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NOVAS REDES URBANAS CIDADES MÉDIAS E PEQUENAS NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO Maria Encarnação Beltrão SPOSITO Resumo Um conjunto significativo de mudanças econômicas sobretudo vem alterando as estruturas segundo as quais se organizam as redes urbanas O aumento das formas e ritmos de circulação tem tido papel fundamental nessa redefinição e transforma de modo substancial os papéis que as cidades médias e pequenas têm ou podem vir a ter num período em que se ampliam as escalas segundo as quais as relações espaciais se estabelecem As relações entre o local e o global têm sido o foco de muitas análises mas neste artigo privilegiase a análise das dinâmicas contemporâneas tomandose como referência as relações entre a cidade e a região e as relações entre a cidade e o campo para se compreender como cidades pequenas e médias se reposicionam ou podem vir a se reposicionar num mundo em globalização Palavraschave Redes urbanas Cidades médias Cidades pequenas Abstract New urban nets the role of small and medium size cities in the globalization process A significant set of economical changes above all has influenced the structures according to which the urban nets are organized The increase of circulation shapes and rhythms has played a key role in this redefinition and transforms substantially the roles small and mediumsize cities play or are likely to play in a moment when the scales according to which the spatial relations establish are broadened The relations between the local and the global have been the focus of many analyses In this paper however the analysis of contemporary dynamics is emphasized taking as a reference the relations between the city and the region and the relations between the city and the field in order to understand how small and mediumsize cities reposition or are likely to reposition in a globalizing world Key words Urban nets Mediumsize cities Small cities As idéias contidas neste texto foram inicialmente apresentadas durante o 9º Encontro de Geógrafos da América Latina realizado em São Paulo em 2005 em mesa redonda com este título Registro meus agradecimentos aos participantes do evento que dirigiram questões aos expositores da mesa e propiciaram assim que novos pontos fossem desenvolvidos neste texto Universidade Estadual Paulista UNESP Campus de Presidente Prudente Rua José Levy Guedes 625 Presidente Prudente SPEmail mebspositogmailcom GEOGRAFIA Rio Claro v 35 n 1 p 5162 janabr 2010 INTRODUÇÃO As noções de cidades médias e pequenas bem como sua análise nos estudos geográficos sempre estiveram associadas às idéias de tamanho das cidades classificação da importância de seus papéis e constituição de redes urbanas hierárquicas Neste texto adotamos a expressão cidades médias como aquelas que desempenham papéis de intermediação no âmbito de sistemas urbanos simples ou complexos o que as distingue das cidades de porte médio que são aquelas assim classificadas em função de um dado tamanho demográfico que num determinado país é considerado como médio segundo esta ou aquela classificação ou tipologia A partir dessa ótica as cidades médias desempenhavam papéis de intermediação entre as cidades pequenas e as cidades grandes e metropolitanas no âmbito de uma mesma rede urbana Cidades pequenas e seus respectivos municípios compunham o território econômico e muitas vezes de poder político sobre o qual se apoiavam os papéis da cidade média da qual eram tributárias As dinâmicas engendradas pelo processo que vem sendo denominado de globalização alteram este quadro de redes hierárquicas estabelecendo novos contextos espaciais nos quais os fluxos que articulam entre si cidades de uma rede urbana não são apenas hierárquicos Hall 2000 ao analisar mudanças no valor do espaço geográfico com foco na hierarquia urbana destaca uma séria de forças que operam tais mudanças indicando em primeiro lugar a globalização Brunet 2000 referindose às cidades intermediárias também destaca os impactos gerados pela mundialização Neste texto vamos analisar a partir de alguns pontos de vista o que vem se alterando nas relações que cidades médias e pequenas estabelecem com outros espaços no período atual OS CONTEXTOS ATUAIS Na segunda metade do século XX e especialmente em suas duas últimas décadas intensificaramse as relações econômicas em escalas mais abrangentes redefinindo a divisão internacional do trabalho e gerando um processo claro de mundialização da economia Esse processo não teria sido possível não fossem as condições decorrentes da articulação de novos sistemas de informática com comunicação por satélite num período de crescente desenvolvimento científico compondo o que Milton Santos 1996 denominou de meio técnicocientíficoinformacional Esse