciência sobre os problemas da comunicação física O entusiasmo dos humanistas do Renascimento pela antiga Roma incluía o interesse pelas estradas romanas discu tidas por exemplo no famoso tratado de Andrea Palladio Quatro livros de arqui tetura 1570 Publicaramse guias de estradas de determinados países notada 32 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 5 John Ogilby mapa rodoviário de Britannia exibindo Cambridge 1675 mente o Guide des Chemins de France 1553 de Henri Estienne e Britannia 1675 Figura 5 de John Ogilby o primeiro atlas das estradas inglesas apresentadas no que o autor chamou de rolos imaginários Uma versão atualizada desses mapas em formato reduzido foi produzida em 1719 e alcançou a vigésima segunda edição em 1785 uma evidência da necessidade que os viajantes tinham de uma publicação como essa Os governos também se preocuparam mais com as estradas mesmo que seja dificil ver grandes melhorias no sistema europeu antes de meados do século XVIII Na França uma nova função foi criada por volta de 1600 a de Grand Voyer para supervisionar o sistema Uma das razões dessa preocupação com as estradas era a crescente necessidade em uma época na qual os Estados europeus estavam em processo de centralização de transmitir comandos mais rapidamente das capitais para as províncias O interesse dos governantes pelas comunicações foi a razão principal para a rápida expansão do sistema postal no início do período moderno embora os mercadores e outros indivíduos dele também tenham tirado vantagem No início do período moderno na Europa o transporte aquático era nor malmente muito mais barato do que o terrestre Um impressor italiano calculou em 1550 que a remessa de uma carga de livros de Roma para Lyon custaria 18 scudi A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 33 por terra comparado com os quatro scudi por mar Normalmente as cartas eram entregues por terra porém no século XVII desenvolveuse na república holande sa um sistema de transporte de correspondência jornais e pessoas por meio de barcaças em canais A velocidade média das barcaças era um pouco acima de 64 quilômetros por hora lenta se comparada a um correio a cavalo Por outro lado o serviço era regular freqüente barato e permitia a comunicação não somente entre Amsterdã e cidades menores mas também entre as próprias cida des menores equalizando assim o acesso à informação Somente em 1837 com a invenção do telégrafo elétrico ver p137 foi quebrada a tradicional ligação entre transporte e comunicação das mensagens Império e comunicação A comunicação segundo o cientista político norteamericano Karl Deutsch são os nervos do governo especialmente importante em grandes Estados e acima de tudo em extensos impérios Carlos V reinado de 1519 a 1558 cujos domínios incluíam a Espanha a Holanda a Alemanha e grande parte da Itália assim como o México e o Peru tentou resolver o problema da comunicação viajando incessan temente por toda a Europa O discurso de abdicação de Carlos V ressaltava que durante quatro décadas como imperador ele fizera 40 viagens dez visitas à Ho landa nove à Alemanha sete à Itália seis à Espanha quatro à França duas à Inglaterra e duas ao norte da África No entanto o estilo tradicional dos reinos nômades na Idade Média não foi mais suficiente para as necessidades de Carlos V A idade do império do papel havia chegado juntamente com um sistema regu lar de transmissão de mensagens o sistema postal assim chamado porque envol via o estabelecimento de postos com homens e cavalos estacionados ao longo de algumas estradas ou rotas de correio No século XVI uma família dominava o sistema postal europeu a Tassis ou Taxis o termo táxi atualmente de uso internacional é derivado de seu nome Foi essa família dona dos correios dos imperadores Habsburgo a partir de 1490 que desenvolveu o sistema usual operando de acordo com uma tabela fixa dispo nível em forma impressa a partir de 1563 Bruxelas atualmente foco de tantas outras coisas era o ponto central do sistema Uma rota ia de Augsburg e Innsbruck a Bolonha Florença Roma e Nápoles Outra ia a Paris e através da França a Toledo e Granada Mensageiros especiais trocando os cavalos a intervalos regulares eram capa zes de viajar até cerca de 200 quilômetros por dia e assim trazer as notícias de importantes eventos com relativa rapidez Em 1572 por exemplo as notícias do massacre de protestantes em Paris conhecido como Dia de São Bartolomeu chegaram a Madri em três dias Viajar à velocidade do correio era uma expressão 34 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA comum no período Entretanto o tempo em geral gasto para a chegada das men sagens era consideravelmente maior pois correios normais andavam cerca de dez a 13 quilômetros por hora De Roma a Milão um correio comum levava de dois a três dias dependendo da estação do ano de Roma a Viena 12 a 15 dias de Roma a Paris 20 e eram necessários de 25 a 30 dias para o correio ir de Roma a Londres ou Cracóvia Os correios normais levavam cerca de 11 dias de Madri que foi capital da Espanha a partir de 1556 a Paris e 12 ou 13 dias de Madri a Nápoles que era parte do império espanhol O império espanhol na época do filho e sucessor de Carlos V Felipe II reina do de 1556 a 1598 embora menor em extensão foi bem descrito pelo grande historiador francês Fernand Braudel 190285 em seu famoso estudo La Mediter ranée et le monde méditerranée à lépoque de Philippe II 1949 um empreendimento colossal de transporte por mar e terra que requeria a expedição diária de centenas de ordens e relatórios A estratégia de Felipe era oposta à de seu pai Ele preferia na medida do possível permanecer em um lugar Madri ou seus arredores e sentar a sua mesa de trabalho durante várias horas por dia lendo e anotando os documentos que chegavam de todos os seus domínios Não é de estranhar que os súditos te nhamno apelidado de el rey papelero rei do papel O grande problema era o tempo demasiado que os documentos levavam para alcançar Felipe ou que suas ordens levavam para alcançar seus destinatários A obsessão dos homens de Estado e embaixadores do século XVI com a chegada do correio foi enfatizada por Braudel A lentidão do governo espanhol era notória levando um oficial a desejar que a morte viesse da Espanha Essas demoras não podem ou nem sempre podem ser explicadas pela indecisão do rei Felipe II mas principalmente por problemas de comunicação de um império que se estendia pelo Mediterrâneo desde a Espanha até a Sicília atravessava o Atlântico até o México e o Peru e o Pacífico até as Filipinas chamadas assim em homenagem a Felipe por terem se tornado uma possessão espanhola em sua época Naquele tempo um navio levava normalmente uma ou duas semanas de acordo com os ventos para atravessar o Mediterrâneo de norte a sul e dois ou três meses de leste para oeste Por isso o mundo mediterrânico do período foi chamado por Braudel de Sessenta dias de comprimento A comunicação por mar no entanto era normalmente mais rápida do que por terra Por exemplo no México os espanhóis tiveram de construir o que cha maram de estradas reais como a famosa estrada da prata das minas de Zaca tecas até a cidade do México Os nomes dessas vias também sobreviveram na Califórnia e no Novo México Na Europa Oriental onde a população era menos densa que na Ocidental e as cidades eram menores e em número reduzido a comunicação também se fazia mais lenta No império russo na época de Catari na a Grande reinado de 1762 a 1796 por exemplo uma ordem imperial chegava A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 35 a levar 18 meses para ir de São Petersburgo a Kamchatka na Sibéria e outros 18 para se receber a resposta na capital Os problemas de comunicação ajudam a explicar por que os impérios dos primórdios da Europa moderna com exceção da Rússia eram marítimos Eram os impérios intercontinentais de Portugal Espa nha Holanda França e GrãBretanha e também o império sueco na Europa construído em redor do mar Báltico Comunicações transatlânticas Para se comunicar com seus vicereis no México e no Peru Felipe II e seus sucessores dependiam das partidas e retornos anuais dos navios que transporta vam a prata do Novo Mundo para o porto de Sevilha os quais por medida de segurança andavam com escoltas O comboio para o México por exemplo zar pava no verão e começava a viagem de volta para o Velho Mundo no outono Cartas da Espanha para o México podiam levar apenas quatro meses para chegar porém para Lima normalmente demoravam de seis a nove meses levando quase dois anos para atingir as Filipinas As comunicações entre a Inglaterra e a Nova Inglaterra eram muito mais rápidas mas as missivas podiam se perder ou atrasar Uma carta relatando a execução de Carlos I escrita em março de 1649 chegou somente em junho à Nova Inglaterra Era prática comum fazer cópias de cartas e enviálas por diferentes navios para minimizar o risco de perda Somente no século XVIII com as melhorias das comunicações os intervalos de tempo via Atlântico encurtaram pelo menos no que concerne ao Império Britânico O tráfego entre a Inglaterra e a América do Norte dobrou entre as décadas de 1680 e 1730 Em 1702 foi implantado um sistema de navios conhecido como navios de pacotes levando cartas de Londres para Barbados ou para a Jamaica com partidas mensais horários para cem dias e carregamentos de cerca de 8500 cartas em cada navio Como resultado do ponto de vista das comunica ções o Atlântico encolheu com relação ao tamanho do Mediterrâneo na era de Felipe II Os navios que atravessavam o Atlântico carregavam além de cartas livros e jornais Como os livros eram objetos pesados a maioria das cópias tendia a ficar perto do lugar em que eram impressas No entanto há evidências de distribuição a longa distância No século XVI por exemplo foram exportados romances de cavalaria em grande número para o México e o Peru apesar da desaprovação do clero Em 1540 um único editor tinha 446 cópias do romance popular Amadis de Gaula em estoque em sua loja na Cidade do México O mesmo livro era um dos favoritos em Lima em 1583 Em 1600 não menos que dez mil cópias de outro romance Pierres y Magalona chegaram à Cidade do México Na puritana Nova Inglaterra ao contrário parece ter havido maior demanda por sermões impressos 36 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Indivíduos como o clérigo Increase Mather 16391723 recebiam regularmente carregamentos de livros de Londres Durante a guerra civil inglesa eram enviadas folhas de notícias para Boston e no começo do século XVIII a chegada regular de notícias estimulou a criação de jornais locais como o Boston Newsletter 1704 Assim pouco a pouco foi diminuindo o que o historiador australiano Geoffrey Blayne descreveu como a tirania da distância Comunicação oral Muitas vezes dizse que a invenção do jornal impresso não alterou fundamental mente a natureza oral da cultura européia Como este livro tenta mostrar a afir mativa é exagerada como é enganadora a tentativa de caracterizar a cultura européia em termos de um único meio mas por trás do exagero se esconde um ponto notável Apesar da vasta literatura sobre a importância da comunicação oral e em especial o que é muitas vezes chamado de literatura oral a posição desse meio de comunicação e sua relação com as mudanças na cultura visual têm recebido na história do início da Europa moderna menos atenção do que merece Na Idade Média o altar mais do que o púlpito ocupava o centro das igrejas cristãs No entanto o sermão dos padres já era obrigação aceita e os frades prega vam nas ruas e praças das cidades assim como nas igrejas Havia distinções entre os sermones dominicales para os domingos e os sermones festivi para os vários dias de festa sendo que o estilo da pregação simples ou rebuscado sério ou divertido contido ou histriônico era conscientemente adaptado às platéias urbana ou rural clerical ou leiga Em suma as possibilidades do meio oral eram conscientemente exploradas pelos mestres do que era conhecido no século XVI como a retórica eclesiástica Não admira que o sociólogo Zygmunt Bauman tenha descrito os púlpitos da Igreja Católica como um meio de comunicação de massa Após a Reforma o sermão dos domingos se tornou parte cada vez mais importante da instrução religiosa tanto para protestantes quanto para católicos Embora Martinho Lutero 14831546 saudasse a nova técnica de impressão como a maior graça de Deus ele ainda considerava a igreja uma casa da boca e não da pena Alguns pregadores reuniam multidões como o poeta John Donne c15721631 que foi o decano da catedral de São Paulo em Londres A função pública do sermão também era reconhecida pelos católicos romanos especialmente depois do Concílio de Trento e houve grandes pregadores católicos como Jacques Bossuet 16271704 na Corte de Luís XIV Se não tivéssemos o registro da época seria difícil acreditar hoje que houvesse entusiasmo de alguns membros do público por sermões que duravam duas ou três horas Os governos tinham plena consciência do valor do púlpito para difundir informação especialmente nas áreas rurais e estimular obediência A rainha A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 37 Elisabeth I falou da necessidade de sintonizar os púlpitos e Carlos I concordou declarando que em tempos de paz as pessoas são mais governadas pelo púlpito do que pela espada uma clássica e primeira declaração da idéia de hegemonia cultural O outro tipo de comunicação oral era a acadêmica O ensino nas universi dades baseavase em palestras debates formais ou disputas testando a habilidade lógica dos estudantes e discursos formais ou declarações testando seus poderes de retórica A arte da fala e do gesto era considerada pelos retóricos tão impor tante quanto a da escrita Ao contrário o ensaio escrito como por exemplo o exame escrito era praticamente desconhecido nos círculos acadêmicos da épo ca Nas escolas de gramática davase grande ênfase à habilidade de falar latim e os professores compunham diálogos e peças para que os estudantes praticassem a fala Outro importante domínio da comunicação oral era o canto especialmente a balada canção que contava uma história As teorias de Parry e Lord discutidas anteriormente ver p17 são bastante relevantes para as baladas que circulavam no início da Europa moderna Não é difícil identificar fórmulas e temas das famosas baladas da fronteira norte da Inglaterra e das Terras Baixas da Escócia por exemplo assim como as equivalentes escandinavas e espanholas Vinho vermelhosangue ou corcel brancoleitoso eram expressões tão batidas quanto o mar escuro como o vinho de Homero Havia temas recorrentes nas baladas britânicas enviar uma carta sentar em um pavilhão galopar um cavalo cresce rem plantas nos túmulos de amantes trágicos para por fim reunilos A sobrevi vência de diferentes versões de uma determinada balada The Bonny Earl of Mur ray por exemplo ou Barbara Allen em manuscritos ou impressos diferentes no tamanho e no fraseado sugere que como na Iugoslávia de Parry os menestréis desenvolveram seus próprios estilos de recitar que provavelmente eram semiim provisados Os boatos foram descritos como um serviço postal oral funcionando com velocidade admirável As mensagens transmitidas nem sempre eram espontâneas algumas vezes se disseminavam por motivos políticos e em tempos de conflito um lado regularmente acusava o outro de espalhar boatos Três exemplos famosos de boatos e seus efeitos espontâneos ou não no início da era moderna na Europa foram o movimento iconoclasta de 1566 no norte da França e na Holanda ver p91 a conspiração papal inglesa na década de 1680 ver p99 e o chamado grande medo no interior da França em 1789 estudado em profundidade na década de 1930 pelo historiador especialista em Revolução Francesa Georges Lefebvre 18741959 Neste último caso circularam notícias entre os trabalhado res rurais sobre os efeitos das brigadas que estariam vindo para massacrálos ou atacar suas plantações talvez por ordem dos ingleses ou da aristocracia Em vez de ignorar tais rumores ou acreditar neles Lefebvre estudou sua cronologia e geo grafia com cuidado e usouos como evidência de tensões sociais 38 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA A cultura oral daquele período não deve ser pensada unicamente em termos de sobrevivência ou do que Ong chamou de resíduo oral Na época desenvolve ramse novas instituições que estruturaram esse tipo de comunicação oral inclu sive grupos de discussões mais ou menos formais como academias sociedades científicas salões clubes e cafés A julgar pelos tratados sobre o assunto a arte da conversação foi cultivada com particular intensidade As livrarias também funcio navam como centros sociais e James Boswell encontrou Samuel Johnson pela primeira vez na sala dos fundos de uma livraria pertencente a Tom Davies O desenvolvimento do comércio trouxe notáveis conseqüências para a co municação oral sobretudo o aumento das trocas de valores e mercadorias in cluindo as bolsas de Bruges 1409 Antuérpia 1460 Lyon 1462 Amsterdã 1530 Londres 1554 Hamburgo 1558 e Copenhague 1624 O mercador judeu sefardim José Penso de la Vega em um diálogo em espanhol intitulado Confusiones de las confusiones 1688 deu uma vívida descrição de uma delas a de Amsterdã mostrando que a prática de especulação com ações de companhias e mesmo a classificação em compradores e vendedores já eram comuns na época E também o hábito de lançar boatos de modo a forçar os preços para cima e para baixo O comportamento volátil das ações e sua dependência das mudanças de humor do maníaco para o depressivo mais obviamente perceptível nesse pe ríodo pelo rápido aumento e colapso da South Sea Bubble em outras palavras especulação com as ações da South Sea Company de Londres em 1720 devem ser em parte explicados pelo meio oral O fenômeno ainda é observado atualmente nas bolsas de valores Os centros de comunicação oral incluíam tabernas banhos públicos e cafés uma inovação no período Istambul era famosa no século XVI pelos cafés cerca de 600 Neles contadores de histórias faziam suas performances como ainda na Iu goslávia da década de 1930 quando Parry e Lord visitaram os chamados kafanas com seus gravadores Havia pelo menos 500 cafés em Londres na época da rainha Ana reinado de 1702 a 1714 Eles prepararam o caminho para a terra dos clubes A ampla variedade de estabelecimentos atendia a diversos tipos de clientes e dife rentes tópicos de conversação Podiamse presenciar discussões de assuntos cientí ficos no café Childs no Garraway ou no Grecian onde era possível ver e ouvir sir Isaac Newton 16421727 Discutiamse seguros no Lloyds que era um café até o fim do século XVII antes de se tornar instituição independente Em meados do século XVIII o café Slaughters era o local de um grupo de artistas que compreendia William Hogarth 16971764 No século XVIII em Paris os principais cafés in cluíam o Café de Maugis um centro de ataques à religião e o Procopes fundado em 1689 e ainda funcionando freqüentado pelos principais intelectuais do Ilumi nismo como Denis Diderot 171384 Em várias cidades as autoridades preocu padas com a possibilidade de os cafés estimularem comentários subversivos sobre o governo mantinhamnos sob vigilância A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 39 Clubes e cafés inspiraram a criação de comunidades originais de comunica ção oral O melhor exemplo inglês é o do criativo Spectator Club composto por uma variedade de pessoas que incluía um proprietário rural um comerciante um religioso e um oficial militar formando a base do The Spectator editado por Joseph Addison 16721719 e Joseph Steele 16721729 e publicado em 171112 ver p79 Um diário fundado em Leipzig em 1689 tinha o título de The Curious Coffeehouse of Venice O ainda mais famoso jornal milanês Il Caffe 17646 teve importante papel no Iluminismo italiano Várias peças eram apresentadas nesses locais culminando com a comédia de Voltaire Le café ou Lecossaise 1760 na qual são representados clientes fazendo críticas a outras peças Da mesma maneira alguns jornais do século XVIII do Bristol Postboy ao Hamburgische Patriot também ajudaram a criar comunidades locais da mesma forma como alega Benedict Anderson em Imagined Communities 1983 o jornal do século XIX contribuiu para a formação de uma consciência nacional por tratar seus leitores na condição de comunidade um público nacional Comunicação escrita O mérito dos contextos em que a escrita é aprendida ou utilizada já era bastante evidente no início da Europa moderna em que muitas vezes ensinavamse a leitura e a escrita separadamente Sobre o contexto comercial da leitura e a de manda da escrita por parte do mundo dos negócios podemos citar Florença nos séculos XIV e XV Ali escolas especializadas ensinavam escrita e aritmética com base em exemplos comerciais para meninos que iriam se tornar comerciantes ou contadores Como outras cidades do mundo mediterrâneo Florença pode ser definida como uma cidade de notários na qual os documentos escritos tinham função indispensável sobretudo para registrar transferências de propriedades por ocasião de matrimônios ou mortes A literatura laica era relativamente numerosa na cidade e a prática de escrever diários ou crônicas encontravase bastante difun dida Exemplos desse tipo de documento pessoal também podem ser encontrados em outras cidades como Augsburg Barcelona Bolonha Londres Nuremberg e Paris Usualmente essas autobiografias focalizavam mais as famílias ou a cidade e menos os indivíduos e algumas vezes circulavam sob forma de manuscritos na comunidade urbana O contexto religioso do letramento é visível principalmente na Europa pro testante nos séculos XVII e XVIII Um exemplo clássico é o da Suécia luterana onde a igreja fazia exames anuais em toda casa para avaliar a leitura de cada membro da família seu conhecimento do catecismo etc Os resultados eram registrados sistematicamente distinguindo níveis de habilidade como começan do a ler lendo um pouco e assim por diante Os registros eram conservados 40 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA vila J Ap ta 10 5w100dr WIaSaijrad1 484 i f4141t 4r i y o m f r o 11 prer Figura 6 Registro do exame doméstico de escolaridade na Suécia com cuidado e tornaramse uma rica fonte para o estudo do início do letramento moderno Figura 6 Entre outras coisas revelam que a disseminação do ensino da leitura extensível às mulheres e às crianças na área rural foi resultado de uma maciça campanha entre 1620 e 1720 No entanto no conjunto o início da era moderna européia constituía uma sociedade pouco letrada em que somente uma minoria da população especialmente homens moradores de cidades e protestan tes sabia ler e menos ainda escrever Daí vem a importância do que se chama letramento mediado em outras palavras o uso do letramento para o benefício dos iletrados Nas cidades daquele período ocupação comum como na cidade do México ou em Istambul hoje ou A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 41 pelo menos até há pouco tempo era a de escritor público pessoa com um escritório na rua compondo ou escrevendo cartas para gente que não sabia escrever Em Paris por exemplo alguns desses homens trabalhavam no cemitério dos Inocentes O viajante inglês John Evelyn 16201706 descreveu a imagem desses indivíduos redigindo cartas para pobres criadas e outras pessoas ignoran tes que vinham pedir conselhos e escrever para o interior para namorados pais e amigos servindo como mesa a pedra mais alta do túmulo Na Finlândia do século XVIII camponeses analfabetos precisavam se comunicar por escrito com o gover no para escapar do recrutamento do Exército sueco Nesse caso um intermediário crucial era o clérigo local que servia como escriba Um exemplo contundente do letramento mediado e suas conseqüências imprevistas é o caso que se apresentou ao tribunal do governador de Roma em 1602 envolvendo uma carta de amor escrita por um certo Giovanantonio para sua vizinha de 16 anos Margarita Infelizmente a moça não sabia ler e precisou pedir isso a outra vizinha o que aumentou a chance de o romance ser descoberto pelos pais eles realmente descobriram e levaram o caso ao tribunal As conseqüências do aumento do letramento e sua penetração na vida diária foram muitas e variadas Cresceu o número de pessoas em ocupações ligadas à escrita empregados de escritório contadores escrivãos notários escritores pú blicos e carteiros por exemplo Alguns desses cargos possuíam status social relati vamente alto entre eles a de secretário particular a serviço de figuras importantes que não tinham tempo de escrever suas próprias cartas O conhecimento da leitura e da escrita obstáculo para o processo tradicional de amnésia estrutural ver p22 estimulou um sentimento de distância entre passado e presente A percepção de anacronismo histórico por exemplo parece terse tornado cada vez mais intensa a partir dos séculos XIV e XV Os resultados políticos do letramento compreendiam a disseminação dos registros escritos o que se pôde notar a partir do século XIII se não antes e com eles a grande dependência do processamento da informação termo que iria aparecer com destaque nas futuras teorias de comunicação a saber na identifica ção no final do século XX de uma sociedade da informação ver p264 A informação parecia se referir a números o que viria a ser chamado de estatísti ca ou a fatos Tendo acesso a ela o estilo de governo caminhou rumo ao modelo de administração escritural ou burocrática como a denominou o sociólogo ale mão Max Weber 18641920 Na exposição do que chamou autoridade racional legal Weber enfatizou a relação entre a ampliação do uso da escrita para formular e registrar decisões e um tipo de administração mais impessoal Esta caracterizase pela imposição de regras formais nas nomeações de funcionários para as respecti vas esferas de responsabilidade e seu lugar dentro de uma hierarquia Os argu mentos de Weber desde então foram estendidos da política para os domínios da religião dos negócios e das leis 42 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Felipe II cujos problemas de comunicação já se discutiram não foi o único rei do papel no início da Europa moderna Grandes nobres vendo sua participa ção nas tomadas de decisão diminuir freqüentemente se queixavam do governo dos secretários A intensificação do uso da escrita no processo de administração era condição necessária para o controle a distância para o crescimento de um Estado centralizado No entanto o número de documentos a serem lidos e assina dos era excessivo mesmo para monarcas conscienciosos como Felipe II da Espa nha ou no século XVII Luís XIV da França Os secretários eram autorizados a forjar a assinatura do rei em documentos que este não havia lido pois as ordens não seriam cumpridas se não parecessem vir diretamente do monarca E como ocorre muitas vezes as práticas sociais avançam mais devagar do que as inovações técnicas Não se devem esquecer também os usos políticos do letramento para pessoas comuns As rebeliões eram acompanhadas por queixas escritas como no caso por exemplo da Guerra dos Camponeses na Alemanha em 1525 ou dos cahiers no começo da Revolução Francesa para mencionar somente duas das mais profun das convulsões sociais A assinatura de petições por grande número de pessoas foi uma prática que se infiltrou na política inglesa no século XVII Quinze mil cida dãos de Londres assinaram a Root and Branch Petition em 1640 no início da Guerra Civil e petições posteriores tinham mais de 30 mil assinaturas No século XIX diziase que o número de nomes havia subido à casa dos milhões Meio de comunicação escrito não é sinônimo de manuscrito menos ainda de pena e tinta No início do período moderno as inscrições pintadas e cinzeladas eram uma forma nítida de comunicação Os epitáfios nos túmulos e monumentos das igrejas eram escolhidos com cuidado e os visitantes estrangeiros faziam ques tão de lêlos prática facilitada pelo fato de que até o século XVIII a maioria deles era escrita em latim Uma história da comunicação não pode neglicenciar os meios lingüísticos pelos quais acontecia a comunicação Linguagens de comunicação O crescimento de uma sociedade com tecnologia de impressão é muitas vezes associado ao desenvolvimento das línguas vernáculas da Europa em contraste com uma sociedade medieval préimpressão na qual a comunicação escrita era predominantemente em latim e a oral faziase no dialeto local O crescimento do emprego de vernáculos para propósitos literários foi acompanhado por sua pa dronização e codificação processo ajudado pela nova técnica A tradução da Bíblia para o alemão por Martinho Lutero é citada muitas vezes como um exemplo da nova tendência importante por si mesmo e também modelo para outras tradu A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 43 ções como a Bíblia de Tyndale ver p89 a Bíblia tcheca de 157994 a Bíblia de Kralice e a inglesa de 1611 a versão autorizada Dante e Chaucer no entanto escreveram seus poemas em italiano e inglês Mesmo preocupado como era com o status do latim também Petrarca empregou o italiano para sua poesia introspectiva e de louvor à musa Laura Fora da Itália o francês Joachim Du Bellay 152260 e o alemão Martin Opitz 15971639 esta vam entre os escritores que cantavam as vantagens do vernáculo como veículo para a poesia No campo da política uma data freqüentemente citada é 1539 quando o rei da França Francisco I ordenou que os documentos legais utilizassem o francês em vez do latim tradicional No campo acadêmico o médico alemão Theophrastus von Hohenheim conhecido como Paracelso 14931541 quebrou a tradição dando aulas em vernáculo na Universidade de Basiléia embora muitos de seus colegas resistissem à inovação e somente se fosse ouvir usualmente o alemão o inglês e o italiano nas salas das universidades no século XVIII Na mesma época o francês tomou o lugar do latim como língua principal da diplomacia internacional Entretanto como sugerem os dois exemplos citados não se deve datar dessa época o declínio do latim Eram comuns traduções dos vernáculos para essa língua especialmente do italiano e do francês dedicadas ao público do norte da Europa Pelo menos 900 delas foram feitas entre os fins dos séculos XV e XVIII alcançando o auge na primeira metade do século XVII Para citar somente exemplos ingleses os ensaios de Francis Bacon a filosofia de John Locke o Sceptical Chemist e outras obras de Robert Boyle Óptica de Newton e mesmo o Paraíso perdido de Milton e Elegy in a Country Churchyard de Thomas Gray eram mais familiares no continente europeu na versão latina pois não se conhecia muito a língua inglesa nos outros países até a segunda metade do século XVIII Comunicação visual A linguagem do gesto levada a sério no início da Europa moderna era ensinada nas escolas como parte da disciplina de retórica e constituía assunto de vários tratados desde A arte do gesto 1616 do jurista italiano Giovanni Bonifacio até a Chirologia 1644 do médico inglês John Bulwer que tratava da retórica ma nual em outras palavras da linguagem natural das mãos No que tange à comunicação visual em sentido mais amplo os humanistas do Renascimento teriam pouco a aprender com o crítico francês Roland Barthes 191580 a respeito do que ele chamava de a retórica da imagem o próprio Barthes que analisou a propaganda moderna com a ajuda da Retórica de Aristóte les provavelmente teria sido o primeiro a reconhecer isso 44 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA A despeito de suas admiráveis inovações de estilo as peças normal e anacro nicamente chamadas obras de arte da Renascença deveriam ser vistas como imagens ou mesmo como o que os sociolingüistas denominam eventos comuni cativos A punição de Cora por exemplo afresco do pintor florentino Sandro Botticelli 14451510 na Capela Sistina em Roma representa a terra abrindose para engolir um homem que tinha ousado se rebelar contra a autoridade de Moisés Encomendado pelo papa Sisto IV no fim do século XV época em que se falava em reunir um concílio para limitar o poder papal o afresco afirma categoricamente que o papa é o novo Moisés e que a rebelião não vale a pena A esse respeito as famosas pinturas religiosas do Renascimento como Juízo final de Michelangelo ou O milagre de são Marcos de Tintoretto Figura 2 não eram tão inovadoras embora a então recente tridimensionalidade talvez as tenha tornado mais eficazes do ponto de vista da comunicação religiosa Já era bem conhecido o emprego das imagens para despertar emoções Imagens seculares cada vez mais identificadas com os pintores individual mente a partir dos anos 1500 comunicavam uma variedade maior de mensagens a platéias menores Enquanto colocavase grande número de pinturas religiosas em igrejas onde todos podiam vêlas a maior parte das imagens seculares do Renascimento era comprada por indivíduos que as punham em suas casas Por exemplo a Primavera de Botticelli pode ser muito conhecida hoje graças a expo sições e reproduções mas na Renascença não era vista pela maioria das pessoas pois estava pendurada em uma residência particular Geralmente tanto trabalhos religiosos quanto seculares eram feitos sob en comenda por clientes particulares e de acordo com suas especificações algumas vezes extremamente precisas como mostram os contratos da época As obras literárias também eram freqüentemente criadas para clientes específicos e a eles dedicadas Foi somente no início do período moderno no século XVI na Holan da e no XVIII na França e na Inglaterra que os artistas e escritores ver p66 começaram a trabalhar para o mercado produzindo primeiro e vendendo depois Imagens impressas O crescimento do mercado deuse de modo associado ao da imagem reproduzida mecanicamente em particular da estampa termo geral empregado para ima gens impressas O meio utilizado era um bloco de madeira ou uma placa de cobre ou aço com a imagem cinzelada na placa gravada ou feita por corrosão com ácido no caso de águaforte A primeira xilogravura conhecida data do final do século XIV e foi provavel mente inspirada pela estamparia de tecidos De fato coleções de imagens de cenas religiosas em xilogravuras já estavam sendo produzidas uma geração antes da A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 45 Bíblia de Gutenberg A águaforte se desenvolveu nos séculos XVI e XVII particu larmente famosas eram as feitas por Rembrandt A vantagem desse método no qual uma placa de metal é coberta com cera sobre a qual são desenhadas linhas antes de a placa ser submersa em um banho de ácido é que se podem obter gradações de tom por meio de nova imersão da placa acrescentandose novas linhas e tornando os primeiros sulcos mais profundos e escuros No século XVIII com a invenção da meiatinta com pequenos orifícios de profundidades dife rentes substituindo as linhas sobre a placa com gradações ainda mais sutis tornouse possível fazer reproduções realísticas em pretoebranco de pinturas a óleo Em 1796 a litografia foi inventada por Aloys Senefelder 17711834 Con sistindo de um desenho com lápis de cera sobre uma pedra o novo meio permitiu pela primeira vez produzir imagens coloridas a custo baixo O crescimento da figura impressa foi a mudança mais profunda da comuni cação visual de todo aquele período pois permitia como nunca que as imagens ficassem disponíveis para difusão O processo rapidamente envolveu os principais artistas do Renascimento como Botticelli que criou uma série de ilustrações em xilogravuras para a Divina comédia de Dante Os impressos eram relativamente baratos de se fazer e transportar permitin do que o trabalho dos artistas alcançasse rapidamente um número elevado de pessoas É provável por exemplo que as mais memoráveis e vívidas imagens do Novo Mundo não sejam aquelas relatadas por Cristóvão Colombo e viajantes posteriores mas as xilogravuras representando índios ornados de cocares de pe nas cozinhando e comendo carne humana A devoção popular era estimulada por imagens de santos em xilogravuras distribuídas nos dias de festa imagens simila res de Lutero ajudaram a difundir as idéias dos reformadores da Igreja em 1520 As pinturas de Leonardo da Vinci Rafael e Michelangelo foram reproduzidas sob a forma de gravuras e xilogravuras e apresentadas para um público bem maior assim como as pinturas de Rubens no século XVII Os impressos também apresentavam as imagens da Europa Ocidental para outras culturas Eles foram usados como modelos por pintores religiosos no mundo russo ortodoxo a partir de meados do século XVII Influenciaram igualmente estilos de representação em lugares tão distantes quanto a Pérsia a Índia a China o México e o Peru A consciência política popular que será discutida com maiores detalhes no próximo capítulo foi estimulada pela difusão de impressos satíricos espe cialmente nos séculos XVII e XVIII na Inglaterra e na França revolucionária ver p1017 Sabese que algumas dessas imagens vendiam bastante bem Por exemplo um impresso celebrando a revogação da Lei do Selo que tinha grande objeção por parte das colônias norteamericanas em 1765 vendeu duas mil cópias a um xelim cada uma em quatro dias e dizse que outras 16 mil cópias ilegais foram vendidas Figura 7 Durante o período os padrões figurativos mudaram e o impresso alegórico como os dos funerais caricatos foi substituído pela carica Figura 7 A revogação ou Cortejo fúnebre de Miss SeloAmérica 1765 tura de cunho político mais direto As caricaturas representavam por exemplo sir Robert Walpole Charles James Fox ou o Príncipe de Gales os principais temas do artista James Gillray 17561815 na década de 1780 antes que mudasse e começasse a satirizar a Revolução Francesa No mundo acadêmico as discussões sistemáticas sobre a importância da imagem impressa como meio de comunicação se comparam às detalhadas investigações a respeito de textos impressos Os bibliógrafos dos séculos XIX e XX preocuparamse com o aparecimento a datação e a impressão de livros enquanto os historiadores de arte analisaram a impressão de figuras Os dois grupos supostamente deveriam prestar atenção à reprodução e ao número de cópias em circulação embora isso nem sempre tenha acontecido De acordo com o crítico marxista alemão Walter Benjamin 18921940 o trabalho artístico mudou de caráter após a Revolução Industrial O que decai na idade da reprodução mecânica é a aura da obra de arte A máquina substitui por uma pluralidade de cópias o que era uma existência única e fazendo isso produz um deslocamento do valor culto da imagem em direção a seu valor de exibição Se a aura da imagem se perde ou não esta é uma hipótese difícil de testar sempre é possível argumentar que a familiaridade com a reprodução aguça em vez de saciar o desejo de ver o original Benjamin estava pensando na mídia do século XIX como a litografia e a fotografia ver p165 mas William M Ivins Jr 18811961 curador de gravura A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 47 do Metropolitan Museum of Art de Nova York salientou com veemência a impor tância das gravuras do século XVI como relatos pictóricos reproduzíveis de maneira exata Ivins argumentava que elas estavam entre as ferramentas mais importan tes e poderosas da vida e do pensamento modernos Ressaltou que os antigos gregos por exemplo abandonaram a prática de ilustrar tratados botânicos pela impossibilidade de produzir imagens idênticas de uma planta em diferentes có pias manuscritas do mesmo trabalho Por outro lado a partir do fim do século XV os tratados sobre ervas eram regularmente ilustrados com xilogravuras Os mapas que começaram a ser impressos em 1472 oferecem outro exemplo do modo pelo qual a comunicação por imagens foi facilitada com a possibilidade de repetição representada pelo prelo Em um sentido mais literal do que afirmava David Olson ver p21 elas ofereciam aos leitores o mundo no papel e torna vam mais fácil do que antes para grupos munidos desses documentos controlar partes da Terra independentemente de seu controle ser basicamente militar político econômico ou ideológico Tanto generais e governos quanto mercadores e missio nários estimularam a produção de mapas manuscritos do mundo além da Europa Muitas vezes tinham a esperança de conservar a informação para si mas ela foi gradativamente sendo impressa e distribuída ao público A transferência do mapa de duas dimensões para o globo tridimensional cujo sobrevivente mais antigo é o de Martin Behaim de 1492 tornou ainda mais fácil pensar sobre a Terra como um todo Quando os mapas foram agrupados em atlas começando com O teatro do mundo de Abraham Ortelius publicado pri meiro na Antuérpia em 1570 eles permitiram ao leitor ver o mundo como um todo e em detalhe Embora o ideal de um mundo cosmopolita remonte aos filósofos estóicos na era do Império Romano a difusão de globos e mapas impres sos estimularam a consciência global Outra novidade desse período foi a narrativa em tiras ou história em ima gens a ancestral da história em quadrinhos do século XX A narrativa visual em que o leitor lê os episódios normalmente da esquerda para a direita e de cima para baixo já era conhecida na Idade Média mas sua importância cresceu com o surgimento da xilogravura no Renascimento Produziamse xilogravuras em lon gas tiras para registrar certos eventos como o percurso de procissões nas ruas Essas tiras equivalentes aos rolos medievais davam aos leitores a impressão de ver a procissão passar No entanto as verdadeiras imagens em movimento do início do período moderno eram as próprias procissões Comunicação multimídia Parece que as formas de comunicação mais efetivas daquele período assim como acontece hoje eram as que apelavam simultaneamente para os olhos e os 48 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA ouvidos combinando mensagens verbais com nãoverbais musicais e visuais desde tambores e trombetas de paradas militares até os violinos que acompanha vam performances de salão No início da era moderna na Europa essas formas incluíam rituais espetáculos montagens de teatro amador peças balés e óperas Os rituais eram mensagens mas também um meio mais ou menos eficaz de comunicar informação Menos porque a maior parte da informação codificada na ação provavelmente não era assimilada pela maioria dos espectadores um público incapaz de compreender as alusões à história antiga ou à mitologia clássica por exemplo ou literalmente incapacitado de ver o que se passava Por outro lado os rituais eram mais do que um meio de transmitir informação pois criavam solida riedade fosse entre o padre e sua congregação o governante e seus súditos fosse entre os membros de uma associação ou corporação desfilando juntos em procis são Devese acrescentar que na época acreditavase que os rituais fossem um meio de promover mudanças no mundo A consagração da hóstia transformavaa em corpo e alma de Cristo enquanto a cerimônia da coroação tornava a pessoa um rei Supunhase que o toque dos reis da França e da Inglaterra curava os doentes pelo menos aqueles sofrendo da doença de pele conhecida como escrofulose Em certos dias do ano os enfermos chegavam aos palácios dos reis aos milhares Ritual nem sempre é a melhor palavra para descrever vários desses eventos multimídia É melhor seguir o uso do século XVII e qualificar pelo menos alguns deles como espetáculos Naquela época a forma principal de espetáculo público era a procissão geralmente religiosa mas muitas vezes secular como no caso das entradas reais nas cidades Batalhas de exibição como as justas ou os torneios também podem ser descritas como forma de espetáculo ao ar livre outro modo comum de espetáculo que continuava a ser importante na época embora não tivesse nada de exibição eram as execuções Realizadas em público precisamente para impressionar os espectadores comunicavam a mensagem de que não adian tava tentar resistir às autoridades e que os malfeitores teriam final funesto Outro tipo de espetáculo pode ser descrito como teatro da vida diária do governante que muitas vezes fazia suas refeições em público e podia até mesmo transformar em rituais seus atos de se levantar pela manhã e ir dormir à noite como o famoso caso de Luís XIV da França reinado de 1643 a 1715 Também a rainha Elisabeth I a que declarou que os príncipes eram colocados em palcos foi habilidosa ao explorar essa situação para propósitos políticos transformandose em uma deusa ou em um mito com tanta competência quanto Eva Perón no sistema de mídia tão diferente na Argentina em meados do século XX Os exemplos sugerem que os estudantes de mídia devem tentar colocar sob perspectiva histórica a declaração de RogerGérard Schwartzenberg segundo a qual a origem do espetáculo de Estado e do star system na política foi uma conseqüência do surgimento da televisão ou ainda a afirmação de Guy Debord ver p 249 de que a sociedade do século XX é uma sociedade do espetáculo em A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 49 que a classe dominante discursa interminavelmente sobre si mesma em um ininterrupto monólogo de autoelogio A televisão pode ser responsável pelo reflorescimento do teatro político e certamente lhe deu novas formas permitindo a tantas pessoas observar os líderes políticos em closeup mas a dramatização pública e a personalização da política como o monólogo oficial de autoelogio têm um passado muito mais antigo Como estudo de caso do espetáculo como comunicação o festival florentino de são João Batista do fim do século XV é interessante pois era uma celebração da riqueza e do poder da cidade de Florença e especialmente de seu governo Trata vase de uma cidade grande para o período com cerca de 40 mil habitantes e uma cidadeestado que controlava parte substancial da Toscana São João Batista foi o principal patrono e protetor de Florença e sua festa em 24 de junho era uma ocasião particularmente esplêndida Um dos eventos principais da festa era uma procissão de ida e volta da catedral até ao rio Amo na qual tomavam parte monges frades clero secular meninos cantores e confrarias religiosas Todos desfilavam em ruas decoradas com ricos tecidos e abarrotadas de espectadores acompanhados por músicos carregando relicários e seguidos por balsas repre sentando cenas religiosas como o nascimento de são João ou o batismo do santo por Cristo A parte secular das celebrações em Florença incluía uma exposição de pro dutos de luxo fornecidos pelos artesãos da cidade em especial tecidos jóias e trabalhos de ourivesaria exibidos fora das oficinas e também uma corrida palio não muito diferente da que ainda existe em Siena duas vezes por ano com cavalos e cavaleiros em paramentos coloridos O aspecto civil do festival era marcado por um banquete para a Signoria o equivalente local do conjunto formado por prefei to e vereadores um agradecimento à parte desempenhada na organização dos eventos do dia por diferentes distritos da cidade e pela chegada de delegados das cidades toscanas dominadas por Florença entre elas Pisa Arezzo Pistoia Vol terra e Cortona para oferecer tributo ao santo e portanto à cidade do qual era patrono Por isso os rituais podem ser descritos como uma expressão da identida de coletiva dos florentinos O estilo do ritual europeu mudou nos séculos XVI e XVII Duas dessas mudanças merecem ênfase especial a reestruturação do ritual conforme práticas romanas antigas e o aparecimento do teatro que culminou com um dos mais famosos slogans associados à comunicação O mundo todo é um palco Os humanistas do Renascimento no processo de reviver a Antigüidade clássica utili zaram rituais antigos como a montagem de uma batalha naval no estilo da Roma antiga no pátio do Palazzo Pitti em Florença o qual se enchia de água para a ocasião Em diversas outras cidades dispersas em diferentes países uma versão recorrente do espetáculo clássico acontecia com a entrada ritual de um príncipe De acordo com a tradição romana antiga o príncipe circulava em uma carruagem 50 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA atravessando arcos triunfais e sendo saudado por pessoas representando a Fama a Vitória ou a Justiça Exemplos famosos foram a entrada do imperador Carlos V em Bolonha para sua coroação em 1530 do rei Henrique II em Rouen em 1550 e do rei Carlos IX em Paris em 1571 A prática se tornou bastante difundida e não se limitou aos governantes No século XVII em Londres o novo lorde prefeito atravessou arcos triunfais semelhantes no ritual de sua posse a Festa do Lorde Prefeito Até que ponto esses espetáculos eram compreensíveis Para ajudar os espec tadores a entender o que acontecia durante o evento podia haver um intérprete como são Jorge na Festa do Lorde Prefeito em Londres em 1609 Alternativa mente podiam ser anexadas resenhas escritas a algumas personalidades procedi mento ridicularizado pelo dramaturgo Ben Johnson 15721637 que preferia uma audiência letrada a outra popular com exemplos satíricos como Isto é um cachorro ou Isto é uma lebre Freqüentemente os espetáculos eram descritos em livros impressos e ilustrados disponíveis no próprio dia ou logo nos dias se guintes para permitir aos espectadores ou pelo menos a alguns deles saber pre cisamente o que esperar e compreender o que estavam vendo ou descobrir o sig nificado do que acabaram de ver Quem estava dizendo o quê e para quem nesses rituais No caso das visitas dos oficiais aos centros urbanos a resposta óbvia é que a cidade estava demons trando sua lealdade ao príncipe A resposta não é incorreta mas está incompleta A comunicação era um processo de duas vias uma forma de diálogo e os prínci pes demonstravam sua boa vontade em relação aos súditos ao mesmo tempo que recebiam aplausos Além disso os rituais eram às vezes executados em proveito de príncipes estrangeiros para os quais tornavase inapropriada a expressão de leal dade Bolonha fazia parte dos estados da Igreja quando em 1529 recebeu Carlos V Veneza era uma república independente quando em 1574 o rei Henrique III da França fez sua entrada formal Finalmente é possível encontrar ocasiões nas quais as cidades usaram rituais para enviar outro tipo de mensagem para o prínci pe não tanto um panegírico ou uma petição Quando Carlos V entrou em Bruges em 1515 os adornos chamavam atenção para o declínio econômico da cidade que estava sendo substituída como centro comercial pelo porto de Antuérpia Uma das cenas mostradas a Carlos V era uma roda da fortuna com Bruges ao fundo A mensagem era clara consistia em um apelo ao príncipe para que restaurasse a prosperidade perdida pela cidade A época dos principais festivais era a melhor para os espetáculos teatrais como por exemplo as peças religiosas para a festa de Corpus Christi ou peças profanas durante o carnaval Esses espetáculos aconteciam normalmente na rua no pátio real ou em residências Uma importante evolução a partir do fim do século XVI foi o surgimento do teatro público em Londres Madri Paris e outros lugares As peças começaram a ser encenadas por atores profissionais em hospeda A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 51 rias ou prédios próprios os teatros como o Hôtel de Bourgogne em Paris 1548 o Teatro 1576 ou o Globe 1598 em Londres Os teatros eram abertos a todos mediante o pagamento de um ingresso bastante barato Na Londres de Shakespea re uma entrada de teatro custava um penny preço que tanto aprendizes quanto mercadores e cavalheiros podiam pagar A ópera comercial começou um pouco mais tarde em Veneza onde o primeiro teatro público foi aberto em 1637 O aparecimento ao mesmo tempo do teatro comercial em diversos países sugere que o fator crucial de seu desenvolvimento além da imitação de novos modelos estrangeiros foi o crescimento da população das cidades ultrapassan do cem mil habitantes Com um público potencial desse tamanho os atores profissionais foram capazes de se estabelecer em um lugar em vez de vagar pelo país em busca de novos espectadores e atuar na mesma peça para diferentes platéias noite após noite ou com maior freqüência levar duas ou três peças du rante algumas semanas Interação entre meios de comunicação Eventos multimídia não são os únicos exemplos nesse período da interação entre diferentes meios de comunicação da interface entre esses meios Há outros como os chamados iconotextos imagens cuja interpretação depende de textos a elas incorporados o nome dos santos rolos com falas saindo da boca das figuras ou títulos acima ou abaixo das imagens Por exemplo o entendimento das gravu ras de William Hogarth como A rua do gim O progresso de uma prostituta e O aprendiz diligente dependem do material textual preso nos lados das imagens Hogarth também foi contratado para produzir pinturas a partir de cenas de um musical de grande sucesso na época a Ópera dos mendigos de John Gay Outro tipo de interação pode ser ilustrado pela função dos manuscritos no início da Europa moderna É tema recorrente na história cultural que quando aparece um novo gênero ou meio de comunicação no caso a impressão gráfica os anteriores não somem O velho e o novo por exemplo o cinema e a televisão coexistem e competem entre si até que finalmente se estabeleça alguma divisão de trabalho ou função É óbvio que os manuscritos continuaram a ser usados para comunicações específicas como cartas familiares ou comerciais embora devase ressaltar que a carta manuscrita foi influenciada pela impressão gráfica no perío do por meio dos vários tratados sobre a arte de escrever cartas publicados em grande número na Itália e em outros lugares a partir do século XVI Esses manuais ofereciam modelos úteis para cartas de congratulações condolências amorosas apologias ou para pedir dinheiro Requer aqui exame mais atento a sobrevivência no início do período mo derno do manuscrito como canal importante para a circulação pública de mensa 52 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA gens Para ser mais preciso os manuscritos ainda eram usados para transmitir mensagens de maneira semipública Na Rússia em 1700 ainda circulava literatu ra secular sob as formas oral ou de manuscritos pois as poucas prensas existentes estavam localizadas em mosteiros e eram usadas para a produção de livros religio sos Mesmo na Europa Ocidental na qual como vimos havia muitas prensas a circulação de manuscritos continuou a desempenhar algumas funções úteis Nos séculos XVI e XVII homens de status elevado e as mulheres mais ainda sentiamse incomodados com a idéia de publicar livros sob o pretexto de que eles seriam vendidos ao público em geral e portanto fariam com que os autores se identificassem aos comerciantes Como resultado desse preconceito poetas de círculo social íntimo e alguns escritores preferiam fazer seus trabalhos circularem entre amigos e conhecidos em cópias manuscritas Foi desta forma que por exemplo os poemas de sir Philip Sidney 155486 como a seqüência de sonetos Astrophel e Stella circularam na Inglaterra elisabetana E os poemas líricos de John Donne escritos na década de 1590 só foram publicados em 1633 dois anos após a morte do autor Provavelmente Donne não queria publicar poemas sobre o amor porque havia entrado para a Igreja e se tornado um pregador mere cidamente famoso As formas de circulação de manuscritos se diferençavam daquela dos im pressos de várias maneiras No caso dos primeiros tratavase de um meio de criar vínculos sociais entre os indivíduos envolvidos às vezes um grupo de amigos Freqüentemente a caligrafia dos manuscritos transformavaos em obras de arte Os textos eram menos fixos e mais maleáveis que os impressos pois quem fazia as transcrições muitas vezes sentiase livre para acrescentar ou subtrair algo dos versos que copiava ou então modificava os nomes para adaptar o que estava escrito à sua própria situação Atualmente o manuscrito seria chamado meio interativo Uma segunda e ainda mais importante razão para a circulação de manuscri tos era escapar da censura religiosa moral e política Em outras palavras para adotar um termo amplamente usado alguns anos atrás os manuscritos eram o samizdat do início do período moderno o equivalente aos textos datilografados publique você mesmo e às fotocópias criticando os regimes comunistas que circulavam oficiosamente na União Soviética Polônia e outros lugares antes de 1989 Por exemplo a Carta para a Grande Duquesa de Galileu Galilei 1564 1642 discussão do delicado tema sobre a relação entre religião e ciência circulou em grande número sob a forma manuscrita até ser finalmente impressa em 1636 Na França no fim do reinado de Luís XIV de 1661 a 1715 circulava uma grande variedade de manuscritos satirizando o rei sua família e seus ministros Também transitavam de forma oficiosa livros atacando o cristianismo Em alguns casos volumes impressos eram copiados para distribuição clandestina em uma região na A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 53 qual sua publicação tivesse sido proibida No começo do século XVIII em Paris o comércio de cópias manuscritas de livros nãoortodoxos era extremamente orga nizado e os copistas profissionais trabalhavam para negociantes que os vendiam próximo aos cafés Cerca de uma centena de textos desse tipo circulava na primei ra metade do século XVIII Entre os dois tipos de manuscritos discutidos anteriormente apareceram os noticiosos cartas enviadas para um número limitado de assinantes em múltiplas cópias principalmente entre 1550 e 1640 ou seja uma ou duas gerações antes do surgimento dos jornais A flexibilidade da forma manuscrita permitia varia ções nas notícias enviadas a cada assinante de acordo com seus interesses e necessidades Esse serviço personalizado de notícias só estava disponível para pessoas ricas mas permitia a circulação de informações que os governos prefe riam manter secretas Assim mesmo após 1650 ainda havia um mercado para esse tipo de manuscrito apesar do aparecimento dos noticiosos impressos ver p65 Na França por exemplo o conde de Lionne era o centro de uma rede de notícias manuscritas em Paris por volta de 1671 Seus empregados seguiam as forças armadas francesas no exterior e lhe enviavam relatórios que depois eram colocados em circulação Outro exemplo de interação entre manuscritos e impressos nos leva de volta à carta Os editores de jornais impressos de tipos diferentes desde o Transactions of the Royal Society até The Spectator freqüentemente solicitavam e recebiam correspondência de seus leitores Algumas dessas cartas eram impressas enquanto outras influenciavam os tópicos escolhidos para discussão e as opiniões expressas pelo jornal Como um exemplo final das interfaces entre meios de comunicação pode mos nos voltar para a relação entre divulgação oral e impressa Muitas vezes os textos impressos reproduziam o que Ong chamou de resíduo oral tipos de frases ou construções gramaticais mais apropriadas à fala do que à escrita à audição do que à visão Populares durante o início do período moderno os livros sob a forma de diálogo de O cortesão de Castiglione 1528 ao Neveu de Rameau de Diderot escrito na década de 1760 mas só publicado em 1830 transcreviam o que se falava nas cortes academias ou salões Muitas vezes os pregadores se inspiravam em textos desde a Bíblia até os esboços de sermões que já estavam disponíveis sob forma impressa no século XV de modo que o clérigo não precisava ficar acordado no sábado à noite pensando no que dizer à sua congregação no dia seguinte Os próprios pregadores também mandavam seus textos para impressão se não o fizessem outros se encarregariam disso tomando anotações taquigráficas dos sermões e transcrevendoas posteriormente A utilização de livros impressos nesse período também revela a interação entre a fala e o texto impresso Por exemplo um dos mais famosos livros devocio 54 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA nais do século XVI era Exercícios espirituais 1548 escrito por Inácio de Loyola o fundador da ordem dos jesuítas Um guia para meditação e exame de consciência publicado em latim a obra não foi escrita para ser lida pelos leigos católicos Era um manual de instrução para um padre ou orientador espiritual que passaria o texto para a comunidade sob a forma oral De maneira semelhante os manuais de treinamento que começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII destinavamse aos oficiais ou sargentos e não às tropas Na Inglaterra do início do século XVII canções populares impressas eram às vezes usadas como apoio às performances orais o equivalente ao atual karaokê Os textos eram copiados nas paredes das tavernas de modo que as pessoas que não conhecessem a letra de uma determinada balada ou dela não se lembrassem pudessem cantar junto com os outros Além disso ainda havia uma cultura oral viva em que muitas pessoas exercitavam sua criatividade compondo baladas sobre seus vizinhos ou inimigos Essas canções simples adaptavam versos de um texto impresso de modo similar ao dos escritores de manuscritos como já foi comentado e freqüentemente eram entoadas com melodias conhecidas A arte da conversação foi influenciada se não transformada pela difusão do assunto em livros impressos já disponíveis na Itália no século XVI como O cortesão 1528 de Baldassare Castiglione o Galateo 1558 de Giovanni Della Casa e La civil conversazione 1574 de Stefano Guazzo Tal influência continuou com uma série de tratados em francês espanhol e alemão e com as reflexões de Swift Fielding e lorde Chesterfield sobre o assunto Esses tratados ofereciam instruções a homens e mulheres de diferentes idades e grupos sociais aconselhan doos quando falar ou ficar em silêncio para quem falar sobre o quê e em que estilo O número de edições feitas os destaques e as anotações em algumas cópias que restaram sugerem que esses conselhos eram levados a sério Em outras pala vras as publicações estavam contribuindo para aquilo que os autores dos tratados teriam chamado de refinamento do discurso e também para sua crescente unifor midade processo estimulado ainda mais pela publicação de gramáticas de diver sas línguas européias Realmente a linguagem é um dos domínios que melhor ilustra a afirmação de Elizabeth Eisenstein sobre as conexões entre o material im presso e a padronização As interações entre as formas oral e impressa podem ser examinadas com maior detalhe pelo estudo de algumas versões italianas do que os acadêmicos ingleses chamam de livros populares ver p289 Uma pesquisa dessas brochuras publicadas na Itália no fim do século XV e começo do XVI revela a contínua im portância dos romances de cavalaria assim como na França mais de um século depois Um livro de contabilidade com registro das despesas de uma casa impres sora perto de Florença entre 1476 e 1486 revela que aproximadamente 500 cópias de um romance de cavalaria foram vendidas a um homem descrito como Bernardi A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 55 no que canta em um banco Parece plausível sugerir que Bernardino fazia o que ainda se faz em remotas partes do Brasil e em alguns lugares do Terceiro Mundo recitar o poema e depois dele vender cópias impressas A performance era uma espécie de marketing Juntava uma audiência de leitores potenciais e dava a eles a oportunidade de testar a qualidade do produto O texto vendido permitia que os ouvintes repetissem a performance para a família e os amigos Se fossem analfabe tos sempre poderiam pedir a alguém que lesse ou recitasse o poema Nessa época muitos outros textos publicados em Florença e Veneza começa vam ou acabavam com a fórmula sugerindo que um cantor estava se apresentando em público freqüentemente solicitando a ajuda de Deus e conclamando os ouvin tes a prestar atenção Prestem atenção em mim pois vou recitar um poema com rima Ou Se vocês prestarem atenção eu vou fazer vocês se divertirem Ou ainda Senhores e boa gente eu posso contar muitas histórias que sei de cor A fórmula de fechamento expressava a esperança de que os ouvintes tivessem gosta do da história possivelmente seguida de um chapéu que passava pela platéia para recolher dinheiro Esta história é contada em sua honra Pense sobre minhas necessidades ouvinte prudente Elegantes lindas e graciosas senhoras agradeço a atenção dispensada à minha pobre eloqüência As aberturas ou os finais lem bram os trechos normalmente em versos do começo e fim de peças teatrais e mais tarde de óperas em que o autor ou compositor se dirige diretamente à platéia Nesses textos não é difícil identificar fórmulas e temas do tipo discutido por Milman Parry e Albert Lord ver p17 Elas incluem alguns daqueles usados por poetas iugoslavos do século XX tais como convocar um conselho ou enviar uma carta lembrandonos da importância da escrita em uma cultura semioral Exemplos de fórmula são com fala mansa deixeo de cara no chão como um gato parecia ser um dragão e assim por diante Os textos também oferecem exemplos freqüentes da redundância típica da performance oral como por exem plo Chorando e soluçando com tristeza Lacrimando e piangendo con dobrei ou Aquele dia foi de grande calor e excessiva vivacidade Era quel di gran caldo e grande ardore Redundâncias desse tipo não devem ser interpretadas como fra queza da parte do poeta É um artifício que torna mais fácil para a audiência seguir a história Em resumo as mídias oral e impressa coexistiam e interagiam nos séculos XV e XVI na Itália assim como nas fronteiras angloescocesas no século XVIII No seu famoso estudo sobre poesia oral Lord argumenta que o letramento e a im pressão gráfica necessariamente aniquilam a cultura de tradição oral Chega a falar da morte da tradição oral Por outro lado esses exemplos italianos sugerem que as culturas oral e impressa foram capazes de coexistir por longo período Certa mente graças a esse tipo de coexistência sobreviveram as baladas tradicionais da Escócia Inglaterra e Escandinávia que foram transcritas e impressas a partir do século XVI 56 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Censura Como sugerem as observações feitas sobre a comunicação clandestina por manus critos no início do período moderno a censura da mídia sobretudo por heresia sedição ou imoralidade era uma grande preocupação das autoridades dos estados e das igrejas européias fossem elas católicas ou protestantes Em uma sociedade na qual somente a minoria era letrada a repressão não podia ser confinada apenas nos livros As peças de teatro por exemplo freqüente mente estavam sujeitas a censura Em Londres deviam obter licença do Mestre de Festas antes de serem encenadas Examinavamse os textos cuidadosamente pro curando comentários sobre pessoas importantes no país ou no exterior e sobre assuntos religiosos ou políticos O problema do censor era que embora o texto da peça fosse submetido previamente ficava difícil impedir os atores de improvisar e fazer observações subversivas durante a encenação Por isso algumas peças leva das em Londres como a conhecida Game at chess 1625 de Thomas Middleton que satirizava a Corte da Espanha foram abruptamente tiradas de cartaz por ordem do bispo ou do Conselho Privado Um arcebispo reformador de Bolonha falou em estabelecer um índex de imagens proibidas Isso nunca aconteceu talvez porque fosse muito difícil organi zar uma iniciativa desse tipo mas freqüentemente as imagens eram criticadas destruídas ou expurgadas e repintadas No caso do Juízo final de Michelangelo por exemplo ordenouse que os corpos fossem ocultos por grandes folhas O pintor Paolo Veronese 152888 foi indiciado perante a Inquisição em Veneza porque seu quadro sobre a Última Ceia incluía o que os inquisidores chamavam de bufões bêbados alemães anões e vulgaridades similares Alguns protestantes destruíam imagens consideradas idólatras enquanto os católicos queimavam as que consideravam erradas por exemplo são Sebastião nu as representações de são Martinho como soldado ou de santo Elói como ourives O sistema de censura mais famoso e difundido do período foi o da Igreja Católica com seu Índex dos Livros Proibidos O Índex era um catálogo talvez seja mais bem descrito como um anticatálogo de livros impressos que os fiéis estavam proibidos de ler Havia também vários índices locais começando com o publicado em 1544 pela Sorbonne a Faculdade de Teologia da Universidade de Paris porém os mais importantes foram aqueles editados pela autoridade papal e distribuídos por toda a Igreja de meados do século XVI a meados do XVII Podese dizer que o Índex foi uma invenção que funcionou como um antí doto ao protestantismo e à impressão gráfica Tratavase de uma tentativa de lutar contra as publicações usando publicações O Índexmodelo editado em 1564 começava com uma série de regras gerais proibindo três tipos principais de livros os heréticos os imorais e os mágicos Seguiase uma lista de autores e títulos sendo aqueles divididos em primeira classe todos os seus escritos eram proibidos A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 57 e segunda classe somente alguns trabalhos estavam proibidos A maioria dos livros listados pela Igreja era dedicada à teologia protestante em latim mas tam bém podiamse encontrar algumas obras literárias que mais tarde se tornaram clássicas entre elas as sátiras escritas pelo humanista Erasmo além de Gargan tua e Pantagruel de Rabelais não pela obscenidade que horrorizava alguns leito res dos séculos XVIII e XIX mas pela crítica do autor à Igreja Também consta vam O Príncipe de Maquiavel assim como o tratado de Dante Sobre a monarquia pela exaltação ao imperador e não ao papa os sonetos de Petrarca contra o papado e o Decameron de Boccaccio Nem todos os censores concordavam sobre até onde ia a censura Uma linha severa foi adotada pelo jesuíta italiano Antonio Possevino 15341611 que ata cou os romances de cavalaria como estratagemas de Satã talvez por darem ênfase ao amor ou à magia Por outro lado outro jesuíta italiano Roberto Bellar mino 15421621 defendia o grande trio de escritores toscanos Dante Petrarca e Boccaccio com a tese de que eram bons católicos Dois exemplos da prática de censura podem mostrar mais claramente o que os inquisidores procuravam Quando Montaigne visitou a Itália submeteu seus Ensaios então recentemente publicados a um censor papal que sugeriu algumas alterações referências à fortuna deviam ser mudadas para providência por exemplo e menções a poetas heréticos deveriam ser completamente apagadas Um pastor calvinista expurgou os Ensaios antes que sua publicação em Gênova fosse permitida tirando uma referência favorável ao imperador romano Juliano o Apóstata que se convertera do cristianismo ao paganismo O segundo exemplo é o do Decameron de Boccaccio há muito alvo dos críticos clericais Sua condenação foi assunto do Concílio de Trento que se reali zou em meados do século XVI para discutir a reforma da Igreja O duque de Florença enviou um embaixador ao Concílio com o propósito de implorar pela não suspensão do livro pois seu próprio prestígio dependia do capital cultural representado pelos escritores locais Dante Petrarca e Boccaccio Graças a essa interferência diplomática a condenação do livro foi transformada em expurgo A Inquisição era sempre muito sensível à sua própria reputação e na edição expur gada uma história que tratava da hipocrisia de um inquisidor desapareceu completamente Em vários lugares do texto foram removidos nomes de santos e clérigos chegandose a deixar incompreensíveis algumas histórias Como no caso de Rabelais o que preocupava os inquisidores não era a freqüente obscenidade dos relatos de Boccaccio mas sim seu anticlericalismo A campanha de repressão teve seu lado absurdo porém obteve razoável sucesso em seus propósitos Do ponto de vista ortodoxo os livros eram perigosos O exemplo de Menocchio o moleiro italiano que foi estimulado pelos livros a pensar por si mesmo ver p70 mostra que eles tinham certa razão É difícil medir 58 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA a eficácia da repressão mas os próprios registros da Inquisição revelam a con tinuada importância do contrabando de livros como as cópias de Erasmo ou Maquiavel que ainda entravam ilegalmente em Veneza nas décadas de 1570 e 1580 A censura protestante era menos eficaz do que a católica não porque os protestantes fossem mais tolerantes mas porque eram mais divididos fragmenta dos em diferentes igrejas com estruturas administrativas diversas como a lutera na e a calvinista Na Gênova calvinista antes da publicação o impressor submetia os manuscritos a profissionais de teologia direito medicina e assim por diante Para garantir o cumprimento das ordens as gráficas recebiam inspeções regula res e os livros proibidos eram confiscados e podiam ser queimados pelo executor público A censura secular na França Inglaterra Holanda no Império dos Habs burgo e em outros lugares organizavase de forma semelhante Na Inglaterra as impressoras restringiamse a Londres Oxford e Cambridge e eram controladas pela Companhia dos Livreiros fundada em 1557 que registrava as publicações novas Os manuscritos de livros também eram inspecionados antes da publicação De acordo com o Ato de Licenciamento Inglês de 1662 os livros sobre leis deviam ser inspecionados pelo Lord Chancellor os de história por um secretário de Estado e a maioria dos outros pelo arcebispo de Canterbury o bispo de Londres ou delegados seus O sistema terminou em 1695 quando o Ato de Licenciamento caducou Comunicação clandestina A eficácia do sistema de censura não deve ser superestimada Uma de suas conse qüências não intencionais foi despertar o interesse por obras que de outro modo talvez não chegassem a ser conhecidas pelos leitores Outra reação à censura formal foi organizar e reorganizar a comunicação clandestina Uma considerável variedade de mensagens era difundida às ocultas de segredos dos governos a segredos comerciais ou técnicos de idéias religiosas nãoortodoxas a pornografia Pornografia termo cunhado no século XIX não é uma palavra de definição fácil É usada para se referir a textos que têm por intenção não somente despertar luxúria mas vender e por essa mesma razão o termo também foi apli cado a várias das primeiras obras modernas Os Cento e vinte dias de Sodoma do Marquês de Sade 17401814 é um dos exemplos mais notórios porém está longe de ser o primeiro Um século antes o anônimo Vênus no claustro 1683 também era muito conhecido No início do século XVI imagens de diferentes posições sexuais desenhadas por Giulio Romano 14991546 e gravadas por Marcantonio Raimondi falecido em 1534 acompanhadas de versos de Pietro Aretino circu laram em Roma antes de serem descobertas e suprimidas A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 59 Não é fácil traçar a linha divisória entre comunicação pública e privada A divulgação de segredos boca a boca embora pudesse parecer segura estava vulne rável a bisbilhoteiros pelo menos em um caso literalmente Em 1478 alguns venezianos fizeram um buraco no teto do palácio do doge para descobrir as últimas notícias de Istambul novidades que obviamente tinham valor comercial Não é de admirar que o segredo mantido em determinado grupo fosse muitas vezes guardado com a ajuda de uma linguagem própria como no caso do jargão de pedintes e ladrões Obras de ocultismo e alquimia assim como obras heréticas ou subversivas freqüentemente circulavam em cópias manuscritas Em outros casos transcrevia se uma carta ou relatório confidencial como o relatório de um embaixador do Senado de Veneza na volta de sua missão ao exterior No século XVII cópias nãooficiais desses relatórios eram vendidas abertamente em Roma Em Paris no século XVIII muitas vezes circulavam relatórios policiais entre algumas pessoas comuns Para evitar vazamentos muitas vezes usavamse códigos e cifras de diversos tipos prática adotada por mercadores governantes e mesmo cientistas ou como eram chamados no século XVII filósofos naturais que desejavam garantir que suas idéias não seriam roubadas pelos rivais Um famoso exemplo no campo da astronomia foi o do holandês Christiaan Huygens 162995 que descobriu em 1655 o anel do planeta Saturno Para assegurar sua prioridade e ao mesmo tempo evitar o plágio ele anunciou a descoberta com um anagrama em latim AAAAAAA CCCCC D EEEEE G H IIIIIII LLLL MM NNNNNNNNN 0000 PP Q RR S TTTTT UUUUU significando Annulo cingitur tenui plano nusquam cohaerente ad eclipticam inclinato É rodeado por um anel que é fino chato de nenhuma forma coerente e inclinado para a eclíptica Os governos faziam uso considerável de códigos graças à ajuda dos principais matemáticos e pessoas que a elaboravam e decifravam essa criptografia tornouse cada vez mais sofisticada no início do período moderno Alguns indivíduos também utilizavam cifras e o memorialista Samuel Pepys não era o único a empregar línguas estrangeiras para ocultar de possíveis leitores inclusive a própria esposa algumas das atividades que anotava Em terceiro lugar havia publicações clandestinas As batidas em gráficas suspeitas de comercializar livros proibidos eram comuns mas algumas delas fica vam instaladas em residências e mudavam de endereço por todo o país para evitar apreensões Na Inglaterra elisabetana por exemplo panfletos atacando o episco pado foram originalmente impressos em uma residência em Surrey e posterior mente em Northampton e Warwick As Lettres provinciales 1657 famosa crítica aos jesuítas feita pelo polímato Blaise Pascal 162362 foram impressas em sigilo Uma crítica à escravidão à censura e à autocracia o Journey from Petersburg to Moscow 1790 foi publicado pelo autor Aleksander Nikolaevich Radishchev 60 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 17491802 em uma prensa particular na sua propriedade campestre Ele foi imediatamente preso e mais tarde exilado para a Sibéria Os autores de tais publicações normalmente se escondiam sob o manto da anonimidade referindose a si mesmos somente com pseudônimos As críticas aos bispos elisabetanos eram assinadas por Martin Marprelate as de Pascal aos jesuítas por Louis de Montalte Da mesma maneira os impressores disfarça vam suas identidades enquanto o lugar da publicação se acaso fosse mencionado geralmente era falso com freqüência imaginário algumas vezes fruto de um espírito extremamente criativo Como se lamentavam dois cardeais italianos do começo do século XVII para enganar mais facilmente os católicos a propagan da protestante trazia os nomes de cidades católicas na capa alguns editores chega vam a imitar a tipografia das gráficas católicas de Paris Lyon ou Antuérpia Um dos lugares imaginários preferidos de publicação era Cidade Livre ou seu equi valente em outras línguas Villefranche Vrijstadt Eleutheropolis Por alguma razão outro local era Colônia onde durante 150 anos foram atribuídos livros a um editor inexistente Pierre de Marteau Pedro de Martelo talvez assim chama do porque martelava suas vítimas O editor dos panfletos de Marprelate alegava trabalhar no estrangeiro na Europa a cerca de 400 metros de um padre saltitan te Algumas obras pornográficas francesas do fim do século XVIII sustentavam ser publicadas na prensa das odaliscas em Istambul ou no próprio Vaticano No início do período moderno uma outra possibilidade como tantos escritores do Leste europeu fizeram durante a Guerra Fria era efetivamente publicar em algum país estrangeiro em vez de simplesmente fingir que fazia isso Um famoso exemplo do século XVII é o da obra antipapal História do Concílio de Trento escrito por um monge de Veneza Paolo Sarpi 15521623 O livro foi primeiro publicado em italiano em Londres em 1619 O manuscrito foi trazido em segredo de Veneza para Londres pela embaixada britânica em fascículos des critos na correspondência sob o código de canções Os livros impressos freqüentemente eram contrabandeados nas fronteiras No início da década de 1550 havia rotas clandestinas regulares da Suíça para Veneza por onde viajavam livros heréticos No começo do século XVII contra bandeavamse para a Espanha livros proibidos normalmente não encadernados grandes bíblias escondidas em peças de fazenda e pequenos catecismos disfar çados como pacotes de cartas de jogar Livros de crítica ao rei Luís XIV e à sua Corte eram publicados em francês em Amsterdã e depois contrabandeados para a França Finalmente é óbvio que era possível publicar da maneira normal mas co municando as mensagens em dois níveis o manifesto e o latente Na Polônia sob o regime comunista por exemplo os críticos do governo usavam o que chama vam de método de Esopo o antigo escritor grego de fábulas sobre animais que podiam ser facilmente aplicadas ao gênero humano No início do período moder A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 61 no os escritores também seguiam Esopo Um dos exemplos mais famosos são as Fábulas de Jean de la Fontaine 162195 Atualmente são tratadas como histórias para crianças mas o fato de La Fontaine terse recusado a servir a Luís XIV permanecendo leal a um patrocinador que havia caído em desgraça política sugere que por exemplo a figura do leão tirânico deva ser lida de outra maneira Uma mensagem sobre um assunto também podia ser disfarçada como histó ria de eventos semelhantes do passado A deposição do rei Ricardo II por Henry de Bolingbroke o futuro rei Henrique IV por exemplo teve enorme ressonância política no fim do governo da rainha Elisabeth com o conde de Essex assumindo o papel de Henrique Não é de admirar que em 1599 quando sir John Hayward publicou uma história da Vida e reinado do rei Henrique IV a rainha perguntasse a Francis Bacon se havia alguma traição no livro E quando o conde de Essex 15661601 se rebelou contra a rainha seus seguidores deram dinheiro para que fosse encenada a peça Ricardo II de Shakespeare Elisabeth teria dito na época Eu sou Ricardo II você não sabia Técnicas alegóricas semelhantes estavam em uso no final do século XVII na Inglaterra durante a chamada crise da exclusão ver p98 O método alegórico não deixou de ser usado de tempos em tempos Arthur Miller por exemplo empregouo em As feiticeiras de Salem 1953 que apresenta va uma crítica da caça às bruxas empreendida pelo senador Joseph McCarthy 1909 57 contra os comunistas sob a forma de um julgamento de feitiçaria na Nova Inglaterra do século XVII O crescimento do mercado A impressão gráfica pode ser perigosa mas também lucrativa Alguns editores embora nem todos eram mercenários trabalhando tanto para católicos quanto para protestantes durante as guerras religiosas ver p83 Uma das conseqüências mais importantes da invenção da nova técnica de impressão foi envolver com maior intensidade os negociantes no processo de difundir conhecimento A lista dos mais vendidos tem seus primórdios nos primeiros dias da impressão gráfica A Imitação de Cristo um trabalho religioso atribuído ao holandês Thomas Kem pis que viveu no século XIV tinha aparecido em não menos que 99 edições por volta de 1500 A Sagrada Escritura também vendia muito na época especialmente o Novo Testamento e os Salmos embora a Igreja Católica tivesse proibido as bíblias em vernáculo no fim do século XVI sob a alegação de que estimulavam a heresia A tiragem dos livros era pequena segundo os padrões posteriores de 500 a mil cópias em média mas cerca de três ou quatro milhões de almanaques foram impressos no século XVII na Inglaterra 62 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Para vender mais livros os editores cuja gama de produtos podia incluir muito mais do que se conhece como literatura publicavam catálogos e se envolviam com outras formas de publicidade Na Itália o primeiro catálogo de li vros com preços conhecido data de 1541 No século XVI como hoje a Feira de Livros de Frankfurt e sua equivalente em Leipzig faziam com que determinados títulos ficassem conhecidos internacionalmente As páginas iniciais e finais dos volumes faziam propaganda de outros livros vendidos pelo mesmo editor ou livreiro as distinções modernas entre impressor editor e livreiro de livros ainda não eram norma A publicidade impressa também se desenvolveu no século XVII Em Lon dres por volta de 1650 um jornal teria em média seis anúncios cem anos depois 50 Entre mercadorias e serviços anunciados na época na Inglaterra estavam peças teatrais corridas médicos charlatões e Tinta em Pó de Holman talvez o primeiro nome de marca de um produto patenteado em 1688 As notícias eram vistas na época como mercadoria ao menos pelos que escreviam sátiras como Ben Johnson em sua peça A matéria das notícias 1626 em que retratou uma tentativa de monopolizar o negócio Como argumenta o sociólogo Colin Campbell as novelas do século XVIII assim como os atuais seriados de televisão permitiam aos leitores o desfrute vicário de caras mercado rias de consumo e estimulavaos a comprálas servindo de parteiras ao que tem sido chamado de nascimento da sociedade de consumo ver p67 O surgimento da idéia de propriedade intelectual foi uma resposta tanto à emergência de uma sociedade de consumo quanto à difusão da nova tecnologia de impressão Algum sentimento de propriedade literária já havia no século XV se não antes Os humanistas se acusavam uns aos outros de roubo ou plágio en quanto eles próprios gabavamse de praticar imitação criativa Bastante típico do período é um famoso exemplo de plágio na Espanha A segunda parte de Dom Quixote publicada em 1614 não foi escrita por Cervantes mas por um certo Avellaneda Esta era uma forma ligeiramente diferente de plágio pois envolvia o roubo de um personagem e não de um texto ou o roubo do nome de alguém para assinar um trabalho e ganhar dinheiro com a reputação do outro De todo modo o autor ofendeuse A fim de desmoralizar o trabalho do concorrente o próprio Cervantes teve de produzir uma segunda parte Dessa maneira as forças de mercado estimulavam a idéia de autoria indivi dual reforçada por novas práticas tais como imprimir o retrato do autor no frontispício ou apresentar uma edição das obras reunidas de um autor com sua biografia Por volta de 1711 o primeiro número de The Spectator zombou do leitor incapaz de desfrutar um livro até que soubesse se o escritor era negro ou claro de temperamento afável ou colérico casado ou solteiro Escrever era cada vez mais um passo rumo à fama individual mais do que na Idade Média ver p20 monografia A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 63 Durante o século XVIII a regulamentação legal também fortaleceu a idéia da propriedade literária ou intelectual assim como a prática de garantir um mono pólio de curto prazo sobre a impressão de determinado livro Na Inglaterra por exemplo em 1709 foi adotada a Lei de Direitos Autorais que dava aos autores ou seus procuradores o direito exclusivo de imprimir seus trabalhos por 14 anos William Hogarth 16971764 que sofreu com a pirataria de sua popular série de gravuras O progresso de uma prostituta 1732 obteve sucesso ao fazer campanha para que uma nova lei de direitos autorais 1735 desse aos artistas gráficos como a ele próprio os mesmos direitos concedidos aos autores O significado da lei de 1709 foi esclarecido nas cortes em casos como os de Millar x Taylor 1769 e Donaldson x Beckett 1774 No entanto no caso dos direitos autorais internacio nais foi necessário esperar a Convenção de Berna de 1887 Para se ter uma visão detalhada do mercado de mídia talvez facilite a análise em ordem cronológica de três dos principais centros do comércio de livros no início da Europa moderna Veneza no século XVI Amsterdã no XVII e Londres no XVIII No século XV foram impressos mais livros em Veneza do que em qualquer outra cidade da Europa cerca de 4500 edições equivalentes a algo como dois milhões de cópias ou 20 do mercado europeu A indústria de livros de Veneza tinha uma organização capitalista com um pequeno grupo no controle e o apoio financeiro de mercadores cujo interesse econômico era muito maior do que a venda de livros No século XVI estimavase que cerca de 500 impressores e edito res produziram de 15 mil a 17500 títulos e possivelmente 18 milhões de cópias O mais famoso desses impressores Aldo Manuzio c14501515 criou reputação e provavelmente fortuna com a publicação de clássicos gregos e latinos em um formato pequeno permitindo aos professores e estudantes carregálos com facili dade um correspondente elogiou seus jeitosos volumes que podiam ser lidos mesmo enquanto se andava Os impressores se debatiam em uma concorrência ferrenha em geral ignorando os privilégios uns dos outros e publicando os mes mos livros que seus rivais eles alegavam que suas edições eram mais corretas ou incluíam novas passagens mesmo que não fosse o caso O grande número de impressores e editores em Veneza era uma das atrações da cidade para os homens de letras uma vez que lhes possibilitava sustento independentemente de patroci nadores ainda que isso não os tornasse ricos Um grupo desses homens de letras era apelidado de poligrafi porque escre via muito e sobre grande variedade de assuntos para sobreviver Eram o que seria conhecido no século XVIII na GrãBretanha como escritores de aluguel pois podiam ser alugados como carroças Seus trabalhos incluíam verso ou prosa textos originais ou traduções adaptações ou plágios de outros escritores Um gênero no qual se especializaram foi o de trabalhos que ofereciam informação prática incluindo livros de conduta tratados explicando como escrever cartas 64 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA para finalidades diferentes e um guia de Veneza para visitantes estrangeiros que ainda estava sendo reimpresso no século XVII Alguns desses escritores trabalha vam para determinados impressores principalmente Gabriel Giolito que publi cou cerca de 850 livros em sua longa carreira como editores ou leitores críticos e também como autores De certo modo os poligrafi estavam na fronteira entre dois mundos Eram essencialmente compiladores trabalhando segundo a tradição me dieval reciclando o trabalho de outros No entanto como viviam na época da impressão gráfica eram tratados como autores e tinham os nomes impressos na capa Conseqüentemente eram criticados pelos rivais por plágio uma acusação que os escritores da Idade Média não sofriam A posição econômica e política de Veneza foi habilmente explorada pelos impressores Por exemplo levando em conta as diferentes capacidades de diversos grupos de imigrantes da cidade eles imprimiam livros em espanhol croata grego demótico eslavo da Antiga Igreja hebraico árabe armênio Olhavam também para além da Europa como geralmente fazia a cidade de Veneza Entre suas especialidades estavam relatos sobre a descoberta de novas terras No século XVI Veneza só perdia para Paris na publicação de livros sobre as Américas tendo sido feitas várias edições das cartas de Cristóvão Colombo 14511506 e Fernão Cor tês 14851547 Os produtos impressos em Veneza no século XVI podem ser descritos como multiculturais e poliglotas A notável contribuição de Veneza para o comércio de livros associada à tradição da cidade de tolerância com outras culturas e religiões a atitude prática de viva e deixe viver dos mercadores foi solapada pela expansão da Contra Reforma A Inquisição se estabeleceu na cidade em 1547 livros foram queimados na praça São Marcos e perto de Rialto em 1548 um índex de Livros Proibidos de Veneza foi elaborado em 1549 15 anos antes do Índex que abrangia toda a Igreja Em 1554 foram proibidas publicações em hebraico Vendedores de livros começa ram a ser interrogados sob a acusação de contrabandear obras heréticas ou perni ciosas do exterior Alguns impressores migraram para outras cidades como Turim Roma e Nápoles Outros como Gabriel Giolito direcionaram seus investimentos para a publicação de livros religiosos em italiano destinados a um mercado geo graficamente mais limitado No século XVII a República holandesa tomou o lugar de Veneza como ilha de relativa tolerância religiosa como centro importante e mercado de informação A exportação de material impresso em latim francês inglês e alemão teve contri buição importante para a prosperidade dessa nova nação Um dos principais impressores da República a família Elzevir seguiu o exemplo de Aldo Manuzio publicando edições dos clássicos em pequeno formato Elzevir também lançou o que deve ter sido a primeira série de livros a ter um editor acadêmico Caspar Barlaeus encarregado de elaborar uma série de compêndios com informações sobre a organização e os recursos dos diversos países do mundo da França à Índia A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 65 Barlaeus pode ser descrito como o equivalente holandês dos poligrafi Ou tros escritores de aluguel incluíam pastores calvinistas franceses que tinham vindo para a República da Holanda depois que Luís XIV forçouos a escolher em 1685 entre a conversão ao catolicismo ou a emigração Como havia pastores em excesso para as necessidades das igrejas protestantes francesas no exílio alguns desses homens quando bemeducados tornaramse escritores para sobreviver Pierre Bayle 16471706 por exemplo que havia trocado a França por Roterdã editou um jornal literário o Notícias da República das Letras que saía mensalmente a partir de 1684 Compilou também seu famoso compêndio Dicionário histórico e crítico 1696 O centro de publicações holandesas era a cidade de Amsterdã também grande centro industrial e financeiro na Europa No início do século XVII Ams terdã já era o maior centro europeu de jornais um novo gênero literário que provavelmente ilustra melhor do que qualquer outro a comercialização da infor mação Entre os jornais que saíam uma duas ou três vezes por semana em latim francês inglês e também em holandês estavam os primeiros impressos em inglês e francês The Corrant out of Italy Germany etc e o Courant dItalie que começaram a ser publicados em 1620 A partir de 1662 um jornal semanal em francês a Gazette dAmsterdam oferecia não somente informação sobre negócios europeus mas também críticas sobre a Igreja Católica e às políticas do governo francês Na segunda metade do século XVII Amsterdã tinha se tornado o mais importante centro de produções de livros na Europa como fora Veneza antes Mais de 270 vendedores de livros e impressores lá estiveram em atividade durante os 25 anos entre 1675 e 1699 Uma substancial proporção deles como os escritores profissionais era composta de refugiados protestantes saídos da França Como em Veneza os mapas e relatos de viagem a lugares exóticos formavam parte fundamental do repertório dos impressores O estabelecimento mais impor tante da cidade de Joan Blaeu c15981673 com nove impressoras para escrita e seis para gravação uma empresa tão grande que se tornou um dos pontos turísticos para visitantes estrangeiros pertencia a uma firma especializada em atlas A família Blaeu anunciou em um jornal de 1634 que iria produzir um atlas mundial em quatro línguas latim holandês francês e alemão Os dois volumes apareceram realmente em 1635 e continham 207 mapas Poucos anos depois um editor rival publicou um atlas ainda mais completo que foi ultrapassado pela segunda versão do atlas da família Blaeu desta vez em seis volumes publicado em 1655 Como em Veneza e novamente por causa das habilidades de diferentes grupos de imigrantes os livros impressos em Amsterdã apareciam em diversas línguas inclusive o russo o iídiche o armênio e o georgiano Em 1678 um visitan te inglês encontrou uma editora holandesa produzindo bíblias em inglês e comen 66 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tou que você pode comprar livros em Amsterdã em todas as línguas mais baratos do que nos lugares em que foram originalmente impressos Livros franceses eram adquiridos por leitores alemães por intermédio de negociantes holandeses Os impressores protestantes produziam missais em latim com Colônia na página título para vender ao mundo católico Eles não se preocupavam muito em infrin gir os direitos de seus competidores Durante o século XVIII o predomínio de Amsterdã passou para Londres Os vendedores de livros dessa cidade assim como aqueles de Veneza e Amsterdã antes eram muito conhecidos no fim do século XVII como ladrões da proprieda de literária de seus rivais em uma prática conhecida como falsificação ou pira taria no século XX o termo foi estendido para estações de rádio nãooficiais Como proteção contra a pirataria os impressores começaram a formar alianças e dividir despesas e lucros Somar recursos permitialhes financiar trabalhos gran des e caros como os atlas e enciclopédias que exigiam considerável investimento Não era difícil que obras desse tipo fossem publicadas com subscrições muitas vezes trazendo uma lista impressa dos patrocinadores prefaciando o livro O sistema de sociedade foi comparado ao das sociedades anônimas e as participa ções nas edições eram compradas e vendidas pelos negociantes privadamente A partilha de custos e riscos permitia às editoras um grupo novo emergindo entre impressores e vendedores de livros dispensar as subscrições Alguns autores começaram a receber pagamentos substanciais de seus im pressores em valor suficiente para que começassem a pensar em abandonar os patrões e viver somente da escrita O dr Johnson 170984 por exemplo cujo ódio ao patronato era notório recebeu 1575 libras adiantadas por seu Dicionário de um grupo de cinco livreiros que incluía Thomas Longman e Andrew Millar Este deu ao filósofo e historiador David Hume 171176 1400 libras como adianta mento pelo terceiro volume de sua História da GrãBretanha e William Robert son 172193 3400 libras por sua História de Carlos V O poeta Alexander Pope 16881744 recebeu uma soma ainda maior 5300 libras por sua tradução da Ilíada de Homero Os sucessores de Millar os sócios William Strahan e Thomas Cadell ofereceram seis mil libras pelos direitos das descobertas do capitão Cook Não devemos nos apressar em idealizar a situação de escritores no século XVIII em Londres Um grupo deles conhecido coletivamente como Rua Grub pelo lugar onde moravam lutavam para garantir seu sustento como havia acon tecido anteriormente em Amsterdã e Veneza Como na primeira cidade o grupo incluía vários protestantes franceses emigrados particularmente ativos no jorna lismo Mesmo para os mais bemsucedidos a nova liberdade tinha seu preço Provavelmente Johnson teria preferido escrever seus próprios livros a compilar um dicionário e Pope escrever poemas a traduzir Homero Hume escrevia sobre história porque vendia mais do que filosofia e se pudesse voltar à Terra e consul tar o catálogo da Biblioteca Britânica não ficaria satisfeito em encontrar seu nome A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 67 listado como David Hume historiador De qualquer maneira alguns homens de letras do século XVIII desfrutaram maior independência do que seus predecesso res do século XVI os poligrafi Um contexto mais amplo do desenvolvimento das publicações gráficas deve se ao que os historiadores vieram a chamar de o nascimento de uma sociedade de consumo no século XVIII mudança particularmente visível na Inglaterra mas extensiva a outras partes da Europa e mesmo mais longe Exemplos ingleses da comercialização de lazer nesse período incluíam corridas de cavalos em Newmar ket concertos em Londres a partir de 1670 e em algumas cidades no interior óperas na Royal Academy of Music fundada em 1718 e suas rivais mostras de pinturas na Royal Academy of Art fundada em 1768 palestras sobre ciência nos cafés festas e bailes de máscaras em espaços públicos recéminaugurados em Londres Bath e outros lugares Como as peças apresentadas no teatro Globe e outros teatros públicos a partir do século XVI esses eventos eram abertos a todos que pudessem pagar o preço da entrada A história da leitura A comercialização do lazer incluía a leitura Considerandose a prática de leitura de livros e jornais ou até da contemplação de figuras podemos fazer uma passa gem da oferta para a procura À primeira vista a idéia da história da leitura talvez pareça estranha pois a maioria das pessoas considera ler uma atividade normal Em que sentido podese dizer que ela mudou no tempo E supondo que isso tenha ocorrido dado que o movimento dos olhos não produz qualquer marca na pági na como podem os historiadores dizer algo confiável sobre as mudanças A última geração de historiadores tem se debruçado sobre o assunto Com argu mentação baseada na evidência física do formato de livros nas notas escritas nas margens e nas descrições ou imagens de leitores concluíram que os estilos de leitura realmente se alteraram entre 1500 e 1800 Cinco tipos de leitura merecem uma atenção especial crítica perigosa criativa extensiva e privada 1 Relatos tradicionais dos efeitos da impressão gráfica como vimos ver p17 enfatizam o surgimento de leitura crítica graças ao aumento das oportuni dades de se compararem opiniões diversas em livros diferentes sobre o mesmo assunto A mudança de hábitos não deve ser superestimada pois nem sempre a leitura era crítica Há ampla evidência sobre o respeito ou mesmo a reverência que os leitores nutriam pelos livros no início dos tempos modernos Os que faziam sátira debochavam daqueles que acreditavam em tudo o que viam impresso A Bíblia que ainda não havia sido objeto de exame minucioso por parte dos estudiosos com exceção de uns poucos indivíduos nãoortodoxos como o filóso 68 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MíDIA fo judeu Baruch Spinoza 163277 era objeto de reverência particular Dizia se que são Carlos Borromeo arcebispo de Milão lia as Escrituras de joelhos Algumas vezes a Bíblia era usada de forma medicinal colocada sob o travesseiro do doente Algumas pessoas abriam suas páginas a esmo tomando as passagens que liam como um guia celestial dirigido aos problemas do leitor 2 Os perigos da leitura privada eram freqüentemente discutidos Agindo ou não como tranqüilizante ver p29 a atividade era vista como perigosa espe cialmente quando praticada por grupos subordinados como mulheres e gente comum As analogias com os debates do século XX sobre a cultura de massa e os perigos da televisão são bastante claros e foram apontados há mais de uma geração pelo sociólogo Leo Lowenthal Atualmente o surgimento da Internet iniciou outra discussão semelhante Se definirmos a questão de forma mais abrangente esses debates podem ser colocados em uma perspectiva mais a longo prazo Após 1520 o declínio de imagens da Virgem Maria lendo relativamente comuns no fim da Idade Média parece ter sido uma resposta prematura do que se pode chamar de demonização da leitura pela Igreja Católica Em Veneza no fim do século XVI por exemplo um trabalhador do ramo da seda foi denunciado à Inquisição porque lê o tempo todo e um ferreiro de espadas porque fica acordado a noite inteira lendo De maneira semelhante tanto nessa época como posteriormente autoridades secula res consideravam a leitura sem supervisão como atividade subversiva Em particu lar a leitura de jornais era vista como forma de encorajar pessoas comuns a criticar o governo Os perigos da leitura de ficção especialmente para as mulheres eram usual mente discutidos por escritores homens a partir do início do século XVI Como no caso do teatro os romances eram temidos por seu poder de despertar emoções perigosas como o amor Alguns homens pensavam que as mulheres não deviam aprender a ler pois poderiam receber cartas de amor ainda que o analfabetismo não fosse uma defesa inexpugnável como vimos ver p41 Outros opinavam que as mulheres podiam ler um tanto mas somente a Bíblia ou livros religiosos Uns poucos bravos argumentavam que as mulheres da classe alta podiam ou deveriam ler os clássicos Várias fontes mostram que na prática os mais variados tipos de mulheres liam os mais diversos tipos de livros apesar das críticas Na Espanha por exemplo santa Teresa de Ávila 151282 descrevia seu entusiasmo juvenil por romances de cavalaria Algumas evidências vêm não de autobiografias mas de retratos nos quais mulheres eram representadas muitas vezes com livros de poesia nas mãos Quanto à ficção as evidências apontam na mesma direção A heroína de uma história italiana escrita pelo padre Matteo Bandello c14851561 é descrita lendo na cama o Decameron de Boccaccio e Orlando Furioso de Ariosto Na França de A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 69 Figura 8 Margueritte Gérard e Jean Honoré Fragonard O leitor Luís XIV os romancistas mais importantes eram mulheres em especial madame de Lafayette 163493 que escreviam principalmente para outras mulheres As oportunidades de leituras para o público feminino cresceram no século XVIII quando os romances e alguns textos históricos incluindo histórias de mulheres publicadas na GrãBretanha e na Alemanha visavam deliberadamente a esse mer cado Lillian Lov descreveu os livros em 1726 como companheiros íntimos e várias pinturas de mulheres do século XVIII mostramnas com livros nas mãos Figura 8 Naquela época algumas também liam jornais Uma moça francesa de 70 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 23 anos que trabalhava como cozinheira vangloriavase de ler regularmente qua tro jornais 3 A extensão da leitura criativa requer um tipo distinto