·

Psicologia ·

Metodologia da Pesquisa

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta
Equipe Meu Guru

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?

  • Receba resolvida até o seu prazo
  • Converse com o tutor pelo chat
  • Garantia de 7 dias contra erros

Texto de pré-visualização

VOZES DA CIÊNCIA DISCURSO CIENTÍFICO E ENUNCIAÇÃO Maria Aldina MARQUES1 INTRODUÇÃO O discurso científico tem sido objeto de estudo privilegiado entre os investi gadores que trabalham na área dos discursos É um discurso constituinte como propuseram Maingueneau Cossutta2 num conceito elaborado a fim de delimi tar e individualizar um conjunto de tipos discursivos com uma função fundadora a partir de uma intuition banale a de que il y a dans toute société des types de paroles qui font autorité qui sont reconnues comme donnant sens aux actes de lensemble de la collectivité3 A análise do discurso na sua aceção mais ampla não poderia pois ignorar a centralidade desta área de atividade socialdiscursi va A importância dos discursos científicos advém de que não são meros veículos transparentes e exteriores à construção do saber científico escrever ciência não é só falar sobre ciência é fazer ciência porque o conhecimento científico se cons trói em discursos Outras áreas de investigação sobre a linguagem e o discurso de que os estu dos da língua para fins específicos LSP no quadro da linguística aplicada são exemplo têm no discurso científico ou no discurso académico também um objeto central de investigação4 Pretendese neste trabalho a propósito do Discurso Científico discutir as características do género artigo científico considerado um dos seus géneros no bres Esta preponderância está aliás em franco crescimento no quadro dos no vos sistemas de avaliação da produção científica ancorados na indexação em bases de dados como a Scopus ou a Web of science 1 Email mamarquesilch uminho pt 2 Maingueneau Cossutta 1995 3 Maingueneau 2014 p 151 4 Swales 1990 Hyland 1996a 1996b 2001 e 2002 entre outros Swales 1990 p 1 apresenta como objetivo central do seu texto to offer an approach to the teaching of academic and research English 12 Discursos constituintes ENUNCIAÇÃO SUBJETIVIDADE E DISCURSO CIENTÍFICO A presente análise enquadrase numa abordagem pragmáticoenunciativa dos discursos É a contextualidade intrínseca do sentido discursivo que sustenta a pluralização do sintagma dos discursos como se encontra em autores como Charaudeau 2002 Hailon 2012 Adam 2010 e 2012 Marques 2015 entre outros 5 A opção pela pluralização de discursos tem implicações nomeadamente na importância teórica e metodológica de assumir a heterogeneidade dos discur sos objetos de análise empíricos Marques 2015 110 6 É um posicionamento teórico que privilegia a linguagem em uso e os discursos como práticas sociais de comunicação Daí a centralidade teórica e metodológica dos conceitos de tipo e género de discurso Entre outras constrições comuns aliás a qualquer enunciação mas com um grau de comprometimento forte no que ao discurso científico concerne Maingue neau 200011 sublinha entre outras questões que no âmago dos discursos constituintes os falantes não podem ignorar questões básicas como quem está autorizado a falar ou a ser destinatário Seguindo tal indicação vamos debru çarnos sobre uma vertente fundamental das vozes do artigo científico o proces so de referenciamento7 para pôr em relevo a fala de autoridade que aí se constrói especificamente onde e como se constrói tendo em conta as práticas discursivas de natureza científica num contexto determinado Destacase neste processo de referenciamento isto é de referência bibliográfica e citação a própria voz do locutor que constrói o seu lugar a sua imagem ao posicionarse relativamente a essas vozes convocadas O referenciamento é obrigatório tem mesmo o estatuto de parâmetro de género como reconhecem Fløttum 2006 37 e Grossmann 20108 8 5 Esta questão tem a ver com o vasto campo da análise do discurso e das diversas disci plinas áreas abordagens que aí confluem É uma questão que sobretudo dá conta da transdisciplinaridade do objeto discurso Remetese a Maingueneau 2006 mais uma vez quanto à questão da Análise do Discurso e das correntes e disciplinas que aí con fluem 6 Refirase ainda o texto seminal de AuthierRevuz 1982 e 1984 e mais recentes Fonseca 1994 ou Adam 2010 sobre o estatuto teórico do conceito de heterogenei dade 7 Usamos o termo referenciamento menos comum que referenciação para evitar ambi guidade com o conceito de referenciação como processo de construção dos objetos do discurso 8 Fløttum 200637 usa apenas o termo referências bibliográficas there is in fact 13 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação Desde Benveniste pelo menos que a presença do locutor no discurso na enunciação segundo o autor9 tem sido objeto constante de investigação O tra balho desenvolvido por Rabatel 2015 sobre enunciação e dialogismo reformula em questões fundamentais as teorias de Ducrot 1984 e Bakhtine 1984 De Ducrot retoma os conceitos de locutor e enunciador para os repensar o locutor enunciador LE a que o autor pode ou não identificarse é responsável pela coerência dialógica do discurso10 em função dos pontos de vista PDV que con voca quer se trate de outros locutoresenunciadores le discurso relatado quer de enunciadores segundos não locutores e É uma conceção hierarquizada dos PDV que abre espaço para a definição da postura do enunciador em termos de sobreenunciação subenunciação e coenunciação11 Rabatel 2004 2012 2015 entre outras publicações e para o valor argumentativo das vozes que o locutor traz para o discurso A atenção à enunciação põe em causa o pressuposto clássico estruturalista da transparência da linguagem ou a partir de outras perspetivas de abordagem da sua objetividade Com efeito a construção dos sentidos dos discursos é um processo que envolve os interlocutores e a subjetividade constitu tiva da interação é negociada e construída como intersubjetividade entre o eu e os outros Estamos longe de uma conceção da língua como descrição objetiva da realidade e especificamente estamos longe da objetividade absoluta recla mada tradicionalmente para o discurso científico12 abordado agora como práti one obvious typical trait bibliographical references There are always bibliographical references in one form or another in every research article Segundo Grossmann 20108 Scientific texts can be described as multiplereferenced discourse 9 La présence du locuteur à son énonciation fait que chaque instance de discours constitue un centre de référence interne Cette situation va se manifester par un jeu de formes spécifiques dont la fonction est de mettre le locuteur en relation constante et nécessaire avec son énonciation Benveniste 1970 14 10 Fløttum 2002 342 fala de coerência polifónica 11 Rabatel 2004 analisa estas relações a propósito do discurso relatado Cabe ainda referir que a postura de sobreenunciação é considerada por Grossmann Rinck 2004 como característica do género artigo científico La notion de surénonciation ouvre des pistes intéressantes pour analyser la manière dont la dimension énonciative