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Psicologia ·

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Hans Robert Jauss A HISTÓRIA DA LITERATURA COMO PROVOCAÇÃO À TEORIA LITERÁRIA editora ática HANS ROBERT JAUSS A HISTÓRIA DA LITERATURA COMO PROVOCAÇÃO À TEORIA LITERÁRIA Tradução Sérgio Tellaroli editora ática Série Temas volume 36 Estudos literários Título original Literaturgeschichte als Provokation der Literaturwissenschaft Universitätsverlag Konstanz GmbH Konstanz 1967 TEXTO EDITOR Fernando Paixão ASSISTÊNCIA EDITORIAL Mário Vilela ARTE EDIÇÃO DE ARTE MIOLO Divina Rocha Corte CAPA Ettore Bottini INDICAÇÃO EDITORIAL Duda Machado ISBN 85 08 04631 6 1994 Todos os direitos reservados Editora Ática SA Rua Barão de Iguape 110 CEP 01507900 Tel PABX 2789322 Caixa Postal 8656 End Telegráfico Bomlivro Fax 011 2774146 São Paulo SP Sumário I 5 II 9 III 15 IV 18 V 22 VI 24 VII 27 VIII 31 IX 35 X 41 XI 46 XII 50 Notas 58 Anexo Os horizontes do ler 71 I A história da literatura vem em nossa época se fazendo cada vez mais malafamada e aliás não de forma imerecida1 Nos últimos 150 anos a história dessa venerável disciplina tem inequivocamente trilhado o caminho da decadência constante Todos os seus feitos culminantes datam do século XIX À época de Gervinus e Scherer de De Sanctis e Lanson escrever a história de uma literatura nacional era considerado o apogeu da carreira de um filólogo Os patriarcas da história da literatura tinham como meta suprema apresentar por intermédio da história das obras literárias a idéia da individualidade nacional a caminho de si mesma Hoje essa aspiração suprema constitui já uma lembrança distante Em nossa vida intelectual contemporânea a história da literatura em sua forma tradicional vive tãosomente uma existência nada mais que miserável tendo se preservado apenas na qualidade de uma exigência caduca do regulamento dos exames oficiais Como matéria obrigatória do currículo do ensino secundário ela já quase desapareceu na Alemanha No mais histórias da literatura podem ainda ser encontradas quando muito nas estantes de livros da burguesia instruída burguesia esta que na falta de um dicionário de literatura mais apropriado as consulta principalmente para solucionar charadas literárias2 Nos cursos oferecidos nas universidades a história da literatura está visivelmente desaparecendo Há tempos já não constitui segredo algum afirmar que os filólogos de minha geração orgulhamse de ter substituído os tradicionais painéis globais ou de época de sua literatura nacional por cursos voltados para um enfoque sistemático ou centrados em problemas históricos específicos A produção científica oferece um quadro semelhante as empreitadas coletivas na forma de manuais enciclopédias e volumes interpretativos estes constituindo o ramo mais recente das assim chamadas sínteses de livraria desalojaram as histórias da literatura tidas por pretensiosas e pouco sérias Significativamente tais coletâneas pseudohistóricas raramente resultam da iniciativa de estudiosos mas devemse em geral à idéia de algum editor empreendedor Já a pesquisa levada a sério por sua vez encontra registro em monografias de revistas especializadas pautandose pelo critério mais rigoroso dos métodos científicoliterários da estilística da retórica da filologia textual da semântica da poética e da história das palavras dos motivos e dos gêneros Por certo também as revistas atuais especializadas em filologia encontramse ainda em grande medida repletas de ensaios que se contentam com uma abordagem históricoliterária Seus autores porém vêemse expostos a uma dupla crítica Da ótica das disciplinas vizinhas os problemas que levantam são aberta ou veladamente qualificados de pseudoproblemas e seus resultados desdenhados como um saber puramente antigo Tampouco a crítica oriunda da teoria literária revelase mais complacente em seu juízo Tal crítica tem a objetar à história clássica da literatura que ela apenas se pretende uma forma da escrita da história mas na verdade movese numa esfera exterior à dimensão histórica e ao fazêlo falha igualmente na fundamentação do juízo estético que seu objeto a literatura enquanto uma forma de arte demanda3 Primeiramente cumpre esclarecer essa crítica A história da literatura em sua forma mais habitual costuma esquivarse do perigo de uma enumeração meramente cronológica dos fatos ordenando seu material segundo tendências gerais gêneros e outras categorias para então sob tais rubricas abordar as obras individualmente em seqüência cronológica A biografia dos autores e a apreciação do conjunto de sua obra surgem aí em passagens alea II As citações não constituem apenas um apelo a uma autoridade com o propósito único de sancionar determinado passo no curso da reflexão científica Elas podem também retomar uma questão antiga visando demonstrar que uma resposta já tornada clássica não mais se revela satisfatória que essa própria resposta fezse novamente histórica demandando de nós uma renovação da pergunta e de sua solução A resposta de Schiller à pergunta colocada em sua aula inaugural na universidade de Jena de 26 de maio de 1789 Was heißt und zu welchem Ende studiert man Universalgeschichte O que significa e com que propósito estudase história universal não é apenas representativa do modo de compreender a história do idealismo alemão mas igualmente elucidativa no que se refere a um olhar retrospectivo e crítico voltado para a história de nossa disciplina E isso porque aquela resposta nos mostra com que expectativa a história da literatura do século XIX competindo com a historiografia geral buscou desincumbirse da tarefa legada pela filosofia idealista da história Ao mesmo tempo ela nos permite perceber por que razão o ideal do conhecimento da escola histórica tinha necessariamente de conduzir a uma crise trazendo consigo o declínio da história da literatura Gervinus pode nos servir aqui de testemunha principal Dele é não somente a primeira exposição científica de uma Geschichte der poetischen Nationalliteratur der Deutschen História tórias e digressivas à maneira de um elefante branco Ou então o historiador da literatura ordena seu material de forma unilinear seguindo a cronologia dos grandes autores e apreciandoos conforme o esquema de vida e obra os autores menores ficam aí a ver navios são inseridos nos intervalos entre os grandes e o próprio desenvolvimento dos gêneros vêse assim inevitavelmente fracionado Esta última modalidade de história da literatura corresponde sobretudo ao cânone dos autores da Antigüidade clássica já a primeira encontrase com maior frequência nas literaturas modernas que se defrontam com a dificuldade crescente à medida que se aproximam do presente de ter de fazer uma seleção dentre uma série de autores e obras cujo conjunto mal se consegue divisar Contudo uma descrição da literatura que segue um cânone em geral preestabelecido e simplesmente enfileira vida e obra dos escritores em seqüência cronológica não constitui como já observou Gervinus história alguma mal chega a ser o esqueleto de uma história4 Do mesmo modo nenhum historiador tomaria por histórica uma apresentação da literatura segundo seus gêneros que registrando mudanças de uma obra para a outra persiga as formas autônomas do desenvolvimento da lírica do drama e do romance e emoldure o todo inexplicado com uma observação de caráter geral amiúde tomada emprestada à história sobre o Zeitgeist e as tendências políticas do período Por outro lado não é apenas raro mas francamente malvisto que um historiador da literatura profira vereditos qualitativos acerca de obras de épocas passadas Muito pelo contrário o historiador costuma antes apoiarse no ideal de objetividade da historiografia à qual cabe apenas descrever como as coisas efetivamente aconteceram Sua abstenência estética fundase em boas razões Afinal a qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições históricas ou biográficas de seu nascimento nem tãosomente de seu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero mas sim dos critérios da recepção do efeito pro Em razão da já consagrada tradução de Wirkungsgeschichte por história do efeito o substantivo Wirkung efeito eficácia atuação ação foi aqui invariavelmente traduzido por efeito Contexto sucessório traduz aqui e nas demais passagens do texto em que o autor emprega o termo Folgeverhältnis cuja tradução literal seria relação de sucessão NT duzido pela obra e de sua fama junto à posteridade critérios estes de mais difícil apreensão Ademais se comprometido com o ideal da objetividade o historiador da literatura limitase à apresentação de um passado acabado deixando ao crítico competente o juízo acerca da literatura do presente inacabado e apegandose ao cânone seguro das obrasprimas permanecerá ele o mais das vezes em sua distância histórica uma ou duas gerações atrasado em relação ao estágio mais recente do desenvolvimento da literatura Na melhor das hipóteses participará pois como leitor passivo da discussão presente sobre os fenômenos literários contemporâneos tornandose assim na construção de seu juízo um parasita de uma crítica que em segredo ele desdenha como nãocientífica Que papel resta hoje portanto a um estudo histórico da literatura que para recorrer a uma definição clássica do interesse na história a de Friedrich Schiller tem tão pouco a ensinar ao observador pensante que não oferece ao homem prático nenhum modelo a ser imitado nem nenhum esclarecimento ao filósofo e que ademais não logra prometer ao leitor nada que se assemelhe a uma fonte do mais nobre entretenimento da literatura nacional poética dos alemães18351842 como também o primeiro e único tratado de teoria da história de autoria de um filólogo6 Partindo da idéia central do Über die Aufgabe des Geschichtsschreibers Sobre a tarefa do historiador 1821 de Wilhelm von Humboldt seu Grundzüge der Historik Fundamentos da teoria da história constrói uma teoria na qual Gervinus em outra parte embasou também a grande tarefa da escritura de uma história da beletrística Para ele o historiador da literatura somente se torna um historiador de fato quando investigando seu objeto encontra aquela idéia fundamental que atravessa a própria série de acontecimentos que ele tomou por assunto neles manifestandose e conectandoos aos acontecimentos do mundo7 Essa idéia fundamental que para Schiller traduzse ainda no princípio teleológico geral que nos permite compreender o desenvolvimento da história universal da humanidade figura já em Humboldt em manifestações isoladas da idéia da individualidade nacional8 Quando então Gervinus se apropria dessa maneira ideal de explicar a história ele imperceptivelmente coloca a idéia histórica de Humboldt9 a serviço da ideologia nacional Assim uma história da literatura nacional alemã teria de mostrar de que forma a direção sensata na qual os gregos haviam colocado a humanidade direção esta para a qual em função de sua peculiaridade os alemães sempre tenderam foi conscientemente retomada por estes10 A idéia universal da filosofia esclarecida da história desagregase na multiplicidade da história das individualidades nacionais afunilandose por fim no mito literário segundo o qual precisamente os alemães estariam qualificados para ser os verdadeiros sucessores dos gregos e isso em função daquela idéia que somente os alemães revelavamse aptos a concretizar em toda a sua pureza11 Esse processo tornado visível a partir do exemplo de Gervinus não constitui um fenômeno típico apenas da história do espírito Geistesgeschichte no século XIX Uma vez tendo a escola histórica desacreditado o modelo teleológico da filosofia idealista da história daí resultou também uma implicação metodológica tanto para a história da literatura quanto para toda a historiografia Censurandose como ahistórica a solução da filo sofia da história de se compreender a marcha dos acontecimentos a partir de uma meta de um apogeu ideal da história mundial12 como se podia então entender e apresentar o nexo da história que jamais se revela em sua totalidade Conforme demonstrou H G Gadamer o ideal da história universal transformouse assim num embaraço para a investigação histórica13 O historiador escreveu Gervinus pode somente pretender apresentar séries acabadas de acontecimentos uma vez que desconhecendo as cenas finais não lhe é possível julgar14 Histórias nacionais somente podiam ser consideradas séries acabadas de acontecimentos na medida em que culminam politicamente na concretização da unificação nacional ou literariamente no apogeu de um modelo clássico nacional Contudo seu desenvolvimento posterior a essa cena final tinha inegavelmente de trazer de volta o velho dilema Assim em última instância Gervinus só fez da necessidade uma virtude ao em notável concordância com o famoso diagnóstico de Hegel acerca do fim da arte desprezar a literatura de seu próprio período pósclássico como se se tratasse de mera manifestação decadente e aconselhar os talentos agora desprovidos de uma meta a de preferência ocuparemse do mundo real e do Estado15 Livre porém do dilema envolvendo a conclusão e o avanço da história o historiador do historicismo parecia estar quando se limitava à abordagem de épocas as quais podia abarcar com os olhos até a