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UM OLHAR SOBRE A MÍSTICA CRISTÃ NO SÉCULO XXI Introdução O presente ensaio almeja lançar um olhar sobre as principais noções que norteiam a temática da mística cristã O trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto em si mesmo mas procura fazer uma síntese das principais características da experiência mística É um estudo que parte das seguintes questões O que é mística Quem são os místicos O que é experiência mística O que significa mística de olhos abertos Qual a relação entre mística e religião No século XXI o interesse pela mística vai muito além das pesquisas feitas no campo das Ciências da Religião e da Teologia Hoje de modo geral as ciências humanas têm despertado um crescente interesse pela mística No Ocidente a imagem da mística foi desvirtuada Tudo aquilo que nos primórdios do Iluminismo entre os séculos XVII e XVIII passou a ser considerado um caminho irracional e suspeito hoje volta a ser buscado por muitas pessoas que veem na mística o caminho da experiência de Deus da expansão da consciência e da unidade com todo o cosmos Por isso dizse com frequência que a mística está de volta O teólogo do século XX Karl Rahner fez uma afirmação muito acertada em torno da mística Ele disse O cristianismo do futuro será místico Caso contrário deixará de existir Grün 2012 p 8 Místico para Rahner não é alguém com características extraordinárias mas o cristão que na sua vida faz uma experiência pessoal da fé cristã O ser humano do século XXI não só anseia por dinheiro fama e sucesso Ele tem sede do transcendente de algo mais consistente que dê um verdadeiro sentido à sua existência Dentro das profundidades humanas há um desejo pelo sagrado e porque não dizer por uma mística que aponte para algo maior E por que será Porque o desejo de união com o Outro transcendente na imanência que se chama Deus ou amor infinito dá um sentido brilhante à vida ao transformar a vida do ser humano A verdadeira mística causa uma transformação interior Se ela não proporciona uma mudança radical isto é a conversão no modo de pensar sentir e perceber a realidade é uma pseudomística No mundo hodierno percebese que a mística costuma ser entendida como um grande anseio por sensações de êxtase repouso visões etc Arrebatamento êxtase visões não são o objetivo da mística Isso tudo é apenas passagem Jäger 2009 p 71 A pessoa mística não é irracional Ela conhece bem o binômio mística versus razão Esse binômio vai direcionar seu aprofundamento do mistério de Deus revelado em Jesus de Nazaré Portanto numa época em que os seres humanos se tornam cada vez mais desenraizados eles anseiam pela busca sincera de experiências que sejam capazes de fortalecer suas próprias raízes Este texto parte do pressuposto de que todas as religiões do mundo têm sua mística ou melhor todas fazem de alguma forma a experiência do mistério insondável Porém ele volta o olhar especificamente para a mística cristã No cristianismo a história da mística começa com Jesus de Nazaré Ele viveu profundamente a mística do amor e da unidade com seu Abbá Pai Gl 46 O Evangelho místico isto é o quarto Evangelho traduz essa experiência com estas palavras para que todos sejam um como tu Pai estás em mim e eu em ti Jo 1721 Assim somente no diálogo sincero e verdadeiro com outras religiões devese compreender as diferenças como cada uma concebe a experiência do mistério A forma como cada religião interpreta sua experiência é singular Quem faz uma leitura da Bíblia isento de ideias preconcebidas irá se defrontar com o anseio pela experiência mística Moisés diante da sarça que não se consome é um modelo de experiência do Transcendente vivida no cotidiano da vida Ex 316 A experiência pessoal do líder do povo hebreu é exemplo de como o mistério divino é revelado no contexto de cada pessoa E como cada ser humano acolhe a revelação desse mistério em sua história O que é mística Muito já se falou da mística mas a pergunta permanece o que é esse fenômeno que convencionouse chamar de mística ou vida no Espírito Segundo Anselm Grün a palavra mística é de origem grega e significava iniciação nos mistérios Grün vai à raiz do termo e diz Mística vem do grego mystikos derivado dos verbos myo fechar os olhos e boca para gerar um mistério internamente e myeo penetrar no mistério Entre os gregos mística significava a princípio a iniciação nos mistérios na qual uma pessoa se unificava com o destino da divindade e passava a participar do poder divino Grün 2011 p 9 A ideia correta da mística é pouco nítida para muitas pessoas A maioria entende como algo que não se limita à crença em Deus mas atinge a vivência de Deus Muitos relacionam a mística com experiências exóticas a saber visões dom de línguas revelações particulares expansão da consciência ou êxtase Para outros a mística é a busca por atingir através do contato existencial o inatingível Deus A mística cristã é fazer a experiência do mistério de Cristo no hoje da história E esse mistério de Cristo se prolonga na vida dos pobres e sofredores Não existe mística cristã descontextualizada da vida daqueles que mais sofrem O verdadeiro místico não se esconde do mundo Ele está no coração do mundo testemunhando o sentido da vida que prevalece ante os sinais de morte O místico não é um ser vegetativo mas profundamente ativo e contemplativo O pesquisador das religiões José Luis Vázquez Borau traz no conjunto de suas pesquisas contribuições importantes no campo da mística cristã Ele acentua A palavra mystica foi introduzida no cristianismo por um monge siríaco um neoplatônico cristão que viveu entre o século V e o início do século VI e que escreveu vários tratados teológicos entre os quais um intitulado De Mystica Theologia dedicado a Timóteo discípulo de Paulo de Tarso assinado por Dionísio o Areopagita Vazquez Borau 2002 p 18 A palavra mística remete a mistério O que é o mistério As tradições ocidentais o chamaram de mysterion que não quer dizer nem enigma nem incógnita Panikkar 2007 p 39 O mistério divino é indizível e nenhuma expressão humana pode descrevêlo Mistério não é o limite do conhecimento como muitos imaginam Ele é apenas o ilimitado do conhecimento Mas nem por isso o ser humano deve deixar de buscálo Entrar em comunhão profunda com toda a realidade envolvente ou seja ir para além de qualquer horizonte é fazer a experiência do mistério O mistério no cristianismo é uma busca que perpassa toda a vida do crente Nesse sentido o ser humano cada ser humano é uma participação uma imagem um mistério de Deus Panikar 2007 p 136 O mistério mantém o ser humano sempre na admiração até ao fascínio na surpresa até a exaltação Quando se chega a esse nível nada mais resta a não ser o silêncio a reverência e a adoração Nessa perspectiva a mística significa então a capacidade de se comover diante do mistério inefável Não é pensar as coisas mas sentir as coisas tão profundamente a ponto de perceber o mistério fascinante que habita a interioridade A mística revela a profundidade de sua significação quando capta o elo misterioso que une e reune liga e religa todas as coisas num todo organizado e dinâmico A mística cristã possui algum segredo Qual é este segredo Thomas Merton diz Mas o segredo da mística cristã é que realiza a si mesma pelo amor desinteressado aos outros Merton 2006 p 22 Em Merton a mística é amor e compaixão Para ele nenhuma mística é autêntica se não se converter verdadeiramente em compaixão Ter compaixão é ser capaz de estar com o outro sair de si sofrer com o outro É ser movido por um amor desinteressado Para Bernard McGinn professor na Universidade de Chicago e exímio estudioso da mística há um interesse significativo pela centralidade da mística hoje Ele comenta que As últimas duas décadas testemunharam um ressurgimento notável no interesse pelo estudo e prática da espiritualidade cristã especialmente na mística tradicionalmente compreendida como o ápice do caminho espiritual Tanto do ponto de vista especificamente cristão quanto ecumênico a mística é um tema central hoje em dia McGinn 2012 p 11 Esse interesse pela mística extrapola o âmbito da religião A mística é objeto de estudo também das diversas ciências humanas Por quê Porque a mística cristã não é uma experiência de reclusão à solidão da oração de um mosteiro ou vida contemplativa Ela é um dinamismo interno e externo de toda ação solidária e compassiva Mística não significa além de Deus e do mundo Mística é Deus e mundo uma unidade indivisível Com isso a tensão entre os dois polos não fica neutralizada Jäger 2009 