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Filosofia do Direito
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OS PENSADORES ARISTÓTELES VOLUME II NOVA CULTURAL httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Aristóteles Ética a Nicômaco Poética Aristóteles seleção de textos de José Américo Motta Pessanha 4 ed São Paulo Nova Cultural 1991 Os pensadores v 2 Ética a Nicômaco tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de WD Ross Poética tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza Bibliografia ISBN 8513002321 1 Aristóteles Ética 2 Aristóteles Metafísica 3 Aristóteles Poética I Pessanha José Américo Motta 1932 II Souza Eudoro de 1911 III Título IV Título Poética V Série CDD 185 110 170 911254 8081 índices para catálogo sistemático 1 Aristóteles Obras filosóficas 185 2 Ética Filosofia 170 3 Filosofia aristotélica 185 4 Metafísica Filosofia 110 5 Poética Retórica Literatura 8081 ARISTÓTELES ÉTICA A NICÔMACO Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W D Ross POÉTICA Tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha NOVA CULTURAL 1991 Títulos originais Ética a Nicômaco Poética 1 Como a paginação de Bekker decorre toda na mesma centena de 1447 a 1462 apenas mencionamos nos índices os dois últimos algarismos Assim 50 a 1 significa página 1450 a linha 1 Os algarismos que designam as linhas referemse ao texto grego mas como não é possível obter perfeita correspondência linha a linha entre o original e a tradução limitamonos a indicar o início dos parágrafos Por conseguinte e exemplificando 47 a 13 no artigo AULETICA remete o leitor para todo o parágrafo que começa na linha 13 da página 1447 a e não exatamente para a 13 linha da mesma página Nos índices Analítico e Onomástico N Nauck A TRAGICORUM GRAECORUM FRAGMENTA 2ª ed Leipzig 1926 N do T Copyright desta edição Editora Nova Cultural Ltda São Paulo 4a edição 1991 Av Brig Faria Lima 2000 3 andar CEP 01452 São Paulo SP Traduções publicadas sob licença de Editora Globo SA São Paulo SP CONTRACAPA ARISTÓTELES A crítica da separação platônica entre mundo sensível e mundo das Idéias abre para Aristóteles a perspectiva do tratamento das atividades humanas cada uma em sua especificidade Destas algumas merecem a denominação de ciência em todo o rigor da expressão é o caso da Filosofia Primeira Outras que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente não compartilham o mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas mas adaptam seu método às flutuações do objeto é o caso da Ética A diferença entre Aristóteles e Platão é justamente esta flexibilidade de procedimentos teóricos que busca dar conta da diversidade do pensamento e da ação Tais diferenças no entanto não impedem que a Filosofia forme um edifício sistemático em que os gêneros de conhecimento organizamse hierarquicamente tendo como meta última a união entre saber e felicidade como já preconizava por outras vias Platão NESTE VOLUME Ética a Nicômaco Aristóteles investiga neste texto o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta levando em conta a situação concreta do Homem um ser que está acima do animal mas que não pode ser definido apenas pela pura razão Neste meiotermo se colocará o que se deve entender especificamente por virtude Poética Aristóteles aborda neste texto os gêneros literários vigentes no seu tempo poesia tragédia comédia história observando as características de cada um Ainda hoje dificilmente se encontrará um estudo sobre literatura que não se refira a esta obra aristotélica em que pela primeira vez esses temas foram sistematizados O S P E N S A D O R E S Nesta série estão as idéias fundamentais que nos últimos 25 séculos ajudaram a construir a civilização A escolha de autores procura refletir a pluralidade de temas e de interpretações que compõem o pensamento filosófico A seleção de textos busca nas fontes originais uma visão abrangente e equilibrada da Filosofia e de sua contribuição ao conhecimento do homem e do universo ISBN 8513002143 ISBN 8513002321 ÉTICA A NICOMACO Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W D Ross LIVRO I 1 Admitese geralmente que toda arte e toda investigação assim como toda ação e toda escolha têm em mira um bem qualquer e por isso foi dito com muito acerto que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem Mas observase entre os fins uma certa diferença alguns são atividades outros são produtos distintos das atividades que os produzem Onde existem fins distintos das ações são eles por natureza mais excelentes do que estas Ora como são muitas as ações artes e ciências muitos são também os seus fins o fim da arte médica é a saúde o da construção naval é um navio o da estratégia é a vitória e o da economia é a riqueza Mas quando tais artes se subordinam a uma única faculdade assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos cavalos se incluem na arte da equitação e esta juntamente com todas as ações militares na estratégia há outras artes que também se incluem em terceiras em todas elas os fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados porque estes últimos são procurados a bem dos primeiros Não faz diferença que os fins das ações sejam as próprias atividades ou algo distinto destas como ocorre com as ciências que acabamos de mencionar 2 Se pois para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra porque então o processo se repetiria ao infinito e inútil e vão seria o nosso desejar evidentemente tal fim será o bem ou antes o sumo bem Mas não terá o seu conhecimento porventura grande influência sobre a essa vida Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar Se assim é esforcemonos por determinar ainda que em linhas gerais apenas o que seja ele e de qual das ciências ou faculdades constitui o objeto Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra Ora a política mostra ser dessa natureza pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado quais são as que cada cidadão deve aprender e até que ponto e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço como a estratégia a economia e a retórica estão sujeitas a ela Ora como a política utiliza as demais ciências e por outro lado legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras de modo que essa finalidade será o bem humano Com efeito ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado o deste último parece ser algo maior e mais completo quer a atingir quer a preservar Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só é mais belo e mais divino alcançálo para uma nação ou para as cidadesEstados Tais são por conseguinte os fins visados pela nossa investigação pois que isso pertence à ciência política numa das acepções do termo 3 Nossa discussão será adequada se tiver tanta clareza quanto comporta o assunto pois não se deve exigir a precisão em todos os raciocínios por igual assim como não se deve buscála nos produtos de todas as artes mecânicas Ora as ações belas e justas que a ciência política investiga admitem grande variedade e flutuações de opinião de forma que se pode considerálas como existindo por convenção apenas e não por natureza E em torno dos bens há uma flutuação semelhante pelo fato de serem prejudiciais a muitos houve por exemplo quem perecesse devido à sua riqueza e outros por causa da sua coragem Ao tratar pois de tais assuntos e partindo de tais premissas devemos contentarnos em indicar a verdade aproximadamente e em linhas gerais e ao falar de coisas que são verdadeiras apenas em sua maior parte e com base em premissas da mesma espécie só poderemos tirar conclusões da mesma natureza E é dentro do mesmo espírito que cada proposição deverá ser recebida pois é próprio do homem culto buscar a precisão em cada gênero de coisas apenas na medida em que a admite a natureza do assunto Evidentemente não seria menos insensato aceitar um raciocínio provável da parte de um matemático do que exigir provas científicas de um retórico Ora cada qual julga bem as coisas que conhece e dessas coisas é ele bom juiz Assim o homem que foi instruído a respeito de um assunto é bom juiz nesse assunto e o homem que recebeu instrução sobre todas as coisas é bom juiz em geral Por isso um jovem não é bom ouvinte de preleções sobre a ciência política Com efeito ele não tem experiência dos fatos da vida e é em torno destes que giram as nossas discussões além disso como tende a seguir as suas paixões tal estudo lhe será vão e improfícuo pois o fim que se tem em vista não é o conhecimento mas a ação E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter o defeito não depende da idade mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão A tais pessoas como aos incontinentes a ciência não traz proveito algum mas aos que desejam e agem de acordo com um princípio racional o conhecimento desses assuntos fará grande vantagem Sirvam pois de prefácio estas observações sobre o estudante a espécie de tratamento a ser esperado e o propósito da investigação 4 Retomemos a nossa investigação e procuremos determinar à luz deste fato de que todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem quais afirmamos ser os objetivos da ciência política e qual é o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação Verbalmente quase todos estão de acordo pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e identificam o bem viver e o bem agir como o ser feliz Diferem porém quanto ao que seja a felicidade e o vulgo não o concebe do mesmo modo que os sábios Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia como o prazer a riqueza ou as honras muito embora discordem entre si e não raro o mesmo homem a identifica com diferentes coisas com a saúde quando está doente e com a riqueza quando é pobre Cônscios da sua própria ignorância não obstante admiram aqueles que proclamam algum grande ideal inacessível à sua compreensão Ora alguns têm pensado que à parte esses numerosos bens existe um outro que ê autosubsistente e também é causa da bondade de todos os demais Seria talvez infrutífero examinar todas as opiniões que têm sido sustentadas a esse respeito basta considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser defensáveis Não percamos de vista porém que há uma diferença entre os argumentos que procedem dos primeiros princípios e os que se voltam para eles O próprio Platão havia levantado esta questão perguntando como costumava fazer Nosso caminho parte dos primeiros princípios ou se dirige para eles Há aí uma diferença como há num estádio entre a reta que vai dos juízes ao ponto de retorno e o caminho de volta Com efeito embora devamos começar pelo que é conhecido os objetos de conhecimento o são em dois sentidos diferentes alguns para nós outros na acepção absoluta da palavra É de presumir pois que devamos começar pelas coisas que nos são conhecidas a nós Eis aí por que a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo e em geral sobre temas de ciência política é preciso ter sido educado nos bons hábitos Porquanto o fato é o ponto de partida e se for suficientemente claro para o ouvinte não haverá necessidade de explicar por que é assim e o homem que foi bem educado já possui esses pontos de partida ou pode adquirilos com facilidade Quanto àquele que nem os possui nem é capaz de adquirilos que ouça as palavras de Hesíodo Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas Bom o que escuta os conselhos dos homens judiciosos Mas o que por si não pensa nem acolhe a sabedoria alheia Esse é em verdade uma criatura inútil1 5 Voltemos porém ao ponto em que havia começado esta digressão A julgar pela vida que os homens levam em geral a maioria deles e os homens de tipo mais vulgar parecem não sem um certo fundamento identificar o bem ou a felicidade com o prazer e por isso amam a vida dos gozos Podese dizer com efeito que existem três tipos principais de vida a que acabamos de mencionar a vida política e a contemplativa A grande maioria dos homens se mostram em tudo iguais a escravos preferindo uma vida bestial mas encontram certa justificação para pensar assim no fato de muitas pessoas altamente colocadas partilharem os gostos de Sardanapalo2 A consideração dos tipos principais de vida mostra que as pessoas de grande refinamento e índole ativa identificam a felicidade com a honra pois a honra é em suma a finalidade da vida política No entanto afigurase demasiado superficial para ser aquela que buscamos visto que depende mais de quem a confere que de quem a recebe enquanto o bem nos parece ser algo próprio de um homem e que dificilmente lhe poderia ser arrebatado Dirseia além disso que os homens buscam a honra para convenceremse a si mesmos de que são bons Como quer que seja é pelos indivíduos de grande sabedoria prática que procuram ser honrados e entre os que os conhecem e ainda mais em razão da sua virtude Está claro pois que para eles ao menos a virtude é 1 Trabalhos e Dias 293 ss N do E 2 Era um rei mítico da Assíria N do E mais excelente Poderseia mesmo supor que a virtude e não a honra é a finalidade da vida política Mas também ela parece ser de certo modo incompleta porque pode acontecer que seja virtuoso quem está dormindo quem leva uma vida inteira de inatividade e mais ainda é ela compatível com os maiores sofrimentos e infortúnios Ora salvo quem queira sustentar a tese a todo custo ninguém jamais considerará feliz um homem que vive de tal maneira Quanto a isto basta pois o assunto tem sido suficientemente tratado mesmo nas discussões correntes A terceira vida é a contemplativa que examinaremos mais tarde3 Quanto à vida consagrada ao ganho é uma vida forçada e a riqueza não é evidentemente o bem que procuramos é algo de útil nada mais e ambicionado no interesse de outra coisa E assim antes deveriam ser incluídos entre os fins os que mencionamos acima porquanto são amados por si mesmos Mas é evidente que nem mesmo esses são fins e contudo muitos argumentos têm sido desperdiçados em favor deles Deixamos pois este assunto 6 Seria melhor talvez considerar o bem universal e discutir a fundo o que se entende por isso embora tal investigação nos seja dificultada pela amizade que nos une àqueles que introduziram as Formas4 No entanto os mais ajuizados dirão que é preferível e que é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria porque embora ambos nos sejam caros a piedade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos Os defensores dessa doutrina não postularam Formas5 de classes dentro das quais reconhecessem prioridade e posterioridade e por essa razão não sustentaram 3 1177 a 12 1178 a 8 1178 a 22 1179 a 32 Ndo T 4 Outros traduzem por Teoria das Idéias N do E 5 ou Idéias N do E a existência de uma Forma6 a abranger todos os números Ora o termo bem é usado tanto na categoria de substância como na de qualidade e na de relação e o que existe por si mesmo isto é a substância é anterior por natureza ao relativo este de fato é como uma derivação e um acidente do ser de modo que não pode haver uma Idéia comum por cima de todos esses bens Além disso como a palavra bem tem tantos sentidos quantos ser visto que é predicada tanto na categoria de substância como de Deus e da razão quanto na de qualidade isto é das virtudes na de quantidade isto é daquilo que é moderado na de relação isto é do útil na de tempo isto é da oportunidade apropriada na de espaço isto é do lugar apropriado etc está claro que o bem não pode ser algo único e universalmente presente pois se assim fosse não poderia ser predicado em todas as categorias mas somente numa Ainda mais como das coisas que correspondem a uma Idéia a ciência é uma só haveria uma única ciência de todos os bens Mas o fato é que as ciências são muitas mesmo das coisas que se incluem numa só categoria da oportunidade por exemplo pois que a oportunidade na guerra é estudada pela estratégia e na saúde pela medicina enquanto a moderação nos alimentos é estudada por esta última e nos exercícios pela ciência da ginástica E alguém poderia fazer esta pergunta que entendem eles afinal por esse em de cada coisa já que para o homem em si e para um homem particular a definição do homem é a mesma Porque na medida em que forem homem não diferirão em coisa alguma E assim sendo tampouco diferirão o bem em si e os bens particulares na medida em que forem bem E por outro lado o bem em si não será mais bem pelo fato de ser eterno assim como aquilo que dura muito tempo não é mais branco do que aquilo que perece no espaço de um dia Os pitagóricos parecem fazer uma concepção mais plausível do bem quando colocam o um na coluna dos bens e esta opinião se não nos enganamos foi adotada por Espeusipo 6 Ou Idéia N do E Mas deixemos esses assuntos para serem discutidos noutra ocasião7 Poder seá objetar ao que acabamos de dizer apontando que os platônicos não falam de todos os bens e que os bens buscados e amados por si mesmos são chamados bons em referência a uma Forma única enquanto os que de certo modo tendem a produzir ou a preservar estes ou a afastar os seus opostos são chamados bons em referência a estes e num sentido subsidiário É evidente pois que falamos dos bens em dois sentidos uns devem ser bens em si mesmos e os outros em relação aos primeiros Separemos pois as coisas boas em si mesmas das coisas úteis e vejamos se as primeiras são chamadas boas em referência a uma Idéia única Que espécie de bens chamaríamos bens em si mesmos Serão aqueles que buscamos mesmo quando isolados dos outros como a inteligência a visão e certos prazeres e honras Estes embora também possamos procurálos tendo em vista outra coisa seriam colocados entre os bens em si mesmos Ou não haverá nada de bom em si mesmo senão a Idéia do bem Nesse caso a Forma se esvaziará de todo sentido Mas se as coisas que indicamos também são boas em si mesmas o conceito do bem terá de ser idêntico em todas elas assim como o da brancura é idêntico na neve e no alvaiade Mas quanto à honra à sabedoria e ao prazer no que se refere à sua bondade os conceitos são diversos e distintos O bem por conseguinte não é uma espécie de elemento comum que corresponda a uma só Idéia Mas que entendemos então pelo bem Não será por certo como uma dessas coisas que só por casualidade têm o mesmo nome Serão os bens uma só coisa por derivarem de um só bem ou para ele contribuírem ou antes serão um só por analogia Inegavelmente o que a visão é para o corpo a razão é para a alma e da mesma forma em outros casos Mas talvez seja preferível por ora deixarmos de lado esses assuntos visto que a precisão perfeita no tocante a eles compete mais propriamente a um outro ramo da filosofia8 7 Cf Metafísica 986 a 2226 1028 b 2124 1072 b30 1073a3 1091 a 29 1091 b 3 1091 b 13 1092 a 17 NdoT 8 Cf Metafísica IV 2 N do T O mesmo se poderia dizer no que se refere à Idéia mesmo ainda que exista algum bem único que seja universalmente predicável dos bens ou capaz de existência separada e independente é claro que ele não poderia ser realizado nem alcançado pelo homem mas o que nós buscamos aqui é algo de atingível Alguém no entanto poderá pensar que seja vantajoso reconhecêlo com a mira nos bens que são atingíveis e realizáveis porquanto dispondo dele como de uma espécie de padrão conheceremos melhor os bens que realmente nos aproveitam e conhecendoos estaremos em condições de alcançálos Este argumento tem um certo ar de plausibilidade mas parece entrar em choque com o procedimento adotado nas ciências porque todas elas embora visem a algum bem e procurem suprir a sua falta deixam de lado o conhecimento do bem Entretanto não é provável que todos os expoentes das artes ignorem e nem sequer desejem conhecer auxílio tão valioso Não se compreende por outro lado a vantagem que possa trazer a um tecelão ou a um carpinteiro esse conhecimento do bem em si no que toca à sua arte ou que o homem que tenha considerado a Idéia em si venha a ser por isso mesmo melhor médico ou general Porque o médico nem sequer parece estudar a saúde desse ponto de vista mas sim a saúde do homem ou talvez seja mais exato dizer a saúde de um indivíduo particular pois é aos indivíduos que ele cura Mas quanto a isso basta 7 Voltemos novamente ao bem que estamos procurando e indaguemos o que é ele pois não se afigura igual nas distintas ações e artes é diferente na medicina na estratégia e em todas às demais artes do mesmo modo Que é pois o bem de cada uma delas Evidentemente aquilo em cujo interesse se fazem todas as outras coisas Na medicina é a saúde na estratégia a vitória na arquitetura uma casa em qualquer outra esfera uma coisa diferente e em todas as ações e propósitos é ele a finalidade pois é tendoo em vista que os homens realizam o resto Por conseguinte se existe uma finalidade para tudo que fazemos essa será o bem realizável mediante a ação e se há mais de uma serão os bens realizáveis através dela Vemos agora que o argumento tornando por um atalho diferente chegou ao mesmo ponto Mas procuremos expressar isto com mais clareza ainda Já que evidentemente os fins são vários e nós escolhemos alguns dentre eles como a riqueza as flautas9 e os instrumentos em geral seguese que nem todos os fins são absolutos mas o sumo bem é claramente algo de absoluto Portanto se só existe um fim absoluto será o que estamos procurando e se existe mais de um o mais absoluto de todos será o que buscamos Ora nós chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa Ora esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade É ela procurada sempre por si mesma e nunca com vistas em outra coisa ao passo que à honra ao prazer à razão e a todas as virtudes nós de fato escolhemos por si mesmos pois ainda que nada resultasse daí continuaríamos a escolher cada um deles mas também os escolhemos no interesse da felicidade pensando que a posse deles nos tornará felizes A felicidade todavia ninguém a escolhe tendo em vista algum destes nem em geral qualquer coisa que não seja ela própria Considerado sob o ângulo da autosuficiência o raciocínio parece chegar ao mesmo resultado porque o bem absoluto é considerado como autosuficiente Ora por autosuficiente não entendemos aquilo que é suficiente para um homem só para aquele que leva uma vida solitária mas também para os pais os filhos a esposa e em geral para os amigos e concidadãos visto que o homem nasceu para a cidadania Mas é necessário traçar aqui um limite porque se estendermos os 9 Cf Platão Eutidemo 289 N do T nossos requisitos aos antepassados aos descendentes e aos amigos dos amigos teremos uma série infinita Examinaremos esta questão porém em outro lugar10 por ora definimos a autosuficiência como sendo aquilo que em si mesmo torna a vida desejável e carente de nada E como tal entendemos a felicidade considerandoa além disso a mais desejável de todas as coisas sem contála como um bem entre outros Se assim fizéssemos é evidente que ela se tornaria mais desejável pela adição do menor bem que fosse pois o que é acrescentado se torna um excesso de bens e dos bens é sempre o maior o mais desejável A felicidade é portanto algo absoluto e autosuficiente sendo também a finalidade da ação Mas dizer que a felicidade é o sumo bem talvez pareça uma banalidade e falta ainda explicar mais claramente o que ela seja Tal explicação não ofereceria grande dificuldade se pudéssemos determinar primeiro a função do homem Pois assim como para um flautista um escultor ou um pintor e em geral para todas as coisas que têm uma função ou atividade considerase que o bem e o bem feito residem na função o mesmo ocorreria com o homem se ele tivesse uma função Darseá o caso então de que o carpinteiro e o curtidor tenham certas funções e atividades e o homem não tenha nenhuma Terá ele nascido sem função Ou assim como o olho a mão o pé e em geral cada parte do corpo têm evidentemente uma função própria poderemos assentar que o homem do mesmo modo tem uma função à parte de todas essas Qual poderá ser ela A vida parece ser comum até às próprias plantas mas agora estamos procurando o que é peculiar ao homem Excluamos portanto a vida de nutrição e crescimento A seguir há uma vida de percepção mas essa também parece ser comum ao cavalo ao boi e a todos os animais Resta pois a vida ativa do elemento que tem um princípio racional desta uma parte tem tal princípio no sentido de ser lhe obediente e a outra no sentido de possuílo e de exercer o pensamento E como a vida do elemento racional também tem dois significados devemos 10 I 1011 IX 10NdoT esclarecer aqui que nos referimos a vida no sentido de atividade pois esta parece ser a acepção mais própria do termo Ora se a função do homem é uma atividade da alma que segue ou que implica um princípio racional e se dizemos que um taletal e um bom taletal têm uma função que é a mesma em espécie por exemplo um tocador de lira e um bom tocador de lira e assim em todos os casos sem maiores discriminações sendo acrescentada ao nome da função a eminência com respeito à bondade pois a função de um tocador de lira é tocar lira e a de um bom tocador de lira é fazêlo bem se realmente assim é e afirmamos ser a função do homem uma certa espécie de vida e esta vida uma atividade ou ações da alma que implicam um princípio racional e acrescentamos que a função de um bom homem é uma boa e nobre realização das mesmas e se qualquer ação é bem realizada quando está de acordo com a excelência que lhe é própria se realmente assim é o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude e se há mais de uma virtude com a melhor e mais completa Mas é preciso ajuntar numa vida completo Porquanto uma andorinha não faz verão nem um dia tampouco e da mesma forma um dia ou um breve espaço de tempo não faz um homem feliz e venturoso Que isto sirva como um delineamento geral do bem pois presumivelmente é necessário esboçálo primeiro de maneira tosca para mais tarde precisar os detalhes Mas a bem dizer qualquer um é capaz de preencher e articular o que em princípio foi bem delineado e também o tempo parece ser um bom descobridor e colaborador nessa espécie de trabalho A tal fato se devem os progressos das artes pois qualquer um pode acrescentar o que falta Devemos igualmente recordar o que se disse antes11 e não buscar a precisão em todas as coisas por igual mas em cada classe de coisas apenas a precisão que o assunto comportar e que for apropriada à investigação Porque um carpinteiro e um geômetra investigam de diferentes modos o ângulo reto O primeiro o faz na 11 1094 b 1127N do T medida em que o ângulo reto é útil ao seu trabalho enquanto o segundo indaga o que ou que espécie de coisa ele é pois o geômetra é como que um espectador da verdade Nós outros devemos proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal não fique subordinada a questões de menor monta E tampouco devemos reclamar a causa em todos os assuntos por igual Em alguns casos basta que o fato esteja bem estabelecido como sucede com os primeiros princípios o fato é a coisa primária ou primeiro princípio Ora dos primeiros princípios descobrimos alguns pela indução outros pela percepção outros como que por hábito e outros ainda de diferentes maneiras Mas a cada conjunto de princípios devemos investigar da maneira natural e esforçarnos para expressálos com precisão pois que eles têm grande influência sobre o que se segue Dizse com efeito que o começo é mais que metade do todo e muitas das questões que formulamos são aclaradas por ele 8 Devemos considerálo no entanto não só à luz da nossa conclusão e das nossas premissas mas também do que a seu respeito se costuma dizer pois com uma opinião verdadeira todos os dados se harmonizam mas com uma opinião falsa os fatos não tardam a entrar em conflito Ora os bens têm sido divididos em três classes12 e alguns foram descritos como exteriores outros como relativos à alma ou ao corpo Nós outros consideramos como mais propriamente e verdadeiramente bens os que se relacionam com a alma e como tais classificamos as ações e atividades psíquicas Logo o nosso ponto de vista deve ser correto pelo menos de acordo com esta antiga opinião com a qual concordam muitos filósofos É também correto pelo fato de identificarmos o fim com certas ações e atividades pois desse modo ele vem incluirse entre os bens da alma e não entre os bens exteriores Outra crença que se harmoniza com a nossa concepção é a de que o homem feliz vive bem e age bem pois definimos praticamente a felicidade como uma 12 Platão Eutidemo 279 Filebo 48 Leis 743 NdoT espécie de boa vida e boa ação As características que se costuma buscar na felicidade também parecem pertencer todas à definição que demos dela Com efeito alguns identificam a felicidade com a virtude outros com a sabedoria prática outros com uma espécie de sabedoria filosófica outros com estas ou uma destas acompanhadas ou não de prazer e outros ainda também incluem a prosperidade exterior Ora algumas destas opiniões têm tido muitos e antigos defensores enquanto outras foram sustentadas por poucas mas eminentes pessoas E não é provável que qualquer delas esteja inteiramente equivocada mas sim que tenham razão pelo menos a algum respeito ou mesmo a quase todos os respeitos Também se ajusta à nossa concepção a dos que identificam a felicidade com a virtude em geral ou com alguma virtude particular pois que à virtude pertence a atividade virtuosa Mas há talvez uma diferença não pequena em colocarmos o sumo bem na posse ou no uso no estado de ânimo ou no ato Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado como no homem que dorme ou que permanece inativo mas a atividade virtuosa não essa deve necessariamente agir e agir bem E assim como nos Jogos Olímpicos não são os mais belos e os mais fortes que conquistam a coroa mas os que competem pois é dentre estes que hão de surgir os vencedores também as coisas nobres e boas da vida só são alcançadas pelos que agem retamente Sua própria vida é aprazível por si mesma Com efeito o prazer é um estado da alma e para cada homem é agradável aquilo que ele ama não só um cavalo ao amigo de cavalos e um espetáculo ao amador de espetáculos mas também os atos justos ao amante da justiça e em geral os atos virtuosos aos amantes da virtude Ora na maioria dos homens os prazeres estão em conflito uns com os outros porque não são aprazíveis por natureza mas os amantes do que é nobre se comprazem em coisas que têm aquela qualidade tal é o caso dos atos virtuosos que não apenas são aprazíveis a esses homens mas em si mesmos e por sua própria natureza Em conseqüência a vida deles não necessita do prazer como uma espécie de encanto adventício mas possui o prazer em si mesma Pois que além do que já dissemos o homem que não se regozija com as ações nobres não é sequer bom e ninguém chamaria de justo o que não se compraz em agir com justiça nem liberal o que não experimenta prazer nas ações liberais e do mesmo modo em todos os outros casos Sendo assim as ações virtuosas devem ser aprazíveis em si mesmas Mas são além disso boas e nobres e possuem no mais alto grau cada um destes atributos porquanto o homem bom sabe aquilatálos bem sua capacidade de julgar é tal como a descrevemos A felicidade é pois a melhor a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e esses atributos não se acham separados como na inscrição de Delos Das coisas a mais nobre é a mais justa e a melhor é a saúde Mas a mais doce é alcançar o que amamos Com efeito todos eles pertencem às mais excelentes atividades e estas ou então uma delas a melhor nós a identificamos com a felicidade E no entanto como dissemos13 ela necessita igualmente dos bens exteriores pois é impossível ou pelo menos não é fácil realizar atos nobres sem os devidos meios Em muitas ações utilizamos como instrumentos os amigos a riqueza e o poder político e há coisas cuja ausência empana a felicidade como a nobreza de nascimento uma boa descendência a beleza Com efeito o homem de muito feia aparência ou malnascido ou solitário e sem filhos não tem muitas probabilidades de ser feliz e talvez tivesse menos ainda se seus filhos ou amigos fossem visceralmente maus e se a morte lhe houvesse roubado bons filhos ou bons amigos 13 1098 b 2629 N do T Como dissemos pois o homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade e por essa razão alguns identificam a felicidade com a boa fortuna embora outros a identifiquem com a virtude 9 Por este motivo também se pergunta se a felicidade deve ser adquirida pela aprendizagem pelo hábito ou por alguma outra espécie de adestramento ou se ela nos é conferida por alguma providência divina ou ainda pelo acaso Ora se alguma dádiva os homens recebem dos deuses é razoável supor que a felicidade seja uma delas e dentre todas as coisas humanas a que mais seguramente é uma dádiva divina por ser a melhor Esta questão talvez caiba melhor em outro estudo no entanto mesmo que a felicidade não seja dada pelos deuses mas ao contrário venha como um resultado da virtude e de alguma espécie de aprendizagem ou adestramento ela parece contarse entre as coisas mais divinas pois aquilo que constitui o prêmio e a finalidade da virtude se nos afigura o que de melhor existe no mundo algo de divino e abençoado Dentro desta concepção também deve ela ser partilhada por grande número de pessoas pois quem quer que não esteja mutilado em sua capacidade para a virtude pode conquistála mediante uma certa espécie de estudo e diligência Mas se é preferível ser feliz dessa maneira a sêlo por acaso é razoável que os fatos sejam assim uma vez que tudo aquilo que depende da ação natural é por natureza tão bom quanto poderia ser e do mesmo modo o que depende da arte ou de qualquer causa racional especialmente se depende da melhor de todas as causas Confiar ao acaso o que há de melhor e de mais nobre seria um arranjo muito imperfeito A resposta à pergunta que estamos fazendo é também evidente pela definição da felicidade porquando dissemos14 que ela é uma atividade virtuosa da alma de certa espécie Do demais bens alguns devem necessariamente estar presentes como condições prévias da felicidade e outros são naturalmente 14 1098 a 16 N do T cooperantes e úteis como instrumentos E isto como é de ver concorda com o que dissemos no princípio15 isto é que o objetivo da vida política é o melhor dos fins e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações Ê natural portanto que não chamemos feliz nem ao boi nem ao cavalo nem a qualquer outro animal visto que nenhum deles pode participar de tal atividade Pelo mesmo motivo um menino tampouco é feliz pois que devido à sua idade ainda não é capaz de tais atos e os meninos a quem chamamos felizes estão simplesmente sendo congratulados por causa das esperanças que neles depositamos Porque como dissemos16 há mister não só de uma virtude completa mas também de uma vida completa já que muitas mudanças ocorrem na vida e eventualidades de toda sorte o mais próspero pode ser vítima de grandes infortúnios na velhice como se conta de Príamo no Ciclo Troiano e a quem experimentou tais vicissitudes e terminou miseravelmente ninguém chama feliz 10 Então ninguém deverá ser considerado feliz enquanto viver e será preciso ver o fim como diz Sólon17 Mesmo que esposemos essa doutrina darseá o caso de que um homem seja feliz depois de morto Ou não será perfeitamente absurda tal idéia sobretudo para nós que dizemos ser a felicidade uma espécie de atividade Mas se não consideramos felizes os mortos e se Sólon não se refere a isso mas quer apenas dizer que só então se pode com segurança chamar um homem de venturoso porque finalmente não mais o podem atingir males nem infortúnios isso também fornece matéria para discussão Efetivamente acreditase que para um morto existem males e bens tanto quanto para os vivos que não têm consciência deles por exemplo as honras e desonras as boas e más fortunas dos filhos e dos descendentes em geral 15 1094 a 27 N do T 16 1098 a 1618 NdoT 17 Heródoto I 32 N do T E isto também levanta um problema Com efeito embora um homem tenha vivido feliz até avançada idade e tido uma morte digna de sua vida muitos reveses podem suceder aos seus descendentes Alguns serão bons e terão a vida que merecem ao passo que com outros sucederá o contrário e também é evidente que os graus de parentesco entre eles e os seus antepassados podem variar indefinidamente Seria estranho pois se os mortos devessem participar dessas vicissitudes e ora ser felizes ora desgraçados mas por outro lado também seria estranho se a sorte dos descendentes jamais produzisse o menor efeito sobre a felicidade de seus ancestrais Voltemos porém à nossa primeira dificuldade cujo exame mais atento talvez nos dê a solução do presente problema Ora se é preciso ver o fim para só então declarar um homem feliz temos aí um paradoxo flagrante quando ele é feliz os atributos que lhe pertencem não podem ser verdadeiramente predicados dele devido às mudanças a que estão sujeitos porque admitimos que a felicidade é algo de permanente e que não muda com facilidade ao passo que cada indivíduo pode sofrer muitas voltas da roda da fortuna É claro que para acompanhar o passo de suas vicissitudes deveríamos chamar o mesmo homem ora de feliz ora de desgraçado o que faria do homem feliz um camaleão sem base segura Ou será um erro esse acompanhar as vicissitudes da fortuna de um homem O sucesso ou o fracasso na vida não depende delas mas como dissemos18 a existência humana delas necessita como meros acréscimos enquanto o que constitui a felicidade ou o seu contrário são as atividades virtuosas ou viciosas A questão que acabamos de discutir confirma a nossa definição pois nenhuma função humana desfruta de tanta permanência como as atividades virtuosas que são consideradas mais duráveis do que o próprio conhecimento das ciências E as mais valiosas dentre elas são mais duráveis porque os homens felizes de bom grado e com muita constância lhes dedicam os dias de sua vida e esta parece ser a razão pela qual sempre nos lembramos deles O atributo em apreço 18 1099 a 31 1099 b 7 N do T pertencerá pois ao homem feliz que o será durante a vida inteira porque sempre ou de preferência a qualquer outra coisa estará empenhado na ação ou na contemplação virtuosa e suportará as vicissitudes da vida com a maior nobreza e decoro se é verdadeiramente bom e honesto acima de toda censura Ora muitas coisas acontecem por acaso e coisas diferentes quanto à importância É claro que os pequenos incidentes felizes ou infelizes não pesam muito na balança mas uma multidão de grandes acontecimentos se nos forem favoráveis tornará nossa vida mais venturosa pois não apenas são em si mesmos de feitio a aumentar a beleza da vida mas a própria maneira como um homem os recebe pode ser nobre e boa e se se voltarem contra nós poderão esmagar e mutilar a felicidade pois que além de serem acompanhados de dor impedem muitas atividades Todavia mesmo nesses a nobreza de um homem se deixa ver quando aceita com resignação muitos grandes infortúnios não por insensibilidade à dor mas por nobreza e grandeza de alma Se as atividades são como dissemos o que dá caráter à vida nenhum homem feliz pode tornarse desgraçado porquanto jamais praticará atos odiosos e vis Com efeito o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade pensamos nós todas as contingências da vida e sempre tira o maior proveito das circunstâncias como um general que faz o melhor uso possível do exército sob o seu comando ou um bom sapateiro faz os melhores calçados com o couro que lhe dão e do mesmo modo com todos os outros artífices E se assim é o homem feliz nunca pode tornarse desgraçado muito embora não alcance a beatitude se tiver uma fortuna semelhante à de Príamo E tampouco será ele versátil e mutável pois nem se deixará desviar facilmente do seu venturoso estado por quaisquer desventuras comuns mas somente por muitas e grandes nem se sofreu muitas e grandes desventuras recuperará em breve tempo a sua felicidade Se a recuperar será num tempo longo e completo em que houver alcançado muitos e esplêndidos sucessos Quando diremos então que não é feliz aquele que age conforme à virtude perfeita e está suficientemente provido de bens exteriores não durante um período qualquer mas através de uma vida completa Ou devemos acrescentar E que está destinado a viver assim e a morrer de modo consentâneo com a sua vida Em verdade o futuro nos é impenetrável enquanto a felicidade afirmamos nós é um fim e algo de final a todos os respeitos Sendo assim chamaremos felizes àqueles dentre os seres humanos vivos em que essas condições se realizem ou estejam destinadas a realizarse mas homens felizes Sobre estas questões dissemos o suficiente 11 Que a sorte dos descendentes e de todos os amigos de um homem não lhe afete de nenhum modo a felicidade parece ser uma doutrina cínica e contrária à opinião comum Mas visto serem numerosos os acontecimentos que ocorrem e admitirem toda espécie de diferenças e já que alguns nos tocam mais de perto e outros menos antolhase uma tarefa longa mais do que longa infinita discutir cada um em detalhe Talvez possamos contentarnos com um esboço geral Se pois alguns infortúnios pessoais de um homem têm certo peso e influência na vida enquanto outros são por assim dizer mais leves também existem diferenças entre os infortúnios de nossos amigos tomados em conjunto e não dá no mesmo que os diversos sofrimentos sobrevenham aos vivos ou aos mortos com efeito a diferença aqui é muito maior até do que entre atos terríveis e iníquos pressupostos numa tragédia ou efetivamente representados na cena essa diferença também deve ser levada em conta ou antes talvez o fato de haver dúvida sobre se os mortos participam de qualquer bem ou mal Pois parece de acordo com tudo que acabamos de ponderar que ainda que algo de bom ou mau chegue até eles devem ser influências muito fracas e insignificantes quer em si mesmas quer para eles ou então serão tais em grau e em espécie que não possam tornar feliz quem não o é nem roubar a beatitude aos venturosos Por conseguinte a boa ou má fortuna dos amigos parece ter certos efeitos sobre os mortos mas efeitos de tal espécie e grau que não tornam desgraçados os felizes nem produzem qualquer outra alteração semelhante 12 Tendo dado uma resposta definida a essas questões vejamos agora se a felicidade pertence ao número das coisas que são louvadas ou antes das que são estimadas pois é evidente que não podemos colocála entre as potencialidades Tudo que é louvado parece merecer louvores por ser de certa espécie e relacionado de um modo qualquer com alguma outra coisa porque louvamos o justo ou o valoroso e em geral tanto o homem bom como a própria virtude devido às ações e funções em jogo e louvamos o homem forte o bom corredor etc porque são de uma determinada espécie e se relacionam de certo modo com algo de bom ou importante Isso também é evidente quando consideramos os louvores dirigidos aos deuses pois parece absurdo que os deuses sejam aferidos pelos nossos padrões no entanto assim se faz porque o louvor envolve uma referência como dissemos a alguma outra coisa Entretanto se o louvor se aplica a coisas do gênero das que descrevemos evidentemente o que se aplica às melhores coisas não é louvor mas algo de melhor e de maior porquanto aos deuses e aos mais divinos dentre os homens o que fazemos é chamálos felizes e bemaventurados E o mesmo vale para as coisas ninguém louva a felicidade como louva a justiça mas antes a chama de bemaventurada como algo mais divino e melhor Também parece que Eudoxo estava acertado em seu método de sustentar a supremacia do prazer Pensava ele que o fato de não ser louvado o prazer embora seja um bem está a indicar que ele é melhor do que as coisas a que prodigalizamos louvores e tais são Deus e o bem pois é em relação a eles que todas as outras coisas são julgadas O louvor é apropriado à virtude pois graças a ela os homens tendem a praticar ações nobres mas os encômios se dirigem aos atos quer do corpo quer da alma No entanto talvez a sutileza nestes assuntos seja mais própria dos que fizeram um estudo dos encômios para nós o que se disse acima deixa bastante claro que a felicidade pertence ao número das coisas estimadas e perfeitas E também parece ser assim pelo fato de ser ela um primeiro princípio pois é tendoa em vista que fazemos tudo que fazemos e o primeiro princípio e causa dos bens é afirmamos nós algo de estimado e de divino 13 Já que a felicidade é uma atividade da alma conforme à virtude perfeita devemos considerar a natureza da virtude pois talvez possamos compreender melhor por esse meio a natureza da felicidade O homem verdadeiramente político também goza a reputação de haver estudado a virtude acima de todas as coisas pois que ele deseja fazer com que os seus concidadãos sejam bons e obedientes às leis Temos um exemplo disso nos legisladores dos cretenses e dos espartanos e em quaisquer outros dessa espécie que possa ter havido alhures E se esta investigação pertence à ciência política é evidente que ela estará de acordo com o nosso plano inicial Mas a virtude que devemos estudar é fora de qualquer dúvida a virtude humana porque humano era o bem e humana a felicidade que buscávamos Por virtude humana entendemos não a do corpo mas a da alma e também à felicidade chamamos uma atividade de alma Mas assim sendo é óbvio que o político deve saber de algum modo o que diz respeito à alma exatamente como deve conhecer os olhos ou a totalidade do corpo aquele que se propõe a curálos e com maior razão ainda por ser a política mais estimada e melhor do que a medicina Mesmo entre os médicos os mais competentes dãose grande trabalho para adquirir o conhecimento do corpo O político pois deve estudar a alma tendo em vista os objetivos que mencionamos e quanto baste para o entendimento das questões que estamos discutindo já que os nossos propósitos não parecem exigir uma investigação mais precisa que seria aliás muito trabalhosa A seu respeito são feitas algumas afirmações bastante exatas mesmo nas discussões estranhas à nossa escola e delas devemos utilizarnos agora Por exemplo que a alma tem uma parte racional e outra parte privada de razão Que elas sejam distintas como as partes do corpo ou de qualquer coisa divisível ou distintas por definição mas inseparáveis por natureza como o côncavo e o convexo na circunferência de um círculo não interessa à questão com que nos ocupamos de momento Do elemento irracional uma subdivisão parece estar largamente difundida e ser de natureza vegetativa Refirome à que é causa da nutrição e do crescimento pois é essa espécie de faculdade da alma que devemos atribuir a todos os lactantes e aos próprios embriões e que também está presente nos seres adultos com efeito é mais razoável pensar assim do que atribuirlhes uma faculdade diferente Ora a excelência desta faculdade parece ser comum a todas as espécies e não especificamente humana Além disso tudo está a indicar que ela funciona principalmente durante o sono ao passo que é nesse estado que menos se manifestam a bondade e a maldade Daí vem o aforismo de que os felizes não diferem dos infortunados durante metade de sua vida o que é muito natural em vista de ser o sono uma inatividade da alma em relação àquilo que nos leva a chamála de boa ou má a menos talvez que uma pequena parte do movimento dos sentidos penetre de algum modo na alma tornando os sonhos do homem bom melhores que os da gente comum Mas basta quanto a esse assunto Deixemos de lado a faculdade nutritiva uma vez que por natureza ela não participa da excelência humana Parece haver na alma ainda outro elemento irracional mas que em certo sentido participa da razão Com efeito louvamos o princípio racional do homem continente e do incontinente assim como a parte de sua alma que possui tal princípio porquanto ela os impele na direção certa e para os melhores objetivos mas ao mesmo tempo encontrase neles um outro elemento naturalmente oposto ao princípio racional lutando contra este a resistindolhe Porque exatamente como os membros paralisados se voltam para a esquerda quando procuramos movêlos para a direita a mesma coisa sucede na alma os impulsos dos incontinentes movemse em direções contrárias Com uma diferença porém enquanto no corpo vemos aquilo que se desvia da direção certa na alma não podemos vêlo Apesar disso devemos admitir que também na alma existe qualquer coisa contrária ao princípio racional qualquer coisa que lhe resiste e se opõe a ele Em que sentido esse elemento se distingue dos outros é uma questão que não nos interessa Nem sequer parece ele participar de um princípio racional como dissemos Seja como for no homem continente ele obedece ao referido princípio e é de presumir que no temperante e no bravo seja mais obediente ainda pois em tais homens ele fala a respeito de todas as coisas com a mesma voz que o princípio racional Por conseguinte o elemento irracional também parece ser duplo Com efeito o elemento vegetativo não tem nenhuma participação num princípio racional mas o apetitivo e em geral o elemento desiderativo participa dele em certo sentido na medida em que o escuta e lhe obedece É nesse sentido que falamos em atender às razões do pai e dos amigos o que é bem diverso de ponderar a razão de uma propriedade matemática Que de certo modo o elemento irracional é persuadido pela razão também estão a indicálo os conselhos que se costuma dar assim como todas as censuras e exortações E se convém afirmar que também esse elemento possui um princípio racional o que possui tal princípio como também o que carece dele será de dupla natureza uma parte possuindoo em si mesma e no sentido rigoroso do termo e a outra com a tendência de obedecerlhe como um filho obedece ao pai A virtude também se divide em espécies de acordo com esta diferença porquanto dizemos que algumas virtudes são intelectuais e outras morais entre as primeiras temos a sabedoria filosófica a compreensão a sabedoria prática e entre as segundas por exemplo a liberalidade e a temperança Com efeito ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui entendimento mas que é calmo ou temperante No entanto louvamos também o sábio referindo nos ao hábito e aos hábitos dignos de louvor chamamos virtudes LIVRO II 1 Sendo pois de duas espécies a virtude intelectual e moral a primeira por via de regra gerase e cresce graças ao ensino por isso requer experiência e tempo enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito donde terse formado o seu nome por uma pequena modificação da palavra hábito Por tudo isso evidenciase também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza com efeito nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza Por exemplo à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima ainda que tentemos adestrála jogandoa dez mil vezes no ar nem se pode habituar o fogo a dirigirse para baixo nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportarse de outra Não é pois por natureza nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós Digase antes que somos adaptados por natureza a recebêlas e nos tornamos perfeitos pelo hábito Por outro lado de todas as coisas que nos vêm por natureza primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos Isso é evidente no caso dos sentidos pois não foi por ver ou ouvir freqüentemente que adquirimos a visão e a audição mas pelo contrário nós as possuíamos antes de usálas e não entramos na posse delas pelo uso Com as virtudes dáse exatamente o oposto adquirimolas pelo exercício como também sucede com as artes Com efeito as coisas que temos de aprender antes de poder fazêlas aprendemolas fazendo por exemplo os homens tornamse arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento Da mesma forma tornamonos justos praticando atos justos e assim com a temperança a bravura etc Isto é confirmado pelo que acontece nos Estados os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem Esse é o propósito de todo legislador e quem não logra tal desiderato falha no desempenho da sua missão Nisso precisamente reside a diferença entre as boas e as más constituições Ainda mais é das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda virtude assim como toda arte de tocar a lira surgem os bons e os maus músicos Isso também vale para os arquitetos e todos os demais construindo bem tornamse bons arquitetos construindo mal maus Se não fosse assim não haveria necessidade de mestres e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu ofício Isso pois é o que também ocorre com as virtudes pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos pelo que fazemos em presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia nos tornamos valentes ou covardes O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoção da ira uns se tornam temperantes e calmos outros intemperantes e irascíveis portandose de um modo ou de outro em igualdade de circunstâncias Numa palavra as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes É preciso pois atentar para a qualidade dos atos que praticamos porquanto da sua diferença se pode aquilatar a diferença de caracteres E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos habituemos desta ou daquela maneira Tem pelo contrário imensa importância ou melhor tudo depende disso 2 Uma vez que a presente investigação não visa ao conhecimento teórico como as outras porque não investigamos para saber o que é a virtude mas a fim de nos tornarmos bons do contrário o nosso estudo seria inútil devemos examinar agora a natureza dos atos isto é como devemos praticálos pois que como dissemos eles determinam a natureza dos estados de caráter que daí surgem Ora que devemos agir de acordo com a regra justa é um princípio comumente aceito que nós encamparemos Mais tarde19 havemos de nos ocupar dele examinando o que seja a regra justa e como se relaciona com as outras virtudes Uma coisa porém deve ser assentada de antemão e é que todo esse tratamento de assuntos de conduta se fará em linhas gerais e não de maneira precisa Desde o princípio20 fizemos ver que as explicações que buscamos devem estar de acordo com os respectivos assuntos Tal como se passa no que se refere à saúde as questões de conduta e do que é bom para nós não têm nenhuma fixidez Sendo essa a natureza da explicação geral a dos casos particulares será ainda mais carente de exatidão pois não há arte ou preceito que os abranja a todos mas as próprias pessoas atuantes devem considerar em cada caso o que é mais apropriado à ocasião como também sucede na arte da navegação e na medicina Mas embora o nosso tratado seja desta natureza devemos prestar tanto serviço quanto for possível Comecemos pois por frisar que está na natureza dessas coisas o serem destruídas pela falta e pelo excesso como se observa no referente à força e à saúde pois a fim de obter alguma luz sobre coisas imperceptíveis devemos recorrer à evidência das coisas sensíveis Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força e da mesma forma o alimento ou a bebida que ultrapassem determinados limites tanto para mais como para menos destroem a saúde ao passo que sendo tomados nas devidas proporções a produzem aumentam e preservam O mesmo acontece com a temperança a coragem e as outras virtudes pois o homem que a tudo teme e de tudo foge não fazendo frente a nada tornase um covarde e o homem que não teme absolutamente nada mas vai ao encontro de todos os perigos tornase temerário e analogamente o que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum tornase intemperante enquanto o que evita todos os prazeres como fazem os rústicos se torna de certo modo insensível 19 Livro VI cap 13 N do T 20 1094 b 1127 N do T A temperança e a coragem pois são destruídas pelo excesso e pela falta e preservadas pela mediania Mas não só as causas e fontes de sua geração e crescimento são as mesmas que as de seu perecimento como também é a mesma esfera de sua atualização Isto também é verdadeiro das coisas mais evidentes aos sentidos como a força por exemplo ela é produzida pela ingestão de grande quantidade de alimento e por um exercício intenso e quem mais está em condições de fazer isso é o homem forte O mesmo ocorre com as virtudes tornamonos temperantes abstendonos de prazeres e é depois de nos tornarmos tais que somos mais capazes dessa abstenção E igualmente no que toca à coragem pois é habituandonos a desprezar e arrostar coisas terríveis que nos tornamos bravos e depois de nos tornarmos tais somos mais capazes de lhes fazer frente 3 Devemos tomar como sinais indicativos do caráter o prazer ou a dor que acompanham os atos porque o homem que se abstém de prazeres corporais e se deleita nessa própria abstenção é temperante enquanto o que se aborrece com ela é intemperante e quem arrosta coisas terríveis e sente prazer em fazêlo ou pelo menos não sofre com isso é bravo enquanto o homem que sofre é covarde Com efeito a excelência moral relacionase com prazeres e dores é por causa do prazer que praticamos más ações e por causa da dor que nos abstemos de ações nobres Por isso deveríamos ser educados de uma determinada maneira desde a nossa juventude como diz Platão21 a fim de nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas que nos devem causar deleite ou sofrimento pois essa é a educação certa Por outro lado se as virtudes dizem respeito a ações e paixões e cada ação e cada paixão é acompanhada de prazer ou de dor também por este motivo a virtude se relacionará com prazeres e dores Outra coisa que está a indicálo é o fato de ser infligido o castigo por esses meios ora o castigo é uma espécie de cura e é da natureza das curas o efetuaremse pelos contrários 21 Leis 653 ss República 401402 N do T Ainda mais como dissemos não faz muito22 todo estado da alma tem uma natureza relativa e concernente à espécie de coisas que tendem a tornála melhor ou pior mas é em razão dos prazeres e dores que os homens se tornam maus isto é buscandoos ou evitandoos quer prazeres e dores que não devem na ocasião em que não devem ou da maneira pela qual não devem buscar ou evitar quer por errarem numa das outras alternativas semelhantes que se podem distinguir Por isso muitos chegam a definir as virtudes como certos estados de impassividade e repouso não acertadamente porém porque se exprimem de modo absoluto sem dizer como se deve como não se deve quando se deve ou não se deve e as outras condições que se podem acrescentar Admitimos pois que essa espécie de excelência tende a fazer o que é melhor com respeito aos prazeres e às dores e que o vício faz o contrário Os fatos seguintes também nos podem mostrar que a virtude e o vício se relacionam com essas mesmas coisas Como existem três objetos de escolha e três de rejeição o nobre o vantajoso o agradável e seus contrários o vil o prejudicial e o doloroso a respeito de todos eles o homem bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado e especialmente no que toca ao prazer Com efeito além de ser comum aos animais este também acompanha todos os objetos de escolha pois até o nobre e o vantajoso se apresentam como agradáveis Acresce que o agradável e o doloroso cresceram conosco desde a nossa infância e por isso é difícil conter essas paixões enraizadas como estão na nossa vida E alguns mais e outros menos medimos nossas próprias ações pelo estalão do prazer e da dor Por esse motivo toda a nossa inquirição girará em torno deles já que pelo fato de serem legítimos ou ilegítimos o prazer e a dor que sentimos têm efeito não pequeno sobre as nossas ações Por outro lado para usarmos a frase de Heráclito é mais difícil lutar contra o prazer do que contra a dor mas tanto a virtude como a arte se orientam para o mais difícil que até torna melhores as coisas boas Essa é também a razão por que 22 1104 a 27 1104b3NdoT tanto a virtude como a ciência política giram sempre em torno de prazeres e dores de vez que o homem que lhes der bom uso será bom e o que lhes der mau uso será mau Demos por assentado pois que a virtude tem que ver com prazeres e dores que pelos mesmos atos de que ela se origina tanto é acrescida como se tais atos são praticados de modo diferente destruída e que os atos de onde surgiu a virtude são os mesmos em que ela se atualiza 4 Alguém poderia perguntar que entendemos nós ao declarar que devemos tornarnos justos praticando atos justos e temperantes praticando atos temperantes porque se um homem pratica tais atos é que já possui essas virtudes exatamente como se faz coisas concordes com as leis da gramática e da música é que já é gramático e músico Ou não será isto verdadeiro nem sequer das artes Podese fazer uma coisa que esteja concorde com as leis da gramática quer por acaso quer por sugestão de outrem Um homem portanto só é gramático quando faz algo pertencente à gramática e o faz gramaticalmente e isto significa fazêlo de acordo com os conhecimentos gramaticais que ele próprio possui Sucede por outro lado que neste ponto não há similaridade de caso entre as artes e as virtudes porque os produtos das primeiras têm a sua bondade própria bastando que possuam determinado caráter mas porque os atos que estão de acordo com as virtudes tenham determinado caráter não se segue que sejam praticados de maneira justa ou temperante Também é mister que o agente se encontre em determinada condição ao praticálos em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz em segundo deve escolher os atos e escolhêlos por eles mesmos e em terceiro sua ação deve proceder de um caráter firme e imutável Estas não são consideradas como condições para a posse das artes salvo o simples conhecimento mas como condição para a posse das virtudes o conhecimento pouco ou nenhum peso tem ao passo que as outras condições isto é aquelas mesmas que resultam da prática amiudada de atos justos e temperantes são numa palavra tudo Por conseguinte as ações são chamadas justas e temperantes quando são tais como as que praticaria o homem justo ou temperante mas não é temperante o homem que as pratica e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e temperantes É acertado pois dizer que pela prática de atos justos se gera o homem justo e pela prática de atos temperantes o homem temperante sem essa prática ninguém teria sequer a possibilidade de tornarse bom Mas a maioria das pessoas não procede assim Refugiamse na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira Nisto se portam de certo modo como enfermos que escutassem atentamente os seus médicos mas não fizessem nada do que estes lhes prescrevessem Assim como a saúde destes últimos não pode restabelecerse com tal tratamento a alma dos segundos não se tornará melhor com semelhante curso de filosofia 5 Devemos considerar agora o que é a virtude Visto que na alma se encontram três espécies de coisas paixões faculdades e disposições de caráter a virtude deve pertencer a uma destas Por paixões entendo os apetites a cólera o medo a audácia á inveja a alegria a amizade o ódio o desejo a emulação a compaixão e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou dor por faculdades as coisas em virtude das quais se diz que somos capazes de sentir tudo isso ou seja de nos irarmos de magoarnos ou compadecernos por disposições de caráter as coisas em virtude das quais nossa posição com referência às paixões é boa ou má Por exemplo com referência à cólera nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco e boa se a sentimos moderadamente e da mesma forma no que se relaciona com as outras paixões Ora nem as virtudes nem os vícios são paixões porque ninguém nos chama bons ou maus devido às nossas paixões e sim devido às nossas virtudes ou vícios e porque não somos louvados nem censurados por causa de nossas paixões o homem que sente medo ou cólera não é louvado nem é censurado o que simplesmente se encoleriza mas sim o que se encoleriza de certo modo mas pelas nossas virtudes e vícios somos efetivamente louvados e censurados Por outro lado sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha de nossa parte mas as virtudes são modalidades de escolha ou envolvem escolha Além disso com respeito às paixões se diz que somos movidos mas com respeito às virtudes e aos vícios não se diz que somos movidos e sim que temos tal ou tal disposição Por estas mesmas razões também não são faculdades porquanto ninguém nos chama bons ou maus nem nos louva ou censura pela simples capacidade de sentir as paixões Acresce que possuímos as faculdades por natureza mas não nos tornamos bons ou maus por natureza Já falamos disto acima23 Por conseguinte se as virtudes não são paixões nem faculdades só resta uma alternativa a de que sejam disposições de caráter Mostramos assim o que é a virtude com respeito ao seu gênero 6 Não basta contudo definir a virtude como uma disposição de caráter cumpre dizer que espécie de disposição é ela Observemos pois que toda virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de que é a excelência como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada Por exemplo a excelência do olho torna bons tanto o olho como a sua função pois é graças à excelência do olho que vemos bem Analogamente a excelência de um cavalo tanto o torna bom em si mesmo como bom na corrida em carregar o seu cavaleiro e em aguardar de pé firme o ataque do inimigo Portanto se isto vale para todos os casos a virtude do homem também será a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função 23 1103 a 181103 b 2 N do T Como isso vem a suceder já o explicamos atrás24 mas a seguinte consideração da natureza especifica da virtude lançará nova luz sobre o assunto Em tudo que é contínuo e divisível podese tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso quer em termos da própria coisa quer relativamente a nós e o igual é um meiotermo entre o excesso e a falta Por meiotermo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos e que é um só e o mesmo para todos os homens e por meiotermo relativamente a nós o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco e este não é um só e o mesmo para todos Por exemplo se dez é demais e dois é pouco seis é o meiotermo considerado em função do objeto porque excede e é excedido por uma quantidade igual esse número é intermediário de acordo com uma proporção aritmética Mas o meiotermo relativamente a nós não deve ser considerado assim se dez libras é demais para uma determinada pessoa comer e duas libras é demasiadamente pouco não se segue daí que o treinador prescreverá seis libras porque isso também é talvez demasiado para a pessoa que deve comêlo ou demasiadamente pouco demasiadamente pouco para Milo e demasiado para o atleta principiante O mesmo se aplica à corrida e à luta Assim um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta buscando o meiotermo e escolhendoo o meiotermo não no objeto mas relativamente a nós Se é assim pois que cada arte realiza bem o seu trabalho tendo diante dos olhos o meiotermo e julgando suas obras por esse padrão e por isso dizemos muitas vezes que às boas obras de arte não é possível tirar nem acrescentar nada subentendendo que o excesso e a falta destroem a excelência dessas obras enquanto o meiotermo a preserva e para este como dissemos se voltam os artistas no seu trabalho e se ademais disso a virtude é mais exata e melhor que qualquer arte como também o é a natureza seguese que a virtude deve ter o atributo de visar ao meiotermo Refirome à virtude moral pois é ela que diz respeito às paixões e ações nas quais existe excesso carência e um meiotermo 24 1104 a 1127 N do T Por exemplo tanto o medo como a confiança o apetite a ira a compaixão e em geral o prazer e a dor podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente e num caso como no outro isso é um mal Mas sentilos na ocasião apropriada com referência aos objetos apropriados para com as pessoas apropriadas pelo motivo e da maneira conveniente nisso consistem o meiotermo e a excelência característicos da virtude Analogamente no que tange às ações também existe excesso carência e um meiotermo Ora a virtude diz respeito às paixões e ações em que o excesso é uma forma de erro assim como a carência ao passo que o meiotermo é uma forma de acerto digna de louvor e acertar e ser louvada são características da virtude Em conclusão a virtude é uma espécie de mediania já que como vimos ela põe a sua mira no meiotermo Por outro lado é possível errar de muitos modos pois o mal pertence à classe do ilimitado e o bem à do limitado como supuseram os pitagóricos mas só há um modo de acertar Por isso o primeiro é fácil e o segundo difícil fácil errar a mira difícil atingir o alvo Pelas mesmas razões o excesso e a falta são característicos do vício e a mediania da virtude Pois os homens são bons de um modo só e maus de muitos modos25 A virtude é pois uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania isto é a mediania relativa a nós a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática E é um meiotermo entre dois vícios um por excesso e outro por falta pois que enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões a virtude encontra e escolhe o meiotermo E assim no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência a virtude é uma mediania com referência ao sumo bem e ao mais justo é porém um extremo Mas nem toda ação e paixão admite um meiotermo pois algumas têm nomes que já de si mesmos implicam maldade como o despeito o despudor a inveja e no campo das ações o adultério o furto o assassínio Todas essas coisas 25 Ver Diehl Elégeia adéspota Elegias Anônimas 16 e outras semelhantes implicam nos próprios nomes que são más em si mesmas e não o seu excesso ou deficiência Nelas jamais pode haver retidão mas unicamente o erro E no que se refere a essas coisas tampouco a bondade ou maldade dependem de cometer adultério com a mulher apropriada na ocasião e da maneira convenientes mas fazer simplesmente qualquer delas é um mal Igualmente absurdo seria buscar um meiotermo um excesso e uma falta em atos injustos covardes ou libidinosos porque assim haveria um meiotermo do excesso e da carência um excesso de excesso e uma carência de carência Mas do mesmo modo que não existe excesso nem carência de temperança e de coragem pois o que é intermediário também é noutro sentido um extremo também das ações que mencionamos não há meiotermo nem excesso nem falta porque de qualquer forma que sejam praticadas são más Em suma do excesso ou da falta não há meiotermo como também não há excesso ou falta de meiotermo 7 Não devemos porém contentarnos com esta exposição geral é mister aplicála também aos fatos individuais Com efeito das proposições relativas à conduta as universais são mais vazias mas as particulares são mais verdadeiras porquanto a conduta versa sobre casos individuais e nossas proposições devem harmonizarse com os fatos nesses casos Podemos tomálos no nosso quadro geral Em relação aos sentimentos de medo e de confiança a coragem é o meiotermo dos que excedem o que o faz no destemor não tem nome muitas disposições não o têm enquanto o que excede na audácia é temerário e o que excede no medo e mostra falta de audácia é covarde Com relação aos prazeres e dores não todos e menos no que tange às dores o meiotermo é a temperança e o excesso é a intemperança Pessoas deficientes no tocante aos prazeres não são muito encontradiças e por este motivo não receberam nome chamemolas porém insensíveis No que se refere a dar e receber dinheiro o meiotermo é a liberalidade o excesso e a deficiência respectivamente prodigalidade e avareza Nesta espécie de ações as pessoas excedem e são deficientes de maneiras opostas o pródigo excede no gastar e é deficiente no receber enquanto o avaro excede no receber e é deficiente no gastar De momento tudo que fazemos é dar um esboço ou sumário e com isso nos contentamos mais adiante essas disposições serão descritas com mais exatidão26 Ainda no que diz respeito ao dinheiro existem outras disposições um meio termo a magnificência pois o homem magnificente difere do liberal o primeiro lida com grandes quantias o segundo com quantias pequenas um excesso a vulgaridade e o mau gosto e uma deficiência a mesquinhez estas diferem das disposições contrárias à liberalidade e mais tarde diremos em quê27 Com respeito à honra e à desonra o meiotermo é o justo orgulho o excesso é conhecido como uma espécie de vaidade oca e a deficiência como uma humildade indébita e a mesma relação que apontamos entre a liberalidade e a magnificência da qual a primeira difere por lidar com pequenas quantias também se verifica aqui pois há uma disposição que tem alguns pontos em comum com o justo orgulho mas ocupase com pequenas honras enquanto a este só interessam as grandes Porque é possível desejar a honra como se deve mais do que se deve e menos do que se deve e o homem que excede em tais desejos é chamado ambicioso o que fica aquém é desambicioso enquanto a pessoa intermediária não tem nome As disposições também não receberam nome salvo a do ambicioso que se chama ambição Por isso as pessoas que se encontram nos extremos arrogamse a posição intermediária e nós mesmos às vezes chamamos as pessoas intermediárias de ambiciosas e outras vezes de desambiciosas e ora louvamos a primeira disposição ora a segunda A razão disso será dada mais adiante28 agora porém falemos sobre as demais disposições de acordo com o método indicado No tocante à cólera também há um excesso uma falta e um meiotermo Embora praticamente não tenham nomes uma vez que chamamos calmo ao 26 Ver Livro IV cap 1 N do T 27 1122 a 2029 1122 b 1018 N do T 28 118b 1126 1125 b 1418 N do T homem intermediário seja o meiotermo também a calma e dos que se encontram nos extremos chamemos irascível ao que excede e irascibilidade ao seu vício e ao que fica aquém da justa medida chamemos pacato e pacatez à sua deficiência Há outros três meiostermos que diferem entre si apesar de revelarem uma certa semelhança comum Todos eles dizem respeito ao intercâmbio em atos e palavras mas diferem no seguinte um se relaciona com a verdade nessas esferas e os outros dois com o que é aprazível e destes um se manifesta em proporcionar divertimento e o outro em todas as circunstâncias da vida É preciso portanto falar destes dois a fim de melhor compreendermos que em todas as coisas o meio termo é louvável e os extremos nem louváveis nem corretos mas dignos de censura Ora a maioria dessas disposições também não receberam nomes mas devemos esforçarnos por inventálos para que a nossa exposição seja clara e fácil de acompanhar No que toca à verdade o intermediário é a pessoa verídica e ao meiotermo podemos chamar veracidade enquanto a simulação que exagera é a jactância e a pessoa que se caracteriza por esse hábito é jactanciosa e a que subestima é a falsa modéstia a que corresponde a pessoa falsamente modesta Quanto à aprazibilidade no proporcionar divertimento a pessoa intermediária é espirituosa e ao meiotermo chamamos espírito o excesso é a chocarrice e a pessoa caracterizada por ele um chocarreiro enquanto a pessoa que mostra deficiência é uma espécie de rústico e a sua disposição é a rusticidade Vejamos finalmente a terceira espécie de aprazibilidade isto é a que se manifesta na vida em geral O homem que sabe agradar a todos da maneira devida é amável e o meiotermo é a amabilidade enquanto o que excede os limites é uma pessoa obsequiosa se não tem nenhum propósito determinado um lisonjeiro se visa ao seu interesse próprio e o homem que peca por deficiência e se mostra sempre desagradável é uma pessoa malhumorada e rixenta Também há meiostermos nas paixões e relativamente a elas pois que a vergonha não é uma virtude e não obstante louvamos os modestos Mesmo nesses assuntos dizse que um homem é intermediário e um outro excede como por exemplo o acanhado que se envergonha de tudo enquanto o que mostra deficiência e não se envergonha de coisa alguma é um despudorado e a pessoa intermediária é modesta A justa indignação é um meiotermo entre a inveja e o despeito e estas disposições se referem à dor e ao prazer que nos inspiram a boa ou má fortuna de nossos semelhantes O homem que se caracteriza pela justa indignação confrange se com a má fortuna imerecida o invejoso que o ultrapassa afligese com toda boa fortuna alheia e o despeitado longe de se afligir chega ao ponto de rejubilarse Teremos oportunidade de descrever alhures estas disposições29 Quanto à justiça como o significado deste termo não é simples após descrever as outras disposições distinguiremos nele duas espécies e mostraremos em que sentido cada uma delas é um meiotermo e trataremos do mesmo modo as virtudes racionais 8 Existem pois três espécies de disposições sendo duas delas vícios que envolvem excesso e carência respectivamente e a terceira uma virtude isto é o meiotermo E em certo sentido cada uma delas se opõe às outras duas pois que cada disposição extrema é contrária tanto ao meiotermo como ao outro extremo e o meiotermo é contrário a ambos os extremos assim como o igual é maior relativamente ao menor e menor relativamente ao maior também os estados medianos são excessivos em confronto com as deficiências e deficientes quando comparados com os excessos tanto nas paixões como nas ações Com efeito o bravo parece temerário em relação ao covarde e covarde em relação ao temerário e da mesma forma o temperante parece um voluptuoso em relação ao insensível e insensível em relação ao voluptuoso e o liberal parece pródigo em confronto com o avaro e avaro em confronto com o pródigo Por isso as pessoas que se encontram nos extremos empurram uma para a outra a intermediária o homem 29 O lugar é incerto talvez Livro III cap 6 Livro IV cap 9 onde se trata das virtudes morais em conjunto ou talvez Livro IV cap 9 onde se discute a vergonha N do T bravo é chamado de temerário pelo covarde e covarde pelo temerário e analogamente nos outros casos Opostas como são umas às outras essas disposições a maior contrariedade é a que se observa entre os extremos e não destes para com o meiotermo porquanto os extremos estão mais longe um do outro que do meiotermo assim como o grande está mais longe do pequeno e o pequeno do grande do que ambos estão do igual Por outro lado alguns extremos mostram certa semelhança com o meio termo como a temeridade com a coragem e a prodigalidade com a liberalidade Os extremos porém mostram a maior disparidade entre si ora os contrários são definidos como as coisas que mais se afastam uma da outra de modo que as coisas mais afastadas entre si são mais contrárias Ao meiotermo o mais contrário às vezes é a deficiência outras vezes o excesso Por exemplo não é a temeridade que representa um excesso mas a covardia uma deficiência que mais se opõe à coragem mas no caso da temperança o que mais se lhe opõe é a intemperança um excesso Isso se deve a dois motivos um dos quais reside na própria coisa pelo fato de um dos extremos estar mais próximo do meiotermo e assemelharse mais a ele não opomos ao meiotermo esse extremo e sim o seu contrário Por exemplo como a temeridade é considerada mais semelhante à coragem e mais próxima desta e a covardia mais dessemelhante é este último extremo que costumamos opor ao meiotermo porquanto as coisas que mais se afastam do meiotermo são consideradas como mais contrárias a ele Esta é pois a causa inerente à própria coisa A outra reside em nós mesmos pois aquilo para que mais tendemos por natureza nos parece mais contrário ao meiotermo Por exemplo nós próprios tendemos mais naturalmente para os prazeres e por isso somos mais facilmente levados à intemperança do que à contenção Daí dizermos mais contrários ao meiotermo aqueles extremos a que face do prazer é portanto a dos anciãos do povo para com Helena e em todas as circunstâncias cumprenos dizer o mesmo que eles porque se não dermos ouvidos ao prazer correremos menos perigo de errar Em resumo é procedendo dessa forma que teremos mais probabilidades de acertar com o meiotermo Não há negar porém que isso seja difícil especialmente nos casos particulares pois quem poderá determinar com precisão de que modo com quem em resposta a que provocação e durante quanto tempo devemos encolerizarnos E às vezes louvamos os que ficam aquém da medida qualificandoos de calmos e outras vezes louvamos os que se encolerizam chamandoos de varonis Não se censura contudo o homem que se desvia um pouco da bondade quer no sentido do menos quer do mais só merece reproche o homem cujo desvio é maior pois esse nunca passa despercebido Mas até que ponto um homem pode desviarse sem merecer censura Isso não é fácil de determinar pelo raciocínio como tudo que seja percebido pelos sentidos tais coisas dependem de circunstâncias particulares e quem decide é a percepção Fica bem claro pois que em todas as coisas o meiotermo é digno de ser louvado mas que às vezes devemos inclinarnos para o excesso e outras vezes para a deficiência Efetivamente essa é a maneira mais fácil de atingir o meiotermo e o que é certo LIVRO III 1 Visto que a virtude se relaciona com paixões e ações e é às paixões e ações voluntárias que se dispensa louvor e censura enquanto as involuntárias merecem perdão e às vezes piedade é talvez necessário a quem estuda a natureza da virtude distinguir o voluntário do involuntário Tal distinção terá também utilidade para o legislador no que tange à distribuição de honras e castigos São pois consideradas involuntárias aquelas coisas que ocorrem sob compulsão ou por ignorância e é compulsório ou forçado aquilo cujo princípio motor se encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão por exemplo se tal pessoa fosse levada a alguma parte pelo vento ou por homens que dela se houvessem apoderado Mas quanto às coisas que se praticam para evitar maiores males ou com algum nobre propósito por exemplo se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse alguém tendo os pais e os filhos em poder daquele praticasse o ato para salvá los de serem mortos é discutível se tais atos são voluntários ou involuntários Algo de semelhante acontece quando se lançam cargas ao mar durante uma tempestade porque em teoria ninguém voluntariamente joga fora bens valiosos mas quando assim o exige a segurança própria e da tripulação de um navio qualquer homem sensato o fará Tais atos pois são mistos mas assemelhamse mais a atos voluntários pela razão de serem escolhidos no momento em que se fazem e pelo fato de ser a finalidade de uma ação relativa às circunstâncias Ambos esses termos voluntário e involuntário devem portanto ser usados com referência ao momento da ação Ora o homem age voluntariamente pois nele se encontra o princípio que move as partes apropriadas do corpo em tais ações e aquelas coisas cujo princípio motor está em nós em nós está igualmente o fazêlas ou não as fazer Ações de tal espécie são por conseguinte voluntárias mas em abstrato talvez sejam involuntárias pois que ninguém as escolheria por si mesmas Por ações dessa espécie os homens são até louvados algumas vezes quando suportam alguma coisa vil ou dolorosa em troca de grandes e nobres objetivos alcançados no caso contrário são censurados porque exporse às maiores indignidades sem qualquer finalidade nobre ou por um objetivo insignificante é próprio de um homem inferior Algumas ações em verdade não merecem louvor mas perdão quando alguém faz o que não deve sem sofrer uma pressão superior às forças humanas e que homem algum poderia suportar Mas há talvez atos que ninguém nos pode forçar a praticar e a que devemos preferir a morte entre os mais horríveis sofrimentos e os motivos que forçaram o Alcmêon de Eurípides a matar a própria mãe nos parecem absurdos É por vezes difícil determinar o que se deveria escolher e a que custo e o que deveria ser suportado em troca de que vantagem e ainda mais difícil é permanecer firme nas resoluções tomadas pois por via de regra o que se espera é doloroso e o que somos forçados a fazer é vil donde serem objeto de louvor e censura aqueles que foram ou que não foram compelidos a agir Que espécie de ações se devem pois chamar forçadas Respondemos que sem ressalvas de qualquer espécie as ações são forçadas quando a causa se encontra nas circunstâncias exteriores e o agente em nada contribui Quanto às coisas que em si mesmas são involuntárias mas no momento atual e devido às vantagens que trazem consigo merecem preferência e cujo princípio motor se encontra no agente essas são como dissemos involuntárias em si mesmas porém no momento atual e em troca dessas vantagens voluntárias E têm mais semelhança com as voluntárias pois que as ações sucedem nos casos particulares e nestes são praticadas voluntariamente Que espécies de coisas devem ser preferidas e em troca de quê Não é fácil determinálo pois existem muitas diferenças entre um caso particular e outro Se alguém afirmasse que as coisas nobres e agradáveis têm um poder compulsório porque nos constrangem de fora para ele todos os atos seriam compulsórios e forçados pois tudo que fazemos tem essa motivação E os que agem forçados e contra a sua vontade agem com dor mas os que praticam atos por sua satisfação própria ou pelo que aqueles têm de nobre fazemno com prazer É absurdo responsabilizar as circunstâncias exteriores e não a si mesmo julgando se facilmente arrastado por tais atrativos e declararse responsável pelos atos nobres enquanto se lança a culpa dos atos vis sobre os objetos agradáveis O compulsório parece pois ser aquilo cujo princípio motor se encontra do lado de fora para nada contribuindo quem é forçado Tudo o que se faz por ignorância é nãovoluntário e só o que produz dor e arrependimento é involuntário Com efeito o homem que fez alguma coisa devido à ignorância e não se aflige em absoluto com o seu ato não agiu voluntariamente visto que não sabia o que fazia mas tampouco agiu involuntariamente já que isso não lhe causa dor alguma E assim das pessoas que agem por ignorância as que se arrependem são consideradas agentes involuntários e as que não se arrependem podem ser chamadas agentes nãovoluntários visto diferirem das primeiras em razão dessa própria diferença devem ter uma denominação distinta Agir por ignorância parece diferir também de agir na ignorância pois do homem embriagado ou enfurecido dizse que age não em resultado da ignorância mas de uma das causas mencionadas e contudo sem conhecimento do que faz mas na ignorância Ora todo homem perverso ignora o que deve fazer e de que deve absterse e é em razão de um erro desta espécie que os homens se tornam injustos e em geral maus Mas o termo involuntário não é geralmente usado quando o homem ignora o que lhe traz vantagem pois não é o propósito equivocado que causa a ação involuntária esse conduziria antes à maldade nem a ignorância do universal pela qual os homens são passíveis de censura mas a ignorância dos particulares isto é das circunstâncias do ato e dos objetos com que ele se relaciona São justamente esses que merecem piedade e perdão porquanto a pessoa que ignora qualquer dessas coisas age involuntariamente Talvez convenha determinar aqui a natureza e o número de tais atos Um homem pode ignorar quem ele próprio é o que está fazendo sobre que coisas ou pessoas está agindo e às vezes também qual é o instrumento que usa com que fim pode pensar por exemplo que está protegendo a segurança de alguém e de que maneira age se com brandura ou com violência por exemplo Ora nenhuma destas coisas um homem pode ignorar a não ser que esteja louco e também é claro que não pode ignorar o agente pois como é possível desconhecer a si mesmo Mas é possível ignorar o que se está fazendo costumamos dizer com efeito ele deixou escapar estas palavras sem querer ou não sabia que se tratava de um segredo como se expressou Esquilo a respeito dos mistérios ou como aquele homem que disparou a catapulta e desculpouse alegando que só queria mostrar o seu funcionamento e ela disparara por si Também é possível confundir nosso filho com um inimigo como ocorreu com Mérope ou pensar que uma lança pontiaguda tem a ponta embotada ou que uma pedra é pedrapomes e podese dar a um homem uma poção para curálo e ao invés disso matálo e também ferir um adversário quando se pretende apenas tocálo como acontece no pugilato A ignorância pode relacionarse portanto com qualquer dessas coisas isto é qualquer das circunstâncias do ato e do homem que ignorava uma delas diz se que agiu involuntariamente sobretudo se ignorava os pontos mais importantes que na opinião geral são as circunstâncias e a finalidade do ato Além disso a prática de um ato considerado involuntário em virtude de uma ignorância desta espécie deve causar dor e trazer arrependimento Como tudo o que se faz constrangido ou por ignorância é involuntário o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato É de presumir que os atos praticados sob o impulso da cólera ou do apetite não mereçam a qualificação de involuntários Porque em primeiro lugar se fossem tais nenhum dos outros animais agiria voluntariamente e as crianças tampouco e em segundo lugar seria o caso de perguntar se o que se entende por isso é que não praticamos voluntariamente nenhum dos atos devidos ao apetite ou à cólera ou se praticamos voluntariamente os atos nobres e involuntariamente os vis Não é absurdo isso quando a causa é uma só e a mesma Inegavelmente seria estranho qualificar de involuntárias as coisas que devemos desejar e é certo que devemos encolerizarnos diante de certas coisas e apetecer outras por exemplo a saúde e a instrução Por outro lado o involuntário é considerado doloroso mas o que está de acordo com o apetite é agradável Ainda mais qual a diferença no que tange à involuntariedade entre os erros cometidos a frio e aqueles em que caímos sob a ação da cólera Ambos devem ser evitados mas as paixões irracionais não são consideradas menos humanas do que a razão por conseguinte também as ações que procedem da cólera ou do apetite são ações do homem Seria estranho pois tratálas como involuntárias 2 Tendo sido delimitados desta forma o voluntário e o involuntário devemos passar agora ao exame da escolha que para os espíritos discriminadores parece estar mais estreitamente ligada à virtude do que as ações A escolha pois parece ser voluntária mas não se identifica com o voluntário O segundo conceito tem muito mais extensão Com efeito tanto as crianças como os animais inferiores participam da ação voluntária porém não da escolha e embora chamemos voluntários os atos praticados sob o impulso do momento não dizemos que foram escolhidos Os que a definem como sendo um apetite a cólera um desejo ou uma espécie de opinião não parecem ter razão Efetivamente a escolha não é também comum às criaturas irracionais mas a cólera e o apetite sim Por outro lado o incontinente age com apetite porém não com escolha o continente pelo contrário age com escolha porém não com apetite Ainda mais há contrariedade entre apetite e escolha mas entre apetite e apetite não E ainda o apetite relacionase com o agradável e o doloroso a escolha nem com um nem com o outro Se assim acontece com o apetite tanto mais com a cólera porquanto os atos inspirados por esta são considerados ainda menos objetos de escolha do que os outros Nem tampouco o é o desejo embora pareça estar mais próximo dela Com efeito a escolha não pode visar a coisas impossíveis e quem declarasse escolhêlas passaria por tolo e ridículo mas podese desejar o impossível a imortalidade por exemplo E o desejo pode relacionarse com coisas em que nenhum efeito teriam os nossos esforços pessoais como por exemplo que determinado ator ou atleta vença uma competição mas ninguém escolhe tais coisas e sim aquelas que julga poderem realizarse graças aos seus esforços Além disso o desejo relacionase com o fim e a escolha com os meios Por exemplo desejamos gozar saúde mas escolhemos os atos que nos tornarão sadios e desejamos ser felizes e confessamos tal desejo mas não podemos dizer com acerto que escolhemos ser felizes pois de um modo geral a escolha parece relacionarse com as coisas que estão em nosso poder Também por este motivo não se pode identificála com a opinião uma vez que esta se relaciona com toda a sorte de coisas não menos as eternas e as impossíveis do que as que estão em nosso poder e por outro lado ela se distingue pela verdade ou falsidade e não pela bondade ou maldade enquanto a escolha se caracteriza acima de tudo por estas últimas Ora com a opinião em geral não há ninguém que a identifique Nós porém acrescentamos que ela não é idêntica a nenhuma espécie de opinião Com efeito por escolher o que é bom ou mau somos homens de um determinado caráter mas não o somos por sustentar esta ou aquela opinião E escolhemos obter ou evitar algo bom ou mau mas temos opiniões sobre o que seja uma coisa para quem ela é boa e de que maneira é boa para ele e não seria muito acertado dizer que opinamos obter ou evitar uma coisa qualquer Acresce que a escolha é louvada pelo fato de relacionarse com o objeto conveniente e não de relacionarse convenientemente com ele ao passo que a opinião é louvada quando tem uma relação verdadeira com o seu objeto E também escolhemos o que sabemos ser melhor tanto quanto nos é dado sabêlo mas opinamos sobre o que não sabemos exatamente e não são as mesmas pessoas que passam por fazer as melhores escolhas e sustentar as melhores opiniões mas de algumas se diz que têm excelentes opiniões e no entanto padecem de um vício qualquer que as impede de escolher bem Não faz diferença que a opinião preceda a escolha ou a acompanhe pois não é isso que estamos examinando mas sim se a escolha é idêntica a alguma espécie de opinião Que é ela pois e que espécie de coisa é se não se identifica com nenhuma daquelas que examinamos Parece ser voluntária mas nem tudo que é voluntário parece ser objeto de escolha Será pois aquilo que decidimos numa análise am2s5oO58 e qal qur formiaae escolh en vove um princ prioracional e io iam2o deoutrmas coisso TjEMC ET11 g 6942605722 45666 2364 refl BT P MCID63 parecc objetos de deliberação os problemas de tratamento médico e de comércio por exemplo E deliberamos mais no caso da navegação do que no da ginástica porque aquela está mais longe de ser exata E nas outras coisas igualmente mais porém quanto às artes do que quanto às ciências pois que as primeiras comportam maiores dúvidas Deliberase a respeito das coisas que comumente acontecem de certo modo mas cujo resultado é obscuro e daquelas em que este é indeterminado E nas coisas de grande monta tomamos conselheiros por não termos confiança em nossa capacidade de decidir Não deliberamos acerca de fins mas a respeito de meios Um médico por exemplo não delibera se há de curar ou não nem um orador se há de persuadir nem um estadista se há de implantar a ordem pública nem qualquer outro delibera a respeito de sua finalidade Dão a finalidade por estabelecida e consideram a maneira e os meios de alcançála e se parece poder ser alcançada por vários meios procuram o mais fácil e o mais eficaz e se por um só examinam como será alcançada por ele e por que outro meio alcançar esse primeiro até chegar ao primeiro princípio que na ordem de descobrimento é o último Com efeito a pessoa que delibera parece investigar e analisar da maneira que descrevemos como se analisasse uma construção geométrica nem toda investigação é deliberação vejamse por exemplo as investigações matemáticas mas toda deliberação é investigação e o que vem em último lugar na ordem da análise parece ser primeiro na ordem da geração E se chegamos a uma impossibilidade renunciamos à busca por exemplo se precisamos de dinheiro e não há maneira de conseguilo mas se uma coisa parece possível tratamos de fazê la Por coisas possíveis entendo aquelas que se podem realizar pelos nossos esforços e em certo sentido isto inclui as que podem ser postas em prática pelos esforços de nossos amigos pois que o princípio motor está em nós mesmos O objeto da investigação são por vezes os instrumentos e por vezes o uso a darlhes e analogamente nos outros casos por vezes o meio outras vezes a maneira de usálo ou de produzilo Parece pois como já ficou dito que o homem é um princípio motor de ações ora a deliberação gira em torno de coisas a serem feitas pelo próprio agente e as ações têm em vista outra coisa que não elas mesmas Com efeito o fim não pode ser objeto de deliberação mas apenas o meio E tampouco podem sêlo os fatos particulares por exemplo se isto é pão e se foi assado como devia pois tais coisas são objetos de percepção Se quiséssemos deliberar sempre teríamos de continuar até o infinito É a mesma coisa aquela sobre que deliberamos e a que escolhemos salvo estar o objeto de escolha já determinado já que aquilo por que nos decidimos em resultado da deliberação é o objeto da escolha Efetivamente todos cessam de indagar como devem agir depois que fizeram voltar o princípio motor a si mesmos e à parte dirigente de si mesmos pois é essa que escolhe Isto se pode ver também nas antigas constituições tais como nolas mostra Homero onde os reis anunciavam ao povo o que haviam escolhido Sendo pois o objeto de escolha uma coisa que está ao nosso alcance e que é desejada após deliberação a escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance porque após decidir em resultado de uma deliberação desejamos de acordo com o que deliberamos Consideremos pois como descrita em linhas gerais a escolha estabelecida a natureza dos seus objetos e o fato de que ela diz respeito aos meios 4 Já mostramos que o desejo tem por objeto o fim alguns pensam que esse fim é o bem e outros que é o bem aparente Ora os primeiros terão de admitir como conseqüência de sua premissa que a coisa desejada pelo homem que não escolhe bem não é realmente um objeto de desejo porque se o fosse deveria ser boa também mas no caso que consideramos é má Por outro lado os que afirmam ser objeto de desejo o bem aparente devem admitir que não existe objeto natural de desejo mas apenas o que parece bom a cada homem é desejado por ele Ora coisas diferentes e até contrárias parecem boas a diferentes pessoas Se estas conseqüências desagradam deveremos dizer que em absoluto e em verdade o bem é o objeto de desejo mas para cada pessoa em particular o é o bem aparente que aquilo que em verdade é objeto de desejo é objeto de desejo para o homem bom e que qualquer coisa pode sêlo para o homem mau assim como no caso dos corpos as coisas que em verdade são saudáveis o são para os corpos em boas condições enquanto para os corpos enfermos outras coisas é que são saudáveis ou amargas doces quentes pesadas e assim por diante Com efeito o homem bom aquilata toda classe de coisas com acerto e em cada uma delas a verdade lhe aparece com clareza mas cada disposição de caráter tem suas idéias próprias sobre o nobre e o agradável e a maior diferença entre o homem bom e os outros consiste talvez em perceber a verdade em cada classe de coisas como quem é delas a norma e a medida Na maioria dos casos o engano devese ao prazer que parece bom sem realmente sêlo e por isso escolhemos o agradável como um bem e evitamos a dor como um mal 5 Sendo pois o fim aquilo que desejamos e o meio aquilo acerca do qual deliberamos e que escolhemos as ações relativas ao meio devem concordar com a escolha e ser voluntárias Ora o exercício da virtude diz respeito aos meios Por conseguinte a virtude também está em nosso poder do mesmo modo que o vício pois quando depende de nós o agir também depende o não agir e viceversa de modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre também temos o de não agir quando é vil e se esta em nosso poder o não agir quando isso é nobre também está o agir quando isso é vil Logo depende de nós praticar atos nobres ou vis e se é isso que se entende por ser bom ou mau então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos O aforismo ninguém é voluntariamente mau nem involuntariamente feliz parece ser em parte falso e em parte verdadeiro porque ninguém é involuntariamente feliz mas a maldade é voluntária Do contrário teremos de contestar o que se acabou de dizer e negar que o homem seja um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos Mas se esses fatos são evidentes e não podemos referir nossas ações a outros princípios motores que não estejam em nós mesmos os atos cujos princípios motores se encontram em nós devem também estar em nosso poder e ser voluntários Isto parece ser confirmado tanto por indivíduos na sua vida particular como pelos próprios legisladores os quais punem e castigam os que cometeram atos perversos a não ser que tenham sido forçados a isso ou agido em resultado de uma ignorância pela qual eles próprios não fossem responsáveis e por outro lado honram os que praticaram atos nobres como se tencionassem estimular os segundos e refrear os primeiros Mas ninguém é estimulado a fazer coisas que não estejam em seu poder nem sejam voluntárias admitese que não há vantagem nenhuma em sermos persuadidos a não sentir calor fome dor e outras sensações do mesmo gênero já que não as sentiríamos menos por isso E sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela como no caso das penas dobradas para os ébrios pois o princípio motor está no próprio indivíduo visto que ele tinha o poder de não se embriagar e o fato de se haver embriagado foi causa da sua ignorância E punimos igualmente aqueles que ignoram quaisquer prescrições das leis quando a todos cumpre conhecêlas e isso não é difícil e da mesma forma em todos os casos em que a ignorância seja atribuída à negligência presumimos que dependa dos culpados o não ignorar visto que têm o poder de informarse diligentemente Mas talvez um homem seja feito de tal modo que não possa ser diligente Sem embargo tais homens são responsáveis em razão da vida indolente que levam por se haverem tornado pessoas dessa espécie Os homens tornamse responsáveis por serem injustos ou intemperantes no primeiro caso burlando o próximo e no segundo passando o seu tempo em orgias e coisas que tais pois são as atividades exercidas sobre objetos particulares que fazem o caráter correspondente Bem o mostram as pessoas que se treinam para uma competição ou para uma ação qualquer praticandoa constantemente Ora ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de homem verdadeiramente insensato Não menos irracional é supor que um homem que age injustamente não deseja ser injusto ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante Mas quando sem ser ignorante um homem faz coisas que o tornarão injusto ele será injusto voluntariamente Daí não se segue porém que se assim o desejar deixará de ser injusto e se tornará justo Porque tampouco o que está enfermo se cura nessas condições Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente por viver na incontinência e desobedecer aos seus médicos Nesse caso a princípio dependia dele o não ser doente mas agora não sucede assim porquanto virou as costas à sua oportunidade tal como para quem arremessou uma pedra já não é possível recuperála e contudo estava em seu poder não arremessar visto que o princípio motor se encontrava nele O mesmo sucede com o injusto e o intemperante a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie de modo que é por sua própria vontade que são injustos e intemperantes e agora que se tornaram tais não lhes é possível ser diferentes Mas não só os vícios da alma são voluntários senão que também os do corpo o são para alguns homens aos quais censuramos por isso mesmo ao passo que ninguém censura os que são feios por natureza censuramos os que o são por falta de exercício e de cuidado O mesmo vale para a fraqueza e a invalidez ninguém condenaria um cego de nascença por doença ou por efeito de algum golpe mas todos censurariam um homem que tivesse cegado em conseqüência da embriaguez ou de alguma outra forma de intemperança Dos vícios do corpo pois os que dependem de nós são censurados e os que não dependem não o são E assim sendo também nos outros casos os vícios que são objetos de censura devem depender de nós Alguém poderia objetar que todos os homens desejam o bem aparente mas não têm nenhum controle sobre a aparência e que o fim se apresenta a cada um sob uma forma correspondente ao seu caráter A isso respondemos que se cada homem é de certo modo responsável pela sua disposição de ânimo será também de certo modo responsável pela aparência do contrário ninguém seria responsável pelos seus maus atos mas todos os praticariam pela ignorância do fim julgando que com eles lograriam o melhor Ora visar ao fim não depende da nossa escolha mas é preciso ter nascido com um sexto sentido por assim dizer que nos permita julgar com acerto e escolher o que é verdadeiramente bom e realmente bem dotado pela natureza é quem o possui Com efeito isso é o que há de mais nobre e não podemos adquirilo nem aprendêlo de outrem mas o possuímos sempre tal como nos foi dado ao nascer e ser bem e nobremente dotado dessa qualidade é a perfeição e a cúpula de ouro dos dotes naturais Se isto é verdade como será a virtude mais voluntária do que o vício Tanto para o homem bom como para o mau o fim se apresenta tal e é fixado pela natureza ou pelo que quer que seja e todos os homens agem referindo cada coisa a ele Portanto quer não seja por natureza que o fim se apresente a cada homem tal como se apresenta algo todavia também depende dele quer o fim seja natural uma vez que o homem bom adota voluntariamente o meio a virtude é voluntária o vício não será menos voluntário pois no homem mau está igualmente presente aquilo que depende dele próprio em seus atos embora não na sua escolha de um fim Se pois como se afirma as virtudes são voluntárias pois nós próprios somos em parte responsáveis por nossas disposições de caráter e é por sermos pessoas de certa espécie que concebemos o fim como sendo tal ou tal os vícios também serão voluntários porque o mesmo se aplica a eles Quanto às virtudes em geral esboçamos uma definição do seu gênero mostrando que são meios e também que são disposições de caráter e além disso que tendem por sua própria natureza para a prática dos atos que as produzem que dependem de nós são voluntárias e agem de acordo com as prescrições da regra justa Mas as ações e as disposições de caráter não são voluntárias do mesmo modo porque de princípio a fim somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias mas embora controlemos o despontar de nossas disposições de caráter o desenvolvimento gradual não é óbvio como não o é também na doença no entanto como estava em nosso poder agir ou não agir de tal maneira as disposições são voluntárias Tomemos porém as várias virtudes e digamos quais são com que espécies de coisas se relacionam e como se relacionam com elas e ao mesmo tempo se verá quantas são Em primeiro lugar falemos da coragem 6 Que a coragem é um meiotermo em relação aos sentimentos de medo e confiança já foi suficientemente esclarecido31 e evidentemente as coisas que tememos são coisas terríveis que qualificamos sem reservas de males e por este motivo alguns chegam a definir o medo como uma expectação do mal Ora nós tememos todos os males como o desprezo a pobreza a doença a falta de amigos a morte mas não se pensa que a bravura se relacione com todos eles pois que temer certas coisas é até justo e nobre e vil o não se arrecear delas O desprezo por exemplo quem o teme é pessoa boa e recatada e desavergonhada quem não o teme No entanto alguns chamam bravo a um tal homem por uma transferência do sentido da palavra visto ter ele algo em comum com o homem bravo que também é destemido Quanto à pobreza e à doença talvez não devêssemos temêlas nem em geral às coisas que não procedem do vício e não dependem de nós próprios Mas tampouco o homem que não as receia é bravo No entanto aplicamoslhe o termo 31 1107 a 33 1107 b 4 N do T também em virtude de uma semelhança pois alguns que são covardes diante dos perigos da guerra mostramse liberais e corajosos em face da perda de dinheiro Tampouco é covarde o homem que teme os insultos à sua esposa e a seus filhos a inveja ou qualquer coisa dessa espécie nem é bravo se mostra coragem quando está para ser açoitado Com que espécie de coisas terríveis então se relaciona a bravura Seguramente com as maiores pois ninguém como o homem bravo é capaz de fazer frente ao que aterroriza o comum das pessoas Ora a morte é a mais terrível de todas as coisas pois ela é o fim e acreditase que para os mortos já não há nada de bom ou mau Mas a bravura não parece relacionarse sequer com a morte em todas as circunstâncias como no mar ou nas doenças por exemplo Em que circunstâncias então Sem a menor dúvida nas mais nobres Ora essas mortes são as que ocorrem em batalha pois é em face dos maiores e mais nobres perigos que se verificam E por isso mesmo são honradas nas cidadesEstados e nas cortes dos monarcas Propriamente falando pois é chamado bravo quem se mostra destemido em face de uma morte honrosa e de todas as emergências que envolvem o perigo de morte e as emergências da guerra são em sumo grau desta espécie Mas também no mar e na doença o homem bravo é destemido se bem que não do mesmo modo que o marinheiro porque ele renunciou à esperança de salvarse e detesta a idéia dessa espécie de morte enquanto aqueles se mantêm esperançosos devido à sua experiência Por outro lado somos corajosos em situações que nos permitem mostrar o nosso valor ou em que a morte seja nobre mas nas formas de morte que acabamos de apontar nenhuma dessas condições se realiza 7 As coisas terríveis não são as mesmas para todos os homens Dizemos contudo que algumas o são além das forças humanas Essas pois são terríveis para todos ao menos para todo homem no seu juízo normal mas as que não ultrapassam as forças humanas diferem em magnitude e grau assim como as coisas que inspiram confiança Ora os bravos são tão indômitos quanto pode sêlo um homem Por isso embora temam também as coisas que não estão acima das forças humanas enfrentamnas como devem e como prescreve a regra a bem da honra pois essa é a finalidade da virtude Mas é possível temêlas mais ou menos e também temer coisas que não são terríveis como se o fossem Dos erros que se podem cometer um consiste em temer o que não se deve outro em temer como não se deve outro quando não se deve e assim por diante e da mesma forma quanto às coisas que inspiram confiança Por conseguinte o homem que enfrenta e que teme as coisas que deve e pelo devido motivo da maneira e na ocasião devidas e que mostra confiança nas condições correspondentes é bravo porque o homem bravo sente e age conforme os méritos do caso e do modo que a regra prescreve Ora o fim de toda atividade é a conformidade com a correspondente disposição de caráter Ora a coragem é nobre portanto seu fim também é nobre pois cada coisa é definida pelo seu fim Donde se conclui que é com uma finalidade nobre que o homem bravo age e suporta conforme lhe aponta a coragem Dos que vão aos excessos o que excede no destemor não tem nome já dissemos anteriormente que muitas disposições de caráter não o têm32 mas seria uma espécie de louco ou de homem insensível se nada temesse nem os terremotos nem as ondas como dizem que são os celtas enquanto o homem que excede na confiança com respeito ao que é realmente terrível é temerário Considerase por isso o homem temerário como um jactancioso e um mero simulador de coragem Seja como for o que o bravo é com relação às coisas terríveis o temerário deseja parecer portanto imitao nas situações em que lhe é possível fazêlo Daí também o serem a maioria deles uma mistura de temeridade e covardia porque embora mostrem arrojo em tais situações não se mantêm firmes contra o que é realmente terrível 32 1107 b 2 cf 1107 b 29 1108 a 5 N do T O homem que excede no medo é um covarde porque teme tanto o que deve como o que não deve e todas as características do mesmo gênero lhe são aplicáveis Faltalhe igualmente confiança mas fazse notar principalmente pelo excesso de medo em situações difíceis O covarde é por isso um homem dado ao desespero pois teme todas as coisas O bravo por outro lado tem a disposição contrária pois a confiança é a marca característica de um natural esperançoso Em suma a covardia a temeridade e a bravura relacionamse com os mesmos objetos mas revelam disposições diferentes para com eles pois as duas primeiras vão ao excesso ou ficam aquém da medida ao passo que a terceira mantémse na posição mediana que é a posição correta Os temerários são precipitados e desejam os perigos com antecipação mas recuam quando os têm pela frente enquanto os bravos são ardentes no momento de agir mas fora disso são tranqüilos Como dissemos pois a coragem é um meiotermo no tocante às coisas que inspiram confiança ou medo nas circunstâncias que descrevemos33 e o homem corajoso escolhe e suporta coisas porque é nobre fazêlo ou porque é vil deixar de fazêlo Contudo morrer para escapar à pobreza ao amor ou ao que quer que seja de doloroso não é próprio de um homem bravo mas antes de um covarde Porquanto é moleza fugir do que nos atormenta e um homem dessa espécie suporta a morte não por ela ser nobre mas para eximirse ao mal 8 A coragem é pois algo como o que descrevemos mas o nome também se aplica a cinco outras espécies 1 Em primeiro lugar vem a coragem do cidadãosoldado que é a que mais se assemelha à verdadeira coragem Os cidadãossoldados parecem enfrentar os perigos em virtude das penas cominadas pelas leis e das censuras em que incorreriam se assim não procedessem e também por causa das honras que lhes valerá a sua ação Por isso afiguramse mais bravos aqueles povos entre os quais os 33 Cap 6 N do T covardes são expostos à desonra e os bravos são honrados Essa é a espécie de coragem retratada por Homero por exemplo em Diômedes e em Heitor Primeiro Polidamas amontoará censuras sobre mim34 e Pois um dia entre os troianos Heitor dirá com soberba Medroso foi Tídides e fugiu da minha frente35 Esta espécie de coragem é a que mais se assemelha à acima descrita36 porque se deve à virtude em sua origem estão a vergonha o desejo de um nobre objeto a honra e o medo à desonra que é ignóbil Poderseiam incluir nesta classe mesmo aqueles que são forçados pelos seus governantes mas esses são inferiores pois o que fazem não é por sentimentos de honra mas por medo e não para evitar o que é vergonhoso e sim o que é doloroso Com efeito os seus chefes os compelem como Heitor37 Mas se eu deparar com algum poltrão a tremer longe da refrega Em vão esperará ele escapar aos cães E o mesmo fazem os que os colocam nos seus postos e os espancam quando recuam38 ou os que os dispõem em fileiras com fossos ou coisas semelhantes à retaguarda todos esses usam a compulsão Mas devese ser bravo não sob coação e sim porque isso é nobre 2 A experiência com relação a fatos particulares é também considerada como coragem aí temos em verdade a razão pela qual Sócrates identificava a coragem com o conhecimento Outras pessoas revelam essa qualidade diante de outros perigos e os soldados profissionais nos perigo da guerra pois na guerra parece haver muitos alarmas infundados dos quais esses homens têm a mais ampla experiência e por isso parecem bravos uma vez que os outros ignoram a natureza dos fatos Por outro lado sua experiência os torna capacíssimos no ataque e na defesa porquanto sabem fazer bom uso das armas e dispõem das melhores tanto para atacar como pára defenderse Batemse por conseguinte como homens armados contra homens desarmados ou como atletas bem treinados contra 34 Ilíada XXII 100 N do T 35 Ibid VIII 148149 N do T 36 Caps 6 e 7 N do T 37 A citação de Aristóteles assemelhase mais à Ilíada II 3913 onde fala Agamênon do que à XV 34851 onde fala Heitor N do T 38 Cf Heródoto VII 223 N do T amadores pois também nesses encontros não é o mais bravo que melhor luta mas o mais forte e o que tem o corpo em melhores condições Os soldados profissionais mostramse covardes no entanto quando a tensão do perigo é muito grande e quando são inferiores em número e em equipamento E são os primeiros a fugir ao passo que as milícias de cidadãos perecem nos seus postos como realmente sucedeu no templo de Hermes Com efeito para estes últimos a fuga é desonrosa e morrer é preferível a salvarse em tais condições enquanto os primeiros desde o princípio enfrentaram o perigo na convicção de que eram os mais fortes e ao terem conhecimento da realidade fogem temendo mais a morte do que a desonra O bravo porém não procede assim 3 A paixão também é confundida às vezes com a coragem Os que agem sob o impulso da paixão como feras que se arremessam sobre os que as feriram são considerados bravos porque os homens bravos também são apaixonados Com efeito a paixão mais do que qualquer outra coisa anseia por atirarse ao perigo daí as frases de Homero instilou força na sua paixão39 despertoulhes o ânimo e a paixão40 respirava forte ofegando41 e seu sangue fervia Todas estas expressões parecem indicar o ímpeto e o tumulto da paixão Ora os bravos agem com a mira na honra mas são auxiliados pela paixão enquanto as feras agem sob a influência da dor atacam porque foram feridas ou porque têm medo pois que nunca se aproximam de quem se extravia numa floresta E assim não são bravas porque impelidas pela dor e pela paixão atiramse aos perigos sem prevêlos Do contrário até os asnos seriam bravos quando têm fome pois não há força de golpes que os faça afastar do seu pasto e também a luxúria leva os adúlteros a cometer muitos atos audaciosos Não são bravas pois aquelas criaturas que a dor ou a paixão impele para diante do perigo A coragem devida à paixão parece ser a mais natural tornandose verdadeira coragem quando se lhe ajuntam a escolha e o motivo 39 Isto é uma fusão de Ilíada XI 11 ou XIV 151 e XVI 529 N do T 40 Cf Ilíada V 470 XV 232 594 N do T 41 Cf Odisséia XXIV 318 ss N do T Os homens pois assim como os animais experimentam dor quando estão irados e prazer quando se vingam Os que lutam por esses motivos no entanto são pugnazes mas não são bravos porquanto não agem tendo em vista a honra nem como prescreve a regra mas levados pela força da emoção Sem embargo existe neles algo que tem afinidade com a coragem 4 Tampouco as pessoas otimistas são bravas pois essas mostram confiança diante do perigo só porque venceram muitas vezes e contra muitos inimigos E contudo assemelhamse de perto aos bravos porque ambos são confiantes mas os bravos são confiantes pelas razões que expusemos atrás42 enquanto estes o são porque supõem serem os mais fortes e incapazes de sofrer o que quer que seja Os bêbedos também se portam dessa maneira tornamse otimistas Quando todavia as suas aventuras terminam mal rodam sobre os calcanhares mas a marca distintiva do homem bravo era enfrentar as coisas que são e parecem terríveis porque é nobre fazêlo e vergonhoso não o fazer Também por isso considerase como marca distintiva de um homem mais bravo o mostrarse destemido e imperturbável nos alarmas repentinos do que nos perigos previstos pois isso deve proceder mais de uma disposição de caráter e menos da preparação os atos previstos podem ser escolhidos por cálculo e regra mas os atos imprevistos devem estar de acordo com a disposição de caráter do agente 5 As pessoas que ignoram o perigo também parecem bravas e não distam muito das de temperamento sangüíneo e otimista mas são inferiores por não terem confiança em si mesmas como as segundas Também por isso os otimistas se mantêm firmes durante algum tempo mas os que foram enganados sobre a realidade dos fatos fogem tão logo sabem ou suspeitam que estes são diferentes do que supunham como sucedeu com os argivos quando travaram combate com os espartanos tomandoos por siciônios E com isto fica completada a descrição do caráter tanto dos homens bravos como dos que são considerados bravos 42 1115b 1124 N do T 9 Se bem que a coragem se relacione com sentimentos de medo e de confiança não se relaciona igualmente com ambos mas em grau maior com as coisas que inspiram medo Com efeito aquele que permanece imperturbável e se porta como deve em face dessas coisas é mais genuinamente bravo do que o homem que faz o mesmo diante das coisas que inspiram confiança Como dissemos43 pois é por fazer frente ao que é doloroso que os homens são chamados bravos Portanto também a coragem envolve dor e é justamente louvada por isso pois mais difícil é enfrentar o que é doloroso do que absterse do que é agradável Sem embargo a finalidade que a coragem se propõe dirseia que é agradável mas é encoberta pelas circunstâncias do caso como também sucede nas competições atléticas porquanto é agradável o fim visado pelos pugilistas isto é a coroa e as honras mas os golpes que recebem são dolorosos e excruciantes para o corpo como também o são os seus esforços e como os golpes e os esforços são muitos o fim que é um só e pequeno parece nada ter de agradável E assim se o mesmo se dá com a coragem a morte e os ferimentos serão dolorosos para o homem bravo e contrários à sua vontade mas ele os enfrentará porque é nobre fazêlo e vil deixar de fazêlo E quanto mais virtuoso e feliz for mais lhe doerá o pensamento da morte pois é para tal homem que mais valor tem a vida e ele conscientemente renuncia ao maior dos bens o que é doloroso Mas nem por isso deixa de ser bravo e talvez o seja ainda mais por escolher a esse custo a prática de atos nobres na guerra Nem de todas as virtudes portanto o exercício é agradável salvo na medida em que alcançam o seu fim Mas é bem possível que os melhores soldados não sejam homens dessa espécie e sim os que são menos bravos mas não possuem outros bens pois esses estão prontos para enfrentar o perigo e vendem suas vidas por uma ninharia 43 1115b713NdoT Quanto à coragem dissemos o suficiente Não é difícil compreenderlhe a natureza em linhas gerais pelo menos em face do que ficou exposto 10 Depois da coragem falemos da temperança pois estas parecem ser as virtudes das partes irracionais Dissemos44 que a temperança é um meiotermo em relação aos prazeres porque diz menos respeito às dores e não do mesmo modo e a intemperança também se manifesta na mesma esfera Determinemos pois com que espécie de prazeres se relacionam ambas Podemos admitir a distinção entre prazeres corporais e prazeres da alma ais como o amor à honra e o amor ao estudo pois quem ama uma dessas coisas deleitase naquilo que ama não sendo o corpo de nenhum modo afetado e sim a mente mas com relação a tais prazeres os homens não são chamados temperantes nem intemperantes E tampouco em relação aos outros prazeres que não sejam do corpo os que gostam de ouvir e de contar histórias e passam o dia ocupados com tudo que acontece são chamados mexeriqueiros e não intemperantes e da mesma forma os que sofrem com a perda de dinheiro ou de amigos A temperança deve relacionarse com os prazeres corporais não porém com todos pois os que se deleitam com objetos da visão tais como as cores as formas e a pintura não são chamados temperantes nem intemperantes e contudo parece que é possível deleitarse com essas coisas tanto como se deve quanto em excesso ou em grau insuficiente O mesmo se pode dizer dos objetos da audição ninguém chama de intemperantes os que se deleitam em demasia com a música ou as representações teatrais nem de temperantes os que o fazem na medida justa Também não aplicamos esses nomes aos que se deleitam com odores a não ser incidentalmente não chamamos de intemperantes os que se deliciam com o cheiro de maçãs de rosas ou de incenso mas sim os que sentem prazer em cheirar molhos e acepipes com efeito os intemperantes deleitamse com essas coisas 44 1107 b 46 N do T porque lhes lembram os objetos de seu apetite E até a outras pessoas quando têm fome causa prazer o cheiro de comida mas comprazerse nessa espécie de coisas é característico do homem intemperante pois elas são objetos de apetite para ele Fora do homem não há nos outros animais nenhum prazer relacionado com esses sentidos a não ser incidentalmente Porquanto os cães não se deleitam com o cheiro das lebres mas sim em comêlas acontece apenas que o faro os avisou da presença de uma lebre Nem o leão se deleita em ouvir o mugido do boi mas tão somente em comêlo percebeu pelo mugido que o animal estava próximo e por essa razão parece deleitarse com o mugido do mesmo modo não se deleita em ver um veado ou uma cabra montês45 mas porque vai devorálos Apesar disso a temperança e a intemperança relacionamse com a espécie de prazeres que é compartilhada pelos outros animais e que por esse motivo parecem inferiores e brutais são eles os prazeres do tato e do paladar Mesmo destes últimos no entanto parecem fazer pouco ou nenhum uso porquanto a função do paladar é a discriminação dos sabores como fazem os provadores de vinho e as pessoas que temperam iguarias No entanto mal se pode dizer que se comprazem em fazer tais discriminações pelo menos tal não é o caso das pessoas intemperantes A essas só interessa o gozo do objeto em si que sempre é uma questão de tato tanto no que toca ao comer como ao beber e à união dos sexos Por isso certo glutão rogou aos deuses que sua garganta se tornasse mais longa que a de um grou donde se infere que todo o seu prazer vinha do contato E assim o sentido com que se deleita a intemperança é o mais largamente difundido de todos e ela parece ser justamente motivo de censura porque nos domina não como homens mas como animais Deleitarse com tais coisas portanto e amálas sobre todas as outras é próprio dos brutos Porque mesmo dos prazeres do tato os mais liberais foram eliminados como os que a fricção e o resultante calor produzem no ginásio com efeito o contato preferido pelo homem intemperante não afeta o corpo inteiro mas apenas certas partes 45 Ilíada III 24 N do T 11 Dos apetites alguns parecem comuns e outros peculiares aos indivíduos e adquiridos Por exemplo o apetite do alimento é natural já que todos os que o sentem anseiam comer e beber e às vezes ambas as coisas e também pelo amor como diz Homero46 quando são jovens e vigorosos mas nem todos anseiam por esta ou aquela espécie de alimento ou de amor nem pelas mesmas coisas Por isso tal anseio parece ser uma questão inteiramente pessoal No entanto é muito natural que assim seja pois diferentes coisas agradam a diferentes indivíduos e algumas são mais agradáveis a todos do que qualquer objeto tomado ao acaso Ora nos apetites naturais poucos se enganam e numa só direção a do excesso e comer ou beber tudo que se tenha à mão até a saciedade é exceder a medida natural pois que o apetite natural se limita a preencher o que nos falta Por isso tais pessoas são chamadas deuses do estômago dando a entender que enchem o estômago além da medida E só pessoas de caráter inteiramente abjeto se tornam assim Mas no que se refere aos prazeres peculiares a indivíduos muitas pessoas erram e de muitas maneiras Pois enquanto as pessoas que gostam disto ou daquilo são assim chamadas ou porque se deleitam nas coisas que não devem ou mais do que o comum dos homens ou de maneira indébita os intemperantes excedem de todos os três modos tanto se comprazem em coisas com as quais não deveriam comprazerse porquanto são odiosas como se é lícito comprazerse em algumas coisas de sua predileção eles o fazem mais do que se deve e do que o faz a maioria dos homens Está claro pois que o excesso em relação aos prazeres é intemperança e é culpável Com respeito às dores ninguém é como no caso da coragem chamado temperante por arrostálas nem intemperante por deixar de fazêlo mas o homem intemperante é assim chamado porque sofre mais do que deve quando não obtém as coisas que lhe apetecem sendo pois a sua própria dor um efeito do prazer e o 46 Ilíada XXIV 130 N do T homem temperante leva esse nome porque não sofre com a ausência do que é agradável nem com o fato de absterse O intemperante pois almeja todas as coisas agradáveis ou as que mais o são e é levado pelo seu apetite a escolhêlas a qualquer custo por isso sofre não apenas quando não as consegue mas também quando simplesmente anseia por elas pois o apetite é doloroso No entanto parece absurdo sofrer por causa do prazer As pessoas que ficam aquém da medida em relação aos prazeres e se deleitam com eles menos do que deviam são raras e quase inexistentes pois uma tal insensibilidade não é humana Até os outros animais distinguem diferentes espécies de alimentos e apreciam uns mais do que outros E se há alguém que não se agrade de nada e não ache nenhuma coisa mais atraente do que outra qualquer esse alguém deve ser algo muito diferente de um homem tal espécie de pessoa não recebeu nome porque dificilmente é encontrada O temperante ocupa uma posição mediana em relação a esses objetos Com efeito nem aprecia as coisas que são preferidas pelo intemperante as quais chegam até a desagradarlhe nem em geral as coisas que não deve nem nada disso em excesso por outro lado não sofre nem anseia por elas quando estão ausentes ou só o faz em grau moderado e não mais do que deve e nunca quando não deve e assim por diante Mas as coisas que sendo agradáveis contribuem para a saúde ou a boa condição do corpo ele as deseja moderadamente e como deve assim como também as outras coisas agradáveis que não constituam empecilho a esses fins nem sejam contrárias ao que é nobre nem estejam acima dos seus meios Pois aquele que não atende a essas condições ama tais prazeres mais do que eles merecem mas o homem temperante não é uma pessoa dessa espécie e sim da espécie prescrita pela regra justa 12 A intemperança assemelhase mais a uma disposição voluntária do que a covardia pois a primeira é atuada pelo prazer e a segunda pela dor ora a um nós procuramos e à outra evitamos acresce ainda que a dor transtorna e destrói a natureza da pessoa que a sente ao passo que o prazer não tem tais efeitos Logo a intemperança é mais voluntária E por isso mesmo é ela mais passível de censura pois é mais fácil acostumar se aos seus objetos já que a vida tem muitas coisas dessa espécie para oferecer e a elas nos acostumamos sem perigo para nós ao passo que com os objetos terríveis dáse exatamente o contrário Mas a covardia parece ser voluntária em grau diferente de suas manifestações particulares Com efeito ela própria é indolor mas nestas últimas somos avassalados pela dor que nos leva a abandonar nossas armas e a desonrarnos de outras maneiras e por isso alguns chegam a pensar que os nossos atos em tais ocasiões são forçados Para o intemperante ao contrário os atos particulares são voluntários já que ele os pratica sob o impulso do apetite e do desejo mas a disposição em sua totalidade o é menos uma vez que ninguém deseja ser intemperante O termo intemperante também se aplica a faltas infantis por mostrarem certa semelhança com o que estivemos considerando Ao nosso propósito atual não interessa indagar qual das duas acepções deriva da outra mas é evidente que esta segunda é derivada A transferência de sentido parece bastante plausível pois quem deseja aquilo que é vil e que se desenvolve rapidamente deve ser refreado a tempo ora essas características pertencem acima de tudo ao apetite e à criança já que na realidade as crianças vivem à mercê dos apetites e nelas tem mais força o desejo das coisas agradáveis Se não forem obedientes e submissas ao princípio racional irão a grandes extremos pois num ser irracional o desejo do prazer é insaciável embora experimente todas as fontes de satisfação Acresce que o exercício do apetite aumentalhe a força inata e quando os apetites são fortes e violentos chegam ao ponto de excluir a faculdade de raciocinar Portanto os apetites devem ser poucos e moderados e não se oporem de modo algum ao princípio racional e isso é o que chamamos obediência e disciplina E assim como a criança deve submeterse à direção do seu preceptor também o elemento apetitivo deve subordinarse ao princípio racional Em conclusão no homem temperante o elemento apetitivo deve harmonizarse com o princípio racional pois o que ambos têm em mira é o nobre e o homem temperante apetece as coisas que deve da maneira e na ocasião devidas e isso é o que prescreve o princípio racional Aqui termina a nossa análise da temperança LIVRO IV 1 Falemos agora da liberalidade que parece ser o meiotermo em relação à riqueza O homem liberal com efeito é louvado não pelos seus feitos militares nem pelas coisas que se costuma louvar no temperante nem por decidir com justiça num tribunal mas no tocante ao dar e receber riquezas e especialmente ao dar Ora por riquezas entendemos todas as coisas cujo valor se mede pelo dinheiro A prodigalidade e a avareza por sua vez são um excesso e uma deficiência no tocante à riqueza Sempre imputamos a avareza aos que amam a riqueza mais do que devem mas também usamos o termo prodigalidade num sentido complexo chamando pródigos aos homens incontinentes que malbaratam dinheiro com os seus prazeres Daí o serem eles considerados os caracteres mais fracos pois combinam em si mais de um vício Contudo a aplicação do termo a tais pessoas não é apropriada porquanto um pródigo é um homem que possui uma só má qualidade a de malbaratar os seus bens Pródigo é aquele que se arruína por sua própria culpa e o malbaratar seus bens é considerado uma forma de arruinar a si mesmo pois é opinião de muitos que a vida depende da posse de riquezas Esse é por conseguinte o sentido em que tomamos a palavra prodigalidade Ora as coisas úteis podem ser bem ou mal usadas e a riqueza é útil e cada coisa é usada da melhor maneira pelo homem que possui a virtude relacionada com ela Quem melhor usará a riqueza por conseguinte é o homem que possuí a virtude relacionada com a riqueza e esse é o homem liberal Ora dar e gastar parece ser o uso da riqueza ao passo que adquirir e conservar é antes a sua posse Por isso é mais próprio do homem liberal dar às pessoas que convém do que adquirir das fontes que convém e não das indébitas Com efeito é mais característico da virtude fazer o bem do que recebêlo de outrem e praticar ações nobres do que absterse de ações vis e facilmente se compreende que dar implica fazer o bem e praticar uma ação nobre enquanto receber implica ser o beneficiário de uma boa ação ou não agir de maneira vil E somos gratos a quem dá porém não ao que não recebe e o primeiro é mais louvado do que o segundo Também é mais fácil não receber do que dar pois os homens preferem desfazerse do pouco que têm a tomar o alheio Os que dão também são chamados liberais mas os que se abstêm de tomar não são louvados pela liberalidade e sim pela justiça enquanto os que tomam dificilmente são louvados E os liberais são quase que os mais louvados de todos os caracteres virtuosos porquanto são úteis e isso por causa de suas dádivas Ora as ações virtuosas são praticadas tendo em vista o que é nobre Por isso o homem liberal como as outras pessoas virtuosas dá tendo em vista o que é nobre e como deve pois dá às pessoas que convém as quantias que convém e na ocasião que convém com todas as demais condições que acompanham a reta ação de dar E isso com prazer e sem dor pois o ato virtuoso é agradável e isento de dor O que menos pode ser é doloroso O que dá às pessoas a quem não deve dar porém ou tendo em vista não o que é nobre e sim alguma outra coisa não é chamado de liberal mas recebe algum outro nome Tampouco é liberal quem dá com dor pois esse preferiria a riqueza à ação nobre o que não é próprio de um homem liberal Mas tampouco o homem liberal receberá de fontes que não deve pois isso não é próprio de quem não dá valor à riqueza Nem será ele muito afeito a pedir porquanto o homem que confere benefícios não os aceita facilmente Mas tomará das fontes que convém das suas próprias posses por exemplo não como um ato nobre mas como uma necessidade a fim de ter algo que dar Por outro lado não descurará ele os seus bens com os quais deseja auxiliar a outrem E se absterá de dar a todos e a qualquer um a fim de ter o que dar às pessoas que convém nas ocasiões que convém e em que é nobre fazêlo É também muito característico de um homem liberal excederse nas suas dádivas de maneira a ficar com muito pouco para si pois está na sua natureza o não olhar a si mesmo O termo liberalidade se usa relativamente às posses de um homem pois essa virtude não consiste na multidão das dádivas e sim na disposição de caráter de quem dá e esta é relativa às suas posses Nada impede pois que o homem que dá menos seja mais liberal se tem menos para dar São considerados mais liberais os que não fizeram a sua fortuna mas herdaramna Porque em primeiro lugar esses não têm experiência da necessidade e em segundo todos os homens têm mais amor ao que eles próprios produziram como os pais e os poetas Não é fácil a um homem liberal ser rico pois não é inclinado nem a tomar nem a conservar mas a dar e não estima a riqueza por si mesma e sim como instrumento de sua liberalidade Daí a acusação que se faz à fortuna que os que mais a merecem são os que menos a alcançam Mas é natural que seja assim pois com a riqueza sucede o mesmo que com todas as outras coisas ninguém pode alcançála se não se esforça por isso Todavia o homem liberal não dará às pessoas nem na ocasião que não convém porque nesse caso já não estaria agindo de acordo com a liberalidade e se gastasse com esses objetos já não teria o que gastar com os que convém Porque como dissemos é liberal aquele que gasta de acordo com as suas posses e com os objetos que convém e quem excede a medida é pródigo Por isso não chamamos os déspotas de pródigos no caso deles não nos parece fácil dar e gastar além de suas posses Sendo pois a liberalidade um meiotermo no tocante ao dar e ao tomar riquezas o homem liberal dará c gastará as quantias que convém com os objetos que convém tanto nas coisas pequenas como nas grandes e isso com prazer e também tomará as quantias que convém das fontes que convém Porque sendo a virtude uns meiotermo em relação a ambos ele fará ambas as coisas como deve porquanto essa espécie de receber acompanha a reta ação de dar e o que não é dessa espécie opõese a ela daí o dar e o receber que acompanham um ao outro estarem simultaneamente presentes no mesmo homem o que evidentemente não acontece com as espécies contrárias Mas se por acaso ele gastar de maneira contrária ao que é reto e nobre sofrerá com isso mas moderadamente e conforme deve pois é próprio da virtude sentir tanto prazer como dor em face dos objetos apropriados e da maneira apropriada Além disso é fácil tratar com o homem liberal em assuntos de dinheiro não dá trabalho persuadilo pois não tem grande estima ao dinheiro e fica mais aborrecido se deixou de gastar alguma coisa que devia do que se gastou algo que não devia discordando nisso do aforismo de Simônides O pródigo erra também a esses respeitos pois não sente prazer e dor diante das coisas que convém e da maneira que convém isto se tornará mais evidente à proporção que avançarmos em nossa investigação Dissemos47 que a prodigalidade e a avareza são excessos e deficiências e em duas coisas no dar e no receberpois incluímos o gastar no gênero dar Ora a prodigalidade excede no dar e no não receber mostrandose deficiente no receber enquanto a avareza se mostra deficiente no dar e excede no receber salvo em pequenas coisas As características da prodigalidade não se encontram sempre combinadas pois não é fácil dar a todos se não se recebe de ninguém As pessoas pródigas que dão em excesso não tardam a exaurir as suas posses E é justamente a esses que se aplica o nome de pródigos se bem que tal homem pareça ser bastante superior a um avaro porquanto é curado de seu vício tanto pelos anos como pela pobreza e destarte poderá aproximarse da disposição intermediária Com efeito o pródigo possui as características do homem liberal visto que dá e se abstém de tomar conquanto não faça nenhuma dessas coisas bem ou da maneira apropriada E se 47 1119 b 27 NdoT fosse levado a proceder assim pelo hábito ou por algum outro meio seria liberal porque então daria às pessoas que convém e não receberia de fontes indébitas Por isso não é julgado um mau caráter não é próprio de um homem malvado ou ignóbil excederse no dar e no não receber mas apenas de um tolo O homem que é pródigo neste sentido é considerado muito melhor do que o avaro tanto pelas razões acima apontadas como porque beneficia a muitos enquanto o outro não beneficia sequer a si mesmo Mas a maioria dos pródigos como já se disse48 também tomam de fontes indébitas e a esse respeito são avaros Adquirem o hábito de tomar porque desejam gastar e isso não lhes é fácil em razão de não tardarem a minguar as suas posses São por isso forçados a buscar meios em outras fontes Ao mesmo tempo como não dão nenhum valor à honra tomam indiferentemente de qualquer fonte pois têm o apetite de dar e não lhes importa a maneira nem a fonte de onde procede o que dão Por isso não dão com liberalidade não o fazem com nobreza nem tendo esta em vista nem da maneira que devem As vezes enriquecem os que deveriam ser pobres não dão nada às pessoas dignas de estima e muito aos aduladores ou aos que lhes proporcionam algum outro prazer Por isso a maioria deles são também intemperantes com efeito gastam sem refletir e desperdiçam dinheiro com os seus prazeres inclinados que são para estes porque sua existência não tem em mira o que é nobre O homem pródigo portanto convertese no que acabamos de descrever quando não lhe é imposta nenhuma disciplina mas se for tratado com cuidado chegará à disposição intermediária e justa A avareza porém é ao mesmo tempo incurável pois a velhice e toda incapacidade passam por tornar os homens avaros e mais inata aos homens do que a prodigalidade Com efeito a maioria gosta mais de ganhar dinheiro que de dálo Este vício é também muito difundido e multiforme pois parece haver muitas espécies de avareza Consiste ela em duas coisas a deficiência no dar e o excesso no tomar e não se encontra completa em todos os homens mas às vezes aparece dividida alguns 48 Linhas 1619 N do T vão ao excesso no tomar enquanto outros ficam aquém no dar Todos aqueles a quem se aplicam nomes como forreta sovina pãoduro dão com relutância mas não cobiçam as posses alheias nem desejam tomálas para si Em alguns isso se deve a uma espécie de honestidade e aversão ao que é vergonhoso pois alguns parecem ou pelo menos dizem amontoar dinheiro por esta razão para que um dia não sejam forçados a cometer algum ato vergonhoso a esta classe pertencem o migalheiro e todos os outros da mesma espécie que são assim chamados pela relutância com que abrem mão das mínimas coisas enquanto outros se abstêm de tocar no alheio por medo julgando que não é fácil quando nos apropriamos dos bens dos outros evitar que eles se apropriem dos nossos Contentamse por isso em não dar nem tomar Outros por sua vez excedemse no tocante ao receber tomando tudo que lhes aparece e de qualquer fonte que venha como os que se dedicam a profissões sórdidas alcaiotes e demais gente dessa laia e os que emprestam pequenas quantias a juros elevados Com efeito todos esses tomam mais do que devem e de fontes indébitas Evidentemente o que há de comum entre eles é o sórdido amor ao lucro todos se conformam com uma má fama em troca do ganho e minguado ganho ainda por cima Com efeito aos que auferem ganhos vultosos e injustos de fontes indébitas como os déspotas que saqueiam cidades e despojam templos não chamamos avaros e sim malvados ímpios e injustos Mas quanto ao jogador e ao salteador esses pertencem à classe do avaro por terem um amor sórdido ao ganho É efetivamente pelo ganho que ambos se dedicam às suas práticas e suportam a vergonha de que ela se cerca e um enfrenta os maiores perigos por amor à presa enquanto o outro subtrai dinheiro aos seus amigos a quem devia antes dálo Ambos pois como de bom grado auferem ganhos de fontes indébitas são sórdidos amantes do ganho Por conseguinte todas essas formas de tomar incluemse no vício da avareza E é natural que a avareza seja definida como o contrário da liberalidade pois não só é ela um maior mal do que a prodigalidade mas os homens erram mais amiúde nesse sentido do que no da prodigalidade tal como a descrevemos Basta pois o que dissemos sobre a liberalidade e os vícios contrários 2 Talvez convenha discutir agora a magnificência que também parece ser uma virtude relacionada com a riqueza Não se estende porém como a liberalidade a todas as ações que têm que ver com a riqueza mas apenas às que envolvem gasto e nestas ultrapassa a liberalidade em escala Porque como o próprio nome sugere é um gasto apropriado que envolve grandes quantias Mas a escala é relativa pois a despesa de quem guarnece uma trirreme não se compara à de quem chefia uma embaixada sagrada A magnificência portanto deve ser adequada tanto ao agente como ao objeto e às circunstâncias O homem que em coisas pequenas e medianas gasta de acordo com os méritos do caso não é chamado de magnificente por exemplo aquele que pode dizer muitas foram minhas dádivas ao peregrino49 mas unicamente aquele que o faz em grandes coisas Porquanto o magnificente é liberal mas o liberal nem sempre é magnificente A deficiência desta disposição de caráter é chamada mesquinhez e o excesso vulgaridade mau gosto etc o qual não se excede nas quantias despendidas com os objetos que convém mas pelos gastos ostentosos em circunstâncias indébitas e de maneira indébita Mais adiante falaremos desses vícios50 O homem magnificente assemelhase a um artista pois percebe o que é apropriado e sabe gastar grandes quantias com bom gosto No princípio51 dissemos que uma disposição de caráter é determinada pelas suas atividades e pelos seus objetos Ora os gastos do homem magnificente são vultosos e apropriados Por conseguinte tais serão também os seus resultados e assim haverá um grande dispêndio em perfeita consonância com o seu resultado Donde se segue que o 49 Odisséia XVII 420 N do T 50 1123 a 1933 N do T 51 Cf 1103 b 2123 1104 a 2729 N do T resultado deve corresponder ao dispêndio e este deve ser digno do resultado ou mesmo excedêlo O homem magnificente além disso gastará dinheiro tendo em mira a honra pois essa finalidade é comum a todas as virtudes Mais ainda ele o fará com prazer e com largueza visto que os cálculos precisos são próprios dos avarentos E considerará os meios de tornar o resultado o mais belo possível e o mais apropriado ao seu objeto ao invés de pensar nos custos e nos meios mais baratos de obtêlo É necessário pois que o homem magnificente seja também liberal Com efeito este também gasta o que deve e como deve e é em tais assuntos que se manifesta a grandeza implicada pelo nome magnificente já que a liberalidade diz respeito a essas coisas e com despesa igual ele produzirá uma obra de arte mais magnificente Porquanto uma posse e uma obra de arte não têm a mesma excelência A posse mais valiosa é aquela que vale mais como por exemplo o ouro mas a mais valiosa obra de arte é a que é grande e bela pois a contemplação de uma tal obra inspira admiração e o mesmo faz a magnificência e uma obra possui uma espécie de excelência isto é uma magnificência que envolve grandeza A magnificência é um atributo dos gastos que chamamos honrosos como os que se relacionam com os deuses ofertas votivas construções sacrifícios e do mesmo modo no que tange a todas as formas de culto religioso e todas aquelas coisas que são objetos apropriados de ambição cívica como a dos que se consideram no dever de organizar um coro guarnecer uma trirreme ou oferecer espetáculos públicos com grande brilhantismo Em todos os casos porém como já foi dito52 não deixamos de levar em conta o agente e de indagar quem é ele e que recursos possui pois os gastos devem ser dignos dos seus recursos e adequarse não só aos resultados mas também a quem os produz Por isso um homem pobre não pode ser magnificente visto não ter os meios de gastar apropriadamente grandes quantias e quem tenta fazêlo é um tolo porquanto gasta além do que se pode esperar dele e do que é apropriado ora a despesa justa é que é virtuosa Mas 52 1122 a 2426 N do T em geral os grandes gastos ficam bem aos que para começar possuem os recursos adequados adquiridos por seus próprios esforços ou provenientes de seus antepassados ou de seus amigos e também às pessoas de nascimento nobre ou de grande reputação e assim por diante pois todas essas coisas trazem consigo a grandeza e o prestígio Basicamente pois o homem magnificente é uma pessoa dessa espécie e a magnificência se revela nos gastos que descrevemos acima53 pois esses são os maiores e os mais honrosos Das ocasiões privadas de mostrar magnificência as mais adequadas são as que acontecem uma vez na vida como as bodas e outras coisas do mesmo gênero ou tudo aquilo que interessa à cidade inteira ou às pessoas de posição que nela vivem e também à recepção e à despedida de hóspedes estrangeiros assim como à troca de presentes pois o homem magnificente não gasta consigo mesmo e sim com objetos públicos e os presentes têm certa semelhança com as ofertas votivas O homem magnificente também apresta sua casa de maneira condigna com a sua riqueza pois até uma casa é uma espécie de ornamento público e gastará de preferência em obras duradouras pois são essas as mais belas e em toda classe de coisas gastará o que for decoroso pois as mesmas coisas não são adequadas aos deuses e aos homens nem a um templo e a um túmulo E visto que todo gasto pode ser grande em sua espécie e o que em absoluto há de mais magnificente é um generoso gasto com um objeto grandioso mas o magnificente em cada caso é o que é grande nas circunstâncias deste e a grandeza na obra difere da grandeza no dispêndio porquanto a mais bela de todas as bolas ou de todos os brinquedos é um magnífico presente para uma criança embora custe pouco dinheiro seguese que a característica do homem magnificente seja qual for o resultado do que faz é fazêlo com magnificência de modo que não seja fácil superar tal resultado e tornálo digno do dispêndio 53 Linhas 1923 N do T Tal é pois o homem magnificente O vulgar e extravagante excede como já dissemos54 gastando além do que é justo Com efeito em pequenos objetos de dispêndio ele gasta muito e revela uma ostentação de mau gosto Dá por exemplo um jantar de amigos na escala de um banquete de núpcias e quando fornece o coro para uma comédia colocao em cena vestido de púrpura como se costuma fazer em Mégara E todas essas coisas ele não as faz tendo em vista a honra mas para ostentar a sua riqueza e porque pensa ser admirado por isso e gasta pouco quando deveria gastar muito e viceversa O homem mesquinho por outro lado fica aquém da medida em tudo e depois de gastar as maiores quantias estraga a beleza do resultado por uma bagatela e em tudo que faz hesita estuda a maneira de gastar menos lamenta até o pouco que despende e julga estar fazendo tudo em maior escala do que devia Estas disposições de caráter são por conseguinte vícios entretanto não desonram ninguém porque não são nocivas aos demais nem muito indecorosas 3 Pelo seu nome a magnanimidade parece relacionarse com grandes coisas Que espécie de grandes coisas Eis a primeira pergunta que cumpre responder Não faz diferença que consideremos a disposição de caráter ou o homem que a exibe Ora dizse que é magnânimo o homem que com razão se considera digno de grandes coisas pois aquele que se arroga uma dignidade a que não faz jus é um tolo e nenhum homem virtuoso é tolo ou ridículo O magnânimo pois é o homem que acabamos de definir Com efeito aquele que de pouco é merecedor e assim se considera é temperante e não magnânimo a magnanimidade implica grandeza do mesmo modo que a beleza implica uma boa estatura e as pessoas pequenas podem ser bonitas e bem proporcionadas porém não belas Por outro lado o que se julga digno de grandes coisas sem possuir tais qualidades é vaidoso se bem que nem todos os que se consideram mais merecedores do que realmente são possam ser chamados de vaidosos 54 1122 a 3133 N do T O homem que se considera menos merecedor do que realmente é é indevidamente humilde quer os seus méritos sejam grandes ou moderados quer sejam pequenos mas suas pretensões ainda menores E o homem cujos méritos são grandes parece ser o mais indebitamente humilde pois que faria ele se merecesse menos O magnânimo portanto é um extremo com respeito à grandeza de suas pretensões mas um meiotermo no que tange à justeza das mesmas porque se arroga o que corresponde aos seus méritos enquanto os outros excedem ou ficam aquém da medida Se pois ele merece e pretende grandes coisas e essas acima de todas as outras há de ambicionar uma coisa em particular O mérito é relativo aos bens exteriores e o maior destes acreditamos nós é aquele que prestamos aos deuses e que as pessoas de posição mais ambicionam e que é o prêmio conferido às mais nobres ações Refirome à honra que é por certo o maior de todos os bens exteriores Honras e desonras por conseguinte são os objetos com respeito aos quais o homem magnânimo é tal como deve ser E mesmo deixando de lado o nosso argumento é a honra que os magnânimos parecem ter em mente pois é ela que se arrogam acima de tudo mas de acordo com os seus méritos O homem indevidamente humilde revelase deficiente não só em confronto com os seus méritos próprios mas também com as pretensões do magnânimo O vaidoso excede em relação aos seus méritos próprios mas não excede as pretensões do magnânimo Ora o magnânimo visto merecer mais do que os outros deve ser bom no mais alto grau pois o homem melhor sempre merece mais e o melhor de todos é o que mais merece Logo o homem verdadeiramente magnânimo deve ser bom Além disso a grandeza em todas as virtudes deve ser característica do homem magnânimo E nada haveria mais indecoroso para o homem altivo do que fugir ao perigo abanando as mãos ou fazer injustiça a um outro pois com que fim praticaria atos vergonhosos aquele para quem nada é grande Se o considerarmos ponto por ponto veremos o perfeito absurdo de um homem magnânimo que não seja bom E tampouco mereceria ele ser honrado se fosse mau pois a honra é o prêmio da virtude e só é rendida aos bons A magnanimidade parece pois ser uma espécie de coroa das virtudes porquanto as torna maiores e não é encontrada sem elas Por isso é difícil ser verdadeiramente magnânimo pois sem possuir um caráter bom e nobre não se pode sêlo De modo que é sobretudo por honras e desonras que o magnânimo se interessa e as honras que forem grandes e conferidas por homens bons ele as receberá com moderado prazer pensando receber o que merece ou até menos do que merece pois não pode haver honra que esteja à altura da virtude perfeita no entanto ele a aceitará já que os outros nada têm de maior para lhe oferecer Mas as honras que procedem de pessoas quaisquer e por motivos insignificantes ele as desprezará visto não ser isso o que merece e do mesmo modo no tocante à desonra que aplicada a ele não pode ser justa Em primeiro lugar pois como dissemos55 o homem magnânimo se interessa pelas honras Apesar disso conduzirseá com moderação no que respeita ao poder à riqueza e a toda boa ou má fortuna que lhe advenha e não exultará excessivamente com a boa fortuna nem se abaterá com a má Com efeito nem para com a própria I honra ele se conduz como se fosse uma coisa extraordinária O poder e a riqueza são desejáveis a bem da honra pelo menos os que os possuem desejam servirse deles para obtêla epara os que têm a própria honra em pouca conta eles também devem ser coisa de somenos Por isso os homens magnânimos são considerados desdenhosos É opinião comum que os bens de fortuna também contribuem para a magnanimidade Com efeito os homens bemnascidos são considerados merecedores de honra e da mesma forma os que desfrutam de poder e riqueza 55 1123 b 1522 N do T pois eles se encontram numa posição superior e tudo que se mostra superior em algo de bom é tido em grande honra Daí que até essas coisas tornem os homens mais magnânimos pois alguns os honram pelo fato de possuílas Mas em verdade só merece ser honrado o homem bom aquele porém que goza de ambas as vantagens é considerado mais merecedor de honra No entanto os homens que sem serem virtuosos possuem tais bens nem têm por que alimentar grandes pretensões nem fazem jus ao nome de magnânimos porquanto essas coisas implicam virtude perfeita Isso não impede porém que se tornem desdenhosos e insolentes pois sem virtude não é fácil carregar com elegância os bens da fortuna Incapazes que são disso e julgandose superiores aos demais desprezamnos e fazem o que bem lhes apraz Imitam o homem magnânimo sem serem semelhantes a ele e o fazem naquilo que podem proceder como homens virtuosos está fora do seu alcance mas desprezar os outros não Com efeito o homem magnânimo despreza com justiça visto que pensa acertadamente mas o vulgo o faz sem causa nem motivo sério O magnânimo não se expõe a perigos insignificantes nem tem amor ao perigo pois estima poucas coisas mas enfrentará os grandes perigos e nesses casos não poupará a sua vida sabendo que há condições em que não vale a pena viver É também muito capaz de conferir benefícios mas envergonhase de recebêlos pois aquilo é característico do homem superior e isto do inferior E costuma retribuir com grandes benefícios pois assim o primeiro benfeitor além de ser pago incorrerá em dívida para com ele e sairá lucrando na transação Parece também lembrarse de todos os serviços que prestou mas não dos que recebeu pois quem recebe um serviço é inferior a quem o presta mas o magnânimo deseja ser superior E ouve mencionar os primeiros com prazer e os segundos com desagrado foi talvez por isso que Tétis não falou a Zeus dos serviços que lhe havia prestado nem os espartanos enumeraram os seus serviços aos atenienses mas apenas os que haviam recebido É também característico do homem magnânimo não pedir nada ou quase nada mas prestar auxílio de bom grado e adotar uma atitude digna em face das pessoas que desfrutam de alta posição e são favorecidas pela fortuna enquanto se mostram despretensiosos para com os de classe mediana pois é coisa difícil e grande marca de altivez mostrarse superior aos primeiros embora seja fácil com os segundos e uma conduta altiva no primeiro caso não é sinal de má educação mas entre pessoas humildes é tão vulgar quanto uma exibição de força contra os fracos Igualmente próprio do homem magnânimo é não ambicionar as coisas que são vulgarmente acatadas nem aquelas em que os outros se distinguem mostrarse desinteressado e absterse de agir salvo quando se trate de uma grande honra ou de uma grande obra e ser homem de poucas ações mas grandes e notáveis Deve também ser franco nos seus ódios e amores porquanto ocultar os seus sentimentos isto é olhar menos à verdade do que à opinião dos outros é próprio de um covarde e deve falar e agir abertamente Com efeito o magnânimo expressase com franqueza por desdém e é afeito a dizer a verdade salvo quando fala com ironia às pessoas vulgares Deve ser incapaz de fazer com que sua vida gire em torno de um outro a não ser de um amigo pois isso é próprio de um escravo e daí o serem servis todos os aduladores e aduladores todos aqueles que não respeitam a si mesmos Tampouco é dado à admiração pois para ele nada é grande Nem guarda rancor por ofensas que lhe façam já que não é próprio de um homem magnânimo ter a memória longa particularmente no que toca a ofensas mas antes releválas Tampouco é dado a conversas fúteis pois não fala nem sobre si mesmo nem sobre os outros porquanto não lhe interessam os elogios que lhe façam nem as censuras dirigidas aos outros Por outro lado não é amigo de elogiar nem maledicente mesmo no que se refere aos seus inimigos salvo por altivez Quanto às coisas que ocorrem necessariamente ou que são de pouca monta é de todos os homens o menos dado a lamentarse ou a solicitar favores pois só os que levam tais coisas a sério se portam dessa maneira com respeito a elas É ele o homem que prefere possuir coisas belas e improfícuas às úteis e proveitosas pois isso é mais próprio de um caráter que basta a si mesmo Além disso um andar lento é considerado próprio do homem magnânimo uma voz profunda e uma entonação uniforme pois aquele que leva poucas coisas a sério não costuma apressarse nem o homem para quem nada é grande se excita facilmente ao passo que a voz estridente e o andar célere são frutos da pressa e da excitação Tal é pois o homem magnânimo o que lhe fica aquém é indevidamente humilde e o que o ultrapassa é vaidoso Ora nem mesmo esses são considerados maus pois não são maldosos mas apenas equivocados Com efeito o homem indevidamente humilde que é digno de boas coisas rouba a si mesmo daquilo que merece e parece ter algo de censurável porque não se julga digno de boas coisas e também parece não se conhecer do contrário desejaria as coisas que merece visto que elas são boas E contudo tais pessoas não são consideradas tolas mas antes excessivamente modestas Dirseia contudo que semelhante reputação até as torna piores porque cada classe de pessoa ambiciona o que corresponde aos seus méritos enquanto esses se abstêm mesmo de nobres ações e empreendimentos considerandose indignos e dos bens exteriores por igual forma Os vaidosos por outro lado são tolos que ignoram a si mesmos e isso de modo manifesto Porquanto sem serem dignos de tais coisas aventuramse a honrosos empreendimentos que não tardam a denunciálos pelo que são E adornamse com belas roupas ares afetados e coisas que tais e desejam que suas boas fortunas se tornem públicas tornandoas para assunto de conversa como se desejassem ser honrados por causa delas Mas a humildade indébita se opõe mais à magnanimidade do que a vaidade tanto por ser mais comum como por ser ainda pior do que esta O magnânimo relacionase pois com a honra em grande escala como já se disse56 56 1107 b 26 1123 a 34 1123 b 22 N do T 4 Também parece haver na esfera da honra como dissemos em nossas primeiras observações sobre o assunto57 uma virtude que guarda para com a magnanimidade a mesma relação que a liberalidade para com a magnificência Com efeito nenhuma das duas tem nada que ver com as coisas em grande escala mas ambas nos dispõem corretamente em relação a objetos de pouca ou mediana importância Assim como no receber e dar riquezas existe um meiotermo um excesso e uma deficiência também a honra pode ser desejada mais ou menos do que convém ou da maneira e das fontes que convém Censuramos tanto o homem ambicioso por desejar a honra mais de que convém e de fontes indébitas como o desambicioso por não querer ser honrado mesmo por motivos nobres Mas às vezes louvamos o ambicioso por ser varonil e amigo do que é nobre e o desambicioso por ser moderado e autosuficiente como dissemos na primeira vez que tocamos neste assunto58 Evidentemente como gostar de tal ou tal objeto tem mais de um significado não aplicamos sempre à mesma coisa o termo ambição ou amor à honra mas ao louvar a qualidade pensamos no homem que tem mais amor à honra do que a maioria das pessoas e ao censurála temos em mente aquele que a ama em demasia Como não existe palavra para designar o meiotermo os extremos parecem disputar o seu lugar como se estivesse vago por abandono Mas onde há excesso e falta há também um meiotermo Ora os homens desejam a honra não só mais como também menos do que devem logo é possível desejála também como se deve Em todo caso é essa a disposição de caráter que se louva e que é um meio termo sem nome no tocante à honra Em confronto com a ambição parece ser desambição e viceversa e em confronto com as duas conjuntamente parece em certo sentido ser ambas Isto se afigura verdadeiro também das outras virtudes 57 Ibid 2427 N do T 58 1107b33NdoT mas no caso que acabamos de examinar os extremos se apresentam como contraditórios porque o meiotermo não recebeu nome 5 A calma é um meiotermo com respeito à cólera Não havendo nomes nem para a posição intermediária nem para os extremos colocamos a calma nessa posição se bem que ela se incline para a deficiência que tampouco tem nome O excesso poderia ser chamado uma espécie de irascibilidade pois que a paixão é a cólera ao passo que suas causas são muitas e diversas Louvase o homem que se encoleriza justificadamente com coisas ou pessoas e além disso como deve na devida ocasião e durante o tempo devido Esse será pois o homem calmo já que a calma é louvada Um tal homem tende a não se deixar perturbar nem guiar pela paixão mas a irarse da maneira com as coisas e durante o tempo que a regra prescreve Pensase todavia que ele erra de certo modo no sentido da deficiência pois o homem calmo não é vingativo mas inclina se antes a relevar faltas A deficiência seja ela uma espécie de pacatez ou do que quer que for é censurada Com efeito os que não se encolerizam com as coisas que deveriam excitar sua ira são considerados tolos e da mesma forma os que não o fazem da maneira apropriada na ocasião apropriada e com as pessoas que deveriam encolerizálos Porquanto tais homens passam por ser insensíveis e como não se encolerizam julgamnos incapazes de se defender e suportar insultos tanto pessoais como dirigidos aos nossos amigos é próprio de escravos O excesso pode manifestarse em todos os pontos que indicamos pois é possível irarse com pessoas ou coisas indébitas mais do que convém com demasiada presteza ou por um tempo excessivamente longo Sem embargo todos esses excessos não são encontrados na mesma pessoa Nem tal coisa seria possível visto que o mal destrói até a si próprio e quando completo tornase insuportável Ora os irascíveis encolerizamse depressa com pessoas e coisas indébitas e mais do que convém mas sua cólera não tarda a passar e isso é o que há de melhor em tais pessoas São assim porque não refreiam a sua ira mas a natureza ardente as leva a revidar logo feito o quê dissipase a cólera Em razão de um excesso as pessoas coléricas são assomadiças e prontas a encolerizarse com tudo e por qualquer motivo daí o seu nome As pessoas birrentas são difíceis de apaziguar e conservam por mais tempo a sua cólera porque a refreiam Cessa porém quando revidam pois a vingança as alivia da cólera substituindolhes a dor pelo prazer Se isso não acontecer guardarão a sua carga pois como esta não é visível ninguém pensa sequer em apaziguálas e digerir sozinho a sua cólera é coisa demorada Tais pessoas causam grandes incômodos a si mesmas e aos seus amigos mais chegados Chamamos malhumorados os que se encolerizam com o que não devem mais do que devem e por mais tempo e não podem ser apaziguados enquanto não se vingam ou castigam À calma opomos antes o excesso do que a deficiência pois não só ele é mais comum já que vingarse é mais humano mas as pessoas de mau gênio são as piores com as quais se pode conviver O que dissemos atrás sobre este assunto59 tornase claro pela presente exposição isto é que não é fácil definir como com quem com que coisa e por quanto tempo devemos irarnos e em que ponto termina a ação justa e começa a injusta Porquanto o homem que se desvia um pouco do caminho certo quer para mais quer para menos não é censurado e às vezes louvamos os que revelam deficiência chamandoos bemhumorados ao passo que outras vezes louvamos as pessoas coléricas como sendo varonis e capazes de dirigir as outras Até que ponto pois e de que modo um homem pode desviarse do caminho sem se tornar merecedor de censura é coisa difícil de determinar porque a decisão depende das circunstâncias particulares do caso e da percepção Mas uma coisa pelo menos é certa o meiotermo isto é aquilo em virtude de que nos encolerizamos com as pessoas e coisas devidas da maneira devida e assim por diante merece ser 59 1109 b 1426 N do T louvado enquanto os excessos e deficiências são dignos de censura censura leve se estão presente em modesto grau e franca e enérgica censura se em grau elevado Tornase assim evidente que devemos aternos ao meiotermo Isto basta quanto às disposições relativas à cólera 6 Nas reuniões de homens na vida social e no intercâmbio de palavras e atos alguns são considerados obsequiosos isto é aqueles que para serem agradáveis louvam todas as coisas e jamais se opõem a quem quer que seja julgando que é seu dever não magoar as pessoas que encontram enquanto os que pelo contrário se opõem a tudo e não têm o menor escrúpulo de magoar são chamados grosseiros e altercadores Que as disposições que acabamos de nomear são censuráveis é evidente assim como é digna de louvor a disposição intermediária isto é aquela em virtude da qual um homem se conforma e se rebela ante as coisas que deve e da maneira devida Nenhum nome porém lhe foi dado embora se assemelhe acima de tudo à amizade Com efeito o homem que corresponde a essa disposição intermediária aproximase muito daquele que com o acréscimo da afeição chamamos um bom amigo Mas a disposição em apreço difere da amizade pelo fato de não implicar paixão nem afeição para com as pessoas com quem tratamos visto que não é por amor nem por ódio que um homem acolhe todas as coisas como deve e sim por ser um indivíduo de determinada espécie Com efeito ele se conduzirá do mesmo modo com conhecidos e desconhecidos com íntimos e com os que não o são muito embora se conduza em cada um desses casos como convém pois não é certo interessarse igualmente por pessoas íntimas e por estranhos nem tampouco são as mesmas condições que tornam justo magoálos Ora nós dissemos de um modo geral que esse homem se relaciona com as outras pessoas do modo que convém mas é com referência ao que é honroso e conveniente que procura não causar dor ou proporcionar prazer Com efeito ele parece interessarse pelos prazeres e dores da vida social e sempre que não for honroso ou que for nocivo proporcionar tal prazer ele se recusará a fazêlo preferindo antes causar dor Do mesmo modo se sua aquiescência ao ato de um outro trouxesse grande desonra ou dano a esse outro enquanto sua oposição lhe causa um pouco de dor ele se oporá ao invés de aquiescer Tal homem se relacionará diferentemente com pessoas de alta posição e com pessoas comuns com conhecidos íntimos e outros mais distantes e do mesmo modo no que diz respeito a todas as demais diferenças tratando cada classe como for apropriado e embora de um modo geral prefira proporcionar prazer e evite causar dor guiarseá pelas conseqüências se estas forem mais importantes em outras palavras pela honra e pela conveniência E também infligirá pequenas dores tendo em vista um grande prazer futuro O homem que alcança o meiotermo é pois tal como descrevemos embora não tenha recebido um nome Dos que proporcionam prazer o que procura ser agradável sem nenhum objetivo ulterior é obsequioso mas aquele que o faz com o fim de obter alguma vantagem em dinheiro ou nas coisas que o dinheiro pode comprar é um adulador enquanto o que se opõe a tudo é como dissemos60 grosseiro e altercador E os extremos parecem ser contraditórios um ao outro porque o meiotermo não tem nome 7 O meiotermo oposto à jactância é encontrado quase na mesma esfera e tampouco ele tem nome Não será fora de propósito descrever também estas disposições porque examinandoas em detalhe teremos uma idéia mais exata dos caracteres e por outro lado nos convenceremos de que as virtudes são meios termos se verificarmos que isso ocorre em todos os casos No campo da vida social já descrevemos61 aqueles que se propõem como finalidade proporcionar prazer em suas relações com os outros Falemos agora dos 60 1125b 1416 N do T 61 Cap 6 N do T que buscam a verdade ou a falsidade tanto em atos como em palavras e das suas pretensões O homem jactancioso pois é considerado como afeito a arrogarse coisas que trazem glória quando não as possui ou arrogarse mais do que possui e o homem falsamente modesto pelo contrário a negar ou a amesquinhar o que possui enquanto o que observa o meiotermo não exagera nem subestima e é veraz tanto em seu modo de viver como em suas palavras declarando o que possui porém não mais nem menos Ora cada uma dessas linhas de conduta pode ser adotada com ou sem um objetivo mas cada homem fala age e vive de acordo com o seu caráter se não está agindo com um fim ulterior E a falsidade é em si mesma vil e culpável e a verdade nobre e digna de louvor Portanto o homem veraz é mais um exemplo daqueles que conservandose no meiotermo merecem louvor e ambas as formas de homem inverídico são censuráveis mas particularmente o jactancioso Examinemos a ambos mas antes de tudo ao homem veraz Não estamos falando daquele que cumpre a sua palavra nas coisas que dizem respeito à justiça ou à injustiça pois isso pertence a outra virtude mas do homem que em assuntos onde nada disso está em jogo é veraz tanto em palavras como na vida que leva porque tal é o seu caráter Sem embargo uma pessoa dessa espécie será naturalmente equitativa porquanto o homem que é veraz e ama a verdade quando não há nada em jogo deve sêlo ainda mais quando vai nisso uma questão de justiça Evitará a falsidade em tais casos como algo de ignóbil visto que a evitava por si mesma e tal homem é digno de louvor E inclinase mais a atenuar a verdade isso lhe parece de mais bom gosto porquanto os exageros são tediosos Aquele que se arroga mais do que possui sem qualquer objetivo ulterior é um indivíduo desprezível pois do contrário não se comprazeria na falsidade mas parece ser antes fútil do que mau Se porém o faz com um fia qualquer aquele que o faz visando boa reputação ou à honra não é para um jactancioso digno de grande censura mas o que o faz por dinheiro ou pelas coisas que levam à aquisição de dinheiro é um caráter mais detestável Com efeito não é a capacidade que faz o jactancioso mas o propósito pois é em virtude dessa disposição de caráter e por ser um homem de determinada espécie que ele é jactancioso assim como um homem é mentiroso porque se deleita com a mentira em si mesma e não porque deseje a reputação ou o lucro Ora os que se vangloriam para ser bem conceituados arrogamse qualidades que lhes possam valer louvores ou congratulações enquanto os que visam ao proveito se atribuem qualidades valiosas para os outros mas cuja inexistência não é fácil descobrir como as de um vidente de um sábio ou de um médico Eis aí por que é essa espécie de coisas que a maioria dos jactanciosos se arrogam ou de que se vangloriam pois nelas se encontram as qualidades que mencionamos acima As pessoas falsamente modestas que subestimam os seus méritos parecem mais simpáticas porque se pensa que não falam com a mira no proveito mas para fugir à ostentação e também aqui as qualidades que negam possuir como fazia Sócrates são aquelas que trazem boa reputação Os que se dizem destituídos de qualidades evidentes e de pouca monta são considerados impostores e são mais desprezíveis e às vezes isso parece ser jactância como o modo de trajar dos espartanos pois tanto o excesso como uma grande deficiência são jactanciosos Mas os que são modestos com moderação e subestimam qualidades não muito manifestas parecem simpáticos E é o jactancioso que se afigura contrário ao homem veraz porque das duas disposições extremas a sua é a pior 8 Como a vida é feita não só de atividade mas também de repouso e este inclui os lazeres e a recreação parece haver aqui também uma espécie de intercâmbio que se relaciona com o bom gosto Podese dizer e também escutar o que se deve e o que não se deve A espécie de pessoa a quem falamos ou escutamos influi igualmente no caso Evidentemente também neste campo existe uma demasia e uma deficiência em confronto com o meiotermo Os que levam a jocosidade ao excesso são considerados farsantes vulgares que procuram ser espirituosos a qualquer custo e na sua ânsia de fazer rir não se preocupam com a propriedade do que dizem nem em poupar as suscetibilidades daqueles que tomam para objeto de seus chistes enquanto os que não sabem gracejar nem suportam os que o fazem são rústicos e impolidos Mas os que gracejam com bom gosto chamamse espirituosos o que implica um espírito vivo em se voltar para um lado e outro com efeito tais agudezas são consideradas movimentos do caráter e aos caracteres assim como aos corpos costumamos distinguir pelos seus movimentos Não é porém difícil descobrir o lado ridículo das coisas e a maioria das pessoas deleitamse mais do que devem com gracejos e caçoadas daí serem os próprios chocarreiros chamados espirituosos pelo agrado que causam mas o que dissemos acima torna evidente que eles diferem em não pequeno grau dos espirituosos A disposição intermediária também pertence o tato E característico de um homem de tato dizer e escutar aquilo que fica bem a uma pessoa digna e bem educada pois há coisas que fica bem a um tal homem dizer e escutar a título de gracejo e os chistes de um homem bemeducado diferem dos de um homem vulgar assim como os de uma pessoa instruída diferem dos de um ignorante Isto se pode ver até nas comédias antigas e modernas para os autores das primeiras a linguagem indecente era divertida enquanto os das segundas preferem insinuar e ambos diferem bastante no que tange à propriedade do que dizem Mas devemos definir o homem que sabe gracejar bem pelo fato de ele dizer apenas aquilo que não fica mal a um homem bemeducado ou por não magoar o ouvinte e até por deleitálo Ou não será esta segunda definição pelo menos ela própria indefinida uma vez que diferentes coisas são aprazíveis ou odiosas a diferentes pessoas A espécie de gracejos que ele se disporá a escutar será a mesma pois aqueles que pode tolerar são também os que gosta de fazer Há por conseguinte gracejos que esse homem nunca fará pois o gracejo é uma espécie de insulto e há coisas que os legisladores nos proíbem insultar e talvez devessem também proibirnos de gracejar em torno delas O homem fino e bemeducado será pois tal como o descrevemos e ele mesmo ditará por assim dizer a sua lei Esse é o homem que observa o meiotermo quer o chamemos homem de tato quer espirituoso O chocarreiro por outro lado é o escravo da sua dicacidade e para provocar o riso não poupa nem a si nem aos outros dizendo coisas que um homem fino jamais diria e algumas das quais nem ele próprio desejaria escutar O rústico por seu lado é inútil para essa espécie de intercâmbio social pois em nada contribui e em tudo acha o que censurar Mas os lazeres e a recreação são considerados um elemento necessário à vida Os meiostermos que descrevemos acima com respeito à vida são pois em número de três e relacionamse todos com alguma espécie de intercâmbio de palavras e atos Diferem porém pelo fato de um se relacionar com a verdade e os outros dois com o prazer Dos que dizem respeito ao prazer um se manifesta nos gracejos e o outro no trato social comum 9 A vergonha não deveria ser incluída entre as virtudes porquanto se assemelha mais a um sentimento do que a uma disposição de caráter É definida em todo caso como uma espécie de medo da desonra e produz um efeito semelhante ao do medo causado pelo perigo Com efeito as pessoas envergonhadas coram e as que temem a morte empalidecem ambos portanto parecem ser em certo sentido estados corporais o que seria mais característico de um sentimento que de uma disposição de caráter O sentimento de vergonha não fica bem a todas as idades mas apenas à juventude Pensamos que os moços são sujeitos a envergonharse porque vivem pelos sentimentos e por isso cometem muitos erros servindo a vergonha para refreálos e louvamos os jovens que mostram essa propensão mas a uma pessoa mais velha ninguém louvaria pelo mesmo motivo visto pensarmos que ela não deve fazer nada de que tenha de envergonharse Com efeito o sentimento de vergonha não é sequer característico de um homem bom uma vez que acompanha as más ações Ora tais ações não devem ser praticadas e não faz diferença que algumas sejam vergonhosas em si mesmas e outras o sejam apenas de acorda com a opinião comum pois nem as primeiras nem as segundas devemos praticar a fim de não sentirmos