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See discussions stats and author profiles for this publication at httpswwwresearchgatenetpublication272415724 Geomorfologia a construção de uma identidade Chapter January 2013 CITATIONS 5 READS 1618 2 authors including Some of the authors of this publication are also working on these related projects GdM Cave Ancient Mines of Calabria region Southern of Italy census and scientific survey of the archaeological regional mining heritage View project Estudos sobre Geopatrimónio Projecto informal View project Luca Antonio Dimuccio University of Coimbra 135 PUBLICATIONS 473 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Luca Antonio Dimuccio on 24 November 2019 The user has requested enhancement of the downloaded file RISCOS NATURAIS ANTRÓPICOS E MISTOS HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR FERNANDO REBELO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA FACULDADE DE LETRAS U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A FICHA TÉCNICA Título Riscos naturais antrópicos e mistos Homenagem ao Professor Doutor Fernando Rebelo Edição Departamento de Geografia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra Coordenação e organização Luciano Fernandes Lourenço e Manuel Alberto Mateus Capa e contracapa António Barros Concepção gráfica e paginação Miguel Linhares Impressão Simões Linhares Lda ISBN 9789899681019 Depósito Legal 36412113 Tiragem 250 exemplares Os trabalhos apresentados são da responsabilidade dos Autores Fernando Rebelo no centro de Santa Cruz Ilha da Graciosa 2013 Fotografia cedida pela Profª Doutora Maria de Lurdes Rebelo 779 Geomorfologia a construção de uma identidade Antonio Gama Departamento de Geografia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra amgamaciucpt Luca Antonio Dimuccio Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território CEGOT Departamento de Geografia e Departamento de Ciências da Terra Universidade de Coimbra lucaciucpt Resumo Neste texto propusemonos avaliar como a Geomorfologia se afirmou através da história dos temas que vieram a constituir o seu campo de estudos e do modo como se processou a sua institucionalização disciplinar nas universidades e nas sociedades científicas Esta avaliação teve ainda em consideração de acordo com a natureza dos contextos científicos de cada época e de cada país os métodos e as linguagens que a própria Geomorfologia foi elaborando Palavraschave Epistemologia Sociologia da Ciência Geomorfologia Geologia Geografia Abstract Geomorphology the construction of an identity In this paper we proposed to evaluate how the geomorphology was affirmed by means the history of themes that came to constitute its fieldstudy and how their disciplinary institutionalization was processed in the universities and scientific societies This review also took into consideration in accordance with the nature of scientific contexts of every epochs and country the methods and languages that own Geomorphology was elaborating Keywords Epistemology Sociology of Science Geomorphology Geology Geography 780 Le hasard a joué un grand rôle dans la manière dont se sont développés les sciences lors de leur période initiale Le cas de la géomorphologie est particulièrement caractéristique à ce point de vue TricarT 1965 1 Introdução No estudo das formas da superfície da Terra a Geomorfologia aparece como um campo científico distinto mas com alguns problemas de identidade relacionados muitas vezes ao seu posicionamento na encruzilhada entre as áreas do saber mais abrangentes que se identificam como Geologia e Geografia O problema de identidade da Geomorfologia suscita uma reflexão acerca do seu lugar particularmente nos estudos universitários e das suas consequências na constituição do próprio discurso O estudo histórico da posição da Geomorfologia na partilha académica pode ser visto sob duas perspetivas distintas uma que aborda a história do seu desenvolvimento cruzandoa com um olhar epistemológico em cada fase de desenvolvimento outra que procura contextualizar essa história com os processos de partilha disciplinar na organização dos estudos em países com diferentes tradições académicas Uma e outra via contribuem para aclarar a razão do surgimento de temas de estudo específicos da elaboração de linguagens e da adoção de métodos Por muito pouco tentado que seja pela especulação filosófica o cientista que queira escrever a história da sua disciplina não pode ignorar esta questão quando começa a ciência Por exemplo quando pomos esta questão no que se refere à Geomorfologia não podemos deixar de nos lembrar daquilo que diz Gohau 1987 para a Geologia a Geologia só surge como disciplina científica de pleno direito e dotada de instituições no fim do século XVIII Mas no que respeita à Geomorfologia a dificuldade aumenta já que podemos falar de mais do que um começo Ora se desde tempos préhistóricos o homem toma conhecimento do meio que o rodeia em virtude de ter de arrancar à Terra os seus recursos e as suas ferramentas e forja ao mesmo tempo os mitos acerca da criação do mundo Assim o objetivo da Geologia pode ser definido por uma dupla preocupação por um lado conhecer a parte da Terra acessível à observação conhecimento esse em boa medida partilhado com a Geomorfologia e por outro construir a história dessa mesma Terra Nesta medida o homem de há muito que faz Geologia ou mesmo Geomorfologia mesmo quando estas palavras ainda não existiam Por conseguinte embora a preocupação com o estudo das formas do relevo remonte a tempos antigos foi sobretudo a partir dos séculos XVI e XVII que se assistiu a uma renovação da curiosidade apoiada em novos modos de ver a natureza assim como na elaboração de novos caminhos metodológicos 2 Os temas geomorfológicos e o nascimento da modernidade uma curiosidade renovada séc XVIXVII Os pioneiros naturalistas do século XVI diferenciavamse dos precedentes por um novo modo de ver que se ia constituindo entre os interessados pelos assuntos sustentando Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 781 se primordialmente na experiência do inventário dos factos não sem se entrecruzar com as heranças com as suas verdades e os seus mitos Os factos de que tratam quer a Geologia quer a Geomorfologia só foram reconhecidos tardiamente pelo facto de por causa da sua lentidão serem de difícil identificação Apenas alguns observadores de qualidade excecional como Leonardo da Vinci 14521519 e Bernard Palissy 15101589 no Renascimento reconheceram e deixaram registo em resultado do seu envolvimento na construção de canais adquirindo a convicção de que os rios modelavam o seu leito e que os vales eram o resultado deste lento escavamento Em Leonardo da Vinci a observação suplanta a teoria pois o encargo de ordenamentos hidráulicos na planície do Rio Pó na Itália fêlo expor ideias mais justas ao tempo acerca da erosão fluvial Por exemplo diznos que nos Alpes domina o escavamento na planície o rio transporta aluviões fragmenta os e depositaos provocando inundações e mudanças no leito Leonardo da Vinci pode pois considerarse como pai do fluvialismo quando escreve cada vale é cavado pelo seu rio e a relação entre vales é a mesma que entre os rios Leonardo da Vinci e sobretudo o seu contemporâneo Bernard Palissy formulam a solução certa acerca da origem das águas fluviais mas não são seguidos pelos seus contemporâneos Broc 1996 Estas reflexões registadas nos seus cadernos ficaram inéditas até ao fim do século XVIII e por consequência não tiveram continuidade no desenvolvimento do pensamento científico Estes e outros contemporâneos foram também sensíveis a muitos dos enigmas que se prendiam com a história da Terra Uma das preocupações maiores conforme ao espírito do tempo foi a identificação das formas do relevo onde estava implícita a relação entre os nomes e as coisas Nessa identificação das formas do relevo perduravam ainda as ideias aristotélicas que durante muito tempo foram a base para a explicação dos fenómenos físicos reservado ao físico submetido ao postulado estoico da analogia do microcosmo e do macrocosmo que assimila a terra ao corpo vivo Gusdorf 1985 O vocabulário geográfico atual nas diversas línguas atesta a persistência deste viés analógico como sejam colo côte cuesta costeira mamelon mamelão gorge garganta cabeço veio etc Esta abordagem facilitava a explicação de um sem número de fenómenos que escapavam ainda à observação pela insuficiência de dados e de meios de investigação Gusdorf 1985 Porém iam sendo formuladas algumas intuições acerca dos mecanismos geradores das formas do relevo Disso é exemplo uma controvérsia que opunha os que pensavam que os vales eram depressões nos quais se instalavam os rios e aqueles que ao contrário como Leonardo da Vinci que eram estes os que escavavam os vales onde corriam reynaud 1971 Já se anunciava a descoberta dos processos ela imporseá numa fase seguinte 3 Os modernos do séc XVIII ao séc XIX as primeiras interpretações Os finais dos séculos XVIII e XIX são respetivamente dois momentos chave na história da Geomorfologia Um assinala a transposição simultânea dos limiares de positividade e de epistemologização quando o discurso geomorfológico se autonomiza em relação aos processos e este mesmo discurso se estrutura numa série de enunciados articulando formas e processos num todo coerente de vocação normativa O outro momento diz respeito à emergência de novas leis sobre a escultura fluvial ou glaciária e à formulação da teoria do ciclo de erosão Geomorfologia a construção de uma identidade 782 Umas e outras acompanhadas de modalidades de institucionalização e de denominação do campo de estudos O primeiro momento é o resultado na Europa nomeadamente França e Reino Unido de uma sucessão de acontecimentos técnicocientíficos de descobertas que um ambiente intelectual de ampla discussão tornou propício Ao longo do século XVIII vaise impondo com os filósofos das Luzes o espirito científico moderno que abriu caminho à positividade e a uma nova arrumação dos saberes Por outro lado o desenvolvimento técnico devido principalmente aos engenheiros pelo facto de estarem envolvidos na construção de estradas de canais de portos e da necessidade do conhecimento da origem e da disponibilidade dos recursos materiais para levarem a cabo essas obras levou à tomada de consciência da existência de uma dinâmica do modelado terrestre Assim de Lambardie tenta avaliar o trânsito dos calhaus ao longo do litoral do Pays de Caux para estimar as dragagens necessárias à manutenção dos pequenos portos Du Bois igualmente engenheiro de estradas relaciona a dimensão das partículas transportadas pelos cursos de água com a velocidade da corrente O modo de pensar destes precursores era espantosamente moderno e bem mais próximo de nós que o de muitos geomorfólogos do início do século XX Estes práticos abordavam a Geomorfologia a grande escala pelo exame de pequenos factos se bem que de uma grande importância prática Mesmo quando Surrell seu continuador elabora em França no final do reinado de LouisPhilippe a sua teoria das torrentes esta não trata de um modelado de pormenor Neste século XVIII o papel de Legislador da Geografia Broc 1996 vem a caber a Philippe Buache 17001773 Arquiteto de formação considera que as montanhas constituem a armadura do globo Para ele qualquer linha de partilha das águas é uma cadeia de montanhas e por isso a superfície dos continentes se encontra assim dividida em bacias hidrográficas perfeitamente estanques Broc 1996 Nesta segunda metade do século XVIII a Geologia conhece um desenvolvimento espetacular Charles Louis Leclerc Conde de Buffon em Époques de la nature 1778 afirma que a Terra tem uma história que o sábio pode decifrar Numa parte da obra a Teoria da Terra apelava a causas tão próximas quanto possível das que existem ainda hoje procurando os efeitos que ocorrem todos os dias dos movimentos que se sucedem e se renovam sem interrupção operações constantes e sempre reiteradas Buffon cit por Gohau 1987 Embora pioneiro da ideia de evolução a sua conceção de tempo pressupunha um retorno cíclico dos mesmos acontecimentos Os seus interesses abarcavam ainda outros temas relacionados com a origem das rochas e das montanhas Ao mesmo tempo Gueltar e Desmarest identificam os antigos vulcões do Auvergne e Dora e Lehmann reconhecem que as montanhas têm idades diferentes Para explicar a origem dos relevos afrontamse neptunistas e vulcanistas os primeiros como Werner atribuem a formação das rochas e das montanhas ao oceano enquanto os segundos como James Hutton fazem intervir o fogo central da Terra Por sua vez Saussure cujas dúvidas quanto à estabilidade do solo que nos suporta foram suscitadas pela observação das conchas marinhas sobre os cumes alpinos abrem caminho a novas interpretações acerca dos mecanismos que intervêm na formação da superfície da terra Mas estas dúvidas não têm efeito de forma imediata já que o dilúvio universal estava lá para tudo explicar e mesmo Voltaire vem em socorro dessas velhas crenças A Geomorfologia académica vai nascer deste ambiente intelectual embora com um século de atraso em relação à dos engenheiros por intermédio da Geologia Foram os primeiros Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 783 geólogos no fim do século XVIII que tiveram nisso um papel decisivo Entretanto dos seus trabalhos afirmouse a evidência geológica de uma evolução geomorfológica que foi fazendo o seu caminho pois o estudo das formas só podia desenvolverse à medida dos progressos das Ciências da Terra Os fundadores do pensamento geológico sob o signo da explicação causal além de desvendarem a história da Terra e a origem das rochas vão decifrando os mecanismos da formação do relevo Uma das primeiras tentativas devese ao escocês James huTTon 17261797 que foi um dos primeiros a expressar claramente a evolução das formas da superfície da Terra Na sua obra A Teoria da Terra de 1795 reconhece nas bacias hulheiras inglesas que à época passaram a ter um grande interesse económico as discordâncias das camadas que o levou a admitir a formação das montanhas e a sua destruição total pela erosão antes da deposição de novas camadas A sua formação de medicina na época das Luzes explica em parte a sua teoria da Terra pois passa da circulação do sangue no microcosmo que é o homem para um sistema que assenta na circulação da matéria O autor chega à Geologia através da prática da agricultura a que se dedicou concluído o seu curso de medicina Para ele o solo provém da degradação das rochas mas o solo é necessário ao crescimento das plantas então é preciso que a erosão ataque as montanhas para que se forme a terra arável mas esta é arrastada pelas águas correntes até ao mar Este movimento do alto para o baixo nivelaria os continentes se não fosse contrariado um movimento no sentido oposto que repara assim os efeitos do primeiro Gohau 1987 Plutonista convicto Hutton supõe que os relevos são edificados pelo soerguimento das rochas sob o efeito do calor interno e para explicar a evolução posterior da superfície terrestre invoca a ação lenta e repetida dos rios e dos glaciares O seu contributo de maior originalidade foi certamente a explicação dos vales Broc 1996 Depois da morte de Hutton em 1797 John Playfair 17481819 seu amigo matemático de formação fez com que as suas ideias fossem popularizadas Este aborda dois aspetos principais a formação das montanhas e a sua destruição pela erosão fluvial Este último aspeto sublinhao Henry Baulig quando diz no domínio do que se designava então por Geografia Física e que mais tarde se designou de Fisiografia e enfim mais exatamente Geomorfologia em particular sobre o terreno da morfologia dita normal a obra de Hutton refeita pelo seu discípulo Playfair marca sem contestação um progresso maior BauliG 1950 Apesar do rigor da demonstração o plutonismo de HuttonPlayfair tem poucos seguidores e o catastrofismo permanece poderoso até ao fim do século XIX Mais tarde outro geólogo Charles lyell 17971875 que começou por ser colecionador de insetos e depois de cursar Direito passou a praticar Geologia como amador No seu célebre Princípios de Geologia publicado em 1830 que conheceu uma série de edições e foi traduzido em várias línguas deu um grande impulso à reflexão que se propunha como uma tentativa para explicar as modificações na superfície da Terra com as causas que agem atualmente lyell cit por Gohau 1987 Nesta obra o autor procede como os antecedentes à análise dos processos que destroem as rochas como o gelo transportam os detritos especialmente as águas correntes e que ao mesmo tempo no decurso dos tempos geológicos destroem as montanhas e fornecem uma parte dos sedimentos que serão a matéria graças à qual novas montanhas serão edificadas Nascia então da evidência geológica uma Geologia académica A afirmação desta ciência reúne a partir de então as condições essenciais a qualquer ciência que persegue sua autonomia um corpo teórico autónomo reconhecido a constituição Geomorfologia a construção de uma identidade 784 de instituições sociais eg Sociedades de Geologia e de Geografia e académicas eg Escolas de Minas e a evidência da sua utilidade eg a exploração dos recursos