p 70 Assim a mística é um conceito fundamental do cristianismo como de toda religião que admite o mistério e também de correntes de pensamento que aceitam a existência do mistério como componente da realidade absoluta Para os cristãos a mística tem total originalidade pois o centro absoluto deste conceito não é uma escola ou um pensamento mas Jesus de Nazaré Em Jesus se dá o acontecimento místico absoluto porque nele se realiza a total união e comunhão entre Deus e o ser humano Com muito acerto o teólogo católico Leonardo Boff ao refletir sobre a dimensão mística da vida cristã afirma Mística não é portanto pensar sobre Deus mas sentir Deus em todo o ser Mística não é falar sobre Deus mas falar a Deus e entrar em comunhão com Deus Quando rezamos falamos com Deus Quando meditamos Deus fala conosco Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar a mística Boff 2009 p 54 Boff compreende a mística não como um pensar sobre Deus mas como um sentir Deus em todo ser A visão franciscana diz que Deus está presente em tudo Todas as criaturas estão impregnadas da presença do Criador A mística não é produto do pensamento mas é algo que envolve o sentimento na sua inteireza Por outro lado a mística não consiste em falar sobre Deus mas falar a Ele e viver na eterna comunhão com Ele Viver a eterna comunhão com Deus é a meta da mística cristã Essa experiência do falar a Deus é vivida sobretudo no espírito da oração e da meditação onde se fala com Deus e Deus fala com a pessoa que a ele se dirige Fica claro que a mística é uma experiência de unidade cultivada no dia a dia Não é algo extraordinário que somente algumas pessoas podem fazer esta experiência Diante disso surge um questionamento Hoje o ambiente cotidiano facilita o cultivo da experiência mística Fazer a experiência do mistério de Deus em meio às situações diárias é sem dúvida um grande desafio O ruído a TV o Rádio as Redes Sociais e ocupações não oferecem um ambiente adequado para que as pessoas possam ter um contato mais profundo com a Fonte de onde emana o mistério insondável A mística não é um privilégio de poucos escolhidos mas sim a característica humana por excelência Ela é a experiência da Vida É algo que chega a envolver a experiência integral da Vida Panikkar 2010 p 1214 Para o estudioso das religiões Raimon Panikkar o termo vida nessas definições deve ser entendido no sentido de existência e pertence a todo ser também material Vida e realidade se correspondem A vida é um constante dinamismo como também o é a experiência do divino a contínua divinização da experiência do real Panikkar 2007 p 147 Podese dizer que a mística é a experiência concreta da vida não só a vida do além mas esta vida Na visão de Panikkar a experiência mística envolve toda a realidade mantendose aberta a todos os problemas humanos Ele concebe a mística como experiência que acontece na historicidade do ser humano É uma experiência que integra todas as dimensões da vida Para ele a mística é uma experiência onde nada fica de fora Ela contempla a existência toda da pessoa envolta do mistério Mística é uma experiência integradora da vida de uma pessoa Essa mística como experiência integradora parece indicar caminhos de superação de uma mística fragmentada exótica e até mesmo desenraizada na atualidade Na contemporaneidade o ser humano perdeu esse senso místico da existência fixandose na superficialidade Urge recuperálo como dimensão do profundo que dá sentido à vida humana A mística não implica uma fuga do mundo fuga mundi ou desprezo das realidades terrestres mas um mergulho ainda mais fundo nas entranhas da realidade para ser capaz de captar os sinais dos tempos Tratase de uma experiência pessoal mas não individualista e egocêntrica Anselm Grün monge beneditino e estudioso da espiritualidade contemporânea diz que O jesuíta Anthony de Mello disse certa vez A mística não significa apenas indagar Quem é Deus mas também perguntar Quem sou eu mesmo Quando eu faço repetidamente a pergunta Quem sou eu essa pergunta me leva também finalmente a Deus razão de minha vida Grün 2012 p 21 Antes do místico se debruçar sobre a pergunta pelo Absoluto de sua vida ele pergunta pela sua existência real Se a pergunta Quem eu sou ficar jogada nas margens do esquecimento a experiência mística pode se torna pura alienação com a realidade onde o místico atua A pergunta pelo divino e pelo humano são as bases para a construção de uma sólida e verdadeira experiência mística Na mística divino e humano se entrelaçam Quem são os místicos Quando se fala hoje em mística muitos pensam logo em claustros monges silêncio penitência jejum olhos fechados ambiente sagrado e fechado onde se anda calma e lentamente longe do mundo barulhento Essa é a primeira ideia que passa pela cabeça de muitas pessoas Mas a figura dos místicos contemporâneos aponta caminhos sempre novos e diferentes Basta por exemplo pensar em Madre Teresa de Calcutá Thomas Merton Dom Helder Camara Irmã Dorothy Stang e tantos outros São figuras no coração do mundo testemunhando o amor e a compaixão sem deixarem a sua condição de místicos contemplativos Neles há uma integração entre mística e ação transformadora Suas vidas foram sem dúvida uma síntese entre ação e contemplação Na experiência mística não existe dualismo entre ação e contemplação São como que duas asas que equilibram o itinerário místico Mas afinal quem são os místicos e místicas da atualidade ou melhor do século XXI São pessoas que descobriram a dimensão do sublime isto é do sagrado em Deus nos seres humanos e em toda criação Getúlio Antônio Bertelli estudioso do místico Thomas Merton tenta definir o místico nestes termos Místico é alguém que penetrou na interioridade enstasis a fim de descobrir o próprio centro vencendo a ilusão e a dispersão existencial a superficialidade e o anseio consumista Só assim é possível sair de si exstasis e desprenderse na abertura ao outro em compaixão Bertelli 2008 p 1718 A compaixão é critério para verificar a autenticidade da mística e esta é a alma daquela Ainda que a mística seja inefável o místico fala dialoga consigo mesmo e com a realidade vigente Partindo de sua experiência pessoal Merton diz Os místicos de todas as épocas buscaram e encontraram não apenas a unificação do próprio ser ou a união com Deus mas a união entre si mesmos no espírito de Deus Merton 2004 p 18 Místico é alguém que saiu da casca da superficialidade se adentrou para a seiva da interioridade para descobrir o seu tesouro ou seja seu núcleo essencial O primado de toda a mística cristã consiste na unificação com o Espírito de Deus e consigo mesmo Este é o grande trabalho do místico Voltarse para si mas não permanecer em si Nessa unidade de corpomentecoração reconciliado consigo e com o mundo A pessoa mística é aquela que sabe ler e reler os sinais dos tempos sem usar lupa ou binóculos O teólogo Salvador Valadez Fuentes argumenta que Os místicos são pessoas com uma sensibilidade extraordinária para ver contemplar e saborear a presença do mistério em todos os momentos da vida Valadez Fuentes 2008 p 128 Os místicos de todos os tempos possuem uma sensibilidade extraordinária para ver contemplar e saborear a presença do inominável Esses místicos não estão propriamente em conventos mosteiros mas nas ruas e praças das grandes e pequenas cidades Os místicos são pessoas de visão ampla e nítida Nessa visão de inteireza perfazem toda sua experiência espiritual Os místicos são contemplativos em ação São capazes de saborear a doçura do mistério mesmo em meio às amarguras do tempo presente Como identificar os místicos de hoje No tripé ver contemplar e saborear é possível identificar os místicos de hoje Assim um místico não pode ser confundido com um delirante ou esquizofrênico Thomas Merton define o místico da seguinte forma O místico é simplesmente o ser humano espiritual no sentido mais pleno da palavra espiritual pneumatikós Merton 2006 p 36 Ele é capaz de ver isto é perceber o que acontece consigo e com o mundo que o circunda Ele é um homem ou mulher que olha o mundo com os olhos de Deus Não despreza o mundo porque este é mau e perverso Mesmo sem negar as adversidades e contrariedades da vida ele é capaz de degustar da vida e de tudo o que ela tem de bom e belo Os místicos não são pessoas alienadas da realidade onde estão situados Vivem no coração do mundo sem serem submergidos pelas forças de destruição do mundo Segundo Faustino Teixeira pesquisador da mística no Brasil os místicos são pessoas próximas isto é pessoas que vivem uma profunda relação de intimidade com Deus Ele