vergonha E é característico de um homem mau o ser capaz de cometer qualquer ação vergonhosa É absurdo julgarse alguém um homem bom porque sente vergonha quando comete uma tal ação visto que nos envergonhamos de nossas ações voluntárias e o homem bom jamais cometerá más ações voluntariamente Mas a vergonha pode ser considerada uma boa coisa dentro de certas condições se um homem bom cometer uma ação dessas sentirá vergonha As virtudes porém não estão sujeitas a tais condições E se o despudor o não se envergonhar de praticar ações vis é mau não se segue que seja bom envergonharse de praticálas A continência também não é uma virtude mas uma espécie de disposição mista É o que mostraremos mais adiante62 Agora porém tratemos da justiça LIVRO V 1 No que toca à justiça e à injustiça devemos considerar 1 com que espécie de ações se relacionam elas 2 que espécie de meiotermo é a justiça e 3 entre que extremos o ato justo é intermediário Nossa investigação se processará dentro das mesmas linhas que as anteriores Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo que as faz agir justamente e desejar o que é justo e do mesmo modo por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto Também nós portanto assentaremos isso como base geral Porque as mesmas coisas não são verdadeiras tanto das ciências e faculdades como das disposições de caráter Considerase que uma faculdade ou ciência que é uma I e a mesma coisa se relaciona com objetos contrários mas uma disposição de caráter que é um de dois 62 Livro VII caps 110 N do T contrários não produz resultados opostos Por exemplo em razão da saúde não fazemos o que é contrário à saúde mas só o que é saudável pois dizemos que um homem caminha de modo saudável quando caminha como o faria um homem que gozasse saúde Ora muitas vezes um estado é reconhecido pelo seu contrário e não menos freqüentemente os estados são reconhecidos pelos sujeitos que os manifestam porque a quando conhecemos a boa condição a má condição também se nos torna conhecida e b a boa condição é conhecida pelas coisas que se acham em boa condição e as segundas pela primeira Se a boa condição for a rijeza de carnes é necessário não só que a má condição seja a carne flácida como que o saudável seja aquilo que torna rijas as carnes E seguese de modo geral que se um dos contrários for ambíguo o outro também o será por exemplo se o justo o é também o será o injusto Ora justiça e injustiça parecem ser termos ambíguos mas como os seus diferentes significados se aproximam uns dos outros a ambigüidade escapa à atenção e não é evidente como por comparação nos casos em que os significados se afastam muito um do outro por exemplo pois aqui é grande a diferença de forma exterior como a ambigüidade no emprego de ќλείς para designar a clavícula de um animal e o ferrolho com que trancamos uma porta Tomemos pois como ponto de partida os vários significados de um homem injusto Mas o homem sem lei assim como o ganancioso e ímprobo são considerados injustos de forma que tanto o respeitador da lei como o honesto serão evidentemente justos O justo é portanto o respeitador da lei e o probo e o injusto é o homem sem lei e ímprobo Visto que o homem injusto é ganancioso deve ter algo que ver com bens não todos os bens mas aqueles a que dizem respeito a prosperidade e a adversidade e que tomados em absoluto são sempre bons mas nem sempre o são para uma pessoa determinada Ora os homens almejam tais coisas e as buscam diligentemente e isso é o contrário do que deveria ser Deviam antes pedir aos deuses que as coisas que são boas em absoluto o fossem também para eles e escolher essas O homem injusto nem sempre escolhe o maior mas também o menor no caso das coisas que são más em absoluto Mas como o mal menor é em certo sentido considerado bom e a ganância se dirige para o bom pensase que esse homem é ganancioso E é igualmente iníquo pois essa característica contém ambas as outras e é comum a elas Como vimos63 que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo evidentemente todos os atos legítimos são em certo sentido atos justos porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos e cada um deles dizemos nós é justo Ora nas disposições que tomam sobre todos os assuntos as leis têm em mira a vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detêm o poder ou algo nesse gênero de modo que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a sociedade política a felicidade e os elementos que a compõem E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem bravo por exemplo não desertar de nosso posto nem fugir nem abandonar nossas armas quanto os de um homem temperante por exemplo não cometer adultério nem entregarse à luxúria e os de um homem calmo por exemplo não bater em ninguém nem caluniar e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade prescrevendo certos atos e condenando outros e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente enquanto as leis con cebidas às pressas as fazem menos bem Essa forma de justiça é portanto uma virtude completa porém não em absoluto e sim em relação ao nosso próximo Por isso a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes e nem Vésper nem a estreladalva64 são tão admiráveis e proverbialmente na justiça estão compreendidas todas as virtudes65 E ela é a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exercício atual da virtude completa É completa porque aquele que a possui pode 63 1129 a 32 1129 b lN do T 64 Eurípides fragmento 486 de Melanipa ed Nauck N do T 65 Teógnis 147 N do T exercer sua virtude não só sobre si mesmo mas também sobre o seu próximo já que muitos homens são capazes de exercer virtude em seus assuntos privados porém não em suas relações com os outros Por isso é considerado verdadeiro o dito de Bias que o mando revela o homem pois necessariamente quem governa está em relação com outros homens e é um membro da sociedade Por essa mesma razão se diz que somente a justiça entre todas as virtudes é o bem de um outro66 visto que se relaciona com o nosso próxima fazendo o que é vantajoso a um outro seja um governante seja um associado Ora o pior dos homens é aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com os seus amigos e o melhor não é o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com um outro pois que difícil tarefa é essa Portanto a justiça neste sentido não é uma parte da virtude mas a virtude inteira nem é seu contrário a injustiça uma parte do vício mas o vício inteiro O que dissemos põe a descoberto a diferença entre a virtude e a justiça neste sentido são elas a mesma coisa mas não o é a sua essência Aquilo que em relação ao nosso próximo é justiça como uma determinada disposição de caráter e em si mesmo é virtude 2 Seja porém como for o objeto de nossa investigação é aquela justiça que constitui uma parte da virtude porquanto sustentamos que tal espécie de justiça existe E analogamente é com a injustiça no sentido particular que nos ocupamos Que tal coisa existe é indicado pelo fato de que o homem que mostra em seus atos as outras formas de maldade age realmente mal porém não ganan ciosamente por exemplo o homem que atira ao chão o seu escudo por covardia que fala duramente por mau humor ou deixa de assistir com dinheiro ao seu amigo por avareza e por outro lado o ganancioso muitas vezes não exibe nenhum desses vícios nem todos juntos mas indubitavelmente revela uma certa espécie de maldade pois nós o censuramos e de injustiça Existe pois uma outra espécie de 66 Platão República 343 N do T injustiça que é parte da injustiça no sentido lato e um dos empregos da palavra injusto que corresponde a uma parte do que é injusto no sentido amplo de contrário à lei Por outro lado se um homem comete adultério tendo em vista o lucro e ganha dinheiro com isso enquanto um outro o faz levado pelo apetite embora perca dinheiro e sofra com o seu ato o segundo será considerado intemperante e não ganancioso enquanto o primeiro é injusto mas não intemperante Está claro pois que ele é injusto pela razão de lucrar com o seu ato Ainda mais todos os outros atos injustos são invariavelmente atribuídos a alguma espécie particular de maldade por exemplo o adultério à intemperança o abandono de um companheiro em combate à covardia a violência física à cólera mas quando um homem tira proveito de sua ação esta não é atribuída a nenhuma outra forma de maldade que não a injustiça É evidente pois que além da injustiça no sentido lato existe uma injustiça particular que participa do nome e da natureza da primeira porque sua definição se inclui no mesmo gênero Com efeito o significado de ambas consiste numa relação para com o próximo mas uma delas diz respeito à honra ao dinheiro ou à segurança ou àquilo que inclui todas essas coisas se houvesse um nome para designálo e seu motivo é o prazer proporcionado pelo lucro enquanto a outra diz respeito a todos os objetos com que se relaciona o homem bom Está bem claro pois que existe mais de uma espécie de justiça e uma delas se distingue da virtude no pleno sentido da palavra Cumprenos determinar o seu gênero e a sua diferença específica O injusto foi dividido em ilegítimo e ímprobo e o justo em legítimo e probo Ao ilegítimo corresponde o sentido de injustiça que examinamos acima Mas como ilegítimo e ímprobo não são a mesma coisa mas diferem entre si como uma parte do seu todo pois tudo que é ímprobo é ilegítimo mas nem tudo que é ilegítimo é ímprobo o injusto e a injustiça no sentido de improbidade não se identificam com a primeira espécie citada mas diferem dela como a parte do todo Com efeito a injustiça neste sentido é uma parte da injustiça no sentido amplo e do mesmo modo a justiça num sentido o é da justiça do outro Portanto devemos também falar da justiça e da injustiça particulares e da mesma forma a respeito do justo e do injusto Quanto à justiça pois que corresponde à virtude total e à correspondente injustiça sendo uma delas o exercício da virtude em sua inteireza e a outra o do vício completo ambos em relação ao nosso próximo podemos deixálas de parte E é evidente o modo como devem ser distinguidos os significados de justo e de injusto que lhes correspondem pois a bem dizer a maioria dos atos ordenados pela lei são aqueles que são prescritos do ponto de vista da virtude considerada como um todo Efetivamente a lei nos manda praticar todas as virtudes e nos proíbe de praticar qualquer vício E as coisas que tendem a produzir a virtude considerada como um todo são aqueles atos prescritos pela lei tendo em vista a educação para o bem comum Mas no que tange à educação do indivíduo como tal educação essa que torna um homem bom em si fica para ser determinado posterior mente67 se isso compete à arte política ou a alguma outra pois talvez não haja identidade entre ser um homem bom e ser um bom cidadão de qualquer Estado escolhido ao caso Da justiça particular e do que é justo no sentido correspondente A uma espécie é a que se manifesta nas distribuições de honras de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição pois aí é possível receber um quinhão igual ou desigual ao de um outro e B outra espécie é aquela que desempenha um papel corretivo nas transações entre indivíduos Desta última há duas divisões dentre as transações 1 algumas são voluntárias e 2 outras são involuntárias voluntárias por exemplo as compras e vendas os empréstimos para consumo as arras o empréstimo para uso os depósitos as locações todos estes são chamados voluntários porque a origem das transações é voluntária ao passo que das involuntárias a algumas são clandestinas como o 67 1179 b 20 1181 b 12 Política 1267 b 16 1277 b 32 1278 a 40 1278 b 5 1288 a 32 1288 b 2 1333 a 1116 1337 a 1114 N do T furto o adultério o envenenamento o lenocínio o engodo a fim de escravizar o falso testemunho e b outras são violentas como a agressão o seqüestro o homicídio o roubo a mão armada a mutilação as invectivas e os insultos 3 A Mostramos que tanto o homem como o ato injustos são ímprobos ou iníquos Agora se torna claro que existe também um ponto intermediário entre as duas iniqüidades compreendidas em cada caso E esse ponto é a eqüidade pois em toda espécie de ação em que há o mais e o menos também há o igual Se pois o injusto é iníquo o justo é equitativo como aliás pensam todos mesmo sem discussão E como o igual é um ponto intermediário o justo será um meiotermo Ora igualdade implica pelo menos duas coisas O justo por conseguinte deve ser ao mesmo tempo intermediário igual e relativo isto é para certas pessoas E como intermediário deve encontrarse entre certas coisas as quais são respectivamente maiores e menores como igual envolve duas coisas e como justo o é para certas pessoas O justo pois envolve pelo menos quatro termos porquanto duas são as pessoas para quem ele é de faro justo e duas são as coisas em que se manifesta os objetos distribuídos E a mesma igualdade se observará entre as pessoas e entre as coisas envolvidas pois a mesma relação que existe entre as segundas as coisas envolvidas também existe entre as primeiras Se não são iguais não receberão coisas iguais mas isso é origem de disputas e queixas ou quando iguais tem e recebem partes desiguais ou quando desiguais recebem partes iguais Isso aliás é evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas de acordo com o mérito pois todos admitem que a distribuição justa deve recordar com o mérito num sentido qualquer se bem que nem todos especifiquem a mesma espécie de mérito mas os democratas o identificam com a condição de homem livre os partidários da oligarquia com a riqueza ou com a nobreza de nascimento e os partidários da aristocracia com a excelência O justo é pois uma espécie de termo proporcional sendo a proporção uma propriedade não só da espécie de número que consiste em unidades abstratas mas do número em geral Com efeito a proporção é uma igualdade de razões e envolve quatro termos pelo menos que a proporção descontínua envolve quatro termos é evidente mas o mesmo sucede com a contínua pois ela usa um termo em duas posições e o menciona duas vezes por exemplo a linha A está para a linha B assim como a linha B está para a linha C a linha B pois foi mencionada duas vezes e sendo ela usada em duas posições os termos proporcionais são quatro O justo também envolve pelo menos quatro termos e a razão entre dois deles é a mesma que entre os outros dois porquanto há uma distinção semelhante entre as pessoas e entre as coisas Assim como o termo A está para B o termo C está para D ou alternando assim como A está para C B está para D Logo também o todo guarda a mesma relação para com o todo e esse acoplamento é efetuado pela distribuição e sendo combinados os termos da forma que indicamos efetuado justamente Donde se segue que a conjunção do termo A com C e de B com D é o que é justo na distribuição e esta espécie do justo é intermediária e o injusto é o que viola a proporção porque o proporcional é intermediário e o justo é proporcional Os matemáticos chamam geométrica a esta espécie de proporção pois só na proporção geométrica o todo está para o todo assim como cada parte está para a parte correspondente Esta proporção não é contínua pois não podemos obter um termo único que represente uma pessoa e uma coisa Eis aí pois o que é o justo o proporcional e o injusto é o que viola a proporção Desse modo um dos termos tornase grande demais e o outro demasiado pequeno como realmente acontece na prática porque o homem que age injustamente tem excesso e o que é injustamente tratado tem demasiado pouco do que é bom No caso do mal verificase o inverso pois o menor mal é considerado um bem em comparação com o mal maior visto que o primeiro é escolhido de preferência ao segundo e o que é digno de escolha 1 bom e de duas coisas a mais digna de escolha é um bem maior Essa é por conseguinte uma das espécies do justo 4 B A outra é a corretiva que surge em relação com transações tanto voluntá rias como involuntárias Esta forma do justo tem um caráter específico diferente da primeira Com efeito a justiça que distribui posses comuns está sempre de acordo com a proporção mencionada acima e mesmo quando se trata de distribuir os fundos comuns de uma sociedade ela se fará segundo a mesma razão que guardam entre si os fundos empregados no negócio pelos diferentes sócios e a injustiça contrária a esta espécie de injustiça é a que viola a proporção Mas a justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma espécie de igualdade e a injustiça uma espécie de desigualdade não de acordo com essa espécie de proporção todavia mas de acordo com uma proporção aritmética Porquanto não faz diferença que um homem bom tenha defraudado um homem mau ou vice versa nem se foi um homem bom ou mau que cometeu adultério a lei considera apenas o caráter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e a outra sofre injustiça se uma é autora e a outra é vítima do delito Portanto sendo esta espécie de injustiça uma desigualdade o juiz procura igualála porque também no caso em que um recebeu e o outro infligiu um ferimento ou um matou e o outro foi morto o sofrimento e a ação foram desigualmente distribuídos mas o juiz procura igualálos por meio da pena tomando uma parte do ganho do acusado Porque o termo ganho aplicase geralmente a tais casos embora não seja apropriado a alguns deles como por exemplo à pessoa que inflige um ferimento e perda à vítima Seja como for uma vez estimado o dano um é chamado perda e o outro ganho Logo o igual é intermediário entre o maior e o menor mas o ganho e perda são respectivamente menores e maiores em sentidos contrários maior quantidade do bem e menor quantidade do mal representam ganho e o contrário é perda e intermediário entre os dois é como vimos o igual que dizemos ser justo Por conseguinte a justiça corretiva será o intermediário entre a perda e o ganho Eis aí por que as pessoas em disputa recorrem ao juiz e recorrer ao juiz é recorrer à justiça pois a natureza do juiz é ser uma espécie de justiça animada e procuram o juiz como um intermediário e em alguns Estados os juízes são chamados mediadores na convicção de que se os litigantes conseguirem o meio termo conseguirão o que é justo O justo pois é um meiotermo já que o juiz o é Ora o juiz restabelece a igualdade E como se houvesse uma linha dividida em partes desiguais e ele retira a diferença pela qual o segmento ma excede a metade para acrescentála menor E quando o todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence isto é receberam o que é igual O igual é intermediário entre a linha maior e a menor de acordo com uma proporção aritmética Por esta mesma razão é ele chamado justo δίкαιον devido a ser uma divisão em duas partes iguais como quem dissesse δίχiov e o juiz διкαστής é aquele que divide em dois διχαστής Com efeito quando alguma coisa é subtraída de um de dois iguais e acrescentada ao outro este supera o primeiro pelo dobro dela visto que se o que foi tomado a um não fosse acrescentado ao outro a diferença seria de um só Portanto o maior excede o intermediário de um e o intermediário excede de um aquele de que foi subtraída alguma coisa Por aí se vê que devemos tanto subtrair do que tem mais como acrescentar ao que tem menos e a este acrescentaremos a quantidade pela qual o excede o intermediário e do maior subtrairemos o seu excesso em relação ao intermediário Sejam as linhas AA BB e CC iguais umas às outras Subtraiase da linha AA o segmento AE e acrescentese à linha CC o segmento CD de modo que toda a linha DCC exceda a linha EA pelo segmento CD e pelo segmento CF por conseguinte ela excede a linha BB pelo segmento CD A E A I11 B B i1 D C F C li1 Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntárias pois ter mais do que aquilo que é nosso chamase ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chamase perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transações em que a lei dá liberdade aos indivíduos para estabelecerem suas próprias condições quando todavia não recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que têm o que é seu e que nem ganharam nem perderam Logo o justo é intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda a saber os que são involuntários Consiste em ter uma quantidade igual antes e depois da transação 5 Alguns pensam que a reciprocidade é justa sem qualquer reserva como diziam os pitagóricos pois assim definiam eles a justiça Ora reciprocidade não se enquadra nem na justiça distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiça do próprio Radamanto signifique isso Se um homem sofrer o que fez a devida justiça será feita68 Ora em muitos casos a reciprocidade não se coaduna com a justiça corretiva por exemplo 1 se uma autoridade infligiu um ferimento não deve ser ferida em represália e se alguém feriu uma autoridade não apenas deve ser também ferido mas castigado além disso Acresce que 2 há grande diferença entre um ato voluntário e um ato involuntário Mas nas transações de troca essa espécie de justiça não produz a união dos homens a reciprocidade deve fazerse de acordo com uma proporção e não na base de uma retribuição exatamente igual Porquanto é pela retribuição proporcional que a cidade se mantém unida Os homens procuram pagar o mal com o mal e se não podem fazêlo julgamse reduzidos à condição de simples escravos e o bem com o bem e se não podem fazêlo não há troca e é pela troca que eles se mantêm unidos Por esse mesmo motivo dão 68 Hesíodo fragmento 174 Rzach N do T uma posição proeminente ao templo das Graças promover a retribuição dos serviços é característico da graça e deveríamos servir em troca aquele que nos dispensou uma graça tomando noutra ocasião a iniciativa de lhe fazer o mesmo Ora a retribuição proporcional é garantida pela conjunção cruzada Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste último e darlhe o seu em troca Se pois há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação recíproca o resultado que mencionamos será efetuado Senão a permuta não é igual nem vá lida pois nada impede que o trabalho de um seja superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto é verdadeiro também das outras artes porquanto elas não subsistiriam se o que o paciente sofre não fosse exatamente o mesmo que o agente faz e da mesma quantidade e espécie Com efeito não são dois médicos que se associam para troca mas um médico e um agricultor e de modo geral pessoas diferentes e desiguais mas essas pessoas devem ser igualadas Eis aí por que todas as coisas que são objetos de troca devem ser comparáveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por conseguinte também o excesso e a falta quantos pares de sapatos são iguais a uma casa ou a uma determinada quantidade de alimento O número de sapatos trocados por uma casa ou por uma determinada quantidade de alimento deve portanto corresponder à razão entre o arquiteto e o sapateiro Porque se assim não for não haverá troca nem intercâmbio E essa proporção não se verificará a menos que os bens sejam iguais de um modo Todos os bens devem portanto ser medidos por uma só e a mesma coisa como dissemos acima Ora essa unidade é na realidade a procura que mantém unidas todas as coisas porque se os homens não necessitassem em absoluto dos bens uns dos outros ou não necessitassem deles igualmente ou não haveria troca ou não a mesma troca mas o dinheiro tornouse por convenção uma espécie de representante da procura e por isso se chama dinheiro νóμισμα já que existe não por natureza mas por lei vóμoç e está em nosso poder mudálo e tornálo sem valor Haverá pois reciprocidade quando os termos forem igualados de modo que assim como o agricultor está para o sapateiro a quantidade de produtos do sapateiro esteja para a de produtos de agricultor pela qual é trocada Mas não devemos colocálos em proporção depois de haverem realizado a troca do contrário ambos os excessos se juntarão num dos extremos e sim quando cada um possui ainda os seus bens Desse modo são iguais e associados justamente porque essa igualdade se pode efetivar no seu caso Seja A um agricultor C uma determinada quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se não fosse possível efetuar dessa forma a reciprocidade não haveria associação das partes Que a procura engloba as coisas numa unidade só é evidenciado pelo fato de que quando os homens não necessitam um do outro isto é quando não há necessidade recíproca ou quando um deles não necessita do segundo não realizam a troca como acontece quando alguém deseja o que temos por exemplo quando se permite a exportação de trigo em troca de vinho E preciso pois estabelecer essa equação E quanto às trocas futuras a fim de que se não necessitamos de uma coisa agora possamos têla quando ela venha a fazerse necessária o dinheiro é de certo modo a nossa garantia pois devemos ter a possibilidade de obter o que queremos em troca do dinheiro Ora com o dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso tende a ser mais estável Daí a necessidade de que todos os bens tenham um preço marcado pois assim haverá sempre troca e por conseguinte associação de homem com homem Deste modo agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuráveis e os equipara entre si pois nem haveria associação se não houvesse troca nem troca se não houvesse igualdade nem igualdade se não houvesse comensurabilidade Ora ha realidade é impossível que coisas tão diferentes entre si se tornem comensuráveis mas com referência à procura podem tornarse tais em grau suficiente Deve haver pois uma unidade I unidade estabelecida por comum acordo por isso se chama ela dinheiro pois é ela que torna todas as coisas comensuráveis já que todas são medidas pelo dinheiro Seja A uma casa B dez minas C uma cama A é a metade de B se a casa vale cinco minas ou é igual a elas a cama C é um décimo de B tornase assim evidente quantas camas igualam uma casa a saber cinco Não há dúvida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma diferença faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetário de cinco camas Temos pois definido o justo e o injusto Após distinguilos assim um do outro é evidente que a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e o ser vítima de injustiça pois um deles é ter demais e o outro é ter demasiado pouco A justiça é uma espécie de meiotermo porém não no mesmo sentido que as outras virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária enquanto a injustiça se relaciona com os extremos E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica por escolha própria o que é justo e que distribui seja entre si mesmo e um outro seja entre dois outros não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo e inversamente no relativo ao que não convém mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas A injustiça por outro lado guarda uma relação semelhante para com o injusto que é excesso e deficiência contrários à proporção do útil ou do nocivo Por esta razão a injustiça é excesso e deficiência isto é porque produz tais coisas no nosso caso pessoal excesso do que é útil por natureza e deficiência do que é nocivo enquanto o caso de outras pessoas é equiparável de modo geral ao nosso com a diferença de que a proporção pode ser violada num e noutro sentido Na ação injusta ter demasiado pouco é ser vítima de injustiça e ter demais é agir injustamente Seja esta a nossa exposição da natureza da justiça e da injustiça e igualmente do justo e do injusto em geral 6 Visto que agir injustamente não implica necessariamente ser injusto devemos indagar que espécies de atos injustos implicam que o autor é injusto com respeito a cada tipo de injustiça por exemplo um ladrão um adúltero ou um bandido Evidentemente a resposta não gira em torno da diferença entre esses tipos pois um homem poderia até deitarse com uma mulher sabendo quem ela é sem que no entanto o motivo de seu ato fosse uma escolha deliberada mas a paixão Esse homem age injustamente por conseguinte mas não é injusto e um homem pode não ser ladrão apesar de ter roubado nem adúltero apesar de ter cometido adultério e analogamente em todos os outros casos Ora já mostramos anteriormente como o recíproco se relaciona com o justo69 mas não devemos esquecer que o que estamos procurando não é apenas aquilo que é justo incondicionalmente mas também a justiça política Esta é encontrada entre homens que vivem em comum tendo em vista a autosuficiência homens que são livres e iguais quer proporcionalmente quer aritmeticamente de modo que entre os que não preenchem esta condição não existe justiça política mas justiça num sentido especial e por analogia Com efeito a justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são governadas pela lei e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto E havendo injustiça entre homens também há ações injustas se bem que do fato de ocorrerem ações injustas entre eles nem sempre se pode inferir que haja injustiça e estas consistem em atri buir demasiado a si próprio das coisas boas em si e demasiado pouco das coisas más em si Aí está por que não permitimos que um homem governe mas o princípio racional pois que um homem o faz no seu próprio interesse e convertese num 69 1132 b 21 1133b28NdoT tirano O magistrado por outro lado é um protetor da justiça e por conseguinte também da igualdade E visto suporse que ele não possua mais do que a sua parte se é justo porque não atribui a si mesmo mais daquilo que e bom em si a menos que tal quinhão seja proporcional aos seus méritos de modo que é para outros que trabalha e por essa razão os homens como mencionamos anteriormente70 dizem ser a justiça o bem de um outro ele deve portanto ser recompensado e sua recompensa é a honra e o privilégio mas aqueles que não se contentam com essas coisas tornamse tiranos71 A justiça de um amo e a de um pai não são a mesma que a justiça dos cidadãos embora se assemelhem a ela pois não pode haver justiça no sentido incondicional em relação a coisas que nos pertencem mas o servo de um homem e o seu filho até atingir certa idade e tornarse independente são por assim dizer uma parte dele Ora ninguém fere voluntariamente a si mesmo razão pela qual também não pode haver injustiça contra si próprio Portanto não é em relações dessa espécie que se manifesta a justiça injustiça dos cidadãos pois como vimos ela se relaciona com a lei e se verifica entre pessoas naturalmente sujeitas à lei e estas como também vimos72 são pessoas que têm partes iguais em governar e ser governadas Por isso é mais fácil manifestar verdadeira justiça para com nossa esposa do que para com nossos filhos e servos Tratase nesse caso de justiça doméstica a qual sem embargo também difere da justiça política 7 Da justiça política uma parte é natural e outra parte legal natural aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo legal a que de início é indiferente mas deixa de sêlo depois que foi estabelecida por exemplo que o resgate de um prisioneiro seja de uma mina ou que deve ser sacrificado um bode e não duas ovelhas e também 70 1130a3N doT 71 1134 a 30 N do T 72 1134a2ó28 N doT todas as leis promulgadas para casos particulares como a que mandava oferecer sacrifícios em honra de Brásidas73 e as prescrições dos decretos Ora alguns pensam que toda justiça é desta espécie porque as coisas que são por natureza são imutáveis e em toda parte têm a mesma força como o fogo que arde tanto aqui como na Pérsia ao passo que eles observam alterações nas coisas reconhecidas como justas Isso porém não é verdadeiro de modo absoluto mas verdadeiro em certo sentido ou melhor para os deuses talvez não seja verdadeiro de modo algum enquanto para nós existe algo que é justo mesmo por natureza embora seja mutável Isso não obstante algumas coisas o são por natureza e outras não Com toda a evidência percebese que espécie de coisas entre as que são capazes de ser de outro modo é por natureza e que espécie não o é mas por lei e convenção admitindose que ambas sejam igualmente mutáveis E em todas as outras coisas a mesma distinção será aplicável por natureza a mão direita é mais forte e no entanto é possível que todos os homens venham a tornarse ambidestros As coisas que são justas em virtude da convenção e da conveniência asse melhamse a medidas pois que as medidas para o vinho e para o trigo não são iguais em toda parte porém maiores nos mercados por atacado e menores nos retalhistas Da mesma forma as coisas que são justas não por natureza mas por decisão humana não são as mesmas em toda parte E as próprias constituições não são as mesmas conquanto só haja uma que é por natureza a melhor em toda parte Das coisas justas e legítimas cada uma se relaciona como o universal para com o seus casos particulares pois as coisas praticadas são muitas mas dessas cada uma é uma só visto que é universal Há uma diferença entre o ato de injustiça e o que é injusto assim como entre o ato de justiça e o que é justo Como efeito uma coisa é injusta por natureza ou 73 Tucídides V llNdoT por lei e essa mesma coisa depois que alguém a faz é um ato de injustiça antes disso porém é apenas injusta E do mesmo modo quanto ao ato de justiça se bem que a expressão geralmente usada seja ação justa e ato de justiça se aplique à correção do ato de injustiça Cada uma destas coisas deve ser examinada separadamente mais tarde no tocante à natureza e ao número de suas espécies bem como à natureza das coisas com que se relaciona 8 Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica involuntariamente seus atos não são justos nem injustos salvo por acidente isto é porque ele fez coisas que redundam em justiças ou injustiças E o caráter voluntário ou involuntário do ato que determina se ele é justo ou injusto pois quando é voluntário é censurado e pela mesma razão se torna um ato de injustiça de forma que existem coisas que são injustas sem que no entanto sejam atos de injustiça se não estiver presente também a voluntariedade Por voluntário entendo como já disse antes74 tudo aquilo que um homem tem o poder de fazer e que faz com conhecimento de causa isto é sem ignorar nem a pessoa atingida pelo ato nem o instrumento usado nem o fim que há de alcançar por exemplo em quem bate com que e com que fim além disso cada um desses atos não deve ser acidental nem forçado se por exemplo A toma a mão de B e com ela bate em C B não agiu voluntariamente pois o ato não dependia dele A pessoa atingida pode ser o pai do agressor e este pode saber que bateu num homem ou numa das pessoas presentes ignorando no entanto que se trata de seu pai Uma distinção do mesmo gênero se deve fazer quanto ao fim da ação e à ação em sua totalidade Por conseguinte aquilo que se faz na ignorância ou embora feito com conhecimento de causa não depende do agente ou que é feito 74 1109 b 35 1111 a 24 N do T sob coação é involuntário pois há até muitos processos naturais que nós cientemente realizamos e experimentamos e nenhum dos quais no entanto se pode qualificar de voluntário ou involuntário como por exemplo envelhecer ou morrer Mas tanto no caso dos atos justos como dos injustos a injustiça ou justiça pode ser apenas acidental pois pode acontecer que um homem restitua involuntariamente ou por medo um valor depositado em suas mãos e nesse caso não se deve dizer que ele praticou um ato de justiça ou que agiu justamente a não ser de modo acidental Da mesma forma aquele que sob coação e contra a sua vontade deixa de restituir o valor depositado agiu injustamente e cometeu um ato de injustiça mas apenas por acidente Dos atos voluntários praticamos alguns por escolha e outros não por escolha os que praticamos após deliberar e por não escolha os que praticamos sem deliberação prévia Há por conseguinte três espécies de dano nas transações entre um homem e outro Os que são infligidos por ignorância são enganos quando a pessoa atingida pelo ato o próprio ato o instrumento ou o fim a ser alcançado são diferentes do que o agente supõe ou o agente pensou que não ia atingir ninguém ou que não ia atingir com determinado objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provável por exemplo se atirou algo não com o propósito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado não eram os que ele supunha Ora 1 quando o dano ocorre contrariando o que era razoavelmente de esperar é um infortúnio 2 Quando não é contrário a uma expectativa razoável mas tampouco implica vício é um engano pois o agente comete um engano quando a falta procede dele mas é vítima de um acidente quando a causa lhe é exterior 3 Quando age com o conhecimento do que faz mas sem deliberação prévia é um ato de injustiça por exemplo os que se originam da cólera ou de outras paixões necessárias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos nocivos e errôneos desta espécie agem injustamente e seus atos são atos de injustiça mas isso não quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano não se deve ao vício Mas 4 quando um homem age por escolha é ele um homem injusto e vicioso Por isso é com razão que se consideram os atos originados da cólera como impremeditados pois a causa do mal não foi o homem que agiu sob o impulso da cólera mas aquele que o provocou Além disso o objeto da disputa não é se a coisa aconteceu ou deixou de acontecer mas se é justa ou não pois foi a sua aparente injustiça que provocou a ira Com efeito eles não disputam sobre a ocorrência do ato como nas transações comerciais em que uma das duas partes forçosamente agiu de má fé a menos que o façam por esquecimento mas estando concordes a respeito do fato disputam sobre qual deles está com a justiça ao passo que um homem que deliberadamente prejudicou a outro não pode ignorar tal coisa de forma que um pensa estar sendo injustamente tratado e o outro discorda dessa opinião Mas se um homem prejudica a outro por escolha age injustamente e são estes os atos de injustiça que caracterizam os seus perpetradores como homens injustos contanto que o ato viole a proporção ou a igualdade Do mesmo modo um homem é justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua ação é apenas voluntária Dos atos voluntários alguns são desculpáveis e outros não Com efeito os erros que os homens cometem não apenas na ignorância mas também por ignorância são desculpáveis enquanto os que não se devem à ignorância embora sejam cometidos na ignorância mas a uma paixão que nem é natural nem se conta entre aquelas a que o gênero humano está sujeito esses são indesculpáveis 9 Dando como suficientemente definidos o que sejam cometer injustiça e ser vitima dela podese perguntar 1 se a verdade está expressa nas palavras paradoxais de Eurípedes Matei minha mãe eis o meu caso em suma Fizestelo por vosso querer ou com pesar de ambos75 Será mesmo possível sermos tratados injustamente por nosso querer ou pelo contrário será involuntária toda injustiça sofrida como toda ação injusta é voluntária E será toda injustiça sofrida da segunda espécie ou da primeira ou às vezes voluntária e outras vezes involuntária E do mesmo modo no que se refere ao ser tratado com justiça como toda ação justa é voluntária seria razoável que houvesse uma oposição semelhante em cada um dos dois casos que tanto o ser tratado com justiça como com injustiça fossem igualmente voluntários ou involuntários Mas pareceria paradoxal mesmo no caso de ser tratado com justiça que isso fosse sempre voluntário pois é contra a sua vontade que alguns são justamente tratados 2 Poderseia levantar esta outra questão todos os que sofrem injustiça estão sendo injustamente tratados ou ocorrerá com a passividade a mesma coisa que com a ação Tanto numa como na outra é possível participar acidentalmente da justiça e do mesmo modo como é evidente da injustiça Com efeito praticar um ato injusto não é o mesmo que agir injustamente nem sofrer injustiça é o mesmo que ser injustamente tratado e o mesmo ocorre quanto ao agir injustamente e ao ser justamente tratado pois é impossível ser injustamente tratado se o outro não age injustamente ou ser justamente tratado a não ser que ele aja com justiça Ora se agir injustamente não é mais que prejudicar voluntariamente a alguém e voluntariamente significa com conhecimento da pessoa atingida pela ação do instrumento e da maneira pela qual se age e o homem incontinente prejudica voluntariamente a si mesmo não só ele será injustamente tratado por seu querer como também será possível tratar a si mesmo injustamente Esta possibilidade de tratar injustamente a si mesmo é uma das questões a serem debatidas Por outro lado um homem pode voluntariamente devido à incontinência sofrer algum mal da parte de outro que age voluntariamente de modo que seria 75 Fragmento 68 de Alcmêon Nauck N do T possível ser injustamente tratado por seu próprio querer Ou porventura é incorreta a nossa definição e a fazer mal a um outro com conhecimento da pessoa atingida pela ação do instrumento e da maneira fazse mister acrescentar contra a vontade da pessoa atingida pela razão Assim um homem poderia ser voluntariamente prejudicado e voluntariamente sofrer injustiça mas ninguém seria injustamente tratado por seu querer pois ninguém deseja ser injustamente tratado nem mesmo o homem incontinente Esse homem age contrariamente ao seu desejo pois ninguém deseja o que julga não ser bom mas o homem incontinente de fato faz coisas que pensa não dever fazer E por outro lado quem dá o que lhe pertence como Homero diz que Glauco deu a Diômedes armadura de ouro por armadura de bronze e o preço de cem bois por nove76 não é injustamente tratado porque se o dar depende dele o ser injustamente tratado não depende para isso é preciso haver alguém que o trate injustamente Tornase claro pois que o ser injustamente tratado não é voluntário Das questões que tencionávamos discutir restam ainda duas 3 se quem age injustamente é o homem que confere a um outro um quinhão superior ao que lhe cabe ou o que ficou com o quinhão excessivo e 4 se é possível tratar injustamente a si mesmo Esta questões são mutuamente conexas porquanto se a primeira alternativa é possível e quem age injustamente é o aquinhoador e não o homem que ficou com a parte excessiva então se um homem voluntariamente e com conhe cimento de causa atribui a um outro mais do que a si mesmo esse homem trata a si mesmo injustamente e é o que parecem fazer as pessoas modestas já que o homem virtuoso tende a tomar menos que a sua parte justa Ou será também preciso pôr restrições ao que acabamos de dizer Com efeito a ele talvez obtenha um quinhão maior de algum outro bem como por exemplo de honra ou de nobreza intrínseca b A questão é resolvida aplicandose a distinção que Fizemos no tocante à ação injusta pois que ele não sofre nada contrário ao seu desejo e assim não é a rigor injustamente tratado mas no máximo sofre um dano 76 Ilíada VI 236 N do T É evidente por outro lado que o aquinhoador age injustamente mas isso nem sempre é verdadeiro do homem que recebeu a parte excessiva porque não é aquele a quem cabe o injusto que age injustamente mas aquele a quem coube praticar voluntariamente o ato injusto isto é a pessoa na qual reside a origem da ação e esta reside no aquinhoador e não no aquinhoado Por outro lado como a palavra fazer é ambígua e de coisas inanimadas de uma mão ou de um escravo que executa uma ordem se pode dizer em certo sentido que mataram aquele que recebeu um quinhão excessivo não age injustamente embora faça o que é injusto Ainda mais se o aquinhoador decidiu na ignorância não age injustamente com respeito à justiça legal e sua decisão não é injusta neste sentido mas em outro sentido é realmente injusta pois a justiça legal e a justiça primordial diferem entre si mas se com conhecimento de causa julgou injustamente ele próprio tem em vista um quinhão excessivo quer de gratidão quer de vingança O homem que julgou injustamente por estas razões recebeu por conseguinte um quinhão excessivo tal qual como se houvesse participado na pilhagem o fato de receber algo diferente daquilo que distribui não vem ao caso pois também quando concede terras com vistas em participar da pilhagem o que recebe não é terra mas dinheiro Os homens pensam que como o agir injustamente depende deles é fácil ser justo Enganamse contudo ir para a cama com a mulher do vizinho ferir ou subornar alguém é fácil e depende de nós mas fazer essas coisas em resultado de uma disposição de caráter nem é fácil nem está em nosso poder Do mesmo modo conhecer o que é justo e o que é injusto não exige grande sabedoria segundo pensam os homens porque não é difícil compreender os assuntos sobre que versa a lei embora não sejam essas as coisas justas salvo acidentalmente Mas saber como se deve agir e como efetuar distribuições a fim de ser justo é mais difícil do que saber o que faz bem à saúde se bem que mesmo neste terreno embora não dê grande trabalho aprender que o mel o vinho o heléboro o cautério e o uso da faca têm tal efeito o saber como a quem e em que ocasião essas coisas devem ser aplicadas com vistas em produzir a saúde não é menos difícil do que ser médico Ainda mais por esta mesma razão julgam os homens que agir injustamente é tão próprio do homem justo como do injusto pois aquele não seria menos senão até mais capaz de cometer cada um desses atos injustos com efeito o homem justo poderia deitarse com uma mulher ou ferir o seu vizinho e o valente poderia jogar fora o seu escudo e pôrse em fuga Mas fazer papel de covarde ou agir injustamente não consiste em praticar essas coisas salvo por acidente e sim em praticálas como resultado de uma certa disposição de caráter do mesmo modo que exercer a medicina e curar não consiste em aplicar ou deixar de aplicar a faca nem em usar ou deixar de usar medicamentos mas em fazer essas coisas de certa maneira Os atos justos ocorrem entre pessoas que participam de coisas boas em si e podem ter uma parte excessiva ou excessivamente pequena delas porque a alguns seres como aos deuses presumivelmente não é possível ter uma parte excessiva de tais coisas e a outros isto é os incuravelmente maus nem a mais mínima parte seria benéfica mas todos os bens dessa espécie são nocivos enquanto para outros são benéficos dentro de certos limites Donde se conclui que a justiça é algo essencialmente humano 10 O assunto que se segue é a eqüidade e o eqüitativo τόέπιειкές e respectivas relações com a justiça e o justo Porquanto essas coisas não parecem ser absolutamente idênticas nem diferir genericamente entre si e embora louvemos por vezes o eqüitativo e o homem eqüitativo e até aplicamos esse termo como expressão laudatória a exemplo de outras virtudes significando por ςπιειкέστεpov que uma coisa é melhor em outras ocasiões pensando bem nos parece estranho que o eqüitativo embora não se identifique com o justo seja digno de louvor por que se o justo e o eqüitativo são diferentes um deles não é bom e se são ambos bons têm de ser a mesma coisa São estas pois aproximadamente as considerações que dão origem ao problema em torno do eqüitativo Em certo sentido todas elas são corretas e não se opõem umas às outras porque o eqüitativo embora superior a uma espécie de justiça é justo e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo A mesma coisa pois é justa e eqüitativa e embora ambos sejam bons o eqüitativo é superior O que faz surgir o problema é que o eqüitativo é justo porém não o legal mente justo e sim uma correção da justiça legal A razão disto é que toda lei é universal mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta Nos casos pois em que é necessário falar de modo universal mas não é possível fazêlo corretamente a lei considera o caso mais usual se bem que não ignore a possibilidade de erro E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto pois o erro não está na lei nem no legislador mas na natureza da própria coisa já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza Portanto quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal é justo uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade corrigir a omissão era outras palavras dizer o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso Por isso o eqüitativo é justo superior a uma espécie de justiça não justiça absoluta mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal E essa é a natureza do equitativo uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade E mesmo é esse o motivo por que nem todas as coisas são determinadas pela lei em torno de algumas é impossível legislar de modo que se faz necessário um decreto Com efeito quando a coisa é indefinida a regra também é indefinida como a régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas a régua adaptase à forma da pedra e não é rígida exatamente como o decreto se adapta aos fatos Tornase assim bem claro o que seja o eqüitativo que ele é justo e é melhor do que uma espécie de justiça Evidenciase também pelo que dissemos quem seja o homem eqüitativo o homem que escolhe e pratica tais atos que não se aferra aos seus direitos em mau sentido mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si é eqüitativo e essa disposição de caráter é a eqüidade que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter 11 Se um homem pode ou não tratar injustamente a si mesmo fica suficientemente claro pelo que ficou dito atrás77 Com efeito a uma classe de atos justos são os atos que estão em consonância com alguma virtude e que são prescritos pela lei por exemplo a lei não permite expressamente o suicídio e o que a lei não permite expressamente ela o proíbe Por outro lado quando um homem violando a lei causa dano a um outro voluntariamente excetuados os casos de retaliação esse homem age injustamente e um agente voluntário é aquele que conhece tanto a pessoa a quem atinge com o seu ato como o instrumento que usa e quem levado pela cólera voluntariamente se apunhala pratica esse ato contrariando a reta razão da vida t isso a lei não permite portanto ele age injustamente Mas para com quem Certamente que para com o Estado e não para consigo mesmo Por que ele sofre voluntariamente e ninguém é voluntariamente tratado com injustiça Por essa mesma razão o Estado pune o suicida infligindo lhe uma certa perda de direitos civis pois que ele trata o Estado injustamente Além disso b naquele sentido de agir injustamente em que o homem que assim procede é apenas injusto e não completamente mau não é possível tratar injustamente a si mesmo Com efeito este sentido difere do anterior o homem injusto numa das acepções do termo é mau de uma maneira particularizada tal qual como o covarde e não no sentido de ser completamente mau de forma que o seu ato injusto não manifesta maldade em geral Porque 1 isso implicaria a possibilidade de ter sido a mesma coisa simultaneamente subtraída de outra e acrescentada a ela mas isso é impossível pois que o justo e o injusto sempre envolvem mais de uma pessoa Por outro lado 2 a ação injusta é voluntária e 77 Cf 1129 a 32 1129 b 1 1136 a 10 1137 4 N do T praticada por escolha além de a ela pertencer a iniciativa porque não se diz que agiu injustamente o homem que tendo sofrido um mal retribui com o mesmo mal mas aquele que faz dano a si mesmo sofre e pratica as mesmas coisas ao mesmo tempo Além disso 3 se um homem pudesse tratar injustamente a si mesmo poderia ser tratado injustamente por seu querer E por fim 4 ninguém age injustamente sem cometer atos específicos de injustiça mas ninguém pode cometer adultério com sua própria esposa nem assaltar a sua própria casa ou furtar os seus próprios bens De um modo geral a questão pode um homem tratar injustamente a si mesmo é também respondida pela distinção que aplicamos a outra pergunta pode um homem ser injustamente tratado por seu querer78 É também evidente que são más ambas as coisas ser injustamente tratado e agir injustamente porque uma significa ter menos e a outra ter mais do que a quantidade mediana que desempenha aqui o mesmo papel que o saudável na arte médica e a boa condição na arte do treinamento físico Não obstante agir injustamente é pior pois envolve vício e merece censura E tal vício ou é da espécie completa e irrestrita ou pouco menos devemos admitir esta segunda alternativa porque nem toda ação injusta voluntária implica a injustiça como disposição de caráter enquanto ser injustamente tratado não envolve vício e injustiça na própria pessoa Em si mesmo por conseguinte ser injustamente tratado é menos mau porém nada impede que seja acidentalmente um mal maior Isso contudo não interessa à teoria que considera a pleuris um mal maior do que um tropeção muito embora este último possa tornarse acidentalmente mais grave se a conseqüente queda é causa de ser o homem capturado ou morto pelo inimigo Metaforicamente e em virtude de uma certa analogia há uma justiça não entre um homem e ele mesmo mas entre certas partes suas Não se trata no entanto de uma justiça de qualquer espécie mas daquela que prevalece entre amo e escravo ou entre marido e mulher Pois tais são as relações que a parte racional da 78 Cf 1136 a 31 1136 b 5 NdoT alma guarda para com a parte irracional e é levando em conta essas partes que muitos pensam que um homem pode ser injusto para consigo mesmo a saber porque as partes em apreço podem sofrer alguma coisa contrária aos seus desejos Pensase por isso que existe uma justiçai mútua entre elas como entre governante e governado E aqui termina a nossa exposição da justiça e das outras virtudes isto é das outras virtudes morais LIVRO VI 1 Como dissemos anteriormente que se deve preferir o meiotermo e não o excesso ou a falta e que o meiotermo e determinado pelos ditames da reta razão vamos discutir agora a natureza desses ditames Em todas as disposições de caráter que mencionamos assim como em iodos os demais assuntos há uma meta a que visa o homem orientado pela razão ora intensificando ora relaxando a sua atividade e há um padrão que determina os estados medianos que dizemos serem os meiostermos entre o excesso e a falta e que estão em consonância com a reta razão Mas assim dita a coisa embora verdadeira não é de modo algum evidente pois não só aqui como em todas as outras ocupações que são objetos de conhecimento é correto afirmar que não devemos esforçarnos nem relaxar nossos esforços em demasia nem de masiadamente pouco mas em grau mediano e conforme dita a reta razão Entretanto se um homem possuísse apenas esse conhecimento não saberia mais nada por exemplo não saberíamos que espécies de medicamento aplicar ao seu corpo se alguém dissesse todos aqueles que a arte médica prescreve e que estão de acordo com a prática de quem possui a arte É necessário pois com respeito às disposições da alma não só que se faça essa declaração verdadeira mas também que se defina o que sejam a justa regra e o padrão que a determina Dividimos as virtudes da alma dizendo que algumas são virtudes do caráter e outras do intelecto Agora que acabamos de discutir em detalhe as virtudes morais exponhamos nosso ponto de vista relativo às outras da maneira que segue começando por fazer algumas observações a respeito da alma Dissemos anteriormente que esta tem duas partes a que concebe uma regra ou princípio racional e a privada de razão Façamos uma distinção simples no interior da primeira admitindo que sejam duas as partes que conceberam um princípio racional uma pela qual contemplamos as coisas cujas causas determinantes são invariáveis e outra pela qual contemplamos as coisas variáveis porque quando dois objetos diferem em espécie as partes da alma que correspondem a cada um deles também diferem em espécie visto ser por uma certa semelhança e afinidade com os seus objetos que elas os conhecem Chamemos científica a uma dessas partes e calculativa à outra pois o mesmo são deliberar e calcular mas ninguém delibera sobre o invariável Por conseguinte a calculativa é uma parte da faculdade que concebe um princípio racional Devemos assim investigar qual seja o melhor estado de cada uma dessas duas partes pois nele reside a virtude de cada uma A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado Ora na alma existem três coisas que controlam a ação e a verdade sensação razão e desejo Destas três a sensação não é princípio de nenhuma ação bem o mostra o fato de os animais inferiores possuírem sensação mas não participarem da ação A afirmação e a negação no raciocínio correspondem no desejo ao buscar e ao fugir de modo que sendo a virtude moral uma disposição de caráter relacionada com a escolha e sendo a escolha um desejo deliberado tanto deve ser verdadeiro o raciocínio como reto o desejo para que a escolha seja acertada e o segundo deve buscar exatamente o que afirma o primeiro Ora esta espécie de intelecto e de verdade é prática Quanto ao intelecto contemplativo e não prático nem produtivo o bom e o mau estado são respectivamente a verdade e a falsidade pois essa é a obra de toda a parte racional mas da parte prática e intelectual o bom estado é a concordância da verdade com o reto desejo A origem da ação sua causa eficiente não final é a escolha e a da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto nem sem uma disposição moral pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter O intelecto em si mesmo porém não move coisa alguma só pode fazêlo o intelecto prático que visa a um fim qualquer E isto vale também para o intelecto produtivo já que todo aquele que produz alguma coisa o faz com um fim em vista e a coisa produzida não é um fim no sentido absoluto mas apenas um fim dentro de uma relação particular e o fim de uma operação particular Só o que se pratica é um fim irrestrito pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo Portanto a escolha ou é raciocínio desiderativo ou desejo raciocinativo e a origem de uma ação dessa espécie é um homem Devese observar que nenhuma coisa passada é objeto de escolha por exemplo ninguém escolhe ter saqueado Tróia porque ninguém delibera a respeito do passado mas só a respeito do que está para acontecer e pode ser de outra forma enquanto o que é passado não pode deixar de haver ocorrido por isso Agatão tinha razão em dizer Pois somente isto é ao próprio Deus vedado O fazer não sucedido o que uma vez aconteceu Como acabamos de ver a obra de ambas as partes intelectuais é a verdade Logo as virtudes de ambas serão aquelas disposições segundo as quais cada uma delas alcançará a verdade em sumo grau 3 Comecemos pois pelo princípio discutindo mais uma vez essas disposições Dêse por estabelecido que as disposições em virtude das quais a alma possui a verdade quer afirmando quer negando são em número de cinco a arte o conhecimento científico a sabedoria prática a sabedoria filosófica e a razão intuitiva não incluímos o juízo e a opinião porque estes podem enganarse Ora o que seja o conhecimento científico se quisermos exprimirnos com exatidão e não nos guiar por meras analogias evidenciase pelo que segue Todos nós supomos que aquilo que sabemos não é capaz de ser de outra forma Quanto às coisas que podem ser de outra forma não sabemos quando estão fora do nosso campo de observação se existem ou não existem Por conseguinte o objeto de conhecimento científico existe necessariamente donde se segue que é eterno pois todas as coisas que existem por necessidade no sentido absoluto do termo são eternas e as coisas eternas são ingênitas e imperecíveis Por outro lado julgase que toda ciência pode ser ensinada e seu objeto aprendido E todo ensino parte do que já se conhece como sustentamos também nos Analíticos79 Com efeito o ensino procede às vezes por indução e outras vezes por silogismo Ora a indução é o ponto de partida que o próprio conhecimento do universal pressupõe enquanto o silogismo procede dos universais Existem assim pontos de partida de onde procede o silogismo e que não são alcançados por este Logo é por indução que são adquiridos Em suma o conhecimento científico é um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras características limitativas que especificamos nos Analíticos80 pois é quando um homem tem certa espécie de convicção além de conhecer os pontos de partida que possui conhecimento científico E se estes não lhe forem mais bem conhecidos do que a conclusão sua ciência será puramente acidental Com isto damos por terminada nossa exposição do conhecimento científico 4 Na classe do variável incluemse tanto coisas produzidas como coisas praticadas Há uma diferença entre produzir e agir quanto à natureza de ambos consideramos como assente o que temos dito mesmo fora de nossa escola de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da capacidade raciocinada de 79 Segundos Analíticos 71 a 1 N do T 80 Ibid 71 b 923 N do T produzir Daí também o não se incluírem uma na outra porque nem agir é produzir nem produzir é agir Ora como a arquitetura é uma arte sendo essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que não seja uma capacidade desta espécie nem capacidade desta espécie que não seja uma arte seguese que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio Toda arte visa à geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser e cuja origem está no que produz e não no que é produzido Com efeito a arte não se ocupa nem com as coisas que são ou que se geram por necessidade nem com as que o fazem de acordo com a natureza pois essas têm sua origem em si mesmas Diferindo pois o produzir e o agir a arte deve ser uma questão de produzir e não de agir e em certo sentido o acaso e a arte versam sobre as mesmas coisas Como diz Agatão A arte ama o acaso e o acaso ama a arte Logo como já dissemos a arte é uma disposição que se ocupa de produzir envolvendo o reto raciocínio e a carência de arte pelo contrário é tal disposição acompanhada de falso raciocínio E ambas dizem respeito às coisas que podem ser diferentemente 5 No que tange à sabedoria prática podemos darnos conta do que seja considerando as pessoas a quem a atribuímos Ora julgase que é cunho característico de um homem dotado de sabedoria prática o poder deliberar bem sobre o que é bom e conveniente para ele não sob um aspecto particular como por exemplo sobre as espécies de coisas que contribuem para a saúde e o vigor mas sobre aquelas que contribuem para a vida boa em geral Bem o mostra o fato de atribuirmos sabedoria prática a um homem sob um aspecto particular quando ele calculou bem com vistas em alguma finalidade boa que não se inclui entre aquelas que são objeto de alguma arte Seguese daí que num sentido geral também o homem que é capaz de deli berar possui sabedoria prática Ora ninguém delibera sobre coisas que não podem ser de outro modo nem sobre as que lhe é impossível fazer Por conseguinte como o conhecimento científico envolve demonstração mas não há demonstração de coisas cujos primeiros princípios são variáveis pois todas elas poderiam ser diferentemente e como é impossível deliberar sobre coisas que são por necessidade a sabedoria prática não pode ser ciência nem arte nem ciência porque aquilo que se pode fazer é capaz de ser diferentemente nem arte porque o agir e o produzir são duas espécies diferentes de coisa Resta pois a alternativa de ser ela uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem Com efeito ao passo que o produzir tem uma finalidade diferente de si mesmo isso não acontece com o agir pois que a boa ação é o seu próprio fim Daí o atribuirmos sabedoria prática a Péricles e homens como ele porque percebem o que é bom para si mesmos e para os homens em geral pensamos que os homens dotados de tal capacidade são bons administradores de casas e de Estados E por isso mesmo damos à temperança o nome de σωφροσΰνη subentendendo que ela preserva a nossa sabedoria ηώξοΰσαττν φρόνησιν Ora o que a temperança preserva um juízo da espécie que descrevemos Porquanto nem todo e qualquer juízo é destruído e pervertido pelos objetos agradáveis ou dolorosos não o é por exemplo o juízo a respeito de ter os não ter o triângulo seus ângulos iguais a dois ângulos retos mas apenas os juízos em torno do que se há de fazer Com efeito as causas de onde se origina o que se faz consistem nos fins visados mas o homem que foi pervertido pelo prazer ou pela dor perde imediatamente de vista essas causas não percebe mais que é a bem de tal coisa ou devido a tal coisa que deve escolher e fazer aquilo que escolhe porque o vício anula a causa originadora da ação A sabedoria prática deve pois ser uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos Mas por outro lado embora na arte possa haver uma excelência na sabedoria prática ela não existe e em arte é preferível quem erra voluntariamente enquanto na sabedoria prática assim como nas outras virtudes é exatamente o contrário que acontece Tornase evidente pois que a sabedoria prática é uma virtude e não uma arte E como são duas as partes da alma que se guiam pelo raciocínio ela deve ser a virtude de uma dessas duas isto é daquela parte que forma opiniões porque a opinião versa sobre o variável e da mesma forma a sabedoria prática Sem embargo ela é mais do que uma simples disposição racional mostrao o fato de que tais disposições podem ser esquecidas mas a sabedoria prática não 6 O conhecimento científico é um juízo sobre coisas universais e necessárias e tanto as conclusões da demonstração como o conhecimento científico decorrem de primeiros princípios pois ciência subentende apreensão de uma base racional Assim sendo o primeiro princípio de que decorre o que é cientificamente conhecido não pode ser objeto de ciência nem de arte nem de sabedoria prática pois o que pode ser cientificamente conhecido é passível de demonstração enquanto a arte e a sabedoria prática versam sobre coisas variáveis Nem são esses primeiros princípios objetos de sabedoria filosófica pois é característico do filósofo buscar a demonstração de certas coisas Se por conseguinte as disposições da mente pelas quais possuímos a verdade e jamais nos enganamos a respeito de coisas invariáveis ou mesmo variáveis se tais disposições digo são o conhecimento científico a sabedoria prática a sabedoria filosófica e a razão intuitiva e não pode tratarse de nenhuma das três isto é da sabedoria prática do conhecimento científico ou da sabedoria filosófica só resta uma alternativa que seja a razão intuitiva que apreende os primeiros princípios 7 A sabedoria nas artes é atribuída aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a Fídias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui não entendemos outra coisa senão a excelência na arte Mas a certas pessoas consideramos sábias de modo geral e não em algum campo particular ou sob qualquer outro aspecto limitado como diz Homero no Margites Nem lavrador nem mesmo cavador fizeram os deuses este homem Nem sábio em outra coisa qualquer É pois evidente que a sabedoria deve ser de todas as formas de conhecimento a mais perfeita Donde se segue que o homem sábio não apenas conhecerá o que decorre dos primeiros princípios senão que também possuirá a verdade a respeito desses princípios Logo a sabedoria deve ser a razão intuitiva combinada com o conhecimento científico uma ciência dos mais elevados objetos que recebeu por assim dizer a perfeição que lhe é própria Dos mais elevados objetos dizemos nós porque seria estranho se a arte política ou a sabedoria prática fosse o melhor dos conhecimentos uma vez que o homem não é a melhor coisa do mundo Ora se o que é saudável ou bom difere para os homens e os peixes mas o que é branco ou reto é sempre o mesmo qualquer um diria que o que é sábio é o mesmo mas o que é praticamente sábio varia pois é àquele que observa bem as diversas coisa que lhe dizem respeito que atribuímos sabedoria prática e é a ele que confiaremos tais assuntos Por isso dizemos que até alguns animais inferiores possuem sabedoria prática isto é aqueles que mostram possuir um certo poder de previsão no que toca à sua própria vida É evidente por outro lado que a sabedoria prática e a arte política não podem ser a mesma coisa porque se devemos chamar sabedoria filosófica à disposição mental que se ocupa com os interesses pessoais de um homem haverá muitas sabedorias filosóficas Não existirá uma relativa ao bem de todos os animais assim como não existe uma arte médica para todas as coisas existentes mas uma sabedoria filosófica diferente sobre o bem de cada espécie E se argumentarem dizendo que o homem é o melhor dos animais isso não faz diferença porque há outras coisas muito mais divinas por sua natureza do que o homem o exemplo mais conspícuo são os corpos de que foram povoados os céus De quanto se disse resulta claramente que a sabedoria filosófica é um conhecimento científico combinado com a razão intuitiva daquelas coisas que são as mais elevadas por natureza Por isso dizemos que Anaxágoras Tales e os homens semelhantes a eles possuem sabedoria filosófica mas não prática quando os vemos ignorar o que lhes é vantajoso e também dizemos que eles conhecem coisas notáveis admiráveis difíceis e divinas mas improfícuas Isso porque não são os bens humanos que eles procuram A sabedoria prática pelo contrário versa sobre coisas humanas e coisas que podem ser objeto de deliberação pois dizemos que essa é acima de tudo a obra do homem dotado de sabedoria prática deliberar bem Mas ninguém delibera a respeito de coisas invariáveis nem sobre coisas que não tenham uma finalidade e essa finalidade um bem que se possa alcançar pela ação De modo que delibera bem no sentido irrestrito da palavra aquele que baseandose no cálculo é capaz de visar à melhor para o homem das coisas alcançáveis pela ação Tampouco a sabedoria prática se ocupa apenas com universais Deve também reconhecer os particulares pois ela é prática e a ação versa sobre os particulares É por isso que alguns que não sabem e especialmente os que possuem experiência são mais práticos do que outros que sabem porque se um homem soubesse que as carnes leves são digestíveis e saudáveis mas ignorasse que espécies de carnes são leves esse homem não seria capaz de produzir a saúde poderia pelo contrário produzila o que sabe ser saudável a carne de galinha Ora a sabedoria prática diz respeito à ação Portanto deveríamos possuir ambas as espécies de sabedoria ou a segunda de preferência à primeira Mas tanto da sabedoria prática como da filosófica deve haver uma espécie controladora 8 A sabedoria política e a prática são a mesma disposição mental mas sua essência não é a mesma Da sabedoria que diz respeito à cidade a sabedoria prática que desempenha um papel controlador é a sabedoria legislativa enquanto a que se relaciona com os assuntos da cidade como particulares dentro do seu universal é conhecida pela denominação geral de sabedoria política e se ocupa com a ação e a deliberação pois um decreto é algo a ser executado sob a forma de um ato individual Eis aí por que só dos expoentes dessa arte se diz que tomam parte na política porque só eles produzem coisas como as produzem os trabalhadores manuais A sabedoria prática também é identificada especialmente com aquela de suas formas que diz respeito ao próprio homem ao indivíduo e essa é conhecida pela denominação geral de sabedoria prática Das outras espécies uma é chamada administração doméstica outra legislação e a terceira política e desta última uma parte se chama deliberativa e a outra judicial Ora saber o que é bom para si é uma espécie de conhecimento mas difere muito das outras espécies e ao homem que conhece os seus interesses e com eles se ocupa atribuise sabedoria prática ao passo que os políticos são considerados metediços Daí as palavras de Eurípides Mas para que darme ao trabalho de ser sábio Se como parte do numeroso exército obteria sem esforço Um quinhão igual Pois os que visam alto demais e fazem muitas coisas 81 Os que assim pensam buscam o seu próprio bem e acham que todos deveriam fazer o mesmo Daí vem a opinião de que tais homens possuem sabedoria prática e no entanto o bem pessoal de cada um talvez não possa existir sem administração doméstica e sem alguma forma de governo Além disso a maneira de pôr em ordem os seus negócios não é clara e precisa ser estudada O que se disse acima é confirmado pelo fato de que embora os moços possam tornarse geômetras matemáticos e sábios em matérias que tais não se acredita que exista um jovem dotado de sabedoria prática O motivo é que essa 81 Prólogo de Filoctetes fragmentos 787 e 7822 Nauck N do T espécie de sabedoria diz respeito não só aos universais mas também aos particulares que se tornam conhecidos pela experiência Ora um jovem carece de experiência que só o tempo pode dar Caberia aqui também esta outra pergunta por que um menino pode tornar se matemático porém não filósofo nem físico É porque os objetos da matemática existem por abstração enquanto os primeiros princípios das outras matérias mencionadas provêm da experiência e também porque os jovens não têm convicção sobre estes últimos mas contentamse em usar a linguagem apropriada ao passo que a essência dos objetos da matemática lhes é bastante clara Além disso o erro na deliberação pode versar tanto sobre o universal como sobre o particular isto é tanto é possível ignorar que toda água pesada é má como que esta água aqui presente é pesada Que a sabedoria prática não se identifica com o conhecimento científico é evidente porque ela se ocupa como já se disse82 com o fato particular imediato visto que a coisa a fazer é dessa natureza Ela opõese por outro lado à razão intuitiva que versa sobre as premissas limitadoras das quais não se pode dar a razão enquanto a sabedoria prática se ocupa com o particular imediato que é objeto não de conhecimento científico mas de percepção e não da percepção de qualidades peculiares a um determinado sentido mas de uma percepção semelhante àquela pela qual sabemos que a figura particular que temos diante dos olhos é um triângulo porque tanto nessa direção como na da premissa maior existe um limite Mas isso é antes percepção do que sabedoria prática embora seja uma percepção de outra espécie que não a das qualidades peculiares a cada sentido 9 Há uma diferença entre investigação e deliberação pois esta última é a investigação de uma espécie particular de coisa Devemos apreender igualmente a natureza da excelência na deliberação se ela é uma forma de conhecimento 82 1141 b 1422 N do T científico uma opinião a habilidade de fazer conjeturas ou alguma outra espécie de coisa Não se trata de conhecimento científico porque os homens não investigam as coisas que conhecem ao passo que a boa deliberação é uma espécie de investigação e quem delibera investiga e calcula Tampouco é habilidade em fazer conjeturas pois além de implicar ausência de raciocínio esta é uma qualidade que opera com rapidez ao passo que os homens deliberam longamente e dizse que a conclusão do que se deliberou deve ser posta logo em prática mas a deliberação deve ser lenta Do mesmo modo a vivacidade intelectual também difere da excelência na deliberação é ela uma espécie de habilidade em conjeturar Não se pode por outro lado identificar a excelência na deliberação com uma opinião de qualquer espécie que seja Mas como o homem que delibera mal comete um erro enquanto o que delibera bem o faz corretamente claro está que a excelência no deliberar é uma espécie de correção não porém de conhecimento ou de opinião Com efeito conhecimento correto é coisa que não existe assim como não existe conhecimento errado e a opinião correta é a verdade Ao mesmo tempo tudo que é objeto de opinião já se acha determinado Mas por outro lado a excelência da deliberação envolve raciocínio Resta pois a alternativa de que ela seja a correção do raciocínio Com efeito esta ainda não é asserção mas a opinião o é tendo já ultrapassado a fase da investigação e o homem que delibera quer o faça bem quer mal busca alguma coisa e calcula Mas a excelência da deliberação é certamente a deliberação correta Por isso devemos indagar primeiro o que seja a deliberação e qual o seu objeto E uma vez que existe mais de uma espécie de correção evidentemente a excelência no deliberar não é uma espécie qualquer porque 1 o homem incontinente e o homem mau se forem hábeis alcançarão como resultado do seu cálculo o que propuseram a si mesmos de forma que terão deliberado corretamente mas o que terão alcançado é um grande mal para eles Ora ter deliberado bem é considerado uma boa coisa pois é essa espécie de deliberação correta que constitui a excelência da deliberação isto é aquela que tende a alcançar um bem Entretanto 2 é até possível alcançar o bem e chegar ao que se deve fazer mediante um silogismo falso não todavia pelo meio correto sendo falsa a premissa menor de forma que tampouco isso é a excelência no deliberar essa disposição em virtude da qual atingimos o que devemos se bem que não pelo meio correto Por outro lado 3 é possível alcançálo por uma longa deliberação enquanto um outro homem chega a ele rapidamente Por conseguinte no primeiro caso não possuímos ainda a excelência no deliberar que é a correção no que diz respeito ao conveniente a correção tanto no que toca ao fim como ao meio e ao tempo 4 Além disso é possível ter deliberado bem quer no sentido absoluto quer com referência a um fim particular A excelência da deliberação no sentido absoluto é pois aquilo que logra êxito com referência ao que é o fim no sentido absoluto e a excelência da deliberação num sentido particular é o que logra um fim particular Se pois é característico dos homens dotados de sabedoria prática o ter deliberado bem a excelência da deliberação será a correção no que diz respeito àquilo que conduz ao fim de que a sabedoria prática é a apreensão verdadeira 10 A inteligência da mesma forma e a perspicácia em virtude das quais se diz que os homens são inteligentes ou perspicazes nem se identificam de todo com a opinião ou o conhecimento científico pois nesse caso todos seriam homens inteligentes nem são elas uma das ciências particulares como a medicina que é a ciência da saúde ou a geometria que é a ciência das grandezas espaciais Com efeito a inteligência nem versa sobre as coisas eternas e imutáveis nem sobre toda e qualquer coisa que vem a ser mas apenas sobre aquelas que podem tornarse assunto de dúvidas e deliberação Portanto os seus objetos são os mesmos que os da sabedoria prática mas inteligência e sabedoria prática não são a mesma coisa Esta última emite ordens visto que o seu fim é o que se deve ou não se deve fazer a inteligência pelo contrário limitase a julgar Inteligência é o mesmo que perspicácia e homens inteligentes o mesmo que homens perspicazes Ora ela não é nem a posse nem a aquisição da sabedoria prática mas assim como o aprender é chamado entendimento quando significa o exercício da faculdade de conhecer também o termo entendimento é aplicável ao exercício da faculdade de opinar com o fim de aquilatar o que outra pessoa diz sobre assuntos que constituem o objeto da sabedoria prática e de aquilatar corretamente pois bem e corretamente são a mesma coisa E daí provém o uso do nome inteligência em virtude do qual se diz que os homens são perspicazes a saber da aplicação do termo à apreensão da verdade científica pois muitas vezes chamamos a isso entendimento 11 O que se chama discernimento e em virtude do qual se diz que os homens são juízes humanos e que possuem discernimento é a reta discriminação do eqüitativo Mostrao o fato de dizermos que o homem eqüitativo é acima de tudo um homem de discernimento humano e de identificarmos a eqüidade com o discernimento humano a respeito de certos fatos E esse discernimento é aquele que discrimina corretamente o que é eqüitativo sendo o discernimento correto aquele que julga com verdade Ora todas as disposições que temos considerado convergem como era de esperar para o mesmo ponto pois quando falamos de discernimento de inteligência de sabedoria prática e de razão intuitiva atribuímos às mesmas pessoas a posse do discernimento o terem alcançado a idade da razão e o serem dotadas de inteligência e de sabedoria prática Com efeito todas essas faculdades giram em torno de coisas imediatas isto é de particulares e ser um homem inteligente ou de bom ou humano discernimento consiste em ser capaz de julgar as coisas com que se ocupa a sabedoria prática porquanto as eqüidades são comuns a todos os homens bons em relação aos outros homens Ora todas as coisas que cumpre fazer incluemse entre os particulares ou imediatos pois não só deve o homem dotado de sabedoria prática ter conhecimento dos fatos particulares mas também a inteligência e o discernimento versam sobre coisas a serem feitas e estas são coisas imediatas A razão intuitiva por sua vez ocupase com coisas imediatas em ambos os sentidos pois tanto os primeiros termos como os últimos são objetos da razão intuitiva e não do raciocínio e a razão intuitiva pressuposta pelas demonstrações apreende os termos primeiros e imutáveis enquanto a razão intuitiva requerida pelo raciocínio prático apreende o fato último e variável isto é a premissa menor E esses fatos variáveis servem como pontos de partida para a apreensão do fim visto que chegamos aos universais pelos particulares é mister por conseguinte que tenhamos percepção destes últimos e tal percepção é a razão intuitiva Eis aí por que tais disposições são consideradas como dotes naturais e enquanto de ninguém se diz que é filósofo por natureza a muitos se atribui um discernimento inteligência e uma razão intuitiva inatos Mostrao a correspondência que estabelecemos entre os nossos poderes e a nossa idade dizendo que uma determinada idade traz consigo a razão intuitiva e o discernimento isto implica que a causa é natural Donde se segue que a razão intuitiva é tanto um começo como um fim pois as demonstrações partem destes e sobre estes versam Por isso devemos acatar não menos que as demonstrações os aforismos e opiniões não demonstradas de pessoas experientes e mais velhas assim como das pessoas dotadas de sabedoria prática Com efeito essas pessoas enxergam bem por que a experiência lhes deu um terceiro olho Acabamos de mostrar portanto que coisas são a sabedoria prática e a sabedoria filosófica em que consistem uma e outra e acrescentamos que cada uma é a virtude de uma parte diferente da alma 12 Mas alguém poderia perguntar de que servem essas faculdades da mente já que 1 a sabedoria filosófica não considera nenhuma das coisas que tornam um homem feliz pois não diz respeito às coisas que se geram e quanto à sabedoria prática embora trate dessas coisas para que necessitamos dela A sabedoria prática é a disposição da mente que se ocupa com as coisas justas nobres e boas para o homem mas essas são as coisas cuja prática é característica de um homem bom e não nos tornamos mais capazes de agir pelo fato de conhecêlas se as virtudes são disposições de caráter do mesmo modo que não somos mais capazes de agir pelo fato de conhecer as coisas sãs e saudáveis não no sentido de produzirem a saúde mas no de serem conseqüência dela Efetivamente a simples posse da arte médica ou da ginástica não nos torna mais capazes de agir Mas 2 se dissermos que um homem deve possuir sabedoria prática não para conhecer as verdades morais mas para tornarse bom a sabedoria prática nenhuma utilidade terá para os que já são bons e por outro lado de nada serve ela para os que não possuem virtude Com efeito nenhuma diferença faz que eles próprios tenham sabedoria prática ou que obedeçam a outros que a têm e seria suficiente fazer o que costumamos fazer com respeito à saúde embora desejemos gozar saúde não nos dispomos por isso a aprender a arte da medicina 3 Por outro lado pareceria estranho que a sabedoria prática sendo inferior à filosófica tivesse autoridade sobre ela como parece implicar o fato de que a arte que produz uma coisa qualquer exerce o mando e o governo relativamente a essa coisa São estas pois as questões que cumpre discutir pois até agora nos limitamos a expor as dificuldades 1 Antes de tudo diremos que essas disposições de caráter devem ser dignas de escolha porque são as virtudes das duas partes da alma respectivamente e o seriam ainda que nenhuma delas produzisse o que quer que fosse 2 Em segundo lugar elas de fato produzem alguma coisa não porém como a arte médica produz saúde mas como a saúde produz saúde É assim que a sabedoria filosófica produz felicidade porque sendo ela uma parte da virtude inteira torna um homem feliz pelo fato de estar na sua posse e de atualizarse 3 Por outro lado a obra de um homem só é perfeita quando está de acordo com a sabedoria prática e com a virtude moral esta faz com que seja reto o nosso propósito aquela com que escolhamos os devidos meios Da quarta parte da alma a nutritiva não existe nenhuma virtude dessa espécie pois não depende dela fazer ou deixar de fazer o que quer que seja 4 Quanto a não sermos mais capazes de operar coisas nobres e justas devido à sabedoria prática devemos voltar um pouco atrás e partir do seguinte princípio Assim como dizemos que algumas pessoas que praticam atos justos não são necessariamente justas por isso referimonos às que praticam os atos prescritos pela lei quer involuntariamente quer devido à ignorância ou por alguma outra razão mas não no interesse dos próprios atos embora seja certo que tais pessoas fazem o que devem e todas as coisas que o homem bem deve fazer parece que do mesmo modo para alguém ser bom é preciso encontrarse em determinada disposição quando pratica cada um desses atos numa palavra é preciso praticálos em resultado de uma escolha e no interesse dos próprios atos Ora a virtude torna reta a escolha mas que coisas sejam aptas por natureza a pôr em prática a nossa escolha não as aprendemos da virtude e sim de outra faculdade Devemos deternos um pouco nestes assuntos e falar deles mais claramente Existe uma faculdade que se chama habilidade e tal é a sua natureza que tem o poder de fazer as coisas que conduzem ao fim proposto e a alcançálo Ora se o fim é nobre a habilidade é digna de louvor mas se o fim for mau a habilidade será simples astúcia por isso chamamos de hábeis ou astutos os próprios homens dotados de sabedoria prática Esta não é a faculdade porém não existe sem ela e esse olho da alma não atinge o seu perfeito desenvolvimento sem o auxílio da virtude como já dissemos83 e como aliás é evidente E a razão disto é que os silogismos em torno do que se deve fazer começam assim visto que o fim isto é o que é melhor é de tal e tal natureza Admitamos no interesse do argumento que ela seja qual for mas só o homem bom a conhece verdadeiramente porquanto a maldade nos perverte e nos leva a enganarnos a respeito dos princípios da ação Donde está claro que não é possível possuir sabedoria prática quem não seja bom 13 Devemos por isso voltar mais uma vez a considerar a virtude pois nela se observa uma relação do mesmo gênero assim como a sabedoria prática está para a habilidade não sendo a mesma coisa mas semelhante a virtude natural está para a virtude na acepção estrita do termo Com efeito todos os homens pensam que em certo sentido cada tipo de caráter pertence por natureza aos que o manifestam e que desde o momento de nascer somos justos ou capazes de nos dominar ou bravos ou possuímos qualquer outra qualidade moral Não obstante andamos em busca de outro bem que propriamente seja tal queremos que essas qualidades existam em nós de outro modo Pois que tanto as crianças como os brutos têm as disposições naturais para essas qualidades mas quando desacompanhadas da razão elas são evidentemente nocivas Só nós parecemos perceber que elas podem conduzirnos para o mau caminho como um corpo robusto mas privado de visão pode cair desastrosamente devido à sua cegueira mas depois de haver adquirido a razão haverá uma diferença no seu modo de agir e sua disposição embora continuando semelhante ao que era passará a ser virtude no sentido estrito da palavra Por conseguinte assim como naquela parte de nós que forma opiniões existem dois tipos a habilidade e a sabedoria prática também na parte moral existem dois tipos a virtude natural e a virtude no sentido estrito E destas a segunda envolve sabedoria prática Daí o afirmarem alguns que todas as virtudes são formas de sabedoria prática E Sócrates tinha razão a certo respeito mas a 83 Linhas 626 N do T outro respeito andava errado errado em pensar que todas as virtudes fossem formas de sabedoria prática mas certo em dizer que elas implicam tal modalidade de sabedoria Temos uma confirmação disto no fato de que ainda hoje todos os homens quando definem a virtude após indicar a disposição de caráter e os seus objetos acrescentam aquilo isto é aquela disposição que está de acordo com a reta razão Ora a reta razão é o que está de acordo com a sabedoria prática De certo modo pois todos os homens parecem adivinhar que essa espécie de disposição a saber a que está de acordo com a sabedoria prática é virtude Nós porém devemos ir um pouco mais longe pois não é apenas a disposição que concorda com a reta razão mas a que implica a presença da reta razão que é virtude e a sabedoria prática é a reta razão no tocante a tais assuntos Sócrates por conseguinte pensava que as virtudes fossem regras ou princípios racionais pois a todas elas considerava como formas de conhecimento científico enquanto nós pensamos que elas envolvem um princípio racional Do que se disse fica bem claro que não é possível ser bom na acepção estrita do termo sem sabedoria prática nem possuir tal sabedoria sem virtude moral E desta forma podemos também refutar o argumento dialético de que as virtudes existem separadas umas das outras e o mesmo homem não é perfeitamente dotado pela natureza para todas as virtudes de modo que poderá adquirir uma delas sem ter ainda adquirido uma outra Isso é possível no tocante às virtudes naturais porém não àquelas que nos levam a qualificar um homem incondicionalmente de bom pois com a presença de uma só qualidade a sabedoria prática lhe serão dadas todas as virtudes E evidentemente ainda que ela não tivesse valor prático nos seria necessária por ser a virtude daquela parte da alma de que falamos e não é menos evidente que a escolha não será certa sem sabedoria prática como não o seria sem virtude Com efeito uma determina o fim e a outra nos leva a fazer as coisas que conduzem ao fim Mas nem por isso domina ela a sabedoria filosófica isto é a parte superior de nossa alma assim como a arte médica não domina a saúde pois não se serve dela mas fornece os meios de produzila e faz prescrições no seu interesse porém não a ela Além disso sustentar a sua supremacia equivaleria a dizer que os deuses são governados pela arte política porque esta faz prescrições a respeito de todos os assuntos do Estado LIVRO VII 1 Recomeçaremos agora a nossa investigação tomando outro ponto de partida e salientando que as disposições morais a ser evitadas são de três espécies o vício a incontinência e a bruteza Os contrários de duas delas são evidentes a um chamamos virtude e ao outro continência À bruteza o mais apropriado seria opor uma virtude sobrehumana uma espécie heróica e divina de virtude como a que Príamo atribui a Heitor em Homero dizendo Pois ele não parecia o filho de um homem mortal Mas alguém que viesse da semente dos deuses84 Portanto se como se costuma dizer os homens se tornaram deuses pelo excesso de virtude dessa espécie deve ser evidentemente a disposição contrária à bruteza Com efeito assim como um bruto não tem vício nem virtude tampouco os tem um deus seu estado é superior à virtude e o de um bruto difere em espécie do vício Ora como é raro encontrar um homem divino para usarmos o epíteto dos espartanos que chamam um homem de divino quando lhe têm grande admiração também o tipo brutal é raramente encontrado entre os homens Existe principalmente entre os bárbaros mas algumas qualidades brutais são também produzidas pela doença ou pela deformidade e também damos esse mau nome àqueles cujo vício vai além da medida comum 84 Ilíada XXIV 258 ss N do T Desta espécie de disposição trataremos rapidamente mais tarde85 Quanto ao vício já o discutimos antes86 Agora devemos falar da incontinência e da moleza ou efeminação e de seus contrários a continência e a fortaleza pois cumpre tratar de ambas como não idênticas à virtude ou à maldade nem como um gênero diferente A exemplo do que fizemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados e após discutir as dificuldades trataremos de provar se possível a verdade de todas as opiniões comuns a respeito desses afetos da mente ou se não de todas pelo menos do maior número e das mais autorizadas porque se refutarmos as objeções e deixarmos intatas as opiniões comuns teremos provado suficientemente a tese Ora 1 tanto a continência como a fortaleza são incluídas entre as coisas boas e dignas de louvor e tanto a incontinência como a moleza entre as coisas más e censuráveis e o mesmo homem é julgado continente e disposto a sustentar o resultado de seus cálculos ou incontinente e pronto a abandonálos E 2 o homem incontinente sabendo que o que faz é mau o faz levado pela paixão enquanto o homem continente conhecendo como maus os seus apetites recusase a seguilos em virtude do princípio racional 3 Ao temperante todos chamam continente e disposto à fortaleza mas no que se refere ao continente alguns sustentam que ele é sempre temperante enquanto outros o negam e alguns chamam incontinente ao intemperante e intemperante ao incontinente sem qualquer discriminação enquanto outros distinguem entre eles 4 Às vezes se diz que o homem dotado de sabedoria prática não pode ser incontinente e outras vezes que alguns homens desse tipo e hábeis ademais são incontinentes E por fim 5 dizse que os homens são incontinentes mesmo com respeito à cólera à honra e ao lucro Estas são pois as coisas que se costuma dizer 85 Capítulo 5 N do T 86 Livros IIIV N do T 2 Podemos perguntar agora 1 como é possível que um homem que julga com retidão se mostre incontinente na sua conduta Alguns afirmam que tal conduta é incompatível com o conhecimento pois seria estranho assim pensava Sócrates87 que existindo o conhecimento num homem alguma coisa pudesse avassalálo e arrastálo após si como a um escravo Com efeito Sócrates era inteiramente contrário à opinião em apreço e segundo ele não existia isso que se chama incontinência Ninguém depois de julgar afirmava age contrariando o que julgou melhor os homens só assim procedem por efeito da ignorância Ora esta opinião contradiz nitidamente os fatos observados e é preciso indagar o que acontece a um tal homem se ele age em razão da ignorância de que espécie de ignorância se trata Porque é evidente que o homem que age com incontinência não pensa antes de chegar a esse estado que deva agir assim Mas alguns concedem certos pontos defendidos por Sócrates e outros não Admitem que nada seja mais forte do que o conhecimento porém não que alguém aja contrariando o que lhe pareceu ser o melhor alvitre e dizem por isso que o incontinente não possui conhecimento quando é dominado pelos seus prazeres mas só opinião Se todavia se trata de opinião e não de conhecimento se não é uma convicção forte mas fraca que resiste como nos hesitantes nós simpatizamos com a sua incapacidade de manterse firme em tais convicções contra apetites poderosos não simpatizamos porém com a maldade nem com qualquer outra disposição que mereça censura Será então a resistência da sabedoria prática que cede Esta é a mais forte de todas as disposições Mas a suposição é absurda o mesmo homem seria ao mesmo tempo dotado de sabedoria prática e incontinente mas ninguém diria que seja próprio de tal homem praticar voluntariamente os atos mais vis Além disso já se mostrou anteriormente que os que possuem esta espécie de sabedoria são homens de ação pois se ocupam com fatos particulares e possuem as demais virtudes 87 Cf Platão Protágoras 352 N do T 2 Por outro lado se a continência implica ter fortes e maus apetites o homem temperante não será continente nem este será temperante pois um homem temperante não tem apetites excessivos nem maus O homem continente porém não pode deixar de têlos porque se os apetites são bons a disposição de caráter que nos inibe de seguilos é má de forma que nem toda continência será boa e se eles são fracos sem serem maus não há nada de admirável em refreálos e se são fracos e maus tampouco é grande proeza resistirlhes 3 Além disso se a continência torna um homem propenso a sustentar tenazmente qualquer opinião a continência é má isto é se o leva a sustentar mesmo as opiniões falsas e se a incontinência faz com que um homem abandone facilmente qualquer opinião haverá uma boa espécie de incontinência de que temos exemplo em Neoptólemo tal como nos é apresentado no Filoctetes de Sófocles Com efeito ele é digno de louvor por não haver cumprido o que Ulisses o persuadira a fazer e isso porque lhe repugnava mentir 4 Por outro lado o argumento sofistico apresenta uma dificuldade O silogismo inspirado no desejo de expor os resultados paradoxais decorrentes da opinião de um adversário a fim de conquistar a admiração dos ouvintes para o refutador quando este logra o seu desiderato nos coloca em grande embaraço pois o raciocínio fica amarrado quando não quer imobilizarse porque a conclusão não o satisfaz e não pode avançar porque é incapaz de refutar o argumento Há um silogismo do qual se conclui que a loucura conjugada com a incontinência é virtude pois um homem faz o contrário do que julga devido à incontinência mas por outro lado o que é bom lhe parece mau e algo a ser evitado e por conseguinte fará o bem e não o mal 5 E ainda aquele que por convicção faz busca e escolhe o que é agradável seria considerado melhor do que quem o faz não em resultado do cálculo mas da incontinência porque o primeiro é mais fácil de curar dada a possibilidade de persuadilo a mudar de idéia Mas ao incontinente podese aplicar o provérbio Quando a água sufoca com que a faremos descer Se ele tivesse sido persuadido da retidão do que faz desistiria quando o persuadissem a mudar de idéia mas acontece que tal homem age embora esteja persuadido de algo muito diferente 6 E finalmente se a continência e a incontinência dizem respeito a qualquer espécie de objeto que vem a ser o incontinente no sentido absoluto Ninguém possui todas as formas de incontinência mas de algumas pessoas dizemos que são incontinentes em absoluto 3 De uma das espécies enumeradas são as dificuldades que surgem Alguns destes pontos podem ser refutados enquanto outros ficarão senhores do campo porque a dificuldade encontra sua solução quando se descobre a verdade 1 Devemos pois considerar primeiro se as pessoas incontinentes agem cientemente ou não e cientemente em que sentido e 2 com que espécie de objetos se pode dizer que têm relação o homem incontinente e o continente se com todo e qualquer prazer ou dor ou se só com determinadas espécies e se o homem continente e o homem dotado de fortaleza são o mesmo ou diferentes e de modo análogo no tocante aos outros assuntos abrangidos pela nossa investigação Constituem o nosso ponto de partida a a questão de se o homem continente e o incontinente são diferenciados pelos seus objetos ou pela sua atitude isto é se o incontinente é tal apenas porque se relaciona com tais e tais objetos ou então pela sua atitude ou ainda por ambas as coisas b a segunda questão é se a continência e a incontinência se relacionam com todo e qualquer objeto ou não O homem que é incontinente no sentido absoluto nem se relaciona com todo e qualquer objeto mas sim precisamente com aqueles que são os objetos do intemperante nem se caracteriza por essa simples relação pois a ser assim a sua disposição se identificaria com a intemperança mas por se relacionar com eles de certo modo Com efeito um é levado pela sua própria escolha pensando que deve buscar sempre o prazer imediato enquanto o outro busca tais prazeres embora não pense assim 1 Sugerese que é contra a reta opinião e não contra o conhecimento que agimos de modo incontinente mas isso não vem ao caso porque certas pessoas não hesitam quando nutrem uma opinião mas pensam ter conhecimento exato Se pois o que se pretende sustentar é que devido a uma convicção fraca os que têm opinião são mais sujeitos a agir contrariando o seu próprio julgamento do que aqueles que sabem responderemos que a este respeito não há diferença entre conhecimento e opinião pois alguns homens não estão menos convencidos do que pensam que do que sabem como bem o mostra o caso de Heráclito Mas a visto que usamos a palavra saber em dois sentidos pois tanto do homem que possui o conhecimento mas não o usa como daquele que o possui e usa dizemos que sabem fará grande diferença se o homem que pratica o que não deve possui o conhecimento mas não o exerce ou se o exerce porque a segunda hipótese parece estranha mas não a primeira b Além disso como há duas espécies de premissas nada impede que um homem aja contrariando o seu próprio conhecimento embora possua ambas as premissas desde que use apenas a universal porém não a particular porque os atos a ser realizados são particulares E há também duas espécies de termo universal um é predicável do agente e o outro do objeto por exemplo a comida seca faz bem a todos os homens e eu sou um homem ou tal comida é seca mas o homem incontinente não possui ou não usa o conhecimento de que esta comida é tal e tal Haverá pois em primeiro lugar uma enorme diferença entre esses modos de saber de forma que não pareceria nada estranho saber de um dos modos ao mesmo tempo que se age com incontinência enquanto fazêlo sabendo do outro modo seria extraordinário Além disso c acontece aos homens possuírem conhecimento em outro sentido que não os acima mencionados pois naqueles que possuem conhecimento sem usálo percebemos uma diferença de estado que comporta a possibilidade de possuir conhecimento em certo sentido e ao mesmo tempo não o possuir como sucede com os que dormem com os loucos e os embriagados Ora é justamente essa a condição dos que agem sob a influência das paixões pois é evidente que as explosões de cólera de apetite sexual e outras paixões que tais alteram materialmente a condição do corpo e em alguns homens chegam a produzir acessos de loucura Claro está pois que dos incontinentes se pode dizer que se encontram num estado semelhante ao dos homens adormecidos loucos ou embriagados O fato de usarem uma linguagem própria do conhecimento não prova nada pois os homens que se acham sob a influência dessas paixões podem até articular provas científicas e declamar versos de Empédocles e os que apenas começaram a aprender uma ciência podem alinhavar as suas proposições sem todavia conhecêla Para ser realmente conhecida é preciso que se torne uma parte deles e isso requer tempo Logo é de supor que o uso da linguagem por parte de homens em estado de incontinência não signifique mais que as declamações de atores em cena d Também podemos encarar o caso da maneira que segue com referência às peculiaridades da natureza humana Uma das opiniões é universal a outra diz respeito a fatos particulares e aqui nos deparamos com algo que pertence à esfera da percepção Quando das duas opiniões resulta uma só numa espécie de caso a alma afirmará a conclusão enquanto no caso de opiniões relativas à produção ela agirá imediatamente por exemplo se tudo o que é doce deve ser provado e isto é doce no sentido de ser uma das coisas doces particulares o homem que pode agir e não é impedido procederá imediatamente de acordo com a conclusão Quando pois está presente em nós a opinião universal que nos proíbe provar mas também existe a opinião de que tudo que é doce é agradável e de que isto é doce e é esta a opinião ativa e quando sucede estar presente em nós o apetite uma das opiniões nos manda evitar o objeto mas o apetite nos conduz para ele pois tem o poder de mover cada uma das partes de nosso corpo e sucede assim que um homem age de maneira incontinente sob a influência em certo sentido de uma razão e de uma opinião que não é contrária em si mesma porém apenas acidentalmente à reta razão pois que o apetite lhe é contrário mas não o é a opinião Donde se segue que é esse também o motivo de não serem incontinentes os animais inferiores com efeito eles não possuem juízo universal mas apenas imaginação e memória de particulares A explicação de como se dissolve a ignorância e o homem incontinente recupera o conhecimento é a mesma que no caso dos embriagados e adormecidos e não tem nada de peculiar a esta condição Devemos pedila aos estudiosos de ciência natural Ora sendo a segunda premissa ao mesmo tempo uma opinião a respeito de um objeto perceptível e aquilo que determina as nossas ações ou um homem não a possui quando se encontra no estado de paixão ou a possui no sentido em que ter conhecimento não significa conhecer mas apenas falar como um bêbedo que declama versos de Empédocles E como o último termo não é universal nem tampouco um objeto de conhecimento científico a mesmo título que o termo universal parece mesmo resultar daí a posição que Sócrates procurou estabelecer pois não é em presença daquilo que consideramos conhecimento propriamente dito que surge a afecção da incontinência nem é verdade que ele seja arrastado pela paixão mas o que se acha presente é apenas o conhecimento perceptual Que isto baste como resposta à questão ao ato acompanhado ou não de conhecimento e de como é possível agir de maneira incontinente com conhecimento de causa 4 2 Examinaremos agora se existe alguém que seja incontinente no sentido absoluto ou se todos os homens incontinentes o são num sentido particular e se tal homem existe com que espécie de objeto ele se relaciona Que tanto as pessoas continentes e dotadas de fortaleza como as incontinentes e efeminadas se relacionam com prazeres e dores é evidente Ora das coisas que causam prazer algumas são necessárias enquanto outras merecem ser escolhidas por si mesmas e contudo admitem excesso havendo mister das causas corporais de prazer pelas quais entendo não só as que se referem à alimentação como também à conjunção sexual isto é os estados corporais com os quais dissemos88 que se relacionam a temperança e a intemperança enquanto as outras não são necessárias mas merecem ser escolhidas por si mesmas como a vitória a honra a riqueza e outras coisas boas e agradáveis desta espécie Assim sendo a aos que vão ao excesso com referência às segundas contrariando a reta razão que levam em si não chamamos simplesmente de incontinentes mas de incontinentes com a especificação no tocante ao dinheiro à honra ao lucro ou à cólera não simplesmente incontinentes porque diferem das pessoas incontinentes e são assim chamados devido a uma semelhança Confrontese a história de Anthropos Homem que venceu uma competição nos Jogos Olímpicos no seu caso a definição geral de homem pouco diferia da definição que lhe era própria mas no entanto diferia Provao o fato de tanto a incontinência no sentido absoluto como a relativa a algum prazer físico particular ser censurada não apenas como uma falta mas também como uma espécie de vício ao passo que nenhuma das pessoas incontinentes a estes outros respeitos é censurada a tal título Mas b das pessoas que são incontinentes com respeito aos gozos físicos com que dizemos relacionarse o homem temperante e o intemperante aquele que busca o excesso de coisas agradáveis e evita o das coisas dolorosas fome sede calor frio e todos os objetos do tato e do paladar não por escolha mas contrariando a sua escolha e o seu julgamento é chamado incontinente não com a especificação com respeito a isto ou àquilo como por exemplo à cólera mas num sentido absoluto Confirmao o fato de serem os homens chamados moles ou efeminados com respeito a esses prazeres porém não a qualquer dos outros E por essa razão juntamos num só grupo o incontinente e o intemperante o continente e o temperante excluindo porém qualquer destes outros tipos 88 Livro III cap 10 N do T porque se relacionam de algum modo com os mesmos prazeres e dores Mas embora digam respeito aos mesmos objetos sua relação para com eles não é semelhante pois alguns fazem uma escolha deliberada e outros não Por esta razão merece mais o qualificativo de intemperante o homem que sem apetite ou com escasso apetite busca os excessos de prazer e evita dores moderadas do que o homem que faz o mesmo levado por apetites poderosos pois que faria o primeiro se os seus apetites fossem dessa sorte e se a falta dos objetos necessários o fizesse sofrer violentamente Ora dos apetites e prazeres alguns pertencem à classe das coisas genericamente nobres e boas pois algumas coisas agradáveis são por natureza dignas de escolha enquanto outras lhes são contrárias e outras ainda ocupam uma posição intermédia para adotar a distinção que estabelecemos anteriormente Exemplos da primeira classe são a riqueza o lucro a vitória a honra E com referência a todos os objetos desta espécie ou da intermediária não são censurados os homens por desejálos e amálos mas por fazeremno de certo modo isto é indo ao excesso Em face disto não são maus todos os que contrariando a reta razão se deixam avassalar por um dos objetos naturalmente nobres e bons e o buscam em detrimento de tudo mais como por exemplo os que se ocupam mais do que devem com a honra ou com os filhos e os pais Com efeito essas coisas são bens e os que delas se ocupam são louvados Mesmo aí contudo pode haver um excesso se como Níobe por exemplo alguém lutasse contra os próprios deuses ou se fosse tão devotado ao pai quanto Sátiro cognominado o filial que foi considerado um grande tolo por esse motivo Com respeito a esses objetos não há pois maldade pela razão indicada isto é cada um deles é por natureza algo digno de escolha em si mesmo Sem embargo o excesso em relação a eles é mau e deve ser evitado Analogamente não há incontinência no que toca a esses objetos pois a incontinência não só deve ser evitada como merece censura mas em razão de uma semelhança quanto ao sentimento aplicaselhes o nome de incontinência precisando em cada caso o respectivo objeto assim como chamamos de mau médico ou mau ator a um homem que não qualificaríamos de mau em si Visto pois que neste caso não aplicamos o termo em sentido absoluto porque cada uma dessas condições não é maldade mas apenas se assemelha à maldade é claro que também no outro caso só se deve considerar como continência e incontinência o que se relaciona com os mesmos objetos que a temperança e a intemperança Aplicamos porém o termo à cólera em virtude de uma semelhança precisando desta forma incontinente no que se refere à cólera como também dizemos incontinente no que se refere à honra ou ao lucro 5 1 Certas coisas são agradáveis por natureza e destas a algumas o são em sentido absoluto e b outras em relação a determinadas classes de animais ou de homens e 2 daquelas que não são agradáveis por natureza a algumas se tornam tais por efeito de distúrbios no organismo outras b devido a hábitos adquiridos e outras ainda c em razão de uma natureza congenitamente má Assim sendo é possível descobrir em cada uma das espécies do segundo grupo disposições de caráter semelhantes às que reconhecemos em relação ao primeiro Refirome A aos estados brutais como no caso da fêmea que segundo se diz rasga o ventre das mulheres grávidas e devora os fetos e das coisas com que passam por deleitarse algumas tribos que habitam as margens do mar Negro e que caíram no estado de selvageria carne crua carne humana ou levarem seus filhos uns aos outros para que se banqueteiem com eles e ainda a história que se conta de Fálaris Estas disposições são brutais Há porém outras B que resultam da doença em certos casos também da loucura como o homem que sacrificou e devorou sua própria mãe ou o escravo que comeu o fígado de um companheiro e outras ainda C são estados mórbidos como o hábito de arrancar os pelos de roer as unhas e mesmo de comer carvão ou terra a estes deve acrescentarse a pederastia e todos eles surgem em alguns por natureza e em outros como nos que desde a infância foram vítimas da libidinagem alheia por hábito Ora àqueles em quem a natureza é a causa de tal disposição ninguém chamaria incontinentes como ninguém aplicaria o epíteto às mulheres por causa do papel passivo que desempenham na cópula E tampouco seria ele aplicado aos que se encontram numa disposição mórbida por efeito do hábito Possuir esses vários tipos de hábito está para além das fronteiras do vício como também o está a brutalidade Para o homem que os possui dominálos ou ser dominado por eles não é simples continência ou incontinência mas algo que é tal por analogia assim como o homem que tem tal disposição com respeito aos acessos de cólera deve ser chamado incontinente em relação a esse sentimento e não incontinente no sentido absoluto Com efeito todo estado excessivo seja de loucura de covardia de intemperança ou de irascibilidade ou é brutal ou mórbido O homem que por natureza receia todas as coisas inclusive o guincho de um camundongo padece uma covardia de bruto enquanto aquele que temia uma fuinha estava simplesmente enfermo E dos tolos os que por natureza são estouvados e vivem apenas pelos sentidos são como brutos a exemplo de certas raças de bárbaros distantes enquanto os que são tais por efeito de uma doença da epilepsia por exemplo ou da loucura são mórbidos Destas características é possível possuir algumas apenas em certas ocasiões e não ser dominado por elas Por exemplo Fálaris pode ter refreado o desejo de comer carne de criança ou um apetite sexual contra a natureza mas também é possível ser dominado e não apenas ter tais sentimentos Logo assim como a maldade que se mantém no nível humano é chamada simplesmente maldade enquanto a outra não é simples maldade porém maldade com a qualificação de brutal ou mórbida também é evidente que há uma incontinência brutal e outra mórbida mas só a que corresponde à intemperança humana é simples incontinência Tornase claro pois que a incontinência e a continência se relacionam com os mesmos objetos que a intemperança e a temperança e o que se relaciona com outros objetos é um tipo distinto da incontinência que recebe este nome por metáfora e não é chamado simples incontinência 6 Veremos agora que a incontinência relativa à cólera é menos vergonhosa do que aquela que diz respeito aos apetites 1 A cólera parece ouvir o raciocínio até certo ponto mas ouvilo mal como os servos apressados que partem correndo antes de havermos acabado de dizer o que queremos e cumprem a ordem às avessas ou os cães que ladram apenas ouvem bater à porta sem procurar ver primeiro se se trata de uma pessoa amiga e da mesma forma a cólera devido à sua natureza ardente e impetuosa embora ouvindo não escuta as ordens e precipitase para a vingança Porque o raciocínio ou a imaginação nos informa de que fomos desprezados ou desconsiderados e a cólera como que chegando à conclusão de que é preciso reagir contra qualquer coisa dessa espécie ferve imediatamente enquanto o apetite mal o raciocínio ou a percepção lhe dizem que determinado objeto é agradável corre a desfrutálo Por conseguinte a cólera obedece em certo sentido ao raciocínio mas o apetite não Por isso é ele mais censurável pois o homem incontinente com respeito à cólera é vencido em certo sentido pelo raciocínio ao passo que o outro o é pelo apetite e não pelo raciocínio 2 Além disso perdoamos mais facilmente às pessoas que seguem desejos naturais ou seja os apetites comuns a todos os homens na medida em que são comuns Ora a cólera e a irritabilidade são mais naturais do que o apetite pelos excessos isto é por objetos desnecessários Sirva de exemplo o homem que se defendeu da acusação de haver batido no próprio pai dizendo sim mas ele batia no seu e seu pai por sua vez batia no seu e este menino apontando para o seu filho baterá em mim quando for homem isso é de família ou o homem que estava sendo levado de rastos pelo filho e lhe pediu que parasse à porta pois ele próprio só havia arrastado seu pai até ali 3 Por outro lado os mais afeitos a conspirar contra outros são mais criminosos Ora um homem colérico não se inclina a conspirar nem o faz a própria cólera que é aberta e franca mas a natureza do apetite é elucidada pelo que os poetas chamam Afrodite insidiosa filha de Chipre e pelos versos de Homero sobre o seu cinto bordado E ali estão os sussurros de amor Tão sutis que roubam a razão aos sábios por prudentes que sejam89 Logo se esta forma de incontinência é mais criminosa e vergonhosa que a da cólera ela é ao mesmo tempo incontinência no sentido absoluto e também vício 4 Ainda mais ninguém comete desregramentos com um sentimento de dor mas a cólera é sempre acompanhada de dor enquanto o que comete desregramentos age com prazer Se pois os atos que mais justamente incitam à cólera são mais criminosos do que os outros mais criminosa é a incontinência que se deve ao apetite porquanto na cólera não há desregramento Fica bem claro pois que a incontinência causada pelo apetite é mais vergonhosa do que aquela que se relaciona com a cólera e tanto continência como incontinência dizem respeito aos apetites e prazeres do corpo Mas é preciso distinguir entre estes últimos porque como dissemos no começo90 alguns são humanos e naturais tanto em espécie como em grandeza outros são brutais e outros ainda se devem a lesões e doenças orgânicas Só com os primeiros têm que ver a temperança e a intemperança e esse é o motivo por que não chamamos temperantes nem intemperantes aos animais inferiores a não ser em linguagem figurada e só quando alguma raça de animais supera uma outra na libidinosidade nos instintos de destruição e na avidez onívora 89 Ilíada XIV 214 217 N do T 90 1148 b 1531 N do T Esses não têm a faculdade de escolher nem de calcular mas são realmente desvios da norma natural como os loucos entre nós Ora a bruteza é um mal menor do que o vício se bem que mais assustador pois que a parte pervertida não foi a melhor como no homem os brutos simplesmente não têm uma parte melhor É pois como se comparássemos uma coisa inanimada com um ser vivo quanto à maldade porque a maldade daquilo que não possui uma fonte originadora de movimento é sempre menos daninha e a razão é uma fonte originadora dessa espécie E é também o mesmo que comparar a injustiça em abstrato com um homem injusto Cada um dos dois é em certo sentido pior pois um homem mau causará dez vezes mais dano do que um bruto 7 Com respeito aos prazeres dores apetites e aversões que nos vêm do tato e do paladar e aos quais havíamos reduzido anteriormente91 a temperança e a intemperança é possível ter tal disposição que se seja vencido mesmo por aqueles que a maioria das pessoas dominam ou dominar mesmo aqueles a que a maioria é incapaz de resistir Entre essas possibilidades as que se relacionam com os prazeres são a incontinência e a continência e as que se relacionam com as dores são a moleza e a fortaleza A disposição da maioria das pessoas é intermediária embora se incline mais para as disposições piores Ora como alguns prazeres são necessários e outros não e os primeiros o são até um certo ponto mas não o são os seus excessos e deficiências e como isto é tão verdadeiro das dores como dos apetites o homem que busca o excesso das coisas agradáveis ou busca em demasia as coisas necessárias fazendoo deliberadamente por elas próprias e nunca tendo em vista algum outro fim é intemperante Tal homem será necessariamente inacessível ao arrependimento e por conseguinte incurável pois quem não pode arrependerse não pode ser curado 91 Livro III cap 10 N do T O homem que se mostra deficiente na busca dessas coisas é o contrário do intemperante e o que ocupa a posição mediana é temperante Existe igualmente o homem que evita as dores corporais não porque estas o levem de vencida mas por escolha deliberada Dos que não escolhem tais atos uma espécie é conduzida a eles pela promessa de prazer e a outra por fugir à dor nascida do apetite de modo que esses tipos diferem entre si Ora todos fariam pior opinião de um homem que sem apetite ou com um apetite fraco cometesse algum ato vergonhoso do que se o fizesse sob a influência de um forte apetite e pior do homem que ferisse um outro sem cólera do que se o fizesse levado pela cólera pois que faria ele então se a sua ira fosse grande Eis aí por que o homem intemperante é pior do que o incontinente Das disposições indicadas pois a segunda é antes uma espécie de moleza enquanto a primeira é intemperança Ao passo que ao homem incontinente se opõe o continente ao mole opõese o homem dotado de fortaleza pois a fortaleza consiste em resistir enquanto a continência consiste em vencer e resistir e vencer diferem um do outro assim como não perder difere de ganhar e por isso mesmo a continência é também mais digna de escolha do que a fortaleza Ora o homem deficiente no tocante às coisas a que a maioria resiste e o faz com êxito é mole e efeminado pois a efeminação também é uma espécie de moleza Um tal homem deixa arrastar o seu manto para evitar o esforço de erguêlo e simula doença sem se considerar infeliz ao passo que o homem a quem ele imita é realmente infeliz O caso é análogo no que tange à continência e à incontinência Com efeito não é coisa de causar admiração que um homem seja derrotado por prazeres ou dores violentos e excessivos e até nos dispomos a perdoar se ele resistiu como faz o Filoctetes de Teodectes quando picado pela serpente ou o Cercíon de Cárcino na Álope e como as pessoas que procuram conter o riso e irrompem numa gargalhada como ocorreu a Xenofanto Mas causa surpresa que um homem não possa resistir e seja derrotado por prazeres e dores que a maioria arrosta sem grande dificuldade quando isso não se deve à hereditariedade ou à doença como a moleza que é hereditária entre os reis dos citas ou aquela que distingue o sexo feminino do masculino O amigo de diversões é também considerado intemperante mas na realidade é mole Porque a diversão é um relaxamento da alma um descanso do trabalho e o amigo de diversões é uma pessoa que vai ao excesso em tais coisas Da incontinência uma espécie é impetuosidade e outra é fraqueza Com efeito alguns homens após terem deliberado não sabem manter devido à emoção as conclusões a que chegaram enquanto outros por não terem deliberado são levados pela sua emoção E outros assim como os que tomam a iniciativa de fazer cócegas eles próprios quando percebem com antecedência e vêem o que vai acontecer despertam a tempo e fazem funcionar a sua faculdade calculadora não sendo vencidos pela emoção quer esta seja agradável quer dolorosa São as pessoas de humor vivaz e de temperamento excitável as mais sujeitas à forma impetuosa de incontinência porque as primeiras devido à vivacidade e as segundas por motivo da violência das paixões não esperam pelo raciocínio e tendem a seguir a sua imaginação 8 O homem intemperante como dissemos não costuma arrependerse porque se atém ao que escolheu mas qualquer homem incontinente pode arrependerse Por isso a posição não é tal como a expressamos ao formular o problema mas o intemperante é incurável e o incontinente curável Porquanto a maldade se assemelha a uma doença como a hidropisia ou a tísica enquanto a incontinência é como a epilepsia a primeira é permanente e a segunda intermitente E de um modo geral a incontinência e o vício diferem em espécie o vício não tem consciência de si mesmo a incontinência tem dos homens incontinentes os que temporariamente perdem o domínio próprio são melhores do que os que possuem o princípio racional mas não se atem a ele visto que os segundos são derrotados por uma paixão mais fraca e não agem sem prévia deliberação como os outros porque o homem incontinente é como os que se embriagam depressa e com pouco vinho isto é com menos do que a maioria das pessoas Vêse claramente pois que a incontinência não é vício se bem que talvez o seja num sentido particularizado Com efeito a incontinência é contrária à escolha enquanto o vício segue o que escolheu Isso porém não impede que se assemelhem nas ações a que conduzem Como disse Demódoco dos milésios que não eram privados de razão mas faziam as mesmas coisas que fazem os insensatos também os incontinentes não são criminosos mas praticam atos criminosos Ora como o homem incontinente tende a buscar não por convicção prazeres corporais que são excessivos e contrários à reta razão enquanto o intemperante está convencido por ser a espécie de homem feita para buscálos é o primeiro que facilmente se deixa dissuadir ao passo que com o segundo não acontece assim Com efeito a virtude e o vício preservam e destroem respectivamente o primeiro princípio e na ação a causa final é o primeiro princípio como as hipóteses o são na matemática Nem naquele caso nem neste é o raciocínio que ensina os primeiros princípios o que ensina a reta opinião a seu respeito é a virtude quer natural quer produzida pelo hábito Um homem assim é pois temperante e o seu contrário é o intemperante Mas há uma espécie de homem que é arrastado pela paixão contrariando a regra justa um homem a quem a paixão domina por tal forma que é incapaz de agir de acordo com a reta razão mas não ao ponto de fazêlo acreditar que deva buscar tais prazeres sem reservas Esse é o incontinente que é superior ao intemperante e não é mau no sentido absoluto pois nele se conserva o que tem de melhor o primeiro princípio E contrária a ele é outra espécie de homem que se mantém firme nas suas convicções e não se deixa arrastar ao menos pela paixão Tornase claro pelo que acabamos de dizer que a segunda é uma boa disposição e a primeira é má 9 É continente o homem que se atem a toda e qualquer regra a toda e qualquer escolha ou aquele que se atem à reta escolha E é incontinente o que abandona toda e qualquer escolha assim como toda e qualquer regra ou o que abandona a regra e a escolha justas Foi assim que colocamos anteriormente92 o problema Ou será acidentalmente a toda e qualquer escolha mas em si à regra e à escolha justas que um se atem e o outro não Quando alguém escolhe ou busca isto no interesse daquilo em si busca e escolhe o segundo mas acidentalmente o primeiro Mas quando falamos em absoluto entendemos o que é buscado em si Logo em certo sentido um sustenta e o outro abandona toda e qualquer opinião mas em sentido absoluto só a reta opinião Há alguns que tendem a sustentar a sua opinião e que são chamados teimosos a saber os que de um modo geral são difíceis de persuadir e em particular que não se deixam persuadir facilmente a mudar de idéia Esses têm algo de semelhante ao homem continente assim como o pródigo se assemelha de certo modo ao liberal e o temerário ao confiante mas diferem a muitos respeitos Com efeito é à paixão e ao apetite que um não quer ceder já que outras vezes o homem continente se mostra fácil de persuadir mas é ao raciocínio que os outros resistem porque cultivam seus apetites e muitos deles são conduzidos pelos prazeres Ora as pessoas teimosas são as opiniáticas as ignorantes e as rústicas as opiniáticas porque são influenciadas pelo prazer e pela dor pois deleitamse com a sua vitória quando não se deixam persuadir a mudar e sofrem quando as suas decisões se tornam nulas como sucede às vezes com os decretos de modo que se assemelham mais ao homem incontinente do que ao seu contrário Mas há alguns que abandonam as suas resoluções não por efeito da incontinência como o Neoptólemo de Sófocles Sem embargo foi sob a influência do prazer que ele tergiversou mas de um prazer nobre pois para ele dizer a verdade era nobre e contudo Ulisses o persuadira a mentir Com efeito nem todos 92 1146 a 1631 N do T os que fazem alguma coisa tendo em vista o prazer são intemperantes maus ou incontinentes mas só os que a fazem por um prazer vergonhoso Como também existe uma espécie de homem que se deleita menos do que deve com as coisas do corpo e não olha à reta razão o intermediário entre ele e o incontinente é o homem continente Com efeito o incontinente não se atem à reta razão porque se deleita em excesso com tais coisas e este homem porque se deleita demasiadamente pouco com elas ao passo que o homem continente se atem à razão e não muda por nada deste mundo Ora se a continência é boa ambas as disposições contrárias devem ser más como realmente parecem ser mas como o outro extremo é observado em muito poucos e raramente pensase que a continência só tem um contrário a incontinência do mesmo modo que a temperança só tem um contrário que é a intemperança Como muitos nomes são aplicados por analogia é também por analogia que viemos a falar da continência do homem temperante pois tanto o continente como o temperante são de tal índole que jamais contrariam a regra justa levados pelos prazeres corporais mas o primeiro possui e o segundo não possui apetites maus Além disso o segundo é tal que não sente prazer contrário à reta razão enquanto o primeiro é tal que sente prazer mas não se deixa conduzir por ele E o incontinente e o intemperante também se assemelham num ponto ambos buscam os prazeres corporais diferem contudo pelo fato de o segundo pensar que deve proceder assim enquanto o primeiro pensa de modo contrário 10 Tampouco é possível que o mesmo homem possua sabedoria prática e seja incontinente Com efeito já mostramos93 que o homem dotado de sabedoria prática é também um homem de bom caráter Além disso a sabedoria prática não nos vem apenas do conhecimento mas também da capacidade de agir Ora o incontinente é incapaz de agir 93 1144 a 11 1 144 b 32 N do T Nada impede porém que um homem hábil seja incontinente Por este motivo alguns chegam a pensar que certas pessoas dotadas de sabedoria prática são incontinentes com efeito a habilidade e a sabedoria prática diferem da maneira que descrevemos em nossas primeiras discussões94 e estão próximas uma da outra no tocante ao modo de raciocinar mas distinguemse quanto ao seu propósito E tampouco o incontinente se parece com o homem que sabe e contempla uma verdade mas com o adormecido ou o embriagado E age voluntariamente pois age em certo sentido com conhecimento não só do que faz como do fim visado não é porém mau visto que o seu propósito é bom de modo que o incontinente é apenas meio mau Por outro lado não é criminoso pois não age premeditadamente Dos dois tipos de homem incontinente um não se atem às conclusões do que deliberou enquanto o outro não delibera em absoluto E assim o incontinente se assemelha a uma cidade que aprova todos os decretos apropriados e tem boas leis mas não as põe em prática como na observação graciosa de Anaxândrides95 Assim o quis a cidade que não faz caso algum das leis O homem mau pelo contrário é como uma cidade que faz uso de suas leis mas em que estas são más Ora a incontinência e a continência relacionamse com o que excede a disposição característica da maioria dos homens porque o homem continente se atem mais às suas resoluções e o incontinente menos do que a maioria pode fazer Das formas de incontinência a própria das pessoas excitáveis é mais curável que a das que deliberam mas não se atem às suas conclusões e os que são incontinentes por hábito são mais curáveis do que aqueles em que a incontinência é inata pois é mais fácil mudar um hábito do que alterar a nossa natureza e o próprio hábito muda dificilmente porque se assemelha à natureza como diz Eveno96 O hábito meu caro não é senão 94 1144 a 23 1144 b 4 N do T 95 Fragmento 67 Kock N do T 96 Fragmento 9 Diehl N do T uma longa prática Que acaba por fazerse natureza Terminamos de mostrar o que são a continência e a incontinência a fortaleza e a moleza e como essas disposições se relacionam umas com as outras 11 O estudo do prazer e da dor pertence ao campo do filósofo político pois ele é o arquiteto do fim com vistas no qual dizemos que uma coisa é má e outra é boa em absoluto Além disso considerálos é uma de nossas tarefas necessárias pois não apenas assentamos que a virtude e o vício morais dizem respeito a dores e prazeres mas a maioria pensa que a felicidade envolve prazer e por isso se deu ao homem feliz um nome derivado de uma palavra que significa prazer Ora 1 para algumas pessoas nenhum prazer é um bem quer em si mesmo quer acidentalmente visto que o bem e o prazer não são a mesma coisa 2 outros pensam que alguns prazeres são bons mas a maioria deles são maus 3 Há ainda uma terceira opinião segundo a qual mesmo que todos os prazeres sejam bons a melhor coisa do mundo não pode ser o prazer 1 Estes são os argumentos em favor da opinião dos que negam absolutamente que o prazer seja um bem a Todo prazer é um processo perceptível a uma disposição natural e nenhum processo é da mesma espécie que o seu fim por exemplo o processo da construção não é da mesma espécie que a casa b O homem temperante evita os prazeres c O homem dotado de sabedoria prática busca o que é isento de dor e não o que é agradável d Os prazeres são um obstáculo ao pensamento e quanto mais o são mais nos deleitamos neles como por exemplo o prazer sexual pois ninguém ê capaz de pensar no que quer que seja quando está absorvido nele e Não existe arte do prazer ao passo que todo bem é produto de alguma arte f As crianças e os brutos buscam os prazeres 2 A opinião de que nem todos os prazeres são bons baseiase em dois argumentos a existem prazeres que são realmente vis e objetos de censura e b existem prazeres nocivos pois algumas coisas agradáveis são malsãs 3 O argumento em favor da opinião segundo a qual a melhor coisa do mundo não é o prazer é que este não é um fim mas um processo 12 Estas são mais ou menos as coisas que se costuma dizer De tais premissas não se segue que o prazer não seja um bem ou mesmo o maior dos bens como mostram as seguintes considerações A a Primeiro visto que aquilo que é bom pode sêlo num de dois sentidos uma coisa é simplesmente boa enquanto outra é boa para determinada pessoa as constituições e disposições naturais do ser com os correspondentes movimentos e processos serão divisíveis da mesma forma Dos que são considerados maus alguns o serão em absoluto porém não para uma pessoa determinada mas merecedores da sua escolha e alguns não merecerão sequer a escolha de uma pessoa determinada a não ser numa ocasião particular e por breve período e assim mesmo com restrições outros enfim não chegam a ser prazeres mas apenas parecem tais Refirome aos que envolvem dor e cujo fim é curativo como os processos que ocorrem nas pessoas doentes b Além disso sendo uma espécie de bem atividade e outra espécie estado os processos que nos restituem ao nosso estado natural só são agradáveis acidentalmente Aliás a atividade canalizada para os apetites que têm esses bens por objeto é a atividade daquela parte de nosso estado e natureza que permaneceu incólume pois em verdade há prazeres que não envolvem dor nem apetite como os da contemplação por exemplo estando a natureza intata nesses casos Que os outros são acidentais indicao o fato de algumas pessoas não se deleitarem quando sua natureza se encontra no estado normal com os mesmos objetos agradáveis que lhes causam prazer quando ela está sendo refeita mas no primeiro caso deleitamse com coisas que são agradáveis no sentido absoluto e no segundo também com os contrários destas inclusive com coisas acres e amargas nenhuma das quais é agradável quer por natureza quer em sentido absoluto Os estados que elas produzem por conseguinte não são prazeres naturalmente nem no sentido absoluto pois assim como as coisas agradáveis diferem entre si também diferem os prazeres que elas proporcionam c Por outro lado não é necessário que exista algo melhor do que o prazer simplesmente por dizerem alguns que o fim é melhor do que o processo Com efeito os prazeres não são processos nem todos eles envolvem processos são atividades e fins E tampouco os experimentamos quando nos estamos tornando alguma coisa mas quando exercemos alguma faculdade e nem todos os prazeres têm um fim diferente deles mesmos mas só os prazeres das pessoas que estão sendo conduzidas ao aperfeiçoamento de sua natureza Eis por que não é certo dizer que o prazer seja um processo perceptível mas antes deveríamos chamálo atividade do estado natural e em vez de perceptível desimpedida Alguns o consideram um processo simplesmente porque pensam que ele é bom no sentido estrito do termo pois julgam equivocadamente que a atividade seja um processo B A opinião de que os prazeres são maus porque algumas coisas agradáveis são malsãs equivale a dizer que as coisas saudáveis são más porque algumas coisas saudáveis nos impedem de ganhar dinheiro Ambas são más nos casos particulares mencionados mas não são más em si mesmas por essa razão e até pode suceder às vezes que pensar faça mal à saúde Nem a sabedoria prática nem qualquer estado do ser é impedido pelo prazer que ele proporciona São os prazeres estranhos que têm um efeito impeditivo visto que os prazeres advindos do pensar e do aprender nos fazem pensar e aprender ainda mais C Nada mais natural do que o fato de nenhum prazer ser o produto de uma arte qualquer Não existe arte de nenhuma outra atividade tampouco mas apenas da faculdade correspondente embora seja certo que as artes do perfumista e do cozinheiro são consideradas artes de prazer D Os argumentos baseados nas premissas de que o homem temperante evita os prazeres e de que o homem dotado de sabedoria prática busca a vida sem dor e de que as crianças e os brutos buscam o prazer são todos refutados pela mesma consideração Já mostramos97 em que sentido alguns prazeres são bons em absoluto e em que sentido outros não são bons Ora tanto os brutos como as crianças buscam prazeres da segunda espécie e o homem de sabedoria prática busca uma tranqüila isenção dos prazeres dessa espécie referimonos aos que implicam apetite e dor isto é os prazeres corporais pois estes é que são de tal natureza e aos excessos dos mesmos em virtude dos quais se diz que um homem é intemperante Eis aí por que o homem temperante evita esses prazeres porquanto ele também tem os seus prazeres próprios 13 Mas além disso E todos concordam em que a dor é má e deve ser evitada porquanto algumas dores são más em sentido absoluto e outras são más porque de algum modo nos servem de impedimento Ora o contrário do que deve ser evitado enquanto coisa vitanda e má é bom O prazer por conseguinte é necessariamente um bem E a resposta de Espeusipo dizendo que o prazer é contrário tanto à dor como ao bem assim como o maior é contrário tanto ao menor como ao igual não consegue convencer pois que o próprio Espeusipo não diria que o prazer é essencialmente uma simples espécie de mal E F se certos prazeres são maus isso não impede que o sumo bem seja algum prazer assim como o sumo bem pode ser alguma espécie de conhecimento não obstante certas espécies de conhecimento serem más Talvez seja até necessário se a cada disposição pode corresponder uma atividade desimpedida que não sendo a felicidade outra coisa senão a atividade desimpedida de todas as nossas disposições ou de algumas delas seja essa a coisa mais digna de nossa escolha e essa atividade é prazer E assim o sumo bem seria alguma espécie de prazer embora a maioria dos prazeres fossem talvez maus em sentido absoluto Por essa mesma razão todos os homens pensam que a vida feliz é agradável e entremeiam o prazer no seu ideal da felicidade o que aliás é bastante sensato já que nenhuma atividade é perfeita quando impedida e a felicidade é uma coisa 97 1152 b 26 1153a7NdoT Portanto cabenos retribuir se possível com o equivalente do que recebemos porque não devemos fazer de um homem nosso amigo contra a sua vontade é preciso reconhecer que nos enganamos de começo aceitando um benefício de uma pessoa de quem não devíamos aceitálo já que não era nosso amigo nem de alguém que o fez simplesmente por fazer e cumprenos saldar as quem estamos sendo beneficiados e em que termos ele procede a fim de aceitar o benefício nesses termos ou então recusálo 14 G Com respeito aos prazeres corporais os que dizem que alguns prazeres são muito dignos de escolha a saber os nobre porém não os corporais isto é aqueles a que se dedica o homem intemperante devem examinar por que nesse caso as dores contrárias são más Porquanto o contrário do mau é bom Serão bons os prazeres necessários no sentido em que mesmo aquilo que não é mau é bom Ou serão bons até certo ponto Darseá o caso que se de alguns estados e processos não pode haver demasia tampouco a pode haver do prazer correspondente e quando aqueles comportam excesso também o comportam estes Ora é certo que pode haver excesso de bens corporais e o homem mau é mau por buscar o excesso e não por buscar os prazeres necessários pois todos os homens deleitamse de um modo ou de outro com acepipes saborosos com vinhos e com a união sexual mas nem todos o fazem como devem Com a dor dáse o contrário pois ele não evita o seu excesso evitaa de todo e isso lhe é peculiar já que o excesso de prazer não tem como alternativa a dor salvo para o homem que busca esse excesso Como devemos expor não somente a verdade mas também a causa do erro pois isso contribui para convencer uma vez que quando se dá uma explicação razoável de por que o falso parece verdadeiro isso tende a fortalecer a crença na opinião verdadeira cumprenos mostrar agora a razão de os prazeres corporais parecerem mais dignos de escolha a Em primeiro lugar pois é porque eles expulsam a dor devido aos excessos de dor que experimentam os homens buscam prazeres excessivos e em geral de natureza corporal como remédio para a dor Ora os meios curativos provocam intenso sentimento e é este o motivo de serem buscados pelo contraste entre eles e a dor contrária E em verdade considerase que o prazer não é bom por estas duas razões como já dissemos a saber a que alguns deles são atividades pertinentes a uma natureza má quer congênita no caso de um bruto quer devida ao hábito isto é a dos homens maus ao passo que B outros se destinam a curar uma natureza deficiente ora é melhor gozar saúde do que estarse curando mas esses prazeres surgem durante o processo de cura e por conseguinte são bons apenas acidentalmente b Além disso eles são buscados devido à sua violência pelos que não podem desfrutar outros prazeres Em todo caso dãose ao trabalho de fabricar sedes por assim dizer para si mesmos quando estas são inofensivas a prática é inocente e quando são prejudiciais é má Tais pessoas não têm nada mais que gozar e além disso para a natureza de muitas pessoas um estado neutro é doloroso Com efeito a natureza animal está em constante labuta e isto é também confirmado pelos estudiosos de ciência natural quando dizem serem dolorosas a visão e a audição sucedendo apenas que nos acostumamos a elas Do mesmo modo as pessoas jovens devido ao processo de crescimento encontramse numa condição semelhante à dos embriagados e a mocidade é um estado agradável As pessoas de natureza excitável por outro lado necessitam constantemente de alívio o seu próprio corpo vive atormentado por efeito de seu temperamento e elas estão sempre sob a influência de um desejo violento mas a dor é expulsada não só pelo prazer contrário como por qualquer prazer contanto que seja forte e por esta razão elas se tornam intemperantes e más Os prazeres que não envolvem dor pelo contrário não admitem excesso e esses se contam entre as coisas agradáveis por natureza e não por acidente Por coisas acidentalmente agradáveis entendo as que agem como meios curativos pelo motivo de serem as pessoas curadas por elas mediante alguma ação da parte que permanece sadia o processo é considerado agradável e por coisas naturalmente agradáveis entendo as que estimulam a ação da natureza sã99 Não existe coisa alguma que seja sempre agradável já que nossa natureza não é simples mas existe em nós também um outro elemento por sermos criaturas mortais de modo que se um elemento produz determinado efeito este é 99 1152 b 2633 N do T antagônico à outra natureza e quando os dois elementos estão equilibrados o efeito não parece agradável nem desagradável porquanto se a natureza de um ser fosse simples a mesma coisa lhe seria sempre agradável no mais alto grau É por isso que Deus sempre goza um prazer único e simples com efeito não existe apenas uma atividade do movimento mas também uma atividade do repouso e experimentase mais prazer no repouso do que no movimento Mas a mudança é aprazível em todas as coisas como diz o poeta100 em razão de algum vício pois assim como o homem vicioso se caracteriza pela mutabilidade a natureza que necessita de mudar é viciosa por não ser simples nem boa Aqui termina a nossa discussão da continência e da incontinência do prazer e da dor Mostramos tanto o que cada um é em si como em que sentido alguns são bons e outros maus Resta agora falar da amizade LIVRO VIII I Depois do que dissemos seguese naturalmente uma discussão da amizade visto que ela é uma virtude ou implica virtude sendo além disso sumamente necessária à vida Porque sem amigos ninguém escolheria viver ainda que possuísse todos os outros bens E acreditase mesmo que os ricos e aqueles que exercem autoridade e poder são os que mais precisam de amigos pois de que serve tanta prosperidade sem um ensejo de fazer bem se este se faz principalmente e sob a forma mais louvável aos amigos Ou como se pode manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos Quanto maior é ela mais perigos corre Por outro lado na pobreza e nos demais infortúnios os homens pensam que os amigos são o seu único refúgio A amizade também ajuda os jovens a afastarse do erro e aos mais velhos atendendolhes às necessidades e suprindo as atividades que declinam por efeito dos anos Aos que estão no vigor da idade ela estimula à prática de nobres ações pois na companhia de amigos dois que andam juntos101 os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar 100 Eurípides Orestes 234 N do T 101 Odisséia XVII 218 N do T E também os pais parecem sentila naturalmente pelos filhos e os filhos pelos pais não só entre os homens mas entre as aves e a maioria dos animais Membros da mesma raça a sentem uns pelos outros e especialmente os homens por isso louvamos os amigos de seu semelhante Até em nossas viagens podemos ver quanto cada homem é chegado e caro a todos os outros A amizade também parece manter unidos os Estados e dirseia que os legisladores têm mais amor à amizade do que à justiça pois aquilo a que visam acima de tudo é à unanimidade que tem pontos de semelhança com a amizade e repelem o facciosismo como se fosse o seu maior inimigo E quando os homens são amigos não necessitam de justiça ao passo que os justos necessitam também da amizade e considerase que a mais genuína forma de justiça é uma espécie de amizade Não é ela contudo apenas necessária mas também nobre porquanto louvamos os que amam os seus amigos e considerase uma bela coisa ter muitos deles E pensamos por outro lado que as mesmas pessoas são homens bons e amigos Ora certos pontos atinentes à amizade são matéria de debate Alguns a definem como uma espécie de afinidade e dizem que as pessoas semelhantes são amigas donde os aforismos igual com igual cada ovelha com sua parelha etc outros pelo contrário dizem que dois do mesmo ofício nunca estão de acordo E investigam esta questão buscando causas mais profundas e mais físicas dizendo Eurípedes que a terra resseca ama a chuva e o majestoso céu quando prenhe de chuva adora cair sobre a terra102 e Heráclito o que se opõe é que ajuda e de notas diferentes nasce a melodia mais bela e ainda todas as coisas são geradas pela luta103 ao passo que Empédocles juntamente com outros exprime a opinião contrária de que o semelhante busca o semelhante Quanto aos problemas físicos podemos deixálos de parte pois não pertencem à presente investigação Examinemos os que são humanos e envolvem caráter e sentimento por exemplo se a amizade pode nascer entre duas pessoas 102 Fragmento 898 710 Nauck N do T 103 Fragmento 8 Diels N do T quaisquer se podem ser amigos os maus e se existe uma só espécie de amizade ou mais Os que pensam que só existe uma porque a amizade admite graus baseiamse num indício inadequado visto que mesmo as coisas que diferem em espécie admitem graus Este assunto já foi discutido por nós anteriormente 2 Talvez possamos deslindar as espécies de amizade se começarmos por tomar conhecimento do objeto do amor Ora nem tudo parece ser amado mas apenas o estimável e este é bom agradável ou útil Mas o útil em suma é aquilo que produz algo de bom ou agradável de modo que são o bom e o útil que são estimáveis como fins Os homens amam então o que é bom em si ou o que é bom para eles Os dois entram por vezes em conflito E o mesmo podese dizer no tocante ao agradável Ora pensase que cada um ama o que é bom para ele e o que é bom é estimável em si mesmo enquanto o que é bom para cada um é estimável para ele mas cada homem ama não o que é bom para ele e sim o que parece bom Isso contudo não vem ao caso limitarnosemos a dizer que ele é o que parece estimável Ora as pessoas amam por três razões Para o amor dos objetos inanimados não usamos a palavra amizade pois não se trata de amor mútuo nem um deseja bem ao outro seria com efeito ridículo se desejássemos bem ao vinho se algo lhe desejamos é que se conserve para que continuemos dispondo dele no tocante aos amigos porém dizse que devemos desejarlhes o bem no interesse deles próprios Mas aos que desejam bem dessa forma só atribuímos benevolência se o desejo não é recíproco a benevolência quando recíproca tornase amizade Ou será preciso acrescentar quando conhecida Pois muita gente deseja bem a pessoas que nunca viu e as julga boas e úteis e uma delas poderia retribuirlhe esse sentimento Tais pessoas parecem desejar bem umas às outras mas como chamálas de amigos se ignoram os seus mútuos sentimentos A fim de serem amigas pois devem Entre essas amizades alguns classificam também a que se observa entre hospedeiro e hóspede A amizade dos jovens por outro lado parece visar ao prazer pois eles são guiados pela emoção e buscam acima de tudo o que lhes é agradável e o que têm imediatamente diante dos olhos mas com o correr dos anos os seus prazeres tornamse diferentes E por isso que fazem e desfazem amizades rapidamente sua amizade muda com o objeto que lhes parece agradável e tal prazer se altera bem depressa Os jovens são também amorosos pois em sua maior parte a amizade que existe no amor depende da emoção e visa ao prazer é por isso que tão depressa se apaixonam como esquecem a sua paixão muitas vezes mudando no espaço de um dia Mas é certo que tais pessoas desejam passar juntas os seus dias e a sua vida inteira pois só assim alcançam o propósito da sua amizade A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons e são bons em si mesmos Ora os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente Por isso sua amizade dura enquanto são bons e a bondade é uma coisa muito durável E cada um é bom em si mesmo e para o seu amigo pois os bons são bons em absoluto e úteis um ao outro E da mesma forma são agradáveis porquanto os bons o são tanto em si mesmos como um para o outro visto que a cada um agradam as suas próprias atividades e outras que lhes sejam semelhantes e as ações dos bons são as mesmas ou semelhantes Uma tal amizade é como seria de esperar permanente já que eles encontram um no outro todas as qualidades que os amigos devem possuir Com efeito toda a amizade tem em vista o bem ou o prazer bem ou prazer quer em abstrato quer tais que possam ser desfrutados por aquele que sente a amizade e baseiase numa certa semelhança E à amizade entre homens bons pertencem todas as qualidades que mencionamos devido à natureza dos próprios amigos pois numa amizade desta espécie as outras qualidades também são semelhantes em ambos e o que é irrestritamente bom também é agradável no sentido absoluto do termo e essas são as qualidades mais estimáveis que existem O amor e a amizade são portanto encontrados principalmente e em sua melhor forma entre homens desta espécie Mas é natural que tais amizades não sejam muito freqüentes pois que tais homens são raros Acresce que uma amizade dessa espécie exige tempo e familiaridade Como diz o provérbio os homens não podem conhecerse mutuamente enquanto não houverem provado sal juntos e tampouco podem aceitar um ao outro como amigos enquanto cada um não parecer estimável ao outro e este não depositar confiança nele Os que não tardam a mostrar mutuamente sinais de amizade desejam ser amigos mas não o são a menos que ambos sejam estimáveis e o saibam porque o desejo da amizade pode surgir depressa mas a amizade não 4 Essa espécie de amizade pois é perfeita tanto no que se refere à duração como a outros respeitos e nela cada um recebe de cada um a todos os respeitos o mesmo que dá ou algo de semelhante e é exatamente isso o que deve acontecer entre amigos A amizade que visa ao prazer tem certa parecença com esta espécie porquanto as pessoas boas são de fato agradáveis umas às outras O mesmo se pode dizer da amizade que busca a utilidade pois os bons também são úteis uns aos outros Entre os homens destas espécies inferiores as amizades são mais permanentes quando os amigos recebem a mesma coisa um do outro o prazer por exemplo e não só a mesma coisa mas também da mesma fonte como ocorre entre pessoas espirituosas e não como sucede entre amante e amado Porquanto estes não recebem prazer das mesmas fontes mas o amante comprazse em ver o amado e este em receber atenções do seu amante e quando começa a passar o viço da mocidade a amizade também se desvanece porque um não experimenta prazer em ver o outro e o segundo não mais recebe atenções do primeiro Muitos amantes porém são constantes quando a familiaridade os leva a amar o caráter um do outro pela afinidade que existe entre eles Mas aqueles cujo amor consiste numa troca de utilidades e não de prazeres são ao mesmo tempo menos verdadeiramente amigos e menos constantes Os que são amigos por causa da utilidade separamse quando cessa a vantagem porque não amavam um ao outro mas apenas o proveito Por conseguinte quando o que se leva em mira é o prazer ou a utilidade até os maus podem ser amigos uns dos outros ou os bons podem ser amigos dos maus ou aquele que não é bom nem mau pode ser amigo de qualquer espécie de pessoa mas por si mesmos só os homens bons podem ser amigos Com efeito os maus não se deleitam com o convívio uns dos outros a não ser que essa relação lhes traga alguma vantagem A amizade entre os bons e só ela também é invulnerável à calúnia pois não damos ouvidos facilmente às palavras de qualquer um a respeito de um homem que durante muito tempo submetemos à prova e é entre os bons que são encontradas a confiança o sentimento expresso pelas palavras ele nunca me faria uma deslealdade e todas as outras coisas que se requerem numa verdadeira amizade Nas outras espécies de amizade porém nada impede que tais males venham a manifestarse Com efeito os homens aplicam o nome de amigos mesmo àqueles cujo motivo é a utilidade e nesse sentido se diz que as disposições são amigáveis pois as alianças de disposições parecem visar à vantagem e também aos que se amam com vistas no prazer e é neste sentido que se diz serem amigas as crianças Portanto nós também deveríamos talvez chamar amigas a tais pessoas e dizer que existem diversas espécies de amizade primeiro e no sentido próprio a dos homens bons enquanto bons e por analogia as outras espécies pois é em virtude de algo bom e algo semelhante ao que é encontrado na verdadeira amizade que eles são amigos já que até o agradável é bom para os que amam o prazer Mas essas duas espécies de amizade não se juntam com freqüência nem as mesmas pessoas se tornam amigas tendo em vista a utilidade e o prazer porquanto as coisas que só acidentalmente se relacionam umas com as outras não andam muitas vezes juntas Dividindose pois a amizade nestas espécies os maus serão amigos com vistas na utilidade ou no prazer e a esse respeito se assemelharão um ao outro mas os bons serão amigos por eles mesmos isto é em razão da sua bondade Esses pois são amigos no sentido absoluto do termo e os outros o são acidentalmente e por uma semelhança com os primeiros 5 Assim como no tocante às virtudes alguns homens são chamados bons com referência a uma disposição de caráter e outros com referência a uma atividade também o mesmo sucede no que diz respeito à amizade Efetivamente os que vivem juntos deleitamse um com o outro e conferemse mútuos benefícios mas os que dormem ou que se acham separados no espaço não realizam mas estão dispostos a realizar os atos da amizade A distância não rompe a amizade em absoluto mas apenas a sua atividade Todavia se a ausência dura muito tempo parece realmente fazer com que os homens esqueçam a sua amizade daí o provérbio longe dos olhos longe do coração Nem os velhos nem as pessoas acrimoniosas parecem fazer amigos com facilidade Com efeito tais pessoas pouco têm de agradável e ninguém deseja passar seus dias com alguém cuja companhia é dolorosa ou não é agradável visto que a natureza parece acima de tudo evitar o doloroso e buscar o agradável Aqueles porém que aprovam um ao outro mas não convivem parecem antes olharse com simpatia do que ser verdadeiros amigos Porquanto nada é mais característico dos amigos do que o convívio e embora sejam os que sofrem necessidade que desejam benefícios mesmo os que são sumamente felizes desejam passar os dias juntos e é justamente a esses que menos agrada a solidão Mas as pessoas não podem conviver se não são agradáveis umas às outras e não se deleitam com as mesmas coisas como parecem fazer os amigos que são também companheiros A verdadeira amizade é pois a dos bons como tantas vezes dissemos Efetivamente o que é bom ou agradável no sentido absoluto do termo parece estimável e desejável e a cada um se afigura ser o que é bom e agradável para ele e por ambas essas razões o homem bom é estimável e desejável para o homem bom Ora dirseia que o amor é um sentimento e a amizade é uma disposição de caráter porque se pode sentir amor mesmo pelas coisas inanimadas mas o amor mútuo envolve escolha e a escolha procede de uma disposição de caráter E os homens desejam bem àqueles a quem amam por eles mesmos não por efeito de um sentimento mas de uma disposição de caráter E finalmente os que amam um amigo amam o que é bom para eles mesmos porque o homem bom ao tornarse amigo passa a ser um bem para o seu amigo Cada qual portanto ao mesmo tempo que ama o que é bom para ele retribui com benevolência e aprazibilidade em igualdade de termos porque se diz que amizade é igualdade e ambas são encontradas mais comumente na amizade dos bons 6 Entre pessoas idosas e acrimoniosas é menos fácil formarse amizade porquanto tais pessoas são menos bemhumoradas e se comprazem menos na companhia umas das outras e estas são consideradas as maiores marcas de amizade e as que mais contribuem para produzila É por isso que enquanto os jovens são rápidos em fazer amizades o mesmo não se dá com os velhos os homens não se tornam amigos daqueles em cuja companhia não se comprazem E da mesma forma também as pessoas acrimoniosas não se tornam amigas facilmente Mas tais homens podem sentir benevolência uns pelos outros desejandose bem e ajudandose quando um precisa do outro Mal se pode dizer no entanto que sejam amigos porque não passam os dias juntos nem se deleitam na companhia um do outro e estas são consideradas as maiores marcas da amizade Não se pode ser amigo de muitas pessoas no sentido de ter com elas uma amizade perfeita assim como não se pode amar muitas pessoas ao mesmo tempo pois o amor é de certo modo um excesso de sentimento e está na sua natureza dirigirse a uma pessoa só e não sucede facilmente que muitas pessoas ao mesmo tempo agradem muito a um indivíduo só ou mesmo talvez que pareçam boas aos seus olhos É preciso por outro lado adquirir alguma experiência da outra pessoa e familiarizarse com ela e isso custa muito trabalho Mas com vistas na utilidade ou no prazer é possível que muitas pessoas agradem a uma só pois muitas pessoas são úteis ou agradáveis e tais serviços não exigem muito tempo Dessas duas espécies a que tem em mira o prazer parecese mais com a amizade quando ambas as partes recebem as mesmas coisas uma da outra e deleitamse uma com a outra ou com as mesmas coisas como acontece nas amizades dos jovens pois é em tais amizades que se observa com mais freqüência a generosidade A amizade que se baseia na utilidade é própria das pessoas de espírito mercantil Também as pessoas sumamente felizes não necessitam de amigos úteis mas sim de amigos agradáveis porque desejam viver com alguém e embora possam suportar durante um curto espaço de tempo o que é doloroso ninguém o toleraria constantemente mesmo que se tratasse do próprio Bem se este lhe fosse doloroso É por isso que buscam amigos agradáveis mas talvez devessem buscar aqueles que sendo agradáveis fossem também bons inclusive para eles pois assim possuiriam todas as características que devem possuir os amigos Os homens que ocupam posição de autoridade parecem ter amigos de diferentes classes Alguns lhes são úteis e outros são agradáveis mas raramente os mesmos indivíduos reúnem em si as duas qualidade pois que tais pessoas não procuram nem aqueles que além de agradáveis sejam virtuosos nem aqueles cuja utilidade vise a objetos nobres mas levados pelo desejo de prazer buscam a companhia de pessoas espirituosas e quanto aos seus outros amigos escolhemnos entre os que são hábeis em fazer o que lhes mandam ora tais características rara mente se encontram combinadas numa só pessoa Já dissemos que o homem bom é ao mesmo tempo útil e agradável104 mas um tal homem não se torna amigo de 104 1156 b 1315 1157 a 13 N do T quem lhe é superior em posição a menos que lhe seja superior também pela virtude e mesmo assim não poderia estabelecerse uma igualdade por ser ele ultrapassado em ambos os respeitos Entretanto pessoas que o ultrapassem em ambos os respeitos não são fáceis de encontrar Seja como for as amizades supramencionadas envolvem igualdade pois os amigos recebem as mesmas coisas um do outro e desejamse mutuamente as mesmas coisas ou trocam coisas entre si como por exemplo o prazer pela utilidade Dissemos105 contudo que essas amizades não apenas são menos verdadeiras como menos permanentes Mas é por sua semelhança e sua dessemelhança em relação à mesma coisa que as consideramos ou não amizades É por sua semelhança com a amizade da virtude que parecem ser amizades pois uma delas envolve prazer e a outra utilidade e estas características pertencem também à amizade dos virtuosos e é por ser permanente e invulnerável à calúnia a amizade dos virtuosos enquanto estas mudam rapidamente além de diferirem em muitos respeitos da primeira que parecem não ser amizades isto é em razão de sua dessemelhança com a amizade dos virtuosos 7 Mas existe outra espécie de amizade a saber a que envolve uma desigualdade entre as partes como a de pai para filho e em geral de mais velho para mais jovem a de marido para mulher e em geral de governante para súdito E essas amizades diferem também umas das outras pois a que existe entre pais e filhos não é a mesma que entre governantes e súditos nem a amizade de pai para filho é a mesma que a de filho para pai como a de marido para mulher não é a mesma que a de mulher para marido Com efeito a virtude e a função de cada uma dessas pessoas são diferentes e por isso também diferem as suas razões para amar e outra conseqüência do mesmo fato é que amor e amizade diferem igualmente um do outro 105 1156 a 1624 1157 a 2033 N do T Cada parte pois nem recebe a mesma coisa da outra nem deveria buscála mas quando os filhos prestam aos pais aquilo que devem prestar aos que os puseram no mundo e os pais aquilo que devem prestar aos filhos a amizade entre tais pessoas é duradoura e excelente Em todas as amizades que envolvem desigualdade o amor também deve ser proporcional isto é o melhor deve receber mais amor do que dá assim como deve ser mais útil e analogamente em cada um dos outros casos pois quando o amor é proporcional ao mérito das partes estabelecese em certo sentido a igualdade que é indubitavelmente considerada uma característica da amizade Mas a igualdade não parece assumir a mesma forma nos atos de justiça e na amizade Com efeito nos primeiros o que é igual no sentido primário é o que está em proporção com o mérito ao passe que a igualdade quantitativa é secundária mas na amizade a igualdade quantitativa é primária e a proporção ao mérito secundária Isso se torna claro quando há uma grande distância entre as partes no que se refere à virtude ao vício à riqueza ou outra coisa qualquer pois nesse caso já não são amigos e nem sequer esperam sêlo E a situação é manifesta acima de tudo quando se trata dos deuses que nos ultrapassam imensamente em tudo o que é bom Mas é também clara no tocante aos reis pois os homens que lhes são muito inferiores tampouco esperam tornarse seus amigos nem indivíduos de pouca valia esperam ser amigos dos melhores ou mais sábios dentre os homens Em tais casos não é possível definir com exatidão até que ponto os amigos podem permanecer amigos Com efeito a amizade pode sobreviver ao desaparecimento de muitos elementos que a compunham mas quando uma das partes é afastada para muito longe como sucede com Deus cessa a possibilidade de amizade Essa é aliás a origem da questão sobre se os amigos realmente desejam aos seus amigos os maiores bens como o de serem deuses visto que em tal caso seus amigos deixarão de sêlo e por conseguinte já não representarão bens para eles porque os amigos são realmente um grande bem A resposta é que se tínhamos razão em afirmar que o amigo deseja bem ao seu amigo por ele mesmo este deve continuar sendo a espécie de ser que é portanto é a ele na medida em que continua sendo um homem que o outro deseja os maiores bens Mas talvez não lhe deseje todos os maiores bens pois é a si mesmo antes de qualquer outro que cada homem deseja o bem 8 A maioria das pessoas parecem devido à ambição preferir ser amada a amar E é por isso que os homens em geral amam a lisonja Com efeito o lisonjeiro é um amigo em posição inferior ou finge ser tal ao mesmo tempo que simula amar mais do que é amado e ser amado parece ter bastante semelhança com ser honrado e isso é o que a maioria das pessoas ambicionam Entretanto dirseia que elas não preferem a honra em si mas apenas acidentalmente porquanto a maioria gosta de ser honrada pelos que ocupam posição de autoridade em razão de suas esperanças pois pensam que se necessitarem de alguma coisa conseguilasão com eles e por isso se comprazem na honra como prenuncio de favores futuros Os que desejam ser honrados por homens bons e sábios por seu lado querem confirmar a boa opinião que fazem de si mesmos e por conseguinte deleitamse em ser honrados porque acreditam na sua própria bondade estribados no julgamento dos que falam a seu respeito O ser amado por outra parte é deleitável em si mesmo e por isso afigurase preferível ao ser honrado e a amizade parece digna de ser desejada por si mesma Mas dirseia que ela reside antes em amar do que em ser amado como mostra o deleite que as mães sentem em amar pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados e enquanto conhecem o destino deles amamnos sem procurar ser amadas em troca se não lhes são possíveis ambas as coisas mas parecem contentarse em vêlos prosperar e amam os seus filhos mesmo quando estes por ignorância não lhes dão nada do que se deve a uma mãe E assim como a amizade depende mais do amar que do ser amado e são os que amam os seus amigos que são louvados o amar parece ser a virtude característica dos amigos de modo que só aqueles que amam na medida justa são amigos duradouros e só a amizade desses resiste ao tempo É deste modo mais que de qualquer outro que até os desiguais podem ser amigos pois é possível estabelecerse uma igualdade entre eles Ora igualdade e semelhança são amizade e especialmente a semelhança dos que são afins pela virtude Com efeito sendo constantes por natureza eles mantêmse fiéis um ao outro e não solicitam nem prestam serviços baixos mas podese dizer que até previnem tais ocorrências pois é característico dos homens bons não fazer o mal eles próprios nem permitir que seus amigos o façam Os maus porém não têm constância visto que nem sequer a si mesmos se mantêm semelhantes mas são amigos durante breve tempo por se deleitarem na maldade um do outro As amizades úteis ou agradáveis duram mais isto é subsistem enquanto os amigos proporcionam prazeres ou vantagens um ao outro A amizade com vistas na utilidade parece ser a que mais facilmente se forma entre contrários como por exemplo entre pobre e rico entre ignorante e letrado porque um homem ambiciona aquilo que lhe falta e dá algo em troca Mas nesta classe também se poderia incluir amante e amado belo e feio É por isso que os amantes parecem às vezes ridículos quando pretendem ser amados em troca quando ambos são igualmente dignos de amor a pretensão talvez se justifique mas é ridícula quando não têm nenhuma qualidade própria para despertar o amor A verdade talvez é que o contrário nem sequer busca o contrário por sua própria natureza mas apenas acidentalmente sendo o intermediário o objeto real do desejo pois este é que é realmente bom por exemplo para o seco o bom não é ficar úmido mas passar ao estado intermediário e da mesma forma no que se refere ao quente e em todos os outros casos Podemos deixar de parte estes assuntos que em verdade são um pouco estranhos à nossa investigação 9 Como dissemos no começo de nossa discussão106 a amizade e a justiça parecem dizer respeito aos mesmos objetos e manifestarse entre as mesmas pessoas Com efeito em toda comunidade pensase que existe alguma forma de justiça e igualmente de amizade pelo menos os homens dirigemse como amigos aos seus companheiros de viagem ou camaradas de armas e da mesma forma aos que se lhes associam em qualquer outra espécie de comunidade E até onde vai a sua associação vai a sua amizade como também a justiça que entre eles existe E o provérbio segundo o qual os amigos têm tudo em comum é a expressão da verdade pois a amizade depende da comunhão de bens Ora os irmãos e os camaradas possuem todas as coisas em comum mas esses outros a quem nos referimos possuem em comum certas coisas alguns mais e outros menos porque das amizades também algumas são verdadeiras amizades em maior e outras em menor grau E as imposições da justiça também diferem não são os mesmos os deveres dos pais para com os filhos e os dos irmãos entre si nem os dos camaradas ou dos concidadãos e o mesmo no que toca às outras espécies de amizade Há também uma diferença por conseguinte entre os atos que são injustos para com cada uma dessas classes de associados e a injustiça cresce de ponto quando se manifesta para com os que são amigos num sentido mais pleno por exemplo é mais detestável defraudar um camarada do que um concidadão mais odioso deixar de ajudar um irmão do que um estranho e mais abominável ferir o próprio pai do que a qualquer outro E as imposições da justiça também parecem aumentar com a intensidade da amizade o que implica que a amizade e a justiça existem entre as mesmas pessoas e são coextensivas Ora todas as formas de comunidade são como partes da comunidade política Por exemplo é tendo em vista alguma vantagem particular que os homens viajam juntos e a fim de proverem alguma coisa necessária à vida e é por causa da 106 1155 a 2228 N do T vantagem que a comunidade política parece terse formado e perdurar pois esse é o objetivo que os legisladores se propõem e chamam justo o que concorre para a vantagem comum Mas as outras comunidades têm em mira aspectos particulares dessa vantagem comum os marinheiros por exemplo visam ao que é vantajoso numa travessia para o propósito de ganhar dinheiro ou alguma finalidade dessa espécie e os soldados ao que é vantajoso na guerra quer busquem riqueza quer a vitória ou a posse de uma cidade e os membros de tribos ou demos procedem do mesmo modo Algumas comunidades parecem originarse da necessidade de prazer como as corporações religiosas e os grêmios sociais pois esses existem a fim de oferecer sacrifícios e proporcionar o convívio Mas todos parecem incluirse na comunidade política que não visa à vantagem imediata mas ao que é vantajoso para a vida no seu todo oferecendo sacrifícios e programando reuniões para esse fim honrando os deuses e provendo aprazíveis recreações para si mesma Com efeito tudo indica que os antigos sacrifícios e reuniões ocorriam após as colheitas como uma espécie de festa das primícias pois era nessa época que os homens tinham mais lazeres Todas as comunidades por conseguinte parecem fazer parte da comunidade política e as espécies particulares de amizade devem corresponder às espécies particulares de comunidade 10 Existem três espécies de constituição e igual número de desvios perversões daquelas por assim dizer As constituições são a monarquia a aristocracia e em terceiro lugar a que se baseia na posse de bens e que seria talvez apropriado chamar timocracia embora a maioria lhe chame governo do povo A melhor delas é a monarquia e a pior é a timocracia O desvio da monarquia é a tirania pois que ambas são formadas de governo de um só homem mas há entre elas a maior diferença possível O tirano visa à sua própria vantagem o rei à vantagem de seus súditos Com efeito um homem não é rei a menos que baste a si mesmo e supere os seus súditos em todas as boas coisas Ora um homem em tais condições de mais nada precisa e por isso não olhará aos seus interesses mas aos de seus súditos pois o rei que assim não for terá da realeza apenas o título Ora a tirania é o contrário exato de tudo isso o tirano visa ao seu próprio bem E é evidente ser esta a pior forma de desvio pois o contrário do melhor é que é o pior A monarquia degenera em tirania que é a forma pervertida do governo de um só homem e o mau rei convertese em tirano A aristocracia por seu lado degenera em oligarquia pela ruindade dos governantes que distribuem sem eqüidade o que pertence ao Estado todas ou a maior parte das coisas boas para si mesmos e os cargos públicos sempre para as mesmas pessoas olhando acima de tudo a riqueza e destarte os governantes são poucos e maus em lugar de serem os mais dignos A timocracia por seu lado degenera em democracia Ambas são coextensivas já que a própria timocracia tem como ideal o governo da maioria e os que não têm posses são contados como iguais aos outros A democracia é a menos má das três espécies de perversão pois no seu caso a forma de constituição não apresenta mais que um ligeiro desvio São estas pois as mudanças a que estão mais sujeitas as constituições e estas as transições menores e mais fáceis Podem ser encontradas analogias das constituições e por assim dizer modelos delas nas próprias famílias Com efeito a associação de um pai com seus filhos tem a forma da monarquia visto que o pai zela pelos filhos Aí está por que Homero chama a Zeus de pai107 e o ideal da monarquia é ser uma forma paternal de governo Entre os persas no entanto o governo dos pais é tirânico pois ali os pais usam os filhos como escravos Tirânico igualmente é o governo dos amos sobre os escravos em que a única coisa que se tem em vista é a vantagem dos primeiros Ora esta parece ser uma forma correta de governo mas o tipo persa é 107 Por exemplo Ilíada I 503 N do T pervertido uma vez que diferentes são as modalidades de governo apropriadas a relações diferentes A associação entre marido e mulher parece ser aristocrática já que o homem governa como convém ao seu valor mas deixa a cargo da esposa os assuntos que pertencem a uma mulher Se o homem governa em tudo a relação degenera em oligarquia pois ao proceder assim ele não age de acordo com o valor respectivo de cada sexo nem governa em virtude da sua superioridade Às vezes no entanto são as mulheres que governam por serem herdeiras e assim o seu governo não se baseia na excelência mas na riqueza e no poder como acontece nas oligarquias A associação de irmãos assemelhase à timocracia porquanto eles são iguais salvo na medida em que haja diferença de idades e por isso quando diferem muito em idade a amizade já não é do tipo fraternal A democracia é encontrada sobretudo nas famílias acéfalas onde por conseguinte todos se encontram num nível de igualdade e naquelas em que o chefe é fraco e todos têm licença de agir como entenderem 11 Mostra a observação que cada uma das constituições comporta amizade na exata medida em que comporta a justiça A amizade entre um rei e seus súditos depende de um excesso de benefícios conferidos porquanto o rei os confere aos seus súditos quando sendo ele um homem bom zela pelo bemestar destes como faz o pastor com as suas ovelhas e por isso Homero chamou a Agamenon pastor dos povos108 E tal é também a amizade de um pai embora este exceda o outro na grandeza dos benefícios dispensados pois é a causa da existência dos filhos a qual todos consideram o maior dos bens assim como prove à sua alimentação e educação Tudo isso se costuma atribuir também aos avós E acresce que por natureza um pai tende a governar seus filhos os avós aos descendentes e os reis aos seus súditos Estas amizades implicam superioridade de uma parte sobre a outra sendo essa a razão das honras que se prestam aos antepassados 108 Por exemplo Ilíada II 243 N do T Portanto a justiça que existe entre pessoas assim relacionadas não é a mesma de parte a parte mas sempre proporcional ao mérito porquanto isso é verdadeiro também da própria amizade A amizade entre marido e mulher por outro lado é a mesma que se observa na aristocracia já que está de acordo com a virtude o melhor recebe maior quinhão de bens e cada um recebe o que lhe compete e o mesmo se pode dizer da justiça nessas relações A amizade de irmãos é como a de camaradas porquanto são iguais e próximos uns dos outros pela idade e tais pessoas em geral assemelhamse nos sentimentos e no caráter E também é semelhante a esta a amizade apropriada ao governo timocrático pois numa tal constituição o ideal é serem os cidadãos iguais e eqüitativos e por isso o governo é assumido por turnos numa base de igualdade E a amizade apropriada a esta constituição corresponde à que descrevemos Nas formas de desvio porém como mal existe justiça também é rara a amizade E onde menos existe é na pior das formas na tirania há pouca ou nenhuma amizade Com efeito onde nada aproxima o governante dos governados não pode haver amizade uma vez que não há justiça Por exemplo entre artífice e ferramenta alma e corpo amo e escravo os segundos termos de cada uma dessas dualidades são beneficiados por aqueles que os utilizam mas não existe amizade nem justiça para com coisas inanimadas Mas tampouco existe amizade para com um cavalo um boi ou um escravo enquanto escravo pois não há nada de comum entre as duas partes o escravo é uma ferramenta viva e a ferramenta é um escravo inanimado Enquanto escravo pois não se pode ser seu amigo mas enquanto homem isso é possível pois parece haver uma certa justiça entre um homem qualquer e outro homem qualquer que tenham condições para participar de um sistema jurídico ou ser partes num ajuste logo pode haver amizade com ele na medida em que é um homem Por conseguinte embora nas tiranias mal existam a amizade e a justiça nas democracias elas têm uma existência mais plena pois onde há igualdade entre os cidadãos estes possuem muito em comum 12 Como dissemos109 pois toda a forma de amizade envolve associação Poder seia no entanto