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Filosofia do Direito

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REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 DIREITO E PENSAMENTO DESCOLONIAL ASPECTOS INTRODUTÓRIOS LAW AND DECOLONIAL THINKING INTRODUCTORY ASPECTS RAYANN KETTULY MASSAHUD DE CARVALHO RESUMO O presente trabalho tem por objetivo principal realizar uma introdução ao pensamento descolonial Em segundo lugar evidenciar que referida tradição oferece um ferramental teórico conceitual adequado para analisar a complexidade do direito moderno bem como para analisar as especificidades que assume no Sul global ABSTRACT The main objective of this work is to introduce decolonial thinking Second to show that the referred tradition offers an adequate theoretical and conceptual tool to analyze the complexity of modern law and to analyze the specificities that law assumes in the global South PALAVRASCHAVE Colonialidade Sul global Pensamento decolonial KEYWORDS Coloniality Global south Decolonial thinking wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 1 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 1 INTRODUÇÃO presente trabalho tem por objetivo fazer uma introdução ao pensamento decolonial apresentando essa corrente como capaz de oferecer uma nova perspectiva para analisar e compreender a modernidade e assim também o direito moderno O Essa tradição contribui para as ciências sociais na medida em que re situando o início da modernidade bem como a relação entre a modernidade e a Europa entre a América Latina e a modernidade e entre a Europa e a América Latina Contribuindo assim para o desvelamento de mitos modernos eurocêntricos Além disso apesar de nos últimos anos alcançar cada vez mais adeptos e adeptas na academia brasileira BELLO 2015 p 50 o pensamento decolonial ainda é uma corrente relativamente nova Como consequência recorrentemente há equívocos sobre o que consiste essa tradição bem como sobre quais são os seus pressupostos basilares Devido ao exposto o presente trabalho busca apresentar a arquitetônica dessa corrente crítica e como desdobramento evidenciar que há a possibilidade de uma interpretação do direito à luz do pensamento decolonial Para isso dividirseá o trabalho em cinco partes Primeiramente será apresentado o pensamento decolonial como um conhecimento situado na América Latina Em segundo lugar a origem dessa tradição Em seguida os principais conceitos teses e compreensões que funcionam como um fio condutor conectando os seus membros e as suas membras Em quarto lugar será exposto a distinção entre pensamento decolonial e estudos póscoloniais Por fim será apresentado a possibilidade e de um reflexão sobre o direito a partir dessa corrente Para tanto como se trata de uma pesquisa eminentemente bibliográfica a metodologia utilizada é a revisão de literatura wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 2 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 2 PARA UM CONHECIMENTO SITUADO Não é novidade dentro das ciências sociais uma crítica a um conhecimento e à produção de uma ciência pretensamente neutros e deslocados de seu contexto sóciohistórico Não obstante tem somadose a esse movimento nos últimos anos um notório fenômeno latinoamericano o pensamento decolonial Referida corrente é responsável por se opor à compreensão monolítica e limitada dos saberes modernos e do próprio horizonte da modernidade que são em regra retratados como sendo universais Entretanto eles estão ligados a uma específica região no globo sendo ela a Europa e mais recentemente os Estados Unidos O movimento decolonial desafia então o que Ramón Grosfoguel denomina como paradigmas eurocêntricos hegemônicos GROSFOGUEL 2008 p 118 Assim a contribuição dessa corrente para o referido debate é a defesa da construção de uma crítica que seja espaçotemporalmente determinada e geopoliticamente localizada partindo não do centro mas da periferia do sistemamundo modernocolonial e capitalista Pois como as autoras feministas as negras as chicanas e as autoras e os autores terceiromundistas ensinam falamos sempre a partir de um determinado lugar situado nas estruturas de poder Ninguém escapa às hierarquias de classe sexuais de gênero espirituais linguísticas geográficas e raciais do sistemamundo patriarcalcapitalistacolonialmoderno Como afirma a feminista Donna Haraway 1988 os nossos conhecimentos são sempre situados As estudiosas feministas negras apelidaram esta perspectiva de epistemologia afrocêntrica Collins 1990 o que não é o mesmo que perspectiva afrocentrista Já Enrique Dussel filósofo da libertação latinoamericano denominoua geopolítica do conhecimento Dussel 1977 GROSFOGUEL 2008 p 118 A importância de situar de marcar o locus de enunciação é ir no sentido oposto dos paradigmas eurocêntricos hegemônicos Neles o lugar epistêmico é desconsiderado e é apresentado como universal Além disso não há apenas uma ausência de localização geopolítica no interior do sistema wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 3 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 mundo modernocolonial como também os sujeitos que produzem o conhecimento são retratados como desvinculados de qualquer hierarquia Todavia eles e elas também são marcados pelas clivagens que os e as transpassam por exemplo espaçotemporais de raça de classe de gênero e sexuais BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 19 Dessa forma os sujeitos sempre são atravessados por contradições sociais vinculados a lutas concretas enraizados em pontos específicos de observação CASTRO GÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 21 Assim Ao quebrar a ligação entre o sujeito da enunciação e o lugar epistêmico étnicoracialsexualde género a filosofia e as ciências ocidentais conseguem gerar um mito sobre um conhecimento universal Verdadeiro que encobre isto é que oculta não só aquele que fala como também o lugar epistêmico geopolítico e corpopolítico das estruturas de poderconhecimento colonial a partir do qual o sujeito se pronuncia GROSFOGUEL 2008 p 119 Para além disso ao ocultar o lugar de onde os sujeitos partem eclipsam também a dominação colonial marcada pela violência e pelo sangue realizada pela Europa Em decorrência encobrem a construção de uma hierarquia global formulada a partir da supracitada colonização entre os diferentes conhecimentos dividindoos entre superiores e inferiores GROSFOGUEL 2008 p 120 No mesmo sentido a partir dessa hierarquia também classificaram os povos separandoos entre civilizados e bárbaros Assim aqueles e aquelas que foram caracterizados como povos sem escrita durante o século XVI passaram a ser compreendidos como povos sem história nos séculos XVIII e XIX e como povos sem desenvolvimento a partir do século XX GROSFOGUEL 2008 p 120 Da mesma forma Passamos dos direitos dos povos do século XVI o debate Sepúlveda versus de las Casas na escola de Salamanca em meados do século XVI para os direitos do homem do século XVIII filósofos iluministas para os wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 4 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 recentes direitos humanos do século XX Todos estes fazem parte de desenhos globais articulados simultaneamente com a produção e a reprodução de uma divisão internacional do trabalho feita segundo um centro e uma periferia que por sua vez coincide com a hierarquia étnicoracial global estabelecida entre europeus e nãoeuropeus GROSFOGUEL 2008 p 120 A partir do exposto o projeto decolonial denunciando e desvelando essas relações de dominação e opressão posicionase a partir de loci enunciativos em que são produzidos conhecimentos e saberes assentados nas perspectivas e nas experiências dos sujeitos e povos subalternos e subalternizados a partir de uma conexão entre o lugar e o pensamento BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 19 Não obstante após evidenciar a importância e a relevância do lugar de enunciação fazse necessário apresentar a distinção entre o lugar epistêmico e o lugar social proposta por Ramón Grosfoguel Segundo o autor o lugar que a pessoa ocupa socialmente do lado das oprimidas e dos oprimidos por exemplo não é suficiente para que eles e elas pensem automaticamente a partir de um lugar epistêmico subalterno Uma vez que uma das grandes vitórias desse sistema mundial de poder e de dominação colonialmoderno é fazer com que os sujeitos que ocupam lugares socialmente marginalizados se posicionem e pensem epistemicamente como aqueles e aquelas que se encontram na posição de dominantes GROSFOGUEL 2008 p 119 Por isso o que é decisivo para se pensar a partir da perspectiva subalterna é o compromisso éticopolítico em elaborar um conhecimento contrahegemônico BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 