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Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 39 teoRia da anoMia seGundo RobeRt KinG MeRton e a sociedade cRiMinÓGena seRia o deLito uMa ResPosta À fRustRação de não seR beM sucedido na vida THEORY OF ANOMIA BY ROBERT KING MERTON AND CRIMINOGENIC ASSOCIATION WOULD THE CRIME BE AN ANSWER TO THE FRUSTRATION OF NOT SUCCESSFUL IN LIFE Hélio Pinheiro Pinto1 ResuMo Esclarece o pensamento de Robert King Merton sobre a teoria da anomia Procura esclarecer a distinção entre as estruturas cultural e social de uma sociedade a relação que entre essas estruturas se estabelece e os efeitos que elas projetam no comportamento dos indivíduos socializados fatores decisivos para a prática de condutas compatíveis ou desviantes do padrão convencional PaLavRascHave Teoria da anomia Robert King Merton abstRact It clarifi es the thought of Robert King Merton on the theory of anomie It seeks to clarify the distinction between the cultural and social structures of a society the relationship between these structures and the eff ects they project on the behavior of socialized individuals decisive factors for the practice of behavior compatible with or deviating from the conventional standard KeY WoRds Anomie Theory Robert King Merton 1 Mestre em Ciências JurídicoPolíticas menção em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de CoimbraPortugal Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera UNIDERP Juiz de Direito do Estado de Alagoas Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 40 intRodução Para Merton a anomia consiste em um confl ito socialmente determinado decorrente da contradição entre a estrutura cultural de uma sociedade que estabelece objetivos ilimitados a serem perseguidos por todos ascensão social e êxito econômico e a sua estrutura social que limita os meios para se alcançar legalmente aqueles objetivos Diante da impossibilidade de se satisfazer as aspirações humanas socialmente impostas por intermédio dos escassos mecanismos institucionalmente prescritos gerase uma frustração que acaba por se atribuir pouca ou nenhuma relevância à licitude dos meios utilizados para atingir os fi ns almejados O objetivo desse trabalho consiste em estabelecer ainda que de forma sumária o pensamento do sociólogo americano Robert King Merton sobre a teoria da anomia Procurarseá esclarecer a distinção entre as estruturas cultural e social de uma sociedade a relação que entre essas estruturas se estabelece e os efeitos que elas projetam no comportamento dos indivíduos socializados fatores decisivos para a prática de condutas compatíveis ou desviantes do padrão convencional Antes de concentrarmos nossa atenção no estudo do núcleo essencial da interpretação mertoniana da teoria da anomia consignaremos nas breves linhas do item seguinte as diferenças mais básicas entre as ideias de Merton e de Émile Durkheim sobre esta mesma teoria 1 anoMia PaRa ÉMiLe duRKHeiM e RobeRt K MeRton difeRenças e conveRGÊncia As principais fontes de desenvolvimento da teoria da anomia se encontram nos ensinamentos de Émile Durkheim e Robert K Merton sociólogos francês e americano respectivamente Durkheim estabeleceu os pressupostos e o conceito de anomia nas obras Da Divisão do Trabalho Social 18932 e O Suicídio 18973 Merton posteriormente lançou um novo olhar sobre a mencionada teoria com a publicação do artigo Estrutura Social e Anomia em 1938 o qual viria a ser transformado na obra Teoria e Estrutura Sociais 19494 2 DURKHEIM Émile Da Divisão do trabalho social 1893 Tradução Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 1999 3 Id O Suicídio 1897Tradução Mônica Stahel São Paulo Martins Fontes 2000 4 MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales 1949 México FCE 2004 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 41 O ponto em comum do pensamento de Durkheim e de Merton reside no pressuposto defl agrador do processo de anomia Para ambos ela é desencadeada pela impossibilidade de se satisfazer as necessidades ou aspirações humanas através de meios socialmente prescritos Porém há importantes diferenças entre os entendimentos deles Primeiro Durkheim tem uma concepção naturalista de desvio Para