·
Direito ·
Direito Administrativo
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?
- Receba resolvida até o seu prazo
- Converse com o tutor pelo chat
- Garantia de 7 dias contra erros
Recomendado para você
1
Atendimento Administrativo à Nova Lei: Diretrizes e Cuidados
Direito Administrativo
PUC
21
Análise Crítica das Cláusulas Exorbitantes em Contratos Administrativos no Brasil
Direito Administrativo
PUC
1
ADI 3454: Análise de Inconstitucionalidade sobre a Requisição Administrativa no SUS
Direito Administrativo
PUC
2
Orientações para Avaliações Somativas 1 e 2
Direito Administrativo
PUC
1
Critérios de Avaliação e Pontuação
Direito Administrativo
PUC
26
Mutações nos Serviços Públicos
Direito Administrativo
PUC
6
Mentoring em Carreira Jurídica: Introdução às Carreiras Tradicionais
Direito Administrativo
PUC
42
Reforma do Estado: Formas de Prestação de Serviços e Parcerias Público-Privadas
Direito Administrativo
PUC
32
Incerteza e Risco no Direito: Uma Análise da Ordem Jurídica
Direito Administrativo
PUC
20
Medida Cautelar na Reclamação 56018 por Luiz Inácio Lula da Silva
Direito Administrativo
PUC
Texto de pré-visualização
1 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Parecer Jurídico Inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional Forças Armadas não exer cem papel de Poder Moderador O presente parecer de autoria conjunta da Presidência Nacional e da Procuradoria Constitucional do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil trata da inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional e da inadequação da perspectiva que associa as Forças Armadas ao Poder Moderador da Constituição Federal a Relatório As questões discutidas neste parecer foram recentemente trazidas a lume diante da manifestação de figuras de grande projeção pública na imprensa que defenderam a faculdade de as Forças Armadas realizarem intervenção ar mada para agir como uma espécie de Poder Moderador nos conflitos entre os Poderes Executivo Legislativo e Judiciário1 Essa proposta ganhou notoriedade após a onda de críticas mordazes protestos violentos e movimentos criminosos contra o Supremo Tribunal Federal por parte de alguns círculos sociais exaltados A sugestão de uma intervenção militar constitucional ganhou ainda mais força após a divulgação das falas do Presidente da República na reunião ministerial do dia 22 de abril em que o mandatário faz menção ao art 142 da Constituição Federal como suposta autori zação constitucional para que as Forças Armadas intervenham para restabelecer a ordem no Brasil 1 Ver p ex MARTINS Ives Gandra da Silva Harmonia e independência dos poderes Consultor Jurídico CONJUR 2 de maio de 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020mai 02ivesgandraharmoniaindependenciapoderes e MARTINS Ives Gandra da Silva Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes Consultor Jurídico CONJUR 28 de maio de 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020mai28ivesgandraartigo142constituicao brasileira 2 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr É a redação do dispositivo em questão Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinamse à defesa da Pátria à garantia dos poderes constitucionais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem Segundo os partidários da tese antes exposta a previsão constituci onal de que as Forças Armadas destinamse à garantia dos poderes constituci onais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem conferirlhesia um mandato para agir em defesa da normalidade constitucional atribuição essa que envolveria também a faculdade extraordinária de repor a lei e a ordem a pedido de qualquer um dos Poderes quando indevidamente tolhido de atribuição que lhe é própria pela atuação de outro Poder Dessa forma o art 142 caput conferiria autorização capaz de permitir que as Forças Armadas possam agir em situações extremas como Poder Moderador Entretanto como será demonstrado em seguida tais argumentos não têm qualquer cabimento ou sustentação jurídica A Constituição Federal não confere às Forças Armadas a atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição Federal o que inequivocamente perpassa o princípio da separação dos poderes Ademais falar em um Poder Moderador exercido pelas Forças Armadas não apenas é demonstração de uma hermenêuti ca jurídica enviesada como também é um argumento sem qualquer lastro histó rico Há temas que a OAB possui obrigação legal e histórica de defender como os direitos humanos a democracia e as prerrogativas da advocacia Em diversos momentos da história do Brasil a OAB se manteve contrária à institui ção do poder militar afastando a soberania popular expressada no poder civil Ao editar o presente parecer a OAB mantém a sua tradicional linha histórica É o relatório 3 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr b Parecer I Da inadequação da analogia ao Poder Moderador Duas ordens de considerações devem ser levadas em conta para se rechaçar a pretensão de conferir às Forças Armadas a função de Poder Modera dor a fundamentar sua atuação como árbitro dos conflitos entre os Poderes em nome da garantia da ordem constitucional Em primeiro lugar tratase de inter pretação que se apoia em equivocada leitura da história constitucional brasileira a respeito da concepção de Poder Moderador e da interferência dos militares nos processos políticos Em segundo lugar a tese contraria frontalmente a Constitui ção de 1988 que estabeleceu um modelo institucional de subordinação do poder militar ao poder civil Historicamente de todas as constituições brasileiras a Constituição do Império de 1824 foi a única a prever um Poder Moderador exercido pelo Monarca Sob a inspiração da doutrina de Benjamin Constant o Poder Modera dor seria um poder neutro incumbido de assegurar o equilíbrio e a harmonia en tre os demais poderes Nesses termos previa o artigo 98 da Constituição de 1824 Art 98 O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política e é delegado privativamente ao imperador como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a manu tenção da independência equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Po líticos O Poder Moderador pairava portanto acima dos demais poderes na forma de uma autoridade suprema inviolável e sagrada tal como estabele cia o art 99 que eximia a pessoa do Imperador de qualquer responsabilidade No exercício do Poder Moderador o Monarca estava autorizado entre outras atribuições a dissolver a Câmara dos Deputados para garantir a salvação do Es tado e a suspender magistrados art 101 V e VII 4 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Com a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891 o Poder Moderador deixou de existir adotandose a fórmula de tripar tição de poderes harmônicos e independentes entre si todos obedientes à Constituição art 15 Também foi a partir de 1891 que se consolidou a forma constitucional ou a concepção da Constituição como norma suprema compre ensão essa que se estruturou com base em dois pressupostos i a rigidez cons titucional a exigir um processo mais difícil e rigoroso para a alteração da Constituição ii o controle de constitucionalidade a estabelecer as normas constitucionais como parâmetro de validade de todo o ordenamento jurídico O desaparecimento do Poder Moderador coincide portanto com a adoção do modelo de supremacia constitucional Como consequência os obje tivos de estabilização da ordem jurídica e institucional passam