cena final e descrever em sua plenitude própria sem considerar o que delas resultou Assim a história como painel de época prometia atender plenamente até ao ideal metodológico da escola histórica Desde então quando o desenvolvimento da individualidade nacional não mais lhe basta como fio condutor a história da literatura alinhava umas às outras principalmente épocas acabadas A regra fundamental da escritura histórica segundo a qual o historiador deve anularse ante seu objeto permitindo que ele se apresente com total objetividade16 deixavase aplicar melhor através desse enfoque por épocas como todos significativos apartados e isolados uns dos outros Se a total objetividade demanda que o historiador abstraia do ponto de vista de seu presente então o valor e o significado de uma época pas sofia da história de se compreender a marcha dos acontecimentos a partir de uma meta de um apogeu ideal da história mundial12 como se podia então entender e apresentar o nexo da história que jamais se revela em sua totalidade Conforme demonstrou H G Gadamer o ideal da história universal transformouse assim num embaraço para a investigação histórica13 O historiador escreveu Gervinus pode somente pretender apresentar séries acabadas de acontecimentos uma vez que desconhecendo as cenas finais não lhe é possível julgar14 Histórias nacionais somente podiam ser consideradas séries acabadas de acontecimentos na medida em que culminam politicamente na concretização da unificação nacional ou literariamente no apogeu de um modelo clássico nacional Contudo seu desenvolvimento posterior a essa cena final tinha inegavelmente de trazer de volta o velho dilema Assim em última instância Gervinus só fez da necessidade uma virtude ao em notável concordância com o famoso diagnóstico de Hegel acerca do fim da arte desprezar a literatura de seu próprio período pósclássico como se se tratasse de mera manifestação decadente e aconselhar os talentos agora desprovidos de uma meta a de preferência ocuparemse do mundo real e do Estado15 Livre porém do dilema envolvendo a conclusão e o avanço da história o historiador do historicismo parecia estar quando se limitava à abordagem de épocas as quais podia abarcar com os olhos até a cena final e descrever em sua plenitude própria sem considerar o que delas resultou Assim a história como painel de época prometia atender plenamente até ao ideal metodológico da escola histórica Desde então quando o desenvolvimento da individualidade nacional não mais lhe basta como fio condutor a história da literatura alinhava umas às outras principalmente épocas acabadas A regra fundamental da escritura histórica segundo a qual o historiador deve anularse ante seu objeto permitindo que ele se apresente com total objetividade16 deixavase aplicar melhor através desse enfoque por épocas como todos significativos apartados e isolados uns dos outros Se a total objetividade demanda que o historiador abstraia do ponto de vista de seu presente então o valor e o significado de uma época pas sada háo também de ser cognoscíveis independentemente do curso posterior da história As célebres palavras de Ranke de 1854 conferem a esse postulado uma fundamentação teológica Eu porém afirmo todas as épocas apresentamse imediatas a Deus e seu valor não repousa naquilo que delas resulta mas em sua existência nelas próprias17 Essa nova resposta à pergunta acerca de como compreender o conceito de progresso na história destina ao historiador a tarefa de uma nova teodicéia na medida em que contempla e apresenta cada época como algo válido em si ele está justificando Deus perante a filosofia progressista da história que vê as épocas como meros estágios para a geração seguinte pressupondo assim uma primazia da última e portanto uma injustiça divina18 Entretanto a solução de Ranke para o problema legado pela filosofia da história foi obtida à custa de um corte no fio que liga o passado ao presente isto é a época como ela efetivamente foi àquilo que dela resultou Afastandose da filosofia da história do Iluminismo o historicismo abandonou não apenas o modelo teleológico da história universal como também o princípio metodológico que acima de tudo segundo Schiller marca o historiador universal e seu proceder vincular o passado ao presente19 um conhecimento imprescindível apenas supostamente especulativo o qual a escola histórica não podia impunemente desconsiderar20 como o demonstra aliás o ulterior desenvolvimento no campo da historiografia literária A obra da história literária do século XIX apoiouse na convicção de que a idéia da individualidade nacional seria a parte invisível de todo fato21 e de que essa idéia tornaria representável a forma da história22 também a partir de uma seqüência de obras literárias Havendo desaparecido tal convicção tinha de perderse também o fio dos acontecimentos fazendose inevitável que a literatura passada e a presente se apartassem uma da outra em esferas separadas do juízo23 bem como que a escolha determinação e valoração dos fatos literários se tornassem problemáticas A guinada rumo ao positivismo foi determinada primordialmente por essa crise A historiografia literária positivista acreditava estar fazendo da necessidade uma virtude ao tomar emprestados os métodos das ciências exatas O resultado é bastante conhecido a aplicação do princípio da explicação puramente causal à história da literatura trouxe à luz fatores apenas aparentemente determinantes fez crescer em escala hiperttrófica a pesquisa das fontes e diluiu a peculiaridade específica da obra literária num feixe de influências multiplicáveis a gosto O protesto não tardou a chegar A história do espírito apoderouse da literatura contrapôs à explicação histórica causal uma estética da criação irracional e buscou o nexo da poesia na recorrência de idéias e motivos supratemporais24 Na Alemanha ela se deixou envolver na preparação e fundamentação da ciência literária nacionalista do nacionalsocialismo Depois da guerra substituíramna novos métodos os quais levaram a cabo o processo de desideologização sem no entanto reassumir a tarefa clássica da história literária A apresentação da literatura em sua história e em sua relação com a história geral estava fora da área de interesse da nova história das idéias e dos conceitos bem como da investigação da tradição que floresceu na esteira da Escola de Warburg A primeira almeja secretamente uma renovação da história da filosofia conforme esta se reflete na literatura25 a última neutraliza a práxis vital da história na medida em que busca o ponto crucial do saber na origem ou na continuidade supratemporal da tradição e não na atualidade e singularidade de um fenômeno literário26 O conhecimento daquilo que persiste em meio à mudança constante desobriganos do esforço da compreensão histórica Na obra monumental de Ernst Robert Curtius que propiciou trabalho a uma legião de epígonos pesquisadores da tópica a continuidade da herança da Antigüidade alçada à condição de idéia suprema figura sob a forma da tensão historicamente não mediada imanente à tradição literária entre criação e imitação poesia elevada e mera literatura Um classicismo atemporal das obrasprimas elevase acima daquilo que Curtius chama a irrompível cadeia tradicional da mediocridade27 deixando a história atrás de si como terra incognita Aqui e nos demais contextos em que aparece a palavra poesia foi usada para traduzir o substantivo alemão Dichtung Empregase portanto não no sentido restrito de obra em verso mas no de obra literária de uma forma geral NT Vencese asi em tão pouca medida o abismo entre a contemplação histórica e a contemplação estética da literatura quanto na teoria literária de Benedetto Croce com sua separação ad absurdum entre poesia e nãopoesia O antagonismo entre a poesia pura e a literatura vinculada especificamente a uma época somente pôde ser superado quando a estética na qual se assenta foi colocada em questão e se reconheceu que a oposição entre criação e imitação caracteriza apenas a literatura do período humanista da arte não mais sendo capaz de abranger os fenômenos da literatura moderna ou mesmo da medieval Da orientação definida pela escola positivista e pela idealista destacaramse a sociologia da literatura e o método imanentista aprofundando ainda mais o abismo entre poesia e história Tal se revela com a máxima nitidez nas teorias literárias antagônicas da escola marxista e da formalista escolas estas que constituirão o ponto central de meu panorama crítico da préhistória da ciência literária atual III Comum a essas duas escolas é a renúncia ao empirismo cego do positivismo bem como à metafísica estética da história do espírito Por caminhos opostos ambas tentaram resolver o problema de como compreender a sucessão histórica das obras literárias como o nexo da literatura e ambas mergulharam por fim numa aporia cuja solução teria exigido que se estabelecesse uma nova relação entre a contemplação histórica e a contemplação estética A teoria literária marxista entendeu ser sua tarefa demonstrar o nexo da literatura em seu espelhamento da realidade social Desnecessário seria determonos aqui nos resultados ingênuos obtidos pela historiografia literária praticada pelo marxismo vulgar que jamais se cansou de fazer derivar diretamente de alguns fatores econômicos e constelações de classes da infraestrutura a multiplicidade dos fenômenos literários Um nível mais elevado a teoria literária marxista alcançou nos momentos em que tentou definir a função da literatura enquanto elemento constitutivo da sociedade Se a determinação social do homem é sua natureza então há de resultar também dos atos passados de autotestemunho literário um quadro completo das contradições que a humanidade viveu ao longo da história A poesia movese em direção a um ouvir É por essa razão que nela se gesta a sociedade à qual ela se dirige o estilo é sua lei e pelo conhecimento do estilo podese decifrar também o destinatário da poesia Werner Krauss de cuja obra Literaturgeschichte als IV Os primeiros passos dos formalistas que na condição de membros da Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética Opoiaz começaram a evidenciarse com publicações programáticas a partir de 1916 deramse sob o signo de uma rigorosa ênfase no caráter artístico da literatura A teoria do método formalista32 alçou novamente a literatura à condição de um objeto autônomo de investigação na medida em que desvinculou a obra literária de todas as condicionantes históricas e à maneira da nova lingüística estrutural definiu em termos puramente funcionais a sua realização específica como a soma de todos os procedimentos artísticos nela empregados33 A tradicional separação entre poesia e literatura tornase assim sem efeito O caráter artístico da literatura deve ser verificado única e exclusivamente a partir da oposição entre linguagem poética e linguagem prática A língua em sua função prática passa então a representar na qualidade de série nãoliterária todas as demais condicionantes históricas e sociais da obra literária esta é descrita e definida como obra de arte precisamente em sua singularidade própria écart poétique e não portanto em sua relação funcional com a série nãoliterária A diferenciação entre linguagem poética e linguagem prática conduziu ao conceito de percepção artística conceito este que rompe completamente o vínculo entre litera geschichtlicher Auftrag cito28 discutiu essa ampla tese em monografias sobre a literatura do Iluminismo29 mas não a desenvolveu transformandoa numa história da literatura que baseada em premissas tão pouco ortodoxas teria podido dar uma nova direção à história literária marxista Uma vez que esta última decerto também por razões políticas apegase a uma delimitação nacional da história da literatura ela segue sempre trilhando velhos caminhos sem se colocar de maneira nova o problema da relação entre literatura e sociedade relação esta que constitui um processo Tratase entretanto de um problema que ainda que o substrato antiquado da unificação políticonacional fosse substituído pelo modelo histórico mais geral do caminho rumo à sociedade sem classes não estaria mais bem solucionado Em toda a gama das formas que assume apenas muito precariamente a literatura admite ser remontada a fatores do processo econômico pois a mudança estrutural dáse com muito maior lentidão na infraestrutura do que na superestrutura e o número de determinantes verificáveis é muito menor na primeira do que na última Somente uma porção reduzida da produção literária é permeável aos acontecimentos da realidade histórica e nem todos os gêneros possuem força testemunhal no tocante à lembrança dos motivos constitutivos da sociedade Ademais quando uma obra importante parece conferir uma nova direção ao processo literário ela permanece circundada por uma produção que amiúde a vista é incapaz de abranger produção esta composta de obras que correspondem a uma tendência já ultrapassada do gosto mas cujo efeito sobre a sociedade não se deve ter em menor conta do que a novidade frequentemente incompreendida contida naquela obra importante a qual no entanto é a única que pesa na sucessão homogênea da progressão histórica Contudo a heterogeneidade do simultâneo não constitui