ele faz parte da natureza humana desejar sempre mais razão pela qual as aspirações são naturalmente ilimitadas e insaciáveis o que inviabiliza a completa satisfação delas Merton contudo parte do postulado do determinismo sociológico ou seja as aspirações não seriam inatas ao homem mas induzidas pela própria sociedade Assim a impossibilidade de alcançar os objetivos individuais não está ligada a uma natural insaciabilidade dos desejos humanos mas a um sistema social que para evitar a estagnação necessita estimular todos os seus membros a sempre desejarem mais5 Há outros dois pontos de divergência6 Um deles diz respeito aos setores sociais mais vulneráveis à força anômica Para Durkheim seriam os mais abastados fi nanceiramente ou seja os patrões estariam mais sujeitos à anomia do que os operários pois o estado de subordinação destes inexistente naqueles ajudava a conter os desejos Para Merton ao contrário a anomia se verifi ca com maior vigor nos membros das classes menos favorecidas vez que o desequilíbrio entre os fi ns culturais e os meios socialmente legítimos para atingilos é mais acentuado nas pessoas com parcos recursos fi nanceiros e com defi ciência educacional A outra divergência consiste no fato de que para Durkheim a desregulação social provoca as aspirações infi nitas ou seja a desproporção entre os desejos e os recursos necessários para satisfazêlos ocorre nos momentos em que há uma ruptura violenta e repentina do equilíbrio social crises econômicas ou brusco progresso fi nanceiro sendo que ultrapassada a crise restabelecese a normalidade de modo que a anomia decorreria da ausência transitória de normas nesses períodos excepcionais Para Merton o movimento é inverso isto é são as aspirações ilimitadas que levam ao desregramento normativo ou seja 5 DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd p 332 e FERREIRA Pedro Moura Infracção e censura representações e percursos da sociologia do desvio Revista Análise Social Lisboa v 34 n 151142 p 641 1999 6 Sobre as divergências de pensamento entre Merton e Durkheim em torno da teoria da anomia abordadas nesse estudo cf FERREIRA Pedro Moura Infracção e censura representações e percursos da sociologia do desvio Revista Análise Social Lisboa v 34 n 151142p 642 1999 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 42 a anomia não estaria ligada à ausência de normas mas à presença da grande ênfase cultural dada às metas de sucesso por um lado e à pouca importância atribuída à licitude dos meios utilizados para alcançálas por outro Feitas essas sumárias distinções passase a desenvolver o núcleo essencial da interpretação mertoniana sobre a teoria da anomia É o que veremos a seguir 2 conceito de anoMia a contRadição entRe as estRutuRas sociaL e cuLtuRaL da sociedade uMa induZindo o Que a outRa LiMita Merton em meados do século XX ao procurar explicar a causa da criminalidade partiu da análise da sociedade dos Estados Unidos da América no âmbito da qual era estimulada à procura desenfreada do sucesso e do bem estar consistente na ascensão social e no êxito fi nanceiro Esses valores em um ambiente democrático liberal e igualitário estariam sob o ponto de vista formal ao alcance de todos dependendo apenas do próprio esforço das próprias virtudes e de muita dedicação Tratavase do american dream O ob jetivo do autor era demonstrar que as condutas desviantes dos padrões ditos normais ou ofi ciais em especial as de natureza criminal eram produto da própria estrutura da sociedade norteamericana que para assegurar o progresso econômico e evitar a estagnação social estimulava o desejo ilimitado de consumo e de acumulação de riqueza sem contudo facultar a todos os indivíduos os meios necessários para de forma lícita alcançar esses desideratos A teoria da anomia portanto parte do postulado do determinismo sociológico Com base nessa premissa Merton analisou a sociedade partindo da distinção entre as suas estruturas cultural e social para em sequência estabelecer os efeitos que essas estruturas exerciam sobre as pessoas Para ele a estrutura cultural é o conjunto de objetivos metas ou valores historicamente assentados a serem perseguidos pelos membros de uma comunidade valores esses que na