de exame O signi ficado dos textos foi o principal tópico de debates nos estudos literários da década de 1990 De uma perspectiva histórica é evidente que os textos podem ser e muitas vezes são lidos de modo oposto às intenções do autor A Utopia de Thomas More 14781535 por exemplo é tratada não só como sátira da Ingla terra da época mas também como projeto de uma sociedade ideal uma utopia no sentido moderno do termo O cortesão de Baldassare Castiglione 14781529 um diálogo aberto no qual é debatido sem conclusão o comportamento apro priado em situações sociais diversas foi apresentado por editores do século XVI e tratado por alguns leitores como sabemos pelas anotações à margem como guia inquestionável à boa conduta As ironias de Daniel Defoe 16601731 e Jonathan Swift 16671745 escaparam das mentes literais de alguns leitores que acredita vam que Shortest Way with the Dissenters de Defoe realmente recomendava a perseguição dos nãoconformistas e que Modesta proposta de Swift argumentava em favor do canibalismo Menocchio um moleiro italiano do século XVI tirado da obscuridade por seu conterrâneo o historiador Carlo Ginzburg oferece um exemplo fascinante de leitura nãoortodoxa em mais de um sentido Menocchio interrogado pela Inqui sição sob a acusação de heresia foi questionado sobre os livros que lia que in cluíam a Bíblia o Decameron de Boccaccio as Viagens imaginárias de um certo sir John Mandeville um livro muito conhecido nos séculos XV e XVI e possivel mente o Corão O que ele lia era menos surpreendente para os inquisidores do que o modo como lia as interpretações que dava aos textos Da história de Boccaccio sobre os três anéis por exemplo ele chegou à conclusão de que se tivesse nascido muçulmano teria se conservado como tal 4 Menocchio oferece um bom exemplo de leitor intenso relendo uns pou cos textos e ruminando sobre eles um estilo de leitura aparentemente típico dos primeiros séculos da impressão gráfica à semelhança da era dos manuscritos que a precedeu No entanto dizse que o fim do século XVIII testemunhou uma revolução na leitura no sentido de uma mudança nas práticas de folhear dar uma olhada e ver os capítulos durante a consulta para procurar informação sobre um tópico específico No período anterior a 1750 havia poucos livros e os im pressos eram muitas vezes tratados como sagrados Após aquela data por outro lado veio um período de leitura extensiva marcado pela proliferação e conse qüente dessacralização de livros A mudança não deve ser superestimada pois é perfeitamente possível prati car os estilos intensivos e extensivos alternadamente de acordo com a necessidade A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 71 Por um lado há evidências da leitura com o propósito de referência no fim da Idade Média especialmente entre os círculos acadêmicos Por outro há os exem plos no fim do século XVIII de leitores absortos imersos em um dos romances lacrimejantes e populares da época do Nova Heloísa de JeanJacques Rousseau 171278 a Os sofrimentos do jovem Werther de Johann Wolfgang von Goethe 17491832 5 De qualquer maneira parece ter havido uma alteração na importância relativa dos dois estilos de ler ligada à tendência de privacidade da leitura De qualquer modo o formato dos livros mudou facilitando o folhear Cada vez mais os textos eram divididos em capítulos e dentro destes em parágrafos Notas impressas nas margens resumiam a mensagem de cada parte Sumários detalha dos e índices organizados em ordem alfabética ajudavam os leitores que tinham pressa de encontrar informações específicas A leitura privada é freqüentemente vista como parte do crescimento do individualismo e também da empatia ou mobilidade psíquica como foi cha mada pelo sociólogo Daniel Lerner em seu livro The Passing of Traditional Society 1958 A idéia básica por trás das frases é bem capturada em imagens relativa mente comuns a partir do século XVIII de uma pessoa sozinha homem ou mulher lendo um livro sentada em uma cadeira ou esparramada no chão e ausente do mundo à sua volta A tendência de longo prazo rumo à privacidade do século XIV ao XX é evidenciada pelo formato dos livros No século XV eles freqüentemente eram fólios de tamanho grande que necessitavam de apoios ou estantes para serem lidos Nos séculos XVI e XVII pequenos livros se tornaram populares como por exemplo o formato inoctavo ou outros ainda menores in12 ou in16 usados pelo famoso editor Aldo Manuzio de Veneza em suas edições dos clássicos No breve relato da vida de Thomas Hobbes 15881679 o biógrafo Aubrey 162697 contava que quando o filósofo foi empregado como pajem do conde de Devonshire comprou para si livros de um impressor de Amsterdã que podia carregar em seus bolsos principalmente os Comentários de César e que ele lia no saguão ou na antecâmara enquanto seu senhor atendia as visitas Esse trecho nos mostra como o leitor via os usos dos clássicos de Elzevir em pequeno formato já discutidos anteriormente ver p64 Os livros de poesia em especial eram impres sos nesse formato que estimulava a leitura na cama principalmente no século XVIII quando no caso das classes altas ou médias os quartos passaram a ser lugares privados Encarar a história da leitura em termos de transição entre atividade pública e privada é uma simplificação grosseira e também pensála como simples mudan ça de intensiva para extensiva A leitura silenciosa foi algumas vezes praticada na Idade Média Inversamente a leitura em voz alta em público persistiu no início do 72 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA período moderno do mesmo modo como acontecia nos círculos operários no século XIX A Reforma alemã oferece alguns vívidos exemplos da leitura como atividade pública ver p84 É possível fazer uma distinção entre hábitos de leitura de acordo com as classes sociais a classe média tendia a ler em privacidade enquanto os trabalha dores em público e em voz alta Também podese dividilas de acordo com as situações Por exemplo a prática medieval de ler alto durante as refeições nos monastérios ou nas cortes reais persistiu nos séculos XVI e XVII Ler alto em família era comum no século XIX pelo menos como um ideal como atestam muitas imagens É provável que os textos da Biblioteca Azul ver p29 que circulavam em regiões onde o analfabetismo era alto fossem lidos em voz alta nas veillées ocasião em que os vizinhos se encontravam para passar parte da noite trabalhando ou ouvindo esses textos O surgimento dos jornais também estimu lou a leitura em voz alta no café da manhã ou no trabalho assim como o fato de tantas pessoas lerem as mesmas notícias mais ou menos ao mesmo tempo ajudou a criar uma comunidade de leitores Instrução e divertimento Os usos da leitura no início da era moderna européia eram tão variados quanto os de hoje embora não fossem descritos da mesma maneira como os atuais As princi pais categorias eram a informação e a instrução moral e foi só muito lentamente que um terceiro tipo de livro orientado para a diversão foi admitido como de uso legítimo para o leitor ver p188 Entre 1450 e 1800 percebese a importância crescente da leitura como instrumento para adquirir informação pela abundância do que chamamos livros de referência de diversos tipos dicionários enciclopé dias tabelas cronológicas gazetas e uma série de volumes sobre como fazer a respeito de assuntos tão variados como agricultura boas maneiras culinária e caligra fia A importância da instrução moral se revela pelo número de sermões que apare ceram impressos e também pelos tratados sobre virtudes necessárias aos principais comportamentos na sociedade nobre esposa comerciante etc Por outro lado a história das palavras diversão e divertimento nos mostra algo sobre os obstáculos para a emergência dessa categoria de livros ou panfletos No início do século XVII o divertimento era associado com a hospitalidade de monstrada aos visitantes Somente perto de 1650 o termo adquiriu um sentido adicional de algo interessante ou divertido e apenas no início do século XVIII certas performances como peças de teatro puderam ser descritas como divertimento para o relato mais recente da história da mídia como diversão ver o Capítulo 5 Livros que podemos descrever como de entretenimento reunindo de piadas a romances já se imprimiam no século XV mas eram muitas vezes supridos com A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 73 uma moldura ou embalagem moralizante provavelmente para arrefecer a resis tência de clérigos pais de família ou outros avaliadores desse tipo de texto Os panfletos e as páginas duplas que contavam histórias de criminosos novo gênero do século XVI que parece ter sido feito para um novo grupo de leitores eram apresentados de forma semelhante enfatizando a punição e se possível o enor me arrependimento do criminoso No entanto esse moralismo foi abafado pela retórica do sensacionalismo com títulos como os de hoje referindose a eventos terríveis maravilhosos ou medonhos atrocidades sangrentas assassinatos estranhos e inumanos e assim por diante A longo prazo e especialmente no século XVIII a literatura de entretenimento dispensou seu lado moral para se tornar parte da comercialização do lazer junto com concertos corridas de cavalos e circos A revolução da prensa gráfica revisitada Depois do exame do início da mídia moderna pode ser mais esclarecedor retomar a discussão sobre a revolução da impressão gráfica ver p30 Há um paralelo óbvio entre a controvérsia sobre a lógica da escrita e aquela relativa à impressão gráfica com os debates sobre as conseqüências da técnica de impressão e os efeitos do letramento ver p21 O paralelo chega a detalhes como o surgimento de textos fixos e os problemas da confiabilidade do novo meio Os críticos da tese da revolução freqüentemente argumentam que a impressão gráfica não é um agente mas uma tecnologia empregada por indivíduos ou grupos para propósitos dife rentes em locais diversos Por essa razão recomendam o estudo dos usos da nova técnica em contextos sociais e culturais distintos Por outro lado os defensores da tese da revolução vêem tanto a impressão gráfica quanto a escrita como uma ajuda à descontextualização Parece que volta mos ao conflito entre um modelo autônomo e um contextual problema já discu tido anteriormente ver p22 Devemos nos referir à cultura da impressão no singular ou no plural Certamente não é necessário tomar uma posição extrema nessa controvér sia É mais compensador procurar as justificativas de cada grupo de pesquisadores e considerar se ao se fazerem as distinções e qualificações apropriadas é possível combinálas Podese começar rejeitando as pesadas formulações de ambos os lados tanto o determinismo implícito na posição revolucionária quanto o voluntarismo dos contextualistas Provavelmente é mais útil falar como fez Innis ver p12 de um viés estabelecido em cada meio de comunicação Do ponto de vista geográfico é preferível pensar em termos de efeitos similares da impressão gráfica em lugares diferentes mais do que em efeitos idênticos em todos os luga res ou completamente diferentes em cada local Do ponto de vista cronológico é 74 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA útil distinguir entre as conseqüências imediatas e a longo prazo da introdução da impressão gráfica Os contextualistas trabalham melhor com o curto prazo com as intenções as táticas e as estratégias individuais Por outro lado os revolucioná rios agarramse mais intimamente ao longo prazo e às conseqüências inesperadas da mudança No início da Europa moderna assim como em outros lugares e períodos muitas vezes a mudança cultural foi mais aditiva do que substitutiva especial mente nos primeiros estágios de inovação Como foi mostrado a velha mídia de comunicação oral e por manuscritos coexistiram e interagiram com a nova mídia impressa assim como esta hoje uma mídia antiga convive com a televisão e a Internet desde o princípio do século XX Nesta etapa podemos retornar aos argumentos sobre permanência e fixação discutidos anteriormente ver p28 acrescentando as qualificações necessárias É verdade que a escrita estimulou a fixação de textos muito antes que fosse conheci da a técnica da impressão Também é verdade que diversos livros impressos foram tratados por contemporâneos como efêmeros Divergências entre cópias dos pri meiros livros impressos são muito comuns porque as provas eram corrigidas nas lojas durante a produção Impressos postos em circulação principalmente nas mãos de piratas ver p66 muitas vezes tinham textos incorretos Por essas razões nos últimos tempos os intelectuais têm enfatizado mais a fragilidade dos impressos Podese dar uma resposta semelhante à questão maior da estabilidade do conhecimento A impressão gráfica facilitou a acumulação de conhecimento por difundir as descobertas mais amplamente e por fazer com que fosse mais difícil perder a informação Por outro lado como ressaltamos anteriormente ver p30 a nova técnica desestabilizou o conhecimento ou o que era entendido como tal ao tornar os leitores mais conscientes da existência de histórias e interpretações conflitantes Portanto no que diz respeito aos textos a fixação do conhecimento estimulada pela impressão gráfica foi mais relativa do que absoluta As mudanças acontecidas embora importantes foram mais de grau do que de tipo Uma delas foi um conceito relativamente novo de escrita que hoje em dia chamamos de literatura junto com o conceito de autor alteração ligada à idéia de uma versão do texto correta ou autorizada Como salientado antes a cultura oral é fluida e a criação oral um empreendimento colaborativo Na cultura manus crita já havia uma tendência à fixação mas isso era contrariado pela imprecisão e também como vimos ver p50 pela criatividade dos escribas O que chamamos de plágio assim como a propriedade intelectual ameaçada por ele ver p61 é essencialmente um produto da revolução da imprensa Outra importante conseqüência da invenção foi envolver empreendedores mais intimamente no processo de difundir conhecimento O uso do novo meio estimulou cada vez mais a consciência da importância da publicidade tanto eco A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 75 nômica anúncios ver p62 quanto política que chamamos de propaganda termo que começou a ser usado no fim do século XVIII A reputação de Luís XIV por exemplo sua glória como ele a chamava se deveu muito à nova tecnologia Durante seu reinado centenas de retratos gravados do monarca foram postos em circulação Outra forma de reprodução mecânica era a medalha de bronze Seguindo precedentes clássicos a medalha foi revivida no século XV na Itália e logo foi adotada por governantes como meio de difundir uma imagem favorável deles mesmos e de suas políticas O número de cópias feitas era relativamente baixo talvez não mais de uma centena mas distribuíamse a embaixadores ou chefes de Estado estrangeiros de modo a causar impressão onde mais importava A propa ganda por meio das medalhas se tornou cada vez mais importante no século XVII Os primeiros governantes se contentavam com 30 ou 40 medalhas diferentes mas 300 tipos foram feitos para comemorar os principais eventos do reinado de Luís XIV Elas podiam ser apreciadas em gabinetes mas os volumes que mostravam as medalhas reproduzidas graficamente junto a comentários explicativos ou de exal tação alcançavam um público muito maior Poetas oficiais louvavam em impres sos os feitos de Luís XIV e de outros monarcas da época e historiadores oficiais publicavam relatos de suas maravilhosas realizações para os contemporâ neos e para a posteridade Os principais festivais da Corte caros e efêmeros eram fixados na memória em descrições impressas e ilustradas Dentre os eventos ilustrados dessa forma alguns jamais aconteceram De acordo com o historiador norteamericano Daniel Boorstin em A imagem 1962 a criação de pseudoeventos foi o resultado do que chama Revolução Gráfica dos séculos XIX e XX a era da fotografia e da televisão Todavia eventos seme lhantes não eram difíceis de se ver na época das xilogravuras e das gravuras As últimas falas dos criminosos executados em Newgate Londres no século XVIII eram vendidas completas e ilustradas no dia da execução caso o ato fosse suspenso o assassino podia ler sobre sua própria morte Uma gravura de Luís XIV mostrandoo perto da Academia Real de Ciências de Paris foi publicada em 1671 quando o rei ainda não tinha visitado a recémfundada instituição Confiáveis ou não materiais impressos se tornaram muito importantes na vida diária A capacidade de penetração desses materiais merece ser enfatizada A difusão de livros panfletos e jornais constituía somente uma parte da história que incluía também o surgimento de dois gêneros normalmente associados apenas aos séculos XIX e XX o cartaz e o formulário oficial Notícias oficiais se multipli cavam nas esquinas e nas portas das igrejas Em Florença em 1558 por exemplo o novo Índex de Livros Proibidos foi fixado nas portas das igrejas da cidade Em Londres a partir de 1660 aproximadamente por exemplo anunciavamse as peças em placares colocados nas ruas Em 1872 na mesma cidade um visitante suíço ficou surpreso pela abundância de nomes de lojas no lugar de sinais Os nomes das 76 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ruas eram cada vez mais escritos nas paredes Para os habitantes das principais cidades européias o analfabetismo estava se tornando cada vez mais desvantajoso Um visitante ocidental em Tóquio hoje pode apreciar a ansiedade de alguém consciente de que as várias mensagens afixadas na rua possivelmente muito importantes não são decodificáveis As formas impressas já eram usadas no início do período moderno para o caso de aluguéis recibos censo e declarações de renda No século XVI por exemplo tudo o que os recenseadores precisavam fazer em Veneza era preencher os quadra dos corretos classificando as residências como pertencentes a nobres cidadãos ou artesãos e contar o número de empregados e gôndolas A Igreja e o Estado usavam formulários Os padres das paróquias preenchiam formulários para certificar que as mulheres órfãs prestes a se casar eram boas católicas No século XVII os cardeais usaram cédulas impressas em um conclave para a eleição de um novo papa com espaços em branco nos quais escreviam o próprio nome e o de seu candidato Acima de tudo devese agradecer ao jornal diário do século XVIII uma amostra do efêmero que se tornaria extremamente valioso para os historiadores sociais o fato de os impressos se tornarem parte da vida cotidiana ao menos em algumas regiões da Europa quando Goethe visitou a cidade de Caltanissetta na Sicília em 1787 descobriu que os habitantes ainda não tinham ouvido falar da morte de Frederico o Grande ocorrida um ano antes Somente na GrãBreta nha estimase que 15 milhões de jornais foram vendidos durante o ano de 1792 E o jornal diário semanal ou bissemanal era complementado por publicações mensais ou trimestrais chamadas posteriormente periódicos ou revistas Ha via também jornais acadêmicos como The Transactions of the Royal Society of London 1665 ou News of the Republic of Letters 1684 que difundiam informa ções sobre novas descobertas óbitos de acadêmicos e também livros novos A resenha de livros foi uma invenção do fim do século XVII Dessa maneira uma forma de impresso anunciava e reforçava a outra Outros jornais como o periódico francês Mercure Galant fundado em 1672 eram dirigidos a um público de escolaridade inferior Escrito pelo menos em sua maior parte por um homem o teatrólogo Jean Donneau de Visé 16381710 mas dirigido principalmente às mulheres o jornal que era ilustrado tomou a forma de uma carta escrita por uma senhora de Paris a outra do campo Natural mente a carta dava notícias da Corte e da cidade das peças recentes e da última moda em roupas e decoração interior mas o Mercure Galant também tinha contos principalmente de amor Os leitores eram convidados a enviar versos e resolver quebracabeças e publicavamse os nomes e endereços daqueles que conseguiam resolvêlos assim como os vencedores de competições de poesia O jornal tam bém incluía relatos em geral elogiosos das ações de Luís XIV e das vitórias de seu Exército uma forma de propaganda pela qual o editor recebia polpuda pensão do governo A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 77 Ao contrário o periódico inglês The Spectator que começou a ser publicado em 1711 dois anos depois do The Tatler tinha orgulho de sua liberdade A característica principal do título do jornal era enfatizar sua liberdade em relação a partidos políticos e mostrar que os editores pretendiam observar os debates em vez de se juntar a eles O objetivo declarado era trazer a filosofia para fora das instituições acadêmicas para ser tratada em clubes e assembléias em mesas de chá e cafés O jornal cobria desde questões morais e estéticas até a última moda em luvas Como Donneau de Visé os editores Joseph Addison e Richard Steele escondendose sob as máscaras de Mr Spectator e Spectator Club estimula vam os leitores a participar no jornal ao colocar um anúncio no primeiro número solicitando que enviassem cartas aqueles que tiverem idéias para se corresponder conosco Muitos o fizeram e algumas missivas foram impressas De maneira semelhante pouco anos antes de Addison e Steele o livreiro londrino John Dun ton 16591733 fundou um jornal The Athenian Mercury para resolver todas as questões interessantes e curiosas propostas por pessoas inteligentes Nos seis anos de sua existência o jornal deu respostas a cerca de seis mil perguntas de seus leitores A idéia de um meio interativo muito discutida atualmente sem dúvida tem suas raízes no passado Dunton foi um genuíno pioneiro dessa idéia O sucesso da fórmula de Addison e Steele pode ser parcialmente medido pelo número de edições reunidas de The Spectator que continuaram a aparecer no restante do século em parte graças a traduções para línguas estrangeiras mas acima de tudo pelos muitos semanários morais que imitavam seu estilo e pro postas na Inglaterra França Holanda Alemanha Itália Espanha e outros lugares Os efeitos do aparecimento de jornais e outros noticiosos têm sido discuti dos desde aqueles dias até hoje No início eles tiveram seus críticos alguns se queixando de que traziam à luz o que devia ser mantido em segredo outros acusan doos de trivialidade No entanto também tiveram admiradores O jornal Il Caffè de Milão alegava que abria as mentes das pessoas e mais exatamente que trans formava romanos e florentinos em europeus O aparecimento de novos tipos de livros de referência como o dicionário jornalístico Zeitungslexikon ou o di cionário das gazetas originalmente um dicionário de nomes e lugares mencio nados nos jornais mostra que tais publicações abriam o horizonte de seus leito res pelo menos ao tornar as pessoas conscientes daquilo que elas não sabiam Dois exemplos concretos de como ajudar a moldar as atitudes de seus leito res referemse ao suicídio e ao ceticismo Em Sleepless Souls 1990 Michael MacDonald e Terence Murphy escrevem que o estilo e o tom das histórias dos jornais sobre suicídio promoveram uma atitude secular crescente e simpática sobre esse ato no século XVIII na Inglaterra Essa impressão foise criando pela freqüência dos relatos que mostravam o suicídio como coisa comum As cartas dos que se matavam eram publicadas nos jornais permitindo aos leitores ver o evento 78 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA do ponto de vista dos atores sendo que essas cartas por sua vez influenciavam o estilo de outras deixadas por suicidas posteriores Dizse também que os jornais incentivavam o ceticismo As discrepâncias entre relatos dos mesmos eventos em diferentes jornais que eram mais extre mas do que as discrepâncias nos livros e foram percebidas por Elizabeth Eisenstein ver p30 geraram desconfiança sobre a imprensa Mesmo os que liam só um jornal ficavam impressionados pela regularidade com que relatos posteriores con tradiziam os primeiros escritos No fim do século XVII as discussões sobre a confiabilidade de escritos históricos em geral citam as gazetas como casopadrão de relatos não confiáveis de eventos Para aqueles que participaram deles ou simplesmente os testemunharam os textos impressos nos jornais muitas vezes pareciam totalmente falsos pelo menos nos detalhes Essas foram as conseqüências negativas Genericamente os jornais contri buíram para o aparecimento da opinião pública termo que tem seu primeiro registro em francês por volta de 1750 em inglês em 1781 e em alemão em 1793 Esse desenvolvimento foi redefinido na última geração como o surgimento da esfera pública graças a um influente livro de Habermas Mudança estrutural da esfera pública lançado em 1962 Para ser mais exato a expressão foi difundida pela tradução de uma palavra cunhada por Habermas Õffentlichkeit literalmente publicidade no sentido amplo de tornar público foi traduzida por uma expressão espacial mais explícita uma transformação que em si nos diz algo sobre o processo de comunicação entre culturas Como no caso de Elizabeth Eisenstein sobre a revolução da impressão gráfi ca o que Habermas nos deu não foi somente um novo argumento mas a reformu lação de uma justificativa tradicional Em vez de falar sobre opinião pública que parece ter um consenso ele fala sobre uma arena na qual aconteceram os debates e oferece um argumento sobre um argumento Habermas afirma que o século XVIII um longo século XVIII começando na década de 1690 foi um período crucial para o aparecimento da argumentação racional e crítica presente dentro de uma esfera pública burguesa liberal a qual pelo menos em princípio estava aberta para a participação de todos O estudo de Habermas é especialmente importante pela visão da mídia como um sistema incluindo jornais café clubes e salões no qual os elementos distintos trabalhavam em conjunto O livro enfatiza a transformação estrutural dessa esfera no final do século XVIII na Inglaterra e na França sua nãoinstrumentabilidade em outras palavras a liberdade quanto a manipulações e sua contribuição para o surgimento de atitudes racionais e críticas do que seria conhecido depois da Revolução Francesa como o Velho Regime A visão de Habermas sobre o debate público levou a uma outra discussão pública na qual ele foi criticado por oferecer um relatório utópico daquele século não perceber a manipulação do público pela mídia mesmo naquela época A REVOLUÇÃO DA PRENSA GRÁFICA 79 ter dado muito pouca atenção às pessoas que na prática estavam excluídas dos debates mulheres e homens comuns e ter salientado demais o que chama de caso modelo da GrãBretanha no final do século XVIII em detrimento de outros lugares e períodos A contraargumentação é que há mais de uma esfera pública no início da moderna Europa como a das cortes reais nas quais a informação política estava disponível em abundância e era avidamente discutida Governantes como Luís XIV como vimos anteriormente neste capítulo eram muito conscien tes da necessidade de se apresentarem sob um foco favorável da Corte para o público por meio de uma ampla atuação da mídia desde poemas e peças até pinturas gravuras tapeçarias e medalhas Um dos propósitos do próximo capítulo será testar as idéias de Habermas pelo exame mais detalhado de alguns debates públicos sobre religião e política na Europa desde o Renascimento e a Reforma até a Revolução Francesa As novas técnicas do século XX começando com o rádio a televisão e o crescimento da propaganda mudaram totalmente o contexto da tese de Habermas como ele próprio reconheceu Elas serão discutidas nos capítulos 2 3 e 4 O Capítulo 6 volta à instrução educação e ao entretenimento que ao lado da informação iriam constituir a trindade da mídia CAPITULO 2 A mídia e a esfera pública no início da Europa moderna Este capítulo apresenta uma narrativa sobre mudanças na mídia analisando a seqüência dos eventos da comunicação da década de 1450 até a de 1790 focaliza acontecimentos ou grupos de ocorrências que receberam algum rótulo como a Reforma as guerras religiosas a guerra civil inglesa a Revolução Gloriosa de 1688 e a Revolução Francesa de 1789 Concentrase em um único tema introduzido no fim da conclusão o surgimento da esfera pública e daquilo que ficou conhecido como política cultural a informação política as atitudes e os valores compartilhados em determinadas sociedades européias ou em grupos sociais específicos dentro de uma sociedade Examinaremos como diferentes meios de comunicação contribuíram para esses eventos e como os próprios acontecimentos colaboraram para a evolução e modificação do sistema de mídia Um estudo recente sobre os primeiros livros de notícias em The Invention of the Newspaper 1996 de Joad Raymond previne os leitores contra o relato linear tradicional de uma expansão da participação política refletida no crescente e amplo acesso a notícias no término da censura e na evolução da liberdade políti ca em resumo no movimento do Antigo Regime para um regime democrático Ao contrário a história a ser contada nestas páginas pode ser descrita como um ziguezague que se move entre regiões e mostra momentos particulares nos quais o acesso à informação tornouse menor e não mais amplo Da mesma maneira algumas mudanças a longo prazo são visíveis entre as décadas de 1520 e 1790 Como no caso da revolução da imprensa não há uma data precisa para começar essa história nenhum marco divisor nítido Antes da Reforma nas cida desestados italianas especialmente em Florença nos séculos XIII XIV e XV faziase referência constante ao povo il popolo os membros do comércio e de associações de artesãos Uma proporção relativamente alta da população floren tina participava da vida política entre quatro e cinco mil adultos homens em uma cidade de menos de cem mil habitantes Escritórios políticos importantes eram preenchidos por nomes sorteados de uma sacola e por sua vez as pessoas não se mantinham no cargo mais de dois meses A política cultural de Florença como a da Atenas clássica ver p16 era essencialmente oral e visual As praças da cidade 80 A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 81 sobretudo a Piazza della Signoria eram um tipo de esfera pública nas quais se ouviam discursos e debatiase política Discursos fluentes eram bastante aprecia dos sendo cruciais para o que os italianos da época chamavam de vita civile a vida ativa política do cidadão Os cronistas urbanos freqüentemente registravam os cartazes políticos afixa dos e os grafites desenhados nas paredes sendo que as relações públicas da cidade eram feitas além da forma oral com o envio de embaixadores a outros estados e também por escrito A chancelaria de Florença onde se escreviam as cartas ofi ciais era cheia de humanistas estudantes da cultura da Antigüidade clássica capazes de escrever em um latim elegante e persuasivo Diziase que o duque de Milão um dos principais inimigos da República florentina afirmava temer mais a pena do chanceler humanista Coluccio Salutati 13311406 do que uma tropa de cavalei ros Em escala menor do que Florença ou Veneza algumas cidades da Holanda Alemanha e Suíça como Antuérpia Nuremberg e Basel desenvolveram cultura cívica parecida A Reforma Se a cidadeestado italiana foi o ambiente onde se desenvolveu o Renascimento sua correspondente alemã a cidade livre como Nuremberg ou Estrasburgo ainda não incorporada à França foi o centro da Reforma o primeiro e principal conflito ideológico no qual a matéria impressa teve papel preponderan te A Reforma pelo menos em sua primeira geração foi um movimento social uma empresa coletiva consciente mesmo que tivesse como objetivo reformar a velha Igreja e não fundar outras novas o que na realidade aconteceu Martinho Lutero nascido em 1483 um frade que se tornou herege era professor da Univer sidade de Wittenberg no leste da Alemanha e se ressentia muito do que via como a dominação italiana da Igreja da magia da Igreja e sua comercialização Favorável a um envolvimento mais direto de leigos com as atividades religiosas Lutero incentivou a leitura da Bíblia e a liturgia em vernáculo o que envolveu novas traduções Ele justificava esse envolvimento pelo que chamou de sacerdócio de todos os crentes a idéia de que cada um tivesse acesso direto a Deus sem necessidade da mediação dos clérigos Habermas realçou o que chama de efeitos da privatização da Reforma um deslocamento dos crentes para o domínio interior movimento apoiado pela cren ça de Lutero de que a obediência ao governante era dever de todo bom cristão devese ressaltar que Lutero não viveu em uma cidade livre e autogovernada mas era súdito do eleitor da Saxônia No que concerne às conseqüências a longo prazo da Reforma Habermas pode estar certo No entanto nos primeiros anos do movimento os vigorosos debates ocorridos primeiro na Alemanha e depois em 82 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA outras partes da Europa sobre as funções e os poderes do papa e da Igreja e a natureza da religião deram uma contribuição importante para a emergência do pensamento crítico e da opinião pública Esses eventos seguiram um padrão recorrente que pode ser descrito como um modelo aprendiz de feiticeiro de mudança política no início da Europa moderna Repetidas vezes as disputas entre as elites levaramnas a requisitar apoio de um grupo maior freqüentemente descrito como o povo Para atingir esse grupo mais amplo as elites não podiam se basear na comunicação boca a boca e então começaram a promover debates públicos e utilizar panfletos Muitas vezes o apelo ao povo teve sucesso Na realidade foi mais bemsucedido do que o espera do ou desejado pelos solicitantes Em certas ocasiões amedrontada pelo que havia começado a elite tentava acabar com o debate somente para descobrir que era tarde demais e o fogo já estava fora de controle Embora o termo opinião pública ainda não estivesse em uso no início do século XVI a visão do povo interessava aos governos da época por motivos práti cos fosse a intenção suprimir esses pontos de vista moldálos ou raramente seguilos como em alguns lugares da Alemanha na década de 1520 em que o Conselho perguntou aos cidadãos se a cidade deveria permanecer católica ou virar protestante O envolvimento do povo na Reforma foi tanto causa quanto conse qüência da participação da mídia A invenção da impressão gráfica solapou o que foi descrito com certo exagero como monopólio de informação da Igreja medie val ver p16 e algumas pessoas tinham consciência disso na época O protestante inglês John Foxe por exemplo pregava que o papa deve abolir o conhecimento e a impressão gráfica ou esta a longo prazo vai acabar com ele Como vimos os papas parecem ter concordado com Foxe e foi por essa razão que se criou o índex de Livros Proibidos ver p56 Depois que as igrejas protestantes se estabeleceram luteranas calvinistas e zwinglianas elas começaram a transmitir suas tradições por intermédio da educação das crianças Peças pinturas e impressos agora eram rejeitados em favor da palavra fosse ela escrita ou falada Bíblia ou sermão Por outro lado na primei ra geração um período bem curto essencialmente as décadas de 1520 e 1530 os protestantes se baseavam no que pode ser chamado de ofensiva da mídia não somente para comunicar suas próprias mensagens mas também para enfraquecer a Igreja Católica ridicularizandoa usando o repertório tradicional do humor popular para destruir o inimigo pelo riso Em contraste com o comportamento posterior esse foi um período em que os protestantes fanáticos eram muitas vezes satíricos irreverentes ou subversivos Um dos principais objetivos dos reformadores era se comunicar com todos os cristãos Enquanto o grande humanista Erasmo c14661536 que também quis reformar a Igreja escrevia em latim para ser lido nos círculos acadêmicos de toda a Europa Lutero normalmente usava a estratégia oposta Escrevia em A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 83 vernáculo de modo que sua mensagem pudesse ser compreendida pelas pessoas comuns mesmo que tivesse de se restringir no início ao mundo de língua ger mânica Graças ao novo meio Lutero não pôde ser silenciado da mesma maneira como o foram os primeiros hereges a exemplo do reformador tcheco Jan Hus 13691415 cujas idéias em diversos aspectos eram parecidas com as de Lutero e que foi morto na fogueira Nesse sentido a impressão gráfica converteu a Reforma em uma revolução permanente Na realidade pouco teria ajudado à Igreja Cató lica queimar Lutero como herege uma vez que seus escritos estavam disponíveis em grande número e a preços bastante razoáveis Quatro mil cópias do discurso Aos nobres cristãos da nação germânica An der christichen Adel Deutscher Nation foram vendidas em poucos dias após a publicação em 1520 pelo impressor Melchior Lotter de Wittenberg um amigo do autor Para o desenvolvimento do protestantismo a longo prazo a tradução da Bíblia de Lutero foi ainda mais importante do que seus panfletos Ele não ficou totalmente satisfeito com o texto impresso de seu Novo Testamento de 1522 que tinha alguns erros Mas qualquer impressão em vernáculo permitia que muito mais gente lesse a Bíblia Um único impressor em Wittenberg Hans Lufft vendeu cem mil cópias em 40 anos de 1534 a 15740 Pequeno catecismo de Lutero 1529 provavelmente alcançou público ainda maior A façanha não deve ser menosprezada Não havia um vernáculopadrão da língua alemã na época em parte porque também não havia muitas publicações de literatura popular e uma das razões para a pequena quantidade de textos era a falta de um vernáculopadrão De um modo ou de outro Lutero conseguiu que brar o círculo vicioso ao escrever não em seu dialeto saxão mas em um tipo mais simples de dialeto que funcionava como denominador comum dos outros usan do como modelo o estilo da chancelaria compreensível de leste a oeste da Saxô nia às terras do Reno Dessa maneira a leitura potencial de seus escritos se multi plicou tornandoos um empreendimento comercial a longo prazo sua tradução da Bíblia ajudou a tornar padrão a língua escrita alemã Não foi somente a técnica de impressão nem apenas Lutero mas a combinação de ambos que tornou isso possível Alguns impressores de Estrasburgo e outros lugares estavam preparados para publicar tanto os textos de Lutero quanto de seus oponentes católicos como se fossem mercenários interessados apenas nas vendas ver p61 outros porém como Lufft e Lotter comprometidos com as idéias de Lutero e seus seguidores imprimiam somente obras protestantes Não eram os únicos Uma carta ao refor mador suíço Ulrich Zwinglio 14841531 mencionava um mascate que vendia de porta em porta somente os escritos de Lutero Apesar de pequena a cidade universitária de Wittenberg onde Lutero vivia e ensinava era o centro de comunicações do luteranismo Uma das razões para a 84 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA difusão de suas idéias no nordeste da Alemanha ao contrário do sudeste onde prevaleceram as de Zwinglio era a facilidade com que chegavam àquela região pregadores e material impresso de Wittenberg Em ambos os casos os panfletos em vernáculo dirigidos às pessoas comuns foram de importância crucial para o sucesso da Reforma Mais de 80 dos livros em alemão publicados no ano de 1532 para ser exato 418 títulos em um total de 498 tratavam da reforma da Igreja Em 1525 foram impressas 25 mil cópias dos Doze Artigos dos camponeses rebeldes Duzentos e noventa e seis panfletos polêmicos apareceram na cidade de Estrasburgo entre 1520 e 1529 Por volta de 1550 cerca de dez mil panfletos tinham sido impressos em alemão Eles foram descritos com algum exagero como um meio de comunicação de massa O exagero devese ao fato de que somente uma minoria da população de língua germânica tinha recursos para comprar panfletos e capacidade para lêlos Provavelmente os textos eram lidos muito mais em público do que privadamente e suas mensagens ouvidas por mais pessoas do que apenas aquelas que sabiam ler Outra afirmação que hoje parece exagerada é que sem o livro não teria havido a Reforma Essas assertivas ignoram o papel importante na época da propaganda oral e visual Para entender a difusão da Reforma é necessário olhar não somente para as publicações mas também para o sistema de mídia como um todo Como somente uma minoria da população sabia ler e menos ainda escrever presumese que a comunicação oral deva ter continuado a predominar na chamada era da impressão gráfica Ela teve muitas formas distintas em diferentes contextos indo de sermões e conferências em igrejas e universidades a rumores e boatos nos mercados e tabernas O sermão teve muita importância nos primeiros anos da Reforma enquanto os hinos em vernáculo permitiam à audiência participar dos serviços religiosos mais ativamente do que nos dias em que simplesmente ouvia missa O próprio Lutero compôs hinos com esse objetivo sendo que o mais notável deles ainda hoje é cantado Uma poderosa fortaleza é Nosso Senhor Ein Feste Burg ist Unser Gott Os arquivos judiciais que registram tentativas de reprimir heresias têm mui to a dizer sobre a recepção das idéias novas com a ajuda de diversos meios de comunicação Eles revelam por exemplo a freqüência com que as baladas impressas tratando de tópicos religiosos e eventos políticos podiam ser cantadas outro exemplo da interação entre meios de comunicação o que foi discutido no capítulo anterior ver p51 Muitos desses registros ressaltam em particular a taberna revelandoa como centro importante de troca de idéias e boatos Talvez seja uma tradição o papel comunicador das hospedarias mas esse fato não costuma ser registrado a respeito da Idade Média No entanto na Alemanha dividida da década de 1520 certos indivíduos eram apanhados no ato de criticar o clero debatendo A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 85 os textos de panfletos ou levantando dúvidas sobre as doutrinas católicas como a transubstanciação ou a imaculada concepção Os registros revelam a importância dos debates públicos de idéias heréticas assim como o papel do livro ou panfleto em provocar tais discussões Portanto os julgamentos de heresia se baseavam na chamada teoria de comunicação de dois passos desenvolvida a partir de um estudo sobre a eleição presidencial norte americana de 1940 De acordo com essa teoria difundida por Elihu Katz e Paul Lazarsfeld em Personal Influence 1955 os eleitores que mudavam o voto não eram diretamente influenciados pelas mensagens vindas de jornais ou rádios O que sentiam era a influência pessoal dos líderes de opinião locais Esses líderes seguem os eventos na mídia no nosso caso os panfletos protestantes com mais atenção do que os leitores mas depois influenciam seus seguidores sobretudo no contato corpo a corpo Também as imagens entravam na batalha religiosa Lutero ao contrário de Calvino não as desaprovava mostrava uma imagem da Virgem Maria em seu estudo Opunhase à superstição que chamava de idolatria a veneração do significante à custa do significado Nas igrejas luteranas continuaram a ser exibi das algumas pinturas religiosas principalmente de Cristo tendo a Ressurreição como um dos temas mais populares Uma importante forma de comunicação com os analfabetos as imagens ainda constituíram um meio muito importante na difusão das idéias protestantes Lutero tinha plena consciência disso quando apelava para o povo simples como ele chamava Seu amigo Lucas Cranach 14721553 produziu não somente pin turas de Lutero e sua mulher mas também muitas gravuras polêmicas como a famosa Paixão de Cristo e Anticristo que contrastava a vida simples de Jesus com a magnificência e o orgulho de seu Vicário o papa Assim um par de xilogravuras mostra Cristo fugindo dos judeus porque estavam tentando transformálo em seu rei enquanto o papa ao contrário defendia com a espada o direito de governar os estados da Igreja uma referência óbvia ao beligerante papa Júlio II que morrera em 1513 Cristo foi coroado com espinhos o papa com a tríplice coroa ou tiara Cristo lavava os pés de seus discípulos mas o papa apresentava os seus para serem beijados pelos cristãos Cristo viajava a pé enquanto o papa era carregado de liteira Figura 9 Muitas pinturas de Lutero foram feitas no ateliê da família de Cranach em Wittenberg sem dúvida para serem colocadas em residências privadas como sím bolo de lealdade à Reforma Algumas dessas imagens principalmente uma xilo gravura de cerca de 1520 mostrava o reformador como uma espécie de santo com um halo e uma pomba acima da cabeça para representar sua inspiração pelo Espírito Santo Figura 10 O uso de tais convenções facilitava a comunicação com pessoas comuns de mentalidade tradicional No entanto o preço desses recursos Figura 9 Lucas Cranach xilogravura da Paixão de Cristo e Anticristo 1521 preço pago muitas vezes na história da comunicação era a diluição da mensagem protestante pela adoção das mesmas práticas que ela pretendia substituir Nessa época os rituais eram meio e objeto de debates Os ritos católicos foram parodiados na procissão da Saxônia na década de 1520 em que ossos de cavalos eram carregados como relíquias falsas em protesto contra a canonização recente de um santo local Beno da Saxônia Nos primeiros anos da Reforma os protestantes também se valiam de encenações teatrais de rua para convencer as pessoas a ficarem contra a Igreja Por exemplo em 1521 o impressor suíço Pamphilus Gengenbach da Basileia c14801524 encenou um ataque aos lucros do clero provenientes da doutrina sobre o Purgatório A peça se intitulava Os comedores dos mortos Die Totenfresser e mostrava um bispo um macaco e outros padres sentados ao redor de uma mesa cortando um cadáver Novamente em 1528 o pintor suíço Nikolas Manuel de Berna c14841530 encenou outra peça chamada de O vendedor de indulgências Der Ablasskrämer na qual ridicularizava a comercialização da religião pelo catolicismo assim como Lutero havia feito antes A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 87 Figura 10 Hans Baldung Grien xilogravura de Martinho Lutero rodeado por um halo c1520 Quanto aos católicos eles não respondiam aos desafios protestantes usando os mesmos meios de comunicação pelo menos não na mesma escala ou para o grande público Também não produziam tantos panfletos para defender a Igreja quanto os protestantes para atacála Não faziam suas próprias traduções da Bi 88 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA blia o que a Igreja achava perigoso Quando produziam peças religiosas em geral eram dirigidas não ao povo mas a uma audiência de elite como a dos pais de alunos de colégios jesuítas na França Itália e Europa Central Isso ilustra uma característica geral de comunicação que pode ser chamada dilema conservador comum a regimes autoritários pelo menos nas sociedades em que há poucos letrados quando sob ataque No caso do século XVI se a Igreja não respondesse a Lutero o povo podia ser levado a pensar que os hereges tinham razão Por outro lado se respondesse podia encorajar a laicidade como já foi discutido anteriormente a comparar os dois lados pensar por si mesmo e escolher entre alternativas em vez de fazer o que era dito Para os defensores de velhos regimes que se baseiam em hábitos de obediência a resposta correta à mensagem pode portanto ser a resposta errada em termos de meio Por sua vez os católicos continuaram a se esforçar por produzir imagens religiosas sobretudo depois que os iconoclastas protestantes destruíramnas dentro e fora das igrejas no processo de transformação da aparência dos lugares sagra dos Os católicos prestavam grande atenção à retórica da imagem tornando as pinturas e estátuas mais dramáticas e assim acreditavam em um meio mais eficaz de persuasão do que haviam sido antes da chamada ContraReforma em seguida ao Concílio de Trento 154563 Muitas vezes a iconografia se referia às doutrinas que os protestantes haviam atacado Cenas do arrependimento de são Pedro ou de santa Maria Madalena por exemplo eram especialmente retratadas pois representavam justificativas para o sacramento da confissão Os halos voltaram aos santos que em alguns casos os tinham perdido apesar do halo de Lutero O desenvolvimento das instituições opostas em retrospecto complemen tares de propaganda e censura pode ter sido conseqüência inevitável da invenção da impressão gráfica mas ambas foram resultado imediato das guerras religiosas do século XVI A propaganda e a censura eram religiosas antes de se tornarem políticas Assim como os impressos ajudaram a garantir a sobrevivência da Refor ma protestante tornando impossível suprimir as idéias de Lutero do modo como foram aniquiladas as dos hereges medievais também a Reforma repre sentou um sucesso econômico para os impressores seja com grande venda de panfletos ou a prazo mais longo de bíblias em vernáculo Contrariamente à tese de Habermas podese argumentar que a Reforma alemã contribuiu para o aparecimento de uma esfera pública pelo menos du rante algum tempo Os escritores de panfletos usavam estratégias autoconscientes de persuasão tentavam atingir um vasto público e estimulavam a crítica à Igreja Há semelhanças incríveis entre o que aconteceu no mundo germanófono no início do século XVI e o que está acontecendo agora no mundo muçulmano a ascensão de uma esfera pública amplamente religiosa e vinculada à emergência de novos veículos a imprensa no século XVI os vídeos e os sites nos dias de hoje A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 89 Quanto às autoridades seculares também elas descobriram que a nova mí dia era uma força poderosa que talvez servisse para fins políticos O conflito entre o imperador Carlos V e seu rival o rei Francisco I da França travase também em panfletos além das batalhas campais a partir de meados da década de 1520 o desenvolvimento dessa campanha de papel mostra que ambos os governantes tinham aprendido uma lição com Lutero As guerras religiosas e a revolta dos holandeses Após a década de 1520 houve um declínio das discussões públicas pois os lutera nos formaram uma igreja e limitaram ou suprimiram os debates populares A ênfase mudou do sacerdócio de todos os crentes para a importância de um sacer dote instruído que diria ao povo em que acreditar e interpretaria o significado da Bíblia Encontramos processos semelhantes acontecendo posteriormente no mesmo século em outras partes da Europa Do ponto de vista da mídia a batalha entre católicos e protestantes é muitas vezes apresentada como uma guerra entre a cultura da imagem e a do livro Tratase de uma visão simplista No mundo católico a padronização de práticas religiosas associadas à ContraReforma se ajustou tanto às necessidades dos impressores quanto às dos produtores de imagens Houve uma demanda crescente por mis sais breviários e acima de tudo catecismos Alguns impressores como Christophe Plantin da Antuérpia enriqueceram com o fornecimento desses produtos Al guns laicos liam as vidas dos santos outros trabalhos devocionais No entanto houve um contraste relativo entre a cultura protestante do livro e a cultura católica da imagem Bem antes da ContraReforma por exemplo em uma época na qual era perigoso imprimir literatura protestante na França na Itália ou na Inglaterra de Henrique VIII a cidade de Antuérpia era o centro de um florescente comércio de exportação imprimindo bíblias e panfletos em francês italiano e inglês Em uma ocasião por instruções do bispo de Londres que parece não ter assimilado a ciência econômica relativa à impressão um mercador inglês católico da Antuérpia Augustine Packington comprou toda a edição do Novo Testamento de William Tyndale originalmente publicada em Worms em 1526 para queimála O episódio abaixo foi extraído de uma fonte da época a Chronicle Crônica de Edward Hall Augustine Packington encontrou William Tyndale e disse William sei que vós sois um homem pobre e tendes convosco uma pilha de Novos Testamentos e livros que põem em perigo vossos amigos e vos empobrecem e eu tenho um mercador com dinheiro que pode expedir tudo o que tendes se achardes que é lucrativo para vós Quem é o mercador perguntou Tyndale O bispo de Figura 11 As 17 províncias e principais cidades da iconoclastia A M Í D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 9 1 Londres respondeu Packington Ah Isso é porque ele vai queimálos disse Tyndale Claro falou Packington Eu trago as boasnovas disse Tyndale pois dois benefícios virão juntos eu ganho o dinheiro dele com esses livros saldo minhas dívidas e o mundo todo irá chorar pela queima da palavra de Deus O que sobrar do dinheiro ficará comigo e me fará mais estudioso para corrigir o Novo Testamento e imprimilo de novo e tenho certeza de que o segundo fará melhor por você do que o primeiro E assim foi feita a barganha o bispo teve os livros Packington os agradecimentos e Tyndale o dinheiro No século XVI sobretudo os calvinistas estimularam uma onda de iconoclastia que se espalhou por toda a Europa dirigida principalmente contra estátuas em bora os vitrais também tenham sofrido Às vezes as estátuas eram destruídas outras apenas removidas O movimento aconteceu no mundo de língua alemã na década de 1520 apoiado por Andreas von Karlstadt em Wittenberg e Ulrich Zwinglio em Zurique Ele se espalhou para Genebra e partes da Inglaterra e França na década de 1530 Teve seu clímax na França e na Holanda em meados de 1556 quando se documentou a destruição de imagens em 25 locais entre 10 de agosto e 29 de setembro Um mapa Figura 11 mostra que em muitos lugares a iconoclastia era uma reação às notícias ou aos boatos sobre destruição de imagens em outros lugares É tentador interpretar esse movimento organizado o primeiro em larga escala desde o império bizantino no século VIII como reação à proliferação de imagens e especialmente ao poder de comunicação das estátuas no fim da Idade Média e no Renascimento Embora os luteranos não fossem iconoclastas de tal forma que Karlstadt só conseguia remover as imagens das igrejas de Wittenberg quando Lutero estava fora a comunicação por imagens foi especificamente proibida nas áreas calvi nistas Em um templo calvinista assim como em uma mesquita o campo visual do crente era dominado por textos pintados como os Dez Mandamentos Foram os calvinistas que tiveram a liderança nos dois conflitos no fim do século XVI as guerras religiosas na França do início da década de 1560 até meados da década de 1590 e a revolta dos holandeses da década de 1560 a 1609 Tais conflitos são importantes no contexto deste livro graças ao papel desempenhado pela mídia e também porque a mescla de debates religiosos e políticos que eles estimularam sugere a possibilidade de se falar no surgimento de uma esfera pública nesses dois países vizinhos nas décadas de 1570 e 1580 As guerras religiosas francesas eram tanto de mídia quanto de espadas e armas de fogo conflitos em que tinham suma importância a panfletagem a feitura de imagens sua destruição e a comunicação oral Em 1534 os protestantes franceses já usavam a imprensa para dar publicidade às suas idéias Grandes cartazes ou placares atacando a massa católica foram impressos na Suíça contra bandeados para a França e colocados em lugares públicos até mesmo ainda que 92 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA por pouco tempo na porta do quarto do rei Na década de 1570 o conflito se tornou triangular quando a poderosa família Guise acusou o governo de ser muito tolerante com os protestantes e organizou uma Liga Católica com ajuda espanhola A Liga comandou o que se pode chamar de uma campanha de mídia pois havia cartazes para serem colocados em paredes imagens satíricas sermões causticantes e panfletos incendiários O que se diz hoje sobre essa campanha devese às atividades do advogado parisiense Pierre LEstoile c15461611 que se dispôs a registrar boatos e ser mões além de estampar em seu diário cartazes e gravuras que de outra forma teriam desaparecido Graças a ele sabemos que as guerras civis francesas foram em parte guerras de imagens muitas delas produzidas em uma rua de Paris a Mon torgueil próxima de Les Halles De um lado circulava um Mapa do Papado satírico enquanto de outro preferiase a imagem de A marmita derramada um grande caldeirão contendo protestantes e ateus sendo cozidos no fogo Quando Henrique duque de Guise e seu irmão o cardeal de Guise inimigos de Henrique III reinado entre 1575 e 1589 foram assassinados imediatamente apareceram xilogravuras comemorando suas mortes cruéis As palavras impressas tiveram importância enorme na luta Como na Ale manha na década de 1520 a França no fim do século XVI estava em plena era dos panfletos com mais de 30 por ano produzidos entre 1559 e 1572 Depois do Dia de São Bartolomeu no qual muitos protestantes foram mortos os panfletos se tornaram mais violentos em ataques pessoais como a prostituta ou pantera rainha Catarina de Médici 151989 Eles também passaram da religião para a política Daí vem a conclusão do historiador Donald Kelley de que em 1572 nasceu a moderna propaganda política Tendo alcançado seu pico no período 158894 e depois de declinar em números na época em que a paz foi restabelecida os panfletos reapareceram em escala ainda maior durante a crise política de 1614 17 quando um grupo de nobres se rebelou contra o rei Mais de 1200 panfletos foram produzidos naquele curto período O cardeal Richelieu que governou a França junto com o rei Luís XIII entre 1630 e 1643 pode ter aprendido muito sobre a importância da mídia naquela crise Ele inspirou a fundação de um jornal oficial em 1631 a Gazette e ocasionalmente mandava para o editor notícias a serem publicadas JeanBaptiste Colbert o ministro mais importante de Luís XIV entre 1661 e 1683 tinha ainda maior consciência do alcance da mídia do que Richelieu A criação de uma imagem favorável do rei para público estrangeiro e interno por meio de reportagens na imprensa histórias oficiais poemas peças balés óperas pinturas estátuas gravuras e medalhas foi produzida por uma equipe de artistas e escritores supervisionados por Colbert O papel público da mídia foi ainda maior na Holanda do que na França começando com a revolta contra Felipe II da Espanha ou o que os holandeses hoje chamam a Guerra dos Oitenta Anos de 1568 a 1648 Mais de sete mil panfletos A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 93 desse período ainda sobrevivem nas bibliotecas holandesas A tiragem era comu mente de mil a 1250 cópias mas pela demanda eles eram rapidamente reimpres sos Foram os panfletos por exemplo que difundiram a lenda negra do despotis mo obscurantismo e fanatismo da Espanha Os escritores a serviço do líder rebelde Guilherme o Silencioso 153384 apresentavam Felipe II como um tirano que não respeitava as liberdades e os privilégios tradicionais das cidades holandesas Versos impressos glorificando os rebeldes e denunciando Felipe II como He rodes ou faraó e os espanhóis como descendentes de judeus descrentes tinham circulação provavelmente maior do que os panfletos pois eram cantados e ouvidos mais freqüentemente do que lidos As imagens impressas também deram sua contribuição para a campanha dos rebeldes Uma xilogravura da execução em 1568 dos condes de Egmont e Hoorne por ordem de Felipe II logo circulou na Holanda os cabeçalhos diziam o que pensar sobre os eventos ilustrados Os panfletos holandeses não eram produzidos de forma contínua mas se agrupavam em resposta aos principais eventos históricos sobretudo nos períodos 157885 15981606 1618 e 16478 Registrouse também um aumento repentino na produção por volta de 1607 poucos anos antes do lançamento dos panfletos na já mencionada crise francesa de 161417 O panfleto político estava se tornan do parte da vida holandesa Chegava a haver mesmo um debate sobre os debates um diálogo por exemplo que discutia se cada um podia ou não expressar sua opinião sobre assuntos de Estado Não por acidente foi na República holandesa especialmente em Amsterdã que os jornais cujos primeiros registros são da Alemanha em 1609 tornaramse uma instituição popular Ao contrário do panfleto apareciam em intervalos regu lares normalmente uma ou duas vezes por semana costumavam ter as edições numeradas de modo que os leitores podiam saber se tinham perdido algum exemplar Na sociedade urbana e extraordinariamente letrada da República ho landesa no século XVII a esfera pública temporária estava transformandose em algo permanente À diferença de seu equivalente holandês o panfleto inglês antes de 1640 era mais moral do que político Mas a situação iria mudar muito rapida mente com a deflagração da guerra civil Da revolução puritana à Revolução Gloriosa A mídia européia estava cheia de notícias para publicar na década de 1640 uma década de crises Em Portugal palco da luta pela independência com relação à Espanha a Gazeta de Lisboa noticiou a guerra de 1641 a 1647 Na França os panfletos tiveram novamente um papel político importante sendo muito empre gados para atacar o governo e o primeiroministro Jules Mazarin na guerra civil 164852 conhecida como Fronda Cerca de cinco mil mazarinades foram produ 94 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA zidos na época vendidos a meio ou um quarto de sou cada ultrapassando as pro duções feitas em 161417 assim como os panfletos haviam ultrapassado em número os produzidos durante as guerras religiosas As edições da oficial Gazette foram mais extensas do que o normal entre 1648 e 1650 porque havia muitas notícias para publicar além disso jornais nãooficiais como o Courrier Bordelais também estavam em circulação No entanto depois de 1650 e com maior evidência após o início do governo de Luís XIV em 1661 a esfera pública francesa voltou a se contrair Assim como a Fronda a guerra civil inglesa também conhecida como Revo lução Inglesa foi acompanhada pela mídia em palestras e sermões textos e ima gens ações rituais como procissões e destruição de imagens De novo encontramos uma situação em que as elites estavam divididas e ambos os lados recorriam a apoio público apesar de não serem capazes de prever ou controlar as conseqüências Em muitos aspectos a guerra civil na Inglaterra foi um conflito religioso entre os defensores da Igreja Anglicana próxima em termos de liturgia senão de doutrina da Igreja Católica e os chamados puritanos que acreditavam em formas mais simples de prática religiosa mesas em vez de altares ausência de imagens ritual reduzido ao mínimo etc No entanto no curso da guerra os conflitos entre os próprios puritanos ou cabeças redondas assim chamados porque usavam cabelo curto se tornaram cada vez mais agudos Presbiterianos batistas quintomonarquistas e outros tentavam converter leitores e ouvintes à sua forma particular de cristianismo Voltando à mídia o clero por exemplo havia perdido o controle sobre o sermão nessa época e tinha de competir com prega dores leigos alguns deles artesãos como o exfunileiro John Bunyan 162888 e algumas mulheres como a pregadora batista mrs Attaway Pelo menos em Londres aquela foi uma época de política veiculada em cartazes petições e manifestações Em 1640 por exemplo a petição denominada Raiz e ramos contra os bispos obteve cerca de 15 mil assinaturas enquanto mais de mil pessoas levaramna ao Parlamento Em 1642 o Parlamento recebeu a Petição das senhoras das esposas de comerciantes e de muitas outras do sexo feminino Artífices e aprendizes se envolviam em políticas praticamente todo dia Não surpreende que alguns historiadores recentes debruçados sobre aquele período falem do surgimento de políticas de massa apesar da natureza problemáti ca desse conceito Os anos da metade do século XVII foram significativos pelo uso de panfletos e jornais em que monarquistas e parlamentaristas expressavam os respectivos pontos de vista Entre 1640 e 1663 um livreiro George Thomason equivalente inglês do parisiense LEstoile coletou perto de 15 mil panfletos e mais de sete mil jornais coleção conservada na Biblioteca Britânica e conhecida como Thomason Tratos A deflagração da guerra civil também coincidiu com o chamado surgi mento do livro de notícias inglês em 1641 Mercurius Aulicus foi um jornal A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 95 Figura 12 Richard Overton página de rosto de Canterbury a mudança de regime importante para um dos lados e Mercurius Britannicus o equivalente para o outro lado cada qual produzindo sua versão dos eventos foram seguidos por Mercurius Melancholicus Mercurius AntiMelancholicus Mercurius Morbicus Mercurius Phre neticus Mercurius Pragmaticus Mercurius AntiPragmaticus e muitos outros Essa explosão de matéria impressa serviu de contexto ao famoso debate sobre liberdade de imprensa do qual participou o poeta puritano John Milton ao publicar o Areopagitica 1644 que atacava a prática de imprensa do Alto Parla mento e defendia a liberdade de imprimir sem licença era uma crítica a todo tipo de censura em todos os níveis afirmando especialmente que todos os ho mens independentes deveriam ser livres para escolher Ele associava a censura ao catolicismo salientando que os papas tinham estendido seu domínio sobre os olhos dos homens com a invenção do novo Purgatório de um índice Mensagens temáticas não estavam confinadas a panfletos e jornais Inscri ções políticas nas paredes londrinas e outros lugares públicos eram ilustrações vivas da ampliação da esfera pública na época A propaganda pictórica também tornavase proeminente Sobreviveram cerca de 150 impressos políticos somente do ano 1644 sendo que alguns deles atacavam os ministros de Carlos I o conde de Strafford e o arcebispo Laud Figura 12 A cena de Laud atrás de grades mostra 96 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA uma pista sobre o estilo de teatro de rua que floresceu em Londres na época da mesma maneira como acontecera nas cidades alemãs durante a Reforma ver p85 O julgamento de Carlos I seguido por sua execução pública em um cada falso à frente da Banqueting House em Whitehall 1649 foi um grande drama político que em parte compensou o fechamento dos teatros em 1642 A continua da importância da comunicação oral é revelada pelos chamados Debates de Put ney em 1647 nos quais um rascunho de constituição conhecido como Consen timento do povo foi discutido no Conselho do Exército onde todas as categorias estavam representadas e no qual foi desafiada a propriedade e solicitada a extensão de privilégios Os impressos também foram importantes para atrair pessoas e para a conse qüente ampliação da esfera pública Em 1641 estavam em circulação mais de 20 mil cópias do Grande protesto do Parlamento contra o regime de Carlos I Relató rios dos debates na Câmara dos Comuns impressos pela primeira vez aumenta ram a audiência dos discursos parlamentares A ascensão das petições por escrito contribuiu para a cultura democrática já que elas eram uma forma que as pessoas comuns tinham de participar da política mais ativamente do que antes exercendo algum tipo de pressão sobre o Parlamento A grande questão aqui como em qualquer lugar deste estudo é a extensão do efeito da mídia e suas mensagens sobre as mudanças de atitude e mentalidade das pessoas Alguns estudiosos têm enfatizado a banalização das matérias políticas nas folhas de notícias mas o outro lado da moeda foi a entrada da política nacional na vida cotidiana Um piedoso artesão londrino Nehemiah Wallington referiuse em seu diário a mais de 300 panfletos Outro contemporâneo declarou que o Mercurius Aulicus fez no Parlamento mais feridos do que dois mil soldados do rei observação semelhante ao comentário sobre as cartas de Salutati ver p81 Olhando para trás do ponto de vista de uma geração posterior e ampliando a metáfora um escritor de 1682 declarou que não conhecia nada que ferisse mais o antigo rei do que as balas de papel da imprensa Outro escritor literalmente usou seu panfleto como míssil arremessandoo contra a carruagem real em 1641 Quando o general alemão Erich von Ludendorff 18651937 anunciou durante a Primeira Guerra Mundial que as palavras se tornaram batalhas ele estava expri mindo um lugarcomum apesar de os desenvolvimentos das técnicas de propa ganda terem dado à sua observação um novo ponto de vista O efeito preciso da explosão de notícias e comentários continua sendo maté ria controversa Os historiadores ainda debatem se a cultura política inglesa foi essencialmente local ou nacional na época embora observando que os jornais mantinham as províncias informadas sobre os eventos nacionais e estimulavam a discussão e a redação de petições locais para influenciar a política em Londres Ilustrando a afirmativa de Deutsch em The Nerves of Government 1963 de que uma comunidade é uma rede de canais de comunicação a difusão de notícias A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA 97 forjou ligações mais estreitas entre o centro político e as regiões ajudando desse modo a construir uma cultura política de âmbito nacional Como na Alemanha da década de 1520 uma esfera política pública e uma outra popular surgiram na GrãBretanha especialmente em Londres nos notá veis 20 anos entre a convocação do Parlamento em 1641 e a restauração de Carlos II em 1660 Nas palavras de Nigel Smith Nunca antes na história britânica a literatura escrita e impressa desempenhou um papel tão predominante nos negó cios públicos e jamais seus contemporâneos sentiram tanto a importância dela A restauração de Carlos II em 1660 apresentou a seus arquitetos um proble ma comum em tais situações o retorno de um sistema relativamente aberto para um fechado A proliferação de folhas de notícias concorrentes foi barrada pelo monopólio exercido pela London Gazette um jornal oficial de modelo francês exemplo mais recente seria o Pravda na era de Stálin ou Brejnev e pela reintro dução do licenciamento de livros Em 1663 sir Roger LEstrange cuja reprovação à impressão gráfica já se mencionou anteriormente ver p26 foi designado para impor o cumprimento dos regulamentos governamentais sendo seu título de inspetor da imprensa um eufemismo para censor LEstrange estava consciente do que foi descrito acima como o dilema con servador o problema enfrentado pela Igreja Católica no tempo de Lutero ignorar as críticas públicas feitas pelos radicais ou lutar contra elas com as mesmas armas Certa feita escreveu que um mercúrio jornal público nunca terá meu voto pois acho que levará as multidões a se tornarem muito familiarizadas com as ações e deliberações de seus superiores No entanto ele editou pelo menos três folhas de notícias primeiro The Intelligencer impresso segundo suas próprias palavras para a satisfação e informação das pessoas depois The News e por último The Observator de 1681 a 1687 LEstrange escreveu em The Observator em abril de 1681 Foi a imprensa que os tornou loucos então que os torne saudáveis nova mente Dessa forma os governos foram forçados a utilizar o jornalismo e contri buir tanto para a difusão de uma consciência política popular que em geral as elites deploravam quanto para o surgimento dos jornalistas homens de notícias como eram chamados no século XVII na Inglaterra como uma nova força nos assuntos políticos e que mais tarde seriam descritos como quarto poder ver p192 As atividades da mídia no período da restauração foram iluminadas por um grande evento de comunicação em 1678 a chamada conspiração papal para assassinar Carlos II a fim de que seu irmão católico Jaime duque de York pudesse substituílo Em 6 de setembro de 1678 Titus Oates um exconvertido ao catoli cismo e exseminarista jesuíta procurou um magistrado sir Edmund Berry God frey para contarlhe sobre a conspiração Em seguida em 28 de setembro repetiu a história ao Conselho Logo depois Godfrey foi encontrado morto provavelmen te assassinado Quando a procissão funerária foi realizada em 31 de outubro a 98 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Câmara dos Comuns resolveu que acontecera uma conspiração diabólica e mal dita tramada e levada adiante pelos oponentes ao papa para assassinar o rei No julgamento dos acusados Oates apresentou provas do caso mas não foi convin cente e a partir dessa época começou a perder credibilidade assim como o senador Joseph McCarthy 190957 com suas histórias de conspirações comunistas de repente desacreditado pela opinião pública norteamericana na década de 1950 No final Oates foi condenado por perjúrio O estudo mais conhecido sobre a conspiração papal escrito pelo historiador John Kenyon é marcado por um autêntico senso comum e ilustra com vivacidade os lados forte e fraco desse tipo de abordagem Preocupado em elucidar o que na realidade aconteceu ou deixou de acontecer Kenyon se concentra em mostrar que nunca houve uma conspiração rejeitando as crenças contemporâneas como irra cionais pânico histeria medo paranóico do catolicismo ou mesmo hipno tismo de massa No entanto certamente a conspiração papal necessita ser estu dada da maneira como o historiador francês George Lefebvre analisou o grande medo de 1789 ver p37 levando em conta o papel da mídia Como em tantas crises políticas os estereótipos desempenharam um importante papel o católi co traiçoeiro o jesuíta astuto e assim por diante Foram reativadas memórias populares sobre a conspiração da pólvora de Guy Fawkes e também sobre o grande incêndio de Londres de 1666 de que os católicos levaram a culpa A Gazette oficial não mencionou a conspiração Uma vez que não havia jornais nãooficiais na época as notícias do evento circularam indiretamente por meio de cartas privadas ou oralmente isto é em boatos A crise ilustra claramente o argumento de Tamotsu Shibutani em Improvised News 1966 segundo ele os rumores florescem quando o suprimento de informação é inadequado com rela ção à demanda Nesse caso havia boatos de misteriosos cavaleiros noturnos em Yorkshire Wiltshire Gloucestershire e outros lugares seguidos de relatos de uma invasão francesa Imagens impressas também difundiram a horrível conspiração papal em particular uma série de gravuras em cartas de baralho representando cenas como Os conspiradores assinando a resolução para matar o rei Além disso depois que se mostrou que a conspiração fora afinal uma mera invenção seus temas continuaram a ser explorados pelo Partido Whig hostil aos católicos e que desejava limitar os poderes do monarca Portanto havia uma ligação direta com a chamada Crise da Exclusão 167981 cujo objetivo era afastar o irmão de Carlos Jaime da sucessão do trono Jaime era o seguinte na linha sucessória pois Carlos não tinha herdeiro legítimo masculino Os Whig fizeram petições publicaram baladas e impressos e organizaram várias procissões sobretudo em Londres em 1679 1680 e 1681 nas quais se queimava a efígie do papa A conta dessas demonstrações políticas era paga pelo Clube da Fita Verde uma organização Whig Nessas ocasiões um escritor profissional Elkanah Settle era contratado para compor representações sobre o papa cardeais frades inqui A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 99 sidores freiras e um rapaz foi empregado para gritar Lembremse de Justice Godfrey Às figuras eram afixados rótulos para que todos pudessem entender a mensagem Também eram gravadas e impressas imagens das procissões O grava dor Stephen Colledge deu uma importante contribuição para a causa Whig pela qual foi executado em 1681 ele representou o rei como um boneco de duas faces ou ator de variedades Por outro lado os Tory se queixavam em impressos dos abusos da imprensa comparando as difamações sediciosas de seus opositores com aquelas de 1641 Calculase que entre cinco e dez milhões de cópias de panfletos estives sem em circulação entre 1679 e 1681 com argumentos a favor ou contra a exclu são A mídia mais tradicional também não foi esquecida O poeta John Dryden 16311700 por exemplo escreveu ou colaborou na peça O duque de Guise a fim de mostrar o que chamava de paralelo entre o ano de 1584 na França e o de 1684 na Inglaterra com o líder Whig o primeiro lorde de Shaftesbury 162183 no lugar do duque e os dissidentes no lugar da Liga Católica Em outras palavras o paralelo era uma cópia ao contrário com os ultraprotestantes na GrãBretanha desempenhando o papel dos ultracatólicos na França A peça teve a aprovação de Carlos II que pediu a Dryden que traduzisse uma história recente da Liga Católica de Guise Ao dedicar sua tradução ao rei Dryden sugeriu que uma comparação entre os eventos de 1584 na França e 1684 na Inglaterra mostrava que as seme lhanças eram totais Apesar de tudo Jaime duque de York sucedeu seu irmão Carlos em 1685 e foi coroado como Jaime II No entanto foi expulso três anos depois quando o protestante Guilherme de Orange 16501702 casado com a irmã de Jaime Mary invadiu a Inglaterra partindo da Holanda O papel da mídia nesses eventos revolucionários foi muito importante A Declaração de Guilherme sobre os moti vos da invasão foi impressa e começou a ser distribuída na Inglaterra antes mesmo de a invasão se efetivar O fato de ainda nos referirmos aos eventos de 1688 como a Revolução Gloriosa testemunha o poder de uma imagem conscientemente fabricada na época Por exemplo a Festa do Prefeito de 1689 intitulada O grande jubileu de Londres apresentava Guilherme III como herói conquistador protestante O texto foi escrito por um poeta profissional Matthew Taubman que anteriormente havia escrito contra os Whig e a mensagem era complementada por baladas procissões impressos medalhas baralhos e sermões Particularmente influente foi o sermão do bispo Gilbert Burnet 1643 1715 em St James em dezembro de 1688 que circulou impresso logo depois A comunicação a longa distância continuava a ser difícil Na América do Norte as notícias dos eventos de 1688 custaram a chegar O desembarque de Guilherme de Orange e a queda de Jaime II ocorreram em novembro e dezembro na época do ano errada para que os relatos chegassem à Nova Inglaterra com rapidez Portanto a chegada de Guilherme à Inglaterra só foi conhecida em 100 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Boston no começo de abril de 1689 Na Carolina só depois Guilherme foi procla mado rei porque as notícias sobre sua coroação levaram ainda mais tempo para chegar àquela região Enquanto a importância da Revolução Inglesa de meados do século XVII é bastante conhecida na história da mídia os estudiosos parecem ter dado menor atenção a essa seqüência de eventos Eles mencionaram todavia a assinatura da lei de licenciamento de 1695 que fez terminar não somente a censura mas tam bém o controle sobre os impressos exercido pela Companhia de Papéis controle que durou desde que a ela foi concedida uma carta real em 1557 e o fim da Lei de Taxação dos Jornais ou do Selo Stamp Act de 1712 que estabelecia um imposto sobre impressos com o intuito de reprimir o poder crescente da imprensa escrita Houve uma disputa entre as memórias políticas e os sermões impressos naqueles anos cabendo salientar o sermão feito contra o governo Whig em 1710 por Henry Sacheverell c16741724 da alta direção Tory No sermão que ven deu 40 mil cópias em poucos dias Sacheverell ilustrava o modo como o desem penho em uma das mídias ecoava ou se mostrava presente em outra O fato de o texto ter vendido dez vezes mais cópias do que Aos nobres cristãos da nação germânica ver p83 de Lutero fornece uma medida da crescente importância da matéria impressa na cultura européia O mais significativo de tudo isso foi o surgimento da imprensa periódica nãooficial incluindo jornais como The Post Man The Post Boy ambos funda dos em 1695 The Flying Post e The Protestant Mercury Esses jornais eram mais extensos do que o órgão oficial a London Gazette e apareciam com maior fre qüência três vezes por semana em vez de duas Eram também muito mais in formativos Os dados sobre circulação parecem ter sido elevados seis mil cópias do Gazette no início do século XVIII quatro mil cópias do The Post Man três mil do The Post Boy Foram esses jornais nãooficiais que transformaram a esfera pública tempo rária inicial em uma instituição permanente tornando a política parte da vida diária de considerável parcela da população especialmente em Londres Muitas vezes os jornais eram lidos em voz alta e discutidos nos cafés que se tornaram um foro político e nos quais tanto artífices como cavalheiros mulheres e homens tinham voz embora nem todas fossem ouvidas com igual interesse pelos partici pantes Outros tipos de informação estavam começando a se tornar mais públi cos A Bolsa de Valores e os jornais difundiam informação econômica Também a ciência participava da esfera pública graças às conferências abertas e aos Relató rios da Royal Society ver p76 que davam notícias das experiências e descobertas então recentes mesmo que os encontros da sociedade permanecessem semipúbli cos abertos somente para os membros do clube Foi a cultura britânica que produziu o político radical John Wilkes cuja extraordinária carreira como defensor da liberdade e opositor persistente do siste A MÍDIA E A ESFERA PÚBLICA ma político dependeu do apoio popular mobilizado pela mídia e não somente nos jornais principalmente no North Briton mas em impressos políticos volan tes e procissões A distinta efígie de Wilkes foi reproduzida em medalhas botões canecas caixas de rapé e bules de chá Durante muito tempo os festivais apresen tavam mensagens políticas ver p48 A novidade do período o surgimento do que o século XIX chamaria de manifestação um evento nem sempre festivo organizado para apoio a determinada política Outra novidade foi o que podemos designar como institucionalização do impresso político que agora aparecia regularmente e não apenas em tempos de crise Os impressos estimulavam o pensamento crítico sobre política satirizando ambos os lados os ataques dos Whig aos Tory e viceversa Nem mesmo a família real era poupada O duque de Cumberland foi representado como açougueiro por sua brutalidade no aniquilamento da rebelião jacobina de 1745 enquanto o prín cipe regente mais tarde Jorge IV foi objeto contínuo de crítica visual no início do século XIX O Iluminismo e a Revolução na França No continente europeu com exceção da República da Holanda o desenvolvimen to de uma esfera pública permanente atrasouse com relação à GrãBretanha Na França por exemplo a Fronda foi seguida pelo longo reinado de Luís XIV que exerceu o poder de 1660 até 1715 em que a mídia era controlada e mínima era a crítica pública ao regime A situação mudou no entanto durante o século XVIII e nenhuma história da mídia pode deixar de citar o Iluminismo francês parte dominante de um movimento europeu de educação crítica e reforma que teve outros centros na Escócia e na Suíça e afetou também as Américas do Norte e do Sul A metáfora da luz foi levada a sério na definição do movimento pelos seus participantes A luz era da Razão palavrachave da época usada em oposição a fé superstição tradição e preconceito Outra palavrachave do período era crítica Em sua ênfase no pensamento racional e crítico do século XVIII assim como no destaque à idéia de público Habermas repetiu ou traduziu em termos do século XX o que os participantes do Iluminismo já diziam sobre si mesmos Exigindo reforma em vez de revolução eles concebiam seu papel como educacional no mais amplo sentido da palavra educação A mídia foi o instrumento usado O papel central desse movimento foi desempenhado por pensadores france ses os chamados philosophes entre eles Voltaire 16941778 Rousseau 1712 78 Diderot 171384 e DAlembert 171783 Designando a si mesmos como homens de letras muitas vezes foram descritos como os primeiros intelectuais independentes de patronos ou mesmo como a primeira manifestação de intelli gentsia no sentido de serem críticos sistemáticos do regime sob o qual viviam Eles 102 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tentaram difundir amplamente sua mensagem dentro e fora da França tanto para mulheres quanto para homens embora não buscassem atingir o povo Voltai re em particular foi desdenhoso com o que chamava ralé canaille Esses homens de letras pensavam e escreviam dentro de um sistema no qual havia censura embora mais fraca do que aquela da época de Luís XIV Os jornais por exemplo não podiam tratar de assuntos políticos As restrições oficiais torna ram a cultura oral dos cafés politicamente importante assim como a cultura dos salões nos quais senhoras aristocráticas organizavam reuniões de intelectuais A correspondência particular sobretudo com soberanos como Frederico da Prússia reinado de 1740 a 1786 e Catarina da Rússia reinado de 1762 a 1796 foi outro meio usado pelos philosophes para difundir suas idéias Algumas vezes gêneros artísticos como peças de teatro pinturas e estudos históricos serviam de veículos para mensagens políticas As bodas de Fígaro por exemplo do dramaturgo francês PierreAugustin Beaumarchais 173299 es treou em 1784 depois de dificuldades com os censores que suspeitavam que a peça fosse uma sátira ao regime Os sentimentos políticos de Beaumarchais foram suavizados no libreto italiano da ópera de Mozart 1786 mas algo da mensagem original permaneceu Acima de tudo a famosa Enciclopédia publicada entre 1751 e 1765 foi impor tante veículo para a política Originalmente planejada como tradução em quatro volumes da Cyclopaedia inglesa de Chamber ela transformouse em um trabalho independente com 35 volumes DAlembert Diderot Voltaire e Rousseau esta vam entre os que contribuíram para os volumes que tinham por objetivo desper tar a consciência política e transmitir conhecimento A publicação da Enciclopédia foi um evento crucial na história da comunicação Somente os ricos podiam comprá la mas imprimiramse edições mais baratas e muitas pessoas podiam consultar os volumes em bibliotecas públicas Outra reação à censura foi a organização da comunicação clandestina ver p58 fosse ela sob forma impressa ou manuscrita fossem os livros contrabandea dos do exterior ou produzidos secretamente na França Os livreiros franceses se referiam a essas publicações clandestinas como livres philosophiques categoria geral que incluía pornografia e obras heréticas e politicamente subversivas O historiador norteamericano Robert Darnton sugere que a pornografia estava ligada ao Iluminismo e à Reforma por meio de um processo de dessacralização O ataque à conduta sexual da mulher de Luís XVI Maria Antonieta intitulado Les amours de Carlot e de Toinette pode ter encorajado não somente a Reforma mas também a Revolução A maneira como as famílias reais eram apresentadas na mídia pode ter tido conseqüências políticas de longo alcance Como no caso dos movimentos descritos anteriormente neste capítulo o envolvimento do povo na Revolução Francesa de 1789 foi tanto causa quanto conseqüência da participação da mídia Um aspecto similar pode ser salientado na A MiDIA E A ESFERA PÚBLICA 103 revolução norteamericana de 1776 A causa da independência dos Estados Uni dos que se valeu de um precedente inglês o Grande Protesto inglês do século XVII serviu de fonte para a declaração de independência norteamericana foi precedida tanto por panfletos quanto por jornais Já havia em circulação 42 jornais diferentes nas colônias da América do Norte em 1775 e alguns deles como o New York Journal o Philadelphia Evening Post e o Massachusetts Spy incitaram a causa revolucionária descrevendo atrocidades cometidas pelo Exército britânico A longo prazo eles criaram uma cultura política nacional com as notícias que publi cavam como aconteceu na Inglaterra durante a guerra civil e ajudaram na emer gência de uma nova comunidade idealizada e definida em oposição aos ingleses Um visitante francês na América do Norte após notar a reimpressão freqüente do panfleto Senso comum de Thomas Paine na imprensa periódica disse Sem jornais a revolução norteamericana não teria ocorrido Outros viajantes euro peus fizeram comentários sobre o número de jornais existentes nos Estados Uni dos Por volta de 1800 havia 178 semanários e 24 diários Quanto à Revolução Francesa sua relação com o Iluminismo que a precedeu tem sido objeto de freqüentes debates No fim do século XVIII o governo francês reconheceu a opinião pública como uma entidade que necessitava ser informada ao fazer isso ajudou a oposição a derrubar o Antigo Regime dessa maneira a Revolução pode ser descrita como a continuação do Iluminismo sob outra forma O apelo à razão personificada como deusa e aos direitos do homem tratados como universais seguiam as tradições do Iluminismo Os philosophes eram vene rados e o corpo de Voltaire foi levado em procissão solene para ser sepultado no Panthéon em 1791 No entanto o programa revolucionário foi mais radical Deve ria mudar o sistema em vez de reformálo A reorganização do calendário tornan do 1792 o Ano 1 foi um importante ato simbólico uma declaração de inde pendência em relação ao passado Os historiadores tinham por hábito ver a Revolução Francesa basicamente como uma resposta aos problemas sociais e econômicos da década de 1780 Atual mente atribuise maior ênfase à invenção de uma nova cultura política e à constru ção de uma nova comunidade de cidadãos onde foi criado um lugar junto às duas ordens estados ou poderes privilegiados o clero e a nobreza isto é um terceiro estado formado por advogados comerciantes artesãos e camponeses Novamen te nesse trabalho de invenção e construção a mídia desempenhou papel crucial A matéria impressa teve parte importante na Revolução Francesa que come çou com apelos a uma imprensa livre O conde de Mirabeau 174981 adaptou a Areopagitica 1788 de Milton MarieJoseph Chénier lançou uma forte Dénoncia tion des inquisiteurs de la pensée 1789 e JacquesPierre Brissot produziu um Essai sur la nécessité de la liberté de presse 1789 Brissot tinha em mente os jornais em particular pois na época em que sua obra surgiu os eventos se sucediam com tamanha velocidade que não podiam ser acompanhados pela produção de livros 104 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 13 Prato com mensagem política ou mesmo panfletos Houve uma explosão de novas publicações com pelo menos 250 jornais fundados nos últimos seis meses de 1789 Diferentes periódicos diri giamse a públicos díspares inclusive de camponeses para quem se destinava La Feuille villageoise O tamanho dessas novas folhas era pequeno mas a Gazette Nationale imitou o formato grande dos jornais ingleses A Revolução foi boa para a imprensa pois havia grande número de notícias interessantes para publicar e não faltavam leitores A cozinheira que confessou em 1791 ler quatro jornais ver p 70 pode não ter sido a única em sua época Por seu lado a imprensa foi boa para a Revolução Jeremy Popkin por exemplo sugeriu que a imprensa periódica foi indispensável para dar legitimidade à feitura das novas leis da Revolução tornando o processo público Entretanto o poder da imprensa não deve ser exagerado Em 1789 a maioria do povo francês não sabia ler Por isso é preciso considerar todos os aspectos do sistema de comunicação tal como foi feito no caso dos primeiros grandes movimentos europeus como a Reforma A comunicação oral foi particularmente importante A época da Revolução Francesa foi de intensos debates discursos na Assembléia Nacional e nos clubes políticos recémformados em Paris e outras cidades Os debates eram orientados segundo uma nova retórica revolucionária apelando mais às paixões do que à razão e baseandose na magia de palavras como liberté fraternité nation patrie peuple e citoyen Naquela época fora das assembléias e dos clubes os rumores tinham ainda mais relevo do que o normal e outra rápida sucessão de eventos A MIDIA E A ESFERA PÚBLICA 105 emocionantes aconteceu O notório grande medo de 1789 discutido anterior mente ver p98 foi simplesmente o boato mais importante de todos durante a Revolução A comunicação visual inclusive a iconoclasta também teve significação A destruição de imagens religiosas expressava a idéia de que a Igreja pertencia ao Antigo Regime Houve também iconoclastia secular ou vandalismo como foi chamado na época na destruição das estátuas de Luís XIV em duas das principais praças de Paris até 1792 O lado positivo foi criar uma nova linguagem para servir ao novo regime O pintor JacquesLouis David 17481825 por exemplo deu apoio ativo à Revolução tanto dentro quanto fora de seu estúdio Seu quadro sobre o assassinato de Marat foi uma contribuição à martirologia da Revolução Produziramse mais de 600 impressos no período revolucionário tentando am pliar o debate político para os iletrados Uma xilogravura da tomada da Bastilha por exemplo simbolizava a queda do Antigo Regime Até mesmo leques e pratos carregavam mensagens políticas como Longa vida ao terceiro estado Vive le tiers état ou União e Liberdade Figura 13 assim como as cartas de jogar A Revolução Francesa pode ser descrita como um teatro político de longa duração sendo as cenas mais dramáticas as das execuções públicas de Luís XVI Maria Antonieta e mais tarde dos líderes revolucionários como Danton e Robes pierre Havia também festivais públicos em Paris sobretudo no grande espaço aberto do ChampdeMars ou nas províncias o Festival da Federação por exem plo ou os da morte do rei da soberania do povo do ser supremo e da razão O pintor David foi o projetista e coreógrafo de alguns desses festivais As proporções em grande escala desses eventos aos olhos do século XX reminiscentes da Corri da de Nuremberg ou das paradas do 10 de maio da Rússia mostravam os novos valores democráticos da época ao permitir a participação de milhares de pessoas Eram também a expressão de um processo de secularização no sentido do que a historiadora francesa Mona Ozouf chamou de transferência da religiosidade da Igreja para o Estado A mobilização consciente da mídia com o objetivo de mudar atitudes pode ser descrita como propaganda Originalmente um termo religioso inventado para descrever a propagação do cristianismo a palavra propaganda adquiriu sentido pejorativo no fim do século XVIII quando os protestantes usaramna para descre ver técnicas da Igreja Católica Durante a Revolução Francesa o termo foi adapta do à política A jornalista revolucionária Camille Desmoulins 176094 por exemplo comparou a propagação do patriotismo com a do cristianismo en quanto os monarquistas no exílio denunciavam a propaganda da Revolução A nova palavra se referia a um fenômeno recente Embora o uso de imagens e textos para moldar atitudes já fosse feito há bastante tempo na história da humanidade a autoconsciência e a escala da campanha na mídia revolucionária constituíam algo novo 106 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Disse Habermas A Revolução na França criou da noite para o dia o que na GrãBretanha havia levado mais de um século de evolução constante as instituições para o debate crítico público de matéria política As limitações dessa esfera pública francesa têm sido objeto de considerações principalmente a exclusão virtual das mulheres No entanto a mídia francesa desempenhou um papel necessário tanto na destruição de tradições antigas quanto na invenção de novas ao tentar criar uma nova cultura política sem igreja ou rei Não é por acidente que a frase opinion publique e o termo propaganda se tornaram de uso comum na época Da mesma maneira a famosa guilhotina entrou para a linguagem da comunicação seja no nome de uma máquina usada por impressores para cortar as bordas de folhas de papel seja designando a tentativa de finalizar os debates parlamentares sobre determinado tópico Como no caso da Inglaterra depois da restauração de Carlos II a França sob Napoleão que governou entre 1799 e 1815 experimentou uma espécie de retor no à situação prérevolucionária No entanto era impossível a repetição de situa ções uma vez que as pessoas se lembravam do que havia acontecido O poder da mídia residia em sua capacidade de reavivar memórias do passado revolucionário A antiga analogia entre a imprensa e o Exército ver p80 e 96 foi relembrada por Napoleão ao declarar que quatro jornais hostis devem ser mais temidos do que cem mil baionetas Para retornar ao debate que tem ecoado neste estudo e que prosseguirá seria absurdo negar a criatividade de indivíduos como Diderot ou Robespierre na política e nos sistemas de comunicação do Iluminismo e da Revolução Como vimos esse sistema de comunicação incluía palestras imagens e festivais além de material impresso Entretanto ao se pensar sobre o modo como estimulou a cons ciência política na condição de uma consciência mais acurada que por sua vez levou a um crescimento no consumo de material impresso é dificil evitar uma expressão tal como a lógica da impressão gráfica assim como é difícil com res peito a um período posterior evitar a expressão a lógica da tecnologia A Revolução e mais tarde o Império deu estímulo à ciência inclusive à ciência da comunicação a começar com as estradas Os engenheiros eram respei tados e sua instrução incentivada O mesmo acontecia com as invenções Entre 1792 e 1798 a cada ano era proposto um novo projeto de invenção O pioneiro do telégrafo foi Claude Chappe 17631805 um jovem que fazia experiências com eletricidade e acreditava que revolucionários deviam recompensar os experimen tos que fossem úteis para o público Ele apresentou um memorando à Assem bléia Legislativa em 1792 insistindo que ela desse apoio a um sistema de sinais de transmissão de mensagens que receberiam respostas rápidas de torre a torre O sistema iria unificar a nação argumento fortalecido no ano seguinte após a França entrar em guerra contra o império dos Habsburgo agora ele seria significativo do A M I D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 1 0 7 ponto de vista militar A primeira linha de sinalizadores entre Paris e Lille foi construída para a comunicação com o Exército no norte e uma das primeiras iniciativas de Napoleão foi a construção rápida de outra linha entre Lyon e Milão Ao mesmo tempo buscavase a universalidade tanto nas declarações de direitos quanto na adoção do sistema métrico por exemplo À época em que o telégrafo elétrico foi desenvolvido ver p137 o poder francês não podia influenciar as decisões de outros países e a França preservava seu sistema de sinalizadores ou arranjos híbridos mesmo depois de terem se tornado obsoletos A história na GrãBretanha foi o contrário O governo britânico rejeitou em 1816 o oferecimento de Francis Reynolds o pai da telegrafia inglesa para suprir um método ativo de transmitir inteligência Porém com o surgimento da in dústria a ser descrito no próximo capítulo investidores privados patrocinaram tanto as estradas de ferro quanto a telegrafia Reynolds recebeu o título de cavalei ro em 1870 quando o desenvolvimento das comunicações estava entrando em nova fase Variedades da esfera pública Este capítulo tenta trabalhar tanto a favor quanto de alguma forma contra a idéia do surgimento da esfera pública associada ao pensamento de Jürgen Habermas o qual ao responder a seus críticos alegou que levar o conceito de esfera pública para os séculos XVI e XVII envolve a mudança do próprio conceito de esfera pública em grau tamanho que ela se torna outra coisa De nossa parte enfatiza mos a sua fraqueza estrutural nos antigos regimes e distinguimos dois tipos de esfera pública o temporário e o permanente ou o estrutural e o conjuntural Nós nos movemos da Reforma Alemã na década de 1520 para as revoluções norteamericana e francesa passando pelas guerras civis na Holanda França e In glaterra Notamos uma seqüência de situações semelhantes nas quais as elites en volvidas nos conflitos mais acirrados apelaram para o povo e nos quais a mídia especialmente a impressa ajudou a elevar a consciência política Em cada situação uma crise levou a um debate vivo mas relativamente curto que pode ser descrito como o estabelecimento de uma esfera pública temporária ou conjuntural Pelo menos alguns dos personagens dessa longa história reconheciam seus predecessores e tentavam construir algo a partir de suas realizações Por exemplo a guerra civil inglesa foi vista na época como uma repetição das guerras religiosas francesas do século XVI A Crise da Exclusão também foi considerada da mesma forma com Shaftesbury no lugar de Guise ver p99 O Grande Protesto inglês do século XVII se tornou modelo para a declaração de independência norteame ricana A Areopagitica de Milton adaptada por Mirabeau foi usada na campanha 108 UMA HISTORIA SOCIAL DA MÍDIA francesa pela liberdade de imprensa enquanto a execução do rei Carlos I foi citada como um precedente para a guilhotina de Luís XVI Registraramse precedentes impressos com panfletos que asseguravam a lembrança das rebeliões e dessa forma permitiam a construção do que pode ser chamado uma tradição de revolução Ao mesmo tempo os jornais e periódicos tornaram cumulativo o processo de crítica às autoridades A imprensa já era uma força na sociedade em 1789 juntamente com o clero a nobreza e o resto Na GrãBretanha ela mais sustentou as autoridades do que as subverteu durante as longas guerras contra Napoleão Sem dúvida as guerras foram vencidas por uma superioridade econômica e naval mas muitos contemporâneos atribuem a vitória a qualidades morais e religiosas superiores Entretanto essa história não é linear como sugerimos no início deste capítu lo ela progrediu em ziguezague Movimentouse de uma região da Europa para outra muitas vezes dando um passo atrás depois de dois à frente deve ser traçada no contexto de uma mudança geográfica global A palavra descobrimento co meçou a ser usada quando os oceanos do mundo foram abertos Apesar disso do ponto de vista da mídia ainda não víamos um único mundo O islã como observamos resistiu bastante à impressão gráfica Somente após 1800 se juntaram a imprensa e os movimentos políticos revolucionários no Oriente Médio Por outro lado no leste da Ásia onde a cultura da impressão tomou corpo muito antes do que no Ocidente as conseqüências foram diferentes daquelas verificadas na Europa O que Benedict Anderson chama de capitalismo da im pressão certamente existiu especialmente no plano popular Os impressos japo neses do século XVIII por exemplo hoje tão procurados por colecionadores originaramse de cartazes anunciando atores casas de chá cortesãs e mesmo marcas de saquê Ainda assim na China bem como no Japão os impressos sofriam maior controle pelo Estado do que na Europa adiando o desenvolvimen to de uma esfera pública durante séculos e podese discutir até que ponto a China tem uma esfera pública No caso da Europa a partir da Reforma a fragmentação da autoridade re ligiosa e política tornou impossível o controle total pelos governos da impressão gráfica que tinha por trás de si um forte interesse econômico Esse interesse tor nouse ainda maior e aparentemente irreversível e irresistível nos séculos XIX e XX quando os impressos se tornaram uma entre tantas tecnologias de mídia verbais e visuais dirigidas por novas formas de poder finalmente convergindo para uma estrutura global Em retrospecto na época a impressão com tipos móveis realizada por em preendedores independentes parece uma combinação explosiva embora uma proporção substancial da atividade estivesse ligada a setores econômicos não relacionados com o surgimento da mídia O fracasso dos governos europeus em controlar totalmente o que se imprimia levou a outros desenvolvimentos em ter A M Í D I A E A E S F E R A P Ú B L I C A 1 0 9 mos de comunicação começando com o transporte e em pouco tempo chegando à industrialização movida a vapor no que foi considerado uma verdadeira revo lução Comércio indústria e comunicação A tecnologia nunca pode ser separada da economia e o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação longa contínua e eterna O segundo conceito claramente formulado apenas no fim do século XX já tinha começado a tomar forma no século XIX Seguindo o que Charles Knight 1791 1873 pioneiro do livro barato e da imprensa popular chamou de uma vitória sobre o tempo e o espaço o tempo e distância foi redefinido sob a influência primeiro da ferrovia e do primeiro barco a vapor e depois de um conjunto de novos meios de comunicação telégrafo rádio fotografia e cinema Mesmo antes da ferrovia as pessoas da época já comparavam os revolucio nários franceses Danton e Robespierre com James Watt 17361819 incensado como o inventor da máquina a vapor e Richard Arkwright 173192 o primeiro rei das fábricas que começou como muitos outros proprietários de fábricas de algodão utilizando água em lugar de vapor como força motriz Logo a seguir apareceu Napoleão As vitórias de Napoleão se deram na guerra as de Watt e Arkwright na paz As realizações dos últimos foram imaginadas muitas vezes em linguagem bíblica como invenções de conseqüências globais mesmo os deser tos do mundo podiam ser transformados Vapor se as nações não envelhecerem Por que não balançais vossa bandeira Sobre as terras sem mares sem força e construís Uma única nação para o homem Antes que tivesse início a seqüência industrial mais tarde chamada de indus trialização que resultou na tecnologia baseada na ciência