a única dificuldade não superada pela historiografia literária marxista Esta vendose constrangida a medir o grau de importância de uma obra literária em função de sua força testemunhal relativamente ao processo social e sendo incapaz de extrair daí quaisquer categorias estéticas próprias permaneceu de um modo geral e sem o admitir presa a uma estética classicista30 Isso se revela não apenas nos apriorismos da crítica literária de Georg Lukács mas ainda em maior grau na construção de cânones comum a todas as escolas marxistas e obrigatória até pouco tempo atrás O conceito de arte clássica tomado emprestado a Hegel e absolutizado resultou em que toda a literatura moderna que não se deixava apreender segundo o princípio da identidade entre forma e conteúdo teve de ser desqualificada como arte degenerada da burguesia decadente Apenas mais recentemente parece ter começado a gestarse uma tendência contrária De início seus defensores não puderam apoiarse em outra autoridade que não a do próprio Stálin ao analogamente à afirmação deste último acerca da linguística postular também para a literatura a independência entre a superestrutura e a base econômica O debate com o realismo socialista conduziu durante o período do degelo a uma crítica à teoria do reflexo abrindo a perspectiva da fundação de uma teoria da arte apropriada às formas da arte moderna uma teoria que teria obrigatoriamente de trazer consigo a ruptura com a estética clássica da representação Há que se aguardar o resultado de tais iniciativas as quais buscam solucionar a questão acerca da função social da literatura tendo em vista agora também a contribuição específica de suas formas e meios artísticos31 Contudo o problema da história literária assim formulado não constitui uma descoberta da ciência literária marxista Já há quarenta anos ele se colocou também para a escola formalista por ela combatida à época em que essa escola viuse condenada ao silêncio e banida para a diáspora pelos outrora detentores do poder tura e vida A arte tornase pois o meio para a destruição pelo estranhamento do automatismo da percepção cotidiana Decorre daí que a recepção da arte não pode mais consistir na fruição ingênua do belo mas demanda que se lhe distinga a forma e se lhe conheça o procedimento Assim o processo de percepção da arte surge como um fim em si mesmo tendo a perceptibilidade da forma como seu marco distintivo e o desvelamento do procedimento como o princípio para uma teoria que renunciando conscientemente ao conhecimento histórico transformou a crítica de arte num método racional e ao fazêlo produziu feitos de qualidade científica duradoura Entretanto não se pode ignorar um outro feito da escola formalista A historicidade da literatura inicialmente negada reapareceu ao longo da construção do método formalista colocandoo diante de um problema que o obrigou a repensar os princípios da diacronia O literário na literatura não é determinado apenas sincronicamente pela oposição entre as linguagens poética e prática mas o é também diacronicamente por sua oposição àquilo que lhe é predeterminado pelo gênero e à forma que o precede na série literária Na formulação de Vitor Chklovski se a obra de arte é percebida em contraposição ao pano de fundo oferecido por outras obras de arte e mediante associação com estas34 a interpretação deve levar em conta também a sua relação com outras formas existentes anteriormente a ela Com isso a escola formalista começou a buscar seu próprio caminho de volta rumo à história Essa sua nova proposta distinguiase da velha história da literatura pelo fato de abandonar a concepção básica desta última de um processo linear e continuado e por contrapor assim ao conceito clássico da tradição um princípio dinâmico de evolução literária O prisma da continuidade perdia pois sua velha primazia no conhecimento histórico A análise da evolução literária desnuda na história da literatura a autogeração dialética de novas formas35 ela descreve o fluxo supostamente pacífico e gradual da tradição como um processo que encerra rupturas revoltas de novas escolas e conflitos entre gêneros concorrentes O espírito objetivo das épocas homogê 20 neas é repudiado como especulação metafísica Segundo Vitor Chklovski e Iúri Tynianov em toda época existem simultaneamente várias escolas literárias e uma delas representa o ápice canonizado da literatura a canonização de uma forma literária conduz à sua automatização provocando na camada inferior a construção de novas formas as quais conquistam o lugar das antigas adquirem a dimensão de um fenômeno de massa e por fim são elas próprias compelidas de volta à periferia36 Com essa proposta que paradoxalmente volta o princípio da evolução literária contra o sentido orgânicoteleológico do conceito clássico de evolução a escola formalista aproximouse bastante de uma nova compreensão histórica da literatura no domínio do surgimento da canonização e da decadência dos gêneros Ela nos ensinou a ver de uma maneira nova a obra de arte em sua história isto é na transformação dos sistemas de gêneros e formas literárias abrindo caminho assim para uma descoberta da qual também a linguística se apropriou a descoberta de que a pura sincronia é ilusória porque nas palavras de Roman Jakobson e Iúri Tynianov todo sistema apresentase necessariamente como uma evolução e esta por sua vez carrega forçosamente um caráter sistemático37 Contudo compreender a obra de arte em sua história ou seja no interior da história da literatura definida como uma sucessão de sistemas38 ainda não é o mesmo que contemplála na história isto é no horizonte histórico de seu nascimento função social e efeito histórico O histórico na literatura não se esgota na sucessão de sistemas estéticoformais assim como o da língua o desenvolvimento da literatura não pode ser determinado apenas de forma imanente através de sua relação própria entre diacronia e sincronia mas há de ser definido também em função de sua relação com o processo geral da história39 Se dessa perspectiva voltarmos novamente o nosso olhar para o dilema comum à teoria literária formalista e à marxista resultará daí uma conclusão que nenhuma delas tirou Se por um lado se pode compreender a evolução literária a partir da sucessão histórica de sistemas e por outro a história geral a 21 partir do encadeamento dinâmico de situações sociais não haverá de ser possível também colocarse a série literária e a nãoliterária numa conexão que abranja a relação entre literatura e história sem com isso obrigarse a primeira a abandonando seu caráter artístico encaixarse numa função meramente mimética ou ilustrativa V No âmbito da questão aí colocada eu vejo o desafio da ciência literária na retomada do problema da história da literatura deixado em aberto pela disputa entre o método marxista e o formalista Minha tentativa de superar o abismo entre literatura e história entre o conhecimento histórico e o estético pode pois principiar do ponto em que ambas aquelas escolas pararam Seus métodos compreendem o fato literário encerrado no círculo fechado de uma estética da produção e da representação Com isso ambas privam a literatura de uma dimensão que é componente imprescindível tanto de seu caráter estético quanto de sua função social a dimensão de sua recepção e de seu efeito Leitores ouvintes espectatores o fator público em suma desempenha naquelas duas teorias literárias um papel extremamente limitado A escola marxista não trata o leitor quando dele se ocupa diferentemente do modo com que ela trata o autor buscalhe a posição social ou procura reconhecêlo na estratificação de uma dada sociedade A escola formalista precisa dele apenas como o sujeito da percepção como alguém que seguindo as indicações do texto tem a seu cargo distinguir a forma ou desvendar o procedimento Pretende pois ver o leitor dotado da compreensão teórica do filólogo o qual conhecedor dos meios artísticos é capaz de refletir sobre eles do mesmo modo como inversamente a escola marxista iguala a experiência espontânea do leitor ao interesse científico do materialismo histórico que deseja desven dar na obra literária as relações entre a superestrutura e a base Contudo e como afirmou Walther Bulst texto algum jamais foi escrito para ser lido e interpretado filologicamente por filólogos40 ou acrescenteo eu historicamente por historiadores Ambos os métodos o formalista e o marxista ignoram o leitor em seu papel genuíno imprescindível tanto para o conhecimento estético quanto para o histórico o papel do destinatário a quem primordialmente a obra literária visa Considerandose que tanto em seu caráter artístico quanto em sua historicidade a obra literária é condicionada primordialmente pela relação dialógica entre literatura e leitor relação esta que pode ser entendida tanto como aquela da comunicação informação com o receptor quanto como uma relação de pergunta e resposta41 há de ser possível no âmbito de uma história da literatura embasar nessa mesma relação o nexo entre as obras literárias E isso porque a relação entre literatura e leitor possui implicações tanto estéticas quanto históricas A implicação estética reside no fato de já a recepção primária de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor estético pela comparação com outras obras já lidas42 A implicação histórica manifestase na possibilidade de numa cadeia de recepções a compreensão dos primeiros leitores ter continuidade e enriquecerse de geração em geração decidindo assim o próprio significado histórico de uma obra e tornando visível sua qualidade estética Se pois se contempla a literatura na dimensão de sua recepção e de seu efeito então a oposição entre seu aspecto estético e seu aspecto histórico vêse constantemente mediada e reatado o fio que liga o fenômeno passado à experiência presente da poesia fio este que o historicismo rompera Com base nessa premissa cumpre agora responder à pergunta acerca de como se poderia hoje fundamentar metodologicamente e reescrever a história da literatura O esboço que se segue foi dividido em sete teses VIXII cada uma das quais será por mim discutida separadamente VI Uma renovação da história da literatura demanda que se ponham abaixo os preconceitos do objetivismo histórico e que se fundamentem as estéticas tradicionais da produção e da representação numa estética da recepção e do efeito A historicidade da literatura não repousa numa conexão de fatos literários estabelecida post festum mas no experienciar dinâmico da obra literária por parte de seus leitores Essa mesma relação dialógica constitui o pressuposto também da história da literatura E isso porque antes de ser capaz de compreender e classificar uma obra o historiador da literatura tem sempre de novamente fazerse ele próprio leitor Em outras palavras ele tem de ser capaz de fundamentar seu próprio juízo tomando em conta sua posição presente na série histórica dos leitores O postulado que em sua crítica à ideologia dominante da objetividade R G Collingwood estabeleceu para a historiografia history is nothing but the reenactment of past thought in the historians mind43 aplicase em ainda maior medida à história da literatura A concepção positivista da história como descrição objetiva de uma sequência de acontecimentos num passado já morto falha tanto no que se refere ao caráter artístico da literatura quanto no que respeita à sua historicidade especí fica A obra literária não é um objeto que exista por si só oferecendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto44 Não se trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser atemporal Ela é antes como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura libertando o texto da matéria das palavras e conferindolhe existência atual parole qui doit en même temps quelle lui parle créer un interlocuteur capable de lentendre45 É esse caráter dialógico da obra literária que explica por que razão o saber filológico pode apenas consistir na continuada confrontação com o texto não devendo congelarse num saber acerca de fatos46 O saber filológico permanece sempre vinculado à interpretação e esta precisa ter por meta paralelamente ao conhecimento de seu objeto refletir e descrever a consumação desse conhecimento como momento de uma nova compreensão A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe do escritor que se faz novamente produtor e do crítico que sobre eles reflete A soma crescente a perder de vista de fatos literários conforme os registram as histórias da literatura convencionais é um mero resíduo desse processo nada mais que passado coletado e classificado por isso mesmo não constituindo história alguma mas pseudohistória Aquele que toma já por uma parcela da história da literatura uma tal série de fatos literários está confundindo o caráter de acontecimento de uma obra de arte com o de um fato histórico Como acontecimento literário o Perceval de Chrétien de Troyes não é histórico no sentido em que o é por exemplo a Terceira Cruzada contemporânea à obra47 Não se trata de uma action que em função de uma série de premissas e motivações imperiosas da intenção reconstruível de um ato histórico e de suas consequências inevitáveis e incidentais se possa explicar como evento decisivo O contexto histórico