distinguir das outras a amizade dos familiares e a dos camaradas As dos concidadãos contribais companheiros de viagem etc se assemelham mais às amizades de associação pois parecem repousar sobre uma espécie de pacto Nesta classe poderíamos incluir a amizade entre hóspede e hospedeiro A própria amizade dos familiares embora seja de várias espécies parece depender em todos os casos da amizade paternofilial porquanto os pais amam os filhos como partes de si mesmos e os filhos amam os pais por serem algo que se originou deles Ora 1 os pais conhecem os filhos melhor do que estes se conhecem como seus filhos e 2 o procriador sente os filhos como seus mais do que os filhos sentem os pais como seus pois o produto pertence a quem o produziu como por exemplo um dente um fio de cabelo ou qualquer outra coisa pertence ao seu dono mas o produtor não pertence ao seu produto ou pertence em menor grau E finalmente 3 o tempo decorrido contribui para o mesmo resultado os pais amam os filhos desde que estes nascem mas os filhos começam a amar os pais só depois de algum tempo quando adquiram entendimento ou o poder de discriminação pelos sentidos Por isso tudo se evidencia também a razão de ser o amor das mães maior que o dos pais Pai e mãe amam portanto os seus filhos como a si mesmos pois estes em virtude de sua existência separada são como que outros eus enquanto os filhos amam os pais por terem nascido deles e os irmãos amam uns aos outros por se originarem dos mesmos pais já que a sua identidade com estes os torna idênticos entre si e por isso se fala em ser do mesmo sangue do mesmo tronco e assim 109 1159 b 2932 N do T por diante Em certo sentido pois são a mesma coisa embora existam como indivíduos separados Duas coisas que muito contribuem para a amizade são a educação em comum e a semelhança de idade pois pessoas da mesma idade se dão bem e os que se criaram juntos tendem a viver em camaradagem e é por isso que a amizade dos irmãos se assemelha à dos camaradas E entre primos e outros parentes existe um laço derivado do fraterno isto é de provirem dos mesmos pais Aproximamse e distanciamse uns dos outros proporcionalmente à proximidade ou distância do progenitor comum A amizade dos filhos pelos pais e dos homens pelos deuses é a que se tem para com algo de bom e superior pois eles lhes dispensaram os maiores benefícios dandolhes o ser a alimentação e a educação desde que nasceram E essa espécie de amizade também é aprazível e útil mais do que a amizade entre estranhos uma vez que tais pessoas convivem mais entre si A amizade de irmãos tem as características observadas na amizade entre camaradas especialmente quando estes são bons e de modo geral entre pessoas semelhantes umas às outras porquanto eles vivem em comum e se amam desde que nasceram e já que os filhos dos mesmos pais tendo crescido juntos e recebido a mesma educação têm maior semelhança de caráter e no seu caso a prova do tempo foi aplicada de maneira mais completa e concludente Entre outros graus de parentesco as relações amigáveis são encontradas nas proporções correspondentes Entre marido e mulher a amizade parece existir por natureza pois a espécie humana se inclina naturalmente a formar casais mais do que a formar cidades já que a família é anterior à cidade e mais necessária do que esta e a reprodução é comum ao homem e aos animais Entre os outros animais a união vai apenas até esse ponto mas os seres humanos vivem juntos não só para reproduzirse senão também para os vários propósitos da vida E desde o começo são divididas as funções diferindo entre si as do homem e as da mulher e ajudam eles um ao outro fazendo capital comum de seus dotes individuais Por tais motivos tanto a utilidade como o prazer parecem ser encontrados nessa espécie de amizade Pode ela no entanto basearse também na virtude se as partes são boas pois cada uma possui a sua virtude própria e ambas se deleitam nisso E os filhos constituem um laço de união motivo pelo qual os casais sem filhos separamse mais facilmente porquanto os filhos são um bem comum a ambos e o que ambos possuem em comum os conserva unidos Como devem portarse um para com o outro marido e mulher e de um modo geral amigo com amigo parece ser a mesma questão que a de determinar qual seja a sua conduta justa porque um homem não parece ter os mesmos deveres para com um amigo um estranho um camarada e um condiscípulo Existem três espécies de amizade como dissemos no começo de nossa investigação110 e com respeito a cada uma delas alguns são amigos em termos de igualdade e outros em virtude de uma superioridade pois não só homens igualmente bons podem tornarse amigos mas um homem melhor pode fazer amizade com outro pior e também nas amizades que se baseiam no prazer ou na utilidade os amigos podem ser iguais ou desiguais quanto aos benefícios que conferem Assim sendo os iguais devem ser amigos numa base de igualdade quanto ao amor e a todos os outros respeitos ao passo que os desiguais devem beneficiarse proporcionalmente à sua superioridade ou inferioridade As queixas e censuras surgem unicamente ou principalmente nas amizades que se baseiam na utilidade e isso está conforme ao que seria de esperar Com efeito os que são amigos com base na virtude anseiam por fazer bem um ao outro pois que isso é uma marca de virtude e de amizade e entre homens que emulam entre si nessas coisas não pode haver queixas nem disputas Ninguém é ofendido por um homem que o ama e lhe faz bem e se é uma pessoa de nobres sentimentos vingase fazendo bem ao outro E o homem que supera o outro nos serviços prestados não se queixará do seu amigo visto que obtém aquilo que tinha em vista com efeito cada um deles deseja o que é bom E tampouco nas amizades 110 1156 a 7 NdoT baseadas no prazer surgem muitas queixas porque ambos recebem simultaneamente o que desejam se se comprazem em passar o tempo juntos e mesmo o homem que se queixasse de outro por não lhe proporcionar prazer seria ridículo uma vez que depende dele não passar seus dias em companhia desse outro Mas a amizade que se baseia na utilidade é repleta de queixas porquanto como cada um se utiliza do outro em seu próprio benefício sempre querem lucrar na transação e pensam que saíram prejudicados e censuram seus amigos porque não recebem tudo o que necessitam e merecem e os que fazem bem a outros não podem ajudálos tanto quanto eles querem Ora é de supor que sendo a justiça de duas espécies uma não escrita e a outra legal haja também uma espécie moral e outra legal de amizade baseada na utilidade E assim as queixas surgem principalmente quando os homens não dissolvem a relação dentro do espírito do mesmo tipo de amizade em que a contraíram O tipo legal é aquele que assenta sobre termos definidos Sua variedade puramente comercial baseiase no pagamento imediato enquanto a variedade mais liberal dá uma certa margem de tempo mas estipula uma troca definida Nesta variedade a dívida é clara e não ambígua mas a sua protelação contém um elemento de amizade e por isso alguns Estados não admitem ações judiciais em torno de tais acordos mas pensam que os homens que transacionaram numa base de crédito devem aceitar as conseqüências O tipo moral não assenta em termos fixos Faz uma dádiva ou o que quer que seja como se fosse a um amigo mas espera receber outro tanto ou mais como se não tivesse dado e sim emprestado e se a situação de um deles é pior após dissolverse a relação do que antes de havêla contraído esse homem se queixará Isso acontece porque todos os homens ou a maioria deles desejam o que é nobre mas escolhem o que é vantajoso ora é nobre fazer bem a um outro sem visar a qualquer compensação mas receber benefícios é que é vantajoso amizade se dissolve Não só o homem melhor pensa que lhe cabe receber mais de vez que um homem bom faz jus a mais como o mais útil espera a mesma coisa E dizem que um homem inútil não deve receber tanto quanto eles visto que nesse caso a amizade deixa de ser amizade para converterse num serviço público quando os seus proveitos não correspondem ao valor dos benefícios conferidos Porque tais pessoas pensam que assim como numa sociedade comercial os que entram com mais devem ganhar mais o mesmo deve suceder na amizade Mas o homem que se encontra em estado de necessidade e inferioridade faz a reivindicação contrária pensa que é próprio de um bom amigo ajudar os necessitados De que serviria diz ele ser amigo de um homem bom ou poderoso se não se tirasse nenhum proveito disso Seja como for parece que cada parte é justificada na sua asserção e que cada um deveria tirar mais vantagem da amizade do que o outro não maior quantidade da mesma coisa porém mas o superior em honra e o inferior em ganho porquanto a honra é o prêmio da virtude e da beneficência enquanto o ganho é a ajuda de que necessita a inferioridade O mesmo parece suceder nas disposições constitucionais o homem que não contribui com nada para o bem comum não é honrado pois o que pertence ao público é dado a quem o beneficia e a honra pertence ao público Não é possível receber ao mesmo tempo riqueza e honra do patrimônio comum Com efeito ninguém se conforma em receber a parte menor em todas as coisas destarte ao homem que perde a riqueza conferese honra e riqueza ao que consente em ser pago já que a proporção ao mérito iguala as partes e preserva a amizade como dissemos111 É também essa portanto a maneira pela qual nos deveríamos associar com desiguais o homem que é beneficiado com respeito à riqueza ou à virtude deve retribuir com honra compensando o outro na medida de suas capacidades Porquanto a amizade pede a um homem que faça o que pode e não o que é 111 1162 a 34 1162 b 4 cf 1158 b 27 1159 a 35 1159b3N doT proporcional aos méritos do caso já que isso nem sempre é possível como por exemplo nas honras prestadas aos deuses ou aos pais Com efeito ninguém jamais lhes poderia pagar o equivalente do que recebe mas o homem que os serve na medida de suas capacidades é considerado um homem bom Eis aí por que não parece lícito a um homem repudiar seu pai embora o pai possa repudiar o filho Como devedor que é deve pagar mas nada do que um filho possa fazer equivalerá ao que recebeu de modo que ele continua sempre em dívida Mas assim como os credores podem perdoar uma dívida também um pai pode fazêlo E por outro lado pensase que ninguém repudiaria um filho que não fosse profundamente perverso porque além da amizade natural entre pai e filho é próprio da natureza humana não enjeitar a ajuda de um filho Mas este se de fato é perverso evitará ajudar o pai ou não fará muita questão disso porquanto a maioria deseja receber benefícios mas evita fazêlos como coisa que não compensa Sobre estas questões dissemos o suficiente LIVRO IX 1 Em todas as amizades entre dessemelhantes é como dissemos112 a proporção que iguala as partes e preserva a amizade Por exemplo na forma política de amizade o sapateiro recebe uma compensação pelos seus produtos na proporção do que eles valem e o mesmo sucede com o tecelão e outros artífices Ora aqui foi estabelecida uma medida comum sob a forma de dinheiro à qual tudo é referido e pela qual tudo se mede Mas na amizade entre amantes por vezes o amante se queixa de que o seu excesso de amor não é recompensado com amor embora não tenha nada talvez que o faça digno de ser amado enquanto o amado se queixa com freqüência de que o amante que outrora lhe prometia tudo agora não cumpre nada Tais incidentes acontecem quando o amante ama o amado com vistas no prazer enquanto o amado ama o amante com vistas na utilidade e nenhum dos dois possui as qualidades que deles se esperam Se tais são os objetivos 112 Cf 1132 b 3133 1158 b 27 1159 a 35 159 b 3 1162 a 34 1162 b 4 1 163 b 11 N do T da amizade esta se dissolve quando os dois não obtêm as coisas que constituíam os motivos de seu amor porquanto nenhum deles amava o outro por si mesmo mas apenas as suas qualidades e estas não eram duradouras Eis aí por que essas amizades também são passageiras Mas o amor dos caracteres como dissemos113 perdura porque só depende de si mesmo Surgem desentendimentos quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam pois é então como se nada tivessem obtido Vejase a história do homem que fez trato com um citarista prometendo darlhe tanto mais quanto melhor cantasse mas pela manhã quando o outro reclamou o cumprimento da promessa ele respondeu que havia retribuído prazer com prazer Ora se fosse prazer o que ambos queriam tudo estaria bem mas se um queria prazer enquanto o outro queria ganho e um recebeu o que queria mas o outro não os termos da transação não foram devidamente cumpridos pois o que cada um necessita é aquilo a que se aplica e é em troca disso que dá o que tem Mas quem fixará o valor do serviço o que se sacrifica ou o que alcança a vantagem Seja como for o outro parece deixar a decisão com ele Era assim segundo se conta que Protágoras costumava proceder toda vez que ensinava uma coisa qualquer mandava o aluno estimar o valor do conhecimento e aceitava a quantia que ele tivesse fixado Mas em tais assuntos alguns aprovam o aforismo Que cada um tenha a sua recompensa fixa114 Os que tendo recebido o dinheiro com antecipação não fazem nada do que haviam prometido por causa da extravagância de suas promessas são naturalmente objetos de queixa porque não cumprem o que pactuaram fazer Os sofistas são talvez forçados a agir assim porque ninguém lhes daria dinheiro em troca das coisas que eles realmente sabem Essas pessoas por conseguinte se não fazem aquilo para que foram pagas são naturalmente objetos de queixa 113 1156 b 912 N doT 114 Hesíodo Trabalhos e Dias 370 Rzach N doT Mas quando não há contrato de serviço aqueles que renunciam a alguma coisa no interesse da outra parte não podem como dissemos115 ser acusados porquanto essa é a natureza da amizade baseada na virtude e a retribuição lhes deve ser feita de acordo com o seu propósito pois o propósito é o que caracteriza tanto um amigo como a virtude E da mesma forma segundo parece deveriam ser retribuídos aqueles com quem estudamos filosofia pois o seu valor não pode ser medido pelo dinheiro nem há honra que esteja à altura de seus serviços entretanto é talvez suficiente como no caso dos deuses e de nossos pais darlhes aquilo que podemos Se a dádiva não era dessa espécie mas foi feita com a mira na retribuição é certamente preferível que se retribua de maneira que pareça justa a ambas as partes mas se isso não for possível não apenas será necessário mas também justo que o primeiro beneficiado fixe a recompensa Com I efeito se o outro receber em troca o equivalente da vantagem auferida por ele ou o preço que teria pago pelo prazer terá recebido o que é justo da parte do primeiro beneficiado Vemos acontecer o mesmo com as coisas que são postas à venda e em alguns lugares a lei proscreve as demandas originadas de contratos voluntários partindo do princípio de que cada um deve ajustar suas contas com aqueles a quem deu crédito dentro do mesmo espírito em que transacionou com eles A lei considera mais justo que as condições sejam fixadas pelo homem a quem se concedeu crédito do que pelo outro pois que a maioria das coisas não são estimadas no mesmo valor pelos que as possuem e pelos que necessitam delas Cada classe dá grande valor ao que é seu e que ela oferece não obstante a retribuição é feita nos termos fixados pelo que recebe Mas sem dúvida este deve avaliar uma coisa não pelo que lhe parece valer quando a possui e sim pelo valor que lhe atribuía antes de possuíla 2 Outro problema é levantado por perguntas do gênero das seguintes Devemos dar preferência em todas as coisas a nosso pai e obedecerlhe ou 115 1162 b 613 N do T depositar nossa confiança num médico quando estamos doentes e escolher um homem de tirocínio militar quando nos compete eleger um general E analogamente devemos prestar serviço de preferência a um amigo ou a um homem bom e mostrarnos gratos a um benfeitor ou obsequiar um amigo se não for possível fazer ambas as coisas Não é verdade que todas essas questões são difíceis de resolver com precisão Porquanto elas admitem variações de toda sorte tanto com respeito à magnitude do serviço como à sua nobreza e à sua necessidade Mas que não devemos dar preferência em todas as coisas à mesma pessoa é bastante claro e em geral é mais certo retribuir benefícios do que obsequiar amigos e antes de fazer um empréstimo a um amigo devemos pagar o nosso credor Mas talvez nem isto seja sempre verdadeiro por exemplo deve um homem que foi resgatado das mãos de bandidos resgatar em troca o que o libertou seja ele quem for ou pagarlhe se ele não foi capturado mas exige pagamento ou em vez disso deve resgatar o seu pai Dirseia que o certo é resgatar o pai mesmo de preferência a si próprio Como dissemos116 pois em geral a dívida deve ser paga mas se a dádiva é extremamente nobre ou necessária cumpre atender também a estas considerações Porque às vezes nem sequer é justo retribuir com o equivalente do que recebemos quando uma das partes prestou serviço a um homem que sabe ser bom enquanto a outra retribui a alguém que acredita ser mau E às vezes não devemos emprestar a quem nos fez um empréstimo pois o primeiro emprestou a um homem bom esperando reaver o seu empréstimo enquanto o outro não tem esperança de ser pago por alguém que passa por ser mau Portanto se isto é a verdade a exigência não é justa e se não é mas acreditase que seja ninguém consideraria estranha a recusa Como acentuamos muitas vezes117 as discussões a respeito de sentimentos e ações são tão definidas ou indefinidas quanto os seus objetos 116 1164b 31 1165 a 2 NdoT 117 1094 b 1127 1098 a 2629 1103 b 34 1104 a 5NdoT Que não devemos fazer a mesma retribuição a cada um nem dar a um pai a preferência em todas as coisas assim como não oferecemos todos os sacrifícios a Zeus é suficientemente claro Mas como devemos prestar coisas diferentes aos pais aos irmãos aos camaradas e aos benfeitores a cada classe devemos prestar o que for apropriado e decoroso E isso é o que as pessoas parecem realmente fazer Para as bodas convidam os parentes pois estes fazem parte da família e por conseguinte participam também dos acontecimentos que a afetam e por ocasião dos enterros também consideram apropriado que se reúnam os parentes antes de mais ninguém pela mesma razão No que toca aos alimentos pensase que devemos ajudar nossos pais antes de qualquer outro pois que deles recebemos outrora o nosso sustento e é mais honroso ajudar a esse respeito os autores de nosso ser mesmo de preferência a nós próprios E também devemos honrar nossos pais como honramos os deuses porém não lhes prestar toda e qualquer honra acresce que as mesmas honras não convém ao pai e à mãe nem se lhes deve dar as que se costuma conferir a um filósofo ou um general e sim as que são devidas a um pai ou a uma mãe A todas as pessoas mais velhas igualmente devem ser prestadas as honras que convém à sua idade erguendonos para recebêlas procurando lugares para elas etc ao passo que aos camaradas e amigos devemos dar a liberdade de expressarse e o uso de todas as coisas em comum E também aos parentes aos contribais aos concidadãos e a cada uma das outras classes devese sempre procurar prestar o que for apropriado e comparar os direitos de cada classe com respeito à proximidade de relação e à virtude ou necessidade A comparação é mais fácil quando as pessoas pertencem à mesma classe e mais trabalhosa quando são diferentes Nem por isso devemos furtarnos à tarefa mas cumprenos decidir a questão como melhor pudermos 3 Outra questão que se apresenta é sobre se convém ou não romper a amizade quando a outra parte não permanece a mesma Talvez se possa dizer que não há nada de estranho em romper uma amizade baseada na utilidade ou no prazer quando nossos amigos já não possuem tais atributos Pois foi por causa destes que nos tornamos amigos e quando eles deixam de existir é razoável que não se sinta mais amor Mas poderíamos queixarnos de um outro se tendonos ele amado pela nossa utilidade ou aprazibilidade simulou amarnos pelo nosso caráter Porque como dissemos no começo118 as mais das vezes surgem os desentendimentos entre amigos quando não são amigos dentro do espírito em que pensam sêlo E assim quando um homem iludiu a si mesmo julgando que era amado pelo seu caráter e isso não correspondia em absoluto à verdade não pode ele censurar a ninguém senão a si próprio mas quando foi iludido pelas simulações da outra pessoa é justo que se queixe de quem o enganou mais justo até do que quando nos queixamos de falsificadores de moedas porquanto o mal diz respeito a uma coisa mais valiosa Mas quando aceitamos um homem como bom e ele se revela e patenteia mau devemos continuar a amálo Isso é certamente impossível visto que não se podem amar todas as coisas mas apenas o que é bom O que é mau nem pode nem deve ser amado pois ninguém tem o dever de amar o mau nem de tornarse semelhante a ele e já temos dito119 que o semelhante é caro ao semelhante Deve então ser a amizade imediatamente rompida Ou não será assim em todos os casos mas apenas quando nossos amigos são incuráveis em sua maldade Se são passíveis de reforma deveríamos antes procurar ajudálos no que toca ao seu caráter ou aos seus bens materiais tanto mais que isso é melhor e mais característico da amizade Mas ninguém acharia estranho que alguém rompesse semelhante amizade pois não era amigo de um homem dessa espécie uma vez que seu amigo mudou e ele não pode salválo é justo que o abandone Mas se um dos amigos permanecesse o mesmo e o outro se tornasse melhor e o ultrapassasse grandemente em virtude deveria o segundo tratar o primeiro como amigo Seguramente isso não é possível A verdade do que dizemos se evidencia sobretudo quando o intervalo é grande como no caso das amizades de 118 1162b 2325 N doT 119 1156 b 1921 1159 b lN do T infância se um dos amigos permaneceu uma criança quanto ao intelecto ao passo que o outro se tornou um homem na inteira acepção da palavra como podem continuar amigos se não aprovam as mesmas coisas nem se deleitam ou contristam com as mesmas coisas Porquanto nem mesmo com respeito um ao outro haverá concordância entre os seus gostos e sem isso como já vimos120 não pode haver amizade pois impossível é viverem os dois juntos Já discutimos porém estes assuntos121 Devemos então conduzirnos para com ele como se nunca tivéssemos sido seu amigo Certamente nos recordaremos de nossa antiga intimidade e como somos de opinião que convém obsequiar nossos amigos de preferência a estranhos também no caso dos que foram nossos amigos devemos levar em consideração a amizade de outrora se o rompimento não se deveu a um excesso de maldade 4 As relações amigáveis com seu semelhante e as marcas pelas quais são definidas as amizades parecem proceder das relações de um homem para consigo mesmo Com efeito 1 definimos um amigo como aquele que deseja e faz ou parece desejar e fazer o bem no interesse de seu amigo ou 2 como aquele que deseja que seu amigo exista e viva por ele mesmo e isso é o que as mães fazem aos seus filhos e o que fazem os amigos que entraram em conflito122 E 3 outros o definem como aquele que vive na companhia de um outro e 4 tem os mesmos gostos que ele ou 5 o que compartilha os pesares e alegrias de seu amigo e isso também é encontrado principalmente nas mães É por alguma destas características que a amizade é definida Ora cada uma delas é verdadeira do homem bom em relação a si mesmo e de todos os outros homens na medida em que se consideram bons a virtude e o homem bom parecem como dissemos123 ser a medida de todas as classes de coisas Com efeito as suas opiniões são harmônicas e ele deseja de toda a sua alma 120 1157 b 2224 N do T 121 Ibid 1724 1158 b 3335 N do T 122 Alguns editores eliminam esta parte final Mas o sentido deve ser Houve uma controvérsia que lhes prejudica a união mas ainda os deixa com boa disposição de um para com o outro N do E 123 1113 a 2233 cf 1099 a 13NdoT as mesmas coisas por conseguinte deseja para si o que é bom e o que parece sêlo e o faz pois é característico do homem bom pôr em prática o bem e assim procede no seu próprio interesse isto é no interesse do elemento intelectual que possui em si e que é considerado como sendo o próprio homem e a si mesmo deseja a vida e a preservação em especial do elemento em virtude do qual ele pensa Porquanto a existência é boa para o homem virtuoso e cada um deseja para si o que é bom ao passo que ninguém desejaria possuir o mundo inteiro se para tanto lhe fosse preciso tornarse uma outra pessoa quanto a isso Deus é quem tem a posse atual do bem Tal homem só deseja essas coisas com a condição de continuar sendo o que é e o elemento pensante parece ser o próprio indivíduo ou sêlo mais do que qualquer outro dos elementos que o formam E ele deseja viver consigo mesmo e o faz com prazer já que se compraz na recordação de seus atos passados e suas esperanças para o futuro são boas e portanto agradáveis Tem do mesmo modo a mente bem provida de objetos de contemplação E sofre e se alegra mais do qualquer outro consigo mesmo porquanto a mesma coisa é sempre dolorosa e a mesma coisa sempre agradável e não uma coisa agora e outra depois Ele não tem por assim dizer nada de que possa arrependerse Logo como cada uma destas características pertence ao homem bom em relação a si mesmo e ele se relaciona para com o seu amigo como para consigo mesmo pois o amigo é um outro eu pensase que a amizade é também um destes atributos e que aqueles que possuem estes atributos são amigos Se há ou não amizade entre um homem e ele mesmo é uma questão que podemos deixar de lado por ora Parece haver amizade na medida em que ele é dois ou mais a julgar pelos atributos da amizade que mencionamos acima e pelo fato de que o extremo da amizade é comparado ao amor que sentimos por nós mesmos Entretanto os atributos mencionados parecem pertencer à maioria dos homens por deploráveis criaturas que eles sejam Devemos então dizer que na medida em que estão satisfeitos consigo e se consideram bons eles participam desses atributos O certo é que nenhum homem radicalmente mau e ímpio os possui ou sequer parece possuílos Não se pode dizer tampouco que as pessoas inferiores os possuam pois tais pessoas não se harmonizam consigo mesmas e apetecem certas coisas mas racionalmente desejam outras Isto é verdadeiro por exemplo dos incontinentes que escolhem em lugar das coisas que eles mesmos julgam boas outras que são agradáveis mas perniciosas enquanto outras pessoas ainda por covardia e indolência se esquivam de fazer o que consideram melhor para elas próprias E os que cometeram muitos atos abomináveis e são odiados pela sua maldade esquivamse à própria vida e destroem a si mesmos E os maus buscam outras pessoas com quem passar os seus dias e fugir de si mesmos pois lembramse de muitos crimes e prevêem outros semelhantes quando estão sozinhos mas esquecemnos quando têm companhia E não possuindo em si nada de louvável não sentem nenhum amor por si mesmos Por isso tais homens tampouco se alegram ou sofrem consigo próprios porquanto a sua alma é dilacerada por forças contrárias e um dos elementos que a constituem em razão da sua maldade sofre quando se abstém de certos atos enquanto a outra parte se rejubila e uma delas o arrasta numa direção e a outra na direção contrária como se o quisessem esquartejar Se um homem não pode sentir dor e prazer ao mesmo tempo pelo menos ao cabo de alguns instantes sofre porque sentiu prazer e desejaria que tais coisas não lhe fossem agradáveis porque os maus têm a alma pejada de arrependimento Por esses motivos o homem mau não parece amigavelmente disposto sequer para consigo mesmo uma vez que nele não existe nada digno de amor De modo que se ter semelhante índole é ser a mais desgraçada das criaturas devemos envidar todos os esforços para evitar a maldade e procurar ser bons porque só assim poderemos ser amigos de nós mesmos e dos outros 5 A benevolência é uma espécie de relação amigável mas não se identifica com a amizade pois que tanto podemos sentila para com pessoas a quem não conhecemos como sem que elas próprias o saibam ao passo que com a amizade não sucede assim Isto aliás já ficou dito atrás124 Mas a benevolência não é sequer um sentimento amistoso já que não envolve intensidade ou desejo enquanto o sentimento de amizade é acompanhado desses elementos Além disso amizade implica intimidade enquanto a benevolência pode surgir repentinamente como acontece para com os adversários numa competição sentimos benevolência para com eles e compartilhamos os seus desejos mas não cooperaríamos em nada com eles porque como dizíamos esse sentimento nos vem de súbito e nós só os amamos superficialmente A benevolência parece pois ser um começo de amizade como o prazer dos olhos é o começo do amor Porque ninguém ama se não se deleitou de início com a forma do ser amado mas nem por isso o que se deleita com a forma de um outro o ama é também preciso que sinta a sua falta quando está ausente e que anseie pela sua presença Do mesmo modo não é possível que duas pessoas sejam amigas se antes não sentiram benevolência uma para com a outra mas pelo simples fato de sentirem benevolência não se pode dizer que sejam amigas porquanto apenas desejam bem ao outro mas não cooperariam em nada com ele nem se dariam ao trabalho de ajudálo E assim por uma extensão do termo amizade poderseia dizer que a benevolência é uma amizade inativa se bem que passe a ser amizade verdadeira quando se prolonga e chega ao ponto da intimidade Não se trata aqui porém da amizade baseada na utilidade nem da que tem por objeto o prazer pois tampouco a benevolência surge em tais condições O homem que recebeu um benefício retribui com benevolência e nisso não faz senão o que é justo enquanto o que deseja a prosperidade de alguém porque espera enriquecer através dele não parece sentir benevolência para com tal pessoa mas antes para consigo mesmo assim como um homem não é amigo de outro se o estima apenas por causa de algum proveito que possa tirar dele Em geral a benevolência surge em virtude de alguma excelência ou mérito quando um homem 124 1155 b 32 1156a5N do T parece a outro belo bravo ou algo de semelhante como fizemos ver no caso dos adversários numa competição 6 A unanimidade também parece ser uma relação amigável Por este motivo não é ela identidade de opinião a qual poderia ocorrer mesmo entre pessoas que não se conhecem E tampouco dizemos que os que têm a mesma opinião sobre todo e qualquer assunto sejam unânimes como por exemplo os que concordam no tocante aos corpos celestes pois a unanimidade a esse respeito não é uma relação amigável mas dizemos que uma cidade é unânime quando os homens têm a mesma opinião sobre o que é de seu interesse escolhem as mesmas ações e fazem em comum o que resolveram É portanto a respeito das coisas a fazer que se diz que as pessoas são unânimes e entre elas dos assuntos importantes em que é possível a ambas ou a todas as partes obterem o que pretendem por exemplo uma cidade é unânime quando todos os cidadãos pensam que os seus cargos públicos devem ser eletivos ou que convém fazer aliança com Esparta ou que Pítaco deve governála numa ocasião em que o próprio Pítaco também deseje governar Mas quando cada uma de duas pessoas deseja para si a posse da coisa em questão como os capitães nas Fenícia125 elas entram em choque porquanto não há unanimidade quando cada uma das partes pensa na mesma coisa seja ela qual for mas apenas quando pensam na mesma coisa nas mesmas mãos por exemplo quando tanto o povo como os da classe superior desejam que os melhores homens governem porque assim e só assim todos alcançarão o que pretendem A unanimidade parece pois ser a amizade política como de fato é geralmente considerada pois ela versa sobre coisas que são de nosso interesse e que têm influência em nossa vida Ora uma tal unanimidade é encontrada entre os homens bons pois estes são unânimes tanto consigo mesmos como uns com os outros e têm por assim dizer 125 Eurípides As Virgens Fenícias 588 ss N do T um só pensamento já que os desejos de tais homens são constantes e não estão à mercê de correntes contrárias como um estreito de mar e desejam o que é justo e vantajoso e esses são os objetos de seus esforços comuns Mas os homens maus não podem ser unânimes a não ser dentro de limites muito reduzidos como tampouco podem ser amigos visto que ambicionam mais do que o seu quinhão justo de vantagens enquanto no trabalho e no serviço público ficam muito aquém da parte que lhes compete E cada homem desejando vantagens para si mesmo critica o seu vizinho e lhe faz obstáculo porque se as pessoas não forem vigilantes o patrimônio comum não tardará a ser completamente demolido Daí resulta encontraremse em estado de luta procurando coagir uns aos outros sem que ninguém se disponha a fazer o que é justo 7 Os benfeitores segundo se pensa amam aqueles a quem fizeram bem mais do que estes os amam e discutese este ponto como se fosse paradoxal A maioria julga que isso acontece porque os segundos se encontram na posição de devedores e os primeiros de credores e por conseguinte assim como os que tomaram dinheiro emprestado desejam que os seus credores não existissem ao passo que estes chegam a zelar pela segurança de seus devedores também se pensa que os benfeitores desejam longa vida aos objetos de suas boas ações pois desse modo poderão contar com a gratidão deles enquanto os beneficiários não se interessam em lhes retribuir dessa forma Epicarno acharia talvez que eles falam assim porque olham as coisas pelo lado mau126 mas isso é muito próprio da natureza humana porque a maioria das pessoas têm a memória curta e antes desejam ser bem tratadas do que tratar bem ao próximo Mas a causa parece ter raízes mais profundas na natureza das coisas e o caso dos que emprestaram dinheiro nem sequer apresenta analogia com este Com efeito os credores não têm nenhum sentimento amistoso para com os seus devedores mas apenas desejam vêlos em segurança por causa do que têm a 126 Fragmento 146 Kaibel N do T receber deles enquanto os que prestaram um serviço a outrem sentem amizade e amor por aqueles a quem serviram mesmo que estes não lhes sejam de nenhuma utilidade nem jamais possam vir a sêlo É o que acontece também com os artífices por exemplo cada um ama o trabalho saído de suas mãos muito mais do que o amaria este se pudesse adquirir vida E mais que ninguém talvez os poetas que devotam excessivo amor aos seus poemas idolatrandoos como se fossem seus filhos A posição dos benfeitores é semelhante a pessoa a quem fizeram bem é como se fosse sua obra que eles amam mais do que a obra ama o seu artífice Isso porque a existência é para todos os homens uma coisa digna de ser escolhida e amada ora nós existimos em virtude da atividade isto é vivendo e agindo e a obra é em certo sentido uma produtora de atividade portanto o artífice ama a sua obra porque ama a existência E isso tem raízes profundas na natureza das coisas pois o que ele é em potência sua obra o manifesta em ato Ao mesmo tempo para o benfeitor é nobre aquilo que depende da sua ação E assim se deleita com o objeto da sua ação enquanto o paciente não vê nada de nobre no agente mas no máximo algo de vantajoso e isso é menos agradável e estimável O que é agradável é a atividade do presente a esperança do futuro e a memória do passado mais agradável que tudo porém e também mais estimável é o que depende da atividade Ora para o homem que fez alguma coisa a sua obra permanece pois o nobre é duradouro mas para aquele que foi objeto da ação a utilidade não tarda a passar E a lembrança das coisas nobres é agradável enquanto a das coisas úteis não costuma sêlo ou o é menos No caso da expectação contudo o contrário disso é que parece ser verdadeiro Acresce que o amor é como a atividade e ser amado assemelhase à passividade e o amor e os seus concomitantes são os atributos dos mais ativos dentre os homens E finalmente todos os homens têm maior amor ao que ganharam como fruto do seu trabalho Por exemplo os que fizeram a sua fortuna amamna mais do que aqueles a quem ela veio por herança e ser bem tratado não parece envolver trabalho enquanto fazer bem a outrem é tarefa laboriosa São estas também as razões por que as mães têm mais amor a seus filhos do que os pais pôlos no mundo lhes custou mais dores e elas sentem mais profundamente que os filhos lhes pertencem Este último ponto parece aplicarse igualmente aos benfeitores 8 Também se discute a questão de se um homem deveria amar acima de tudo a si mesmo ou a alguma outra pessoa São criticados aqueles que amam a si mesmos mais do que a qualquer outra coisa e dáselhes o nome de ególatras que é considerado um epíteto pejorativo e um homem mau parece fazer tudo no seu próprio interesse e isso tanto mais quanto pior ele for É acusado por exemplo de não fazer nada espontaneamente enquanto o homem bom age tendo em vista a honra sacrificando os seus interesses pessoais e isso tanto mais quanto melhor ele for Mas os fatos estão em conflito com estes argumentos o que aliás não é de surpreender Com efeito dizem os homens que deveríamos amar acima de tudo o nosso melhor amigo e o melhor amigo de um homem é aquele que lhe deseja bem por ele mesmo ainda que ninguém venha a ter conhecimento disso e esses atributos são encontrados principalmente na atitude de um homem para consigo mesmo como todos os outros atributos pelos quais é definido um amigo porque como dissemos127 foi a partir desta relação que todas as características da amizade se estenderam aos nossos semelhantes E isto é confirmado pelos provérbios como uma só alma128 os amigos possuem todas as coisas em comum amizade é igualdade e a caridade começa por casa pois todas essas características são encontradas principalmente na relação de um homem para consigo mesmo Ele próprio é o seu melhor amigo e por isso deveria amar a si mesmo acima de tudo É pois razoável indagar qual das duas opiniões seguiremos porque ambas são plausíveis 127 Cap 4 N do T 128 Eurípides Orestes 1046 N do T Talvez convenha distinguir esses argumentos uns dos outros e determinar em que medida e a que respeito cada uma das opiniões é verdadeira Ora a verdade poderá tornarse evidente se apreendermos o sentido em que cada escola usa a expressão amigo de si mesmo Os que a usam como termo de censura atribuem a autofilia aos que abocanham um quinhão maior de riquezas honras e prazeres corporais pois essas são as coisas que a maioria deseja e pelas quais se esforça como se fossem as melhores de todas e também por esse motivo se tornam objetos de competição E os que são cúpidos com respeito a elas satisfazem os seus apetites e de modo geral os seus sentimentos e o elemento irracional de sua alma Ora a maioria dos homens são dessa natureza e esse é o motivo de ser usado o epíteto em tal acepção ele recebe o seu significado do tipo predominante de autofilia que é mau É justo por conseguinte que os homens que amam a si mesmos desse modo sejam objetos de censura E é evidente que a maioria das pessoas costumam chamar amigos de si mesmos aqueles que se dão preferência com respeito a objetos dessa espécie porque se um homem fizesse sempre questão de que ele mesmo acima de todas as coisas agisse com justiça e temperança ou de acordo com qualquer outra virtude e em geral procurasse sempre assumir para si a conduta mais nobre ninguém chamaria amigo de si mesmo a um tal homem e ninguém o censuraria No entanto ele parece ser mais amigo de si mesmo do que o outro Pelo menos atribui a si as coisas mais nobres e melhores satisfaz o elemento mais valioso de sua natureza e obedecelhe em todas as coisas E assim como uma cidade ou qualquer outro todo sistemático é com toda a justiça identificada com o seu elemento mais valioso o mesmo sucede com o indivíduo humano e por conseguinte o homem que ama esse elemento e o satisfaz é mais amigo de si mesmo que qualquer outro Ainda mais dizse que um homem tem ou não tem domínio próprio conforme a razão domine ou deixe de dominar nele o que implica que ela é o próprio homem e as coisas que os homens fazem de acordo com um princípio racional são consideradas mais legitimamente atos seus e atos voluntários É evidente pois que esse é o próprio homem ou que o é mais do que qualquer outra coisa e também que o homem bom ama acima de tudo essa sua parte Donde se segue que ele é no mais legítimo sentido da palavra um amigo de si mesmo e de um tipo diferente daquele que é alvo de censura tanto quanto o viver de acordo com um princípio racional difere do viver segundo os ditames da paixão e desejar o que é nobre de desejar o que parece vantajoso Por isso todos os homens aprovam e louvam os que se ocupam em grau excepcional com ações nobres e se todos ambicionassem o que é nobre e dedicassem o melhor de seus esforços à prática das mais nobres ações todas as coisas concorreriam para o bem comum e cada um obteria para si os maiores bens já que a virtude é o bem maior que existe Portanto o homem bom deve ser amigo de si mesmo pois ele próprio lucrará com a prática de atos nobres ao mesmo tempo que beneficiará os seus semelhantes mas o homem mau não o é porque com o abandono às suas más paixões ofende tanto a si mesmo como aos outros Para o homem mau o que ele faz está em conflito com o que deve fazer enquanto o homem bom faz o que deve porque a razão em cada um dos que a possuem escolhe o que é melhor para si mesma e o homem bom obedece à razão Do homem bom também é verdadeiro dizer que pratica muitos atos no interesse de seus amigos e de sua pátria e se necessário dá a vida por eles Com efeito um tal homem de bom grado renuncia à riqueza às honras e em geral aos bens que são objetos de competição ganhando para si a nobreza visto que prefere um breve período de intenso prazer a uma longa temporada de plácido contentamento doze meses de vida nobre a longos anos de existência prosaica e uma só ação grande e nobre a muitas ações triviais Ora os que morrem por outrem certamente alcançam esse resultado é ele pois um grande prêmio que escolhem para si mesmos Os homens bons também se desfazem de suas riquezas para que os seus amigos possam ganhar mais pois enquanto o amigo de um homem adquire riqueza ele próprio alcança nobreza é a ele portanto que cabe o maior bem O mesmo se pode dizer das honras e cargos públicos tudo isso ele sacrificará ao seu amigo porque tais atos são nobres e louváveis nele Com razão pois é um homem assim considerado bom visto que escolhe a nobreza acima de tudo E pode ele inclusive deixar a ação ao seu amigo em certas ocasiões é mais nobre sermos a causa da ação de um amigo do que agirmos nós mesmos Vese pois que em todos os atos que atraem louvores aos homens o homem bom reserva para si o maior quinhão do que é nobre E neste sentido como já dissemos um homem deve ser amigo de si mesmo porém não no sentido em que a maioria o é 9 Também se discute sobre se o homem feliz necessita ou não de amigos Diz se que os que são sumamente felizes e autosuficientes não precisam deles pois tais pessoas possuem tudo que é bom e autosuficientes como são dispensam o resto enquanto um amigo que é um outro eu prove o que um homem não pode conseguir pelos seus próprios esforços Daí as palavras quando a fortuna nos sorri para que precisamos de amigos129 Mas parece estranho quando se atribui tudo o que é bom ao homem feliz recusarlhe amigos que são considerados os maiores bens exteriores E se é mais próprio de um amigo fazer bem a outrem do que ser beneficiado e se dispensar benefícios é característico do homem bom e da virtude e é mais nobre fazer bem a amigos do que a estranhos o homem bom necessitará de pessoas a quem possa fazer bem E por esta razão se pergunta se necessitamos mais de amigos na prosperidade ou na adversidade subentendendo que não só um homem na 129 Eurípides Orestes 667 N do T adversidade precisa de quem lhe confira benefícios mas também os prósperos necessitam ter a quem fazer bem Não menos estranho seria fazer do homem sumamente feliz um solitário pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade Por isso mesmo o homem bom viverá em companhia de outros visto possuir ele as coisas que são boas por natureza E evidentemente é melhor passar os seus dias com amigos e homens bons do que com estranhos ou a primeira pessoa que apareça Logo o homem feliz necessita de amigos Que significa então a asserção da primeira escola e em que sentido corresponde ela à verdade Darseá o caso de que a maioria dos homens identifiquem os amigos com as pessoas úteis De tais amigos é certo que o homem sumamente feliz não tem necessidade visto já possuir todas as coisas boas e tampouco necessitará daqueles com quem fazemos amizade por causa do prazer que nos proporcionam ou só precisará deles em grau muito restrito pois sendo aprazível a sua vida ele dispensa prazeres adventícios e como não necessita de tais amigos julgase que não necessita de amigos em absoluto Mas isto seguramente não é verdadeiro porquanto no começo130 dissemos que a felicidade é uma atividade e a atividade evidentemente é algo que se faz e que não está presente desde o princípio como uma coisa que nos pertencesse Se 1 a felicidade consiste em viver e em ser ativo e a atividade do homem bom é virtuosa e aprazível em si mesma como dissemos no começo131 e 2 o fato de uma coisa nos pertencer é um dos atributos que a tornam aprazível e 3 podemos contemplar o nosso próximo melhor do que a nós mesmos e suas ações melhor do que as nossas e se as ações dos homens virtuosos que são seus amigos são aprazíveis aos bons visto possuírem ambos os atributos que são naturalmente aprazíveis se assim é o homem sumamente feliz necessitará de amigos dessa 130 1098 a 16 1098 b 31 1099 a 7 N do T 131 1099 a 14 21 N do T espécie já que o seu propósito é contemplar ações dignas e ações que sejam suas e as de um homem bom que seja seu amigo possuem ambas essas qualidades Além disso pensase que o homem feliz deve ter uma vida aprazível Ora se ele vivesse como um solitário a existência lhe seria dura pois não é fácil a quem está sozinho desenvolver uma atividade contínua mas com outros e visando aos outros isso é mais fácil Em companhia de outras pessoas por conseguinte sua atividade será mais contínua e aprazível em si mesma como deve ser para o homem sumamente feliz pois um homem bom enquanto bom deleitase com as ações virtuosas e se entristece com as más assim como o amante da música sente prazer em ouvir belas melodias e se aborrece com as más A companhia dos bons também nos oferece um certo adestramento na virtude como disse Teógnis antes de nós Se aprofundarmos um pouco mais a natureza das coisas um amigo virtuoso parece ser naturalmente desejável a um homem virtuoso Com efeito o que é bom por natureza como dissemos132 é para o homem virtuoso bom e agradável em si mesmo Ora a vida é definida quanto aos animais pelo poder de percepção e quanto ao homem pelo poder de percepção ou de pensamento e um poder é definido com referência à correspondente atividade que é a coisa essencial logo a vida parece ser essencialmente o ato de perceber ou de pensar Ora a vida faz parte das coisas que são boas e aprazíveis em si mesmas visto que ela é determinada e o determinado é da natureza do bom e o que é bom por natureza também é bom para o homem virtuoso por isso a vida parece aprazível a todos os homens Não devemos contudo aplicar este princípio a uma vida má e corrupta nem a uma vida passada entre sofrimentos pois uma tal vida é indeterminada tal qual os seus atributos A natureza da dor se tornará mais clara nas páginas que seguem133 Mas se a vida em si mesma é boa e aprazível o que parece ser verdadeiro pelo próprio fato de a desejarem todos os homens e particularmente os que são bons e sumamente 132 1099 a 711 1113 a 2533 N do T 133 Livro X caps 15 N do T felizes para tais homens a vida é desejável mais que para quaisquer outros e sua existência é feliz no mais alto grau e se quem vê percebe que vê e quem ouve percebe que ouve e quem caminha percebe que caminha e em todas as outras atividades há também alguma coisa que percebe que estamos agindo de modo que se percebemos percebemos que percebemos e se pensamos percebemos que pensamos e se perceber que percebemos ou pensamos é perceber que existimos pois que a existência foi definida como percepção ou pensamento e se perceber que vivemos é em si mesmo uma das coisas aprazíveis pois a vida é boa por natureza e é aprazível perceber em si mesmo a presença do que é bom e se a vida é desejável e particularmente desejável para os homens bons porque para eles a existência é boa e aprazível visto que se comprazem em sentir presente neles o que é bom em si mesmo e se o homem virtuoso é para o seu amigo tal como é para si próprio porquanto o amigo é um outro eu se tudo isso é verdadeiro assim como o seu próprio ser é desejável para cada homem igualmente ou quase igualmente o é o de seu amigo Ora já vimos que o seu ser é desejável porque ele percebe a sua própria bondade e uma tal percepção é agradável em si mesma Ele necessita por conseguinte ter consciência também da existência de seu amigo e isso se verificará se viverem em comum e compartilharem suas discussões e pensamentos pois isso é o que o convívio parece significar no caso do homem e não como para o gado o pastar juntos no mesmo lugar Se portanto o ser é desejável em si mesmo para o homem sumamente feliz visto que é bom e agradável por natureza e o ser de seu amigo é mais ou menos idêntico ao seu um amigo será uma das coisas desejáveis Ora o que é desejável para ele é necessário que o possua sob pena de ser deficiente a esse respeito Para ser feliz o homem necessita portanto de amigos virtuosos 10 Devemos então fazer o maior número possível de amizades ou assim como no tocante à hospitalidade é considerado de bom alvitre não ser homem de muitos convidados nem homem de nenhum134 a regra se aplica também à amizade e um homem não deve viver sem amigos nem ter um número excessivo deles A máxima parece perfeitamente aplicável às amizades que fazemos com vistas na utilidade porque retribuir os serviços de muita gente é coisa trabalhosa e uma vida humana não basta para tanto Logo o excesso de amigos sobre o número suficiente para a nossa existência é supérfluo e constitui um obstáculo à vida nobre de forma que não necessitamos deles Das amizades feitas com vistas no prazer também bastam umas poucas assim como um pouco de tempero na comida é suficiente Mas no que toca aos bons amigos devemos têlos tanto quanto possível ou há um limite para o seu número como há para o tamanho de uma cidade Não se pode fazer uma cidade com dez homens e se estes forem cem mil nem por isso ela será uma cidade Entretanto o número apropriado não é provavelmente uma quantidade fixa mas qualquer que se situe entre dois pontos fixos De modo que para os amigos também existe um número fixo talvez o maior número com que se pode conviver pois essa segundo verificamos135 é considerada como a própria característica da amizade e é evidente que não se pode conviver com muitas pessoas e dividirse entre elas Acresce que essas pessoas também devem ser amigas umas das outras se têm de passar a vida juntas e dificilmente tal condição será preenchida com um número elevado de indivíduos E tampouco é fácil compartilhar as alegrias e os pesares íntimos de muita gente pois isso importaria em sentirse feliz com um amigo e em contristarse com outro simultaneamente Parece pois que convém não procurar ter o maior número possível de amigos mas apenas tantos quantos forem suficientes para os fins do convívio pois ser um grande amigo de muitas pessoas é coisa que se afigura impossível Por essa mesma razão não podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo O ideal do 134 Hesíodo Trabalhos e Dias 750 Rzach N do T 135 1157 b 1158 a3 10NdoT amor é ser como que um excesso de amizade e isso só se pode sentir por uma pessoa donde se segue que também só podemos sentir uma grande amizade por poucas pessoas Isto parece encontrar confirmação na prática pois são muito raros os casos de um grande número de pessoas que sejam amigas umas das outras no sentido da amizadecamaradagem e as amizades famosas dessa espécie são sempre entre duas pessoas Os que têm muitos amigos e mantêm intimidade com eles passam por não ser amigos de ninguém salvo dentro dos limites apropriados a concidadãos e tais pessoas são também chamadas obsequiosas Dentro dos limites apropriados a concidadãos em verdade é possível ser amigo de muitos sem contudo ser obsequioso mas um homem genuinamente bom Por outro lado não se pode manter com muitas pessoas a espécie de amizade que se baseia na virtude e no caráter de nossos amigos e devemos darnos por felizes se encontrarmos uns poucos dessa espécie 11 Necessitamos mais de amigos na prosperidade ou na adversidade Tanto numa como na outra situação eles são procurados porque se na adversidade os homens precisam de ajuda na prosperidade necessitam pessoas com quem conviver e às quais fazer objetos de sua beneficência já que desejam fazer bem a outrem A amizade é pois mais necessária na adversidade e por esse motivo são os amigos úteis que buscamos em tal caso na prosperidade pelo contrário ela é mais nobre e então buscamos também homens bons para serem nossos amigos visto que é mais desejável fazer bem a eles e com eles conviver Com efeito a própria presença dos amigos é aprazível tanto na boa como na má fortuna já que nossa dor é menor quando eles a compartilham conosco E assim poderseia perguntar se eles tomam sobre os seus ombros uma parte do nosso fardo ou se é a presença dos amigos pelo que tem de aprazível e o pensamento de eles se condoerem conosco que aligeiram a nossa dor Quer os motivos sejam esses quer algum outro é uma questão que podemos pôr de lado seja como for o que descrevemos parece realmente ocorrer Mas a presença dos amigos parece encerrar uma mistura de vários fatores O simples fato de vêlos é agradável especialmente se nos encontramos numa quadra adversa e tornase uma salvaguarda contra o pesar pois um amigo tende a confortarnos tanto pela sua presença como pelas suas palavras se é uma pessoa de tato visto conhecer o nosso caráter e as coisas que nos agradam ou nos contristam Mas vêlos sofrer com nossos infortúnios é doloroso pois todos evitam causar dor a seus amigos Por esse motivo os homens de natureza varonil abstêmse de fazer seus amigos sofrer com eles e a não ser que tenha uma extraordinária insensibilidade à dor um tal homem não pode suportar a dor que causa a seus amigos e em geral não admite companheiros de aflição porque ele próprio não é dado a afligirse Mas as mulheres e os homens mulheris gostam de ter pessoas condoídas ao seu redor e amamnas como amigos e companheiros de pesar Contudo é evidente que em todas as coisas deveríamos procurar imitar o melhor tipo de pessoa Por outro lado a presença de amigos na prosperidade tanto implica um modo aprazível de passar o tempo como o prazer de vêlos felizes com a nossa boa fortuna Segundo parece pois deveríamos convocar sem demora os nossos amigos a compartilhar a nossa ventura pois as pessoas de caráter benfazejo são nobres mas hesitar em chamálos nos dias de infortúnio pois que de nossos males devemos darlhes uma parte tão pequena quanto possível donde a frase já basta o meu infortúnio136 Acima de tudo devemos chamar nossos amigos quando eles podem sem grande trabalho prestarnos um grande serviço Inversamente é decoroso acorrer sem ser convidado em auxílio dos que foram colhidos pela adversidade pois é característico de um amigo prestar serviços e especialmente aos que deles necessitam e que não os solicitaram uma tal ação é mais nobre e mais aprazível a ambos mas quando nossos amigos são prósperos 136 Fragmentos Anônimos 76 Nauck N do T não devemos hesitar em compartilhar de suas atividades porquanto eles precisam de amigos também para isso nem nos apressurarmos quando se trata de ser beneficiados por eles porque não é nobre mostrarse ávido de receber benefícios Ainda assim convém evitar a reputação de desmanchaprazeres a que nos exporemos se os repelirmos pois isso algumas vezes acontece Em conclusão a presença de amigos parece ser desejável em todas as circunstâncias 12 Não se segue daí que assim como para os amantes a vista do ser amado é a coisa que maior deleite lhes causa e preferem esse sentido aos outros porque é dele que mais depende tanto a existência como a origem do amor também para os amigos a mais desejável de todas as coisas é o convívio Porque a amizade é uma parceria e tal é um homem para si mesmo tal é para o seu amigo ora para ele a consciência do seu ser é desejável e também o é por conseguinte a consciência do ser de seu amigo e essa consciência tornase ativa quando eles convivem Por isso é natural que busquem o convívio E daquilo que a existência significa para cada classe de homens daquilo que para eles dá valor à vida disso mesmo desejam ocuparse em companhia de seus amigos Por isso alguns bebem juntos outros jogam dados juntos outros associam se nos exercícios atléticos na caça ou no estudo da filosofia cada classe de homens passando os dias entregue em mútua companhia às ocupações que mais ama na vida porque visto como desejam viver com seus amigos fazem e compartilham aquelas coisas que lhes dão o sentimento de viverem juntos E assim a amizade dos maus mostra ser uma péssima coisa porque em razão da sua instabilidade coligamse em ocupações más além de piorar cada um pelo fato de se tornar semelhante aos outros enquanto a amizade dos homens bons é boa porque cresce com o companheirismo E pensase que eles se tornam também melhores graças às suas atividades e à boa influência que uns têm sobre os outros pois cada um recebe dos demais o modelo das características que aprova e daí a frase aprender ações nobres de homens nobres137 Basta pois quanto à amizade Nossa próxima tarefa será discutir o prazer LIVRO X 1 Depois destes assuntos devemos talvez passar à discussão do prazer Com efeito julgase que ele está intimamente relacionado com a nossa natureza humana e por essa razão ao educar os jovens nós os governamos com os lemes do prazer e da dor E também se pensa que comprazerse com as coisas apropriadas e detestar as que se deve tem a maior influência possível sobre o caráter virtuoso Porque essas coisas nos acompanham durante a vida inteira com um peso e um poder próprios tanto no que toca à virtude como à vida feliz já que os homens escolhem o que é agradável e evitam o que é doloroso e são elas segundo parece as que menos conviria omitir em nossa investigação especialmente por serem objeto de muitas controvérsias Alguns com efeito dizem que o prazer é o bem enquanto outros afirmam pelo contrário que ele é absolutamente mau uns sem dúvida na convicção de que essa é a verdade e outros julgando que terá melhor efeito em nossa vida denunciar o prazer como coisa má ainda que ele não o seja Porquanto a maioria das pessoas pensam eles se inclinam para o prazer e são suas escravas e por isso deveriam ser conduzidas na direção contrária a fim de alcançarem o estado intermediário Mas isso seguramente não é correto Com efeito os argumentos em torno de sentimentos e ações merecem menos confiança do que os fatos e assim quando entram em conflito com os fatos da percepção eles são desprezados ao mesmo tempo que desacreditam a própria verdade se um homem que difama o prazer é surpreendido uma vez a buscálo isso parece provar que ele merece ser preferido a todas as coisas porque a maioria das pessoas não sabe fazer distinções 137 Teógnis 35 N do T Os argumentos verdadeiros afiguramse pois extremamente úteis não só para a ciência mas para a própria vida porque como se harmonizam com os fatos nós lhes damos crédito e destarte estimulam os que os compreendem a viver de acordo com eles Quanto a essas questões basta Passemos agora em revista as opiniões que têm sido expressas a respeito do prazer 2 Eudoxo pensava que o prazer é o bem porque via todos os seres tanto racionais como irracionais tender para ele e porque em todas as coisas aquilo para que se dirige a escolha é excelente e o mais visado pela escolha é o maior dos bens E assim o fato de todas as coisas se moverem para o mesmo objeto indicava que para todas era esse o maior dos bens porque cada coisa argumentava Eudoxo encontra o seu bem próprio da mesma forma que encontra o seu alimento adequado e aquilo que é bom para todas as coisas e a que todas elas visam é o bem por excelência Seus argumentos foram aceitos não tanto por si mesmos como pela excelência do seu caráter Passava por ser um homem de notável autodomínio e por isso se julgava que ele não afirmasse tais coisas como amigo do prazer mas porque essa era a verdade Acreditava Eudoxo quê um estudo do contrário do prazer não conduzia com menos evidência à mesma conclusão assim como a dor é em si mesma um objeto de aversão para todas as coisas o seu contrário deve ser um objeto de preferência Ora o mais genuíno objeto de preferência é aquilo que escolhemos por si mesmo e não por causa de outra coisa ou com vistas nela e o prazer é reconhecidamente dessa natureza pois que ninguém indaga com que fim o sente implicando destarte que ele é em si mesmo um objeto de escolha Além disso Eudoxo argumentava que o prazer quando acrescentado a um bem qualquer como por exemplo à ação justa ou temperante o torna mais digno de escolha e que o bem só pode ser acrescido por si mesmo Este argumento parece mostrar que ele é um dos bens mas que não o é mais do que um outro qualquer pois qualquer bem é mais digno de escolha quando acompanhado de um outro do que quando sozinho E é mesmo por um argumento desta espécie que Platão138 demonstra não ser o bem o prazer Diz ele que a vida aprazível é mais desejável quando acompanhada de sabedoria do que sem ela e que se a mistura é melhor o prazer não é o bem porque o bem não pode tornarse mais desejável pela adição do que quer que seja Ora é claro que não só o prazer mas nenhuma outra coisa pode ser o bem se a adição de uma das coisas que são boas em si mesmas a torna mais desejável Que é então que satisfaz este critério e em que ao mesmo tempo podemos participar É alguma coisa dessa espécie que estamos procurando Há quem objete a isso dizendo que o fim visado por todas as coisas não é necessariamente bom mas podemos estar certos de que tais pessoas não fazem mais do que disparatar Porquanto nós dizemos que aquilo que todos pensam é a verdade e o homem que atacar essa crença não terá outra coisa mais digna de crédito para sustentar em lugar dela Se fossem criaturas irracionais que desejassem as coisas de que falamos talvez houvesse alguma verdade no que eles dizem mas se seres inteligentes também as desejam que sentido pode ter tal opinião Sem embargo talvez mesmo nas criaturas inferiores exista algum bem natural mais forte do que elas e que a oriente para o bem que lhes é próprio Tampouco parece correto o argumento sobre o contrário do prazer Dizem que se a dor é um mal não se segue daí que o prazer seja um bem porque um mal se opõe a outro c ambos ao mesmo tempo se opõem ao estado neutro Ora isto é bastante certo mas não se aplica às coisas de que estamos tratando Porque se tanta o prazer como a dor pertencessem i classe dos males ambos deviam ser objetos de aversão ao passo que se pertencessem à classe das coisas neutras nenhum seria objeto de aversão ou ambos o seriam em igual grau Mas a verdade 138 Filebo 60 N do T evidente é que os homem evitam uma como um mal e escolhem o outro como um bem Essa deve ser portanto a natureza da oposição entre os dois 3 E por outro lado se o prazer não é uma qualidade também não se conclui daí que ele não seja um bem porque tampouco são qualidades a atividade virtuosa nem a felicidade Dizem no entanto que o bem é determinado enquanto o prazer é indeterminado visto admitir graus Ora se é pela observação do sentimento de prazer que pensam assim o mesmo será verdadeiro da justiça e das outras virtudes no tocante às quais dizemos sem hesitar que as pessoas de um certo caráter o são mais ou menos e procedem mais ou menos de acordo com essas virtudes porquanto uma pessoa pode ser mais ou menos corajosa e também é possível agir de maneira mais ou menos justa ou temperante Mas se o juízo desses pensadores se baseia nos diversos prazeres seguramente eles não estão apontando a causa verdadeira se de fato alguns prazeres são estremes e outros mesclados E por outro lado se a saúde admite graus sem ser indeterminada por que não sucederia o mesmo com o prazer A mesma proporção não é encontrada em todas as coisas nem uma determinada proporção sempre na mesma coisa pode ela afrouxar e sem embargo persistir até um certo ponto e pode também diferir em grau Por conseguinte o caso do prazer também pode ser dessa espécie Por outro lado eles alegam139 que o bem é perfeito ao passo que o movimento e as gerações são imperfeitos e procuram mostrar que o prazer é um movimento e uma geração Mas nem mesmo isso parece ser verdade Com efeito pensase que a rapidez e a lentidão são características de todo e qualquer movimento e se um movimento como o dos céus não tem rapidez nem lentidão em si mesmo temnas em relação a outra coisa mas do prazer nada disso é verdadeiro Porquanto se é certo que podemos comprazernos depressa assim como podemos encolerizarnos depressa não é possível sentir prazer depressa embora se possa andar crescer etc rapidamente Em outras palavras podemos passar 139 Platão Filebo 5354 N do T depressa ou lentamente a um estado de prazer porém não mostrar rapidamente a atividade do prazer isto é sentir prazer Ainda mais em que sentido pode ele ser uma geração Não se crê que uma coisa qualquer possa provir de outra coisa qualquer mas que uma coisa se encontra como que dissolvida naquela de que provém e a dor seria a destruição dessa coisa cuja geração seria o prazer Dizem também140 que a dor é a ausência daquilo que é conforme à natureza e que o prazer é o preenchimento dessa falta Mas tais sensações são corporais Se pois o prazer é o preenchimento daquilo que está de acordo com a natureza o que sente prazer será aquilo em que ocorre o preenchimento da falta a saber o corpo Mas não se acredita que seja assim portanto o preenchimento não é prazer embora possamos sentir prazer quando ele ocorre assim como sentiríamos dor ao ser operados Esta doutrina parece basearse nas dores e prazeres associados à nutrição e no fato de que as pessoas que previamente sofreram míngua de alimentos e esta lhes foi dolorosa sentem prazer ao ser preenchida a falta Mas isso não acontece com todos os prazeres os prazeres do aprender e entre os que nos proporcionam os sentidos os do olfato e também muitos sons e sensações visuais além das recordações e das esperanças não pressupõem dor De onde pois se gerariam estes Não havia no seu caso nenhuma falta a preencher Em resposta aos que argumentam com os prazeres vergonhosos podemos dizer que esses não são agradáveis Pelo fato de certas coisas agradarem a pessoas de constituição viciosa não devemos supor que elas também sejam agradáveis a outros assim como não raciocinamos dessa forma a respeito das coisas que são saudáveis doces ou amargas para os doentes nem atribuímos a brancura às que parecem brancas aos que sofrem dos olhos Ou então poderseia responder que os prazeres são desejáveis porém não os provindos dessas fontes assim como a riqueza é desejável porém não como recompensa da traição e como a saúde não o 140 Ibid 313242 N do T é à custa de comer toda e qualquer coisa Ou talvez os prazeres difiram em espécie pois os que provêm de fontes nobres são diferentes daqueles cujas fontes são vis e não se pode sentir o prazer do homem justo sem ser justo nem os prazeres do músico sem ser músico e assim por diante E também o fato de um amigo ser diferente de um adulador parece mostrar com toda a evidência que o prazer não é um bem ou que os prazeres diferem em espécie porque se acredita que um busca o nosso convívio com a mira no bem e o outro visando ao nosso prazer e um é censurado pela sua conduta enquanto o outro é louvado partindose do princípio de que os dois buscam o nosso convívio com finalidades diferentes Além disso ninguém preferiria viver a vida inteira com o intelecto de uma criança por mais prazer que lhe proporcionassem as coisas que agradam às crianças nem comprazerse na prática de algum ato profundamente vergonhoso ainda que jamais tivesse de sofrer em conseqüência Por outro lado há muitas coisas que devemos desejar com todas as veras ainda que não nos tragam nenhum prazer como a vista a memória a ciência a posse das virtudes Não faz diferença que essas coisas sejam necessariamente acompanhadas de prazer deveríamos escolhêlas mesmo que nenhum prazer resultasse daí Parece claro portanto que nem o prazer é o bem nem todo prazer é desejável e que alguns prazeres são realmente desejáveis por si mesmos diferindo eles dos outros em espécie ou quanto às suas fontes Quanto às opiniões correntes a respeito do prazer e da dor é suficiente o que dissemos 4 Verseá com mais clareza o que seja o prazer ou que espécie de coisa seja se tornarmos a examinar a questão partindo do começo A sensação visual parece ser completa em todos os momentos pois não lhe falta nada que surgindo posteriormente venha completarlhe a forma e o prazer também parece ser dessa natureza Porque ele é um todo e jamais se encontra um prazer cuja forma seja completada pelo seu prolongamento Pela mesma razão não é ele um movimento pois todo movimento o de construir por exemplo requer tempo fazse com vistas num fim e fica completo quando realizou a coisa visada Só fica completo por conseguinte quando se encara o tempo na sua totalidade ou no momento final Em suas partes e durante o tempo que estas ocupam todos os movimentos são incompletos e diferem em espécie do movimento inteiro e uns dos outros Com efeito o ajustamento das pedras umas às outras difere da caneladura da coluna e ambas as coisas diferem da construção do templo E a construção é completa pois nada lhe falta com relação ao fim que se tinha em vista mas o preparo da base e do tríglifo é incompleto por ser a produção de uma parte apenas Diferem eles portanto em espécie e em nenhum momento dado é possível encontrar um movimento completo quanto à forma mas só no tempo encarado em sua totalidade O mesmo se pode dizer no tocante ao andar e a todos os outros movimentos Porque se a locomoção é um movimento de um lugar para outro também nela existem diferenças de espécie voar caminhar saltar etc E não é só isso senão que no próprio caminhar existem diferenças de espécie porque o donde e o para onde não são os mesmos na pista de corridas considerada como um todo e em cada uma de suas partes nem nas diversas partes e tampouco é a mesma coisa percorrer esta linha e aquela pois o que se percorre não é apenas uma linha mas uma linha que se encontra em determinado lugar e o lugar desta é diferente do lugar daquela Em outra obra141 discutimos o movimento com precisão mas parece que ele não é completo em todo e qualquer momento e os numerosos movimentos são incompletos e diferentes em espécie já que o donde e o para onde dão a cada um a sua forma própria Mas quanto ao prazer sua forma é completa em todo e qualquer momento É evidente pois que o prazer e o movimento diferem um do outro e o prazer deve ser uma das coisas que são inteiras e completas Isso também 141 Física VIVIII N do T é indicado pelo fato de não ser possível moverse senão dentro do tempo mas sentir prazer sim porquanto aquilo que ocorre num momento é um todo Estas considerações deixam bem claro pois que não têm razão os pensadores segundo os quais há um movimento ou uma geração de prazer pois que movimento e geração não podem ser atribuídos a todas as coisas mas apenas às que são divisíveis e não constituem todos Não há geração da sensação visual nem de um ponto nem de uma unidade nem qualquer destas coisas é um movimento ou uma geração Logo tampouco há movimento ou geração no prazer visto que ele é um todo Já que cada sentido é ativo em relação ao seu objeto e um sentido em condições de higidez age de maneira perfeita em relação aos mais belos dentre os seus objetos pois o ideal da atividade perfeita parece ser desta natureza e tanto faz dizer que ela própria é ativa como o órgão em que reside seguese que no tocante a cada sentido a melhor atividade é a do órgão em melhores condições com relação aos mais belos de seus objetos E essa atividade será a mais completa e a mais aprazível porque existindo embora prazer para cada sentido e não menos para o pensamento e a contemplação o mais completo é o mais aprazível e o de um órgão em boas condições com relação aos mais nobres de seus objetos é o mais completo e o prazer completa a atividade Entretanto ele não a completa da mesma maneira que a combinação de objeto e sentido ambos bons assim como a saúde e o médico não são na mesma acepção as causas de um homem ser sadio É evidente que o prazer pode acompanhar qualquer sentido pois falamos de espetáculos e de sons como sendo agradáveis Não menos evidente é que ele é experimentado acima de tudo quando o sentido se encontra nas melhores condições e em atividade com referência a um objeto apropriado quando tanto o percipiente como o objeto são os melhores possíveis haverá sempre prazer por estarem presentes o agente e o paciente requeridos O prazer completa a atividade não como o faz o estado permanente que lhe corresponde pela imanência mas como um fim que sobrevém como o viço da juventude para os que se encontram na flor da idade Na medida pois em que tanto o objeto inteligível ou sensível como a faculdade discriminadora ou contemplativa forem tais como convém a atividade será acompanhada de prazer pois quando o fator ativo e o passivo se mantêm inalterados e guardam a mesma relação um para com o outro o mesmo resultado seguese naturalmente Como explicar então que ninguém esteja sempre contente Darseá o caso de que nos enfastiemos A verdade é que todos os seres humanos são incapazes de uma atividade contínua e essa é a razão de não ser contínuo também o prazer pois ele acompanha a atividade Certas coisas nos deleitam quando são novas porém menos quando deixam de sêlo e por esse mesmo motivo a princípio a mente é estimulada e desenvolve intensa atividade em relação a elas como fazemos com o sentido da vista quando olhamos alguma coisa com atenção Mas depois a nossa atividade se relaxa e por isso também o prazer é embotado Dirseia que todos os homens desejam o prazer porque todos aspiram à vida A vida é uma atividade e cada um é ativo em relação às coisas e com as faculdades que mais ama por exemplo o músico é ativo com o ouvido em referência às melodias o estudioso com o intelecto em referência a questões teóricas e da mesma forma nos outros casos Ora o prazer completa as atividades e portanto a vida que eles desejam É muito justo pois que aspirem também ao prazer visto que para cada um este completa a vida que lhe é desejável Mas quanto a saber se escolhemos a vida com vistas no prazer ou o prazer com vistas na vida é uma questão que podemos deixar de parte por ora Com efeito os dois parecem estar intimamente ligados entre si e não admitir separação já que sem atividade não surge o prazer e cada atividade é completada pelo prazer que a acompanha 5 Por esta razão também os prazeres parecem diferir em espécie Porquanto as coisas que diferem em espécie são pensamos nós completadas por coisas diferentes vemos que isto é verdadeiro tanto dos objetos naturais como das coisas criadas pela arte animais árvores uma pintura uma estátua uma casa um utensílio e pensamos da mesma forma que atividades diferentes em espécie são completadas por coisas diferentes em espécie Ora as atividades do pensamento diferem em espécie das dos sentidos e dentro de cada uma dessas classes existem por sua vez diferenças específicas logo os prazeres que as completam também diferem do mesmo modo entre si Isto é confirmado pelo fato de estar cada prazer estreitamente ligado à atividade que ele completa Com efeito cada atividade é intensificada pelo prazer que lhe é próprio visto que cada classe de coisas é mais bem julgada e levada à precisão por aqueles que se entregam com prazer à correspondente atividade por exemplo são os que se comprazem no raciocínio geométrico que se tornam geômetras e compreendem melhor os diversos teoremas e analogamente os que gostam de música de arquitetura etc fazem progressos nos respectivos campos porque se comprazem neles E assim os prazeres intensificam as atividades e o que intensifica uma coisa lhe é congênere mas coisas diferentes em espécie têm propriedades diferentes em espécie Mais evidente se torna isto quando consideramos que as atividades são impedidas pelos prazeres provenientes de outras fontes Com efeito as pessoas que gostam de tocar flauta são incapazes de acompanhar um argumento quando ouvem um flautista porquanto o som desse instrumento lhes dá mais prazer do que a outra atividade e assim o prazer que acompanha a música anula a atividade raciocinativa Isso acontece da mesma forma em todos os outros casos quando estamos ativos em relação a duas coisas simultaneamente a atividade mais aprazível desaloja a outra e isso tanto mais quanto mais aprazível for de tal modo que chegamos a abandonar a outra É por isso que quando nos deleitamos extraordinariamente com alguma coisa não nos dedicamos a nada mais e fazemos uma coisa só quando a outra não nos causa grande prazer por exemplo no teatro as pessoas que gostam de doces os comem em maior quantidade quando os atores são medíocres Ora como as atividades se tornam mais precisas mais duradouras e melhores por efeito do prazer que lhes é próprio e são prejudicadas pelos prazeres estranhos é evidente que essas duas espécies de prazer são bem distintas uma da outra Porquanto os prazeres estranhos têm mais ou menos o mesmo efeito que as dores próprias visto que estas também destroem as atividades correspondentes por exemplo se um homem acha desagradável ou penoso escrever ou fazer contas ele não escreve nem faz contas porque a atividade lhe é penosa Destarte uma atividade sofre efeitos contrários por parte de seus prazeres e dores próprios isto é daqueles que sobrevêm em virtude de sua própria natureza E dissemos que os prazeres estranhos têm mais ou menos o mesmo efeito que a dor eles também destroem a atividade só que não no mesmo grau Ora assim como as atividades diferem com respeito à bondade ou maldade e umas são dignas de escolha outras devem ser evitadas e outras ainda são neutras o mesmo sucede com os prazeres pois cada atividade tem o seu prazer próprio O prazer próprio a uma atividade digna é bom e o próprio a uma atividade indigna é mau assim como os apetites que têm objetos nobres são louváveis e os que têm objetos vis são culpáveis Mas os prazeres que acompanham as atividades são mais próprios destas do que os desejos pois os segundos estão separados delas tanto pelo tempo como pela natureza enquanto os primeiros estão intimamente unidos às atividades e é tão difícil distinguir os primeiros das segundas que se poderia até discutir a hipótese de ser a atividade a mesma coisa que o prazer No entanto o prazer não parece ser o pensamento ou a percepção Isso seria estranho mas como nunca andam um sem o outro alguns julgam que sejam a mesma coisa Assim pois como diferem entre si as atividades também diferem os prazeres correspondentes Ora a vista é superior ao tato em pureza e o ouvido e o olfato ao gosto portanto os prazeres correspondentes também são superiores e os do pensamento estão acima de todos estes E dentro de cada uma das duas espécies alguns são superiores a outros Pensase que cada animal tem um prazer próprio assim como tem uma função própria a saber o que corresponde à sua atividade Isto se torna evidente quando observamos as espécies uma por uma Cão cavalo e homem têm prazeres diferentes e como diz Heráclito os asnos prefeririam as varreduras ao ouro142 porque o alimento é mais agradável do que o ouro para eles Destarte os prazeres dos animais diferentes em espécie também diferem especificamente e é de supor que os de uma determinada espécie não difiram entre si Mas variam em não pequeno grau pelo menos no caso dos homens as mesmas coisas deleitam algumas pessoas e causam dor a outras e são penosas e odiosas a estes mas agradáveis e estimáveis àqueles Isso também sucede com as coisas doces as mesmas coisas não parecem doces a um febricitante e a um homem com saúde nem quentes a um homem fraco e a um homem robusto O mesmo se dá em outros casos Mas em todas as coisas o que parece a um homem bom é considerado como sendo realmente tal Se isto é correto como se afigura ser e a virtude e o homem bom como tais são a medida de todas as coisas serão verdadeiros prazeres os que lhe parecerem tais e verdadeiramente agradáveis as coisas em que ele se deleitar Se as coisas que ele acha enfadonhas parecem agradáveis a outros não há nada de surpreendente nisso pois os homens podem ser pervertidos e estragados de muitos modos e tais coisas não são realmente agradáveis mas só o são para essas pessoas e outras nas mesmas condições Das que reconhecidamente são vergonhosas evidentemente não se deveria dizer que são prazeres salvo para um gosto pervertido mas das que são consideradas boas que espécie de prazer ou que prazer particular deveríamos dizer que são próprios do homem A resposta não é clara pela consideração das correspondentes atividades O prazeres seguem a estas Quer pois o homem perfeito e supramente feliz tenha uma quer mais atividades diremos que os prazeres que completam essas atividades são stricto sensu os prazeres próprios do homem e o resto só o será de maneira secundária e parcial como o são as atividades 142 Fragmento 9 Diels N do T 6 Agora que terminamos de falar das virtudes das formas de amizade e das variedades de prazer resta discutir em linhas gerais a natureza da felicidade visto afirmarmos que ela é o fim da natureza humana Nossa discussão será mais concisa se começarmos por sumariar o que dissemos anteriormente Dissemos143 pois que ela não é uma disposição porque se o fosse poderia pertencer a quem passasse a vida inteira dormindo e vivesse como um vegetal ou também a quem sofresse os maiores infortúnios Se estas conseqüências são inaceitáveis e devemos antes classificar a felicidade como uma atividade como dissemos atrás144 e se algumas atividades são necessárias e desejáveis com vistas em outra coisa enquanto outras o são em si mesmas é evidente que a felicidade deve ser incluída entre as desejáveis em si mesmas e não entre as que o são com vistas em algo mais Porque à felicidade nada falta ela é autosuficiente Ora são desejáveis em si mesmas aquelas atividades em que nada mais se procura além da própria atividade E pensase que as ações virtuosas são desta natureza porquanto praticar atos nobres e bons é algo desejável em si mesmo Também se acredita que as recreações agradáveis sejam dessa natureza Não as escolhemos tendo em vista outra coisa uma vez que antes somos prejudicados do que beneficiados por elas tais atividades nos levam a negligenciar nossos corpos e nossos bens materiais Mas a maioria das pessoas que consideramos felizes buscam refúgio nesses passatempos e por isso as pessoas hábeis em proporcioná los são altamente estimadas nas cortes dos tiranos Tornamse agradáveis companheiros nas ocupações favoritas do tirano e essa é a espécie de homem que ele precisa ter ao seu lado Ora acreditase que essas coisas participem da natureza da felicidade porque os déspotas entretêm com elas os seus lazeres mas talvez essa espécie de gente não prove nada porque a virtude e a razão das quais decorrem as boas atividades não dependem da posição despótica nem os prazeres do corpo deveriam ser 143 1095 b 31 1096 a 2 1098 b 31 1099 a 7N do T 144 1098 a 57 N do T considerados mais desejáveis porque neles se refugiam tais pessoas que nunca experimentaram um prazer puro e generoso e os meninos também julgam que as coisas que eles próprios prezam são as melhores É de crer pois que assim como diferentes coisas parecem valiosas aos meninos e aos homens feitos também se dê o mesmo com os homens maus e os bons Ora como muitas vezes sustentamos145 realmente valiosas e aprazíveis são aquelas coisas que são tais para o homem bom e para cada homem a atividade que concorda com a sua disposição de caráter é a mais desejável de modo que para o homem bom são essas as que concordam com a virtude A felicidade não reside por conseguinte na recreação e seria mesmo estranho que a recreação fosse o fim e um homem devesse passar trabalhos e suportar agruras durante a vida inteira simplesmente para divertirse Porque numa palavra tudo que escolhemos escolhemolo com a mira em outra coisa salvo a felicidade que é um fim em si Ora esforçarse e trabalhar com vistas na recreação parece coisa tola e absolutamente infantil Mas divertirnos a fim de poder esforçar nos como se expressa Anacársis parece certo porque o divertimento é uma espécie de relaxação e necessitamos de relaxação porque não podemos trabalhar constantemente A relaxação por conseguinte não é um fim pois nós a cultivamos com vistas na atividade Pensase que a vida feliz é virtuosa Ora uma vida virtuosa exige esforço e não consiste em divertimento E dizemos que as coisas sérias são melhores do que as risíveis e as relacionadas com o divertimento e que a atividade da melhor entre duas coisas quer se trate de dois elementos do nosso ser quer de duas pessoas é a mais séria Mas a atividade na melhor é ipso facto superior e participa mais da natureza da felicidade Além do que uma pessoa qualquer até um escravo pode fruir os prazeres do corpo não menos que o melhor dos homens mas ninguém considera o escravo partícipe da felicidade a não ser que também o 145 1099 a 13 1113a 2233 1166 a 12 1170 a 1416 1176 a 1522 N do T considere partícipe da vida humana Com efeito a felicidade não reside em tais ocupações mas como já dissemos146 nas atividades virtuosas 7 Se a felicidade é atividade conforme à virtude será razoável que ela esteja também em concordância com a mais alta virtude e essa será a do que existe de melhor em nós Quer seja a razão quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e g6 sábio for Talvez possa fazêlo melhor se tiver colaboradores mas ainda assim é ele o mais autosuficiente de todos E essa atividade parece ser a única que é amada por si mesma pois dela nada decorre além da própria contemplação ao passo que das atividades práticas sempre tiramos maior ou menor proveito à parte da ação Além disso pensase que a felicidade depende dos lazeres porquanto trabalhamos para poder ter momentos de ócio e fazemos guerra para poder viver em paz Ora a atividade das virtudes práticas exercese nos assuntos políticos ou militares mas as ações relativas a esses assuntos não parecem encerrar lazeres Principalmente as ações guerreiras pois ninguém escolhe fazer guerra nem tampouco a provoca pelo gosto de estar em guerra e um homem teria a tempera do maior dos assassinos se convertesse os seus amigos em inimigos a fim de provocar batalhas e matanças Mas a ação do estadista também não encerra lazeres e além da ação política em si mesma visa ao poder e às honras despóticas ou pelo menos à felicidade para ele próprio e para os seus concidadãos uma felicidade diferente da ação política e evidentemente buscada como sendo diferente Portanto se entre as ações virtuosas as de índole militar ou política se distinguem pela nobreza e pela grandeza e estas não encerram lazeres visam a um fim diferente e não são desejáveis por si mesmas enquanto a atividade da razão que é contemplativa tanto parece ser superior e mais valiosa pela sua seriedade como não visar a nenhum fim além de si mesma e possuir o seu prazer próprio o qual por sua vez intensifica a atividade e a autosuficiência os lazeres a isenção de fadiga na medida em que isso é possível ao homem e todas as demais qualidades que são atribuídas ao homem sumamente feliz são evidentemente as que se relacionam com essa atividade seguese que essa será a felicidade completa do homem se ele tiver uma existência completa quanto à duração pois nenhum dos atributos da felicidade é incompleto Mas uma tal vida é inacessível ao homem pois não será na medida em que é homem que ele viverá assim mas na medida em que possui em si algo de divino e tanto quanto esse elemento é superior à nossa natureza composta o é também a sua atividade ao exercício da outra espécie de virtude Se portanto a razão é divina em comparação com o homem a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocuparnos com coisas humanas visto que somos homens e com coisas mortais visto que somos mortais mas na medida em que isso for possível procuremos tornarnos imortais e envidar todos os esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós porque ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor E dirseia também que esse elemento é o próprio homem já que é a sua parte dominante e a melhor dentre as que o compõem Seria estranho pois que não escolhesse a vida do seu próprio ser mas a de outra coisa E o que dissemos atrás149 tem aplicação aqui o que é próprio de cada coisa é por natureza o que há de melhor e de aprazível para ela e assim para o homem a vida conforme à razão é a melhor e a mais aprazível já que a razão mais que qualquer outra coisa ê o homem Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz 8 Mas em grau secundário a vida de acordo com a outra espécie de virtude é feliz porque as atividades que concordam com esta condizem com a nossa condição humana Os atos corajosos e justos bem como outros atos virtuosos nós os praticamos em relação uns aos outros observando nossos respectivos deveres no tocante a contratos serviços e toda sorte de ações bem assim como às paixões e todas essas coisas parecem ser tipicamente humanas Dirseia até que algumas delas provêm do próprio corpo e que o caráter virtuoso se prende por muitos laços às paixões 149 1169 b 33 1176 b 26 N do T A sabedoria prática também está ligada ao caráter virtuoso e este à sabedoria prática já que os princípios de tal sabedoria concordam com as virtudes morais e a retidão moral concorda com ela Ligadas que são também às paixões as virtudes morais devem pertencer à nossa natureza composta Ora tais virtudes são humanas por conseguinte humanas são também a vida e a felicidade que lhes correspondem A excelência da razão é uma coisa à parte Dela devemos contentarnos em dizer isto porquanto descrevêla com precisão é tarefa maior do que exige o nosso propósito Sem embargo ela também parece necessitar de bens exteriores porém pouco ou em todo caso menos do que necessitam as virtudes morais Admitamos que ambas necessitem de tais coisas em grau igual embora o trabalho do estadista se ocupe mais com o corpo e coisas que tais porque a diferença quanto a isso será pequena mas naquilo de que precisam para o exercício de suas atividades haverá grande diferença O homem liberal necessita de dinheiro para a prática de seus atos de liberalidade e o homem justo para a retribuição de serviços pois é difícil enxergar claro nos desejos e mesmo os que não são justos aparentam o desejo de agir com justiça e o homem corajoso necessita de poder para realizar qualquer dos atos que correspondem à sua virtude e o temperante necessita de oportunidade pois de que outro modo poderíamos reconhecer tanto a ele como a qualquer dos outros Também se discute sobre se é a vontade ou o ato que é mais essencial à virtude pois supõese que esta envolve tanto uma como outro E é evidente que sua perfeição envolve a ambos mas os atos exigem muitas coisas e tanto mais quanto maiores e mais nobres forem O homem que contempla a verdade porém não necessita de tais coisas ao menos para o exercício de sua atividade e podese dizer até que elas lhe servem de obstáculo quando mais não seja para a própria contemplação Mas enquanto homem que vive no meio de outros homens ele escolhe a prática de atos virtuosos por conseguinte necessita também das coisas que facilitam a vida humana Mas que a felicidade perfeita é uma atividade contemplativa confirmao também a seguinte consideração Admitimos que os deuses sejam acima de todos os outros seres bemaventurados e felizes mas que espécie de ações lhes atribuiremos Atos de justiça Não pareceria absurdo que os deuses firmassem contratos restituíssem depósitos e outras coisas do mesmo jaez Atos de coragem então arrostando perigos e expondose a riscos porque é nobre proceder assim Ou atos de liberalidade A quem fariam eles dádivas Muito estranho seria se os deuses realmente tivessem dinheiro ou algo dessa espécie E em que consistiriam os seus atos de temperança Não será ridículo louválos por isso uma vez que não têm maus apetites Se as analisássemos uma por uma as circunstâncias da ação se nos mostrariam triviais e indignas dos deuses Não obstante todos supõem que eles vivem e portanto são ativos não podemos concebêlos a dormir como Endimião Ora se a um ser vivente retirarmos a ação e ainda mais a ação produtiva que lhe restará a não ser a contemplação Por conseguinte a atividade de Deus que ultrapassa todas as outras pela bemaventurança deve ser contemplativa e das atividades humanas a que mais afinidade tem com esta é a que mais deve participar da felicidade Mostrao também o fato de não participarem os animais da felicidade completamente privados que são de uma atividade dessa sorte Com efeito enquanto a vida inteira dos deuses é bemaventurada e a dos homens o é na medida em que possui algo dessa atividade nenhum dos outros animais é feliz uma vez que de nenhum modo participam eles da contemplação A felicidade tem por conseguinte as mesmas fronteiras que a contemplação e os que estão na mais plena posse desta última são os mais genuinamente felizes não como simples concomitante mas em virtude da própria contemplação pois que esta é preciosa em si mesma E assim a felicidade deve ser alguma forma de contemplação Mas o homem feliz como homem que é também necessita de prosperidade exterior porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins da contemplação nosso corpo também precisa de gozar saúde de ser alimentado e cuidado Não se pense todavia que o homem para ser feliz necessite de muitas ou de grandes coisas só porque não pode ser supremamente feliz sem bens exteriores A autosuficiência e a ação não implicam excesso e podemos praticar atos nobres sem sermos donos da terra e do mar Mesmo desfrutando vantagens bastante moderadas podese proceder virtuosamente isso aliás é manifesto porquanto se pensa que um particular pode praticar atos dignos não menos do que um déspota mais até E é suficiente que tenhamos o necessário para isso pois a vida do homem que age de acordo com a virtude será feliz Sólon nos deu talvez um esboço fiel do homem feliz quando o descreveu150 como moderadamente provido de bens exteriores mas como tendo praticado na opinião de Sólon as mais nobres ações e vivido conforme os ditames da temperança Anaxágoras também parece supor que o homem feliz não seja rico nem um déspota quando diz que não se admiraria se ele parecesse à maioria uma pessoa estranha pois a maioria julga pelas exterioridades uma vez que não percebe outra coisa E assim as opiniões dos sábios parecem harmonizarse com os nossos argumentos Mas embora essas coisas também tenham um certo poder de convencer a verdade em assuntos práticos percebese melhor pela observação dos fatos da vida pois estes são o fator decisivo Devemos portanto examinar o que já dissemos à luz desses fatos e se estiver em harmonia com eles aceitáloemos mas se entrarem em conflito admitiremos que não passa de simples teoria Ora quem exerce e cultiva a sua razão parece desfrutar ao mesmo tempo a melhor disposição de espírito e ser extremamente caro aos deuses Porque se os deuses se interessam pelos assuntos humanos como nós pensamos tanto seria natural que se deleitassem naquilo que é melhor e mais afinidade tem com eles isto é a razão como que recompensassem os que a amam e honram acima de todas as coisas zelando por aquilo que lhes é caro e conduzindose com justiça e nobreza 150 Heródoto I 30 N do T Ora é evidente que todos esses atributos pertencem mais que a ninguém ao filósofo É ele por conseguinte de todos os homens o mais caro aos deuses E será presumivelmente também o mais feliz De sorte que também neste sentido o filósofo será o mais feliz dos homens 9 Se estes assuntos assim como a virtude e também a amizade e o prazer foram suficientemente discutidos em linhas gerais devemos dar por terminado o nosso programa Sem dúvida como se costuma dizer onde há coisas que realizar não alcançamos o fim depois de examinar e reconhecer cada uma delas mas é preciso fazêlas No tocante à virtude pois não basta saber devemos tentar possuí la e usála ou experimentar qualquer outro meio que se nos antepare de nos tornarmos bons Ora se os argumentos bastassem em si mesmos para tornar os homens bons eles teriam feito jus a grandes recompensas como diz Teógnis e as recompensas não faltariam Mas a verdade é que embora pareçam ter o poder de encorajar e estimular os jovens de espírito generoso e preparar um caráter bem nascido e genuinamente amigo de tudo o que é nobre para receber a virtude eles não conseguem incutir nobreza e bondade na multidão Porquanto o homem comum não obedece por natureza ao sentimento de pudor mas unicamente ao medo e não se abstém de praticar más ações porque elas são vis mas pelo temor ao castigo Vivendo pela paixão andam no encalço de seus prazeres e dos meios de alcançálos evitando as dores que lhes são contrárias e nem sequer fazem idéia do que é nobre e verdadeiramente agradável visto que nunca lhe sentiram o gosto Que argumento poderia remodelar essa sorte de gente É difícil senão impossível erradicar pelo raciocínio os traços de caráter que se inveteraram na sua natureza e talvez nos devamos contentar se estando presentes todas as influências capazes de nos melhorar adquirimos alguns laivos de virtude Ora alguns pensam que nos tornamos bons por natureza outros pelo hábito e outros ainda pelo ensino A contribuição da natureza evidentemente não depende de nós mas em resultado de certas causas divinas está presente naqueles que são verdadeiramente afortunados Quanto à argumentação e ao ensino suspeitamos de que não tenham uma influência poderosa em todos os homens mas é preciso cultivar primeiro a alma do estudioso por meio de hábitos tornandoa capaz de nobres alegrias e nobres aversões como se prepara a terra que deve nutrir a semente Com efeito o que se deixa dirigir pela paixão não ouvirá o argumento que o dissuade e se o ouvir não o compreenderá E como persuadir a mudar de vida uma pessoa com tal disposição Em geral a paixão não parece ceder ao argumento mas à força É portanto uma condição prévia indispensável a existência de um caráter que tenha certa afinidade com a virtude amando o que é nobre e detestando o que é vil Mas é difícil receber desde a juventude um adestramento correto para a virtude quando não nos criamos debaixo das leis apropriadas pois levar uma vida temperante e esforçada não seduz a maioria das pessoas especialmente quando são jovens Por essa razão tanto a maneira de criálos como as suas ocupações deveriam ser fixadas pela lei pois essas coisas deixam de ser penosas quando se tornaram habituais Mas não basta certamente que recebam a criação e os cuidados adequados quando são jovens já que mesmo em adultos devem praticá las e estar habituados a elas precisamos de leis que cubram também essa idade e de modo geral a vida inteira porque a maioria das pessoas obedece mais à necessidade do que aos argumentos e aos castigos mais do que ao sentimento nobre Por isso pensam alguns que os legisladores deveriam estimular os homens à virtude e instigálos com o motivo do nobre partindo do princípio de que aqueles que já fizeram consideráveis progressos mercê da formação de hábitos serão sensíveis a tais influências e que conviria impor castigos e penas aos que fossem de natureza inferior enquanto os incuravelmente maus seriam banidos de todo O homem bom pensam eles vivendo como vive com o pensamento fixo no que é nobre submeterseá à argumentação ao passo que o homem mau que só deseja o prazer será corrigido pela dor como uma besta de carga E por isso dizem também que as dores infligidas devem ser as que forem mais contrárias aos prazeres que esses homens amam De qualquer forma como dissemos151 o homem que queremos tornar bom deve ser bem adestrado e acostumado passando depois o seu tempo em ocupações dignas e não praticando ações más nem voluntária nem involuntariamente e se isso se pode conseguir quando os homens vivem de acordo com uma espécie de reta razão e ordem contanto que esta tenha força se assim é o governo paterno em verdade não tem a força ou o poder coercitivo necessários nem em geral os tem o governo de um homem só a menos que se trate de um rei ou algo semelhante mas a lei tem esse poder coercitivo ao mesmo tempo que é uma regra baseada numa espécie de sabedoria e razão prática E embora o comum das pessoas detestem os homens que contrariam os seus impulsos ainda que com razão a lei não lhes é pesada ao ordenar o que é bom Unicamente ou quase unicamente no Estado espartano o legislador parece terse ocupado com questões de educação e de trabalho Na maioria dos Estados esses assuntos foram omitidos e cada qual vive como lhe apraz à moda dos ciclopes ditando a lei à esposa e aos filhos152 Ora o mais certo seria que tais coisas se tornassem encargo público e que a comunidade provesse adequadamente a elas mas uma vez que as negligencia convém que cada homem auxilie seus filhos e amigos a seguirem os caminhos da virtude e que tenham o poder ou pelo menos a vontade de fazêlo Do que ficou dito parece concluirse que ele poderia fazêlo melhor se se tornasse capaz de legislar Porquanto o controle público é evidentemente exercido pelas leis e o bom controle por boas leis Que sejam escritas ou não parece não vir ao caso nem tampouco que sejam leis provendo à educação de indivíduos ou de grupos assim como isso também não importa no caso da música da ginástica e outras ocupações semelhantes Pois que assim como nas cidades têm força as leis e os tipos predominantes de caráter nas famílias a têm ainda mais os preceitos e os 151 1179 b 31 1180a5NdoT 152 Odisséia IX 114 ss N do T hábitos do pai devido aos laços de sangue e aos benefícios que ele confere porquanto os filhos têm desde o princípio uma afeição natural e uma disposição para obedecer Além disso a educação privada leva vantagem à pública como é também o caso do tratamento médico privado pois embora de um modo geral o repouso e a abstenção de alimento façam bem às pessoas febris pode não ser assim no caso de um doente particular e é de supor que um pugilista não prescreva o mesmo estilo de luta a todos os seus alunos Parece pois que os detalhes são observados com mais precisão quando o controle é privado pois cada pessoa tem mais probabilidades de receber o que convém ao seu caso Mas quem melhor pode atender aos detalhes é um médico um instrutor de ginástica ou qualquer outro que tenha o conhecimento geral do que é apropriado a cada um ou a determinada espécie de pessoas pois com razão se diz que as ciências versam sobre o universal Isso não impede que algum detalhe particular possa ser bem atendido por uma pessoa sem ciência que haja estudado cuidadosamente à luz da experiência o que sucede em cada caso assim como certas pessoas parecem ser os melhores médicos de si mesmas embora não saibam tratar as outras Não obstante hão de concordar que o homem que deseja tornarse mestre numa arte ou ciência deve buscar o universal e procurar conhecêlo tão bem quanto possível pois que como dissemos é com ele que se ocupam as ciências E se é pelas leis que nos podemos tornar bons seguramente o que se empenha em melhorar homens sejam estes muitos ou poucos deve ser capaz de legislar Porquanto reformar o caráter de qualquer um do primeiro que lhe colocam na frente não é tarefa para qualquer um se alguém pode fazer isso é o homem que sabe exatamente como na medicina e em todos os outros assuntos que exigem cuidado e prudência Não convém pois indagar agora de quem e como se pode aprender a legislar Porventura será como em todos os outros casos dos estadistas A verdade é que esse assunto foi considerado como fazendo parte da estadística Ou haverá uma diferença manifesta entre a estadística e as outras ciências e artes Nas outras vemos que as mesmas pessoas as praticam e se oferecem para ensinálas como por exemplo os médicos e os pintores Mas enquanto os sofistas pretendem ensinar política não são eles que a praticam e sim os políticos que parecem fazêlo graças a uma espécie de habilidade ou experiência e não pelo raciocínio Com efeito ninguém os vê escrever ou falar sobre a matéria conquanto essa fosse talvez uma ocupação mais nobre do que preparar discursos para os tribunais e a Assembléia e também não consta que eles costumem fazer estadistas de seus filhos ou de seus amigos Mas seria de esperar que o fizessem se isso lhes fosse possível pois não poderiam legar às suas cidades nada de melhor do que uma habilidade dessa sorte ou transmitila aos que lhes são caros se preferissem guardá la no seu meio No entanto a contribuição da experiência parece não ser pequena de outra forma eles não poderiam tornarse políticos por participarem da vida política Donde se conclui que os que ambicionam conhecer a arte da política necessitam também da experiência Mas aqueles sofistas que professam a arte parecem estar muito longe de ensinála Com efeito para exprimirnos em termos gerais esses homens nem sequer sabem que espécie de coisa ela é nem sobre o que versa De outro modo não a teriam classificado como idêntica à retórica ou mesmo inferior a esta nem julgariam fácil legislar mediante uma compilação das leis maisbem reputadas Dizem que é possível selecionar as melhores leis como se esse próprio trabalho de seleção não requeresse inteligência e como se o bom discernimento não fosse a mais importante de todas as coisas tal qual sucede na música Com efeito embora as pessoas experimentadas em qualquer campo julguem com acerto das obras que se produzem nele e compreendam por que meios e de que modo essas obras são realizadas e que coisas se harmonizam com outras coisas os inexperientes devem darse por muito felizes quando podem julgar se a obra foi bem ou mal feita como no caso da pintura Ora as leis são por assim dizer as obras da arte política como é possível então aprender com elas a ser legislador ou julgar quais sejam as melhores Os próprios médicos não parecem formarse pelo estudo dos livros Não obstante as pessoas procuram indicar não apenas os tratamentos mas como podem ser curados e devem ser tratados certos tipos de gente distinguindo os vários hábitos do corpo mas embora isso pareça ser útil aos experimentados para os inexperientes não tem nenhum valor É certo pois que embora as compilações de leis e constituições possam prestar serviços às pessoas capazes de estudálas de distinguir o que é bom do que é mau e a que circunstâncias melhor se adapta cada lei os que perlustram essas compilações sem o socorro da experiência não possuirão o reto discernimento a menos que seja por um dom espontâneo da natureza embora talvez possam tornarse mais inteligentes em tais assuntos Ora os nossos antecessores nos legaram sem exame este assunto da legislação Por isso talvez convenha estudálo nós mesmos assim como a questão da constituição em geral a fim de completar da melhor maneira possível a nossa filosofia da natureza humana Em primeiro lugar pois se alguma coisa foi bem exposta em detalhe pelos pensadores que nos antecederam passemola em revista depois à luz das constituições que nós mesmos coligimos examinaremos que espécies de influências preservam e destroem os Estados que outras têm os mesmos efeitos sobre os tipos particulares de constituição e a que causas se deve o fato de serem umas bem e outras mal aplicadas Após estudar essas coisas teremos uma perspectiva mais ampla dentro da qual talvez possamos distinguir qual é a melhor constituição como deve ser ordenada cada uma e que leis e costumes lhe convém utilizar a fim de ser a melhor possível POÉTICA Tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza NOTA DO TRADUTOR A presente tradução baseiase principalmente no texto grego editado por Augusto Rostagni Aristotele Poética Turim Chiantore 2 ed igualmente distante da sobrevalorização do Parisinus Bywater e da Versão Árabe Gudeman Para a tradução dos passos mais difíceis e interpretação das lições dúbias ou truncadas consultamos os trabalhos de J Hardy A Gudeman I Bywater M Valgimigli e F Albeggiani Sempre que foi possível utilizamos a anônima tradução portuguesa do século XVIII I Poesia é imitação Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o meio da imitação 1 Falemos da poesia dela mesma e das suas espécies da efetividade de cada uma delas da composição que se deve dar aos mitos se quisermos que o poema resulte perfeito e ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e semelhantemente de tudo quanto pertence a esta indagação começando como é natural pelas coisas primeiras 2 A epopéia a tragédia assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística todas são em geral imitações Diferem porém umas das outras por três aspectos ou porque imitam por meios diversos ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira 3 Pois tal como há os que imitam muitas coisas exprimindose com cores e figuras por arte ou por costume assim acontece nas sobreditas artes na verdade todas elas imitam com o ritmo a linguagem e a harmonia usando estes elementos separada ou conjuntamente Por exemplo só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica com o ritmo e sem harmonia imita a arte dos dançarinos porque também estes por ritmos gesticulados imitam caracteres afetos e ações 4 Mas a epopéia é a arte que apenas recorre ao simples verbo quer metrificado quer não e quando metrificado misturando metros entre si diversos ou servindose de uma só espécie métrica eis uma arte que até hoje permaneceu inominada Efetivamente não temos denominador comum que designe os mimos de Sófron e de Xenarco os diálogos socráticos e quaisquer outras composições imitativas executadas mediante trímetros jâmbicos ou versos elegíacos ou outros versos que tais Porém ajuntando à palavra poeta o nome de uma só espécie métrica aconteceu denominaremse a uns de poetas elegíacos a outros de poetas épicos designandoos assim não pela imitação praticada mas unicamente pelo metro usado 5 Desta maneira se alguém compuser em verso um tratado de medicina ou de física esse será vulgarmente chamado poeta na verdade porém nada há de comum entre Homero e Empédocles a não ser a metrificação1 aquele merece o nome de poeta e este o de fisiologo mais que o de poeta Pelo mesmo motivo se alguém fizer obra de imitação ainda que misture versos de todas as espécies como o fez Querémon no Centauro que é uma rapsódia tecida de toda a casta de metros nem por isso se lhe deve recusar o nome de poeta 6 Fiquem assim determinadas as distinções que tínhamos de estabelecer Poesias há contudo que usam de todos os meios sobreditos isto é de ritmo canto e metro como a poesia dos ditirambos e dos nomos a tragédia e a comédia só com uma diferença as duas primeiras servemse juntamente dos três meios e as outras de cada um por sua vez Tais são as diferenças entre as artes quanto aos meios de imitação II Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da imitação 1 Notese que os primeiros filósofos os présocráticos chamados fisiólogos por Aristóteles escreveram suas reflexões em verso N do E 7 Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação e estes necessariamente são indivíduos de elevada ou de baixa índole porque a variedade dos caracteres só se encontra nestas diferenças e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude necessariamente também sucederá que os poetas imitam homens melhores piores ou iguais a nós como o fazem os pintores Polignoto representava os homens superiores Pauson inferiores Dionísio representavaos semelhantes a nós Ora é claro que cada uma das imitações referidas contém estas mesmas diferenças e que cada uma delas há de variar na imitação de coisas diversas desta maneira 8 Porque tanto na dança como na auletica e na citarística pode haver tal diferença e assim também nos gêneros poéticos que usam como meio a linguagem em prosa ou em verso sem música Homero imitou homens superiores Cleofão semelhantes Hegêmon de Taso o primeiro que escreveu paródias e Nicócares autor da Deitada imitaram homens inferiores E a mesma diversidade se encontra nos ditirambos e nos nomos como o mostram Ar ga Timóteo e Filóxeno nos Ciclopes 9 Pois a mesma diferença separa a tragédia da comédia procura esta imitar os homens piores e aquela melhores do que eles ordinariamente são das operando e agindo elas mesmas Consiste pois a imitação nestas três diferenças como ao princípio dissemos a saber segundo os meios os objetos e o modo Por isso num sentido é a imitação de Sófocles a mesma que a de Homero porque ambos imitam pessoas de caráter elevado e noutro sentido é a mesma que a de Aristófanes pois ambos imitam pessoas que agem e obram diretamente 11 Daí o sustentarem alguns que tais composições se denominam dramas pelo fato de se imitarem agentes dróntas Por isso também os Dórios para si reclamam a invenção da tragédia e da comédia a da comédia pretendemna os megarenses tanto os da metrópole do tempo da democracia como os da Sicília porque lá viveu Epicarmo que foi muito anterior a Quiônidas e Magnes e da tragédia também se dão por inventores alguns dos dórios que habitam o Peloponeso dizem eles que na sua linguagem chamam kômai às aldeias que os atenienses denominam dêmoi e que os comediantes não derivam seu nome de komázein mas sim de andarem de aldeia em aldeia kómas por não serem tolerados na cidade e dizem também que usam o verbo drân para significar o fazer ao passo que os atenienses empregam o termo práttein 12 Damos por dito tudo que se refere a quantas e quais sejam as diferenças da imitação poética IV Origem da poesia Causas História da poesia trágica e cômica 13 Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar é congênito no homem e nisso difere dos outros viventes pois de todos é ele o mais imitador e por imitação aprende as primeiras noções e os homens se comprazem no imitado 14 Sinal disto é o que acontece na experiência nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância por exemplo as representações de animais ferozes e de cadáveres Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens se bem que menos participem dele Efetivamente tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens olhandoas aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma delas e dirão por exemplo este é tal Porque se suceder que alguém não tenha visto o original nenhum prazer lhe advirá da imagem como imitada mas tãosomente da execução da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie 15 Sendo pois a imitação própria da nossa natureza e a harmonia e o ritmo porque é evidente que os metros são partes do ritmo os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram origem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos 16 A poesia tomou diferentes formas segundo a diversa índole particular dos poetas Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres personagens e os de mais baixas inclinações voltaramse para as ações ignóbeis compondo estes vitupérios e aqueles hinos e encômios Não podemos é certo citar poemas deste gênero dos poetas que viveram antes de Homero se bem que verossimilmente muitos tenham existido mas a começar em Homero temos o Margites e outros poemas semelhantes nos quais por mais apto se introduziu o metro jâmbico que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam iámbizon De modo que entre os antigos uns foram poetas em verso heróico outros o foram em verso jâmbico 17 Mas Homero tal como foi supremo poeta no gênero sério pois se distingue não só pela excelência como pela feição dramática das suas imitações assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia dramatizando não o vitupério mas o ridículo Na verdade o Margites tem a mesma analogia com a comédia que têm a Ilíada e a Odisséia com a tragédia 18 Vindas à luz a tragédia e a comédia os poetas conforme a própria índole os atraía para este ou aquele gênero de poesia uns em vez de jambos escreveram comédias outros em lugar de epopéias compuseram tragédias por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera atinge ou não atinge a perfeição do gênero quer a consideremos em si mesma quer no que respeita ao espetáculo isso seria outra questão 20 Mas nascida de um princípio improvisado tanto a tragédia como a comédia a tragédia dos solistas do ditirambo a comédia dos solistas dos cantos fálicos composições estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades a tragédia pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a tragédia se deteve logo que atingiu a sua forma natural Esquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos atores diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista Sófocles introduziu três atores e a cenografia Quanto à grandeza tarde adquiriu a tragédia o seu alto estilo só quando se afastou dos argumentos breves e da elocução grotesca isto é do elemento satírico Quanto ao metro substituiu o tetrâmetro trocaico pelo trímetro jâmbico Com efeito os poetas usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança mas quando se desenvolveu o diálogo o engenho natural logo encontrou o metro adequado pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente demonstrao o fato de muitas vezes proferirmos jambos na conversação e só raramente hexâmetros quando nos elevamos acima do tom comum 21 Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja acrescentado a cada parte consideremos o assunto tratado muito laborioso seria discorrer sobre tudo isso em pormenor V A comédia evolução do gênero Comparação da tragédia com a epopéia 22 A comédia é como dissemos imitação de homens inferiores não todavia quanto a toda a espécie de vícios mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo O ridículo é apenas certo defeito torpeza anódina e inocente que bem o demonstra por exemplo a máscara cômica que sendo feia e disforme não tem expressão de dor 23 Se as transformações da tragédia e seus autores nos são conhecidas as da comédia pelo contrário estão ocultas pois que delas se não cuidou desde o início só passado muito tempo o arconte concedeu o coro da comédia que outrora era constituído por voluntários E também só depois que teve a comédia alguma forma é que achamos memória dos que se dizem autores dela Não se sabe portanto quem introduziu máscaras prólogo número de atores e outras coisas semelhantes A composição de argumentos é prática oriunda da Sicília e os primeiros poetas cômicos teriam sido Epicarmo e Fórmide dos atenienses foi Crates o primeiro que abandonada a poesia jâmbica inventou diálogos e argumentos de caráter universal 24 A epopéia e a tragédia concordam somente em serem ambas imitação de homens superiores em verso mas difere a epopéia da tragédia pelo seu metro único e a forma narrativa E também na extensão porque a tragédia procura o mais que é possível caber dentro de um período do sol ou pouco excedêlo porém a epopéia não tem limite de tempo e nisso diferem ainda que a tragédia ao princípio igualmente fosse ilimitada no tempo como os poemas épicos 25 Quanto às partes constitutivas algumas são as mesmas na tragédia e na epopéia outras são só próprias da tragédia Por isso quem quer que seja capaz de julgar da qualidade e dos defeitos da tragédia tão bom juiz será da epopéia Porque todas as partes da poesia épica se encontram na tragédia mas nem todas as da poesia trágica intervém na epopéia VI Definição de tragédia Partes ou elementos essenciais 26 Da imitação em hexâmetros e da comédia trataremos depois agora vamos falar da tragédia dando da sua essência a definição que resulta de quanto precedentemente dissemos 27 E pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções 28 Digo ornamentada a linguagem que tem ritmo harmonia e canto e o servirse separadamente de cada uma das espécies de ornamentos significa que algumas partes da tragédia adotam só o verso outras também o canto 29 Como esta imitação é executada por atores em primeiro lugar o espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da tragédia e depois a melopéia e a elocução pois estes são os meios pelos quais os atores efetuam a imitação Por elocuçao entendo a mesma composição métrica e por melopéia aquilo cujo efeito a todos é manifesto 30 E como a tragédia é a imitação de uma ação e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento porque é segundo estas diferenças de caráter e pensamento que nós qualificamos as ações daí vem por conseqüência o serem duas as causas naturais que determinam as ações pensamento e caráter e nas ações assim determinadas tem origem a boa ou má fortuna dos homens Ora o mito é imitação de ações e por mito entendo a composição dos atos por caráter o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade e por pensamento tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão 31 É portanto necessário que sejam seis as partes da tragédia que constituam a sua qualidade designadamente mito caráter elocução pensamento espetáculo e melopéia De sorte que quanto aos meios com que se imita são duas quanto ao modo por que se imita é uma só e quanto aos objetos que se imitam são três e além destas partes não há mais nenhuma Pode dizerse que de todos estes elementos não poucos poetas se serviram com efeito todas as tragédias comportam espetáculo caracteres mito melopéia elocução e pensamento 32 Porém o elemento mais importante é a trama dos fatos pois a tragédia não é imitação de homens mas de ações e de vida de felicidade e infelicidade mas felicidade ou infelicidade reside na ação e a própria finalidade da vida é uma ação não uma qualidade Ora os homens possuem tal ou tal qualidade conformemente ao caráter mas são bem ou malaventurados pelas ações que praticam Daqui se segue que na tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para efetuar certas ações por isso as ações e o mito constituem a finalidade da tragédia e a finalidade é de tudo o que mais importa 33 Sem ação não poderia haver tragédia mas poderia havêla sem caracteres As tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres e em geral há muitos poetas desta espécie Também entre os pintores assim é Zêuxis comparado com Polignoto porque Polignoto é excelente pintor de caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum 34 Se por conseguinte alguém ordenar discursos em que se exprimam caracteres por bem executados que sejam os pensamentos e as elocuções nem por isso haverá logrado o efeito trágico muito melhor o conseguirá a tragédia que mais parcimoniosamente usar desses meios tendo no entanto o mito ou a trama dos fatos Ajuntemos a isto que os principais meios por que a tragédia move os ânimos também fazem parte do mito refirome a peripécias e reconhecimentos Outro sinal da superioridade do mito se mostra em que os principiantes melhores efeitos conseguem em elocuções e caracteres do que no entrecho das ações é o que se nota em quase todos os poetas antigos 35 Portanto o mito é o princípio e como que a alma da tragédia só depois vêm os caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores a sua obra não nos comprazeria tanto como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco A tragédia é por conseguinte imitação de uma ação e através dela principalmente imitação de agentes 36 Terceiro elemento da tragédia é o pensamento consiste em poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém Na eloqüência o pensamento é regulado pela política e pela oratória efetivamente nos antigos poetas as personagens falavam a linguagem do cidadão e nos modernos falam a do orador Caráter é o que revela certa decisão ou em caso de dúvida o fim preferido ou evitado por isso não têm caráter os discursos do indivíduo em que de qualquer modo se não revele o fim para que tende ou o qual repele Pensamento é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é ou enuncia uma sentença geral 37 Quarto entre os elementos literários é a elocução Como disse denomino elocução o enunciado dos pensamentos por meio das palavras enunciado este que tem a mesma efetividade em verso ou em prosa 38 Das restantes partes a melopéia é o principal ornamento 39 Quanto ao espetáculo cênico decerto que é o mais emocionante mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia Na verdade mesmo sem representação e sem atores pode a tragédia manifestar seus efeitos além disso a realização de um bom espetáculo mais depende do cenógrafo que do poeta VII Estrutura do mito trágico O mito como ser vivente 40 Assim determinados os elementos da tragédia digamos agora qual deve ser a composição dos atos pois é esta parte na tragédia a primeira e a mais importante 41 Já ficou assente que a tragédia é imitação de uma ação completa constituindo um todo que tem certa grandeza porque pode haver um todo que não tenha grandeza 42 Todo é aquilo que tem princípio meio e fim Princípio é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa e que pelo contrário tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido Fim ao invés é o que naturalmente sucede a outra coisa por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos e que depois de si nada tem Meio é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si 43 É necessário portanto que os mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso mas que se conformem aos mencionados princípios 44 Além disto o belo ser vivente ou o que quer que se componha de partes não só deve ter essas partes ordenadas mas também uma grandeza que não seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e portanto um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível e também não seria belo grandíssimo porque faltaria a visão do conjunto escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade imaginese por exemplo um animal de dez mil estádios Pelo que tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptível como um todo assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória 45 Determinar o limite prático desta extensão tendo em conta as circunstâncias dos concursos dramáticos e a impressão no público tal não é o mister da arte poética pois se houvesse que pôr em cena cem tragédias em um só concurso dramático o tempo teria de ser regulado pela clepsidra como dizem que se fazia antigamente Porém o limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte desde que se possa apreender o conjunto uma tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa Dando uma definição mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia é o que permite que nas ações uma após outra sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade VIII Unidade de ação unidade histórica e unidade poética 46 Uno é o mito mas não por se referir a uma só pessoa como crêem alguns pois há muitos acontecimentos e infinitamente vários respeitantes a um só indivíduo entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma Muitas são as ações que uma pessoa pode praticar mas nem por isso elas constituem uma ação una 47 Assim parece que tenham errado todos os poetas que compuseram uma Heracleida ou uma Teseida ou outros poemas que tais por entenderem que sendo Héracles um só todas as ações haviam de constituir uma unidade 48 Porém Homero assim como se distingue em tudo o mais também parece ter visto bem fosse por arte ou por engenho natural pois ao compor a Odisséia não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses por exemplo o ter sido ferido no Parnaso e o simularse louco no momento em que se reuniu o exército Porque de haver acontecido uma dessas coisas não se seguia necessária e verossimilmente que a outra houvesse de acontecer mas compôs em torno de uma ação una a Odisséia una no sentido que damos a esta palavra e de modo semelhante a Ilíada 49 Por conseguinte tal como é necessário que nas demais artes miméticas una seja a imitação quando o seja de um objeto uno assim também o mito porque é imitação de ações deve imitar as que sejam unas e completas e todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que uma vez suprimido ou deslocado um deles também se confunda ou mude a ordem do todo Pois não faz parte de um todo o que quer seja quer não seja não altera esse todo IX Poesia e história Mito trágico e mito tradicional Particular e universal Piedade e terror Surpreendente e maravilhoso 50 Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser história se fossem em verso o que eram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convém a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personagens particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu 51 Quanto à comédia já ficou demonstrado este caráter universal da poesia porque os comediógrafos compondo a fábula segundo a verossimilhança atribuem depois às personagens os nomes que lhes parece e não fazem como os poetas jâmbicos que se referem a indivíduos particulares 52 Mas na tragédia mantêmse os nomes já existentes A razão é a seguinte o que é possível é plausível ora enquanto as coisas não acontecem não estamos dispostos a crer que elas sejam possíveis mas é claro que são possíveis aquelas que aconteceram pois não teriam acontecido se não fossem possíveis 53 Todavia sucede também que em algumas tragédias são conhecidos os nomes de uma ou duas personagens sendo os outros inventados em outras tragédias nenhum nome é conhecido como no Anteu de Agatão em que são fictícios tanto os nomes como os fatos o que não impede que igualmente agrade Pelo que não é necessário seguir à risca os mitos tradicionais donde são extraídas as nossas tragédias pois seria ridícula fidelidade tal quando é certo que ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos e contudo agradam elas a todos igualmente 54 Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações E ainda que lhe aconteça fazer uso de sucessos reais nem por isso deixa de ser poeta pois nada impede que algumas das coisas que realmente acontecem sejam por natureza verossímeis e possíveis e por isso mesmo venha o poeta a ser o autor delas 55 Dos mitos e ações simples os episódicos são os piores Digo episódico o mito em que a relação entre um e outro episódio não é necessária nem verossímil Tais são os mitos de maus poetas por imperícia deles e às vezes de bons poetas por condescendência com os atores É que para compor partes declamatórias chegam a forçar a fábula para além dos próprios limites e a romper o nexo da ação 56 Como porém a tragédia não só é imitação de uma ação completa como também de casos que suscitam o terror e a piedade e estas emoções se manifestam principalmente quando se nos deparam ações paradoxais e perante casos semelhantes maior é o espanto que ante os feitos do acaso e da fortuna porque ainda entre os eventos fortuitos mais maravilhosos parecem os que se nos afiguram acontecidos de propósito tal é por exemplo o caso da estátua de Mítis em Argos que matou caindolhe em cima o próprio causador da morte de Mítis no momento em que a olhava pois fatos semelhantes não parecem devidos ao mero acaso daqui se segue serem indubitavelmente os melhores os mitos assim concebidos X Mito simples e complexo Reconhecimento e peripécia 57 Dos mitos uns são simples outros complexos porque tal distinção existe por natureza entre as ações que eles imitam 58 Chamo ação simples aquela que sendo una e coerente do modo acima determinado efetua a mutação de fortuna sem peripécia ou reconhecimento ação complexa denomino aquela em que a mudança se faz pelo reconhecimento ou pela peripécia ou por ambos conjuntamente 59 É porém necessário que a peripécia e o reconhecimento surjam da própria estrutura interna do mito de sorte que venham a resultar dos sucessos antecedentes ou necessária ou verossimilmente Porque é muito diverso acontecer uma coisa por causa de outra ou acontecer meramente depois de outra XI Elementos qualitativos do mito complexo reconhecimento e peripécia 60 Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário efetuada do modo como dissemos e esta inversão deve produzirse também o dissemos verossímil e necessariamente Assim no Édipo o mensageiro que viera no propósito de tranqüilizar o rei e de libertálo do terror que sentia nas suas relações com a mãe descobrindo quem ele era causou o efeito contrário e no Linceu sendo Linceu levado para a morte e seguindoo Danau para o matar acontece o oposto este morre e aquele fica salvo 61 O reconhecimento como indica o próprio significado da palavra é a passagem do ignorar ao conhecer que se faz para amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita 62 A mais bela de todas as formas de reconhecimento é a que se dá juntamente com a peripécia como por exemplo no Édipo E outras há ainda pois com seres inanimados e casos acidentais também pode darse o reconhecimento do modo como ficou dito e também constitui reconhecimento o haver ou não haver praticado uma ação Mas é a primeira forma aquela que melhor corresponde à essência do mito e da ação porque o reconhecimento com peripécia suscitará terror e piedade e nós mostramos que a tragédia é imitação de ações que despertam tais sentimentos E demais a boa ou má fortuna resultam naturalmente de tais ações 63 Posto que o reconhecimento é reconhecimento de pessoas certos casos há em que o é somente de uma por outra quando claramente se mostra quem seja esta outra noutros casos ao invés dáse o reconhecimento entre ambas as personagens Assim Ifigênia foi reconhecida por Orestes pelo envio da carta mas para que ela o reconhecesse a ele foi mister outro reconhecimento 64 São estas duas das partes do mito peripécia e reconhecimento Terceira é a catástrofe Que sejam a peripécia e o reconhecimento já o dissemos A catástrofe é uma ação perniciosa e dolorosa como o são as mortes em cena as dores veementes os ferimentos e mais casos semelhantes XII Partes quantitativas da tragédia 65 Temos tratado daquelas partes da tragédia de que se deve usar como de seus elementos essenciais Mas segundo a extensão e as ações em que pode ser repartida as partes da tragédia são as seguintes prólogo episódio êxodo coral dividido este em párodo e estásimo Estas partes são comuns a todas as tragédias peculiares a algumas são os cantos da cena e os kommói 66 Prólogo é uma parte completa da tragédia que precede a entrada do coro episódio é uma parte completa da tragédia entre dois corais êxodo é uma parte completa à qual não sucede canto do coro entre os corais o párodo é o primeiro e o estásimo é um coral desprovido de anapestos e troqueus kommós é um canto lamentoso da orquestra e da cena a um tempo 67 Tratamos das partes da tragédia que devem ser usadas como elementos essenciais estas são por sua vez as partes da tragédia considerada em extensão e nas seções em que é possível repartila XIII A situação trágica por excelência O herói trágico 68 Que situações os argumentistas devem procurar e quais devem evitar e também por que via hão de alcançar o efeito próprio da tragédia eis o que resta dizer depois de tudo quanto foi dito 69 Como a composição das tragédias mais belas não é simples mas complexa e além disso deve imitar casos que suscitam o terror e a piedade porque tal é o próprio fim desta imitação evidentemente se segue que não devem ser representados nem homens muito bons que passem da boa para a má fortuna caso que não suscita terror nem piedade mas repugnância nem homens muito maus que passem da má para a boa fortuna pois não há coisa menos trágica faltandolhe todos os requisitos para tal efeito não é conforme aos sentimentos humanos nem desperta terror ou piedade O mito também não deve representar um malvado que se precipite da felicidade para a infelicidade Se é certo que semelhante situação satisfaz os sentimentos de humanidade também é certo que não provoca terror nem piedade porque a piedade tem lugar a respeito do que é infeliz sem o merecer e o terror a respeito do nosso semelhante desditoso pelo que neste caso o que acontece não parecerá terrível nem digno de compaixão 70 Resta portanto a situação intermediária É a do homem que não se distingue muito pela virtude e pela justiça se cai no infortúnio tal acontece não porque seja vil e malvado mas por força de algum erro e esse homem há de ser algum daqueles que gozam de grande reputação e fortuna como Édipo e Tiestes ou outros insignes representantes de famílias ilustres 71 É pois necessário que um mito bem estruturado seja antes simples do que duplo como alguns pretendem que nele se não passe da infelicidade para a felicidade mas pelo contrário da dita para a desdita e não por malvadez mas por algum erro de uma personagem a qual como dissemos antes propenda para melhor do que para pior Que assim deve ser o passado o assinala outrora se serviam os poetas de qualquer mito agora as melhores tragédias versam sobre poucas famílias como sejam as de Alcmêon Édipo Orestes Meleagro Tiestes Télefo e quaisquer outros que obraram ou padeceram tremendas coisas 72 A mais bela tragédia conforme as regras da arte é portanto a que for composta do modo indicado Por isso erram os que censuram Eurípedes por assim proceder nas suas tragédias as quais a maior parte das vezes terminam no infortúnio Tal estrutura já o dissemos é a correta A melhor prova é a seguinte na cena e nos concursos teatrais as tragédias deste gênero mostramse como as mais trágicas quando bem representadas e Eurípedes se bem que noutros pontos não respeite a economia da tragédia revelasenos certamente como o mais trágico de todos os poetas 73 Cabe o segundo lugar não obstante alguns lhe atribuírem o primeiro à tragédia de dupla intriga como a Odisséia que oferece opostas soluções para os bons e para os maus Estas tragédias não parecem merecer o primeiro lugar senão por astenia do público porque poetas complacentes as compuseram ao gosto dele Mas o prazer que resulta deste gênero de composições é muito mais próprio da comédia porque nela os que são na lenda inimicíssimos como Orestes e Egisto se tornam por fim amigos e nenhum deles é morto pelo outro XIV O trágico e o monstruoso A catástrofe O poeta e o mito tradicional 74 O terror e a piedade podem surgir por efeito do espetáculo cênico mas também podem derivar da íntima conexão dos atos e este é o procedimento preferível e o mais digno do poeta Porque o mito deve ser composto de tal maneira que quem ouvir as coisas que vão acontecendo ainda que nada veja só pelos sucessos trema e se apiade como experimentará quem ouça contar a história de Édipo Querer produzir estas emoções unicamente pelo espetáculo é processo alheio à arte e que mais depende da coregia 75 Quanto aos que procuram sugerir pelo espetáculo não o tremendo mas o monstruoso esses nada produzem de trágico porque da tragédia não há que extrair toda a espécie de prazeres mas tãosó o que lhe é próprio Oracomo o poeta deve procurar apenas o prazer inerente à piedade e ao terror provocados pela imitação bem se vê que é na mesma composição dos fatos que se ingerem tais emoções 76 Consideremos agora quais de entre os eventos do mito parecem de tremer e quais os de se compadecer 77 Ações deste gênero devem necessariamente desenrolarse entre amigos inimigos ou indiferentes Se as coisas se passam entre inimigos não há que compadecernos nem pelas ações nem pelas intenções deles a não ser pelo aspecto lutuoso dos acontecimentos e assim também entre estranhos Mas se as ações catastróficas sucederem entre amigos como por exemplo o irmão que mata ou esteja em vias de matar o irmão ou um filho o pai ou a mãe um filho ou um filho a mãe ou quando aconteçam outras coisas que tais eis os casos a discutir 78 Os mitos tradicionais não devem ser alterados e fazer por exemplo que Clitemnestra não seja assassinada pelo filho e Erífila por Alcmêon Contudo o poeta deve achar e usar artisticamente os dados da tradição Vamos explicar o que entendemos por usar artisticamente 79 É possível que uma ação seja praticada a modo como a poetaram os antigos isto é por personagens que sabem e conhecem o que fazem como a Medéia de Eurípides quando mata os próprios filhos Mas também pode darse que algum obre sem conhecimento do que há de malvadez nos seus atos e só depois se revele o laço de parentesco como no Édipo de Sófocles esta ação é verdade que decorre fora do drama representado mas por vezes o mesmo se dá na própria tragédia como a de Alcmêon na homônima tragédia de Astidamas e a de Telégono no Ulisses Ferido Há um terceiro caso que é o de quem está para cometer por ignorância algo terrível e depois o reconhece antes de agir E além destas não há outras situações tragicamente possíveis Porque age ou não age o ciente ou o ignorante 80 Destes casos o pior é o do sabedor que se apresta a agir e não age é repugnante e não trágico porque sem catástrofe com efeito raramente uma personagem procede como Hêmon para com Creonte na Antígona Vem em segundo lugar o caso do agente sabedor Melhor é todavia o do que age ignorando e que perpetrada a ação vem a conhecêla ação tal não repugna e o reconhecimento surpreende Mas superior a todos é o último por exemplo o que se dá no Cresfonte quando Mérope está para matar o filho e não mata porque o reconhece e na Ifigênia em que a irmã vai matar o irmão e na Hele onde o filho quando vai entregar sua mãe então a reconhece 81 Por esta razão como dissemos antes não há muitas famílias de cuja história se possa tirar argumento de tragédias quando buscavam situações trágicas os poetas as encontraram não por arte mas por fortuna nos mitos tradicionais não tendo mais que acomodálos a seus propósitos eis por que se constrangeram a recorrer à história das famílias em que semelhantes calamidades sucederam 82 Basta o que dissemos quanto à composição dos atos e à qualidade dos mitos XV Caracteres Verossimilhança e necessidade Deus ex machina 83 No respeitante a caracteres a quatro pontos importa visar Primeiro e mais importante é que devem eles ser bons E se como dissemos há caráter quando as palavras e as ações derem a conhecer alguma propensão se esta for boa é bom o caráter Tal bondade é possível em toda categoria de pessoas com efeito há uma bondade de mulher e uma bondade de escravo se bem que o caráter de mulher seja inferior e o de escravos genericamente insignificante 84 Segunda qualidade do caráter é a conveniência há um caráter de virilidade mas não convém à mulher ser viril ou terrível 85 Terceira é a semelhança qualidade distinta da bondade e da conveniência tal como foram explicadas 86 E quarta é a coerência ainda que a personagem a representar não seja coerente nas suas ações é necessário todavia que no drama ela seja incoerente coerentemente 87 Exemplo de maldade de caráter desnecessária o Menelau do Orestes de impropriedade e inconveniência as lamentações de Ulisses na Cila e o discurso de Melanipa paradigma de caráter incoerente é a Ifigênia em Áulis porque a Ifigênia suplicante é muito diversa da Ifigênia que se mostra no fim 88 Tanto na representação dos caracteres como no entrecho das ações importa procurar sempre a verossimilhança e a necessidade por isso as palavras e os atos de uma personagem de certo caráter devem justificarse por sua verossimilhança e necessidade tal como nos mitos os sucessos de ação para ação 89 É pois evidente que também os desenlaces devem resultar da própria estrutura do mito e não do deus ex machina como acontece na Medéia ou naquela parte da Ilíada em que se trata do regresso das naves Ao deus ex machina pelo contrário não se deve recorrer senão em acontecimentos que se passam fora do drama ou nos do passado anteriores aos que se desenrolam em cena ou nos que ao homem é vedado conhecer ou nos futuros que necessitam ser preditos ou prenunciados pois que aos deuses atribuímos nós o poder de tudo verem O irracional também não deve entrar no desenvolvimento dramático mas se entrar que seja unicamente fora da ação como no Édipo de Sófocles 90 Se a tragédia é imitação de homens melhores que nós importa seguir o exemplo dos bons retratistas os quais ao reproduzir a forma peculiar dos modelos respeitando embora a semelhança os embelezam Assim também imitando homens violentos ou fracos ou com tais outros defeitos de caráter devem os poetas sublimálos sem que deixem de ser o que são assim procederam Agatão e Homero para com Aquiles paradigma de rudeza 91 A tudo isto é preciso atender e mais ainda às regras concernentes às sensações que necessariamente acompanham a poesia pois também por este lado muitos erros se cometem De tal assunto porém bastante tratei nos escritos publicados XVI Reconhecimento classificação de reconhecimentos 92 Que seja o reconhecimento dissemolo antes mas de reconhecimentos há várias espécies 93 A primeira e de todas a menos artística se bem que a mais usada por incapacidade inventiva do poeta é a que se efetua por sinais Dos sinais uns são congênitos como a lança que em si trazem os Filhos da Terra ou as estrelas no Tiestes de Cárcino outros são adquiridos e ou se encontram no corpo como as cicatrizes ou fora do corpo como os colares ou aquela cestinha mediante a qual se dá o reconhecimento na Tiro Mas também destes sinais menos artísticos se pode fazer melhor ou pior uso assim Ulisses foi reconhecido de uma maneira pela ama e de outra pelos porqueiros Na verdade são estes sinais usados como meio de persuasão os menos artísticos portanto e em geral todos os reconhecimentos congêneres Melhores são os que resultam de uma peripécia como o reconhecimento na cena do Banho 94 Em segundo lugar vem o reconhecimento urdido pelo poeta e que por isso mesmo também não é artístico Exemplo o modo como Orestes na Ifigênia se dá a conhecer pois enquanto Ifigênia é reconhecida pelo envio da carta diz Orestes o que o poeta quer que ele diga e não o que o mito exige Pelo que cai tal reconhecimento no erro supramencionado pois o mesmo aconteceria se Orestes levasse em si qualquer sinal E outro tanto se diria da voz da lançadeira no Tereu de Sófocles 95 A terceira espécie de reconhecimento efetuase pelo despertar da memória sob as impressões que se manifestam à vista como nos Cipriotas de Diceógenes em que a personagem olhando o quadro rompe em pranto ou na narrativa a Alcínoo em que Ulisses ouvindo o citarista recorda e chora e assim o reconheceram 96 A quarta espécie de reconhecimento provém de um silogismo como nas Coéforas pelo seguinte raciocínio alguém chegou que me é semelhante mas ninguém se me assemelha senão Orestes logo quem veio foi Orestes Reconhecimento por silogismo é também aquele inventado pelo sofista Políido para a Ifigênia porque verossímil seria Orestes discorrer que se a irmã tinha sido sacrificada também ele o havia de ser Outro exemplo é o reconhecimento do Tideu de Teodectes em que o pai diz Venho para salvar meu filho e eu próprio devo morrer Outro exemplo ainda o das Fineidas em que vendo elas o lugar compreenderam seu destino concluindo que nesse lugar morreriam porque ali foram expostas 97 Mas também há o reconhecimento combinado com um paralogismo da parte dos espectadores Por exemplo no Ulisses Falso Mensageiro que Ulisses seja o único que pode tender o arco e nenhum outro senão ele tal é a ficção e hipótese do poeta ainda que em certo momento do drama Ulisses diga que reconheceu o arco sem o ter vistoora o supor que o reconhecimento de Ulisses se efetue deste modo eis o paralogismo 98 De todos os reconhecimentos melhores são os que derivam da própria intriga quando a surpresa resulta de modo natural como é o caso do Édipo de Sófocles e da Ifigênia porque é natural que ela quisesse enviar alguma carta Só os reconhecimentos desta espécie dispensam artifícios sinais e colares Em segundo lugar vêm os que provêm de um silogismo XVII Exortações ao poeta trágico Os episódios na tragédia e na epopéia 99 Deve pois o poeta ordenar as fábulas e compor as elocuções das personagens tendoas à vista o mais que for possível porque desta sorte vendo as coisas claramente como se estivesse presente aos mesmos sucessos descobrirá o que convém e não lhe escapará qualquer eventual contradição Que assim deve ser assinalao a censura em que incorre Cárcino Anfiarau saía do templo mas de tal não se apercebeu o poeta porque não olhava a cena como espectador e o público protestou porque o ofendia a contradição 100 Deve também reproduzir por si mesmo tanto quanto possível os gestos das personagens Mais persuasivos com efeito são os poetas que naturalmente movidos de ânimo igual ao das suas personagens vivem as mesmas paixões e por isso o que está violentamente agitado excita nos outros a mesma agitação e o irado a mesma ira Eis por que o poetar é conforme a seres bem dotados ou a temperamentos exaltados a uns porque plasmável é a sua natureza a outros por virtude do êxtase que os arrebata 101 Quanto aos argumentos quer os que já tenham sido tratados quer os que ele próprio invente deve o poeta dispôlos assim em termos gerais e só depois introduzir os episódios e darlhes a conveniente extensão 102 Que entendo por este dispôlos assim em termos gerais vou mostrálo com o exemplo da Ifigênia Certa donzela no momento de ser sacrificada desaparece aos olhos dos sacrificadores e transportada a terra estranha onde era lei que os forasteiros fossem imolados aos deuses aí foi investida do sacerdócio Pelo tempo adiante sucedeu que o irmão da sacerdotisa arribou àquela terra que a ordem de vir a este lugar provenha da divindade com que intenção a divindade o tenha feito e para que fim ele tenha vindo tudo isso cai fora do entrecho dramático Chegado é preso mas quando ia ser sacrificado foi reconhecido ou à maneira de Eurípides ou à maneira de Políido dizendo Crestes como é plausível que o dissesse que não só a irmã tivera de ser imolada mas também ele o tinha de ser e assim ficou salvo 103 Depois disso e uma vez denominadas as personagens desenvolvemse os episódios Estes devem ser conformes ao assunto como no caso de Orestes o da loucura pela qual foi capturado e o da purificação pela qual foi salvo 104 Nos dramas os episódios devem ser curtos ao contrário da epopéia que por eles adquire maior extensão De fato breve é o argumento da Odisséia um homem vagueou muitos anos por terras estranhas sempre sob a vigilância adversade Poseidon e solitário entretanto em casa os pretendentes de sua mulher lhe consomem os bens e armam traições ao filho mas finalmente regressa à pátria e depois de se dar a reconhecer a algumas pessoas assalta os adversários e enfim se salva destruindo os inimigos Eis o que é próprio do assunto tudo o mais são episódios XVIII Nó e desenlace Tipos de tragédia classificação pela relação entre nó e desenlace Estrutura da epopéia e da tragédia 105 Em toda tragédia há o nó e o desenlace O nó é constituído por todos os casos que estão fora da ação e muitas vezes por alguns que estão dentro da ação O resto é o desenlace Digo pois que o nó é toda a parte da tragédia desde o princípio até aquele lugar onde se dá o passo para a boa ou má fortuna e o desenlace a parte que vai do início da mudança até o fim Assim no Linceu de Teodectes constituem o nó todos os acontecimentos que precedem o rapto da criança o mesmo rapto e ainda a captura dos progenitores e o desenlace vai da acusação de assassínio até o fim 106 Há quatro tipos de tragédia pois quatro são também as suas partes como dissemos a tragédia complexa que consiste toda ela em peripécia e reconhecimento a tragédia catastrófica como as do tipo de Ájax e Íxion a tragédia de caracteres como as Ftiótidas e Peleu e em quarto lugar as episódicas como as Filhas de Fórcis Prometeu e quantas se passam no Hades 107 Os poetas devem esforçarse o mais possível por reunir todos estes elementos ou se não todos pelo menos os mais importantes e a maior parte dadas as críticas a que hoje estão sujeitos porque se os houve excelentes em cada parte constitutiva da tragédia pretendese que um poeta só haja de ultrapassar todos os bons poetas em sua peculiar excelência Ora o que é justo dizer é que pelo mito melhor que por outro elemento se estabelece a igualdade ou a diferença entre as tragédias e que são iguais quando o sejam o nó e o desenlace Porém há muitos que bem tecem a intriga e mal a desenlaçam o que importa é conjugar ambas as aptidões 108 É pois necessário ter presente o que já por várias vezes dissemos e não fazer uma tragédia como se ela fosse uma composição épica chamo composição épica à que contém muitos mitos como seria o caso do poeta que pretendesse introduzir numa só tragédia todo o argumento da Ilíada Na epopéia a extensão que é própria a tal gênero de poesia permite que as suas partes assumam o desenvolvimento que lhes convém enquanto nos dramas o resultado do desenvolvimento seria contrário à expectativa Que bem o mostraram todos os poetas que quiseram incluir em uma tragédia todo o argumento da Ruína de Tróia em vez de uma só parte como o fez Eurípides na Hécuba ou toda a história de Níobe contrariamente ao que fez Esquilo Todos esses poetas falharam ou foram mal sucedidos nos concursos e o próprio Agatão falhou pelo mesmo defeito 109 Quer nas tragédias com peripécia quer nas episódicas podem os poetas obter o desejado efeito mediante o maravilhoso como no caso de um homem astuto porém mau que é enganado como Sísifo ou quando corajoso mas injusto é vencido situações estas tanto mais trágicas e mais conformes ao sentido humano Todas são verossímeis ao modo como o entende Agatão quando diz verossimilmente muitos casos se dão e ainda que contrários à verossimilhança 110 O coro também deve ser considerado como um dos atores deve fazer parte do todo e da ação à maneira de Sófocles e não à de Eurípides Na maioria dos poetas contudo os corais tão pouco pertencem à tragédia em que se encontram como a qualquer outra e por isso desde o exemplo de Agatão é costume cantar interlúdios nas tragédias Mas que diferença haverá entre cantar interlúdios e transpor de uma para outra tragédia recitativos ou episódios inteiros XIX O pensamento Modos da elocução 111 Resta tratar da elocução e do pensamento pois das outras partes da tragédia já falamos 112 O que respeita ao pensamento tem seu lugar na retórica porque o assunto mais pertence ao campo desta disciplina O pensamento inclui todos os efeitos produzidos mediante a palavra dele fazem parte o demonstrar e o refutar suscitar emoções como a piedade o terror a ira e outras que tais e ainda o majorar e o minorar o valor das coisas 113 Evidentemente quando seja mister despertar as emoções de piedade e de terror ou o acrescimento de certas impressões a aceitação de algo como verossímil há que tratar os fatos segundo os mesmos princípios Apenas com uma diferença na poesia os sobreditos efeitos devem resultar somente da ação e sem interpretação explícita enquanto na retórica resultam da palavra de quem fala Pois de que serviria a obra do orador se o pensamento dele se revelasse de per si e não pelo discurso 114 Quanto à elocução há uma parte dela constituída pelos respectivos modos cujo conhecimento é próprio do ator e de quem faça profissão dessa arte que consiste em saber o que é uma ordem ou uma súplica uma explicação uma ameaça uma pergunta uma resposta e outras que tais 115 Assim pelo conhecimento ou desconhecimento destas coisas nenhuma censura digna de consideração se poderá enunciar contra o poeta como tal Pois quem poderia crer que Homero haja incorrido na falta que lhe atribui Protágoras como se dizendo canta ó deusa a ira houvesse pronunciado uma ordem querendo ele exprimir uma súplica Com efeito segundo Protágoras o dizer que se faça ou se não faça uma coisa é uma ordem Mas deixemos esta parte da questão porque é alheia à poética XX A elocução Partes da elocução 116 Quanto à elocução as seguintes são as suas partes letra sílaba conjunção nome verbo artigo flexão e proposição 117 A letra é um som indivisível não porém qualquer som mas apenas qual possa gerar um som composto porque também os animais emitem sons indivisíveis e contudo a esses não os denomino letras 118 As letras dividemse em vogais semivogais e mudas Vogai é a letra de som audível sem encontro dos lábios ou da língua semivogal a que tem um som produzido por esse encontro como o S e o P a muda como o r ou o é a letra que necessita da língua ou dos lábios mas que só vem a ser audível quando unida a uma vogai ou a uma semivogal Depois diferem as letras de cada um destes grupos pela conformação da boca na pronúncia pelo lugar da boca em que se produz o som e ainda conforme são ásperas ou brandas longas ou breves agudas graves ou intermediárias mas estas particularidades são da competência da métrica 119 Sílaba é um som desprovido de significado próprio constituído por muda e soante efetivamente as duas letras ГP produzem uma sílaba seja sem A seja com A como na sílaba TPA Mas também estas distinções pertencem à métrica 120 Conjunção é palavra destituída de significado próprio mas que não obsta nem contribui para que vários sons significativos componham uma única expressão significativa e que se destina por natureza a estar nos extremos ou no meio nunca porém no princípio de uma proposição por exemplo μέν ντοι δέ ou é um som desprovido de significado cuja função é a de reproduzir um único som significativo como αμφι ιερι e semelhantes ou é um som não significativo que indica o início o término ou a divisão no interior de uma proposição 121 Nome é um som significativo composto sem determinação de tempo que não tem nenhuma parte que como parte do todo seja significativa de per si com efeito nos nomes duplos não nos servimos de suas partes como se elas tivessem separadamente um significado assim no nome Θεοδώρώ a parte δώρον não tem significado 122 Verbo é som composto significativo que exprime o tempo e cujas partes como as do nome fora do conjunto não têm significado nenhum Efetivamente os nomes homem branco não exprimem o tempo mas os verbos anda andou exprimemno o primeiro o tempo presente o segundo o passado 123 A flexão tanto pertence ao nome como ao verbo e indica as relações de casos como deste a este ou outras relações que tais ou o singular e o plural como homens e homem ou os modos de expressão de quem fala como a interrogação o comando efetivamente foi vai são flexões do verbo segundo estas últimas espécies 124 A proposição é som composto e significativo do qual algumas partes são de per si significantes porque nem todas as proposições se compõem de nomes e de verbos mas pode haver também uma proposição sem verbo como por exemplo a definição de homem no entanto deve conter sempre uma parte significativa Exemplo de parte significante é o nome Cléon na proposição Cléon anda Uma proposição pode ser una de duas maneiras ou porque indica uma só coisa ou pelo liame que reúne muitas coisas adunandoas E assim a Ilíada é una pelo nexo que reúne as diversas partes e a definição de homem porque se refere a um só objeto XXI A elocução poética 125 Há duas espécies de nomes simples e duplos Simples denomino os que não são constituídos de partes significativas como a palavra terra todos os outros são duplos Estes depois ou são compostos de uma parte não significativa e de uma parte significativa ou de partes ambas significativas notese porém que o ser ou não ser significativo não pertence às partes consideradas dentro do nome E também há nomes triplos quádruplos múltiplos como alguns usados entre os massaliotas Ερμοкαι кοξανος 126 Cada nome depois ou é corrente ou estrangeiro ou metáfora ou ornato ou inventado ou alongado abreviado ou alterado 127 Nome corrente chamo àquele de que ordinariamente se serve cada um de nós estrangeiro aquele de que se servem os outros e por isso é claro que o mesmo nome pode ser ao mesmo tempo estrangeiro e corrente mas como é natural não para as mesmas pessoas assim oíyvvov para os cipriotas é de uso corrente e para nós estrangeiro 128 A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra ou do gênero para a espécie ou da espécie para o gênero ou da espécie de uma para a espécie de outra ou por analogia 129 Transporte do gênero para a espécie é o que se dá por exemplo na proposição Aqui minha nave se deteve pois o estar ancorado é uma espécie do gênero deterse Transporte da espécie para o gênero na proposição Na verdade milhares e milhares de gloriosos feitos Ulisses levou a cabo porque milhares e milhares está por muitos e o poeta se serve destes termos específicos em lugar do genérico muitos Tendolhe esgotado a vida com seu bronze e cortando com o duro bronze são exemplos de transporte de espécie para espécie No primeiro o poeta usou em lugar de cortar esgotar e no segundo em lugar de esgotar cortar mas ambas as palavras especificam o tirar a vida 130 Digo que há analogia quando o segundo termo está para o primeiro na igual relação em que está o quarto para o terceiro porque neste caso o quarto termo poderá substituir o segundo e o segundo o quarto E algumas vezes os poetas ajuntam o termo ao qual se refere a palavra substituída pela metáfora Por exemplo a urna está para Dioniso como o escudo para Ares e assim se dirá a urna escudo de Dioniso e o escudo urna de Ares Também se dá a mesma relação por um lado entre a velhice e a vida e por outro lado entre a tarde e o dia por isso a tarde será denominada velhice do dia ou como Empédocles dirseá a velhice tarde da vida ou ocaso da vida Por vezes falta algum dos quatro nomes na relação analógica mas ainda assim se fará a metáfora Por exemplo lançar a semente dizse semear mas não há palavra que designe lançar a luz do sol todavia esta ação tem a mesma relação com o sol que o semear com a semente por isso se dirá semeando uma chama criada pelo deus Há outro modo de usar esta espécie de metáfora o qual consiste em empregar o nome metafórico negando porém alguma das suas qualidades próprias como acontece se alguém chamar ao escudo não a urna de Ares mas a urna sem vinho 131 O ornato 132 Inventado é o nome que ninguém usa mas que o próprio poeta forjou ao que parece há algumas palavras deste gênero como èpvvyaç em vez de cornos e αρητηρα por sacerdote 133 Há depois os nomes alongados ou abreviados No primeiro caso o nome tem uma vogai mais longa do que a própria ou uma sílaba a mais no segundo é omitida uma parte da palavra Alongada por exemplo é Пοληος em vez de Пολεως e Пηληιαδεω em vez de Пηλειδov nome abreviado e por exemplo кρι δω οψ em μια yívεται αμφοτερων οψ 134 Alterado é o vocábulo do qual uma parte é mantida e outra transformada como δεξιτερον por δεξιον na frase δεξιτερον кατα μειξον 135 Considerados em si mesmos os nomes ou são masculinos ou femininos ou de gênero intermédio Masculinos são os que terminam em N ou P ou Σ ou em letra composta de Σ duas são as letras deste tipo ψ e Ξ femininos os que terminam em vogai sempre longa com He Ω ou em vogal alongada A e assim a soma das terminações masculinas e femininas vem a ser igual porque as terminações em Ξ e ψreduzemse a uma só com Σ Nenhum nome termina em muda ou vogai breve Três são os nomes terminados em I μελι кομμι πεπpi Cinco terminam em Y TO ΠΩV TO Πãvv TO yóvv TO δópv Os nomes de gênero intermédio terminam do mesmo modo e em N e P e Σ XXII A elocução poética críticas à elocução nos poemas homéricos 136 Qualidade essencial da elocução é a clareza sem baixeza Claríssima mas baixa é a linguagem constituída por vocábulos correntes como as composições de Cleofonte e Estênelo Pelo contrário é elevada a poesia que usa de vocábulos peregrinos e se afasta da linguagem vulgar Por vocábulos peregrinos entendo as palavras estrangeiras metafóricas alongadas e em geral todas as que não sejam de uso corrente 137 Mas a linguagem composta apenas de palavras deste gênero será enigma ou barbarismo enigmático se o for só de metáforas bárbara se exclusivamente de vocábulos estrangeiros Porque tal é a característica do enigma coligindo absurdos dizer coisas acertadas o que se obtém não quando se juntam nomes com o significado corrente mas sim mediante as metáforas como no verso vi um homem colando com fogo bronze noutro homem e em outros semelhantes E bárbara é a linguagem composta de nomes estrangeiros 138 Necessária será portanto como que a mistura de toda espécie de vocábulos Palavras estrangeiras metáforas ornatos e todos os outros nomes de que falamos elevam a linguagem acima do vulgar e do uso comum enquanto os termos correntes lhe conferem a clareza 139 Alongamentos e abreviamentos alterações dos nomes contribuem em grande parte para a clareza e elevação do discurso afastados da forma corrente e do uso vulgar fazem esses nomes que a linguagem não seja banal enquanto pela parte que mantêm do uso vulgar subsistirá a clareza 140 Por conseguinte não têm razão os que representam semelhante maneira de falar e ridicularizam o poeta como fez Euclides o Ancião que diz ser fácil o versificar desde que se conceda a liberdade de alongar arbitrariamente as palavras o mesmo Euclides parodiou tais versos em linguagem vulgar 141 É certo que pelo demasiado evidente destes modos se incorre no ridículo e por outro lado a moderação também é necessária nas outras partes do discurso pois metáforas estrangeirismos e outras espécies de nomes impropriamente usados produziriam o mesmo resultado se de propósito nos servíssemos deles para provocar o riso 142 Mas quanto seja diferente o uso moderado dessas palavras é o que facilmente se verifica na poesia épica se inserirmos nos versos vocábulos correntes Quanto a palavras estrangeiras metáforas e outras espécies de nomes raros verse á que dizemos a verdade se as substituirmos por palavras de uso comum Por exemplo Esquilo e Eurípedes compuseram c mesmo verso jâmbico mas Eurípedes mudou um só vocábulo pôs uma palavra estrangeira no lugar de uma palavra corrente e assim fez um verso belo ao passo que o de Ésquilo é verso medíocre Com efeito no Filoctetes Ésquilo escrevera φαγεδαιυαυ δ ή μου σαρкας εσυιει e Eurípides em lugar de εσυιει pôs υοιναται E assim também no verso vυν δε μ εων òλιγος τε se alguém substituísse os vocábulos de uso comum e dissesse vυν δε μ εων òλιγος τε кα E neste outro ôítppov àeinéλiov kataveiç τε da substituição resultaria òuppov ixoxripòv кaraâe μιкpáv τε πpaπεξανv E em vez de ήισνες δσοωσυ ήισνες βσοωσυ 143 Arífrades por seu turno parodiava os trágicos por usarem eles expressões de que ninguém se serve na linguagem corrente escrevendo por exemplo δωματωυ απο e não aπo δςπξτων e oédev e èτv ôé vw e Axcλλèwç népi em vez de nepι Axiλλeωç Mas o emprego destas locuções ainda que elas se não encontrem na linguagem vulgar dá elevação ao estilo e isso não viu Arífrades 144 Grande importância tem pois o uso discreto de cada uma das mencionadas espécies de nomes de nomes duplos e de palavras estrangeiras maior todavia é a do emprego das metáforas porque tal se não aprende nos demais e revela portanto o engenho natural do poeta com efeito bem saber descobrir as metáforas significa bem se aperceber das semelhanças 145 Dos vários nomes os duplos são os mais apropriados aos ditirambos os vocábulos estrangeiros aos versos heróicos e as metáforas aos versos jâmbicos Porém nos versos heróicos todas as espécies de vocábulos são utilizáveis nos jâmbicos ao invés e porque neles se imita a linguagem corrente mais convém os nomes que todos adotam na conversação a saber nomes correntes metáforas e ornatos 146 Basta o que dissemos quanto à tragédia e à imitação que se efetua mediante ações XXIII A poesia épica e a poesia trágica As mesmas leis regem a epopéia e a tragédia Homero 147 Quanto à imitação narrativa e em verso é claro que o mito deste gênero poético deve ter uma estrutura dramática como o da tragédia deve ser constituído por uma ação inteira e completa com princípio meio e fim pára que una e completa qual organismo vivente venha a produzir o prazer que lhe é próprio 148 Também é manifesto que a estrutura da poesia épica não pode ser igual à das narrativas históricas as quais têm de expor não uma ação única mas um tempo único com todos os eventos que sucederam nesses períodos a uma ou a várias personagens eventos cada um dos quais está para os outros em relação meramente casual Com efeito a batalha naval de Salamina e a derrota dos cartagineses na Sicília desenvolveramse contemporaneamente sem que estas ações tendessem para o mesmo resultado e por outro lado às vezes acontece que em tempos sucessivos um fato venha após outro sem que de ambos resulte comum efeito No entanto a maioria dos poetas adota este procedimento 149 Por isso como já dissemos também por este aspecto Homero parece elevarse maravilhosamente acima de todos os outros poetas não quis ele poetar toda a guerra de Tróia se bem que ela tenha princípio e fim o argumento teria resultado vasto em demasia e portanto não seria compreendido no conjunto ou então se fosse moderadamente extensa também seria demasiado complexa pela variedade dos acontecimentos Eis por que desses acontecimentos apenas tomou uma parte e de muitos outros se serviu como episódios assim com o Catálogo das Naves e tantos outros que distribuiu pelo poema 150 Os outros poetas todavia compuseram seus poemas ou acerca de uma pessoa ou de uma época ou de uma ação com muitas partes como por exemplo o autor dos Cantos Cíprios e da Pequena Ilíada Por isso enquanto da Ilíada e da Odisséia não é possível extrair de cada uma delas senão uma tragédia ou duas quando muito dos Cantos Cíprios ao invés muitas se podem tirar e da Pequena Ilíada mais de oito Juízo das Armas Filoctetes Neoptólemo Eurípilo Ulisses Mendigo Lacedemônias Ruína de Tróia Partida das Naves Símon e Troianas XXIV Diferença entre a epopéia e a tragédia quanto a episódios e extensão 151 As mesmas espécies que a tragédia deve apresentar a epopéia a qual portanto será simples ou complexa ou de caracteres ou catastrófica e as mesmas devem ser as suas partes exceto melopéia e espetáculo cênico Efetivamente na poesia épica também são necessários os reconhecimentos as peripécias e as catástrofes assim como a beleza de pensamento e de elocução coisas estas de que Homero se serviu de modo conveniente De tal maneira são constituídos os seus poemas que a Ilíada é simples episódica e catastrófica e a Odisséia complexa toda ela é reconhecimentos e de caracteres além de que em pensamento e elocução superam todos os demais poemas 152 Mas diferem a epopéia e a tragédia pela extensão e pela métrica 153 Quanto à extensão justo limite é o que indicamos a apreensibilidade do conjunto de princípio a fim da composição Mas para não exceder tal limite deveria a estrutura dos poemas ser menos vasta do que a das antigas epopéias e assumir a extensão que todas juntas têm as tragédias representadas num só espetáculo Para aumentar a extensão possui a epopéia uma importante particularidade Na tragédia não é possível representar muitas partes da ação que se desenvolvem no mesmo tempo mas tãosomente aquela que na cena se desenrola entre os atores mas na epopéia porque narrativa muitas ações contemporâneas podem ser apresentadas ações que sendo conexas com a principal virão acrescer a majestade da poesia Tal é a vantagem do poema épico que o engrandece e permite variar o interesse do ouvinte enriquecendo a matéria com episódios diversos porque do semelhante que depressa sacia vem o fracasso de tantas tragédias 154 Quanto à métrica prova a experiência que é o verso heróico o único adequado à epopéia efetivamente se alguém pretendesse compor uma imitação narrativa quer em metro diferente do heróico quer servindose de metros vários logo se aperceberia da inconveniência da empresa Na verdade o verso heróico é o mais grave e o mais amplo e portanto melhor que qualquer outro se presta a acolher vocábulos raros e metafóricos também por este aspecto a imitação narrativa supera as outras Pelo contrário são o trímetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico mais movimentados este convém à dança e aquele à ação Empreendendo pois misturar versos de toda casta como o fez Querémon extravagante seria o resultado eis por que ninguém se serviu nunca de verso que não fosse o heróico para compor um poema extenso Como dissemos a própria natureza nos ensinou a escolher o metro adequado 155 Homero que por muitos outros motivos é digno de louvor também o é porque entre os demais só ele não ignora qual seja propriamente o mister do poeta Porque o poeta deveria falar o menos possível por conta própria pois assim procedendo não é imitador Os outros poetas pelo contrário intervém em pessoa na declamação e pouco e poucas vezes imitam ao passo que Homero após breve intróito subitamente apresenta varão ou mulher ou outra personagem caracterizada nenhuma sem caráter todas as que o têm 156 O maravilhoso tem lugar primacial na tragédia mas na epopéia porque ante nossos olhos não agem atores chega a ser admissível o irracional de que muito especialmente deriva o maravilhoso Em cena ridícula resultaria a perseguição de Heitor os guerreiros que se detêm e o não perseguem e Aquiles que lhes faz sinal para que assim se quedem Mas na epopéia tudo passa despercebido Grato porém é o maravilhoso prova é que todos quando narram alguma coisa amplificam a narrativa para que mais interesse 157 Aos outros poetas também Homero ensinou o modo de dizer o que é falso refirome ao paralogismo Porque os homens crêem que quando do existir ou produzirse alguma coisa resulta o produzirse outra também da existência da última se há de seguir a existência ou produção da primeira Isto porém é falso No entanto se há um antecedente falso e um conseqüente que existe ou se produz sempre que o antecedente seja verdadeiro nós reunimolos porque o saber que o segundo é verdadeiro leva a nossa mente à arbitrária conclusão de que verdadeiro seja também o primeiro Exemplo de paralogismo tal é a cena do Banho 158 De preferir às coisas possíveis mas incríveis são as impossíveis mas críveis contudo não deveriam os argumentos poéticos ser constituídos de partes irracionais preferível seria que nada houvesse de irracional ou pelo menos que o irracional apenas tivesse lugar fora da representação como por exemplo a ignorância de Édipo quanto à morte de Laio e não dentro do próprio drama como a descrição dos Jogos Píticos na Electra ou a personagem que nos Misios vinda de Tegéia para a Mísia não diz palavra Ridículo é pois declarar que sem irracional não subsistiria o mito em primeiro lugar nem tais mitos se deveriam compor mas se um poeta os fizer de modo que pareçam razoáveis esses ainda serão admissíveis ainda que absurdos Na verdade tudo quanto de irracional acontece no desembarque de Ulisses inaceitável seria em obra de mau poeta os absurdos porém Homero os ocultou sob primores de beleza 159 Importa por conseguinte aplicar os maiores esforços no embelezamento da linguagem mas só nas partes desprovidas de ação de caracteres e de pensamento uma elocução deslumbrante ofuscaria caracteres e pensamento XXV Problemas críticos 160 Assunto esclarecido será o dos problemas e soluções de quantas e quais as suas formas se o encararmos do modo seguinte 161 O poeta é imitador como o pintor ou qualquer outro imaginário por isso sua imitação incidirá num destes três objetos coisas quais eram ou quais são quais os outros dizem que são ou quais parecem ou quais deveriam ser Tais coisas porém ele as representa mediante uma elocução que compreende palavras estrangeiras e metáforas e que além disso comporta múltiplas alterações que efetivamente consentimos ao poeta 162 Acresce ainda que não é igual o critério de correção na poética e na política e semelhantemente o de qualquer outra arte em confronto com a poesia Na arte poética erros de duas espécies se podem dar essenciais ou acidentais Portanto se propostos tais objetos a imitação resulta deficiente por incapacidade do poeta o erro é intrínseco à própria poesia se pelo contrário o defeito consiste apenas em não haver concebido corretamente o objeto da imitação como querendo imitar um cavalo que movesse a um tempo as duas patas do lado direito o erro não é intrínseco à poesia como o não é qualquer que se cometa relativamente a uma arte particular medicina ou outra ou quando se representam coisas impossíveis 163 Importa por conseguinte resolver as críticas que os problemas contêm considerandoas dos pontos de vista precedentes 164 Primeiro vejamos as críticas respeitantes à própria arte O poeta representou impossíveis Ê um erro desculpável contudo se atingiu a finalidade própria da poesia da finalidade já falamos e se de tal maneira resultou mais impressionante essa parte do poema ou outra qualquer Exemplo a perseguição de Heitor Mas caso possa atingir mais ou menos a mesma finalidade respeitando as regras da arte o erro é injustificável porque sendo possível não deveria haver erro nenhum 165 Mas então vejamos será o erro cometido daqueles que ofendem a essência da arte ou não será antes um erro acidental à poesia Pois falta menor comete o poeta que ignore que a corça não tem cornos que o poeta que a represente de modo não artístico 166 Além disso quando no poeta se repreende uma falta contra a verdade há talvez que responder como Sófocles que representava ele os homens tais como devem ser e Eurípides tais como são E depois caberia ainda responder os poetas representam a opinião comum como nas histórias que contam acerca dos deuses essas histórias talvez não sejam verdadeiras nem melhores talvez as coisas sejam como pareciam a Xenófanes no entanto assim as contam os homens 167 Outros casos há que os poetas referem não como sendo o melhor mas como o que fora outrora assim quando se diz das armas as lanças erguidas sobre os contos então vigorava o uso que os ilírios mantêm ainda 168 Para reconhecer se bem ou mal falou ou agiu uma personagem importa que a palavra ou o ato não sejam exclusivamente considerados na sua elevação ou baixeza é preciso também observar o indivíduo que agiu ou falou e a quem quando como e para quê se para obter maior bem ou para evitar mal maior 169 Outras dificuldades se resolvem bem considerada a elocução Assim a daquela passagem os machos primeiro porque não queria o poeta falar de machos mas de sentinelas e assim de Dólon dizendo o poeta mau ele era de aspecto não entende por isso que disforme era o corpo dele mas apenas feio de rosto efetivamente dizem os de Creta belo de aspecto por rosto belo E mistura mais forte deve ser entendido não como servir mais puro como se de beberrões se tratasse mas de servir mais depressa 170 Outras palavras se dizem metaforicamente Por exemplo Todos deuses e homens dormiam ainda pela noite alta diz o poeta e logo a seguir quando lançava os olhos sobre a planície de Tróia admirava o tumultuoso som das flautas e das siringes É que todos está por muitos metaforicamente porque todos é uma espécie de muitos Também só ela está excluída de banharse no Oceano há de entender se como metáfora só está por o mais conhecido 171 Com a prosódia resolvemse outras dificuldades assim