as primeiras invenções tecnológicas eram aclamadas com orgulho mas poucas vezes sem controvérsia Os mercadores precederam os empreendedores industriais pois olhavam além dos oceanos em busca de oportunidades econômicas Ao abrirem novos mercados eles ficavam cada vez mais dependentes da comunicação de informações Daniel Defoe 16601731 autor do romance Robinson Crusoé 1719 observou 13 anos antes de escrever o livro como o Mercador por sua Correspondência reconcilia aquela infinita variedade que pela Infinita Sabedoria da Providência foi espalha da sobre a face do mundo Cada país comunica o que quer com outras nações 110 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA e não há país tão insignificante nem tão sem utilidade que não possa ter algo a ser encontrado e que não exista em nenhum outro lugar Havia novas conexões e novas formas de viver O conceito de revolução industriosa que teria precedido a Revolução Industrial foi criado por Jan de Vries historiador holandês Ela influenciou também comportamentos e hábitos Defoe também estava interessado em projetos inventivos que iriam mudar a extensão e os locais de comércio e mais tarde no século XVIII o sócio do inventor James Watt Matthew Boulton 17281809 que passou da produção de brin quedos para a de máquinas a vapor se gabava de ter estabelecido correspondên cia com quase todas as cidades mercantis da Europa que regularmente me solici tam encomendas Energia acreditava ele é o que o mundo todo quer CAPÍTULO 3 Do vapor à eletricidade Ao mesmo tempo que se vangloriava de que podia oferecer tudo o que o mundo quisesse energia Matthew Boulton dependia das patentes de James Watt a primeira registrada em 1769 cinco anos antes da associação de Watt e Boulton na mais famosa de todas as parcerias entre inventor e homem de negócios Antes da década de 1760 o número de patentes pedidas durante um ano na GrãBretanha raramente ultrapassava uma dúzia em 1769 o número foi de 36 e em 1783 quando terminou a Guerra de Independência dos Estados Unidos chegou a 64 Muitas dessas patentes relacionavamse à comunicação orientada para o poder A energia a vapor tinha uma longa história retrocedendo até o mundo antigo e foi usada em minas durante décadas antes de movimentar as máquinas Na época em que as patentes de Watt expiraram em 1800 o motor a vapor tinha se estabelecido como a mais importante das invenções aquela da qual muitas outras dependiam Dionysius Lardner 17931859 um prolífico escritor especia lizado em máquinas de energia a vapor e editor de uma Cabinet Cyclopaedia descreveua com exagero como produto exclusivo do gênio britânico fomen tado e apoiado pelo capital britânico Na França com seus grandes mananciais de água canais e rios navegáveis a utilização da máquina a vapor na indústria foi relativamente pequena assim como nas novas comunidades industriais norte americanas como Lowell em Massachusetts a cidade do fuso No entanto foi lá que em 1848 um escritor famoso ao considerar o ano de 1789 perguntou Que descoberta especulativa da mente tinha exercido tanta influência quanto a da máquina a vapor Isso aconteceu em um ano no qual tinham acontecido diversas revoluções políticas na França e em outros países europeus e o escritor era Ernest Renan 182392 autor de uma controversa vida de Cristo Nos Esta dos Unidos um fabricante de Lowell Erastus Brigham Biggelow 181479 já havia descrito como na época era possível com a crescente aplicação da máquina a vapor alcançar o que os antigos sonhavam em suas fábulas Uma melhoria significativa foi a da velocidade bem maior do que a do cavalo unidades de cavalos de força ainda eram usadas com relação ao vapor assim como seriam mais tarde nos motores a combustão Já se dava ênfase à 111 112 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA velocidade antes do advento do vapor no entanto agora ela havia se tornado imperativa Como escreveu o poeta Samuel Taylor Coleridge 17721834 em 1826 Avante Vapor ou Gás ou Carruagem Mantenha a Cabine pequena gaiola dirigível Passeio Jornada Viagem Ócio Corrida Caminho Planar Projetar Excursionar Papear na Viagem Moverse você deve Esse é o desejo de hoje Lei e moda atual As mensagens seguiam nas histórias em quadrinhos panfletos e romances Um personagem do livro The Mill of the Floss de George Eliot disse O mundo marcha em um ritmo mais acelerado do que quando eu era jovem É esse vapor que você vê Dentro dessa perspectiva a Revolução Industrial e a revolução da comu nicação podem ser vistas como parte do mesmo processo com a revolução dos transportes em primeiro lugar na seqüência tecnológica que parecia ter uma lógica própria principalmente depois que a eletricidade substituiu o vapor como nova fonte de energia apesar de ser no início ainda mais misteriosa a palavra eletrônica surgiu muito depois No século XX a televisão precedeu o compu tador do mesmo modo que a impressão gráfica antecedeu o motor a vapor o rádio antecedeu a televisão e as estradas de ferro e os navios a vapor precederam os automóveis e aviões A seqüência não manteve um ritmo regular e cada demo ra precisa ser explicada Uma máquina de voar factível foco de aspiração de muitas pessoas teve de esperar a invenção do motor a combustão interna para se tornar uma possibilidade técnica O telégrafo precedeu o telefone e o rádio deu início à telegrafia sem fio Mais tarde depois da invenção da telefonia sem fio ela foi empregada para introduzir uma era da radiodifusão primeiro em palavras depois em imagens Ao tratar do advento da energia a vapor que durante muito tempo pare ceu ter sido o começo de tudo David Landes um respeitado historiador norteamericano estudioso do longo processo de industrialização se concentrou na substituição das habilidades humanas pelos aparelhos mecânicos na substi tuição da força humana e animal pela energia inanimada e em uma marcante melhoria na obtenção e manipulação da matériaprima No entanto não havia nada definitivo na associação desses desenvolvimentos com o vapor como reco nheceram as pessoas da época Em lugar disso havia começado um contínuo processo de industrialização durante o qual se adquiriram mais habilidades hu manas desenvolveramse formas novas de energia inanimada inclusive depois DO VAPOR À ELETRICIDADE 113 da energia elétrica solar e nuclear e inventaramse materiais substitutos graças ao avanço da química e no século XX da ciência dos materiais O processo de descobertas estava no centro do que muitos contemporâneos de cada invenção viam como progresso freqüentemente exaltado pela mídia Um dos órgãos que promoveu tal processo no século XVIII na GrãBretanha foi a Sociedade para o Fomento de Artes Manufaturas e Comércio fundada em 1754 que dividiu as invenções em categorias colocando aquelas ligadas ao transporte em posição proeminente Navegação interna longitude no mar rodas car ruagens e estradas já figuravam nas listas em 1760 No século XIX a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil fundada em 1827 foi apelidada de Socie dade do Intelecto a Vapor Em todos os países na idade do vapor bem como na subseqüente idade da eletricidade tornouse motivo de orgulho ser o primeiro a registrar uma inven ção embora raramente fosse fácil estabelecer a autoria Muitas delas aconteceram de modo independente em lugares diferentes segundo processos que reconheci damente ultrapassavam fronteiras Eram freqüentes os litígios sobre direitos de patentes As disputas legais tornavamse batalhas por poder e dinheiro sendo que a quantia dependia tanto do tempo de validade da patente quanto da sua vulnerabilidade em termos de mudança Amiúde invocada a lei variava de país a país No entanto havia uma retórica abundante sobre a conquista da natureza Em 1776 ano da declaração da independência dos Estados Unidos e de A riqueza das nações de Adam Smith um ágil versificador escreveu Virá o tempo em que nada acontecerá Sem que uma preciosa Patente assim o decrete E no futuro deveremos abrir algum dia A porta da Natureza com uma chave patenteada E o futuro significou tanto para os inventores britânicos e homens de negócios apoiados não somente por versificadores mas também por grandes poetas quanto para os revolucionários franceses Na verdade foi na França que o termo revolução industrial foi cunhado em 1827 por um economista político Adol phe Blanqui Erasmus Darwin 17311802 avô do grande biólogo Charles Darwin que morava nas cercanias de Black Country escreveu no início do primeiro ano da Revolução Francesa de 1789 que o transporte era a chave principal para o mundo do futuro Logo armese O VAPOR NÃO CONQUISTADO a distância Arraste a lenta barcaça ou dirija o carro célere Ou com grandes asas transporte facilmente A carruagem alada pelos campos de ar 114 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA O médico Erasmus Darwin era membro da Sociedade Lunar um conjunto de amigos do oeste de Midlands formalmente constituída como sociedade em 1780 Boulton e Watt faziam parte dela Os integrantes tinham consciência de que esta vam distantes de Londres embora o tempo gasto para chegar lá nas chamadas carruagens voadoras houvesse diminuído drasticamente com tempo bom depois da construção de autoestradas A milhagem dos membros da sociedade aumentou cinco vezes entre 1750 e 1790 A forma mais prática de transporte a interessar os membros da sociedade não era o tráfego rodoviário ou a locomoção a vapor mas o transporte pelos canais que por sua disposição já estava transformando a vida econômica dos interioranos Um dos membros da sociedade o oleiro Josiah Wedgwood 1730 95 que tinha particular interesse no assunto contribuiu bastante para a fase dos canais na história do transporte A primeira delas teve seu apogeu na GrãBreta nha em 17903 quando o capital barato trouxe um estímulo à mania de canais no país sendo que o Parlamento autorizou 53 leis relativas a canais e navegação Esse entusiasmo antecipou a mania das ferrovias da década de 1840 A especula ção nesse caso foi tão importante quanto o investimento na história posterior da mídia incluindo a Internet O mesmo se pode dizer para a pressão sobre a legisla ção Como usar a lei para regulamentar os processos de comunicação essa era uma questão fundamental tanto naquela época quanto hoje Na Europa continental com quilômetros de rios navegáveis os canais já eram um traço conhecido da paisagem antes de se tornarem também comuns na GrãBretanha Lá iniciouse uma era dos canais no fim do século XVII Em 1810 na França o complexo do canal de Saint Quentin ligava o mar do Norte e os sistemas fluviais dos rios Scheldt e do Lys com o canal da Mancha através do rio Somme e com Paris e Le Havre através dos rios Oise e Sena Na época Napoleão era imperador e a GrãBretanha estava ocupada em protelar as guerras contra ele A compra da Louisiana de Napoleão por parte dos Estados Unidos em 1803 resultou no controle de uma via marítima primordial no fim do século XIX ela se tornou parte de uma rede de navegação continental com mais de seis mil quilôme tros de canais Havia somente uma centena e meia de quilômetros em 1800 mas entre 1817 e 1825 o estado de Nova York construiu o canal Erie uma ligação vital da rede de transportes abrindo caminho para o Oeste Antes que a GrãBretanha entrasse em conflito armado com a França revolu cionária prénapoleônica em 1793 Darwin terminava sua coletânea de versos Botanic Garden 178991 que se referia a algo mais do que o transporte a alguma coisa que ele ansiosamente mencionava como a imaginação sob o estandarte da ciência Ao mesmo tempo o jovem William Wordsworh 17701850 que como Coleridge saudou a Revolução Francesa como uma nova alvorada fez a seguinte exaltação em seu poema An Evening Walk 17889 D O V A P O R À E L E T R I C I D A D E 1 1 5 aqueles para quem as portas harmoniosas Da Ciência têm margens celestiais ilimitadas Para quem uma energia vibrante concedeu Aquele outro olho que dispara pela terra e pelo céu Sob essa perspectiva a ciência e a tecnologia eram uma coisa só Na realidade a relação entre ambas era complicada Nenhuma das duas pa lavras ciência e tecnologia havia sido inventada Cientista era um termo novo em 1840 enquanto tecnologia foi cunhada somente em francês na Enciclo pédia e ainda não era usada na GrãBretanha No entanto a palavra invenção precedida por descobrimento fazia parte do vocabulário usual do fim do século XVIII juntamente com desenvolvimento Sua ligação freqüentemente era com jogo e não com objetivo a palavra brinquedo usada antes na França do que na GrãBretanha fazia parte do mesmo vocabulário O desejo de novidade pode ter fomentado as invenções assim como o que passou a ser chamado de ne cessidade econômica Uma das locomotivas que integraram os protótipos de trens a vapor de 1829 vencida pela Foguete de George Stephenson palavra com futuro no século XX foi denominada Novidade vocábulo ainda favorito no século XIX Uma das figuras ilustres daquele século Karl Marx 181883 viu a invenção do motor a vapor como o grande marco da história humana separando o passado do presente e descortinando um futuro revolucionário No Manifesto comunista de 1848 ele se alongou de maneira eloqüente sobre as maravilhas conseguidas pela industrialização mas previu que a revolução viria não por meio da tecnologia mas sim da luta de classes entre capitalistas que possuíam as máquinas a vapor e a maquinaria e o proletariado que trabalhava para os industriais e por eles era explorado Nos seus diários Gründrisse escritos em meados da década de 1840 listou as principais mudanças industriais desde a Revolução Francesa e explicou que a natureza não constrói máquinas nem locomotivas estradas de ferro telégrafos elétricos etc Eles são produtos da indústria humana matéria natural transformada em instrumentos da vontade humana A referência de Marx ao telégrafo elétrico salientou a primeira invenção elétrica que daria início ao processo de transformação do que veio a ser chamado de mídia Figura 14 No entanto ainda mantinha seu foco sobre o vapor e a relação entre o vapor e a impressão gráfica quando perguntou O que se torna a Fama o boato a notoriedade quando a Printing House Square sede do jornal londrino The Times difunde notícias no exterior e em casa O jornal original mente chamado em 1785 de The Daily Universal Register teve seu nome trocado três anos depois pelo proprietário John Walter I 17391812 que fez seu apren dizado com um livreiro também editor Em 1814 uma enorme prensa a vapor 116 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 14 O Rei do Vapor e o Rei do Carvão olham ansiosamente para o Bebê Eletricidade Caricatura do Punch de 1881 realçando duas tecnologias a antiga e a nova em oposição simbólica Na verdade elas coexistiram A eletrônica foi uma invenção do século XX DO VAPOR À ELETRICIDADE 117 feita de ferro e patenteada na Inglaterra por Frederick Koenig foi instalada por seu filho John Walter II na sede do The Times na Printing House Square ela não somente poupava mãodeobra mas tornou possível a produção de mil exempla res por hora O jornal agora podia ser impresso mais tarde e trazer notícias mais recentes A idéia de usar um cilindro rotativo para impressão não era nova mas o cilindro de Koenig sim e como salientou o jornal The Times de 29 de novembro de 1814 sem se referir ao vapor a edição daquele primeiro dia significava o resultado prático do maior desenvolvimento ligado à impressão gráfica desde a sua descoberta Koenig era considerado um artista Entretanto não foi a primei ra pessoa que Walter empregou e depois que ele deixou The Times tendo louva do a lei de patentes inglesa houve mudanças técnicas substanciais na Printing House Square em 1828 quando foi instalada uma impressora a vapor com quatro cilindros Na época era comum descrever os jornais como máquinas sociais com ênfase não no vapor mas no seu poder sobre a opinião pública Marx não observou ou não sabia que The Times como organização de trabalho estabeleceu sua hegemonia ao se recusar a empregar mãodeobra sindi calizada em uma indústria na qual combinações e sindicatos de linotipistas e impressores técnicas específicas eram fortes desde 1785 Antes de se voltar para Koenig que anteriormente havia contatado um editor de livros Walter subsidiara um inventor britânico para desenvolver uma prensa gráfica na qual o trabalho manual se tornasse quase desnecessário Porém tanto Marx como seu amigo e associado Friedrich Engels 182095 que viveu a maior parte de sua vida na cidade industrial de Manchester consideravam importante o poder da mídia impressa e escreviam para jornais entre eles o The New York Tribune uma ironia se olharmos a história do nosso ponto de vista Eram ambos fervorosos comunicadores Além de cartas de um para o outro que preenchem vários volu mes escreveram panfletos e livros desde o Manifesto comunista até O Capital um clássico da economia política Os marxistas fizeram uma distinção entre infraestrutura econômica e supe restrutura cultural sendo que o marxista italiano Antonio Gramsci 18911937 que tinha especial interesse na mídia contribuiu sobremaneira para o debate a respeito do assunto no século XX introduzindo a palavra hegemonia que no futuro iria influenciar a maior parte dos comentadores da mídia Ao lidar com a infraestrutura todos eles acentuaram a distância existente entre empregadores e empregados e não previram um aumento geral da riqueza material ou o surgi mento da mídia de massa particularmente da televisão que mais do que qualquer outra moldaria a superestrutura cultural do futuro Além de fornecer informa ção a mídia estava envolvida em um processo de persuasão Em sua época Engels retirava sua renda da infraestrutura e Marx trabalhando na magnífica Sala de Leitura do Museu Britânico da superestrutura e de Engels 118 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA O mundo deles era permeado sobretudo de livros e outras formas impressas inclusive livros de viagem e jornais que registravam o tempo Durante suas vidas o número de livros de economia política aumentou muito a maioria deles com posições diferentes das marxistas Porém em todos os países europeus os livros de economia eram ultrapassados por volumes sobre religião considerada por Marx e Engels como ópio do povo Mesmo em uma era de eventos na qual havia uma demanda por notícias muito maior do que antes principalmente durante a Guerra da Criméia 18536 quando correspondentes especiais foram enviados para cobrila e artistas e fotógrafos para ilustrar as cenas de guerra ainda existia um mercado substancial de textos impressos trazendo sermões que procla mavam o eterno No século XX discutiuse a televisão ver p233 não somente como fotojornalismo ou entretenimento mas como uma versão moderna de religião A prosa mais criativa do século XIX era o romance palavra que só se estabe leceu no fim do século XVIII quando muitos deles já haviam sido publicados Anteriormente ainda no mesmo século vários escritores entre eles Daniel Defoe colocaram em evidência o novo original e o estranho e surpreendente adjetivos que figuram no título de Robinson Crusoé Mais tarde o estímulo à novidade teve certa variação na Inglaterra sendo que a extensão dessa variação é discutida pelos estudiosos de literatura com a contribuição de Henry Fielding 170754 que começou escrevendo para teatro e de seu rival Samuel Richardson 16891771 um editor cuja obra Pamela 1741 foi escrita sob a forma de cartas Havia um continuísmo na Inglaterra assim como em outros lugares mas como afirmou Fielding em Tom Jones 1749 que ele chamou de poema épico cômico em prosa tinha consciência de estar entrando em uma nova provín cia na Escrita A produção anual de trabalhos de ficção na GrãBretanha apresentava uma média de cerca de sete itens entre 1700 e 1740 mas chegou a triplicar entre 1740 e 1770 e mais do que dobrar entre 1770 e 1800 Nessa época o gênero romance com seu poder de adaptação atraiu escritoras e também grande número de leitoras O potencial máximo estava ainda por vir e transbordou com o advento da televisão e do cinema Em 1750 um dos grandes contemporâneos de Fielding e Richardson Samuel Johnson 170984 que tinha pouco a dizer sobre escritoras e leitoras fez uma distinção específica entre a nova ficção e os antigos romances heróicos dominados por gigantes cavaleiros e castelos imaginários As obras de ficção que a geração atual parece mais apreciar são aquelas que exibem a vida em seu estado natural com variações apenas nos acidentes do diaadia Foi Johnson quem sugeriu que nenhum homem lê um livro de ciência por pura inclinação Os livros que lemos com prazer são composições leves contendo rápida sucessão de eventos Entretanto a opinião de Johnson sobre jornalistas que tratavam muitas DO VAPOR A ELETRICIDADE 119 vezes inadequadamente o fluxo de eventos reais era péssima ele os chamava de patifes rabiscadores de jornais Entre 1700 e 1750 houve grandes mudanças no mundo das publicações com o surgimento de um importante periódico o Gentlemans Magazine 1731 lançado pelo livreiro e jornalista Edmund Cave Sylvanus Urban e copiado com menos sucesso por outros Johnson escrevia para a revista Ela apresentava atrações para gostos mais variados do que The Spectator ver p39 pois combina va informação inclusive detalhes de novas invenções e entretenimento ver p188 A publicação já ventilava diversos assuntos que seriam abordados mais tarde na história da mídia inclusive a relação entre autor e público e entre conteú do e forma Antes de se empregar o termo mídia ou meio de comunicação os livrei ros eram vistos como intermediários entre escritores e leitores E já havia um sentimento de mercado Conforme escreveu o amigo e colaborador de Fielding James Ralph em The Case of Authors 1758 Fazer livros é a manufatura que mais prospera as regras de Comércio obrigam o livreiro a comprar barato e vender o mais caro possível Conhecendo bem os Tipos de Mercadorias que melhor se ajustam ao Mercado ele faz suas Encomen das de acordo com isso e é tão categórico ao estabelecer a Data da Publicação quanto ao realizar o Pagamento O livreiro sagaz sente o Pulsar dos Tempos e de acordo com a batida prescreve não a cura mas o incremento da Doença contanto que o Paciente prossiga engolindo ele continua a administrar e aos primeiros Sintomas de Náusea muda a Dose Conseqüentemente vai introdu zindo Contos Novelas Romances etc Mais tarde ainda no século XVIII fezse uma distinção entre livreiros e editores a qual começou a se tornar visível no grande dicionário de Samuel Johnson de 1755 No passado a palavra publicar tinha conotação religiosa a de anunciar notícias felizes das grandes alegrias de toda a humanidade Agora com a crescente dife renciação entre gráficos e editores tão grande quanto a que impera entre poetas e escrevinhadores da rua Grub publicar ficou associado a colocar um livro no mundo Colocar mais coisas no mundo o que com o apoio da propaganda iria se tornar uma grande preocupação nos séculos vindouros dependia a longo prazo do avanço da tecnologia contudo em seus estágios iniciais na GrãBretanha era mais uma ampliação de habilidades do que utilização de conhecimento científico O mesmo acontecia do outro lado do Atlântico onde Benjamin Franklin 1706 90 que amava os livros e os imprimia além de brincar com eletricidade afirmou em 1783 no fim da Guerra de Independência dos Estados Unidos que não há qualquer manufatura importante em que os trabalhadores aprenden 120 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA do no próprio emprego não tenham inventado alguns processos úteis para eco nomizar tempo e materiais ou melhorar a produção Na França do século XVIII havia uma relação íntima entre a teoria científica e os novos avanços técnicos e ambos foram exaltados pelo governo durante a Revolução e sob Napoleão Um pensador francês pósNapoleão SaintSimon 17601825 atraiu um grupo de discípulos os saintsimonianos que retomando uma tradição que remontava a Colbert atribuíram ao Estado um papelchave no desenvolvimento técnico e econômico Onde o interesse público estiver em jogo escreveu um deles Michel Chevalier 180679 o governo deve intervir As influências desses intelectuais estavam ativas na França sob o regime do sobrinho de Napoleão Bonaparte Napoleão III 184870 Tecnologia foi uma palavra introduzida nos Estados Unidos em 1828 ao mesmo tempo que o termo revolução industrial estava sendo empregado pela primeira vez na França Em 1832 o matemático e economista político britânico Charles Babbage 17921871 publicou On the Economy of Machinery and Manu factures e saudou o fato de que o trabalho de uma centena de artífices agora é feito pelas operações de uma única máquina Babbage que tinha familiaridade com o que acontecia na Printing House Square inventou um computador mecânico que descreveu como uma máquina Sinal dos tempos ele não conseguiu apoio finan ceiro do governo Ela foi exposta em uma galeria de instrumentos científicos no Kings College em Strand em 1843 Enquanto isso surgiram indícios de que os Estados Unidos que antes de 1848 não possuíam uma academia ou instituição comparável à Sociedade de Artes iriam sobressair no futuro como república da tecnologia não somente satis fazendo necessidades humanas mas até mesmo inventando algumas O processo atingiria um impulso contínuo e irreversível apesar de após 1848 acontecerem altas e baixas repentinas na economia em escala internacional tais movimentos identificados como ciclos comerciais eram considerados por marxistas e não marxistas uma característica do capitalismo Alguns economistas sobretudo Ni kolai Kondratieff também entraram em ondas longas uma associada à eletrici dade e outra um século depois à Internet ver p284 O economista austríaco JA Schumpeter 18831950 criou um modelo de sistema econômico impelido por pressões tecnológicas exercidas por empreendedores criativos A geopolítica que é a geografia do poder do Estado a ciência e a economia sempre influenciaram o modo de desenvolvimento da tecnologia da mídia era objeto de disputa que país ou indivíduo seria responsável por uma invenção no século XX o fato de o Sputnik soviético 1957 coviajante preceder o norteamericano Telstar 1962 teve importante significado A cooperação espa cial só aconteceu depois do colapso da União Soviética O esquecimento histórico fica reservado para determinadas invenções rejeitadas por não levarem a resulta D O V A P O R À E L E T R I C I D A D E 1 2 1 dos econômicos não importando sua origem ou a de seus inventores Porém quando ocorria o oposto e uma invenção produzia efeito havia uma mudança de perspectivas históricas Somente hoje no estágio atual da história da mídia nas primeiras fases da idade da Rede que não é uma metáfora nova podese ver claramente como seqüências diferentes de desenvolvimentos na comunicação têm se relacionado entre si em culturas diversas Por prever o futuro e sonhar com ele mito e ciência freqüentemente são invocados Ícaro que tentou voar apa rece tanto quanto Prometeu que roubou o fogo Marx falava de Vulcano o ali mentador de fornalhas No século XVII Francis Bacon 15611626 já previra a abertura da porta da Natureza Sua visão da Casa de Salomão em New Atlantis escrito antes de 1620 incorporava um Colégio de Inventores que incluiria não somente casas de máquinas onde máquinas e instrumentos de todos os tipos fossem feitos mas também duas galerias para Inventores do Passado e espaços ou bases para Inventores do Futuro Dentro da Casa imitamos os vôos dos pássaros temos navios e barcos que viajam sob a água dos mares relógios curiosos e mesmo alguns movimentos perpétuos Bacon ao contrário de Leonardo da Vinci não deixou desenhos de máquinas novas mas Erasmus Darwin sim No meio do século XIX quando partes do mundo ocidental estavam se tornando semelhantes à Casa de Salomão o grande químico orgânico alemão Justus von Liebig 180373 escreveu que o nome de Bacon fulgura como uma estrela brilhante e Charles Darwin 180982 de acordo com sua lógica própria de desenvolvimento mesmo que às vezes relutante depois de publicar A origem das espécies em 1859 assegurava trabalhar sob verdadeiros princípios de Bacon O historiador britânico Thomas Babington Macaulay 180059 foi tão elo qüente quanto o próprio Bacon em um ensaio sobre este filósofo publicado em 1837 ano em que a rainha Vitória subiu ao trono No ensaio exalta os benefícios para a raça humana da influência dos descobrimentos Como predisse Bacon a natureza havia sido dominada pontes construídas transpondo grandes rios e estuários e distâncias conquistadas Comunicação correspondência mensa gens sobre negócios tudo ficara fácil Considerada do ponto de vista atual a filosofia de Bacon era uma filosofia que nunca descansava Sua lei era o progresso Para Herbert Spencer 18201903 escritor e sociólogo que confiava pre sunçosamente em seu próprio pensamento original o progresso era não um acidente mas uma necessidade Ele era parte da Natureza Spencer deu publi cidade a essa proposição no ano de 1851 quando o progresso era visível na Grande Exposição das Nações no Palácio de Cristal em Londres Haveria uma seqüência de exposições nos séculos XIX e XX sempre alardeando os novos dispositivos de comunicação amplamente divulgados na imprensa Muitas exposições tinham caráter internacional assim como as idéias por trás delas A 122 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA influência de Spencer nos Estados Unidos onde ocorreu a grande Exposição do Centenário em 1876 foi maior do que na GrãBretanha No entanto Spencer não tratou em detalhes do mundo da mídia ou do trabalho o qual se modificou tanto quanto o mundo das coisas no século XIX por meio da urbanização e da industrialização Quando grandes números de trabalha dores passaram a ficar concentrados sob o teto de uma fábrica desenvolveramse novas formas de comunicação coletiva semelhante ao que aconteceu quando muitas pessoas que não se conheciam antes foram habitar em novos e imensos centros industriais sendo Manchester uma cidade assustadora o primeiro exemplo desses centros Pela massa de gente podese dizer que inteligência e energia estavam se comunicando aos socialmente carentes Para um conhecido observador inglês escrevendo em 1823 antes que a palavra socialismo houvesse sido cunhada os trabalhadores colocados juntos em grande número tiveram suas habilidades refinadas e melhoradas pela comunicação constante Os líderes que surgiram em suas fileiras falando mais de sindicato do que de competição conduziam um movimento metáfora derivada do transporte Outra metáfora via expressa seria recriada na década de 1990 e aplicada à revolução eletrôni ca ver p267 A mera presença de multidões urbanas insufladas por líderes militantes ou quase tão perigosas quanto estas de massas sem líderes pode provocar tanta apreensão entre os proprietários quanto a linguagem que usavam assim como o medo da turba nos tempos préindustriais No fim do século XIX principal mente na França começaram a se fazer estudos acadêmicos sobre as multidões nas áreas de psicologia e sociologia Em 1895 Gustave Le Bon publicou um livro famoso traduzido um ano depois como The Crowd e em 1901 G Tarde publicou Lopinion et la foule traduzido somente em 1969 para o inglês norteamericano em forma reduzida e integrando com reveladora troca de palavras o volume On Communication and Social Influence A despeito da língua e das grandes diferenças entre Le Bon e Tarde pois o segundo tinha plena consciência da importância da mídia e a despeito do espaço de tempo curto ou longo para a tradução a idéia de uma sociedade de massa já se tornava comum na linguagem de 1914 sobretudo nos países da Europa conti nental Essa idéia foi complementada em um contexto cultural no século XX pelas expressões elites e sociedade de massa James Bryce escreveu sobre política e sobre o que veio a ser chamado de meios de comunicação de massa Afirmou ele em 1900 que a ação e reação mútua dos formadores de opinião sobre a massa e da massa sobre eles foram a parte mais curiosa de todo o processo pelo qual é produzida a formação de opinião Outro elemento deve figurar em tais cálculos especialmente nos dois países mais conhecidos por Bryce a GrãBretanha e os Estados Unidos Era a germinação DO VAPOR À ELETRICIDADE 123 de associações de voluntários algumas se autodenominando filosóficas outras estatísticas outras com objetivos específicos sobre moradia saúde ou educação A maioria produzia relatórios e levantamentos muitas vezes o instrumento mais efetivo de comunicação em cidades socialmente segregadas como Liverpool e Boston Londres e Nova York No fim do século XIX observadores franceses relataram que a grande maioria de adultos britânicos pertencia a uma média de cinco a seis organizações voluntárias que incluíam sindicatos e sociedades civis ao mesmo tempo que o historiador norteamericano AM Schlesinger chamava seu país de uma nação de associados Quase um século depois o sociólogo e cientista político norteamericano Robert Putnam temendo por várias razões que isso não fosse mais verdade alertou sobre as prováveis conseqüências que advi riam desse fato não somente para a sociedade norteamericana mas para a de mocracia Antes de Marx o perspicaz observador e analista Alexis de Tocqueville 180559 elogiou o poder da associação que hoje é normalmente visto como força impulsionadora por trás do que é chamado na América do Norte de setor sem fins lucrativos Para Tocqueville foi lá que aconteceu a apoteose do desenvol vimento dessa força mesmo antes do advento da ferrovia que tornou possível o desbravamento do Oeste O setor sem fins lucrativos cresceria em importância no século XX O mesmo aconteceria com o princípio da autoregulamentação como alternativa para a regulamentação feita pelo Estado Nessa matéria havia significativo contraste entre os Estados Unidos e a França Antes de a expressão mercado de massa ser cunhada havia muitos boatos sobre milhões em ambos os lados do Atlântico entre vendedores de todos os tipos e principalmente entre editores de livros baratos e periódicos Charles Knight ver p109 o mais eloqüente e bem informado deles um dos fundadores da Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil em 1834 lançou uma revista chamada The Printing Machine a Review for the Many Onze anos antes em Glasgow Archibald Constable pensou em lançar uma série de livros que devem e vão vender não somente milhares ou dezenas de milhares mas centenas de milha res e com certeza milhões No século XX um novo ismo deveria nascer consumismo que sob o conceito de sociedade de consumo deveria dar nova forma tanto às perspectivas históricas quanto à nova tecnologia Paris lugar de nascimento da loja de departamentos varejista no século XIX abriu o caminho seguida por Liverpool Londres Nova York Helsinque e Tóquio Na realidade a loja de departamentos foi um grande fenômeno urbano um lugar para se passar tempo e gastar dinheiro Padrões de gastos interessavam cada vez mais Foi um escritor norteamericano Thorstein Veblen 18571927 que levantou a idéia de consumo conspícuo Era um processo como a introdução da administração científica no trabalho que envolvia tanto a psicologia quanto economia e tecnologia E também publicidade 124 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Na época em que Veblen escreveu depois de duas ou três gerações de indus trialização o ritmo da vida se intensificara ainda mais do que o previsto por Knight Antes da eletricidade havia se imposto um sentido de rotina à atividade econômica Os sistemas de fábricas e de transporte ferroviário haviam trazido novo significado à disciplina bem como ao tempo As estações valiam menos nas cidades e metrópoles pois o dia de trabalho era anunciado por mil apitos e não por sinos de igrejas E na hora determinada ouvese uma campainha De importância mais estridente que o dobrar de sinos Chamadas locais para a incessante labuta O sistema ferroviário dependia de horários listados em tabelas Folhetos de horá rios já existiam na Europa para o correio na Itália desde o fim do século XVI para os canais na Holanda desde o século XVII e para as carruagens na GrãBre tanha e na França desde o século XVIII A lista completa de horários de trem na GrãBretanha de Bradshaw apareceu em 1839 seguida por outras na Europa e na América do Norte Em ambos os lados do canal e em ambos os lados do Atlântico perder o trem se tornou uma metá fora tal como a expressão nos trilhos Jürgen Habermas concluiria mais tarde que o mundo se tornara um universo de sistemas com um novo calendário Nos Estados Unidos o fenômeno só teve o mesmo significado depois de muita luta o tipo de luta social de cunho darwinista aprovada por Spencer em nome da seleção natural e condenada por Arnold Toynbee 185283 quando popularizou o termo revolução industrial em palestras sobre o assunto publica das postumamente em 1884 A indústria agora parecia ser uma única coisa Entretanto houve espaço para um novo avanço como deixou claro Schum peter ao associar o uso da eletricidade à empresa e à quebra de rotinas Ela deve também ser associada ao surgimento de especialistas inclusive de um crescente corpo de engenheiros eletricistas que tiveram que lutar para estabelecer a profis são no mesmo nível dos engenheiros civis e mecânicos Os primeiros trabalhos foram ligar a eletricidade a bondes e estradas de ferro com o tempo acabaram também estabelecendo suas próprias rotinas no século XX Graças a todos esses conflitos e contratos a linguagem na era da eletricidade ainda ecoava aquela usada no tempo do vapor Assim por exemplo o norteame ricano William Shockley 191089 um dos responsáveis por uma invenção do século XX o transistor eletrônico que estudava no último ano da Hollywood High School em 1927 pôde escrever em uma composição Nossa era é eminentemente mecânica Viajamos de um lugar a outro a velocida des relativamente monstruosas falamos uns com os outros a grandes distâncias DO VAPOR À ELETRICIDADE 125 e lutamos contra nossos inimigos com surpreendente eficiência tudo com a ajuda de artifícios mecânicos Shockley nada mencionou sobre eletricidade nem qualquer coisa que se relacio nasse à mídia embora em 1925 tivesse construído um aparelho de cristal para ouvir rádio Em 1956 porém depois que foi para o Instituto de Tecnologia da Califórnia onde estudou mecânica quântica ele dividiria um prêmio Nobel de Física Quando a miniaturização de circuitos elétricos estava começando a trans formar todos os aspectos tecnológicos ele não estava sozinho ao prever um novo avanço social e técnico radical Todavia a demanda por transistores ainda engati nhava e só aumentou acentuadamente após o advento do circuito integrado ver p275 Os primeiros consumidores estavam interessados em pequenos rádios portáteis e foram estes e não os dispositivos eletrônicos que continham que receberam o nome de transistores CAPÍTULO 4 Processos e padrões Este capítulo examina com o detalhamento máximo permitido pelo espaço a história dos diversos dispositivos novos de comunicação que prepararam o cami nho até o transistor naquilo que foi chamado apenas com certo toque de exagero a revolução da mídia do século XX As ferrovias vêm em primeiro lugar pois definiram o padrão de muitas coisas na arte na literatura e também na tecnologia economia política e administração e não menos no mundo da imaginação Não é por acaso que desde 2000 nos corredores dos escritórios centrais da Novel a companhia de alta tecnologia do século XX localizada no Vale do Silício haja pinturas das grandes locomotivas norteamericanas Em 1851 um viajante britânico nos Estados Unidos fez comentários sobre a afinidade natural entre a natureza ianque do movase e a locomotiva Qualquer que seja a causa é certo que os seres humanos parecem tratar a máquina como a chamam mais como uma amiga do que como a coisa perigosa e desesperada que realmente é Ferrovias Não surpreende que o título do estudo de Albro Martin sobre estradas de ferro palavra que ele prefere em lugar de ferrovias seja Railroad Triumphant 1992 Ele descreve como a idéia das estradas de ferro tomou conta dos Estados Unidos com enorme velocidade como as primeiras ferrovias foram construídas de forma precária e barata até depois da Guerra Civil e como prosseguiu a idade de ouro das construções entre 1868 e o fim do século Havia cerca de 90 mil quilômetros de trilhos em 1865 no meio da década de 1870 o número alcançava os 320 mil As últimas décadas do século testemunharam forte industrialização ao mes mo tempo que os magnatas das ferrovias amealhavam suas fortunas e criavase um folclore popular sobre elas Mais uma vez havia sempre uma visão superior e outra inferior mesmo em um país onde cada pessoa era um cidadão e ninguém um objeto Há uma fala vivaz e precisa criada pelo pessoal das ferrovias que não se encontra na cidade e só é acessível a um condutor de trem escreveu Benjamin 126 PROCESSOS E PADRÕES 127 Taylor em seu livro The World on Wheels de 1874 A locomotiva é uma educado ra perfeita Ela ensina a todos aquela virtude que chamamos de pontualidade Não espera por ninguém Demonstra como é útil na economia de coisas aquela criatura denominada minuto A construção de ferrovias também mostrou os problemas de se criar um sistema junções sinais calibres lugares para os via jantes permanecerem sem esquecer as potenciais emboscadas e o entusiasmo especificamente norteamericano de unificar um continente triunfo registrado tanto no folclore quanto na imprensa O momento mais dramático da história das ferrovias norteamericanas foi a colocação de um marco dourado no chão onde duas locomotivas se encontra riam uma vindo do Leste a outra do Oeste marcando a conclusão da primeira estrada de ferro transcontinental em 10 de maio de 1869 A cerimônia simbólica que marcava a conclusão da primeira ferrovia transcontinental foi comemorada por uma fotografia de AJ Russell que circulou em todo os Estados Unidos sob a forma de xilogravura um mês depois do evento A novidade se espalhou imediata mente por telégrafo um fio ligado ao marco dourado tornou possível ouvir mesmo em lugares distantes sua fixação ao solo Houve celebrações espontâneas em São Francisco e Chicago Tocaramse sinos e os prefeitos de São Francisco e Nova York trocaram telegramas Chicago uma das mais novas cidades norteamericanas acabaria por se tornar o maior centro ferroviário mundial Uma grande locomotiva a Expositor Flyer levaria milhares de pessoas até a cidade em 1893 para a imensa Exposição sobre Colombo uma celebração da descoberta da América 400 anos antes Muitos viajaram partindo de cidades pequenas várias delas nascidas com as respectivas inaugurações com a chegada da ferrovia O poeta norteamericano Walt Whit man 181992 entusiasmado com a nova tecnologia chamou a ferrovia de reali zação dos sonhos de Colombo o casamento de continentes climas e oceanos Um escritor britânico já havia registrado oito anos antes na revista Macmil lan de maiooutubro de 1861 sobre a abertura do mundo não somente para imigrantes mas também para turistas e foram estes que mais claramente tomaram conhecimento de que o mundo era pequeno e não enorme Nós agora estamos infinitamente mais familiarizados do que nossos antepassados com a idéia das limitadas dimensões da Terra uma bola perfeita com oito mil milhas de eixo Havia também dimensões psicológicas uma utilização conhecida da via gem consiste na autoconfiança e na criatividade geral que ela desenvolve embora o fascínio por lugares estrangeiros pudesse ser partilhado a distância Guias de viagem e romances sobre países estrangeiros tinham grande circulação antes e depois dos melhoramentos físicos dos transportes No lado europeu do Atlântico outro escritor registrou em janeiro de 1878 na revista britânica Quarterly Review que se pode dizer que nossas ferrovias marcam o ponto máximo alcançado pela civilização européia 128 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Elas fizeram mais do que qualquer outra coisa conseguida pelas gerações ante riores para modificar a influência do tempo e do espaço Instrumentos comuns e conhecidos para nossos negócios e prazeres podem ser descritos literalmen te como as mais surpreendentes manifestações de poder do homem sobre a ordem material do Universo Os monumentos mais imponentes dos tempos clássicos ou préclássicos não são mais do que fracos triunfos da habilidade humana diante do trabalho do engenheiro ferroviário que cobriu a face da Terra com estradas de ferro ultrapassando vales e furando montanhas atraves sadas por fugazes e velozes corcéis de fogo em sonhos poéticos Tal linguagem metafórica era comum no início meio e fim do século XIX ela floresceu juntamente com as tabelas estatísticas e com uma enorme coleção pictó rica de impressos e figuras que tratavam as ferrovias como um meio de transporte o que seria seguido por pôsteres e filmes Também havia música em todo o processo e poesia Whitman descreveu a locomotiva com ardente garganta como o tipo de modernidade o pulsar do continente e em cada continente a antiga metáfora da viagem tomou formas novas Uma gravura de grande circula ção na Europa mostrava uma ferrovia espiritual para o céu Da Terra para o Céu a linha se estende Para a vida eterna onde termina Você pode tomar o caminho errado em um entroncamento e pode facilmente se desviar da ferrovia Essa era a nova versão do Pilgrims Progress de John Bunyan Foi na Europa que se desenvolveu uma literatura ferroviária sendo Bunyan um dos autores escolhidos Os editores WH Routledge produziram uma série barata de ficção com obras reimpressas chamada Biblioteca de Ferrovias em 1849 Dois anos depois WH Smith garantiu um monopólio de postos de venda de livros nas linhas da London and NorthWestern Railway mais tarde adicionan do pontos em outras linhas As edições alemãs de preço baixo de Tauschnitz do melhor em literatura bastante conhecidas por viajantes não estavam à venda nem lá nem em qualquer outro lugar da GrãBretanha mas eram obtidas facil mente em estações ferroviárias da Suíça Itália Espanha e naturalmente da Alema nha Livros de roteiro amplamente usados sobretudo os de Karl Baedecker 1801 59 eram carregados mundo afora pelos primeiros turistas que tinham suas demandas atendidas por Thomas Cook 180892 agente de viagem britânico Para os ingleses da época que olhavam a comunicação por ferrovias como um triunfo da idade do vapor nós que vivemos antes das ferrovias e sobrevive mos ao mundo antigo como afirmou o romancista WM Thackeray somos como o Patriarca Noé e sua família sobreviventes da Arca Outro escritor Charles Dickens foi ambivalente em suas reações Ele descreveu as ferrovias como o poder que se forçava a si mesmo sobre a via férrea desafiando velhos caminhos PROCESSOS E PADRÕES 129 e estradas atravessando o coração de cada obstáculo e em um de seus melhores romances Dombey e seu filho 1848 escolheu empregar metáforas sobre morte e progresso Esse livro representa para a literatura da comunicação o que o quadro de JM Turner Chuva vapor e velocidade significa para o reino da arte tendo os impressionistas franceses acrescentado obras memoráveis à coleção internacional de pinturas de locomotivas e estações mais tarde no mesmo século A GrãBretanha liderou o desenvolvimento ferroviário apenas 40 anos se param a conversão da máquina a vapor por Watt de brinquedo científico a verdadeiro implemento a serviço do homem A inauguração da linha ferroviária entre Liverpool e Manchester em 1830 acompanhada por um desastre a morte por acidente de um importante ministro William Huskisson foi tão aclamada quanto a cerimônia do marco dourado nos Estados Unidos mas por uma geração posterior O comentário imediato de um jornal escocês sobre o evento foi que ele estabeleceu princípios que darão à civilização um impulso maior do que qual quer outro fornecido por uma só causa desde que a imprensa abriu as portas do conhecimento para toda a espécie humana A regulamentação quanto ao interesse público teria uma história futura longa e complicada no que concerne a toda a mídia O desenvolvimento das ferrovias na era do capitalismo carbonífero não só revelou aos passageiros uma velocidade impressionante como gerou também uma enorme demanda por car vão e ferro baixou os custos dos negócios desenvolveu mercados estimulou o emprego em muitas indústrias e criou outras novas comunidades e algumas vezes prejudicou as antigas Os mapas da GrãBretanha e dos Estados Unidos pareciam diferentes muito diferentes na década de 1870 daqueles vistos meio século antes Na Inglaterra Londres era um ponto de convergência nenhuma ferrovia principal a atravessava e no interior com exceção das novas cidades ferroviárias como Crewe e Swindon a maior parte das comunidades existentes foi diretamente ligada entre si Nos Estados Unidos começaram a surgir comuni dades novas que cresciam rapidamente A escala dos empreendimentos era mais continental do que nacional A economia do desenvolvimento contudo nunca foi totalmente confiável Na década de 1840 os ansiosos compradores de ações de ferrovias na GrãBreta nha aprenderam lições amargas sobre a diferença entre investimento e especula ção antes que as ações passassem a integrar as usuais carteiras do meio da época vitoriana Houve anos de paixão e de crise O risco nunca era fácil de verificar A carreira de George Hudson 180071 o rei das ferrovias que tinha seu escritó rio central em York entrou em colapso em 1849 Dickens chamouo de O Grande Impostor Certamente havia muito mais planos sobre ferrovias do que linhas ou estações ferroviárias e qualquer que fosse o tipo de economia não se podiam prever todos os problemas de engenharia Havia uma óbvia necessidade de regulação em nome do interesse público à medida que novas linhas eram 130 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA construídas mas isso nem sempre era possível Houve na GrãBretanha uma batalha sobre a largura das bitolas em 1865 havia pelo menos 30 lugares na GrãBretanha onde os passageiros tinham que mudar de trem por esse motivo A Ferrovia Great Western de bitola grande adotada por Isambard Kingdom Brunel 180659 construtor de grandes obras além de ferrovias só se converteu total mente à bitola que se tornou padrão em 1892 mais de 30 anos após sua morte Nessa época vários recordes haviam sido quebrados na Great Western uma das poucas companhias que sobreviveram no século XX Desde o princípio houve um incentivo para concentrar os negócios como aconteceria no século XX com a mídia mas em 1844 havia mais de 104 companhias independentes A quilome tragem total triplicou entre 1850 e 1900 quando já havia quase 30 mil quilômetros de trilhos e emergiram quatro grupos principais cada qual com seu próprio territó rio organização e registros estatísticos relativos a velocidade e número de passa geiros transportados Na Great Western em 1844 a Actaeon de Daniel Gooch fez a viagem sem baldeação da estação Paddington de Londres até Exeter Esse feito foi comparável ao da mais famosa locomotiva britânica do século XX a Flying Scotsman pertencente à London and North Eastern Railway número 447 que registrou 160 quilômetros por hora na linha de Londres a Edimburgo Cada país assim como cada companhia ferroviária tem sua própria história com suas datas memoráveis Em 1845 já havia nove países na Europa que tinham ferrovias tendo a GrãBretanha exportado grande parte do ferro e das locomoti vas em 1855 eram 14 Fora da Europa havia ferrovias em cinco continentes em 1855 nos locais onde a GrãBretanha mantinha o setor ferroviário por intermédio de Thomas Brassey 180570 o maior contratante do século XIX Brassey e seus sócios muitas vezes utilizavam força de trabalho inglesa Quando estavam cons truindo ferrovias na Austrália no início da década de 1860 organizaram o trans porte de dois mil experientes operários braçais da GrãBretanha e da Escócia A história das ferrovias na Índia criação de engenheiros britânicos é incomparável Os trabalhos das duas primeiras linhas só começaram em 1850 e apenas em 1853 a primeira locomotiva a lorde Falkland puxou um trem de Bombaim a Thana numa distância de menos de 40 quilômetros No entanto já em 1844 no auge da paixão inglesa por ferrovias um dos visionários das estradas de ferro Rowland McDonald Stephenson havia preparado um projeto para ligar por trilhos Bombaim Calcutá Madras e Deli em suas simples palavras sem retórica A primeira consideração é de natureza militar para maior segurança e com menor gasto de todo o território na época sob o controle da East India Compa ny a segunda é um ponto de vista comercial no qual o objetivo principal é prover os meios de transportar do interior aos portos mais próximos os produ tos ricos e variados do país e trazer de volta em troca mercadorias manufatura das da GrãBretanha sal etc P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 3 1 A linha de argumentação interessava ao marquês de Dalhousie governadorgeral da Índia que escreveu um texto de referência sobre ferrovias aos diretores da East India Company poucos dias depois da abertura da linha entre Bombaim e Thana As vantagens comerciais e sociais que a Índia receberia de suas linhas estavam ele realmente acreditava além de qualquer cálculo atual O que nem Dalhousie nem os engenheiros jamais previram foi a popularida de das ferrovias para os indianos Já em 1855 um jornal de língua inglesa Friend of India pôde observar na linguagem socialmente estratificada do período que o gosto de viajar de trem tinha se tornado quase uma paixão nacional entre as classes baixas e estava produzindo uma mudança nos hábitos da sociedade em geral muito mais profunda e extensa do que qualquer outra mudança trazida pelas revoluções políticas dos últimos 20 séculos Em 1900 a Índia tinha mais de 40 mil quilômetros de trilhos alguns dos mais caros do mundo enquanto a GrãBre tanha tinha 29 mil a França 36 mil a Alemanha 53 mil a Rússia 37 mil o Canadá 28 mil e os Estados Unidos impressionantes 418 mil quilômetros Em todos os países houve acidentes ferroviários alguns deles horríveis Eles se tornaram uma das principais matériasprimas para revistas e jornais e depois para o rádio e a televisão Os desastres também eram reproduzidos em gravuras algumas delas melodramáticas Nos países católicos como a Espanha e o México a arte popular do exvoto nas últimas décadas do século XIX retratavam pessoas salvas de desastres de trem pela intervenção dos anjos ou de Deus Navios A história dos navios a vapor fascinava os contemporâneos tanto quanto a das ferrovias Era natural portanto que o historiador britânico A Fraser MacDonald especialista em transporte marítimo escolhesse para título de seu livro de 1893 sobre o assunto Our Ocean Railways Entre 1776 e 1940 mais de 30 milhões de imigrantes da Europa alcançaram seu destino favorito os Estados Unidos alguns refugiados políticos outros jovens ambiciosos à procura de fortuna outros ain da as duas coisas A Estátua da Liberdade 1886 foi projetada por um francês Frédéric Auguste Bartholdi sendo que uma contribuição substancial para o custo do pedestal foi coletada entre os leitores de um jornal norteamericano popular e apropriadamente chamado The World ver p204 A estafante viagem de travessia do Atlântico tinha se tornado muito mais rápida com o vapor Os norteamericanos foram notáveis no desenvolvimento do vapor para transporte na água tirando vantagem da quantidade de lagos e rios como fonte de energia hidráulica Já antes da Independência em 1763 William Henry da Pensilvânia que visitara a GrãBretanha em 1760 já tinha construído 132 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 15 O lançamento do cabo transatlântico 1865 O Great Eastern 22500 toneladas era o único navio capaz de carregálo A tarefa só foi concluída em julho de 1866 uma máquina a vapor anterior à de Watt Em 1785 depois da Independência John Fitch um mecânico de Connecticut experimentou um barco com rodas de remos um barco que carregava fogo que patenteou em dois anos Em 1788 dizse que James Rumsey dirigiu um barco a vapor pelo rio Potomac e obteve uma patente na França três anos depois Robert Fulton que viveu na Europa na GrãBretanha e Escócia e na França usou um motor de Watt quando em 1807 construiu o Clermont que levava passageiros em viagens de lazer ao longo do rio Hudson O primeiro barco a vapor a fazer uma viagem oceânica foi o Phoenix do coronel John Steven navegando mais de 20 quilômetros de Hoboken à Filadélfia em 1809 O Savannah cruzou o Atlântico dez anos depois Somente em 1839 o navio britânico Sirius completou uma viagem transa tlântica totalmente impulsionada a vapor em 18 dias e dez horas Poucas horas depois o Great Western especialmente construído para a viagem chegou a Nova York vindo de Bristol em 15 dias e 15 horas Quatro anos depois o Great Britain de Isambard Kingdom Brunel o primeiro grande navio de ferro com propulsão a hélice foi lançado pelo príncipe Alberto em Bristol e completou a viagem em 14 dias e 21 horas O Great Eastern de Brunel recebeu a maior publicidade que a imprensa já havia feito quando atravessou o Atlântico em 1865 colocando o primeiro cabo transatlântico Figura 15 Na época Samuel Cunard nascido no P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 3 3 Canadá em 1787 havia estabelecido a North American Packet Company com uma frota de cinco navios semelhantes Charles Dickens viajou no primeiro deles o Britannic em 1843 O ano que representou o apogeu da construção de novos navios na GrãBre tanha foi 1864 mesmo depois disso o vapor não suplantou completamente a vela Nem foi a mudança da vela para o vapor o único desenvolvimento significativo O primeiro navio de aço o Serbia foi lançado ao mar em 1881 e também foi o pri meiro a ter luz elétrica A turbina inventada na GrãBretanha representou uma grande mudança tecnológica Enquanto isso os canais que ligavam oceanos o Suez e o Panamá reduziam o tempo de viagem O primeiro aberto com pompa e música de Afila de Verdi em 1869 foi sonho de um francês de Lesseps Ele acreditava como SaintSimon uma das pessoas que o inspiraram que com a ligação entre os mares a indústria e as comunicações poderiam transformar a his tória Por motivos bem práticos muitos negociantes britânicos partilhavam dessa crença e Thomas Cook esteve presente à inauguração do canal Uma data menos conhecida na história foi 1887 quando os navios que atravessavam o canal passa ram a dispor pela primeira vez de iluminação elétrica o que permitia viagens noturnas Esse melhoramento reduzia uma viagem longa para um transcurso de 16 horas Durante a década de 1880 havia ampla evidência de uma expressiva explo são de invenções com a energia a vapor dando lugar à eletricidade e com a mídia no centro da atividade As ruas norteamericanas começaram a ter ilumi nação elétrica antes das casas e no porto de Nova York a face iluminada da Estátua da Liberdade agora brilhava sobre os dejetos escuros das águas A eletri cidade como espetáculo precedeu a introdução das tomadas elétricas No entanto foi durante essa década e a seguinte que se fez menção a uma futura sociedade de botões O conceito de tempo estava agora sendo transformado mais drastica mente do que havia sido nos séculos XVIII e XIX quando foi padronizado em intervalos espaciais de tempo As diferenças locais de tempo desapareceram em bora nem todas de uma vez ou em todos os lugares Em 1884 representantes de 25 países se encontraram em Washington De pois de muitos debates estabeleceuse um sistema que fixava Greenwich como ponto zero de meridiano Imediatamente a GrãBretanha a Suécia o Canadá e os Estados Unidos adotaram a convenção A França objetando a escolha de um meridiano britânico somente iria reconhecêlo em 1919 embora seu governo tenha aceitado a idéia de um tempopadrão Na Conferência Internacional sobre o Tempo em Paris em 1912 a França fez pressão para que se transmitisse para todo o mundo sinais precisos de tempo Desta vez a França onde Marcel Proust estava explorando em palavras os mistérios do tempo foi o lugar escolhido e transmitiramse os primeiros sinais da Torre Eiffel em 10 de julho de 1913 134 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O correio As ferrovias e os navios transportavam não somente pessoas e mercadorias entre as zonas de tempo mas também cartas um modo indispensável de comunica ção tanto nacional quanto internacional No fim do século também transporta vam cartõespostais Os primeiros cartõespostais oficiais papéis abertos de car ta foram introduzidos na Áustria em 1869 e na Alemanha e na GrãBretanha em 1870 Eles levantaram questões específicas como a privacidade relevantes para outros meios de comunicação Por que escrever informação privada em um pedaço de cartão que pode ser lido por meia dúzia de pessoas antes de chegar ao seu destino Não interessava se seriam lidos ou não principalmente depois que os cartõespostais ilustrados começaram a ser usados na década seguinte sobre tudo na França Alemanha e Suíça O que seria escrito neles tornouse cada vez mais padronizado Em 1900 o jornalista inglês GR Sims descreveu em The Referee como no topo de uma montanha na Suíça um dos países mais visitados por turistas chegamos diretamente ao cume e todos correram para o hotel e disputaram os cartõespostais Cinco minutos depois cada um estava escrevendo para seus entes queridos Creio que todos subiram não pela experiência ou pelo cenário mas para escrever cartõespostais lá do topo A rapidez do correio precedera na GrãBretanha a utilização em 1840 do primeiro adesivo mundial um selo postal perfurado um atraente objeto de arte trazendo impressa a cabeça da jovem rainha Vitória e que logo se tornaria objeto de colecionador O selo postal adesivo foi uma invenção importante do século XIX mas a palavra selo não era nova tampouco era nova a idéia de uma taxa de selo especialmente nos Estados Unidos No entanto o selo era prépago como a taxa postal barata e uniforme para todo o país independentemente do destino Um subproduto foi o envelope com cola O filho do poeta Coleridge Hartley saudou o selo barato como uma inven ção que beneficiava a todos a melhor das medidas ministeriais Que transporta as plumas das asas do jovem Cupido Pai e mãe irmã irmão filho Marido e mulher dêem suas bênçãos No entanto essa era uma versão idealizada do que aconteceu As taxas de analfa betismo embora decrescentes entre 1840 e 1870 ainda eram altas e muitas pes soas pobres tinham de empregar intermediários para escrever cartas e ler as res postas O líder político Richard Cobden deu as boasvindas ao selo postal não somente sob o aspecto político ele tornava possível mobilizar a opinião pública PROCESSOS E PADRÕES 135 em favor do livre comércio mas também sob o aspecto moral Agora havia um novo estímulo para aprender a ler e escrever O sistema postal britânico se desenvolveu antes que o sistema educativo nacional fosse planejado Rowland Hill 17951879 criador do sistema e advoga do apaixonado pela educação popular chamou os correios de poderosa máquina de civilização Seu irmão Matthew escreveu em 1862 A quantidade de corres pondência pelo correio medirá levando em conta o número de pessoas letradas quanto o público alcançou em termos de verdadeira civilização Por exemplo quan do vemos que a cidade de Manchester se iguala em número de cartas ao império de todos os russos tanto na Europa quanto na Ásia obtemos um meio de estimar os graus relativos de civilização da GrãBretanha e da Rússia Outros comentaris tas chegaram à mesma conclusão fazendo comparações com o passado em vez de olharem para os lados e comparar com os outros continentes Os dois tipos de comparação foram feitos por Henniker Heaton membro do Partido Conservador 35 anos depois por ocasião do jubileu de diamante da rainha Vitória quando todas as realizações técnicas e sociais do século XIX esta vam sendo revistas especialmente na imprensa Entusiasta defensor de um siste ma de selos imperial Heaton tendo em mente as cartas particulares julgava que no ano em que a rainha subiu ao trono 1837 as massas estavam quase restritas à comunicação oral e ao comércio local como seus antepassados sob o reinado dos Stuart ou os turcos sob Abdul Hamid Cada parte diferente do país encontravase absorvida em seus próprios interesses nada sabendo sobre outras comunidades além do que uma vila russa conhece outra a cem milhas de distân cia Os bemnascidos os profissionais dos distritos rurais e os cidadãos das gran des cidades mantinham intercomunicação suficiente Porém embora os pontos mais elevados estivessem ligados pela luz nos mais baixos reinava a escuridão As imagens contrastantes de escuridão e luz pertenciam à nova era da eletri cidade mas as duas já haviam sido opostas com acuidade no século XVIII por escritores do Iluminismo Foi então que o correio pela primeira vez aumentou significativamente sua velocidade usando carruagens para transportar a corres pondência real e encurtando a duração das viagens A linguagem das massas que Heaton empregava era típica do século XIX de alguma forma substituindo a linguagem de classe uma palavra associada à industrialização No entanto as expectativas muitas vezes expressas em linguagem sentimental de que o selo de preço único aumentaria muito o volume da correspondência da classe trabalha dora não se tornaram realidade na primeira década de sua implantação Foi a classe média quem mais se beneficiou com o valor único de postagem e o aumen to contínuo da velocidade do correio foi uma resposta à demanda de negócios e não das massas Artigos pinturas e gravuras de meados da era vitoriana sobre o apogeu do conhecido Correio Geral de Londres no Le Grand em StMartin 136 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA identificavam exatamente o que os negócios significavam na época podiam facilmente ser comparados às pinturas e gravuras das grandes estações de trens Quase a metade dos 161 milhões de cartas de Londres em 1863 vinha da própria cidade e era entregue 12 vezes por dia dentro de seu perímetro Quando Heaton exortou a utilização de um sistema imperial de selos de preço único em 1890 encontrou outros argumentos além dos benefícios econô micos Não somente o comércio seria estimulado alertava ele mas o selo simbo lizaria a unidade imperial e a irmandade anglosaxônica Havia norteameri canos notadamente Elihu Burritt 181079 o instruído ferreiro que como Heaton defendiam um sistema de selos internacionais baratos no interesse da irmandade universal No entanto foi a Nova Zelândia e não os Estados Unidos o primeiro país a tomar providências nesse sentido em 1901 ano da morte da rainha Vitória Os Estados Unidos só lançaram seus primeiros selos postais em 1853 ano em que foi concluída a ligação ferroviária entre Nova York e Chicago Desde o início porém o selo era barato e o número de itens que ele postava duplicou para 74 milhões entre 1886 e 1901 Uma das conseqüências diretas dessa situação foi o crescimento de pedidos via postal nos negócios a varejo embora alguns dos produtos comprados fossem transportados por firmas privadas sendo a Wells Fargo a mais conhecida delas O Correio norteamericano com funcionários pagos por patronos não tinha a mesma autoridade dos similares europeus que por exigências governamentais ou iniciativa própria determinavam as políticas nacionais relativas a ferrovias telégrafos telefones e mais tarde o que veio a ser chamado de telecomunicações além dos serviços postais Um correio geral o Union Postale Universelle foi fundado em 1874 sendo a GrãBretanha membro fundador uma empresa britânica De La Rue produzia então selos para diversos países e uma das regras da Union era a padronização das cores dos selos Nove anos antes em Paris uma Convenção Telegráfica Interna cional havia sido assinada por 20 países que formaram então a International Telegraph Union a GrãBretanha não foi convidada na época porque seu serviço de telégrafo estava em mãos de empresas privadas ver p138 Reflexo do tempo o velho e o novo foi o fato de que uma das delegações presentes a da Turquia tivesse que viajar parte do caminho a cavalo para chegar a Paris Cem anos depois quando a Union celebrou o centenário com seus escri tórios centrais estabelecidos em Berna Suíça desde 1868 as questões com que lidava como organização intergovernamental eram de natureza radicalmente diferente dois anos antes ela havia organizado o Primeiro Congresso Mundial de Comunicações Espaciais A Primeira Convenção de Radiotelegrafia Internacional havia sido realizada em Berlim em 1903 ver p158 sendo que em 1932 em um congresso em Madri que tratava de bandas de rádio foi adotado um novo nome PROCESSOS E PADRÕES 137 a International Telecommunications Union Em 1947 depois de dois outros congressos em Atlantic City ela se tornou uma agência especializada das Nações Unidas Telégrafos A telegrafia foi o primeiro grande avanço da área de eletricidade descrita em 1889 pelo primeiroministro britânico o marquês de Salisbury como uma estranha e fascinante descoberta que tivera influência direta na natureza moral e intelec tual e nas ações da humanidade Ela havia reunido toda a humanidade em um grande nível em que se podia ver sic tudo que é feito e ouvir tudo que é dito e julgar cada política adotada no exato momento em que os eventos aconteciam Se toda a humanidade estava colocada nessa posição isso não era óbvio o certo é que os políticos agora tinham à sua disposição um novo e poderoso instrumento No entanto eles o saudaram em termos gerais Dalhousie deixando a Índia em 1856 compôs uma minuta final para os governadores da East India Company em que se referia ao Correio Uniforme e ao Telégrafo Elétrico juntamente com as ferrovias como três grandes forças motrizes de desenvolvimento social que a sagacidade e a ciência dos últimos tempos tinham previamente dado como não previstas poderia ter dito restringidas para as Nações Ocidentais Dalhousie estava falando para as pessoas que tinham poder As ferrovias transportando pessoas mercadorias jornais e livros e os telégrafos a primeira invenção elétrica do século XIX a transmitir mensagens públicas e privadas estavam diretamente relacionados entre si na cabeça dele e de outras pessoas Se com a percepção de hoje consideramos as ferrovias seguidas de bicicle tas automóveis e aviões como um provável capítulo da história do transporte e consideramos a telegrafia seguida por telefonia rádio e televisão como um pro vável capítulo da história da mídia toda essa separação é artificial O desenvolvi mento do telégrafo estava intimamente associado ao desenvolvimento das ferro vias métodos instantâneos de sinalização eram necessários por motivo de segurança em linhas simples embora houvesse alguns fios telegráficos que seguiam os trilhos não das ferrovias mas dos canais Babbage procurava associa ções ainda mais antigas quando sugeriu que cada campanário de igreja deveria ser usado como poste telegráfico Houve também alusões clássicas A queda de Tróia diziase havia sido sinalizada a Argos Em um país a Austrália o telégrafo foi mais importante que a ferrovia Em 1830 a população total restrita pelo que Geoffrey Blainey chamou de tirania da distância não passava de meros 70 mil habitantes E essa população era depen dente dos serviços postais um serviço do povo caro mas jamais questiona do A comunicação oficial a distâncias curtas era feita por semáforos um sistema 138 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA mecânico óptico até a corrida do ouro da década de 1850 quando a abertura da primeira linha telegráfica entre Melbourne e Porto Melbourne em 8 de março de 1854 precedeu em seis meses a inauguração da primeira ferrovia entre os dois lugares Durante muitos anos esta foi a única linha férrea rentável na Austrália A história subseqüente do telégrafo foi contada de maneira envolvente por Ann Moyal em Clear Across Australia a History of Telecommunications 1984 Em comparação a história das ferrovias construídas pelo governo foi uma colcha de retalhos e ainda mais confusa por causa das diferentes bitolas apesar do aumento das vias férreas de cerca de 2600 quilômetros para 16 mil quilômetros entre 1875 e 1890 O pico de quilometragem foi cerca de 42 mil quilômetros no século XX A chegada de ligações a longa distância por cabo foi obviamente de enorme importância para a Austrália e a Nova Zelândia Elas avançaram aos poucos com os cabos atravessando a Europa e a Ásia por terra e mar e chegando ao porto australiano de Darwin via arquipélago da Indonésia em 1872 Mesmo então precisaram atravessar a Austrália central onde solitários operadores de telégrafos tiveram que viver a mais de 160 quilômetros de seus vizinhos mais próximos No princípio o serviço era caro mas até a década de 1880 os custos baixaram signifi cativamente Foi somente com a telefonia que os lucros privados começaram a se acumular A colocação de cabos submarinos oceânicos para telegrafia um empreendi mento gigantesco mas difícil teria sido impossível sem o desenvolvimento e a expansão do transporte marítimo a vapor que teve no comércio global o seu prin cipal estímulo A própria realização técnica impressionou bastante na época e quando Charles Bright que colocou o primeiro cabo transatlântico em 1858 em bora não funcionasse recebeu o título de cavaleiro com a idade de 26 anos The Times descreveu o cabo como a maior descoberta desde Colombo uma grande conquista dada à esfera da atividade humana Para Dickens em uma idade de trens expressos operações indolores palácios de cristal e uma centena de curiosidades que nossos avôs e avós jamais sonharam o telégrafo era de todas as nossas mara vilhas modernas a mais espetacular Desde o início os efeitos sociais e econômicos do telégrafo foram vistos na GrãBretanha como tão impressionantes quanto o próprio desenvolvimento téc nico Graças à iniciativa da primeira companhia privada a Electric Telegraph Company um escritor na Edinburgh Review sugeriu em janeiro de 1869 que o telégrafo que representava para o mundo normal pouco mais do que uma curio sidade filosófica se convertesse em um império de intercomunicação geral O escritor estava analisando e avaliando os vários resultados econômicos e sociais do desenvolvimento da telegrafia nem todos eles previstos no ano em que o Parla mento sob o governo conservador de Disraeli aprovou a Lei do Telégrafo de 1868 PROCESSOS E PADRÕES 139 que transferia a administração do sistema telegráfico das companhias privadas para o Correio Oficial Como os canais ferrovias e ligações oceânicas também o telégrafo ligou mercados nacionais e internacionais incluindo bolsas de valores e de mercadorias algodão trigo e peixe por exemplo Também aumentou a velocidade de trans missão de informação pública e privada local e regional nacional e imperial e essa característica a longo prazo foi seu efeito mais significativo A distância ia sendo conquistada à medida que se transmitiam informações relativas a governos negócios assuntos familiares condições climáticas e desastres naturais ou provo cados pelo homem a maior parte delas como notícias Agências nasceram para levar as notícias através das fronteiras a primeira delas sendo a Agência Havas fundada em Paris em 1835 A Reuter Telegram Company fundada em Londres em 1851 pelo barão Julius Reuter que era alemão sempre foi simplesmente conhecida como Reuters Foi Julius quem em 1859 forneceu notícias das bata lhas de Napoleão III na Itália e transmitiu os textos dos 20 pequenos despachos que o imperador enviava todo dia para a frente de batalha Não havia qualquer agência de notícias norteamericana até 1892 quando a Associated Press AP conhecida primeiramente como Associated Press of Illinois começou a atuar As principais invenções na telegrafia assim como em muitos outros campos aconteceram em países diferentes de formas independentes em um processo cumulativo no qual não havia um inventor único Também não houve um cien tista único associado à teoria do eletromagnetismo apesar de AndréMarie Am père 17751836 que desenvolveu na França o trabalho do dinamarquês Hans Christian Oersted 17751851 ter dado seu nome à unidade do elemento de corrente do circuito elétrico Na GrãBretanha James Clerk Maxwell 183174 formulou em 1864 as equações matemáticas básicas relativas ao que veio a ser chamado de campo eletromagnético ver p155 Na GrãBretanha William Fothergill Cooke e Charles Wheatstone embora parceiros improváveis foram os primeiros a obter sucesso na telegrafia A inven ção do telégrafo ficaria particularmente associada aos dois Sua patente conjunta de 1837 carregava a magnífica descrição de Melhorias em dar sinais e alarmes sonoros em lugares distantes por meio de correntes elétricas transmitidas por circuitos metálicos O próprio Cooke usou linguagem menos pesada quando anunciou que o telégrafo permitiria às ferrovias se tornarem estrada de alta velocidade imagem que seria retomada nos Estados Unidos no início da década de 1990 Mas em 1842 a imagem então recémcriada foi de apelo imediato para o Railway Times Nos Estados Unidos Samuel Morse 17911872 artista profissional filho de um pastor formado na Universidade de Yale foi quem inventou um código de pontos e traços que podia ser lido à velocidade de 40 palavras por minuto e se tornou de uso universal para transmissão telegráfica Os instrumentos básicos dos 140 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA operadores de Morse eram uma chave um relé e um sonorizador um registrador uma bateria e uma troca de circuito Enquanto isso no começo da década de 1840 em um continente diferente e muito distante William B OShaughnessy cirur gião assistente do Exército da Índia e entusiasta do telégrafo fazia experiências telegráficas em Calcutá estendendo fios de ferro sobre árvores Contudo a pri meira linha telegráfica entre Calcutá e Bombaim só foi concluída em 1854 Desde o início houve contatos internacionais sobre o tema Cooke assistira à palestra do professor Muncke sobre telegrafia na Universidade de Heidelberg e vira uma demonstração de um telégrafo a agulha projetado por um diplomata russo o barão Pawel Schilling Morse se dirigira à Academia de Ciências de Paris em 1838 e no mesmo ano patenteou seu aparelho em Paris uma vez que fora impedido de fazêlo em Londres por causa das patentes de telégrafos de Cooke e Wheatstone Isso aconteceu dois anos antes de fazer o mesmo nos Estados Unidos onde uma nova Lei de Patentes tinha sido aprovada em 1836 com o conseqüente estabelecimento de um Escritório de Patentes Um jovem canadense de origem irlandesa Samuel Walker McGovan que introduziu a telegrafia na Austrália havia trabalhado com Morse e seu colega Ezra Comell inventor dos primeiros insuladores telegráficos A primeira mensagem de longa distância enviada em 1872 depois de a Austrália ter sido conectada à Europa e à Ásia via Darwin foi Avance Austrália embora terminasse com a esperança de que a conexão com o cabo submarino levaria ao longe palavras de paz Na verdade a primeira mensagem telegráfica foi britânica Feita entre Cooke e Wheatstone um fisico também interessado em música e inventor de uma concertina que originalmente haviam trabalhado de modo independente cada qual encarando o outro com suspeita Usando um sistema de agulha Cooke telegrafou a Wheatstone da estação de Camden Town uma semana depois da inauguração formal da Ferrovia de Londres e Birmingham em 1837 Wheatstone respondeu imediatamente de uma sala sombria iluminada somente por uma vela na estação de Euston tendo experimentado o que chamou em suas próprias palavras uma sensação de tumulto como nunca havia sentido antes sozinho na sala quieta eu ouvi o dique das agulhas Senti toda a magnitude da invenção prosseguiu Wheatstone anunciada para ser prática além de todo sofisma ou disputa Essas lembranças das primeiras sensações e conversas tornaramse parte do folclore da mídia O telefone o rádio a televisão e a Internet iriam fornecer mais material para esse folclore A primeira mensagem de Morse foi O que fez Deus Em um contexto militar sempre crítico na história das telecomunicações a telegrafia elétrica afetou o planejamento e as operações tanto na terra quanto no mar assim como a telegrafia por meio de sinais fizera durante as guerras revolu cionárias e napoleônicas As mensagens telegráficas foram organizadas em ca deias de comando e ordens gerais e especiais A primeira vez em que foi PROCESSOS E PADRÕES 141 utilizada significativamente em escala operacional foi durante a Guerra da Cri méia quando um cabo de cerca de 550 quilômetros foi estendido pelo mar Negro Seu valor se revelou de forma ainda mais contundente durante a Guerra Civil dos Estados Unidos quando mais de 24 mil quilômetros de linhas de telégrafo esta vam em uso e mais de mil operadores trabalhavam no sistema Na época Reuters telegrafava pelo Atlântico dando detalhes das batalhas e muito mais Em 1889 iniciouse um Serviço Especial para Índia e China e a partir daí por quase um século a Índia nas palavras do historiador Donald Read que estudou a Reuters estaria destinada a desempenhar um papel central no império Reuter dentro do Império Britânico um domínio que se tornaria dependente da telegrafia Have ria também ligações estreitas com o Japão A primeira fase de desenvolvimento da telegrafia na GrãBretanha terminou em 1846 com a criação da Electric Telegraph Company cinco anos antes da colocação de um cabo entre Londres e Paris O anúncio dessa realização foi feito logo depois que a rainha Vitória que aprovava entusiasticamente o novo siste ma assim como a maioria das invenções mas que ainda não era Imperatriz da Índia declarou encerrada a Grande Exposição Dois anos depois a Electric Telegraph Company se fundiu com sua rival a English and Irish Magnetic Tele graphic Company para formar a nova Magnetic com imponentes escritórios perto do Banco da Inglaterra ver p188 À medida que o setor da telegrafia se expandia iam se levantando constante mente questões cruciais sobre os respectivos papéis das empresas privadas e públi cas do Estado e do mercado Não é a comunicação telegráfica uma função do governo como o transporte de cartas perguntou o Quarterly Review em 1854 quando pelo menos 120 jornais de províncias no auge de sua influência recebiam por telégrafo colunas sobre notícias do Parlamento Foram feitas comparações com outros países onde o sistema era controlado pelo Estado como a Suíça onde para cada cem mil habitantes havia 66 postos telegráficos contra os 56 da GrãBretanha Nos Estados Unidos o Estado foi envolvido no início quando Morse asse gurou verbas públicas para construir uma linha aérea experimental de Washing ton a Baltimore a primeira mensagem famosa transmitida na linha foi O que fez Deus O agentegeral dos Correios fez uma firme declaração de que um instru mento tão poderoso para o bem e para o mal não podia ser deixado com segurança em mãos dos indivíduos sem um controle legal Ele também fez em 1845 a pertinente pergunta Até onde o governo iria permitir que indivíduos dividissem com ele a tarefa de transmitir inteligência um dever importante confiado ao Estado pela Constituição O controle foi devolvido rapidamente a Morse e seus financiadores apenas porque parecia haver um escopo limitado nos Estados Unidos para o desenvolvimento de um sistema não testado pelo investimento privado A decisão de deixar a telegrafia para o mundo dos negócios 142 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA foi crucial na história da comunicação nos Estados Unidos A partir dela tomou forma a grande empresa corporativa Western Union que assumiu esse nome em 1854 Na França desde o princípio e por diferentes razões o controle das comuni cações pelo Estado foi julgado essencial No entanto como a sinalização projetada pelos irmãos Chappe foi introduzida com sucesso durante a Revolução ver p106 e havia mais de 4800 quilômetros de linhas de sinais em funcionamento durante a década de 1840 todos operados pelo Ministério da Guerra o pro gresso da telegrafia elétrica foi lento Uma lei de 1837 determinava que deveria haver monopólio contínuo pelo governo das comunicações a distância dez anos depois o ministro do Interior francês reiterava com firmeza que a telegrafia deveria ser um instrumento de política e não de comércio Quaisquer que tenham sido os regimes constitucionais subseqüentes na França os sucessores concordavam nes se ponto Na verdade atitudes muito semelhantes sobre lespace nationale carac terizariam a política francesa no século XX referente ao rádio e às telecomuni cações Nos regimes europeus pré1848 a telegrafia chegou antes da revolução foi inevitável que no império dos Habsburgo Metternich com suas políticas antili berais exigisse que o telégrafo estivesse sob monopólio do governo e ficasse fechado ao público como acontecia na Prússia A situação permaneceu mesmo depois das revoluções de 1848 que o depuseram apesar dos surpreendentes desenvolvimentos na Hungria onde a telefonia foi introduzida mais tarde no século XIX ver p183 Na Rússia Nicolau I conectou com sinais São Petersburgo a Varsóvia chegando até a fronteira alemã também foi inaugurada uma linha de São Petersburgo para Moscou com várias torres cada uma operada por seis homens com oito a nove quilômetros entre si Nicolau proibiu a circulação de qualquer informação concernente à telegrafia elétrica sob alegação de que ela seria subversiva embora um nobre russo o barão Schilling ver p140 tivesse planejado um sistema usando um galvanômetro energizado a bateria e um código binário Antes e depois de 1848 um país a Bélgica onde as linhas telegráficas assim como as ferrovias eram propriedade do Estado parecia estar estabelecendo um exemplo Em 1869 diziase que suas linhas tinham sido excelentemente planeja das e constituídas a preços baixos portanto as tarifas cobradas sempre um motivo de preocupação na GrãBretanha eram relativamente baratas Naquela data o mercado de ações era responsável por metade do fluxo de informações por telegrafia e os negócios familiares por 13 A imprensa em comparação usava somente 4 e o governo 2 Um funcionário ambicioso do British Post Office o correio oficial britânico Frank Scudamore que já havia criado uma Associação de Poupança dos Correios tinha a firme opinião de que os correios deveriam assumir as companhias de PROCESSOS E PADRÕES 143 telegrafia Com a Lei do Telégrafo de 1868 os correios realmente as compraram junto com os negócios telegráficos das empresas ferroviárias A medida foi apoia da pelo político liberal WE Gladstone 180998 então na oposição mas que logo se tornaria primeiroministro assim como pelas Câmaras de Comércio e pela im prensa Contou porém com uma oposição ardente apesar de malsucedida das companhias ferroviárias e telegráficas ligadas intimamente por meio de diretorias entrosadas um precoce e interessante exemplo de concentração de controle na mídia As empresas ferroviárias apresentavam também um especial interesse no Parlamento em ambas as Câmaras e mostravam o seu poder já no início da década de 1840 quando o jovem Gladstone então presidente do Conselho do Comércio foi forçado a retirar uma cláusula do seu projeto de lei de regulamen tação das ferrovias de 1844 dando ao governo a autorização para absorver isto é nacionalizar as ferrovias que começassem a operar depois que o projeto se tor nasse lei A lei de regulamentação das ferrovias em sua forma final prescrevia que toda futura empresa de estradas de ferro providenciasse acomodações de terceira classe em pelo menos um trem por dia trafegando em cada direção Esses chama dos trens parlamentares também um híbrido sobreviveriam por bastante tem po no século XX Em 1868 foi feita uma transação financeira com as companhias telegráficas antes que os correios as encampassem Os críticos avisaram em vão sobre a provável estagnação e enfadonha rotina inseparáveis das regulamentações oficiais que se seguiriam à nacionalização mas o governo argumentava que os telégrafos não se riam tratados como os serviços postais e que seria adotada uma tarifa única para mensagens telegráficas de 20 palavras independentemente da distância Em 1844 não havia tal regulamentação depois que a cláusula de nacionalização foi retirada O monopólio dos correios teria problemas financeiros no século XIX em bora o número de mensagens transmitidas aumentasse de 65 milhões logo de pois da aprovação da lei para 265 milhões dez anos após um crescimento gigantesco em comparação com outros países europeus e mesmo com os Estados Unidos Contudo estavam em jogo mais do que estatísticas comparativas As perdas dos correios com o fluxo nãoremunerado descrito pelos críticos como subsídios cresceram com o aumento do número de mensagens transmitidas provocando críticas tanto de parlamentares quanto do público as quais levanta vam outras questões relativas à mídia A imprensa defendia a situação pois se beneficiava das tarifas baixas e dizia que elas estimulavam o interesse pelas notí cias ver p195 Ela também constituíase como interesse Após a mudança para propriedade pública muitos diretores das antigas companhias telegráficas privadas com o dinheiro de indenização nos bolsos adquiriram títulos e ações em empresas de telegrafia atuando no estrangeiro Assim foi fundada em 1872 uma nova e grande incorporação a Eastern Telegraph 144 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Company a qual pagou dividendos entre 65 e 10 durante quase um quarto de século Ela foi uma das várias empresas que no fim do século reforçaram o domínio britânico nos negócios de cabos internacionais Havia um reconhecimento do interesse imperial relativo aos cabos pois de acordo com um comitê oficial em 1902 era desejável que cada base naval ou colônia importante possuísse um cabo no país que tocasse território britânico ou um território neutro e amigável Diziase que os incentivos comerciais vinham em segundo lugar Depois disso deve haver tantos cabos alternativos quanto possí vel e esses cabos devem seguir as vias normais sugeridas por considerações comerciais Não é surpreendente a suspeita sobre os interesses financeiros britâ nicos desde o início Essa suspeita cresceu na Europa continental no fim do século XIX a ponto de jornalistas parisienses avaliarem em 1894 se a segurança de outras nações poderia ser preservada caso a GrãBretanha controlasse todas as fontes de informação Os norteamericanos iriam fazer a mesma pergunta Fora da Europa o telégrafo foi uma importante fonte de unificação de terras distantes levando mais mensagens por quilômetro do que na Europa continental Quatro anos depois de inaugurada a linha de Toronto para Québec por exemplo conduzia duas vezes mais mensagens por quilômetro do que as linhas britânicas Na Austrália o Melbourne Argus declarava em 1854 Para nós velhos colonos que deixamos a GrãBretanha há muito tempo há algo muito agradável na contem plação atual da mais perfeita das invenções Algo mais perfeito que isso é pouco provável e nós realmente começamos a imaginar o que será deixado para a próxima geração em termos de empreendimentos imagináveis para o cérebro humano Comecemos com a telegrafia elétrica Na década de 1850 mesmo antes do grande movimento para o Oeste os Estados Unidos tinham orgulho de seus feitos na telegrafia Uma canção popular de 1860 dizia o seguinte e havia canções semelhantes na Inglaterra Nossos pais nos deram liberdade mas pouco sonharam Com os grandes resultados que fluem na poderosa era do vapor Pois nossas montanhas lagos e rios são labaredas de fogo E enviamos nossas notícias pelo relâmpago no fio telegráfico Por volta de 1846 havia mais de 1600 quilômetros de linhas norteamericanas inclusive um trecho de 450 quilômetros entre Nova York e Búfalo Uma ligação telegráfica entre Nova York e São Francisco foi concluída em 1859 Até o fim da Guerra Civil que estimulou enormemente os negócios da telegrafia e princi palmente os da Western Union havia quase 60 mil quilômetros de linhas Apesar de ajudar na construção da primeira linha telegráfica o governo de Washington desempenhou um pequeno papel nessa história incumbência deixa da para as empresas privadas sem regulamentação com as forças de mercado PROCESSOS E PADRÕES 145 conflitando muitas vezes de forma dramática nos primeiros anos do que foi chamado de expansão imprudente De acordo com AD Chandler historiador norteamericano e autor de um livro indispensável The Visible Hand 1977 as competitivas companhias telegráficas que então se formaram foram as primeiras empresas modernas de negócios a surgirem nos Estados Unidos Todavia da competição entre muitas firmas veio o oligopólio com poucas delas competindo sem organização e a partir do oligopólio surgiram as tentativas de monopólio A gigantesca Western Union que se beneficiou de vantajosos arrendamen tos e acordos de franquias além de suas alianças com as empresas de ferrovias afirmava que o monopólio era natural Entre 1870 e 1890 seus lucros corporati vos em termos reais cresceram mesmo nos anos em que os principais setores da economia norteamericana estavam em depressão e o número de suas agências aumentou de 3972 para 19382 As maiores ficavam em Nova York onde pelo menos 444 operadores de telégrafo trabalhavam em uma imensa sala de opera ções Thomas Edison 18471931 o mais famoso dos inventores norteamerica nos começou sua longa carreira como operador na agência da Western Union de Boston em 1868 Figura 16 Por volta de 1890 80 do fluxo de mensagens do país estavam nas mãos da Western Union e as críticas ao monopólio embora sempre em evidência eram desqualificadas sob a alegação de que isso era o resultado de uma lei inevitável do setor que deveria ser comandado sobretudo por uma grande organização O próprio Morse desde o início desejou que a rede telegráfica se tornasse um grande todo como os correios Durante as últimas décadas do século havia um argumento mais forte para o monopólio somente ele tornaria possível a necessária pesquisa para inovações Não havia carência de inovações Com o desenvolvimento do Dúplex uma única linha telegráfica podia ser usada para transmitir duas mensagens em dire ções opostas e quando em 1874 o Quadrúplex foi projetado por Edison a capacidade foi de novo duplicada Cinco anos depois uma grande greve nacional da Associação dos Telegrafistas dos Estados Unidos e do Canadá foi totalmente interrompida pela Western Union mas o último desafio ao setor da telegrafia não viria dos trabalhadores e sim do desenvolvimento da telefonia Telefones A história do telefone que se tornou um instrumento de comunicação pública e privada começou alguns anos antes em março de 1876 quando Alexander Gra ham Bell 18471922 inventor norteamericano mas nascido na Escócia paten teou seu telefone palavra usada pela primeira vez em 1796 para um método puramente acústico de comunicação Em 1837 o norteamericano CG Page 146 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 16 Thomas Edison trabalhando Tanto o laboratório como o estúdio funcionavam para ele como local de trabalho Inventor dos inventores teve mais idéias do que qualquer outro antes ou depois Obteve a patente do fonógrafo em 1878 dois meses depois da solicitação o Escritório de Patentes jamais vira algo semelhante PROCESSOS E PADRÕES 147 descobrira que mudanças rápidas na magnetização do ferro produziam uma nota musical música galvânica sendo que alguns pesquisadores depois dele usaram um diafragma para aumentar a saída de som Dentre tais pesquisadores destacase especialmente Philip Reiss professor de Frankfurt que alegava haver transmitido fala inteligente Tal alegação era ambiciosa demais se a fala fosse recebida isso teria sido acidentalmente e por períodos curtos Somente Bell podia afirmar com certeza ter feito o telefone funcionar Ele o demonstrou na Exposição Internacional da Fila délfia em 1876 celebrando o centenário da Independência dos Estados Unidos A primeira chamada telefônica de Bell para seu sócio Thomas Edison foi uma das mensagens que entraram para o anedotário Sr Watson venha aqui preciso do senhor Havia um elemento de folclore real ligado ao telefone também na Grã Bretanha A rainha Vitória a quem Bell tinha sido apresentado em 1876 ouviu atentamente Kate Field cantar a música Comin through the rye e descreveu o aparelho que Bell havia trazido consigo como um extraordinário modelo Em 1876 alguns sugeriram que não havia necessidade de telefone a socie dade sempre passou bem sem ele Esse comentário porém que jamais poderia ter sido feito sobre o telégrafo era enganoso Recebido no início com incredulida de no século XX o telefone viria a se tornar uma necessidade para muitas pessoas tanto no trabalho quanto em casa na realidade mais tarde com o celular também na rua A revista Scientific American já havia sugerido em 1880 com muita acuidade que o telefone levaria a uma nova organização da sociedade um estado de coisas em que qualquer indivíduo mesmo completamente isolado poderá ligar para qualquer outro indivíduo da comunidade poupando infindá veis complicações sociais e comerciais sem necessidade de idas e vindas Em 1897 um professor australiano de engenharia da Universidade de Mel bourne declarou em uma palestra que se um prognóstico de próximos desenvol vimentos tivesse sido feito para qualquer pessoa inteligente em 1837 de todas as invenções modernas o telefone seria visto com o maior ceticismo E o cientista escocês sir William Thompson mais tarde lorde Kelvin 18241907 após experi mentar o telefone de Bell na Filadélfia onde estava para atuar como juiz na Exposição Internacional descreveuo como a coisa mais extraordinária que ha via visto na América Thompson uma das primeiras pessoas na GrãBretanha a instalar lâmpadas elétricas em casa trouxe para seu país dois telefones Bell Em 1877 juntamente com sir William Preece 18341913 uma figurachave da história dos correios de quem se tornou engenheirochefe mostrouos aos membros da Associação Britâ nica para o Progresso da Ciência No mesmo ano uma jornalista norteamericana contratada por Bell apresentou uma Matinée Téléphonique para coincidir com a abertura do Parlamento Na Austrália notícias da invenção chegaram a Sydney e Melbourne no mesmo ano por meio da palavra impressa artigos no English 148 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Mechanic and World of Science e no Scientific American Imediatamente os austra lianos tentaram produzir telefones nacionais Bell que anteriormente havia trabalhado em problemas envolvendo o ensi no da fala para surdos havia concebido a idéia de transmitir sons orais por ondas elétricas em 1865 em 1874 idealizou um aparelho modelado segundo a estrutura do ouvido humano O dispositivo foi patenteado em março de 1876 no dia do aniversário de seu inventor O pedido havia sido feito em 14 de fevereiro no mesmo dia em que outro inventor norteamericano Elisha Gray também solici tara uma patente para o telefone Assim houve um litígio vencido por Bell uma vitória considerada controvertida na época e até hoje O transmissor que Bell usou na sua mensagem para Watson era semelhante ao imaginado por Gray Não foram somente Bell e Gray os dois únicos inventores envolvidos no começo do que hoje se chamaria uma convergência de duas longas histórias a da acústica e a da eletricidade No início porém a comunicação era em um só sentido e o primeiro pedido de patente de Bell foi descrito como um melhoramento na telegrafia é notável mas ele não se referia especificamente à fala Essa limitação técnica foi rapidamente superada em 1876 e o segundo pedido de patente já mencionava a fala Os primeiros prospectos da Bell Telephone Company de julho de 1877 afirmavam sem equívoco que o telefone realmente fala e por esta razão pode ser utilizado para quase todo objetivo no qual a palavra seja empregada Figura 17 Os negócios também entraram em jogo convergindo com a tecnologia Tendo falhado em despertar o interesse de William Orton presidente da Western Union Bell criou uma companhia privada em 1877 três anos depois convertida em empresa púbica a National Bell Percebendo que cometera um grave erro Orton voltou suas esperanças para Edison o inventor dos inventores procu rando sua orientação técnica Edison então produziu com sucesso um transmissor de carbono o que levou Bell um Davi em face de um Golias a pensar em inter pelação judicial Contudo em novembro de 1879 as partes chegaram a um acor do fora dos tribunais do qual Gray também se beneficiou modestamente Os termos eram que a Western Union seria o único fabricante dos aparelhos de Bell e a operação do sistema de telefones seria deixada para uma nova firma a National Bell Company que poderia fazer uso de todas as patentes relevantes da Western Union O acordo funcionou por diversas razões Uma delas foi a vinda para a Natio nal Bell como gerentegeral de um indivíduo muito capaz Theodore Vail 18451920 primo de um dos assistentes de Morse que havia administrado ante riormente a rede ferroviária postal norteamericana Sob sua eficiente liderança a companhia cresceria em poder defendendo com sucesso todos os direitos de patente da Bell que até expirarem em 1893 foram contestados pelo menos 600 vezes Enquanto duraram as patentes a National Bell usufruiu o mesmo tipo de PROCESSOS E PADRÕES 149 Figura 17 Tecelãs da palavra Um anúncio de telefone da Bell Telephone Company usando metáforas um passado mítico e um futuro tecnológico e comercial Há um efeito wagneriano na tecelagem e uma indicação do que seria a Web vantagens comerciais que Boulton e Watt haviam tido um século antes Bell agora um homem rico viveu até 1922 entusiasmadamente interessado em cada aspecto de progresso do telefone e em muitos outros assuntos no campo das telecomunicações Desde o início Bell provou ser mais do que um inventor propondo ao mundo uma visão como faria Vail Depois de visitar a GrãBretanha em 1877 ele estabeleceu o que chamou de um grande sistema algo que pode parecer utópico uma rede universal alcançando casas escritórios e locais de trabalho Para esse empreendimento era necessário inventar mesas e estações telefônicas assim como as melhorias necessárias para a transmissão da voz Embora isso tenha acontecido rapidamente a primeira mesa telefônica foi instalada em New Ha ven em 1878 e a primeira estação foi inaugurada em Londres na rua Coleman em 1879 levou tempo para o telefone chegar ao alcance do usuário normal Foi um médico de Lowell outra cidade que faz parte da história da comunicação que faria surgir um sistema de números em 1880 mas a discagem não apareceu antes de 1896 em Milwaukee A comutação mecanizada à qual normalmente se associa o nome de AB Strowger um empreiteiro do setor funerário de Kansas City foi introduzida em La Porte Indiana em 1892 pela primeira vez os usuários podiam fazer uma chamada 150 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sem a ajuda de um telefonista No entanto a introdução dessas mudanças mecâ nicas foi lenta mesmo nos Estados Unidos Na GrãBretanha fora da cidade de Londres onde uma estação de central telefônica automática foi instalada em 1897 somente Epson Surrey perto de famoso hipódromo tinha sistema semelhante instalado em maio de 1914 Darlington famosa pela ferrovia teve o seu sistema um ano mais tarde Só em 1927 inaugurouse um sistema automático em Londres Durante os primeiros anos muitos associavam o telefone ao entretenimento para audiências dispersas e à comunicação ponto a ponto entre indivíduos So mente por essa razão o telefone deve figurar como mais importante que o telégra fo na préhistória da radiodifusão Entretanto a mesma associação havia sido feita antes entre entretenimento e telegrafia em 1848 quando a revista Punch publicou como pseudonotícias textos de canções enviadas por telegrama de Boston para Nova York Em 1876 a revista Nature previu que pagando uma quantia a um indivíduo talentoso poderemos pedir a ele uma valsa uma quadrilha ou um galope o que quisermos Uma das previsões do Springfield Republican em 1877 foi que por meio do telefone toda a música de uma primadonna poderia ser distribuída no país durante seu canto popularizando assim a boa música de uma forma jamais co nhecida e longe de Springfield na Suíça um engenheiro retransmitiu uma ópera de Donizetti em 1879 Mais longe ainda na Hungria o inventor Theodore Puskas imaginou o mais ambicioso e sustentável projeto de uso do telefone para entrete nimento Puskas que trabalhara para a Companhia Edison fez demonstrações na Exposição de Eletricidade de Paris em 1881 e garantiu direitos exclusivos para o desenvolvimento do telefone na Hungria no mesmo ano Puskas teve a assistência de seu brilhante amigo Nikola Tesla 18561943 um pioneiro da eletricidade e principalmente do uso da corrente alternada uma forma de energia apoiada pela Westinghouse Nascido na Croácia Tesla freqüen temente discutia sobre os méritos dos sistemas elétricos enquanto outro pioneiro da eletricidade o escritor norteamericano Park Benjamin sem entrar em dispu tas baseouse na retórica no livro The Age of Electricity 1887 ao