no qual uma obra literária aparece não constitui uma sequência factual de acontecimentos forçosamente existentes independentemente de um observador O Perceval tornase acontecimento literário unicamente para seu leitor que lê essa obra derradeira de Chrétien tendo na lembrança as obras anteriores do autor percebelhe a singularidade em comparação com essas e outras obras já conhecidas e adquire assim um novo parâmetro para a avaliação de obras futuras Diferentemente do acontecimento político o literário não possui consequências imperiosas que seguem existindo por si sós e das quais nenhuma geração posterior poderá mais escapar Ele só logra seguir produzindo seu efeito na medida em que sua recepção se estenda pelas gerações futuras ou seja por elas retomada na medida pois em que haja leitores que novamente se apropriem da obra passada ou autores que desejem imitála sobrepujála ou refutála A literatura como acontecimento cumprese primordialmente no horizonte de expectativa dos leitores críticos e autores seus contemporâneos e pósteros ao experienciar a obra Da objetivação ou não desse horizonte de expectativa dependerá pois a possibilidade de compreender e apresentar a história da literatura em sua historicidade própria VII A análise da experiência literária do leitor escapa ao psicologismo que a ameaça quando descreve a recepção e o efeito de uma obra a partir do sistema de referências que se pode construir em função das expectativas que no momento histórico do aparecimento de cada obra resultam do conhecimento prévio do gênero da forma e da temática de obras já conhecidas bem como da oposição entre a linguagem poética e a linguagem prática Essa tese voltase contra o ceticismo disseminado firmado sobretudo pela crítica de René Wellek à teoria literária de I A Richards quanto à possibilidade de uma análise do efeito estético chegar a alcançar a esfera de significação de uma obra literária em vez de em suas tentativas resultar na melhor das hipóteses simplesmente numa sociologia do gosto Wellek argumenta não ser possível por meios empíricos determinar um estado da consciência quer seja o individual uma vez que este encerra em si algo de momentâneo e exclusivamente pessoal quer seja o coletivo que J Mukarovsky supõe ser o efeito da obra de arte48 Roman Jakobson pretendeu substituir o estado coletivo da consciência por uma ideologia coletiva esta sob a forma de um sistema de normas que existiria para cada obra literária na qualidade de langue e que seria atualizado pelo receptor como parole embora de maneira imperfeita e jamais em sua totalidade49 De fato essa teoria limita o subjetivismo do efeito mas deixa em aberto a questão de a partir de que dados se pode apreender e alojar num sistema de normas o efeito de uma obra particular sobre determinado público Há entretanto meios empíricos nos quais até hoje não se pensou dados literários a partir dos quais para cada obra uma disposição específica do público se deixa averiguar disposição esta que antecede tanto a reação psíquica quanto a compreensão subjetiva do leitor Assim como em toda experiência real também na experiência literária que dá a conhecer pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um saber prévio ele próprio um momento dessa experiência com base no qual o novo de que tomamos conhecimento fazse experienciável ou seja legível por assim dizer num contexto experiencial50 Ademais a obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço vazio mas por intermédiio de avisos sinais visíveis e invisíveis traços familiares ou indicações implícitas predispõe seu público para recebêla de uma maneira bastante definida Ela desperta a lembrança do já lido enseja logo de início expectativas quanto a meio e fim conduz o leitor a determinada postura emocional e com tudo isso antecipa um horizonte geral da compreensão vinculado ao qual se pode então e não antes disso colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dos diversos leitores ou camadas de leitores O caso ideal para a objetivação de tais sistemas históricoliterários de referência é o daquelas obras que primeiramente graças a uma convenção do gênero do estilo ou da forma evocam propositadamente um marcado horizonte de expectativas em seus leitores para depois destruílo passo a passo procedimento que pode não servir apenas a um propósito crítico mas produzir ele próprio efeitos poéticos Assim é que Cervantes faz com que da leitura do Dom Quixote resulte o horizonte de expectativa dos antigos e tão populares romances de cavalaria romances estes que a aventura desse seu último cavaleiro paródia então profundamente51 Assim é também que Diderot com as perguntas fictícias do leitor ao narrador no princípio de seu Jacques le fataliste evoca o horizonte de expectativa do então em voga romance de viagem bem como as convenções aristotelizantes da fábula romanesca e da providência que lhe é própria fazendoo apenas para a seguir contrapor provocativamente ao prometido romance de viagem e de amor uma vérité de Ihisoire inteiramente nãoromanesca a realidade bizarra e a casuística moral das histórias que insere nas quais a verdade da vida contesta seguidamente o caráter mentiroso da ficção poética52 Também Nerval em suas Chimères cita combina e mistura toda uma gama de conhecidos motivos românticos e ocultistas produzindo a partir daí o horizonte de expectativa da transformação mítica do mundo mas apenas para afirmar seu repúdio à poesia romântica as identificações e relações da condição mítica familiares ou acessíveis ao leitor dissolvemse em algo desconhecido na medida em que fracassa o intentado mito privado do Eu lírico e na medida também em que se rompe a lei da informação suficiente de modo que a própria obscuridade tornada expressiva adquire uma função poética53 Mas a possibilidade da objetivação do horizonte de expectativa verificase também em obras historicamente menos delineadas E isso porque na ausência de sinais explícitos a predisposição específica do público com a qual um autor conta para determinada obra pode ser igualmente obtida a partir de três fatores que de um modo geral se podem pressupor em primeiro lugar a partir de normas conhecidas ou da poética imanente ao gênero em segundo da relação implícita com obras conhecidas do contexto históricoliterário e em terceiro lugar da oposição entre ficção e realidade entre a função poética e a função prática da linguagem oposição esta que para o leitor que reflete fazse sempre presente durante a leitura como possibilidade de comparação Esse terceiro fator inclui ainda a possibilidade de o leitor perceber uma nova obra tanto a partir do horizonte mais restrito de sua expectativa literária quanto do horizonte mais amplo de sua experiência de vida Voltarei a essa estruturação dos horizontes e à sua possível objetivação mediante o esquema de pergunta e resposta quando abordar a questão da relação entre literatura e vida ver tese XII VIII O horizonte de expectativa de uma obra que assim se pode reconstruir torna possível determinar seu caráter artístico a partir do modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre um suposto público Denominandose distância estética aquela que medeia entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição de uma obra nova cuja acolhida dandose por intermédio da negação de experiências conhecidas ou da conscientização de outras jamais expressas pode ter por consequência uma mudança de horizonte tal distância estética deixase objetivar historicamente no espectro das reações do público e do juízo da crítica sucesso espontâneo rejeição ou choque casos isolados de aprovação compreensão gradual ou tardia A maneira pela qual uma obra literária no momento histórico de sua aparição atende supera decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferecenos claramente um critério para a determinação de seu valor estético A distância entre o horizonte de expectativa e a obra entre o já conhecido da experiência estética anterior e a mudança de horizonte 54 exigida pela acolhida à nova obra determina do ponto de vista da estética da recepção o caráter artístico de uma obra literária À medida que essa distância se reduz que não se demanda da consciência receptora nenhuma guinada rumo ao horizonte da expe riência ainda desconhecida a obra se aproxima da esfera da arte culinária ou ligeira Esta última deixase caracterizar segundo a estética da recepção pelo fato de não exigir nenhuma mudança de horizonte mas sim de simplesmente atender a expectativas que delineiam uma tendência dominante do gosto na medida em que satisfaz a demanda pela reprodução do belo usual confirma sentimentos familiares sanciona as fantasias do desejo torna palatáveis na condição de sensação as experiências não corriqueiras ou mesmo lança problemas morais mas apenas para solucionálos no sentido edificante qual questões já previamente decididas 55 Se inversamente tratase de avaliar o caráter artístico de uma obra pela distância estética que a opõe à expectativa de seu público inicial seguese daí que tal distância experimentada de início com prazer ou estranhamento na qualidade de uma nova forma de percepção poderá desaparecer para leitores posteriores quando a negatividade original da obra houver se transformado em obviedade e daí em diante adentrado ela própria na qualidade de uma expectativa familiar o horizonte da experiência estética futura É nessa segunda mudança de horizonte que se situa particularmente a classicidade das assim chamadas obrasprimas sua forma bela tornada uma obviedade e seu sentido eterno aparentemente indiscutível aproximamna perigosamente do ponto de vista estéticorecepcional da pacificamente convincente e palatável arte culinária de forma que um esforço parcial fazse necessário para que se possa lêla a contrapelo da experiência que se fez hábito e assim divisarlhe novamente o caráter artístico cf X A relação entre literatura e público não se resolve no fato de cada obra possuir seu público específico histórica e sociologicamente definível de cada escritor depender do meio das concepções e da ideologia de seu público ou no fato de o sucesso literário pressupor um livro que exprima aquilo que o grupo esperava um livro que revela ao grupo sua própria imagem56 A sociologia da literatura não está contemplando seu objeto de forma suficientemente dialética ao definir com tamanha estreiteza de visão o círculo formado por escritor obra e público56a Tal definição pode ser invertida há obras que no momento de sua publi cação não podem ser relacionadas a nenhum público específico mas rompem tão completamente o horizonte conhecido de expectativas literárias que seu público somente começa a formarse aos poucos 57 Quando então o novo horizonte de expectativas logrou já adquirir para si validade mais geral o poder do novo cânone estético pode vir a revelarse no fato de o público passar a sentir como envelhecidas as obras até então de sucesso recusandolhes suas graças É somente tendo em vista essa mudança de horizonte que a análise do efeito literário adentra a dimensão de uma história da literatura escrita pelo leitor 58 e as curvas estadísticas dos best sellers proporcionam conhecimento histórico Como exemplo disso pode servirnos uma sensação literária do ano de 1857 Juntamente com o Madame Bovary de Flaubert romance que de lá para cá tornouse mundialmente famoso foi publicado o hoje esquecido Fanny de seu amigo Feydeau Embora o romance de Flaubert tenha acarretado um processo por violação da moral pública Madame Bovary foi a princípio eclipsado pelo romance de Feydeau em um ano Fanny alcançou treze edições e assim um sucesso que Paris não via desde o Atala de Chateaubriand Do ponto de vista temático ambos os romances atendiam à expectativa de um novo público que na análise de Baudelaire abjurara todo e qualquer romantismo e desdenhava em igual medida tanto o grandioso quanto o ingênuo nas paixões 59 Os dois tratavam de um tema trivial o adultério em um ambiente burguês ou provinciano Contudo para além dos previsíveis detalhes das cenas eróticas ambos os autores souberam dar uma guinada sensacional no triângulo amoroso entorpecido pela convenção Lançaram uma nova luz sobre o desgastado tema do ciúme invertendo a já esperada relação dos três papéis clássicos Feydeau faz o jovem amante da femme de trente ans embora tendo satisfeitos os seus desejos ter ciúme do marido de sua amada e sucumbir ante essa tormentosa situação Flaubert dá aos adultérios da esposa do médico de província adultérios estes que Baudelaire interpreta como uma forma sublime do dandysme desfecho surpreendente na medida em que é precisamente a figura ridícula do marido enganado Charles Bovary que ao final do romance assume traços subli mes Na crítica oficial da época encontramse vozes a condenar tanto Fanny quanto Madame Bovary como produtos da nova escola do realismo à qual acusam de negar tudo quanto é ideal e de atacar as idéias sobre as quais se assenta a ordem social no Segundo Império60 Contudo esboçado aqui apenas em umas poucas pinceladas o horizonte de expectativa do público de 1857 que após a morte de Balzac nada mais esperava de grandioso do romance61 somente explica o êxito distinto de ambos os romances quando se coloca também a