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Recebido em 20072005 Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 27072005 Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia Hospital das Clínicas Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil 1 Professor Assistente e Mestre em Dermatologia Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil Pósgraduado em Imunodermatologia na Universidade de Munique Alemanha 2 Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil 2005 by Anais Brasileiros de Dermatologia Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica da origem expansão e etiologia Tegumentary leishmaniasis in Brazil a historical review related to the origin expansion and etiology Everton Carlos Siviero do Vale 1 Tancredo Furtado 2 An Bras Dermatol 20058044218 Anais 80 anos 421 INTRODUÇÃO Em 1925 no primeiro e segundo fascículos do volume um dos Annaes Brasileiros de Dermatologia e Syphilographia Eduardo Rabello publica na seção de Memórias Originais o trabalho intitulado Contribuições ao estudo da leishmaniose tegumentar no Brasil Figura 1 que tratava do histórico e da sinonímia da doença 1 Naquela revisão conclui o autor que a leis hmaniose tegumentar LT já existia no país desde muitos anos e distingue três períodos na história da doença O primeiro de origem incerta e baseada em referências vagas vai até 1895 ano da observação clí nica do botão da Bahia e sua filiação ao botão do Oriente O segundo estendese até 1909 quando é identificado e descrito o agente etiológico da úlcera de Bauru O terceiro se inicia em 1910 com o acha do do parasita em lesões mucosas então incorpora das ao quadro clínico da doença indo até a época da publicação do artigo Estudos arqueológicos desenvolvidos em huacos peruanos vasos de cerâmica com reprodu ção de figuras humanas sadias e mutiladas por dife rentes moléstias puderam assegurar a ocorrência da uta e espundia denominações locais para as formas cutânea e mucosa da LT respectivamente entre os incas durante a era précolombiana embo ra a princípio tenham sido confundidas com a sífi lis Ao contrário estudos das cerâmicas antropo mórficas produzidas por nossos ancestrais indíge nas por seu caráter rudimentar não permitiram a mesma constatação A única indicação segura e tal vez mais antiga da existência da doença no Brasil verificase em citação na tese de Tello Antiguedad de la syphilis en el Perú de 1908 relativa à obra escrita Pastoral ReligiosoPolítico Geographico editada em 1827 que descreve a viagem de um mis sionário pela região amazônica Este observara a existência de indivíduos com úlceras nos braços e pernas relacionadas a picadas de insetos tendo como conseqüência lesões destrutivas de boca e nariz Sem ter sido mencionada anteriormente no Brasil Rabello achava mais razoável supor que endêmica na Amazônia porém proveniente do Peru e da Bolívia a doença pudesse terse dissemi nado nos estados do Norte do país por indivíduos que para lá se dirigiram em busca de trabalho nos seringais e que retornaram infectados a suas ori gens Quanto às regiões Centro e Sul do Brasil achava mais verossímil a importação da Bolívia ou da Amazônia via Mato Grosso e provavelmente também do Paraguai via Mato Grosso ou Paraná considerando sua existência de forma endêmica naqueles países muito antes do descobrimento É provável que esse longo período de indenidade tenha sido determinado pelo isolamento em con seqüência da precariedade de tráfego na época Considerava ainda serem fortes evidências da ocor rência da doença também na região CentroSul do Brasil no final do século XIX os seguintes fatos a modelos encontrados no Museu da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro datados de 1882 a 1884 que representam casos indubitáveis de LT b casos diagnosticados em imigrantes italianos de São Paulo que retornaram a seu país descritos por Revista80N480qxd 080905 1134 Page 421 Breda 1884 na Itália como buba brasiliana Figura 2 c reproduções em aquarela de casos de afecções ulcerosas do nariz apresentados à Sociedade Brasileira de Dermatologia em 1912 Figura 3 observados por Carneiro da Cunha em 1906 em pacientes provenientes de Uberaba Minas Gerais que as apresentavam há 27 anos por tanto desde 1879 O segundo período da história da LT no Brasil iniciase com Juliano Moreira que estudan do o chamado botão da Bahia em 1895 relaciona o pela primeira vez ao botão endêmico dos países quentes quando então é sugerida a possível impor tação da doença por meio de incursões sírias ao Novo Mundo em tempos remotos opinião na época não compartilhada por observadores de outras regiões do país Baseandose em tese de doutora mento de Adeodato apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia em 1895 Rabello atribui essa correlação a Moreira e não a Cerqueira que na ver dade desde 1885 teria visto doentes com botão da Bahia sem entretanto estabelecer qualquer asso ciação entre ambas Em 1903 Wright identifica o Helcosoma tropi cum como agente do botão do Oriente mais tarde denominado Leishmania furunculosa o que permi tiu filiaremse à leishmaniose várias dermatoses com denominações diversas geralmente designando as regiões geográficas atingidas A grande epidemia de casos de úlceras acompanhadas de lesões mucosas no início do século XX no Estado de São Paulo com a construção da Estrada de Ferro Noroeste descritos como úlcera de Bauru prenuncia o fim do segundo período que culmina com a identificação do agente em 1909 quase simultaneamente por Lindenberg e por Carini Paranhos O terceiro período é considerado o mais pro fícuo segundo Rabello porque a identificação do agente permitiu a constatação da endemia em diversos pontos do país como o Vale do Rio Doce em Minas Gerais região amazônica e sul da Bahia entre outros Seu início é marcado pelo achado do agente em lesões mucosas por Splendore em 1910 Fato culminante desse período foi a desco berta do tratamento com o tártaro emético por Gaspar Vianna em 1911 comunicada em 1912 FIGURA 1 Reprodução do título do artigo de Rabello publicado nos Anais em 1925 FIGURA 2 Reprodução de gravura de Breda 1884 ilustran do caso de LTA por ele denomi nada buba brasi liana FIGURA 3 Reprodução de aquarela apre sentada por Carneiro da Cunha em 1912 à Sociedade Brasileira de Dermatologia ilustrando caso de LTA por ele observado em 1906 422 Vale ECS Furtado T An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 422 durante o Congresso de Dermatologia realizado em Belo Horizonte Ao final da primeira parte de seu trabalho Rabello conclui ter ficado demonstrada há muito tempo a presença da leishmaniose cutâneomucosa no país designada por expressões regionais como botão da Bahia e buba brasiliana ou denomina ções vagas como ferida brava Descoberta a leis hmânia como agente etiológico do botão do Oriente e também verificada nas condições acima referidas estas puderam ser incluídas sob o mesmo critério nosográfico Em 1909 Lindenberg sugere a designação leishmaniose ulcerosa Reconhecidas as manifestações mucosas infiltrativas e vegetantes além de ulcerosas aquela denominação não pode ria mais subsistir Assim propõe Rabello a expres são leishmaniose tegumentar que abrangendo as lesões cutâneas e mucosas de diversa morfologia permite sua distinção da forma visceral de leishma niose Na época o autor encontrava duplo inconve niente na denominação de leishmaniose america na das florestas proposta em 1913 por Brumpt Pedroso tanto por dar delimitação geográfica à doença como por fazer da ocorrência em florestas elemento preponderante Chamava a atenção para o fato de a doença existir e se propagar fora de flo restas virgens referindose a diversos casos obser vados na zona urbana do Rio de Janeiro já naquela época Em seguida reconhece serem muitos dos casos de gangosa rinofaringite mutilante mani festações de LT