mineiros e materiais líticos para a construção deposição costeira das areias e a manutenção dos portos etc Sucessivos debates desde o final do século XVIII atravessam a história natural sobre a origem das rochas o tempo da história da Terra Acerca da origem das rochas os neptunistas como Werner viramse suplantados pelo vulcanistas como Hutton Sobre a ideia de tempo contra Lamarck Cuvier impôs o catastrofismo contra Cuvier Lyell fez a apologia do uniformitarismo 4 Os fundadores da Geomorfologia a explicação das formas da superfície da Terra Na segunda metade do século XIX assistese à constituição de um novo campo de estudo específico que se vai afirmando através da interpretação dos processos e das dinâmicas relacionadas com as formas da superfície terrestre mas também das querelas sobre a delimitação dos campos de estudo e das formas da sua institucionalização académica de cada um das disciplinas em disputa de reconhecimento Neste processo que culminou com a adoção da designação Geomorfologia foramse constituindo as linguagens em que se sustenta a sua originalidade e fazendo a delimitação dos temas de estudo nomeadamente a diferenciação em relação à Geologia em cujo domínio se diluiu durante muito tempo Foi um grupo de naturalistas interessados pela Geografia Física que conseguiu inicialmente o respeito académico para a Geografia Entre eles deve referirse na Grã Bretanha Mary BomerVille 17801872 a primeira mulher com destaque no campo da Geografia que deu o primeiro passo com a sua obra Geografia Física publicada em 1848 Era uma obra sem ilustrações onde procedia à descrição detalhada da topografia de cada continente e da distribuição da fauna da flora e dos seres humanos O livro não era uma simples Geografia Física visto que tratava também das atividades humanas mas era já algo mais que um trabalho de tradição cosmográfica Estes estudos inicialmente designados como Geografia Física ainda com delimitações pouco claras cuja utilidade social era mais formativa escolar o que lhes conferiu respeito académico Na sequência da obra de Darwin a Geologia e a Biologia chegaram a ser os ramos mais ambiciosos dentro das Ciências Naturais com profundas implicações em vários domínios as ideias de seleção e luta de adaptação ao meio e de evolução sToddarT 1986 A Geologia era importante porque com a ajuda da Paleontologia que estuda os fósseis permitirá ver com maior claridade o processo evolutivo das espécies animais e vegetais Estas ciências haviam formado parte da Geografia cosmográfica e o seu desenvolvimento como ciência independente trouxe consigo a criação de novas cátedras universitárias constituído uma ameaça para as reivindicações universitárias da Geografia cuja oportunidade se manifesta igualmente A Geografia em particular a Geografia Física ganha um crescente interesse social nomeadamente no campo do ensino O terceiro quartel do século XIX foi um período crítico no desenvolvimento da Geografia no Reino Unido Assistiuse ao estabelecimento do tema nas antigas universidades à instituição da educação elementar universal na qual a Geografia teve um papel importante e à organização de um sistema de exames nacional que serviram para Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 785 impor padrões uniformizados numa disciplina em expansão Este foi acompanhado por um movimento de opinião na Royal Geographical Society e na Association for the Advanced of Science no que dizia respeito à exploração de uma nova visão de Geografia Científica O seu desenvolvimento pode ser considerado como uma parte da revolução que se inspirou na obra de Charles Darwin A Origem das Espécies 1859 cujas influências na Geografia são hoje bem conhecidas Durante este período no Reino Unido nenhum outro trabalho assumiu um importante papel na consolidação dos estudos de Geografia como o de Thomas Henry huxley 18251895 A sua obra Physiography com primeira publicação em 1877 definiu para uma geração o modo como os aspetos físicos da terra deviam ser estudados de como se devia orientar a educação escolar num período de rápida extensão a todas as partes do país e a todos os sectores da população Huxley participou numa das viagens de exploração científica de meados do século e esteve ligado à Escola de Minas de Londres como assistente de História Natural Foi naturalista na Geological Survey em 1854 seguindo depois uma carreira relacionada com a educação em várias escolas terminando no início dos anos oitenta na Normal School of Science Promotor das ideias de Charles Darwin destacouse desde a sua obra Mans place in nature de 1862 carreira que culminou com Physiography A partir de 1869 depois de ter utilizado nos seus cursos a designação de Geografia Física fixase no termo Fisiografia quando ainda não se usava a palavra Geomorfologia e apenas morfologia num sentido muito amplo assim como outros termos com sentido mais vago e abrangente Uma das razões do êxito do livro de Huxley foi a de mostrar novas e mais interessantes formas de aprendizagem ligadas diretamente com a experiência do aluno A ênfase na experimentação e na aprendizagem por meio de estudos locais trabalhos de campo e excursões sua principal característica veio dar uma grande importância à Geografia Física rebatizada de Fisiografia tornandoa no final do século uma matéria escolar popular A Fisiografia era considerada nesse momento como uma parte integrante da Geografia sendo mesmo a mais importante Com o advento de outras ciências especializadas no estudo da Terra a Fisiografia deixou como matéria de fazer parte dos programas O seu lugar foi ocupado por uma nova ciência a Geomorfologia introduzida por Huxley em 1895 na GrãBretanha Pela mesma época na Alemanha desenvolviase uma escola de Geografia com grande pujança que se ia tornando com a criação de novas cátedras universitárias constituídas para dar corpo às reivindicações universitárias da disciplina uma ciência independente O alemão Oscar Peschel 18261875 soube aproveitr este movimento de forma decisiva Autor da obra Newe Probleme der vergleichender Erdkunde als Versuch einer Morphologie der Erdoberflache 1870 que apesar de não ser um libro de grande nível científico tirou partido do momento para propor para os geógrafos o estudo da morfologia da superfície terrestre Os geólogos tinham nessa altura dado prioridade no domínio da história da Terra a tarefas de outro alcance tais como o desenvolvimento da escala do tempo geológico e a cartografia sistemática dos tipos de rochas e da análise de fósseis de maneira que não foi difícil tomar conta do estudo da morfologia terrestre Existia por isso um campo geral em que a Geografia podia abrir caminho como disciplina científica convertendose na segunda metade do século XIX na área de investigação da maioria dos professores que ocupavam as cátedras universitárias de Geografia E o facto de os professores precisarem de títulos universitários preferencialmente o doutoramento foi uma causa da geologização da Geografia durante as décadas 18701880 Geomorfologia a construção de uma identidade 786 holTJensen 1992 Entre os académicos que possuíam uma formação científica no campo da Geologia refirase Ferdinand Von Richtofen 18331905 cujo ensino da Geografia e dos seus alunos se centrou no estudo da morfologia terrestre e Albrecht Penk 18581945 que influenciou ainda mais o seu desenvolvimento Penk assim como Richtofen era geólogo de formação mas estava interessado no estudo do Quaternário tendo trabalhado na identificação dos períodos glaciares e na morfologia glaciárica em geral Na sua juventude desenvolveu uma teoria acerca do glaciarismo que utilizou para explicar grande parte das formas de relevo do norte da Europa A sua principal obra 19011909 trata dos períodos glaciares nos Alpes e dos seus efeitos na sedimentação quaternária A sua sistematização em quatro períodos ie Günz Mindel Riss e Würm constituiu um marco fundamental no desenvolvimento da morfologia glaciárica Após um doutoramento em Geografia aos 27 anos foi designado para uma cátedra de Geografia Física em Viena passando em 1906 para Berlim onde permaneceu até à morte Nos títulos das suas obras predominam termos como Morphologie ou Morphologische analyse Nos Estados Unidos a afirmação da Geomorfologia como unidade disciplinar autónoma aparece associada a tradições académicas distintas das da Europa no domínio privilegiado a Geografia Física e na instituição académica as Faculdades de Ciências Neste processo de institucionalização da disciplina teve um papel decisivo William Morris Davis 5 William Morris Davis e a teoria do ciclo de erosão Qualquer percurso pela história da disciplina embora se possam referir predecessores notáveis no domínio da exploração de novas terras nunca poderá deixar de referir em primeiro lugar a figura incontornável de William Morris Davis Com o norteamericano William Morris daVis 18501934 personalidade proeminente neste campo o estudo do relevo terrestre atinge uma espécie de maturidade passando do empirismo descritivo ao raciocínio dedutivo chorley et al 1973 BauliG 1950 Broc 1996 Davis defendeu com sucesso a autonomia da ciência do estudo das formas do relevo primeiro Fisiografia depois Geomorfologia daVis 1909 Em contrapondo à Geologia clássica definiu o seu método e procurou uma terminologia própria assegurando uma audiência universal pela sua atividade sem descanso e o seu talento de apresentador Muito novo aos 16 anos Davis entrou na Universidade de Harvard tornandose bacharel em ciências com um diploma de engenheiro Em 1875 segue sob a direção do geólogo Shaler um curso de férias sobre trabalho de campo que o entusiasma para o estudo das formas do terreno Aos 28 anos é encarregado de ensinar Geografia Física e Meteorologia Entretanto faz trabalhos de Geologia estratigráfica e tectónica de que produziu quase três dezenas de memórias Mas entretanto o rumo na direção da Geografia ia sendo traçado A este trajeto científico não foi indiferente o contexto em que se desenvolveu foi no Oeste dos Estados Unidos que os princípios da erosão normal ocorreram no seu raciocínio Com o espírito mais liberto de teorias que os colegas europeus da Geografia Física os geólogos norteamericanos souberam dar um nova visão das coisas Davis escreveu que os princípios da Geografia Física não são indiferentes ao país em que foram desenvolvidos Nos países húmidos a vegetação oculta a relação estreita que existe entre a estrutura do subsolo e a forma da sua superfície mas salta aos olhos em regiões áridas tais como nos nossos estados do sudoeste daVis cit por Broc 1996 Esta consciência da importância da região é testemunho do reconhecimento que Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 787 tiveram os pioneiros Powell e Gilbert na exploração e no conhecimento geológico da América do Norte como Davis em diversos passos da sua obra reconheceu O momento de viragem dáse em 1889 quando Davis publica o seu famoso trabalho sobre os rios e os vales da Pensilvânia e com ele fixa um novo campo de estudo daVis 1909 Desde então as suas contribuições para a Geomorfologia sucederamse sem interrupção até ao seu último dia desde ensaios aulas conferências ensinando e polemizando por toda as partes do mundo em Universidades nomeadamente nos Estados Unidos e na Europa como Oxford 1908 Berlim 19081909 e Sorbonne Paris 1911 Durante muito tempo foi sob a designação de Fisiografia que nomeou o campo de estudos que praticava termo profusamente usado nos seus escritos até aos anos oitenta quando a partir de 1889 passou a adotar um novo nome Geomorfologia O êxito da Geomorfologia sobre outros termos como Fisiografia ou mesmo morfologia estava consumado e assim como a sua inclusão no campo da Geografia tinha dado um passo decisivo Do ponto de vista epistemológico o principal mérito de Davis foi o de com base nas inúmeras observações e ideias acumuladas antes de ser fundidas num conjunto coerente ter elaborado uma descrição explicativa das formas de relevo aceitável por todos os geógrafos por contraste com as descrições empíricas Acrescenta uma dimensão temporal evolutiva aos modos de fazer anteriores pois antes de si as formas topográficas eram consideradas isoladamente e de um modo estático conduzindo a classificações puramente descritivas ou genéticas O princípio organizativo do autor não se fixava na simples causalidade mas antes na ideia de uma mudança constante das formas através do tempo como sistematizou no seu esquema do ciclo de erosão daVis 1909 A dimensão temporal evolutiva é justificada por Davis do seguinte modo as formas podem ser dispostas numa sequência evolutiva baseada na estrutura no processo e no estádio de evolução ferreira 1999 Structure process and stage são as palavraschave da morfologia davisiana Assim as formas do relevo passam por fases sucessivas de juventude de maturidade e de velhice para atingir o estádio final na verdade mais teórico que real a peneplanície O ciclo de erosão Davis diz também ciclo geográfico ou ciclo vital inaugurase por um soerguimento brutal do terreno que determina a retomada da erosão Broc 1996 Esta interpretação cria uma nomenclatura conceptual com valor descritivo e evolutivo ora de conceitos empíricos ora teóricos Depois de ter construído o seu ciclo ideal para o relevo normal ou fluvial Davis tenta com menos êxito aplicar a noção de ciclo aos relevos glaciários áridos cársicos e litorais daVis 1909 Broc 1996 A receção das ideias de Davis fezse de forma desigual na Europa do seu tempo Na Alemanha onde o seu acolhimento se fez com interesse mas sem entusiasmo surgiram as primeiras grandes objeções umas objetando o excesso de teoria e pelo dedutivismo em que se baseavam as suas ideias heTTner e PassarGe cit por Broc 1996 outras pela contraposição de interpretações alternativas alBrechT e Penk cit por Broc 1996 Já em França a sua obra teve um muito bom acolhimento Neste país o primeiro advogado de Davis foi um jovem autodidata Emmanuel de marGerie 18621953 Leitor de Powel e de Gilbert desde 1883 Margerie descobre em 1886 o primeiro artigo importante de Davis Geographical classification e vem a publicar em associação com o general de La Noé Les Formes du Terrain manifesto de geografia científica onde pela primeira vez em França Geologia e Topografia aparecem combinadas Margerie felicita Davis por ter feito da Geografia Física uma disciplina não apenas descritiva mas científica Albert de laPParenT 18391908 autor de umas Leçons de géographie physique é também por ele influenciado nomeadamente pelo Geomorfologia a construção de uma identidade 788 artigo acerca dos rios da Pensilvânia As ideias de Davis encontramse também em Emmanuel de marTonne 18731955 em especial numa primeira fase antes de tomar distâncias após a primeira guerra mundial Influenciado pelos colegas alemães Martonne reprova ao mestre de Harvard o seu espírito demasiado sistemático um pouco abstrato construtor mais do que observador preferindo o método indutivo e naturalista ao dedutivismo daquele Broc 1996 No entanto o conceito de erosão normal perdura ainda muito tempo na sua obra Entre os davisianos de maior nomeada contase Henry BauliG 18771962 cujo labor fez desenvolver muito em França a Geomorfologia Admirador e seguidor de Davis dedicalhe uma detalhada biografia Loeuvre de William Morris Davis publicada em 1948 LInformation géographique mais tarde acaba por assumir alguma distância em relação a obra do autor americano 6 O movimento renovador da Geomorfologia após a segunda guerra mundial A partir da segunda metade do século XX assistiuse a mudanças que abriram novas perspetivas que conduziram a novas problemáticas mais dinâmicas e aplicadas Dando conta desta situação TricarT 1965 escrevia em Principes et Méthodes de la Géomorphologie que apesar do atraso considerável que resultou da adoção de esquemas inadequados e de uma conceção inexata das relações mútuas entre ações internas e externas a Geomorfologia chegou atualmente a um período de mutação rápida Nessa mudança o problema dos métodos revestiase de uma importância particular O corte da guerra desempenhou um papel muito grande abrindo caminho a uma renovação temática e metodológica logo a partir dos anos cinquenta por um lado assente na crítica da interpretação davisiana e à sua teoria do ciclo de erosão e que conduziu mais tarde a uma reavaliação do modelo de Davis por outro no abrir dos caminhos de uma rutura mais radical com a herança davisiana A crítica à perspetiva de Davis baseouse em larga medida na questão dos métodos Influenciada pelos geomorfólogos alemães que ao defenderem uma visão empírica de matriz historicista fizeram de forma continuada do modelo dedutivo de Davis objeto de crítica A pouco a pouco alguns autores que inicialmente o tinham seguido passaram a introduzir nas suas interpretações uma variedade de ciclos em função dos contextos climáticos ou litológicos BauliG 1950 BiroT 1955 1959 1960 ou mesmo na particularidade dos estudos regionais realizados abrindo caminhos ao desmembramento da visão dedutiva geral A esta seguese uma nova reavaliação da teoria davisiana agora mais numa prospetiva da sua adequação a uma escala média de análise chorley 1965 Em França as conceções davisianas que tinham desempenhado um lugar