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Direito Penal

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Uma publicação do ITEC Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais e da SÍNTESE uma linha de produtos jurídicos do grupo SAGE Revista de estudos CRiminais ano XiX nº 77 Periodicidade trimestral Tiragem 2000 exemplares ASSINATURAS São Paulo 11 21887507 Demais Estados 08007247900 SAC e Suporte Técnico São Paulo e Grande São Paulo 11 21887900 Demais Estados 08007247900 wwwitecrsorgrec wwwsintesecom Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores Os originais não serão devolvidos embora não publicados Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem na íntegra às cópias dos originais obtidas na Secretaria do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais Proibida a reprodução parcial ou total sem autorização dos editores Revista de estudos CRiminais ISSN 16768698 IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda R Antonio Nagib Ibrahim 350 Água Branca 05036060 São Paulo SP Telefones para Contatos Cobrança 0800 724 7900 opção 03 SAC e Suporte Técnico 0800 724 7900 opção 01 Email relacionamentosagecom Renovação 0800 724 7900 Endereço para correspondência Prof Dr Fabio Roberto DAvila Direção da Revista de Estudos Criminais Programa de PósGraduação em Ciências Criminais PPGCCRIM Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Av Ipiranga 6681 Porto AlegreRS CEP 90619900 Email recitecrsorg Sumário 7 Sobre a problemática e sobre a necessidade de uma refundação da dogmática da legítima defesa Wolfgang Frisch 35 Reflexões sobre o dolo e o dolo eventual DiegoManuel Luzón Peña 61 Sobre a estrutura do dolo Eduardo Viana 109 Delito de induzimento instigação ou auxílio à automutilação o alcance do tipo fundamental e sua delimitação para com a forma qualificada pelo resultado lesões graves e gravíssimas Pablo Rodrigo Alflen 129 Entendendo o assédio sexual e a importância das relações de gênero inputs da pesquisa empírica para o tratamento jurídicopenal da questão Beatriz Corrêa Camargo 149 Os algoritmos de acidente para carros autônomos e o Direito Penal análises e perspectivas Matheus Almeida Caetano 193 O caso Bemba responsabilidade do comando no Direito Penal internacional Sylvia Steiner 221 O Pleonasmo jurídico e a omissão legislativa em face do instituto da legítima defesa no contexto da Lei nº 139642019 Renato Kramer e Luís Augusto Sanzo Brodt SOBRE A ESTRUTURA DO DOLO ON THE STRUCTURE OF DOLUS eDuarDo Viana RESUMO A fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente é um problema central do direito penal Também na prática penal a difícil distinção entre uma e outra modalidade de imputação sub jetiva tem um extraordinário significado O impulso para o enfrenta mento dessa problemática foi dado a partir da confrontação de duas diferentes perspectivas por um lado aquela fronteira se construiu com base no querer isso foi o que defendeu e ainda defende a li teratura científica volitivista por outro a fronteira entre o dolo e a culpa se ergueu apenas com base na representação do agente isso foi o que defendeu e ainda defende a literatura científica cogniti vista Para a correta compreensão desse embate o artigo discute a estrutura do crime doloso para e após constatar a insustentabilidade do conceito volitivo de dolo é apresentada uma proposta cognitiva de dolo PALAVRASCHAVE Dolo conceitos básicos normativização co nhecimento ABSTRACT The line separating dolus eventualis as the weaker form of intent from culpa is a central issue within Criminal Law In the praxis of Criminal Law the distinction between each of these mens rea elements has an extraordinary importance The motivation for working with this subject came from the tension between two different perspectives One group of voluntaristic oriented authors base their distinction upon a volition On the other side there are authors who take a cognitivistic approach drawing the line upon the representation of the perpetrator In order to bring up an efficient debate this article discusses the structure of dolus and after showing the unsustainability of a volitional concept of dolus a cognitive proposal of dolus is presented Doutor em Direito UERJ Professor adjunto UFBA e UESC Orcid orcidorg00000003 25039318 Email eduardovianaufbabr VIANA Eduardo Sobre a estrutura do dolo Revista de Estudos Criminais Porto Alegre v 19 n 77 p 61107 2020 62 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 62 KEYWORDS Dolus basic concepts normativization knowledge SUMÁRIO Considerações iniciais 1 Questões fundamentais 11 Os tradicionais elementos do dolo 111 A representação 112 A vontade 12 Formas de dolo 13 Dolus cumulativus e dolus alternativus 2 A delimitação entre o dolo eventual e a culpa cons ciente 21 Teorias da representação 211 Teoria da possibilidade 212 Teoria da probabilidade 22 Teorias de disposição de ânimo 221 Teoria do consentimento ou assunção aprovadora 222 Teo ria do levar a sério o perigo de realização do tipo 223 Teoria da indiferença 23 Teorias do perigo 24 O caso especial da teoria do obstáculo psíquico Hemmschwellentheorie 3 Tomada de postura 31 A ratio da pena para o crime doloso 32 O compromisso cogni tivo critérios de precisão 4 A crise da dimensão cognitiva do dolo Considerações finais Referências CONSIDERAÇÕES INICIAIS O dolo é um dos temas que mais tem provocado discussão científica no cenário internacional1 É realmente surpreendente para não usar outro adjetivo que a ciência ainda consiga produzir tantos artigos e de tanta qualidade em um tema em que já se disse praticamente tudo Observando o cenário brasileiro outra vez recorro ao adjetivo surpreendente mas agora para empregálo com carga semântica distinta é espantoso como um tema que é a espinha dorsal 1 Para citar somente alguns artigos produzidos no último biênio Bosch Bedingter Vorsatz und Indizienbeweis Jura 2018 1225 Deiters Bedingter Vorsatz als Beweisthema im Strafprozess ZIS 2019 401 Eisele Bedingter Tötungsvorsatz bei verbotenen Kraftfahrzeugrennen JZ 2018 549 Frister Vorsatzdogmatik in Deutschland ZIS 2019 381 Greco Objektive Zurechnung als Vorsatzgegenstand GA 2018 537 Herzberg Setzt vorsätzliches Handeln 15 StGB ein Wollen der Tatbestandsverwirklichung voraus JZ 2018 122 Herzog Mörderische Raser RogalFS 2018 147 Hörnle Plädoyer für die Aufgabe der Kategorie bedingter Vorsatz JZ 2019 440 Hörnle Vorsatzfeststellung in RaserFällen NJW 2018 1576 KudlichHoven Wie sicher muss ich das wissen Anforderungen an die kognitive Vorsatzkomponente beim unechten Unterlassungsdelikt RogallFS 2018 208 Mitsch Wie viel Rücksichtslosigkeit verträgt die Gesellschaft ZIS 2019 234 Momsen Voluntatives Vorsatzelement und psycho logisches Schuldmoment KriPoZ 2018 76 Puppe Abschied von der LederriemenEntscheidung HRRS 2018 393 Puppe Der dolus eventualis und sein Beweis ZIS 2019 409 Schmoller Vorsatzdogmatik in Österreich ZIS 2019 387 Stübinger Bedingter Tötungsvorsatz beim unbedingten Rasen KindhäuserFS 2019 515 Vavra Holznagel Der bedingte Tötungsvorsatz in der Rspr des BGH HRRS 2018 467 Walter Der vermeintliche Tötungsvorsatz von Rasern NJW 2017 1350 Walter Lebensgefährliches Verhalten im Straßenverkehr KriPoZ 2018 39 Zehetgruber Bedingter Vorsatz und bewusste Fahrlässigkeit bei sog Renn bzw Raserfällen KriPoZ 2018 358 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 63 63 dos mecanismos dogmáticos de redução de poder punitivo praticamente não é debatido2 Eu suponho que isso tenha uma dupla razão a primeira o Código Penal brasileiro resolveu os problemas do dolo por meio da conhecida fórmula pre vista no art 18 I do CP diz do crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo a segunda a competência para julgar os crimes do losos contra a vida fenomenologia em que se apresentam os problemas centrais de dolo é do tribunal do júri à vista disso a práxis que deveria ser responsável por alimentar as discussões dogmáticas com problemas concretos praticamente não discute o assunto A consequência resultante da soma desses dois fatores é bastante previsível continuamos a repetir sem vacilar que o dolo é a consci ência e vontade de realizar o tipo Se a minha leitora conhece apenas essa fórmu la então devo advertila que essa definição corresponde à protodogmática do dolo Formulando de modo mais severo a quantidade de publicações em língua portuguesa ou melhor a ausência delas contribui para a perpetuação da incom preensão sobre a estrutura do dolo Neste artigo com pretensões modestas gostaria de apresentar ao leitor um breve panorama sobre a teoria do crime doloso O meu objetivo entretanto não é de verticalização em todos os pontos não Aqui serei bem menos pre tensioso a minha principal finalidade é contribuir para minorar a perpetuidade daquela protodogmática a que fiz referência Dividirei com o leitor as principais discussões travadas há mais de um século mas que pouco repercutiram em solo brasileiro É possível que em algum momento esse trabalho seja julgado como superficial Quem fizer esse julgamento não estará completamente equivocado mas o meu julgador provavelmente ignora o fato de que essa superficialidade de fato é dolosa Assumirei portanto o risco E assim o é porque não estou es 2 No Brasil as últimas edições da Revista de Estudos Criminais têm contribuído decisivamente para fomentar o debate vejase Frister A dogmática do dolo na Alemanha Revista de Estudos Criminais v 19 n 76 p 722 2020 Marteleto Filho A normativização do dolo entre o princípio epistêmico e o princípio da responsabilidade Revista de Estudos Criminais v 19 n 76 p 127152 2020 VianaTeixeira A imputação dolosa no caso do racha em Berlim Revista de Estudos Criminais v 18 n 73 p 105130 2019 Ainda em português o leitor terá um superficial panorama do cenário alemão em HilgendorfValerius Direito penal parte geral Trad Orlandino Gleizer 2019 A menção a essas obras e outras que virão no decorrer do texto não infirma o meu diagnóstico senão que o confirma O fato de existirem publicações em português não significa que o tema é debatido afinal há uma diferença substancial entre descrição e debate Não por outra razão já em 2004 Luís Greco julgava existir no âmbito da ciência penal brasileira um congelamento na elaboração científica do dolo Considero que esse diagnóstico permanece substancialmente correto 64 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 64 pecialmente preocupado em fornecer todas as respostas senão em apresentar os principais problemas O meu segundo objetivo é que este artigo possa contribuir para a suavizar a devoção que se formou em torno do elemento volitivo do dolo Pôr em xeque esse elemento ainda causa muito espanto mas essa reação deriva exatamente do cenário de incompreensão que envolve a estrutura do dolo o que confirma a importância do meu primeiro objetivo Ao final deste artigo espero conseguir convencer a minha leitora que esse espanto é irrazoável Para cumprir esses objetivos fornecerei aos leitores um breve panorama sobre a estrutura do crime doloso em especial sobre a diversas teorias que tratam da sua fronteira com a culpa Para isso procederei do seguinte modo primeiro tratarei das questões fundamentais que envolvem a distinção entre o dolo e a culpa a seguir 1 cimentados os conhecimentos básicos passarei à espinha dor sal do artigo apresentarei e examinarei as diversas teorias que esquadrinham os limites entre o dolo eventual e a culpa consciente a seguir 2 depois exporei um esboço da minha própria concepção a seguir 3 finalmente mencionarei a crise pela qual passa o elemento cognitivo do dolo a seguir 4 Começo então pelo fundamental 1 QUESTÕES FUNDAMENTAIS Desde mais de um século pertence à tradição dogmática a definição ana lítica de fato punível como uma ação típica antijurídica e culpável3 Os dois pri meiros níveis4 a tipicidade e a antijuridicidade expressam a dimensão material do injusto ao passo que o terceiro nível a culpabilidade delimita a responsabi lidade pessoal do indivíduo Também é majoritariamente preponderante na lite ratura científica internacional a opinião segundo a qual nos crimes de resultado o processo de atribuição do tipo objetivo exige uma análise em dois níveis pri 3 Por todos cf BaumannWeberMitschEisele AT12 11 Rn 1 Rengier Strafrecht10 p 39 Rn 1 RoxinGreco AT5 I 7 Rn 4 4 Nesse momento não interessa a discussão sobre se a ação é absorvida pela tipicidade ou se tem existência autônoma Sobre isso cf Greco Tem futuro o conceito de ação p 149 DÁvila A realização do tipo como pedra angular da teoria do crime Elementos para o abandono do conceito prétípico de ação e de suas funções Revista de Estudos Criminais v 54 p 135163 2014 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 65 65 meiro a causalidade depois a imputação objetiva56 Somente superada positiva mente a análise desse primeiro nível mas ainda no âmbito do injusto7 é que ingressamos na dimensão da imputação subjetiva mais precisamente na análise sobre se estamos ou não diante de um crime doloso O legislador brasileiro tomou uma posição políticocriminal bastante clara em relação à punibilidade dos comportamentos em regra uma ação somente pode ser punida se realizada dolosamente parágrafo único do art 18 do CP8 Em sua tradicional e majoritária definição age dolosamente aquele que tem a 5 Essa concepção ainda não se impôs no Brasil 6 Sobre esses temas para mencionar diminuta parcela da literatura cf Ast Handlung und Zurechnung 2019 DÁvila Crime culposo e a teoria da imputação objetiva 2001 DehneNiemann Trunkenheitsangepasste Fahrtgeschwindigkeit als sorgfaltsgemäßes Alternativverhalten und Kausalität der Sorgfaltspflichtverletzung ZStW 130 2018 1035 Fahl 30 Jahre und kein bisschen weiter eigenverantwortliche Selbstgefährdung im Strafrecht GA 2018 418 Frisch Erfolgsgeschichte und Kritik der objektiven Zurechnung GA 2018 553 Greco Problemas de causalidade e imputação objetiva Trad Ronan Rocha 2018 Greco Um panorama da imputação objetiva 2014 Haas Die objektive Zurechnung beim unechten Unterlassungsdelikt FS Kindhäuser 2019 177 Hettinger Subversive Gedanken zur Lehre von er objektiven Zurechnung FischerFS 2018 215 Jakobs Beurteilungsperspektive insbesondere bei Erfolgsprognosen FS Kindhäuser 2019 219 Jakobs Der Organisationskreis Versuch einer systematischen Orientierung FischerFS 2018 115 Mitsch Das erlaubte Risiko im Strafrecht JuS 2018 1161 Narjes Die Kausalität bei Gremienbeschlüssen ZJS 2019 97 Perron Objektive Zurechnung bei der Untreue KindhäuserFS 2019 765 Puppe Das Gremienproblem die Kausalität und die Logik ZIS 2018 57 Puppe Verursachen durch Verhinderung rettender Kausalverläufe und durch Unterlassen ZIS 2018 484 Puppe Estudos sobre imputaçao objetiva e subjetiva no direito penal Org e trad Beatriz Corrêa Camargo e Wagner Marteleto Filho 2019 Rocha A relação de causalidade no direito penal 2015 Rotsch Lederspray redivivus Zur konkreten Kausalität bei Gremienentscheidungen ZIS 2018 1 Roxin Die einverständliche Fremdgefährdung eine Diskussion ohne Ende GA 2018 250 Weigend Selbst Schuld Zur Zurechnung von Tatfolgen an deren Entstehung der Verletzte mitgewirkt hat RengierFS 2018 135 7 Se o dolo pode assumir uma dupla posição dentro da estrutura do delito isto é integrar não somente o tipo mas também funcionar como elemento a culpabilidade é questão que extrapola os objetivos deste manual Sobre a dupla posição do dolo cf Gallas ZStW 67 1955 p 45 e ss NK5Puppe 15 Rn 23 RoxinGreco AT5 I 12 Rn 26 SSSternbergLieben Schuster30 15 Rn 8 Morillas Cueva La doble posición del dolo en la teoría jurídica del delito Cuadernos de Politica Criminal n 91 2007 p 2746 8 Por isso argumenta parcela da literatura o dolo expressa a forma mais grave de comportamento punível BaumannWeberMitschEisele AT12 11 Rn 2 Dias Direito penal I3 p 407 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 16 Contra LK12 Vogel vor 15 Rn 23 e ss 66 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 66 consciência e a vontade de realizar os elementos do tipo objetivo910 A princípio essa fórmula é uma consequência da estrutura legal adotada pelo Código Penal brasileiro que à altura do art 18 I considerou que age dolosamente aquele que quer ou assume o risco de produzir o resultado Como é possível extrair da definição legal e