explicava Hípias de Taso aquele glória nós lhe daremos e parte do qual apodrece com a chuva 172 Outras por diérese como os versos de Empédocles Mas depressa se tornaram mortais as coisas antes imortais e misturadas as que antes eram simples 173 E outras por anfibolia a maior parte da noite passou em que maior parte tem duplo sentido 174 Enfim outras se explicam por usos da linguagem À mistura de água e vinho chamam vinho e assim disse Homero cnêmide de recémelaborado estanho e porque se dá o nome de elaboradores de estanho aos que trabalham o ferro assim ele disse também de Ganimedes que a Zeus servia vinho se bem que os deuses não bebam vinho Mas isto também se poderia explicar por uso metafórico 175 Se o nome contém uma significação contraditória é mister procurar quantos significados ele pode assumir na frase em questão Por exemplo em aqui se deteve a brônzea lança importa verificar de quantas maneiras pode ser entendido o ali haver parado A consideração das várias possibilidades significativas é procedimento oposto àquele de que fala Glauco Alguns críticos partem de prevenida e absurda opinião depois raciocinam concluindo pela censura como se o poeta tivesse pensado algo de contraditório ao pressuposto deles E o que se verifica a propósito de Icário supondose que ele fosse lacedemônio logo se concluiu que era absurdo Telêmaco não o haver encontrado quando chegou a Esparta Talvez porém o caso se passasse como referem os cefalênios que tendo Ulisses contraído núpcias na terra deles o nome do herói seja Icádio e não Icário É pois verossímil que o problema nasça de um erro 176 Em suma o absurdo deve ser considerado ou em relação à poesia ou ao melhor ou à opinião comum 177 Com efeito na poesia é de preferir o impossível que persuade ao possível que não persuade Talvez seja impossível existirem homens quais Zêuxis os pintou esses porém correspondem ao melhor e o paradigma deve ser superado E depois a opinião comum também justifica o irracional além de que às vezes irracional parece o que o não é pois verossimilmente acontecem coisas que inverossímeis parecem Expressões aparentemente contraditórias importa examiná las como nas refutações dialéticas verificar se do mesmo se trata na mesma relação e no mesmo sentido e analogamente se o poeta cai em contradição com o que ele próprio diz ou com o que sobre o que ele diz pensa uma mente sã 178 Censuras por absurdo ou malvadez só são justas quando o poeta sem necessidade usa do irracional como Eurípides na intervenção de Egeu ou de maldade como Menelau no Orestes 179 As críticas resumemse pois a cinco espécies ou porque as representações são impossíveis ou irracionais ou imorais ou contraditórias ou contrárias às regras da arte As soluções devem reduzirse aos argumentos indicados e são doze XXVI A epopéia e a tragédia A tragédia supera a epopéia 180 E agora poderseia perguntar qual seja superior se a imitação épica ou a imitação trágica 181 Se é melhor a menos vulgar e tal é a arte que a melhores espectadores se dirige decerto que vulgar é aquela que tudo imita Efetivamente pela rudeza de um público que sem mais não entenderia a representação entregamse os atores a toda casta de movimentos como o fazem os maus flautistas que rodopiam querendo imitar o lançamento do disco ou arrastam o corifeu quando representam a Cila A tragédia teria pois o defeito que os antigos atores atribuem aos da sucessiva geração defeito pelo qual Minisco apelidava Calípides de macaco devido à sua exagerada gesticulação e o mesmo se dizia de Píndaro Como estes atores vulgares estão para os primeiros assim toda a arte dramática estaria para a epopéia Dizem que a epopéia se dirige a um público elevado porque não exige a exterioridade dos gestos e a tragédia aos rudes e que sendo vulgar decerto que é inferior 182 Em primeiro lugar digamos que tal censura não atinge a arte do poeta mas sim a do ator visto que também é possível exagerar a gesticulação recitando rapsódias como Sosístrato ou cantando poemas líricos como Mnasíteo de Oponte E depois que nem toda espécie de gesticulação é de reprovar se não reprovamos a dança mas tãosomente a dos maus atores que tal se repreendia em Calípides e agora nos que parecem imitar os meneios de mulheres ordinárias Acresce ainda que a tragédia pode atingir a sua finalidade como a epopéia sem recorrer a movimentos pois uma tragédia só pela leitura pode revelar todas as suas qualidades Por conseguinte se noutros aspectos a tragédia supera a epopéia não é necessário que este defeito lhe pertença essencialmente 183 Mas a tragédia é superior porque contém todos os elementos da epopéia chega até a servirse do metro épico e demais o que não é pouco a melopéia e o espetáculo cênico que acrescem a intensidade dos prazeres que lhe são próprios Possui ainda grande evidência representativa quer na leitura quer na cena e também a vantagem que resulta de adentro de mais breves limites perfeitamente realizar a imitação resulta mais grato o condensado que o difuso por largo tempo imaginese por exemplo o efeito que produziria o Édipo de Sófocles em igual número de versos que a Ilíada Além disso a imitação dos épicos é menos unitária demonstrao a possibilidade de extrair tragédias de qualquer epopéia e portanto se pretendessem eles compor uma epopéia com argumento em um único mito trágico se quisessem ser concisos mesquinho resultaria o poema se quisessem conformarse às dimensões épicas resultaria prolixo Quando falo de poesia épica como constituída de múltiplas ações refirome a poemas quais a Ilíada e a Odisséia com várias partes extensas todas elas se bem que estes dois poemas sejam de composição quase perfeita e tanto quanto possível imitações de uma ação única 184 Por conseqüência se a tragédia é superior por todas estas vantagens e porque melhor consegue o efeito específico da arte posto que o poeta nenhum deve tirar da sua arte que não seja o indicado é claro que supera a epopéia e melhor que esta atinge a sua finalidade 185 Falamos pois da tragédia e da epopéia delas mesmas e das suas espécies e partes número e diferenças dessas partes das causas pelas quais resulta boa ou má a poesia das críticas e respectivas soluções Dos jambos e da comédia COMENTÁRIO CAP I 1 Hesitam tradutores e comentadores quanto à palavra poietiké Tratase de poesia ou de arte poética Bonitz p 610 a assinala a sinonímia Gudeman p 75 repele a versão Dichtkunst que não daria sentido tolerável Rostagni aduz que poética em Aristóteles é sempre um abstrato arte da poesia e poesia sempre um concreto criação poética Mas a questão é de somenos quando se entenda que Aristóteles no seu tempo tinha de propor a equação poesia arte poética e não podemos atribuirlhe anacronicamente o vago sentido em que hoje se diria por exemplo there is more poetry in one short piece of Eliot than in all of Wordsworth Else Poetics p 4 dela mesma da poesia ou da arte poética no seu todo genericamente a seguir virão as suas espécies epopéia tragédia comédia ditirambo e nomo em 47 a 13 Mais tarde tratará dos poetas isto é após a ars caps IXII o artifex caps XIIIXXV efetividade ou potencialidade que uma vez atualizada em cada uma das espécies de poesia vem a constituir o érgon ou o efeito que lhe é próprio na tragédia este será o prazer resultante da imitação de casos que suscitam terror e piedade 53 a 1 quantos referese às partes quantitativas mencionadas no capítulo XII quais às partes ou elementos qualitativos enumerados no capítulo VI mito caráter pensamento elocução melopéia e espetáculo Mas em primeiro lugar vem a composição dos atos mito intriga pois o mito é como que a alma da tragédia 50 a 37 a finalidade o princípio o elemento mais importante cf índice Analítico s v MITO tudo quanto pertence a esta indagação alude à matéria dos capítulos IIIV e XIXXX que margina o núcleo da obra teoria da arte poética com algumas considerações acerca de história literária e crítica verbal começando pelas coisas primeiras é expressão quase formular em Aristóteles Gudeman p 78 a indagação méthodos procede naturalmente do geral para o particular cf Argumentos Sof I p 164 a 23 Fis I 7 p 189 b 3 1 Ger Anim I 8 p 325 a 2 II 4 p 737 b 25 etc coisas primeiras o mais importante é a causa final a própria imitação sobre a qual efetivamente A vai discorrer nos cinco primeiros capítulos da Poética 2 Da enumeração das espécies ou formas de poesia epopéia tragédia comédia ditirambo no final do capítulo A acrescenta o nomo é excluído o lirismo porque este entraria mais propriamente no campo da arte musical Mas o ditirambo entoado ao som do aulós e o nomo acompanhado pela kithára haviam assumido no século IV o caráter dramático que reconhecemos já bem desenvolvido nos poemas de Timóteo cf J M Edmonds Lyra Graeca vol III Lond 1945 pp 280 ss e Filóxeno ibid pp 340 ss e em germe no Teseu de Baquílides ibid pp 99 ss cf Gudeman p 79 Por isso a maior parte da aulética e da citarística vem juntarse aqui à tragédia e à comédia só ficando à parte as espécies líricas puramente musicais ou as que o teriam sido antes de assumirem as características dramáticas de que se revestiram talvez por influência da tragédia Em todo o caso não é este ditirambo moderno o que teria dado origem à tragédia cf cap IV p 49 a 9 coment ao 20 por três aspectos sendo a poesia geral ou genericamente imitação diferem as suas espécies em conformidade com os aspectos sob os quais se considerem e distingam as ações imitativas o imitador imita ou 1 com meios diversos ou 2 coisas diversas ou 3 de modo diverso O resto do cap I será dedicado aos meios o II tratará dos objetos e o III dos modos Aristóteles analisa o conceito de imitação artística seguindo uma escala hierárquica ascendente começando pelo elemento distintivo mais material e menos significativo e terminando pelo menos material e mais importante Else 17 O final da frase e não do mesmo modo seria um pleonasmo típico de A Rostagni ad locum ou mais provavelmente o não do mesmo modo relacionarseia com cada uma das três diferenças e não apenas com a última Gudeman 3 A primeira diferença é introduzida por uma comparação tal como os artistas plásticos pintores e escultores não esqueçamos que a escultura na Grécia era colorida se servem de cores e figuras assim poetas músicos e dançarinos usam o ritmo a harmonia e a linguagem Mas no primeiro termo da comparação também há outros imitadores aqueles que imitam com a voz Pareceria por conseguinte que já aí estão implicitamente contidas todas as artes da palavra quer as que se servem apenas da linguagem e que são as artes anônimas de 47 b 2 poesia épica e dramática quer as que usam linguagem e harmonia conjuntamente poesia lírica Os comentadores Gudeman Else lembram a propósito algumas palavras esclarecedoras da Retórica sobretudo III 1 p 1404 a 21 que menciona a hypókrisis arte do ator em termos which are strongly reminiscent of our passage Else 20 Como era natural foram os poetas quem primeiro se ocupou da questão dado que as palavras são uma imitação Daí procedem igualmente técnicas a do rapsodo do comediante hypokritiké e outras trad de A Pinto de Carvalho Portanto as artes comparadas imitação com cores e figuras e imitação com a voz não com a linguagem mas só com o suporte sonoro do lógos encontramse juntas de um lado e do lado oposto só a arte até hoje inominada da imitação pela palavra Em suma na opinião bastante plausível de Else Aristóteles teria estabelecido aqui pela primeira vez na Grécia clássica uma parcial distinção entre poesia e música Else p 37 Mas é claro que esta interpretação só é viável se suprimirmos a interpunção forte tradicional entre os dois parágrafos na nossa versão entre 47 a 17 e 47 a 27 e o texto traduzido possa decorrer aproximadamente do seguinte modo efetivamente a tradução de Else Primeiro do mesmo modo como alguns também imitam muitas coisas fazendo imagens delas com cores e figuras uns por arte outros por hábito ou rotina enquanto outros o fazem com a voz assim no caso das supramencionadas artes todas elas realizam a imitação por meio do ritmo linguagem e melodia mas usando as duas últimas separada ou conjuntamente por exemplo a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica usando só do ritmo e da melodia e a arte dos dançarinos imita usando apenas o ritmo sem melodia porque também estes por meio de seus ritmos incorporados em figurasdedança imitam caracteres experiências e ações e a outra epopéia usando só prosa ou versos sem música e no último caso misturando versos ou servindose de alguns de particular espécie uma arte que acontece ser anônima até à presente data 4 mimos de Sófron e Xenarco cf índice Onomástico s vv SÕFRON e SOCRÁTICOS diálogos Nesta passagem deparamsenos indiscutíveis reminiscências do diálogo Dos Poetas que Ateneu XI p 505 C Arist frg 72 Rose Dos Poetas frg 3 Ross cita deste modo Portanto não podemos negar que mesmo os chamados mimos de Sófron que não foram compostos em verso sejam diálogos lógous ou que os diálogos de Alexâmeno de Teo os primeiros diálogos socráticos que se escreveram sejam imitações e assim o sapientíssimo Aristóteles expressamente declara que Alexâmeno escreveu diálogos antes de Platão E Diógenes Laércio III 48 32 Dizem que foi Zenão de Eléia o primeiro que escreveu diálogos Mas segundo Favorino em suas Memorabilia assevera Aristóteles no diálogo Dos Poetas que o primeiro foi Alexâmeno de Teo Ao que me parece todavia foi Platão quem levou à perfeição esta forma literária pelo que justamente mereceria o primeiro lugar quer pela invenção do gênero quer pela beleza que lhe conferiu A maioria dos comentadores da Poética Rostagni Gudeman Else denunciam nestes fragmentos a mal disfarçada polêmica de A contra Platão e a ironia com que o discípulo insinua que também o Mestre grande artista e exímio imitador devia ser excluído da sua República em que não dera lugar para os poetas dramáticos Na verdade a polêmica seria evidente no diálogo Dos Poetas em que A parece haver chegado a afirmar que Platão nem sequer fora o inventor do gênero Mas a lição incomparavelmente mais importante tanto nesta passagem como no cap IX é a independência do conteúdo poético em relação à forma métrica e por conseguinte a indistinção formal entre prosa e verso que vêm a subordinarse ambos à essência imitativa da poesia 5 Do que precede também resulta a subseqüente alusão a Empédocles nada há de comum entre Homero e Empédocles a não ser a metrificação Tratase de outra reminiscência do diálogo Dos Poetas Aristóteles no diálogo Dos Poetas diz que Empédocles foi homérico hábil na elocução grande nas metáforas e em todos os outros meios de que se serve a poesia Dióg Laérc VIII 57 Arist frg 70 Rose Dos Poetas frg 2 Ross Houve naturalmente quem visse flagrante contradição entre estas duas referências de A a Empédocles e por conseguinte mais um sinal de que o Estagirita alterara profundamente o seu conceito de poesia no tempo que separa a publicação do diálogo de juventude e a redação do livro acroamático Mas a contradição dissolvese de pronto se considerarmos que na referência de Diógenes Laércio o elogio que A faz a Empédocles incide apenas na elocução somente no estilo e portanto na Poética vem a dizer o mesmo que dizia no Dos Poetas from the negative sideElse 51 Não há que negar todavia que o juízo negativo no que concerne à autêntica poesia que resplandece nas obras de Empédocles revela a própria limitação das poéticas antigas e em particular da poética de Aristóteles ao cingír a arte à mimese da ação de agentes humanos Em todo o caso não há dúvida de que Empédocles mereceu a Aristóteles especialíssimo interesse como o prova o elevado número de citações e alusões a seus poemas em todo o Corpus Aristotelicum A título de curiosidade referimos a estatística que Else p 50 n 194 extrai do Index de Bonitz Empédocles 133 linhas de referências Homero 125 mas muito mais referências individuais Eurípides 52 Sófocles 27 Hesíodo 20 Epicarmo 11 Ésquilo 9 Píndaro 4 Arquíloco 4 Safo 3 Alceu 2 quanto a filósofos Platão 217 Pitágoras e pitagóricos 109 Heráclito 33 Parmênides 20 Xenófanes 14 Como se verifica Empédocles só é ultrapassado por Homero e Platão Aliás o juízo de Aristóteles sobre Empédocles como muito bem observa o mesmo comentador também poderia ter resultado por uma explicável reação do filósofo contra o evidente abuso do didatismo poético na Grécia 6 Nas duas primeiras ditirambo e nomo os três meios ritmo canto e metro são usados ao mesmo tempo através do poema inteiro ao passo que na tragédia e na comédia o canto só intervém nas partes líricas nos corais CAP II 7 Else p 69 faz notar que excluindo Aristóteles firmemente qualquer interesse primário pelo caráter o que é evidente noutras passagens da Poética por exemplo em 50 a 16 na tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para que efetuem a ação as primeiras linhas do capítulo deveriam entenderse e traduzirse do modo seguinte E como os imitadores imitam homens em ação práttontas e tais pessoas são necessariamente indivíduos de alto ou baixo caráter porque eles e eles somente isto é os homens em ação quase sempre desenvolvem caracteres definidos eles os imitadores imitam homens ou acima ou abaixo da média como o fazem os pintores Pois Polignoto pintava indivíduos melhores que a média e Pausonpessoas que eram piores Entre as palavras da versão de Else não inscrevemos as três expressões parentéticas que na nossa tradução vêm a ser 1 e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude 2 ou iguais a nós 3 Dionísio representavaos semelhantes a nós Na primeira já Gudeman p 461 Apêndice Crítico suspeitava da interpolação de uma nota marginal ethischen Gemeinplatz Else p 69 ss também suspeita das duas seguintes e ao que nos parece com bem fundamentados motivos sendo o primeiro e principal o fato de em todo o texto da Poética não haver outro lugar em que se desenvolva ou onde se aluda sequer a parte da doutrina que devia incidir sobre a imitação de pessoas iguais ou semelhantes a nós A ou tratará no I Livro da imitação da ação de homens superiores tragédia e epopéia ou no II Livro da imitação da ação de homens inferiores a nós ou abaixo da média Assim sendo ou Dionísio é o pintor mencionado por Eliano Var Hist IV 3 como contemporâneo de Polignoto que imitava as obras deste com precisão mas sem grandeza ou é o pintor citado por Plínio Hist Nat 35 148 o anthropographus que viveu em Roma no tempo da juventude de Varrão ca 100 aC No segundo caso a interpolação seria evidente Se se trata do contemporâneo de Polignoto as duas últimas passagens presumivelmente interpoladas poderiam não sêlo e o verdadeiro sentido da referência de A a Dionísio seria então que a semelhança ou a igualdade diz respeito a uma deficiência da imitação e não aos caracteres imitados Acrescentese que a referência a Cleófon na Retórica cf índice Onomástico s v depõe favoravelmente no sentido desta última interpretação A dicotomia indivíduos de elevada ou de baixa índole tem evidentemente um significado moral não todavia no sentido platônico e muito menos no sentido cristão Else p 77 No sentido grego clássico a partir de Homero os homens de elevada índole só podem ser os heróis e os de baixa índole a multidão 8 Cf índice Onomástico s vv CLEOFON HEGEMON NICOCARES ARGAS TIMÓTEO FILOXENO 9 Cf anotação ao 7 CAP III 10 Depois dos meios e dos objetos vêm os modos como se efetua a imitação A divisão da poesia mimética em três gêneros 1 narrativo diegmatikón ou apaggeltikón 2 dramático dramatikón ou mimetikón e 3 misto ou comum miktán ou koinón tornouse clássica mas provavelmente não antes da difusão das doutrinas peripatéticas E certo que antes de A temos a tripartição platônica que se desenvolve na República III pp 392a 394d mas apesar de Finsler e Bywater que não pouparam esforços e engenho para demonstrar os plágios de A não é possível concluir que a teoria aristotélica se deve inteiramente ao ensino da Academia Contra semelhante pressuposto basta invocar o fato de A incluir o gênero narrativo como parte da poesia mimética cf Gudeman ad locum p 104 Como dissemos a classificação é unanimemente adotada pelos gramáticos antigos cf na Grécia Proclo Schol Dionys Thrax p 450 Hilg e o anônimo autor dos prolegomena a Hesíodo p 5 8 Gaisford e em Roma Diomedes excerto de Varrão poematos genera sunt tria activum est vel imitativum quod Graeci dramaticon vel mimeticon appellant in quo personae loquentes introducuntur ut se habent tragoediae et comicae fabulae et prima bucolicon aut enerrativum quod Graeci exegematicon vel apaggelticon appellant in quo poeta ipse loquitur sine ullius personae interlocutione ut se habent três libri Georgici et pars prima quarti ita Lucretii carmina aut commune vel mixtum quod graece koinón vel miktón dicitur in quo poeta ipse loquitur et personae loquentes introducuntur ut est scripta Ilias et Odyssia Homeri et Aeneis Vergilii cf outros testemunhos em Gudeman pp 1045 Else pp 9899 No entanto também há vestígios de uma dipartição aristotélica v Tra tactus Coislimianus em Cantarella Prolegomini p 33 sem o gênero misto ou comum 11 No texto do presente parágrafo encontramse sinais de um curioso litígio decerto suscitado pelos brios patrióticos dos gramáticos de Atenas e do Peloponeso A primeira frase dizem também que usam o verbo drán práttein É claro que A não toma partido nem assume a responsabilidade das etimologias mencionadas em favor da origem dórica da comédia e da tragédia alguns pode referirse como muitas vezes acontece em textos aristotélicos a um só autor e como Gudeman o sugere p 10 não é impossível que neste passo o autor aludido seja Dicearco o próprio discípulo de A bem conhecido pelo seu patriotismo dórico que demonstra nos fragmentos e nos testemunhos existentes acerca das suas obras v também Else p 108 n 51 Por outro lado se é certo que nesta passagem também acodem algumas reminiscências da doutrina exposta no De Poetis o que se deduziria do confronto destas linhas da Poética com um passo de Temístio Orat XXXVII p 337 B referindo a mesma origem siciliana da comédia e a mesma origem peloponesica da tragédia talvez A pendesse realmente para não recusar toda a veracidade às pretensões dos dórios Do lado de Atenas ou da Atica os nomes que se opunham às reivindicações dóricas eram Téspis para a invenção da tragédia e Susárion para a invenção da comédia cf Clem Alex Stromat I 79 1 embora este último não seja ático e possa ter sido um nome forjado para apoiar a tese da origem megarense da comédia cujo campeão segundo Wilamowitz foi Diêuquidas de Mégara contemporâneo de Aristóteles CAP IV 13 Depois de haver discorrido sobre as espécies A volta a falar do gênero mais precisamente das causas e da história da poesia como um todo Em geral portanto as causas da poesia são duas Qual seja a primeira ê o que se encontra claramente expresso no nosso texto o imitar é congênito no homem isto é faz parte da humana natureza desde a primeira infância Quanto à segunda causa hesitam os intérpretes entre a o prazer que para todos nós resulta da contemplação do imitado v 14 e b a congenialidade também humana da harmonia e do ritmo v 15 Optavam pelo primeiro membro da alternativa Petrus Victorius no século XVI Ritter Bywater e Rostagni desde o século XIX e pelo segundo Avicena e Averróis na Idade Média Sigonius no século XVI Vahlen no século XIX e atualmente Gudeman p 116 e Else p 127 Que a razão mais assiste a estes comentadores é o que parece claro quando se lê desprevenidamente o início do 15 p 1448 b 20 o que é próprio da nossa natureza é I a imitação II a harmonia e o ritmo Será que como Gudeman pretende p 115 A se propõe refutar aqui a teoria da inspiração que pairava desde Homero Hesíodo e Píndaro com a invocação às Musas quais fontes de criação poética e que mais tarde Demócrito e Platão expressaram pela doutrina da mania poética e do entusiasmo infuso pelos deuses 14 Na verdade A insiste sobre a congenialidade da imitação ao atribuir lhe por sua vez uma causa intelectual o homem apreende por imitação as primeiras noções por isso contemplamos com prazer as imagens mais exatas causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens Nesta passsagem da Poética ecoam sem dúvida as primeiras palavras da Metafísica Todos os homens por natureza desejam conhecer Sinal é a nossa afeição pela sensibilidade pois as sensações nos aprazem por si mesmas utilidade à parte e mais que todas as outras as da vista e para além destas as do Protréptico v frg 7 Ross Iambl Protrép 7 Outro paralelo lêse na Retórica I 11 p 1371 b 4 Além disso sendo agradável aprender e admirar tudo que a isto se refere desperta em nós o prazer como por exemplo o que pertence ao domínio da imitação como a pintura a escultura e a poesia numa palavra tudo que é bem imitado mesmo que o objeto imitado careça de encanto De fato não é este último que causa o prazer mas o raciocínio pelo qual dizemos que tal imitação reproduz tal objeto daí resulta que aprendemos alguma coisa trad de A Pinto de Carvalho Notese que é no fim do mesmo capítulo da Retórica que A se referirá ao que já escrevera na Arte Poética imagens daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância animais ferozes cadáveres até ao século IV não há vestígios de arte figurativa de tais temas Else p 128 sugere desenhos modelos ou seções de animais e cadáveres humanos isto é reproduções usadas para ensino ou pesquisa biológica equipamento de laboratório não obras de arte 15 A segunda causa da poesia é que a harmonia e o ritmo são próprios da nossa natureza correspondem a uma disposição psíquica natural do homem Gudeman p 120 insiste aqui mais uma vez na diferença entre Aristóteles e os que o precederam especialmente Platão no que parece da parte do Estagirita constituir decidida recusa às teorias da inspiração cf supra coment ao 13 A seqüência efetivamente decorre no mesmo sentido os de entre os homens mais naturalmente propensos pephykótes prós autá deram origem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos prepara a teoria ou a história da origem da tragédia em 1449 a 9 ss 20 os metros são parte do ritmo metros equivale a versos o ritmo é a totalidade do poema e evidentemente os versos fazem parte ou compõem o ritmo 16 Por motivos que expõe às pp 135 ss e 143 Else desloca não podemos é certo poemas semelhantes para o princípio do 17 Com efeito a deslocação clarifica o argumento deste parágrafo e do seguinte Outra observação mais importante do mesmo comentador é que a diversificação da poesia nas duas formas principais que como tragédia e como comédia atingirão a plenitude no gênero não poderia A atribuíla à índole particular dos poetas Sem dúvida dos poetas não está no texto grego e o particular ou o inerente pode referir se à poesia e não aos poetas Neste caso o início do parágrafo seria a poesia tomou diferentes formas segundo as diversas espécies de caráter que naturalmente lhe pertencem vitupérios hinos e encômios são as duas espécies de improvisos autoschediásmata originários dos dois grandes gêneros de poesia mimética comédia e tragédia poemas deste gênero antes de Homero já na Antigüidade se repartiam as opiniões acerca da existência de poesia antes de Homero uns com Horácioou a sua fonte diziam vixere fortes ante Agamemnonem multa sed omnes urgentur ignotique longa nocte carent quia vate sacro Carm IV 9 25 outros como Cícero nihil est enim simul et inventum et perfectum nec dubitaripotest quin fuerint ante Homerum poetaeBrut 71 Hoje efetivamente a dúvida não é possível 17 Margites v índice Onomástico s v Quanto ao juízo de A sobre Homero como supremo poeta no gênero sério compare as diversas passagens da Poética v índice Analítico s v EPOPÉIA em que A a ele se refere especialmente cap XXIV p 1 460 a 6 ss 18 Como veremos a seguir coment ao 20 p 1 449 a 9 os adversários da posição tradicional quanto à historicidade das notícias de A acerca da origem da tragédia no ditirambo satírico têm de se lhe opor com as melhores perspectivas de sucesso principalmente no estudo crítico do próprio texto da Poética Entre esses adversários temos de contar hoje como dos mais lúcidos e intransigentes o filólogo norteamericano que as mais das vezes citamos nestas anotações Ora ao que nos parece é nesta passagem da Poética que a crítica de Else toca verdadeiramente no ponto crucial da questão Não há dúvida de que na opinião da maioria dos estudiosos a paternidade espiritual do drama grego é por A atribuída a Homero nas poucas linhas do parágrafo anterior Mas pergunta Else p 146 qual é a exata relação entre essa paternidade homérica quanto à comédia e à tragédia e a seqüência imediata 18 p 1 449 a 1 ss Que será feito dela se tivermos de entender aquele vindas à luz a tragédia e a comédia como o momento histórico em que se situam na Grécia as inovações de Arion ou de Téspis e na Sicília as de Epicarmo A não ser que admitamos como E Bethe Homer Dichtung und Sage v II um Homero do século VI é claro que o historiador da literatura grega terá ou de desdenhar da paternidade homérica da tragédia e da comédia ou da origem da tragédia no ditirambo satírico por obra de Árion ou de Téspis por isso que pelo menos dois séculos separam Homero dos hipotéticos criadores da poesia dramática Neste ponto temos de concordar com o comentador o Homero do 17 é o que trouxe à luz a tragédia e a comédia 18 19 já contém a perfeição dos seus princípios isto é se a tendência para o trágico que se observa em Homero teria chegado verdadeiramente a seu término natural nos dramas escritos e representados 20 Quanto ao problema das origens históricas da tragédia há quase um século que as soluções propostas não encontram outro princípio de classificação e enquadramento que não seja o pró ou o contra a doutrina tão exasperadoramente sintetizada nesta passagem da Poética de Aristóteles Pronunciamse pró Aristóteles com reservas acerca de um ou de outro ponto um é a origem no improviso dos solistas do ditirambo outro é a passagem pela fase satírica Nietzsche Wilamowitz Haigh Reisch Flickinger Kalinka PickardCambridge Pohlenz Tièche Kranz Ziegler Brommer Lesky Buschor Rudberg e Lucas cf Bibliografia Sob o influxo das idéias de Frazer e em geral das escolas históricoetnológicas e reinterpretando Heródoto V 67 Ridgeway postula uma origem heróicodionisíaca recusandose contra Aristóteles a admitir como fase primordial a passagem pelo satyrikón seguemno a maior ou menor distância e por vezes numa atitude de compromisso com a primeira tese Nilsson Terzaghi Geffken Cessi Schmid Peretti Uma linha independente iniciou Dieterich propondo a origem da tragédia nos rituais de mistério Nesta linha situase Cook Também sob a influência de Frazer se mostra a teoria de Murray reportandose à paixão anual dos deuses que morrem Nilsson e Farnell agrupamse com Murray defendendo a mesma origem no culto de Dioniso melánaigis e quase o mesmo se diria de Untersteiner Thomson e Jeanmaire sobretudo do primeiro na medida em que procura as raízes da tragédia no substrato mediterrâneo préhelênico Enfim afirmam que o problema das origens sendo problema de substrato e de préhistória não interessa diretamente ao estudo do gênero poético como tal Porzig Del Grande Howald Cantarella e Perrotta Posição extrema contra a divulgada interpretação do topos aristotélico assume Else em seus recentíssimos trabalhos O problema é como já o dissemos na Introdução o de saber se gramáticos escoliastas e lexicógrafos e outros escritores que se referem à origem da tragédia no drama satírico o fazem todos na seqüela do Estagirita e de sua escola o que teria por conseqüência o nosso dever de eliminálos como testemunhos diretos ou se algum desses testemunhos é independente de Aristóteles ou ainda quando verificada a dependência se não haverá razão para aceitar a doutrina como resultado da investigação de um historiador ou para rejeitála como hipótese de um teorizador No entanto a admissão do segundo membro desta alternativa ainda implica a necessidade de determinar algum motivo que coordene a hipótese aristotélica sobre a origem da tragédia com a tese sobre a sua essência Poét cap VI Ele como já o dissemos representa neste campo a posição mais extremista Aristotles history is in fact as much an a priori construction as anything in the preceding chapters p 126 e mais adiante we shall find it salutary to be clear that chapter 4 is not a historical document but a summary of Aristotles thinkingp126127 e para reforço do argumento cita em nota p 126 n 7 o testemunho de Harold Cherniss que em seu epochal Aristotle s Criticism of Presocratic Philosophy Baltimore 1935 bem conseguiu provar que a história da filosofia delineada no I Livro da Metafísica não passa de uma construção especulativa embora admitindo ele Else que pelo menos a Poética está livre desse fator perturbante a idéia implícita de que a filosofia aristotélica é a finalidade do desenvolvimento da filosofia grega e que todos os antecessores de Aristóteles são peripatéticos balbuciantes Quanto à historicidade da informação acerca da origem da tragédia alguns filologos contemporâneos Nilsson PickardCambridge Schmid Peretti Del Grande o mais que concedem é que nela confluem as fontes documentárias e epigráficas do século V e uma reconstrução hipotética do gênero literário efetuada em conformidade com uma teoria acerca da sua essência O argumento favorito Bywater A s Poetics p 38 It is clear from Aristotles confession of ignorance as to comedy in 1449 a 37 that the knows more of the history of tragedy than he actually tells us and that he is not aware of there being any serious lacuna in it refutase precisamente pela falta de documentação para além dos últimos dois ou três anos do século VI E na verdade não será fácil nem como hipótese mais ou menos plausível fazer recuar até à data remota em que teriam vivido Arion e Téspis a existência de informações semelhantes às dos arquivos atenienses em que se baseiam as notícias das Didascálias Mas e esta observação nos parece importante a ausência de fontes documentárias não significa necessariamente que A construa uma hipótese e muito menos que a transmita conscientemente deliberadamente como hipótese sua não quer dizer em suma que A não creia que as suas palavras não expressam o que se lhe afigura ter sido a verdadeira origem histórica dos gêneros dramáticos Aliás também é preciso lembrar que à falta de fontes documentárias A dispunha de não poucos testemunhos indiretos aqueles que se representam por escritos de antecessores e contemporâneos preocupados com o mesmo problema Obras tais embora sem nome de autor adivinhamse sob locuções como os dórios os megarenses alguns do Peloponeso outras são conhecidas se bem que a tradição as não tenha conservado cf Ziegler col 1906 Gudeman p 10 Concluindo uma coisa é não saber o que fazer da história que A nos relata outra coisa é recusarmo nos a aceitála como tal por não saber o que fazer dela Admitindo porém que A nos ofereça neste lugar uma reconstrução do processo evolutivo da tragédia ainda importaria determinar 1 quais as palavras que a exprimem e 2 sobre que implícitos fundamentos poderia o filósofo ter baseado a sua hipótese Quanto ao primeiro ponto há que excluir evidentemente tudo quanto possa ser considerado como aristotélico isto é como expressão de um modo peculiar de apreender filosoficamente tanto esta como outras matérias em suma o que é inerente ao sistema Não há dúvida cf por ex Else pp 152153 que nesta categoria podemos incluir nascida a tragédia de um princípio improvisado pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a tragédia se deteve ao atingir a sua forma natural o engenho natural logo encontrou o metro adequado Separada esta parte no que resta ainda haverá decerto o que possa ser tido como dependente de documentação histórica ou como resultante do exame direto dos textos dos poemas dramáticos e isso sem dúvida pode ser tudo o mais com exceção apenas das seguintes palavras a de um improviso dos solistas do ditirambo e b da elocução grotesca isto é do elemento satírico c porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança A hipótese de A pseudohistoriador residiria pois em uma única proposição que expressaríamos mais ou menos do seguinte modo a tragédia teve origem no improviso de algum solista de coros de sátiros que entoavam o ditirambo Quanto ao segundo ponto sobre que tácitos fundamentos poderia o filósofo ter baseado semelhante hipótese eis um campo aberto às diversas conjeturas Devemos acentuar todavia que a este propósito as conjeturas tanto podem servir para desacreditar a historicidade da notícia aristotélica como ao contrário para desenvolver o que lá se encontra em germe ou para preencher as suas manifestas lacunas Noutros termos tentar descobrir o fundamento da hipótese supondoa em desacordo com a verdadeira história da tragédia equivale de certo modo a seguir pari passu o mesmo caminho que têm percorrido os filologos e historiadores que se empenham em esclarecer as obscuridades de texto supondoo de acordo com a verdade histórica Este caminho que passa pela análise crítica dos outros testemunhos acerca da obra de Árion etimologias de TRAGOIDIA comentários ao provérbio OUDÈN PRÓS TÒN DIÓNYSON Téspis textos e monumentos referentes a sátiros e dramas satíricos já o percorremos nas poucas páginas da Introdução dedicadas à origem da tragédia Neste lugar temos de nos ocupar com o próprio texto da Poética e das relações com o seu contexto A posição mais extremista que repetimos é a de Else leva o arguto comentador a argumentar duas hipóteses Uma é que a primeira referência ao satyrikon só quando se afastou do elemento satírico é uma interpolação sugerida pela segunda porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança e a suspeita de interpolação provém na seqüência do pressuposto fundamental que é por um lado a idéia de que a tragédia com a austeridade do seu estilo não pode ter origem no grotesco de um coro de sátiros e por outro lado a idéia da paternidade homérica do drama da inegável dificuldade em achar dentro do período um ponto a que sintaticamente se possa ligar aquele do elemento satírico A outra hipótese é que na segunda referência satírico e mais afins à dança sejam sinônimos expressões equivalentes É como se Aristóteles escrevesse Antes de Téspis a composição musical era satírica isto é viva cheia de movimento e adequada à dança Else pág 180 21 Outra passagem cf 23 que sugere quanta pesquisa histórica e erudita pressupõe a redação destas notas de curso CAP V 22 O cap V dividese claramente em duas partes a primeira 22 e 23 continua e termina o histórico iniciado no cap III e a segunda 24 ss inicia o estudo da poesia austera tragédia e epopéia que prosseguirá até o fim do livro Em primeiro lugar vem a definição da comédia que por um lado se relaciona com o que já ficara exposto acerca do Margites 16 e por outro lado complementa por antecedência digamos a definição de todo o dramático dando aqui a definição de comédia a que corresponde uma definição de tragédia no princípio do cap VI 27 O paralelismo e o contraste entre os dois gêneros dramáticos exprimemse pelo anódino e inocente da comédia tacitamente oposto à ação perniciosa e dolorosa da catástrofe trágica cap XI 52 b 11 64 23 A este histórico da comédia nos referimos já coment ao 20 Para Else pp 189 ss que não aceita o argumento de Bywater a expressão desde o início não se refere aqui ao início improvisadodo 20 mas sim àquele que é aludido no 15 48 b 22 os que ao princípio se sentiram mais naturalmente propensos e portanto the admission Aristotle makes that there is no record of the early stages as transformações da comédia pelo contrário estão ocultas is the some one he made before não podemos é certo citar poemas deste gênero jâmbicos de alguns dos que viveram antes de Homero 16 Quanto a máscaras prólogo e número de atores que são meios concretos de realização da forma dramática e já tinham sido inventados para a tragédia nem tanto nos importa colher a sua história no desenvolvimento da comédia porque se trata agora de simples aplicação a um gênero do que já fora descoberto para o outro gênero Argumento engenhoso mas não convincente Sobre Epicarmo e Fórmis v índice Onomástico s vv 24 e 25 Como dissemos no 24 tem início a exposição acerca da poesia austera a da poesia faceta estaria reservada para o II Livro cf Introdução cap 1 A notável e notada desproporção dezesseis capítulos para a tragédia VIXXII três para a epopéia XXIIIXXXV e um para a comparação da epopéia com a tragédia XXVI devese a que efetivamente para Aristóteles o gênero comum é a tragédia a epopéia só oferece diferenças específicas 25 e cap XXVI Portanto valerá para a poesia tudo quanto venha a ser dito da poesia trágica As diferenças são três e vêm logo mencionadas aMétrica a epopéia difere da tragédia pelo seu metro único mas não no sentido imediato de o poema trágico ostentar vários metros contra o único verso heróico da epopéia mas sim de a epopéia usar só verso e a tragédia verso e melopéia b Miméticanarrativa parece contraditório ou pelo menos aberrante com a anterior posição da epopéia numa classe à parte mista ou miméticonarrativa na classificação dos gêneros quanto ao modo como efetuam a imitação c III 10 A contradição desvanecese talvez pensando que ao passar agora à teoria da poesia dramática Aristóteles só tem em vista o fato de a epopéia ainda não realizar a perfeição no dramático por virtude do seu elemento narrativo c Grandeza neste ponto afigurasenos que Else pp 207 ss resolve definitivamente a questão que vem sendo discutida desde o Renascimento uma revolução do sol não pode referirse ao tempo que dura a ação representada mas aos limites dentro dos quais se situa a própria representação do drama A veracidade desta interpretação apreendese melhor através do contraste com o tempo ilimitado da epopéia em contraste com a epopéia a tragédia tem uma notável tendência para a uniformidade de tamanho Pondo de parte Ésquilo as tragédias clássicas que conservamos estendemse por uma ordem de dimensões que vai dos 1234 versos Suplicantes de Eurípides aos 1779 Édipo em Colona de Sófocles uma variação contra a qual se opõe a ordem de grandeza que anda pelos milhares de versos na epopéia se replicarem que a ação da tragédia se limitava a um dia ou um dia e poucas mais horas enquanto a da epopéia pode abranger meses ou anos o fato é que os dois poemas homéricos que Aristóteles decerto tinha especialmente em vista não decorrem por meses ou anos A ação da Ilíada dura apenas cinqüenta ou cinqüenta e um dias e a da Odisséia quarenta e um Else 217 18 Acrescentese que já antes 1942 Todd One circuit of the Sun A Dilemma havia interpretado um período de sol não como as vinte e quatro horas que decorrem entre sucessivas passagens do sol pelo mesmo meridiano mas como a efetiva duração da luz do dia cf coment 45 CAP VI 26 Na verdade só em parte a definição do 27 resulta do precedentemente exposto a é como toda a poesia imitação 2 47 a 13 b de ação 7 48 a 1 c de caráter elevado contrasta com a comédia 10 48 a 19 d de certa extensão resulta do que imediatamente precede e contrasta com a epopéia 24 49 b 9 e não por narrativa mas mediante atores também constrasta com a epopéia 10 48 a 19 Quanto ao mais linguagem ornamentada espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama terror e piedade purificação nada se encontra em páginas anteriores que se relacione Para não termos de suspeitar que a passagem pertença a outro contexto haverá talvez que entender o udo quanto precedentemente díssemos como alusivo a outras lições proferidas acerca da poesia Haveria uma terceira possibilidade não relacionai o participio TO yevopevov que nós traduzimos que resulta com a expressão do que precedentemente dissemos e vertelo literalmente em O que está ou estava vindo a ser Seguindo esta hipótese ao que nos parece não muito verossímil Else p 222 traduz Let us now discuss tragedy picking out extraindo of what has been said the definition of its essential nature that was emerging in the course of its development Quer dizer a definição da tragédia 27 resulta não do que precedentemente se disse mas sim do que estava emergindo yevoiievov no curso do seu desenvolvimento Que semelhante prestidigitação clarifique a construção da frase é afirmação pelo menos discutível Mas o móbil está à vista This not only clarifies the present construction but supplies another proof that the hístory in chapter 4 was indeed intend as a record of tragedys yéveoiç etc ovoiav Else p 222 O sublinhado que é nosso revela que o atentado contra a tradicional interpretação do texto tinha por fim aduzir mais um argumento contra o valor historiográfico do cap IV cf supra coment ao 20 E contra a maioria dos intérpretes não vale dizer que definitions do not grow out of things said in Aristotles world however natural the metaphor may seem to us ibid 27 Neste lugar cumprenos incluir algumas notas de caráter mais estritamente gramatical e crítico assim como certas referências de interesse mais particularmente histórico As dificuldades que durante quatro séculos se vêm multiplicando à medida que se avoluma uma bibliografia infelizmente das menos acessíveis parecem resultar em primeira e última análise da interpretação de um genitivo O ponto nevrálgico do texto é no original a purificação de tais emoções Como veremos a seguir a própria escolha da palavra purificação em vez de purgação ou expurgação já implica uma atitude decidida quanto àquele problema do genitivo Na verdade do ponto de vista sintático encontramonos neste ponto diante de manifesta ambigüidade O genitivo de tais emoções pode ser entendido de quatro maneiras que alistamos a seguir com as traduções parafraseadas que a cada uma corresponderia 1 genitivo objetivo catarse operada por sobre tais emoções 2 genitivo subjetivo catarse operada por tais emoções sobre 3 genitivo subjetivo e objetivo catarse operada por tais emoções sobre as mesmas emoções 4 genitivo separativo catarse de tais emoções expurgação ou eliminação de tais emoções A título de exemplo ilustrativo e exercício taxionômico damos agora uma relação das versões e interpretações propostas do século XVI ao século XVIII Escusado dizer que não se pretende recolher toda a minuciosa variedade de lições publicadas nos duzentos anos que decorreram entre Paccius e Lessing Século XVI PACCIUS non per enarrationem per misericordiam vero atque terrorem perturbationem eiusmodi purgans ROBOTELLI non per enarrationem vero atque terrorem perturbationes eiusmodi purgans VICTORIUS et non per expositionem sed per misericordiam et metum conficiens hujuscemodi perturbationum purgationem CASTELVETRO Oltre a ciò induca per misericórdia e per spavento purgatione di cosi fatte passioni in guisa che la tragédia con le predette passioni spavento e misericordiam purga e saccia dal cuore degli huomini quelle predette medesime passioni Piccolomini à fine che col mezo delia compassione e del timore si purghini gli animi da cosi fatte lor passioni e perturbationi cosi parimente stimarono ie Peripateticos che per far tranqüilo lhuomo non shavesse da togliere da suellere da levar in tuto non comportado ciò Ia natura stessa ma s fiavesser da purgare da moderare e da ridurre in somma ad un certo buono temperamento RICCOBONI sed per misericordiam et metum inducens talium perturbationum purgationem Perpurgari perturbationes id est non ut explicai Madius tolli et destrui sed temperari et moderationem fieri Século XVII HEINSIUS sed per misericordiam et metum inducat similium perturbationum expia tionem Quippe in concitandis affectibus cum maxime versetur haec Musa finem eius esse hos ipsos ut temperei iterumque componat Aristóteles putavit Vossius per misericordiam et metum praestans ab ejusmodi perturbationibus purgationem Ut miserationem terroremque concitent ad id genus morborum expiationem CORNEILLE La pitié dun malheur ou nous voyons tomber nos semblables nous porte à Ia crainte dun pareil pour nous cette crainte au désir de léviter et ce désir à purger modérer rectifier et même déraciner en nous Ia passion qui plonge à nos yeux dons le malheur des personnes que nous plaignons par cette raison commune mais naturelle et indubitable que pour éviter leffet il faut retrancher Ia cause RACINE A tragédia excitant Ia terreur et Ia pitié purge et tempere ces sortes de passions C estàdire qu en émouvant ces passions elle leur ôte ce qu elles ont d excessifet de vicieux et les ramène à un état de modération conforme à Ia raison MILTON Tragedy said by Aristotle to be of power by raisingpity and fear or terror to purge the mind of those and suchlike passions that is to temper or reduce them to just measure with a kind of delight stirred up by reading or seeing those passions well imitadet Nor is Nature herself wanting in her own effects to make good his assertionfor so in physik things ofmelan cholick hue and quality are used against melancholy teoria fisiopatológica antes de Bernahys sour against sour salt to remove salt homours Século XVIII DACIER La tragédie est donc une imitation qui par le moyen de Ia compassion et de Ia terreur achève depurger en nous ces sortes de passions et toutes les autres semblables BATTEUX La tragédie nous donne Ia terreur et Ia pitié que nous aimons et leur ôte ce degré excessif ou ce mélange dhorreur que nous naimonspas Elle allège Vimpression ou Ia réduit au deeré et à 1espèce ou elle nest pas plus quun plaisir sans mélange de peine parce que malgré Villusion du théâtre à quelque degré quon le suppose l artífice perce et nous console quand 1image nous afflige nous rassure quand Vimage nous effraie LESSING Mitleid und Furcht sind die Mittel wekhe die Tragodie braucht um ihre Absicht zu erreichen soll das Mitleid und die Furcht welche die Tragódie erweckt unser Mitleid und unsere Furcht reinigen aber nur diese reinigen und keine andere Leidenschaften Da nümlich es kurz zu sagen diese Reinigung in nichts anders beruht ais in der Verwandlung der Leidenschaften in tugendhaften Fertigkeiten so muss die Tragódie wenn sie unser Mitleid in Tugend verwandeln soll uns von beiden Extremen des Mitleids zu reinigen vermõgend sein welches auch von der Furcht zu verstehen Por meados do século XIX a interpretação fisiopatológica da catarse proposta por Bernahys v Bibliografia e entusiasticamente recebida pela maioria dos filólogos fez que desde então predominasse o significado separativo do genitivo de tais emoções Eis algumas versões e interpretações do final da definição aristotélica desde Butcher 1894 até Schadewaldt 1955 A última de Else 1957 não se encontra rigorosamente inscrita no quadro que se possa fixar mediante as diversas funções sintáticas daquele genitivo BUTCHER Tragedy is an imitation through pity andfear effecting the properpurgation of these emotions Comentário Tragedy does more than effect the homoeopathic cure of certain passions Its function on this view is not merely to provide an outlet for pity and fear but to provide for them a distinctively aesthetic satisfaction to purify and clarifv them by passing them through the médium of art Let us assume then that the tragic katharsis involves not only the idea of an emotional relief but the further idea of the purifying of the emotions so relieved GUDEMAN Die Tragódie ist die nachahmende Darstellung durch erregung von Mitleid und Furcht die Reinigung von derartigen Gemütsstimmungen bewirkend ROSTAGNI L effettopróprio delia tragédia sta alVingrosso nelprovocare ilpiacere che nasce dai sentimenti di pietà e terrore ma piú precisamente e definitivamente dalla catarsi dl essi cioè da questi stessi sentimenti purificati dei loro eccessi e ridotti in misura utile per Ia virtú come vuole Ia domina ética di Aristotele sullepassioni PAPANOUTSOS La poésie tragique qui apour tache démouvoir Ia crainte et Ia pitié et dassocier à elles le sentiment moral et religieux dTiumanité êpure ce genre de passions et par conséquent amène 1âme à goüter non pas Ia crainte et Ia pitié ordinaires mais une crainte et une pitié épurées cestàdire des emotions qui jaillissent dans notre âme au moment ou nous saisissons un sens moral et religieux profond et dufait que nous avons saisi ce sens POHLENZ Die Tragódie reinigt die Seele nicht durch eine Ausrotung der Triebe wohl aber durch Ablenkung auf ein ungefãhrliches Gebiet die das ungesunde Übermass verhindert SHADEWALDT Und so gehõrt fiir ihn i e Aristóteles zur Tragódie dass schliesslich ihr Vermôgen und ihre Wirkung darin besteit dass die eine spezifische Lustform im Zuschauer auflõst die Lustform die entsteht wenn die Tragódie durch die Elementarempfindungen vom Shcauder und Jammer hindurch im Endeffekt die mit Lust verbundene befreiende Empfindung der Ausscheidung dieser und verwandter Affekte herbeifúhrt ELSE Tragedy is an imitation carrying to completion through acourseof events involvingpity andfair thepurification of thosepainful orfatal acts which have that quality 28 ss Depois do 28 cuja interpretação não oferece qualquer dificuldade começa a discussão das partes qualitativas ou elementos da tragédia contendo mais implícita do que explicitamente uma demonstração de que elas hão de ser necessariamente seis espetáculo melopéia elocução mito caráter e pensamento 31 Primeiro vêm os três elementos externos Rostagni ad locum ou materiais Else da tragédia isto é do drama entendido como representação teatral espetáculo melopéia ou elocução No 30 começando por reafirmar que a tragédia é imitação de uma ação Aristóteles sublinha o seu intento de deduzir da definição inicialmente enunciada todos os elementos do drama trágico e principalmente os três elementos internos da tragédia considerada como obra poética caráter elemento moral pensamento elemento lógico e mito este é o mais importante 32 e como que a alma da tragédia 35 pois sendo ele a própria imitação de personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento 34 já em si contém os outros dois 31 quanto aos meios duas melopéia e elocução quanto ao modo uma espetáculo quanto aos objetos três mito caráter e pensamento 32 Começa a dedução de todos os elementos do próprio conceito de mito como OÓOTÜOIÇ TÕV Ttpayparuv composição ou trama dos fatos intriga cf índice Analítico que prosseguirá ate o fim do capitulo A superioridade da ação mito sobre o estado caráter é lugarcomum na filosofia de Aristóteles V por exemplo Ét Nic I 6 1 098 a 16 Fís II 6 197 b 4 Pol VII 3 1325 a 32 a finalidade importa cf Met IV 2 1013 b 26Ét Mc 15 1097 a 21 34 move os ânimos vxaycvyet 35 se alguém aplicasse o mito é comparado ao desenho em branco e os caracteres às cores que o completam 36 fios antigos poetas 7 na origem quando a tragédia era apenas uma forma líriconarrativa a espécie de contata primordial antes da protagonização do diálogo cf cap IV 20 37 elementos literários é a versão de Bywater fundamentada em uma emenda do texto que neste lugar seria corrupto Mas no original grego tanto pode ser um partitivo em relação a como o objeto de No segundo caso a lição é evidente a elocução dos diálogos e em geral de todas as partes não cantadas 39 emocionante cf 34 Em resumo Else 27980 o capítulo VI é um sumário da teoria da tragédia As seis partes qualitativas ou elementos constitutivos do drama mencionadas nos 2838 são deduzidas da definição 26 e apresentadas sucessivamente duas vezes em ordem inversa Por que duas vezes Porque da primeira vez Aristóteles as considera como partes de uma ação representada pelas personagens e assim estas personagens serão 1 vistas espetáculo e escutadas 2 no diálogo elocução e 3 no canto melopéia 4 são imitadoras de uma ação filosófica do que a história cap IX entre duas formas de apreensão do real agente o intermediário que mais participa da universalidade que é objeto próprio da filosofia do que da particularidade à qual se cingiria a atenção indagadora da história 40 e 41 relacionam o que segue com o que antecede sendo a tragédia a imitação de um todo de uma ação completa com certa grandeza definição de tragédia 26 é necessário agora determinar o conceito de todo 41 e de grandeza 43 e 44 43 e 44 Definição de todo por seus elementos princípio meio e fim Cf Metaf V 26 Inteiro e todo designa o que não carece de nenhuma das partes das quais se diz consistir um inteiro por natureza e o que contém as coisas que contém de modo a formarem elas uma unidade E unidade em dois sentidos ou porque uma unidade constitui cada um dos conteúdos ou porque desses conteúdos em conjunto a unidade resulta No primeiro sentido é o universal e universal é o que de modo geral se diz como algo que é inteiro abrangendo muitas coisas e cada uma predica sendo a unidade de todas como que a unidade de cada uma Exemplo um homem um cavalo um deus estátua de um deus pois todos são viventes No segundo sentido o contínuo e limitado é inteiro quando seja uma unidade composta de várias partes sobretudo se elas só em potência intervém no composto se não mesmo em ato Depois como as quantidades têm um princípio um meio e um fim daquelas em que a posição das partes não faz diferença dizse todo e das que faz diferença mudando a posição das partes inteiro Transcrevemos toda esta passagem da Metafísica porque além de complementar o texto da Poética bem expressa como as notas de totalidade cap VII unidade cap VIII e universalidade cap IX explicam um único conceito o universal concreto de um ser vivente 45 o limite prático desta extensão a relação entre este passo e o 25 has not been recognized before em virtude da tenacity with which editors translators and interpreters ever since the Renaissance have believed that Aristotle was talking there about dramatic time Actually however the affiliations reech still farther 5 49 b 1216 24 and 7 51 a 615 44 are only the first two links in a chaine of passages extending throughout the Poetics The others are 9 51 b 33 52 a 1 55 1755 b 1 and 15 101 18 56 a 14 108 23 59 a 3033 24 59 b 1728 154 and 26 62 a 18 b 11 Í 184 Else p 289 Nesta como em todas as demais passagens mencionadas a extensão referese ao texto dos poemas pois se houvesse que pôr em cena cem tragédias passagem das mais obscuras Que os discursos dos oradores eram cronometrados pela clepsidra sabemolo por informação do próprio Aristóteles Const de Atenas 67 mas não há qualquer testemunho acerca de tal procedimento nos concursos teatrais Tratase portanto de uma hipótese de um caso irreal se houvesse que representar teríamos de adotar a mesma regulamentação vigente na oratória judiciária CAP VIII 46 47 e 49 Como dissemos a matéria do cap VIII é inseparável da do cap VII e as duas se completam pois se a totalidade cap VII garante que nenhuma parte venha a faltar ao poema que nele deva estar a unidade cap VIII por sua vez assegura que nenhuma aí se encontre que devesse estar em outro lugar Else 300 Heracleidas Teseidas é referência não a tragédias mas a poemas épicos mais um sinal de que nestes caps VIIIX e XXIII se trata de uma teoria geral da poesia austera abrangendo a epopéia e a tragédia 48 o ter sido ferido Ulisses no Parnaso na realidade o caso é referido na Odisséia cap XIX 392466 Para sanar a dificuldade aventuramse duas hipóteses a do texto que Aristóteles possuía não constava o fato Hardy ad locum b Aristóteles esquecerase de que ele efetivamente constava do texto Else p 298 propõe mais uma tratandose de um episódio e não de uma parte integrante do mito mito intriga composição do atos imitação poética Homero em verdade não o poetou e por conseguinte a sua presença na Odisséia não prejudica a unidade do poema CAP IX Pela passagem da Metafísica cap V 26 que citamos coment aos 42 e 44 já se via como no pensamento de Aristóteles andavam correlacionadas a totalidade a unidade e a universalidade Por isso acrescenta Tender mais para o universal do que para o particular é o que distingue a poesia da história O cap IX pode dividirse em duas partes a primeira que abrange os 5055 desenvolve este pensamento do universal poético a segunda que começa no 56 abre a teoria da tragédia que se prolonga pelos caps IX final a XIX incl 50 Pelas precedentes considerações se manifesta relaciona explicitamente a primeira parte do cap IX com os caps VII e VIII Na poesia o universal consiste em narrar não o que aconteceu mas o que poderia acontecer o que é possível acontecer segundo a verossimilhança e a necessidade Noutros termos o universal em poesia é a coerência a íntima conexão dos fatos e das ações as próprias ações entre si ligadas por liames de verossimilhança e necessidade A oposição entre poesia e história que não se reduz à oposição entre verso e prosa cf a citação de Heródoto neste lugar com a citação de Empédocles em 47 b 13 5 exprimese agora pela oposição entre o acontecido e disperso no tempo história e o acontecível ligado por conexão causai poesia Acontecido e acontecível são ambos verossímeis mas só os acontecimentos ligados por conexão causai são necessários Quer dizer pelo lado da verossimilhança haveria um ponto de contato entre história e poesia contudo a poesia ultrapassa a história na medida em que o âmbito do acontecível excede o do acontecido No texto deste a maior dificuldade interpretativa reside naquele que na seqüela de Bywater Hardy e Gudeman traduzimos por ainda que dê nomes aos seus personagens Butcher Rostagni e Else agrupamse contra aqueles tradutores e comentadores interpretando deste modo anche i nomi storici in poesia non sono o non debono essere se non nomi applicati dopo come epiteti a individui precostituiti secondo i soli criter delia necessita o delia verisimiglianza Rostagni p 53 and it is this universality at which poetry aims in the names the attaches to the personagesButcher 35 Ithe poets builds or should build his action first making it grow probably or necesarily out of the characters of the dramatic persons and then only then he gives them names Else 3080 Com efeito semelhante interpretação pode razoadamente apoiarse numa passagem ulterior cap XVII 55 b 12 103 e no seguinte 51 Efetivamente se a interpretação de Rostagni e Else acertam o que Aristóteles refere neste é que os poetas trágicos para obedecerem às leis de verossimilhança e necessidade e não escreverem história supondo que escrevem poesia deveriam compor o mito e só depois designar as suas personagens com os nomes já existentes cf 52 Mas decerto jamais houve tragediógrafo que assim procedesse e não podemos acreditar que excetuado talvez Agatão dramaturgo vivesse que alguma vez não tenha partido da tradição mitográfica para a composição do argumento em lugar de partir da construção abstrata para o mito tradicional Mas não é impossível que esta tenha sido a idéia do Estagirita Em todo o caso a primeira interpretação ainda se justifica e precisamente pela existência daquele ponto de contato entre história e poesia pelo lado da verossimilhança justificação aliás que também se pode basear nos conteúdos dos52e54 53 em algumas tragédias sendo os outros inventados para nós a informação é tanto mais preciosa quanto é certo que ao contrário os dramas conservados só contêm poucos papéis cujos portadores não tenham nomes conhecidos Entre tais figuras que o poeta não parece haver extraído da lenda por ele dramatizada haveria que designar os seguintes Oceano e Io no Prometeu Agrilhoado de Ésquilo Em Eurípides Meneceu nas Fenícias Feres na Alceste Toas na Ifigênia Táurida Macária nos Heráclidas Teone e Teoclímeno na Helena Gudeman p 210 O comentador germânico tem razão para lembrar aqui mais uma vez die schlechthin souveràne Beherrschung des einschlãgigen Materials aufdem die Poetik aufgebaut ist Ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos A representação de tragédia na Grécia supunha certo conhecimento da lenda heróica da qual os argumentos eram extraídos e pode dizerse os dramaturgos tinham de contar com tal conhecimento por parte dos espectadores ou dos leitores Sobre as palavras em epígrafe Gudeman ad locum referese a uma significativa passagem da Política cap VIII 7 1342 a 18 ss como os espectadores são de duas espécies uns livres e educados outros gente rude como operários povo ínfimo e semelhantes mas como também observa este comentador a diferença entre conhecedores e ignorantes dificilmente se aplicaria ao público ateniense ainda que a favor se invocassem os prólogos de Eurípides que assim era mostramno as peças de Aristófanes melhor ainda que as tragédias de Ésquilo e Sófocles 54 Resume toda a argumentação antecedente Mas Else p 320 tem razão para afirmar que esta é of all passages in the Poetics the one where the new A ristotelean sense of imitation and poetry art of making apears most luminously Se aqui ainda não é possível falar de criação é porque para o grego criação sempre significou descobrimento Mais fabulador que versificador significaria portanto mais descobridor de do que revestidor de formas métricas daquilo que já se encontra à vista de toda a gente na mitologia tradicional Mas descobridor de quê Das verdadeiras relações que existem entre fatos relações que de algum modo estão ocultas no próprio acontecer no próprio acontecer da história por exemplo como o físico é o descobridor de relações que já existem implicitamente na physis Por isso ainda que aconteça fazer uso de sucessos reais não deixa de ser poeta isto é não deixa de fazer do acontecido o acontecível por verossimilhança e necessidade A imitação poética é pois imitação criadora 55 Este parágrafo ainda pertence ao nexo anterior terminandoo com velada alusão à matéria exposta nos caps VII e VIII totalidade e unidade do mito 56 Aqui começaria naturalmente outro capítulo Efetivamente bem observou Vahlen citado por Else p 324 que até o 55 se tratava do problema de saber qual a estrutura que devia ter o mito para que a composição fosse dramática mas daí por diante o problema é inquirir da estrutura que deve ser dada ao mito dramático para que ele seja trágico Eis por que só agora Aristóteles volta a mencionar o terror e a piedade contidos na definição de tragédia cap VI 26 Ações paradoxais contra a expectativa mas não casuais feitos do acaso e da fortuna Quanto à estátua de Mítis cf índice Onomástico s v MÍTIS CAP X 57 e 59 Na seqüência da teorização do mito trágico iniciada no 55 cap IX Aristóteles passa 1 às suas duas grandes espécies mito simples e mito complexo 2 a definir as ações das quais os mitos simples e complexos são imitações 58 e 3 e lembrar que os elementos paradoxais cf 56 isto é surpreendentes ou contra a expectativa peripécia e reconhecimento têm como qualquer outra ação poetada que obedecer às leis de verossimilhança e necessidade que são leis gerais da poesia dramática 59 referência portanto ao cap VIII e à unidade de ação que é a única unidade que se encontra no texto da Poética CAP XI 60 Introduzidos no cap X os elementos de surpresa peripécia e reconhecimento que constituem o mito complexo é a altura de definilos Do modo como dissemos referese a paradoxais no 56 cap IX a peripécia é a mutação dos sucessos no contrário isto é no contrário à expectativa Mas à expectativa de quem A expectativa dos espectadores ou à expectativa das personagens Os exemplos que seguem do Édipo e do Linceu cf índice Onomástico levariam a crer que o paradoxal só afeta os heróis do drama Aliás como poderia a surpresa afetar um auditório que já conhece os argumentos Else contra Vahlen e Lucas v Bibliografia objeta que o nosso conhecimento de que a situação de Édipo vai ser subvertida é um conhecimento acidental acidental no sentido aristotélico não é uma expectativa baseada nos fatos tais como são apresentados no decorrer da peça ou em geral em considerações de verossimilhança e necessidade mas sim no prévio conhecimento que acontece possuirmos nós do drama ou do mito p 346 Neste ponto convém lembrar o que dissemos em comentário ao 50 para o espectador a surpresa vem de que ele está assistindo agora à descoberta de relações entre fatos as quais se bem que já existissem se encontravam ocultas 61 recognition as in fact the term itself indicates is a shiftfrom ignorance to aware ness pointing either to a state of dose natural ties blood relationship or to one of enemity on the part of those persons who nave been in a clearly marked status with respect to prosperity or misfortune Else 342343 Que a definição de reconhecimento 2 elemento paradoxal ou surpreendente do mito complexo não é como Rostagni ad locum p 61 o afirma puramente etimológica demonstrao a paráfrase de Else cujo teor parece bem fundamentado no seu comentário Tendo em conta o que Aristóteles dirá no cap XIII e sobretudo a sua lista de argumentos de máxima tragicidade Alcmêon Edipo Orestes Meleagro Tiestes e Télefo facilmente se verificará que não é simplesmente amizade ou amor ou qualquer outro sentimento mas sim the objective state of being by virtue of blood tiesp 349 no Édipo o reconhecimento de Laio transfere o herói para tal estado emocional Por outro lado também não é simplesmente inimizade ou ódio mas a passage into inimity on the part of natural 350 por exemplo a que se da quando Clitemnestra reconhece que o próprio filho chega para matála De qualquer modo a verdadeira situação entre personagens era desconhecida antes e o reconhecimento sempre será passagem do ignorar ao conhecer O argumento decisivo do filólogo de Harvard é porém que copiopevo não pode significar destinado realmente destino é coisa que não intervém na filosofia de Aristóteles mas definido ou delimitado o que o filósofo refere aqui não é a idéia de que Edipo está destinado a ser infeliz mas o simples fato de que no princípio da peça ele se encontra na situação no estado de um homem feliz p 351 O contraste deparasenos no Orestes da Ifigênia Táurida situação ou estado de infelicidade do herói no início da peça Em suma em geral o feito do reconhecimento é descobrir uma horrível discrepância entre duas categorias de relações de parentesco de um lado os profundos laços de sangue de outro lado uma relação de hostilidade casual ou real que sobreveio ou ameaça sobrevir àquele 352 62 do modo como ficou dito isto é reconhecimento com seres inanimados e casos acidentais podem darse de acordo com a definição do precedente Seres inanimados e casos acidentais Hardy e Gudeman não distinguem seres inanimados e casos acidentais isto é lêem car à 1égard dbbjets inanimés aussi même les premiers venus Herdy in Bezug auf leblose und zwar ganz beliebige Dinge Gudeman 63 Cf índice Onomástico s v IFIGÊNIA 64 mortes em cena é tudo quanto há de menos freqüente na tragédia clássica só talvez o suicídio de Ajax e a morte de Evadne das Suplicantes de Eurípides nos dramas conservados daí o problema que esta passagem implica Rostagni p 64 propõe que em cena se refere também a dores ferimentos e mais coisas semelhantes Else 357 traduz as mesmas palavras in the visible realm como genérica caracterização dos eventos em causa e não como requisito de que eles devam ser levados a cabo onde um auditório os possa ver 357 Neste sentido o páthos contrastaria com peripécia e reconhecimento sendo estes acontecimentos invisíveis que têm lugar no realm of the mind35 CAP XII Capítulo suspeito de inautêntico e interpolado com efeito a teoria do mito complexo continuará no cap XIII a argumentação do cap XI sem lapso sensível Mas por outro lado é certo que o tratamento das partes quantitativas estava prometido desde o início do livro quantos e quais os elementos 1 e que no cap VI enumerando as partes da tragédia Aristóteles sublinha que aquelas são somente as partes que constituem a sua qualidade 31 E natural por conseguinte e sobretudo no decorrer de uma exposição oral que o filósofo abrisse um parêntese ou procedesse a um excursus acerca dos elementos quantitativos da tragédia O momento aqui não é de todo importuno porquanto já havia enumerado os elementos qualitativos espetáculo melopéia elocução mito caráter e pensamento da poesia dramática e os três elementos estruturais do mito complexo da tragédia peripécia reconhecimento e catástrofe Em suma além de ser defensável a autenticidade os críticos reconhecem o estilo do filósofo pelo menos nas palavras iniciais e Gudeman na brevidade característica das definições o cap XII nem sequer teria sido deslocado ou transposto Em geral do valor informativo destas poucas linhas só há a dizer que são elas a fonte mais antiga da doutrina tratada e que apesar da brevidade e das deficiências das Neue das uns aus nacharistotelischer Zeit erhalten ist ist weder quantitativ noch qualitativ von Bedeutung das übrige stimmt im wesentlichen mit den Angaben der Poetik überein Gudeman pág 23 1 o que de novo conservamos de época pósaristotélica é insignificante quer quantitativa quer qualitativamente o resto concorda no essencial com os dados da Poética A sentença de Else pp 3623 partidário da interpolação tardia excetuado o início Temos tratado elementos essenciais é severa mas não inteiramente justa The root of the matter asidefrom the stupidity ofthe author is that he no longer has any conception of the difference in the drama between speech and song For him the dialogue and the song parts are both simply pieces of text partly distinguished by metrical differences which however he does not understand It is significam that wefind closeparallels between thisfarrago and certain passages in the Tractatus Coislinianus and Tzetzes verse treatise In ali three places whatwe have is undoubtedly a reflection of lateantique or Byzantine grammatical knowledge E curioso notar como aproximadamente os mesmos argumentos servem para defender teses opostas 65 Cantos da cena Se estes cantos da cena executados por dois ou três atores em cena não pelo coro na orquestra fossem os mesmos a que se refere Arist Probl XIX 15 918 b 27 e Phot e o Suda s v monodía seria completamente errada a sua classificação entre partes corais Gudeman p 234 objeta que no texto o Koà entre e Koppoí pode ser explicativum e não copulativum e por conseguinte o autor da passagem teria dito peculiares a algumas tragédias são os cantos da cena isto é os kommóitanto mais que no capítulo falta a definição de cantos da cena CAP XIII 68 depois do que acaba de ser dito relação expressa com o cap XI continua a exposição da teoria do mito trágico complexo não a do mito dramático em geral exposta nos caps VIIIX e XXIII Além disso observese a nova tonalidade prescritiva agora e não definitiva Else 361 como fora a dos caps X e XI o que leva a maioria dos comentadores a pensar que neste ponto Aristóteles passa da ars ao artifex cf coment ao cap I 69 Se a composição das tragédias mais belas é a complexa e não simples o que sabemolo pelo cap XI se consegue pelo uso dos elementos estruturais da tragédia complexa peripécia e reconhecimento ei deve imitar casos que suscitem o terror e a piedade por conseqüência c há que averiguar agora qual a espécie de peripécia a qual juntamente com o reconhecimento concentra todo o trágico da tragédia que mutação de fortuna verdadeiramente provocará as emoções de terror e piedade Há quatro possibilidades o justo passa I da felicidade para a infelicidade ou II da infelicidade para a felicidade o perverso passa III da felicidade para a infelicidade ou IV da infelicidade para a felicidade A segunda II Aristóteles nem sequer a menciona a terceira e quarta ambas respeitantes ao homem perverso são logo excluídas uma IV porque não é conforme aos sentimentos humanos nem desperta terror e piedade outra III porque também não suscita terror e piedade embora satisfaça aos sentimentos humanos Quer dizer Há uma razão primária para a exclusão do herói perverso que passa ou da felicidade para a infelicidade ou da infelicidade para a felicidade que é o nãosuscitar em qualquer dos dois casos as emoções que são próprias da tragédia e uma razão secundária para excluir a passagem da infelicidade para a felicidade que é a sua nãoconformidade com a filantropia Que será então a filantropia O exame de outras passagens da obra de Aristóteles aponta para uma generalized an indiscriminate fellowfeeling for humanity Else 37 mas neste livro poderia definirse mais rigorosamente como a diffuse disposition to svmphathize with others which when refined by judgement can bècome real pity ibid 70 Das quatro possibilidades indicadas no precedente restava a primeira o trânsito da dita para a desdita sofrido pelo justo No entanto Aristóteles também exclui como repugnante ao sentimento de humanidade o caso de ser extremamente bom quem suporte semelhante mutação de fortuna Portanto o que na verdade resta é uma situação intermediária perav a do homem que não se distingue muito pela virtude e pela justiça Mas por conseqüência muito mais notável a situação intermediária a que Aristóteles alude não o é entre bondade extrema e extrema maldade não se trata por conseguinte do homem médio ou da mediania humana mas sim e em todo o caso de um melhor que nós cf cap II 7 high enough to awaken our pity but not so perfect as to arouse indignation at his misfortune near enough to us to elicit our fellowfeeling but not so near as to forfeit ali stature and importance Else 37778 E acresce ainda que a mutação de fortuna há de ser conseqüência de algum erro A verdadeira natureza da hamartía constitui ao que nos parece uma das mais brilhantes descobertas de Gerard Else O erro não é como se tem pensado uma parte do caráter do herói trágico mas sim uma parte estrutural do mito complexo é o correlato da agnórisis reconhecimento a razão por via da qual Aristóteles não a menciona juntamente com a peripécia o reconhecimento e a catástrofe é talvez porque ela pode residir fora da própria ação dramática como no Édipo em que o erro se dera anos antes Else p 385 Como causa da ação trágica é a hamartía que fornece a plausível razão para a reversa fortuna do herói 71 É pois necessário do que para pior resumo do que precede Que assim deva ser o passado o assinala agora que os poetas se serviam de qualquer mito outrora e não agora é fato que a tradição não confirma mas que a preferência parece vir recaindo progressivamente sobre os mitos de Édipo Orestes Meleagro Tiestes Télefo há que reconhecêlo 73 O final Mas o prazer nenhum dele é morto pelo outro seria espúrio e interpolado Else Para Montmollin todo o cap XIII exceto o início é adição tardia CAP XIV 74 e 75 A argumentação da teoria do mito trágico prosseguirá a partir do 77 deste capítulo Mas tendo observado ao término do cap anterior que a tragédia de dupla intriga constituía como que um desvio em direção à comédia neste ponto Aristóteles abre um parêntese para advertir discípulos e leitores de que outra aberração poderia comprometer e efetivamente já havia comprometido a realização da tragédia teoricamente perfeita o abuso do espetacular no intuito de obter as emoções de terror e piedade 74 ou o horror em vez do terror trágico 75 E a propósito Aristóteles não perderá a ocasião para insistir no mais importante o efeito da tragédia deve resultar unicamente da composição dos fatos da intriga da íntima conexão das ações 7780 Todo o conteúdo destes quatro parágrafos se torna claramente inteligível à luz daquela correlação entre hamartía erro e agnórisis reconhecimento e do verdadeiro conceito de philía sugeridos por Else e que mencionamos no comentário ao capítulo precedente O mais notável aqui é o resultado da discussão proposta no fim do 77 os mitos mais trágicos são precisamente os mais imorais o assassínio de consanguíneos Eis um extrato da impressionante relação organizada por Gudeman pp 25758 1 Irmãoirmão a mata EtéoclesPolinices Ésquilo Sete Eurípides Fenícias MedéiaAbsirto Sófocles Cólquidas ou Citas b intenta matar ElectraIfigênia Sófocles Aletes Accius Agamemnonidae IfigêniaOrestes Eurípides Ifigênia Táurida Deifobo ou HeitorPáris Sófocles e Eurípides Alexandre 2 Filhopai a mata TelégonoUlisses Sófocles Ulisses Akantoplex ÉdipoLaio Sófocles ÉdipoRei b intenta matar HemonCreonte Sófocles Antígona EgistoTiestes Accius Pelopidae Sófocles Tiestes II 3 Mãefilho a mata ProcneItino Sófocles Tereu Medéiafilhos Eurípides Medéia AgavePenteu Eurípides Bacantes Temistofilhos Eurípides Ino AltéiaMeleagro Eurípides Meleagro b intenta matar Creusaíon Eurípides íon MéropeCresfonte Eurípides Cresfonte AugeTélefo Ésquilo e Sófocles Mísios Eurípides Télefo MedéiaMedo Pacúvio Medus ClitemnestraOrestes Estesícoro 4 Fiihomãe a mata OrestesClitemnestra Ésquilo Coéforas Sófocles e Eurípides Electra AlemêonErífila Eurípides Alcmêon b intenta matar Ânfion e ZetoAntíopa Eurípides Antíopa filhoHelle Eurípides Cf também SchmidStãhlin Geschichte der Griechischen Literatur I 2 pp 89 ss Perante este quadro a pergunta que inevitavelmente se impõe é a que Else formula The immorality of the drama against which Plato had inveíghed so bitterly Rep III where has it been accepted in fact demanded in such cold and measured terms 81 quando buscaram situações trágicas considerando apenas o texto grego não se encontra qualquer razão mais plausível do que outra para relacionar obrigatoriamente aquele não por arte mas por fortuna a buscavam ou a encontraram Quer dizer também podíamos ter traduzido esta parte do 81 do seguinte modo quando buscavam não por arte mas por fortuna isto é não obedecendo a prescrições da arte mas movendose ao sabor do acaso situações trágicas os poetas as encontraram nos mitos tradicionais Com efeito Butcher Bywater Rostagni Valgimigli e Else traduzem neste sentido mas Hardy e Gudeman naquele em que também ficou expressa a nossa versão Optar por um outro membro da alternativa não é questão de somenos pois a escolha implica todo o problema de adivinhar qual a relação que Aristóteles supunha existir entre a tragédia e a lenda heróica CAP XV O cap XV foi verdadeiro campo de batalha dos transposicionistas Heisius colocavao logo após o cap XI Spengel depois do cap XVIII Vahlen a seguir ao cap XVI e Überweg depois do cap XIII Gudeman p 269 As transposições eram ditadas pela convicção que Bywater expressa pelas seguintes palavras toda a seção que vai do cap XV ao cap XVIII é a sort of Appendix they discuss a series of special points and rules of construetion which has been omitted in lhe general theory of the nvâoç Em suma tratarseia do que hoje veio a chamarse de adição posterior Mas o fato é que Aristóteles tendo declarado encerrada a teoria do mito no fim do cap XIV 82 naturalmente viria a tratar ainda dos outros dois elementos internos da tragédia caráter e pensamento Com efeito é o que passa a expor respectivamente nos caps XV e XVIII Que na doutrina do caráter influam idéias mais pertinentes à teoria do mito não poderá surpreendernos visto que as personagens assumem caracteres para efetuar ações e não o inverso ou seja os caracteres são como que uma das fontes das quais a ação ou o mito decorre 8386 Enumeram as quatro qualidades do caráter bondade 83 conveniência 84 semelhança 85 coerência 86 Segue a exemplificação no 87 onde todavia parece faltar exemplo para a segunda qualidade semelhança Else sugere p 475 ss que a exemplificação e o desenvolvimento deste conceito se encontram no 90 Mas aceitando esta interpretação aliás bastante verossímil não é possível aceitar a dos Antigos designadamente a da própria escola peripatética que entendia semelhança como semelhança das personagens trágicas com os seus paradigmas épicos tradicionais como se verifica por exemplo em Horácio A P 119124 que presumivelmente segue Neoptólemo de Pário Autfamam sequere aut sibi convenientiafinge Scriptor Honoratum si forte reponis Achillem Impiger iracundus inexorabilis acer hira neget sibi nata nihil non arroget armis Sit Medeaferox invictaqueflebilis Ino Perfidus Ixion Io vaga tristis Orestes 8789 Maldade desnecessária não significa evidentemente perversidade supérflua Entendase exemplo de nãobondade de caráter por falta ou ausência de vínculos de necessidade neste caso a recusa da personagem Menelau em socorrer a personagem Orestes que não teve qualquer influência pró ou contra no ulterior destino do protagonista E o mesmo se diria quanto aos outros exemplos de inconveniência e incoerência v também índice Onomástico s vv CILA MELANIPA e IFIGÊNIA A crítica de Aristóteles incide portanto na falta de nexo orgânico entre as ações do mito Dirseá ainda que o cap XV não se encontra no lugar em que naturalmente se devia encontrar O conteúdo dos 88 e 89 responde a esta questão o primeiro lembrando que as regras de verossimilhança e necessidade têm de governar tanto a ação mítica como os atos e as palavras das personagens o que aliás são dois aspectos da mesma ação dramática e o segundo restringindo a função do deus ex machina Naquela parte da Ilíada se efetivamente da Ilíada se trata a passagem é II 155 ss intervenção de Atena por encargo de Hera para que Ulisses dissuada os gregos de regressar à pátria No comentário ad locum um escoliasta cita Porfírio o qual por sua vez aduz que Aristóteles nos Problemas Homéricos já havia tratado deste dificuldade proveniente da intervenção do deus ex machina Também se aventou a hipótese de uma corruptela cf Else p 471 e neste caso o episódio seria o do aparecimento do espírito de Aquiles por ocasião da partida dos gregos após a ruína de Tróia reclamando o sacrifício de Políxena Else propõe a lição paleograficamente possível a lição dos apógrafos teria resultado de haplografia na transcrição da uncial para a minúscula e então tratarseia daquela variante do êxodo da Ifigênia Áulida citada por Eliano Hist Anim VII 39 em que Ártemis aparece para salvar Ifigênia substituindoa por uma cerva A solução oferece efetivamente a vantagem de se referir a uma tragédia e não a um poema épico e ao desenlace do drama o começa é pois evidente que também os desenlaces 90 Agora é que vem o exemplo e a mais rigorosa determinação do conceito de semelhança a primeira qualidade do caráter dramático Só que o final terá de ser lido de outro modo Primeira vantagem desta lição é desaparecer o Agatão em relação ao qual não havia notícia que pudesse esclarecer a passagem E a segunda e principal é que temos agora Assim procedeu Homero que fez bom e semelhante a nós Aquiles paradigma de rudeza A lição bom em vez de Agatão é a adotada por Gudeman e Else quanto a paradigma de rudeza Butcher Bywater e Else suspeitamna de interpolação É claro que lido assim o final do assume um significado condizente com a doutrina do cap XIII para ser o herói de uma tragédia Aquiles tinha de ser bom isto é obedecer ao código da heróica mas também devia ser de algum modo semelhante a nós pois de contrário jamais suas Wár viriam despertar em nós as emoções trágicas de terror e piedade 91 regras concernentes às sensações cf cap XVII escritos publicados provavelmente o De Poetis CAP XVI 9298 Embora como diz cap XV 91 Aristóteles nos diálogos publicados tenha discorrido com certo desenvolvimento acerca das sensações que necessariamente acompanham a poesia a importância do tema principalmente para a arte dramática levará o filósofo a retomálo no cap XVII Mas entretanto ocorrelhe que no reconhecimento como nos desenlaces cf 89 os poetas também têm recorrido a artifícios que prejudicam os efeitos da arte e alguns não deixam de assemelharse àquele que de todos é o menos artístico o deus ex machina Não será este o oportuno momento de propor uma classificação dos reconhecimentos Aristóteles distingue cinco classes de reconhecimentos e determinaos sucessivamente na ordem crescente de seu valor artístico 1 por sinais 93 que admite duas subclasses sinais a congênitos e b adquiridos e estes por sua vez ainda se dividem em sinais a no corpo e fora do corpo 2 urdidos pelo poeta 94 3 por memória 95 4 resultantes de silogismoraciocínio 96 e finalmente 5 os que derivam da própria intriga Quanto à exemplificação que segue v índice Onomástico CAP XVII Por volta de 1865 Vahlen já havia reconhecido que os caps XVII e XVIII formam um geschlossenes Ganzenum todo completo Quase cem anos depois Else vem dizernos em que precisamente residiria a causa da segregação desse todo completo dentro do outro todo mais vasto que é a doutrina do mito trágico que Aristóteles desenvolveu a partir do cap IX no cap XVIII prosseguindo na exposição de idéias já indicadas no precedente e que em parte já haviam sido pormenorizadamente discutidas no diálogo De Poetis ao filósofo ocorre um novo pensamento e este se é verdade que não se opõe frontalmente àquela concepção do mito intriga composição dos atos etc como alma da tragédia também não deixa de ser verdade que constitui certo desvio ou pelo menos certa emenda amplificadora da doutrina primitiva A tese de Vahlen reenunciada e reargumentada por Else pp 486560 reduzse em última análise a propor a teoria do nó e desenlace do cap XVIII como desenvolvimento de um novo conceito the concept of the whole story p 518 sugerido a Aristóteles pelo confronto da tragédia com a epopéia sob o aspecto da relação que existe ou deve existir entre a ação principal e os episódios Examinemos a questão em pormenor mas no curso do seu desenvolvimento através do comentário aos sucessivos dos caps XVII e XVIII 99 Cf índice Onomástico s v ANFIARAU 100 A nossa tradução segue a vulgata quer dizer a maioria das versões publicadas Porém a leitura meditada do comentário de Else não deixa dúvidas de que gestos das personagens não pode ser o verdadeiro sentido do original mister do poeta não é propriamente o mister do encenador da peça e mesmo que alguma vez lhe aconteça querer ou dever ensaiar algum dos seus dramas o poeta fálo depois de haver cumprido a sua tarefa de escritor Os oxápara seriam por conseguinte figuras da elocuçãoReparese depois que o verbo que traduzimos por reproduzir por si mesmo é o mesmo do início do 99 relacionado principalmente com elocução Deve pois ó poeta compor as fábulas e elaborar a elocução isto é compor as fábulas e elaborálas quanto à elocução O início é claro mas o exemplo mencionado erro cênico de Cárcino é que tem sido a causa das errôneas traduções incluindo a nossa que segue propositadamente a vulgata Efetivamente as normas prescritas por Aristóteles são duas 1 ter diante dos olhos as personagens e 2 elaborarlhes as falas mas o exemplo que diz respeito só à primeira influiu na interpretação da segunda E esta influência consistiu primacialmente em subentender poetas na frase mais persuasivos com efeito são os poetas que onde talvez fosse de subentender personagens atores desempenhando determinados papéis Os segundo esta interpretação seriam pois as formas de expressão artística do animo agitado ou do ânimo irado e são essas formas que em nós espectadores despertam a mesma agitação e a mesma ira Nestas circunstâncias a tradução dos 99 e 100 seria mais ou menos a seguinte 99 but one should construct ones plot and work it out with the dialogue while keeping it before one s eyes as much as possible 100 and so far as possible working it out with the patterns of speech also For those who are in the grip of the emotions are most persuasive because they speak to the some natural tendencies in us and it is the character who rages or express dejection in the most natural way who tirs us to anger or dejection Finalmente a última frase do 100 tem sido interpretada como uma das raras concessões de Aristóteles à teoria da inspiração poética cf coment ao 15 a qual como já dissemos foi defendida por Platão e antes por Demócrito cf Cíc De Orat 2 194 Saepe enim audivipoetam bonum neminem idquod a Democrito et Platone in scriptis relictum esse dicunt sine inflammatione animorum existere posse et sine quodam adflatu quasifuroris e Divin I 80 Negat enim sinefurore Democritus quemquam poetam magnum esse posse quod idem dicit Plato Else p 501502 pretende que Aristóteles manifesta neste lugar a sua preferência pelos bemdotados por natureza que são os bons poetas os plasmadores contra os inspirados os extáticos mas para justificar a sua opinião vêse obrigado a introduzir uma palavra no texto grego These are the reasons why the poetic art is an enterprise for the gifted rather than the manicindividual Neste ponto a argumentação está longe de ser persuasiva 101104 No princípio do 101 parece faltar o nexo com os precedentes mas na verdade prossegue aqui a prescritiva quanto à atividade do poeta como escritor de seus dramas O dramaturgo defrontase com o problema de saber por exemplo o quanto da abundantíssima mitologia tradicional quer em extensão quer em pormenor e ainda que não considere senão a parte que há de constituir o drama em seu todo orgânico deverá ser incluído no poema trágico Eis o problema que fará dos caps XVII e XVIII um todo completo 105 Nó e desenlace são os novos conceitos da Poética destinados a expressar uma possível solução do problema em causa Porém a maior novidade não é tanto a dos próprios conceitos quanto a forma como eles são definidos ou antes o novo é aquilo em relação ao que eles são definidos Else chamou ao fundo do qual se destacam nó e desenlace do drama a história toda the whole story p 518 isto é no caso de o argumento ser extraído da mitologia tradicional aquela parte sua compreendida entre o ponto onde começa idealmente a delinearse a história que terá por término o final da tragédia ou da epopéia Por conseguinte aquele princípio da história inteira no 105 já não é o mesmo início mencionado no cap VII da composição dos fatos propriamente dita aquele que seguido do meio e do fim vem a constituir o mito trágico em um ser vivente inteiro completo em si mesmo Em suma a maior novidade na inclusão dos conceitos de nó e desenlace reside em uma renovada idéia da conexão entre os episódios e a ação central the episods now begin to appear as semi organic parts of the play not actually parts of the action itself but nevertheless standing in a calculated relation to itElse p 519 E possível que esta idéia tenha surgido na mente de Aristóteles no momento em que cap XVII 104 se apercebe da importância dos episódios na Odisséia e do modo como eles se conjugam com a ação principal na epopéia homérica sobre isto v coment ao cap XXIII 106107 pois quatro são também as suas partes crux interpretum das mais notáveis em toda a Poética Que partes vêm a ser estas Não as quantitativas cap XII evidentemente nem as qualitativas cap VI que são seis três externas e três internas Restam apenas as partes estruturais do mito trágico Mas quatro Rostagni p 106 propõe 1 peripécia e reconhecimento como uma só 2 catástrofe 3 caráter 4 espetáculo Else na seqüela de outros intérpretes comparando a presente lista de tipos de tragédia com a do princípio do cap XXIV simples complexa catastrófica ou patética e de caracteres ou ética verifica a coincidência quanto aos três últimos tipos nas duas passagens mas rejeita a hipótese de o quarto tipo da primeira lista ser o primeiro da segunda isto é a tragédia simples e propõe o seguinte e em quarto lugar seria uma glosa marginal ou interlinear incluída no texto por algum escriba inepto e em vez daquelas palavras a lição autêntica era Reparese que a parte à esquerda do Hyphen tem o mesmo número de letras que a tal glosa marginal e quanto à segunda à direita deixou como vestígio no texto A confirmarse a hipótese o quarto tipo seria o episódico E agora qual a conseqüência a tirar da classificação dos tipos de tragédia para a enigmática enumeração das suas partes Com fundamento na suposição de que Aristóteles tenha modificado durante a redação dos caps XVII e XVIII as suas idéias acerca do caráter acessório dos episódios cf supra Else p 533 propõe 1 peripécia e reconhecimento 2 catástrofe 3 caráter 4 episódios Concluindo The lépr are parts not in the more formal and analytical sense of the six parts of the tragic art in chapter 6 but in the more comprehensive sense of parts of the total activity of writing the dramatic põem p 535 108 o que já por várias vezes dissemos c V 49 b 9 24 VII 5 1 a 6 45 IX 51 b 32 55 XVII 55 b 15 104 109 It can hardly be accidental that the poets are said here to succeed in what they want whereas two lines above they were failing Our inference is that they wanted the same thing there as here namely but chose the wrong method for attaining it the unfortunate poets who tried to make epic structures into tragedy just as they carne Without a major reshaping of the material wanted to achieve the effect which they knew was achieved by the epic But the maravilhoso which can and shouldbe achievedin tragedy is not the same as the irracional which is the speciality of epicElse 549 110 Aqui Aristóteles aponta quatro maneiras de proceder em relação às partes líricas 1 em Sófocles os corais estão perfeitamente integrados n ação dramática 2 em Eurípides a relação é mais frouxa 3 outros poetas compuseram coros que nada tinham que ver com a ação dramática representada e finalmente 4 em face deste último procedimento os mestres de coros passaram a intercalar entre os episódios quaisquer corais mesmo os que pertenciam organicamente a outras tragédias no drama que na ocasião se propunham exibir CAP XVIII Das seis partes qualitativas da tragédia restam apenas duas pensamento e elocução pois das outras já falamos 111 mais desenvolvidamente do mito e do caráter e só por breves indicações do espetáculo cap XIV 74 e da melopéia cap XVIII 111 112113 A elocução e o pensamento vão ocupar agora considerável lugar na Poética ou antes somente a elocução pois o pensamento nos quatro caps XIXXXII apenas intervém nos 112113 do cap XIX O motivo é evidente e expresso o que respeita ao pensamento tem seu lugar na retórica porque o assunto mais pertence ao campo desta disciplina No entanto Aristóteles não pode deixar de assinalar a diferença drama não é discurso expressão de pensamento puro e simples é uma ação representada por personagens e por conseguinte para os mesmos efeitos que na oratória são produzidos mediante a palavra somente o poeta trágico ou cômico tem outros recursos Neste ponto a única advertência do Filósofo é pois um sinal do que talvez se passasse no seu tempo os dramaturgos cedendo à moda da época e ao prestígio da retórica política e judiciária transferiam para os discursos das personagens a interpretação explícitada própria ação dramática CAP XIXXXII Os 114115 do cap XIX e a totalidade dos três caps seguintes são dedicados ao último elemento constituinte da tragédia cf cap IX a elocução É claro que hoje mal podemos reprimir a impressão imediata de que estes três capítulos deviam pertencer a outro contexto designadamente à gramática e não à poética Nestas circunstâncias cabe citar a judiciosa reflexão de Gudeman p 337 Wàre man der langsamen Entwickungsgeschichte der Grammatik eingedenkt gewesen hàtte man es wohl nicht so oft befremdiich gefunden dass Aristóteles anscheinend so elementare Dinge wenn auch nur kurz in der Poetik behandelt hat Sie waren dies eben damals noch nicht und bildeten noch lange nach ihm viel erõrtete Probleme As palavras do filólogo germânico levamnos a incluir como apêndice a este comentário algumas notas acerca da História da Filologia Grega na Antigüidade supomos prestar assim melhor serviço ao leitor da Poética do que se o sobrecarregássemos com minuciosas anotações aos caps XIXXXII Elocução e XXV Problemas Críticos Nestes lugares limitarnos emos a acrescentar os esclarecimentos indispensáveis 124 definição de homem Aristóteles referese talvez à definição dos Tópicos I 7103 a 27 animal que anda com dois pés ou no mesmo livro p 130 b 8 animal capaz de aprender 125 v índice Onomástico s v MASSALIOTAS 127 lança É curioso notar que depois de estrangeiro dialetal na versão árabe vêm as seguintes palavras Dory vero nobis quidem proprium populo Cyprio vero glossa que teriam sido omitidas por homoioteleuton De modo que este passo seria de reconstituir assim cipriotas é de uso corrente e para nós estrangeiro ao passo que lança é para nós de uso corrente e estrangeiro para os cipriotas 129 aqui minha nave se deteve Odisséia I 185 XXIV 308 Na verdade milhares Ilíada II 272 Tendolhe esgotado a vida Empédocles frgs 143 e 138 DielsKranz 130 Não há semelhante metáfora entre os fragmentos coligidos 137 Enigma famoso diz Aristóteles na Retórica III 1405 a 35 Solução a ventosa 140 Falsos hexâmetros com as vogais arbitrariamente alongadas O efeito ridículo maior resulta da vacuidade da significação Rostagni p 135 ad locum 142 Ésquilo fr 253 Nauck p 81 e Eurípides fr 792 K pj518 úlcera que come a carne do meu pé Ésquilo come Eurípides banqueteiase com Odisséia IX 515 e eis que um homemsendo pequenodébile disforme ibid XX 259 tendo posto mau escabelo e mesquinha mesa as ondas mugem as ondas gritam CAP XXIII Terminada a teoria da poesia trágica cap XXII 146 Aristóteles volta a comparar a epopéia com a tragédia cf supra cap V 24 e coment ad locum por isso o cap XXIII se agrupa naturalmente com os cap VIIIX para completar a teoria geral da poesia austera 147148 É claro que ação inteira e completa com princípio meio e fim serve para lembrar expressamente o que ficara exposto nos caps VII e VIII sobre as notas de totalidade e unidade da poesia e imitação narrativa e em verso recorda o caráter distintivo da epopéia defronte à tragédia já mencionado no cap V 24 Mas também é claro que esta característica serve agora ao intuito de opor à epopéia juntamente com a tragédia a história v c IX que sendo também narrativa se exprime em prosa Só que a história não tem estrutura dramática como estrutura dramática não têm outros épicos os quais para usar as mesmas palavras do cap IX bem poderiam ser postos em prosa e nem por isso deixariam de ser história se fossem em prosa o que eram em verso 149150 Ao que nos parece seria difícil para não dizer impossível enunciar a Questão Homérica em termos mais sóbrios se não os mais rigorosos Homero elevase maravilhosamente acima de todos os outros poetase estes podemos identificálos com os autores dos vários poemas do Ciclo pela estrutura dramática que imprimiu à mitologia tradicional Vale a pena insistir mais demoradamente neste ponto Na mais tardia Antigüidade é lugarcomum afirmar que a tragédia deriva da epopéia e epopéia neste caso é o mesmo que Homero Eis três exemplos Ateneu VIII p 347 E referese àquele dito do nobre e ilustre Ésquilo que as suas tragédias eram trinchas dos suntuosos festins homéricos Antes já Isócrates II 4849 explicara Eis por que a poesia de Homero e os que descobriram a tragédia são dignos de admiração penetraram eles a natureza humana e servemse destes dois gêneros de arte para a sua poesia Aquele verteu em mitos as lutas e guerras dos semideuses estes reverteram os mitos em lutas e ações de modo que delas viemos a ser não só auditores como também espectadores Os cômicos parodiaram o dito histórico ou lendário de Ésquilo Negócio em tudo afortunado é escrever um poema trágico se por certo já as palavras os espectadores as sabem mesmo antes que alguém fale Basta que o poeta se lembre Que eu diga Édipo tudo o mais já se conhece Laio o pai e a mãe Jocasta quem eram as filhas quem eram os filhos que trabalhos ele vai passar e que feitos já praticou E se depois alguém disser Alcmêon o mesmo é que haver falado em seus filhos todos que em delírio matou a mãe que enfurecido Adrasto vai chegar e imediatamente si retira Então quando o poeta nada mais pode dizer e completamente sucumbiu em seus recursos dramáticos com um simples levantar de dedo faz subir o deus ex machina e os espectadores ficam contentes Para nós as coisas não são tão fáceis precisamos tudo inventar novos nomes atos de abertura ação presente catástrofe desenlace Se houver personagem Cremes ou Feídon qualquer que em alguma dessas coisas se omita apupado e expulso do teatro será o poeta mas a um Peleu ou a um Teucro tais omissões se consentem Antífanes fr 191 Koch II p 90 n 163 p 112 Cantarella Não há dúvidas por conseguinte que antes ou depois de Aristóteles alguns dos responsáveis pela crítica literária conceberam e divulgaram a idéia de que a tragédia provinha por seus argumentos da lenda heróica e esta se bem que desde Heródoto já se levantassem dúvidas acerca da autoria homérica de poemas que não fossem a Ilíada e a Odisséia andava então ligada ao nome de Homero E efetivamente se examinarmos a distribuição dos argumentos trágicos pelos ciclos mitológicos tradicionais cf quadro no fim deste comentário mesmo de relance nos apercebemos de que os temas trágicos de algum modo são temas épicos Porém e na Antigüidade só Aristóteles se apercebeu do fato a Ilíada e a Odisséia também se situam do lado da tragédia como poemas cuja concepção e cuja redação pressupõem uma lenda heróica já formada e divulgada sob forma biográfica Heracleidas Teseidas ou cronográfica poemas do ciclo troiano histórias em verso em suma Ao mesmo resultado chegam agora as pesquisas dos modernos filólogos Unser Hauptergebnis ist dass die Mas in viel grósserem Masse die in dichterischen Quellen úberlieferte Sage voraussetzt ais man meinte und dass sie insbesondere den Stoffder kyklischen Epen in grõsseren Masse kennt ais bischer überhaupt für mòglich gehalten wurde í0 nosso principal resultado é este a Ilíada pressupõe a lenda transmitida por fontes poéticas em muito mais altas proporções do que se pensava e que ela especialmente conhece a matéria das epopéias cíclicas em maiores proporções do que até hoje foi geralmente considerado como possível E o autor destas linhas W Kullmann Die Quellen der Mas Wiesbaden 1960 p 358 acrescenta em nota Ferner zeigt sich dass das literarhistorische Schema dass Homer wenn er schon nicht den Ursprung der griechischen Sagenentwicklung überhaupt darstellt so doch immer die Urfomen der griechischen Sagen bietet võllig falsh ist Além disso mostrase que é completamente falso o esquema históricoliterário segundo o qual Homero se bem que já não represente a origem pura e simples do desenvolvimento da lenda grega no entanto sempre nos oferece as suas formas primordiais Que quer tudo isto dizer Simplesmente o que segue 1 Tanto Aristóteles como os modernos unitaristas reconhecem que Homero vem depois e não antes dos poetas do Ciclo 2 A posterioridade de Homero não é simplesmente cronológica Homero vem depois dos cíclicos porque dramatizou o mito que anteriormente se estruturava como história 3 Homero não é por conseqüência o princípio de um desenvolvimento designadamente não representa ele o início da literatura mitográfica dos gregos CAP XXIV 151 Ao princípio deste capítulo já nos referimos cap XIII 106 ao determinarmos as quatro espécies de tragédia As da epopéia são as mesmas diz nos Aristóteles porém se Élse acertava ao supor que a quarta espécie de tragédia é a episódica verificamos agora que esta é precisamente a que o filósofo não menciona neste lugar O mesmo comentador aduz que predominando os episódios na epopéia it is the category episodicthat would be uselessp 516 Quanto às partes a maioria dos exegetas modernos não encontram tantas dificuldades ao contrário do que se passa no cap XVIII 106 aquele exceto melopéia e espetáculo cênico parece apontar inequivocamente para as outras quatro das seis partes do cap VI mito caráter pensamento e elocução No entanto Else persiste em supor que se trata ainda neste lugar das mesmas partes do início do cap XVIII Digase no entanto que os argumentos do filólogo de Harvard não são tão convincentes O mais plausível assenta no efetivamente que segue introduzindo reconhecimento peripécia e catástrofe e o mais incrível na interpolação de exceto melopéia e espetáculo cênico from an honest reader perhaps our oldfriend of the early chapters p 598 152153 Depois das semelhanças entre epopéia e tragédia vêm as diferenças 1 quanto à extensão 153 e 2 quanto à métrica 154 o que indicamos df cap VII 50 b 34 44 e cap XXIII 59 a 29 149 menos vasta do que a das antigas epopéias o quadro traçado por Else p 604605 não deixa sombra de dúvida de que antigas epopéias só pode referirse à Ilíada e à Odisséia de todas as outras excetuada a Tebaida e os Epígonos citadas pelo Certamen Homeri et Hesiodi as mais extensas não excedem sete mil versos Else tem pois razão para mencionar a propósito o espanto com que Gudeman verificou que o núcleo central da Odisséia descrito por Aristóteles no cap XVII 55 b 15 104 não excede quatro mil versos Lembramos nós no mesmo propósito que núcleo central da Ilíada segundo E Bethe Homer Dichtung und Sage v I também contaria pouco mais de cinco mil versos Estas observações explicam o limite da extensão proposto por Aristóteles aquele que todas juntas têm as tragédias representadas num só espetáculo Em conclusão The sense ofthepassage is that the ideal demands of unity i e the norm of length would require the epic to stay within the normal span of a trilogy about four thousand two hundred Unes plus or minus and we have seen that this requirement is infact satisfied by the central action of the two Homeric epics But Aristotle goes on to say the epic has a special trait or capacity of extra extension and this special trait has its advantages too In the light of our discussion we can translate this to mean Homer at least composed central actions which meet our requirements beautifully both in quality and in quantity But then he wenl on and addedgreat masses of episodes which expanded hispoems far beyond the mark Well this is something the epic poet has a special opportunity and licence to do because he is a narrator and certain advantages do accruefrom it p 606607 Na tragédia não é possível representar mas na epopéia Passagem de dificílima interpretação Com efeito Aristóteles parece esquecer que na tragédia muitos fatos não representados em cena são apresentados aos ouvintes mediante relato de mensageiros Por outro lado é verdade que se a tragédia não pode representar simultaneamente vários sucessos também a epopéia os não apresenta nem pode apresentálos ao mesmo tempo A solução de Else p 608609 é verossímil na tragédia não é possível imitar numerosos desenvolvimentos no tempo em que eles estavam acontecendo mas só aquele que está sendo representado em cena e envolve os atores enquanto na epopéia graças ao ser narrativa é possível compor dar expressão poética incorporar no poema muitos eventos no tempo em que eles estavam progredindo 154 É evidente a relação com o cap IV metro da tragédia e que Aristóteles tem em vista em ambos os lugares estabelecer um paralelo entre a natureza do verso e a natureza do gênero Else 617 155 Mais uma alusão às epopéias cíclicas todas puramente episódicas e sem estrutura dramática Homer he i é Aristóteles says uses straight narrative only for a brief prologue then immediately brings on st age a character The other poets remain on the stage themselves all the way through 156158 Maravilhoso e irracional Looking back over our passage 156158 as a whole we are struck by how far it goes in the direction of glorifying the poets skill purely for its own sake lart pour lart It is just in this passage that Aristotle accepts the old accusation of Hesiod Xenophanes and Plato that Homer has told lies Lying comme il faut cs a tolerated exception to the rule that poetry tells the truth about man and his action It is tolerated because the marvelous is after ali a real source of pleasure Far from authorizing a large expansion of it Aristotle is concerned to draw its due limits and show how and where it should be handledp 630 CAP XXV Problemas Homéricos Cf Introdução cap I comentário de Gudeman ad locum pp 418442 e do mesmo autor o art Lyseis da R E v XIII pp 25112529 Neste capítulo é notável a antecipação de Aristóteles à crítica dos Alexandrinos A exegese de Homero a partir de Homero e do ponto de vista homérico eis o verdadeiro método da crítica Tal será o método de Aristarco e seus discípulos 166 como pareciam a Xenófanes cf índice Onomástico s v XENOFANES 167 As lanças erguidas sobre os contos Ilíada X 52 169 machos sentinelas Ilíada I 50 Aristóteles considera o mesmo que segundo Hesiquio s v eqüivale a vigias sentinelas mau ele era de aspecto Ilíada X 3 16 O problema era como poderia Dólon correr tanto se ele era disforme mistura mais forte Ilíada IX 202 170 Quando lançava os olhos Aristóteles cita de memória porque altera palavras os versos 1 2 e 11 13 dó canto X da Ilíada O problema é o seguinte como poderia Agamenon ouvir o som das flautas e das siringes se todos dormiam só ela Ilíada XVIII 489 Tratase da constelação da Ursa Maior v Strab I 16 171 glória nós lhe daremos Ilíada XXI 297 Hípias atribuía assim a responsabilidade do engano ao Sonho Porque o problema era o da possibilidade de os deuses enganarem os homens cf Plat Rep II p 381 C ss arte do qual Ilíada XXIII 328 Passagem obscura É possível que antigos manuscritos da Ilíada tivessem em lugar de ov não ov do qual Com o pronome relativo liase uma parte do qual tronco apodrece com a chuva e surgia então o problema que parte não apodrece A lição correta que Hípias sugere partícula negativa em lugar do pronome relativo é um tronco que não apodrece 172 Mas depressa se tornaram cf índice Onomástico s v EMPEDOCLES 173 Maior parte Ilíada X 251 Problema se passaram mais de dois terços da noite como será possível dizer que falta ainda passar um terço inteiro Resposta é ambíguo e dizendo o mais a maior parte das duas partes passaram entendeuse primeiro que a noite está dividida em duas partes iguais e que passou uma inteira e parte de outra resta uma porção da noite que pode muito bem corresponder a um terço da noite no fim do raciocínio já se supõe a noite dividida em três partes e não em duas como se supunha de início 174 cnêmide Ilíada XXI 592 Cnêmide greva As grevas não eram de estanho puro mas de uma liga estanhada O problema nasce do uso corrente de denominar um composto com o nome de um dos elementos ou de chamar uma coisa pelo nome de outra semelhante exemplo chamar trabalhadores de estanho aos trabalhadores de ferro Por isso de Ganimedes que serve o néctar se diz que serve o vinho Esta passagem resulta obscura pela confusão dos exemplos 175 aqui se deteve Ilíada XX 267 O escudo de Aquiles era feito de cinco chapas de metal sobrepostas duas de bronze duas de estanho uma de ouro Problema como é possível que a lança de Enéias tendo perfurado duas se detivesse na chapa exterior de ouroSolução significa qualquer forma de impedimento e não só o deterse a chapa externa de ouro pode haver moderado o ímpeto do golpe e impedido que a lança penetrasse além de duas chapas sobrepostas de que fala Glauco v índice Onomástico s v GLAUCO a propósito de Icário v índice Onomástico s v ICARIO 179 Eis um quadro das cinco espécies de críticas e das doze espécies de soluções segundo Gudeman comentário p 442 I Crítica Impossível Soluções 1 pela arte 164 2 por acidente 165 II Crítica Irracional Soluções 3 tais como devem ser 166 4 tais como são ibid 5 opinião comum ibid III Crítica Impropriedade Solução 6 o moralmente chocante deve ser julgado segundo pontos de vista relativos 168 IV Crítica Contradição Solução 7 observar o indivíduo que agiu e falou 168169 V Crítica Incorreção da linguagem Soluções 8 dialeto 169170 9 prosódia 171 10 diérese 172 11 anfibolia 173 12 uso da linguagem 174 CAP XXVI O problema a que Aristóteles dedica o último capítulo da Poética já fora de certo modo enunciado no cap IV 49 a 6 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera tragédia epopéia atinge ou não atinge a perfeição do gênero isso seria outra questão Por outras palavras no gênero poesia austera qual é a espécie melhor e mais perfeita Tragédia ou epopéia É claro que nas muitas passagens em que se refere a Homero em que define e desenvolve os conceitos de dramático e de narrativo cf índice Analítico s vv HOMERO e EPOPÉIA O filósofo já resolve a questão Se Homero é o melhor dos poetas épicos porque dramatizou a mitologia tradicional se a Ilíada e a Odisséia revelam a própria sublimidade no que têm de trágico é evidente que a tragédia é a espécie superior aquela em que se atinge a perfeição do gênero No 183 Aristóteles explicará resumidamente toda a argumentação acerca da superioridade da tragédia antes porém terá de responder a uma seriíssima objeção a qual tem todo o jeito de haver sido formulada pelo seu Mestre na Academia cf Else p 636 ss 181 A censura talvez platônica que incidia sobre a arte dramática do século IV em comparação com a rapsódica não deixa efetivamente de ser justa e merecida e Aristóteles não se coíbe de repetir as graves objeções Platão ou outro que tenha sido o censor mostrase bem dotado de sensibilidade artística como representante daquele público elevado que não tolerava a gesticulação exagerada de macaqueadores como Calípides 181 Sosístrato e Mnasíteo de Oponte 182 Mas com tudo isso a verdade é que não se trata afinal senão de uma crítica a representações e atores e que por isso mesmo não atinge a arte do poeta trágico 182 182 O que segue é uma resposta à objeção que se articula em seis pontos Em primeiro lugar vêm três negativos 1 a crítica precedente não atinge senão a arte de representar e demais nem a rapsódica nem a lírica estão isentas dos defeitos que se apontam na tragédia 2 nem toda espécie de gesticulação é de reprovar mas tãosomente aquela que reproduz caracteres baixos 3 mesmo sem movimentos representação a arte trágica pode atingir a sua finalidade cf 184 Depois vêm três positivos 4 a tragédia além de conter todos os elementos constituintes da epopéia dispõe de mais dois melopéia e espetáculo 5 possui grande evidência representativa quer na leitura quanto à leitura v 3 recordese o que ficou escrito no cap XVII 99 6 é mais compacta e mais unitária v referências citadas no coment ao 108 184 Else p 651 pretende ver nesta passagem o sétimo e último ponto da argumentação a tragédia é superior por todas estas vantagens e mais ainda porque melhor consegue o efeito específico da arte Mas qual é o efeito específico da arte que já foi indicado Há duas possibilidades Else 615 a o prazer definido no cap XIV isto é o que provém do terror e piedade através da imitação 74 e b o que deriva da perfeita estrutura do mito cap XXIII 147 A escolha é difícil e não há argumento decisivo a favor de uma ou outra possibilidade Por um lado é certo que esse prazer tendo de ser comum à tragédia e à epopéia não há qualquer menção dos sentimentos de terror e piedade nos caps XXIII e XXIV que tratam mais especialmente da epopéia mas por outro lado esses sentimentos estariam implicados na estrutura complexa e patética dos melhores poemas épicos cf caps XI e XIII sobre a tragédia complexa 185 Dos jambos e da comédia são as palavras finais do Riccardianus 46 ÍNDICE ANALITICO DA POÉTICA ABREVIAMENTO contribui para a clareza e elevação da linguagem 58 b 1 ABSURDO admissível se for verossímil 60 a 26 Cf IRRACIONAL AÇÃO na arte dos DANÇARINOS 47 a 27 a TRAGÉDIA é imitação de 49 b 24 PENSAMENTO e CARÁTER são causas determinantes da 50 a 1 sem não haveria tragédia 50 a 23 a una 51 a 1662 b 1 relação necessária entre as várias partes da51 a 29 é SIMPLES EPISÓDICA OU COMPLEXA definições 52 a 11 na tragédia a deve produzir a PIEDADE e o TERROR 52 b 1 consciência ou inconsciência da 53 b 26 Cf ATO MITO FÁBULA INTRIGA ATO FATO da própria trama dos fatos composição dos atos INTRIGA deriva a PIEDADE e o TERROR 53 b 13 também da INTRIGA o RECONHECIMENTO 55 a 16 diferença entre ação e DIALOGO 56 b 1 ATO Mito ou FÁBULA e AÇÃO são sinônimos em muitas passagens da Poética Cf INTRIGA MITO AÇÃO ATOR agonista o número de atores na tragédia aumentado por ÉSQUILO 49 a 15 na COMEDIA nada se sabe 49 b 3 mesmo sem atores atinge a tragédia o seu efeito 50 b 15 os bons POETAS condescendentes com os atores compõem partes DECLAMATÓRIAS que forçam os limites do MITO 51 b 32 o CORO deve ser considerado como 56 a 25 em que consiste a arte do 56 b 7 defeitos dos atores 51 b 27 ALONGAMENTO eleva o tom da LINGUAGEM ELOCUÇÃO 58 a 18 58 b 1 ALTERAÇÃO a dos nomes contribui para a elevação e clareza da LINGUAGEM 58 b 1 ANAPESTO não entra no ESTASIMO 52 b 19 ANFIBOLIA ambigüidade exemplo 61 a 25 ARGUMENTO Como deve o POETA dispor os argumentos 55 a 34 Cf MITO FÁBULA ARTE contraposta a costume 47 a 17 em oposição a ENGENHO natural 5 1 a 22 a FORTUNA 54 a 9 O efeito específico da na tragédia 62 b 12 AULETICA IMITAÇÃO 47 a 13 usa como meios só HARMONIA e RITMO 47 a 17 diferenças na conforme o objeto da imitação 48 a 1 BARBARISMO linguagem composta apenas de vocábulos estrangeiros dialetais 58 a 23 BELO condições para que se realize 50 b 34 CANTADAS partes separaramse pouco a pouco da ação trágica 56 a 25 Cf AGATAO CANTO MELOPEIA meio da IMITAÇÃO 47 b 23 ornamento da LINGUAGEM 49 b 24 CARÁTER definição 50 a 1 a DANÇA imita caracteres 47 a 27 as personagens da tragédia apresentamse diversamente conforme os caracteres 49 b 35 os caracteres determinam as ações 50 a 16 o não é parte essencial da tragédia 50 a 23 37 os caracteres na PINTURA ibid diferença entre e PENSAMENTO 50 b 4 condições para que haja e espécies de 54 a 17 todas as personagens homéricas têm 60 a 5 CATARSE purificação purgação a tragédia tem por efeito específico a das emoções de TERROR e PIEDADE 49 b 24 CATÁSTROFE definição 52 b 9 faz parte do MITO complexo ibid ações mais ou menos catastróficas 53 b 15 faz parte da EPOPEIA 59 b 8 Situação sem não é trágica 53 b 36 CATASTRÓFICA tipo de tragédia 55 b 23 tipo de EPOPÉIA 59 b 8 a Ilíada é uma epopéia ibid CENOGRAFIA introduzida por SOFOCLES 49 a 15 Cf ESPETÁCULO CENÓGRAFO na realização do ESPETÁCULO a arte do supera a do POETA 50 b 15 CITARÍSTICA é IMITAÇÃO 47 a 13 usa como meios só de HARMONIA e RITMO 47 a 17 diferenças conforme o objeto da imitação 48 a 1 Cf AULETICA COMEDIA é IMITAÇÃO 47 a 13 usa de todos os meios da imitação 47 a 23 difere do DITIRAMBO e do NOMO ibid e da TRAGÉDIA 48 a 16 origem dórica pela etimologia 48 a 29 HOMERO traçou as linhas fundamentais da 48 b 33 difere do VITUPERIO 49 a 1 origem da 49 a 8 é imitação de homens inferiores de baixa índole 49 a 32 é desconhecido o desenvolvimento histórico da 49 b 1 origem da na Sicília 49 b 3 tendência da para a universalidade 51 b II diferença da poesia jâmbica ibid o prazer que é próprio da 53 a 30 COMPLEXA é a TRAGÉDIA mais bela 52 b 31 a tragédia consiste inteiramente em PERIPÉCIA e RECONHECIMENTO 55 b 33 é uma das espécies da EPOPÉIA 59 b 8 a Odisséia é uma epopéia ibid CONGÊNITO O imitar é no homem 48 b 4 também são congênitos a HARMONIA e o RITMO 48 b 20 CONJUNÇÃO Definição 56 b 39 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 CONTRADIÇÃO Como evita o POETA a 55 a 22 como se resolvem as aparentes contradições na POESIA 61 a 31 como examinar as expressões aparentemente contraditórias 61 b 9 CONTRADITÓRIAS expressões Cf CONTRADIÇÃO CORAL coro faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 seções do 52 b 19 CORO ÉSQUILO diminuiu a importância do 49 a 15 tarde foi concedido pelo arconte o da COMEDIA 49 b 1 considerado como um dos atores 56 a 25 e parte integrante do todo ibid deve participar da AÇÃO ibid Cf CANTADAS partes KOMMOS EPISÓDIO ESTASIMO ÊXODO INTERLUDIO PARODO PRÓLOGO CORRENTE linguagem Os trágicos têm sido parodiados por usarem palavras que ninguém emprega na linguagem 58 b 31 o JAMBO é o METRO que mais se avizinha do ritmo natural da linguagem 49 a 19 CORRENTE vocábulo Definição 57 b3 é uma espécie de NOME 57 b 1 a linguagem constituída só de palavras correntes é baixa 58 a 18 o uso de vocábulos correntes clarifica a linguagem 58 a 31 Cf ELOCUÇÃO COSTUME contraposto a ARTE 47 a 17 CRITICA Pontos de vista a partir dos quais se resolvem as críticas 60 b 20 espécies de soluções críticas 61 b 21 DANÇA arte da Varia conforme o objeto da IMITAÇÃO 48 a 9 o TETRÂMETRO é o METRO mais adequado à 49 a 19 60 a 1 DANÇARINO A arte do é IMITAÇÃO com RITMO e sem HARMONIA 47 a 26 DECLAMAR arte de O conhecimento dos modos de declamação compete à arte de 56 b 7 e a arte do POETA não deve ser confundida com a arte do ATOR 62 a 5 Cf ATOR DECLAMATÓRIA parte Para compor partes de declamatória os poetas chegam a forçar os limites do MITO 5 1 b 32 DESENLACE Definição 55 b 24 deve resultar da íntima estrutura do MITO INTRIGA 54 a 37 Noe 56 a 7 sobre o feliz ou infeliz e o na tragédia EURÍPIDES 53 a 12 DEUS EX MACHINA mxv Não deve causar o DESENLACE da tragédia 54 b 1 em que casos se pode recorrer ao ibid DIALOGO socrático 47 b 1 ÉSQUILO fez do PROTAGONISTA 49 a 15 DIÉRESE separação Por correta resolvemse algumas dificuldades na interpretação da POESIA exemplo 61 a 24 DISCURSO Diferença entre e Ação 56 b 1 DITIRAMBO É IMITAÇÃO 47 a 13 recorre a todos os meios de imitação 47 b 27 varia conforme os objetos da imitação 48 a 9 no tem origem a TRAGÉDIA 48 a 9 ao convém os nomes DUPLOS 59 a 9 Cf SOLISTA DRAMA Origem da palavra 48 a 28 b 1 DRAMÁTICOS mitos 59 a 17 imitações dramáticas48ò23 EFEITO efetividade Da TRAGÉDIA 50 b 28 situações a procurar e a evitar para que a tragédia alcance a própria efetividade 52 b 28 específico da ARTE 62 b 12 Cf FIM finalidade ELEGÍACO METRO 47 b 13 POETA ibid ELOCUÇÃO Definição 50 b 12 49 b 30 RIDÍCULA burlesca 49 a 19 o POETA deve ter presente a dos personagens 55 a 22 modos da 56 b 7 partes gramaticais da 56 b 20 qualidades da 58 a 18 na EPOPÉIA 59 b 8 não deve ofuscar CARÁTER e PENSAMENTO 60 b 2 meio expressivo do POETA 60 b 7 como considerar a para interpretar passos difíceis da poesia 61 a 9 ENCÔMIO louvor Gênero de POESIA produziramno os POETAS de elevada índole 48 b24 ENGENHO natural Contraposto a ARTE 51 a 22 oencontra o metro adequado ao poema 49 a 19 60 a I ENIGMA Definição 58 a 25 a LINGUAGEM constituída só de METÁFORAS é enigmática 58 a 23 EPISÓDIO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 número de episódios 49 a 28 se a relação entre os episódios não é NECESSÁRIA nem VEROSSÍMIL O MITO é EPISÓDICO simples 51 b 32 os episódios devem ser conformes ao assunto argumento 55 b 12 devem ser curtos na tragédia longos na EPOPÉIA 55 b 15 episódios na Odisséia ibid na Ilíada 59 a final a diversidade dos episódios varia o interesse do poema 59 b 19 EPISÓDICO mito cf SIMPLES EPOPÉIA Definição49 b 9 Em que convém com a TRAGÉDIA ibid é IMITAÇÃO 47 a 13 tem METRO uniforme 49 b 9 não tem limite de tempo ibid elementos comuns com a tragédia 49 b 17 unidade de ação 51a 19 superioridade de HOMERO 51 a 22 59 a 29 argumento breve e episódios longos 55 b 15 não se pode tirar de uma só uma tragédia 56 a 11 cf 59 b 21 a estrutura da não pode ser igual à de uma narrativa histórica 59 a 17 de uma podemse extrair várias tragédias 59 b 1 62 b 1 afinidade com a TRAGÉDIA 59 a 17 apresentam uma e outra as mesmas espécies 59 b 8 a Ilíada é SIMPLES episódica e CATASTRÓFICA a Odisséia COMPLEXA e de CARÁTER ibid a difere da tragédia pela EXTENSÃO e pelo METRO 59 b 17 desenvolve simultaneamente ações diversas 59 b 18 o METRO da é o HERÓICOHEXÃMETRO 59 o 32 o IRRACIONAL e o MARAVILHOSO na 60 a 12 o PARALOGISMO na 60 a 19 inferioridade da relativamente à TRAGÉDIA 62 a 14 perfeição dos poemas homéricos 62 b 1 ERRO dos poetas que por referirem as ações a uma só pessoa supõem que elas constituem uma unidade 51a 16 por condescendência com o gosto do público 5 1 b 32 erros essenciais e acidentais à POESIA 60 b 13 ESPETÁCULO cênico É uma parte elemento qualitativo da TRAGÉDIA 49 b 30 a mais emocionante psicagógica mas menos artística 50 b 15 pode suscitar o TERROR e a PIEDADE 53 b 1 o MONSTRUOSO no ibid não faz parte da EPOPÉIA 59 b 8 na TRAGÉDIA aumenta a intensidade dos prazeres que lhe são próprios 61a 14 ESTASIMO ardatiiou Definição 52 b 19 faz parte do CORO da TRAGÉDIA 52 b 14 ESTRANGEIRO vocábulo dialetal Definição 57 b 13 é uma espécie de NOME 57 b 1 efeito na ELOCUÇÃO 58 a 18 31 exemplo de tal efeito 58 b 15 adequado ao verso HERÓICO 59 a 9 ÊXODO Definição 52 a 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 EXTENSÃO Difere na TRAGÉDIA e na EPOPÉIA 49 b 9 FÁBULA cf MITO FATO cf ATO FALICOS cantos tem origem a COMEDIA 49 a 9 FEMININOS nomes Espécie de NOME caracterizada pela terminação 58 a 8 FILOSÓFICA A POESIA é mais filosófica do que a HISTORIA 516 1 FIM finalidade da TRAGÉDIA 60 b 23 Cf EFEITO efetividade FIM término Definição 50 b 26 o MITO não deve terminar ao acaso 50 b 32 FLAUTISTA O mau rodopia querendo imitar o lançamento do disco 6 1 b 27 FLEXÃO Definição 57 a 19 é uma parte da ELOCUÇÃO 52 b 20 FORTUNA acaso Contraposta a ARTE 54 a 9 GESTICULADO RITMO Na DANÇA 47 a 17 GESTO O POETA deve reproduzir em si o das suas personagens 55 a 27 a gesticulação exagerada dos maus atores 62 a 1 GRANDEZA Elemento necessário do BELO 50 b 34 Cf GRANDÍSSIMO PEQUENÍSSIMO EXTENSÃO GRANDÍSSIMO excessivamente grandeiNão pode ser belo 51 a 1 HARMONIA É um dos meios da imitação 47 a 17 é CONGÊNITA no homem 48 b 20 é ornamento da linguagem Cf ORNAMENTADA linguagem HEROÍCO METRO Adequado à EPOPÉIA cf HEXÃMETRO 59 b 32 HEXÃMETRO O e a linguagem acima do vulgar 49 a 19 HINO Gênero de POESIA produziramno os poetas de elevada índole 48 b 24 HIPÓTESE pressuposto A do crítico no juízo de PARALOGISMO cometido pelos poetas 55 a 12 HISTORIA Companhia com a POESIA 516 1 tem por objeto o PARTICULAR ibid a estrutura dos poemas épicos não deve ser igual à das narrativas históricas 59 a 17 relação casual entre os acontecimentos históricos ibid HISTORIADOR O e o POETA não diferem por escrever PROSA OU VERSO 61 b 1 IMITAÇÃO A POESIA é 47 a 13 meios da 47 a 17 49 b 30 a na arte dos DANÇARINOS 47 a 17 objetos da 48 a 1 60 b 7 a na PINTURA 48 a 1 modos da 48 a 19 a é CONGÊNITA no homem 48 b 4 caráter dramático da homérica 48 b 33 na COMEDIA 49 a 32 afinidade entre a épica e trágica 49 b 9 a trágica 49 b 24 52 a 231 54 b 8 o MITO é de AÇÃO 50 a 1 unidade de 51a 29 o POETA é poeta pela 5 1 b 27 a imitação épica 59 a 17 a narrativa 59 b 32 comparação entre a épica e a trágica 6126 a nos GESTOS dos atores 61 b 27 superioridade da trágica 62 a 14 a dos épicos é menos unitária 62 b 1 IMPOSSÍVEL O crível é de preferir ao POSSÍVEL incrível 60 a 26 recorrer ao é ERRO desculpável 60 b 23 condições em que se justifica 61 b 9 IMPOTÊNCIA incapacidade do POETA de que resulta a deficiência da IMITAÇÃO 60 b 13 Cf INCAPACIDADE IMPROVISOO é o estádio inicial da POESIA48 b 20a TRAGÉDIA e a COMEDIA nasceram de um princípio improvisado 49 a 9 INCAPACIDADE do POETA no uso do RECONHECIMENTO 54 b 20 Cf IMPOTÊNCIA INJURIAR vituperar donde deriva a palavra JAMBO 48 b 32 INTERLUDIOS inoportunamente introduzidos na TRAGÉDIA Cf CORAL AGATÃO INTERMEDIÁRIOS nomes neutros espécie de nomes caracterizados pela terminação 58 a 8 INTRIGA composição estrutura do Mito trama dos fatos É o principal elemento parte qualitativa da TRAGÉDIA50 a 16 b 21 daresultam a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO 52 a 17 estrutura correta da 53 a 12 dupla 53 a 30 da derivam a PIEDADE e o TERROR 53 b 2 deve obedecer ao NECESSÁRIO e VEROSSÍMIL 54 a 33 Cf MITO AÇÃO IRRACIONAL O não deve entrar no desenvolvimento dramático 54 b 6 60 a 26 admissível na EPOPÉIA 60 a 12 gera o MARAVILHOSO ibid preferível fora da representação 60 a 26 a opinião comum justifica o 61 b 9 Cf ABSURDO JAMBO Verso jâmbico adequado à injúria v INJURIAR 48 b 24 etimologia ibid na TRAGÉDIA o substitui o TETRÂMETRO trocaico 49 a 19 é o METRO que mais se aproxima do ritmo natural da linguagem CORRENTE ibid trânsito da poesia jâmbica à poesia argumento impessoal 49 b 39 cf COMEDIA aos versos jâmbicos convém as METÁFORAS 59 a 8 o convém à ação dramática 59 b 32 KOMMOS Definição 52 b 19 peculiar a algumas tragédias 52 b 14 LAMENTAÇÃO canto lamentoso Faz parte da TRAGÉDIA 52 b 19 LENDA Cf MITO LETRA Definição 56 b 22 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 espécies de 56 b 25 LINGUAGEM É um meio da IMITAÇÃO 47 a 17 Cf CORRENTE DIALOGO DISCURSO ARGUMENTO ELOCUÇÃO PROPOSIÇÃO MARAVILHOSO De que resulta o 52 a 2 meio para obter o trágico 56 a 20 tem lugar primacial na TRAGÉDIA 60 a 12 na EPOPÉIA o resulta do IRRACIONAL ibid Máscaracômica49 a32 não se sabe quem introduziu ana COMÉDIA49 b 3 MASCULINOS nomes Caracterizados pela terminação 58 a 8 MEIO entre PRINCIPIO e FIM Definição 50 b 26 MELOPÉIA faz parte da TRAGÉDIA 49 b 30 principal ornamento da TRAGÉDIA 50 b 15 não entra na EPOPÉIA 59 b 8 Cf MUSICA CANTO MEMÓRIA Pela terceira espécie de RECONHECIMENTO 55 a I Cf SINAL URDIDO SILOGISMO METÁFORA Definição e espécies 57 b 6 revela o ENGENHO natural do POETA 59 a 4 qualidade da ELOCUÇÃO constituída por metáforas 58 a 18 31 a convém ao JAMBO 59 a 8 o verso HERÓICO prestase à 59 b 32 palavras que se dizem metaforicamente 61 a 15 MÉTRICA O que é da competência da 56 b 25 35 METRO O não é essencial à POESIA 47 b 13 cf 5 1 b 27 poemas com de várias espécies ibid 59 b 32 60 a 1 é um meio da IMITAÇÃO 47 b 23 o é elemento parte do RITMO 48 b 20 da injúria VITUPÉRIO O é o JAMBO 48 b 24 da EPOPÉIA é o HERÓICO HEXÂMETRO ibid o qual é um uniforme 49 b 9 substituição do TETRÂMETRO trocaico pelo TRIMETRO jâmbico na TRAGÉDIA 49 a 19 o tetrâmetro trocaico adaptado à DANÇA ibid o ENGENHO natural encontra o adequado à obra ibid o trimetro jâmbico adequado à linguagem CORRENTE ibid passagem do VITUPÉRIO em verso jâmbico à COMEDIA 49 b 3 diferença de na EPOPÉIA e na TRAGÉDIA 49 b 9 59 b 17 o ANAPESTO e o TROQUEU não entram no ESTASIMO 52 b 19 o trimetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico são metros movimentados 59 b 32 os vocábulos ESTRANGEIROS dialetais adequados ao verso HERÓICO 59 a 9 a METÁFORA ao verso jâmbico ibid HERÓICO 59 b 32 o JÂMBICO convém à AÇÃO 59 b 32 o trocaico á DANÇA ibid a mistura de metros resulta extravagante 60 a 1 MIMO de SOFRON e de XENARCO 47 b 1 MITO A TRAGÉDIA no seu desenvolvimento abandona os mitos breves 49 19 EPICARMO e FORMIS começaram a compor os mitos da COMEDIA 49 b 3 CRATES foi o primeiro que compôs mitos argumentos de caráter universal na COMEDIA ibid o trágico é IMITAÇÃO de AÇÃO 50 a 1 o é a composição dos atos INTRIGA ibid é o elemento parte qualitativa mais importante da TRAGÉDIA ibid constitui o FIM finalidade da tragédia ibid é o princípio e como que a alma da tragédia 50 a 37 estrutura do 50 b 21 dimensão do 51 a 1 unidade do 51 a 16 superioridade de HOMERO na composição do 51 a 22 relação necessária entre os vários sucessos do 51 a 29 mitos e lendas tradicionais na TRAGÉDIA 51 b 19 o episódico 5 1 b 32 SIMPLES episódico e COMPLEXO 52 a 1153 a 12 30 escolha dos mitos pelos antigos e modernos TRAGEDIOGRAFOS 53 a 12 os mitos tradicionais não devem ser alterados 53 b 21 as situações trágicas encontramnas os poetas nos mitos tradicionais 54 a 9 o na EPOPÉIA 59 a 17 Cf INTRIGA AÇÃO MONSTRUOSO O em lugar do tremendo TERROR suscitado pelo ESPETÁCULO cênico 53 b 1 MUDA Definição 56 b 25 É uma espécie de LETRA ibid elemento da TRAGÉDIA 62 a 14 MUSICA cf MELOPÉIA NARRATIVA forma É própria da EPOPÉIA 49 b 9 modos da 48 a 19 IMITAÇÃO 59 a 17 b 32 NECESSÁRIO Relação de necessidade entre PRINCIPIO MEIO e FIM do MITO 50 b 26 O POETA deve representar o POSSÍVEL segundo o e o VEROSSÍMIL 51 a 3 b 11 a relação entre EPISÓDIOS não é necessária nos mitos episódicos simples 5 1 b 32 conexão necessária entre os elementos de surpresa RECONHECIMENTO e PERIPÉCIA e o MITO 52 a 17 o na representação dos CARACTERES e na INTRIGA 54 a 33 NÓ Definição 55 b 24 faz parte da TRAGÉDIA ibid estrutura do ibid correspondência entre e DESENLACE 56 a 1 NOME Definição 57 a 10 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 espécies de 57 a 32 b 1 gêneros do segundo as terminações 58 a 8 os nomes DUPLOS são os mais adequados ao DITIRAMBO 59 a 9 Cf ESTRANGEIRO PEREGRINO CORRENTE DUPLO TRIPLO QUÁDRUPLO MASCULINO FEMININO INTERMEDIÁRIO NOMO Gênero poético Usa de todos os meios da IMITAÇÃO 47 b 57 varia conforme os objetos da imitação ibid ORDEM O BELO consiste na GRANDEZA e na 50 b 34 ORNAMENTADA linguagem Definição 47 b 24 ORNATO Eleva a LINGUAGEM acima do VuLGAR58a31convém ao verso JÂMBico59a 8 PARADIGMA modelo A obra de arte deve superar o 61 b 9 PARADOXAIS ações A PIEDADE e o TERROR manifestamse principalmente ante as ações inesperadas 52 a 2 PARALOGISMO Como nasce o exemplo de 60 a 19 RECONHECIMENTO resultante de 55 a 12 PARODIA HEGÊMON de Taso foi o primeiro que escreveu paródias 48 a 9 PARODO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 PARTICULAR A HISTORIA ao contrário da POESIA refere principalmente o 51 è 1 PENSAMENTO Definição 50 a 1 b 1 elemento parte qualitativa da TRAGÉDIA 49 a 35 importância do no MITO 50 a 28 estudar o é mister da RETÓRICA 56 a 34 necessário à EPOPEIA 59 b 9 PEQUENÍSSIMO excessivamente pequeno Não pode ser belo 50 b 34 Cf GRANDEZA GRANDÍSSIMO PEREGRINO nome Eleva a ELOCUÇÃO 58 a 18 Cf ESTRANGEIRO PERIPÉCIA Definição 52 a 22 Elemento psicagógico cf PSICAGOGIA do MITO 50 a 28 falta na ação SIMPLES episódica faz parte da COMPLEXA 52 a 14 deve resultar personagem dramática quanto à ELOCUÇÃO 55 a 22 quanto ao GESTO 55 a 27 quanto à emoção ibid os melhores temperamentos poéticos o bem dotado e o exaltado ibid opode recorrer ao MARAVILHOSO 56 a 20 LINGUAGEM metafórica do 57 b 16 nomes inventados pelo 57 b 33 o deve usar palavras ESTRANGEIRAS dialetais 58 b 5 verdadeiro mister do poeta é falar o menos possível na própria pessoa 60 o 5 a IMITAÇÃO do 60 b 8 licenças ibid as justas CRÍTICAS ao 61 b 18 Cf INCAPACIDADE IMPOTÊNCIA POSSÍVEL POLÍTICA Na eloqüência o PENSAMENTO é regulado pela 50 b 4 o critério de correção não é igual na poética e na 60 b 13 POSSÍVEL Dizer o que poderia suceder é ofício do POETA 51 b 1 o é algo em que se crê 51 b 15 PRINCÍPIO inicio Definição 50 b 26 no MITO 50 b 32 improvisado da POESIA TRAGÉDIA e COMEDIA 49 a 9 PROBLEMAS críticos 60 b 6 todo o cap XXVI PRÓLOGO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 não se sabe quem introduziu o na COMEDIA 49 b 3 PROPOSIÇÃO Definição 57 a 24 faz parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 PRÓPRIO nome Cf CORRENTE PROSA Difere da POESIA por caracteres intrínsecos 516 1 prosa contraposição ao verso 47 a 27 48 a 9 PROSÓDIA Com a resolvemse algumas dificuldades na interpretação da POESIA 61 a21 PROTAGONISTA ÉSQUILO fez do DIALOGO 49 a 15 PSICAGOGIA movimento de ânimo emoção Os meios pelos quais a TRAGÉDIA move os ânimos são a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO 50 a 28 efeito psicagógico têm 1 o RECONHECIMENTO ibid 2 a PERIPÉCIA ibid 3 o ESPETÁCULO cênico 50 b 15 QUÁDRUPLO nome Espécie de NOME 57 a 32 RAPSÓDIA O Centauro de QUERÊMON é uma tecida de toda a casta de METROS 47 a 13 RECONHECIMENTO Definição 52 a 22 elemento psicagógico do Mito cf PSICAGOGIA 50 a 28 falta na AÇÃO MITO SIMPLES episódico faz parte da COMPLEXA 52 a 14 deve resultar da estrutura interna do Mito cf INTRIGA 52 a 17 55 a 16 juntamente com a PERIPÉCIA 52 a 33 54 b 20 formas de 52 a 33 espécies de 54 b 20 1 por SINAL 54 b 20 2URDIDO pelo poeta 54 b 3 1 3 pela MEMÓRIA 55 a 14 por SILOGISMO 55 a4suscita TERROR e PIEDADE52 61 unilateral e mútuo 52 b 3 no caso da personagem que age ignorando 54 a 1 as melhores formas de são as que resultam de uma PERIPÉCIA 54 b 29 que resulta da própria INTRIGA 5a espécie de produz impressão trágica 55 a 16 REPRESENTAÇÃO cênica A TRAGÉDIA pode revelar seus efeitos mesmo sem 59 b 15 Cf ESPETÁCULO REPUGNANTE No MITO trágico 52 b 31 33 b 36 é o procedimento de Hêmon na ANTIGONA 54 a 1 a personagem que se apresta a agir e não age RETÓRICA Na eloqüência o PENSAMENTO é regulado pela 50 b 4 RIDÍCULO Definição 49 a 32 foi HOMERO quem primeiro dramatizou o 48 b 33 metáforas estrangeirismos etc impropriamente usados provocam o riso 58 b II RITMO E meio da IMITAÇÃO 47 a 17 pode ser usado só ou juntamente com outros meios ibid 47 b 13 CONGÊNITO 48 b 20 é ornamento da linguagem cf ORNAMENTADA 49 b 24 Cf também GESTICULADO SATÍRICO O elemento na primitiva TRAGÉDIA 49 a 19 SEMIVOGAL Definição 56 b 25 é uma espécie de LETRA ibid SENTIMENTOS O que é conforme aos do homem e do público Caso em que o é 53 a 1 caso em que o não é 56 a 20 SÍLABA Definição 56 b 35 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 SILOGISMO RECONHECIMENTO por 55 a 4 SIMPLES METRO uniforme 49 b 9 Mito 52 a 11 Ação 52 a 14 a composição INTRIGA das tragédias mais belas não é episódica 52 b 31 simples episódica é um tipo de TRAGÉDIA 56 a 1 espécie de EPOPÉIA 59 b 8 A opõemse duplo e complexo SINAL RECONHECIMENTO por sinais é o menos artístico Cf RECONHECIMENTO SIRINGE arte das siringes lat avenae SIRÍNGICA É IMITAÇÃO 47 a 17 SOLISTA A TRAGÉDIA nasceu de um IMPROVISO dos solistas do DITIRAMBO 49 a 9 TERRÍVEL A situação de quem ignorando está para cometer algo e o reconhece antes de agir é uma das mais trágicas 53 b 26 TERROR Emoção suscitada pela TRAGÉDIA 49 b 24 52 a 2 nasce do RECONHECIMENTO com PERIPÉCIA 52 b 1 casos que não suscitam 52 b 31 53 al b 15 casos que o suscitam 53 a 1 53 b 15 pode derivar ESPETÁCULO cênico 53 b 1 preferível é que ele derive do MITO ibid Cf MONSTRUOSO TETRÀMETRO trocaico É substituído na TRAGÉDIA pelo TRIMETRO jambico 49 a 19 METRO adaptado à DANÇA e ao SATÍRICO ibid Cf TROQUEU TRAGÉDIA Definição 49 b 24 50 a 16 b 24 É IMITAÇÃO 47 b 23 difere do DITIRAMBO e do NOMO 47 b 27 da COMEDIA 48 a 16 origem dórica da 48 a 29 origem e evolução da 49 a 9 comparação com a EPOPÉIA 49 b 9 61 b 26 unidade de tempo 49 b 9 partes constitutivas 49 b 17 30 EFEITO da CATARSE 49 b 24 move os ânimos PSICAGOGIA pela PERIPÉCIA e RECONHECIMENTO 50 a 28 pode haver tragédias sem CARACTERES andeis 50 a 23 o ESPETÁCULO cênico não é essencial à 50 a 15 a MUSICA é o principal ornamento da ibid extensão da 51 a 6 na o POETA conserva os nomes de personagens já existentes ao contrário da COMEDIA 5 1 b 15 exceções 5 1 b 19 não é necessária a fidelidade aos MITOS tradicionais ibid seções partes quantitativas do poema trágico 52 b 14 tragédia SIMPLES episódica e COMPLEXA ibid tipo ideal do herói trágico 53 a 7 diferença entre os TRAGEDIOGRAFOS antigos e modernos quanto à escolha dos MITOS trágicos 53 a 12 quais os mitos tradicionais verdadeiramente trágicos IBID 54 a 9 é diferente o prazer que resulta da daquele que resulta da COMEDIA 53 a 30 o IRRACIONAL não deve entrar no desenvolvimento dramático a não ser fora da AÇÃO 54 b I cf 60 a 26 comparação com a Pintura 54 b 8 falência da pela CONTRADIÇÃO 55 a 22 como se compõe uma 55 b 1 No e DESENLACE da 55 b 24 tipos de ibid a igualdade ou diferença entre tragédias estabelecese pelo MITO 56 a 7 impossibilidade de reduzir uma EPOPÉIA a uma só 56 a 11 afinidade entre a e a EPOPÉIA 59 a 17 uma e outra apresentamse sob as mesmas espécies 59 b 8 diferenças 59 b 17 tragédias extraídas da EPOPÉIA 59 b 1 unidade de lugar 59 b 18 e declamação cf ATOR 62 a 1 superioridade da sobre a EPOPÉIA 62 a 14 TRAGEDIOGRAFO Os primeiros tragediografos 49 a 1 diferença entre antigos e modernos tragediografos quanto à escolha do MITO 53 a 12 TRIMETRO Cf JAMBO TRIPLO nome Espécie de NOME 57 a 32 TROQUEU verso Não entra no ESTASIMO 52 b 19 Cf ANAPESTO UNIVERSAL Passagem da poesia JÃMBICA aos argumentos de caráter 49 b 3 cf COMEDIA a POESIA ao contrário da HISTORIA refere principalmente o 51 b 1 cf PARTICULAR URDIDO RECONHECIMENTO pelo POETA 2a espécie de RECONHECIMENTO 54631 VERBO Definição 57 a 14 faz parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 VEROSSÍMIL Relação de verossimilhança entre PRINCIPIO MEIO e FIM do MITO porque assim acontece na maioria dos casosequivale a verossímil 50 a 26 5 1 a 6 mitos em que falta esta relação episódicos 51 b 32 a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO devem resultar verossimilmente da estrutura do MITO INTRIGA 52 a 17 na representação dos caracteres 54 a 33 no sucesso de ação para ação verossimilhança do inverossímil 56 a 20 61 b 9 cf 60 a 26 VERSO Não é o que constitui a POESIA como tal 47 b 13 5 1 a 36 Cf POESIA Vitupério Gênero de POESIA IMITAÇÃO de AÇÃO ignóbil 48 b 24 gênero ultrapassado por HOMERO no Margites 48 b 33 Cf INJURIAR JAMBO COMEDIA VOGAL Definição 56 b 25 é uma espécie de LETRA ibid VULGAR Forma de LINGUAGEM Contraposta a linguagem elevada 58 a 18 como se eleva a linguagem 58 a 3 1 59 a 1 ÍNDICE ONOMÁSTICO AGATÃO 5 1 b 1954 b 1456 a 11 2025Trágico ateniense Floresceu na segunda metade do século V Obteve a primeira vitória no concurso realizado nas Lenéias de 41716 Foi talvez por essa ocasião que se celebrou o banquete imortalizado pelo famoso diálogo platônico Eliano Hist Var XIII 4 refere o encontro de A e Eurípides à mesa de Arquelau rei da Macedônia A tradição é unânime quanto ao caráter do poeta e da sua obra elegante mundano efeminado o que forneceu riquíssimo assunto de paródia aos comediógrafos contemporâneos cf Aristóf Tesmof 97 ss 191 ss etc usava de um estilo alambicado sentencioso floreado no que se revela a influência do ensino de Pródico Plat Protág p 315d e especialmente de Górgias Plat Banquete p 98c Certificados parecem os títulos das seguintes tragédias Aérope Alcêmon Tiestes Mísios Télefo Anteu é lição dúbia 51 b 22 Anteu Anthos flor Não há outra notícia a não ser a de Aristóteles 54 b 14 acerca de uma tragédia de A denominada Aquiles O testemunho de Aristóteles também é o único acerca da Ruína de Tróia 56 a 19 Sobre os INTERLUDIOS Else Poetics p 556 chama a atenção para a observação de Flickinger Greek Theater no sentido de que Aristóteles que só conheceria os dramas de A através de manuscritos e encontrando nestes a notação XOPOY sem o respectivo texto depreendia precisamente o caráter adventício e desligado da ação dramática que atribui nesta passagem às partes líricas das suas tragédias AJAX Aristóteles fala das tragédias do tipo de A e de IXION como se elas constituíssem uma espécie no gênero 56 a 1 Efetivamente tragédias extraídas da lenda de A houve muitas Além da de SÓFOCLES a primeira das sete que nos foram integralmente transmitidas contamse ainda as seguintes uma trilogia ou tetralogia de Ésquilo composta de O Juízo das Armas N p 57 Trácias N p 27 uma Ájax de ASTIDAMAS N p 777 outra de TeoDECTES N p 801 e outra ainda de CARCINO N p 797 Sobre o mito de A v a Nekyia canto XI da Odisséia 543 ss ALCIBÍADES 51 b 11 Para acentuar o caráter particular da história oposto ao caráter universal da poesia ocorre nesta passagem o nome de A Não se trata pois da vaga designação de qualquer pessoa mas de certa personagem histórica nomeadamente daquele A que no tempo de Aristóteles ainda era bastante discutido cf Plut Vida Alc ALCINO 53 a iníc Ulisses ouvindo contar por Demodoco os sucessos da guerra de Tróia esconde o rosto no manto e chora cf RECONHECIMENTO A cena passase em casa de A rei dos Feácios v Od VIII 83 ss 521 ss ALCMEON 53 a 12 b 21 A de ASTIDAMAS 53 b 26 Cf ANFIARAU ERIFILA DO mito foi extraído o argumento de muitas tragédias mas de nenhuma delas conservamos o poema completo Contamse pelo menos as seguintes com o nome de de AGATÃO N p 763 de ASTIDAMAS N p 777 de Evareto C I A II 973 9 de Nicômaco Suda2 de SÓFOCLES N p 153 de TEODECTES N p 801 de EURÍPIDES duas tragédias N pp 380 e 383 de Aqueu drama satírico N p 749 com o nome de ANFIARAU uma tragédia de CARCINO N p 797 outra de CLEOFONTE Suda de SÓFOCLES drama satírico N p 154 com o nome de ERIFILA uma tragédia de Nicômaco Suda outra de SÓFOCLES N p 174 Quanto ao argumento v Apol III 6 1 e 7 5 A era filho de Anfiarau e de Erifila Sabendo Anfiarau que não voltaria se participasse de expedição contra Tebas cf os precedentes do drama de ÉSQUILO Sete contra Tebas escondese Mas Adrasto faz que sua irmã Erifila o descubra e tem de partir Antes porém o herói encarrega seu filho A de o vingar caso não regresse E como assim acontece A mata Erifila sua mãe pelo que as Erínias o perseguem por toda parte Cf o mito de Orestes 2 É um Léxico do séc X muitas vezes citado até há bem pouco tempo como sendo de autoria de um fictício Suidas N do E ANFIARAU 55 a 22 V ALCMÊON Segundo Rostagni p 98 pode entenderse esta passagem supondo que o esconderijo de A fosse o templo e que CARCINO por erro cênico o fizesse sair antes do tempo ANTEU 51 b 19 Cf AGATAO Lição dúbia conforme o acento recaia na primeira ou na segunda sílaba deverá lerse Anteu ou Anthos flor cf N p 763 titulus fabulae suspectus e com razão pois o contexto da notícia de Aristóteles que é a única nunca permitiria ler Anteu conhecida personagem da mitologia quer o gigante filho de Posidão e de Géia Apol II 5 11 Higin fáb 31 Diod IV 17 etc quer o A da IX Ode Pítica que a exemplo de Danau prometera sua filha a quem a vencesse na corrida Pínd Pít IX 184 ss Gudeman propõe a lição nome feminino Segundo Else Poet p 318 n 60 a interpretação mais plausível seria ainda Anteu com o argumento que nos sugere a história contada por Partênio 14 e que definitivamente afastada deveria ser a hipótese Anthos Flor de argumento baseado em Anton Liberalis 7 ANTIGONA 54 a iníc a célebre tragédia de SÓFOCLES representada pela primeira vez provavelmente no ano de 441 Quanto ao episódio de HÊMON e CREONTE a que se refere Aristóteles v Antig 1231 ss AQUILES 58 b 3 A drama de AGATÃO 54 b 8 Cf sv ARES 57 b 16 AR GAS 48 a 9 Poeta menor do tempo de Aristóteles parodiado pelos comediógrafos como escrevinhador de nomos insuportáveis Plut Demóst 4 Os três poetas A TIMÓTEO e FILOXENO são aqui mencionados juntamente como autores de dramas homônimos Ciclope AR é conjetura de Castelvetro favoravelmente acolhida pelos editores subseqüentes Rostagni ad locum 48 a 16 propõe Oino pas ou Oino nas cf Aten XIV p 638 B Else emenda GAS para GAR e elimina a questão propondo a leitura seguinte pois se poderia imitar nos ditirambos e nos nomos do modo como Timóteo e Filoxeno o fizeram nos seus Ciclopes ARCOSAp7o52 a iníc A estátua de Mítis em A Cf MITIS ARIFRADS 58 6 31 59 a iníc Supõese que seja um comediógrafo talvez aquele a que se refere Aristófanes Cavai 1281 Vesp 1280 Cf Escol Ad Vesp 1280 Ad Eccles 129 Este último designao como tocador de citara Luciano Pseudolog c3 Escol Adloc mencionao como homem de péssimos costumes segundo o escoliasta a língua cantava coisas infames ARISTOFANES 48 a 19 o maior comediógrafo da Grécia c 445c 335 Atribuemse lhe cerca de quarenta comédias das quais só restam onze ASTIDAMAS 53 b 26 Tragediografos com este nome houve dois pai e filho O filho contemporâneo de Aristóteles discípulo de Isócrates vitorioso pela primeira vez no concurso de 372 a sua primeira tragédia fora representada em 398 foi um dos mais fecundos dramaturgos gregos Sãolhe atribuídos duzentos e quarenta dramas Suda e o sucesso do escritor assinalase por nada menos de quinze vitórias Como todas as suas obras pereceram nada se conhece acerca dos seus métodos dramáticos excetuado o fato de em seu tratamento da lenda de Alcmêon haver modificado a brutalidade da história original fazendo que Alcmêon matasse sua mãe acidentalmente e não de propósito inovação interessante parecendo indicar que o progresso das idéias humanitárias da época considerava o crime de matricídio deliberado como demasiado horrendo mesmo para representação teatral Haigh Tragic Drama p 430 Cf ALCMÊON ATENIENSES 48 a 29 final 48 b início ÁULIS 54 a 28 Cf IFIGÊNIA ORESTES BANHO cena do 54 b 20 Reconhecimento de Ulisses pela ama Od 19 386 ss Cf ULISSES CALIPIDES 61 b 27 62 a 5 Ator trágico contemporâneo de Sófocles e de Sócrates século VIV CARCINO 54 b 20 55 a 22 Tragediografos com este nome houve dois um no século V que mais conhecemos pela paródia aristofânica e outro no século IV neto do primeiro Teria este escrito uns cento e sessenta dramas e ganho onze vitórias Plutarco Glor Athen 7 349 F celebra a sua Aérope ao lado do Heitor de ASTIDAMAS E efetivamente parece que um e outro poeta concordam nos mesmos sentimentos humanitários Tal como Astidamas poupou ALCMÊON ao matricídio deliberado assim C evita para a sua MEDÉIA O infanticídio propositado é o que se depreende de uma passagem da Retórica II 23 p 1400 b 10 Na Medéia de Cárcino os acusadores alegam que Medéia assassinou seus filhos pelo menos dizem eles não são vistos em parte alguma a falta de Medéia consistira em fazer que eles se ausentassem Em sua defesa Medéia diz que não a seus filhos mas a Jasão é que ela deveria ter tirado a vida se o não houvesse feito aí residiria seu verdadeiro erro Não é fácil atribuir a um ou a outro dos poetas homônimos os títulos de dramas que se conhecem Aérope Ájax Álope Anfiarau Aquiles Tiestes Medéia Édipo Orestes Semeie Tiro Cf N pp 797800 V ANFIARAU TIESTES CARTAGINESES 59 a 17 A derrota dos na Sicília e a batalha de Salamina cf Heród VII 168 CEFALÊNIOS 61 b iníc VICARIO CENTAURO 47 x 13 Cf QUERÊMON CICLOPES 48 a 9 Cf TIMÓTEO FILOXENO CILA 54 a 28 61 b 27 Em 54 a 28 deve tratarse de um ditirambo de TIMÓTEO de que resta um fragmento citado por Aristóteles Rét III p 1415 a Ulisses cantava uma lamentação imprópria do seu caráter Em 61 b 27 tratarseia de uma composição puramente musical CÍPRIOS de Diceógenes 55 a iníc Cf DICEOGENES CÍPRIOS Cantos 59 b iníc E um dos poemas do Ciclo Troiano restam alguns fragmentos ca de cinqüenta hexâmetros Relatavam os acontecimentos da guerra de Tróia anteriores à Ilíada Cf Proclo Crest ap Allen Homeri Opera vol 5 p 102 e E Bethe Homer Dichtung und Sage II p 152 ss CLEOFON 48 a 9 58 a 18 Talvez o mesmo poeta trágico mencionado pelo Suda que aliás confunde os nomes das peças deste dramaturgo com os das de Iofonte Só Aristóteles se refere a ele no Soph el 15 p 174 b 27 nestas duas passagens da Poética e na Rét III 7 pp 1408 a 15 pelas seguintes palavras A linguagem deve ser conveniente se expressa emoção e caráter não deverá juntar epítetos ornamentais a palavras correntes pois cômico será o efeito como nas obras de Cleofonte que usa frases absurdas como esta ó veneranda figueira O Suda refere apenas os títulos das tragédias Actêon Anfiarau Aquiles Bacantes Dexâmeno Erígone Tiestes Leucipo Pérsis Télefo CLÊON 57 a 24 CLITEMNESTRA 53 b 21 Cf ORESTES COEFORAS 55 a 4 de ÉSQUILO segundo drama da única trilogia que nos resta CRATES 49 b 3 À comédia dórica cujos representantes mais notáveis são EPICARMO e FORMIS opõe Aristóteles a comédia ática que começa com cf Aristóf Caval 537 ss cuja primeira vitória data de 450 aC aproximadamente constituindo como que o trânsito da antiga para a média e nova comédia O Suda menciona três dramas O Tesouro As Aves e O Avaro e Ateneu alguns mais v Kock Com ATT Frgm vol I CREONTE 54 a 1 Cf ANTIGONA CRETENSES a 9 CRESFONTE 54 a iníc Tragédia de EURÍPIDES N p 497 de que restam onze fragmentos cerca de oitenta versos Sobre o mito cf Higin 137 Rose p 100 Polifonte assassinou o marido de Mérope cf MEROPE e os filhos adultos C salvase porque é enviado criança ainda para a Etólia mas um dia regressa para vingar o pai e os irmãos e apresentase incógnito dizendo que fora ele o matador de Cresfonte Seguese a cena famosa Plut de esu carn II 5 998 E Nauck pp 500501 a que Aristóteles alude neste lugar a mãe se arremessa contra o filho exclamando eu agora te matarei com este golpe mais santo Vale a C um velho companheiro dandose então o reconhecimento DANAU 52 a 22 DICEOGENES 55 a iníc Poeta trágico Viveu entre o século V e o IV Restam dois títulos de tragédias CÍPRIOS e Medéia e poucos fragmentos Nauck p 775 De Cíprios só há a notícia de Aristóteles É provável que o herói fosse Teucro filho de Télamon expulso pelo pai por ter regressado de Tróia sem vingar a morte de Ájax seu irmão A cena do reconhecimento teria lugar na volta do exílio DILÍADE 48 a 9 cf NICOCARES DIONÍSIO 48 a iníc de Colofâo contemporâneo de PoLiGNOTOcognominado de anthropographus pelo realismo da sua pintura contra Dionysius nihil aliud quam hominis pinxit ob id anthopographus cognominatus Plín Hist Nat 35113 DIONISO 57 b 16 DÓLON 61 a 9 DÓRIOS 48a 29 ÉDIPO a 7 12 Trag de SÓFOCLES 52 a 22 33 53 b iníc 26 62 b iníc 54 b 8 55 a 16 60 a 26 62 b iníc O famoso herói tebano Da Edipodia que faz parte do Ciclo foram extraídos argumentos de numerosas tragédias dos mais diversos autores Ésquilo escreveu uma trilogia composta de Laio Édipo e Esfinge drama satírico Sófocles Édipo Rei e Édipo em Colona Eurípides Édipo e Crisipo Dos trágicos menores do século V contamse uma tetralogia de Leleto um Édipo de Aqueu Fílocles e Xênocles Do século IV conhecese um Édipo de Cárcino outro de Diógenes e outro ainda de TEODECTES Além destas as tragédias sobre a vida dos Epígonos ANTIGONA SETE CONTRA TEBAS outras Antígonas de Eurípides e ASTIDAMAS e Fenícias de Eurípides Sobre o que resta de toda esta dramaturgia extraída da Edipodia cf Nauck EGEU 61 b 18 Cf Medéia de Eurípides 663 ss EGISTO 53 a 30 ELECTRA 60 a 26 Cf ORESTES EMPÉDOCLES 47 b 13 57 b 16 61 a 4 Como exemplo de discurso metrificado distinto da autêntica poesia a obra de E é citada pelo escoliasta de Dionísio Trácio p 168 8 Hilgard Diels A 25 o que bem demonstra a difusão do ensino aristotélico É de notar que a opinião de Aristóteles acerca de E parece exprimirse de outro modo no Dos Poetas Cf coment a 47 b 13 Presumivelmente algum dos versos dos comparava misticamente a vida humana com a duração do dia daí a alusão em 57 b 24 A cita em 61 a 24 Diels frg 35 vv 1415 oferece dificuldades Aristóteles quer dizer primeiro antes a misturou obtémse um significado separando as duas palavras por uma vírgula obtémse outro e este somente é conforme à doutrina de E E logo mortais se tornaram as essências ou elementos que antes eram imortais e uma vez misturados os que primeiro eram puros EPICARMO 48 a 29 49 b 3 Nasceu por volta de 550 aC segundo Dióg Laérc VIII 78 viveu em Mégara Sicília e Siracusa Escreveu cerca de cinqüenta comédias das quais restam os títulos de trinta e uma centena de fragmentos Kaibel CGF Diels F d V I PickardCambridge Dithyramb p 353 ss ERIFILA 53 b 1 Cf ALCMEON ESPARTANO 61 b iníc Cf ICARIO ÉSQUILO 49 a 15 56 a 11 58 b 15 ESTÊNELO 58 a 18 Poeta trágico Nauck p 762 EUCLIDES 58 b 5 Talvez se trate de um comediografo com este nome Só há a notícia de Aristóteles nesta passagem da Poética EURÍPIDES 53 a 22 b 26 55 b 2 56 a 11 25 58 b 15 60 b 31 61 b 18 EURIPILO 59 b iníc filho de TELEFO Participou da guerra de Tróia aliado dos troianos em que foi morto por NEOPTOLEMO cf Procl Crestomatia FiLOCTETES 59 b iníc Tragédia de Ésquilo 58 b 15 Além da conhecida tragédia de SÓFOCLES houve outras com o mesmo nome uma de Aqueu Nauck p 755 outra de Esquilo Nauck p 79 outra de Antífon Nauck p 793 de Eurípides Nauck p 613 de Fílocles Suda de TEODECTES Nauck p 803 e um Filoctetes em Tróia de Sófocles Nauck p 283 FILÓXENO 48 a 9 de Citera Viveu de 435 a 380 aC Segundo o Suda escreveu vinte e quatro ditirambos e uma Genealogia dos Ajácidas em verso lírico Cf dados biográficos em Diodor XV 6 e acerca das suas inovações na arte mélica Dion Halicarn Comp 131 R Plut de mus 30 e 31 Restam alguns fragmentos de um ditirambo intitulado Ciclopes ou Galatéia v Edmonds Lyra Graeca III 383 ss FINIDAS 55 a 4 Há referências a três tragédias com o nome Fineu uma de Ésquilo Nauck p 83 e duas de Sófocles Nauck p 284 e poucos e insignificantes fragmentos Quanto a uma tragédia com o nome não há senão a notícia de Aristóteles cf Nauck p 841 O presumível argumento poderia ter sido extraído dos mitos relatados por Apolodoro Bibl I 9 21 ss ligados à expedição dos Argonautas Cf também Apol Bibl III 15 3 e Diod IV 43 ss Contam que os deuses privaram Fineu da vista por haver revelado certos segredos de Zeus ou que cegou os filhos Finidas que teve das primeiras núpcias por instigação da segunda mulher e por isso andou perseguido pelas Harpias FÓRMIS 49 b 3 De Siracusa primeira metade do século V contemporâneo de EPICARMO Teria sido autor de algumas inovações na arte cênica FoRCiDAS iníc Título de um drama satírico de Ésquilo Nauck p 83 Representava provavelmente a luta de Perseu com as filhas de Fórcis as Graias e as Górgonas v Hesíod Teog 270 ss V Apol Bibl II 4 2 FTIÓTIDAS 56 a iníc Tragédia de Sófocles Nauck p 282 O nome talvez derive do coro composto de mulheres de Ftia e a ação é provável que decorresse acerca do nascimento de Aquiles GANIMEDES 61 a 26 GLAUCO 61 a 31 Talvez seja o G do íon platônico intérprete de Homero Rostagni p 166 HADES Dramas no 56 a Mc Talvez do gênero dos Condutores de Almas de Ésquilo fabulae argumentum ex Homeri Nekyia repetitum fuisse conj Valckenaer Nauck p 87 HEGÊMON 48a 9 De Taso viveu na segunda metade do século V em Atenas Antes dele já outros tinham escrito imitações burlescas da epopéia mas Aristóteles neste lugar referese ao poeta como inventor de um Gênero HEITOR perseguição de 60 a 12 b 23 V Ilíada XXII 205 ss HELE 54 a iníc Só resta a notícia de Aristóteles neste lugar HÊMON 54 a 1 V a tragédia de Sófocles ANTÍGONA HERACLEIDA 51 a 19 Cf TESEIDA HÉRACLES 51a 19 HERÓDOTO 51 b iníc Comparação da história com a poesia HÍPIAS 61 a 21 de Taso Só temos esta notícia de Aristóteles HOMERO47 b 13 48 a 9 19 6 24 33 51 a22 54 b8 59 a29 b 860 a519 Cf ILÍADA ODISSÉIA EPOPÉIA ICÁDIO 61 biníc ICARIO IcÁRio 61 b iníc O problema é o seguinte diziam os críticos de Homero que era absurdo que TELÊMACO vindo de Esparta não se tivesse encontrado com I pai de Penélope ao que se objetava que o I pai de Penélope não era o I de Esparta mas sim segundo uma tradição da Cefalênia o I de Messene e portanto não se chamava Icário mas ICADIO Rostagni p 167 cf Estrab X 2 24 IFIGÊNIA ÀuLiDA54 a 28 TAURIDA 52 b 3 54 a iníc b 28 55 a 4 16 55 b 2 Cf POLÍIDO O argumento da I Taurida continua o da I Áulida mas esta foi escrita depois daquela 55 b 2 I envia a carta ao irmão por intermédio de Pílades Orestes é reconhecido por I porque Pílades lhe entrega a carta no mesmo instante v versos 727 ss Cf ORESTES ILÍADA 48 b 3 3 51 a 29 54 ò iníc S62b iníc Partida das Naus Aparição de Atena e o Carro Alado de Medéia Deus ex Machina II 155 ss 54 b iníc Cf EPOPÉIA ILÍADA PEQUENA 59fc iníc poema do Ciclo Troiano Tinha por argumento os sucessos posteriores aos da Ilíada ao contrário dos CANTOS CÍPRIOS desde a morte de Aquiles e portanto desde o Juízo DAS ARMAS disputa das armas de Aquiles entre Ájax e Ulisses até a entrada do cavalo de madeira em Tróia Cf Excertos da Crestomatia de Proclos em Allen Homer op V 106107 e Apol Bibl Epítome V 67 ed Frazer vol II p 218 ILÍRIOS 61 a iníc ÍXION 56 a iníc Quanto ao presumível argumento v Apol Bibl Epítome I 20 ed Frazer vol II p 148 Diod IV 69 Higin fab 14 e 62 De Eoneu obteve para mulher a filha Dia Porque faltou à promessa de muitas dádivas que fizera a Eoneu este as veio reclamar mas I matouo lançandoo numa fossa ardente Nenhuma divindade o queria purificar mas purificouo Zeus Em compensação I entrou de reqüestar Here Foi então que Zeus lhe enviou a nuvem com a forma exterior da deusa Do conúbio nasceram os Centauros e I foi lançado ao Hades Sobre o mito foram escritas muitas tragédias por Ésquilo uma trilogia Nauck p 29 à qual pertenciam as duas tragédias íxion e Perrébides por Eurípides uma tragédia íxion Nauck p 490 com o mesmo nome há notícia de outras de Sófocles Nauck p 194 e Temesíteo Suda Juízo DAS ARMAS iníc Título de uma tragédia de Ésquilo Nauck p57 Cf ILÍADA PEQUENA LACEDEMÔNIAS Mulheres de Esparta 59 b iníc É o título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 210 que talvez proviesse da composição do coro Provavelmente a ação continuava a do ULISSES MENDIGO LACEDEMÔNIO 61 b iníc Cf ESPARTANO LAIO 60 a 26 LiNCEU 52 a 22 66 b 24 Cf TEODECTES Da tragédia Linceu só temos a notícia de Aristóteles nos dois lugares em que a menciona Quanto ao mito donde teria sido extraída consta o seguinte L marido da danaide Hipermnestra foi poupado pela mulher na noite de núpcias em que todas as outras irmãs mataram os esposos por ordem do pai DANAU Escol Pínd Nem X 10 Este como visse no ato da filha um futuro perigo para si próprio condenoua mas os Argivos absolveramna Do casamento nasceu um filho A captura e os sucessos antecedentes podem ter constituído o argumento do drama o resto contanos Aristóteles MAGNES48 a 29 De Icária Cf EPICARMO QUIÔNIDAS Coubelhe uma vitória que talvez não tivesse sido a primeira no ano 472 São conhecidos os seguintes títulos de comédias Dioniso Aves Rãs MARGITES 48 b 24 33 O poema burlesco é atribuído a Homero V Testemunhos e fragmentos em Allen op cit pp 152159 Descoberto recentemente um fragmento mais extenso em papiro MASSALiOTASMaooaAicjrai 57 a 32 Habitantes de Massália Marselha colônia grega na Gália A Focéia era a metrópole de Massália pelo que se explica o exemplo composto dos nomes de três rios Hermos Kaikos Xantos que corriam na região ou em sua vizinhança Xanthos Skamandros MEDEIA 52 b 26 54 b iníc a tragédia de Eurípides MEGARENSES 48 a 29 MELANiPA 54 a 28 Houve duas tragédias com este nome ambas de Eurípides Nauck pp 509 e 514 Cf Higin fab 186 M teve de Posidão dois gêmeos que por temor do deus escondeu e deu a criar a uma vaca Posidão descobreos e ordena a morte deles M para salválos rompe então no famoso discurso Presumese que os vv 1124 ss de Aristóf Lisistr parodiam esse discurso MELEAGRO 53 a 12 Filho de Eneu e de Altéia A mais antiga versão do mito encontrase na ilíada IX 529 ss e pode resumirse assim na parte que interessa à tragédia Ártemis menosprezada nos sacrifícios de Eneu manda à cidade uma terrível fera contra a qual foram convocados os melhores caçadores da Grécia entre eles Meleagro e a famosa heroína da Arcádia Atalante de quem Meleagro se enamora Atalante fere o animal e M matao Numa luta entre Meleagro e os tios irmãos de Altéia luta que esta provocara porque não via com bons olhos os amores do filho aqueles morrem Altéia clama pela vingança das Erínias que a escutam e matam o filho São conhecidos os títulos e alguns fragmentos de tragédias extraídas deste mito Atalante de Ésquilo Nauck p 9 de Arístias N p 726 Meleagro de Antífon N p 792 de Eurípides N p 525 de Sófocles N p 5 19 de Sosífanes N p 818 Peurônias de Frínico N p 721 Sobre esta última v Paus X 31 4 MENELAU 54 a 28 61 b 21 Quanto à primeira cita v supra coment Adlocum MEROPE a iníc V CRESFONTE MINISCO 61 b 27 Ator trágico Representou dramas de Ésquilo como deuteragonista Floresceu por meados do século V MISIA 60 a 26 Cf Mísios Misios 60 a 26 Cf TELEFO M é título comum a algumas tragédias de Ésquilo Nauck p 47 AGATÃO N p 763 Eurípides N p 531 Nicômaco Suda eSófoclesNauck p 220 Aristóteles referese talvez à primeira A personagem que vai de TEGEIA para a MISIA sem romper o silêncio é TELEFO Em Tegéia havia ele assassinado os dois irmãos de sua mãe e dirigiase à Misia para se purificar Era lei que os homicidas permanecessem calados até a purificação do crime cf Ésquilo Eumênides 45 1 MÍTIS 52 a iníc Além de Aristóteles nesta passagem da Poética e em outra de um escrito espúrio do Corpus Aristotelicutn De Mirabilibus Auscultationibus 156 846 a 22 a história é referida por Plutarco De será num vindicta 8 553 D e é este escritor o que fornece mais pormenores Observese que à luz do texto de Plutarco devemos entender que o desastre não teria ocorrido quando o assassino de Mítis olhava a estátua mas sim quando assistia a um festival o que confere ao fato um aspecto de maior casualidade Por conseguinte a passagem da Poética deve significar mais ou menos Mesmo acidentes ou acasos produzem efeito mais maravilhoso quando parecem resultar de uma intenção MNASITEO 62 a 5 De Oponte Lócrida conhecido só pela menção de Aristóteles NEOPTOLEMO 59 b iníc Nome de uma tragédia de Mimnermo Nauck p 829 e de outra de Nicômaco Suda Argumento extraído segundo Aristóteles da PEQUENA ILIADA cf Allen Hom op V pp 1067 Um dos sucessos do poema épico transposto para o drama poderia ter sido a restituição das armas de Aquiles a seu filho N por Ulisses diante das muralhas de Tróia NICOCARES 48 a 9 Talvez seja o poeta cômico de mesmo nome DiLiADE timidez covardia poderia efetivamente ser uma paródia da Iliada Mas lendo Dilíada seria um poema sobre a ilha de Delo NIÒBE 56 a 11 Título de uma tragédia de Ésquilo Nauck p 50 e de outra de Sófocles N p 228 O mito de N é muito conhecido v p exemplo Higin fab 9 e Ovíd Metam VI 146 ss Supõese que o texto da Poética neste lugar seja corrupto e em vez de N se deva ler Tebaida por não ser o mito de N tão rico de sucessos que pudesse fornecer assunto para muitas tragédias ODISSEIA 48 b 33 5 1 a 22 53 a 30 55 b 19 59 b iníc 8 62 b iníc cf EPOPEJA OPONTE de 62 a 5 Cf MNASITEO ORESTES 53 a 12 30 53 b 21 Tragédia de Eurípides 54 a 28 e 6 1 b 21 personagens das Coéforas de Ésquilo 55 a 4 personagem da Ifigênia T 53 b 3 54 b 3 1 55 a 4 b 12 O CLITEMNESTRA EGISTO IFIGÊNIA são nomes bem conhecidos da lenda dos Atridas donde foram extraídos argumentos para muitas tragédias algumas das quais nos foram integralmente transmitidas pela tradição Assim a trilogia de O Ésquilo Agamenon COÉFORAS e Eumênides a ELECTRA de Sófocles O e ELECTRA de Eurípides e as duas IFIGENTAS do mesmo poeta PARNASO 5 1 a 22 O ferimento de ULISSES no P Na realidade o acontecimento consta de Od XIX 392466 mas o relato tem caráter episódico o que dá razão a Aristóteles cf coment ad Iocum Quanto à simulação de loucura no momento da expedição a Tróia o sucesso devia constar dos Cantos CÍPRIOS PARTIDA DAS NAUS 59 b iníc Só temos a notícia de Aristóteles acerca de uma tragédia com este título Nauck p 246 refere a opinião de Welcker segundo a qual tratarseia da Políxena de Sófocles Sobre o presumível argumento v Long De subi 15 7 um Aquiles que aparece aos gregos sobre o próprio túmulo por ocasião da partida das naus V também o coment ad locum PAUSON 48 a iníc Contemporâneo de POLIGNOTO e DIONISIO mas um tanto mais jovem Provavelmente caricaturista e portanto comparável com os poetas POLIGNOTO 48 a iníc 50 a 23 De Taso floresceu de 475 a 455 aC Decorou o Pécile de Atenas com um quadro representativo da batalha de Maratona e pintou a Ruína de Tróia em Delfos Apelidado de em oposição a PAUSON Exerceu grande influência na arte de Fídias seu contemporâneo V Paus I 18 1 22 6 IX 4 2 25 13 1 12 POLÍIDO 55 a 4 b 2 Nauck p 78 1 referindo apenas estas passagens da Poética parece admitir implicitamente que a obra do sofista fosse um tratado em prosa em que o autor pretendia criticar deficiências da dramaturgia de Eurípides Mas também é possível Rostagni p 94 que se trate do ditirambógrafo contemporâneo de TIMÓTEO e FILOXENO de que fala Diodoro da Sicília XIV 46 6 POSIDÃO 55 b 15 PROMETEU 56 a iníc PROTAGORAS 56 b 13 De Abdera sofista 480410 Não se sabe de que obra consta a crítica ao primeiro verso da Ilíada a que Aristóteles alude QUERÊMON 47 b 13 60 a iníc Trágico ateniense do século IV dos que segundo Aristóteles Rét p 1413 b 3 compunham tragédias mais para ser lidas do que representadas São conhecidos além do Centauro os nomes de mais alguns dramas Alfesibéia Aquiles matador de Tersites Dioniso Orestes Mínios Ulisses Eneu cerca de quarenta fragmentos ao todo Nauck p 781 QUIÔNIDAS 48 a 29 Segundo o Suda as comédias deste poeta teriam sido representadas em Atenas em 4887 e cita três títulos Heróis Assírios ou Persas e Mendigos Restam poucos fragmentos v por exemplo Aten III 119 E IV 137 E XIV 648 DE RUÍNA DE TRÓIA 59b iníc Título de um poema do Ciclo Troiano da autoria de Arctino de Mileto resta o sumário no excerto da Crestomalia de Proclo cf Allen op cit p 107 Parte do argumento consta do II livro da Eneida cf SÍNON DOS dramaturgos que extraíram tragédias da há notícia de Jofonte Suda e Nicômaco Nauck Index Fabularum p 965 b SALAMINA 59 a 17 Cf CARTAGINESES SICILIA 48 a 29 49 b 3 59 a 17 SINON 59 b iníc Título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 251 cf Verg En II 57 198 233265 Higin fab 108 Procl Crest ap Allen op cit pp 1078 Apol Bibl V 15 ss ed Frazer II 232 O argumento é extraído da RUÍNA DE TROÍA S fingindose molestado pelos gregos persuadiu os troianos a acolher o cavalo de madeira dentro das muralhas da cidade por este ardil conseguiram os gregos destruir a cidade que havia tantos anos combatiam SÍSIFO 56 a 20 Título de um drama satírico de Ésquilo Nauck p 74 e de outro também Pluten De 5pluacg S TELEFO 53 a 12 Cf Mísios Restam fragmentos das seguintes tragédias T de Esquilo Nauck p 76 de AGATÃO N p 764 CLEOFON Suda Eurípides N p 579 Jofonte Suda Mósquion N p 812 e Mísios de Ésquilo N p 47 Quanto ao argumento cf Paus I 4 6 Diod IV 33 Apol Bibl III 9 1 Higin fab 101 Atingido por um golpe de Aquiles e como a ferida não sarava T consultou o Oráculo de Delfos a resposta foi que o remédio só o poderia dar o próprio que o havia ferido A pedido dos outros gregos que cercavam Tróia Aquiles curouo partindo a mesma lança que causara o mal Este é provavelmente o argumento da tragédia de Ésquilo Há também uma tragédia de Sófocles Aléades com o mesmo protagonista cujo argumento seria o seguinte Como Édipo T fora exposto após o nascimento e levado para certo lugar da Arcádia Não conhecendo o segredo da sua origem e tendo sido insultado por motivo do mesmo mata os insultadores que eram seus próprios tios Vindo para vingar os filhos Aleo reconhece o neto e lembra a profecia de Delfos que seus filhos haviam de morrer às mãos do neto E pois um mito do gênero Meleagro e Édipo TELEGONO 53 b 26 Filho de ULISSES e de Circe Enviado pela mãe em busca de Ulisses chega a ítaca onde atacado pelo irmão TELÊMACO e Ulisses fere o pai com uma seta Daqui a tragédia ULISSES FERIDO de Sófocles de que restam alguns fragmentos Nauck p 230 cuja ação devia desenrolarse desde o ferimento até a morte de Ulisses TELÊMACO 61 b iníc Cf ICARIO TEODECTES 55 a 4 b 24 Discípulo de Platão de Aristóteles e de Isócrates Nasceu por volta de 390 aC Participou de treze concursos trágicos dos quais venceu oito Restam cerca de sessenta versos dezoito fragmentos cf Nauck pp 8017 de tragédias com os títulos seguintes ÁJAX ALCMÊON HELENA LINCEU MINELAL ÉDIPO ORESTES TIDEU FlLOCTETES TEODORO 57 a 10 TEREU 54 b 3 1 Título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 257 e de outra de Fílocles N p 759 Quanto ao argumento v Ovíd Mel VI 424 ss TERRIGENOS Filhos da Terra 54 b 20 A lança que em si trazem os Filhos da Terra é talvez um fragmento de trímetro jâmbico tirado da Antíope de Eurípides Nauck p 855 Ao sinal referemse também Dio Cr 4 23 Higin fab 72 Greg Naz Epist 139 Julian Const p 81 C TESEIDA 5 1 a 19 e HERACLEIDA Md Poemas sobre as aventuras de Teseu e os trabalhos de Héracles São desconhecidos os autores de uma T Da Heracleida mencionamse os nomes de Pisandro e Paníasis TIDEU 55 a 4 Cf TEODECTES Desta tragédia só temos a notícia de Aristóteles Personagem ligada às lendárias vicissitudes dos Epígonos Cf Apol Bibl I 8 56 TIESTES 53 a 7 12 54 b 20 Com o nome de T e de Aérope contamse numerosas tragédias de Sófocles Nauck p 184 Eurípides N p 480 Cárcino N pp 797 e 798 QUERÊMON N p 784 AGATÃO N p 763 CLEOFON Suda Diógenes Nauck p 808 e Apolodoro Suda Todas elas teriam por argumento a terrível vingança de Atreu que serve num banquete oferecido ao irmão os próprios filhos deste Cf Apol Bibl Epit II 1314 ed Frazer II 166 TIMÓTEO T48 a 9 Cf ÍARJGAS FILOXENO CICLOPES O mais celebrado poeta de nomos em toda a Grécia Morreu quase centenário por volta de 355 aC Quanto à biografia v os numerosíssimos Testimonia Veterum em Edmonds Lyra Graeca III 28096 Aristóteles chega a dizer Metaf 993 b 15 que se T não tivesse existido não haveria também grande parte da melódica o que denuncia o importantíssimo papel que o poeta exerceu no desenvolvimento do lirismo grego Do CICLOPE de T restam dois fragmentos 12 13 Edmonds citados por Ateneu e Crisipo ao todo nove versos v Edmonds op cit III 304 TIRO 54 b 20 Houve duas tragédias de Sófocles com este nome Nauck p 272 outra de Astidamas N p 777 e outra ainda de Cárcino N p 799 T filha de Salmoneu teve de Posidâo dois gêmeos que lançou ao mar numa cestinha reconheceuos um pastor de cavalos que os denominou Neleu e Pélias Um dia encontraram a mãe que os reconheceu talvez pela descrição da cestinha feita pelo pastor Cf Apol Bibl I 9 8 Escol Eur Or 169 1 Comparese a lenda de T e seus filhos com a de Rômulo e Remo TROIANAS 59Títuloda conhecida tragédia de Eurípides que fazia parte de uma tetralogia a que pertenciam também Alexandre Nauck p 373 Palamedes N p 541 e Sísifo N p 572 ULISSES 61 b iníc na Odisséia reconhecimento de RECONHECIMENTO 54 b 20 na Ilíada II 272 57 b 9 na CILA 54 a 28 FERIDO tragédia de Sófocles também intitulada Nauck p 230 53 b 26 Falso Mensageiro de que só há esta notícia de Aristóteles N p 839 55 a 12 Cf CILA PARNASO TELEGONO XENARCO 47 b iníc Cf SOFRON XENOFANES 60 b 31 Crítica de X aos deuses de Homero e Hesíodo cf DielsKranz frgs 11 12 14 15 e 16 ZEUs 61 a 26 ZEUXIS 50 a 23 61 b 9 De Heracléia na Magna Grécia segunda metade do século V Sobre a pintura deste artista cf a anedota contada por Cícero de inv II 1 Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprála ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler Dessa forma a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância A generosidade e a humildade é a marca da distribuição portanto distribua este livro livremente Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original pois assim você estará v ARISTÓTELES A crítica da separação platônica entre mundo sensível e mundo das Idéias abre para Aristóteles a perspectiva do tratamento das atividades humanas cada uma em sua especificidade Destas algumas merecem a denominação de ciência em todo o rigor da expressão é o caso da Filosofia Primeira Outras que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente não compartilham o mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas mas adaptam seu método às flutuações do objeto é o caso da Ética A diferença entre Aristóteles e Platão é justamente esta flexibilidade de procedimentos teóricos que busca dar conta da diversidade do pensamento e da ação Tais diferenças no entanto não impedem que a Filosofia forme um edifício sistemático em que os gêneros de conhecimento organizamse hierarquicamente tendo como meta última a união entre saber e felicidade como já preconizava por outras vias Platão NESTE VOLUME Ética a Nicômaco Aristóteles investiga neste texto o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta levando em conta a situação concreta do Homem um ser que está acima do animal mas que não pode ser definido apenas pela pura razão Neste meiotermo se colocará 0 que se deve entender especificamente por virtude Poética Aristóteles aborda neste texto os gêneros literários vigentes no seu tempo poesia tragédia comédia história observando as características de cada um Ainda hoje dificilmente se encontrará um estudo sobre literatura que não se refira a esta obra arquetálica Em que pela primeira vez esses temas fo OS PENSADORES NASCEU EM 1939 E PUBLICA ESTA COLEÇÃO PARA QUE NOSSA CULTURA NÃO SE ESQUEÇA FUNCIONOU A SÉRIE ORIGINAL SUA INTENÇÃO É REALIZAR O IDEAL QUE OS GRANDEs pensadores tiveram que os grandes filósofos sejam acessíveis a todos A nossa primaza foi nserir em aédad página uma fotografia do pensador para que todos juntos possam adquirir um conhecimento artístico do homem e do seu pensamento ISBN 8513002743 ISBN 8513003597 Este livro é distribuído GRATUITAMENTE pela equipe DIGITAL SOURCE e VICIADOS EM LIVROS com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de apreciar mais uma manifestação do pensamento humano Se você tirar algum proveito desta obra considere seriamente a possibilidade de adquirir o original Incentive o autor e a publicação de novas obras Se quiser outros títulos nos procure Será um prazer recebêlo em nosso grupo httpgroupsgooglecomgroupViciadosemLivros httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource
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OS PENSADORES ARISTÓTELES VOLUME II NOVA CULTURAL httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Aristóteles Ética a Nicômaco Poética Aristóteles seleção de textos de José Américo Motta Pessanha 4 ed São Paulo Nova Cultural 1991 Os pensadores v 2 Ética a Nicômaco tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de WD Ross Poética tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza Bibliografia ISBN 8513002321 1 Aristóteles Ética 2 Aristóteles Metafísica 3 Aristóteles Poética I Pessanha José Américo Motta 1932 II Souza Eudoro de 1911 III Título IV Título Poética V Série CDD 185 110 170 911254 8081 índices para catálogo sistemático 1 Aristóteles Obras filosóficas 185 2 Ética Filosofia 170 3 Filosofia aristotélica 185 4 Metafísica Filosofia 110 5 Poética Retórica Literatura 8081 ARISTÓTELES ÉTICA A NICÔMACO Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W D Ross POÉTICA Tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha NOVA CULTURAL 1991 Títulos originais Ética a Nicômaco Poética 1 Como a paginação de Bekker decorre toda na mesma centena de 1447 a 1462 apenas mencionamos nos índices os dois últimos algarismos Assim 50 a 1 significa página 1450 a linha 1 Os algarismos que designam as linhas referemse ao texto grego mas como não é possível obter perfeita correspondência linha a linha entre o original e a tradução limitamonos a indicar o início dos parágrafos Por conseguinte e exemplificando 47 a 13 no artigo AULETICA remete o leitor para todo o parágrafo que começa na linha 13 da página 1447 a e não exatamente para a 13 linha da mesma página Nos índices Analítico e Onomástico N Nauck A TRAGICORUM GRAECORUM FRAGMENTA 2ª ed Leipzig 1926 N do T Copyright desta edição Editora Nova Cultural Ltda São Paulo 4a edição 1991 Av Brig Faria Lima 2000 3 andar CEP 01452 São Paulo SP Traduções publicadas sob licença de Editora Globo SA São Paulo SP CONTRACAPA ARISTÓTELES A crítica da separação platônica entre mundo sensível e mundo das Idéias abre para Aristóteles a perspectiva do tratamento das atividades humanas cada uma em sua especificidade Destas algumas merecem a denominação de ciência em todo o rigor da expressão é o caso da Filosofia Primeira Outras que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente não compartilham o mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas mas adaptam seu método às flutuações do objeto é o caso da Ética A diferença entre Aristóteles e Platão é justamente esta flexibilidade de procedimentos teóricos que busca dar conta da diversidade do pensamento e da ação Tais diferenças no entanto não impedem que a Filosofia forme um edifício sistemático em que os gêneros de conhecimento organizamse hierarquicamente tendo como meta última a união entre saber e felicidade como já preconizava por outras vias Platão NESTE VOLUME Ética a Nicômaco Aristóteles investiga neste texto o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta levando em conta a situação concreta do Homem um ser que está acima do animal mas que não pode ser definido apenas pela pura razão Neste meiotermo se colocará o que se deve entender especificamente por virtude Poética Aristóteles aborda neste texto os gêneros literários vigentes no seu tempo poesia tragédia comédia história observando as características de cada um Ainda hoje dificilmente se encontrará um estudo sobre literatura que não se refira a esta obra aristotélica em que pela primeira vez esses temas foram sistematizados O S P E N S A D O R E S Nesta série estão as idéias fundamentais que nos últimos 25 séculos ajudaram a construir a civilização A escolha de autores procura refletir a pluralidade de temas e de interpretações que compõem o pensamento filosófico A seleção de textos busca nas fontes originais uma visão abrangente e equilibrada da Filosofia e de sua contribuição ao conhecimento do homem e do universo ISBN 8513002143 ISBN 8513002321 ÉTICA A NICOMACO Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W D Ross LIVRO I 1 Admitese geralmente que toda arte e toda investigação assim como toda ação e toda escolha têm em mira um bem qualquer e por isso foi dito com muito acerto que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem Mas observase entre os fins uma certa diferença alguns são atividades outros são produtos distintos das atividades que os produzem Onde existem fins distintos das ações são eles por natureza mais excelentes do que estas Ora como são muitas as ações artes e ciências muitos são também os seus fins o fim da arte médica é a saúde o da construção naval é um navio o da estratégia é a vitória e o da economia é a riqueza Mas quando tais artes se subordinam a uma única faculdade assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos cavalos se incluem na arte da equitação e esta juntamente com todas as ações militares na estratégia há outras artes que também se incluem em terceiras em todas elas os fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados porque estes últimos são procurados a bem dos primeiros Não faz diferença que os fins das ações sejam as próprias atividades ou algo distinto destas como ocorre com as ciências que acabamos de mencionar 2 Se pois para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra porque então o processo se repetiria ao infinito e inútil e vão seria o nosso desejar evidentemente tal fim será o bem ou antes o sumo bem Mas não terá o seu conhecimento porventura grande influência sobre a essa vida Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar Se assim é esforcemonos por determinar ainda que em linhas gerais apenas o que seja ele e de qual das ciências ou faculdades constitui o objeto Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra Ora a política mostra ser dessa natureza pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado quais são as que cada cidadão deve aprender e até que ponto e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço como a estratégia a economia e a retórica estão sujeitas a ela Ora como a política utiliza as demais ciências e por outro lado legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras de modo que essa finalidade será o bem humano Com efeito ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado o deste último parece ser algo maior e mais completo quer a atingir quer a preservar Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só é mais belo e mais divino alcançálo para uma nação ou para as cidadesEstados Tais são por conseguinte os fins visados pela nossa investigação pois que isso pertence à ciência política numa das acepções do termo 3 Nossa discussão será adequada se tiver tanta clareza quanto comporta o assunto pois não se deve exigir a precisão em todos os raciocínios por igual assim como não se deve buscála nos produtos de todas as artes mecânicas Ora as ações belas e justas que a ciência política investiga admitem grande variedade e flutuações de opinião de forma que se pode considerálas como existindo por convenção apenas e não por natureza E em torno dos bens há uma flutuação semelhante pelo fato de serem prejudiciais a muitos houve por exemplo quem perecesse devido à sua riqueza e outros por causa da sua coragem Ao tratar pois de tais assuntos e partindo de tais premissas devemos contentarnos em indicar a verdade aproximadamente e em linhas gerais e ao falar de coisas que são verdadeiras apenas em sua maior parte e com base em premissas da mesma espécie só poderemos tirar conclusões da mesma natureza E é dentro do mesmo espírito que cada proposição deverá ser recebida pois é próprio do homem culto buscar a precisão em cada gênero de coisas apenas na medida em que a admite a natureza do assunto Evidentemente não seria menos insensato aceitar um raciocínio provável da parte de um matemático do que exigir provas científicas de um retórico Ora cada qual julga bem as coisas que conhece e dessas coisas é ele bom juiz Assim o homem que foi instruído a respeito de um assunto é bom juiz nesse assunto e o homem que recebeu instrução sobre todas as coisas é bom juiz em geral Por isso um jovem não é bom ouvinte de preleções sobre a ciência política Com efeito ele não tem experiência dos fatos da vida e é em torno destes que giram as nossas discussões além disso como tende a seguir as suas paixões tal estudo lhe será vão e improfícuo pois o fim que se tem em vista não é o conhecimento mas a ação E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter o defeito não depende da idade mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão A tais pessoas como aos incontinentes a ciência não traz proveito algum mas aos que desejam e agem de acordo com um princípio racional o conhecimento desses assuntos fará grande vantagem Sirvam pois de prefácio estas observações sobre o estudante a espécie de tratamento a ser esperado e o propósito da investigação 4 Retomemos a nossa investigação e procuremos determinar à luz deste fato de que todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem quais afirmamos ser os objetivos da ciência política e qual é o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação Verbalmente quase todos estão de acordo pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e identificam o bem viver e o bem agir como o ser feliz Diferem porém quanto ao que seja a felicidade e o vulgo não o concebe do mesmo modo que os sábios Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia como o prazer a riqueza ou as honras muito embora discordem entre si e não raro o mesmo homem a identifica com diferentes coisas com a saúde quando está doente e com a riqueza quando é pobre Cônscios da sua própria ignorância não obstante admiram aqueles que proclamam algum grande ideal inacessível à sua compreensão Ora alguns têm pensado que à parte esses numerosos bens existe um outro que ê autosubsistente e também é causa da bondade de todos os demais Seria talvez infrutífero examinar todas as opiniões que têm sido sustentadas a esse respeito basta considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser defensáveis Não percamos de vista porém que há uma diferença entre os argumentos que procedem dos primeiros princípios e os que se voltam para eles O próprio Platão havia levantado esta questão perguntando como costumava fazer Nosso caminho parte dos primeiros princípios ou se dirige para eles Há aí uma diferença como há num estádio entre a reta que vai dos juízes ao ponto de retorno e o caminho de volta Com efeito embora devamos começar pelo que é conhecido os objetos de conhecimento o são em dois sentidos diferentes alguns para nós outros na acepção absoluta da palavra É de presumir pois que devamos começar pelas coisas que nos são conhecidas a nós Eis aí por que a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo e em geral sobre temas de ciência política é preciso ter sido educado nos bons hábitos Porquanto o fato é o ponto de partida e se for suficientemente claro para o ouvinte não haverá necessidade de explicar por que é assim e o homem que foi bem educado já possui esses pontos de partida ou pode adquirilos com facilidade Quanto àquele que nem os possui nem é capaz de adquirilos que ouça as palavras de Hesíodo Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas Bom o que escuta os conselhos dos homens judiciosos Mas o que por si não pensa nem acolhe a sabedoria alheia Esse é em verdade uma criatura inútil1 5 Voltemos porém ao ponto em que havia começado esta digressão A julgar pela vida que os homens levam em geral a maioria deles e os homens de tipo mais vulgar parecem não sem um certo fundamento identificar o bem ou a felicidade com o prazer e por isso amam a vida dos gozos Podese dizer com efeito que existem três tipos principais de vida a que acabamos de mencionar a vida política e a contemplativa A grande maioria dos homens se mostram em tudo iguais a escravos preferindo uma vida bestial mas encontram certa justificação para pensar assim no fato de muitas pessoas altamente colocadas partilharem os gostos de Sardanapalo2 A consideração dos tipos principais de vida mostra que as pessoas de grande refinamento e índole ativa identificam a felicidade com a honra pois a honra é em suma a finalidade da vida política No entanto afigurase demasiado superficial para ser aquela que buscamos visto que depende mais de quem a confere que de quem a recebe enquanto o bem nos parece ser algo próprio de um homem e que dificilmente lhe poderia ser arrebatado Dirseia além disso que os homens buscam a honra para convenceremse a si mesmos de que são bons Como quer que seja é pelos indivíduos de grande sabedoria prática que procuram ser honrados e entre os que os conhecem e ainda mais em razão da sua virtude Está claro pois que para eles ao menos a virtude é 1 Trabalhos e Dias 293 ss N do E 2 Era um rei mítico da Assíria N do E mais excelente Poderseia mesmo supor que a virtude e não a honra é a finalidade da vida política Mas também ela parece ser de certo modo incompleta porque pode acontecer que seja virtuoso quem está dormindo quem leva uma vida inteira de inatividade e mais ainda é ela compatível com os maiores sofrimentos e infortúnios Ora salvo quem queira sustentar a tese a todo custo ninguém jamais considerará feliz um homem que vive de tal maneira Quanto a isto basta pois o assunto tem sido suficientemente tratado mesmo nas discussões correntes A terceira vida é a contemplativa que examinaremos mais tarde3 Quanto à vida consagrada ao ganho é uma vida forçada e a riqueza não é evidentemente o bem que procuramos é algo de útil nada mais e ambicionado no interesse de outra coisa E assim antes deveriam ser incluídos entre os fins os que mencionamos acima porquanto são amados por si mesmos Mas é evidente que nem mesmo esses são fins e contudo muitos argumentos têm sido desperdiçados em favor deles Deixamos pois este assunto 6 Seria melhor talvez considerar o bem universal e discutir a fundo o que se entende por isso embora tal investigação nos seja dificultada pela amizade que nos une àqueles que introduziram as Formas4 No entanto os mais ajuizados dirão que é preferível e que é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria porque embora ambos nos sejam caros a piedade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos Os defensores dessa doutrina não postularam Formas5 de classes dentro das quais reconhecessem prioridade e posterioridade e por essa razão não sustentaram 3 1177 a 12 1178 a 8 1178 a 22 1179 a 32 Ndo T 4 Outros traduzem por Teoria das Idéias N do E 5 ou Idéias N do E a existência de uma Forma6 a abranger todos os números Ora o termo bem é usado tanto na categoria de substância como na de qualidade e na de relação e o que existe por si mesmo isto é a substância é anterior por natureza ao relativo este de fato é como uma derivação e um acidente do ser de modo que não pode haver uma Idéia comum por cima de todos esses bens Além disso como a palavra bem tem tantos sentidos quantos ser visto que é predicada tanto na categoria de substância como de Deus e da razão quanto na de qualidade isto é das virtudes na de quantidade isto é daquilo que é moderado na de relação isto é do útil na de tempo isto é da oportunidade apropriada na de espaço isto é do lugar apropriado etc está claro que o bem não pode ser algo único e universalmente presente pois se assim fosse não poderia ser predicado em todas as categorias mas somente numa Ainda mais como das coisas que correspondem a uma Idéia a ciência é uma só haveria uma única ciência de todos os bens Mas o fato é que as ciências são muitas mesmo das coisas que se incluem numa só categoria da oportunidade por exemplo pois que a oportunidade na guerra é estudada pela estratégia e na saúde pela medicina enquanto a moderação nos alimentos é estudada por esta última e nos exercícios pela ciência da ginástica E alguém poderia fazer esta pergunta que entendem eles afinal por esse em de cada coisa já que para o homem em si e para um homem particular a definição do homem é a mesma Porque na medida em que forem homem não diferirão em coisa alguma E assim sendo tampouco diferirão o bem em si e os bens particulares na medida em que forem bem E por outro lado o bem em si não será mais bem pelo fato de ser eterno assim como aquilo que dura muito tempo não é mais branco do que aquilo que perece no espaço de um dia Os pitagóricos parecem fazer uma concepção mais plausível do bem quando colocam o um na coluna dos bens e esta opinião se não nos enganamos foi adotada por Espeusipo 6 Ou Idéia N do E Mas deixemos esses assuntos para serem discutidos noutra ocasião7 Poder seá objetar ao que acabamos de dizer apontando que os platônicos não falam de todos os bens e que os bens buscados e amados por si mesmos são chamados bons em referência a uma Forma única enquanto os que de certo modo tendem a produzir ou a preservar estes ou a afastar os seus opostos são chamados bons em referência a estes e num sentido subsidiário É evidente pois que falamos dos bens em dois sentidos uns devem ser bens em si mesmos e os outros em relação aos primeiros Separemos pois as coisas boas em si mesmas das coisas úteis e vejamos se as primeiras são chamadas boas em referência a uma Idéia única Que espécie de bens chamaríamos bens em si mesmos Serão aqueles que buscamos mesmo quando isolados dos outros como a inteligência a visão e certos prazeres e honras Estes embora também possamos procurálos tendo em vista outra coisa seriam colocados entre os bens em si mesmos Ou não haverá nada de bom em si mesmo senão a Idéia do bem Nesse caso a Forma se esvaziará de todo sentido Mas se as coisas que indicamos também são boas em si mesmas o conceito do bem terá de ser idêntico em todas elas assim como o da brancura é idêntico na neve e no alvaiade Mas quanto à honra à sabedoria e ao prazer no que se refere à sua bondade os conceitos são diversos e distintos O bem por conseguinte não é uma espécie de elemento comum que corresponda a uma só Idéia Mas que entendemos então pelo bem Não será por certo como uma dessas coisas que só por casualidade têm o mesmo nome Serão os bens uma só coisa por derivarem de um só bem ou para ele contribuírem ou antes serão um só por analogia Inegavelmente o que a visão é para o corpo a razão é para a alma e da mesma forma em outros casos Mas talvez seja preferível por ora deixarmos de lado esses assuntos visto que a precisão perfeita no tocante a eles compete mais propriamente a um outro ramo da filosofia8 7 Cf Metafísica 986 a 2226 1028 b 2124 1072 b30 1073a3 1091 a 29 1091 b 3 1091 b 13 1092 a 17 NdoT 8 Cf Metafísica IV 2 N do T O mesmo se poderia dizer no que se refere à Idéia mesmo ainda que exista algum bem único que seja universalmente predicável dos bens ou capaz de existência separada e independente é claro que ele não poderia ser realizado nem alcançado pelo homem mas o que nós buscamos aqui é algo de atingível Alguém no entanto poderá pensar que seja vantajoso reconhecêlo com a mira nos bens que são atingíveis e realizáveis porquanto dispondo dele como de uma espécie de padrão conheceremos melhor os bens que realmente nos aproveitam e conhecendoos estaremos em condições de alcançálos Este argumento tem um certo ar de plausibilidade mas parece entrar em choque com o procedimento adotado nas ciências porque todas elas embora visem a algum bem e procurem suprir a sua falta deixam de lado o conhecimento do bem Entretanto não é provável que todos os expoentes das artes ignorem e nem sequer desejem conhecer auxílio tão valioso Não se compreende por outro lado a vantagem que possa trazer a um tecelão ou a um carpinteiro esse conhecimento do bem em si no que toca à sua arte ou que o homem que tenha considerado a Idéia em si venha a ser por isso mesmo melhor médico ou general Porque o médico nem sequer parece estudar a saúde desse ponto de vista mas sim a saúde do homem ou talvez seja mais exato dizer a saúde de um indivíduo particular pois é aos indivíduos que ele cura Mas quanto a isso basta 7 Voltemos novamente ao bem que estamos procurando e indaguemos o que é ele pois não se afigura igual nas distintas ações e artes é diferente na medicina na estratégia e em todas às demais artes do mesmo modo Que é pois o bem de cada uma delas Evidentemente aquilo em cujo interesse se fazem todas as outras coisas Na medicina é a saúde na estratégia a vitória na arquitetura uma casa em qualquer outra esfera uma coisa diferente e em todas as ações e propósitos é ele a finalidade pois é tendoo em vista que os homens realizam o resto Por conseguinte se existe uma finalidade para tudo que fazemos essa será o bem realizável mediante a ação e se há mais de uma serão os bens realizáveis através dela Vemos agora que o argumento tornando por um atalho diferente chegou ao mesmo ponto Mas procuremos expressar isto com mais clareza ainda Já que evidentemente os fins são vários e nós escolhemos alguns dentre eles como a riqueza as flautas9 e os instrumentos em geral seguese que nem todos os fins são absolutos mas o sumo bem é claramente algo de absoluto Portanto se só existe um fim absoluto será o que estamos procurando e se existe mais de um o mais absoluto de todos será o que buscamos Ora nós chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa Ora esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade É ela procurada sempre por si mesma e nunca com vistas em outra coisa ao passo que à honra ao prazer à razão e a todas as virtudes nós de fato escolhemos por si mesmos pois ainda que nada resultasse daí continuaríamos a escolher cada um deles mas também os escolhemos no interesse da felicidade pensando que a posse deles nos tornará felizes A felicidade todavia ninguém a escolhe tendo em vista algum destes nem em geral qualquer coisa que não seja ela própria Considerado sob o ângulo da autosuficiência o raciocínio parece chegar ao mesmo resultado porque o bem absoluto é considerado como autosuficiente Ora por autosuficiente não entendemos aquilo que é suficiente para um homem só para aquele que leva uma vida solitária mas também para os pais os filhos a esposa e em geral para os amigos e concidadãos visto que o homem nasceu para a cidadania Mas é necessário traçar aqui um limite porque se estendermos os 9 Cf Platão Eutidemo 289 N do T nossos requisitos aos antepassados aos descendentes e aos amigos dos amigos teremos uma série infinita Examinaremos esta questão porém em outro lugar10 por ora definimos a autosuficiência como sendo aquilo que em si mesmo torna a vida desejável e carente de nada E como tal entendemos a felicidade considerandoa além disso a mais desejável de todas as coisas sem contála como um bem entre outros Se assim fizéssemos é evidente que ela se tornaria mais desejável pela adição do menor bem que fosse pois o que é acrescentado se torna um excesso de bens e dos bens é sempre o maior o mais desejável A felicidade é portanto algo absoluto e autosuficiente sendo também a finalidade da ação Mas dizer que a felicidade é o sumo bem talvez pareça uma banalidade e falta ainda explicar mais claramente o que ela seja Tal explicação não ofereceria grande dificuldade se pudéssemos determinar primeiro a função do homem Pois assim como para um flautista um escultor ou um pintor e em geral para todas as coisas que têm uma função ou atividade considerase que o bem e o bem feito residem na função o mesmo ocorreria com o homem se ele tivesse uma função Darseá o caso então de que o carpinteiro e o curtidor tenham certas funções e atividades e o homem não tenha nenhuma Terá ele nascido sem função Ou assim como o olho a mão o pé e em geral cada parte do corpo têm evidentemente uma função própria poderemos assentar que o homem do mesmo modo tem uma função à parte de todas essas Qual poderá ser ela A vida parece ser comum até às próprias plantas mas agora estamos procurando o que é peculiar ao homem Excluamos portanto a vida de nutrição e crescimento A seguir há uma vida de percepção mas essa também parece ser comum ao cavalo ao boi e a todos os animais Resta pois a vida ativa do elemento que tem um princípio racional desta uma parte tem tal princípio no sentido de ser lhe obediente e a outra no sentido de possuílo e de exercer o pensamento E como a vida do elemento racional também tem dois significados devemos 10 I 1011 IX 10NdoT esclarecer aqui que nos referimos a vida no sentido de atividade pois esta parece ser a acepção mais própria do termo Ora se a função do homem é uma atividade da alma que segue ou que implica um princípio racional e se dizemos que um taletal e um bom taletal têm uma função que é a mesma em espécie por exemplo um tocador de lira e um bom tocador de lira e assim em todos os casos sem maiores discriminações sendo acrescentada ao nome da função a eminência com respeito à bondade pois a função de um tocador de lira é tocar lira e a de um bom tocador de lira é fazêlo bem se realmente assim é e afirmamos ser a função do homem uma certa espécie de vida e esta vida uma atividade ou ações da alma que implicam um princípio racional e acrescentamos que a função de um bom homem é uma boa e nobre realização das mesmas e se qualquer ação é bem realizada quando está de acordo com a excelência que lhe é própria se realmente assim é o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude e se há mais de uma virtude com a melhor e mais completa Mas é preciso ajuntar numa vida completo Porquanto uma andorinha não faz verão nem um dia tampouco e da mesma forma um dia ou um breve espaço de tempo não faz um homem feliz e venturoso Que isto sirva como um delineamento geral do bem pois presumivelmente é necessário esboçálo primeiro de maneira tosca para mais tarde precisar os detalhes Mas a bem dizer qualquer um é capaz de preencher e articular o que em princípio foi bem delineado e também o tempo parece ser um bom descobridor e colaborador nessa espécie de trabalho A tal fato se devem os progressos das artes pois qualquer um pode acrescentar o que falta Devemos igualmente recordar o que se disse antes11 e não buscar a precisão em todas as coisas por igual mas em cada classe de coisas apenas a precisão que o assunto comportar e que for apropriada à investigação Porque um carpinteiro e um geômetra investigam de diferentes modos o ângulo reto O primeiro o faz na 11 1094 b 1127N do T medida em que o ângulo reto é útil ao seu trabalho enquanto o segundo indaga o que ou que espécie de coisa ele é pois o geômetra é como que um espectador da verdade Nós outros devemos proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal não fique subordinada a questões de menor monta E tampouco devemos reclamar a causa em todos os assuntos por igual Em alguns casos basta que o fato esteja bem estabelecido como sucede com os primeiros princípios o fato é a coisa primária ou primeiro princípio Ora dos primeiros princípios descobrimos alguns pela indução outros pela percepção outros como que por hábito e outros ainda de diferentes maneiras Mas a cada conjunto de princípios devemos investigar da maneira natural e esforçarnos para expressálos com precisão pois que eles têm grande influência sobre o que se segue Dizse com efeito que o começo é mais que metade do todo e muitas das questões que formulamos são aclaradas por ele 8 Devemos considerálo no entanto não só à luz da nossa conclusão e das nossas premissas mas também do que a seu respeito se costuma dizer pois com uma opinião verdadeira todos os dados se harmonizam mas com uma opinião falsa os fatos não tardam a entrar em conflito Ora os bens têm sido divididos em três classes12 e alguns foram descritos como exteriores outros como relativos à alma ou ao corpo Nós outros consideramos como mais propriamente e verdadeiramente bens os que se relacionam com a alma e como tais classificamos as ações e atividades psíquicas Logo o nosso ponto de vista deve ser correto pelo menos de acordo com esta antiga opinião com a qual concordam muitos filósofos É também correto pelo fato de identificarmos o fim com certas ações e atividades pois desse modo ele vem incluirse entre os bens da alma e não entre os bens exteriores Outra crença que se harmoniza com a nossa concepção é a de que o homem feliz vive bem e age bem pois definimos praticamente a felicidade como uma 12 Platão Eutidemo 279 Filebo 48 Leis 743 NdoT espécie de boa vida e boa ação As características que se costuma buscar na felicidade também parecem pertencer todas à definição que demos dela Com efeito alguns identificam a felicidade com a virtude outros com a sabedoria prática outros com uma espécie de sabedoria filosófica outros com estas ou uma destas acompanhadas ou não de prazer e outros ainda também incluem a prosperidade exterior Ora algumas destas opiniões têm tido muitos e antigos defensores enquanto outras foram sustentadas por poucas mas eminentes pessoas E não é provável que qualquer delas esteja inteiramente equivocada mas sim que tenham razão pelo menos a algum respeito ou mesmo a quase todos os respeitos Também se ajusta à nossa concepção a dos que identificam a felicidade com a virtude em geral ou com alguma virtude particular pois que à virtude pertence a atividade virtuosa Mas há talvez uma diferença não pequena em colocarmos o sumo bem na posse ou no uso no estado de ânimo ou no ato Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado como no homem que dorme ou que permanece inativo mas a atividade virtuosa não essa deve necessariamente agir e agir bem E assim como nos Jogos Olímpicos não são os mais belos e os mais fortes que conquistam a coroa mas os que competem pois é dentre estes que hão de surgir os vencedores também as coisas nobres e boas da vida só são alcançadas pelos que agem retamente Sua própria vida é aprazível por si mesma Com efeito o prazer é um estado da alma e para cada homem é agradável aquilo que ele ama não só um cavalo ao amigo de cavalos e um espetáculo ao amador de espetáculos mas também os atos justos ao amante da justiça e em geral os atos virtuosos aos amantes da virtude Ora na maioria dos homens os prazeres estão em conflito uns com os outros porque não são aprazíveis por natureza mas os amantes do que é nobre se comprazem em coisas que têm aquela qualidade tal é o caso dos atos virtuosos que não apenas são aprazíveis a esses homens mas em si mesmos e por sua própria natureza Em conseqüência a vida deles não necessita do prazer como uma espécie de encanto adventício mas possui o prazer em si mesma Pois que além do que já dissemos o homem que não se regozija com as ações nobres não é sequer bom e ninguém chamaria de justo o que não se compraz em agir com justiça nem liberal o que não experimenta prazer nas ações liberais e do mesmo modo em todos os outros casos Sendo assim as ações virtuosas devem ser aprazíveis em si mesmas Mas são além disso boas e nobres e possuem no mais alto grau cada um destes atributos porquanto o homem bom sabe aquilatálos bem sua capacidade de julgar é tal como a descrevemos A felicidade é pois a melhor a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e esses atributos não se acham separados como na inscrição de Delos Das coisas a mais nobre é a mais justa e a melhor é a saúde Mas a mais doce é alcançar o que amamos Com efeito todos eles pertencem às mais excelentes atividades e estas ou então uma delas a melhor nós a identificamos com a felicidade E no entanto como dissemos13 ela necessita igualmente dos bens exteriores pois é impossível ou pelo menos não é fácil realizar atos nobres sem os devidos meios Em muitas ações utilizamos como instrumentos os amigos a riqueza e o poder político e há coisas cuja ausência empana a felicidade como a nobreza de nascimento uma boa descendência a beleza Com efeito o homem de muito feia aparência ou malnascido ou solitário e sem filhos não tem muitas probabilidades de ser feliz e talvez tivesse menos ainda se seus filhos ou amigos fossem visceralmente maus e se a morte lhe houvesse roubado bons filhos ou bons amigos 13 1098 b 2629 N do T Como dissemos pois o homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade e por essa razão alguns identificam a felicidade com a boa fortuna embora outros a identifiquem com a virtude 9 Por este motivo também se pergunta se a felicidade deve ser adquirida pela aprendizagem pelo hábito ou por alguma outra espécie de adestramento ou se ela nos é conferida por alguma providência divina ou ainda pelo acaso Ora se alguma dádiva os homens recebem dos deuses é razoável supor que a felicidade seja uma delas e dentre todas as coisas humanas a que mais seguramente é uma dádiva divina por ser a melhor Esta questão talvez caiba melhor em outro estudo no entanto mesmo que a felicidade não seja dada pelos deuses mas ao contrário venha como um resultado da virtude e de alguma espécie de aprendizagem ou adestramento ela parece contarse entre as coisas mais divinas pois aquilo que constitui o prêmio e a finalidade da virtude se nos afigura o que de melhor existe no mundo algo de divino e abençoado Dentro desta concepção também deve ela ser partilhada por grande número de pessoas pois quem quer que não esteja mutilado em sua capacidade para a virtude pode conquistála mediante uma certa espécie de estudo e diligência Mas se é preferível ser feliz dessa maneira a sêlo por acaso é razoável que os fatos sejam assim uma vez que tudo aquilo que depende da ação natural é por natureza tão bom quanto poderia ser e do mesmo modo o que depende da arte ou de qualquer causa racional especialmente se depende da melhor de todas as causas Confiar ao acaso o que há de melhor e de mais nobre seria um arranjo muito imperfeito A resposta à pergunta que estamos fazendo é também evidente pela definição da felicidade porquando dissemos14 que ela é uma atividade virtuosa da alma de certa espécie Do demais bens alguns devem necessariamente estar presentes como condições prévias da felicidade e outros são naturalmente 14 1098 a 16 N do T cooperantes e úteis como instrumentos E isto como é de ver concorda com o que dissemos no princípio15 isto é que o objetivo da vida política é o melhor dos fins e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações Ê natural portanto que não chamemos feliz nem ao boi nem ao cavalo nem a qualquer outro animal visto que nenhum deles pode participar de tal atividade Pelo mesmo motivo um menino tampouco é feliz pois que devido à sua idade ainda não é capaz de tais atos e os meninos a quem chamamos felizes estão simplesmente sendo congratulados por causa das esperanças que neles depositamos Porque como dissemos16 há mister não só de uma virtude completa mas também de uma vida completa já que muitas mudanças ocorrem na vida e eventualidades de toda sorte o mais próspero pode ser vítima de grandes infortúnios na velhice como se conta de Príamo no Ciclo Troiano e a quem experimentou tais vicissitudes e terminou miseravelmente ninguém chama feliz 10 Então ninguém deverá ser considerado feliz enquanto viver e será preciso ver o fim como diz Sólon17 Mesmo que esposemos essa doutrina darseá o caso de que um homem seja feliz depois de morto Ou não será perfeitamente absurda tal idéia sobretudo para nós que dizemos ser a felicidade uma espécie de atividade Mas se não consideramos felizes os mortos e se Sólon não se refere a isso mas quer apenas dizer que só então se pode com segurança chamar um homem de venturoso porque finalmente não mais o podem atingir males nem infortúnios isso também fornece matéria para discussão Efetivamente acreditase que para um morto existem males e bens tanto quanto para os vivos que não têm consciência deles por exemplo as honras e desonras as boas e más fortunas dos filhos e dos descendentes em geral 15 1094 a 27 N do T 16 1098 a 1618 NdoT 17 Heródoto I 32 N do T E isto também levanta um problema Com efeito embora um homem tenha vivido feliz até avançada idade e tido uma morte digna de sua vida muitos reveses podem suceder aos seus descendentes Alguns serão bons e terão a vida que merecem ao passo que com outros sucederá o contrário e também é evidente que os graus de parentesco entre eles e os seus antepassados podem variar indefinidamente Seria estranho pois se os mortos devessem participar dessas vicissitudes e ora ser felizes ora desgraçados mas por outro lado também seria estranho se a sorte dos descendentes jamais produzisse o menor efeito sobre a felicidade de seus ancestrais Voltemos porém à nossa primeira dificuldade cujo exame mais atento talvez nos dê a solução do presente problema Ora se é preciso ver o fim para só então declarar um homem feliz temos aí um paradoxo flagrante quando ele é feliz os atributos que lhe pertencem não podem ser verdadeiramente predicados dele devido às mudanças a que estão sujeitos porque admitimos que a felicidade é algo de permanente e que não muda com facilidade ao passo que cada indivíduo pode sofrer muitas voltas da roda da fortuna É claro que para acompanhar o passo de suas vicissitudes deveríamos chamar o mesmo homem ora de feliz ora de desgraçado o que faria do homem feliz um camaleão sem base segura Ou será um erro esse acompanhar as vicissitudes da fortuna de um homem O sucesso ou o fracasso na vida não depende delas mas como dissemos18 a existência humana delas necessita como meros acréscimos enquanto o que constitui a felicidade ou o seu contrário são as atividades virtuosas ou viciosas A questão que acabamos de discutir confirma a nossa definição pois nenhuma função humana desfruta de tanta permanência como as atividades virtuosas que são consideradas mais duráveis do que o próprio conhecimento das ciências E as mais valiosas dentre elas são mais duráveis porque os homens felizes de bom grado e com muita constância lhes dedicam os dias de sua vida e esta parece ser a razão pela qual sempre nos lembramos deles O atributo em apreço 18 1099 a 31 1099 b 7 N do T pertencerá pois ao homem feliz que o será durante a vida inteira porque sempre ou de preferência a qualquer outra coisa estará empenhado na ação ou na contemplação virtuosa e suportará as vicissitudes da vida com a maior nobreza e decoro se é verdadeiramente bom e honesto acima de toda censura Ora muitas coisas acontecem por acaso e coisas diferentes quanto à importância É claro que os pequenos incidentes felizes ou infelizes não pesam muito na balança mas uma multidão de grandes acontecimentos se nos forem favoráveis tornará nossa vida mais venturosa pois não apenas são em si mesmos de feitio a aumentar a beleza da vida mas a própria maneira como um homem os recebe pode ser nobre e boa e se se voltarem contra nós poderão esmagar e mutilar a felicidade pois que além de serem acompanhados de dor impedem muitas atividades Todavia mesmo nesses a nobreza de um homem se deixa ver quando aceita com resignação muitos grandes infortúnios não por insensibilidade à dor mas por nobreza e grandeza de alma Se as atividades são como dissemos o que dá caráter à vida nenhum homem feliz pode tornarse desgraçado porquanto jamais praticará atos odiosos e vis Com efeito o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade pensamos nós todas as contingências da vida e sempre tira o maior proveito das circunstâncias como um general que faz o melhor uso possível do exército sob o seu comando ou um bom sapateiro faz os melhores calçados com o couro que lhe dão e do mesmo modo com todos os outros artífices E se assim é o homem feliz nunca pode tornarse desgraçado muito embora não alcance a beatitude se tiver uma fortuna semelhante à de Príamo E tampouco será ele versátil e mutável pois nem se deixará desviar facilmente do seu venturoso estado por quaisquer desventuras comuns mas somente por muitas e grandes nem se sofreu muitas e grandes desventuras recuperará em breve tempo a sua felicidade Se a recuperar será num tempo longo e completo em que houver alcançado muitos e esplêndidos sucessos Quando diremos então que não é feliz aquele que age conforme à virtude perfeita e está suficientemente provido de bens exteriores não durante um período qualquer mas através de uma vida completa Ou devemos acrescentar E que está destinado a viver assim e a morrer de modo consentâneo com a sua vida Em verdade o futuro nos é impenetrável enquanto a felicidade afirmamos nós é um fim e algo de final a todos os respeitos Sendo assim chamaremos felizes àqueles dentre os seres humanos vivos em que essas condições se realizem ou estejam destinadas a realizarse mas homens felizes Sobre estas questões dissemos o suficiente 11 Que a sorte dos descendentes e de todos os amigos de um homem não lhe afete de nenhum modo a felicidade parece ser uma doutrina cínica e contrária à opinião comum Mas visto serem numerosos os acontecimentos que ocorrem e admitirem toda espécie de diferenças e já que alguns nos tocam mais de perto e outros menos antolhase uma tarefa longa mais do que longa infinita discutir cada um em detalhe Talvez possamos contentarnos com um esboço geral Se pois alguns infortúnios pessoais de um homem têm certo peso e influência na vida enquanto outros são por assim dizer mais leves também existem diferenças entre os infortúnios de nossos amigos tomados em conjunto e não dá no mesmo que os diversos sofrimentos sobrevenham aos vivos ou aos mortos com efeito a diferença aqui é muito maior até do que entre atos terríveis e iníquos pressupostos numa tragédia ou efetivamente representados na cena essa diferença também deve ser levada em conta ou antes talvez o fato de haver dúvida sobre se os mortos participam de qualquer bem ou mal Pois parece de acordo com tudo que acabamos de ponderar que ainda que algo de bom ou mau chegue até eles devem ser influências muito fracas e insignificantes quer em si mesmas quer para eles ou então serão tais em grau e em espécie que não possam tornar feliz quem não o é nem roubar a beatitude aos venturosos Por conseguinte a boa ou má fortuna dos amigos parece ter certos efeitos sobre os mortos mas efeitos de tal espécie e grau que não tornam desgraçados os felizes nem produzem qualquer outra alteração semelhante 12 Tendo dado uma resposta definida a essas questões vejamos agora se a felicidade pertence ao número das coisas que são louvadas ou antes das que são estimadas pois é evidente que não podemos colocála entre as potencialidades Tudo que é louvado parece merecer louvores por ser de certa espécie e relacionado de um modo qualquer com alguma outra coisa porque louvamos o justo ou o valoroso e em geral tanto o homem bom como a própria virtude devido às ações e funções em jogo e louvamos o homem forte o bom corredor etc porque são de uma determinada espécie e se relacionam de certo modo com algo de bom ou importante Isso também é evidente quando consideramos os louvores dirigidos aos deuses pois parece absurdo que os deuses sejam aferidos pelos nossos padrões no entanto assim se faz porque o louvor envolve uma referência como dissemos a alguma outra coisa Entretanto se o louvor se aplica a coisas do gênero das que descrevemos evidentemente o que se aplica às melhores coisas não é louvor mas algo de melhor e de maior porquanto aos deuses e aos mais divinos dentre os homens o que fazemos é chamálos felizes e bemaventurados E o mesmo vale para as coisas ninguém louva a felicidade como louva a justiça mas antes a chama de bemaventurada como algo mais divino e melhor Também parece que Eudoxo estava acertado em seu método de sustentar a supremacia do prazer Pensava ele que o fato de não ser louvado o prazer embora seja um bem está a indicar que ele é melhor do que as coisas a que prodigalizamos louvores e tais são Deus e o bem pois é em relação a eles que todas as outras coisas são julgadas O louvor é apropriado à virtude pois graças a ela os homens tendem a praticar ações nobres mas os encômios se dirigem aos atos quer do corpo quer da alma No entanto talvez a sutileza nestes assuntos seja mais própria dos que fizeram um estudo dos encômios para nós o que se disse acima deixa bastante claro que a felicidade pertence ao número das coisas estimadas e perfeitas E também parece ser assim pelo fato de ser ela um primeiro princípio pois é tendoa em vista que fazemos tudo que fazemos e o primeiro princípio e causa dos bens é afirmamos nós algo de estimado e de divino 13 Já que a felicidade é uma atividade da alma conforme à virtude perfeita devemos considerar a natureza da virtude pois talvez possamos compreender melhor por esse meio a natureza da felicidade O homem verdadeiramente político também goza a reputação de haver estudado a virtude acima de todas as coisas pois que ele deseja fazer com que os seus concidadãos sejam bons e obedientes às leis Temos um exemplo disso nos legisladores dos cretenses e dos espartanos e em quaisquer outros dessa espécie que possa ter havido alhures E se esta investigação pertence à ciência política é evidente que ela estará de acordo com o nosso plano inicial Mas a virtude que devemos estudar é fora de qualquer dúvida a virtude humana porque humano era o bem e humana a felicidade que buscávamos Por virtude humana entendemos não a do corpo mas a da alma e também à felicidade chamamos uma atividade de alma Mas assim sendo é óbvio que o político deve saber de algum modo o que diz respeito à alma exatamente como deve conhecer os olhos ou a totalidade do corpo aquele que se propõe a curálos e com maior razão ainda por ser a política mais estimada e melhor do que a medicina Mesmo entre os médicos os mais competentes dãose grande trabalho para adquirir o conhecimento do corpo O político pois deve estudar a alma tendo em vista os objetivos que mencionamos e quanto baste para o entendimento das questões que estamos discutindo já que os nossos propósitos não parecem exigir uma investigação mais precisa que seria aliás muito trabalhosa A seu respeito são feitas algumas afirmações bastante exatas mesmo nas discussões estranhas à nossa escola e delas devemos utilizarnos agora Por exemplo que a alma tem uma parte racional e outra parte privada de razão Que elas sejam distintas como as partes do corpo ou de qualquer coisa divisível ou distintas por definição mas inseparáveis por natureza como o côncavo e o convexo na circunferência de um círculo não interessa à questão com que nos ocupamos de momento Do elemento irracional uma subdivisão parece estar largamente difundida e ser de natureza vegetativa Refirome à que é causa da nutrição e do crescimento pois é essa espécie de faculdade da alma que devemos atribuir a todos os lactantes e aos próprios embriões e que também está presente nos seres adultos com efeito é mais razoável pensar assim do que atribuirlhes uma faculdade diferente Ora a excelência desta faculdade parece ser comum a todas as espécies e não especificamente humana Além disso tudo está a indicar que ela funciona principalmente durante o sono ao passo que é nesse estado que menos se manifestam a bondade e a maldade Daí vem o aforismo de que os felizes não diferem dos infortunados durante metade de sua vida o que é muito natural em vista de ser o sono uma inatividade da alma em relação àquilo que nos leva a chamála de boa ou má a menos talvez que uma pequena parte do movimento dos sentidos penetre de algum modo na alma tornando os sonhos do homem bom melhores que os da gente comum Mas basta quanto a esse assunto Deixemos de lado a faculdade nutritiva uma vez que por natureza ela não participa da excelência humana Parece haver na alma ainda outro elemento irracional mas que em certo sentido participa da razão Com efeito louvamos o princípio racional do homem continente e do incontinente assim como a parte de sua alma que possui tal princípio porquanto ela os impele na direção certa e para os melhores objetivos mas ao mesmo tempo encontrase neles um outro elemento naturalmente oposto ao princípio racional lutando contra este a resistindolhe Porque exatamente como os membros paralisados se voltam para a esquerda quando procuramos movêlos para a direita a mesma coisa sucede na alma os impulsos dos incontinentes movemse em direções contrárias Com uma diferença porém enquanto no corpo vemos aquilo que se desvia da direção certa na alma não podemos vêlo Apesar disso devemos admitir que também na alma existe qualquer coisa contrária ao princípio racional qualquer coisa que lhe resiste e se opõe a ele Em que sentido esse elemento se distingue dos outros é uma questão que não nos interessa Nem sequer parece ele participar de um princípio racional como dissemos Seja como for no homem continente ele obedece ao referido princípio e é de presumir que no temperante e no bravo seja mais obediente ainda pois em tais homens ele fala a respeito de todas as coisas com a mesma voz que o princípio racional Por conseguinte o elemento irracional também parece ser duplo Com efeito o elemento vegetativo não tem nenhuma participação num princípio racional mas o apetitivo e em geral o elemento desiderativo participa dele em certo sentido na medida em que o escuta e lhe obedece É nesse sentido que falamos em atender às razões do pai e dos amigos o que é bem diverso de ponderar a razão de uma propriedade matemática Que de certo modo o elemento irracional é persuadido pela razão também estão a indicálo os conselhos que se costuma dar assim como todas as censuras e exortações E se convém afirmar que também esse elemento possui um princípio racional o que possui tal princípio como também o que carece dele será de dupla natureza uma parte possuindoo em si mesma e no sentido rigoroso do termo e a outra com a tendência de obedecerlhe como um filho obedece ao pai A virtude também se divide em espécies de acordo com esta diferença porquanto dizemos que algumas virtudes são intelectuais e outras morais entre as primeiras temos a sabedoria filosófica a compreensão a sabedoria prática e entre as segundas por exemplo a liberalidade e a temperança Com efeito ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui entendimento mas que é calmo ou temperante No entanto louvamos também o sábio referindo nos ao hábito e aos hábitos dignos de louvor chamamos virtudes LIVRO II 1 Sendo pois de duas espécies a virtude intelectual e moral a primeira por via de regra gerase e cresce graças ao ensino por isso requer experiência e tempo enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito donde terse formado o seu nome por uma pequena modificação da palavra hábito Por tudo isso evidenciase também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza com efeito nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza Por exemplo à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima ainda que tentemos adestrála jogandoa dez mil vezes no ar nem se pode habituar o fogo a dirigirse para baixo nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportarse de outra Não é pois por natureza nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós Digase antes que somos adaptados por natureza a recebêlas e nos tornamos perfeitos pelo hábito Por outro lado de todas as coisas que nos vêm por natureza primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos Isso é evidente no caso dos sentidos pois não foi por ver ou ouvir freqüentemente que adquirimos a visão e a audição mas pelo contrário nós as possuíamos antes de usálas e não entramos na posse delas pelo uso Com as virtudes dáse exatamente o oposto adquirimolas pelo exercício como também sucede com as artes Com efeito as coisas que temos de aprender antes de poder fazêlas aprendemolas fazendo por exemplo os homens tornamse arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento Da mesma forma tornamonos justos praticando atos justos e assim com a temperança a bravura etc Isto é confirmado pelo que acontece nos Estados os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem Esse é o propósito de todo legislador e quem não logra tal desiderato falha no desempenho da sua missão Nisso precisamente reside a diferença entre as boas e as más constituições Ainda mais é das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda virtude assim como toda arte de tocar a lira surgem os bons e os maus músicos Isso também vale para os arquitetos e todos os demais construindo bem tornamse bons arquitetos construindo mal maus Se não fosse assim não haveria necessidade de mestres e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu ofício Isso pois é o que também ocorre com as virtudes pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos pelo que fazemos em presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia nos tornamos valentes ou covardes O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoção da ira uns se tornam temperantes e calmos outros intemperantes e irascíveis portandose de um modo ou de outro em igualdade de circunstâncias Numa palavra as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes É preciso pois atentar para a qualidade dos atos que praticamos porquanto da sua diferença se pode aquilatar a diferença de caracteres E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos habituemos desta ou daquela maneira Tem pelo contrário imensa importância ou melhor tudo depende disso 2 Uma vez que a presente investigação não visa ao conhecimento teórico como as outras porque não investigamos para saber o que é a virtude mas a fim de nos tornarmos bons do contrário o nosso estudo seria inútil devemos examinar agora a natureza dos atos isto é como devemos praticálos pois que como dissemos eles determinam a natureza dos estados de caráter que daí surgem Ora que devemos agir de acordo com a regra justa é um princípio comumente aceito que nós encamparemos Mais tarde19 havemos de nos ocupar dele examinando o que seja a regra justa e como se relaciona com as outras virtudes Uma coisa porém deve ser assentada de antemão e é que todo esse tratamento de assuntos de conduta se fará em linhas gerais e não de maneira precisa Desde o princípio20 fizemos ver que as explicações que buscamos devem estar de acordo com os respectivos assuntos Tal como se passa no que se refere à saúde as questões de conduta e do que é bom para nós não têm nenhuma fixidez Sendo essa a natureza da explicação geral a dos casos particulares será ainda mais carente de exatidão pois não há arte ou preceito que os abranja a todos mas as próprias pessoas atuantes devem considerar em cada caso o que é mais apropriado à ocasião como também sucede na arte da navegação e na medicina Mas embora o nosso tratado seja desta natureza devemos prestar tanto serviço quanto for possível Comecemos pois por frisar que está na natureza dessas coisas o serem destruídas pela falta e pelo excesso como se observa no referente à força e à saúde pois a fim de obter alguma luz sobre coisas imperceptíveis devemos recorrer à evidência das coisas sensíveis Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força e da mesma forma o alimento ou a bebida que ultrapassem determinados limites tanto para mais como para menos destroem a saúde ao passo que sendo tomados nas devidas proporções a produzem aumentam e preservam O mesmo acontece com a temperança a coragem e as outras virtudes pois o homem que a tudo teme e de tudo foge não fazendo frente a nada tornase um covarde e o homem que não teme absolutamente nada mas vai ao encontro de todos os perigos tornase temerário e analogamente o que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum tornase intemperante enquanto o que evita todos os prazeres como fazem os rústicos se torna de certo modo insensível 19 Livro VI cap 13 N do T 20 1094 b 1127 N do T A temperança e a coragem pois são destruídas pelo excesso e pela falta e preservadas pela mediania Mas não só as causas e fontes de sua geração e crescimento são as mesmas que as de seu perecimento como também é a mesma esfera de sua atualização Isto também é verdadeiro das coisas mais evidentes aos sentidos como a força por exemplo ela é produzida pela ingestão de grande quantidade de alimento e por um exercício intenso e quem mais está em condições de fazer isso é o homem forte O mesmo ocorre com as virtudes tornamonos temperantes abstendonos de prazeres e é depois de nos tornarmos tais que somos mais capazes dessa abstenção E igualmente no que toca à coragem pois é habituandonos a desprezar e arrostar coisas terríveis que nos tornamos bravos e depois de nos tornarmos tais somos mais capazes de lhes fazer frente 3 Devemos tomar como sinais indicativos do caráter o prazer ou a dor que acompanham os atos porque o homem que se abstém de prazeres corporais e se deleita nessa própria abstenção é temperante enquanto o que se aborrece com ela é intemperante e quem arrosta coisas terríveis e sente prazer em fazêlo ou pelo menos não sofre com isso é bravo enquanto o homem que sofre é covarde Com efeito a excelência moral relacionase com prazeres e dores é por causa do prazer que praticamos más ações e por causa da dor que nos abstemos de ações nobres Por isso deveríamos ser educados de uma determinada maneira desde a nossa juventude como diz Platão21 a fim de nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas que nos devem causar deleite ou sofrimento pois essa é a educação certa Por outro lado se as virtudes dizem respeito a ações e paixões e cada ação e cada paixão é acompanhada de prazer ou de dor também por este motivo a virtude se relacionará com prazeres e dores Outra coisa que está a indicálo é o fato de ser infligido o castigo por esses meios ora o castigo é uma espécie de cura e é da natureza das curas o efetuaremse pelos contrários 21 Leis 653 ss República 401402 N do T Ainda mais como dissemos não faz muito22 todo estado da alma tem uma natureza relativa e concernente à espécie de coisas que tendem a tornála melhor ou pior mas é em razão dos prazeres e dores que os homens se tornam maus isto é buscandoos ou evitandoos quer prazeres e dores que não devem na ocasião em que não devem ou da maneira pela qual não devem buscar ou evitar quer por errarem numa das outras alternativas semelhantes que se podem distinguir Por isso muitos chegam a definir as virtudes como certos estados de impassividade e repouso não acertadamente porém porque se exprimem de modo absoluto sem dizer como se deve como não se deve quando se deve ou não se deve e as outras condições que se podem acrescentar Admitimos pois que essa espécie de excelência tende a fazer o que é melhor com respeito aos prazeres e às dores e que o vício faz o contrário Os fatos seguintes também nos podem mostrar que a virtude e o vício se relacionam com essas mesmas coisas Como existem três objetos de escolha e três de rejeição o nobre o vantajoso o agradável e seus contrários o vil o prejudicial e o doloroso a respeito de todos eles o homem bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado e especialmente no que toca ao prazer Com efeito além de ser comum aos animais este também acompanha todos os objetos de escolha pois até o nobre e o vantajoso se apresentam como agradáveis Acresce que o agradável e o doloroso cresceram conosco desde a nossa infância e por isso é difícil conter essas paixões enraizadas como estão na nossa vida E alguns mais e outros menos medimos nossas próprias ações pelo estalão do prazer e da dor Por esse motivo toda a nossa inquirição girará em torno deles já que pelo fato de serem legítimos ou ilegítimos o prazer e a dor que sentimos têm efeito não pequeno sobre as nossas ações Por outro lado para usarmos a frase de Heráclito é mais difícil lutar contra o prazer do que contra a dor mas tanto a virtude como a arte se orientam para o mais difícil que até torna melhores as coisas boas Essa é também a razão por que 22 1104 a 27 1104b3NdoT tanto a virtude como a ciência política giram sempre em torno de prazeres e dores de vez que o homem que lhes der bom uso será bom e o que lhes der mau uso será mau Demos por assentado pois que a virtude tem que ver com prazeres e dores que pelos mesmos atos de que ela se origina tanto é acrescida como se tais atos são praticados de modo diferente destruída e que os atos de onde surgiu a virtude são os mesmos em que ela se atualiza 4 Alguém poderia perguntar que entendemos nós ao declarar que devemos tornarnos justos praticando atos justos e temperantes praticando atos temperantes porque se um homem pratica tais atos é que já possui essas virtudes exatamente como se faz coisas concordes com as leis da gramática e da música é que já é gramático e músico Ou não será isto verdadeiro nem sequer das artes Podese fazer uma coisa que esteja concorde com as leis da gramática quer por acaso quer por sugestão de outrem Um homem portanto só é gramático quando faz algo pertencente à gramática e o faz gramaticalmente e isto significa fazêlo de acordo com os conhecimentos gramaticais que ele próprio possui Sucede por outro lado que neste ponto não há similaridade de caso entre as artes e as virtudes porque os produtos das primeiras têm a sua bondade própria bastando que possuam determinado caráter mas porque os atos que estão de acordo com as virtudes tenham determinado caráter não se segue que sejam praticados de maneira justa ou temperante Também é mister que o agente se encontre em determinada condição ao praticálos em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz em segundo deve escolher os atos e escolhêlos por eles mesmos e em terceiro sua ação deve proceder de um caráter firme e imutável Estas não são consideradas como condições para a posse das artes salvo o simples conhecimento mas como condição para a posse das virtudes o conhecimento pouco ou nenhum peso tem ao passo que as outras condições isto é aquelas mesmas que resultam da prática amiudada de atos justos e temperantes são numa palavra tudo Por conseguinte as ações são chamadas justas e temperantes quando são tais como as que praticaria o homem justo ou temperante mas não é temperante o homem que as pratica e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e temperantes É acertado pois dizer que pela prática de atos justos se gera o homem justo e pela prática de atos temperantes o homem temperante sem essa prática ninguém teria sequer a possibilidade de tornarse bom Mas a maioria das pessoas não procede assim Refugiamse na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira Nisto se portam de certo modo como enfermos que escutassem atentamente os seus médicos mas não fizessem nada do que estes lhes prescrevessem Assim como a saúde destes últimos não pode restabelecerse com tal tratamento a alma dos segundos não se tornará melhor com semelhante curso de filosofia 5 Devemos considerar agora o que é a virtude Visto que na alma se encontram três espécies de coisas paixões faculdades e disposições de caráter a virtude deve pertencer a uma destas Por paixões entendo os apetites a cólera o medo a audácia á inveja a alegria a amizade o ódio o desejo a emulação a compaixão e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou dor por faculdades as coisas em virtude das quais se diz que somos capazes de sentir tudo isso ou seja de nos irarmos de magoarnos ou compadecernos por disposições de caráter as coisas em virtude das quais nossa posição com referência às paixões é boa ou má Por exemplo com referência à cólera nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco e boa se a sentimos moderadamente e da mesma forma no que se relaciona com as outras paixões Ora nem as virtudes nem os vícios são paixões porque ninguém nos chama bons ou maus devido às nossas paixões e sim devido às nossas virtudes ou vícios e porque não somos louvados nem censurados por causa de nossas paixões o homem que sente medo ou cólera não é louvado nem é censurado o que simplesmente se encoleriza mas sim o que se encoleriza de certo modo mas pelas nossas virtudes e vícios somos efetivamente louvados e censurados Por outro lado sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha de nossa parte mas as virtudes são modalidades de escolha ou envolvem escolha Além disso com respeito às paixões se diz que somos movidos mas com respeito às virtudes e aos vícios não se diz que somos movidos e sim que temos tal ou tal disposição Por estas mesmas razões também não são faculdades porquanto ninguém nos chama bons ou maus nem nos louva ou censura pela simples capacidade de sentir as paixões Acresce que possuímos as faculdades por natureza mas não nos tornamos bons ou maus por natureza Já falamos disto acima23 Por conseguinte se as virtudes não são paixões nem faculdades só resta uma alternativa a de que sejam disposições de caráter Mostramos assim o que é a virtude com respeito ao seu gênero 6 Não basta contudo definir a virtude como uma disposição de caráter cumpre dizer que espécie de disposição é ela Observemos pois que toda virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de que é a excelência como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada Por exemplo a excelência do olho torna bons tanto o olho como a sua função pois é graças à excelência do olho que vemos bem Analogamente a excelência de um cavalo tanto o torna bom em si mesmo como bom na corrida em carregar o seu cavaleiro e em aguardar de pé firme o ataque do inimigo Portanto se isto vale para todos os casos a virtude do homem também será a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função 23 1103 a 181103 b 2 N do T Como isso vem a suceder já o explicamos atrás24 mas a seguinte consideração da natureza especifica da virtude lançará nova luz sobre o assunto Em tudo que é contínuo e divisível podese tomar mais menos ou uma quantidade igual e isso quer em termos da própria coisa quer relativamente a nós e o igual é um meiotermo entre o excesso e a falta Por meiotermo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos e que é um só e o mesmo para todos os homens e por meiotermo relativamente a nós o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco e este não é um só e o mesmo para todos Por exemplo se dez é demais e dois é pouco seis é o meiotermo considerado em função do objeto porque excede e é excedido por uma quantidade igual esse número é intermediário de acordo com uma proporção aritmética Mas o meiotermo relativamente a nós não deve ser considerado assim se dez libras é demais para uma determinada pessoa comer e duas libras é demasiadamente pouco não se segue daí que o treinador prescreverá seis libras porque isso também é talvez demasiado para a pessoa que deve comêlo ou demasiadamente pouco demasiadamente pouco para Milo e demasiado para o atleta principiante O mesmo se aplica à corrida e à luta Assim um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta buscando o meiotermo e escolhendoo o meiotermo não no objeto mas relativamente a nós Se é assim pois que cada arte realiza bem o seu trabalho tendo diante dos olhos o meiotermo e julgando suas obras por esse padrão e por isso dizemos muitas vezes que às boas obras de arte não é possível tirar nem acrescentar nada subentendendo que o excesso e a falta destroem a excelência dessas obras enquanto o meiotermo a preserva e para este como dissemos se voltam os artistas no seu trabalho e se ademais disso a virtude é mais exata e melhor que qualquer arte como também o é a natureza seguese que a virtude deve ter o atributo de visar ao meiotermo Refirome à virtude moral pois é ela que diz respeito às paixões e ações nas quais existe excesso carência e um meiotermo 24 1104 a 1127 N do T Por exemplo tanto o medo como a confiança o apetite a ira a compaixão e em geral o prazer e a dor podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente e num caso como no outro isso é um mal Mas sentilos na ocasião apropriada com referência aos objetos apropriados para com as pessoas apropriadas pelo motivo e da maneira conveniente nisso consistem o meiotermo e a excelência característicos da virtude Analogamente no que tange às ações também existe excesso carência e um meiotermo Ora a virtude diz respeito às paixões e ações em que o excesso é uma forma de erro assim como a carência ao passo que o meiotermo é uma forma de acerto digna de louvor e acertar e ser louvada são características da virtude Em conclusão a virtude é uma espécie de mediania já que como vimos ela põe a sua mira no meiotermo Por outro lado é possível errar de muitos modos pois o mal pertence à classe do ilimitado e o bem à do limitado como supuseram os pitagóricos mas só há um modo de acertar Por isso o primeiro é fácil e o segundo difícil fácil errar a mira difícil atingir o alvo Pelas mesmas razões o excesso e a falta são característicos do vício e a mediania da virtude Pois os homens são bons de um modo só e maus de muitos modos25 A virtude é pois uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania isto é a mediania relativa a nós a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática E é um meiotermo entre dois vícios um por excesso e outro por falta pois que enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões a virtude encontra e escolhe o meiotermo E assim no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência a virtude é uma mediania com referência ao sumo bem e ao mais justo é porém um extremo Mas nem toda ação e paixão admite um meiotermo pois algumas têm nomes que já de si mesmos implicam maldade como o despeito o despudor a inveja e no campo das ações o adultério o furto o assassínio Todas essas coisas 25 Ver Diehl Elégeia adéspota Elegias Anônimas 16 e outras semelhantes implicam nos próprios nomes que são más em si mesmas e não o seu excesso ou deficiência Nelas jamais pode haver retidão mas unicamente o erro E no que se refere a essas coisas tampouco a bondade ou maldade dependem de cometer adultério com a mulher apropriada na ocasião e da maneira convenientes mas fazer simplesmente qualquer delas é um mal Igualmente absurdo seria buscar um meiotermo um excesso e uma falta em atos injustos covardes ou libidinosos porque assim haveria um meiotermo do excesso e da carência um excesso de excesso e uma carência de carência Mas do mesmo modo que não existe excesso nem carência de temperança e de coragem pois o que é intermediário também é noutro sentido um extremo também das ações que mencionamos não há meiotermo nem excesso nem falta porque de qualquer forma que sejam praticadas são más Em suma do excesso ou da falta não há meiotermo como também não há excesso ou falta de meiotermo 7 Não devemos porém contentarnos com esta exposição geral é mister aplicála também aos fatos individuais Com efeito das proposições relativas à conduta as universais são mais vazias mas as particulares são mais verdadeiras porquanto a conduta versa sobre casos individuais e nossas proposições devem harmonizarse com os fatos nesses casos Podemos tomálos no nosso quadro geral Em relação aos sentimentos de medo e de confiança a coragem é o meiotermo dos que excedem o que o faz no destemor não tem nome muitas disposições não o têm enquanto o que excede na audácia é temerário e o que excede no medo e mostra falta de audácia é covarde Com relação aos prazeres e dores não todos e menos no que tange às dores o meiotermo é a temperança e o excesso é a intemperança Pessoas deficientes no tocante aos prazeres não são muito encontradiças e por este motivo não receberam nome chamemolas porém insensíveis No que se refere a dar e receber dinheiro o meiotermo é a liberalidade o excesso e a deficiência respectivamente prodigalidade e avareza Nesta espécie de ações as pessoas excedem e são deficientes de maneiras opostas o pródigo excede no gastar e é deficiente no receber enquanto o avaro excede no receber e é deficiente no gastar De momento tudo que fazemos é dar um esboço ou sumário e com isso nos contentamos mais adiante essas disposições serão descritas com mais exatidão26 Ainda no que diz respeito ao dinheiro existem outras disposições um meio termo a magnificência pois o homem magnificente difere do liberal o primeiro lida com grandes quantias o segundo com quantias pequenas um excesso a vulgaridade e o mau gosto e uma deficiência a mesquinhez estas diferem das disposições contrárias à liberalidade e mais tarde diremos em quê27 Com respeito à honra e à desonra o meiotermo é o justo orgulho o excesso é conhecido como uma espécie de vaidade oca e a deficiência como uma humildade indébita e a mesma relação que apontamos entre a liberalidade e a magnificência da qual a primeira difere por lidar com pequenas quantias também se verifica aqui pois há uma disposição que tem alguns pontos em comum com o justo orgulho mas ocupase com pequenas honras enquanto a este só interessam as grandes Porque é possível desejar a honra como se deve mais do que se deve e menos do que se deve e o homem que excede em tais desejos é chamado ambicioso o que fica aquém é desambicioso enquanto a pessoa intermediária não tem nome As disposições também não receberam nome salvo a do ambicioso que se chama ambição Por isso as pessoas que se encontram nos extremos arrogamse a posição intermediária e nós mesmos às vezes chamamos as pessoas intermediárias de ambiciosas e outras vezes de desambiciosas e ora louvamos a primeira disposição ora a segunda A razão disso será dada mais adiante28 agora porém falemos sobre as demais disposições de acordo com o método indicado No tocante à cólera também há um excesso uma falta e um meiotermo Embora praticamente não tenham nomes uma vez que chamamos calmo ao 26 Ver Livro IV cap 1 N do T 27 1122 a 2029 1122 b 1018 N do T 28 118b 1126 1125 b 1418 N do T homem intermediário seja o meiotermo também a calma e dos que se encontram nos extremos chamemos irascível ao que excede e irascibilidade ao seu vício e ao que fica aquém da justa medida chamemos pacato e pacatez à sua deficiência Há outros três meiostermos que diferem entre si apesar de revelarem uma certa semelhança comum Todos eles dizem respeito ao intercâmbio em atos e palavras mas diferem no seguinte um se relaciona com a verdade nessas esferas e os outros dois com o que é aprazível e destes um se manifesta em proporcionar divertimento e o outro em todas as circunstâncias da vida É preciso portanto falar destes dois a fim de melhor compreendermos que em todas as coisas o meio termo é louvável e os extremos nem louváveis nem corretos mas dignos de censura Ora a maioria dessas disposições também não receberam nomes mas devemos esforçarnos por inventálos para que a nossa exposição seja clara e fácil de acompanhar No que toca à verdade o intermediário é a pessoa verídica e ao meiotermo podemos chamar veracidade enquanto a simulação que exagera é a jactância e a pessoa que se caracteriza por esse hábito é jactanciosa e a que subestima é a falsa modéstia a que corresponde a pessoa falsamente modesta Quanto à aprazibilidade no proporcionar divertimento a pessoa intermediária é espirituosa e ao meiotermo chamamos espírito o excesso é a chocarrice e a pessoa caracterizada por ele um chocarreiro enquanto a pessoa que mostra deficiência é uma espécie de rústico e a sua disposição é a rusticidade Vejamos finalmente a terceira espécie de aprazibilidade isto é a que se manifesta na vida em geral O homem que sabe agradar a todos da maneira devida é amável e o meiotermo é a amabilidade enquanto o que excede os limites é uma pessoa obsequiosa se não tem nenhum propósito determinado um lisonjeiro se visa ao seu interesse próprio e o homem que peca por deficiência e se mostra sempre desagradável é uma pessoa malhumorada e rixenta Também há meiostermos nas paixões e relativamente a elas pois que a vergonha não é uma virtude e não obstante louvamos os modestos Mesmo nesses assuntos dizse que um homem é intermediário e um outro excede como por exemplo o acanhado que se envergonha de tudo enquanto o que mostra deficiência e não se envergonha de coisa alguma é um despudorado e a pessoa intermediária é modesta A justa indignação é um meiotermo entre a inveja e o despeito e estas disposições se referem à dor e ao prazer que nos inspiram a boa ou má fortuna de nossos semelhantes O homem que se caracteriza pela justa indignação confrange se com a má fortuna imerecida o invejoso que o ultrapassa afligese com toda boa fortuna alheia e o despeitado longe de se afligir chega ao ponto de rejubilarse Teremos oportunidade de descrever alhures estas disposições29 Quanto à justiça como o significado deste termo não é simples após descrever as outras disposições distinguiremos nele duas espécies e mostraremos em que sentido cada uma delas é um meiotermo e trataremos do mesmo modo as virtudes racionais 8 Existem pois três espécies de disposições sendo duas delas vícios que envolvem excesso e carência respectivamente e a terceira uma virtude isto é o meiotermo E em certo sentido cada uma delas se opõe às outras duas pois que cada disposição extrema é contrária tanto ao meiotermo como ao outro extremo e o meiotermo é contrário a ambos os extremos assim como o igual é maior relativamente ao menor e menor relativamente ao maior também os estados medianos são excessivos em confronto com as deficiências e deficientes quando comparados com os excessos tanto nas paixões como nas ações Com efeito o bravo parece temerário em relação ao covarde e covarde em relação ao temerário e da mesma forma o temperante parece um voluptuoso em relação ao insensível e insensível em relação ao voluptuoso e o liberal parece pródigo em confronto com o avaro e avaro em confronto com o pródigo Por isso as pessoas que se encontram nos extremos empurram uma para a outra a intermediária o homem 29 O lugar é incerto talvez Livro III cap 6 Livro IV cap 9 onde se trata das virtudes morais em conjunto ou talvez Livro IV cap 9 onde se discute a vergonha N do T bravo é chamado de temerário pelo covarde e covarde pelo temerário e analogamente nos outros casos Opostas como são umas às outras essas disposições a maior contrariedade é a que se observa entre os extremos e não destes para com o meiotermo porquanto os extremos estão mais longe um do outro que do meiotermo assim como o grande está mais longe do pequeno e o pequeno do grande do que ambos estão do igual Por outro lado alguns extremos mostram certa semelhança com o meio termo como a temeridade com a coragem e a prodigalidade com a liberalidade Os extremos porém mostram a maior disparidade entre si ora os contrários são definidos como as coisas que mais se afastam uma da outra de modo que as coisas mais afastadas entre si são mais contrárias Ao meiotermo o mais contrário às vezes é a deficiência outras vezes o excesso Por exemplo não é a temeridade que representa um excesso mas a covardia uma deficiência que mais se opõe à coragem mas no caso da temperança o que mais se lhe opõe é a intemperança um excesso Isso se deve a dois motivos um dos quais reside na própria coisa pelo fato de um dos extremos estar mais próximo do meiotermo e assemelharse mais a ele não opomos ao meiotermo esse extremo e sim o seu contrário Por exemplo como a temeridade é considerada mais semelhante à coragem e mais próxima desta e a covardia mais dessemelhante é este último extremo que costumamos opor ao meiotermo porquanto as coisas que mais se afastam do meiotermo são consideradas como mais contrárias a ele Esta é pois a causa inerente à própria coisa A outra reside em nós mesmos pois aquilo para que mais tendemos por natureza nos parece mais contrário ao meiotermo Por exemplo nós próprios tendemos mais naturalmente para os prazeres e por isso somos mais facilmente levados à intemperança do que à contenção Daí dizermos mais contrários ao meiotermo aqueles extremos a que face do prazer é portanto a dos anciãos do povo para com Helena e em todas as circunstâncias cumprenos dizer o mesmo que eles porque se não dermos ouvidos ao prazer correremos menos perigo de errar Em resumo é procedendo dessa forma que teremos mais probabilidades de acertar com o meiotermo Não há negar porém que isso seja difícil especialmente nos casos particulares pois quem poderá determinar com precisão de que modo com quem em resposta a que provocação e durante quanto tempo devemos encolerizarnos E às vezes louvamos os que ficam aquém da medida qualificandoos de calmos e outras vezes louvamos os que se encolerizam chamandoos de varonis Não se censura contudo o homem que se desvia um pouco da bondade quer no sentido do menos quer do mais só merece reproche o homem cujo desvio é maior pois esse nunca passa despercebido Mas até que ponto um homem pode desviarse sem merecer censura Isso não é fácil de determinar pelo raciocínio como tudo que seja percebido pelos sentidos tais coisas dependem de circunstâncias particulares e quem decide é a percepção Fica bem claro pois que em todas as coisas o meiotermo é digno de ser louvado mas que às vezes devemos inclinarnos para o excesso e outras vezes para a deficiência Efetivamente essa é a maneira mais fácil de atingir o meiotermo e o que é certo LIVRO III 1 Visto que a virtude se relaciona com paixões e ações e é às paixões e ações voluntárias que se dispensa louvor e censura enquanto as involuntárias merecem perdão e às vezes piedade é talvez necessário a quem estuda a natureza da virtude distinguir o voluntário do involuntário Tal distinção terá também utilidade para o legislador no que tange à distribuição de honras e castigos São pois consideradas involuntárias aquelas coisas que ocorrem sob compulsão ou por ignorância e é compulsório ou forçado aquilo cujo princípio motor se encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão por exemplo se tal pessoa fosse levada a alguma parte pelo vento ou por homens que dela se houvessem apoderado Mas quanto às coisas que se praticam para evitar maiores males ou com algum nobre propósito por exemplo se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse alguém tendo os pais e os filhos em poder daquele praticasse o ato para salvá los de serem mortos é discutível se tais atos são voluntários ou involuntários Algo de semelhante acontece quando se lançam cargas ao mar durante uma tempestade porque em teoria ninguém voluntariamente joga fora bens valiosos mas quando assim o exige a segurança própria e da tripulação de um navio qualquer homem sensato o fará Tais atos pois são mistos mas assemelhamse mais a atos voluntários pela razão de serem escolhidos no momento em que se fazem e pelo fato de ser a finalidade de uma ação relativa às circunstâncias Ambos esses termos voluntário e involuntário devem portanto ser usados com referência ao momento da ação Ora o homem age voluntariamente pois nele se encontra o princípio que move as partes apropriadas do corpo em tais ações e aquelas coisas cujo princípio motor está em nós em nós está igualmente o fazêlas ou não as fazer Ações de tal espécie são por conseguinte voluntárias mas em abstrato talvez sejam involuntárias pois que ninguém as escolheria por si mesmas Por ações dessa espécie os homens são até louvados algumas vezes quando suportam alguma coisa vil ou dolorosa em troca de grandes e nobres objetivos alcançados no caso contrário são censurados porque exporse às maiores indignidades sem qualquer finalidade nobre ou por um objetivo insignificante é próprio de um homem inferior Algumas ações em verdade não merecem louvor mas perdão quando alguém faz o que não deve sem sofrer uma pressão superior às forças humanas e que homem algum poderia suportar Mas há talvez atos que ninguém nos pode forçar a praticar e a que devemos preferir a morte entre os mais horríveis sofrimentos e os motivos que forçaram o Alcmêon de Eurípides a matar a própria mãe nos parecem absurdos É por vezes difícil determinar o que se deveria escolher e a que custo e o que deveria ser suportado em troca de que vantagem e ainda mais difícil é permanecer firme nas resoluções tomadas pois por via de regra o que se espera é doloroso e o que somos forçados a fazer é vil donde serem objeto de louvor e censura aqueles que foram ou que não foram compelidos a agir Que espécie de ações se devem pois chamar forçadas Respondemos que sem ressalvas de qualquer espécie as ações são forçadas quando a causa se encontra nas circunstâncias exteriores e o agente em nada contribui Quanto às coisas que em si mesmas são involuntárias mas no momento atual e devido às vantagens que trazem consigo merecem preferência e cujo princípio motor se encontra no agente essas são como dissemos involuntárias em si mesmas porém no momento atual e em troca dessas vantagens voluntárias E têm mais semelhança com as voluntárias pois que as ações sucedem nos casos particulares e nestes são praticadas voluntariamente Que espécies de coisas devem ser preferidas e em troca de quê Não é fácil determinálo pois existem muitas diferenças entre um caso particular e outro Se alguém afirmasse que as coisas nobres e agradáveis têm um poder compulsório porque nos constrangem de fora para ele todos os atos seriam compulsórios e forçados pois tudo que fazemos tem essa motivação E os que agem forçados e contra a sua vontade agem com dor mas os que praticam atos por sua satisfação própria ou pelo que aqueles têm de nobre fazemno com prazer É absurdo responsabilizar as circunstâncias exteriores e não a si mesmo julgando se facilmente arrastado por tais atrativos e declararse responsável pelos atos nobres enquanto se lança a culpa dos atos vis sobre os objetos agradáveis O compulsório parece pois ser aquilo cujo princípio motor se encontra do lado de fora para nada contribuindo quem é forçado Tudo o que se faz por ignorância é nãovoluntário e só o que produz dor e arrependimento é involuntário Com efeito o homem que fez alguma coisa devido à ignorância e não se aflige em absoluto com o seu ato não agiu voluntariamente visto que não sabia o que fazia mas tampouco agiu involuntariamente já que isso não lhe causa dor alguma E assim das pessoas que agem por ignorância as que se arrependem são consideradas agentes involuntários e as que não se arrependem podem ser chamadas agentes nãovoluntários visto diferirem das primeiras em razão dessa própria diferença devem ter uma denominação distinta Agir por ignorância parece diferir também de agir na ignorância pois do homem embriagado ou enfurecido dizse que age não em resultado da ignorância mas de uma das causas mencionadas e contudo sem conhecimento do que faz mas na ignorância Ora todo homem perverso ignora o que deve fazer e de que deve absterse e é em razão de um erro desta espécie que os homens se tornam injustos e em geral maus Mas o termo involuntário não é geralmente usado quando o homem ignora o que lhe traz vantagem pois não é o propósito equivocado que causa a ação involuntária esse conduziria antes à maldade nem a ignorância do universal pela qual os homens são passíveis de censura mas a ignorância dos particulares isto é das circunstâncias do ato e dos objetos com que ele se relaciona São justamente esses que merecem piedade e perdão porquanto a pessoa que ignora qualquer dessas coisas age involuntariamente Talvez convenha determinar aqui a natureza e o número de tais atos Um homem pode ignorar quem ele próprio é o que está fazendo sobre que coisas ou pessoas está agindo e às vezes também qual é o instrumento que usa com que fim pode pensar por exemplo que está protegendo a segurança de alguém e de que maneira age se com brandura ou com violência por exemplo Ora nenhuma destas coisas um homem pode ignorar a não ser que esteja louco e também é claro que não pode ignorar o agente pois como é possível desconhecer a si mesmo Mas é possível ignorar o que se está fazendo costumamos dizer com efeito ele deixou escapar estas palavras sem querer ou não sabia que se tratava de um segredo como se expressou Esquilo a respeito dos mistérios ou como aquele homem que disparou a catapulta e desculpouse alegando que só queria mostrar o seu funcionamento e ela disparara por si Também é possível confundir nosso filho com um inimigo como ocorreu com Mérope ou pensar que uma lança pontiaguda tem a ponta embotada ou que uma pedra é pedrapomes e podese dar a um homem uma poção para curálo e ao invés disso matálo e também ferir um adversário quando se pretende apenas tocálo como acontece no pugilato A ignorância pode relacionarse portanto com qualquer dessas coisas isto é qualquer das circunstâncias do ato e do homem que ignorava uma delas diz se que agiu involuntariamente sobretudo se ignorava os pontos mais importantes que na opinião geral são as circunstâncias e a finalidade do ato Além disso a prática de um ato considerado involuntário em virtude de uma ignorância desta espécie deve causar dor e trazer arrependimento Como tudo o que se faz constrangido ou por ignorância é involuntário o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato É de presumir que os atos praticados sob o impulso da cólera ou do apetite não mereçam a qualificação de involuntários Porque em primeiro lugar se fossem tais nenhum dos outros animais agiria voluntariamente e as crianças tampouco e em segundo lugar seria o caso de perguntar se o que se entende por isso é que não praticamos voluntariamente nenhum dos atos devidos ao apetite ou à cólera ou se praticamos voluntariamente os atos nobres e involuntariamente os vis Não é absurdo isso quando a causa é uma só e a mesma Inegavelmente seria estranho qualificar de involuntárias as coisas que devemos desejar e é certo que devemos encolerizarnos diante de certas coisas e apetecer outras por exemplo a saúde e a instrução Por outro lado o involuntário é considerado doloroso mas o que está de acordo com o apetite é agradável Ainda mais qual a diferença no que tange à involuntariedade entre os erros cometidos a frio e aqueles em que caímos sob a ação da cólera Ambos devem ser evitados mas as paixões irracionais não são consideradas menos humanas do que a razão por conseguinte também as ações que procedem da cólera ou do apetite são ações do homem Seria estranho pois tratálas como involuntárias 2 Tendo sido delimitados desta forma o voluntário e o involuntário devemos passar agora ao exame da escolha que para os espíritos discriminadores parece estar mais estreitamente ligada à virtude do que as ações A escolha pois parece ser voluntária mas não se identifica com o voluntário O segundo conceito tem muito mais extensão Com efeito tanto as crianças como os animais inferiores participam da ação voluntária porém não da escolha e embora chamemos voluntários os atos praticados sob o impulso do momento não dizemos que foram escolhidos Os que a definem como sendo um apetite a cólera um desejo ou uma espécie de opinião não parecem ter razão Efetivamente a escolha não é também comum às criaturas irracionais mas a cólera e o apetite sim Por outro lado o incontinente age com apetite porém não com escolha o continente pelo contrário age com escolha porém não com apetite Ainda mais há contrariedade entre apetite e escolha mas entre apetite e apetite não E ainda o apetite relacionase com o agradável e o doloroso a escolha nem com um nem com o outro Se assim acontece com o apetite tanto mais com a cólera porquanto os atos inspirados por esta são considerados ainda menos objetos de escolha do que os outros Nem tampouco o é o desejo embora pareça estar mais próximo dela Com efeito a escolha não pode visar a coisas impossíveis e quem declarasse escolhêlas passaria por tolo e ridículo mas podese desejar o impossível a imortalidade por exemplo E o desejo pode relacionarse com coisas em que nenhum efeito teriam os nossos esforços pessoais como por exemplo que determinado ator ou atleta vença uma competição mas ninguém escolhe tais coisas e sim aquelas que julga poderem realizarse graças aos seus esforços Além disso o desejo relacionase com o fim e a escolha com os meios Por exemplo desejamos gozar saúde mas escolhemos os atos que nos tornarão sadios e desejamos ser felizes e confessamos tal desejo mas não podemos dizer com acerto que escolhemos ser felizes pois de um modo geral a escolha parece relacionarse com as coisas que estão em nosso poder Também por este motivo não se pode identificála com a opinião uma vez que esta se relaciona com toda a sorte de coisas não menos as eternas e as impossíveis do que as que estão em nosso poder e por outro lado ela se distingue pela verdade ou falsidade e não pela bondade ou maldade enquanto a escolha se caracteriza acima de tudo por estas últimas Ora com a opinião em geral não há ninguém que a identifique Nós porém acrescentamos que ela não é idêntica a nenhuma espécie de opinião Com efeito por escolher o que é bom ou mau somos homens de um determinado caráter mas não o somos por sustentar esta ou aquela opinião E escolhemos obter ou evitar algo bom ou mau mas temos opiniões sobre o que seja uma coisa para quem ela é boa e de que maneira é boa para ele e não seria muito acertado dizer que opinamos obter ou evitar uma coisa qualquer Acresce que a escolha é louvada pelo fato de relacionarse com o objeto conveniente e não de relacionarse convenientemente com ele ao passo que a opinião é louvada quando tem uma relação verdadeira com o seu objeto E também escolhemos o que sabemos ser melhor tanto quanto nos é dado sabêlo mas opinamos sobre o que não sabemos exatamente e não são as mesmas pessoas que passam por fazer as melhores escolhas e sustentar as melhores opiniões mas de algumas se diz que têm excelentes opiniões e no entanto padecem de um vício qualquer que as impede de escolher bem Não faz diferença que a opinião preceda a escolha ou a acompanhe pois não é isso que estamos examinando mas sim se a escolha é idêntica a alguma espécie de opinião Que é ela pois e que espécie de coisa é se não se identifica com nenhuma daquelas que examinamos Parece ser voluntária mas nem tudo que é voluntário parece ser objeto de escolha Será pois aquilo que decidimos numa análise am2s5oO58 e qal qur formiaae escolh en vove um princ prioracional e io iam2o deoutrmas coisso TjEMC ET11 g 6942605722 45666 2364 refl BT P MCID63 parecc objetos de deliberação os problemas de tratamento médico e de comércio por exemplo E deliberamos mais no caso da navegação do que no da ginástica porque aquela está mais longe de ser exata E nas outras coisas igualmente mais porém quanto às artes do que quanto às ciências pois que as primeiras comportam maiores dúvidas Deliberase a respeito das coisas que comumente acontecem de certo modo mas cujo resultado é obscuro e daquelas em que este é indeterminado E nas coisas de grande monta tomamos conselheiros por não termos confiança em nossa capacidade de decidir Não deliberamos acerca de fins mas a respeito de meios Um médico por exemplo não delibera se há de curar ou não nem um orador se há de persuadir nem um estadista se há de implantar a ordem pública nem qualquer outro delibera a respeito de sua finalidade Dão a finalidade por estabelecida e consideram a maneira e os meios de alcançála e se parece poder ser alcançada por vários meios procuram o mais fácil e o mais eficaz e se por um só examinam como será alcançada por ele e por que outro meio alcançar esse primeiro até chegar ao primeiro princípio que na ordem de descobrimento é o último Com efeito a pessoa que delibera parece investigar e analisar da maneira que descrevemos como se analisasse uma construção geométrica nem toda investigação é deliberação vejamse por exemplo as investigações matemáticas mas toda deliberação é investigação e o que vem em último lugar na ordem da análise parece ser primeiro na ordem da geração E se chegamos a uma impossibilidade renunciamos à busca por exemplo se precisamos de dinheiro e não há maneira de conseguilo mas se uma coisa parece possível tratamos de fazê la Por coisas possíveis entendo aquelas que se podem realizar pelos nossos esforços e em certo sentido isto inclui as que podem ser postas em prática pelos esforços de nossos amigos pois que o princípio motor está em nós mesmos O objeto da investigação são por vezes os instrumentos e por vezes o uso a darlhes e analogamente nos outros casos por vezes o meio outras vezes a maneira de usálo ou de produzilo Parece pois como já ficou dito que o homem é um princípio motor de ações ora a deliberação gira em torno de coisas a serem feitas pelo próprio agente e as ações têm em vista outra coisa que não elas mesmas Com efeito o fim não pode ser objeto de deliberação mas apenas o meio E tampouco podem sêlo os fatos particulares por exemplo se isto é pão e se foi assado como devia pois tais coisas são objetos de percepção Se quiséssemos deliberar sempre teríamos de continuar até o infinito É a mesma coisa aquela sobre que deliberamos e a que escolhemos salvo estar o objeto de escolha já determinado já que aquilo por que nos decidimos em resultado da deliberação é o objeto da escolha Efetivamente todos cessam de indagar como devem agir depois que fizeram voltar o princípio motor a si mesmos e à parte dirigente de si mesmos pois é essa que escolhe Isto se pode ver também nas antigas constituições tais como nolas mostra Homero onde os reis anunciavam ao povo o que haviam escolhido Sendo pois o objeto de escolha uma coisa que está ao nosso alcance e que é desejada após deliberação a escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance porque após decidir em resultado de uma deliberação desejamos de acordo com o que deliberamos Consideremos pois como descrita em linhas gerais a escolha estabelecida a natureza dos seus objetos e o fato de que ela diz respeito aos meios 4 Já mostramos que o desejo tem por objeto o fim alguns pensam que esse fim é o bem e outros que é o bem aparente Ora os primeiros terão de admitir como conseqüência de sua premissa que a coisa desejada pelo homem que não escolhe bem não é realmente um objeto de desejo porque se o fosse deveria ser boa também mas no caso que consideramos é má Por outro lado os que afirmam ser objeto de desejo o bem aparente devem admitir que não existe objeto natural de desejo mas apenas o que parece bom a cada homem é desejado por ele Ora coisas diferentes e até contrárias parecem boas a diferentes pessoas Se estas conseqüências desagradam deveremos dizer que em absoluto e em verdade o bem é o objeto de desejo mas para cada pessoa em particular o é o bem aparente que aquilo que em verdade é objeto de desejo é objeto de desejo para o homem bom e que qualquer coisa pode sêlo para o homem mau assim como no caso dos corpos as coisas que em verdade são saudáveis o são para os corpos em boas condições enquanto para os corpos enfermos outras coisas é que são saudáveis ou amargas doces quentes pesadas e assim por diante Com efeito o homem bom aquilata toda classe de coisas com acerto e em cada uma delas a verdade lhe aparece com clareza mas cada disposição de caráter tem suas idéias próprias sobre o nobre e o agradável e a maior diferença entre o homem bom e os outros consiste talvez em perceber a verdade em cada classe de coisas como quem é delas a norma e a medida Na maioria dos casos o engano devese ao prazer que parece bom sem realmente sêlo e por isso escolhemos o agradável como um bem e evitamos a dor como um mal 5 Sendo pois o fim aquilo que desejamos e o meio aquilo acerca do qual deliberamos e que escolhemos as ações relativas ao meio devem concordar com a escolha e ser voluntárias Ora o exercício da virtude diz respeito aos meios Por conseguinte a virtude também está em nosso poder do mesmo modo que o vício pois quando depende de nós o agir também depende o não agir e viceversa de modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre também temos o de não agir quando é vil e se esta em nosso poder o não agir quando isso é nobre também está o agir quando isso é vil Logo depende de nós praticar atos nobres ou vis e se é isso que se entende por ser bom ou mau então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos O aforismo ninguém é voluntariamente mau nem involuntariamente feliz parece ser em parte falso e em parte verdadeiro porque ninguém é involuntariamente feliz mas a maldade é voluntária Do contrário teremos de contestar o que se acabou de dizer e negar que o homem seja um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos Mas se esses fatos são evidentes e não podemos referir nossas ações a outros princípios motores que não estejam em nós mesmos os atos cujos princípios motores se encontram em nós devem também estar em nosso poder e ser voluntários Isto parece ser confirmado tanto por indivíduos na sua vida particular como pelos próprios legisladores os quais punem e castigam os que cometeram atos perversos a não ser que tenham sido forçados a isso ou agido em resultado de uma ignorância pela qual eles próprios não fossem responsáveis e por outro lado honram os que praticaram atos nobres como se tencionassem estimular os segundos e refrear os primeiros Mas ninguém é estimulado a fazer coisas que não estejam em seu poder nem sejam voluntárias admitese que não há vantagem nenhuma em sermos persuadidos a não sentir calor fome dor e outras sensações do mesmo gênero já que não as sentiríamos menos por isso E sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela como no caso das penas dobradas para os ébrios pois o princípio motor está no próprio indivíduo visto que ele tinha o poder de não se embriagar e o fato de se haver embriagado foi causa da sua ignorância E punimos igualmente aqueles que ignoram quaisquer prescrições das leis quando a todos cumpre conhecêlas e isso não é difícil e da mesma forma em todos os casos em que a ignorância seja atribuída à negligência presumimos que dependa dos culpados o não ignorar visto que têm o poder de informarse diligentemente Mas talvez um homem seja feito de tal modo que não possa ser diligente Sem embargo tais homens são responsáveis em razão da vida indolente que levam por se haverem tornado pessoas dessa espécie Os homens tornamse responsáveis por serem injustos ou intemperantes no primeiro caso burlando o próximo e no segundo passando o seu tempo em orgias e coisas que tais pois são as atividades exercidas sobre objetos particulares que fazem o caráter correspondente Bem o mostram as pessoas que se treinam para uma competição ou para uma ação qualquer praticandoa constantemente Ora ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de homem verdadeiramente insensato Não menos irracional é supor que um homem que age injustamente não deseja ser injusto ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante Mas quando sem ser ignorante um homem faz coisas que o tornarão injusto ele será injusto voluntariamente Daí não se segue porém que se assim o desejar deixará de ser injusto e se tornará justo Porque tampouco o que está enfermo se cura nessas condições Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente por viver na incontinência e desobedecer aos seus médicos Nesse caso a princípio dependia dele o não ser doente mas agora não sucede assim porquanto virou as costas à sua oportunidade tal como para quem arremessou uma pedra já não é possível recuperála e contudo estava em seu poder não arremessar visto que o princípio motor se encontrava nele O mesmo sucede com o injusto e o intemperante a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie de modo que é por sua própria vontade que são injustos e intemperantes e agora que se tornaram tais não lhes é possível ser diferentes Mas não só os vícios da alma são voluntários senão que também os do corpo o são para alguns homens aos quais censuramos por isso mesmo ao passo que ninguém censura os que são feios por natureza censuramos os que o são por falta de exercício e de cuidado O mesmo vale para a fraqueza e a invalidez ninguém condenaria um cego de nascença por doença ou por efeito de algum golpe mas todos censurariam um homem que tivesse cegado em conseqüência da embriaguez ou de alguma outra forma de intemperança Dos vícios do corpo pois os que dependem de nós são censurados e os que não dependem não o são E assim sendo também nos outros casos os vícios que são objetos de censura devem depender de nós Alguém poderia objetar que todos os homens desejam o bem aparente mas não têm nenhum controle sobre a aparência e que o fim se apresenta a cada um sob uma forma correspondente ao seu caráter A isso respondemos que se cada homem é de certo modo responsável pela sua disposição de ânimo será também de certo modo responsável pela aparência do contrário ninguém seria responsável pelos seus maus atos mas todos os praticariam pela ignorância do fim julgando que com eles lograriam o melhor Ora visar ao fim não depende da nossa escolha mas é preciso ter nascido com um sexto sentido por assim dizer que nos permita julgar com acerto e escolher o que é verdadeiramente bom e realmente bem dotado pela natureza é quem o possui Com efeito isso é o que há de mais nobre e não podemos adquirilo nem aprendêlo de outrem mas o possuímos sempre tal como nos foi dado ao nascer e ser bem e nobremente dotado dessa qualidade é a perfeição e a cúpula de ouro dos dotes naturais Se isto é verdade como será a virtude mais voluntária do que o vício Tanto para o homem bom como para o mau o fim se apresenta tal e é fixado pela natureza ou pelo que quer que seja e todos os homens agem referindo cada coisa a ele Portanto quer não seja por natureza que o fim se apresente a cada homem tal como se apresenta algo todavia também depende dele quer o fim seja natural uma vez que o homem bom adota voluntariamente o meio a virtude é voluntária o vício não será menos voluntário pois no homem mau está igualmente presente aquilo que depende dele próprio em seus atos embora não na sua escolha de um fim Se pois como se afirma as virtudes são voluntárias pois nós próprios somos em parte responsáveis por nossas disposições de caráter e é por sermos pessoas de certa espécie que concebemos o fim como sendo tal ou tal os vícios também serão voluntários porque o mesmo se aplica a eles Quanto às virtudes em geral esboçamos uma definição do seu gênero mostrando que são meios e também que são disposições de caráter e além disso que tendem por sua própria natureza para a prática dos atos que as produzem que dependem de nós são voluntárias e agem de acordo com as prescrições da regra justa Mas as ações e as disposições de caráter não são voluntárias do mesmo modo porque de princípio a fim somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias mas embora controlemos o despontar de nossas disposições de caráter o desenvolvimento gradual não é óbvio como não o é também na doença no entanto como estava em nosso poder agir ou não agir de tal maneira as disposições são voluntárias Tomemos porém as várias virtudes e digamos quais são com que espécies de coisas se relacionam e como se relacionam com elas e ao mesmo tempo se verá quantas são Em primeiro lugar falemos da coragem 6 Que a coragem é um meiotermo em relação aos sentimentos de medo e confiança já foi suficientemente esclarecido31 e evidentemente as coisas que tememos são coisas terríveis que qualificamos sem reservas de males e por este motivo alguns chegam a definir o medo como uma expectação do mal Ora nós tememos todos os males como o desprezo a pobreza a doença a falta de amigos a morte mas não se pensa que a bravura se relacione com todos eles pois que temer certas coisas é até justo e nobre e vil o não se arrecear delas O desprezo por exemplo quem o teme é pessoa boa e recatada e desavergonhada quem não o teme No entanto alguns chamam bravo a um tal homem por uma transferência do sentido da palavra visto ter ele algo em comum com o homem bravo que também é destemido Quanto à pobreza e à doença talvez não devêssemos temêlas nem em geral às coisas que não procedem do vício e não dependem de nós próprios Mas tampouco o homem que não as receia é bravo No entanto aplicamoslhe o termo 31 1107 a 33 1107 b 4 N do T também em virtude de uma semelhança pois alguns que são covardes diante dos perigos da guerra mostramse liberais e corajosos em face da perda de dinheiro Tampouco é covarde o homem que teme os insultos à sua esposa e a seus filhos a inveja ou qualquer coisa dessa espécie nem é bravo se mostra coragem quando está para ser açoitado Com que espécie de coisas terríveis então se relaciona a bravura Seguramente com as maiores pois ninguém como o homem bravo é capaz de fazer frente ao que aterroriza o comum das pessoas Ora a morte é a mais terrível de todas as coisas pois ela é o fim e acreditase que para os mortos já não há nada de bom ou mau Mas a bravura não parece relacionarse sequer com a morte em todas as circunstâncias como no mar ou nas doenças por exemplo Em que circunstâncias então Sem a menor dúvida nas mais nobres Ora essas mortes são as que ocorrem em batalha pois é em face dos maiores e mais nobres perigos que se verificam E por isso mesmo são honradas nas cidadesEstados e nas cortes dos monarcas Propriamente falando pois é chamado bravo quem se mostra destemido em face de uma morte honrosa e de todas as emergências que envolvem o perigo de morte e as emergências da guerra são em sumo grau desta espécie Mas também no mar e na doença o homem bravo é destemido se bem que não do mesmo modo que o marinheiro porque ele renunciou à esperança de salvarse e detesta a idéia dessa espécie de morte enquanto aqueles se mantêm esperançosos devido à sua experiência Por outro lado somos corajosos em situações que nos permitem mostrar o nosso valor ou em que a morte seja nobre mas nas formas de morte que acabamos de apontar nenhuma dessas condições se realiza 7 As coisas terríveis não são as mesmas para todos os homens Dizemos contudo que algumas o são além das forças humanas Essas pois são terríveis para todos ao menos para todo homem no seu juízo normal mas as que não ultrapassam as forças humanas diferem em magnitude e grau assim como as coisas que inspiram confiança Ora os bravos são tão indômitos quanto pode sêlo um homem Por isso embora temam também as coisas que não estão acima das forças humanas enfrentamnas como devem e como prescreve a regra a bem da honra pois essa é a finalidade da virtude Mas é possível temêlas mais ou menos e também temer coisas que não são terríveis como se o fossem Dos erros que se podem cometer um consiste em temer o que não se deve outro em temer como não se deve outro quando não se deve e assim por diante e da mesma forma quanto às coisas que inspiram confiança Por conseguinte o homem que enfrenta e que teme as coisas que deve e pelo devido motivo da maneira e na ocasião devidas e que mostra confiança nas condições correspondentes é bravo porque o homem bravo sente e age conforme os méritos do caso e do modo que a regra prescreve Ora o fim de toda atividade é a conformidade com a correspondente disposição de caráter Ora a coragem é nobre portanto seu fim também é nobre pois cada coisa é definida pelo seu fim Donde se conclui que é com uma finalidade nobre que o homem bravo age e suporta conforme lhe aponta a coragem Dos que vão aos excessos o que excede no destemor não tem nome já dissemos anteriormente que muitas disposições de caráter não o têm32 mas seria uma espécie de louco ou de homem insensível se nada temesse nem os terremotos nem as ondas como dizem que são os celtas enquanto o homem que excede na confiança com respeito ao que é realmente terrível é temerário Considerase por isso o homem temerário como um jactancioso e um mero simulador de coragem Seja como for o que o bravo é com relação às coisas terríveis o temerário deseja parecer portanto imitao nas situações em que lhe é possível fazêlo Daí também o serem a maioria deles uma mistura de temeridade e covardia porque embora mostrem arrojo em tais situações não se mantêm firmes contra o que é realmente terrível 32 1107 b 2 cf 1107 b 29 1108 a 5 N do T O homem que excede no medo é um covarde porque teme tanto o que deve como o que não deve e todas as características do mesmo gênero lhe são aplicáveis Faltalhe igualmente confiança mas fazse notar principalmente pelo excesso de medo em situações difíceis O covarde é por isso um homem dado ao desespero pois teme todas as coisas O bravo por outro lado tem a disposição contrária pois a confiança é a marca característica de um natural esperançoso Em suma a covardia a temeridade e a bravura relacionamse com os mesmos objetos mas revelam disposições diferentes para com eles pois as duas primeiras vão ao excesso ou ficam aquém da medida ao passo que a terceira mantémse na posição mediana que é a posição correta Os temerários são precipitados e desejam os perigos com antecipação mas recuam quando os têm pela frente enquanto os bravos são ardentes no momento de agir mas fora disso são tranqüilos Como dissemos pois a coragem é um meiotermo no tocante às coisas que inspiram confiança ou medo nas circunstâncias que descrevemos33 e o homem corajoso escolhe e suporta coisas porque é nobre fazêlo ou porque é vil deixar de fazêlo Contudo morrer para escapar à pobreza ao amor ou ao que quer que seja de doloroso não é próprio de um homem bravo mas antes de um covarde Porquanto é moleza fugir do que nos atormenta e um homem dessa espécie suporta a morte não por ela ser nobre mas para eximirse ao mal 8 A coragem é pois algo como o que descrevemos mas o nome também se aplica a cinco outras espécies 1 Em primeiro lugar vem a coragem do cidadãosoldado que é a que mais se assemelha à verdadeira coragem Os cidadãossoldados parecem enfrentar os perigos em virtude das penas cominadas pelas leis e das censuras em que incorreriam se assim não procedessem e também por causa das honras que lhes valerá a sua ação Por isso afiguramse mais bravos aqueles povos entre os quais os 33 Cap 6 N do T covardes são expostos à desonra e os bravos são honrados Essa é a espécie de coragem retratada por Homero por exemplo em Diômedes e em Heitor Primeiro Polidamas amontoará censuras sobre mim34 e Pois um dia entre os troianos Heitor dirá com soberba Medroso foi Tídides e fugiu da minha frente35 Esta espécie de coragem é a que mais se assemelha à acima descrita36 porque se deve à virtude em sua origem estão a vergonha o desejo de um nobre objeto a honra e o medo à desonra que é ignóbil Poderseiam incluir nesta classe mesmo aqueles que são forçados pelos seus governantes mas esses são inferiores pois o que fazem não é por sentimentos de honra mas por medo e não para evitar o que é vergonhoso e sim o que é doloroso Com efeito os seus chefes os compelem como Heitor37 Mas se eu deparar com algum poltrão a tremer longe da refrega Em vão esperará ele escapar aos cães E o mesmo fazem os que os colocam nos seus postos e os espancam quando recuam38 ou os que os dispõem em fileiras com fossos ou coisas semelhantes à retaguarda todos esses usam a compulsão Mas devese ser bravo não sob coação e sim porque isso é nobre 2 A experiência com relação a fatos particulares é também considerada como coragem aí temos em verdade a razão pela qual Sócrates identificava a coragem com o conhecimento Outras pessoas revelam essa qualidade diante de outros perigos e os soldados profissionais nos perigo da guerra pois na guerra parece haver muitos alarmas infundados dos quais esses homens têm a mais ampla experiência e por isso parecem bravos uma vez que os outros ignoram a natureza dos fatos Por outro lado sua experiência os torna capacíssimos no ataque e na defesa porquanto sabem fazer bom uso das armas e dispõem das melhores tanto para atacar como pára defenderse Batemse por conseguinte como homens armados contra homens desarmados ou como atletas bem treinados contra 34 Ilíada XXII 100 N do T 35 Ibid VIII 148149 N do T 36 Caps 6 e 7 N do T 37 A citação de Aristóteles assemelhase mais à Ilíada II 3913 onde fala Agamênon do que à XV 34851 onde fala Heitor N do T 38 Cf Heródoto VII 223 N do T amadores pois também nesses encontros não é o mais bravo que melhor luta mas o mais forte e o que tem o corpo em melhores condições Os soldados profissionais mostramse covardes no entanto quando a tensão do perigo é muito grande e quando são inferiores em número e em equipamento E são os primeiros a fugir ao passo que as milícias de cidadãos perecem nos seus postos como realmente sucedeu no templo de Hermes Com efeito para estes últimos a fuga é desonrosa e morrer é preferível a salvarse em tais condições enquanto os primeiros desde o princípio enfrentaram o perigo na convicção de que eram os mais fortes e ao terem conhecimento da realidade fogem temendo mais a morte do que a desonra O bravo porém não procede assim 3 A paixão também é confundida às vezes com a coragem Os que agem sob o impulso da paixão como feras que se arremessam sobre os que as feriram são considerados bravos porque os homens bravos também são apaixonados Com efeito a paixão mais do que qualquer outra coisa anseia por atirarse ao perigo daí as frases de Homero instilou força na sua paixão39 despertoulhes o ânimo e a paixão40 respirava forte ofegando41 e seu sangue fervia Todas estas expressões parecem indicar o ímpeto e o tumulto da paixão Ora os bravos agem com a mira na honra mas são auxiliados pela paixão enquanto as feras agem sob a influência da dor atacam porque foram feridas ou porque têm medo pois que nunca se aproximam de quem se extravia numa floresta E assim não são bravas porque impelidas pela dor e pela paixão atiramse aos perigos sem prevêlos Do contrário até os asnos seriam bravos quando têm fome pois não há força de golpes que os faça afastar do seu pasto e também a luxúria leva os adúlteros a cometer muitos atos audaciosos Não são bravas pois aquelas criaturas que a dor ou a paixão impele para diante do perigo A coragem devida à paixão parece ser a mais natural tornandose verdadeira coragem quando se lhe ajuntam a escolha e o motivo 39 Isto é uma fusão de Ilíada XI 11 ou XIV 151 e XVI 529 N do T 40 Cf Ilíada V 470 XV 232 594 N do T 41 Cf Odisséia XXIV 318 ss N do T Os homens pois assim como os animais experimentam dor quando estão irados e prazer quando se vingam Os que lutam por esses motivos no entanto são pugnazes mas não são bravos porquanto não agem tendo em vista a honra nem como prescreve a regra mas levados pela força da emoção Sem embargo existe neles algo que tem afinidade com a coragem 4 Tampouco as pessoas otimistas são bravas pois essas mostram confiança diante do perigo só porque venceram muitas vezes e contra muitos inimigos E contudo assemelhamse de perto aos bravos porque ambos são confiantes mas os bravos são confiantes pelas razões que expusemos atrás42 enquanto estes o são porque supõem serem os mais fortes e incapazes de sofrer o que quer que seja Os bêbedos também se portam dessa maneira tornamse otimistas Quando todavia as suas aventuras terminam mal rodam sobre os calcanhares mas a marca distintiva do homem bravo era enfrentar as coisas que são e parecem terríveis porque é nobre fazêlo e vergonhoso não o fazer Também por isso considerase como marca distintiva de um homem mais bravo o mostrarse destemido e imperturbável nos alarmas repentinos do que nos perigos previstos pois isso deve proceder mais de uma disposição de caráter e menos da preparação os atos previstos podem ser escolhidos por cálculo e regra mas os atos imprevistos devem estar de acordo com a disposição de caráter do agente 5 As pessoas que ignoram o perigo também parecem bravas e não distam muito das de temperamento sangüíneo e otimista mas são inferiores por não terem confiança em si mesmas como as segundas Também por isso os otimistas se mantêm firmes durante algum tempo mas os que foram enganados sobre a realidade dos fatos fogem tão logo sabem ou suspeitam que estes são diferentes do que supunham como sucedeu com os argivos quando travaram combate com os espartanos tomandoos por siciônios E com isto fica completada a descrição do caráter tanto dos homens bravos como dos que são considerados bravos 42 1115b 1124 N do T 9 Se bem que a coragem se relacione com sentimentos de medo e de confiança não se relaciona igualmente com ambos mas em grau maior com as coisas que inspiram medo Com efeito aquele que permanece imperturbável e se porta como deve em face dessas coisas é mais genuinamente bravo do que o homem que faz o mesmo diante das coisas que inspiram confiança Como dissemos43 pois é por fazer frente ao que é doloroso que os homens são chamados bravos Portanto também a coragem envolve dor e é justamente louvada por isso pois mais difícil é enfrentar o que é doloroso do que absterse do que é agradável Sem embargo a finalidade que a coragem se propõe dirseia que é agradável mas é encoberta pelas circunstâncias do caso como também sucede nas competições atléticas porquanto é agradável o fim visado pelos pugilistas isto é a coroa e as honras mas os golpes que recebem são dolorosos e excruciantes para o corpo como também o são os seus esforços e como os golpes e os esforços são muitos o fim que é um só e pequeno parece nada ter de agradável E assim se o mesmo se dá com a coragem a morte e os ferimentos serão dolorosos para o homem bravo e contrários à sua vontade mas ele os enfrentará porque é nobre fazêlo e vil deixar de fazêlo E quanto mais virtuoso e feliz for mais lhe doerá o pensamento da morte pois é para tal homem que mais valor tem a vida e ele conscientemente renuncia ao maior dos bens o que é doloroso Mas nem por isso deixa de ser bravo e talvez o seja ainda mais por escolher a esse custo a prática de atos nobres na guerra Nem de todas as virtudes portanto o exercício é agradável salvo na medida em que alcançam o seu fim Mas é bem possível que os melhores soldados não sejam homens dessa espécie e sim os que são menos bravos mas não possuem outros bens pois esses estão prontos para enfrentar o perigo e vendem suas vidas por uma ninharia 43 1115b713NdoT Quanto à coragem dissemos o suficiente Não é difícil compreenderlhe a natureza em linhas gerais pelo menos em face do que ficou exposto 10 Depois da coragem falemos da temperança pois estas parecem ser as virtudes das partes irracionais Dissemos44 que a temperança é um meiotermo em relação aos prazeres porque diz menos respeito às dores e não do mesmo modo e a intemperança também se manifesta na mesma esfera Determinemos pois com que espécie de prazeres se relacionam ambas Podemos admitir a distinção entre prazeres corporais e prazeres da alma ais como o amor à honra e o amor ao estudo pois quem ama uma dessas coisas deleitase naquilo que ama não sendo o corpo de nenhum modo afetado e sim a mente mas com relação a tais prazeres os homens não são chamados temperantes nem intemperantes E tampouco em relação aos outros prazeres que não sejam do corpo os que gostam de ouvir e de contar histórias e passam o dia ocupados com tudo que acontece são chamados mexeriqueiros e não intemperantes e da mesma forma os que sofrem com a perda de dinheiro ou de amigos A temperança deve relacionarse com os prazeres corporais não porém com todos pois os que se deleitam com objetos da visão tais como as cores as formas e a pintura não são chamados temperantes nem intemperantes e contudo parece que é possível deleitarse com essas coisas tanto como se deve quanto em excesso ou em grau insuficiente O mesmo se pode dizer dos objetos da audição ninguém chama de intemperantes os que se deleitam em demasia com a música ou as representações teatrais nem de temperantes os que o fazem na medida justa Também não aplicamos esses nomes aos que se deleitam com odores a não ser incidentalmente não chamamos de intemperantes os que se deliciam com o cheiro de maçãs de rosas ou de incenso mas sim os que sentem prazer em cheirar molhos e acepipes com efeito os intemperantes deleitamse com essas coisas 44 1107 b 46 N do T porque lhes lembram os objetos de seu apetite E até a outras pessoas quando têm fome causa prazer o cheiro de comida mas comprazerse nessa espécie de coisas é característico do homem intemperante pois elas são objetos de apetite para ele Fora do homem não há nos outros animais nenhum prazer relacionado com esses sentidos a não ser incidentalmente Porquanto os cães não se deleitam com o cheiro das lebres mas sim em comêlas acontece apenas que o faro os avisou da presença de uma lebre Nem o leão se deleita em ouvir o mugido do boi mas tão somente em comêlo percebeu pelo mugido que o animal estava próximo e por essa razão parece deleitarse com o mugido do mesmo modo não se deleita em ver um veado ou uma cabra montês45 mas porque vai devorálos Apesar disso a temperança e a intemperança relacionamse com a espécie de prazeres que é compartilhada pelos outros animais e que por esse motivo parecem inferiores e brutais são eles os prazeres do tato e do paladar Mesmo destes últimos no entanto parecem fazer pouco ou nenhum uso porquanto a função do paladar é a discriminação dos sabores como fazem os provadores de vinho e as pessoas que temperam iguarias No entanto mal se pode dizer que se comprazem em fazer tais discriminações pelo menos tal não é o caso das pessoas intemperantes A essas só interessa o gozo do objeto em si que sempre é uma questão de tato tanto no que toca ao comer como ao beber e à união dos sexos Por isso certo glutão rogou aos deuses que sua garganta se tornasse mais longa que a de um grou donde se infere que todo o seu prazer vinha do contato E assim o sentido com que se deleita a intemperança é o mais largamente difundido de todos e ela parece ser justamente motivo de censura porque nos domina não como homens mas como animais Deleitarse com tais coisas portanto e amálas sobre todas as outras é próprio dos brutos Porque mesmo dos prazeres do tato os mais liberais foram eliminados como os que a fricção e o resultante calor produzem no ginásio com efeito o contato preferido pelo homem intemperante não afeta o corpo inteiro mas apenas certas partes 45 Ilíada III 24 N do T 11 Dos apetites alguns parecem comuns e outros peculiares aos indivíduos e adquiridos Por exemplo o apetite do alimento é natural já que todos os que o sentem anseiam comer e beber e às vezes ambas as coisas e também pelo amor como diz Homero46 quando são jovens e vigorosos mas nem todos anseiam por esta ou aquela espécie de alimento ou de amor nem pelas mesmas coisas Por isso tal anseio parece ser uma questão inteiramente pessoal No entanto é muito natural que assim seja pois diferentes coisas agradam a diferentes indivíduos e algumas são mais agradáveis a todos do que qualquer objeto tomado ao acaso Ora nos apetites naturais poucos se enganam e numa só direção a do excesso e comer ou beber tudo que se tenha à mão até a saciedade é exceder a medida natural pois que o apetite natural se limita a preencher o que nos falta Por isso tais pessoas são chamadas deuses do estômago dando a entender que enchem o estômago além da medida E só pessoas de caráter inteiramente abjeto se tornam assim Mas no que se refere aos prazeres peculiares a indivíduos muitas pessoas erram e de muitas maneiras Pois enquanto as pessoas que gostam disto ou daquilo são assim chamadas ou porque se deleitam nas coisas que não devem ou mais do que o comum dos homens ou de maneira indébita os intemperantes excedem de todos os três modos tanto se comprazem em coisas com as quais não deveriam comprazerse porquanto são odiosas como se é lícito comprazerse em algumas coisas de sua predileção eles o fazem mais do que se deve e do que o faz a maioria dos homens Está claro pois que o excesso em relação aos prazeres é intemperança e é culpável Com respeito às dores ninguém é como no caso da coragem chamado temperante por arrostálas nem intemperante por deixar de fazêlo mas o homem intemperante é assim chamado porque sofre mais do que deve quando não obtém as coisas que lhe apetecem sendo pois a sua própria dor um efeito do prazer e o 46 Ilíada XXIV 130 N do T homem temperante leva esse nome porque não sofre com a ausência do que é agradável nem com o fato de absterse O intemperante pois almeja todas as coisas agradáveis ou as que mais o são e é levado pelo seu apetite a escolhêlas a qualquer custo por isso sofre não apenas quando não as consegue mas também quando simplesmente anseia por elas pois o apetite é doloroso No entanto parece absurdo sofrer por causa do prazer As pessoas que ficam aquém da medida em relação aos prazeres e se deleitam com eles menos do que deviam são raras e quase inexistentes pois uma tal insensibilidade não é humana Até os outros animais distinguem diferentes espécies de alimentos e apreciam uns mais do que outros E se há alguém que não se agrade de nada e não ache nenhuma coisa mais atraente do que outra qualquer esse alguém deve ser algo muito diferente de um homem tal espécie de pessoa não recebeu nome porque dificilmente é encontrada O temperante ocupa uma posição mediana em relação a esses objetos Com efeito nem aprecia as coisas que são preferidas pelo intemperante as quais chegam até a desagradarlhe nem em geral as coisas que não deve nem nada disso em excesso por outro lado não sofre nem anseia por elas quando estão ausentes ou só o faz em grau moderado e não mais do que deve e nunca quando não deve e assim por diante Mas as coisas que sendo agradáveis contribuem para a saúde ou a boa condição do corpo ele as deseja moderadamente e como deve assim como também as outras coisas agradáveis que não constituam empecilho a esses fins nem sejam contrárias ao que é nobre nem estejam acima dos seus meios Pois aquele que não atende a essas condições ama tais prazeres mais do que eles merecem mas o homem temperante não é uma pessoa dessa espécie e sim da espécie prescrita pela regra justa 12 A intemperança assemelhase mais a uma disposição voluntária do que a covardia pois a primeira é atuada pelo prazer e a segunda pela dor ora a um nós procuramos e à outra evitamos acresce ainda que a dor transtorna e destrói a natureza da pessoa que a sente ao passo que o prazer não tem tais efeitos Logo a intemperança é mais voluntária E por isso mesmo é ela mais passível de censura pois é mais fácil acostumar se aos seus objetos já que a vida tem muitas coisas dessa espécie para oferecer e a elas nos acostumamos sem perigo para nós ao passo que com os objetos terríveis dáse exatamente o contrário Mas a covardia parece ser voluntária em grau diferente de suas manifestações particulares Com efeito ela própria é indolor mas nestas últimas somos avassalados pela dor que nos leva a abandonar nossas armas e a desonrarnos de outras maneiras e por isso alguns chegam a pensar que os nossos atos em tais ocasiões são forçados Para o intemperante ao contrário os atos particulares são voluntários já que ele os pratica sob o impulso do apetite e do desejo mas a disposição em sua totalidade o é menos uma vez que ninguém deseja ser intemperante O termo intemperante também se aplica a faltas infantis por mostrarem certa semelhança com o que estivemos considerando Ao nosso propósito atual não interessa indagar qual das duas acepções deriva da outra mas é evidente que esta segunda é derivada A transferência de sentido parece bastante plausível pois quem deseja aquilo que é vil e que se desenvolve rapidamente deve ser refreado a tempo ora essas características pertencem acima de tudo ao apetite e à criança já que na realidade as crianças vivem à mercê dos apetites e nelas tem mais força o desejo das coisas agradáveis Se não forem obedientes e submissas ao princípio racional irão a grandes extremos pois num ser irracional o desejo do prazer é insaciável embora experimente todas as fontes de satisfação Acresce que o exercício do apetite aumentalhe a força inata e quando os apetites são fortes e violentos chegam ao ponto de excluir a faculdade de raciocinar Portanto os apetites devem ser poucos e moderados e não se oporem de modo algum ao princípio racional e isso é o que chamamos obediência e disciplina E assim como a criança deve submeterse à direção do seu preceptor também o elemento apetitivo deve subordinarse ao princípio racional Em conclusão no homem temperante o elemento apetitivo deve harmonizarse com o princípio racional pois o que ambos têm em mira é o nobre e o homem temperante apetece as coisas que deve da maneira e na ocasião devidas e isso é o que prescreve o princípio racional Aqui termina a nossa análise da temperança LIVRO IV 1 Falemos agora da liberalidade que parece ser o meiotermo em relação à riqueza O homem liberal com efeito é louvado não pelos seus feitos militares nem pelas coisas que se costuma louvar no temperante nem por decidir com justiça num tribunal mas no tocante ao dar e receber riquezas e especialmente ao dar Ora por riquezas entendemos todas as coisas cujo valor se mede pelo dinheiro A prodigalidade e a avareza por sua vez são um excesso e uma deficiência no tocante à riqueza Sempre imputamos a avareza aos que amam a riqueza mais do que devem mas também usamos o termo prodigalidade num sentido complexo chamando pródigos aos homens incontinentes que malbaratam dinheiro com os seus prazeres Daí o serem eles considerados os caracteres mais fracos pois combinam em si mais de um vício Contudo a aplicação do termo a tais pessoas não é apropriada porquanto um pródigo é um homem que possui uma só má qualidade a de malbaratar os seus bens Pródigo é aquele que se arruína por sua própria culpa e o malbaratar seus bens é considerado uma forma de arruinar a si mesmo pois é opinião de muitos que a vida depende da posse de riquezas Esse é por conseguinte o sentido em que tomamos a palavra prodigalidade Ora as coisas úteis podem ser bem ou mal usadas e a riqueza é útil e cada coisa é usada da melhor maneira pelo homem que possui a virtude relacionada com ela Quem melhor usará a riqueza por conseguinte é o homem que possuí a virtude relacionada com a riqueza e esse é o homem liberal Ora dar e gastar parece ser o uso da riqueza ao passo que adquirir e conservar é antes a sua posse Por isso é mais próprio do homem liberal dar às pessoas que convém do que adquirir das fontes que convém e não das indébitas Com efeito é mais característico da virtude fazer o bem do que recebêlo de outrem e praticar ações nobres do que absterse de ações vis e facilmente se compreende que dar implica fazer o bem e praticar uma ação nobre enquanto receber implica ser o beneficiário de uma boa ação ou não agir de maneira vil E somos gratos a quem dá porém não ao que não recebe e o primeiro é mais louvado do que o segundo Também é mais fácil não receber do que dar pois os homens preferem desfazerse do pouco que têm a tomar o alheio Os que dão também são chamados liberais mas os que se abstêm de tomar não são louvados pela liberalidade e sim pela justiça enquanto os que tomam dificilmente são louvados E os liberais são quase que os mais louvados de todos os caracteres virtuosos porquanto são úteis e isso por causa de suas dádivas Ora as ações virtuosas são praticadas tendo em vista o que é nobre Por isso o homem liberal como as outras pessoas virtuosas dá tendo em vista o que é nobre e como deve pois dá às pessoas que convém as quantias que convém e na ocasião que convém com todas as demais condições que acompanham a reta ação de dar E isso com prazer e sem dor pois o ato virtuoso é agradável e isento de dor O que menos pode ser é doloroso O que dá às pessoas a quem não deve dar porém ou tendo em vista não o que é nobre e sim alguma outra coisa não é chamado de liberal mas recebe algum outro nome Tampouco é liberal quem dá com dor pois esse preferiria a riqueza à ação nobre o que não é próprio de um homem liberal Mas tampouco o homem liberal receberá de fontes que não deve pois isso não é próprio de quem não dá valor à riqueza Nem será ele muito afeito a pedir porquanto o homem que confere benefícios não os aceita facilmente Mas tomará das fontes que convém das suas próprias posses por exemplo não como um ato nobre mas como uma necessidade a fim de ter algo que dar Por outro lado não descurará ele os seus bens com os quais deseja auxiliar a outrem E se absterá de dar a todos e a qualquer um a fim de ter o que dar às pessoas que convém nas ocasiões que convém e em que é nobre fazêlo É também muito característico de um homem liberal excederse nas suas dádivas de maneira a ficar com muito pouco para si pois está na sua natureza o não olhar a si mesmo O termo liberalidade se usa relativamente às posses de um homem pois essa virtude não consiste na multidão das dádivas e sim na disposição de caráter de quem dá e esta é relativa às suas posses Nada impede pois que o homem que dá menos seja mais liberal se tem menos para dar São considerados mais liberais os que não fizeram a sua fortuna mas herdaramna Porque em primeiro lugar esses não têm experiência da necessidade e em segundo todos os homens têm mais amor ao que eles próprios produziram como os pais e os poetas Não é fácil a um homem liberal ser rico pois não é inclinado nem a tomar nem a conservar mas a dar e não estima a riqueza por si mesma e sim como instrumento de sua liberalidade Daí a acusação que se faz à fortuna que os que mais a merecem são os que menos a alcançam Mas é natural que seja assim pois com a riqueza sucede o mesmo que com todas as outras coisas ninguém pode alcançála se não se esforça por isso Todavia o homem liberal não dará às pessoas nem na ocasião que não convém porque nesse caso já não estaria agindo de acordo com a liberalidade e se gastasse com esses objetos já não teria o que gastar com os que convém Porque como dissemos é liberal aquele que gasta de acordo com as suas posses e com os objetos que convém e quem excede a medida é pródigo Por isso não chamamos os déspotas de pródigos no caso deles não nos parece fácil dar e gastar além de suas posses Sendo pois a liberalidade um meiotermo no tocante ao dar e ao tomar riquezas o homem liberal dará c gastará as quantias que convém com os objetos que convém tanto nas coisas pequenas como nas grandes e isso com prazer e também tomará as quantias que convém das fontes que convém Porque sendo a virtude uns meiotermo em relação a ambos ele fará ambas as coisas como deve porquanto essa espécie de receber acompanha a reta ação de dar e o que não é dessa espécie opõese a ela daí o dar e o receber que acompanham um ao outro estarem simultaneamente presentes no mesmo homem o que evidentemente não acontece com as espécies contrárias Mas se por acaso ele gastar de maneira contrária ao que é reto e nobre sofrerá com isso mas moderadamente e conforme deve pois é próprio da virtude sentir tanto prazer como dor em face dos objetos apropriados e da maneira apropriada Além disso é fácil tratar com o homem liberal em assuntos de dinheiro não dá trabalho persuadilo pois não tem grande estima ao dinheiro e fica mais aborrecido se deixou de gastar alguma coisa que devia do que se gastou algo que não devia discordando nisso do aforismo de Simônides O pródigo erra também a esses respeitos pois não sente prazer e dor diante das coisas que convém e da maneira que convém isto se tornará mais evidente à proporção que avançarmos em nossa investigação Dissemos47 que a prodigalidade e a avareza são excessos e deficiências e em duas coisas no dar e no receberpois incluímos o gastar no gênero dar Ora a prodigalidade excede no dar e no não receber mostrandose deficiente no receber enquanto a avareza se mostra deficiente no dar e excede no receber salvo em pequenas coisas As características da prodigalidade não se encontram sempre combinadas pois não é fácil dar a todos se não se recebe de ninguém As pessoas pródigas que dão em excesso não tardam a exaurir as suas posses E é justamente a esses que se aplica o nome de pródigos se bem que tal homem pareça ser bastante superior a um avaro porquanto é curado de seu vício tanto pelos anos como pela pobreza e destarte poderá aproximarse da disposição intermediária Com efeito o pródigo possui as características do homem liberal visto que dá e se abstém de tomar conquanto não faça nenhuma dessas coisas bem ou da maneira apropriada E se 47 1119 b 27 NdoT fosse levado a proceder assim pelo hábito ou por algum outro meio seria liberal porque então daria às pessoas que convém e não receberia de fontes indébitas Por isso não é julgado um mau caráter não é próprio de um homem malvado ou ignóbil excederse no dar e no não receber mas apenas de um tolo O homem que é pródigo neste sentido é considerado muito melhor do que o avaro tanto pelas razões acima apontadas como porque beneficia a muitos enquanto o outro não beneficia sequer a si mesmo Mas a maioria dos pródigos como já se disse48 também tomam de fontes indébitas e a esse respeito são avaros Adquirem o hábito de tomar porque desejam gastar e isso não lhes é fácil em razão de não tardarem a minguar as suas posses São por isso forçados a buscar meios em outras fontes Ao mesmo tempo como não dão nenhum valor à honra tomam indiferentemente de qualquer fonte pois têm o apetite de dar e não lhes importa a maneira nem a fonte de onde procede o que dão Por isso não dão com liberalidade não o fazem com nobreza nem tendo esta em vista nem da maneira que devem As vezes enriquecem os que deveriam ser pobres não dão nada às pessoas dignas de estima e muito aos aduladores ou aos que lhes proporcionam algum outro prazer Por isso a maioria deles são também intemperantes com efeito gastam sem refletir e desperdiçam dinheiro com os seus prazeres inclinados que são para estes porque sua existência não tem em mira o que é nobre O homem pródigo portanto convertese no que acabamos de descrever quando não lhe é imposta nenhuma disciplina mas se for tratado com cuidado chegará à disposição intermediária e justa A avareza porém é ao mesmo tempo incurável pois a velhice e toda incapacidade passam por tornar os homens avaros e mais inata aos homens do que a prodigalidade Com efeito a maioria gosta mais de ganhar dinheiro que de dálo Este vício é também muito difundido e multiforme pois parece haver muitas espécies de avareza Consiste ela em duas coisas a deficiência no dar e o excesso no tomar e não se encontra completa em todos os homens mas às vezes aparece dividida alguns 48 Linhas 1619 N do T vão ao excesso no tomar enquanto outros ficam aquém no dar Todos aqueles a quem se aplicam nomes como forreta sovina pãoduro dão com relutância mas não cobiçam as posses alheias nem desejam tomálas para si Em alguns isso se deve a uma espécie de honestidade e aversão ao que é vergonhoso pois alguns parecem ou pelo menos dizem amontoar dinheiro por esta razão para que um dia não sejam forçados a cometer algum ato vergonhoso a esta classe pertencem o migalheiro e todos os outros da mesma espécie que são assim chamados pela relutância com que abrem mão das mínimas coisas enquanto outros se abstêm de tocar no alheio por medo julgando que não é fácil quando nos apropriamos dos bens dos outros evitar que eles se apropriem dos nossos Contentamse por isso em não dar nem tomar Outros por sua vez excedemse no tocante ao receber tomando tudo que lhes aparece e de qualquer fonte que venha como os que se dedicam a profissões sórdidas alcaiotes e demais gente dessa laia e os que emprestam pequenas quantias a juros elevados Com efeito todos esses tomam mais do que devem e de fontes indébitas Evidentemente o que há de comum entre eles é o sórdido amor ao lucro todos se conformam com uma má fama em troca do ganho e minguado ganho ainda por cima Com efeito aos que auferem ganhos vultosos e injustos de fontes indébitas como os déspotas que saqueiam cidades e despojam templos não chamamos avaros e sim malvados ímpios e injustos Mas quanto ao jogador e ao salteador esses pertencem à classe do avaro por terem um amor sórdido ao ganho É efetivamente pelo ganho que ambos se dedicam às suas práticas e suportam a vergonha de que ela se cerca e um enfrenta os maiores perigos por amor à presa enquanto o outro subtrai dinheiro aos seus amigos a quem devia antes dálo Ambos pois como de bom grado auferem ganhos de fontes indébitas são sórdidos amantes do ganho Por conseguinte todas essas formas de tomar incluemse no vício da avareza E é natural que a avareza seja definida como o contrário da liberalidade pois não só é ela um maior mal do que a prodigalidade mas os homens erram mais amiúde nesse sentido do que no da prodigalidade tal como a descrevemos Basta pois o que dissemos sobre a liberalidade e os vícios contrários 2 Talvez convenha discutir agora a magnificência que também parece ser uma virtude relacionada com a riqueza Não se estende porém como a liberalidade a todas as ações que têm que ver com a riqueza mas apenas às que envolvem gasto e nestas ultrapassa a liberalidade em escala Porque como o próprio nome sugere é um gasto apropriado que envolve grandes quantias Mas a escala é relativa pois a despesa de quem guarnece uma trirreme não se compara à de quem chefia uma embaixada sagrada A magnificência portanto deve ser adequada tanto ao agente como ao objeto e às circunstâncias O homem que em coisas pequenas e medianas gasta de acordo com os méritos do caso não é chamado de magnificente por exemplo aquele que pode dizer muitas foram minhas dádivas ao peregrino49 mas unicamente aquele que o faz em grandes coisas Porquanto o magnificente é liberal mas o liberal nem sempre é magnificente A deficiência desta disposição de caráter é chamada mesquinhez e o excesso vulgaridade mau gosto etc o qual não se excede nas quantias despendidas com os objetos que convém mas pelos gastos ostentosos em circunstâncias indébitas e de maneira indébita Mais adiante falaremos desses vícios50 O homem magnificente assemelhase a um artista pois percebe o que é apropriado e sabe gastar grandes quantias com bom gosto No princípio51 dissemos que uma disposição de caráter é determinada pelas suas atividades e pelos seus objetos Ora os gastos do homem magnificente são vultosos e apropriados Por conseguinte tais serão também os seus resultados e assim haverá um grande dispêndio em perfeita consonância com o seu resultado Donde se segue que o 49 Odisséia XVII 420 N do T 50 1123 a 1933 N do T 51 Cf 1103 b 2123 1104 a 2729 N do T resultado deve corresponder ao dispêndio e este deve ser digno do resultado ou mesmo excedêlo O homem magnificente além disso gastará dinheiro tendo em mira a honra pois essa finalidade é comum a todas as virtudes Mais ainda ele o fará com prazer e com largueza visto que os cálculos precisos são próprios dos avarentos E considerará os meios de tornar o resultado o mais belo possível e o mais apropriado ao seu objeto ao invés de pensar nos custos e nos meios mais baratos de obtêlo É necessário pois que o homem magnificente seja também liberal Com efeito este também gasta o que deve e como deve e é em tais assuntos que se manifesta a grandeza implicada pelo nome magnificente já que a liberalidade diz respeito a essas coisas e com despesa igual ele produzirá uma obra de arte mais magnificente Porquanto uma posse e uma obra de arte não têm a mesma excelência A posse mais valiosa é aquela que vale mais como por exemplo o ouro mas a mais valiosa obra de arte é a que é grande e bela pois a contemplação de uma tal obra inspira admiração e o mesmo faz a magnificência e uma obra possui uma espécie de excelência isto é uma magnificência que envolve grandeza A magnificência é um atributo dos gastos que chamamos honrosos como os que se relacionam com os deuses ofertas votivas construções sacrifícios e do mesmo modo no que tange a todas as formas de culto religioso e todas aquelas coisas que são objetos apropriados de ambição cívica como a dos que se consideram no dever de organizar um coro guarnecer uma trirreme ou oferecer espetáculos públicos com grande brilhantismo Em todos os casos porém como já foi dito52 não deixamos de levar em conta o agente e de indagar quem é ele e que recursos possui pois os gastos devem ser dignos dos seus recursos e adequarse não só aos resultados mas também a quem os produz Por isso um homem pobre não pode ser magnificente visto não ter os meios de gastar apropriadamente grandes quantias e quem tenta fazêlo é um tolo porquanto gasta além do que se pode esperar dele e do que é apropriado ora a despesa justa é que é virtuosa Mas 52 1122 a 2426 N do T em geral os grandes gastos ficam bem aos que para começar possuem os recursos adequados adquiridos por seus próprios esforços ou provenientes de seus antepassados ou de seus amigos e também às pessoas de nascimento nobre ou de grande reputação e assim por diante pois todas essas coisas trazem consigo a grandeza e o prestígio Basicamente pois o homem magnificente é uma pessoa dessa espécie e a magnificência se revela nos gastos que descrevemos acima53 pois esses são os maiores e os mais honrosos Das ocasiões privadas de mostrar magnificência as mais adequadas são as que acontecem uma vez na vida como as bodas e outras coisas do mesmo gênero ou tudo aquilo que interessa à cidade inteira ou às pessoas de posição que nela vivem e também à recepção e à despedida de hóspedes estrangeiros assim como à troca de presentes pois o homem magnificente não gasta consigo mesmo e sim com objetos públicos e os presentes têm certa semelhança com as ofertas votivas O homem magnificente também apresta sua casa de maneira condigna com a sua riqueza pois até uma casa é uma espécie de ornamento público e gastará de preferência em obras duradouras pois são essas as mais belas e em toda classe de coisas gastará o que for decoroso pois as mesmas coisas não são adequadas aos deuses e aos homens nem a um templo e a um túmulo E visto que todo gasto pode ser grande em sua espécie e o que em absoluto há de mais magnificente é um generoso gasto com um objeto grandioso mas o magnificente em cada caso é o que é grande nas circunstâncias deste e a grandeza na obra difere da grandeza no dispêndio porquanto a mais bela de todas as bolas ou de todos os brinquedos é um magnífico presente para uma criança embora custe pouco dinheiro seguese que a característica do homem magnificente seja qual for o resultado do que faz é fazêlo com magnificência de modo que não seja fácil superar tal resultado e tornálo digno do dispêndio 53 Linhas 1923 N do T Tal é pois o homem magnificente O vulgar e extravagante excede como já dissemos54 gastando além do que é justo Com efeito em pequenos objetos de dispêndio ele gasta muito e revela uma ostentação de mau gosto Dá por exemplo um jantar de amigos na escala de um banquete de núpcias e quando fornece o coro para uma comédia colocao em cena vestido de púrpura como se costuma fazer em Mégara E todas essas coisas ele não as faz tendo em vista a honra mas para ostentar a sua riqueza e porque pensa ser admirado por isso e gasta pouco quando deveria gastar muito e viceversa O homem mesquinho por outro lado fica aquém da medida em tudo e depois de gastar as maiores quantias estraga a beleza do resultado por uma bagatela e em tudo que faz hesita estuda a maneira de gastar menos lamenta até o pouco que despende e julga estar fazendo tudo em maior escala do que devia Estas disposições de caráter são por conseguinte vícios entretanto não desonram ninguém porque não são nocivas aos demais nem muito indecorosas 3 Pelo seu nome a magnanimidade parece relacionarse com grandes coisas Que espécie de grandes coisas Eis a primeira pergunta que cumpre responder Não faz diferença que consideremos a disposição de caráter ou o homem que a exibe Ora dizse que é magnânimo o homem que com razão se considera digno de grandes coisas pois aquele que se arroga uma dignidade a que não faz jus é um tolo e nenhum homem virtuoso é tolo ou ridículo O magnânimo pois é o homem que acabamos de definir Com efeito aquele que de pouco é merecedor e assim se considera é temperante e não magnânimo a magnanimidade implica grandeza do mesmo modo que a beleza implica uma boa estatura e as pessoas pequenas podem ser bonitas e bem proporcionadas porém não belas Por outro lado o que se julga digno de grandes coisas sem possuir tais qualidades é vaidoso se bem que nem todos os que se consideram mais merecedores do que realmente são possam ser chamados de vaidosos 54 1122 a 3133 N do T O homem que se considera menos merecedor do que realmente é é indevidamente humilde quer os seus méritos sejam grandes ou moderados quer sejam pequenos mas suas pretensões ainda menores E o homem cujos méritos são grandes parece ser o mais indebitamente humilde pois que faria ele se merecesse menos O magnânimo portanto é um extremo com respeito à grandeza de suas pretensões mas um meiotermo no que tange à justeza das mesmas porque se arroga o que corresponde aos seus méritos enquanto os outros excedem ou ficam aquém da medida Se pois ele merece e pretende grandes coisas e essas acima de todas as outras há de ambicionar uma coisa em particular O mérito é relativo aos bens exteriores e o maior destes acreditamos nós é aquele que prestamos aos deuses e que as pessoas de posição mais ambicionam e que é o prêmio conferido às mais nobres ações Refirome à honra que é por certo o maior de todos os bens exteriores Honras e desonras por conseguinte são os objetos com respeito aos quais o homem magnânimo é tal como deve ser E mesmo deixando de lado o nosso argumento é a honra que os magnânimos parecem ter em mente pois é ela que se arrogam acima de tudo mas de acordo com os seus méritos O homem indevidamente humilde revelase deficiente não só em confronto com os seus méritos próprios mas também com as pretensões do magnânimo O vaidoso excede em relação aos seus méritos próprios mas não excede as pretensões do magnânimo Ora o magnânimo visto merecer mais do que os outros deve ser bom no mais alto grau pois o homem melhor sempre merece mais e o melhor de todos é o que mais merece Logo o homem verdadeiramente magnânimo deve ser bom Além disso a grandeza em todas as virtudes deve ser característica do homem magnânimo E nada haveria mais indecoroso para o homem altivo do que fugir ao perigo abanando as mãos ou fazer injustiça a um outro pois com que fim praticaria atos vergonhosos aquele para quem nada é grande Se o considerarmos ponto por ponto veremos o perfeito absurdo de um homem magnânimo que não seja bom E tampouco mereceria ele ser honrado se fosse mau pois a honra é o prêmio da virtude e só é rendida aos bons A magnanimidade parece pois ser uma espécie de coroa das virtudes porquanto as torna maiores e não é encontrada sem elas Por isso é difícil ser verdadeiramente magnânimo pois sem possuir um caráter bom e nobre não se pode sêlo De modo que é sobretudo por honras e desonras que o magnânimo se interessa e as honras que forem grandes e conferidas por homens bons ele as receberá com moderado prazer pensando receber o que merece ou até menos do que merece pois não pode haver honra que esteja à altura da virtude perfeita no entanto ele a aceitará já que os outros nada têm de maior para lhe oferecer Mas as honras que procedem de pessoas quaisquer e por motivos insignificantes ele as desprezará visto não ser isso o que merece e do mesmo modo no tocante à desonra que aplicada a ele não pode ser justa Em primeiro lugar pois como dissemos55 o homem magnânimo se interessa pelas honras Apesar disso conduzirseá com moderação no que respeita ao poder à riqueza e a toda boa ou má fortuna que lhe advenha e não exultará excessivamente com a boa fortuna nem se abaterá com a má Com efeito nem para com a própria I honra ele se conduz como se fosse uma coisa extraordinária O poder e a riqueza são desejáveis a bem da honra pelo menos os que os possuem desejam servirse deles para obtêla epara os que têm a própria honra em pouca conta eles também devem ser coisa de somenos Por isso os homens magnânimos são considerados desdenhosos É opinião comum que os bens de fortuna também contribuem para a magnanimidade Com efeito os homens bemnascidos são considerados merecedores de honra e da mesma forma os que desfrutam de poder e riqueza 55 1123 b 1522 N do T pois eles se encontram numa posição superior e tudo que se mostra superior em algo de bom é tido em grande honra Daí que até essas coisas tornem os homens mais magnânimos pois alguns os honram pelo fato de possuílas Mas em verdade só merece ser honrado o homem bom aquele porém que goza de ambas as vantagens é considerado mais merecedor de honra No entanto os homens que sem serem virtuosos possuem tais bens nem têm por que alimentar grandes pretensões nem fazem jus ao nome de magnânimos porquanto essas coisas implicam virtude perfeita Isso não impede porém que se tornem desdenhosos e insolentes pois sem virtude não é fácil carregar com elegância os bens da fortuna Incapazes que são disso e julgandose superiores aos demais desprezamnos e fazem o que bem lhes apraz Imitam o homem magnânimo sem serem semelhantes a ele e o fazem naquilo que podem proceder como homens virtuosos está fora do seu alcance mas desprezar os outros não Com efeito o homem magnânimo despreza com justiça visto que pensa acertadamente mas o vulgo o faz sem causa nem motivo sério O magnânimo não se expõe a perigos insignificantes nem tem amor ao perigo pois estima poucas coisas mas enfrentará os grandes perigos e nesses casos não poupará a sua vida sabendo que há condições em que não vale a pena viver É também muito capaz de conferir benefícios mas envergonhase de recebêlos pois aquilo é característico do homem superior e isto do inferior E costuma retribuir com grandes benefícios pois assim o primeiro benfeitor além de ser pago incorrerá em dívida para com ele e sairá lucrando na transação Parece também lembrarse de todos os serviços que prestou mas não dos que recebeu pois quem recebe um serviço é inferior a quem o presta mas o magnânimo deseja ser superior E ouve mencionar os primeiros com prazer e os segundos com desagrado foi talvez por isso que Tétis não falou a Zeus dos serviços que lhe havia prestado nem os espartanos enumeraram os seus serviços aos atenienses mas apenas os que haviam recebido É também característico do homem magnânimo não pedir nada ou quase nada mas prestar auxílio de bom grado e adotar uma atitude digna em face das pessoas que desfrutam de alta posição e são favorecidas pela fortuna enquanto se mostram despretensiosos para com os de classe mediana pois é coisa difícil e grande marca de altivez mostrarse superior aos primeiros embora seja fácil com os segundos e uma conduta altiva no primeiro caso não é sinal de má educação mas entre pessoas humildes é tão vulgar quanto uma exibição de força contra os fracos Igualmente próprio do homem magnânimo é não ambicionar as coisas que são vulgarmente acatadas nem aquelas em que os outros se distinguem mostrarse desinteressado e absterse de agir salvo quando se trate de uma grande honra ou de uma grande obra e ser homem de poucas ações mas grandes e notáveis Deve também ser franco nos seus ódios e amores porquanto ocultar os seus sentimentos isto é olhar menos à verdade do que à opinião dos outros é próprio de um covarde e deve falar e agir abertamente Com efeito o magnânimo expressase com franqueza por desdém e é afeito a dizer a verdade salvo quando fala com ironia às pessoas vulgares Deve ser incapaz de fazer com que sua vida gire em torno de um outro a não ser de um amigo pois isso é próprio de um escravo e daí o serem servis todos os aduladores e aduladores todos aqueles que não respeitam a si mesmos Tampouco é dado à admiração pois para ele nada é grande Nem guarda rancor por ofensas que lhe façam já que não é próprio de um homem magnânimo ter a memória longa particularmente no que toca a ofensas mas antes releválas Tampouco é dado a conversas fúteis pois não fala nem sobre si mesmo nem sobre os outros porquanto não lhe interessam os elogios que lhe façam nem as censuras dirigidas aos outros Por outro lado não é amigo de elogiar nem maledicente mesmo no que se refere aos seus inimigos salvo por altivez Quanto às coisas que ocorrem necessariamente ou que são de pouca monta é de todos os homens o menos dado a lamentarse ou a solicitar favores pois só os que levam tais coisas a sério se portam dessa maneira com respeito a elas É ele o homem que prefere possuir coisas belas e improfícuas às úteis e proveitosas pois isso é mais próprio de um caráter que basta a si mesmo Além disso um andar lento é considerado próprio do homem magnânimo uma voz profunda e uma entonação uniforme pois aquele que leva poucas coisas a sério não costuma apressarse nem o homem para quem nada é grande se excita facilmente ao passo que a voz estridente e o andar célere são frutos da pressa e da excitação Tal é pois o homem magnânimo o que lhe fica aquém é indevidamente humilde e o que o ultrapassa é vaidoso Ora nem mesmo esses são considerados maus pois não são maldosos mas apenas equivocados Com efeito o homem indevidamente humilde que é digno de boas coisas rouba a si mesmo daquilo que merece e parece ter algo de censurável porque não se julga digno de boas coisas e também parece não se conhecer do contrário desejaria as coisas que merece visto que elas são boas E contudo tais pessoas não são consideradas tolas mas antes excessivamente modestas Dirseia contudo que semelhante reputação até as torna piores porque cada classe de pessoa ambiciona o que corresponde aos seus méritos enquanto esses se abstêm mesmo de nobres ações e empreendimentos considerandose indignos e dos bens exteriores por igual forma Os vaidosos por outro lado são tolos que ignoram a si mesmos e isso de modo manifesto Porquanto sem serem dignos de tais coisas aventuramse a honrosos empreendimentos que não tardam a denunciálos pelo que são E adornamse com belas roupas ares afetados e coisas que tais e desejam que suas boas fortunas se tornem públicas tornandoas para assunto de conversa como se desejassem ser honrados por causa delas Mas a humildade indébita se opõe mais à magnanimidade do que a vaidade tanto por ser mais comum como por ser ainda pior do que esta O magnânimo relacionase pois com a honra em grande escala como já se disse56 56 1107 b 26 1123 a 34 1123 b 22 N do T 4 Também parece haver na esfera da honra como dissemos em nossas primeiras observações sobre o assunto57 uma virtude que guarda para com a magnanimidade a mesma relação que a liberalidade para com a magnificência Com efeito nenhuma das duas tem nada que ver com as coisas em grande escala mas ambas nos dispõem corretamente em relação a objetos de pouca ou mediana importância Assim como no receber e dar riquezas existe um meiotermo um excesso e uma deficiência também a honra pode ser desejada mais ou menos do que convém ou da maneira e das fontes que convém Censuramos tanto o homem ambicioso por desejar a honra mais de que convém e de fontes indébitas como o desambicioso por não querer ser honrado mesmo por motivos nobres Mas às vezes louvamos o ambicioso por ser varonil e amigo do que é nobre e o desambicioso por ser moderado e autosuficiente como dissemos na primeira vez que tocamos neste assunto58 Evidentemente como gostar de tal ou tal objeto tem mais de um significado não aplicamos sempre à mesma coisa o termo ambição ou amor à honra mas ao louvar a qualidade pensamos no homem que tem mais amor à honra do que a maioria das pessoas e ao censurála temos em mente aquele que a ama em demasia Como não existe palavra para designar o meiotermo os extremos parecem disputar o seu lugar como se estivesse vago por abandono Mas onde há excesso e falta há também um meiotermo Ora os homens desejam a honra não só mais como também menos do que devem logo é possível desejála também como se deve Em todo caso é essa a disposição de caráter que se louva e que é um meio termo sem nome no tocante à honra Em confronto com a ambição parece ser desambição e viceversa e em confronto com as duas conjuntamente parece em certo sentido ser ambas Isto se afigura verdadeiro também das outras virtudes 57 Ibid 2427 N do T 58 1107b33NdoT mas no caso que acabamos de examinar os extremos se apresentam como contraditórios porque o meiotermo não recebeu nome 5 A calma é um meiotermo com respeito à cólera Não havendo nomes nem para a posição intermediária nem para os extremos colocamos a calma nessa posição se bem que ela se incline para a deficiência que tampouco tem nome O excesso poderia ser chamado uma espécie de irascibilidade pois que a paixão é a cólera ao passo que suas causas são muitas e diversas Louvase o homem que se encoleriza justificadamente com coisas ou pessoas e além disso como deve na devida ocasião e durante o tempo devido Esse será pois o homem calmo já que a calma é louvada Um tal homem tende a não se deixar perturbar nem guiar pela paixão mas a irarse da maneira com as coisas e durante o tempo que a regra prescreve Pensase todavia que ele erra de certo modo no sentido da deficiência pois o homem calmo não é vingativo mas inclina se antes a relevar faltas A deficiência seja ela uma espécie de pacatez ou do que quer que for é censurada Com efeito os que não se encolerizam com as coisas que deveriam excitar sua ira são considerados tolos e da mesma forma os que não o fazem da maneira apropriada na ocasião apropriada e com as pessoas que deveriam encolerizálos Porquanto tais homens passam por ser insensíveis e como não se encolerizam julgamnos incapazes de se defender e suportar insultos tanto pessoais como dirigidos aos nossos amigos é próprio de escravos O excesso pode manifestarse em todos os pontos que indicamos pois é possível irarse com pessoas ou coisas indébitas mais do que convém com demasiada presteza ou por um tempo excessivamente longo Sem embargo todos esses excessos não são encontrados na mesma pessoa Nem tal coisa seria possível visto que o mal destrói até a si próprio e quando completo tornase insuportável Ora os irascíveis encolerizamse depressa com pessoas e coisas indébitas e mais do que convém mas sua cólera não tarda a passar e isso é o que há de melhor em tais pessoas São assim porque não refreiam a sua ira mas a natureza ardente as leva a revidar logo feito o quê dissipase a cólera Em razão de um excesso as pessoas coléricas são assomadiças e prontas a encolerizarse com tudo e por qualquer motivo daí o seu nome As pessoas birrentas são difíceis de apaziguar e conservam por mais tempo a sua cólera porque a refreiam Cessa porém quando revidam pois a vingança as alivia da cólera substituindolhes a dor pelo prazer Se isso não acontecer guardarão a sua carga pois como esta não é visível ninguém pensa sequer em apaziguálas e digerir sozinho a sua cólera é coisa demorada Tais pessoas causam grandes incômodos a si mesmas e aos seus amigos mais chegados Chamamos malhumorados os que se encolerizam com o que não devem mais do que devem e por mais tempo e não podem ser apaziguados enquanto não se vingam ou castigam À calma opomos antes o excesso do que a deficiência pois não só ele é mais comum já que vingarse é mais humano mas as pessoas de mau gênio são as piores com as quais se pode conviver O que dissemos atrás sobre este assunto59 tornase claro pela presente exposição isto é que não é fácil definir como com quem com que coisa e por quanto tempo devemos irarnos e em que ponto termina a ação justa e começa a injusta Porquanto o homem que se desvia um pouco do caminho certo quer para mais quer para menos não é censurado e às vezes louvamos os que revelam deficiência chamandoos bemhumorados ao passo que outras vezes louvamos as pessoas coléricas como sendo varonis e capazes de dirigir as outras Até que ponto pois e de que modo um homem pode desviarse do caminho sem se tornar merecedor de censura é coisa difícil de determinar porque a decisão depende das circunstâncias particulares do caso e da percepção Mas uma coisa pelo menos é certa o meiotermo isto é aquilo em virtude de que nos encolerizamos com as pessoas e coisas devidas da maneira devida e assim por diante merece ser 59 1109 b 1426 N do T louvado enquanto os excessos e deficiências são dignos de censura censura leve se estão presente em modesto grau e franca e enérgica censura se em grau elevado Tornase assim evidente que devemos aternos ao meiotermo Isto basta quanto às disposições relativas à cólera 6 Nas reuniões de homens na vida social e no intercâmbio de palavras e atos alguns são considerados obsequiosos isto é aqueles que para serem agradáveis louvam todas as coisas e jamais se opõem a quem quer que seja julgando que é seu dever não magoar as pessoas que encontram enquanto os que pelo contrário se opõem a tudo e não têm o menor escrúpulo de magoar são chamados grosseiros e altercadores Que as disposições que acabamos de nomear são censuráveis é evidente assim como é digna de louvor a disposição intermediária isto é aquela em virtude da qual um homem se conforma e se rebela ante as coisas que deve e da maneira devida Nenhum nome porém lhe foi dado embora se assemelhe acima de tudo à amizade Com efeito o homem que corresponde a essa disposição intermediária aproximase muito daquele que com o acréscimo da afeição chamamos um bom amigo Mas a disposição em apreço difere da amizade pelo fato de não implicar paixão nem afeição para com as pessoas com quem tratamos visto que não é por amor nem por ódio que um homem acolhe todas as coisas como deve e sim por ser um indivíduo de determinada espécie Com efeito ele se conduzirá do mesmo modo com conhecidos e desconhecidos com íntimos e com os que não o são muito embora se conduza em cada um desses casos como convém pois não é certo interessarse igualmente por pessoas íntimas e por estranhos nem tampouco são as mesmas condições que tornam justo magoálos Ora nós dissemos de um modo geral que esse homem se relaciona com as outras pessoas do modo que convém mas é com referência ao que é honroso e conveniente que procura não causar dor ou proporcionar prazer Com efeito ele parece interessarse pelos prazeres e dores da vida social e sempre que não for honroso ou que for nocivo proporcionar tal prazer ele se recusará a fazêlo preferindo antes causar dor Do mesmo modo se sua aquiescência ao ato de um outro trouxesse grande desonra ou dano a esse outro enquanto sua oposição lhe causa um pouco de dor ele se oporá ao invés de aquiescer Tal homem se relacionará diferentemente com pessoas de alta posição e com pessoas comuns com conhecidos íntimos e outros mais distantes e do mesmo modo no que diz respeito a todas as demais diferenças tratando cada classe como for apropriado e embora de um modo geral prefira proporcionar prazer e evite causar dor guiarseá pelas conseqüências se estas forem mais importantes em outras palavras pela honra e pela conveniência E também infligirá pequenas dores tendo em vista um grande prazer futuro O homem que alcança o meiotermo é pois tal como descrevemos embora não tenha recebido um nome Dos que proporcionam prazer o que procura ser agradável sem nenhum objetivo ulterior é obsequioso mas aquele que o faz com o fim de obter alguma vantagem em dinheiro ou nas coisas que o dinheiro pode comprar é um adulador enquanto o que se opõe a tudo é como dissemos60 grosseiro e altercador E os extremos parecem ser contraditórios um ao outro porque o meiotermo não tem nome 7 O meiotermo oposto à jactância é encontrado quase na mesma esfera e tampouco ele tem nome Não será fora de propósito descrever também estas disposições porque examinandoas em detalhe teremos uma idéia mais exata dos caracteres e por outro lado nos convenceremos de que as virtudes são meios termos se verificarmos que isso ocorre em todos os casos No campo da vida social já descrevemos61 aqueles que se propõem como finalidade proporcionar prazer em suas relações com os outros Falemos agora dos 60 1125b 1416 N do T 61 Cap 6 N do T que buscam a verdade ou a falsidade tanto em atos como em palavras e das suas pretensões O homem jactancioso pois é considerado como afeito a arrogarse coisas que trazem glória quando não as possui ou arrogarse mais do que possui e o homem falsamente modesto pelo contrário a negar ou a amesquinhar o que possui enquanto o que observa o meiotermo não exagera nem subestima e é veraz tanto em seu modo de viver como em suas palavras declarando o que possui porém não mais nem menos Ora cada uma dessas linhas de conduta pode ser adotada com ou sem um objetivo mas cada homem fala age e vive de acordo com o seu caráter se não está agindo com um fim ulterior E a falsidade é em si mesma vil e culpável e a verdade nobre e digna de louvor Portanto o homem veraz é mais um exemplo daqueles que conservandose no meiotermo merecem louvor e ambas as formas de homem inverídico são censuráveis mas particularmente o jactancioso Examinemos a ambos mas antes de tudo ao homem veraz Não estamos falando daquele que cumpre a sua palavra nas coisas que dizem respeito à justiça ou à injustiça pois isso pertence a outra virtude mas do homem que em assuntos onde nada disso está em jogo é veraz tanto em palavras como na vida que leva porque tal é o seu caráter Sem embargo uma pessoa dessa espécie será naturalmente equitativa porquanto o homem que é veraz e ama a verdade quando não há nada em jogo deve sêlo ainda mais quando vai nisso uma questão de justiça Evitará a falsidade em tais casos como algo de ignóbil visto que a evitava por si mesma e tal homem é digno de louvor E inclinase mais a atenuar a verdade isso lhe parece de mais bom gosto porquanto os exageros são tediosos Aquele que se arroga mais do que possui sem qualquer objetivo ulterior é um indivíduo desprezível pois do contrário não se comprazeria na falsidade mas parece ser antes fútil do que mau Se porém o faz com um fia qualquer aquele que o faz visando boa reputação ou à honra não é para um jactancioso digno de grande censura mas o que o faz por dinheiro ou pelas coisas que levam à aquisição de dinheiro é um caráter mais detestável Com efeito não é a capacidade que faz o jactancioso mas o propósito pois é em virtude dessa disposição de caráter e por ser um homem de determinada espécie que ele é jactancioso assim como um homem é mentiroso porque se deleita com a mentira em si mesma e não porque deseje a reputação ou o lucro Ora os que se vangloriam para ser bem conceituados arrogamse qualidades que lhes possam valer louvores ou congratulações enquanto os que visam ao proveito se atribuem qualidades valiosas para os outros mas cuja inexistência não é fácil descobrir como as de um vidente de um sábio ou de um médico Eis aí por que é essa espécie de coisas que a maioria dos jactanciosos se arrogam ou de que se vangloriam pois nelas se encontram as qualidades que mencionamos acima As pessoas falsamente modestas que subestimam os seus méritos parecem mais simpáticas porque se pensa que não falam com a mira no proveito mas para fugir à ostentação e também aqui as qualidades que negam possuir como fazia Sócrates são aquelas que trazem boa reputação Os que se dizem destituídos de qualidades evidentes e de pouca monta são considerados impostores e são mais desprezíveis e às vezes isso parece ser jactância como o modo de trajar dos espartanos pois tanto o excesso como uma grande deficiência são jactanciosos Mas os que são modestos com moderação e subestimam qualidades não muito manifestas parecem simpáticos E é o jactancioso que se afigura contrário ao homem veraz porque das duas disposições extremas a sua é a pior 8 Como a vida é feita não só de atividade mas também de repouso e este inclui os lazeres e a recreação parece haver aqui também uma espécie de intercâmbio que se relaciona com o bom gosto Podese dizer e também escutar o que se deve e o que não se deve A espécie de pessoa a quem falamos ou escutamos influi igualmente no caso Evidentemente também neste campo existe uma demasia e uma deficiência em confronto com o meiotermo Os que levam a jocosidade ao excesso são considerados farsantes vulgares que procuram ser espirituosos a qualquer custo e na sua ânsia de fazer rir não se preocupam com a propriedade do que dizem nem em poupar as suscetibilidades daqueles que tomam para objeto de seus chistes enquanto os que não sabem gracejar nem suportam os que o fazem são rústicos e impolidos Mas os que gracejam com bom gosto chamamse espirituosos o que implica um espírito vivo em se voltar para um lado e outro com efeito tais agudezas são consideradas movimentos do caráter e aos caracteres assim como aos corpos costumamos distinguir pelos seus movimentos Não é porém difícil descobrir o lado ridículo das coisas e a maioria das pessoas deleitamse mais do que devem com gracejos e caçoadas daí serem os próprios chocarreiros chamados espirituosos pelo agrado que causam mas o que dissemos acima torna evidente que eles diferem em não pequeno grau dos espirituosos A disposição intermediária também pertence o tato E característico de um homem de tato dizer e escutar aquilo que fica bem a uma pessoa digna e bem educada pois há coisas que fica bem a um tal homem dizer e escutar a título de gracejo e os chistes de um homem bemeducado diferem dos de um homem vulgar assim como os de uma pessoa instruída diferem dos de um ignorante Isto se pode ver até nas comédias antigas e modernas para os autores das primeiras a linguagem indecente era divertida enquanto os das segundas preferem insinuar e ambos diferem bastante no que tange à propriedade do que dizem Mas devemos definir o homem que sabe gracejar bem pelo fato de ele dizer apenas aquilo que não fica mal a um homem bemeducado ou por não magoar o ouvinte e até por deleitálo Ou não será esta segunda definição pelo menos ela própria indefinida uma vez que diferentes coisas são aprazíveis ou odiosas a diferentes pessoas A espécie de gracejos que ele se disporá a escutar será a mesma pois aqueles que pode tolerar são também os que gosta de fazer Há por conseguinte gracejos que esse homem nunca fará pois o gracejo é uma espécie de insulto e há coisas que os legisladores nos proíbem insultar e talvez devessem também proibirnos de gracejar em torno delas O homem fino e bemeducado será pois tal como o descrevemos e ele mesmo ditará por assim dizer a sua lei Esse é o homem que observa o meiotermo quer o chamemos homem de tato quer espirituoso O chocarreiro por outro lado é o escravo da sua dicacidade e para provocar o riso não poupa nem a si nem aos outros dizendo coisas que um homem fino jamais diria e algumas das quais nem ele próprio desejaria escutar O rústico por seu lado é inútil para essa espécie de intercâmbio social pois em nada contribui e em tudo acha o que censurar Mas os lazeres e a recreação são considerados um elemento necessário à vida Os meiostermos que descrevemos acima com respeito à vida são pois em número de três e relacionamse todos com alguma espécie de intercâmbio de palavras e atos Diferem porém pelo fato de um se relacionar com a verdade e os outros dois com o prazer Dos que dizem respeito ao prazer um se manifesta nos gracejos e o outro no trato social comum 9 A vergonha não deveria ser incluída entre as virtudes porquanto se assemelha mais a um sentimento do que a uma disposição de caráter É definida em todo caso como uma espécie de medo da desonra e produz um efeito semelhante ao do medo causado pelo perigo Com efeito as pessoas envergonhadas coram e as que temem a morte empalidecem ambos portanto parecem ser em certo sentido estados corporais o que seria mais característico de um sentimento que de uma disposição de caráter O sentimento de vergonha não fica bem a todas as idades mas apenas à juventude Pensamos que os moços são sujeitos a envergonharse porque vivem pelos sentimentos e por isso cometem muitos erros servindo a vergonha para refreálos e louvamos os jovens que mostram essa propensão mas a uma pessoa mais velha ninguém louvaria pelo mesmo motivo visto pensarmos que ela não deve fazer nada de que tenha de envergonharse Com efeito o sentimento de vergonha não é sequer característico de um homem bom uma vez que acompanha as más ações Ora tais ações não devem ser praticadas e não faz diferença que algumas sejam vergonhosas em si mesmas e outras o sejam apenas de acorda com a opinião comum pois nem as primeiras nem as segundas devemos praticar a fim de não sentirmos vergonha E é característico de um homem mau o ser capaz de cometer qualquer ação vergonhosa É absurdo julgarse alguém um homem bom porque sente vergonha quando comete uma tal ação visto que nos envergonhamos de nossas ações voluntárias e o homem bom jamais cometerá más ações voluntariamente Mas a vergonha pode ser considerada uma boa coisa dentro de certas condições se um homem bom cometer uma ação dessas sentirá vergonha As virtudes porém não estão sujeitas a tais condições E se o despudor o não se envergonhar de praticar