Também comenta a impossibilida de de distinção na época entre as leishmânias encontradas na leishmaniose tegumentar no Brasil e aquelas presentes no botão do Oriente conside rando por isso imprópria a denominação L brasiliensis dada por Gaspar Vianna em 1911 o que leva o autor a questionar a doença no Brasil como entidade autônoma Discute em seguida outros argumentos a favor de entidade nosológica única Entre esses refere a a atribuição ao caráter fagedênico de determinadas moléstias nos trópi cos provavelmente pela ingerência de germes secundários b a predominância de formas cutâ neas benignas no Brasil algumas vezes autoresolu tivas c a observação ocasional de formas cutâneas agressivas e mutilantes de botão do Oriente assim como a demonstração de manifestações de leis hmaniose mucosa grave no Sudão Egito e Índia d a semelhança das alterações histopatológicas da doença em ambas regiões e a possibilidade nos trópicos da associação de outras doenças que poderiam mascarar o quadro original da LT Conclui Rabello que não poderá por conseqüên cia subsistir a designação de americana para uma doença que sem ter etiologia diversa e quadro ana tomoclínico autônomo já começa a ser vista fora da América e cuja zona de propagação será de futu ro evidentemente ampliada CARACTERIZAÇÃO DO AGENTE DA LEISHMA NIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL No passado admitiase a Leishmania brazilien sis como único agente da leishmaniose tegumentar americana LTA existente no país Até o início da década de 1960 as classificações dos parasitas basea vamse exclusivamente no comportamento clínico evolutivo configurando formas clínicas da doença nas diversas regiões geográficas posto que a morfolo gia dos parasitas à microscopia óptica não permitia sua distinção 2 Em 1961 Pessoa já propunha a subdi visão da L braziliensis nas variedades braziliensis guyanensis peruviana mexicana e pifanoi que estariam relacionadas a formas clínicas diversas da doença em diferentes regiões 3 A partir daí a classificação das leishmânias ganhou novo impulso com a distinção dos comple xos mexicana e braziliensis baseada em critérios mais consistentes como as características do compor tamento do parasita em meios de cultura animais de experimentação e vetores 4 Desde então os avanços representados pela microscopia eletrônica biologia molecular bioquí mica e imunologia abriram novas perspectivas na taxonomia das leishmânias 5 Os novos métodos que passaram a ser empregados na caracterização das leishmânias incluem principalmente o estudo do desenvolvimento dos promastigotas no intestino do vetor flebotomíneo 6 o estudo morfométrico das for mas amastigotas e promastigotas à microscopia ele trônica 79 a mobilidade eletroforética de isoenzi mas 10 a determinação da densidade flutuante do DNA do núcleo e do cinetoplasto 1112 a análise de produtos de degradação do DNA por enzimas de res trição 13 a radioespirometria 14 a caracterização de antígenos específicos de membrana externa pelos anticorpos monoclonais 15 as técnicas de hibridização do DNARNA 1617 e a análise do DNA do cinetoplasto por meio da técnica de amplificação pela reação da cadeia da polimerase 1218 As classificações mais utilizadas na atualidade seguem o modelo taxonômico proposto por Lainson Shaw 1987 19 que dividem as leishmânias nos subgêneros Viannia e Leishmania No Brasil são reconhecidas pelo menos sete espécies de Leishmania responsáveis por doença humana sendo a forma tegumentar causada principalmente pela L V braziliensis L V guyanensis e L L amazo nensis e mais raramente pela L V lainsoni L V naiffi e L V shawi enquanto a L L chagasi é a responsável pela doença visceral 12 Cada espécie Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 423 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 423 apresenta particularidades concernentes às manifes tações clínicas a vetores reservatórios e padrões epidemiológicos à distribuição geográfica e até mesmo à resposta terapêutica DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL Até a década de 1950 a LTA disseminouse praticamente por todo o território nacional coinci dindo com o desflorestamento provocado pela construção de estradas e instalação de aglomera dos populacionais com maior incidência nos esta dos de São Paulo Paraná Minas Gerais Ceará e Pernambuco A partir daí até a década de 1960 a doença parece ter entrado em declínio com o des matamento já completado nas regiões mais urbani zadas do país além da relativa estabilidade das populações rurais 2 Desde então em áreas de colonização anti ga novos surtos vêm sendo assinalados em diver sos estados 20 No Rio de Janeiro foram particular mente relatados na Ilha Grande em Jacarepaguá Campo Grande e Parati 21 Em Minas Gerais além da permanência dos antigos focos endêmicos na região de mata atlântica nos vales do Rio Doce e Mucuri 22 foram registrados numerosos casos fora dessas áreas alguns na região metropolitana de Belo Horizonte 23 Novos focos foram descritos em São Paulo no Vale do MogiGuaçu e na zona lito rânea do Vale da Ribeira 24 e grande foco foi obser vado na periferia da capital do Espírito Santo nos municípios de Viana e Cariacica 25 Também no Nordeste a LTA persiste como endemia em áreas de civilização antiga especialmente nas zonas ser ranas dos estados do Ceará Paraíba e Bahia 26 Nos últimos 20 anos tem sido observado fran co crescimento da endemia tanto em magnitude quanto em expansão geográfica com surtos epidê micos na regiões Sul Sudeste CentroOeste Nordeste e mais recentemente na Região Norte 27 Nas áreas de colonização recente a expansão está associada à derrubada de matas para construção de estradas novos núcleos populacionais e ampliação de atividades agrícolas sendo mais comum na Amazônia 28 e CentroOeste onde atinge principal mente a população migrante freqüentemente pou pando os indígenas 2 Entre 1985 e 1999 foram registrados 388155 casos da doença no país sendo que no último ano foram verificados os maiores coeficien tes de detecção nas regiões Norte 92100000 e CentroOeste 50100000 especialmente nos estados de Mato Grosso Amapá Rondônia Acre Pará Amazonas Tocantins e Roraima além de Maranhão na Região Nordeste 27 TEORIAS SOBRE ORIGEM E EXPANSÃO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL Os progressos na biologia e epidemiologia da LTA permitiram a evolução do conhecimento sobre a origem e a expansão da doença Em 2003 AltamiranoEnciso et al fazem interessante revisão sobre esse tema a partir de fontes históricas pré e póscolombianas 29 Com a descrição do botão da Bahia e sua filiação ao botão do Oriente surgia a primeira teoria da origem mediterrânea da LTA que teria sido importada durante as viagens de fenícios ou sírios ao Nordeste brasileiro ainda na Antigüidade 3031 embora essas viagens nunca tenham sido comprovadas A segunda teoria seria a andina formulada por Rabello em 1925 1 a partir dos descobrimentos dos huacos peruanos Embora não aceita por todos os estudiosos do assunto 32 a proposta de Rabello sobre a origem da LTA em territórios frios nas regiões da Bolívia e do Peru é a que predomina na literatura biomédica 29 A terceira teoria a amazônica foi proposta por Marzochi Marzochi em 1994 33 com base em estudos epidemiológicos e de distribuição geográ fica da Leishmania Viannia braziliensis em dife rentes ecossistemas envolvendo vetores e reserva tórios diversos Sugerem que a doença humana tenha surgido na região amazônica ocidental prin cipalmente ao sul do rio MarañonSolimões Amazonas onde predomina a L V braziliensis Em acordo com a hipótese de disseminação da LTA sugerida por Rabello admitem ainda que o pro cesso de dispersão para outras áreas do Brasil é recente e que tenha ocorrido sobretudo durante o ciclo econômico da borracha entre 1880 e 1912 que atraiu milhares de nordestinos essa popula