questão do efeito produzido por sua forma narrativa A inovação formal de Flaubert seu princípio do narrar impessoal a impassibilité que Barbey dAurevilly atacou afirmando que se se pudesse forjar uma máquina de narrar de aço inglês esta não funcionaria diferentemente de Monsieur Flaubert62 tinha de chocar aquele mesmo público que recebeu o conteúdo provocante de Fanny apresentado no tom facilmente digerível de um romance confessional Ademais incorporados às descrições de Feydeau tal público pôde identificar ideais da moda e desejos fracassados de uma camada social dominante63 podendo deleitarse livremente com a lasciva cena culminante na qual Fanny sem desconfiar de que seu amante a observa da sacada seduz o marido afinal já a reação da desafortunada testemunha desobriga o público da indignação moral Quando porém Madame Bovary compreendido de início somente por um pequeno círculo de conhecedores e considerado um marco na história do romance tornouse um sucesso mundial o público leitor de romances por ele formado sancionou o novo cânone de expectativas tornando insuportáveis as debilidades de Feydeau seu estilo floreado seus efeitos da moda seus clichês líricoconfessionais e fazendo amarelecer qual um best seller do passado as páginas de Fanny IX A reconstrução do horizonte de expectativa sob o qual uma obra foi criada e recebida no passado possibilita por outro lado que se apresentem as questões para as quais o texto constituía uma resposta e que se descortine assim a maneira pela qual o leitor de outrora terá encarado e compreendido a obra Tal abordagem corrige as normas de uma compreensão clássica ou modernizante da arte em geral aplicadas inconscientemente e evita o círculo vicioso do recurso a um genérico espírito da época Além disso traz à luz a diferença hermenêutica entre a compreensão passada e a presente de uma obra dá a conhecer a história de sua recepção que intermedeia ambas as posições e coloca em questão como um dogma platonizante da metafísica filológica a aparente obviedade segundo a qual a poesia encontrase atemporalmente presente no texto literário e seu significado objetivo cunhado de forma definitiva eterna e imediatamente acessível ao intérprete O método da estética da recepção64 é imprescindível à compreensão da literatura pertencente ao passado remoto Quando não se conhece o autor de uma obra quando sua intenção não se encontra atestada e sua relação com suas fontes e modelos só pode ser investigada indiretamente a questão filológica acerca de como verdadeiramente se deve entender o texto ou seja de como entendêlo da perspectiva de sua época encontra resposta sobretudo destacandoo do pano de fundo daquelas obras que ele explícita ou implicitamente pressupunha serem do conhecimento do público seu contemporâneo O poeta das branches mais antigas do Roman de Renart conforme atesta o prólogo da obra confia por exemplo em que seus ouvintes conheçam romances como a história de Tróia e o Tristan bem como poemas épicos chansons de geste e anedotas em verso fabliaux interessandose portanto pela inaudita guerra dos barões Renart e Ysengrin que há de eclipsar tudo quanto se conhece As obras e gêneros evocados são então a seguir todos mencionados ironicamente no curso da narrativa e é aliás precisamente em função disso que se explica não em pouca medida o sucesso de público ultrapassando em muito as fronteiras da França dessa obra que se fez rapidamente famosa e foi a primeira a assumir posição contrária a toda a literatura heróica e cortês até então dominante64a A investigação filológica ignorou longamente a intenção originalmente satírica da obra medieval Reineke Fuchs e com isso também o sentido irônicodidático da analogia entre o ser animal e a natureza humana fêlo porque desde Jacob Grimm permanecera cativa da concepção romântica da pura poesia natural e da fábula ingênua Da mesma forma para citar um segundo exemplo de normas modernizantes poderseia também com razão repreender a pesquisa épica francesa desde Bédier pelo fato de ela sem o perceber viver de critérios tomados da poética de Boileau e julgar uma literatura nãoclássica segundo as normas da simplicidade da harmonia entre a parte e o todo da verossimilhança e de outros critérios afins65 Seu objetivismo histórico evidentemente não coloca o método filológicocrítico a salvo do intérprete que julgandose isento eleva seu próprio préentendimento estético à condição de norma inconfessa modernizando irrefletidamente o sentido do texto antigo Quem acredita que em conseqüência unicamente de seu mergulho no texto o sentido atemporalmente verdadeiro de uma poesia teria de descortinarse de forma imediata e plena ao intérprete postado por assim dizer exteriormente à história e acima de todos os equívocos de seus predecessores e da recepção histó rica escamoteia o emaranhado da história do efeito Wirkungsgeschichte no qual se encontra enredada a própria consciência histórica Aquele que assim pensa estará pois negando as premissas involuntárias e não arbitrárias mas determinant es que balizam a sua própria compreensão logrando com isso tãosomente aparentar uma objetividade que na verdade depende da legitimidade de seus questionamentos66 Em Wahrheit und Methode Verdade e método Hans Georg Gadamer cuja crítica ao objetivismo histórico aqui retomo descreveu o princípio da história do efeito que busca evidenciar a realidade da história no próprio ato da compreensão67 como uma aplicação da lógica de pergunta e resposta à tradição histórica Levando adiante a tese de Collingwood segundo a qual só se pode entender um texto quando se compreendeu a pergunta para a qual ele constituiu uma resposta68 Gadamer explica que a pergunta reconstruída não pode mais inserirse em seu horizonte original pois esse horizonte histórico é sempre abarcado por aquele de nosso presente O entendimento é sempre o processo de fusão de tais horizontes supostamente existentes por si mesmos69 A pergunta histórica não pode existir por si mas tem de transformarse na pergunta que a tradição constitui para nós70 Resolvemse assim as questões de que se valeu René Wellek para descrever a aporia do juízo literário Deve o filólogo avaliar uma obra literária a partir da perspectiva do passado do ponto de vista do presente ou do juízo dos séculos71 Os critérios efetivos de um passado qualquer poderiam ser tão estreitos pondera Wellek que sua utilização apenas tornaria mais pobre uma obra que na história de seu efeito desenvolveu um rico potencial de significados O juízo estético do presente por sua vez privilegiaria um cânone de obras que atendem ao gosto moderno mas avaliaria injustamente todas as demais obras e unicamente porque a função destas à sua época já não se mostra visível E a própria história do efeito por mais instrutiva que seja estaria em sua autoridade exposta às mesmas objeções que a autoridade dos contemporâneos do poeta72 A conclusão de Wellek de que não há possibilidade de nos esquivarmos de nosso próprio juízo e de que se deve apenas tornálo o mais obje tivo possível procedendo como fazem os cientistas isto é isolando o objeto73 não constitui solução alguma da aporia mas uma recaída no objetivismo O juízo dos séculos acerca de uma obra literária é mais do que apenas o juízo acumulado de outros leitores críticos espectadores e até mesmo professores74 ele é o desdobramento de um potencial de sentido virtualmente presente na obra historicamente atualizado em sua recepção e concretizado na história do efeito potencial este que se descortina ao juízo que compreende na medida em que no encontro com a tradição ele realize a fusão dos horizontes de forma controlada A concordância entre minha tentativa de com base na estética da recepção fundar uma possível história da literatura e o princípio da história do efeito de H G Gadamer encontra porém seu limite no intento de Gadamer de elevar o conceito do clássico à condição de protótipo de toda mediação histórica entre passado e presente Sua definição segundo a qual o que é clássico não necessita primeiramente da superação da distância histórica pois em mediação constante realiza por si só essa superação75 escapa à relação de pergunta e resposta constitutiva de toda tradição histórica Se clássico é o que diz algo ao presente como se o dissesse especialmente a ele76 então não se teria de buscar primeiramente no texto clássico a pergunta para a qual ele constitui uma resposta O clássico que de tal forma significa e interpreta a si mesmo77 não se traduz pura e simplesmente no resultado daquilo a que chamei a segunda mudança de horizonte Não constitui ele a obviedade inquestionável da assim chamada obraprima que oculta sua negatividade original no horizonte retrospectivo de uma tradição modelar e nos obriga a investindo contra sua atestada classicidade primeiramente recuperar o correto horizonte de pergunta Mesmo ante a obra clássica a consciência que opera com base na história do efeito não se encontra desobrigada da tarefa de identificar a relação de tensão entre texto e presente78 O conceito hegeliano do clássico que interpreta a si mesmo só pode conduzir à inversão da relação histórica de pergunta e resposta79 e contradizer o princípio da história do efeito segundo o qual o entendimento não é um processo apenas reprodutivo mas produtivo também80 Evidentemente determina tal contradição o fato de Gadamer ter se apegado a um conceito de arte clássica que fora de sua época de origem a do Humanismo não se sustenta como fundamento geral de uma estética da recepção Tratase do conceito de mimesis entendido aqui como reconhecimento conforme expõe Gadamer em sua explicação ontológica da experiência da arte O que efetivamente experimentamos numa obra de arte aquilo para o qual nos voltamos é antes quão verdadeira ela é ou seja em que medida conhecemos e reconhecemos nela as coisas e a nós mesmos81 Esse conceito de arte pode ser aplicado à arte humanista mas não à medieval que a precedeu e de forma alguma à época moderna que a sucedeu na qual a estética da mimesis tanto quanto a metafísica substancialista que a fundamenta o conhecimento do ser perdeu seu caráter obrigatório Contudo a importância cognitiva da arte não teve fim com essa mudança de época82 evidenciando assim que ela absolutamente não estava vinculada à função clássica do reconhecimento A obra de arte pode também transmitir um conhecimento que não se encaixa no esquema platônico ela o faz quando antecipa caminhos da experiência futura imagina modelos de pensamento e comportamento ainda não experimentados ou contém uma resposta a novas perguntas83 É precisamente desse significado virtual e dessa função produtiva no processo da experiência que a história do efeito de literatura se vê subtraída quando se deseja colocar a mediação entre a arte passada e o presente sob o signo de tal conceito do clássico Na condição de uma perspectiva da tradição hipostatizada uma vez que segundo Gadamer o clássico em mediação constante realiza ele próprio a superação da distância histórica o clássico há de voltar nosso olhar para o fato de que à época de sua produção a arte clássica ainda não se afigurava clássica mas antes terá outrora ela própria aberto novas perspectivas e préformado novas experiências as quais somente em função da distância histórica no reconhecimento do já conhecido causam a impressão de que uma verdade atemporal se expressa na obra de arte Mesmo o efeito das grandes obras literárias do passado não é um acontecer que se mediava a si próprio nem pode ser com parado a uma emanação também a tradição da arte pressupõe uma relação dialógica do presente com o passado relação esta em decorrência da qual a obra do passado somente nos pode responder e dizer alguma coisa se aquele que hoje a contempla houver colocado a pergunta que a traz de volta de seu isolamento Onde em Wahrheit und Methode a compreensão analogamente ao acontecer do ser Seinsgeschehen de Heidegger é entendida como penetração num acontecer da tradição no qual passado e presente mediavamse continuadamente84 aí tem de padecer o momento produtivo que a compreensão encerra85 Essa função produtiva da compreensão progressiva que necessariamente encerra também uma crítica da tradição e o esquecimento fundamentará nas páginas que seguem o projeto estéticorecepcional de uma história da literatura Tal projeto tem de considerar a historicidade da literatura sob três aspectos diacronicamente no contexto recepcional das obras literárias ver tese X sincronicamente no sistema de referências da literatura pertencente a uma mesma época bem como na sequência de tais sistemas ver tese XI e finalmente sob o aspecto da relação do desenvolvimento literário imanente com o processo histórico mais amplo ver tese XII X A teoria estéticorecepcional não permite somente apreender sentido e forma da obra literária no desdobramento histórico de sua compreensão Ela demanda também que se insira a obra isolada em sua série literária a fim de que se conheça sua posição e significado histórico no contexto da experiência da literatura No passo que conduz de uma história da recepção das obras à história da literatura como acontecimento esta última revelase um processo no qual a recepção passiva de leitor e crítico transformase na recepção