ações vis é mau não se segue que seja bom envergonharse de praticálas A continência também não é uma virtude mas uma espécie de disposição mista É o que mostraremos mais adiante62 Agora porém tratemos da justiça LIVRO V 1 No que toca à justiça e à injustiça devemos considerar 1 com que espécie de ações se relacionam elas 2 que espécie de meiotermo é a justiça e 3 entre que extremos o ato justo é intermediário Nossa investigação se processará dentro das mesmas linhas que as anteriores Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo que as faz agir justamente e desejar o que é justo e do mesmo modo por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto Também nós portanto assentaremos isso como base geral Porque as mesmas coisas não são verdadeiras tanto das ciências e faculdades como das disposições de caráter Considerase que uma faculdade ou ciência que é uma I e a mesma coisa se relaciona com objetos contrários mas uma disposição de caráter que é um de dois 62 Livro VII caps 110 N do T contrários não produz resultados opostos Por exemplo em razão da saúde não fazemos o que é contrário à saúde mas só o que é saudável pois dizemos que um homem caminha de modo saudável quando caminha como o faria um homem que gozasse saúde Ora muitas vezes um estado é reconhecido pelo seu contrário e não menos freqüentemente os estados são reconhecidos pelos sujeitos que os manifestam porque a quando conhecemos a boa condição a má condição também se nos torna conhecida e b a boa condição é conhecida pelas coisas que se acham em boa condição e as segundas pela primeira Se a boa condição for a rijeza de carnes é necessário não só que a má condição seja a carne flácida como que o saudável seja aquilo que torna rijas as carnes E seguese de modo geral que se um dos contrários for ambíguo o outro também o será por exemplo se o justo o é também o será o injusto Ora justiça e injustiça parecem ser termos ambíguos mas como os seus diferentes significados se aproximam uns dos outros a ambigüidade escapa à atenção e não é evidente como por comparação nos casos em que os significados se afastam muito um do outro por exemplo pois aqui é grande a diferença de forma exterior como a ambigüidade no emprego de ќλείς para designar a clavícula de um animal e o ferrolho com que trancamos uma porta Tomemos pois como ponto de partida os vários significados de um homem injusto Mas o homem sem lei assim como o ganancioso e ímprobo são considerados injustos de forma que tanto o respeitador da lei como o honesto serão evidentemente justos O justo é portanto o respeitador da lei e o probo e o injusto é o homem sem lei e ímprobo Visto que o homem injusto é ganancioso deve ter algo que ver com bens não todos os bens mas aqueles a que dizem respeito a prosperidade e a adversidade e que tomados em absoluto são sempre bons mas nem sempre o são para uma pessoa determinada Ora os homens almejam tais coisas e as buscam diligentemente e isso é o contrário do que deveria ser Deviam antes pedir aos deuses que as coisas que são boas em absoluto o fossem também para eles e escolher essas O homem injusto nem sempre escolhe o maior mas também o menor no caso das coisas que são más em absoluto Mas como o mal menor é em certo sentido considerado bom e a ganância se dirige para o bom pensase que esse homem é ganancioso E é igualmente iníquo pois essa característica contém ambas as outras e é comum a elas Como vimos63 que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo evidentemente todos os atos legítimos são em certo sentido atos justos porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos e cada um deles dizemos nós é justo Ora nas disposições que tomam sobre todos os assuntos as leis têm em mira a vantagem comum quer de todos quer dos melhores ou daqueles que detêm o poder ou algo nesse gênero de modo que em certo sentido chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar para a sociedade política a felicidade e os elementos que a compõem E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem bravo por exemplo não desertar de nosso posto nem fugir nem abandonar nossas armas quanto os de um homem temperante por exemplo não cometer adultério nem entregarse à luxúria e os de um homem calmo por exemplo não bater em ninguém nem caluniar e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade prescrevendo certos atos e condenando outros e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente enquanto as leis con cebidas às pressas as fazem menos bem Essa forma de justiça é portanto uma virtude completa porém não em absoluto e sim em relação ao nosso próximo Por isso a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes e nem Vésper nem a estreladalva64 são tão admiráveis e proverbialmente na justiça estão compreendidas todas as virtudes65 E ela é a virtude completa no pleno sentido do termo por ser o exercício atual da virtude completa É completa porque aquele que a possui pode 63 1129 a 32 1129 b lN do T 64 Eurípides fragmento 486 de Melanipa ed Nauck N do T 65 Teógnis 147 N do T exercer sua virtude não só sobre si mesmo mas também sobre o seu próximo já que muitos homens são capazes de exercer virtude em seus assuntos privados porém não em suas relações com os outros Por isso é considerado verdadeiro o dito de Bias que o mando revela o homem pois necessariamente quem governa está em relação com outros homens e é um membro da sociedade Por essa mesma razão se diz que somente a justiça entre todas as virtudes é o bem de um outro66 visto que se relaciona com o nosso próxima fazendo o que é vantajoso a um outro seja um governante seja um associado Ora o pior dos homens é aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com os seus amigos e o melhor não é o que exerce a sua virtude para consigo mesmo mas para com um outro pois que difícil tarefa é essa Portanto a justiça neste sentido não é uma parte da virtude mas a virtude inteira nem é seu contrário a injustiça uma parte do vício mas o vício inteiro O que dissemos põe a descoberto a diferença entre a virtude e a justiça neste sentido são elas a mesma coisa mas não o é a sua essência Aquilo que em relação ao nosso próximo é justiça como uma determinada disposição de caráter e em si mesmo é virtude 2 Seja porém como for o objeto de nossa investigação é aquela justiça que constitui uma parte da virtude porquanto sustentamos que tal espécie de justiça existe E analogamente é com a injustiça no sentido particular que nos ocupamos Que tal coisa existe é indicado pelo fato de que o homem que mostra em seus atos as outras formas de maldade age realmente mal porém não ganan ciosamente por exemplo o homem que atira ao chão o seu escudo por covardia que fala duramente por mau humor ou deixa de assistir com dinheiro ao seu amigo por avareza e por outro lado o ganancioso muitas vezes não exibe nenhum desses vícios nem todos juntos mas indubitavelmente revela uma certa espécie de maldade pois nós o censuramos e de injustiça Existe pois uma outra espécie de 66 Platão República 343 N do T injustiça que é parte da injustiça no sentido lato e um dos empregos da palavra injusto que corresponde a uma parte do que é injusto no sentido amplo de contrário à lei Por outro lado se um homem comete adultério tendo em vista o lucro e ganha dinheiro com isso enquanto um outro o faz levado pelo apetite embora perca dinheiro e sofra com o seu ato o segundo será considerado intemperante e não ganancioso enquanto o primeiro é injusto mas não intemperante Está claro pois que ele é injusto pela razão de lucrar com o seu ato Ainda mais todos os outros atos injustos são invariavelmente atribuídos a alguma espécie particular de maldade por exemplo o adultério à intemperança o abandono de um companheiro em combate à covardia a violência física à cólera mas quando um homem tira proveito de sua ação esta não é atribuída a nenhuma outra forma de maldade que não a injustiça É evidente pois que além da injustiça no sentido lato existe uma injustiça particular que participa do nome e da natureza da primeira porque sua definição se inclui no mesmo gênero Com efeito o significado de ambas consiste numa relação para com o próximo mas uma delas diz respeito à honra ao dinheiro ou à segurança ou àquilo que inclui todas essas coisas se houvesse um nome para designálo e seu motivo é o prazer proporcionado pelo lucro enquanto a outra diz respeito a todos os objetos com que se relaciona o homem bom Está bem claro pois que existe mais de uma espécie de justiça e uma delas se distingue da virtude no pleno sentido da palavra Cumprenos determinar o seu gênero e a sua diferença específica O injusto foi dividido em ilegítimo e ímprobo e o justo em legítimo e probo Ao ilegítimo corresponde o sentido de injustiça que examinamos acima Mas como ilegítimo e ímprobo não são a mesma coisa mas diferem entre si como uma parte do seu todo pois tudo que é ímprobo é ilegítimo mas nem tudo que é ilegítimo é ímprobo o injusto e a injustiça no sentido de improbidade não se identificam com a primeira espécie citada mas diferem dela como a parte do todo Com efeito a injustiça neste sentido é uma parte da injustiça no sentido amplo e do mesmo modo a justiça num sentido o é da justiça do outro Portanto devemos também falar da justiça e da injustiça particulares e da mesma forma a respeito do justo e do injusto Quanto à justiça pois que corresponde à virtude total e à correspondente injustiça sendo uma delas o exercício da virtude em sua inteireza e a outra o do vício completo ambos em relação ao nosso próximo podemos deixálas de parte E é evidente o modo como devem ser distinguidos os significados de justo e de injusto que lhes correspondem pois a bem dizer a maioria dos atos ordenados pela lei são aqueles que são prescritos do ponto de vista da virtude considerada como um todo Efetivamente a lei nos manda praticar todas as virtudes e nos proíbe de praticar qualquer vício E as coisas que tendem a produzir a virtude considerada como um todo são aqueles atos prescritos pela lei tendo em vista a educação para o bem comum Mas no que tange à educação do indivíduo como tal educação essa que torna um homem bom em si fica para ser determinado posterior mente67 se isso compete à arte política ou a alguma outra pois talvez não haja identidade entre ser um homem bom e ser um bom cidadão de qualquer Estado escolhido ao caso Da justiça particular e do que é justo no sentido correspondente A uma espécie é a que se manifesta nas distribuições de honras de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição pois aí é possível receber um quinhão igual ou desigual ao de um outro e B outra espécie é aquela que desempenha um papel corretivo nas transações entre indivíduos Desta última há duas divisões dentre as transações 1 algumas são voluntárias e 2 outras são involuntárias voluntárias por exemplo as compras e vendas os empréstimos para consumo as arras o empréstimo para uso os depósitos as locações todos estes são chamados voluntários porque a origem das transações é voluntária ao passo que das involuntárias a algumas são clandestinas como o 67 1179 b 20 1181 b 12 Política 1267 b 16 1277 b 32 1278 a 40 1278 b 5 1288 a 32 1288 b 2 1333 a 1116 1337 a 1114 N do T furto o adultério o envenenamento o lenocínio o engodo a fim de escravizar o falso testemunho e b outras são violentas como a agressão o seqüestro o homicídio o roubo a mão armada a mutilação as invectivas e os insultos 3 A Mostramos que tanto o homem como o ato injustos são ímprobos ou iníquos Agora se torna claro que existe também um ponto intermediário entre as duas iniqüidades compreendidas em cada caso E esse ponto é a eqüidade pois em toda espécie de ação em que há o mais e o menos também há o igual Se pois o injusto é iníquo o justo é equitativo como aliás pensam todos mesmo sem discussão E como o igual é um ponto intermediário o justo será um meiotermo Ora igualdade implica pelo menos duas coisas O justo por conseguinte deve ser ao mesmo tempo intermediário igual e relativo isto é para certas pessoas E como intermediário deve encontrarse entre certas coisas as quais são respectivamente maiores e menores como igual envolve duas coisas e como justo o é para certas pessoas O justo pois envolve pelo menos quatro termos porquanto duas são as pessoas para quem ele é de faro justo e duas são as coisas em que se manifesta os objetos distribuídos E a mesma igualdade se observará entre as pessoas e entre as coisas envolvidas pois a mesma relação que existe entre as segundas as coisas envolvidas também existe entre as primeiras Se não são iguais não receberão coisas iguais mas isso é origem de disputas e queixas ou quando iguais tem e recebem partes desiguais ou quando desiguais recebem partes iguais Isso aliás é evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas de acordo com o mérito pois todos admitem que a distribuição justa deve recordar com o mérito num sentido qualquer se bem que nem todos especifiquem a mesma espécie de mérito mas os democratas o identificam com a condição de homem livre os partidários da oligarquia com a riqueza ou com a nobreza de nascimento e os partidários da aristocracia com a excelência O justo é pois uma espécie de termo proporcional sendo a proporção uma propriedade não só da espécie de número que consiste em unidades abstratas mas do número em geral Com efeito a proporção é uma igualdade de razões e envolve quatro termos pelo menos que a proporção descontínua envolve quatro termos é evidente mas o mesmo sucede com a contínua pois ela usa um termo em duas posições e o menciona duas vezes por exemplo a linha A está para a linha B assim como a linha B está para a linha C a linha B pois foi mencionada duas vezes e sendo ela usada em duas posições os termos proporcionais são quatro O justo também envolve pelo menos quatro termos e a razão entre dois deles é a mesma que entre os outros dois porquanto há uma distinção semelhante entre as pessoas e entre as coisas Assim como o termo A está para B o termo C está para D ou alternando assim como A está para C B está para D Logo também o todo guarda a mesma relação para com o todo e esse acoplamento é efetuado pela distribuição e sendo combinados os termos da forma que indicamos efetuado justamente Donde se segue que a conjunção do termo A com C e de B com D é o que é justo na distribuição e esta espécie do justo é intermediária e o injusto é o que viola a proporção porque o proporcional é intermediário e o justo é proporcional Os matemáticos chamam geométrica a esta espécie de proporção pois só na proporção geométrica o todo está para o todo assim como cada parte está para a parte correspondente Esta proporção não é contínua pois não podemos obter um termo único que represente uma pessoa e uma coisa Eis aí pois o que é o justo o proporcional e o injusto é o que viola a proporção Desse modo um dos termos tornase grande demais e o outro demasiado pequeno como realmente acontece na prática porque o homem que age injustamente tem excesso e o que é injustamente tratado tem demasiado pouco do que é bom No caso do mal verificase o inverso pois o menor mal é considerado um bem em comparação com o mal maior visto que o primeiro é escolhido de preferência ao segundo e o que é digno de escolha 1 bom e de duas coisas a mais digna de escolha é um bem maior Essa é por conseguinte uma das espécies do justo 4 B A outra é a corretiva que surge em relação com transações tanto voluntá rias como involuntárias Esta forma do justo tem um caráter específico diferente da primeira Com efeito a justiça que distribui posses comuns está sempre de acordo com a proporção mencionada acima e mesmo quando se trata de distribuir os fundos comuns de uma sociedade ela se fará segundo a mesma razão que guardam entre si os fundos empregados no negócio pelos diferentes sócios e a injustiça contrária a esta espécie de injustiça é a que viola a proporção Mas a justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma espécie de igualdade e a injustiça uma espécie de desigualdade não de acordo com essa espécie de proporção todavia mas de acordo com uma proporção aritmética Porquanto não faz diferença que um homem bom tenha defraudado um homem mau ou vice versa nem se foi um homem bom ou mau que cometeu adultério a lei considera apenas o caráter distintivo do delito e trata as partes como iguais se uma comete e a outra sofre injustiça se uma é autora e a outra é vítima do delito Portanto sendo esta espécie de injustiça uma desigualdade o juiz procura igualála porque também no caso em que um recebeu e o outro infligiu um ferimento ou um matou e o outro foi morto o sofrimento e a ação foram desigualmente distribuídos mas o juiz procura igualálos por meio da pena tomando uma parte do ganho do acusado Porque o termo ganho aplicase geralmente a tais casos embora não seja apropriado a alguns deles como por exemplo à pessoa que inflige um ferimento e perda à vítima Seja como for uma vez estimado o dano um é chamado perda e o outro ganho Logo o igual é intermediário entre o maior e o menor mas o ganho e perda são respectivamente menores e maiores em sentidos contrários maior quantidade do bem e menor quantidade do mal representam ganho e o contrário é perda e intermediário entre os dois é como vimos o igual que dizemos ser justo Por conseguinte a justiça corretiva será o intermediário entre a perda e o ganho Eis aí por que as pessoas em disputa recorrem ao juiz e recorrer ao juiz é recorrer à justiça pois a natureza do juiz é ser uma espécie de justiça animada e procuram o juiz como um intermediário e em alguns Estados os juízes são chamados mediadores na convicção de que se os litigantes conseguirem o meio termo conseguirão o que é justo O justo pois é um meiotermo já que o juiz o é Ora o juiz restabelece a igualdade E como se houvesse uma linha dividida em partes desiguais e ele retira a diferença pela qual o segmento ma excede a metade para acrescentála menor E quando o todo foi igualmente dividido os litigantes dizem que receberam o que lhes pertence isto é receberam o que é igual O igual é intermediário entre a linha maior e a menor de acordo com uma proporção aritmética Por esta mesma razão é ele chamado justo δίкαιον devido a ser uma divisão em duas partes iguais como quem dissesse δίχiov e o juiz διкαστής é aquele que divide em dois διχαστής Com efeito quando alguma coisa é subtraída de um de dois iguais e acrescentada ao outro este supera o primeiro pelo dobro dela visto que se o que foi tomado a um não fosse acrescentado ao outro a diferença seria de um só Portanto o maior excede o intermediário de um e o intermediário excede de um aquele de que foi subtraída alguma coisa Por aí se vê que devemos tanto subtrair do que tem mais como acrescentar ao que tem menos e a este acrescentaremos a quantidade pela qual o excede o intermediário e do maior subtrairemos o seu excesso em relação ao intermediário Sejam as linhas AA BB e CC iguais umas às outras Subtraiase da linha AA o segmento AE e acrescentese à linha CC o segmento CD de modo que toda a linha DCC exceda a linha EA pelo segmento CD e pelo segmento CF por conseguinte ela excede a linha BB pelo segmento CD A E A I11 B B i1 D C F C li1 Estes nomes perda e ganho procedem das trocas voluntárias pois ter mais do que aquilo que é nosso chamase ganhar e ter menos do que a nossa parte inicial chamase perder como por exemplo nas compras e vendas e em todas as outras transações em que a lei dá liberdade aos indivíduos para estabelecerem suas próprias condições quando todavia não recebem mais nem menos mas exatamente o que lhes pertence dizem que têm o que é seu e que nem ganharam nem perderam Logo o justo é intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda a saber os que são involuntários Consiste em ter uma quantidade igual antes e depois da transação 5 Alguns pensam que a reciprocidade é justa sem qualquer reserva como diziam os pitagóricos pois assim definiam eles a justiça Ora reciprocidade não se enquadra nem na justiça distributiva nem na corretiva e no entanto querem que a justiça do próprio Radamanto signifique isso Se um homem sofrer o que fez a devida justiça será feita68 Ora em muitos casos a reciprocidade não se coaduna com a justiça corretiva por exemplo 1 se uma autoridade infligiu um ferimento não deve ser ferida em represália e se alguém feriu uma autoridade não apenas deve ser também ferido mas castigado além disso Acresce que 2 há grande diferença entre um ato voluntário e um ato involuntário Mas nas transações de troca essa espécie de justiça não produz a união dos homens a reciprocidade deve fazerse de acordo com uma proporção e não na base de uma retribuição exatamente igual Porquanto é pela retribuição proporcional que a cidade se mantém unida Os homens procuram pagar o mal com o mal e se não podem fazêlo julgamse reduzidos à condição de simples escravos e o bem com o bem e se não podem fazêlo não há troca e é pela troca que eles se mantêm unidos Por esse mesmo motivo dão 68 Hesíodo fragmento 174 Rzach N do T uma posição proeminente ao templo das Graças promover a retribuição dos serviços é característico da graça e deveríamos servir em troca aquele que nos dispensou uma graça tomando noutra ocasião a iniciativa de lhe fazer o mesmo Ora a retribuição proporcional é garantida pela conjunção cruzada Seja A um arquiteto B um sapateiro C uma casa e D um par de sapatos O arquiteto pois deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste último e darlhe o seu em troca Se pois há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação recíproca o resultado que mencionamos será efetuado Senão a permuta não é igual nem vá lida pois nada impede que o trabalho de um seja superior ao do outro Devem portanto ser igualados E isto é verdadeiro também das outras artes porquanto elas não subsistiriam se o que o paciente sofre não fosse exatamente o mesmo que o agente faz e da mesma quantidade e espécie Com efeito não são dois médicos que se associam para troca mas um médico e um agricultor e de modo geral pessoas diferentes e desiguais mas essas pessoas devem ser igualadas Eis aí por que todas as coisas que são objetos de troca devem ser comparáveis de um modo ou de outro Foi para esse fim que se introduziu o dinheiro o qual se torna em certo sentido um meio termo visto que mede todas as coisas e por conseguinte também o excesso e a falta quantos pares de sapatos são iguais a uma casa ou a uma determinada quantidade de alimento O número de sapatos trocados por uma casa ou por uma determinada quantidade de alimento deve portanto corresponder à razão entre o arquiteto e o sapateiro Porque se assim não for não haverá troca nem intercâmbio E essa proporção não se verificará a menos que os bens sejam iguais de um modo Todos os bens devem portanto ser medidos por uma só e a mesma coisa como dissemos acima Ora essa unidade é na realidade a procura que mantém unidas todas as coisas porque se os homens não necessitassem em absoluto dos bens uns dos outros ou não necessitassem deles igualmente ou não haveria troca ou não a mesma troca mas o dinheiro tornouse por convenção uma espécie de representante da procura e por isso se chama dinheiro νóμισμα já que existe não por natureza mas por lei vóμoç e está em nosso poder mudálo e tornálo sem valor Haverá pois reciprocidade quando os termos forem igualados de modo que assim como o agricultor está para o sapateiro a quantidade de produtos do sapateiro esteja para a de produtos de agricultor pela qual é trocada Mas não devemos colocálos em proporção depois de haverem realizado a troca do contrário ambos os excessos se juntarão num dos extremos e sim quando cada um possui ainda os seus bens Desse modo são iguais e associados justamente porque essa igualdade se pode efetivar no seu caso Seja A um agricultor C uma determinada quantidade de alimento B um sapateiro e D o seu produto que equiparamos a C Se não fosse possível efetuar dessa forma a reciprocidade não haveria associação das partes Que a procura engloba as coisas numa unidade só é evidenciado pelo fato de que quando os homens não necessitam um do outro isto é quando não há necessidade recíproca ou quando um deles não necessita do segundo não realizam a troca como acontece quando alguém deseja o que temos por exemplo quando se permite a exportação de trigo em troca de vinho E preciso pois estabelecer essa equação E quanto às trocas futuras a fim de que se não necessitamos de uma coisa agora possamos têla quando ela venha a fazerse necessária o dinheiro é de certo modo a nossa garantia pois devemos ter a possibilidade de obter o que queremos em troca do dinheiro Ora com o dinheiro sucede a mesma coisa que com os bens nem sempre tem ele o mesmo valor apesar disso tende a ser mais estável Daí a necessidade de que todos os bens tenham um preço marcado pois assim haverá sempre troca e por conseguinte associação de homem com homem Deste modo agindo o dinheiro como uma medida torna ele os bens comensuráveis e os equipara entre si pois nem haveria associação se não houvesse troca nem troca se não houvesse igualdade nem igualdade se não houvesse comensurabilidade Ora ha realidade é impossível que coisas tão diferentes entre si se tornem comensuráveis mas com referência à procura podem tornarse tais em grau suficiente Deve haver pois uma unidade I unidade estabelecida por comum acordo por isso se chama ela dinheiro pois é ela que torna todas as coisas comensuráveis já que todas são medidas pelo dinheiro Seja A uma casa B dez minas C uma cama A é a metade de B se a casa vale cinco minas ou é igual a elas a cama C é um décimo de B tornase assim evidente quantas camas igualam uma casa a saber cinco Não há dúvida que a troca se realizava desse modo antes de existir dinheiro pois nenhuma diferença faz que cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetário de cinco camas Temos pois definido o justo e o injusto Após distinguilos assim um do outro é evidente que a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e o ser vítima de injustiça pois um deles é ter demais e o outro é ter demasiado pouco A justiça é uma espécie de meiotermo porém não no mesmo sentido que as outras virtudes e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária enquanto a injustiça se relaciona com os extremos E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica por escolha própria o que é justo e que distribui seja entre si mesmo e um outro seja entre dois outros não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo e inversamente no relativo ao que não convém mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas A injustiça por outro lado guarda uma relação semelhante para com o injusto que é excesso e deficiência contrários à proporção do útil ou do nocivo Por esta razão a injustiça é excesso e deficiência isto é porque produz tais coisas no nosso caso pessoal excesso do que é útil por natureza e deficiência do que é nocivo enquanto o caso de outras pessoas é equiparável de modo geral ao nosso com a diferença de que a proporção pode ser violada num e noutro sentido Na ação injusta ter demasiado pouco é ser vítima de injustiça e ter demais é agir injustamente Seja esta a nossa exposição da natureza da justiça e da injustiça e igualmente do justo e do injusto em geral 6 Visto que agir injustamente não implica necessariamente ser injusto devemos indagar que espécies de atos injustos implicam que o autor é injusto com respeito a cada tipo de injustiça por exemplo um ladrão um adúltero ou um bandido Evidentemente a resposta não gira em torno da diferença entre esses tipos pois um homem poderia até deitarse com uma mulher sabendo quem ela é sem que no entanto o motivo de seu ato fosse uma escolha deliberada mas a paixão Esse homem age injustamente por conseguinte mas não é injusto e um homem pode não ser ladrão apesar de ter roubado nem adúltero apesar de ter cometido adultério e analogamente em todos os outros casos Ora já mostramos anteriormente como o recíproco se relaciona com o justo69 mas não devemos esquecer que o que estamos procurando não é apenas aquilo que é justo incondicionalmente mas também a justiça política Esta é encontrada entre homens que vivem em comum tendo em vista a autosuficiência homens que são livres e iguais quer proporcionalmente quer aritmeticamente de modo que entre os que não preenchem esta condição não existe justiça política mas justiça num sentido especial e por analogia Com efeito a justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são governadas pela lei e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto E havendo injustiça entre homens também há ações injustas se bem que do fato de ocorrerem ações injustas entre eles nem sempre se pode inferir que haja injustiça e estas consistem em atri buir demasiado a si próprio das coisas boas em si e demasiado pouco das coisas más em si Aí está por que não permitimos que um homem governe mas o princípio racional pois que um homem o faz no seu próprio interesse e convertese num 69 1132 b 21 1133b28NdoT tirano O magistrado por outro lado é um protetor da justiça e por conseguinte também da igualdade E visto suporse que ele não possua mais do que a sua parte se é justo porque não atribui a si mesmo mais daquilo que e bom em si a menos que tal quinhão seja proporcional aos seus méritos de modo que é para outros que trabalha e por essa razão os homens como mencionamos anteriormente70 dizem ser a justiça o bem de um outro ele deve portanto ser recompensado e sua recompensa é a honra e o privilégio mas aqueles que não se contentam com essas coisas tornamse tiranos71 A justiça de um amo e a de um pai não são a mesma que a justiça dos cidadãos embora se assemelhem a ela pois não pode haver justiça no sentido incondicional em relação a coisas que nos pertencem mas o servo de um homem e o seu filho até atingir certa idade e tornarse independente são por assim dizer uma parte dele Ora ninguém fere voluntariamente a si mesmo razão pela qual também não pode haver injustiça contra si próprio Portanto não é em relações dessa espécie que se manifesta a justiça injustiça dos cidadãos pois como vimos ela se relaciona com a lei e se verifica entre pessoas naturalmente sujeitas à lei e estas como também vimos72 são pessoas que têm partes iguais em governar e ser governadas Por isso é mais fácil manifestar verdadeira justiça para com nossa esposa do que para com nossos filhos e servos Tratase nesse caso de justiça doméstica a qual sem embargo também difere da justiça política 7 Da justiça política uma parte é natural e outra parte legal natural aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo legal a que de início é indiferente mas deixa de sêlo depois que foi estabelecida por exemplo que o resgate de um prisioneiro seja de uma mina ou que deve ser sacrificado um bode e não duas ovelhas e também 70 1130a3N doT 71 1134 a 30 N do T 72 1134a2ó28 N doT todas as leis promulgadas para casos particulares como a que mandava oferecer sacrifícios em honra de Brásidas73 e as prescrições dos decretos Ora alguns pensam que toda justiça é desta espécie porque as coisas que são por natureza são imutáveis e em toda parte têm a mesma força como o fogo que arde tanto aqui como na Pérsia ao passo que eles observam alterações nas coisas reconhecidas como justas Isso porém não é verdadeiro de modo absoluto mas verdadeiro em certo sentido ou melhor para os deuses talvez não seja verdadeiro de modo algum enquanto para nós existe algo que é justo mesmo por natureza embora seja mutável Isso não obstante algumas coisas o são por natureza e outras não Com toda a evidência percebese que espécie de coisas entre as que são capazes de ser de outro modo é por natureza e que espécie não o é mas por lei e convenção admitindose que ambas sejam igualmente mutáveis E em todas as outras coisas a mesma distinção será aplicável por natureza a mão direita é mais forte e no entanto é possível que todos os homens venham a tornarse ambidestros As coisas que são justas em virtude da convenção e da conveniência asse melhamse a medidas pois que as medidas para o vinho e para o trigo não são iguais em toda parte porém maiores nos mercados por atacado e menores nos retalhistas Da mesma forma as coisas que são justas não por natureza mas por decisão humana não são as mesmas em toda parte E as próprias constituições não são as mesmas conquanto só haja uma que é por natureza a melhor em toda parte Das coisas justas e legítimas cada uma se relaciona como o universal para com o seus casos particulares pois as coisas praticadas são muitas mas dessas cada uma é uma só visto que é universal Há uma diferença entre o ato de injustiça e o que é injusto assim como entre o ato de justiça e o que é justo Como efeito uma coisa é injusta por natureza ou 73 Tucídides V llNdoT por lei e essa mesma coisa depois que alguém a faz é um ato de injustiça antes disso porém é apenas injusta E do mesmo modo quanto ao ato de justiça se bem que a expressão geralmente usada seja ação justa e ato de justiça se aplique à correção do ato de injustiça Cada uma destas coisas deve ser examinada separadamente mais tarde no tocante à natureza e ao número de suas espécies bem como à natureza das coisas com que se relaciona 8 Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos um homem age de maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente Quando os pratica involuntariamente seus atos não são justos nem injustos salvo por acidente isto é porque ele fez coisas que redundam em justiças ou injustiças E o caráter voluntário ou involuntário do ato que determina se ele é justo ou injusto pois quando é voluntário é censurado e pela mesma razão se torna um ato de injustiça de forma que existem coisas que são injustas sem que no entanto sejam atos de injustiça se não estiver presente também a voluntariedade Por voluntário entendo como já disse antes74 tudo aquilo que um homem tem o poder de fazer e que faz com conhecimento de causa isto é sem ignorar nem a pessoa atingida pelo ato nem o instrumento usado nem o fim que há de alcançar por exemplo em quem bate com que e com que fim além disso cada um desses atos não deve ser acidental nem forçado se por exemplo A toma a mão de B e com ela bate em C B não agiu voluntariamente pois o ato não dependia dele A pessoa atingida pode ser o pai do agressor e este pode saber que bateu num homem ou numa das pessoas presentes ignorando no entanto que se trata de seu pai Uma distinção do mesmo gênero se deve fazer quanto ao fim da ação e à ação em sua totalidade Por conseguinte aquilo que se faz na ignorância ou embora feito com conhecimento de causa não depende do agente ou que é feito 74 1109 b 35 1111 a 24 N do T sob coação é involuntário pois há até muitos processos naturais que nós cientemente realizamos e experimentamos e nenhum dos quais no entanto se pode qualificar de voluntário ou involuntário como por exemplo envelhecer ou morrer Mas tanto no caso dos atos justos como dos injustos a injustiça ou justiça pode ser apenas acidental pois pode acontecer que um homem restitua involuntariamente ou por medo um valor depositado em suas mãos e nesse caso não se deve dizer que ele praticou um ato de justiça ou que agiu justamente a não ser de modo acidental Da mesma forma aquele que sob coação e contra a sua vontade deixa de restituir o valor depositado agiu injustamente e cometeu um ato de injustiça mas apenas por acidente Dos atos voluntários praticamos alguns por escolha e outros não por escolha os que praticamos após deliberar e por não escolha os que praticamos sem deliberação prévia Há por conseguinte três espécies de dano nas transações entre um homem e outro Os que são infligidos por ignorância são enganos quando a pessoa atingida pelo ato o próprio ato o instrumento ou o fim a ser alcançado são diferentes do que o agente supõe ou o agente pensou que não ia atingir ninguém ou que não ia atingir com determinado objeto ou a determinada pessoa ou com o resultado que lhe parecia provável por exemplo se atirou algo não com o propósito de ferir mas de incitar ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado não eram os que ele supunha Ora 1 quando o dano ocorre contrariando o que era razoavelmente de esperar é um infortúnio 2 Quando não é contrário a uma expectativa razoável mas tampouco implica vício é um engano pois o agente comete um engano quando a falta procede dele mas é vítima de um acidente quando a causa lhe é exterior 3 Quando age com o conhecimento do que faz mas sem deliberação prévia é um ato de injustiça por exemplo os que se originam da cólera ou de outras paixões necessárias ou naturais ao homem Com efeito quando os homens praticam atos nocivos e errôneos desta espécie agem injustamente e seus atos são atos de injustiça mas isso não quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados pois que o dano não se deve ao vício Mas 4 quando um homem age por escolha é ele um homem injusto e vicioso Por isso é com razão que se consideram os atos originados da cólera como impremeditados pois a causa do mal não foi o homem que agiu sob o impulso da cólera mas aquele que o provocou Além disso o objeto da disputa não é se a coisa aconteceu ou deixou de acontecer mas se é justa ou não pois foi a sua aparente injustiça que provocou a ira Com efeito eles não disputam sobre a ocorrência do ato como nas transações comerciais em que uma das duas partes forçosamente agiu de má fé a menos que o façam por esquecimento mas estando concordes a respeito do fato disputam sobre qual deles está com a justiça ao passo que um homem que deliberadamente prejudicou a outro não pode ignorar tal coisa de forma que um pensa estar sendo injustamente tratado e o outro discorda dessa opinião Mas se um homem prejudica a outro por escolha age injustamente e são estes os atos de injustiça que caracterizam os seus perpetradores como homens injustos contanto que o ato viole a proporção ou a igualdade Do mesmo modo um homem é justo quando age justamente por escolha mas age justamente se sua ação é apenas voluntária Dos atos voluntários alguns são desculpáveis e outros não Com efeito os erros que os homens cometem não apenas na ignorância mas também por ignorância são desculpáveis enquanto os que não se devem à ignorância embora sejam cometidos na ignorância mas a uma paixão que nem é natural nem se conta entre aquelas a que o gênero humano está sujeito esses são indesculpáveis 9 Dando como suficientemente definidos o que sejam cometer injustiça e ser vitima dela podese perguntar 1 se a verdade está expressa nas palavras paradoxais de Eurípedes Matei minha mãe eis o meu caso em suma Fizestelo por vosso querer ou com pesar de ambos75 Será mesmo possível sermos tratados injustamente por nosso querer ou pelo contrário será involuntária toda injustiça sofrida como toda ação injusta é voluntária E será toda injustiça sofrida da segunda espécie ou da primeira ou às vezes voluntária e outras vezes involuntária E do mesmo modo no que se refere ao ser tratado com justiça como toda ação justa é voluntária seria razoável que houvesse uma oposição semelhante em cada um dos dois casos que tanto o ser tratado com justiça como com injustiça fossem igualmente voluntários ou involuntários Mas pareceria paradoxal mesmo no caso de ser tratado com justiça que isso fosse sempre voluntário pois é contra a sua vontade que alguns são justamente tratados 2 Poderseia levantar esta outra questão todos os que sofrem injustiça estão sendo injustamente tratados ou ocorrerá com a passividade a mesma coisa que com a ação Tanto numa como na outra é possível participar acidentalmente da justiça e do mesmo modo como é evidente da injustiça Com efeito praticar um ato injusto não é o mesmo que agir injustamente nem sofrer injustiça é o mesmo que ser injustamente tratado e o mesmo ocorre quanto ao agir injustamente e ao ser justamente tratado pois é impossível ser injustamente tratado se o outro não age injustamente ou ser justamente tratado a não ser que ele aja com justiça Ora se agir injustamente não é mais que prejudicar voluntariamente a alguém e voluntariamente significa com conhecimento da pessoa atingida pela ação do instrumento e da maneira pela qual se age e o homem incontinente prejudica voluntariamente a si mesmo não só ele será injustamente tratado por seu querer como também será possível tratar a si mesmo injustamente Esta possibilidade de tratar injustamente a si mesmo é uma das questões a serem debatidas Por outro lado um homem pode voluntariamente devido à incontinência sofrer algum mal da parte de outro que age voluntariamente de modo que seria 75 Fragmento 68 de Alcmêon Nauck N do T possível ser injustamente tratado por seu próprio querer Ou porventura é incorreta a nossa definição e a fazer mal a um outro com conhecimento da pessoa atingida pela ação do instrumento e da maneira fazse mister acrescentar contra a vontade da pessoa atingida pela razão Assim um homem poderia ser voluntariamente prejudicado e voluntariamente sofrer injustiça mas ninguém seria injustamente tratado por seu querer pois ninguém deseja ser injustamente tratado nem mesmo o homem incontinente Esse homem age contrariamente ao seu desejo pois ninguém deseja o que julga não ser bom mas o homem incontinente de fato faz coisas que pensa não dever fazer E por outro lado quem dá o que lhe pertence como Homero diz que Glauco deu a Diômedes armadura de ouro por armadura de bronze e o preço de cem bois por nove76 não é injustamente tratado porque se o dar depende dele o ser injustamente tratado não depende para isso é preciso haver alguém que o trate injustamente Tornase claro pois que o ser injustamente tratado não é voluntário Das questões que tencionávamos discutir restam ainda duas 3 se quem age injustamente é o homem que confere a um outro um quinhão superior ao que lhe cabe ou o que ficou com o quinhão excessivo e 4 se é possível tratar injustamente a si mesmo Esta questões são mutuamente conexas porquanto se a primeira alternativa é possível e quem age injustamente é o aquinhoador e não o homem que ficou com a parte excessiva então se um homem voluntariamente e com conhe cimento de causa atribui a um outro mais do que a si mesmo esse homem trata a si mesmo injustamente e é o que parecem fazer as pessoas modestas já que o homem virtuoso tende a tomar menos que a sua parte justa Ou será também preciso pôr restrições ao que acabamos de dizer Com efeito a ele talvez obtenha um quinhão maior de algum outro bem como por exemplo de honra ou de nobreza intrínseca b A questão é resolvida aplicandose a distinção que Fizemos no tocante à ação injusta pois que ele não sofre nada contrário ao seu desejo e assim não é a rigor injustamente tratado mas no máximo sofre um dano 76 Ilíada VI 236 N do T É evidente por outro lado que o aquinhoador age injustamente mas isso nem sempre é verdadeiro do homem que recebeu a parte excessiva porque não é aquele a quem cabe o injusto que age injustamente mas aquele a quem coube praticar voluntariamente o ato injusto isto é a pessoa na qual reside a origem da ação e esta reside no aquinhoador e não no aquinhoado Por outro lado como a palavra fazer é ambígua e de coisas inanimadas de uma mão ou de um escravo que executa uma ordem se pode dizer em certo sentido que mataram aquele que recebeu um quinhão excessivo não age injustamente embora faça o que é injusto Ainda mais se o aquinhoador decidiu na ignorância não age injustamente com respeito à justiça legal e sua decisão não é injusta neste sentido mas em outro sentido é realmente injusta pois a justiça legal e a justiça primordial diferem entre si mas se com conhecimento de causa julgou injustamente ele próprio tem em vista um quinhão excessivo quer de gratidão quer de vingança O homem que julgou injustamente por estas razões recebeu por conseguinte um quinhão excessivo tal qual como se houvesse participado na pilhagem o fato de receber algo diferente daquilo que distribui não vem ao caso pois também quando concede terras com vistas em participar da pilhagem o que recebe não é terra mas dinheiro Os homens pensam que como o agir injustamente depende deles é fácil ser justo Enganamse contudo ir para a cama com a mulher do vizinho ferir ou subornar alguém é fácil e depende de nós mas fazer essas coisas em resultado de uma disposição de caráter nem é fácil nem está em nosso poder Do mesmo modo conhecer o que é justo e o que é injusto não exige grande sabedoria segundo pensam os homens porque não é difícil compreender os assuntos sobre que versa a lei embora não sejam essas as coisas justas salvo acidentalmente Mas saber como se deve agir e como efetuar distribuições a fim de ser justo é mais difícil do que saber o que faz bem à saúde se bem que mesmo neste terreno embora não dê grande trabalho aprender que o mel o vinho o heléboro o cautério e o uso da faca têm tal efeito o saber como a quem e em que ocasião essas coisas devem ser aplicadas com vistas em produzir a saúde não é menos difícil do que ser médico Ainda mais por esta mesma razão julgam os homens que agir injustamente é tão próprio do homem justo como do injusto pois aquele não seria menos senão até mais capaz de cometer cada um desses atos injustos com efeito o homem justo poderia deitarse com uma mulher ou ferir o seu vizinho e o valente poderia jogar fora o seu escudo e pôrse em fuga Mas fazer papel de covarde ou agir injustamente não consiste em praticar essas coisas salvo por acidente e sim em praticálas como resultado de uma certa disposição de caráter do mesmo modo que exercer a medicina e curar não consiste em aplicar ou deixar de aplicar a faca nem em usar ou deixar de usar medicamentos mas em fazer essas coisas de certa maneira Os atos justos ocorrem entre pessoas que participam de coisas boas em si e podem ter uma parte excessiva ou excessivamente pequena delas porque a alguns seres como aos deuses presumivelmente não é possível ter uma parte excessiva de tais coisas e a outros isto é os incuravelmente maus nem a mais mínima parte seria benéfica mas todos os bens dessa espécie são nocivos enquanto para outros são benéficos dentro de certos limites Donde se conclui que a justiça é algo essencialmente humano 10 O assunto que se segue é a eqüidade e o eqüitativo τόέπιειкές e respectivas relações com a justiça e o justo Porquanto essas coisas não parecem ser absolutamente idênticas nem diferir genericamente entre si e embora louvemos por vezes o eqüitativo e o homem eqüitativo e até aplicamos esse termo como expressão laudatória a exemplo de outras virtudes significando por ςπιειкέστεpov que uma coisa é melhor em outras ocasiões pensando bem nos parece estranho que o eqüitativo embora não se identifique com o justo seja digno de louvor por que se o justo e o eqüitativo são diferentes um deles não é bom e se são ambos bons têm de ser a mesma coisa São estas pois aproximadamente as considerações que dão origem ao problema em torno do eqüitativo Em certo sentido todas elas são corretas e não se opõem umas às outras porque o eqüitativo embora superior a uma espécie de justiça é justo e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo A mesma coisa pois é justa e eqüitativa e embora ambos sejam bons o eqüitativo é superior O que faz surgir o problema é que o eqüitativo é justo porém não o legal mente justo e sim uma correção da justiça legal A razão disto é que toda lei é universal mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta Nos casos pois em que é necessário falar de modo universal mas não é possível fazêlo corretamente a lei considera o caso mais usual se bem que não ignore a possibilidade de erro E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto pois o erro não está na lei nem no legislador mas na natureza da própria coisa já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza Portanto quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal é justo uma vez que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade corrigir a omissão era outras palavras dizer o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso Por isso o eqüitativo é justo superior a uma espécie de justiça não justiça absoluta mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal E essa é a natureza do equitativo uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade E mesmo é esse o motivo por que nem todas as coisas são determinadas pela lei em torno de algumas é impossível legislar de modo que se faz necessário um decreto Com efeito quando a coisa é indefinida a regra também é indefinida como a régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas a régua adaptase à forma da pedra e não é rígida exatamente como o decreto se adapta aos fatos Tornase assim bem claro o que seja o eqüitativo que ele é justo e é melhor do que uma espécie de justiça Evidenciase também pelo que dissemos quem seja o homem eqüitativo o homem que escolhe e pratica tais atos que não se aferra aos seus direitos em mau sentido mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si é eqüitativo e essa disposição de caráter é a eqüidade que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter 11 Se um homem pode ou não tratar injustamente a si mesmo fica suficientemente claro pelo que ficou dito atrás77 Com efeito a uma classe de atos justos são os atos que estão em consonância com alguma virtude e que são prescritos pela lei por exemplo a lei não permite expressamente o suicídio e o que a lei não permite expressamente ela o proíbe Por outro lado quando um homem violando a lei causa dano a um outro voluntariamente excetuados os casos de retaliação esse homem age injustamente e um agente voluntário é aquele que conhece tanto a pessoa a quem atinge com o seu ato como o instrumento que usa e quem levado pela cólera voluntariamente se apunhala pratica esse ato contrariando a reta razão da vida t isso a lei não permite portanto ele age injustamente Mas para com quem Certamente que para com o Estado e não para consigo mesmo Por que ele sofre voluntariamente e ninguém é voluntariamente tratado com injustiça Por essa mesma razão o Estado pune o suicida infligindo lhe uma certa perda de direitos civis pois que ele trata o Estado injustamente Além disso b naquele sentido de agir injustamente em que o homem que assim procede é apenas injusto e não completamente mau não é possível tratar injustamente a si mesmo Com efeito este sentido difere do anterior o homem injusto numa das acepções do termo é mau de uma maneira particularizada tal qual como o covarde e não no sentido de ser completamente mau de forma que o seu ato injusto não manifesta maldade em geral Porque 1 isso implicaria a possibilidade de ter sido a mesma coisa simultaneamente subtraída de outra e acrescentada a ela mas isso é impossível pois que o justo e o injusto sempre envolvem mais de uma pessoa Por outro lado 2 a ação injusta é voluntária e 77 Cf 1129 a 32 1129 b 1 1136 a 10 1137 4 N do T praticada por escolha além de a ela pertencer a iniciativa porque não se diz que agiu injustamente o homem que tendo sofrido um mal retribui com o mesmo mal mas aquele que faz dano a si mesmo sofre e pratica as mesmas coisas ao mesmo tempo Além disso 3 se um homem pudesse tratar injustamente a si mesmo poderia ser tratado injustamente por seu querer E por fim 4 ninguém age injustamente sem cometer atos específicos de injustiça mas ninguém pode cometer adultério com sua própria esposa nem assaltar a sua própria casa ou furtar os seus próprios bens De um modo geral a questão pode um homem tratar injustamente a si mesmo é também respondida pela distinção que aplicamos a outra pergunta pode um homem ser injustamente tratado por seu querer78 É também evidente que são más ambas as coisas ser injustamente tratado e agir injustamente porque uma significa ter menos e a outra ter mais do que a quantidade mediana que desempenha aqui o mesmo papel que o saudável na arte médica e a boa condição na arte do treinamento físico Não obstante agir injustamente é pior pois envolve vício e merece censura E tal vício ou é da espécie completa e irrestrita ou pouco menos devemos admitir esta segunda alternativa porque nem toda ação injusta voluntária implica a injustiça como disposição de caráter enquanto ser injustamente tratado não envolve vício e injustiça na própria pessoa Em si mesmo por conseguinte ser injustamente tratado é menos mau porém nada impede que seja acidentalmente um mal maior Isso contudo não interessa à teoria que considera a pleuris um mal maior do que um tropeção muito embora este último possa tornarse acidentalmente mais grave se a conseqüente queda é causa de ser o homem capturado ou morto pelo inimigo Metaforicamente e em virtude de uma certa analogia há uma justiça não entre um homem e ele mesmo mas entre certas partes suas Não se trata no entanto de uma justiça de qualquer espécie mas daquela que prevalece entre amo e escravo ou entre marido e mulher Pois tais são as relações que a parte racional da 78 Cf 1136 a 31 1136 b 5 NdoT alma guarda para com a parte irracional e é levando em conta essas partes que muitos pensam que um homem pode ser injusto para consigo mesmo a saber porque as partes em apreço podem sofrer alguma coisa contrária aos seus desejos Pensase por isso que existe uma justiçai mútua entre elas como entre governante e governado E aqui termina a nossa exposição da justiça e das outras virtudes isto é das outras virtudes morais LIVRO VI 1 Como dissemos anteriormente que se deve preferir o meiotermo e não o excesso ou a falta e que o meiotermo e determinado pelos ditames da reta razão vamos discutir agora a natureza desses ditames Em todas as disposições de caráter que mencionamos assim como em iodos os demais assuntos há uma meta a que visa o homem orientado pela razão ora intensificando ora relaxando a sua atividade e há um padrão que determina os estados medianos que dizemos serem os meiostermos entre o excesso e a falta e que estão em consonância com a reta razão Mas assim dita a coisa embora verdadeira não é de modo algum evidente pois não só aqui como em todas as outras ocupações que são objetos de conhecimento é correto afirmar que não devemos esforçarnos nem relaxar nossos esforços em demasia nem de masiadamente pouco mas em grau mediano e conforme dita a reta razão Entretanto se um homem possuísse apenas esse conhecimento não saberia mais nada por exemplo não saberíamos que espécies de medicamento aplicar ao seu corpo se alguém dissesse todos aqueles que a arte médica prescreve e que estão de acordo com a prática de quem possui a arte É necessário pois com respeito às disposições da alma não só que se faça essa declaração verdadeira mas também que se defina o que sejam a justa regra e o padrão que a determina Dividimos as virtudes da alma dizendo que algumas são virtudes do caráter e outras do intelecto Agora que acabamos de discutir em detalhe as virtudes morais exponhamos nosso ponto de vista relativo às outras da maneira que segue começando por fazer algumas observações a respeito da alma Dissemos anteriormente que esta tem duas partes a que concebe uma regra ou princípio racional e a privada de razão Façamos uma distinção simples no interior da primeira admitindo que sejam duas as partes que conceberam um princípio racional uma pela qual contemplamos as coisas cujas causas determinantes são invariáveis e outra pela qual contemplamos as coisas variáveis porque quando dois objetos diferem em espécie as partes da alma que correspondem a cada um deles também diferem em espécie visto ser por uma certa semelhança e afinidade com os seus objetos que elas os conhecem Chamemos científica a uma dessas partes e calculativa à outra pois o mesmo são deliberar e calcular mas ninguém delibera sobre o invariável Por conseguinte a calculativa é uma parte da faculdade que concebe um princípio racional Devemos assim investigar qual seja o melhor estado de cada uma dessas duas partes pois nele reside a virtude de cada uma A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado Ora na alma existem três coisas que controlam a ação e a verdade sensação razão e desejo Destas três a sensação não é princípio de nenhuma ação bem o mostra o fato de os animais inferiores possuírem sensação mas não participarem da ação A afirmação e a negação no raciocínio correspondem no desejo ao buscar e ao fugir de modo que sendo a virtude moral uma disposição de caráter relacionada com a escolha e sendo a escolha um desejo deliberado tanto deve ser verdadeiro o raciocínio como reto o desejo para que a escolha seja acertada e o segundo deve buscar exatamente o que afirma o primeiro Ora esta espécie de intelecto e de verdade é prática Quanto ao intelecto contemplativo e não prático nem produtivo o bom e o mau estado são respectivamente a verdade e a falsidade pois essa é a obra de toda a parte racional mas da parte prática e intelectual o bom estado é a concordância da verdade com o reto desejo A origem da ação sua causa eficiente não final é a escolha e a da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto nem sem uma disposição moral pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter O intelecto em si mesmo porém não move coisa alguma só pode fazêlo o intelecto prático que visa a um fim qualquer E isto vale também para o intelecto produtivo já que todo aquele que produz alguma coisa o faz com um fim em vista e a coisa produzida não é um fim no sentido absoluto mas apenas um fim dentro de uma relação particular e o fim de uma operação particular Só o que se pratica é um fim irrestrito pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo Portanto a escolha ou é raciocínio desiderativo ou desejo raciocinativo e a origem de uma ação dessa espécie é um homem Devese observar que nenhuma coisa passada é objeto de escolha por exemplo ninguém escolhe ter saqueado Tróia porque ninguém delibera a respeito do passado mas só a respeito do que está para acontecer e pode ser de outra forma enquanto o que é passado não pode deixar de haver ocorrido por isso Agatão tinha razão em dizer Pois somente isto é ao próprio Deus vedado O fazer não sucedido o que uma vez aconteceu Como acabamos de ver a obra de ambas as partes intelectuais é a verdade Logo as virtudes de ambas serão aquelas disposições segundo as quais cada uma delas alcançará a verdade em sumo grau 3 Comecemos pois pelo princípio discutindo mais uma vez essas disposições Dêse por estabelecido que as disposições em virtude das quais a alma possui a verdade quer afirmando quer negando são em número de cinco a arte o conhecimento científico a sabedoria prática a sabedoria filosófica e a razão intuitiva não incluímos o juízo e a opinião porque estes podem enganarse Ora o que seja o conhecimento científico se quisermos exprimirnos com exatidão e não nos guiar por meras analogias evidenciase pelo que segue Todos nós supomos que aquilo que sabemos não é capaz de ser de outra forma Quanto às coisas que podem ser de outra forma não sabemos quando estão fora do nosso campo de observação se existem ou não existem Por conseguinte o objeto de conhecimento científico existe necessariamente donde se segue que é eterno pois todas as coisas que existem por necessidade no sentido absoluto do termo são eternas e as coisas eternas são ingênitas e imperecíveis Por outro lado julgase que toda ciência pode ser ensinada e seu objeto aprendido E todo ensino parte do que já se conhece como sustentamos também nos Analíticos79 Com efeito o ensino procede às vezes por indução e outras vezes por silogismo Ora a indução é o ponto de partida que o próprio conhecimento do universal pressupõe enquanto o silogismo procede dos universais Existem assim pontos de partida de onde procede o silogismo e que não são alcançados por este Logo é por indução que são adquiridos Em suma o conhecimento científico é um estado que nos torna capazes de demonstrar e possui as outras características limitativas que especificamos nos Analíticos80 pois é quando um homem tem certa espécie de convicção além de conhecer os pontos de partida que possui conhecimento científico E se estes não lhe forem mais bem conhecidos do que a conclusão sua ciência será puramente acidental Com isto damos por terminada nossa exposição do conhecimento científico 4 Na classe do variável incluemse tanto coisas produzidas como coisas praticadas Há uma diferença entre produzir e agir quanto à natureza de ambos consideramos como assente o que temos dito mesmo fora de nossa escola de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da capacidade raciocinada de 79 Segundos Analíticos 71 a 1 N do T 80 Ibid 71 b 923 N do T produzir Daí também o não se incluírem uma na outra porque nem agir é produzir nem produzir é agir Ora como a arquitetura é uma arte sendo essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que não seja uma capacidade desta espécie nem capacidade desta espécie que não seja uma arte seguese que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio Toda arte visa à geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser e cuja origem está no que produz e não no que é produzido Com efeito a arte não se ocupa nem com as coisas que são ou que se geram por necessidade nem com as que o fazem de acordo com a natureza pois essas têm sua origem em si mesmas Diferindo pois o produzir e o agir a arte deve ser uma questão de produzir e não de agir e em certo sentido o acaso e a arte versam sobre as mesmas coisas Como diz Agatão A arte ama o acaso e o acaso ama a arte Logo como já dissemos a arte é uma disposição que se ocupa de produzir envolvendo o reto raciocínio e a carência de arte pelo contrário é tal disposição acompanhada de falso raciocínio E ambas dizem respeito às coisas que podem ser diferentemente 5 No que tange à sabedoria prática podemos darnos conta do que seja considerando as pessoas a quem a atribuímos Ora julgase que é cunho característico de um homem dotado de sabedoria prática o poder deliberar bem sobre o que é bom e conveniente para ele não sob um aspecto particular como por exemplo sobre as espécies de coisas que contribuem para a saúde e o vigor mas sobre aquelas que contribuem para a vida boa em geral Bem o mostra o fato de atribuirmos sabedoria prática a um homem sob um aspecto particular quando ele calculou bem com vistas em alguma finalidade boa que não se inclui entre aquelas que são objeto de alguma arte Seguese daí que num sentido geral também o homem que é capaz de deli berar possui sabedoria prática Ora ninguém delibera sobre coisas que não podem ser de outro modo nem sobre as que lhe é impossível fazer Por conseguinte como o conhecimento científico envolve demonstração mas não há demonstração de coisas cujos primeiros princípios são variáveis pois todas elas poderiam ser diferentemente e como é impossível deliberar sobre coisas que são por necessidade a sabedoria prática não pode ser ciência nem arte nem ciência porque aquilo que se pode fazer é capaz de ser diferentemente nem arte porque o agir e o produzir são duas espécies diferentes de coisa Resta pois a alternativa de ser ela uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem Com efeito ao passo que o produzir tem uma finalidade diferente de si mesmo isso não acontece com o agir pois que a boa ação é o seu próprio fim Daí o atribuirmos sabedoria prática a Péricles e homens como ele porque percebem o que é bom para si mesmos e para os homens em geral pensamos que os homens dotados de tal capacidade são bons administradores de casas e de Estados E por isso mesmo damos à temperança o nome de σωφροσΰνη subentendendo que ela preserva a nossa sabedoria ηώξοΰσαττν φρόνησιν Ora o que a temperança preserva um juízo da espécie que descrevemos Porquanto nem todo e qualquer juízo é destruído e pervertido pelos objetos agradáveis ou dolorosos não o é por exemplo o juízo a respeito de ter os não ter o triângulo seus ângulos iguais a dois ângulos retos mas apenas os juízos em torno do que se há de fazer Com efeito as causas de onde se origina o que se faz consistem nos fins visados mas o homem que foi pervertido pelo prazer ou pela dor perde imediatamente de vista essas causas não percebe mais que é a bem de tal coisa ou devido a tal coisa que deve escolher e fazer aquilo que escolhe porque o vício anula a causa originadora da ação A sabedoria prática deve pois ser uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos Mas por outro lado embora na arte possa haver uma excelência na sabedoria prática ela não existe e em arte é preferível quem erra voluntariamente enquanto na sabedoria prática assim como nas outras virtudes é exatamente o contrário que acontece Tornase evidente pois que a sabedoria prática é uma virtude e não uma arte E como são duas as partes da alma que se guiam pelo raciocínio ela deve ser a virtude de uma dessas duas isto é daquela parte que forma opiniões porque a opinião versa sobre o variável e da mesma forma a sabedoria prática Sem embargo ela é mais do que uma simples disposição racional mostrao o fato de que tais disposições podem ser esquecidas mas a sabedoria prática não 6 O conhecimento científico é um juízo sobre coisas universais e necessárias e tanto as conclusões da demonstração como o conhecimento científico decorrem de primeiros princípios pois ciência subentende apreensão de uma base racional Assim sendo o primeiro princípio de que decorre o que é cientificamente conhecido não pode ser objeto de ciência nem de arte nem de sabedoria prática pois o que pode ser cientificamente conhecido é passível de demonstração enquanto a arte e a sabedoria prática versam sobre coisas variáveis Nem são esses primeiros princípios objetos de sabedoria filosófica pois é característico do filósofo buscar a demonstração de certas coisas Se por conseguinte as disposições da mente pelas quais possuímos a verdade e jamais nos enganamos a respeito de coisas invariáveis ou mesmo variáveis se tais disposições digo são o conhecimento científico a sabedoria prática a sabedoria filosófica e a razão intuitiva e não pode tratarse de nenhuma das três isto é da sabedoria prática do conhecimento científico ou da sabedoria filosófica só resta uma alternativa que seja a razão intuitiva que apreende os primeiros princípios 7 A sabedoria nas artes é atribuída aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a Fídias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui não entendemos outra coisa senão a excelência na arte Mas a certas pessoas consideramos sábias de modo geral e não em algum campo particular ou sob qualquer outro aspecto limitado como diz Homero no Margites Nem lavrador nem mesmo cavador fizeram os deuses este homem Nem sábio em outra coisa qualquer É pois evidente que a sabedoria deve ser de todas as formas de conhecimento a mais perfeita Donde se segue que o homem sábio não apenas conhecerá o que decorre dos primeiros princípios senão que também possuirá a verdade a respeito desses princípios Logo a sabedoria deve ser a razão intuitiva combinada com o conhecimento científico uma ciência dos mais elevados objetos que recebeu por assim dizer a perfeição que lhe é própria Dos mais elevados objetos dizemos nós porque seria estranho se a arte política ou a sabedoria prática fosse o melhor dos conhecimentos uma vez que o homem não é a melhor coisa do mundo Ora se o que é saudável ou bom difere para os homens e os peixes mas o que é branco ou reto é sempre o mesmo qualquer um diria que o que é sábio é o mesmo mas o que é praticamente sábio varia pois é àquele que observa bem as diversas coisa que lhe dizem respeito que atribuímos sabedoria prática e é a ele que confiaremos tais assuntos Por isso dizemos que até alguns animais inferiores possuem sabedoria prática isto é aqueles que mostram possuir um certo poder de previsão no que toca à sua própria vida É evidente por outro lado que a sabedoria prática e a arte política não podem ser a mesma coisa porque se devemos chamar sabedoria filosófica à disposição mental que se ocupa com os interesses pessoais de um homem haverá muitas sabedorias filosóficas Não existirá uma relativa ao bem de todos os animais assim como não existe uma arte médica para todas as coisas existentes mas uma sabedoria filosófica diferente sobre o bem de cada espécie E se argumentarem dizendo que o homem é o melhor dos animais isso não faz diferença porque há outras coisas muito mais divinas por sua natureza do que o homem o exemplo mais conspícuo são os corpos de que foram povoados os céus De quanto se disse resulta claramente que a sabedoria filosófica é um conhecimento científico combinado com a razão intuitiva daquelas coisas que são as mais elevadas por natureza Por isso dizemos que Anaxágoras Tales e os homens semelhantes a eles possuem sabedoria filosófica mas não prática quando os vemos ignorar o que lhes é vantajoso e também dizemos que eles conhecem coisas notáveis admiráveis difíceis e divinas mas improfícuas Isso porque não são os bens humanos que eles procuram A sabedoria prática pelo contrário versa sobre coisas humanas e coisas que podem ser objeto de deliberação pois dizemos que essa é acima de tudo a obra do homem dotado de sabedoria prática deliberar bem Mas ninguém delibera a respeito de coisas invariáveis nem sobre coisas que não tenham uma finalidade e essa finalidade um bem que se possa alcançar pela ação De modo que delibera bem no sentido irrestrito da palavra aquele que baseandose no cálculo é capaz de visar à melhor para o homem das coisas alcançáveis pela ação Tampouco a sabedoria prática se ocupa apenas com universais Deve também reconhecer os particulares pois ela é prática e a ação versa sobre os particulares É por isso que alguns que não sabem e especialmente os que possuem experiência são mais práticos do que outros que sabem porque se um homem soubesse que as carnes leves são digestíveis e saudáveis mas ignorasse que espécies de carnes são leves esse homem não seria capaz de produzir a saúde poderia pelo contrário produzila o que sabe ser saudável a carne de galinha Ora a sabedoria prática diz respeito à ação Portanto deveríamos possuir ambas as espécies de sabedoria ou a segunda de preferência à primeira Mas tanto da sabedoria prática como da filosófica deve haver uma espécie controladora 8 A sabedoria política e a prática são a mesma disposição mental mas sua essência não é a mesma Da sabedoria que diz respeito à cidade a sabedoria prática que desempenha um papel controlador é a sabedoria legislativa enquanto a que se relaciona com os assuntos da cidade como particulares dentro do seu universal é conhecida pela denominação geral de sabedoria política e se ocupa com a ação e a deliberação pois um decreto é algo a ser executado sob a forma de um ato individual Eis aí por que só dos expoentes dessa arte se diz que tomam parte na política porque só eles produzem coisas como as produzem os trabalhadores manuais A sabedoria prática também é identificada especialmente com aquela de suas formas que diz respeito ao próprio homem ao indivíduo e essa é conhecida pela denominação geral de sabedoria prática Das outras espécies uma é chamada administração doméstica outra legislação e a terceira política e desta última uma parte se chama deliberativa e a outra judicial Ora saber o que é bom para si é uma espécie de conhecimento mas difere muito das outras espécies e ao homem que conhece os seus interesses e com eles se ocupa atribuise sabedoria prática ao passo que os políticos são considerados metediços Daí as palavras de Eurípides Mas para que darme ao trabalho de ser sábio Se como parte do numeroso exército obteria sem esforço Um quinhão igual Pois os que visam alto demais e fazem muitas coisas 81 Os que assim pensam buscam o seu próprio bem e acham que todos deveriam fazer o mesmo Daí vem a opinião de que tais homens possuem sabedoria prática e no entanto o bem pessoal de cada um talvez não possa existir sem administração doméstica e sem alguma forma de governo Além disso a maneira de pôr em ordem os seus negócios não é clara e precisa ser estudada O que se disse acima é confirmado pelo fato de que embora os moços possam tornarse geômetras matemáticos e sábios em matérias que tais não se acredita que exista um jovem dotado de sabedoria prática O motivo é que essa 81 Prólogo de Filoctetes fragmentos 787 e 7822 Nauck N do T espécie de sabedoria diz respeito não só aos universais mas também aos particulares que se tornam conhecidos pela experiência Ora um jovem carece de experiência que só o tempo pode dar Caberia aqui também esta outra pergunta por que um menino pode tornar se matemático porém não filósofo nem físico É porque os objetos da matemática existem por abstração enquanto os primeiros princípios das outras matérias mencionadas provêm da experiência e também porque os jovens não têm convicção sobre estes últimos mas contentamse em usar a linguagem apropriada ao passo que a essência dos objetos da matemática lhes é bastante clara Além disso o erro na deliberação pode versar tanto sobre o universal como sobre o particular isto é tanto é possível ignorar que toda água pesada é má como que esta água aqui presente é pesada Que a sabedoria prática não se identifica com o conhecimento científico é evidente porque ela se ocupa como já se disse82 com o fato particular imediato visto que a coisa a fazer é dessa natureza Ela opõese por outro lado à razão intuitiva que versa sobre as premissas limitadoras das quais não se pode dar a razão enquanto a sabedoria prática se ocupa com o particular imediato que é objeto não de conhecimento científico mas de percepção e não da percepção de qualidades peculiares a um determinado sentido mas de uma percepção semelhante àquela pela qual sabemos que a figura particular que temos diante dos olhos é um triângulo porque tanto nessa direção como na da premissa maior existe um limite Mas isso é antes percepção do que sabedoria prática embora seja uma percepção de outra espécie que não a das qualidades peculiares a cada sentido 9 Há uma diferença entre investigação e deliberação pois esta última é a investigação de uma espécie particular de coisa Devemos apreender igualmente a natureza da excelência na deliberação se ela é uma forma de conhecimento 82 1141 b 1422 N do T científico uma opinião a habilidade de fazer conjeturas ou alguma outra espécie de coisa Não se trata de conhecimento científico porque os homens não investigam as coisas que conhecem ao passo que a boa deliberação é uma espécie de investigação e quem delibera investiga e calcula Tampouco é habilidade em fazer conjeturas pois além de implicar ausência de raciocínio esta é uma qualidade que opera com rapidez ao passo que os homens deliberam longamente e dizse que a conclusão do que se deliberou deve ser posta logo em prática mas a deliberação deve ser lenta Do mesmo modo a vivacidade intelectual também difere da excelência na deliberação é ela uma espécie de habilidade em conjeturar Não se pode por outro lado identificar a excelência na deliberação com uma opinião de qualquer espécie que seja Mas como o homem que delibera mal comete um erro enquanto o que delibera bem o faz corretamente claro está que a excelência no deliberar é uma espécie de correção não porém de conhecimento ou de opinião Com efeito conhecimento correto é coisa que não existe assim como não existe conhecimento errado e a opinião correta é a verdade Ao mesmo tempo tudo que é objeto de opinião já se acha determinado Mas por outro lado a excelência da deliberação envolve raciocínio Resta pois a alternativa de que ela seja a correção do raciocínio Com efeito esta ainda não é asserção mas a opinião o é tendo já ultrapassado a fase da investigação e o homem que delibera quer o faça bem quer mal busca alguma coisa e calcula Mas a excelência da deliberação é certamente a deliberação correta Por isso devemos indagar primeiro o que seja a deliberação e qual o seu objeto E uma vez que existe mais de uma espécie de correção evidentemente a excelência no deliberar não é uma espécie qualquer porque 1 o homem incontinente e o homem mau se forem hábeis alcançarão como resultado do seu cálculo o que propuseram a si mesmos de forma que terão deliberado corretamente mas o que terão alcançado é um grande mal para eles Ora ter deliberado bem é considerado uma boa coisa pois é essa espécie de deliberação correta que constitui a excelência da deliberação isto é aquela que tende a alcançar um bem Entretanto 2 é até possível alcançar o bem e chegar ao que se deve fazer mediante um silogismo falso não todavia pelo meio correto sendo falsa a premissa menor de forma que tampouco isso é a excelência no deliberar essa disposição em virtude da qual atingimos o que devemos se bem que não pelo meio correto Por outro lado 3 é possível alcançálo por uma longa deliberação enquanto um outro homem chega a ele rapidamente Por conseguinte no primeiro caso não possuímos ainda a excelência no deliberar que é a correção no que diz respeito ao conveniente a correção tanto no que toca ao fim como ao meio e ao tempo 4 Além disso é possível ter deliberado bem quer no sentido absoluto quer com referência a um fim particular A excelência da deliberação no sentido absoluto é pois aquilo que logra êxito com referência ao que é o fim no sentido absoluto e a excelência da deliberação num sentido particular é o que logra um fim particular Se pois é característico dos homens dotados de sabedoria prática o ter deliberado bem a excelência da deliberação será a correção no que diz respeito àquilo que conduz ao fim de que a sabedoria prática é a apreensão verdadeira 10 A inteligência da mesma forma e a perspicácia em virtude das quais se diz que os homens são inteligentes ou perspicazes nem se identificam de todo com a opinião ou o conhecimento científico pois nesse caso todos seriam homens inteligentes nem são elas uma das ciências particulares como a medicina que é a ciência da saúde ou a geometria que é a ciência das grandezas espaciais Com efeito a inteligência nem versa sobre as coisas eternas e imutáveis nem sobre toda e qualquer coisa que vem a ser mas apenas sobre aquelas que podem tornarse assunto de dúvidas e deliberação Portanto os seus objetos são os mesmos que os da sabedoria prática mas inteligência e sabedoria prática não são a mesma coisa Esta última emite ordens visto que o seu fim é o que se deve ou não se deve fazer a inteligência pelo contrário limitase a julgar Inteligência é o mesmo que perspicácia e homens inteligentes o mesmo que homens perspicazes Ora ela não é nem a posse nem a aquisição da sabedoria prática mas assim como o aprender é chamado entendimento quando significa o exercício da faculdade de conhecer também o termo entendimento é aplicável ao exercício da faculdade de opinar com o fim de aquilatar o que outra pessoa diz sobre assuntos que constituem o objeto da sabedoria prática e de aquilatar corretamente pois bem e corretamente são a mesma coisa E daí provém o uso do nome inteligência em virtude do qual se diz que os homens são perspicazes a saber da aplicação do termo à apreensão da verdade científica pois muitas vezes chamamos a isso entendimento 11 O que se chama discernimento e em virtude do qual se diz que os homens são juízes humanos e que possuem discernimento é a reta discriminação do eqüitativo Mostrao o fato de dizermos que o homem eqüitativo é acima de tudo um homem de discernimento humano e de identificarmos a eqüidade com o discernimento humano a respeito de certos fatos E esse discernimento é aquele que discrimina corretamente o que é eqüitativo sendo o discernimento correto aquele que julga com verdade Ora todas as disposições que temos considerado convergem como era de esperar para o mesmo ponto pois quando falamos de discernimento de inteligência de sabedoria prática e de razão intuitiva atribuímos às mesmas pessoas a posse do discernimento o terem alcançado a idade da razão e o serem dotadas de inteligência e de sabedoria prática Com efeito todas essas faculdades giram em torno de coisas imediatas isto é de particulares e ser um homem inteligente ou de bom ou humano discernimento consiste em ser capaz de julgar as coisas com que se ocupa a sabedoria prática porquanto as eqüidades são comuns a todos os homens bons em relação aos outros homens Ora todas as coisas que cumpre fazer incluemse entre os particulares ou imediatos pois não só deve o homem dotado de sabedoria prática ter conhecimento dos fatos particulares mas também a inteligência e o discernimento versam sobre coisas a serem feitas e estas são coisas imediatas A razão intuitiva por sua vez ocupase com coisas imediatas em ambos os sentidos pois tanto os primeiros termos como os últimos são objetos da razão intuitiva e não do raciocínio e a razão intuitiva pressuposta pelas demonstrações apreende os termos primeiros e imutáveis enquanto a razão intuitiva requerida pelo raciocínio prático apreende o fato último e variável isto é a premissa menor E esses fatos variáveis servem como pontos de partida para a apreensão do fim visto que chegamos aos universais pelos particulares é mister por conseguinte que tenhamos percepção destes últimos e tal percepção é a razão intuitiva Eis aí por que tais disposições são consideradas como dotes naturais e enquanto de ninguém se diz que é filósofo por natureza a muitos se atribui um discernimento inteligência e uma razão intuitiva inatos Mostrao a correspondência que estabelecemos entre os nossos poderes e a nossa idade dizendo que uma determinada idade traz consigo a razão intuitiva e o discernimento isto implica que a causa é natural Donde se segue que a razão intuitiva é tanto um começo como um fim pois as demonstrações partem destes e sobre estes versam Por isso devemos acatar não menos que as demonstrações os aforismos e opiniões não demonstradas de pessoas experientes e mais velhas assim como das pessoas dotadas de sabedoria prática Com efeito essas pessoas enxergam bem por que a experiência lhes deu um terceiro olho Acabamos de mostrar portanto que coisas são a sabedoria prática e a sabedoria filosófica em que consistem uma e outra e acrescentamos que cada uma é a virtude de uma parte diferente da alma 12 Mas alguém poderia perguntar de que servem essas faculdades da mente já que 1 a sabedoria filosófica não considera nenhuma das coisas que tornam um homem feliz pois não diz respeito às coisas que se geram e quanto à sabedoria prática embora trate dessas coisas para que necessitamos dela A sabedoria prática é a disposição da mente que se ocupa com as coisas justas nobres e boas para o homem mas essas são as coisas cuja prática é característica de um homem bom e não nos tornamos mais capazes de agir pelo fato de conhecêlas se as virtudes são disposições de caráter do mesmo modo que não somos mais capazes de agir pelo fato de conhecer as coisas sãs e saudáveis não no sentido de produzirem a saúde mas no de serem conseqüência dela Efetivamente a simples posse da arte médica ou da ginástica não nos torna mais capazes de agir Mas 2 se dissermos que um homem deve possuir sabedoria prática não para conhecer as verdades morais mas para tornarse bom a sabedoria prática nenhuma utilidade terá para os que já são bons e por outro lado de nada serve ela para os que não possuem virtude Com efeito nenhuma diferença faz que eles próprios tenham sabedoria prática ou que obedeçam a outros que a têm e seria suficiente fazer o que costumamos fazer com respeito à saúde embora desejemos gozar saúde não nos dispomos por isso a aprender a arte da medicina 3 Por outro lado pareceria estranho que a sabedoria prática sendo inferior à filosófica tivesse autoridade sobre ela como parece implicar o fato de que a arte que produz uma coisa qualquer exerce o mando e o governo relativamente a essa coisa São estas pois as questões que cumpre discutir pois até agora nos limitamos a expor as dificuldades 1 Antes de tudo diremos que essas disposições de caráter devem ser dignas de escolha porque são as virtudes das duas partes da alma respectivamente e o seriam ainda que nenhuma delas produzisse o que quer que fosse 2 Em segundo lugar elas de fato produzem alguma coisa não porém como a arte médica produz saúde mas como a saúde produz saúde É assim que a sabedoria filosófica produz felicidade porque sendo ela uma parte da virtude inteira torna um homem feliz pelo fato de estar na sua posse e de atualizarse 3 Por outro lado a obra de um homem só é perfeita quando está de acordo com a sabedoria prática e com a virtude moral esta faz com que seja reto o nosso propósito aquela com que escolhamos os devidos meios Da quarta parte da alma a nutritiva não existe nenhuma virtude dessa espécie pois não depende dela fazer ou deixar de fazer o que quer que seja 4 Quanto a não sermos mais capazes de operar coisas nobres e justas devido à sabedoria prática devemos voltar um pouco atrás e partir do seguinte princípio Assim como dizemos que algumas pessoas que praticam atos justos não são necessariamente justas por isso referimonos às que praticam os atos prescritos pela lei quer involuntariamente quer devido à ignorância ou por alguma outra razão mas não no interesse dos próprios atos embora seja certo que tais pessoas fazem o que devem e todas as coisas que o homem bem deve fazer parece que do mesmo modo para alguém ser bom é preciso encontrarse em determinada disposição quando pratica cada um desses atos numa palavra é preciso praticálos em resultado de uma escolha e no interesse dos próprios atos Ora a virtude torna reta a escolha mas que coisas sejam aptas por natureza a pôr em prática a nossa escolha não as aprendemos da virtude e sim de outra faculdade Devemos deternos um pouco nestes assuntos e falar deles mais claramente Existe uma faculdade que se chama habilidade e tal é a sua natureza que tem o poder de fazer as coisas que conduzem ao fim proposto e a alcançálo Ora se o fim é nobre a habilidade é digna de louvor mas se o fim for mau a habilidade será simples astúcia por isso chamamos de hábeis ou astutos os próprios homens dotados de sabedoria prática Esta não é a faculdade porém não existe sem ela e esse olho da alma não atinge o seu perfeito desenvolvimento sem o auxílio da virtude como já dissemos83 e como aliás é evidente E a razão disto é que os silogismos em torno do que se deve fazer começam assim visto que o fim isto é o que é melhor é de tal e tal natureza Admitamos no interesse do argumento que ela seja qual for mas só o homem bom a conhece verdadeiramente porquanto a maldade nos perverte e nos leva a enganarnos a respeito dos princípios da ação Donde está claro que não é possível possuir sabedoria prática quem não seja bom 13 Devemos por isso voltar mais uma vez a considerar a virtude pois nela se observa uma relação do mesmo gênero assim como a sabedoria prática está para a habilidade não sendo a mesma coisa mas semelhante a virtude natural está para a virtude na acepção estrita do termo Com efeito todos os homens pensam que em certo sentido cada tipo de caráter pertence por natureza aos que o manifestam e que desde o momento de nascer somos justos ou capazes de nos dominar ou bravos ou possuímos qualquer outra qualidade moral Não obstante andamos em busca de outro bem que propriamente seja tal queremos que essas qualidades existam em nós de outro modo Pois que tanto as crianças como os brutos têm as disposições naturais para essas qualidades mas quando desacompanhadas da razão elas são evidentemente nocivas Só nós parecemos perceber que elas podem conduzirnos para o mau caminho como um corpo robusto mas privado de visão pode cair desastrosamente devido à sua cegueira mas depois de haver adquirido a razão haverá uma diferença no seu modo de agir e sua disposição embora continuando semelhante ao que era passará a ser virtude no sentido estrito da palavra Por conseguinte assim como naquela parte de nós que forma opiniões existem dois tipos a habilidade e a sabedoria prática também na parte moral existem dois tipos a virtude natural e a virtude no sentido estrito E destas a segunda envolve sabedoria prática Daí o afirmarem alguns que todas as virtudes são formas de sabedoria prática E Sócrates tinha razão a certo respeito mas a 83 Linhas 626 N do T outro respeito andava errado errado em pensar que todas as virtudes fossem formas de sabedoria prática mas certo em dizer que elas implicam tal modalidade de sabedoria Temos uma confirmação disto no fato de que ainda hoje todos os homens quando definem a virtude após indicar a disposição de caráter e os seus objetos acrescentam aquilo isto é aquela disposição que está de acordo com a reta razão Ora a reta razão é o que está de acordo com a sabedoria prática De certo modo pois todos os homens parecem adivinhar que essa espécie de disposição a saber a que está de acordo com a sabedoria prática é virtude Nós porém devemos ir um pouco mais longe pois não é apenas a disposição que concorda com a reta razão mas a que implica a presença da reta razão que é virtude e a sabedoria prática é a reta razão no tocante a tais assuntos Sócrates por conseguinte pensava que as virtudes fossem regras ou princípios racionais pois a todas elas considerava como formas de conhecimento científico enquanto nós pensamos que elas envolvem um princípio racional Do que se disse fica bem claro que não é possível ser bom na acepção estrita do termo sem sabedoria prática nem possuir tal sabedoria sem virtude moral E desta forma podemos também refutar o argumento dialético de que as virtudes existem separadas umas das outras e o mesmo homem não é perfeitamente dotado pela natureza para todas as virtudes de modo que poderá adquirir uma delas sem ter ainda adquirido uma outra Isso é possível no tocante às virtudes naturais porém não àquelas que nos levam a qualificar um homem incondicionalmente de bom pois com a presença de uma só qualidade a sabedoria prática lhe serão dadas todas as virtudes E evidentemente ainda que ela não tivesse valor prático nos seria necessária por ser a virtude daquela parte da alma de que falamos e não é menos evidente que a escolha não será certa sem sabedoria prática como não o seria sem virtude Com efeito uma determina o fim e a outra nos leva a fazer as coisas que conduzem ao fim Mas nem por isso domina ela a sabedoria filosófica isto é a parte superior de nossa alma assim como a arte médica não domina a saúde pois não se serve dela mas fornece os meios de produzila e faz prescrições no seu interesse porém não a ela Além disso sustentar a sua supremacia equivaleria a dizer que os deuses são governados pela arte política porque esta faz prescrições a respeito de todos os assuntos do Estado LIVRO VII 1 Recomeçaremos agora a nossa investigação tomando outro ponto de partida e salientando que as disposições morais a ser evitadas são de três espécies o vício a incontinência e a bruteza Os contrários de duas delas são evidentes a um chamamos virtude e ao outro continência À bruteza o mais apropriado seria opor uma virtude sobrehumana uma espécie heróica e divina de virtude como a que Príamo atribui a Heitor em Homero dizendo Pois ele não parecia o filho de um homem mortal Mas alguém que viesse da semente dos deuses84 Portanto se como se costuma dizer os homens se tornaram deuses pelo excesso de virtude dessa espécie deve ser evidentemente a disposição contrária à bruteza Com efeito assim como um bruto não tem vício nem virtude tampouco os tem um deus seu estado é superior à virtude e o de um bruto difere em espécie do vício Ora como é raro encontrar um homem divino para usarmos o epíteto dos espartanos que chamam um homem de divino quando lhe têm grande admiração também o tipo brutal é raramente encontrado entre os homens Existe principalmente entre os bárbaros mas algumas qualidades brutais são também produzidas pela doença ou pela deformidade e também damos esse mau nome àqueles cujo vício vai além da medida comum 84 Ilíada XXIV 258 ss N do T Desta espécie de disposição trataremos rapidamente mais tarde85 Quanto ao vício já o discutimos antes86 Agora devemos falar da incontinência e da moleza ou efeminação e de seus contrários a continência e a fortaleza pois cumpre tratar de ambas como não idênticas à virtude ou à maldade nem como um gênero diferente A exemplo do que fizemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados e após discutir as dificuldades trataremos de provar se possível a verdade de todas as opiniões comuns a respeito desses afetos da mente ou se não de todas pelo menos do maior número e das mais autorizadas porque se refutarmos as objeções e deixarmos intatas as opiniões comuns teremos provado suficientemente a tese Ora 1 tanto a continência como a fortaleza são incluídas entre as coisas boas e dignas de louvor e tanto a incontinência como a moleza entre as coisas más e censuráveis e o mesmo homem é julgado continente e disposto a sustentar o resultado de seus cálculos ou incontinente e pronto a abandonálos E 2 o homem incontinente sabendo que o que faz é mau o faz levado pela paixão enquanto o homem continente conhecendo como maus os seus apetites recusase a seguilos em virtude do princípio racional 3 Ao temperante todos chamam continente e disposto à fortaleza mas no que se refere ao continente alguns sustentam que ele é sempre temperante enquanto outros o negam e alguns chamam incontinente ao intemperante e intemperante ao incontinente sem qualquer discriminação enquanto outros distinguem entre eles 4 Às vezes se diz que o homem dotado de sabedoria prática não pode ser incontinente e outras vezes que alguns homens desse tipo e hábeis ademais são incontinentes E por fim 5 dizse que os homens são incontinentes mesmo com respeito à cólera à honra e ao lucro Estas são pois as coisas que se costuma dizer 85 Capítulo 5 N do T 86 Livros IIIV N do T 2 Podemos perguntar agora 1 como é possível que um homem que julga com retidão se mostre incontinente na sua conduta Alguns afirmam que tal conduta é incompatível com o conhecimento pois seria estranho assim pensava Sócrates87 que existindo o conhecimento num homem alguma coisa pudesse avassalálo e arrastálo após si como a um escravo Com efeito Sócrates era inteiramente contrário à opinião em apreço e segundo ele não existia isso que se chama incontinência Ninguém depois de julgar afirmava age contrariando o que julgou melhor os homens só assim procedem por efeito da ignorância Ora esta opinião contradiz nitidamente os fatos observados e é preciso indagar o que acontece a um tal homem se ele age em razão da ignorância de que espécie de ignorância se trata Porque é evidente que o homem que age com incontinência não pensa antes de chegar a esse estado que deva agir assim Mas alguns concedem certos pontos defendidos por Sócrates e outros não Admitem que nada seja mais forte do que o conhecimento porém não que alguém aja contrariando o que lhe pareceu ser o melhor alvitre e dizem por isso que o incontinente não possui conhecimento quando é dominado pelos seus prazeres mas só opinião Se todavia se trata de opinião e não de conhecimento se não é uma convicção forte mas fraca que resiste como nos hesitantes nós simpatizamos com a sua incapacidade de manterse firme em tais convicções contra apetites poderosos não simpatizamos porém com a maldade nem com qualquer outra disposição que mereça censura Será então a resistência da sabedoria prática que cede Esta é a mais forte de todas as disposições Mas a suposição é absurda o mesmo homem seria ao mesmo tempo dotado de sabedoria prática e incontinente mas ninguém diria que seja próprio de tal homem praticar voluntariamente os atos mais vis Além disso já se mostrou anteriormente que os que possuem esta espécie de sabedoria são homens de ação pois se ocupam com fatos particulares e possuem as demais virtudes 87 Cf Platão Protágoras 352 N do T 2 Por outro lado se a continência implica ter fortes e maus apetites o homem temperante não será continente nem este será temperante pois um homem temperante não tem apetites excessivos nem maus O homem continente porém não pode deixar de têlos porque se os apetites são bons a disposição de caráter que nos inibe de seguilos é má de forma que nem toda continência será boa e se eles são fracos sem serem maus não há nada de admirável em refreálos e se são fracos e maus tampouco é grande proeza resistirlhes 3 Além disso se a continência torna um homem propenso a sustentar tenazmente qualquer opinião a continência é má isto é se o leva a sustentar mesmo as opiniões falsas e se a incontinência faz com que um homem abandone facilmente qualquer opinião haverá uma boa espécie de incontinência de que temos exemplo em Neoptólemo tal como nos é apresentado no Filoctetes de Sófocles Com efeito ele é digno de louvor por não haver cumprido o que Ulisses o persuadira a fazer e isso porque lhe repugnava mentir 4 Por outro lado o argumento sofistico apresenta uma dificuldade O silogismo inspirado no desejo de expor os resultados paradoxais decorrentes da opinião de um adversário a fim de conquistar a admiração dos ouvintes para o refutador quando este logra o seu desiderato nos coloca em grande embaraço pois o raciocínio fica amarrado quando não quer imobilizarse porque a conclusão não o satisfaz e não pode avançar porque é incapaz de refutar o argumento Há um silogismo do qual se conclui que a loucura conjugada com a incontinência é virtude pois um homem faz o contrário do que julga devido à incontinência mas por outro lado o que é bom lhe parece mau e algo a ser evitado e por conseguinte fará o bem e não o mal 5 E ainda aquele que por convicção faz busca e escolhe o que é agradável seria considerado melhor do que quem o faz não em resultado do cálculo mas da incontinência porque o primeiro é mais fácil de curar dada a possibilidade de persuadilo a mudar de idéia Mas ao incontinente podese aplicar o provérbio Quando a água sufoca com que a faremos descer Se ele tivesse sido persuadido da retidão do que faz desistiria quando o persuadissem a mudar de idéia mas acontece que tal homem age embora esteja persuadido de algo muito diferente 6 E finalmente se a continência e a incontinência dizem respeito a qualquer espécie de objeto que vem a ser o incontinente no sentido absoluto Ninguém possui todas as formas de incontinência mas de algumas pessoas dizemos que são incontinentes em absoluto 3 De uma das espécies enumeradas são as dificuldades que surgem Alguns destes pontos podem ser refutados enquanto outros ficarão senhores do campo porque a dificuldade encontra sua solução quando se descobre a verdade 1 Devemos pois considerar primeiro se as pessoas incontinentes agem cientemente ou não e cientemente em que sentido e 2 com que espécie de objetos se pode dizer que têm relação o homem incontinente e o continente se com todo e qualquer prazer ou dor ou se só com determinadas espécies e se o homem continente e o homem dotado de fortaleza são o mesmo ou diferentes e de modo análogo no tocante aos outros assuntos abrangidos pela nossa investigação Constituem o nosso ponto de partida a a questão de se o homem continente e o incontinente são diferenciados pelos seus objetos ou pela sua atitude isto é se o incontinente é tal apenas porque se relaciona com tais e tais objetos ou então pela sua atitude ou ainda por ambas as coisas b a segunda questão é se a continência e a incontinência se relacionam com todo e qualquer objeto ou não O homem que é incontinente no sentido absoluto nem se relaciona com todo e qualquer objeto mas sim precisamente com aqueles que são os objetos do intemperante nem se caracteriza por essa simples relação pois a ser assim a sua disposição se identificaria com a intemperança mas por se relacionar com eles de certo modo Com efeito um é levado pela sua própria escolha pensando que deve buscar sempre o prazer imediato enquanto o outro busca tais prazeres embora não pense assim 1 Sugerese que é contra a reta opinião e não contra o conhecimento que agimos de modo incontinente mas isso não vem ao caso porque certas pessoas não hesitam quando nutrem uma opinião mas pensam ter conhecimento exato Se pois o que se pretende sustentar é que devido a uma convicção fraca os que têm opinião são mais sujeitos a agir contrariando o seu próprio julgamento do que aqueles que sabem responderemos que a este respeito não há diferença entre conhecimento e opinião pois alguns homens não estão menos convencidos do que pensam que do que sabem como bem o mostra o caso de Heráclito Mas a visto que usamos a palavra saber em dois sentidos pois tanto do homem que possui o conhecimento mas não o usa como daquele que o possui e usa dizemos que sabem fará grande diferença se o homem que pratica o que não deve possui o conhecimento mas não o exerce ou se o exerce porque a segunda hipótese parece estranha mas não a primeira b Além disso como há duas espécies de premissas nada impede que um homem aja contrariando o seu próprio conhecimento embora possua ambas as premissas desde que use apenas a universal porém não a particular porque os atos a ser realizados são particulares E há também duas espécies de termo universal um é predicável do agente e o outro do objeto por exemplo a comida seca faz bem a todos os homens e eu sou um homem ou tal comida é seca mas o homem incontinente não possui ou não usa o conhecimento de que esta comida é tal e tal Haverá pois em primeiro lugar uma enorme diferença entre esses modos de saber de forma que não pareceria nada estranho saber de um dos modos ao mesmo tempo que se age com incontinência enquanto fazêlo sabendo do outro modo seria extraordinário Além disso c acontece aos homens possuírem conhecimento em outro sentido que não os acima mencionados pois naqueles que possuem conhecimento sem usálo percebemos uma diferença de estado que comporta a possibilidade de possuir conhecimento em certo sentido e ao mesmo tempo não o possuir como sucede com os que dormem com os loucos e os embriagados Ora é justamente essa a condição dos que agem sob a influência das paixões pois é evidente que as explosões de cólera de apetite sexual e outras paixões que tais alteram materialmente a condição do corpo e em alguns homens chegam a produzir acessos de loucura Claro está pois que dos incontinentes se pode dizer que se encontram num estado semelhante ao dos homens adormecidos loucos ou embriagados O fato de usarem uma linguagem própria do conhecimento não prova nada pois os homens que se acham sob a influência dessas paixões podem até articular provas científicas e declamar versos de Empédocles e os que apenas começaram a aprender uma ciência podem alinhavar as suas proposições sem todavia conhecêla Para ser realmente conhecida é preciso que se torne uma parte deles e isso requer tempo Logo é de supor que o uso da linguagem por parte de homens em estado de incontinência não signifique mais que as declamações de atores em cena d Também podemos encarar o caso da maneira que segue com referência às peculiaridades da natureza humana Uma das opiniões é universal a outra diz respeito a fatos particulares e aqui nos deparamos com algo que pertence à esfera da percepção Quando das duas opiniões resulta uma só numa espécie de caso a alma afirmará a conclusão enquanto no caso de opiniões relativas à produção ela agirá imediatamente por exemplo se tudo o que é doce deve ser provado e isto é doce no sentido de ser uma das coisas doces particulares o homem que pode agir e não é impedido procederá imediatamente de acordo com a conclusão Quando pois está presente em nós a opinião universal que nos proíbe provar mas também existe a opinião de que tudo que é doce é agradável e de que isto é doce e é esta a opinião ativa e quando sucede estar presente em nós o apetite uma das opiniões nos manda evitar o objeto mas o apetite nos conduz para ele pois tem o poder de mover cada uma das partes de nosso corpo e sucede assim que um homem age de maneira incontinente sob a influência em certo sentido de uma razão e de uma opinião que não é contrária em si mesma porém apenas acidentalmente à reta razão pois que o apetite lhe é contrário mas não o é a opinião Donde se segue que é esse também o motivo de não serem incontinentes os animais inferiores com efeito eles não possuem juízo universal mas apenas imaginação e memória de particulares A explicação de como se dissolve a ignorância e o homem incontinente recupera o conhecimento é a mesma que no caso dos embriagados e adormecidos e não tem nada de peculiar a esta condição Devemos pedila aos estudiosos de ciência natural Ora sendo a segunda premissa ao mesmo tempo uma opinião a respeito de um objeto perceptível e aquilo que determina as nossas ações ou um homem não a possui quando se encontra no estado de paixão ou a possui no sentido em que ter conhecimento não significa conhecer mas apenas falar como um bêbedo que declama versos de Empédocles E como o último termo não é universal nem tampouco um objeto de conhecimento científico a mesmo título que o termo universal parece mesmo resultar daí a posição que Sócrates procurou estabelecer pois não é em presença daquilo que consideramos conhecimento propriamente dito que surge a afecção da incontinência nem é verdade que ele seja arrastado pela paixão mas o que se acha presente é apenas o conhecimento perceptual Que isto baste como resposta à questão ao ato acompanhado ou não de conhecimento e de como é possível agir de maneira incontinente com conhecimento de causa 4 2 Examinaremos agora se existe alguém que seja incontinente no sentido absoluto ou se todos os homens incontinentes o são num sentido particular e se tal homem existe com que espécie de objeto ele se relaciona Que tanto as pessoas continentes e dotadas de fortaleza como as incontinentes e efeminadas se relacionam com prazeres e dores é evidente Ora das coisas que causam prazer algumas são necessárias enquanto outras merecem ser escolhidas por si mesmas e contudo admitem excesso havendo mister das causas corporais de prazer pelas quais entendo não só as que se referem à alimentação como também à conjunção sexual isto é os estados corporais com os quais dissemos88 que se relacionam a temperança e a intemperança enquanto as outras não são necessárias mas merecem ser escolhidas por si mesmas como a vitória a honra a riqueza e outras coisas boas e agradáveis desta espécie Assim sendo a aos que vão ao excesso com referência às segundas contrariando a reta razão que levam em si não chamamos simplesmente de incontinentes mas de incontinentes com a especificação no tocante ao dinheiro à honra ao lucro ou à cólera não simplesmente incontinentes porque diferem das pessoas incontinentes e são assim chamados devido a uma semelhança Confrontese a história de Anthropos Homem que venceu uma competição nos Jogos Olímpicos no seu caso a definição geral de homem pouco diferia da definição que lhe era própria mas no entanto diferia Provao o fato de tanto a incontinência no sentido absoluto como a relativa a algum prazer físico particular ser censurada não apenas como uma falta mas também como uma espécie de vício ao passo que nenhuma das pessoas incontinentes a estes outros respeitos é censurada a tal título Mas b das pessoas que são incontinentes com respeito aos gozos físicos com que dizemos relacionarse o homem temperante e o intemperante aquele que busca o excesso de coisas agradáveis e evita o das coisas dolorosas fome sede calor frio e todos os objetos do tato e do paladar não por escolha mas contrariando a sua escolha e o seu julgamento é chamado incontinente não com a especificação com respeito a isto ou àquilo como por exemplo à cólera mas num sentido absoluto Confirmao o fato de serem os homens chamados moles ou efeminados com respeito a esses prazeres porém não a qualquer dos outros E por essa razão juntamos num só grupo o incontinente e o intemperante o continente e o temperante excluindo porém qualquer destes outros tipos 88 Livro III cap 10 N do T porque se relacionam de algum modo com os mesmos prazeres e dores Mas embora digam respeito aos mesmos objetos sua relação para com eles não é semelhante pois alguns fazem uma escolha deliberada e outros não Por esta razão merece mais o qualificativo de intemperante o homem que sem apetite ou com escasso apetite busca os excessos de prazer e evita dores moderadas do que o homem que faz o mesmo levado por apetites poderosos pois que faria o primeiro se os seus apetites fossem dessa sorte e se a falta dos objetos necessários o fizesse sofrer violentamente Ora dos apetites e prazeres alguns pertencem à classe das coisas genericamente nobres e boas pois algumas coisas agradáveis são por natureza dignas de escolha enquanto outras lhes são contrárias e outras ainda ocupam uma posição intermédia para adotar a distinção que estabelecemos anteriormente Exemplos da primeira classe são a riqueza o lucro a vitória a honra E com referência a todos os objetos desta espécie ou da intermediária não são censurados os homens por desejálos e amálos mas por fazeremno de certo modo isto é indo ao excesso Em face disto não são maus todos os que contrariando a reta razão se deixam avassalar por um dos objetos naturalmente nobres e bons e o buscam em detrimento de tudo mais como por exemplo os que se ocupam mais do que devem com a honra ou com os filhos e os pais Com efeito essas coisas são bens e os que delas se ocupam são louvados Mesmo aí contudo pode haver um excesso se como Níobe por exemplo alguém lutasse contra os próprios deuses ou se fosse tão devotado ao pai quanto Sátiro cognominado o filial que foi considerado um grande tolo por esse motivo Com respeito a esses objetos não há pois maldade pela razão indicada isto é cada um deles é por natureza algo digno de escolha em si mesmo Sem embargo o excesso em relação a eles é mau e deve ser evitado Analogamente não há incontinência no que toca a esses objetos pois a incontinência não só deve ser evitada como merece censura mas em razão de uma semelhança quanto ao sentimento aplicaselhes o nome de incontinência precisando em cada caso o respectivo objeto assim como chamamos de mau médico ou mau ator a um homem que não qualificaríamos de mau em si Visto pois que neste caso não aplicamos o termo em sentido absoluto porque cada uma dessas condições não é maldade mas apenas se assemelha à maldade é claro que também no outro caso só se deve considerar como continência e incontinência o que se relaciona com os mesmos objetos que a temperança e a intemperança Aplicamos porém o termo à cólera em virtude de uma semelhança precisando desta forma incontinente no que se refere à cólera como também dizemos incontinente no que se refere à honra ou ao lucro 5 1 Certas coisas são agradáveis por natureza e destas a algumas o são em sentido absoluto e b outras em relação a determinadas classes de animais ou de homens e 2 daquelas que não são agradáveis por natureza a algumas se tornam tais por efeito de distúrbios no organismo outras b devido a hábitos adquiridos e outras ainda c em razão de uma natureza congenitamente má Assim sendo é possível descobrir em cada uma das espécies do segundo grupo disposições de caráter semelhantes às que reconhecemos em relação ao primeiro Refirome A aos estados brutais como no caso da fêmea que segundo se diz rasga o ventre das mulheres grávidas e devora os fetos e das coisas com que passam por deleitarse algumas tribos que habitam as margens do mar Negro e que caíram no estado de selvageria carne crua carne humana ou levarem seus filhos uns aos outros para que se banqueteiem com eles e ainda a história que se conta de Fálaris Estas disposições são brutais Há porém outras B que resultam da doença em certos casos também da loucura como o homem que sacrificou e devorou sua própria mãe ou o escravo que comeu o fígado de um companheiro e outras ainda C são estados mórbidos como o hábito de arrancar os pelos de roer as unhas e mesmo de comer carvão ou terra a estes deve acrescentarse a pederastia e todos eles surgem em alguns por natureza e em outros como nos que desde a infância foram vítimas da libidinagem alheia por hábito Ora àqueles em quem a natureza é a causa de tal disposição ninguém chamaria incontinentes como ninguém aplicaria o epíteto às mulheres por causa do papel passivo que desempenham na cópula E tampouco seria ele aplicado aos que se encontram numa disposição mórbida por efeito do hábito Possuir esses vários tipos de hábito está para além das fronteiras do vício como também o está a brutalidade Para o homem que os possui dominálos ou ser dominado por eles não é simples continência ou incontinência mas algo que é tal por analogia assim como o homem que tem tal disposição com respeito aos acessos de cólera deve ser chamado incontinente em relação a esse sentimento e não incontinente no sentido absoluto Com efeito todo estado excessivo seja de loucura de covardia de intemperança ou de irascibilidade ou é brutal ou mórbido O homem que por natureza receia todas as coisas inclusive o guincho de um camundongo padece uma covardia de bruto enquanto aquele que temia uma fuinha estava simplesmente enfermo E dos tolos os que por natureza são estouvados e vivem apenas pelos sentidos são como brutos a exemplo de certas raças de bárbaros distantes enquanto os que são tais por efeito de uma doença da epilepsia por exemplo ou da loucura são mórbidos Destas características é possível possuir algumas apenas em certas ocasiões e não ser dominado por elas Por exemplo Fálaris pode ter refreado o desejo de comer carne de criança ou um apetite sexual contra a natureza mas também é possível ser dominado e não apenas ter tais sentimentos Logo assim como a maldade que se mantém no nível humano é chamada simplesmente maldade enquanto a outra não é simples maldade porém maldade com a qualificação de brutal ou mórbida também é evidente que há uma incontinência brutal e outra mórbida mas só a que corresponde à intemperança humana é simples incontinência Tornase claro pois que a incontinência e a continência se relacionam com os mesmos objetos que a intemperança e a temperança e o que se relaciona com outros objetos é um tipo distinto da incontinência que recebe este nome por metáfora e não é chamado simples incontinência 6 Veremos agora que a incontinência relativa à cólera é menos vergonhosa do que aquela que diz respeito aos apetites 1 A cólera parece ouvir o raciocínio até certo ponto mas ouvilo mal como os servos apressados que partem correndo antes de havermos acabado de dizer o que queremos e cumprem a ordem às avessas ou os cães que ladram apenas ouvem bater à porta sem procurar ver primeiro se se trata de uma pessoa amiga e da mesma forma a cólera devido à sua natureza ardente e impetuosa embora ouvindo não escuta as ordens e precipitase para a vingança Porque o raciocínio ou a imaginação nos informa de que fomos desprezados ou desconsiderados e a cólera como que chegando à conclusão de que é preciso reagir contra qualquer coisa dessa espécie ferve imediatamente enquanto o apetite mal o raciocínio ou a percepção lhe dizem que determinado objeto é agradável corre a desfrutálo Por conseguinte a cólera obedece em certo sentido ao raciocínio mas o apetite não Por isso é ele mais censurável pois o homem incontinente com respeito à cólera é vencido em certo sentido pelo raciocínio ao passo que o outro o é pelo apetite e não pelo raciocínio 2 Além disso perdoamos mais facilmente às pessoas que seguem desejos naturais ou seja os apetites comuns a todos os homens na medida em que são comuns Ora a cólera e a irritabilidade são mais naturais do que o apetite pelos excessos isto é por objetos desnecessários Sirva de exemplo o homem que se defendeu da acusação de haver batido no próprio pai dizendo sim mas ele batia no seu e seu pai por sua vez batia no seu e este menino apontando para o seu filho baterá em mim quando for homem isso é de família ou o homem que estava sendo levado de rastos pelo filho e lhe pediu que parasse à porta pois ele próprio só havia arrastado seu pai até ali 3 Por outro lado os mais afeitos a conspirar contra outros são mais criminosos Ora um homem colérico não se inclina a conspirar nem o faz a própria cólera que é aberta e franca mas a natureza do apetite é elucidada pelo que os poetas chamam Afrodite insidiosa filha de Chipre e pelos versos de Homero sobre o seu cinto bordado E ali estão os sussurros de amor Tão sutis que roubam a razão aos sábios por prudentes que sejam89 Logo se esta forma de incontinência é mais criminosa e vergonhosa que a da cólera ela é ao mesmo tempo incontinência no sentido absoluto e também vício 4 Ainda mais ninguém comete desregramentos com um sentimento de dor mas a cólera é sempre acompanhada de dor enquanto o que comete desregramentos age com prazer Se pois os atos que mais justamente incitam à cólera são mais criminosos do que os outros mais criminosa é a incontinência que se deve ao apetite porquanto na cólera não há desregramento Fica bem claro pois que a incontinência causada pelo apetite é mais vergonhosa do que aquela que se relaciona com a cólera e tanto continência como incontinência dizem respeito aos apetites e prazeres do corpo Mas é preciso distinguir entre estes últimos porque como dissemos no começo90 alguns são humanos e naturais tanto em espécie como em grandeza outros são brutais e outros ainda se devem a lesões e doenças orgânicas Só com os primeiros têm que ver a temperança e a intemperança e esse é o motivo por que não chamamos temperantes nem intemperantes aos animais inferiores a não ser em linguagem figurada e só quando alguma raça de animais supera uma outra na libidinosidade nos instintos de destruição e na avidez onívora 89 Ilíada XIV 214 217 N do T 90 1148 b 1531 N do T Esses não têm a faculdade de escolher nem de calcular mas são realmente desvios da norma natural como os loucos entre nós Ora a bruteza é um mal menor do que o vício se bem que mais assustador pois que a parte pervertida não foi a melhor como no homem os brutos simplesmente não têm uma parte melhor É pois como se comparássemos uma coisa inanimada com um ser vivo quanto à maldade porque a maldade daquilo que não possui uma fonte originadora de movimento é sempre menos daninha e a razão é uma fonte originadora dessa espécie E é também o mesmo que comparar a injustiça em abstrato com um homem injusto Cada um dos dois é em certo sentido pior pois um homem mau causará dez vezes mais dano do que um bruto 7 Com respeito aos prazeres dores apetites e aversões que nos vêm do tato e do paladar e aos quais havíamos reduzido anteriormente91 a temperança e a intemperança é possível ter tal disposição que se seja vencido mesmo por aqueles que a maioria das pessoas dominam ou dominar mesmo aqueles a que a maioria é incapaz de resistir Entre essas possibilidades as que se relacionam com os prazeres são a incontinência e a continência e as que se relacionam com as dores são a moleza e a fortaleza A disposição da maioria das pessoas é intermediária embora se incline mais para as disposições piores Ora como alguns prazeres são necessários e outros não e os primeiros o são até um certo ponto mas não o são os seus excessos e deficiências e como isto é tão verdadeiro das dores como dos apetites o homem que busca o excesso das coisas agradáveis ou busca em demasia as coisas necessárias fazendoo deliberadamente por elas próprias e nunca tendo em vista algum outro fim é intemperante Tal homem será necessariamente inacessível ao arrependimento e por conseguinte incurável pois quem não pode arrependerse não pode ser curado 91 Livro III cap 10 N do T O homem que se mostra deficiente na busca dessas coisas é o contrário do intemperante e o que ocupa a posição mediana é temperante Existe igualmente o homem que evita as dores corporais não porque estas o levem de vencida mas por escolha deliberada Dos que não escolhem tais atos uma espécie é conduzida a eles pela promessa de prazer e a outra por fugir à dor nascida do apetite de modo que esses tipos diferem entre si Ora todos fariam pior opinião de um homem que sem apetite ou com um apetite fraco cometesse algum ato vergonhoso do que se o fizesse sob a influência de um forte apetite e pior do homem que ferisse um outro sem cólera do que se o fizesse levado pela cólera pois que faria ele então se a sua ira fosse grande Eis aí por que o homem intemperante é pior do que o incontinente Das disposições indicadas pois a segunda é antes uma espécie de moleza enquanto a primeira é intemperança Ao passo que ao homem incontinente se opõe o continente ao mole opõese o homem dotado de fortaleza pois a fortaleza consiste em resistir enquanto a continência consiste em vencer e resistir e vencer diferem um do outro assim como não perder difere de ganhar e por isso mesmo a continência é também mais digna de escolha do que a fortaleza Ora o homem deficiente no tocante às coisas a que a maioria resiste e o faz com êxito é mole e efeminado pois a efeminação também é uma espécie de moleza Um tal homem deixa arrastar o seu manto para evitar o esforço de erguêlo e simula doença sem se considerar infeliz ao passo que o homem a quem ele imita é realmente infeliz O caso é análogo no que tange à continência e à incontinência Com efeito não é coisa de causar admiração que um homem seja derrotado por prazeres ou dores violentos e excessivos e até nos dispomos a perdoar se ele resistiu como faz o Filoctetes de Teodectes quando picado pela serpente ou o Cercíon de Cárcino na Álope e como as pessoas que procuram conter o riso e irrompem numa gargalhada como ocorreu a Xenofanto Mas causa surpresa que um homem não possa resistir e seja derrotado por prazeres e dores que a maioria arrosta sem grande dificuldade quando isso não se deve à hereditariedade ou à doença como a moleza que é hereditária entre os reis dos citas ou aquela que distingue o sexo feminino do masculino O amigo de diversões é também considerado intemperante mas na realidade é mole Porque a diversão é um relaxamento da alma um descanso do trabalho e o amigo de diversões é uma pessoa que vai ao excesso em tais coisas Da incontinência uma espécie é impetuosidade e outra é fraqueza Com efeito alguns homens após terem deliberado não sabem manter devido à emoção as conclusões a que chegaram enquanto outros por não terem deliberado são levados pela sua emoção E outros assim como os que tomam a iniciativa de fazer cócegas eles próprios quando percebem com antecedência e vêem o que vai acontecer despertam a tempo e fazem funcionar a sua faculdade calculadora não sendo vencidos pela emoção quer esta seja agradável quer dolorosa São as pessoas de humor vivaz e de temperamento excitável as mais sujeitas à forma impetuosa de incontinência porque as primeiras devido à vivacidade e as segundas por motivo da violência das paixões não esperam pelo raciocínio e tendem a seguir a sua imaginação 8 O homem intemperante como dissemos não costuma arrependerse porque se atém ao que escolheu mas qualquer homem incontinente pode arrependerse Por isso a posição não é tal como a expressamos ao formular o problema mas o intemperante é incurável e o incontinente curável Porquanto a maldade se assemelha a uma doença como a hidropisia ou a tísica enquanto a incontinência é como a epilepsia a primeira é permanente e a segunda intermitente E de um modo geral a incontinência e o vício diferem em espécie o vício não tem consciência de si mesmo a incontinência tem dos homens incontinentes os que temporariamente perdem o domínio próprio são melhores do que os que possuem o princípio racional mas não se atem a ele visto que os segundos são derrotados por uma paixão mais fraca e não agem sem prévia deliberação como os outros porque o homem incontinente é como os que se embriagam depressa e com pouco vinho isto é com menos do que a maioria das pessoas Vêse claramente pois que a incontinência não é vício se bem que talvez o seja num sentido particularizado Com efeito a incontinência é contrária à escolha enquanto o vício segue o que escolheu Isso porém não impede que se assemelhem nas ações a que conduzem Como disse Demódoco dos milésios que não eram privados de razão mas faziam as mesmas coisas que fazem os insensatos também os incontinentes não são criminosos mas praticam atos criminosos Ora como o homem incontinente tende a buscar não por convicção prazeres corporais que são excessivos e contrários à reta razão enquanto o intemperante está convencido por ser a espécie de homem feita para buscálos é o primeiro que facilmente se deixa dissuadir ao passo que com o segundo não acontece assim Com efeito a virtude e o vício preservam e destroem respectivamente o primeiro princípio e na ação a causa final é o primeiro princípio como as hipóteses o são na matemática Nem naquele caso nem neste é o raciocínio que ensina os primeiros princípios o que ensina a reta opinião a seu respeito é a virtude quer natural quer produzida pelo hábito Um homem assim é pois temperante e o seu contrário é o intemperante Mas há uma espécie de homem que é arrastado pela paixão contrariando a regra justa um homem a quem a paixão domina por tal forma que é incapaz de agir de acordo com a reta razão mas não ao ponto de fazêlo acreditar que deva buscar tais prazeres sem reservas Esse é o incontinente que é superior ao intemperante e não é mau no sentido absoluto pois nele se conserva o que tem de melhor o primeiro princípio E contrária a ele é outra espécie de homem que se mantém firme nas suas convicções e não se deixa arrastar ao menos pela paixão Tornase claro pelo que acabamos de dizer que a segunda é uma boa disposição e a primeira é má 9 É continente o homem que se atem a toda e qualquer regra a toda e qualquer escolha ou aquele que se atem à reta escolha E é incontinente o que abandona toda e qualquer escolha assim como toda e qualquer regra ou o que abandona a regra e a escolha justas Foi assim que colocamos anteriormente92 o problema Ou será acidentalmente a toda e qualquer escolha mas em si à regra e à escolha justas que um se atem e o outro não Quando alguém escolhe ou busca isto no interesse daquilo em si busca e escolhe o segundo mas acidentalmente o primeiro Mas quando falamos em absoluto entendemos o que é buscado em si Logo em certo sentido um sustenta e o outro abandona toda e qualquer opinião mas em sentido absoluto só a reta opinião Há alguns que tendem a sustentar a sua opinião e que são chamados teimosos a saber os que de um modo geral são difíceis de persuadir e em particular que não se deixam persuadir facilmente a mudar de idéia Esses têm algo de semelhante ao homem continente assim como o pródigo se assemelha de certo modo ao liberal e o temerário ao confiante mas diferem a muitos respeitos Com efeito é à paixão e ao apetite que um não quer ceder já que outras vezes o homem continente se mostra fácil de persuadir mas é ao raciocínio que os outros resistem porque cultivam seus apetites e muitos deles são conduzidos pelos prazeres Ora as pessoas teimosas são as opiniáticas as ignorantes e as rústicas as opiniáticas porque são influenciadas pelo prazer e pela dor pois deleitamse com a sua vitória quando não se deixam persuadir a mudar e sofrem quando as suas decisões se tornam nulas como sucede às vezes com os decretos de modo que se assemelham mais ao homem incontinente do que ao seu contrário Mas há alguns que abandonam as suas resoluções não por efeito da incontinência como o Neoptólemo de Sófocles Sem embargo foi sob a influência do prazer que ele tergiversou mas de um prazer nobre pois para ele dizer a verdade era nobre e contudo Ulisses o persuadira a mentir Com efeito nem todos 92 1146 a 1631 N do T os que fazem alguma coisa tendo em vista o prazer são intemperantes maus ou incontinentes mas só os que a fazem por um prazer vergonhoso Como também existe uma espécie de homem que se deleita menos do que deve com as coisas do corpo e não olha à reta razão o intermediário entre ele e o incontinente é o homem continente Com efeito o incontinente não se atem à reta razão porque se deleita em excesso com tais coisas e este homem porque se deleita demasiadamente pouco com elas ao passo que o homem continente se atem à razão e não muda por nada deste mundo Ora se a continência é boa ambas as disposições contrárias devem ser más como realmente parecem ser mas como o outro extremo é observado em muito poucos e raramente pensase que a continência só tem um contrário a incontinência do mesmo modo que a temperança só tem um contrário que é a intemperança Como muitos nomes são aplicados por analogia é também por analogia que viemos a falar da continência do homem temperante pois tanto o continente como o temperante são de tal índole que jamais contrariam a regra justa levados pelos prazeres corporais mas o primeiro possui e o segundo não possui apetites maus Além disso o segundo é tal que não sente prazer contrário à reta razão enquanto o primeiro é tal que sente prazer mas não se deixa conduzir por ele E o incontinente e o intemperante também se assemelham num ponto ambos buscam os prazeres corporais diferem contudo pelo fato de o segundo pensar que deve proceder assim enquanto o primeiro pensa de modo contrário 10 Tampouco é possível que o mesmo homem possua sabedoria prática e seja incontinente Com efeito já mostramos93 que o homem dotado de sabedoria prática é também um homem de bom caráter Além disso a sabedoria prática não nos vem apenas do conhecimento mas também da capacidade de agir Ora o incontinente é incapaz de agir 93 1144 a 11 1 144 b 32 N do T Nada impede porém que um homem hábil seja incontinente Por este motivo alguns chegam a pensar que certas pessoas dotadas de sabedoria prática são incontinentes com efeito a habilidade e a sabedoria prática diferem da maneira que descrevemos em nossas primeiras discussões94 e estão próximas uma da outra no tocante ao modo de raciocinar mas distinguemse quanto ao seu propósito E tampouco o incontinente se parece com o homem que sabe e contempla uma verdade mas com o adormecido ou o embriagado E age voluntariamente pois age em certo sentido com conhecimento não só do que faz como do fim visado não é porém mau visto que o seu propósito é bom de modo que o incontinente é apenas meio mau Por outro lado não é criminoso pois não age premeditadamente Dos dois tipos de homem incontinente um não se atem às conclusões do que deliberou enquanto o outro não delibera em absoluto E assim o incontinente se assemelha a uma cidade que aprova todos os decretos apropriados e tem boas leis mas não as põe em prática como na observação graciosa de Anaxândrides95 Assim o quis a cidade que não faz caso algum das leis O homem mau pelo contrário é como uma cidade que faz uso de suas leis mas em que estas são más Ora a incontinência e a continência relacionamse com o que excede a disposição característica da maioria dos homens porque o homem continente se atem mais às suas resoluções e o incontinente menos do que a maioria pode fazer Das formas de incontinência a própria das pessoas excitáveis é mais curável que a das que deliberam mas não se atem às suas conclusões e os que são incontinentes por hábito são mais curáveis do que aqueles em que a incontinência é inata pois é mais fácil mudar um hábito do que alterar a nossa natureza e o próprio hábito muda dificilmente porque se assemelha à natureza como diz Eveno96 O hábito meu caro não é senão 94 1144 a 23 1144 b 4 N do T 95 Fragmento 67 Kock N do T 96 Fragmento 9 Diehl N do T uma longa prática Que acaba por fazerse natureza Terminamos de mostrar o que são a continência e a incontinência a fortaleza e a moleza e como essas disposições se relacionam umas com as outras 11 O estudo do prazer e da dor pertence ao campo do filósofo político pois ele é o arquiteto do fim com vistas no qual dizemos que uma coisa é má e outra é boa em absoluto Além disso considerálos é uma de nossas tarefas necessárias pois não apenas assentamos que a virtude e o vício morais dizem respeito a dores e prazeres mas a maioria pensa que a felicidade envolve prazer e por isso se deu ao homem feliz um nome derivado de uma palavra que significa prazer Ora 1 para algumas pessoas nenhum prazer é um bem quer em si mesmo quer acidentalmente visto que o bem e o prazer não são a mesma coisa 2 outros pensam que alguns prazeres são bons mas a maioria deles são maus 3 Há ainda uma terceira opinião segundo a qual mesmo que todos os prazeres sejam bons a melhor coisa do mundo não pode ser o prazer 1 Estes são os argumentos em favor da opinião dos que negam absolutamente que o prazer seja um bem a Todo prazer é um processo perceptível a uma disposição natural e nenhum processo é da mesma espécie que o seu fim por exemplo o processo da construção não é da mesma espécie que a casa b O homem temperante evita os prazeres c O homem dotado de sabedoria prática busca o que é isento de dor e não o que é agradável d Os prazeres são um obstáculo ao pensamento e quanto mais o são mais nos deleitamos neles como por exemplo o prazer sexual pois ninguém ê capaz de pensar no que quer que seja quando está absorvido nele e Não existe arte do prazer ao passo que todo bem é produto de alguma arte f As crianças e os brutos buscam os prazeres 2 A opinião de que nem todos os prazeres são bons baseiase em dois argumentos a existem prazeres que são realmente vis e objetos de censura e b existem prazeres nocivos pois algumas coisas agradáveis são malsãs 3 O argumento em favor da opinião segundo a qual a melhor coisa do mundo não é o prazer é que este não é um fim mas um processo 12 Estas são mais ou menos as coisas que se costuma dizer De tais premissas não se segue que o prazer não seja um bem ou mesmo o maior dos bens como mostram as seguintes considerações A a Primeiro visto que aquilo que é bom pode sêlo num de dois sentidos uma coisa é simplesmente boa enquanto outra é boa para determinada pessoa as constituições e disposições naturais do ser com os correspondentes movimentos e processos serão divisíveis da mesma forma Dos que são considerados maus alguns o serão em absoluto porém não para uma pessoa determinada mas merecedores da sua escolha e alguns não merecerão sequer a escolha de uma pessoa determinada a não ser numa ocasião particular e por breve período e assim mesmo com restrições outros enfim não chegam a ser prazeres mas apenas parecem tais Refirome aos que envolvem dor e cujo fim é curativo como os processos que ocorrem nas pessoas doentes b Além disso sendo uma espécie de bem atividade e outra espécie estado os processos que nos restituem ao nosso estado natural só são agradáveis acidentalmente Aliás a atividade canalizada para os apetites que têm esses bens por objeto é a atividade daquela parte de nosso estado e natureza que permaneceu incólume pois em verdade há prazeres que não envolvem dor nem apetite como os da contemplação por exemplo estando a natureza intata nesses casos Que os outros são acidentais indicao o fato de algumas pessoas não se deleitarem quando sua natureza se encontra no estado normal com os mesmos objetos agradáveis que lhes causam prazer quando ela está sendo refeita mas no primeiro caso deleitamse com coisas que são agradáveis no sentido absoluto e no segundo também com os contrários destas inclusive com coisas acres e amargas nenhuma das quais é agradável quer por natureza quer em sentido absoluto Os estados que elas produzem por conseguinte não são prazeres naturalmente nem no sentido absoluto pois assim como as coisas agradáveis diferem entre si também diferem os prazeres que elas proporcionam c Por outro lado não é necessário que exista algo melhor do que o prazer simplesmente por dizerem alguns que o fim é melhor do que o processo Com efeito os prazeres não são processos nem todos eles envolvem processos são atividades e fins E tampouco os experimentamos quando nos estamos tornando alguma coisa mas quando exercemos alguma faculdade e nem todos os prazeres têm um fim diferente deles mesmos mas só os prazeres das pessoas que estão sendo conduzidas ao aperfeiçoamento de sua natureza Eis por que não é certo dizer que o prazer seja um processo perceptível mas antes deveríamos chamálo atividade do estado natural e em vez de perceptível desimpedida Alguns o consideram um processo simplesmente porque pensam que ele é bom no sentido estrito do termo pois julgam equivocadamente que a atividade seja um processo B A opinião de que os prazeres são maus porque algumas coisas agradáveis são malsãs equivale a dizer que as coisas saudáveis são más porque algumas coisas saudáveis nos impedem de ganhar dinheiro Ambas são más nos casos particulares mencionados mas não são más em si mesmas por essa razão e até pode suceder às vezes que pensar faça mal à saúde Nem a sabedoria prática nem qualquer estado do ser é impedido pelo prazer que ele proporciona São os prazeres estranhos que têm um efeito impeditivo visto que os prazeres advindos do pensar e do aprender nos fazem pensar e aprender ainda mais C Nada mais natural do que o fato de nenhum prazer ser o produto de uma arte qualquer Não existe arte de nenhuma outra atividade tampouco mas apenas da faculdade correspondente embora seja certo que as artes do perfumista e do cozinheiro são consideradas artes de prazer D Os argumentos baseados nas premissas de que o homem temperante evita os prazeres e de que o homem dotado de sabedoria prática busca a vida sem dor e de que as crianças e os brutos buscam o prazer são todos refutados pela mesma consideração Já mostramos97 em que sentido alguns prazeres são bons em absoluto e em que sentido outros não são bons Ora tanto os brutos como as crianças buscam prazeres da segunda espécie e o homem de sabedoria prática busca uma tranqüila isenção dos prazeres dessa espécie referimonos aos que implicam apetite e dor isto é os prazeres corporais pois estes é que são de tal natureza e aos excessos dos mesmos em virtude dos quais se diz que um homem é intemperante Eis aí por que o homem temperante evita esses prazeres porquanto ele também tem os seus prazeres próprios 13 Mas além disso E todos concordam em que a dor é má e deve ser evitada porquanto algumas dores são más em sentido absoluto e outras são más porque de algum modo nos servem de impedimento Ora o contrário do que deve ser evitado enquanto coisa vitanda e má é bom O prazer por conseguinte é necessariamente um bem E a resposta de Espeusipo dizendo que o prazer é contrário tanto à dor como ao bem assim como o maior é contrário tanto ao menor como ao igual não consegue convencer pois que o próprio Espeusipo não diria que o prazer é essencialmente uma simples espécie de mal E F se certos prazeres são maus isso não impede que o sumo bem seja algum prazer assim como o sumo bem pode ser alguma espécie de conhecimento não obstante certas espécies de conhecimento serem más Talvez seja até necessário se a cada disposição pode corresponder uma atividade desimpedida que não sendo a felicidade outra coisa senão a atividade desimpedida de todas as nossas disposições ou de algumas delas seja essa a coisa mais digna de nossa escolha e essa atividade é prazer E assim o sumo bem seria alguma espécie de prazer embora a maioria dos prazeres fossem talvez maus em sentido absoluto Por essa mesma razão todos os homens pensam que a vida feliz é agradável e entremeiam o prazer no seu ideal da felicidade o que aliás é bastante sensato já que nenhuma atividade é perfeita quando impedida e a felicidade é uma coisa 97 1152 b 26 1153a7NdoT Portanto cabenos retribuir se possível com o equivalente do que recebemos porque não devemos fazer de um homem nosso amigo contra a sua vontade é preciso reconhecer que nos enganamos de começo aceitando um benefício de uma pessoa de quem não devíamos aceitálo já que não era nosso amigo nem de alguém que o fez simplesmente por fazer e cumprenos saldar as quem estamos sendo beneficiados e em que termos ele procede a fim de aceitar o benefício nesses termos ou então recusálo 14 G Com respeito aos prazeres corporais os que dizem que alguns prazeres são muito dignos de escolha a saber os nobre porém não os corporais isto é aqueles a que se dedica o homem intemperante devem examinar por que nesse caso as dores contrárias são más Porquanto o contrário do mau é bom Serão bons os prazeres necessários no sentido em que mesmo aquilo que não é mau é bom Ou serão bons até certo ponto Darseá o caso que se de alguns estados e processos não pode haver demasia tampouco a pode haver do prazer correspondente e quando aqueles comportam excesso também o comportam estes Ora é certo que pode haver excesso de bens corporais e o homem mau é mau por buscar o excesso e não por buscar os prazeres necessários pois todos os homens deleitamse de um modo ou de outro com acepipes saborosos com vinhos e com a união sexual mas nem todos o fazem como devem Com a dor dáse o contrário pois ele não evita o seu excesso evitaa de todo e isso lhe é peculiar já que o excesso de prazer não tem como alternativa a dor salvo para o homem que busca esse excesso Como devemos expor não somente a verdade mas também a causa do erro pois isso contribui para convencer uma vez que quando se dá uma explicação razoável de por que o falso parece verdadeiro isso tende a fortalecer a crença na opinião verdadeira cumprenos mostrar agora a razão de os prazeres corporais parecerem mais dignos de escolha a Em primeiro lugar pois é porque eles expulsam a dor devido aos excessos de dor que experimentam os homens buscam prazeres excessivos e em geral de natureza corporal como remédio para a dor Ora os meios curativos provocam intenso sentimento e é este o motivo de serem buscados pelo contraste entre eles e a dor contrária E em verdade considerase que o prazer não é bom por estas duas razões como já dissemos a saber a que alguns deles são atividades pertinentes a uma natureza má quer congênita no caso de um bruto quer devida ao hábito isto é a dos homens maus ao passo que B outros se destinam a curar uma natureza deficiente ora é melhor gozar saúde do que estarse curando mas esses prazeres surgem durante o processo de cura e por conseguinte são bons apenas acidentalmente b Além disso eles são buscados devido à sua violência pelos que não podem desfrutar outros prazeres Em todo caso dãose ao trabalho de fabricar sedes por assim dizer para si mesmos quando estas são inofensivas a prática é inocente e quando são prejudiciais é má Tais pessoas não têm nada mais que gozar e além disso para a natureza de muitas pessoas um estado neutro é doloroso Com efeito a natureza animal está em constante labuta e isto é também confirmado pelos estudiosos de ciência natural quando dizem serem dolorosas a visão e a audição sucedendo apenas que nos acostumamos a elas Do mesmo modo as pessoas jovens devido ao processo de crescimento encontramse numa condição semelhante à dos embriagados e a mocidade é um estado agradável As pessoas de natureza excitável por outro lado necessitam constantemente de alívio o seu próprio corpo vive atormentado por efeito de seu temperamento e elas estão sempre sob a influência de um desejo violento mas a dor é expulsada não só pelo prazer contrário como por qualquer prazer contanto que seja forte e por esta razão elas se tornam intemperantes e más Os prazeres que não envolvem dor pelo contrário não admitem excesso e esses se contam entre as coisas agradáveis por natureza e não por acidente Por coisas acidentalmente agradáveis entendo as que agem como meios curativos pelo motivo de serem as pessoas curadas por elas mediante alguma ação da parte que permanece sadia o processo é considerado agradável e por coisas naturalmente agradáveis entendo as que estimulam a ação da natureza sã99 Não existe coisa alguma que seja sempre agradável já que nossa natureza não é simples mas existe em nós também um outro elemento por sermos criaturas mortais de modo que se um elemento produz determinado efeito este é 99 1152 b 2633 N do T antagônico à outra natureza e quando os dois elementos estão equilibrados o efeito não parece agradável nem desagradável porquanto se a natureza de um ser fosse simples a mesma coisa lhe seria sempre agradável no mais alto grau É por isso que Deus sempre goza um prazer único e simples com efeito não existe apenas uma atividade do movimento mas também uma atividade do repouso e experimentase mais prazer no repouso do que no movimento Mas a mudança é aprazível em todas as coisas como diz o poeta100 em razão de algum vício pois assim como o homem vicioso se caracteriza pela mutabilidade a natureza que necessita de mudar é viciosa por não ser simples nem boa Aqui termina a nossa discussão da continência e da incontinência do prazer e da dor Mostramos tanto o que cada um é em si como em que sentido alguns são bons e outros maus Resta agora falar da amizade LIVRO VIII I Depois do que dissemos seguese naturalmente uma discussão da amizade visto que ela é uma virtude ou implica virtude sendo além disso sumamente necessária à vida Porque sem amigos ninguém escolheria viver ainda que possuísse todos os outros bens E acreditase mesmo que os ricos e aqueles que exercem autoridade e poder são os que mais precisam de amigos pois de que serve tanta prosperidade sem um ensejo de fazer bem se este se faz principalmente e sob a forma mais louvável aos amigos Ou como se pode manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos Quanto maior é ela mais perigos corre Por outro lado na pobreza e nos demais infortúnios os homens pensam que os amigos são o seu único refúgio A amizade também ajuda os jovens a afastarse do erro e aos mais velhos atendendolhes às necessidades e suprindo as atividades que declinam por efeito dos anos Aos que estão no vigor da idade ela estimula à prática de nobres ações pois na companhia de amigos dois que andam juntos101 os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar 100 Eurípides Orestes 234 N do T 101 Odisséia XVII 218 N do T E também os pais parecem sentila naturalmente pelos filhos e os filhos pelos pais não só entre os homens mas entre as aves e a maioria dos animais Membros da mesma raça a sentem uns pelos outros e especialmente os homens por isso louvamos os amigos de seu semelhante Até em nossas viagens podemos ver quanto cada homem é chegado e caro a todos os outros A amizade também parece manter unidos os Estados e dirseia que os legisladores têm mais amor à amizade do que à justiça pois aquilo a que visam acima de tudo é à unanimidade que tem pontos de semelhança com a amizade e repelem o facciosismo como se fosse o seu maior inimigo E quando os homens são amigos não necessitam de justiça ao passo que os justos necessitam também da amizade e considerase que a mais genuína forma de justiça é uma espécie de amizade Não é ela contudo apenas necessária mas também nobre porquanto louvamos os que amam os seus amigos e considerase uma bela coisa ter muitos deles E pensamos por outro lado que as mesmas pessoas são homens bons e amigos Ora certos pontos atinentes à amizade são matéria de debate Alguns a definem como uma espécie de afinidade e dizem que as pessoas semelhantes são amigas donde os aforismos igual com igual cada ovelha com sua parelha etc outros pelo contrário dizem que dois do mesmo ofício nunca estão de acordo E investigam esta questão buscando causas mais profundas e mais físicas dizendo Eurípedes que a terra resseca ama a chuva e o majestoso céu quando prenhe de chuva adora cair sobre a terra102 e Heráclito o que se opõe é que ajuda e de notas diferentes nasce a melodia mais bela e ainda todas as coisas são geradas pela luta103 ao passo que Empédocles juntamente com outros exprime a opinião contrária de que o semelhante busca o semelhante Quanto aos problemas físicos podemos deixálos de parte pois não pertencem à presente investigação Examinemos os que são humanos e envolvem caráter e sentimento por exemplo se a amizade pode nascer entre duas pessoas 102 Fragmento 898 710 Nauck N do T 103 Fragmento 8 Diels N do T quaisquer se podem ser amigos os maus e se existe uma só espécie de amizade ou mais Os que pensam que só existe uma porque a amizade admite graus baseiamse num indício inadequado visto que mesmo as coisas que diferem em espécie admitem graus Este assunto já foi discutido por nós anteriormente 2 Talvez possamos deslindar as espécies de amizade se começarmos por tomar conhecimento do objeto do amor Ora nem tudo parece ser amado mas apenas o estimável e este é bom agradável ou útil Mas o útil em suma é aquilo que produz algo de bom ou agradável de modo que são o bom e o útil que são estimáveis como fins Os homens amam então o que é bom em si ou o que é bom para eles Os dois entram por vezes em conflito E o mesmo podese dizer no tocante ao agradável Ora pensase que cada um ama o que é bom para ele e o que é bom é estimável em si mesmo enquanto o que é bom para cada um é estimável para ele mas cada homem ama não o que é bom para ele e sim o que parece bom Isso contudo não vem ao caso limitarnosemos a dizer que ele é o que parece estimável Ora as pessoas amam por três razões Para o amor dos objetos inanimados não usamos a palavra amizade pois não se trata de amor mútuo nem um deseja bem ao outro seria com efeito ridículo se desejássemos bem ao vinho se algo lhe desejamos é que se conserve para que continuemos dispondo dele no tocante aos amigos porém dizse que devemos desejarlhes o bem no interesse deles próprios Mas aos que desejam bem dessa forma só atribuímos benevolência se o desejo não é recíproco a benevolência quando recíproca tornase amizade Ou será preciso acrescentar quando conhecida Pois muita gente deseja bem a pessoas que nunca viu e as julga boas e úteis e uma delas poderia retribuirlhe esse sentimento Tais pessoas parecem desejar bem umas às outras mas como chamálas de amigos se ignoram os seus mútuos sentimentos A fim de serem amigas pois devem Entre essas amizades alguns classificam também a que se observa entre hospedeiro e hóspede A amizade dos jovens por outro lado parece visar ao prazer pois eles são guiados pela emoção e buscam acima de tudo o que lhes é agradável e o que têm imediatamente diante dos olhos mas com o correr dos anos os seus prazeres tornamse diferentes E por isso que fazem e desfazem amizades rapidamente sua amizade muda com o objeto que lhes parece agradável e tal prazer se altera bem depressa Os jovens são também amorosos pois em sua maior parte a amizade que existe no amor depende da emoção e visa ao prazer é por isso que tão depressa se apaixonam como esquecem a sua paixão muitas vezes mudando no espaço de um dia Mas é certo que tais pessoas desejam passar juntas os seus dias e a sua vida inteira pois só assim alcançam o propósito da sua amizade A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons e são bons em si mesmos Ora os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos porque o fazem em razão da sua própria natureza e não acidentalmente Por isso sua amizade dura enquanto são bons e a bondade é uma coisa muito durável E cada um é bom em si mesmo e para o seu amigo pois os bons são bons em absoluto e úteis um ao outro E da mesma forma são agradáveis porquanto os bons o são tanto em si mesmos como um para o outro visto que a cada um agradam as suas próprias atividades e outras que lhes sejam semelhantes e as ações dos bons são as mesmas ou semelhantes Uma tal amizade é como seria de esperar permanente já que eles encontram um no outro todas as qualidades que os amigos devem possuir Com efeito toda a amizade tem em vista o bem ou o prazer bem ou prazer quer em abstrato quer tais que possam ser desfrutados por aquele que sente a amizade e baseiase numa certa semelhança E à amizade entre homens bons pertencem todas as qualidades que mencionamos devido à natureza dos próprios amigos pois numa amizade desta espécie as outras qualidades também são semelhantes em ambos e o que é irrestritamente bom também é agradável no sentido absoluto do termo e essas são as qualidades mais estimáveis que existem O amor e a amizade são portanto encontrados principalmente e em sua melhor forma entre homens desta espécie Mas é natural que tais amizades não sejam muito freqüentes pois que tais homens são raros Acresce que uma amizade dessa espécie exige tempo e familiaridade Como diz o provérbio os homens não podem conhecerse mutuamente enquanto não houverem provado sal juntos e tampouco podem aceitar um ao outro como amigos enquanto cada um não parecer estimável ao outro e este não depositar confiança nele Os que não tardam a mostrar mutuamente sinais de amizade desejam ser amigos mas não o são a menos que ambos sejam estimáveis e o saibam porque o desejo da amizade pode surgir depressa mas a amizade não 4 Essa espécie de amizade pois é perfeita tanto no que se refere à duração como a outros respeitos e nela cada um recebe de cada um a todos os respeitos o mesmo que dá ou algo de semelhante e é exatamente isso o que deve acontecer entre amigos A amizade que visa ao prazer tem certa parecença com esta espécie porquanto as pessoas boas são de fato agradáveis umas às outras O mesmo se pode dizer da amizade que busca a utilidade pois os bons também são úteis uns aos outros Entre os homens destas espécies inferiores as amizades são mais permanentes quando os amigos recebem a mesma coisa um do outro o prazer por exemplo e não só a mesma coisa mas também da mesma fonte como ocorre entre pessoas espirituosas e não como sucede entre amante e amado Porquanto estes não recebem prazer das mesmas fontes mas o amante comprazse em ver o amado e este em receber atenções do seu amante e quando começa a passar o viço da mocidade a amizade também se desvanece porque um não experimenta prazer em ver o outro e o segundo não mais recebe atenções do primeiro Muitos amantes porém são constantes quando a familiaridade os leva a amar o caráter um do outro pela afinidade que existe entre eles Mas aqueles cujo amor consiste numa troca de utilidades e não de prazeres são ao mesmo tempo menos verdadeiramente amigos e menos constantes Os que são amigos por causa da utilidade separamse quando cessa a vantagem porque não amavam um ao outro mas apenas o proveito Por conseguinte quando o que se leva em mira é o prazer ou a utilidade até os maus podem ser amigos uns dos outros ou os bons podem ser amigos dos maus ou aquele que não é bom nem mau pode ser amigo de qualquer espécie de pessoa mas por si mesmos só os homens bons podem ser amigos Com efeito os maus não se deleitam com o convívio uns dos outros a não ser que essa relação lhes traga alguma vantagem A amizade entre os bons e só ela também é invulnerável à calúnia pois não damos ouvidos facilmente às palavras de qualquer um a respeito de um homem que durante muito tempo submetemos à prova e é entre os bons que são encontradas a confiança o sentimento expresso pelas palavras ele nunca me faria uma deslealdade e todas as outras coisas que se requerem numa verdadeira amizade Nas outras espécies de amizade porém nada impede que tais males venham a manifestarse Com efeito os homens aplicam o nome de amigos mesmo àqueles cujo motivo é a utilidade e nesse sentido se diz que as disposições são amigáveis pois as alianças de disposições parecem visar à vantagem e também aos que se amam com vistas no prazer e é neste sentido que se diz serem amigas as crianças Portanto nós também deveríamos talvez chamar amigas a tais pessoas e dizer que existem diversas espécies de amizade primeiro e no sentido próprio a dos homens bons enquanto bons e por analogia as outras espécies pois é em virtude de algo bom e algo semelhante ao que é encontrado na verdadeira amizade que eles são amigos já que até o agradável é bom para os que amam o prazer Mas essas duas espécies de amizade não se juntam com freqüência nem as mesmas pessoas se tornam amigas tendo em vista a utilidade e o prazer porquanto as coisas que só acidentalmente se relacionam umas com as outras não andam muitas vezes juntas Dividindose pois a amizade nestas espécies os maus serão amigos com vistas na utilidade ou no prazer e a esse respeito se assemelharão um ao outro mas os bons serão amigos por eles mesmos isto é em razão da sua bondade Esses pois são amigos no sentido absoluto do termo e os outros o são acidentalmente e por uma semelhança com os primeiros 5 Assim como no tocante às virtudes alguns homens são chamados bons com referência a uma disposição de caráter e outros com referência a uma atividade também o mesmo sucede no que diz respeito à amizade Efetivamente os que vivem juntos deleitamse um com o outro e conferemse mútuos benefícios mas os que dormem ou que se acham separados no espaço não realizam mas estão dispostos a realizar os atos da amizade A distância não rompe a amizade em absoluto mas apenas a sua atividade Todavia se a ausência dura muito tempo parece realmente fazer com que os homens esqueçam a sua amizade daí o provérbio longe dos olhos longe do coração Nem os velhos nem as pessoas acrimoniosas parecem fazer amigos com facilidade Com efeito tais pessoas pouco têm de agradável e ninguém deseja passar seus dias com alguém cuja companhia é dolorosa ou não é agradável visto que a natureza parece acima de tudo evitar o doloroso e buscar o agradável Aqueles porém que aprovam um ao outro mas não convivem parecem antes olharse com simpatia do que ser verdadeiros amigos Porquanto nada é mais característico dos amigos do que o convívio e embora sejam os que sofrem necessidade que desejam benefícios mesmo os que são sumamente felizes desejam passar os dias juntos e é justamente a esses que menos agrada a solidão Mas as pessoas não podem conviver se não são agradáveis umas às outras e não se deleitam com as mesmas coisas como parecem fazer os amigos que são também companheiros A verdadeira amizade é pois a dos bons como tantas vezes dissemos Efetivamente o que é bom ou agradável no sentido absoluto do termo parece estimável e desejável e a cada um se afigura ser o que é bom e agradável para ele e por ambas essas razões o homem bom é estimável e desejável para o homem bom Ora dirseia que o amor é um sentimento e a amizade é uma disposição de caráter porque se pode sentir amor mesmo pelas coisas inanimadas mas o amor mútuo envolve escolha e a escolha procede de uma disposição de caráter E os homens desejam bem àqueles a quem amam por eles mesmos não por efeito de um sentimento mas de uma disposição de caráter E finalmente os que amam um amigo amam o que é bom para eles mesmos porque o homem bom ao tornarse amigo passa a ser um bem para o seu amigo Cada qual portanto ao mesmo tempo que ama o que é bom para ele retribui com benevolência e aprazibilidade em igualdade de termos porque se diz que amizade é igualdade e ambas são encontradas mais comumente na amizade dos bons 6 Entre pessoas idosas e acrimoniosas é menos fácil formarse amizade porquanto tais pessoas são menos bemhumoradas e se comprazem menos na companhia umas das outras e estas são consideradas as maiores marcas de amizade e as que mais contribuem para produzila É por isso que enquanto os jovens são rápidos em fazer amizades o mesmo não se dá com os velhos os homens não se tornam amigos daqueles em cuja companhia não se comprazem E da mesma forma também as pessoas acrimoniosas não se tornam amigas facilmente Mas tais homens podem sentir benevolência uns pelos outros desejandose bem e ajudandose quando um precisa do outro Mal se pode dizer no entanto que sejam amigos porque não passam os dias juntos nem se deleitam na companhia um do outro e estas são consideradas as maiores marcas da amizade Não se pode ser amigo de muitas pessoas no sentido de ter com elas uma amizade perfeita assim como não se pode amar muitas pessoas ao mesmo tempo pois o amor é de certo modo um excesso de sentimento e está na sua natureza dirigirse a uma pessoa só e não sucede facilmente que muitas pessoas ao mesmo tempo agradem muito a um indivíduo só ou mesmo talvez que pareçam boas aos seus olhos É preciso por outro lado adquirir alguma experiência da outra pessoa e familiarizarse com ela e isso custa muito trabalho Mas com vistas na utilidade ou no prazer é possível que muitas pessoas agradem a uma só pois muitas pessoas são úteis ou agradáveis e tais serviços não exigem muito tempo Dessas duas espécies a que tem em mira o prazer parecese mais com a amizade quando ambas as partes recebem as mesmas coisas uma da outra e deleitamse uma com a outra ou com as mesmas coisas como acontece nas amizades dos jovens pois é em tais amizades que se observa com mais freqüência a generosidade A amizade que se baseia na utilidade é própria das pessoas de espírito mercantil Também as pessoas sumamente felizes não necessitam de amigos úteis mas sim de amigos agradáveis porque desejam viver com alguém e embora possam suportar durante um curto espaço de tempo o que é doloroso ninguém o toleraria constantemente mesmo que se tratasse do próprio Bem se este lhe fosse doloroso É por isso que buscam amigos agradáveis mas talvez devessem buscar aqueles que sendo agradáveis fossem também bons inclusive para eles pois assim possuiriam todas as características que devem possuir os amigos Os homens que ocupam posição de autoridade parecem ter amigos de diferentes classes Alguns lhes são úteis e outros são agradáveis mas raramente os mesmos indivíduos reúnem em si as duas qualidade pois que tais pessoas não procuram nem aqueles que além de agradáveis sejam virtuosos nem aqueles cuja utilidade vise a objetos nobres mas levados pelo desejo de prazer buscam a companhia de pessoas espirituosas e quanto aos seus outros amigos escolhemnos entre os que são hábeis em fazer o que lhes mandam ora tais características rara mente se encontram combinadas numa só pessoa Já dissemos que o homem bom é ao mesmo tempo útil e agradável104 mas um tal homem não se torna amigo de 104 1156 b 1315 1157 a 13 N do T quem lhe é superior em posição a menos que lhe seja superior também pela virtude e mesmo assim não poderia estabelecerse uma igualdade por ser ele ultrapassado em ambos os respeitos Entretanto pessoas que o ultrapassem em ambos os respeitos não são fáceis de encontrar Seja como for as amizades supramencionadas envolvem igualdade pois os amigos recebem as mesmas coisas um do outro e desejamse mutuamente as mesmas coisas ou trocam coisas entre si como por exemplo o prazer pela utilidade Dissemos105 contudo que essas amizades não apenas são menos verdadeiras como menos permanentes Mas é por sua semelhança e sua dessemelhança em relação à mesma coisa que as consideramos ou não amizades É por sua semelhança com a amizade da virtude que parecem ser amizades pois uma delas envolve prazer e a outra utilidade e estas características pertencem também à amizade dos virtuosos e é por ser permanente e invulnerável à calúnia a amizade dos virtuosos enquanto estas mudam rapidamente além de diferirem em muitos respeitos da primeira que parecem não ser amizades isto é em razão de sua dessemelhança com a amizade dos virtuosos 7 Mas existe outra espécie de amizade a saber a que envolve uma desigualdade entre as partes como a de pai para filho e em geral de mais velho para mais jovem a de marido para mulher e em geral de governante para súdito E essas amizades diferem também umas das outras pois a que existe entre pais e filhos não é a mesma que entre governantes e súditos nem a amizade de pai para filho é a mesma que a de filho para pai como a de marido para mulher não é a mesma que a de mulher para marido Com efeito a virtude e a função de cada uma dessas pessoas são diferentes e por isso também diferem as suas razões para amar e outra conseqüência do mesmo fato é que amor e amizade diferem igualmente um do outro 105 1156 a 1624 1157 a 2033 N do T Cada parte pois nem recebe a mesma coisa da outra nem deveria buscála mas quando os filhos prestam aos pais aquilo que devem prestar aos que os puseram no mundo e os pais aquilo que devem prestar aos filhos a amizade entre tais pessoas é duradoura e excelente Em todas as amizades que envolvem desigualdade o amor também deve ser proporcional isto é o melhor deve receber mais amor do que dá assim como deve ser mais útil e analogamente em cada um dos outros casos pois quando o amor é proporcional ao mérito das partes estabelecese em certo sentido a igualdade que é indubitavelmente considerada uma característica da amizade Mas a igualdade não parece assumir a mesma forma nos atos de justiça e na amizade Com efeito nos primeiros o que é igual no sentido primário é o que está em proporção com o mérito ao passe que a igualdade quantitativa é secundária mas na amizade a igualdade quantitativa é primária e a proporção ao mérito secundária Isso se torna claro quando há uma grande distância entre as partes no que se refere à virtude ao vício à riqueza ou outra coisa qualquer pois nesse caso já não são amigos e nem sequer esperam sêlo E a situação é manifesta acima de tudo quando se trata dos deuses que nos ultrapassam imensamente em tudo o que é bom Mas é também clara no tocante aos reis pois os homens que lhes são muito inferiores tampouco esperam tornarse seus amigos nem indivíduos de pouca valia esperam ser amigos dos melhores ou mais sábios dentre os homens Em tais casos não é possível definir com exatidão até que ponto os amigos podem permanecer amigos Com efeito a amizade pode sobreviver ao desaparecimento de muitos elementos que a compunham mas quando uma das partes é afastada para muito longe como sucede com Deus cessa a possibilidade de amizade Essa é aliás a origem da questão sobre se os amigos realmente desejam aos seus amigos os maiores bens como o de serem deuses visto que em tal caso seus amigos deixarão de sêlo e por conseguinte já não representarão bens para eles porque os amigos são realmente um grande bem A resposta é que se tínhamos razão em afirmar que o amigo deseja bem ao seu amigo por ele mesmo este deve continuar sendo a espécie de ser que é portanto é a ele na medida em que continua sendo um homem que o outro deseja os maiores bens Mas talvez não lhe deseje todos os maiores bens pois é a si mesmo antes de qualquer outro que cada homem deseja o bem 8 A maioria das pessoas parecem devido à ambição preferir ser amada a amar E é por isso que os homens em geral amam a lisonja Com efeito o lisonjeiro é um amigo em posição inferior ou finge ser tal ao mesmo tempo que simula amar mais do que é amado e ser amado parece ter bastante semelhança com ser honrado e isso é o que a maioria das pessoas ambicionam Entretanto dirseia que elas não preferem a honra em si mas apenas acidentalmente porquanto a maioria gosta de ser honrada pelos que ocupam posição de autoridade em razão de suas esperanças pois pensam que se necessitarem de alguma coisa conseguilasão com eles e por isso se comprazem na honra como prenuncio de favores futuros Os que desejam ser honrados por homens bons e sábios por seu lado querem confirmar a boa opinião que fazem de si mesmos e por conseguinte deleitamse em ser honrados porque acreditam na sua própria bondade estribados no julgamento dos que falam a seu respeito O ser amado por outra parte é deleitável em si mesmo e por isso afigurase preferível ao ser honrado e a amizade parece digna de ser desejada por si mesma Mas dirseia que ela reside antes em amar do que em ser amado como mostra o deleite que as mães sentem em amar pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados e enquanto conhecem o destino deles amamnos sem procurar ser amadas em troca se não lhes são possíveis ambas as coisas mas parecem contentarse em vêlos prosperar e amam os seus filhos mesmo quando estes por ignorância não lhes dão nada do que se deve a uma mãe E assim como a amizade depende mais do amar que do ser amado e são os que amam os seus amigos que são louvados o amar parece ser a virtude característica dos amigos de modo que só aqueles que amam na medida justa são amigos duradouros e só a amizade desses resiste ao tempo É deste modo mais que de qualquer outro que até os desiguais podem ser amigos pois é possível estabelecerse uma igualdade entre eles Ora igualdade e semelhança são amizade e especialmente a semelhança dos que são afins pela virtude Com efeito sendo constantes por natureza eles mantêmse fiéis um ao outro e não solicitam nem prestam serviços baixos mas podese dizer que até previnem tais ocorrências pois é característico dos homens bons não fazer o mal eles próprios nem permitir que seus amigos o façam Os maus porém não têm constância visto que nem sequer a si mesmos se mantêm semelhantes mas são amigos durante breve tempo por se deleitarem na maldade um do outro As amizades úteis ou agradáveis duram mais isto é subsistem enquanto os amigos proporcionam prazeres ou vantagens um ao outro A amizade com vistas na utilidade parece ser a que mais facilmente se forma entre contrários como por exemplo entre pobre e rico entre ignorante e letrado porque um homem ambiciona aquilo que lhe falta e dá algo em troca Mas nesta classe também se poderia incluir amante e amado belo e feio É por isso que os amantes parecem às vezes ridículos quando pretendem ser amados em troca quando ambos são igualmente dignos de amor a pretensão talvez se justifique mas é ridícula quando não têm nenhuma qualidade própria para despertar o amor A verdade talvez é que o contrário nem sequer busca o contrário por sua própria natureza mas apenas acidentalmente sendo o intermediário o objeto real do desejo pois este é que é realmente bom por exemplo para o seco o bom não é ficar úmido mas passar ao estado intermediário e da mesma forma no que se refere ao quente e em todos os outros casos Podemos deixar de parte estes assuntos que em verdade são um pouco estranhos à nossa investigação 9 Como dissemos no começo de nossa discussão106 a amizade e a justiça parecem dizer respeito aos mesmos objetos e manifestarse entre as mesmas pessoas Com efeito em toda comunidade pensase que existe alguma forma de justiça e igualmente de amizade pelo menos os homens dirigemse como amigos aos seus companheiros de viagem ou camaradas de armas e da mesma forma aos que se lhes associam em qualquer outra espécie de comunidade E até onde vai a sua associação vai a sua amizade como também a justiça que entre eles existe E o provérbio segundo o qual os amigos têm tudo em comum é a expressão da verdade pois a amizade depende da comunhão de bens Ora os irmãos e os camaradas possuem todas as coisas em comum mas esses outros a quem nos referimos possuem em comum certas coisas alguns mais e outros menos porque das amizades também algumas são verdadeiras amizades em maior e outras em menor grau E as imposições da justiça também diferem não são os mesmos os deveres dos pais para com os filhos e os dos irmãos entre si nem os dos camaradas ou dos concidadãos e o mesmo no que toca às outras espécies de amizade Há também uma diferença por conseguinte entre os atos que são injustos para com cada uma dessas classes de associados e a injustiça cresce de ponto quando se manifesta para com os que são amigos num sentido mais pleno por exemplo é mais detestável defraudar um camarada do que um concidadão mais odioso deixar de ajudar um irmão do que um estranho e mais abominável ferir o próprio pai do que a qualquer outro E as imposições da justiça também parecem aumentar com a intensidade da amizade o que implica que a amizade e a justiça existem entre as mesmas pessoas e são coextensivas Ora todas as formas de comunidade são como partes da comunidade política Por exemplo é tendo em vista alguma vantagem particular que os homens viajam juntos e a fim de proverem alguma coisa necessária à vida e é por causa da 106 1155 a 2228 N do T vantagem que a comunidade política parece terse formado e perdurar pois esse é o objetivo que os legisladores se propõem e chamam justo o que concorre para a vantagem comum Mas as outras comunidades têm em mira aspectos particulares dessa vantagem comum os marinheiros por exemplo visam ao que é vantajoso numa travessia para o propósito de ganhar dinheiro ou alguma finalidade dessa espécie e os soldados ao que é vantajoso na guerra quer busquem riqueza quer a vitória ou a posse de uma cidade e os membros de tribos ou demos procedem do mesmo modo Algumas comunidades parecem originarse da necessidade de prazer como as corporações religiosas e os grêmios sociais pois esses existem a fim de oferecer sacrifícios e proporcionar o convívio Mas todos parecem incluirse na comunidade política que não visa à vantagem imediata mas ao que é vantajoso para a vida no seu todo oferecendo sacrifícios e programando reuniões para esse fim honrando os deuses e provendo aprazíveis recreações para si mesma Com efeito tudo indica que os antigos sacrifícios e reuniões ocorriam após as colheitas como uma espécie de festa das primícias pois era nessa época que os homens tinham mais lazeres Todas as comunidades por conseguinte parecem fazer parte da comunidade política e as espécies particulares de amizade devem corresponder às espécies particulares de comunidade 10 Existem três espécies de constituição e igual número de desvios perversões daquelas por assim dizer As constituições são a monarquia a aristocracia e em terceiro lugar a que se baseia na posse de bens e que seria talvez apropriado chamar timocracia embora a maioria lhe chame governo do povo A melhor delas é a monarquia e a pior é a timocracia O desvio da monarquia é a tirania pois que ambas são formadas de governo de um só homem mas há entre elas a maior diferença possível O tirano visa à sua própria vantagem o rei à vantagem de seus súditos Com efeito um homem não é rei a menos que baste a si mesmo e supere os seus súditos em todas as boas coisas Ora um homem em tais condições de mais nada precisa e por isso não olhará aos seus interesses mas aos de seus súditos pois o rei que assim não for terá da realeza apenas o título Ora a tirania é o contrário exato de tudo isso o tirano visa ao seu próprio bem E é evidente ser esta a pior forma de desvio pois o contrário do melhor é que é o pior A monarquia degenera em tirania que é a forma pervertida do governo de um só homem e o mau rei convertese em tirano A aristocracia por seu lado degenera em oligarquia pela ruindade dos governantes que distribuem sem eqüidade o que pertence ao Estado todas ou a maior parte das coisas boas para si mesmos e os cargos públicos sempre para as mesmas pessoas olhando acima de tudo a riqueza e destarte os governantes são poucos e maus em lugar de serem os mais dignos A timocracia por seu lado degenera em democracia Ambas são coextensivas já que a própria timocracia tem como ideal o governo da maioria e os que não têm posses são contados como iguais aos outros A democracia é a menos má das três espécies de perversão pois no seu caso a forma de constituição não apresenta mais que um ligeiro desvio São estas pois as mudanças a que estão mais sujeitas as constituições e estas as transições menores e mais fáceis Podem ser encontradas analogias das constituições e por assim dizer modelos delas nas próprias famílias Com efeito a associação de um pai com seus filhos tem a forma da monarquia visto que o pai zela pelos filhos Aí está por que Homero chama a Zeus de pai107 e o ideal da monarquia é ser uma forma paternal de governo Entre os persas no entanto o governo dos pais é tirânico pois ali os pais usam os filhos como escravos Tirânico igualmente é o governo dos amos sobre os escravos em que a única coisa que se tem em vista é a vantagem dos primeiros Ora esta parece ser uma forma correta de governo mas o tipo persa é 107 Por exemplo Ilíada I 503 N do T pervertido uma vez que diferentes são as modalidades de governo apropriadas a relações diferentes A associação entre marido e mulher parece ser aristocrática já que o homem governa como convém ao seu valor mas deixa a cargo da esposa os assuntos que pertencem a uma mulher Se o homem governa em tudo a relação degenera em oligarquia pois ao proceder assim ele não age de acordo com o valor respectivo de cada sexo nem governa em virtude da sua superioridade Às vezes no entanto são as mulheres que governam por serem herdeiras e assim o seu governo não se baseia na excelência mas na riqueza e no poder como acontece nas oligarquias A associação de irmãos assemelhase à timocracia porquanto eles são iguais salvo na medida em que haja diferença de idades e por isso quando diferem muito em idade a amizade já não é do tipo fraternal A democracia é encontrada sobretudo nas famílias acéfalas onde por conseguinte todos se encontram num nível de igualdade e naquelas em que o chefe é fraco e todos têm licença de agir como entenderem 11 Mostra a observação que cada uma das constituições comporta amizade na exata medida em que comporta a justiça A amizade entre um rei e seus súditos depende de um excesso de benefícios conferidos porquanto o rei os confere aos seus súditos quando sendo ele um homem bom zela pelo bemestar destes como faz o pastor com as suas ovelhas e por isso Homero chamou a Agamenon pastor dos povos108 E tal é também a amizade de um pai embora este exceda o outro na grandeza dos benefícios dispensados pois é a causa da existência dos filhos a qual todos consideram o maior dos bens assim como prove à sua alimentação e educação Tudo isso se costuma atribuir também aos avós E acresce que por natureza um pai tende a governar seus filhos os avós aos descendentes e os reis aos seus súditos Estas amizades implicam superioridade de uma parte sobre a outra sendo essa a razão das honras que se prestam aos antepassados 108 Por exemplo Ilíada II 243 N do T Portanto a justiça que existe entre pessoas assim relacionadas não é a mesma de parte a parte mas sempre proporcional ao mérito porquanto isso é verdadeiro também da própria amizade A amizade entre marido e mulher por outro lado é a mesma que se observa na aristocracia já que está de acordo com a virtude o melhor recebe maior quinhão de bens e cada um recebe o que lhe compete e o mesmo se pode dizer da justiça nessas relações A amizade de irmãos é como a de camaradas porquanto são iguais e próximos uns dos outros pela idade e tais pessoas em geral assemelhamse nos sentimentos e no caráter E também é semelhante a esta a amizade apropriada ao governo timocrático pois numa tal constituição o ideal é serem os cidadãos iguais e eqüitativos e por isso o governo é assumido por turnos numa base de igualdade E a amizade apropriada a esta constituição corresponde à que descrevemos Nas formas de desvio porém como mal existe justiça também é rara a amizade E onde menos existe é na pior das formas na tirania há pouca ou nenhuma amizade Com efeito onde nada aproxima o governante dos governados não pode haver amizade uma vez que não há justiça Por exemplo entre artífice e ferramenta alma e corpo amo e escravo os segundos termos de cada uma dessas dualidades são beneficiados por aqueles que os utilizam mas não existe amizade nem justiça para com coisas inanimadas Mas tampouco existe amizade para com um cavalo um boi ou um escravo enquanto escravo pois não há nada de comum entre as duas partes o escravo é uma ferramenta viva e a ferramenta é um escravo inanimado Enquanto escravo pois não se pode ser seu amigo mas enquanto homem isso é possível pois parece haver uma certa justiça entre um homem qualquer e outro homem qualquer que tenham condições para participar de um sistema jurídico ou ser partes num ajuste logo pode haver amizade com ele na medida em que é um homem Por conseguinte embora nas tiranias mal existam a amizade e a justiça nas democracias elas têm uma existência mais plena pois onde há igualdade entre os cidadãos estes possuem muito em comum 12 Como