19 Da mesma forma quanto ao local de enunciação não se trata de limitar o debate às pessoas que se situam em uma determinada região O local ou locus de enunciação não é geográfico ele está ligado a uma posição de oposição ao eurocentrismo que mesmo partindo de condições históricas territoriais e temporais específicas impõese como universal neutro e não situado sendo em verdade provinciano O local de enunciação então no limite faz referência a historicizar e localizar pois não há conhecimento que wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 5 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 paire no ar as construções são sempre temporais e espacialmente determinadas BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 19 Os autores Ramón Grosfoguel e Joaze BernardinoCosta afirmam textualmente que a preocupação de quem produz esse conhecimento a partir de uma postura decolonial não está ligada a condições corpóreas como a cor da pele mas sim à sua posição epistêmica Assim evitam o fechamento e limitação da produção de conhecimento bem como possibilitam uma maior abertura e uma maior pluralidade de participantes no debate uma democratização pois Eles sustentam que a possibilidade de enunciação está relacionada ao compromisso com a libertação com o fim da dominação e da subalternização colonialmoderna BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 19 Nas palavras dos autores Fazemos questão de enfatizar que quando falamos de homem branco e homem negro mulheres negras estamos falando da posição epistêmica A história recente do Brasil por exemplo mostra como diversas pessoas brancas têm contribuído para a construção de outro mundo possível Portanto mais do que cor de pele que poderia dar a impressão de um divisionismo o fundamental são os compromissos políticos e éticos Em outras palavras o argumento não é o de substituir os condenados da terra pelos condenados pela pele BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 21 destaque meu Então ao levar a distinção conceitual proposta por R Grosfoguel e J BernardinoCosta a sério é razoável a compreensão de que a realização e a contribuição do giro decolonial não depende apenas da defesa de uma condição situada de assumir a coexistência de diferentes condições espaço temporais ou de se levar em consideração que os sujeitos que enunciam estão imersos em distintas e entrecruzadas formas de dominação e opressão Para a realização dessa virada epistêmica sem cair em um essencialismo e em reducionismo vulgares fazse necessária a vinculação e o comprometimento com a tradição das oprimidas e dos oprimidos que foram silenciados e silenciadas invisibilizados e invisibilizadas pela narrativa desenvolvimentista da modernidade e pela colonialidade mas que sempre resistiram a ela Tratase wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 6 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 no limite da realização de uma contraposição ao que convencionalmente é propagandeado como universal e neutro Isto posto um grupo de pesquisadoras e de pesquisadores em sua maioria latinoamericanos e latinoamericanas foi responsável por iniciar a realização do supracitado movimento epistemológico e político o qual contribuiu e continua contribuindo para uma renovação da crítica no século XXI Essa virada é definida pela professora Luciana Ballestrin como a realização de uma radicalização do argumento póscolonialBALLESTRIN 2013 p 89 na América Latina denominado giro decolonial BALLESTRIN 2013 p 89 termo criado por Nelson MaldonadoTorres CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 09 no ano de 2005 BALLESTRIN 2013 p 105 que complementa o conceito de descolonização utilizado largamente durante o final do século XX nas e pelas ciências sociais CASTROGOMÉZ GROSFOGUEL 2007 p 09 Cabe ressaltar todavia que há no Brasil uma disputa no que tange à denominação dessa corrente entre decolonial e descolonial A nomenclatura decolonial foi defendida por Catherine Walsh como uma forma de afastar a crítica realizada pelo pensamento decolonial à modernidadecolonialidade do conceito de descolonização mais especificamente no uso que lhe foi dado durante a Guerra Fria MIGNOLO 2008 p 246 Quanto à utilização do termo descolonial por sua vez segundo o professor Ricardo Pazello se justifica primeiramente pois há uma distinção entre o colonialismo e a colonialidade sendo a colonialidade um conceito relacional político e epistêmico ao passo que colonialismo é a política de colonização histórica PAZELLO 2014 p 38 Assim a partir de um argumento lógico ele afirma que o contrário de colonialismocolonização é descolonialismodescolonização já o inverso da colonialidade é a descolonialidade PAZELLO 2014 p 38 Como segundo argumento por sua vez R Pazello sustenta que a nomenclatura decolonial evidenciaria um anglicismo pois PAZELLO 2014 p 38 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 7 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Autores como Catherine Walsh ou Walter Mignolo e até mesmo Aníbal Quijano prolíficos formuladores dessa corrente reivindicam o decolonial em contraface ao descolonial Negam que haja aí anglicismo justamente porque suas teorizações também se circunscrevem ao imaginário anglicista Mignolo e Quijano são teóricos que residem eou trabalham nos Estados Unidos Walsh tem no inglês sua língua materna Saiu dos Estados Unidos rumo à América Latina no ano de 1995 Para eles faz todo o sentido o anglicismo não ser posto em primeiro lugar porque bilinguajam nas margens internas do sistemamundo colonialmoderno PAZELLO 2014 p 381 Por fim o S em descolonial significaria o Sul do mundo assim como o resgate do imaginário que relaciona os centros deste mundo com suas periferias PAZELLO 2014 p 38 Devido ao exposto considerando que a disputa entre elas é semântica ou morfológica e como ambos os lados possuem bons argumentos a partir daqui os termos decolonial e descolonial serão usados como sinônimos 3 O GRUPO MODERNIDADECOLONIALIDADE O pensamento descolonial se organizou inicialmente em torno do Grupo ModernidadeColonialidade que se estruturou paulatinamente sendo possível remontar suas origens à década de 1990 nos Estados Unidos quando em 1992 foi reimpresso o texto de Aníbal Quijano intitulado Colonialidad y modernidadracionalidad A partir de então um grupo de intelectuais fundou o Grupo LatinoAmericano dos Estudos Subalternos inspirados no Grupo SulAsiático dos Estudos Subalternos BALLESTRIN 2013 p 94 o founding statement do Grupo foi originalmente publicado em 1993 na revista Boundary 2 editada pela Duke University Press BALLESTRIN 2013 p 94 Em 1998 a América Latina foi inserida no debate póscolonial a partir da publicação do manifesto inaugural do Grupo LatinoAmericano de Estudos Subalternos que foi traduzido para o Espanhol por Santiago CastroGómez 1 Há divergência sobre o sociólogo peruano Aníbal Quijano residir ou trabalhar nos Estados Unidos Segundo Rita Segato ele nunca deixou a América Latina A figura criativa de Aníbal Quijano nunca aceitou migrar para o norte e permaneceu teimosamente no Peru exceto em breves períodos de exílio ou por algumas semanas no ano para trabalhar como professor no Centro Fernand Braudel da Universidade do estado de Nova York em Binghamton fundada por seu grande amigo Immanuel Wallerstein SEGATO 2014 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 8 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Em conjunto com a tradução do referido Manifesto foi lançada uma coletânea de artigos com o título Teorías sin disciplina latinoamericanismo poscolonialidad y globalización en debate que foi coordenado por Eduardo Mendieta e Santiago CastroGómez Nessa coletânea um dos membros do Grupo LatinoAmericano de Estudos Subalternos Walter Mignolo criticou a posição dos estudos póscoloniais e dos estudos subalternos originais denunciando seu imperialismo assim como o não rompimento devido e definitivo com autores eurocêntricos e com autoras eurocêntricas BALLESTRIN 2013 p 9495 Para W Mignolo os estudos subalternos latinoamericanos não deveriam espelharse nas respostas ao colonialismo dos estudos subalternos indianos pois a trajetória da América Latina era muito diferente e com especificidades como o fato de ser o primeiro continente a sofrer com a violência colonialmoderna Neste ínterim as formas de dominação e de resistência que ocorreram no continente estariam sendo ocultadas do debate póscolonial Devido às referidas divergências em 1998 o Grupo Latino Americano dos Estudos Subalternos foi dissolvido no mesmo ano os primeiros encontros que deram origem ao Grupo ModernidadeColonialidade ocorreram BALLESTRIN 2013 p 9596 Ele o Grupo ModernidadeColonialidade foi se estruturando a partir de seminários