importante ao ponto de se poder falar de uma doutrina oficial como o faz Tricart perderam rapidamente terreno Já antes um espirito penetrante como Martonne tinha apontado algumas situações de evidências morfoclimáticas as quais se mostram decisivas para em 1946 vir a introduzir a expressão de Geografia Zonal O próprio Henry Baulig admirador de Davis viuse levado a tentar o exame das possibilidades de aplanamento nos diferentes meios morfoclimáticos A seguir à guerra em França assistiuse a ascensão de uma nova geração de geomorfólogos que as circunstâncias abriram a diversas influências com efeito benfazejo Dos alemães veio o conceito de Geomorfologia climática e que foi rapidamente desenvolvido A propósito disso Tricart diz nós fizemos dele a base da nossa atividade científica e em 1955 fizemos uma primeira Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 789 exposição detalhada sobre o assunto De seguida BiroT 1959 retomouas no seu Précis de Géographie Physique Foi também decisivo no plano do método ao contributo de cholley 1950 No Reino Unido por sua vez o desenvolvimento da Geografia Física e em particular da Geomorfologia caraterizouse pela difusão de novas ideias que o rompimento das barreiras linguísticas favoreceu Autores alemães como Penk franceses como Baulig tinham passados pelas universidades inglesas logo antes da segunda guerra mundial No período a seguir o conflito sobressaem três correntes principais uma que alarga os horizontes temáticos apoiandose em novas técnicas outra que agrupa as propostas alternativas ao modelo davisiano e uma outra que estende o modelo a novos campos de estudo como os costeiros e os glaciários As novas interpretações fundamse numa avaliação epistemológica envolvendo quer os métodos como os processos e consequentemente as linguagem e as escalas de análise Dum ponto de vista epistemológico são propostas interpretações que mostram uma sequência alternantes e muitas vezes simultâneas entre positivismo e historicismo caPel 1983 Grau e sala 1982 Outros procuram evidenciar um corte epistemológico entre o período davisiano e da erosão normal e um período póstdavisiano associado a ideia dos sistemas morfogenéticos Este período apresenta uma variedade de perspetivas que convivem entre si mas umas radicadas em tempos anteriores outras recentemente afirmadas como ilustra a Figura 1 Figura 1 Ascensão e queda de alguns conceitos e campos de estudo em Geomorfologia Fonte orme 2002 Geomorfologia a construção de uma identidade 790 No último quartel do século XX convivem uma grande variedade de Geomorfologias as quais podem ser sintetizadas em três tipos principais a estrutural b litológica e c climática A escolha inevitável duma dominante é função do objeto de estudo Estas noções de Geomorfologia estrutural litológica e climática são artificiais na medida em que estes três fatores intervêm simultaneamente reynoud 1971 Os trabalhos de investigação mais do que se isolar num só dos tipos referidos procuram interrelacionalos dando maior enfase na construção da problemática à combinação entre os tipos Muitas vezes o que numa visão formal leva a classificar as investigações num único género não passa além das aparências pois por exemplo o tipo de rocha permite também muitas vezes inferências de carater climático e mesmo estrutural Assim sendo nas novas perspetivas da morfogénese reavaliamse as temporalidades e o ritmo dos processos pondo em discussão as velhas teorias do uniformitarismo e do catastrofismo Um dos aspeitos que denota a mudança nos modos de ver é a linguagem Com a revisão da perspetiva davisiana operase uma mudança do vocabulário a crítica ao ciclo de erosão de Davis deu lugar ao sistema de erosão de BiroT 1960 e mais recentemente ao sistema morfogenético e à morfogénese BiroT 1960 TricarT 1965 reynaud 1971 Como consequência dessas mudanças a multiplicidade dos processos erosivos conduziu a adoção duma visão sistémica modo de ver que então começava a emergir no discurso científico com a designação de sistema de erosão Este conceito devese a cholley 1950 como mostra a toda a hora o sistema de erosão glacial e o de erosão desértica é um todo complexo de agentes é um verdadeiro sistema de erosão que cada clima põe em ação Ao conceito de sistema de erosão sucede um outro mais abrangente o de sistema morfogenético em que os processos de erosão e acumulação variam ao longo do tempo e em que o contínuo é substituído pelo descontínuo A consideração dos ritmos da morfogénese elemento nuclear da reflexão epistemológica desde a constituição do estudo da Geomorfologia expressouse na oposição entre catastrofistas e atualistas Com Davis se a evolução do relevo se inicia por uma catástrofe é a continuidade da erosão que durante o ciclo domina Na atualidade a Geomorfologia dinâmica moderna aliada ao conceito de sistema de erosão depois morfogenético impõese e enriquecese com os contributos de um neocatastrofismo Assim a dinâmica da morfogénese abrese e enriquese com a abordagem sistémica Ballais 2000 7 A abordagem geossistémica e a complexidade No âmbito das metodologias é comummente aceite que numa investigação científica que se pretenda mais realista não é viável construir conhecimento sem considerar a priori o conjunto dos saberes já adquiridos as regras metodológicas pressupostos postulados e teorias apesar de que possivelmente nem todos serão igualmente necessários que irão sustentar e orientar a elaboração e interpretação dos dados ie os dados não falam por eles necessitam dum conjunto de problemáticas eou perguntas prévias que orientem as observações e as pesquisas assim como de pressupostos que permitam realizar inferências Jochim 1998 Assim sendo a abordagem sistémica pode apresentarse como um quadro conceptual de orientação da investigação e estruturase em volta dum conceito nuclear o geossistema Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 791 Um geossistema é aqui entendido como sistema espacial complexo BaTTy e Torrens 2001 onde é possível reconhecer cinco componentes fundamentais ie litosfera atmosfera hidrosfera biosfera e antroposfera cada uma caracterizada por elementos e processos mecanismos específicos que interagem constantemente para determinar a estrutura e a dinâmica do sistema no seu todo Os mecanismos são aqui entendidos como os modos de atuação de um determinado processo O termo processo é uma noção que vai diferindo em função do lugar disciplinar ou dos modos de interpretação com claras incidências metodológicas distintas Neste trabalho o processo identifica num contexto geral de análise sistémica e de acordo com hay e JohnsTon 1983 tanto uma sequência de mecanismos causais no espaço e no tempo como o fato de estes serem por sua vez o produto da conjugação de variáveis exógenas do sistema As interações entre as componentes do sistema muitas vezes não lineares ie imprevisíveis conduzem a propriedades emergentes ie um comportamento complexo imprevisto e não dedutível a partir da simples soma dos elementos que o compõem a dinâmicas inesperadas ie ordemcaos e a que as características de autoorganização se transformem nas propriedades básicas do sistema Um sistema complexo autoorganizado autoadaptativo é um sistema que surge no tempo duma forma coerente e se adapta e organiza sem algumas entidades individuais capazes de controlálo ou controlálo deliberadamente A adaptação é conseguida constantemente redefinindo a relação entre o sistema e o seu meio ambiente através de ações e retroações positivas ie que reforçam a alteração aplicada ou negativas ie que resistem a alteração ashBy 1974 rocha e morGado 2007 O comportamento deste sistema complexo depende do comportamento de todas as suas partes onde a emergência autoorganizada é um processo hierárquico ie um sistema deste tipo organizase em subsistemas interrelacionados que por sua vez são constituídos por outros subsistemas e assim sucessivamente até ao nível do componente mais elementar Estes subsistemas são assim entendidos como porções do sistema que apesar de terem uma individualidade própria em comparação com a restante porção mantêm a escalas diferentes e presumivelmente com uma menor quantidade de variáveis as características de dinamismo e de relações do geossistema no seu todo kronerT et al 2001 PhilliPs 2012 Assim sendo e de acordo com BerouTchachVili e BerTrand 1978 o geossistema é um sistema geográfico natural homogéneo ligado a um território que se caracteriza por uma morfologia um funcionamento e um comportamento e inclui três tipos de elementos abióticos bióticos e antrópicos A utilização da abordagem geossistémica em Geomorfologia permite uma discussão de tipo transversal com maiores perspetivas de estudo sobretudo através de múltiplas passagens na escala de análise do global ao local passando pelo regional e viceversa ou também em sentido não estritamente espacial do geral ao particular e viceversa Estas passagens na escala de análise permitem ligar concetualmente o elementoprocesso analisado no interior de um geossistema identificado localmente eg através da experiência direta do trabalho de campo com os elementosprocessos naturais que se reconhecem até a escala global e que em geral são conhecidos e aprofundados de forma mais teórica e através de metodologias mais indiretas Além disso estas passagens de escala podem modificar as perceções e as representações e algumas vezes mesmo a natureza dos fenómenos permitindo a compreensão Geomorfologia a construção de uma identidade 792 do espaço do mesmo modo que a articulação de escalas tratase de níveis diferentes que se articulam produzindo significações trans e multiescalares Gama mendes 1998 O conceito de escala é aqui entendido antes de mais como a relação entre o real objetivado e a sua representação a realidade subjetivada e deste modo representa os nívelis de análise que se devem ter em conta na representação da especificidade dum geossistema Assim a escala representa a realidade através de uma abstração do real para melhor o tornar inteligível procedendo àquilo a que se poderá designar por um esquecimento racionalizado Gama mendes 1998 Os diferentes níveis de análise a que correspondem outros tantos níveis de compreensão e de resolução equivalem não só à tomada em consideração de conjuntos espaciais mais ou menos grandes mas também à definição de bem determinadas características estruturais eou estruturantes as quais permitem interpretar os seus contornos Assim no caso do julgamento dum geossistema tratase duma noção de escala complexa em que é possível discriminar duas componentes fundamentais a as porções do espaço e b os valores estabelecidos em função dos processosmecanismos que geram relações na observação do fenómeno e que contem inevitavelmente um certo grau de subjetividade Figura 2 Esquematização piramidal das condições e características endógenas ie litologia e características diagenéticas estrutura geológica cobertura detrítica solo e coberto vegetal e exógenas ie o clima e ação do ser humano fundamentais na avaliação da evolução do relevo num quadro analítico de tipo geossistémico Tais condições se movimentam no espaço ie o cubo e no tempo ie Ti e Ti1 a marcar evolução Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 793 A título de exemplo em diferentes contextos geográficos as componentes fundamentais dum geossistema podem adquirir características únicas discriminando assim distintas tipologias eg a natureza essencialmente carbonatada das rochas que é um carácter da litosfera dum determinado maciço lítico estabelece processos peculiares na interrelação com as outras componentes do sistema suficientes para identificar um tipo específico de geossistema o cársico neste caso casTiGlioni e sauro 2002 casTiGlioni 2005 Há aqui uma convergência entre mecanismos eg dissoluçãoprecipitação química erosão mecânicaacumulação detrítica enterramentoexposição do maciço etc características endógenas ie litologia e características diagenéticas estrutura geológica presença ou não duma cobertura detrítica insolúvel importante solo e coberto vegetal e características exógenas ie clima e ação do ser humano que num contexto evolutivo variável no espaço tempo avaliado através duma análise multiescalar ie de micro a macro passando pela mesoescala acabam por determinar a susceptibilidade dum determinado maciço lítico onde o próprio grau de carsificação se configura como resultado final na complexa elaboração do modelo geossistémico Figura 2 Desta forma a modelização pode ser um valioso instrumento para conduzir ao pensamento sistémico os modelos permitem construir uma visão do mundo bastante rica de maneira a manifestar a complexidade do real mas ao mesmo tempo bastante simples da ser legível e memorizável molines e cuadrado 1997 No entanto importa salientar como os sistemas complexos eg geossistema correspondem a muito mais que a soma das suas partes e portanto qualquer tentativa de modelizar a sua estrutura é necessariamente parcial e incompleta ie em cada sistema existem muitos modelos rocha e morGado 2007 Nesta perspetiva todos os modelos têm uma carga subjetiva intrínseca Box cit por rocha e morGado 2007 afirma que todos os modelos estão errados mas alguns são úteis Por fim neste contexto de análise geossistémica fica claro como para poder compreender as dinâmicas geomorfológicas inevitavelmente tornase necessário reunir entendimentos no campo da Geografia Física Geologia Geomorfologia e Geodinâmica Externa a que se junta o da Edafologia através da construção de modelos eg sedimentológicos tal como geomorfológicos onde os processos se movimentam num sistema espáciotemporal na eleição das formas do relevo 8 Em jeito de conclusão Neste percurso pela história da afirmação da Geomorfologia procurou mostrarse como se operou a diferenciação do campo científico onde nasceu a Geologia por um lado pela especificação do seu campo de estudos por outro inegavelmente sustentada pelos quadros institucionais em que se desenvolveu Estes quadros áreas científicas cursos e instituições académicas e sociais adotaramna e protegeramna tanto na afirmação das fronteiras disciplinares como no reconhecimento social nomeadamente nos tempos pioneiros Em seguida de acordo com a natureza dos contextos científicos vimos como a Geomorfologia se desenvolveu enriquecendose e diversificandose adotando novas perspetivas métodos e linguagens que se patenteiam na encruzilhada de saberes e na complexidade das abordagens de que o geossistema é um lídimo exemplo Geomorfologia a construção de uma identidade 794 Bibliografia ashBy W r 1974 Principles of the SelfOrganizing Dynamic System Journal of General Psychology nº 37 pp 125128 Ballais Jl 2000 Les rythmes de la morphogénese leurs conceptions à travers lhistoire de la géomorphologie LEspace Géographique nº 2 pp 97104 BaTTy m e Torrens P m 2001 Modeling Complexity The Limits to Prediction Cybergeo European Journal of Geography Dossiers 12ème Colloque Européen de Géographie Théorique et Quantitative StValéryenCaux France 711 septembre 2001 document 201 BauliG h 1950 Essais de Géomorphologie Publications de la Faculté des Lettres de Strasbourg fasc 114 BerouTchachVili n e BerTrand G 1978 Le Géosystème ou Système territorial naturel Révue Géographique des Pyrénées et du SudOuest pp 167180 BiroT P 1955 Les methods de la morphologie PUF Paris BiroT P 1959 Précis de géographie physique générale A Colin París BiroT P 1960 Le cycle derosion sous les differents climats Faculdade Nacional de Filosofia Centro de Pesquisas de Geografia do Brasil Rio de Janeiro Broc n 1996 La géographie physique aperçu historique In DERRUAU M Org Composantes et concepts de la géographie physique A Colin Paris pp 2539 caPel h 1983 Positivismo y antipositivismo en la ciencia geografica el ejemplo de la geomorfologia Cuadernos Críticos de Geografía Humana nº 43 pp 155 casTiGlioni B 2005 Il geoecosistema cársico Studi Trentini di Scienze Naturali Acta Geologica nº 80 pp 1116 casTiGlioni B e sauro u 2002 Paesaggi e geosistemi carsici proposte metodologiche per una didattica dellambiente In VaroTTo m e Zunica m Org Scritti in ricordo di Giovanni Brunetta Università di Padova Padova cholley a 1950 Morphologie structural et morphologie climatique Annales de Géographie nº 137 pp 321335 chorley r J 1965 A reevaluation of the geomorphic system of WM Davis In chorley rJ e haGGeT P Ed Frontiers in Geographical Teaching London chorley r J Beckinsale r P e dunn a J 1973 The history of the study of landforms Vol II Methuen London daVis W m 1909 Geographical essays Ginn and Co New York ferreira B 1999 Investigação em geomorfologia Perspectivas histórica e orientações actuais In soares a f Org Encontros de Geomorfologia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra Praxis XXI Projecto 222CTA15694 Coimbra pp 929 Gama mendes a 1998 Escalas representações e acção social Cadernos de Geografia nº 17 pp 1721 Gohau G 1987 Historie de la géologie La Découverte Paris Gusdorf G 1985 Les origines des sciences humaines Payot Paris Grau r e sala m 1982 La geomorfología en sus tratados y manuales un esquema histórico de la disciplina 18701982 Revista de Geografía Vol XVI hay a e JohnsTon r J 1983 The study of Process in Quantitative Human Geography