da preferência científica o conteúdo do dolo é constituído de dois elementos psicológicos o elemento inte lectual tradicionalmente denominado de consciência que aqui chamarei de re presentação11 e o elemento volitivo a vontade12 Ao contrário do quanto o leitor apressadamente poderia imaginar e isso não seria nenhuma surpresa esses dois elementos possuem uma indisfarçável relação de dependência E quem promove essa relação isso sim pode causar alguma surpresa é o elemento cognitivo a re presentação afinal conforme formulação largamente utilizada o agente somen te pode ter vontade de realização do tipo13 se houver antes e no mínimo represen tado essa possibilidade A análise da representação portanto é necessariamente o primeiro passo a ser dado quando se objetiva compreender a estrutura do dolo Vamos a ela 11 Os tradicionais elementos do dolo 111 A representação A representação é o elemento do dolo sobre o qual há salvo rara exceção a seguir 4 consenso doutrinário Em linhas gerais a literatura científica consi 9 Cf Bitencourt Tratado de direito penal24 2018 p 365 Fragoso Lições de direito penal 1985 p 175 HungriaFragoso Comentários ao Código Penal 1978 v 1 t II p 114 Prado Curso de direito penal brasileiro v 1 2018 p 224 Santos Direito penal5 2012 p 126 Souza Direito Penal v 1 2019 p 289 Fischer66 15 Rn 3 Kühl AT8 5 Rn 35 RoxinGreco AT5 I 12 Rn 4 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 315 Muñoz CondeGarcía Arán Derecho Penal Parte General 2010 p 267 Contra Freund AT2 7 Rn 41 Frisch Vorsatz und Risiko 1983 p 56 e ss NK5Puppe 15 Rn 23 e ss Pérez Barberá Gabriel El dolo eventual 2011 Santos H Problemas estruturais do conceito volitivo de dolo 2008 p 263 Viana Dolo como compromisso cognitivo 2017 cf a seguir 3 10 Na jurisprudência cf STF HC 91159MG Relª Min Ellen Gracie J 02092008 p 12 11 Como já indicado noutro lugar prefiro usar o termo representação a conhecimento E isso porque estou me referindo a um dado psíquico que pode conter algum defeito A rigor o termo conhecimento não autoriza tal abertura Cf Viana Dolo op cit p 57 nota de rodapé 107 12 Cf a seguir 22 13 Welzel Das desutsche Strafrecht11 p 66 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 67 67 dera que representar significa capturar a realidade que envolve a realização do comportamento isto é ter consciência das circunstâncias do fato14 Essa defini ção deve ser tomada apenas como um ponto de partida afinal ela traduz muito pouco do elemento intelectual É imprescindível precisar ainda qual deve ser o objeto da representação e também qual deve ser o seu grau de atualidade A doutrina majoritária entende que as circunstâncias objetivas do tipo ex plícitas ou implícitas15 constituem o objeto da representação16 Como adverte a doutrina falase nesse caso no princípio da congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo doloso17 Por isso o defeito erro ou a ausência da representação desses elementos a rigor obsta a imputação dolosa art 20 do CP18 Para usar um exemplo banal aquele que supondo ser seu leva consigo o celular que es tava sobre a mesa do restaurante em que acabara de jantar não realiza dolosa mente o crime de furto art 155 do CP uma vez que o agente representa a coisa como própria ou desconhece que a coisa é alheia Pela mesma razão aquele que não sabe que efetua o disparo em direção a alguém art 121 do CP não realiza um homicídio doloso Naturalmente quando o tipo penal permite a pu nição por culpa como acontece no segundo exemplo mas não no primeiro é possível considerar essa possibilidade de imputação conforme admite o art 20 2ª parte do CP É necessário ainda a representação atual dos elementos do tipo Isso não significa que o autor precisa refletir sobre cada um desses elementos durante toda a realização da sua conduta19 Em termos concretos aquele que realiza um ato sexual com uma criança não precisa durante o desenrolar de toda a relação sexual pensar sobre a sua idade art 217A do CP quem vilipendia objeto de culto não precisa refletir durante toda a realização do ato que se trata de objeto 14 Para precisões cf Dias Direito penal I3 p 411 e ss 15 Esses são por exemplo a causalidade entre a ação e o resultado bem assim o perigo o qual também é relevante para a imputação objetiva No decorrer do texto o leitor encontrará alguns exemplos sobre as consequências que podem surgir de um defeito de representação em relação a esses elementos implícitos 16 Cfr LK30Kühl 15 Rn 4 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 16 Contra Frisch Vorsatz p 118 Freund AT2 7 Rn 41 17 Cf Dias Direito penal I3 p 410 18 Sobre o conteúdo intelectual do dolo em relação às leis penais em branco cf Horta Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do dolo 2016 19 Cf Tavares Fundamentos de teoria do delito 2018 p 270 Fischer66 15 Rn 4 NK5Puppe 16 Rn 157 e ss SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 51 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 315 68 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 68 religioso art 208 do CP O mesmo se aplica aos elementos que dizem respeito a alguma qualidade especial do autor o médico por exemplo não precisa refletir sobre a sua profissão durante a omissão de denúncia sobre doença cuja notifica ção é compulsória art 269 do CP o funcionário público que se apropria de bens que teve posse em razão do cargo não precisa refletir durante a apropriação sobre a sua condição de funcionário público20 art 312 do CP Como observa a doutrina a maioria das pessoas sabe a profissão que tem ainda que precisamente não pense nisso todo o tempo21 Essa forma de conhecimento foi denominada de coconsciência e para a doutrina ela é suficiente para o elemento intelectual do dolo22 De todo modo é preciso ressaltar essa consciência acompanhante23 não se confunde com o denominado conhecimento potencial24 Esse grau de conheci mento presente na discussão sobre a consciência da ilicitude não é suficiente para o aperfeiçoamento do elemento intelectual do dolo Recordese que o art 20 do CP exige a efetiva representação de todas as circunstâncias relevantes do tipo princípio do conhecimento25 Agora que já sabemos do que se trata a representação estamos habilitados para tratar daquele elemento que a doutrina considera a marca de Caim do dolo a vontade 112 A vontade No que diz respeito ao segundo elemento do dolo a vontade a doutrina majoritária segue considerandoo imprescindível para a caracterização do crime 20 Cf Kühl AT8 5 Rn 98100 NK5Puppe 16 Rn 157 Rn 160 21 Cf Frister AT8 11 Rn 6 22 Fundamental Platzgummer Die Bewusstseinform des Vorsatzes 1964 p 4 e ss Cf STJ REsp 252827GO Rel Min Felix Fischer J 08082000 p 4 23 A consciência acompanhante de modo metafórico pode ser descrita do seguinte modo imaginese que você está em sua sala de visitas jogando buraco com os amigos você tem consciência sobre tudo o que está ao seu redor os móveis o aparelho de som os livros as estantes o outro grupo de amigos que conversa sobre uma obra de arte embora você não esteja pensando sobre tudo isso enquanto decide se bate ou não a rodada do jogo de buraco 24 Sobre o conhecimento potencial cf Gaede ZStW 121 2009 p 239 e ss Argumentando de lege ferenda a necessidade de reflexão sobre a suficiência do conhecimento potencial em casos excepcionais como os de insensatez de pais que matam os seus filhos recémnascidos Kühl AT8 5 Rn 9 O autor se refere aos denominados estados de afetação psíquica sobre ele e outros nos contextos dos crimes de homicídio cf a seguir 24 25 Kuhlen DStJG 2015 p 137 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 69 69 doloso26 Para a posição científica dominante a vontade é um dado psicológico que expressa determinada disposição anímica do agente em relação ao resultado típico representado cf a seguir itens 21 e 3 No nosso marco legal o art 18 I do CP essa disposição anímica tem duas gradações ou o agente quer ou ele assume o risco de produzir o resultado A primeira modalidade corresponde à forma mais intensa da vontade a segunda à mais débil Se o conteúdo do elemento intelectual do dolo está relacionado com os elementos do tipo objetivo no elemento volitivo o conteúdo da vontade está re lacionado sobretudo com o resultado típico Mas esse conteúdo pode eventual mente ser ampliado com a eventual presença de elementos subjetivos especiais27 Quanto aos primeiros não há maiores problemas quem dispara contra a cabeça de alguém tem o propósito de causar o resultado morte quem atira contra o pé de outra pessoa tem propósito de causar a lesão corporal Quanto aos elementos subjetivos especiais deve atentarse para o fato de que alguns tipos penais exi gem o querer adicional Concretamente o indivíduo que subtrai a coisa alheia móvel não quer apenas subtrair a coisa senão subtrair com o intuito de tornála pró pria art 155 do CP na extorsão mediante sequestro o agente não quer somente privar a liberdade da vítima senão que também o faz com a intenção de obter vantagem econômica art 159 do CP28 na importunação sexual o agente não quer apenas causar um desconforto à vítima senão que o faz com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de outrem art 215A do CP Se nesses casos o dolo não apresentar o conteúdo de querer adicional abremse duas possibilida des ou será possível reconduzir a imputação a outro tipo nos dois últimos caos por exemplo para os crimes sequestro ou ato obsceno respectivamente ou será caso de atipicidade do comportamento primeiro exemplo29 Em síntese e se agora unimos e aprimoramos tudo o que foi anatomizado chegamos à seguinte definição age dolosamente aquele que tem a vontade de realizar 26 Para além das referências na nota de rodapé 9 com diversas variações cf Busato Direito penal4 parte geral 2018 v 1 p 393 Na doutrina estrangeira cf Dias Direito penal I3 p 409 Gropp AT4 4 Rn 150 Rengier AT10 Rn 5 27 A consideração desses elementos especiais é de extrema importância para uma subsunção correta 28 Cf Gropp AT4 4 Rn 157 29 O furto de uso é punido no Código Penal Militar Art 241 Se a coisa é subtraída para o fim de uso momentâneo e a seguir vem a ser imediatamente restituída ou reposta no lugar onde se achava Pena detenção até seis meses 70 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 70 o tipo penal com o conhecimento de todos os seus elementos objetivos30 Agora que já se sabe o fundamental sobre o dolo podemos apresentar as suas formas 12 Formas de dolo Apesar de o nosso Código Penal ter mencionado expressamente somente duas formas de dolo31 a literatura costuma identificar três32 o propósito ou dolo direito de primeiro grau i o dolo direto de segundo grau ii e o dolo eventual iii Essas figuras se diferenciam entre si em razão diretamente proporcional à variação de intensidade dos seus elementos sobretudo do seu elemento volitivo Desse modo o dolo eventual corresponde à forma de menor intensidade da von tade e o propósito à de maior intensidade Tendo em vista que o Código Penal equiparou as formas de dolo é pos sível que alguma leitora esteja se perguntando sobre o significado prático dessa classificação Regra geral a distinção não desempenha qualquer papel no juízo de imputação subjetiva mas somente no processo de dosagem da consequência jurídica a ser atribuída ao autor um problema para a determinação judicial da pena33 Entretanto temos três situações específicas a realização de alguns tipos penais está subordinada à presença de uma concreta forma de dolo i outros admitem ambas as modalidades sem distinção ii e finalmente noutros o pró prio Código Penal faz uma dosagem da pena na hipótese de uma ou outra forma 30 Cfr Kühl AT8 5 Rn 7 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 316 Essa é uma definição geral ela não corresponde à minha proposição teórica tampouco à de outros autores cf a seguir itens 21 23 e 3 31 O Código Penal português em seu art 14 por exemplo reconhece expressamente as três modalidades de dolo a seguir analisadas Art 14º Dolo 1 Age com dolo quem representando um facto que preenche um tipo de crime actuar com intenção de o realizar 2 Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta 3 Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta há dolo se o agente actuar conformandose com aquela realização Já o Código Penal alemão não faz qualquer distinção limitandose a declarar a excepcionalidade da punição culposa 15 Quando a lei expressamente não cominar pena à atuação culposa somente é punível a atuação dolosa 15 Strafbar ist nur vorsätzliches Handeln wenn nicht das Gesetz fahrlässiges Handeln ausdrücklich mit Strafe bedroht 32 Cf BemMartinelli Lições op cit p 494497 Busato Direito penal op cit p 397400 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 326 Contra NK5Puppe 15 Rn 105 Viana Dolo op cit passim 33 Reconhecendo no cenário espanhol a possibilidade de aplicação de atenuantes cf Luzón Peña Derecho penal3 1680 nota de rodapé 21 Sobre a determinação da pena cf Stoco Culpabilidade e medida da pena 2019 Teixeira Teoria da aplicação da pena 2015 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 71 71 de dolo iii Dessa maneira nos tipos penais que admitem apenas o dolo direto a imputação a título de dolo eventual está descartada por outro lado nos tipos menos exigentes isto é naqueles que se satisfazem com o dolo eventual é pres cindível a prova do dolo direto do autor Por exemplo a opinião desfavorável da crítica literária para constituir crime de injúria exige o dolo direto de primeiro grau isto é a intenção de injuriar ou difamar art 142 II do CP a mera presença de um dolo eventual não fundamenta a atribuição subjetiva do tipo No estupro de vulnerável por outro lado basta a prova do dolo eventual é possível cogitar a imputação do art 217A do CP a título de dolo eventual ao agente que tem relação sexual com pessoa sobre a qual tem dúvida em relação à sua idade ob viamente apenas quando superada a averiguação de um possível erro de tipo Finalmente na terceira hipótese o tipo descreve as formas de dolo e determina o seu reflexo nas consequências jurídicas É o que se dá com o crime de perigo de contágio venéreo que tem a pena no tipo básico de detenção de 3 meses a 1 ano art 130 do CP mas na hipótese de o fato ser praticado com a intenção de transmitir a moléstia a pena será de reclusão de 1 a 4 anos 1º do art 130 do CP Agora é preciso verificar como a intensidade dos elementos de dolo pro gramam os conteúdos das respectivas modalidades Começo pela sua forma mais autêntica o dolo direto i O propósito ou o dolo direto de primeiro grau expressa a forma ideal de dolo Como tal ele pressupõe uma especial conexão volitiva entre o autor e o tipo penal realizado Nessa forma há perfeita simetria entre as dimensões objetiva e subjetiva do tipo Consideremos os seguintes tipos objetivos ofender a integri dade física de outrem art 129 do CP e matar alguém art 121 do CP Agora concretamente imaginese o indivíduo que dispara em direção à vítima V com o propósito de acertar as suas nádegas e o terrorista com o propósito matar o político P que instala uma bomba em seu carro oficial Nesses casos há dolo direto de primeiro grau em relação a ambas as vítimas no primeiro caso dolo de lesão corporal no segundo dolo de homicídio Os tipos objetivo e subjetivo do indivíduo trilham o mesmo caminho daí porque se diz que age com dolo direto de primeiro grau aquele que tem o propósito de realizar o tipo penal Cotidiana mente expressamos o dolo direto de primeiro grau do seguinte modo o agente atirou para lesionar disparou com o propósito de matar desferiu o soco com a intenção de ferir Como é possível perceber o elemento dominante no dolo direto de primeiro grau é o volitivo34 Isso significa segundo parcela da literatura que a imputação 34 Fischer66 15 Rn 6 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 327 72 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 72 subjetiva independerá da certeza do agente sobre a realização do tipo basta que ele a represente como possível À vista disso quem atira desde uma longa dis tância com o propósito de matar mesmo que represente esse resultado apenas como possível terá agido com dolo direto de primeiro grau caso o disparo efeti vamente alcance a vítima será possível fundamentar um homicídio doloso caso contrário será possível