realidade norteamericana signifi cavam primordialmente ascensão social e êxito econômico Por outro lado ele defi ne a estrutura social como o conjunto de meios e modos de se alcançar legitimamente aqueles objetivos como por exemplo trabalho honesto remuneração digna e educação adequada7 7 Nesse sentido Cf MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 pp 210211 DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd p 323 e HASSEMER Winfried CONDE Francisco Muñoz Introducción a lacriminología y a la política criminal Tirant Lo Blanch Valencia 2012 p 89 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 43 Para além dessa distinção Merton veio a demonstrar que o comportamento dos sujeitos socializados está em grande medida condicionado à relação de desequilíbrio que se venha a estabelecer entre aquelas mesmas duas estruturas sociais Assim quando a estrutura cultural se acopla com a social existência de meios legítimos sufi cientes para alcançar os objetivos culturalmente prescritos temse uma sociedade harmônica Contudo quando há um descompasso entre as referidas estruturas abrese caminho para o surgimento de condutas desviantes do padrão convencional sociedade anômica Port anto a anomia é o produto da antinomia entre a estrutura cultural e a social Essa situação não seria fenômeno de difícil verifi cação Com efeito Merton observou que a estrutura cultural ao impor os objetivos faziao de modo formalmente igualitário impondo metas dirigidas a todos os indivíduos indistintamente sob a perspectiva nem sempre realista de que o sucesso estaria ao alcance de todos que tendo as virtudes necessárias estivessem dispostos a legitimamente alcançálo às custas de certos sacrifícios Diversamente a estrutura social era seletiva e materialmente desigual na medida em que os meios lícitos para a concretização dos objetivos por serem escassos eram distribuídos antiisonomicamente concentrandose nas mãos de pequena parcela da população condenando as demais pessoas a de antemão fracassar8 Assi m presente a intensa pressão social para o cumprimento das ilimitadas metas culturais a qualquer custo fi ns ilimitados mas por outro lado ausentes as oportunidades sufi cientes para legitimamente perseguir aquele sonho meios limitados nasce desse confl ito socialmente determinado uma relação de tensão que acabaria por gerar condutas desviantes ensejando o rompimento das normas ou seu completo desprezo o que viria a ser a defi nição de anomia para Merton 9 Como s e vê a anomia não decorreria da ausência transitória de normas como defendia Durkheim mas da grande ênfase dada às metas que somada 8 Cumpre salientar contudo que essa desproporção quando dentro de certos limites suportáveis não é um fenômeno patológico ou anormal mas ao contrário é funcional na medida em que impulsiona a evolução social com a movimentação dos indivíduos na direção da busca do sucesso Nesse sentido BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do Direito Penal introdução à sociologia do Direito Penal Tradução Juarez Cirino dos Santos Rio de Janeiro Revan Instituto Carioca de Criminologia 6 ed 2011 p 63 9 DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena sl Coimbra sd p 324 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 44 à frustração derivada do bloqueio de oportunidades acabaria por se atribuir pouca ou nenhuma relevância à licitude dos meios utilizados Nesse ambiente anômico no afã de concretizar as altas ambições socialmente induzidas acabaria por imperar a lei da selva baseada no livre mercado e na competitividade sem limites na qual nem sempre ganha o melhor mas sim o mais forte o mais esperto ou simplesmente o mais criminoso10 Dentro desse cenário surge a necessidade de se descobrir os efeitos que essa contradição sociocultural provoca nas pessoas socializadas Essa foi a segunda e talvez mais importante contribuição de Merton para a teoria da anomia Ele pretendeu encontrar resposta para a seguinte indagação como os indivíduos lidam com a frustr ação gerada pela desarmonia entre aquelas duas estruturas sociais uma induzindo o que a outra limita É o que veremos na seção seguinte 3 os efeitos de uMa sociedade anÔMicasobRe o coMPoRtaMento dos indivÍduos confoRMisMo