des textes joue un rôle argumentatif dans le sens où la hiérarchisation énonciative favorise ladhésion au point de vue de lauteur Le discours rapporté et le dialogisme aux fondements de la posture de surplomb de LlEl peuvent en effet être envisagés comme participant dune visée argumentative légitimant le discours cestàdire mon trant sa qualité et sa pertinence scientifiques 12 Retomo Rabatel 2018 17 para recusar a ideia de um relativismo absoluto a partir 14 Discursos constituintes ca científica mas também como prática social um posicionamento teórico que tem certamente implicações na análise dos discursos científicos Porque a cons trução do conhecimento científico é uma prática social afirmase a subjetividade constitutiva dos discursos científicos Grossmann Rinck 2004 Rinck 2010 Swales 2004 Fløttum 2006 entre outros 13 Contudo deve salientarse a subjetividade está presente mas não é qualquer forma de subjetividade 14 É a subjetividade prevista e possível sancionada pelas comunidades científicas enquanto modos de dizer ratificados pela comunidade integrandose por isso nos parâmetros de género especificamente no estilo de género 15 O discurso científico não é um discurso simplesmente objetivo é antes um discurso objetivado por alguém credibilizado para o fazer O efeito de ob jetividade discursiva resulta de um conjunto de escolhas do locutor O processo de objetivação é por um lado um processo linguístico e o apagamento enuncia tivo funciona desse modo mas é também uma objetividade conseguida pelo modo como o quadro teórico a metodologia os objetivos a análise são discursi vamente representados O discurso científico é marcado pelo rigor pelo quadro teórico e metodológico necessários à validade da análise realizada Charaudeau 2016 551 sublinha a propósito a finalidade demonstrativa do discurso cientí fico Ora o estilo do género artigo científico é determinado por estas caracterís ticas 16 Como este posicionamento teórico tem implicações na própria análise dos discursos científicos tornase pertinente refletir sobre que vozes são ouvidas e de destes pressupostos Como refere o autor Ma conception du PDV récuse la coupure radicale et quasi métaphysique entre un PDV nécessairement limité vs la vérité univer selle et indépendante de tout point de vue Plantin 2016 7071 Lapproche perspec tiviste historicisée du PDV rend compte de la relativité des savoirs sans verser dans le relativisme absolu 13 Para Flotum 2006 19 não existe academic discourse scientific discourse as objec tive neutral and deprived of personal traces Na terminologia de Rabatel 2005 um discurso é tendencialmente objetivante ou subjetivante 14 Prestigiacomo 2016 262 chama atenção para possibilidade de manipulação quando o locutor se inclina para un modelo expressivo diferente 15 Sobre parâmetros de género ver Adam 2015 e Maingueneau 2014 16 No caso vertente e como refere Gusfield 197617 The style of nonstyle is itself the style of science 15 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação que modo estão presentes na materialidade dos discursos 17 É aliás este enqua dramento que explica o interesse de que as categorias deíticas têm sido alvo Mas locutor não está apenas presente nas marcas deíticas de primeira pessoa está nas vozes que escolhe trazer para o discurso bem como nos modos de enunciação selecionados está ainda nas escolhas lexicais ao serviço da construção do univer so discursivo pois como lembra Rabatel 201534 a enunciação é coextensiva à referenciação No caso vertente será analisado como já referido o referenciamento no artigo científico um modo específico de convocar outras vozes e uma categoria de marcas discursivas que atualizam um parâmetro do género Para isso foi constituído um pequeno corpus de 8 artigos científicos ver anexo de acordo com os seguintes critérios 1 Artigos científicos publicados online em revistas portuguesas18 com revisão por pares 2 Autoria de investigadores seniores reconhecidos na sua comunidade de investigação as Ciências da Linguagem São critérios que nos permitem classificar os artigos selecionados como exemplares da respectiva comunidade científica O critério 2 decorrente do es tatuto social do locutor é de natureza sociodiscursiva mas condiciona a cons trução linguísticodiscursiva isto é as escolhas realizadas desde o nível macro ao nível micro dadas nomeadamente as constrições do género discursivo Está em causa uma competência comunicativa alta no que concerne ao género em análise Deliberadamente não foi considerado como critério de constituição do corpus a pertença a bases de dados como a Scopus e similares Quanto ao critério 1 não 17 Segundo a tradição a presença do locutor é nãocientífica Ver a síntese feita por Reutner 2010 a propósito da presença do locutor nas categorias deíticas usadas 18 Não são muitas as revistas científicas escritas em português Nomeadamente na área das ciências ditas duras a maior parte dos artigos são escritos em inglês a língua franca da ciência a tender para língua única do discurso científico Para além da atra tividade que gera no investigador pela possibilidade de se ser lido por uma comunida de científica mais vasta há vários mecanismos institucionais que valorizam a publica ção em inglês Esta pesquisa foi atingida por essa atratividade Uma parte substancial dos artigos publicados pelos investigadores selecionados estão publicados em inglês ou em revistas estrangeiras São quatro autores com 2 artigos cada um Dos 8 artigos 2 artigos são em coautoria Tivemos em conta o facto de pelo menos um dos autores se enquadrar nos critérios estabelecidos 16 Discursos constituintes se contesta a importância inegável da indexação mas assumimos com António García García 2014 que é necessário evaluar la investigación por su mérito intrínseco y no en función de la revista en que se publica Considero por isso que a avaliação por pares e a atenção à carreira de um autor senior aqui repre sentada pelo estatuto de catedrático se afiguram ser critérios mais fiáveis para a análise a desenvolver DELIMITAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO DISCURSO CIENTÍFICO Retomando Bakhtine 1984 os géneros de discurso têm lugar em esferas de atividade da linguagem isto é tipos de discurso São lugares de discursos que resultam do modo como uma sociedade estrutura institucionalmente a prática social em grandes setores de atividade Charaudeau 2004 2 ou seja configu ram áreas particulares de atividade social e linguística próprias de cada socieda de Para Maingueneau 2014 65 um tipo de discurso definese por uma parti cular rede de géneros Em qualquer das abordagens os tipos de discurso19 são áreas de atividade socialverbal cujos limites são dinâmicos São conceitos marcados pela instabilidade intrínseca das categorizações caracterizáveis mais por semelhanças de família que por roturas e fronteiras estanques O discurso científico individualizase ou diluise relativamente ao discurso académico e ao discurso de divulgação científica A primeira questão a considerar incide pois sobre os limites do discurso científico na relação de possível proxi midade quando não de sobreposição relativamente