descrever os múltiplos usos da nova forma de energia como simplesmente uma multidão Um deles estava ligado diretamente ao que se tornou a radiodifusão Ela levará nossas vozes a centenas de quilômetros de distância estava longe de fazer isso na época Registrará os votos que mudarão o destino de uma grande nação ou divulgarão a mais recente melodia popular Isso era o que Puskas estava tentando fazer quando inaugurou e seu irmão continuou um serviço a Telefon Himondo em Budapeste 1893 oferecendo assinaturas do que com efeito foi o primeiro sistema de radiodifusão do mundo Os assinantes recebiam longos fios flexíveis e dois fones de ouvido redondos e macios e podiam ouvir um programa diário com variados itens como boletins PROCESSOS E PADRÕES 151 de notícias e sumários dos jornais relatórios sobre a Bolsa de Valores palestras notícias esportivas e visitas à opera Havia também um programa infantil sema nal e palestras lingüísticas em inglês italiano e francês A palavra Himondo tinha suas raízes no passado ela se traduzia como anunciador de notícias e relembrava a antiga expressão pregão da cidade O programa diário anunciado para os assinantes apontava para o futuro Um dos primeiros escritores ingleses a trabalhar na estação Arthur Mee que se tornou editor do The Childrens Newspaper em 1908 chamavao de horário com inspi ração na tão em moda linguagem das ferrovias a revista Invention o chamava de programa A própria visão de Mee era global Se como se diz não é de todo improvável que em futuro próximo o princípio da visão seja aplicado ao telefone como já acontece com o som a Terra será realmente um paraíso e a distância perderá seu encantamento ao ser abolida A Telefon Himondo não tinha mais assinantes em 1910 do que em 1897 seis mil mas sobreviveu à deflagração da Primeira Guerra Mundial O sistema húngaro foi muito mais ambicioso e bemsucedido do que seus equivalentes britânico e norteamericano A Electrophone Company na GrãBre tanha oferecia em 1884 por meio de uma assinatura anual ligações para teatros concertos e até mesmo serviços de igreja os sermões seriam feitos pelas mais divinas eminências e um empreendimento norteamericano a Telephone He rald em Newark Nova Jersey começou sete anos depois de a companhia britâni ca ter fechado em 1904 Vários esquemas de teatrofone em Paris também fali ram apesar do interesse de Marcel Proust que anteviu muitos outros usos para o telefone Enquanto o aparelho de lazer era desenvolvido como um veículo de entretenimento alguns comentaristas o consideravam um brinquedo Bell estava certo ao prever que os usos sérios do telefone prevaleceriam Sua previ são estava sempre além da tecnologia então corrente Embora o sistema telefônico com base em assinaturas fosse diferente do telegráfico o governo britânico sustentado pelas cortes decidiu em 1880 que dentro dos termos da Lei do Telégrafo de 1868 ver p143 o telefone era um telégrafo A decisão seguiu uma fusão entre as companhias British Bell e British Edison o que levou os correios apoiados por fortes interesses do telégrafo a adquirir o controle de toda a atividade de telefonia na GrãBretanha Essa ativida de seria operada por um grande sistema de licenciamento tendo as empresas interessadas que pagar direitos de utilização No entanto os correios mantiveram algumas estações próprias como por exemplo em NewcastleuponTyne havia também um certo número de companhias telefônicas municipais como a Hull que mais tempo sobreviveu entre todas Assim mesmo a maior das empresas licenciadas a National Telephone Company tornouse quase um monopólio antes de ser adquirida pelos correios em 1912 Na época haviase desenvolvido um sistema de troncos nacional de novo lentamente e aumentado o tráfego internacional Um cabo submarino ligando 152 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA a Inglaterra à França foi inaugurado em 1891 mas a ligação nacional só surgiria anos depois Atravessando o Atlântico a primeira linha a longa distância concluí da em 1880 ligou Boston a Lowell e em 1892 havia linhas abertas entre Nova York e Chicago em 1915 entre Nova York e São Francisco Duas invenções norteamericanas o filtro de onda e a bobina de carga tornaram a comunicação cada vez mais econômica diziase até que a substituição de amplificadores ou repetidores de tipo eletrônico por eletromecânicos anunciava uma nova era Em comparação com os Estados Unidos e o Canadá o progresso no uso extensivo de telefone na GrãBretanha que liderava a fabricação mundial de cabos e em outros países europeus foi lento Na realidade na GrãBretanha não se acreditava como o The Times escreveu em 1902 que o telefone fosse um negócio para milhões Era mais uma comodidade para os ricos e um instrumen to de comércio para pessoas que podiam pagar por ele A esmagadora maioria da população não o usa e não é provável que venha a utilizálo exceto talvez para mandar uma mensagem ocasional de uma estação pública Um ano antes o chanceler do Tesouro anunciara que a comunicação telefônica não era desejável para a mente rural enquanto no Canadá nos Estados Unidos e na Austrália a maior demanda era nas áreas rurais A expiração dos direitos de patentes de Bell em 1894 favoreceu a exploração comercial e após 1893 apareceram os inde pendentes com a grande expansão do uso do telefone Agora havia acúmulo de provas a mostrar que o telefone facilitava a descentralização permitindo que famílias dispersas se comunicassem mais facilmente tornando as fazendas menos isoladas e mudando métodos de marketing práticas médicas políticas e jornalís ticas Também estava mudando hábitos sociais sobretudo os das mulheres logo felizes para conversar ao telefone Na verdade houve uma emergente lingua gem e cultura telefônica Como foi o caso anos depois na história da Internet em ambos os lados do Atlântico surgiram comentários sobre o temor de que a verdade pudesse estar ameaçada De fato antes que fosse cunhado o adjetivo phoney a Punch já havia se queixado não do telefone mas das lorotas telegráficas Que mentiras horríveis pelo fio elétrico São lançadas Que falsidades trazem seus choques Ah É melhor ficar com o fato que em comparação Se arrasta pelo correio tão lento Do que com a falsa calma que como os relâmpagos salta E nos faz acreditar no que não é A palavra phoney tem sua formação ligada à de telefone e significa falso NT PROCESSOS E PADRÕES 153 Em 1902 HG Wells foi mais conciso O negociante pode ficar em casa e contar mentiras que não ousaria escrever Esse tipo de crítica não era o único feito na época A invasão do telefone no domicílio freqüentemente esteve sob ataque e o mesmo aconteceria com a televisão décadas depois Xingar pelo telefone levantou problemas éticos Deveria ser tratado como ofensa O crime telefônico ficava isolado de seu contexto Em 1907 um artigo no Cosmopolitan Magazine de novo antecipando em quase um século opiniões também relativas à Internet tinha como título As companhias telegráficas e telefônicas aqui tratadas como agências associadas e não concorren tes são aliadas dos antros de apostas Não é de surpreender que outros críticos considerassem o telefone e o telégrafo como aliados da polícia No entanto havia uma concordância de que os telefones eram os aliados da imprensa dos sistemas bancários e da Bolsa de Valores sendo que os últimos eram instados a colaborar com o capital necessário para o desenvolvimento da telefonia Em abril de 1877 quando os corretores da Bolsa de Nova York já usavam o novo meio a notícia sobre uma das palestras de Bell foi passada por telefone de Salem para o Boston Globe Em Londres já em 1889 The Times estabeleceu uma conexão telefônica com a Câmara dos Comuns a fim de incluir reportagens sobre os debates noturnos em sua edição do dia seguinte Por volta de 1900 o jornalis mo diário de massa nos Estados Unidos dependia mais do telefone que do telégra fo Na França a ênfase foi diferente A palavra francesa para estação era central e isso sugeria um modo nãoamericano e nãobritânico de olhar para o que viria a ser pensado como rede Ainda em 1922 diziase que Paris rejeitava o telefone Quase meio século após sua invenção o telefone permanecia como uma ferra menta reservada essencialmente aos profissionais Os Estados Unidos estavam muito mais adiantados do que todos os países europeus na distribuição de telefones por volta de 1900 com um aparelho para cada 60 pessoas A Suécia vinha em primeiro lugar entre os países da Europa com um telefone para cada 215 habitantes A França tinha um para cada 1216 e a Rússia um para cada 6958 Em 1904 havia 65 telefones por centena de pessoas em Manhattan e no Bronx e somente 14 em Londres O dinamismo norteame ricano bem expresso no título de um artigo de 1914 do McClures Magazine Telefones para milhões se devia à American Telephone and Telegraph Compa ny ATT empresa que se instalou em Nova York em 1885 como uma subsidiá ria da rede a longa distância da National Bell localizada desde o início em Boston Em uma mudança criativa nos dois sentidos em 1899 a ATT tornouse a empresa principal permanecendo em Nova York a administração central Uma outra companhia fabricante de equipamentos elétricos a Western Electric já havia sido assimilada em um processo acumulativo iniciado em 1881 Desde o início a ambição de Vail era controlar o que ele pensava ser o sistema nervoso da comunidade social e dos negócios nos Estados Unidos por 154 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA meio de um sistema que reconhecia como necessariamente de monopólio regula mentado As operações centrais poderiam e deveriam ser descentralizadas reali zadas por firmas licenciadas mas a integração era essencial Retornando à ATT em 1900 após ter feito fortuna fora dela Vail assumiu a presidência da empresa em 1907 dois anos depois comprou a parte societária da Western Union a principal empresa telegráfica ver p142 Ele também aumentou o controle do financia mento das companhias licenciadoras Contudo a despeito do que Vail tivesse escrito sobre a importância do controle do Estado e da regulamentação havia nos Estados Unidos fortes objeções locais e nacionais e dentro e fora do governo ao monopólio da ATT Nós não pedimos ao governo que lute nas nossas batalhas declarou em 1910 a Asso ciação Nacional de Estações Independentes de Telefone fundada em 1897 mas solicitamos proteção contra métodos de guerra ultrajantes que são ilegais e noci vos ao bemestar público No que se tornou uma luta de proporções darwinianas sociais Vail tinha porém uma vantagem específica Ele acreditava em pesquisa enquanto muitas companhias independentes não Assim uma geração após o término dos direitos sobre as patentes originais de Bell foi criada formalmente em 1925 a Bell Telephone Laboratories que se tornaria conhecida em âmbito mundial Com relação à questão do monopólio foi firmado em 1913 um compromis so entre o que parecia ser abordagens totalmente diversas sobre assuntos espinho sos tanto práticos quanto teóricos Essa solução conciliatória foi reafirmada após a Primeira Guerra Mundial na Lei de Graham de 1921 Em 1913 a ATT lançou a Western Union tornou disponíveis para os independentes suas linhas de tarifas a distância concordou em trabalhar com a Comissão de Comércio Interestadual e solicitar aprovação prévia para abrir novos sistemas telefônicos A Lei de Graham reconhecendo esse esforço isentou a ATT das condições da legislação antitruste Assim embora a empresa continuasse a sofrer a hostilidade de oponentes do monopólio e a partir de 1934 ficasse sujeita ao questionamento regular da Co missão Federal de Comunicações ver p231 nas vésperas da Segunda Guerra Mundial a ATT controlava 83 de todos os telefones dos Estados Unidos e 98 de todas as chamadas tarifadas de longa distância Tinha também o monopólio total de toda a radiotelefonia ultramarina Era a maior companhia da história Havia paralelos no estrangeiro com diversos países lentamente adotando um ideal de serviço universal como acontecera com a evolução dos sistemas postais mas baseandose principalmente em seus correios para ditar a política de telecomunicações Enquanto o número de telefones por mil pessoas continuava a aumentar depois de 1918 com uma interrupção durante a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial foi somente após a década de 1950 que o crescimen to começou a ser identificado como tendência social importante dos dois lados do Atlântico PROCESSOS E PADRÕES 155 Radiotelegrafia A história inicial da radiotelegrafia tem mais a ver com a telegrafia do que com a telefonia embora após o desenvolvimento da radiodifusão a linhagem de Puskas tenha adquirido novo significado Em 1925 sir Frank Gill que participou das negociações dos Correios Britânicos que levaram à criação da BBC salientou como a telefonia tinha algumas das propriedades tanto das cartas quanto dos jornais Ela pode ser fechada para garantir privacidade ou aberta para transmis são para milhões de pessoas simultaneamente A ciência por detrás da radiotelegrafia possuía uma longa história até mes mo anterior ao trabalho do cientista alemão Heinrich Hertz 185794 Foi ele quem comprovou experimentalmente o brilhante trabalho teórico do cientista britânico James Clerk Maxwell 183174 de uma geração anterior que formula ra em 1864 as equações matemáticas básicas relativas ao campo eletromagnético Tanto Hertz quanto Maxwell morreram jovens Oliver Lodge nascido em 1851 que morreria de velhice em 1940 foi quem demonstrou as ondas hertzianas tal como foram imediatamente rotuladas para a Royal Institution em 1895 Ele também inventou um rádio coesor como o chamou um receptor de onda hertziana tendo um fio de ferro dentro de um tubo sem que jamais percebesse a importância econômica de seu trabalho Para ele o coesor era um dispositivo pedagógico Também houve pioneiros do rádio em outros países como AS Popoff 18591906 na Rússia Edouard Branly 18441940 na França e Augusto Righi 18501920 na Itália Portanto quando Guglielmo Marconi 18711937 chegou à GrãBretanha em junho de 1896 para demonstrar o que chamava de desenvolvimentos na transmissão de sinais e impulsos elétricos um escritor do Quarterly Review pôde avaliar que mr Marconi tinha somente introduzido outro modo de fazer o que já havia sido feito anteriormente Foi sua nacionalidade sua juventude e imerecidas tentativas de depreciar seu próprio sucesso que atraíram a atenção da imprensa É ótimo concluiu o autor anônimo que a imprensa deva ocasionalmente acordar para os rápidos avanços da ciência prática A civilização tem avançado mais com o trabalho dos engenheiros do que com a fala dos políticos Marconi na verdade vinha conversando se não com políticos pelo menos com funcionários civis oficiais navais soldados e cientistas inclusive com AA Campbell Swinton um profeta da televisão ver p176 a quem foi apresentado e que lhe fez um convite para encontrar sir William Preece com quem teve conver sas informais na sede dos correios ver p157 Um dos oficiais navais o capitão HB mais tarde sir Henry Jackson já havia feito sozinho algumas experiências com rádio um ano antes agora ele e Marconi realizavam experimentos com a esquadra britânica na mesma linha daqueles realizados com a frota russa por Popoff A necessidade não o avanço da ciência os movia Navios encouraçados 156 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 18 O jovem Guglielmo Marconi Vindo da Itália ele chegou a Londres em 1896 e trazia consigo vários aparelhos sem fio Fundou a Wireless Telegraph and Signal Company em 1897 precisavam de modos novos de sinalização como os cavalos de ferro das ferro vias haviam precisado duas gerações antes Nesse contexto a transmissão sem fio auge da história das comunicações no século XIX foi pensada simplesmente como um substituto para a telegrafia por fios assim como os automóveis destaque máximo da história dos transportes no mesmo século foram imaginados como carruagem sem cavalos somente pessoas que possuíssem carruagens poderiam desejálos O que aconteceu foi que o rádio se tornou de uso prático nos oceanos ou em grandes continentes com baixa densidade demográfica O fato de enviar mensagens todas em Morse que podiam ser captadas por pessoas a quem não eram dirigidas foi julgado não uma vanta gem mas uma séria desvantagem Da mesma forma um automóvel era um produto de luxo e ninguém o imaginava em uma casa de subúrbio com uma garagem da mesma forma como mais tarde o mesmo tipo de domicílio não podia ser associado a aparelhos de rádio Ao visitar a Inglaterra Marconi queria resultados rápidos Quando fundou a Wireless Telegraph and Signal Company em 1897 se concentrou principalmente em planejar e vender equipamentos sem fio a clientes comerciais de grande escala e ao governo Figura 18 Também tinha em mente a realeza em 1897 cerca de PROCESSOS E PADRÕES 157 cem mensagens foram enviadas entre a rainha Vitória de Osborne House na ilha de Wight e o iate real do príncipe de Gales ao largo de Cowes onde ele estava de cama doente Marconi não via o rádio como um meio de grande difusão Na verdade nem usou a palavra rádio E nisso não estava sozinho Por exemplo em 1899 The Electrician afirmava que mensagens dispersas por radiodifusão somente desperdiçam energia viajando com persistência fútil para o espaço celestial Preece membro fundador da Sociedade dos Engenheiros Telegráficos criada em 1871 e que mudou de nome em 1889 para Instituto de Engenheiros Elétricos foi cauteloso sobre as perspectivas das patentes de Marconi mesmo dentro do contexto em que este as colocava Mesmo após Marconi ter transmitido mensagens através do canal para a França em 1899 Preece preveniu que a telegrafia sem fio em sua forma atual e velocidade limitada uma limitação genuína não poderia ser colocada na mesma categoria do velho sistema Com uma abordagem mais burocrática do que empreendedora sobre o desenvolvi mento das comunicações ele acreditava que a pior coisa possível para uma invenção como a de Marconi é ser posta nas mãos de uma companhia Basta olharmos para o telefone para nos convencermos disso A posição de Preece porém não deixou de ser atacada O Chambers Journal cobrindo uma de suas palestras colocoua ao lado de uma matéria intitulada Os pomboscorreio de Sua Majestade Como afirmou um escritor no Quarterly Review em 1898 houve uma ime diata reação de entusiasmo por parte do público sobre o meio de transmissão das mensagens de Marconi o ilimitado incompreensível sensível meio o éter ele chegou a sugerir que um termo melhor para o sistema seria telegrafia etérea pois na realidade não era sem fio Cabos eram usados em cada terminal como parte e parcela do equipamento Outro escritor afirmou que o milagre da telegrafia sem fio consistia no fato de ela ser acima de tudo misteriosa como os raios X recémdescobertos em 1895 Era o mais próximo que o mundo havia chegado da telepatia O potencial só se tornou evidente para a maioria das pessoas e também para especialistas que falavam como autoridades sobre o assunto quando o rádio entrou nas casas primeiro nos Estados Unidos e depois na GrãBretanha e na Holan da No entanto antes que novas instituições tivessem sido criadas para oferecer programas uma rede amadora de entusiastas do rádio conhecidos como ra dioamadores havia formado conexões nacionais e internacionais a maioria dos radioamadores usava código Morse e alguns outros a telefonia Eles foram descri tos com presciência no livro The Wireless Man de H Collins lançado nos Estados Unidos em 1912 como pelo menos potencialmente a maior audiência do mun do Na época estimavase haver 122 clubes de transmissão sem fio na América Só foi possível escrever sobre o tamanho de audiência graças a uma série de invenções no período compreendido entre as décadas de 1890 e 1920 Algumas 158 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA dessas invenções foram produto de detalhadas pesquisas científicas outras foram estimuladas por circunstâncias especiais como a Primeira Guerra Mundial quan do o rádio foi usado com propósitos militares Entretanto as aplicações futuras da tecnologia poderiam ter sido previstas caso se tivesse levado em conta os fatores sociais quando era iminente a transmissão sem fio Por exemplo quando sir William Crookes em um artigo de grande repercussão na Inglaterra em 1892 propôs que as desconcertantes possibilidades da telegrafia sem fios correios cabos ou qual quer instrumento caro atual faz supor alguns postulados aceitáveis ele não sugeria o que iria acontecer depois Marconi seguiu sua própria linha de desenvolvimento instigando a imagi nação norteamericana quando em 1899 aceitou o encargo financiado por Ja mes Gordon Bennett Jr proprietário do New York Herald de cobrir as corridas de barco da Copa Americana Ele também surpreendeu tanto os norteamericanos quanto os europeus em 1901 quando mandou uma mensagem por transmissão sem fio a 3200 quilômetros de distância através do Atlântico da Terra Nova para a Cornualha A empresa AngloAmerican Telegraph Company tinha o monopó lio de telegrafia na Terra Nova e expulsou a equipe de Marconi da ilha que na época era independente do Canadá A publicidade subseqüente não precisou ser inventada Em 1904 a radio transmissão chegou às manchetes quando foi usada para relatar a prisão do dr Crippen um assassino que fugia da Inglaterra para o Canadá por mar com sua amante Oito anos depois foi a estação de Marconi em Long Island que captou as mensagens de SOS do Titanic que afundava e enviou as notícias para a Casa Branca o operador foi um homem que mais tarde se tornaria famoso ver p162 David Sarnoff 18911971 Em 1906 a Segunda Convenção de Radiotelegrafia Internacional ocorrida em Berlim a primeira tinha sido em 1903 havia estabelecido que SOS deveria ser o sinal padrão para pedido de socorro Na verdade Berlim estava fora do império de Marconi os alemães tinham agora seu próprio sistema Telefunken sem fio administrado por uma subsidiária da Sie mens e pela Allgemeine Elektricitãts Gesellschaft fundada em 1907 com o indis pensável apoio do governo Ela possuía um orçamento para pesquisa e desenvol vimento e criou estações de rádio em muitas partes do mundo Desafiou as pa tentes de Marconi e tentou evitar que obtivesse outras Marconi tinha criado uma companhia subsidiária norteamericana em 1899 e não sofria competição corporativa nos Estados Unidos em 1901 exceto das companhias de cabos Um dos primeiros estudos históricos sobre o assunto Radio Beam and Broadcast de AB Morse lançado em 1925 depois do início da radiodifusão contava a história do desenvolvimento do rádio sobretudo por meio de registros colhidos no escritório de patentes de invenções em uso hoje ou seus antecedentes diretos Aquela era uma história que tomara outros rumos nos Estados Unidos depois da formação em outubro de 1919 de uma nova corpora PROCESSOS E PADRÕES 159 ção a Radio Corporation of America RCA uma versão civil do monopólio militar que tinha controlado o rádio durante a guerra Ela assumiu necessaria mente todas as patentes de Marconi Se ele fosse um cidadão norteamericano sua tão bemsucedida empresa talvez tivesse seguido a rota alternativa da ATT A RCA era uma empresa sancionada pelo governo que estabeleceu ligações íntimas com a ATT a General Electric e a Westinghouse agora construindo aparelhos de rádio para fins civis Todas elas tinham que se preocupar não somen te com patentes e concorrentes mas também com as solicitações de acesso às ondas de rádio governamentais e principalmente das forças armadas pela enorme e pacífica legião de radioamadores um Exército com batalhões também do outro lado do Atlântico De acordo com os termos da Lei do Rádio de 1912 a primeira desse tipo nos Estados Unidos mensagens radioamadoras estavam restritas por lei para com primentos de onda de 200 metros ou menos limite ampliado em alguns estados para 425 metros em 1915 Apesar da pressão do Exército e da Marinha houve resistência dentro e fora do Congresso para qualquer regulamentação Nós fo mos educados com a idéia de que o ar era absolutamente livre para todos Por que não deveria ser A mesma questão seria levantada na GrãBretanha e também nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial quando a radiodifusão ama dora não foi permitida por motivos militares Em 1921 para um portavoz da Sociedade de Radiotelegrafia de Londres na época totalmente comprometida com a radiotelefonia todo inglês tem o direito de ouvir o que está se passando em seu éter contanto que seu aparelho de escuta não perturbe os vizinhos Em todos os países a maioria dos radioamadores usava aparelhos a cristal de baixo custo feitos por eles mesmos Foi uma felicidade para eles a descoberta no fim do século XIX de que muitos tipos de cristal serviam para detectar ondas transmitidas sem fio que podiam ser listadas e classificadas como o foram entre 1908 e 1911 Havia um retificador de cristal muito conhecido antes de 1914 o Perikon uma ponta de latão pousada em uma superfície polida ou não de silício substância com um futuro ainda mais romântico do que o dos próprios radio amadores A primeira história detalhada do transistor e do berço da era da informação seria chamada de Fogo de Cristal Na GrãBretanha de acordo com os termos da Lei da Telegrafia sem Fio de 1904 todos os transmissores ou receptores de sinais emitidos sem fio deveriam ter uma licença dos correios A Companhia Marconi tinha uma licença geral em 1920 para fazer experiências com a telefonia No entanto ela teve forte oposição da Comissão da Telegrafia sem Fio na qual havia grande representação militar após começar a transmitir os concertos de Marconi de Chelmsford A Comissão argumentava que tais transmissões não somente interferiam nas mensagens de defesa mas também estavam tornando a técnica que era um serviço para a humanidade em brinquedo para divertir crianças À luz de seu aconselhamen 160 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA to a permissão para a radiodifusão a partir de Chelmsford foi cancelada no outo no do mesmo ano Essa decisão por sua vez levou os radioamadores a protestarem Agora procurando comunicarse entre si e ouvir programas de rádio a eles dirigidos re digiram uma petição assinada por 73 sociedades de transmissão sem fio o que levou o presidentegeral dos correios que havia chamado os concertos de frívolos a repensar o assunto Quando ele se rendeu em dezembro de 1921 teve o cuidado de declarar que a retomada dos concertos seria para o beneficio das sociedades de radiotelegrafia Ainda não havia o sentido de uma grande audiência A primeira estação da Companhia Marconi a irradiar concertos de meia hora depois da permissão foi a de Writtle perto de Chelmsford O primeiro concerto descrito modestamente por seus realizadores como um feito de engenheiros foi transmitido em 14 de fevereiro de 1922 o último foi em 17 de janeiro de 1923 Os engenheiros provaram ser programadores brilhantes e bastante informais as gravações fonográficas eram de consumo geral mas eles transmitiram a primeira peça no rádio Cyrano de Bergerac Peter Eckersley líder natural do grupo tornou se o primeiro engenheirochefe da BBC inaugurada no outono de 1922 anterior mente ao fechamento da estação de Writtle Antes de 1914 houve três destacados inventores que abriram o caminho para a transmissão de som um britânico um norteamericano e um canadense Em 1904 Ambrose Fleming 18491945 professor do University College de Londres que havia assistido às palestras de Maxwell inventou a válvula termiônica descri ta bem antes do microchip como o mais diminuto gigante da história Um passo ainda maior foi dado dois anos depois por Lee de Forest 18731961 em Palo Alto ele adicionou um terceiro eletrodo sob a forma de uma tela entre o catodo e o ânodo da válvula a diodo de Fleming descrita nos Estados Unidos como válvula a vácuo A última foi patenteada pela empresa Companhia Marconi na GrãBretanha e também por HJ Round nesse caso houve conflitos entre patentes que se prolongaram até expirar o prazo da patente de Forest em 1922 Na verdade apenas em 1943 a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que Forest tinha direito exclusivo sobre seu triodo ou audion como ele o chamou O triodo foi mais do que uma melhoria ele permitiu que sinais fracos de rádio não somente em Morse mas em palavras e música fossem ampliados e possibilitou que se cobrissem longas distâncias Era com orgulho que Forest se chamava o pai do rádio O terceiro homem do trio Reginald Fessenden 18661932 um canadense usou um alternador de alta freqüência para enviar o primeiro evento na década pré1914 um concerto com transmissão sem fio enviado de Brant Rock Massa chusetts na véspera de Natal de 1906 e recebido em lugares tão distantes quanto o Caribe O próprio Fessenden tocou violino cantou músicas natalinas e apresen tou o Largo de Hãndel em seu fonógrafo Se alguém estiver me ouvindo disse PROCESSOS E PADRÕES 161 para sua audiência desconhecida por favor escreva para o sr Fessenden em Brant Rock Alguns anos mais tarde Forest que havia feito transmissões a partir de navios da Marinha alcançou audiências diferentes e desconhecidas quando enviou mensagens da Torre Eiffel em Paris que já estava enviando sinais de tempo ver p133 Forest que supostamente não tinha visão comercial mas era um radioama dor nato percebeu a necessidade desse tipo de serviço antes de 1914 Assim insistiu que deveria continuar a apresentar concertos de rádio depois que fez um acordo com a ATT em 1914 pelo qual vendia para a Companhia suas patentes de audion e concordava em ficar fora das transmissões por rádio ponto a ponto de transmissores para receptores específicos Forest queria se concentrar em trans mitir música particularmente ópera para a casa das pessoas e em 1910 fez transmissões diretamente do Metropolitan Opera House de Nova York com Enrico Caruso como um dos solistas Ele já havia pensado sobre a radiodifusão como um meio de comunicação e acreditava mesmo antes que a tecnologia permitisse em especial em relação à produção de receptores que ela poderia se transformar em um grande negócio Enquanto a Europa mas não os Estados Unidos estava em guerra ele transmitiu a partida de futebol americano Yale x Harvard em 1916 na noite da eleição do mesmo ano manteve no ar uma cober tura de seis horas sobre os resultados da disputa presidencial que levou Woodrow Wilson 18561924 à Casa Branca erroneamente divulgou que Wilson havia perdido como aliás fizeram alguns órgãos de imprensa Mesmo em 1916 a maioria dos especialistas britânicos em transmissão sem fio inclusive figuras proeminentes da Sociedade de Radiotelegrafia de Londres que tinha Crookes e Lodge como membros honorários não estava convencida de que a telefonia sem fio tivesse um futuro do tipo imaginado por Forest Não estava muito claro um deles escreveu em 1913 de que região viria a primeira demanda efetiva No entanto no mesmo ano a Illustrated London News mostra va fotografias de ouvintes britânicos em roupas de noite e com fones de ouvido absorvidos em ouvir não palavras ou música mas informações sobre o tempo O presidente da Sociedade em 1914 era Campbell Swinton homem ao mes mo tempo visionário e cauteloso Ele relatou para os associados que com um pouco de imaginação se podia visualizar em um futuro não muito distante esta ções receptoras que estariam colocadas em salões semelhantes a palácios onde as pessoas poderiam ir para ouvir viva voce todos os radialistas famosos do dia embora estivessem a muitos quilômetros de distância Mas esta não era a forma do futuro A telefonia sem fio assim como a telefonia em geral invadiria a casa das pessoas Um magistrado de Londres em um artigo intitulado O renascimento da vida do lar de 1924 chamou a telefonia de um novo vínculo de interesses para a família Esse aspecto do futuro foi imaginado depois de Forest por Arthur Burrows 18821974 que trabalhou para a Companhia Marconi durante a guerra cole 162 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tando editando e distribuindo mensagens interceptadas em transmissões sem fio e do outro lado do Atlântico por David Sarnoff ver p158 Durante a guerra Sarnoff que viria a ser o primeiro administrador comercial da RCA concebeu uma simples caixa de música de rádio funcionando com vários e diferentes comprimentos de onda que poderiam ser mudados com o acionamento de um único interruptor ou a pressão de um único botão O problema de transmitir música já havia sido resolvido dizia ele e não era necessário ter imaginação para prever isso E a música poderia ser suplementada com notícias palestras e comentários Sarnoff estava pensando em irradiar ou disseminar as informações Palavras usadas nessa área como cultura foram retiradas de agricultura e não da tecno logia ou da indústria difundir as sementes era lançálas livremente não fazendo furos ou jogandoas em fileiras A dispersão como já vimos ver p157 foi inicial mente considerada uma desvantagem comercial No entanto quando a radiodifu são começou a ser percebida como um meio de comunicação a desvantagem foi transformada em razão de ser Sarnoff desejava tornar o rádio um utilitário doméstico como um piano ou um fonógrafo Ele sugeriu também que cada novo assinante do serviço recebesse cópias do jornal interno da Companhia Marconi o Wireless Age que havia alterado seu nome para Marconigraph em 1913 Por incrível que pareça foi o responsável britânico pela previsão de tempo que incorporou a publicidade a seus prognósticos Não haveria dificuldade téc nica explicava Burrows para uma agência de propaganda inserir nos intervalos dos programas musicais anúncios audíveis com apelos enérgicos ou patéticos no tom apropriado em nome de algum sabão ou extrato de tomate Houve outros fatos inusitados Para o financiamento de programas Sarnoff organizou um consórcio superpoderoso de comerciantes e fabricantes de rádio cobrindo todo o país similar ao que o correio britânico acabara congregando em Londres em 1922 e de onde surgiu a BBC como monopólio Para Sarnoff a própria indústria tinha a responsabilidade de manter e apoiar as estações transmissoras de modo que os aparelhos vendidos ao público e comprados por ele não sejam como um refrigerador sem gelo A BBC idealizada como um grande monopólio por motivos técnicos teve seu faturamento inicial proveniente dos direitos de venda de aparelhos sem fio e taxas de licenças e não de publicidade O monopólio foi estabelecido por causa de uma decisão do governo como havia demandas rivais com relação ao acesso a um espectro escasso ele estabeleceu que somente uma organização de radiodifusão entraria em funcionamento Nos Estados Unidos sem uma organização como os correios por trás e sem o desejo de regulamentar o espectro escasso essa solução nem foi considerada A RCA não conseguiu agir como monopólio Tam pouco a ATT como transportadora comum obteve sucesso em seu esforço de promover a programação com a venda de tempo na rede por meio de uma taxa a PROCESSOS E PADRÕES 163 ser paga pelos futuros assinantes do mesmo modo como havia vendido o tempo na telefonia A radiodifusão nos Estados Unidos teve um início muito diferente Uma enorme demanda por aparelhos de rádio em 1922 descrita como uma verdadeira mania semelhante ao que aconteceu anteriormente com os canais e as ferrovias pegou o país de surpresa Como reação surgiu um grande número de estações de todos os tipos algumas associadas a jornais outras a organizações de venda a varejo outras ainda ligadas a cidades escolas ou universidades Um observador da época dizia que qualquer coisa que pudesse falar era chamada de estação de rádio Em maio de 1922 o Departamento de Comércio já havia concedido mais de 300 licenças para radiotransmissão As primeiras estações ficaram conhecidas como as de Chelmsford e Writtle seriam na Inglaterra por seus sinais de chamada e a KDKA foi considerada a primeira de todas inaugurada em 1920 em Pittis burgh O responsável pela iniciativa era um diletante no ramo do rádio Frank Conrad engenheiro da Westinghouse que usou uma loja de departamentos para anunciar seus concertos sem fio Houve um interesse particular de Westinghou se quando descobriu que os discos que Conrad tocava vendiam mais na loja graças às transmissões A rotatividade das estações foi alta e no início todas usavam o mesmo com primento de onda 360 metros criando caos no éter a ruína que fora prevista antes da guerra No final de 1922 o número de licenças havia alcançado a marca de 572 Jornais e periódicos produziam suplementos para o rádio encorajando o público a comprar aparelhos Cerca de cem mil aparelhos foram vendidos em 1922 e em 1923 mais de meio milhão deles Por volta de 1925 havia 55 milhões de aparelhos em uso nos Estados Unidos praticamente metade do total mundial O número de empreendimentos individuais de radiodifusão cairia e finalmente surgiriam redes poderosas a primeira delas sendo a NBC a National Broadcasting Company lançada por Sarnoff como um serviço público A segunda a CBS Columbia Broadcasting System foi criada em 1927 pelo homem que se tornaria o principal rival de Sarnoff William Paley 190190 Paley que havia trabalhado para a agência United Independent Broadcasting começou no rádio anunciando o comércio de charutos de seu pai A participação das redes aumentou de 64 das estações de transmissão em 1926 para 30 em 1931 ao mesmo tempo diminuiu o número de radioamado res que haviam lutado pela introdução de programas e de muitos proprietários de pequenas transmissoras Para os radioamadores permaneceu o desafio de tentar captar as mensagens mais distantes Todavia no caso dos proprietários locais que tentavam como em Chicago se concentrar não na transmissão distan te mas na próxima houve um desapontamento geral à medida que a elevação do poder das redes se manifestava no aumento de programações semelhantes Para os fãs do radioamadorismo que não tinham interesse no conteúdo das mensagens 164 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA que recebiam o rádio era um esporte Para as redes tratavase de um grande negócio A publicidade tornouse a dinâmica financeira Criticada por diversos seto res da imprensa também foi atacada em 1922 e 1923 por Herbert Hoover 1874 1966 futuro presidente dos Estados Unidos e então secretário do Comércio em uma frase notável ele declarou ser inconcebível permitirse que um grande potencial para uso em serviços notícias lazer e educação e em objetivos comer ciais vitais fosse afogado por tagarelice publicitária Ele estava errado e em 1927 quando tornouse presidente e fez aprovar a primeira lei governamental estabele cendo a Comissão Federal de Rádio um exercício limitado de regulamentação ela não falava de serviço mas de interesse público utilidade necessidade Edgar Felix um dos primeiros consultores de propaganda de rádio olhava entusiasticamente para a época na qual havia ocorrido a expansão antes de qual quer regulamento Que gloriosa oportunidade para o publicitário difundir sua propaganda de venda Havia uma audiência incontável disposta entusiástica curiosa interes sada à procura de divertimento e alcançável na privacidade de seus lares A Westinghouse concordava A propaganda radiofônica assegurava a compa nhia era o meio moderno de expressão dos negócios Operando com companhas cada vez mais sofisticadas articulava a indústria Os negociantes norteamerica nos graças ao rádio têm disponível o fecho da porta de quase todas as casas dos Estados Unidos Frank Arnold diretor de desenvolvimento da NBC chegou a chamar a radiodifusão de a quarta dimensão da propaganda A GrãBretanha e a maioria dos países da Europa não tinham a mesma visão A Holanda abriu o caminho para transmissões regulares emitindo programas a partir de Haia em novembro de 1919 pela PCGE uma estação lançada pela Nederlandse RadioIndustrie Até 1927 havia somente um transmissor holandês que era dividido sem uniformidade embora em consonância com a história do país entre cinco pilares cada qual fincado em uma base religiosa Na Inglaterra o caminho foi diferente Embora a British Broadcasting Company só recebesse licença dos correios em janeiro de 1923 ela transmitiu seus primeiros programas em 14 de novembro de 1922 Burrows leu o boletim de notícias das seis horas em duas velocidades baixa e alta em um receptor comum de telefone ligado ao transmissor 2L0 da Companhia Marconi Na antípoda Nova Zelândia no mesmo dia houve a primeira transmissão de mensagens de rádio Como alocar os escassos comprimentos de ondas este foi o tema de difícil barganha nacional que se tornaria internacional em 1926 Em julho daquele ano foi criado e adotado a duras penas o Plano Genebra para comprimentos de ondas na Europa um ano depois o Congresso Mundial de Radiotelegrafia em Washing PROCESSOS E PADRÕES 165 ton o primeiro do tipo desde 1912 examinou o que Hoover chamou de conges tão das rotas em que são conduzidas as comunicações Um congresso posterior em Praga em 1929 organizado por autoridades governamentais e técnicas dei xou para os governos nacionais inclusive a União Soviética não representada em Genebra ou Washington a tarefa de detalhar as alocações para elas reservadas dentro de um total geral Todo ano a União Soviética comemorava no dia 7 de maio o aniversário da demonstração do rádio feita por Popoff em 1895 e a primeira transmissão pública foi feita em 1919 no entanto não havia uma au diência de rádio em larga escala antes do final da década de 1920 Em todos os países interessados no desenvolvimento da radiodifusão a atividade foi deixada para as novas instituições criadas locais regionais ou nacio nais que cresceram rapidamente na década de 1920 Elas empregavam a mesma tecnologia de rádio mas tinham estruturas diferentes Algumas eram comerciais outras controladas pelo governo outras ainda como a BBC moldada por John Reith 18891971 não eram comerciais nem controladas pelo governo Entre tanto independentemente de sua estrutura elas tinham que dividir o que foi chamado de papel de corretagem cultural com a indústria de gravação de discos o cinema as artes cênicas os esportes e até com os jornais Cada um desses itens tinha sua própria história e organização O mesmo aconteceu com o que mais tarde seria conhecido por telecomunicações Houve choques antes da fusão em 1927 do Eastern Group uma corporação poderosa com a Companhia Marconi para constituir a Cable and Wireless empresa com um futuro bastante ativo Houve um ponto simbólico no tempo depois que a radiodifusão se estabe lecera quando a história inicial da radiotelegrafia chegou ao fim um ponto de silêncio Marconi morreu em 20 de julho de 1937 e no dia seguinte quase todas as estações transmissoras do mundo inclusive as estações de radiodifusão pelas quais ele nunca se interessara muito permaneceram em silêncio durante um ou dois minutos Foi um momento único na história Cinema e televisão Em tempos calmos o rádio trouxe mais barulho para o mundo inclusive música ambiente não apreciada por pessoas que sentem que a música deve ser ouvida com atenção Enquanto isso a história do cinema no início cinema mudo que começou antes de Marconi não serviu como modelo para Reith Nos Estados Unidos e na GrãBretanha as origens do rádio e do cinema foram bem diferentes No entanto haveria interação entre rádio e televisão entre transmissão de ima gens e palavras Em sua forma original a televisão não permitia aos usuários trocar para um canal internacional como faziam os aparelhos de rádio embora houvesse um crescente tráfego internacional de imagens A produção e o controle 166 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA das imagens nas telas de televisão estavam em mãos de corporações que haviam trabalhado com o som antes das imagens na época em que o cinema mostrava imagens sem som O desenvolvimento do cinema e da televisão dependia da câmera a qual tem uma longa história atrás de si a camera obscura câmera escura fora durante sécu los uma ferramenta para os artistas A nova câmera do século XIX foi desenvolvida primeiro na França e na GrãBretanha e posteriormente de forma revolucionária nos Estados Unidos Em 1802 um membro da família Wedgwood havia redigido uma Descrição de um método para copiar pinturas no vidro e para fazer silhuetas pelo efeito da luz no nitrato de prata Mas foi um pesquisador francês Joseph Nicéphore o que traz a vitória Niepce quem produziu a primeira fotografia da vida por meio do que chamou de heliografia logo após as guerras napoleônicas a palavra fotografia foi cunhada por Wheatstone Niepce informou a Sociedade Real de Londres de seu sucesso em 1827 mas foi seu jovem sócio Louis Daguerre admitido em 1829 quem desenvolveu as primeiras imagens fotográficas precisas dando a elas o nome de daguerreótipos e distribuiu detalhes de seu processo fotográfico em Paris no interesse das ciências e das artes em 1839 O Estado orgulhoso da proeza científica francesa adquiriu os direitos de monopólio de seu trabalho mas logo renunciou a eles e declarou a fotografia aberta para o mundo todo No entanto o anúncio fora menos dra mático do que parecia pois a invenção havia sido astutamente patenteada antes em Londres onde permaneceu protegida Assim mesmo houve uma certa com petição Também em 1839 em Londres William Henry Fox Talbot 180077 que havia trabalhado ao mesmo tempo que Daguerre mas empregando um processo inteiramente diferente usando nitrato de prata e produzindo negativos sobre papel demonstrou seus calotipos Chamouos de desenhos fotogênicos para amantes da ciência e da natureza ao apresentálos na Royal Society As imagens eram mais delicadas do que os daguerreótipos e dizse que em 1840 o suíço Johann Baptiste Isenring mostrou um método para colorilas No entanto somente em 1861 a primeira fotografia em três cores foi feita por um grande cien tista famoso em outros campos James Clerk Maxwell ver p139 e 155 ela só podia ser vista através de um projetor O desenvolvimento subseqüente da fotografia foi uma realização do século XX Os primeiros daguerreótipos de muito sucesso eram objetos únicos vistos como expressões de arte que não permitiam reprodução múltipla e seu sucesso pode ser medido estatisticamente O número de daguerreotipistas cresceu rapida mente em diversos países a começar pela França onde se falava de daguerréoma nie Havia dez mil deles na América em 1853 entre eles Samuel Morse ver p139 e na GrãBretanha havia cerca de dois mil fotógrafos registrados no censo de 1861 ano em que a Photographic News descreveu o retrato fotográfico como a melhor PROCESSOS E PADRÕES 167 forma de artes plásticas dos milhões de formas que a engenhosidade do homem jamais imaginou Ela varreu muitas diferenças restritivas de hierarquia e riqueza Contudo a fotografia ganhou favorecimentos especiais de políticos e da realeza A rainha Vitória e o rei Alberto compraram seus primeiros daguerreótipos em 1840 Daguerre dedicou um a Metternich As patentes de Daguerre foram alvo de uma disputa legal em Londres e somente depois de propostas da Royal Society em 1852 as patentes de Talbot em 1854 foram liberadas Anteriormente uma nova era de placa de vidro molhada tinha começado em 1851 ano da morte de Daguerre quando Frederick Scott Archer um dos primeiros 12 membros do Clube de Calotipos de Fox Talbot inventou um processo com colódio que tornava as imagens mais nítidas colódio era algodãopólvora dissolvido em éter O processo de aprimoramento tecnoló gico continuou com ligeiros melhoramentos nos processos e ligeiras variações nos resultados sendo discutidos com animados detalhes nas palavras de lady Eastlake a mulher do presidente da Sociedade Fotográfica de Londres como se envolvessem o futuro da humanidade No entanto nem tudo era ligeiro e havia interessantes experiências novas em estereofotografia o lema da Stereoscopic Company de Londres era nenhum lar sem estereocopia e como medida correta nenhuma escola também Entre tanto a estereocopia se tornou uma moda passageira expressão de uso consa grado na história da mídia O desenvolvimento da fotografia tomou um caminho diferente quando na década de 1870 placas de gelatina seca que podiam ser fabricadas industrialmente foram usadas na GrãBretanha na França e nos Esta dos Unidos Enquanto isso o tamanho e os custos das câmeras caíram quando o empreendedor norteamericano George Eastman nascido em 1854 era um ban cário que se transformou em fabricante fotográfico criou um grande mercado Vivamente interessado por tudo de novo que era mostrado na Exposição de 1876 na Filadélfia 12 anos mais tarde Eastman deu sua contribuição para a lista das coisas mais famosas do século a câmera Kodak usada por qualquer um em qualquer lugar Ele acreditava com razão que o nome Kodak seria fácil de lem brar em qualquer língua Também tinha um lema Aperte o botão nós fazemos o resto Mais de 90 mil Kodaks baratas foram vendidas em cinco anos Comparadas a câmeras posteriores elas não tinham sistemas de foco e possuíam somente uma velocidade de disparo a arte vinha da fotografia mas tinham tempo de exposição de somente um vigésimo de segundo e eram vendidas já carregadas com um rolo de papel negativo suficiente para produzir cem imagens Quando o rolo acabava a câmera era empacotada e enviada para a fábrica Eastman onde era descarregada recarregada com filme novo e devolvida ao consumidor em dez dias Com isso e de outras maneiras os Estados Unidos estavam estabelecendo o ritmo de evolução de uma sociedade de consumo registrada generosa e brevemen 168 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA te em instantâneos Como o telefone e o rádio a câmera foi produzida para uso doméstico e para milhões No decorrer do tempo o mesmo aconteceu com os aparelhos elétricos em âmbito maior do que os profetas da eletricidade haviam antecipado A tecnologia que deveria se tornar amigável para o usuário mas que nem sempre conseguia continuaria a se desenvolver no século XX mas o desenho desses objetos seria influenciado também pela moda Não foi apenas nos Estados Unidos que as novas tendências sociais que também refletiam as mudanças demográficas se tornavam evidentes A indus trialização havia aumentado imensamente a riqueza material e o número de horas de lazer em todos os países industrializados havia muitos exemplos de luxos que se tinham tornado necessidades Alimentos e outros produtos receberam marcas registradas inclusive os itens tropicais importados A propaganda passou a ser usada tanto para lançar produtos quanto para aumentar as vendas inclusive propaganda elétrica como anúncios em néon Em todos os lugares as cidades cresceram estendendose para novos subúrbios com bondes gôndolas do povo como Richard Hoggart descreveu as versões britânicas e metrô tornando possível o movimento diário das pessoas para dentro e fora dos centros urbanos O comutador precedeu o computador no mundo preparado para o florescimento do que veio a ser chamado de mídia de massa a velha mídia era a imprensa líder do processo A introdução da imagem em movimento foi a maior alteração tecnológica daquele momento contudo antes que ela se tornasse usual já se debatia se a fotografia era uma forma de arte antecipando discussões semelhantes sobre o cinema Fox Talbot não tinha dúvidas e a fotógrafa Juba Margaret Cameron que ilustrou o livro Idylls of the King de Tennyson foi chamada de Rembrandt da arte fotográfica inglesa No mesmo grupo estavam o sueco Oscar Gustav Rejlan der e o inglês Henry Peach Robinson que explicaram como e por que havia aspectos individualizados tanto em uma boa fotografia quanto em um desenho ou uma pintura Imagens em movimento revificariam o argumento mas suas origens eram mecânicas e pertenciam ao mundo dos brinquedos Elas tinham nomes menos memoráveis que Kodak Praxinoscópio Phenakisti s cope e depois que as fotografias começaram a ser usadas no lugar de pinturas Kaamatografia O pri meiro a empregar uma câmera com sucesso formando uma seqüência de modo a transmitir um sentido de movimento muitas tentativas anteriores falharam foi Eadweard Muybridge 18301904 Sua série cronofotográfica de movimen tos de cavalos feita em 1872 para o governador da Califórnia que gostava muito desses animais provou que um cavalo ao trotar por vezes ficava com todas as patas fora do chão Muybridge ou Edward Muggeridge era um inglês nascido em Kingston upon Thames cujas experiências pessoais incluíam uma acusação de homicídio PROCESSOS E PADRÕES 169 com posterior absolvição Ele divulgou seu trabalho em Animal Locomotion 1888 e Animais in Motion 1899 Ao mesmo tempo o médico e professor uni versitário francês Etienne Marey 18301906 divulgava seu próprio trabalho em Le Mouvement 1894 ele registrou múltiplas imagens de pássaros em vôo em um único filme Muybridge abriu um Espaço Zoopraxográfico na exposição sobre Colombo em Chicago no ano de 1893 onde uma exibição fotográfica de cavalos e ginastas saltando foi a grande atração popular Um ano mais tarde Edison que tinha instalado um laboratório em Menlo Park em 1876 ano em que também houve uma grande exposição colocou à venda sua patente do kinetoscópio um aparelho que tornava possível ver individual mente um filme em movimento com a ajuda de um visor Inspirado por Muy bridge e provavelmente por Marey ele tencionava fazer para o olho o que o fonógrafo ver p180 fez para o ouvido No entanto sua ambição prática era li mitada primeiro concebeu um kinetoscópio como um cinema a ser visto por uma pessoa de cada vez a pessoa colocava uma moeda e via as imagens por um orifício em um brinquedo de parque de diversões Edison não acreditava que usar o aparelho para projetar imagens em uma tela fosse financeiramente rentável Mas entre 1893 e 1895 dois de seus técnicos WKL Dickson e William Heise fizeram uma série de filmes interessantes de 20 minutos no primeiro estúdio cinematográfico do mundo o Black Maria entre eles Bar Room Brawl e Edison in Laboratory Em novembro de 1895 Max e Emil Skladanowsky rodaram nove filmes em Berlim usando o sistema Bioskop por eles criado que incluíam cangurus lutando com luvas de boxe Um mês depois Edison apresentou seu cinematógrafo uma nouveauté du jour para uma platéia de 35 pessoas no Grand Café em Paris em 1895 no ano seguinte fez o mesmo para uma platéia ainda maior no Empire Music Hall em Leicester Square Londres O programa londrino foi muito varia do começando com uma abertura e incluindo um grupo de dançarinos russos e atos de acrobacia Um dos filmes mostrados era A chegada do expresso de Paris outro De barco no Mediterrâneo Lumière foi um de dois irmãos que fez filmes mais tarde chamados docu mentários O escritor russo Máximo Gorki 18681938 que viu e apreciou al guns disse que o filme era nascido da vida Havia outros cineastas como Georges Méliès 18611938 que tinha experiência com mágica e acreditava que a ilusão era a força do que veio a ser chamado o cinema Outros diretores estavam de olho no teatro De fato em 1906 um observador sustentava que em vez de tomar o lugar do papel ilustrado como o cinematógrafo fez no início quase exclusivamente ele estava tirando o lugar do teatro Na verdade o formato dos filmes provou ser tão adaptável como o romance em que se baseava e enquanto alguns cineastas que seriam tratados por sofisticados críticos como auteurs ti nham por objetivo a arte uma nova platéia de massa se formava por causa dos 170 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA filmes platéia muito maior que a do teatro no que seria chamado a era de ouro do cinema O termo se aplicaria a outros meios de comunicação inclusive a radiodifusão que novamente criaria uma grande variedade de programas No entanto isso levou tempo tanto tempo quanto aquele de que o cinema precisou para desenvolver suas formas e instituições próprias embora Edison tivesse se convertido rapidamente ao novo meio beneficiandose de suas patentes e trabalhando estreitamente com Eastman A França dominou a produção inicial mas houve cineastas ativos em outros lugares inclusive na GrãBretanha onde Brighton despontou como um dos primeiros centros A obra desses realizadores foi reavaliada nos últimos anos O Cinema de Atrações como foi chamado aproximou uma rica variedade de tradições de representação RW Paul por exemplo que começou a carreira no cinema reduplicando o kinetoscópio de Edison que não estava na época patenteado em Londres produziu em 1896 um filme de 26 segundos sobre um dia de corridas Nos Estados Unidos em 1898 mostravase um jovem desenhista de histórias em quadrinhos JS Backton fa zendo um esboço do retrato de Edison Na França Francis Pathé produziria dois anos depois a primeira versão da vida de Cristo O drama da Paixão inspirou inúmeros cineastas norteamericanos e em 1914 os Estados Unidos estavam em segundo lugar no mercado de exportação de filmes Nessa época Hollywood na Califórnia que seria o centro da futura era de ouro já havia produzido seu primeiro filme Ainda era uma cidade mínima com pequenos bosques de laranjas recémintegrada 1903 ao crescente comple xo metropolitano de Los Angeles Todavia mesmo antes de 1914 Hollywood já tinha suas estrelas de cinema entre elas Charles Chaplin 18891977 natural de Londres exartista de espetáculos de variedades na Inglaterra Na atividade cinematográfica extremamente influenciada por considera ções de mercado havia maior divisão na Europa entre produção e distribuição do que entre representação e produção Os proprietários de salas de espetáculos e os empresários foram as primeiras pessoas na GrãBretanha e na França a passar filmes e somente em 1904 podiamse alugar filmes em vez de comprálos No final da década foram abertas salas especiais para exibilos a primeira delas na GrãBreta nha em Colne Lancashire A primeira sala de cinema norteamericana foi aberta em Pittsburgh em 1905 Na França Charles Pathé criou suas próprias salas de projeção O mesmo fez Gaumont que deu seu nome a uma cadeia delas Outra palavra usada para denominar os teatros ou salas era bioscope termo anterior mente empregado por um inventor alemão Durante a idade de ouro os maiores cinemas uma palavra adotada mais tarde para designar as salas se transformariam em glamourosos palácios de sonhos oferecendo outras atrações além de filmes inclusive música tocada em enormes órgãos Wurlitzer café e doces em seus bares Também havia cinemas PROCESSOS E PADRÕES 171 pulguentos embora nos tempos do cinema mudo eles também tivessem pia nistas ao vivo acompanhando o filme na tela Entre 1913 e 1932 o número de cinemas na cidade de Liverpool para tomar apenas um exemplo aumentou de 32 para 69 enquanto o número de teatros caiu de 11 para seis Estimavase em 1932 que pelo menos quatro em cada dez pessoas em Liverpool iam ao cinema uma vez por semana e uma pessoa em cada grupo de quatro ia ao cinema duas vezes por semana Enquanto isso como registrou Gilbert Seldes autor norteamericano de uma análise pioneira sobre o assunto The Great Audience 1951 devagar mas inexoravelmente a atividade cinematográfica passou das mãos do que cha mou de homens agressivos e ignorantes sem gosto ou tradição mas com um senso altamente desenvolvido de negócios para as mãos de grandes corporações Em 1909 a Provincial Cinematograph Theatres Ltd foi estabelecida na GrãBreta nha com um capital inicial de cem mil libras Vinte anos mais tarde houve duas grandes fusões a GaumontBritish Picture Corporation 1927 que tinha ligações com a Fox Films dos Estados Unidos e possuía 300 cinemas e a Associated British Cinemas 1928 ligada à First National norteamericana e à Pathé esta última começou com 28 salas e em um ano tinha 88 Uma terceira companhia surgiu em 1933 o Odeon Circuit embora não produzisse filmes O padrão de filmagem fora afetado pela existência das patentes de Edison nacionais e internacionais Em 1908 as dez maiores produtoras e fornecedoras norteamericanas todas usando as patentes de Edison em acordo feito com ele tentaram formar um conglomerado que representaria um monopólio a Motion Picture Patents Company Na época os chamados independentes termo usado anteriormente com relação à arte e aos negócios tinham chegado a Hollywood E também Chaplin que havia trabalhado primeiro em Nova York nos Keystones Studios de Mack Sennett 18881960 estrelando comédiaspastelão O primeiro filme de Chaplin em Hollywood Making a Living 1914 rendeulhe elogios em todo o mundo e generosos contratos Não poderia haver estrelas sem fãs e ambos estavam em evidência antes de Hollywood Também no teatro havia os chamados ídolos de matinê Os motivos que levaram Chaplin a mudarse para Hollywood ligavamse a seu trabalho e não ao desejo de ganhar mais dinheiro Cansado das guerras de tortas de Sennett sempre com a mesma fórmula Chaplin fundou seu próprio estúdio e uma companhia a United Artists em 1919 com Douglas Fairbanks 18831939 Mary Pickford 18931979 que havia adquirido status de estrela a primeira mulher a conseguilo e DW Griffiths 18751949 Quatorze anos mais velho que Chaplin Griffiths tinha produzido um dos primeiros clássicos termo que se tornaria comum no futuro de Hollywood O nascimento de uma nação 1915 Era um filme longo integrado por atores brancos e efeitos de multidões gigantescas sendo freqüentemente reinterpretado desde 1915 tal como 172 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA uma ópera de Verdi Na época o presidente Woodrow Wilson descreveuo como ler história por flashes de luz Ele não fez comentários sobre a duração do filme Já em 1920 havia rumores sobre chaplinices para designar um filme que era acompanhado por produtos música danças bonecas e mesmo coquetéis uma combinação que se tornou familiar no cinema e mais tarde no esporte Os filmes de Chaplin da década de 1920 particularmente Em busca do ouro 1928 promoveriam um personagem mítico Caracterizado como o Vagabundo o Carlitos Chaplin era apreciado por sua graça e humor pelo senso de oportuni dade e por seu pathos Sennett consideravao o maior artista que já viveu Sua fama continuaria a crescer enquanto emergiam outras estrelas muito diferen tes dele como Rodolfo Valentino 18951926 o grande amante Depois que o inigualável crescimento dos Estados Unidos na década de 1920 foi sucedido pela igualmente enorme depressão iniciada em 1929 o filme Tempos modernos 1936 de Chaplin que mostrava linhas de montagem em uma indústria semelhante à do fabricante de automóveis Henry Ford 18361947 fascinou tanto os histo riadores sociais quanto O nascimento de uma nação havia fascinado Wilson em 1915 Outros filmes produzidos nas décadas de 1920 e 1930 conseguiram reputação semelhante Por exemplo Metrópolis de Fritz Lang realizado na Alemanha em 1927 é um assombroso retrato da vida na cidade Lang 18901976 nascido um ano depois de Chaplin também lidou diretamente com mitos Die Nibelungen 1924 e deu início aos filmes com atmosfera de crimes com Dr Mabuse der Spieler 1922 Seu primeiro filme falado o policial M feito em 1931 era o seu favorito Como o romance o filme tinha um formato internacional e entre os grandes diretores conhecidos estavam o russo Sergei Eisenstein 18981948 o japonês Akira Kurosawa 191098 e o sueco Ingmar Bergman 1918 cujo pai era pastor luterano e capelão da família real sueca Entretanto na história do romance nunca uma única cidade reinou como centro de atividade como Hollywood para os filmes com seu poderoso sistema de estúdios Do exterior por diversas razões inclusive políticas tanto atores quanto diretores se dirigiram para Holly wood Chaplin que nunca se tornou cidadão norteamericano acabou emigran do em 1952 quando uma caça às bruxas anticomunista foi feita pelo FBI Durante muito tempo houve censura em Hollywood sob a forma de um código O homem que arquitetou o código em 1930 WH Hays 18791954 foi presidente dos correios do governo Harding tendo sido recrutado para Hollywood em 1923 O contexto do setor de filmes e romances era totalmente diferente Entre os independentes que se mudaram para Hollywood Adolph Zukor 18731976 depois de ter ajudado a destruir a Motion Picture Patents Company passou ele próprio para uma atividade integrada mudando da produção para a distribui ção Foi ele também que abriu o caminho de Hollywood para Wall Street quando em 1919 levantou fundos com o lançamento de dez milhões de dólares em ações PROCESSOS E PADRÕES 173 Figura 19 O cantor de jazz Multidões juntamse para ver Al Jolson no primeiro filme falado produzido pela Warner Brothers em 1827 preferenciais a primeira grande tentativa de financiar cinema pelo mercado de capitais Dois anos depois controlava mais de 300 cinemas As reclamações que Zukor tinha ouvido antes eram agora feitas contra ele com suas ações ficou difícil para produtores e distribuidores pequenos e independentes entrarem ou perma necerem na indústria cinematográfica ou mesmo lançar bons filmes individuais A dificuldade permaneceria da mesma maneira como acontecera nas estruturas corporativas de radiodifusão que se tornaram fortes Os magnatas que manda vam no sistema iriam ficar No entanto surgiu uma nova empresa a Warner Brothers cujos proprietá rios deixaram de ser operadores de entretenimento barato para se tornarem gi gantes da indústria cinematográfica Eles empregariam e criariam muitas estrelas em uma enorme variedade de filmes Foi na Warner que O cantor de jazz o pri meiro filme sonoro famoso realizouse em 1927 dando início à era de ouro do cinema na mesma época o Mickey Mouse de Walt Disney estava sendo desenha do O cantor de jazz custou 500 mil dólares e rendeu cinco vezes mais nas bilhete rias o teste final para qualquer filme comercial Em 1928 o ativo da Warner Brothers estava avaliado em 16 milhões de dólares em 1930 com a forte depres são de 1929 era de 230 milhões de dólares Figura 19 174 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Era dificil que a indústria de filmes de outros países se equiparasse à de Hollywood Mesmo assim com o fim do cinema mudo e a introdução do som a existência de muitas línguas diferentes no mundo descrita nos meios como uma Babel deu aos produtores não norteamericanos uma oportunidade Apesar das diferenças do inglês nos Estados Unidos e na GrãBretanha a Inglater ra não teria essa oportunidade Expressaramse em filmes as culturas nacionais distintas muitas vezes de modo inconsciente outras deliberadamente em espe cial na França e na Alemanha até o advento de Hitler em 1933 enfatizando o papel do cinema como arte Era forte a sensação de que havia uma avantgarde criativa nos filmes Alguns realizadores faziam distinções precisas entre seus produtos e os filmes comerciais exibidos nos cinemas No século XIX George Gissing antecipa ra o que eles diriam quando escreveu sobre literatura no romance New Grub Street 1891 Outra reviravolta aconteceu na década de 1930 A Crise de 1929 estimulou a realização de filmes que expressassem a consciência social de seus diretores Na Europa alguns foram influenciados pelos documentaristas motivados por proble mas sociais e em busca de realidades autênticas Na GrãBretanha John Grier son 18951972 foi o pioneiro na década de 1920 Dez anos depois em 1939 foi nomeado para a chefia do Conselho Nacional de Cinema do Canadá O rádio também exerceu sua parcela de influência Para André Malraux na França o cinema falado só se tornou uma forma de arte quando os diretores perceberam que seu modelo não deveria ser o gramofone mas o rádio Entretanto havia pouco em comum entre as características do rádio e os pródigos musicais coloridos realizados no fim da década de 1930 como O mágico de Oz 1939 ou o épico E o vento levou lançado no mesmo ano Durante a Segunda Guerra Mundial eles seriam vistos por platéias enormes Depois da guer ra deveriam assumir nova existência Os cinejornais eram uma categoria à parte e havia até salas específicas para eles as que alcançaram maior sucesso localiza vamse perto das estações de trem A maior parte das empresas pioneiras era francesa como a Gazette Animée da Pathé Assim como sua rival a Gaumont ela apresentou durante a década de 1920 uma edição feminina A FoxMovietone atravessou o Atlântico em 1929 para produzir durante a década de 1930 um cinejornal falado na GrãBretanha com a voz de Leslie Mitchell que logo se tornaria conhecida na narração depois que lorde Rothmere proprietário do Daily Mail se juntou à Fox para criar o British Movietone News um dos cinco cinejornais da época Em 1933 os cinco grandes estavam produzindo a média de 520 cinejornais por ano Na GrãBretanha a atitude protecionista em relação ao cinema ficou eviden te nos círculos do governo a partir de 1927 Até essa data a única medida gover namental de controle sobre a indústria havia sido uma lei de 1909 que dava às autoridades locais o poder de licenciar as construções a serem usadas como salas PROCESSOS E PADRÕES 175 de exibição e a exercer censura sobre os filmes a própria indústria estabeleceu um Conselho Britânico de Censores de Filmes em 1912 O governo admitiu em 1927 que embora não visse razão para oferecer assistência financeira à indústria britâ nica de filmes havia aspectos que mereciam intervenção pela magnitude daquilo que o Parlamento via como interesses industriais comerciais educacionais e imperiais envolvidos Em 1926 somente 5 dos filmes exibidos na GrãBreta nha eram realizados no país A Lei Britânica de Cinematografia de 1927 descrita por Jeffrey Richards como uma brecha marcante na doutrina em curso do livre comércio controlou a compra por antecedência e a reserva em bloco de filmes elaborou um sistema de cotas mantido em lei posterior de 1937 e criou um Comitê Consultivo de Filmes Cinematográficos para assessorar o Conselho de Comércio sobre a administração da lei Nenhuma empresa produtora de filmes ou cinejornais via a televisão como um adversário em 1927 ou 1933 Na verdade quase nenhum país possuía regular mente canais de televisão embora a palavra houvesse sido inventada em fran cês em 1900 Antes disso ela já contava com uma longa préhistória de expe riências no século XIX remontando em geral à data de 1839 ver p165 marco de referência na história da fotografia No rastro das experiências de Edouard Bec querel Willoughby Smith um dos engenheiros de telegrafia que supervisionaram a colocação do cabo transatlântico ver p132 percebeu em 1873 a correlação entre o comportamento peculiar dos resistores de selênio e a luz do sol Na mesma década um advogado francês sugeriu que o selênio poderia ser usado em um sistema de varredura O que ele tinha em mente no entanto era a transferência de imagens individuais instantâneas mas fugidias e não de imagens contínuas em tela e quando três anos depois o inglês Shelford Bidwell demonstrou a telegrafia de imagens necessariamente de pouca definição à Sociedade de Física de Londres ele era um precursor do fax e não da televisão A base técnica da televisão é diferente da demonstrada por Bidwell sobre a transmissão de fotos estáticas Ela envolve a varredura de uma imagem por um feixe de luz em uma série de linhas seqüenciais movendose de cima para baixo e da esquerda para a direita Quando a luz passa sobre ela cada parte da imagem produz sinais que são convertidos em impulsos elétricos fortes ou fracos Os im pulsos são então amplificados e transmitidos por cabos ou pelo ar por ondas de rádio que são reconvertidas em sinais de luz na mesma ordem e no mesmo valor da fonte original A capacidade que esse processo tem de parecer como imagem completa e em movimento ao olho humano em uma tela depende da retenção da visão Nenhum progresso pôde ser feito até a invenção do amplificador a válvula a chave para a radiotelefonia Há duas possibilidades técnicas de varredura mecânica por meio de um disco e eletrônica com um feixe eletrônico e antes de 1914 houve experiências com as duas Paul Nipkow um estudante de ciência de Berlim concebeu o pri 176 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA meiro scanner mecânico na Alemanha em 1884 embora jamais tenha efetiva m e n t e construído um aparelho Era um instrumento mecânico Elektrisches Teles kop um disco rotativo perfurado em espiral com pequenos orifícios pelos quais passava uma luz forte O scanner eletrônico que se tornou a chave da televisão foi identificado por Campbell Swinton em 1908 Ele sugeriu o emprego de dois feixes de raios catódicos um na estação de transmissão e outro na de recepção defletidos em sincronia pelos campos variáveis de dois eletromagnetos No que se refere ao aparelho de recepção ele não o chamou de televisão o feixe móvel do raio catódico tem somente que sensibilizar de acordo com as varia ções corretas de intensidade uma tela fluorescente adequada para obter o resultado desejado Quando Swinton escreveu essas palavras ele não conhecia as experiências que estavam sendo realizadas em São Petersburgo por Boris Rosing professor do Instituto Técnico que pediu uma patente em 1907 propondo um sistema de televisão que empregava um tubo de raio catódico como receptor O trabalho com esses tubos havia começado na Alemanha mas Rosing desenvolveuos bastante criando protótipos Mas viu sua pesquisa ser esvaziada na Rússia durante a Pri meira Guerra Mundial Depois da Revolução Vladimir Zworykin um dos discípulos de Rosing que emigrou duas vezes para os Estados Unidos na primeira ocasião não conseguiu trabalho patenteou com sucesso um sistema elétrico completo de televisão em 1932 Mais tarde ele foi para a RCA levado por Sarnoff em segredo para dirigir um laboratório onde desenvolveu um novo tubo de câmera o iconoscópio de 240 linhas Em um congresso em Chicago em 1933 Zworykin descreveu seu invento apesar de não fazer qualquer demonstração segundo ele era uma nova versão do olho elétrico Há uma diferença imensa entre previsões com base científica como Zwory kin e especulação popular sobre o futuro das imagens na tela A primeira forma de projeção do futuro contudo nem sempre leva em consideração como bem sabia Marconi as necessidades das empresas ou da propaganda nem do conheci mento Os prognósticos populares poderiam estar mais próximos da realidade em certos aspectos mesmo que fossem muito remotos sob outros Um escritor da Lightning uma das muitas revistas populares de ciência da década de 1980 estava mais certo do que errado quando explicou em 1893 que antes que o próximo século expire os netos da geração atual se verão uns aos outros através do Atlântico e os grandes eventos mundiais ao passarem diante da câmera serão realizados no mesmo instante perante a humanidade PROCESSOS E PADRÕES 177 Outro escritor parecia ter mais o cinema do que a casa em sua mente quando previu que o artista do futuro será capaz de viajar com as corridas de Derby ou Leger as apostas de Cesarewitch ou Jubilee com o jogo de críquete dos Gentlemen contra os Players que não sobreviveu por razões que ele não previu o campeo nato amador de boxe a corrida de barcos de Varsity ou um murro com luvas no National Sporting Club para mostrar a você os espectadores os dirigentes os árbitros os juízes os cavalos os jóqueis os barcos a água os campos espor tivos e tudo o mais e deleitálo com um dia de esportes quando quiser ou quando planejar Como muitos outros visionários o escritor estava comparando visão com audi ção Nenhum escritor focalizou os inventores que poderiam tornar as previsões possíveis ou os dispositivos inclusive as telas que permitiriam aos espectadores uma palavra do futuro acompanhar eventos distantes Quando uma geração depois a primeira propaganda apareceu na televisão a situação havia mudado Os aparelhos de TV televisores foram postos à venda no fim da década de 1920 antes disso não foram objeto de muita discussão E na GrãBretanha o foco agora recaía sobre um inventor um escocês nascido em Helensburg John Logie Baird 18881946 Apesar de ser homem solitário enge nhoso diligente e descuidado seu primeiro scanner mecânico foi feito com uma caixa de chapéus Baird apreciava a publicidade pois dependia de levantar fundos de patrocinadores conseqüentemente fez mais propaganda da televisão em ambos os lados do Atlântico do que qualquer outra pessoa Baird aliás também teve sua primeira vez na verdade duas Trabalhando com um jovem assistente VR Mills ficou emocionado de ver seus próprios dedos aparecerem na tela Mais emocionante ainda para ele foi ver a cabeça e os ombros de seu contí nuo William Taynton que teve medo da luz intensa do arco da lâmpada usada no estúdio Baird ficou tão contente que presenteou Taynton com meia coroa Uma data que merece ser lembrada é o dia 30 de setembro de 1929 quando Baird depois de infindáveis negociações com uma relutante BBC obteve permis são para lançar um serviço experimental de televisão O presidente do Conselho Britânico de Comércio dando sua bênção disse aos espectadores ainda não descritos assim que esperava ansiosamente que esta nova ciência aplicada esti mulasse e criasse uma nova indústria não somente para a GrãBretanha e para o Império Britânico mas para o mundo todo Um ano antes o eminente filósofo e matemático Bertrand Russell tinha avisado a seus leitores que embora houvessem construído um aparelho capaz de transmitir imagens mais ou menos reconhecíveis de naturezasmortas como um desenho uma página escrita ou uma face estaticamente iluminada não existe 178 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MiDIA nem provavelmente existirá no futuro próximo pelo menos que se possa prever aparelho algum capaz de transmitir uma imagem da vida real com movimento como uma corrida de barcos ou de cavalos Russell estava tão errado quanto HG Wells no início do século ao discutir o futuro da aviação A televisão já havia se tornado uma realidade de fato quando uma peça de Pirandello foi televisionada em julho de 1930 Na GrãBretanha as relações de Baird com a BBC e com os correios que deviam aprovar as transmissões experimentais de televisão eram complexas As dificuldades advinham não tanto porque a empresa tinha dúvidas sobre a televi são apesar de alguns dos seus principais executivos realmente sentirem dúvidas mas porque suspeitavam do próprio Baird e acima de tudo de seus associados Um desses associados Isidore Ostrer por um tempo dirigiu a Companhia Gau mont britânica e adquiriu um jornal o Sunday Referee Baird estava interessado em todos os aspectos da televisão inclusive transmissão a longa distância cor e telas grandes mas achou tão difícil trabalhar nos Estados Unidos onde sofria limitações graças aos interesses do rádio quanto na GrãBretanha Todos esses fatores aliados à tecnologia determinaram o futuro da televi são inclusive seu lançamento desde o início todas as vantagens do negócio esta vam do lado das grandes organizações e não de inventores individuais Uma dessas companhias era a então recente fusão que resultou na Electrical and Musi cal Industries Ltd EMI Não houve troca de informações durante a década de 1930 entre a EMI a Marconi Wireless Company a RCA e Baird que foi deixado de lado assim como o inventor norteamericano CP Jenkins que anteriormente havia contribuído para o desenvolvimento do projetor de cinema Da mesma forma que Baird ele fez experiências com scanners mecânicos Um segundo inventor norteamericano Philo Farnsworth nascido em uma fazenda de Idaho que trabalhava no desenvolvimento de um sistema de televi são totalmente elétrico usando equipamentos diferentes dos de Zworykin teve mais sorte Ele fazia parte da diretoria da Philadelphia Battery Company a Philco uma rival da RCA que produzia aparelhos de rádio inclusive para automóveis Farnsworth deixou a Philco amigavelmente e com bom suporte financeiro Mas antes de sair entregou suas patentes para Baird que havia mudado de interesse agora eram os scanners eletrônicos Enquanto isso a EMI tendo acesso às patentes da RCA reuniu uma equipe notável dirigida por outro discípulo de Rosing Isaac Shoenberg que havia trabalhado anteriormente na Compania Marconi A equipe incluía também Alan Blumlein um gênio que cuspia uma idéia atrás da outra Usando uma câmera Emitron eles desenvolveram um sistema de 405 linhas para a GrãBretanha Ao mesmo tempo a Telefunken da Alemanha com interesses tanto em gramofones quanto em rádios e televisores fazia experiências com um aparelho de Zworykin P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 7 9 Na Alemanha assim como na Inglaterra dois sistemas de televisão se con frontavam em meados da década de 1930 em uma disputa que alcançou o clímax na GrãBretanha quando ambos foram colocados frente a frente nos tribunais como poderia ter ocorrido no caso da história das ferrovias no segundo semes tre de 1936 Em janeiro de 1935 um inquérito oficial do governo havia recomen dado a criação de um serviço geral limitado mas definitivo sem fazer sugestões claras sobre a parte financeira e a instalação de um Comitê de Consultoria de Televisão Em resposta a BBC organizou as primeiras transmissões de televisão a partir da Radiolympia a principal feira comercial de rádio em agosto de 1936 O primeiro programa foi chamado Heres Looking at You O julgamento começou seriamente em 2 de novembro quando em uma disputa de sorte o sistema de Baird foi o primeiro sorteado Ele descreveu assim suas instalações construídas de forma cuidadosa e tipicamente britânicas tão sólidas quanto um navio de guerra enquanto MarconiEMI confiantemente escolheu como lema O sistema de hoje e de amanhã Os primeiros estúdios usados pela BBC ficavam no Alexandra Palace um grande centro de entretenimento do século XIX situado no norte de Londres que tinha de órgão a pistas de corrida O próprio Baird estava na época trabalhando no Crystal Palace Assim a avançada tecnologia da televisão se desenvolvia em Lon dres sob mantos vitorianos No entanto a tecnologia da EMI é que poderia ser considerada realmente avançada Cecil Madden que tratava dos programas disse que trabalhar no estúdio de Baird era um pouco como usar o código Morse quando se sabe que na porta ao lado podese usar o telefone Esse julgamento era típico Quando o engenheiro da BBC DC Birkinshaw viu pela primeira vez em 1934 o sistema MarconiEMI equipado com as novas câmeras Emitron ele não teve dúvidas de seu triunfo e tinha uma razão a mais Uma imagem produzida por meios nãomecânicos Nenhum disco zumbindo nenhum cilindro de espe lho silêncio claridade portabilidade Parecia o caminho certo a seguir Ele estava certo Baird que havia feito mais do que qualquer outra pessoa para divul gar a televisão perdeu a disputa e com isso muito mais Ele continuou a trabalhar em televisão até a morte mas sua companhia passou a se dedicar à atividade de recepção em 1939 Um dos engenheiros que haviam trabalhado com Baird e que depois se tornou consultor de radares parte de um sistema próprio para as necessidades da guerra viu o trabalho dele de uma perspectiva a longo prazo No fim da era mecânica escreveu Jim Percy pensava em termos de anéis rodas dentadas e mecanismos que girassem Na realidade não estava dentro da era eletrônica Mal sabia como funcionava um tubo de raios catódicos Mas criou uma demanda Se não fosse pelos gritos e 180 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA berros de Baird e pela divulgação de imagens de 30 linhas em Londres nós não teríamos tido televisão no país antes da guerra Ele demonstrou que a televisão podia ser feita mesmo que de outra forma Em outros países europeus sem um Baird a televisão eletrônica venceu mais facilmente Na Alemanha Fernseh subsidiária da Zeiss Ikon fabricante de câmeras assim como Baird também perdeu para o rival Enquanto isso a produção de câmeras e aparelhos de televisão fazia progressos na Holanda e na Suécia A Philips Company construiu um iconoscópio holandês em 1935 no mesmo ano começou a fazer transmissões experimentais de 180 linhas trocando mais tarde a definição para 450 linhas e depois para 405 como na GrãBretanha Quando a guerra começou em 1939 estavam à venda aparelhos de televisão Philips que podiam ser usados na Holanda e na GrãBretanha Na Suécia em 1939 começaram as transmissões experimentais licenciadas pelo Conselho Sueco de Telegrafia e Rádio AB uma subsidiária da WM Ericsson Telephone Manufactu ring Company Na França as subsidiárias de Baird levaram adiante experiências antes que um iconoscópio fosse instalado na Exposição de Paris de 1937 Uma nova estação foi inaugurada na Torre Eiffel pela Administration des Postes Télégraphes et Téléphones Usando 455 linhas a estação de 1939 tinha capacidade total de 45 mil watts tornandose a mais potente estação de televisão do mundo Enquanto isso a televisão na GrãBretanha era suspensa no início da Segun da Guerra Mundial embora continuasse na Alemanha e na França apesar de forma não regular a televisão só reviveu em Londres em 1946 e mesmo assim só para uma platéia limitada A idade da televisão descrita no próximo capítulo só começaria na década de 1950 ver p165 Nos Estados Unidos e no Japão usa vamse 525 linhas na Europa empregavamse sobretudo 625 linhas Os interesses e as cronologias naturalmente eram diferentes Mas também estiveram presentes os mesmos problemas de controle discutidos por ocasião da radiodifusão Gramofones Um dos primeiros inventores a se interessar pela transmissão de imagens foi Edison mas ele estava envolvido durante a década de 1870 com a transmissão de palavras e música É interessante portanto comparar a história inicial do cinema com a história inicial da indústria do gramofone Uma levava as pessoas para fora de casa e a outra como a televisão o inverso Antes do envolvimento de Edison o fotógrafo francês Nadar concebeu em linguagem bastante apropriada um da guerreótipo acústico que reproduz com fidelidade e continuamente todos os sons PROCESSOS E PADRÕES 181 sujeitos à sua objetividade Como Sarnoff muito depois dele Nadar sugeriu uma caixa na qual melodias poderiam ser gravadas e fixadas como a câmera obscura capta e fixa imagens Ele chamou sua máquina de fonógrafo Edison que com a idade de 30 anos era citado em alguns jornais norteame ricanos como professor Edison transformou o conceito em fato interessado que estava em mais do que gravar sons para seus contemporâneos Depois de um trabalho de equipe meticuloso e bem acompanhado patenteou um registrador telegráfico mecânico em 1877 um ano depois da patente de telefone de Bell No aparelho de Edison um disco recoberto com papel girava em um tocadiscos uma agulha de gravação suspensa por um braço marcava uma série de pontos e traços em espiral Edison não tinha dúvida de que seria capaz de gravar e reprodu zir a voz humana e na revista Scientific American descreveu sua descoberta como uma invenção maravilhosa capaz de repetir a fala vezes sem fim por meio de gravações automáticas Um assinante de telefone dizia Edison poderia ligar seu aparelho a um fo nógrafo a mesma palavra e em cada chamada informar à estação que havia saído e voltaria dentro de certo tempo Do mesmo modo um assinante ligando para outro que tivesse saído seria capaz de dizer o que quisesse e suas palavras seriam gravadas em um fonógrafo Com essa perspectiva em mente Edison estava à frente de seu tempo assim como estavam os profetas da telefonia móvel Ele também visualizou como Bell que construiu um grafofone o uso possível do fonógrafo como máquina de ditado para escritórios o que complementaria outra grande invenção do século XIX a máquina de escrever da qual já havia muitas versões Como sempre os jornalistas foram a princípio mais longe do que Edison ao refletir sobre múltiplos usos Para a revista Leslies Weekly o fonógrafo viraria todas as velhas trilhas de pernas para o ar e estabeleceria uma ordem de coisas que jamais poderia ser sonhada mesmo por uma prodigiosa imaginação como a da rainha Scherazade nas Mil e uma noites Edison não teria gostado dessa lingua gem mas em 1878 ele também estava sugerindo dez usos possíveis para o fonógra fo Este podia ser totalmente dedicado à música por exemplo mas o quarto item mencionado por ele seria servir como um gravador familiar um registro de falas reminiscências etc de membros da família e suas palavras perdidas A Electric World de 1890 atormentava seus leitores com uma atração ainda mais futurística Imagine uma entrevista com Gladstone ou Bismarck reproduzida não somente com as palavras mas com todas as entonações dos grandes estadis tas O escritor não estava pensando em aulas mas em jornais fonográficos en trando nos lares Na realidade o aparelho de Edison efetivamente gravou Glads tone o poeta Robert Browning e o cardeal Manning Durante os primeiros anos da indústria fonográfica quando o crescimento do mercado era lento Edison e Bell travaram ferozes disputas de interesse antes 1 8 2 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA que um forasteiro Jesse H Lippincott um negociante de Pittsburgh manobrasse para controlar os dois em 1888 e ir à falência rapidamente dois anos mais tarde No ano seguinte havia outra empresa a considerar a Columbia Phonograph Company Antes disso Emile Berliner 18511921 um inventor de origem ger mânica que havia primeiro trabalhado com Bell de quem se desligara em 1883 já tinha entrado em cena A partir do trabalho de outros inventores Berliner em 1888 desenvolveu um novo aparelho tocadiscos com ranhuras que chamou de gramofone Mais bem desenvolvido tecnicamente por Eldridge Johnson que in troduziu os marcadores de direção e velocidade o gramofone se tornaria um produto de sucesso nos anos seguintes A tecnologia por trás dos dois produtos era diferente mas as intenções dos inventores também Profundamente interessado na qualidade de gravação de música clássica pois era um amante de música Berliner optou pelo uso de uma matriz para duplicar as gravações sonoras A capacidade de repetição importava para ele mais do que inicialmente para Edison ou Bell Em muito pouco tempo Edison reconheceu que os discos planos de Berliner chapas como ele os cha mou e que vieram a ser conhecidos como discos eram mais populares do que seus cilindros Porém na primeira década do século XX depois de uma negocia ção de patente compartilhada em 1901 e do fim do prazo de validade de outras patentes de Edison em 1903 o preço dos cilindros caiu Os novos processos téc nicos foram amplamente responsáveis por isso A estrutura das empresas era complexa e diferia nos dois lados do Atlântico Nos Estados Unidos a Victor Talking Machine Company se estabeleceu em 1901 e exerceu um controle sobre a indústria fonográfica norteamericana por mais de meio século Seu método seguia o que Michael Chanon chamou de um modelo de consumo o disco era tratado como livro e não como fotografia No entanto artistas de sucesso ganhariam muito dinheiro com seus discos muito mais do que a maioria dos escritores ganhavam com seus livros O tenor italiano Enrico Caruso que fez sua primeira gravação com qualidade em 1901 e teve seu primeiro milhão de discos vendidos em 1904 ganhou dois milhões de dólares só com a venda de discos até sua morte em 1921 A organização da música clássica e popular e as fortunas dos músicos baseadas em direitos de exibição seriam transformadas pelo aparecimento do que primeiro foi chamado de música mecânica E o mesmo certamente aconteceria com os ouvintes O gramofone tomou o lugar do piano nas casas não totalmente no início mas era um objeto diferente que tinha uma imagem muito familiar associada à música a de um cachorro ouvinte A marca His Majestys Voice co nhecida em toda a Europa tinha sido criada por um pintor que reproduzira um aparelho de Edison em um de seus quadros No entanto mais do que a imagem estava em questão o som a longo prazo por meio da gravação e difusão houve uma grande melhoria de qualidade tanto das performances quanto das gravações Enquanto isso os lucros da Victor Taiking Machine Company cresceram sete vezes PROCESSOS E PADRÕES 183 entre 1902 e 1917 quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mun dial Em 1914 ela era uma entre aproximadamente 200 companhias norteameri canas de gramofone comparadas às 80 empresas da GrãBretanha no fim da Primeira Guerra Mundial tinha um capital de pouco menos de 38 milhões de libras Na Europa continental onde haviam surgido outras companhias a história começou com a Pathé Frères na França formada em 1898 primeiro produzindo cilindros antes de mudar para os discos em 1906 A mudança foi mais geral embora na GrãBretanha os cilindros se tornassem mais populares do que os discos até uma crise financeira em 1908 quando muitos negócios acabaram no que um jornal de comércio chamou de uma boa triagem separando o joio do trigo Em uma indústria como essa ainda nos estertores do desenvolvimen to generalizou é sempre assim No entanto os negócios reviveram entre aque la data e 1914 com a Alemanha desempenhando um papel crescente no comércio internacional Depois da Primeira Guerra Mundial a Victor Talking Machine Company estava vendendo quatro vezes mais discos em 1921 do que em 1914 o mesmo acontecendo com as empresas rivais na GrãBretanha e na Europa continental No entanto ao contrário da indústria do cinema a do gramofone sofreria uma gran de crise entre 1929 e 1932 Ela sobreviveu à Crise de 1929 mas foram vendidos apenas seis milhões de discos em 1932 6 das vendas totais de 1927 A era de ouro dos discos mesmo que não do gramofone ainda estaria por vir Conclusões Este capítulo e o anterior traçaram um panorama cronológico do desenvolvimen to das comunicações desde o advento da máquina a vapor na década de 1920 e início da de 1930 quando havia muitos instrumentos de mídia e foram criadas novas organizações algumas das quais rapidamente se transformaram em instituições Diferentes desdobramentos surgiram em cada ramo do que passou a ser conhecido como uma única indústria da mídia Mas há ligações e superposi ções econômicas sociais e tecnológicas reconhecidas pelos indivíduos de cada época A Science Siftings escolheu começar com as ferrovias quando já no início de 1892 observou como todos nós estamos aprendendo a nos mover juntos agir juntos atuar em grandes empresas No mesmo ano a revista Electrical Engineer avaliando o que já havia sido feito com relação à disseminação de serviços de mensagens concluiu que a demanda ainda é de comunicação mais rápida Não foram somente indivíduos como Wheatstone Vail ou acima de todos Edison que forneceram as ligações Havia conexões geográficas também Londres e Paris estavam sempre no mapa das comunicações O mesmo acontecia com 184 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Figura 20 Alfred Harmsworth primeiro visconde de Northcliffe o maior magnata da imprensa britânica aqui fotografado em 1911 em companhia de pessoas da família Astor Sua grande paixão eram os automóveis Chicago depois de sua emergência das planícies do MeioOeste dos Estados Unidos Contudo lugares menores como Lowell figuravam nos mapas em diver sos pontos no tempo e Hollywood iria transformar radicalmente a região em que se localizava como aconteceria com o Vale do Silício meio século depois Duas inovações em transporte durante e no final do século XIX uma delas mencionada mais de uma vez neste levantamento afetaram o quadro geral os automóveis e os aviões O advento das bicicletas serviria como prelúdio aos auto móveis que ainda eram artigo de luxo no fim do século XIX A fabricação de bicicletas serviu também de aprendizado para alguns inventores relacionados a essa história Na GrãBretanha Edward Butler que produziu o primeiro motor movido a gasolina capaz de ser colocado em um automóvel começou seus proje tos com uma bicicleta a gasolina e William Morris 18771963 mais tarde lorde Nuffield consertava bicicletas em Oxford antes de se dedicar ao conserto de carros John K Stanley era mecânico em Coventry que se tornou um dos pólos da indústria automobilística inglesa e inventou a primeira bicicleta Rover em 1885 O mais importante de todos na história da mídia Alfred Harmsworth mais tarde lorde Northcliffe 18651922 fundador de Answers e do Daily Maü traba P R O C E S S O S E P A D R Õ E S 1 8 5 lhou para as revistas de bicicletas Wheel Life e Bicycling Times antes de se transfe rir para o ramo dos motores sua grande paixão e se tornar ao mesmo tempo um magnata da mídia Figura 20 Em 1902 Harmsworth publicou um livro ainda hoje atual Motors and Motor Driving Nos Estados Unidos Hiram Maxim 1869 1936 filho do inventor do revólver Maxim e ele próprio inventor de um automó vel escreveu na autobiografia que a bicicleta não conseguia satisfazer a demanda que ela própria havia criado Era necessário um veículo acionado mecanicamente em lugar dos pedais e agora sabemos que o automóvel era a resposta O automóvel não era a resposta para as pessoas que no século XX não podiam comprálos mesmo depois que eles deixaram de ser um luxo pois as bicicletas continuaram a coexistir com eles como coexistiram as mídias antiga e nova e permaneceram como a forma dominante de transporte no fim do século XX na China Enquanto isso o Japão se tornou um grande fabricante de bicicletas algumas delas até viraram produtos de luxo a partir da década de 1960 e de automóveis Podemse destacar um ângulo psicológico e outro econômico no desenvolvimento do transporte como meio assim como aconteceu em matéria de propaganda e reembolso postal A bicicleta podia ser considerada da mesma forma como Marshall McLuhan 19111980 consideraria a mídia do rádio e da televisão na década de 1960 uma extensão do homem O homem de bicicleta não era somente um homem e uma máquina Ele era mais rápido As diferentes partes da bicicleta assim como as das ferrovias trilhos loco motivas estações sinais tiveram sua própria préhistória guidom 1817 pedais 1839 manículas da roda da frente 1861 pneumáticos 1890 e marchas 188996 Surgiram ainda outros produtos intermediários como os velocípedes franceses em inglês boneshakers sacodeossos e triciclos As bicicletas eram associadas não apenas a indivíduos homens e mulheres ou famílias mas tam bém coletivamente a clubes Tratavase de um meio de transporte democrático Os automóveis só iriam adquirir o mesmo status depois de Ford uma figura tão influente em sua época quanto James Watt ou Matthew Boulton ter se estabeleci do Seu modelo T lançado em 1908 baseavase no princípio pouco atraente para os desenhistas de que um automóvel deve ser igual a qualquer outro automóvel um produtopadrão a ser vendido pelo mais baixo custo Os automóveis embora inicialmente considerados produtos de luxo devem ser considerados uma das principais invenções de um grupo de inovações que iniciou uma nova era a era do automóvel ou a era do rádio Foram introduzi dos na França e na Alemanha por Gottfried Daimler e Karl Benz que produziram um motor a quatro tempos em 1885 Rudolf Diesel usava combustíveis líquidos mais pesados Poderiam ter sido elétricos Porém por vários motivos essa opção foi rejeitada e se tornaram dependentes da indústria de petróleo de escala interna cional mas com uma geopolítica própria E essa indústria ficou mais importante 1 86 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MíDIA com o advento dos aviões e do tráfego aéreo A geopolítica do Oriente Médio seria gravemente afetada pelo petróleo As conseqüências sociais das invenções foram desde logo ambivalentes Al gumas encorajavam a privacidade outras a ameaçavam Algumas geravam pro blemas novos acidentes poluição Outras prometiam e forneciam novas possi bilidades de independência entre elas a liberdade das estradas No entanto embora se usassem bandeiras vermelhas para limitar a velocidade muito antes que as autoestradas fossem construídas Desde o início a liberdade das estradas apon tava para a necessidade de controle do tráfego e da velocidade Os jornais orgu lhosos de sua liberdade principalmente na GrãBretanha e nos Estados Unidos enfatizavam em editoriais a necessidade de controle o que muitas vezes contras tava com a propaganda neles impressa Como na Introdução que tratava do período anterior ao advento do vapor é difícil aqui tratar a história do complexo de comunicações no século XIX em termos puramente lineares embora naquele século um sentido autoconsciente de progresso quando desafiado normalmente unificasse a história do ponto de vista de seus contemporâneos Na Exposição de Paris de 1900 o clímax do século em frente ao Palácio da Eletricidade havia um chafariz elétrico no qual uma cascata de água caía em um pequeno lago com uma escultura retratando um grupo de pessoas derrubando as figuras das Fúrias iluminada ela representava a Humani dade conduzida pelo Progresso e as Fúrias a Rotina do Presente e do Passado Ao visitar a exposição o perspicaz escritor norteamericano Henry Adams medi tou sobre o culto ao dínamo elétrico que comparou ao culto à Virgem Maria Podese ver mais do que um significado simbólico na mudança do vapor para a eletricidade durante as últimas décadas do século XIX pois eram as inven ções elétricas que demandavam nova infraestrutura que pareciam apontar mais claramente para o futuro Uma charge do Punch de fevereiro de 1899 mos trava a Eletricidade dando um Aviso ao Vapor no contexto do cabo submarino e da telegrafia por terra A legenda dizia Eu não quero me ver livre de servidores antigos e valiosos mas tenho medo de não conseguir mantêlos por muito mais tempo Outro contexto mais amplo poderia ter sido o escolhido O vapor tivera seu evangelho inteligível para grande número de pessoas inaceitável para muitas outras e a máquina a vapor do planeta foi exibida na Exposição do Centenário em 1876 dois anos antes de Charles Parsons construir a primeira turbina a vapor do mundo O vapor sempre teve seu evangelho a eletricidade uma força natural fascinava sem ser compreensível Na melhor das hipóteses tinha uma missão A eletricidade tinha contudo o que Carolyn Marvin chamou de sacerdó cio homens que além de terem conhecimento específico possuíam autorida de própria As mulheres não faziam parte desse grupo exceto quando eram cha madas para representar a deusa da eletricidade ou mais prosaicamente a Luz Elétrica De fato uma das filhas de Marconi se chamava Electra PROCESSOS E PADRÕES 187 Com efeito uma ampla variedade de diferentes grupos ocupacionais era clas sificada numa nova categoria eletricista O lucro só preocupava alguns deles entre os quais os criadores da mídia moderna mídia para milhões começando com a imprensa escrita antes do cinema e do rádio Somente em retrospecto contudo seria possível chamálos de empreendedores culturais Outros dos que se preocupavam com a eletricidade forneciam aquilo que era visto como serviço de utilidade pública e o desenvolvimento dessas empresas entre elas as de fornecimento de água dependia da criação de sistemas de infraestrutura fossem eles públicos ou privados No capítulo seguinte assim como no Capítulo 1 iremos nos concentrar em períodos e conjuntos de eventos específicos personalidades e tendências selecio nando quatro períodos superpostos identificados tal como naquela época a cada um dos rótulos que eles foram atribuídos a era da imprensa a era do rádio a era do cinema e a era da televisão Essas etiquetas tendem a reunir períodos particulares ao que parece segundo a tecnologia dominante A imprensa nem sempre dá esse nome à era em que se tornou o principal veículo de comunicação mas divulgou todos esses rótulos e até criou alguns deles O próximo capítulo portanto tratará brevemente de três funções conhecidas das diversas mídias informação educação e entretenimento e descreverá as diferentes maneiras de lidar com elas CAPÍTULO 5 Informação educação entretenimento Como se mostrou nos capítulos anteriores a importância da informação naquilo que se tornou no século XX quase uma tríade sagrada informação educação e entretenimento foi completamente reconhecida muito antes da populariza ção dos termos sociedade da informação e tecnologia da informação durante as décadas de 1970 e 1980 No entanto os elementos da trindade nem sempre foram identificados com a mesma linguagem Nos séculos XVII e XVIII a infor mação era geralmente descrita como inteligência educação era instrução e entretenimento recreação passatempo ou diversão Existiam termos semelhantes em outras línguas européias No século XIX distinto e elevado eram palavras de grande importância e estabeleciase uma diferença entre infor mação útil e trivial enquanto o termo entretenimento era considerado aviltante Tanto a educação quanto o entretenimento tiveram longos períodos de história que remontam ao mundo antigo e se relacionam a academias bibliote cas jogos e teatros Também a inteligência teve uma longa história O verbo informar derivado do latim originalmente significava em inglês e francês não somente relatar os fatos o que poderia ser incriminador mas formar a mente A importância da informação já era claramente apreciada em alguns círculos políticos e científicos no século XVII mas foi ressaltada ainda mais na sociedade comercial e industrial do século XIX quando as noções de velocidade e distância sofreram transformações Sydney Chapman escreveu em um livro sobre a indús tria de algodão de Lancashire publicado em 1904 que durante o último século a quantidade e a exatidão de informação disponível para