ativa e na nova produção do autor ou visto de outra perspectiva um processo no qual a nova obra pode resolver problemas formais e morais legados pela anterior podendo ainda propor novos problemas De que maneira pode a obra isolada fixada numa série cronológica pela história positivista da literatura e desse modo reduzida exteriormente a um factum ser trazida de volta para o interior de seu contexto sucessório histórico e assim novamente compreendida como um acontecimento A teoria da escola formalista pretende solucionar esse problema como já se disse aqui por intermédio de seu princípio da evolução literária Segundo tal princípio a obra nova brota do pano de fundo das obras anteriores ou contemporâneas a ela atinge na qualidade de forma bemsucedida o ápice de uma época literária é reproduzida e assim progressivamente automatizada para então finalmente tendo já se imposto a forma seguinte prosseguir vegetan do no cotidiano da literatura como gênero desgastado Caso se intentasse analisar e descrever uma época literária de acordo com esse programa que ao que eu saiba até hoje jamais foi aplicado86 poderseia esperar de tal empreitada um quadro que em muitos aspectos resultaria superior ao oferecido pela história convencional da literatura Tal exposição estabeleceria relações entre as séries fechadas em si mesmas as quais coexistem na história convencional sem nenhuma conexão a vinculálas emolduradas quando muito por um esboço de história geral ou seja séries de obras de um mesmo autor de uma escola ou de um estilo bem como relações entre as séries de diferentes gêneros revelando assim a interação evolutiva das funções e das formas87 As obras que aí se destacariam se correspondessem e se substituiriam figurariam então como momentos de um processo que não precisaria mais ser construído tendo em vista um ponto de chegada pois enquanto autogeração dialética de novas formas ele não necessita de nenhuma teleologia Vista dessa maneira a dinâmica própria da evolução literária verseia ademais isenta do dilema dos critérios de seleção o que importa aqui é a obra na qualidade de forma nova na série literária e não a autoreprodução de formas expedientes artísticos e gêneros naufragados os quais se deslocam para o segundo plano até que um novo momento da evolução volte a tornálos perceptíveis Por fim no projeto formalista de uma história da literatura que se vê como evolução e paradoxalmente exclui todo desenvolvimento orientado o caráter histórico de uma obra seria sinônimo de seu caráter artístico tal e qual o princípio que afirma ser a obra de arte percebida contra o pano de fundo de outras obras o significado e o caráter evolutivo de um fenômeno literário pressupõem como marco decisivo a inovação88 A teoria formalista da evolução literária é decerto a tentativa mais importante no sentido de uma renovação da história da literatura A descoberta de que também no domínio da literatura as mudanças históricas se processam no interior de um sistema a intentada funcionalização do desenvolvimento literário e não em menor grau a teoria da automatização são conquistas das quais não devemos abrir mão ainda que a canonização uniface tada da mudança necessite de correção A crítica já apontou suficientemente as fraquezas da teoria formalista da evolução o me to contraste ou variação estética não bastaria para explicar o desenvolvimento da literatura a questão acerca do sentido tomado pela mudança das formas literárias teria permanecido irresponsável a inovação por si só não constituiria ainda o caráter artístico e finalmente não se teria por sua simples negação abolido a relação entre evolução literária e mudança social89 A resposta a esta última questão encontrase em minha tese XII a solução das demais exige que pela via da estética da recepção se abra a teoria literária descritiva dos formalistas para a dimensão da experiência histórica A descrição da evolução literária como uma luta incessante do novo contra o velho ou como alternância entre canonização e automatização das formas reduz o caráter histórico da literatura à atualidade unidimensional de suas mudanças e limita a compreensão histórica à percepção destas últimas Contudo as mudanças da série literária somente perfazem uma seqüência histórica quando a oposição entre a forma velha e a nova dá a conhecer também a especificidade de sua mediação Tal mediação pode ser definida como o problema que cada obra de arte coloca e lega enquanto horizonte das soluções possíveis posteriormente a ela90 Entretanto a descrição da estrutura modificada e dos novos procedimentos artísticos de uma obra não remete necessariamente de volta a esse problema e portanto à sua função na série histórica A fim de determinar esta última isto é a fim de conhecer o problema legado para o qual a obra nova na série literária constitui uma resposta o intérprete tem de lançar mão de sua própria experiência pois o horizonte passado da forma nova e da forma velha do problema e da solução somente se faz reconhecível na continuidade de sua mediação no horizonte presente da obra recebida Como evolução literária a história da literatura pressupõe o processo histórico de recepção e produção estética como condição da mediação de todas as oposições formais ou qualidades diferenciais91 O fundamento estéticorecepcional devolve à evolução literária não apenas a direção perdida na medida em que o pon to de vista do historiador da literatura tornase o ponto de fuga mas não de chegada do processo ele abre também o olhar para a profundidade temporal da experiência literária dando a conhecer a distância variável entre o significado atual e o significado virtual de uma obra O que se quer dizer com isso é que o caráter artístico de uma obra cujo potencial de significado o formalismo reduz à inovação enquanto critério único de valor não tem de ser sempre e necessariamente perceptível de imediato já no horizonte primeiro de sua publicação que dirá então esgotado na oposição pura e simples entre a forma velha e a nova A distância que separa a percepção atual primeira do significado virtual ou em outras palavras a resistência que a obra nova opõe à expectativa de seu público inicial pode ser tão grande que um longo processo de recepção fazse necessário para que se alcance aquilo que no horizonte inicial revelouse inesperado e inacessível Pode ocorrer aí de o significado virtual de uma obra permanecer longamente desconhecido até que a evolução literária tenha atingido o horizonte no qual a atualização de uma forma mais recente permita então encontrar o acesso à compreensão da mais antiga e incompreendida Assim foi que somente a lírica obscura de Mallarmé e de sua escola é que preparou o terreno para o retorno à já longamente desprezada e esquecida poesia barroca e em particular para a reinterpretação filológica e o renascimento de Góngora Exemplos de como uma nova forma literária pode reabrir o acesso a obras já esquecidas podem ser dados em profusão encaixamse aí os assim chamados renascimentos assim chamados porque o significado do termo pode dar a impressão de um retorno por força própria freqüentemente encobrindo o fato de que a tradição literária não é capaz de transmitirse por si mesma e de que portanto um passado literário só logra retornar quando uma nova recepção o traz de volta ao presente seja porque num retorno intencional uma postura estética modificada se reapropia de coisas passadas seja porque o novo momento da evolução literária lança uma luz inesperada sobre uma literatura esquecida luz esta que lhe permite encontrar nela o que anteriormente não era possível buscar ali92 O novo portanto não é apenas uma categoria estética Ele não se resolve nos fatores inovação surpresa superação reagrupamento estranhamento fatores estes aos quais e exclusivamente aos quais a teoria formalista atribui importância O novo tornase também categoria histórica quando se conduz a análise diacrônica da literatura até a questão acerca de quais são efetivamente os momentos históricos que fazem do novo em uma obra literária o novo de em que medida esse novo é já perceptível no momento histórico de seu aparecimento de que distância caminho ou atalho a compreensão teve de percorrer para alcançarlhe o conteúdo e por fim a questão de se o momento de sua atualização plena foi tão poderoso em seu efeito que logrou modificar a maneira de ver o velho e assim a canonização do passado literário93 Já se discutiu em outro contexto que aspecto assume sob essa luz a relação entre teoria poética e práxis esteticamente produtiva94 É certo ademais que tais considerações estão longe de esgotar as possibilidades de interação entre produção e recepção que decorrem da mudança histórica da postura estética Elas bastam entretanto para clarificar aqui a qual dimensão conduz uma contemplação diacrônica da literatura que não mais se contente em tomar já pelo aspecto histórico da literatura a exposição de uma seqüência cronológica de fatos literários XI Os resultados obtidos pela lingüística com a diferenciação e vinculação metodológica da análise diacrônica e da sincrônica ensejam também no âmbito da história da literatura a superação da contemplação diacrônica até hoje a única habitualmente empregada Se já a perspectiva históricorecepcional depara constantemente com relações interdependentes a pressupor um nexo funcional posições bloqueadas ou ocupadas diferentemente nas modificações da produção literária então há de ser igualmente possível efetuar um corte sincrônico atravessando um momento do desenvolvimento classificar a multiplicidade heterogênea de obras contemporâneas segundo estruturas equivalentes opostas e hierárquicas e assim revelar um amplo sistema de relações na literatura de um determinado momento histórico Poderseia então desenvolver o princípio expositivo de uma nova história da literatura dispondose mais cortes no antes e no depois da diacronia de tal forma que esses cortes articulem historicamente em seus momentos constitutivos de épocas a mudança estrutural na literatura Siegfried Kracauer foi decerto quem mais decididamente questionou o primado da contemplação diacrônica na historiografia Seu tratado Time and history95 contesta a pretensão da história geral General History de no interior da cronologia tornar compreensíveis acontecimentos de todas as esferas da vida como um processo uno consistente em cada momento histórico Essa compreensão da história ainda e sempre na esteira do conceito hegeliano do espírito objetivo pressuporia que tudo o que acontece simultaneamente se encontraria também marcado pelo momento ocultando assim a factual nãosimultaneidade do simultâneo96 E isso porque segundo Kracauer a multiplicidade dos acontecimentos de um momento histórico acontecimentos estes que o historiador universal crê compreender como expoentes de um conteúdo uno traduzirseia na verdade em momentos de curvas temporais bastante diversas condicionados pelas leis de sua história particular Special History97 conforme evidenciam de forma imediata as interferências umas nas outras das diversas histórias das artes bem como da história do direito da economia da política e assim por diante The shaped times of the diverse areas overshadow the uniform flow of time Any historical period must therefore be imagined as a mixture of events which emerge at different moments of their own time98 Não está em discussão aqui se tal diagnóstico implica uma incoerência intrínseca da história significando portanto que a coerência da história geral resulta sempre e apenas retrospectivamente da visão e da exposição homogeneizadora do historiador nem tampouco se o radical duvidar da razão histórica que Kracauer partindo do pluralismo de lapsos cronológicos e morfológicos de tempo estende até a antinomia básica do geral e do particular na história demonstra ser hoje de fato filosoficamente ilegítima a história universal No que concerne porém à esfera da literatura podese dizer que a percepção de Kracauer da coexistência do simultâneo e do nãosimultâneo99 longe de conduzir o conhecimento histórico a uma aporia torna visível a necessidade e a possibilidade de descortinar o caráter histórico da literatura por meio de cortes sincrônicos Decorre afinal dessa percepção que a ficção cronológica do momento que marca todos os fenômenos simultâneos corresponde em tão pouca medida ao conceito do histórico quanto a ficção morfológica de uma série literária homogênea na qual todos os fenômenos em sua sucessão obedecem apenas a leis imanentes A contemplação puramente diacrônica por mais conclusivamente que ela nas histórias dos gêneros logre explicar modificações segundo a lógica ima nente de inovação e automatização problema e solução somente alcança a dimensão verdadeiramente histórica quando rompe o cânone morfológico quando confronta a obra importante do ponto de vista da história das formas com os exemplos historicamente falidos convencionais do gênero e além disso não deixa de considerar a relação dessa obra com o contexto literário no qual ela ao lado de outras obras de outros gêneros teve de se impor A historicidade da literatura revelase justamente nos pontos de interseção entre diacronia e sincronia Deve portanto ser igualmente possível tornar apreensível o