inovação RituaLisMo evasão e RebeLião Diante d a tensão entre a exigência de cumprimento de metas culturais ilimitadas e a existência limitada de meios socialmente legítimos para persegui las a questão que se coloca é a de saber quais os efeitos que essa anomia provoca sobre o comportamento das pessoas Como elas se inadaptam a uma sociedade anômica no que se refere à observância das normas postas As respo stas para essas indagações passam por uma constatação prévia diante da contradição entre as estruturas cultural e social não se poderia esperar um mesmo padrão comportamental de todos os cidadãos Uns conseguiriam conquistar o sucesso pelos meios normais e outros não teriam esse talento ou oportunidade de têlo Dentre este último grupo de indivíduos uns teriam mais autocontrole e maior capacidade de conviver com as frustrações e outros nem tanto Em outras palavras haveria adaptação desviante e adaptação convencional Merton então procura tipifi car as formas de adaptação a uma sociedade anômica Ele evidencia cinco meios a conformismo b inovação c ritualismo d evasão e rebelião11 Passemos a examinálos 10 Nessa perspectiva cf HASSEMER Winfried CONDE Francisco Muñoz Introducción a la criminología y a la política criminal Tirant Lo Blanch Valencia 2012 p 85 11 MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 p 218 e DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd p 325 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 45 O conformismo para Merton é a única forma de se adaptar verdadeiramente à sociedade anômica Consiste na conduta da pessoa que interioriza os objetivos culturais e adere às normas socialmente prescritas Não é pois uma solução desviante Quanto maior o número de indivíduos com esse perfi l maior será a coesão e estabilidade sociais Na inovação por seu turno o indivíduo também sucumbiu aos apelos da estrutura cultural de modo a desejar ascender social e economicamente porém por vias socialmente proscritas pois verifica que os recursos normais ou são insuficientes ou não estão ao seu alcance12 A inovação gera desvios que em sua maioria constituem ações criminosas furto roubo sonegação fiscal estelionatoetc13 O ritualismo por sua vez é o comportamento de quem prioriza as normas sociais em detrimento dos objetivos culturalmente valorizados reduzindo o nível da ambição de mobilidade social e crescimento econômico Tal comportamento predomina nas pessoas que por um lado não desejam descumprir as normas vigentes mas por outro sentemse incapazes de alcançar pelos caminhos convencionais as metas que as levariam ao sucesso É a perspectiva do empregado assustado do burocrata zelosamente conformista na gaiola da caixa da empresa bancária particular ou no escritório da empresa de utilidade pública14 Se se constatar em uma comunidade anômica um excessivo número de pessoas que adotam esse tipo de adaptação correse o risco de chegar a uma estagnação social com a inibição de mudanças importantes Na evasão apatia ou retraimento a inadaptação a uma sociedade anômica ocorre também pela renúncia tal como acontece no ritualismo Porém na conduta evasiva o sujeito abdica não apenas dos objetivos culturais mas também das normas institucionalmente prescritas No fundo esse tipo de desviado valoriza os objetivos e os meios legalmente estabelecidos para realizálos Acontece que o descompasso entre as estruturas cultural e social o impede de alcançar as 12 Nas palavras de Merton Una grande importância cultural concedida a la metaéxito invita a este modo de adaptación mediante el uso de medios institucionalmente proscritos pero com frequencias efi caces de alcanzar por lo menos el simulacro de léxito riqueza y poder Tiene lugar esta reacción cuando el indivíduoassimiló la importancia cultural de la meta sin interiorizar igualmente las normas institucionales que gobiernanlos modos y losmedios para alcanzarla MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 p 220 13 Nesse sentido cf DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena sl Coimbra sd p 326 14 Essa é a avaliação do próprio MERTON citada por DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd p 327 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 46 metas através