LEspace Géographique nº 1 pp 6976 holTJensen a 1992 Geografia História y Conceptos Vicens Vives Barcelona Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 795 kronerT r sTeinhardT u e Volk m 2001 Landscape balance and landscape assessment SpringerVerlag Berlin Jochim m a 1998 A huntergatherer landscape Southwest Germany in the Late Paleolithic and Mesolithic Springer Science Business Media New York molines G e cuadrado V 1997 La modélisation et la géographie enseingnée Linformation Géographique nº 61 pp 144153 orme a r 2002 Shifting paradigms in geomorphology the fate of research ideas in an educational contexto Geomorphology nº 47 pp 325342 PhilliPs J d 2012 Synchronization and scale in geomorphic systems Geomorphology nº 137 pp 150 158 reynaud a 1971 Épistémologie de la géomorphologie Masson et Cie Paris rocha J e morGado P 2007 A complexidade em geografia In CEGEd Geophilia o sentir e os sentidos da geografia Homenagem a Jorge Gaspar Colibri Artes Gráficas Lisboa pp 137153 sToddarT d r 1986 On Geography Blackwell Oxford TricarT J 1965 Principes et méthodes de la Géomorphologie Masson et Cie Paris Geomorfologia a construção de uma identidade View publication stats RISCOS NATURAIS ANTRÓPICOS E MISTOS 1 Introdução Este texto aborda a identidade e o desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina científica Ele destaca que a Geomorfologia está localizada entre os campos da Geologia e da Geografia o que levanta questões sobre sua posição e influência nos estudos universitários e na construção de seu próprio discurso O texto sugere duas perspectivas para estudar a posição da Geomorfologia uma enfoca seu desenvolvimento histórico relacionandoo com a evolução epistemológica e a outra contextualiza essa história com a organização disciplinar em diferentes tradições acadêmicas O autor ressalta a importância de compreender a origem da Geomorfologia mencionando que a Geologia emergiu como uma disciplina científica no final do século XVIII mas a Geomorfologia apresenta desafios adicionais em relação ao seu começo Apesar disso o texto sugere que os seres humanos têm se envolvido com a Geomorfologia desde tempos préhistóricos ao buscar recursos da Terra e criar mitos sobre a criação do mundo Ele conclui destacando que a curiosidade renovada e as novas abordagens metodológicas a partir dos séculos XVI e XVII impulsionaram o estudo das formas do relevo 2 Os temas geomorfológicos e o nascimento da modernidade uma curiosidade renovada séc XVIXVII Os pioneiros naturalistas do século XVI trouxeram uma nova perspectiva em relação aos seus predecessores baseandose principalmente na experiência e no inventário dos fatos Eles diferenciaramse ao reconhecerem tardiamente os fatos tratados pela Geologia e Geomorfologia devido à dificuldade em identificálos devido à sua lentidão Alguns observadores excepcionais como Leonardo da Vinci e Bernard Palissy reconheceram a ação dos rios na modelagem de seu leito e na formação dos vales Leonardo da Vinci envolvido na construção de canais compreendeu a erosão fluvial e afirmou que cada vale é formado pelo seu próprio rio estabelecendo assim o conceito de fluvialismo No entanto suas ideias não foram seguidas por seus contemporâneos e suas reflexões ficaram inéditas até o final do século XVIII Além disso os naturalistas da época estavam interessados em identificar as formas do relevo e suas concepções eram influenciadas pelas ideias aristotélicas e pela analogia entre o microcosmo e o macrocosmo Embora ainda houvesse muitos enigmas a serem solucionados algumas intuições começaram a surgir em relação aos mecanismos responsáveis pela formação do relevo Houve uma controvérsia entre aqueles que acreditavam que os vales eram depressões onde os rios se instalavam e aqueles como Leonardo da Vinci que defendiam que os rios eram os responsáveis pela escavação dos vales A descoberta dos processos envolvidos ocorreria em uma fase posterior 3 Os modernos do séc XVIII ao séc XIX as primeiras interpretações Os finais dos séculos XVIII e XIX foram momentos cruciais na história da Geomorfologia No final do século XVIII houve uma transição importante na Geomorfologia marcada pela autonomização do discurso geomorfológico em relação aos processos naturais e pela sua estruturação em enunciados que articulavam formas e processos de maneira coerente Isso resultou na formulação de teorias normativas sobre a geomorfologia Ao mesmo tempo ocorreu a emergência de novas leis relacionadas à escultura fluvial e glaciária bem como a formulação da teoria do ciclo de erosão Na Europa especialmente na França e no Reino Unido esse primeiro momento foi impulsionado por uma série de descobertas técnicas e científicas que foram amplamente discutidas no ambiente intelectual da época Ao longo do século XVIII os filósofos iluministas promoveram o espírito científico moderno criando condições favoráveis para o desenvolvimento da Geomorfologia O avanço tecnológico especialmente no campo da engenharia também desempenhou um papel importante Os engenheiros envolvidos na construção de estradas canais portos e na identificação de recursos materiais para essas obras começaram a compreender a dinâmica da modelagem da superfície terrestre Por exemplo Lambardie estudou o transporte de seixos ao longo da costa de Pays de Caux para estimar a dragagem necessária para manter os pequenos portos Du Bois também engenheiro de estradas relacionou o tamanho das partículas transportadas pelos rios com a velocidade da corrente Esses precursores adotaram uma abordagem surpreendentemente moderna abordando a Geomorfologia em grande escala por meio do exame de pequenos fatos de grande importância prática Mesmo quando Surrell um sucessor deles elaborou sua teoria das torrentes no final do reinado de LouisPhilippe não tratou de detalhes minuciosos da modelagem Philippe Buache 17001773 um arquiteto de formação desempenhou um papel importante nesse período ao considerar as montanhas como a armadura do globo e propor a divisão da superfície dos continentes em bacias hidrográficas estanques Na segunda metade do século XVIII a Geologia passou por um desenvolvimento espetacular Buffon em sua obra Époques de la nature 1778 afirmou que a Terra tem uma história que pode ser decifrada pelos sábios Outros geólogos como Gueltar Desmarest Dora e Lehmann fizeram descobertas relacionadas à origem das rochas e das montanhas Surgiram debates entre os neptunistas que atribuíam a formação das rochas e das montanhas aos oceanos e os vulcanistas que acreditavam no papel do fogo central da Terra nesse processo Saussure levantou dúvidas sobre a estabilidade do solo após observar conchas marinhas nos cumes alpinos abrindo caminho para novas interpretações dos mecanismos envolvidos na formação 4 Os fundadores da Geomorfologia a explicação das formas da superfície da Terra William Morris Davis 18501934 desempenhou um papel crucial no estabelecimento e desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina autônoma nos Estados Unidos Davis é considerado o pai da Geomorfologia moderna e é conhecido por suas contribuições teóricas e conceituais Davis propôs uma abordagem sistemática para o estudo da superfície terrestre enfatizando a relação entre processos e formas Ele introduziu o conceito de ciclo de erosão argumentando que as paisagens evoluem através de estágios distintos de juventude maturidade e velhice Essa teoria do ciclo de erosão foi um marco importante na Geomorfologia e influenciou gerações posteriores de geógrafos Além disso Davis desenvolveu o conceito de pensamento geográfico e enfatizou a importância da observação e do estudo de campo na Geografia Ele promoveu a integração da Geologia e da Geografia Física enfatizando a importância das forças endógenas e exógenas na formação das paisagens Davis foi um professor influente na Universidade de Harvard e fundou o Departamento de Geografia lá em 1901 que se tornou um importante centro de pesquisa em Geomorfologia Ele também foi um dos fundadores da Association of American Geographers Associação de Geógrafos Americanos e da revista Annals of the Association of American Geographers Anais da Associação de Geógrafos Americanos que ajudaram a estabelecer a Geomorfologia como uma disciplina acadêmica respeitada Em resumo William Morris Davis desempenhou um papel central na consolidação e desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina autônoma nos Estados Unidos Suas contribuições teóricas e conceituais como o ciclo de erosão e o enfoque no estudo de campo tiveram um impacto significativo na formação da Geomorfologia moderna 5 William Morris Davis e a teoria do ciclo de erosão William Morris Davis foi uma figura incontornável no desenvolvimento da disciplina da Geomorfologia Ele trouxe uma abordagem mais dedutiva e explicativa para o estudo das formas do relevo em contraste com abordagens meramente descritivas Davis nasceu em 1850 nos Estados Unidos e estudou na Universidade de Harvard Inicialmente ele se dedicou à geologia estratigráfica e tectônica mas seu interesse pelas formas do terreno foi despertado durante um curso de campo sob a direção do geólogo Shaler O contexto do Oeste dos Estados Unidos com suas regiões áridas e a visibilidade clara da relação entre a estrutura do subsolo e a forma da superfície influenciou Davis em seu desenvolvimento científico Ele reconheceu a importância da região na compreensão das formas do relevo e observou que a vegetação em áreas mais úmidas escondia essa relação Davis escreveu sobre a necessidade de considerar o contexto regional ao estudar a Geografia Física Em 1889 Davis publicou seu famoso trabalho sobre rios e vales na Pensilvânia estabelecendo assim um novo campo de estudo A partir desse ponto suas contribuições para a Geomorfologia foram constantes e ele se tornou uma figura proeminente no ensino e na pesquisa ministrando aulas e conferências em universidades nos Estados Unidos e na Europa Inicialmente Davis usava o termo Fisiografia para descrever o campo de estudo que ele praticava mas a partir de 1889 ele adotou o termo Geomorfologia Essa mudança de terminologia refletia o sucesso da Geomorfologia como uma disciplina autônoma e seu reconhecimento como parte integrante da Geografia O principal mérito de Davis do ponto de vista epistemológico foi o de desenvolver uma descrição explicativa das formas de relevo com base em observações e ideias acumuladas levando em consideração a dimensão temporal evolutiva Ele introduziu a ideia de um ciclo de erosão no qual as formas do relevo passam por fases sucessivas de juventude maturidade e velhice até atingirem um estágio final a peneplanície Davis também tentou aplicar a noção de ciclo a outros tipos de relevos como glaciares áridos cársticos e litorais mas com menos sucesso A recepção das ideias de Davis na Europa foi desigual Na Alemanha houve interesse mas também objeções ao excesso de teoria e dedutivismo de suas ideias Na França sua obra foi bem recebida com Emmanuel de Margerie sendo um dos primeiros defensores de Davis Albert de Lapparent também foi influenciado por Davis em suas leções de geografia física Emmanuel de Martonne também foi influenciado por Davis mas posteriormente tomou distância de algumas de suas abordagens mais sistemáticas Henry Baulig um dos seguidores mais proeminentes de Davis contribuiu significativamente para o desenvolvimento da Geomorfologia na França Ele dedicou uma biografia detalhada a Davis e embora tenha assumido alguma distância em relação às ideias do autor 6 O movimento renovador da Geomorfologia após a segunda guerra mundial No texto apresentado discutese a evolução da geomorfologia a partir da segunda metade do século XX e as mudanças que ocorreram nesse campo O autor destaca que houve uma renovação temática e metodológica impulsionada pela crítica à interpretação davisiana e à teoria do ciclo de erosão de Davis A crítica à perspectiva de Davis foi influenciada pelos geomorfólogos alemães que defendiam uma abordagem empírica de matriz historicista Autores como Baulig e Birot introduziram a ideia de variedade de ciclos em função de contextos climáticos litológicos e estudos regionais o que levou ao questionamento da visão dedutiva geral de Davis Houve também uma reavaliação da teoria davisiana em relação à sua adequação a uma escala média de análise Na França as concepções davisianas perderam terreno e surgiram novas influências como o conceito de Geomorfologia climática vindo da Alemanha Autores franceses como Martonne e Baulig também contribuíram para o desenvolvimento da Geografia Física introduzindo conceitos como Geografia Zonal e explorando as possibilidades de aplanamento em diferentes meios morfoclimáticos No Reino Unido o desenvolvimento da Geografia Física e da Geomorfologia foi caracterizado pela difusão de novas ideias impulsionado pelo rompimento das barreiras linguísticas Surgiram três correntes principais ampliação dos horizontes temáticos com o uso de novas técnicas propostas alternativas ao modelo davisiano e extensão do modelo a novos campos de estudo como costeiros e glaciais As novas interpretações na geomorfologia basearamse em avaliações epistemológicas dos métodos processos linguagem e escalas de análise Foram propostas interpretações alternantes entre positivismo e historicismo além do surgimento da ideia de sistemas morfogenéticos como uma ruptura epistemológica em relação ao período davisiano Uma mudança significativa nesse contexto foi a revisão do vocabulário substituindo o ciclo de erosão de Davis pelo conceito de sistema de erosão proposto por Birot e posteriormente pelo sistema morfogenético A consideração dos ritmos da morfogênese a oposição entre catastrofistas e atualistas e a abordagem sistêmica enriqueceram a geomorfologia dinâmica Em resumo a geomorfologia passou por uma série de mudanças no século XX com uma renovação temática e metodológica críticas à visão davisiana introdução de novos conceitos e abordagens revisão do vocabulário e adoção de uma perspectiva sistêmica e neocatastrofista na compreensão dos processos morfogenéticos 7 A abordagem geossistémica e a complexidade No texto apresentado discutese a importância da abordagem sistêmica na investigação científica em Geomorfologia O autor destaca que é necessário considerar os conhecimentos já adquiridos as regras metodológicas os pressupostos postulados e teorias existentes para orientar a elaboração e interpretação dos dados Os dados não falam por si mesmos eles requerem um conjunto de problemáticas eou perguntas prévias que orientem as observações e pesquisas A abordagem sistêmica é apresentada como um quadro conceitual que se estrutura em torno do conceito central de geossistema Um geossistema é entendido como um sistema espacial complexo composto por cinco componentes fundamentais litosfera atmosfera hidrosfera biosfera e antroposfera Cada componente possui elementos e processosmecanismos específicos que interagem constantemente para determinar a estrutura e a dinâmica do sistema como um todo Os mecanismos são compreendidos como os modos de atuação de um determinado processo enquanto os processos são sequências de mecanismos causais no espaço e no tempo resultado da combinação de variáveis externas ao sistema As interações entre as componentes do sistema muitas vezes não lineares levam a propriedades emergentes dinâmicas imprevistas e características de auto organização como propriedades básicas do sistema Um sistema complexo autoorganizado é aquele que surge de forma coerente no tempo e se adapta e organiza sem necessidade de controle deliberado por entidades individuais A adaptação ocorre constantemente por meio de ações e feedbacks positivos reforçam a mudança aplicada ou negativos resistem à mudança redefinindo a relação entre o sistema e seu ambiente O comportamento desse sistema complexo depende do comportamento de todas as suas partes organizandose hierarquicamente em subsistemas interrelacionados O conceito de geossistema é definido como um sistema geográfico natural homogêneo ligado a um território composto por elementos abióticos bióticos e antropogênicos A abordagem geossistêmica em Geomorfologia permite uma análise transversal com múltiplas passagens na escala do global ao local do geral ao particular conectando o elementoprocesso estudado em um geossistema local com elementosprocessos naturais reconhecidos em escalas maiores Em resumo a abordagem sistêmica na Geomorfologia utilizando o conceito de geossistema busca compreender as dinâmicas geomorfológicas por meio da integração de conhecimentos de diferentes disciplinas construindo modelos que representem os processos espaciais e temporais que moldam as formas do relevo 8 Em jeito de conclusão O texto discute a afirmação da Geomorfologia como uma disciplina científica dentro do campo da Geologia Ele explora como a Geomorfologia se diferenciou e especificou seu campo de estudo sendo apoiada por instituições acadêmicas e sociais Ao longo do tempo a Geomorfologia se desenvolveu enriquecendose e diversificandose incorporando novas perspectivas métodos e linguagens Isso é evidenciado pela interseção de conhecimentos e pela complexidade das abordagens sendo o conceito de geossistema um exemplo disso
