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Direito Administrativo

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Número 2 maiojunhojulho de 2005 Salvador Bahia Brasil REFORMA DO ESTADO FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PÚBLICO E PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público serviços de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias públicoprivadas Prof Paulo Modesto Professor de Direito Administrativo da UFBA e CCJB Presidente do Instituto de Direito Público da Bahia Membro do Ministério Público Conselheiro Técnico da Sociedade Brasileira de Direito Público Membro do Conselho de Pesquisadores do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado Ex Assessor Especial do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado do Brasil Editor do site wwwdireitodoestadocombr Email pegmnetgmailcom Sumário 1 Introdução 2 Repartição das Esferas de Ação do Estado e da Sociedade quebra do modelo de soma zero 3 Noção de Serviço Público 31 Conceito de Serviço Público na Constituição Federal de 1988 32 Conceito de Serviço Público na Doutrina 4 Conceito de Serviço de Relevância Pública 5 Os Serviços de Exploração Econômica 6 Reforma do Estado e Transformações da Atividade de Prestação de Serviços pelo Estado 7 As Parcerias PúblicoPrivadas sentido amplo e restrito 8 As Parcerias PúblicoPrivadas na Lei nº 110792004 9 As Parcerias PúblicoPrivadas nos Serviços de Relevância Pública e as Concessões Administrativas 10 Conclusão 1 INTRODUÇÃO Reformar o Estado pressupõe identificar com clareza as formas de atuação do Estado Tratase de uma tarefa técnica mas com ampla repercussão política e prática Nada obstante parece inevitável reconhecer que a doutrina brasileira de direito público não tem conseguido oferecer um quadro explicativo suficientemente abrangente e atualizado para os distintos modos de prestação Dedicado ao ilustre Prof Diogo Figueiredo Moreira Neto jurista inquieto querido amigo por se manter sensível aos temas da Reforma do Estado censurando os modismos mas perquirindo sempre renovadas formas de ação jurídica pública insatisfeito com a monótona sinfonia da tradição sobretudo numa sociedade injusta e desigual como a sociedade brasileira de nossos dias 2 pelo Estado de serviços ao cidadão Em geral nessa como em outras matérias a doutrina dominante tem manifestado preferência por classificações binárias De fato é usual que conceitos técnicos relevantes do direito público brasileiro sejam enunciados em duplas Dicotomias como serviço públicoatividade de exploração econômica ato vinculadoato discricionário cargo efetivocargo de confiança entre muitas outras são apresentadas como adequadas e suficientes para a tradução do direito vigente A observação da ordem jurídica positiva revela no entanto que algumas dicotomias tradicionais mostramse hoje excessivamente simplificadoras Mais a adoção de dicotomias rígidas associada à ausência de uma classificação adequada das atividades do Estado tem contraditado normas constitucionais expressas e produzido frequentemente incompreensões e bloqueios a novas experiências de reforma da atividade pública tornando árdua e insegura a implantação de novos modelos de gestão e a própria aplicação do direito vigente Este trabalho pretende problematizar de forma simples e direta a mais relevante dentre as dicotomias tradicionais a dicotomia serviço públicoatividade de exploração econômica a partir dos marcos da Constituição Federal do Brasil com vistas a determinar as possibilidades de estabelecimento de parcerias públicoprivadas em atividades distintas dos serviços públicos e dos serviços de exploração econômica Esse corte temático em favor das atividades de prestação administrativa afastará num primeiro momento o texto da análise de alguns setores da atividade do Estado em especial a atividade de fomento público e de polícia ou limitação administrativa mas oferece como vantagem um detalhamento maior do setor onde a atividade do Estado tem sofrido transformações mais radicais os serviços públicos as atividades de relevância pública e as atividades de exploração econômica Esses três conceitos denotam atividades de prestação de serviços ao cidadão relevantes para qualquer programa de reforma do Estado a ser implantado no Brasil nos próximos anos 2 REPARTIÇÃO DAS ESFERAS DE AÇÃO DO ESTADO E DA SOCIEDADE QUEBRA DO MODELO DE SOMA ZERO A dicotomia serviço públicoatividade de exploração econômica tem base na clássica dicotomia entre EstadoSociedade e entre interesse públicointeresse privado De fato como em outros países é tradicional no direito administrativo brasileiro a identificação entre os órgãos do Estado e as tarefas públicas Segundo este paradigma a administração pública de todos os Poderes nas diversas unidades da Federação monopoliza a prestação de serviços de natureza pública Por outro lado os particulares são detentores do domínio sobre a atividade econômica em sentido estrito cumprindo ao Estado tarefas de agente normativo e regulador da atividade econômica com funções de fiscalização incentivo e planejamento Ao Estado é vedado substituir os particulares na atuação direta na economia salvo em casos excepcionais envolvendo a segurança nacional ou a relevante interesse coletivo definido em lei Os particulares podem exercitar atividades públicas apenas como delegados do Estado 3 Tratase de modelo de soma zero as atividades são qualificadas como atividades públicas ou privadas por um lado e de interesse público ou de interesse privado por outro Tertium non datur É possível a modificação de fronteiras a ampliação da esfera de atividade privada ou a assunção pelo Estado de novas esferas de ação na área econômica Mas não há zona híbrida zona cinzenta ou zona de convergência entre o que compete como próprio ao Estado e o que compete ordinariamente aos particulares As fronteiras são consideradas nítidas com clara repercussão sobre o regime jurídico da atividade em cada caso sem maiores ressalvas VITAL MOREIRA em trabalho de mérito1 explicitou didaticamente os termos desta metáfora espacial de cariz nitidamente liberal Na representação liberal o Estado detinha o monopólio do público e a administração pública era a administração estadual Estabelecer a fronteira entre o Estado e a sociedade era o mesmo que estabelecer a divisória entre a administração pública e os particulares A administração pública relevava do Estado Os particulares eram administrados não podiam ser administração nem compartilhar dela A relação entre as esferas do Estado e da sociedade do público e do privado da Administração e dos particulares era claramente representada mediante uma metáfora espacial Birkinshaw Harden Lewis 1990 281 representando duas áreas separadas por uma fronteira O crescimento da actividade do Estado a ampliação da administração pública fizeram deslocar a fronteira mas não levaram a alterar o paradigma Podia variar a proporção relativa de cada área não a idéia de dicotomia e da fronteira Na versão liberal teríamos o Estado mínimo e a sociedade civil máxima na versão do Estado totalitário teríamos o Estado máximo e a sociedade civil mínima Tratase somente de dois extremos de um continuum que no Estado social do capitalismo avançado fez aumentar substancialmente a esfera do Estado e da administração sem com isso se aproximar da versão dos Estados totalitários protagonizada pelos fascismos e pelos socialismos de Estado As mudanças na fronteira eram por princípio de soma zero o que era apropriado pelo Estado deixava de pertencer à sociedade No trabalho citado VITAL MOREIRA oferece um esquema gráfico da metáfora espacial que isola as atividades em públicas e privadas No Estado Social no entanto o esquema já admite a existência de uma zona híbrida isto é a ruptura com o modelo dicotômico de repartição entre atividades públicas e privadas inerente à representação liberal O esquema gráfico do ilustre professor é reproduzido aqui por seu evidente caráter didático com emprego da linguagem original em que foram produzidos 1 MOREIRA Vital Administração Autónoma e Associações Públicas Coimbra Coimbra Editora 1997 p 24 4 Sem embargo do que vem de ser dito no Brasil segundo o saber convencional a Constituição da República parece reforçar o caráter explicativo do modelo clássico de separação entre atividades públicas e privadas modelo de soma zero ao separar com enunciados expressos no interior do Título VII dedicado à disciplina da ordem econômica e financeira as atividades de serviço público art 175 e de exploração direta de atividade econômica art 173 Segundo o teor do art 175 da Constituição Federal a prestação de serviços públicos incumbe ao Poder Público na forma da lei diretamente ou sob regime de concessão ou permissão sempre através de licitação As empresas privadas somente podem atuar na esfera dos serviços públicos como delegadas do Estado sujeitas às cláusulas de contratos de concessão e permissão de serviço à observância dos direitos dos usuários à política tarifária e à obrigação de manter serviço adequado O Estado atua nesta esfera em caráter ordinário sem autorização especial implementando direito próprio e encargo original do Poder Público Os particulares atuam em caráter excepcional como delegados do Poder Público sem direito próprio sob a tutela constante do Estado O regime jurídico da atividade é legal estatutário ou de direito público cabendo à lei disciplinar as condicionantes fundamentais da prestação dos serviços O ingresso de empresas privadas na prestação dessas atividades pressupõe licitação pública assegurandose o princípio da igualdade na concorrência dos particulares ao recebimento desta delegação do Estado Reversamente ao tratar da atividade econômica em sentido estrito sob a denominação de exploração direta de atividade econômica a Constituição Federal estabeleceu fortes restrições à atuação do Estado admitindoa apenas quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conformes definidos em lei art 173 ou ainda por imposição constitucional de monopólios vg CF art 177Nesta esfera de atuação os 5 particulares atuam por direito próprio de modo ordinário sem delegação do poder público Não precisam recorrer à licitação pública para assegurar o exercício da atividade pois é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei art 170 parágrafo único da CF O Poder Público entretanto atua nesta esfera em caráter excepcional por autorização especial da lei sujeito ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários art 173 1º II Em diversas situações é certo a Constituição Federal expressamente incumbiu ao Poder Público o desempenho de atividades econômicas em regime de monopólio ou de concorrência No art 177 por exemplo indica diversas atividades econômicas como monopólio da União entre elas a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro Mas reconhece à lei observadas as exigências de segurança nacional ou relevante interesse coletivo a possibilidade de autorizar o Estado a atuar como protagonista em outras atividades econômicas conquanto em concorrência com os demais particulares e sob o regime predominante de direito privado2 Em geral entendese que o mesmo ocorre com os serviços públicos a Constituição Federal em diversas normas qualifica diversas atividades como serviços públicos de persecução obrigatória art 21 incisos X XI XII XV e XXIII 22 V 25 2º 30 V mas não esgota a descrição das atividades em que o Estado pode prestar serviços em regime de serviço público3 2 A prestação direta pelo Estado de atividade econômica em sentido estrito nunca é inteiramente regida pelo direito privado Em verdade embora não o explicite o art 173 da Constituição Federal mesmo quando atua na exploração direta da atividade econômica o Poder Público permanece sujeito a normas derrogatórias do direito privado igualmente impostas pela Constituição da República por exemplo a obrigação de realização de concursos públicos para ingresso dos empregados das estatais art 37 II a sujeição das empresas estatais à prestação de contas perante o Tribunal de Contas art 70 a sujeição à exigência de licitação para compras e contratos art 37 XXI cc art 173 a limitação da remuneração do pessoal administrativo e dos dirigentes que deve ser ajustada ao teto de remuneração do Poder Executivo quando a entidade receba do Poder Público recursos para pagamento de pessoal ou custeio art 37 XI cc art 37 9º limitação à acumulação de cargos e empregos art 37 XVI cc art 37 XVII e proventos art 37 10º entre outras exigências 3 FERNANDO HERREN AGUILLAR em posição minoritária defende que a lei não pode qualificar como serviços públicos atividades que a Constituição Federal não qualificou sendo necessário aprovar emenda constitucional para restringir o campo de atuação dos particulares na esfera econômica Segundo o autor se o Estado não pode o menos exercer atividade econômica em regime de concorrência sem lei prévia que o autorize ou sem que sejam supridos os demais requisitos constitucionais não pode também o mais exercer atividade econômica em regime de privilégio sem satisfazer exigências constitucionais Cf Controle Social dos Serviços Públicos São Paulo Ed Max Limonad 1999 p 133 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO embora fiel também à concepção legalista conclui de forma oposta ao sustentar que é o Estado por meio da lei que escolhe quais as atividades que em determinado momento são consideradas serviços públicos isto exclui a possibilidade de distinguir mediante critérios objetivos o serviço público da atividade privada esta permanecerá como tal enquanto o Estado não a assumir como própria Cf Curso de Direito Administrativo 17 ed São Paulo Ed Atlas 2004 p 99 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO participa também da corrente legalconvencionalista mas com matizes peculiares averbando com a 6 Esse quadro explicativo da lei fundamental correto em seus termos essenciais quando apresentado com pretensões de abarcar todas as hipóteses de prestação de serviços ao cidadão modelo dicotômico de repartição das tarefas de prestação contrasta com normas expressas da Constituição Federal de 1988 e simplifica em excesso a complexidade do sistema legal vigente No Brasil há previsão constitucional explícita de atividades nas quais de forma simultânea os particulares atuam com liberdade de iniciativa sob regime de direito privado e sem delegação do Poder Público e o Estado atua em caráter obrigatório submetido a regime de direito público ou privado sem qualquer poder de outorga Situações de convergência nas quais os particulares atuam em caráter ordinário e o Estado atua também em caráter ordinário sem qualquer exigência de prévia autorização especial da Lei decorrente de razões de segurança nacional ou relevante interesse coletivo São situações em que tanto a atuação do Estado quanto dos particulares é estimulada fomentada permitindo formação de parcerias sem a necessidade de autorização de serviço concessão de serviço ou permissão de serviço público Situações nas quais pode o particular desenvolver atividade de interesse público sem necessidade de prévia licitação pública desde que nenhum benefício exclusivo lhe seja outorgado ou que lhe sejam outorgados apenas benefícios padronizados acessíveis a todos Essas atividades não podem receber em termos objetivos e formais o enquadramento jurídico de atividades de serviço público Essas atividades por outro lado mesmo quando desempenhadas por particulares em regime de livre iniciativa sujeitamse a normas detalhadas e a controle do Poder Público de forma mais intensa do que a prevista para a atividade de exploração econômica Sujeitamse inclusive a atuação do Ministério Público na tutela de direitos fundamentais assegurados na Constituição da República CF art 129 II Nestas hipóteses o Estado não atua de modo suplementar da iniciativa privada mas por dever legal ou constitucional clareza costumeira que é realmente o Estado por meio do Poder Legislativo que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade desde que respeite os limites constitucionais Afora os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional outros podem ser assim qualificados contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à ordem econômica as quais são garantidoras da livre iniciativa É lógico entretanto que em despeito desta margem de liberdade não há para o legislador liberdade absoluta À falta de uma definição constitucional há que se entender que o constituinte se remeteu ao sentido comum da expressão isto é ao prevalente ao lume dos padrões de cultura de uma época das convicções predominantes na Sociedade Curso de Direito Administrativo 17ªed São Paulo Ed Malheiros 2004 p 63940 MARCAL JUSTEN FILHO de forma semelhante mas com elementos também peculiares reconhece a possibilidade de o legislador infraconstitucional qualificar novas atividades como serviço público mas condiciona a legitimidade desta decisão à referibilidade do serviço à realização da dignidade da pessoa