meio tem sido capaz de gerar aceleração na difusão de informações mas também de valores culturais e práticas sociais conformando um processo que vai além da economia e vem sendo denominado de globalização Esse conjunto de mudanças ocorridas no bojo da passagem do sistema fordista para o sistema flexível redefiniu as relações constitutivas das redes urbanas por meio da ampliação das possibilidades de estabelecimento de articulações entre cidades de diferentes portes pertencentes a redes urbanas que se conformaram em contextos históricos diferentes entre si Isso significa que relações entre cidades de uma rede urbana ainda que pequenas podem se estabelecer com cidades de outras redes urbanas e de outros portes sem que haja a intermediação daquelas que segundo a constituição hierárquica anterior estão em posição superior às das cidades pequenas ou médias Essa diversificação dos tipos de articulações possíveis entre cidades no âmbito de uma mesma rede ou de redes urbanas diferentes pode se dar em função de relações tanto competitivas tão caras ao novo sistema produtivo como relações de sinergia que geram complementaridade de ações realizadas em diferentes pontos do mundo Não se trata da substituição de redes urbanas hierárquicas por outros tipos de redes mas da combinação complexa e contraditória de fluxos que se estabelecem tanto no sentido hierárquico como no sentido horizontal ou transversal uma vez que uma mesma cidade é o espaço de ação e decisão de atores econômicos que se relacionam em diferentes escalas³ Tratase da sobreposição de redes organizadas por vetores de diferentes naturezas e intensidades gerando o que já se denominou de rede de redes Segundo essa perspectiva caberia aos geógrafos analisar quais os níveis de determinação que incidem na atualidade redefinindo os papéis desempenhados pelas cidades médias e pequenas verificando sobretudo em quais contextos as transformações são mais profundas que as permanências gerando redes urbanas complexas e mudanças significativas nessas cidades Por outro lado não menos importante é se analisarem os contextos regionais em que as permanências sobretudo de natureza política e cultural são mais densas que as transformações possibilitando não apenas as prevalências de relações hierárquicas como a diminuição relativa dos papéis das cidades médias e muitas vezes diminuição profunda dos papéis das menores cidades da respectiva rede urbana AS CIDADES E AS REGIÕES A tradição geográfica de analisar as cidades a partir de suas relações regionais sempre teve grande importância para entender as cidades médias e as pequenas Não que essa perspectiva não tivesse ou tenha importância para a compreensão de cidades grandes e metropolitanas mas nestes casos a amplitude dos fluxos que se estabelecem ultrapassa em muito a escala regional das ações e dos movimentos Pierre George 1983⁴ já dedicou um capítulo de seu livro à análise das relações entre a cidade e a região como condição para compreender as redes urbanas O autor chamava a atenção para o fato de que A cidade faz parte de um sistema urbano elaborado no decorrer de um período histórico mais ou menos longo Só se pode fazer um estudo geográfico válido da cidade quando ela é recolocada em duplo contexto regional e talvez seja útil dar à palavra região uma acepção mais ampla e citadino GEORGE 1983 p205 Na medida em que as relações entre as cidades se estabeleciam definidas por fluxos materiais que dependiam de formas de deslocamento e meios de transporte as contigüidades territoriais⁵ eram elemento essencial para se pensar os papéis das cidades sobretudo as médias e pequenas pouco servidas por sistemas de transportes rápidos eou de longa distância como o marítimo e o aéreo Esta análise está mais desenvolvida em Sposito 2005 2007 Para melhor contextualizar as idéias contidas neste livro é importante informar que o original em francês Précis de Géographie Urbaine é de 1961 Esse tema já foi desenvolvido em Sposito 2001 2007a Assim os estudos sobre essas cidades estabeleciamse via de regra a partir da análise regional Reconheciamse desse modo cidades médias como cidades regionais que polarizavam ou coordenavam as cidades pequenas que estavam em sua região Não é sem motivo que grande impacto tiveram sobre a condução da pesquisa voltada à análise espacial teorias como a de Christaller e a de Lösch Essas teorias tinham em sua base certo nível de idealização segundo o qual muitas vezes o espaço era considerado apenas como um suporte homogêneo ou neutro para os fluxos de pessoas e mercadorias Por outro lado há que se considerar que elas em grande parte refletiam a constatação de que as articulações entre as cidades se estabeleciam a partir de uma relação entre o tamanho delas e a distância que as separava tendo em vista a importância