cogitar a realização de um homicídio tentado35 Mais ain da perceba o leitor que nesse caso como houve representação da possibilidade de morte a eventual negativa do sujeito sobre a existência do propósito de matar não inviabilizaria per se uma imputação a título de dolo senão que autorizaria segundo doutrina majoritária a investigação sobre uma possível imputação a título de dolo eventual cf a seguir iii Na literatura alemã dizse ainda que é possível amparar uma imputa ção a título de dolo direto de primeiro grau mesmo que estejamos diante de um resultado que não é o fim último pretendido pelo agente Nesses casos a doutri na recorre à figura denominada de plataforma intermediária necessária objetivo mediato36 Imaginese o filho que tem o propósito de receber imediatamente o seu gordo quinhão decorrente de futura sucessão hereditária como o seu pai ainda goza de boa saúde ele não vê possibilidade de que isso ocorra em breve espaço de tempo razão pela qual mesmo lamentando resolve dar fim à vida do genitor A rigor o porquê do crime é o recebimento do quinhão mas isso não interfere no fato de que o filho realiza o tipo penal de homicídio doloso Imagine se agora uma mãe que cuidou anos a fio do seu filho que está em coma pro fundo e diante do quadro irreversível ela resolve dar fim ao que resta da vida de seu filho desligando os aparelhos O porquê do crime aliviar o sofrimento do filho não interfere no fato de que sob a lei vigente ela também age com a inten ção de realizar o tipo penal objetivo do homicídio37 Alguns autores resolvem a situação recorrendo aos binômios objetivo próximo e objetivo remoto38 objetivo intermediário e objetivo final39 Particularmente a utilidade prática dessa distinção é extremamente duvidosa porque a rigor como não há outro meio de alcançar o objetivo final o verdadeiro propósito psicológico o agente sempre terá o propósito de realizar o tipo Esse refinamento supérfluo que é evidente consequência do 35 Cf Gropp AT4 4 Rn 159 StratenwerthKuhlen AT6 8 Rn 102 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 330 36 Cf Fischer66 15 Rn 6 Kühl AT8 5 Rn 35 Viana Dolo op cit p 67 37 Não discutirei as possibilidades de exoneração de responsabilidade da mãe 38 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 329 39 Kühl AT8 5 Rn 35 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 73 73 elemento volitivo já serve como alerta sobre os inconvenientes de um conceito de dolo submisso a uma realidade psíquica volitiva ii No dolo direto de segundo grau ou de representação segura a agente representa que a sua ação para além da ação efetivamente intencionada mui to provavelmente produzirá consequências colaterais Pouco importa aqui se essas consequências colaterais eram ou não vistas com bons olhos por ela Isso porque a rigor é possível sustentar que quem age prevendo seguramente que a sua ação produzirá tanto o resultado B quanto também as consequências C e D já não poderá argumentar convincentemente que apenas o primeiro resultado era querido Se retomamos o exemplo do político supramencionado e adicionamos um dado o terrorista T quer matar o político P para isso recorre a uma bomba T representa com segurança que o motorista M do carro oficial que é seu sobri nho também morrerá T até lamenta a morte do sobrinho mas diz a si mesmo Paciência O terrorista aciona o dispositivo detonador e o representado aconte ce P e M vêm a óbito imediatamente40 Nesse caso a morte do motorista deve ser imputada a T a título de dolo direto de segundo grau Não terá escapado ao leitor a seguinte sutileza a morte do sobrinho era lamentada mas a sua ocorrência foi prevista como certa em razão do meios uti lizados para realizar o tipo penal Por isso diferentemente do que se dá com o dolo direto de primeiro grau a representação é o elemento preponderante para fundamentar a imputação a título de dolo direto de segundo grau41 Justamente por isso de acordo com a doutrina dominante a presença do propósito é aqui desnecessária42 A rigor a discussão não é sobre a dispensabilidade do propósito mas sim sobre a irracionalidade da argumentação quem se serve de meio que necessariamente conduzirá à produção de outros resultados não pode argumentar racionalmente que não os queria De modo metafórico quem resolve caminhar descalço sobre cacos de vidro não pode dizer que não queria cortar os pés iii O dolo eventual é o limite inferior do dolo é a sua forma mais débil de manifestação isso porque tanto o elemento intelectual quanto o elemento voliti vo estão com precária carga de intensidade em relação ao elemento intelectual basta que o agente tenha representado o resultado como possível em relação ao 40 Cf Sobre o conhecido caso Thomas cf Binding Die Normen und ihre Übertregung Bd 22 p 851859 RoxinGreco AT5 I 12 Rn 18 41 Daí a coerência na literatura alemã do substantivo Wissen representação para designar esta forma de dolo O termo por si só já demonstra a exclusividade do elemento cognitivo para o aperfeiçoamento desta forma de dolo 42 Cf LK12Vogel vor 15 Rn 93 74 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 74 elemento volitivo não há necessidade do querer em sentido forte43 para usar as palavras do Código basta que o agente tenha assumido o risco de produzir o resultado art 18 I parte final do CP É justamente aqui nesse ponto que se localiza o problemático limite entre o dolo eventual e a culpa consciente que corresponde ao meu segundo objetivo estabelecer quais são os limites da im putação dolosa Antes de passar a essa discussão central a seguir 2 preciso me deter em um último detalhe vinculado à ideia de dolo como querer ou assunção de risco É bem plausível que o leitor tenha inconscientemente repetido numero sas vezes ou mesmo escutado a seguinte receita há dolo eventual porque o agen te assumiu o risco de produzir o resultado Mas a verdade é que afirmar somente isso não tem qualquer relevância científica porque continuará em aberto a seguinte questão O que significa concretamente assumir o risco O cientista precisa nesse ponto ter em mente que a legitimação da imposição de pena frente a um indiví duo requer muito esforço argumentativo na medida em que esse é precisamente o núcleo do trabalho do bom e consciencioso jurista evitar que a arbitrariedade se sobreponha à racionalidade44 Se compreendemos que a função da dogmática penal é converter o exercício do arbítrio em exercício racional de poder então o jurista não pode darse por satisfeito diante daquela receita Ele precisará justifi car para o indivíduo dar as razões pelas quais considera que houve a assunção do risco Um pouco adiante apresentarei as respostas científicas utilizadas para converter aquela receita em uma proposição clara e segura Por ora pareceume pertinente apresentar em uma tradicional expressão gráfica a relação entre as formas de dolo e a intensidade dos seus elementos45 Formas de dolo Representação Vontade Sinal dominante previsão segura Sinal débil representar como possível Sinal dominante propósito Sinal débil assumir o risco consentir com o ou fórmu las similares Dolo direto de primeiro grau é suficiente a representação débil 1 a ou b e a vontade dominante 2 a Dolo direto de segundo grau obrigatoriamente a representação dominante 1 a e suficiente mas a rigor desnecessária a vontade débil 2 b Dolo eventual a representação e a vontade débeis 1 b e 2 b 43 STF HC 91159MG Relª Min Ellen Gracie J 02092008 p 12 A dispensabilidade da vontade também para o dolo eventual não é nenhuma novidade para ficar em um único exemplo cf Rupp Modernes Recht und Verschuldung 1880 p 69 44 Cf Greco As razões do direito penal 2019 p 2329 Radbruch Der Jurist und das Buch 2003 Bd 20 p 69 45 Rengier AT10 14 Rn 13 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 75 75 13 Dolus cumulativus e dolus alternativus O dolus cumulativus não é uma forma autônoma de dolo mas uma deno minação para aquele grupo de casos nos quais o autor por meio do seu dolo realiza lado a lado vários tipos penais eou mais de uma vez o mesmo tipo46 É o que acontece por exemplo quando paralelamente à explosão a que recorre o autor para matar o seu desafeto também são causados danos nas casas vizi nhas47 Nesse grupo de casos não há problemas sensíveis repousa concordância quanto ao fato de que essas questões se resolvem recorrendo às regras do con curso de delitos A princípio há um concurso formal entre os crimes tentados ou consumados48 Dessa concordância científica se distancia a discussão no grupo de casos referentes ao dolo alternativo Como afirmei antes 1 o dolo tem como objeto os elementos do tipo obje tivo e disso decorre que o comportamento do autor precisa sempre estar vincu lado a algum tipo penal concreto dolo do tipo O problema do dolus alternativus se manifesta nas hipóteses em que pertence ao conteúdo de representação do autor a possibilidade somente alternativa de que um único comportamento dê causa a dois ou mais resultados típicos49 Imaginese que B ouvindo o potente som do seu automóvel esteja lavando o carro na rua onde mora A chateado arremessa uma pedra com o intuito de darlhe uma lição A representa ambas as possibili dades possíveis Ou a pedra acertará B ou o carro o que ocorrer será bem feito Trocando em miúdos qualquer dos resultados para A é satisfatório Como antecipei a solução para esse problema é extremamente debatida50 Para uma primeira corrente que é provavelmente majoritária não há subsidia riedade Ambos os resultados devem ser punidos na forma de concurso formal de crimes o delito realizado como consumado e o outro imputado a título de tentativa se nenhum resultado ocorrer é de se reconhecer a dupla tentativa51 A 46 Cfr SK9Stein 16 Rn 55 Rengier AT10 14 Rn 45 47 Cfr Kühl AT8 5 Rn 27a 48 Cfr Joerden ZStW 95 1983 p 578 Kühl AT8 5 Rn 27a e ss LK12Vogel 15 Rn 134 RoxinGreco AT5 12 Rn 92 SK9Stein 16 Rn 55 WesselsBeulkeSatzger AT48 Rn 352 49 Fischer66 15 Rn 11 NK5Puppe 15 Rn 115 SK9Stein 16 Rn 57 Santos Direito op cit p 141 50 O leitor encontrará ampla exposição em Fischer Wille und Wirksamkeit Eine Untersuchung zum Problem des dolus alternativus 1993 Joerden ZStW 95 1983 p 565 e ss Schmitz ZStW 112 2000 p 301 e ss 51 Cf BaumannWeberMitschEisele AT12 11 Rn 56 Fischer66 15 Rn 11 JescheckWeigend AT5 p 304 LK12Hillenkamp 22 Rn 37 NK5Puppe 15 Rn 115 Rengier AT10 14 Rn 53 76 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 76 segunda opinião científica defende a punição somente pelo delito consumado o outro restaria absorvido52 Finalmente há autores que defendem uma terceira posição a saber deve subsistir apenas a punição pela realização do delito mais grave53 Como é possível perceber esse em verdade é um problema de concurso de delitos54 O caminho que percorremos até aqui demonstra que ainda há muito para discutir sobre a estrutura do crime doloso mas creio que já temos cimentado o suficiente para passar à espinha dorsal deste artigo a determinação dos limites do dolo Como afirmei creio que aqui reside um dos principais pontos de redu ção de poder punitivo razão pela qual praticar uma dogmática conscienciosa prudente e consequente não é uma faculdade do jurista senão imperativo do direito penal liberal 2 A DELIMITAÇÃO ENTRE O DOLO EVENTUAL E A CULPA CONSCIENTE A inabarcável literatura internacional sobre o tema fala por si só pouco se pode exagerar em relação à importância da identificação dos limites entre o dolo e a culpa A impressão que se tem mesmo com todo o esforço científico é que esse é um trabalho de Sísifo dada a quantidade de bibliografia produzida sobre o tema55 O que não se pode é ignorar o constante estado de crise do crime doloso algo que parcela da literatura nacional salvo algumas exceções56 insiste em fazer E por quê não se pode fechar os olhos para essa discussão Para além do mencionado imperativo derivado de uma concepção liberal do direito penal a própria legislação brasileira nos dá diversas razões fico com duas essenciais a culpa somente é punida quando expressamente prevista art 18 parágrafo úni RoxinGreco AT5 12 Rn 92 SKStein 16 Rn 58 Welzel Das Deutsche op cit p 72 e p 282 52 Dias Direito op cit p 379 Lampe NJW 1958 p 333 53 Cf Kühl AT8 5 Rn 27b LK12Vogel 15 Rn 136 Otto AT7 7 Rn 21 54 Cf Fischer Wille und Wirksamkeit Eine Untersuchung zum Problem des dolus alternativus 1993 JescheckWeigend AT5 p 304 LK12Hillenkamp 22 Rn 37 RoxinGreco AT5 12 Rn 94 SKStein 16 Rn 57 NK5Puppe 15 Rn 115 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 91 Sackermann Dolus alternativus 2003 Schmitz ZStW 112 2000 301 e ss 55 Cf referências na nota de rodapé 1 56 Para além das obras citadas na nota de rodapé 2 cf por exemplo BemMartinelli Direito penal4 op cit p 490 Busato Paulo César Coord Dolo e direito penal modernas tendências Florianópolis Tirant lo Blanch 2019 Busato Direito penal op cit p 419 e ss Gomes Dolo sem vontade psicológica 2017 Santos H Problemas op cit p 263 e ss Tavares Fundamentos op cit p 253 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 77 77 co do CP mesmo quando punida ou o é com pena inferior ao correspondente tipo doloso homicídio doloso simples para citar um exemplo tem pena máxima de 20 anos e homicídio culposo 3 anos ou o Estado está excepcionalmente dis posto a perdoar o comportamento art 121 5º do CP Definitivamente a dis tinção entre uma e outra modalidade de imputação subjetiva pode corresponder à distinção entre relevância e irrelevância punitiva Somese a isso no Brasil um detalhe preocupante nos crimes contra a vida em razão da imposição constitu cional art 5º XXXVIII d da Constituição Federal os tribunais superiores entre gam ao conselho de sentença a decisão sobre a existência ou não do comporta mento doloso57 Na prática cidadãos em sua maioria sem conhecimento jurídico dispõem de algumas horas para decidir sobre questões que exigem profundo conhecimento dogmático Isso torna a nossa tarefa ainda mais relevante tentar deixar claro quais são os limites do dolo No contexto científico há três grupos de teorias com os seus mais diversos matizes aos quais se pode recorrer para precisar os limites entre o dolo e a cul pa58 Primeiro esclarecerei aquele grupo de teorias classicamente mencionadas nessa discussão as chamadas teorias da representação a seguir 21 e teorias de disposição de ânimo a seguir 22 Posteriormente tratarei daquele grupo de teorias que ganhou e vem ganhando espaço científico desde a década de 1980 as teorias do perigo a seguir 23 Após analisar essa três variações apresentarei ao leitor a minha proposta teórica a seguir 3 21 Teorias da representação As teorias de corte cognitivo consideram que o elemento intelectual do dolo é suficiente para elaborar a distinção entre as modalidades intermédias de imputação subjetiva Diferentemente do que se pode precipitadamente supor essas teorias não afirmam que a simples representação basta para a imputação dolosa A rigor elas exigem que a representação do indivíduo em relação ao re sultado possua determinada intensidade sob pena de exclusão do dolo eventual Será determinante a existência de algum grau de probabilidade de realização do tipo representada pelo agente Tratarei inicialmente da teoria da possibilidade e depois da teoria probabilidade 57 Para mencionar somente decisões recentes as quais contém vários precedentes HC 155182SP Rel Min Marco Aurélio Rel po Ac Min Alexandre de Moraes J 23042019 HC 160500AgRgSP Rel Min Alexandre de Moraes J 28092018 HC 531206PR 201902634900 Rel Min Reynaldo Soares da Fonseca J 17092019 58 Para essas e outras variações cf Busato Direito penal op cit p 419 e ss Viana Dolo op cit p 85 e ss Pérez Barberá El dolo op cit passim RoxinGreco AT5 I 12 Rn 35 e ss 78 78 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 211 Teoria da possibilidade Para a teoria da possibilidade59 em sua formulação originária que deriva especialmente de Schröder há dolo eventual quando o autor representa a verda deira possibilidade de lesão ao bem jurídico e mesmo assim atua60 A imprecisa menção à possibilidade do resultado a converteria em uma amplíssima teoria do dolo e por isso a formulação mais recente promove uma correção linguística Especialmente com os trabalhos de Schmidhäuser que sugeriu a substitui ção do termo dolo por dolosidade Vorsätzlichkeit passouse a levar em conta