a esses dois tipos de discurso Importa sublinhar que a porosidade das fronteiras que decorre de múltiplas in terrelações entre géneros das diferentes áreas de atividade sociodiscursiva decor re ainda dos movimentos alterações derivas que caracterizam a sociedade 20 Pese embora este continuum entre categorias o discurso científico tem ca racterísticas que o distinguem do discurso académico 21 Mais ainda a distinção entre discurso científico e discurso académico é possível e necessária O discurso científico não pode ser sinónimo de discurso académico pois os contextos de 19 Este é um conceito polissémico No interacionismo sociodiscursivo por exemplo tipo de discurso designa um conceito diferente O género artigo científico é caracterizado como discurso teórico um dos tipos de discurso considerados Bronckart 1985 20 A diversidade dos géneros dá conta da diversidade de práticas sociais no âmbito do discurso científico 21 A discussão das fronteiras do discurso científico basearseá sobretudo nos chamados parâmetros externos caracterizadores dos géneros mas que caracterizam também os tipos de discursos 17 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação produção são também diversos Com efeito quer os objetivos discursivos quer a relação entre os interlocutores são diferentes e por isso também os estilos são distintos ver Marques 2018 Há uma finalidade didática no discurso académico que está ausente do discurso científico São práticas sociais distintas envolvendo interlocutores com papéis sociais e comunicativos diversos O discurso científico é construído dentro de uma comu nidade bem delimitada a comunidade científica constituída por pares É en quanto cientistas que assumem um papel comunicativo dentro de uma comuni dade fechada Charaudeau Maingueneau 2002 261 Ainda que o espaço físico e institucional da universidade seja prototipica mente o lugar do discurso académico e do discurso científico estes são lugares discursivos diversos 22 Como Boch Rinck 2010 consideramos que o discurso científico é produzido no âmbito das atividades de investigação científica como forma de construção e difusão da ciência entre pares Esta distinção não põe em causa que certos géneros estejam ancorados em ambos os tipos de discurso como é o caso das teses de doutoramento ou da lição nas provas de agregação 23 A expressão discurso académico ocorre muitas vezes como designação única e polissémica Assim Boch Rinck 2010 8 englobam no discurso académico o discurso dos investigadores mas também a transposição didática na universi dade e ainda a escrita académica dos estudantes 24 Por sua vez Hyland 2008 2 uma referência nesta área dá uma definição mais restritiva de discurso acadé mico como discurso de ciência a guarantee of reliable knowledge e an objec tive description of what the natural and human world is actually like Esta va riabilidade na definição pode ocorrer até numa mesma publicação como é o caso da obra editada por Salmi Dervin 2006 Estes identificam p 11 o artigo 22 Na verdade apesar da centralidade da universidade como lugar de práticas discursi vas científicas os lugares de ciência há muito deixaram de estar limitados à comuni dade académica universitária A investigação científica e portanto o discurso cientí fico estendeuse a outros lugares nomeadamente a laboratórios públicos e privados 23 As provas de agregação são provas públicas da carreira universitária necessárias para aceder em concurso posterior à posição de catedrático em Portugal 24 Maingueneau 2014 155 também engloba no discurso científico redes de géneros hierarquizados desde o artigo científico como género privilegiado aos manuais e revistas de divulgação científica que o autor designa como géneros considerados menos nobres 18 Discursos constituintes científico como forma canónica do discurso académico25 mas no conjunto dos autores que participam nessa publicação o discurso académico recebe diferentes definições 26 No discurso académico como no discurso científico e como veremos no discurso de divulgação científica também as finalidades e o estatuto sóciocomu nicativo dos interlocutores constituem parâmetros de diferenciação É uma comu nidade discursiva constituída por dois grupos de interlocutores em relação intera cional assimétrica professores e estudantes ambos empenhados num processo de ensinoaprendizagem que impõe aos discursos uma marca forte de didatização Também o discurso de divulgação científica é indissociável do discurso cien tífico E também aqui as sobreposições ou mesmo indistinções coexistem com a diferenciação destes dois tipos de discurso A divulgação do conhecimento ora é considerada uma das finalidades do discurso científico ora é considerada como pertencendo a outro tipo de discurso que não o científico ainda que estreitamen te ligados por um continuum de características comuns Grossmann Rinck 2004 37 Pese embora esta estreita relação que se reconhece discurso científico e dis curso de divulgação científica têm prototipicamente finalidades e públicos diver sos Ramos Marques 2016 97 27 A divulgação da ciência a públicos hetero géneos cria uma comunidade ou melhor comunidades alargadas diversificadas com intervenientes que desempenham funções sociais e comunicativas diversas especialistas mediadores e não especialistas numa comunidade aberta em que os 25 Segundo Boch e Rinck 2010 8 corrente anglófona reserva o termo scientific discou rse ao discurso da área das ciências duras usando no caso das ciências humanas e sociais a designação de discurso académico 26 Por exemplo Rentel p 59 explicitamente identifica discurso académico e discurso científico como termos sinónimos Dervin Fauveau p 105 restringem a análise a one of the several meanings of academic discourse no caso vertente o discurso de estudantes universitários em contexto institucional Finalmente Defays p 193 toma como objeto de investigação também numa base de sinonímia o discurso académi co científico ou universitário 27 Charaudeau 2016 550 aponta a especificidade da finalidade primeira do discurso de divulgação Este ato de divulgação não se destina a tornar os indivíduos sábios ou especialistas neste ou naquele tema científico mas a lhes permitir melhor conhecer os fenômenos do mundo 19 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação media sobressaem como um dos principais suportes da difusão O discurso de divulgação circula numa comunidade aberta 28 Não esquecendo todas as interrelações estabelecidas entre discurso científi co discurso académico e discurso de divulgação científica no que concerne à fi nalidade primeira de cada tipo de discurso a divergência pode sintetizarse como fazer ciência aprender ciência e divulgar ciência respetivamente O GÉNERO ARTIGO CIENTÍFICO Se como afirma Maingueneau 2014 63 o universo do discurso ou o uni verso simplesmente nunca se apresenta fora de uma categorização o género de discurso é um princípio teórico fundamental categorizador dos usos da lingua gem ou dos discursos Falar da organização enunciativa dos discursos dos seus modos de enunciação é sempre colocar a questão relativamente a um género num determinado tipo discursivo