e publicações Entre esses encontros cabe ressaltar o que ocorreu em Binghamton Nova York organizado por Ramón Grosfoguel e Agustín Lao Montes um congresso internacional intitulado Transmodernity historical capitalism and coloniality a postdisciplinary dialogue que reuniu A Quijano pesquisador vinculado à teoria da dependência Enrique Dussel um dos fundadores da filosofia da libertação e Walter Mignolo semiólogo ligado ao Grupo LatinoAmericano dos Estudos Subalternos Foi nesse congresso onde Dussel Quijano e Mignolo se reuniram pela primeira vez para discutir o enfoque das heranças coloniais na América Latina em diálogo com as análises do sistemamundo de Wallerstein CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 0910 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 9 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Nesse mesmo ano na Universidade Central da Venezuela se reuniram Edgardo Lander Arthuro Escobar Walter Mignolo Enrique Dussel Aníbal Quijano e Fernando Coronil Deste evento foi publicada no ano de 2000 uma coletânea de artigos de grande importância para o Grupo intitulada La colonialidad del saber eurocentrismo y ciências sociales BALLESTRIN 2013 p 97 No ano de 1999 na Colômbia Santiago CastroGoméz organizou um simpósio internacional intitulado La reestructuración de las ciencias sociales en los países andinos O referido evento acadêmico contribuiu para o desenvolvimento do projeto ModernidadeColonialidade Nele foi assinado um acordo de cooperação e produção sobre os temas colonialidade do poder e geopolítica do conhecimento entre as seguintes Universidades a Universidade Javeriana na Colômbia a Universidade Andina Simon Bolivar no Equador a Universidade de Duke nos Estados Unidos a Universidade da Carolina do Norte também nos Estados Unidos Desse evento foram produzidos dois livros que formam as primeiras publicações do Grupo sendo eles Pensar en los intersticios Teoría y práctica de la crítica poscolonial 1999 e La reestructuración de las ciencias sociales en América Latina 2000 CASTRO GÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 1011 No ano de 2001 por sua vez o linguista Walter Mignolo organizou na Universidade de Duke o primeiro encontro do Grupo que se formalizou na Colômbia A partir dele foi publicado um dossiê na revista Nepantla Além disso nesse encontro se juntaram ao Grupo Javier Sanjinés e Catherine Walsh sendo que ela ficou responsável por organizar em Quito a segunda reunião do grupo em 2002 CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 11 Essa segunda reunião foi relevante na medida em que possibilitou o estabelecimento do diálogo entre os pesquisadores e pesquisadoras do Grupo com pensadores equatorianos e pensadoras equatorianas indígenas afro americanos e afroamericanas A partir dele foi editado e publicado o livro Geopolíticas del conocimiento y colonialidad del poder CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 11 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 10 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 A terceira reunião foi organizada por Ramón Grosfoguel e José David Saldivar em 2003 na Universidade da Califórnia sendo que nela o filósofo Nelson MaldonadoTorres se uniu ao grupo CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 11 A quarta reunião foi realizada em abril de 2004 na Universidade da Califórnia Berkeley depois dela foram publicados o livro intitulado Latins in the WorldSystem Decolonization Struggles in the 21st Century US Empire Paradigm Press 2005 e o volume editado por Ramón Grosfoguel em um jornal acadêmico dirigido por Immanuel Wallerstein intitulado From Postcolonial Studies to Decolonial Studies Review volume XIX n 2 2006 Esta conferência organizada por Ramón Grosfoguel Nelson MaldonadoTorres e José David Saldivar teve como tema principal a descolonização do império norteamericano no século XXI Ali começou o Grupo ModernidadeColonialidade Universidade Duke sob o nome Teoria crítica e descolonialidade Disso sairá este ano 2006 um número da revista Estudos Culturais editada por Larry Grossberg coordenado por MignoloEscobar com o título Globalização Pensamento descolonial Finalmente a sexta reunião chamada Mapeando o Giro Decolonial título que levará o livro a ser publicado a partir dessa conferência foi organizada novamente em Berkeley em abril de 2005 foi conduzido desta vez por Nelson MaldonadoTorres coordenado com Ramon e José David e teve a participação de membros da Associação Filosófica Caribenha e de um grupo de intelectuais latinoamericanos afroamericanos e chicanos Um novo encontro aconteceu em julho de 2006 na cidade de Quito organizada por Catherine CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 1112 Como dito a partir da década de 2000 continuaram ocorrendo eventos seminários e reuniões do Grupo ModernidadeColonialidade que marcaram a entrada de novas e de novos integrantes e o diálogo com outras pesquisadoras e outros pesquisadores de vários países e com diferentes formações Entre eles e elas cabe destacar os já citados Catherine Walsh e Nelson Maldonado Torres além de Boaventura de Sousa Santos e Libia Grueso BALLESTRIN 2013 p 982 2 O Grupo ModernidadeColonialidade para além de W Mignolo sería composto em fins da década de 2000 por Enrique Dussel Argentina e México Aníbal Quijano Perú Boaventura de Sousa Santos Portugal Catherine Walsh Equador Libia Grueso Colômbia Marcelo Fernández Osco Bolívia e Estados Unidos Zulma Palermo Argentina Freya Schiwy Estados Unidos Edgardo Lander Venezuela Fernando Coronil Venezuela e Estados Unidos Javier Sanjinés Bolivia e Estados Unidos José D Saldivar Estados Unidos Ramón Grosfoguel Porto Rico e Estados Unidos Nelson MaldonadoTorres Porto Rico e Estados Unidos Agustin LaoMontes Porto Rico e Estados Unidos Marisol da Cadena Perú e Estados Unidos Arturo Escobar Colômbia e Estados Unidos Eduardo Restrepo Colômbia e Estados Unidos Margarita CervantesSalazar Cuba e Estados Unidos Santiago CastroGómez Colômbia e Oscar Guardiola Colômbia MIGNOLO 2009 p 11 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 11 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Com a entrada de novas e novos integrantes e a ampliação do diálogo com novos pesquisadores e novas pesquisadoras houve também uma ampliação das influências do Grupo Para Arturo Escobar O Grupo ModernidadeColonialidade encontrou inspiração em um amplo número de fontes desde as teorias críticas européias e norteamericanas da modernidade até o grupo sulasiático de estudos subalternos a teoria feminista chicana a teoria póscolonial e a filosofia africana assim mesmo muitos de seus membros têm operado em uma perspectiva modificada de sistemamundo Sua principal força orientadora porém é uma reflexão continuada sobre a realidade cultural e política latinoamericana incluindo o conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos ESCOBAR 2003 p 53 Portanto como é possível perceber uma das características do Grupo ModernidadeColonialidade e consequentemente do pensamento descolonial é a transdisciplinariedade e a pluralidade tanto de suas membras e de seus membros quanto das referências em que se ancoram Devido ao exposto para além de ser um projeto relativamente novo e ainda em construção cabe ressaltar que por vezes há divergências internas entre fundamentos e mesmo entre os distintos modos de compreender a realidade 4 MODERNIDADE COLONIALIDADE DECOLONIALIDADE Se há como anteriormente apresentado uma diversidade de referências teóricas e a supracitada pluralidade de autores e de autoras que se vinculam e realizam o chamado giro decolonial nesse cenário tornamse razoáveis os questionamentos afinal há algo comum responsável por unir as diferentes perspectivas Há no movimento decolonial um ponto de partida compartilhado Apesar da supracitada pluralidade e das divergências há um diagnóstico comum sobretudo de Aníbal Quijano Immanuel Wallerstein Enrique Dussel e Walter Mignolo que garante alguma unidade e a partir do qual se nomeia o Grupo sendo ele a compreensão de que a modernidade possui uma face oculta e violenta a colonialidade sendo a modernidade e a wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 12 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 colonialidade então partes indissociáveis os dois lados de uma mesma moeda Isto é somente é possível a compreensão adequada da modernidade à luz da colonialidade MIGNOLO 2003 p 74 pois uma não existe sem a outra QUIJANO 2000b p 343 No mesmo sentido somente foi possível o desenvolvimento da economia capitalista QUIJANO e WALLERSTEIN 1992 p 549557 e a construção de uma história mundial a partir de 1492 com a invasão e com a colonização das Américas consequentemente com a criação de um sistemamundo modernocolonial