a ser garantidos por mecanismos de resolução dos conflitos políticos que assegurem a autorida de suprema não de qualquer poder mas da própria Constituição Nesse senti do como descreve Christian Lynch ao introduzir o controle difuso de consti tucionalidade os constituintes de 1891 tinham em mente substituir o Poder Moderador pela jurisdição constitucional com a função de arbitrar os conflitos políticos e de zelar pela observância da Constituição2 Como se sabe o controle de constitucionalidade constitui um dos mecanismos de freios e contrapesos que têm o escopo de resolver conflitos e de combater a prática de abusos pelos poderes políticos garantindo o funcio namento harmônico do sistema jurídico e político Em casos de ameaças mais graves à estabilidade institucional a Constituição autoriza o recurso a instru mentos excepcionais como é o caso do estado de sítio e da intervenção federal por meio de procedimentos e regras de competências que também são clara mente estabelecidas pelo próprio texto constitucional 2 LYNCH Christian Edward Cyril O caminho para Washington passa por Buenos Aires Revista Bra sileira de Ciências Sociais Vol 27 n 78 fevereiro 2012 5 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Em nenhum desses mecanismos é dado às Forças Armadas atuar como uma instância decisória suprema localizada acima dos demais poderes ou seja como uma espécie de Poder Moderador Ao contrário como muito bem exposto por Seabra Fagundes com apoio no pensamento de Rui Barbosa as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supre mo o Presidente da República que por sua vez tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição3 Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade Não se desconhece o influente estudo de Alfred Stepan o qual aponta que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atu ado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 19461964 ten do em vista as intervenções militares cirúrgicas nos momentos de graves cri ses nacionais ocorridos em 1954 1955 e 1961 Nessa leitura as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise4 Não obstante a figura de árbitro pressupõe uma perspectiva de neu tralidade e de imparcialidade diante dos negócios políticos que não se compac tua com a crescente politização das Forças Armadas naquele momento histórico seja na sua atuação externa perante os demais Poderes seja nas suas cisões in ternas entre Forças e dentro delas5 Além disso como outros estudos viriam a demonstrar as estreitas vinculações entre setores civis e militares e especial mente entre elites jurídicas e militares pavimentaram o caminho para a consoli dação do regime ditatorial pós19646 3 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 p 12 4 STEPAN Alfred Os militares na politica as mudanças de padrões na vida brasileira Rio de Janei ro Artenova 1975 5 A esse respeito ver CARVALHO José Murilo de Forcas armadas e politica no Brasil Rio de Ja neiro Jorge Zahar 2005 6 PEREIRA Anthony W Ditadura e repressão o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil no Chile e na Argentina São Paulo Paz e Terra 2010 6 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Portanto as interferências das Forças Armadas sobre os processos políticos na história brasileira recente não representam o exercício de um supos to Poder Moderador inexistente no arranjo políticoconstitucional mas demons tram a fragilidade de uma democracia tutelada pelo poder militar que enquanto poder armado deve estar necessariamente subordinado às autoridades civis de mocraticamente legitimadas para o exercício do poder político Não por outra razão com o fim do regime ditatorial pós1964 os constituintes de 1988 se preocuparam em garantir um enquadramento democrá tico às Forças Armadas que desempenham sem dúvida alguma funções da mais alta relevância em nossa ordem constitucional A posição destacada das Forças Armadas no sistema jurídico já era reconhecida pelo saudoso Seabra Fagundes em texto de 1947 sobre a inserção das corporações militares na ordem constitucional sob a Carta republicana de 1946 As Fôrças Armadas constituem em todos os Estados o elemento funda mental da organização coercitiva a serviço do direito Nelas na eficiência da sua estrutura e na respeitabilidade que as envol va repousa a paz social pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na sociedade das nações São portanto os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização dos seus fins Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqüi lidade interna pela estabilidade das instituições É em função do seu po derio que se afirmam nos momentos críticos da vida internacional o prestígio do Estado e a sua própria soberania Pontes de Miranda em seus memoráveis comentários à Constitui ção destacou como ao longo das constituições republicanas não obstante as mudanças de texto mantevese incólume a destinação constitucional das Forças Armadas enquanto instituições projetadas à defesa da Pátria no âmbito externo e à manutenção da lei no âmbito interno Acrescenta ainda o ilustre jurista a obrigação das Forças Armadas de sustentar as instituições constitucionais7 7 DE MIRANDA Pontes Comentários à Constituição de 1967 São Paulo Revista dos Tribunais 19671968 p 393 7 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Interpretar as funções e as competências das Forças Armadas dentro dos marcos democráticos e do império da lei é postura que somente valoriza a importante missão constitucional que desempenham E é postura compartilhada pela expressiva maioria dos integrantes das três Forças que mantêm inabalável compromisso com a legalidade e rechaçam os discursos de intervenção militar Essa atitude legalista que já se destacou em momentos decisivos da nossa histó ria engrandece as Forças Armadas ao assegurar que elas sirvam sempre e preci puamente à Constituição e não a qualquer governo ou agente político II Da interpretação adequada do art 142 caput da Constituição Federal Assentada a questão do sentido próprio do Poder Moderador e de sua incompatibilidade com o princípio da supremacia constitucional avançase à questão da interpretação escorreita do art 142 caput da Constituição Federal A redação do art 142 caput da Constituição Federal tem diversas finalidades não apenas de reconhecer os poderes e as funções das Forças Arma das como também de limitálos diante de excessos Dessa forma o Constituinte teve o cuidado de consignar a submissão das Forças Armadas à autoridade su prema do Presidente da República e de assentar sua configuração como insti tuições nacionais permanentes e regulares de modo a se submeterem em qual quer tempo aos ditames do sistema constitucional independentemente do gover no pois permanentes e mesmo em contextos excepcionais pois regulares Nesse sentido devese compreender o preceito da disciplina militar estruturante da organização das Forças Armadas como rigorosa submissão à lei tal como expõe Seabra Fagundes Se a elas as Forças Armadas o Estado confere o monopólio da fôrça material se lhes entrega a defesa da sua própria sobrevivência e da tranquilidade dos seus habitantes se somente as chama a intervir nos momentos cruciais da vida coletiva abalada pela agressão exterior ou pela violência interna é óbvio que se impõe criar em correlação com tais circunstâncias rigorosos elementos de su bordinação à lei Nesses elementos repousará a certeza de que o uso das armas não será desvirtuado quer positivamente pela negação do