diz Os místicos são os amigos de Deus sem os quais é muito difícil manter a secreta mirada que acessa o senso da delicadeza espiritual que possibilita o real encontro com o mistério dentro e além das coisas e das ideias Os místicos são testemunhas de um grande e decisivo encontro que transformou suas vidas Teixeira 2006 p 8 A amizade é uma experiência de intimidade recíproca Os místicos cultivam essa amizade com Deus por meio da oração do silêncio e da compaixão No contínuo diálogo amigável o místico vai adentrando sempre mais no mistério de Deus Para tornarse um com Ele O fruto do cultivo dessa relação de amizade com Deus é vivenciado na relação de alteridade com as pessoas no cotidiano Experiência mística O místico pode parecer um grande solitário mas não é um isolado Está em comunhão viva com o mistério divino e toda a criação A experiência é o lugar da mística só pela experiência ela pode florescer Segundo Anselm Grün todos os místicos são unânimes em dizer que a iluminação não pode ser forçada nem através da oração nem de nenhum método de meditação Ela é sempre um presente da graça Grün 2001 p 230 A experiência de iluminação interior não pode ser induzida Ela é manifestação da graça de Deus que age livremente na pessoa Nenhum método ou técnica pode levar uma pessoa a fazer a experiência mística A iluminação a experiência do mistério em última análise é um presente dado gratuitamente por Deus Para Bernard McGinn professor na Universidade de Chicago entre as muitas tentativas de definições da mística ele prefere fornecer um sentido de como ele próprio entende o termo ao discutilo em três tópicos a saber mística como parte ou elemento da religião mística como um processo ou modo de vida e mística como uma tentativa de expressar uma consciência direta da presença de Deus McGinn 2012 p 16 A compreensão de McGinn da mística é clara e sistematizada Em primeiro lugar ela diz respeito à religião como parte ou elemento da mesma Em segundo lugar a mística é um processo ou modo de vida e finalmente mística como uma tentativa de expressar uma consciência da presença de Deus A experiência mística transforma profundamente a vida dos seres humanos e é a partir dela que eles podem testemunhar ensinar e escrever Bernard McGinn em seus estudos deixa claro o que faz parte especificamente do elemento místico no cristianismo Em sua argumentação diz Assim nós podemos dizer que o elemento místico no cristianismo é aquela parte de sua crença e suas práticas que concernem à preparação para a consciência de e a reação ante aquilo que pode ser descrito como a imediata ou direta presença de Deus McGinn 2012 p 18 McGinn não diz nenhuma novidade quando afirma que o elemento místico no cristianismo envolve a crença e suas práticas Tudo isso como preparação para a experiência imediata ou direta da presença de Deus A crença e as práticas proporcionam a iluminação imediata ou direta da experiência mística A crença e prática são facilitadoras dessa experiência de iluminação interior Raimon Panikkar em sua busca de compreender o fenômeno da mística procurou apresentar as possibilidades de uma mística concreta e experienciada Ele compreende a mística essencialmente como experiência Ele faz uma elucidação clara entre experiência e reflexão Segundo ele a experiência da Vida equivale à experiência de Deus Dizemos experiência e não reflexão sobre a vida Panikkar 2007 p 226 Não como usualmente se pode pensar o místico como aquele alienado da realidade dos sofrimentos do mundo mas como aquele que está completamente implicado com essa realidade Os estudos de McGinn são um grande esforço de não fazer da mística ou melhor da experiência mística algo banal exótico ilusório etc Ele conhece a tradição mística cristã e com essa tradição fundamenta suas buscas Sua posição fica evidente ao afirmar que O termo experiência mística consciente ou inconscientemente também tende a colocar ênfase em estados alterados especiais visões locuções êxtases e similares que admitase têm tido um papel importante na mística mas que como muitos místicos já insistiram não constituem a essência do encontro com Deus Muitos dos maiores místicos cristãos pensem em Orígenes Mestre Eckhart e João da Cruz foram radicalmente hostis a tais experiências enfatizando ao contrário o novo nível de atenção a consciência especial e mais elevada envolvendo tanto o amor quanto o conhecimento que é dado no encontro místico McGinn 2012 p 19 Assim a principal questão é a inserção da mística no cotidiano em plena secularidade onde o místico não se deixa aprisionar por nenhuma circunstância ou estrutura opressora Ele não é escravo do mundo exterior assim como não faz tragédia de nenhuma calamidade mas vive e atua com plena liberdade e lucidez Mística de olhos abertos O que se entende por mística de olhos abertos O teólogo alemão contemporâneo JohannBaptist Metz acredita que a mística que se revela no judeucristianismo é uma mística de olhos abertos Diz ele A experiência de Deus inspirada biblicamente não é uma mística de olhos fechados mas sim uma mística de olhos abertos não é uma percepção relacionada unicamente conosco mesmos mas sim uma percepção intensificada do sofrimento alheio Metz 1996 p 26 A experiência mística não consiste tanto em ter visões excepcionais consiste em ter uma visão nova de toda a realidade descobrindo Deus como sua última verdade como seu fundamento vivo atuante e sempre novo no seio do universo Para Benjamin Gonzalez Buelta os místicos de olhos abertos não são aqueles que têm visões estranhas que beiram a patologia e sim os que experimentam uma visão nova da realidade muitas vezes percebida apenas como caos sem solução Ele certifica que os místicos de olhos abertos possuem a sabedoria do olhar Enfatiza ele Diferentemente o místico de olhos abertos abre bem os olhos para perceber toda a realidade porque sabe que a última dimensão de todo o real está habitada por alguém por Deus Relacionase com o mundo dandose conta dos sinais de Deus que enchem toda a Criação com sua ação incessante com sua fascinante criatividade sem fim A paixão da vida do místico é olhar e não se cansa de contemplar a vida porque busca nela o rosto de Deus Mergulha nas situações humanas dilaceradas ou felizes procurando essa presença de Deus que atua dando vida e liberdade Gonzalez Buelta 2012 p 57 Para Buelta o místico tem os olhos abertos e voltados para o mundo Ele não coloca venda para não ver as injustiças a fome a exploração a corrupção que circula ao seu redor Ele coloca em evidência que a grande paixão da vida do místico é olhar ou dizendo de outra forma é contemplar Conhecedor da mística inaciana que preza pelo ver Deus em todas as coisas Buelta aponta para a dimensão do ver para não perecer A mística do olhar amoroso e compassivo Basta recordar Francisco de Assis que via em cada ser ínfimo do universo a presença do Criador A mística de olhos abertos não distrai dos afazeres cotidianos sejam quais forem eles O místico é uma pessoa profundamente encarnada na realidade Possui um olhar lúcido sobre o que contempla O místico de olhos abertos possui uma grande sensibilidade diante do pecado social e todas as formas de injustiça que fere a integridade das pessoas e de toda criação No místico de olhos abertos nasce um novo coração mais compassivo e misericordioso E por fim o místico de olhos abertos é solidário com todos os que sofrem Segundo Escolástica e a Teologia Clássica a mística é Fides occulata uma fé dotada de olhos uma fé iluminada porque pode ver a realidade à luz de Deus Panikkar 2005 p 53 A fé necessita de olhos para ver Caso contrário é cega e alienada do resto da realidade A fé que vê é iluminada é capaz de ver o real o concreto à luz de Deus Esta afirmação que vem da Escolástica e da Teologia Clássica se aproxima da concepção de uma mística de olhos abertos tão bem formulada por JohannBaptist Metz e Benjamin Gonzalez Buelta A mística cristã pelo fato de ser histórica direcionase pelo seguimento de Jesus Dessa forma a vida mística significa a vida cristã desde que ela se torne o vivido do Amor de Deus que toca o ser humano e do qual o homem deve estar perfeitamente consciente Evdokimov 2007 p 41 Tal propósito implica um compromisso de solidariedade para com os pobres pois Jesus se sentou entre eles e pessoalmente optou pelos marginalizados das estradas do campo e das praças das cidades Implica um compromisso de transformação pessoal e social presente na utopia pregada por Jesus do Reino de Deus que começa a realizarse na justiça dos pobres e a partir daí para todos