não somente a representação da possibilidade concreta do perigo mas também se fez referência a um possível processo de inibição psíquica do perigo a crença de que tudo sairá bem que é consequência da representação61 É exatamente essa representação qualificada que indica o campo do dolo eventual O leitor talvez esteja se perguntando sobre qual seria o campo da culpa consciente nessa formulação A rigor essa modalidade de culpa deixa de existir A crença de que tudo sairá bem que Schmidhäuser chama de culpa consciente aparente scheinbar bewusste Fahrlässigkeit equivale à não representação porquanto anula o reco nhecimento da possibilidade de que algo acontecerá onde há uma não pode ha ver a outra Por isso toda culpa será inconsciente62 Com isso a distinção entre dolo e culpa se resume à distinção entre representação e não representação63 Contra essa teoria é levantada a objeção de que ela alarga sobremaneira a zona do dolo inviabilizando não só a fronteira com a culpa consciente64 mas também equipara o dolo eventual ao dolo direto de segundo grau65 argumenta se ainda que ela conduz à confusão entre os crimes de lesão e crimes de perigo 59 Respeitados os matizes dados à teoria ela é defendida entre outros por Kindhäuser AT8 14 Rn 16 Frister AT8 11 Rn 21 e ss Frister ZIS 2019 p 381 e ss Freund AT2 7 Rn 7071 v HeintschelHeinegg JA 2010 p 388 Fn 10 Lesch JA 1997 p 805 Morkel NStZ 1981 p 178 60 SchröderFSSauer p 207 e ss 61 Cf Schmidhäuser AT2 p 389 Rn 28 e ss Schmidhäuser Vorsatzbegriff und Begriffsjurisprudenz im Strafrecht 1968 p 21 e ss Schmidhäuser JuS 1980 p 241 e ss Cf ainda Kindhäuser ZStW 96 1894 p 17 e ss Lesch JA 97 p 805 Morkel NStZ 1981 p 177 62 SchröderFSSauer p 245 63 Schmidhäuser GA 1957 p 312 Em sentido semelhante Bruck Zur Lehre von der Fahrlässigkeit 1885 p 1 e ss em especial p 15 e ss na mesma direção mas elegendo a representação da causalidade como objeto da representação Rupp Modernes op cit p 69 64 JescheckWeigend AT5 p 302 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 75 65 Cf Gropp AT4 4 Rn 182 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 336 Para outras objeções cf RoxinGreco AT5 I 12 Rn 42 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 79 79 para além de desaguar na inaceitável consequência de que qualquer exposição concreta a perigo de vida significaria uma imputação a título de tentativa de ho micídio66 Exemplificadamente o motorista M pretendendo chegar pontualmen te ao trabalho em uma estrada estreita com neblina e na hora do rush ultrapassa um caminhão e por essa razão fere mortalmente um motociclista que vinha em sentido contrário Parece pouco questionável que M reconheceu o perigo concre to dessa colisão entretanto seria inapropriado considerar que estamos diante de um homicídio doloso e não de um homicídio com culpa consciente porque é psicologicamente comum que o indivíduo apesar dessa representação tenha acreditado que tudo sairá bem6768 212 Teoria da probabilidade Com construção teórica semelhante os adeptos da teoria da probabilidade argumentam em um nível mais exigente em relação ao elemento cognitivo69 Na sua fórmula tradicional sugerida por H Mayer provável significa que o autor representou a ocorrência do resultado como algo mais que possível e menos que pre ponderantemente provável70 Como o leitor pode intuir a teoria não se contenta com a representação da simples possibilidade do resultado mas também não exige a demonstração de algo próximo à certeza preponderantemente provável O que ela exige isso sim é que o agente tome o resultado como provável e mesmo assim não renuncie à realização do comportamento A teoria da probabilidade justamente pela maior exigência do elemento cognitivo parece ter maior potencial para restringir o campo do dolo eventual Entretanto ela é ao mesmo tempo a mais imprecisa entre as teorias cognitivas A sua construção teórica nos leva a um problema insuperável Como se localiza 66 Küpper ZStW 100 1988 p 759 e ss 67 Argumento em WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 336 RoxinGreco AT5 I 12 Rn 42 Como indiquei Schmidhäuser supera esta crítica recorrendo ao conceito de culpa consciente aparente scheinbar bewusste Fahrlässigkeit cf Schmidhäuser JuS 1980 p 250 68 Demonstrando a pouca diferença de resultados a que a teoria conduz quando comparada com teorias volitivas cf RoxinGreco AT5 I 12 Rn 43 No mesmo sentido SSSternberg LiebenSchuster30 15 Rn 74 Falando em discussão em torno de palavras entre teoria as teorias volitivas e a teoria da possibilidade Herzberg JuS 1986 p 259 Fn 40 69 Para além dos autores a seguir também é sustentada por Prittwitz JA 1988 486 Welzel Das deutsche op cit p 67 e ss 70 Mayer Hellmuth Strafrecht AT p 121 Cf Germann SchwZStr 77 360 Próximos Kargl Der strafrechtliche Vorsatz auf der Basis der kognitiven Handlungslehre 1993 p 67 e ss Prittwitz JA 1988 p 486 Ross Über den Vorsatz 1979 p 114 Schumann JZ 1989 p 427434 Welzel Das desutsche op cit p 68 80 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 80 o limite entre o mais que possível e menos que preponderante provável Essa in determinação torna a teoria cientificamente inadequada e inviável para a praxis dispensando qualquer outra objeção adicional71 Em razão dessas e outras objeções é predominante na literatura e na juris prudência nacional e internacional a opinião segundo a qual é adequado subor dinar os limites do dolo a determinada disposição volitiva do agente Com isso chegamos às teorias de disposição de ânimo 22 Teorias de disposição de ânimo As teorias de disposição de ânimo ou simplesmente teorias volitivas pos suem predileção científica e jurisprudencial no cenário nacional e internacional Argumentase basicamente que o elemento volitivo dá o tom do nível da impu tação subjetiva72 Nesta seção tratarei das questões centrais defendidas pelas teo rias de disposição de ânimo com maior prestígio na literatura científica a saber teoria do consentimento 221 teoria do levar a sério o perigo de realização do tipo 222 e teoria da indiferença 22373 221 Teoria do consentimento ou assunção aprovadora A primeira a ser mencionada é aquela que segundo a doutrina brasileira teria sido a adotada pelo nosso ordenamento jurídico a teoria do consentimento ou assunção aprovadora74 Essa teoria tem grande prestígio e peculiar desen volvimento no âmbito jurisprudencial75 razão que esse será o meu ponto de partida 71 Para maiores críticas cf Viana Dolo op cit p 217219 72 WesselsBeulkeStazger AT48 Rn 326 BaumanWeberMitschEisele AT12 p 250 Rn 10 Cf STF HC 107801SP Rel Min Luiz Fux J 06092011 p 10 votovista 73 Nesse estudo eu não posso reconstruir toda a discussão em torno das teorias de disposição de ânimo Sobre isso cf Luzón Peña Derecho penal3 2016 1654 ss Pérez Barberá El dolo op cit p 151 e ss RoxinGreco AT5 12 Rn 21 e ss Ruppenthal Der bedingte Tötungsvorsatz 2017 p 208 e ss Santos Direito op cit p 135140 Viana Dolo op cit p 85248 74 BaumannWeberMitschEisele AT12 11 Rn 26 e ss HermannsHülsmann JA 2002 p 141 MaurachZipf AT 1 22 Rn 34 Bitencourt Tratado op cit p 368 Fragoso Lições op cit p 178 Fragoso Segunda parte Comentários adicionais 1978 p 545 HungriaFragoso Comentários op cit p 114 Tavares Fundamentos op cit p 285 75 Cf Na jurisprudência brasileira STF HC 91159MG Relª Min Ellen Gracie J 02092008 p 12 STJ AgRgAREsp 1226580DF Rel Min Rogerio Schietti Cruz J 12062018 p 7 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 81 81 De modo geral isso não é nenhuma surpresa a jurisprudência alemã e também a brasileira recorre ao conceito volitivo de dolo Repetidamente afirma se que age com dolo eventual aquele autor que reconhece que a ocorrência do resultado é possível e com ela está de acordo ou tem uma assunção aprovadora Em sua formulação pioneira a jurisprudência do Tribunal do Império Reichsge richt interpretava o estado volitivo do autor em relação ao resultado como um fato puramente psíquico Para expressar em linguagem coloquial o dolo dependia da prova de que o autor viu o resultado com bons olhos assinou embaixo76 teoria do consentimento de primeira geração Essa rigorosa exigência do elemento volitivo preponderou até a primeira metade do século XX A jurisprudência do BGH77 posterior a esse período aler tando para os inconvenientes do conceito puramente psíquico julgou adequado interpretar o termo estar de acordo não mais com puro fato psicológico senão em sentido jurídico Rechtssinn78 Na prática isso significa que o fato de o agente não desejar psicologicamente um determinado resultado isso não expressará em sentido jurídico que ele não estava de acordo com a sua ocorrência que ele não o queria teoria do consentimento de segunda geração79 Há culpa consciente por sua vez quando o autor reconhece a possibilidade de realização do tipo mas com essa não está de acordo e acredita sinceramente não apenas de modo vago que o resultado não ocorrerá80 Ilustremos a situação com o primeiro caso em que foi afirmado o dolo eventual com base nesses argumentos81 A e B resolvem subtrair objetos de valor da casa do indivíduo C o qual man tinha um relacionamento homossexual secreto com o primeiro Em razão da clandestinidade da orientação sexual de C A crê que ele não procurará a po lícia para relatar o fato razão pela qual a subtração não será arriscada Em um primeiro momento de idealização do plano A e B consideram utilizar um cinto para estrangular C Contudo ao perceberem a possibilidade de C mor rer estrangulado sopesam e chegam à conclusão de que esse método é muito arriscado Decidem então utilizar um saco de areia para golpear a cabeça da vítima enquanto ela dorme E assim o fazem mas ao golpeála a única coisa que conseguiram foi acordála Na luta que se seguiu A tira o cinto que levara e pressiona contra o pescoço de C até que esse desfaleça Ambos finalizam a exe 76 Cf RGSt 33 4 5 RGSt 72 36 43 RGSt 77 228 229 77 O Bundesgerichtshof ou simplesmente BGH é o tribunal equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça 78 Fundamental na jurisprudência o caso do cinto de couro BGHSt 7 363 79 Cf ainda nota de rodapé 105 80 BGH NJW 2018 1621 1622 81 BGHSt 7 363 82 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 82 cução da subtração posteriormente tentam reanimar C mas não obtêm êxito a vítima havia falecido É possível cogitar que psicologicamente os autores não desejam a morte da vítima a tentativa de reanimação e a inicial alteração do plano de execução são dados relevantes para essa suspeita Entretanto uma imputação a título de culpa consciente em razão do resultado possivelmente causaria desconforto in telectual A alternativa linguística encontrada pelo BGH para contornarevitar incômodo foi considerar que o termo aprovar deve ser interpretado em sentido jurídico e não conforme a linguagem coloquial Trocando em miúdos aquilo que o autor não aprovou em seu sentido linguístico pode ter aprovado em sentido jurídico82 Esse era um caminho verdadeiramente promissor mas o tribunal não avançou no labor de precisão sobre o concreto significado da aprovação em sen tido jurídico Billigen im Rechtssinne Se essa era uma expressão que apontava para a admissibilidade de um conceito do dolo muito mais próximo das concep ções cognitivas83 a posterior jurisprudência do BGH tratou de remarcar todo o contrário sublinhou a necessidade do elemento volitivo mesmo nos casos em que o autor cria um perigo intenso e imediato do resultado84 Do ponto de vista científico portanto a aprovação em sentido jurídico padece da mesma ambigui dade da terminologia utilizada pela lei brasileira Voltemos os olhos agora para o desenrolar dessa teoria no âmbito da literatura científica Como antecipamos o legislador brasileiro expressou o dolo eventual re correndo à locução assumir o risco Assumir o risco para a literatura majori tária significa consentir naaceitar a produção do resultado85 Essa formulação linguística também não é das melhores eis que o verbo consentir como o aprovar expressa igualmente uma postura volitiva positiva Não demoraria muito para a doutrina perceber a circularidade e imprecisão do termo Para con tornar essa objeção conceitual ainda hoje especialmente na jurisprudência não é incomum recorrer adicionalmente à segunda fórmula de Frank para demonstrar a existência de dolo86 Essa fórmula afirma que há dolo eventual quando o agente 82 Cf Herzberg JuS 1986 p 251 83 Cf Viana Dolo op cit p 9293 Kühl AT8 5 Rn 56 84 Cf em especial os casos abrangidos pela teoria da Hemmschwelle cf a seguir 24 85 Bitencourt Tratado op cit p 530 Santos Direito op cit p 129 86 No STF HC 155182SP Rel Min Marco Aurélio Rel po Ac Min Alexandre de Moraes J 23042019 p 2 Somente haverá dolo eventual quando for afirmativa a resposta à seguinte indagação o condutor do veículo agiria do mesmo modo se tivesse ciência do Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 83 83 diz a si mesmo seja como for dê no que der em caso algum deixo de agir87 Observando o caso concreto portanto o julgador deve verificar qual teria sido a postura mental do agente ao representar a possibilidade de ocorrência do re sultado isto é deve averiguar se o agente eventualmente travou ou não aquele diálogo mental Se a resposta for positiva estaremos diante de um caso de dolo eventual88 Entretanto e o contrário do quanto se faz crer o recurso ao elemento vo litivo na teoria da assunção aprovadora também revela incongruências89 Isso pode ser bem evidente por exemplo naqueles casos em que o agente tem algo a perder90 Se aplicamos a mencionada fórmula de Frank aos casos de racha es taremos compelidos a sustentar quase sempre uma imputação a título de cul pa consciente pois do contrário estaríamos admitindo que o condutor estava consentindo assinando embaixo com a própria morte91 Resultado a fórmula conduz à afirmação de dolo eventual unicamente em casos Kamikazes92 Portanto se a assunção de risco for compreendida nos termos doutrinários sugeridos pela teoria do consentimento para parafrasear I Müller apenas os criminosos por convicção agiriam dolosamente93 Diante dessas e outras dificuldades que o elemento subjetivo apresenta há algumas sugestões de interpretação objetivonormativa da dupla conceitual aceitaçãonão aceitação Luzón Peña por exemplo defende o que ele denomina de teoria restritiva do consentimento segundo a qual o elemento volitivo do dolo não é abandonado mas pretendese promover a restrição do que se entende por resultado danoso Não basta para o reconhecimento de crime doloso que o agente assuma o risco de produzir o resultado art 18 do Código Penal Mas na oração subsequente faz referência à indiferença é necessário que se demonstre a total indiferença quanto à possível consequência p 2 que é critério manejado por outra teoria a seguir 223 No STJ AgRgAREsp 1226580DF Rel Min Rogerio Schietti Cruz J 12062018 p 7 Na doutrina por todos Fragoso Lições op cit p 178 87 Frank Das Strafgesetzbuch für das Deutsch Reich18 1931 59 Anm V p 190 88 Por isso falase também em teoria positiva do consentimento em oposição à primeira fórmula denominada de teoria hipotética do consentimento cf Bruno Direito penal parte geral3 t 2 1967 p 75 Fragoso Lições op cit p 177 89 A minha objeção a essa teoria já foi amplamente exposta noutro lugar cf Viana Dolo op cit p 102107 90 Cf Lacmann ZStW 31 1911 p 159 e ss 91 Contra essa conclusão Walter NJW 2017 p 1350 Grünewald JZ 2017 p 1070 92 Hungria reconheceu essa incoerência como nos relata Fragoso cf Fragoso Segunda parte op cit p 543544 93 Müller NJW 1980 p 2393 84 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 84 aceitaçãonão aceitação mediante uma valoração objetivonormativa A res trição fundamental sugerida é a seguinte haverá dolo quando a não aceitação do resultado estiver baseada em uma confiança infundada na não produção do resultado em sentido inverso a aceitação ou o consentimento o dolo somente será excluído quando houver uma confiança minimamente fundada objetiva mente ainda que errônea em que não se produza o fato94 Com efeito e o leitor certamente recordará o autor adota uma concepção normativa de vontade subs tancialmente idêntica àquela sugerida pela segunda geração da teoria do consen timento defendida pelo BGH Mas o que Luzón Peña não esclarece entretanto é o critério por meio do qual será