destino constitucional das corporações militares quer negativamente pela ineficiência delas em face da sua missão8 8 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 8 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A estrita obediência à lei é de todo incompatível com uma suposta posição de árbitro ou moderador dos conflitos entre poderes Como instituição que detém o poder das armas as Forças Armadas agem sob o comando das auto ridades competentes e nas hipóteses legalmente autorizadas Removidos tais li mites e condições que sabiamente informam a atuação das corporações milita res expõese a ordem jurídica e política ao risco bem descrito por Seabra Fa gundes o desvirtuamento do uso das armas e a negação da missão constitucional das forças militares Ainda na linha da existência de limites constitucionais à atuação das Forças Armadas ensinam Conrado Hübner Mendes e Rafael Mafei que a Cons tituição Federal de 1988 teve a preocupação muito expressa de ao afirmar a so berania popular consignar que o poder seria exercido por seus representantes portanto civis rompendo com o modelo civilmilitar que mostrava suas caras em diversas facetas do regime anterior O poder político segundo a Constituição emana do povo e será exercido por seus representantes eleitos ou diretamente art 1º jamais por meio de lideranças militares As Forças Armadas têm papel primordial no arranjo constitu cional brasileiro Servem à defesa nacional e à garantia dos poderes constitucionais mas funcionam sempre sob a auto ridade suprema o adjetivo não é à toa do presidente da República Em situações de grave comoção social podem atuar para a garantia da lei e da ordem quando as instituições regular mente encarregadas de fazêlo não possam por qualquer ra zão cumprir a tarefa a contento Mesmo nesses casos porém agem sempre por iniciativa dos poderes civis CF art 1429 9 MENDES Conrado Hübner e QUEIROZ Rafael Mafei Não existe intervenção militar constitucio nal Folha de São Paulo 30 de maio de 2018 Disponível em httpswww1folhauolcombropiniao201805conradohuebnermendeserafaelmafeirabelo queiroznaoexisteintervencaomilitarconstitucionalshtml 9 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A interpretação que confere às Forças Armadas a atribuição de um Poder Moderador ao contrário ignora os limites constitucionais a elas impostos para livrálas de qualquer controle constitucional tornandoas a intérprete má xima da Carta Cidadã especialmente no que atine à repartição de atribuições entre os Poderes Executivo Legislativo e Judiciário Ignora ademais que os conflitos entre os poderes devem ser resol vidos pelos mecanismos de freios e contrapesos devidamente regulados pelo tex to constitucional ao estabelecer controles recíprocos entre os poderes A siste mática de freios e contrapesos checks and balances foi originalmente consa grada pela Constituição dos Estados de Unidos de 1787 e objeto de lúcida e vi gorosa defesa nos artigos federalistas notadamente no Article 51 de autoria de James Madison que constitui texto seminal sobre o tema Nesse escrito Madison demonstrou que o caminho para se bloquear abusos perpetrados por qualquer poder do Estado era conceber a estrutura in terna do governo de tal modo que as suas partes constituintes possam através de suas relações mútuas constituir os meios de manterse umas às outras em seus devidos lugares10 Em expressão de singular felicidade acrescenta James Madison que o verdadeiro meio de embaraçar que os diferentes poderes se não vão sucessi vamente acumulando nas mesmas mãos consiste em dar àqueles que os exercita rão meios suficientes e interesse pessoal para resistir à usurpação11 afirmação essa que jamais deve se confundir com a absurda hipótese de uma intervenção externa mormente quando efetuada pela força das armas Os mecanismos de freios e contrapesos dos quais o controle judici al é um exemplo são adequados e suficientes para solucionar eventuais conflitos entre os poderes e para encontrar as respostas preconizadas pelo texto constitu cional Não há que se cogitar portanto da hipótese esdrúxula de se atribuir às Forças Armadas função ofensiva ao princípio da separação de poderes e à lógica de resolução de conflitos a ele inerente 10 MADISON James HAMILTON Alexander JAY John Os artigos federalistas 1787 1788 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 11 Idem 10 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A ideia de intervenção militar constitucional se incompatibiliza com o próprio cerne da separação dos poderes opondose ao princípio fundamental de que os meios de defesa em matéria de repartição de competências e de esta belecimento de freios e contrapesos devam ser sempre proporcionais aos peri gos de ataque Reconhecer às Forças Armadas o papel de interventor é medida que põe em gravíssimo risco toda a estrutura básica de um sistema democrático Se os mecanismos de freios e contrapesos oferecem os instrumentos necessários à resolução de conflitos entre os poderes em tempos de normalidade em situações de crises agudas que ameacem a própria sobrevivência das institui ções do regime democrático e da ordem constitucional a possibilidade de re curso a medidas extremas também é regulada pela própria Constituição Tratase do nosso sistema constitucional de crises ou sistema de emergência que com preende os institutos do estado de sítio estado de defesa e intervenção federal Como muito bem explanado pelo eminente Ministro do STF Ricar do Lewandowski em texto recentemente publicado os sistemas de emergência podem ser de dois tipos rígidos ou flexíveis No primeiro caso as medidas ca bíveis para retornar à normalidade são estritamente definidas e especificadas no texto constitucional Já o sistema flexível adota a fórmula de concessão de am plos poderes à autoridade competente autorizada a tomar todas as providências necessárias para debelar a crise sem se ater a medidas predeterminadas12 A ordem constitucional de 1988 tal como conclui o Ministro adota o sistema de emergência de tipo rígido13 Assim para cada instrumento excepci onal previsto pela Constituição são definidas as hipóteses de cabimento os pro cedimentos de decretação os prazos de duração e as medidas autorizadas que devem ser interpretadas de forma estrita notadamente aquelas que envolvem restrições a direitos e garantias constitucionais 12 LEWANDOWSKI Ricardo A garantia da lei e da ordem em crises de maior envergadura Folha de São Paulo 2 de junho de 2020 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder202006a garantiadaleiedaordememcrisesdemaiorenvergadurashtml 13 Idem 11 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Para além dos institutos já mencionados em situações de gravidade que ameacem a segurança pública a Constituição autoriza nos termos do art 142 caput a convocação das Forças Armadas por iniciativa de qualquer dos poderes constitucionais para a garantia da lei e da ordem Tratase de hipótese também gravada pela excepcionalidade e pela estrita observância dos requisitos e procedimentos legais previstos e regulados pela Lei Complementar 971999 Vale atentar novamente ao texto da norma inscrita no art 142 da Constituição Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanen tes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disci plina sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinamse à defesa da Pátria à garantia dos poderes constitu cionais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem Ao tratar da