Os géneros de acordo com a tradição de Bakhtine29 são categorias gerais de textosdiscursos são configurações de escolhas estabili zadas temporariamente ou relativamente estáveis nas palavras de Bakhtine30 no quadro de um grupo sociallinguístico ou área de atividade linguística São portanto a memória social dos discursos produzidos numa determinada comuni dade discursiva a memória das suas regularidades e por isso determinam ne cessariamente ainda que de modo variável a construção dos discursos empíri cos 31 Os géneros de discurso fazem parte da competência comunicativa dos falantes e têm neste sentido caráter normativo mais ou menos forte 32 28 Tipicamente o objetivo global de um texto de divulgação científica será o de tornar o alocutário mais competente ou seja fazersaber e fazercompreender Esta precisão é importante na medida em que permite distinguir o texto informativo uma notícia uma reportagem uma breve que assume por objetivo ilocutório o de fazersaber do texto explicativo onde se encontrarão os artigos de divulgação científica que ainda que incorpore igualmente o objetivo de fazersaber se distingue daqueles por igualmente pretender fazercompreender Ramos Marques 2016 97 29 A referência a Bakhtine deve entenderse como equivalente a Círculo de Bakhtine Voloshinov e Medvedev também abordaram esta questão 30 Tout énoncé pris isolément est bien entendu individuel mais chaque sphère dutilisa tion de la langue élabore ses types relativement stables dénoncés et cest ce que nous appelons les genres de discours Bakhtine 1984 437 31 Maingueneau 2014 128 define género de discurso como um dispositivo de comuni cação definido sóciohistoricamente 32 Notese que de acordo com Maingueneau 2000 3 um género implica papéis e con 20 Discursos constituintes O artigo científico é considerado um género muito ritualizado de caráter normativo Ao nível da organização textual do plano de texto mais especifica mente a estrutura IMRaD33 massivamente adotada em áreas das ciências ditas duras parece argumentar nesse sentido e é apenas um exemplo pois outros parâmetros de género vão no mesmo sentido Contudo há variações e tornam se mais notórias quando se tem como domínio de análise as ciências sociais e humanas 34 A impossível homogeneidade dos géneros realizados em textosdis cursos empíricos caracteriza de igual modo os géneros do discurso científico e aqui o artigo científico 35 A ritualização mais ou menos forte a que os géneros são submetidos nunca é total 36 A questão central da objetividadesubjetividade aci ma considerada no âmbito do discurso científico tem a propósito do artigo cien tífico uma incidência ainda mais acurada As vozes dos outros na construção da ciência As vozes dos outros são paradigmaticamente vozes de ciência relativamen te às quais o locutor se posiciona É o caso do referenciamento aqui em análise que abordaremos em função de cada secção do plano de texto A variação que apontávamos neste domínio para as ciências sociais e humanas levounos a indi vidualizar independentemente das secções marcadas três partes fundamentais no plano de organização composicional IntroduçãoEnquadramento teórico metodológico Análise e Conclusão 37 Dada a especificidade de cada parte desta tratos tácitos entre interlocutores meios específicos localizações pertinentes no tem po e no espaço organizações textuais prototípicas etc isto é um conjunto de parâ metros atualizados em cada discurso de modo variável 33 Introdução Metodologia Resultados e Discussão 34 Nos artigos que selecionámos para análise esta variabilidade é notória 35 Para efeitos de análise considerase texto e discurso como perspetivas diversas e in dissociáveis sobre o mesmo objeto 36 Adam 2012 propõe os termos de genericidade e efeito de genericidade para enqua drar teoricamente tal dinamismo 37 As notas de rodapé não são aqui objeto de análise pese embora o interesse que se lhes reconhece em termos de organização das vozes do discurso Colocámos no entanto como hipótese que a relegação frequente da citação em DD para notas de rodapé é uma estratégia de hierarquização das vozes vozes de autoridade colocadas na mar gem não porque se conteste a autoridade mas porque são o fundo relativamente à voz do locutor que ganha autonomia discursiva e semântica Em termos enunciativoargu mentativos as notas de rodapé são um espaço que fortalece a imagem do locutor 21 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação organização textual prevêse que as funções das vozes e dos modos de enuncia ção sejam também diferentes 38 A designação adotada de referenciamento pode parecer edutora Usamos a designação para referir formas específicas de convocação de outras vozes pelo locutor características do artigo científico 39 Definimos aí duas categorias a re ferência bibliográfica quando há um reenvio apenas a autor e obra subcategori zada em referência simples e referência múltipla e a citação constituída por ca tegorias próprias ou próximas do discurso relatado DR discurso direto DD discurso indireto DI discurso segundo ilhotas textuais e discurso narrativiza do 40 A perspetiva enunciativa adotada neste trabalho justifica esta escolha meto dológica Estratégias discursivas de referência bibliográfica Em função do número de autores referidos classificámos as referências como simples e múltiplas as primeiras prototipicamente constituídas por um autor41 e eventualmente coautores e uma obra como em 2 e as segundas por vários autores eou várias obras 1 1 Partindo dos poucos elementos descritivos disponíveis Cunha Cin tra 1984 Costa 2008 Raposo 2013 Vieira 2015 e convocando re flexões recentes sobre o funcionamento de itens similares noutras lín investigador e a orientação argumentativa do discurso 38 Aceitar a subjetividade no artigo científico não é aceitar qualquer subjetividade nem aceitála em qualquer parte da organização textual 39 Deixamos explicitamente de lado a questão das citaçõesexemplos Rosier 2008 113 40 Fløttum 2006 30 elabora uma categorização diversa da nossa tendo em conta uma anterior de Swales In our classification somewhat different from Swales we name our categories as follows see Fløttum 2003e 2004i R1 Non integral reference The yellow sea is polluted R2 Partly integral reference The yellow sea is polluted Clark 1999 R3 Semiintegral reference Clark 1999 has observed that the yellow sea is polluted R4 Fully integral reference Clark 1999 claims The yellow sea is polluted Clark 1999 claims that the yellow sea is polluted Vejase ainda Rinck Boch 2012 entre outras tipologias propostas 41 Esta é uma categorização que deve integrar a heterogeneidade dos casos empíricos nem sempre facilmente integráveis numa única categoria de que é exemplo a seguinte referência na terminologia entre outros de Bosque 2012 A2 22 Discursos constituintes guas Bosque 2012 Oxford 2010 Charnel 2010 nomeadamente este estudo propõese contribuir para aprofundar A2 O modo como a referência é representada graficamente produz particulares efeitos de sentido Os parênteses usados para delimitar autor e obra instauram um plano desnivelado relativamente ao plano do fluxo informativo tornam a referência