e capitalista DUSSEL 2000 p 46 Nesse momento fazse necessária a realização de uma distinção conceitual entre a colonialidade e o colonialismo Apesar de estarem inicialmente associadas são categorias sociais e teóricas distintas como estabelece o sociólogo peruano A Quijano Segundo ele o colonialismo referese estritamente a uma estrutura de dominaçãoexploração onde o controle da autoridade política dos recursos de produção e do trabalho de uma população determinada domina outra de diferente identidade e cujas sedes centrais estão além disso localizadas noutra jurisdição territorial Mas nem sempre nem necessariamente implica relações racistas de poder O colonialismo é obviamente mais antigo enquanto a Colonialidade tem vindo a provar nos últimos 500 anos ser mais profunda e duradoura que o colonialismo Mas foi sem dúvida engendrada dentro daquele e mais ainda sem ele não poderia ser imposta na intersubjetividade do mundo tão enraizado e prolongado QUIJANO 2010 p 74 Essa categoria central para a realização do giro decolonial a colonialidade se reproduz em diferentes dimensões a colonialidade do poder econômico e político a colonialidade do saber e a colonialidade do ser do gênero sexualidade subjetividade e conhecimento MIGNOLO 2010 p 11 se estruturando a partir do entrelaçamento entre o controle da economia o controle da autoridade o controle da natureza e dos recursos naturais o controle do gênero e da sexualidade e controle da subjetividade e do conhecimento MIGNOLO 2010 p 123 Para além da sua complexa forma de manifestação a colonialidade vai se caracterizar pela criação de uma classificação social a partir das categorias 3 Nem todos os autores vinculados e todas as autoras vinculadas ao pensamento descolonial trabalham com essa tríade wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 13 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 raciais4 Ou seja a compreensão de que há raças hierarquicamente superiores e raças inferiores somente será constituída a partir da modernidade e consequentemente da invasão da América Esse imaginário inventado a partir da experiência colonial vai expandirse para o restante do mundo QUIJANO 2010 p 73 Assim foram criadas identidades sociais por exemplo negros e negras indígenas brancos e brancas amarelos e amarelas Da mesma forma foram produzidas identidades geoculturais entre elas Europa África América Oriente QUIJANO 2010 p 74 Logo ao firmar a compreensão de que a modernidade está umbilicalmente relacionada à experiência colonial o movimento descolonial se opõe a uma tese tradicional comumente apresentada nas ciências sociais de que ela a modernidade é um fenômeno europeu Segundo essa compreensão hegemônica os eventos históricos que marcam a constituição dos valores e dos princípios modernos são entre outros a Reforma Protestante o Iluminismo a Revolução Francesa o Renascimento Italiano e em alguma medida a formação do parlamento inglês Ou seja Itália século XV Alemanha séculos XVIXVIII Inglaterra século XVII e França século XVIII DUSSEL 2005 p 27 Essa narrativa da modernidade evidencia o eurocentrismo e a visão míope desfocada e limitada da modernidade Pois apesar de se proclamar como universal ela é eurocêntrica uma vez que pensa a modernidade somente a partir das experiências e dos eventos intraeuropeus Da mesma forma utiliza também unicamente a Europa para explicar o processo posterior de desenvolvimento da referida modernidade DUSSEL 2005 p 27 A modernidade deve assim ser compreendida não como algo único e homogêneo pois em verdade ela é uma trama complexa de heterogeneidades caracterizada pela coexistência simultânea de múltiplas realidades e temporalidades que apesar de encobertas permanecem existindo MIGNOLO 2015 p 357 4 Cabe ressaltar todavia que a questão racial não é tratada unanimemente por todos os autores ligados e por todas as autoras ligadas ao movimento descolonial Não obstante é uma temática que ocupa certa centralidade nesse corrente wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 14 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Para uma compreensão realmente mundial e não provinciana da modernidade como a hegemônica e eurocêntrica o movimento descolonial compreende que como dito anteriormente a constituição do sistemamundo modernocolonial e capitalista é inaugurado a partir da invasão das Américas WALLERSTEIN 1992 p 01 Pois é somente a partir da colonização que se torna possível o tratar de um sistemamundo da ideia de uma divisão entre centro e periferia Para defender essa tese I Wallerstein busca evidenciar qual era o lugar em que a Europa estava situada anteriormente aos chamados descobrimentos Evitando cair em erro e replicar a falsa compreensão de que ela a Europa é o resultado de um desenvolvimento linear das experiências humanas I Wallerstein busca compreender esse período da história europeia que é comumente denominado como obscurantismo ao ser analisado apoiado em sua própria história a partir de um retorno e de uma análise sobre a condição geopolítica que esse território ocupava no período medieval Isto é propõe analisar não tendo a própria história europeia como parâmetro mas sim todo o restante do mundo no mesmo período histórico WALLERSTEIN 1992 p 01 Segundo o autor essa região na Idade Média tradicionalmente apresentada como a legítima herdeira da história da humanidade desde a antiguidade clássica foi um lugar pobre e atrasado culturalmente em comparação à riqueza do Mundo Árabe e do Império Chinês WALLERSTEIN 1992 p 01 Sendo assim a criação do sistemamundo moderno para a Europa foi a sua conversão de uma região pobre e de pouca relevância para o centro do poder onde se manteve nos cinco séculos que se sucederam WALLERSTEIN 1992 p 05 A criação desse sistema mundial levou à imposição de um sistema altamente desigual sobre o resto do mundo e em especial sobre a população das Américas WALLERSTEIN 1992 p 05 Dessa forma a partir dos posicionamentos críticos de I Wallerstein é possível compreender que a criação desse sistemamundo modernocolonial e capitalista está ligada a um único fato a invasão das Américas e como seu desdobramento a invenção da Europa enquanto centro da história Essa wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 15 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 relação desigual entre Europa e o restante do mundo continua gerando frutos tornandose razoável a oposição feita em relação à dita modernidade europeia Uma vez que como afirma I Wallerstein no centro estão presentes os milagres da modernidade utilidades capitalistas as maravilhas da tecnologia um mundo secularizado sem as restrições da religião Estados forte dentro de um sistema interestatal eficiente e os mitos do universalismo Mas para a maioria das pessoas em áreas periféricas como é o caso na maior parte da América ofereceu vantagens menos claras colonialidade etnia racismo e uma busca enganosa pelo novo WALLERSTEIN 1992 p 78 Portanto a modernidade não seria um fenômeno europeu que se expande pelo mundo mas teria se iniciado com a colonização da América Logo a América não padeceria de um vício inaugural que a condenou e condena ao atraso a uma ausência de humanidade e à barbárie pois ela nasce enquanto identidade geocultural simultaneamente à própria modernidade Ou seja a América nasce moderna Para além da colonialidade outro conceito fundante e central para o pensamento decolonial é o conceito de decolonialidade completando a tríade modernidadecolonialidadedecolonialidade Esse conjunto de palavras expressa as complexas articuladas e entrelaçadas relações de poder dominação e de resistência no interior do sistemamundo modernocolonial e capitalista Sendo a colonialidade como visto uma matriz de poder que se oculta na narrativa da modernidade e que é composta entre outros pelo mito do progresso da civilização e da salvação essa narrativa moderna atua justificando o sangue bem como os atos de violência cometidos e que continuam ocorrendo em nome de um avanço em direção à modernidade e à civilização MIGNOLO 2017 p 13 A decolonialidade por sua vez é a reação é a resposta às referidas falsas promessas de desenvolvimento e progresso MIGNOLO 2017 p 13 A decolonialidade é o movimento de oposição que se constitui concomitantemente à modernidade e à colonialidade como reação à wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 16 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 supracitada dominação MIGNOLO 2007 p 26 Tal reação surgiu no momento em que o primeiro sujeito colonial do sistemamundo modernocolonial reagiu contra os desígnios imperiais que se iniciou em 1492 BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 16 Desse modo desde o momento inaugural da colonização modernidade colonialidade e