possibilidade de atuação das Forças Armadas para ga rantia da lei e da ordem a Constituição flexibiliza o comando que atribui ao Pre sidente autoridade suprema sobre as corporações militares Não cabe às Forças Armadas agir de ofício sem serem convocadas para esse fim Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva compe tência para realizar tal convocação De modo expresso a Constituição estabe lece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condi cionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos A provocação dos po deres se faz necessária e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto Ademais o emprego das Forças Armadas nas operações de garantia da lei e da ordem observa rígidos pressupostos estabelecidos pela legislação Nesse sentido a Lei Complementar 971999 exige i o esgotamento dos ins trumentos normais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pes soas e do patrimônio art 15 2º ii a demonstração de que os instrumentos precipuamente incumbidos da segurança pública se mostram inexistentes indis poníveis ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão art 15 3º iii a delimitação temporal e territorial da operação que deve se ater à finalida de prevista art 15 4º 12 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Dessa forma o sentido de garantia da lei e da ordem presente no art 142 caput da Constituição Federal já tem uso consolidado na prática equi valendo às operações em resposta a graves situações de perturbação da ordem quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública Com is so em nada guarda relação com a intervenção em outros Poderes como inade quadamente sugerido pelos defensores da figura da intervenção militar constitu cional E não apenas isso Temse nos termos da legislação de regência que a garantia da lei e da ordem será sempre desempenhada com limites claros no ato de autorização redigido pelo Presidente da República e contará com rigo roso e amplo controle legislativo e jurisdicional Cabe ainda ressaltar que a malsinada interpretação do art 142 ca put capaz de reconhecer a intervenção militar constitucional em defesa da sepa ração dos poderes também ocasionaria um paradoxo insolúvel pois frontalmen te incompatível com outros dispositivos constitucionais que se referem à organi zação e ao funcionamento das Forças Armadas É princípio básico da hermenêutica constitucional a figura da uni dade da Constituição que orienta que a interpretação do texto constitucional seja conduzida em sua totalidade e sistematicidade e não parceladamente como en sina o Professor Inocêncio Mártires Coelho em obra de referência Segundo essa regra de interpretação a unidade da Constitui ção as normas constitucionais devem ser vistas não como nor mas isoladas mas como preceitos integrandos num sistema uni tário de regras e princípios que é instituído na e pela própria Constituição Em consequência a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade do que resulta por outro lado que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra até porque relembrese o círculo hermenêutico o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes14 14 COELHO Inocêncio Mártires Interpretação Constitucional 3ª ed São Paulo Saraiva 2007 p 101 13 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Assentada a necessidade de se compreender a dicção do art 142 caput no contexto de todo o sistema constitucional temse que é necessário si tuálo ao lado de outros dispositivos constitucionais como o art 2º e o art 84 XIII assim redigidos Art 2º São Poderes da União independentes e harmônicos entre si o Legislativo o Executivo e o Judiciário Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República XIII exercer o comando supremo das Forças Armadas nomear os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica promover seus oficiaisgenerais e nomeálos para os cargos que lhes são privativos Como se pode ver da redação do art 84 XIII da Constituição Fe deral as Forças Armadas na estrutura constitucional de 1988 não estão estabe lecidas como um quarto poder mas estão expressamente submetidas ao co mando supremo do Presidente da República no marco do Poder Executivo Essa circunstância aliás está reconhecida expressamente no próprio art 142 caput da Constituição Federal ao indicar que os militares estarão sob a autoridade suprema do Presidente da República Como ensina Miguel Seabra Fagundes a submissão das Forças Armadas à Presidência da República é característica necessária do sistema pre sidencialista de governo a exigir a unidade do Poder Executivo No Presidente da República delega o povo o exercício do Poder Executivo É que na concepção presidencialista do govêrno o Poder Execu tivo exige unidade Temse que se o exercício da função legife rante implicando debate acarreta multiplicidade de agentes a função executiva destinada à execução pronta e eficiente das leis supõe unidade Fazemse repousar nesta as bases duma execução enérgica e eficiente por oposição à execução fraca a que aludia Hamilton que não é outra coisa senão uma execu ção má própria dos órgãos colegiais15 15 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 p 16 14 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Nesse contexto compreender que as Forças Armadas inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo sob o comando do Presidente da República poderiam intervir nos Poderes Legislativo e Judiciário para a pre servação das competências constitucionais estaria em evidente incompatibilida de com o art 2º da Constituição Federal que dispõe sobre a separação dos po deres Afinal com isso estabelecerseia uma hierarquia implícita entre o Poder Executivo e os demais Poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições Dando continuidade ao raciocínio a interpretação aqui questionada autorizaria se chegar à absurda conclusão em última análise de que qualquer conflito entre os Poderes estaria submetido à autoridade suprema do Presidente da República pois mediado pelas Forças Armadas que desempenham suas ati vidades sob seu comando E essa interpretação ao estabelecer hierarquia entre os Poderes traria importantes e graves riscos para o princípio da supremacia constitucional Ademais cabe lembrar que a Constituição em seu art 102 afirma competir ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constitui ção Isso significa que ao Poder Judiciário e ao fim e ao cabo ao Supremo Tri bunal Federal cabe interpretar o Texto Constitucional por meio dos mecanis mos institucionais que a própria Lei Fundamental estabeleceu Tendo sido esta a disciplina traçada pelo constituinte inviável a tese da autoridade suprema do Chefe do Poder Executivo e por maior razão das Forças Armadas Por todo o exposto é evidente a inconstitucionalidade da propos ta de intervenção militar constitucional com base no art 142 da Constituição Federal supostamente voltada a reequilibrar conflitos entre os Poderes 15 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr c Conclusão Diante dos apontamentos apresentados concluímos pela inexistên cia do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas bem assim pela inconsti tucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício indepen dente dos Poderes da República Brasília 2 de junho de 2020 Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky Presidente Nacional da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais Gustavo Binenbojm Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