humana e a políticas fundamentais Teoria Geral das Concessões de Serviço Público São Paulo Dialética 2003 p 48 EROS ROBERTO GRAU por sua vez rompendo com a concepção convencionalista defende um regresso à noção sociológica de DUGUIT a partir da Constituição fixando critério material para definir atividade econômica e serviço público interesse social exige a prestação de serviço público o relevante interesse coletivo e o imperativo da segurança nacional o empreendimento de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado Cf A Ordem Econômica na Constituição de 1988 7ªed São Paulo Ed Malheiros 2002 p 162 Segundo esse autor em posição minoritária na doutrina brasileira determinada atividade fica sujeita a regime de serviço público porque é serviço público não o inverso como muitos propõem ou seja passa ser tida como serviço público porque assujeitada a regime de serviço público idem p 149 7 Nestas atividades seria impróprio aplicar consequentemente o enquadramento jurídico de atividades econômicas em sentido estrito Essas atividades de regime jurídico peculiar são os serviços de relevância pública referidos expressamente na Constituição Brasileira em duas passagens art 129 II e art 197 mas cujo regime pode ser extraído de um número significativo de normas São atividades sociais em que a atuação do Estado é obrigatória e a atuação do particular ocorre por direito próprio assistência à saúde educação produção e proteção cultural desporto defesa do meio ambiente pesquisa científica e tecnológica entre outros setores Em geral a doutrina brasileira mais acatada simplesmente desconsidera o fato da Constituição Federal nominar esses serviços sociais em termos objetivos como serviços de relevância pública continuando a enquadrar essas atividades na categoria dos serviços públicos não privativos quando desempenhados pelo Estado e atividades privadas econômicas sujeitas à livre iniciativa e ao direito da concorrência quando prestadas por particulares CELSO ANTÔNIO Há também quem as enquadre como serviços públicos próprios quando prestadas pelo Estado e serviços públicos impróprios quando prestadas por particulares sujeitos ao poder de polícia do Estado MARIA SYLVIA Por fim registrese também concepção minoritária que enquadra essa espécie de atividade em qualquer caso quando prestada por particulares ou pelo Estado simplesmente como atividade de serviço público EROS GRAU Entendo entretanto com o máximo respeito pelas posições divergentes que o enquadramento dos serviços de relevância pública no conceito de serviço público vinculado a critério estritamente orgânico ou subjetivo introduz no tema contradições conceituais e problemas de ordem prática que não podem ser desconsiderados Em primeiro lugar por adotar implicitamente o modelo dicotômico de repartição de atividades essa compreensão remete toda a atuação privada na esfera dos serviços sociais para o domínio da exploração econômica Em segundo sujeita o poder público a princípios e normas que inviabilizam ou dificultam a formação de parcerias e instrumentos de cooperação úteis para ampliar a efetividade dos direitos sociais objeto de atenção nesses mesmos serviços Enquadrar todos os serviços de relevância pública sem distinção subjetiva no conceito de serviço público por outro lado é solução ainda mais equivocada pois esgarça o próprio conceito de serviço público tornandoo inútil em termos jurídicos ou de cariz meramente sociológico e afasta dessas atividades sociais entidades privadas sem fins lucrativos que podem contribuir para a garantia concreta de direitos fundamentais pelas classes menos favorecidas da população brasileira O aprofundamento dessa avaliação que sugere a ruptura do modelo de soma zero e a adoção na classificação das atividades de prestação pública em três categorias fundamentais de atividade reclama uma reavaliação do próprio conceito de serviço público no Brasil 8 3 NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO Definir serviço público é demarcar os limites de uso do conceito É estabelecer as fronteiras de sua significação determinar quando é possível utilizálo e quando deve ser recusado o seu emprego Essa demarcação pode ser feita identificando elementos de conotação do conceito estruturadores do seu sentido bem como identificando conceitos divergentes ou contrastantes com o conceito que se quer definir Como é óbvio a primeira via permite uma definição positiva o que o serviço público é a segunda remete a uma definição negativa o que o serviço público não é Se a definição é jurídica deve consultar o direito positivo Em especial o direito positivo nacional a partir da própria Constituição da República Formulações do direito estrangeiro ou do direito internacional podem ser úteis mas devem passar antes pela alfândega da Constituição vale dizer somente podem ingressar no país noções efetivamente em sintonia com a Constituição e sob o filtro da lei fundamental Por isso a Constituição Federal de 1988 será o nosso ponto de partida 31 CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Não há uniformidade sobre o conceito de serviço público no direito positivo ou na doutrina brasileira Na Constituição Federal dois conceitos de serviço público são freqüentemente utilizados o conceito orgânico com significado de aparato administrativo do Estado vg art 37 XIII 39 7º 40 III 40 16º 136 1º II 198 ADCT art 11 19 e 53 e o conceito objetivo que remete a uma modalidade de atividade técnica de natureza pública uma específica atividade estatal ou tarefa administrativa art 21 XIV 30 V 37 6º 54 I a 61 1º II b 139 VI 145 II 175 202 5º 223 241 ADCT art 664 O sentido orgânico o primeiro uso do conceito de serviço público pode ser facilmente reconhecido nos arts 37 XIII e 39 7º da Constituição Federal litterim Art 37 XIII é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público Art 39 7ºLei da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com 4 Cf MODESTO Paulo Convênio entre entidades públicas executado por Fundação de Apoio Serviço de saúde Conceito de serviço público e serviço de relevância pública na Constituição de 1988 Forma da prestação de contas das entidades de cooperação após a Emenda Constitucional n 1998 Revista Diálogo Jurídico Salvador CAJ Centro de Atualização Jurídica nº 11 fevereiro 2002 Disponível na Internet httpwwwdireitopublicocombr Acesso em 11 de fevereiro de 2002 Texto publicado originalmente na Revista Trimestral de Direito Público RTDP São Paulo Ed Malheiros n 28 1999 pp 109128 9 despesas correntes em cada órgão autarquia e fundação para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade treinamento e desenvolvimento modernização reaparelhamento e racionalização do serviço público inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade O sentido objetivo o segundo uso do conceito que apreende a expressão serviço público como espécie de atividade pode ser identificado em normas diversas a exemplo do art 21 XIV e 37 6º da Constituição Federal Art 21 XIV Art 21 Compete à União organizar e manter a polícia civil a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos por meio de fundo próprio Art 37 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes nessa qualidade causarem a terceiros assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa No âmbito do segundo uso do conceito sentido objetivo podese divisar uma subdivisão relevante nas referências constitucionais à voz serviço público É que a Constituição Federal conquanto ao referir uma específica atividade pública ora restringe o conceito de serviço público a atividades de prestação que atendem a necessidades individuais serviços uti singuli isto é disvisíveis e de fruição singular como no art 145 II ora reconhece aplicável o conceito de serviço público para atividades de prestação que satisfazem necessidades genéricas e não divisíveis em uma coletividade de pessoas como ocorre no art 223 que trata dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens serviços uti universi5 5 FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO em trabalho de mérito comentando o art 145 II da Constituição e por igual as categorias serviço público em sentido amplo e serviço público em sentido restrito emprega outro ângulo de abordagem com resultados consequentemente distintos Segundo o autor a Constituição se refere às duas acepções de serviço público No art 145 II pareceme que o termo serviços públicos passíveis de suportar a instituição de taxas tratase de seu sentido amplo e impróprio esvaziado dos serviços públicos estritos vg aqueles passíveis de exploração econômica Já no art 175 dentro pois do Capítulo da Ordem Econômica o constituinte lançou mão do termo no sentido restrito ou sentido próprio prevendo a prestação de serviços públicos passíveis de exploração pela iniciativa privada mediante delegação específica Só assim se justifica a previsão no inciso III do Parágrafo único deste art 175 de que a Lei estabelecerá a política tarifária Dito doutro modo os serviços públicos referidos na ordem tributária são aqueles desprovidos de natureza econômica porquanto sinônimos de atuação estatal impassível de delegação remuneráveis pela espécie tributária taxa Já os serviços públicos referidos na Ordem Econômica são aqueles passíveis de exploração econômica ou seja espécie do gênero atividade econômica cuja exploração pode ser trespassada à iniciativa privada e cuja remuneração não poderia ter natureza tributária sendo remunerados por tarifa espécie do gênero preço públicoCf A Nova Regulamentação dos Serviços Públicos Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 janeiro 2004 pág 7 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 7 de março de 2005 A distinção sugerida permitase o atrevimento não convence Se tanto as hipóteses do art 175 quanto as do art 145 da Constituição Federal correspondem à prestação de utilidades concretas escassas e mensuráveis para usar a terminologia do autor então ambas podem ser encartadas no conceito amplo de atividades econômicas categoria genérica cujo alcance abrangeria os conceitos de serviço público e exploração econômica independentemente de sua localização no tecido 10 Em resumo a expressão serviço público na Constituição Federal de 1988 pode ser referida segundo as seguintes categorias conceituais Sentido subjetivo orgânico Serviço Público estrito uti singuli Sentido objetivo formalmaterial amplo uti singuli e uti universi A ampla utilização da expressão serviço público na Constituição Brasileira são mais de vinte as normas que empregam a expressão ora em sentido orgânico ora em sentido objetivo deve servir de advertência contra a assimilação de tendências na doutrina internacional e nacional favoráveis ao abandono da noção em favor do conceito de prestação administrativa ou de serviço de interesse geral ou de serviço de interesse econômico geral RAMON PARADA por exemplo considera a noção de serviço público em crise e pretende a sua substituição pela noção de prestação administrativa Segundo este autor a atividade administrativa de prestação é aquela pela qual a Administração sem limitar nem incentivar a atividade privada satisfaz diretamente uma necessidade pública mediante a prestação de um serviço aos administrados Para este autor o conceito de serviço público é equívoco porque com o termo serviço público não se designa exclusivamente uma forma de atividade administrativa mas também o conjunto dessa atividade e os órgãos da administração como indiferença de que essa atividade seja de prestação de limitação ou de fomento Derecho Administrativo Tomo I 10 ed Madrid Marcel Pons 1998 p 483 e segs constitucional Não é o caráter econômico ou não econômico da prestação administrativa de serviço público que enseja a incidência de taxa ou a aplicação de tarifa pública determinante é fato de a prestação ser desenvolvida pelo Poder Público enquanto unidade de atividade obrigatória para o usuário mensurável em termos individuais vale dizer o seu caráter de prestação administrativa de fruição obrigatória de utilização efetiva ou potencial de natureza específica e divisível O art 145 II da Constituição Federal à semelhança do disposto no art 77 do Código Tributário Nacional não adota um conceito amplo e impróprio de serviço público ao contrário prestigia conceito restritíssimo que denota exclusivamente a prestação direta e imediatamente vinculada a contribuinte obrigatória específica e divisível prestada diretamente pelo Poder Público domínio limitado entre as hipóteses possíveis de prestação de serviço público Essa orientação é reiterada na jurisprudência dos tribunais superiores basta conferir por exemplo no Supremo Tribunal os enunciados das Súmulas 670 O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa e 274 É inconstitucional a taxa de serviço contra fogo cobrada pelo Estado de Pernambuco Essa conclusão decorre também do caráter tributário da taxa que pode ser exigida mesmo sem a efetiva fruição do serviço público basta a mera disponibilidade do serviço ou a denominada utilização potencial e reclama disciplina de estrita legalidade somente pode ser instituída por lei não por contrato o que não ocorre com as tarifas exigidas pelos concessionários de serviço público Sobre o conceito tributário de serviço específico e divisível conferir art 79 do CTN Esse dabate porém salvo melhor juízo apresenta interesse especial para o direito tributário mas escasso relevo para o direito administrativo pois tanto para a prestação de serviço uti universi quanto para a prestação de serviço uti singuli este último de fruição compulsória ou facultativa o regime jurídico administrativo dos serviços públicos é aplicável com ressalva apenas de derrogações constitucionais 11 CARLOS ARI SUNDFELD de outra parte na doutrina brasileira considera que ultrapassada a era do Estadoempresário e iniciada a do Estadoregulador diante da admissão pela legislação brasileira de hipóteses de exploração em regime privado de atividades antes qualificadas como serviço público essa noção deve ser substituída pela noção de serviços de interesse econômico geral à semelhança do que consta da Carta Européia dos Serviços de Interesse Geral mais consentânea com o fenômeno da globalização Direito Global São Paulo Ed Max Limonad 1999 p 161 Considero todavia que essas orientações não atendem a especificidade do sistema jurídico brasileiro altamente complexo que reparte a atividade de prestação do Estado e de particulares em atividades de serviço público serviços de relevância pública e atividades de exploração econômica cada qual com subdivisões relevantes Além disso deixam de perceber que o conceito de serviço público ainda que em processo de evolução e transformação acentuado não pode ser descartado ao menos no Brasil tendo em conta as múltiplas conseqüências de sua aplicação e sua extensa remissão pelo legislador No entanto sem dúvida apontam para a necessidade de generalizações menos ambiciosas e uma preocupação mais direta com o direito positivo patenteando a urgente necessidade de definirse o conteúdo nuclear desta noção e reduzir a ambigüidade que o tema tem conhecido no direito brasileiro 32 CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO NA DOUTRINA Na doutrina administrativa em geral o conceito de serviço público recebe segundo ROBERTO DROMI6 duas interpretações básicas A primeira a interpretação negativa considera a noção em crise e pretende a sua substituição pela noção de prestação administrativa ou outra designação genérica adotada em termos convencionais A segunda a interpretação positiva pode ser subdividida segundo DROMI em três leituras a máxima serviço público é toda a atividade do Estado cujo cumprimento deve ser assegurado regulado e controlado b média serviço público é toda a atividade da Administração Pública c mínima serviço público é uma parte da atividade administrativa Na doutrina brasileira no entanto são poucos os que continuam a advogar o conceito máximo ou amplíssimo de serviço público para designar toda a atividade do Estado ou da Administração Pública 6 Cf Derecho Administrativo 4 ed Buenos Aires Ediciones Ciudad Argentina 1995 p 529 12 O conceito de serviço público é apresentado na doutrina brasileira segundo diferentes critérios serviço público em sentido amplo restrito objetivo subjetivo formal próprio impróprio geral específico originário ou congênito e derivado ou adquirido etc No entanto podese perceber que o conceito amplo de serviço público que reunia em si toda a atividade administrativa pública entrou em decadência Em geral os autores contemporâneos não tratam da matéria em sentido amplo nem em sentido orgânico mas em sentido restrito e objetivo procurando especificar o regime jurídico específico da atividade de serviço público e isolála no interior da atividade administrativa do Estado Neste cenário o conceito jurídico de serviço público não pode ser um conceito naturalístico ou essencialista Não parece ser mais admissível no estágio atual do direito administrativo brasileiro admitir a