ção após o declínio desse ciclo retornou às ori gens ou atraída pela expansão do cultivo do café migrou para a Região Sudeste particularmente Minas Gerais e São Paulo Essa migração deuse por volta de 1930 quando se iniciou a grande epi demia da LTA 34 Outros ciclos posteriores que tam bém implicaram mobilidades sociais para o sul da Amazônia como a construção de estradas 1960 70 a mineração de ouro 197080 e a exploração de madeira 198090 teriam contribuído para a expansão da LTA com reaparecimento em vários estados das regiões CentroOeste e Sudeste e recente aparecimento no Sul coincidindo com o retorno dos trabalhadores Devese ainda destacar a urbanização da doença verificada nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro 35 e Belo Horizonte 23 424 Vale ECS Furtado T An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 424 Este último modelo é reforçado pela compa ração entre a heterogeneidade genética da leishmâ nia observada na região amazônica e a homogenei dade daquela encontrada fora dessa região 1836 suge rindo sua introdução tardia A persistência da L V braziliensis demonstrada em cicatrizes de LTA em pacientes ligados a atividades rurais após vários anos da cura clínica 37 corrobora a possibilidade de o homem servir de fonte de infecção e portanto também transportar o parasita para outras áreas onde existem os transmissores fazendo surgirem novos focos da doença Um argumento usado para refutar a origem amazônica da LTA seria o fato de no passado ela não ter sido observada em indígenas por isso con siderados indenes à doença o que fez supor que a LTA não existiria nas florestas até finais do século XIX Além disso relatórios de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas em 1913 sobre o vale do Amazonas relatavam a ocorrência de lesões mucosas apenas na população não autóctone Pesquisas recentes têm demonstrado pela hipersensibilidade da reação de Montenegro que é alto o índice de infecção por leis hmânia na forma subclínica entre nativos da Amazônia brasileira desde a infância havendo pou cos casos de doença cutânea com elevada tendência à cura espontânea 38 A última teoria entretanto carecia de confron tação histórica O estudo etnohistórico de AltamiranoEnciso et al 29 com base nas fontes histó ricas do século XVI Pizarro 1571 Santillán 1563 Loayza 1586 Ávila 1598 reforça a teoria de origem amazônica da LTA particularmente a forma mucosa entre os limites do Brasil com Bolívia e Peru que por intermédio de migrações humanas entre as regiões amazônica e andina em tempos arqueológi cos ascendeu à selva alta e posteriormente às terras quentes interandinas Sugere ainda que durante o império inca grupos migrantes mitmaq ou miti maes tenham contribuído para disseminar a LTA para diferentes regiões do norte andino e que mesmo no período da colonização espanhola a doença continuou espalhandose para novas regiões das serras interandinas e da costa central onde fle botomíneos e cães conviviam com comunidades agrí colas não tendo sido perdido o elo com a Amazônia e incrementandose a LTA em grupos forasteiros Estudos moleculares recentes sugerem que também a uta forma cutânea da LTA observada nos Andes peruanos e causada pela L V peru viana tenha surgido na Amazônia há cerca de 500 a mil anos e chegado aos Andes como zoonose por meio de roedores alcançando a costa norte 39 No entanto estudos arqueológicos vieram revelar que no período formativo entre o segundo e o terceiro milênio antes da nossa era toda essa região estava coberta por exuberante vegetação constituindose numa das principais rotas huma nas entre a costa e a selva 40 Esses estudos biológi cos portanto também corroboram os dados etno históricos e parecem confirmar a origem amazôni ca da LTA Recentemente ThomasSoccol et al formula ram a teoria monofilogenética das leishmânias baseandose em estudos de DNA mitocondrial de 20 espécies diferentes de leishmânias do mundo que considera a origem comum dos troncos Viannia e Leishmania que remontariam aos períodos cretáceo e jurássico há 120 milhões de anos quando os con tinentes ainda estavam unidos na pangéia 41 Entretanto persiste polêmica a questão da região de origem das espécies de leishmânias se neotropi cal 4243 paleoártica 44 ou africana 45 COMENTÁRIOS FINAIS As evidências recentes baseadas em estudos biológicos e etnohistóricos permitem afirmar que Rabello acertou quando concluiu que a LTA era endê mica na região amazônica já no início do século XIX de onde se difundiu para o resto das regiões Norte e Nordeste do país por meio de migrações humanas iniciadas com o ciclo da borracha Errou entretanto quando supôs ser a doença originária das terras altas andinas para posteriormente descer às terras baixas da região amazônica Estudos atuais têm revelado que a LTA surgiu na Amazônia em tempos arqueológicos e fez a rota inversa em direção às regiões de florestas altas e posteriormente à região andina mantendose a endemia durante o império inca e o período da colonização espanhola devido ao fluxo humano em ambos sentidos As pesquisas atuais também sugerem que a doença se tenha expandido às demais regiões do país por meio de migrantes que após o declínio da extração do látex na Amazônia retornaram a suas origens na Região Nordeste ou se dirigiram para a Região Sudeste principalmente Minas Gerais e São Paulo atraídos pelo desenvolvimento gerado pelo cultivo do café No entanto essa onda de migração na direção sul teria ocorrido posteriormente à observação de casos na Região Sudeste no final do século XIX e à ocorrência da epidemia de LTA no noroeste paulista durante a primeira década do século XX Sendo assim poderia estar certo Rabello de ser a LTA da Região Sudeste provenien te da região amazônica ou mesmo da Bolívia e nesse caso teria chegado a São Paulo via Mato Grosso Outra possibilidade seria a importação do Paraguai via Mato Grosso ou Paraná Ainda que importada da Bolívia ou Paraguai a doença seria Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 425 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 425 também originária da Amazônia mas em todas as possibilidades decorrente de migrações mais antigas que aquelas ocorridas após a decadência da economia da borracha Certamente estas últimas migrações poderiam ser responsáveis pela grande epidemia de LTA observada na Região Sudeste a partir da década de 1930 que se estendeu até a década de 1950 Além disso novas migrações humanas para o sul da Amazônia geradas pela construção de estradas exploração mineral e extração da madeira nas décadas de 1960 1970 e 1980 teriam colaborado para o surgimento de vários surtos epidêmicos e a franca expansão da endemia nos últimos 20 anos em diversas regiões do país Também deve ser comentada a impropriedade da restrita relação da doença às florestas já destacada por Rabello opinião decorrente da observação de inúmeros casos urbanos naquela época Posteriormente constatouse que a doença pode assumir um dos padrões epidemiológicos distintos Um clássico ligado às atividades florestais e ao desmatamento tendo animais silvestres como reservatórios e que geralmente se verifica na forma de surtos epidêmicos junto às frentes pioneiras de colonização Outro aparentemente sem relação com a floresta que geralmente é observado na periferia de centros urbanos em áreas de colonização antiga e que possivelmente se deve à adaptação dos parasitas e vetores a alterações ambientais e a animais domésticos como novos reservatórios Novamente enganouse Rabello quando salientou a impropriedade da denominação do agente etiológico como Leishmania braziliensis e afirmou que não poderia subsistir a designação americana para uma entidade sem etiologia diversa e quadro anatomoclínico autônomo usando como argumentos a dificuldade de sua diferenciação com o parasita do botão do Oriente e a