horizonte literário de determinado momento histórico sob a forma daquele sistema sincrônico com referência ao qual a literatura que emergiu simultaneamente pôde ser diacronicamente recebida segundo relações de nãosimultaneidade e a obra percebida como atual ou inatual como em consonância com a moda como ultrapassada ou perene como avançada ou atrasada em relação a seu tempo Se afinal a literatura que surge simultaneamente decompõese da perspectiva da estética da produção numa heterogênea multiplicidade do nãosimultâneo isto é das obras marcadas por momentos distintos do shaped time de seu gênero como o céu estrelado aparentemente atual desintegrase astronomicamente em pontos separados pelas mais diversas distâncias temporais para o público que a percebe como obras da sua atualidade e as relaciona umas com as outras tal multiplicidade recompõese do ponto de vista da estética recepcional na unidade de um horizonte comum e significativo de expectativas lembranças e antecipaçòes literárias Considerandose que cada sistema sincrônico tem de conter também seu passado e seu futuro na condição de elementos estruturais inseparáveis100 o corte sincrônico que passa pela produção literária de determinado momento histórico implica necessariamente outros cortes no antes e no depois da diacronia Resultarão daí analogamente ao que ocorre na história da língua fatores constantes e variáveis os quais se deixam localizar como funções do sistema E isso porque também a literatura constitui uma espécie de gramática ou sintaxe apresentando relações mais ou menos fixas o conjunto dos gêneros estilos e fi guras retóricas tradicionais e dos nãocanonizados ao qual se contrapõe uma esfera semântica mais variável a dos temas motivos e imagens literárias Por isso seguindose o exemplo dado por Hans Blumenberg para a história da filosofia101 podese tentar apreender também a mudança estrutural na evolução literária não de forma substancialista como transformação de formas e conteúdos literários mas de maneira funcional como reocupação de posições no horizonte de perguntas e respostas reocupação esta que pode ser condicionada e provocada a partir tanto do interior isto é da lei imanente de um desenvolvimento do gênero quanto do exterior ou seja por estímulos e pressões advindas da situação históricosocial A partir dessas premissas poderseia desenvolver um princípio expositivo para uma história da literatura que teria a vantagem de não mais precisar fugir à tarefa impraticável de uma completa descrição e articulação histórica de todos os textos mediante uma seleção problemática segundo um cânone convencional das obras A mudança histórica da produção literária é apreensível mesmo sem a compilação e apresentação exaustiva de todos os fatos e filiações diacrônicas bastando para tanto que se leia a mudança diacrônica na continuidade dos acontecimentos a partir do resultado histórico isto é que seja descortinada no corte transversal plenamente analisável do sistema literário sincrônico e seja perseguida em novos cortes102 Em princípio tal apresentação da literatura na sucessão histórica de seus sistemas seria possível a partir de uma série qualquer de pontos de interseção Contudo ela somente cumprirá a verdadeira tarefa de toda historiografia se encontrar e trouxer à luz pontos de interseção que articulem historicamente o caráter processual da evolução literária em suas cesuras entre uma época e outra pontos estes aliás cuja escolha não é decidida nem pela estatística nem pela vontade subjetiva do historiador da literatura mas pela história do efeito por aquilo que resultou do acontecimento XII A tarefa da história da literatura somente se cumpre quando a produção literária é não apenas apresentada sincrônica e diacronicamente na sucessão de seus sistemas mas vista também como história particular em sua relação própria com a história geral Tal relação não se esgota no fato de podermos encontrar na literatura de todas as épocas um quadro tipificado idealizado satírico ou utópico da vida social A função social somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática préformando seu entendimento do mundo e assim retroagindo sobre seu comportamento social Em geral o nexo funcional entre literatura e sociedade é demonstrado pela sociologia tradicional da literatura com base nos estreitos limites de um método que de um modo apenas superficial substituiu o princípio clássico da imitatio naturae pela definição segundo a qual a literatura seria representação de uma realidade predeterminada que por isso mesmo tinha de elevar um conceito estilístico vinculado a uma época específica o realismo do século XIX à condição de categoria literária por excelência No entanto também o estruturalismo das tendências iniciadas por Northop Frye e Claude LéviStrauss hoje em moda permanece ainda totalmente cativo dessa estética fundamental mente classicista da representação e de seus esquematismos do espelhamento e da tipificação103 Na medida em que explica as descobertas da lingüística e da ciência literária estruturalista como constantes antropológicas arcaicas revestidas do mito literário o que não raro somente logra fazer com o auxílio de uma evidente alegorização dos textos o estruturalismo reduz a existência histórica por um lado a estruturas de uma natureza social primitiva e a poesia por outro a expressão mítica ou simbólica dessas formas sociais constantes Ignora assim precisamente a função eminentemente social isto é socialmente constitutiva da literatura O estruturalismo literário tanto quanto antes dele a ciência literária formalista e a marxista não se pergunta de que forma a literatura marca ela própria a concepção de sociedade que constitui o seu pressuposto nem como ela marcou essa concepção ao longo do processo histórico Assim formulou Gerhard Hess em sua palestra sobre Das Bild der Gesellschaft in der französischen Literatur A imagem da sociedade na literatura francesa1954 o problema ainda em aberto do estabelecimento de um vínculo entre a história da literatura e a sociologia mostrando que a literatura francesa no curso de seu desenvolvimento recente pode reivindicar para si a primazia na descoberta de certas leis da vida social104 Minha tentativa de do ponto de vista estéticorecepcional responder à pergunta acerca da função socialmente constitutiva da literatura pode partir do fato de que desde Karl Mannheim105 o conceito de horizonte de expectativa já empregado anteriormente por mim na interpretação históricoliterária106 e agora desenvolvido metodologicamente encontrase presente também na axiomática da sociologia Tal conceito encontrase igualmente no centro de um ensaio metodológico de Karl R Popper sobre Leis naturais e sistemas teóricos ensaio este que pretende ancorar a construção da teoria científica na experiência précientífica da práxis existencial desenvolvendo a partir da premissa de um horizonte de expectativas o problema da observação e oferecendo assim uma base de comparação para meu intento de definir a contribuição específica da literatura no processo geral da construção da experiência e de delimitar essa contribuição com relação a outras formas de comportamento social107 Segundo Popper o progresso da ciência tem em comum com a experiência précientífica o fato de cada hipótese assim como cada observação sempre pressupor expectativas quais sejam aquelas que compõem o horizonte de expectativa que dá então significado às observações e lhes confere assim o status de observações108 Tanto para o progresso da ciência quanto para o avanço da experiência de vida o momento mais importante é o da frustração de expectativas Elas se assemelham à experiência de um cego que se choca com um obstáculo descobrindo assim a sua existência Graças ao defraudamento de nossas suposições nós tomamos contato efetivo com a realidade A refutação de nossos equívocos constitui a experiência positiva que extraímos da realidade109 Esse modelo que é certo ainda não explica suficientemente o processo de construção das teorias científicas110 mas nos dá conta do sentido produtivo da experiência negativa na práxis da vida111 pode ao mesmo tempo lançar uma luz mais nítida sobre a função específica da literatura na vida social E isso porque ante o hipotético nãoleitor o leitor tem a vantagem de para permanecermos na imagem utilizada por Popper não precisar primeiramente topar com um novo obstáculo para então adquirir uma nova experiência da realidade A experiência da leitura logra libertálo das opressões e dos dilemas de sua práxis de vida na medida em que o obriga a uma nova percepção das coisas O horizonte de expectativa da literatura distinguese daquele da práxis histórica pelo fato de não apenas conservar as experiências vividas mas também antecipar possibilidades não concretizadas expandir o espaço limitado do comportamento social rumo a novos desejos pretensões e objetivos abrindo assim novos caminhos para a experiência futura A préorientação de nossa experiência por intermédio do poder criativo da literatura repousa não apenas em seu caráter artístico que através de uma forma nova auxilianos a romper o automatismo da percepção cotidiana A forma nova da arte não é apenas percebida em contraposição ao pano de fundo oferecido por outras obras de arte e mediante associação com estas Vítor Chklovski só tem razão nessa sua famosa afirmação pertencente ao cerne do credo formalista112 quando se insurge contra o pre conceito da estética classicista que definia o belo como harmonia entre forma e conteúdo e conseqüentemente reduzia a forma nova à sua função secundária de conformar um conteúdo predeterminado A nova forma surge porém não apenas para substituir a antiga que já não é mais artística Ela é capaz também de possibilitar uma nova percepção das coisas préformando o conteúdo de uma experiência revelado primeiramente sob forma literária A relação entre literatura e leitor pode atualizarse tanto na esfera sensorial como pressão para a percepção estética quanto também na esfera ética como desafio à reflexão moral113 A nova obra literária é recebida e julgada tanto em seu contraste com o pano de fundo oferecido por outras formas artísticas quanto contra o pano de fundo da experiência cotidiana de vida Na esfera ética sua função social deve ser apreendida do ponto de vista estéticorecepcional também segundo as modalidades de pergunta e resposta problema e solução modalidades sob cujo signo a obra adentra o horizonte de seu efeito histórico De que maneira uma nova forma estética pode possuir também conseqüências morais ou em outras palavras de que forma pode ela conferir a uma questão moral o maior efeito social concebível tal é o que nos demonstra da maneira mais impressiva o caso de Madame Bovary e do processo movido contra seu autor Flaubert após a publicação da obra na Revue de Paris em 1857 A nova forma literária que obrigou o público de Flaubert a uma percepção inabitual da fábula desgastada foi o princípio do narrar impessoal ou desinteressado vinculado ao artifício do assim chamado discurso indireto livre manejado por Flaubert com virtuosidade e coerência no tratamento do foco narrativo Podese esclarecer o que isso significa a partir de uma descrição considerada extremamente imoral pelo procurador Pinard em sua acusação A passagem seguese no romance ao primeiro passo em falso de Emma e a apresenta olhandose no espelho En sapercevant dans la glace elle sétona de son visage Jamais elle navait eu les yeux si grands si noirs ni dune telle pro fondeur Quelque chose de subtil épandu sur sa personne la transfigurait Elle se répétait Jai un amant un amant se délectant à cette idée comme à celle dune autre puberté qui lui serait survenue Elle allait donc enfin posséder ces plaisirs de lamour cette fièvre de bonheur dont elle avait désespéré Elle entrait dans quelque chose de merveilleux où tout serait passion extase délire O procurador toma essas últimas frases por uma descrição objetiva contendo em sí o julgamento do narrador e se irrita com tal glorification de ladultère que seria ainda mais perigosa e imoral do que o próprio adultério114 No entanto o acusador de Flaubert comete aí um equívoco que lhe é prontamente apontado pelo defensor as frases por ele incriminadas não constituem uma constatação objetiva do narrador à qual o leitor possa dar crédito mas sim uma opinião subjetiva da personagem à qual cumpre desse modo caracterizar em seus sentimentos construídos a partir da leitura de romances O procedimento artístico consiste aí em se apresentar um discurso em grande parte interior da personagem descrita sem provêlo de nenhum sinal indicativo do discurso direto Je vais donc enfin posséder ou do discurso indireto Elle se disait quelle allait donc enfin posséder o que resulta em que o leitor é quem tem de decidir ele próprio se toma a frase por uma asserção verdadeira ou se deve entendêla como uma opinião característica dessa personagem Emma Bovary é de fato julgada a partir da mera e nítida caracterização de sua existência subjetiva a partir das suas próprias sensações115 Tal conclusão extraída de uma análise estilística moderna coincide inteiramente com a contraargumentação do defensor Sénard o qual acentua que Emma começa a desiludirse já a partir