dos transportes para a definição da natureza e da intensidade das relações entre as pessoas Analisando o período atual e chamando a atenção para o fato de que os novos fluxos desenham uma geografia complexa e paradoxal fazendo referência às lógicas que antecederam o momento que vivemos Pierre Veltz 1996 p 53 ressalta As teorias tradicionais da economia regional que explicam os processos de concentração das atividades são muito ligadas a uma imagem métrica do território tradução nossa Essas perspectivas analíticas não são suficientes para o mundo contemporâneo em primeiro lugar porque há a superação crítica dos enfoques analíticos que reconheciam no espaço sua dimensão métrica sem analisar seus conteúdos e sem colocar foco nas diferenças substanciais de todo tipo que distinguem diferentes parcelas do espaço geográfico entre si Em segundo lugar porque ainda que se reconheça que as conexões entre cidade e região e portanto dos transportes são fundamentais para se entender as cidades médias e pequenas é importante observar que Calabi 2005 p 279 frisa que Em muitos casos este genérico incremento da rede viária não se distribui todavia de modo homogêneo no território mas sublinham o crescimento de algumas metrópoles tradução nossa Em terceiro lugar as novas formas de circulação prevalentemente associadas à comunicação diminuem o peso relativo dos deslocamentos materiais e ampliam a possibilidade de constituição de territórios descontínuos ainda que altamente integrados Esse fato coloca em questão a contigüidade como uma das variáveis a partir das quais se reconheciam as relações entre cidades médias e pequenas bem como a região como o espaço de suas articulações principais Assim cidades pequenas de uma região ou localizadas em áreas geográficas que foram reconhecidas tanto política como cientificamente como regiões articulamse no período atual com cidades maiores médias grandes ou metropolitanas localizadas em outras áreas reconhecidas ou não como regiões pertencentes ou não à mesma rede urbana Os vetores de alteração das relações do tipo hierárquicas têm sido determinados pelos interesses de uma economia internacional que se articula a partir de sistemas de comunicação e informatização cada vez mais velozes Assim tanto a aproximação entre cidades pequenas ou médias e empresas transnacionais pode alterar a escala das relações que se estabelecem a partir dessas cidades e até elas como os interesses de consumo impostos por essa economia incidem nessas relações hierárquicas e as alteram Tais relações eram predominantemente realizadas no âmbito da região entre as cidades pequenas e médias colocando em xeque a própria idéia de um espaço regional Por outro lado também se alteram as relações com as cidades maiores metropolitanas ou não porque os novos vetores da economia grandes conglomerados financeiros eou industriais não operam restritamente numa região ou no âmbito de uma rede Isso significa que cidades pequenas ou médias têm se tornado economicamente e de certo modo política e culturalmente tributárias de espaços que lhes são distantes e de cidades que não são constitutivas da mesma rede urbana a que pertencem Essas constatações geram questões que não serão respondidas no âmbito deste texto mas merecem registro para reflexão Qual a validade no período atual do conceito de região como instrumento teóricometodológico Em que medida podemos ainda reconhecer de modo claro redes urbanas como sistemas integrados compostos por cidades que têm relações intensas entre si AS RELAÇÕES ENTRE CIDADE E CAMPO Para iniciar a análise a partir dessa perspectiva tomo igualmente Pierre George 1983 p 206 que assim se referia aos principais vínculos entre cidade e campo As relações entre cidades e zonas rurais procedem inicialmente de diversas formas de retiradas de substância do campo em benefício da cidade ou de entidades econômicas junto às quais a cidade desempenha um papel de intermediária Mas em contraposição a cidade está à frente dos múltiplos sistemas de serviços de interesse regional Ela propaga ao seu redor capitais produtos industrializados organiza a vida coletiva rural em seus quadros administrativos difunde as técnicas e os serviços de nível elevado Os quadros administrativos imbricados sic ou superpostos traçam certos limites de influência mas o instrumento real da expansão de diversas formas de influência urbana continua sendo o meio material de relação a via de circulação e os organismos de transporte que a exploram A partir do trecho citado podese avaliar que as mesmas determinantes destacadas no item anterior aparecem como importantes para a análise das cidades médias e pequenas a partir das relações entre a cidade e o campo De um lado o peso dos sistemas de circulação materiais vias e transportes e de outro lado o