dissemos109 pois toda a forma de amizade envolve associação Poder seia no entanto distinguir das outras a amizade dos familiares e a dos camaradas As dos concidadãos contribais companheiros de viagem etc se assemelham mais às amizades de associação pois parecem repousar sobre uma espécie de pacto Nesta classe poderíamos incluir a amizade entre hóspede e hospedeiro A própria amizade dos familiares embora seja de várias espécies parece depender em todos os casos da amizade paternofilial porquanto os pais amam os filhos como partes de si mesmos e os filhos amam os pais por serem algo que se originou deles Ora 1 os pais conhecem os filhos melhor do que estes se conhecem como seus filhos e 2 o procriador sente os filhos como seus mais do que os filhos sentem os pais como seus pois o produto pertence a quem o produziu como por exemplo um dente um fio de cabelo ou qualquer outra coisa pertence ao seu dono mas o produtor não pertence ao seu produto ou pertence em menor grau E finalmente 3 o tempo decorrido contribui para o mesmo resultado os pais amam os filhos desde que estes nascem mas os filhos começam a amar os pais só depois de algum tempo quando adquiram entendimento ou o poder de discriminação pelos sentidos Por isso tudo se evidencia também a razão de ser o amor das mães maior que o dos pais Pai e mãe amam portanto os seus filhos como a si mesmos pois estes em virtude de sua existência separada são como que outros eus enquanto os filhos amam os pais por terem nascido deles e os irmãos amam uns aos outros por se originarem dos mesmos pais já que a sua identidade com estes os torna idênticos entre si e por isso se fala em ser do mesmo sangue do mesmo tronco e assim 109 1159 b 2932 N do T por diante Em certo sentido pois são a mesma coisa embora existam como indivíduos separados Duas coisas que muito contribuem para a amizade são a educação em comum e a semelhança de idade pois pessoas da mesma idade se dão bem e os que se criaram juntos tendem a viver em camaradagem e é por isso que a amizade dos irmãos se assemelha à dos camaradas E entre primos e outros parentes existe um laço derivado do fraterno isto é de provirem dos mesmos pais Aproximamse e distanciamse uns dos outros proporcionalmente à proximidade ou distância do progenitor comum A amizade dos filhos pelos pais e dos homens pelos deuses é a que se tem para com algo de bom e superior pois eles lhes dispensaram os maiores benefícios dandolhes o ser a alimentação e a educação desde que nasceram E essa espécie de amizade também é aprazível e útil mais do que a amizade entre estranhos uma vez que tais pessoas convivem mais entre si A amizade de irmãos tem as características observadas na amizade entre camaradas especialmente quando estes são bons e de modo geral entre pessoas semelhantes umas às outras porquanto eles vivem em comum e se amam desde que nasceram e já que os filhos dos mesmos pais tendo crescido juntos e recebido a mesma educação têm maior semelhança de caráter e no seu caso a prova do tempo foi aplicada de maneira mais completa e concludente Entre outros graus de parentesco as relações amigáveis são encontradas nas proporções correspondentes Entre marido e mulher a amizade parece existir por natureza pois a espécie humana se inclina naturalmente a formar casais mais do que a formar cidades já que a família é anterior à cidade e mais necessária do que esta e a reprodução é comum ao homem e aos animais Entre os outros animais a união vai apenas até esse ponto mas os seres humanos vivem juntos não só para reproduzirse senão também para os vários propósitos da vida E desde o começo são divididas as funções diferindo entre si as do homem e as da mulher e ajudam eles um ao outro fazendo capital comum de seus dotes individuais Por tais motivos tanto a utilidade como o prazer parecem ser encontrados nessa espécie de amizade Pode ela no entanto basearse também na virtude se as partes são boas pois cada uma possui a sua virtude própria e ambas se deleitam nisso E os filhos constituem um laço de união motivo pelo qual os casais sem filhos separamse mais facilmente porquanto os filhos são um bem comum a ambos e o que ambos possuem em comum os conserva unidos Como devem portarse um para com o outro marido e mulher e de um modo geral amigo com amigo parece ser a mesma questão que a de determinar qual seja a sua conduta justa porque um homem não parece ter os mesmos deveres para com um amigo um estranho um camarada e um condiscípulo Existem três espécies de amizade como dissemos no começo de nossa investigação110 e com respeito a cada uma delas alguns são amigos em termos de igualdade e outros em virtude de uma superioridade pois não só homens igualmente bons podem tornarse amigos mas um homem melhor pode fazer amizade com outro pior e também nas amizades que se baseiam no prazer ou na utilidade os amigos podem ser iguais ou desiguais quanto aos benefícios que conferem Assim sendo os iguais devem ser amigos numa base de igualdade quanto ao amor e a todos os outros respeitos ao passo que os desiguais devem beneficiarse proporcionalmente à sua superioridade ou inferioridade As queixas e censuras surgem unicamente ou principalmente nas amizades que se baseiam na utilidade e isso está conforme ao que seria de esperar Com efeito os que são amigos com base na virtude anseiam por fazer bem um ao outro pois que isso é uma marca de virtude e de amizade e entre homens que emulam entre si nessas coisas não pode haver queixas nem disputas Ninguém é ofendido por um homem que o ama e lhe faz bem e se é uma pessoa de nobres sentimentos vingase fazendo bem ao outro E o homem que supera o outro nos serviços prestados não se queixará do seu amigo visto que obtém aquilo que tinha em vista com efeito cada um deles deseja o que é bom E tampouco nas amizades 110 1156 a 7 NdoT baseadas no prazer surgem muitas queixas porque ambos recebem simultaneamente o que desejam se se comprazem em passar o tempo juntos e mesmo o homem que se queixasse de outro por não lhe proporcionar prazer seria ridículo uma vez que depende dele não passar seus dias em companhia desse outro Mas a amizade que se baseia na utilidade é repleta de queixas porquanto como cada um se utiliza do outro em seu próprio benefício sempre querem lucrar na transação e pensam que saíram prejudicados e censuram seus amigos porque não recebem tudo o que necessitam e merecem e os que fazem bem a outros não podem ajudálos tanto quanto eles querem Ora é de supor que sendo a justiça de duas espécies uma não escrita e a outra legal haja também uma espécie moral e outra legal de amizade baseada na utilidade E assim as queixas surgem principalmente quando os homens não dissolvem a relação dentro do espírito do mesmo tipo de amizade em que a contraíram O tipo legal é aquele que assenta sobre termos definidos Sua variedade puramente comercial baseiase no pagamento imediato enquanto a variedade mais liberal dá uma certa margem de tempo mas estipula uma troca definida Nesta variedade a dívida é clara e não ambígua mas a sua protelação contém um elemento de amizade e por isso alguns Estados não admitem ações judiciais em torno de tais acordos mas pensam que os homens que transacionaram numa base de crédito devem aceitar as conseqüências O tipo moral não assenta em termos fixos Faz uma dádiva ou o que quer que seja como se fosse a um amigo mas espera receber outro tanto ou mais como se não tivesse dado e sim emprestado e se a situação de um deles é pior após dissolverse a relação do que antes de havêla contraído esse homem se queixará Isso acontece porque todos os homens ou a maioria deles desejam o que é nobre mas escolhem o que é vantajoso ora é nobre fazer bem a um outro sem visar a qualquer compensação mas receber benefícios é que é vantajoso amizade se dissolve Não só o homem melhor pensa que lhe cabe receber mais de vez que um homem bom faz jus a mais como o mais útil espera a mesma coisa E dizem que um homem inútil não deve receber tanto quanto eles visto que nesse caso a amizade deixa de ser amizade para converterse num serviço público quando os seus proveitos não correspondem ao valor dos benefícios conferidos Porque tais pessoas pensam que assim como numa sociedade comercial os que entram com mais devem ganhar mais o mesmo deve suceder na amizade Mas o homem que se encontra em estado de necessidade e inferioridade faz a reivindicação contrária pensa que é próprio de um bom amigo ajudar os necessitados De que serviria diz ele ser amigo de um homem bom ou poderoso se não se tirasse nenhum proveito disso Seja como for parece que cada parte é justificada na sua asserção e que cada um deveria tirar mais vantagem da amizade do que o outro não maior quantidade da mesma coisa porém mas o superior em honra e o inferior em ganho porquanto a honra é o prêmio da virtude e da beneficência enquanto o ganho é a ajuda de que necessita a inferioridade O mesmo parece suceder nas disposições constitucionais o homem que não contribui com nada para o bem comum não é honrado pois o que pertence ao público é dado a quem o beneficia e a honra pertence ao público Não é possível receber ao mesmo tempo riqueza e honra do patrimônio comum Com efeito ninguém se conforma em receber a parte menor em todas as coisas destarte ao homem que perde a riqueza conferese honra e riqueza ao que consente em ser pago já que a proporção ao mérito iguala as partes e preserva a amizade como dissemos111 É também essa portanto a maneira pela qual nos deveríamos associar com desiguais o homem que é beneficiado com respeito à riqueza ou à virtude deve retribuir com honra compensando o outro na medida de suas capacidades Porquanto a amizade pede a um homem que faça o que pode e não o que é 111 1162 a 34 1162 b 4 cf 1158 b 27 1159 a 35 1159b3N doT proporcional aos méritos do caso já que isso nem sempre é possível como por exemplo nas honras prestadas aos deuses ou aos pais Com efeito ninguém jamais lhes poderia pagar o equivalente do que recebe mas o homem que os serve na medida de suas capacidades é considerado um homem bom Eis aí por que não parece lícito a um homem repudiar seu pai embora o pai possa repudiar o filho Como devedor que é deve pagar mas nada do que um filho possa fazer equivalerá ao que recebeu de modo que ele continua sempre em dívida Mas assim como os credores podem perdoar uma dívida também um pai pode fazêlo E por outro lado pensase que ninguém repudiaria um filho que não fosse profundamente perverso porque além da amizade natural entre pai e filho é próprio da natureza humana não enjeitar a ajuda de um filho Mas este se de fato é perverso evitará ajudar o pai ou não fará muita questão disso porquanto a maioria deseja receber benefícios mas evita fazêlos como coisa que não compensa Sobre estas questões dissemos o suficiente LIVRO IX 1 Em todas as amizades entre dessemelhantes é como dissemos112 a proporção que iguala as partes e preserva a amizade Por exemplo na forma política de amizade o sapateiro recebe uma compensação pelos seus produtos na proporção do que eles valem e o mesmo sucede com o tecelão e outros artífices Ora aqui foi estabelecida uma medida comum sob a forma de dinheiro à qual tudo é referido e pela qual tudo se mede Mas na amizade entre amantes por vezes o amante se queixa de que o seu excesso de amor não é recompensado com amor embora não tenha nada talvez que o faça digno de ser amado enquanto o amado se queixa com freqüência de que o amante que outrora lhe prometia tudo agora não cumpre nada Tais incidentes acontecem quando o amante ama o amado com vistas no prazer enquanto o amado ama o amante com vistas na utilidade e nenhum dos dois possui as qualidades que deles se esperam Se tais são os objetivos 112 Cf 1132 b 3133 1158 b 27 1159 a 35 159 b 3 1162 a 34 1162 b 4 1 163 b 11 N do T da amizade esta se dissolve quando os dois não obtêm as coisas que constituíam os motivos de seu amor porquanto nenhum deles amava o outro por si mesmo mas apenas as suas qualidades e estas não eram duradouras Eis aí por que essas amizades também são passageiras Mas o amor dos caracteres como dissemos113 perdura porque só depende de si mesmo Surgem desentendimentos quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam pois é então como se nada tivessem obtido Vejase a história do homem que fez trato com um citarista prometendo darlhe tanto mais quanto melhor cantasse mas pela manhã quando o outro reclamou o cumprimento da promessa ele respondeu que havia retribuído prazer com prazer Ora se fosse prazer o que ambos queriam tudo estaria bem mas se um queria prazer enquanto o outro queria ganho e um recebeu o que queria mas o outro não os termos da transação não foram devidamente cumpridos pois o que cada um necessita é aquilo a que se aplica e é em troca disso que dá o que tem Mas quem fixará o valor do serviço o que se sacrifica ou o que alcança a vantagem Seja como for o outro parece deixar a decisão com ele Era assim segundo se conta que Protágoras costumava proceder toda vez que ensinava uma coisa qualquer mandava o aluno estimar o valor do conhecimento e aceitava a quantia que ele tivesse fixado Mas em tais assuntos alguns aprovam o aforismo Que cada um tenha a sua recompensa fixa114 Os que tendo recebido o dinheiro com antecipação não fazem nada do que haviam prometido por causa da extravagância de suas promessas são naturalmente objetos de queixa porque não cumprem o que pactuaram fazer Os sofistas são talvez forçados a agir assim porque ninguém lhes daria dinheiro em troca das coisas que eles realmente sabem Essas pessoas por conseguinte se não fazem aquilo para que foram pagas são naturalmente objetos de queixa 113 1156 b 912 N doT 114 Hesíodo Trabalhos e Dias 370 Rzach N doT Mas quando não há contrato de serviço aqueles que renunciam a alguma coisa no interesse da outra parte não podem como dissemos115 ser acusados porquanto essa é a natureza da amizade baseada na virtude e a retribuição lhes deve ser feita de acordo com o seu propósito pois o propósito é o que caracteriza tanto um amigo como a virtude E da mesma forma segundo parece deveriam ser retribuídos aqueles com quem estudamos filosofia pois o seu valor não pode ser medido pelo dinheiro nem há honra que esteja à altura de seus serviços entretanto é talvez suficiente como no caso dos deuses e de nossos pais darlhes aquilo que podemos Se a dádiva não era dessa espécie mas foi feita com a mira na retribuição é certamente preferível que se retribua de maneira que pareça justa a ambas as partes mas se isso não for possível não apenas será necessário mas também justo que o primeiro beneficiado fixe a recompensa Com I efeito se o outro receber em troca o equivalente da vantagem auferida por ele ou o preço que teria pago pelo prazer terá recebido o que é justo da parte do primeiro beneficiado Vemos acontecer o mesmo com as coisas que são postas à venda e em alguns lugares a lei proscreve as demandas originadas de contratos voluntários partindo do princípio de que cada um deve ajustar suas contas com aqueles a quem deu crédito dentro do mesmo espírito em que transacionou com eles A lei considera mais justo que as condições sejam fixadas pelo homem a quem se concedeu crédito do que pelo outro pois que a maioria das coisas não são estimadas no mesmo valor pelos que as possuem e pelos que necessitam delas Cada classe dá grande valor ao que é seu e que ela oferece não obstante a retribuição é feita nos termos fixados pelo que recebe Mas sem dúvida este deve avaliar uma coisa não pelo que lhe parece valer quando a possui e sim pelo valor que lhe atribuía antes de possuíla 2 Outro problema é levantado por perguntas do gênero das seguintes Devemos dar preferência em todas as coisas a nosso pai e obedecerlhe ou 115 1162 b 613 N do T depositar nossa confiança num médico quando estamos doentes e escolher um homem de tirocínio militar quando nos compete eleger um general E analogamente devemos prestar serviço de preferência a um amigo ou a um homem bom e mostrarnos gratos a um benfeitor ou obsequiar um amigo se não for possível fazer ambas as coisas Não é verdade que todas essas questões são difíceis de resolver com precisão Porquanto elas admitem variações de toda sorte tanto com respeito à magnitude do serviço como à sua nobreza e à sua necessidade Mas que não devemos dar preferência em todas as coisas à mesma pessoa é bastante claro e em geral é mais certo retribuir benefícios do que obsequiar amigos e antes de fazer um empréstimo a um amigo devemos pagar o nosso credor Mas talvez nem isto seja sempre verdadeiro por exemplo deve um homem que foi resgatado das mãos de bandidos resgatar em troca o que o libertou seja ele quem for ou pagarlhe se ele não foi capturado mas exige pagamento ou em vez disso deve resgatar o seu pai Dirseia que o certo é resgatar o pai mesmo de preferência a si próprio Como dissemos116 pois em geral a dívida deve ser paga mas se a dádiva é extremamente nobre ou necessária cumpre atender também a estas considerações Porque às vezes nem sequer é justo retribuir com o equivalente do que recebemos quando uma das partes prestou serviço a um homem que sabe ser bom enquanto a outra retribui a alguém que acredita ser mau E às vezes não devemos emprestar a quem nos fez um empréstimo pois o primeiro emprestou a um homem bom esperando reaver o seu empréstimo enquanto o outro não tem esperança de ser pago por alguém que passa por ser mau Portanto se isto é a verdade a exigência não é justa e se não é mas acreditase que seja ninguém consideraria estranha a recusa Como acentuamos muitas vezes117 as discussões a respeito de sentimentos e ações são tão definidas ou indefinidas quanto os seus objetos 116 1164b 31 1165 a 2 NdoT 117 1094 b 1127 1098 a 2629 1103 b 34 1104 a 5NdoT Que não devemos fazer a mesma retribuição a cada um nem dar a um pai a preferência em todas as coisas assim como não oferecemos todos os sacrifícios a Zeus é suficientemente claro Mas como devemos prestar coisas diferentes aos pais aos irmãos aos camaradas e aos benfeitores a cada classe devemos prestar o que for apropriado e decoroso E isso é o que as pessoas parecem realmente fazer Para as bodas convidam os parentes pois estes fazem parte da família e por conseguinte participam também dos acontecimentos que a afetam e por ocasião dos enterros também consideram apropriado que se reúnam os parentes antes de mais ninguém pela mesma razão No que toca aos alimentos pensase que devemos ajudar nossos pais antes de qualquer outro pois que deles recebemos outrora o nosso sustento e é mais honroso ajudar a esse respeito os autores de nosso ser mesmo de preferência a nós próprios E também devemos honrar nossos pais como honramos os deuses porém não lhes prestar toda e qualquer honra acresce que as mesmas honras não convém ao pai e à mãe nem se lhes deve dar as que se costuma conferir a um filósofo ou um general e sim as que são devidas a um pai ou a uma mãe A todas as pessoas mais velhas igualmente devem ser prestadas as honras que convém à sua idade erguendonos para recebêlas procurando lugares para elas etc ao passo que aos camaradas e amigos devemos dar a liberdade de expressarse e o uso de todas as coisas em comum E também aos parentes aos contribais aos concidadãos e a cada uma das outras classes devese sempre procurar prestar o que for apropriado e comparar os direitos de cada classe com respeito à proximidade de relação e à virtude ou necessidade A comparação é mais fácil quando as pessoas pertencem à mesma classe e mais trabalhosa quando são diferentes Nem por isso devemos furtarnos à tarefa mas cumprenos decidir a questão como melhor pudermos 3 Outra questão que se apresenta é sobre se convém ou não romper a amizade quando a outra parte não permanece a mesma Talvez se possa dizer que não há nada de estranho em romper uma amizade baseada na utilidade ou no prazer quando nossos amigos já não possuem tais atributos Pois foi por causa destes que nos tornamos amigos e quando eles deixam de existir é razoável que não se sinta mais amor Mas poderíamos queixarnos de um outro se tendonos ele amado pela nossa utilidade ou aprazibilidade simulou amarnos pelo nosso caráter Porque como dissemos no começo118 as mais das vezes surgem os desentendimentos entre amigos quando não são amigos dentro do espírito em que pensam sêlo E assim quando um homem iludiu a si mesmo julgando que era amado pelo seu caráter e isso não correspondia em absoluto à verdade não pode ele censurar a ninguém senão a si próprio mas quando foi iludido pelas simulações da outra pessoa é justo que se queixe de quem o enganou mais justo até do que quando nos queixamos de falsificadores de moedas porquanto o mal diz respeito a uma coisa mais valiosa Mas quando aceitamos um homem como bom e ele se revela e patenteia mau devemos continuar a amálo Isso é certamente impossível visto que não se podem amar todas as coisas mas apenas o que é bom O que é mau nem pode nem deve ser amado pois ninguém tem o dever de amar o mau nem de tornarse semelhante a ele e já temos dito119 que o semelhante é caro ao semelhante Deve então ser a amizade imediatamente rompida Ou não será assim em todos os casos mas apenas quando nossos amigos são incuráveis em sua maldade Se são passíveis de reforma deveríamos antes procurar ajudálos no que toca ao seu caráter ou aos seus bens materiais tanto mais que isso é melhor e mais característico da amizade Mas ninguém acharia estranho que alguém rompesse semelhante amizade pois não era amigo de um homem dessa espécie uma vez que seu amigo mudou e ele não pode salválo é justo que o abandone Mas se um dos amigos permanecesse o mesmo e o outro se tornasse melhor e o ultrapassasse grandemente em virtude deveria o segundo tratar o primeiro como amigo Seguramente isso não é possível A verdade do que dizemos se evidencia sobretudo quando o intervalo é grande como no caso das amizades de 118 1162b 2325 N doT 119 1156 b 1921 1159 b lN do T infância se um dos amigos permaneceu uma criança quanto ao intelecto ao passo que o outro se tornou um homem na inteira acepção da palavra como podem continuar amigos se não aprovam as mesmas coisas nem se deleitam ou contristam com as mesmas coisas Porquanto nem mesmo com respeito um ao outro haverá concordância entre os seus gostos e sem isso como já vimos120 não pode haver amizade pois impossível é viverem os dois juntos Já discutimos porém estes assuntos121 Devemos então conduzirnos para com ele como se nunca tivéssemos sido seu amigo Certamente nos recordaremos de nossa antiga intimidade e como somos de opinião que convém obsequiar nossos amigos de preferência a estranhos também no caso dos que foram nossos amigos devemos levar em consideração a amizade de outrora se o rompimento não se deveu a um excesso de maldade 4 As relações amigáveis com seu semelhante e as marcas pelas quais são definidas as amizades parecem proceder das relações de um homem para consigo mesmo Com efeito 1 definimos um amigo como aquele que deseja e faz ou parece desejar e fazer o bem no interesse de seu amigo ou 2 como aquele que deseja que seu amigo exista e viva por ele mesmo e isso é o que as mães fazem aos seus filhos e o que fazem os amigos que entraram em conflito122 E 3 outros o definem como aquele que vive na companhia de um outro e 4 tem os mesmos gostos que ele ou 5 o que compartilha os pesares e alegrias de seu amigo e isso também é encontrado principalmente nas mães É por alguma destas características que a amizade é definida Ora cada uma delas é verdadeira do homem bom em relação a si mesmo e de todos os outros homens na medida em que se consideram bons a virtude e o homem bom parecem como dissemos123 ser a medida de todas as classes de coisas Com efeito as suas opiniões são harmônicas e ele deseja de toda a sua alma 120 1157 b 2224 N do T 121 Ibid 1724 1158 b 3335 N do T 122 Alguns editores eliminam esta parte final Mas o sentido deve ser Houve uma controvérsia que lhes prejudica a união mas ainda os deixa com boa disposição de um para com o outro N do E 123 1113 a 2233 cf 1099 a 13NdoT as mesmas coisas por conseguinte deseja para si o que é bom e o que parece sêlo e o faz pois é característico do homem bom pôr em prática o bem e assim procede no seu próprio interesse isto é no interesse do elemento intelectual que possui em si e que é considerado como sendo o próprio homem e a si mesmo deseja a vida e a preservação em especial do elemento em virtude do qual ele pensa Porquanto a existência é boa para o homem virtuoso e cada um deseja para si o que é bom ao passo que ninguém desejaria possuir o mundo inteiro se para tanto lhe fosse preciso tornarse uma outra pessoa quanto a isso Deus é quem tem a posse atual do bem Tal homem só deseja essas coisas com a condição de continuar sendo o que é e o elemento pensante parece ser o próprio indivíduo ou sêlo mais do que qualquer outro dos elementos que o formam E ele deseja viver consigo mesmo e o faz com prazer já que se compraz na recordação de seus atos passados e suas esperanças para o futuro são boas e portanto agradáveis Tem do mesmo modo a mente bem provida de objetos de contemplação E sofre e se alegra mais do qualquer outro consigo mesmo porquanto a mesma coisa é sempre dolorosa e a mesma coisa sempre agradável e não uma coisa agora e outra depois Ele não tem por assim dizer nada de que possa arrependerse Logo como cada uma destas características pertence ao homem bom em relação a si mesmo e ele se relaciona para com o seu amigo como para consigo mesmo pois o amigo é um outro eu pensase que a amizade é também um destes atributos e que aqueles que possuem estes atributos são amigos Se há ou não amizade entre um homem e ele mesmo é uma questão que podemos deixar de lado por ora Parece haver amizade na medida em que ele é dois ou mais a julgar pelos atributos da amizade que mencionamos acima e pelo fato de que o extremo da amizade é comparado ao amor que sentimos por nós mesmos Entretanto os atributos mencionados parecem pertencer à maioria dos homens por deploráveis criaturas que eles sejam Devemos então dizer que na medida em que estão satisfeitos consigo e se consideram bons eles participam desses atributos O certo é que nenhum homem radicalmente mau e ímpio os possui ou sequer parece possuílos Não se pode dizer tampouco que as pessoas inferiores os possuam pois tais pessoas não se harmonizam consigo mesmas e apetecem certas coisas mas racionalmente desejam outras Isto é verdadeiro por exemplo dos incontinentes que escolhem em lugar das coisas que eles mesmos julgam boas outras que são agradáveis mas perniciosas enquanto outras pessoas ainda por covardia e indolência se esquivam de fazer o que consideram melhor para elas próprias E os que cometeram muitos atos abomináveis e são odiados pela sua maldade esquivamse à própria vida e destroem a si mesmos E os maus buscam outras pessoas com quem passar os seus dias e fugir de si mesmos pois lembramse de muitos crimes e prevêem outros semelhantes quando estão sozinhos mas esquecemnos quando têm companhia E não possuindo em si nada de louvável não sentem nenhum amor por si mesmos Por isso tais homens tampouco se alegram ou sofrem consigo próprios porquanto a sua alma é dilacerada por forças contrárias e um dos elementos que a constituem em razão da sua maldade sofre quando se abstém de certos atos enquanto a outra parte se rejubila e uma delas o arrasta numa direção e a outra na direção contrária como se o quisessem esquartejar Se um homem não pode sentir dor e prazer ao mesmo tempo pelo menos ao cabo de alguns instantes sofre porque sentiu prazer e desejaria que tais coisas não lhe fossem agradáveis porque os maus têm a alma pejada de arrependimento Por esses motivos o homem mau não parece amigavelmente disposto sequer para consigo mesmo uma vez que nele não existe nada digno de amor De modo que se ter semelhante índole é ser a mais desgraçada das criaturas devemos envidar todos os esforços para evitar a maldade e procurar ser bons porque só assim poderemos ser amigos de nós mesmos e dos outros 5 A benevolência é uma espécie de relação amigável mas não se identifica com a amizade pois que tanto podemos sentila para com pessoas a quem não conhecemos como sem que elas próprias o saibam ao passo que com a amizade não sucede assim Isto aliás já ficou dito atrás124 Mas a benevolência não é sequer um sentimento amistoso já que não envolve intensidade ou desejo enquanto o sentimento de amizade é acompanhado desses elementos Além disso amizade implica intimidade enquanto a benevolência pode surgir repentinamente como acontece para com os adversários numa competição sentimos benevolência para com eles e compartilhamos os seus desejos mas não cooperaríamos em nada com eles porque como dizíamos esse sentimento nos vem de súbito e nós só os amamos superficialmente A benevolência parece pois ser um começo de amizade como o prazer dos olhos é o começo do amor Porque ninguém ama se não se deleitou de início com a forma do ser amado mas nem por isso o que se deleita com a forma de um outro o ama é também preciso que sinta a sua falta quando está ausente e que anseie pela sua presença Do mesmo modo não é possível que duas pessoas sejam amigas se antes não sentiram benevolência uma para com a outra mas pelo simples fato de sentirem benevolência não se pode dizer que sejam amigas porquanto apenas desejam bem ao outro mas não cooperariam em nada com ele nem se dariam ao trabalho de ajudálo E assim por uma extensão do termo amizade poderseia dizer que a benevolência é uma amizade inativa se bem que passe a ser amizade verdadeira quando se prolonga e chega ao ponto da intimidade Não se trata aqui porém da amizade baseada na utilidade nem da que tem por objeto o prazer pois tampouco a benevolência surge em tais condições O homem que recebeu um benefício retribui com benevolência e nisso não faz senão o que é justo enquanto o que deseja a prosperidade de alguém porque espera enriquecer através dele não parece sentir benevolência para com tal pessoa mas antes para consigo mesmo assim como um homem não é amigo de outro se o estima apenas por causa de algum proveito que possa tirar dele Em geral a benevolência surge em virtude de alguma excelência ou mérito quando um homem 124 1155 b 32 1156a5N do T parece a outro belo bravo ou algo de semelhante como fizemos ver no caso dos adversários numa competição 6 A unanimidade também parece ser uma relação amigável Por este motivo não é ela identidade de opinião a qual poderia ocorrer mesmo entre pessoas que não se conhecem E tampouco dizemos que os que têm a mesma opinião sobre todo e qualquer assunto sejam unânimes como por exemplo os que concordam no tocante aos corpos celestes pois a unanimidade a esse respeito não é uma relação amigável mas dizemos que uma cidade é unânime quando os homens têm a mesma opinião sobre o que é de seu interesse escolhem as mesmas ações e fazem em comum o que resolveram É portanto a respeito das coisas a fazer que se diz que as pessoas são unânimes e entre elas dos assuntos importantes em que é possível a ambas ou a todas as partes obterem o que pretendem por exemplo uma cidade é unânime quando todos os cidadãos pensam que os seus cargos públicos devem ser eletivos ou que convém fazer aliança com Esparta ou que Pítaco deve governála numa ocasião em que o próprio Pítaco também deseje governar Mas quando cada uma de duas pessoas deseja para si a posse da coisa em questão como os capitães nas Fenícia125 elas entram em choque porquanto não há unanimidade quando cada uma das partes pensa na mesma coisa seja ela qual for mas apenas quando pensam na mesma coisa nas mesmas mãos por exemplo quando tanto o povo como os da classe superior desejam que os melhores homens governem porque assim e só assim todos alcançarão o que pretendem A unanimidade parece pois ser a amizade política como de fato é geralmente considerada pois ela versa sobre coisas que são de nosso interesse e que têm influência em nossa vida Ora uma tal unanimidade é encontrada entre os homens bons pois estes são unânimes tanto consigo mesmos como uns com os outros e têm por assim dizer 125 Eurípides As Virgens Fenícias 588 ss N do T um só pensamento já que os desejos de tais homens são constantes e não estão à mercê de correntes contrárias como um estreito de mar e desejam o que é justo e vantajoso e esses são os objetos de seus esforços comuns Mas os homens maus não podem ser unânimes a não ser dentro de limites muito reduzidos como tampouco podem ser amigos visto que ambicionam mais do que o seu quinhão justo de vantagens enquanto no trabalho e no serviço público ficam muito aquém da parte que lhes compete E cada homem desejando vantagens para si mesmo critica o seu vizinho e lhe faz obstáculo porque se as pessoas não forem vigilantes o patrimônio comum não tardará a ser completamente demolido Daí resulta encontraremse em estado de luta procurando coagir uns aos outros sem que ninguém se disponha a fazer o que é justo 7 Os benfeitores segundo se pensa amam aqueles a quem fizeram bem mais do que estes os amam e discutese este ponto como se fosse paradoxal A maioria julga que isso acontece porque os segundos se encontram na posição de devedores e os primeiros de credores e por conseguinte assim como os que tomaram dinheiro emprestado desejam que os seus credores não existissem ao passo que estes chegam a zelar pela segurança de seus devedores também se pensa que os benfeitores desejam longa vida aos objetos de suas boas ações pois desse modo poderão contar com a gratidão deles enquanto os beneficiários não se interessam em lhes retribuir dessa forma Epicarno acharia talvez que eles falam assim porque olham as coisas pelo lado mau126 mas isso é muito próprio da natureza humana porque a maioria das pessoas têm a memória curta e antes desejam ser bem tratadas do que tratar bem ao próximo Mas a causa parece ter raízes mais profundas na natureza das coisas e o caso dos que emprestaram dinheiro nem sequer apresenta analogia com este Com efeito os credores não têm nenhum sentimento amistoso para com os seus devedores mas apenas desejam vêlos em segurança por causa do que têm a 126 Fragmento 146 Kaibel N do T receber deles enquanto os que prestaram um serviço a outrem sentem amizade e amor por aqueles a quem serviram mesmo que estes não lhes sejam de nenhuma utilidade nem jamais possam vir a sêlo É o que acontece também com os artífices por exemplo cada um ama o trabalho saído de suas mãos muito mais do que o amaria este se pudesse adquirir vida E mais que ninguém talvez os poetas que devotam excessivo amor aos seus poemas idolatrandoos como se fossem seus filhos A posição dos benfeitores é semelhante a pessoa a quem fizeram bem é como se fosse sua obra que eles amam mais do que a obra ama o seu artífice Isso porque a existência é para todos os homens uma coisa digna de ser escolhida e amada ora nós existimos em virtude da atividade isto é vivendo e agindo e a obra é em certo sentido uma produtora de atividade portanto o artífice ama a sua obra porque ama a existência E isso tem raízes profundas na natureza das coisas pois o que ele é em potência sua obra o manifesta em ato Ao mesmo tempo para o benfeitor é nobre aquilo que depende da sua ação E assim se deleita com o objeto da sua ação enquanto o paciente não vê nada de nobre no agente mas no máximo algo de vantajoso e isso é menos agradável e estimável O que é agradável é a atividade do presente a esperança do futuro e a memória do passado mais agradável que tudo porém e também mais estimável é o que depende da atividade Ora para o homem que fez alguma coisa a sua obra permanece pois o nobre é duradouro mas para aquele que foi objeto da ação a utilidade não tarda a passar E a lembrança das coisas nobres é agradável enquanto a das coisas úteis não costuma sêlo ou o é menos No caso da expectação contudo o contrário disso é que parece ser verdadeiro Acresce que o amor é como a atividade e ser amado assemelhase à passividade e o amor e os seus concomitantes são os atributos dos mais ativos dentre os homens E finalmente todos os homens têm maior amor ao que ganharam como fruto do seu trabalho Por exemplo os que fizeram a sua fortuna amamna mais do que aqueles a quem ela veio por herança e ser bem tratado não parece envolver trabalho enquanto fazer bem a outrem é tarefa laboriosa São estas também as razões por que as mães têm mais amor a seus filhos do que os pais pôlos no mundo lhes custou mais dores e elas sentem mais profundamente que os filhos lhes pertencem Este último ponto parece aplicarse igualmente aos benfeitores 8 Também se discute a questão de se um homem deveria amar acima de tudo a si mesmo ou a alguma outra pessoa São criticados aqueles que amam a si mesmos mais do que a qualquer outra coisa e dáselhes o nome de ególatras que é considerado um epíteto pejorativo e um homem mau parece fazer tudo no seu próprio interesse e isso tanto mais quanto pior ele for É acusado por exemplo de não fazer nada espontaneamente enquanto o homem bom age tendo em vista a honra sacrificando os seus interesses pessoais e isso tanto mais quanto melhor ele for Mas os fatos estão em conflito com estes argumentos o que aliás não é de surpreender Com efeito dizem os homens que deveríamos amar acima de tudo o nosso melhor amigo e o melhor amigo de um homem é aquele que lhe deseja bem por ele mesmo ainda que ninguém venha a ter conhecimento disso e esses atributos são encontrados principalmente na atitude de um homem para consigo mesmo como todos os outros atributos pelos quais é definido um amigo porque como dissemos127 foi a partir desta relação que todas as características da amizade se estenderam aos nossos semelhantes E isto é confirmado pelos provérbios como uma só alma128 os amigos possuem todas as coisas em comum amizade é igualdade e a caridade começa por casa pois todas essas características são encontradas principalmente na relação de um homem para consigo mesmo Ele próprio é o seu melhor amigo e por isso deveria amar a si mesmo acima de tudo É pois razoável indagar qual das duas opiniões seguiremos porque ambas são plausíveis 127 Cap 4 N do T 128 Eurípides Orestes 1046 N do T Talvez convenha distinguir esses argumentos uns dos outros e determinar em que medida e a que respeito cada uma das opiniões é verdadeira Ora a verdade poderá tornarse evidente se apreendermos o sentido em que cada escola usa a expressão amigo de si mesmo Os que a usam como termo de censura atribuem a autofilia aos que abocanham um quinhão maior de riquezas honras e prazeres corporais pois essas são as coisas que a maioria deseja e pelas quais se esforça como se fossem as melhores de todas e também por esse motivo se tornam objetos de competição E os que são cúpidos com respeito a elas satisfazem os seus apetites e de modo geral os seus sentimentos e o elemento irracional de sua alma Ora a maioria dos homens são dessa natureza e esse é o motivo de ser usado o epíteto em tal acepção ele recebe o seu significado do tipo predominante de autofilia que é mau É justo por conseguinte que os homens que amam a si mesmos desse modo sejam objetos de censura E é evidente que a maioria das pessoas costumam chamar amigos de si mesmos aqueles que se dão preferência com respeito a objetos dessa espécie porque se um homem fizesse sempre questão de que ele mesmo acima de todas as coisas agisse com justiça e temperança ou de acordo com qualquer outra virtude e em geral procurasse sempre assumir para si a conduta mais nobre ninguém chamaria amigo de si mesmo a um tal homem e ninguém o censuraria No entanto ele parece ser mais amigo de si mesmo do que o outro Pelo menos atribui a si as coisas mais nobres e melhores satisfaz o elemento mais valioso de sua natureza e obedecelhe em todas as coisas E assim como uma cidade ou qualquer outro todo sistemático é com toda a justiça identificada com o seu elemento mais valioso o mesmo sucede com o indivíduo humano e por conseguinte o homem que ama esse elemento e o satisfaz é mais amigo de si mesmo que qualquer outro Ainda mais dizse que um homem tem ou não tem domínio próprio conforme a razão domine ou deixe de dominar nele o que implica que ela é o próprio homem e as coisas que os homens fazem de acordo com um princípio racional são consideradas mais legitimamente atos seus e atos voluntários É evidente pois que esse é o próprio homem ou que o é mais do que qualquer outra coisa e também que o homem bom ama acima de tudo essa sua parte Donde se segue que ele é no mais legítimo sentido da palavra um amigo de si mesmo e de um tipo diferente daquele que é alvo de censura tanto quanto o viver de acordo com um princípio racional difere do viver segundo os ditames da paixão e desejar o que é nobre de desejar o que parece vantajoso Por isso todos os homens aprovam e louvam os que se ocupam em grau excepcional com ações nobres e se todos ambicionassem o que é nobre e dedicassem o melhor de seus esforços à prática das mais nobres ações todas as coisas concorreriam para o bem comum e cada um obteria para si os maiores bens já que a virtude é o bem maior que existe Portanto o homem bom deve ser amigo de si mesmo pois ele próprio lucrará com a prática de atos nobres ao mesmo tempo que beneficiará os seus semelhantes mas o homem mau não o é porque com o abandono às suas más paixões ofende tanto a si mesmo como aos outros Para o homem mau o que ele faz está em conflito com o que deve fazer enquanto o homem bom faz o que deve porque a razão em cada um dos que a possuem escolhe o que é melhor para si mesma e o homem bom obedece à razão Do homem bom também é verdadeiro dizer que pratica muitos atos no interesse de seus amigos e de sua pátria e se necessário dá a vida por eles Com efeito um tal homem de bom grado renuncia à riqueza às honras e em geral aos bens que são objetos de competição ganhando para si a nobreza visto que prefere um breve período de intenso prazer a uma longa temporada de plácido contentamento doze meses de vida nobre a longos anos de existência prosaica e uma só ação grande e nobre a muitas ações triviais Ora os que morrem por outrem certamente alcançam esse resultado é ele pois um grande prêmio que escolhem para si mesmos Os homens bons também se desfazem de suas riquezas para que os seus amigos possam ganhar mais pois enquanto o amigo de um homem adquire riqueza ele próprio alcança nobreza é a ele portanto que cabe o maior bem O mesmo se pode dizer das honras e cargos públicos tudo isso ele sacrificará ao seu amigo porque tais atos são nobres e louváveis nele Com razão pois é um homem assim considerado bom visto que escolhe a nobreza acima de tudo E pode ele inclusive deixar a ação ao seu amigo em certas ocasiões é mais nobre sermos a causa da ação de um amigo do que agirmos nós mesmos Vese pois que em todos os atos que atraem louvores aos homens o homem bom reserva para si o maior quinhão do que é nobre E neste sentido como já dissemos um homem deve ser amigo de si mesmo porém não no sentido em que a maioria o é 9 Também se discute sobre se o homem feliz necessita ou não de amigos Diz se que os que são sumamente felizes e autosuficientes não precisam deles pois tais pessoas possuem tudo que é bom e autosuficientes como são dispensam o resto enquanto um amigo que é um outro eu prove o que um homem não pode conseguir pelos seus próprios esforços Daí as palavras quando a fortuna nos sorri para que precisamos de amigos129 Mas parece estranho quando se atribui tudo o que é bom ao homem feliz recusarlhe amigos que são considerados os maiores bens exteriores E se é mais próprio de um amigo fazer bem a outrem do que ser beneficiado e se dispensar benefícios é característico do homem bom e da virtude e é mais nobre fazer bem a amigos do que a estranhos o homem bom necessitará de pessoas a quem possa fazer bem E por esta razão se pergunta se necessitamos mais de amigos na prosperidade ou na adversidade subentendendo que não só um homem na 129 Eurípides Orestes 667 N do T adversidade precisa de quem lhe confira benefícios mas também os prósperos necessitam ter a quem fazer bem Não menos estranho seria fazer do homem sumamente feliz um solitário pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade Por isso mesmo o homem bom viverá em companhia de outros visto possuir ele as coisas que são boas por natureza E evidentemente é melhor passar os seus dias com amigos e homens bons do que com estranhos ou a primeira pessoa que apareça Logo o homem feliz necessita de amigos Que significa então a asserção da primeira escola e em que sentido corresponde ela à verdade Darseá o caso de que a maioria dos homens identifiquem os amigos com as pessoas úteis De tais amigos é certo que o homem sumamente feliz não tem necessidade visto já possuir todas as coisas boas e tampouco necessitará daqueles com quem fazemos amizade por causa do prazer que nos proporcionam ou só precisará deles em grau muito restrito pois sendo aprazível a sua vida ele dispensa prazeres adventícios e como não necessita de tais amigos julgase que não necessita de amigos em absoluto Mas isto seguramente não é verdadeiro porquanto no começo130 dissemos que a felicidade é uma atividade e a atividade evidentemente é algo que se faz e que não está presente desde o princípio como uma coisa que nos pertencesse Se 1 a felicidade consiste em viver e em ser ativo e a atividade do homem bom é virtuosa e aprazível em si mesma como dissemos no começo131 e 2 o fato de uma coisa nos pertencer é um dos atributos que a tornam aprazível e 3 podemos contemplar o nosso próximo melhor do que a nós mesmos e suas ações melhor do que as nossas e se as ações dos homens virtuosos que são seus amigos são aprazíveis aos bons visto possuírem ambos os atributos que são naturalmente aprazíveis se assim é o homem sumamente feliz necessitará de amigos dessa 130 1098 a 16 1098 b 31 1099 a 7 N do T 131 1099 a 14 21 N do T espécie já que o seu propósito é contemplar ações dignas e ações que sejam suas e as de um homem bom que seja seu amigo possuem ambas essas qualidades Além disso pensase que o homem feliz deve ter uma vida aprazível Ora se ele vivesse como um solitário a existência lhe seria dura pois não é fácil a quem está sozinho desenvolver uma atividade contínua mas com outros e visando aos outros isso é mais fácil Em companhia de outras pessoas por conseguinte sua atividade será mais contínua e aprazível em si mesma como deve ser para o homem sumamente feliz pois um homem bom enquanto bom deleitase com as ações virtuosas e se entristece com as más assim como o amante da música sente prazer em ouvir belas melodias e se aborrece com as más A companhia dos bons também nos oferece um certo adestramento na virtude como disse Teógnis antes de nós Se aprofundarmos um pouco mais a natureza das coisas um amigo virtuoso parece ser naturalmente desejável a um homem virtuoso Com efeito o que é bom por natureza como dissemos132 é para o homem virtuoso bom e agradável em si mesmo Ora a vida é definida quanto aos animais pelo poder de percepção e quanto ao homem pelo poder de percepção ou de pensamento e um poder é definido com referência à correspondente atividade que é a coisa essencial logo a vida parece ser essencialmente o ato de perceber ou de pensar Ora a vida faz parte das coisas que são boas e aprazíveis em si mesmas visto que ela é determinada e o determinado é da natureza do bom e o que é bom por natureza também é bom para o homem virtuoso por isso a vida parece aprazível a todos os homens Não devemos contudo aplicar este princípio a uma vida má e corrupta nem a uma vida passada entre sofrimentos pois uma tal vida é indeterminada tal qual os seus atributos A natureza da dor se tornará mais clara nas páginas que seguem133 Mas se a vida em si mesma é boa e aprazível o que parece ser verdadeiro pelo próprio fato de a desejarem todos os homens e particularmente os que são bons e sumamente 132 1099 a 711 1113 a 2533 N do T 133 Livro X caps 15 N do T felizes para tais homens a vida é desejável mais que para quaisquer outros e sua existência é feliz no mais alto grau e se quem vê percebe que vê e quem ouve percebe que ouve e quem caminha percebe que caminha e em todas as outras atividades há também alguma coisa que percebe que estamos agindo de modo que se percebemos percebemos que percebemos e se pensamos percebemos que pensamos e se perceber que percebemos ou pensamos é perceber que existimos pois que a existência foi definida como percepção ou pensamento e se perceber que vivemos é em si mesmo uma das coisas aprazíveis pois a vida é boa por natureza e é aprazível perceber em si mesmo a presença do que é bom e se a vida é desejável e particularmente desejável para os homens bons porque para eles a existência é boa e aprazível visto que se comprazem em sentir presente neles o que é bom em si mesmo e se o homem virtuoso é para o seu amigo tal como é para si próprio porquanto o amigo é um outro eu se tudo isso é verdadeiro assim como o seu próprio ser é desejável para cada homem igualmente ou quase igualmente o é o de seu amigo Ora já vimos que o seu ser é desejável porque ele percebe a sua própria bondade e uma tal percepção é agradável em si mesma Ele necessita por conseguinte ter consciência também da existência de seu amigo e isso se verificará se viverem em comum e compartilharem suas discussões e pensamentos pois isso é o que o convívio parece significar no caso do homem e não como para o gado o pastar juntos no mesmo lugar Se portanto o ser é desejável em si mesmo para o homem sumamente feliz visto que é bom e agradável por natureza e o ser de seu amigo é mais ou menos idêntico ao seu um amigo será uma das coisas desejáveis Ora o que é desejável para ele é necessário que o possua sob pena de ser deficiente a esse respeito Para ser feliz o homem necessita portanto de amigos virtuosos 10 Devemos então fazer o maior número possível de amizades ou assim como no tocante à hospitalidade é considerado de bom alvitre não ser homem de muitos convidados nem homem de nenhum134 a regra se aplica também à amizade e um homem não deve viver sem amigos nem ter um número excessivo deles A máxima parece perfeitamente aplicável às amizades que fazemos com vistas na utilidade porque retribuir os serviços de muita gente é coisa trabalhosa e uma vida humana não basta para tanto Logo o excesso de amigos sobre o número suficiente para a nossa existência é supérfluo e constitui um obstáculo à vida nobre de forma que não necessitamos deles Das amizades feitas com vistas no prazer também bastam umas poucas assim como um pouco de tempero na comida é suficiente Mas no que toca aos bons amigos devemos têlos tanto quanto possível ou há um limite para o seu número como há para o tamanho de uma cidade Não se pode fazer uma cidade com dez homens e se estes forem cem mil nem por isso ela será uma cidade Entretanto o número apropriado não é provavelmente uma quantidade fixa mas qualquer que se situe entre dois pontos fixos De modo que para os amigos também existe um número fixo talvez o maior número com que se pode conviver pois essa segundo verificamos135 é considerada como a própria característica da amizade e é evidente que não se pode conviver com muitas pessoas e dividirse entre elas Acresce que essas pessoas também devem ser amigas umas das outras se têm de passar a vida juntas e dificilmente tal condição será preenchida com um número elevado de indivíduos E tampouco é fácil compartilhar as alegrias e os pesares íntimos de muita gente pois isso importaria em sentirse feliz com um amigo e em contristarse com outro simultaneamente Parece pois que convém não procurar ter o maior número possível de amigos mas apenas tantos quantos forem suficientes para os fins do convívio pois ser um grande amigo de muitas pessoas é coisa que se afigura impossível Por essa mesma razão não podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo O ideal do 134 Hesíodo Trabalhos e Dias 750 Rzach N do T 135 1157 b 1158 a3 10NdoT amor é ser como que um excesso de amizade e isso só se pode sentir por uma pessoa donde se segue que também só podemos sentir uma grande amizade por poucas pessoas Isto parece encontrar confirmação na prática pois são muito raros os casos de um grande número de pessoas que sejam amigas umas das outras no sentido da amizadecamaradagem e as amizades famosas dessa espécie são sempre entre duas pessoas Os que têm muitos amigos e mantêm intimidade com eles passam por não ser amigos de ninguém salvo dentro dos limites apropriados a concidadãos e tais pessoas são também chamadas obsequiosas Dentro dos limites apropriados a concidadãos em verdade é possível ser amigo de muitos sem contudo ser obsequioso mas um homem genuinamente bom Por outro lado não se pode manter com muitas pessoas a espécie de amizade que se baseia na virtude e no caráter de nossos amigos e devemos darnos por felizes se encontrarmos uns poucos dessa espécie 11 Necessitamos mais de amigos na prosperidade ou na adversidade Tanto numa como na outra situação eles são procurados porque se na adversidade os homens precisam de ajuda na prosperidade necessitam pessoas com quem conviver e às quais fazer objetos de sua beneficência já que desejam fazer bem a outrem A amizade é pois mais necessária na adversidade e por esse motivo são os amigos úteis que buscamos em tal caso na prosperidade pelo contrário ela é mais nobre e então buscamos também homens bons para serem nossos amigos visto que é mais desejável fazer bem a eles e com eles conviver Com efeito a própria presença dos amigos é aprazível tanto na boa como na má fortuna já que nossa dor é menor quando eles a compartilham conosco E assim poderseia perguntar se eles tomam sobre os seus ombros uma parte do nosso fardo ou se é a presença dos amigos pelo que tem de aprazível e o pensamento de eles se condoerem conosco que aligeiram a nossa dor Quer os motivos sejam esses quer algum outro é uma questão que podemos pôr de lado seja como for o que descrevemos parece realmente ocorrer Mas a presença dos amigos parece encerrar uma mistura de vários fatores O simples fato de vêlos é agradável especialmente se nos encontramos numa quadra adversa e tornase uma salvaguarda contra o pesar pois um amigo tende a confortarnos tanto pela sua presença como pelas suas palavras se é uma pessoa de tato visto conhecer o nosso caráter e as coisas que nos agradam ou nos contristam Mas vêlos sofrer com nossos infortúnios é doloroso pois todos evitam causar dor a seus amigos Por esse motivo os homens de natureza varonil abstêmse de fazer seus amigos sofrer com eles e a não ser que tenha uma extraordinária insensibilidade à dor um tal homem não pode suportar a dor que causa a seus amigos e em geral não admite companheiros de aflição porque ele próprio não é dado a afligirse Mas as mulheres e os homens mulheris gostam de ter pessoas condoídas ao seu redor e amamnas como amigos e companheiros de pesar Contudo é evidente que em todas as coisas deveríamos procurar imitar o melhor tipo de pessoa Por outro lado a presença de amigos na prosperidade tanto implica um modo aprazível de passar o tempo como o prazer de vêlos felizes com a nossa boa fortuna Segundo parece pois deveríamos convocar sem demora os nossos amigos a compartilhar a nossa ventura pois as pessoas de caráter benfazejo são nobres mas hesitar em chamálos nos dias de infortúnio pois que de nossos males devemos darlhes uma parte tão pequena quanto possível donde a frase já basta o meu infortúnio136 Acima de tudo devemos chamar nossos amigos quando eles podem sem grande trabalho prestarnos um grande serviço Inversamente é decoroso acorrer sem ser convidado em auxílio dos que foram colhidos pela adversidade pois é característico de um amigo prestar serviços e especialmente aos que deles necessitam e que não os solicitaram uma tal ação é mais nobre e mais aprazível a ambos mas quando nossos amigos são prósperos 136 Fragmentos Anônimos 76 Nauck N do T não devemos hesitar em compartilhar de suas atividades porquanto eles precisam de amigos também para isso nem nos apressurarmos quando se trata de ser beneficiados por eles porque não é nobre mostrarse ávido de receber benefícios Ainda assim convém evitar a reputação de desmanchaprazeres a que nos exporemos se os repelirmos pois isso algumas vezes acontece Em conclusão a presença de amigos parece ser desejável em todas as circunstâncias 12 Não se segue daí que assim como para os amantes a vista do ser amado é a coisa que maior deleite lhes causa e preferem esse sentido aos outros porque é dele que mais depende tanto a existência como a origem do amor também para os amigos a mais desejável de todas as coisas é o convívio Porque a amizade é uma parceria e tal é um homem para si mesmo tal é para o seu amigo ora para ele a consciência do seu ser é desejável e também o é por conseguinte a consciência do ser de seu amigo e essa consciência tornase ativa quando eles convivem Por isso é natural que busquem o convívio E daquilo que a existência significa para cada classe de homens daquilo que para eles dá valor à vida disso mesmo desejam ocuparse em companhia de seus amigos Por isso alguns bebem juntos outros jogam dados juntos outros associam se nos exercícios atléticos na caça ou no estudo da filosofia cada classe de homens passando os dias entregue em mútua companhia às ocupações que mais ama na vida porque visto como desejam viver com seus amigos fazem e compartilham aquelas coisas que lhes dão o sentimento de viverem juntos E assim a amizade dos maus mostra ser uma péssima coisa porque em razão da sua instabilidade coligamse em ocupações más além de piorar cada um pelo fato de se tornar semelhante aos outros enquanto a amizade dos homens bons é boa porque cresce com o companheirismo E pensase que eles se tornam também melhores graças às suas atividades e à boa influência que uns têm sobre os outros pois cada um recebe dos demais o modelo das características que aprova e daí a frase aprender ações nobres de homens nobres137 Basta pois quanto à amizade Nossa próxima tarefa será discutir o prazer LIVRO X 1 Depois destes assuntos devemos talvez passar à discussão do prazer Com efeito julgase que ele está intimamente relacionado com a nossa natureza humana e por essa razão ao educar os jovens nós os governamos com os lemes do prazer e da dor E também se pensa que comprazerse com as coisas apropriadas e detestar as que se deve tem a maior influência possível sobre o caráter virtuoso Porque essas coisas nos acompanham durante a vida inteira com um peso e um poder próprios tanto no que toca à virtude como à vida feliz já que os homens escolhem o que é agradável e evitam o que é doloroso e são elas segundo parece as que menos conviria omitir em nossa investigação especialmente por serem objeto de muitas controvérsias Alguns com efeito dizem que o prazer é o bem enquanto outros afirmam pelo contrário que ele é absolutamente mau uns sem dúvida na convicção de que essa é a verdade e outros julgando que terá melhor efeito em nossa vida denunciar o prazer como coisa má ainda que ele não o seja Porquanto a maioria das pessoas pensam eles se inclinam para o prazer e são suas escravas e por isso deveriam ser conduzidas na direção contrária a fim de alcançarem o estado intermediário Mas isso seguramente não é correto Com efeito os argumentos em torno de sentimentos e ações merecem menos confiança do que os fatos e assim quando entram em conflito com os fatos da percepção eles são desprezados ao mesmo tempo que desacreditam a própria verdade se um homem que difama o prazer é surpreendido uma vez a buscálo isso parece provar que ele merece ser preferido a todas as coisas porque a maioria das pessoas não sabe fazer distinções 137 Teógnis 35 N do T Os argumentos verdadeiros afiguramse pois extremamente úteis não só para a ciência mas para a própria vida porque como se harmonizam com os fatos nós lhes damos crédito e destarte estimulam os que os compreendem a viver de acordo com eles Quanto a essas questões basta Passemos agora em revista as opiniões que têm sido expressas a respeito do prazer 2 Eudoxo pensava que o prazer é o bem porque via todos os seres tanto racionais como irracionais tender para ele e porque em todas as coisas aquilo para que se dirige a escolha é excelente e o mais visado pela escolha é o maior dos bens E assim o fato de todas as coisas se moverem para o mesmo objeto indicava que para todas era esse o maior dos bens porque cada coisa argumentava Eudoxo encontra o seu bem próprio da mesma forma que encontra o seu alimento adequado e aquilo que é bom para todas as coisas e a que todas elas visam é o bem por excelência Seus argumentos foram aceitos não tanto por si mesmos como pela excelência do seu caráter Passava por ser um homem de notável autodomínio e por isso se julgava que ele não afirmasse tais coisas como amigo do prazer mas porque essa era a verdade Acreditava Eudoxo quê um estudo do contrário do prazer não conduzia com menos evidência à mesma conclusão assim como a dor é em si mesma um objeto de aversão para todas as coisas o seu contrário deve ser um objeto de preferência Ora o mais genuíno objeto de preferência é aquilo que escolhemos por si mesmo e não por causa de outra coisa ou com vistas nela e o prazer é reconhecidamente dessa natureza pois que ninguém indaga com que fim o sente implicando destarte que ele é em si mesmo um objeto de escolha Além disso Eudoxo argumentava que o prazer quando acrescentado a um bem qualquer como por exemplo à ação justa ou temperante o torna mais digno de escolha e que o bem só pode ser acrescido por si mesmo Este argumento parece mostrar que ele é um dos bens mas que não o é mais do que um outro qualquer pois qualquer bem é mais digno de escolha quando acompanhado de um outro do que quando sozinho E é mesmo por um argumento desta espécie que Platão138 demonstra não ser o bem o prazer Diz ele que a vida aprazível é mais desejável quando acompanhada de sabedoria do que sem ela e que se a mistura é melhor o prazer não é o bem porque o bem não pode tornarse mais desejável pela adição do que quer que seja Ora é claro que não só o prazer mas nenhuma outra coisa pode ser o bem se a adição de uma das coisas que são boas em si mesmas a torna mais desejável Que é então que satisfaz este critério e em que ao mesmo tempo podemos participar É alguma coisa dessa espécie que estamos procurando Há quem objete a isso dizendo que o fim visado por todas as coisas não é necessariamente bom mas podemos estar certos de que tais pessoas não fazem mais do que disparatar Porquanto nós dizemos que aquilo que todos pensam é a verdade e o homem que atacar essa crença não terá outra coisa mais digna de crédito para sustentar em lugar dela Se fossem criaturas irracionais que desejassem as coisas de que falamos talvez houvesse alguma verdade no que eles dizem mas se seres inteligentes também as desejam que sentido pode ter tal opinião Sem embargo talvez mesmo nas criaturas inferiores exista algum bem natural mais forte do que elas e que a oriente para o bem que lhes é próprio Tampouco parece correto o argumento sobre o contrário do prazer Dizem que se a dor é um mal não se segue daí que o prazer seja um bem porque um mal se opõe a outro c ambos ao mesmo tempo se opõem ao estado neutro Ora isto é bastante certo mas não se aplica às coisas de que estamos tratando Porque se tanta o prazer como a dor pertencessem i classe dos males ambos deviam ser objetos de aversão ao passo que se pertencessem à classe das coisas neutras nenhum seria objeto de aversão ou ambos o seriam em igual grau Mas a verdade 138 Filebo 60 N do T evidente é que os homem evitam uma como um mal e escolhem o outro como um bem Essa deve ser portanto a natureza da oposição entre os dois 3 E por outro lado se o prazer não é uma qualidade também não se conclui daí que ele não seja um bem porque tampouco são qualidades a atividade virtuosa nem a felicidade Dizem no entanto que o bem é determinado enquanto o prazer é indeterminado visto admitir graus Ora se é pela observação do sentimento de prazer que pensam assim o mesmo será verdadeiro da justiça e das outras virtudes no tocante às quais dizemos sem hesitar que as pessoas de um certo caráter o são mais ou menos e procedem mais ou menos de acordo com essas virtudes porquanto uma pessoa pode ser mais ou menos corajosa e também é possível agir de maneira mais ou menos justa ou temperante Mas se o juízo desses pensadores se baseia nos diversos prazeres seguramente eles não estão apontando a causa verdadeira se de fato alguns prazeres são estremes e outros mesclados E por outro lado se a saúde admite graus sem ser indeterminada por que não sucederia o mesmo com o prazer A mesma proporção não é encontrada em todas as coisas nem uma determinada proporção sempre na mesma coisa pode ela afrouxar e sem embargo persistir até um certo ponto e pode também diferir em grau Por conseguinte o caso do prazer também pode ser dessa espécie Por outro lado eles alegam139 que o bem é perfeito ao passo que o movimento e as gerações são imperfeitos e procuram mostrar que o prazer é um movimento e uma geração Mas nem mesmo isso parece ser verdade Com efeito pensase que a rapidez e a lentidão são características de todo e qualquer movimento e se um movimento como o dos céus não tem rapidez nem lentidão em si mesmo temnas em relação a outra coisa mas do prazer nada disso é verdadeiro Porquanto se é certo que podemos comprazernos depressa assim como podemos encolerizarnos depressa não é possível sentir prazer depressa embora se possa andar crescer etc rapidamente Em outras palavras podemos passar 139 Platão Filebo 5354 N do T depressa ou lentamente a um estado de prazer porém não mostrar rapidamente a atividade do prazer isto é sentir prazer Ainda mais em que sentido pode ele ser uma geração Não se crê que uma coisa qualquer possa provir de outra coisa qualquer mas que uma coisa se encontra como que dissolvida naquela de que provém e a dor seria a destruição dessa coisa cuja geração seria o prazer Dizem também140 que a dor é a ausência daquilo que é conforme à natureza e que o prazer é o preenchimento dessa falta Mas tais sensações são corporais Se pois o prazer é o preenchimento daquilo que está de acordo com a natureza o que sente prazer será aquilo em que ocorre o preenchimento da falta a saber o corpo Mas não se acredita que seja assim portanto o preenchimento não é prazer embora possamos sentir prazer quando ele ocorre assim como sentiríamos dor ao ser operados Esta doutrina parece basearse nas dores e prazeres associados à nutrição e no fato de que as pessoas que previamente sofreram míngua de alimentos e esta lhes foi dolorosa sentem prazer ao ser preenchida a falta Mas isso não acontece com todos os prazeres os prazeres do aprender e entre os que nos proporcionam os sentidos os do olfato e também muitos sons e sensações visuais além das recordações e das esperanças não pressupõem dor De onde pois se gerariam estes Não havia no seu caso nenhuma falta a preencher Em resposta aos que argumentam com os prazeres vergonhosos podemos dizer que esses não são agradáveis Pelo fato de certas coisas agradarem a pessoas de constituição viciosa não devemos supor que elas também sejam agradáveis a outros assim como não raciocinamos dessa forma a respeito das coisas que são saudáveis doces ou amargas para os doentes nem atribuímos a brancura às que parecem brancas aos que sofrem dos olhos Ou então poderseia responder que os prazeres são desejáveis porém não os provindos dessas fontes assim como a riqueza é desejável porém não como recompensa da traição e como a saúde não o 140 Ibid 313242 N do T é à custa de comer toda e qualquer coisa Ou talvez os prazeres difiram em espécie pois os que provêm de fontes nobres são diferentes daqueles cujas fontes são vis e não se pode sentir o prazer do homem justo sem ser justo nem os prazeres do músico sem ser músico e assim por diante E também o fato de um amigo ser diferente de um adulador parece mostrar com toda a evidência que o prazer não é um bem ou que os prazeres diferem em espécie porque se acredita que um busca o nosso convívio com a mira no bem e o outro visando ao nosso prazer e um é censurado pela sua conduta enquanto o outro é louvado partindose do princípio de que os dois buscam o nosso convívio com finalidades diferentes Além disso ninguém preferiria viver a vida inteira com o intelecto de uma criança por mais prazer que lhe proporcionassem as coisas que agradam às crianças nem comprazerse na prática de algum ato profundamente vergonhoso ainda que jamais tivesse de sofrer em conseqüência Por outro lado há muitas coisas que devemos desejar com todas as veras ainda que não nos tragam nenhum prazer como a vista a memória a ciência a posse das virtudes Não faz diferença que essas coisas sejam necessariamente acompanhadas de prazer deveríamos escolhêlas mesmo que nenhum prazer resultasse daí Parece claro portanto que nem o prazer é o bem nem todo prazer é desejável e que alguns prazeres são realmente desejáveis por si mesmos diferindo eles dos outros em espécie ou quanto às suas fontes Quanto às opiniões correntes a respeito do prazer e da dor é suficiente o que dissemos 4 Verseá com mais clareza o que seja o prazer ou que espécie de coisa seja se tornarmos a examinar a questão partindo do começo A sensação visual parece ser completa em todos os momentos pois não lhe falta nada que surgindo posteriormente venha completarlhe a forma e o prazer também parece ser dessa natureza Porque ele é um todo e jamais se encontra um prazer cuja forma seja completada pelo seu prolongamento Pela mesma razão não é ele um movimento pois todo movimento o de construir por exemplo requer tempo fazse com vistas num fim e fica completo quando realizou a coisa visada Só fica completo por conseguinte quando se encara o tempo na sua totalidade ou no momento final Em suas partes e durante o tempo que estas ocupam todos os movimentos são incompletos e diferem em espécie do movimento inteiro e uns dos outros Com efeito o ajustamento das pedras umas às outras difere da caneladura da coluna e ambas as coisas diferem da construção do templo E a construção é completa pois nada lhe falta com relação ao fim que se tinha em vista mas o preparo da base e do tríglifo é incompleto por ser a produção de uma parte apenas Diferem eles portanto em espécie e em nenhum momento dado é possível encontrar um movimento completo quanto à forma mas só no tempo encarado em sua totalidade O mesmo se pode dizer no tocante ao andar e a todos os outros movimentos Porque se a locomoção é um movimento de um lugar para outro também nela existem diferenças de espécie voar caminhar saltar etc E não é só isso senão que no próprio caminhar existem diferenças de espécie porque o donde e o para onde não são os mesmos na pista de corridas considerada como um todo e em cada uma de suas partes nem nas diversas partes e tampouco é a mesma coisa percorrer esta linha e aquela pois o que se percorre não é apenas uma linha mas uma linha que se encontra em determinado lugar e o lugar desta é diferente do lugar daquela Em outra obra141 discutimos o movimento com precisão mas parece que ele não é completo em todo e qualquer momento e os numerosos movimentos são incompletos e diferentes em espécie já que o donde e o para onde dão a cada um a sua forma própria Mas quanto ao prazer sua forma é completa em todo e qualquer momento É evidente pois que o prazer e o movimento diferem um do outro e o prazer deve ser uma das coisas que são inteiras e completas Isso também 141 Física VIVIII N do T é indicado pelo fato de não ser possível moverse senão dentro do tempo mas sentir prazer sim porquanto aquilo que ocorre num momento é um todo Estas considerações deixam bem claro pois que não têm razão os pensadores segundo os quais há um movimento ou uma geração de prazer pois que movimento e geração não podem ser atribuídos a todas as coisas mas apenas às que são divisíveis e não constituem todos Não há geração da sensação visual nem de um ponto nem de uma unidade nem qualquer destas coisas é um movimento ou uma geração Logo tampouco há movimento ou geração no prazer visto que ele é um todo Já que cada sentido é ativo em relação ao seu objeto e um sentido em condições de higidez age de maneira perfeita em relação aos mais belos dentre os seus objetos pois o ideal da atividade perfeita parece ser desta natureza e tanto faz dizer que ela própria é ativa como o órgão em que reside seguese que no tocante a cada sentido a melhor atividade é a do órgão em melhores condições com relação aos mais belos de seus objetos E essa atividade será a mais completa e a mais aprazível porque existindo embora prazer para cada sentido e não menos para o pensamento e a contemplação o mais completo é o mais aprazível e o de um órgão em boas condições com relação aos mais nobres de seus objetos é o mais completo e o prazer completa a atividade Entretanto ele não a completa da mesma maneira que a combinação de objeto e sentido ambos bons assim como a saúde e o médico não são na mesma acepção as causas de um homem ser sadio É evidente que o prazer pode acompanhar qualquer sentido pois falamos de espetáculos e de sons como sendo agradáveis Não menos evidente é que ele é experimentado acima de tudo quando o sentido se encontra nas melhores condições e em atividade com referência a um objeto apropriado quando tanto o percipiente como o objeto são os melhores possíveis haverá sempre prazer por estarem presentes o agente e o paciente requeridos O prazer completa a atividade não como o faz o estado permanente que lhe corresponde pela imanência mas como um fim que sobrevém como o viço da juventude para os que se encontram na flor da idade Na medida pois em que tanto o objeto inteligível ou sensível como a faculdade discriminadora ou contemplativa forem tais como convém a atividade será acompanhada de prazer pois quando o fator ativo e o passivo se mantêm inalterados e guardam a mesma relação um para com o outro o mesmo resultado seguese naturalmente Como explicar então que ninguém esteja sempre contente Darseá o caso de que nos enfastiemos A verdade é que todos os seres humanos são incapazes de uma atividade contínua e essa é a razão de não ser contínuo também o prazer pois ele acompanha a atividade Certas coisas nos deleitam quando são novas porém menos quando deixam de sêlo e por esse mesmo motivo a princípio a mente é estimulada e desenvolve intensa atividade em relação a elas como fazemos com o sentido da vista quando olhamos alguma coisa com atenção Mas depois a nossa atividade se relaxa e por isso também o prazer é embotado Dirseia que todos os homens desejam o prazer porque todos aspiram à vida A vida é uma atividade e cada um é ativo em relação às coisas e com as faculdades que mais ama por exemplo o músico é ativo com o ouvido em referência às melodias o estudioso com o intelecto em referência a questões teóricas e da mesma forma nos outros casos Ora o prazer completa as atividades e portanto a vida que eles desejam É muito justo pois que aspirem também ao prazer visto que para cada um este completa a vida que lhe é desejável Mas quanto a saber se escolhemos a vida com vistas no prazer ou o prazer com vistas na vida é uma questão que podemos deixar de parte por ora Com efeito os dois parecem estar intimamente ligados entre si e não admitir separação já que sem atividade não surge o prazer e cada atividade é completada pelo prazer que a acompanha 5 Por esta razão também os prazeres parecem diferir em espécie Porquanto as coisas que diferem em espécie são pensamos nós completadas por coisas diferentes vemos que isto é verdadeiro tanto dos objetos naturais como das coisas criadas pela arte animais árvores uma pintura uma estátua uma casa um utensílio e pensamos da mesma forma que atividades diferentes em espécie são completadas por coisas diferentes em espécie Ora as atividades do pensamento diferem em espécie das dos sentidos e dentro de cada uma dessas classes existem por sua vez diferenças específicas logo os prazeres que as completam também diferem do mesmo modo entre si Isto é confirmado pelo fato de estar cada prazer estreitamente ligado à atividade que ele completa Com efeito cada atividade é intensificada pelo prazer que lhe é próprio visto que cada classe de coisas é mais bem julgada e levada à precisão por aqueles que se entregam com prazer à correspondente atividade por exemplo são os que se comprazem no raciocínio geométrico que se tornam geômetras e compreendem melhor os diversos teoremas e analogamente os que gostam de música de arquitetura etc fazem progressos nos respectivos campos porque se comprazem neles E assim os prazeres intensificam as atividades e o que intensifica uma coisa lhe é congênere mas coisas diferentes em espécie têm propriedades diferentes em espécie Mais evidente se torna isto quando consideramos que as atividades são impedidas pelos prazeres provenientes de outras fontes Com efeito as pessoas que gostam de tocar flauta são incapazes de acompanhar um argumento quando ouvem um flautista porquanto o som desse instrumento lhes dá mais prazer do que a outra atividade e assim o prazer que acompanha a música anula a atividade raciocinativa Isso acontece da mesma forma em todos os outros casos quando estamos ativos em relação a duas coisas simultaneamente a atividade mais aprazível desaloja a outra e isso tanto mais quanto mais aprazível for de tal modo que chegamos a abandonar a outra É por isso que quando nos deleitamos extraordinariamente com alguma coisa não nos dedicamos a nada mais e fazemos uma coisa só quando a outra não nos causa grande prazer por exemplo no teatro as pessoas que gostam de doces os comem em maior quantidade quando os atores são medíocres Ora como as atividades se tornam mais precisas mais duradouras e melhores por efeito do prazer que lhes é próprio e são prejudicadas pelos prazeres estranhos é evidente que essas duas espécies de prazer são bem distintas uma da outra Porquanto os prazeres estranhos têm mais ou menos o mesmo efeito que as dores próprias visto que estas também destroem as atividades correspondentes por exemplo se um homem acha desagradável ou penoso escrever ou fazer contas ele não escreve nem faz contas porque a atividade lhe é penosa Destarte uma atividade sofre efeitos contrários por parte de seus prazeres e dores próprios isto é daqueles que sobrevêm em virtude de sua própria natureza E dissemos que os prazeres estranhos têm mais ou menos o mesmo efeito que a dor eles também destroem a atividade só que não no mesmo grau Ora assim como as atividades diferem com respeito à bondade ou maldade e umas são dignas de escolha outras devem ser evitadas e outras ainda são neutras o mesmo sucede com os prazeres pois cada atividade tem o seu prazer próprio O prazer próprio a uma atividade digna é bom e o próprio a uma atividade indigna é mau assim como os apetites que têm objetos nobres são louváveis e os que têm objetos vis são culpáveis Mas os prazeres que acompanham as atividades são mais próprios destas do que os desejos pois os segundos estão separados delas tanto pelo tempo como pela natureza enquanto os primeiros estão intimamente unidos às atividades e é tão difícil distinguir os primeiros das segundas que se poderia até discutir a hipótese de ser a atividade a mesma coisa que o prazer No entanto o prazer não parece ser o pensamento ou a percepção Isso seria estranho mas como nunca andam um sem o outro alguns julgam que sejam a mesma coisa Assim pois como diferem entre si as atividades também diferem os prazeres correspondentes Ora a vista é superior ao tato em pureza e o ouvido e o olfato ao gosto portanto os prazeres correspondentes também são superiores e os do pensamento estão acima de todos estes E dentro de cada uma das duas espécies alguns são superiores a outros Pensase que cada animal tem um prazer próprio assim como tem uma função própria a saber o que corresponde à sua atividade Isto se torna evidente quando observamos as espécies uma por uma Cão cavalo e homem têm prazeres diferentes e como diz Heráclito os asnos prefeririam as varreduras ao ouro142 porque o alimento é mais agradável do que o ouro para eles Destarte os prazeres dos animais diferentes em espécie também diferem especificamente e é de supor que os de uma determinada espécie não difiram entre si Mas variam em não pequeno grau pelo menos no caso dos homens as mesmas coisas deleitam algumas pessoas e causam dor a outras e são penosas e odiosas a estes mas agradáveis e estimáveis àqueles Isso também sucede com as coisas doces as mesmas coisas não parecem doces a um febricitante e a um homem com saúde nem quentes a um homem fraco e a um homem robusto O mesmo se dá em outros casos Mas em todas as coisas o que parece a um homem bom é considerado como sendo realmente tal Se isto é correto como se afigura ser e a virtude e o homem bom como tais são a medida de todas as coisas serão verdadeiros prazeres os que lhe parecerem tais e verdadeiramente agradáveis as coisas em que ele se deleitar Se as coisas que ele acha enfadonhas parecem agradáveis a outros não há nada de surpreendente nisso pois os homens podem ser pervertidos e estragados de muitos modos e tais coisas não são realmente agradáveis mas só o são para essas pessoas e outras nas mesmas condições Das que reconhecidamente são vergonhosas evidentemente não se deveria dizer que são prazeres salvo para um gosto pervertido mas das que são consideradas boas que espécie de prazer ou que prazer particular deveríamos dizer que são próprios do homem A resposta não é clara pela consideração das correspondentes atividades O prazeres seguem a estas Quer pois o homem perfeito e supramente feliz tenha uma quer mais atividades diremos que os prazeres que completam essas atividades são stricto sensu os prazeres próprios do homem e o resto só o será de maneira secundária e parcial como o são as atividades 142 Fragmento 9 Diels N do T 6 Agora que terminamos de falar das virtudes das formas de amizade e das variedades de prazer resta discutir em linhas gerais a natureza da felicidade visto afirmarmos que ela é o fim da natureza humana Nossa discussão será mais concisa se começarmos por sumariar o que dissemos anteriormente Dissemos143 pois que ela não é uma disposição porque se o fosse poderia pertencer a quem passasse a vida inteira dormindo e vivesse como um vegetal ou também a quem sofresse os maiores infortúnios Se estas conseqüências são inaceitáveis e devemos antes classificar a felicidade como uma atividade como dissemos atrás144 e se algumas atividades são necessárias e desejáveis com vistas em outra coisa enquanto outras o são em si mesmas é evidente que a felicidade deve ser incluída entre as desejáveis em si mesmas e não entre as que o são com vistas em algo mais Porque à felicidade nada falta ela é autosuficiente Ora são desejáveis em si mesmas aquelas atividades em que nada mais se procura além da própria atividade E pensase que as ações virtuosas são desta natureza porquanto praticar atos nobres e bons é algo desejável em si mesmo Também se acredita que as recreações agradáveis sejam dessa natureza Não as escolhemos tendo em vista outra coisa uma vez que antes somos prejudicados do que beneficiados por elas tais atividades nos levam a negligenciar nossos corpos e nossos bens materiais Mas a maioria das pessoas que consideramos felizes buscam refúgio nesses passatempos e por isso as pessoas hábeis em proporcioná los são altamente estimadas nas cortes dos tiranos Tornamse agradáveis companheiros nas ocupações favoritas do tirano e essa é a espécie de homem que ele precisa ter ao seu lado Ora acreditase que essas coisas participem da natureza da felicidade porque os déspotas entretêm com elas os seus lazeres mas talvez essa espécie de gente não prove nada porque a virtude e a razão das quais decorrem as boas atividades não dependem da posição despótica nem os prazeres do corpo deveriam ser 143 1095 b 31 1096 a 2 1098 b 31 1099 a 7N do T 144 1098 a 57 N do T considerados mais desejáveis porque neles se refugiam tais pessoas que nunca experimentaram um prazer puro e generoso e os meninos também julgam que as coisas que eles próprios prezam são as melhores É de crer pois que assim como diferentes coisas parecem valiosas aos meninos e aos homens feitos também se dê o mesmo com os homens maus e os bons Ora como muitas vezes sustentamos145 realmente valiosas e aprazíveis são aquelas coisas que são tais para o homem bom e para cada homem a atividade que concorda com a sua disposição de caráter é a mais desejável de modo que para o homem bom são essas as que concordam com a virtude A felicidade não reside por conseguinte na recreação e seria mesmo estranho que a recreação fosse o fim e um homem devesse passar trabalhos e suportar agruras durante a vida inteira simplesmente para divertirse Porque numa palavra tudo que escolhemos escolhemolo com a mira em outra coisa salvo a felicidade que é um fim em si Ora esforçarse e trabalhar com vistas na recreação parece coisa tola e absolutamente infantil Mas divertirnos a fim de poder esforçar nos como se expressa Anacársis parece certo porque o divertimento é uma espécie de relaxação e necessitamos de relaxação porque não podemos trabalhar constantemente A relaxação por conseguinte não é um fim pois nós a cultivamos com vistas na atividade Pensase que a vida feliz é virtuosa Ora uma vida virtuosa exige esforço e não consiste em divertimento E dizemos que as coisas sérias são melhores do que as risíveis e as relacionadas com o divertimento e que a atividade da melhor entre duas coisas quer se trate de dois elementos do nosso ser quer de duas pessoas é a mais séria Mas a atividade na melhor é ipso facto superior e participa mais da natureza da felicidade Além do que uma pessoa qualquer até um escravo pode fruir os prazeres do corpo não menos que o melhor dos homens mas ninguém considera o escravo partícipe da felicidade a não ser que também o 145 1099 a 13 1113a 2233 1166 a 12 1170 a 1416 1176 a 1522 N do T considere partícipe da vida humana Com efeito a felicidade não reside em tais ocupações mas como já dissemos146 nas atividades virtuosas 7 Se a felicidade é atividade conforme à virtude será razoável que ela esteja também em concordância com a mais alta virtude e essa será a do que existe de melhor em nós Quer seja a razão quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e g6 sábio for Talvez possa fazêlo melhor se tiver colaboradores mas ainda assim é ele o mais autosuficiente de todos E essa atividade parece ser a única que é amada por si mesma pois dela nada decorre além da própria contemplação ao passo que das atividades práticas sempre tiramos maior ou menor proveito à parte da ação Além disso pensase que a felicidade depende dos lazeres porquanto trabalhamos para poder ter momentos de ócio e fazemos guerra para poder viver em paz Ora a atividade das virtudes práticas exercese nos assuntos políticos ou militares mas as ações relativas a esses assuntos não parecem encerrar lazeres Principalmente as ações guerreiras pois ninguém escolhe fazer guerra nem tampouco a provoca pelo gosto de estar em guerra e um homem teria a tempera do maior dos assassinos se convertesse os seus amigos em inimigos a fim de provocar batalhas e matanças Mas a ação do estadista também não encerra lazeres e além da ação política em si mesma visa ao poder e às honras despóticas ou pelo menos à felicidade para ele próprio e para os seus concidadãos uma felicidade diferente da ação política e evidentemente buscada como sendo diferente Portanto se entre as ações virtuosas as de índole militar ou política se distinguem pela nobreza e pela grandeza e estas não encerram lazeres visam a um fim diferente e não são desejáveis por si mesmas enquanto a atividade da razão que é contemplativa tanto parece ser superior e mais valiosa pela sua seriedade como não visar a nenhum fim além de si mesma e possuir o seu prazer próprio o qual por sua vez intensifica a atividade e a autosuficiência os lazeres a isenção de fadiga na medida em que isso é possível ao homem e todas as demais qualidades que são atribuídas ao homem sumamente feliz são evidentemente as que se relacionam com essa atividade seguese que essa será a felicidade completa do homem se ele tiver uma existência completa quanto à duração pois nenhum dos atributos da felicidade é incompleto Mas uma tal vida é inacessível ao homem pois não será na medida em que é homem que ele viverá assim mas na medida em que possui em si algo de divino e tanto quanto esse elemento é superior à nossa natureza composta o é também a sua atividade ao exercício da outra espécie de virtude Se portanto a razão é divina em comparação com o homem a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocuparnos com coisas humanas visto que somos homens e com coisas mortais visto que somos mortais mas na medida em que isso for possível procuremos tornarnos imortais e envidar todos os esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós porque ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor E dirseia também que esse elemento é o próprio homem já que é a sua parte dominante e a melhor dentre as que o compõem Seria estranho pois que não escolhesse a vida do seu próprio ser mas a de outra coisa E o que dissemos atrás149 tem aplicação aqui o que é próprio de cada coisa é por natureza o que há de melhor e de aprazível para ela e assim para o homem a vida conforme à razão é a melhor e a mais aprazível já que a razão mais que qualquer outra coisa ê o homem Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz 8 Mas em grau secundário a vida de acordo com a outra espécie de virtude é feliz porque as atividades que concordam com esta condizem com a nossa condição humana Os atos corajosos e justos bem como outros atos virtuosos nós os praticamos em relação uns aos outros observando nossos respectivos deveres no tocante a contratos serviços e toda sorte de ações bem assim como às paixões e todas essas coisas parecem ser tipicamente humanas Dirseia até que algumas delas provêm do próprio corpo e que o caráter virtuoso se prende por muitos laços às paixões 149 1169 b 33 1176 b 26 N do T A sabedoria prática também está ligada ao caráter virtuoso e este à sabedoria prática já que os princípios de tal sabedoria concordam com as virtudes morais e a retidão moral concorda com ela Ligadas que são também às paixões as virtudes morais devem pertencer à nossa natureza composta Ora tais virtudes são humanas por conseguinte humanas são também a vida e a felicidade que lhes correspondem A excelência da razão é uma coisa à parte Dela devemos contentarnos em dizer isto porquanto descrevêla com precisão é tarefa maior do que exige o nosso propósito Sem embargo ela também parece necessitar de bens exteriores porém pouco ou em todo caso menos do que necessitam as virtudes morais Admitamos que ambas necessitem de tais coisas em grau igual embora o trabalho do estadista se ocupe mais com o corpo e coisas que tais porque a diferença quanto a isso será pequena mas naquilo de que precisam para o exercício de suas atividades haverá grande diferença O homem liberal necessita de dinheiro para a prática de seus atos de liberalidade e o homem justo para a retribuição de serviços pois é difícil enxergar claro nos desejos e mesmo os que não são justos aparentam o desejo de agir com justiça e o homem corajoso necessita de poder para realizar qualquer dos atos que correspondem à sua virtude e o temperante necessita de oportunidade pois de que outro modo poderíamos reconhecer tanto a ele como a qualquer dos outros Também se discute sobre se é a vontade ou o ato que é mais essencial à virtude pois supõese que esta envolve tanto uma como outro E é evidente que sua perfeição envolve a ambos mas os atos exigem muitas coisas e tanto mais quanto maiores e mais nobres forem O homem que contempla a verdade porém não necessita de tais coisas ao menos para o exercício de sua atividade e podese dizer até que elas lhe servem de obstáculo quando mais não seja para a própria contemplação Mas enquanto homem que vive no meio de outros homens ele escolhe a prática de atos virtuosos por conseguinte necessita também das coisas que facilitam a vida humana Mas que a felicidade perfeita é uma atividade contemplativa confirmao também a seguinte consideração Admitimos que os deuses sejam acima de todos os outros seres bemaventurados e felizes mas que espécie de ações lhes atribuiremos Atos de justiça Não pareceria absurdo que os deuses firmassem contratos restituíssem depósitos e outras coisas do mesmo jaez Atos de coragem então arrostando perigos e expondose a riscos porque é nobre proceder assim Ou atos de liberalidade A quem fariam eles dádivas Muito estranho seria se os deuses realmente tivessem dinheiro ou algo dessa espécie E em que consistiriam os seus atos de temperança Não será ridículo louválos por isso uma vez que não têm maus apetites Se as analisássemos uma por uma as circunstâncias da ação se nos mostrariam triviais e indignas dos deuses Não obstante todos supõem que eles vivem e portanto são ativos não podemos concebêlos a dormir como Endimião Ora se a um ser vivente retirarmos a ação e ainda mais a ação produtiva que lhe restará a não ser a contemplação Por conseguinte a atividade de Deus que ultrapassa todas as outras pela bemaventurança deve ser contemplativa e das atividades humanas a que mais afinidade tem com esta é a que mais deve participar da felicidade Mostrao também o fato de não participarem os animais da felicidade completamente privados que são de uma atividade dessa sorte Com efeito enquanto a vida inteira dos deuses é bemaventurada e a dos homens o é na medida em que possui algo dessa atividade nenhum dos outros animais é feliz uma vez que de nenhum modo participam eles da contemplação A felicidade tem por conseguinte as mesmas fronteiras que a contemplação e os que estão na mais plena posse desta última são os mais genuinamente felizes não como simples concomitante mas em virtude da própria contemplação pois que esta é preciosa em si mesma E assim a felicidade deve ser alguma forma de contemplação Mas o homem feliz como homem que é também necessita de prosperidade exterior porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins da contemplação nosso corpo também precisa de gozar saúde de ser alimentado e cuidado Não se pense todavia que o homem para ser feliz necessite de muitas ou de grandes coisas só porque não pode ser supremamente feliz sem bens exteriores A autosuficiência e a ação não implicam excesso e podemos praticar atos nobres sem sermos donos da terra e do mar Mesmo desfrutando vantagens bastante moderadas podese proceder virtuosamente isso aliás é manifesto porquanto se pensa que um particular pode praticar atos dignos não menos do que um déspota mais até E é suficiente que tenhamos o necessário para isso pois a vida do homem que age de acordo com a virtude será feliz Sólon nos deu talvez um esboço fiel do homem feliz quando o descreveu150 como moderadamente provido de bens exteriores mas como tendo praticado na opinião de Sólon as mais nobres ações e vivido conforme os ditames da temperança Anaxágoras também parece supor que o homem feliz não seja rico nem um déspota quando diz que não se admiraria se ele parecesse à maioria uma pessoa estranha pois a maioria julga pelas exterioridades uma vez que não percebe outra coisa E assim as opiniões dos sábios parecem harmonizarse com os nossos argumentos Mas embora essas coisas também tenham um certo poder de convencer a verdade em assuntos práticos percebese melhor pela observação dos fatos da vida pois estes são o fator decisivo Devemos portanto examinar o que já dissemos à luz desses fatos e se estiver em harmonia com eles aceitáloemos mas se entrarem em conflito admitiremos que não passa de simples teoria Ora quem exerce e cultiva a sua razão parece desfrutar ao mesmo tempo a melhor disposição de espírito e ser extremamente caro aos deuses Porque se os deuses se interessam pelos assuntos humanos como nós pensamos tanto seria natural que se deleitassem naquilo que é melhor e mais afinidade tem com eles isto é a razão como que recompensassem os que a amam e honram acima de todas as coisas zelando por aquilo que lhes é caro e conduzindose com justiça e nobreza 150 Heródoto I 30 N do T Ora é evidente que todos esses atributos pertencem mais que a ninguém ao filósofo É ele por conseguinte de todos os homens o mais caro aos deuses E será presumivelmente também o mais feliz De sorte que também neste sentido o filósofo será o mais feliz dos homens 9 Se estes assuntos assim como a virtude e também a amizade e o prazer foram suficientemente discutidos em linhas gerais devemos dar por terminado o nosso programa Sem dúvida como se costuma dizer onde há coisas que realizar não alcançamos o fim depois de examinar e reconhecer cada uma delas mas é preciso fazêlas No tocante à virtude pois não basta saber devemos tentar possuí la e usála ou experimentar qualquer outro meio que se nos antepare de nos tornarmos bons Ora se os argumentos bastassem em si mesmos para tornar os homens bons eles teriam feito jus a grandes recompensas como diz Teógnis e as recompensas não faltariam Mas a verdade é que embora pareçam ter o poder de encorajar e estimular os jovens de espírito generoso e preparar um caráter bem nascido e genuinamente amigo de tudo o que é nobre para receber a virtude eles não conseguem incutir nobreza e bondade na multidão Porquanto o homem comum não obedece por natureza ao sentimento de pudor mas unicamente ao medo e não se abstém de praticar más ações porque elas são vis mas pelo temor ao castigo Vivendo pela paixão andam no encalço de seus prazeres e dos meios de alcançálos evitando as dores que lhes são contrárias e nem sequer fazem idéia do que é nobre e verdadeiramente agradável visto que nunca lhe sentiram o gosto Que argumento poderia remodelar essa sorte de gente É difícil senão impossível erradicar pelo raciocínio os traços de caráter que se inveteraram na sua natureza e talvez nos devamos contentar se estando presentes todas as influências capazes de nos melhorar adquirimos alguns laivos de virtude Ora alguns pensam que nos tornamos bons por natureza outros pelo hábito e outros ainda pelo ensino A contribuição da natureza evidentemente não depende de nós mas em resultado de certas causas divinas está presente naqueles que são verdadeiramente afortunados Quanto à argumentação e ao ensino suspeitamos de que não tenham uma influência poderosa em todos os homens mas é preciso cultivar primeiro a alma do estudioso por meio de hábitos tornandoa capaz de nobres alegrias e nobres aversões como se prepara a terra que deve nutrir a semente Com efeito o que se deixa dirigir pela paixão não ouvirá o argumento que o dissuade e se o ouvir não o compreenderá E como persuadir a mudar de vida uma pessoa com tal disposição Em geral a paixão não parece ceder ao argumento mas à força É portanto uma condição prévia indispensável a existência de um caráter que tenha certa afinidade com a virtude amando o que é nobre e detestando o que é vil Mas é difícil receber desde a juventude um adestramento correto para a virtude quando não nos criamos debaixo das leis apropriadas pois levar uma vida temperante e esforçada não seduz a maioria das pessoas especialmente quando são jovens Por essa razão tanto a maneira de criálos como as suas ocupações deveriam ser fixadas pela lei pois essas coisas deixam de ser penosas quando se tornaram habituais Mas não basta certamente que recebam a criação e os cuidados adequados quando são jovens já que mesmo em adultos devem praticá las e estar habituados a elas precisamos de leis que cubram também essa idade e de modo geral a vida inteira porque a maioria das pessoas obedece mais à necessidade do que aos argumentos e aos castigos mais do que ao sentimento nobre Por isso pensam alguns que os legisladores deveriam estimular os homens à virtude e instigálos com o motivo do nobre partindo do princípio de que aqueles que já fizeram consideráveis progressos mercê da formação de hábitos serão sensíveis a tais influências e que conviria impor castigos e penas aos que fossem de natureza inferior enquanto os incuravelmente maus seriam banidos de todo O homem bom pensam eles vivendo como vive com o pensamento fixo no que é nobre submeterseá à argumentação ao passo que o homem mau que só deseja o prazer será corrigido pela dor como uma besta de carga E por isso dizem também que as dores infligidas devem ser as que forem mais contrárias aos prazeres que esses homens amam De qualquer forma como dissemos151 o homem que queremos tornar bom deve ser bem adestrado e acostumado passando depois o seu tempo em ocupações dignas e não praticando ações más nem voluntária nem involuntariamente e se isso se pode conseguir quando os homens vivem de acordo com uma espécie de reta razão e ordem contanto que esta tenha força se assim é o governo paterno em verdade não tem a força ou o poder coercitivo necessários nem em geral os tem o governo de um homem só a menos que se trate de um rei ou algo semelhante mas a lei tem esse poder coercitivo ao mesmo tempo que é uma regra baseada numa espécie de sabedoria e razão prática E embora o comum das pessoas detestem os homens que contrariam os seus impulsos ainda que com razão a lei não lhes é pesada ao ordenar o que é bom Unicamente ou quase unicamente no Estado espartano o legislador parece terse ocupado com questões de educação e de trabalho Na maioria dos Estados esses assuntos foram omitidos e cada qual vive como lhe apraz à moda dos ciclopes ditando a lei à esposa e aos filhos152 Ora o mais certo seria que tais coisas se tornassem encargo público e que a comunidade provesse adequadamente a elas mas uma vez que as negligencia convém que cada homem auxilie seus filhos e amigos a seguirem os caminhos da virtude e que tenham o poder ou pelo menos a vontade de fazêlo Do que ficou dito parece concluirse que ele poderia fazêlo melhor se se tornasse capaz de legislar Porquanto o controle público é evidentemente exercido pelas leis e o bom controle por boas leis Que sejam escritas ou não parece não vir ao caso nem tampouco que sejam leis provendo à educação de indivíduos ou de grupos assim como isso também não importa no caso da música da ginástica e outras ocupações semelhantes Pois que assim como nas cidades têm força as leis e os tipos predominantes de caráter nas famílias a têm ainda mais os preceitos e os 151 1179 b 31 1180a5NdoT 152 Odisséia IX 114 ss N do T hábitos do pai devido aos laços de sangue e aos benefícios que ele confere porquanto os filhos têm desde o princípio uma afeição natural e uma disposição para obedecer Além disso a educação privada leva vantagem à pública como é também o caso do tratamento médico privado pois embora de um modo geral o repouso e a abstenção de alimento façam bem às pessoas febris pode não ser assim no caso de um doente particular e é de supor que um pugilista não prescreva o mesmo estilo de luta a todos os seus alunos Parece pois que os detalhes são observados com mais precisão quando o controle é privado pois cada pessoa tem mais probabilidades de receber o que convém ao seu caso Mas quem melhor pode atender aos detalhes é um médico um instrutor de ginástica ou qualquer outro que tenha o conhecimento geral do que é apropriado a cada um ou a determinada espécie de pessoas pois com razão se diz que as ciências versam sobre o universal Isso não impede que algum detalhe particular possa ser bem atendido por uma pessoa sem ciência que haja estudado cuidadosamente à luz da experiência o que sucede em cada caso assim como certas pessoas parecem ser os melhores médicos de si mesmas embora não saibam tratar as outras Não obstante hão de concordar que o homem que deseja tornarse mestre numa arte ou ciência deve buscar o universal e procurar conhecêlo tão bem quanto possível pois que como dissemos é com ele que se ocupam as ciências E se é pelas leis que nos podemos tornar bons seguramente o que se empenha em melhorar homens sejam estes muitos ou poucos deve ser capaz de legislar Porquanto reformar o caráter de qualquer um do primeiro que lhe colocam na frente não é tarefa para qualquer um se alguém pode fazer isso é o homem que sabe exatamente como na medicina e em todos os outros assuntos que exigem cuidado e prudência Não convém pois indagar agora de quem e como se pode aprender a legislar Porventura será como em todos os outros casos dos estadistas A verdade é que esse assunto foi considerado como fazendo parte da estadística Ou haverá uma diferença manifesta entre a estadística e as outras ciências e artes Nas outras vemos que as mesmas pessoas as praticam e se oferecem para ensinálas como por exemplo os médicos e os pintores Mas enquanto os sofistas pretendem ensinar política não são eles que a praticam e sim os políticos que parecem fazêlo graças a uma espécie de habilidade ou experiência e não pelo raciocínio Com efeito ninguém os vê escrever ou falar sobre a matéria conquanto essa fosse talvez uma ocupação mais nobre do que preparar discursos para os tribunais e a Assembléia e também não consta que eles costumem fazer estadistas de seus filhos ou de seus amigos Mas seria de esperar que o fizessem se isso lhes fosse possível pois não poderiam legar às suas cidades nada de melhor do que uma habilidade dessa sorte ou transmitila aos que lhes são caros se preferissem guardá la no seu meio No entanto a contribuição da experiência parece não ser pequena de outra forma eles não poderiam tornarse políticos por participarem da vida política Donde se conclui que os que ambicionam conhecer a arte da política necessitam também da experiência Mas aqueles sofistas que professam a arte parecem estar muito longe de ensinála Com efeito para exprimirnos em termos gerais esses homens nem sequer sabem que espécie de coisa ela é nem sobre o que versa De outro modo não a teriam classificado como idêntica à retórica ou mesmo inferior a esta nem julgariam fácil legislar mediante uma compilação das leis maisbem reputadas Dizem que é possível selecionar as melhores leis como se esse próprio trabalho de seleção não requeresse inteligência e como se o bom discernimento não fosse a mais importante de todas as coisas tal qual sucede na música Com efeito embora as pessoas experimentadas em qualquer campo julguem com acerto das obras que se produzem nele e compreendam por que meios e de que modo essas obras são realizadas e que coisas se harmonizam com outras coisas os inexperientes devem darse por muito felizes quando podem julgar se a obra foi bem ou mal feita como no caso da pintura Ora as leis são por assim dizer as obras da arte política como é possível então aprender com elas a ser legislador ou julgar quais sejam as melhores Os próprios médicos não parecem formarse pelo estudo dos livros Não obstante as pessoas procuram indicar não apenas os tratamentos mas como podem ser curados e devem ser tratados certos tipos de gente distinguindo os vários hábitos do corpo mas embora isso pareça ser útil aos experimentados para os inexperientes não tem nenhum valor É certo pois que embora as compilações de leis e constituições possam prestar serviços às pessoas capazes de estudálas de distinguir o que é bom do que é mau e a que circunstâncias melhor se adapta cada lei os que perlustram essas compilações sem o socorro da experiência não possuirão o reto discernimento a menos que seja por um dom espontâneo da natureza embora talvez possam tornarse mais inteligentes em tais assuntos Ora os nossos antecessores nos legaram sem exame este assunto da legislação Por isso talvez convenha estudálo nós mesmos assim como a questão da constituição em geral a fim de completar da melhor maneira possível a nossa filosofia da natureza humana Em primeiro lugar pois se alguma coisa foi bem exposta em detalhe pelos pensadores que nos antecederam passemola em revista depois à luz das constituições que nós mesmos coligimos examinaremos que espécies de influências preservam e destroem os Estados que outras têm os mesmos efeitos sobre os tipos particulares de constituição e a que causas se deve o fato de serem umas bem e outras mal aplicadas Após estudar essas coisas teremos uma perspectiva mais ampla dentro da qual talvez possamos distinguir qual é a melhor constituição como deve ser ordenada cada uma e que leis e costumes lhe convém utilizar a fim de ser a melhor possível POÉTICA Tradução comentários e índices analítico e onomástico de Eudoro de Souza NOTA DO TRADUTOR A presente tradução baseiase principalmente no texto grego editado por Augusto Rostagni Aristotele Poética Turim Chiantore 2 ed igualmente distante da sobrevalorização do Parisinus Bywater e da Versão Árabe Gudeman Para a tradução dos passos mais difíceis e interpretação das lições dúbias ou truncadas consultamos os trabalhos de J Hardy A Gudeman I Bywater M Valgimigli e F Albeggiani Sempre que foi possível utilizamos a anônima tradução portuguesa do século XVIII I Poesia é imitação Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o meio da imitação 1 Falemos da poesia dela mesma e das suas espécies da efetividade de cada uma delas da composição que se deve dar aos mitos se quisermos que o poema resulte perfeito e ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e semelhantemente de tudo quanto pertence a esta indagação começando como é natural pelas coisas primeiras 2 A epopéia a tragédia assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística todas são em geral imitações Diferem porém umas das outras por três aspectos ou porque imitam por meios diversos ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira 3 Pois tal como há os que imitam muitas coisas exprimindose com cores e figuras por arte ou por costume assim acontece nas sobreditas artes na verdade todas elas imitam com o ritmo a linguagem e a harmonia usando estes elementos separada ou conjuntamente Por exemplo só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica com o ritmo e sem harmonia imita a arte dos dançarinos porque também estes por ritmos gesticulados imitam caracteres afetos e ações 4 Mas a epopéia é a arte que apenas recorre ao simples verbo quer metrificado quer não e quando metrificado misturando metros entre si diversos ou servindose de uma só espécie métrica eis uma arte que até hoje permaneceu inominada Efetivamente não temos denominador comum que designe os mimos de Sófron e de Xenarco os diálogos socráticos e quaisquer outras composições imitativas executadas mediante trímetros jâmbicos ou versos elegíacos ou outros versos que tais Porém ajuntando à palavra poeta o nome de uma só espécie métrica aconteceu denominaremse a uns de poetas elegíacos a outros de poetas épicos designandoos assim não pela imitação praticada mas unicamente pelo metro usado 5 Desta maneira se alguém compuser em verso um tratado de medicina ou de física esse será vulgarmente chamado poeta na verdade porém nada há de comum entre Homero e Empédocles a não ser a metrificação1 aquele merece o nome de poeta e este o de fisiologo mais que o de poeta Pelo mesmo motivo se alguém fizer obra de imitação ainda que misture versos de todas as espécies como o fez Querémon no Centauro que é uma rapsódia tecida de toda a casta de metros nem por isso se lhe deve recusar o nome de poeta 6 Fiquem assim determinadas as distinções que tínhamos de estabelecer Poesias há contudo que usam de todos os meios sobreditos isto é de ritmo canto e metro como a poesia dos ditirambos e dos nomos a tragédia e a comédia só com uma diferença as duas primeiras servemse juntamente dos três meios e as outras de cada um por sua vez Tais são as diferenças entre as artes quanto aos meios de imitação II Espécies de poesia imitativa classificadas segundo o objeto da imitação 1 Notese que os primeiros filósofos os présocráticos chamados fisiólogos por Aristóteles escreveram suas reflexões em verso N do E 7 Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação e estes necessariamente são indivíduos de elevada ou de baixa índole porque a variedade dos caracteres só se encontra nestas diferenças e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude necessariamente também sucederá que os poetas imitam homens melhores piores ou iguais a nós como o fazem os pintores Polignoto representava os homens superiores Pauson inferiores Dionísio representavaos semelhantes a nós Ora é claro que cada uma das imitações referidas contém estas mesmas diferenças e que cada uma delas há de variar na imitação de coisas diversas desta maneira 8 Porque tanto na dança como na auletica e na citarística pode haver tal diferença e assim também nos gêneros poéticos que usam como meio a linguagem em prosa ou em verso sem música Homero imitou homens superiores Cleofão semelhantes Hegêmon de Taso o primeiro que escreveu paródias e Nicócares autor da Deitada imitaram homens inferiores E a mesma diversidade se encontra nos ditirambos e nos nomos como o mostram Ar ga Timóteo e Filóxeno nos Ciclopes 9 Pois a mesma diferença separa a tragédia da comédia procura esta imitar os homens piores e aquela melhores do que eles ordinariamente são das operando e agindo elas mesmas Consiste pois a imitação nestas três diferenças como ao princípio dissemos a saber segundo os meios os objetos e o modo Por isso num sentido é a imitação de Sófocles a mesma que a de Homero porque ambos imitam pessoas de caráter elevado e noutro sentido é a mesma que a de Aristófanes pois ambos imitam pessoas que agem e obram diretamente 11 Daí o sustentarem alguns que tais composições se denominam dramas pelo fato de se imitarem agentes dróntas Por isso também os Dórios para si reclamam a invenção da tragédia e da comédia a da comédia pretendemna os megarenses tanto os da metrópole do tempo da democracia como os da Sicília porque lá viveu Epicarmo que foi muito anterior a Quiônidas e Magnes e da tragédia também se dão por inventores alguns dos dórios que habitam o Peloponeso dizem eles que na sua linguagem chamam kômai às aldeias que os atenienses denominam dêmoi e que os comediantes não derivam seu nome de komázein mas sim de andarem de aldeia em aldeia kómas por não serem tolerados na cidade e dizem também que usam o verbo drân para significar o fazer ao passo que os atenienses empregam o termo práttein 12 Damos por dito tudo que se refere a quantas e quais sejam as diferenças da imitação poética IV Origem da poesia Causas História da poesia trágica e cômica 13 Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar é congênito no homem e nisso difere dos outros viventes pois de todos é ele o mais imitador e por imitação aprende as primeiras noções e os homens se comprazem no imitado 14 Sinal disto é o que acontece na experiência nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância por exemplo as representações de animais ferozes e de cadáveres Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens se bem que menos participem dele Efetivamente tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens olhandoas aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma delas e dirão por exemplo este é tal Porque se suceder que alguém não tenha visto o original nenhum prazer lhe advirá da imagem como imitada mas tãosomente da execução da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie 15 Sendo pois a imitação própria da nossa natureza e a harmonia e o ritmo porque é evidente que os metros são partes do ritmo os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram origem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos 16 A poesia tomou diferentes formas segundo a diversa índole particular dos poetas Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres personagens e os de mais baixas inclinações voltaramse para as ações ignóbeis compondo estes vitupérios e aqueles hinos e encômios Não podemos é certo citar poemas deste gênero dos poetas que viveram antes de Homero se bem que verossimilmente muitos tenham existido mas a começar em Homero temos o Margites e outros poemas semelhantes nos quais por mais apto se introduziu o metro jâmbico que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam iámbizon De modo que entre os antigos uns foram poetas em verso heróico outros o foram em verso jâmbico 17 Mas Homero tal como foi supremo poeta no gênero sério pois se distingue não só pela excelência como pela feição dramática das suas imitações assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia dramatizando não o vitupério mas o ridículo Na verdade o Margites tem a mesma analogia com a comédia que têm a Ilíada e a Odisséia com a tragédia 18 Vindas à luz a tragédia e a comédia os poetas conforme a própria índole os atraía para este ou aquele gênero de poesia uns em vez de jambos escreveram comédias outros em lugar de epopéias compuseram tragédias por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera atinge ou não atinge a perfeição do gênero quer a consideremos em si mesma quer no que respeita ao espetáculo isso seria outra questão 20 Mas nascida de um princípio improvisado tanto a tragédia como a comédia a tragédia dos solistas do ditirambo a comédia dos solistas dos cantos fálicos composições estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades a tragédia pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a tragédia se deteve logo que atingiu a sua forma natural Esquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos atores diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista Sófocles introduziu três atores e a cenografia Quanto à grandeza tarde adquiriu a tragédia o seu alto estilo só quando se afastou dos argumentos breves e da elocução grotesca isto é do elemento satírico Quanto ao metro substituiu o tetrâmetro trocaico pelo trímetro jâmbico Com efeito os poetas usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança mas quando se desenvolveu o diálogo o engenho natural logo encontrou o metro adequado pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente demonstrao o fato de muitas vezes proferirmos jambos na conversação e só raramente hexâmetros quando nos elevamos acima do tom comum 21 Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja acrescentado a cada parte consideremos o assunto tratado muito laborioso seria discorrer sobre tudo isso em pormenor V A comédia evolução do gênero Comparação da tragédia com a epopéia 22 A comédia é como dissemos imitação de homens inferiores não todavia quanto a toda a espécie de vícios mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo O ridículo é apenas certo defeito torpeza anódina e inocente que bem o demonstra por exemplo a máscara cômica que sendo feia e disforme não tem expressão de dor 23 Se as transformações da tragédia e seus autores nos são conhecidas as da comédia pelo contrário estão ocultas pois que delas se não cuidou desde o início só passado muito tempo o arconte concedeu o coro da comédia que outrora era constituído por voluntários E também só depois que teve a comédia alguma forma é que achamos memória dos que se dizem autores dela Não se sabe portanto quem introduziu máscaras prólogo número de atores e outras coisas semelhantes A composição de argumentos é prática oriunda da Sicília e os primeiros poetas cômicos teriam sido Epicarmo e Fórmide dos atenienses foi Crates o primeiro que abandonada a poesia jâmbica inventou diálogos e argumentos de caráter universal 24 A epopéia e a tragédia concordam somente em serem ambas imitação de homens superiores em verso mas difere a epopéia da tragédia pelo seu metro único e a forma narrativa E também na extensão porque a tragédia procura o mais que é possível caber dentro de um período do sol ou pouco excedêlo porém a epopéia não tem limite de tempo e nisso diferem ainda que a tragédia ao princípio igualmente fosse ilimitada no tempo como os poemas épicos 25 Quanto às partes constitutivas algumas são as mesmas na tragédia e na epopéia outras são só próprias da tragédia Por isso quem quer que seja capaz de julgar da qualidade e dos defeitos da tragédia tão bom juiz será da epopéia Porque todas as partes da poesia épica se encontram na tragédia mas nem todas as da poesia trágica intervém na epopéia VI Definição de tragédia Partes ou elementos essenciais 26 Da imitação em hexâmetros e da comédia trataremos depois agora vamos falar da tragédia dando da sua essência a definição que resulta de quanto precedentemente dissemos 27 E pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado completa e de certa extensão em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama imitação que se efetua não por narrativa mas mediante atores e que suscitando o terror e a piedade tem por efeito a purificação dessas emoções 28 Digo ornamentada a linguagem que tem ritmo harmonia e canto e o servirse separadamente de cada uma das espécies de ornamentos significa que algumas partes da tragédia adotam só o verso outras também o canto 29 Como esta imitação é executada por atores em primeiro lugar o espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da tragédia e depois a melopéia e a elocução pois estes são os meios pelos quais os atores efetuam a imitação Por elocuçao entendo a mesma composição métrica e por melopéia aquilo cujo efeito a todos é manifesto 30 E como a tragédia é a imitação de uma ação e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento porque é segundo estas diferenças de caráter e pensamento que nós qualificamos as ações daí vem por conseqüência o serem duas as causas naturais que determinam as ações pensamento e caráter e nas ações assim determinadas tem origem a boa ou má fortuna dos homens Ora o mito é imitação de ações e por mito entendo a composição dos atos por caráter o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade e por pensamento tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão 31 É portanto necessário que sejam seis as partes da tragédia que constituam a sua qualidade designadamente mito caráter elocução pensamento espetáculo e melopéia De sorte que quanto aos meios com que se imita são duas quanto ao modo por que se imita é uma só e quanto aos objetos que se imitam são três e além destas partes não há mais nenhuma Pode dizerse que de todos estes elementos não poucos poetas se serviram com efeito todas as tragédias comportam espetáculo caracteres mito melopéia elocução e pensamento 32 Porém o elemento mais importante é a trama dos fatos pois a tragédia não é imitação de homens mas de ações e de vida de felicidade e infelicidade mas felicidade ou infelicidade reside na ação e a própria finalidade da vida é uma ação não uma qualidade Ora os homens possuem tal ou tal qualidade conformemente ao caráter mas são bem ou malaventurados pelas ações que praticam Daqui se segue que na tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para efetuar certas ações por isso as ações e o mito constituem a finalidade da tragédia e a finalidade é de tudo o que mais importa 33 Sem ação não poderia haver tragédia mas poderia havêla sem caracteres As tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres e em geral há muitos poetas desta espécie Também entre os pintores assim é Zêuxis comparado com Polignoto porque Polignoto é excelente pintor de caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta caráter nenhum 34 Se por conseguinte alguém ordenar discursos em que se exprimam caracteres por bem executados que sejam os pensamentos e as elocuções nem por isso haverá logrado o efeito trágico muito melhor o conseguirá a tragédia que mais parcimoniosamente usar desses meios tendo no entanto o mito ou a trama dos fatos Ajuntemos a isto que os principais meios por que a tragédia move os ânimos também fazem parte do mito refirome a peripécias e reconhecimentos Outro sinal da superioridade do mito se mostra em que os principiantes melhores efeitos conseguem em elocuções e caracteres do que no entrecho das ações é o que se nota em quase todos os poetas antigos 35 Portanto o mito é o princípio e como que a alma da tragédia só depois vêm os caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores a sua obra não nos comprazeria tanto como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco A tragédia é por conseguinte imitação de uma ação e através dela principalmente imitação de agentes 36 Terceiro elemento da tragédia é o pensamento consiste em poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém Na eloqüência o pensamento é regulado pela política e pela oratória efetivamente nos antigos poetas as personagens falavam a linguagem do cidadão e nos modernos falam a do orador Caráter é o que revela certa decisão ou em caso de dúvida o fim preferido ou evitado por isso não têm caráter os discursos do indivíduo em que de qualquer modo se não revele o fim para que tende ou o qual repele Pensamento é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é ou enuncia uma sentença geral 37 Quarto entre os elementos literários é a elocução Como disse denomino elocução o enunciado dos pensamentos por meio das palavras enunciado este que tem a mesma efetividade em verso ou em prosa 38 Das restantes partes a melopéia é o principal ornamento 39 Quanto ao espetáculo cênico decerto que é o mais emocionante mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia Na verdade mesmo sem representação e sem atores pode a tragédia manifestar seus efeitos além disso a realização de um bom espetáculo mais depende do cenógrafo que do poeta VII Estrutura do mito trágico O mito como ser vivente 40 Assim determinados os elementos da tragédia digamos agora qual deve ser a composição dos atos pois é esta parte na tragédia a primeira e a mais importante 41 Já ficou assente que a tragédia é imitação de uma ação completa constituindo um todo que tem certa grandeza porque pode haver um todo que não tenha grandeza 42 Todo é aquilo que tem princípio meio e fim Princípio é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa e que pelo contrário tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido Fim ao invés é o que naturalmente sucede a outra coisa por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos e que depois de si nada tem Meio é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si 43 É necessário portanto que os mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso mas que se conformem aos mencionados princípios 44 Além disto o belo ser vivente ou o que quer que se componha de partes não só deve ter essas partes ordenadas mas também uma grandeza que não seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e portanto um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível e também não seria belo grandíssimo porque faltaria a visão do conjunto escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade imaginese por exemplo um animal de dez mil estádios Pelo que tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptível como um todo assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória 45 Determinar o limite prático desta extensão tendo em conta as circunstâncias dos concursos dramáticos e a impressão no público tal não é o mister da arte poética pois se houvesse que pôr em cena cem tragédias em um só concurso dramático o tempo teria de ser regulado pela clepsidra como dizem que se fazia antigamente Porém o limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte desde que se possa apreender o conjunto uma tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa Dando uma definição mais simples podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia é o que permite que nas ações uma após outra sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade VIII Unidade de ação unidade histórica e unidade poética 46 Uno é o mito mas não por se referir a uma só pessoa como crêem alguns pois há muitos acontecimentos e infinitamente vários respeitantes a um só indivíduo entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma Muitas são as ações que uma pessoa pode praticar mas nem por isso elas constituem uma ação una 47 Assim parece que tenham errado todos os poetas que compuseram uma Heracleida ou uma Teseida ou outros poemas que tais por entenderem que sendo Héracles um só todas as ações haviam de constituir uma unidade 48 Porém Homero assim como se distingue em tudo o mais também parece ter visto bem fosse por arte ou por engenho natural pois ao compor a Odisséia não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses por exemplo o ter sido ferido no Parnaso e o simularse louco no momento em que se reuniu o exército Porque de haver acontecido uma dessas coisas não se seguia necessária e verossimilmente que a outra houvesse de acontecer mas compôs em torno de uma ação una a Odisséia una no sentido que damos a esta palavra e de modo semelhante a Ilíada 49 Por conseguinte tal como é necessário que nas demais artes miméticas una seja a imitação quando o seja de um objeto uno assim também o mito porque é imitação de ações deve imitar as que sejam unas e completas e todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que uma vez suprimido ou deslocado um deles também se confunda ou mude a ordem do todo Pois não faz parte de um todo o que quer seja quer não seja não altera esse todo IX Poesia e história Mito trágico e mito tradicional Particular e universal Piedade e terror Surpreendente e maravilhoso 50 Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser história se fossem em verso o que eram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convém a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personagens particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu 51 Quanto à comédia já ficou demonstrado este caráter universal da poesia porque os comediógrafos compondo a fábula segundo a verossimilhança atribuem depois às personagens os nomes que lhes parece e não fazem como os poetas jâmbicos que se referem a indivíduos particulares 52 Mas na tragédia mantêmse os nomes já existentes A razão é a seguinte o que é possível é plausível ora enquanto as coisas não acontecem não estamos dispostos a crer que elas sejam possíveis mas é claro que são possíveis aquelas que aconteceram pois não teriam acontecido se não fossem possíveis 53 Todavia sucede também que em algumas tragédias são conhecidos os nomes de uma ou duas personagens sendo os outros inventados em outras tragédias nenhum nome é conhecido como no Anteu de Agatão em que são fictícios tanto os nomes como os fatos o que não impede que igualmente agrade Pelo que não é necessário seguir à risca os mitos tradicionais donde são extraídas as nossas tragédias pois seria ridícula fidelidade tal quando é certo que ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos e contudo agradam elas a todos igualmente 54 Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações E ainda que lhe aconteça fazer uso de sucessos reais nem por isso deixa de ser poeta pois nada impede que algumas das coisas que realmente acontecem sejam por natureza verossímeis e possíveis e por isso mesmo venha o poeta a ser o autor delas 55 Dos mitos e ações simples os episódicos são os piores Digo episódico o mito em que a relação entre um e outro episódio não é necessária nem verossímil Tais são os mitos de maus poetas por imperícia deles e às vezes de bons poetas por condescendência com os atores É que para compor partes declamatórias chegam a forçar a fábula para além dos próprios limites e a romper o nexo da ação 56 Como porém a tragédia não só é imitação de uma ação completa como também de casos que suscitam o terror e a piedade e estas emoções se manifestam principalmente quando se nos deparam ações paradoxais e perante casos semelhantes maior é o espanto que ante os feitos do acaso e da fortuna porque ainda entre os eventos fortuitos mais maravilhosos parecem os que se nos afiguram acontecidos de propósito tal é por exemplo o caso da estátua de Mítis em Argos que matou caindolhe em cima o próprio causador da morte de Mítis no momento em que a olhava pois fatos semelhantes não parecem devidos ao mero acaso daqui se segue serem indubitavelmente os melhores os mitos assim concebidos X Mito simples e complexo Reconhecimento e peripécia 57 Dos mitos uns são simples outros complexos porque tal distinção existe por natureza entre as ações que eles imitam 58 Chamo ação simples aquela que sendo una e coerente do modo acima determinado efetua a mutação de fortuna sem peripécia ou reconhecimento ação complexa denomino aquela em que a mudança se faz pelo reconhecimento ou pela peripécia ou por ambos conjuntamente 59 É porém necessário que a peripécia e o reconhecimento surjam da própria estrutura interna do mito de sorte que venham a resultar dos sucessos antecedentes ou necessária ou verossimilmente Porque é muito diverso acontecer uma coisa por causa de outra ou acontecer meramente depois de outra XI Elementos qualitativos do mito complexo reconhecimento e peripécia 60 Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário efetuada do modo como dissemos e esta inversão deve produzirse também o dissemos verossímil e necessariamente Assim no Édipo o mensageiro que viera no propósito de tranqüilizar o rei e de libertálo do terror que sentia nas suas relações com a mãe descobrindo quem ele era causou o efeito contrário e no Linceu sendo Linceu levado para a morte e seguindoo Danau para o matar acontece o oposto este morre e aquele fica salvo 61 O reconhecimento como indica o próprio significado da palavra é a passagem do ignorar ao conhecer que se faz para amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita 62 A mais bela de todas as formas de reconhecimento é a que se dá juntamente com a peripécia como por exemplo no Édipo E outras há ainda pois com seres inanimados e casos acidentais também pode darse o reconhecimento do modo como ficou dito e também constitui reconhecimento o haver ou não haver praticado uma ação Mas é a primeira forma aquela que melhor corresponde à essência do mito e da ação porque o reconhecimento com peripécia suscitará terror e piedade e nós mostramos que a tragédia é imitação de ações que despertam tais sentimentos E demais a boa ou má fortuna resultam naturalmente de tais ações 63 Posto que o reconhecimento é reconhecimento de pessoas certos casos há em que o é somente de uma por outra quando claramente se mostra quem seja esta outra noutros casos ao invés dáse o reconhecimento entre ambas as personagens Assim Ifigênia foi reconhecida por Orestes pelo envio da carta mas para que ela o reconhecesse a ele foi mister outro reconhecimento 64 São estas duas das partes do mito peripécia e reconhecimento Terceira é a catástrofe Que sejam a peripécia e o reconhecimento já o dissemos A catástrofe é uma ação perniciosa e dolorosa como o são as mortes em cena as dores veementes os ferimentos e mais casos semelhantes XII Partes quantitativas da tragédia 65 Temos tratado daquelas partes da tragédia de que se deve usar como de seus elementos essenciais Mas segundo a extensão e as ações em que pode ser repartida as partes da tragédia são as seguintes prólogo episódio êxodo coral dividido este em párodo e estásimo Estas partes são comuns a todas as tragédias peculiares a algumas são os cantos da cena e os kommói 66 Prólogo é uma parte completa da tragédia que precede a entrada do coro episódio é uma parte completa da tragédia entre dois corais êxodo é uma parte completa à qual não sucede canto do coro entre os corais o párodo é o primeiro e o estásimo é um coral desprovido de anapestos e troqueus kommós é um canto lamentoso da orquestra e da cena a um tempo 67 Tratamos das partes da tragédia que devem ser usadas como elementos essenciais estas são por sua vez as partes da tragédia considerada em extensão e nas seções em que é possível repartila XIII A situação trágica por excelência O herói trágico 68 Que situações os argumentistas devem procurar e quais devem evitar e também por que via hão de alcançar o efeito próprio da tragédia eis o que resta dizer depois de tudo quanto foi dito 69 Como a composição das tragédias mais belas não é simples mas complexa e além disso deve imitar casos que suscitam o terror e a piedade porque tal é o próprio fim desta imitação evidentemente se segue que não devem ser representados nem homens muito bons que passem da boa para a má fortuna caso que não suscita terror nem piedade mas repugnância nem homens muito maus que passem da má para a boa fortuna pois não há coisa menos trágica faltandolhe todos os requisitos para tal efeito não é conforme aos sentimentos humanos nem desperta terror ou piedade O mito também não deve representar um malvado que se precipite da felicidade para a infelicidade Se é certo que semelhante situação satisfaz os sentimentos de humanidade também é certo que não provoca terror nem piedade porque a piedade tem lugar a respeito do que é infeliz sem o merecer e o terror a respeito do nosso semelhante desditoso pelo que neste caso o que acontece não parecerá terrível nem digno de compaixão 70 Resta portanto a situação intermediária É a do homem que não se distingue muito pela virtude e pela justiça se cai no infortúnio tal acontece não porque seja vil e malvado mas por força de algum erro e esse homem há de ser algum daqueles que gozam de grande reputação e fortuna como Édipo e Tiestes ou outros insignes representantes de famílias ilustres 71 É pois necessário que um mito bem estruturado seja antes simples do que duplo como alguns pretendem que nele se não passe da infelicidade para a felicidade mas pelo contrário da dita para a desdita e não por malvadez mas por algum erro de uma personagem a qual como dissemos antes propenda para melhor do que para pior Que assim deve ser o passado o assinala outrora se serviam os poetas de qualquer mito agora as melhores tragédias versam sobre poucas famílias como sejam as de Alcmêon Édipo Orestes Meleagro Tiestes Télefo e quaisquer outros que obraram ou padeceram tremendas coisas 72 A mais bela tragédia conforme as regras da arte é portanto a que for composta do modo indicado Por isso erram os que censuram Eurípedes por assim proceder nas suas tragédias as quais a maior parte das vezes terminam no infortúnio Tal estrutura já o dissemos é a correta A melhor prova é a seguinte na cena e nos concursos teatrais as tragédias deste gênero mostramse como as mais trágicas quando bem representadas e Eurípedes se bem que noutros pontos não respeite a economia da tragédia revelasenos certamente como o mais trágico de todos os poetas 73 Cabe o segundo lugar não obstante alguns lhe atribuírem o primeiro à tragédia de dupla intriga como a Odisséia que oferece opostas soluções para os bons e para os maus Estas tragédias não parecem merecer o primeiro lugar senão por astenia do público porque poetas complacentes as compuseram ao gosto dele Mas o prazer que resulta deste gênero de composições é muito mais próprio da comédia porque nela os que são na lenda inimicíssimos como Orestes e Egisto se tornam por fim amigos e nenhum deles é morto pelo outro XIV O trágico e o monstruoso A catástrofe O poeta e o mito tradicional 74 O terror e a piedade podem surgir por efeito do espetáculo cênico mas também podem derivar da íntima conexão dos atos e este é o procedimento preferível e o mais digno do poeta Porque o mito deve ser composto de tal maneira que quem ouvir as coisas que vão acontecendo ainda que nada veja só pelos sucessos trema e se apiade como experimentará quem ouça contar a história de Édipo Querer produzir estas emoções unicamente pelo espetáculo é processo alheio à arte e que mais depende da coregia 75 Quanto aos que procuram sugerir pelo espetáculo não o tremendo mas o monstruoso esses nada produzem de trágico porque da tragédia não há que extrair toda a espécie de prazeres mas tãosó o que lhe é próprio Oracomo o poeta deve procurar apenas o prazer inerente à piedade e ao terror provocados pela imitação bem se vê que é na mesma composição dos fatos que se ingerem tais emoções 76 Consideremos agora quais de entre os eventos do mito parecem de tremer e quais os de se compadecer 77 Ações deste gênero devem necessariamente desenrolarse entre amigos inimigos ou indiferentes Se as coisas se passam entre inimigos não há que compadecernos nem pelas ações nem pelas intenções deles a não ser pelo aspecto lutuoso dos acontecimentos e assim também entre estranhos Mas se as ações catastróficas sucederem entre amigos como por exemplo o irmão que mata ou esteja em vias de matar o irmão ou um filho o pai ou a mãe um filho ou um filho a mãe ou quando aconteçam outras coisas que tais eis os casos a discutir 78 Os mitos tradicionais não devem ser alterados e fazer por exemplo que Clitemnestra não seja assassinada pelo filho e Erífila por Alcmêon Contudo o poeta deve achar e usar artisticamente os dados da tradição Vamos explicar o que entendemos por usar artisticamente 79 É possível que uma ação seja praticada a modo como a poetaram os antigos isto é por personagens que sabem e conhecem o que fazem como a Medéia de Eurípides quando mata os próprios filhos Mas também pode darse que algum obre sem conhecimento do que há de malvadez nos seus atos e só depois se revele o laço de parentesco como no Édipo de Sófocles esta ação é verdade que decorre fora do drama representado mas por vezes o mesmo se dá na própria tragédia como a de Alcmêon na homônima tragédia de Astidamas e a de Telégono no Ulisses Ferido Há um terceiro caso que é o de quem está para cometer por ignorância algo terrível e depois o reconhece antes de agir E além destas não há outras situações tragicamente possíveis Porque age ou não age o ciente ou o ignorante 80 Destes casos o pior é o do sabedor que se apresta a agir e não age é repugnante e não trágico porque sem catástrofe com efeito raramente uma personagem procede como Hêmon para com Creonte na Antígona Vem em segundo lugar o caso do agente sabedor Melhor é todavia o do que age ignorando e que perpetrada a ação vem a conhecêla ação tal não repugna e o reconhecimento surpreende Mas superior a todos é o último por exemplo o que se dá no Cresfonte quando Mérope está para matar o filho e não mata porque o reconhece e na Ifigênia em que a irmã vai matar o irmão e na Hele onde o filho quando vai entregar sua mãe então a reconhece 81 Por esta razão como dissemos antes não há muitas famílias de cuja história se possa tirar argumento de tragédias quando buscavam situações trágicas os poetas as encontraram não por arte mas por fortuna nos mitos tradicionais não tendo mais que acomodálos a seus propósitos eis por que se constrangeram a recorrer à história das famílias em que semelhantes calamidades sucederam 82 Basta o que dissemos quanto à composição dos atos e à qualidade dos mitos XV Caracteres Verossimilhança e necessidade Deus ex machina 83 No respeitante a caracteres a quatro pontos importa visar Primeiro e mais importante é que devem eles ser bons E se como dissemos há caráter quando as palavras e as ações derem a conhecer alguma propensão se esta for boa é bom o caráter Tal bondade é possível em toda categoria de pessoas com efeito há uma bondade de mulher e uma bondade de escravo se bem que o caráter de mulher seja inferior e o de escravos genericamente insignificante 84 Segunda qualidade do caráter é a conveniência há um caráter de virilidade mas não convém à mulher ser viril ou terrível 85 Terceira é a semelhança qualidade distinta da bondade e da conveniência tal como foram explicadas 86 E quarta é a coerência ainda que a personagem a representar não seja coerente nas suas ações é necessário todavia que no drama ela seja incoerente coerentemente 87 Exemplo de maldade de caráter desnecessária o Menelau do Orestes de impropriedade e inconveniência as lamentações de Ulisses na Cila e o discurso de Melanipa paradigma de caráter incoerente é a Ifigênia em Áulis porque a Ifigênia suplicante é muito diversa da Ifigênia que se mostra no fim 88 Tanto na representação dos caracteres como no entrecho das ações importa procurar sempre a verossimilhança e a necessidade por isso as palavras e os atos de uma personagem de certo caráter devem justificarse por sua verossimilhança e necessidade tal como nos mitos os sucessos de ação para ação 89 É pois evidente que também os desenlaces devem resultar da própria estrutura do mito e não do deus ex machina como acontece na Medéia ou naquela parte da Ilíada em que se trata do regresso das naves Ao deus ex machina pelo contrário não se deve recorrer senão em acontecimentos que se passam fora do drama ou nos do passado anteriores aos que se desenrolam em cena ou nos que ao homem é vedado conhecer ou nos futuros que necessitam ser preditos ou prenunciados pois que aos deuses atribuímos nós o poder de tudo verem O irracional também não deve entrar no desenvolvimento dramático mas se entrar que seja unicamente fora da ação como no Édipo de Sófocles 90 Se a tragédia é imitação de homens melhores que nós importa seguir o exemplo dos bons retratistas os quais ao reproduzir a forma peculiar dos modelos respeitando embora a semelhança os embelezam Assim também imitando homens violentos ou fracos ou com tais outros defeitos de caráter devem os poetas sublimálos sem que deixem de ser o que são assim procederam Agatão e Homero para com Aquiles paradigma de rudeza 91 A tudo isto é preciso atender e mais ainda às regras concernentes às sensações que necessariamente acompanham a poesia pois também por este lado muitos erros se cometem De tal assunto porém bastante tratei nos escritos publicados XVI Reconhecimento classificação de reconhecimentos 92 Que seja o reconhecimento dissemolo antes mas de reconhecimentos há várias espécies 93 A primeira e de todas a menos artística se bem que a mais usada por incapacidade inventiva do poeta é a que se efetua por sinais Dos sinais uns são congênitos como a lança que em si trazem os Filhos da Terra ou as estrelas no Tiestes de Cárcino outros são adquiridos e ou se encontram no corpo como as cicatrizes ou fora do corpo como os colares ou aquela cestinha mediante a qual se dá o reconhecimento na Tiro Mas também destes sinais menos artísticos se pode fazer melhor ou pior uso assim Ulisses foi reconhecido de uma maneira pela ama e de outra pelos porqueiros Na verdade são estes sinais usados como meio de persuasão os menos artísticos portanto e em geral todos os reconhecimentos congêneres Melhores são os que resultam de uma peripécia como o reconhecimento na cena do Banho 94 Em segundo lugar vem o reconhecimento urdido pelo poeta e que por isso mesmo também não é artístico Exemplo o modo como Orestes na Ifigênia se dá a conhecer pois enquanto Ifigênia é reconhecida pelo envio da carta diz Orestes o que o poeta quer que ele diga e não o que o mito exige Pelo que cai tal reconhecimento no erro supramencionado pois o mesmo aconteceria se Orestes levasse em si qualquer sinal E outro tanto se diria da voz da lançadeira no Tereu de Sófocles 95 A terceira espécie de reconhecimento efetuase pelo despertar da memória sob as impressões que se manifestam à vista como nos Cipriotas de Diceógenes em que a personagem olhando o quadro rompe em pranto ou na narrativa a Alcínoo em que Ulisses ouvindo o citarista recorda e chora e assim o reconheceram 96 A quarta espécie de reconhecimento provém de um silogismo como nas Coéforas pelo seguinte raciocínio alguém chegou que me é semelhante mas ninguém se me assemelha senão Orestes logo quem veio foi Orestes Reconhecimento por silogismo é também aquele inventado pelo sofista Políido para a Ifigênia porque verossímil seria Orestes discorrer que se a irmã tinha sido sacrificada também ele o havia de ser Outro exemplo é o reconhecimento do Tideu de Teodectes em que o pai diz Venho para salvar meu filho e eu próprio devo morrer Outro exemplo ainda o das Fineidas em que vendo elas o lugar compreenderam seu destino concluindo que nesse lugar morreriam porque ali foram expostas 97 Mas também há o reconhecimento combinado com um paralogismo da parte dos espectadores Por exemplo no Ulisses Falso Mensageiro que Ulisses seja o único que pode tender o arco e nenhum outro senão ele tal é a ficção e hipótese do poeta ainda que em certo momento do drama Ulisses diga que reconheceu o arco sem o ter vistoora o supor que o reconhecimento de Ulisses se efetue deste modo eis o paralogismo 98 De todos os reconhecimentos melhores são os que derivam da própria intriga quando a surpresa resulta de modo natural como é o caso do Édipo de Sófocles e da Ifigênia porque é natural que ela quisesse enviar alguma carta Só os reconhecimentos desta espécie dispensam artifícios sinais e colares Em segundo lugar vêm os que provêm de um silogismo XVII Exortações ao poeta trágico Os episódios na tragédia e na epopéia 99 Deve pois o poeta ordenar as fábulas e compor as elocuções das personagens tendoas à vista o mais que for possível porque desta sorte vendo as coisas claramente como se estivesse presente aos mesmos sucessos descobrirá o que convém e não lhe escapará qualquer eventual contradição Que assim deve ser assinalao a censura em que incorre Cárcino Anfiarau saía do templo mas de tal não se apercebeu o poeta porque não olhava a cena como espectador e o público protestou porque o ofendia a contradição 100 Deve também reproduzir por si mesmo tanto quanto possível os gestos das personagens Mais persuasivos com efeito são os poetas que naturalmente movidos de ânimo igual ao das suas personagens vivem as mesmas paixões e por isso o que está violentamente agitado excita nos outros a mesma agitação e o irado a mesma ira Eis por que o poetar é conforme a seres bem dotados ou a temperamentos exaltados a uns porque plasmável é a sua natureza a outros por virtude do êxtase que os arrebata 101 Quanto aos argumentos quer os que já tenham sido tratados quer os que ele próprio invente deve o poeta dispôlos assim em termos gerais e só depois introduzir os episódios e darlhes a conveniente extensão 102 Que entendo por este dispôlos assim em termos gerais vou mostrálo com o exemplo da Ifigênia Certa donzela no momento de ser sacrificada desaparece aos olhos dos sacrificadores e transportada a terra estranha onde era lei que os forasteiros fossem imolados aos deuses aí foi investida do sacerdócio Pelo tempo adiante sucedeu que o irmão da sacerdotisa arribou àquela terra que a ordem de vir a este lugar provenha da divindade com que intenção a divindade o tenha feito e para que fim ele tenha vindo tudo isso cai fora do entrecho dramático Chegado é preso mas quando ia ser sacrificado foi reconhecido ou à maneira de Eurípides ou à maneira de Políido dizendo Crestes como é plausível que o dissesse que não só a irmã tivera de ser imolada mas também ele o tinha de ser e assim ficou salvo 103 Depois disso e uma vez denominadas as personagens desenvolvemse os episódios Estes devem ser conformes ao assunto como no caso de Orestes o da loucura pela qual foi capturado e o da purificação pela qual foi salvo 104 Nos dramas os episódios devem ser curtos ao contrário da epopéia que por eles adquire maior extensão De fato breve é o argumento da Odisséia um homem vagueou muitos anos por terras estranhas sempre sob a vigilância adversade Poseidon e solitário entretanto em casa os pretendentes de sua mulher lhe consomem os bens e armam traições ao filho mas finalmente regressa à pátria e depois de se dar a reconhecer a algumas pessoas assalta os adversários e enfim se salva destruindo os inimigos Eis o que é próprio do assunto tudo o mais são episódios XVIII Nó e desenlace Tipos de tragédia classificação pela relação entre nó e desenlace Estrutura da epopéia e da tragédia 105 Em toda tragédia há o nó e o desenlace O nó é constituído por todos os casos que estão fora da ação e muitas vezes por alguns que estão dentro da ação O resto é o desenlace Digo pois que o nó é toda a parte da tragédia desde o princípio até aquele lugar onde se dá o passo para a boa ou má fortuna e o desenlace a parte que vai do início da mudança até o fim Assim no Linceu de Teodectes constituem o nó todos os acontecimentos que precedem o rapto da criança o mesmo rapto e ainda a captura dos progenitores e o desenlace vai da acusação de assassínio até o fim 106 Há quatro tipos de tragédia pois quatro são também as suas partes como dissemos a tragédia complexa que consiste toda ela em peripécia e reconhecimento a tragédia catastrófica como as do tipo de Ájax e Íxion a tragédia de caracteres como as Ftiótidas e Peleu e em quarto lugar as episódicas como as Filhas de Fórcis Prometeu e quantas se passam no Hades 107 Os poetas devem esforçarse o mais possível por reunir todos estes elementos ou se não todos pelo menos os mais importantes e a maior parte dadas as críticas a que hoje estão sujeitos porque se os houve excelentes em cada parte constitutiva da tragédia pretendese que um poeta só haja de ultrapassar todos os bons poetas em sua peculiar excelência Ora o que é justo dizer é que pelo mito melhor que por outro elemento se estabelece a igualdade ou a diferença entre as tragédias e que são iguais quando o sejam o nó e o desenlace Porém há muitos que bem tecem a intriga e mal a desenlaçam o que importa é conjugar ambas as aptidões 108 É pois necessário ter presente o que já por várias vezes dissemos e não fazer uma tragédia como se ela fosse uma composição épica chamo composição épica à que contém muitos mitos como seria o caso do poeta que pretendesse introduzir numa só tragédia todo o argumento da Ilíada Na epopéia a extensão que é própria a tal gênero de poesia permite que as suas partes assumam o desenvolvimento que lhes convém enquanto nos dramas o resultado do desenvolvimento seria contrário à expectativa Que bem o mostraram todos os poetas que quiseram incluir em uma tragédia todo o argumento da Ruína de Tróia em vez de uma só parte como o fez Eurípides na Hécuba ou toda a história de Níobe contrariamente ao que fez Esquilo Todos esses poetas falharam ou foram mal sucedidos nos concursos e o próprio Agatão falhou pelo mesmo defeito 109 Quer nas tragédias com peripécia quer nas episódicas podem os poetas obter o desejado efeito mediante o maravilhoso como no caso de um homem astuto porém mau que é enganado como Sísifo ou quando corajoso mas injusto é vencido situações estas tanto mais trágicas e mais conformes ao sentido humano Todas são verossímeis ao modo como o entende Agatão quando diz verossimilmente muitos casos se dão e ainda que contrários à verossimilhança 110 O coro também deve ser considerado como um dos atores deve fazer parte do todo e da ação à maneira de Sófocles e não à de Eurípides Na maioria dos poetas contudo os corais tão pouco pertencem à tragédia em que se encontram como a qualquer outra e por isso desde o exemplo de Agatão é costume cantar interlúdios nas tragédias Mas que diferença haverá entre cantar interlúdios e transpor de uma para outra tragédia recitativos ou episódios inteiros XIX O pensamento Modos da elocução 111 Resta tratar da elocução e do pensamento pois das outras partes da tragédia já falamos 112 O que respeita ao pensamento tem seu lugar na retórica porque o assunto mais pertence ao campo desta disciplina O pensamento inclui todos os efeitos produzidos mediante a palavra dele fazem parte o demonstrar e o refutar suscitar emoções como a piedade o terror a ira e outras que tais e ainda o majorar e o minorar o valor das coisas 113 Evidentemente quando seja mister despertar as emoções de piedade e de terror ou o acrescimento de certas impressões a aceitação de algo como verossímil há que tratar os fatos segundo os mesmos princípios Apenas com uma diferença na poesia os sobreditos efeitos devem resultar somente da ação e sem interpretação explícita enquanto na retórica resultam da palavra de quem fala Pois de que serviria a obra do orador se o pensamento dele se revelasse de per si e não pelo discurso 114 Quanto à elocução há uma parte dela constituída pelos respectivos modos cujo conhecimento é próprio do ator e de quem faça profissão dessa arte que consiste em saber o que é uma ordem ou uma súplica uma explicação uma ameaça uma pergunta uma resposta e outras que tais 115 Assim pelo conhecimento ou desconhecimento destas coisas nenhuma censura digna de consideração se poderá enunciar contra o poeta como tal Pois quem poderia crer que Homero haja incorrido na falta que lhe atribui Protágoras como se dizendo canta ó deusa a ira houvesse pronunciado uma ordem querendo ele exprimir uma súplica Com efeito segundo Protágoras o dizer que se faça ou se não faça uma coisa é uma ordem Mas deixemos esta parte da questão porque é alheia à poética XX A elocução Partes da elocução 116 Quanto à elocução as seguintes são as suas partes letra sílaba conjunção nome verbo artigo flexão e proposição 117 A letra é um som indivisível não porém qualquer som mas apenas qual possa gerar um som composto porque também os animais emitem sons indivisíveis e contudo a esses não os denomino letras 118 As letras dividemse em vogais semivogais e mudas Vogai é a letra de som audível sem encontro dos lábios ou da língua semivogal a que tem um som produzido por esse encontro como o S e o P a muda como o r ou o é a letra que necessita da língua ou dos lábios mas que só vem a ser audível quando unida a uma vogai ou a uma semivogal Depois diferem as letras de cada um destes grupos pela conformação da boca na pronúncia pelo lugar da boca em que se produz o som e ainda conforme são ásperas ou brandas longas ou breves agudas graves ou intermediárias mas estas particularidades são da competência da métrica 119 Sílaba é um som desprovido de significado próprio constituído por muda e soante efetivamente as duas letras ГP produzem uma sílaba seja sem A seja com A como na sílaba TPA Mas também estas distinções pertencem à métrica 120 Conjunção é palavra destituída de significado próprio mas que não obsta nem contribui para que vários sons significativos componham uma única expressão significativa e que se destina por natureza a estar nos extremos ou no meio nunca porém no princípio de uma proposição por exemplo μέν ντοι δέ ou é um som desprovido de significado cuja função é a de reproduzir um único som significativo como αμφι ιερι e semelhantes ou é um som não significativo que indica o início o término ou a divisão no interior de uma proposição 121 Nome é um som significativo composto sem determinação de tempo que não tem nenhuma parte que como parte do todo seja significativa de per si com efeito nos nomes duplos não nos servimos de suas partes como se elas tivessem separadamente um significado assim no nome Θεοδώρώ a parte δώρον não tem significado 122 Verbo é som composto significativo que exprime o tempo e cujas partes como as do nome fora do conjunto não têm significado nenhum Efetivamente os nomes homem branco não exprimem o tempo mas os verbos anda andou exprimemno o primeiro o tempo presente o segundo o passado 123 A flexão tanto pertence ao nome como ao verbo e indica as relações de casos como deste a este ou outras relações que tais ou o singular e o plural como homens e homem ou os modos de expressão de quem fala como a interrogação o comando efetivamente foi vai são flexões do verbo segundo estas últimas espécies 124 A proposição é som composto e significativo do qual algumas partes são de per si significantes porque nem todas as proposições se compõem de nomes e de verbos mas pode haver também uma proposição sem verbo como por exemplo a definição de homem no entanto deve conter sempre uma parte significativa Exemplo de parte significante é o nome Cléon na proposição Cléon anda Uma proposição pode ser una de duas maneiras ou porque indica uma só coisa ou pelo liame que reúne muitas coisas adunandoas E assim a Ilíada é una pelo nexo que reúne as diversas partes e a definição de homem porque se refere a um só objeto XXI A elocução poética 125 Há duas espécies de nomes simples e duplos Simples denomino os que não são constituídos de partes significativas como a palavra terra todos os outros são duplos Estes depois ou são compostos de uma parte não significativa e de uma parte significativa ou de partes ambas significativas notese porém que o ser ou não ser significativo não pertence às partes consideradas dentro do nome E também há nomes triplos quádruplos múltiplos como alguns usados entre os massaliotas Ερμοкαι кοξανος 126 Cada nome depois ou é corrente ou estrangeiro ou metáfora ou ornato ou inventado ou alongado abreviado ou alterado 127 Nome corrente chamo àquele de que ordinariamente se serve cada um de nós estrangeiro aquele de que se servem os outros e por isso é claro que o mesmo nome pode ser ao mesmo tempo estrangeiro e corrente mas como é natural não para as mesmas pessoas assim oíyvvov para os cipriotas é de uso corrente e para nós estrangeiro 128 A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra ou do gênero para a espécie ou da espécie para o gênero ou da espécie de uma para a espécie de outra ou por analogia 129 Transporte do gênero para a espécie é o que se dá por exemplo na proposição Aqui minha nave se deteve pois o estar ancorado é uma espécie do gênero deterse Transporte da espécie para o gênero na proposição Na verdade milhares e milhares de gloriosos feitos Ulisses levou a cabo porque milhares e milhares está por muitos e o poeta se serve destes termos específicos em lugar do genérico muitos Tendolhe esgotado a vida com seu bronze e cortando com o duro bronze são exemplos de transporte de espécie para espécie No primeiro o poeta usou em lugar de cortar esgotar e no segundo em lugar de esgotar cortar mas ambas as palavras especificam o tirar a vida 130 Digo que há analogia quando o segundo termo está para o primeiro na igual relação em que está o quarto para o terceiro porque neste caso o quarto termo poderá substituir o segundo e o segundo o quarto E algumas vezes os poetas ajuntam o termo ao qual se refere a palavra substituída pela metáfora Por exemplo a urna está para Dioniso como o escudo para Ares e assim se dirá a urna escudo de Dioniso e o escudo urna de Ares Também se dá a mesma relação por um lado entre a velhice e a vida e por outro lado entre a tarde e o dia por isso a tarde será denominada velhice do dia ou como Empédocles dirseá a velhice tarde da vida ou ocaso da vida Por vezes falta algum dos quatro nomes na relação analógica mas ainda assim se fará a metáfora Por exemplo lançar a semente dizse semear mas não há palavra que designe lançar a luz do sol todavia esta ação tem a mesma relação com o sol que o semear com a semente por isso se dirá semeando uma chama criada pelo deus Há outro modo de usar esta espécie de metáfora o qual consiste em empregar o nome metafórico negando porém alguma das suas qualidades próprias como acontece se alguém chamar ao escudo não a urna de Ares mas a urna sem vinho 131 O ornato 132 Inventado é o nome que ninguém usa mas que o próprio poeta forjou ao que parece há algumas palavras deste gênero como èpvvyaç em vez de cornos e αρητηρα por sacerdote 133 Há depois os nomes alongados ou abreviados No primeiro caso o nome tem uma vogai mais longa do que a própria ou uma sílaba a mais no segundo é omitida uma parte da palavra Alongada por exemplo é Пοληος em vez de Пολεως e Пηληιαδεω em vez de Пηλειδov nome abreviado e por exemplo кρι δω οψ em μια yívεται αμφοτερων οψ 134 Alterado é o vocábulo do qual uma parte é mantida e outra transformada como δεξιτερον por δεξιον na frase δεξιτερον кατα μειξον 135 Considerados em si mesmos os nomes ou são masculinos ou femininos ou de gênero intermédio Masculinos são os que terminam em N ou P ou Σ ou em letra composta de Σ duas são as letras deste tipo ψ e Ξ femininos os que terminam em vogai sempre longa com He Ω ou em vogal alongada A e assim a soma das terminações masculinas e femininas vem a ser igual porque as terminações em Ξ e ψreduzemse a uma só com Σ Nenhum nome termina em muda ou vogai breve Três são os nomes terminados em I μελι кομμι πεπpi Cinco terminam em Y TO ΠΩV TO Πãvv TO yóvv TO δópv Os nomes de gênero intermédio terminam do mesmo modo e em N e P e Σ XXII A elocução poética críticas à elocução nos poemas homéricos 136 Qualidade essencial da elocução é a clareza sem baixeza Claríssima mas baixa é a linguagem constituída por vocábulos correntes como as composições de Cleofonte e Estênelo Pelo contrário é elevada a poesia que usa de vocábulos peregrinos e se afasta da linguagem vulgar Por vocábulos peregrinos entendo as palavras estrangeiras metafóricas alongadas e em geral todas as que não sejam de uso corrente 137 Mas a linguagem composta apenas de palavras deste gênero será enigma ou barbarismo enigmático se o for só de metáforas bárbara se exclusivamente de vocábulos estrangeiros Porque tal é a característica do enigma coligindo absurdos dizer coisas acertadas o que se obtém não quando se juntam nomes com o significado corrente mas sim mediante as metáforas como no verso vi um homem colando com fogo bronze noutro homem e em outros semelhantes E bárbara é a linguagem composta de nomes estrangeiros 138 Necessária será portanto como que a mistura de toda espécie de vocábulos Palavras estrangeiras metáforas ornatos e todos os outros nomes de que falamos elevam a linguagem acima do vulgar e do uso comum enquanto os termos correntes lhe conferem a clareza 139 Alongamentos e abreviamentos alterações dos nomes contribuem em grande parte para a clareza e elevação do discurso afastados da forma corrente e do uso vulgar fazem esses nomes que a linguagem não seja banal enquanto pela parte que mantêm do uso vulgar subsistirá a clareza 140 Por conseguinte não têm razão os que representam semelhante maneira de falar e ridicularizam o poeta como fez Euclides o Ancião que diz ser fácil o versificar desde que se conceda a liberdade de alongar arbitrariamente as palavras o mesmo Euclides parodiou tais versos em linguagem vulgar 141 É certo que pelo demasiado evidente destes modos se incorre no ridículo e por outro lado a moderação também é necessária nas outras partes do discurso pois metáforas estrangeirismos e outras espécies de nomes impropriamente usados produziriam o mesmo resultado se de propósito nos servíssemos deles para provocar o riso 142 Mas quanto seja diferente o uso moderado dessas palavras é o que facilmente se verifica na poesia épica se inserirmos nos versos vocábulos correntes Quanto a palavras estrangeiras metáforas e outras espécies de nomes raros verse á que dizemos a verdade se as substituirmos por palavras de uso comum Por exemplo Esquilo e Eurípedes compuseram c mesmo verso jâmbico mas Eurípedes mudou um só vocábulo pôs uma palavra estrangeira no lugar de uma palavra corrente e assim fez um verso belo ao passo que o de Ésquilo é verso medíocre Com efeito no Filoctetes Ésquilo escrevera φαγεδαιυαυ δ ή μου σαρкας εσυιει e Eurípides em lugar de εσυιει pôs υοιναται E assim também no verso vυν δε μ εων òλιγος τε se alguém substituísse os vocábulos de uso comum e dissesse vυν δε μ εων òλιγος τε кα E neste outro ôítppov àeinéλiov kataveiç τε da substituição resultaria òuppov ixoxripòv кaraâe μιкpáv τε πpaπεξανv E em vez de ήισνες δσοωσυ ήισνες βσοωσυ 143 Arífrades por seu turno parodiava os trágicos por usarem eles expressões de que ninguém se serve na linguagem corrente escrevendo por exemplo δωματωυ απο e não aπo δςπξτων e oédev e èτv ôé vw e Axcλλèwç népi em vez de nepι Axiλλeωç Mas o emprego destas locuções ainda que elas se não encontrem na linguagem vulgar dá elevação ao estilo e isso não viu Arífrades 144 Grande importância tem pois o uso discreto de cada uma das mencionadas espécies de nomes de nomes duplos e de palavras estrangeiras maior todavia é a do emprego das metáforas porque tal se não aprende nos demais e revela portanto o engenho natural do poeta com efeito bem saber descobrir as metáforas significa bem se aperceber das semelhanças 145 Dos vários nomes os duplos são os mais apropriados aos ditirambos os vocábulos estrangeiros aos versos heróicos e as metáforas aos versos jâmbicos Porém nos versos heróicos todas as espécies de vocábulos são utilizáveis nos jâmbicos ao invés e porque neles se imita a linguagem corrente mais convém os nomes que todos adotam na conversação a saber nomes correntes metáforas e ornatos 146 Basta o que dissemos quanto à tragédia e à imitação que se efetua mediante ações XXIII A poesia épica e a poesia trágica As mesmas leis regem a epopéia e a tragédia Homero 147 Quanto à imitação narrativa e em verso é claro que o mito deste gênero poético deve ter uma estrutura dramática como o da tragédia deve ser constituído por uma ação inteira e completa com princípio meio e fim pára que una e completa qual organismo vivente venha a produzir o prazer que lhe é próprio 148 Também é manifesto que a estrutura da poesia épica não pode ser igual à das narrativas históricas as quais têm de expor não uma ação única mas um tempo único com todos os eventos que sucederam nesses períodos a uma ou a várias personagens eventos cada um dos quais está para os outros em relação meramente casual Com efeito a batalha naval de Salamina e a derrota dos cartagineses na Sicília desenvolveramse contemporaneamente sem que estas ações tendessem para o mesmo resultado e por outro lado às vezes acontece que em tempos sucessivos um fato venha após outro sem que de ambos resulte comum efeito No entanto a maioria dos poetas adota este procedimento 149 Por isso como já dissemos também por este aspecto Homero parece elevarse maravilhosamente acima de todos os outros poetas não quis ele poetar toda a guerra de Tróia se bem que ela tenha princípio e fim o argumento teria resultado vasto em demasia e portanto não seria compreendido no conjunto ou então se fosse moderadamente extensa também seria demasiado complexa pela variedade dos acontecimentos Eis por que desses acontecimentos apenas tomou uma parte e de muitos outros se serviu como episódios assim com o Catálogo das Naves e tantos outros que distribuiu pelo poema 150 Os outros poetas todavia compuseram seus poemas ou acerca de uma pessoa ou de uma época ou de uma ação com muitas partes como por exemplo o autor dos Cantos Cíprios e da Pequena Ilíada Por isso enquanto da Ilíada e da Odisséia não é possível extrair de cada uma delas senão uma tragédia ou duas quando muito dos Cantos Cíprios ao invés muitas se podem tirar e da Pequena Ilíada mais de oito Juízo das Armas Filoctetes Neoptólemo Eurípilo Ulisses Mendigo Lacedemônias Ruína de Tróia Partida das Naves Símon e Troianas XXIV Diferença entre a epopéia e a tragédia quanto a episódios e extensão 151 As mesmas espécies que a tragédia deve apresentar a epopéia a qual portanto será simples ou complexa ou de caracteres ou catastrófica e as mesmas devem ser as suas partes exceto melopéia e espetáculo cênico Efetivamente na poesia épica também são necessários os reconhecimentos as peripécias e as catástrofes assim como a beleza de pensamento e de elocução coisas estas de que Homero se serviu de modo conveniente De tal maneira são constituídos os seus poemas que a Ilíada é simples episódica e catastrófica e a Odisséia complexa toda ela é reconhecimentos e de caracteres além de que em pensamento e elocução superam todos os demais poemas 152 Mas diferem a epopéia e a tragédia pela extensão e pela métrica 153 Quanto à extensão justo limite é o que indicamos a apreensibilidade do conjunto de princípio a fim da composição Mas para não exceder tal limite deveria a estrutura dos poemas ser menos vasta do que a das antigas epopéias e assumir a extensão que todas juntas têm as tragédias representadas num só espetáculo Para aumentar a extensão possui a epopéia uma importante particularidade Na tragédia não é possível representar muitas partes da ação que se desenvolvem no mesmo tempo mas tãosomente aquela que na cena se desenrola entre os atores mas na epopéia porque narrativa muitas ações contemporâneas podem ser apresentadas ações que sendo conexas com a principal virão acrescer a majestade da poesia Tal é a vantagem do poema épico que o engrandece e permite variar o interesse do ouvinte enriquecendo a matéria com episódios diversos porque do semelhante que depressa sacia vem o fracasso de tantas tragédias 154 Quanto à métrica prova a experiência que é o verso heróico o único adequado à epopéia efetivamente se alguém pretendesse compor uma imitação narrativa quer em metro diferente do heróico quer servindose de metros vários logo se aperceberia da inconveniência da empresa Na verdade o verso heróico é o mais grave e o mais amplo e portanto melhor que qualquer outro se presta a acolher vocábulos raros e metafóricos também por este aspecto a imitação narrativa supera as outras Pelo contrário são o trímetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico mais movimentados este convém à dança e aquele à ação Empreendendo pois misturar versos de toda casta como o fez Querémon extravagante seria o resultado eis por que ninguém se serviu nunca de verso que não fosse o heróico para compor um poema extenso Como dissemos a própria natureza nos ensinou a escolher o metro adequado 155 Homero que por muitos outros motivos é digno de louvor também o é porque entre os demais só ele não ignora qual seja propriamente o mister do poeta Porque o poeta deveria falar o menos possível por conta própria pois assim procedendo não é imitador Os outros poetas pelo contrário intervém em pessoa na declamação e pouco e poucas vezes imitam ao passo que Homero após breve intróito subitamente apresenta varão ou mulher ou outra personagem caracterizada nenhuma sem caráter todas as que o têm 156 O maravilhoso tem lugar primacial na tragédia mas na epopéia porque ante nossos olhos não agem atores chega a ser admissível o irracional de que muito especialmente deriva o maravilhoso Em cena ridícula resultaria a perseguição de Heitor os guerreiros que se detêm e o não perseguem e Aquiles que lhes faz sinal para que assim se quedem Mas na epopéia tudo passa despercebido Grato porém é o maravilhoso prova é que todos quando narram alguma coisa amplificam a narrativa para que mais interesse 157 Aos outros poetas também Homero ensinou o modo de dizer o que é falso refirome ao paralogismo Porque os homens crêem que quando do existir ou produzirse alguma coisa resulta o produzirse outra também da existência da última se há de seguir a existência ou produção da primeira Isto porém é falso No entanto se há um antecedente falso e um conseqüente que existe ou se produz sempre que o antecedente seja verdadeiro nós reunimolos porque o saber que o segundo é verdadeiro leva a nossa mente à arbitrária conclusão de que verdadeiro seja também o primeiro Exemplo de paralogismo tal é a cena do Banho 158 De preferir às coisas possíveis mas incríveis são as impossíveis mas críveis contudo não deveriam os argumentos poéticos ser constituídos de partes irracionais preferível seria que nada houvesse de irracional ou pelo menos que o irracional apenas tivesse lugar fora da representação como por exemplo a ignorância de Édipo quanto à morte de Laio e não dentro do próprio drama como a descrição dos Jogos Píticos na Electra ou a personagem que nos Misios vinda de Tegéia para a Mísia não diz palavra Ridículo é pois declarar que sem irracional não subsistiria o mito em primeiro lugar nem tais mitos se deveriam compor mas se um poeta os fizer de modo que pareçam razoáveis esses ainda serão admissíveis ainda que absurdos Na verdade tudo quanto de irracional acontece no desembarque de Ulisses inaceitável seria em obra de mau poeta os absurdos porém Homero os ocultou sob primores de beleza 159 Importa por conseguinte aplicar os maiores esforços no embelezamento da linguagem mas só nas partes desprovidas de ação de caracteres e de pensamento uma elocução deslumbrante ofuscaria caracteres e pensamento XXV Problemas críticos 160 Assunto esclarecido será o dos problemas e soluções de quantas e quais as suas formas se o encararmos do modo seguinte 161 O poeta é imitador como o pintor ou qualquer outro imaginário por isso sua imitação incidirá num destes três objetos coisas quais eram ou quais são quais os outros dizem que são ou quais parecem ou quais deveriam ser Tais coisas porém ele as representa mediante uma elocução que compreende palavras estrangeiras e metáforas e que além disso comporta múltiplas alterações que efetivamente consentimos ao poeta 162 Acresce ainda que não é igual o critério de correção na poética e na política e semelhantemente o de qualquer outra arte em confronto com a poesia Na arte poética erros de duas espécies se podem dar essenciais ou acidentais Portanto se propostos tais objetos a imitação resulta deficiente por incapacidade do poeta o erro é intrínseco à própria poesia se pelo contrário o defeito consiste apenas em não haver concebido corretamente o objeto da imitação como querendo imitar um cavalo que movesse a um tempo as duas patas do lado direito o erro não é intrínseco à poesia como o não é qualquer que se cometa relativamente a uma arte particular medicina ou outra ou quando se representam coisas impossíveis 163 Importa por conseguinte resolver as críticas que os problemas contêm considerandoas dos pontos de vista precedentes 164 Primeiro vejamos as críticas respeitantes à própria arte O poeta representou impossíveis Ê um erro desculpável contudo se atingiu a finalidade própria da poesia da finalidade já falamos e se de tal maneira resultou mais impressionante essa parte do poema ou outra qualquer Exemplo a perseguição de Heitor Mas caso possa atingir mais ou menos a mesma finalidade respeitando as regras da arte o erro é injustificável porque sendo possível não deveria haver erro nenhum 165 Mas então vejamos será o erro cometido daqueles que ofendem a essência da arte ou não será antes um erro acidental à poesia Pois falta menor comete o poeta que ignore que a corça não tem cornos que o poeta que a represente de modo não artístico 166 Além disso quando no poeta se repreende uma falta contra a verdade há talvez que responder como Sófocles que representava ele os homens tais como devem ser e Eurípides tais como são E depois caberia ainda responder os poetas representam a opinião comum como nas histórias que contam acerca dos deuses essas histórias talvez não sejam verdadeiras nem melhores talvez as coisas sejam como pareciam a Xenófanes no entanto assim as contam os homens 167 Outros casos há que os poetas referem não como sendo o melhor mas como o que fora outrora assim quando se diz das armas as lanças erguidas sobre os contos então vigorava o uso que os ilírios mantêm ainda 168 Para reconhecer se bem ou mal falou ou agiu uma personagem importa que a palavra ou o ato não sejam exclusivamente considerados na sua elevação ou baixeza é preciso também observar o indivíduo que agiu ou falou e a quem quando como e para quê se para obter maior bem ou para evitar mal maior 169 Outras dificuldades se resolvem bem considerada a elocução Assim a daquela passagem os machos primeiro porque não queria o poeta falar de machos mas de sentinelas e assim de Dólon dizendo o poeta mau ele era de aspecto não entende por isso que disforme era o corpo dele mas apenas feio de rosto efetivamente dizem os de Creta belo de aspecto por rosto belo E mistura mais forte deve ser entendido não como servir mais puro como se de beberrões se tratasse mas de servir mais depressa 170 Outras palavras se dizem metaforicamente Por exemplo Todos deuses e homens dormiam ainda pela noite alta diz o poeta e logo