existência de serviços públicos por natureza Não basta mais definilo como todo serviço existencial relativamente à sociedade pois saber o que em cada momento é existencial a uma coletividade é algo impreciso inseguro variável segundo a opinião de cada qual sendo problemático mesmo para ciências nãojurídicas incumbidas de aferir a média das opiniões e sentimentos dos integrantes de uma coletividade O conceito jurídico de serviço público atualmente pressupõe a conjugação de diversos elementos de caracterização exige a determinação de um específico regime jurídico e a demarcação de um campo material onde este regime encontre aplicação Por isso é um conceito objetivo mas também formal e material Primeiro exigese que a atividade corresponda ao desempenho de uma prestação administrativa vale dizer ao oferecimento de uma utilidade concreta fruível direta ou indiretamente pelo administrado mas imediatamente a cargo do Estado ou de seus delegados realizada no exercício da função administrativa Tratase de uma tarefa administrativa de caráter positivo realizada na forma de atividade técnica que satisfaz necessidades coletivas e fundamentais dos cidadãos Essas tarefas de prestação não se confundem com as tarefas jurídicas da administração relacionadas às atividades de limitar regular incentivar ou planejar atos e comportamentos concretos nem se realizam por prestações em dinheiro ou se destinam a realizar os fins essenciais da organização política do Estado O serviço público é atividade dirigida a produzir utilidade material para terceiros não uma atividade jurídica ou de subvençãoestímulo o que aparta as noções de serviço público e poder de polícia por um lado e serviço público e fomento por outro Segundo exigese que a atividade de prestação atenda efetivamente a necessidades públicas administrativas oferecendo utilidades ao público em geral ainda que seu gozo seja individualizado Não é necessário é certo que a atividade de serviço público seja prestada para um usuário determinado sendo possível reconhecer serviço público em atividades em que o número de usuários é indeterminado a exemplo dos serviços públicos de telecomunicações de difusão realizada em canais abertos e os serviços de iluminação e limpeza pública Mas a atividade deve satisfazer necessidades coletivas relevantes para os administrados em geral não se destinando apenas a grupos restritos dentro do corpo social sem repercussão coletiva Por isso é freqüente a associação entre 13 as atividades de serviço público e o atendimento de necessidades essenciais básicas para todos e cada um dos indivíduos de uma coletividade vinculandose a noção de serviço público ao atendimento do princípio da dignidade da pessoa humana Em razão disso quando for ausente o caráter público da atividade isto é quando a atividade não se reportar a necessidades coletivas não deve ser qualificada como serviço público ainda quando guarde proximidade com atividades de serviço público CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO nesse passo exemplifica em termos didáticos Por faltar este caráter de se destinarem à satisfação da coletividade em geral não são públicos exempli gratia os serviços de telecomunicações que interligam apenas as empresas que possuem seus serviços de interconexão e que a isto se destinam Assim também não são públicos os serviços de radioamador pois estes conquanto prestem atividade útil para inúmeras pessoas constituemse para comunicação restrita ao âmbito dos que possuindo tal equipamento propõemse a ingressar neste círculo restrito de intercomunicadores Curso de Direito Administrativo 17ªed São Paulo Malheiros 2004 p 623 De outra parte no direito brasileiro predomina a concepção segundo a qual o conceito de serviço público é aplicável apenas a atividades que satisfazem necessidades de natureza administrativa o que afasta de seu campo de aplicação as atividades estatais de natureza legislativa ou jurisdicional Terceiro o conceito de serviço público exige também a assunção pelo Estado da titularidade exclusiva de determinada atividade de prestação publicatio mediante determinação legal ou constitucional com expressivas repercussões práticas7 Por ser titular cabe ao Poder Público definir as condições do exercício do serviço por particulares inclusive se a delegação terá caráter de exclusividade ou será deferida em regime de competição8 O serviço público é sempre incumbência do Estado como expressamente proclama o art 175 da Constituição A declaração da atividade como atividade pública é feita ordinariamente por lei a sua gestão é feita diretamente pelo Estado e seus entes instrumentais ou por concessionários e permissionários Seguese portanto que não podem ser nomeadas como serviço 7 MARÇAL JUSTEN FILHO embora reconhecendo como fato que o serviço público é de titularidade do Estado sustenta que não é a titularidade do serviço pelo Estado que o qualifica como serviço público mas o oposto o serviço é de titularidade do Estado por ser público Portanto atribuição da titularidade de um serviço ao Estado é decorrência de seu reconhecimento como serviço público Sob o prisma lógico jurídico ainda que não necessariamente sob o prisma jurídico positivo o serviço é público antes de ser estatal Cf deste autor Teoria Geral das Concessões de Serviço Público São Paulo Dialética 2003 p 21 8 Em princípio a outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade ressalvada a inviabilidade técnica ou econômica nos termos do art 16 da Lei Geral de Concessões Tratase de um avanço em relação à concepção tradicional que associava a prestação de serviços públicos com atividade exercida em caráter monopolista Sobre a concorrência na prestação de serviços públicos com ampla revisão da literatura especializada conferir ARAGÃO Alexandre Serviços Públicos e Concorrência Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 janeiro 2004 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 6 de março de 2005 14 público atividades desempenhadas por particulares ainda quando afetem relevantes interesses coletivos se não foram reservadas pela Constituição da República ou por leis ordinárias à titularidade exclusiva do Poder Público Característico do serviço público com efeito é que o Estado assuma a atividade como própria ou de sua titularidade Os serviços públicos são atividades submetidas a uma reserva de titularidade pública Não podem ser consideradas atividades livres à iniciativa do particular É esta a razão para a referência ao instituto da licitação no art 175 da Constituição Federal e o pressuposto necessário do instituto da concessão de serviço público No serviço público a responsabilidade última pela prestação é do Estado Se o particular como delegado abandona a prestação do serviço o Estado deve assumila respondendo por sua continuidade O particular na qualidade de delegado responde diretamente pelos danos que produzir mas o Estado não é irresponsável perante os usuários do serviço Nos serviços públicos em caso delegação de prestação o Estado não é um terceiro indiferente respondendo em última instância pela regularidade do serviço e pela atuação adequada de seus delegados pois mantém a titularidade da atividade Nas atividades em que o Estado não é titular mesmo quando há interesse coletivo não é obrigatória a assunção pelo Estado da responsabilidade de sua prestação A publicatio a titularidade pelo Estado da atividade de serviço público com aplicação obrigatória de regime jurídico especial é traço característico da concepção francesa do serviço público profundamente arraigada no Brasil Em termos opostos nos países anglosaxões do common law os serviços de interesse geral estão sujeitos a uma série de obrigações mas não há publicatio razão pela qual as denominadas public utilities não são equivalentes à noção européia e brasileira de serviço público9 Quarto no serviço público há a submissão total ou parcial da atividade ao regime jurídico de direito público e a princípios específicos vg continuidade mutabilidade igualdade obrigatoriedade De fato nas atividades de serviço público há uma reserva de direito público Essa técnica permite a aplicação de diversas prerrogativas especiais da administração para a satisfação dos interesses gerais expropriação constituição de servidões administrativa sanções administrativas entre outras10 9 JOSÉ MARIA SOUVIRÓN MORENILLA dissertando em profundidade sobre o tema serviços públicos anota Servicio público y publicatio paso a la titularidad del Estado aparecen así en la cultura jurídica europea de raiz francesa indisolublemente unidos Todo lo contrario sucederá en los países anglosajones donde la satisfacción de las necesidades colectivas la configuración de los servicios públicos objeto de diferentes apelativos public services o más frecuentemente public utilities especialmente utilizado para los servicios de red bussiness afected with a public intererest no se vincula a la asunción de los correspondientes servicios de interés general por el Estado sino a una intensa regulación pública de su desarrollo por prestadores privados Cf La Actividad de la Administración y El Servicio Público Granada 1998 p 154 10 O direito positivo brasileiro em normas especiais refere a situações de serviço público submetido ao regime de direito privado Em especial registramse as previsões da Lei 15 Quinto nas atividades nominadas como serviço público há a exclusão da livre ação das pessoas privadas no âmbito dessa atividade ressalvada a possibilidade de atuarem como delegados do Poder Público Serviço público é atividade reservada ao Poder Público com vistas a satisfazer interesses coletivos sob disciplina jurídica peculiar razão pela qual também é dita res extra commercium11 No passado a noção de serviço público era mais nítida Serviço público era todo o serviço prestado pelo Estado elemento subjetivo com vistas à satisfação de necessidades coletivas elemento material sob o regime de direito público elemento formal Mas o tempo fez quebrar dois elementos dessa definição o elemento subjetivo e o formal pelo menos em parte Os particulares passaram a atuar em serviços públicos e o Estado iniciou a atuar em atividades econômicas adotando parcialmente a disciplina do direito privado Falouse então em crise falência fragilidade da noção de serviço público Aos poucos a noção resgatou novamente o seu prestígio desvinculandose de elementos subjetivos e assumindo a característica de conceito objetivo atinente a uma classe de atividades públicas indiferente a quem as exercita Hoje o conceito de serviço público é necessariamente mais restrito para ser operativo Podese definir serviço público neste contexto como a atividade de prestação administrativa material direta e imediatamente a cargo do Estado ou de seus delegados posta concretamente à disposição de usuários determinados ou indeterminados sob regime de direito público das Telecomunicações e da Energia No entanto as atividades nas quais esse conceito heterodoxo é empregado não referem rigorosamente atividades de serviço público e sim atividades privadas submetidas a autorizações modais isto é autorizações condicionadas ao atendimento de específicas obrigações de natureza pública Neste campo respeitando orientações divergentes continuo a considerar que o art 175 da Constituição Federal impõe que o regime das atividades de serviço público seja necessariamente o regime de direito público pois nestas atividades subsiste a submissão a uma política tarifária ditada pelo Poder Público e à disciplina pública inerente às concessões e permissões de serviço público 11 Declarar que alguma atividade é serviço público retius subordinase ao regime jurídico do serviço público constrange restringe limita a órbita de ação livre dos particulares o que exige ao menos declaração legal e determinação conceitual rigorosa Situação semelhante ocorre com a declaração de que determinada atividade privada é serviço público em sentido impróprio Como acentuou com propriedade JUAN CARLOS CASSAGNE lo curioso es que el servicio público impropio no aparece como una excepción al principio de la titularidad privada de la pertinente actividad sino como una mera extensión del régimen jurídico del servicio público própio cuya fuerza expansiva no llega sin embargo a producir una verdadera publicatio Por ese motivo el servicio público impropio existe sólo por extensión al faltarle una de sus notas centrales situación que conduce a prescindir del sistema de la concesión o permiso como presupuesto del otorgamiento del derecho a ejercerlo para sustituirlo por la autorizacion Del carácter excepcional quer particulariza a esta figura se desprende la necesidad de que exista declaración legislativa que establezca que una determinada actividad de titularidad originaria privada se convierta en servicio público y pase a regirse por su régimen jurídico especialmente en lo que atañe a las reglas a que deberá ceñirse la pertinente actividad que exigen una prestación obligatoria regular igualitaria y continua del servicio por parte de los particularesDerecho Admnistrativo Tomo II 7ª ed Buenos Aires Abeledo Perrot 2003 p 29798 No Brasil o conceito de serviços de relevância pública conceito constitucional cumpre funções semelhantes ao conceito de serviço público em sentido impróprio conceito doutrinário mas com muito menor equivocidade e com melhor fundamentação positiva como adiante será explorado 16 em caráter obrigatório igualitário e contínuo com vistas a satisfazer necessidades coletivas sob titularidade do Poder Público12 A adoção de um conceito restrito e operativo de serviço público fora de concepções essencialistas é uma das respostas possíveis para os desafios de uma realidade em constante mutação sócioeconômica Mas não pode significar desatenção a interesses coletivos relevantes presentes em atividades 12 Conferir entre outros trabalhos sobre o tema no direito brasileiro BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Natureza e Regime Jurídico das Autarquias São Paulo Ed Revista dos Tribunais 1968 pp130176 Curso de Direito Administrativo 17 ed São Paulo Malheiros 2004 Serviço Público e sua Feição Constitucional no Brasil in MODESTO Paulo e MENDONÇA Oscar org Direito do Estado novos rumos Tomo 2 São Paulo Max Limonad 2001 GROTTI Dinorá Adelaide Musetti O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988 São Paulo Malheiros 2003 JUSTEN FILHO Marçal Teoria Geral dos Concessões de Serviço Público São Paulo Ed Dialética 2003 Curso de Direito Administrativo 2005 pp 478544 TÁCITO Caio Conceito de serviço público In Temas de Direito Público estudos e pareceres 1º vol Rio de Janeiro Ed Renovar 1997 pp 637642 DALLARI Adilson Abreu Conceito de Serviço Público Revista Trimestral de Direito Público São Paulo n 15 p 112117 1996 JUSTEN Monica Spezia A Noção de Serviço Público no Direito Europeu São Paulo Dialética 2003 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Parcerias na Administração Pública concessão permissão franquia terceirização e outras formas 2ª ed São Paulo Ed Atlas 1997 MEDAUAR Odete Serviço Público Revista de Direito Administrativo n 189 1992 SUNDFELD Carlos Ari Introdução às Agências Reguladoras In Direito Administrativo Econômico São Paulo Malheiros 2000 A Administração Pública na Era do Direito Global In Direito Global São Paulo Ed Max Limonad 1999 p 157168 MOREIRA NETO Diogo Figueiredo Curso de Direito Administrativo 10 ª ed Rio de Janeiro Ed Forense 1994 pp 317333 Mutações nos Serviços Públicos i Mutações nos Serviços Públicos Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 fevereiro 2005 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 7 de março de 2005 O sistema de parceria entre os setores público e privado Execução de serviços através de concessões permissões terceirizações e outros regimes Aplicação adequada desses institutos In Boletim de Direito Administrativo BDA 27581 Ed NDJ fev 1997 GASPARINI Diógenes Direito Administrativo 4ª ed São Paulo Ed Saraiva 1995 pp 208220 BAZILLI Roberto Ribeiro Serviços públicos e atividades econômicas na Constituição de 1988 in Revista de Direito Administrativo V 1 Julho setembro 1994 N 197 Rio de Janeiro Renovar 1991 GRAU Eros Roberto Constituição e Serviço Público In Direito constitucional Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides São Paulo Malheiros 2001 p 250 A Ordem Econômica na Constituição de 1988 7ªed São Paulo Malheiros 2002 KRELL Andréas Realização dos Direitos Fundamentais Sociais Mediante Controle Judicial da Prestação dos serviços Públicos Básicos uma visão comparativa In Revista de Informação Legislativa BrasíliaSubsecretaria de Edições técnicas do Senado Federal N 144 P 239260 1999 p 239 FREITAS Juarez Estudos de Direito Administrativo São Paulo Malheiros 1997 O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais 3ª ed São Paulo Malheiros 2004 AGUILLAR Fernando Herren Controle Social dos Serviços Públicos São Paulo Max Limonad 1999 RUY CIRNE LIMA Princípios de Direito Administrativo 6ªed São Paulo RT 1982 ARAGÃO Alexandre