os revendedores aumen tou enormemente além disso o tempo passado entre um evento e o conhecimen to a seu respeito diminuiu para uma pequena fração do que costumava ser A mesma afirmação foi ressaltada por Walter Bagehot em Lombard Street 1873 que retratava uma rua do centro da cidade de Londres É notável que perto dessa localidade na rua Threadneedle uma das primeiras corporações de empresas telegráficas a Magnetic tivesse construído novos e imponentes escritórios em 1859 Em 1884 MG Mulhall o compilador do que ele próprio chamou de o 188 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 189 primeiro dicionário estatístico em qualquer língua afirmava que entre 1840 e 1880 o mundo bancário tinha aumentado 11 vezes três vezes mais rápido do que o comércio e 20 vezes mais do que a população esta sobretudo na GrãBreta nha amplamente concentrada em cidades e vilas Houve mais mudanças que continuidade na educação e no entretenimento durante os séculos XIX e XX A maioria delas é explicável em termos econômicos e sociais desde que se incorpore na análise a tecnologia tratada como uma atividade social envolvendo pessoas produtos e patentes A tecnologia requer e produz mudanças sociais e organizacionais Muitas vezes é mais difícil de se atingir a mudança institucional e no século XIX muito se falou sobre era de transição Também havia diferenças institucionais naquilo que no século XX veio a ser considerado um complexo de mídia Mesmo então escolas e universidades eram bastante diferentes pelo menos quanto aos princípios de redações de jornais estúdios de rádio e televisão teatros cinemas e estádios esportivos embora pudessem incorporar cada uma dessas atividades ou todas e muitas vezes o fizessem É verdade tanto para a educação quanto para a tecnologia que ambas requerem e demandam mudanças sociais e organizacionais No fluxo da história ou para usar uma metáfora alternativa na marcha do tempo a industrialização que como vimos aumentou a riqueza e o lazer deu um novo significado a cada elemento da trindade Enquanto demandava circulação de informação mais substancial e confiável tanto por motivos finan ceiros quanto para o controle dos processos industriais a industrialização tam bém precisava a longo prazo de um acesso público mais amplo à educação come çando com a escola cuja freqüência se tornou compulsória na GrãBretanha em 1800 e na França com ensino totalmente laico em 1882 a Prússia já havia tomado esse caminho no século XVIII A instrução de massa era agora julgada essencial assim como a educação continuada e o aprendizado da computação se tornaram imprescindíveis nas últimas décadas do século XX A longo prazo o desenvolvimento industrial necessitou de maiores oportu nidades de lazer ativo ou passivo sob a forma de recreação A primeira lei de educação nacional na GrãBretanha foi aprovada com atraso em 1870 precedi da em 1850 pela primeira lei relativa a bibliotecas públicas e seguida em 1871 depois pela primeira lei de feriado bancário definindo que alguns dias deveriam ser feriados nacionais Anteriormente os feriados eram diretamente ligados nos países católicos e protestantes ao calendário sazonal e religioso sendo alguns deles locais No século XX por causa da mídia cada vez mais se relacionam aos novos ritmos de trabalho e diversão e nesse processo foram comercializados O Dia de Ação de Graças se manteve como o grande feriado festivo nos Estados Unidos o mesmo acontecendo com o Carnaval em lugares tão diferentes como Nova Orleans Trinidad Rio de Janeiro e Colônia Na GrãBretanha os jornais não circulavam no Natal e na SextaFeira Santa No mundo muçulmano que ganhou 190 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA importância no fim do século XX sobreviveu o grande período de jejum do Ramadã que comemora a primeira revelação do Corão Em países onde houve revoluções o aniversário delas entrou para o calendário comemorativo No coração de um evangelho vitoriano o trabalho e não a diversão tal como pregado por Samuel Smiles que foi traduzido em árabe e japonês perma necia um aspecto necessário da existência humana nas entrelinhas de várias escrituras Nas sociedades cada vez mais secularizadas e urbanizadas é tratado explicitamente como uma necessidade social tanto nos anos de alto desemprego cíclico ou estrutural como naqueles em que o progresso tecnológico diminui o número de empregos A automação dos processos industriais inclusive das fábri cas de armamentos tornada possível pela eletrônica afetou e continua a afetar diretamente a oferta de empregos assim como afetou e afeta a mídia com as conseqüências imediatas para os indivíduos Cibernética a ciência do controle automático e dos processos de comunicação dos animais e equipamentos foi o título de um estudo pioneiro do norteamericano Norbert Wiener 18941964 publicado em 1948 Bem antes que a automatização se tornasse tema de discussão durante a década seguinte os padrões lugares contexto e significados do trabalho haviam mudado substancialmente A primeira transformação ocorreu no fim do século XVIII e início do XIX quando a indústria pensada no início do século XVIII como uma qualidade humana começou a ser vista em separado da agricultura e finalmente identificada como um setor nãoagrícola da economia produtiva No fim do século XX a palavra também seria aplicada à agricultura cuja participação na força de trabalho e no produto nacional bruto diminuíra drasticamente Uma segunda mudança veio com a administração científica baseada em estu dos de tempo e movimento desenvolvida primeiro nos Estados Unidos e poste riormente adaptada sob diversas formas em países muito diferentes entre si O fabricante de automóveis Henry Ford com a padronização do produto e as linhas de montagem foi um herói na antiga União Soviética No fim do século XX a palavra trabalho começou a ser aplicada também a lazer viagem e esporte Os esportes tornaramse o esporte embora o plural tenha permanecido nos Estados Unidos os entretenimentos tornaramse o entretenimento em ambos os lados do Atlântico Lazer turismo e esporte eram agora tratados como indústrias ou às vezes como setores de uma indústria O esporte em particular ilustra essa tendência Inicialmente organizado em âmbito local ele se tornaria global de atividade amadora transformouse em ampla mente profissional com regras estabelecidas no século XIX e mais tarde modifica das Nos séculos XX e XXI os jogadores profissionais de futebol trabalhavam e trabalham para empresários que podiam contratálos ou demitilos por seu esforço de atividade os próprios administradores inclusive aqueles que tinham atuação local eram contratados e depois demitidos enquanto os jornalistas jul INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 191 gavam e julgam os desempenhos dos jogadores e administradores no campo nos mesmos termos Alguns deles eram e são celebridades recebendo altíssimos salários dependendo dos agentes como aqueles que mantinham o mesmo tipo de relação de dependência de atores músicos e escritores desde o fim da década de 1890 As vidas privadas dos atletas fora do campo eram divulgadas pela mídia Também tinham suas próprias galerias da fama Alguns poucos tornavamse jornalistas regiamente pagos A 29a AssembléiaGeral da European Broadcasting Union acontecida em Atenas em 1978 marcou a primeira ocasião na Europa em que se discutiram todos os aspectos da organização do esporte porém na década de 1990 essa organização inteira se modificou A expressão esporte para o público perdeu muito de seu sentido O esporte ganhou ampla evidência na mídia e se tornou tão comercializado quanto as cadeias de alimentação sob a influência dos su permercados O detalhe é especialmente interessante quando se comparam os esportes ao longo do tempo por exemplo as representações na mídia de cenas do Dia do Derby ou do Superbowl eventos nacionais que passaram a integrar o próprio calendário da mídia Diversos eventos internacionais em particular os Jogos Olímpicos revividos em Atenas em 1896 em 2004 voltaram a se realizar nesta cidade tornaramse matériaprima de toda a mídia que diretamente in fluenciou o local de realização e as imagens a serem transmitidas A Olimpíada alemã de 1936 realizada e filmada pelos nazistas recebeu atenção maciça bem como os primeiros jogos em um país asiático realizados na cidade de Tóquio Japão em 1964 eles poderiam ter acontecido lá antes se não fosse a Segunda Guerra Mundial Havia também uma dimensão tecnológica As Olimpíadas de Estocolmo de 1912 por exemplo testemunhou o primeiro uso de equipamento elétrico de medição de tempo em eventos de corrida Câmeras novas e menores agrupadas e colocadas de maneira cuidadosa tornaram possível a visão de detalhes Isso foi só o começo Filmagens de reprise em câmera lenta além de fascinarem os especta dores serviram como base para estudo E também semanalmente eram televisio nados incidentes nos campos de futebol críquete ou beisebol envolvendo árbitros e juízes assim como jogadores agora sob perpétuo escrutínio da mídia A câmera podia se tornar um árbitro A televisão teve também influência no tempo dos eventos esportivos e mesmo em suas regras no final do século XX Ela interferiu no controle da parte financeira e através desta em muito mais As linhas divisórias entre informação e entretenimento tornaramse cada vez mais embaçadas durante as décadas de 1950 e 1960 tanto na imprensa escrita quanto na mídia eletrônica mais tarde viriam a ser ainda mais indistintas Os produtores mostraram aos esportes estabelecidos possibilidades incríveis Até en tão os espectadores haviam se encantado antes e depois dos jogos agora o encanto era dos jogadores que por dinheiro faziam milagres fora dos campos Os produ 192 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tores de programas esportivos apresentavam essas atrações como itens de entrete nimento Havia alguns esportes de turmas de loucos como as lutas romanas compradas pela televisão como produto da Federação Mundial de Luta Romana somente com o objetivo de entretenimento No entanto essa função da imprensa não era um fenômeno novo como se vê na sua própria história e muito antes de Alfred Harmsworth lançar o jornal Daily Mail em Londres em 1896 com o preço de meio centavo com o objetivo explícito de entretenimento e informação O jornal de Harmsworth foi o primeiro diário a incluir uma página para as mulheres e a divulgar proezas como parte de seu modelo de imprensa A educação também não foi deixada de fora de sua esfera de influência Conforme observou um importante jornalista liberal JA Spender Harmsworth e seus imitadores influenciaram o homem comum mais do que todos os ministros da Educação juntos Nesse contexto devese levar em conta e louvar a tecnologia Não é segredo liase nas primeiras cópias do Daily Mail que invenções novas e maravilhosas acabaram de aparecer para ajudar a impren sa Nosso tipo é feito por máquinas Podemos produzir cortar e dobrar 200 mil jornais por hora A imprensa o quarto poder A importância da tecnologia na história da imprensa já havia sido mencionada duas gerações antes de Harmsworth e após Koenig quando os Estados Unidos tomaram a liderança da GrãBretanha na tecnologia de impressão a prensa ro tativa No entanto o jornalismo popular não se baseava em tecnologia Nem os argumentos que defendiam o velho jornalismo Na Europa o jornal The Times órgão dominante de imprensa em Londres se considerava durante as décadas de 1830 1840 e 1850 um quarto poder Dizse que quem cunhou a frase foi o historiador Macaulay embora ele estivesse se referindo à Galeria de Imprensa no Parlamento e não especificamente ao The Times ou à imprensa como um todo O conceito medieval de um Estado ou poder espiritual temporal e co mum havia sido quebrado na França revolucionária mas sobreviveu residual mente na GrãBretanha nas duas casas do Parlamento e a nova expressão quar to poder foi usada como título de um livro sobre imprensa em 1850 escrito pelo jornalista F Knight Hunt A expressão se tornou aceita na GrãBretanha em diversos países europeus e até nos Estados Unidos No século XX o periódico norteamericano Broadcasting imprimiu orgulhosamente em sua capa as pala vras O quinto poder The Times descrito em 1871 como o maior jornal jamais visto no mundo era um periódico caro e não um jornal de massa e perdeu parte de seu domínio na GrãBretanha depois que os impostos sobre impressão reduzidos em 1836 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 193 afinal foram abolidos em 1855 e os impostos sobre papel foram revogados em 1861 No entanto muito antes disso o jornal barato já havia aparecido em Nova York O primeiro a fazer sucesso foi o Sun 1833 lançado por um gráfico batalha dor Benjamin Day Quando ele o passou adiante em 1838o jornal estava venden do 34 mil cópias principalmente nas esquinas de Nova York Grande parte da informação publicada envolvia pessoas comuns e a polícia Um relato total mente ficcional da vida na Lua A mistificação da Lua fazia parte do seu conteú do de entretenimento O Herald 1835 jornal de Nova York criado por Gordon Bennett tinha uma visão mais inovadora e abrangente Minha ambição escreveu Bennett 17951872 que havia nascido na Escócia é fazer da imprensa escrita o grande órgão e pivô do governo sociedade comércio finanças religião e de toda a civilização humana A religião tinha papel importante nessa lista Um jornal pode mandar mais almas para o céu e salvar mais do inferno do que todos os clubes e capelas de Nova York JG Bennett Jr 18411918 seguiu a mesma linha a missão de Stanley para a África com o intuito de descobrir o paradeiro de Livingstone foi financiada por ele A tecnologia também fazia parte da visão de Bennett Em 1854 Bennett pai experimentou um método de impressão usando uma placa de metal de tipos em vez dos próprios tipos Foi uma inovação genuí na e na década de 1870 a impressão por estereótipos já havia se difundido bastan te Em Paris o jornal La Presse usava o processo em 1852 Onze anos antes Horace Greeley 181172 inventor da frase Vá para o Oeste jovem vá para o Oeste que havia se envolvido com o jornalismo antes de Bennett lançou o Tribune em Nova York o Grande órgão moral que acreditava que seria autosuficiente no suprimento de notícias Havia então 12 jornais na cidade O Tribune incluía artigos enviados da Europa por Marx muitos deles escritos por Engels ver p117 mas deliberadamente excluía algumas notícias nacionais recusandose a imprimir detalhes sobre crimes reportagens sobre jul gamentos e peças de teatro O New York Times 1851 um jornal sensato e sensível fundado por Henry Raymond 182069 um jovem repórter da equipe de Greeley seguia uma linha rigidamente balanceada já no século XX separando explicitamente notícias de pontos de vista Nós não acreditamos que cada coisa na sociedade seja completamente certa ou errada desejamos preservar e melhorar o que é bom e exterminar e reformar o que é ruim Neste caso e em outros a imprensa norteamericana ficou livre das amarras políticas que haviam sido tão significativas no início Na prática a exten são de sua liberdade era uma questão de justiça e de política A Primeira Emenda incorporada em uma lista de direitos aprovada pelo Congresso em 1791 dizia que O Congresso não fará lei alguma sobre qualquer estabelecimento religioso ou que resulte na proibição do seu livre exercício ou que limite a liberdade de falar das pessoas ou da imprensa A linguagem parecia simples e influenciou toda a 194 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA história norteamericana subseqüente mas o significado que a Emenda poderia trazer para mudar as circunstâncias foi deixado para os tribunais e para a discussão pública Nunca se tinha certeza O juiz Learned Hand afirmava que as conclusões corretas são provavelmente mais bem tiradas do conjunto de diversas línguas do que de qualquer tipo de seleção autoritária ao mesmo tempo o juiz Oliver Wendell Holmes 18411935 introduziu a metáfora mercado livre de idéias A radiodifusão ver p163 seria tratada diferentemente da imprensa e sujeita a regulamentação Uma das alegações para essa atitude era que por causa da escassez de espaço nas ondas de rádio se não houvesse a regulamentação o conjunto de diversas línguas soaria como algaravia Julgamentos legais e dados públicos tornaramse emaranhados de argumen tos sobre o monopólio A legislação antitruste e sua implementação ambas causas de conflitos de opinião e também de interesses centraramse no termo interesse público proclamado pela doutrina imparcial desenvolvida pela Comissão Fe deral das Comunicações e estabelecida em Washington em 1934 pela Lei Federal de Comunicação Os programadores radiofônicos foram obrigados a dedicar um tempo razoável do rádio a assuntos controversos e importantes para o público e a dar oportunidade de se manifestarem pontos de vista contrastantes sobre esses temas Foi uma doutrina que não sobreviveu à desregulamentação da mídia ele trônica norteamericana nas décadas de 1980 e 1990 embora evidentemente a Primeira Emenda tenha permanecido em vigor Somente por essa razão a história da mídia dos Estados Unidos foi diferente da de todos os outros países sendo que a Suécia tinha uma antiga lei de imprensa de 1766 que protegia a liberdade de expressão Desde o início a imprensa em Nova York era somente um elemento da imprensa norteamericana que nunca foi centralizada e continuou a ter bases locais O mesmo aconteceu na França e na Itália embora Paris fosse o centro dos jornais de circulação de massa começando com Le Petit Journal em 1863 que vendia 250 mil cópias por dia afirmavase na época que era a maior circulação do mundo havia muitas disputas sobre qual era o maior e o primeiro a ser inventado mas nenhuma sobre patentes legais Seguiramse Le Petit Parisien em 1876 Le Matin em 1882 e Le Journal em 1889 Na GrãBretanha enquanto The Times perdia espaço para a concorrência em Londres depois da revogação da lei de imposto sobre impressão e dos impostos sobre papel a imprensa de provín cia prosperou durante meados do século XIX Em 1864 havia 96 diários de província ao passo que Londres contava com 18 Edward Baines proprietário do liberal Leeds Mercury proclamava orgulhoso que de um total anual de 546 milhões de cópias de jornais 340 milhões eram de órgãos da província A imprensa interiorana da Inglaterra perderia muito de sua influência no fim do século XIX e no século XX quando por várias razões a informação e também o entretenimento veio centralizarse em Londres Um jornal do século INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 195 XIX o Manchester Guardian que havia se tornado um periódico barato em 1855 conquistou audiência nacional sob a liderança talentosa e altamente responsável de CP Scott 18461932 Contudo somente em 1952 o jornal colocou notícias na primeira página oito anos antes de mudar suas impressoras para Londres tirando o nome Manchester do título Foi Scott quem disse que nada de bom podia vir da televisão pois a palavra era meio latina e meio grega Scott e sua família consideravam o Manchester Guardian um jornal de qualidade um termo britânico e The Times também era visto assim na década de 1950 muito depois que o quarto poder já tinha se tornado moda O Daily Telegraph caiu na mesma categoria de qualidade embora isso não parecesse verdade quando começou como jornal diário na véspera da revogação do imposto Com a redução do preço de três centavos para um e a duplicação do tamanho imediatamente teve circulação duas vezes maior do que o The Times Fazia parte da sua equipe o mais conhecido jornalista do país na época vitoriana GA Sala um dos colaboradores de Dickens no Household Words 1850 O próprio Dickens foi o primeiro editor do Daily News 1842 É de importância estratégica na história da mídia britânica a maneira como diversos jornais e vários segmentos da população viram a abolição dos impostos sobre impressão e papel e sobre a propaganda Os impostos de consumo sobre papel criados no reinado da rainha Ana foram considerados por radicais como taxas sobre conhecimento e a sua revogação foi saudada pelo Morning Star como um dia de festa em todos os calendários ingleses Para o Daily Tele graph era de importância fundamental que a produção de papel fosse dali por diante governada exclusivamente por regras comerciais Não seriam somente os jornais que se beneficiariam da revogação dos impostos Toda a classe de literatura também teria proveitos Shakespeare Milton e Shelley assim como a literatura de ferrovia disponível nos jornaleiros de WH Smith ver p128 Para o Daily Telegraph a revogação abriu aos escritores um campo consideravel mente extenso para uma atividade de gênio e de talento como jamais eles haviam desfrutado Fazendo coro com Richard Cobden que lançou apelos morais para a liber dade de imprensa tão sublimes quanto fez para os selos baratos o Daily Telegraph acrescentou que no futuro um jornal seria considerado uma autoridade mais notável e confiável do que qualquer procurador geral ou censor oficial da impren sa O uso do termo autoridade uma palavrachave do vocabulário vitoriano assim como a palavra progresso ver p121 é interessante e não apenas porque foi muito comum no século XX em relação à radiodifusão Para Cobden que havia escrito em 1834 que a influência da opinião pública tal como exercida pela imprensa era a característica que diferenciava a civilização moderna a opinião importava ainda mais do que a informação E ele escreveu isso em uma época na qual os mais atuantes editores e distribuidores de uma imprensa radical que 196 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA lidavam com jornais sem impostos e eram rejeitados nos círculos Whig e Tory como imprensa pobre esbravejavam e muitas vezes acabavam na prisão O protesto seria engolido pelo cartismo um movimento confessional da classe trabalhadora que lutava por liberdades democráticas Às vezes esse movi mento funcionava paralelamente à Liga Legal Antigrão de Cobden outras vezes ficava em campo oposto e ocasionalmente trabalhava em cooperação Porém permanecia sempre hostil ao conservadorismo Whig Muitos líderes da classe trabalhadora antes e depois do cartismo acreditavam que conhecimento é po der lema que servia de brasão em todo número de Poor Mans Guardian que não pagava imposto e cuja primeira impressão foi feita em 1831 Acreditavam também que o conhecimento entendido como mais do que informação podia vir de panfletos e livros e também de jornais inclusive enquanto durou do influente jornal cartista Northern Star fundado pelo líder cartista Feargus OConnor 1794 1855 em 1838 e publicado pela primeira vez em Leeds O Star incluía muita informação que jamais teria entrado nas páginas do The Times baseavase no serviço voluntário de correspondentes locais e conservava também um lugar para a poesia Incluía ainda a ficção cartista Ele trazia dinheiro por ser representativo e mobilizar a opinião Na história da imprensa cada país tem sua data marcante Na França foi 1881 quando depois dos debates infindáveis e amplos da Terceira República surgiu uma nova lei de imprensa com as estimulantes palavras La Presse est libre A imprensa é livre Restrições antigas foram abolidas inclusive a que exigia dos jornais que depositassem dinheiro em caução contra a possibilidade de multas por difamação ou outras ofensas O jornal londrino The Times saudou a nova lei com as palavras uma imprensa melhor torna as leis excepcionais desnecessárias Em 1848 foram retiradas todas as restrições à imprensa germânica mas elas voltariam três anos depois Em alguns países inclusive na Índia imperial estavam sendo aprovadas novas leis repressivas no fim do século Bismarck rachou a imprensa socialista em 1878 e no mesmo ano uma lei de imprensa do vernáculo na Índia impôs novos controles sobre jornais em idioma local Três anos antes a lei japonesa de impren sa de 1875 especificava que o ministro do Interior pode proibir a venda ou distribuição de jornais ou se necessário recolhêlos quando julgar que os artigos perturbam a paz e a ordem ou ofendem a moral Na maioria dos países era difícil o cumprimento das leis de imprensa A Rússia czarista tinha uma imprensa clan destina que estava diretamente envolvida na política Em todos os países independentemente do tipo de lei a imprensa havia se estabelecido por volta de 1900 como uma força social que deveria ser avaliada em uma democracia futura tanto quanto havia sido em um passado autoritário A impressão gráfica permaneceu um meio de comunicação básico mesmo depois do aparecimento da mídia eletrônica com o florescimento de jornais livros e INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 197 enciclopédias A tecnologia não era o fator dominante As primeiras folhas de notícias australianas eram escritas a mão e o jornal Sydney Morning Herald foi fundado em 1831 e publicado diariamente a partir de 1840 Dez anos mais tarde havia jornais em todas as cidades do Canadá Longe dos centros urbanos e de seus subúrbios em expansão as florestas estavam sendo abatidas para produzir polpa de madeira Os processos de mudança eram complexos e com a queda dos custos de impressão e o aumento da massa de leitores o conteúdo dos jornais que não se qualificavam como jornais de qualidade incluía mais entretenimento e menos informação O estilo também era menos formal No entanto os chamados tablói des não constituíam um produtopadrão como sugerem algumas histórias de jornais Eles competiam não apenas entre si mas também com o resto da mídia e outros produtos não associados à comunicação sendo alguns deles a fonte de seu próprio lucro em publicidade O papel dos jornalistas homens que colhiam notícias havia poucas mu lheres antes da década de 1890 e dos editores que as selecionavam compila vam apresentavam e interpretavam sempre foi controverso e essa característica cresceu com o aumento das vendas Fato ainda mais importante foi o surgimento de uma nova geração de proprietários empreendedores Nos Estados Unidos William Randolph Hearst 18631951 e EW Scripps 18541926 construíram imensas cadeias de jornais Hearst que também tinha interesses no cinema ter minou seus dias em um palácio de conto de fadas na Califórnia não longe de Hollywood morando com uma estrela de cinema Marion Davies Sua história levou Orson Welies a produzir um dos filmes mais fortes de todos os tempos Cidadão Kane 1941 Os produtos da cadeia de Hearst foram atacados como imprensa marrom os de Scripps como liberais e prótrabalhistas Na GrãBretanha Harmsworth que depois de 1900 abandonara as revistas mas não as enciclopédias para se dedicar aos jornais adquiriu o The Times em 1908 não foi o primeiro magnata a mudar para a publicação de amenidades O poeta e ensaísta Leigh Hunt 17841859 havia lançado um jornal chamado The Weeks Chat na década de 1820 e em 1881 George Newnes 18511910 havia lançado TitBits descrito como o primeiro jornal de amenidades e que estaria vendendo 350 mil cópias sete anos depois Harmsworth saudouo como o come ço de um setor que vai mudar toda a face do jornalismo Dirigiase às centenas e aos milhares de garotos e garotas que saíam das novas escolas públicas criadas pela Lei da Educação de 1870 Em 1881 diziase que como um fenômeno admirável dos tempos moder nos circulavam somente em Londres entre cinco e seis milhões de publicações baratas semanais ou mensais mas isso era menos moderno do que parecia E não estava relacionado à Lei de Educação como foi sugerido na época Em 1858 o romancista Wilkie Collins 182489 havia escrito anonimamente um artigo em 198 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Household Words intitulado O público desconhecido O letramento já estava em alta antes da lei de 1870 e havia uma viva demanda por material de leitura diferente daquele oferecido às pessoas cultas O que aconteceu nas décadas de 1880 e 1890 foi que o ideal de um público informado estava dando lugar às realidades do mercado tanto na mídia quanto na economia A força do radica lismo diminuiu e não eram somente os conservadores que falavam em dar ao público o que ele quer Para alguns as publicações impressas eram um negócio como qualquer outro O romance ainda era a principal forma literária tendo diminuído de tama nho com relação aos três volumes que haviam sido o padrão do início do século e que desapareceriam na década de 1890 No entanto para Gissing e Henry James 18431916 o grande romancista norteamericano que viveu na Inglaterra os jornalistas pareciam estar tomando conta de tudo tendo atrás de si seus andrajo sos editores A mesma impressão tinha o historiador WEA Lecky 18381903 que escreveu em 1888 um artigo sobre as mortes coincidentes do advogado cons titucional sir Henry Maine 182288 e do poeta e crítico Matthew Arnold 1822 88 O talento literário declarou estava sendo pulverizado e absorvido pela imprensa diária ou semanal Suponho concluiu que jamais houve um país ou uma época em que excelentes talentos literários em tão grande número tivessem se dedicado à escrita e se tornado imediatamente anônimos e efêmeros Treze anos mais tarde no ano da morte da rainha Vitória GM Trevelyan 18761962 historiador muito conhecido hoje em dia e que deixaria sua marca na interpretação do passado do século XX queixouse no periódico The Nine teenth Century de que os filisteus haviam capturado a Arca da Aliança nome com o qual se referia à imprensa escrita Ele tomou emprestado o termo filisteu de Arnold para quem a década de formação do século XIX havia sido a de 1860 Quanto à Arca da Aliança ela tinha obviamente uma linhagem mais longa do que o quarto poder É importante não simplificar demais os processos que afetam tanto o jorna lismo quanto a ficção ou seu progresso cronológico Como nas seqüências de filmes é necessário saltar no tempo A linguagem correta não é aquela de causa e efeito O próprio Arnold não tinha certeza de que a Arca da Aliança uma descri ção que ele jamais usaria estaria segura mesmo nos anos do meio do século que Trevelyan considerava como a era de ouro da imprensa Advogado da doçura e da luz Arnold essencialmente um intelectual se sentia infeliz com o papel das comunicações em geral Seu homem da classe média pensa haver o mais alto grau de desenvolvimento e civilização quando suas cartas são levadas 12 vezes por dia de Islington para Camberwell e se os trens passam por ele de 15 em 15 minutos Ele pensa não significar nada se os trens o levam de uma vida nãoliberal e melancólica em Islington para uma vida nãoliberal e melancólica em Camberwell INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 199 Tal atitude sobre as comunicações era acompanhada no caso de Arnold por um medo daqueles que não tinham voz Depois que alguns deles ganharam direito a voto em 1867 e 1884 ele ainda ficou pouco à vontade com os primeiros e novos eleitores a democracia como as pessoas gostam de chamar Têm muitos méritos mas entre eles não está o de ser em geral pessoas razoáveis que pensam correta e seriamente O novo jornalismo e Arnold pode ter sido a primeira pessoa a usar este termo era segundo ele de espírito cerebral pois tentava atrair leitores que acabavam de ganhar direitos civis A influência de Arnold sobre os estudos cultu rais do século XX seria profunda ver p246 Mas na sua época ele deixou total mente de lado o entretenimento quando fez considerações sobre o papel da imprensa Arnold não examinou com cuidado a opinião de pessoas que não tinham direito a voto antes das leis de reforma de 1867 e 1884 Como inspetor de escolas era pessimista sobre as chances de a imprensa servir como força educacio nal No entanto os escritores que se julgavam socialistascristãos eram otimis tas e JM Ludlow sustentou em 1867 que os jornais baratos e periódicos não podiam ser definidos estritamente como educativos Para o bem e para o mal e provavelmente afinal para o bem eles são muito poderosos Apesar dos vários pecados e deficiências da imprensa escrita o trabalhador de hoje com sua folha de um centavo é com esta ajuda um homem mais bem informado que sabe julgar melhor e tem mais compreensão do que o trabalhador de 30 anos atrás que tinha de se contentar com fofocas e boatos Certamente os trabalhadores mais articulados inclusive os excartistas saudaram como uma grande vitória a revogação dos impostos sobre impressos em 1855 no aniversário da Carta Magna Apesar de tudo com a vitória garantida havia mais do que um toque de ironia para os otimistas no que viria a seguir Circulavam mais fofocas e boatos em 1900 do que em 1800 Vários dos beneficiados pelos direitos civis recorriam à imprensa mais por diversão e mesmo como escape do que para obter informação e conhecimento ou poesia Thomas Wright um trabalhador amigo de Arnold que amava a ironia não acreditava nem mesmo na Lei de Educa ção de 1870 A extensão da educação elementar se deixada por si mesma nos dará um maior número de pessoas capazes de ler sobre os serviços policiais nos tipos pequenos dos jornais semanais e que não desejarão ler sobre quase mais nada O fundador do popular jornal de domingo Reynolds News que alcançou grande circulação por tratar de assuntos diversos inclusive o serviço secreto da polícia e não de informação política era um antigo cartista Todavia GWM Reynolds 181479 não era mais um fundador do tipo de jornalismo que seria chamado de novo do que seria Harmsworth 20 anos de 200 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA pois O adjetivo não estava certo Antes do início do século XIX o entretenimento ou a diversão era tão importante quanto a informação em diversos jornais sobretudo naqueles publicados aos domingos e distribuídos por pequenos jorna leiros que gritavam os títulos nas esquinas Em 1812 havia 18 deles e poucos eram dirigidos a leitores da classe trabalhadora O Sunday Times que surgiu em 1821 originalmente se chamou New Observer o Observer era de 1791 e o Bells Life in London and Sporting Chronicle que apareceu em 1822 fazia propaganda de si mesmo dizendo combinar as NOTÍCIAS da SEMANA com um rico REPERTÓ RIO de MODA GRAÇA e HUMOR além de INCIDENTES da VIDA SOCIAL e COTIDIANA Em 1886 apropriadamente seria incorporado ao Sporting Life Uma outra produção de Bell o Bells Weekly Messenger 17961896 focali zava também crimes escândalos sexo desastres epidemias e turfe O mesmo fazia o ainda sobrevivente News of the World lançado em 1843 e muitas publica ções de Edward Lloyd que não resistiram ao tempo Lloyd 181590 começou sua vida profissional assim como diversos cartistas como vendedor de jornais e livreiro no East End de Londres Sua primeira aventura no jornalismo foi Penny Sunday Times and Peoples Police Gazette dois anos depois lançou o Lloyds Illus trated Sunday Newspaper o primeiro jornal a vender um milhão de cópias depois que mudou o título para Lloyds Weekly News Lloyd levantou capital com a venda das pílulas laxativas Old Parr Mesmo antes do começo do século XIX portanto antes da difusão do ensino e da chegada das ferrovias que davam à imprensa oportunidades sem precedentes de aumentar a circulação a Arca da Aliança não havia sido sempre tratada de forma reverente na GrãBretanha como sugeria Trevelyan baseandose em tradi ções Whig Apesar disso as tradições Whig eram fortes no início do século Na realidade o novo periódico Whig Edinburgh Review fundado em 1802 descrevia a imprensa como forjada com um poder que em reverência pode ser assimilado se qualquer ser humano pode ser assimilado para a serventia da onipotente sabe doria Fora da tradição Whig à qual pertencia Trevelyan assim como seu ante passado o historiador Macaulay outro periódico o Westminster Review fun dado em 1842 por admiradores do filósofo radical Jeremy Bentham 17481832 deixou de lado todas as metáforas religiosas quando descreveu os jornais em uma linguagem que Cobden usaria como os melhores e mais confiáveis civilizadores do país Contêm em si mesmos além dos elementos do conhecimento os incen tivos para aprender É preciso ver um povo que não tenha sido atingido pelos jornais para conhecer a quantidade de preconceitos que esses produtos dissipam instantânea e necessariamente Para o Westminster Review assim como para Knight um termo melhor do que Arca da Aliança era Marcha do Intelecto uma marcha mais intencional do que a do tempo Um dos escritores do primeiro número salientou que finalmente o público estava se percebendo como entida INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 201 de pelo menos na literatura em que as dedicatórias de adulação aos patrões haviam falecido Todos os nossos grandes poetas escrevem para o povo Portanto no início do século XIX mais coisas estavam envolvidas no debate sobre a imprensa do que o acesso à informação ou a melhoria da educação O jornal era um símbolo e um meio Walter Bagehot 182677 editor do The Eco nomist fora da tradição Whig transcreveu as memoráveis palavras de Dickens Londres era como um jornal Tudo está lá e tudo está separado Há todo tipo de pessoa em algumas casas mas não há mais ligação entre as casas do que entre os vizinhos nas listas de nascimentos casamentos e mortes Bagehot achava que a sua era a época da discussão e acreditava que os jornais e periódicos eram órgãos formadores de opinião necessários para tornar as discussões possíveis E não parou aí Era fascinado pelo contexto dentro do qual a comunicação acontecia ou deixava de acontecer Para ele além da dimensão educacional para a disseminação de idéias havia sempre também uma dimen são social e política Achava axiomático que em política a forma de governo se torna liberal na proporção exata em que aumenta o poder da opinião pública Mas permaneceria liberal Antes de Bagehot e Arnold mesmo antes de Dickens um outro romancista Edward Bulwer Lytton 180373 em England and the English 1833 precoce anatomia da GrãBretanha havia incluído uma seção sobre a imprensa que olhava tanto para o passado quanto para o futuro Se os jornais de sete centavos fossem vendidos por dois qual seria o resultado Se a venda fosse ampliada daqueles que pagam sete centavos para aqueles que pagam dois um maior número de pessoas deveria ser consultado pois serão alcançados os sentimentos e desejos dos mais pobres e assim se traria uma nova influência para nossas relações sociais e nossas leis Lytton também levantou outras questões algumas já antigas inclusive o proble ma da relação entre partidarismo e objetividade em uma imprensa livre Essa mesma questão havia sido levantada nos Estados Unidos do fim do século XVIII no ano da Primeira Emenda que tornaria diferente a história da mídia norteamericana subseqüente ou posterior O propósito do jornal manti nha John Fenno primeiro editor da Gazette of the United States 1789 era mos trar o governo próprio do povo sob um foco de luz favorável e imprimir apenas idéias sobre a administração com a exibição de FATOS O que eram só idéias O que eram fatos A Gazette que colocou na primeira página um epítome do presente estado da União era subsidiada por Alexander Hamilton e pelo Partido Federalista Thomas Jefferson não era o único a acreditar que todos os jornais fe deralistas tratavam de mentiras e rabiscos Fenno tinha confiança nos desco nhecidos leitores norteamericanos do tipo identificado por Wilkie Collins Nos 202 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sos cidadãos podem ser e foram enganados por um certo tempo mas enquanto a imprensa estiver protegida podemos confiar nela William Cobbett 17631835 um dos escritores mais partidários e cuja carreira se estendeu pelos dois lados do Atlântico primeiro nos Estados Unidos defendia o partidarismo político vigorosamente do mesmo modo como defendia suas causas Em seu Political Register primeiro publicado na GrãBretanha em uma versão barata em 1810 apelidado de Lixo de dois vinténs ele foi tão agressivo quanto fora ao escrever sob o pseudônimo de Pedra PorcoEspinho nos Estados Unidos Em 1816 diziase que o Register vendia de 40 a 50 mil cópias por semana No entanto nunca se pôde alegar que Cobbett tratasse simplesmente de fatos Seu jornalismo influente levava diretamente à ação política O subtítulo de seu panfleto The Poor Mans Friend 1826 era uma defesa dos direitos daqueles que realmente trabalham e lutam as batalhas Havia um elemento conservador nos pontos de vista de Cobbett mas a maioria dos conservadores ingleses da época fazia objeção a seu radicalismo Tory um produto supremamente inglês Muitos deles eram hostis também à Marcha do Intelecto para eles motivo de sátira embora a imprensa tivesse um advogado conservador George Canning 17701827 futuro primeiroministro que havia editado um periódico na juventude The AntiJacobin Em um discurso para os constituintes de Liverpool em 1822 ele referiuse ao forte poder da opinião pública corporificado por uma imprensa livre Chegou a comparála ao poder do vapor Nem todos os liberais tinham a mesma opinião O historiador socialista Sismondi 17731843 casado com uma Wedgwood mas com uma visão euro péia formada na Suíça observou com rudeza em 1823 que enquanto a imprensa diária é um poder seu objetivo não é o bem público mas conseguir o maior número de assinantes John Stuart Mill 180673 filho de um dos mais íntimos amigos de Bentham James Mill 17731836 militante do utilitarismo que acreditava sinceramente na necessidade de mobilizar a opinião pública suge riu que são necessárias mais artificialidade e hipocrisia na profissão literária em especial nos jornais do que em um zelador de bordel imagem que voltaria a ser utilizada Enquanto isso sir Robert Peel 17881852 conservador que vinha de uma formação diferente da de Canning descreveu a opinião pública como com preendendo um grande composto de insensatez fraqueza preconceito senti mentos errados sentimentos corretos obstinação e parágrafos de jornais The Times mesmo considerado como um quarto poder não deixou de ter vários críticos entre eles o radical William Hazlitt 17781830 que escreveu um brilhante ensaio sobre O espírito da época em 1823 Embora admitisse que The Times atribuíase o direito de se intitular o jornal líder da Europa Hazlitt não gostava dele Ele deve imaginar não apenas ser impresso mas também composto de uma máquina a vapor Em contraste Peel alarmado pelo apoio dado por seu INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 203 poderoso editor Thomas Barnes 17851841 à reforma parlamentar durante os conturbados anos de 1830 a 1832 chamou o The Times de principal maior e mais poderoso advogado da reforma A contraparte Tory do Edinburgh Review o Quarterly Review fundado em 1809 descreveuo como o mais devasso dos jor nais londrinos e o mais descaradamente inconsistente em tudo exceto em malícia e maldade Certamente Barnes ouvia seus leitores mas conhecendo as aspirações polí ticas de muitos deles sentia que em momentos históricos como a crise da Lei da Reforma de 1831 tinha que instigar e ao mesmo tempo ouvir The Times era O Trovejante Constituía para a literatura o que o conhaque é para a bebida John Bull cuja compreensão é bastante lerda requer um estímulo forte Ele consome seu bife e não consegue digerilo sem um trago de álcool cochila tranqüilamente sobre seus preconceitos que sua presunção chama de opiniões e devese dar uma grande sacudida no seu intelecto densamente compacto antes de fazêlo com preender alguma coisa Barnes estava de olho nos leitores da classe média muitos dos quais defenderam o voto em 1832 Mas o que estava dizendo era para ser ecoado em linguagem alternativa por editores diversos em uma grande gama de circunstâncias políticas e sociais Doze anos mais tarde Benjamin Disraeli 180481 um dos mais contun dentes críticos de Peel colocou na boca de seus personagens do romance Conings by frases como Deus fez o homem à sua própria imagem mas a do público é feita pelos jornais A opinião atualmente é suprema e fala pela imprensa e a repre sentação da imprensa é muito mais completa do que a do Parlamento Mas quanto a outros romancistas Anthony Trollope 181582 que odiava Disraeli e desejava ser político na época não acreditava que isso fosse uma coisa boa Para ele The Times era Júpiter o deus dos deuses mas os jornalistas que trabalhavam lá não mereciam respeito ou estima Foram por muito tempo considerados pouco sérios mas agora estavam se tornando algo pior intrometidos e intrusos O número de jornalistas aumentaria a partir de 1860 com a participação de profissionais formados em universidades os intelectuais termo pouco usado na GrãBretanha da época Eles também se organizaram coletivamente Em 1886 foi criada em Birmingham uma Associação Nacional de Jornalistas que mais tarde obteve licenciamento e foi renomeada como Instituto de Jornalistas incluindo tanto editores quanto repórteres Em 1907 foi fundada a União Nacional de Jorna listas um verdadeiro sindicato No entanto os jornalistas britânicos não eram treinados como começava a acontecer nos Estados Unidos Para eles o jornalis mo era um oficio a ser aprendido com a experiência Muitos norteamericanos também achavam o mesmo embora outras forças estivessem ativas no país Em 1869 bolsas de estudo para a imprensa eram oferecidas para jornalistas pelo Washington College na Virgínia O comandante da defesa do Exército sulista Robert E Lee 180770 achava que o jornalismo podia fortalecer a sociedade pósGuer 204 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ra Civil no Sul Em 1908 no Missouri tem início a primeira escola de jornalismo dirigida por um decano No Norte em Nova York capital da mídia a Universidade de Colúmbia se tornaria a principal fornecedora de profissionais depois de 1912 embora ela fosse uma escola de pósgraduação O homem que concebeu o papel da universidade Joseph Pulitzer 18471911 cujo nome designa uma quantidade de prêmios oito para campos específicos de jornalismo seis para letras nasceu na Hun gria e assumiu a direção de The World em Nova York em 1833 Ele pensava que o treinamento dos jornalistas deveria se basear na contribuição que a imprensa podia dar à idéia de progresso especialmente progresso de justiça civilização humanidade opinião pública da noção e do ideal democráticos Essa não era uma perspectiva Whig mas progressista No entanto ela significava que embora as escolas de jornalismo não fossem do mesmo tipo ou qualidade a história do jornalismo teria em várias delas uma visão particular Entre os textos clássicos do jornalismo havia ensaios de Robert Ezra Park 18641944 que havia sido repórter e hoje é conhecido como um dos fundadores da Escola de Sociologia de Chicago O jornal sugeria Park em 1916 era o grande meio de comunicação e com base em sua informação sustentavase a opinião pública Outro grande nome do panteão jornalístico norteamericano foi Walter Lippmann 18891974 colunista de jornal muito respeitado sua coluna Hoje e Amanhã iniciada em 1931 era publicada em 250 jornais sendo um em cada dez fora dos Estados Unidos Muitas pessoas compram um jornal reconhecia Lippmann porque suas próprias vidas são tão desinteressantes que elas desejam uma emoção vicária a leitura sobre um conjunto de pessoas imaginárias cheias de vícios magníficos com os quais em suas fantasias possam se identificar Todavia ele investigava mais do que isso e ganhou merecidamente dois prêmios Pulitzer Seu famoso livro Public Opinion lançado em 1922 talvez continue sendo o mais conhecido volume sobre o assunto Lippmann sugeria que o poder da imprensa era expresso menos pela personalidade do editor de um jornal do que pelo próprio fluxo de notícias Em um mundo moderno e complexo as notícias eram inevitavelmente seletivas e os leitores dependendo do que era oferecido histórias condensadas encon travam dificuldades enormes para construir julgamentos por conta própria Ofe reciamlhes estereótipos pseudorealidades sobre questões públicas A idéia de Lippmann sobre esfera pública como a de Habermas ver p78 dificilmente se sustenta ao dar a impressão de que a mídia distorce e os anunciantes manipulam A idéia permaneceu como um ideal e várias escolas norteamericanas de jornalismo havia 84 em 1917 e 812 em 1987 acreditavam em manter os ideais no interior de uma cultura e de uma sociedade complexas Foram fundadas a Associação Profissional de Jornalismo em 1912 e a Associação para o Ensino de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 205 Jornalismo em 1949 e em 1924 foi produzido um Journalism Bulletin que se tornaria trimestral em 1930 e se faria seguir em 1974 por um periódico Journa lism History Como relacionar o treinamento jornalístico às mudanças no mundo da comunicação este permanecia e permanece sendo um assunto de debate mesmo na GrãBretanha onde entre 1919 e 1939 o único diploma universitário de jornalismo era oferecido pela Universidade de Londres Nos Estados Unidos James W Carey decano da Escola de Comunicação de Illinois onde se localizava um departamento de jornalismo era um líder nesse campo e acreditava que os programas da Escola deveriam contribuir para o conhecimento histórico Outras escolas de comunicação e jornalismo contudo se inclinavam para os estudos de mídia dentro de um contexto cultural em mudança Nem a idéia nem o ideal de um quarto poder tampouco a esperança da criação de uma força política progressista jamais pareceram relevantes para mui tos jornalistas e proprietários de jornais alguns tão interessados em imagens quanto em palavras O Illustrated London News fundado em Londres em 1842 fornecia uma alternativa um panorama do mundo oferta assumida pelos programas de televisão Panorama mais de um século depois O primeiro jornal diário ilustrado o Evening Illustrated Newspaper era apenas um entre o número crescente de diários vespertinos britânicos fundados em 1881 outro era o Evening News 1894 de Harmsworth o Daily Mirror seria lançado em 1903 Os jornais ves pertinos tiveram muitas edições sendo que a primeira aparecia em Londres cedo às 11 horas da manhã Leia tudo o que aconteceu era a informação diária Enquanto isso o semanário Punch renomado por suas caricaturas e trocadilhos e fundado um ano antes do Illustrated London News havia se espraiado a partir de Londres onde mantinha uma base firme para muitas casas da província vitoriana junta mente com The Times Radical em suas origens ele se descrevia com variações através de imagens e também de palavras como observador zelador protetor justiceiro punhal Em 1860 sob a editoria de John Thaddeus Delane 181779 o jornal The Times em uma época na qual os periódicos influenciavam mais a opinião do que os jornais diários exerceu algumas dessas funções Suas manchetes eram lidas avidamente no café da manhã tanto nas casas quanto nos clubes e sua oferta de notícias internacionais superava a encontrada em qualquer outro jornal Foi na quele ano antes da revogação do imposto sobre o papel que um observador de fora afirmou que o jornal não se apóia em classe alguma não representa qualquer partido exclusivo não advoga qualquer interesse específico Pretende englobar e exprimir e várias vezes engloba e exprime a opinião corrente de todos os setores inteligentes e informados da comunidade britânica Sem dúvida este era o obje tivo de Delane O dever máximo da imprensa é obter a primeira e mais correta informação sobre os eventos da época e instantaneamente revelálos transfor mandoos em propriedade comum da nação 206 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA No fim do século XIX o clima era outro e as manchetes dos jornais replica das em cartazes nas ruas e gritadas por pequenos jornaleiros tão familiares nas ruas de Londres e Birmingham e de outras cidades quanto nas de Chicago e Nova York tornavamse mais importantes do que os textos ou as reportagens sobre acontecimentos legislativos A ênfase recaía sobre histórias acompanha das ou suplementadas pelo que veio a ser chamado de modelos alguns delibe radamente dirigidos às mulheres e a partir de 1880 por colunas de fofocas e entrevistas Em 1800 já havia interesse em histórias mas no decorrer do século elas começaram a chegar com maior rapidez e os editores queriam acelerar esse processo os jornalistas passaram a escrevêlas com menos palavras e em parágra fos mais curtos Algumas histórias agora abriam caminho para a publicidade Já no século XVIII apareceram jornais nacionais e locais com a palavra anúncio em seus títulos A propaganda tem uma história longa somente em parte contada Como foi dito ver p61 no século XVII havia anúncios de tinta muito apropria damente e no século XVIII de remédios patenteados notar a palavra paten teados seguidos de propaganda de chá chocolate sabão e tabaco Em 1900 quando muitos produtos de consumo foram padronizados a propaganda era mais longa e muito pictórica chamando a atenção para produtos de marcas nacionais não apenas na imprensa mas também em cartazes brilhantemente coloridos um triunfo da cromolitografia Foi nos Estados Unidos país em que surgiram entre 1880 e 1914 as primeiras agências de publicidade que as despesas com propaganda quebraram todos os recordes O total que cresceu de 40 milhões de dólares em 1881 para mais de 140 milhões em 1904 alcançou a marca de um bilhão de dólares em 1916 Haveria outras quebras de recordes em ambos os lados do Atlântico e levando em conta mais de um meio de comunicação durante o fim das décadas de 1950 e 1960 É interessante que Harmsworth que anunciava o Daily Mail em cartazes de muro e no céu pensasse que usar tipos para publicar propaganda em páginas de seus jornais era vulgar As palavras faziam as imagens Harmsworth pagava ao editor do Daily Mail mais do que qualquer jornalista do país recebia e fez muito para estabelecer a imagem de Fleet Street diferente da de Madison Avenue em Nova York o centro das agências de propaganda ou do iluminado Times Square o centro do entretenimento assim como dos escritórios do New York Times Todavia por trás dos três lugares e de suas imagens havia uma pode rosa base econômica Foi um dos empreendedores da confiança de Northcliffe Kennedy Jones quem disse a John Morley 18381923 escritor de ensaios e livros inclusive a biografia de Gladstone e editor de periódicos Você fez do jornalismo uma profissão nós o transformamos em um ramo do comércio A figura mais controvertida na história do jornalismo do fim da era vitoriana e começo do século XX foi WT Stead 18491912 que sucedeu Morley um tipo INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 207 muito diferente de jornalista político como editor do influente jornal londrino Pall Mall Gazette muito lido nos clubes de Londres em 1885 O próprio Morley sucedera um tipo de editor muito diferente Frederick Greenwood 18301901 conhecido por seus contemporâneos como o Príncipe dos Jornalistas Antes de Stead que era filho de um ministro da Assembléia diziase que o jornal Gazette nada tinha de vulgar vistoso ou sensacionalista Agora ele misturava instigantes editoriais com notícias sobre denúncias de corrupção várias delas relacionadas a campanhas sendo que a mais notória foi uma sobre prostituição juvenil que rotulou de escravidão branca Em um artigo de 1886 publicado em Contempo rary Review e intitulado Governo do jornalismo Stead argumentava que a im prensa significava muito mais do que um controle sobre o Parlamento Era uma câmara de iniciativas Stead permaneceu como editor do Gazette somente durante cinco anos fundando logo depois com a ajuda financeira de George Newnes o Review of Reviews que se tornou imediatamente lucrativo além de indispensável para os historiadores do jornalismo mundial Ele também escreveu um livro sensacional If Christ Carne to Chicago mas em 1904 falhou na tentativa de criar um jornal próprio que chamou de folha da casa Stead foi um dos passageiros que se afogaram no Titanic em 1912 assunto de que ele próprio teria gostado assim como de alguns filmes feitos sobre o naufrágio no fim do século XX Stead começara a carreira jornalística em 1870 ano da primeira lei de educa ção nacional obtendo muito sucesso como editor da folha matutina provinciana e barata Northern Echo em Darlington jornal com um ousado futuro no século XX Harold Evans mais tarde sir Harold editor do Sunday Times despedido em 1982 por seu proprietário Rupert Murdoch começou sua carreira no mesmo jornal Poucos defensores do direito que o público tem de saber foram mais eloqüentes do que Evans autor de um comunicado de 1974 publicado pela TV Granada da GrãBretanha Os governos assim como os cidadãos precisam de uma imprensa livre e inves tigativa Com um eleitorado volátil pluralístico e uma burocracia complexa a imprensa livre proporciona um sistema indispensável de realimentação para governados e governantes consumidores e produtores periferia e centro e também para os diversos setores da burocracia Os contextos político e social desse comunicado eram muito diferentes daqueles de Delane e de Stead E também diversa era a constelação da mídia A mulher de Evans Tina Brown foi editora da revista New Yorker O Sunday Times sob a direção de Evans criou em 1961 uma bela revista colorida cheia de anúncios e não era o único com essa característica e um grande setor de periódicos de província formado por jornais livres folgadamente 208 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sustentados por anúncios locais O jornalismo investigativo era agora uma palavrachave tão familiar como a frase investigar e denunciar a corrupção polí ticoadministrativa muckraking termo derivado de Bunyan nos Estados Uni dos no início do século XX A mídia impressa estava envolvida em mais coisas do que histórias da primeira página e agora surgiam reclamações contra operações jornalísticas formuladas por líderes políticos ou romancistas sofisticados além de pessoas comuns perturbadas pelas ameaças à privacidade Essa era uma história pouco comentada na mídia e que transcende o tempo e o lugar Foi nos Estados Unidos que floresceu o jornalismo investigativo sobre corrupção décadas antes de Evans fundando o que o historiador norte americano Richard Hofstadter chamou de A idade da reforma Orgulhosos de suas contribuições a grandes causas jornalistas famosos como Lincoln Steffens 18661936 formaram suas reputações tanto em jornais como em periódicos sobretudo em uma revista nova McClures de conteúdo e estilo muito diferentes de antigas revistas como Atlantic Harpers e Century Os investigadores de corrup ção suspeitavam de todos os tipos de magnatas inclusive dos milionários da imprensa cujas contrapartes britânicas geravam uma suspeita adicional quando além de exercerem muito poder recebiam homenagens públicas Harmsworth que se tornaria visconde em 1917 não foi o primeiro proprietário de jornal a entrar para a lista de honra britânica Algernon Borthwick proprietário do Mor ning Post confidente de lorde Palmerston foi feito cavaleiro em 1880 tornando se barão de Salisbury e par do reino em 1895 No mesmo ano em que Harmsworth tornouse visconde ele encontrou Ford e Edison em uma visita aos Estados Uni dos e descobriu satisfeito que o primeiro estava tão interessado em dinheiro quanto eu e que o segundo odiava os alemães como se odeia o veneno Eles roubaram todas as patentes que ele tinha O papel dos proprietários no jornalismo britânico investigadores de cor rupção ou patriotas estridentes estava sob ataque durante a primeira década do século principalmente nos círculos Whig ou liberais dentro dos quais Treve lyan atuava Para LT Hobhouse 18641929 chamado de novo liberal a imprensa de 1909 era cada vez mais monopólio de alguns homens ricos longe de ser o órgão da democracia o que era a esperança dos radicais havia se tornado basicamente o lugar de ressonância de quaisquer idéias recomendáveis aos grandes interesses materiais Todavia essa comparação era simples demais para constituir atrativo na época ou mesmo depois Alguns ricos proprietários achavam que representavam mais o público do que o Parlamento enquanto outros como o quacre George Cadbury 18391922 que em 1899 adquiriu o Daily News determinavam que deveriam sugerir seus próprios princípios Ele imediatamente cortou informações e palpites sobre apostas e Hobhouse foi seu primeiro candidato a editor INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 209 Cadbury continuou a adquirir os jornais regionais acreditando que era melhor despender dinheiro tentando levar meus compatriotas a realizar ações políticas do que gastar em caridade Outra grande família quacre os Rowntree acreditava que podia fazer as duas coisas O Northern Echo estava sob o controle do truste Rowntree antes da guerra assim como o influente semanário The Nation que em 1931 se fundiria com o New Statesman um dos mais importantes jornais semanais do entreguerras Um dos patrocinadores do novo jornalismo de maior sucesso antes de 1914 foi CA Pearson 18661921 que fundou o Daily Express em 1900 Em 1890 ele havia lançado o Pearsons Weekly que tinha como lema Interessar elevar e divertir em uma ocasião Pearson besuntou os periódicos com óleo de eucalipto para tornar seus leitores imunes à gripe Joseph Chamberlain 18361914 para cuja controversa campanha de reforma da tarifa Pearson dera um apoio valioso embora algumas vezes estridente chamavao de a pessoa mais ativa que havia conhecido Em 1903 Pearson comprou o St Jamess Gazette e um ano depois o Standard e o Evening Standard seguidos por um conjunto de jornais regionais inclusive o Birmingham Daily Gazette e o Evening Dispatch A política era um assunto constante nos jornais de Pearson sendo que os mais importantes deles mudaram de mãos em 1919 foram adquiridos pelo canadense Max Aitken 18791964 que em 1917 havia se tornado lorde Beaver brook Sobrevivendo a Northcliffe embora 14 anos mais velho que ele Bea verbrook trabalharia durante a Segunda Guerra Mundial no gabinete de Winston Churchill Ele já havia escrito um estudo clássico sobre o papel dos políticos inclusive de Northcliffe durante a crise política da Primeira Guerra Mundial quando Herbert Asquith foi substituído no cargo de primeiroministro por David Lloyd George Bravo Lloyd George havia sido a feliz manchete do Daily Mail Northcliffe estava seriamente interessado em explorar o poder da imprensa não somente na política mas também no desenvolvimento de nova tecnologia Na aviação ele patrocinou o vôo de Blériot sobre o canal da Mancha em 1909 Financiou também o rádio ainda no início em 1920 quando conseguiu uma transmissão a partir de Chelmsford da cantora australiana Nellie Melba o rou xinol australiano Apesar do que diziam as manchetes e o texto do Daily Mail afirmava que agora a arte e a ciência deram as mãos não houve fones de ouvido suficientes na redação do jornal durante a transmissão Em Paris fezse uma gravação fonográfica do desempenho de Melba em uma sala de transmissão radiofônica sob a Torre Eiffel Se Northcliffe não tivesse tido distúrbios mentais e morrido em 1922 o ano da fundação da BBC ver p162 ele poderia ter tido um importante papel na história da radiodifusão assim como desempenhara na história da imprensa Beaverbrook que sobreviveu a ele teve uma atitude mais ambivalente com rela ção ao novo meio Opunhase aos fabricantes de rádio que têm o controle mas 210 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA sentia total desconfiança em relação ao primeiro diretorgeral da BBC John Reith Depois que Reith disse em 1923 que a liberdade no ar resultaria em caos a manchete do Daily Express foi Lutando contra a liberdade Um crítico mais aberto de Beaverbrook do que Reith foi o líder conservador Stanley Baldwin 18671947 que fez as manchetes de 1931 ano de crise financei ra e drama político quando acusou os jornais de Fleet Street de objetivarem o poder sem responsabilidade acrescentando que esse poder havia sido prerroga tiva das prostitutas ao longo dos tempos Apoiado por The Times cujo editor George Dawson mantinha ligações com fontes do partido conservador oficial Baldwin havia sido ele próprio um alvo certo O herdeiro de Northcliffe o viscon de Rothermere junto com Beaverbrook ameaçava fazer oposição na eleição geral seguinte aos candidatos conservadores que não prometessem fazer campanha em prol do livre comércio do Império Durante a década seguinte até a Segunda Guerra Mundial Rothermere apoiaria o líder fascista sir Oswald Mosley 18961980 Vivam os camisas pretas foi uma manchete do Daily Mail O Daily Express de Beaverbrook órgão que expressava as opiniões do dono chegou a prometer aos leitores na véspera da invasão da Polônia por Hitler que não haveria guerra Na GrãBretanha essa foi a época dos barões da imprensa que festejavam seu poder Ela foi bem descrita no segundo volume de um estudo magistral feito por um historiador norteamerica no Stephen Koss e publicado em 1985 The Rise and Fall of the Political Press in Britain que colocou o adjetivo aparente antes de poder do baronato Na avaliação de Koss a imprensa popular podia estimular ou produzir opinião mas não conseguia determinar como os leitores reagiriam Havia outras maneiras contudo de interessar os leitores de jornal como a oferta de palavras cruzadas jogos e acima de tudo esportes A política muitas vezes vinha por último e no que toca a ela havia muita informação incorreta Como afirmou o poeta WH Auden era sempre necessário para os leitores ler nas entrelinhas A Segunda Guerra Mundial porém trouxe várias mudanças e alterou o tom da época O poder político da imprensa mostrouse limitado em 1945 quando apesar de toda a liderança do Daily Mail e do Daily Express o primeiro jornal diário a alcançar a marca de dois milhões de tiragem Winston Churchill sofreu grande derrota e o Partido Trabalhista ganhou a eleição geral Nesse ponto da história da mídia é necessário investigar mais profundamen te e comparar a imprensa e o rádio como mídias que influenciam a informação e a opinião Também é preciso olhar para a história social e política e para a própria história da mídia Havia muitos motivos para a vitória do Partido Trabalhista em 1945 e Churchill célebre por seus pronunciamentos à nação pela BBC durante a guerra não tocou a nota correta para seus partidários nas transmissões radiofôni cas sobre as eleições E em nada lhe ajudou o fato de parecer estar recebendo con selhos de Beaverbrook sobre estratégia Enquanto isso Clement Attlee 18831967 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 211 que iniciara sua carreira como diretorgeral dos correios e seus colegas do Partido Trabalhista desfrutavam em 1945 a poderosa ajuda do Daily Mirror que havia se tornado um tablóide genuíno em 1934 com assessoria da agência norteameri cana de propaganda J Walter Thompson Dentre as histórias em quadrinhos veiculadas pelo jornal o personagem preferido pelo público Jane era mais co nhecido em 1945 do que Attlee Independentemente das fontes de atrativo da imprensa em 1945 e das limitações de sua influência a circulação de jornais nacionais havia crescido durante a guerra aumentando vagarosamente durante a década de 1930 quando diminuiu a circulação dos jornais regionais Koss terminou seu livro com a nomea ção da primeira Comissão Real sobre Imprensa em 1947 que dedicou 150 páginas à educação e ao treinamento de jornalistas Contudo ele incluiu um pós escrito sobre a extinção na década de 1960 de jornais bem estabelecidos Em 1960o News Chronicle herdeiro do liberal Daily News do século XIX desapareceu Em 1964 o Daily Herald fundado como jornal trabalhista em 1912 com o apoio de sindicatos se transformou no Sun que recebeu um novo e enganoso slogan Um jornal nascido na época em que vivemos Em 1967 foi a vez do funeral do Reynolds News um jornal que inequivocamente pertencia a uma outra época O Daily Herald havia entrado em dificuldades financeiras em 1930 durante a depressão quando 51 de suas ações foram adquiridos pela Odhams Press 49 ficaram com os sindicatos O novo Sun perdeu ainda mais dinheiro e depois de cinco anos de incertezas e esforços foi vendido em 1969 para um jovem pro prietário de jornais o australiano Rupert Murdoch que ainda se encontrava a meio caminho de se tornar um magnata da mídia No mesmo ano ele adquiriu o News of the World e em 1971 seguindo o caminho de Northcliffe comprou The Times do proprietário canadense Roy Thomson 18941976 que havia adquirido o jornal dez anos antes Tendo começado a carreira no setor de jornais e rádio no Canadá Thomson havia montado uma base britânica por meio da aquisição da maioria das ações de uma das primeiras companhias de televisão independentes da GrãBretanha a Televisão Escocesa que se mostrou em suas inesquecíveis palavras uma licença para imprimir dinheiro A concentração de poder na mídia no século XX tornouse uma fonte cada vez maior de preocupação pública entre 1961 e 1981 Ela embaçou não apenas a maioria das possíveis linhas divisórias entre informação e entretenimento com um pouco de educação no meio mas também a linha que separa os partidos políticos entre esquerda e direita e por fim as diferenças entre as mídias O império de Murdoch estendeuse ao cinema e à televisão Thomson também havia incluído na lista de seus interesses o turismo ramo em que finalmente se concentrou Cecil King 190187 sobrinho de Northcliffe havia adquirido o controle do grande grupo Daily Mirror em 1933 o qual seria renomeado como International Publishing Group IPG em 1963 Ele também tinha participação na Associated Television 212 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Assim após assumir a Odhams o grupo ficou responsável por cerca de 200 periódicos semanais mensais e trimestrais Em 1968 King estava mais envol vido em uma política para minar o governo trabalhista do primeiroministro Harold Wilson do que em política partidária o que o forçou a deixar a presidência do grupo O periódico mais conhecido do IPG Woman havia sido lançado pela Od hams Press em 1937 ao preço de dois centavos e tinha meio milhão de leitores no fim do ano Em 1945 tinha três quartos de milhão e no pico no final da década de 1950 três e meio milhões Fora do círculo de Northcliffe a publicação mais característica havia sido Picture Post fundada em 1938 com artigos sobre altos temas políticos e fotografias memoráveis ela não só refletia as atitudes da esquer da dos tempos de guerra mas também as influenciava fortemente No Picture Post Stefan Lorant refugiado da Alemanha nazista usando uma pequena câmera Leica elevou o jornalismo pictórico britânico a novas alturas O proprietário do jornal Edward Hulton 190688 que havia começado sua carreira de proprietá rio de jornais em 1937 com Farmers Weekly foi sagrado cavaleiro em 1957 ano em que fechou o Picture Post Dois anos depois todo o grupo de periódicos de Hulton foi assumido pela Odhams antes que esta por sua vez fosse incorporada ao IPG É interessante comparar Picture Post com a revista Life fundada por Henry Luce 18981967 em 1936 13 anos depois do Time e quase simultaneamente ao jornal cinematográfico mensal March of Time Seu prospecto era eloqüente Ver a vida ver o mundo testemunhar os grandes eventos observar as faces dos pobres e os gestos dos orgulhosos ver coisas a milhares de quilômetros de distância coisas escondidas atrás de paredes e dentro de salas coisas perigosas de se obter ver e ficar pasmado ver e aprender Sem a motivação de Lorant Hulton e Tom Hopkinson 190590 o último editor de Picture Post que estava profundamente interessado na educação de jornalistas a revista Life vivia de acordo com o prospecto distribuído aos anunciantes antes de chegar ao público Em telegrama enviado em 1936 o poeta e ensaísta Archibald MacLeish 18921982 escreveu a Luce que as grandes revoluções do jornalismo não são as da opinião pública mas as revoluções no modo como ela é formada A opinião pública seria formada de diversos modos assim como a procura de entretenimento e educação seria moldada de maneiras diferentes O caminho do fotojornalismo havia mudado significativamente antes da morte de Luce em 1967 A própria Life oferecendo um registro em cores e em tempo integral da feitura da história morreria em 1972 depois de tentar competir frontalmente com a televisão ainda em grande parte em pretoebranco Luce teve de concorrer com revistas de notícias com a sua própria revista Time e com as concorrentes da Time as revistas Newsweek e US News and World Report cuja circulação combinada cresceu entre 1961 e 1970 de 538 para 847 milhões de cópias Depois da morte de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 213 Luce a revista Time ficou como o centro do que se tornou um imenso conglome rado econômico no início formado pela Time e pela Warner Brothers e mais tarde em 1995 incluindo Ted Turner que de uma inviável base em Atlanta havia criado contra todas as expectativas e as antigas redes uma rede global de notícias a CNN Cable News Network construída a partir do nada Nessas circunstâncias os jornais norteamericanos tiveram de se adaptar como fizeram quando chegou o computador A antiga sede de um jornal com uma sala de redação onde os repórteres usavam máquinas de escrever e em que os textos eram cortados e editados mudaria tão radicalmente quanto os processos de impressão O tipo de chumbo quente ainda não havia sido substituído em todos os lugares pela impressão em offset e o primeiro terminal de editoria eletrônica já era inaugurado em 1973 Ainda havia velhos odores e antigos ruídos nos prédios dos jornais e esses odores e ruídos mais tarde iam parecer curiosida des e serviriam de segundo plano para o brilhante filme político Todos os homens do presidente 1976 Como no século XIX as páginas continuavam a sair em estágios diferentes do processo de produção E as vendas caíam o número de jornais vendi dos por família menor em tamanho do que no século XIX caiu de 112 em 1960 para 088 em 1974 Em termos sociais a cidade em que se baseavam os antigos jornais locais perdeu seu poder para áreas mais extensas incluindo agora além dos subúrbios os exurbia que se estendiam para além deles Quando o proprietário do Sun de Nova York adquiriu três outros jornais metropolitanos na década de 1920 para lançar o Herald Tribune ele pôde escolher entre 14 jornais em 1963 12 deles ainda estavam sendo publicados O próprio Herald Tribune porém já havia desaparecido em 1958 e 20 anos depois só exis tiam três dos antigos jornais Em 1977 Anthony Smith com experiência em rádio televisão e filmes na GrãBretanha foi convidado pelo Fundo George Marshall dos Estados Unidos sob os auspícios do Instituto Internacional de Comunicações um exemplo interessante de cooperação internacional para estudar as mudan ças que estavam ocorrendo na publicação de jornais em diversos países O que acontecia nos outros países não era diferente daquilo que se passava nos Estados Unidos e na GrãBretanha embora as políticas nacionais variassem mesmo entre vizinhos Na Suécia que perdeu 50 jornais conservadores 30 liberais e vários outros de vocação socialdemocrata entre as décadas de 1920 e 1960 o Estado introduziu em 1970 um fundo de empréstimo e descontos para distribuição em conjunto seguidos por outros subsídios governamentais principalmente para jornais pequenos Foram também estabelecidas subvenções para jornais novos A Noruega adotou política semelhante A Dinamarca não Na Suécia e na Noruega a extinção dos jornais dos partidos representou para a maioria dos militantes um desastre total As comparações internacionais feitas no fim dos anos 1970 mostraram que depois de uma década de adversidade econômica os suecos consumiram mais 214 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA jornais por mil habitantes do que qualquer outro povo exceto o Japão e chega ram perto dos Estados Unidos em número de telefones per capita Além disso 95 da população sueca tinha aparelho de televisão Nesses tempos de compa ração a mídia era agora normalmente considerada uma só sendo os Estados Unidos o principal ponto de referência O crescimento das transmissões pri meiro de rádio e depois de televisão levou ao declínio dos anúncios em jornal de 45 de toda a propaganda em 1935 para 23 em 1995 mas a participação conjunta de jornais e televisão na propaganda total teve um número mais ou menos constante 46 comparados a 45 Não foi somente a televisão que representou um desafio para a imprensa Quando ela teve que se preocupar com outra mídia tanto em termos culturais quanto de negócios precisou examinar as possíveis mudanças futuras de seu próprio papel Estas não eram questões novas Na GrãBretanha uma das primei ras pessoas a especular sobre as relações na mídia e suas implicações foi lorde Riddell 18651934 então proprietário do News of the World o primeiro jornal britânico a ser comprado por Murdoch que em 1909 já tinha uma tiragem de mais de quatro milhões de cópias quando Riddell tornouse par do reino em 1909 Enfrentando o som do rádio e não a televisão ele foi amistoso com o novo meio mas levantou alguns pontos interessantes alguns dos quais estavam em ascensão do outro lado do Atlântico Qual o efeito que o rádio terá na vida Aliás não gosto da expressão sem fio por que descrever uma coisa com uma negação Estarão as pessoas dispostas a ler menos Falarão menos Serão mais ou menos informadas Irão menos ao teatro e a concertos de música Os que moram em áreas rurais estarão mais ou menos satisfeitos Quem pode dizer Riddell continuou a colocar questões que permaneciam no tempo No que con cerne à geração atual eu acredito que as pessoas acostumadas a ler e que gostam de ler continuarão a fazêlo usem elas o rádio ou não E a nova geração que crescerá com o rádio Preferirá se informar com um meio visual ou auditivo A geração seguinte e houve muita discussão sobre isso ia adquirir informa ção e mais ainda entretenimento na tela pelo meio visual o olho universal da televisão Na realidade no mesmo número de Radio Times em que Riddell colocava suas preocupações um ouvinte palavra nova e controvertida sugeriu em uma carta ao editor que não era profecia dizer que dentro de dez anos a televisão será tão avançada quando a radiotelefonia hoje A palavra es pectador ainda não havia sido pensada mas a BBC ao lançar um segundo periódico em 1929 chamouo de Ouvinte mais intelectual do que Radio Times Quando a televisão realmente chegou ela levantou mais questões do que aquelas expressas por Riddell com respeito ao rádio Como escreveu o então INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 215 crítico de televisão do Evening Standard e editor associado de Television Kenneth Baily em 1949 Milhares de pessoas e depois milhões se tornarão súditas em certo grau da tela de suas casas O que isso significará para elas Um bem ou um mal Com este novo poder parece não haver meiasmedidas ele escolherá seu caminho e então fará o que não pode deixar de fazer O determinismo tecnológico não era a resposta como irá mostrar a terceira seção deste capítulo A idade da televisão Mas outras tentativas foram feitas no sentido de fornecer respostas sobre as conseqüências sociais da televisão e estas nem ao menos haviam sido levantadas a respeito do rádio A era da difusão É necessário começar com o que a BBC sempre chamou de transmissão de som em vez de iniciar com a televisão tanto por seu interesse intrínseco quanto pelo menos no início pelo fato de que as mesmas instituições que conduziram a era da radiodifusão foram também responsáveis em introduzir a idade da televisão E cada instituição tinha sua própria história Normalmente tratavase mais de instituições do que de organizações nos Estados Unidos a NBC e a CBS se con sideravam assim e na GrãBretanha a BBC também Em 1926 o arcebispo de Canterbury já havia dito isso e pouco depois a BBC seria comparada à igreja anglicana que ele presidia Em 1940 RS Lambert um antigo editor do diário da BBC o Listener se voltou para uma instituição diferente afirmando em seu livro Ariel and All His Quality que no campo da arte intelecto e política a BBC exercia pelo patrocínio todo o poder antes exercido pela Corte Ed Murrow 190865 um dos grandes repórteres de rádio nos tempos de guerra famoso nos dois lados do Atlântico era ele mesmo quase uma instituição assim reconhecido graças às transmissões que fizera de Londres durante a batalha da Inglaterra Para MacLeish então bibliotecário do Congresso essas transmis sões foram responsáveis por destruir a superstição da distância Hoje inestimá veis como registro histórico na época tornavam os acontecimentos mais vivos O próprio MacLeish havia aberto um novo capítulo na rádio norteamericana com uma peça em versos transmitida em 1937 A queda da cidade tinha a presença de Orson Welles como locutor de rádio Outro programa da CBS transmitido em 1938 em que Welles de novo figurava como locutor foi uma versão muito modi ficada de A guerra dos mundos de HG Wells O anúncio da descida de marcianos na Terra gerou pânico mas o programa foi descrito por Dorothy Thompson como a notícia do século fornecendo uma contribuição para o entendimento 216 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA de hitlerismo fascismo stalinismo e todos os outros terrorismos de nossa época maior do que todas as palavras escritas sobre o assunto por homens sensatos Em dois anos a maioria das estações européias de transmissão estava em mãos nazistas e a demanda por notícias reais era maior do que nunca Ao for necêlas o rádio pela primeira vez teve sensível vantagem sobre os jornais uma vantagem de certa forma malvista nos Estados Unidos mas muito apreciada na GrãBretanha Antes da guerra a BBC tinha sido restringida em seu noticiário principalmente no tempo e conteúdo pela imprensa e pelas agências de notícias Agora com o apoio do Ministério da Informação um ministério novo e impopu lar ela estava liberada Era também a sede de muitos radialistas europeus em busca de liberdade política e ficou conhecida como a Voz da Liberdade No auge da guerra chegou a fazer transmissões em 45 línguas incluindo o tâmil o tai e o japonês Em casa ela tinha a responsabilidade de manter o ânimo e entre os programas de entretenimento irradiados o ITMA de Tommy Handley tornouse lendário O modo como a BBC interpretava no tempo da guerra opiniões de um conjunto de radialistas vários nãoprofissionais foi de especial importância A rádio norteamericana também utilizou muitos voluntários de fora da profissão uma legião de críticos fazendo propaganda da democracia que também iria se destacar em Hollywood A guerra fornece uma posição favorável necessária mas incomum para examinar esses aspectos da radiodifusão assim como as mudanças tecnológicas por exemplo como o radar e os foguetes Uma guerra de palavras estava sendo travada entre 1939 e 1945 e tanto nos países democráticos quanto nos totalitários o microfone tornouse uma arma poderosa Ele já havia sido utilizado durante a década de 1930 por Adolf Hitler 18891945 e Joseph Goebbels 18971945 encarregado da máquina de propaganda nazista e anteriormente pela União Soviética Na primeira transmissão radiofônica nazista em 1933 Goebbels que estava empenhado em destruir a autonomia da imprensa afirmou com convicção que o rádio seria para o século XX o que a imprensa fora para o XIX Nos colossais comícios inteligentemente organizados em Nuremberg o microfone seria usado como megafone assim como aconteceu em praças públicas e prédios da União Soviética Figura 21 A radiodifusão tinha também a vantagem de poder ser controlada e os aparelhos de rádio das pessoas produzidos durante o fim da década de 1930 não captavam as transmissões de outros países Nem Lênin 18701924 nem Stálin 18791953 contudo ambos associados a panfletos que traziam seus nomes foram radialistas ativos e os programas soviéticos eram maçantes repletos de estatísticas dúbias atraindo apenas a militância partidária A imprensa era rigoro samente controlada Nos Estados Unidos onde grande parte dela era hostil a Franklin D Roosevelt 18821945 que chegou ao poder no mesmo ano que Hitler o presidente usava o microfone de modo diverso Em suas conversas diante INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 217 Figura 21 No estádio Adolph Hitler com a coordenação de seu ministro da propaganda Joseph Goebbels usa o microfone como um megafone Aqui afastado do imenso público ele fala em um comício monstro 218 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA da lareira pretendia fazer com que os ouvintes sentissem que estava presente junto com eles em seus lares Figura 22 E esse não era o único uso do rádio As oito conversas representaram somente 8 de suas falas radiofônicas entre 1933 e 1936 uma delas transmitida em um feriado foi ouvida por 64 dos aparelhos norte americanos Nenhum desses usos do rádio havia sido contudo parte da experiência britâ nica A BBC que durante os primeiros anos de sua história teve recomendações governamentais para ficar fora de transmissões controvertidas na mudança da paz para a guerra teve de adaptar sua estrutura e suas políticas muito mais do que qualquer outra grande organização Apesar disso o alcance de seus programas préguerra foi muito maior do que em qualquer outro país principalmente nos Estados Unidos e a BBC manteve essa vantagem durante e depois do conflito Em transmissões para o exterior ela continuava a se orgulhar de propagar a verdade Na programação interna agora abandonava grande parte do que fora considerado fundamental nos primeiros anos por exemplo um padrão de programas aos domingos e a má vontade em transmitir música popular No começo da guerra obedecendo a instruções governamentais a BBC irradiou somente um único programa Mas em janeiro de 1940 lançou nova pro gramação a chamada Forces Programme como alternativa para o conjunto na cional anterior o chamado Home Service Irradiada para todo o mundo a estra tégia mudou completamente o tipo de programação préguerra da BBC que diferençava o domingo dos outros dias da semana Quando o conflito acabou em julho de 1945 foi chamada de Programação leve Light Programme Tratavase de uma das três programações para o público britânico sendo que a terceira era voltada para um aspecto cultural minoritário talvez com mais prestígio no exte rior do que na GrãBretanha Com essas mudanças o grande público cujos elogios haviam sido cantados por Reith e Seldes estava agora se fragmentando embora sir William Haley 190187 o diretorgeral que jamais usaria a palavra fragmentação tivesse a esperança de que os ouvintes se educassem passando de uma programação para outra Não havia sinal de política semelhante no sistema de rádio norteamericano as redes continuavam a ter controle firme embora o Departamento de Guerra dos Estados Unidos tivesse sua própria rede com 1800 postos em 1944 Também na União Soviética durante a guerra nenhum esforço foi feito para apresentar pro gramas anexos As impressoras soviéticas estavam competindo com armas e artilharia com material de guerra e poetas romancistas e letristas foram mobi lizados para a causa Stálin usou as palavras irmãos e irmãs em sua primeira transmissão radiofônica em 3 de julho de 1941 e algumas semanas depois um programa típico do rádio consistia na leitura de cartas de homens e mulheres escritas na frente de batalha Depois da guerra haveria uma ênfase maior em cultura definida e monitorada de cima por Andrei Zhdanov e seus associados INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 219 Figura 22 Diante da lareira Franklin D Roosevelt usa o rádio para conversar com seus concidadãos Ele confiava naquilo que julgara ser comunicação democrática Para examinar as experiências norteamericana e russa e também a britâni ca é necessário voltar ao começo Na GrãBretanha Reith ministro da Informa ção por curto período durante a guerra ao olhar para o passado podia combinar história pessoal e institucional Escocês engenheiro de profissão filho de pastor e nascido em um presbitério Reith tinha somente 33 anos em 1922 quando foi designado gerentegeral da British Broadcasting Company uma empresa comer cial com dividendos restritos coisa inconcebível nos Estados Unidos Ele per maneceu no cargo durante cinco anos antes de se tornar diretorgeral da nova British Broadcasting Corporation Reith havia planejado a grande mudança estru tural feita em 1927 por uma Concessão Real que estipulava que a BBC deveria fornecer informação entretenimento e educação e que seria comandada por uma diretoria formada por cinco pessoas com mandato de cinco anos nomeadas pela Coroa com base em recomendação do primeiroministro Esses diretores seriam provedores e não administradores pois era convicção de Reith mais do que uma opinião de que a administração da radiodifusão deveria ser feita por especialistas do ramo independentes do governo e do mundo dos negócios O significado de dirigir a BBC seria interpretado de diversos modos no futuro em tempos de paz e de guerra por diferentes diretorias e individualmente 220 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA por parte de cada diretor Mas a filosofia de Reith sobre a responsabilidade social permaneceu muito tempo depois de sua saída da BBC em 1938 Suas idéias foram colocadas em um dos mais reveladores livros sobre os anos de formação da radiodifusão Broadcast Over Britain 1942 escrito em velocidade enquanto Reith estava sob grande pressão como gostava Lorde Riddell fazia perguntas ver p214 Reith fazia perguntas e ele próprio respondia Reith escreveu que quando entrou para o ramo não havia ordens lacradas para abrir Muito poucos sabiam o que ela significava nenhum sabia o que poderia se tornar No entanto mesmo em 1924 ele já previa os desafios da radiodifusão em uma perspectiva a longo prazo algo que Riddell não havia feito Até o advento deste meio universal extraordinário e barato de comunicação uma grande proporção de pessoas não tinha acesso aos eventos que fazem história Elas não partilhavam de interesses ou diversões com aqueles que pos suem duas riquezas lazer e dinheiro Não tinham acesso aos grandes homens da época e estes só podiam enviar suas mensagens a um limitado número de pessoas Hoje tudo isso mudou Reith sentia que cumpria uma missão Usar o rádio simplesmente como meio de entretenimento acreditava seria prostituílo Ele não desejava oferecer às pes soas meramente o que elas queriam Cumpria à BBC estabelecer padrões Ela deve levar para o maior número possível de lares o que de melhor houver em cada setor de conhecimento esforço e realização humanos Havia aqui mais do que um toque de Matthew Arnold embora Reith provavelmente não tenha perce bido Para ele a preservação do tom moral era obviamente e observe o advér bio de capital importância Ele atribuía grande destaque à religião Nunca usou os termos mídia de massa ou comunicação de massa O monopólio era o instrumento natural para a missão de Reith mesmo que fosse um monopólio bruto ele próprio escolheu o adjetivo anos mais tarde pois somente esse tipo de organização poderia desafiar a lei cultural de Gresham segundo a qual o mal expulsa o bem O que significam mal e bem naturalmente isso era motivo de discórdia Mesmo na época a posição de Reith recusando a procura do menor denominador comum parecia autoritária com a passagem do tempo mostrouse rígida e obsoleta Todavia Reith recebeu apoio oficial e nãooficial como já acontecera com Vail tomando a defesa do monopólio da ATT nos Estados Unidos ver p153 Em agosto de 1922 uma manchete do Manchester Guardian afirmava antes de Reith ser nomeado que a radiodifusão de todas as indústrias é a mais indicada para o monopólio Doze anos mais tarde à luz da experiência The Times observou que havia sido uma sábia decisão confiar o rádio neste país a uma única organização um monopólio independente sendo o serviço público sua principal motivação Figura 23 INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 221 Figura 23 John Reith arquiteto das transmissões britânicas foi objeto de diversas caricaturas inclusive no Punch onde podia mesmo figurar como Próspero a revista interna da BBC chamavase Ariel A ilha está repleta de música sons guloseimas e ares aprazíveis A caricatura mostrao na fachada da então recente Broadcasting House 222 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA E mais ainda o Comitê Crawford indicado oficialmente em 1926 para avaliar o futuro da radiodifusão britânica concordava com a linha de pensamento de Reith de que o monopólio era mais uma questão de missão do que de tecnolo gia para enfrentar freqüências escassas Embora admitindo que comprimen tos de ondas especiais ou serviços alternativos pudessem fornecer um derivativo do que chamava o dilema da programação havia então somente um serviço de programação o Comitê acreditava que eles nunca seriam usados para contentar grupos de ouvintes mesmo extensos que pressionassem para a inclusão de programas triviais ou comuns A decisão tomada pelo Comitê Crawford de esta belecer uma corporação pública por concessão real foi saudada pelo socialista WA Robson como uma invenção na esfera da ciência social tão admirável quan to a descoberta da radiotransmissão no campo da ciência natural No ano de 1927 quando a Comissão Federal de Rádio foi estabelecida nos Estados Unidos com a finalidade de tratar da radiodifusão previase no princípio que ela seria temporária Já naquela época o sistema de rádio norteamericano apresentava significativas divergências em relação ao modelo britânico Era prin cipalmente um meio de entretenimento com o noticiário vindo em segundo lugar e tinha também posições diferentes sobre transmissões religiosas e políticas incluindo as eleições Em 1930 havia aproximadamente 14 milhões de aparelhos de rádio em uso e esse número em um ambiente de depressão era apenas o começo da idade de ouro quando o rádio se tornou acima de tudo um meio de comunicação de massa As estações locais ofereceriam o folclore do futuro como aconteceria uma geração depois quando a Prairie Home Companion programa de Garrison Keillor originalmente da Rádio Pública de Minnesota foi irradiado nacionalmente porém as redes nacionais estavam no controle A principal diferença em termos de abordagens internacionais sobre o rádio se relacionava no entanto com a propaganda Em nenhum país a estação de rádio era um presente dos céus livre como o ar mas o financiamento britânico vinha de taxas de licença e não de impostos gerais em oposição frontal ao modelo norteamericano que costumava auferir a audiência dos programas patrocinados e tirálos do ar caso não atraíssem número suficiente de ouvintes Durante a década de 1950 a publicidade segmentada dirigida a alvos específicos se estabelecia com o apoio da pesquisa psicossocial Os debates sobre os méritos dos dois sistemas começaram aí e jamais terminaram A caixa ainda é a chave dizia uma manchete da revista interna da BBC Ariel em 1979 Apesar disso os sistemas britânico e norteamericano foram apenas dois entre vários outros que apareceram na década de 1920 embora ambos servissem de modelo Havia muitos sistemas híbridos como sempre houve em telecomuni cações O Canadá era um exemplo particularmente interessante pois mesmo tendo um poderoso vizinho jamais quis seguilo como modelo A radiodifusão INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 223 foi usada deliberadamente para reforçar a identidade nacional como já havia sido feito com a política de transportes A radiodifusão extensiva norteamericana perturbou bastante a Liga Canadense de Rádio e influenciou diretamente a defini ção da Lei de Radiodifusão do Canadá de 1932 que estabelecia uma Comissão Canadense de Radiodifusão a CBC e a subseqüente criação da Canadian Broad casting Corporation em 1936 O modelo era a BBC mas desde o princípio foi incorporado um aspecto comercial incluiuse um segmento de propaganda espe cificamente canadense Antes de 1945 o sistema soviético construído segundo fundamentos marxis tasleninistas não servia como modelo Nem o nazista O italiano que era propa gandista tampouco no entanto por transmitir propaganda em árabe levou a BBC a fazer sua primeira irradiação em língua estrangeira antes da guerra em 1938 Jamais considerado modelar o sistema francês era dirigido desde 1928 por um serviço público organizado pelos correios e competia com 13 estações comer ciais privadas A audiência era relativamente pequena e em 1939 o serviço foi colocado sob o controle de um novo Departamento para Informação Pública Depois que a França sofreu a invasão alemã em 1940 que foi apoiada por inteli gente propaganda nazista o serviço perdeu toda a credibilidade Cada sistema de rádio mesmo o francês tinha seus defensores Alguns países desenvolveram identidades institucionais próprias a maioria deixavase ficar em uma coexistência desconfortável entre transmissões comerciais e serviços públicos A rádio NHK Nippon Hoso Kyokai do Japão antes e depois da guerra com sua junta de diretores parecia se assemelhar à BBC Ela foi fundada em 1926 dependente de taxas de licenciamento mas ao contrário da BBC estava sujeita ao controle do governo que aliás se intensificou bastante mesmo antes da invasão da Manchúria em 1931 quando o número de portadores de licenças havia alcançado a cifra de um milhão Houve pressões antes e depois da guerra do Japão com a China em 1937 para se concentrar em transmissões que exaltassem o espírito nacional incluindo emissões como o tema do dia que incorporavam o hino nacional canções patrióticas e chamadas para que os súditos do imperador fizessem uma reverência na direção de seu palácio Ironicamente a Segunda Guerra Mundial terminaria com uma transmissão sem paralelo do imperador Hirohito 190189 que poucos ouvintes compreenderam por causa da extrema formalidade da linguagem da Corte Depois que o Japão foi ocupado o status da NHK como pessoa jurídica foi confirmado pela Lei de Rádio e Radiodifusão de 1950 idealizada para garantir a liberdade de expressão nas transmissões e somente depois daquela data a NHK passou a sofrer a competição de estações comerciais a maioria delas associada a jornais De maneira semelhante enquanto a Alemanha estava ocupada e neste caso dividida o modelo de seus sistemas de radiodifusão pósguerra foi estabe 224 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA lecido por dois poderes diferentes de ocupação Na Europa Oriental a principal função do rádio e mais tarde da televisão foi definida como a formação de uma consciência do Estado socialista o sistema soviético tinha se tornado um mode lo como na Europa Central Na Alemanha Ocidental arquitetouse um sistema de rádio bastante descentralizado depois de 1945 sob grande influência britânica com nove estações públicas legais e regionais cada qual oferecendo três progra mações diferentes Nessas circunstâncias não poderia haver grande audiência mas desde o princípio outros elementos distintos estavam em jogo na Alemanha A descon fiança sobre a radiodifusão por parte da imprensa que era dominada por po derosos interesses financeiros representados em particular pelo grupo Springer baseado em Hamburgo e Berlim limitava inovações Além disso a existência de ouvintes e mais tarde de espectadores que na parte oriental captavam emissões estrangeiras era um fato de importância política antes da reunificação da Alemanha em 1989 O mercado de massa foi deixado para a imprensa O quinto artigo da lei básica do novo Estado germânico feito em 1949 especificamente tornou a imprensa livre como elemento integrante da Constituição mas não previu os triunfos do grupo Springer BildZeitung Picture Post da Springer vendia quatro milhões de exemplares por dia Na Itália poucos jornais eram vendidos para uma pequena parte da população menos do que em outros países europeus em 1975 99 a cada grupo de mil habitantes em comparação com 441 na GrãBretanha Os jornais eram no entanto instituições de reconhecida impor tância Havia também um semanário de massa Oggi semelhante a Paris Match A agência de radiodifusão italiana RAI Radiotelevisione Italiana fomentou a polí tica de objetivar um público unificado mas muitas vezes ela foi comprometida por clara interferência política Independentemente de país regime agência e período a raison dêtre de toda a radiodifusão era oferecer programas a uma grande e invisível audiência Por vários motivos a maioria deles históricos diversos países usando basicamen te a mesma tecnologia não tinham a mesma gama de programação ou não apre sentavam o mesmo estilo Mas em todos eles havia alguma divisão operacional de trabalho como na indústria de filmes Salvo os programas completamente infor mais todos os tipos de programas de estúdio que contavam com a possibili dade de gravação em fita magnética técnica na qual a Alemanha foi pioneira envolviam profissionais diversos roteiristas até que roteiros desse tipo fossem abolidos produtores normalmente trabalhando atrás de telas de vidro apresen tadores trabalhando diante delas e artistas nem todos profissionais em tempo integral Também os engenheiros estavam sempre por trás das cenas e o alcance da transmissão externa uma demanda de ouvintes em todos os países não teria sido possível sem eles INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 225 Nos Estados Unidos onde desde o início as transmissões foram integradas ao sistema de negócios havia uma divisão como acontecia na imprensa entre de um lado os realizadores e apresentadores dos programas geralmente os que ganhavam mais as celebridades e de outro lado os vendedores que arrecada vam as receitas dos anúncios Com essa divisão foi inevitável que se desenvolvesse um sistema de classificação de programas que se tornaria mais sofisticado do que a própria programação Os patrocinadores mediam estatisticamente o impacto dos programas de rádio assim como mais tarde mediriam a audiência da televisão horário nobre ou não e isso determinaria o custo publicitário A BBC com Reith evitava a utilização de classificações como guia para elaborar suas políticas e a estação só veio a fazer pesquisas de audiência em 1937 No entanto em 1945 ela já havia desenvolvido um sofisticado sistema interno que considerava a qualidade de cada programa e o número de ouvintes A empresa norteamericana AC Nielsen Company fundada em 1923 projetou a primeira máquina de medição direta o audímetro em 1941 e estabeleceu o que seria geralmente aceito como padrão de classificação Quando passou a se dedicar à televisão em 1950 a empresa tinha se tornado uma instituição tão reconhecida quanto as agências de propaganda que precederam o aumento da radiodifusão e organizavam dispendiosas campanhas de rádio e mais tarde de televisão As agências que desenvolveram uma linguagem distinta de marketing foram objeto do mesmo processo de concentração por que passaram as empresas de rádio e mais tarde a televisão Na GrãBretanha onde o processo de radiodifusão não apresentava nada de monolítico havia uma nítida divisão entre as pessoas criativas ou não que se dedicavam diretamente à realização dos programas e aquelas que administravam e tratavam das finanças No entanto as linhas que marcavam essa divisão podiam ser ultrapassadas Na opinião de um dos mais eloqüentes administradores criati vos Huw Wheldon que entrou para a empresa em 1952 a BBC era a soma de seus programas nem mais nem menos O padrão da programação que para ele necessariamente incorporava atrações dedicadas à arte nunca era fixo embora houvesse programas definidos para o mesmo horário em cada semana alguns de vida longa muitos ouvintes não queriam que acabassem e quando isso acontecia havia muita controvérsia A previsão de tempo foi incluída na lista de programas na GrãBretanha bem cedo em 26 de março de 1923 Na montanhosa Suíça constituiu um dos princi pais motivos de venda para aparelhos de rádio Desde o começo os eventos espor tivos eram populares em diversos países mas no início era difícil transmitilos pela falta de cooperação por parte dos interesses envolvidos na GrãBretanha a primeira corrida de cavalos ao vivo com comentários também ao vivo foi irradiada em 6 de junho de 1923 Diariamente eram transmitidos programas religiosos e a semana terminava com um epílogo religioso e um longo amém Nos 226 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA países católicos havia opiniões diferentes sobre a conveniência de se transmitir a missa A Rádio do Vaticano logo em seguida à criação do jornal Osservatore Romano desenvolveu um estilo próprio Nos Estados Unidos a religião e a políti ca se misturaram às vezes com alarde O televangelismo afetaria os dois setores A principal forma de entretenimento transmitida antes da guerra eram as variedades um nome estranho e descrito em 1934 pelo jornal The Times como o pão com manteiga da radiodifusão Nos Estados Unidos era o nome de um periódico profissional Tinha suas origens no teatro e o primeiro programa trans mitido em 30 de janeiro de 1923 se chamava apropriadamente Veteranos de Variedades no entanto nem todos os veteranos se adaptaram à nova experiência O cabaré tinha um apelo diferente Nos Estados Unidos o programa Amos n Andy Show com origem nos espetáculos de menestréis negros e brancos encenados no século XIX sobreviveu à depressão e à guerra Esteve cotado