reconhecimento de que há uma região e que a partir dela as relações de influência se estabelecem Atualizando a análise no que concerne às relações entre a cidade e o campo no período atual há que se considerar o enorme peso da modernização da agricultura 6 voltada à exportação altamente articulada aos interesses industriais e financeiros cujos circuitos estabelecemse na escala transnacional As determinantes da globalização ou do que preferimos chamar de nova divisão internacional do trabalho são relevantes para se verificar que nem sempre ou não mais a área rural do município vive em benefício de sua cidade ou é dela tributária À medida que se ampliam os vínculos da produção agropecuária com técnicas e serviços de nível elevado sediados na cidade como já advertia Pierre George alteramse as relações entre a cidade e o campo O que ocorre no período atual é que as atividades comerciais e de serviços mais sofisticados que estão hoje nas cidades localizadas em parcelas do território em que a modernização da agricultura alterou representam interesses econômicos comerciais e de produção industrial os quais se estabelecem na escala internacional como podemos observar pela força das empresas ligadas aos agronegócios Não é 6 Temos conhecimento do grande debate crítico acerca do uso dessa expressão que utilizamos aqui ainda que essa reflexão fuja do objeto mais direto deste texto razão pela qual a tomamos como noção e não como conceito apenas para fazer referência ao movimento de ampliação da agropecuária comandada por relações de produção e trabalho capitalistas integradas aos interesses econômicos internacionais por outra razão que Milton Santos distingue as cidades que passaram a exercer esses papéis de cidades do campo distinguindoas daquelas mais características das áreas pouco incorporadas ao mercado capitalista de cidades no campo A diminuição das oportunidades de emprego e sobretudo de trabalho como forma de garantir a sobrevivência no campo fora dos circuitos capitalistas de produção e circulação é outro elemento a ser considerado para a compreensão das cidades médias e pequenas a partir das relações entre o urbano e o rural No contexto de redes urbanas hierárquicas os trabalhadores rurais eram e são via de regra moradores dos pequenos e médios municípios nos quais as atividades agropecuárias se constituíam e se constituem o motor principal da economia Uma observação aos dados dos censos demográficos até os anos de 19601970 mostra a significativa participação relativa da população rural em grande parte das municipalidades brasileiras comandadas por cidades pequenas e até mesmo em algumas cidades de porte médio O aumento da mecanização acompanhado da ampliação das formas de contratação temporária legais ou ilegais ampliou o contingente de trabalhadores rurais moradores na cidade Esse fato em si não alterou em muito os papéis das cidades pequenas e em alguns casos das de porte médio porque ainda elas continuaram a servir o campo com relações espaciais identificadas pela contigüidade territorial e circunscritas às escalas regionais O que vemos no período atual com destaque no Brasil para os anos de 1990 em diante é a ampliação da escala das migrações sazonais para a realização de trabalho no campo Assim por exemplo áreas de agropecuária no Estado de São Paulo voltadas à produção da canadeaçúcar recebem contingentes de trabalhadores oriundos de outros estados da federação em determinadas fases dos ciclos de produção agrícola Combinase desse modo a intrínseca relação de contigüidade municipal ou regional que caracterizava o período anterior no tocante aos deslocamentos casa trabalho para a realização de atividades rurais com deslocamentos muito mais abrangentes regionais e nacionais do ponto de vista da escala geográfica Do ponto de vista econômico alteramse os papéis locais das cidades pequenas e do ponto de vista social e político esgarçamse as relações que se estabeleciam nessas escalas menores visto que passam a ter mais peso atores hegemônicos representados pelos grandes proprietários rurais e pelos conglomerados industriais e financeiros suporte dos circuitos econômicos dos agronegócios atores esses que não residem nas cidades pequenas e médias sobre as quais intervêm de modo intenso De certo modo e a partir da perspectiva de período técnico e econômico do capitalismo do século XIX Marx já havia destacado esta questão ao mostrar que a consequência inevitável dos processos reais de funcionamento no capitalismo é a reprodução da relação de capital numa escala progressiva mais capitalistas em um pólo mais trabalhadores assalariados em outro pólo Além disso esses processos também produzem um relativo excedente populacional um exército de reserva de desempregados liberados principalmente por meio da mudança