Agências Reguladoras Rio de Janeiro Forense 2002 pp 144156 VILLELA SOUTO Marcos Juruena Direito Administrativo da Economia Rio de Janeiro Ed Lumen Juris 2003 FIGUEIREDO Lucia Valle Curso de Direito Administrativo 6ªed São Paulo Ed Malheiros 2003 p 74 e segs SOUTO Marcos Juruena Villela Direito Administrativo Regulatório 2ªed Rio de Janeiro Ed Lúmen Juris 2004 p 81 e segs ROCHA Carmem Lúcia Antunes Estudo sobre Concessão e Permissão de Serviço Público no Direito Brasileiro São Paulo Saraiva 1996 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 12ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 MARQUES NETO Floriano de Azevedo Concessão de Serviço Público sem Ônus para o Usuário n WAGNER JÚNIOR Luiz Guilherme org Direito Público estudos em homenagem ao Prof Adilson Abreu Dallari Minas Gerais Ed Del Rey 2004 p 332 e segs A Nova Regulamentação dos Serviços Públicos Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 fevereiro 2004 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 7 de março de 2005 17 privadas de interesse público não sujeitas à publicatio isto é à titularidade estatal É possível reconhecer dentro dos marcos da Constituição Brasileira a existência autônoma de obrigações de regularidade continuidade igualdade incidentes sobre serviços de relevância pública como deveres inerentes à essencialidade das atividades exercidas proclamada em lei ou diretamente pela Constituição Esse reconhecimento no entanto é viável sem o artifício de estender para essa categoria de serviços o conceito de serviço público que recolheria assim no seu bojo realidades dispares A Constituição Brasileira em seu art 9º por exemplo após reconhecer o direito de greve e a competência dos trabalhadores para decidir sobre a oportunidade de exercêlo e sobre os interesses que devam por meio dele defender averbou em seu 1º que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade A Lei 778389 que regulou esse preceito constitucional assentou Art 10 São considerados serviços ou atividades essenciais I tratamento e abastecimento de água produção e distribuição de energia elétrica gás e combustíveis II assistência médica e hospitalar III distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos IV funerários V transporte coletivo VI captação e tratamento de esgoto e lixo VII telecomunicações VIII guarda uso e controle de substâncias radioativas equipamentos e materiais nucleares IX processamento de dados ligados a serviços essenciais X controle de tráfego aéreo XI compensação bancária Art 11 Nos serviços ou atividades essenciais os sindicatos os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados de comum acordo a garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade Parágrafo único São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que não atendidas coloquem em perigo iminente a sobrevivência a saúde ou a segurança da população 18 Art 12 No caso da inobservância do disposto no artigo anterior o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis A simples leitura desses dispositivos oferece três conclusões relevantes a o rol de atividades consideradas essenciais no direito positivo brasileiro abrange tanto serviços públicos quanto serviços privados alguns de natureza evidentemente econômica como a compensação bancária e a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos b a obrigação de assegurar a manutenção do atendimento expressão tradicional do princípio da continuidade do serviço público foi autonomizada sendo irrelevante para a sua aplicação o enquadramento da atividade no rol dos serviços públicos ou a publicatio da atividade c a responsabilidade do Poder Público pela prestação dos serviços indispensáveis em caso de violação da lei foi prevista independentemente do fato do serviço constituir atividade de serviço público atividade econômica ou atividade de relevância pública A disciplina do direito de greve dos trabalhadores em geral demonstra que não é necessário dilatar ao ponto do esgarçamento o conceito de serviço público para se resguardar direito sociais relevantes por um lado e por outro que obrigações tradicionalmente consideradas como obrigações de serviço público podem ser autonomizadas e aplicadas a situações variadas independentemente da ordem jurídica considerar determinadas atividades como serviços públicos A jurisprudência trabalhista tem aplicado a legislação da matéria sem qualquer ressalva13 13 Ementa GREVE ABUSIVIDADE ATIVIDADE ESSENCIAL É abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade quando não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço na forma prevista na Lei nº 778389 A atividade desenvolvida pela categoria transporte rodoviário é considerada essencial daí a ilegalidade do movimento porque deflagrado em ofensa à norma legal Recurso ordinário não provido TST Relator MINISTRO MILTON DE MOURA FRANÇA Decisão 12092002 RODC 122 2002 DJ 25102002 Ementa GREVE ATIVIDADE ESSENCIAL AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA AOS USUÁRIOS CONSEQÜÊNCIA DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE FORMAL Em se tratando de greve em atividade essencial as partes em conflito devem assegurar a prestação de serviços indispensáveis às necessidades inadiáveis da população entre as quais indiscutivelmente se insere o atendimento à saúde como expressamente definido pelo parágrafo único do Art 11 da Lei nº 778389 O legislador ao disciplinar o direito de greve nas atividades essenciais impôs como requisito para o seu regular exercício a prévia comunicação dos usuários com antecedência mínima de 72 horas como expressamente estatuído no art 13 do referido diploma legal Não tendo sido atendido esse requisito formal legalmente exigido a conseqüência é a declaração de abusividade da greve consoante expressamente dispõe o art 14 caput da Lei nº 778389 Recurso ordinário parcialmente provido TST Relator MINISTRO MILTON DE MOURA FRANÇA Decisão 08082002 Processo 723697 2001 Publicação DJ 27092002 Ementa GREVE ATIVIDADES ESSENCIAIS A greve como ato jurídico deve sujeitar se à regulamentação legal sendo portanto abusivo o movimento deflagrado sem a observância dos requisitos formais contidos na Lei nº 778389 Por outro lado o direito de greve em atividades consideradas essenciais é condicionado ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade acarretando a inobservância de tal preceito a interferência do Poder Público com a finalidade de assegurar o efetivo cumprimento da lei cabendo para tanto a fixação de multa por 19 Essas considerações abrem espaço para uma reflexão sobre o alcance do conceito de serviço público nas atividades em que embora obrigado a atuar o Estado não assume a responsabilidade em último plano sobre a atividade quando ela é exercida por particulares em regime de liberdade de iniciativa assegurada expressamente pela Lei Fundamental Essa reflexão permite a aceitação de formas variadas de parceria entre o Poder Público e os particulares com e sem fins de lucro no atendimento a necessidades coletivas não assumidas como próprias e exclusivas do Estado pelo direito positivo Não parece adequado aplicar em bloco a essas atividades as obrigações do serviço público Mas também não parece razoável considerálas atividade econômica em sentido estrito desvinculadas completamente dos princípios da continuidade igualdade mutabilidade quando desempenhas por particulares Se for compreendido isto bem como reconhecida a possibilidade de aplicar a estas atividades alguns princípios tutelares estranhos à atividade econômica em sentido estrito são criadas condições para o adequado tratamento do conceito constitucional dos serviços de relevância pública 4 CONCEITO DE SERVIÇO DE RELEVÂNCIA PÚBLICA O conceito de serviço de relevância pública é menos exigente do que o conceito de serviço público São atividades de relevância pública as atividades consideradas essenciais ou prioritárias à comunidade não titularizadas pelo Estado cuja regularidade acessibilidade e disciplina transcendem necessariamente à dimensão individual obrigando o Poder Público a controlálas fiscalizálas e incentiválas de modo particularmente intenso Não há aqui exigência de aplicação obrigatória de todas as obrigações de serviço público tradicionalmente reconhecidas na legislação Nem titularidade exclusiva desses interesses pelo Estado admitindose a livre atuação privada Mas a lei ordinariamente impõe que a fiscalização e regulação dessas atividades pelo Poder Público seja minudente e tutelar sendo assegurando ainda o respeito a princípios constitucionais em especial o princípio da dignidade da pessoa humana Nesta área por exemplo caberia reconhecer a aplicação de princípios freqüentemente associados no direito comparado aos denominados serviços de interesse geral14 Em especial as obrigações de não discriminar usuários a obrigação de cobrar preços razoáveis ou acessíveis e a obrigação de atuar de descumprimento da obrigação de fazer imposta CPC art 461 4º TST Relator MINISTRO RONALDO JOSÉ LOPES LEAL RODC 609069 Decisão 19102000 DJ 01122000 PG 553 14 Sobre o conceito europeu de serviço de interesse geral ou serviço de interesse econômico geral conferir REBOLLO Luis Martin Servicios Públicos y Servicios de Interés General la nueva concepción y operatividad del servicio público em el derecho administrativo español e MEDAUAR Odete Serviços Públicos e Serviços de Interesse Econômico Geral publicados na coletânea MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo org Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 Conferir também as valiosas observações de JUSTEN Mônica Spezia A Noção de Serviço Público no Direito Europeu São Paulo Ed Dialética 2003 especialmente pgs 196 e segs 20 modo regular15 Esses princípios de acessibilidade igualdade e continuidade no direito europeu também informam o chamado serviço universal que MONICA JUSTEN resume de forma precisa o serviço ou conjunto de serviços mínimos definidos que visam a assegurar o acesso de todos os usuários a prestações essenciais de uma determinada qualidade e a preços justos em face das condições específicas nacionais A Noção de Serviço Público no Direito Europeu São Paulo Dialética 2003 p 195 A babel conceitual européia não nos interessa de forma imediata pois aglutina em conceitos de gradação sucessiva e por isso parcialmente superpostos atividades de serviço público abertos à competição serviços monopolistas e também serviços sociais16 Na Constituição Brasileira embora a 15 No Glossário da Comunidade Européia são diferenciados os conceitos de serviço público serviço universal serviço de interesse econômico geral e serviço de interesse geral segundo os seguintes enunciados Serviço público A noção de serviço público tem um duplo sentido designando tanto o organismo de produção do serviço como a missão de interesse geral a este confiado É com o objectivo de favorecer ou de permitir a realização de missões de interesse geral que a autoridade pública pode impor obrigações específicas de serviço público a um organismo de produção do serviço por exemplo em matéria de transportes terrestres aéreos ou ferroviários ou em matéria de energia Estas obrigações podem ser impostas à escala nacional ou regional Notese que com frequência se confunde erroneamente serviço público e sector público incluindo a função pública ou seja a missão e o estatuto o destinatário e o proprietário Serviço universal O conceito de serviço universal foi desenvolvido pelas instituições da Comunidade e define um conjunto de exigências de interesse geral a que devem obedecer em toda a Comunidade as actividades de telecomunicações ou de correio por exemplo As consequentes obrigações destinamse a assegurar o acesso generalizado de todas as pessoas a determinadas prestações essenciais de qualidade e a um preço abordável Serviços de interesse económico geral Os serviços de interesse económico geral designam as actividades de serviço comercializáveis que preenchem missões de interesse geral estando por conseguinte sujeitas a obrigações específicas de serviço público artigo 86º antigo artigo 90º do Tratado que institui a Comunidade Europeia É o caso em especial dos serviços em rede de transportes de energia e de comunicações Serviços de interesse geral Por serviços de interesse geral entendemse as actividades de serviço comercial ou não consideradas de interesse geral pelas autoridades públicas estando por conseguinte sujeitas a obrigações específicas de serviço público Esta noção engloba as actividades de serviço não económico sistema de escolaridade obrigatória protecção social etc as funções intrínsecas à própria soberania segurança justiça etc e os serviços de interesse económico geral energia comunicações etc Recordase que as condições do artigo 86º antigo artigo 90 do Tratado não são aplicáveis às duas primeiras categorias actividades de serviço não económico e funções intrínsecas à própria soberania Cf Glossário da Comunidade Européia documento disponível na Internet na página httpeuropaeuintscadpluslegptcigg4000htm É útil consultar também o denominado Livro Verde COM2003270de 2152003 e o Livro Branco sobre os Serviços de Interesse Geral COM20040374 disponíveis a partir de pesquisa na página httpeuropaeuint e httpeuropaeuintcommsecretariatgeneralservicegeneralinterest Foi proposta a redação de uma comunicação específica sobre os serviços sociais de interesse geral incluindo os serviços de saúde cuja adopção está prevista para 2005 16 A babel conceitual dos textos normativos comunitários do velho continente tem surpreendido a muitos DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO por exemplo encontrou ocasião para ressaltar que a denominada crise dos serviços público no continente europeu antes mesmo de uma crise conceitual é uma indefinição semântica provocada pelo uso de variadas e equívocas denominações como serviço de interesse geral serviço econômico de interesse geral serviço público e serviço universal A confusão dos textos se reflete na perplexidade de alguns autores e das correntes que se alinharam a respeito sendo que alguns chegam a ponto de 21 matéria não deva ser reduzida a dois únicos conceitos como vimos não apresenta superposições equivalentes Na Constituição brasileira há explícita referência aos serviços de relevância pública em duas normas art 129 II e art 197 Na primeira norma o conceito é empregado em sentido subjetivo para referir as entidades privadas que prestam serviço de relevância pública Na segunda o conceito é empregado em sentido objetivo para referir as ações e os serviços de saúde seja quando prestados pelo Poder Público seja quando prestados por pessoa física ou jurídica de direito privado As disposições são diretas e de simples compreensão Art 129 São funções institucionais do Ministério Público II zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição promovendo as medidas necessárias a sua garantia Art 197 São de relevância pública as ações e serviços de saúde cabendo ao Poder Público dispor nos termos da lei sobre sua regulamentação fiscalização e controle devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros por pessoa física ou jurídica de direito privado Na verdade a participação de entidades privadas na prestação de serviços sociais autorizada expressamente pela Constituição vg art 199 202 204 I 209 2161º218 4º 225 não apenas é pragmática como pode ser percebida como uma das respostas conseqüentes à crise do aparelho do Estado no âmbito da prestação dos serviços sociais O Estado não tem efetivamente condições de monopolizar a prestação direta executiva dos serviços de assistência social de interesse coletivo Estes podem ser geridos ou executados por outros sujeitos públicos ou privados preferencialmente instituições públicas não estatais pessoas privadas de fim público sem fins lucrativos consoante diferencia a própria Constituição CF art 199 1º sob a fiscalização e supervisão imediata do Estado Nestes casos não prover diretamente não quer dizer tornarse irresponsável perante essas necessidades sociais básicas ou negar o direito fundamental à saúde à educação à defesa do meio ambiente à pesquisa científica e tecnológica O Estado não deve nem pode demitirse da responsabilidade de assegurar e garantir direitos sociais quando não executar deve fomentar ou financiar diretamente a execução de serviços sociais necessários à coletividade O Estado contemporâneo continua executor regulador fiscalizador e financiador de serviços sociais mas pode contar também considerar a crise como um sinal do desaparecimento do velho e tradicional service public à la française e outros mais moderados vendo apenas indícios de uma profunda mutação em curso Mutações nos Serviços Públicos Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 fevereiro 2005 p 13 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 7 de março de 2005 22 com mecanismos de parceria ágeis para ampliar a sua capacidade de assegurar a efetiva fruição dos direitos sociais básicos17 É certo também que os serviços sociais referidos