1
Atendimento Administrativo à Nova Lei: Diretrizes e Cuidados
Direito Administrativo
PUC
21
Análise Crítica das Cláusulas Exorbitantes em Contratos Administrativos no Brasil
Direito Administrativo
PUC
1
ADI 3454: Análise de Inconstitucionalidade sobre a Requisição Administrativa no SUS
Direito Administrativo
PUC
2
Orientações para Avaliações Somativas 1 e 2
Direito Administrativo
PUC
1
Critérios de Avaliação e Pontuação
Direito Administrativo
PUC
26
Mutações nos Serviços Públicos
Direito Administrativo
PUC
6
Mentoring em Carreira Jurídica: Introdução às Carreiras Tradicionais
Direito Administrativo
PUC
42
Reforma do Estado: Formas de Prestação de Serviços e Parcerias Público-Privadas
Direito Administrativo
PUC
32
Incerteza e Risco no Direito: Uma Análise da Ordem Jurídica
Direito Administrativo
PUC
20
Medida Cautelar na Reclamação 56018 por Luiz Inácio Lula da Silva
Direito Administrativo
PUC
Texto de pré-visualização
1 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Parecer Jurídico Inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional Forças Armadas não exer cem papel de Poder Moderador O presente parecer de autoria conjunta da Presidência Nacional e da Procuradoria Constitucional do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil trata da inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional e da inadequação da perspectiva que associa as Forças Armadas ao Poder Moderador da Constituição Federal a Relatório As questões discutidas neste parecer foram recentemente trazidas a lume diante da manifestação de figuras de grande projeção pública na imprensa que defenderam a faculdade de as Forças Armadas realizarem intervenção ar mada para agir como uma espécie de Poder Moderador nos conflitos entre os Poderes Executivo Legislativo e Judiciário1 Essa proposta ganhou notoriedade após a onda de críticas mordazes protestos violentos e movimentos criminosos contra o Supremo Tribunal Federal por parte de alguns círculos sociais exaltados A sugestão de uma intervenção militar constitucional ganhou ainda mais força após a divulgação das falas do Presidente da República na reunião ministerial do dia 22 de abril em que o mandatário faz menção ao art 142 da Constituição Federal como suposta autori zação constitucional para que as Forças Armadas intervenham para restabelecer a ordem no Brasil 1 Ver p ex MARTINS Ives Gandra da Silva Harmonia e independência dos poderes Consultor Jurídico CONJUR 2 de maio de 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020mai 02ivesgandraharmoniaindependenciapoderes e MARTINS Ives Gandra da Silva Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes Consultor Jurídico CONJUR 28 de maio de 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020mai28ivesgandraartigo142constituicao brasileira 2 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr É a redação do dispositivo em questão Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinamse à defesa da Pátria à garantia dos poderes constitucionais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem Segundo os partidários da tese antes exposta a previsão constituci onal de que as Forças Armadas destinamse à garantia dos poderes constituci onais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem conferirlhesia um mandato para agir em defesa da normalidade constitucional atribuição essa que envolveria também a faculdade extraordinária de repor a lei e a ordem a pedido de qualquer um dos Poderes quando indevidamente tolhido de atribuição que lhe é própria pela atuação de outro Poder Dessa forma o art 142 caput conferiria autorização capaz de permitir que as Forças Armadas possam agir em situações extremas como Poder Moderador Entretanto como será demonstrado em seguida tais argumentos não têm qualquer cabimento ou sustentação jurídica A Constituição Federal não confere às Forças Armadas a atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição Federal o que inequivocamente perpassa o princípio da separação dos poderes Ademais falar em um Poder Moderador exercido pelas Forças Armadas não apenas é demonstração de uma hermenêuti ca jurídica enviesada como também é um argumento sem qualquer lastro histó rico Há temas que a OAB possui obrigação legal e histórica de defender como os direitos humanos a democracia e as prerrogativas da advocacia Em diversos momentos da história do Brasil a OAB se manteve contrária à institui ção do poder militar afastando a soberania popular expressada no poder civil Ao editar o presente parecer a OAB mantém a sua tradicional linha histórica É o relatório 3 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr b Parecer I Da inadequação da analogia ao Poder Moderador Duas ordens de considerações devem ser levadas em conta para se rechaçar a pretensão de conferir às Forças Armadas a função de Poder Modera dor a fundamentar sua atuação como árbitro dos conflitos entre os Poderes em nome da garantia da ordem constitucional Em primeiro lugar tratase de inter pretação que se apoia em equivocada leitura da história constitucional brasileira a respeito da concepção de Poder Moderador e da interferência dos militares nos processos políticos Em segundo lugar a tese contraria frontalmente a Constitui ção de 1988 que estabeleceu um modelo institucional de subordinação do poder militar ao poder civil Historicamente de todas as constituições brasileiras a Constituição do Império de 1824 foi a única a prever um Poder Moderador exercido pelo Monarca Sob a inspiração da doutrina de Benjamin Constant o Poder Modera dor seria um poder neutro incumbido de assegurar o equilíbrio e a harmonia en tre os demais poderes Nesses termos previa o artigo 98 da Constituição de 1824 Art 98 O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política e é delegado privativamente ao imperador como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a manu tenção da independência equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Po líticos O Poder Moderador pairava portanto acima dos demais poderes na forma de uma autoridade suprema inviolável e sagrada tal como estabele cia o art 99 que eximia a pessoa do Imperador de qualquer responsabilidade No exercício do Poder Moderador o Monarca estava autorizado entre outras atribuições a dissolver a Câmara dos Deputados para garantir a salvação do Es tado e a suspender magistrados art 101 V e VII 4 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Com a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891 o Poder Moderador deixou de existir adotandose a fórmula de tripar tição de poderes harmônicos e independentes entre si todos obedientes à Constituição art 15 Também foi a partir de 1891 que se consolidou a forma constitucional ou a concepção da Constituição como norma suprema compre ensão essa que se estruturou com base em dois pressupostos i a rigidez cons titucional a exigir um processo mais difícil e rigoroso para a alteração da Constituição ii o controle de constitucionalidade a estabelecer as normas constitucionais como parâmetro de validade de todo o ordenamento jurídico O desaparecimento do Poder Moderador coincide portanto com a adoção do modelo de supremacia constitucional Como consequência os obje tivos de estabilização da ordem jurídica e institucional passam a ser garantidos por mecanismos de resolução dos conflitos políticos que assegurem a autorida de suprema não de qualquer poder mas da própria Constituição Nesse senti do como descreve Christian Lynch ao