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See discussions stats and author profiles for this publication at httpswwwresearchgatenetpublication272415724 Geomorfologia a construção de uma identidade Chapter January 2013 CITATIONS 5 READS 1618 2 authors including Some of the authors of this publication are also working on these related projects GdM Cave Ancient Mines of Calabria region Southern of Italy census and scientific survey of the archaeological regional mining heritage View project Estudos sobre Geopatrimónio Projecto informal View project Luca Antonio Dimuccio University of Coimbra 135 PUBLICATIONS 473 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Luca Antonio Dimuccio on 24 November 2019 The user has requested enhancement of the downloaded file RISCOS NATURAIS ANTRÓPICOS E MISTOS HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR FERNANDO REBELO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA FACULDADE DE LETRAS U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A FICHA TÉCNICA Título Riscos naturais antrópicos e mistos Homenagem ao Professor Doutor Fernando Rebelo Edição Departamento de Geografia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra Coordenação e organização Luciano Fernandes Lourenço e Manuel Alberto Mateus Capa e contracapa António Barros Concepção gráfica e paginação Miguel Linhares Impressão Simões Linhares Lda ISBN 9789899681019 Depósito Legal 36412113 Tiragem 250 exemplares Os trabalhos apresentados são da responsabilidade dos Autores Fernando Rebelo no centro de Santa Cruz Ilha da Graciosa 2013 Fotografia cedida pela Profª Doutora Maria de Lurdes Rebelo 779 Geomorfologia a construção de uma identidade Antonio Gama Departamento de Geografia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra amgamaciucpt Luca Antonio Dimuccio Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território CEGOT Departamento de Geografia e Departamento de Ciências da Terra Universidade de Coimbra lucaciucpt Resumo Neste texto propusemonos avaliar como a Geomorfologia se afirmou através da história dos temas que vieram a constituir o seu campo de estudos e do modo como se processou a sua institucionalização disciplinar nas universidades e nas sociedades científicas Esta avaliação teve ainda em consideração de acordo com a natureza dos contextos científicos de cada época e de cada país os métodos e as linguagens que a própria Geomorfologia foi elaborando Palavraschave Epistemologia Sociologia da Ciência Geomorfologia Geologia Geografia Abstract Geomorphology the construction of an identity In this paper we proposed to evaluate how the geomorphology was affirmed by means the history of themes that came to constitute its fieldstudy and how their disciplinary institutionalization was processed in the universities and scientific societies This review also took into consideration in accordance with the nature of scientific contexts of every epochs and country the methods and languages that own Geomorphology was elaborating Keywords Epistemology Sociology of Science Geomorphology Geology Geography 780 Le hasard a joué un grand rôle dans la manière dont se sont développés les sciences lors de leur période initiale Le cas de la géomorphologie est particulièrement caractéristique à ce point de vue TricarT 1965 1 Introdução No estudo das formas da superfície da Terra a Geomorfologia aparece como um campo científico distinto mas com alguns problemas de identidade relacionados muitas vezes ao seu posicionamento na encruzilhada entre as áreas do saber mais abrangentes que se identificam como Geologia e Geografia O problema de identidade da Geomorfologia suscita uma reflexão acerca do seu lugar particularmente nos estudos universitários e das suas consequências na constituição do próprio discurso O estudo histórico da posição da Geomorfologia na partilha académica pode ser visto sob duas perspetivas distintas uma que aborda a história do seu desenvolvimento cruzandoa com um olhar epistemológico em cada fase de desenvolvimento outra que procura contextualizar essa história com os processos de partilha disciplinar na organização dos estudos em países com diferentes tradições académicas Uma e outra via contribuem para aclarar a razão do surgimento de temas de estudo específicos da elaboração de linguagens e da adoção de métodos Por muito pouco tentado que seja pela especulação filosófica o cientista que queira escrever a história da sua disciplina não pode ignorar esta questão quando começa a ciência Por exemplo quando pomos esta questão no que se refere à Geomorfologia não podemos deixar de nos lembrar daquilo que diz Gohau 1987 para a Geologia a Geologia só surge como disciplina científica de pleno direito e dotada de instituições no fim do século XVIII Mas no que respeita à Geomorfologia a dificuldade aumenta já que podemos falar de mais do que um começo Ora se desde tempos préhistóricos o homem toma conhecimento do meio que o rodeia em virtude de ter de arrancar à Terra os seus recursos e as suas ferramentas e forja ao mesmo tempo os mitos acerca da criação do mundo Assim o objetivo da Geologia pode ser definido por uma dupla preocupação por um lado conhecer a parte da Terra acessível à observação conhecimento esse em boa medida partilhado com a Geomorfologia e por outro construir a história dessa mesma Terra Nesta medida o homem de há muito que faz Geologia ou mesmo Geomorfologia mesmo quando estas palavras ainda não existiam Por conseguinte embora a preocupação com o estudo das formas do relevo remonte a tempos antigos foi sobretudo a partir dos séculos XVI e XVII que se assistiu a uma renovação da curiosidade apoiada em novos modos de ver a natureza assim como na elaboração de novos caminhos metodológicos 2 Os temas geomorfológicos e o nascimento da modernidade uma curiosidade renovada séc XVIXVII Os pioneiros naturalistas do século XVI diferenciavamse dos precedentes por um novo modo de ver que se ia constituindo entre os interessados pelos assuntos sustentando Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 781 se primordialmente na experiência do inventário dos factos não sem se entrecruzar com as heranças com as suas verdades e os seus mitos Os factos de que tratam quer a Geologia quer a Geomorfologia só foram reconhecidos tardiamente pelo facto de por causa da sua lentidão serem de difícil identificação Apenas alguns observadores de qualidade excecional como Leonardo da Vinci 14521519 e Bernard Palissy 15101589 no Renascimento reconheceram e deixaram registo em resultado do seu envolvimento na construção de canais adquirindo a convicção de que os rios modelavam o seu leito e que os vales eram o resultado deste lento escavamento Em Leonardo da Vinci a observação suplanta a teoria pois o encargo de ordenamentos hidráulicos na planície do Rio Pó na Itália fêlo expor ideias mais justas ao tempo acerca da erosão fluvial Por exemplo diznos que nos Alpes domina o escavamento na planície o rio transporta aluviões fragmenta os e depositaos provocando inundações e mudanças no leito Leonardo da Vinci pode pois considerarse como pai do fluvialismo quando escreve cada vale é cavado pelo seu rio e a relação entre vales é a mesma que entre os rios Leonardo da Vinci e sobretudo o seu contemporâneo Bernard Palissy formulam a solução certa acerca da origem das águas fluviais mas não são seguidos pelos seus contemporâneos Broc 1996 Estas reflexões registadas nos seus cadernos ficaram inéditas até ao fim do século XVIII e por consequência não tiveram continuidade no desenvolvimento do pensamento científico Estes e outros contemporâneos foram também sensíveis a muitos dos enigmas que se prendiam com a história da Terra Uma das preocupações maiores conforme ao espírito do tempo foi a identificação das formas do relevo onde estava implícita a relação entre os nomes e as coisas Nessa identificação das formas do relevo perduravam ainda as ideias aristotélicas que durante muito tempo foram a base para a explicação dos fenómenos físicos reservado ao físico submetido ao postulado estoico da analogia do microcosmo e do macrocosmo que assimila a terra ao corpo vivo Gusdorf 1985 O vocabulário geográfico atual nas diversas línguas atesta a persistência deste viés analógico como sejam colo côte cuesta costeira mamelon mamelão gorge garganta cabeço veio etc Esta abordagem facilitava a explicação de um sem número de fenómenos que escapavam ainda à observação pela insuficiência de dados e de meios de investigação Gusdorf 1985 Porém iam sendo formuladas algumas intuições acerca dos mecanismos geradores das formas do relevo Disso é exemplo uma controvérsia que opunha os que pensavam que os vales eram depressões nos quais se instalavam os rios e aqueles que ao contrário como Leonardo da Vinci que eram estes os que escavavam os vales onde corriam reynaud 1971 Já se anunciava a descoberta dos processos ela imporseá numa fase seguinte 3 Os modernos do séc XVIII ao séc XIX as primeiras interpretações Os finais dos séculos XVIII e XIX são respetivamente dois momentos chave na história da Geomorfologia Um assinala a transposição simultânea dos limiares de positividade e de epistemologização quando o discurso geomorfológico se autonomiza em relação aos processos e este mesmo discurso se estrutura numa série de enunciados articulando formas e processos num todo coerente de vocação normativa O outro momento diz respeito à emergência de novas leis sobre a escultura fluvial ou glaciária e à formulação da teoria do ciclo de erosão Geomorfologia a construção de uma identidade 782 Umas e outras acompanhadas de modalidades de institucionalização e de denominação do campo de estudos O primeiro momento é o resultado na Europa nomeadamente França e Reino Unido de uma sucessão de acontecimentos técnicocientíficos de descobertas que um ambiente intelectual de ampla discussão tornou propício Ao longo do século XVIII vaise impondo com os filósofos das Luzes o espirito científico moderno que abriu caminho à positividade e a uma nova arrumação dos saberes Por outro lado o desenvolvimento técnico devido principalmente aos engenheiros pelo facto de estarem envolvidos na construção de estradas de canais de portos e da necessidade do conhecimento da origem e da disponibilidade dos recursos materiais para levarem a cabo essas obras levou à tomada de consciência da existência de uma dinâmica do modelado terrestre Assim de Lambardie tenta avaliar o trânsito dos calhaus ao longo do litoral do Pays de Caux para estimar as dragagens necessárias à manutenção dos pequenos portos Du Bois igualmente engenheiro de estradas relaciona a dimensão das partículas transportadas pelos cursos de água com a velocidade da corrente O modo de pensar destes precursores era espantosamente moderno e bem mais próximo de nós que o de muitos geomorfólogos do início do século XX Estes práticos abordavam a Geomorfologia a grande escala pelo exame de pequenos factos se bem que de uma grande importância prática Mesmo quando Surrell seu continuador elabora em França no final do reinado de LouisPhilippe a sua teoria das torrentes esta não trata de um modelado de pormenor Neste século XVIII o papel de Legislador da Geografia Broc 1996 vem a caber a Philippe Buache 17001773 Arquiteto de formação considera que as montanhas constituem a armadura do globo Para ele qualquer linha de partilha das águas é uma cadeia de montanhas e por isso a superfície dos continentes se encontra assim dividida em bacias hidrográficas perfeitamente estanques Broc 1996 Nesta segunda metade do século XVIII a Geologia conhece um desenvolvimento espetacular Charles Louis Leclerc Conde de Buffon em Époques de la nature 1778 afirma que a Terra tem uma história que o sábio pode decifrar Numa parte da obra a Teoria da Terra apelava a causas tão próximas quanto possível das que existem ainda hoje procurando os efeitos que ocorrem todos os dias dos movimentos que se sucedem e se renovam sem interrupção operações constantes e sempre reiteradas Buffon cit por Gohau 1987 Embora pioneiro da ideia de evolução a sua conceção de tempo pressupunha um retorno cíclico dos mesmos acontecimentos Os seus interesses abarcavam ainda outros temas relacionados com a origem das rochas e das montanhas Ao mesmo tempo Gueltar e Desmarest identificam os antigos vulcões do Auvergne e Dora e Lehmann reconhecem que as montanhas têm idades diferentes Para explicar a origem dos relevos afrontamse neptunistas e vulcanistas os primeiros como Werner atribuem a formação das rochas e das montanhas ao oceano enquanto os segundos como James Hutton fazem intervir o fogo central da Terra Por sua vez Saussure cujas dúvidas quanto à estabilidade do solo que nos suporta foram suscitadas pela observação das conchas marinhas sobre os cumes alpinos abrem caminho a novas interpretações acerca dos mecanismos que intervêm na formação da superfície da terra Mas estas dúvidas não têm efeito de forma imediata já que o dilúvio universal estava lá para tudo explicar e mesmo Voltaire vem em socorro dessas velhas crenças A Geomorfologia académica vai nascer deste ambiente intelectual embora com um século de atraso em relação à dos engenheiros por intermédio da Geologia Foram os primeiros Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 783 geólogos no fim do século XVIII que tiveram nisso um papel decisivo Entretanto dos seus trabalhos afirmouse a evidência geológica de uma evolução geomorfológica que foi fazendo o seu caminho pois o estudo das formas só podia desenvolverse à medida dos progressos das Ciências da Terra Os fundadores do pensamento geológico sob o signo da explicação causal além de desvendarem a história da Terra e a origem das rochas vão decifrando os mecanismos da formação do relevo Uma das primeiras tentativas devese ao escocês James huTTon 17261797 que foi um dos primeiros a expressar claramente a evolução das formas da superfície da Terra Na sua obra A Teoria da Terra de 1795 reconhece nas bacias hulheiras inglesas que à época passaram a ter um grande interesse económico as discordâncias das camadas que o levou a admitir a formação das montanhas e a sua destruição total pela erosão antes da deposição de novas camadas A sua formação de medicina na época das Luzes explica em parte a sua teoria da Terra pois passa da circulação do sangue no microcosmo que é o homem para um sistema que assenta na circulação da matéria O autor chega à Geologia através da prática da agricultura a que se dedicou concluído o seu curso de medicina Para ele o solo provém da degradação das rochas mas o solo é necessário ao crescimento das plantas então é preciso que a erosão ataque as montanhas para que se forme a terra arável mas esta é arrastada pelas águas correntes até ao mar Este movimento do alto para o baixo nivelaria os continentes se não fosse contrariado um movimento no sentido oposto que repara assim os efeitos do primeiro Gohau 1987 Plutonista convicto Hutton supõe que os relevos são edificados pelo soerguimento das rochas sob o efeito do calor interno e para explicar a evolução posterior da superfície terrestre invoca a ação lenta e repetida dos rios e dos glaciares O seu contributo de maior originalidade foi certamente a explicação dos vales Broc 1996 Depois da morte de Hutton em 1797 John Playfair 17481819 seu amigo matemático de formação fez com que as suas ideias fossem popularizadas Este aborda dois aspetos principais a formação das montanhas e a sua destruição pela erosão fluvial Este último aspeto sublinhao Henry Baulig quando diz no domínio do que se designava então por Geografia Física e que mais tarde se designou de Fisiografia e enfim mais exatamente Geomorfologia em particular sobre o terreno da morfologia dita normal a obra de Hutton refeita pelo seu discípulo Playfair marca sem contestação um progresso maior BauliG 1950 Apesar do rigor da demonstração o plutonismo de HuttonPlayfair tem poucos seguidores e o catastrofismo permanece poderoso até ao fim do século XIX Mais tarde outro geólogo Charles lyell 17971875 que começou por ser colecionador de insetos e depois de cursar Direito passou a praticar Geologia como amador No seu célebre Princípios de Geologia publicado em 1830 que conheceu uma série de edições e foi traduzido em várias línguas deu um grande impulso à reflexão que se propunha como uma tentativa para explicar as modificações na superfície da Terra com as causas que agem atualmente lyell cit por Gohau 1987 Nesta obra o autor procede como os antecedentes à análise dos processos que destroem as rochas como o gelo transportam os detritos especialmente as águas correntes e que ao mesmo tempo no decurso dos tempos geológicos destroem as montanhas e fornecem uma parte dos sedimentos que serão a matéria graças à qual novas montanhas serão edificadas Nascia então da evidência geológica uma Geologia académica A afirmação desta ciência reúne a partir de então as condições essenciais a qualquer ciência que persegue sua autonomia um corpo teórico autónomo reconhecido a constituição Geomorfologia a construção de uma identidade 784 de instituições sociais eg Sociedades de Geologia e de Geografia e académicas eg Escolas de Minas e a evidência da sua utilidade eg a exploração