supletiva ainda que relevante em termos enunciativos A ausência de parênteses por seu lado integra o autor no fluxo informativo como objeto de discurso mantendo é claro a pertinência enunciativa 2 desenvolvida no quadro da Linguística Cognitiva desde o estu do seminal de Lakoff e Johnson 1980 A7 Cabe ainda referir que a integração da referência numa estrutura sintática de complementação cria um efeito de sentido de localização Ao ser construída como lugar permite a ocorrência de estruturas de apagamento enunciativo como a impessoalização e a passiva Em 3 e 4 Lobo 2003 e Lobo 2013 não são a voz são o lugar 3 Em Lobo 2003 afloramse as orações A3 4 Em Lobo 2013 as orações introduzidas são individualizadas A3 5 Como indicado em Matos Brito 2013 mesmo um verbo como dizer pode ser seguido de se oração A4 Quanto à organização composicional do discurso as referências simples e múltiplas ocorrem como previsível na introdução e enquadramento teórico quer estas secções estejam ou não graficamente individualizadas com um subtítulo Na Conclusão essa ocorrência é baixa 10 ocorrências em 50 dos artigos Na IntroduçãoEnquadramento a referência simples e múltipla cumpre o duplo objetivo de delimitar o espaço teóricometodológico da investigação realizada e estabelecer a pertinência da investigação Há um equilíbrio entre multirreferência e referência simples com 20 e 22 ocorrências respetivamente Swales 1990 141 referese a este processo de referenciamento como definição de um território ou seja são estratégias discursivas que visam dar conta do já dito recortando aí o lugar teórico espaço de investigação credibilizado em que o locutorinvestiga dor se coloca 6 Efetivamente a Linguística Cognitiva definese como assumindo a posição epistemológica do experiencialismo da linguagem e da cogni ção Lakoff 1987 Lakoff Johnson 1999 como modelo centrado no significado ou conceptualização no sentido geral de qualquer ex 23 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação periencia mental Langacker 1987 1991 1999 2008 como modelo centrado no uso da língua Langacker 2000 e o que diz bem da sua natureza e do seu contributo como modelo recontextualizador Gee raerts 2010 A 8 As referências múltiplas a autores ou a obras do mesmo autor aduzem um efeito de credibilidade relativamente a conceitos trabalhos ou autores que impor ta atualizar na superfície discursiva 42 Não se trata de uma estratégia de exaustivi dade É mais um processo de escolha que pressupõe um juízo avaliativo Daí a possível ocorrência da multirreferência acompanhada com modalizadores 7 Bosque 2012 Oxford 2010 Charnavel 2010 nomeadamente A2 Ao mesmo tempo o locutor constrói para si uma imagem de especialista Propõe à comunidade o seu reconhecimento como investigador A multirrefe rência tem ainda implicações na construção discursiva da imagem do outro o alocutário mostrado como conhecedor dos autores e obras mencionados 8 para a sua descrição consideramos as análises realizadas na litera tura linguística relevante cf e o Marques 2004 2013 Móia 2015 e Peres 2013 para o português ou Kennedy 1997 Schwarzchild 2008 Sassoon 2010 e Morzycki 2014 para o inglês A2 É na secção de Análise que se registam mais movimentos de referenciamen to quer de referências simples quer de múltiplas considerando uma multirrefe rência não os autoresobras que a constituem Estas atingem as 41 ocorrências enquanto as referências simples são76 43 Sobressai nestes dados o facto de as referências ao serviço de um enquadramento de natureza teórica predominarem na secção da Análise De facto a primeira secção de contextualização num cam po e numa questão específica é bastante breve e a maioria dos investigadores desloca a parte substancial da ancoragem referencial para a Análise com predo mínio aí da referência simples focando questões muito específicas A delimitação 42 Boch Grossmann Rinck 2009 ligam o processo de referência bibliográfica espe cificamente ao processo de definição de um conceito ou de um problema teórico Le discours scientifique veut cependant que la définition dune notion ou dun problème théorique dans leur genèse ou dans les différents contours qui leur sont assignés donne matière à référencement 43 Um dos artigos selecionados é a discussão de uma questão teórica Esta característica faz aumentar o número de referências mas não altera o quadro global 24 Discursos constituintes e a precisão da referência mais acompanhada da explicitação das páginas que na parte da Introdução são estratégicas para a argumentação e credibilização do trabalho apresentado Na Conclusão as referências são residuais apenas 10 ocorrências das quais 6 são simples e 4 são múltiplas A construção da imagem credibilizada do locutor é completada pela autorre ferência em referência simples ou múltipla O locutor mostrase de forma explí cita como membro da comunidade científica um inter pares em itálico nos exemplos abaixo 9 No quadro da gramática generativa vejamse por exemplo Brito 1991 Brito Duarte 2003 Móia 1996 Veloso 2013 Matos Brito 2013 Mioto Lobo 2016 A4 10 utiliza o instrumentário da teoria cognitiva da metáfora e de outros programas de investigação em Semântica Cognitiva Silva 2006 Ge eraerts Cuyckens 2007 A7 Dados os critérios de seleção dos artigos científicos que usamos esta forma de referência é frequente no corpus analisado ocorrendo como referência sim ples ou integrada em referência múltipla em 6 dos 8 artigos científicos num total de 31 autorreferências Por um lado o locutor põe em evidência a sua experiência como investigador num determinado tópico e por outro lado posicionase com outras vozes reconhecidas na comunidade científica como vozes de autoridade É ainda de salientar que 23 dos casos de autorreferência ocorrem na secção de Aná lise contra 8 na IntroduçãoEnquadramento teóricometodológico O locutor constrói um ethos de experiência de especialista da área Mas cria também ex pectativas relativamente ao trabalho realizado quer seja numa perspetiva de con tinuidade e aprofundamento quer de possíveis divergências face a trabalhos e quadros teóricos diversos Considerando o quadro global que o referenciamento simples e múltiplo e autorreferência permitem traçar os investigadores privilegiam trabalhos singula res em 515 dos casos contra 331 de multirreferência e 153 de autorrefe rência 44 Há uma imagem global muito sistemática de conhecimento alargado 44 Há ainda uma outra informação quantitativa interessante dada pela secção de referências de cada artigo Exceto um caso singular de um artigo de discussão teórica unicamente são citados por artigo entre 11 e 28 autores para um conjunto de obras entre 16 e 35 Este é um dado interessante para um estudo comparativo entre tradições científicas e entre comunidades diversas 25 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação mas sobretudo de acuidade teórica que se impõe à primeira na construção do conhecimento científico associada à credibilidade do próprio locutor apresenta da em valores quantitativos com alguma parcimónia o que protege a sua face Valorizando o próprio trabalho em autodialogismo o locutor dá destaque à voz dos outros seus pares e o