possível acessar o significado da chave conceitual confiança minimamente fundada objetivamente 222 Teoria do levar a sério o perigo de realização do tipo Outra teoria da vontade essa com muita aceitação na literatura alemã é a teoria do levar a sério o perigo de realização do tipo objetivo Para os seus defenso res95 em especial Stratenwerth96 agirá com dolo eventual o agente que apesar de representar a possibilidade de realização do tipo dela não se afasta e por isso o seu comportamento justifica a conclusão de que ele concordou com o risco de realização do tipo97 essa hipótese seria cotidianamente descrita do seguinte modo Se isso acontecer paciência Agirá com culpa consciente em contra partida o agente que confia seriamente em que a reconhecida possibilidade de realização do tipo não ocorrerá98 nesse caso o diálogo mental do agente seria Ah tudo sairá bem99 Como se vê o pano de fundo da formulação contém uma espécie de tomada de postura não em razão do perigo representado senão ape sar dele 94 Luzón Peña Derecho penal3 1676 95 Com matizes a teoria é seguida por Blei 32 IV p 115 Gropp AT4 4 p 165 Rn 192 JescheckWeigend AT5 p 299 Kühl AT8 5 p 117 Rn 85 StratenwerthKuhlen AT6 8 Rn 117 e ss WesselsBeulkeSatzger AT48 Rn 331 e ss Wolff GallasFS 1973 p 225 96 Stratenwerth ZStW 71 1959 p 55 e ss Cf ainda Gropp AT4 4 Rn 192 Kühl AT8 5 Rn 85 97 Cf JescheckWeigend AT5 p 299 com ampla referência na nota de rodapé 28 98 O argumento da teoria não é ignorado pela jurisprudência brasileira Há a espécie de dolo conhecida como dolo eventual ou seja aquele em que o agente considera seriamente a possibilidade de realização do tipo objetivo e se conforma com ela Não está muito claro contudo o real sentido da utilização do argumento porque logo depois fazse menção à teoria do consentimento STF HC 91159MG Relª Min Ellen Gracie J 02092008 p 12 sem itálico no original 99 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 83 WesselsBeulkeSatzger AT48 Rn 339340 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 85 85 A teoria do levar a sério é um prêmio ao otimismo do autor Com efeito a principal barreira a essa construção teórica está relacionada com a possível in versão da polaridade do reproche a ser atribuído à conduta é dizer permite que aquele indivíduo indiferente ao perigo seja tratado com maior suavidade E isso é assim porque o indiferente dificilmente levará a sério um perigo representado Ele possivelmente irá ignorálo razão pela qual para ser consequente com aquilo que se defende deverseia admitir a culpa consciente A lógica por detrás dessa decisão é arriscada sacrifício da vítima e prêmio para o otimismo ou indiferença do autor Por isso para seguir a intuição que milita contra essa lógica o clássico jogo de palavras de Herzberg é muito feliz o importante para a imputação do dolo não deve depender de o autor ter levado a sério um perigo conhecido mas sim se ele representou um perigo que deveria ter sido levado a sério100 223 Teoria da indiferença Finalmente convém mencionar a teoria da indiferença que remonta a Engisch101 Segundo essa teoria o elemento volitivo do dolo estará presente quan do o agente é indiferente à realização do resultado102103 Na formulação mais re cente por SternbergLiebenSchuster há dolo eventual quando o autor representa a possibilidade de realização do tipo e com indiferença consciente ante a lesão do bem juridicamente protegido o aceita conta com ele104 Noutros termos o autor não está seguro sobre a realização do tipo mas não se deixa influenciar ante a 100 Herzberg JuS 1986 p 262 itálico no original 101 É fundamentalmente seguida por Beulke Jura 1988 p 644 Gallas ZStW 67 1955 p 43 102 Engisch Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 p 186 e ss Engisch NJW 1955 1688 Cf ainda Gallas ZStW 67 1955 p 43 Schroth JR 2003 p 252 O argumento da indiferença também costuma ser ventilado direta ou indiretamente pela doutrina e jurisprudência brasileiras Na doutrina Bitencourt Tratado op cit p 372 No âmbito da jurisprudência mesmo que associando à assunção aprovadora ou a outras teorias volitivas cf STF HC 155182SP Rel Min Marco Aurélio Rel po Ac Min Alexandre de Moraes J 23042019 p 2 HC 160500AgRgSP Rel Min Alexandre de Moraes J 28092018 p 2 e 4 HC 131884SC Rel Min Teori Zavascki J 15032016 p 4 STJ AgRg AREsp 1226580DF Rel Min Rogerio Schietti Cruz J 12062018 p 7 REsp 1277036SP Rel Min Jorge Mussi J 02102014 p 4 RHC 6368SP Rel Luiz Vicente Cernicchiaro J 12081997 p 1 103 O BGH em diversos casos em que se avalia o perigo para a vida vem considerando a indiferença um dado suficiente para afirmar o dolo eventual cf BGH 1312015 5 StR 43514 NStZ 2015 216 217 BGH 1942016 5 StR 49815 NStZRR 2016 204 205 BGH 1412016 4 StR 7215 NStZ 2016 211 215 BGH 11102016 1 StR 24816 NStZ 2017 25 26 vgl auch BGH 3122015 1 StR 45715 NStZ 2016 341 342 104 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 84 86 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 86 representação dessa possibilidade ou da causação de um resultado senão que age apesar disso com isso ele documenta a sua decisão contra o bem jurídico105 A referência à indiferença por um lado pode oferecer um bom indício de que o agente agiu dolosamente106 mas por outro também pode conduzir a resultados pouco precisos E isso é assim porque há casos em que a imputação a título de dolo poderá ser cogitada ou será mesmo a adequada ainda que não seja possível verificar a presença daquele sentimento de indiferença do autor em rela ção ao resultado107 Recordese a hipótese da correia de couro antes 221 apli cando a teoria da indiferença em sua formulação clássica deveríamos sustentar uma hipótese de culpa consciente A rigor portanto toda vez que o resultado for indesejado ainda que sua ocorrência seja altamente provável isso eliminaria o dolo eventual SternbergLiebenSchuster tentam superar essas objeções argumentando que nos casos em que o agente calcula conscientemente que o benefício potencial no caso de êxito parece maior que o dano pessoal no caso de perda e mesmo assim age então ele aceita o resultado ainda que esse lhe seja indesejado Exemplifica damente se duas pessoas apostam todo o patrimônio para saber quem consegue acertar a bola de vidro que está na mão de uma mulher sem lhe causar dano haverá dolo eventual na hipótese de ela ser atingida apesar do resultado ser evidentemente indesejado108 isso porque a representação do benefício no caso de êxito superou o dano no caso de perda O especial problema que vejo nesse tipo de argumento é a sua incongruência linguística é forçar demais a compreensão semântica dos termos sem ferir a linguagem não é possível afirmar em uma mesma oração que o agente aceitava o resultado embora esse lhe seja indesejado Com o que passo à última objeção O termo indiferença expressa semanticamente desatenção falta de cui dado apatia desinteresse e negligência109 Esses são termos tradicionalmente reservados para os casos de culpa inconsciente desse modo se o empregamos para expressar o dolo eventual como vamos descrever linguisticamente a culpa inconsciente Isso demonstra que a teoria da indiferença para além de não resol 105 SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 84 106 RoxinGreco AT5 I 12 Rn 40 107 Por todos RoxinGreco AT5 I 12 Rn 40 108 Possivelmente a teoria sustentada por SSSternbergLiebenSchuster30 15 Rn 84 A necessidade de explicar quais grupos de casos estão abrangidos pela proposta conceitual inegavelmente demonstra a imprecisão da teoria 109 Cf Dicionário Houaiss Rio de Janeiro Objetiva 2009 p 1072 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 87 87 ver o problema dos limites entre o dolo eventual com a culpa consciente arrasta problemas para os casos tradicionalmente resolvidos como culpa inconsciente110 Com isso creio esgotadas as principais questões relacionadas com as teorias volitivas Mas antes de passar a uma crítica geral pareceme importante registrar o seguinte mesmo a nossa jurisprudência que diz reconhecer um ele mento volitivo não resiste em introduzir um dedinho de normativização em seu conceito de dolo Com efeito as decisões dos tribunais superiores cada vez mais reconhecem que o dolo eventual não é extraído da mente do agente mas das circunstâncias do fato de forma que a ocorrência de uma morte e de uma lesão corporal faz parte do resultado assumido pelo agente111 A rigor portanto esse argumento opera com um conceito normativo de vontade embora os dados para realizar a adscrição112 sejam manejados com algo de aleatoriedade e assistemati cidade Mas não é somente isso Esse modo de proceder também não representa novidade científica se nos damos conta de que ele é aplicado mesmo de modo inconsciente ao dolo de pla taforma intermediária necessária ou direto de segundo grau antes 12 vêse que não há nenhum problema em abandonar o cultuado dado volitivo psicológico do dolo eventual Para os seus adeptos entretanto o ganho das teorias de disposição de âni mo é duplo políticocriminalmente a exigência da disposição de ânimo tem a vantagem de reduzir o campo do crime doloso e consequentemente o poder punitivo dogmaticamente também há ganho em nível de injusto isso porque o elemento volitivo seria capaz de fundamentar satisfatoriamente o maior desvalor da ação do comportamento doloso quando comparado com o culposo e conse quentemente justificar a ratio da pretensão punitiva mais severa113 Esses possíveis ganhos entretanto não existem Desconstruirei somente um argumento ventilado em defesa do elemento volitivo o autor com intenção é 110 Welzel Das deutsche op cit p 70 111 AgRgAREsp 1166037PB Rel Min Reynaldo da Fonseca J 17122019 Essa é a posição mais reconhecida na jurisprudência do STJ No STF cf HC 160500AgRgSP Rel Min Alexandre de Moraes J 28092018 112 Sobre isso cf PuppeNKStGB5 15 Rn 2324 Puppe Kleine Schule des juristischen Denkens 2014 p 48 Stuckenberg Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht 2007 p 211 e ss Marteleto Filho A normativização do dolo entre o princípio epistêmico e o princípio da responsabilidade Revista de Estudos Criminais p 134 113 Desde Bruck Zur Lehre op cit p 1 88 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 88 mais perigoso objetivamente para o bem jurídico114 O equívoco é evidente a postura psíquica do indivíduo não altera um perigo objetivo para um bem jurídico Para o agente que está a 200 m da vítima assumir ou não o risco de acertála não converte os seus disparos um tanto quanto mais ou menos perigoso para a vida mas disparar em direção à cabeça ou às pernas sim O argumento e contraargumento deixam pistas sobre os elementos que podem ser realmente promissores para o dolo o perigo e o método de realização do comportamento Se esses elementos são realmente bons candidatos para uma melhor precisão dos limites do dolo isso é o que verificarei na seção seguinte 23 Teorias do perigo As críticas levantadas contra as clássicas teorias da representação pavi mentaram o caminho para o surgimento e fortalecimento das teorias do perigo Contudo a representação do resultado deixa de ser o objeto do dolo e o perigo passa a ser o seu elemento central A premissa agora é a seguinte se o autor está consciente de determinada qualidade do perigo que se entranha em sua ação então isso pode autorizar uma imputação a título de dolo115 Três são as versões mais destacadas a de Frisch a de Herzberg e a de Puppe116 A diferença essencial entre elas é a seguinte enquanto o primeiro maneja o perigo dentro do âmbito subjetivo Herzberg e Puppe fazem a precisão do perigo doloso dentro do âmbito objetivo117 Dois são os pontos centrais da construção de Frisch o primeiro o objeto do dolo não é um dos elementos do tipo objetivo o resultado por exemplo senão somente o próprio comportamento típico precisamente uma fração que já está dis ponível ex ante para o autor a saber o perigo Para o dolo eventual será suficiente o conhecimento de um perigo não permitido i O segundo a severidade da pu nição dolosa somente está justificada quando entre o autor e o fato for possível identificar um contato psicológico de contrariedade118 uma decisão contra o bem jurídico para usar as palavras de Roxin 114 Prittwitz JA 1988 487 Luzón Peña Derecho penal3 1680 Falando em determinação e perversidade Fragoso Lições op cit p 179 115 Os porquês das premissas dessas teorias não podem ser revisadas no espaço que disponho para a visão geral cf Ruppenthall Der bedingte Vorsatz op cit p 233 e ss 116 Especificamente sobre essas teorias cf Viana Dolo op cit p 222 e ss Pérez Barberá El dolo op cit p 445 e ss RoxinGreco AT5 12 Rn 4752 Rn 5861 e Rn 6569 117 Cf Ruppenthall Der bedingte Vorsatz op cit p 245248 118 Frisch Vorsatz op cit p 98 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 89 89 Com isso Frisch exigirá para o dolo o conhecimento qualificado em torno de um concreto perigo tipicamente relevante de lesão do bem jurídico119 Se agora unimos aquilo que separamos fica fácil compreender a conclusão a que chega Frisch se a ratio da punição está situada na vinculação anímica do sujeito com o risco então só agirá dolosamente aquele que tomar uma posição frente ao risco representado für sich so sehen120 Assim se o indivíduo apesar do risco representado ex ante não toma clara posição frente a ele121 acredita que nada vai acontecer122 então haverá somente uma conduta culposa123 A construção de Frisch recorre no momento decisivo a uma postura aní mica do agente em relação ao perigo o que nos remete a teorias volitivas124 Com isso ele atrai para si todas as críticas que levantei no item antecedente antes 22 na formulação de Frisch não querer o resultado ganha uma nova fórmula não querer o risco Na substância tudo permanece como sempre esteve Herzberg como indicado sugere que os limites do dolo eventual já estão no âmbito do tipo objetivo isso porque a especificidade dos delitos dolosos requer não somente um risco não permitido senão também um tipo muito particular de perigo125 Ele sugere a distinção entre a criação do perigo inevitável unabgeschirmte Gefahr126 que fundamentaria o dolo eventual e o perigo evitável que fundamen taria a culpa consciente Ambos os conceitos têm como pano de fundo a ideia da reserva de proteção fática O perigo inevitável ou descoberto ocorre quando com ou após o comportamento autor a não realização do tipo somente não ocorre rá por obra da casualidade ou da sorte127 um perigo evitável ou coberto por sua vez verificase quando o próprio autor a vítima ou um terceiro mediante precaução podem evitar a ocorrência do resultado128 Um exemplo ajuda a es 119 Frisch Vorsatz op cit p 207 120 Aqui fica fácil entender porque essa é uma variante subjetiva do perigo ele exige adicionalmente a postura anímica frente ao perigo 121 Frisch Vorsatz op cit p 197 122 Frisch Vorsatz op cit p 482 123 Sobre as semelhanças entre a concepção de Frisch e de Roxin cf RoxinGreco AT5 I 12 Rn 60 124 Cf Frisch Karlheinz MeyerGS p 546 125 Herzberg JuS 1986 p 262 Herzberg JuS 1987 p 777 Herzberg NJW 1987 p 1461 Herzberg NJW 1987 p 2283 Herzberg JZ 1989 p 470 Seguido no fundamental pelo seu discípulo Schlehofer NJW 1989 2017 126 Sobre a tradução cf Viana Dolo op cit p 232 nota de rodapé 689 A grande maioria da doutrina entretanto prefere falar em perigo coberto e perigo descoberto 127 Herzberg JZ 1988 p 639 128 Herzberg JZ 1988 p 642 90 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 90 clarecer os conceitos se o mestre de obras manda o pedreiro inexperiente para o andaime sem os devidos equipamentos de proteção na hipótese de uma conse quência mortal haverá um homicídio culposo independentemente da valoração da verdadeira intenção do mestre de obras E isso porque a vítima poderia tomar precaução usar o capacete ou outros equipamentos de proteção para evitar o risco da própria morte possibilidade de autoproteção A principal crítica que pode ser feita à teoria diz respeito à descarga de responsabilidade do autor à luz da possibilidade de autoproteção da vítima129 Em publicações recentes Herzberg não se apega mais ao conceito de perigo des coberto como o único e decisivo para determinação dos limites do dolo Em seu lugar faz uso do conceito geral perigo imediato próximo intenso130 Um perigo será imediato Herzberg deriva a proposição do 