dos recursos mineiros e materiais líticos para a construção deposição costeira das areias e a manutenção dos portos etc Sucessivos debates desde o final do século XVIII atravessam a história natural sobre a origem das rochas o tempo da história da Terra Acerca da origem das rochas os neptunistas como Werner viramse suplantados pelo vulcanistas como Hutton Sobre a ideia de tempo contra Lamarck Cuvier impôs o catastrofismo contra Cuvier Lyell fez a apologia do uniformitarismo 4 Os fundadores da Geomorfologia a explicação das formas da superfície da Terra Na segunda metade do século XIX assistese à constituição de um novo campo de estudo específico que se vai afirmando através da interpretação dos processos e das dinâmicas relacionadas com as formas da superfície terrestre mas também das querelas sobre a delimitação dos campos de estudo e das formas da sua institucionalização académica de cada um das disciplinas em disputa de reconhecimento Neste processo que culminou com a adoção da designação Geomorfologia foramse constituindo as linguagens em que se sustenta a sua originalidade e fazendo a delimitação dos temas de estudo nomeadamente a diferenciação em relação à Geologia em cujo domínio se diluiu durante muito tempo Foi um grupo de naturalistas interessados pela Geografia Física que conseguiu inicialmente o respeito académico para a Geografia Entre eles deve referirse na Grã Bretanha Mary BomerVille 17801872 a primeira mulher com destaque no campo da Geografia que deu o primeiro passo com a sua obra Geografia Física publicada em 1848 Era uma obra sem ilustrações onde procedia à descrição detalhada da topografia de cada continente e da distribuição da fauna da flora e dos seres humanos O livro não era uma simples Geografia Física visto que tratava também das atividades humanas mas era já algo mais que um trabalho de tradição cosmográfica Estes estudos inicialmente designados como Geografia Física ainda com delimitações pouco claras cuja utilidade social era mais formativa escolar o que lhes conferiu respeito académico Na sequência da obra de Darwin a Geologia e a Biologia chegaram a ser os ramos mais ambiciosos dentro das Ciências Naturais com profundas implicações em vários domínios as ideias de seleção e luta de adaptação ao meio e de evolução sToddarT 1986 A Geologia era importante porque com a ajuda da Paleontologia que estuda os fósseis permitirá ver com maior claridade o processo evolutivo das espécies animais e vegetais Estas ciências haviam formado parte da Geografia cosmográfica e o seu desenvolvimento como ciência independente trouxe consigo a criação de novas cátedras universitárias constituído uma ameaça para as reivindicações universitárias da Geografia cuja oportunidade se manifesta igualmente A Geografia em particular a Geografia Física ganha um crescente interesse social nomeadamente no campo do ensino O terceiro quartel do século XIX foi um período crítico no desenvolvimento da Geografia no Reino Unido Assistiuse ao estabelecimento do tema nas antigas universidades à instituição da educação elementar universal na qual a Geografia teve um papel importante e à organização de um sistema de exames nacional que serviram para Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 785 impor padrões uniformizados numa disciplina em expansão Este foi acompanhado por um movimento de opinião na Royal Geographical Society e na Association for the Advanced of Science no que dizia respeito à exploração de uma nova visão de Geografia Científica O seu desenvolvimento pode ser considerado como uma parte da revolução que se inspirou na obra de Charles Darwin A Origem das Espécies 1859 cujas influências na Geografia são hoje bem conhecidas Durante este período no Reino Unido nenhum outro trabalho assumiu um importante papel na consolidação dos estudos de Geografia como o de Thomas Henry huxley 18251895 A sua obra Physiography com primeira publicação em 1877 definiu para uma geração o modo como os aspetos físicos da terra deviam ser estudados de como se devia orientar a educação escolar num período de rápida extensão a todas as partes do país e a todos os sectores da população Huxley participou numa das viagens de exploração científica de meados do século e esteve ligado à Escola de Minas de Londres como assistente de História Natural Foi naturalista na Geological Survey em 1854 seguindo depois uma carreira relacionada com a educação em várias escolas terminando no início dos anos oitenta na Normal School of Science Promotor das ideias de Charles Darwin destacouse desde a sua obra Mans place in nature de 1862 carreira que culminou com Physiography A partir de 1869 depois de ter utilizado nos seus cursos a designação de Geografia Física fixase no termo Fisiografia quando ainda não se usava a palavra Geomorfologia e apenas morfologia num sentido muito amplo assim como outros termos com sentido mais vago e abrangente Uma das razões do êxito do livro de Huxley foi a de mostrar novas e mais interessantes formas de aprendizagem ligadas diretamente com a experiência do aluno A ênfase na experimentação e na aprendizagem por meio de estudos locais trabalhos de campo e excursões sua principal característica veio dar uma grande importância à Geografia Física rebatizada de Fisiografia tornandoa no final do século uma matéria escolar popular A Fisiografia era considerada nesse momento como uma parte integrante da Geografia sendo mesmo a mais importante Com o advento de outras ciências especializadas no estudo da Terra a Fisiografia deixou como matéria de fazer parte dos programas O seu lugar foi ocupado por uma nova ciência a Geomorfologia introduzida por Huxley em 1895 na GrãBretanha Pela mesma época na Alemanha desenvolviase uma escola de Geografia com grande pujança que se ia tornando com a criação de novas cátedras universitárias constituídas para dar corpo às reivindicações universitárias da disciplina uma ciência independente O alemão Oscar Peschel 18261875 soube aproveitr este movimento de forma decisiva Autor da obra Newe Probleme der vergleichender Erdkunde als Versuch einer Morphologie der Erdoberflache 1870 que apesar de não ser um libro de grande nível científico tirou partido do momento para propor para os geógrafos o estudo da morfologia da superfície terrestre Os geólogos tinham nessa altura dado prioridade no domínio da história da Terra a tarefas de outro alcance tais como o desenvolvimento da escala do tempo geológico e a cartografia sistemática dos tipos de rochas e da análise de fósseis de maneira que não foi difícil tomar conta do estudo da morfologia terrestre Existia por isso um campo geral em que a Geografia podia abrir caminho como disciplina científica convertendose na segunda metade do século XIX na área de investigação da maioria dos professores que ocupavam as cátedras universitárias de Geografia E o facto de os professores precisarem de títulos universitários preferencialmente o doutoramento foi uma causa da geologização da Geografia durante as décadas 18701880 Geomorfologia a construção de uma identidade 786 holTJensen 1992 Entre os académicos que possuíam uma formação científica no campo da Geologia refirase Ferdinand Von Richtofen 18331905 cujo ensino da Geografia e dos seus alunos se centrou no estudo da morfologia terrestre e Albrecht Penk 18581945 que influenciou ainda mais o seu desenvolvimento Penk assim como Richtofen era geólogo de formação mas estava interessado no estudo do Quaternário tendo trabalhado na identificação dos períodos glaciares e na morfologia glaciárica em geral Na sua juventude desenvolveu uma teoria acerca do glaciarismo que utilizou para explicar grande parte das formas de relevo do norte da Europa A sua principal obra 19011909 trata dos períodos glaciares nos Alpes e dos seus efeitos na sedimentação quaternária A sua sistematização em quatro períodos ie Günz Mindel Riss e Würm constituiu um marco fundamental no desenvolvimento da morfologia glaciárica Após um doutoramento em Geografia aos 27 anos foi designado para uma cátedra de Geografia Física em Viena passando em 1906 para Berlim onde permaneceu até à morte Nos títulos das suas obras predominam termos como Morphologie ou Morphologische analyse Nos Estados Unidos a afirmação da Geomorfologia como unidade disciplinar autónoma aparece associada a tradições académicas distintas das da Europa no domínio privilegiado a Geografia Física e na instituição académica as Faculdades de Ciências Neste processo de institucionalização da disciplina teve um papel decisivo William Morris Davis 5 William Morris Davis e a teoria do ciclo de erosão Qualquer percurso pela história da disciplina embora se possam referir predecessores notáveis no domínio da exploração de novas terras nunca poderá deixar de referir em primeiro lugar a figura incontornável de William Morris Davis Com o norteamericano William Morris daVis 18501934 personalidade proeminente neste campo o estudo do relevo terrestre atinge uma espécie de maturidade passando do empirismo descritivo ao raciocínio dedutivo chorley et al 1973 BauliG 1950 Broc 1996 Davis defendeu com sucesso a autonomia da ciência do estudo das formas do relevo primeiro Fisiografia depois Geomorfologia daVis 1909 Em contrapondo à Geologia clássica definiu o seu método e procurou uma terminologia própria assegurando uma audiência universal pela sua atividade sem descanso e o seu talento de apresentador Muito novo aos 16 anos Davis entrou na Universidade de Harvard tornandose bacharel em ciências com um diploma de engenheiro Em 1875 segue sob a direção do geólogo Shaler um curso de férias sobre trabalho de campo que o entusiasma para o estudo das formas do terreno Aos 28 anos é encarregado de ensinar Geografia Física e Meteorologia Entretanto faz trabalhos de Geologia estratigráfica e tectónica de que produziu quase três dezenas de memórias Mas entretanto o rumo na direção da Geografia ia sendo traçado A este trajeto científico não foi indiferente o contexto em que se desenvolveu foi no Oeste dos Estados Unidos que os princípios da erosão normal ocorreram no seu raciocínio Com o espírito mais liberto de teorias que os colegas europeus da Geografia Física os geólogos norteamericanos souberam dar um nova visão das coisas Davis escreveu que os princípios da Geografia Física não são indiferentes ao país em que foram desenvolvidos Nos países húmidos a vegetação oculta a relação estreita que existe entre a estrutura do subsolo e a forma da sua superfície mas salta aos olhos em regiões áridas tais como nos nossos estados do sudoeste daVis cit por Broc 1996 Esta consciência da importância da região é testemunho do reconhecimento que Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 787 tiveram os pioneiros Powell e Gilbert na exploração e no conhecimento geológico da América do Norte como Davis em diversos passos da sua obra reconheceu O momento de viragem dáse em 1889 quando Davis publica o seu famoso trabalho sobre os rios e os vales da Pensilvânia e com ele fixa um novo campo de estudo daVis 1909 Desde então as suas contribuições para a Geomorfologia sucederamse sem interrupção até ao seu último dia desde ensaios aulas conferências ensinando e polemizando por toda as partes do mundo em Universidades nomeadamente nos Estados Unidos e na Europa como Oxford 1908 Berlim 19081909 e Sorbonne Paris 1911 Durante muito tempo foi sob a designação de Fisiografia que nomeou o campo de estudos que praticava termo profusamente usado nos seus escritos até aos anos oitenta quando a partir de 1889 passou a adotar um novo nome Geomorfologia O êxito da Geomorfologia sobre outros termos como Fisiografia ou mesmo morfologia estava consumado e assim como a sua inclusão no campo da Geografia tinha dado um passo decisivo Do ponto de vista epistemológico o principal mérito de Davis foi o de com base nas inúmeras observações e ideias acumuladas antes de ser fundidas num conjunto coerente ter elaborado uma descrição explicativa das formas de relevo aceitável por todos os geógrafos por contraste com as descrições empíricas Acrescenta uma dimensão temporal evolutiva aos modos de fazer anteriores pois antes de si as formas topográficas eram consideradas isoladamente e de um modo estático conduzindo a classificações puramente descritivas ou genéticas O princípio organizativo do autor não se fixava na simples causalidade mas antes na ideia de uma mudança constante das formas através do tempo como sistematizou no seu esquema do ciclo de erosão daVis 1909 A dimensão temporal evolutiva é justificada por Davis do seguinte modo as formas podem ser dispostas numa sequência evolutiva baseada na estrutura no processo e no estádio de evolução ferreira 1999 Structure process and stage são as palavraschave da morfologia davisiana Assim as formas do relevo passam por fases sucessivas de juventude de maturidade e de velhice para atingir o estádio final na verdade mais teórico que real a peneplanície O ciclo de erosão Davis diz também ciclo geográfico ou ciclo vital inaugurase por um soerguimento brutal do terreno que determina a retomada da erosão Broc 1996 Esta interpretação cria uma nomenclatura conceptual com valor descritivo e evolutivo ora de conceitos empíricos ora teóricos Depois de ter construído o seu ciclo ideal para o relevo normal ou fluvial Davis tenta com menos êxito aplicar a noção de ciclo aos relevos glaciários áridos cársicos e litorais daVis 1909 Broc 1996 A receção das ideias de Davis fezse de forma desigual na Europa do seu tempo Na Alemanha onde o seu acolhimento se fez com interesse mas sem entusiasmo surgiram as primeiras grandes objeções umas objetando o excesso de teoria e pelo dedutivismo em que se baseavam as suas ideias heTTner e PassarGe cit por Broc 1996 outras pela contraposição de interpretações alternativas alBrechT e Penk cit por Broc 1996 Já em França a sua obra teve um muito bom acolhimento Neste país o primeiro advogado de Davis foi um jovem autodidata Emmanuel de marGerie 18621953 Leitor de Powel e de Gilbert desde 1883 Margerie descobre em 1886 o primeiro artigo importante de Davis Geographical classification e vem a publicar em associação com o general de La Noé Les Formes du Terrain manifesto de geografia científica onde pela primeira vez em França Geologia e Topografia aparecem combinadas Margerie felicita Davis por ter feito da Geografia Física uma disciplina não apenas descritiva mas científica Albert de laPParenT 18391908 autor de umas Leçons de géographie physique é também por ele influenciado nomeadamente pelo Geomorfologia a construção de uma identidade 788 artigo acerca dos rios da Pensilvânia As ideias de Davis encontramse também em Emmanuel de marTonne 18731955 em especial numa primeira fase antes de tomar distâncias após a primeira guerra mundial Influenciado pelos colegas alemães Martonne reprova ao mestre de Harvard o seu espírito demasiado sistemático um pouco abstrato construtor mais do que observador preferindo o método indutivo e naturalista ao dedutivismo daquele Broc 1996 No entanto o conceito de erosão normal perdura ainda muito tempo na sua obra Entre os davisianos de maior nomeada contase Henry BauliG 18771962 cujo labor fez desenvolver muito em França a Geomorfologia Admirador e seguidor de Davis dedicalhe uma detalhada biografia Loeuvre de William Morris Davis publicada em 1948 LInformation géographique mais tarde acaba por assumir alguma distância em relação a obra do autor americano 6 O movimento renovador da Geomorfologia após a segunda guerra mundial A partir da segunda metade do século XX assistiuse a mudanças que abriram novas perspetivas que conduziram a novas problemáticas mais dinâmicas e aplicadas Dando conta desta situação TricarT 1965 escrevia em Principes et Méthodes de la Géomorphologie que apesar do atraso considerável que resultou da adoção de esquemas inadequados e de uma conceção inexata das relações mútuas entre ações internas e externas a Geomorfologia chegou atualmente a um período de mutação rápida Nessa mudança o problema dos métodos revestiase de uma importância particular O corte da guerra desempenhou um papel muito grande abrindo caminho a uma renovação temática e metodológica logo a partir dos anos cinquenta por um lado assente na crítica da interpretação davisiana e à sua teoria do ciclo de erosão e que conduziu mais tarde a uma reavaliação do modelo de Davis por outro no abrir dos caminhos de uma rutura mais radical com a herança davisiana A crítica à perspetiva de Davis baseouse em larga medida na questão dos métodos Influenciada pelos geomorfólogos alemães que ao defenderem uma visão empírica de matriz historicista fizeram de forma continuada do modelo dedutivo de Davis objeto de crítica A pouco a pouco alguns autores que inicialmente o tinham seguido passaram a introduzir nas suas interpretações uma variedade de ciclos em função dos contextos climáticos ou litológicos BauliG 1950 BiroT 1955 1959 1960 ou mesmo na particularidade dos estudos regionais realizados abrindo caminhos ao desmembramento da visão dedutiva geral A esta seguese uma nova reavaliação da teoria davisiana agora mais numa prospetiva da sua adequação a uma escala média de análise chorley 1965 Em França as conceções davisianas que tinham desempenhado