do segundo dia Le dénouement pour la moralité se trouve à chaque ligne du livre116 Sénard entretanto não podia dar nome ao procedimento artísticos ainda desconhecido à época O efeito consternador das inovações formais do estilo narrativo flaubertiano fazse evidente no processo a narrativa impessoal obriga seus leitores não apenas a perceber as coisas de modo diferente com exatidão fotográfica segundo o juízo da época mas os com pele também a uma estranha insegurança do juízo Uma vez que o novo procedimento artístico rompeu com uma velha convenção do romance a presença constante na descrição das personagens do juízo moral inequívoco e avalizado a seu respeito Madame Bovary pôde radicalizar ou reformular perguntas concernentes à práxis da vida que ao longo do julgamento deslocaram inteiramente para o segundo plano o pretexto inicial da acusação o elemento supostamente lascivo A questão por intermédio da qual o defensor passou ao contraataque volta contra a sociedade a acusação de que o romance nada mais apresenta do que a Histoire des adultères dune femme de province tratase da pergunta sobre se não seria justo que Madame Bovary ostentasse o subtítulo Histoire de léducation trop souvent donnée en province117 Com isso entretanto ainda não está respondida a pergunta na qual o promotor fez culminar seu réquisitoire Qui peut condamner cette femme dans le livre Personne Telle est la conclusion Il ny a pas dans le livre un personage qui puisse la condamner Si vous y trouvez un personage sage si vous y trouvez un seul principe en vertu duquel ladultère soit stigmatisé jai tort118 Se no romance nenhuma das personagens apresentadas poderia condenar Emma Bovary e se nenhum princípio moral se impõe em nome do qual se poderia condenála não se está então juntamente com o princípio da fidelidade matrimonial questionando também a opinião pública dominante e o sentimento religioso no qual ela se assenta A que instância se há de levar o caso Madame Bovary se as normas sociais até então vigentes opinion publique sentiment religieux morale publique bonnes moeurs não mais bastam para julgálo119 Tais perguntas explícitas e implícitas não exprimem de modo algum uma incompreensão estética ou uma tacanhez moralizadora da parte do promotor Nelas se manifesta antes o inesperado efeito produzido por uma nova forma artística que foi capaz de mediante uma nova manière de voir les choses arrancar o leitor de Madame Bovary da certeza de seu juízo moral e que transformou nova mente num problema em aberto uma questão já previamente decidida pela moral pública Assim diante do desgosto de graças à arte de seu estilo impessoal não haver Flaubert oferecido nenhum pretexto para a proibição de seu romance em razão da imoralidade do autor o tribunal agiu coerentemente absolvendo Flaubert como escritor mas condenando a escola literária por ele supostamente representada ou na verdade o procedimento artístico de que ainda não se tinha registro Attendu quil nest pas permis sous prétexte de peinture de caractère ou de couleur locale de reproduire dans leurs écarts les faits dits et gestes des personnages quun écrivain sest donnée mission de peindre quun pareil système appliqué aux oeuvres de lesprit aussi bien quaux productions des beauxarts conduit à un réalisme qui serait la négation du beau et du bon et qui enfantant des oeuvres également offensantes pour les regards et pour lesprit commettrait de continus outrages à la morale publique et aux bonnes moeurs120 Uma obra literária pode pois mediante uma forma estética inabitual romper as expectativas de seus leitores e ao mesmo tempo colocálos diante de uma questão cuja solução a moral sancionada pela religião ou pelo Estado ficou lhes devendo Em lugar de outros exemplos melhor é lembrar aqui que não foi somente Brecht mas já o Iluminismo o primeiro a proclamar a relação de concorrência entre a literatura e a moral canonizada Atestao entre outros Friedrich Schiller que postulou expressamente para o teatro burguês que as leis do palco começam onde termina a esfera das leis mundanas121 Contudo a obra literária pode também e na história da literatura tal possibilidade caracteriza a nossa modernidade mais recente inverter a relação entre pergunta e resposta e através da arte confrontar o leitor com uma realidade nova opaca a qual não mais se deixa compreender a partir de um horizonte de expectativa predeterminado Assim o mais recente gênero romanesco por exemplo o muito discutido nouveau roman surge como uma forma de arte moderna que na formulação de Edgar Wind apresenta o caso paradoxal em que a solução está dada mas abrese mão do proble ma a fim de que a solução possa ser compreendida como tal122 O leitor é aí excluído da condição de destinatário primordial e colocado na posição de um terceiro de um nãoiniciado que diante de uma realidade de significado estranho tem ele próprio de encontrar as questões que lhe revelam para qual percepção do mundo e para qual problema humano a resposta da literatura encontrase voltada De tudo isso concluise que se deve buscar a contribuição específica da literatura para a vida social precisamente onde a literatura não se esgota na função de uma arte da representação Focalizandose aqueles momentos de sua história nos quais obras literárias provocaram a derrocada de tabus da moral dominante ou ofereceram ao leitor novas soluções para a casuística moral de sua práxis de vida soluções estas que posteriormente puderam ser sancionadas pela sociedade graças ao voto da totalidade dos leitores estarseá abrindo ao historiador da literatura um campo de pesquisa ainda pouco explorado O abismo entre literatura e história entre o conhecimento estético e o histórico fazse superável quando a história da literatura não se limita simplesmente a mais uma vez descrever o processo da história geral conforme esse processo se delineia em suas obras mas quando no curso da evolução literária ela revela aquela função verdadeiramente constitutiva da sociedade que coube à literatura concorrendo com as outras artes e forças sociais na emancipação do homem de seus laços naturais religiosos e sociais Se em função dessa tarefa vale a pena ao estudioso da literatura superar sua postura ahistórica aí se encontrará também uma resposta à questão acerca de com que finalidade e com que direito podese ainda hoje ou novamente hoje estudar a história da literatura Notas 1 Aula inaugural pública ministrada a 13 de abril de 1967 em comemoração ao sexagésimo aniversário de Gerhard Hess reitor da Universidade de Constança A versão original tinha por título Was heißt und zu welchem Ende studiert man Literaturgeschichte O que é e com que fim se estuda história da literatura A presente versão foi consideravelmente ampliada em função do desenvolvimento de minhas teses Devo à discussão e à crítica dessas teses um estímulo e aprendizado maiores do que poderia evidenciar com menções e referências particulares Agradeço especialmente aos participantes do Primeiro Seminário Metodológico do Departamento de Ciência Literária da Universidade de Constança ao colóquio dos docentes dessa mesma universidade e ao grupo de discussão do Seminário de Ciência Literária Geral e Comparada da Universidade Livre de Berlim 2 Sigo nessa minha crítica M Wehrli que escreveu recentemente sobre Sinn und Unsinn der Literaturgeschichte Sentido e ausência de sentido da história da literatura publicado no suplemento literário do Neue Zürcher Zeitung de 26 de fevereiro de 1967 e que de outra perspectiva prognosticou igualmente o retorno da ciência da literatura à história da literatura Dos trabalhos mais recentes que versam sobre o problema da história da literatura conheço os seguintes citados daqui por diante apenas com a indicação do ano R Wellek The theory of literary history in Etudes dédiées au Quatrième Congrès de Linguistes Travaux du Cercle linguistique de Prague 1936 p 17391 id Der Begriffder Evolution in der Literaturgeschichte in Grundbegriffe der Literaturkritik Stuttgart BerlimColôniaMainz 1965 U Leo Das Problem der Literaturgeschichte 1939 in Sehen und Wirklichkeit bei Dante Frankfurt 1957 W Krauss Literaturgeschichte als geschichtlicher Auftrag 1950 in Studien und Aufsätze Berlim 1959 p 1972 J Storost Das Problem der Literaturgeschichte in DanteJahrbuch 38 1960 p 117 E Trunz Literaturwissenschaft als Auslegung und als Geschichte der Dichtung in Festschrift J Trier Meisenheim 1954 H E Hass Literatur und Geschichte in Neue Deutsche Hefte 5 1958 p 30718 F Sengle Aufgaben der heutigen Literaturgeschichtsschreibung in Archiv für das Studium der neueren Sprachen 200 1964 p 24164 Outras obras sobre o assunto encontramse indicadas nas notas 3 Assim pensa sobretudo R Wellek 1936 p 1735 e id in R Wellek e A Warren Theorie der Literatur Berlim 1966 Ullstein Buch Nr 4201 p 229 A maioria das histórias da literatura de maior importância são ou histórias da cultura ou coletâneas de ensaios críticos A primeira modalidade não é história da arte a última não é história da arte 4 Georg Gottfried Gervinus Schriften zur Literatur Berlim 1962 p 4 numa resenha de 1833 sobre histórias da literatura então de publicação recente Tais livros podem ter todos os méritos mas do ponto de vista histórico não têm quase nenhum Eles seguem cronologicamente as diversas formas poéticas dispõem os autores um após o outro em sequência cronológica da mesma forma como outros enumeram títulos de obras e caracterizam então poetas e poesia de uma maneira qualquer Isso porém não é história alguma mal chega a ser o esqueleto de uma história 5 Was heißt und zu welchem Ende studiert man Universalgeschichte O que significa e com que propósito estudase história universal in Schillers sämtliche Werke Säkularausgabe v XIII p 3 6 Publicado pela primeira vez em 1837 sob o título Grundsätze der Historik Fundamentos da teoria da história in Schriften op cit p 49103 7 Schriften op cit p 47 8 Über die Aufgabe des Geschichtsschreibers in Werke in fünf Bänden A Flinter e K Giel eds Darmstadt 1960 v I p 602 A Grécia apresenta uma idéia da individualidade nacional que jamais existira anteriormente nem veio a existir depois e assim como é na individualidade que se encontra o segredo de toda existência assim também todo o progresso dos homens na história universal assentase no grau na liberdade e na peculiaridade de sua ação recíproca 9 Grundzüge der Historik parágrafos 278 10 Schriften op cit p 48 11 Ibid 12 Grundzüge der Historik parágrafo 26 13 Wahrheit und Methode Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik Tübingen 1960 p 185205 principalmente p 187 A própria escola histórica sabia que no fundo não pode haver outra história senão a universal porque só a partir do todo é que o particular se define em seu significado específico Como há de arranjarse aí o investigador empírico ao qual o todo jamais se oferece sem ceder terreno ao filósofo e a seu arbítrio apriorístico 14 Grundzüge der Historik parágrafo 32 15 Geschichte der poetischen Nationalliteratur der Deutschen v IV p VII Nossa literatura já teve o seu tempo e se não se deseja a paralisação da vida alemã temos de atrair os talentos agora desprovidos de uma meta para o mundo real e para o Estado onde se há de derramar um novo espírito sobre uma nova matéria 16 Na apresentação de sua Geschichte der poetischen Nationalliteratur der Deutschen Schriften op cit p 123 em que Gervinus nisso defensor ainda do historicismo do Iluminismo contra o do romantismo contradiz essa regra básica afastandose decididamente da conduta rigorosamente objetiva da maioria dos historiadores atuais 17 Über die Epochen der neueren Geschichte in Geschichte und Politik Ausgewählte Aufsätze und Meisterschriften H Hofmann ed Stuttgart 1940 p 141 18 Se se quisesse porém supor que tal progresso consiste no fato de que em cada época a vida da humanidade se faz mais elevada de que portanto cada geração sobrepuja completamente a precedente e a última seria assim a privilegiada ao passo que as precedentes seriam apenas as portadoras das seguintes isso significaria então uma injustiça divina ibid Há que se falar aqui numa nova teodicéia porque como o demonstrou O Marquard já a filosofia idealista da história rejeitada por Ranke lograra expressar a demanda recôndita por uma teodicéia na medida em que para aliviar Deus dessa carga fizera do homem o sujeito responsável pela história e compreendera o progresso histórico como um processo jurídico ou como o progresso nas relações jurídicas humanas cf Idealismus und Theodizee in Philosophisches Jahrbuch 73 1965 p 3347 19 Op cit p 528 Cf p 526 et seqs em que Schiller define a tarefa do historiador universal como um processo no qual se pode suspender o princípio teleológico isto é o propósito de encontrar e resolver no curso da história universal o problema da ordem mundial porque somente se há de esperar obter uma história universal segundo tal princípio no final dos tempos O próprio processo descreve a historiografia como uma espécie de história do efeito o historiador universal movese partindo da mais recente situação do mundo rumo à origem das coisas destacando dentre os acontecimentos aqueles que tiveram uma influência fundamental na conformação do mundo atual em seguida ele retorna pelo caminho que