heterodialogismo impõese Estratégias discursivas de citação A citação é uma categoria que engloba os modos de representação do discur so relatado formalmente é acompanhada de referência simples Tais modos de representação são estratégicos participam da orientação argumentativa do dis curso Amossy 2000 porque convocam necessariamente o posicionamento do locutor relativamente ao discurso relatado e especificamente ao seu locutor Brès Nowakowska 2004 75 entre outros lembram que o discurso relatado é um fenómeno de desdobramento enunciativo constituído por dois enunciados hierar quizados Sendo uma mediação de um discurso outro uma enunciação numa enunciação o DR é feito a partir do olhar do locutor No excerto abaixo a inte gração de discurso relatado no discurso é acompanhada de um juízo avaliativo através de mecanismos linguísticodiscursivos diversos desde as escolhas lexicais ao discurso indireto e ao discurso segundo agregado a estruturas de impessoali zação O juízo avaliativo desencadeado pela escolha lexical de escassas referên cias orienta o discurso para a manifestação de uma necessidade reforçada nas expressões que enquadram os discursos a relatar aborda brevemente e aflo ramse São juízos avaliativos com valor argumentativo justificam a criação de um nicho Swales 1990 14145 e asseguram em simultâneo a pertinência do tra balho realizado por insuficiência de exploração do tema em trabalhos anteriores 11 São escassas as referências às orações introduzidas por sem ou ex pressão equivalente noutras línguas na literatura sobre subordinadas adverbiais Kortmann 1996 considera que as subordinadas adver biais introduzidas por without expressam concomitância negativa e Hengeveld 1998 aborda brevemente as mesmas construções rotu landoas de adverbiais de circunstância negativa Em Lobo 2003 afloramse as orações adverbiais de modo instrumento ou meio que a autora reconhece constituírem uma classe heterogénea raramente referida nas gramáticas tradicionais portuguesas A3 Importa pois analisar a variabilidade dessa presença 45 A par de estratégias discursivas de presença ou apagamento do locutor 26 Discursos constituintes Como referido acima não há uma distinção clara entre as duas categorias assinaladas referenciação e citação uma questão que não é sequer privativa desta temática antes decorre da assunção da heterogeneidade como constitutiva do processo de categorização O discurso narrativizado46 dá efetivamente conta de um continuum de procedimentos discursivos entre a referência simples como evocação de um autorobra e a citação ainda que condensada 12 O PPC corresponde a uma estrutura de iteração com um alcance mais vasto que o que é proposto em Cunha 2006 e que a definição dada por este autor requererá provavelmente alguma reformulação A1 Por sua vez o Discurso Direto é residual nos artigos analisados Surge tipo graficamente delimitado ainda que segundo normas diversas das tradicional mente apontadas como em 13 em que a transição marcada por dois pontos é ambígua só se recuperando o caráter de citação na referência simples posposta 13 Ou numa formulação eventualmente mais transparente as constru ções condicionaisconcessivas têm em comum as seguintes proprieda des Lobo 2013 p 20 A 14 E nas palavras de Lopes 2005 149 a significação é o ponto de partida e o ponto de chegada de toda a atividade linguística A5 Em termos quantitativos a literalidade47 da citação através do relato em Discurso Direto não é preferencial num discurso que valoriza o conhecimento partilhado entre especialistas numa interação Por outro lado e ainda que não podendo ser causa decisiva não é de desvalorizar uma necessidade de economia do espaço dado ser cada vez mais usual as revistas científicas imporem um limite 46 Rosier 2008 105107 Cest un discours citant sans discours cité cest un discours qui est traité comme un événement le DN permet de mentionner quun discours a eu lieu sans donner dexistence effective au discours cité Avec le DN on est ren seigné sur la thématique du discours sur lacte de parole sur les conditions de produc tion de lacte de parole E um discurso de condensação de uma enunciação 47 Só de forma aproximada se pode usar o termo literalidade dada a contextualidade do sentido Mantemos o termo para referir o que outros autores de modo também redutor chamam de citação integral O DR é uma manipulação do discurso alheio porque o locutor cede o lugar ao locutor citado de modos diferentes se é DD DI ou outros mas é uma cedência argumentativamente orientada o locutor cede a palavra nos termos que previamente determinou 27 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação de páginas palavras ou mesmo espaços Ora a citação direta é o mecanismo mais extenso à disposição do locutor para o relato de discurso e o referenciamen to em geral Os verbos introdutores do DI são verbos de opinião modalizados Nos arti gos analisados são verbos como argumentar considerar sugerir notar Mostram o processo de interpretação do locutor agregando nomeadamente o discurso re latado ao seu desenvolvimento enunciativodiscursivo ou à responsabilização pelo PDV expresso 15 Lecarme 2008 210 considera que em Somali as orações condicio nais são relativas livres modalizadas A6 e Haegeman 2010 220 221 faz notar que mesmo línguas como o inglês ou o francês apresen tam estratégias de relativização para expressar condicionais A6 16 Constatações deste tipo levaram Bosque 2012 a argumentar que no uso de dependência interna A2 17 Wilson 2005 fala de mente coletiva sugerindo que o nosso cérebro está especialmente preparado A8 Finalmente as ilhotas textuais integram um fragmento das palavras do locu tor citado no discurso do locutor citante permitindo um afastamento por desres ponsabilização enunciativa São sempre assinaladas graficamente Nos exemplos abaixo o itálico e as aspas marcam este estatuto 18 Wilson 2005 fala de mente coletiva sugerindo que o nosso cérebro está especialmente preparado para A8 19 Riemsdijk 2007 designa este tipo de relativas livres como transpa rentes e apresenta os seus contextos de ocorrência característicos A6 Das formas de citação em discurso relatado as mais frequentes são o discur so narrativizado e o discurso segundo ou modalizado formas não canónicas nos confins do discurso relatado 48 De facto a citação é em termos das estruturas sintáticas que caracterizam os modos de DD e DI muito pouco canónica e carac terizase por uma variedade de estruturas Tratase de uma forma de relato do discurso próxima do discurso indireto mas introduzida por um complemento com função de modalizador 20 Notese que de acordo com Landman Rothstein 2012b a decisão de gerar mais fases transtemporalmente idênticas em processos iterati vos é uma decisão contextual A1 48 Rosier 2008 99 intitula assim o capítulo que trata de formas não canónicas de DR 28 Discursos constituintes Este marcador de modalização de acordo com não condiciona o locutor a um posicionamento de convergência É similar a segundo X Assim tratase de atribuir a responsabilidade do PDV a um outro locutor para sobre ele encade ar o discurso Para além da argumentação no discurso em que o processo de