22 do StGB131 quando entre a ação e o resultado não mais existir qualquer fator causal ato intermediário Finalmente vale mencionar a teoria do perigo doloso desenvolvida por Puppe132 para quem o perigo com a marca do dolo tem uma qualidade que lhe é inerente essa qualidade é revelada pela estratégia de realização do tipo há dolo quando o indivíduo utiliza um método que aos olhos do observador racional é idôneo à realização do tipo133 Noutros termos o perigo doloso expressa um com portamento que aos olhos de um observador racional somente seria realizado por alguém que estivesse de acordo com a sua realização134 O comportamento com essa qualidade autoriza concluir que o agente terá agido dolosamente in 129 Para a crítica ao argumento entre outros cf Weigend HerzbergFS p 1002 130 Cf Herzberg SchwindFS p 322 Herzberg JZ 2018 p 129 Antes Schlehofer Horst Vorsatz und Tatabweichung Köhl Heymann 1996 p 33 e ss 131 22 Eine Straftat versucht wer nach seiner Vorstellung von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt Tenta um crime aquele que segundo a sua representação do fato começa imediatamente a realização do tipo Cf Herzberg JZ 2018 p 125 e ss Cf igualmente julgando adequada a concretização da ideia de perigo à luz do 22 do StGB Bosch Jura 2018 p 1229 132 Puppe ZStW 103 1991 p 1 e ss PuppeNKStGB5 15 Rn 14115 Puppe AT 9 Rn 5 e ss Próximos Greco Dolo op cit p 902 e ss Merkel NeumannFS 2017 p 1141 e ss Ruppenthal Der bedingte op cit p 282 e ss Para um breve panorama cf Gaede ZStW 121 2009 p 243246 amplamente Viana Dolo op cit p 239257 O leitor também terá uma boa visão da concepção de Puppe na coletânea de artigos recentemente traduzidos e publicados em português cf Puppe Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal Org e trad Beatriz Corrêa Camargo e Wagner Marteleto Filho 2019 133 Puppe AT3 16 Rn 5 e ss 134 Puppe ZStW 103 1991 p 17 e ss Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 91 91 dependentemente da sua postura anímica a avaliação sobre a existência ou não do dolo é portanto normativa e a competência para fazêlo é do magistrado135 Puppe insiste na necessidade do conhecimento do perigo para uma impu tação a título de dolo razão pela qual o seu desconhecimento ainda que deli berado autoriza somente uma atribuição culposa136 Considero essa concepção substancialmente correta merecedora somente de critérios de precisão Adiante tentarei esboçálos a seguir 3 Seria possível encaminhar a minha própria posição Entretanto para ser fiel aos meus objetivos e portanto não fraudar a minha leitora preciso mencio nar mesmo de passagem uma importante teoria manejada pelo BGH a Hemms chwellentheorie A justificativa teórica para isso para além do seu longo uso na jurisprudência devese ao fato de que ela excepciona aquilo que poderíamos denominar de teoria geral do dolo no BGH que põe acento na importância do perigo objetivo para a determinação do dolo de matar ou de lesionar Estamos diante portanto de uma teoria especial Vamos a ela 24 O caso especial da teoria do obstáculo psíquico Hemmschwellentheorie A posição da jurisprudência do BGH no que tange à determinação dos limites do dolo não se limita a uma teoria de disposição do ânimo senão que adicionalmente nos crimes comissivos dolosos contra a vida137 recorre à denomi nada teoria do obstáculo psíquico Hemmschwellentheorie Vale alertar que o BGH em decisões mais recentes vem sublinhando que a teoria não passa de sim ples exigência processual uma advertência à necessidade de exame cuidadoso dos fatos em razão do 261 do StPO138 chegando a registrar que a Hemmschwelle não pode relativizar as ações extremamente perigosas139 De modo mais claro 135 Puppe ZStW 103 1991 p 33 e ss PuppeNKStGB5 15 Rn 70 Próximo Bung Wissen und Wollen im Strafrecht 2009 p 191 136 PuppeNKStGB5 15 Rn 70 Aqui ela se afasta da normativização do dolo tal como propõe por exemplo Jakobs Cf especialmente Jakobs ZStW 114 2002 p 584 e ss 137 Em parte da constelação dos casos em que se recorre à teoria a questão que se coloca diz respeito à distinção entre o dolo de matar e o dolo de lesão corporal com perigo de vida 138 Cf BGH NStZ 2019 208 BGHSt 57 183 191 Na doutrina cf Bosch Jura 2018 p 1230 Ruppenthal Der bedingte op cit p 112 e ss HilgendorfValerius Direito penal p 114115 Não por outra razão parcela da doutrina considera que o BGH já deu sinais de que teria abandonado a teoria Cf Puppe ZIS 2014 p 65 Puppe JR 2012 p 477 Trück JZ 2013 p 179 Para as minhas objeções ao argumento da Hemmschwelle cf Viana Dolo op cit p 341349 139 BGH NStZ 2018 206 92 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 92 a Hemmschwelletheorie não pode ser utilizada como argumento para relativizar o perigo das ações extrema e claramente perigosas para a vida140 O seu ainda largo uso na jurisprudência entretanto justifica no mínimo uma aproximação teórica aos argumentos manejados pelo BGH Parece bastante óbvio que em casos de perigo extremo para a vida o indivíduo reconhece que o seu comportamento pode conduzir à morte da víti ma e por isso mesmo caso insista na ação ou ele conta com a morte da vítima ou a aprova razão pela qual pouco se pode objetar a uma imputação a título de dolo eventual de matar Entretanto matar é algo que vai de encontro à na tureza humana então para afirmar a existência do dolo de matar é necessário que o autor tenha superado uma hipotética e escrupulosa barreira psíquica Hemmschwelle141 Por isso em casos de extremada afetação psíquica é preciso verificar se o indivíduo estava com a sua capacidade de avaliação comprometi da e em razão disso se teria sido capaz de ultrapassar ou não aquela barreira Noutros termos se reconheceu o perigo de morte ou se acreditava que um tal resultado não ocorreria142 Casos que tipicamente são mencionados como pertur badores da capacidade de valoração do perigo são o de embriaguez profunda ou o de profunda perturbação emocional a exemplo da ira paixão emoção ações impulsivas nesses casos a jurisprudência do tribunal tende a afirmar uma im putação a título de culpa consciente143 Em um esforço de racionalização da jurisprudência do BGH144 é possível sugerir a seguinte lógica das decisões Dolo eventual Culpa consciente Em ambas as modalidades de imputação o indivíduo precisa representar a possibilidade de reali zação do tipo ocorrência do resultado leva a sério o risco de realização do tipo ou assume postura de assunção aprovado ra em relação à possibilidade de realização do tipo crê seriamente na não realização do tipo pe nal não está de acordo com a realização do tipo representada 140 BGH NStZ 2018 207 141 Cf Lederer Hemmschwellen im Strafrecht 2011 p 161 142 Cf BGH NStZ 2019 344 143 Síntese em Viana Dolo op cit p 310 144 Sobre o desenvolvimento na jurisprudência cf entre outras Prömper Hemmschwellen theorie und Einzelfallgerechtigkeit 2017 p 23 e ss Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 93 93 Dolo eventual Culpa consciente Indício que em regra afirma o dolo eventual alta intensidade do perigo criado Indícios que podem atestar que o perigo foi ade quadamente representadoquerido grau objetivo de periculosidade da conduta a comporta mento antes e depois do fato b conhecimentos especiais do agente sobre a ação c depoimento do acusado d Indícios que podem atestar um defeito cogni tivovolitivo situações de obstáculo psíquico alta taxa de embriaguez profunda perturbação emocional a espontaneidade do ato b com portamento antes e depois do fato c ausência de motivo aparente d adaptação à situação de risco e personalidade do indivíduo f depoi mento do acusado g Dimensão volitiva não prejudicada Dimensão cognitiva prejudicada ou Dimensão volitiva prejudicada pelo defeito cog nitivo Nível da imputação nas hipóteses de homicídio comissivo deve corresponder à valoração global de todas as circunstâncias isto é o magistrado deve controverterse com todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que envolvem a realização do tipo pelo autor em particular a periculosidade objetiva da conduta o método de ataque do autor a sua constituição psíquica no momento da realização da conduta e finalmente suas motivações Observação Excepcionalmente o BGH fez expressa referência à Hemmschwellentheorie em um caso em que a mãe matou o próprio filho omitindo cuidados e alimentação145 3 TOMADA DE POSTURA145 Neste espaço posso fornecer apenas um pequeno esboço da minha posi ção teórica em relação à estrutura do crime doloso146 Também renunciando ao adorno do elemento volitivo do dolo considero que o dolo é o compromisso cogni tivo do autor com a realização do perigo representado Cumpre fornecer ao leitor então um esboço das razões dessa proposição teórica Farei isso percorrendo duas etapas primeiro indicando a ratio punitiva no crime doloso 31 depois repercutindo esse ponto arquimédico na concepção de dolo 32 31 A ratio da pena para o crime doloso A maioria das legislações somente pune o crime culposo quando há ex pressa previsão legal i isso ocorre muito raramente e geralmente as previsões estão vinculadas a crimes contra a pessoa ii ainda assim quando ocorrem o legislador por meio do perdão judicial eventualmente tolera os comportamento culposos iii Portanto se se quer traçar um critério que leve a sério os princípios do direito penal liberal esse dado não pode ser ignorado147 E não pode pelo sin 145 Hemmschwellentheorie op cit p 3536 Para uma crítica PuppeNKStGB5 15 Rn 94 146 Cf Viana Dolo op cit p 251 e ss 147 Embora essa seja a questão central surpreendentemente como destacou Schünemann ela somente foi tradada marginalmente pelas monografias mesmo aquelas mais extensas 94 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 94 gelo fato de que a distinção entre o dolo e a culpa a rigor representa a distinção entre castigar e não castigar Donde é possível concluir que o pano de fundo des sa questão dogmática é inegavelmente políticocriminal Não é de se estranhar que a doutrina há algum tempo tem advertido quem não puder explicar satisfa toriamente a distinção de castigo será incapaz de fundamentar critérios aceitáveis para estabelecer os limites do dolo148 Em outras palavras indicar com precisão os limites do dolo é racionalizar o exercício do poder punitivo é legitimar a imposição de pena severa a um indivíduo A tese que pretendo desenvolver está fundamentada na concepção se gundo a qual somente o conhecimento possibilita ao agente um controle sobre o que faz e é isso que lhe permite determinar aquilo que decorre do seu fazer149150 Imaginese a seguinte questão duas pessoas representam um perigo para a vida de uma terceira uma com intenção de matála e outra não inobstante distintos es tados de ânimo seria possível justificar os mesmos graus qualitativos de censu rabilidade Creio que a resposta é positiva e isso porque em ambos os casos os indivíduos têm a dominabilidade sobre o próprio corpo151 Essa possibilidade de domínio como acertadamente sustenta Greco152 nos dá ao menos duas razões dedicamlhe pouca atenção cf Schünemann HirschFS 1999 p 371 Fn 28 Em razão das limitações espaciais tratarei dessa questão de modo mais resumido Para fundamentação mais ampla cf Viana Dolo op cit passim 148 Hassemer KaufmannGS 1991 p 294 149 Isso explica porque a nossa legislação art 20 do CP brasileiro exige mais do elemento cognitivo para a imputação dolosa Também aqui está a razão pela qual o desconhecimento ainda que por indiferença não autoriza punir a culpa como dolo Criticando a excessiva normativização do dolo a partir de pontos de vista distintos Frisch Vorsatz und Risiko 1983 p 374 Frister ZIS 2019 p 382 Gaede ZStW 121 2009 p 255 Kindhäuser EserFS 2005 p 357 Puppe ZStW 103 1991 p 37 A favor por todos Jakobs ZStW 114 2002 p 584 Admitindo o dolo em casos excepcionais naqueles denominados de dolus ignorantiae juris causa cf Rink Der zweistufige Deliktsaufbau 2000 p 383 e ss De lege ferenda Marteleto Filho A normativização op cit p 143 e ss 150 Cf Greco Dolo sem vontade Liber Amicorum de José de Sousa e Brito 2009 p 892 Greco Lebendiges 2009 p 186 ss Greco AmelungFS 2009 p 13 SchünemannGreco GA 2006 p 784 Schünemann HirschFS p 371 151 Esse argumento entre outros também aparece em Otto Grundkurs p 82 Rn 26 LK12 Schünemann 26 Rn 16 e ss Schünemann Vom philologischen p 471 Schünemann Grund und Grenzen der unechten Unterlassungsdelikte 1971 p 229 e ss Frisch também menciona que o autor doloso tem um supremo poder de evitação erhöhte Vermeidemacht Frisch Vorsatz p 103 152 Greco Dolo op cit p 892 e ss Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 95 95 para justificar a mesma intensidade da pena no caso supra uma preventiva i e a outra deontológica ii Quanto à primeira é possível esperar bons resultados preventivos pu nindo mais severamente quem atua com conhecimento afinal racionalmente confiamos que o indivíduo consciencioso renuncie mais facilmente ao comporta mento perigoso para um bem jurídico Se isso não acontece há maior necessida de preventiva153 i Essa primeira razão gera contudo um risco de que as necessidades pre ventivas instrumentalizem o indivíduo que age apenas com consciência do peri go Para conter esse risco é necessário agregar uma fundamentação deontológica à consequencialista um fundamento que ofereça boas razões para se crer nesse caso não haver instrumentalização Greco considera que tal argumento está pre cisamente no maior vínculo que o conhecimento cria entre o indivíduo e o resul tado vínculo que gera para o indivíduo maior carga de responsabilidade Aquele que atua com domínio por deter em suas mãos o poder de decidir que curso de ação tomará possui ceteris paribus muito maior responsabilidade pela prática dessa ação154 ii Vejase que o decisivo nesse ponto reside no fato de a maior justificação da pena decorrer da relação entre o autor e o fato é dizer a maior responsabilidade decorre do exercício da autonomia que é justamente la capa cidade que los individuos tienen de regirse por sí mismos155156 A ideia da comina ção da pena portanto funciona como categoria teóricoracional das razões para atuar157 A pena é um elogio às avessas Como o elogio deve ser capaz de influen ciar positivamente o comportamento humano a pena também deve ser capaz de influenciar o melhor domínio do fato a melhor condução do comportamento Com o que chegamos à seguinte pergunta O que mais é necessário para a ave riguar a possibilidade de punição dolosa quando um indivíduo prossegue na 153 Greco Dolo op cit p 892 154 Greco Dolo op cit p 892 itálico no original SchünemannGreco GA 2006 p 777 Também Frisch Vorsatz op cit p 97 e ss Feijóo Sánchez Dolo eventual 2003 p 57 e ss 155 Figueroa Rubio Adscrición y reación 2019 p 83 Wolf Freedom Within reason 1993 p 4 e ss 156 A relevância desse ponto é demonstrada como destaca a doutrina com facilidade basta considerar a irrelevância jurídicopenal dos movimentos reflexos ou dos movimentos derivados de ataques epiléticos sob coação física absoluta que apesar de serem movimentos corporais e poderem causar consequências lesivas conforme doutrina unânime não se imputam à pessoa porque não são expressão do domínio pessoal sobre o corpo Schünemann Grund und Grenzen der unechten Unterlassungsdelikte p 236 157 Sigo aqui a sugestão teórica de Greco Lebendiges op cit p 419 96 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 96 realização do seu comportamento mesmo reconhecendo o perigo que seu compor tamento leva para o bem jurídico A representação do perigo ativa uma espécie de compromisso entre o indi víduo e o seu comportamento convertendoo em pessoa especialmente obrigada Fundamentados na ideia de que o direito penal serve para viabilizar a convivên cia pacífica os demais membros da sociedade estão autorizados a exigir desse indivíduo um padrão comportamental coerente com a premissa da convivência pacífica Quem desrespeita essa lógica estabelece uma relação com a lesão ao bem jurídico e não com preservação da convivência pacífica Naturalmente que não é qualquer representação do perigo que justifica a imputação dolosa pois fosse assim converteríamos a nossa existência em algo insuportável É necessário que esse perigo representado possua uma determina da qualidade Essa qualidade que indicaremos no item subsequente entretanto não pode ignorar os argumentos sobre a ratio do castigo doloso Dito de outra maneira os candidatos a critério devem expressar as razões que indiquei para a fundamentar ratio do castigo doloso 32 O compromisso cognitivo critérios de precisão Como vimos desde as teorias do perigo o objeto de valoração relevan te para o dolo é o perigo representado antes 23 Na seção antecedente tentei demonstrar a razão pela qual a representação sozinha é capaz de fundamentar uma punição dolosa também considerei que o perigo é o objeto do dolo Resta saber agora a qual perigo será possível agregar o adjetivo doloso Como anunciei considero substancialmente correta a afirmação segundo a qual haverá um perigo doloso quando o agente realizar um comportamento que expresse uma estratégia idônea para a realização do tipo É preciso dar um passo entretanto em relação à precisão dessa premissa isto é quando será possível afirmar a existência de uma estratégia idônea para a realização do tipo Natural mente que o conhecimento do perigo extremo que entranha o comportamento expressa sem mais essa estratégia Mas os casos problemáticos não estão nestes limites senão nos casos intermediários Nesses será necessário recorrer adicio nalmente a outros critérios os quais servirão para o terceiro julgador verificar se o agente estabeleceu um compromisso cognitivo com a realização do tipo isto é se agiu dolosamente158 158 Os critérios estão amplamente discutidos em Viana Dolo op cit p 256 e ss Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 97 97 O ponto arquimédico para identificação do compromisso cognitivo é dado pela intensidade objetiva do perigo criado i associado à verificação do grau de vulnerabilidade concreto da vítima ii159 Quanto à intensidade objetiva do perigo criado esse me parece um critério imprescindível para a imputação dolosa tanto assim que mesmo aqueles que ainda permanecem vinculados a concepções volitivistas o elegem como indica dor da dolosidade do comportamento160 Nesse sentido considero que há uma classe de perigo que é substancialmente distinta dos demais perigos o perigo sui generis Esse perigo expressa aquelas situações em que o comportamento é reali zado com extraordinária intensidade Nesse caso haverá uma imputação dolosa sem maiores considerações Exemplificadamente tiro a curta distância no rosto da vítima facadas no peito da vítima pauladas na cabeça Quem se serve desses métodos para a realização do seu comportamento não cria outro perigo senão o de morte Há perigos entretanto cujo compromisso cognitivo com a realização de um determinado tipo não é tão evidente Nesse caso a valoração do grau de periculosidade objetiva dependerá de considerações adicionais sobre a poten cialidade lesiva do perigo reconhecido Assim instrumento local duração e in tensidade da agressão medidas de redução ou incremento diante de um perigo representado devem ser utilizados como critérios de valoração Considerações sobre a vítima também podem integrar o processo de va loração da imputação subjetiva não para exonerar o autor de responsabilidade como se houvesse como indicava Herzberg um dever de autossalvação da vítima senão para autorizar a averiguação sobre a possibilidade de imputação dolosa E isso porque como defendi noutro lugar a impossibilidade de sustentar um dever de autossalvação da vítima decorre do compromisso assumido com os fundamentos que utilizei para fundamentar a ratio da resposta punitiva ao crime doloso a vítima carece de dominabilidade sobre aquilo que está prestes a aconte cer Então como ela pode inteirar o processo de imputação subjetiva Creio que no processo de imputação subjetiva deve ser averiguado se a vítima tinha condições ou não de ativar algum sentido de autossalvação A perspectiva da vítima aqui é compreendida como aquilo que integra o seu pa 159 Esses não são os únicos critérios mas são os decisivos A seguir indico ainda o contexto de realização do comportamento 160 Cf BGH NStZ 2019 208 BGH Beschl v 30 7 2019 2 StR 12219 LG Berlin NStZ 2017 471 mAnm Jäger JA 2017 786 Sasse NJ 2017 387 Bechtel JuS 2019 114 Bosch JURA JK 2020 p 406 15 StGB 98 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 98 trimônio físico e psíquico De modo mais claro crianças e idosos por exemplo são vítimas que naturalmente têm no seu grau de vulnerabilidade um elemento potencializador do perigo de realização do tipo Se o agente executa grave agres são contra uma criança por exemplo o autor estabelece um compromisso cogni tivo com a morte e não somente com uma lesão ii Aqui uma pequena racionalização o grau de vulnerabilidade da vítima sozinho não autoriza uma imputação dolosa pois isso alargaria sobremaneira a zona do dolo A valoração qualitativa da natureza do perigo precisa considerar a convergência entre a intensidade objetiva do perigo e o grau de vulnerabilidade da vítima Daí porque por exemplo a agressão contra criança no contexto de um perigo de baixa intensidade por exemplo desautoriza prima facie uma imputa ção dolosa Outro importante critério a ser considerado é a ambiência na qual se de senvolve a realização do tipo contexto de realização O agente não está isolado desse dado senão precisamente preso a ele Quem imprime velocidade excessi va racha161 em rua extremamente movimentada não estabelece compromisso cognitivo com lesões corporais senão que há um genuíno dolo de matar atrope lar alguém fatalmente não depende da qualidade do motorista senão de uma sé rie de fatores que a partir de determinado ponto não mais estão sob controle do motorista isto é entre o comportamento e o resultado já não se interpõe qualquer ato intermediário penalmente relevante senão somente a má sorte da vítima e o otimismo do autor Se esse mesmo racha é realizado em rua deserta entre tanto já não se pode falar em dolo de matar ainda que infelizmente alguém seja atingido162 Esses critérios juntos integram em um horizonte mais distante a ideia de perigo imediato que expressa uma ausência de turning point é dizer a não ocor rência do resultado típico é somente uma questão mera de casualidade Donde é 161 Sobre o problema das corridas ilegais com várias referências cf VianaTeixeira A imputação op cit p 105130 162 Aqui o art 308 2º da Lei nº 95031997 poderia ser uma solução Mas há um problema fundamental já diagnosticado noutra oportunidade essa não seria uma solução definitiva pois mesmo com a existência desses tipos penais autônomos na hipótese do resultado morte o julgador não fica isento de examinar a realização do tipo de homicídio e de aferir se foi culposo ou doloso Não se poderia aqui evocar o princípio da especialidade em detrimento da punibilidade por homicídio cf VianaTeixeira O caso op cit p 128 A realidade imposta pela praxis entretanto autoriza a minha pergunta sobre se essa investigação do elemento subjetivo nas hipóteses de racha será efetivamente realizada Na prática e salvo casos extremos será bem mais cômodo recorrer ao art 308 2º da Lei nº 95031997 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 99 99 possível concluir que em essência a imputação a título de dolo requer a demons tração de uma forma especial de realização do comportamento Dito isso encaminhome para o final deixando para a minha leitora um pequeno sinal sobre aquela que é provavelmente a seção da teoria do crime doloso que certamente será responsável pelo maior número de contribuições em solo brasileiro nos próximos anos o desconhecimento deliberado 4 A CRISE DA DIMENSÃO COGNITIVA DO DOLO Há mais de meio século Welzel escrevia que a dimensão intelectual conti nha o conhecimento atual de todos os elementos objetivos do tipo penal Não é suficiente que o autor tenha um conhecimento potencial isto é que ele poderia ter tido a consciência163 E mais de cinquenta anos antes Exer também conheci do pela sua investigação criminológica ressaltava o mesmo164 Desde então isto é há mais de um século essas palavras têm sido absorvidas pela doutrina sem maiores objeções não por outra razão iniciei este artigo ressaltando o consenso doutrinário sobre a necessidade da dimensão intelectual do dolo antes 111 mas isso não significa unanimidade A nova discordância põe em xeque justa mente a necessidade do conhecimento compreendido majoritariamente como fato psíquico para a imputação dolosa Essa crise instalada na dimensão cogni tiva tem como principal fenomenologia aquele grupo de casos segundo o qual o desconhecimento da realização do tipo decorre da ausência de devoção do autor em relação ao direito isto é da sua indiferença165 Para que o leitor concretize melhor o problema apresentarei a questão recorrendo a outro exemplo banal imaginese que dois indivíduos às vésperas do natal ofereçam a um terceiro T uma significativa quantia em dinheiro para que esse deixe uma maleta dentro do shopping da cidade X T mesmo descon 163 Welzel Das Deutsche op cit p 65 Cf Otto AT7 7 Rn 8 164 Exner Das Wesen der Fahrlässigkeit Eine strafrechtliche Untersuchung 1910 p 229 Na mesma linha interpretandoo contrario sensu cf Bruck Zur Lehre op cit p 1 165 Em decorrência da AP 470MG ganhou projeção no Brasil a discussão sobre a cegueira deliberada Sobre a equivocada importação da figura para o Brasil cf Lucchesi Punindo dolo como culpa O uso da cegueira deliberada no Brasil São Paulo Marcial Pons 2018 Para uma visão geral Ragués i Vallès La Ignorancia deliberada en derecho penal Barcelona Atelier 2007 Cf ainda Greco Comentario al artículo de Ramon Ragués In Valenzuela S Org Discusiones XIII2 Ignorancia deliberada y Derecho Penal Argentina Ediuns 2013 p 6777 Silveira A aplicação da teoria da cegueira deliberada nos julgamentos da Operação Lava Jato Revista Brasileira de Ciências Criminais v 24 n 122 p 255280 2016 Pardini Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira deliberada São Paulo Marcial Pons 2019 100 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 100 fiado aceita a encomenda T mesmo diante da surpreendente quantia não faz qualquer pergunta Chegando ao shopping a polícia o surpreende e descobre se que a maleta continha uma bombarelógio Em grosseira síntese portanto a cegueira diante dos fatos diz respeito às situações nas quais o autor desconhece os pressupostos fáticos do risco criado e consequentemente a possibilidade de lesão ao bem jurídico Majoritariamente esse desconhecimento é uma causa de exoneração de responsabilidade166 Recordemos que a ausência de representação tanto no Brasil quanto na Alemanha tem uma consequência jurídica drástica a falta de punição ou no mínimo a sua rigorosa atenuação art 20 do CP e 16 I 1 do StGB167 Para outra vertente da doutrina entretanto essa falha no patri mônio perceptivo do agente a rigor não é uma falha senão todo o contrário168 Voltemos ao problema inicial como T deliberadamente evitou conhecer o conteúdo da maleta seria razoável excluir ou até mesmo atenuar a sua res ponsabilidade penal A parcela ainda minoritária seja de lege lata por meio de uma interpretação redutora dos artigos supramencionado seja de lege ferenda responde negativamente a essa pergunta um caminho para fundamentar essa resposta devese à investigação de Jakobs169170 Para ele a melhor forma de evitar a descarga de responsabilidade decorrente do desconhecimento pela indiferen 166 Mesmo criticando a opção terminológica erro a literatura considera que a desoneração da imputação dolosa independe de saber se o autor desconhecia as circunstâncias fáticas objetivas erro negativo ou se essa ausência se deu por uma falha de representação ativa indiferença Em qualquer caso a punibilidade pelo comportamento culposo permanece intocável Cf Kühl AT8 13 Rn 7 MK3Joecks 16 Rn 2 167 Aqui entra em cena a denominada função de apelo do tipo Appellfunktion segundo a qual das circunstâncias externas de uma ação punível e ancorado no senso comum o já autor deduz o conteúdo do injusto e ele mesmo antes da realização da ação já experimenta uma advertência interior um apelo Por isso a realização do comportamento com o desconhecimento dos pressupostos fáticos exatamente por não propiciar essa oportunidade justificaria maior docilidade da resposta penal Creio que essa função de apelo expressa importante aspecto da legitimação da imposição de pena pois o conhecimento é a oportunidade do indivíduo demonstrar o quanto consegue conviver compatibilizando as esferas de liberdade Sobre essa função de apelo cuja terminologia deriva segundo doutrina do penalista japonês Yoshikatsu Naka Cf Naka JZ 1961 210 cf Hruschka RoxinFS 2001 p 447 Fn 33 Sobre a ideia da função de apelo cf Engisch ZStW 70 1958 p 566 e ss No geral cf Rengier AT10 31 Rn 1 Walter Der Kern des Strafrechts 2006 p 393 168 Cf Almendingen Untersuchungen über das culpose Verbrechen 1804 p 98 Com diversas referências Bruck Zur Lehre op cit p 2 nota de rodapé 1 169 Fundamentalmente Jakobs AT2 8 Rn 5a Jakobs ZStW 114 2002 p 584 e ss Jakobs RudolphiFS p 107 e ss 170 Para uma síntese por todos cf Gaede ZStW 121 2009 p 243 e ss Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 101 101 ça171 é substituindo o fato psíquico o conhecimento pela valoração do fato com isso sugerese a pavimentação do caminho para a completa normativização do dolo por meio da ideia de indiferença172 Concretamente para Jakobs o desconhe cimento por indiferença não desincumbe de responsabilidade penal173 porque o que interessa em certos casos não é a possibilidade de conhecer o risco senão a sua obrigatoriedade174 Agindo com indiferença em verdade o agente realiza um expressivo discurso de hostilidade em relação à norma razão pela qual ao seu comportamento merece o mesmo grau de reproche do comportamento doloso175 Formulando de outra maneira o dolo deve ser reconhecido independentemente de se o autor efetivamente se deu conta ou não da realização do crime se esse conhecimento fático era indiferente ao autor no sentido de ser irrelevante para a sua decisão é dizer se ele teria atuado ainda que tivesse tomado ciência do deli to então isso também é dolo176 Não há espaço para objetar de modo exaustivo a essa construção teórica por isso deixarei para o leitor apenas três considerações que merecem ser leva das a sério177 primeira essa figura é realmente necessária Isso porque boa parte dos casos em que ela se aplica pode ser resolvida por meio da dogmática do dolo segunda se ela for necessária será também compatível com o princípio da legalidade e com o princípio da proporcionalidade a ratio do castigo doloso terceira nem sempre o autor escolhe tudo aquilo que pode ou não ser objeto da sua representação178 concretamente o fato de um terrorista considerar a vida de 171 Essa indiferença que o leitor não confunda tem um conteúdo distinto daquele formulado por Engisch Lá a indiferença era psicológica aqui ela é normativa antes 223 172 Não disponho de espaço suficiente e esse artigo já está demasiadamente logo para deixar mais claro de onde Jaboks deriva essa compreensão Para não deixar a minha leitora sem um rumo registro somente que ele decanta a proposta a partir da sua compreensão de culpabilidade como deslealdade do autor em relação ao direito Cf Jakobs ZStW 114 2002 p 586587 Jakobs Der strafrechtliche Handlungsbegriff 1992 p 42 e ss 173 Para além de Jakobs na mesma direção com fundamentos próximos e por isso mesmo diferentes cf Heuchemer Der Erlaubnistatbestandsirrtum 2005 p 356 Pawlik Das Unrecht op cit passim Rink Der zweistufige op cit p 383 e ss Ragués i Vallès La Ignorancia op cit p 132 e ss No Brasil Marteleto Filho A normativização op cit p 138 e ss 174 Cf NK5Puppe 15 Rn 70 Lesch JA 1997 802 Pawlik Das Unrecht op cit p 393 e ss Hsu PuppeFS 2011 p 540 PérezBarberá GA 2013 465 175 São vários os porquês que parcela da literatura ventila para dar substância a esse argumento cf Pawlik Person Subjekt Bürger 2004 p 82 e ss p 310 Rink Der zweistufige op cit p 383 e ss 176 Gaede ZStW 121 2009 p 243 177 Por ora fico devendo ao leitor uma contribuição mais aprofundada sobre esse tema 178 Cfr LK12Vogel vor 15 Rn 26 102 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 102 um policial indigna não evitará que ele o terrorista represente a possibilidade de atropelamento179 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegando ao final creio ter apresentado um panorama sincero das dis cussões que são majoritariamente travadas no âmbito da teoria do crime doloso Com isso espero contribuir para reduzir a mística do elemento volitivo bem assim conter a desorientação científica em torno da estrutura dolo Creio igual mente que estão semeadas algumas sugestões para pesquisas a serem realizadas em maior nível de verticalidade Se falhei nessas primeiras missões então ao menos espero que o artigo tenha demonstrado que sobre o dolo alguma coisa se falou e pouco se discutiu ainda Doume por satisfeito se a minha leitura julgar que alcançarei qualquer uma dessas metas REFERÊNCIAS ALMENDINGEN Ludwig Harscher von Untersuchungen über das culpose Verbrechen Gießen Tasche und Müller 1804 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörg Strafrecht Allgemeiner Teil Lehrbuch 12 Aufl Bielefeld Verlag Ernst und Werner Gieseking 2016 BINDING Karl Die Normen und Ihre Übertretung Eine Untersuchung über die rechtmässige Handlung und die Arten des Delikts Aalen Scientia Verlag 1965 B 2 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal parte geral 24 ed São Paulo Saraiva 2018 BLEI Hermann Strafrecht Allgemeiner Teil 18 Aufl München Beck 1983 BOSCH Nikolaus Bedingter Vorsatz und Indizienbeweis Jura n 40 p 12251238 2018 BRUCK Felix Zur Lehre von der Fahrlässigkeit im heutigen deutschen Strafrecht Breslau Koebner 1885 BRUNO Aníbal Direito penal parte geral 3 ed Rio de Janeiro Forense t 2 1967 BUNG Jochen Wissen und Wolen im Strafrecht Frankfurt Vittorio Klostermann 2009 BUSATO Paulo Direito penal parte geral 4 ed São Paulo Atlas v 1 2018 DAVILA Fabio Roberto A realização do tipo como pedra angular da teoria do crime Elementos para o abandono do conceito prétípico de ação e de suas funções Revista de Estudos Criminais v 54 p 135163 2014 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal parte geral 3 ed Coimbra Gestlegal t I 2019 ENGISCH Karl Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht Aalen Scientia 1964 reimpressão da edição de 1930 Zum bedingten Vorsatz in Strafrecht NJW 16881689 1955 179 Para tomar o inverossímil exemplo de Jakobs Um terrorista atravessa uma barreira policial conduzindo a alta velocidade ele não chega a considerar a possibilidade de atingir um policial que corre pela margem dos veículos porque está muito preocupado em escapar Cf Jakobs ZStW 114 2002 p 586 Não é preciso muito esforço para desconstruir o argumento de Jakobs esse terrorista tinha como o leitor deve ter intuído a consciência acompanhante coconsciência antes 111 e isso é suficiente para a imputação dolosa Essa mesma lógica pode ser aplicada para casos semelhantes como os de transporte de drogas Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 103 103 Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Rechtfertigungsgründen ZStW B 60 p 566615 1958 EXNER Frank Das Wesen der Fahrlässigkeit Eine strafrechtliche Untersuchung Leipzig Deuticke 1910 FEIJÓO SÁNCHEZ Bernardo El dolo eventual Bogotá Universidad Externado de Colombia 2002 FIGUEROA RUBIO Sebastián Adscrición y reación Madrid Marcial Pons 2019 FISCHER Martin Wille und Wirksamkeit Eine Untersuchung zum Problem des dolus alternativus Frankfurt Peter Lang 1993 FISCHER Thomas Strafgesetzbuch mit Nebengesetzen 66 Aufl München Verlag 2019 FRAGOSO Heleno Cláudio Lições de direito penal parte geral 7 ed Rio de Janeiro Forense 1985 Segunda parte Comentários adicionais In HUNGRIA Nelson FRAGOSO Heleno Cláudio Comentários ao Código Penal 5 ed Rio de Janeiro Forense v 1 t II 1978 p 485638 FRANK Reinhard Das Strafgesetzbuch für das Deutsch Reich 18 Aufl Tübingen Mohr 1931 FREUND Georg Strafrecht Allgemeiner Teil Personale Straftatlehre 2 Aufl Berlin Springer 2009 FRISCH Wolfgang Vorsatz und Risiko ColoniaBerlinBonnMünchen Heymann Vorsatz und Risiko 1983 Gegenwartsprobleme des Vorsatzbegriffs und der Vorsatzfeststellung am Beispiel der AIDS Diskussion In MEYER Karlheinz GEPPERT Klaus DEHNICKE Diether Gedächtnisschrift für Karlheinz Meyer BerlinNew York W de Gruyter 1990 p 533566 FRISTER Helmut Strafrecht Allgemeiner Teil Ein Studienbuch 7 Aufl München Beck 2015 Vorsatzdogmatik in Deutschland ZStW n 78 p 381386 2019 Há versão para o português cf FRISTER Helmut A dogmática do dolo na Alemanha Trad Wagner Marteleto Filho Revista de Estudos Criminais Porto Alegre v 19 n 76 p 722 2020 GAEDE Karsten Auf dem Weg zum potentiellen Vorsatz Problematik und Berechtigung der zunehmenden Tendenzen zur normativen Relativierung des Vorsatzerfordernisses ZStW n 121 p 239280 2009 Mord ohne Leiche Koinzidenz unmittelb Ansetzen zum Versuch ud Ausschaltung der Verteidigungsmöglichkeiten des Opfers BGH NJW 2002 1057 JuS p 10581062 2002 GALLAS Wilhelm Zum gegenwärtigen Stand der Lehre vom Verbrechen ZStW n 67 p 147 1955 GERMANN O A Vorsatzprobleme dargestellt aufgrund kritischer Analyse der neueren Judikatur des Schweizerischen Bundesgerichts SchwZStr n 77 1961 p 345415 GRECO Luís As razões do direito penal Quatro estudos org e trad Eduardo Viana Lucas Montenegro e Orlandino Gleizer São Paulo Marcial Pons 2019 Comentario al artículo de Ramon Ragués In VALENZUELA S Org Discusiones XIII2 Ignorancia deliberada y Derecho Penal Argentina Ediuns 2013 p 6777 Dolo sem vontade In DIAS Augusto Silva Coord Liber Amicorum de José de Sousa e Brito Coimbra Almedina 2009 p 885903 Lebendiges und Totes in Feuerbachs Straftheorie ein Beitrag zur gegenwärtigen strafrechtlichen Grundlagendiskussion Berlin Duncker Humblot 2009 Rechtsgüterschutz und Tierquälerei In BÖSE Martin STERNBERGLIEBEN Detlev Hrsg Grundlagen des Straf und Strafverfahrensrechts Festschrift für Knut Amelung zum 70 Geburtstag Berlin Duncker Humblot 2009 p 316 Tem futuro o conceito de ação In GRECO Luís LOBATO Danilo Coord Temas de direito penal parte geral Rio de Janeiro Renovar 2008 p 147169 ROXIN Claus Strafrecht Allgemeiner Teil 5 Aufl München Beck B I 2020 no prelo GROPP Walter Strafrecht Allgemeiner Teil 4 Aufl Heidelberg Springer 2015 GRÜNEWALD Anete Anmerkung LG Berlin Urteil v 27 2 2017 535 Ks 251 Js 5216 816 JZ n 21 p 10691072 104 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 104 HASSEMER Winfried Kennzeichen des Vorsatzes In DORNSEIFER Gerhard Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann KölnMünchen C Heymann 1989 p 289309 HEINRICH Bernd Strafrecht Allgemeiner Teil 4 Aufl Stuttgart Kohlhammer 2014 HERMANNS Caspar David HÜLSMANN Sandra Doreen Die Feststellung des Vorsatzes bei Tötungsdelikten JA B 24 p 140145 2002 HERZBERG Rolf D Setzt vorsätzliches Handeln 15 StGB ein Wollen der Tatbestandsverwirklichung voraus JZ ano 73 n 3 p 122130 2018 Aids Herausforderung und Prüfstein des Strafrechts zugleich eine Besprechung des BGHUrteils vom 4 November 1988 1 StR 26288 JZ p 470482 1989 Bedingter Vorsatz und objektive Zurechnung beim Geschlechtsverkehr des AIDS Infizierten JuS p 777783 1987 Das Wollen beim Vorsatzdelikt und dessen Unterscheidung vom bewußt fahrlässigen Verhalten Teil 1 JZ p 573643 1988 Teil 1 und Teil 2 Die Abgrenzung von Vorsatz und bewußter Fahrlässigkeit ein Problem des objektiven Tatbestandes JuS p 249262 1986 Die Strafdrohung als Waffe im Kampf gegen Aids NJW p 14611466 1987 Zur Strafbarkeit des AidsInfizierten bei unabgeschirmtem Geschlechtsverkehr NJW p 22832284 1987 Zum Fahrlässigkeitsdelikt in kriminologischer Sicht und zum Gefahrmerkmal des Vorsatzdeliktes In FELTES Thomas PFEIFFER Christian STEINHILPER Gernot Hrsg Festschrift ist HansDieter Schwind zum 70 Geburtstag Heidelberg Müller 2006 p 317336 HEINTSCHELHEINEGG Bernd v BGH 17122009 4 StR 42409 Bedingter Tötungsvorsatz bei äußerst gefährlichen Gewalthandlungen JA n 5 p 387388 2010 HETTINGER Michael Der Irrtum im Bereich der äußeren Tatumstände eine Einführung JuS L 1720 1989 HILGENDORF Eric VALERIUS Brian Direito penal parte geral Trad Orlandino Gleizer São Paulo Marcial Pons 2019 HORTA Frederico Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do dolo São Paulo Marcial Pons 2016 HRUSCHKA Joachim Strafrecht nach logischanalytischer Methode systematisch entwickelte Fälle mit Lösungen zum Allgemeinen Teil Berlin De Gruyter 1988 Wieso ist eigentlich die eingeschränkte Schuldtheorie eingeschränkt Abschied von einem Meinungsstreit In SCHUNEMANN Bernd et al Hrsg Festschrift für Claus Roxin zum 70 Geburtstag am 15 Mai 2001 p 441456 HUNGRIA Nelson FRAGOSO Heleno Cláudio Comentários ao Código Penal 5 ed Rio de Janeiro Forense v 1 t II 1978 JAKOBS Günther Dolus Malus In ROGALL Klaus Hrsg Festschrift für HansJoachim Rudolphi zum 70 Geburtstag Neuwied Luchterhand 2004 p 107122 Gleichgültigkeit als dolus indirectus ZStW n 114 p 584599 2002 Strafrecht Allgemeiner Teil Die Grundlagen und die Zurechnungslehre 2 Aufl Berlin de Gruyter 1993 Der strafrechtliche Handlungsbegriff München Beck 1992 JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts Allgemeiner Teil 5 Aufl Berlin Duncker e Humblot 1996 JOECKS Wolfgang 16 In JOECKS Wolfgang Miebach Klaus Hrsg Münchener Kommentar zum StGB 3 Aufl Berlin Beck B 1 2017 JOERDEN Jan C Der auf die Verwirklichung von zwei Tatbeständen gerichtete Vorsatz ZStW n 95 p 565605 1983 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 105 105 KARGL Walter Der strafrechtliche Vorsatz auf der Basis der kognitiven Handlungstheorie Frankfurt Peter Lang 1993 KINDHÄUSER Urs K Der Vorsatz als Zurechnungskriterium ZStW n 96 p 135 1984 Gleichgültigkeit als Vorsatz In ARNOLD Jörg Menschengerechtes Strafrecht Festschrift für Albin Eser zum 70 Geburtstag München Beck 2005 p 344358 Strafrecht Allgemeiner Teil 7 Aufl BadenBaden Nomos 2015 KÜHL Kristian Strafrecht Allgemeiner Teil 8 Aufl München Vahlen 2017 KUHLEN Lothar Vorsatz und Irrtum im 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8 Aufl Heidelberg München Müller 1992 B 1 MAYER Hellmuth Strafrecht Allgemeiner Teil Stuttgart W Kohlhammer 1967 MERKEL Reinhard Kopftransplantation In SALIGER Frank Hrsg Festschrift für Ulfrid Neumann zum 70 Geburtstag Heidelberg Müllet 2017 p 11331148 MORILLAS CUEVA Lorenzo La doble posición del dolo en la teoría jurídica del delito Cuadernos de Politica Criminal n 91 p 2746 2007 MORKEL Dan W Abgrenzung zwischen vorsätzlicher und fahrlässiger Straftat NStZ p 176179 1981 MÜLLER Ingo Der Vorsatz der Rechtsbeugung NJW p 23902395 1980 MUÑOZ CONDE Francisco GARCÍA ARÁN Mercedes Derecho Penal Parte General 8 ed Valencia Tirant lo Blanch 2010 OTTO Harro Grundkurs Strafrecht Allgemeine Strafrechtslehre 7 Aufl Berlin de Gruyter 2004 PAWLIK Michael Das Unrecht des Bürgers Grundlinien der allgemeinen Verbrechenslehre Tübingen Mohr Siebeck 2012 Person Subjekt Bürger Zur Legitimation von Strafe Berlin Duncker Humblot 2004 PÉREZ BARBERÁ Gabriel El dolo eventual Hacia el abandono de la idea de dolo como estado mental Buenos Aires Hammurabi 2011 Vorsatz als Vorwurf Zur Abkehr von der Idee des Vorsatzes als Geisteszustand GA 454 472 2013 PLATZGUMMER Winfried Die Bewußtseinsform des Vorsatzes Eine strafrechtsdogmatische Untersuchung auf psychologischer Grundlage Wien Springer 1964 PRITTWITZ Cornelius Die Ansteckungsgefahr bei AIDS JA p 486502 1988 PRÖMPER Juliane Hemmschwellentheorie und Einzelfallgerechtigkeit Berlin Duncker Humblot 2017 PUPPE Ingeborg 15 In KINDHÄUSER Urs NEUMANN Ulfrid PAEFFGEN HansUllrich Hrsg Nomos Kommentar Strafgesetzbuch 5 Aufl B 1 2017 106 Revista de estudos CRiminais 77 abRilJunho 2020 106 Anmerkung zu einem Urteil des BGH vom 22032012 4 StR 55811 NJW 2012 1524 Zur Frage der Anwendung der Hemmschwellentheorie bei Tötungsdelikten JR 477479 2012 Beweisen oder Bewerten Zu den Methoden der Rechtsfindung des BGH erläutert anhand der neuen Rechtsprechung zum Tötungsvorsatz ZIS n 2 p 6670 2014 Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis ZStW n 103 p 142 1991 Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal Org e trad Beatriz Corrêa Camargo e Wagner Marteleto Filho São Paulo Marcial Pons 2019 Kleine Schule des juristischen Denkens Göttingen Vandenhoeck Ruprecht 2014 Strafrecht Allgemeiner Teil 3 Aufl BadenBaden Nomos 2016 Vorsatz und Zurechnung Heidelberg Decker und Müller 1992 RADBRUCH Gustav Der Jurist und das Buch In Gesamtausgabe Heidelberg Müller 2003 Bd 20 p 69 RAGUÉS I VALLÈS Ramon El dolo y su prueba en el Proceso Penal Barcelona Bosch 1999 La Ignorancia deliberada en derecho penal Barcelona Atelier 2007 RENGIER Rudolf Strafrecht Allgemeiner Teil 10 Aufl Berlin Beck 2018 RINK Klaus Der zweistufige Deliktsaufbau Berlin Duncker Humblot 2000 ROSS Alf Über den Vorsatz Studien zur dänischen englischen deutschen und schwedischen Lehre und Rechtsprechung BadenBaden Nommos 1979 ROXIN Claus GRECO Luís Strafrecht Allgemeiner Teil 5 Aufl München Beck B I 2020 no prelo RUDOLPHI HansJoachim STEIN Ulrich 15 16 In WOLTER Jürgen Hrsg Systematischer Kommentar zum Strafgesetzbuch 9 Aufl München Carl Heymanns 2016 RUPP Erwin Modernes Recht und Verschuldung Tübingen L F Fues 1880 RUPPENTHAL Miriam Der bedingte Tötungsvorsatz Berlin Duncker Humblot 2017 STERNBERGLIEBEN Detlev SCHUSTER Frank 15 In SCHÖNKE Adolf SCHRÖDER Horst Strafgesetzbuch Kommentar 30 Aufl Berlin Beck 2019 SANTOS Humberto S Problemas estruturais do conceito volitivo de dolo In GRECO Luís LOBATO Danilo Coord Temas de direito penal Rio de Janeiro 2008 p 263289 SANTOS Juarez Cirino dos Direito penal parte geral 5 ed Curitiba ICPCLumen Juris 2012 SCHLEHOFER Horst Risikovorsatz und zeitliche Reichweite der Zurechnung beim ungeschützten Geschlechtsverkehr des HIVInfizierten NJW 20172026 1989 SCHMIDHÄUSER Eberhard Die Grenze zwischen vorsätzlicher und fahrlässiger Straftat dolus eventualis und bewusste Fahrlässigkeit JuS n 4 p 241252 1980 Einführung in das Strafrecht 2 neubearb Aufl Opladen Westdeutscher Verlag 1984 Strafrecht Allgemeiner Teil 2 Aufl 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São Paulo v 24 n 122 p 255280 2016 SOUZA Luciano Anderson de Direito Penal parte geral São Paulo Revista dos Tribunais v 1 2019 SOWADA Christoph Der umgekehrte dolus generalis Die vorzeitige Erfolgsherbeiführung als Problem der subjektiven Zurechnung Jura p 814822 2004 STRATENWERTH Günther Dolus eventualis und bewußte Fahrlässigkeit ZStW n 71 p 5171 1959 KUHLEN Lothar Strafrecht Allgemeiner Teil die Straftat 6 Aufl München Vahlen 2011 Stuckenberg CarlFriedrich Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht Berlin De Gruyter 2007 TAVARES Juarez Fundamentos da teoria do delito Florianópolis Tirant lo Blanch 2018 TRÜCK Thomas Tötungsvorsatz ohne Hemmschwelle Zugleich Besprechung von BGH Urteil v 22 3 2012 4 StR 55811 JZ 68 p 179183 2013 VIANA Eduardo Dolo como compromisso cognitivo São Paulo Marcial Pons 2017 QUANDT Gustavo de Oliveira Retroatividade de lei penal incriminadora A propósito do julgamento do AgRgREsp 1730341 que tratou da aplicação do artigo 215A do CP Revista de Estudos Criminais Porto Alegre v 18 n 74 p 8198 2019 TEIXEIRA Adriano A imputação dolosa no caso do racha em Berlim Comentários à decisão do Tribunal de Berlim Revista de Estudos Criminais Porto Alegre v 18 n 73 p 105130 2019 VOGEL Joachim 15 In Leipziger Kommentar 12 Aufl Berlin de Gruyter 2007 WALTER Tonio Der vermeintliche Tötungsvorsatz von Rasern NJW n 19 p 13501353 2017 Der Kern des Strafrechts Tübingen Mohr Siebeck 2006 WEIGEND Thomas Vorsatz und Risikokenntnis Herzbergs Vorsatzlehre und das Völkerstrafrecht In PUTZKE Holm Hrsg Festschrift für Rolf Dietrich Herzberg zum siebzigsten Geburtstag Tübigen Mohr Siebeck 2008 p 9971012 WELZEL Hans Das deutsche Strafrecht Eine systematische Darstellung 11 Aufl Berlin de Gruyter 1969 WESSELS Johannes BEULKE Werner STAZGER Helmut Strafrecht Allgemeiner Teil 48 Aufl München Müller 2018 WOLF Susan Freedom Within reason Oxford Oxford University Press 1993 WOLFF Ernst Amadeus Die Grenzen des dolus eventualis und der willentlichen Verletzung In LACKNER Karl Festschrift für Wilhelm Gallas zum 70 Geburtstag am 22 Juli 1973 Berlin de Gruyter 1973 p 197226 HSU YuAn Die Lehre von der Vorsatzgefahr und dolus indirectus In PAEFFGEN HansUllrich et al Hrsg Festschrift für Ingeborg Puppe zum 70 Geburtstag Berlin Duncker Humblot 2011 p 531546 AGRADECIMENTOS Dedico este estudo à minha sobrinha Maria Fernanda Portela e ao meu professor Luís Greco Agradeço a Lucas Romero e Alaor Leite pela leitura da pri meira versão e à Professora Heloisa Estellita pelas sugestões feitas à versão final Data de recebimento 27012020 Data de aprovação 16032020