introduzir o controle difuso de consti tucionalidade os constituintes de 1891 tinham em mente substituir o Poder Moderador pela jurisdição constitucional com a função de arbitrar os conflitos políticos e de zelar pela observância da Constituição2 Como se sabe o controle de constitucionalidade constitui um dos mecanismos de freios e contrapesos que têm o escopo de resolver conflitos e de combater a prática de abusos pelos poderes políticos garantindo o funcio namento harmônico do sistema jurídico e político Em casos de ameaças mais graves à estabilidade institucional a Constituição autoriza o recurso a instru mentos excepcionais como é o caso do estado de sítio e da intervenção federal por meio de procedimentos e regras de competências que também são clara mente estabelecidas pelo próprio texto constitucional 2 LYNCH Christian Edward Cyril O caminho para Washington passa por Buenos Aires Revista Bra sileira de Ciências Sociais Vol 27 n 78 fevereiro 2012 5 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Em nenhum desses mecanismos é dado às Forças Armadas atuar como uma instância decisória suprema localizada acima dos demais poderes ou seja como uma espécie de Poder Moderador Ao contrário como muito bem exposto por Seabra Fagundes com apoio no pensamento de Rui Barbosa as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supre mo o Presidente da República que por sua vez tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição3 Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade Não se desconhece o influente estudo de Alfred Stepan o qual aponta que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atu ado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 19461964 ten do em vista as intervenções militares cirúrgicas nos momentos de graves cri ses nacionais ocorridos em 1954 1955 e 1961 Nessa leitura as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise4 Não obstante a figura de árbitro pressupõe uma perspectiva de neu tralidade e de imparcialidade diante dos negócios políticos que não se compac tua com a crescente politização das Forças Armadas naquele momento histórico seja na sua atuação externa perante os demais Poderes seja nas suas cisões in ternas entre Forças e dentro delas5 Além disso como outros estudos viriam a demonstrar as estreitas vinculações entre setores civis e militares e especial mente entre elites jurídicas e militares pavimentaram o caminho para a consoli dação do regime ditatorial pós19646 3 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 p 12 4 STEPAN Alfred Os militares na politica as mudanças de padrões na vida brasileira Rio de Janei ro Artenova 1975 5 A esse respeito ver CARVALHO José Murilo de Forcas armadas e politica no Brasil Rio de Ja neiro Jorge Zahar 2005 6 PEREIRA Anthony W Ditadura e repressão o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil no Chile e na Argentina São Paulo Paz e Terra 2010 6 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Portanto as interferências das Forças Armadas sobre os processos políticos na história brasileira recente não representam o exercício de um supos to Poder Moderador inexistente no arranjo políticoconstitucional mas demons tram a fragilidade de uma democracia tutelada pelo poder militar que enquanto poder armado deve estar necessariamente subordinado às autoridades civis de mocraticamente legitimadas para o exercício do poder político Não por outra razão com o fim do regime ditatorial pós1964 os constituintes de 1988 se preocuparam em garantir um enquadramento democrá tico às Forças Armadas que desempenham sem dúvida alguma funções da mais alta relevância em nossa ordem constitucional A posição destacada das Forças Armadas no sistema jurídico já era reconhecida pelo saudoso Seabra Fagundes em texto de 1947 sobre a inserção das corporações militares na ordem constitucional sob a Carta republicana de 1946 As Fôrças Armadas constituem em todos os Estados o elemento funda mental da organização coercitiva a serviço do direito Nelas na eficiência da sua estrutura e na respeitabilidade que as envol va repousa a paz social pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na sociedade das nações São portanto os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização dos seus fins Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqüi lidade interna pela estabilidade das instituições É em função do seu po derio que se afirmam nos momentos críticos da vida internacional o prestígio do Estado e a sua própria soberania Pontes de Miranda em seus memoráveis comentários à Constitui ção destacou como ao longo das constituições republicanas não obstante as mudanças de texto mantevese incólume a destinação constitucional das Forças Armadas enquanto instituições projetadas à defesa da Pátria no âmbito externo e à manutenção da lei no âmbito interno Acrescenta ainda o ilustre jurista a obrigação das Forças Armadas de sustentar as instituições constitucionais7 7 DE MIRANDA Pontes Comentários à Constituição de 1967 São Paulo Revista dos Tribunais 19671968 p 393 7 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Interpretar as funções e as competências das Forças Armadas dentro dos marcos democráticos e do império da lei é postura que somente valoriza a importante missão constitucional que desempenham E é postura compartilhada pela expressiva maioria dos integrantes das três Forças que mantêm inabalável compromisso com a legalidade e rechaçam os discursos de intervenção militar Essa atitude legalista que já se destacou em momentos decisivos da nossa histó ria engrandece as Forças Armadas ao assegurar que elas sirvam sempre e preci puamente à Constituição e não a qualquer governo ou agente político II Da interpretação adequada do art 142 caput da Constituição Federal Assentada a questão do sentido próprio do Poder Moderador e de sua incompatibilidade com o princípio da supremacia constitucional avançase à questão da interpretação escorreita do art 142 caput da Constituição Federal A redação do art 142 caput da Constituição Federal tem diversas finalidades não apenas de reconhecer os poderes e as funções das Forças Arma das como também de limitálos diante de excessos Dessa forma o Constituinte teve o cuidado de consignar a submissão das Forças Armadas à autoridade su prema do Presidente da República e de assentar sua configuração como insti tuições nacionais permanentes e regulares de modo a se submeterem em qual quer tempo aos ditames do sistema constitucional independentemente do gover no pois permanentes e mesmo em contextos excepcionais pois regulares Nesse sentido devese compreender o preceito da disciplina militar estruturante da organização das Forças Armadas como rigorosa submissão à lei tal como expõe Seabra Fagundes Se a elas as Forças Armadas o Estado confere o monopólio da fôrça material se lhes entrega a defesa da sua própria sobrevivência e da tranquilidade dos seus habitantes se somente as chama a intervir nos momentos cruciais da vida coletiva abalada pela agressão exterior ou pela violência interna é óbvio que se impõe criar em correlação com tais circunstâncias rigorosos elementos de su bordinação à lei Nesses elementos repousará a certeza de que o uso das armas não será desvirtuado quer positivamente pela negação do destino constitucional das corporações militares quer negativamente pela ineficiência delas em face da sua missão8 8 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 8 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A