dos recursos socialmente válidos Como não se aventura buscar o sucesso às custas da violação das normas resolve essa tensão renunciando aos elementos confl itantes os fi ns e os meios A fuga é completa O indivíduo fi ca assocializado15 Na evasão a fuga o derrotismo e a resignação são as formas como o sujeito lida com a frustração de não ser bemsucedido na vida Embora não se possa tomar isto como regra pertence a essa categoria na perspectiva da teoria da anomia mertoniana os párias proscritos errantes mendigos bêbados crônicos e drogados16Segundo Merton los individuos que se adaptan o se mal adaptan de esta manera estrictamente hablando están en la sociedad pero no son de ella17A existência de um número excessivo de desviados apáticos provocaria a desintegração social vez que seriam fortemente enfraquecidos os laços que unem os indivíduos entre si laços esses que são indispensáveis para a existência de coesão social e portanto da própria sociedade Por fi m Merton inclui dentre as formas de desajustamento social a fi gura da rebelião O desviado dessa categoria a exemplo do da evasão também renuncia aos objetivos culturais impostos e às normas institucionais em vigor Porém o sujeito rebelde ao contrário do evasivo não se apaga por trás da escuridão da fuga Sua conduta se pauta pelo inconformismo somado à revolta Ou seja o indivíduo rejeita os padrões sociais postos e procura estabelecer novas metas e institucionalizar novos caminhos para atingilas Luta para criar novos critérios de sucesso e novos esquemas de correspondência entre o esforço e as recompensas18Da rebelião podem decorrer por exemplo crimes com motivação política manifestações violentas ocupações saques movimentos revolucionários e terrorismo19 Examinado embora sinteticamente o núcleo essencial da teoria da anomia de Merton passase a discorrer sobre sua incidência na sociedade brasileira 15 MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 p 233 16 SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 197 17 MERTON Robert K Ibd p 232 18 Nesse sentido cf MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 p 235 DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia O homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd p 328 e SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 198 19 Nesse sentido cf SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 202 e HASSEMER Winfried CONDE Francisco Muñoz Introducción a lacriminología y a la política criminal TirantLoBlanch Valencia 2012 p 92 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 47 4 incidÊncia da teoRia da anoMia na sociedade bRasiLeiRa No Brasil a teoria da anomia especialmente no enfoque dado por Merton explica ainda hoje parte das condutas desviantes bem como infl uencia o conteúdo de decisões judiciais no tocante à dosimetria da pena e estimula a criação de institutos jurídicopenais segundo cremos Realmente como exemplo de país com contrastes impactantes o Brasil alberga uma elite ostensivamente rica ao lado de uma massa enorme de pessoas muito pobres que não têm o mínimo necessário para viver com dignidade A existência de múltiplos mundos sociais separados por diferenças socioeconômicas abismais aliado ao estímulo ao consumo e à competição sem limites favorece por exemplo o avanço do tráfi co de drogas e dos crimes contra o patrimônio inovação além de contribuir para a mendicância retraimento e para comportamentos rebeldes rebelião20 Não é só As bases da teoria da anomia também podem repercutir na decisão do magistrado no momento da dosagem da pena Com efeito não é raro constatar que a maioria dos réus condenados está à margem da sociedade vivendo em ambiente altamente criminógeno sob o domínio de condições as mais adversas não têm acesso à saúde e à educação não possuem moradia e emprego dignos etc Ora se o delito é determinado em certa medida por uma irresistível força anômica ou seja pelo desequilíbrio sociocultural de uma sociedade nada mais justo do que atribuir a essa mesma sociedade uma parcela de culpa pelo cometimento do crime reduzindo a sanção do agente princípio da coculpabilidade do Estado mormente no ambiente brasileiro onde o Estado apesar de obrigado a implementar políticas