um lugar importante ao ponto de se poder falar de uma doutrina oficial como o faz Tricart perderam rapidamente terreno Já antes um espirito penetrante como Martonne tinha apontado algumas situações de evidências morfoclimáticas as quais se mostram decisivas para em 1946 vir a introduzir a expressão de Geografia Zonal O próprio Henry Baulig admirador de Davis viuse levado a tentar o exame das possibilidades de aplanamento nos diferentes meios morfoclimáticos A seguir à guerra em França assistiuse a ascensão de uma nova geração de geomorfólogos que as circunstâncias abriram a diversas influências com efeito benfazejo Dos alemães veio o conceito de Geomorfologia climática e que foi rapidamente desenvolvido A propósito disso Tricart diz nós fizemos dele a base da nossa atividade científica e em 1955 fizemos uma primeira Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 789 exposição detalhada sobre o assunto De seguida BiroT 1959 retomouas no seu Précis de Géographie Physique Foi também decisivo no plano do método ao contributo de cholley 1950 No Reino Unido por sua vez o desenvolvimento da Geografia Física e em particular da Geomorfologia caraterizouse pela difusão de novas ideias que o rompimento das barreiras linguísticas favoreceu Autores alemães como Penk franceses como Baulig tinham passados pelas universidades inglesas logo antes da segunda guerra mundial No período a seguir o conflito sobressaem três correntes principais uma que alarga os horizontes temáticos apoiandose em novas técnicas outra que agrupa as propostas alternativas ao modelo davisiano e uma outra que estende o modelo a novos campos de estudo como os costeiros e os glaciários As novas interpretações fundamse numa avaliação epistemológica envolvendo quer os métodos como os processos e consequentemente as linguagem e as escalas de análise Dum ponto de vista epistemológico são propostas interpretações que mostram uma sequência alternantes e muitas vezes simultâneas entre positivismo e historicismo caPel 1983 Grau e sala 1982 Outros procuram evidenciar um corte epistemológico entre o período davisiano e da erosão normal e um período póstdavisiano associado a ideia dos sistemas morfogenéticos Este período apresenta uma variedade de perspetivas que convivem entre si mas umas radicadas em tempos anteriores outras recentemente afirmadas como ilustra a Figura 1 Figura 1 Ascensão e queda de alguns conceitos e campos de estudo em Geomorfologia Fonte orme 2002 Geomorfologia a construção de uma identidade 790 No último quartel do século XX convivem uma grande variedade de Geomorfologias as quais podem ser sintetizadas em três tipos principais a estrutural b litológica e c climática A escolha inevitável duma dominante é função do objeto de estudo Estas noções de Geomorfologia estrutural litológica e climática são artificiais na medida em que estes três fatores intervêm simultaneamente reynoud 1971 Os trabalhos de investigação mais do que se isolar num só dos tipos referidos procuram interrelacionalos dando maior enfase na construção da problemática à combinação entre os tipos Muitas vezes o que numa visão formal leva a classificar as investigações num único género não passa além das aparências pois por exemplo o tipo de rocha permite também muitas vezes inferências de carater climático e mesmo estrutural Assim sendo nas novas perspetivas da morfogénese reavaliamse as temporalidades e o ritmo dos processos pondo em discussão as velhas teorias do uniformitarismo e do catastrofismo Um dos aspeitos que denota a mudança nos modos de ver é a linguagem Com a revisão da perspetiva davisiana operase uma mudança do vocabulário a crítica ao ciclo de erosão de Davis deu lugar ao sistema de erosão de BiroT 1960 e mais recentemente ao sistema morfogenético e à morfogénese BiroT 1960 TricarT 1965 reynaud 1971 Como consequência dessas mudanças a multiplicidade dos processos erosivos conduziu a adoção duma visão sistémica modo de ver que então começava a emergir no discurso científico com a designação de sistema de erosão Este conceito devese a cholley 1950 como mostra a toda a hora o sistema de erosão glacial e o de erosão desértica é um todo complexo de agentes é um verdadeiro sistema de erosão que cada clima põe em ação Ao conceito de sistema de erosão sucede um outro mais abrangente o de sistema morfogenético em que os processos de erosão e acumulação variam ao longo do tempo e em que o contínuo é substituído pelo descontínuo A consideração dos ritmos da morfogénese elemento nuclear da reflexão epistemológica desde a constituição do estudo da Geomorfologia expressouse na oposição entre catastrofistas e atualistas Com Davis se a evolução do relevo se inicia por uma catástrofe é a continuidade da erosão que durante o ciclo domina Na atualidade a Geomorfologia dinâmica moderna aliada ao conceito de sistema de erosão depois morfogenético impõese e enriquecese com os contributos de um neocatastrofismo Assim a dinâmica da morfogénese abrese e enriquese com a abordagem sistémica Ballais 2000 7 A abordagem geossistémica e a complexidade No âmbito das metodologias é comummente aceite que numa investigação científica que se pretenda mais realista não é viável construir conhecimento sem considerar a priori o conjunto dos saberes já adquiridos as regras metodológicas pressupostos postulados e teorias apesar de que possivelmente nem todos serão igualmente necessários que irão sustentar e orientar a elaboração e interpretação dos dados ie os dados não falam por eles necessitam dum conjunto de problemáticas eou perguntas prévias que orientem as observações e as pesquisas assim como de pressupostos que permitam realizar inferências Jochim 1998 Assim sendo a abordagem sistémica pode apresentarse como um quadro conceptual de orientação da investigação e estruturase em volta dum conceito nuclear o geossistema Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 791 Um geossistema é aqui entendido como sistema espacial complexo BaTTy e Torrens 2001 onde é possível reconhecer cinco componentes fundamentais ie litosfera atmosfera hidrosfera biosfera e antroposfera cada uma caracterizada por elementos e processos mecanismos específicos que interagem constantemente para determinar a estrutura e a dinâmica do sistema no seu todo Os mecanismos são aqui entendidos como os modos de atuação de um determinado processo O termo processo é uma noção que vai diferindo em função do lugar disciplinar ou dos modos de interpretação com claras incidências metodológicas distintas Neste trabalho o processo identifica num contexto geral de análise sistémica e de acordo com hay e JohnsTon 1983 tanto uma sequência de mecanismos causais no espaço e no tempo como o fato de estes serem por sua vez o produto da conjugação de variáveis exógenas do sistema As interações entre as componentes do sistema muitas vezes não lineares ie imprevisíveis conduzem a propriedades emergentes ie um comportamento complexo imprevisto e não dedutível a partir da simples soma dos elementos que o compõem a dinâmicas inesperadas ie ordemcaos e a que as características de autoorganização se transformem nas propriedades básicas do sistema Um sistema complexo autoorganizado autoadaptativo é um sistema que surge no tempo duma forma coerente e se adapta e organiza sem algumas entidades individuais capazes de controlálo ou controlálo deliberadamente A adaptação é conseguida constantemente redefinindo a relação entre o sistema e o seu meio ambiente através de ações e retroações positivas ie que reforçam a alteração aplicada ou negativas ie que resistem a alteração ashBy 1974 rocha e morGado 2007 O comportamento deste sistema complexo depende do comportamento de todas as suas partes onde a emergência autoorganizada é um processo hierárquico ie um sistema deste tipo organizase em subsistemas interrelacionados que por sua vez são constituídos por outros subsistemas e assim sucessivamente até ao nível do componente mais elementar Estes subsistemas são assim entendidos como porções do sistema que apesar de terem uma individualidade própria em comparação com a restante porção mantêm a escalas diferentes e presumivelmente com uma menor quantidade de variáveis as características de dinamismo e de relações do geossistema no seu todo kronerT et al 2001 PhilliPs 2012 Assim sendo e de acordo com BerouTchachVili e BerTrand 1978 o geossistema é um sistema geográfico natural homogéneo ligado a um território que se caracteriza por uma morfologia um funcionamento e um comportamento e inclui três tipos de elementos abióticos bióticos e antrópicos A utilização da abordagem geossistémica em Geomorfologia permite uma discussão de tipo transversal com maiores perspetivas de estudo sobretudo através de múltiplas passagens na escala de análise do global ao local passando pelo regional e viceversa ou também em sentido não estritamente espacial do geral ao particular e viceversa Estas passagens na escala de análise permitem ligar concetualmente o elementoprocesso analisado no interior de um geossistema identificado localmente eg através da experiência direta do trabalho de campo com os elementosprocessos naturais que se reconhecem até a escala global e que em geral são conhecidos e aprofundados de forma mais teórica e através de metodologias mais indiretas Além disso estas passagens de escala podem modificar as perceções e as representações e algumas vezes mesmo a natureza dos fenómenos permitindo a compreensão Geomorfologia a construção de uma identidade 792 do espaço do mesmo modo que a articulação de escalas tratase de níveis diferentes que se articulam produzindo significações trans e multiescalares Gama mendes 1998 O conceito de escala é aqui entendido antes de mais como a relação entre o real objetivado e a sua representação a realidade subjetivada e deste modo representa os nívelis de análise que se devem ter em conta na representação da especificidade dum geossistema Assim a escala representa a realidade através de uma abstração do real para melhor o tornar inteligível procedendo àquilo a que se poderá designar por um esquecimento racionalizado Gama mendes 1998 Os diferentes níveis de análise a que correspondem outros tantos níveis de compreensão e de resolução equivalem não só à tomada em consideração de conjuntos espaciais mais ou menos grandes mas também à definição de bem determinadas características estruturais eou estruturantes as quais permitem interpretar os seus contornos Assim no caso do julgamento dum geossistema tratase duma noção de escala complexa em que é possível discriminar duas componentes fundamentais a as porções do espaço e b os valores estabelecidos em função dos processosmecanismos que geram relações na observação do fenómeno e que contem inevitavelmente um certo grau de subjetividade Figura 2 Esquematização piramidal das condições e características endógenas ie litologia e características diagenéticas estrutura geológica cobertura detrítica solo e coberto vegetal e exógenas ie o clima e ação do ser humano fundamentais na avaliação da evolução do relevo num quadro analítico de tipo geossistémico Tais condições se movimentam no espaço ie o cubo e no tempo ie Ti e Ti1 a marcar evolução Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 793 A título de exemplo em diferentes contextos geográficos as componentes fundamentais dum geossistema podem adquirir características únicas discriminando assim distintas tipologias eg a natureza essencialmente carbonatada das rochas que é um carácter da litosfera dum determinado maciço lítico estabelece processos peculiares na interrelação com as outras componentes do sistema suficientes para identificar um tipo específico de geossistema o cársico neste caso casTiGlioni e sauro 2002 casTiGlioni 2005 Há aqui uma convergência entre mecanismos eg dissoluçãoprecipitação química erosão mecânicaacumulação detrítica enterramentoexposição do maciço etc características endógenas ie litologia e características diagenéticas estrutura geológica presença ou não duma cobertura detrítica insolúvel importante solo e coberto vegetal e características exógenas ie clima e ação do ser humano que num contexto evolutivo variável no espaço tempo avaliado através duma análise multiescalar ie de micro a macro passando pela mesoescala acabam por determinar a susceptibilidade dum determinado maciço lítico onde o próprio grau de carsificação se configura como resultado final na complexa elaboração do modelo geossistémico Figura 2 Desta forma a modelização pode ser um valioso instrumento para conduzir ao pensamento sistémico os modelos permitem construir uma visão do mundo bastante rica de maneira a manifestar a complexidade do real mas ao mesmo tempo bastante simples da ser legível e memorizável molines e cuadrado 1997 No entanto importa salientar como os sistemas complexos eg geossistema correspondem a muito mais que a soma das suas partes e portanto qualquer tentativa de modelizar a sua estrutura é necessariamente parcial e incompleta ie em cada sistema existem muitos modelos rocha e morGado 2007 Nesta perspetiva todos os modelos têm uma carga subjetiva intrínseca Box cit por rocha e morGado 2007 afirma que todos os modelos estão errados mas alguns são úteis Por fim neste contexto de análise geossistémica fica claro como para poder compreender as dinâmicas geomorfológicas inevitavelmente tornase necessário reunir entendimentos no campo da Geografia Física Geologia Geomorfologia e Geodinâmica Externa a que se junta o da Edafologia através da construção de modelos eg sedimentológicos tal como geomorfológicos onde os processos se movimentam num sistema espáciotemporal na eleição das formas do relevo 8 Em jeito de conclusão Neste percurso pela história da afirmação da Geomorfologia procurou mostrarse como se operou a diferenciação do campo científico onde nasceu a Geologia por um lado pela especificação do seu campo de estudos por outro inegavelmente sustentada pelos quadros institucionais em que se desenvolveu Estes quadros áreas científicas cursos e instituições académicas e sociais adotaramna e protegeramna tanto na afirmação das fronteiras disciplinares como no reconhecimento social nomeadamente nos tempos pioneiros Em seguida de acordo com a natureza dos contextos científicos vimos como a Geomorfologia se desenvolveu enriquecendose e diversificandose adotando novas perspetivas métodos e linguagens que se patenteiam na encruzilhada de saberes e na complexidade das abordagens de que o geossistema é um lídimo exemplo Geomorfologia a construção de uma identidade 794 Bibliografia ashBy W r 1974 Principles of the SelfOrganizing Dynamic System Journal of General Psychology nº 37 pp 125128 Ballais Jl 2000 Les rythmes de la morphogénese leurs conceptions à travers lhistoire de la géomorphologie LEspace Géographique nº 2 pp 97104 BaTTy m e Torrens P m 2001 Modeling Complexity The Limits to Prediction Cybergeo European Journal of Geography Dossiers 12ème Colloque Européen de Géographie Théorique et Quantitative StValéryenCaux France 711 septembre 2001 document 201 BauliG h 1950 Essais de Géomorphologie Publications de la Faculté des Lettres de Strasbourg fasc 114 BerouTchachVili n e BerTrand G 1978 Le Géosystème ou Système territorial naturel Révue Géographique des Pyrénées et du SudOuest pp 167180 BiroT P 1955 Les methods de la morphologie PUF Paris BiroT P 1959 Précis de géographie physique générale A Colin París BiroT P 1960 Le cycle derosion sous les differents climats Faculdade Nacional de Filosofia Centro de Pesquisas de Geografia do Brasil Rio de Janeiro Broc n 1996 La géographie physique aperçu historique In DERRUAU M Org Composantes et concepts de la géographie physique A Colin Paris pp 2539 caPel h 1983 Positivismo y antipositivismo en la ciencia geografica el ejemplo de la geomorfologia Cuadernos Críticos de Geografía Humana nº 43 pp 155 casTiGlioni B 2005 Il geoecosistema cársico Studi Trentini di Scienze Naturali Acta Geologica nº 80 pp 1116 casTiGlioni B e sauro u 2002 Paesaggi e geosistemi carsici proposte metodologiche per una didattica dellambiente In VaroTTo m e Zunica m Org Scritti in ricordo di Giovanni Brunetta Università di Padova Padova cholley a 1950 Morphologie structural et morphologie climatique Annales de Géographie nº 137 pp 321335 chorley r J 1965 A reevaluation of the geomorphic system of WM Davis In chorley rJ e haGGeT P Ed Frontiers in Geographical Teaching London chorley r J Beckinsale r P e dunn a J 1973 The history of the study of landforms Vol II Methuen London daVis W m 1909 Geographical essays Ginn and Co New York ferreira B 1999 Investigação em geomorfologia Perspectivas histórica e orientações actuais In soares a f Org Encontros de Geomorfologia Faculdade de Letras Universidade de Coimbra Praxis XXI Projecto 222CTA15694 Coimbra pp 929 Gama mendes a 1998 Escalas representações e acção social Cadernos de Geografia nº 17 pp 1721 Gohau G 1987 Historie de la géologie La Découverte Paris Gusdorf G 1985 Les origines des sciences humaines Payot Paris Grau r e sala m 1982 La geomorfología en sus tratados y manuales un esquema histórico de la disciplina 18701982 Revista de Geografía Vol XVI hay a e JohnsTon r J 1983 The study of Process in Quantitative Human