nos primeiros lugares antes da guerra e em 1950 após 21 anos ainda era um dos dez mais da lista de Nielsen antes de ir para a televisão O formato do programa era aberto permitin do a realização em série A palavra inglesa programme tinha dois empregos bem distintos na GrãBre tanha o primeiro uma transmissão global mais ou menos contínua que viria a se chamar canal na época da televisão ou seja programação o segundo os com ponentes individuais irradiados dentro da programação Muitos programas indi viduais tiveram suas histórias registradas mas não há quase estudos comparativos sobre o equilíbrio entre os programas individuais que constituíam uma progra mação Na televisão a situação é melhor existem muitas monografias especializa das sobre os diversos gêneros nela apresentados O equilíbrio mudou com o tempo sobretudo na GrãBretanha e mais durante a década de 1960 período caracterizado por conflitos sociais e culturais do que entre 1945 e 1960 quando a televisão começava a oferecer um serviço alternativo Os rádios transistores portáteis ver p124 foram responsáveis por uma ruptura social e cultural na GrãBretanha na Europa e pelo mundo afora inclusive no mundo árabe Neste último conforme ressaltou Daniel Lerner no famoso livro The Passing of Traditional Society 1958 o rádio portátil se tornou um símbolo de modernização Tanto o deserto quanto a praia seriam lugares apropriados para observar de que modo eram usados Figura 24 Na Europa um pouco mais tarde um dos motivos para fazer as instituições estabelecidas mudarem a programação foi a pirataria A Rádio Caroline trans mitindo do mar do Norte foi a primeira 1964 de um conjunto de estações piratas a desafiar as autoridades e transmitir principalmente música popular para a GrãBretanha e outros países europeus Depois de tentativas de controlar a situação pela lei tentativas mais raras na GrãBretanha do que nos Estados Unidos a própria BBC criou em 1967 uma nova Rádio 1 com programas Figura 24 Os rádios transistores transformaram a vida em praias e desertos onde não havia vivalma Os aparelhos eram móveis característicachave na história da mídia vejam o telefone celular portáteis e baratos Os transistores têm uma história ainda mais importante do que essa foram essenciais para o posterior desenvolvimento dos computadores 228 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA semelhantes aos das estações piratas sobretudo de rock e empregou funcioná rios que vinham das rádios clandestinas Havia então quatro canais de rádio 1 2 3 e 4 em vez de três A Rádio 4 assumiu o estilo do chamado Home Service estação que os ouvin tes sintonizavam para ter cobertura completa de notícias e comentários sobre as notícias e a Rádio 3 ficou com o que sobrou de uma estação Third Programme que se especializara em programação musical em 1964 e 1965 Também começa ram a surgir atrações regionais pela primeira vez desde os primórdios da antiga British Broadcasting Company que teve um transmissor de alta potência de ondas longas inaugurado em Daventry em 1926 e iniciou um esquema regional no ano seguinte As mudanças ocorridas na década de 1960 foram muito controvertidas dentro e fora da BBC mas o novo padrão rapidamente se estabeleceu Frank Gillard que se tornara conhecido como radialista nos tempos de guerra fazendo reportagens na frente de batalha em um programa brilhantemente organizado Reportagem de Guerra considerava que o rádio tinha a grande vantagem de ser relativamente barato e simples Essa era uma vantagem de importância especial na educação enquanto a televisão era cara e incômoda Embora o rádio possa ter sido sacudido pela televisão ele sempre pôde competir com os cinejornais e depois disso nunca foi por ela substituído Ocorreu uma mudança drástica semelhante na Holanda onde antes de 1939 havia uma única estrutura transmissora grandemente modelada por aspectos religiosos Uma nova lei de radiodifusão de 1967 incluiu duas estações novas a TROS e a VOD planejadas especificamente para entretenimento a partir da idéia das rádios piratas Na realidade ainda que uma das últimas pressões na radiodifusão tenha partido de jornalistas ansiosos por lançar programas regulares de notícias somente em 1974 o Ministério da Cultura insistiu junto à TROS para que se incluísse na programação algum boletim de notícias A trossificação exerceu um impacto sobre as emissões tradicionais apesar de a lei definir o objetivo da radio difusão como oferecer uma programação completa em proporções razoá veis de diferentes categorias de programas As atrações deveriam satisfazer às necessidades culturais religiosas e espirituais da população Nos Estados Unidos os objetivos da radiodifusão jamais poderiam ser defi nidos da mesma maneira Tampouco as rádios norteamericanas na época prin cipalmente regionais operavam de acordo com os desafios contemporâneos tal como haviam feito as tão criticadas BBC e as estações holandesas Antes da guerra as novelas que foram batizadas em inglês como soap operas óperas do sabonete por serem patrocinadas pela ColgatePalmolive e pela Procter e Gamble apresen tavam dramas diários de 15 minutos Havia também uma Hora Palmolive e uma Hora MaxwellHouse de café As notícias custaram a entrar na programação e Lowell Thomas apesar das reclamações da imprensa começou a ler regularmente notícias na NBC em 1930 Mas somente em 1934 elas tiveram lugar cativo na INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 229 programação muitas vezes com manchetes e excertos Algumas celebridades pas sariam diretamente do rádio para a televisão A Hora Fleischmann apresentou Milton Berle que havia iniciado como cômico de boate e teatro Um evento que sobressaiu na história foi transmitido somente por rádio em 30 de outubro de 1938 seis milhões de pessoas estavam ouvindo O Teatro no Ar Mercury da CBS quando a música de baile foi interrompida por um comunicado autorizado de que a Terra estava sendo invadida por Marte A Guerra dos Mundos havia começado Depois do advento da televisão de costa a costa após 1945 as rádios locais receberam um novo estímulo Mas enquanto caía a grande audiência noturna de 17 milhões de casas para três milhões pouco foi feito para melhorar a programa ção além do aumento do número de canais O surgimento do rádio transistor primeiramente oferecido como item de luxo nos Estados Unidos na década de 1950 além do rápido desenvolvimento de rádios para automóveis garantiu um lugar de destaque para a música popular inclusive para os estilos country e wes tern a qual pontuada por breves boletins de notícias permaneceu como um item de consumo geral Somente com o passar do tempo e com o conhecimen to de que o estreito espectro do rádio não importava mais a música clássica se tornou uma alternativa assim como posteriormente a rádio comunitária O subtítulo de um artigo de 1964 escrito por Desmond Smith sobre o Rádio norteamericano hoje na revista Harper era que se dane o ouvinte Tratavase de uma mensagem muito diferente daquela feita pelo editor do Daily Mirror de Londres face à crítica do governo Publique e se dane Os objetivos do rádio afirmava Smith são idênticos aos da televisão no tipo mas diferentes em magni tude O rádio norteamericano como qualquer ouvinte pode dizer é um escravo ainda mais dócil do dólar comercial Os padrões do rádio são piores do que os da televisão se isso é possível porque as emissoras só podem sobreviver em uma atmosfera de vendas estridentes como um meio de barganha de anúncios com os comerciantes locais as lojas de departamentos voltando aos primórdios do rá dio ou as agências de carros usados Em 1946 a participação da propaganda local na receita total do rádio tinha sido de 34 em 1963 70 Contudo os lucros das operações das estações locais eram altos ironicamente com o rádio em baixa como meio criativo a Comissão Federal de Comunicações CFC teve de congelar parcialmente a concessão de novas licenças em 1962 As perspectivas mudariam de alguma forma na década de 1970 que come çou com a criação de uma Rádio Pública Nacional e terminou com o número de ouvintes de FM freqüência modulada menos vulnerável a interrupções de re cepção pela primeira vez ultrapassando o de consumidores da AM amplitude modulada A história da FM envolveu mais o ramo dos negócios do que da tecnologia Um engenheiro o major Edwin H Armstrong originalmente amigo de Sarnoff se tornou seu inimigo quando este ao ver uma demonstração em 1933 230 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA considerou a FM um perigo para o sistema de redes E embora Armstrong tivesse autorização de construir uma estação experimental em Nova Jersey em 1939 e a FM se tornasse popular essa guerra atrapalhou o seu progresso E ainda mais ela o estagnou até 1957 Consternado com as atitudes da CFC e tendo de comparecer repetidas vezes diante de tribunais Armstrong cometeu suicídio em 1953 saltan do de um arranhacéus Podese traçar um paralelo entre a história da FM e o vagaroso desenvolvimento da UHF na televisão No entanto a FM tornou o ato de ouvir rádio muito mais agradável particularmente a música clássica enquanto a UHF em vários lugares piorou o ato de ver televisão É possível fazer uma série de generalizações sobre a era da radiodifusão antes que a televisão se tornasse o meio dominante É quase impossível contudo assim como no caso da televisão um meio muito mais estudado ou até no dos automóveis separar a extensão de sua influência sobre atitudes e hábitos em oposição a outras influências sobre a cultura e a sociedade Como o sistema postal o rádio alcançou toda a população mesmo nos lugares mais remotos e de modo diferente de outras mídias como a imprensa e o cinema Em qualquer lugar era um bom companheiro consolando e entretendo informando e educando além de oferecer em qualquer lugar conforto para cegos doentes solitários e os que estavam confinados em suas casas Na memória pelo menos as imagens que evocava subsistiam tanto quanto as palavras que oferecia O espectro de atuação da radiodifusão para estabelecer uma cultura comum nos países onde se considerava essa atitude como um ideal é motivo de debates ele permanecia bastante limitado principalmente em relação às classes mas as anedotas e os casos foram compartilhados antes que o processo de fragmentação se estabelecesse As conseqüências econômicas tornaramse substanciais além da criação de indústrias novas de dimensões assustadoras Mesmo em locais como a GrãBretanha onde havia pouca ou nenhuma integração entre o rádio e o ramo dos negócios pela via da propaganda os jornais e periódicos e também as exposições puderam usar a existência do rádio para vender produtos inclusive aparelhos receptores Havia também um atrativo especial para as mulheres Já em 1928 o Guia da BBC incluía um anúncio para as mulheres da GrãBretanha que depois de instalarem um aparelho de rádio e com isso afastarem os maridos do clube precisavam urgentemente dar um passo adiante e tornar os lares mais confortáveis e alegres adicionando globos e abajures Hailgloss nas lâmpadas O anúncio trazia a legenda Os prazeres em volta da lareira Sentarse diante da lareira parece ter se tornado nostálgico tanto a lareira quanto o próprio aparelho de rádio atualmente quase desapareceram Por ocasião do seu qüinquagésimo aniversário em 1972 a BBC convidou Alasdair Clayre escritor cantor e radialista para produzir uma série de programas radiofônicos com o intuito de examinar o impacto da radiodifusão sobre as pessoas INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 231 que cresceram ouvindo rádio Ele começou com A Hora das Crianças 1922 apresentado por tios e tias supostas figuras familiares um reforço para os pais mas não substitutos para eles No levantamento de Clayre a política vinha em seguida com McLuhan uma das pessoas entrevistadas sublinhando em bora de modo não inteiramente convincente como o rádio havia colocado em primeiro plano chefes tribais mas ele não mostrou as distinções entre as políti cas de radiodifusão levadas a cabo na GrãBretanha e na Alemanha na GrãBreta nha e nos Estados Unidos ou mesmo na GrãBretanha e no Canadá A música veio em terceiro lugar O acesso do público ouvinte à música clássica e a audiência desse tipo de arte havia aumentado enormemente o gramofone e o rádio tinham se tornado interdependentes Uma estação de rádio comercial britânica a Clássica FM 1992 provaria essa tendência depois que a BBC perdeu o monopólio En quanto isso música ambiente incluindo a música de elevador foi o grande fenômeno novo em todos os países Olhando para a trindade entretenimento educação e informação podese observar que o primeiro certamente mudou de caráter depois da chegada do som às casas embora não tão drasticamente quanto aconteceu nas décadas de 1980 e 1990 Normalmente o cinema era uma atração popular alternativa com os Cinco Grandes dominando a produção e a distribuição MetroGoldwyn Mayer Paramount Warner Brothers RKO e Twentieth Century Fox e poderosos colunistas de jornais promovendo às vezes infernizando os astros e estrelas da tela A premiação com o Oscar a primeira delas realizada em 1927 pela Academia NorteAmericana de Cinema Artes e Ciências sempre foi ocasião para um evento de mídia A publicidade no rádio nunca teve o mesmo apelo popular No item educação o papel do rádio assim como o da televisão foi maior do que a cota prevista de educação formal Na GrãBretanha porém a BBC quase desde o início se envolveu tanto com a educação escolar quanto com a de adultos e a concepção da fala como uma forma de arte limitada em tempo e cuidadosamente redigida e tão estranha para franceses e norteamericanos teve origem na educação para adultos A primeira transmissão para escolas na GrãBretanha foi feita em abril de 1924 Em 1939 havia um elaborado mecanismo de transmissões para escolas organizado por um Conselho Central de Radiodifusão para Escolas bastante independente que muito fez para conservar as instituições escolares abertas e alerta durante a Segunda Guerra Mundial Perto do final do conflito houve também um sistema de Radiodifusão Educacional das Forças Armadas apoiado com entusiasmo pelos responsáveis pela administração do Exército O esquema só foi desfeito em 1952 quando começou um experimento educacional mais am plo O esquema das Forças Armadas e o experimento focalizavam a extensão da compreensão por parte do público e queriam responder à seguinte pergunta 232 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Quantos programas as pessoas realmente compreendiam A resposta menos do que pensavam seus produtores A radiodifusão contudo nunca foi simplesmente um modo de transmissão pois como os historiadores têm ressaltado ela serviu pelo menos para algumas funções estabelecidas por Habermas quando escreveu sobre a esfera pública A maioria dos radialistas era da classe média os sotaques tiveram de ser padroniza dos e não se falava de interatividade mas de horizontes abertos o que se tornou um clichê além disso o rádio estimulava passatempos bem como a leitura Os bibliotecários em geral julgavamno um aliado e não um adversário Um programa radiofônico podia provocar uma corrida às livrarias e bibliotecas Nos Estados Unidos como em nenhum outro lugar no mundo o rádio se desenvolveu no início apoiado por instituições educacionais mas no fim da déca da de 1920 elas estavam perdendo influência e diminuindo em número Quando em 1934 uma nova Lei Federal de Comunicações substituiu a Comissão Federal de Rádio FRC pela Comissão Federal de Comunicações FCC voltada tanto para as telecomunicações quanto para o rádio houve uma pressão organizada no sentido de controlar e apoiar uma programação educacional No entanto a nova FCC favorecia as estações que chegavam a todo público ouvinte dentro da área de transmissão da estação e não mostrava interesse em apoiar emissoras educativas Nem o Congresso se interessou Apesar do apoio filantrópico e acadêmico em 1935 nas palavras de Robert W McChesney as autoridades haviam lavado as mãos sobre a política de radiodifusão neste e em outros campos Tal atitude teve maiores implicações quanto à oferta de informação pelo rádio Nos países europeus em 1935 a radiodifusão já havia feito muito para elevar o nível geral de informação e continuou com a tarefa durante a guerra e depois do advento da televisão quando os noticiários tomaram uma nova direção Nos Estados Unidos havia esperanças em 1922 de que o rádio pudesse reanimar a democracia uma palavra mais usada lá do que na GrãBretanha para acentuar nos cidadãos seu sentido de participação Foi Herbert Hoover e não Roosevelt que expressou a questão mais claramente Para ele o rádio estava revolucionan do os debates políticos que subjazem às ações políticas sob os princípios de gover no em termos concretos ele nos transforma literalmente em um povo em todas as ocasiões de interesse público geral O mesmo aconteceu na GrãBretanha por exemplo sobretudo na época da abdicação de Eduardo VIII em 1936 em um programa radiofônico apresentado pelo próprio Reith Mas o que isso tinha a ver com democracia Dez anos antes a tarefa final de Reith como administrador da BBC antes de se tornar diretorgeral de uma em presa pública fora manter ou pelo menos tentar conservar ao máximo a independência da empresa quando a nação ficou dividida por uma greve geral em 1926 havia pessoas no governo como haveria em crises posteriores que INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 233 desejavam assumir o controle da BBC Somente permaneceram disponíveis du rante a greve um jornal oficial folhas clandestinas do Partido Trabalhista e o papel da BBC como monopólio se mostrou controvertido Reith tinha muitas preocupações mas não dúvidas Haveria muito mais dúvidas no futuro A idade da televisão A radiodifusão em ambos os lados do Atlântico e em muitas outras partes do mundo independentemente do padrão adotado estava tão bem estabelecida em meados da década de 1930 que nunca foi fácil para aqueles com ela comprometi dos proprietários administradores apresentadores e artistas decidir como a televisão com sua longa préhistória poderia se encaixar ver p175 Além do mais embora houvesse uma minoria dedicada de entusiastas a situação econômi ca geral era desfavorável a um desenvolvimento rápido Nos Estados Unidos que poderia ter tomado a liderança os primeiros anos da década antes do New Deal foram de depressão quando o crescimento das vendas mesmo de automóveis esteve sob ameaça A despeito do emprego dado por Sarnoff a Zworykin ver p176 a palavra experiência era citada sempre que se mencionava a televisão na década de 1930 mesmo na GrãBretanha Quando a década que terminou em guerra estava quase no fim a televisão estava sendo apresentada publicamente na Feira Mundial de Nova York em 1939 na qual Roosevelt discursou havia até uma Sala da Fama da Televisão Somente em 1941 ano em que os Estados Unidos entraram na guerra a NBC e a CBS arquirivais iniciaram de Nova York algumas transmissões de televisão limitadas e em horários definidos Entretanto quem continuou a fazer programas regulares de televisão durante a guerra não foi uma das redes mas os Laboratórios DuMont ambiciosa emissora recémchegada ao mercado sem base no rádio e com investimentos da Paramount Pictures Sarnoff e William Paley o fundador da CBS estavam fora em serviços de mídia relacionados a nãocomba tentes e a terceira rede ABC que se voltou para a televisão em 1943 estava à volta com tantos problemas financeiros que não tinha como iniciar o processo Quando a Segunda Guerra Mundial acabou ainda era reduzido o entusias mo acerca da televisão nos círculos do rádio e do cinema sob a superfície prova velmente havia muita apreensão Nenhum grupo saiu a campo para fazer pressão como aconteceu com os radioamadores que desempenharam um papel crítico nos anos iniciais do rádio As decisões tinham que ser tomadas de cima e pelos grandes interesses do rádio a FCC também não ajudou Ela se debatia em argu mentos protelatórios sobre tecnologia inclusive sobre televisão em cores e a esco lha de VHF em vez de UHF ao congelar a licença para novas estações entre 1945 e 1949 a FCC prejudicou bastante os Laboratórios DuMont mo acerca da televisão nos círculos do rádio e do cinema sob a superfície prova velmente havia muita apreensão Nenhum grupo saiu a campo para fazer pressão como aconteceu com os radioamadores que desempenharam um papel crítico nos anos iniciais do rádio As decisões tinham que ser tomadas de cima e pelos grandes interesses do rádio a FCC também não ajudou Ela se debatia em argu mentos protelatórios sobre tecnologia inclusive sobre televisão em cores e a esco lha de VHF em vez de UHF ao congelar a licença para novas estações entre 1945 e 1949 a FCC prejudicou bastante os Laboratórios DuMont 234 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Nos chamados círculos informados havia um conceito errôneo sobre as expectativas da televisão Acreditavase que somente os grupos de alto rendimento pudessem ser atraídos por ela Essa crença porém mostrouse totalmente incor reta mesmo antes do fim do congelamento Com a oferta de poucos programas a produção de aparelhos cresceu consideravelmente entre 1947 e 1952 de 178 mil para 15 milhões em 1952 havia mais de 20 milhões de aparelhos em uso Mais de um terço da população norteamericana tinha um os dados para 1948 eram de 04 com significativa proporção de aparelhos em bares e não em casas No entanto mesmo em 1948 a Business Week impelida pela explosão de crescimento no pósguerra chamou a televisão de o mais recente e valorizado bem de luxo do cidadão comum e proclamou aquele como o ano da televisão A RCA estava em dia também em 1948 o preço de suas ações se elevaram em 134 graças às vendas de aparelhos Uma audiência realmente de massa começava a crescer explosivamente a cada semana enquanto o público de cinema diminuía apesar da popularidade descrita no epíteto era do cinema e do difundido slogan de Hollywood Os filmes estão melhores do que nunca Em 1953 o presidente Eisenhower escreveu no diário o seguinte Se um cidadão vai se entediar ao máximo é mais barato e mais confortável ficar em casa e ver televisão do que sair e pagar um dólar por um ingresso A ida média semanal ao cinema caiu de 90 milhões em 1948 para 47 milhões em 1956 O número de salas de cinema chegou ao auge em 1945 com 20 mil casas e depois caiu para 17575 em 1948 e 14509 em 1956 De Hollywood algumas tentativas de pressão para que a televisão fosse paga não obtiveram su cesso graças ao poder das redes de rádio embora essa tendência demorasse a se definir E algumas empresas de cinema se mexeram para garantir concessões para televisão Em 1948 a Twentieth Century Fox tentou comprar a ABC Uma das saídas a venda de filmes para empresas de televisão só foi concretizada em mea dos da década de 1950 Naquela época ninguém falava da era do cinema e Hollywood longe de ser uma fábrica de sonhos havia sido abalada pelo senador Joseph McCarthy que tinha uma lista negra da televisão de artistas supostamente prócomunistas McCarthy usou a televisão mas depois foi destruído por ela e por outras razões Suas aparições na tela mostraramse contraproducentes e os jornalistas Ed Mur row e Fred Friendly usaram o meio sem o apoio de sua empresa a CBS para expôlo Algumas emissoras não exibiram os interrogatórios e o próprio papel de Murrow e de seu programa Veja Agora na derrubada de McCarthy foi exagerado Havia muitos tipos de programas de televisão eram raros os interrogató rios de McCarthy embora em menor número que no rádio e havia sistemas com números de linhas diferentes Os Estados Unidos empregavam 525 linhas como o Japão e muitos países europeus usavam 625 Na década de 1960 haveria mais tráfego de programas entre as fronteiras do que no rádio e mesmo nos filmes INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 235 e Hollywood mais uma vez se organizou em novos termos enquanto a Broadway que influenciou muito o início da televisão norteamericana perdia terreno No entanto não havia na televisão o equivalente a girar o botão experiência exclusiva do rádio como as bandas do cidadão nos Estados Unidos na década de 1970 O teatro era popular no início se o New York Times reclamava que assistir às cenas de palco levadas da Broadway não era diferente de ver uma série de cartões postais havia otimistas que consideravam o novo meio um teatro cultural Houve também espaço no primeiro estágio da história da televisão norteameri cana para diferenças locais de conteúdo e estilo de programação rapidamente perdidas quando as redes assumiram Essas diferenças foram ajudadas pelo avan ço tecnológico relativo ao desenvolvimento do videoteipe magnético Os progra mas de televisão podiam agora ser transmitidos a qualquer tempo de qualquer lugar Bem antes das redes parte da criatividade havia desaparecido A queixa partiu em 1950 de Gilbert Seldes que havia sido diretor da CBS durante a guerra e observara com interesse no final da década de 1950 como Hollywood estava rapidamente voltando a ser o que era mas em novos termos Na época a televisão norteamericana exibia mais filmes mesmo filmes antigos do que programas ao vivo inclusive faroestes como Gunsmoke que passou durante 20 anos e Disney lândia O principal fornecedor era a Warner Brothers a ABC com um novo pre sidente que tinha ligações com Hollywood era o principal comprador E uma nova geração de independentes estava produzindo filmes de baixo custo tais filmes se bemsucedidos traziam grandes lucros quando passavam nos cinemas Sindicato de ladrões 1948 com Marlon Brando logo celebridade foi um deles Alguns produtores como Otto Preminger estavam preparados para desafiar os tabus de Hollywood Os programas básicos de televisão eram muito mais estereotipados In cluíam espetáculos de jogos como Beat the Clock quebracabeças que logo levantariam problemas éticos e novelas Uma das atrações mais conhecidas e não somente nos Estados Unidos foi I Love Lucy 1957 O Ed Sullivan Show da CBS que ficou em cartaz durante muitos anos foi lançado ao ar em 1948 em uma tentativa de concorrer com Milton Berle da BBC A televisão vai do mesmo jeito que o rádio tão rapidamente quanto possível isto é na direção do entreteni mento observou o editor do CourierJournal de Louisville em fevereiro de 1956 Nem todas as empresas não norteamericanas de radiodifusão queriam se guir na mesma direção certamente não tão rapidamente quanto possível Nem os cineastas italianos que estavam no auge da criatividade nos difíceis anos pósguerra Na GrãBretanha a BBC operando em um país que não passava por um crescimento acelerado mas sim por um período de austeridade seguiu uma estratégia completamente diferente dando crédito a George Burnes 190460 Burnes um radialista culto se sentia mais à vontade dirigindo sua programação 236 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA de rádio dentro da chamada Third Programme do que em um estúdio de tele visão e acabou deixando de ser dirigente de televisão para se responsabilizar por uma nova universidade William Haley diretorgeral da BBC depois da guerra não estava satisfeito com o próprio meio apesar de ter sido a BBC em 1936 a primeira a manter uma estação de televisão regular mas em escala pequena antes da guerra ver p179 Quando em junho de 1946 após o intervalo de sete anos da guerra a televisão de 405 linhas foi restaurada a primeira série suspensa foram os desenhos animados da Disney de 1939 ela foi considerada uma ressur reição O número de licenças de televisão na GrãBretanha chegava somente a 14560 no fim de março de 1947 e a marca de um milhão foi atingida no fim de 1951 com a preponderância de espectadores do grupo de baixa renda um relató rio da BBC mostrava que 70 deles só haviam freqüentado escolas até a idade de 15 anos No início diziase que as antenas de televisão eram símbolo de status colocadas para fazer figuração mas logo ficou claro que efetivamente havia um número elevado de espectadores genuínos A mesma tendência se observou em grande parte da Escócia no País de Gales e no norte da Inglaterra em 1952 Agora havia potencial para uma audiência de massa Um evento de grande impacto foi a coroação da rainha Elisabeth literalmen te à vista do povo em 1953 Cerca de 20 milhões de pessoas assistiram ao evento também nos Estados Unidos a audiência foi marcante transportandose os fil mes por avião Dado que somente pouco mais de dois milhões de licenças de televisão haviam sido concedidas na GrãBretanha muitas pessoas devem ter assistido à cerimônia fora de suas casas em cinemas salas e edifícios públicos O comentarista Richard Dimbley 191365 havia se tornado conhecido pelos ou vintes de rádio durante a guerra e trabalhava agora na televisão tornandose ainda mais famoso como apresentador de Panorama um dos programas de informação líderes da BBC iniciado no mesmo ano da coroação Seus dois filhos também se tornariam muito conhecidos O número de licenças exclusivamente para rádio havia alcançado seu pico três anos antes em 1950 11819190 e caiu para menos de 95 milhões em 1955 quando o número combinado de licenças para rádio e televisão estava acima dos 45 milhões Aquele foi o ano em que o Parlamento depois de protelações e debates calorosos acabou com o monopólio da BBC Em um informe oficial do governo conservador de 1952 parte de uma série de relatórios sobre radiodifu são o que mais tarde seria descrito como uma cláusula cavalodetróia estipulava o resultado de 1955 Na expansão do campo da televisão devemse estabelecer condições que permitam algum tipo de competição quando os atrati vos para os recursos de capital atualmente necessários para finalidades de grande importância nacional tornarem isso possível INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 237 Dentro da BBC surgiria o homem que iria desempenhar importante papel na quebra do monopólio Norman Collins 190782 durante certo tempo res ponsável por uma das programações Light Programme e pela televisão BBC criou em julho de 1953 uma Associação Popular de Televisão A Associação não ganhou apoio de The Economist cujo diretor fez uma pergunta ilusoriamente simples com freqüência formulada nos Estados Unidos e na Europa continental Por que a radiodifusão deveria ser tratada diferentemente das outras mídias inclusive a imprensa A Associação não atuava como um grupo de pressão e conduziu sua campanha contra o monopólio da BBC em termos populares Um de seus membros atacou a BBC porque ela descaradamente procurou fazer as pessoas pensarem a partir daí falta somente um pequeno passo para dizer o que elas devem pensar Faltou dizer na campanha que os norteamericanos jamais teriam permitido isso mas o novo canal competitivo de televisão britânica não foi planejado no estilo norteamericano Na verdade para muitas pessoas inclusive para os observadores franceses hostis a qualquer pressão anglosaxônica sobre sua língua ou cultura os Estados Unidos serviam como aviso e não como exemplo tal como acontecera nos primórdios do rádio Os críticos britânicos compartilhavam o sentimento de ameaça quando emissoras comerciais com bases regionais des critas como independentes algumas com interesses na imprensa se emanci param elas foram postas sob a órbita de uma Autoridade de Televisão Inde pendente ITA estabelecida por uma lei do Parlamento em 1954 A palavra autoridade significa o que diz Era a ITA que controlaria a publicidade da qual dependiam as receitas das empresas e limitaria a propaganda a pequenas inserções entre os programas A prática não seria apoiada pelas empresas comerciais No entanto os intervalos comerciais se tornaram uma característica da experiência britânica na televisão A duração e suas características foram regulamentadas Mas na década de 1990 o processo de regulamentação já se abrandara com algumas exceções como o fim da publicidade de tabaco por etapas A publicidade dirigida às crianças foi submetida a uma regulamentação bem mais rígida que nos Estados Unidos Ao mesmo tempo a BBC nunca relutou em fazer publicidade de seus próprios programas num crescente número de trailers apresentados nos intervalos das programações diárias A competição no caso da GrãBretanha foi vantajosa financeiramente para produtores artistas e uma gama de organizações de fora em particular as despor tivas Ao mesmo tempo aguçouse a competição dentro da própria BBC entre profissionais empregados na televisão muitos deles ainda jovens e os que traba lhavam no rádio Para Anthony Jay membro da equipe pioneira da televisão BBC que produziu o popular programa Tonight que não tinha roteiro predefinido e teve início em 1957 a BBC se desenvolveu mais pela competição interna do que pela competição direta com a ITA 238 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O advento da televisão independente com certeza deu nova vitalidade ao modo britânico de apresentar notícias Até essa época a veiculação de notícias tinha sido superior nos Estados Unidos onde Walter Cronkite há muito já havia desenvolvido uma carreira de influência e na realidade de autoridade Cronkite era um profissional genuíno e tanto na GrãBretanha quanto nos Estados Unidos estava se fortalecendo consideravelmente o senso de profissionalismo durante as décadas de 1960 e 1970 A BBC conseguira por meio de habilidades profissionais e políticas institu cionais recobrar a competitividade nos esportes Grandstand 1958 e nas comé dias Os sitcoms comédias de situação britânicos eram mais populares do que as séries dramáticas embora as últimas tenham prendido a atenção de espectado res tanto fora como dentro de casa a Forsyte Saga de John Galsworthy vista em Nova York e Washington também passava em Moscou A Hancock Half Hour que saiu do rádio para a televisão em julho de 1956 e perdurou até 1961 se baseava em um comediante de gênio Tony Hancock 192468 nascido para fazer rir um de seus mais memoráveis programas foi sobre radioamadores Outra série de suces so da BBC Z Cars 1962 focalizava o novo estilo da polícia motorizada contras tando com Dixon of Dock Green que apresentava o velho estilo policial Em programas como esses que espelhavam mudanças a BBC agora com um novo ativo e controvertido diretorgeral sir Hugh Greene 191087 que assumiu em 1960 estava sendo mais sensível às novas circunstâncias sociais e às mudanças institucionais da década de 1960 do que as emissoras Nem tudo o que aconteceu porém foi planejado para apresentar esse resultado O programa Dr Who 1963 que teve tantas mudanças quanto os lordes que o caracteriza vam começou como um programa para crianças mas finalmente tornouse cult como Jornada nas estrelas nos Estados Unidos que sucessivamente passou da televisão para o cinema e sobreviveu ao desaparecimento do elenco original A BBC foi mais longe do que os Estados Unidos quando introduziu a sátira That Was the Week that Was TW3 1962 era um programa que tratava com irreverência todas as instituições e autoridades inclusive o primeiroministro Harold Macmillan Assim como o novo e semanal Private Eye 1961 foi um sucesso instantâneo No teleteatro em que havia mais ênfase sociológica do que sátira a Televisão Independente ITV obteve os serviços do criativo produtor canadense Sydney Newman 191797 para levar ao ar Armchair Theatre seu grande sucesso Ele foi depois pescado pela BBC em 1961 e fez uma série parecida e igualmente polêmica The Wednesday Play O teleteatro floresceu mas havia críticos insistentes sendo Mary Whitehouse a mais pertinaz que questionavam os fundamentos morais dos programas e fundaram uma Associação Nacional de Espectadores e Ouvintes os próprios fiscais da tela Apesar da grande evidência de criatividade aliada à controvérsia o Comitê Pilkington habilmente influenciado por Greene mostrouse alarmado no relató INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 239 rio publicado em 1962 sobre a possibilidade de o declínio da participação da BBC levar inexoravelmente a um contínuo rebaixamento de padrões e voltava a um velho argumento familiar durante os debates parlamentares sobre o fim do mo nopólio de que as companhias estavam tendo lucros excessivos sobre o uso de um meio que é parte do público e não de domínio privado Estava claro no princípio da década de 1960 que a própria BBC ainda não tinha aceitado o veredicto do Parlamento em 1954 No volumoso testemunho ao Comitê Pilkington que tinha sete vezes o tamanho de Guerra e paz de Tolstoi e incluía um filme Esta é a BBC a empresa se ateve ao que Greene considerava o mais alto fundamento moral muito diferente do da sra Whitehouse defensora da decência A independência era tudo A BBC certamente sabia que apesar do que pudesse dizer o Comitê Pilkington a própria empresa deveria desenvolver uma estratégia adaptável para defender o serviço público de radiodifusão e o sistema de licenças sob o qual ela se baseava qualquer que fosse o governo no poder Harold Wilson sucessor do trabalhista Macmillan aceitou entusiastica mente a ITV Tony Benn à esquerda do partido embora entusiasta da nova tecnologia não acreditou em uma frase memorável que a radiodifusão pudesse ser deixada para os radialistas No início da década de 1970 a rádio BBC local parte da reorganização estru tural preparada durante a década de 1960 estava sendo aberta à competição como em outros países europeus Foi a natureza unificada do sistema de transmissão britânico incluindo a televisão e o rádio que começou a sobressair mais do que as diferenças entre a BBC e a ITA renomeada depois do desenvolvimento do rádio comercial local como IBA Pelo menos era isso o que achavam alguns comentaristas conhecidos e o diretorgeral da IBA sir Brian Young antigo diretor de escola pública nomeado em 1973 Diretores e mesmo diretorias estavam sendo trocados entre instituições e os profissionais podiam mudar livremente de lugar Os programas também podiam começar em um canal e ir para outro A única grande diferença parecia ser em relação às finanças A BBC não admitia publicida de as emissoras comerciais sim A BBC dependia das taxas de licenças as emisso ras comerciais eram movidas pelo lucro Ambos os lados se adaptaram às mudanças inclusive à chegada da televisão em cores em 1967 muito depois de seu advento nos Estados Unidos e à introdu ção de uma licença específica e mais cara para transmissão em cores em 1968 Durante algum tempo isso manteve as finanças da BBC Outros sistemas em países tão diferentes quanto o Canadá e Portugal sofreriam sérios cortes Cada vez mais os sistemas de radiodifusão se tornavam mistos com serviço público e emissoras comerciais existindo lado a lado nunca dentro do mesmo modelo institucional da GrãBretanha Nos Estados Unidos houve tentativas de reescrever a Lei das Comunicações de 1934 mas todas elas falharam 240 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Eram enormes as diferenças entre a GrãBretanha e os Estados Unidos onde as redes permaneciam imensamente fortes Também diferentes eram seus objeti vos Depois que o mercado doméstico de televisão parecia ter alcançado seu ponto de saturação no meio da década de 1950 os poderosos interesses da televisão norteamericana começaram a olhar para o exterior Em fevereiro de 1955 havia 36 milhões de aparelhos nos Estados Unidos e somente 48 milhões em toda a Europa sendo que 45 milhões estavam na GrãBretanha A explosão tinha que acontecer e em meados da década de 1960 mais de 90 países tinham estações de televisão A audiência global alcançava agora mais de 750 milhões Em meados da década de 1950 a CBS já tinha afiliadas em Havana na Cidade do México em Porto Rico e em 20 cidades canadenses Foi fora da Europa que o estilo norteamericano de televisão comercial se espalhou mais facilmente bus cando oferecer o entretenimento que acreditava que os telespectadores desejavam e evitando todo tipo de ofensa política Em 1966 o bem informado Wilson P Dizard em um livro sem afetações e sem o uso de jargão Television a World View dedicado a Murrow e escrito depois que a primeira fase da explosão da televisão havia terminado estimava que até o princípio da década de 1970 a grande audiência teria dobrado e que a influência da TV se estenderia de Minsk a Manila de Londres a Lima e até a cidade nigeriana de Kaduna onde mesmo hoje condutores de camelo barbados e homens tribais juntamse em uma casa para embevecidos assistir ao seriado Bonanza Dizard notou que havia diferenças entre os estilos de programas bem como nas estruturas institucionais em um mundo no qual os Estados Unidos tinham a liderança substancial na exportação de seus próprios programas Na América Latina por exemplo a telenovela uma forma nativa de drama doméstico de custo baixo tornouse imediatamente popular Os capítulos de meia a uma hora de duração eram transmitidos todos os dias da semana exceto domingos e feriados e gravados somente no dia anterior ao da exibição Às vezes ofereciamse finais alternativos e pediase aos espectadores que opinassem sobre eles No Japão os samurais trilharam seu caminho pelos séculos até a tela pequena e também até outros países o mesmo ocorreu com os monstros das profundezas No Japão a NHK introduziu a televisão em 1953 e foi seguida no mesmo ano pela primeira estação comercial As ruas de Tóquio fervilharam quando milhares de pessoas se reuniram para assistir à transmissão ao vivo de uma luta Cinco anos depois um casamento real japonês teve impacto tão grande para os telespectadores quanto haviam tido as bodas reais britânicas um milhão de apa relhos foram vendidos Naquele ano de 1958 alguém disse que o Japão estava se tornando tão obcecado pela televisão quanto os Estados Unidos As Olimpíadas de Tóquio de 1964 ver p191 foi grande atração nacional e internacional nas televi sões em cores ou pretoebranco A NHK que gastou mais dinheiro em pesquisa do que qualquer outra organização semelhante mostrou que em 1960 um japonês INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 241 adulto gastava em média três horas e 11 minutos por dia assistindo à televisão e as crianças gastavam um tempo ainda maior Na França e na Alemanha o desenvolvimento da televisão seguiu linhas que poderiam ter sido antecipadas dada a história pósguerra da radiodifusão em ambos os países na França em particular devese levar em conta um período muito mais longo remontando até às lutas revolucionárias e às guerras napoleô nicas pelo menos ou mesmo antes disso a Colbert Em 1946 os partidos políticos franceses haviam apoiado a legislação que nacionalizava todo o sistema francês de rádio e televisão porém sete anos mais tarde com a política de televisão seguindo a do rádio havia somente 60 mil aparelhos de televisão nos lares franceses Foi preciso um plano nacional qüinqüenal em 1954 para projetar 45 transmissores Mas foi somente depois de ficar óbvio que se estava perdendo audiência para organizações vizinhas como as de Luxemburgo e Mônaco que a maré começou a virar De Gaulle apreciava o potencial político da televisão e depois que se tornou chefe do governo em 1958 fizeramse os primeiros esforços para modificar o sistema Em 1964 foi criada uma nova organização autônoma a LOffice de Radio difusion Télévision Française ORTF Na época havia cinco milhões de especta dores comparados aos dez milhões da Alemanha Ocidental e quase seis milhões da Itália Na Alemanha Ocidental a televisão e o rádio tinham sido deixados pelos Aliados para os governos locais e a primeira estação de televisão a Nordwest Deutscher Rundfunk começou a operar em dezembro de 1952 A autonomia da ORTF era mais dúbia do que a dos serviços da Alemanha e da Itália mas não houve mudança alguma até a renúncia de De Gaulle em 1969 seguida pelos distúrbios les événements de Paris em 1968 No entanto a grande mudança só ocorreria depois da morte de Georges Pompidou o sucessor de De Gaulle O presidente Giscard dEstaing aboliu a ORTF em 1974 e em uma medida de grande alcance criou sete organizações autônomas uma para o rádio duas para canais de televisão uma para televisão regional uma para trabalhar como companhia de produção independente de fornecimento para as outras uma para tratar com o lado tecnológico da operação e uma para pesquisas e arquivos Para presidir a estrutura elaborada mas ainda monopolística foi criado um Conselho Audiovisual de Alto Nível Esta foi somente uma entre várias reorganizações estruturais da televisão A mais drástica aconteceu na Itália Em 1974 as decisões da Corte Constitucional confirmando a necessidade de serviços públicos de transmissões de rádio e televi são baseados em objetividade e imparcialidade acabaram por abrir caminho para sistemas de radiodifusão privados e em seguida à Lei de Transmissões de 1975 também para uma extraordinária explosão de empresas privadas a maioria das quais não sobreviveu Em 1978 havia mais de 506 canais locais de televisão e 2275 estações de rádio Havia agora mais estações por pessoa do que nos Estados Unidos 242 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Dez anos depois a contraparte espanhola da Corte italiana tomou decisão seme lhante salientando que como a Constituição não citava a questão das transmissõ es nenhuma estrutura era explicitamente proibida Alegava ainda que se poderia considerar que o princípio constitucional de liberdade de expressão incluía o princípio da liberdade para transmissão de rádio e televisão um julgamento não reconhecido nos Estados Unidos onde a telegrafia a telefonia o rádio e a televisão operavam segundo princípios legais diferentes dos seguidos pelas publicações O cenário da Itália entretanto continuou a evoluir e não foi copiado pela Espanha Em 1980 Silvio Berlusconi futuro primeiroministro inaugurou um canal quase nacional o Canale 5 e depois comprou outros canais italianos em 1983 e 1984 Seu conglomerado financeiro a Fininvest controlava agora três canais contra três da RAI uma situação de duplo monopólio que foi sancionada por lei em 1990 Contudo a RAI sobreviveu como sobreviveu à queda dos dois partidos políticos italianos o dos democratacristãos e o dos socialistas e a longa permanência de Berlusconi no poder desde 2001 Na GrãBretanha o governo trabalhista havia solicitado em 1974 um rela tório sobre o futuro da radiodifusão ao comitê dirigido por Noel Annan 19162000 Pronto em 1977 ele rejeitava os esquemas defendidos pelo Partido Trabalhista inclusive a formação de uma comissão e de um conselho nacional de radiodifusão e a cisão da BBC Em 1980 o primeiro governo conservador de Margaret Thatcher levando em conta as recomendações mas modificandoas decidiu introduzir o novo Canal 4 fora do controle do IBA mas com receita parcialmente dependente de publicidade Em vez de produzir programas ele retransmitiria atrações feitas por produtores independentes que cresciam em número e continuavam a crescer O Canal 4 logo mostrou ser uma instituição altamente inovadora exibindo pro gramas estrangeiros e nacionais Alguns dos novos produtores britânicos inde pendentes de áreas específicas eram muito criativos e em breve constituiriam um setor novo com participação britânica e estrangeira Annan contribuiu bastante para a diversidade de vozes e para a falta de consenso moral na GrãBretanha do início da década de 1970 Todavia na França onde a esquerda e a direita eram fortes o presidente Georges Pompidou disse em 1970 que ser um jornalista da ORTF não era como ser um jornalista de qualquer outro lugar a ORTF era a voz da França A nova ORTF de Giscard dEstaing não correspondeu às esperanças nela depositadas A radiodifusão permaneceu rigida mente nas mãos do governo tanto que em 1981 após a eleição de um presidente socialista François Mitterrand todos os antigos diretores da televisão francesa foram destituídos e substituídos por socialistas Uma nova comissão de estudos indicada para reformar a programação na França recomendou a criação de uma Alta Autoridade para a Mídia Audiovisual INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 243 antiga e nova e mudanças na distribuição de fundos entre os vários setores de programação Na legislação que se seguiu baseada nos estudos da comissão aban donouse a linguagem de monopólio mas adotouse uma ênfase crescente no serviço público Reiteravase que somente uma autoridade pública tinha o direito de tomar decisões sobre a programação de rádio e televisão para o povo francês Essas decisões foram postas em prática também nas reformas da legislação de outros países No entanto não havia cláusulas sobre financiamento e as seções sobre estruturas continham muitos casos ambíguos A televisão se difundia deixando poucos países fora de seu alcance como a Tanzânia e a Guiana Francesa ambos por vontade própria Em certos países só se permitia que uma voz fosse ouvida e algumas figuras privilegiadas fossem vistas na tela Na Tailândia por exemplo os regulamentos oficiais da televisão estabeleciam em 1965 que os primeiros objetivos da radiodifusão eram a pro mover as diretrizes nacionais e os interesses comuns na área da política no setor militar na economia e na área de bemestar social b promover a lealdade dos cidadãos com relação ao país a religião e o rei c promover a unidade e a mútua cooperação das Forças Armadas e de seus cidadãos e d convidar os cidadãos a delatar e a se opor ao inimigo inclusive àquelas doutrinas perigosas para a segu rança da nação Comentário e pesquisa Os comentários sobre a televisão em países onde seu padrão dependia de debates salientavam mais as implicações globais do que as nacionais como fez Marshall McLuhan quando introduziu o conceito de aldeia global em 1960 Seus livros de grande divulgação e escritos em seqüência começando com A galáxia de Guten berg 1962 dirigiram a atenção para as características intrínsecas de determinada mídia incluindo a impressa o rádio e a televisão Em todos os livros ele tratou mais da abrangência da mídia quente ou fria uma diferença que ele estabe leceu do que das mensagens e seus conteúdos programas não levando em con sideração as diferenças nacionais ou as diversidades sociais dentro de cada país as quais influenciaram diretamente junto com as estruturas educacionais os pa drões de controle e as gamas de conteúdo e os estilos de apresentação Entretanto quando generalizou sobre a aldeia ou o globo estava influenciado pelas tradições e experiências típicas do Canadá McLuhan cujas palavras e imagens subsistem era mais comentador do que analista e a televisão provocou mais comentários e estimulou mais discussões e mais charges do que qualquer outra mídia na história começando talvez com o comentário do Daily Mirror em 1950 Se você deixar um aparelho de televisão entrar por sua porta a vida jamais será a mesma É memorável a opinião do 244 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA norteamericano Ernie Kovac de que a televisão é um meio porque não é raro nem bemfeito E também as charges do New Yorker que como as do Punch começaram considerando o meio mais como uma engenhoca do que uma mensa gem e terminaram com a experiência da televisão Havia pouco consenso sobre o significado da televisão era o olho univer sal mas o arquiteto Frank Lloyd Wright chamoua de chicletes para os olhos A crítica era maior nos Estados Unidos onde a ênfase nas redes de televisão e rádio centravamse em entretenimento estereotipado levando Newton Minow presi dente da FCC em 1961 aliás um presidente excepcional a dizer que a televisão em rede era uma vasta terra inútil Em Londres Milton Schulman que fazia vigorosas críticas de certos programas em jornais chamou a televisão britâ nica de a menos pior televisão do mundo mas também observou como Lloyd Wright que para muitas pessoas o ato de ficar fixado na tela tinha se tornado mais um hábito do que um ato discriminatório consciente Para Schulman a televisão era o olho voraz Para outros era o olho do mal mal occhio destruin do não somente os indivíduos que a assistiam mas todo o contexto social Hoje a maioria dessas críticas está ultrapassada No entanto algumas pare cem curiosamente persistentes Para muitos críticos a televisão permaneceu uma agência de redução tornando triviais as notícias e os assuntos dos programas no entanto para outros era uma força negativa que distorcia as notícias e seus con teúdos McLuhan foi menos citado na década de 1980 do que havia sido 20 anos antes Para Neil Postman escrevendo em 1986 estamos agora nos divertindo à beça No entanto se a crítica se esgotasse nessas questões jamais haveria tantos debates como os que aconteceram em diversos países sobre decência sexo violên cia e bom gosto ou sobre padrões e códigos Nem a lei teria sido freqüentemente evocada sobretudo nos Estados Unidos Lá como vimos desde o início a radio difusão foi tratada de forma diferente das publicações e a televisão a cabo quando chegou ver p290 foi tratada de forma diferente das redes de televisão tanto nos tribunais como na FCC A maioria das ações legais originouse aí Tanto dentro quanto fora dos tribunais a maior parte dos debates concentrouse sobre o papel da família uma instituição em mudança e sobre a qual ainda era difícil encontrar um consenso ou generalizar mais ainda do que no caso da televisão Era fácil dizer que as crianças precisavam ser protegidas quando a televisão entrou nas casas mas as idéias de como protegêlas dividia as famílias Os assuntos legais eram complexos e essa complexidade aumentou com o advento do cabo e finalmente com a Internet O debate a respeito da influência da televisão sobre as crianças foi aberto por Hilde Himmelweit em Television and the Child publicado com o apoio da Fundação Nuffield em 1958 que também consi derava a influência da televisão sobre o adolescente e o comportamento político e social do adulto incluindo protestos violentos Os Estados Unidos contribuíram INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 245 muito para esses debates Não houve acordo sobre qualquer um deles apesar da demanda pública para fazer algo e da grande quantidade de pesquisa empírica Em geral dáse mais atenção à proteção das crianças do que à sua educação foram propostos sistemas de classificação e avaliação com horários impróprios em que determinados tipos de programa não seriam transmitidos e mais recentemente com dispositivos técnicos de filtragem As mesmas questões foram levantadas para o caso do cinema Em 1919 um periódico hoje extinto chamado significativamente de Educação se queixava da tendência das crianças para imitar as ousadas ações vistas na tela e não somen te as crianças mas também adolescentes e adultos O Código de Produção Hays começou a vigorar em 1931 e um novo código da MPAA Motion Picture Asso ciation of America em 1968 Dentro de casa eram necessárias várias respostas A última delas se baseava em tecnologia a invenção do chipviolência VChip um dispositivo eletrônico canadense que podia ser instalado nos aparelhos para iden tificar os programas de televisão considerados impróprios pelos pais Os políticos se apoderaram desse dispositivo para seus propósitos e em 1996 em uma lei de decoro nas comunicações o Congresso mandou que o chip fosse instalado em todo televisor novo a ser vendido nos Estados Unidos A Suprema Corte consi derou a lei inconstitucional em 1977 baseando sua resolução na liberdade de expressão O melhor exemplo de ação norteamericana para usar a televisão positiva mente em relação a crianças nos leva a uma geração anterior à lei da televisão para crianças de 1990 e nos conduz à Oficina de Televisão para Crianças criada com apoio da Fundação Nuffield que planejou a série Sesame Street iniciada em 1969 Produto comercial deliberadamente feito para entreter e educar ensinando crianças de jardimdeinfância a ler o programa dependia da cooperação de uma equipe e de colaborações similares àquelas da Universidade Aberta Durante sua longa vida foi transmitido em 150 países e serviu de modelo para programas como Plaza Sesamo no México Vila Sésamo no Brasil Sesamstraat na Holanda e Iftah Ya Simsin no Kuwait tornandose talvez a série de maior pesquisa na história da televisão Apesar disso ela inspirou quase tanta controvérsia quanto entusiasmo prin cipalmente em países que tinham atitudes em relação às crianças diferentes da quelas comuns nos Estados Unidos e que não queriam tratálas como consumido res comerciais É interessante voltar às simplificações do dr Maire Messenger Davies no livro Television is Good for Your Kids lançado na GrãBretanha em 1989 que usava testemunhos derivados de pesquisas tal como a feita na Austrália por Bob Hodge e David Tripp O estudo intensivo de 600 crianças de cinco a 12 anos de idade concluiu que a bête noire dos grupos lobbistas os desenhos anima dos terminou por se mostrar uma forma saudável idealmente adaptada ao crescimento da capacidade das crianças 246 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Algumas vezes mas não sempre a pesquisa empírica a respeito do uso do rádio e da televisão ou de programas específicos costuma evitar a teoria Todavia com a expansão das universidades e de outras instituições de altos estudos no século XX muitas delas com departamentos de estudos de mídia não é surpresa que se tenha dado um lugar de destaque à teoria e que a grande variedade de teorias existentes nem sempre pareça se relacionar com propriedade à experiência das pessoas que trabalham na mídia Na verdade elas não se basearam nessa experiência Muitas teorias focalizam a educação outras tantas a semiologia poucas o entre tenimento e algumas das mais interessantes as notícias A Universidade Co lumbia em Nova York onde Robert Merton e Paul Lazersfeld se conheceram em 1941 publicou um artigo bem amplo Mass Communication Popular Taste and Organized Social Action publicado em 1948 Na GrãBretanha o Grupo de Estudos de Mídia da Universidade de Glasgow abriu um debate muitas vezes amargo sobre notícias tendenciosas em um livro de 1976 intitulado Bad News O livro que se desdobraria em outros tinha como epígrafe uma citação do semiólo go francês Roland Barthes A relutância para mostrar seus códigos é uma marca da sociedade burguesa e da cultura de massa que dela se desenvolveu Na GrãBretanha Richard Hoggart fundou em 1964 o Centro de Estudos Culturais de Birmingham a primeira instituição acadêmica britânica a tratar de estudos culturais uma designação então discutível e debatida Hoggart começou a carreira trabalhando com educação de adultos e de 1960 a 1962 foi membro do Comitê Pilkington sobre Radiodifusão cujas opiniões ele conseguiu moldar ver p243 Antes disso em 1957 ele havia publicado The Uses of Literacy obra que retirava de revistas femininas grande parte do material analisado Na época supu nhase que o letramento universal não era problemático hipótese que se revelou prematura Hoggart mostrou suas limitações anos antes de a BBC tomar sua pri meira iniciativa sobre o assunto E esse tipo de campanha ainda era visto como necessário talvez ainda mais necessário em 2001 graças à baixa classificação da GrãBretanha na Europa em termos de escolaridade básica Junto com outro acadêmico britânico Raymond Williams que também co meçara a carreira com educação de adultos Hoggart remodelou a abordagem aca dêmica britânica sobre a mídia vista como um conjunto e sobre seu papel na sociedade contemporânea Os prolíficos escritos de Williams incluem Communi cations 1962 com uma revisão significativa na segunda edição 1966 e The Long Revolution 1961 Este último uma continuação de Culture and Society 1958 estimulou o estudo da mudança da mídia durante um longo período de tempo começando formalmente com a Revolução Industrial A abordagem que deixa va de fora a religião era mais de história social e cultural acima de tudo que econômica e política embora Williams como marxista jamais ignorasse o fator econômico Os livros aparecem com mais proeminência em seu texto que os jornais mas o rádio e a televisão também têm seu lugar INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 247 O livro de Daniel Boorstin sobre mídia The Image era muitas vezes citado junto com o de Williams embora fosse escrito através de uma óptica norteame ricana bem diferente Ele dirigia sua atenção não somente aos pseudoeventos fabricados pela mídia mas às celebridades conhecidas ao contrário dos heróis por suas imagens e não por seus feitos Antigamente um homem público precisava de um secretário particular para criar uma barreira entre ele e o público Hoje tem uma assessoria de imprensa para mantêlo regularmente à vista do público Desde então as técnicas de comunicação inclusive as de inventar tornaramse muito mais sofisticadas mesmo que nem sempre mais efetivas Quanto aos even tos seriam descritos pelos estudiosos israelenses Elihu Katz e Daniel Dayan em 1992 como eventos de mídia e tratados como reforços de integração social Nem Williams nem Boorstin nem na verdade Katz trabalharam com estatísticas Outros o fizeram alguns pesadamente inclusive a Unesco que produ ziu uma série de relatórios sobre comunicação de massa o primeiro deles em 1954 Newspaper Trends 19281951 Os relatórios demonstraram que o Canadá era de longe o principal fornecedor de notícias publicadas tanto antes quanto depois da guerra entre os 120 países que consumiam mais de 50 toneladas de noticiários impressos em 1951 o Reino Unido estava consumindo menos em 1951 599 mil toneladas do que em 1938 um milhão e 250 mil toneladas No mesmo ano 1938 uma organização nãopartidária denominada Planejamento Econômico e Político produziu o primeiro relatório empírico sobre a imprensa britânica Três comissões reais britânicas do pósguerra em relatórios de 1949 1962 e 1977 mostraram comparações proveitosas sobre hábitos de leitura em todo o país Em 1920 um em cada dois adultos lia um jornal diário de qualquer tipo e podia ser considerado um luxo em 1947 cada grupo de dez adultos lia em média 12 jornais diários e 23 jornais no domingo As vendas totais de diários nacionais e regionais eram 50 mais elevadas do que antes da guerra apesar do tamanho menor em razão da escassez de noticiários impressos Trinta anos mais tarde o total de leitores baixou um pouco mas a imprensa regional ocupava uma posição melhor do que antes O segundo volume de Cultural Studies o produto regional do Centro de Birmingham publicado em 1971 incluía um fascinante artigo de Stuart Hall que foi ser professor da Universidade Aberta sobre O olhar social do Picture Post e o terceiro volume tinha um longo artigo do mesmo autor sobre As de terminações dos novos fotógrafos Ambos lançaram luz sobre a evolução dos jornais e do fotojornalismo mais desenvolvido na Alemanha do que em qual quer outro país antes da tomada do poder pelos nazistas Enquanto isso o centro submetia o entretenimento a uma análise mais apurada do que em qualquer outra época na GrãBretanha Também as subculturas despertavam fascínio Na Alemanha escritores da chamada Escola de Frankfurt fundada por Theodor Adorno 190369 e Max Horkheimer desenvolveram uma teoria críti 248 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ca da mídia antes de serem expulsos do país em 1934 e se reagruparem nos Estados Unidos De origem marxista como muitas das análises européias da mídia certa vez a Escola foi descrita por Ralf Dahrendorf como a não sagrada família da teoria crítica No entanto quando os membros da Escola retornaram a Frankfurt depois da Segunda Guerra Mundial eles arquivaram seus antigos textos no porão e abandonaram a teoria crítica Apesar disso convidaram para se juntar a eles o jovem Jürgen Habermas que passou uma temporada infeliz nessa companhia antes de ir para Marburg e Hamburgo Seu primeiro trabalho importante publi cado em 1962 Mudança estrutural da esfera pública mostrava o ideal de uma discussão bem informada e racional sobre políticas públicas descrito nos capí tulos iniciais deste livro Foi nesse momento que a área de estudos culturais começou a surgir nas universidades francesas holandesas britânicas e alemãs em que o interesse pela imagem por meio de jornal televisão e cinema e pela história de baixo come çou a gerar novos tipos de estudos acadêmicos e foi também quando os professo res universitários e acima de tudo os estudantes começaram cada vez mais a ser recrutados entre as parcelas até então socialmente menos privilegiadas da socieda de Houve uma convergência social que precedeu a convergência tecnológica Nos Estados Unidos onde a maior parte da pesquisa sobre o rádio realizada antes da guerra havia investigado o tamanho do mercado o que levou aos estudos sobre pesquisa de opinião pública o restante da investigação contando com apoio restrito e inadequado se concentrava nas escolas de jornalismo Em 1959 um dos pesquisadores mais conhecidos e influentes Bernard Berelson que ficara famoso com seus estudos sobre conteúdo na mídia anunciou no Quarterly Public Opinion que a pesquisa sobre comunicação estava murchando Era um julgamento provocativo e que levou diretamente anos depois em 1983 à publi cação de um número especial do Journal of Communication intitulado Fermen tação no campo que examinava toda a cena norteamericana e mundial de pesquisa de comunicação Um tipo novo de acadêmico norteamericano havia aparecido Uma das contribuições mais interessantes e breves foi a de James W Carey ver p205 que ao se referir a um novo estilo de estudos culturais pergun tou se os portavozes seriam capazes de reter o alegre otimismo do pragmatismo e o discernimento de alguns de seus antepassados diante das questões de poder e dominação nas comunicações e na sociedade Os estudos culturais eram para Carey uma tentativa de pensar por meio de uma teoria ou de um vocabulário das comunicações que seja simultaneamente uma teoria ou um vocabulário da cultu ra Será que eles abarcariam todas as questões relevantes Os estudiosos franceses entraram no tema por vias diversas três deles cons cientes de que estavam escrevendo de dentro de uma sociedade eletrônica sobres saíram em grande parte graças à influência que exerceram sobre os outros Eles INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 249 eram Guy Debord Jean Baudrillard e Pierre Bourdieu A obra A sociedade do espetáculo 1970 de Debord tradução de um manifesto em francês e publicada em 1967 com poucas evidências empíricas argumentava que em sociedades nas quais prevalecem as modernas condições de produção toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos Tudo que era vivido diretamente mudouse para uma representação Portanto o espetáculo tornouse o mundo Devese contrastar essa observação com o modesto comentário do escritor norte americano de televisão Richard Adler A tela pequena limita gravemente a eficácia do espetáculo Baudrillard julgava que o slogan o meio é a mensagem de McLuhan era a fórmulachave da era da simulação ele considerava a televisão como o meio da simulação eletrônica ressaltando a dissolução da televisão na vida e a dissolução da vida na televisão Vindo de uma tradição diferente Bourdieu em um pequeno livro muito conciso e de grande vendagem Televisão publicado na França em 1996 e nos Estados Unidos em 1998 menciona Debord somente uma vez e Baudrillard nenhuma Essa atitude era comum entre os teóricos da mídia que preferiam procedimentos paralelos a se engajar com os outros Enquanto isso os editores do jornal britânico Media Culture and Society lançado em 1977 fizeram um grande esforço para manter os estudiosos britânicos de mídia em contato com a teoria desenvolvida no resto da Europa Enquanto os professores universitários franceses começavam a discutir a mídia no fim da década de 1960 com pontos de vista bastante diversos os estu dantes universitários envolvidos com les événements de 1968 em Paris aprendiam como os participantes das marchas de protesto de direitos civis nos Estados Uni dos por meio da experiência e não da pesquisa como usar a televisão para garantir que fossem vistos e ouvidos Inevitavelmente eram atacados sobretudo nas colunas de cartas de jornais que recebiam menos atenção dos estudiosos da mídia que os programas de entrevistas o rádio e a televisão Era a televisão perguntavam os críticos que os estaria agitando e fazendo com que se comportas sem de um modo que não adotariam caso não houvesse a tela pequena e o mundo grande Os que protestavam contra a Guerra do Vietnã apareceriam imediatamente e com freqüência na tela norteamericana Quem eles estavam agitando Houve amplos debates sobre a questão na tela pequena com a televisão levando a culpa na realidade toda a mídia Esses debates chegaram ao clímax quando em 1969 o primeiro vicepresidente de Richard Nixon Spiro Agnew lançou contra a televisão um ataque premeditado mas não impopular Freqüen temente o próprio Richard Nixon usava a frase a imprensa é o inimigo Por que perguntavam eles deveriam a imprensa e a televisão definir a agenda Por que de veriam determinar o tom da argumentação Os políticos eram eleitos e os cida dãos pagavam impostos Qual era a reivindicação dos jornalistas para exercer o 250 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA poder Estas foram questões que persistiam muito tempo depois que os estudan tes revoltosos haviam deixado o palco dos acontecimentos Na realidade elas eram centrais no fim de um século e no começo do outro O modo como a religião foi afetada pela televisão provocou um debate mais longo e desconfortável nos Estados Unidos do que os efeitos da televisão sobre os políticos em especial sobre os políticos republicanos Jerry Falwell estrela de A hora do Antigo Evangelho que reivindicava ter 50 milhões de telespectadores durante certo tempo mobilizou o poder da maioria moral E na década de 1990 a religião televisionada a igreja eletrônica tornouse evidente em Garden Glove Califórnia onde o reverendo Robert Schüller uma pessoa menos arrebatadora e provocadora na tela que Jimmy Swaggart eloqüente mas pessoalmente vulnerável ou Pat Robertson o esperançoso presidenciável construiu uma enorme catedral com dez mil janelas Na época elogiado por Rupert Murdoch ele fazia transmissões semanais para uma audiência de milhões que se estendia muito além dos Estados Unidos A televisão religiosa ainda está em mudança Nenhuma catedral consegue contêla O mais global dos televangelistas o norteamericano Billy Graham jamais precisou de uma catedral Bastavalhe um campo de futebol e uma capa de chuva lhe cairia tão bem quanto um grêmio escolar Independentemente do estilo e do meio de comunicação havia indagações persistentes sobre os jornalistas e sua relação com o governo e os grupos religio sos A Guerra do Vietnã seguida por Watergate levantou questões básicas sobre a dependência da mídia com relação às fontes oficiais assim como sobre o âmbito da influência da imprensa e da televisão sobre os políticos norteamericanos Mais tarde as reportagens sobre a vida pessoal do presidente Clinton confirmaram os debates Robert Manoff e Michael Schudson começaram a escrever o livro Reading the News 1986 antes que a Internet levantasse outros assuntos com três antigas perguntas propostas de um modo diferente por Harold Lasswell ver p15 Todo repórter de jornal deve responder às perguntas O quê Quem Onde Quando Por quê além de como e deve fazer isso no primeiro parágrafo quanto antes melhor Acrescentaram os autores que as perguntas parte dos mandamentos das escolas de jornalismo escondiam dentro de sua simplicidade e do aparente senso comum um quadro geral de interpretação De fato a vasta gama de interpretação que tem pouco a ver com tecnologia é explicável somente em termos de valores e de que forma eles são atenuados ou expressos As dinâmicas da mudança A gama de questões relacionadas à televisão algumas idênticas às levantadas sobre a imprensa freqüentemente tinham pouco a ver com tecnologia É interessante comparar a estrutura e as dinâmicas da televisão conforme descritas em 1966 por INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 251 Wilson P Dizard em Television a World View com Television a History de Francis Wheen que apareceu em 1985 juntamente com uma ambiciosa série de televisão de 14 horas da Granada Britânica Essa série quebrou o tabu de que a televisão não deveria jamais investigar a si própria Ela levou três anos para ser feita e envolveu centenas de entrevistas na Europa América Ásia e África Demonstrou que gra ças à sua difusão no mundo tanto em países democráticos quanto em autoritários deixando fora de seu alcance apenas uns poucos deles a televisão havia adquiri do novos amigos e novos inimigos Os comentários agora eram multiculturais Assim a revista India Today descreveu o serviço da televisão indiana como um departamento do governo letárgico inexoravelmente vagaroso funcionando mal sem diferença alguma com relação ao órgão que emite passaportes o tédio é a mensagem E nas Filipinas um padre jesuíta afirmava que o presidente Ferdinand Marcos adorava a mídia com idolatria como as pessoas acreditam em Deus Um japonês ao escrever que o vício da televisão havia transformado milhões de seus compatriotas em imbecis deve ter tirado esse testemunho em parte de uma pesquisa de opinião de 1982 Quando perguntaram aos norteamericanos e japo neses qual a única coisa que levariam para uma ilha deserta mais de 36 dos japoneses escolheram a televisão contra 4 de estadunidenses Na época as crian ças japonesas de dois anos viam uma média de três horas e meia de televisão por dia sozinhas ou com as mães Grande parte do livro de Wheen se dedicava a programas específicos sendo um exemplo as novelas de longa duração como Coronation Street da Granada 1960 e ao tratamento de eventos especiais pela televisão na verdade ficção ou transmissões de facção principalmente de documentários sobre eventos de guerra Desde os primeiros anos da televisão no pósguerra a Guerra Fria estava na retaguarda e sua influência podia inspirar propaganda e gerar entretenimento O mesmo se podia dizer da Segunda Guerra Mundial Na GrãBretanha houve o retorno de Dads Army 1968 e de vários outros programas preocupação que inquietava os críticos germânicos World at War 1982 da Televisão Thames foi produzido por Jeremy Isaacs que primeiro fora diretor do Canal 4 e crítico feroz do programa Bad News do Grupo de Mídia de Glasgow A Primeira Guerra Mundial foi objeto de uma série em 36 partes organizada em conjunto pela BBC Canadian Broadcasting Corporation e Australian Broadcasting Commission Ela se baseava em reminiscências de mais de 50 mil sobreviventes de uma forma impossível de ser feita nos séculos anteriores A Guerra do Vietnã longa e com fases distintas teve como já se afirmou uma grande influência na história da mídia Foi o primeiro conflito visto na tela mesmo que de forma seletiva embora as imagens das matanças escolhidas para serem mostradas tenham mais que horrorizado os espectadores prejudicado a credibi lidade de Lyndon Johnson Naquela época e depois os jornais tinham mais influên cia sobre a opinião pública Em 1972 uma série norteamericana de muito suces 252 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA so passada durante a guerra da Coréia AC AS11 e freqüentemente reprisada teve 251 episódios e só terminou em 1983 O presidente Nixon foi obrigado a deixar o cargo em 1974 não em função da guerra mas pelo escândalo doméstico de Watergate forçado não por Walter Cronkite mas por dois jovens repórteres do Washington Post Na década anterior as batalhas sobre direitos civis nos Estados Unidos tinham sido transformadas por causa da exposição na televisão O assassinato de Martin Luther King em 1968 foi captado pela tela pequena mas o assassinato de Kennedy teve de ser primeiro anunciado pela voz de Walter Cronkite antes que intermináveis imagens de televisão fossem transmitidas seguiuse também uma série da televisão britânica comprada pelos Estados Unidos O terrorismo forneceu um tema importante em muitas ocasiões tanto para o cinema quanto para a televisão E também o espaço Os funcionários da Nasa no início não ficavam à vontade com o uso da televisão mas por motivações políticas e televisi vas logo mudaram de opinião Quando John Glenn entrou em órbita em 1962 o mundo e os Estados Unidos viram seu lançamento sete anos depois as primeiras imagens da Lua foram um prelúdio do que foi saudado como o maior espetáculo da história da televisão a descida da Apollo XI Ela foi vista por 125 milhões de norteamericanos e 723 milhões de pessoas em todo o mundo Esse foi um evento de mídia além de tecnológico e científico Figura 25 O entretenimento ligado inexoravelmente a notícias e esportes teve seus eventos marcantes com freqüência revistos na televisão e no cinema Um progra ma norteamericano em particular Dallas 1979 a novela final foi objeto de pesquisa sociológica em muitas universidades Tratando em formato dramático de sexo riqueza poder e família uma combinação irresistível e sugerindo que o cinturão ensolarado do Texas era tão comunicável para o mundo quanto havia sido o Oeste a novela foi mostrada muitas vezes dublada em mais de 90 países com governos de todos os tipos Enquanto isso um tipo muito diferente de programa a comédia britânica Monty Pythons Flying Circus 1969 com apelo ainda maior do que o igualmente inovador Goon Show do rádio também teve audiência internacional A comédia usava animação entre as cenas e divertia com tiradas absurdas o que se conservou quando a série televisiva foi levada para o cinema Till Dead Do Us Part 1966 um terceiro tipo de programa de comédia essencialmente britânico era inspirado nos programas norteamericano e alemão All in the Family e Um coração uma alma Educar não entreter esse permanecia o objetivo prioritário para alguns dos primeiros defensores da televisão contra as acusações de que ela exercia uma influência inevitavelmente corruptora da sociedade e da cultura e de que levava os espectadores a gastar mais tempo com ela do que com outras atividades Duzentos e cinqüenta milhões de homenshora norteamericanos por dia se dedicavam a INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 253 Figura 25 A descida na Lua 1969 Os norteamericanos mostram para o mundo que estão no espaço O bemsucedido Projeto Apollo permitiu que Neil Armstrong fosse o primeiro ser humano a andar sobre o solo da Lua Yuri Gagárin foi o primeiro a entrar em órbita ao redor da Terra ver televisão em meados da década de 1960 quando Harry J Skornia produziu um livro que teve uma boa acolhida e ganhou o prêmio McLuhan Television and Society an Inquest and Agenda for Improvement Deveria a educação ser tratada como uma tarefa diferente e segregada em canais distintos ou em organizações separadas Havia respostas diversas O Japão criou um canal exclusivo NHK dedicado à educação pela televisão em 1957 A GrãBretanha tomou um caminho diferente e incorporou a educação na progra mação geral A idéia de lançar um canal educativo em separado teve apoio de companhias independentes de televisão mas encontrou oposição por parte do Comitê Pilkington Foi a televisão independente e não a BBC quem lançou um 254 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA serviço para escolas na sua programação normal Mas em 1964 o novo presidente do Conselho de Radiodifusão para Escolas sir Charles Carter vicechanceler da nova Universidade de Lancaster frisou apesar da opinião contrária de muitos professores que a televisão abria oportunidades mais estimulantes do que qual quer outra coisa desde o advento do livro impresso barato Nos Estados Unidos a CFC reservou mais de duas centenas de estações de televisão para fins educacionais em 1952 mas muitas delas não possuíam suporte financeiro adequado e não teriam sido capazes de operar sem ajuda igualmente oferecida pela Fundação Ford que apoiou a Televisão Educacional Nacional NET na produção de programas Outras fundações também deram apoio A Fundação Ford deu início a programas educacionais pioneiros em esquemas formais e informais na América Latina Índia e África O mesmo fez o CETO Conselho para Televisão Educacional uma organização britânica financiada pela Fundação Nuffield A situação norteamericana mudou quando em 1967 uma comissão esta belecida pela Corporação Carnegie propôs a criação de uma Corporação para a Radiodifusão Pública e a Fundação Ford destinou fundos para um Laboratório Público de Radiodifusão Todavia uma vez estabelecido em 1967 o sistema nor teamericano de transmissão pública PBS com verbas extremamente limitadas preocupouse tanto com informação quanto com educação não deixando intei ramente de lado o entretenimento e importando alguns programas de teleteatro da GrãBretanha O entretenimento como a educação era uma tarefa que ultra passava fronteiras Na GrãBretanha a mais antiga instituição pública do mundo de radiodifusão a BBC não hesitou em importar programas de entretenimento dos Estados Unidos Sob o regime comunista sérvios croatas bósnios e eslovenos assistiam à novela The Forsyte Saga Poucas notícias vinham da então Iugoslávia durante a década de 1960 mas informar tornouse uma preocupação relevante em todo lugar inclusive naquele país no fim da década de 1960 e durante a década de 1970 quando se falava tanto em falta de informação quanto em saturação de informação Nos Estados Unidos em particular havia uma crescente tendência em tratar a informação como mercadoria criada e distribuída em uma economia da informação termo explo rado na próxima seção deste capítulo Em janeiro de 1966 por exemplo dizse que o senador democrata George McGovern contrário à Guerra do Vietnã que seis anos depois seria o candidato democrata à Presidência observou que quando começávamos a nos sentir confortáveis por vivermos na era do espaço o título em negrito de um anúncio da IBM nos dizia que cada vez mais concordamos que estamos agora na era da informação Portanto era aquela a hora de olhar para as aplicações da informação tanto interna como internacionalmente Tais aplicações estavam interrelacionadas e se tornaram cada vez mais de pois da crise de petróleo de 1973 que se seguiu à vitória de Israel na Guerra do INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 255 Yom Kippur As pressões árabes sobre a Opep a Organização dos Países Produto res e Exportadores de Petróleo fizeram com que os preços mundiais desse produ to quadruplicassem Isso gerou demandas no Terceiro Mundo por uma nova ordem econômica Naquele ano a GrãBretanha e a Europa assim como os Es tados Unidos se viram diante de uma grande crise social e econômica Houve duas eleições gerais na GrãBretanha num único ano 1974 Nos Estados Unidos Richard Nixon que obtivera uma vitória esmagadora sobre McGovern em 1972 e mais tarde livrara o país da Guerra do Vietnã viuse forçado a renunciar o primeiro presidente norteamericano a fazer isso como resultado do escândalo de Watergate Nessas circunstâncias o clima da década de 1960 deu lugar a temo res sem precedentes de ruptura social política e constitucional Não foram os eventos na GrãBretanha e nos Estados Unidos mas a reação do Terceiro Mundo ao domínio norteamericano na geração e distribuição de infor mação hegemonia e a nãopressão política ou a opinião interna norteameri cana que levou a informação para o centro de debate internacional a partir de meados da década de 1970 A Unesco em que se concentrava grande parte do debate tornouse o foro do diálogo um termo novo NorteSul em que os países desenvolvidos tinham o poder e os países em desenvolvimento a maioria Este foi o começo da segunda década de desenvolvimento da Unesco descrita cronológi ca e analiticamente em Electronic Colonialism 1987 de Thomas McPhail Já em 1959 antes do começo da primeira década de desenvolvimento o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas havia solicitado à Unesco a preparação de uma Assembléia Geral das Nações Unidas de um programa con creto de ação no sentido de promover o desenvolvimento de informação na mídia de massa em todo o mundo Porém pouco se fez até a década de 1970 quando por causa das mudanças econômicas diversos países que se descreviam como nãoalinhados colocaram na extensa agenda internacional as disparida des não somente de riqueza e renda mas também de informação préeletrônica e eletrônica Isso aconteceu em uma época na qual novas atitudes relacionadas ao processo de desenvolvimento tomavam forma nos Estados Unidos e na GrãBre tanha A palavra modernização não tinha mais apoio a palavra subdesenvolvi mento foi substituída por em vias de desenvolvimento e foram consideradas diversas alternativas para o desenvolvimento A necessidade de abordagens novas para os problemas e políticas de comunicações foi enfatizada em um estilo pioneiro no Intermedia jornal do Instituto Internacional de Radiodifusão que significativamente mudou o nome para Instituto Internacional de Comunicações em 1978 Ele explicava em suas proposições principais com testemunhos tirados não dos Estados Unidos mas do Terceiro Mundo que sem informação sem a oportunidade de selecionar distribuir e discutir informação não há poder Aqueles que carecem de infor mação são freqüentemente mais conscientes dessa relação A maior parte das 256 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA proposições foi redigida pelo diretor sueco Edi Ploman que anteriormente havia trabalhado na rádio e na televisão da Suécia e posteriormente foi vicereitor da Universidade das Nações Unidas com sede em Tóquio No texto de uma propo sição estava escrito que há muito uma frustração dos países em desenvolvimento de que suas janelas do mundo são filtradas pelas lentes escolhidas e ajustadas dos países desenvolvidos indus triais A sua própria infraestrutura de informação jornais estações de rádio e televisão satélites e ligações internacionais e nacionais de microondas agên cias de notícias institutos de treinamento unidades de produção de filmes é pequena e dispersa Poucos países têm os requisitos mínimos da Unesco de dez cópias de jornais diários cinco aparelhos de rádio dois aparelhos de televisão e dois lugares no cinema para cada grupo de mil pessoas Um jornalista em Bom baim pode telefonar mais rapidamente e mais facilmente para Londres ou Nova York do que para Cabul ou Dar es Salaam Nessa afirmação que ainda não incluía a expressão ambiente de mídia todos os meios de comunicação estavam relacionados entre si e à Unesco cabia um papel especial o de estabelecer padrões Por incrível que pareça durante certo tempo o Irã que depois da queda do xá em 1979 proclamaria os valores islâmicos face à modernização foi o centro de estudos do desenvolvimento e do papel que a mídia poderia desempenhar nesse processo O primeiro editorial do periódico Communications and Development Review que surgiu em 1977 sob a editoria de Majid Teheranian foi intitulado Comunicações e desenvolvimento as mudanças de paradigmas seguido por um artigo com uma entrevista investigativa de David Lerner Um artigo posterior foi intitulado Modernidade e modernização como conceitos analíticos um obi tuário Mudando de Teerã para Paris onde por ironia estava exilado o homem que assumiu o poder depois da queda do xá o aiatolá Khomeini em 1972 um ano antes que a crise internacional do petróleo efetivamente fechasse a década de 1960 a 17á Sessão Geral da Unesco emitiu uma Declaração de princípios nortea dores para o uso do espaço de transmissões para o livre fluxo de informação para a difusão da educação e para maior intercâmbio cultural A Declaração que desde o início foi considerada restritiva pelos Estados Unidos afirmava ser neces sária a soberania cultural e o controle internacional apurado das notícias transmi tidas Pelo menos 55 países aceitaram a Declaração e somente sete incluindo os Estados Unidos o mais importante deles foram contra Houve 22 absten ções entre elas a da União Soviética A demanda por soberania cultural foi um protesto contra o imperialismo cultural conceito desenvolvido nos Estados Unidos por estudiosos como Herbert INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 257 Schiller que também usou a frase dominação cultural em 1976 Na América Latina onde o imperialismo cultural estava no centro dos estudos de mídia e de comunicação a televisão comercial era o alvo de ataque mais visível Nas fortes palavras do delegado chileno a um Grupo de Trabalho das Nações Unidas a televisão competitiva comercial baixando padrões e oferecendo refugos da cul tura de massa constituía uma fonte de preocupação para nossos educadores sociólogos estatísticos e para todos nós que participamos de uma política cultural em busca de enobrecer e não de degradar o nosso povo Informação desequilibrada era outra queixa que ganhou peso quando os estatísticos entre eles professores escandinavos ligados à comunicação como Karle Nodenstreng reuniram detalhes sobre fluxos Na época os geógrafos também estavam desempenhando uma parte importante na pesquisa sobre comunicação não apenas estudando as rotas dos fluxos e comparandoas com as rotas de comér cio do passado mas também examinando pelo que viria a se conhecer como geografia fenomenológica a relação entre as pessoas e o mundo que habitam Um marco nesse processo foi o livro de J Meyrowitz No Sense of Place 1985 segundo o qual a mídia eletrônica afetava as pessoas não tanto pelo conteúdo mas sobretudo por dissociar o lugar físico do social Quando nos comunicamos por telefone rádio televisão ou computador o que somos fisicamente não mais deter mina onde estamos nem quem somos socialmente Os críticos do desequilíbrio continuaram a assinalar nas linhas do Bad News que a maior parte das notícias do Terceiro Mundo era negativa Os assuntos mencionados eram desastres intrigas militares ou políticas problemas de escassez e fome Mais tarde as reclamações se desviaram para atacar os satélites de radiodifu são vistos como ameaça à identidade cultural e a distribuição de freqüências no espectro do rádio ainda concebidas como escassa fonte de comunicação O espectro não era matéria para a Unesco mas para o Congresso Mundial Administrativo do Rádio Warc organizado pelo ITU que anteriormente se concentrava mais em questões técnicas Agora as políticas de comunicação viriam dominar a agenda da conferência Tratavase de uma guinada no que era conside rado importante na história da União Internacional de Telecomunicações que em um encontro plenipotenciário em Nairóbi em 1982 estabeleceu uma Comis são Independente para o Desenvolvimento das Telecomunicações Mundiais sob a direção de um antigo diplomata britânico sir Donald Maitland Seus 16 membros incluíam o ministro da Informação e das Telecomunicações da Costa Rica como vicepresidente o presidente do Conselho Consultivo do primeiroministro da Índia e um antigo presidente da ATT Embora houvesse 600 milhões de telefones no mundo em 1982 a metade da população mundial morava em países que juntos tinham menos de dez milhões de telefones Nos cinco encontros que realizou a Comissão tratou não somente das implicações dessa situação mas igualmente dos significativos avanços da 258 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tecnologia das telecomunicações que estavam então ocorrendo O relatório da Comissão A ligação que falta de 1984 salientava pontos freqüente e enfaticamente mencionados na década de 1980 mas não confirmados desde então pois a tecnologia apropriada de uma nação do Terceiro Mundo pode ser mais avança da que a norma corrente e uma estratégia de planejamento de avanços bruscos funcionaria bem Antes da publicação do relatório da Comissão a Unesco tinha designado um tipo diferente de comissão também em um encontro em Nairóbi na 192 Sessão Geral em 1976 quando se aprovou uma resolução bastante polêmica Ela incluía o que para muitos países desenvolvidos era um notório artigo XII atacado ao menos pelo texto que dizia Os Estados são responsáveis na esfera internacional pelas atividades de toda a mídia de massa sob sua jurisdição A nova Comissão dirigida por um político irlandês Sean McBride recebeu a formidável tarefa segundo ele de examinar a totalidade dos problemas de comunicação da socie dade moderna Seus membros incluíam McLuhan o romancista colombiano Gabriel Garcia Márquez um conhecido jornalista japonês Michio Nagai e o diretorgeral da agência de notícias soviética Tass Eles concordavam sobre a necessidade de abor dar as comunicações de maneira global Porém mesmo antes de serem nomea dos estava claro que com a Guerra Fria não tinham esperança de ganhar apoio universal para qualquer recomendação que fizessem Em 1977 as graves diver gências de abordagem defendidas pelos Estados Unidos e pela União Soviética tornaramse evidentes no Congresso sobre Direitos Humanos de Helsinque e quando o relatório da Comissão Muitas vozes um mundo veio a público em 1980 suas recomendações rapidamente passaram para a história Na realidade os países nãoalinhados estavam eles mesmos divididos depois da repressão de Indi ra Gandhi à liberdade de imprensa na última fase de seu longo governo como primeiraministra da índia entre 1966 e 1977 Quando em 1978 a vigésima Sessão Geral da Unesco aprovou a resolução pomposamente intitulada Declaração dos princípios fundamentais relativos às contribuições da mídia de massa para fortalecer a paz e o entendimento interna cional a promoção dos direitos humanos e a contenção do racismo do apartheid e do incitamento à guerra o artigo XII estava ausente Contudo esse exercício magistral de tornar o círculo quadrado como chamou um bem informado jornalista na época era para parecer magistral somente a curto prazo Quando os Estados Unidos seguidos pela GrãBretanha incomodados com esta e outras políticas da Unesco deixaram a organização ela nunca mais se dispôs a tratar da totalidade dos problemas de comunicação na sociedade moderna A iniciativa do debate intelectual no plano mundial agora pertencia aos porta vozes estudiosos do livre tráfego de idéias que o mais hábil deles Ithiel de INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 259 Sola Pool professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts favorável à des regulamentação de toda a mídia chamou em 1983 de tecnologias da liberdade Para Pool que mencionou a Unesco somente uma vez en passant em seu livro publicado no mesmo ano o que a mídia de notícias fazia independentemente de quem a possuísse era criar contrapesos para as autoridades estabelecidas Eram os governos autoritários e não as culturas tradicionais que estavam em perigo As culturas iriam florescer não por causa da proteção mas por causa do estímulo de suas capacidades de produção e por trocas recíprocas Nenhuma cultura poderia permanecer isolada Essa seria a linha adotada pelos Estados Unidos no fim da década de 1990 de acordo com um periódico editado pelo sociólogo norteame ricano Daniel Bell Correspondence Em 2000 ele utilizou dados de uma pesquisa para alegar que dentre 186 países do mundo somente 69 tinham imprensa livre Pool não considerava necessário esmiuçar sistematicamente as operações da mídia nos países democráticos nem tratou de assuntos globais Ele deu ênfase à mídia eletrônica que estava se tornando dispersa no uso e abundante na oferta permitindo maior conhecimento acesso mais fácil e maior liberdade de expressão do que jamais foi permitido Embora não fosse de forma alguma deter minista tecnológico ele saudou a extinção da máquina de escrever e a perspectiva de que no futuro não muito distante nada será publicado que não tenha sido digitado em um editor de textos ou por um computador Ao olhar adiante em direção a um novo milênio ele estimava que no início da década de 1990 haveria mais de 600 milhões de telefones e 680 milhões de aparelhos de televisão e milhões de computadores Pool tinha pouco a dizer sobre entretenimento ou a ameaça às culturas locais representada por uma cultura homogeneizada embora saudasse o fim da carência do espectro e o advento da abundância eletrônica Haveria mais opções de mídia Foram as surpresas e os problemas de uma sociedade da informação ba seada em novos suportes de comunicação não muito diferente de uma economia da informação que levaram a expressão a ser um dos rótulos mais familiares embora sempre controversos de todo o século XX Podese mesmo dizer que há uma bênção de McLuhan sobre ela Em Understanding Midia 1964 ele já havia escrito Na era eletrônica nos vemos cada vez mais sendo traduzidos como informação nos movendo para o âmbito da consciência tecnológica A sociedade da informação Uma das pessoas mais articuladas a tratar a economia da informação e a socie dade da informação expressões já usadas na época foi um jovem norteamerica no Marc Porat Associado ao Instituto Aspen Porat publicou um artigo em 1977 260 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA denominado em sua primeira forma Implicações globais na sociedade da infor mação O texto havia sido encomendado pela Agência de Informação dos Estados Unidos As expressões já haviam passado para a linguagem usual durante a década de 1960 Fluxo era então o substantivo em voga Na época também a palavra informação já havia sido incorporada à expressão tecnologia da informação TI primeiramente usada nos círculos administrativos e na teoria da informa ção da matemática Como foi assinalado o verbo medieval enforme informe emprestado do francês significava dar forma a ou modelar e a nova expressão sociedade da informação dava forma ou modelava um conjunto até agora organizado de forma frouxa de aspectos relacionados à comunicação conhecimento notícias literatura entretenimento todos permutados entre mídias e elementos de mídias diferentes papel tinta telas pinturas celulóide cinema rádio televisão e computadores Da década de 1960 em diante todas as mensagens públicas e priva das verbais ou visuais começaram a ser consideradas dados informação que podia ser transmitida coletada e registrada qualquer que fosse seu lugar de ori gem de preferência por meio da tecnologia eletrônica De novo no fim do século XX assim como no XVI foi a língua francesa que serviu de portadora de conceitos extensivos e mutantes por meio de palavras como informatique e informatisation que influenciaram não só a maneira de pensar e sentir a comunicação mas também os procedimentos e decisões de homens de negócios e as políticas de governo Havia uma ligação clara em francês entre esses termos e a computação Na realidade um texto essencial de Simon Nora inspetorgeral de Finanças e de Alain Minc exaltando uma sociedade da informa ção como refinamento da civilização teve implicações políticas imediatas no governo francês e foi chamado em uma tradução inglesa 1980 de The Computa rization of Society Ele havia sido escrito por Nora como relatório para o presidente da França Giscard dEstaing com o título de LInformatisation de la société Havia no entanto outras forças por trás das mudanças de linguagem Nas ciências biológicas a descoberta do DNA ácido desoxirribonucleico o portador da informação genética a maior descoberta da década de 1960 deu novo impulso ao que foi chamado de paradigma da informação A informação foi considerada o princípio organizacional da própria vida O código genético era o código e a transmissão tornouse então o caminho preferido para considerar todos os modos de informação A própria palavra paradigma bastante incomum rapidamente passou a ser usada na linguagem geral Sua disseminação seguiuse ao enorme sucesso do livro do norteamericano Thomas S Kuhn The Structure of the Scientific Revolu tion que vendeu quase 600 mil exemplares entre 1962 ano de sua primeira publi cação e 1984 ano em que o romancista George Orwell imaginou como o do INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 261 desastre das comunicações De fato 1984 foi um ano de formação quando os padrões de comunicações reagindo à nova tecnologia mostraram ser bem dife rentes daqueles descritos por Orwell 50 anos antes Um elemento diferente mais central à emergência do conceito de uma sociedade de informação relacionavase ao desenvolvimento não da biologia ou da tecnologia de informação mas da economia e da sociologia quase nunca com ausência da política O sociólogo norteamericano Daniel Bell autor de Ofim da ideologia tinha conhecimento do trabalho de seu conterrâneo o economista Fritz Machlup quando publicou um segundo livro The Coming of Post Industrial Society a Venture in Social Forecasting 1974 no qual focalizava a maneira como o setor de serviços da economia estava se tornando mais importante do que o de produção Os horizontes de Bell eram novos assim como a terminologia por ele adotada Ele empregou no título o prefixo pós que ficaria cada vez mais em moda pouco depois surgiu o adjetivo pósmoderno No entanto nada havia de novo na sua identificação que Bell fez de uma mudança da produção para os serviços transformação que já estava clara para o economista australiano Colin Clark especializado em agricultura quando publicou o livro Conditions of Econo mic Progress 1940 que hoje não merece muita atenção A análise de Bell quanto às implicações sociais da mudança estrutural que dava pouca atenção às conexões com o capitalismo independentemente da tecno logia dominante era nova e desafiadora tal como sua explicação para o modelo social que ele também chamou da sociedade da informação Não surpreende que sua análise fosse criticada por marxistas como Schiller que publicou em 1981 Who Knows Information in the Age of Fortune 500 focalizando os promoto res financeiros da nova sociedade Enquanto isso Machlup que havia apresentado a teoria da economia do conhecimento no livro The Production and Distribution of Knowledge 1962 continuava a atualizar seus dados demonstrando que no decorrer de um século o número de trabalhadores engajados na agricultura nos Estados Unidos assim como para Clark o principal grupo de referência tinha caído de 40 para cerca de 4 e que a proporção de trabalhadores no setor de informação estava crescendo assim como na GrãBretanha A definição trabalhadores da informação categoria extremamente extensa e vagamente delimitada e analisada parecia ter mais apelo do que trabalhadores em serviços A primeira expressão parecia definir um grupo atraente e dinâmico que lidava com o conhecimento estava livre de ideologias e que transformaria não somente o país como os saintsimonianos queriam fazer mas o mundo Peter Drucker o mais bemsucedido e prolífico dos analistas da mudança sem tentar previsões quanto ao futuro chamou a atenção sobre a presença desse grupo em 1969 no livro The Age of Descontinuity cuja primeira parte se dedicava à tecno logia do conhecimento Os processos de aprender e ensinar seriam afetados mais 262 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA profundamente pela nova disponibilidade de informação do que qualquer outra área da vida humana Para Drucker porém ainda havia um caminho considerável a trilhar Uma grande companhia internacional já estava expedindo computadores à taxa de mil por mês mas ainda não havia algo equivalente no campo dos computadores às lâmpadas de Edison O equivalente seria um utensílio eletrônico com preço inferior ao de um aparelho de televisão capaz de ser ligado a qualquer tomada de eletricidade e dar acesso imediato a toda informação necessária para os estudan tes da primeira à última série Drucker também viu claramente que esse utensílio daria acesso a muito mais do que informação para uso escolar mas não imaginou como poderia parecer a televisão do futuro ou do que ela seria capaz Ainda era considerada em muitos lugares como a sucessora dos aparelhos de rádio e gramo fones e não como um arauto dos computadores O desenvolvimento e o impacto dos computadores serão tratados no próxi mo capítulo Agora é necessário voltar a um conjunto de textos sobre informa ção que acabou ultrapassado por escritos e discursos sobre a globalização Um dos mais interessantes em retrospecto foi um livro pequeno esquemático e bas tante objetivo The Information Society as PostIndustrial Society 1980 de Yoneji Masuda um professor japonês trabalhando em um país que já produzia milhões de microchips o livro foi publicado pelo Instituto de Tóquio para a Sociedade de Informação e previu que o trabalho seria dispersado em cabanas eletrônicas a mídia seria desmassificada e a percepção humana se aceleraria como um fluxo global de mensagens da sociedade da informação Não surpreende dada essa visão que um outro rótulo sociedade pósindustrial se estabelecesse até que novas metáforas fossem criadas O próprio Masuda assinalou mais de uma delas quando em um breve encontro chamado Globalização o espírito de um novo Renascimento chamou atenção para a globalização A informação não tem fronteiras naturais Quando o espaço da informação se constituir as atividades mundiais de comunicação entre cidadãos de todo o mundo ultrapassarão todas as fronteiras nacionais Diferentemente do espaço geográfico convencional o espaço de informação global será conectado por redes de informação Conclusões Em seqüência cronológica ao Capítulo 5 e por vezes sobrepondose a ele este capítulo mostrou que enquanto a inovação