estrita obediência à lei é de todo incompatível com uma suposta posição de árbitro ou moderador dos conflitos entre poderes Como instituição que detém o poder das armas as Forças Armadas agem sob o comando das auto ridades competentes e nas hipóteses legalmente autorizadas Removidos tais li mites e condições que sabiamente informam a atuação das corporações milita res expõese a ordem jurídica e política ao risco bem descrito por Seabra Fa gundes o desvirtuamento do uso das armas e a negação da missão constitucional das forças militares Ainda na linha da existência de limites constitucionais à atuação das Forças Armadas ensinam Conrado Hübner Mendes e Rafael Mafei que a Cons tituição Federal de 1988 teve a preocupação muito expressa de ao afirmar a so berania popular consignar que o poder seria exercido por seus representantes portanto civis rompendo com o modelo civilmilitar que mostrava suas caras em diversas facetas do regime anterior O poder político segundo a Constituição emana do povo e será exercido por seus representantes eleitos ou diretamente art 1º jamais por meio de lideranças militares As Forças Armadas têm papel primordial no arranjo constitu cional brasileiro Servem à defesa nacional e à garantia dos poderes constitucionais mas funcionam sempre sob a auto ridade suprema o adjetivo não é à toa do presidente da República Em situações de grave comoção social podem atuar para a garantia da lei e da ordem quando as instituições regular mente encarregadas de fazêlo não possam por qualquer ra zão cumprir a tarefa a contento Mesmo nesses casos porém agem sempre por iniciativa dos poderes civis CF art 1429 9 MENDES Conrado Hübner e QUEIROZ Rafael Mafei Não existe intervenção militar constitucio nal Folha de São Paulo 30 de maio de 2018 Disponível em httpswww1folhauolcombropiniao201805conradohuebnermendeserafaelmafeirabelo queiroznaoexisteintervencaomilitarconstitucionalshtml 9 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A interpretação que confere às Forças Armadas a atribuição de um Poder Moderador ao contrário ignora os limites constitucionais a elas impostos para livrálas de qualquer controle constitucional tornandoas a intérprete má xima da Carta Cidadã especialmente no que atine à repartição de atribuições entre os Poderes Executivo Legislativo e Judiciário Ignora ademais que os conflitos entre os poderes devem ser resol vidos pelos mecanismos de freios e contrapesos devidamente regulados pelo tex to constitucional ao estabelecer controles recíprocos entre os poderes A siste mática de freios e contrapesos checks and balances foi originalmente consa grada pela Constituição dos Estados de Unidos de 1787 e objeto de lúcida e vi gorosa defesa nos artigos federalistas notadamente no Article 51 de autoria de James Madison que constitui texto seminal sobre o tema Nesse escrito Madison demonstrou que o caminho para se bloquear abusos perpetrados por qualquer poder do Estado era conceber a estrutura in terna do governo de tal modo que as suas partes constituintes possam através de suas relações mútuas constituir os meios de manterse umas às outras em seus devidos lugares10 Em expressão de singular felicidade acrescenta James Madison que o verdadeiro meio de embaraçar que os diferentes poderes se não vão sucessi vamente acumulando nas mesmas mãos consiste em dar àqueles que os exercita rão meios suficientes e interesse pessoal para resistir à usurpação11 afirmação essa que jamais deve se confundir com a absurda hipótese de uma intervenção externa mormente quando efetuada pela força das armas Os mecanismos de freios e contrapesos dos quais o controle judici al é um exemplo são adequados e suficientes para solucionar eventuais conflitos entre os poderes e para encontrar as respostas preconizadas pelo texto constitu cional Não há que se cogitar portanto da hipótese esdrúxula de se atribuir às Forças Armadas função ofensiva ao princípio da separação de poderes e à lógica de resolução de conflitos a ele inerente 10 MADISON James HAMILTON Alexander JAY John Os artigos federalistas 1787 1788 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 11 Idem 10 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr A ideia de intervenção militar constitucional se incompatibiliza com o próprio cerne da separação dos poderes opondose ao princípio fundamental de que os meios de defesa em matéria de repartição de competências e de esta belecimento de freios e contrapesos devam ser sempre proporcionais aos peri gos de ataque Reconhecer às Forças Armadas o papel de interventor é medida que põe em gravíssimo risco toda a estrutura básica de um sistema democrático Se os mecanismos de freios e contrapesos oferecem os instrumentos necessários à resolução de conflitos entre os poderes em tempos de normalidade em situações de crises agudas que ameacem a própria sobrevivência das institui ções do regime democrático e da ordem constitucional a possibilidade de re curso a medidas extremas também é regulada pela própria Constituição Tratase do nosso sistema constitucional de crises ou sistema de emergência que com preende os institutos do estado de sítio estado de defesa e intervenção federal Como muito bem explanado pelo eminente Ministro do STF Ricar do Lewandowski em texto recentemente publicado os sistemas de emergência podem ser de dois tipos rígidos ou flexíveis No primeiro caso as medidas ca bíveis para retornar à normalidade são estritamente definidas e especificadas no texto constitucional Já o sistema flexível adota a fórmula de concessão de am plos poderes à autoridade competente autorizada a tomar todas as providências necessárias para debelar a crise sem se ater a medidas predeterminadas12 A ordem constitucional de 1988 tal como conclui o Ministro adota o sistema de emergência de tipo rígido13 Assim para cada instrumento excepci onal previsto pela Constituição são definidas as hipóteses de cabimento os pro cedimentos de decretação os prazos de duração e as medidas autorizadas que devem ser interpretadas de forma estrita notadamente aquelas que envolvem restrições a direitos e garantias constitucionais 12 LEWANDOWSKI Ricardo A garantia da lei e da ordem em crises de maior envergadura Folha de São Paulo 2 de junho de 2020 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder202006a garantiadaleiedaordememcrisesdemaiorenvergadurashtml 13 Idem 11 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Para além dos institutos já mencionados em situações de gravidade que ameacem a segurança pública a Constituição autoriza nos termos do art 142 caput a convocação das Forças Armadas por iniciativa de qualquer dos poderes constitucionais para a garantia da lei e da ordem Tratase de hipótese também gravada pela excepcionalidade e pela estrita observância dos requisitos e procedimentos legais previstos e regulados pela Lei Complementar 971999 Vale atentar novamente ao texto da norma inscrita no art 142 da Constituição Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanen tes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disci plina sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinamse à defesa da Pátria à garantia dos poderes constitu cionais e por iniciativa de qualquer destes da lei e da ordem Ao tratar da possibilidade de atuação das Forças Armadas para ga rantia da lei e da ordem a Constituição flexibiliza o comando que atribui ao Pre sidente autoridade suprema sobre as corporações militares Não cabe às Forças