inadequação da delimitação geográfica da doença Realmente com os recursos disponíveis na época era impossível a distinção entre as diferentes espécies de leishmânia que puderam ser identificadas mais tarde e até correlacionadas com diferentes padrões epidemiológicos de distribuição geográfica de manifestações clínicas e até mesmo de resposta terapêutica Desde a brilhante revisão histórica de Rabello em 1925 consideráveis avanços foram conseguidos no conhecimento das leishmanioses sobretudo a biologia das leishmânias e a imunologia da doença Os métodos diagnósticos foram aprimorados e os recursos terapêuticos melhorados Em que pese o progresso alcançado é forçoso reconhecer que passados 80 anos a situação dessas doenças pouco se alterou Elas continuam vivamente presentes na nosologia atual constituindose em importante problema de saúde pública em diversas regiões do mundo coincidentemente nos países subdesenvolvidos lado a lado com outras doenças infecciosas e parasitárias de caráter fundamentalmente social em conseqüência das marcantes desigualdades que ainda dominam a economia mundial no terceiro milênio REFERÊNCIAS 1 Rabello E Contribuições ao estudo da leishmaniose tegumentar no Brasil I Histórico e sinonímia Annaes Brasileiros de Dermatologia e Syphilographia 192511331 2 Furtado TA Leishmaniose tegumentar americana In MachadoPinto J editor Doenças infecciosas com manifestações dermatológicas Rio de Janeiro Medsi 1994 p 319293346 3 Pessoa SB Classificação das leishmanioses e das espécies do gênero Leishmania Arq Fac Hig S Paulo 1961264150 4 Lainson R Shaw JJ Leishmaniasis of the New World taxonomic problems Br Med Bull 197228448 5 Shaw JJ Taxonomia do gênero Leishmania Conceito tradicionalista x conceito moderno An Bras Dermatol 1985606772 6 Shaw JJ Taxonomia das leishmânias da Amazônia An Bras Dermatol 19825712932 7 Shaw JJ Lainson R Leishmaniasis in Brazil XI Observation on the morphology of Leishmania of the braziliensis and mexicana complexes J Trop Med Hyg 197679913 8 Gardener PJ Shchory L Chance ML Species differentiation in the genus Leishmania by morphometric studies with electron microscope Ann Trop Med Parasitol 19777114755 9 Alexander J Unusual axonemal doublet arrangements in the flagellum of Leishmania amastigotes Trans R Soc Trop Med Hyg 1978723457 10 Miles MA Lainson R Shaw JJ Povoa M de Souza AA Leishmaniasis in Brazil XV Biochemical distinction of Leishmania mexicana amazonensis L braziliensis braziliensis and L braziliensis guyanensis aetiological agents of cutaneous leishmaniasis in the Amazon Basin of Brazil Trans R Soc Trop Med Hyg 1981755249 11 Worth DF McMahon Pratt D Rapid identification of Leishmania species by specific hybridization of kinetoplast DNA in cutaneous leishmaniasis Proc Natl Acad Sci 19837969997003 12 Grimaldi Jr G Tesh RB Leishmaniases of the New World current concepts and implications for future research Clin Microbiol Rev 1993 623050 13 Jackson PR Wohlhieter JA Jackson JE Sayles P Diggs CL Hockmeyer WT Restriction endonuclease analysis of Leishmania kinetoplast DNA characterizes parasites responsible for visceral and cutaneous disease Am J Trop Med Hyg 19843380819 14 DeckerJakson JE Tang DB Identification of Leishmania spp by radiorespirometry II a statistical method of data analysis to evaluate the reproductibility and sensitivity of the technique In Biochemical characterization of Leishmania Proc Workshop Pan Am Health Org Washington DC 1980 p20545 15 McMahonPratt D Bennett E David JR Monoclonal antibodies that distinguish subspecies of Leishmania braziliensis J Immunol 19821299267 16 Barker DC Butcher J The use of DNA probes in the identification of leishmanias discrimination between isolates of the Leishmania mexicana and L braziliensis complexes Trans R Soc Trop Med Hyg 19837728597 17 Lopez M Montoya Y Arana M Cruzalegui F Braga J LlanosCuentas A et al The use of nonradioactive DNA probes for the characterization of Leishmania isolates from Peru Am J Trop Med Hyg 19883830814 18 Lopez M Inga R Cangalaya M Echevarria J Llanos Cuentas A Orrego C et al Diagnosis of Leishmania using the polymerase chain reaction a simplified procedure for field work J Am J Trop Med Hyg 19934934856 19 Lainson R Shaw JJ Evolution classification and geo graphical distribution In Peters W KillickKendric K editors The Leishmaniases in Biology and Medicine London Academic Press 1987 p 1120 20 Furtado T Vieira JBF Geografia da leishmaniose tegumentar americana no Brasil An Bras Dermatol 19825713540 21 Marzochi MCA Leishmanioses no Brasil As leishmanioses tegumentares J Bras Med 19926382104 22 Mayrink W Williams P Coelho MV Dias M Martins AV Magalhães PA et al Epidemiology of dermal leishmaniasis in the Rio Doce Valley State of Minas Gerais Brazil Ann Trop Med Parasitol 197973114 23 Passos VMA Falcão AL Marzochi MCA Gontijo CMF Dias ES Katz N Epidemiological aspects of American cutaneous leishmaniasis in a periurban area of Belo Horizonte MG Brazil Mem Inst Oswaldo Cruz 19938810310 24 Bastos JMCMG Observações à margem de surto epidêmico de leishmaniose tegumentar no Vale da Ribeira São Paulo Bol Div Nac Dermatol Sanit 1978377386 25 Sessa PA Coelho CC Falqueto A Delmaestro D Barros GC Mattos EA et al Distribuição geográfica da leish maniose tegumentar americana no Estado do Espírito Santo Brasil Rev Soc Bras Med Trop 19851823741 26 Falqueto A Sessa PA Leishmaniose tegumentar americana In Veronesi R Focaccia R editores Tratado de infectologia São Paulo Atheneu 1996 p122133 27 Ministério da Saúde Brasil Fundação Nacional de Saúde Manual de controle da leishmaniose tegumentar americana 5ª ed Brasília 2000 64p 28 Paes MG Barros MLB Ferreira LCL Talhari S Leishmaniose tegumentar americana In Tonelli E Freire LMS editores Doenças infecciosas na infância e adolescência 2ª ed Rio de Janeiro Medsi 2000 p125170 29 AltamiranoEnciso AJ Marzochi MCA Moreira JS Schubach AO Marzochi KBF Sobre a origem e disper são das leishmanioses cutânea e mucosa com base em fontes históricas pré e póscolombianas Hist Cienc SaudeManguinhos 20031085382 30 Moreira J Botão endêmico dos países quentes Brasil Med 190611001 31 Pupo JA Leishmaniose tegumentar Epidemiologia pro filaxia e tratamento da leishmaniose americana Ciência Med 19264387409 32 Herrer A Antiguedad de la leishmaniasis tegumentaria en América Rev Bras Malariol 1956818796 33 Marzochi MCA Marzochi KBF Tegumentary and visceral leishmaniasis in Brazilemerging anthropozoonosis and possibilities for their control Cad Saude Publ 199410S35975 34 Pessoa SB Barreto MP Leishmaniose tegumentar ame ricana Rio de Janeiro Ministério da Educação e Cultura Serviço de Documentação 1948 527 p 35 OliveiraNeto M Marzochi MCA Grimaldi Jr G Coutinho S Pirmez C Study of an outbreak of American cutaneous leishmaniasis ACL by L b braziliensis in a periurban area of the city of Rio de Janeiro Brazil 17th World Congress of Dermatology Short Communications Part II p 20 1987 Berlin Germany 36 Gomes RF Macedo AM Pena SD Melo MN Leishmania Viannia braziliensis genetic relationships between strains isolated from different areas of Brazil as revealed by DNA fingerprinting and RAPD Exp Parasitol 1995806817 37 Schubach A Marzochi MC CuzziMaya T Oliveira AV Araujo ML Oliveira AL et al Cutaneous scars in American tegumentary leishmaniasis patients a site of Leishmania Viannia braziliensis persistence and viability eleven years after antimonial therapy and clinical cure Am J Trop Med Hyg 1998588247 38 Coimbra Jr CE Santos RV do Valle AC Cutaneous leishmaniasis in TupiMondé Amerindians from Brazilian Amazonia Acta Trop 19966120111 39 Dujardin JC Henriksson J Victoir K Brisse S Gamboa D Arevalo et al Genomic rearrangements in trypanosomatids an alternative to the one gene evolutionary hypotheses Mem Inst Oswaldo Cruz 20009552734 40 AltamiranoEnciso AJ Comprometiendo