quando desempenhadas pelo Poder Público como encargo obrigação submetemse ordinariamente ao regime de direito público quer por ser este o regime jurídico comum e normal da função administrativa do Estado quer por expressa decisão legal Por essa razão diversos autores tendem a considerar essas atividades quando prestadas pelo Estado serviços públicos18 Mas sem embargo dessa qualificação essas atividades não seriam serviços públicos quando desempenhados por particulares Porém como vimos antes rotular de serviço público essas atividades quando exercidas pelo Estado é subordinar a natureza jurídica de uma atividade à qualidade do sujeito que a exercita é adotar um conceito subjetivo o que é incoerente com a tese predominante na doutrina brasileira de se buscar a identidade própria da atividade de serviço público na identificação do regime jurídico especial da atividade não do sujeito que por ela responde A conseqüência pragmática deste entendimento é ambígua por um lado a analogia permite aparentemente ampliar as garantias dos administrados quando aplicada a pessoas jurídicas estatais de direito privado tese problemática ante a ausência de imposição constitucional do regime de direito público a todo esse conjunto de atividades por outro lado restringe a compreensão dos compromissos públicos da mesma atividade quando exercida por particulares 17 O caráter liberal ou social do Estado é definido menos pela dimensão do seu aparato burocrático quanto pela destinação do seu orçamento Os Estados atuais são sobretudo centros de transferência de recursos econômicos e sociais A atividade de prestação de serviços pelo Estadoaparato responde apenas por uma parcela da intervenção do Estado nas sociedades contemporâneas As transferências de recursos tributários as isenções especiais e os subsídios entre outras formas de estímulo e limitação da atividade privada respondem por grande parte da interferência estatal em nossa vida cotidiana Lamentavelmente tratase de setor em que reina uma quase absoluta opacidade e anomia pois entregue completamente à lógica econômica Por isso se quisermos saber se um Estado é de fato social ou neoliberal devemos consultar o orçamento público e as efetivas transferências de recursos para o financiamento de serviços sociais independentemente da natureza da entidade responsável pela realização desses serviços É este o dado essencial a considerar quando se pretende determinar o compromisso do Estado com a realização do direito à saúde ou à educação e não o campo das formas organizacionais que o Estado adota ou de que se serve para obter bens ou utilidades coletivas Registrese por fim que as normas que regem a forma de organização não informam necessariamente as normas de funcionamento das entidades públicas ou privadas de interesse público existentes no Brasil sendo usual que entidades estatais de direito privado estejam vinculadas em diversos aspectos do seu funcionamento a normas de direito público o mesmo ocorrendo com simples pessoas jurídicas privadas de interesse público 18 Contra a conceituação dessas atividades sociais do Estado como serviço público escreve CASSAGNE Juan Carlos La Intervención Administrativa 2ª ed Buenos Aires Ed AbeledoPerrot 1994 p 40 Los servicios públicos propios se distinguen también de los llamados servicios sociales que presta el Estado en áreas tales como la cultura salud pública previsión social cuya gestión suele encomendarse a órganos u entes administrativos sin perseguirse fines de lucro Esta actuación estatal para la realización de prestaciones que no poseen contenido económico no implica reemplazar ni sustituir la iniciativa privada que respecto de estas actividades continúa regida por el principio de la libertad sin perjuicio de lo cual cuando la actividad la lleva a cabo el Estado se aplican los principios y normas proprios de la función administrativa 23 pois neste caso seriam simples atividades econômicas19 Seja como for mesmo os autores que dilatam a aplicação do conceito de serviço público para atividades sem titularidade do Estado reconhecem que quando os particulares atuam com ou sem fins lucrativos por direito próprio iure propio não se sujeitam ordinariamente ao regime do serviço público ou do direito administrativo mas ao regime jurídico típico ou predominante das pessoas de direito privado o 19 RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA adotando a concepção dominante enuncia claramente a incompetência do Poder Público para estabelecer condicionantes à política de preços das mensalidades escolares O ensino é livre à iniciativa privada atendidas as condições estabelecidas no art 209 da CF Não há outra restrição que possa ser imposta nem há condicionantes fixadas em lei O texto constitucional revela a concessão de liberdade às escolas que podem dispor da melhor forma de organização de seu ensino submetendose apenas aos preceitos gerais da educação nacional e sujeitandose à avaliação de qualidade pelo Poder Público Em consequência do quanto se vem dizendo podese afirmar que não há possibilidade de o Estado imiscuirse na intimidade da escola para fixar padrões de mensalidade Estas são livremente estipulas pelas escolas a quem de acordo com o poder aquisitivo dos alunos incumbirá a dosagem dos salários de seus professores A equação possibilidade de alunonecessidade da escola fica a critério desta Os limites são as possibilidades dos alunos É correto que se deve desvincular o paternalismo estatal que vigora entre nós A escola oferece determinado padrão de ensino Se o aluno não está satisfeito muda Faz movimento entre os pais para melhoria do ensino O pai discute com a direção da escola os aumentos das mensalidades e retira o filho se entender que a cobrança é muito alta Enfim é a livre iniciativa gerindo a economia de mercado no pertinente à educação Receitas Não Tributárias Taxas e Preços Públicos 2ª ed São Paulo Malheiros p 152 Com a licença devida mantenho radical divergência do ilustre autor no tocante ao alcance da interferência do Poder Público na esfera do ensino privado como de resto nas demais atividades de relevância pública vg saúde e pesquisa científica embora também não postule o que o autor denomina de paternalismo estatal Sem antecipar essa questão vale dizer mesmo sem qualificar desde logo a educação como atividade de relevância pública recurso simples para atribuirlhe de pronto um conjunto relevante de condicionamentos cumpre ressaltar que o livre mercado na educação não pode desconsiderar os limites da própria atividade econômica A matéria já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 319 que admitiu a competência do Poder Público na regulação da política de preços nas atividades de ensino conquanto o tribunal tenha revelado certa ambiguidade ao tentar compatibilizar o conceito de livre iniciativa e a manifesta relevância social da interferência pública na atividade de ensino desenvolvida por escolas privadas EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade Lei 8039 de 30 de maio de 1990 que dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e da outras providências Em face da atual Constituição para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais em conformidade com os ditames da justiça social pode o Estado por via legislativa regular a política de preços de bens e de serviços abusivo que e o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros Não é pois inconstitucional a Lei 8039 de 30 de maio de 1990 pelo só fato de ela dispor sobre critérios de reajuste das mensalidades das escolas particulares Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada Lei Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação à expressão marco contida no parágrafo 5 do artigo 2 da referida Lei Interpretação conforme a Constituição aplicada ao caput do artigo 2 ao parágrafo 5 desse mesmo artigo e ao artigo 4 todos da Lei em causa Ação que se julga procedente em parte para declarar a inconstitucionalidade da expressão marco contida no parágrafo 5 do artigo 2 da Lei no 803990 e parcialmente o caput e o parágrafo 2 do artigo 2 bem como o artigo 4 os três em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que no caso concreto ocorra direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada STF ADI 319 QO DF Rel Min Moreira Alves Julgamento 03031993 Tribunal Pleno Publicação DJ 30041993 PP07563 EMENT VOL0170101 PP00036 por maioria No mesmo sentido STF AI 214756 AgRSP Rel Min Moreira Alves Julgamento 03111998 Primeira Turma Publicação DJ 05031999 PP00003 EMENT VOL0194102 PP00323 STF RE 163231SP Rel Min Maurício Corrêa Julgamento 26021997 Tribunal Pleno DJ 2906 2001 PP00055 EMENT VOL0203704 PP00737 24 que muitas vezes lhes confere maior agilidade ou presteza no atendimento dos seus objetivos sociais Em face desse dado fático tem crescido no Brasil a compreensão sobre a relevância do denominado terceiro setor entendido frequentemente em termos simplesmente subjetivos ou orgânicos Assim é comum definirse o terceiro setor como um conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis ou seja organizações sociais que por um lado sendo privadas não visam a fins lucrativos e por outro lado sendo animadas por objetivos sociais públicos ou coletivos não são estatais20 Segundo BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS são instituições que tentam realizar o compromisso prático entre a eficiência e a equidade em atividades sociais adotando a flexibilidade operacional típica das pessoas privadas sem prejuízo da busca de equidade social inerente a qualquer instituição pública21 Porém por receberem auxílios públicos e privados em nome do desempenho de atividades socialmente relevantes são e devem ser mais intensamente fiscalizadas pelo Poder Público e pela comunidade do que as demais pessoas privadas através de controles formais e materiais que assegurem a fidelidade de sua ação ao escopo que devem prosseguir Sob este enfoque isto é sob o ângulo subjetivo resumi o conceito de terceiro setor nos seguintes termos Pessoas privadas de fins públicos sem finalidade lucrativa constituídas voluntariamente por particulares auxiliares do Estado na persecução de atividade de conteúdo social relevante22 São exemplos de entidades privadas de cooperaçãocolaboraçãoterceiro setor no direito brasileiro as entidades declaradas de utilidade pública as entidades declaradas como organizações sociais organizações da sociedade civil de interesse público e os serviços sociais autônomos Não pretendo tratar dessas entidades porém porque delas cuidei em trabalhos anteriores23 e para não 20 Cf SANTOS Boaventura de Souza A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado conferência apresentada no Seminário Internacional A Sociedade e a Reforma do Estado promovido pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado do Brasil MARE e pelo Conselho da Reforma do Estado São Paulo março de 1998 Texto recolhido na Internet url httpwwwmaregovbrHistoricoReformaconselhoBoaventuraPDF p20 Acesso em março de 1998 21 Idem ibidem p 20 22 MODESTO Paulo Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil in Mudança social e reforma legal estudos para uma nova legislação do Terceiro Setor org Joaquim Falcão e Carlos Cuenca Brasília Conselho da Comunidade SolidáriaUNESCO 1999 23 MODESTO Paulo Reforma administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil as dúvidas dos juristas sobre o modelo das organizações sociais IN R Trimestral de Direito Público São Paulo n16 p 17899 outdez 1996 R Informação Legislativa Brasilia a34 n 136 p 31527 outdez 1997 Boletim de Direito Administrativo São Paulo a 14 n4 p 23851 abr 1998 Revista de Direito Administrativo RDA Rio de Janeiro Ed Renovar n 210 outdez 1997 pp 195212 Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil In Revista de Direito Administrativo RDA Rio de Janeiro Ed Renovar n 214 outdez 1998 pp 5568 Consultese também sobre o tema em especial MOREIRA NETO Diogo Figueiredo Organizações Sociais de Colaboração Descentralização Social e Administração Pública Não Estatal In Revista de Direito Administrativo RDA Rio de Janeiro Ed Renovar n 210 outdez 1997 pp 183194 O sistema de parceria entre os setores público e privado Execução de 25 alongar excessivamente a avaliação que vem de ser feita intencionalmente sintética Friso entretanto que é possível também reconhecer um sentido objetivo para o terceiro setor associandoo à prestação dos serviços de relevância pública Assim em termos jurídicos objetivos enquanto conjunto de atividades o terceiro setor pode ser definido como esfera de ação livre à iniciativa particular voltada à administração de serviços de relevância pública realizada por instituições privadas sem fins lucrativos em nome próprio e sob responsabilidade própria ou por organizações estatais sem caráter substitutivo da atividade privada sem excepcionalidade mas também sem prerrogativas especiais ou dominantes de Poder Público Tratase de conceito evidentemente polêmico por incorporar no âmbito do terceiro setor tradicionalmente associado com exclusividade à sociedade civil entes estatais sem caráter autoritativo voltados a setores sociais e culturais ex museus creches centros de pesquisa etc destituídos de prerrogativas exorbitantes do direito comum dos simples particulares embora subordinados a deveres especiais inerentes a condição estatal dessas entidades É neste sentido que é possível reconhecer na Constituição Federal uma terceira categoria uma terceira espécie de atividade as atividades de relevância pública que cumpre ainda explorar mais detalhadamente na legislação dos entes federativos nos próximos anos definindo controles e responsabilidades estímulos e condicionamentos restrições e ações afirmativas para uma parceria efetiva fora dos marcos conceituais tradicionais do serviço público Os serviços de relevância pública não são serviços públicos mas também não são atividades de exploração econômica Constituem zona jurídica intermediária rol de atividades que dispensa título especial de autorização tanto para o Estado quanto para os particulares mas que cumpre papel relevante no fornecimento de utilidade vitais para os cidadãos sendo especialmente protegida na Constituição Federal vg art 129 II Tratase de domínio em que a atividade de execução direta de serviços e a atividade de fomento administrativo mediante outorga de títulos especiais apoio financeiro e acordos de parceria encontra lugar privilegiado para coexistir rompendose em definitivo a dicotomia de soma zero que isolava a atuação dos particulares e do Estado em zonas distintas e mutuamente excludentes 5 SERVIÇOS DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA Os serviços de exploração econômica no Brasil embora preferencialmente exercidos por agentes privados são também intensamente disciplinados pelo serviços através de concessões permissões terceirizações e outros regimes Aplicação adequada desses institutos In Boletim de Direito Administrativo BDA 27581 Ed NDJ fev 1997 Natureza jurídica dos serviços sociais autônomos Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 207 p 7994 janmar 1997 Sobre o tema conferir também ROCHA Sílvio Luís Ferreira Terceiro Setor São Paulo Ed Malheiros 2003 26 direito público São atividades cuja disciplina constitucional sofre o influxo de princípios concorrentes devendo guardar respeito aos valores da dignidade da pessoa humana art 1º III e art 170 caput da construção de uma sociedade justa e solidária art 3º I da erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais art 3º III e art 170 VII da persecução do bemestar de todos art 3º IV e da justiça social art 170 caput Neles os valores da livre iniciativa art 1º IV 2ª parte e art 170 caput e da livre concorrência art 170 IV não são bastantes em si mesmos mas o instrumento para geração de benefícios ao consumidor e vantagens ao desenvolvimento nacional Na exploração de serviços econômicos é certo as atividades são regidas predominantemente pelo direito privado mas nunca de forma exclusiva Os particulares atuam nesta esfera sujeitos a interferências do direito da concorrência de restrições administrativas e ambientais do direito urbanístico de autorizações de polícia sanitária e de diversas outras modalidades de intervenção do Poder Público O próprio Estado pode atuar na exploração econômica como prestador direto sujeito às restrições referidas e também a limitações impostas pela natureza de suas entidades empresariais Mas neste campo não há lugar para delegação de atividades derivação de direitos pois tanto particulares como o Estado quando legítima a sua atuação exercitam atividades econômicas de direito próprio24 Quando empresários celebram contratos de concessão de obra ou serviço público buscam ampliar a própria esfera de direitos atuar em atividades e exercitar prerrogativas que não poderiam como simples empresários manejar Se a atividade é livre à iniciativa privada mesmo quando submetida a controles de polícia não cabe cogitar de concessão de serviço público