e para toda a criação A mística não é e nem pode ser uma simples evasão uma pura negação uma fuga do mundo em face do sofrimento e da crise que atinge o ser humano Thomas Merton mesmo vivendo em uma clausura monástica não perdeu esta capacidade de indignação frente às realidades conturbadas do mundo em que vivia Ele dizia E no entanto sustento que a vida contemplativa do cristão não é uma vida de abstração de recesso que o concentre apenas nas essências ideais nos valores absolutos na exclusiva eternidade O cristianismo não pode rejeitar a história Não pode ser uma negação do tempo Merton 1966 p 8 Se a mística do seguimento de Jesus Cristo é histórica e de mãos unidas com a ação a mística crísticoespiritual é de olhos abertos e cósmica No século XXI correse o perigo da mística cair no mundo do subjetivismo desenfreado Nesse subjetivismo intimista o cristão acaba fechando os olhos para não ver o que acontece no mundo Esse subjetivismo está muito presente naquele tipo de oração em que o fiel diz Feche seus olhos e esqueça os problemas que acontecem lá fora Distanciese dessa realidade agora Coloquese na presença de Deus Nesse tipo de oração a vida foi excluída do contexto espiritual Os místicos dizem que a experiência do mistério de Deus é ad intra e ad extra ou seja é um movimento para dentro e para fora Assim a mística cristã não é um perderse em si mesmo Ela lança o desafio de contribuir para uma sociedade mais justa fraterna e solidária Nesse sentido a mística possui uma dimensão políticolibertadoracontemplativa O místico do século XXI trilha tendo presente esta tríplice vertente Mística e religião Bernard McGinn não tem um conceito definido da mística mas oferece um sentido de como ele a entende como parte ou elemento da religião Com isso ele deixa transparecer que a mística faz parte intrinsecamente da religião Ele é categórico em dizer Nenhum místico pelos menos antes do século presente acreditava em ou praticava mística Eles acreditavam em e praticavam cristianismo ou judaísmo ou hinduísmo ou o islã ou seja em religiões que continham elementos místicos como parte de um todo histórico mais vasto McGinn 2012 p 1617 A mística não é mérito apenas da tradição cristã Todas as tradições religiosas apontam para o mistério Se não indicam o caminho do mistério distorcem a sua função primordial de ser ponte que dá acesso ao mistério fontal o qual recebe muitos nomes Deus Javé Alá Olorum etc É possível relacionar mística e religião É sabido que cada religião possui sua identidade e o seu jeito próprio de dizer a experiência mística Por isso as religiões não podem ser dogmáticas e sistemas fechados Boff 2009 p 55 Uma religião sem mística não passa de pura ideologia dominante E frequentemente pode cair no fundamentalismo e no fanatismo Deus não é propriedade de nenhuma religião Ninguém o pode monopolizar Nenhum líder por melhor que ele seja tem o direito de se apossar da religião como se esta fosse sua empresa Quando isso acontece a mística desaparece e ficam apenas os modismos religiosos Às religiões constituem uma das construções de maior excelência do ser humano Elas todas trabalham com o divino com o sagrado com o espiritual Mas elas não são o espiritual Espiritualidade é outra coisa Boff 2009 p 19 A mística sempre foi considerada como a busca pelo caminho interior que conduz ao encontro pessoal com Deus O estudioso da mística Willi Jäger diz Às vezes tenho a impressão de que a mística é a salvação da religião A religião sempre se renova através da experiência dos sábios e dos místicos Jäger 2009 p 9 Nos dias de hoje há ausência da mística no seio das religiões Jäger como estudioso da mística sabe que ela desempenha um papel fundamental no seio da religião A mística possui um dinamismo renovador na religião A religião jamais pode aprisionar a mística entre quatro paredes Qual seria uma das contribuições dos místicos para as religiões e suas respectivas doutrinas José Luis Vázquez Borau responde com clareza esta pergunta Diz ele Os místicos são a salvaguarda viva que impede as religiões e as doutrinas de caírem no dualismo alteridade no formalismo no dogmatismo no fideísmo ou na idolatria Vázquez Borau 2002 p 26 Os místicos dinamizam o interior das religiões Sem a presença dos místicos as religiões ficam ressequidas A mística é a libertação de um sistema religioso fechado em si mesmo Portanto uma religião que não cria espaço para o florescimento da mística está preparando o caminho do próprio desaparecimento Sem a mística a religião se torna estéril e morre asfixiada pelo formalismo pelo dogmatismo e pela lei olho por olho e dente por dente Vale dizer que o místico é alguém que está para além dos dogmas de uma determinada religião É alguém que mergulha no entendimento do todo na união com Deus mas sem abandonar a vida ativa Borau alerta os cristãos Não esqueçamos que a experiência mística máxima no limite do mistério é a que Jesus vive no abandono da Cruz E também muitos místicos que tal como Ele transformam a dor em amor Borau 2002 p 131 É em Jesus Cristo morto e ressuscitado que está centrado o fundamento último da mística cristã desde sempre Considerações Finais Falar da mística cristã em pleno século XXI é sempre um desafio Desafio esse que implica investigação cuidado prudência e bom senso na hora de nomear a experiência do mistério que cada pessoa vai fazendo ao longo de sua existência Mas de outro lado o estudo da mística fascina instiga e contagia estudiosos dos vários campos do conhecimento humano Nesse sentido podese dizer que a mística é algo latente nos dias atuais Ela surge sempre para dizer que a religião não tem a última palavra sobre Deus e seu mistério que o ser humano é um ser intrinsecamente religioso Por isso a religião precisa constantemente escutar a voz dos místicos Caso não o faça é sinal de que a religião se tornou árida e estéril A mística cristã tem como centro não uma ideia mas uma pessoa Jesus de Nazaré Nele o cristão é convidado a fazer uma experiência de encontro pessoal Uma experiência de transformação interior e até mesmo exterior Essa experiência de encontro pessoal com Cristo não é exclusividade de algumas pessoas privilegiadas A possibilidade desta experiência é destinada ao homem e à mulher do século XXI Muitos até podem pensar que a mística é para pessoas com dons especiais ou sobrenaturais porém esta não é a mística cristã Portanto a busca pela experiência mística não é somente uma indagação por Deus mas é também uma pergunta pela própria identidade pessoal daquele que se propõe trilhar o caminho da experiência do sagrado Muitos perguntam pelo ser de Deus ou seja pela sua própria essência mas acabam esquecendose de perguntar por si próprios A mística não é uma questão puramente metafísica É uma experiência concreta inclusiva e ativa no aqui e agora da historicidade do humano Sintetizando a mística cristã é uma experiência de amizade profunda com Cristo e seu mistério O místico é um amigo de Cristo Vive sua vida confrontada e iluminada pela vida de Cristo sem deixar de estar envolvido no contexto sóciopolíticocultural em que está inserido Referência Bibliográfica BERTELLI Antonio Getúlio Mística e compaixão A teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton São Paulo Paulinas 2008 BOFF Leonardo Tempo de transcendência o ser humano como projeto infinito Petrópolis Vozes 2009 EVDOKIMOV Paul O silêncio amoroso de Deus São Paulo Santuário 2007 GONZALES BUELTA Benjamin Ver ou perecer Mística de olhos abertos São Paulo Loyola 2012 GRÜN Anselm Mística descobrir o espaço interior Petrópolis Vozes 2012 Deus que és tu Petrópolis Vozes 2012 JÄGER Willigis A onda e o mar Espiritualidade mística Petrópolis Vozes 2009 McGINN Bernard As fundações da mística das origens ao século V Tomo I A presença de Deus Uma história da mística cristã ocidental São Paulo Paulus 2012 MERTON Thomas O homem novo Petrópolis Vozes 2005 A sabedoria do deserto São Paulo Matins Fontes 2004 Sementes de destruição Petrópolis Vozes 1996 PANIKKAR R Vita e parola La mia opera Milano Jaca Book 2010 Ícones do místerio a experiência de Deus São Paulo Paulinas 2007 Da Mística Experiência plena da vida Herder 2005 TEIXEIRA Faustino Buscadores do diálogo São Paulo Paulinas 2012 Caminhos da mística São Paulo Paulinas 2012 Nas teias da delicadeza Itinerários místicos São Paulo Paulinas 2006 VALDEZ FUENTES Salvador Espiritualidade pastoral Como supera uma pastoral sem alma São Paulo Paulinas 2008 VÁZQUEZ BORAU José Luis Os místicos das religiões a mística e o futuro da religião Lisboa Paulus 2002 1