tecnológica e organizacional HARVEY 2005 p 111 Ao tratar da ampliação das escalas em que os acontecimentos econômicos sociais e políticos passam a ocorrer não estamos apenas nos referindo a uma escala geométrica ou cartográfica resultante da delimitação das áreaszonas em que os fatos ocorrem mas sim do modo como a alteração da abrangência dessas delimitações modifica profundamente as articulações entre escalas geográficas diferentes o que por conseqüência modifica os papéis das cidades pequenas e médias num período de globalização7 Tratase portanto da 7 Para ter acesso a essa reflexão de modo mais desenvolvido ver Sposito 2006 2007b necessária relação entre o absoluto e o relativo cuja importância aumenta quando reconhecemos a ampliação das escalas segundos as quais relações econômicas e políticas se estabelecem alterando conseqüentemente as relações sociais de produção e trabalho e os deslocamentos humanos sobre o território Essa constatação impõe aos pesquisadores de um modo geral e especialmente aos voltados para a análise das cidades médias e pequenas nas quais os diferentes sujeitos sociais estão mais submetidos aos interesses da ordem distante maior atenção e precaução do ponto de vista dos movimentos do pensamento no processo de elaboração do conhecimento Não é difícil se cair na oposição entre o absoluto e o relativo ou ainda na absolutização do que deveria ser tomado em perspectivas relativas como já destacava Lefebvre 1987 p 97 Em face de toda verdade aparentemente estabelecida e que se pretende absoluta o pensamento em movimento implica um momento de dúvida o espírito crítico de negação de ceticismo de relativismo O relativismo dialético é otimista Aceita a relatividade de nossos conhecimentos não em razão de uma fatalidade metafísica estrutura subjetiva do nosso pensamento como no kantismo mas em relação à etapa efetivamente atingida por nosso conhecimento grifos do autor Desse ponto de vista o da necessidade de colocar em dúvida o pensamento já elaborado a análise das relações entre a cidade e o campo exige no período atual que se dê menos peso às distinções entre esses dois espaços e mais luz à análise das articulações entre o rural e o urbano Tratase portanto de priorizar o estudo dos papéis desempenhados pela cidade e pelo campo no lugar das realidades materiais correspondentes cada vez menos distinguíveis num período em que a urbanização se realiza de forma difusa e os processos de aglomeração urbana estabelecemse em múltiplas escalas A análise das novas formas de expansão do tecido urbano não será objeto deste texto mas é fundamental lembrar que as dinâmicas de aglomeração urbana não se restringem às áreas metropolitanas e abrangem no Brasil atual como em outros países cidades de diferentes portes e importâncias Essas dinâmicas quando ocorrem com cidades médias e incorporam cidades pequenas dependem mais da localização dessas cidades mais próximas de grandes centros metropolitanos eou da estrutura fundiária das regiões em que se inserem as cidades médias e pequenas pois maior presença de pequenas e médias propriedades favorece a constituição de sistemas urbanos mais densos e a vitalidade funcional dos centros urbanos menores CENTRALIDADE INTERURBANA Tanto as relações entre cidade e região como as articulações entre o rural e o urbano colocam em aberto o estudo da centralidade interurbana No que concerne às cidades pequenas e médias esse tema é importante porque a força da cidade média tem relação direta com o número de cidades pequenas que lhes são tributárias e com a qualidade dos papéis econômicos que elas desempenham sendo essa relação tanto de ordem direta como inversa Há cidades médias que desempenham papéis regionais relativamente a um grande número de cidades pequenas cujas atividades econômicas ainda que predominantemente agropecuárias estão fortemente sediadas em termos de origem dos capitais e de poder político nas escalas local e regional Quando isso ocorre fortalecemse as cidades pequenas tanto quanto a cidade média que amplia seus papéis de intermediação entre as menores e as maiores da rede urbana Nesse caso diversificação agropecuária e estruturas fundiárias menos concentradas são elementos importantes para se manter o vigor das cidades pequenas mesmo que os papéis mais importantes se centralizem na cidade média Assim podese afirmar que a relação é de ordem direta pois quanto mais se ampliam os papéis das cidades pequenas são reforçados os da cidade média que as comanda podendo suportar o desenvolvimento de atividades industriais ou comerciais e de serviços com capitais regionais Dão suporte a esse processo certo dinamismo econômico de base regional crescimento demográfico nos municípios de diferentes tamanhos ainda que historicamente venham sendo maiores as taxas de incremento