A concessão somente tem lugar perante tarefas para as quais a ordem jurídica incumbiu ao Poder Público não apenas a garantia a vigilância o controle mas também a execução concreta do serviço direta ou indiretamente Mas em termos econômicos com tem observado MARÇAL JUSTEN não é indiferente a existência ou não de delegação de serviços públicos mediante concessão Enquanto prestados de forma direta pelo Estado financiados por impostos os serviços públicos são mantidos por todos Prestados por concessionários em regra são mantidos apenas pelos usuários do serviço consoante a intensidade do uso realizado da utilidade posta à disposição de cada um25 Em termos jurídicos a atividade é exercida em regime de direito público mesmo quando manejada por concessionários privados A atividade arrasta o 24 É possível identificar no âmbito dos serviços de exploração econômica atividades econômicas autorizadas e atividades econômicas meramente regulamentadas É que a lei fundamental no art 170 parágrafo único permite à lei identificar hipóteses em que o exercício da atividade privada embora livre e independente de concessão ou permissão do Estado somente é cabível mediante autorização prévia do Poder Público Sobre o tema com aprofundamentos pertinentes conferir as observações percucientes de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO Curso de Direito Administrativo obcit págs 643647 25 JUSTEN FILHO Marçal Teoria Geral das Concessões de Serviço Pùblico ob cit p 13 27 regime do serviço público as suas garantias sendo o restante da atividade do empresário realizada em regime de direito privado Reversamente quando o Estado através de empresas estatais exercita atividade de exploração econômica no âmbito desta atividade predomina a disciplina própria do direito privado art 173 CF com derrogações expressas no próprio direito positivo A atividade também arrasta o seu regime jurídico obrigando estruturas estatais a adequaremse no desempenho de suas atividades finalísticas No âmbito das atividades de relevância pública no entanto esse fenômeno não ocorre O regime predominante não é o da atividade mas aquele próprio do sujeito que a exerce Se o Estado instituir autarquias para o exercício de atividades de relevância pública o regime jurídico aplicável será o regime de direito público Se instituir fundações governamentais submetidas ao direito privado destituídas de prerrogativas especiais como museus e centros de pesquisa o regime aplicável na prestação dos serviços será o regime de direito privado Por isso enquanto exercida por entes de natureza pública o regime de prestação das atividades de relevância pública é sempre o regime público e enquanto prestadas por entidades privadas estatais ou particulares o regime predominante é sempre o regime de direito privado Essa dualidade no regime jurídico aplicável é uma peculiaridade desta esfera de atividades em confronto com as atividades enquadradas no conceito de serviço público e no conceito de atividades de exploração econômica Em termos esquemáticos os tópicos anteriores podem ser representados na tabela abaixo que resume alguns dos elementos diferenciadores das principais formas de atividade de prestação de serviços ao público Serviço Público Serviço de Relevância Pública Serviços de Exploração Econômica Atividades de titularidade pública art 175 CF Atividades sem reserva de titularidade pública ou privada Atividade de titularidade privada art 170 CF mas passível de atuação pelo Poder Público em situações especiais previstas na lei ou na CF art 173 e 177 Pessoas privadas atuam por delegação Pessoas privadas e Estado atuam de forma ordinária sem delegação ou exceção Estado atua por exceção ressalvados os casos previstos na Constituição apenas atuará quando necessário para atender a imperativos da segurança nacional 28 ou a relevantes interesses coletivos definidos em lei Atividade submetida à reserva de direito público independentemente do prestador Atividade submetida a regime variável parcialmente dependente do regime jurídico predominante do prestador mas sempre vinculada a obrigações de regularidade modicidade acessibilidade e impessoalidade Atividade submetida à reserva de direito privado independentemente do regime do prestador salvo derrogações constitucionais e legais Atividade expressamente identificada na Constituição ou em normas legais legalidade estrita Atividade residual ora identificada na Constituição e em normas legais ora identificada em termos sociais Atividade residual ora identificada na Constituição e em normas legais ora identificada em termos sociais Atividade refratária à livre iniciativa privada Atividade compatível com a livre iniciativa privada mas sujeita a intenso condicionamento público Atividade compatível com a livre iniciativa privada salvo ressalvas constitucionais monopólios públicos Normas constitucionais básicas art 175 145 II 37 6º 223 21 X e segs Normas constitucionais básicas art 197 129 II 209 213 217 II 225 Normas constitucionais básicas art 170 172 173 174 177 178 217 II 6 REFORMA DO ESTADO E TRANSFORMAÇÕES DA ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELO ESTADO As transformações pelas quais passou a Administração Pública nos últimos vinte anos produziram alterações em setores inteiros do ordenamento jurídico Para além da dimensão normativa porém modificaram a própria compreensão sobre o papel da Administração Pública no Estado contemporâneo mudança cultural e desafiaram a capacidade explicativa dos modelos científicos adotados pelo direito administrativo que conhecemos mudança dogmática A mudança cultural talvez a mais difícil de avaliar e controlar avança com as reivindicações crescentes de novas formas de controle social sobre a atividade administrativa a revalorização do papel das organizações não governamentais autênticas como parceiras por excelência da Administração 29 Pública bem como pelas tentativas de aplicação aos processos administrativos públicos de técnicas de avaliação da qualidade e de incremento da eficiência corriqueiras entre particulares Reclamase com ênfase e cada vez com maior rigor por eficiência na administração dos aparatos estatais e por economicidade na gestão dos recursos públicos Por maior transparência menos corrupção mais planejamento e impessoalidade no trato com a coisa pública No plano científico ou acadêmico ampliase a percepção da necessidade de romper definitivamente com a concepção autoritária e tradicional do direito administrativo brasileiro relacionada a uma concepção ainda liberal do Estado consubstanciada na obsessiva centralidade da noção de administração agressiva mediante a qual a administração é vista em relação ao cidadão fundamentalmente através de decisões unilaterais impositivas individualizadas autoexecutórias e desfavoráveis Se essa noção de administração já não deveria ser dominante ou exclusiva no Estado Social com o desenvolvimento da Administração prestadora de serviços que colocou em evidência a figura dos atos administrativos favoráveis reclamados pelo particular destituídos da notas de autoexecutoriedade o desconforto atualmente é ainda maior A Administração é cada vez mais dependente da atuação do particular sendo carente não apenas de recursos privados mas de informação e colaboração encontrandose crescentemente fragilizada em face da multiplicidade e força dos interesses em conflito afetados pela própria atividade administrativa e pela dimensão e variedade das demandas que lhe são dirigidas cotidianamente O aparato público diminui de um modo tendencialmente geral mas são ampliadas as suas responsabilidades dilatandose a interferência do Estado tanto na regulação de mercados quanto no plano do fomento a atividades de interesse social A administração pública internacionalizase integrandose com administrações de outros Estados soberanos Em todos esses movimentos correse sempre o risco de abusos e desvios seja no plano da manipulação de informações seja no plano da gestão dos recursos públicos uma vez que o montante de recursos manejado pelo Estado hoje corresponde a uma parcela importante do produto interno bruto do país Neste contexto crescem de importância o processo administrativo as técnicas de audiência e consulta públicas de controle das informações privilegiadas e do manejo dos recursos públicos de cooperação intergovernamental e integração internacional entre administrações públicas bem formas variadas de fomento e arbitragem de interesses que dificilmente podem ser reconduzidas às formas tradicionais de atuação do Estado Cada uma dessas dimensões é certo interage com e sobre as demais produzindo avanços e recuos inevitáveis neste momento de transição Todas essas transformações afetam também a forma de compreendermos as atividades de prestação de serviços ao cidadão e indicam tendências contemporâneas nos modos de prestação dos serviços públicos e serviços de relevância pública Em primeiro lugar ao contrário da tradicional concessão do direito ao exercício de monopólios no exercício dos serviços públicos passase a estimular a competição de prestadores inclusive através de mecanismos apenas possíveis pela evolução tecnológica como o compartilhamento de rede 30 mitigação dos monopólios naturais Nestes casos o Estado não renúncia a disciplinar a atividade pública prestada pelo particular pois não transfere a regulação da atividade ao mercado mas cria o que vem sendo denominado de paramercado isto é um complexo sistema de competição ordenada limitada e definida pelo próprio Poder Público entre prestadores de serviço público Estimulase também a liberdade de escolha do fornecedor pelo usuário inclusive em serviços gratuitos através de mecanismos de transferências diretas ex bolsafamília chequeensino remuneração de hospitais por unidades de atendimento que entregam à decisão do usuário a escolha do melhor prestador do serviço O Estado mantém o monopólio da regulação e da titularidade sobre a atividade pública quando se trata de serviço público mas rompe com o tradicional monopólio da prestação exclusividade do fornecedor de serviços reservas de mercado mercados cativos etc A prestação de serviços públicos em paramercados públicos nunca reproduz inteiramente as estruturas do livre mercado privado pois a competição ordenada pelo Poder Público obriga os agentes econômicos à prestação em atividades não rentáveis controla o número de competidores e frequentemente as próprias formas de prestação do serviço para resguardar valores fundamentais Além disso a fixação de mecanismos de competição ordenada e regulada entre prestadores de serviço público produz como conseqüência direta a ampliação do papel do Estado como árbitro de conflitos entre prestadores função inexistente quando o desempenho de serviço público estava associado à manutenção de monopólios de execução Essa incorporação da competição no âmbito dos serviços públicos é tendência de reconhecimento amplo não apenas no Brasil vg Lei n 8987 art 16 mas em escala mundial26 Percebese também forte tendência na Europa e mesmo no Brasil a autonomizar as obrigações de serviço público que podem comparecer em bloco nas atividades de serviço público mas também reger de forma obrigatória em termos parciais outras atividades de interesse público ex dever de continuidade nos serviços privados essenciais inclusive durante greves com garantia de prestações mínimas essenciais sob tarifa acessível 27 Neste contexto passa a ser desnecessário rotular uma data atividade como serviço público para reconhecerse a aplicação de princípios e garantias de regularidade acessibilidade e continuidade a atividades de compostura jurídica distinta28 26 Cf ARAGÃO Alexandre Serviços Públicos e Concorrência Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 1 fevereiro 2004 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em 7 de março de 2005 27 FERNÁNDEZ TomásRamón Panorama del Derecho Administrativo al Comienzo de su Tercera Centuria Buenos Aires La Ley 2002 p 54 e segs explora o tema sob a rubrica sugestiva del servicio público a las obligaciones de servicio público Cf também MORENILLA José Maria Souvirón La actividade de la Administración y el Servicio Público Granada 1998 28 PEDRO GONÇALVES em termos didáticos esclarece que a imposição de obrigações de serviço público é uma técnica que permite ao Estado obrigar os titulares de autorizações para o exercício de determinadas actividades privadas exercidas num quadro de liberdade de acesso ou de iniciativa a efectuar prestações suplementares ou a exercer a actividade para que estão autorizados no cumprimento de objectivos e de standards que excluem a actuação segundo o objectivo do maior lucro A Concessão de Serviço Público Coimbra Almedina 1999 p 17 Seria 31 É outra tendência clara desta quadra história a tentativa de consolidar de forma mais ou menos bem ordenada uma neutralização política da função regulatória também denominada de desgovernamentalização da regulação através de criação de agências reguladoras conformadas com autonomia financeira administrativa e corpo técnico estável Com a medida procurase oferecer a investidores nacionais e internacionais a segurança jurídica necessária a atração de investimentos de longo prazo mas ainda sem pleno sucesso pois a experiência das agências reguladoras mostrase frágil sujeita a fortes interferências políticas especialmente através de contingenciamento de recursos orçamentários É óbvio que estruturas administrativas autônomas mas subordinadas a restrições financeiras arbitrárias são autônomas apenas formalmente pois o desempenho de suas atividades exclusivas é diretamente afetado por essas limitações de natureza material A transformação que se mostra decisiva porém nas atividades de prestação de serviços ao cidadão enfatizada à exaustão neste trabalho é o reconhecimento que se começa a fazer do caráter específico das atividades de relevância pública diferenciadas no ordenamento jurídico tanto das atividades de serviço público quanto das atividades econômicas em sentido estrito É este um campo de atividades que cumpre desenvolver nos próximos anos por ser ainda fértil para novas iniciativas de parceria e cooperação especialmente relevantes em um país desigual como o Brasil carente de recursos e de ação coordenada Tratase de esfera de atividades dirigida ao cidadão porém cujo desenvolvimento somente será viável nos marcos de uma compreensão renovada do conceito de serviço público sempre à luz da experiência histórica e institucional do país aberta a mudanças e no entanto apoiada diretamente na Constituição da República 7 AS PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS SENTIDO AMPLO E RESTRITO O direito brasileiro conhece em sentido amplo formas variadas de parceria entre o Estado e pessoas privadas de caráter empresarial e entre o Estado e as entidades privadas sem fins lucrativos Naturalmente as parcerias do primeiro grupo cuidam de estabelecer preferencialmente formas de cooperação na prestação de serviços públicos e na exploração de atividades econômicas Reversamente as parcerias do segundo grupo vinculamse tradicionalmente à prestação de serviços de relevância pública tendo em conta que a atuação das entidades sem fins de lucro neste campo de atividades é explicitamente fomentada pela Constituição vg CF88 arts 199 1º in fine saúde 214 I assistência social 205 caput e 213 educação29 Mas essa divisão não é ingenuidade não perceber que a consagração legal dessa modalidade de intervenção administrativa especialmente nos países integrantes da comunidade européia retrata o aumento da influência da doutrina norte americana das public utilities e o declínio da doutrina francesa do denominado serviço público virtual cuja aplicação vem sendo substituída pelo conceito de serviço universal Cf SOUVIRÓN MORENILLA ob cit p 604 e segs 29 Em trabalho anterior após referir os dispositivos constitucionais citados resumi Outras disposições constitucionais referem de forma reflexa esta mesma forma de colaboração de entidades particulares com a administração pública a saber 1 igrejas arts 19 I colaboração 32 absoluta as entidades privadas empresariais também colaboram em serviços sociais do Estado sem fins de lucro cumprindo funções de fomento especialmente em atividades culturais vg amostras de arte exposições espetáculos públicos e sociais vg projetos de urbanização auxílio a creches e escolas públicas São características gerais das diversas modalidades de parceria presentes em maior ou menor intensidade nas diferentes modalidades de ajuste a a voluntariedade da adesão ao ajuste b a convergência de interesses b a complementaridade de encargos c a atenuação no emprego de prerrogativas exorbitantes por parte da Administração com vistas não inibir o interesse do parceiro privado d a flexibilidade dos arranjos institucionais viabilizadores do ajuste de interesses As parcerias em sentido amplo caracterizamse como acordos entre duas ou mais partes para atuarem juntas em direção a um objetivo comum As parcerias entre o Estado