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UM OLHAR SOBRE A MÍSTICA CRISTÃ NO SÉCULO XXI Introdução O presente ensaio almeja lançar um olhar sobre as principais noções que norteiam a temática da mística cristã O trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto em si mesmo mas procura fazer uma síntese das principais características da experiência mística É um estudo que parte das seguintes questões O que é mística Quem são os místicos O que é experiência mística O que significa mística de olhos abertos Qual a relação entre mística e religião No século XXI o interesse pela mística vai muito além das pesquisas feitas no campo das Ciências da Religião e da Teologia Hoje de modo geral as ciências humanas têm despertado um crescente interesse pela mística No Ocidente a imagem da mística foi desvirtuada Tudo aquilo que nos primórdios do Iluminismo entre os séculos XVII e XVIII passou a ser considerado um caminho irracional e suspeito hoje volta a ser buscado por muitas pessoas que veem na mística o caminho da experiência de Deus da expansão da consciência e da unidade com todo o cosmos Por isso dizse com frequência que a mística está de volta O teólogo do século XX Karl Rahner fez uma afirmação muito acertada em torno da mística Ele disse O cristianismo do futuro será místico Caso contrário deixará de existir Grün 2012 p 8 Místico para Rahner não é alguém com características extraordinárias mas o cristão que na sua vida faz uma experiência pessoal da fé cristã O ser humano do século XXI não só anseia por dinheiro fama e sucesso Ele tem sede do transcendente de algo mais consistente que dê um verdadeiro sentido à sua existência Dentro das profundidades humanas há um desejo pelo sagrado e porque não dizer por uma mística que aponte para algo maior E por que será Porque o desejo de união com o Outro transcendente na imanência que se chama Deus ou amor infinito dá um sentido brilhante à vida ao transformar a vida do ser humano A verdadeira mística causa uma transformação interior Se ela não proporciona uma mudança radical isto é a conversão no modo de pensar sentir e perceber a realidade é uma pseudomística No mundo hodierno percebese que a mística costuma ser entendida como um grande anseio por sensações de êxtase repouso visões etc Arrebatamento êxtase visões não são o objetivo da mística Isso tudo é apenas passagem Jäger 2009 p 71 A pessoa mística não é irracional Ela conhece bem o binômio mística versus razão Esse binômio vai direcionar seu aprofundamento do mistério de Deus revelado em Jesus de Nazaré Portanto numa época em que os seres humanos se tornam cada vez mais desenraizados eles anseiam pela busca sincera de experiências que sejam capazes de fortalecer suas próprias raízes Este texto parte do pressuposto de que todas as religiões do mundo têm sua mística ou melhor todas fazem de alguma forma a experiência do mistério insondável Porém ele volta o olhar especificamente para a mística cristã No cristianismo a história da mística começa com Jesus de Nazaré Ele viveu profundamente a mística do amor e da unidade com seu Abbá Pai Gl 46 O Evangelho místico isto é o quarto Evangelho traduz essa experiência com estas palavras para que todos sejam um como tu Pai estás em mim e eu em ti Jo 1721 Assim somente no diálogo sincero e verdadeiro com outras religiões devese compreender as diferenças como cada uma concebe a experiência do mistério A forma como cada religião interpreta sua experiência é singular Quem faz uma leitura da Bíblia isento de ideias preconcebidas irá se defrontar com o anseio pela experiência mística Moisés diante da sarça que não se consome é um modelo de experiência do Transcendente vivida no cotidiano da vida Ex 316 A experiência pessoal do líder do povo hebreu é exemplo de como o mistério divino é revelado no contexto de cada pessoa E como cada ser humano acolhe a revelação desse mistério em sua história O que é mística Muito já se falou da mística mas a pergunta permanece o que é esse fenômeno que convencionouse chamar de mística ou vida no Espírito Segundo Anselm Grün a palavra mística é de origem grega e significava iniciação nos mistérios Grün vai à raiz do termo e diz Mística vem do grego mystikos derivado dos verbos myo fechar os olhos e boca para gerar um mistério internamente e myeo penetrar no mistério Entre os gregos mística significava a princípio a iniciação nos mistérios na qual uma pessoa se unificava com o destino da divindade e passava a participar do poder divino Grün 2011 p 9 A ideia correta da mística é pouco nítida para muitas pessoas A maioria entende como algo que não se limita à crença em Deus mas atinge a vivência de Deus Muitos relacionam a mística com experiências exóticas a saber visões dom de línguas revelações particulares expansão da consciência ou êxtase Para outros a mística é a busca por atingir através do contato existencial o inatingível Deus A mística cristã é fazer a experiência do mistério de Cristo no hoje da história E esse mistério de Cristo se prolonga na vida dos pobres e sofredores Não existe mística cristã descontextualizada da vida daqueles que mais sofrem O verdadeiro místico não se esconde do mundo Ele está no coração do mundo testemunhando o sentido da vida que prevalece ante os sinais de morte O místico não é um ser vegetativo mas profundamente ativo e contemplativo O pesquisador das religiões José Luis Vázquez Borau traz no conjunto de suas pesquisas contribuições importantes no campo da mística cristã Ele acentua A palavra mystica foi introduzida no cristianismo por um monge siríaco um neoplatônico cristão que viveu entre o século V e o início do século VI e que escreveu vários tratados teológicos entre os quais um intitulado De Mystica Theologia dedicado a Timóteo discípulo de Paulo de Tarso assinado por Dionísio o Areopagita Vazquez Borau 2002 p 18 A palavra mística remete a mistério O que é o mistério As tradições ocidentais o chamaram de mysterion que não quer dizer nem enigma nem incógnita Panikkar 2007 p 39 O mistério divino é indizível e nenhuma expressão humana pode descrevêlo Mistério não é o limite do conhecimento como muitos imaginam Ele é apenas o ilimitado do conhecimento Mas nem por isso o ser humano deve deixar de buscálo Entrar em comunhão profunda com toda a realidade envolvente ou seja ir para além de qualquer horizonte é fazer a experiência do mistério O mistério no cristianismo é uma busca que perpassa toda a vida do crente Nesse sentido o ser humano cada ser humano é uma participação uma imagem um mistério de Deus Panikar 2007 p 136 O mistério mantém o ser humano sempre na admiração até ao fascínio na surpresa até a exaltação Quando se chega a esse nível nada mais resta a não ser o silêncio a reverência e a adoração Nessa perspectiva a mística significa então a capacidade de se comover diante do mistério inefável Não é pensar as coisas mas sentir as coisas tão profundamente a ponto de perceber o mistério fascinante que habita a interioridade A mística revela a profundidade de sua significação quando capta o elo misterioso que une e reune liga e religa todas as coisas num todo organizado e dinâmico A mística cristã possui algum segredo Qual é este segredo Thomas Merton diz Mas o segredo da mística cristã é que realiza a si mesma pelo amor desinteressado aos outros Merton 2006 p 22 Em Merton a mística é amor e compaixão Para ele nenhuma mística é autêntica se não se converter verdadeiramente em compaixão Ter compaixão é ser capaz de estar com o outro sair de si sofrer com o outro É ser movido por um amor desinteressado Para Bernard McGinn professor na Universidade de Chicago e exímio estudioso da mística há um interesse significativo pela centralidade da mística hoje Ele comenta que As últimas duas décadas testemunharam um ressurgimento notável no interesse pelo estudo e prática da espiritualidade cristã especialmente na mística tradicionalmente compreendida como o ápice do caminho espiritual Tanto do ponto de vista especificamente cristão quanto ecumênico a mística é um tema central hoje em dia McGinn 2012 p 11 Esse interesse pela mística extrapola o âmbito da religião A mística é objeto de estudo também das diversas ciências humanas Por quê Porque a mística cristã não é uma experiência de reclusão à solidão da oração de um mosteiro ou vida contemplativa Ela é um dinamismo interno e externo de toda ação solidária e compassiva Mística não significa além de Deus e do mundo Mística é Deus e mundo uma unidade indivisível Com isso a tensão entre os dois polos não fica neutralizada Jäger 2009 