a seguir quando lançava os olhos sobre a planície de Tróia admirava o tumultuoso som das flautas e das siringes É que todos está por muitos metaforicamente porque todos é uma espécie de muitos Também só ela está excluída de banharse no Oceano há de entender se como metáfora só está por o mais conhecido 171 Com a prosódia resolvemse outras dificuldades assim explicava Hípias de Taso aquele glória nós lhe daremos e parte do qual apodrece com a chuva 172 Outras por diérese como os versos de Empédocles Mas depressa se tornaram mortais as coisas antes imortais e misturadas as que antes eram simples 173 E outras por anfibolia a maior parte da noite passou em que maior parte tem duplo sentido 174 Enfim outras se explicam por usos da linguagem À mistura de água e vinho chamam vinho e assim disse Homero cnêmide de recémelaborado estanho e porque se dá o nome de elaboradores de estanho aos que trabalham o ferro assim ele disse também de Ganimedes que a Zeus servia vinho se bem que os deuses não bebam vinho Mas isto também se poderia explicar por uso metafórico 175 Se o nome contém uma significação contraditória é mister procurar quantos significados ele pode assumir na frase em questão Por exemplo em aqui se deteve a brônzea lança importa verificar de quantas maneiras pode ser entendido o ali haver parado A consideração das várias possibilidades significativas é procedimento oposto àquele de que fala Glauco Alguns críticos partem de prevenida e absurda opinião depois raciocinam concluindo pela censura como se o poeta tivesse pensado algo de contraditório ao pressuposto deles E o que se verifica a propósito de Icário supondose que ele fosse lacedemônio logo se concluiu que era absurdo Telêmaco não o haver encontrado quando chegou a Esparta Talvez porém o caso se passasse como referem os cefalênios que tendo Ulisses contraído núpcias na terra deles o nome do herói seja Icádio e não Icário É pois verossímil que o problema nasça de um erro 176 Em suma o absurdo deve ser considerado ou em relação à poesia ou ao melhor ou à opinião comum 177 Com efeito na poesia é de preferir o impossível que persuade ao possível que não persuade Talvez seja impossível existirem homens quais Zêuxis os pintou esses porém correspondem ao melhor e o paradigma deve ser superado E depois a opinião comum também justifica o irracional além de que às vezes irracional parece o que o não é pois verossimilmente acontecem coisas que inverossímeis parecem Expressões aparentemente contraditórias importa examiná las como nas refutações dialéticas verificar se do mesmo se trata na mesma relação e no mesmo sentido e analogamente se o poeta cai em contradição com o que ele próprio diz ou com o que sobre o que ele diz pensa uma mente sã 178 Censuras por absurdo ou malvadez só são justas quando o poeta sem necessidade usa do irracional como Eurípides na intervenção de Egeu ou de maldade como Menelau no Orestes 179 As críticas resumemse pois a cinco espécies ou porque as representações são impossíveis ou irracionais ou imorais ou contraditórias ou contrárias às regras da arte As soluções devem reduzirse aos argumentos indicados e são doze XXVI A epopéia e a tragédia A tragédia supera a epopéia 180 E agora poderseia perguntar qual seja superior se a imitação épica ou a imitação trágica 181 Se é melhor a menos vulgar e tal é a arte que a melhores espectadores se dirige decerto que vulgar é aquela que tudo imita Efetivamente pela rudeza de um público que sem mais não entenderia a representação entregamse os atores a toda casta de movimentos como o fazem os maus flautistas que rodopiam querendo imitar o lançamento do disco ou arrastam o corifeu quando representam a Cila A tragédia teria pois o defeito que os antigos atores atribuem aos da sucessiva geração defeito pelo qual Minisco apelidava Calípides de macaco devido à sua exagerada gesticulação e o mesmo se dizia de Píndaro Como estes atores vulgares estão para os primeiros assim toda a arte dramática estaria para a epopéia Dizem que a epopéia se dirige a um público elevado porque não exige a exterioridade dos gestos e a tragédia aos rudes e que sendo vulgar decerto que é inferior 182 Em primeiro lugar digamos que tal censura não atinge a arte do poeta mas sim a do ator visto que também é possível exagerar a gesticulação recitando rapsódias como Sosístrato ou cantando poemas líricos como Mnasíteo de Oponte E depois que nem toda espécie de gesticulação é de reprovar se não reprovamos a dança mas tãosomente a dos maus atores que tal se repreendia em Calípides e agora nos que parecem imitar os meneios de mulheres ordinárias Acresce ainda que a tragédia pode atingir a sua finalidade como a epopéia sem recorrer a movimentos pois uma tragédia só pela leitura pode revelar todas as suas qualidades Por conseguinte se noutros aspectos a tragédia supera a epopéia não é necessário que este defeito lhe pertença essencialmente 183 Mas a tragédia é superior porque contém todos os elementos da epopéia chega até a servirse do metro épico e demais o que não é pouco a melopéia e o espetáculo cênico que acrescem a intensidade dos prazeres que lhe são próprios Possui ainda grande evidência representativa quer na leitura quer na cena e também a vantagem que resulta de adentro de mais breves limites perfeitamente realizar a imitação resulta mais grato o condensado que o difuso por largo tempo imaginese por exemplo o efeito que produziria o Édipo de Sófocles em igual número de versos que a Ilíada Além disso a imitação dos épicos é menos unitária demonstrao a possibilidade de extrair tragédias de qualquer epopéia e portanto se pretendessem eles compor uma epopéia com argumento em um único mito trágico se quisessem ser concisos mesquinho resultaria o poema se quisessem conformarse às dimensões épicas resultaria prolixo Quando falo de poesia épica como constituída de múltiplas ações refirome a poemas quais a Ilíada e a Odisséia com várias partes extensas todas elas se bem que estes dois poemas sejam de composição quase perfeita e tanto quanto possível imitações de uma ação única 184 Por conseqüência se a tragédia é superior por todas estas vantagens e porque melhor consegue o efeito específico da arte posto que o poeta nenhum deve tirar da sua arte que não seja o indicado é claro que supera a epopéia e melhor que esta atinge a sua finalidade 185 Falamos pois da tragédia e da epopéia delas mesmas e das suas espécies e partes número e diferenças dessas partes das causas pelas quais resulta boa ou má a poesia das críticas e respectivas soluções Dos jambos e da comédia COMENTÁRIO CAP I 1 Hesitam tradutores e comentadores quanto à palavra poietiké Tratase de poesia ou de arte poética Bonitz p 610 a assinala a sinonímia Gudeman p 75 repele a versão Dichtkunst que não daria sentido tolerável Rostagni aduz que poética em Aristóteles é sempre um abstrato arte da poesia e poesia sempre um concreto criação poética Mas a questão é de somenos quando se entenda que Aristóteles no seu tempo tinha de propor a equação poesia arte poética e não podemos atribuirlhe anacronicamente o vago sentido em que hoje se diria por exemplo there is more poetry in one short piece of Eliot than in all of Wordsworth Else Poetics p 4 dela mesma da poesia ou da arte poética no seu todo genericamente a seguir virão as suas espécies epopéia tragédia comédia ditirambo e nomo em 47 a 13 Mais tarde tratará dos poetas isto é após a ars caps IXII o artifex caps XIIIXXV efetividade ou potencialidade que uma vez atualizada em cada uma das espécies de poesia vem a constituir o érgon ou o efeito que lhe é próprio na tragédia este será o prazer resultante da imitação de casos que suscitam terror e piedade 53 a 1 quantos referese às partes quantitativas mencionadas no capítulo XII quais às partes ou elementos qualitativos enumerados no capítulo VI mito caráter pensamento elocução melopéia e espetáculo Mas em primeiro lugar vem a composição dos atos mito intriga pois o mito é como que a alma da tragédia 50 a 37 a finalidade o princípio o elemento mais importante cf índice Analítico s v MITO tudo quanto pertence a esta indagação alude à matéria dos capítulos IIIV e XIXXX que margina o núcleo da obra teoria da arte poética com algumas considerações acerca de história literária e crítica verbal começando pelas coisas primeiras é expressão quase formular em Aristóteles Gudeman p 78 a indagação méthodos procede naturalmente do geral para o particular cf Argumentos Sof I p 164 a 23 Fis I 7 p 189 b 3 1 Ger Anim I 8 p 325 a 2 II 4 p 737 b 25 etc coisas primeiras o mais importante é a causa final a própria imitação sobre a qual efetivamente A vai discorrer nos cinco primeiros capítulos da Poética 2 Da enumeração das espécies ou formas de poesia epopéia tragédia comédia ditirambo no final do capítulo A acrescenta o nomo é excluído o lirismo porque este entraria mais propriamente no campo da arte musical Mas o ditirambo entoado ao som do aulós e o nomo acompanhado pela kithára haviam assumido no século IV o caráter dramático que reconhecemos já bem desenvolvido nos poemas de Timóteo cf J M Edmonds Lyra Graeca vol III Lond 1945 pp 280 ss e Filóxeno ibid pp 340 ss e em germe no Teseu de Baquílides ibid pp 99 ss cf Gudeman p 79 Por isso a maior parte da aulética e da citarística vem juntarse aqui à tragédia e à comédia só ficando à parte as espécies líricas puramente musicais ou as que o teriam sido antes de assumirem as características dramáticas de que se revestiram talvez por influência da tragédia Em todo o caso não é este ditirambo moderno o que teria dado origem à tragédia cf cap IV p 49 a 9 coment ao 20 por três aspectos sendo a poesia geral ou genericamente imitação diferem as suas espécies em conformidade com os aspectos sob os quais se considerem e distingam as ações imitativas o imitador imita ou 1 com meios diversos ou 2 coisas diversas ou 3 de modo diverso O resto do cap I será dedicado aos meios o II tratará dos objetos e o III dos modos Aristóteles analisa o conceito de imitação artística seguindo uma escala hierárquica ascendente começando pelo elemento distintivo mais material e menos significativo e terminando pelo menos material e mais importante Else 17 O final da frase e não do mesmo modo seria um pleonasmo típico de A Rostagni ad locum ou mais provavelmente o não do mesmo modo relacionarseia com cada uma das três diferenças e não apenas com a última Gudeman 3 A primeira diferença é introduzida por uma comparação tal como os artistas plásticos pintores e escultores não esqueçamos que a escultura na Grécia era colorida se servem de cores e figuras assim poetas músicos e dançarinos usam o ritmo a harmonia e a linguagem Mas no primeiro termo da comparação também há outros imitadores aqueles que imitam com a voz Pareceria por conseguinte que já aí estão implicitamente contidas todas as artes da palavra quer as que se servem apenas da linguagem e que são as artes anônimas de 47 b 2 poesia épica e dramática quer as que usam linguagem e harmonia conjuntamente poesia lírica Os comentadores Gudeman Else lembram a propósito algumas palavras esclarecedoras da Retórica sobretudo III 1 p 1404 a 21 que menciona a hypókrisis arte do ator em termos which are strongly reminiscent of our passage Else 20 Como era natural foram os poetas quem primeiro se ocupou da questão dado que as palavras são uma imitação Daí procedem igualmente técnicas a do rapsodo do comediante hypokritiké e outras trad de A Pinto de Carvalho Portanto as artes comparadas imitação com cores e figuras e imitação com a voz não com a linguagem mas só com o suporte sonoro do lógos encontramse juntas de um lado e do lado oposto só a arte até hoje inominada da imitação pela palavra Em suma na opinião bastante plausível de Else Aristóteles teria estabelecido aqui pela primeira vez na Grécia clássica uma parcial distinção entre poesia e música Else p 37 Mas é claro que esta interpretação só é viável se suprimirmos a interpunção forte tradicional entre os dois parágrafos na nossa versão entre 47 a 17 e 47 a 27 e o texto traduzido possa decorrer aproximadamente do seguinte modo efetivamente a tradução de Else Primeiro do mesmo modo como alguns também imitam muitas coisas fazendo imagens delas com cores e figuras uns por arte outros por hábito ou rotina enquanto outros o fazem com a voz assim no caso das supramencionadas artes todas elas realizam a imitação por meio do ritmo linguagem e melodia mas usando as duas últimas separada ou conjuntamente por exemplo a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres como a siríngica usando só do ritmo e da melodia e a arte dos dançarinos imita usando apenas o ritmo sem melodia porque também estes por meio de seus ritmos incorporados em figurasdedança imitam caracteres experiências e ações e a outra epopéia usando só prosa ou versos sem música e no último caso misturando versos ou servindose de alguns de particular espécie uma arte que acontece ser anônima até à presente data 4 mimos de Sófron e Xenarco cf índice Onomástico s vv SÕFRON e SOCRÁTICOS diálogos Nesta passagem deparamsenos indiscutíveis reminiscências do diálogo Dos Poetas que Ateneu XI p 505 C Arist frg 72 Rose Dos Poetas frg 3 Ross cita deste modo Portanto não podemos negar que mesmo os chamados mimos de Sófron que não foram compostos em verso sejam diálogos lógous ou que os diálogos de Alexâmeno de Teo os primeiros diálogos socráticos que se escreveram sejam imitações e assim o sapientíssimo Aristóteles expressamente declara que Alexâmeno escreveu diálogos antes de Platão E Diógenes Laércio III 48 32 Dizem que foi Zenão de Eléia o primeiro que escreveu diálogos Mas segundo Favorino em suas Memorabilia assevera Aristóteles no diálogo Dos Poetas que o primeiro foi Alexâmeno de Teo Ao que me parece todavia foi Platão quem levou à perfeição esta forma literária pelo que justamente mereceria o primeiro lugar quer pela invenção do gênero quer pela beleza que lhe conferiu A maioria dos comentadores da Poética Rostagni Gudeman Else denunciam nestes fragmentos a mal disfarçada polêmica de A contra Platão e a ironia com que o discípulo insinua que também o Mestre grande artista e exímio imitador devia ser excluído da sua República em que não dera lugar para os poetas dramáticos Na verdade a polêmica seria evidente no diálogo Dos Poetas em que A parece haver chegado a afirmar que Platão nem sequer fora o inventor do gênero Mas a lição incomparavelmente mais importante tanto nesta passagem como no cap IX é a independência do conteúdo poético em relação à forma métrica e por conseguinte a indistinção formal entre prosa e verso que vêm a subordinarse ambos à essência imitativa da poesia 5 Do que precede também resulta a subseqüente alusão a Empédocles nada há de comum entre Homero e Empédocles a não ser a metrificação Tratase de outra reminiscência do diálogo Dos Poetas Aristóteles no diálogo Dos Poetas diz que Empédocles foi homérico hábil na elocução grande nas metáforas e em todos os outros meios de que se serve a poesia Dióg Laérc VIII 57 Arist frg 70 Rose Dos Poetas frg 2 Ross Houve naturalmente quem visse flagrante contradição entre estas duas referências de A a Empédocles e por conseguinte mais um sinal de que o Estagirita alterara profundamente o seu conceito de poesia no tempo que separa a publicação do diálogo de juventude e a redação do livro acroamático Mas a contradição dissolvese de pronto se considerarmos que na referência de Diógenes Laércio o elogio que A faz a Empédocles incide apenas na elocução somente no estilo e portanto na Poética vem a dizer o mesmo que dizia no Dos Poetas from the negative sideElse 51 Não há que negar todavia que o juízo negativo no que concerne à autêntica poesia que resplandece nas obras de Empédocles revela a própria limitação das poéticas antigas e em particular da poética de Aristóteles ao cingír a arte à mimese da ação de agentes humanos Em todo o caso não há dúvida de que Empédocles mereceu a Aristóteles especialíssimo interesse como o prova o elevado número de citações e alusões a seus poemas em todo o Corpus Aristotelicum A título de curiosidade referimos a estatística que Else p 50 n 194 extrai do Index de Bonitz Empédocles 133 linhas de referências Homero 125 mas muito mais referências individuais Eurípides 52 Sófocles 27 Hesíodo 20 Epicarmo 11 Ésquilo 9 Píndaro 4 Arquíloco 4 Safo 3 Alceu 2 quanto a filósofos Platão 217 Pitágoras e pitagóricos 109 Heráclito 33 Parmênides 20 Xenófanes 14 Como se verifica Empédocles só é ultrapassado por Homero e Platão Aliás o juízo de Aristóteles sobre Empédocles como muito bem observa o mesmo comentador também poderia ter resultado por uma explicável reação do filósofo contra o evidente abuso do didatismo poético na Grécia 6 Nas duas primeiras ditirambo e nomo os três meios ritmo canto e metro são usados ao mesmo tempo através do poema inteiro ao passo que na tragédia e na comédia o canto só intervém nas partes líricas nos corais CAP II 7 Else p 69 faz notar que excluindo Aristóteles firmemente qualquer interesse primário pelo caráter o que é evidente noutras passagens da Poética por exemplo em 50 a 16 na tragédia não agem as personagens para imitar caracteres mas assumem caracteres para que efetuem a ação as primeiras linhas do capítulo deveriam entenderse e traduzirse do modo seguinte E como os imitadores imitam homens em ação práttontas e tais pessoas são necessariamente indivíduos de alto ou baixo caráter porque eles e eles somente isto é os homens em ação quase sempre desenvolvem caracteres definidos eles os imitadores imitam homens ou acima ou abaixo da média como o fazem os pintores Pois Polignoto pintava indivíduos melhores que a média e Pausonpessoas que eram piores Entre as palavras da versão de Else não inscrevemos as três expressões parentéticas que na nossa tradução vêm a ser 1 e quanto a caráter todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude 2 ou iguais a nós 3 Dionísio representavaos semelhantes a nós Na primeira já Gudeman p 461 Apêndice Crítico suspeitava da interpolação de uma nota marginal ethischen Gemeinplatz Else p 69 ss também suspeita das duas seguintes e ao que nos parece com bem fundamentados motivos sendo o primeiro e principal o fato de em todo o texto da Poética não haver outro lugar em que se desenvolva ou onde se aluda sequer a parte da doutrina que devia incidir sobre a imitação de pessoas iguais ou semelhantes a nós A ou tratará no I Livro da imitação da ação de homens superiores tragédia e epopéia ou no II Livro da imitação da ação de homens inferiores a nós ou abaixo da média Assim sendo ou Dionísio é o pintor mencionado por Eliano Var Hist IV 3 como contemporâneo de Polignoto que imitava as obras deste com precisão mas sem grandeza ou é o pintor citado por Plínio Hist Nat 35 148 o anthropographus que viveu em Roma no tempo da juventude de Varrão ca 100 aC No segundo caso a interpolação seria evidente Se se trata do contemporâneo de Polignoto as duas últimas passagens presumivelmente interpoladas poderiam não sêlo e o verdadeiro sentido da referência de A a Dionísio seria então que a semelhança ou a igualdade diz respeito a uma deficiência da imitação e não aos caracteres imitados Acrescentese que a referência a Cleófon na Retórica cf índice Onomástico s v depõe favoravelmente no sentido desta última interpretação A dicotomia indivíduos de elevada ou de baixa índole tem evidentemente um significado moral não todavia no sentido platônico e muito menos no sentido cristão Else p 77 No sentido grego clássico a partir de Homero os homens de elevada índole só podem ser os heróis e os de baixa índole a multidão 8 Cf índice Onomástico s vv CLEOFON HEGEMON NICOCARES ARGAS TIMÓTEO FILOXENO 9 Cf anotação ao 7 CAP III 10 Depois dos meios e dos objetos vêm os modos como se efetua a imitação A divisão da poesia mimética em três gêneros 1 narrativo diegmatikón ou apaggeltikón 2 dramático dramatikón ou mimetikón e 3 misto ou comum miktán ou koinón tornouse clássica mas provavelmente não antes da difusão das doutrinas peripatéticas E certo que antes de A temos a tripartição platônica que se desenvolve na República III pp 392a 394d mas apesar de Finsler e Bywater que não pouparam esforços e engenho para demonstrar os plágios de A não é possível concluir que a teoria aristotélica se deve inteiramente ao ensino da Academia Contra semelhante pressuposto basta invocar o fato de A incluir o gênero narrativo como parte da poesia mimética cf Gudeman ad locum p 104 Como dissemos a classificação é unanimemente adotada pelos gramáticos antigos cf na Grécia Proclo Schol Dionys Thrax p 450 Hilg e o anônimo autor dos prolegomena a Hesíodo p 5 8 Gaisford e em Roma Diomedes excerto de Varrão poematos genera sunt tria activum est vel imitativum quod Graeci dramaticon vel mimeticon appellant in quo personae loquentes introducuntur ut se habent tragoediae et comicae fabulae et prima bucolicon aut enerrativum quod Graeci exegematicon vel apaggelticon appellant in quo poeta ipse loquitur sine ullius personae interlocutione ut se habent três libri Georgici et pars prima quarti ita Lucretii carmina aut commune vel mixtum quod graece koinón vel miktón dicitur in quo poeta ipse loquitur et personae loquentes introducuntur ut est scripta Ilias et Odyssia Homeri et Aeneis Vergilii cf outros testemunhos em Gudeman pp 1045 Else pp 9899 No entanto também há vestígios de uma dipartição aristotélica v Tra tactus Coislimianus em Cantarella Prolegomini p 33 sem o gênero misto ou comum 11 No texto do presente parágrafo encontramse sinais de um curioso litígio decerto suscitado pelos brios patrióticos dos gramáticos de Atenas e do Peloponeso A primeira frase dizem também que usam o verbo drán práttein É claro que A não toma partido nem assume a responsabilidade das etimologias mencionadas em favor da origem dórica da comédia e da tragédia alguns pode referirse como muitas vezes acontece em textos aristotélicos a um só autor e como Gudeman o sugere p 10 não é impossível que neste passo o autor aludido seja Dicearco o próprio discípulo de A bem conhecido pelo seu patriotismo dórico que demonstra nos fragmentos e nos testemunhos existentes acerca das suas obras v também Else p 108 n 51 Por outro lado se é certo que nesta passagem também acodem algumas reminiscências da doutrina exposta no De Poetis o que se deduziria do confronto destas linhas da Poética com um passo de Temístio Orat XXXVII p 337 B referindo a mesma origem siciliana da comédia e a mesma origem peloponesica da tragédia talvez A pendesse realmente para não recusar toda a veracidade às pretensões dos dórios Do lado de Atenas ou da Atica os nomes que se opunham às reivindicações dóricas eram Téspis para a invenção da tragédia e Susárion para a invenção da comédia cf Clem Alex Stromat I 79 1 embora este último não seja ático e possa ter sido um nome forjado para apoiar a tese da origem megarense da comédia cujo campeão segundo Wilamowitz foi Diêuquidas de Mégara contemporâneo de Aristóteles CAP IV 13 Depois de haver discorrido sobre as espécies A volta a falar do gênero mais precisamente das causas e da história da poesia como um todo Em geral portanto as causas da poesia são duas Qual seja a primeira ê o que se encontra claramente expresso no nosso texto o imitar é congênito no homem isto é faz parte da humana natureza desde a primeira infância Quanto à segunda causa hesitam os intérpretes entre a o prazer que para todos nós resulta da contemplação do imitado v 14 e b a congenialidade também humana da harmonia e do ritmo v 15 Optavam pelo primeiro membro da alternativa Petrus Victorius no século XVI Ritter Bywater e Rostagni desde o século XIX e pelo segundo Avicena e Averróis na Idade Média Sigonius no século XVI Vahlen no século XIX e atualmente Gudeman p 116 e Else p 127 Que a razão mais assiste a estes comentadores é o que parece claro quando se lê desprevenidamente o início do 15 p 1448 b 20 o que é próprio da nossa natureza é I a imitação II a harmonia e o ritmo Será que como Gudeman pretende p 115 A se propõe refutar aqui a teoria da inspiração que pairava desde Homero Hesíodo e Píndaro com a invocação às Musas quais fontes de criação poética e que mais tarde Demócrito e Platão expressaram pela doutrina da mania poética e do entusiasmo infuso pelos deuses 14 Na verdade A insiste sobre a congenialidade da imitação ao atribuir lhe por sua vez uma causa intelectual o homem apreende por imitação as primeiras noções por isso contemplamos com prazer as imagens mais exatas causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos mas também igualmente aos demais homens Nesta passsagem da Poética ecoam sem dúvida as primeiras palavras da Metafísica Todos os homens por natureza desejam conhecer Sinal é a nossa afeição pela sensibilidade pois as sensações nos aprazem por si mesmas utilidade à parte e mais que todas as outras as da vista e para além destas as do Protréptico v frg 7 Ross Iambl Protrép 7 Outro paralelo lêse na Retórica I 11 p 1371 b 4 Além disso sendo agradável aprender e admirar tudo que a isto se refere desperta em nós o prazer como por exemplo o que pertence ao domínio da imitação como a pintura a escultura e a poesia numa palavra tudo que é bem imitado mesmo que o objeto imitado careça de encanto De fato não é este último que causa o prazer mas o raciocínio pelo qual dizemos que tal imitação reproduz tal objeto daí resulta que aprendemos alguma coisa trad de A Pinto de Carvalho Notese que é no fim do mesmo capítulo da Retórica que A se referirá ao que já escrevera na Arte Poética imagens daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância animais ferozes cadáveres até ao século IV não há vestígios de arte figurativa de tais temas Else p 128 sugere desenhos modelos ou seções de animais e cadáveres humanos isto é reproduções usadas para ensino ou pesquisa biológica equipamento de laboratório não obras de arte 15 A segunda causa da poesia é que a harmonia e o ritmo são próprios da nossa natureza correspondem a uma disposição psíquica natural do homem Gudeman p 120 insiste aqui mais uma vez na diferença entre Aristóteles e os que o precederam especialmente Platão no que parece da parte do Estagirita constituir decidida recusa às teorias da inspiração cf supra coment ao 13 A seqüência efetivamente decorre no mesmo sentido os de entre os homens mais naturalmente propensos pephykótes prós autá deram origem à poesia procedendo desde os mais toscos improvisos prepara a teoria ou a história da origem da tragédia em 1449 a 9 ss 20 os metros são parte do ritmo metros equivale a versos o ritmo é a totalidade do poema e evidentemente os versos fazem parte ou compõem o ritmo 16 Por motivos que expõe às pp 135 ss e 143 Else desloca não podemos é certo poemas semelhantes para o princípio do 17 Com efeito a deslocação clarifica o argumento deste parágrafo e do seguinte Outra observação mais importante do mesmo comentador é que a diversificação da poesia nas duas formas principais que como tragédia e como comédia atingirão a plenitude no gênero não poderia A atribuíla à índole particular dos poetas Sem dúvida dos poetas não está no texto grego e o particular ou o inerente pode referir se à poesia e não aos poetas Neste caso o início do parágrafo seria a poesia tomou diferentes formas segundo as diversas espécies de caráter que naturalmente lhe pertencem vitupérios hinos e encômios são as duas espécies de improvisos autoschediásmata originários dos dois grandes gêneros de poesia mimética comédia e tragédia poemas deste gênero antes de Homero já na Antigüidade se repartiam as opiniões acerca da existência de poesia antes de Homero uns com Horácioou a sua fonte diziam vixere fortes ante Agamemnonem multa sed omnes urgentur ignotique longa nocte carent quia vate sacro Carm IV 9 25 outros como Cícero nihil est enim simul et inventum et perfectum nec dubitaripotest quin fuerint ante Homerum poetaeBrut 71 Hoje efetivamente a dúvida não é possível 17 Margites v índice Onomástico s v Quanto ao juízo de A sobre Homero como supremo poeta no gênero sério compare as diversas passagens da Poética v índice Analítico s v EPOPÉIA em que A a ele se refere especialmente cap XXIV p 1 460 a 6 ss 18 Como veremos a seguir coment ao 20 p 1 449 a 9 os adversários da posição tradicional quanto à historicidade das notícias de A acerca da origem da tragédia no ditirambo satírico têm de se lhe opor com as melhores perspectivas de sucesso principalmente no estudo crítico do próprio texto da Poética Entre esses adversários temos de contar hoje como dos mais lúcidos e intransigentes o filólogo norteamericano que as mais das vezes citamos nestas anotações Ora ao que nos parece é nesta passagem da Poética que a crítica de Else toca verdadeiramente no ponto crucial da questão Não há dúvida de que na opinião da maioria dos estudiosos a paternidade espiritual do drama grego é por A atribuída a Homero nas poucas linhas do parágrafo anterior Mas pergunta Else p 146 qual é a exata relação entre essa paternidade homérica quanto à comédia e à tragédia e a seqüência imediata 18 p 1 449 a 1 ss Que será feito dela se tivermos de entender aquele vindas à luz a tragédia e a comédia como o momento histórico em que se situam na Grécia as inovações de Arion ou de Téspis e na Sicília as de Epicarmo A não ser que admitamos como E Bethe Homer Dichtung und Sage v II um Homero do século VI é claro que o historiador da literatura grega terá ou de desdenhar da paternidade homérica da tragédia e da comédia ou da origem da tragédia no ditirambo satírico por obra de Árion ou de Téspis por isso que pelo menos dois séculos separam Homero dos hipotéticos criadores da poesia dramática Neste ponto temos de concordar com o comentador o Homero do 17 é o que trouxe à luz a tragédia e a comédia 18 19 já contém a perfeição dos seus princípios isto é se a tendência para o trágico que se observa em Homero teria chegado verdadeiramente a seu término natural nos dramas escritos e representados 20 Quanto ao problema das origens históricas da tragédia há quase um século que as soluções propostas não encontram outro princípio de classificação e enquadramento que não seja o pró ou o contra a doutrina tão exasperadoramente sintetizada nesta passagem da Poética de Aristóteles Pronunciamse pró Aristóteles com reservas acerca de um ou de outro ponto um é a origem no improviso dos solistas do ditirambo outro é a passagem pela fase satírica Nietzsche Wilamowitz Haigh Reisch Flickinger Kalinka PickardCambridge Pohlenz Tièche Kranz Ziegler Brommer Lesky Buschor Rudberg e Lucas cf Bibliografia Sob o influxo das idéias de Frazer e em geral das escolas históricoetnológicas e reinterpretando Heródoto V 67 Ridgeway postula uma origem heróicodionisíaca recusandose contra Aristóteles a admitir como fase primordial a passagem pelo satyrikón seguemno a maior ou menor distância e por vezes numa atitude de compromisso com a primeira tese Nilsson Terzaghi Geffken Cessi Schmid Peretti Uma linha independente iniciou Dieterich propondo a origem da tragédia nos rituais de mistério Nesta linha situase Cook Também sob a influência de Frazer se mostra a teoria de Murray reportandose à paixão anual dos deuses que morrem Nilsson e Farnell agrupamse com Murray defendendo a mesma origem no culto de Dioniso melánaigis e quase o mesmo se diria de Untersteiner Thomson e Jeanmaire sobretudo do primeiro na medida em que procura as raízes da tragédia no substrato mediterrâneo préhelênico Enfim afirmam que o problema das origens sendo problema de substrato e de préhistória não interessa diretamente ao estudo do gênero poético como tal Porzig Del Grande Howald Cantarella e Perrotta Posição extrema contra a divulgada interpretação do topos aristotélico assume Else em seus recentíssimos trabalhos O problema é como já o dissemos na Introdução o de saber se gramáticos escoliastas e lexicógrafos e outros escritores que se referem à origem da tragédia no drama satírico o fazem todos na seqüela do Estagirita e de sua escola o que teria por conseqüência o nosso dever de eliminálos como testemunhos diretos ou se algum desses testemunhos é independente de Aristóteles ou ainda quando verificada a dependência se não haverá razão para aceitar a doutrina como resultado da investigação de um historiador ou para rejeitála como hipótese de um teorizador No entanto a admissão do segundo membro desta alternativa ainda implica a necessidade de determinar algum motivo que coordene a hipótese aristotélica sobre a origem da tragédia com a tese sobre a sua essência Poét cap VI Ele como já o dissemos representa neste campo a posição mais extremista Aristotles history is in fact as much an a priori construction as anything in the preceding chapters p 126 e mais adiante we shall find it salutary to be clear that chapter 4 is not a historical document but a summary of Aristotles thinkingp126127 e para reforço do argumento cita em nota p 126 n 7 o testemunho de Harold Cherniss que em seu epochal Aristotle s Criticism of Presocratic Philosophy Baltimore 1935 bem conseguiu provar que a história da filosofia delineada no I Livro da Metafísica não passa de uma construção especulativa embora admitindo ele Else que pelo menos a Poética está livre desse fator perturbante a idéia implícita de que a filosofia aristotélica é a finalidade do desenvolvimento da filosofia grega e que todos os antecessores de Aristóteles são peripatéticos balbuciantes Quanto à historicidade da informação acerca da origem da tragédia alguns filologos contemporâneos Nilsson PickardCambridge Schmid Peretti Del Grande o mais que concedem é que nela confluem as fontes documentárias e epigráficas do século V e uma reconstrução hipotética do gênero literário efetuada em conformidade com uma teoria acerca da sua essência O argumento favorito Bywater A s Poetics p 38 It is clear from Aristotles confession of ignorance as to comedy in 1449 a 37 that the knows more of the history of tragedy than he actually tells us and that he is not aware of there being any serious lacuna in it refutase precisamente pela falta de documentação para além dos últimos dois ou três anos do século VI E na verdade não será fácil nem como hipótese mais ou menos plausível fazer recuar até à data remota em que teriam vivido Arion e Téspis a existência de informações semelhantes às dos arquivos atenienses em que se baseiam as notícias das Didascálias Mas e esta observação nos parece importante a ausência de fontes documentárias não significa necessariamente que A construa uma hipótese e muito menos que a transmita conscientemente deliberadamente como hipótese sua não quer dizer em suma que A não creia que as suas palavras não expressam o que se lhe afigura ter sido a verdadeira origem histórica dos gêneros dramáticos Aliás também é preciso lembrar que à falta de fontes documentárias A dispunha de não poucos testemunhos indiretos aqueles que se representam por escritos de antecessores e contemporâneos preocupados com o mesmo problema Obras tais embora sem nome de autor adivinhamse sob locuções como os dórios os megarenses alguns do Peloponeso outras são conhecidas se bem que a tradição as não tenha conservado cf Ziegler col 1906 Gudeman p 10 Concluindo uma coisa é não saber o que fazer da história que A nos relata outra coisa é recusarmo nos a aceitála como tal por não saber o que fazer dela Admitindo porém que A nos ofereça neste lugar uma reconstrução do processo evolutivo da tragédia ainda importaria determinar 1 quais as palavras que a exprimem e 2 sobre que implícitos fundamentos poderia o filósofo ter baseado a sua hipótese Quanto ao primeiro ponto há que excluir evidentemente tudo quanto possa ser considerado como aristotélico isto é como expressão de um modo peculiar de apreender filosoficamente tanto esta como outras matérias em suma o que é inerente ao sistema Não há dúvida cf por ex Else pp 152153 que nesta categoria podemos incluir nascida a tragédia de um princípio improvisado pouco a pouco foi evoluindo à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava até que passadas muitas transformações a tragédia se deteve ao atingir a sua forma natural o engenho natural logo encontrou o metro adequado Separada esta parte no que resta ainda haverá decerto o que possa ser tido como dependente de documentação histórica ou como resultante do exame direto dos textos dos poemas dramáticos e isso sem dúvida pode ser tudo o mais com exceção apenas das seguintes palavras a de um improviso dos solistas do ditirambo e b da elocução grotesca isto é do elemento satírico c porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança A hipótese de A pseudohistoriador residiria pois em uma única proposição que expressaríamos mais ou menos do seguinte modo a tragédia teve origem no improviso de algum solista de coros de sátiros que entoavam o ditirambo Quanto ao segundo ponto sobre que tácitos fundamentos poderia o filósofo ter baseado semelhante hipótese eis um campo aberto às diversas conjeturas Devemos acentuar todavia que a este propósito as conjeturas tanto podem servir para desacreditar a historicidade da notícia aristotélica como ao contrário para desenvolver o que lá se encontra em germe ou para preencher as suas manifestas lacunas Noutros termos tentar descobrir o fundamento da hipótese supondoa em desacordo com a verdadeira história da tragédia equivale de certo modo a seguir pari passu o mesmo caminho que têm percorrido os filologos e historiadores que se empenham em esclarecer as obscuridades de texto supondoo de acordo com a verdade histórica Este caminho que passa pela análise crítica dos outros testemunhos acerca da obra de Árion etimologias de TRAGOIDIA comentários ao provérbio OUDÈN PRÓS TÒN DIÓNYSON Téspis textos e monumentos referentes a sátiros e dramas satíricos já o percorremos nas poucas páginas da Introdução dedicadas à origem da tragédia Neste lugar temos de nos ocupar com o próprio texto da Poética e das relações com o seu contexto A posição mais extremista que repetimos é a de Else leva o arguto comentador a argumentar duas hipóteses Uma é que a primeira referência ao satyrikon só quando se afastou do elemento satírico é uma interpolação sugerida pela segunda porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança e a suspeita de interpolação provém na seqüência do pressuposto fundamental que é por um lado a idéia de que a tragédia com a austeridade do seu estilo não pode ter origem no grotesco de um coro de sátiros e por outro lado a idéia da paternidade homérica do drama da inegável dificuldade em achar dentro do período um ponto a que sintaticamente se possa ligar aquele do elemento satírico A outra hipótese é que na segunda referência satírico e mais afins à dança sejam sinônimos expressões equivalentes É como se Aristóteles escrevesse Antes de Téspis a composição musical era satírica isto é viva cheia de movimento e adequada à dança Else pág 180 21 Outra passagem cf 23 que sugere quanta pesquisa histórica e erudita pressupõe a redação destas notas de curso CAP V 22 O cap V dividese claramente em duas partes a primeira 22 e 23 continua e termina o histórico iniciado no cap III e a segunda 24 ss inicia o estudo da poesia austera tragédia e epopéia que prosseguirá até o fim do livro Em primeiro lugar vem a definição da comédia que por um lado se relaciona com o que já ficara exposto acerca do Margites 16 e por outro lado complementa por antecedência digamos a definição de todo o dramático dando aqui a definição de comédia a que corresponde uma definição de tragédia no princípio do cap VI 27 O paralelismo e o contraste entre os dois gêneros dramáticos exprimemse pelo anódino e inocente da comédia tacitamente oposto à ação perniciosa e dolorosa da catástrofe trágica cap XI 52 b 11 64 23 A este histórico da comédia nos referimos já coment ao 20 Para Else pp 189 ss que não aceita o argumento de Bywater a expressão desde o início não se refere aqui ao início improvisadodo 20 mas sim àquele que é aludido no 15 48 b 22 os que ao princípio se sentiram mais naturalmente propensos e portanto the admission Aristotle makes that there is no record of the early stages as transformações da comédia pelo contrário estão ocultas is the some one he made before não podemos é certo citar poemas deste gênero jâmbicos de alguns dos que viveram antes de Homero 16 Quanto a máscaras prólogo e número de atores que são meios concretos de realização da forma dramática e já tinham sido inventados para a tragédia nem tanto nos importa colher a sua história no desenvolvimento da comédia porque se trata agora de simples aplicação a um gênero do que já fora descoberto para o outro gênero Argumento engenhoso mas não convincente Sobre Epicarmo e Fórmis v índice Onomástico s vv 24 e 25 Como dissemos no 24 tem início a exposição acerca da poesia austera a da poesia faceta estaria reservada para o II Livro cf Introdução cap 1 A notável e notada desproporção dezesseis capítulos para a tragédia VIXXII três para a epopéia XXIIIXXXV e um para a comparação da epopéia com a tragédia XXVI devese a que efetivamente para Aristóteles o gênero comum é a tragédia a epopéia só oferece diferenças específicas 25 e cap XXVI Portanto valerá para a poesia tudo quanto venha a ser dito da poesia trágica As diferenças são três e vêm logo mencionadas aMétrica a epopéia difere da tragédia pelo seu metro único mas não no sentido imediato de o poema trágico ostentar vários metros contra o único verso heróico da epopéia mas sim de a epopéia usar só verso e a tragédia verso e melopéia b Miméticanarrativa parece contraditório ou pelo menos aberrante com a anterior posição da epopéia numa classe à parte mista ou miméticonarrativa na classificação dos gêneros quanto ao modo como efetuam a imitação c III 10 A contradição desvanecese talvez pensando que ao passar agora à teoria da poesia dramática Aristóteles só tem em vista o fato de a epopéia ainda não realizar a perfeição no dramático por virtude do seu elemento narrativo c Grandeza neste ponto afigurasenos que Else pp 207 ss resolve definitivamente a questão que vem sendo discutida desde o Renascimento uma revolução do sol não pode referirse ao tempo que dura a ação representada mas aos limites dentro dos quais se situa a própria representação do drama A veracidade desta interpretação apreendese melhor através do contraste com o tempo ilimitado da epopéia em contraste com a epopéia a tragédia tem uma notável tendência para a uniformidade de tamanho Pondo de parte Ésquilo as tragédias clássicas que conservamos estendemse por uma ordem de dimensões que vai dos 1234 versos Suplicantes de Eurípides aos 1779 Édipo em Colona de Sófocles uma variação contra a qual se opõe a ordem de grandeza que anda pelos milhares de versos na epopéia se replicarem que a ação da tragédia se limitava a um dia ou um dia e poucas mais horas enquanto a da epopéia pode abranger meses ou anos o fato é que os dois poemas homéricos que Aristóteles decerto tinha especialmente em vista não decorrem por meses ou anos A ação da Ilíada dura apenas cinqüenta ou cinqüenta e um dias e a da Odisséia quarenta e um Else 217 18 Acrescentese que já antes 1942 Todd One circuit of the Sun A Dilemma havia interpretado um período de sol não como as vinte e quatro horas que decorrem entre sucessivas passagens do sol pelo mesmo meridiano mas como a efetiva duração da luz do dia cf coment 45 CAP VI 26 Na verdade só em parte a definição do 27 resulta do precedentemente exposto a é como toda a poesia imitação 2 47 a 13 b de ação 7 48 a 1 c de caráter elevado contrasta com a comédia 10 48 a 19 d de certa extensão resulta do que imediatamente precede e contrasta com a epopéia 24 49 b 9 e não por narrativa mas mediante atores também constrasta com a epopéia 10 48 a 19 Quanto ao mais linguagem ornamentada espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama terror e piedade purificação nada se encontra em páginas anteriores que se relacione Para não termos de suspeitar que a passagem pertença a outro contexto haverá talvez que entender o udo quanto precedentemente díssemos como alusivo a outras lições proferidas acerca da poesia Haveria uma terceira possibilidade não relacionai o participio TO yevopevov que nós traduzimos que resulta com a expressão do que precedentemente dissemos e vertelo literalmente em O que está ou estava vindo a ser Seguindo esta hipótese ao que nos parece não muito verossímil Else p 222 traduz Let us now discuss tragedy picking out extraindo of what has been said the definition of its essential nature that was emerging in the course of its development Quer dizer a definição da tragédia 27 resulta não do que precedentemente se disse mas sim do que estava emergindo yevoiievov no curso do seu desenvolvimento Que semelhante prestidigitação clarifique a construção da frase é afirmação pelo menos discutível Mas o móbil está à vista This not only clarifies the present construction but supplies another proof that the hístory in chapter 4 was indeed intend as a record of tragedys yéveoiç etc ovoiav Else p 222 O sublinhado que é nosso revela que o atentado contra a tradicional interpretação do texto tinha por fim aduzir mais um argumento contra o valor historiográfico do cap IV cf supra coment ao 20 E contra a maioria dos intérpretes não vale dizer que definitions do not grow out of things said in Aristotles world however natural the metaphor may seem to us ibid 27 Neste lugar cumprenos incluir algumas notas de caráter mais estritamente gramatical e crítico assim como certas referências de interesse mais particularmente histórico As dificuldades que durante quatro séculos se vêm multiplicando à medida que se avoluma uma bibliografia infelizmente das menos acessíveis parecem resultar em primeira e última análise da interpretação de um genitivo O ponto nevrálgico do texto é no original a purificação de tais emoções Como veremos a seguir a própria escolha da palavra purificação em vez de purgação ou expurgação já implica uma atitude decidida quanto àquele problema do genitivo Na verdade do ponto de vista sintático encontramonos neste ponto diante de manifesta ambigüidade O genitivo de tais emoções pode ser entendido de quatro maneiras que alistamos a seguir com as traduções parafraseadas que a cada uma corresponderia 1 genitivo objetivo catarse operada por sobre tais emoções 2 genitivo subjetivo catarse operada por tais emoções sobre 3 genitivo subjetivo e objetivo catarse operada por tais emoções sobre as mesmas emoções 4 genitivo separativo catarse de tais emoções expurgação ou eliminação de tais emoções A título de exemplo ilustrativo e exercício taxionômico damos agora uma relação das versões e interpretações propostas do século XVI ao século XVIII Escusado dizer que não se pretende recolher toda a minuciosa variedade de lições publicadas nos duzentos anos que decorreram entre Paccius e Lessing Século XVI PACCIUS non per enarrationem per misericordiam vero atque terrorem perturbationem eiusmodi purgans ROBOTELLI non per enarrationem vero atque terrorem perturbationes eiusmodi purgans VICTORIUS et non per expositionem sed per misericordiam et metum conficiens hujuscemodi perturbationum purgationem CASTELVETRO Oltre a ciò induca per misericórdia e per spavento purgatione di cosi fatte passioni in guisa che la tragédia con le predette passioni spavento e misericordiam purga e saccia dal cuore degli huomini quelle predette medesime passioni Piccolomini à fine che col mezo delia compassione e del timore si purghini gli animi da cosi fatte lor passioni e perturbationi cosi parimente stimarono ie Peripateticos che per far tranqüilo lhuomo non shavesse da togliere da suellere da levar in tuto non comportado ciò Ia natura stessa ma s fiavesser da purgare da moderare e da ridurre in somma ad un certo buono temperamento RICCOBONI sed per misericordiam et metum inducens talium perturbationum purgationem Perpurgari perturbationes id est non ut explicai Madius tolli et destrui sed temperari et moderationem fieri Século XVII HEINSIUS sed per misericordiam et metum inducat similium perturbationum expia tionem Quippe in concitandis affectibus cum maxime versetur haec Musa finem eius esse hos ipsos ut temperei iterumque componat Aristóteles putavit Vossius per misericordiam et metum praestans ab ejusmodi perturbationibus purgationem Ut miserationem terroremque concitent ad id genus morborum expiationem CORNEILLE La pitié dun malheur ou nous voyons tomber nos semblables nous porte à Ia crainte dun pareil pour nous cette crainte au désir de léviter et ce désir à purger modérer rectifier et même déraciner en nous Ia passion qui plonge à nos yeux dons le malheur des personnes que nous plaignons par cette raison commune mais naturelle et indubitable que pour éviter leffet il faut retrancher Ia cause RACINE A tragédia excitant Ia terreur et Ia pitié purge et tempere ces sortes de passions C estàdire qu en émouvant ces passions elle leur ôte ce qu elles ont d excessifet de vicieux et les ramène à un état de modération conforme à Ia raison MILTON Tragedy said by Aristotle to be of power by raisingpity and fear or terror to purge the mind of those and suchlike passions that is to temper or reduce them to just measure with a kind of delight stirred up by reading or seeing those passions well imitadet Nor is Nature herself wanting in her own effects to make good his assertionfor so in physik things ofmelan cholick hue and quality are used against melancholy teoria fisiopatológica antes de Bernahys sour against sour salt to remove salt homours Século XVIII DACIER La tragédie est donc une imitation qui par le moyen de Ia compassion et de Ia terreur achève depurger en nous ces sortes de passions et toutes les autres semblables BATTEUX La tragédie nous donne Ia terreur et Ia pitié que nous aimons et leur ôte ce degré excessif ou ce mélange dhorreur que nous naimonspas Elle allège Vimpression ou Ia réduit au deeré et à 1espèce ou elle nest pas plus quun plaisir sans mélange de peine parce que malgré Villusion du théâtre à quelque degré quon le suppose l artífice perce et nous console quand 1image nous afflige nous rassure quand Vimage nous effraie LESSING Mitleid und Furcht sind die Mittel wekhe die Tragodie braucht um ihre Absicht zu erreichen soll das Mitleid und die Furcht welche die Tragódie erweckt unser Mitleid und unsere Furcht reinigen aber nur diese reinigen und keine andere Leidenschaften Da nümlich es kurz zu sagen diese Reinigung in nichts anders beruht ais in der Verwandlung der Leidenschaften in tugendhaften Fertigkeiten so muss die Tragódie wenn sie unser Mitleid in Tugend verwandeln soll uns von beiden Extremen des Mitleids zu reinigen vermõgend sein welches auch von der Furcht zu verstehen Por meados do século XIX a interpretação fisiopatológica da catarse proposta por Bernahys v Bibliografia e entusiasticamente recebida pela maioria dos filólogos fez que desde então predominasse o significado separativo do genitivo de tais emoções Eis algumas versões e interpretações do final da definição aristotélica desde Butcher 1894 até Schadewaldt 1955 A última de Else 1957 não se encontra rigorosamente inscrita no quadro que se possa fixar mediante as diversas funções sintáticas daquele genitivo BUTCHER Tragedy is an imitation through pity andfear effecting the properpurgation of these emotions Comentário Tragedy does more than effect the homoeopathic cure of certain passions Its function on this view is not merely to provide an outlet for pity and fear but to provide for them a distinctively aesthetic satisfaction to purify and clarifv them by passing them through the médium of art Let us assume then that the tragic katharsis involves not only the idea of an emotional relief but the further idea of the purifying of the emotions so relieved GUDEMAN Die Tragódie ist die nachahmende Darstellung durch erregung von Mitleid und Furcht die Reinigung von derartigen Gemütsstimmungen bewirkend ROSTAGNI L effettopróprio delia tragédia sta alVingrosso nelprovocare ilpiacere che nasce dai sentimenti di pietà e terrore ma piú precisamente e definitivamente dalla catarsi dl essi cioè da questi stessi sentimenti purificati dei loro eccessi e ridotti in misura utile per Ia virtú come vuole Ia domina ética di Aristotele sullepassioni PAPANOUTSOS La poésie tragique qui apour tache démouvoir Ia crainte et Ia pitié et dassocier à elles le sentiment moral et religieux dTiumanité êpure ce genre de passions et par conséquent amène 1âme à goüter non pas Ia crainte et Ia pitié ordinaires mais une crainte et une pitié épurées cestàdire des emotions qui jaillissent dans notre âme au moment ou nous saisissons un sens moral et religieux profond et dufait que nous avons saisi ce sens POHLENZ Die Tragódie reinigt die Seele nicht durch eine Ausrotung der Triebe wohl aber durch Ablenkung auf ein ungefãhrliches Gebiet die das ungesunde Übermass verhindert SHADEWALDT Und so gehõrt fiir ihn i e Aristóteles zur Tragódie dass schliesslich ihr Vermôgen und ihre Wirkung darin besteit dass die eine spezifische Lustform im Zuschauer auflõst die Lustform die entsteht wenn die Tragódie durch die Elementarempfindungen vom Shcauder und Jammer hindurch im Endeffekt die mit Lust verbundene befreiende Empfindung der Ausscheidung dieser und verwandter Affekte herbeifúhrt ELSE Tragedy is an imitation carrying to completion through acourseof events involvingpity andfair thepurification of thosepainful orfatal acts which have that quality 28 ss Depois do 28 cuja interpretação não oferece qualquer dificuldade começa a discussão das partes qualitativas ou elementos da tragédia contendo mais implícita do que explicitamente uma demonstração de que elas hão de ser necessariamente seis espetáculo melopéia elocução mito caráter e pensamento 31 Primeiro vêm os três elementos externos Rostagni ad locum ou materiais Else da tragédia isto é do drama entendido como representação teatral espetáculo melopéia ou elocução No 30 começando por reafirmar que a tragédia é imitação de uma ação Aristóteles sublinha o seu intento de deduzir da definição inicialmente enunciada todos os elementos do drama trágico e principalmente os três elementos internos da tragédia considerada como obra poética caráter elemento moral pensamento elemento lógico e mito este é o mais importante 32 e como que a alma da tragédia 35 pois sendo ele a própria imitação de personagens que agem e que diversamente se apresentam conforme o próprio caráter e pensamento 34 já em si contém os outros dois 31 quanto aos meios duas melopéia e elocução quanto ao modo uma espetáculo quanto aos objetos três mito caráter e pensamento 32 Começa a dedução de todos os elementos do próprio conceito de mito como OÓOTÜOIÇ TÕV Ttpayparuv composição ou trama dos fatos intriga cf índice Analítico que prosseguirá ate o fim do capitulo A superioridade da ação mito sobre o estado caráter é lugarcomum na filosofia de Aristóteles V por exemplo Ét Nic I 6 1 098 a 16 Fís II 6 197 b 4 Pol VII 3 1325 a 32 a finalidade importa cf Met IV 2 1013 b 26Ét Mc 15 1097 a 21 34 move os ânimos vxaycvyet 35 se alguém aplicasse o mito é comparado ao desenho em branco e os caracteres às cores que o completam 36 fios antigos poetas 7 na origem quando a tragédia era apenas uma forma líriconarrativa a espécie de contata primordial antes da protagonização do diálogo cf cap IV 20 37 elementos literários é a versão de Bywater fundamentada em uma emenda do texto que neste lugar seria corrupto Mas no original grego tanto pode ser um partitivo em relação a como o objeto de No segundo caso a lição é evidente a elocução dos diálogos e em geral de todas as partes não cantadas 39 emocionante cf 34 Em resumo Else 27980 o capítulo VI é um sumário da teoria da tragédia As seis partes qualitativas ou elementos constitutivos do drama mencionadas nos 2838 são deduzidas da definição 26 e apresentadas sucessivamente duas vezes em ordem inversa Por que duas vezes Porque da primeira vez Aristóteles as considera como partes de uma ação representada pelas personagens e assim estas personagens serão 1 vistas espetáculo e escutadas 2 no diálogo elocução e 3 no canto melopéia 4 são imitadoras de uma ação filosófica do que a história cap IX entre duas formas de apreensão do real agente o intermediário que mais participa da universalidade que é objeto próprio da filosofia do que da particularidade à qual se cingiria a atenção indagadora da história 40 e 41 relacionam o que segue com o que antecede sendo a tragédia a imitação de um todo de uma ação completa com certa grandeza definição de tragédia 26 é necessário agora determinar o conceito de todo 41 e de grandeza 43 e 44 43 e 44 Definição de todo por seus elementos princípio meio e fim Cf Metaf V 26 Inteiro e todo designa o que não carece de nenhuma das partes das quais se diz consistir um inteiro por natureza e o que contém as coisas que contém de modo a formarem elas uma unidade E unidade em dois sentidos ou porque uma unidade constitui cada um dos conteúdos ou porque desses conteúdos em conjunto a unidade resulta No primeiro sentido é o universal e universal é o que de modo geral se diz como algo que é inteiro abrangendo muitas coisas e cada uma predica sendo a unidade de todas como que a unidade de cada uma Exemplo um homem um cavalo um deus estátua de um deus pois todos são viventes No segundo sentido o contínuo e limitado é inteiro quando seja uma unidade composta de várias partes sobretudo se elas só em potência intervém no composto se não mesmo em ato Depois como as quantidades têm um princípio um meio e um fim daquelas em que a posição das partes não faz diferença dizse todo e das que faz diferença mudando a posição das partes inteiro Transcrevemos toda esta passagem da Metafísica porque além de complementar o texto da Poética bem expressa como as notas de totalidade cap VII unidade cap VIII e universalidade cap IX explicam um único conceito o universal concreto de um ser vivente 45 o limite prático desta extensão a relação entre este passo e o 25 has not been recognized before em virtude da tenacity with which editors translators and interpreters ever since the Renaissance have believed that Aristotle was talking there about dramatic time Actually however the affiliations reech still farther 5 49 b 1216 24 and 7 51 a 615 44 are only the first two links in a chaine of passages extending throughout the Poetics The others are 9 51 b 33 52 a 1 55 1755 b 1 and 15 101 18 56 a 14 108 23 59 a 3033 24 59 b 1728 154 and 26 62 a 18 b 11 Í 184 Else p 289 Nesta como em todas as demais passagens mencionadas a extensão referese ao texto dos poemas pois se houvesse que pôr em cena cem tragédias passagem das mais obscuras Que os discursos dos oradores eram cronometrados pela clepsidra sabemolo por informação do próprio Aristóteles Const de Atenas 67 mas não há qualquer testemunho acerca de tal procedimento nos concursos teatrais Tratase portanto de uma hipótese de um caso irreal se houvesse que representar teríamos de adotar a mesma regulamentação vigente na oratória judiciária CAP VIII 46 47 e 49 Como dissemos a matéria do cap VIII é inseparável da do cap VII e as duas se completam pois se a totalidade cap VII garante que nenhuma parte venha a faltar ao poema que nele deva estar a unidade cap VIII por sua vez assegura que nenhuma aí se encontre que devesse estar em outro lugar Else 300 Heracleidas Teseidas é referência não a tragédias mas a poemas épicos mais um sinal de que nestes caps VIIIX e XXIII se trata de uma teoria geral da poesia austera abrangendo a epopéia e a tragédia 48 o ter sido ferido Ulisses no Parnaso na realidade o caso é referido na Odisséia cap XIX 392466 Para sanar a dificuldade aventuramse duas hipóteses a do texto que Aristóteles possuía não constava o fato Hardy ad locum b Aristóteles esquecerase de que ele efetivamente constava do texto Else p 298 propõe mais uma tratandose de um episódio e não de uma parte integrante do mito mito intriga composição do atos imitação poética Homero em verdade não o poetou e por conseguinte a sua presença na Odisséia não prejudica a unidade do poema CAP IX Pela passagem da Metafísica cap V 26 que citamos coment aos 42 e 44 já se via como no pensamento de Aristóteles andavam correlacionadas a totalidade a unidade e a universalidade Por isso acrescenta Tender mais para o universal do que para o particular é o que distingue a poesia da história O cap IX pode dividirse em duas partes a primeira que abrange os 5055 desenvolve este pensamento do universal poético a segunda que começa no 56 abre a teoria da tragédia que se prolonga pelos caps IX final a XIX incl 50 Pelas precedentes considerações se manifesta relaciona explicitamente a primeira parte do cap IX com os caps VII e VIII Na poesia o universal consiste em narrar não o que aconteceu mas o que poderia acontecer o que é possível acontecer segundo a verossimilhança e a necessidade Noutros termos o universal em poesia é a coerência a íntima conexão dos fatos e das ações as próprias ações entre si ligadas por liames de verossimilhança e necessidade A oposição entre poesia e história que não se reduz à oposição entre verso e prosa cf a citação de Heródoto neste lugar com a citação de Empédocles em 47 b 13 5 exprimese agora pela oposição entre o acontecido e disperso no tempo história e o acontecível ligado por conexão causai poesia Acontecido e acontecível são ambos verossímeis mas só os acontecimentos ligados por conexão causai são necessários Quer dizer pelo lado da verossimilhança haveria um ponto de contato entre história e poesia contudo a poesia ultrapassa a história na medida em que o âmbito do acontecível excede o do acontecido No texto deste a maior dificuldade interpretativa reside naquele que na seqüela de Bywater Hardy e Gudeman traduzimos por ainda que dê nomes aos seus personagens Butcher Rostagni e Else agrupamse contra aqueles tradutores e comentadores interpretando deste modo anche i nomi storici in poesia non sono o non debono essere se non nomi applicati dopo come epiteti a individui precostituiti secondo i soli criter delia necessita o delia verisimiglianza Rostagni p 53 and it is this universality at which poetry aims in the names the attaches to the personagesButcher 35 Ithe poets builds or should build his action first making it grow probably or necesarily out of the characters of the dramatic persons and then only then he gives them names Else 3080 Com efeito semelhante interpretação pode razoadamente apoiarse numa passagem ulterior cap XVII 55 b 12 103 e no seguinte 51 Efetivamente se a interpretação de Rostagni e Else acertam o que Aristóteles refere neste é que os poetas trágicos para obedecerem às leis de verossimilhança e necessidade e não escreverem história supondo que escrevem poesia deveriam compor o mito e só depois designar as suas personagens com os nomes já existentes cf 52 Mas decerto jamais houve tragediógrafo que assim procedesse e não podemos acreditar que excetuado talvez Agatão dramaturgo vivesse que alguma vez não tenha partido da tradição mitográfica para a composição do argumento em lugar de partir da construção abstrata para o mito tradicional Mas não é impossível que esta tenha sido a idéia do Estagirita Em todo o caso a primeira interpretação ainda se justifica e precisamente pela existência daquele ponto de contato entre história e poesia pelo lado da verossimilhança justificação aliás que também se pode basear nos conteúdos dos52e54 53 em algumas tragédias sendo os outros inventados para nós a informação é tanto mais preciosa quanto é certo que ao contrário os dramas conservados só contêm poucos papéis cujos portadores não tenham nomes conhecidos Entre tais figuras que o poeta não parece haver extraído da lenda por ele dramatizada haveria que designar os seguintes Oceano e Io no Prometeu Agrilhoado de Ésquilo Em Eurípides Meneceu nas Fenícias Feres na Alceste Toas na Ifigênia Táurida Macária nos Heráclidas Teone e Teoclímeno na Helena Gudeman p 210 O comentador germânico tem razão para lembrar aqui mais uma vez die schlechthin souveràne Beherrschung des einschlãgigen Materials aufdem die Poetik aufgebaut ist Ainda as coisas conhecidas são conhecidas de poucos A representação de tragédia na Grécia supunha certo conhecimento da lenda heróica da qual os argumentos eram extraídos e pode dizerse os dramaturgos tinham de contar com tal conhecimento por parte dos espectadores ou dos leitores Sobre as palavras em epígrafe Gudeman ad locum referese a uma significativa passagem da Política cap VIII 7 1342 a 18 ss como os espectadores são de duas espécies uns livres e educados outros gente rude como operários povo ínfimo e semelhantes mas como também observa este comentador a diferença entre conhecedores e ignorantes dificilmente se aplicaria ao público ateniense ainda que a favor se invocassem os prólogos de Eurípides que assim era mostramno as peças de Aristófanes melhor ainda que as tragédias de Ésquilo e Sófocles 54 Resume toda a argumentação antecedente Mas Else p 320 tem razão para afirmar que esta é of all passages in the Poetics the one where the new A ristotelean sense of imitation and poetry art of making apears most luminously Se aqui ainda não é possível falar de criação é porque para o grego criação sempre significou descobrimento Mais fabulador que versificador significaria portanto mais descobridor de do que revestidor de formas métricas daquilo que já se encontra à vista de toda a gente na mitologia tradicional Mas descobridor de quê Das verdadeiras relações que existem entre fatos relações que de algum modo estão ocultas no próprio acontecer no próprio acontecer da história por exemplo como o físico é o descobridor de relações que já existem implicitamente na physis Por isso ainda que aconteça fazer uso de sucessos reais não deixa de ser poeta isto é não deixa de fazer do acontecido o acontecível por verossimilhança e necessidade A imitação poética é pois imitação criadora 55 Este parágrafo ainda pertence ao nexo anterior terminandoo com velada alusão à matéria exposta nos caps VII e VIII totalidade e unidade do mito 56 Aqui começaria naturalmente outro capítulo Efetivamente bem observou Vahlen citado por Else p 324 que até o 55 se tratava do problema de saber qual a estrutura que devia ter o mito para que a composição fosse dramática mas daí por diante o problema é inquirir da estrutura que deve ser dada ao mito dramático para que ele seja trágico Eis por que só agora Aristóteles volta a mencionar o terror e a piedade contidos na definição de tragédia cap VI 26 Ações paradoxais contra a expectativa mas não casuais feitos do acaso e da fortuna Quanto à estátua de Mítis cf índice Onomástico s v MÍTIS CAP X 57 e 59 Na seqüência da teorização do mito trágico iniciada no 55 cap IX Aristóteles passa 1 às suas duas grandes espécies mito simples e mito complexo 2 a definir as ações das quais os mitos simples e complexos são imitações 58 e 3 e lembrar que os elementos paradoxais cf 56 isto é surpreendentes ou contra a expectativa peripécia e reconhecimento têm como qualquer outra ação poetada que obedecer às leis de verossimilhança e necessidade que são leis gerais da poesia dramática 59 referência portanto ao cap VIII e à unidade de ação que é a única unidade que se encontra no texto da Poética CAP XI 60 Introduzidos no cap X os elementos de surpresa peripécia e reconhecimento que constituem o mito complexo é a altura de definilos Do modo como dissemos referese a paradoxais no 56 cap IX a peripécia é a mutação dos sucessos no contrário isto é no contrário à expectativa Mas à expectativa de quem A expectativa dos espectadores ou à expectativa das personagens Os exemplos que seguem do Édipo e do Linceu cf índice Onomástico levariam a crer que o paradoxal só afeta os heróis do drama Aliás como poderia a surpresa afetar um auditório que já conhece os argumentos Else contra Vahlen e Lucas v Bibliografia objeta que o nosso conhecimento de que a situação de Édipo vai ser subvertida é um conhecimento acidental acidental no sentido aristotélico não é uma expectativa baseada nos fatos tais como são apresentados no decorrer da peça ou em geral em considerações de verossimilhança e necessidade mas sim no prévio conhecimento que acontece possuirmos nós do drama ou do mito p 346 Neste ponto convém lembrar o que dissemos em comentário ao 50 para o espectador a surpresa vem de que ele está assistindo agora à descoberta de relações entre fatos as quais se bem que já existissem se encontravam ocultas 61 recognition as in fact the term itself indicates is a shiftfrom ignorance to aware ness pointing either to a state of dose natural ties blood relationship or to one of enemity on the part of those persons who nave been in a clearly marked status with respect to prosperity or misfortune Else 342343 Que a definição de reconhecimento 2 elemento paradoxal ou surpreendente do mito complexo não é como Rostagni ad locum p 61 o afirma puramente etimológica demonstrao a paráfrase de Else cujo teor parece bem fundamentado no seu comentário Tendo em conta o que Aristóteles dirá no cap XIII e sobretudo a sua lista de argumentos de máxima tragicidade Alcmêon Edipo Orestes Meleagro Tiestes e Télefo facilmente se verificará que não é simplesmente amizade ou amor ou qualquer outro sentimento mas sim the objective state of being by virtue of blood tiesp 349 no Édipo o reconhecimento de Laio transfere o herói para tal estado emocional Por outro lado também não é simplesmente inimizade ou ódio mas a passage into inimity on the part of natural 350 por exemplo a que se da quando Clitemnestra reconhece que o próprio filho chega para matála De qualquer modo a verdadeira situação entre personagens era desconhecida antes e o reconhecimento sempre será passagem do ignorar ao conhecer O argumento decisivo do filólogo de Harvard é porém que copiopevo não pode significar destinado realmente destino é coisa que não intervém na filosofia de Aristóteles mas definido ou delimitado o que o filósofo refere aqui não é a idéia de que Edipo está destinado a ser infeliz mas o simples fato de que no princípio da peça ele se encontra na situação no estado de um homem feliz p 351 O contraste deparasenos no Orestes da Ifigênia Táurida situação ou estado de infelicidade do herói no início da peça Em suma em geral o feito do reconhecimento é descobrir uma horrível discrepância entre duas categorias de relações de parentesco de um lado os profundos laços de sangue de outro lado uma relação de hostilidade casual ou real que sobreveio ou ameaça sobrevir àquele 352 62 do modo como ficou dito isto é reconhecimento com seres inanimados e casos acidentais podem darse de acordo com a definição do precedente Seres inanimados e casos acidentais Hardy e Gudeman não distinguem seres inanimados e casos acidentais isto é lêem car à 1égard dbbjets inanimés aussi même les premiers venus Herdy in Bezug auf leblose und zwar ganz beliebige Dinge Gudeman 63 Cf índice Onomástico s v IFIGÊNIA 64 mortes em cena é tudo quanto há de menos freqüente na tragédia clássica só talvez o suicídio de Ajax e a morte de Evadne das Suplicantes de Eurípides nos dramas conservados daí o problema que esta passagem implica Rostagni p 64 propõe que em cena se refere também a dores ferimentos e mais coisas semelhantes Else 357 traduz as mesmas palavras in the visible realm como genérica caracterização dos eventos em causa e não como requisito de que eles devam ser levados a cabo onde um auditório os possa ver 357 Neste sentido o páthos contrastaria com peripécia e reconhecimento sendo estes acontecimentos invisíveis que têm lugar no realm of the mind35 CAP XII Capítulo suspeito de inautêntico e interpolado com efeito a teoria do mito complexo continuará no cap XIII a argumentação do cap XI sem lapso sensível Mas por outro lado é certo que o tratamento das partes quantitativas estava prometido desde o início do livro quantos e quais os elementos 1 e que no cap VI enumerando as partes da tragédia Aristóteles sublinha que aquelas são somente as partes que constituem a sua qualidade 31 E natural por conseguinte e sobretudo no decorrer de uma exposição oral que o filósofo abrisse um parêntese ou procedesse a um excursus acerca dos elementos quantitativos da tragédia O momento aqui não é de todo importuno porquanto já havia enumerado os elementos qualitativos espetáculo melopéia elocução mito caráter e pensamento da poesia dramática e os três elementos estruturais do mito complexo da tragédia peripécia reconhecimento e catástrofe Em suma além de ser defensável a autenticidade os críticos reconhecem o estilo do filósofo pelo menos nas palavras iniciais e Gudeman na brevidade característica das definições o cap XII nem sequer teria sido deslocado ou transposto Em geral do valor informativo destas poucas linhas só há a dizer que são elas a fonte mais antiga da doutrina tratada e que apesar da brevidade e das deficiências das Neue das uns aus nacharistotelischer Zeit erhalten ist ist weder quantitativ noch qualitativ von Bedeutung das übrige stimmt im wesentlichen mit den Angaben der Poetik überein Gudeman pág 23 1 o que de novo conservamos de época pósaristotélica é insignificante quer quantitativa quer qualitativamente o resto concorda no essencial com os dados da Poética A sentença de Else pp 3623 partidário da interpolação tardia excetuado o início Temos tratado elementos essenciais é severa mas não inteiramente justa The root of the matter asidefrom the stupidity ofthe author is that he no longer has any conception of the difference in the drama between speech and song For him the dialogue and the song parts are both simply pieces of text partly distinguished by metrical differences which however he does not understand It is significam that wefind closeparallels between thisfarrago and certain passages in the Tractatus Coislinianus and Tzetzes verse treatise In ali three places whatwe have is undoubtedly a reflection of lateantique or Byzantine grammatical knowledge E curioso notar como aproximadamente os mesmos argumentos servem para defender teses opostas 65 Cantos da cena Se estes cantos da cena executados por dois ou três atores em cena não pelo coro na orquestra fossem os mesmos a que se refere Arist Probl XIX 15 918 b 27 e Phot e o Suda s v monodía seria completamente errada a sua classificação entre partes corais Gudeman p 234 objeta que no texto o Koà entre e Koppoí pode ser explicativum e não copulativum e por conseguinte o autor da passagem teria dito peculiares a algumas tragédias são os cantos da cena isto é os kommóitanto mais que no capítulo falta a definição de cantos da cena CAP XIII 68 depois do que acaba de ser dito relação expressa com o cap XI continua a exposição da teoria do mito trágico complexo não a do mito dramático em geral exposta nos caps VIIIX e XXIII Além disso observese a nova tonalidade prescritiva agora e não definitiva Else 361 como fora a dos caps X e XI o que leva a maioria dos comentadores a pensar que neste ponto Aristóteles passa da ars ao artifex cf coment ao cap I 69 Se a composição das tragédias mais belas é a complexa e não simples o que sabemolo pelo cap XI se consegue pelo uso dos elementos estruturais da tragédia complexa peripécia e reconhecimento ei deve imitar casos que suscitem o terror e a piedade por conseqüência c há que averiguar agora qual a espécie de peripécia a qual juntamente com o reconhecimento concentra todo o trágico da tragédia que mutação de fortuna verdadeiramente provocará as emoções de terror e piedade Há quatro possibilidades o justo passa I da felicidade para a infelicidade ou II da infelicidade para a felicidade o perverso passa III da felicidade para a infelicidade ou IV da infelicidade para a felicidade A segunda II Aristóteles nem sequer a menciona a terceira e quarta ambas respeitantes ao homem perverso são logo excluídas uma IV porque não é conforme aos sentimentos humanos nem desperta terror e piedade outra III porque também não suscita terror e piedade embora satisfaça aos sentimentos humanos Quer dizer Há uma razão primária para a exclusão do herói perverso que passa ou da felicidade para a infelicidade ou da infelicidade para a felicidade que é o nãosuscitar em qualquer dos dois casos as emoções que são próprias da tragédia e uma razão secundária para excluir a passagem da infelicidade para a felicidade que é a sua nãoconformidade com a filantropia Que será então a filantropia O exame de outras passagens da obra de Aristóteles aponta para uma generalized an indiscriminate fellowfeeling for humanity Else 37 mas neste livro poderia definirse mais rigorosamente como a diffuse disposition to svmphathize with others which when refined by judgement can bècome real pity ibid 70 Das quatro possibilidades indicadas no precedente restava a primeira o trânsito da dita para a desdita sofrido pelo justo No entanto Aristóteles também exclui como repugnante ao sentimento de humanidade o caso de ser extremamente bom quem suporte semelhante mutação de fortuna Portanto o que na verdade resta é uma situação intermediária perav a do homem que não se distingue muito pela virtude e pela justiça Mas por conseqüência muito mais notável a situação intermediária a que Aristóteles alude não o é entre bondade extrema e extrema maldade não se trata por conseguinte do homem médio ou da mediania humana mas sim e em todo o caso de um melhor que nós cf cap II 7 high enough to awaken our pity but not so perfect as to arouse indignation at his misfortune near enough to us to elicit our fellowfeeling but not so near as to forfeit ali stature and importance Else 37778 E acresce ainda que a mutação de fortuna há de ser conseqüência de algum erro A verdadeira natureza da hamartía constitui ao que nos parece uma das mais brilhantes descobertas de Gerard Else O erro não é como se tem pensado uma parte do caráter do herói trágico mas sim uma parte estrutural do mito complexo é o correlato da agnórisis reconhecimento a razão por via da qual Aristóteles não a menciona juntamente com a peripécia o reconhecimento e a catástrofe é talvez porque ela pode residir fora da própria ação dramática como no Édipo em que o erro se dera anos antes Else p 385 Como causa da ação trágica é a hamartía que fornece a plausível razão para a reversa fortuna do herói 71 É pois necessário do que para pior resumo do que precede Que assim deva ser o passado o assinala agora que os poetas se serviam de qualquer mito outrora e não agora é fato que a tradição não confirma mas que a preferência parece vir recaindo progressivamente sobre os mitos de Édipo Orestes Meleagro Tiestes Télefo há que reconhecêlo 73 O final Mas o prazer nenhum dele é morto pelo outro seria espúrio e interpolado Else Para Montmollin todo o cap XIII exceto o início é adição tardia CAP XIV 74 e 75 A argumentação da teoria do mito trágico prosseguirá a partir do 77 deste capítulo Mas tendo observado ao término do cap anterior que a tragédia de dupla intriga constituía como que um desvio em direção à comédia neste ponto Aristóteles abre um parêntese para advertir discípulos e leitores de que outra aberração poderia comprometer e efetivamente já havia comprometido a realização da tragédia teoricamente perfeita o abuso do espetacular no intuito de obter as emoções de terror e piedade 74 ou o horror em vez do terror trágico 75 E a propósito Aristóteles não perderá a ocasião para insistir no mais importante o efeito da tragédia deve resultar unicamente da composição dos fatos da intriga da íntima conexão das ações 7780 Todo o conteúdo destes quatro parágrafos se torna claramente inteligível à luz daquela correlação entre hamartía erro e agnórisis reconhecimento e do verdadeiro conceito de philía sugeridos por Else e que mencionamos no comentário ao capítulo precedente O mais notável aqui é o resultado da discussão proposta no fim do 77 os mitos mais trágicos são precisamente os mais imorais o assassínio de consanguíneos Eis um extrato da impressionante relação organizada por Gudeman pp 25758 1 Irmãoirmão a mata EtéoclesPolinices Ésquilo Sete Eurípides Fenícias MedéiaAbsirto Sófocles Cólquidas ou Citas b intenta matar ElectraIfigênia Sófocles Aletes Accius Agamemnonidae IfigêniaOrestes Eurípides Ifigênia Táurida Deifobo ou HeitorPáris Sófocles e Eurípides Alexandre 2 Filhopai a mata TelégonoUlisses Sófocles Ulisses Akantoplex ÉdipoLaio Sófocles ÉdipoRei b intenta matar HemonCreonte Sófocles Antígona EgistoTiestes Accius Pelopidae Sófocles Tiestes II 3 Mãefilho a mata ProcneItino Sófocles Tereu Medéiafilhos Eurípides Medéia AgavePenteu Eurípides Bacantes Temistofilhos Eurípides Ino AltéiaMeleagro Eurípides Meleagro b intenta matar Creusaíon Eurípides íon MéropeCresfonte Eurípides Cresfonte AugeTélefo Ésquilo e Sófocles Mísios Eurípides Télefo MedéiaMedo Pacúvio Medus ClitemnestraOrestes Estesícoro 4 Fiihomãe a mata OrestesClitemnestra Ésquilo Coéforas Sófocles e Eurípides Electra AlemêonErífila Eurípides Alcmêon b intenta matar Ânfion e ZetoAntíopa Eurípides Antíopa filhoHelle Eurípides Cf também SchmidStãhlin Geschichte der Griechischen Literatur I 2 pp 89 ss Perante este quadro a pergunta que inevitavelmente se impõe é a que Else formula The immorality of the drama against which Plato had inveíghed so bitterly Rep III where has it been accepted in fact demanded in such cold and measured terms 81 quando buscaram situações trágicas considerando apenas o texto grego não se encontra qualquer razão mais plausível do que outra para relacionar obrigatoriamente aquele não por arte mas por fortuna a buscavam ou a encontraram Quer dizer também podíamos ter traduzido esta parte do 81 do seguinte modo quando buscavam não por arte mas por fortuna isto é não obedecendo a prescrições da arte mas movendose ao sabor do acaso situações trágicas os poetas as encontraram nos mitos tradicionais Com efeito Butcher Bywater Rostagni Valgimigli e Else traduzem neste sentido mas Hardy e Gudeman naquele em que também ficou expressa a nossa versão Optar por um outro membro da alternativa não é questão de somenos pois a escolha implica todo o problema de adivinhar qual a relação que Aristóteles supunha existir entre a tragédia e a lenda heróica CAP XV O cap XV foi verdadeiro campo de batalha dos transposicionistas Heisius colocavao logo após o cap XI Spengel depois do cap XVIII Vahlen a seguir ao cap XVI e Überweg depois do cap XIII Gudeman p 269 As transposições eram ditadas pela convicção que Bywater expressa pelas seguintes palavras toda a seção que vai do cap XV ao cap XVIII é a sort of Appendix they discuss a series of special points and rules of construetion which has been omitted in lhe general theory of the nvâoç Em suma tratarseia do que hoje veio a chamarse de adição posterior Mas o fato é que Aristóteles tendo declarado encerrada a teoria do mito no fim do cap XIV 82 naturalmente viria a tratar ainda dos outros dois elementos internos da tragédia caráter e pensamento Com efeito é o que passa a expor respectivamente nos caps XV e XVIII Que na doutrina do caráter influam idéias mais pertinentes à teoria do mito não poderá surpreendernos visto que as personagens assumem caracteres para efetuar ações e não o inverso ou seja os caracteres são como que uma das fontes das quais a ação ou o mito decorre 8386 Enumeram as quatro qualidades do caráter bondade 83 conveniência 84 semelhança 85 coerência 86 Segue a exemplificação no 87 onde todavia parece faltar exemplo para a segunda qualidade semelhança Else sugere p 475 ss que a exemplificação e o desenvolvimento deste conceito se encontram no 90 Mas aceitando esta interpretação aliás bastante verossímil não é possível aceitar a dos Antigos designadamente a da própria escola peripatética que entendia semelhança como semelhança das personagens trágicas com os seus paradigmas épicos tradicionais como se verifica por exemplo em Horácio A P 119124 que presumivelmente segue Neoptólemo de Pário Autfamam sequere aut sibi convenientiafinge Scriptor Honoratum si forte reponis Achillem Impiger iracundus inexorabilis acer hira neget sibi nata nihil non arroget armis Sit Medeaferox invictaqueflebilis Ino Perfidus Ixion Io vaga tristis Orestes 8789 Maldade desnecessária não significa evidentemente perversidade supérflua Entendase exemplo de nãobondade de caráter por falta ou ausência de vínculos de necessidade neste caso a recusa da personagem Menelau em socorrer a personagem Orestes que não teve qualquer influência pró ou contra no ulterior destino do protagonista E o mesmo se diria quanto aos outros exemplos de inconveniência e incoerência v também índice Onomástico s vv CILA MELANIPA e IFIGÊNIA A crítica de Aristóteles incide portanto na falta de nexo orgânico entre as ações do mito Dirseá ainda que o cap XV não se encontra no lugar em que naturalmente se devia encontrar O conteúdo dos 88 e 89 responde a esta questão o primeiro lembrando que as regras de verossimilhança e necessidade têm de governar tanto a ação mítica como os atos e as palavras das personagens o que aliás são dois aspectos da mesma ação dramática e o segundo restringindo a função do deus ex machina Naquela parte da Ilíada se efetivamente da Ilíada se trata a passagem é II 155 ss intervenção de Atena por encargo de Hera para que Ulisses dissuada os gregos de regressar à pátria No comentário ad locum um escoliasta cita Porfírio o qual por sua vez aduz que Aristóteles nos Problemas Homéricos já havia tratado deste dificuldade proveniente da intervenção do deus ex machina Também se aventou a hipótese de uma corruptela cf Else p 471 e neste caso o episódio seria o do aparecimento do espírito de Aquiles por ocasião da partida dos gregos após a ruína de Tróia reclamando o sacrifício de Políxena Else propõe a lição paleograficamente possível a lição dos apógrafos teria resultado de haplografia na transcrição da uncial para a minúscula e então tratarseia daquela variante do êxodo da Ifigênia Áulida citada por Eliano Hist Anim VII 39 em que Ártemis aparece para salvar Ifigênia substituindoa por uma cerva A solução oferece efetivamente a vantagem de se referir a uma tragédia e não a um poema épico e ao desenlace do drama o começa é pois evidente que também os desenlaces 90 Agora é que vem o exemplo e a mais rigorosa determinação do conceito de semelhança a primeira qualidade do caráter dramático Só que o final terá de ser lido de outro modo Primeira vantagem desta lição é desaparecer o Agatão em relação ao qual não havia notícia que pudesse esclarecer a passagem E a segunda e principal é que temos agora Assim procedeu Homero que fez bom e semelhante a nós Aquiles paradigma de rudeza A lição bom em vez de Agatão é a adotada por Gudeman e Else quanto a paradigma de rudeza Butcher Bywater e Else suspeitamna de interpolação É claro que lido assim o final do assume um significado condizente com a doutrina do cap XIII para ser o herói de uma tragédia Aquiles tinha de ser bom isto é obedecer ao código da heróica mas também devia ser de algum modo semelhante a nós pois de contrário jamais suas Wár viriam despertar em nós as emoções trágicas de terror e piedade 91 regras concernentes às sensações cf cap XVII escritos publicados provavelmente o De Poetis CAP XVI 9298 Embora como diz cap XV 91 Aristóteles nos diálogos publicados tenha discorrido com certo desenvolvimento acerca das sensações que necessariamente acompanham a poesia a importância do tema principalmente para a arte dramática levará o filósofo a retomálo no cap XVII Mas entretanto ocorrelhe que no reconhecimento como nos desenlaces cf 89 os poetas também têm recorrido a artifícios que prejudicam os efeitos da arte e alguns não deixam de assemelharse àquele que de todos é o menos artístico o deus ex machina Não será este o oportuno momento de propor uma classificação dos reconhecimentos Aristóteles distingue cinco classes de reconhecimentos e determinaos sucessivamente na ordem crescente de seu valor artístico 1 por sinais 93 que admite duas subclasses sinais a congênitos e b adquiridos e estes por sua vez ainda se dividem em sinais a no corpo e fora do corpo 2 urdidos pelo poeta 94 3 por memória 95 4 resultantes de silogismoraciocínio 96 e finalmente 5 os que derivam da própria intriga Quanto à exemplificação que segue v índice Onomástico CAP XVII Por volta de 1865 Vahlen já havia reconhecido que os caps XVII e XVIII formam um geschlossenes Ganzenum todo completo Quase cem anos depois Else vem dizernos em que precisamente residiria a causa da segregação desse todo completo dentro do outro todo mais vasto que é a doutrina do mito trágico que Aristóteles desenvolveu a partir do cap IX no cap XVIII prosseguindo na exposição de idéias já indicadas no precedente e que em parte já haviam sido pormenorizadamente discutidas no diálogo De Poetis ao filósofo ocorre um novo pensamento e este se é verdade que não se opõe frontalmente àquela concepção do mito intriga composição dos atos etc como alma da tragédia também não deixa de ser verdade que constitui certo desvio ou pelo menos certa emenda amplificadora da doutrina primitiva A tese de Vahlen reenunciada e reargumentada por Else pp 486560 reduzse em última análise a propor a teoria do nó e desenlace do cap XVIII como desenvolvimento de um novo conceito the concept of the whole story p 518 sugerido a Aristóteles pelo confronto da tragédia com a epopéia sob o aspecto da relação que existe ou deve existir entre a ação principal e os episódios Examinemos a questão em pormenor mas no curso do seu desenvolvimento através do comentário aos sucessivos dos caps XVII e XVIII 99 Cf índice Onomástico s v ANFIARAU 100 A nossa tradução segue a vulgata quer dizer a maioria das versões publicadas Porém a leitura meditada do comentário de Else não deixa dúvidas de que gestos das personagens não pode ser o verdadeiro sentido do original mister do poeta não é propriamente o mister do encenador da peça e mesmo que alguma vez lhe aconteça querer ou dever ensaiar algum dos seus dramas o poeta fálo depois de haver cumprido a sua tarefa de escritor Os oxápara seriam por conseguinte figuras da elocuçãoReparese depois que o verbo que traduzimos por reproduzir por si mesmo é o mesmo do início do 99 relacionado principalmente com elocução Deve pois ó poeta compor as fábulas e elaborar a elocução isto é compor as fábulas e elaborálas quanto à elocução O início é claro mas o exemplo mencionado erro cênico de Cárcino é que tem sido a causa das errôneas traduções incluindo a nossa que segue propositadamente a vulgata Efetivamente as normas prescritas por Aristóteles são duas 1 ter diante dos olhos as personagens e 2 elaborarlhes as falas mas o exemplo que diz respeito só à primeira influiu na interpretação da segunda E esta influência consistiu primacialmente em subentender poetas na frase mais persuasivos com efeito são os poetas que onde talvez fosse de subentender personagens atores desempenhando determinados papéis Os segundo esta interpretação seriam pois as formas de expressão artística do animo agitado ou do ânimo irado e são essas formas que em nós espectadores despertam a mesma agitação e a mesma ira Nestas circunstâncias a tradução dos 99 e 100 seria mais ou menos a seguinte 99 but one should construct ones plot and work it out with the dialogue while keeping it before one s eyes as much as possible 100 and so far as possible working it out with the patterns of speech also For those who are in the grip of the emotions are most persuasive because they speak to the some natural tendencies in us and it is the character who rages or express dejection in the most natural way who tirs us to anger or dejection Finalmente a última frase do 100 tem sido interpretada como uma das raras concessões de Aristóteles à teoria da inspiração poética cf coment ao 15 a qual como já dissemos foi defendida por Platão e antes por Demócrito cf Cíc De Orat 2 194 Saepe enim audivipoetam bonum neminem idquod a Democrito et Platone in scriptis relictum esse dicunt sine inflammatione animorum existere posse et sine quodam adflatu quasifuroris e Divin I 80 Negat enim sinefurore Democritus quemquam poetam magnum esse posse quod idem dicit Plato Else p 501502 pretende que Aristóteles manifesta neste lugar a sua preferência pelos bemdotados por natureza que são os bons poetas os plasmadores contra os inspirados os extáticos mas para justificar a sua opinião vêse obrigado a introduzir uma palavra no texto grego These are the reasons why the poetic art is an enterprise for the gifted rather than the manicindividual Neste ponto a argumentação está longe de ser persuasiva 101104 No princípio do 101 parece faltar o nexo com os precedentes mas na verdade prossegue aqui a prescritiva quanto à atividade do poeta como escritor de seus dramas O dramaturgo defrontase com o problema de saber por exemplo o quanto da abundantíssima mitologia tradicional quer em extensão quer em pormenor e ainda que não considere senão a parte que há de constituir o drama em seu todo orgânico deverá ser incluído no poema trágico Eis o problema que fará dos caps XVII e XVIII um todo completo 105 Nó e desenlace são os novos conceitos da Poética destinados a expressar uma possível solução do problema em causa Porém a maior novidade não é tanto a dos próprios conceitos quanto a forma como eles são definidos ou antes o novo é aquilo em relação ao que eles são definidos Else chamou ao fundo do qual se destacam nó e desenlace do drama a história toda the whole story p 518 isto é no caso de o argumento ser extraído da mitologia tradicional aquela parte sua compreendida entre o ponto onde começa idealmente a delinearse a história que terá por término o final da tragédia ou da epopéia Por conseguinte aquele princípio da história inteira no 105 já não é o mesmo início mencionado no cap VII da composição dos fatos propriamente dita aquele que seguido do meio e do fim vem a constituir o mito trágico em um ser vivente inteiro completo em si mesmo Em suma a maior novidade na inclusão dos conceitos de nó e desenlace reside em uma renovada idéia da conexão entre os episódios e a ação central the episods now begin to appear as semi organic parts of the play not actually parts of the action itself but nevertheless standing in a calculated relation to itElse p 519 E possível que esta idéia tenha surgido na mente de Aristóteles no momento em que cap XVII 104 se apercebe da importância dos episódios na Odisséia e do modo como eles se conjugam com a ação principal na epopéia homérica sobre isto v coment ao cap XXIII 106107 pois quatro são também as suas partes crux interpretum das mais notáveis em toda a Poética Que partes vêm a ser estas Não as quantitativas cap XII evidentemente nem as qualitativas cap VI que são seis três externas e três internas Restam apenas as partes estruturais do mito trágico Mas quatro Rostagni p 106 propõe 1 peripécia e reconhecimento como uma só 2 catástrofe 3 caráter 4 espetáculo Else na seqüela de outros intérpretes comparando a presente lista de tipos de tragédia com a do princípio do cap XXIV simples complexa catastrófica ou patética e de caracteres ou ética verifica a coincidência quanto aos três últimos tipos nas duas passagens mas rejeita a hipótese de o quarto tipo da primeira lista ser o primeiro da segunda isto é a tragédia simples e propõe o seguinte e em quarto lugar seria uma glosa marginal ou interlinear incluída no texto por algum escriba inepto e em vez daquelas palavras a lição autêntica era Reparese que a parte à esquerda do Hyphen tem o mesmo número de letras que a tal glosa marginal e quanto à segunda à direita deixou como vestígio no texto A confirmarse a hipótese o quarto tipo seria o episódico E agora qual a conseqüência a tirar da classificação dos tipos de tragédia para a enigmática enumeração das suas partes Com fundamento na suposição de que Aristóteles tenha modificado durante a redação dos caps XVII e XVIII as suas idéias acerca do caráter acessório dos episódios cf supra Else p 533 propõe 1 peripécia e reconhecimento 2 catástrofe 3 caráter 4 episódios Concluindo The lépr are parts not in the more formal and analytical sense of the six parts of the tragic art in chapter 6 but in the more comprehensive sense of parts of the total activity of writing the dramatic põem p 535 108 o que já por várias vezes dissemos c V 49 b 9 24 VII 5 1 a 6 45 IX 51 b 32 55 XVII 55 b 15 104 109 It can hardly be accidental that the poets are said here to succeed in what they want whereas two lines above they were failing Our inference is that they wanted the same thing there as here namely but chose the wrong method for attaining it the unfortunate poets who tried to make epic structures into tragedy just as they carne Without a major reshaping of the material wanted to achieve the effect which they knew was achieved by the epic But the maravilhoso which can and shouldbe achievedin tragedy is not the same as the irracional which is the speciality of epicElse 549 110 Aqui Aristóteles aponta quatro maneiras de proceder em relação às partes líricas 1 em Sófocles os corais estão perfeitamente integrados n ação dramática 2 em Eurípides a relação é mais frouxa 3 outros poetas compuseram coros que nada tinham que ver com a ação dramática representada e finalmente 4 em face deste último procedimento os mestres de coros passaram a intercalar entre os episódios quaisquer corais mesmo os que pertenciam organicamente a outras tragédias no drama que na ocasião se propunham exibir CAP XVIII Das seis partes qualitativas da tragédia restam apenas duas pensamento e elocução pois das outras já falamos 111 mais desenvolvidamente do mito e do caráter e só por breves indicações do espetáculo cap XIV 74 e da melopéia cap XVIII 111 112113 A elocução e o pensamento vão ocupar agora considerável lugar na Poética ou antes somente a elocução pois o pensamento nos quatro caps XIXXXII apenas intervém nos 112113 do cap XIX O motivo é evidente e expresso o que respeita ao pensamento tem seu lugar na retórica porque o assunto mais pertence ao campo desta disciplina No entanto Aristóteles não pode deixar de assinalar a diferença drama não é discurso expressão de pensamento puro e simples é uma ação representada por personagens e por conseguinte para os mesmos efeitos que na oratória são produzidos mediante a palavra somente o poeta trágico ou cômico tem outros recursos Neste ponto a única advertência do Filósofo é pois um sinal do que talvez se passasse no seu tempo os dramaturgos cedendo à moda da época e ao prestígio da retórica política e judiciária transferiam para os discursos das personagens a interpretação explícitada própria ação dramática CAP XIXXXII Os 114115 do cap XIX e a totalidade dos três caps seguintes são dedicados ao último elemento constituinte da tragédia cf cap IX a elocução É claro que hoje mal podemos reprimir a impressão imediata de que estes três capítulos deviam pertencer a outro contexto designadamente à gramática e não à poética Nestas circunstâncias cabe citar a judiciosa reflexão de Gudeman p 337 Wàre man der langsamen Entwickungsgeschichte der Grammatik eingedenkt gewesen hàtte man es wohl nicht so oft befremdiich gefunden dass Aristóteles anscheinend so elementare Dinge wenn auch nur kurz in der Poetik behandelt hat Sie waren dies eben damals noch nicht und bildeten noch lange nach ihm viel erõrtete Probleme As palavras do filólogo germânico levamnos a incluir como apêndice a este comentário algumas notas acerca da História da Filologia Grega na Antigüidade supomos prestar assim melhor serviço ao leitor da Poética do que se o sobrecarregássemos com minuciosas anotações aos caps XIXXXII Elocução e XXV Problemas Críticos Nestes lugares limitarnos emos a acrescentar os esclarecimentos indispensáveis 124 definição de homem Aristóteles referese talvez à definição dos Tópicos I 7103 a 27 animal que anda com dois pés ou no mesmo livro p 130 b 8 animal capaz de aprender 125 v índice Onomástico s v MASSALIOTAS 127 lança É curioso notar que depois de estrangeiro dialetal na versão árabe vêm as seguintes palavras Dory vero nobis quidem proprium populo Cyprio vero glossa que teriam sido omitidas por homoioteleuton De modo que este passo seria de reconstituir assim cipriotas é de uso corrente e para nós estrangeiro ao passo que lança é para nós de uso corrente e estrangeiro para os cipriotas 129 aqui minha nave se deteve Odisséia I 185 XXIV 308 Na verdade milhares Ilíada II 272 Tendolhe esgotado a vida Empédocles frgs 143 e 138 DielsKranz 130 Não há semelhante metáfora entre os fragmentos coligidos 137 Enigma famoso diz Aristóteles na Retórica III 1405 a 35 Solução a ventosa 140 Falsos hexâmetros com as vogais arbitrariamente alongadas O efeito ridículo maior resulta da vacuidade da significação Rostagni p 135 ad locum 142 Ésquilo fr 253 Nauck p 81 e Eurípides fr 792 K pj518 úlcera que come a carne do meu pé Ésquilo come Eurípides banqueteiase com Odisséia IX 515 e eis que um homemsendo pequenodébile disforme ibid XX 259 tendo posto mau escabelo e mesquinha mesa as ondas mugem as ondas gritam CAP XXIII Terminada a teoria da poesia trágica cap XXII 146 Aristóteles volta a comparar a epopéia com a tragédia cf supra cap V 24 e coment ad locum por isso o cap XXIII se agrupa naturalmente com os cap VIIIX para completar a teoria geral da poesia austera 147148 É claro que ação inteira e completa com princípio meio e fim serve para lembrar expressamente o que ficara exposto nos caps VII e VIII sobre as notas de totalidade e unidade da poesia e imitação narrativa e em verso recorda o caráter distintivo da epopéia defronte à tragédia já mencionado no cap V 24 Mas também é claro que esta característica serve agora ao intuito de opor à epopéia juntamente com a tragédia a história v c IX que sendo também narrativa se exprime em prosa Só que a história não tem estrutura dramática como estrutura dramática não têm outros épicos os quais para usar as mesmas palavras do cap IX bem poderiam ser postos em prosa e nem por isso deixariam de ser história se fossem em prosa o que eram em verso 149150 Ao que nos parece seria difícil para não dizer impossível enunciar a Questão Homérica em termos mais sóbrios se não os mais rigorosos Homero elevase maravilhosamente acima de todos os outros poetase estes podemos identificálos com os autores dos vários poemas do Ciclo pela estrutura dramática que imprimiu à mitologia tradicional Vale a pena insistir mais demoradamente neste ponto Na mais tardia Antigüidade é lugarcomum afirmar que a tragédia deriva da epopéia e epopéia neste caso é o mesmo que Homero Eis três exemplos Ateneu VIII p 347 E referese àquele dito do nobre e ilustre Ésquilo que as suas tragédias eram trinchas dos suntuosos festins homéricos Antes já Isócrates II 4849 explicara Eis por que a poesia de Homero e os que descobriram a tragédia são dignos de admiração penetraram eles a natureza humana e servemse destes dois gêneros de arte para a sua poesia Aquele verteu em mitos as lutas e guerras dos semideuses estes reverteram os mitos em lutas e ações de modo que delas viemos a ser não só auditores como também espectadores Os cômicos parodiaram o dito histórico ou lendário de Ésquilo Negócio em tudo afortunado é escrever um poema trágico se por certo já as palavras os espectadores as sabem mesmo antes que alguém fale Basta que o poeta se lembre Que eu diga Édipo tudo o mais já se conhece Laio o pai e a mãe Jocasta quem eram as filhas quem eram os filhos que trabalhos ele vai passar e que feitos já praticou E se depois alguém disser Alcmêon o mesmo é que haver falado em seus filhos todos que em delírio matou a mãe que enfurecido Adrasto vai chegar e imediatamente si retira Então quando o poeta nada mais pode dizer e completamente sucumbiu em seus recursos dramáticos com um simples levantar de dedo faz subir o deus ex machina e os espectadores ficam contentes Para nós as coisas não são tão fáceis precisamos tudo inventar novos nomes atos de abertura ação presente catástrofe desenlace Se houver personagem Cremes ou Feídon qualquer que em alguma dessas coisas se omita apupado e expulso do teatro será o poeta mas a um Peleu ou a um Teucro tais omissões se consentem Antífanes fr 191 Koch II p 90 n 163 p 112 Cantarella Não há dúvidas por conseguinte que antes ou depois de Aristóteles alguns dos responsáveis pela crítica literária conceberam e divulgaram a idéia de que a tragédia provinha por seus argumentos da lenda heróica e esta se bem que desde Heródoto já se levantassem dúvidas acerca da autoria homérica de poemas que não fossem a Ilíada e a Odisséia andava então ligada ao nome de Homero E efetivamente se examinarmos a distribuição dos argumentos trágicos pelos ciclos mitológicos tradicionais cf quadro no fim deste comentário mesmo de relance nos apercebemos de que os temas trágicos de algum modo são temas épicos Porém e na Antigüidade só Aristóteles se apercebeu do fato a Ilíada e a Odisséia também se situam do lado da tragédia como poemas cuja concepção e cuja redação pressupõem uma lenda heróica já formada e divulgada sob forma biográfica Heracleidas Teseidas ou cronográfica poemas do ciclo troiano histórias em verso em suma Ao mesmo resultado chegam agora as pesquisas dos modernos filólogos Unser Hauptergebnis ist dass die Mas in viel grósserem Masse die in dichterischen Quellen úberlieferte Sage voraussetzt ais man meinte und dass sie insbesondere den Stoffder kyklischen Epen in grõsseren Masse kennt ais bischer überhaupt für mòglich gehalten wurde í0 nosso principal resultado é este a Ilíada pressupõe a lenda transmitida por fontes poéticas em muito mais altas proporções do que se pensava e que ela especialmente conhece a matéria das epopéias cíclicas em maiores proporções do que até hoje foi geralmente considerado como possível E o autor destas linhas W Kullmann Die Quellen der Mas Wiesbaden 1960 p 358 acrescenta em nota Ferner zeigt sich dass das literarhistorische Schema dass Homer wenn er schon nicht den Ursprung der griechischen Sagenentwicklung überhaupt darstellt so doch immer die Urfomen der griechischen Sagen bietet võllig falsh ist Além disso mostrase que é completamente falso o esquema históricoliterário segundo o qual Homero se bem que já não represente a origem pura e simples do desenvolvimento da lenda grega no entanto sempre nos oferece as suas formas primordiais Que quer tudo isto dizer Simplesmente o que segue 1 Tanto Aristóteles como os modernos unitaristas reconhecem que Homero vem depois e não antes dos poetas do Ciclo 2 A posterioridade de Homero não é simplesmente cronológica Homero vem depois dos cíclicos porque dramatizou o mito que anteriormente se estruturava como história 3 Homero não é por conseqüência o princípio de um desenvolvimento designadamente não representa ele o início da literatura mitográfica dos gregos CAP XXIV 151 Ao princípio deste capítulo já nos referimos cap XIII 106 ao determinarmos as quatro espécies de tragédia As da epopéia são as mesmas diz nos Aristóteles porém se Élse acertava ao supor que a quarta espécie de tragédia é a episódica verificamos agora que esta é precisamente a que o filósofo não menciona neste lugar O mesmo comentador aduz que predominando os episódios na epopéia it is the category episodicthat would be uselessp 516 Quanto às partes a maioria dos exegetas modernos não encontram tantas dificuldades ao contrário do que se passa no cap XVIII 106 aquele exceto melopéia e espetáculo cênico parece apontar inequivocamente para as outras quatro das seis partes do cap VI mito caráter pensamento e elocução No entanto Else persiste em supor que se trata ainda neste lugar das mesmas partes do início do cap XVIII Digase no entanto que os argumentos do filólogo de Harvard não são tão convincentes O mais plausível assenta no efetivamente que segue introduzindo reconhecimento peripécia e catástrofe e o mais incrível na interpolação de exceto melopéia e espetáculo cênico from an honest reader perhaps our oldfriend of the early chapters p 598 152153 Depois das semelhanças entre epopéia e tragédia vêm as diferenças 1 quanto à extensão 153 e 2 quanto à métrica 154 o que indicamos df cap VII 50 b 34 44 e cap XXIII 59 a 29 149 menos vasta do que a das antigas epopéias o quadro traçado por Else p 604605 não deixa sombra de dúvida de que antigas epopéias só pode referirse à Ilíada e à Odisséia de todas as outras excetuada a Tebaida e os Epígonos citadas pelo Certamen Homeri et Hesiodi as mais extensas não excedem sete mil versos Else tem pois razão para mencionar a propósito o espanto com que Gudeman verificou que o núcleo central da Odisséia descrito por Aristóteles no cap XVII 55 b 15 104 não excede quatro mil versos Lembramos nós no mesmo propósito que núcleo central da Ilíada segundo E Bethe Homer Dichtung und Sage v I também contaria pouco mais de cinco mil versos Estas observações explicam o limite da extensão proposto por Aristóteles aquele que todas juntas têm as tragédias representadas num só espetáculo Em conclusão The sense ofthepassage is that the ideal demands of unity i e the norm of length would require the epic to stay within the normal span of a trilogy about four thousand two hundred Unes plus or minus and we have seen that this requirement is infact satisfied by the central action of the two Homeric epics But Aristotle goes on to say the epic has a special trait or capacity of extra extension and this special trait has its advantages too In the light of our discussion we can translate this to mean Homer at least composed central actions which meet our requirements beautifully both in quality and in quantity But then he wenl on and addedgreat masses of episodes which expanded hispoems far beyond the mark Well this is something the epic poet has a special opportunity and licence to do because he is a narrator and certain advantages do accruefrom it p 606607 Na tragédia não é possível representar mas na epopéia Passagem de dificílima interpretação Com efeito Aristóteles parece esquecer que na tragédia muitos fatos não representados em cena são apresentados aos ouvintes mediante relato de mensageiros Por outro lado é verdade que se a tragédia não pode representar simultaneamente vários sucessos também a epopéia os não apresenta nem pode apresentálos ao mesmo tempo A solução de Else p 608609 é verossímil na tragédia não é possível imitar numerosos desenvolvimentos no tempo em que eles estavam acontecendo mas só aquele que está sendo representado em cena e envolve os atores enquanto na epopéia graças ao ser narrativa é possível compor dar expressão poética incorporar no poema muitos eventos no tempo em que eles estavam progredindo 154 É evidente a relação com o cap IV metro da tragédia e que Aristóteles tem em vista em ambos os lugares estabelecer um paralelo entre a natureza do verso e a natureza do gênero Else 617 155 Mais uma alusão às epopéias cíclicas todas puramente episódicas e sem estrutura dramática Homer he i é Aristóteles says uses straight narrative only for a brief prologue then immediately brings on st age a character The other poets remain on the stage themselves all the way through 156158 Maravilhoso e irracional Looking back over our passage 156158 as a whole we are struck by how far it goes in the direction of glorifying the poets skill purely for its own sake lart pour lart It is just in this passage that Aristotle accepts the old accusation of Hesiod Xenophanes and Plato that Homer has told lies Lying comme il faut cs a tolerated exception to the rule that poetry tells the truth about man and his action It is tolerated because the marvelous is after ali a real source of pleasure Far from authorizing a large expansion of it Aristotle is concerned to draw its due limits and show how and where it should be handledp 630 CAP XXV Problemas Homéricos Cf Introdução cap I comentário de Gudeman ad locum pp 418442 e do mesmo autor o art Lyseis da R E v XIII pp 25112529 Neste capítulo é notável a antecipação de Aristóteles à crítica dos Alexandrinos A exegese de Homero a partir de Homero e do ponto de vista homérico eis o verdadeiro método da crítica Tal será o método de Aristarco e seus discípulos 166 como pareciam a Xenófanes cf índice Onomástico s v XENOFANES 167 As lanças erguidas sobre os contos Ilíada X 52 169 machos sentinelas Ilíada I 50 Aristóteles considera o mesmo que segundo Hesiquio s v eqüivale a vigias sentinelas mau ele era de aspecto Ilíada X 3 16 O problema era como poderia Dólon correr tanto se ele era disforme mistura mais forte Ilíada IX 202 170 Quando lançava os olhos Aristóteles cita de memória porque altera palavras os versos 1 2 e 11 13 dó canto X da Ilíada O problema é o seguinte como poderia Agamenon ouvir o som das flautas e das siringes se todos dormiam só ela Ilíada XVIII 489 Tratase da constelação da Ursa Maior v Strab I 16 171 glória nós lhe daremos Ilíada XXI 297 Hípias atribuía assim a responsabilidade do engano ao Sonho Porque o problema era o da possibilidade de os deuses enganarem os homens cf Plat Rep II p 381 C ss arte do qual Ilíada XXIII 328 Passagem obscura É possível que antigos manuscritos da Ilíada tivessem em lugar de ov não ov do qual Com o pronome relativo liase uma parte do qual tronco apodrece com a chuva e surgia então o problema que parte não apodrece A lição correta que Hípias sugere partícula negativa em lugar do pronome relativo é um tronco que não apodrece 172 Mas depressa se tornaram cf índice Onomástico s v EMPEDOCLES 173 Maior parte Ilíada X 251 Problema se passaram mais de dois terços da noite como será possível dizer que falta ainda passar um terço inteiro Resposta é ambíguo e dizendo o mais a maior parte das duas partes passaram entendeuse primeiro que a noite está dividida em duas partes iguais e que passou uma inteira e parte de outra resta uma porção da noite que pode muito bem corresponder a um terço da noite no fim do raciocínio já se supõe a noite dividida em três partes e não em duas como se supunha de início 174 cnêmide Ilíada XXI 592 Cnêmide greva As grevas não eram de estanho puro mas de uma liga estanhada O problema nasce do uso corrente de denominar um composto com o nome de um dos elementos ou de chamar uma coisa pelo nome de outra semelhante exemplo chamar trabalhadores de estanho aos trabalhadores de ferro Por isso de Ganimedes que serve o néctar se diz que serve o vinho Esta passagem resulta obscura pela confusão dos exemplos 175 aqui se deteve Ilíada XX 267 O escudo de Aquiles era feito de cinco chapas de metal sobrepostas duas de bronze duas de estanho uma de ouro Problema como é possível que a lança de Enéias tendo perfurado duas se detivesse na chapa exterior de ouroSolução significa qualquer forma de impedimento e não só o deterse a chapa externa de ouro pode haver moderado o ímpeto do golpe e impedido que a lança penetrasse além de duas chapas sobrepostas de que fala Glauco v índice Onomástico s v GLAUCO a propósito de Icário v índice Onomástico s v ICARIO 179 Eis um quadro das cinco espécies de críticas e das doze espécies de soluções segundo Gudeman comentário p 442 I Crítica Impossível Soluções 1 pela arte 164 2 por acidente 165 II Crítica Irracional Soluções 3 tais como devem ser 166 4 tais como são ibid 5 opinião comum ibid III Crítica Impropriedade Solução 6 o moralmente chocante deve ser julgado segundo pontos de vista relativos 168 IV Crítica Contradição Solução 7 observar o indivíduo que agiu e falou 168169 V Crítica Incorreção da linguagem Soluções 8 dialeto 169170 9 prosódia 171 10 diérese 172 11 anfibolia 173 12 uso da linguagem 174 CAP XXVI O problema a que Aristóteles dedica o último capítulo da Poética já fora de certo modo enunciado no cap IV 49 a 6 19 Examinar depois se nas formas trágicas a poesia austera tragédia epopéia atinge ou não atinge a perfeição do gênero isso seria outra questão Por outras palavras no gênero poesia austera qual é a espécie melhor e mais perfeita Tragédia ou epopéia É claro que nas muitas passagens em que se refere a Homero em que define e desenvolve os conceitos de dramático e de narrativo cf índice Analítico s vv HOMERO e EPOPÉIA O filósofo já resolve a questão Se Homero é o melhor dos poetas épicos porque dramatizou a mitologia tradicional se a Ilíada e a Odisséia revelam a própria sublimidade no que têm de trágico é evidente que a tragédia é a espécie superior aquela em que se atinge a perfeição do gênero No 183 Aristóteles explicará resumidamente toda a argumentação acerca da superioridade da tragédia antes porém terá de responder a uma seriíssima objeção a qual tem todo o jeito de haver sido formulada pelo seu Mestre na Academia cf Else p 636 ss 181 A censura talvez platônica que incidia sobre a arte dramática do século IV em comparação com a rapsódica não deixa efetivamente de ser justa e merecida e Aristóteles não se coíbe de repetir as graves objeções Platão ou outro que tenha sido o censor mostrase bem dotado de sensibilidade artística como representante daquele público elevado que não tolerava a gesticulação exagerada de macaqueadores como Calípides 181 Sosístrato e Mnasíteo de Oponte 182 Mas com tudo isso a verdade é que não se trata afinal senão de uma crítica a representações e atores e que por isso mesmo não atinge a arte do poeta trágico 182 182 O que segue é uma resposta à objeção que se articula em seis pontos Em primeiro lugar vêm três negativos 1 a crítica precedente não atinge senão a arte de representar e demais nem a rapsódica nem a lírica estão isentas dos defeitos que se apontam na tragédia 2 nem toda espécie de gesticulação é de reprovar mas tãosomente aquela que reproduz caracteres baixos 3 mesmo sem movimentos representação a arte trágica pode atingir a sua finalidade cf 184 Depois vêm três positivos 4 a tragédia além de conter todos os elementos constituintes da epopéia dispõe de mais dois melopéia e espetáculo 5 possui grande evidência representativa quer na leitura quanto à leitura v 3 recordese o que ficou escrito no cap XVII 99 6 é mais compacta e mais unitária v referências citadas no coment ao 108 184 Else p 651 pretende ver nesta passagem o sétimo e último ponto da argumentação a tragédia é superior por todas estas vantagens e mais ainda porque melhor consegue o efeito específico da arte Mas qual é o efeito específico da arte que já foi indicado Há duas possibilidades Else 615 a o prazer definido no cap XIV isto é o que provém do terror e piedade através da imitação 74 e b o que deriva da perfeita estrutura do mito cap XXIII 147 A escolha é difícil e não há argumento decisivo a favor de uma ou outra possibilidade Por um lado é certo que esse prazer tendo de ser comum à tragédia e à epopéia não há qualquer menção dos sentimentos de terror e piedade nos caps XXIII e XXIV que tratam mais especialmente da epopéia mas por outro lado esses sentimentos estariam implicados na estrutura complexa e patética dos melhores poemas épicos cf caps XI e XIII sobre a tragédia complexa 185 Dos jambos e da comédia são as palavras finais do Riccardianus 46 ÍNDICE ANALITICO DA POÉTICA ABREVIAMENTO contribui para a clareza e elevação da linguagem 58 b 1 ABSURDO admissível se for verossímil 60 a 26 Cf IRRACIONAL AÇÃO na arte dos DANÇARINOS 47 a 27 a TRAGÉDIA é imitação de 49 b 24 PENSAMENTO e CARÁTER são causas determinantes da 50 a 1 sem não haveria tragédia 50 a 23 a una 51 a 1662 b 1 relação necessária entre as várias partes da51 a 29 é SIMPLES EPISÓDICA OU COMPLEXA definições 52 a 11 na tragédia a deve produzir a PIEDADE e o TERROR 52 b 1 consciência ou inconsciência da 53 b 26 Cf ATO MITO FÁBULA INTRIGA ATO FATO da própria trama dos fatos composição dos atos INTRIGA deriva a PIEDADE e o TERROR 53 b 13 também da INTRIGA o RECONHECIMENTO 55 a 16 diferença entre ação e DIALOGO 56 b 1 ATO Mito ou FÁBULA e AÇÃO são sinônimos em muitas passagens da Poética Cf INTRIGA MITO AÇÃO ATOR agonista o número de atores na tragédia aumentado por ÉSQUILO 49 a 15 na COMEDIA nada se sabe 49 b 3 mesmo sem atores atinge a tragédia o seu efeito 50 b 15 os bons POETAS condescendentes com os atores compõem partes DECLAMATÓRIAS que forçam os limites do MITO 51 b 32 o CORO deve ser considerado como 56 a 25 em que consiste a arte do 56 b 7 defeitos dos atores 51 b 27 ALONGAMENTO eleva o tom da LINGUAGEM ELOCUÇÃO 58 a 18 58 b 1 ALTERAÇÃO a dos nomes contribui para a elevação e clareza da LINGUAGEM 58 b 1 ANAPESTO não entra no ESTASIMO 52 b 19 ANFIBOLIA ambigüidade exemplo 61 a 25 ARGUMENTO Como deve o POETA dispor os argumentos 55 a 34 Cf MITO FÁBULA ARTE contraposta a costume 47 a 17 em oposição a ENGENHO natural 5 1 a 22 a FORTUNA 54 a 9 O efeito específico da na tragédia 62 b 12 AULETICA IMITAÇÃO 47 a 13 usa como meios só HARMONIA e RITMO 47 a 17 diferenças na conforme o objeto da imitação 48 a 1 BARBARISMO linguagem composta apenas de vocábulos estrangeiros dialetais 58 a 23 BELO condições para que se realize 50 b 34 CANTADAS partes separaramse pouco a pouco da ação trágica 56 a 25 Cf AGATAO CANTO MELOPEIA meio da IMITAÇÃO 47 b 23 ornamento da LINGUAGEM 49 b 24 CARÁTER definição 50 a 1 a DANÇA imita caracteres 47 a 27 as personagens da tragédia apresentamse diversamente conforme os caracteres 49 b 35 os caracteres determinam as ações 50 a 16 o não é parte essencial da tragédia 50 a 23 37 os caracteres na PINTURA ibid diferença entre e PENSAMENTO 50 b 4 condições para que haja e espécies de 54 a 17 todas as personagens homéricas têm 60 a 5 CATARSE purificação purgação a tragédia tem por efeito específico a das emoções de TERROR e PIEDADE 49 b 24 CATÁSTROFE definição 52 b 9 faz parte do MITO complexo ibid ações mais ou menos catastróficas 53 b 15 faz parte da EPOPEIA 59 b 8 Situação sem não é trágica 53 b 36 CATASTRÓFICA tipo de tragédia 55 b 23 tipo de EPOPÉIA 59 b 8 a Ilíada é uma epopéia ibid CENOGRAFIA introduzida por SOFOCLES 49 a 15 Cf ESPETÁCULO CENÓGRAFO na realização do ESPETÁCULO a arte do supera a do POETA 50 b 15 CITARÍSTICA é IMITAÇÃO 47 a 13 usa como meios só de HARMONIA e RITMO 47 a 17 diferenças conforme o objeto da imitação 48 a 1 Cf AULETICA COMEDIA é IMITAÇÃO 47 a 13 usa de todos os meios da imitação 47 a 23 difere do DITIRAMBO e do NOMO ibid e da TRAGÉDIA 48 a 16 origem dórica pela etimologia 48 a 29 HOMERO traçou as linhas fundamentais da 48 b 33 difere do VITUPERIO 49 a 1 origem da 49 a 8 é imitação de homens inferiores de baixa índole 49 a 32 é desconhecido o desenvolvimento histórico da 49 b 1 origem da na Sicília 49 b 3 tendência da para a universalidade 51 b II diferença da poesia jâmbica ibid o prazer que é próprio da 53 a 30 COMPLEXA é a TRAGÉDIA mais bela 52 b 31 a tragédia consiste inteiramente em PERIPÉCIA e RECONHECIMENTO 55 b 33 é uma das espécies da EPOPÉIA 59 b 8 a Odisséia é uma epopéia ibid CONGÊNITO O imitar é no homem 48 b 4 também são congênitos a HARMONIA e o RITMO 48 b 20 CONJUNÇÃO Definição 56 b 39 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 CONTRADIÇÃO Como evita o POETA a 55 a 22 como se resolvem as aparentes contradições na POESIA 61 a 31 como examinar as expressões aparentemente contraditórias 61 b 9 CONTRADITÓRIAS expressões Cf CONTRADIÇÃO CORAL coro faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 seções do 52 b 19 CORO ÉSQUILO diminuiu a importância do 49 a 15 tarde foi concedido pelo arconte o da COMEDIA 49 b 1 considerado como um dos atores 56 a 25 e parte integrante do todo ibid deve participar da AÇÃO ibid Cf CANTADAS partes KOMMOS EPISÓDIO ESTASIMO ÊXODO INTERLUDIO PARODO PRÓLOGO CORRENTE linguagem Os trágicos têm sido parodiados por usarem palavras que ninguém emprega na linguagem 58 b 31 o JAMBO é o METRO que mais se avizinha do ritmo natural da linguagem 49 a 19 CORRENTE vocábulo Definição 57 b3 é uma espécie de NOME 57 b 1 a linguagem constituída só de palavras correntes é baixa 58 a 18 o uso de vocábulos correntes clarifica a linguagem 58 a 31 Cf ELOCUÇÃO COSTUME contraposto a ARTE 47 a 17 CRITICA Pontos de vista a partir dos quais se resolvem as críticas 60 b 20 espécies de soluções críticas 61 b 21 DANÇA arte da Varia conforme o objeto da IMITAÇÃO 48 a 9 o TETRÂMETRO é o METRO mais adequado à 49 a 19 60 a 1 DANÇARINO A arte do é IMITAÇÃO com RITMO e sem HARMONIA 47 a 26 DECLAMAR arte de O conhecimento dos modos de declamação compete à arte de 56 b 7 e a arte do POETA não deve ser confundida com a arte do ATOR 62 a 5 Cf ATOR DECLAMATÓRIA parte Para compor partes de declamatória os poetas chegam a forçar os limites do MITO 5 1 b 32 DESENLACE Definição 55 b 24 deve resultar da íntima estrutura do MITO INTRIGA 54 a 37 Noe 56 a 7 sobre o feliz ou infeliz e o na tragédia EURÍPIDES 53 a 12 DEUS EX MACHINA mxv Não deve causar o DESENLACE da tragédia 54 b 1 em que casos se pode recorrer ao ibid DIALOGO socrático 47 b 1 ÉSQUILO fez do PROTAGONISTA 49 a 15 DIÉRESE separação Por correta resolvemse algumas dificuldades na interpretação da POESIA exemplo 61 a 24 DISCURSO Diferença entre e Ação 56 b 1 DITIRAMBO É IMITAÇÃO 47 a 13 recorre a todos os meios de imitação 47 b 27 varia conforme os objetos da imitação 48 a 9 no tem origem a TRAGÉDIA 48 a 9 ao convém os nomes DUPLOS 59 a 9 Cf SOLISTA DRAMA Origem da palavra 48 a 28 b 1 DRAMÁTICOS mitos 59 a 17 imitações dramáticas48ò23 EFEITO efetividade Da TRAGÉDIA 50 b 28 situações a procurar e a evitar para que a tragédia alcance a própria efetividade 52 b 28 específico da ARTE 62 b 12 Cf FIM finalidade ELEGÍACO METRO 47 b 13 POETA ibid ELOCUÇÃO Definição 50 b 12 49 b 30 RIDÍCULA burlesca 49 a 19 o POETA deve ter presente a dos personagens 55 a 22 modos da 56 b 7 partes gramaticais da 56 b 20 qualidades da 58 a 18 na EPOPÉIA 59 b 8 não deve ofuscar CARÁTER e PENSAMENTO 60 b 2 meio expressivo do POETA 60 b 7 como considerar a para interpretar passos difíceis da poesia 61 a 9 ENCÔMIO louvor Gênero de POESIA produziramno os POETAS de elevada índole 48 b24 ENGENHO natural Contraposto a ARTE 51 a 22 oencontra o metro adequado ao poema 49 a 19 60 a I ENIGMA Definição 58 a 25 a LINGUAGEM constituída só de METÁFORAS é enigmática 58 a 23 EPISÓDIO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 número de episódios 49 a 28 se a relação entre os episódios não é NECESSÁRIA nem VEROSSÍMIL O MITO é EPISÓDICO simples 51 b 32 os episódios devem ser conformes ao assunto argumento 55 b 12 devem ser curtos na tragédia longos na EPOPÉIA 55 b 15 episódios na Odisséia ibid na Ilíada 59 a final a diversidade dos episódios varia o interesse do poema 59 b 19 EPISÓDICO mito cf SIMPLES EPOPÉIA Definição49 b 9 Em que convém com a TRAGÉDIA ibid é IMITAÇÃO 47 a 13 tem METRO uniforme 49 b 9 não tem limite de tempo ibid elementos comuns com a tragédia 49 b 17 unidade de ação 51a 19 superioridade de HOMERO 51 a 22 59 a 29 argumento breve e episódios longos 55 b 15 não se pode tirar de uma só uma tragédia 56 a 11 cf 59 b 21 a estrutura da não pode ser igual à de uma narrativa histórica 59 a 17 de uma podemse extrair várias tragédias 59 b 1 62 b 1 afinidade com a TRAGÉDIA 59 a 17 apresentam uma e outra as mesmas espécies 59 b 8 a Ilíada é SIMPLES episódica e CATASTRÓFICA a Odisséia COMPLEXA e de CARÁTER ibid a difere da tragédia pela EXTENSÃO e pelo METRO 59 b 17 desenvolve simultaneamente ações diversas 59 b 18 o METRO da é o HERÓICOHEXÃMETRO 59 o 32 o IRRACIONAL e o MARAVILHOSO na 60 a 12 o PARALOGISMO na 60 a 19 inferioridade da relativamente à TRAGÉDIA 62 a 14 perfeição dos poemas homéricos 62 b 1 ERRO dos poetas que por referirem as ações a uma só pessoa supõem que elas constituem uma unidade 51a 16 por condescendência com o gosto do público 5 1 b 32 erros essenciais e acidentais à POESIA 60 b 13 ESPETÁCULO cênico É uma parte elemento qualitativo da TRAGÉDIA 49 b 30 a mais emocionante psicagógica mas menos artística 50 b 15 pode suscitar o TERROR e a PIEDADE 53 b 1 o MONSTRUOSO no ibid não faz parte da EPOPÉIA 59 b 8 na TRAGÉDIA aumenta a intensidade dos prazeres que lhe são próprios 61a 14 ESTASIMO ardatiiou Definição 52 b 19 faz parte do CORO da TRAGÉDIA 52 b 14 ESTRANGEIRO vocábulo dialetal Definição 57 b 13 é uma espécie de NOME 57 b 1 efeito na ELOCUÇÃO 58 a 18 31 exemplo de tal efeito 58 b 15 adequado ao verso HERÓICO 59 a 9 ÊXODO Definição 52 a 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 EXTENSÃO Difere na TRAGÉDIA e na EPOPÉIA 49 b 9 FÁBULA cf MITO FATO cf ATO FALICOS cantos tem origem a COMEDIA 49 a 9 FEMININOS nomes Espécie de NOME caracterizada pela terminação 58 a 8 FILOSÓFICA A POESIA é mais filosófica do que a HISTORIA 516 1 FIM finalidade da TRAGÉDIA 60 b 23 Cf EFEITO efetividade FIM término Definição 50 b 26 o MITO não deve terminar ao acaso 50 b 32 FLAUTISTA O mau rodopia querendo imitar o lançamento do disco 6 1 b 27 FLEXÃO Definição 57 a 19 é uma parte da ELOCUÇÃO 52 b 20 FORTUNA acaso Contraposta a ARTE 54 a 9 GESTICULADO RITMO Na DANÇA 47 a 17 GESTO O POETA deve reproduzir em si o das suas personagens 55 a 27 a gesticulação exagerada dos maus atores 62 a 1 GRANDEZA Elemento necessário do BELO 50 b 34 Cf GRANDÍSSIMO PEQUENÍSSIMO EXTENSÃO GRANDÍSSIMO excessivamente grandeiNão pode ser belo 51 a 1 HARMONIA É um dos meios da imitação 47 a 17 é CONGÊNITA no homem 48 b 20 é ornamento da linguagem Cf ORNAMENTADA linguagem HEROÍCO METRO Adequado à EPOPÉIA cf HEXÃMETRO 59 b 32 HEXÃMETRO O e a linguagem acima do vulgar 49 a 19 HINO Gênero de POESIA produziramno os poetas de elevada índole 48 b 24 HIPÓTESE pressuposto A do crítico no juízo de PARALOGISMO cometido pelos poetas 55 a 12 HISTORIA Companhia com a POESIA 516 1 tem por objeto o PARTICULAR ibid a estrutura dos poemas épicos não deve ser igual à das narrativas históricas 59 a 17 relação casual entre os acontecimentos históricos ibid HISTORIADOR O e o POETA não diferem por escrever PROSA OU VERSO 61 b 1 IMITAÇÃO A POESIA é 47 a 13 meios da 47 a 17 49 b 30 a na arte dos DANÇARINOS 47 a 17 objetos da 48 a 1 60 b 7 a na PINTURA 48 a 1 modos da 48 a 19 a é CONGÊNITA no homem 48 b 4 caráter dramático da homérica 48 b 33 na COMEDIA 49 a 32 afinidade entre a épica e trágica 49 b 9 a trágica 49 b 24 52 a 231 54 b 8 o MITO é de AÇÃO 50 a 1 unidade de 51a 29 o POETA é poeta pela 5 1 b 27 a imitação épica 59 a 17 a narrativa 59 b 32 comparação entre a épica e a trágica 6126 a nos GESTOS dos atores 61 b 27 superioridade da trágica 62 a 14 a dos épicos é menos unitária 62 b 1 IMPOSSÍVEL O crível é de preferir ao POSSÍVEL incrível 60 a 26 recorrer ao é ERRO desculpável 60 b 23 condições em que se justifica 61 b 9 IMPOTÊNCIA incapacidade do POETA de que resulta a deficiência da IMITAÇÃO 60 b 13 Cf INCAPACIDADE IMPROVISOO é o estádio inicial da POESIA48 b 20a TRAGÉDIA e a COMEDIA nasceram de um princípio improvisado 49 a 9 INCAPACIDADE do POETA no uso do RECONHECIMENTO 54 b 20 Cf IMPOTÊNCIA INJURIAR vituperar donde deriva a palavra JAMBO 48 b 32 INTERLUDIOS inoportunamente introduzidos na TRAGÉDIA Cf CORAL AGATÃO INTERMEDIÁRIOS nomes neutros espécie de nomes caracterizados pela terminação 58 a 8 INTRIGA composição estrutura do Mito trama dos fatos É o principal elemento parte qualitativa da TRAGÉDIA50 a 16 b 21 daresultam a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO 52 a 17 estrutura correta da 53 a 12 dupla 53 a 30 da derivam a PIEDADE e o TERROR 53 b 2 deve obedecer ao NECESSÁRIO e VEROSSÍMIL 54 a 33 Cf MITO AÇÃO IRRACIONAL O não deve entrar no desenvolvimento dramático 54 b 6 60 a 26 admissível na EPOPÉIA 60 a 12 gera o MARAVILHOSO ibid preferível fora da representação 60 a 26 a opinião comum justifica o 61 b 9 Cf ABSURDO JAMBO Verso jâmbico adequado à injúria v INJURIAR 48 b 24 etimologia ibid na TRAGÉDIA o substitui o TETRÂMETRO trocaico 49 a 19 é o METRO que mais se aproxima do ritmo natural da linguagem CORRENTE ibid trânsito da poesia jâmbica à poesia argumento impessoal 49 b 39 cf COMEDIA aos versos jâmbicos convém as METÁFORAS 59 a 8 o convém à ação dramática 59 b 32 KOMMOS Definição 52 b 19 peculiar a algumas tragédias 52 b 14 LAMENTAÇÃO canto lamentoso Faz parte da TRAGÉDIA 52 b 19 LENDA Cf MITO LETRA Definição 56 b 22 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 espécies de 56 b 25 LINGUAGEM É um meio da IMITAÇÃO 47 a 17 Cf CORRENTE DIALOGO DISCURSO ARGUMENTO ELOCUÇÃO PROPOSIÇÃO MARAVILHOSO De que resulta o 52 a 2 meio para obter o trágico 56 a 20 tem lugar primacial na TRAGÉDIA 60 a 12 na EPOPÉIA o resulta do IRRACIONAL ibid Máscaracômica49 a32 não se sabe quem introduziu ana COMÉDIA49 b 3 MASCULINOS nomes Caracterizados pela terminação 58 a 8 MEIO entre PRINCIPIO e FIM Definição 50 b 26 MELOPÉIA faz parte da TRAGÉDIA 49 b 30 principal ornamento da TRAGÉDIA 50 b 15 não entra na EPOPÉIA 59 b 8 Cf MUSICA CANTO MEMÓRIA Pela terceira espécie de RECONHECIMENTO 55 a I Cf SINAL URDIDO SILOGISMO METÁFORA Definição e espécies 57 b 6 revela o ENGENHO natural do POETA 59 a 4 qualidade da ELOCUÇÃO constituída por metáforas 58 a 18 31 a convém ao JAMBO 59 a 8 o verso HERÓICO prestase à 59 b 32 palavras que se dizem metaforicamente 61 a 15 MÉTRICA O que é da competência da 56 b 25 35 METRO O não é essencial à POESIA 47 b 13 cf 5 1 b 27 poemas com de várias espécies ibid 59 b 32 60 a 1 é um meio da IMITAÇÃO 47 b 23 o é elemento parte do RITMO 48 b 20 da injúria VITUPÉRIO O é o JAMBO 48 b 24 da EPOPÉIA é o HERÓICO HEXÂMETRO ibid o qual é um uniforme 49 b 9 substituição do TETRÂMETRO trocaico pelo TRIMETRO jâmbico na TRAGÉDIA 49 a 19 o tetrâmetro trocaico adaptado à DANÇA ibid o ENGENHO natural encontra o adequado à obra ibid o trimetro jâmbico adequado à linguagem CORRENTE ibid passagem do VITUPÉRIO em verso jâmbico à COMEDIA 49 b 3 diferença de na EPOPÉIA e na TRAGÉDIA 49 b 9 59 b 17 o ANAPESTO e o TROQUEU não entram no ESTASIMO 52 b 19 o trimetro jâmbico e o tetrâmetro trocaico são metros movimentados 59 b 32 os vocábulos ESTRANGEIROS dialetais adequados ao verso HERÓICO 59 a 9 a METÁFORA ao verso jâmbico ibid HERÓICO 59 b 32 o JÂMBICO convém à AÇÃO 59 b 32 o trocaico á DANÇA ibid a mistura de metros resulta extravagante 60 a 1 MIMO de SOFRON e de XENARCO 47 b 1 MITO A TRAGÉDIA no seu desenvolvimento abandona os mitos breves 49 19 EPICARMO e FORMIS começaram a compor os mitos da COMEDIA 49 b 3 CRATES foi o primeiro que compôs mitos argumentos de caráter universal na COMEDIA ibid o trágico é IMITAÇÃO de AÇÃO 50 a 1 o é a composição dos atos INTRIGA ibid é o elemento parte qualitativa mais importante da TRAGÉDIA ibid constitui o FIM finalidade da tragédia ibid é o princípio e como que a alma da tragédia 50 a 37 estrutura do 50 b 21 dimensão do 51 a 1 unidade do 51 a 16 superioridade de HOMERO na composição do 51 a 22 relação necessária entre os vários sucessos do 51 a 29 mitos e lendas tradicionais na TRAGÉDIA 51 b 19 o episódico 5 1 b 32 SIMPLES episódico e COMPLEXO 52 a 1153 a 12 30 escolha dos mitos pelos antigos e modernos TRAGEDIOGRAFOS 53 a 12 os mitos tradicionais não devem ser alterados 53 b 21 as situações trágicas encontramnas os poetas nos mitos tradicionais 54 a 9 o na EPOPÉIA 59 a 17 Cf INTRIGA AÇÃO MONSTRUOSO O em lugar do tremendo TERROR suscitado pelo ESPETÁCULO cênico 53 b 1 MUDA Definição 56 b 25 É uma espécie de LETRA ibid elemento da TRAGÉDIA 62 a 14 MUSICA cf MELOPÉIA NARRATIVA forma É própria da EPOPÉIA 49 b 9 modos da 48 a 19 IMITAÇÃO 59 a 17 b 32 NECESSÁRIO Relação de necessidade entre PRINCIPIO MEIO e FIM do MITO 50 b 26 O POETA deve representar o POSSÍVEL segundo o e o VEROSSÍMIL 51 a 3 b 11 a relação entre EPISÓDIOS não é necessária nos mitos episódicos simples 5 1 b 32 conexão necessária entre os elementos de surpresa RECONHECIMENTO e PERIPÉCIA e o MITO 52 a 17 o na representação dos CARACTERES e na INTRIGA 54 a 33 NÓ Definição 55 b 24 faz parte da TRAGÉDIA ibid estrutura do ibid correspondência entre e DESENLACE 56 a 1 NOME Definição 57 a 10 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 espécies de 57 a 32 b 1 gêneros do segundo as terminações 58 a 8 os nomes DUPLOS são os mais adequados ao DITIRAMBO 59 a 9 Cf ESTRANGEIRO PEREGRINO CORRENTE DUPLO TRIPLO QUÁDRUPLO MASCULINO FEMININO INTERMEDIÁRIO NOMO Gênero poético Usa de todos os meios da IMITAÇÃO 47 b 57 varia conforme os objetos da imitação ibid ORDEM O BELO consiste na GRANDEZA e na 50 b 34 ORNAMENTADA linguagem Definição 47 b 24 ORNATO Eleva a LINGUAGEM acima do VuLGAR58a31convém ao verso JÂMBico59a 8 PARADIGMA modelo A obra de arte deve superar o 61 b 9 PARADOXAIS ações A PIEDADE e o TERROR manifestamse principalmente ante as ações inesperadas 52 a 2 PARALOGISMO Como nasce o exemplo de 60 a 19 RECONHECIMENTO resultante de 55 a 12 PARODIA HEGÊMON de Taso foi o primeiro que escreveu paródias 48 a 9 PARODO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 PARTICULAR A HISTORIA ao contrário da POESIA refere principalmente o 51 è 1 PENSAMENTO Definição 50 a 1 b 1 elemento parte qualitativa da TRAGÉDIA 49 a 35 importância do no MITO 50 a 28 estudar o é mister da RETÓRICA 56 a 34 necessário à EPOPEIA 59 b 9 PEQUENÍSSIMO excessivamente pequeno Não pode ser belo 50 b 34 Cf GRANDEZA GRANDÍSSIMO PEREGRINO nome Eleva a ELOCUÇÃO 58 a 18 Cf ESTRANGEIRO PERIPÉCIA Definição 52 a 22 Elemento psicagógico cf PSICAGOGIA do MITO 50 a 28 falta na ação SIMPLES episódica faz parte da COMPLEXA 52 a 14 deve resultar personagem dramática quanto à ELOCUÇÃO 55 a 22 quanto ao GESTO 55 a 27 quanto à emoção ibid os melhores temperamentos poéticos o bem dotado e o exaltado ibid opode recorrer ao MARAVILHOSO 56 a 20 LINGUAGEM metafórica do 57 b 16 nomes inventados pelo 57 b 33 o deve usar palavras ESTRANGEIRAS dialetais 58 b 5 verdadeiro mister do poeta é falar o menos possível na própria pessoa 60 o 5 a IMITAÇÃO do 60 b 8 licenças ibid as justas CRÍTICAS ao 61 b 18 Cf INCAPACIDADE IMPOTÊNCIA POSSÍVEL POLÍTICA Na eloqüência o PENSAMENTO é regulado pela 50 b 4 o critério de correção não é igual na poética e na 60 b 13 POSSÍVEL Dizer o que poderia suceder é ofício do POETA 51 b 1 o é algo em que se crê 51 b 15 PRINCÍPIO inicio Definição 50 b 26 no MITO 50 b 32 improvisado da POESIA TRAGÉDIA e COMEDIA 49 a 9 PROBLEMAS críticos 60 b 6 todo o cap XXVI PRÓLOGO Definição 52 b 19 faz parte da TRAGÉDIA 52 b 14 não se sabe quem introduziu o na COMEDIA 49 b 3 PROPOSIÇÃO Definição 57 a 24 faz parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 PRÓPRIO nome Cf CORRENTE PROSA Difere da POESIA por caracteres intrínsecos 516 1 prosa contraposição ao verso 47 a 27 48 a 9 PROSÓDIA Com a resolvemse algumas dificuldades na interpretação da POESIA 61 a21 PROTAGONISTA ÉSQUILO fez do DIALOGO 49 a 15 PSICAGOGIA movimento de ânimo emoção Os meios pelos quais a TRAGÉDIA move os ânimos são a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO 50 a 28 efeito psicagógico têm 1 o RECONHECIMENTO ibid 2 a PERIPÉCIA ibid 3 o ESPETÁCULO cênico 50 b 15 QUÁDRUPLO nome Espécie de NOME 57 a 32 RAPSÓDIA O Centauro de QUERÊMON é uma tecida de toda a casta de METROS 47 a 13 RECONHECIMENTO Definição 52 a 22 elemento psicagógico do Mito cf PSICAGOGIA 50 a 28 falta na AÇÃO MITO SIMPLES episódico faz parte da COMPLEXA 52 a 14 deve resultar da estrutura interna do Mito cf INTRIGA 52 a 17 55 a 16 juntamente com a PERIPÉCIA 52 a 33 54 b 20 formas de 52 a 33 espécies de 54 b 20 1 por SINAL 54 b 20 2URDIDO pelo poeta 54 b 3 1 3 pela MEMÓRIA 55 a 14 por SILOGISMO 55 a4suscita TERROR e PIEDADE52 61 unilateral e mútuo 52 b 3 no caso da personagem que age ignorando 54 a 1 as melhores formas de são as que resultam de uma PERIPÉCIA 54 b 29 que resulta da própria INTRIGA 5a espécie de produz impressão trágica 55 a 16 REPRESENTAÇÃO cênica A TRAGÉDIA pode revelar seus efeitos mesmo sem 59 b 15 Cf ESPETÁCULO REPUGNANTE No MITO trágico 52 b 31 33 b 36 é o procedimento de Hêmon na ANTIGONA 54 a 1 a personagem que se apresta a agir e não age RETÓRICA Na eloqüência o PENSAMENTO é regulado pela 50 b 4 RIDÍCULO Definição 49 a 32 foi HOMERO quem primeiro dramatizou o 48 b 33 metáforas estrangeirismos etc impropriamente usados provocam o riso 58 b II RITMO E meio da IMITAÇÃO 47 a 17 pode ser usado só ou juntamente com outros meios ibid 47 b 13 CONGÊNITO 48 b 20 é ornamento da linguagem cf ORNAMENTADA 49 b 24 Cf também GESTICULADO SATÍRICO O elemento na primitiva TRAGÉDIA 49 a 19 SEMIVOGAL Definição 56 b 25 é uma espécie de LETRA ibid SENTIMENTOS O que é conforme aos do homem e do público Caso em que o é 53 a 1 caso em que o não é 56 a 20 SÍLABA Definição 56 b 35 é uma parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 SILOGISMO RECONHECIMENTO por 55 a 4 SIMPLES METRO uniforme 49 b 9 Mito 52 a 11 Ação 52 a 14 a composição INTRIGA das tragédias mais belas não é episódica 52 b 31 simples episódica é um tipo de TRAGÉDIA 56 a 1 espécie de EPOPÉIA 59 b 8 A opõemse duplo e complexo SINAL RECONHECIMENTO por sinais é o menos artístico Cf RECONHECIMENTO SIRINGE arte das siringes lat avenae SIRÍNGICA É IMITAÇÃO 47 a 17 SOLISTA A TRAGÉDIA nasceu de um IMPROVISO dos solistas do DITIRAMBO 49 a 9 TERRÍVEL A situação de quem ignorando está para cometer algo e o reconhece antes de agir é uma das mais trágicas 53 b 26 TERROR Emoção suscitada pela TRAGÉDIA 49 b 24 52 a 2 nasce do RECONHECIMENTO com PERIPÉCIA 52 b 1 casos que não suscitam 52 b 31 53 al b 15 casos que o suscitam 53 a 1 53 b 15 pode derivar ESPETÁCULO cênico 53 b 1 preferível é que ele derive do MITO ibid Cf MONSTRUOSO TETRÀMETRO trocaico É substituído na TRAGÉDIA pelo TRIMETRO jambico 49 a 19 METRO adaptado à DANÇA e ao SATÍRICO ibid Cf TROQUEU TRAGÉDIA Definição 49 b 24 50 a 16 b 24 É IMITAÇÃO 47 b 23 difere do DITIRAMBO e do NOMO 47 b 27 da COMEDIA 48 a 16 origem dórica da 48 a 29 origem e evolução da 49 a 9 comparação com a EPOPÉIA 49 b 9 61 b 26 unidade de tempo 49 b 9 partes constitutivas 49 b 17 30 EFEITO da CATARSE 49 b 24 move os ânimos PSICAGOGIA pela PERIPÉCIA e RECONHECIMENTO 50 a 28 pode haver tragédias sem CARACTERES andeis 50 a 23 o ESPETÁCULO cênico não é essencial à 50 a 15 a MUSICA é o principal ornamento da ibid extensão da 51 a 6 na o POETA conserva os nomes de personagens já existentes ao contrário da COMEDIA 5 1 b 15 exceções 5 1 b 19 não é necessária a fidelidade aos MITOS tradicionais ibid seções partes quantitativas do poema trágico 52 b 14 tragédia SIMPLES episódica e COMPLEXA ibid tipo ideal do herói trágico 53 a 7 diferença entre os TRAGEDIOGRAFOS antigos e modernos quanto à escolha dos MITOS trágicos 53 a 12 quais os mitos tradicionais verdadeiramente trágicos IBID 54 a 9 é diferente o prazer que resulta da daquele que resulta da COMEDIA 53 a 30 o IRRACIONAL não deve entrar no desenvolvimento dramático a não ser fora da AÇÃO 54 b I cf 60 a 26 comparação com a Pintura 54 b 8 falência da pela CONTRADIÇÃO 55 a 22 como se compõe uma 55 b 1 No e DESENLACE da 55 b 24 tipos de ibid a igualdade ou diferença entre tragédias estabelecese pelo MITO 56 a 7 impossibilidade de reduzir uma EPOPÉIA a uma só 56 a 11 afinidade entre a e a EPOPÉIA 59 a 17 uma e outra apresentamse sob as mesmas espécies 59 b 8 diferenças 59 b 17 tragédias extraídas da EPOPÉIA 59 b 1 unidade de lugar 59 b 18 e declamação cf ATOR 62 a 1 superioridade da sobre a EPOPÉIA 62 a 14 TRAGEDIOGRAFO Os primeiros tragediografos 49 a 1 diferença entre antigos e modernos tragediografos quanto à escolha do MITO 53 a 12 TRIMETRO Cf JAMBO TRIPLO nome Espécie de NOME 57 a 32 TROQUEU verso Não entra no ESTASIMO 52 b 19 Cf ANAPESTO UNIVERSAL Passagem da poesia JÃMBICA aos argumentos de caráter 49 b 3 cf COMEDIA a POESIA ao contrário da HISTORIA refere principalmente o 51 b 1 cf PARTICULAR URDIDO RECONHECIMENTO pelo POETA 2a espécie de RECONHECIMENTO 54631 VERBO Definição 57 a 14 faz parte da ELOCUÇÃO 56 b 20 VEROSSÍMIL Relação de verossimilhança entre PRINCIPIO MEIO e FIM do MITO porque assim acontece na maioria dos casosequivale a verossímil 50 a 26 5 1 a 6 mitos em que falta esta relação episódicos 51 b 32 a PERIPÉCIA e o RECONHECIMENTO devem resultar verossimilmente da estrutura do MITO INTRIGA 52 a 17 na representação dos caracteres 54 a 33 no sucesso de ação para ação verossimilhança do inverossímil 56 a 20 61 b 9 cf 60 a 26 VERSO Não é o que constitui a POESIA como tal 47 b 13 5 1 a 36 Cf POESIA Vitupério Gênero de POESIA IMITAÇÃO de AÇÃO ignóbil 48 b 24 gênero ultrapassado por HOMERO no Margites 48 b 33 Cf INJURIAR JAMBO COMEDIA VOGAL Definição 56 b 25 é uma espécie de LETRA ibid VULGAR Forma de LINGUAGEM Contraposta a linguagem elevada 58 a 18 como se eleva a linguagem 58 a 3 1 59 a 1 ÍNDICE ONOMÁSTICO AGATÃO 5 1 b 1954 b 1456 a 11 2025Trágico ateniense Floresceu na segunda metade do século V Obteve a primeira vitória no concurso realizado nas Lenéias de 41716 Foi talvez por essa ocasião que se celebrou o banquete imortalizado pelo famoso diálogo platônico Eliano Hist Var XIII 4 refere o encontro de A e Eurípides à mesa de Arquelau rei da Macedônia A tradição é unânime quanto ao caráter do poeta e da sua obra elegante mundano efeminado o que forneceu riquíssimo assunto de paródia aos comediógrafos contemporâneos cf Aristóf Tesmof 97 ss 191 ss etc usava de um estilo alambicado sentencioso floreado no que se revela a influência do ensino de Pródico Plat Protág p 315d e especialmente de Górgias Plat Banquete p 98c Certificados parecem os títulos das seguintes tragédias Aérope Alcêmon Tiestes Mísios Télefo Anteu é lição dúbia 51 b 22 Anteu Anthos flor Não há outra notícia a não ser a de Aristóteles 54 b 14 acerca de uma tragédia de A denominada Aquiles O testemunho de Aristóteles também é o único acerca da Ruína de Tróia 56 a 19 Sobre os INTERLUDIOS Else Poetics p 556 chama a atenção para a observação de Flickinger Greek Theater no sentido de que Aristóteles que só conheceria os dramas de A através de manuscritos e encontrando nestes a notação XOPOY sem o respectivo texto depreendia precisamente o caráter adventício e desligado da ação dramática que atribui nesta passagem às partes líricas das suas tragédias AJAX Aristóteles fala das tragédias do tipo de A e de IXION como se elas constituíssem uma espécie no gênero 56 a 1 Efetivamente tragédias extraídas da lenda de A houve muitas Além da de SÓFOCLES a primeira das sete que nos foram integralmente transmitidas contamse ainda as seguintes uma trilogia ou tetralogia de Ésquilo composta de O Juízo das Armas N p 57 Trácias N p 27 uma Ájax de ASTIDAMAS N p 777 outra de TeoDECTES N p 801 e outra ainda de CARCINO N p 797 Sobre o mito de A v a Nekyia canto XI da Odisséia 543 ss ALCIBÍADES 51 b 11 Para acentuar o caráter particular da história oposto ao caráter universal da poesia ocorre nesta passagem o nome de A Não se trata pois da vaga designação de qualquer pessoa mas de certa personagem histórica nomeadamente daquele A que no tempo de Aristóteles ainda era bastante discutido cf Plut Vida Alc ALCINO 53 a iníc Ulisses ouvindo contar por Demodoco os sucessos da guerra de Tróia esconde o rosto no manto e chora cf RECONHECIMENTO A cena passase em casa de A rei dos Feácios v Od VIII 83 ss 521 ss ALCMEON 53 a 12 b 21 A de ASTIDAMAS 53 b 26 Cf ANFIARAU ERIFILA DO mito foi extraído o argumento de muitas tragédias mas de nenhuma delas conservamos o poema completo Contamse pelo menos as seguintes com o nome de de AGATÃO N p 763 de ASTIDAMAS N p 777 de Evareto C I A II 973 9 de Nicômaco Suda2 de SÓFOCLES N p 153 de TEODECTES N p 801 de EURÍPIDES duas tragédias N pp 380 e 383 de Aqueu drama satírico N p 749 com o nome de ANFIARAU uma tragédia de CARCINO N p 797 outra de CLEOFONTE Suda de SÓFOCLES drama satírico N p 154 com o nome de ERIFILA uma tragédia de Nicômaco Suda outra de SÓFOCLES N p 174 Quanto ao argumento v Apol III 6 1 e 7 5 A era filho de Anfiarau e de Erifila Sabendo Anfiarau que não voltaria se participasse de expedição contra Tebas cf os precedentes do drama de ÉSQUILO Sete contra Tebas escondese Mas Adrasto faz que sua irmã Erifila o descubra e tem de partir Antes porém o herói encarrega seu filho A de o vingar caso não regresse E como assim acontece A mata Erifila sua mãe pelo que as Erínias o perseguem por toda parte Cf o mito de Orestes 2 É um Léxico do séc X muitas vezes citado até há bem pouco tempo como sendo de autoria de um fictício Suidas N do E ANFIARAU 55 a 22 V ALCMÊON Segundo Rostagni p 98 pode entenderse esta passagem supondo que o esconderijo de A fosse o templo e que CARCINO por erro cênico o fizesse sair antes do tempo ANTEU 51 b 19 Cf AGATAO Lição dúbia conforme o acento recaia na primeira ou na segunda sílaba deverá lerse Anteu ou Anthos flor cf N p 763 titulus fabulae suspectus e com razão pois o contexto da notícia de Aristóteles que é a única nunca permitiria ler Anteu conhecida personagem da mitologia quer o gigante filho de Posidão e de Géia Apol II 5 11 Higin fáb 31 Diod IV 17 etc quer o A da IX Ode Pítica que a exemplo de Danau prometera sua filha a quem a vencesse na corrida Pínd Pít IX 184 ss Gudeman propõe a lição nome feminino Segundo Else Poet p 318 n 60 a interpretação mais plausível seria ainda Anteu com o argumento que nos sugere a história contada por Partênio 14 e que definitivamente afastada deveria ser a hipótese Anthos Flor de argumento baseado em Anton Liberalis 7 ANTIGONA 54 a iníc a célebre tragédia de SÓFOCLES representada pela primeira vez provavelmente no ano de 441 Quanto ao episódio de HÊMON e CREONTE a que se refere Aristóteles v Antig 1231 ss AQUILES 58 b 3 A drama de AGATÃO 54 b 8 Cf sv ARES 57 b 16 AR GAS 48 a 9 Poeta menor do tempo de Aristóteles parodiado pelos comediógrafos como escrevinhador de nomos insuportáveis Plut Demóst 4 Os três poetas A TIMÓTEO e FILOXENO são aqui mencionados juntamente como autores de dramas homônimos Ciclope AR é conjetura de Castelvetro favoravelmente acolhida pelos editores subseqüentes Rostagni ad locum 48 a 16 propõe Oino pas ou Oino nas cf Aten XIV p 638 B Else emenda GAS para GAR e elimina a questão propondo a leitura seguinte pois se poderia imitar nos ditirambos e nos nomos do modo como Timóteo e Filoxeno o fizeram nos seus Ciclopes ARCOSAp7o52 a iníc A estátua de Mítis em A Cf MITIS ARIFRADS 58 6 31 59 a iníc Supõese que seja um comediógrafo talvez aquele a que se refere Aristófanes Cavai 1281 Vesp 1280 Cf Escol Ad Vesp 1280 Ad Eccles 129 Este último designao como tocador de citara Luciano Pseudolog c3 Escol Adloc mencionao como homem de péssimos costumes segundo o escoliasta a língua cantava coisas infames ARISTOFANES 48 a 19 o maior comediógrafo da Grécia c 445c 335 Atribuemse lhe cerca de quarenta comédias das quais só restam onze ASTIDAMAS 53 b 26 Tragediografos com este nome houve dois pai e filho O filho contemporâneo de Aristóteles discípulo de Isócrates vitorioso pela primeira vez no concurso de 372 a sua primeira tragédia fora representada em 398 foi um dos mais fecundos dramaturgos gregos Sãolhe atribuídos duzentos e quarenta dramas Suda e o sucesso do escritor assinalase por nada menos de quinze vitórias Como todas as suas obras pereceram nada se conhece acerca dos seus métodos dramáticos excetuado o fato de em seu tratamento da lenda de Alcmêon haver modificado a brutalidade da história original fazendo que Alcmêon matasse sua mãe acidentalmente e não de propósito inovação interessante parecendo indicar que o progresso das idéias humanitárias da época considerava o crime de matricídio deliberado como demasiado horrendo mesmo para representação teatral Haigh Tragic Drama p 430 Cf ALCMÊON ATENIENSES 48 a 29 final 48 b início ÁULIS 54 a 28 Cf IFIGÊNIA ORESTES BANHO cena do 54 b 20 Reconhecimento de Ulisses pela ama Od 19 386 ss Cf ULISSES CALIPIDES 61 b 27 62 a 5 Ator trágico contemporâneo de Sófocles e de Sócrates século VIV CARCINO 54 b 20 55 a 22 Tragediografos com este nome houve dois um no século V que mais conhecemos pela paródia aristofânica e outro no século IV neto do primeiro Teria este escrito uns cento e sessenta dramas e ganho onze vitórias Plutarco Glor Athen 7 349 F celebra a sua Aérope ao lado do Heitor de ASTIDAMAS E efetivamente parece que um e outro poeta concordam nos mesmos sentimentos humanitários Tal como Astidamas poupou ALCMÊON ao matricídio deliberado assim C evita para a sua MEDÉIA O infanticídio propositado é o que se depreende de uma passagem da Retórica II 23 p 1400 b 10 Na Medéia de Cárcino os acusadores alegam que Medéia assassinou seus filhos pelo menos dizem eles não são vistos em parte alguma a falta de Medéia consistira em fazer que eles se ausentassem Em sua defesa Medéia diz que não a seus filhos mas a Jasão é que ela deveria ter tirado a vida se o não houvesse feito aí residiria seu verdadeiro erro Não é fácil atribuir a um ou a outro dos poetas homônimos os títulos de dramas que se conhecem Aérope Ájax Álope Anfiarau Aquiles Tiestes Medéia Édipo Orestes Semeie Tiro Cf N pp 797800 V ANFIARAU TIESTES CARTAGINESES 59 a 17 A derrota dos na Sicília e a batalha de Salamina cf Heród VII 168 CEFALÊNIOS 61 b iníc VICARIO CENTAURO 47 x 13 Cf QUERÊMON CICLOPES 48 a 9 Cf TIMÓTEO FILOXENO CILA 54 a 28 61 b 27 Em 54 a 28 deve tratarse de um ditirambo de TIMÓTEO de que resta um fragmento citado por Aristóteles Rét III p 1415 a Ulisses cantava uma lamentação imprópria do seu caráter Em 61 b 27 tratarseia de uma composição puramente musical CÍPRIOS de Diceógenes 55 a iníc Cf DICEOGENES CÍPRIOS Cantos 59 b iníc E um dos poemas do Ciclo Troiano restam alguns fragmentos ca de cinqüenta hexâmetros Relatavam os acontecimentos da guerra de Tróia anteriores à Ilíada Cf Proclo Crest ap Allen Homeri Opera vol 5 p 102 e E Bethe Homer Dichtung und Sage II p 152 ss CLEOFON 48 a 9 58 a 18 Talvez o mesmo poeta trágico mencionado pelo Suda que aliás confunde os nomes das peças deste dramaturgo com os das de Iofonte Só Aristóteles se refere a ele no Soph el 15 p 174 b 27 nestas duas passagens da Poética e na Rét III 7 pp 1408 a 15 pelas seguintes palavras A linguagem deve ser conveniente se expressa emoção e caráter não deverá juntar epítetos ornamentais a palavras correntes pois cômico será o efeito como nas obras de Cleofonte que usa frases absurdas como esta ó veneranda figueira O Suda refere apenas os títulos das tragédias Actêon Anfiarau Aquiles Bacantes Dexâmeno Erígone Tiestes Leucipo Pérsis Télefo CLÊON 57 a 24 CLITEMNESTRA 53 b 21 Cf ORESTES COEFORAS 55 a 4 de ÉSQUILO segundo drama da única trilogia que nos resta CRATES 49 b 3 À comédia dórica cujos representantes mais notáveis são EPICARMO e FORMIS opõe Aristóteles a comédia ática que começa com cf Aristóf Caval 537 ss cuja primeira vitória data de 450 aC aproximadamente constituindo como que o trânsito da antiga para a média e nova comédia O Suda menciona três dramas O Tesouro As Aves e O Avaro e Ateneu alguns mais v Kock Com ATT Frgm vol I CREONTE 54 a 1 Cf ANTIGONA CRETENSES a 9 CRESFONTE 54 a iníc Tragédia de EURÍPIDES N p 497 de que restam onze fragmentos cerca de oitenta versos Sobre o mito cf Higin 137 Rose p 100 Polifonte assassinou o marido de Mérope cf MEROPE e os filhos adultos C salvase porque é enviado criança ainda para a Etólia mas um dia regressa para vingar o pai e os irmãos e apresentase incógnito dizendo que fora ele o matador de Cresfonte Seguese a cena famosa Plut de esu carn II 5 998 E Nauck pp 500501 a que Aristóteles alude neste lugar a mãe se arremessa contra o filho exclamando eu agora te matarei com este golpe mais santo Vale a C um velho companheiro dandose então o reconhecimento DANAU 52 a 22 DICEOGENES 55 a iníc Poeta trágico Viveu entre o século V e o IV Restam dois títulos de tragédias CÍPRIOS e Medéia e poucos fragmentos Nauck p 775 De Cíprios só há a notícia de Aristóteles É provável que o herói fosse Teucro filho de Télamon expulso pelo pai por ter regressado de Tróia sem vingar a morte de Ájax seu irmão A cena do reconhecimento teria lugar na volta do exílio DILÍADE 48 a 9 cf NICOCARES DIONÍSIO 48 a iníc de Colofâo contemporâneo de PoLiGNOTOcognominado de anthropographus pelo realismo da sua pintura contra Dionysius nihil aliud quam hominis pinxit ob id anthopographus cognominatus Plín Hist Nat 35113 DIONISO 57 b 16 DÓLON 61 a 9 DÓRIOS 48a 29 ÉDIPO a 7 12 Trag de SÓFOCLES 52 a 22 33 53 b iníc 26 62 b iníc 54 b 8 55 a 16 60 a 26 62 b iníc O famoso herói tebano Da Edipodia que faz parte do Ciclo foram extraídos argumentos de numerosas tragédias dos mais diversos autores Ésquilo escreveu uma trilogia composta de Laio Édipo e Esfinge drama satírico Sófocles Édipo Rei e Édipo em Colona Eurípides Édipo e Crisipo Dos trágicos menores do século V contamse uma tetralogia de Leleto um Édipo de Aqueu Fílocles e Xênocles Do século IV conhecese um Édipo de Cárcino outro de Diógenes e outro ainda de TEODECTES Além destas as tragédias sobre a vida dos Epígonos ANTIGONA SETE CONTRA TEBAS outras Antígonas de Eurípides e ASTIDAMAS e Fenícias de Eurípides Sobre o que resta de toda esta dramaturgia extraída da Edipodia cf Nauck EGEU 61 b 18 Cf Medéia de Eurípides 663 ss EGISTO 53 a 30 ELECTRA 60 a 26 Cf ORESTES EMPÉDOCLES 47 b 13 57 b 16 61 a 4 Como exemplo de discurso metrificado distinto da autêntica poesia a obra de E é citada pelo escoliasta de Dionísio Trácio p 168 8 Hilgard Diels A 25 o que bem demonstra a difusão do ensino aristotélico É de notar que a opinião de Aristóteles acerca de E parece exprimirse de outro modo no Dos Poetas Cf coment a 47 b 13 Presumivelmente algum dos versos dos comparava misticamente a vida humana com a duração do dia daí a alusão em 57 b 24 A cita em 61 a 24 Diels frg 35 vv 1415 oferece dificuldades Aristóteles quer dizer primeiro antes a misturou obtémse um significado separando as duas palavras por uma vírgula obtémse outro e este somente é conforme à doutrina de E E logo mortais se tornaram as essências ou elementos que antes eram imortais e uma vez misturados os que primeiro eram puros EPICARMO 48 a 29 49 b 3 Nasceu por volta de 550 aC segundo Dióg Laérc VIII 78 viveu em Mégara Sicília e Siracusa Escreveu cerca de cinqüenta comédias das quais restam os títulos de trinta e uma centena de fragmentos Kaibel CGF Diels F d V I PickardCambridge Dithyramb p 353 ss ERIFILA 53 b 1 Cf ALCMEON ESPARTANO 61 b iníc Cf ICARIO ÉSQUILO 49 a 15 56 a 11 58 b 15 ESTÊNELO 58 a 18 Poeta trágico Nauck p 762 EUCLIDES 58 b 5 Talvez se trate de um comediografo com este nome Só há a notícia de Aristóteles nesta passagem da Poética EURÍPIDES 53 a 22 b 26 55 b 2 56 a 11 25 58 b 15 60 b 31 61 b 18 EURIPILO 59 b iníc filho de TELEFO Participou da guerra de Tróia aliado dos troianos em que foi morto por NEOPTOLEMO cf Procl Crestomatia FiLOCTETES 59 b iníc Tragédia de Ésquilo 58 b 15 Além da conhecida tragédia de SÓFOCLES houve outras com o mesmo nome uma de Aqueu Nauck p 755 outra de Esquilo Nauck p 79 outra de Antífon Nauck p 793 de Eurípides Nauck p 613 de Fílocles Suda de TEODECTES Nauck p 803 e um Filoctetes em Tróia de Sófocles Nauck p 283 FILÓXENO 48 a 9 de Citera Viveu de 435 a 380 aC Segundo o Suda escreveu vinte e quatro ditirambos e uma Genealogia dos Ajácidas em verso lírico Cf dados biográficos em Diodor XV 6 e acerca das suas inovações na arte mélica Dion Halicarn Comp 131 R Plut de mus 30 e 31 Restam alguns fragmentos de um ditirambo intitulado Ciclopes ou Galatéia v Edmonds Lyra Graeca III 383 ss FINIDAS 55 a 4 Há referências a três tragédias com o nome Fineu uma de Ésquilo Nauck p 83 e duas de Sófocles Nauck p 284 e poucos e insignificantes fragmentos Quanto a uma tragédia com o nome não há senão a notícia de Aristóteles cf Nauck p 841 O presumível argumento poderia ter sido extraído dos mitos relatados por Apolodoro Bibl I 9 21 ss ligados à expedição dos Argonautas Cf também Apol Bibl III 15 3 e Diod IV 43 ss Contam que os deuses privaram Fineu da vista por haver revelado certos segredos de Zeus ou que cegou os filhos Finidas que teve das primeiras núpcias por instigação da segunda mulher e por isso andou perseguido pelas Harpias FÓRMIS 49 b 3 De Siracusa primeira metade do século V contemporâneo de EPICARMO Teria sido autor de algumas inovações na arte cênica FoRCiDAS iníc Título de um drama satírico de Ésquilo Nauck p 83 Representava provavelmente a luta de Perseu com as filhas de Fórcis as Graias e as Górgonas v Hesíod Teog 270 ss V Apol Bibl II 4 2 FTIÓTIDAS 56 a iníc Tragédia de Sófocles Nauck p 282 O nome talvez derive do coro composto de mulheres de Ftia e a ação é provável que decorresse acerca do nascimento de Aquiles GANIMEDES 61 a 26 GLAUCO 61 a 31 Talvez seja o G do íon platônico intérprete de Homero Rostagni p 166 HADES Dramas no 56 a Mc Talvez do gênero dos Condutores de Almas de Ésquilo fabulae argumentum ex Homeri Nekyia repetitum fuisse conj Valckenaer Nauck p 87 HEGÊMON 48a 9 De Taso viveu na segunda metade do século V em Atenas Antes dele já outros tinham escrito imitações burlescas da epopéia mas Aristóteles neste lugar referese ao poeta como inventor de um Gênero HEITOR perseguição de 60 a 12 b 23 V Ilíada XXII 205 ss HELE 54 a iníc Só resta a notícia de Aristóteles neste lugar HÊMON 54 a 1 V a tragédia de Sófocles ANTÍGONA HERACLEIDA 51 a 19 Cf TESEIDA HÉRACLES 51a 19 HERÓDOTO 51 b iníc Comparação da história com a poesia HÍPIAS 61 a 21 de Taso Só temos esta notícia de Aristóteles HOMERO47 b 13 48 a 9 19 6 24 33 51 a22 54 b8 59 a29 b 860 a519 Cf ILÍADA ODISSÉIA EPOPÉIA ICÁDIO 61 biníc ICARIO IcÁRio 61 b iníc O problema é o seguinte diziam os críticos de Homero que era absurdo que TELÊMACO vindo de Esparta não se tivesse encontrado com I pai de Penélope ao que se objetava que o I pai de Penélope não era o I de Esparta mas sim segundo uma tradição da Cefalênia o I de Messene e portanto não se chamava Icário mas ICADIO Rostagni p 167 cf Estrab X 2 24 IFIGÊNIA ÀuLiDA54 a 28 TAURIDA 52 b 3 54 a iníc b 28 55 a 4 16 55 b 2 Cf POLÍIDO O argumento da I Taurida continua o da I Áulida mas esta foi escrita depois daquela 55 b 2 I envia a carta ao irmão por intermédio de Pílades Orestes é reconhecido por I porque Pílades lhe entrega a carta no mesmo instante v versos 727 ss Cf ORESTES ILÍADA 48 b 3 3 51 a 29 54 ò iníc S62b iníc Partida das Naus Aparição de Atena e o Carro Alado de Medéia Deus ex Machina II 155 ss 54 b iníc Cf EPOPÉIA ILÍADA PEQUENA 59fc iníc poema do Ciclo Troiano Tinha por argumento os sucessos posteriores aos da Ilíada ao contrário dos CANTOS CÍPRIOS desde a morte de Aquiles e portanto desde o Juízo DAS ARMAS disputa das armas de Aquiles entre Ájax e Ulisses até a entrada do cavalo de madeira em Tróia Cf Excertos da Crestomatia de Proclos em Allen Homer op V 106107 e Apol Bibl Epítome V 67 ed Frazer vol II p 218 ILÍRIOS 61 a iníc ÍXION 56 a iníc Quanto ao presumível argumento v Apol Bibl Epítome I 20 ed Frazer vol II p 148 Diod IV 69 Higin fab 14 e 62 De Eoneu obteve para mulher a filha Dia Porque faltou à promessa de muitas dádivas que fizera a Eoneu este as veio reclamar mas I matouo lançandoo numa fossa ardente Nenhuma divindade o queria purificar mas purificouo Zeus Em compensação I entrou de reqüestar Here Foi então que Zeus lhe enviou a nuvem com a forma exterior da deusa Do conúbio nasceram os Centauros e I foi lançado ao Hades Sobre o mito foram escritas muitas tragédias por Ésquilo uma trilogia Nauck p 29 à qual pertenciam as duas tragédias íxion e Perrébides por Eurípides uma tragédia íxion Nauck p 490 com o mesmo nome há notícia de outras de Sófocles Nauck p 194 e Temesíteo Suda Juízo DAS ARMAS iníc Título de uma tragédia de Ésquilo Nauck p57 Cf ILÍADA PEQUENA LACEDEMÔNIAS Mulheres de Esparta 59 b iníc É o título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 210 que talvez proviesse da composição do coro Provavelmente a ação continuava a do ULISSES MENDIGO LACEDEMÔNIO 61 b iníc Cf ESPARTANO LAIO 60 a 26 LiNCEU 52 a 22 66 b 24 Cf TEODECTES Da tragédia Linceu só temos a notícia de Aristóteles nos dois lugares em que a menciona Quanto ao mito donde teria sido extraída consta o seguinte L marido da danaide Hipermnestra foi poupado pela mulher na noite de núpcias em que todas as outras irmãs mataram os esposos por ordem do pai DANAU Escol Pínd Nem X 10 Este como visse no ato da filha um futuro perigo para si próprio condenoua mas os Argivos absolveramna Do casamento nasceu um filho A captura e os sucessos antecedentes podem ter constituído o argumento do drama o resto contanos Aristóteles MAGNES48 a 29 De Icária Cf EPICARMO QUIÔNIDAS Coubelhe uma vitória que talvez não tivesse sido a primeira no ano 472 São conhecidos os seguintes títulos de comédias Dioniso Aves Rãs MARGITES 48 b 24 33 O poema burlesco é atribuído a Homero V Testemunhos e fragmentos em Allen op cit pp 152159 Descoberto recentemente um fragmento mais extenso em papiro MASSALiOTASMaooaAicjrai 57 a 32 Habitantes de Massália Marselha colônia grega na Gália A Focéia era a metrópole de Massália pelo que se explica o exemplo composto dos nomes de três rios Hermos Kaikos Xantos que corriam na região ou em sua vizinhança Xanthos Skamandros MEDEIA 52 b 26 54 b iníc a tragédia de Eurípides MEGARENSES 48 a 29 MELANiPA 54 a 28 Houve duas tragédias com este nome ambas de Eurípides Nauck pp 509 e 514 Cf Higin fab 186 M teve de Posidão dois gêmeos que por temor do deus escondeu e deu a criar a uma vaca Posidão descobreos e ordena a morte deles M para salválos rompe então no famoso discurso Presumese que os vv 1124 ss de Aristóf Lisistr parodiam esse discurso MELEAGRO 53 a 12 Filho de Eneu e de Altéia A mais antiga versão do mito encontrase na ilíada IX 529 ss e pode resumirse assim na parte que interessa à tragédia Ártemis menosprezada nos sacrifícios de Eneu manda à cidade uma terrível fera contra a qual foram convocados os melhores caçadores da Grécia entre eles Meleagro e a famosa heroína da Arcádia Atalante de quem Meleagro se enamora Atalante fere o animal e M matao Numa luta entre Meleagro e os tios irmãos de Altéia luta que esta provocara porque não via com bons olhos os amores do filho aqueles morrem Altéia clama pela vingança das Erínias que a escutam e matam o filho São conhecidos os títulos e alguns fragmentos de tragédias extraídas deste mito Atalante de Ésquilo Nauck p 9 de Arístias N p 726 Meleagro de Antífon N p 792 de Eurípides N p 525 de Sófocles N p 5 19 de Sosífanes N p 818 Peurônias de Frínico N p 721 Sobre esta última v Paus X 31 4 MENELAU 54 a 28 61 b 21 Quanto à primeira cita v supra coment Adlocum MEROPE a iníc V CRESFONTE MINISCO 61 b 27 Ator trágico Representou dramas de Ésquilo como deuteragonista Floresceu por meados do século V MISIA 60 a 26 Cf Mísios Misios 60 a 26 Cf TELEFO M é título comum a algumas tragédias de Ésquilo Nauck p 47 AGATÃO N p 763 Eurípides N p 531 Nicômaco Suda eSófoclesNauck p 220 Aristóteles referese talvez à primeira A personagem que vai de TEGEIA para a MISIA sem romper o silêncio é TELEFO Em Tegéia havia ele assassinado os dois irmãos de sua mãe e dirigiase à Misia para se purificar Era lei que os homicidas permanecessem calados até a purificação do crime cf Ésquilo Eumênides 45 1 MÍTIS 52 a iníc Além de Aristóteles nesta passagem da Poética e em outra de um escrito espúrio do Corpus Aristotelicutn De Mirabilibus Auscultationibus 156 846 a 22 a história é referida por Plutarco De será num vindicta 8 553 D e é este escritor o que fornece mais pormenores Observese que à luz do texto de Plutarco devemos entender que o desastre não teria ocorrido quando o assassino de Mítis olhava a estátua mas sim quando assistia a um festival o que confere ao fato um aspecto de maior casualidade Por conseguinte a passagem da Poética deve significar mais ou menos Mesmo acidentes ou acasos produzem efeito mais maravilhoso quando parecem resultar de uma intenção MNASITEO 62 a 5 De Oponte Lócrida conhecido só pela menção de Aristóteles NEOPTOLEMO 59 b iníc Nome de uma tragédia de Mimnermo Nauck p 829 e de outra de Nicômaco Suda Argumento extraído segundo Aristóteles da PEQUENA ILIADA cf Allen Hom op V pp 1067 Um dos sucessos do poema épico transposto para o drama poderia ter sido a restituição das armas de Aquiles a seu filho N por Ulisses diante das muralhas de Tróia NICOCARES 48 a 9 Talvez seja o poeta cômico de mesmo nome DiLiADE timidez covardia poderia efetivamente ser uma paródia da Iliada Mas lendo Dilíada seria um poema sobre a ilha de Delo NIÒBE 56 a 11 Título de uma tragédia de Ésquilo Nauck p 50 e de outra de Sófocles N p 228 O mito de N é muito conhecido v p exemplo Higin fab 9 e Ovíd Metam VI 146 ss Supõese que o texto da Poética neste lugar seja corrupto e em vez de N se deva ler Tebaida por não ser o mito de N tão rico de sucessos que pudesse fornecer assunto para muitas tragédias ODISSEIA 48 b 33 5 1 a 22 53 a 30 55 b 19 59 b iníc 8 62 b iníc cf EPOPEJA OPONTE de 62 a 5 Cf MNASITEO ORESTES 53 a 12 30 53 b 21 Tragédia de Eurípides 54 a 28 e 6 1 b 21 personagens das Coéforas de Ésquilo 55 a 4 personagem da Ifigênia T 53 b 3 54 b 3 1 55 a 4 b 12 O CLITEMNESTRA EGISTO IFIGÊNIA são nomes bem conhecidos da lenda dos Atridas donde foram extraídos argumentos para muitas tragédias algumas das quais nos foram integralmente transmitidas pela tradição Assim a trilogia de O Ésquilo Agamenon COÉFORAS e Eumênides a ELECTRA de Sófocles O e ELECTRA de Eurípides e as duas IFIGENTAS do mesmo poeta PARNASO 5 1 a 22 O ferimento de ULISSES no P Na realidade o acontecimento consta de Od XIX 392466 mas o relato tem caráter episódico o que dá razão a Aristóteles cf coment ad Iocum Quanto à simulação de loucura no momento da expedição a Tróia o sucesso devia constar dos Cantos CÍPRIOS PARTIDA DAS NAUS 59 b iníc Só temos a notícia de Aristóteles acerca de uma tragédia com este título Nauck p 246 refere a opinião de Welcker segundo a qual tratarseia da Políxena de Sófocles Sobre o presumível argumento v Long De subi 15 7 um Aquiles que aparece aos gregos sobre o próprio túmulo por ocasião da partida das naus V também o coment ad locum PAUSON 48 a iníc Contemporâneo de POLIGNOTO e DIONISIO mas um tanto mais jovem Provavelmente caricaturista e portanto comparável com os poetas POLIGNOTO 48 a iníc 50 a 23 De Taso floresceu de 475 a 455 aC Decorou o Pécile de Atenas com um quadro representativo da batalha de Maratona e pintou a Ruína de Tróia em Delfos Apelidado de em oposição a PAUSON Exerceu grande influência na arte de Fídias seu contemporâneo V Paus I 18 1 22 6 IX 4 2 25 13 1 12 POLÍIDO 55 a 4 b 2 Nauck p 78 1 referindo apenas estas passagens da Poética parece admitir implicitamente que a obra do sofista fosse um tratado em prosa em que o autor pretendia criticar deficiências da dramaturgia de Eurípides Mas também é possível Rostagni p 94 que se trate do ditirambógrafo contemporâneo de TIMÓTEO e FILOXENO de que fala Diodoro da Sicília XIV 46 6 POSIDÃO 55 b 15 PROMETEU 56 a iníc PROTAGORAS 56 b 13 De Abdera sofista 480410 Não se sabe de que obra consta a crítica ao primeiro verso da Ilíada a que Aristóteles alude QUERÊMON 47 b 13 60 a iníc Trágico ateniense do século IV dos que segundo Aristóteles Rét p 1413 b 3 compunham tragédias mais para ser lidas do que representadas São conhecidos além do Centauro os nomes de mais alguns dramas Alfesibéia Aquiles matador de Tersites Dioniso Orestes Mínios Ulisses Eneu cerca de quarenta fragmentos ao todo Nauck p 781 QUIÔNIDAS 48 a 29 Segundo o Suda as comédias deste poeta teriam sido representadas em Atenas em 4887 e cita três títulos Heróis Assírios ou Persas e Mendigos Restam poucos fragmentos v por exemplo Aten III 119 E IV 137 E XIV 648 DE RUÍNA DE TRÓIA 59b iníc Título de um poema do Ciclo Troiano da autoria de Arctino de Mileto resta o sumário no excerto da Crestomalia de Proclo cf Allen op cit p 107 Parte do argumento consta do II livro da Eneida cf SÍNON DOS dramaturgos que extraíram tragédias da há notícia de Jofonte Suda e Nicômaco Nauck Index Fabularum p 965 b SALAMINA 59 a 17 Cf CARTAGINESES SICILIA 48 a 29 49 b 3 59 a 17 SINON 59 b iníc Título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 251 cf Verg En II 57 198 233265 Higin fab 108 Procl Crest ap Allen op cit pp 1078 Apol Bibl V 15 ss ed Frazer II 232 O argumento é extraído da RUÍNA DE TROÍA S fingindose molestado pelos gregos persuadiu os troianos a acolher o cavalo de madeira dentro das muralhas da cidade por este ardil conseguiram os gregos destruir a cidade que havia tantos anos combatiam SÍSIFO 56 a 20 Título de um drama satírico de Ésquilo Nauck p 74 e de outro também Pluten De 5pluacg S TELEFO 53 a 12 Cf Mísios Restam fragmentos das seguintes tragédias T de Esquilo Nauck p 76 de AGATÃO N p 764 CLEOFON Suda Eurípides N p 579 Jofonte Suda Mósquion N p 812 e Mísios de Ésquilo N p 47 Quanto ao argumento cf Paus I 4 6 Diod IV 33 Apol Bibl III 9 1 Higin fab 101 Atingido por um golpe de Aquiles e como a ferida não sarava T consultou o Oráculo de Delfos a resposta foi que o remédio só o poderia dar o próprio que o havia ferido A pedido dos outros gregos que cercavam Tróia Aquiles curouo partindo a mesma lança que causara o mal Este é provavelmente o argumento da tragédia de Ésquilo Há também uma tragédia de Sófocles Aléades com o mesmo protagonista cujo argumento seria o seguinte Como Édipo T fora exposto após o nascimento e levado para certo lugar da Arcádia Não conhecendo o segredo da sua origem e tendo sido insultado por motivo do mesmo mata os insultadores que eram seus próprios tios Vindo para vingar os filhos Aleo reconhece o neto e lembra a profecia de Delfos que seus filhos haviam de morrer às mãos do neto E pois um mito do gênero Meleagro e Édipo TELEGONO 53 b 26 Filho de ULISSES e de Circe Enviado pela mãe em busca de Ulisses chega a ítaca onde atacado pelo irmão TELÊMACO e Ulisses fere o pai com uma seta Daqui a tragédia ULISSES FERIDO de Sófocles de que restam alguns fragmentos Nauck p 230 cuja ação devia desenrolarse desde o ferimento até a morte de Ulisses TELÊMACO 61 b iníc Cf ICARIO TEODECTES 55 a 4 b 24 Discípulo de Platão de Aristóteles e de Isócrates Nasceu por volta de 390 aC Participou de treze concursos trágicos dos quais venceu oito Restam cerca de sessenta versos dezoito fragmentos cf Nauck pp 8017 de tragédias com os títulos seguintes ÁJAX ALCMÊON HELENA LINCEU MINELAL ÉDIPO ORESTES TIDEU FlLOCTETES TEODORO 57 a 10 TEREU 54 b 3 1 Título de uma tragédia de Sófocles Nauck p 257 e de outra de Fílocles N p 759 Quanto ao argumento v Ovíd Mel VI 424 ss TERRIGENOS Filhos da Terra 54 b 20 A lança que em si trazem os Filhos da Terra é talvez um fragmento de trímetro jâmbico tirado da Antíope de Eurípides Nauck p 855 Ao sinal referemse também Dio Cr 4 23 Higin fab 72 Greg Naz Epist 139 Julian Const p 81 C TESEIDA 5 1 a 19 e HERACLEIDA Md Poemas sobre as aventuras de Teseu e os trabalhos de Héracles São desconhecidos os autores de uma T Da Heracleida mencionamse os nomes de Pisandro e Paníasis TIDEU 55 a 4 Cf TEODECTES Desta tragédia só temos a notícia de Aristóteles Personagem ligada às lendárias vicissitudes dos Epígonos Cf Apol Bibl I 8 56 TIESTES 53 a 7 12 54 b 20 Com o nome de T e de Aérope contamse numerosas tragédias de Sófocles Nauck p 184 Eurípides N p 480 Cárcino N pp 797 e 798 QUERÊMON N p 784 AGATÃO N p 763 CLEOFON Suda Diógenes Nauck p 808 e Apolodoro Suda Todas elas teriam por argumento a terrível vingança de Atreu que serve num banquete oferecido ao irmão os próprios filhos deste Cf Apol Bibl Epit II 1314 ed Frazer II 166 TIMÓTEO T48 a 9 Cf ÍARJGAS FILOXENO CICLOPES O mais celebrado poeta de nomos em toda a Grécia Morreu quase centenário por volta de 355 aC Quanto à biografia v os numerosíssimos Testimonia Veterum em Edmonds Lyra Graeca III 28096 Aristóteles chega a dizer Metaf 993 b 15 que se T não tivesse existido não haveria também grande parte da melódica o que denuncia o importantíssimo papel que o poeta exerceu no desenvolvimento do lirismo grego Do CICLOPE de T restam dois fragmentos 12 13 Edmonds citados por Ateneu e Crisipo ao todo nove versos v Edmonds op cit III 304 TIRO 54 b 20 Houve duas tragédias de Sófocles com este nome Nauck p 272 outra de Astidamas N p 777 e outra ainda de Cárcino N p 799 T filha de Salmoneu teve de Posidâo dois gêmeos que lançou ao mar numa cestinha reconheceuos um pastor de cavalos que os denominou Neleu e Pélias Um dia encontraram a mãe que os reconheceu talvez pela descrição da cestinha feita pelo pastor Cf Apol Bibl I 9 8 Escol Eur Or 169 1 Comparese a lenda de T e seus filhos com a de Rômulo e Remo TROIANAS 59Títuloda conhecida tragédia de Eurípides que fazia parte de uma tetralogia a que pertenciam também Alexandre Nauck p 373 Palamedes N p 541 e Sísifo N p 572 ULISSES 61 b iníc na Odisséia reconhecimento de RECONHECIMENTO 54 b 20 na Ilíada II 272 57 b 9 na CILA 54 a 28 FERIDO tragédia de Sófocles também intitulada Nauck p 230 53 b 26 Falso Mensageiro de que só há esta notícia de Aristóteles N p 839 55 a 12 Cf CILA PARNASO TELEGONO XENARCO 47 b iníc Cf SOFRON XENOFANES 60 b 31 Crítica de X aos deuses de Homero e Hesíodo cf DielsKranz frgs 11 12 14 15 e 16 ZEUs 61 a 26 ZEUXIS 50 a 23 61 b 9 De Heracléia na Magna Grécia segunda metade do século V Sobre a pintura deste artista cf a anedota contada por Cícero de inv II 1 Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprála ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler Dessa forma a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância A generosidade e a humildade é a marca da distribuição portanto distribua este livro livremente Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original pois assim você estará v ARISTÓTELES A crítica da separação platônica entre mundo sensível e mundo das Idéias abre para Aristóteles a perspectiva do tratamento das atividades humanas cada uma em sua especificidade Destas algumas merecem a denominação de ciência em todo o rigor da expressão é o caso da Filosofia Primeira Outras que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente não compartilham o mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas mas adaptam seu método às flutuações do objeto é o caso da Ética A diferença entre Aristóteles e Platão é justamente esta flexibilidade de procedimentos teóricos que busca dar conta da diversidade do pensamento e da ação Tais diferenças no entanto não impedem que a Filosofia forme um edifício sistemático em que os gêneros de conhecimento organizamse hierarquicamente tendo como meta última a união entre saber e felicidade como já preconizava por outras vias Platão NESTE VOLUME Ética a Nicômaco Aristóteles investiga neste texto o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta levando em conta a situação concreta do Homem um ser que está acima do animal mas que não pode ser definido apenas pela pura razão Neste meiotermo se colocará 0 que se deve entender especificamente por virtude Poética Aristóteles aborda neste texto os gêneros literários vigentes no seu tempo poesia tragédia comédia história observando as características de cada um Ainda hoje dificilmente se encontrará um estudo sobre literatura que não se refira a esta obra arquetálica Em que pela primeira vez esses temas fo OS PENSADORES NASCEU EM 1939 E PUBLICA ESTA COLEÇÃO PARA QUE NOSSA CULTURA NÃO SE ESQUEÇA FUNCIONOU A SÉRIE ORIGINAL SUA INTENÇÃO É REALIZAR O IDEAL QUE OS GRANDEs pensadores tiveram que os grandes filósofos sejam acessíveis a todos A nossa primaza foi nserir em aédad página uma fotografia do pensador para que todos juntos possam adquirir um conhecimento artístico do homem e do seu pensamento ISBN 8513002743 ISBN 8513003597 Este livro é distribuído GRATUITAMENTE pela equipe DIGITAL SOURCE e VICIADOS EM LIVROS com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de apreciar mais uma manifestação do pensamento humano Se você tirar algum proveito desta obra considere seriamente a possibilidade de adquirir o original Incentive o autor e a publicação de novas obras Se quiser outros títulos nos procure Será um prazer recebêlo em nosso grupo httpgroupsgooglecomgroupViciadosemLivros httpgroupsgooglecomgroupdigitalsource