la estructura osteofacial de las poblaciones humanas del antiguo Perú por la leishmaniasis tegumentaria de forma mucosa tese Rio de Janeiro ENSPFiocruz 2000 213p 41 ThomasSoccol V Lanotte G Rioux JA Pratlong F MartiniDumas A Serres E Monophyletic origin of the Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 427 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 427 genus Leishmania Ross 1903 Ann Parasitol Hum Comp 1993681078 42 Lainson R Shaw JJ New World Leishmaniasis The neotropical Leishmania species In Cox FEG Kreier JP Wakelin D editors Microbiology and Microbial Infections Parasitology 9th ed LondonNew York Topley Wilson 1998 p 24168 43 Noyes H Implications of a neotropical origin of the genus Leishmania Mem Inst Oswaldo Cruz 19989365761 44 Kern S Paleartic origin of leishmania Mem Inst Oswaldo Cruz 2000 957580 45 Momen H Cupolillo E Speculations on the origin and evolution of the genus Leishmania Mem Inst Oswaldo Cruz 2000 955838 ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Everton Carlos Siviero do Vale Rua Orenoco 51502 30310060 Belo Horizonte MG Tel31 32412535 Email evertonvaleterracombr An Bras Dermatol 20058044218 428 Vale ECS Furtado T Revista80N480qxd 080905 1134 Page 428
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Recebido em 20072005 Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 27072005 Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia Hospital das Clínicas Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil 1 Professor Assistente e Mestre em Dermatologia Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil Pósgraduado em Imunodermatologia na Universidade de Munique Alemanha 2 Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte MG Brasil 2005 by Anais Brasileiros de Dermatologia Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica da origem expansão e etiologia Tegumentary leishmaniasis in Brazil a historical review related to the origin expansion and etiology Everton Carlos Siviero do Vale 1 Tancredo Furtado 2 An Bras Dermatol 20058044218 Anais 80 anos 421 INTRODUÇÃO Em 1925 no primeiro e segundo fascículos do volume um dos Annaes Brasileiros de Dermatologia e Syphilographia Eduardo Rabello publica na seção de Memórias Originais o trabalho intitulado Contribuições ao estudo da leishmaniose tegumentar no Brasil Figura 1 que tratava do histórico e da sinonímia da doença 1 Naquela revisão conclui o autor que a leis hmaniose tegumentar LT já existia no país desde muitos anos e distingue três períodos na história da doença O primeiro de origem incerta e baseada em referências vagas vai até 1895 ano da observação clí nica do botão da Bahia e sua filiação ao botão do Oriente O segundo estendese até 1909 quando é identificado e descrito o agente etiológico da úlcera de Bauru O terceiro se inicia em 1910 com o acha do do parasita em lesões mucosas então incorpora das ao quadro clínico da doença indo até a época da publicação do artigo Estudos arqueológicos desenvolvidos em huacos peruanos vasos de cerâmica com reprodu ção de figuras humanas sadias e mutiladas por dife rentes moléstias puderam assegurar a ocorrência da uta e espundia denominações locais para as formas cutânea e mucosa da LT respectivamente entre os incas durante a era précolombiana embo ra a princípio tenham sido confundidas com a sífi lis Ao contrário estudos das cerâmicas antropo mórficas produzidas por nossos ancestrais indíge nas por seu caráter rudimentar não permitiram a mesma constatação A única indicação segura e tal vez mais antiga da existência da doença no Brasil verificase em citação na tese de Tello Antiguedad de la syphilis en el Perú de 1908 relativa à obra escrita Pastoral ReligiosoPolítico Geographico editada em 1827 que descreve a viagem de um mis sionário pela região amazônica Este observara a existência de indivíduos com úlceras nos braços e pernas relacionadas a picadas de insetos tendo como conseqüência lesões destrutivas de boca e nariz Sem ter sido mencionada anteriormente no Brasil Rabello achava mais razoável supor que endêmica na Amazônia porém proveniente do Peru e da Bolívia a doença pudesse terse dissemi nado nos estados do Norte do país por indivíduos que para lá se dirigiram em busca de trabalho nos seringais e que retornaram infectados a suas ori gens Quanto às regiões Centro e Sul do Brasil achava mais verossímil a importação da Bolívia ou da Amazônia via Mato Grosso e provavelmente também do Paraguai via Mato Grosso ou Paraná considerando sua existência de forma endêmica naqueles países muito antes do descobrimento É provável que esse longo período de indenidade tenha sido determinado pelo isolamento em con seqüência da precariedade de tráfego na época Considerava ainda serem fortes evidências da ocor rência da doença também na região CentroSul do Brasil no final do século XIX os seguintes fatos a modelos encontrados no Museu da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro datados de 1882 a 1884 que representam casos indubitáveis de LT b casos diagnosticados em imigrantes italianos de São Paulo que retornaram a seu país descritos por Revista80N480qxd 080905 1134 Page 421 Breda 1884 na Itália como buba brasiliana Figura 2 c reproduções em aquarela de casos de afecções ulcerosas do nariz apresentados à Sociedade Brasileira de Dermatologia em 1912 Figura 3 observados por Carneiro da Cunha em 1906 em pacientes provenientes de Uberaba Minas Gerais que as apresentavam há 27 anos por tanto desde 1879 O segundo período da história da LT no Brasil iniciase com Juliano Moreira que estudan do o chamado botão da Bahia em 1895 relaciona o pela primeira vez ao botão endêmico dos países quentes quando então é sugerida a possível impor tação da doença por meio de incursões sírias ao Novo Mundo em tempos remotos opinião na época não compartilhada por observadores de outras regiões do país Baseandose em tese de doutora mento de Adeodato apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia em 1895 Rabello atribui essa correlação a Moreira e não a Cerqueira que na ver dade desde 1885 teria visto doentes com botão da Bahia sem entretanto estabelecer qualquer asso ciação entre ambas Em 1903 Wright identifica o Helcosoma tropi cum como agente do botão do Oriente mais tarde denominado Leishmania furunculosa o que permi tiu filiaremse à leishmaniose várias dermatoses com denominações diversas geralmente designando as regiões geográficas atingidas A grande epidemia de casos de úlceras acompanhadas de lesões mucosas no início do século XX no Estado de São Paulo com a construção da Estrada de Ferro Noroeste descritos como úlcera de Bauru prenuncia o fim do segundo período que culmina com a identificação do agente em 1909 quase simultaneamente por Lindenberg e por Carini Paranhos O terceiro período é considerado o mais pro fícuo segundo Rabello porque a identificação do agente permitiu a constatação da endemia em diversos pontos do país como o Vale do Rio Doce em Minas Gerais região amazônica e sul da Bahia entre outros Seu início é marcado pelo achado do agente em lesões mucosas por Splendore em 1910 Fato culminante desse período foi a desco berta do tratamento com o tártaro emético por Gaspar Vianna em 1911 comunicada em 1912 FIGURA 1 Reprodução do título do artigo de Rabello publicado nos Anais em 1925 FIGURA 2 Reprodução de gravura de Breda 1884 ilustran do caso de LTA por ele denomi nada buba brasi liana FIGURA 3 Reprodução de aquarela apre sentada por Carneiro da Cunha em 1912 à Sociedade Brasileira de Dermatologia ilustrando caso de LTA por ele observado em 1906 422 Vale ECS Furtado T An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 422 durante o Congresso de Dermatologia realizado em Belo Horizonte Ao final da primeira parte de seu trabalho Rabello conclui ter ficado demonstrada há muito tempo a presença da leishmaniose cutâneomucosa no país designada por expressões regionais como botão da Bahia e buba brasiliana ou denomina ções vagas como ferida brava Descoberta a leis hmânia como agente etiológico do botão do Oriente e também verificada nas condições acima referidas estas puderam ser incluídas sob o mesmo critério nosográfico Em 1909 Lindenberg sugere a designação leishmaniose ulcerosa Reconhecidas as manifestações mucosas infiltrativas e vegetantes além de ulcerosas aquela denominação não pode ria mais subsistir Assim propõe Rabello a expres são leishmaniose tegumentar que abrangendo as lesões cutâneas e mucosas de diversa morfologia permite sua distinção da forma visceral de leishma niose Na época o autor encontrava duplo inconve niente na denominação de leishmaniose america na das florestas proposta em 1913 por Brumpt Pedroso tanto por dar delimitação geográfica à doença como por fazer da ocorrência em florestas elemento preponderante Chamava a atenção para o fato de a doença existir e se propagar fora de flo restas virgens referindose a diversos casos obser vados na zona urbana do Rio de Janeiro já naquela época Em seguida reconhece serem muitos dos casos de gangosa rinofaringite mutilante mani festações de LT Também comenta a impossibilida de de distinção na época entre as leishmânias encontradas na leishmaniose tegumentar no Brasil e aquelas presentes no botão do Oriente conside rando por isso imprópria a denominação L brasiliensis dada por Gaspar Vianna em 1911 o que leva o autor a questionar a doença no Brasil como entidade autônoma Discute em seguida outros argumentos a favor de entidade nosológica única Entre esses refere a a atribuição ao caráter fagedênico de determinadas moléstias nos trópi cos provavelmente pela ingerência de germes secundários b a predominância de formas cutâ neas benignas no Brasil algumas vezes autoresolu tivas c a observação ocasional de formas cutâneas agressivas e mutilantes de botão do Oriente assim como a demonstração de manifestações de leis hmaniose mucosa grave no Sudão Egito e Índia d a semelhança das alterações histopatológicas da doença em ambas regiões e a possibilidade nos trópicos da associação de outras doenças que poderiam mascarar o quadro original da LT Conclui Rabello que não poderá por conseqüên cia subsistir a designação de americana para uma doença que sem ter etiologia diversa e quadro ana tomoclínico autônomo já começa a ser vista fora da América e cuja zona de propagação será de futu ro evidentemente ampliada CARACTERIZAÇÃO DO AGENTE DA LEISHMA NIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL No passado admitiase a Leishmania brazilien sis como único agente da leishmaniose tegumentar americana LTA existente no país Até o início da década de 1960 as classificações dos parasitas basea vamse exclusivamente no comportamento clínico evolutivo configurando formas clínicas da doença nas diversas regiões geográficas posto que a morfolo gia dos parasitas à microscopia óptica não permitia sua distinção 2 Em 1961 Pessoa já propunha a subdi visão da L braziliensis nas variedades braziliensis guyanensis peruviana mexicana e pifanoi que estariam relacionadas a formas clínicas diversas da doença em diferentes regiões 3 A partir daí a classificação das leishmânias ganhou novo impulso com a distinção dos comple xos mexicana e braziliensis baseada em critérios mais consistentes como as características do compor tamento do parasita em meios de cultura animais de experimentação e vetores 4 Desde então os avanços representados pela microscopia eletrônica biologia molecular bioquí mica e imunologia abriram novas perspectivas na taxonomia das leishmânias 5 Os novos métodos que passaram a ser empregados na caracterização das leishmânias incluem principalmente o estudo do desenvolvimento dos promastigotas no intestino do vetor flebotomíneo 6 o estudo morfométrico das for mas amastigotas e promastigotas à microscopia ele trônica 79 a mobilidade eletroforética de isoenzi mas 10 a determinação da densidade flutuante do DNA do núcleo e do cinetoplasto 1112 a análise de produtos de degradação do DNA por enzimas de res trição 13 a radioespirometria 14 a caracterização de antígenos específicos de membrana externa pelos anticorpos monoclonais 15 as técnicas de hibridização do DNARNA 1617 e a análise do DNA do cinetoplasto por meio da técnica de amplificação pela reação da cadeia da polimerase 1218 As classificações mais utilizadas na atualidade seguem o modelo taxonômico proposto por Lainson Shaw 1987 19 que dividem as leishmânias nos subgêneros Viannia e Leishmania No Brasil são reconhecidas pelo menos sete espécies de Leishmania responsáveis por doença humana sendo a forma tegumentar causada principalmente pela L V braziliensis L V guyanensis e L L amazo nensis e mais raramente pela L V lainsoni L V naiffi e L V shawi enquanto a L L chagasi é a responsável pela doença visceral 12 Cada espécie Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 423 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 423 apresenta particularidades concernentes às manifes tações clínicas a vetores reservatórios e padrões epidemiológicos à distribuição geográfica e até mesmo à resposta terapêutica DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL Até a década de 1950 a LTA disseminouse praticamente por todo o território nacional coinci dindo com o desflorestamento provocado pela construção de estradas e instalação de aglomera dos populacionais com maior incidência nos esta dos de São Paulo Paraná Minas Gerais Ceará e Pernambuco A partir daí até a década de 1960 a doença parece ter entrado em declínio com o des matamento já completado nas regiões mais urbani zadas do país além da relativa estabilidade das populações rurais 2 Desde então em áreas de colonização anti ga novos surtos vêm sendo assinalados em diver sos estados 20 No Rio de Janeiro foram particular mente relatados na Ilha Grande em Jacarepaguá Campo Grande e Parati 21 Em Minas Gerais além da permanência dos antigos focos endêmicos na região de mata atlântica nos vales do Rio Doce e Mucuri 22 foram registrados numerosos casos fora dessas áreas alguns na região metropolitana de Belo Horizonte 23 Novos focos foram descritos em São Paulo no Vale do MogiGuaçu e na zona lito rânea do Vale da Ribeira 24 e grande foco foi obser vado na periferia da capital do Espírito Santo nos municípios de Viana e Cariacica 25 Também no Nordeste a LTA persiste como endemia em áreas de civilização antiga especialmente nas zonas ser ranas dos estados do Ceará Paraíba e Bahia 26 Nos últimos 20 anos tem sido observado fran co crescimento da endemia tanto em magnitude quanto em expansão geográfica com surtos epidê micos na regiões Sul Sudeste CentroOeste Nordeste e mais recentemente na Região Norte 27 Nas áreas de colonização recente a expansão está associada à derrubada de matas para construção de estradas novos núcleos populacionais e ampliação de atividades agrícolas sendo mais comum na Amazônia 28 e CentroOeste onde atinge principal mente a população migrante freqüentemente pou pando os indígenas 2 Entre 1985 e 1999 foram registrados 388155 casos da doença no país sendo que no último ano foram verificados os maiores coeficien tes de detecção nas regiões Norte 92100000 e CentroOeste 50100000 especialmente nos estados de Mato Grosso Amapá Rondônia Acre Pará Amazonas Tocantins e Roraima além de Maranhão na Região Nordeste 27 TEORIAS SOBRE ORIGEM E EXPANSÃO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO BRASIL Os progressos na biologia e epidemiologia da LTA permitiram a evolução do conhecimento sobre a origem e a expansão da doença Em 2003 AltamiranoEnciso et al fazem interessante revisão sobre esse tema a partir de fontes históricas pré e póscolombianas 29 Com a descrição do botão da Bahia e sua filiação ao botão do Oriente surgia a primeira teoria da origem mediterrânea da LTA que teria sido importada durante as viagens de fenícios ou sírios ao Nordeste brasileiro ainda na Antigüidade 3031 embora essas viagens nunca tenham sido comprovadas A segunda teoria seria a andina formulada por Rabello em 1925 1 a partir dos descobrimentos dos huacos peruanos Embora não aceita por todos os estudiosos do assunto 32 a proposta de Rabello sobre a origem da LTA em territórios frios nas regiões da Bolívia e do Peru é a que predomina na literatura biomédica 29 A terceira teoria a amazônica foi proposta por Marzochi Marzochi em 1994 33 com base em estudos epidemiológicos e de distribuição geográ fica da Leishmania Viannia braziliensis em dife rentes ecossistemas envolvendo vetores e reserva tórios diversos Sugerem que a doença humana tenha surgido na região amazônica ocidental prin cipalmente ao sul do rio MarañonSolimões Amazonas onde predomina a L V braziliensis Em acordo com a hipótese de disseminação da LTA sugerida por Rabello admitem ainda que o pro cesso de dispersão para outras áreas do Brasil é recente e que tenha ocorrido sobretudo durante o ciclo econômico da borracha entre 1880 e 1912 que atraiu milhares de nordestinos essa popula ção após o declínio desse ciclo retornou às ori gens ou atraída pela expansão do cultivo do café migrou para a Região Sudeste particularmente Minas Gerais e São Paulo Essa migração deuse por volta de 1930 quando se iniciou a grande epi demia da LTA 34 Outros ciclos posteriores que tam bém implicaram mobilidades sociais para o sul da Amazônia como a construção de estradas 1960 70 a mineração de ouro 197080 e a exploração de madeira 198090 teriam contribuído para a expansão da LTA com reaparecimento em vários estados das regiões CentroOeste e Sudeste e recente aparecimento no Sul coincidindo com o retorno dos trabalhadores Devese ainda destacar a urbanização da doença verificada nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro 35 e Belo Horizonte 23 424 Vale ECS Furtado T An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 424 Este último modelo é reforçado pela compa ração entre a heterogeneidade genética da leishmâ nia observada na região amazônica e a homogenei dade daquela encontrada fora dessa região 1836 suge rindo sua introdução tardia A persistência da L V braziliensis demonstrada em cicatrizes de LTA em pacientes ligados a atividades rurais após vários anos da cura clínica 37 corrobora a possibilidade de o homem servir de fonte de infecção e portanto também transportar o parasita para outras áreas onde existem os transmissores fazendo surgirem novos focos da doença Um argumento usado para refutar a origem amazônica da LTA seria o fato de no passado ela não ter sido observada em indígenas por isso con siderados indenes à doença o que fez supor que a LTA não existiria nas florestas até finais do século XIX Além disso relatórios de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas em 1913 sobre o vale do Amazonas relatavam a ocorrência de lesões mucosas apenas na população não autóctone Pesquisas recentes têm demonstrado pela hipersensibilidade da reação de Montenegro que é alto o índice de infecção por leis hmânia na forma subclínica entre nativos da Amazônia brasileira desde a infância havendo pou cos casos de doença cutânea com elevada tendência à cura espontânea 38 A última teoria entretanto carecia de confron tação histórica O estudo etnohistórico de AltamiranoEnciso et al 29 com base nas fontes histó ricas do século XVI Pizarro 1571 Santillán 1563 Loayza 1586 Ávila 1598 reforça a teoria de origem amazônica da LTA particularmente a forma mucosa entre os limites do Brasil com Bolívia e Peru que por intermédio de migrações humanas entre as regiões amazônica e andina em tempos arqueológi cos ascendeu à selva alta e posteriormente às terras quentes interandinas Sugere ainda que durante o império inca grupos migrantes mitmaq ou miti maes tenham contribuído para disseminar a LTA para diferentes regiões do norte andino e que mesmo no período da colonização espanhola a doença continuou espalhandose para novas regiões das serras interandinas e da costa central onde fle botomíneos e cães conviviam com comunidades agrí colas não tendo sido perdido o elo com a Amazônia e incrementandose a LTA em grupos forasteiros Estudos moleculares recentes sugerem que também a uta forma cutânea da LTA observada nos Andes peruanos e causada pela L V peru viana tenha surgido na Amazônia há cerca de 500 a mil anos e chegado aos Andes como zoonose por meio de roedores alcançando a costa norte 39 No entanto estudos arqueológicos vieram revelar que no período formativo entre o segundo e o terceiro milênio antes da nossa era toda essa região estava coberta por exuberante vegetação constituindose numa das principais rotas huma nas entre a costa e a selva 40 Esses estudos biológi cos portanto também corroboram os dados etno históricos e parecem confirmar a origem amazôni ca da LTA Recentemente ThomasSoccol et al formula ram a teoria monofilogenética das leishmânias baseandose em estudos de DNA mitocondrial de 20 espécies diferentes de leishmânias do mundo que considera a origem comum dos troncos Viannia e Leishmania que remontariam aos períodos cretáceo e jurássico há 120 milhões de anos quando os con tinentes ainda estavam unidos na pangéia 41 Entretanto persiste polêmica a questão da região de origem das espécies de leishmânias se neotropi cal 4243 paleoártica 44 ou africana 45 COMENTÁRIOS FINAIS As evidências recentes baseadas em estudos biológicos e etnohistóricos permitem afirmar que Rabello acertou quando concluiu que a LTA era endê mica na região amazônica já no início do século XIX de onde se difundiu para o resto das regiões Norte e Nordeste do país por meio de migrações humanas iniciadas com o ciclo da borracha Errou entretanto quando supôs ser a doença originária das terras altas andinas para posteriormente descer às terras baixas da região amazônica Estudos atuais têm revelado que a LTA surgiu na Amazônia em tempos arqueológicos e fez a rota inversa em direção às regiões de florestas altas e posteriormente à região andina mantendose a endemia durante o império inca e o período da colonização espanhola devido ao fluxo humano em ambos sentidos As pesquisas atuais também sugerem que a doença se tenha expandido às demais regiões do país por meio de migrantes que após o declínio da extração do látex na Amazônia retornaram a suas origens na Região Nordeste ou se dirigiram para a Região Sudeste principalmente Minas Gerais e São Paulo atraídos pelo desenvolvimento gerado pelo cultivo do café No entanto essa onda de migração na direção sul teria ocorrido posteriormente à observação de casos na Região Sudeste no final do século XIX e à ocorrência da epidemia de LTA no noroeste paulista durante a primeira década do século XX Sendo assim poderia estar certo Rabello de ser a LTA da Região Sudeste provenien te da região amazônica ou mesmo da Bolívia e nesse caso teria chegado a São Paulo via Mato Grosso Outra possibilidade seria a importação do Paraguai via Mato Grosso ou Paraná Ainda que importada da Bolívia ou Paraguai a doença seria Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 425 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 425 também originária da Amazônia mas em todas as possibilidades decorrente de migrações mais antigas que aquelas ocorridas após a decadência da economia da borracha Certamente estas últimas migrações poderiam ser responsáveis pela grande epidemia de LTA observada na Região Sudeste a partir da década de 1930 que se estendeu até a década de 1950 Além disso novas migrações humanas para o sul da Amazônia geradas pela construção de estradas exploração mineral e extração da madeira nas décadas de 1960 1970 e 1980 teriam colaborado para