tecnológica vem em ondas e fei xes associadas a tendências econômicas os rótulos históricos tendem a se fixar às sociedades segundo o que parece ser por uma variedade de razões sua principal tecnologia de comunicações A era das ferrovias descrita no Capítulo 4 foi uma INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 263 delas A era da radiodifusão a era da televisão e a era do cinema descritas neste capítulo sobrepuseramse uma à outra A imprensa que como quarto estado não deu nome a uma era divulgou os outros rótulos chegando mesmo a criálos No caso da Internet descrita na última parte do próximo capítulo a palavra idade por vezes aplicada à radiodifusão viria a ser mais usada na GrãBretanha do que era junto com antigas metáforas relativas à navegação Em nenhuma das eras mesmo naquelas que receberam a alcunha de ouro pelo menos em retrospecto nenhum meio eliminou o outro O velho e o novo coexistiram A imprensa permaneceu uma força poderosa na década de 1960 e em alguns aspectos cresceu de importância depois daquela data A televisão às vezes chamada de quinto poder ver p192 não suplantou o rádio rejeitado na infância da televisão como rádio a vapor mais fácil de operar que a televisão permanece o veículo predominante nos países do Terceiro Mundo A ferrovia continuou a ser um importante meio de transporte nos países do Primeiro Mun do mesmo quando ou mesmo porque o número de automóveis cresceu enormemente As cartas ainda são enviadas pelo correio No entanto à medida que os avanços tecnológicos se aceleravam cada vez mais com períodos de calma ria as antigas tecnologias eram desafiadas e acima de tudo sua estrutura insti tucional precisava ser repensada Figura 26 Há um aspecto do processo que olha para trás e também para o futuro Os interesses começaram a crescer durante as décadas de 1960 e 1970 não somente por locomotivas a vapor bondes remodelados e carros da moda mas na gama de temores e expectativas das gerações anteriores quando nas palavras de Carolyn Marvin as velhas tecnologias eram novas Retro iria tornarse um dos prefixos mais usados uma década depois nos Estados Unidos Desde o começo a palavra geração foi aplicada a computadores e pessoas Enquanto isso em cada uma das idades eram levantadas questões semelhantes sobre a relação entre a proprie dade da mídia e seu conteúdo entre o conteúdo e a estrutura e entre a estrutura e a tecnologia principalmente a tecnologia nova Todos esses temas estão ligados pelo controle A necessidade de informação em cada idade foi associada com esforço para controlar o presente e o futuro por motivos pessoais políticos e econômicos O próximo capítulo tratará do que foi considerado mesmo na época e do que vem sendo considerado desde então como um marco na história da humani dade Seu título Convergência está diretamente relacionado à tecnologia à história do computador que apesar de abreviada deve ser contada do transis tor do circuito integrado e da digitalização No entanto ele envolve muito mais do que tecnologia por mais fascinante ou intimidante que ela seja Com um contínuo processo inovador a invenção do futuro parece ser o desafio como foi quando Erasmus Darwin ver p113 escreveu seus versos antes do fim do século XVIII 264 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 26 A imprensa conserva seu poder policiais e fotógrafos nos protestos do Dia do Trabalho Londres 2001 As palavras informação e convergência que já haviam sido unidas na década de 1960 estariam cada vez mais ligadas durante as décadas de 1970 e 1980 Enquanto isso como o advento da televisão estimulou os historiadores da mídia a reexaminar as implicações da descoberta da impressão gráfica também o desen volvimento de novas tecnologias eletrônicas culminando com a Internet e a World Wide Web estimulou seus sucessores a reexaminar as implicações da seqüência de invenções do século XIX cobertas nos capítulos anteriores Assim em 1986 James Beninger fez um levantamento meticuloso dos dias de hoje até o século XIX e mesmo antes dele das origens dos controles técnicos assim como sociais alguns deles internalizados e realimentados por novos dispositivos mecânicos e eletrônicos O regulador um dispositivo mecânico da máquina a vapor de Watt foi um dos primeiros exemplos de controle antes que o advento da eletrici dade multiplicasse tanto o número de aparelhos quanto o das oportunidades que ofereciam E em 1998 Tom Standage com a Internet já no centro das atenções escreveu um livro intitulado The Victorian Internet sobre o telégrafo e seus pio neiros online Os usuários modernos da Internet dizia ele são de várias maneiras os herdei ros da tradição da telegrafia o que significa que hoje estamos em posição espe cial para entender o telégrafo E o telégrafo por sua vez pode nos dar uma perspectiva fascinante dos desafios oportunidades e perigos da Internet INFORMAÇÃO EDUCAÇÃO ENTRETENIMENTO 265 Ele poderia ter observado como imagens da rede e da Web foram usadas fora dos círculos de tecnologia durante o século XIX Mesmo antes um interessante estudo sobre o romancista Thomas Hardy feito em 1974 por Ian Gregor foi chamado de The Great Web Em seu romance The Woodlanders transformado em filme no século XX o próprio Hardy obser vou que os trajetos solitários de seus personagens não formavam afinal tipos específicos mas eram parte da grande rede humana de seres entrelaçandose em ambos os hemisférios do mar Branco ao cabo Horn CAPÍTULO 6 Convergência Convergência é uma palavra útil embora excessiva empregada livremente por Pool e outros antes de se tornar moda A partir da década de 1980 foi aplicada ao desenvolvimento tecnológico digital à integração de texto números imagens sons e a diversos elementos na mídia que foram examinados em separado nos períodos anteriores da história compreendida neste livro Durante a década de 1970 a palavra já era usada com uma abrangência mais ampla em particular no que Alan Stone chamou de um casamento perfeito entre os computadores parceiros também de outros casamentos e as telecomunicações A menos feliz expressão compunicações híbrida era mais uma descrição que qualquer outra coisa As definições de dicionário da palavra comunicação têm mudado nos últimos 25 anos Em 1955 o Oxford English Dictionary definia comunicação como 1 A ação de comunicar agora raramente se referindo a coisas materiais 2 Compartilhamento transmissão ou troca de idéias conhecimento etc seja por meio da fala da escrita ou de sinais Em 1972 lançouse um suplemento desse dicionário em que a palavra comunicação era definida como a ciência ou o processo de transmissão de informações em especial por meio de técnicas eletrô nicas ou mecânicas Uma enorme diferença A palavra convergência foi sendo subseqüentemente aplicada a organiza ções e processos em especial à junção das indústrias de mídia e telecomunicações Ela também teve empregos diversos e abrangentes em relação a sociedades e culturas inclusive na sociedade e cultura britânicas durante a década de 1930 DL LeMahieu examinando o conceito de uma cultura comum e seus limites no brilhante livro A Culture for Democracy 1988 incluiu um capítulo chamado Visão e som estudos de convergência Jeremy Black escolheu Convergência como parte do título de seu livro Convergence or Divergence Britain and the Continent 1994 sobre a GrãBretanha e a Europa Já Boorstin em seu fascinan te mas agora ultrapassado livro The Republic of Technology 1978 usava a palavra em seu sentido mais geral a tendência de tudo se tornar igual a tudo Ele acrescentava duas afirmações dignas de nota primeiro a tecnologia dilui e dis solve a ideologia segundo esclarecendo melhor enquanto a comunicação era 266 CONVERGÊNCIA 267 em determinada época um substituto inferior ao transporte hoje muitas vezes é a alternativa preferida Boorstin pode ter pensado principalmente no transporte rodoviário Porém à medida que a sociedade se tornava mais móvel o termo favorito para trans porte aquele que fez seu caminho na retórica convergente da década de 1990 foi via expressa Diziase que sociedades e culturas diferentes que haviam começa do suas jornadas históricas separadamente estavam viajando juntas na mesma via expressa de informação Em 1972 o jornalista independente Ralph Lee Smith encarava as inovações como a televisão a cabo ver p290 como um meio de prover comunicação eletrônica em via expressa para uma nação ligada por cabos pelos quais todos os tipos de serviços poderiam ser providenciados para as casas os escritórios e as fábricas Durante a década de 1960 o desenvolvimento de tecnologias para suprir esses serviços ainda estava em estágio experimental de laboratório embora a teoria estivesse bem avançada e mesmo durante a década de 1980 um período crítico quando a gama de possibilidades começou a ser apreciada ainda não havia certeza sobre que tipo de tecnologia teria sucesso Parecia provável mas não certo que a tecnologia digital iria prevalecer na maioria dos ramos das comunicações se não em todos Ainda não existia o verbo digitalizar Só depois de 1993 a expressão supervia expressa ou suas variantes como via expressa de dados ou mesmo o que a revista Wired um periódico que se tornou imediatamente sucesso de ven das chamou de Infobahn em fevereiro de 1994 só decolou em 1993 Isso ocorreu depois que o presidente Bill Clinton e o vicepresidente Al Gore então recémelei tos nos Estados Unidos a introduziram na política A digitalização um processo unificador logo começou a ficar corriqueira assim como o conteúdo global com que iria operar Na década de 1980 contudo as discussões políticas sobre tecno logia implicavam a multiplicidade Cornucópia opção e crise Três expressões foram identificadas e ainda outra interatividade palavra usada com mais freqüência que criatividade Interatividade era uma palavra usada não apenas em relação à televisão mas a uma ampla gama de instrumentos emprega dos em lojas museus e salas de aula Para um biógrafo participante dos arquite tos da rede Robert H Reid a interatividade na televisão era o estratagema final da Grande Convergência ainda no início da década de 1990 Ela traria o vídeo por assinatura em grande escala a milhões de pessoas sua infraestrutura seria inte grada com os sistemas de transações de marketing que pulariam na jugular da indústria biliardária de catálogos Cornucópia abundância estas eram palavras tradicionalmente aplicadas a produtos e recursos e não aos veículos eletrônicos limitados no estágio inicial de 268 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA sua história pela escassez de comprimentos de onda O que Anthony Smith um intelectual crítico e criativo preocupado com todo tipo de mídia e diretorgeral do British Film Institute chamou de a confortável lógica da carência voltando ao início da radiodifusão tinha agora de ser abandonado As tecnologias novas tornariam possível opções individuais mais ricas sobre o que ver e ouvir e de quando ver e ouvir Enquanto isso as minorias passariam a ganhar influência quando somadas sem levar em conta suas fronteiras Se essa escolha seria verdadeira ou benéfica este era o tema de discussão já que tanto ouvintes quanto espectadores passaram a ser vistos como clientes O mesmo ocorreu com os cidadãos Será que os novos canais são cada vez mais a mesma coisa Crise palavra usada com tamanha freqüência que per deu um pouco de seu caráter de alerta se referia tanto às finanças quanto mais genericamente à autoridade e foram os correios uma das mais antigas institui ções da mídia empenhadas em serviço universal que enfrentaram os mais dificeis problemas financeiros ao se ajustarem às mudanças Nos Estados Unidos uma comissão presidencial relatou em 1970 que Os Correios dos Estados Unidos que nunca chegaram a desfrutar a autoridade que tinham na Europa enfrentam uma crise A cada ano ficam aquém da economia em termos de serviço eficiência e cumprimento de responsabilidades como empregador Todo ano operam com grande perda financeira Depois de acordos no Congresso foi estabelecido um serviço postal novo mas os problemas financeiros continuaram e as alternativas eletrônicas que acaba riam tomando a forma de email estavam sob avaliação no fim da década de 1970 Um texto de Henry Geller e Stuart Brotman sobre o tema tratava de compu tadores conexões digitais satélites televisão a cabo fibras ópticas e fax Este último originalmente uma evolução da telegrafia foi descrito pelos autores como possivelmente a ponte para os sistemas eletrônicos do futuro usando entradas e saídas digitais Nas transmissões de rádio e televisão o panorama institucional em que os programas eram produzidos e distribuídos por agências públicas que tinham de enfrentar novas formas de competição ou nos Estados Unidos pelas gran des redes de televisão sendo que a estas veio se somar a Fox em 1992 estava sob constante e minucioso exame O cabo tratado como competidor mantevese firme com a promessa de conforto entretenimento em abundância e vários outros usos notáveis do tubo de raios catódicos Henry Geller pessoa influente dos bastidores na definição de posicionamentos para as comunicações em Washing ton viu a perspectiva da abundância como um incentivo à desregulamentação outra palavrachave do período A competição embora darwiniana levava a uma nova idade das comunicações CONVERGÊNCIA 269 O cenário parecia promissor para a maioria dos comentaristas nos Estados Unidos inclusive para Neil Hickey colaborador freqüente do TV Guide uma fonte inestimável para os historiadores A idéia de um Gõtterdümmerung para as redes lhe agradava É certo que os jovens de 20 anos de idade de hoje irão preferir um ambiente de comunicações muito mais saudável e multifacetado a tudo o que conhecemos Finalmente o público será tratado em toda a sua variedade poten cialidade e dignidade em vez de ser considerado um imenso rebanho de carneiros indecisos a ser entregue ao melhor arrematante Embora a esperança fosse desca bida o otimismo no entanto não ficou confinado aos Estados Unidos pois o Economist de Londres em 1982 descreveu uma decisão do Gabinete de expandir na GrãBretanha uma rede de cabos de fibras ópticas que ofereceriam um grande potencial à GrãBretanha em seu movimento para o próximo século tal como o realizado pela malha ferroviária no século anterior O primeiro governo Thatcher estava no poder na época e se empenhava ao máximo ou quase ao máximo em ser competitivo assim como os Estados Unidos de Reagan O pensamento do governo britânico estava fortemente in fluenciado pelo relatório sobre Sistemas de cabos de um Painel Consultivo de Tecnologia de Informação cujos membros eram pessoas sem experiência em radiodifusão o relatório enviado no fim de 1981 não via a necessidade de fundos públicos para as empresas a cabo No entanto os governos por mais com prometidos que fossem com a desregulamentação e alguns faziam isso com relutância achavam difícil ficar de fora do cenário Em qualquer discussão sobre futuro infraestrutura era outra palavrachave do vocabulário como viria a seguir o termo herança na GrãBretanha onde o transporte estava se tornando um tópico no Parlamento e na mídia a maior parte da infraestrutura doméstica permaneceria vitoriana como a imprensa aliás como sempre rapidamente apontou Havia espaço para desastres imediatos e crises de longa duração Muitas vezes consideravase que a própria imprensa vivia em estado de crise em ambos os lados do Atlântico Neste caso o computador afinal veio para resgatála como argumentou Anthony Smith em 1980 em um livro com o chamativo título Goodbye Gutenberg mas isso só aconteceu depois da resistência de editores e jornalistas organizados em sindicatos fortes Enquanto isso nos Estados Unidos as sugestões de que a imprensa se desenvolveria da mesma maneira que as ferrovias baseavamse mais na lógica do que na história A imprensa não estava indo em direção diferente da sua similar na GrãBretanha onde nas últimas décadas do século XX crescia o poder dos tablóides alimentado por fotografias que rompiam todo o sentido da privacidade Tampouco desapare ceu a maioria das instituições públicas de radiodifusão em outros países onde tinham sido criadas por lei Elas foram contudo forçadas a reformular seus servi ços a princípio defensivamente depois muitas vezes de forma eloqüente 270 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O contexto tecnológico e cultural continuou a mudar e passou a tema de muitos artigos de jornal panfletos políticos e livros e o próprio comércio de livros muitas vezes foi descrito como em crise Em 1983 quando se inaugurou um novo setor de comunicações no Museu de Ciências de Londres Eryl Davies escre veu um folheto informativo Telecommunications a Technology for Change que começava com telefones e fotos de repetidoras submarinas instrumentos de comunicação internacional montados a bordo de navios lançacabos e terminava com torres de rádio e antenas parabólicas de TV Ele incluía partes sobre ligações a laser e satélites enfatizando as possibilidades de aumentar a capacidade ou a amplitude de banda Quando toda fonte de informação é reduzida antes da transmissão a uma corrente de informações digitais como dados de computa dor concluiu ele não há razão para que todas as informações não comparti lhem as mesmas vias e os mesmos intercâmbios Argumentos semelhantes foram defendidos em dois conjuntos de textos publicados em 1976 e 1979 O primeiro Novas perspectivas nas comunicações internacionais 1976 foi organizado por Jim Richstad e publicado pelo Instituto de Comunicação LesteOeste de Honolulu para onde iria a Teheranian via Unes co depois da revolução no Irã seguida por uma crise que envolveu reféns norte americanos intensamente exibida na televisão o segundo Comunicações para o amanhã 1979 foi publicado sob os auspícios de Aspen e editado por Glen O Robinson Estas eram somente duas coleções de um grande conjunto de textos sobre mídia Muitos dos melhores deles seriam encontrados na Intermedia que lançou uma série de pesquisas especiais cobrindo uma vasta gama de países e abordando temas como televisão de altadefinição espectro de freqüência e tele texto Particularmente informativa foi a matéria dedicada ao mundo árabe O nome de um colaborador em especial se destacou dentre os reunidos por Richstad Wilbur Schramm 190787 que escreveu sobre Comunicação entre culturas sugestões para a construção de pontes tão importante na história das comunicações quanto as autoestradas Schramm havia sido redator de discursos para Roosevelt músico concertista e jogador de beisebol da segunda divisão antes de trabalhar em comunicações Em 1948 produziu um livro Communications in Modern Society e em 1961 escreveu um estudo conjunto Television in Life of Our Children três anos mais tarde publicou Mass Midia and National Development Fazendo uso de sua própria experiência inclusive uma temporada na Universi dade de Hong Kong Schramm tinha familiaridade com transmissões tanto no Oriente quanto no Ocidente e na realidade no que então era identificado como Norte e Sul ele havia escrito um artigo sobre a teoria da imprensa comunista em livro publicado no ano de 1956 No final do século XX a China ganhara o título de oficina do mundo e caminhava ativamente para um planeta controla do pelas comunicações não apenas como um cliente de mercado mas como ator A Índia também era um ator em operação CONVERGÊNCIA 271 O volume de Robinson Communications for Tomorrow que teve Porat como primeiro colaborador enfatizava mais a pluralidade de tecnologias diversas do que suas convergências Como escreveu Robinson o cerne das questões relacio nadas à política de comunicações é um esquema de controle social da estrutura e desempenho das indústrias de comunicação ondas portadoras comuns ondas portadoras comuns especializadas redes de valor agregado serviços e recursos de satélite equipamentos de telecomunicações transmissões de televisão e rádio TV a cabo TV paga bandas móveis de radiocidadão etc O etc era significativo A radiodifusão estava sendo colocada em um novo contexto técnico antes da digita lização se tornar uma palavrachave As apostas acrescentava Robinson eram altas Em 1977 as receitas brutas da ATT ultrapassaram o produto nacional bruto de 118 dos 145 países membros das Nações Unidas Como sempre a economia de desenvolvimento envolvia a tentativa da pri meira patente como foi no caso da invenção do circuito integrado ver p285 e das batalhas e acordos subseqüentes Mas a garantia do investimento inicial e de seu desenvolvimento colocava tantas questões embaraçosas quanto as próprias tecnologias Havia um alto grau de risco e mais falências do que desmembramen tos O mais significativo deles o da ATT em 10 de janeiro de 1984 acompanhou o maior caso antitruste da história Para o historiador da mídia foi tão importante quanto seria 20 anos mais tarde o caso Microsoft Também haveria casos como este fora dos Estados Unidos Na época contudo o cenário tinha mudado com pletamente assim como os participantes do jogo das comunicações alguns deles atuando no palco com permissão de Wall Street por um curto período de tempo O cenário das comunicações mudou na época aparentemente de forma drástica em uma noite a última noite de dezembro de 1983 Antes de seu desmembramento a ATT forçada a se retirar de acordos em outros mercados por lei ou política dominava os quatro maiores mercados de telefonia inclusive o da fabricação de interruptores computadorizados um mercadoponte conectan do diretamente a mídia de rádio e televisão e as agências de telecomunicações Há tempos porém estava sob o escrutínio da CFC e da Divisão Antitruste Fora também forçada a enfrentar um grande número de ações privadas antitruste e comentários diversos na mídia como o da Businessweek já em novembro de 1974 o processo de regulamentação não consegue mais conter o poder da ATT Novembro de 1974 foi o mês em que o caso legal Estados Unidos vs ATT com a ATT a Western Electric e a Bell Labs como réus que se prolongaria por anos foi aceito pela Corte Distrital Federal de Colúmbia O processo terminaria fora do tribunal em agosto de 1982 por desapropriação voluntária de bens pouco antes de finalmente ter a possibilidade de se encerrar de vez No acordo estabelecido o sistema Bell que havia evoluído por mais de um século foi desmembrado ver p148 O presidente da ATT descreveu a reorganização como o trabalho mais complexo de reestruturação já realizado por qualquer setor em qualquer lugar 272 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Um estudo detalhado do caso feito por Alan Stone apresentado no início deste capítulo sugere que poucos se é que alguém antes de meados da década de 1970 viram as maneiras extraordinárias pelas quais as tecnologias logo iriam convergir Na época foi a pluralidade que apareceu como acontecera com Robin son e graças a ela também um sentimento de que grande número de opções deveria ser considerado e decidido não somente pelos diversos participantes do jogo das comunicações alguns deles jovens novatos mas por milhares de usuários que muitas vezes iam achar tudo muito confuso Contudo eles agora tinham à disposição uma grande gama de periódicos às vezes altamente especiali zados que lhes ofereciam aconselhamento e seu número ainda aumentaria com o Wired estabelecendo um novo estilo 20 anos depois sendo que alguns deles também se tornaram participantes do jogo Como escreveu John Hopkins então editor de Intermedia em 1979 toda semana aparece uma publicação nova ou uma antiga é relançada para registrar o sempre crescente setor das comunica ções As páginas de setor de negócios dos jornais também dedicavam cada vez mais comentários sobre o assunto Elas mudariam quase totalmente de caráter em todos os países quando as ações das novas tecnologias foram lançadas e aumenta ram as opções de negócios Os cadernos de comunicação dos jornais se tornaram comuns criando uma linguagem de discurso Mesmo em um suplemento de esportes italiano podiase ler Al Futurshow di Bologna i gol si fanno sul computer Havia algumas pessoas que por motivos ocupacionais sentiram a necessi dade de seguir cuidadosamente os eventos em um nível menos dominado pela mídia Assim em 1985 John Black examinando o que acontecia com as comunicações não em uma Corte legal nem em um laboratório mas em um dos mais antigos centros de comunicações a biblioteca da Universidade de Guelf no Canadá encontrou a existência de tecnologias novas sob nove denominações satélites transmissão a laser o laser amplificação da luz por emissões simuladas de radiação com uma longa história atrás de si foi imaginado pela primeira vez em 1960 fibras ópticas sistemas de terminais digitais de microondas redes locais outras conexões de banda larga CATV antena de televisão comunitária por exemplo usos novos das redes telefônicas existentes rádio celular inicial mente para voz no futuro para dados e muito mais e novos dispositivos de distribuição offline Black um dos mais bem informados bibliotecários que ava liavam as tecnologias novas assim como os antenados diretores de museus e de modo pioneiro mudavam a organização das bibliotecas em resposta a seus desafios usou a palavra superposição e não convergência Como todos os outros comentaristas reconheceu que haviam sido as descobertas em microele trônica em especial o grande aumento da potência dos computadores que tornaram possível a maioria das transformações até então imaginadas Em Londres o relatório anual do reorganizado Conselho Nacional de Eletrô nica descreveu o ano de julho de 1984 até julho de 1985 como um dos mais ativos CONVERGÊNCIA 273 de seus breves 15 anos de história Durante esse ano passouse a enfatizar o estímu lo às crianças para fazer cursos na escola que levassem a uma carreira na eletrônica e tecnologia da informação Um artigo de Basil de Ferranti presidente da companhia Ferranti de computadores chamavase Eletrônica energia e sobrevivência Em 1950 Ferranti havia construído e vendido os primeiros computadores a serem comercializados no mundo dez Manchester Mark Is Contudo pouco se falava então em qualquer país sobre a maneira como os computadores iriam afetar a produção de toda a mídia sua estrutura e a produção de seus programas Computadores Embora a história da tecnologia não seja o único elemento na história da mídia da segunda metade do século XX os computadores devem vir em primeiro lugar em qualquer análise histórica pois logo que deixaram de ser considerados simples máquinas de calcular ou úteis acessórios de escritório e isso só aconteceu no começo da década de 1970 eles passaram a fazer com que todos os tipos de serviços e não somente os de comunicações tomassem novas formas Contudo para isso tiveram que se tornar menores e mais baratos E na realização dessa tarefa os Estados Unidos e não a GrãBretanha ou a Europa dominaram o curso dos eventos Os primeiros computadores digitais eletrônicos operacionais foram planeja dos de ambos os lados do Atlântico para propósitos militares de guerra e da Guerra Fria Como na história anterior o estímulo era a guerra e não o lucro ainda que pudesse haver lucros O Colossus o Eniac e o Univac 1953 eram máquinas gigantescas segundo alguns monstruosas dependentes de milhares de vál vulas e nem sempre confiáveis chamadas nos Estados Unidos de tubos a vácuo Figura 27 Em 1950 foram descritos com propriedade pelo brilhante pioneiro britânico no campo dos computadores Alan Turing como máquinas universais que tornavam desnecessário o planejamento de várias máquinas novas para fazer diversos processos de computação o modelo das máquinas porém mudou radicalmente depois da substituição das válvulas por transistores No primeiro estágio de seu desenvolvimento os transistores eram ainda menos confiáveis que as válvulas mas a longo prazo tornaram possível a necessária revolução em ter mos de escala A fabricação dos primeiros transistores dependeu dos avanços da física de semicondutores após experimentos realizados na Bell Laboratories e em diversos outros lugares Em 1947 John Bardeen Walter Brattain e William Shockley que ganhariam o prêmio Nobel três anos mais tarde planejaram dispositivos de am plificação de estado sólido feitos de germânio e com dois detectores parecidos com bigodes de gato Foi somente em 1959 que as vendas de transistores suplantaram 274 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Figura 27 Colossus decifrador eletrônico de códigos foi usado em Bletchley Park Buckinghamshire para ajudar a GrãBretanha e seus aliados a ganhar a Segunda Guerra Mundial Ele empregava 1500 válvulas Enquanto isso a Universidade da Pensilvânia desenvolveu o Eniac Electronic Numerator Integrator and Computer entre 1942 e 1946 A União Soviética desenvolveu o MLSM as das válvulas sendo os primeiros compradores os fabricantes de aparelhos de audição O nome transistor pouco familiar dado por seus projetistas foi inicialmente adotado pelo público para se referir não aos próprios dispositivos mas aos pequenos aparelhos portáteis de rádio a bateria que os continham vendi dos sete anos mais tarde sendo o primeiro modelo o norteamericano Regency TRI Bardeen ficou estarrecido com o interesse principal dos usuários pelo rock Nomear é um assunto sempre interessante e muitas vezes revelador o mesmo ocorre na história da mídia que é cheia de acrônimos ou da tecnologia a ela subjacente A escolha imaginativa de nomes freqüentemente triunfa sobre a des crição funcional dos objetos Nesse caso particular porém foi menos interessante do que nos desenvolvimentos posteriores da tecnologia realizados por diversos fisicos e engenheiros de computação O primeiro deles Gordon Teal substituiu o germânio pelo silício que foi rapidamente chamado de chip Teal havia saído da Bell Laboratories para uma firma bem diferente uma empresa forasteira a Texas Instruments que havia começado como supridora de serviços de petróleo e em outubro de 1954 passou a vender diminutos chips de silício do tamanho de CONVERGÊNCIA 275 uma unha Depois de outros avanços tecnológicos na Fairchild SemiConductor Company que introduziu a fotolitografia no processo de produção de chips a miniaturização se tornou mais barata e os transistores mais confiáveis mas como no caso da invenção dos transistores não havia ainda demanda adequada para inspirar confiabilidade nos negócios Os negócios realizados com os gover nos eram importantes A confiança tampouco aumentou imediatamente depois que se soube que um engenheiro da Texas Instruments Jack Kilby havia solicitado uma patente em 1959 para o circuito integrado um corpo de material semicondutor em que todos os componentes do circuito eletrônico estão totalmente integrados Ele havia escrito em seu diário em julho de 1958 que a extrema miniaturização de muitos circuitos elétricos pode ser obtida colocandose resistores capacitores transistores e diodos em uma única fatia de silício Uma patente já havia sido concedida a Robert Noyce um dos fundadores da Fairchild e mais tarde da Intel que escreveu um dos mais conhecidos artigos pioneiros sobre o significado da microeletrônica usando a palavra revolução em um número especial da Scien tific American em 1977 A primeira exposição sobre o assunto tinha aparecido na revista Fortune dois anos antes Esta e outras publicações de negócios são boas fontes para o historiador embora suas previsões tenham de ser lidas criticamente e avaliadas à luz da experiência posterior Com o advento do circuito integrado um chip de silício de um sexto por um oitavo de polegada contendo 2250 transistores miniaturizados tinha agora a mesma potência do Eniac que ocupava uma sala inteira Com circuitos lógicos internos o novo chip tornou possível o desenvolvimento de computadores para todos os tipos de propósitos Suas minúsculas unidades centrais de processamen to receberiam instruções a partir de Roms memórias somente de leitura espe cialmente escritas Apesar disso os primeiros usos mostraramse bastante limita dos Em 1963 somente 10 dos circuitos à venda eram integrados A idéia de um circuito integrado havia sido imaginada por um físico britâni co GWA Dummer em 1952 mas mesmo depois que ele foi simultaneamente patenteado a reação da indústria de computadores pelo lado dos suprimentos foi humhum palavras de Noyce o dispositivo não teve apelo imediato entre os especialistas consagrados Quando o microprocessador depois descrito como o coração do computador foi planejado por Marcian Ted Hoff em 1971 seu primeiro emprego foi em um relógio que soava como um piano parecido com o que teria acontecido com uma invenção mecânica francesa do século XVIII Apesar disso fabricado e vendido pela Intel o microprocessador tornou possível não somente um enorme aumento da potência do computador mas também uma descentralização de seu uso O chip RAM memória de acesso randômico da Intel introduzido em 1970 reduziu substancialmente o custo do componente de memória e daí por diante haveria gerações de computadores sobretudo os japoneses esquentaram esse conceito 276 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Noyce que tinha com as palavras a mesma habilidade que possuía com as invenções comparou o minúsculo microprocessador com o enorme automóvel era o modo mais simples de ir daqui até ali Centenas de milhares de componen tes podiam ser colocados em um microprocessador e quando sua versatilidade tornouse reconhecida injetou um estímulo à tecnologia digital em detrimento da analógica em toda a mídia que logo seria uma de suas principais usuárias impressos filmes gravações rádio televisão e todas as formas de telecomunica ções agora sendo pensadas cada vez mais como parte de um complexo A com pressão digital que eliminava dados de um arquivo inclusive de áudio para ganhar espaço era de grande valor para o rádio e a televisão Em 1964 o químico Gordon Moore cofundador e primeiro presidente da Intel formulou a chamada lei de Moore que desde então teve sua veracidade mais ou menos confirmada o número de transistores que poderiam ser colocados em um único chip dobraria a cada 18 meses Moore como Shockley Teal Kilby Hoff e um bando de outros fisicos especializados em semicondutores trabalhavam em uma região do Vale do Silício na Califórnia que até pouco tempo antes havia abrigado pomares uma área que começava a se destacar em um novo mapa global de comunicações tão importante quanto a Torre Eiffel a Broadcasting House de Londres a Bell Laboratories ou mais perto de casa Hollywood que foi construído sobre um laranjal De suma importância na história das comunicações foi o fato de os novos negócios mais inovadores de estrutura menos informal menos de cima para baixo e menos hierarquizado que os outros apontarem o caminho a ser seguido na área financeiramente arriscada de desenvolvimento de computadores um setor mais lento na procura do que na oferta Na primeira fase da história do computador a IBM International Business Machines Company teve uma enor me vantagem comercial Produto de uma fusão ocorrida em 1924 que incluía a sucessora da Tabulating Machine Company companhia de cartões perfurados digitais fundada por Herman Hollerith em 1896 a IBM tinha uma cultura corpo rativa distinta que ajudava a tratar com governos e consumidores em grande escala No entanto seus produtos pertenciam à fase chamada por Brian Winston historiador da mídia ao examinar em retrospecto o período inicial da imprensa de período das origens da história do computador Isso terminou em 1952 com a demonstração não restrita dos computadores 701 IBM no princípio denomina dos calculadores de segurança juntamente com os Mark Is da Ferranti Em 1961 a IBM já estava vendendo mais de sete linhas diferentes de computadores mas nenhuma delas indicava o que o microprocessador tornaria possível o compu tador pessoal Havia na época uma divergência marcante entre a história do computador nos Estados Unidos e na GrãBretanha tendo o Japão desempenhado papel cada vez mais relevante no cenário internacional Os primeiros computadores cons CONVERGÊNCIA 277 truídos no mundo vendidos em 1950 eram britânicos como já se observou Porém embora a Ferranti Company sua fabricante viesse a construir um grande computador Atlas que atraiu enorme interesse a empresa e suas sucessoras corpo rativas britânicas inclusive a ICL 1980 se ressentiram da falta de garantias oferecidas pela escala do mercado norteamericano para prosseguir no desenvol vimento de suas máquinas Tampouco tiveram acesso ao maciço poderio militar naval e espacial dos Estados Unidos Nesse ínterim o Japão sem o ônus dessas dispendiosas instituições se tornou não apenas produtor de microchips mas também importante participe em todo o jogo das comunicações Um interessante sumário do envolvimento japonês surgiu em um abrangente estudo sobre microeletrônica publicado em 1985 pelo Instituto Nacional para o Progresso da Pesquisa Nira do Japão Foram identificados seis períodos depois da restauração imperial de 1868 O quarto de 1955 a 1964 se seguiu à Guerra da Coréia e com o estabelecimento de uma Agência de Tecnologia e Ciência governa mental em 1956 O sexto período os últimos dez anos presenciou um avanço maior com o país preparado para se opor às iniciativas dos Estados Unidos Havia agora mais do que um toque de orgulho Gravadores de fita e VCRs ver p305 eram praticamente monopólio japonês A entrada japonesa no campo da pesquisa de computadores não foi tardia segundo os padrões mundiais continuava modestamente o estudo e houve muita dependência da cooperação de fabricantes norteamericanos principal mente a IBM O advento dos transistores levou à produção em 1964 de um televisor transistorizado pela Sony uma companhia nova a palavra tinha seu significado e a pronúncia do nome da empresa que se tornaria conhecida mun dialmente foi decidido com inspiração A Sony também lançou o walkman um estéreo portátil pessoal que transformou a maneira de se ouvir música gravada Era um instrumento móvel e a mobilidade das pessoas andando na rua ou diri gindo um automóvel influenciaria bastante a direção do desenvolvimento tecno lógico futuro sobretudo o do telefone celular móvel ver p299 Agora era fácil ter acesso pessoal à popmusic em qualquer lugar Um artigo publicado nos Estados Unidos em 1977 intitulado Comunica ções para uma sociedade móvel se referia às longas viagens entre a residência e o local de trabalho dentro das áreas metropolitanas em expansão uma grande quantidade de viagens entre cidades em um avançado sistema de autovias e um alto grau de dependência de caminhões para transportar mercadorias Havia aproximadamente 105 milhões de automóveis e 25 milhões de caminhões e ôni bus a maioria equipada com unidades receptoras de rádio para entretenimen to O artigo se referia ao sistema celular com capacidade cada vez maior de comunicação móvel à tecnologia do FM celular e ao uso de sistemas de voz digitalizados de banda estreita Os telefones móveis ainda não tinham começa do a ser promovidos com agressividade embora existissem cem mil em uso 278 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA mas a rádio cidadão mostrouse tão popular que cerca de um milhão de pessoas havia solicitado à FCC licenças para esse tipo de faixa em janeiro de 1977 Para o autor do estudo Raymond Bowers o crescente uso de radiocidadão tinha implicações que se estendiam além do próprio serviço Entre os fatores sociais e culturais que apoiavam o desenvolvimento tecno lógico no Japão estavam uma sociedade baseada na igualdade tecnologia especializada em companhias de porte pequeno e médio uma tradição de res peito pelas relações humanas e não menos importante o respeito cultural pela tecnologia evidente no fim do século XIX com a precoce introdução do telefone 1890 e do telégrafo 1893 observem a ordem à medida que se expandiam os serviços governamentais e ficava evidente o desejo cultural de adotar idéias novas A habilidade para a miniaturização veio no final Esses fatores operaram dentro de um contexto particular ao Pacífico que foi então comparado favoravel mente com o da Europa Um último fator foi o desenvolvimento entre 1965 e 1973 de uma substancial indústria japonesa de automóveis que rapidamente atingiu a escala global A partir desse sumário é óbvio que do lado da oferta a história da evolução do computador não pode ser contada simplesmente capítulo a capítulo passo a passo ou mesmo página a página sem que se faça uma enorme simplificação Como a história da evolução das ferrovias ver p126 ela apresentou aspectos diversos projeto memória linguagem circuito lógico programas e novos e diferentes dispositivos como o modem moduladordemodulador necessário à transmissão de dados por linhas telefônicas e o mouse um dispositivo de entrada para controlar uma seta na tela do computador Pessoas e lugares diversos desem penharam seus papéis nessa história em períodos distintos do tempo Foi uma história de evolução não de revolução palavra usada por Noyce mas ele tinha razão ao salientar que ela não foi linear O projeto sempre fora crucial como reconheciam todos os envolvidos velhos ou novos em qualquer dos setores relacionados aos computadores O início da memória volta à década de 1940 mesmo antes de Jay Forrester do MIT ter começado a trabalhar no projeto Whirlwind relativo à estabilidade de aviões Foi Forrester quem assegurou a incorporação nos computadores da me mória de núcleo magnético em 1953 As linguagens de programação tiveram uma história menor e mais complexa John Backus trabalhando na IBM desenvolveu em 1957 uma nova linguagem de computador de programação interna a For tran formula translating system ou sistema de tradução de fórmula Plankalku a primeira dessas linguagens foi criada por um engenheiro alemão Konrad Zuse três anos antes de ser inventado o primeiro computador eletrônico Zuse costuma ser esquecido na história Joseph Licklider psicólogo do MIT autor de um artigo seminal ManComputer Symbiosis 1960 não Ele também escreveu um livro Libraries of the Future e foi um pioneiro da Arpanet CONVERGÊNCIA 279 A visão de Licklider de cérebros humanos e máquinas de computação acoplados estreitamente era compartilhada por um grupo de empregados do Laboratório da Xerox em Palo Alto fundado em 1970 por outro psicólogo Bob Taylor e dirigido por Alan Kay Foi esse grupo que desenvolveu o mouse origi nalmente chamado de indicador de posição XY para um sistema de exibição A Xerox envolvida exclusivamente em suas operações de diaadia no mercado de cópias não quis explorar comercialmente seus esforços pioneiros e as idéias do grupo foram absorvidas por outras empresas inclusive a Apple e a Microsoft Enquanto isso Douglas Engelbart especialista em radares na época da guerra tinha cunhado a expressão amplificação da inteligência Em 1962 estabeleceu um arcabouço conceitual para a computação em rede Usou um kit de ferra mentas como o chamou para demonstrar seu oN Line System NLS na cidade de São Francisco em 1968 É difícil fazer justiça aos muitos provedores de software cujo número se multiplicou após a invenção do microprocessador plenamente conscientes de que representavam o lado criativo da nova tecnologia Eles deram outro significado à palavra software já em uso o oposto de hardware o conjunto de componentes físicos de um sistema de comunicações Sabiam que o papel do software era vital Nenhum computador podia funcionar sem algum tipo de programação Como diria Reed Hundt primeiro chefe da FCC no governo Clinton sem programas os computadores ficariam como criaturas inertes esperando que o Criador lhes desse vida Pode ser enganoso pensar em termos de marcos cronologicamente precisos na história do computador Enquanto nas condições da Guerra Fria a solicitação de pedidos militares navais e espaciais muitas vezes é considerada responsável por eventos públicos os continuamente alterados processos de mercado nos quais os usuários acadêmicos ou comerciais têm de se identificar serem agendados e registrados de formas diferentes Mesmo antes dos grandes aumentos de venda já se começava a reconhecer no fim da década de 1970 quando foram feitas e perdidas grandes fortunas que estava começando uma idade nova na história das comunicações uma época na qual se inseria a história da mídia Os computadores serviam agora não somente como instrumentos de negócios mas como mola principal de toda uma gama de atividades de mídia estimulando a imaginação da mesma forma como ocorrera com as locomotivas Algumas vezes afetavam a mídia tradicional e os impressos não constituíam exceção O termo livro eletrô nico foi cunhado por Andy van Dam que fundara uma companhia em Rhode Island chamada Electronic Book Technology Enquanto isso livros revistas e jornais tradicionais eram cada vez mais editados elaborados impressos e distri buídos de acordo com as rotinas do computador Algumas vezes eles facilitavam uma atividade completamente nova Nos sistemas de comunicação de dados variados eles estavam definindo o ritmo Este foi o título de um artigo da 280 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Intermedia de 1978 A palavra intermídia foi usada em 1966 por Richard Hig gens com referência ao que chamou de a arte dos meios mesclados A velocidade do ritmo de desenvolvimento dependia não somente de avanço tecnológico mas de impulso empresarial dentro de um clima econômico em transição O maior avanço tecnológico foi a introdução do computador pessoal Em uma coletânea de ensaios publicados na GrãBretanha em 1979 e intitulada From Television to Home Computer o computador pessoal foi tratado apenas como um item de uma série de variedades eletrônicas e os gravadores de vídeo VCRs figuravam em primeiro lugar Muitos aparelhos computadorizados fo ram inúmeras vezes desprezados como parafernália de comunicações Uma palavra bem diferente inteligente passou a ser cada vez mais aplicada a coisas e não a pessoas desde cartões a residências No que diz respeito à GrãBretanha porém o autor do capítulo sobre computadores pessoais na coletânea de 1979 achou necessário lançar uma obser vação mais confortadora do que entusiasmada o computador pessoal poderia custar tão pouco quanto uma TV em cores barata Em uma seção chamada Um olhar sobre os programas ele explicou que embora os computadores fossem peças eletrônicas complexas isso não significava que se devia saber tudo sobre eles para desfrutar seus benefícios Um computador pessoal um dos primeiros foi chamado animal de estimação era tão simples de lidar quanto um sistema de altafidelidade se não mais simples Da mesma forma quando você compra um sistema de altafidelidade vale a pena procurar os fabricantes e ven dedores conhecidos A indústria estava crescendo rapidamente dizia ele e seu conhecimento como usuário também crescerá Suas necessidades se expandirão quando você se tornar mais experiente É revelador comparar essa visão doméstica com aquelas do laboratório à da biblioteca ou acima de tudo com a de escritórios nos quais onde a edição de texto virou uma atividade altamente computadorizada e a máquina de escrever naquela época objeto altamente sofisticado rapidamente se tornou obsoleta No entanto a edição de texto junto com os debates sobre seus efeitos no conteúdo e no estilo de escrever era muitas vezes concebida no mesmo nível que o fax e não um segmento do complexo tecnológico computadorizado Quando os primeiros computadores pessoais apareceram eles foram segundo Eli Noam em retrospec tiva um dos produtos de consumo mais antipáticos jamais criados desde o uniciclo Um minicomputador o PDP8 foi colocado no mercado em 1963 por Wil liam Olsen e a prova de que havia uma demanda foi o crescimento de nove vezes nas vendas da Olsens Digital Equipment Corporation entre 1965 e 1970 e o crescimento de 20 vezes em seus lucros A empresa fundada em 1957 e situada em Massachusetts e não no Vale do Silício não previu como outras companhias de que maneiras os mercados iriam mudar Ela encarava os usuários da área de edu CONVERGÊNCIA 281 cação como os clientes mais promissores em uma época na qual as empresas ainda mais recentes tinham em mira grupos de entusiastas em computação Sabiam que essas fileiras iriam crescer rapidamente A primeira loja de computadores foi aberta em Los Angeles em julho de 1975 e a primeira revista especializada Byte apareceu um mês depois Byte e bits andavam juntos e em 1973 Anthony Smith publicaria um livro intitulado From Books to Bytes A palavra bit pronunciada pela primeira vez em 1946 por John Stukey um estatístico de Princeton não tinha conotações literárias Era uma abreviação de binary digit dígito binário a menor unidade de informação digitalizada Um sistema digital ao contrário de um sistema analógico de registro e transmissão de palavras imagens e música só precisa determinar quais bits correspondem a zero e quais correspondem a um No entanto desde o início do debate técnico não constituía a única atração de uma loja de computadores ou de uma revista especializada no tema Um dos sucessos da Internet seria a venda pela Amazon de milhões de livros novos e velhos Por muitos anos seu fundador Jeff Brezos não cometeu erro algum Seu principal editor James Marcus mudouse de Nova York para Seattle a fim de se juntar ao chefe Descreveu suas experiências em Amazon Five Years at the Epicentre of the DotCom Juggernaut 2004 Mais importantes que os livros ou a educação na história inicial dos computadores pessoais foi o entretenimento diretamente visado por empreende dores como Nicolas Bushnell um dos responsáveis pelo desenvolvimento do video game Em 1974 Bushnell começou a vender um brinquedo com microprocessador embutido chamado Pong que podia ser ligado a um aparelho de televisão Em 1980 sua companhia a Atari estava vendendo cem milhões de dólares em video games e computadores domésticos simples Tanto adultos quanto crianças se tornariam entusiastas dos jogos de computador mas havia razões de marketing justificando uma concentração em torno de crianças e adultos jovens como acon teceu na indústria de cinema Já se dissera em uma geração anterior que uma criança nascida na mesma época da radiodifusão consideraa tão natural que não pode imaginar uma era an terior Ela acha normal ter rádio O mesmo se podia afirmar para as crianças nas cidas na época dos primeiros jogos de computador Mas nem todas as crianças reagiam ativamente às novas tecnologias e gênios como o garoto holandês Wou ter Couzijn apresentado numa reportagem do jornal The Times em 1996 eram excepcionais Ele construiu um robô que andava falava e se deslocava construído com peças amarelas de Lego e um microcomputador Aos 13 anos ele havia construído seu próprio laptop com 12 processadores paralelos que podiam rodar simultaneamente ou dividir uma tarefa entre si A imprensa e a televisão gostam de fazer publicidade de prodígios incluindo os jovens hackers elas também co meçaram a dedicar atenção especial aos videogames A relativa priorização dentro das residências de aparelhos de televisão e computadores pessoais não havia se estabelecido quando este livro começou a ser 282 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA escrito e os dispositivos sem fio eram aclamados no mundo todo No entanto em retrospecto é certo que em toda parte o elemento jogo na popularização da nova tecnologia foi tão importante no início da história dos computadores quanto na história do telefone ver p150 e havia uma aura associando os dois Um dos primeiros jogos Space War parece ter sido criado por um estudante do MIT na década de 1960 No início da década de 1990 um dos primeiros jogos a usar 3D foi Doom Os jogos embora tecnicamente sofisticados e na década de 1990 eram somente um item do desenvolvimento do computador foram descritos em uma publicação da BBC Television in the Eighties the Total Equation 1982 como os descendentes naturais das máquinas eletrônicas das salas de entretenimento que tinham uma extensa genealogia Mas foi seu papel nas casas onde suplanta ram outros jogos que se revelou diferente Em 1983 os videogames estavam nas telas de televisão de 15 milhões de lares norteamericanos sendo que somente um em cada 15 deles possuía computador pessoal Jogos de bolas com efeitos sonoros e contagem na tela tornaramse imediatamente populares e o microprocessador que os tornava mais baratos e variados ampliaram o gênero A violência era um ingrediente tão familiar quanto o esporte Dada a organização cada vez maior do mercado de lazer altamente organizado no qual a mídia estava presente direta mente ou por meio de fusões era inevitável que o mundo dos negócios procurasse novas oportunidades Bushnell vendeu sua companhia Atari para a Warner Com munications Havia na GrãBretanha um desnorteador argumento característico a respei to dos possíveis efeitos dos jogos de vídeo principalmente sobre as crianças Video Fever era o título de um livro de C Beamer publicado em 1982 que tinha como subtítulo Entretenimento educação vício O livro ao mesmo tempo prático e especulativo é historicamente interessante pelo contraste entre seus dois breves apêndices O primeiro Uma breve história dos videogames era tão resumido e destituído de detalhes cronológicos que pouco acrescentava O segundo Como os jogos funcionam que tratava da tecnologia subjacente foi escrito com clareza e concisão muito mais do que os primeiros manuais de computadores pessoais No texto principal o capítulo que apresentava questões de valor foi chamado de Atividades da família um olhar atualizado Comentários diversos e diferentes podem chamar a atenção para a publici dade e a crítica da cultura do computador A Radio Electronics em julho de 1974 lançou um computador junto com um manual sob o título Seu minicomputador pessoal enquanto a Popular Electronics em janeiro de 1975 anunciava um pro duto novo próprio como O primeiro kit mundial de um minicomputador que rivaliza com os modelos comerciais O modelo comercial seguinte se tornou disponível em julho de 1976 quando Steve Wozniak que havia trabalhado para Bushnell e Steven Jobs ambos nativos do Vale do Silício lançaram o Apple I CONVERGÊNCIA 283 vendido inicialmente nos clubes locais para os entusiastas No mesmo ano foi lançado o Apple II com capacidade de realizar várias tarefas Um dos seus finan ciadores foi Mike Markutta exgerente de marketing da Intel que havia deixado a empresa milionário com a idade de 32 anos Jobs tinha 22 anos A Apple Macintosh tornouse uma companhia pública avaliada em 12 bilhão de dólares e em 1984 ela lançou uma das peças de publicidade mais notáveis de todos os tempos um comercial de TV 1984 durante o jogo do Superbowl A Apple estava relutante em usálo mas gastara 500 mil dólares com o comercial e ainda deveria desembolsar 600 mil dólares para pôlo no ar O espectador primeiro via um túnel tubular no qual andavam figuras humanas di minutas Eram prisioneiros com roupas pesadas sapatos de sola grossa Tinham sofrido a lavagem cerebral do Grande Irmão de Orwell Vemos então uma linda moça loura que representa a resistência Havia muitos significados subliminares nesse anúncio e por isso ele mereceu figurar no contexto cultural examinado com brilhantismo por Asa Berger em Manufacturing Desire 1996 Em termos comer ciais o Grande Irmão era a IBM e os prisioneiros representavam os empregados da empresa ou o público norteamericano A imagem loura era a Apple O con traste era binário e a apresentação feita diretamente por Ridley Scott sugeria mais uma peça de arte que de propaganda Havia um breve anúncio a fazer Em 24 de janeiro a Apple Computers vai lançar o Macintosh e você vai ver por que o ano de 1984 não será parecido com 1984 Seria isso uma realidade Era para a Apple guardar o segredo mas ironica mente foi uma empresa bem estabelecida a IBM lenta no desenvolvimento de computadores pessoais que aplicou primeiro o adjetivo virtual à realidade durante os anos 1960 quando começou a fazer referência a laços não físicos entre processos e máquinas também foi ela quem anunciou em 1984 um Sistema Operacional de Universo Virtual OSVU incorporando em seus anúncios as palavras sistema planetário e galáxia Também em 1983 Jaron Lanier de 31 anos falou de realidade virtual ao trabalhar nas novas abordagens do uso do com putador Em 1985 sua companhia produziu uma gama de acessórios ou ferra mentas de realidade virtual bem melhores que os da IBM Lanier vinha do ramo dos videogames Um de seus colegas era da Nasa Havia uma forte associação entre a exploração do espaço lá fora e do que veio a se chamar de espaço interno Em 1980 a IBM havia encomendado um sistema operacional de uma peque na firma a Microsoft em três anos volta ao profético 1984 40 de todos os computadores pessoais rodavam com os programas da Microsoft Quando ela foi revelada ao público dois anos depois Bill Gates que a havia criado quando tinha 19 anos de idade tornouse milionário da noite para o dia Era óbvio em 1984 quando havia somente menos de um milhão de máquinas em uso no mundo muitas delas incompatíveis entre si e todas se tornando rapidamente obsoletas que os programas eram a chave para aumentar o uso dos computadores fossem eles pessoais ou de empresas pequenos ou grandes A Microsoft rapidamente se 284 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA transformou no maior fornecedor do ramo quando seu sistema operacional Windows foi distribuído para o mundo todo Embora dominasse o mercado havia competidores sobretudo a Netscape de Marc Andreesen que ainda antes de se formar tinha desenvolvido o programa de navegação Mosaic lançado em 1993 Quando Gates anunciou em 7 de dezembro de 1995 aniversário de Pearl Harbor que a Microsoft estava investindo pesado na Internet e ia introduzir um servidor de informações para a Internet e o Internet Explorer o Netscape Naviga tor já estava em produção Três anos antes de se fazer esse anúncio após imensas mudanças políticas e sociais no mundo e de muitas disputas jurídicas no mercado de computadores o Financial Times de Londres produziu um estudo sobre Computadores e comunicações em outubro de 1992 O artigo começava proclamando a lenta mas inevitável convergência notar a palavra e o adjetivo que a acompanha entre a computação e as telecomunicações acrescentando que ela supriria a força motriz para uma implosão de novas tecnologias e práticas de processamento de informação Cinco empresas japonesas estavam então entre os dez maiores pro dutores de microchips a Toshiba e a Hitachi ocupavam respectivamente o se gundo e o terceiro lugares A Philips empresa européia de multiprodutos vinha em décimo e a Coréia já havia entrado em cena Tiveram desenvolvimento anterior os discos compactos com memória CD Rom capazes de armazenar para uso em casa não somente o conteúdo de arquivos de jornais mas de uma enciclopédia inteira Eles também serviam para jogos No início os discos tinham capacidade limitada para gravar filmes mas revolucionaram a transmissão e a distribuição de música tanto clássica quanto popular Logo foram lançados os DVDs discos versáteis de vídeo digital com capacidade de armazenagem seis vezes superior à dos CDRoms O preço era um fatorchave no mercado e no marketing da mesma forma que a publicidade Em 1992 porém havia menos otimismo sobre o potencial de venda de toda uma gama de produtos computadorizados que dois anos antes A indústria de computadores estava participando como muitas outras do período de depressão econômica que se seguiu ao dramático craque de Wall Street em 1987 as novas tecnologias estavam cortando as margens de lucros assim como os custos E enquanto os preços despencavam o desemprego estrutural alcançou seu pico No entanto o otimismo de longo prazo parecia justificado quando se falava sobre interatividade e redes de trabalho Uma mudança de humor foi óbvia dez anos depois quando Peter Schwartz e Peter Leyden em uma breve História do futuro 19802020 publicada em Wired em 1997 puderam escrever sobre uma nova grande onda a maior explosão de crescimento na história do mundo O que havia começado com a divulgação de computadores pessoais e o desmembra mento do sistema Bell adquiria novo impulso Os novos titãs da indústria estavam determinados a pressionar a onda para a frente com financiamento go vernamental A inflação estava agora controlada e a globalização ganhava impul CONVERGÊNCIA 285 so Segundo previam depois da passagem do milênio poderia haver outros avan ços inovadores como a energia alternativa e a descida em Marte Satélites A capacidade para chegar a Marte dependeria dos progressos em comunicações no espaço que já tinham sua própria história desde 1960 época à qual devemos voltar agora Por um breve período na história mundial os satélites de comunicações os comsats impossíveis de serem lançados sem os computadores atraíam mais atenção do que os próprios computadores Os satélites eram as mais fascinantes alguns diziam até sexy expressões de tecnologia depois do lançamento do Sput nik pela União Soviética em outubro de 1957 o surpreendente acontecimento que levou o governo norteamericano a encontrar uma resposta o mais rápido possível Levou também a uma explosão do interesse popular norteamericano sobre o espaço interesse captado e ampliado pela televisão ver p252 Em 1945 em Wireless World Arthur C Clarke então tesoureiro da Socieda de Interplanetária Britânica e futuro escritor de ficção científica havia feito e publicado uma previsão hoje famosa uma cadeia de três radiossatélites geoesta cionários tripulados Em 1961 sete anos antes de o romance de ficção científica de Clarke 2001 uma odisséia no espaço ser transformado em filme por Stanley Kubrik a Nasa a recente agência espacial e aeronáutica norteamericana concordou em lançar o Telstar que podia circundar o globo em menos de 275 horas Ele conti nha mais de 2500 transistores mas nenhum circuito integrado Os correios britâ nicos e franceses que ainda pareciam seguros concordaram em construir esta ções de Terra conectadas uma delas perto do lugar onde Marconi tinha enviado mensagens transatlânticas décadas antes Uma outra estação de Terra em Barein a ser construída pela Companhia Marconi era de propriedade não do governo local mas da Cable and Wireless britânica que se tornou comercialmente forte quando ficou claro que apesar de todo o seu fascínio e uma queda de custos graças à introdução de novos sistemas os satélites não suplantariam o cabo no qual a GrãBretanha tinha interesses antigos As fibras ópticas haviam garantido a continuidade do cabo e a primeira ligação de cabo óptico para conduzir o tráfego comercial e canais de televisão em pretoebranco foi feita em Sussex Inglaterra em 1976 O primeiro sistema de televisão a cabo de fibra óptica nos Estados Unidos estava operando em Birmingham Alabama em 1984 Quatro anos mais tarde a ATT e seus parcei ros instalaram um cabo de fibra óptica através do Atlântico Trinta companhias inauguraram um cabo no Pacífico um ano depois Os oceanos ainda eram impor tantes como os céus Haveria um aumento de cerca de dez vezes na capacidade dos cabos transatlânticos entre 1996 e 1999 286 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA As primeiras transmissões de programas de televisão usando o Telstar foram enviadas em 11 de julho de 1962 com um diálogo familiar inicial ouvido por milhões Um locutor de televisão norteamericano irrompeu em um teleteatro para declarar que os britânicos estavam prontos para transmitir um programa do Telstar Os espectadores viram e ouviram os britânicos sentados ao redor de uma mesa no outro lado do Atlântico À minha direita está este austero escocês Robert White À minha esquerda John Bray encarregado de nosso planejamento espacial São três e meia da manhã Boa sorte Este foi um programa menos notável com apenas 20 minutos de duração do que muitos outros posteriores enviados via satélite como a ocasião em que Churchill aceitou a cidadania hono rária norteamericana O Telstar foi o primeiro de uma série de satélites de construção cara que serviram para funções de transmissões sem fio de rádio e televisão como substitu tos para os cabos A ATT mantinha a liderança em uma arena de conhecidas competições entre companhias e sistemas O governo Kennedy porém empenha do no programa Um homem na Lua não queria depender inteiramente da ATT E enquanto a União Soviética criava um sistema planejado de órbita de 12 horas órbita Washington explorava outras opções Um modelo de controle ficou estabelecido na primeira lei de satélites de comunicações de 1962 que levou à organização de uma nova companhia a Communications Satellite Corporation com metade das ações pertencentes à ATT e outras empresas de comunicação e a outra metade destinada à compra pelo público Não era um monopólio privado nem uma agência pública mas havia um mercado para as suas ações que rapidamente aumentaram de valor Os satélites Syncom I e II foram lançados em 1963 assim como o Telstar II no ano seguinte o Syncom III transmitia as Olimpíadas de Tóquio ver p191 A Copa do Mundo de Futebol em 1966 foi transmitida por seis satélites transatlân ticos para televisão No entanto a televisão era um cliente intermitente não contí nuo as imagens instantâneas que os telespectadores viam dependiam de priori dades jornalísticas e financeiras A imprensa também teve oportunidades sem precedentes e foi possível lançar um novo jornal diário norteamericano USA Today em 1982 impresso simultaneamente via satélites domésticos de baixa potência em 17 cidades ele veio a ser dividido em seções separadas a mídia podia aparecer tanto em cotidiano quanto em negócios e até em esportes ou ocasionalmente na seção de novidades Em todos os países a imprensa trans formou a mídia em item básico das notícias e as informações sobre os progra mas usuais eram acompanhadas por fofocas cada vez mais sobre as celebrida des e às vezes em particular no que se refere a filmes de alguma base teórica Tratavase de um novo mundo de mídia Nunca fora possível na história dos satélites ignorar as possibilidades e os obstáculos internacionais Em agosto de 1964 cinco anos antes do anúncio pela FCC de uma política doméstica de céus abertos foi estabelecida a Organi CONVERGÊNCIA 287 zação Internacional de Telecomunicações por Satélite Intelsat com acordos intergovernamentais ela se tornou definitiva em 1973 A propriedade no início era determinada pelo uso do telefone os Estados Unidos por meio do Comsat detinham 61 em 1964 e a GrãBretanha 84 A União Soviética não partici pava era o auge da Guerra Fria e em 1968 havia criado um corpo internacio nal alternativo Intersputnik que entretanto juntou somente sete países O Intel sat por outro lado atraiu grande número de países muitos nãoalinhados sendo que em 1975 mais de 89 países grandes e pequenos com necessidades de telecomunicações variadas eram membros da organização O primeiro de seus satélites geoestacionários o Intelsat I 1965 pesando apenas cerca de 40 quilos controlado pela Nasa e fabricado pela Corporação Hughes foi denominado Early Bird Seu razoável sucesso garantiu mais contratos para a Hughes relativos às gerações seguintes de satélites Intelsat lançados em 1967 Os satélites geoestacionários foram colocados numa órbita precisa e limitada sobre a linha do equador local que permitia um contato permanente entre o satélite e a única estação no solo As trilhas na órbita eram finitas e conseqüente mente foram objeto de barganhas que se realizavam nos bastidores por meio da União Internacional de Telecomunicações e da Conferência Mundial Administra tiva de Rádio Warc Cada trilha antiga tinha o que era chamado de pegadas terrestres as quais determinavam amplamente seu preço de venda Outro fator era o conteúdo que podiam oferecer Havia algumas surpresas na alocação Assim em 1985 a Warc concedeu sete trilhas orbitais a Tonga um porto de escala no Pacífico que arrendou a outras empresas com fins lucrativos sem relação com o governo Monroe Price em seu livro Media and Sovereignty 2002 lançava um olhar para o passado distante e comparava as rotas aéreas dos satélites às rotas comerciais dos séculos XVII e XVIII Houve gerações posteriores de satélites cada qual oferecendo maior capa cidade confiabilidade e potência com custos menores de serviços Todos os satélites internacionais tinham de obedecer à exigência contratual de fornecer acesso eqüitativo aos usuários mas havia poucas limitações para os satélites domésticos Quando o primeiro satélite norteamericano doméstico de baixa potência foi lançado em 1974 ele pertencia à Western Union e não ao Comsat Um ano antes o Canadá tinha lançado o primeiro satélite doméstico do mundo o Anik irmão um nome esquimó mas ele foi construído nos Estados Unidos e lá usado pela RCA antes que a Western Union o colocasse em órbita Tratavase de uma época de reavaliações e planejamento para o futuro Em um número especial de agosto de 1975 a Intermedia listava os problemas Embora demonstrasse entusiasmo eles eram similares aos de uma conexão internacional a palavra global ainda não fora mencionada de meio ambiente energia desarmamento fundo do mar e dos oceanos As análises da relevância das co municações por satélite apresentam uma quantidade de interpretações semelhante à quantidade de teorias a respeito do papel da função e do efeito das comunica 288 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA ções sobre a sociedade e os indivíduos O número de tópicos abarcados era amplo Notouse por exemplo que a Argélia foi o primeiro país africano a usar um sistema de satélite com objetivos nacionais e que na Ásia estavam bem adian tadas as propostas de radiodifusão educacional para seis regiões diferentes em quatro línguas por meio do Site sigla para satellite instructional television experi ment experimento de instrução por televisão via satélite As transmissões usan do um satélite da Nasa começariam em 1975 e cobririam saúde higiene e agricul tura O Site teve um sucesso real mas limitado e mais tarde iria figurar com destaque em todos os relatos da história recente da educação Mais recentemente na história das comunicações por satélite a índia país em que o padrão de radiodifusão foi influenciado por diversos outros inclusive a GrãBretanha figu rava na década de 1990 como país ansioso por manter as transmissões interna cionais por satélite fora das áreas do entretenimento e do noticiário Nos Estados Unidos o começo do uso efetivo do sistema de satélite domés tico ocorreu somente depois de uma convergência de interesses de satélites e cabos sendo que a regulamentação sobre os últimos caiu totalmente no governo de Reagan Enquanto isso o desenvolvimento da televisão por satélite na Europa transcorreu de modo independente apesar dos altos custos isso tornou impossí vel ao projeto Coronet com financiamento norteamericano lançar um satélite de comunicações e operar de uma base em Luxemburgo Um acordo francoger mânico de 1974 para construir um sistema de satélite cooperativo de múltiplos propósitos o Symphonie de modo a fornecer transmissão de som e circuitos telefônicos entre a Europa e regiões da África e mais tarde da América Latina iniciou o processo que em 1988 culminou com os lançamentos frustrados do TVSat alemão e do TDF1 francês Dez anos antes havia sido estabelecida uma Agência Espacial Européia para sondar o espaço e lançar e operar satélites O primeiro satélite foi lançado em 1983 Em 1982 a comunidade européia tinha declarado que a projeção da cultura da Europa por meio de uma política de televisão local mais tarde como vimos incorporando a digitação oferecia a chave para a integração do continente Compartilhar imagens e informações será o meio mais efetivo de aumentar o entendimento mútuo entre os povos da Europa e dará a eles um maior sentimento de pertencer a uma unidade cultural e social comum Assim no mesmo ano foi estabelecido o primeiro sistema operacional euro peu de televisão por satélite o SATV e a União Européia de Radiodifusão iniciou um ambicioso Serviço Europeu o Eurikon mais tarde chamado de Europa em caráter experimental empregando o satélite piloto da Agência Espacial Européia OTS2 sigla para orbital test satellite A programação da primeira noite incluía discursos uma hora e meia de alta cultura principalmente Haydn um episó dio de Coronation Street um programa de Mundo em Ação e 50 minutos de música popular Desta vez o conteúdo foi considerado tão merecedor de aclamação quanto a tecnologia CONVERGÊNCIA 289 Era improvável que todos os países de uma Comunidade Européia em ex pansão aceitassem totalmente o princípio de integração por meio da televisão o que foi reformulado em uma diretriz A televisão sem fronteiras adotada em 1989 ano em que caiu o Muro de Berlim e o comunismo entrou em colapso e aplicada em 1991 por mais fundamental que ela parecesse aos paneuropeus Em vez disso o mercado comercial pareceu ter triunfado por volta de 1989 embora houvesse diferenças significativas quanto ao que estava acontecendo no rádio e na televisão e nas telecomunicações apesar da palavra convergência No que diz respeito às telecomunicações o governo britânico que nomeou seu pri meiroministro de Tecnologia de Informação em 1980 liderou o caminho colo cando o truste no setor de negócios e em 1984 já tendo vendido suas ações da Cable and Wireless privatizou a British Telecom Para alguns políticos essa era uma questão de princípio Para a maioria contudo tratavase de uma questão de eficiência competitiva Os investimentos novos se mobilizariam e a competição seria estimulada Os planos relacionados ao desenvolvimento de transmissões diretas por satélite por meio de um consórcio de risco contudo falharam em 1988 apesar de incluir jogadores poderosos como a British Telecom a British Aerospace a GECMarconi e o Banco Rothschild Um novo consórcio o BSB sigla para British Satellite Broadcasting um conglomerado que incluía uma empresa jornalística a Westminster Press os jornais Financial Times e The Economist e um bem estabelecido empresário no ramo de livros Longman fundada em 1924 obteve sucesso no lançamento em 1990 de um satélite construído pela Hughes Communications No entanto o consórcio considerou os custos operacionais e de suprimento de programas tão altos que mais tarde naquele mesmo ano foi forçado a fazer uma fusão com seu concorrente a Sky Television nascendo a BSkyB A Sky pertencia a Murdoch que na época já era uma figura poderosa tanto na televisão quanto na imprensa Ele usava o satélite Astra de Luxemburgo o mesmo que a BBC a primeira a entrar no jogo antes de se estabelecer o consórcio havia descartado porque suposta mente não tinha a potência necessária Com múltiplos interesses internacionais na área da mídia incluindo o cinema Fox e jornais sua News Corporation tinha sede na Austrália Murdoch havia demonstrado que as transmissões comerciais por satélite podiam ser um negócio rentável a ponto de sobrepujar a BBC sobre tudo no campo dos esportes e desafiála na apresentação de notícias Em 199394 três milhões de residências britânicas uma em cada sete assinavam seus serviços e mais de 30 das televisões domésticas em 16 países da Europa viam televisão por satélite BSkyB com a maior proporção 92 situada na Holanda que como Bélgica Dinamarca Suécia e Suíça já tinha grande difusão por cabo meta de das casas holandesas tinha ligação para rádio em 1939 A relação entre o uso do satélite e os números de transmissão por cabo requer uma análise e um levantamento Na Finlândia por exemplo que tinha orgulho de ter adotado integralmente a nova tecnologia a audiência por satélite 290 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA era muito baixa 1 mas por cabo era de 40 O Reino Unido onde o cabo custou a se desenvolver tinha uma audiência por satélite muito menor no início da década de 1990 do que a Holanda provavelmente porque a BBC e a ITV ofereciam de graça um serviço em geral bem mais aceitável A BBC tinha se oposto ao rádio antes de 1939 sob o argumento de que se não controlado ele podia romper o espírito e as intenções da concessão da BBC Agora ela fazia fortes objeções à televisão a cabo fosse ela terrestre ou por satélite mas em vão As diferenças de abordagens nacionais com relação ao satélite e ao cabo foram tão significativas quanto as variações de princípio nos sistemas de radiodi fusão e os índices da audiência que eles refletiam Por isso os números totais em cada país eram interessantes principalmente quando examinados ao longo do tempo A proporção de residências britânicas que assinavam os serviços por saté lite chegava a quase 6 dos telespectadores em 1993 três anos depois alcançava 11 No Japão onde um satélite experimental o Yuri lançado em 1978 foi considerado o primeiro a se dedicar às comunicações a NHK tinha tomado a liderança de desenvolvimento de inovações em 1991 ao planejar transmissões a cabo e abertas Ela seguiuse mais tarde no mesmo ano pela Japanese Satellite Broadcasting que começou operando um canal de 24 horas Em 1996 tinha mais de dois milhões de assinantes Em 1997 Murdoch então cidadão norteamericano vendeu sua empresa de satélite nos Estados Unidos a ASkyB que ele havia criado em janeiro de 1996 prometendo 200 canais na América Murdoch e sua companhia a News Corpora tion tinham imaginado o satélite como o elemento primordial de uma estratégia global Ele tinha garantido o controle da TV Star em Hong Kong em 1993 e havia lançado no Japão a JSkyB em dezembro de 1996 em associação com a empresa japonesa Soft Bank A Sony veio logo em seguida Por conseguinte quando Mur doch abandonou a ASkyB um executivo de televisão descreveu os negócios via satélite como um deleite teórico e um pesadelo na prática Essa condição po rém era apenas parcialmente verdadeira mesmo depois de Murdoch vender sua participação no controle da Star IV Em meados da década de 1990 havia 11 milhões de telespectadores asiáticos ligados pelo Sat2 da Ásia Quatro anos antes a BBC lançou o Serviço Mundial de Televisão que rapidamente alegou ter milhões de espectadores na Ásia Austrália América e África Significativamente a China preferiu a televisão de Murdoch à oferecida pela BBC Cabo Nas listas das tecnologias novas surgidas na década de 1960 ver p272 outras ligações de banda larga a CATV Televisão a Cabo figurava bem abaixo dos satélites No princípio as estações de televisão a cabo em qualquer lugar que operassem eram locais de uma só via e ofereciam aos telespectadores uma seleção CONVERGÊNCIA 291 de até 12 programas A promessa de melhor recepção importava na época tanto quanto a possibilidade de escolhas melhores Em muitos países a história do cabo se iniciou no período do rádio com fio que havia melhorado a recepção sem oferecer aos ouvintes uma grande variedade de programas Com seu desenvolvi mento durante a década de 1970 contudo havia entusiastas que acreditavam que ele era o núcleo de uma revolução nas telecomunicações e na radiodifusão A primeira onda de entusiasmo verdadeiro pela televisão a cabo veio com o reconhecimento de que ela poderia oferecer um número maior de canais no princípio normalmente 12 no final cem ou mais do que as ondas aéreas Um dos entusiastas norteamericanos era Ralph Lees Smith que cunhou o lema Na ção Ligada em famoso artigo publicado em The Nation em maio de 1970 Os primeiros passos foram vacilantes no entanto e o prognóstico de Smith foi considerado em alguns círculos como uma dúbia previsão do tempo Pouco depois provouse que os céticos aqueles que falavam de uma Fábula do cabo estavam errados ou pelo menos parcialmente errados à proporção que o cabo se espalhava das áreas rurais e pequenas cidades para os grandes centros ver p293 Em 1970 havia 2639 sistemas de cabos nos Estados Unidos com 53 milhões de assinantes ou seja 87 dos lares norteamericanos em 1975 havia 3506 siste mas com 98 milhões de assinantes 143 das residências e cinco anos depois os números eram respectivamente 4300 172 milhões e 23 O desenvolvimento do cabo levantou importantes aspectos políticos para a FCC que sem orientação do Congresso não quis enfrentar diretamente as TVs a cabo Em 1959 a FCC decidiu que como o cabo não fazia parte da radiodifusão nem da comunicação habitual por ondas não tinha jurisdição sobre o assunto Mais tarde depois do temor expresso em círculos de redes de televisão de que o crescimento do cabo poderia colocar as redes livres fora do negócio ou alijálas de eventos externos em particular os eventos esportivos ela fez uma intervenção direta nos negócios em 1968 indo longe a ponto de restringir as estações de cabo de importar sinais distantes isto é todos os sinais fora de sua área de concessão Esse congelamento provouse impopular em vários círculos e em 1972 em um acordo desconfortável após discussões entre interesses diferentes a CFC decidiu que os sistemas a cabo podiam importar pelo menos dois sinais distantes Contu do eles deviam ainda se submeter à regulamentação e ter alguns canais dirigidos para a educação para o governo local e o público em geral Após mais quatro anos e vários processos legais muitas restrições foram canceladas mas não todas No entanto nem mesmo isso foi suficiente para barrar o crescente número de adeptos da desregulamentação Em 1977 um painel com três juízes da Corte de Apelações no Distrito de Colúmbia declarou que todas as restrições de proteção sobre o cabo eram inválidas que não havia diferença constitucional entre cabo e jornais e que nos termos da Primeira Emenda televisão a cabo não era radiodifusão Temores de espécies diferentes se expressa 292 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA vam particularmente na época com a crescente convergência entre eletrônica e mídia impressa esta última poderia se ver emaranhada em regulamentos seme lhantes àqueles aplicados pela FCC à radiodifusão Nessas circunstâncias como o Congresso ainda não queria ou não podia intervir havia advogados constitucio nais alegando com ênfase que a escassez do espectro não devia mais ser tratada como base lógica para regulamentar a radiodifusão Na prática o crescimento do uso do cabo nos Estados Unidos era mais importante do que os argumentos legais Entre o início da década de 1960 e o fim da de 1970 a penetração do cabo nas residências cresceu de 2 para 20 com espectadores em algumas partes do país podendo assistir a 20 e mais tarde 30 canais Posteriormente nas cidades a oferta chegava até a 50 canais A verdadeira escolha parecia estar se abrindo localmente e o cabo embora fragmentasse a audiência de massa permitiu que alguns canais fossem usados para outras programações além do entretenimento Havia agora lugar como no setor de publicações de livros e periódicos para um nicho de estações de conteúdo como o Canal de História ou o Discovery pois as audiências locais limitadas não se podiam mais agregar Nem todos esses canais tiveram sucesso ou foram rentáveis A maior gama de opções tampouco trouxe a variedade que poderia ter propiciado Para Brian Winston escrevendo em 1998 os canais norteamericanos a cabo tinham falhado quase totalmente em alterar de modo significativo as formas e os gêneros já estabelecidos das transmissões de televisão No entanto em termos financeiros a televisão paga tinha se firmado e fornecia uma lucrativa fonte de renda para os proprietários dos cabos Também havia aberto oportunidades para as televendas A primeira mudança significativa na orientação do uso do cabo e nos lucros nos Estados Unidos veio em 1976 quando a Home Box Office HBO ligada à Time Inc decidiu entrelaçar seu futuro com o Satcom I da RCA Desse modo adquiriu capacidade de distribuição nacional comparável àquela das três grandes redes de televisão apenas com uma fração do custo Outras empresas rapidamen te seguiram a direção da HBO e algumas delas logo se tornaram operadoras de serviços múltiplos especializandose em filmes e esporte Seguiuse um proces so familiar de concentração de negócios e alguns canais tornaramse superesta ções a cabo entre elas a WORTV de Nova York e a WTBS de Atlanta Era comum a propriedade de mais de um meio de comunicação E também acordos com Hollywood que ofereciam mais lucros do que a maioria dos nichos Contu do revelaramse alguns canais com programas locais e muitos deles não depen diam de publicidade Nas áreas urbanas mais ativas os assinantes de televisão a cabo tinham acesso a uma grande variedade de canais de programação por mais restrito que fosse seu conteúdo e crescia o apetite por novos canais Em conseqüência disso o Comitê Nacional de Cidadãos para a Radiodifusão uma organização abençoada CONVERGÊNCIA 293 pelo guru do consumo Ralph Nader sugeriu que os cidadãos deviam solicitar o dobro de canais locais oferecidos à comunidade pelos canais a cabo extraindo uma alta taxa de franquia Eles deveriam descobrir o que estava disponível para o financiamento das empresas de cabo já existentes e pedir mais Os custos para os assinantes variavam e no início os sistemas tinham produção cara Esse dado era parte da economia Estimavase que o custo de instalação em uma cidade como Danas por exemplo com 400 mil residências seria de cem milhões de dó lares Contudo as perspectivas financeiras eram atraentes pois pelo menos seis grupos disputavam a franquia Quando a Câmara Municipal deu a concessão para a Warner Amex uma companhia local a Sammons Communications Inc solicitou um referendo Dallas cidade conhecida no mundo todo graças à televisão já tinha duas vezes mais empresas de televisão paga do que qualquer outra cidade nos Estados Unidos Era a líder Em meados da década de 1980 quase a metade dos domicílios norte americanos tinha televisão a cabo Algumas companhias de cabo haviam se tornado então empresas de bilhões de dólares de escala nacional As dez maiores operadoras de sistemas múltiplos tinham cerca da metade dos assinantes de televisão a cabo do país No Canadá comparativamente esse número correspondia a 60 A distribuição do cabo fora dos Estados Unidos era desigual em meados da década de 1980 Na Itália onde o cabo era considerado simplesmente uma versão da radiodifusão já havia uma companhia desde 1971 a Tele Biella Na Holanda os municípios eram donos de mais da metade dos sistemas a cabo A França só adotou uma lei abrangente relativa ao sistema de cabo em 1982 O progresso foi lento na Alemanha e na Suécia Também na GrãBretanha o cabo demorou a ser usado mesmo depois que o governo em nome da competição e da preferência concedeu 11 franquias em 1983 Sete delas estavam em operação em 1985 Dez anos depois 13 operavam algumas em tempo parcial Certas empresas formaram consórcios transatlânticos com grandes companhias norteamericanas Por motivos tanto de programação quanto de negócios muitas vezes houve uma dimensão internacional assim como local para a implantação do cabo A CNN Cable News Network de Ted Turner baseada em Atlanta tinha objeti vos deliberadamente globais após a fusão em 1995 com o grupo TimeWarner também internacional o conglomerado passou a ter um capital de 36 bilhões de dólares A TimeWarner já era por sua vez produto de uma fusão realizada em 1990 Essa inesperada fusão com a CNN levaria a uma rotatividade anual maior do que a da Walt Disney Company conhecida no mundo todo que há pouco havia comprado a Capital CitiesABC proprietária do que era então a maior rede norteamericana A TimeWarner já tinha 18 da CNN e dizse que Turner havia feito ofertas em mais de uma ocasião para comprar a CBS Sob a bandeira da CNN em 1995 ele estava operando dois novos canais e mais duas estações de filmes uma delas o Cartoon Network Turner também era proprietário do arqui vo da MGM em Hollywood que agora poderia ser juntado ao arquivo da Warner 294 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA Murdoch fora citado na imprensa como alguém em quem Turner estava de olho em 1995 ele tinha se reunido a uma aliança norteamericana o bando dos quatro a Globo do Brasil a Televisa do México e a United States Telecommu nications Inc Tudo isso representava convergência de negócios e não de tecnolo gia A Globo e a Televisa eram enormes empresas latinoamericanas com tentácu los por toda parte Dados visuais O cabo era naturalmente um grande negócio Como escreveu Timothy Hollins no bem informado estudo Beyond Broadcasting Into the Cable Age 1984 não havia mais pessoas na GrãBretanha do que na Itália antes de 1982 que tivessem qualquer suspeita de que o cabo fosse algo mais do que outro nome para um telegrama ou uma peça de telégrafo Agora muitas pessoas em ambos os lados do Atlântico acreditavam que o cabo seria a vanguarda de uma revolução tecnológi ca o sistema nervoso de uma sociedade centrada na informação Richard Hog gart em novo papel como presidente da Unidade de Pesquisa de Radiodifusão escreveu um prefácio ao estudo de Hollins assinalando que o debate público na GrãBretanha sobre o assunto não tinha ido muito além de por um lado especulações semiutópicas e por outro lado profecias sobre desgraças do tipo Cassandra Nos Estados Unidos ao contrário acrescentava Hollins havia um sortimento de superlativos mas pouco senso de proporção O comentário tinha aplicação mais geral relativa não somente ao cabo em si mas a uma vasta gama do que foi usualmente descrito como dados visuais incluindo teletexto na chamada família de novos desenvolvimentos associa dos ao receptor de televisão O teletexto era um sistema para transmitir páginas de informação palavras e gráficos em uma tela de televisão fazendo uso de linhas separadas anteriormente não empregadas em transmissões normais Vi deotexto um termo mais abrangente era o envio pela linha telefônica ou por cabo de informações arquivadas por computador para uma tela de televisão ou um terminal especializado de videotexto Graças ao acesso a dados computadorizados proporcionado pelo videotex to e ao modo como eles eram fornecidos pelas agências de informação muito do que se dizia sobre suas vantagens e problemas antecipou o que se falaria mais tarde sobre a Internet e a World Wide Web Será que os dados visuais se tornariam uma mídia de massa ou um meio individual ou como dizem os japoneses uma mídia individual de massa Essa foi a pergunta de um escritor da Intermedia em 1979 Um dos seus lemas era o mundo da informação está agora ao alcance de seus dedos mas a tecnologia sobre a qual se baseava continuava analógica e não digital tecnologia de hoje não de amanhã O interesse pelo videotexto concentravase na visão do escritor principalmente na sua provável CONVERGÊNCIA 295 evolução de identidade À proporção que cresciam novos serviços eletrônicos o escritor da Intermedia e alguns outros observadores tinham a esperança de chegar à beira do equilíbrio Não haveria tal equilíbrio Em vez disso houve uma corrida mais intensa rumo às novas tecnologias nem todas bemsucedidas naquela que já foi chamada em 1970 de uma sociedade baseada em dados Algumas tecnologias ficaram em determinadas etapas incompletas de desenvolvimento às vezes mesmo em estágio de protótipo Uma em particular a televisão de altadefinição HDTV que ofe recia melhor definição de cores e clareza de imagem com 1125 linhas em vez de 525 ou 625 e uma tela maior mais parecida com a de cinema foi exibida com sucesso nos Estados Unidos e em outros lugares porém para tristeza dos japone ses que trabalharam duramente para desenvolvêla por várias razões não houve avanços nessa área Isso também não ocorreu com o cinerama o sensorama ou a halografia embora Denis Gabor em 1976 tenha usado laser para produzir um filme de 47 segundos em Moscou que mostrava uma mulher de corpo inteiro carregando um buquê Não importava o fato de que a HDTV fosse capaz de enviar imagens de vídeo com cinco vezes mais informação do que as imagens convencionais Havia aspec tos mais significativos Uma mudança de sistema teria envolvido não somente pesados investimentos mas a alocação de um novo espectro Os padrões técnicos de diversos países eram diferentes e mais importante ainda a tecnologia ofereci da era analógica e não digital A digitalização ou digitização como alguns conti nuavam a descrevêla já era considerada a base provável de grande parte da nova tecnologia durante a década de 1980 mas o processo de mudança foi lento O ponto de virada deuse em 1997 quando o governo britânico em seus planos de difusão digital escolheu a opção de oferecer maior número de canais que uma televisão de altadefinição Antes dessa revolução um sistema de telecomunicações fragmentado com telecomunicações e transmissões dotadas de culturas radicalmente diferentes criou a família de dados visuais Principalmente na Europa os correios algumas vezes em cooperação com empresas privadas foram os pais ambiciosos dessa família Nas palavras dos correios britânicos a nova família criada estava se disse minando e sob o exame minucioso da imprensa Foram os correios britânicos que logo perderam a comercialização da telefonia que colocaram em serviço em 1979 o primeiro sistema operacional mundial de dados visuais o Prestel depois de um período experimental comum a outros desenvolvimentos tecnoló gicos Foi o ano do videotexto Os observadores descreviam os novos serviços como uma das primeiras manifestações da tão anunciada convergência das tec nologias de computadores e de comunicações Elas foram debatidas em Londres em março do mesmo ano no encontro considerado o primeiro fórum interna cional sobre dados de vídeo 296 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O Prestei teria se chamado Dados Visuais se os correios tivessem consegui do registrar o nome mas ele não era o único sistema desse tipo que estava sendo desenvolvido A IBA na GrãBretanha tinha o Oracle a França o Teletel a Fin lândia o Telset a CBS nos Estados Unidos o Teletexto e o Canadá o Telidon Em todos esses casos a indicação da boa qualidade dos sistemas não era mágica tecnológica mas utilidade social O Prestel o pioneiro que não incorporava microprocessadores em seus terminais nunca esteve sozinho na exploração da nova tecnologia Não é fácil classificar a cronologia posterior de desenvolvimento dos dados visuais pois houve atrasos entre demonstrações e instalações assim como lacunas entre retórica e desempenho Muitas vezes foram feitos anúncios e reportagens ambiciosos enquanto o planejamento ainda estava em fase inicial Os aparelhos eram caros e a maneira de cobrar era complicada e controvertida para calcular e implementar Na França haveria subsídios na GrãBretanha não Nos Estados Unidos foi difícil despertar o interesse popular Uma experiência local como a do Los Angeles Mirror lançado na Califórnia em 1884 foi suspensa depois de vários anos de prejuízos Havia dois tipos de sistemas de dados visuais um baseado no telefone como o Prestei e o Telidon e outro baseado em radiodifusão como o Ceefax da BBC e o Oracle da IBA Os comitês consultivos da ITU escolheram videotexto como o nome genérico para todos eles O primeiro tipo que alardeava sua simpli cidade baseava a oferta de dados em provedores de informação que adquiriam páginas não havia editor central ou coordenador de conteúdo O papel dos correios era semelhante ao de um transmissor comum nesse e em outros aspectos houve amostras do que aconteceria com a Internet tanto na linguagem usada quanto nos procedimentos O primeiro problema que o método Prestel levanta para o provedor de informação assinalou um de seus administradores é como direcionar o usuário para a informação o mais rapidamente possível O administrador de uma com panhia de programas para a Internet poderia dizer a mesma coisa Contudo na época os provedores de informação atraídos pelos correios seguiam antigos para lelos Diziase que o Prestel potencialmente uma mídia de massa estava muito mais próximo das publicações impressas do que do rádio e da televisão Esse foi um dos supostos motivos por que os jornais entre eles o Financial Times e The Economist algumas vezes na defensiva decidiram se tornar provedores de infor mação Alguns se opunham A imprensa germânica em particular era bastante hostil ao sistema introduzido por seus correios em 1984 Dois pontos foram enfatizados por um dos primeiros provedores de infor mação na GrãBretanha havia 160 deles que não estava na defensiva e via novas oportunidades de negócios Primeiro não havia a tirania do horário de pico para transmissão o horário nobre tanto para o provedor de informação quanto para o CONVERGÊNCIA 297 usuário Segundo o usuário tinha de ser ativo A menos que ele tomasse as decisões e apertasse os botões de uma página de controle ela ficaria na tela para sempre O número de páginas de dados porém era estritamente limitado e exigiase muita iniciativa por parte do provedor de informação para introduzir gráficos simples assim como texto No Canadá o Telidon desenvolvido por especialistas ligados ao Centro de Pesquisas do Departamento Canadense de Comunicações demonstrava tal iniciativa pois atribuía grande importância à oferta de informação visual tanto quanto verbal Uma série diferente de aparelhos de videocomunicação que nada ficavam a dever aos correios ou aos governos foram o gravador de videocassete VCR e o videodisco logo seguidos pelos CDRoms As tecnologias eram distintas o video cassete logo estava empregando tecnologia a laser mas o uso de ambos levantou questões sobre direitos autorais e pirataria particularmente em relação à música que haviam sido debatidas anteriormente em um contexto social e econômico bastante diferente nos séculos XVIII e XIX Todos os aparelhos permitiam que se fizessem mudanças no tempo isto é as pessoas gravavam programas de televi são que poderiam ser vistos em horários diferentes dos transmitidos Contudo na prática o principal uso era passar filmes comerciais prégravados alugados ou comprados uma fonte de lucros para empresas de cinema principalmente para Hollywood Mais tarde desenvolveramse filmes especialmente produzidos para uso doméstico e eles acabaram se transformando em um modo de entretenimento público nos canais a cabo e nas redes As estatísticas eram surpreendentes Em 1985 nos Estados Unidos havia mais lojas de videocassete do que cinemas Entre 1980 e 1995 o número de VCRs nos Estados Unidos cresceu de 18 milhão para 86 milhões a mais impressionante de todas as estatísticas de mídia daqueles anos Setenta por cento das residências norteamericanas possuíam um aparelho de videocassete em 1990 Fora dos Esta dos Unidos a demanda britânica tinha crescido ainda mais rapidamente do que a norteamericana e fora da Europa 85 das casas da Arábia Saudita tinham VCR em 1985 Os VCRs residenciais começaram a ser postos à venda em 1972 depois de anos de testes com cassetes e discos à medida que empresas norteamericanas holandesas suecas e japonesas participavam de uma corrida para conquistar o novo mercado consumidor A Sony introduziu uma fita magnética nos cassetes em 1969 enquanto a RCA apesar da familiaridade com o uso de fita persistiu com discos até 1984 A Philips na Holanda preferiu a tecnologia do videodisco a laser em 1978 Nos Estados Unidos o primeiro videodisco estava à venda em tempo para o Natal de 1980 Os efeitos sociais da difusão do VCR receberam menos atenção do que a tecnologia havia uma batalha de padrões e a parte econômica que envolve ram pesados investimentos em pesquisa Como as fitas podiam ser alugadas e não 298 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA apenas compradas em muitos países as lojas de vídeo se tornaram mais numero sas e importantes nas cidades do que as livrarias Muitas lojas vendiam os dois produtos Havia também muitos agentes de notícias no ramo da locação de vídeo Grupos étnicos alguns muito distantes de sua terra natal agora tinham acesso a vídeos em suas próprias línguas Assistir a filmes em família podia dar vida nova ao lar No livro From Television to Home Computer publicado em 1979 Adrian Hope imaginava um dia quando a bem sortida casa do futuro se gabaria de ter um gravador de videocassete e um aparelho de disco a laser Acrescentava também que as felizes pessoas que os possuíssem deveriam conserválos para sempre mesmo quando se tornassem obsoletos Eles acabariam se tornando antigüida des valiosas como os fonógrafos originais de Edison Hollywood a princípio resistente ao gravador de vídeo como havia sido com a televisão lucrou enormemente com as vendas de fitas de vídeo E também a indústria musical com áudio e vídeo quando a música passou a ser ouvida e gravada O disco longplaying ele próprio saudado como grande invenção ao substituir os discos de 78 rotações tornouse tão obsoleto quanto a máquina de escrever A câmera de vídeo passou a fazer parte do equipamento da família O maior sucesso da chamada reviravolta do videocassete foi uma câmera da Sony de 1984 a pequena camcorder versão em TV da Polaroid E o dia da câmera digital ainda estava por chegar Houve uma invenção viável mas que não decolou o videofone mais vistoso que um telefone de voz A ATT começou a comercializar um picture phone telefone com imagem de base analógica na década de 1960 projetando ter um mercado de até 1 de todos os telefones instalados em domicílio na década de 1980 Bem antes disso porém ela decidiu interromper a fabricação A idéia nunca perdeu a atração e foi novamente levantada na década de 1990 quando de acordo com um estudo europeu realizado durante 18 meses em 199293 cobrindo a GrãBretanha a França a Alemanha a Holanda e a Noruega as ligações de video fone prodigamente anunciadas eram mais longas do que as dos telefones e freqüentemente necessitavam de banda dez vezes mais larga Os videofones eram muito mais caros do que os telefones celulares a quali dade não era confiável e havia claramente um mercado limitado para eles e tam bém para videoconferências Em janeiro de 1994 a ImagiNation empresa asso ciada à ATT e à Sierra OnLine registrou 40 mil residências que pagavam assinaturas mensais de mais de 400 mil libras Foram previstos quiosques fonos cópicos embora eles certamente precisassem de um nome diferente para se po pularizar como aconteceu com os bares e cafés da Internet Com um olhar retrospectivo foram os técnicos em comunicação voltados para a mobilidade que mais anteciparam o que viria a acontecer incluindo câme ras digitais logo adicionadas a seu repertório com o grande futuro do telefone móvel propiciando usos na época ainda não previstos A banda de radiocidadão CONVERGÊNCIA 299 tinha aberto o caminho com navegadores e caçadores seguindo o rastro dos motoristas de caminhões O primeiro sistema de telefone móvel foi licenciado nos Estados Unidos em 1983 dez anos após a instalação da faixa cidadão no rastro da crise do petróleo e a conseqüente redução do limite de velocidade nas estradas norteamericanas Apesar da fraca recepção havia um milhão de telefones celula res em uso no país em 1989 A grande explosão de venda veio mais tarde Apesar da recepção freqüentemente insatisfatória e da falta de privacidade alguns usuá rios não se preocupavam com isso ou eram muito exibicionistas ao fazer as cha madas os números continuaram a crescer na Europa e na Ásia tanto quanto nos Estados Unidos Assim em 1996 havia mais de seis milhões de celulares na GrãBretanha e quatro anos mais tarde entre abril e junho de 2000 foram ven didos mais de três milhões e meio de aparelhos um a cada dois segundos Esse fenômeno de distribuição inspirou a manchete do Times Metade do país está loucamente móvel Um comentarista diferente do Times preferiu descrever o que estava aconte cendo como um caso de amor à mobilidade A GrãBretanha estava agora na frente dos Estados Unidos onde sempre houve mais telefones residenciais e dentro da Europa a Finlândia e a Itália ultrapassaram a GrãBretanha No Japão onde houve uma enorme divulgação do celular depois de 1996 o grupo principal de compradores tinha entre 20 e 24 anos de idade e usava o telefone principalmen te para se manter em contato com pequenos grupos de amigos descritos como colegas celulares O mercado expandido com a ajuda de publicidade maciça foi construído com base em um único serviço a comunicação de voz mas havia a promessa implícita de que isso logo iria mudar O protocolo de solicitação de aparelhos sem fio WAP traduziria dados móveis e multimídia em importantes receitas para as companhias Já havia serviços novos como o fornecimento do pequeno serviço de mensa gens julgado passageiro uma palavra antiga na história da tecnologia do rádio Logo se tornaram algo diferente Naquilo que foi tratado como novidade tam bém uma palavra antiga na história da tecnologia os adolescentes foram fisga dos pelo envio de mensagens Cerca de 400 mensagens foram transmitidas so mente na GrãBretanha em março de 2000 Em março de 2001 o Sunday Times descreveu com fotografias uma adolescente que enviava mais de mil mensagens de texto por mês Essas mensagens que não podiam ter mais de 160 caracteres incluíam vários símbolos e emoticoms A gramática e a ortografia eram total mente irrelevantes Ao descrever o fenômeno as finanças roubavam muitas das manchetes mas algumas delas e também algumas transmissões mencionaram os possíveis