Armadas agir de ofício sem serem convocadas para esse fim Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva compe tência para realizar tal convocação De modo expresso a Constituição estabe lece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condi cionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos A provocação dos po deres se faz necessária e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto Ademais o emprego das Forças Armadas nas operações de garantia da lei e da ordem observa rígidos pressupostos estabelecidos pela legislação Nesse sentido a Lei Complementar 971999 exige i o esgotamento dos ins trumentos normais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pes soas e do patrimônio art 15 2º ii a demonstração de que os instrumentos precipuamente incumbidos da segurança pública se mostram inexistentes indis poníveis ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão art 15 3º iii a delimitação temporal e territorial da operação que deve se ater à finalida de prevista art 15 4º 12 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Dessa forma o sentido de garantia da lei e da ordem presente no art 142 caput da Constituição Federal já tem uso consolidado na prática equi valendo às operações em resposta a graves situações de perturbação da ordem quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública Com is so em nada guarda relação com a intervenção em outros Poderes como inade quadamente sugerido pelos defensores da figura da intervenção militar constitu cional E não apenas isso Temse nos termos da legislação de regência que a garantia da lei e da ordem será sempre desempenhada com limites claros no ato de autorização redigido pelo Presidente da República e contará com rigo roso e amplo controle legislativo e jurisdicional Cabe ainda ressaltar que a malsinada interpretação do art 142 ca put capaz de reconhecer a intervenção militar constitucional em defesa da sepa ração dos poderes também ocasionaria um paradoxo insolúvel pois frontalmen te incompatível com outros dispositivos constitucionais que se referem à organi zação e ao funcionamento das Forças Armadas É princípio básico da hermenêutica constitucional a figura da uni dade da Constituição que orienta que a interpretação do texto constitucional seja conduzida em sua totalidade e sistematicidade e não parceladamente como en sina o Professor Inocêncio Mártires Coelho em obra de referência Segundo essa regra de interpretação a unidade da Constitui ção as normas constitucionais devem ser vistas não como nor mas isoladas mas como preceitos integrandos num sistema uni tário de regras e princípios que é instituído na e pela própria Constituição Em consequência a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade do que resulta por outro lado que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra até porque relembrese o círculo hermenêutico o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes14 14 COELHO Inocêncio Mártires Interpretação Constitucional 3ª ed São Paulo Saraiva 2007 p 101 13 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Assentada a necessidade de se compreender a dicção do art 142 caput no contexto de todo o sistema constitucional temse que é necessário si tuálo ao lado de outros dispositivos constitucionais como o art 2º e o art 84 XIII assim redigidos Art 2º São Poderes da União independentes e harmônicos entre si o Legislativo o Executivo e o Judiciário Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República XIII exercer o comando supremo das Forças Armadas nomear os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica promover seus oficiaisgenerais e nomeálos para os cargos que lhes são privativos Como se pode ver da redação do art 84 XIII da Constituição Fe deral as Forças Armadas na estrutura constitucional de 1988 não estão estabe lecidas como um quarto poder mas estão expressamente submetidas ao co mando supremo do Presidente da República no marco do Poder Executivo Essa circunstância aliás está reconhecida expressamente no próprio art 142 caput da Constituição Federal ao indicar que os militares estarão sob a autoridade suprema do Presidente da República Como ensina Miguel Seabra Fagundes a submissão das Forças Armadas à Presidência da República é característica necessária do sistema pre sidencialista de governo a exigir a unidade do Poder Executivo No Presidente da República delega o povo o exercício do Poder Executivo É que na concepção presidencialista do govêrno o Poder Execu tivo exige unidade Temse que se o exercício da função legife rante implicando debate acarreta multiplicidade de agentes a função executiva destinada à execução pronta e eficiente das leis supõe unidade Fazemse repousar nesta as bases duma execução enérgica e eficiente por oposição à execução fraca a que aludia Hamilton que não é outra coisa senão uma execu ção má própria dos órgãos colegiais15 15 FAGUNDES Miguel Seabra As Fôrças Armadas na Constituição RDA 91947 p 129 julset 1947 p 16 14 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr Nesse contexto compreender que as Forças Armadas inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo sob o comando do Presidente da República poderiam intervir nos Poderes Legislativo e Judiciário para a pre servação das competências constitucionais estaria em evidente incompatibilida de com o art 2º da Constituição Federal que dispõe sobre a separação dos po deres Afinal com isso estabelecerseia uma hierarquia implícita entre o Poder Executivo e os demais Poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições Dando continuidade ao raciocínio a interpretação aqui questionada autorizaria se chegar à absurda conclusão em última análise de que qualquer conflito entre os Poderes estaria submetido à autoridade suprema do Presidente da República pois mediado pelas Forças Armadas que desempenham suas ati vidades sob seu comando E essa interpretação ao estabelecer hierarquia entre os Poderes traria importantes e graves riscos para o princípio da supremacia constitucional Ademais cabe lembrar que a Constituição em seu art 102 afirma competir ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constitui ção Isso significa que ao Poder Judiciário e ao fim e ao cabo ao Supremo Tri bunal Federal cabe interpretar o Texto Constitucional por meio dos mecanis mos institucionais que a própria Lei Fundamental estabeleceu Tendo sido esta a disciplina traçada pelo constituinte inviável a tese da autoridade suprema do Chefe do Poder Executivo e por maior razão das Forças Armadas Por todo o exposto é evidente a inconstitucionalidade da propos ta de intervenção militar constitucional com base no art 142 da Constituição Federal supostamente voltada a reequilibrar conflitos entre os Poderes 15 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Procuradoria Constitucional SAUS Quadra 05 Lote 01 Bloco M Ed Sede Conselho Federal da OAB BrasíliaDF CEP 70070939 Tel 61 21939818 21939819 Email pcoaborgbr wwwoaborgbr c Conclusão Diante dos apontamentos apresentados concluímos pela inexistên cia do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas bem assim pela inconsti tucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício indepen dente dos Poderes da República Brasília 2 de junho de 2020 Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky Presidente Nacional da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais Gustavo Binenbojm Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais