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14092021 1019 ConJur Yarochewsky Anomia Estado paralelo e intervenção militar no RJ httpswwwconjurcombr2018fev20yarochewskyanomiaestadoparalelointervencaomilitarrjimprimir1 14 OPINIÃO Anomia Estado paralelo e a intervenção militar no Rio de Janeiro 20 de fevereiro de 2018 6h38 Por Leonardo Isaac Yarochewsky Derivada do grego a palavra anomia significa sem lei ausência de regras e conota iniquidade injustiça e desordem O sociólogo Émile Durkheim ao final do século XIX primeiro em Da Divisão do Trabalho Social 1893 e depois em O Suicídio 1897 traz o conceito negativo de anomia Contudo em As Regras do Método Sociológico 1895 Durkheim já sustentava que o crime é normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta seria inteiramente impossível1 De acordo com a teoria estruturalfuncionalista de Durkheim o desvio crime seria um fenômeno normal em determinados limites e até funcional para o equilíbrio social e reforço do sentimento coletivo Seria anormal apenas na hipótese de expansão excessiva quando são ultrapassados determinados limites em situações de anomia ou seja um estado de desorganização no qual todo o sistema de regras da conduta perde valor Robert Merton em 1938 desenvolveu a teoria funcionalista da anomia teoria esta que segundo o criminólogo Alessandro Baratta representa uma etapa essencial no caminho percorrido pela sociologia criminal contemporânea Segundo Merton a anomia constitui um colapso na estrutura cultural que se verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e objetivos culturais e as possibilidades ou capacidades socialmente estruturadas dos membros dos grupos de agir de acordo com essas normas e objetivos Em sua Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal o criminólogo Alessandro Baratta2 explica que o modelo funcionalista proposto por Merton consiste em reportar o desvio a uma possível contradição entre estrutura social e cultura a cultura em determinado momento do desenvolvimento de uma sociedade propõe ao indivíduo determinadas metas as quais constituem motivações fundamentais do seu comportamento por exemplo um certo nível de bemestar e de sucesso econômico Proporciona também modelos de comportamentos institucionalizados que resguardam as modalidades e os meios legítimos para alcançar aquelas metas Por outro lado todavia a estrutura 14092021 1019 ConJur Yarochewsky Anomia Estado paralelo e intervenção militar no RJ httpswwwconjurcombr2018fev20yarochewskyanomiaestadoparalelointervencaomilitarrjimprimir1 24 econômicosocial oferece aos indivíduos em graus diversos especialmente com base em sua posição nos diversos estratos sociais a possibilidade de acesso às modalidades e aos meios legítimos para alcançar as metas Assim a criminalidade decorre para Robert Merton da desproporção entre os objetivos socialmente fomentados e os meios postos ao alcance das pessoas para atingir tais objetivos Assim quando os meios lícitos para atingir alcançar esses objetivos não são suficientes buscase através de meios ilícitos criminalidade o alcance de tais objetivos Notase infelizmente que boa parte da população excluída da relação de consumo imposta por uma sociedade capitalista extremamente injusta e desigual sem nenhum bemestar e desprovida qualquer esperança de sucesso econômico tende a buscar a alcançar as metas socialmente fomentadas através de um Estado paralelo que de alguma maneira oferece a esses excluídos meios ainda que ilícitos para obtenção dessas metas e para suas satisfações É evidente que quando o Estado legalmente constituído não cumpre com deveres essenciais que assegurem as mínimas condições de vida digna aos seres humanos o Estado paralelo ocupa esse lugar e quando isso ocorre estaremos diante de uma situação de desagregação que pode levar à anomia Urge que o Estado ocupe o seu espaço e cumpra com o seu papel social para que aqueles que vivem em situação de completa exclusão possam por meio desse Estado obter o mínimo indispensável para viver e não necessitem recorrer a um Estado paralelo para alcançar um pouco de dignidade Quanto mais vulnerável for a sociedade mais poder e força terá o Estado paralelo e quanto mais omisso for o poder público mais espaço estará sendo proporcionado para os agentes deste Estado paralelo Não se pode olvidar que a repressão violenta ao crime sempre foi no dizer de Luiz Antonio Machado da Silva uma delegação tácita conferida à polícia por parte de grupos dominantes Contudo de acordo com o citado professor foi durante a ditadura militar que ela violência se institucionalizou e entrou no debate público explodindo como uma questão política candente em meados dos anos 19803 Referindose especificamente em relação à violência no Rio de Janeiro Luiz Antonio Machado da Silva observa que à constituição do crime como um mundo à parte gravitando em torno de um núcleo duro com essas características os alvos das atividades da ordem pública tornaramse cada vez mais territorializados não se trata mais de coibir atividades proibidas mas de controlar áreas tidas como perigosas o perigo se define como ameaça embutida nas rotinas diárias Ipso facto todos os moradores dessas áreas tornamse alvo de suspeita e desconfiança de modo que o objetivo do controle social deixa de regular 14092021 1019 ConJur Yarochewsky Anomia Estado paralelo e intervenção militar no RJ httpswwwconjurcombr2018fev20yarochewskyanomiaestadoparalelointervencaomilitarrjimprimir1 34 as relações sociais entre diferentes grupos para converterse em afastar do convívio com os demais segmentos sociais os moradores das áreas consideradas perigosas4 Por tudo conforme já dito alhures a opção do Estado pela intervenção militar colocando o Exército nas ruas do Rio de Janeiro ou em qualquer outra cidade para golpear o crime organizado é na verdade uma demonstração inequívoca da prevalência do Estado penal sobre o Estado social Desgraçadamente quando o Estado faz a opção pelo uso da força os vulneráveis pobres negros e favelados os mesmos que integram a grande maioria da população carcerária são o principal alvo da repressão para atender os desejos conscientes e inconscientes dos endinheirados e da classe média conservadora preconceituosa e manipulada pela grande mídia Referindose aos aparelhos de propaganda dos sistemas penais latinos americanos a fábrica da realidade Os meios de comunicação social de massa em especial a televisão Zaffaroni aponta que são os mesmos na atualidade elementos indispensáveis para o exercício do poder de todo o sistema penal Sem os referidos meios de comunicação de massa a experiência direta da realidade social permitiria que a população se desse conta da falácia dos discursos justificadores não seria assim possível induzir os medos nos sentido desejado nem reproduzir os fatos conflitivos interessantes de serem reproduzidos em cada conjuntura ou seja no momento em que são favoráveis ao poder das agência do sistema penal5 Assim é certo que não será através da intervenção militar ou federal como preferem os interventores que o Estado vai cumprir seu papel social notadamente nas áreas mais precárias e carentes do Estado Por fim como bem destacaram os penalistas Hassemer e Muñoz Conde6 o problema da criminalidade é pois antes de tudo um problema social e vem condicionado pelo modelo de sociedade Seria ilusório portanto analisar a criminalidade a partir de um ponto de vista natural ontológico ou puramente abstrato desconectado da realidade social em que ela surge 1 DURKHEIM Émile As regras do método sociológico Trad Paulo Neves 2ª ed São Paulo Martins Fontes 1999 2 BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do Direito Penal introdução à sociologia do Direito Penal Trad Juarez Cirino dos Santos Rio de Janeiro Freitas Bastos 1999 3 SILVA Luiz Antonio Machado da Violência e ordem social in Crime polícia e justiça no Brasil Org José Luiz Ratton et al São Paulo Contexto 2014 14092021 1019 ConJur Yarochewsky Anomia Estado paralelo e intervenção militar no RJ httpswwwconjurcombr2018fev20yarochewskyanomiaestadoparalelointervencaomilitarrjimprimir1 44 4 Idem 5 ZAFFARONI Eugênio Raul Em busca das penas perdidas a perda de legitimidade do sistema penal Rio de Janeiro Revan 1991 6 HASSEMER Winfried e MUÑOZ CONDE Francisco Introducción a la criminologia Valencia Tirant lo blanch libros 2001 Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e professor de Direito Penal Revista Consultor Jurídico 20 de fevereiro de 2018 6h38