públicas de inclusão social não o faz de forma satisfatória Embora não exista expressa previsão legal esse posicionamento encontra guarida nos princípios constitucionais da igualdade material artigo 5º caput da CF88 e da individualização da pena artigo 5º inciso XLVI da CF88 vez que o réu socialmente excluído ao cometer um crime de roubo por exemplo não pode receber a mesma pena de outro que com todas as condições favoráveis pratica o mesmo delito 20 SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 200 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 48 No campo infraconstitucional a reprimenda poderia ser minorada com base na atenuante genérica prevista no artigo 66 do Código Penal brasileiro segundo o qual a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante anterior ou posterior ao crime embora não prevista expressamente em lei Em reforço a Lei nº 107922003 ao incluir o parágrafo 1º ao artigo 187 do Código de Processo Penal parece ter autorizado a aplicação do princípio da coculpabilidade pois determina que na primeira parte do interrogatório do réu sejalhe indagado sobre sua residência meios de vida ou profi ssão oportunidades sociais Como não s e pode presumir que a lei adote palavras inúteis resta evidente que essas circunstâncias quando apontem para um réu socioeconomicamente débil devem benefi ciálo de alguma forma notadamente com a diminuição de sua pena21 Para além disso cremos que o legislador brasileiro ao criar institutos despenalizadorescomo a transação penala composição civil dos danos e a suspensão condicional do processo artigos 72 e 89 da Lei nº 909995 ou ao desestimular o encarceramento de réu condenado a pena privativa de liberdade de curta duração impondo a substituição por sanções alternativas artigos 43 e 44 do Código Penal brasileiro ou ainda ao permitir a remissão de atos infracionais praticados por adolescentes artigo 126 da Lei nº 806990 não pensou somente em termos de políticas criminais de ressocialização ou apenas nos incontroversamente deletérios estabelecimentos penais brasileiros Cremos que no fundo há uma espécie de sentimento de culpa uma qualquer compensação pela omissão estatal na implementação de políticas públicas imprescindíveis para se alcançar por caminhos legais o sucesso individual socialmente imposto Essa afirmação se fortalece quando se observa que aqueles benefícios só serão concedidos quando assim indiquem o contexto social artigo 126 da Lei nº 806990 a culpabilidade a conduta social os motivos e as circunstâncias do fato artigo 44 inciso III do Código Penal e artigo 89 da Lei nº 909995 combinado com artigo 77 inciso II do Código Penal Portanto os pressupostos da teoria da anomia de Merton como se percebe parecem incidir mais do que nunca em nossa sociedade 21 O princípio da coculpabilidade não se fi rmou ainda no âmbito dos Tribunais em especial no Superior Tribunal de Justiça para o qual a teoria da coculpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida STJ HC 213482SP Julgamento 17092013 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 49 concLusão A teoria da anomia de Merton não está imune a críticas Uma delas destaca que a forma de adaptação diante de uma pressão social anômica não é a mesma para todos mas depende de disposições individuais do sujeito Assim ela não conseguiria explicar satisfatoriamente por qual razão algumas pessoas cometem crimes sem nenhuma motivação fi nanceira homicídio passional crimes sexuais etc ou por que pessoas absolutamente postas à margem da sociedade não violam as leis penais nem adotam outra conduta desviante ou por qual razão pessoas economicamente abastadas praticam crimes de natureza fi nanceira delitos de colarinho branco crimes evidenciados na denominada operação Lava Jato por exemplo Outra objeção consiste no fato de que a teoria da anomia não admite a possibilidade de crítica à sociedade competitiva pressupondo necessariamente a integração do indivíduo a essa sociedade presumindo portanto um consenso em torno das ideias ligadas à busca do sucesso individual consenso esse que não pode ser tomado como algo absoluto22 Embora sejam em certa medida procedentes essas duras críticas é de se concluir que a teoria da anomia de