o surgimento de vários surtos epidêmicos e a franca expansão da endemia nos últimos 20 anos em diversas regiões do país Também deve ser comentada a impropriedade da restrita relação da doença às florestas já destacada por Rabello opinião decorrente da observação de inúmeros casos urbanos naquela época Posteriormente constatouse que a doença pode assumir um dos padrões epidemiológicos distintos Um clássico ligado às atividades florestais e ao desmatamento tendo animais silvestres como reservatórios e que geralmente se verifica na forma de surtos epidêmicos junto às frentes pioneiras de colonização Outro aparentemente sem relação com a floresta que geralmente é observado na periferia de centros urbanos em áreas de colonização antiga e que possivelmente se deve à adaptação dos parasitas e vetores a alterações ambientais e a animais domésticos como novos reservatórios Novamente enganouse Rabello quando salientou a impropriedade da denominação do agente etiológico como Leishmania braziliensis e afirmou que não poderia subsistir a designação americana para uma entidade sem etiologia diversa e quadro anatomoclínico autônomo usando como argumentos a dificuldade de sua diferenciação com o parasita do botão do Oriente e a inadequação da delimitação geográfica da doença Realmente com os recursos disponíveis na época era impossível a distinção entre as diferentes espécies de leishmânia que puderam ser identificadas mais tarde e até correlacionadas com diferentes padrões epidemiológicos de distribuição geográfica de manifestações clínicas e até mesmo de resposta terapêutica Desde a brilhante revisão histórica de Rabello em 1925 consideráveis avanços foram conseguidos no conhecimento das leishmanioses sobretudo a biologia das leishmânias e a imunologia da doença Os métodos diagnósticos foram aprimorados e os recursos terapêuticos melhorados Em que pese o progresso alcançado é forçoso reconhecer que passados 80 anos a situação dessas doenças pouco se alterou Elas continuam vivamente presentes na nosologia atual constituindose em importante problema de saúde pública em diversas regiões do mundo coincidentemente nos países subdesenvolvidos lado a lado com outras doenças infecciosas e parasitárias de caráter fundamentalmente social em conseqüência das marcantes desigualdades que ainda dominam a economia mundial no terceiro milênio REFERÊNCIAS 1 Rabello E Contribuições ao estudo da leishmaniose tegumentar no Brasil I Histórico e sinonímia Annaes Brasileiros de Dermatologia e Syphilographia 192511331 2 Furtado TA Leishmaniose tegumentar americana In MachadoPinto J editor Doenças infecciosas com manifestações dermatológicas Rio de Janeiro Medsi 1994 p 319293346 3 Pessoa SB Classificação das leishmanioses e das espécies do gênero Leishmania Arq Fac Hig S Paulo 1961264150 4 Lainson R Shaw JJ Leishmaniasis of the New World taxonomic problems Br Med Bull 197228448 5 Shaw JJ Taxonomia do gênero Leishmania Conceito tradicionalista x conceito moderno An Bras Dermatol 1985606772 6 Shaw JJ Taxonomia das leishmânias da Amazônia An Bras Dermatol 19825712932 7 Shaw JJ Lainson R Leishmaniasis in Brazil XI Observation on the morphology of Leishmania of the braziliensis and mexicana complexes J Trop Med Hyg 197679913 8 Gardener PJ Shchory L Chance ML Species differentiation in the genus Leishmania by morphometric studies with electron microscope Ann Trop Med Parasitol 19777114755 9 Alexander J Unusual axonemal doublet arrangements in the flagellum of Leishmania amastigotes Trans R Soc Trop Med Hyg 1978723457 10 Miles MA Lainson R Shaw JJ Povoa M de Souza AA Leishmaniasis in Brazil XV Biochemical distinction of Leishmania mexicana amazonensis L braziliensis braziliensis and L braziliensis guyanensis aetiological agents of cutaneous leishmaniasis in the Amazon Basin of Brazil Trans R Soc Trop Med Hyg 1981755249 11 Worth DF McMahon Pratt D Rapid identification of Leishmania species by specific hybridization of kinetoplast DNA in cutaneous leishmaniasis Proc Natl Acad Sci 19837969997003 12 Grimaldi Jr G Tesh RB Leishmaniases of the New World current concepts and implications for future research Clin Microbiol Rev 1993 623050 13 Jackson PR Wohlhieter JA Jackson JE Sayles P Diggs CL Hockmeyer WT Restriction endonuclease analysis of Leishmania kinetoplast DNA characterizes parasites responsible for visceral and cutaneous disease Am J Trop Med Hyg 19843380819 14 DeckerJakson JE Tang DB Identification of Leishmania spp by radiorespirometry II a statistical method of data analysis to evaluate the reproductibility and sensitivity of the technique In Biochemical characterization of Leishmania Proc Workshop Pan Am Health 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da leishmaniose tegumentar americana no Brasil An Bras Dermatol 19825713540 21 Marzochi MCA Leishmanioses no Brasil As leishmanioses tegumentares J Bras Med 19926382104 22 Mayrink W Williams P Coelho MV Dias M Martins AV Magalhães PA et al Epidemiology of dermal leishmaniasis in the Rio Doce Valley State of Minas Gerais Brazil Ann Trop Med Parasitol 197973114 23 Passos VMA Falcão AL Marzochi MCA Gontijo CMF Dias ES Katz N Epidemiological aspects of American cutaneous leishmaniasis in a periurban area of Belo Horizonte MG Brazil Mem Inst Oswaldo Cruz 19938810310 24 Bastos JMCMG Observações à margem de surto epidêmico de leishmaniose tegumentar no Vale da Ribeira São Paulo Bol Div Nac Dermatol Sanit 1978377386 25 Sessa PA Coelho CC Falqueto A Delmaestro D Barros GC Mattos EA et al Distribuição geográfica da leish maniose tegumentar americana no Estado do Espírito Santo Brasil Rev Soc Bras Med Trop 19851823741 26 Falqueto A Sessa PA Leishmaniose tegumentar americana In Veronesi R Focaccia 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anthropozoonosis and possibilities for their control Cad Saude Publ 199410S35975 34 Pessoa SB Barreto MP Leishmaniose tegumentar ame ricana Rio de Janeiro Ministério da Educação e Cultura Serviço de Documentação 1948 527 p 35 OliveiraNeto M Marzochi MCA Grimaldi Jr G Coutinho S Pirmez C Study of an outbreak of American cutaneous leishmaniasis ACL by L b braziliensis in a periurban area of the city of Rio de Janeiro Brazil 17th World Congress of Dermatology Short Communications Part II p 20 1987 Berlin Germany 36 Gomes RF Macedo AM Pena SD Melo MN Leishmania Viannia braziliensis genetic relationships between strains isolated from different areas of Brazil as revealed by DNA fingerprinting and RAPD Exp Parasitol 1995806817 37 Schubach A Marzochi MC CuzziMaya T Oliveira AV Araujo ML Oliveira AL et al Cutaneous scars in American tegumentary leishmaniasis patients a site of Leishmania Viannia braziliensis persistence and viability eleven years after antimonial therapy and clinical cure Am J Trop Med Hyg 1998588247 38 Coimbra Jr CE Santos RV do Valle AC Cutaneous leishmaniasis in TupiMondé Amerindians from Brazilian Amazonia Acta Trop 19966120111 39 Dujardin JC Henriksson J Victoir K Brisse S Gamboa D Arevalo et al Genomic rearrangements in trypanosomatids an alternative to the one gene evolutionary hypotheses Mem Inst Oswaldo Cruz 20009552734 40 AltamiranoEnciso AJ Comprometiendo la estructura osteofacial de las poblaciones humanas del antiguo Perú por la leishmaniasis tegumentaria de forma mucosa tese Rio de Janeiro ENSPFiocruz 2000 213p 41 ThomasSoccol V Lanotte G Rioux JA Pratlong F MartiniDumas A Serres E Monophyletic origin of the Leishmaniose tegumentar no Brasil revisão histórica 427 An Bras Dermatol 20058044218 Revista80N480qxd 080905 1134 Page 427 genus Leishmania Ross 1903 Ann Parasitol Hum Comp 1993681078 42 Lainson R Shaw JJ New World Leishmaniasis The neotropical Leishmania species In Cox FEG Kreier JP Wakelin D editors Microbiology and Microbial Infections 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