e o empresariado frequentemente envolvem a celebração de contratos de concessão de serviço público ou de obra pública mas também podem ocorrer com a mobilização conjunta de capitais para criação de entes empresariais sociedades de economia mista30 Formas de parceria de interesse público com a União Estados Distrito Federal e Municípios art 226 2 celebração do casamento religioso com efeito civil art 213 escolas confessionais 2 instituições privadas de educação art 150 VI c imunidade tributária desde que sem fins lucrativos 3 instituições de assistência social beneficentes ou filantrópicas art 150 VI c imunidade tributária desde que sem fins lucrativos art 195 7º isenção de contribuição para a seguridade social 3 terceiros e pessoas físicas e jurídicas de direito privado na área da saúde arts 197 declaração de relevância pública das ações e serviços de saúde pelos mesmos executados 4 organizações representativas da população art 30 X cooperação no planejamento municipal art 58 II participação em audiências públicas de comissões do Poder Legislativo 5 serviços notariais e de registros arts 236 e serviços privados mas por delegação do poder público 6 entidades privadas em geral art 74 II cabe ao sistema de controle interno integrado dos Poderes Legislativo Executivo e Judiciário a comprovação da legalidade e avaliação dos resultados também quanto à eficácia e eficiência da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado Essas disposições revelam a extensão que tomou a cidadania participativa e a parceria públicoprivado na Constituição de 1988 assinalando ainda algumas das diversas modalidades de estímulo utilizadas pelo Estado para atrair e premiar a colaboração de entidades privadas em atividades de acentuada relevância social a imunidade tributária art150 VI c art 195 7º e art240 b trespasse de recursos públicos art 204 I art 213 art 216 3º art61ADCT c preferência na contratação e recebimento de recursos art 199 1º in fineCf MODESTO Paulo Reforma Administrativa e Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil as dúvidas dos juristas sobre o modelo das Organizações Sociais Revista Trimestral de Direito Público n 16 1996 p 18788 30 Não afasto do conceito amplo de parceria a criação de entidades específicas integradas pelos parceiros com vistas à realização de propósitos comuns parceria institucional A entidade criada pode ser temporária a exemplo de sociedades de propósitos específicos SPE ou assumir formas jurídicas estáveis como as sociedades de economia mista Em sentido contrário MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO exclui do conceito de parceria a hipótese de formação de nova pessoa jurídica Neste livro o vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que sem formar uma nova pessoa jurídica são organizadas entre os setores público e privado para a consecução de fins de interesse público Nela existe a colaboração entre o poder público e a iniciativa privada nos âmbitos social e econômico para satisfação de interesses públicos ainda que do lado do particular se objetive o lucro Todavia a natureza econômica da atividade não é essencial para caracterizar a parceria como também não o é a idéia de lucro já que a parceria pode darse com entidades privadas sem fins lucrativos que atuam essencialmente na área social e não econômicaParcerias na Administração Pública Editora Atlas 3ª ed 1999 págs 3132 33 também usuais são os acordos econômicos que envolvem redução de preços em setores específicos da economia e a redução concomitante da tributação sobre produtos industrializados ou sobre o consumo de certos produtos ex redução de tributação para carros populares Não é este sentido amplo da voz parceria porém que cumpre aqui desenvolver Interessa analisar considerando o exposto nos itens anteriores o alcance específico da expressão parceria públicoprivada isto é da voz parceria consoante vem empregada na recentíssima Lei 11079 de 30 de dezembro de 2004 publicada no DOU de 31122004 e em especial a sua aplicação não apenas no campo tradicional dos serviços públicos e das atividades de exploração econômica esfera em que terá provavelmente a mais intensa aplicação mas no âmbito sempre esquecido das atividades de relevância pública dos serviços sociais e culturais prestados ao público pelo Estado e por particulares igualmente carente de recursos e de iniciativas que lhe ampliem a eficácia É o que se fará a seguir 8 AS PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS NA LEI 110792004 A Lei n 110792004 denomina como parceria públicoprivada o contrato especial de concessão que estabeleça contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado sob duas modalidades concessão patrocinada e concessão administrativa Tratase de contrato de direito público de longo prazo e caráter extraordinário somente aplicável a ajustes de grande vulto cujo valor seja equivalente ou exceda a R 2000000000 vinte milhões de reais possua prazo de vigência igual ou superior a 5 cinco anos mas não excedente a 35 anos e envolva compartilhamento de riscos entre o parceiro público e o parceiro privado inclusive no tocante à cobertura de riscos contra caso fortuito força maior fato do príncipe e álea econômica extraordinária A Lei 110792004 estipula que quando não houver contraprestação pecuniária do poder público a concessão administrativa deve ser rotulada como concessão comum sendo inaplicáveis as normas especiais que institui Também não são aplicáveis as normas da nova lei aos contratos que tenham como objeto único o fornecimento de mãodeobra o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública art 2º 4º III Salientese ainda que a contraprestação pecuniária da Administração Pública necessária para caracterização da nova modalidade contratual somente será cabível após a efetiva disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público privada ou ao menos de parcela fruível do serviço contratado art 7º A Lei 110792004 inova o léxico jurídico administrativo em termos nacionais art 1º razão pela qual define expressamente os conceitos de concessão patrocinada e concessão administrativa Com o primeiro rótulo designa a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8987 de 13 de fevereiro de 1995 quando envolver adicionalmente à tarifa 34 cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado O segundo rótulo denota não propriamente um contrato de concessão de serviço público ao menos como este é reconhecido no direito administrativo brasileiro mas uma espécie de contrato de risco de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta cumulado ou não com contrato de concessão de uso de bem público ou de obra pública As denominadas concessões administrativas segundo o art 3º da nova Lei 110792004 regemse pela Lei 110792004 e também pelo disposto nos arts 21 23 25 e 27 a 39 da Lei no 8987 de 13 de fevereiro de 1995 e no art 31 da Lei no 9074 de 7 de julho de 1995 Nas concessões administrativas em princípio não há delegação de serviço público o que torna realmente ambígua e problemática a terminologia empregada Embora tenha isolado em duas modalidades de contrato as suas hipóteses de aplicação é nítida a preocupação da Lei em disciplinar sobretudo a modalidade de concessão denominada patrocinada pois é esta aquela que melhor serve à atração de capitais privados para investimento em infraestrutura particularmente nas atividades de maior risco econômico ou regulatório Como é evidente segundo a concepção adotada pela nova lei parcela significativa dos investimentos em infraestrutura de que o país necessita exigem longo prazo de maturação e grande volume de recursos isto é embutem grande risco econômico regulatório e político cuja cobertura somente pode ser realizada integralmente por empresas privadas em situações especiais nas quais seja evidente ou muito provável a estabilidade das receitas a serem auferidas ao longo do tempo ou manifesta a sustentabilidade do negócio pelo elevado número de usuários a serem atendidos Em projetos de interesse público que envolvam construção de obras mas de fluxo de caixa incerto ou insuficiente de duas uma a o Poder Público integraliza todo o investimento contratando do setor privado a obra em regime de empreitada regime tradicional risco integral do Estado ou b o Poder Público compartilha riscos com o investidor privado assegurando subsídios ou a estabilidade no tempo de receitas necessárias à amortização do investimento regime das parcerias públicoprivadas É esta a concepção ideológica que permeia todas as normas da Lei 110792004 Por isso as duas modalidades de contratação de parcerias público privadas conhecidas no continente europeu também pela sigla PPP Public PrivatePartnerships apresentam caráter subsidiário em relação às denominadas concessões comuns Somente parece legítima a adoção das novas modalidades quando inviável por manifesto desinteresse dos capitais privados e insuficientes recursos de investimento do poder público a adoção da modalidade comum de concessões de serviço de obra ou de uso de bem público bem como a contratação direta em regime de empreitada31 31 O caráter subsídiário ou excepcional de contratações pela modalidade PPP é ressaltado também em alguns relatórios internacionais A Comissão incumbida de estudar os diversos contratos de PPP celebrados nos países da União Européia com vistas à elaboração do guia Diretrizes para Parcerias PúblicoPrivadas bem sucedidas disponível na Internet httpeuropaeuintcommregionalpolicysourcesdocgenerguides PPPguidehtm acentuou Entretanto embora as PPPs possam apresentar diversas vantagens deve ser também lembrado que 35 O caráter subsidiário e extraordinário dos referidos contratos de parceria é evidenciado também pelas exigências a serem observadas pela Administração antes de decisão sobre a celebração dos contratos em especial a verificação da sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria art 4º VII ao lado da observância da responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias art 4º IV e repartição objetiva de riscos entre as partes art 4º VI Por igual a abertura do processo de licitação que será sempre na modalidade de concorrência está condicionada a autorização da autoridade competente fundamentada em estudo técnico que demonstre a conveniência e a oportunidade da contratação mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria públicoprivada art 10 I a É necessário também que a minuta do edital e do respectivo contrato seja submetida à consulta pública que deverá necessariamente informar a justificativa para a contratação art 10 VI Por fim as concessões patrocinadas em que mais de 70 setenta por cento da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica art 10 3o A lei exige também a avaliação da solvência financeira do ente público considerando o comprometimento financeiro com projetos de parceria públicoprivada em curso antes da celebração de novos contratos de parceria32 Sem essas cautelas o contrato de parceria públicoprivada será ilegal e em princípio contrário ao interesse público A opção pelo modelo das PPPs deverá exigir ao menos dois fundamentos concretos a ausência de recursos suficientes para investimentos de interesse público e cumulativamente a inviabilidade da transferência para a iniciativa privada do risco econômico integral da prestação do serviço precedido ou não de obra pública33 Essa é a razão para a identificação crescente das PPPs no plano esses esquemas são complexos para projetar implementar e administrar Em nenhuma hipótese elas constituem a única opção ou a opção preferencial e devem ser consideradas apenas se puder ser demonstrado que elas poderão gerar valor adicional em comparação a outras abordagens se existir uma estrutura de implementação efetiva e se os objetivos de todas as partes puderem ser atingidos com a parceria pág 04 32 Para a União Art 22 A União somente poderá contratar parceria públicoprivada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido no ano anterior a 1 um por cento da receita corrente líquida do exercício e as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 dez anos subseqüentes não excedam a 1 um por cento da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios Por vía oblíqua para os Estados e Municípios Art 28 A União não poderá conceder garantia e realizar transferência voluntária aos Estados Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido no ano anterior a 1 um por cento da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 dez anos subseqüentes excederem a 1 um por cento da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios 33 As concessões de obra ou serviço público são caracterizadas no Brasil como contratos administrativos em que o risco é exclusivamente do concessionário Essa concepção no entanto é antes um mito ou um mantra dogmático um fraseado repetido sistematicamente sem reflexão ou crítica do que um dado da ordem jurídica positiva o direito brasileiro reduz o conceito de álea ordinária conjunto de riscos que o concessionário deve suportar e amplia ao máximo a proteção do concessionário em face da álea extraordinária nas duas modalidades álea administrativa e álea econômica obrigando o Estado a assumir diversos riscos durante o contrato de concessão de serviço ou de obra pública A teoria do fato do princípe nos contratos de concessão por exemplo possui entre nós um alcance muito mais amplo do que no direito francês 36 internacional a projetos de Iniciativa Financeira Privada Private Finance Initiative PFI Nestes tipos de ajuste o empreendedor privado assume a responsabilidade da concepção dos projetos da obtenção do financiamento da construção e da operação de obras e serviços de interesse público contratos tipo designbuildfinanceoperate cabendo ao Estado fiscalizar a obra e os serviços prestar garantias que diminuam o risco do investimento e por vezes o papel de cliente direto ou indireto responsável pelo pagamento dos serviços prestados No entanto nestes ajustes é possível prever também o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado art 5º IX da Lei 110792004 Os contratos de concessão tradicionais denominados agora também de concessões comuns quando envolviam a prévia construção de obra pública em geral seguiam o modelo BOT contratos tipo build operate transfer construir operar transferir Não oneravam em princípio os cofres públicos mas o Estado era responsável pela concepção do contrato e cobria todos os riscos de manutenção da equação econômicofinanceira É ainda hoje uma opção excelente uma vez que não importa em aumento do endividamento público mas traduz modalidade que somente produz resultados quando a taxa de retorno do investimento privado é motivadora Quando a taxa de retorno privado é baixa e a vantagem social obtida com o ingresso de investimentos privados é relevante a parceria somente é possível fora dos marcos tradicionais da concessão precedida de obra pública no direito brasileiro de ordinário o Estado cobre com exclusividade os desequilíbrios contratuais decorrentes de medidas gerais por ele impostas que afetem indistintamente toda a coletividade como os tributos o que não ocorre como regra no direito francês Por igual entre nós a noção de equilíbrio econômicofinanceiro do contrato de concessão tem sido extremamente generosa para o concessionário pois diante de fatos imprevistos excepcionais que afetem a economia do contrato têmse invocado a responsabilidade integral do Estado pela cobertura destes riscos enquanto no direito francês os prejuízos decorrentes de fatos imprevisíveis e anômalos álea econômica são partilhados entre o concedente e o concessionário Essa dupla redução de riscos para o concessionário é extraída pela doutrina majoritária do disposto no art 37 XXI da Constituição Federal na parte que estatui que as obras e serviços serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta Sem embargo dessas garantias do concessionário que nada mais são do que assunção pelo Estado de parte dos riscos da concessão a Lei 8987 de 13 de fevereiro de 1995 define a concessão de obra ou serviço público como contrato em que o concessionário deve fazer prova de possuir capacidade para executar a obra ou serviço por sua conta e risco art 2º II III e IV A Lei 110792004 Lei das PPPs foi mais austera impôs a repartição objetiva de riscos entre as partes art 4º VI inclusive os referentes a caso fortuito força maior fato do príncipe e álea econômica extraordinária art 5º III Não tenho dúvida que muitos autores inquinarão o novo dispositivo de inconstitucional por afronta ao precitado art 37 XXI da Constituição Federal Mas considero que esta será uma leitura apressada ou interessada o dispositivo constitucional obriga que sejam mantidas as condições efetivas da proposta mas não impede que o legislador determine aos particulares que na proposta contemplem objetiva catalogação dos riscos que estão dispostos a assumir em relação a situações típicas de caso fortuito força maior fato do príncipe e álea econômica