p 70 Assim a mística é um conceito fundamental do cristianismo como de toda religião que admite o mistério e também de correntes de pensamento que aceitam a existência do mistério como componente da realidade absoluta Para os cristãos a mística tem total originalidade pois o centro absoluto deste conceito não é uma escola ou um pensamento mas Jesus de Nazaré Em Jesus se dá o acontecimento místico absoluto porque nele se realiza a total união e comunhão entre Deus e o ser humano Com muito acerto o teólogo católico Leonardo Boff ao refletir sobre a dimensão mística da vida cristã afirma Mística não é portanto pensar sobre Deus mas sentir Deus em todo o ser Mística não é falar sobre Deus mas falar a Deus e entrar em comunhão com Deus Quando rezamos falamos com Deus Quando meditamos Deus fala conosco Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar a mística Boff 2009 p 54 Boff compreende a mística não como um pensar sobre Deus mas como um sentir Deus em todo ser A visão franciscana diz que Deus está presente em tudo Todas as criaturas estão impregnadas da presença do Criador A mística não é produto do pensamento mas é algo que envolve o sentimento na sua inteireza Por outro lado a mística não consiste em falar sobre Deus mas falar a Ele e viver na eterna comunhão com Ele Viver a eterna comunhão com Deus é a meta da mística cristã Essa experiência do falar a Deus é vivida sobretudo no espírito da oração e da meditação onde se fala com Deus e Deus fala com a pessoa que a ele se dirige Fica claro que a mística é uma experiência de unidade cultivada no dia a dia Não é algo extraordinário que somente algumas pessoas podem fazer esta experiência Diante disso surge um questionamento Hoje o ambiente cotidiano facilita o cultivo da experiência mística Fazer a experiência do mistério de Deus em meio às situações diárias é sem dúvida um grande desafio O ruído a TV o Rádio as Redes Sociais e ocupações não oferecem um ambiente adequado para que as pessoas possam ter um contato mais profundo com a Fonte de onde emana o mistério insondável A mística não é um privilégio de poucos escolhidos mas sim a característica humana por excelência Ela é a experiência da Vida É algo que chega a envolver a experiência integral da Vida Panikkar 2010 p 1214 Para o estudioso das religiões Raimon Panikkar o termo vida nessas definições deve ser entendido no sentido de existência e pertence a todo ser também material Vida e realidade se correspondem A vida é um constante dinamismo como também o é a experiência do divino a contínua divinização da experiência do real Panikkar 2007 p 147 Podese dizer que a mística é a experiência concreta da vida não só a vida do além mas esta vida Na visão de Panikkar a experiência mística envolve toda a realidade mantendose aberta a todos os problemas humanos Ele concebe a mística como experiência que acontece na historicidade do ser humano É uma experiência que integra todas as dimensões da vida Para ele a mística é uma experiência onde nada fica de fora Ela contempla a existência toda da pessoa envolta do mistério Mística é uma experiência integradora da vida de uma pessoa Essa mística como experiência integradora parece indicar caminhos de superação de uma mística fragmentada exótica e até mesmo desenraizada na atualidade Na contemporaneidade o ser humano perdeu esse senso místico da existência fixandose na superficialidade Urge recuperálo como dimensão do profundo que dá sentido à vida humana A mística não implica uma fuga do mundo fuga mundi ou desprezo das realidades terrestres mas um mergulho ainda mais fundo nas entranhas da realidade para ser capaz de captar os sinais dos tempos Tratase de uma experiência pessoal mas não individualista e egocêntrica Anselm Grün monge beneditino e estudioso da espiritualidade contemporânea diz que O jesuíta Anthony de Mello disse certa vez A mística não significa apenas indagar Quem é Deus mas também perguntar Quem sou eu mesmo Quando eu faço repetidamente a pergunta Quem sou eu essa pergunta me leva também finalmente a Deus razão de minha vida Grün 2012 p 21 Antes do místico se debruçar sobre a pergunta pelo Absoluto de sua vida ele pergunta pela sua existência real Se a pergunta Quem eu sou ficar jogada nas margens do esquecimento a experiência mística pode se torna pura alienação com a realidade onde o místico atua A pergunta pelo divino e pelo humano são as bases para a construção de uma sólida e verdadeira experiência mística Na mística divino e humano se entrelaçam Quem são os místicos Quando se fala hoje em mística muitos pensam logo em claustros monges silêncio penitência jejum olhos fechados ambiente sagrado e fechado onde se anda calma e lentamente longe do mundo barulhento Essa é a primeira ideia que passa pela cabeça de muitas pessoas Mas a figura dos místicos contemporâneos aponta caminhos sempre novos e diferentes Basta por exemplo pensar em Madre Teresa de Calcutá Thomas Merton Dom Helder Camara Irmã Dorothy Stang e tantos outros São figuras no coração do mundo testemunhando o amor e a compaixão sem deixarem a sua condição de místicos contemplativos Neles há uma integração entre mística e ação transformadora Suas vidas foram sem dúvida uma síntese entre ação e contemplação Na experiência mística não existe dualismo entre ação e contemplação São como que duas asas que equilibram o itinerário místico Mas afinal quem são os místicos e místicas da atualidade ou melhor do século XXI São pessoas que descobriram a dimensão do sublime isto é do sagrado em Deus nos seres humanos e em toda criação Getúlio Antônio Bertelli estudioso do místico Thomas Merton tenta definir o místico nestes termos Místico é alguém que penetrou na interioridade enstasis a fim de descobrir o próprio centro vencendo a ilusão e a dispersão existencial a superficialidade e o anseio consumista Só assim é possível sair de si exstasis e desprenderse na abertura ao outro em compaixão Bertelli 2008 p 1718 A compaixão é critério para verificar a autenticidade da mística e esta é a alma daquela Ainda que a mística seja inefável o místico fala dialoga consigo mesmo e com a realidade vigente Partindo de sua experiência pessoal Merton diz Os místicos de todas as épocas buscaram e encontraram não apenas a unificação do próprio ser ou a união com Deus mas a união entre si mesmos no espírito de Deus Merton 2004 p 18 Místico é alguém que saiu da casca da superficialidade se adentrou para a seiva da interioridade para descobrir o seu tesouro ou seja seu núcleo essencial O primado de toda a mística cristã consiste na unificação com o Espírito de Deus e consigo mesmo Este é o grande trabalho do místico Voltarse para si mas não permanecer em si Nessa unidade de corpomentecoração reconciliado consigo e com o mundo A pessoa mística é aquela que sabe ler e reler os sinais dos tempos sem usar lupa ou binóculos O teólogo Salvador Valadez Fuentes argumenta que Os místicos são pessoas com uma sensibilidade extraordinária para ver contemplar e saborear a presença do mistério em todos os momentos da vida Valadez Fuentes 2008 p 128 Os místicos de todos os tempos possuem uma sensibilidade extraordinária para ver contemplar e saborear a presença do inominável Esses místicos não estão propriamente em conventos mosteiros mas nas ruas e praças das grandes e pequenas cidades Os místicos são pessoas de visão ampla e nítida Nessa visão de inteireza perfazem toda sua experiência espiritual Os místicos são contemplativos em ação São capazes de saborear a doçura do mistério mesmo em meio às amarguras do tempo presente Como identificar os místicos de hoje No tripé ver contemplar e saborear é possível identificar os místicos de hoje Assim um místico não pode ser confundido com um delirante ou esquizofrênico Thomas Merton define o místico da seguinte forma O místico é simplesmente o ser humano espiritual no sentido mais pleno da palavra espiritual pneumatikós Merton 2006 p 36 Ele é capaz de ver isto é perceber o que acontece consigo e com o mundo que o circunda Ele é um homem ou mulher que olha o mundo com os olhos de Deus Não despreza o mundo porque este é mau e perverso Mesmo sem negar as adversidades e contrariedades da vida ele é capaz de degustar da vida e de tudo o que ela tem de bom e belo Os místicos não são pessoas alienadas da realidade onde estão situados Vivem no coração do mundo sem serem submergidos pelas forças de destruição do mundo Segundo Faustino Teixeira pesquisador da mística no Brasil os místicos são pessoas próximas isto é pessoas que vivem uma profunda relação de intimidade com Deus Ele