referencia mento é uma estratégia fundamental o discurso relatado permite ao locutor ar gumentar a favor de uma determinada conclusão tomando o discurso do outro como argumento ou contraargumento atenuando ou matizando neste caso a relação com o outro 21 Para além disso de acordo com Cunha 2006 a iteração requer um intervalo pelo contrário o intervalo a que corresponde o PPC pode ter uma extensão variável A1 22 Segundo Ambar esse núcleo vazio teria de ser adequadamente regido na posição inicial da frase o que motivaria Porém o movi mento V não é necessário A4 Mais frequente com o discurso indireto não é incompatível com o DD 23 De acordo com Landman e Rothstein 2012b um estado s é homo géneo sse para cada A1 Por fim o discurso narrativizado dá conta da frequência da condensação dos discursos dos outros e próprios também representados frequentemente no discurso como propostas para o conhecimento científico A escolha destes itens lexicais proposto posição nos exemplos abaixo cria um efeito de sentido que valoriza a argumentação e a discussão com vista à legitimação dos resulta dos obtidos 24 Contrariamente ao que é proposto em Cunha 2006 A1 25 Idêntica posição é defendida em Silva 2007 A CONCLUSÕES Seguindo a proposta de Maingueneau 200011 sobre quem está autori zado a falar ou a ser destinatário no discurso científico demos espaço à aná lise da construção da voz autorizada do locutor na relação com as vozes que traz para o discurso e que designamos como referenciamento em artigos científicos da área das Ciências da Linguagem da autoria de investigadores seniores em revistas científicas portuguesas Retomar reorientar contestar os pares Todos os locutores recorrem às mes mas estratégias Sob a responsabilidade do locutor ainda que este não se respon 29 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação sabilize por todos os PDV de igual modo há uma conjunção de vozes que funcio na em rede geradora de uma coerência dialógica global a fim de construir uma voz única uma abstração que se pode designar como a voz da ciência Neste processo a credibilidade do locutor é assegurada O artigo científico é assim construído em função de uma intersubjetividade compartilhada que não põe em causa o rigor do conhecimento mas o enforma Ao considerar o discurso e não o enunciado passamos da constatação da proliferação de vozes para a análise das relações que o locutor com elas estabele ce a nível local e global Gerir o dialogismo em negociação com o alocutário é uma das tarefas do locutor na construção da textura enunciativa coesa e coeren te O referenciamento nas duas categorias identificadas mobiliza mecanismos linguísticos e discursivos diversos mas a escolha operada pelo locutor materiali za uma estratégia de argumentação discursiva e de legitimação de si próprio por um lado e participa em particular nos casos de citação na construção de um movimento argumentativo importante quer como argumento mais forte que le gitima a proposta do locutor quer como contraargumento relativamente ao qual a adequação do raciocínio desenvolvido se acentua com vista à construção do conhecimento científico num domínio específico Dos mecanismos linguísticodiscursivos selecionados referência simples multirreferência autorreferência e citação a condensação dos conteúdos relata dos prevalece ativando quer pela simples remissão ao autor e obra quer por meios diversos de citação os conteúdos compartilhados pela comunidade cientí fica Na análise realizada sobressai ainda o modo como os locutores dos diferen tes artigos se posicionam relativamente ao conhecimento científico em constru ção sistematicamente designado como proposta ou itens semanticamente simi lares Apesar das estratégias discursivas analisadas ficaram por referir outras es tratégias e mecanismos de construção da voz do locutor e de outras vozes mais ou menos identificadas e suas funções no discurso científico já estudadas no entan to noutros trabalhos Acentuámos a dimensão social da construção dos discursos científicos o que implica a necessidade de analisar o mesmo género noutras disciplinas e nou tras comunidades científicas nacionais e internacionais para obter uma análise mais completa Descrever e explicar as características do discurso científico passa ainda pela análise de outros géneros Daí a necessidade de continuar numa pers petiva contrastiva com outras áreas da ciência com outras tradições de investi gação em português e noutras línguas e noutras variedades da mesma língua 30 Discursos constituintes REFERÊNCIAS Adam J M 2015 Le problème du texte dans lanalyse du discours développée par Dominique Maingueneau 19762014 In Angermuller J Philippe G orgs Ana lyse du discours et dispositifs dénonciation Autour des travaux de Dominique Maingueneau pp 4150 Limoges Lambert Lucas Adam J M 2012 Analyse textuelle des discours niveaux ou plans danalyse Filol linguíst port n 142 191202 Adam J M 2010 A análise textual dos discursos entre Gramáticas do Texto e Aná lise do Discurso Eutomia Revista de Literatura e Linguística v 1 nº 06 114 http dx doi org10 19134eutomiav1i06 Amossy R 2000 Largumentation dans le discours Paris Nathan AuthierRevuz J 1984 Hétérogénéités énonciatives Langages n 73 98111 AuthierRevuz J 1982 Hétérogénéité montrée et hétérogénéité constitutive éléments pour une approche de lautre dans le discours DRLAV 26 91151 Bakhtine M 1984 Esthétique de la Création Verbale Paris Gallimard Benveniste E 1970 Lappareil formel de lénonciation Langages 17 1218 Boch F Rinck F 2010 Pour une approche énonciative de lécrit scientifique Lidil En ligne 41 514 acesso 31 ago 2013 httplidil revues org3004 Boch F Grossmann F Rinck F 2009 Le cadrage théorique dans larticle scienti fique un lieu propice à la circulation des discours In Lopez Munoz J M Marnette S Rosier L eds Actes du Colloque International Cidit pp 2342 Québec Nota Bene Brès J Nowakovska A 2005 Dismoi avec qui tu dialogues je te dirai qui tu es De la pertinence de la notion de dialogisme pour lanalyse du discours Marges Lin guistiques 137153 httpwww margeslinguistiques com acesso 22 de novembro de 2016 Bronckart J P org 1985 Le Fonctionnement des discours un modèle psychologique et une méthode danalyse Neuchâtel Delachaux et Niestlé Charaudeau P 2016 Sobre o discurso científico e a sua midiatização Calidoscópio Vol 14 n 3 550556 Charaudeau P 2012 Pour une interdisciplinarité focalisée Réponses aux réactions Revue Questions de communication n21 acesso 8 de setembro de 2015 httpwww patrickcharaudeau comPouruneinterdisciplinarite283 html Charaudeau P 2004 Visadas discursivas gêneros situacionais e construção textual In Machado I L Mello R ed Gêneros reflexões em análise do discurso pp 13 41 Belo Horizonte NadFaleUFMG Charaudeau P 2002 À quoi sert danalyser le discours politique Análisi del discurs polític IULAUPF Barcelone Charaudeau P Maingueneau D ed 2002 Dictionnaire danalyse du discours Pa ris Seuil Ducrot O 1984 Esquisse dune théorie polyphonique de lénonciation Le dire et le dit pp 171233 Paris Minuit 31 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação Defays J M 2006 Prolégomènes aune analyse critique des discours