Geography LEspace Géographique nº 1 pp 6976 holTJensen a 1992 Geografia História y Conceptos Vicens Vives Barcelona Antonio Gama e Luca Antonio Dimuccio 795 kronerT r sTeinhardT u e Volk m 2001 Landscape balance and landscape assessment SpringerVerlag Berlin Jochim m a 1998 A huntergatherer landscape Southwest Germany in the Late Paleolithic and Mesolithic Springer Science Business Media New York molines G e cuadrado V 1997 La modélisation et la géographie enseingnée Linformation Géographique nº 61 pp 144153 orme a r 2002 Shifting paradigms in geomorphology the fate of research ideas in an educational contexto Geomorphology nº 47 pp 325342 PhilliPs J d 2012 Synchronization and scale in geomorphic systems Geomorphology nº 137 pp 150 158 reynaud a 1971 Épistémologie de la géomorphologie Masson et Cie Paris rocha J e morGado P 2007 A complexidade em geografia In CEGEd Geophilia o sentir e os sentidos da geografia Homenagem a Jorge Gaspar Colibri Artes Gráficas Lisboa pp 137153 sToddarT d r 1986 On Geography Blackwell Oxford TricarT J 1965 Principes et méthodes de la Géomorphologie Masson et Cie Paris Geomorfologia a construção de uma identidade View publication stats RISCOS NATURAIS ANTRÓPICOS E MISTOS 1 Introdução Este texto aborda a identidade e o desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina científica Ele destaca que a Geomorfologia está localizada entre os campos da Geologia e da Geografia o que levanta questões sobre sua posição e influência nos estudos universitários e na construção de seu próprio discurso O texto sugere duas perspectivas para estudar a posição da Geomorfologia uma enfoca seu desenvolvimento histórico relacionandoo com a evolução epistemológica e a outra contextualiza essa história com a organização disciplinar em diferentes tradições acadêmicas O autor ressalta a importância de compreender a origem da Geomorfologia mencionando que a Geologia emergiu como uma disciplina científica no final do século XVIII mas a Geomorfologia apresenta desafios adicionais em relação ao seu começo Apesar disso o texto sugere que os seres humanos têm se envolvido com a Geomorfologia desde tempos préhistóricos ao buscar recursos da Terra e criar mitos sobre a criação do mundo Ele conclui destacando que a curiosidade renovada e as novas abordagens metodológicas a partir dos séculos XVI e XVII impulsionaram o estudo das formas do relevo 2 Os temas geomorfológicos e o nascimento da modernidade uma curiosidade renovada séc XVIXVII Os pioneiros naturalistas do século XVI trouxeram uma nova perspectiva em relação aos seus predecessores baseandose principalmente na experiência e no inventário dos fatos Eles diferenciaramse ao reconhecerem tardiamente os fatos tratados pela Geologia e Geomorfologia devido à dificuldade em identificálos devido à sua lentidão Alguns observadores excepcionais como Leonardo da Vinci e Bernard Palissy reconheceram a ação dos rios na modelagem de seu leito e na formação dos vales Leonardo da Vinci envolvido na construção de canais compreendeu a erosão fluvial e afirmou que cada vale é formado pelo seu próprio rio estabelecendo assim o conceito de fluvialismo No entanto suas ideias não foram seguidas por seus contemporâneos e suas reflexões ficaram inéditas até o final do século XVIII Além disso os naturalistas da época estavam interessados em identificar as formas do relevo e suas concepções eram influenciadas pelas ideias aristotélicas e pela analogia entre o microcosmo e o macrocosmo Embora ainda houvesse muitos enigmas a serem solucionados algumas intuições começaram a surgir em relação aos mecanismos responsáveis pela formação do relevo Houve uma controvérsia entre aqueles que acreditavam que os vales eram depressões onde os rios se instalavam e aqueles como Leonardo da Vinci que defendiam que os rios eram os responsáveis pela escavação dos vales A descoberta dos processos envolvidos ocorreria em uma fase posterior 3 Os modernos do séc XVIII ao séc XIX as primeiras interpretações Os finais dos séculos XVIII e XIX foram momentos cruciais na história da Geomorfologia No final do século XVIII houve uma transição importante na Geomorfologia marcada pela autonomização do discurso geomorfológico em relação aos processos naturais e pela sua estruturação em enunciados que articulavam formas e processos de maneira coerente Isso resultou na formulação de teorias normativas sobre a geomorfologia Ao mesmo tempo ocorreu a emergência de novas leis relacionadas à escultura fluvial e glaciária bem como a formulação da teoria do ciclo de erosão Na Europa especialmente na França e no Reino Unido esse primeiro momento foi impulsionado por uma série de descobertas técnicas e científicas que foram amplamente discutidas no ambiente intelectual da época Ao longo do século XVIII os filósofos iluministas promoveram o espírito científico moderno criando condições favoráveis para o desenvolvimento da Geomorfologia O avanço tecnológico especialmente no campo da engenharia também desempenhou um papel importante Os engenheiros envolvidos na construção de estradas canais portos e na identificação de recursos materiais para essas obras começaram a compreender a dinâmica da modelagem da superfície terrestre Por exemplo Lambardie estudou o transporte de seixos ao longo da costa de Pays de Caux para estimar a dragagem necessária para manter os pequenos portos Du Bois também engenheiro de estradas relacionou o tamanho das partículas transportadas pelos rios com a velocidade da corrente Esses precursores adotaram uma abordagem surpreendentemente moderna abordando a Geomorfologia em grande escala por meio do exame de pequenos fatos de grande importância prática Mesmo quando Surrell um sucessor deles elaborou sua teoria das torrentes no final do reinado de LouisPhilippe não tratou de detalhes minuciosos da modelagem Philippe Buache 17001773 um arquiteto de formação desempenhou um papel importante nesse período ao considerar as montanhas como a armadura do globo e propor a divisão da superfície dos continentes em bacias hidrográficas estanques Na segunda metade do século XVIII a Geologia passou por um desenvolvimento espetacular Buffon em sua obra Époques de la nature 1778 afirmou que a Terra tem uma história que pode ser decifrada pelos sábios Outros geólogos como Gueltar Desmarest Dora e Lehmann fizeram descobertas relacionadas à origem das rochas e das montanhas Surgiram debates entre os neptunistas que atribuíam a formação das rochas e das montanhas aos oceanos e os vulcanistas que acreditavam no papel do fogo central da Terra nesse processo Saussure levantou dúvidas sobre a estabilidade do solo após observar conchas marinhas nos cumes alpinos abrindo caminho para novas interpretações dos mecanismos envolvidos na formação 4 Os fundadores da Geomorfologia a explicação das formas da superfície da Terra William Morris Davis 18501934 desempenhou um papel crucial no estabelecimento e desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina autônoma nos Estados Unidos Davis é considerado o pai da Geomorfologia moderna e é conhecido por suas contribuições teóricas e conceituais Davis propôs uma abordagem sistemática para o estudo da superfície terrestre enfatizando a relação entre processos e formas Ele introduziu o conceito de ciclo de erosão argumentando que as paisagens evoluem através de estágios distintos de juventude maturidade e velhice Essa teoria do ciclo de erosão foi um marco importante na Geomorfologia e influenciou gerações posteriores de geógrafos Além disso Davis desenvolveu o conceito de pensamento geográfico e enfatizou a importância da observação e do estudo de campo na Geografia Ele promoveu a integração da Geologia e da Geografia Física enfatizando a importância das forças endógenas e exógenas na formação das paisagens Davis foi um professor influente na Universidade de Harvard e fundou o Departamento de Geografia lá em 1901 que se tornou um importante centro de pesquisa em Geomorfologia Ele também foi um dos fundadores da Association of American Geographers Associação de Geógrafos Americanos e da revista Annals of the Association of American Geographers Anais da Associação de Geógrafos Americanos que ajudaram a estabelecer a Geomorfologia como uma disciplina acadêmica respeitada Em resumo William Morris Davis desempenhou um papel central na consolidação e desenvolvimento da Geomorfologia como uma disciplina autônoma nos Estados Unidos Suas contribuições teóricas e conceituais como o ciclo de erosão e o enfoque no estudo de campo tiveram um impacto significativo na formação da Geomorfologia moderna 5 William Morris Davis e a teoria do ciclo de erosão William Morris Davis foi uma figura incontornável no desenvolvimento da disciplina da Geomorfologia Ele trouxe uma abordagem mais dedutiva e explicativa para o estudo das formas do relevo em contraste com abordagens meramente descritivas Davis nasceu em 1850 nos Estados Unidos e estudou na Universidade de Harvard Inicialmente ele se dedicou à geologia estratigráfica e tectônica mas seu interesse pelas formas do terreno foi despertado durante um curso de campo sob a direção do geólogo Shaler O contexto do Oeste dos Estados Unidos com suas regiões áridas e a visibilidade clara da relação entre a estrutura do subsolo e a forma da superfície influenciou Davis em seu desenvolvimento científico Ele reconheceu a importância da região na compreensão das formas do relevo e observou que a vegetação em áreas mais úmidas escondia essa relação Davis escreveu sobre a necessidade de considerar o contexto regional ao estudar a Geografia Física Em 1889 Davis publicou seu famoso trabalho sobre rios e vales na Pensilvânia estabelecendo assim um novo campo de estudo A partir desse ponto suas contribuições para a Geomorfologia foram constantes e ele se tornou uma figura proeminente no ensino e na pesquisa ministrando aulas e conferências em universidades nos Estados Unidos e na Europa Inicialmente Davis usava o termo Fisiografia para descrever o campo de estudo que ele praticava mas a partir de 1889 ele adotou o termo Geomorfologia Essa mudança de terminologia refletia o sucesso da Geomorfologia como uma disciplina autônoma e seu reconhecimento como parte integrante da Geografia O principal mérito de Davis do ponto de vista epistemológico foi o de desenvolver uma descrição explicativa das formas de relevo com base em observações e ideias acumuladas levando em consideração a dimensão temporal evolutiva Ele introduziu a ideia de um ciclo de erosão no qual as formas do relevo passam por fases sucessivas de juventude maturidade e velhice até atingirem um estágio final a peneplanície Davis também tentou aplicar a noção de ciclo a outros tipos de relevos como glaciares áridos cársticos e litorais mas com menos sucesso A recepção das ideias de Davis na Europa foi desigual Na Alemanha houve interesse mas também objeções ao excesso de teoria e dedutivismo de suas ideias Na França sua obra foi bem recebida com Emmanuel de Margerie sendo um dos primeiros defensores de Davis Albert de Lapparent também foi influenciado por Davis em suas leções de geografia física Emmanuel de Martonne também foi influenciado por Davis mas posteriormente tomou distância de algumas de suas abordagens mais sistemáticas Henry Baulig um dos seguidores mais proeminentes de Davis contribuiu significativamente para o desenvolvimento da Geomorfologia na França Ele dedicou uma biografia detalhada a Davis e embora tenha assumido alguma distância em relação às ideias do autor 6 O movimento renovador da Geomorfologia após a segunda guerra mundial No texto apresentado discutese a evolução da geomorfologia a partir da segunda metade do século XX e as mudanças que ocorreram nesse campo O autor destaca que houve uma renovação temática e metodológica impulsionada pela crítica à interpretação davisiana e à teoria do ciclo de erosão de Davis A crítica à perspectiva de Davis foi influenciada pelos geomorfólogos alemães que defendiam uma abordagem empírica de matriz historicista Autores como Baulig e Birot introduziram a ideia de variedade de ciclos em função de contextos climáticos litológicos e estudos regionais o que levou ao questionamento da visão dedutiva geral de Davis Houve também uma reavaliação da teoria davisiana em relação à sua adequação a uma escala média de análise Na França as concepções davisianas perderam terreno e surgiram novas influências como o conceito de Geomorfologia climática vindo da Alemanha Autores franceses como Martonne e Baulig também contribuíram para o desenvolvimento da Geografia Física introduzindo conceitos como Geografia Zonal e explorando as possibilidades de aplanamento em diferentes meios morfoclimáticos No Reino Unido o desenvolvimento da Geografia Física e da Geomorfologia foi caracterizado pela difusão de novas ideias impulsionado pelo rompimento das barreiras linguísticas Surgiram três correntes principais ampliação dos horizontes temáticos com o uso de novas técnicas propostas alternativas ao modelo davisiano e extensão do modelo a novos campos de estudo como costeiros e glaciais As novas interpretações na geomorfologia basearamse em avaliações epistemológicas dos métodos processos linguagem e escalas de análise Foram propostas interpretações alternantes entre positivismo e historicismo além do surgimento da ideia de sistemas morfogenéticos como uma ruptura epistemológica em relação ao período davisiano Uma mudança significativa nesse contexto foi a revisão do vocabulário substituindo o ciclo de erosão de Davis pelo conceito de sistema de erosão proposto por Birot e posteriormente pelo sistema morfogenético A consideração dos ritmos da morfogênese a oposição entre catastrofistas e atualistas e a abordagem sistêmica enriqueceram a geomorfologia dinâmica Em resumo a geomorfologia passou por uma série de mudanças no século XX com uma renovação temática e metodológica críticas à visão davisiana introdução de novos conceitos e abordagens revisão do vocabulário e adoção de uma perspectiva sistêmica e neocatastrofista na compreensão dos processos morfogenéticos 7 A abordagem geossistémica e a complexidade No texto apresentado discutese a importância da abordagem sistêmica na investigação científica em Geomorfologia O autor destaca que é necessário considerar os conhecimentos já adquiridos as regras metodológicas os pressupostos postulados e teorias existentes para orientar a elaboração e interpretação dos dados Os dados não falam por si mesmos eles requerem um conjunto de problemáticas eou perguntas prévias que orientem as observações e pesquisas A abordagem sistêmica é apresentada como um quadro conceitual que se estrutura em torno do conceito central de geossistema Um geossistema é entendido como um sistema espacial complexo composto por cinco componentes fundamentais litosfera atmosfera hidrosfera biosfera e antroposfera Cada componente possui elementos e processosmecanismos específicos que interagem constantemente para determinar a estrutura e a dinâmica do sistema como um todo Os mecanismos são compreendidos como os modos de atuação de um determinado processo enquanto os processos são sequências de mecanismos causais no espaço e no tempo resultado da combinação de variáveis externas ao sistema As interações entre as componentes do sistema muitas vezes não lineares levam a propriedades emergentes dinâmicas imprevistas e características de auto organização como propriedades básicas do sistema Um sistema complexo autoorganizado é aquele que surge de forma coerente no tempo e se adapta e organiza sem necessidade de controle deliberado por entidades individuais A adaptação ocorre constantemente por meio de ações e feedbacks positivos reforçam a mudança aplicada ou negativos resistem à mudança redefinindo a relação entre o sistema e seu ambiente O comportamento desse sistema complexo depende do comportamento de todas as suas partes organizandose hierarquicamente em subsistemas interrelacionados O conceito de geossistema é definido como um sistema geográfico natural homogêneo ligado a um território composto por elementos abióticos bióticos e antropogênicos A abordagem geossistêmica em Geomorfologia permite uma análise transversal com múltiplas passagens na escala do global ao local do geral ao particular conectando o elementoprocesso estudado em um geossistema local com elementosprocessos naturais reconhecidos em escalas maiores Em resumo a abordagem sistêmica na Geomorfologia utilizando o conceito de geossistema busca compreender as dinâmicas geomorfológicas por meio da integração de conhecimentos de diferentes disciplinas construindo modelos que representem os processos espaciais e temporais que moldam as formas do relevo 8 Em jeito de conclusão O texto discute a afirmação da Geomorfologia como uma disciplina científica dentro do campo da Geologia Ele explora como a Geomorfologia se diferenciou e especificou seu campo de estudo sendo apoiada por instituições acadêmicas e sociais Ao longo do tempo a Geomorfologia se desenvolveu enriquecendose e diversificandose incorporando novas perspectivas métodos e linguagens Isso é evidenciado pela interseção de conhecimentos e pela complexidade das abordagens sendo o conceito de geossistema um exemplo disso