populacional urbano em detrimento absoluto ou relativo dessa evolução no campo8 Quando as cidades médias exercem centralidade interurbana sobre um número grande de cidades pequenas cujas estruturas fundiárias são caracterizadas pelas grandes propriedades produtivas ou não voltadas à agricultura ou à pecuária observamse dinâmicas de centralização econômica e política em favor das médias e em detrimento das pequenas Aqui a relação é de ordem inversa quanto mais perdem as cidades pequenas mais ganham as cidades médias sobretudo se tratamos de regiões distantes dos grandes centros urbanos O crescimento da maior cidade regional resulta em grande parte da debilidade demográfica e econômica leiase capacidade de consumo das cidades pequenas Tanto no caso do primeiro grupo como no do segundo grupo há diferenças substanciais entre as regiões mais e as menos integradas à economia de mercado nacional e internacional quando se analisam os níveis e a qualidade da centralidade interurbana exercida pelas cidades médias Centralidade interurbana monocêntrica Sendo ou não dinâmicas do ponto de vista econômico havendo ou não estruturas fundiárias concentradas quando as economias dos municípios pequenos atendem mais a interesses de capitais de pequeno e médio porte ou organizados por eles as cidades médias que comandam esses municípios são tipicamente cidades regionais articuladas ao sistema urbano por fluxos de tipo hierárquico Os papéis intermediários aqui são exercidos por meio de relações de natureza vertical pois cidades pequenas demandam serviços da cidade média que estabelece fluxos com os maiores centros de produção e consumo em favor de sua região Há de certo modo uma sobreposição territorial entre os espaços de produção e os de realização do capital ainda que as cidades maiores drenem para si parte dos capitais produzidos alhures nas pequenas e médias Esse tipo de relativa circunscrição territorial dos capitais gerados na região que se convertem em capacidade de consumo regional é bastante característico da primeira metade do século XX e das décadas imediatamente subseqüentes ao final da segunda Guerra Mundial Tratase de período em que a industrialização brasileira se constituía como processo implantação de todos os ramos da atividade industrial da indústria de base à de bens de consumo nãoduráveis e se consolidava com base no mercado nacional em evolução Em função do crescente aumento da produtividade e da incorporação de técnica e tecnologia na agropecuária mesmo em regiões e municípios com crescimento econômico no setor da agropecuária podese observar diminuição absoluta ou relativa da população urbana Além disso há que se considerar que nas últimas três décadas só vem crescendo o número de trabalhadores do campo que moram na cidade crescente em função do incremento populacional e da expansão da economia de mercado Quando havia ou quando há predomínio dessas características muitas regiões comandadas por cidades médias mais distantes das áreas industrializadas sobretudo da Grande São Paulo exerceram e exercem importante papel de produção agropecuária para atender à demanda crescente dos mercados consumidores urbanos A centralidade interurbana sob essas condições estabelecese e constituise de forma quase absoluta na escala regional Sintetizando as cidades regionais seriam as cidades médias que essencialmente por meio de relações hierárquicas comandam os fluxos numa dada região Tratase assim de relações hierárquicas regionais cujos fluxos supraregionais se estabelecem quase por meio da cidade média A contigüidade territorial é o elemento estruturador das espacialidades aí constituídas pois as áreas ou regiões definemse sobremaneira através dos deslocamentos territoriais Os fluxos imateriais coincidem em grande parte com os materiais Pensadas como tal as cidades regionais teriam forte centralidade interurbana na área de abrangência dos municípios sediados pelas cidades pequenas que comandam Quanto mais frágil o sistema urbano constituído por menor número de cidades eou por cidades com poucos papéis urbanos mais ampla é a área sob o comando de uma cidade média do tipo regional A centralidade interurbana nessas situações é de estrutura monocêntrica pois as espacialidades são constituídas por dinâmicas de centralização econômica e política na cidade regional É importante para analisar esses tipos de cidades médias considerar variáveis como a situação geográfica sobretudo quando há maior distância dos grandes centros urbanos sobretudo os metropolitanos e o tamanho do mercado consumidor dada pela adição da população das cidades pequenas e da cidade média que distantes dos maiores centros de oferta de bens e serviços tornamse cativos do comércio e dos serviços oferecidos na cidade regional A menor densidade do sistema urbano