efei tos colaterais da nova tecnologia Haveria um risco para a saúde nas ondas de rádio próximas ao ouvido Deveriam as crianças usar celulares Poderiam as companhias erigir torres transmissoras sem permissão Deveriam os usuários ser 300 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA controlados nas ferrovias como eram nos aviões Em todos os países os não usuários se queixavam As colunas de correspondência dos jornais serviram como um local regular para reclamações Da mesma forma os programas de rádio em que os ouvintes participam por telefone passaram a integrar um importante com ponente da programação Especialistas diferentes encorajavam os questionado res e talvez com menor freqüência os questionados A Internet Em 1991o livro Technology 2001 The Future of Computing and Communications escrito por figuras de destaque em computação e publicado pelo MIT não fazia referências à Internet Nem as palavras World Wide Web ou ciberespaço figuravam no índice No entanto no mesmo ano David Gelernter publicou um livro para técnicos Mirror Worlds uma pesquisa fascinante na qual ele previa a Web sem usar a palavra E no final da década de 1990 EM Noam então diretor do Instituto para Teleinformação da Universidade de Colúmbia afirmou que quando for escrita a história da mídia do século XX a Internet será vista como sua maior contribuição O grande avanço aconteceu entre setembro de 1993 e março de 1994 quan do uma rede até então dedicada à pesquisa acadêmica se tornou a rede das redes aberta a todos A rede era frouxa e não tinha proprietário embora dependesse das agências de comunicação No mesmo período o acesso público a um progra ma de navegação Mosaico descrito na seção de negócios do New York Times de dezembro de 1993 como a primeira janela para o ciberespaço tornou possível atrair usuários na época chamados adaptadores e provedores os pionei ros em programas cujas origens já foram descritas Em um período de aceleração da tecnologia de comunicação a Internet desafiou previsões e trouxe consigo muitas surpresas Mais fenômeno que fatos diziase tal como ocorrera com os telefones celulares Também se declarava que ela era o equivalente nas comunicações à fronteira desbravada no Oeste Rapi damente deixou para trás a física e desenvolveu uma psicologia própria como havia feito o desbravamento da fronteira e o que veio a ser chamado de sua eco logia palavra nova nos estudos de comunicação De forma mais auspiciosa em 1997 começou a ser tratada como paradigma palavra que já estivera na moda Contudo suas origens estavam na física e nas políticas de defesa durante o perío do da Guerra Fria uma geração antes Ela foi inicialmente estabelecida em 1968 69 com o indispensável apoio financeiro do governo norteamericano por meio da Arpa Administração dos Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos fundado em 1957 como parte da resposta do governo ao Sputnik CONVERGÊNCIA 301 No início tratavase de uma rede limitada Arpanet compartilhando infor mação entre universidades hitec outra palavra nova e outros institutos de pesquisa em 1975 havia dois mil usuários Graças ao tipo de informação que estava sendo compartilhada um elemento essencial de sua razão de ser era que a rede pudesse sobreviver à retirada ou destruição de qualquer computador ligado a ela e na realidade até à destruição nuclear de toda a infraestrutura de co municações infraestrutura era outra palavra nova Essa era a visão do Pentá gono A visão das universidades era que a Net oferecia acesso livre aos usuários professores e pesquisadores e que eram eles comunicadores Qualquer que fosse a posição vantajosa de cima ou de baixo era de importân cia crucial tanto de imediato quanto a longo prazo que a arquitetura do sistema termo empregado com freqüência diferisse daquela construída para a rede telefô nica Os responsáveis pelo sistema se orgulhavam disso Qualquer computador podia se ligar à Net de qualquer lugar e a informação era trocada imediatamente em fatias dentro de pacotes O sistema de envio quebrava a informação em peças codificadas e o sistema receptor juntavaa novamente depois de ter viajado até seu destino Esse foi o primeiro sistema de dados empacotados da história A idéia da quebra de mensagens em pacotes de informação blocos de mensagens estava nas mentes dos pesquisadores de computação desde meados da década de 1960 entre eles Donald Watt Davies do Laboratório Nacional de Física da GrãBretanha que usou a expressão transferência de pacote Ele verifi cou também que para colocar em rede computadores com faces diferentes e linguagens distintas era necessário utilizar microcomputadores para agir como interfaces conhecidas nos Estados Unidos como IMPs processadores de mensa gens de interface O primeiro deles chegou ao campus da Universidade da Califór nia em Los Angeles em janeiro de 1969 quando Leonard Kleinrock os instalou e usou em seu laboratório em dois anos a Arpanet era totalmente operacional As mensagens de email eram a base da comunicação e nem todas tratavam de assun tos de defesa Já então muitas convenções da futura Internet encontravamse estabelecidas Assim o sinal no endereço se tornou rotina Em 1986 foram introduzidas as novas abreviações de com para comercial mil para militar e e para educacional O valor da Net fora das universidades e das unidades militares dependia da ampliação da consciência de suas possibilidades comerciais O primeiro provedor de serviços comerciais online o CompuServe começou a operar em 1979 no início servindo ao que foi chamado de um clube privado em parte propriedade do grupo TimeWarner Seguiuse um rival de peso a American Online ligada a grupos alemães e franceses Também houve um terceiro o Prodigy Os três rivais alertas tinham um conjunto de assinantes em 1993 que havia duplicado em dois anos até os 35 milhões Graças a essa força é possível traçar pelo menos em retrospecto o que parece ser uma seqüência lógica na complexa história da Inter 302 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA net tal como aconteceu em vários ramos da história das comunicações uma nova fase se abriu quando a Net atraiu interesses comerciais e seu uso se ampliou Nesse período a ecologia de uma rede mundial World Wide Web www tinha se alterado não de uma base nos Estados Unidos mas a partir do CERN um instituto europeu de pesquisas de física de partículas instalado nas montanhas da Suíça onde um inglês Tim BernersLee imaginou o que chamou de World Wide Web em 1989 Suponha que eu tenha a possibilidade de programar meu compu tador para criar um espaço em que tudo possa ser ligado a tudo especulava ele Suponha que toda a informação arquivada nos computadores de todos os lugares estivesse interligada Essa hipótese era notável mas não fazia parte do que a Arpa ou o CSNET ou o NSFNET tinham em mente na realidade nem mesmo os fabri cantes de computadores individuais pessoais ou de outra espécie BernersLee não sabia então que Vannevar Bush pesquisador do MIT presente na história inicial dos computadores e exdiretor do Departamento NorteAmericano de Desenvolvimento de Pesquisa Científica durante a Segunda Guerra Mundial ha via feito observações similares em um artigo da revista Atlantic Monthly em 1945 quando projetou uma máquina fotomecânica chamada Memex Para BernersLee tecer a rede o verbo e o substantivo de Thomas Hardy ver p265 não era inicialmente uma tarefa lucrativa ou de alta segurança mas um meio de ampliar oportunidades Ele desejava conservar a Web sem proprietá rios aberta e livre Contudo como os empreendedores norteamericanos que de senvolveram a Internet buscavam lucro em sua autobiografia fez uma breve referência a Vint Cerf e Bob Kaban ele era movido por uma crença firme no seu potencial global de uso ela podia e devia ser world wide O desenvolvimento de hiperlinks o destaque de palavras ou símbolos dentro de documentos clicando sobre eles isso era a chave de todo o progresso futuro A revista Time que o saudou como o único pai da Web chamou suas realizações de quase gutenberguianas BernersLee tinha tomado um sistema de comunicações poderoso que somente a elite poderia usar e transformarao em meio de comunicação de massa Nem todos queriam convertêla nisso Para alguns usuários pioneiros da Arpanet ou da CSNET a palavra massa carregava consigo as mesmas conotações que levava quando ligada à radiodifusão Quanto mais usuários da Internet hou vesse mais terreno inútil existiria No entanto esses críticos eram minoria e havia muito mais sinais de euforia do que de alarme A maioria dos primeiros provedo res de software considerava que a Internet liberava e dava poder aos indivíduos oferecendo vantagens sem precedentes à sociedade Também pensavam assim os entusiastas de uma Internet sem controle William Winston em sua obra Twilight of Sovereignity 1995 argumentava com mais confiança que com a convergência tecnológica alcançaríamos maior liberdade humana mais poder para o povo e mais cooperação internacional Neil Postman nos Estados Unidos cunhou o termo tecnopólio para descrever o que chamou de rendição da cultura diante da tecnologia CONVERGÊNCIA 303 Havia abordagens muito contrastantes sobre o futuro da Internet Assim como nas ferrovias ela reuniria estranhos você nunca sabia quem iria encontrar Semelhante à mídia e pela mídia ela oferecia informação entretenimento e educação Ao contrário de tudo isso porém cresceria a partir de baixo sem direcio namento por parte do governo Isso era um atrativo mesmo para os críticos Mas poderia a Internet continuar assim Para Benjamin Parker escritor norteamerica no com uma autodeclarada paixão pela democracia estavam surgindo novos titãs das telecomunicações ansiosos para exercer controle monopolístico não somente sobre bens materiais como carvão petróleo aço e ferrovias mas sobre os instru mentos essenciais de poder de uma civilização baseada em informação Um dos principais usos da Internet como tinha sido para a Arpanet era o envio de mensagens de correio eletrônico em linguagem real sendo a maioria delas de pessoa a pessoa Esse uso foi objeto de um número do New Yorker A idade digital em dezembro de 1999 que também continha um artigo intitulado Carros inteligentes tecnologia em movimento Havia imaginação mas não fan tasia na abordagem adotada pelo artigo não exatamente porque o escritor descre via o correio eletrônico como o retorno da palavra depois de uma longa idade visual mas porque sugeria que o email reacionário não voltava no tempo Ele olhava para trás para Swift Pope e lorde Chesterfield cada um deles contempla do com uma página da Web Eliminando a imaginação o email tinha óbvia im portância para as famílias principalmente no caso de pessoas distantes umas das outras pois ajudava bem mais a reunilas do que os correios E o email fez isso em uma época na qual apareciam reclamações sobre o impacto do vício da Internet na família uma verdadeira doença mental da qual sofriam em particular inte grantes mais jovens O rápido crescimento da rede encobre muitos outros aspectos da história da mídia Em março de 1996 houve um grande evento simbólico para o presidente Clinton e o vicepresidente Al Gore quando se uniram a outras autoridades inclusive o presidente da FCC os republicanos liderados por Newt Gingrich haviam tentado abolir a comissão para inaugurar a ligação de telefones fixos das salas de aula da Califórnia com a Internet O presidente prometeu que todas as salas de aula norteamericanas estariam conectadas no próximo século pela Infra Estrutura Nacional de Informação NII Isso se deu em uma época na qual o secretário de Educação de Clinton descreveu a Internet tratada na seção anterior deste capítulo como o quadronegro do futuro O entretenimento não foi men cionado na ocasião Nem a televisão Tampouco a politica embora fossem neces sárias intricadas habilidades políticas e a ameaça do veto presidencial para assegu rar a aprovação sob a forma de compromisso da lei da reforma das telecomuni cações As tentativas anteriores de atualizar a lei de 1934 fracassaram e a nova lei tinha a finalidade dupla de desregulamentar e abrir a competição e estimular os novos investimentos Com efeito a nova lei somava a confusão dessa regulamen tação com algo de competição 304 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA IA A conexão das salas de aula à Internet foi uma ocasião simbólica e as metá foras usadas para isso eram sagazes como a da rodovia aprovada por Bill Clin ton e Al Gore No final dos anos 1990 a metáfora era usada com menor freqüência pela mídia do que no início dessa década Palavras de origem e circulação no meio epalavras como ecommerce se tornaram mais elegantes a maioria mais voltada para o mundo dos negócios que para o universo da educação O ecom merce era visto como o auge da revolução do consumo um paraíso do comprador que nas palavras de Bill Gates no livro The Way Ahead 1995 faria com que todas as mercadorias do mundo possam estar disponíveis para serem examina das comparadas e muitas vezes feitas sob medida Porém o que Gates estava realmente dizendo e fazendo com a tecnologia podia ser visto como o ápice de uma revolução mais antiga na produção Numa perspectiva histórica teríamos de nos voltar como nos capítulos anteriores deste livro para Boulton e Watt O próprio Gates falava uma linguagem diferente Via as máquinas como libertadoras permitindo que seus colegas se dedicassem a tarefas criativas Usava parte substancial da imensa fortuna que ganhava para financiar projetos educa cionais Enquanto isso a Microsoft e suas patentes raramente ficava fora do noticiário antes e depois da passagem do milênio Tampouco a Internet que em menos de dez anos viveu um boom excepcional e uma dramática queda Um dos primeiros colapsos foi o da empresa sueca Boocom no verão de 2000 seguido de uma notável diminuição no valor das ações da Amazon uma das empresas mais conhecidas na Internet que negocia com livros ela perdeu um quinto de seu valor na Wall Street em um dia Corretores esperam a ressaca da Amazon dizia uma manchete de jornal Em contraste saiu em manchete em julho de 2001 Amazon bate as expectativas e fecha em alta O mesmo aconteceu com a AOL e a TimeWar ner Em um guia da economy em abril de 2000 The Economist falava não em flutuações mas em rodopios O destino dos cibermilionários uma plutocraciacom ombreavase com o das outras celebridades quando durante as enganadoras oscilações dos preços em Wall Street e as trocas mundiais de estoque ficaram mais radicalmente expos tos às subidas e descidas das ações hightech da Nasdaq que começou a ser classi ficado como grupo distinto nos Estados Unidos em 1993 Mas a economia por trás da tecnologia da Internet era apenas uma dimensão do debate A política da leveza freqüentemente captava as atenções da mesma forma que as manobras e os escândalos políticos Assim em seu livro Communi cation and Control 1991 Geoffrey Mulgan tendo examinado o que chamou de a trama do mundo das redes considerava as técnicas de saturação o controle da rotatividade das notícias os vazamentos anônimos e as mentiras sem resposta tudo parte do processo de mediação e todos se desenvolvendo juntamente com as tecnologias que lhes servem de suporte De modo significativo o papel da imprensa nesses processos recebeu mais atenção crítica durante a década de 1990 CONVERGÊNCIA 305 em ambos os lados do Atlântico do que o papel de outras mídias e das tecnologias novas em que se baseavam na realidade mais do que o impacto da Internet sobre os jornalistas e o jornalismo Somente por essas razões deixando de lado todas as questões de promoção o período mais recente da história social da mídia não pode tratar a Internet como o clímax Foi um período como tantos outros que teve diversos caminhos Por essa razão o último capítulo deste livro que abarca o período de 2000 a 2004 recebeu o título de Multimídia Em uma sociedade multimídia o que se mostrava mais alarmante para a maio ria dos contemporâneos não era o tecnopólio mas a ascensão do que o crítico norteamericano David Halberstam chamou de o surgimento de uma cultura de alegação e afirmação à custa de uma cultura mais antiga de verificação foi um tópico que despertou preocupações em ambos os lados do Atlântico Ele escrevia a introdução para um estudo norteamericano denominado Warp Speed 1999 que incluía entre seus capítulos títulos como O surgimento da fonte anônima Sem guardacancelas aqui e A cultura da argumentação Os autores Bill Kovach e Tom Rosenstiel citaram um comentário de Lipmann de 1920 Tanto a razão pública quanto a privada dependem da importância de se ter um relato preciso e confiável dos eventos Não é o que se diz nem o que se deseja mas o que é independentemente de nossa opinião que se constitui a pedra de toque da sanidade Habermas concordaria Conclusões Tais julgamentos como a condenação da imprensa por se basear em fontes políti cas anônimas ou dos produtores de televisão por deixarem de apresentar notí cias duras ou da Internet por apresentar lixo incluindo pornografia em vez de facilitar a troca de idéias devem ser colocados em contexto histórico Portanto como conclusão vale a pena voltar ao começo aos últimos anos do século XX a época da então familiar trindade constituída por informação educação e entrete nimento A informação suscitava as antigas questões com uma discussão permanente sobre eventos particulares assim como a respeito da economia da informação e da sociedade da informação Porém um livro publicado em 2000 The social information atraiu a atenção pelo fato de que um de seus autores John Seely Brown trabalhara como cientistachefe da Xerox Corporation e Diretor da Parc Sua argumentação de que o abismo entre o hype na tecnologia de comunicações e o desânimo do usuário final deveuse em grande medida à visão de saída do túnel que se tinha a respeito das tecnologias orientadas para a informação Esses eventos específicos alguns deles dramáticos incluíram a queda do Muro na Alemanha em 1989 e o colapso da União Soviética a Praça da Paz 306 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Celestial a derrubada de Ceaucescu na Romênia o Irangate a Guerra do Golfo o bombardeio da Líbia pelos Estados Unidos a desintegração da Iugoslávia a Bósnia e o ataque da Otan à Sérvia e a queda de Milosevic mais tarde julgado em Haia como criminoso de guerra foram depois relatados e interpretados de maneiras diversas por historiadores a maioria deles inspirada na descrição dos eventos por parte dos jornalistas Então e desde então independentemente da tecnologia que tornou possível trazer as palavras e ainda mais importante as imagens para dentro de casa parecia estar ameaçada a veracidade como valor necessário por trás do jornalismo na imprensa escrita e na televisão e não pela primeira vez na história Tanto os eventos quanto os assuntos eram por vezes secretamente transformados em tragédias com a introdução de elementos faccionais As linhas divisórias entre informação entretenimento e educação estavam por conseguinte mais embaçadas do que anteriormente Na década seguinte à retirada norteamericana do Vietnã com o desenvolvi mento da comunicação por computador e satélite um fator tecnológico as notícias viajavam muito mais rapidamente que antes e a atuação da CNN global de Ted Turner na Guerra do Golfo chamou a atenção mundial Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1990 a CNN tinha menos de um milhão de teles pectadores Na época em que os aliados bombardeavam Bagdá toda noite em 1991 ela tinha cerca de sete milhões de espectadores O Pentágono procurava controlar as notícias usando videoteipes e relatos regulares e em certo sentido teve sucesso a cobertura porém era acompanhada por Margaret Thatcher Bóris Yeltsin e o coronel Kadafi assim como pelo primeiro presidente George Bush e Saddam Hussein Havia um sentimento de proximidade mas com a ajuda de videocassetes os telespectadores podiam assistir ao que estava acontecendo quan do queriam fora do tempo real Havia realimentação também A CNN tinha o correio do ódio Peter Arnett fazendo reportagens do território inimigo de Bagdá era para muitos um vilão A vitória contra Saddam seria descrita como vã mas a mídia tinha conseguido sua vitória particular Numa nova performan ce em 2003 o papel da mídia seria muito diferente Dado o registro da informação apresentada por vezes deturpada por vezes ultrapassada durante a última década do século XX o que dizer da edu cação e do entretenimento nesses anos multimídia em que a propriedade dos veículos impressos e eletrônicos com freqüência encontravase nas mãos das mes mas pessoas A educação esteve em geral submetida a um exame minucioso o entretenimento dominava as estratégias de planejamento O tempo todo o entre tenimento foi o principal fator da mídia visual embora a oferta de notícias sempre figurasse em destaque no planejamento estratégico da BBC no Reino Unido e a CNN não o incluísse como tal em suas avaliações Parecia haver sempre oportunidades educacionais únicas na convergência digital apesar dos temores em todas as sociedades e culturas das defasagens CONVERGÊNCIA 307 Figura 28a A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Alunos da Escola Wembley ouvem uma transmissão de rádio em 1933 digitais internas ou internacionais As brechas entre aqueles que conheciam a nova tecnologia e os que não a conheciam nunca seriam superadas Quando o Estado escolheu intervir diretamente durante as décadas de 1950 e 1960 para ampliar o acesso à melhor educação no interesse como viam seus líderes não somente dos indivíduos mas das sociedades a intervenção coincidiu com a emergência da televisão A palavra convergência foi usada então no sentido de esperança o mesmo tipo de esperança que tinha sido evidente nos primeiros dias do rádio Também houve uma mudança correlata e encorajadora na linguagem ao mesmo tempo que a palavra aprendizado começou a ser mais usada generica mente algumas vezes mas nunca universalmente no lugar da palavra ensino ou que a palavra conhecimento Como parte da mudança expressões como aprender a aprender e educação continuada começaram a ser levadas a sério Falouse até de uma sociedade de aprendizagem expressão utilizada pelo segundo reitor da nova universidade das Nações Unidas o indonésio Soejatmoko que con vidou Edi Ploman ver p256 a Tóquio para se juntar à sua equipe como vice reitor e responsável por uma nova divisão de conhecimento A expressão sociedade de aprendizagem seria posteriormente usada no título de um estudo oficial produzido pela Comunidade Européia em 1995 Figura 28a 308 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MiDIA Figura 28b A educação encontra um aliado na tecnologia da comunicação Walter Perry vicereitor da Universidade Aberta da GrãBretanha na inauguração da primeira produção de estúdio BBC em Alexandra Palace 1970 CONVERGÊNCIA 309 A Universidade Aberta da GrãBretanha planejada meticulosamente e com imaginação durante a década de 1960 foi pioneira em recrutar estudantes para aprendizado a longa distância no primeiro exemplo da iniciativa política do pri meiroministro britânico Harold Wilson que estava determinado a ampliar o acesso à educação superior e também a empregar novas tecnologias ele foi o pri meiro político a falar de uma revolução tecnológica importante por estar total mente consciente de que ela estava acontecendo fora da GrãBretanha Nenhuma qualificação formal era pedida para quem entrasse na Universidade Aberta Nas palavras de seu primeiro reitor Geoffrey Crowther exeditor do The Economist que deu boa acolhida à iniciativa de Wilson ela era aberta a estudantes idéias e métodos A universidade matriculou sua primeira turma de graduação em 1971 e seu aluno de número cem mil graduouse em 1989 Ela estendeu enormemente seu trabalho sem diploma durante a década de 1980 e sua área de atuação durante a década de 1990 estabelecendo mesmo uma filial nos Estados Unidos em 1999 Figura 28b O aprendizado a distância tinha sido lançado antes de 1971 no Canadá na Austrália e na Nova Zelândia e em 1989 foi criada uma Comunidade de Apren dizado com escritório central em Vancouver para fomentar a canalização de recursos para projetos e programas de educação a distância nos países da Comu nidade O relatório que levou a seu estabelecimento foi encomendado pelo secre táriogeral da Comunidade o caribenho Sonny Ramphal seu primeiro dirigen te James Maraj também era caribenho Os recursos financeiros eram restritos mas o empreendimento tinha escala global Na época surgiram outras universida des abertas entre elas a Universidade Aberta Nacional Indira Gandhi na Índia em 1985 e a Universidade Aberta de Israel junto com as chamadas megauniversida des abertas na Tailândia e na China com imenso número de alunos No Japão a Universidade do Ar fundada em 1984 e modelada como Universidade Aberta usou o segundo canal educativo NHK Nesse processo havia mais do que institu cionalização havia uma mudança significativa de percepção As próprias univer sidades tradicionais começaram a oferecer cursos a distância sob o termo ex tensão Algumas também mudaram suas formas de ensinar nos próprios campi em resposta ao crescimento do número de alunos fenômeno generalizado Com a chegada da Internet aumentaram as possibilidades de aprendizado continuado formal e informalmente sempre que a experiência ou a expectativa requisitassem Sustentouse que a World Wide Web se o acesso fosse aberto serviria para muitos como uma universidade sem paredes e até eliminaria as salas de aula Todavia na publicação de 1995 da Comunidade Européia distribuí da na véspera do Ano de Aprendizado Continuado na Europa assim como nos governos membros da Comunidade principalmente a GrãBretanha as tecnologias da sociedade da informação foram consideradas mais por seus efeitos no local de trabalho que por seu impacto sobre as salas de aula ou as universidades 310 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA do que sobre os locais de trabalho Nesse ínterim a Cisco Systems uma das companhias mais eficientes da Internet fundada em 1984 por um grupo de cien tistas da computação da Universidade Stanford profundamente envolvida em educação e trabalhando com hardware software e serviços estava procurando com a mesma ênfase ajudar a mudar o modo como trabalhamos vivemos nos divertimos e aprendemos John Chambers em suas estratégias também valori zava a necessidade de trabalhar por intermédio de outras instituições educacio nais e não contra elas Um estudioso especializado em Internet não diretamente envolvido como Chambers nos negócios usou linguagem diferente e voluntariamente provoca dora Quando David Gelernter publicou Mirror Worlds prevendo a rede em 1991 ver p300 uma foto dele apareceu na primeira página da seção de negócios do New York Times em 1992 Infelizmente em junho de 1993 ele foi ferido com gravidade em um atentado terrorista Assim The Second Coming foi um título apropriado para seu manifesto publicado em 2000 embora se referisse a compu tadores e não a ele mesmo Gelernter argumentava que enquanto na primeira era dos computadores os principais temas tinham sido o poder crescente a queda de preços e computadores para todos o tema da segunda idade que agora se aproxi mava seria a computação transcende os computadores Nessa segunda idade toda sua vida eletrônica seria compartilhada em um cibercorpo As linguagens da publicidade e da educação podem convergir como o fize ram em um texto enviado à imprensa anunciando a publicação por Eurídice a rede de informação sobre educação da Comissão Européia de Duas décadas de reforma na educação superior na Europa 2000 O texto foi intitulado A conver gência nos sistemas de educação superior europeus vistos à luz dos fatos Em contraste Gelernter parecia interessado mais em metáforas que em fatos Para ele a imagem da área de trabalho estava errada baseada na falsa analogia entre computadores e arquivos sobre ou sob a mesa Os computadores eram funda mentalmente diferentes de arquivos porque podiam levar à ação em qualquer nível Eles criaram uma torrente de vida numa paisagem em que se podia navegar ou voar em qualquer nível Sobrevoar expressão vinda da aviação era uma metáfora aérea muito diferente de decolar A paisagem que se sobrevoava ou na qual se descia era o ciberespaço palavra usada pela primeira vez pelo escritor de ficção científica de vanguarda William Gibson que divisou um cibermundo no qual os telefones de todo o planeta estavam sob o controle de Matrix a soma interconectada de todas as redes de computadores do mundo Ao descrever sobre o porto que então sobrevoava em seu Especial de Ficção Científica da Nova Era intitulado Neuromancer 1984 ele apresentou a imagem poderosa de um céu da cor de um aparelho de TV sintonizado num canal inati vo Mas a televisão não morreu no começo do século XXI e há poucos canais CONVERGÊNCIA 311 inativos Na verdade ela continuou a ser um veículo popular poderoso do mes mo modo que a imprensa escrita num ambiente multimídia O próprio Gibson examinando em retrospecto seus primeiros textos de 20 anos atrás valorizava muito isso Em 2000 escreveu o prefácio da coletânea de textos históricos de Randall Packer e Ken Jordan intitulada Multimedia From Wagner to Virtual Reality na qual descreveu a cibernética desigualmente emergente da década de 1980 e seu papel de meninoprodígio ao ajudar a criála Seu entusiasmo pela multimídia do século XXI baseavase na crença de que ela não era uma inven ção mas a permanente descoberta do modo como a mente e o universo que ela imagina se ajustam e interagem CAPITULO 7 Multimídia Os três últimos capítulos se estenderam de forma resumida e seletiva por um território muitas vezes não mapeado Eles sugerem que embora as novidades acerca dos desenvolvimentos recentes em comunicação sobretudo os tecnológi cos possam ser superestimadas e apesar das coincidências e convergências não houve um caminho único Afixar rótulos como era da televisão ou era digital aos fenômenos do passado e do presente pode ser revelador e útil tal como foi escrever sobre a era da radiodifusão nas décadas de 1920 e 1930 Mas na realida de nos diz mais sobre as percepções que sobre os fatos Nas décadas de 1980 e 1990 parecia haver maior complexidade outra das nossas palavraschave Era difícil não apenas entender as implicações políticas econômicas e sociais das novas tecnologias mas também opinar sobre como em sua presença escapar dos labirintos morais associados aos antigos problemas centrados na liberdade e na responsabilidade assim como aos novos problemas relacionados aos direitos humanos Qual seria o papel da lei Será que por exemplo se deveria proibir as crianças de assistir a programas prejudiciais Um cientista canadense inventou um Vchip em meados da década de 1990 para os pais bloquearem os programas assim considerados e em 1996 o Congresso dos Estados Unidos aprovou a lei do decoro nas comunicações posteriormente declarada ilegal pela Suprema Corte para colocar esse chip em uso Essa foi uma manifestação dos dilemas que a televisão traz para o lar A Internet tornou as coisas mais complexas Será que devemos aplicar a ela as regras diferentes daquelas que valem para os veículos mais antigos A pornografia deveria ser proibida por lei Pode ser mais difícil manter a vigilância sobre ela mas sem dúvida serão descobertos alguns dispositivos para controlar as novas tecnologias No ano 2000 o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma legislação pela qual as bibliotecas são obrigadas a instalar sistemas de filtragem como condição para obter erates favoráveis a conexões na Internet Foi uma regulamentação na era da desregulamentação Implementada por Bill Clinton a iniciativa erate tem como objetivo a concessão de subsídios do governo para conectar as escolas públicas e bibliotecas de áreas carentes à Internet NT 312 MULTIMÍDIA 313 Com maior freqüência contudo nos Estados Unidos e em vários outros países porém não na Índia na China ou em Cingapura a autoregulamenta ção termo controverso foi aplicada aos novos veículos tal como acontecera na GrãBretanha em relação à imprensa Em 1999 os australianos aprovaram a lei dos serviços online que se refere não somente a matérias proibidas mas tam bém inadequadas e ofensivas Porém ficou a cargo da autoridade específica relativa à radiodifusão negociar um código de conduta industrial para o material produzido no país A década de 1990 foi um período em que se romperam as fronteiras entre os meios antigos e novos no interior de cada meio entre a mídia experimental e a já estabelecida os limites se embaçaram da mesma forma que as linhas divisórias que separavam as estratégias de mídia nacionais dos problemas e oportunidades globais As decisões nacionais tinham implicações globais e viceversa O termo gap digital não foi cunhado para descrever um abismo entre os países mas dentro deles Na cultura as fronteiras entre o alto e o baixo nível entre as histórias em quadrinhos ou as histórias ilustradas vinham sendo rompidas há décadas O mesmo ocorreu com os limites entre disciplinas história sociologia antropologia psicologia economia e direito por exemplo e entre o que é ficção e crítica literária e de cinema principalmente quanto à ficção científica No com portamento a distinção entre hábito e aquisição se tornou confusa E também em muitas partes do planeta no interior das culturas das drogas termo que permanece em uso no século XXI esmaeceu o limiar entre a alucinação e as psicoses Timothy Leary guru das drogas na década de 1960 escreveu 20 anos depois que os computadores viciam mais que a heroína Vinte anos mais tarde aliás o crime por computador por vezes mas nem sempre altamente sofisti cado era tão divulgado quanto as formas mais antigas de delitos O romancista norteamericano William Burroughs que Gibson reconheceu como um de seus predecessores aplicou a palavra vírus à mídia o que já havia sido assunto no cinema antes de ela começar a ser usada por tecnólogos e jornalistas com relação aos computadores Também houve referências entre mí dias Quando um vírus de computador da vida real foi descrito na imprensa em tempo real em 1988 tanto o jornal New York Times quanto a revista Time usaram uma tira de histórias em quadrinhos para ilustrar o que foi relatado como infecção viral e a Time acrescentava uma referência mais antiga com o título vampiro de dados Cada vírus tinha sua própria assinatura e embora fosse possível proteger o equipamento com um programa antivírus não havia garantia total contra a infec ção Os paralelos com a saúde pareciam pertinentes talvez apenas porque houves se uma preocupação crescente durante esses anos tanto na mídia quanto entre os políticos com a saúde privada e pública esta última redefinida para englobar a proibição do fumo e as defesas contra a obesidade embora a alma assim como o corpo também possa fornecer imagens interessantes O chamado love bug 314 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA foi amplamente noticiado porque parecia ter origem nas Filipinas e não nos Estados Unidos Era realmente global como o conhecido bug do milênio cujo medo foi afastado com altos custos O novo milênio Desde a década de 1960 quando uma série de comentaristas incluindo os chama dos futurólogos procurava antecipar em suas análises e previsões o que seria o ano 2000 muito se escreveu sobre o fim do antigo milênio e o começo do novo Ironicamente porém quando ele chegou em meio às comemorações havia menos a falar sobre o futuro que nas décadas de 1960 e 1970 Foi o presente contudo que assomou e o ano acabou com fogos de artifício e o desperdício no papel de entretenimento em todas as capitais do mundo sua escala e impacto foram comparados na imprensa e foi isso o que as manchetes apresentaram mais que os balanços de perdas e ganhos do século anterior e as previsões para o novo milênio Na maioria dos países ou mesmo em Nova York dedicouse relativamen te pouca atenção à Cúpula do Milênio realizada nas Nações Unidas em setembro de 2000 quando 150 chefes de Estado estiveram presentes e se estabeleceu uma série de objetivos para o milênio Jonathan Sacks rabinochefe da GrãBretanha que se encontrava na reunião observou que grandes multidões se formaram no centro de Manhattan não para ver os líderes políticos ou religiosos a caminho do prédio das Nações Unidas mas para dar uma olhada nas celebridades reunidas para o MTV Video Awards A empresa de televisão MTV dedicavase apenas ao entretenimento Para dois jornalistas norteamericanos que escreviam sobre a campanha presidencial nos Estados Unidos em 2000 as realidades dominantes do presente eram a apatia dos cidadãos os mergulhos em parafuso e políticos e repórteres em diálogos dúbios Quando a eleição terminou tanto políticos quanto jornalis tas estavam em baixa Para uma jornalista Elizabeth Weise os concorrentes ainda não estavam na Net A tecnologia ela própria sujeita à crítica era canhestra as bases de dados algumas vezes deixavam de cobrir informações cruciais e os sites eram tediosos Na GrãBretanha o Domo do Milênio construído no East End de Londres foi tema de permanente controvérsia na mídia antes e depois da virada do milê nio embora o projeto tivesse angariado o apoio de governos conservadores e trabalhistas Ele atraiu menos visitantes do que se esperava embora estes ficassem impressionados com a sofisticada diversão acrobática e com as partes do Domo dedicadas à educação e aos transportes O mais duradouro de uma ampla gama de projetos referentes ao milênio grande parte de âmbito local foi uma cadeia de novas estações de metrô entre Westminster e Greenwich A BBC tentou ampliar a M U L T I M í D I A 3 1 5 agenda do milênio Abriu o site BBC History 2000 fornecendo um guia para a história britânica com material visual e de áudio incluindo modelos em 3D em conjunto com uma ambiciosa história oral a primeira vez que isso foi possível The Century Speaks A religião desempenhou nas comemorações um papel menos relevante que aquele que tivera na celebração do centenário em 1900 No Domo foi difícil financiar a zona espiritual nome derivado da Internet uma das 14 áreas em que se dividia a construção No entanto no período imediatamente posterior ao ano 2000 houve amplas evidências tanto na GrãBretanha quanto em outras partes do mundo da força do fundamentalismo religioso fosse ele cristão ou islâmico e da espiritualidade da nova era A Internet foi amplamente usada pelos adeptos de ambos os grupos como em 2003 e 2004 por defensores e opositores anglicanos dos sacerdotes gays e do casamento de pessoas de mesmo sexo Houve agudas e ásperas divisões regionais sobre o tema tanto na África quanto nos Estados Uni dos com minorias discordantes particularmente neste último país A globaliza ção agora uma expressão da moda não acarretava a uniformidade religiosa ou cultural O principal tema das ainda prestigiosas Reith Lectures britânicas de 1999 Mundo em fuga era a globalização com ênfase maior no que unia que naquilo que dividia O objetivo do palestrante Anthony Giddens diretor da Escola de Economia de Londres era iniciar uma conversa global eletrônica sobre globali zação que serviria para mostrar que ela era menos econômica que política tecnológica e cultural Porém como ele mesmo reconheceu tratavase de um assunto não apenas para conversa mas para debate Giddens tinha pouco a dizer sobre o papel da mídia na Europa mas havia muitos comentários da mídia sobre o processo de globalização e também sobre a nova moeda o euro com uma variedade de reportagens e avaliações tanto na Europa quanto nos países do Terceiro Mundo Em algumas partes do mundo as conferências provocaram não apenas uma reafirmação ou um ricochete fundamentalista mas também uma resposta religio sa com ramificações políticas e uma onda de críticas entre círculos intelectuais bastante diversos Em Londres Michael Gove ao resenhar filmes de Hollywood feitos para o mercado mundial muitos deles dotados de efeitos especiais impressionantes e caros que antes não podiam ser produzidos tinha medo de que interromper a globalização fosse uma missão impossível título de um então recente filme de Hollywood entre os mais bem dirigidos e protagonizados Gove acrescentava que a globalização talvez seja inevitável mas não temos de gostar dela A globalização pode tornar mais fácil o encontro de culturas novas mas torna a viagem menos valiosa porque as culturas se tornam parecidas umas com as outras 316 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA O desejo de frear se não de interromper a globalização para proteger as culturas nacionais objetivo capaz de ser amplamente percebido desempenhara um grande papel na política e mais ainda na retórica da mídia e dos políticos midiáticos durante a década de 1990 Assim continuou após a virada do milênio O Canadá confrontado por seu poderoso vizinho os Estados Unidos deu seqüên cia à política anterior de estimular o desenvolvimento de conteúdos canadenses que pudessem competir com o melhor que o mundo tem a oferecer incluindo produtos culturais educacionais e de entretenimento Essa foi a promessa do administrador de mídia canadense Paul Racine Ele estava na Finlândia outro país com um vizinho poderoso a Rússia A Finlândia anunciara seu objetivo de se tornar o país líder mundial nas comunicações Seus vizinhos os antigos estados da União Soviética que reconstruíam seus sistemas de comunicação após o colapso do comunismo não eram tão ambiciosos mas se encontravam igualmen te preparados para afirmar suas identidades culturais e determinados a fazêlo O mesmo podia ser dito de países situados fora da Europa e com herança colonial sobretudo a Malásia e sua vizinha Cingapura Mohammed Maharthir primeiromi nistro da Malásia até 2004 enfatizava os valores asiáticos e em 1996 o Ministé rio das Comunicações de Cingapura exigiu que todos os provedores de Internet se registrassem e submetessem às leis aplicadas à mídia em geral tais como a lei da difamação a lei da sedição a lei da manutenção da harmonia religiosa e a uma nova categoria mais ampla para arbitrar sobre o conteúdo indesejável As atitudes em relação à globalização mudaram ainda mais entre 2000 e 2004 porém permaneceram entusiásticas hostis ou ambivalentes conforme o lugar e a posição intelectual e social dos agentes A Seleta Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara dos Lordes na GrãBretanha produziu em 2003 um relatório sobre o tema que abarcava as questões mais relevantes desde a lei Geoffrey Howe falou sobre a globalização do direito até a tecnologia Foi o primeiro relatório oficial a ser publicado na GrãBretanha juntamente com as evidências pertinentes sobre o CDRom O chefe da Comissão lorde Peston economista observou que os protestos contra a globalização haviam reunido um conjunto extraordinário de preocupações algumas delas mutuamente contra ditórias Do lado positivo ele citou outro economista e havia muitos com ele que afirmava que todos os relatos de sucesso na história recente do desenvol vimento econômico se referiam a países que tinham ingressado na economia mundial A Índia e a China foram destacadas por muitos oradores Os indianos agora manipulavam informações e mensagens transmitidas por organizações européias incluindo bancos e corporações empresariais A China que entrou para a Organi zação Mundial do Comércio em 2001 tivera dificuldades em introduzir uma estrita regulamentação para controlar a pirataria de software Quase todos os oradores se concentraram nas atividades do Banco Mundial e do Fundo Monetá MULTIMÍDIA 317 rio Internacional ao enfrentarem o que um deles chamou de vergonhosa pobre za mundial Para um dos oradores globalização significava efetivamente comu nicação física elétrica e eletrônica Foi ela que produziu um mundo intercam biável em que o comércio a cultura a linguagem e os avanços sociais se tornaram rapidamente intercambiáveis O próprio Peston citou outro economista norteamericano Joseph Stiglitz o qual em artigo posteriormente publicado num jornal Financial Times 25 de fevereiro de 2004 a respeito do relatório da Comissão sobre as Dimensões Sociais da Globalização criada em 2002 pela Organização Mundial do Trabalho assumiu uma linha bem diferente da maioria dos oradores do debate Ele observou que algumas mensagens da Comissão tais como a necessidade de reestruturar a dívida poderiam ser controversas algum tempo atrás mas que agora eram defen didas pela corrente principal O mesmo acontecia com o entendimento de que o Estado tinha um papel a desempenhar em termos de amortecer o impacto da rápida mudança econômica sobre indivíduos e sociedades O artigo tinha como título Os custos sociais da globalização O 11 de Setembro e suas conseqüências Não importa o que se tenha dito em 2002 2003 ou 2004 sobre os custos e as vantagens da globalização ou sobre o papel da mídia em explicálos havia o reconhecimento geral de que o planeta já não estava no mesmo lugar desde 11 de setembro de 2001 quando terroristas suicidas destruíram num horrível ataque as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York e no mesmo dia parte do prédio do Pentágono em Washington A tragédia é o pivô da história escreveu Michael Wines correspondente em Moscou do New York Times Para outros jornalistas e historiadores esse foi o verdadeiro começo do novo milênio Houve um sentimento de choque mundial não diminuído pelo fato de muitos outros países incluindo a GrãBretanha terem sofrido ataques muito antes disso A reação norteamericana foi típica com a aprovação da chamada lei patriota destinada a unir e fortalecer os Estados Unidos fornecendo instru mentos adequados para obstruir o terrorismo Esses instrumentos incluíam a autorização para se instalarem grampos telefônicos sem necessidade de especificar o lugar a ser vigiado nem exigir que apenas as conversas do alvo fossem bisbilhotadas Internacionalmente declarouse uma guerra ao terrorismo destinada a mobilizar corações e mentes Constituiuse uma coalizão liderada pelos Estados Unidos para travar a guerra no Afeganistão país remoto então recentemente invadido e abandonado pela União Soviética onde Osama bin Laden terrorista originário da Arábia Saudita responsável por organizar uma rede internacional de terrorismo a al 318 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Quaeda tinha seu quartelgeneral A guerra foi vencida mais rapidamente do que a mídia ou o público esperava e o regime talibã foi destituído do poder De modo extravagante e repressivo ele tinha armado fogueiras com aparelhos de TV Ago ra no curso da guerra os Estados Unidos e seus aliados bombardearam as emis soras de rádio Mas havia tantas complexidades na situação do Afeganistão que era difícil transmitir informações fidedignas tanto durante quanto após a guerra uma dispu ta que não levou à captura de Bin Laden o qual apareceria outra vez na televisão mundial perto do fim da eleição presidencial norteamericana de 2004 graças a uma estação de TV árabe a alJazeera com a ameaça de uma ação terrorista permanente As eleições afegãs estavam então na agenda Pouco se sabia sobre Bin Laden em 2001 exceto que tivera o apoio dos Estados Unidos ao se rebelar contra a União Soviética Durante a exitosa guerra de 2001 todas as informações sobre os afegãos vinham da periferia geográfica algumas obtidas por repórteres do sexo feminino As mulheres foram as principais vítimas dos talibãs que também proibiram a Internet Grande parte da informação então e depois era propaganda Ficava dificil estabelecer o limite entre as duas coisas Em 2003 a segunda resposta militar dos Estados Unidos ao terrorismo a guerra no Iraque contra Saddam Hussein desta vez com um número menor de aliados dividiu profundamente a opinião pública de início mais na GrãBreta nha o aliado mais próximo dos americanos do que nos próprios Estados Unidos Dentro das Nações Unidas que tinham imposto sanções a Saddam Hussein a França e a Alemanha se recusaram a apoiar o presidente George W Bush e Tony Blair naquilo que foi desde o início uma aventura controversa condenada tanto pela Rússia que tinha seus próprios problemas de terrorismo quanto pela China Foi uma aventura ainda mais controversa que o ataque anterior a Saddam Hus sein liderado pelos norteamericanos a primeira Guerra do Golfo após a invasão do Kwait em 1991 que terminou sem a derrubada de Saddam por ordem do primeiro presidente Bush levando em consideração a opinião da Arábia Saudita da qual os Estados Unidos dependiam para o suprimento de petróleo A percepção dos americanos em 2003 e 2004 de que não tinham mantido o apoio da opinião pública mundial quase unanimemente favorável a eles em setembro de 2001 era evidente no próprio Iraque onde um governo nomeado tentava realizar eleições e nas eleições presidenciais norteamericanas de 2004 Saddam Hussein fora um governante secular que não dependia do islã Agora grupos islâmicos de diferentes tipos se manifestavam contra os Estados Unidos da mesma forma que diversos integrantes dos partidos de esquerda na Europa Um feroz filme político em 2004 vencedor do Festival de Cannes Fahrenheit 11 de setembro de Michael Moore uma obra antiBush mesclava fato e ficção para mostrar que o presidente norteamericano vencedor da eleição de 2004 enfren tava alguns de seus opositores mais hostis dentro dos próprios Estados Unidos MULTIMÍDIA 319 Como disse o deputado Harry Hyde em 2003 por que o país que inventou Holly wood e a Madison Avenue tinha tantos problemas em promover uma imagem positiva de si mesmo no exterior A controvérsia de 2004 tanto nos Estados Unidos quanto na GrãBretanha girava em torno de uma questão central embora com muitos subtemas tais como o papel das Nações Unidas a decisão de atacar Saddam Hussein em 2003 oficial mente justificada à luz dos dados fornecidos pelos serviços de informação fora uma decisão sensata ou justa Teria havido um motivo adequado para a guerra Bush e Blair não tinham dúvidas Ambos também se recusavam a ver a guerra ao terrorismo como uma guerra entre o mundo cristão e uma jihad islâmica tal como era encarada por uma parcela substancial da opinião pública muçulmana Houve uma dimensão midiática uma guerra de palavras nessa discus são em particular na GrãBretanha em cada estágio do conflito e depois de seu término O governo submeteu em especial a BBC a uma muralha de críticas sem que nenhum veículo adotasse a linha gritantemente propagandística de algumas empresas jornalísticas e de televisão norteamericanas sobretudo a Fox News con trolada por Rupert Murdoch A bandeira americana era exibida a tremular no canto da tela e ouviamse músicas marciais enquanto as tropas norteamericanas avança vam Em contraste na GrãBretanha os críticos da BBC alguns dos quais tinham bases totalmente diferentes para suas críticas acusavam a emissora de assumir um posicionamento antiguerra antes mesmo de uma transmissão feita em 29 de maio de 2003 pelo jornalista Andrew Gilligan contratado pelo influente programa de rádio matutino Today afirmando que Downing Street havia esquentado os rela tos dos serviços de inteligência ao declarar que Saddam Hussein podia usar armas de destruição em massa que ele agora possuía dentro de 45 minutos Nenhuma arma de destruição em massa jamais foi descoberta no Iraque após a queda de Saddam mas Gilligan seguindo a prática jornalística de modo coerente negouse a revelar a fonte de suas afirmações o dr David Kelly um inspetor de armamentos e nãointegrante da comunidade de informações cujo nome tinha vazado do Ministério da Defesa Perseguido pela imprensa Kelly cometeu suicídio tragédia pessoal que obrigou o governo a nomear uma comis são presidida por um juiz experiente lorde Hutton com a finalidade de investi gar não a precisão da informação fornecida pelos serviços de inteligência mas as circunstâncias da morte de Kelly Antes que o relatório de Hutton fosse publicado criticando profundamente a BBC a maior parte da mídia impressa e a própria BBC parecia esperar que ele se concentrasse sobre as atividades do governo e de Alastair Campbell o altamente político assessor de comunicações de Blair e que Em inglês sexedup pretérito passado de um verbo muito utilizado no jargão jornalístico anglosaxão que significa tornar atraente esquentar anabolizar ou bombar uma informação NT 320 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA não era funcionário público responsável pela muralha de críticas por emails enviados à Broadcasting House O relatório não seguiu esse caminho Os jornalistas da imprensa escrita que haviam hostilizado Kelly poderiam ter sido mais criticados no relatório o qual se concentrou na BBC que inicialmente se mostrara relutante em se desculpar por Gilligan e por seu superconfiante diretor de notícias desde 2001 Richard Sambrook responsável por dois mil jornalistas da BBC em todo o mundo O relatório foi tão duro que o presidente da emissora Gawn Davies pediu demissão e seus diretores aceitaram a exoneração do enérgico e belicoso diretorgeral Greg Dyke que viera da televisão comercial para a BBC quando Birt se aposentou em 1999 Falando num debate na Câmara dos Lordes sobre o relatório Hutton depois que Dyke e ele haviam deixado a BBC Birt também oriundo da televisão comer cial e então assessor de Blair afirmou que a emissora se prejudicara mais em 2003 por não reagir de maneira adequada depois que a reportagem de Gilligan fora transmitida Outros oradores no debate concordaram com Birt mas o forte apoio se manifestou pela permanência da BBC apesar dos pesares saudada por um orador como uma jóia internacional da coroa Apoio ainda mais forte foi oferecido em abril de 2004 num debate realizado na Câmara dos Lordes sobre a licença da BBC que deveria ser renovada em 2007 Participaram muitos dos mesmos oradores do debate sobre a Comissão Hutton um dos quais lorde Sheldon disse que quando se observam as imprecisões do jornalismo de Fleet Street ficase impressionado com os padrões da BBC os mais elevados de toda a mídia O assunto contudo não estava encerrado e consti tuiuse um processo de investigação sob a presidência de lorde Butler um dos primeiros dirigentes do Serviço Civil Em janeiro de 2005 um painel governa mental liderado por lorde Burns um dos primeiros funcionários civis diagnosti cou o sistema da BBC como insustentável à medida que o governo atuava ao mesmo tempo como regulador e como patrocinador Os serviços públicos de radiodifusão num contexto político e tecnológico em mudança Em seu discurso na Câmara dos Lordes Birt assinalou que a BBC pode e sem dúvida vai encontrar o caminho para sair desse terrível imbróglio palavra muito usada na época Tessa Jowell secretária de Estado do Departamento de Cultura Mídia e Esporte nova designação de um departamento que com Blair adquirira âmbito mais amplo confirmou que o debate Hutton não influenciaria as decisões Rua que se tornou sinônimo da imprensa britânica onde se localizam as sedes dos principais jornais de Londres NT MULTIMIDIA 321 do governo sobre a renovação da licença da BBC O processo já tinha começado afirmou ela assegurando um lugar especial para a BBC no coração da nação Ela promovera uma pesquisa em dezembro de 2003 para descobrir o que as pessoas gostavam ou não em relação à BBC Em 31 de março de 2004 mais de cinco mil respostas tinham sido recebidas e 25 mil pessoas haviam visitado um site sobre a renovação da licença Nem todas mas certamente uma ampla maioria 75 tinham boas coisas a dizer sobre a emissora A falta de publicidade apareceu entre as três qualidades mais elogiadas depois vinham os programas de alta qualidade e os noticiários de alta qualidade Se isso é verdadeiro não é necessariamente válido para a maioria das ins tituições públicas de radiodifusão na maior parte dos países as quais com uma identidade institucional menos estabelecida e menos recursos à disposição atravessaram quase todas uma crise entre 2000 e 2004 Também eram poucas as que dispunham de um forte senso de seu papel global Algumas na verdade tinham administradores que não pensavam em termos globais Mas o Serviço Mundial de Rádio da BBC estabeleceu sua reputação há muito tempo inclusive em outros países e seu serviço de televisão tinha capacidade de competir em qualquer lugar para onde pudesse ser transmitido com a CNN ou qualquer outro rival global Um comunicado de maio de 2004 referiase ao fato de ela ser uma expressão dos valores britânicos da abertura imparcialidade e diversidade de visão Ela construía pontes num mundo inseguro Uma atenção particular era dedicada ao islã No próprio Iraque onde as paixões de sunitas e xiitas estavam agora desatreladas uma pesquisa de audiência realizada em junho de 2004 indicou que mais de 15 da população adulta 32 milhões de pessoas ouvia o Serviço em Árabe pelo menos uma vez por semana Outro 1 ouvia a programação em inglês do Serviço Mundial embora esta só fosse disponível em duas cidades em FM e em outros lugares apenas em ondas curtas Essa realização foi reconhecida no exterior até nos Estados Unidos onde um número da revista Time brilhantemente escrito e apoiado por uma pesquisa de igual calibre concentrado na BBC 13 de outubro de 2003 mostrou na capa um microfone da emissora sob o título A Beeb toma conta do mundo Do ponto de vista da radiodifusão doméstica e a Time também se preocu pava com isso três temas foram repetidamente mencionados nas várias discus sões sobre o futuro do serviço público de radiodifusão realizadas tanto informal mente quanto em fóruns organizados muitos deles como parte do processo de renovação da licença da BBC Foram eles o conteúdo dos programas a gerência institucional e as finanças Sobre o primeiro que necessariamente levantava a questão da qualidade do produto de outras emissoras houve um amplo consenso Beeb apelido pelo qual os britânicos chamam a BBC NT 322 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA tinha havido uma queda de qualidade nos programas de entretenimento da BBC apesar de novos sitcoms brilhantes como The Office O Canal 4 que come morou o 222 aniversário em 2004 também foi objeto de críticas Um dos muitos defensores de um quarto canal antes de ele entrar no ar Anthony Smith queixou se em 2004 não tanto dos programas de mau gosto e deles havia muitos mas da falta de programas genuinamente inovadores como Film Four que o Canal 4 tinha deixado de produzir Uma nova categoria de programa de entretenimento esteve particularmente sob ataque sem importar quem fosse o produtor os chamados reality shows tais como Castaway 2000 Big Brother Im a Celebrity Get Me Out of Here explo rando montagens melodramáticas e que os críticos consideravam moralmente repugnantes Mas eles atraíam grandes audiências e as revelações editadas dos participantes alguns dos quais ao que se dizia emocionalmente esgotados fasci navam os psicólogos Esses programas deram nova conotação à palavra realida de numa época em que a realidade virtual antes explorada de forma tão criati va estava se pondo a perder Permanecia sob discussão saber se a BBC podia estabelecer padrões no en tretenimento embora a Voz do ouvinte e espectador comemorando seu 21 ani versário em 2004 acreditasse que devia fazer isso Mas ela se concentrava não apenas no estabelecimento de padrões para os serviços públicos de radiodifusão em face da competição comercial em grande parte do exterior mas também no gerenciamento e numa governança esclarecidos e criativos Apoiando vigorosa mente o sistema de rádio e televisão financiado por direito de licença para a BBC considerado uma característica básica da radiodifusão britânica tanto nas pesqui sas de opinião quanto nos debates parlamentares a Time observava com preocu pação que havia indivíduos e grupos que não apenas questionavam o nível mas defendiam sua abolição ou substituição gradual pela publicidade ou de modo mais geral pela televisão paga Um relatório elaborado em 2003 para o Grupo de Política de Radiodifusão do Partido Conservador recomendava esta última suges tão com o apoio de Alan Peacock que apontara pela primeira vez nessa direção quase dois anos antes em 1986 Uma taxa compulsória de assinatura incluiria o núcleo do serviço público de rádio e os canais de televisão da BBC com a opção de acrescentar contra pagamento outros canais se desejado Em 2003 o financiamento da BBC passara a depender cada vez mais das receitas comerciais A BBC Worldwide administrava um grupo de empreendi mentos comerciais dos dois lados do Atlântico A BBC Ventures realizava tarefas sob contrato com organizações sem vínculos com a emissora publicando livros e revistas e produzindo vídeos e material multimídia Também vendia séries de programas esportivos para usuários de celulares Toda organização para ser efi ciente exige certa massa crítica e a BBC Worldwide a BBC Ventures e suas subsidiárias logo se tornaram grandes o bastante para desafiar organizações maio MULTIMÍDIA 323 res do que elas e acima de tudo penetrar em mercados difíceis Por exemplo um novo canal de TV de entretenimento geral financiado com verbas publicitárias a BBC Japan na órbita da BBC Worldwide foi anunciado em outubro de 2004 devendo começar a transmitir no final daquele ano Foi o segundo canal da BBC disponível no Japão O BBC World já estava presente em mais de um milhão e meio de lares Um canal semelhante de entretenimento geral o BBC Prime era oferecido na Europa na índia no Oriente Médio e na África Em conjunto os dois principais braços comerciais da BBC mantidos cui dadosamente afastados das outras operações da organização empregavam mais de cinco mil pessoas que dependiam de seu sucesso ou fracasso nos competitivos mercados de mídia As receitas em 2002 foram 35 maiores que as de 2000 Ao mesmo tempo empresas rivais afirmavam que várias operações das quais obti nham seus lucros não poderiam ser realizadas pela BBC Também protestavam contra a presença da BBC online e do poder daquele que se mostrara ser o site mais atraente da Europa Em todos os países em que há serviços públicos de radiodifusão como parte dos sistemas de multimídia levantaramse críticas similares na primeira década do novo milênio As instituições de serviço público afirmavase estavam ultrapas sando sua jurisdição e nesse processo distorcendo a competição nãosubsidiada Seu papel deveria restringirse ao fornecimento de um serviço universal de inte resse público Mas tal restrição implicava manter as instituições públicas tranca das numa armadilha temporal incapazes de se adaptar às novas tecnologias ou de converter serviços públicos em empresas Em alguns países as pressões comer ciais conseguiram impor sua própria filosofia política e econômica Assim foi anunciado na primavera de 2002 que a Rádio e Televisão de Portugal RTP ficaria com apenas um canal e que um novo canal cívico seria administrado por um consórcio que teria acesso às instalações de produção da RTP No mesmo ano a Espanha anunciava propostas para privatizar o departamento de notícias do Canal 9 em Valência No ano seguinte a Holanda cortou o orçamento de seu serviço público de radiodifusão e a Dinamarca planejava privatizar a TV2 O destino da PBS norteamericana com sua insuficiência de recursos ofere ceu mais uma advertência que um modelo para as emissoras públicas de outros países Na Europa Ocidental a partir de uma direção bem diferente a determina ção da União Européia de ampliar a competição uma política que remonta à Télévision sans Frontières incomodou algumas instituições públicas de radiodi fusão O mesmo ocorreu com uma série de decisões de processos em torno da lei de comunicações apresentados à Corte Européia embora nem todas favoráveis aos interesses comerciais Na maioria dos países da Europa Ocidental e em algumas outras regiões incluindo certos países asiáticos agora havia agências reguladoras como a Ofcom na GrãBretanha a CSA na França a RegTP na Alemanha e a Ascom na Itália com as funções de coordenação e concessão de licenças incluindo supervisionar ou 324 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA mais do que isso todo o setor de comunicações Não houve na GrãBretanha em 2004 nenhuma pressão governamental ou mesmo da Ofcom para limitar a independência da BBC e o diretor dessa agência chegou mesmo a se dar ao trabalho de elogiála O primeiro relatório anual da Ofcom cobrindo todo o período de sua existência revelou a ampla gama de preocupações e responsabilidades in cluindo organizar o espectro partilhado comprado e distribuído por meio de licen ças proteger as audiências e o público promover o aumento da competição na área da radiodifusão das telecomunicações e da alocação do espectro além de se responsabilizar pelo cumprimento da lei e por seu monitoramento Era uma agenda suficientemente ampla para manter a Ofcom bem mais ocupada que sua predecessora que tinha poderes limitados a Oftel Esta tomara forma no interior do Departamento de Comércio e Comunicações cujo próprio nome havia sido alterado em 1982 Ela também absorveu outros órgãos como a Comissão para Reclamações sobre Radiodifusão Broadcasting Complaints Commission Quaisquer que fossem os problemas do serviço público de radiodifusão no novo milênio as empresas privadas do setor de comunicações também tinham seus grandes problemas em todos os países Essas empresas eram maiores contu do que a maior parte das instituições nãolucrativas e as de escala global tinham uma posição elevada na valiosa lista anual das duas mil maiores da revista Forbes Em 2002 a Microsoft apareceu em segundo lugar a IBM em nono a Vodafone em 122 a Intel em 132 e a Cisco Systems em 182 Conglomerados como a Pearson operando a partir da GrãBretanha e a Bertelsmann com sede na Alemanha eram suficientemente grandes para mudar de estratégias reduzindo ou amplian do o número de empresas constituintes Este foi o caso da Bertelsmann que em 2000 comprou a CDNow especializada na venda online de CDs a varejo e em 2001 se aliou à RealNetworks para criar a MusicNet fornecedora de licenças para tecnologia musical a outros serviços de música online Muito se escreveu e fofocou nas páginas de jornais voltadas para o mundo empresarial sobre os grandes executivos dessas grandes corporações alguns dos quais viviam trocando de empresa enquanto alguns poucos desapareciam do cenário Entre os primeiros estava na GrãBretanha Dawn Airey cuja saída do Canal 5 para a BSkyB em setembro de 2002 foi anunciada como um golpe Havia uma expectativa de que ela fosse para a ITV de propriedade da Granada and Carlton cuja fusão em 2002 levou à destituição de Michael Green como diretor O poder por trás do Canal 5 era Gerhard Zeller um australiano pouco conhecido na GrãBretanha embora como principal executivo do RTL grupo europeu de tamanho considerável ele tivesse tido a ambição de adquirir uma fatia do Canal 4 Em escala mundial Michael Eisner o homem que controlava a Disney e que antes a havia revitalizado esteve freqüentemente sob os holofotes dos dois lados do Atlântico em grande parte por causa das ferozes rivalidades internas assim como do afastamento de seu amigo Michael Ovitz da presidência após 14 MULTIMíDIA 325 Figura 29 Os fundadores do Yahoo ferramenta de pesquisa na Internet Jerry Yang e David Filo eram dois típicos jovens pioneiros da Internet Sem a possibilidade de realizar buscas a Internet na época em expansão perderia o seu poder Em 2001 seus principais competidores eram os jovens e indepen dentes pioneiros da Google Sergey Brin e Larry Page que realizaram um criativo lançamento de títulos no mercado meses apenas em 1996 Censuravamse os contrastes entre as culturas corpora tivas Uns poucos empreendedores jovens conseguiram o tipo de atenção que se dedica às celebridades mesmo quando não havia culturas corporativas para louvar ou reprovar Os dois mais divulgados em agosto de 2004 eram Sergey Brin e Larry Page os jovens gênios que fundaram numa garagem de São Francisco em 1998 o Google um serviço de Internet Brin tinha então 24 anos e Page 25 A razão da publicidade em 2004 era o fato de a empresa deles ter acabado de lançar suas ações no mercado por meio de um leilão nãoconvencional e de eles terem sido apresentados ao público por um artigo da Playboy Eram comparados a seus jovens rivais apenas um pouco mais velhos Jerry Yang e David Filo que em 1994 tinham criado o Yahoo ver Figura 29 mas parece que não houve referência na 326 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA imprensa européia ao fato de que o presidente e principal executivo do Google era Eric Schmidt que saíra da Novell no ano 2000 A juventude também foi o tema do suplemento Tech Track do jornal britâni co Sunday Times publicado em outubro de 2004 com detalhes das empresas britânicas de maior crescimento na área da tecnologia encabeçadas pela Cam bridge Broadband que a partir de um laboratório vinculado à Universidade de Cambridge atraiu um grupo internacional de investidores A China era um dos mercadosalvo Todas cem companhias tinham suas próprias histórias em maté ria de finanças e tecnologia Mas um dos poucos artigos assinados do suplemento foi escrito por uma executiva da Microsoft Natalie Ayres que conclamou os inovadores britânicos a aderir ao programa de parceria das gigantes do software americanas O Google e o Yahoo são duas páginas de busca que auxiliam a navegação na Internet Diziase que o Google foi inspirado no computador da série de TV Jornada nas estrelas capaz de responder a quase qualquer pergunta A Internet era agora considerada tão comum que as atenções populares se voltaram na imprensa e outros veículos em que havia uma crescente demanda por informa ções para o cronograma de criação de uma sociedade digital e para a mutável tecnologia das comunicações por telefonia móvel Assim ao realizar sua pesquisa sobre o que as pessoas gostavam ou não na BBC Tessa Jowell fez uma segunda pergunta o que elas pensavam sobre o papel da emissora na era digital dos multicanais ela deixou de acrescentar da multimídia Havia de fato menos interesse público na GrãBretanha pela digitalização do que o governo esperava embora isso fosse uma prioridade tanto dele quanto da BBC Em seu último discurso à equipe da BBC em 1999 Birt fizera da revolu ção digital seu principal assunto A tecnologia digital explicou ele não tinha apenas uma característica mas muitas Ela nos levaria embora do mundo da escassez nos capacitaria a solicitar programas e serviços no momento que dese jássemos e nos propiciaria a interatividade Além disso ela aumentaria o acesso e os editores se multiplicariam Nada disso era novo A Ofcom tomou a dianteira em setembro de 2004 afirmando que a passagem do analógico para o digital poderia ter início em 2007 e fixando detalhes para as licenças da ITV e dos Canais 4 e 5 antes de o governo estabelecer uma data segura O sucessor de Birt como diretorgeral da BBC Greg Dyke assumira a mes ma causa alguns meses antes O jornal Times de dezembro de 2003 falou de seu desejo de injetar milhões na finalização de um sistema nacional de transmissão que traria o rádio e a televisão digitais para toda a população do Reino Unido Sua permanente falta de disponibilidade em certas áreas criara um sentimento de frus tração até mesmo de desilusão Dyke afirmou numa palestra no Festival de Te levisão de Edimburgo que num mundo de multicanais de audiências fragmenta das a BBC seria mais e não menos importante MULTIMÍDIA 327 Uma relação de riscos e perigos que Birt incorporou à sua palestra era tão pertinente em 2003 e 2004 quanto o fora em 2000 e novamente a recitaram num contexto bem diferente na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informa ção realizada em Genebra no mês de dezembro de 2003 A linguagem dos orado res que se concentraram nos perigos e que pouco falaram das vantagens da digitalização ou de fato da globalização não tinha mudado muito desde os debates da Unesco 30 anos antes um artigo publicado na Intermedia abril de 2004 por Guy Gough Berger chefe do Departamento de Estudos do Jornalismo e da Mídia na Universidade Rhodes na África do Sul sob o título Interrogar a sociedade da informação ainda perguntava A sociedade da informação é algo que já estamos vendo e que conhecemos ou uma coisa a ser decidida e determina da E prudentemente acrescentava uma pergunta subsidiária Poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo algo aqui e agora e algo que ainda está por vir Inconscientemente isso faz eco ao comentário de Gibson de que o futuro já está aqui Berger não fez referência à comunicação por telefone móvel e no entanto foi nesse ramo do desenvolvimento da mídia na verdade mais que um ramo onde houve uma expansão significativa entre 2000 e 2004 tanto no mundo em desen volvimento quanto na Europa e nos Estados Unidos ainda que as condições eco nômicas fossem desfavoráveis Em 2000 havia cinco milhões de telefones celula res no Reino Unido Em 2004 eles eram quase 50 milhões Seus modos de uso permaneciam controversos O mesmo ocorreu com o crescimento concomitante das torres de telefones celulares Isso provocou a formação de um novo grupo de pressão o Mast Sanity wwwmastsanityorg concentrado em controversos peri gos para a saúde Havia uma permanente incerteza quanto ao futuro da terceira e da quarta gerações de telefones celulares cujas operadoras precisavam de licenças do gover no A provável demanda por celulares que pudessem incorporar características multimídia tais como câmeras digitais e havia certamente uma crescente deman da própria para eles tocadores de música digital e dispositivos manuais para videogames outro mercado ainda em expansão entre 2000 e 2004 era difícil de calcular Apesar disso a competição na produção de telefones celulares era dura Philips Ericsson Sony e Nokia estavam entre os fabricantes que faziam ofertas ideais e a Vodafone freqüentemente fora das páginas de publicidade e do noticiário Arun Sarin que assumiu como CEO em julho de 2002 colocava toda a ênfase na implementação Sem êxito num leilão para adquirir a divisão de radio telefonia da ATT ele não abandonou a esperança de transformar a Vodafone num nome genérico para telefonia móvel um correlativo global da CocaCola e do Kleenex Ele sabia muito bem tal como seus concorrentes que não havia carência de hype mas existiam diferentes padrões de demanda assim como de esquemas de licenciamento em diferentes países 328 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA Mas havia um fator comum a velocidade Os de terceira geração tinham muito mais capacidade de transmitir e receber dados em alta velocidade A Coréia do Sul e o Japão eram líderes no processo de mudança tanto na manufatura quanto na distribuição evidência de que a economia do Nordeste Asiático que tinha sofrido durante as turbulências econômicas da década de 1990 havia se recuperado A economia do Sudeste Asiático contudo viuse extremamente per turbada pelo tsunami de dezembro de 2004o terremoto submarino que produziu ondas gigantescas até na Somália na África A ajuda da tecnologia estava prevista para o futuro mas quando as ondas estouraram o horror do presente revelou os limites da comunicação numa era na qual o entretenimento conta mais que a informação e cunhouse uma nova expressão edutainment Apenas um desastre de escala sem precedentes poderia influenciar as prioridades Enquanto isso a opção pela ênfase na tecnologia ainda era motivo de discórdia Nem todos pareciam otimistas em particular com respeito ao uso da banda larga e houve advertências da Intel em 2004 de que a Internet não podia mais agüentar o enorme volume de tráfego que passava por ela incluindo os spans mensagens indeseja das que ocupavam ao que se dizia quatro quintos do email Vinton Cerf fre qüentemente descrito como um dos pais se não o pai da Internet em 1970 juntamente com Robert Kahn ele produziu o primeiro artigo sobre aquilo que se tornaria a Internet Um protocolo para as intercomunicações acondicionadas em rede disse numa conferência realizada em São Francisco em setembro de 2004 que o mundo ainda estava na Idade da Pedra em termos de formação de rede Posfácio A Idade da Pedra se estende muito além do período coberto por este livro De qualquer modo era raro para os pioneiros da mídia velhos ou novos exigir uma perspectiva de longo prazo Os historiadores mais que os futurólogos devem fornecêla Houve algumas guinadas históricas curiosas no curto período coberto por esse último capítulo Em 2002 Winston Churchill esbravejou na entrega dos prêmios da televisão norteamericana no rastro do 11 de Setembro quando o artista britânico Albert Finney ganhou o prêmio de melhor ator por seu impecável e comovente retrato de Churchill em The Gathering Storm produção da HBO sem título em português No outono de 2004 um filme alemão sobre Hitler Der Untergang a primeira produção alemã centrada nesse personagem desde 1945 e a primeira a tratálo como ser humano foi apresentado em Berlim Ao mesmo tempo a televisão alemã mostrou um documentário sobre a produção desse filme para enfatizar sua importância nacional Num contexto global em contínua mudança Churchill e Hitler agora aparecem de maneira diferente daquela do passado Da mesma forma Stálin e Franklin D Roosevelt MULTIMÍDIA 329 Houve um elemento de ironia na aquisição pela Sony em setembro de 2004 de uma coleção de 41 filmes antigos da Metro Goldwyn Mayer apresentados pelo leão que ruge um ícone do cinema em face da concorrência inicial da Time Warner norteamericana A venda de filmes antigos da MGM em DVD tinha quase tripli cado desde 2001 Entre eles BenHur O mágico de Oz Doutor Jivago A pantera corderosa Amor sublime amor e os filmes de James Bond a constelação do século Em 1989 quando a Sony adquiriu a Columbia Pictures e a cadeia de cinemas Loews o evento foi comparado a Pearl Harbor que agora não passa de uma velha história Houve outro evento com ecos do passado em 2004 os Jogos Olímpicos de Atenas as Olimpíadas olímpicas globalmente narrados e televisados só nos Estados Unidos por sete redes diferentes que evocaram não apenas as Olimpía das de 1896 a primeira da era moderna mas os Jogos Olímpicos da Antigüidade sobre os quais vários livros foram escritos Atenas mostrou ser o local perfeito para os jogos em que a China escolhida para sediar as próximas Olimpíadas se destacou na lista de medalhas O esporte com seus protocolos e códigos próprios agora deve figurar no final de qualquer relato de longo prazo sobre a história da mídia global Em circunstâncias de multimídia ele apareceu com mais proemi nência na televisão e na imprensa que no cinema ou na Internet A psicologia é fascinante Em setembro de 2004 o Financial Times estampava no suplemento de fim de semana O esporte se tornou uma obsessão O esporte é usado como uma forma de distração para a guerra e a política dizia Simon Kruger mas depois de um verão em que as Olimpíadas a Eurocopa 2004 e Wimbledon prenderam a atenção de todo o público televisivo ficou mais difícil nos distrair do esporte A palavra histórico é agora usada mais em relação aos eventos esportivos do que para os econômicos políticos e diplomáticos pois a mídia se concentra no dia hoje e amanhã e na semana muitas vezes sugerindo o que irá acontecer e não relatando o que já aconteceu A maior parte das coisas é efêmera Os autores deste livro vivendo numa sociedade e numa cultura com uma longa história tentaram manter seu senso de perspectiva o que é difícil de conseguir quando a mídia se concentra no dia hoje e amanhã e na semana freqüentemente sugerin do o que vai acontecer e não descrevendo o que ocorreu Grande parte disso é efêmero Deixa para os leitores contudo como dissemos na Introdução a tarefa de preparar suas próprias cronologias e formar seus próprios julgamentos Não há uma agenda estabelecida para o futuro Cronologia c5000 aC Invenção da escrita c2000 aC Invenção do alfabeto c764 aC Mais antigo exemplar conhecido de impressão em xilogravura Japão 868 Primeiro livro impresso conhecido China c1040 Invenção do tipo móvel China c1390 Primeiro entalhe em madeira com imagem 1390 Primeira medalha do Renascimento 1403 Molde em bronze de tipo móvel Coréia c1456 Impressão da Bíblia de Gutenberg 1460 Fundação da Bolsa de Antuérpia 1467 Primeira prensa estabelecida em Roma 1468 Primeira prensa estabelecida em Paris 1476 Primeira prensa estabelecida em Westminster 1492 Colombo chega à América 1492 Mais antigo globo conhecido Martim Behaim c1500 Primeiras águasfortes 1506 Primeiro mapa impresso a incluir informação sobre a América 1517 Impressão das 95 teses de Lutero 1522 Martim Lutero Novo Testamento 1525 Impressão de Doze Artigos dos camponeses rebeldes 1526 William Tyndale Novo Testamento publicação em Worms Alemanha 1529 Lutero Pequeno Catecismo 1534 O Caso dos Placares na França 1544 Primeiro Índice de Livros Proibidos publicado em Paris 1554 Fundação da Bolsa de Valores de Londres 1557 Concessão feita à Stationers Company de Londres 156294 Guerras religiosas na França 1563 Primeira tabela impressa de horário de serviços postais no Império dos Habsburgo 1564 Primeiro Índice de Livros Proibidos geral 1564 Primeira prensa estabelecida em Moscou 1566 Iconoclastismo na França e na Holanda 15681648 Guerra dos Oitenta Anos entre Espanha e Holanda 330 CRONOLOGIA 331 1570 Ortelius Theatrum Orbis Terrarum 1576 Primeiro teatro em Londres 157994 Bíblia Kralice publicada na Boêmia 1585 Abertura do Teatro Olímpico em Vicenza 1594 Primeira apresentação de ópera em Florença 1598 Teatro Globo Londres 1605 Cervantes Dom Quixote 1609 Primeiras folhas de notícias Alemanha 1611 Publicada versão autorizada da Bíblia 1617 Primeiras tabelas logarítmicas 161848 Guerra dos Trinta Anos 1620 Publicação de The Corrant out of Italy 1626 Ben Johnson The Staple of News 1631 Gazette começou a ser publicada em Paris 1637 Abertura do primeiro teatro público em Veneza 1638 Abertura do primeiro teatro em Amsterdã 1640 Comemoração do bicentenário da impressão gráfica 1640 Root and Branch Petition em Londres 1641 Grande Protesto Londres 164260 Guerra Civil inglesa 1642 Primeira gravura a meiatinta 1644 Milton Areopagitica 164852 Fronda na França 1662 Início da publicação da Gazette dAmsterdam 1663 Primeira lei de cobrança de pedágio 1665 Lançamento de Philosophical Transactions of the Royal Society of London 1668 Início da publicação do Giornale dei letterati em Roma 1672 Lançamento do Mercure Galant 167981 Crise de exclusão na Inglaterra 1683 Luís XIV vai para Versalhes 1684 Lançamento das Nouvelles de la République des Lettres 1688 A Revolução Gloriosa na Inglaterra 1689 Fundação do Café Procope em Paris 1695 Prescreve a lei de licenciamento na Inglaterra 1695 Flying Post Londres 1695 Post Boy Londres 1704 Lançamento do Boston Newsletter 1709 Lei de direitos autorais britânica 1710 Sermão de Sacheverell 1711121714 Publicação de The Spectator 1711 Primeira prensa estabelecida em São Petersburgo 1712 Imposição da Lei do Selo Stamp Act 1719 Defoe Robinson Crusoé 332 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1726 Primeira prensa estabelecida em Istambul 1740 Comemoração do terceiro centenário da impressão gráfica 1740 Richardson Pamela 1749 Fielding Tom Jones 175165 Publicação da Encyclopédie 1761 Primeiras gravuras a águatinta 1764 II Caffe é publicado em Milão 1765 Revogação da Lei do Selo 1766 Fundação da Sociedade Lunar de Birmingham 1768 Fundação da Academia Real 1771 Primeira edição da Encyclopaedia Britannica 1775 Máquina a vapor aperfeiçoada por Watt e Boulton 1776 Declaração de Independência dos Estados Unidos 1779 Primeiro Derby 1780 Primeiro jornal de domingo britânico 1787 Constituição dos Estados Unidos 1788 Primeira Emenda à Constituição norteamericana 1788 Fundação de The Times por John Walter 1789 Revolução Francesa 1790 Primeiro moinho a vapor na GrãBretanha 1790 Primeira lei de patente nos Estados Unidos 1792 Invenção da máquina de fabricar cabos 1794 Associação de Watt e Boulton 1794 Sistema de sinalização a longa distância de Choppe na França usando semáforos 1796 Senefelder inventa a litografia 1798 Máquina de fabricar papel 1798 Suspensão do selo de imposto sobre jornais na GrãBretanha proibição de importação de jornais estrangeiros 1800 Prensa de Stanhope 1802 Weekly Political Register de Cobbett 1802 Edinburgh Review 1803 Fulton põe em funcionamento um barco a vapor 1804 Máquina a vapor de Trevithick anda sobre trilhos 1805 Conclusão do canal Grand Union britânico 1807 Travessia do Clermont no rio Hudson 1809 Quarterly Review 1811 Início da operação da prensa a vapor 1812 Distúrbios luditas 1814 The Times é impresso a vapor 1815 Aumento do imposto sobre o selo 1816 Isolamento do selênio elemento presente na Lua 1816 Political Register publicação barata dois centavos de Cobbett CRONOLOGIA 333 1819 Decretos Carlsbad pondo fim à liberdade de imprensa 1819 Seis leis novos impostos do selo 1820 Leis da eletrodinâmica de Ampère 1820 Primeiro navio de ferro a vapor 1821 SaintSimon Système Industrie 1821 Fundação do Manchester Guardian 1823 Babbage começa a construir o computador mecânico 1824 Westminster Review 1827 Cromolitografia Nièpce produz imagem fotográfica permanente numa placa de chumbo 1829 Primeira máquina de escrever 1830 Ferrovia entre Liverpool e Manchester 1831 Gazette otomana 1832 Lei da Reforma na GrãBretanha 1832 Artigos de Metternich restringindo as liberdades civis 1834 Táxis de Hansom introduzidos em Londres 1834 Register of Shipping de Lloyd 1835 New York Herald 1836 Primeira ferrovia do Canadá 1837 Primeira ferrovia francesa de passageiros 1837 Telégrafo elétrico 1837 Taquigrafia de Pitman 1838 A Great Western de Brunel travessia do Atlântico 1839 Demonstração de daguerreótipos 1839 Abertura da linha telegráfica entre Paddington e West Drayton 21km 1840 A GrãBretanha introduz o selo de correio de um centavo 1840 Polpa de madeira usada na Alemanha para fazer papel 1840 Primeiros jornais nãooficiais na Turquia 1841 Punch 1841 New York Tribune 1841 Primeiro Guia de Ferrovias de Bradshaw 1842 Lei de direitos autorais britânica 1842 Biblioteca móvel de Mudie 1842 Illustrated London News 1843 Máquina de escrever quirográfica 1843 Primeira mensagem telegráfica de Morse transmitida usandose o có digo Morse 1844 Primeira lei das ferrovias britânicas 1844 Cooke e Wheatstone formam a Electric Telegraph Company 1846 Prensa de cilindro rotativo 1846 Siemens isola cabeamento elétrico 1846 Instituto Smithsonian Washington 1846 The Economist 334 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 1846 News of the World 1848 Ano de revoluções 1849 Berlim e Frankfurt ligadas por telégrafo 1850 Harpers New Monthly 1850 Primeira lei das bibliotecas públicas na GrãBretanha 1850 Patente da primeira máquina de escrever com alimentação contínua de papel 1850 Primeiro cabo submarino entre GrãBretanha e França 1851 Grande Exposição no Palácio Cristal de Londres 1851 Fotografia com chapa molhada 1854 Laws of Thought de Boole 18546 Guerra da Criméia 1857 Primeiro cabo transatlântico malsucedido 1858 Fonoautógrafo 18615 Guerra Civil norteamericana 1861 Harpers Weekly 1862 Exposição de Londres auge da estereoscopia 1864 Maxwell expõe a teoria da onda eletromagnética 1864 Metropolitan Railway de Londres 1865 Lei da bandeira vermelha na GrãBretanha limitando a velocidade nas estradas 1865 Primeiro cabo transatlântico a ter sucesso 1865 Convenção Telegráfica Internacional 1867 Michaux começa a fabricar bicicletas 1868 NW Ayer and Son primeira agência de publicidade de multisserviços fundada na Filadélfia 1868 Primeiro jornal norteamericano a usar papel de polpa de madeira 1868 Primeira lei da telegrafia na GrãBretanha 1869 Primeiros cartõespostais 1869 Encontro transcontinental de linhas ferroviárias nos Estados Unidos comemoração Golden Spike 1869 Abertura do canal de Suez 1870 Velocípede 1870 Primeira lei de educação nacional na GrãBretanha 1872 Muybridge demonstra imagens móveis de animais 1873 Reconhecimento das propriedades fotossensíveis do selênio 1873 Companhia Globe Telegraph and Trust 1874 Fundada a União Postal Universal 1876 Exposição do Centenário dos Estados Unidos 1876 Telefone de Bell primeira transmissão de Boston para Cambridge 32 quilômetros 1877 Protótipo da máquina de escrever Remington 1877 Fotografia com chapa seca CRONOLOGIA 335 1877 Fonógrafo de Edison 1878 Primeira estação norteamericana de telefone em New Haven 1878 Microfone de Hughes 1879 Trem elétrico da Siemens em Berlim 1880 Hertz descreve as ondas de rádio 1880 Meiotom de preto usado no New York Daily Graphic 1882 Câmera de cinema de Motley 1883 Abertura da ferrovia SydneyMelbourne 1883 Máquina de dobrar jornais de Hoe 1884 Disco rotativo de Nipkow 1885 Gottlieb Daimler desenvolve máquina leve a gasolina na Alemanha 1886 Convenção de Berna sobre direito autoral 1886 Câmera portátil de Eastman Kodak 1886 William G Greene usa uma câmera de fotografia em movimento 1886 Abertura da Ferrovia CanadianPacific 1886 Automóvel de quatro rodas de Daimler 1888 Uso de celulóide em fotografia 1888 Financial Times 1889 Lei de direitos autorais nos Estados Unidos 1889 Câmera de cinema de Edison 1890 Primeiros trens elétricos subterrâneos em Londres 1892 Primeira mesa telefônica automática 1892 Pulitzer compra o World de Nova York 1892 O Correio Britânico adquire o controle de todas as principais linhas telefônicas 1893 Telefon Hirmondo Budapeste 1893 Revista McClures 1893 Guerra Hispanoamericana guerra dos correspondentes 1893 Cinetoscópio 1894 Expiram as patentes de Bell 1894 Primeira ferrovia nos Andes 1895 Descoberta dos raios X 1895 Os irmãos Skladanowsky exibem filmes em Berlim 1896 Jogos Olímpicos de Atenas 1896 Marconi chega a Londres com aparelhos sem fio 1896 Daily Mail de Harmsworth 1896 Espetáculo de cinema de Lumière em Londres 1896 Hollerith forma a Tabulating Machine Company para fazer cartões perfurados 1896 Corrida de automóveis LondresBrighton 1896 Máquina de voar de Langley 1897 Marconi funda a Wireless Telegraph and Signal Company 1897 Máquina de composição monotipo 336 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1898 Dirigível Zeppelin 1898 Telegrafone gravador magnético de Poulson 1899 Gravação magnética de som 1899 Lei da Telegrafia na GrãBretanha 18991902 Guerra dos bôeres 1900 Exposição de Paris 1900 Fessenden transmite mensagens de voz 1901 Marconi transmite mensagens da Cornualha para Terra Nova 1901 Modelo de automóvel MercedesSimplex 1901 Primeira bicicleta a motor 1901 Ferrovia Transiberiana alcança Porto Artur 1902 Válvula termiônica de Fleming tubo a vácuo 1903 Primeiro congresso mundial sobre telegrafia sem fio 1903 Os irmãos Wright voam com aeroplano movido a gasolina 1903 Detroit capital mundial do automóvel 1903 Primeiro táxi com motor em Londres 1904 Início das obras do canal do Panamá 1904 Daily Mirror de Harmsworth 1904 Válvula termiônica de Fleming 1904 Primeiro metrô de Nova York 1904 Lei do telégrafo sem fio na GrãBretanha 1905 Primeiros ônibus com motor em Londres 1905 Luminosos de néon 1906 Lei de patentes britânica 1906 Fessenden transmite palavras e música 1907 Patente da válvula adíon de De Forest 1908 Harmsworth adquire The Times 1909 Modelo T da Ford 1909 Blériot atravessa o canal da Mancha em um aeroplano 1909 Lei de licenciamento cinematográfico na GrãBretanha 1909 Conferência Imperial de Imprensa em Londres 1911 Lei de direito autoral britânica 1911 Primeiro estúdio de Hollywood 1912 Correios assumem as companhias telefônicas britânicas 1912 Primeira lei do rádio norteamericana 1912 Naufrágio do Titanic 1912 Daily Herald 1912 Primeira locomotiva a diesel na Alemanha 1913 Ford introduz a esteira rolante 1913 Clube Sem Fio em Londres 1913 Sinais sem fio enviados da Torre Eiffel 191418 Primeira Guerra Mundial 1915 Griffiths Nascimento de uma nação CRONOLOGIA 337 1915 Formada em Berlim a companhia UFA 1919 Alcock e Brown voam sobre o Atlântico 1919 Ross Smith voa da GrãBretanha para a Austrália 1919 Primeiro vôo de helicóptero 1919 Primeira motoneta 1919 Fundação da Radio Corporation of America 1920 Transmissão de dame Nellie Melba 1920 Companhia Marconi inaugura a estação de transmissão Writtle 1920 Inauguração da estação KDKA em Pittsburgh 1920 Comitê de Censura de Filmes Britânicos 1922 Fundada a Broadcasting British Company BBC 1923 Radio Times 1923 Time Magazine 1923 Primeira conversa transatlântica de rádio 1924 Completado o primeiro trecho de rodovia na Itália 1925 New Yorker 1925 Sinal de tempo de Greenwich 1925 Inaugurado o transmissor de onda longa da BBC em Daventry 1925 Primeira reunião geral da União Internacional de Radiodifusão 1926 Plano de Genebra para distribuição internacional de comprimentos de onda 1926 Primeira transmissão na NBC Red Network anteriormente WEAF ATT 1926 Amazing Stories de Hugo Gernsback 1927 British Broadcasting Corporation 1927 CBS Columbia Broadcast System comprada por William Paley 1927 Comissão Federal de Rádio 1927 Primeiro serviço telefônico transatlântico com e sem fio 1927 HS Black emprega a retroalimentação negativa 1927 Fusão da Cable and Wireless 1927 Londres adquire sistema de telefonia automático 1927 Entrega dos primeiros Oscars 1928 Baird faz demonstração da televisão 1928 Eisenstein Outubro 1928 É criado o Mickey Mouse 1929 Craque da Bolsa de Wall Street 1929 Filme em cores 17mm da Kodak 1929 Warner Brothers anuncia o fim do filme em pretoebranco 1929 Graf Zeppelin voa ao redor do mundo 1929 The Listener 1930 Serviço telegráfico de imagem entre a GrãBretanha e a Alemanha 1930 Foto com flash 1930 Primeira apresentação de televisão sistema Baird 338 UMA HISTORIA SOCIAL DA MIDIA 1930 Código de cinema Hays em Hollywood 1932 Vitória eleitoral de FD Roosevelt para a Presidência 1932 Abertura da Broadcasting House em Londres 1932 Inaugurado o serviço de onda curta da BBC Empire Service 1932 União Internacional de Telecomunicações 1933 Hitler é eleito chanceler germânico 1933 Diretoria de Transporte de Passageiros de Londres 1933 Fundado o Instituto de Filme Britânico 1934 Sistema Mútuo de Radiodifusão 1934 Famous Funnies 1934 Assinado o acordo internacional sobre comprimentos de onda 1934 Corrida de Nuremberg 1934 Correio aéreo regular entre a GrãBretanha e a Austrália 1934 Comissão Federal de Comunicações CFC 1935 Radar 1935 Filme Kodachrome de 35mm 1936 Nasce a Fundação Ford 1936 Revista Life 1936 Inaugurada a televisão BBC 1936 Jogos Olímpicos de Berlim 1936 Chaplin Tempos Modernos 1937 Alec Reeves propõe a modulação do código de pulso binário 1938 Primeiras transmissões da BBC em língua estrangeira árabe 1938 Alemanha produz o primeiro Fusca da Volkswagen 1938 Relatório PEP sobre a imprensa britânica 1938 Orson Welles transmite invasão marciana 193945 Segunda Guerra Mundial 1939 Modulação de freqüência Armstrong 1941 Orson Welles Cidadão Kane 1943 Contrato assinado para o Eniac sigla para Computador e Integrador Numérico Eletrônico 1943 Colossus funciona em Bletchey 1945 Vannevar Bush Como podemos pensar 1945 Arthur C Clarke prevê os satélites 1946 Serviço de televisão recomeça em Londres 1947 Comissão Real da Imprensa na GrãBretanha relatório 1949 1947 Transistor projetado por Bardeen Brattain e Shockley 1948 Primeiro disco longplaying 1948 Norbert Wiener Cibernética 1948 Claude Shannon lança a teoria da informação 195053 Guerra da Coréia 1950 Formada a União Européia de Radiodifusão 1950 Plano de Copenhague para distribuição de freqüência CRONOLOGIA 339 1950 Primeiros sistemas a cabo 1952 Primeiros computadores IBM 1952 Último bonde de Londres 1952 Convenção Universal sobre Direito Autoral 1953 Estabelecido o Conselho de Imprensa na GrãBretanha 195475 Guerra do Vietnã 1954 Texas Instruments começa a vender chips 1954 Lei da televisão estabelece a televisão independente e seu controle na GrãBretanha 1955 Fim do controle do tempo de guerra sobre a imprensa 1955 Primeira programação comercial de televisão na Inglaterra 1955 Ondas de freqüências muito altas UHF geradas no MIT Massachu setts Institute of Technology 1955 Começo da música rock 1955 Primeira assinatura inglesa para discagem em tronco 1956 Colocado o primeiro cabo telefônico transatlântico 1956 Crises de Suez e da Hungria 1957 Rússia lança o Sputnik primeiro satélite construído pelo homem 1958 Renda vinda da publicidade na televisão ultrapassa a da publicidade na imprensa na GrãBretanha 1958 Gravações estereofônicas 1958 Primeira transmissão de televisão ao vivo da África via Eurovision 1958 Estados Unidos lançam o Explorer I 1958 Estados Unidos estabelecem a Arpa Agência de Projetos de Pesquisa Avançada 1959 Manchester Guardian tornase Guardian impresso em Londres 1959 Hovercraft britânico cruza o canal da Mancha em duas horas 1959 Primeiro trecho de rodovia na GrãBretanha 1959 Vendas de transistores ultrapassam as de válvulas 1959 Advento do circuito integrado 1960 Comitê Pilkington sobre Radiodifusão 1961 Yuri Gagárin primeiro homem no espaço 1961 Quebra do código genético 1961 Suplemento colorido do Sunday Times 1961 Private Eye 1962 Primeira transmissão de televisão ao vivo dos Estados Unidos via saté lite Telstar 1962 Acordo anglofrancês para desenvolvimento do Concorde 1962 Packetswitching abre caminho para a rede de trabalho 1963 Assassinato do presidente Kennedy 1963 Membros leigos se juntam ao Conselho de Imprensa 1963 Venda do minicomputador de William Olsen 1964 Jogos Olímpicos de Tóquio 340 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MÍDIA 1964 Japão introduz trensbala 1964 Começo da rádio pirata Rádio Carolina 1964 Primeiro passeio espacial norteamericano 1965 Satélite de comunicações comercial Early Bird 1965 Primeiras exibições de replay na televisão norteamericana 1965 Proibição de anúncios de tabaco na televisão inglesa 1966 The Times imprime notícias na primeira página 1966 Televisionamento da Copa Mundial de Futebol audiência mundial c400 milhões 1966 Anunciada a fibra óptica 1966 Dia Mundial das Telecomunicações 1967 Rádio pirata proibida na GrãBretanha 1967 Rádio local da BBC 1968 Invasão russa da Tchecoslováquia 1968 Assassinato de Martin Luther King 1968 Protestos estudantis na Europa 1968 Demonstração de Sistema oNLine NLS em São Francisco 1969 Neil Armstrong desce na Lua 1969 BBC e ITV começam a transmitir televisão em cores 1969 Rupert Murdoch adquire o Sun 1969 Sony lança gravadores de videocassete 1969 Festival de rock de Woodstock 1970 A Opep ameaça aumentar o preço do petróleo 1971 Lançamento dos microprocessadores 1971 Primeira rádio local independente da GrãBretanha 1972 Desenvolvimento do email dentro da Arpa 1972 Gravadores de videocassete domésticos são postos à venda 1973 Crise do petróleo 1973 GrãBretanha se une à Comunidade Econômica Européia 1974 Comitê Annan sobre Radiodifusão relatório 1979 1974 Comissão Real de Imprensa relatório 1979 1975 Fibras ópticas 1975 Sistema Prestel de Dados Visuais na GrãBretanha e teletexto 1975 Primeira loja de computadores Los Angeles 1975 Liberalização da Radio Televisione Italiana RTI 1975 Lei de Helsinque 1976 Fundada a Apple Corporation 1976 Lei de direitos autorais dos Estados Unidos 1976 Primeiros computadores portáteis 1977 Fim da proibição da televisão na África do Sul 1977 Primeiro cabo de fibra óptica instalado na Califórnia 1977 Telefone celular 1978 Computador pessoal Apple II CRONOLOGIA 341 1979 Estabelecida a Agência Espacial Européia 1979 Início da comercialização na Internet 1980 Lei de software computacional nos Estados Unidos 1980 Primeiro automóvel com tração nas quatro rodas produzido em massa Estados Unidos 1980 Voyager I primeiros sinais enviados de Saturno 1981 Murdoch adquire The Times 1981 Decisão norteamericana de que gravar sinais em casa não quebra a lei de direitos autorais 1982 Guerra das Falklands 1983 Comercialização de videodiscos a laser 1984 William Gibson Neuromancer 1984 Lançamento dos discos compactos CDs nos Estados Unidos 1984 Camcorders 1984 Primeiro estatuto do Congresso desregulamentando a TV a cabo 1984 Desmembramento da ATT 1984 Lei da Radiodifusão e Cabo na GrãBretanha 1985 Lei para emenda de direito autoral software computacional na Grã Bretanha 1986 The Times vai para Wapping 1986 Chernobyl 1986 Microsoft se torna companhia pública 1987 Intifada 1988 Rede Internacional de Serviços Digitais ISDN lançada no Japão 1988 Lei de direitos autorais na GrãBretanha 1988 Implantação da nova lei de mídia holandesa 1989 Primeiro automóvel com tração nas quatro rodas produzido em massa Japão 1989 Primeiro cabo de fibra óptica transatlântico 1989 Queda do Muro de Berlim 1989 Praça Tiananmen 1989 Queda de Ceaucescu 1989 Fusão da Time Inc com a Warner Brothers 1989 União Européia Diretriz da Televisão sem Fronteira 1990 Nova lei de radiodifusão britânica 1990 Surgimento do império Berlusconi na Itália 1990 BSkyB formada pela fusão BSB e Sky 1991 Cave Meio Ambiente Virtual Cave 1991 Guerra do Golfo 1991 Completado o túnel do canal da Mancha primeiro trem 1994 1991 ISDN na GrãBretanha 1992 Clinton eleito presidente dos Estados Unidos 1993 CFC autorizada a leiloar porções não utilizadas do espectro 342 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA 1993 Listagem em separado das ações Nasdaq 1993 Proclamação da supervia 1993 Anunciada a privatização da British Rail 1994 Tropas russas entram na Chechênia 1994 Fundada a Netscape 1994 Conferência do Gatt Uruguai tira do acordo o setor audiovisual 1995 Fusão CNN e TimeWarner 1995 Fundação Nacional de Ciências cede a Internet para interesses comer ciais 1995 Linguagem de programação Java 1995 Acordo de Paz de Dayton para a BósniaHerzegovina 1996 Lei de telecomunicações russa 1996 Lei de radiodifusão britânica 1996 Lei das Telecomunicações nos Estados Unidos 1996 Ano europeu do aprendizado continuado 1996 Inaugurada a estação de TV alJazeera 1996 Estabelecido na Alemanha o Grupo de Trabalho sobre Conteúdo na Internet 1996 Comissão Européia Comunicação sobre Informação Ilegal e Prejudi cial na Internet 1997 Conferência Mundial Administrativa do Rádio 1998 Lei européia de direitos humanos 1998 Lei norteamericana de extensão dos direitos autorais 1998 Fundada a Corporação da Internet para o Registro de Nomes e Núme ros Incat 1999 Queda da Organização Mundial do Comércio Seattle 1999 Lei australiana para os serviços online código de práticas na Internet 2000 Fusão da American OnLine e da TimeWarner 2000 Microsoft luta contra o desmembramento antitruste 2000 Televisão mostra multidão em Belgrado expulsando Milosevic 2001 Fusão da Disney e da Fox 2001 Rompimento da cúpula do G8 Gênova 2001 Conselho da Europa Convenção sobre o Crime Cibernético 2001 Lei da Autoridade em Radiodifusão de Cingapura 2001 Ataques aéreos terroristas a Nova York e Washington 2001 Lei patriota norteamericana 2003 Lei das Comunicações na GrãBretanha constituição da Ofcom 2003 Fórum Mundial sobre Mídia Eletrônica 2004 Relatórios Hutton e Butler 2004 Eleição presidencial nos Estados Unidos Bush versus Kerry Leituras adicionais A lista que se segue é bastante seletiva e representa a nossa escolha daquilo que podemos chamar adotando a conhecida metáfora de um oceano de estudos nesses campos Para aprofundar as pesquisas sobre os diversos tópicos discutidos na Intro dução recomendamos os livros citados no próprio texto Os periódicos são indispensáveis inclusive os especializados entre eles The Economist Publishing History Fortune The Author Variety Popular Music and Socie ty American Sociological Review Journal of Communication Media Culture and Society Intermedia Media Studies Journal New Media and Society e Historical Journal of Film Radio and Television Melody Maker que também faz parte desta lista infelizmente deixou de ser publicado em 2001 Os quatro volumes da International Encyclopedia of Communications Nova York Oxford 1989 compõem uma obra acadêmica de referência indispensável embora atualmente ultrapassada Erik Barnouw era editorchefe e George Gerbner presidente do conselho editorial A enciclopédia foi publicada pela Oxford University Press junto com a Annenberg School of Communications da Universidade da Pensil vânia Wilbur Schramm era o editor consultivo 1 A revolução da prensa gráfica em seu contexto p 2479 Sobre a revolução gráfica J Moran Printing Presses History and Development from the Fifteenth Century to Modern Times Berkeley 1973 E Eisenstein The Printing Press as an Agent of Change 2 vols Cambridge 1979 G Marker Russia and the Printing Revolutionsm Slavic Review 41 1982 HJ Martin The French Book Baltimore 1996 M Giesecke Der Buchdruck in den frühen Neuzeit Eine historische Fallstudie über die Durchsetzung neuer Informations und Kommunikationstechnologien Frankfurt 1991 D McKitterick Print Manuscript and the Search for Order 1450 1830 Cambridge 2003 Sobre jornais CJ Sommerville The News Revolution in England Nova York 1996 JD Popkin News and Politics in the Age of Revolutions Ithaca 1989 B Dooley The Social History of Scepticism Experience and Doubt in Early Modern Culture 343

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