Merton tem o mérito de desmistifi car o delito encarandoo como um fenômeno normal decorrente de um confl ito socialmente determinado superando nesse aspecto as teorias biológicas e psicológicas individuais Mais do que isso seus fundamentos conseguem demonstrar com invulgar sucesso que a origem das condutas desviantes não está na pessoa em si mesma considerada mas na forma como ela interage com uma estrutura sociocultural desajustada que por um lado encoraja a busca desenfreada pela ascensão social e êxito fi nanceiro mas por outro restringe a poucos indivíduos privilegiados as oportunidades legítimas e efi cazes para concretizar tais desideratos Para além disso a teoria da anomia esclarece que o crime pode ser socialmente útil e necessário Com efeito a reação da sociedade contra o transgressor reafi rma os valores comunitários e a validade das normas estabelecidas revigorando a 22 Nesse sentido HASSEMER Winfried CONDE Francisco Muñoz Introducción a la criminología y a la política criminal Tirant Lo Blanch Valencia 2012 pp 9394 e BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do Direito Penal introdução à sociologia do Direito Penal Tradução Juarez Cirino dos Santos 6 ed Rio de Janeiro Revan Instituto Carioca de Criminologia 2011 pp 6667 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 50 solidariedade e a coesão sociais Ademais certos delitos ajudam a comunidade a repensar suas crenças e a refl etir sobre a necessidade de superálas abrindo caminho para mudanças importantes evitando a estagnação social23 Tropicalizando a teoria da anomia para terras brasileiras onde há vários mundos sociais separados por diferenças sócioeconômicoculturais profundas percebese que ela explica parte das condutas desviantes em especial o tráfi co de drogas e os crimes contra o patrimônio inovação Embora não se possa e nem deva defender que a responsabilidade pela prática desses crimes seja mais da sociedade e de seu ambiente criminógeno do que do próprio criminoso o certo é que tal teoria pode subsidiar decisões judiciais no tocante à dosimetria da pena fornecendo elementos para atenuar a sanção do réu que atue sob a infl uência de uma sociedade anômica princípio da coculpabilidade Por fi m os fundamentos da anomia estimularam mesmo que o legislador não tenha plena consciência disso a criação de institutos jurídicopenais que atendidos certos requisitos benefi ciam os réus que comprovadamente tenham sido compelidos a cometer crimes premidos por uma força anômica irresistível Dentre esses institutos citamse a prescrição a transação penal a composição civil dos danos a suspensão condicional do processo as penas alternativas à prisão e a remissão de atos infracionais praticados por adolescentes Em suma podemos afi rmar com certa margem de segurança que a violação das leis penais socialmente prescritas pode transformar um homem em delinquente mas sua punição não tem o condão de expurgar da sociedade sua feição criminógena 23 Nesse sentido cf SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 pp 199200 Revista da ESMAL AlagoasAL ano 2017 nº 6 Novembro 2017 ISSN 16780450 51 REFERÊNCIAS BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do Direito Penal introdução à sociologia do Direito Penal Tradução Juarez Cirino dos Santos 6 ed Rio de Janeiro Revan Instituto Carioca de Criminologia 2011 DIAS Jorge de Figueiredo ANDRADE Manoel da Costa Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Sl Coimbra sd DURKHEIM Émile Da Divisão do trabalho social 1893Tradução Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 1999 O Suicídio 1897Tradução Mônica Stahel São Paulo Martins Fontes 2000 FERREIRA Pedro Moura Infracção e censura representações e percursos da sociologia do desvio Revista Análise Social Lisboa v 34 n 151142 pp 635 667 1999 HASSEMER Winfried CONDE Francisco Muñoz Introducción a la criminología y a la política criminal Tirant Lo Blanch Valencia 2012 MERTON Robert K Teoria y Estrutura Sociales México FCE 2004 SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia 5 ed rev São Paulo Revista dos Tribunais 2013 URBANO Maria Benedita Cidadania para uma Democracia Ética Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Coimbra v 83 p 515539 2007