decolonialidade coexistem MIGNOLO 2007 p 26 Todavia apesar de serem três conceitos independentes fazse necessário entendêlos em sua relação isto é de um modo entrelaçado Pois somente assim é possível compreender o complexo padrão ou matriz de poder colonialmoderna MIGNOLO 2017 p 13 Em que pese nasça juntamente com a modernidadecolonialidade a decolonialidade somente vai ser sistematizada conceitualmente bem como será objeto de produção categorial e teóricoacadêmica a partir da organização de autores e de autoras em torno do Grupo ModernidadeColonialidade iniciada aproximadamente na década de 2000 expressando na Academia as vozes e posturas de resistência que embora silenciadas sempre coexistiram com a violência e a dominação moderna MIGNOLO 2007 p 26 Ou seja a decolonialidade pode ser compreendida de um modo duplo Ela é a forma de resistência à dominação constituída simultaneamente à modernidadecolonialidade Ao mesmo tempo a decolonialidade ou pensamento decolonial é a organização e a produção acadêmica que desvela e se opõe à lógica da matriz de poder colonial moderna Dessa forma a partir da categoria central da decolonialidade o Grupo ModernidadeColonialidade contribuiu e continua contribuindo para a superação de discursos tanto políticos quanto acadêmicos que afirmavam que a partir das independências e da formação de Estadosnação na periferia do sistemamundo o mundo teria tornadose descolonizado CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 13 O referido Grupo refuta esse diagnóstico pois seus e suas integrantes partem da compreensão de que a divisão internacional do trabalho responsável por dividir o mundo entre centro e periferia assim como as wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 17 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 hierarquias étnicas e raciais criadas nos séculos de colonização não foram superadas com o fim do colonialismo e a chamada formação de Estados nação Para eles e elas o que é possível verificar ao contrário é a transição do colonialismo moderno na colonialidade global CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 13 Nesse processo as distintas formas de dominação inauguradas pela modernidade se modificaram se readequaram e aparecem aos olhos com novos desenhos e novos arranjos CASTRO GÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 13 mas não modificaram a estrutura das relações entre o centro e a periferia CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 13 Assim o Grupo ModernidadeColonialidade questiona o mito da descolonização CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 14 Da mesma forma compreende que o modo como o capitalismo se arranja na contemporaneidade acaba por ressignificar as exclusões tipicamente modernas construídas a partir das hierarquias epistêmicas espirituais raciais étnicas e de gênerosexualidade CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 15 Portanto mesmo com o fim do colonialismo as diferentes formas de exclusão que lhe correspondem permanecem presentes CASTROGOMÉZ GROSFOGUEL 2007 p 15 Por conseguinte segundo a corrente decolonial o mundo não está completamente descolonizado A primeira descolonização teve início com a independência das antigas colônias mas ela foi incompleta Nesse ínterim tornase necessária uma segunda descolonização a decolonialidade na qual se busca pôr fim às diferentes hierarquias étnicas sexuais epistêmicas econômicas e de gênero que a primeira descolonização deixou intacta CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 17 Em outras palavras fazse necessária uma decolonialidade que complete a descolonização levada a cabo nos séculos XIX e XX CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 17 Em resumo o Grupo ModernidadeColonialidade realiza uma crítica à colonialidade enquanto conjunto de relações sociais de poder que continuam existindo mesmo com o fim do colonialismo isto é com o processo de independência das antigas colônias A crítica à colonialidade realizada pelo wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 18 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 Grupo parte da condição geopolítica utilizandose de um referencial contextualizado qual seja as particularidades e as nuances da condição periférica da América Latina no sistemamundo PAZELLO 2014 p 8990 Portanto de acordo com a perspectiva descolonial vislumbrase na pluralidade da América Latina e a partir da sua construção como exterioridade do sistema mundomoderno a proliferação de resistências sociais e culturais à imposição de um padrão único de pensar e de agir que representa o modelo civilizatório a ser obedecido Assumese no bojo do projeto modernidadecolonialidade a percepção de que em momento algum o desenvolvimento do projeto moderno destacouse de seu lado obscuro e invisibilizado Este outro lado representa os oprimidos excluídos e dominados que também no bojo do desenvolvimento da modernidade lograram articular suas lutas a projetos intelectuais e políticos de transformação e ruptura Dessa forma a modernidadedescolonialidade não se desconecta das alternativas radicais forjadas no contexto moderno como as teorias feministas por exemplo No entanto busca refletir de que maneira em um contexto plural e complexo é possível articular essas perspectivas críticas horizontalmente de forma a fortalecer processos políticos de construção do novo BRAGATO CASTILHO 2014 p 21 Por fim evitando qualquer interpretação equivocada apesar de sua origem geopoliticamente determinada a América Latina o movimento descolonial não é uma teoria sobre essa região e produzida exclusivamente para ela Tratase em verdade de uma teoria do sistemamundo uma vez que a única possibilidade de se realizar uma compreensão adequada da modernidade e do tempo presente é ter em vista a sua contraparte oculta a colonialidade bem como se faz necessário analisar a invenção da raça como critério de classificação social fenômeno esse tipicamente moderno SEGATO 2014 p 17 Sendo essa uma das diferenças mais notáveis entre a perspectiva da Colonialidade e a dos Estudos Póscoloniais SEGATO 2014 p 17 5 O MOVIMENTO DECOLONIAL E OS ESTUDOS PÓSCOLONIAIS Diante do exposto até aqui é importante evidenciar apesar de Luciana Ballestrin compreender em alguma medida que o movimento descolonial é uma versão do póscolonialismo BALLESTRIN 2017 p 506 BALLESTRIN 2013 p 89 uma outra característica que marca o Grupo wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 19 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 ModernidadeColonialidade qual seja a realização de uma crítica à colonialidade afastandose dos estudos póscoloniais dominantes devido a uma forte influência pósmoderna que se verificaria nesses últimos PAZELLO 2014 p 8990 Antes todavia parece razoável uma breve exposição dos estudos pós coloniais O póscolonialismo é um movimento intelectual que se constituiu e consolidou a partir das experiências de independência e libertação das antigas colônias francesas e inglesas na África e na Ásia no século XX principalmente nos anos de 1960 e 1970 BRAGATO CASTILHO 2014 p 15 O póscolonialismo ao ser analisado cronologicamente referese então ao período sucessivo ao processo de descolonização formal das colônias modernas marcado pelas profundas mudanças nas relações globais Todavia o período subsequente à descolonização ou à liberação formal do poderio metropolitano ocidental é extremamente longo e diversificado pois apesar da pioneira emancipação nos primórdios do século XIX das colônias americanas até a década de 70 muitas colônias africanas recém estavam conquistando sua independência Verificase que a designação do escopo dos estudos póscoloniais somente a partir do critério históricocronológico não é suficiente pois a extensão do período e os acontecimentos políticos que o marcam não permitem caracterizar o fim da hegemonia política e econômica das metrópoles coloniais ocidentais Ou seja limitar o póscolonialismo à expressão de um dado período pode sugerir que os fenômenos relativos ao colonialismo e à dependência já fazem parte do passado BRAGATO CASTILHO 2014 p 1415 Assim esse campo de estudo contribuiu para a construção e para a sedimentação de uma análise não limitada à definição cronológica mas vocacionado a realizar uma reflexão sistematizada e a posicionarse criticamente em relação às implicações e aos impactos do processo de colonização não apenas para as supracitadas regiões como também para a dinâmica geopolítica no globo BRAGATO CASTILHO 2014 p 15 Entre seus principais autores e autoras estão Aimé Césaire e Edward Said Gayatri Spivak e Homi Bhabha BRAGATO CASTILHO 2014 p 1516 Além disso uma derivação do póscolonialismo é o Grupo de Estudos Subalternos Indianos organizado a partir da década de 1980 