universitaires In SuomelaSalmi E Dervin F eds Perspectives interculturelles et interlinguis tiques sur le discours académique Crosscultural and crosslinguistic perspectives on academic discourse ebook pp 193219 Department of French Studies The Univer sity of Turku Finland Dervin F Fauveau S 2006 Problems in the construction of argumentative speech in a foreign language the instability of discourse objects In SuomelaSalmi E Dervin F eds Perspectives interculturelles et interlinguistiques sur le discours aca démique Crosscultural and crosslinguistic perspectives on academic discourse eb ook pp 1644 Department of French Studies The University of Turku Finland Fløttum K 2006 The typical research article does it exist In Salmi E Dervin F eds Perspectives interculturelles et interlinguistiques sur le discours académique Crosscultural and crosslinguistic perspectives on academic discourse ebook pp 16 44 Department of French Studies The University of Turku Finland httpwww hum utu firanskakkfran htm Fløttum K 2002 Polyphonie et typologie revisitées In Olsen M éd Polyphonie linguistique et littéraire V Roskilde Samfundslitteratur Roskilde Fonseca J 1994 Pragmática Linguística Introdução Teoria e Descrição do Portu guês Porto Porto Editora García García A 2014 La tiranía del factor de impacto Actualidad en farmacología y terapéutica Vol 12 Nº 1 2014 813 Grossmann F 2010 The scientific author Revue danthropologie des connaissances vol4 nº3 Grossmann F Rinck F 2004 La surénonciation comme norme du genre Lexemple de larticle de recherche et du dictionnaire de linguistique Langages 156 3450 Gustfield J 1976 The literary rhetoric of science comedy and pathos in drinking dri ver research American sociological review vol 41 nº1 1634 Hailon F 2012 Lénonciation dans les pratiques de lhétérogène Revue TRANEL 56 Travaux Neuchâtelois de Linguistique 119134 Hyland K 2008 Persuasion interaction and the construction of knowledge IJES vol 8 2 123 Hyland K 2002 Authority and invisibility Authorial identity in academic writing Journal of Pragmatics 34 10911112 Hyland K 2001 Humble servants of the discipline Selfmention in research articles English for specific purposes 20 3 207226 Hyland K 1996a Talking to the academy forms of hedging in science research articles Written Communication vol 13 251281 Hyland K 1996b Writing without conviction Hedging in scientific research articles Applied linguistics 17 4 433454 Maingueneau D 2014 Discours et analyse du discours Paris A Colin 32 Discursos constituintes Maingueneau D 2010 Manuel de linguistique pour les textes littéraires Paris Ar mand Colin Maingueneau D 2006 Análise do Discurso uma entrevista com Dominique Main gueneau Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVel vol 4 n º6 Trad G Á Othero www revel inf br Maingueneau D 2000 Analisando discursos constituintes Revista GELNE vol2 nº2 112 Maingueneau D Cossutta F 1995 Les discours constituants Langages 117 112 125 Marques M A 2018 Práticas discursivas em contexto universitário da leitura a escri ta In Momesso M R Campato Jr J Marques M A Corsi F Orgs Leitura e Escrita Experiencias e perspectivas a luz de uma abordagem discursiva pp 103 122 Porto Alegre CirKula Marques M A 2015 Para uma análise linguística dos discursos A heterogeneidade enunciativa como princípio ordenador da investigação Revista de Filoloxía Galega 16 107121 Prestigiacomo C 2016 Ciencia y manipulation discursiva en Legiones y Falanges Características raciales del comunismo In Prestigiaciomo C org Identità tota litarismi e stampa Ricodifica linguisticoculturale dei media di regime pp 257276 Palermo New Digital Frontiers srl Rabatel A 2018 Pour une reconception de largumentation à la lumière de la dimen sion argumentative des discours Argumentation et analyse du discours 20 119 DOI 10 4000aad 2493 Rabatel A 2015 Points de vue en confrontation substitutifs ou cumulatifs dans les contrepèteries in absentia In WinterFroemel E Zirker A eds Enjeux du jeu de mots Perspectives linguistiques et littéraires pp 3164 De Gruyter Rabatel A 2012 Positions positionnements et postures de lénonciateur TRANEL 56 Travaux Neuchatelois de Linguistique 2342 Rabatel A 2005 La part de lénonciateur dans la construction interactionnelle des points de vue Marges Linguistiques 9 M L M S Publisher httpwww margeslin guistiques com acesso 12 de outubro de 2012 Rabatel A 2004b La déliaison des énonciateurs et des locuteurs dans la presse sati rique Langage et société 110 723 Ramos R Marques M A 2016 Traços de didaticidade em discursos de divulgação científica mediática O caso de uma edição especial verde da revista Visão Revista de Estudos do Discurso REDIS 5 93118 Rentel N 2006 Evaluation in Italian and French research Articles in Linguistics In SuomelaSalmi E Dervin F eds Perspectives interculturelles et interlinguisti ques sur le discours académique Crosscultural and crosslinguistic perspectives on academic discourse ebook pp 5971 Department of French Studies The Universi ty of Turku Finland 33 Vozes da ciência Discurso científico e enunciação Reutner U 2010 De nobis ipsis silemus Les marques de personne dans larticle scien tifique Lidil 41 79102 httplidil revues org3013 Rinck F 2010 Lanalyse linguistique des enjeux de connaissance dans le discours scientifique Un état des lieux Revue dAnthropologie des connaissances vol 4 nº3 427450 Rosier L 2008 Le Discours rapporté en français Paris Ed Ophrys SuomelaSalmi E Dervin F eds 2006 Perspectives interculturelles et interlinguis tiques sur le discours académique Crosscultural and crosslinguistic perspectives on academic discourse ebook Department of French Studies The University of Turku Finland Swales J 2004 Research Genres Exploration and Applications Cambridge Cam bridge University Press Swales J 1990 Genre analysis English in academic and research settings Cambridge Cambridge University Press ANEXO ARTIGOS CIENTÍFICOS ANALISADOS A1 Oliveira F et al 2018 Sobre a natureza homogénea do Pretérito Perfeito Compos to em Português Europeu Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto Vol 13 5778 A2 Lopes A C 2015 A polifuncionalidade de mesmo no português europeu contem porâneo Diacrítica 321 4367 httpsdoi org10 21814diacritica 93 A3 Lopes A C 2015 Contributos para a caracterização das orações adverbiais intro duzidas por sem em português europeu contemporâneo Estudos Linguísticos Lin guistic Studies 10185196 A4 Matos G Brito A 2018 Relativas livres e interrogativas parciais paralelos e diferenças Revista da Associação Portuguesa de Linguística nº4 152167 A5 Oliveira F et al 2019 Revista da Associação Portuguesa de Linguística nº5 94 107 A6 Brito A Matos G 2018 Relativas livres e interrogativas parciais como Óscar Lopes viu algumas destas construções Revista de Estudos Linguísticos da Universi dade do Porto Vol 13 2956 A7 Silva A 2015 O que sabemos sobre a crise económica pela metáfora Conceptua lizações metafóricas da crise na imprensa portuguesa Media jornalismo A8 Silva A 2015 Discurso na mente e na comunidade Para a sinergia entre Linguís tica Cognitiva e Análise Crítica do Discurso Revista portuguesa de Humanidades Estudos Linguísticos