diz Os místicos são os amigos de Deus sem os quais é muito difícil manter a secreta mirada que acessa o senso da delicadeza espiritual que possibilita o real encontro com o mistério dentro e além das coisas e das ideias Os místicos são testemunhas de um grande e decisivo encontro que transformou suas vidas Teixeira 2006 p 8 A amizade é uma experiência de intimidade recíproca Os místicos cultivam essa amizade com Deus por meio da oração do silêncio e da compaixão No contínuo diálogo amigável o místico vai adentrando sempre mais no mistério de Deus Para tornarse um com Ele O fruto do cultivo dessa relação de amizade com Deus é vivenciado na relação de alteridade com as pessoas no cotidiano Experiência mística O místico pode parecer um grande solitário mas não é um isolado Está em comunhão viva com o mistério divino e toda a criação A experiência é o lugar da mística só pela experiência ela pode florescer Segundo Anselm Grün todos os místicos são unânimes em dizer que a iluminação não pode ser forçada nem através da oração nem de nenhum método de meditação Ela é sempre um presente da graça Grün 2001 p 230 A experiência de iluminação interior não pode ser induzida Ela é manifestação da graça de Deus que age livremente na pessoa Nenhum método ou técnica pode levar uma pessoa a fazer a experiência mística A iluminação a experiência do mistério em última análise é um presente dado gratuitamente por Deus Para Bernard McGinn professor na Universidade de Chicago entre as muitas tentativas de definições da mística ele prefere fornecer um sentido de como ele próprio entende o termo ao discutilo em três tópicos a saber mística como parte ou elemento da religião mística como um processo ou modo de vida e mística como uma tentativa de expressar uma consciência direta da presença de Deus McGinn 2012 p 16 A compreensão de McGinn da mística é clara e sistematizada Em primeiro lugar ela diz respeito à religião como parte ou elemento da mesma Em segundo lugar a mística é um processo ou modo de vida e finalmente mística como uma tentativa de expressar uma consciência da presença de Deus A experiência mística transforma profundamente a vida dos seres humanos e é a partir dela que eles podem testemunhar ensinar e escrever Bernard McGinn em seus estudos deixa claro o que faz parte especificamente do elemento místico no cristianismo Em sua argumentação diz Assim nós podemos dizer que o elemento místico no cristianismo é aquela parte de sua crença e suas práticas que concernem à preparação para a consciência de e a reação ante aquilo que pode ser descrito como a imediata ou direta presença de Deus McGinn 2012 p 18 McGinn não diz nenhuma novidade quando afirma que o elemento místico no cristianismo envolve a crença e suas práticas Tudo isso como preparação para a experiência imediata ou direta da presença de Deus A crença e as práticas proporcionam a iluminação imediata ou direta da experiência mística A crença e prática são facilitadoras dessa experiência de iluminação interior Raimon Panikkar em sua busca de compreender o fenômeno da mística procurou apresentar as possibilidades de uma mística concreta e experienciada Ele compreende a mística essencialmente como experiência Ele faz uma elucidação clara entre experiência e reflexão Segundo ele a experiência da Vida equivale à experiência de Deus Dizemos experiência e não reflexão sobre a vida Panikkar 2007 p 226 Não como usualmente se pode pensar o místico como aquele alienado da realidade dos sofrimentos do mundo mas como aquele que está completamente implicado com essa realidade Os estudos de McGinn são um grande esforço de não fazer da mística ou melhor da experiência mística algo banal exótico ilusório etc Ele conhece a tradição mística cristã e com essa tradição fundamenta suas buscas Sua posição fica evidente ao afirmar que O termo experiência mística consciente ou inconscientemente também tende a colocar ênfase em estados alterados especiais visões locuções êxtases e similares que admitase têm tido um papel importante na mística mas que como muitos místicos já insistiram não constituem a essência do encontro com Deus Muitos dos maiores místicos cristãos pensem em Orígenes Mestre Eckhart e João da Cruz foram radicalmente hostis a tais experiências enfatizando ao contrário o novo nível de atenção a consciência especial e mais elevada envolvendo tanto o amor quanto o conhecimento que é dado no encontro místico McGinn 2012 p 19 Assim a principal questão é a inserção da mística no cotidiano em plena secularidade onde o místico não se deixa aprisionar por nenhuma circunstância ou estrutura opressora Ele não é escravo do mundo exterior assim como não faz tragédia de nenhuma calamidade mas vive e atua com plena liberdade e lucidez Mística de olhos abertos O que se entende por mística de olhos abertos O teólogo alemão contemporâneo JohannBaptist Metz acredita que a mística que se revela no judeucristianismo é uma mística de olhos abertos Diz ele A experiência de Deus inspirada biblicamente não é uma mística de olhos fechados mas sim uma mística de olhos abertos não é uma percepção relacionada unicamente conosco mesmos mas sim uma percepção intensificada do sofrimento alheio Metz 1996 p 26 A experiência mística não consiste tanto em ter visões excepcionais consiste em ter uma visão nova de toda a realidade descobrindo Deus como sua última verdade como seu fundamento vivo atuante e sempre novo no seio do universo Para Benjamin Gonzalez Buelta os místicos de olhos abertos não são aqueles que têm visões estranhas que beiram a patologia e sim os que experimentam uma visão nova da realidade muitas vezes percebida apenas como caos sem solução Ele certifica que os místicos de olhos abertos possuem a sabedoria do olhar Enfatiza ele Diferentemente o místico de olhos abertos abre bem os olhos para perceber toda a realidade porque sabe que a última dimensão de todo o real está habitada por alguém por Deus Relacionase com o mundo dandose conta dos sinais de Deus que enchem toda a Criação com sua ação incessante com sua fascinante criatividade sem fim A paixão da vida do místico é olhar e não se cansa de contemplar a vida porque busca nela o rosto de Deus Mergulha nas situações humanas dilaceradas ou felizes procurando essa presença de Deus que atua dando vida e liberdade Gonzalez Buelta 2012 p 57 Para Buelta o místico tem os olhos abertos e voltados para o mundo Ele não coloca venda para não ver as injustiças a fome a exploração a corrupção que circula ao seu redor Ele coloca em evidência que a grande paixão da vida do místico é olhar ou dizendo de outra forma é contemplar Conhecedor da mística inaciana que preza pelo ver Deus em todas as coisas Buelta aponta para a dimensão do ver para não perecer A mística do olhar amoroso e compassivo Basta recordar Francisco de Assis que via em cada ser ínfimo do universo a presença do Criador A mística de olhos abertos não distrai dos afazeres cotidianos sejam quais forem eles O místico é uma pessoa profundamente encarnada na realidade Possui um olhar lúcido sobre o que contempla O místico de olhos abertos possui uma grande sensibilidade diante do pecado social e todas as formas de injustiça que fere a integridade das pessoas e de toda criação No místico de olhos abertos nasce um novo coração mais compassivo e misericordioso E por fim o místico de olhos abertos é solidário com todos os que sofrem Segundo Escolástica e a Teologia Clássica a mística é Fides occulata uma fé dotada de olhos uma fé iluminada porque pode ver a realidade à luz de Deus Panikkar 2005 p 53 A fé necessita de olhos para ver Caso contrário é cega e alienada do resto da realidade A fé que vê é iluminada é capaz de ver o real o concreto à luz de Deus Esta afirmação que vem da Escolástica e da Teologia Clássica se aproxima da concepção de uma mística de olhos abertos tão bem formulada por JohannBaptist Metz e Benjamin Gonzalez Buelta A mística cristã pelo fato de ser histórica direcionase pelo seguimento de Jesus Dessa forma a vida mística significa a vida cristã desde que ela se torne o vivido do Amor de Deus que toca o ser humano e do qual o homem deve estar perfeitamente consciente Evdokimov 2007 p 41 Tal propósito implica um compromisso de solidariedade para com os pobres pois Jesus se sentou entre eles e pessoalmente optou pelos marginalizados das estradas do campo e das praças das cidades Implica um compromisso de transformação pessoal e social presente na utopia pregada por Jesus do Reino de Deus que começa a realizarse na justiça dos pobres e a partir daí para todos