em número de cidades e considerandose as distâncias entre elas pode dificultar processos de aglomeração de duas ou mais cidades eou de dispersão do tecido urbano A grosso modo essa é a situação observada nas regiões situadas no Oeste do Estado de São Paulo como por exemplo Araçatuba ou Presidente Prudente Centralidade interurbana difusa ou policêntrica Quando ao contrário em função do aprofundamento das dinâmicas e lógicas engendradas pela globalização as regiões9 respondem de modo mais imperioso aos interesses dos grandes capitais nacionais ou internacionais alteramse substancialmente as relações entre as cidades pequenas e a cidade média que sobre elas exerce centralidade interurbana Esta se torna crescentemente representação de interesses de capitais que estão sediados em outros territórios ou seja de atores econômicos que impõem redefinição de lógicas de práticas socioespaciais de melhoria das condições infraestruturais e dos recursos humanos de forma a atender a esses interesses Essas mudanças podem atender aos grandes grupos econômicos associados aos agronegócios tanto quanto podem decorrer da tendência de desconcentração territorial das atividades de produção industrial num período em que não há mais necessidade de coincidência territorial entre a gestão e a realização da produção 9 O conceito é utilizado aqui entre aspas porque o próprio reconhecimento de que há uma região entra em questão quando muda a escala das relações de comando Sob essa perspectiva ampliamse as relações entre a cidade média e as maiores da mesma rede urbana ou de outras redes urbanas e os fluxos que se desenham passam a ser mais abrangentes pois interligam pontos mais distantes no território podendo chegar a atingir a escala internacional Passam assim a ser além de verticais do tipo hierárquicos horizontais entre cidades médias da mesma ou de redes urbanas diferentes e transversais entre cidades de portes diferentes e de redes urbanas diferentes Além disso não são mais fluxos que atendem predominantemente aos interesses regionais ao contrário seus comandos estão fora da delimitação territorial constituída pelos pequenos municípios coordenados por uma cidade média Em muitos casos cidades de porte médio que não são efetivamente regionais podem em várias situações compor eixos de desenvolvimento econômico orientados pela presença de grandes vias de circulação transportes e comunicações Desempenham relativamente às cidades médias regionais poucos papéis em relação às cidades pequenas que comandam em menor número Localizamse em parcelas do território em que os sistemas urbanos são densos competem com várias outras cidades de porte médio às quais os moradores de cidades pequenas podem ter maior acesso tanto quanto podem têlo às cidades maiores muitas delas metropolitanas Do ponto de vista da morfologia urbana a dispersão do tecido urbano pode ocorrer ainda que orientada pelo eixo porque os meios de circulação são amplos e porque há demanda qualificada por novos habitats urbanos formas de lazer e entretenimento fora das manchas urbanas constituídas Sintetizando nesses casos aos fluxos regionais sobrepõemse fluxos supraregionais que podem ter mais força que aqueles porque são oriundos de atores políticos e econômicos hegemônicos Uma cidade média em território altamente integrado à economia capitalista tem relativamente poucas cidades pequenas que de fato comandam A centralidade interurbana tanto quando a urbana é nessas situações de estrutura policêntrica pois as espacialidades podem ser constituídas tanto por relações de competição quando de cooperação Os fluxos imateriais dados pelos meios de comunicação mais modernos bem como os de matérias primas e mercadorias estão mais presentes e são de escala geográfica mais abrangente quando se comparam com aqueles que a partir dessas áreas são definidos por seus moradores Além disso os processos de expansão territorial dos tecidos urbanos e de aglomeração urbana são mais presentes e geram o que Dematteis 1998 conceituou como urbanização difusa Nesses casos as cidades médias não podem ser consideradas como propriamente regionais pois mesmo que ainda desempenhem papéis de intermediação elas não ou atendem essencialmente às demandas regionais mas representam interesses mais distantes Para estudar esses tipos de cidades médias o pesquisador precisa considerar variáveis como a situação geográfica verificando a integração delas a eixos de desenvolvimento econômico e a redes de sinergia modernas e a capacidade do mercado consumidor aqui medida mais pela sua qualidade ou seja pela associação entre poder de compra e nível de informação Do ponto de vista da reestruturação urbana não constituem claramente áreas sob as quais mantêm efetivo domínio pois se estruturam em eixos ou redes ainda que