BERNARDINO wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 20 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 COSTA GROSFOGUEL 2016 p 16 constituído por Partha Chatterjee Dipesh Chakrabarty Gayatri Chakrabarty Spivak BRAGATO CASTILHO 2014 p 15 e liderados por Ranajit Guha BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 16 Esse grupo é fortemente influenciado pelo pós estruturalismo Deleuze Derrida e Foucault BRAGATO CASTILHO 2014 p 15 Da mesma forma os estudos póscoloniais como um todo vão se organizar academicamente sob a influência de perspectivas pósmodernas BRAGATO CASTILHO 2014 p 15 Referida influência de autores e autoras como Foucault Lacan e Derrida MIGNOLO 2008 p 246 somado ao fato de que o pensamento pós colonial se organizou a partir das experiências das elites das antigas colônias africanas e asiáticas evidenciase então mais claramente a motivação que levou o movimento descolonial a afastarse dos estudos póscoloniais qual seja seus referenciais pósestruturalistas e pósmodernos que apesar de também realizarem uma crítica à modernidade a fazem de uma perspectiva interna à Europa uma crítica eurocêntrica pois MIGNOLO 2008 p 246 No mesmo sentido outro ponto de distanciamento é a defesa de uma compreensão hegemônica limitada e míope em relação à modernidade partindo da Europa realizada pelos autores e pelas autoras vinculados à teoria póscolonial Segundo eles e elas a modernidade também teria se iniciado apenas no século XVIII BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 18 Para além disso mesmo a América sendo o palco de uma longa e duradoura experiência colonial os autores dessa corrente Homi Bhabha Edward Said e Gayatri Spivak os nomes mais expressivos do campo acadêmico póscolonial não fazem nenhuma referência à América Latina nos seus estudos BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 16 Como consequência ao desconsiderar e ocultar a América e as distintas experiências coloniais para além das antigas colônias francesas e inglesas na África e na Ásia acabam caindo no que criticam ou seja em um novo universalismo uma vez que a teoria póscolonial continuaria controlando e garantido posições de poder para aqueles que com ela se identificassem BERNARDINOCOSTA GROSFOGUEL 2016 p 16 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 21 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 A inserção da América no debate realizada pelo pensamento decolonial não é decorrente de uma arbitrariedade capricho ou justificada devido a alguma excepcionalidade Mas sim devido a sua singularidade e ao seu impacto global A colonização da América é central uma vez que foi a partir dela que se constituiu a própria modernidade e logo a colonialidade Essa inserção oferece portanto a possibilidade de se realizar uma nova leitura da história que reposiciona o continente no contexto mundial e lança bases novas para a própria compreensão sobre a modernidade SEGATO 2014 p 17 Por fim a categoria póscolonialismo não faria sentido dentro do Grupo ModernidadeColonialidade uma vez que para o pensamento decolonial não há pós esse padrão de poder e dominação a colonialidade nunca chegou ao fim ele continua existindo e se reproduzindo ativamente dentro do sistema mundo modernocolonial e capitalista SEGATO 2014 p 175 6O LUGAR DO DIREITO NO GIRO DECOLONIAL Em síntese nos últimos anos tem crescido o âmbito de influência BELLO 2015 p 50 de um movimento cujo objetivo declarado é a renovação da crítica latinoamericana BALESTRIN 2013 p 89 Esse movimento organizado inicialmente em torno do Grupo ModernidadeColonialidade coloca sua ênfase na colonialidade compreendida como a face violenta e oculta da modernidade face que se difrata em três aspectos colonialidade do poder colonialidade do saber e colonialidade do ser MIGNOLO 2010 p 116 O giro 5 Apesar dessas motivações Márcio Berclaz defende que mesmo com as distinções é necessário aproximar essas correntes pois há nelas relevantes pontos de contato BERCLAZ 2017 p 204205 Segundo ele ambas são contrahegemônicas elas realizam análises a partir da realidade concreta seus estudos são historicamente situados e estão revestidos de perspectiva crítica ainda que com determinantes focos referências e prioridades diversas BERCLAZ 2016 p 205 Além disso questionam e se opõem ao entendimento hegemônico da origem espaçotemporal da Modernidade bem como os seus efeitos no tempo presente Da mesma forma ambas as correntes se afastam de qualquer tentativa de justificar a dominação e a violência colonial BERCLAZ 2016 p 207 6 Internamente ao Grupo ModernidadeColonialidade não é pacífica a referida divisão alguns membros trabalham com outras dimensões da colonialidade Por exemplo Arturo Escobar que discute a categoria da colonialidade da natureza Para saber mais conferir Escobar Arturo Epistemologías de la naturaleza y colonialidad de la naturaleza Variedades de realismo y constructivismo Montenegro ed Cultura y Naturaleza Aproximaciones a propósito del bicentenario de la independencia en Colombia Bogotá Alcaldía Mayor 2011 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 22 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 decolonial tem avançado recentemente na academia brasileira e alcançado cada vez mais adeptas e adeptos principalmente nas ciências sociais Segundo Enzo Bello Atualmente já pode ser considerada uma realidade no Brasil a difusão dos aportes teóricos e dos debates acadêmicos envolvendo os chamados pensamentos pós e descolonial BELLO 2015 p 50 Isso pode ser comprovado dentre outras coisas pela existência de programas de pós graduação que dedicam linhas de pesquisa e áreas de estudo ao tema7 Por outro lado apesar da referida expansão embora o direito pareça ser uma categoria teórica e social relevante no horizonte da modernidade bem como para a compreensão e análise da realidade é relativamente pequena a produção e a reflexão de pesquisadoras e pesquisadores sobre o direito e de dentro do direito acerca da relação entre ele o direito e o giro decolonial8 Ou seja há uma timidez de autoras ligadas e de autores ligados ao movimento decolonial quanto ao desenvolvimento mais direto de temas jurídicos frente a outras abordagens temáticas9 como por exemplo raça e colonialidade ou gênero e colonialidade Essa timidez é mais digna de nota na medida em que o direito se mostra em princípio como uma categoria na qual é possível entrever as clivagens típicas que vão definir a colonialidade Isto é o direito permite vislumbrar por meio dele a colonialidade do ser ao definir determinadas formas legítimas de ser a colonialidade do saber ao definir a legitimidade de determinados regimes de conhecimento e também a colonialidade do poder ao definir determinados modos de legitimação do poder de subordinação e de subalternização específicos Ou seja a colonialidade acaba por invisibilizar e 7 Exemplificativamente A UFPE na linha Justiça e Direitos Humanos na América Latina que aborda a questão do pensamento decolonial na América Latina A UFPR no grupo de pesquisa NEFIL que tem como um dos seus objetos de estudo o movimento decolonial e a filosofia da libertação A UFOP cujo programa de pósgraduação em direito dialoga com o tema A UFRGS cujo programa de pósgraduação em ciência política é uma referência no debate decolonial Além disso cabe destacar a recente abertura do projeto coletivo no programa de pósgraduação em direito da UFMG intitulado Tempo Espaço e Constituição Perspectivas Críticas e Desdobramentos Dogmáticos que possui um forte enfoque em autoras e autores decoloniais 8 Isso não quer dizer que não haja produções de teses relevantes no direito como PAZELLO 2014 HENNING 2016 SANTOS JUNIOR 2016 BERCLAZ 2017 9 Cabe ressaltar todavia que há um movimento de organização e de produção acadêmica em torno da relação entre o direito e o pensamento decolonial Isso se torna evidente dentre outras formas pela realização do Seminário Internacional PósColonialismo Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina que se encontra na terceira edição Para maiores informações sobre o supracitado evento conferir BELLO BRAGATO BERCLAZ 2018 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 23 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 silenciar inúmeras formas outras de poder de ser e de saber muitas vezes por meio do direito Nesse sentido ao compreender o movimento decolonial como a expressão da resistência guiada pela busca em superar essa lógica de dominação e exploração tendo como horizonte a libertação dos oprimidos e das oprimidas que sofreram com o processo de colonização e que continuam sofrendo com a colonialidade na periferia do sistemamundo pensar o direito dentro do movimento decolonial pode trazer à tona discussões sobre lutas sociais