e para toda a criação A mística não é e nem pode ser uma simples evasão uma pura negação uma fuga do mundo em face do sofrimento e da crise que atinge o ser humano Thomas Merton mesmo vivendo em uma clausura monástica não perdeu esta capacidade de indignação frente às realidades conturbadas do mundo em que vivia Ele dizia E no entanto sustento que a vida contemplativa do cristão não é uma vida de abstração de recesso que o concentre apenas nas essências ideais nos valores absolutos na exclusiva eternidade O cristianismo não pode rejeitar a história Não pode ser uma negação do tempo Merton 1966 p 8 Se a mística do seguimento de Jesus Cristo é histórica e de mãos unidas com a ação a mística crísticoespiritual é de olhos abertos e cósmica No século XXI correse o perigo da mística cair no mundo do subjetivismo desenfreado Nesse subjetivismo intimista o cristão acaba fechando os olhos para não ver o que acontece no mundo Esse subjetivismo está muito presente naquele tipo de oração em que o fiel diz Feche seus olhos e esqueça os problemas que acontecem lá fora Distanciese dessa realidade agora Coloquese na presença de Deus Nesse tipo de oração a vida foi excluída do contexto espiritual Os místicos dizem que a experiência do mistério de Deus é ad intra e ad extra ou seja é um movimento para dentro e para fora Assim a mística cristã não é um perderse em si mesmo Ela lança o desafio de contribuir para uma sociedade mais justa fraterna e solidária Nesse sentido a mística possui uma dimensão políticolibertadoracontemplativa O místico do século XXI trilha tendo presente esta tríplice vertente Mística e religião Bernard McGinn não tem um conceito definido da mística mas oferece um sentido de como ele a entende como parte ou elemento da religião Com isso ele deixa transparecer que a mística faz parte intrinsecamente da religião Ele é categórico em dizer Nenhum místico pelos menos antes do século presente acreditava em ou praticava mística Eles acreditavam em e praticavam cristianismo ou judaísmo ou hinduísmo ou o islã ou seja em religiões que continham elementos místicos como parte de um todo histórico mais vasto McGinn 2012 p 1617 A mística não é mérito apenas da tradição cristã Todas as tradições religiosas apontam para o mistério Se não indicam o caminho do mistério distorcem a sua função primordial de ser ponte que dá acesso ao mistério fontal o qual recebe muitos nomes Deus Javé Alá Olorum etc É possível relacionar mística e religião É sabido que cada religião possui sua identidade e o seu jeito próprio de dizer a experiência mística Por isso as religiões não podem ser dogmáticas e sistemas fechados Boff 2009 p 55 Uma religião sem mística não passa de pura ideologia dominante E frequentemente pode cair no fundamentalismo e no fanatismo Deus não é propriedade de nenhuma religião Ninguém o pode monopolizar Nenhum líder por melhor que ele seja tem o direito de se apossar da religião como se esta fosse sua empresa Quando isso acontece a mística desaparece e ficam apenas os modismos religiosos Às religiões constituem uma das construções de maior excelência do ser humano Elas todas trabalham com o divino com o sagrado com o espiritual Mas elas não são o espiritual Espiritualidade é outra coisa Boff 2009 p 19 A mística sempre foi considerada como a busca pelo caminho interior que conduz ao encontro pessoal com Deus O estudioso da mística Willi Jäger diz Às vezes tenho a impressão de que a mística é a salvação da religião A religião sempre se renova através da experiência dos sábios e dos místicos Jäger 2009 p 9 Nos dias de hoje há ausência da mística no seio das religiões Jäger como estudioso da mística sabe que ela desempenha um papel fundamental no seio da religião A mística possui um dinamismo renovador na religião A religião jamais pode aprisionar a mística entre quatro paredes Qual seria uma das contribuições dos místicos para as religiões e suas respectivas doutrinas José Luis Vázquez Borau responde com clareza esta pergunta Diz ele Os místicos são a salvaguarda viva que impede as religiões e as doutrinas de caírem no dualismo alteridade no formalismo no dogmatismo no fideísmo ou na idolatria Vázquez Borau 2002 p 26 Os místicos dinamizam o interior das religiões Sem a presença dos místicos as religiões ficam ressequidas A mística é a libertação de um sistema religioso fechado em si mesmo Portanto uma religião que não cria espaço para o florescimento da mística está preparando o caminho do próprio desaparecimento Sem a mística a religião se torna estéril e morre asfixiada pelo formalismo pelo dogmatismo e pela lei olho por olho e dente por dente Vale dizer que o místico é alguém que está para além dos dogmas de uma determinada religião É alguém que mergulha no entendimento do todo na união com Deus mas sem abandonar a vida ativa Borau alerta os cristãos Não esqueçamos que a experiência mística máxima no limite do mistério é a que Jesus vive no abandono da Cruz E também muitos místicos que tal como Ele transformam a dor em amor Borau 2002 p 131 É em Jesus Cristo morto e ressuscitado que está centrado o fundamento último da mística cristã desde sempre Considerações Finais Falar da mística cristã em pleno século XXI é sempre um desafio Desafio esse que implica investigação cuidado prudência e bom senso na hora de nomear a experiência do mistério que cada pessoa vai fazendo ao longo de sua existência Mas de outro lado o estudo da mística fascina instiga e contagia estudiosos dos vários campos do conhecimento humano Nesse sentido podese dizer que a mística é algo latente nos dias atuais Ela surge sempre para dizer que a religião não tem a última palavra sobre Deus e seu mistério que o ser humano é um ser intrinsecamente religioso Por isso a religião precisa constantemente escutar a voz dos místicos Caso não o faça é sinal de que a religião se tornou árida e estéril A mística cristã tem como centro não uma ideia mas uma pessoa Jesus de Nazaré Nele o cristão é convidado a fazer uma experiência de encontro pessoal Uma experiência de transformação interior e até mesmo exterior Essa experiência de encontro pessoal com Cristo não é exclusividade de algumas pessoas privilegiadas A possibilidade desta experiência é destinada ao homem e à mulher do século XXI Muitos até podem pensar que a mística é para pessoas com dons especiais ou sobrenaturais porém esta não é a mística cristã Portanto a busca pela experiência mística não é somente uma indagação por Deus mas é também uma pergunta pela própria identidade pessoal daquele que se propõe trilhar o caminho da experiência do sagrado Muitos perguntam pelo ser de Deus ou seja pela sua própria essência mas acabam esquecendose de perguntar por si próprios A mística não é uma questão puramente metafísica É uma experiência concreta inclusiva e ativa no aqui e agora da historicidade do humano Sintetizando a mística cristã é uma experiência de amizade profunda com Cristo e seu mistério O místico é um amigo de Cristo Vive sua vida confrontada e iluminada pela vida de Cristo sem deixar de estar envolvido no contexto sóciopolíticocultural em que está inserido Referência Bibliográfica BERTELLI Antonio Getúlio Mística e compaixão A teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton São Paulo Paulinas 2008 BOFF Leonardo Tempo de transcendência o ser humano como projeto infinito Petrópolis Vozes 2009 EVDOKIMOV Paul O silêncio amoroso de Deus São Paulo Santuário 2007 GONZALES BUELTA Benjamin Ver ou perecer Mística de olhos abertos São Paulo Loyola 2012 GRÜN Anselm Mística descobrir o espaço interior Petrópolis Vozes 2012 Deus que és tu Petrópolis Vozes 2012 JÄGER Willigis A onda e o mar Espiritualidade mística Petrópolis Vozes 2009 McGINN Bernard As fundações da mística das origens ao século V Tomo I A presença de Deus Uma história da mística cristã ocidental São Paulo Paulus 2012 MERTON Thomas O homem novo Petrópolis Vozes 2005 A sabedoria do deserto São Paulo Matins Fontes 2004 Sementes de destruição Petrópolis Vozes 1996 PANIKKAR R Vita e parola La mia opera Milano Jaca Book 2010 Ícones do místerio a experiência de Deus São Paulo Paulinas 2007 Da Mística Experiência plena da vida Herder 2005 TEIXEIRA Faustino Buscadores do diálogo São Paulo Paulinas 2012 Caminhos da mística São Paulo Paulinas 2012 Nas teias da delicadeza Itinerários místicos São Paulo Paulinas 2006 VALDEZ FUENTES Salvador Espiritualidade pastoral Como supera uma pastoral sem alma São Paulo Paulinas 2008 VÁZQUEZ BORAU José Luis Os místicos das religiões a mística e o futuro da religião Lisboa Paulus 2002 1