sobrepostas às antigas estruturas regionais tornando suas espacialidades bastante mais complexas A título de exemplo podese observar esses processos e dinâmicas na porção leste do Estado de São Paulo na cidade de São Carlos QUESTÕES FINAIS Procuramos neste texto sob a forma de ensaio e não como resultado de pesquisa sobre este tema ainda que muitas investigações realizadas nos últimos anos nos ofereçam substratos para essa análise apresentar ao leitor uma leitura das possíveis formas segundo as quais se estabelecem relações entre as cidades médias e pequenas O foco recaiu sobre a fase do desenvolvimento do capitalismo em que se intensificam as relações internacionais sob a égide da globalização Assim é central considerar o vetor da modernização entendido como expressão das estratégias e do movimento de desenvolvimento do modo capitalista de produção avaliando quais cidades médias e pequenas têm seus territórios econômicos e suas relações sociais e de poder político mais intensamente comandados por essas lógicas A partir desse recorte analítico tomamos as cidades médias e pequenas como o induzido e o desenvolvimento do modo capitalista de produção como indutor mas não apenas isso porque a redefinição dos papéis dessas cidades na escala dos sistemas urbanos e de suas dinâmicas de reestruturação espacial escala da cidade e dos aglomerados urbanos são a base a partir da qual o movimento se torna possível e o vetor se realiza ainda que não de forma homogênea e tampouco com a mesma intensidade em todos os territórios Ao final deste ensaio queremos levantar várias indagações que só serão respondidas de modo mais preciso por meio de diferentes tipos de pesquisa¹⁰ Ø O que há de universal nesse movimento Seria a alteração dos papéis das cidades médias e das escalas de abrangência dos fluxos que estabelecem com as menores e maiores que elas Ø O que há de particular nesse movimento Serão as formas como as diferentes cidades em formações socioespaciais diversas ainda que na mesma formação socioeconômica redefinemse neste movimento distinguindose entre si Ø O que há de singular nesse movimento Seria o modo como em cada cidade a reestruturação do espaço urbano se dá com pesos diferentes quando se analisam as permanências e as transformações ¹⁰ Há um esforço nesse sentido empreendido pela Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias ReCiMe que está desenvolvendo a pesquisa Cidades médias brasileiras agentes econômicos reestruturação urbana e regional com apoio do CNPq Agradeço aos meus colegas de rede os debates que vêm sendo realizados que me auxiliam nos ensaios empreendidos no sentido de se dar alguma precisão conceitual à noção de cidade média REFERÊNCIAS BRUNET Roger Des villes comme Lleida Place et perspectives dés villes moyennes em Europe In BELLET Carmen LLOP Josep Ed Ciudades intermédias Urbanización y sostenibilidad Lleida Editorial Milenio 2000 p 109124 CALABI Donatella Satria della città Veneza Marsílio Editori 2005 DEMATTEIS Giuseppe Suburbanización y periurbanización ciudades anglosajonas y ciudades latinas In MONCLUS JF La ciudad dispersa suburbanización y nuevas periferias Barcelona CCCB 1998 GEORGE Pierre Geografia Urbana São Paulo Difel 1983 HALL Peter Redefining Europes cities In BELLET Carmen LLOP Josep Ed Ciudades intermedias Urbanización y sostenibilidad Lleida Editorial Milenio 2000 p 93108 HARVEY David A produção capitalista do espaço São Paulo Annablume 2005 LEFEBVRE Henri Lógica formal lógica dialética Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1983 SANTOS Milton A natureza do espaço São Paulo Hucitec 1996 SPOSITO Maria Encarnação Beltrão As cidades médias e os contextos econômicos contemporâneos In SPOSITO Maria Encarnação Beltrão Org Urbanização e cidades perspectivas geográficas Presidente Prudente UNESPGAsPERR 2001 p 609643 SPOSITO Maria Encarnação Beltrão O chão em pedaços urbanização economia e cidades no Estado de São Paulo Tese Livre docência Presidente Prudente UNESP 2005 SPOSITO M Encarnação Beltrão O desafio metodológico da abordagem interescalar no estudo das cidades médias no mundo contemporâneo Cidades Presidente Prudente v3 n5 p143157 2006 SPOSITO M Encarnação Beltrão ELIAS Denise SOARES Beatriz Ribeiro MAIA Doralice Satyro GOMES Edvânia T A O estudo das cidades médias brasileiras uma proposta metodológica In SPOSITO Maria Encarnação Beltrão Org Cidades médias espaços em transição São Paulo Expressão Popular 2007a v1 p 3567 SPOSITO M Encarnação Beltrão Cidades médias reestruturação das cidades e reestruturação urbana In SPOSITO Maria Encarnação Beltrão Org Cidades médias espaços em transição São Paulo Expressão Popular 2007b p 233253 VELTZ Pierre Mondialisation Villes et Territoires LEconomie dArchipel Paris PUF 1996 Recebido em junho de 2009 Aceito em agosto de 2009