e reconhecimento de direitos estes que permanecem ocultos por meio da colonialidade aquelas as lutas sociais que ocorrem contra as formas de opressão e exploração típicas da modernidadecolonialidade Essa constatação é corroborada por Fernanda Bragato Segundo ela preocupada mais diretamente com a teoria do direito ainda faltam pesquisas trabalhos e teses nessa área a partir de uma perspectiva descolonial uma vez que o debate dentro do direito ainda estaria muito circunscrito aos direitos humanos e ao direito do internacional BRAGATO 201810 Em outras palavras há uma ausência de reflexão no nível teóricocategorial sobre a relação entre o direito e o pensamento decolonial ou seja entre a teoria do direito em sentido amplo que contém a teoria social do direito e a sociologia do direito e o pensamento descolonial W Mignolo igualmente fornece substrato a essa constatação Como apresentado acima para ele o movimento decolonial pode ser compreendido em duas frentes não excludentes Por um lado como o movimento que emergiu conjuntamente com a modernidade e com a colonialidade como sendo sua contrapartida a resistência e a reação à violência colonial e a colonialidade MIGNOLO 2007 p 26 Assim a partir do momento em que há a colonização há também o uso do direito como resistência um uso do direito de maneira tensa Entretanto isso não significa que desde esse momento haja uma reflexão teóricocategorial sobre esse uso do direito Logo se por outro lado e ao mesmo tempo o movimento decolonial referese à elevação a um nível reflexivo dentro de uma estrutura acadêmica universitária de uma 10 Por exemplo conferir PAZELLO 2016 p 231267 BRAGATO 2016 p 18061823 BELLO 2012 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 24 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 postura e de um pensamento que sempre existiram dentro da modernidadecolonialidade MIGNOLO 2007 p 26 podese pensar da mesma forma em uma teorização jurídica decolonial que também somente se realiza muito mais tarde Outro aporte para a sustentação da necessidade de uma teorização de uma abordagem categorial da relação entre direito e giro decolonial vem dos teóricos Santiago CastroGómez e Ramón Grosfoguel Se para eles o avanço do movimento decolonial depende da produção de um conhecimento que não se pretenda neutro essa perspectiva deve alcançar diferentes lugares tanto institucionais quanto não institucionais em que as subalternas e os subalternos podem falar e serem escutados CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 21 Sendo assim fazse necessário um giro decolonial não apenas das ciências sociais mas também de outras instituições modernas como o direito CASTROGÓMEZ GROSFOGUEL 2007 p 21 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito não é um tema central para os principais autores que compõem a base teóricoconceitual na qual se assenta o pensamento descolonial Apesar do direito ser uma categoria teóricosocial relevância na modernidade ele aparece apenas de modo tangencial e insipiente nas reflexões descoloniais Contudo se abrem outras possibilidades de se pensar sobre ele a partir da arquitetura conceitual decolonial Pois se a modernidadecolonialidade define quais são as formas legítimas de dominação de exploração os saberes bem como quais são os sujeitos entendidos como uma parte da humanidade mais humana do que as outras desconsiderando a coexistência com outros conhecimentos e condenando uma grande parcela dos seres humanos a categoria de seres nãohumanos e sem história ocultando as distintas formas de exploração e dominação que existem de forma simultânea DUSSEL 2015 p 282283 MIGNOLO 2009 p 30 o direito wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 25 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 parece assumir um papel basilar na medida em que na modernidade as formas de dominação de exploração e de subalternização para se tornarem legítimas precisam em grande medida ser reguladas Assim a colonialidade vai acabar se expressando também por meio do direito Outra questão diz respeito à legitimidade Ela é um desdobramento da modernidadecolonialidadecapitalista pois esta colocou no mundo a pretensão de igualdade políticojurídica ou seja a possibilidade dos sujeitos que compõem a sociedade participarem da sua construção Sendo essa inclusive uma das características da modernidade a igualdade no âmbito da autoridade coletiva ou pública e a desigualdade abissal nos demais âmbitos QUIJANO 2009a p 09 Desse modo as distintas formas de manifestação da colonialidade para se tornarem legítimas acabam assumindo roupagens jurídicas O direito então se torna relevante na medida em que é possível vislumbrar nele a face violenta da modernidade Mas o direito pode ser compreendido como sendo algo para além da manifestação da colonialidade pois a luta contra a dominação a exploração e a subalternização nos diferentes âmbitos da vida são também lutas por direitos QUIJANO 2001 p 13 Da mesma forma a busca por uma sociedade em que não há essa estrutura de dominação modernacolonial é a busca por uma sociedade que reconhece o direito a ser diferente MIGNOLO 2015 p 357 e em que ninguém tem o direito de se impor e de se sobrepor ao outro MIGNOLO 2017a p 14 Nesse quadro o direito também aparece como um campo de disputa sobre o seu próprio significado e contra a violência oculta da modernidade CATTONI DE OLIVEIRA 2019 Sendo assim onde provavelmente essa tensão entre o direito como expressão da modernidadecolonialidade e simultaneamente de luta contra ela se manifesta com mais nitidez é no direito constitucional mais especificamente na própria Constituição Em outros termos a Constituição simultaneamente legitima formas de dominação e opressão e define quais os saberes são legítimos mas ela também expressa as lutas por uma sociedade mais igualitária fundadas em uma outra racionalidade que coexiste com a razão wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 26 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 moderna A Constituição revela a tensão que emerge no interior da própria sociedade entre a modernidadecolonialdiade e a decolonialidade Assim levando a sério a tese de uma teoria da Constituição como teoria da sociedade GOMES 2019 o direito constitucional e a teoria da constituição parecem figurar como um campo frutífero para realizar uma reflexão a partir da arquitetônica conceitual do pensamento decolonial A partir dessa nova lente tornase possível contribuir para a construção do direito constitucional e de uma teoria da constituição constitucionalmente adequados à realidade brasileira Referida proposta de construção de uma teoria constitucional à luz do pensamento descolonial é uma das possibilidades abertas a partir desse momento e que ainda precisa e ser trabalhada de modo mais detido REFERÊNCIAS BALLESTRIN Luciana Maria de Aragão América Latina e o giro decolonial Revista Brasileira de Ciência Política v 2 p 89117 2013 BELLO Enzo A cidadania no constitucionalismo latinoamericano Caxias do SulRS Educs 2012 BELLO Enzo O pensamento descolonial e o modelo de cidadania do novo constitucionalismo latinoamericano RECHTD Revista de Estudos Constitucionais Hermenêutica e Teoria do Direito v 7 p 4961 2015 BELLO ENZO BRAGATO Fernanda Frizzo BERCLAZ Márcio Soares Um breve relato sobre o III Seminário Internacional PósColonialismo Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina Empório do Direito Empório Descolonial p 13 10 out 2018 BERCLAZ Márcio Soares Da injustiça à democracia ensaio para uma Justiça de Libertação a partir da experiência zapatista Tese Doutorado Universidade Federal do Paraná Curitiba 2017 BERNARDINOCOSTA Joaze GROSFOGUEL Ramón Decolonialidade e perspectiva negra Revista Sociedade e Estado v 31 n 1 p 1523 2016 BRAGATO Fernanda Frizzo Discursos desumanizantes e violação seletiva de direitos humanos sob a lógica da colonialidade Quaestio Iuris v 9 p 1806 1823 2016 BRAGATO Fernanda Frizzo Arguição de comunicação oral modernidadecolonialidade e capitalismo o lugar do direito e da economia no wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 27 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 pensamento decolonial In III Seminário Internacional PósColonialismo Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina Empório do Direito 2018 BRAGATO Fernanda Frizzo CASTILHO Natalia Martinuzzi 2014 A importância do póscolonialismo e dos estudos descoloniais na análise do novo constitucionalismo latinoamericano In BELLO E VAL E M orgs O pensamento pós e descolonial no novo constitucionalismo latino americano Caxias do Sul EDUCS p 1125 CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramón Prólogo Giro decolonial teoría crítica y pensamiento heterárquico In CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramón coords El giro decolonial reflexiones para una diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar 2007 CATTONI DE OLIVEIRA Marcelo Andrade Saberes localizados narrativas outras Notas programáticas para uma nova história e teoria do processo de constitucionalização brasileiro no marco da Teoria Crítica da Constituição In TRINDADE André Karam KARAM Henriete Narrativas constitucionais mito história ficção São Paulo Tirant lo Blanch 2019 DUSSEL Enrique Agenda para um diálogo interfilosófico SurSur In DUSSEL Enrique Filosofías del Sur descolonización y transmodernidad México Akal 2015 DUSSEL Enrique Europa modernidade e eurocentrismo In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericana p 5570 Buenos Aires Clacso 2005 DUSSEL Enrique Europa modernidad y eurocentrismo In LANDER Edgardo coord La colonialidad del saber eurocentrismo y ciencias sociales perspectivas latinoamericanas Buenos Aires Clacso 2000 ESCOBAR Arturo Mundos y conocimientos de otro modo el programa de investigación modernidadcolonialidad latinoamericano Tabula Rasa n 1 p 5886 2003 GOMES David Francisco Lopes Constitucionalismo e dependência em direção a uma Teoria da Constituição como Teoria da Sociedade 2019b Disponível em httpswwwacademiaedu40898754Constitucionalismoedepend C3AAnciaemdireC3A7C3A3oaumaTeoriadaConstitui C3A7C3A3ocomoTeoriadaSociedade Acesso em jun 2020 GROSFOGUEL Ramón Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos póscoloniais Transmodernidade pensamento de fronteira e wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 28 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 colonialidade global Revista Crítica de Ciências Sociais n 80 Março 2008 p 115147 HENNING Ana Clara Correa Relações jurídicas de uso e apropriação territorial em comunidades quilombolas brasileiras embates de poder e decolonialismo jurídico sob lentes etnográficas e etnodocumentárias Tese Doutorado Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2016 MIGNOLO Walter colonialidade O lado mais escuro da modernidade RBCS v 32 n 94 2017a MIGNOLO Walter Desafios decoloniais hoje Revista Epistemologias do Sul Foz do Iguaçu n 1 v 1 p 1232 2017b MIGNOLO Walter Desobediencia epistémica retórica de la modernidad lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad Argentina Ediciones del signo 2010 MIGNOLO Walter El pensamiento decolonial desprendimiento y apertura Un manifiesto In CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramón coords El giro decolonial reflexiones para una diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Editores Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar p 2547 2007 MIGNOLO Walter Histórias locaisprojetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte Editora UFMG 2003 MIGNOLO Walter La idea de América Latina la derecha la izquierda y la opción decolonial Crítica y Emancipación 2009 MIGNOLO Walter La opción decolonial desprendimiento y apertura Un manifiesto y un caso Tabula rasa Bogotá Universidad Colegio Mayor de Cundinamarca n 8 2008 p 246 MIGNOLO Walter La revolución teórica del zapatismo consecuencias históricas éticas y políticas In CARBALLO Francisco ROBLES LA H Ed Habitar la Frontera Sentir y pensar la descolonialidad Antología 19992014 2015 SL Bellaterra 2015 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito 2014 545 f Tese Doutorado em Direito Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná Curitiba 2014 PAZELLO Ricardo Prestes Pensamento descolonial crítica jurídica e movimentos populares repensando a crítica aos direitos humanos desde a política da libertação latinoamericana O Direito Alternativo v 3 p 231267 2016 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 29 de 30 REVISTA DE DIREITO VIÇOSA ISSN 25270389 V12 N02 2020 DOI doiorg10323612020120210700 QUIJANO Aníbal Colonialidade Poder Globalização e Democracia Novos Rumos n 37 2002 QUIJANO Aníbal Colonialidad del poder y descolonialidad del poder Conferencia dictada en el XXVII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología Buenos Aires 2009 p 115 QUIJANO Aníbal Colonialidad del poder eurocentrismo y América Latina In LANDER Edgardo org La colonialidad del saber eurocentrismo y ciencias sociales Perspectivas latinoamericanas Buenos Aires CLACSOUNESCO 2000a QUIJANO Aníbal Colonialidad del poder y clasificación social Journal of worldsystems research v 11 n 2 p 342386 2000b QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder e classificação social In SANTOS Boaventura de Sousa MENESES Maria Paula orgs Epistemologias do Sul São Paulo Cortez 2010 QUIJANO Aníbal Poder y Derechos Humanos In SEVILLA Carmen Pimentel comp Poder Salud Mental y Derechos Humanos CECOSAM Lima Perú 2001 QUIJANO Aníbal WALLERSTEIN Immanuel Americanidad como concepto o América en el moderno sistema mundial Revista internacional de ciencias sociales Paris UNESCO n 134 diciembre 1992 SUBMETIDO SUBMITTED 01072020 APROVADO APPROVED 29072020 REVISÃO DE LÍNGUA LANGUAGE REVIEW Raquel Cristina P Gonçalves SOBRE O AUTOR ABOUT THE AUTHOR RAYANN KETTULY MASSAHUD DE CARVALHO Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Lavras Membro do Núcleo de Estudos Direito Modernidade e Capitalismo da Universidade Federal de Minas Gerais e do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da Universidade Federal de Minas Gerais Email rayannkmassahudgmailcom ORCID httpsorcidorg0000 000209565580 wwwrevistadirufvbr revistadirufvbr 30 de 30 PROBLEMATIZAÇÕES REFERENTES AO TEXTO DIREITO E PENSAMENTO DESCOLONIAL ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 1 A compreensão de que a modernidade está intrinsecamente ligada à experiência colonial desafia uma tese tradicional frequentemente exposta nas ciências sociais que afirma ser a modernidade um interesse exclusivamente europeu Diante dessa perspectiva dominante quais eventos históricos são destacados como marcadores na formação dos valores e princípios modernos 2 Um dos conceitos fundamentais e centrais no pensamento decolonial é a noção de decolonialidade que completa a tríade modernidadecolonialidadedecolonialidade Este conjunto de termos articulase como intrincadas relações de poder dominação e resistência dentro do sistemamundo moderno colonial e capitalista Dentro deste contexto com base no texto Direito e Pensamento Descolonial Aspectos Introdutórios defina de maneira sólida o conceito de decolonialidade apresentado por Walter Mignolo 3 Ramón Grosfoguel argumenta que ocupar uma posição ao lado dos oprimidos não garante automaticamente que alguém adotará uma perspectiva epistêmica subalterna Diante disso com base no texto qual fator é decisivo para a adoção de uma perspectiva subalterna pelos indivíduos 4 O pensamento decolonial inicialmente se concentrou no grupo modernidadecolonialidade sendo estruturado por meio de seminários e publicações A partir da década de 2000 houve uma incorporação de novos pesquisadores de diferentes países e formações diversas enriquecendo o diálogo entre os membros do grupo Com base nessas informações explique as principais características do grupo modernidadecolonialidade PROBLEMATIZAÇÕES REFERENTES AO TEXTO DIREITO E PENSAMENTO DESCOLONIAL ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 1 A compreensão de que a modernidade está intrinsecamente ligada à experiência colonial desafia uma tese tradicional frequentemente exposta nas ciências sociais que afirma ser a modernidade um interesse exclusivamente europeu Diante dessa perspectiva dominante quais eventos históricos são destacados como marcadores na formação dos valores e princípios modernos 2 Um dos conceitos fundamentais e centrais no pensamento decolonial é a noção de decolonialidade que completa a tríade modernidadecolonialidadedecolonialidade Este conjunto de termos articulase como intrincadas relações de poder dominação e resistência dentro do sistemamundo moderno colonial e capitalista Dentro deste contexto com base no texto Direito e Pensamento Descolonial Aspectos Introdutórios defina de maneira sólida o conceito de decolonialidade apresentado por Walter Mignolo 3 Ramón Grosfoguel argumenta que ocupar uma posição ao lado dos oprimidos não garante automaticamente que alguém adotará uma perspectiva epistêmica subalterna Diante disso com base no texto qual fator é decisivo para a adoção de uma perspectiva subalterna pelos indivíduos 4 O pensamento decolonial inicialmente se concentrou no grupo modernidadecolonialidade sendo estruturado por meio de seminários e publicações A partir da década de 2000 houve uma incorporação de novos pesquisadores de diferentes países e formações diversas enriquecendo o diálogo entre os membros do grupo Com base nessas informações explique as principais características do grupo modernidadecolonialidade