extraordinária O conceito de condições efetivas da proposta não deve atinar apenas com o preço e as tarefas assumidas deve encerrar ao menos nos contratos de parceria públicoprivada um objetivo catálogo de situações que indique quais os riscos serão partilhados entre os parceiros e quais os riscos serão de responsabilidade exclusiva de cada parte É o início do fim dos contratos administrativos elípticos e mal ajustados de poucas páginas que asseguram todas as garantias possíveis ao concessionário e deixam o Estado sem clareza sobre a extensão do risco efetivo assumido pelo concessionário 37 Nesses casos como o Poder Público praticamente esgotou as suas possibilidades de endividamento ganhou relevo o papel dos investidores como terceiros diretamente interessados no contrato de parceria públicoprivada prevendo a Lei diversos mecanismos de garantia do investimento com vistas a diminuir ao máximo os riscos econômicos envolvidos no projeto e baratear ao máximo o crédito necessário para o desenvolvimento da obra ou serviço Na Lei 110792004 os investidores assumem papel de destaque na relação jurídico administrativa autorizando a lei que os contratos de parceria públicoprivada poderão prever o direito de ingresso dos financiadores no projeto isto é a transferência do controle da sociedade de propósito específico responsável pela execução da concessão para os seus financiadores com o manifesto objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art 27 da Lei no 8987 de 13 de fevereiro de 1995 art 5º 2o I Autoriza também a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública e a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias públicoprivadas art 5º 2o II e III Por essas medidas é óbvio procurase proteger os financiadores ou credores finais do empreendimento da atuação irregular ou ruinosa de empreendedores privados No entanto como é baixa a credibilidade do Poder Público no Brasil a Lei 110792004 trata de prever garantias objetivas dos financiadores também em relação ao parceiro estatal especialmente quanto a atrasos deste no desembolso das contrapartidas públicas do contrato Por um lado admite que a contraprestação da Administração Pública seja feita de maneira variada especialmente por ordem bancária cessão de créditos não tributários outorga de direitos em face da Administração Pública ou outorga de direitos sobre bens públicos dominicais art 6º I a IV Por outro lado assegura que esses desembolsos sejam garantidos mediante vinculação de receitas observado o disposto no inciso IV do art 167 da Constituição Federal instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei contratação de segurogarantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade34 outros mecanismos admitidos em lei art 8º É lógico que essas garantias devem ser compatíveis com a divisão de riscos estabelecida no contrato de parceria públicoprivada não podendo abranger os riscos que devem ser cobertos pelos parceiros privados sob pena de 34 A Lei 110792004 cuida de constituir desde logo no plano da União um Fundo Garantidor de Parceiras PúblicoPrivadas FGP com patrimônio inicial autorizado de R 600000000000 seis bilhões de reais com vistas a prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei art 16 38 desvirtuamento do contrato e violação direta das normas previstas na própria Lei 11079200435 Os elementos expostos permitem a formulação de um conceito operacional das parceiras públicoprivadas em sentido estrito contrato administrativo de longo prazo celebrado em regime de compartilhamento de riscos remunerado após a efetiva oferta de obra ou serviço pelo parceiro privado responsável pelo investimento construção operação ou manutenção da obra ou do serviço em contrapartida a garantias de rentabilidade e exploração econômica asseguradas pelo Poder Público 9 AS PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS NOS SERVIÇOS DE RELEVÂNCIA PÚBLICA E AS CONCESSÕES ADMINISTRATIVAS Nos serviços prestados pelo Estado não é possível frequentemente reclamar contrapartidas dos usuários Em algumas hipóteses há previsão constitucional de gratuidade na prestação dos serviços como ocorre na prestação de serviços de saúde art 198 1º CF e de ensino art 206 IV CF Em outras situações há decisão política de não onerar os usuários do serviço ou da obra pública por exemplo as concessões de rodovias com pedágiosombra mecanismo pelo qual o Poder Público remunera o concessionário segundo uma estimativa de utilização não havendo pagamento de pedágio pelo usuário direto do serviço Dessumese da Lei 110792004 que concessão administrativa é a parceria públicoprivada sem participação do usuário na remuneração do parceiro privado Nos termos da dicção legal concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação e bens art 2º 2o O novo instituto pode ser empregado tanto para a prestação de serviços públicos quanto para prestação de serviços de relevância pública desde que o concessionário não seja remunerado por usuários privados Figurese a hipótese da União Federal pretender a instalação de um hospital para atendimento gratuito e especializado a portadores de cardiopatias 35 Nesta direção a disciplina do Fundo Garantidor de Parcerias PúblicoPrivadas FGP estabece Art 18 As garantias do FGP serão prestadas proporcionalmente ao valor da participação de cada cotista sendo vedada a concessão de garantia cujo valor presente líquido somado ao das garantias anteriormente prestadas e demais obrigações supere o ativo total do FGP 3o A quitação pelo parceiro público de cada parcela de débito garantido pelo FGP importará exoneração proporcional da garantia 4o No caso de crédito líquido e certo constante de título exigível aceito e não pago pelo parceiro público a garantia poderá ser acionada pelo parceiro privado a partir do 45o quadragésimo quinto dia do seu vencimento 5o O parceiro privado poderá acionar a garantia relativa a débitos constantes de faturas emitidas e ainda não aceitas pelo parceiro público desde que transcorridos mais de 90 noventa dias de seu vencimento não tenha havido sua rejeição expressa por ato motivado 6o A quitação de débito pelo FGP importará sua subrogação nos direitos do parceiro privado 39 em um Município carente Não dispondo a União de recursos orçamentários para a construção e operação de um novo hospital no referido município nem havendo auto sustentabilidade econômica do projeto pela incerteza da demanda e pelo caráter gratuito do atendimento nem sendo possível a aquisição direta do serviço através de hospitais privados por ausência de prestadores locais podese cogitar a utilização do modelo da concessão administrativa remunerandose o concessionário que assuma a construção e operação do novo hospital mediante a previsão contratual de um percentual de acréscimo aplicável sobre a tabela geral de procedimentos do SUS ou de uma estimativa de utilização mínima de procedimentos médicos Em contrapartida aos investimentos e obras exigidas para a construção do hospital para aquisição das instalações e manutenção dos serviços além da remuneração paga a todo empreendedor proprietário de hospital credenciado junto ao SUS o Poder Público asseguraria ao concessionário uma remuneração estimada de forma semelhante ao pedágio sombra ou aplicaria sobre a efetiva utilização de usuários um percentual adicional sobre a tabela de procedimentos padrões do sistema único de saúde com vistas à formação da parceria públicoprivada O usuário não seria onerado com o custo de procedimentos médicos o Estado não precisaria arcar imediatamente com o investimento de implantação do serviço e a amortização do capital privado investido ocorreria ao longo do tempo assumindo o parceiro privado os riscos econômicos de demanda maior ou menor quantidade de usuários e outros que lhe sejam assinalados no vínculo que firmar com a Administração36 A hipótese indica que a denominada concessão administrativa não será nos serviços de relevância pública uma concessão de obra pública nem um contrato de prestação de serviços tradicional Não será uma concessão de obra comum pois os usuários não serão onerados e o que se objetiva é a prestação adequada de serviços gratuitos livres à iniciativa privada mas desinteressantes para empreendedores privados sem garantias especiais do Poder Público Não será um contrato de prestação de serviços tradicional pois a obtenção dos recursos necessários à própria prestação dos serviços será atribuída ao parceiro privado além da remuneração possuir um caráter aleatório dependente do fluxo futuro de clientes ou usuários dos serviços oferecidos e estar vinculada à efetiva prestação dos serviços37 Além disso como antes dito será um contrato 36 Segundo o art 6o parágrafo único da Lei 110792004 o contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato Embora disciplinada como mera faculdade para os contratos de parcerias públicoprivadas em geral a previsão de remuneração variável deve ser considerada a forma preferencial de remuneração dos parceiros privados nas concessões administrativas tendo em vista distanciar a nova forma de parceria dos contratos de fornecimento de mãodeobra fornecimento e instalação de equipamentos ou a mera execução de obra pública 37 Recordese que a Lei 8666 veda expressamente nos contratos para realização de obras ou a prestação de serviços incluir no objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros pra a execução do contrato ressalvados apenas os empreendimentos executados e explorados sob o regime de concessão art 7º 3º bem como a inclusão no objeto da licitação de fornecimento de materiais e serviços sem previsão de quantidade ou cujos quantitativos não correspondam às previsões reais do projeto básico ou executivo art 7º 4º Estas vedações quardam coerência com a exigência de programação integral dos custos atuais e finais das obras 40 extraordinário de elevado valor prazo determinado e expresso compartilhamento de riscos entre os parceiros público e privado este último sendo remunerado apenas após a efetiva disponibilização do serviço A concessão administrativa pode figurar como um contrato de prestação de serviços peculiar de risco ou de quantitativos variáveis quando não exigir a prévia execução de obra ou o fornecimento e instalação de bens e a remuneração do empresário privado decorrer da eficiência de seu desempenho na execução das atividades contratadas A hipótese é remota dada a proibição de celebração de contrato de parceria públicoprivada cujo valor seja inferior a R 2000000000 vinte milhões de reais art 2º 4o I da Lei 110792004 No entanto não é impossível desde que o procedimento contratado seja de valor individual elevado realizado em grande número e o prazo de prestação do serviço permita uma estimativa de despesa pública dentro dos marcos exigidos pela lei De ordinário no entanto salvo melhor juízo a concessão administrativa deve ser qualificada como um contrato administrativo misto híbrido envolvendo um contrato de prestação de serviços e uma concessão de uso ou de obra pública nomeadamente quando envolver a utilização de instalações privativas do Poder Público ou a execução de obra ou o fornecimento de bens A celebração de contratos de concessão administrativa somente será justificada quando oferecer vantagens socioeconômicas sustentabilidade financeira respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços repartição objetiva de riscos entre as partes ganhos de eficiência e transparência nos procedimentos e decisões como exige expressamente o art 4º da Lei 110792004 A concessão administrativa exigirá além disso aperfeiçoamento dos processos de fiscalização e monitoramento do desempenho do parceiro privado para diminuir o risco de desvirtuamento da nova figura contratual e aproveitamento adequado da atividade desenvolvida pelos parceiros especialmente em atividades de relevância pública nas quais a qualidade do atendimento ao público é muito mais importante do que o número dos procedimentos realizados 10 CONCLUSÃO O modelo das parcerias públicoprivadas não pode ser um modismo que afaste a aplicação dos contratos de concessão comuns quando estes ainda são cabíveis Não pode também se voltar apenas para as atividades econômicas ou para o financiamento da prestação de serviços públicos frequentemente sustentáveis ao longo do tempo desde que garantias de procedimento leal e honesto da Administração Pública sejam asseguradas Este modelo pode ser empregado com sucesso e talvez com maior urgência também para financiar a e serviços contratados art 8º mas são inviáveis de serem cumpridas em parcerias público privadas cuja matriz conceitual é exatamente a viabilização de obras e serviços com financiamento privado compartilhamento de riscos e com remuneração vinculada a obrigações de resultado 41 ampliação de serviços sociais do Estado em atividades livres à iniciativa privada de expressiva relevância pública mas desinteressantes para as empresas sem garantias de rentabilidade mínimas adredemente pactuadas e firmemente reconhecidas Estas conclusões não são expressões singelas de qualquer ideologia decorrem do sistema constitucional brasileiro e por igual das normas de cautela previstas na Lei 110792004 Essas normas evidenciam o caráter subsidiário da nova modalidade de parceria voltada apenas para qualificar o contrato de direito público de caráter extraordinário de longo prazo e grande vulto cujo valor seja equivalente ou exceda a R 2000000000 vinte milhões de reais possua prazo de vigência igual ou superior a 5 cinco anos mas não excedente a 35 anos e envolva compartilhamento de riscos entre o parceiro público e o parceiro privado inclusive no tocante à cobertura de riscos contra caso fortuito força maior fato do príncipe e álea econômica extraordinária Para a celebração desses contratos são exigidas cautelas especiais como a comprovação da sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria art 4º VII ao lado da observância da responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias art 4º IV e repartição objetiva de riscos entre as partes art 4º VI Por igual a abertura do processo de licitação está condicionada a autorização da autoridade competente fundamentada em estudo técnico que demonstre a conveniência e a oportunidade da contratação mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria públicoprivada art 10 I a É necessário que a minuta do edital e do respectivo contrato seja submetida à consulta pública que deverá necessariamente informar a justificativa para a contratação art 10 VI Por fim as concessões patrocinadas em que mais de 70 setenta por cento da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica art 10 3o A lei exige também a avaliação da solvência financeira do ente público considerando o comprometimento financeiro com projetos de parceria públicoprivada em curso antes da celebração de novos contratos de parceria A aplicação das parcerias públicoprivadas deve ser a última opção do Poder Público quando inexistentes os recursos necessários para implantação de serviços e obras fundamentais para o país e for inviável a transferência para o parceiro privado do risco econômico de empreendimentos de interesse público Se não for assim serviços auto sustentáveis serão contratados pelo modelo das parcerias públicoprivadas para melhor conforto dos capitais privados enquanto demandas sociais sem auto sustentação continuarão esquecidas no quadro das prioridades públicas As parcerias públicoprivadas desoneram o Poder Público do desembolso imediato de recursos necessários à implementação de serviços e obras mas obrigam o acompanhamento e a fiscalização detalhadas de todo o processo de prestação do serviço e da execução da obra Em especial nas concessões administrativas o risco de demanda do parceiro privado deve ser acompanhado para que não se converta em fraude real ainda que no futuro para o Poder Público 42 Celebradas com as cautelas devidas as parcerias públicoprivadas podem oferecer nova dinâmica a serviços prestados com patrocínio do Estado ao público servir para superar limitações orçamentárias na implementação de serviços públicos e serviços de relevância pública sem ampliar ainda mais o endividamento público assegurando hoje utilidades que talvez sem essas iniciativas continuassem também simples promessas no futuro Salvador 21 de março de 2005 êReferência Bibliográfica deste Trabalho ABNT NBR60232000 MODESTO Paulo Reforma do Estado Formas d Prestação d Serviços ao Público e Parcerias PúblicoPrivadas demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público serviços de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias públicoprivadas Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 2 maiojunjul 2005 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr Acesso em xx de xxxxxxxx de xxxx Obs Substituir x por dados da data de acesso ao site direitodoestadocombr Publicação Impressa Texto publicado originalmente na coletânea SUNDFELD Carlos Ari org Parcerias PúblicoPrivadas São Paulo Ed Malheiros 2005 pp433486