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COLECÇÃO DE FILOSOFIA ENSAIOS A UTOPIA Tomás Morus ELOGIO DA LOUCURA Erasmo ESTÉTICA Hegel 7 vols A CIDADE DO SOL Campanela O BANQUETE Kierkegaard A CONQUISTA DA FELICIDADE B Russell VIDA NOVA Dante MONARQUIA Dante O PRÍNCIPE Maquiavel ENTRE DOIS UNIVERSOS F Figueiredo UM FERNANDO PESSOA Agostinho da Silva O RISO Bergson PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA Descartes AS APROVAÇÕES Agostinho da Silva OS CAVALEIROS DO AMOR Sampaio Bruno O ENIGMA PORTUGUÊS F da Cunha Leão OPÚSCULOS Pascal ESTUDOS GERAIS Álvaro Ribeiro TEORIA DO SER E DA VERDADE José Marinho INICIAÇÃO FILOSÓFICA K Jaspers ECCEHOMO Nietzsche CINCO MEDITAÇÕES SOBRE A EXISTÊNCIA N Berdiaeff UM COLECCIONADOR DE ANGÚSTIAS F Figueiredo O SIMPÓSIO Platão O HOMEM J Bostand ASSIM FALAVA ZARATUSTRA Nietzsche CONVÍVIO Dante GUAIMARÃES EDITORES LDA ISBN 9726651263 Marcelo Brito Guimarães maio 2004 COLECÇÃO FILOSOFIA ENSAIOS FEDRO OU DA BELEZA OBRAS DE PLATÃO NA COLECÇÃO FILOSOFIA E ENSAIOS SUMÁRIO Prólogo 9 O Discurso de Lísias 21 Crítica do Discurso de Lísias 31 Primeiro Discurso de Sócrates 37 Segundo Discurso de Sócrates 53 Interlúdio 81 Diálogo sobre a Retórica 87 Epílogo 131 PRÓLOGO Sócrates Para onde vais a esta hora meu caro Fedro e de onde vens Fedro Venho de casa de Lísias o filho de Céfalo caro Sócrates e vou dar um passeio até lá fora das muralhas Estive muito tempo com Lísias passei toda a manhã sentado Ora seguindo os conselhos do nosso comum amigo Acímeno costumo dar os meus passeios por caminhos longos porque Platão FEDRO sas explicações tem a sua validade mas para isso tornase necessário muito gênio muito trabalho e aplicação e não encontramos nisso a felicidade Seria necessário interpretar seguidamente a imagem dos Hipocentauros 11 depois a da Quimera 12 e então seríamos submergidos por uma enorme multidão de Gorgônias 13 ou de Pégasos 14 por outras criaturas multidimensionais e bizarras por criaturas imagináveis e por monstros legendários Se por incredulidade se conceder a cada uma destas figuras a medida da verossimilhanca fazendo uso para tanto de não sei que grosseria sabedoria nem sequer teremos um momento de ócio Ora eu não dedico o meu ócio a explicações desse gênero e fica sabendo por que motivo meu caro ainda não consegui até agora conforme recomendo a inscrição délfica conhecerme a mim mesmo por isso vejo quanto seria ridículo eu que não tenho o conhecimento de mim mesmo me dedicarse a estudar coisas que me são plátano a frescura da sua água basta mergulhar nela o pé para o verificar A julgar por estas figuras pelas estátuas dos deuses sem dúvida que ela foi consagrada às Ninfas a Aquêlo Não te encanta o ar puro que se respira aqui não é dele desejável e prodigiosamente agradável Cristalina melodia do verão que faz eco ao canto das cigarras O mais agradável de tudo é no entanto esta relva com a doçura natural da sua densidade que permite que a gente se deite e possa sentir a cabeça como afofada Verifico que um estrangeiro não poderia arranjar melhor guia do que tu meu caro Fedro os amantes respondemse das complexões que tiverem que ti aludem uso de outros text os seus dissentimentos com os familiares De onde se segue que libertos de todos estes condicionalismos nada mais lhes resta do que a preocupação de fazer o que melhor puderem para agradar aos amantes Outra coisa admitamos que se torna necessário dar especial atenção aos amantes quando estes desejam mostrar quanto se encontram presos por uma amizade particularmente forte e por palavras e actos se sujeitam a todas as sevicias só para se tornarem agradáveis aos olhos dos amados É fácil saber até que ponto eles mostram ser verdadeiros quando mais tarde se apaixonam por outro ao passam a conceder maiores complacências do que ao primeiro e todavia a rogo do primeiro podem proceder em desabono do outro Todavia que conveniência haverá na concessão de favores a um homem que sofre de tamanha desdita desdita que ninguém deseja sabendo de antemão que não poderá libertarse dela Vê verdade que os amantes concordam que são mais doentes de espírito do que lúcidos e que estão cientes da falta de bom senso da desordem do seu pensamento e da incapacidade de se dominarem Por conseguinte como poderia esses homens quando conseguem harmonizar o pensamento tornar como um bem os desejos que possuem no estado de delírio Mas há ainda outras coisas mais se desejais escolher o menor apaixonado entre os apaixonados será muito pequeno o número deles para que queirais escolher entre todos o que melhor te convier então terás muito por onde escolher mesmo e convencido de que poderá tirar certos benefícios das tuas relações com os outros Assim este oferece maiores esperanças de conseguir mais amizades do que inimizades Além disso entre os amantes muitos não curam primeiro de conhecer o carácter do amado deixandose possuir logo de início pelo amor de concupiscência sem atender às condições particulares por conseguinte não podem estar certos de que continuarão a manter esse amor depois de atingidos os fins ou de satisfeito o desejo Os que não se encontram perturbados pelo amor começam por estabelecer uma mútua amizade antes mesmo de concretizarem os seus desígnios e deste modo não é provável que a satisfação do desejo conduza ao alargamento dessa amizade e que bem pelo contrário ela subsista como uma garantia das promessas para o futuro Por outro lado ainda ao cederdes deveis procurar tornarte ainda mais virtuoso do que se cedessem a um outro possuído de paixão porque esses que estão possuídos pela paixão vão ao ponto de exprimir todas as palavras e todos os actos da amizade mesmo que isso vá contra a verdade das cois parte porque receiam tornarse indiferentes em parte também porque o desejo acaba sempre por adulterar a lucidez e o juízo São assim os efeitos manifestados pelo amor uma pequena contrariedade inibiriase aos olhos do amoroso numa grande preocupação um acaso feliz que nem sequer merece nos alegrar um pouco tornase para o amoroso motivo de exagerados louvores Estou convencido de que os amantes carecem mais de piedade do que de inveja Se em contrapartida acederes aos meus desejos não verás em mim apenas a alegria própria da satisfação de uma intimidade nesse preciso momento mas também o desejo de serte prestável no futuro sem que me deixe subjugar pelo amor antes me dominando sem me deixar levar por motivos fúteis para a inimizade antes não me amesquinhand Conserva na memória todas estas palavras e reflecto no significado desta regra os amantes são constantemente criticados pelos seus amigos que vêem na paixão um mal enquanto os que não se apaixonam jamais são reprovados pelos seus familiares pois se conduzem defeituosamente nos assuntos particulares Sócrates O quê achas necessário que ambos elogiemos o discurso aquilo que o autor disse e não disse Que além disso o seu estilo é claro e preciso e que cada palavra se encontra no justo lugar Se efectivamente devemos proceder dessa forma assim procederei mas apenas por consideração para contigo porque a mim nem sequer me ocorreu tal necessidade em virtude da minha ignorância De facto limiteime a prestar atenção às qualidades retóricas do discurso e quanto ao resto creio que nem o próprio Lísias se poderá dar por satisfeito Fedro O que acabas de dizer nada significa caro Sócrates Efectivamente a justa virtude a virtude mestra do discurso consiste em que ele não deixou de referir nenhum dos aspectos que o sujeito implica Por isso me parece que ninguém poderia escrever outro fosse de nível semelhante fosse de nível superior modo diferente do dele Aí está uma coisa que não acontecercia nem sequer ao escritor mais medíocre Mas exemplifiquemos ao defender que se devem conceder favores a quem não ama e nunca a quem ama e ao impedir que se louve a prudência de um e se condene a imprudência do outro questões que em todo o caso se põem que mais haverá depois para dizer Por mim acho que esses temas se devem deixar aos caprichos do orador a quem se devem permitir e que em qualquer caso semelhante a este não é o poder criador mas sim o estilo que deve elogiarse Já o mesmo não sucede com outras coisas menos importantes e cuja necessidade de criação é maior e mais difícil do que o estilo nas quais se deverá eloqüência ou poder de invenção Fedro Aceito as tuas asserções pois me parecem sensatas mas olha para o que vou dizer agora o homem apaixonado é mais doente do que o nãoapixonado esta é a tese que proponho para ponto de partida Quanto ao resto como sejam a diferença de estilo ou a riqueza maior ou menor do teu discurso se comparada com a de Lisias isso é que desejo ver se és capaz de conseguir O prometido é devido ergueime a tua estátua em Olímpia lado a lado com as oferendas dos Cipsélidas Sócrates Não me digas caro Fedro que ficaste aborrecido com as minhas alucinações ao homem que por outro lado mesmo as pessoas que não amam desejam sempre o belo Como podemos nesse caso distinguir entre as pessoas que amam e as que não amam Além disto devemos reflectir no seguinte em cada um de nós existem dois princípios de forma e de conduta que seguimos para onde eles nos conduzem um inato é o desejo do prazer por outro adquirido que aspira sempre ao melhor Por vezes estas duas tendências concordam em nós uma com a outra mas em certas ocasiões verificamos que entram em guerra e que uma vez sai vencedora a primeira outra vez a segunda Posto isto assentemos em que quando sai vencedora a forma orientada pela razão essa forma chamase temperança quando é o desejo que destituído de razão nos arrasta para os prazeres e nos conduz a seu belo talento essa forma chamase gula Se aqui qual for a questão sobre a qual tenhamos de deliberar tornase necessário conhecer aquilo sobre que vai deliberarse meu rapaz pois de outro modo forçadamente nos enganaremos Ora uma das coisas que escapa à maioria dos homens é a coisa na sua essência como julgam conhecêla jamais chegam a encontrar um ponto de acordo para iniciarem uma pesquisa qualquer e à medida que avançam nessa pesquisa colhem o devido castigo pois nem chegam a concordar com eles mesmos nem com as outras pessoas Por este motivo façamos votos para que nem eu nem eu venhamos a incorrer no defeito que ora apontamos aos outros mas bem pelo contrário e uma vez que ambos nos encontramos em face do problema de saber se é melhor conceder a amizade a um homem apaixonado ou a um não apaixonado e o problema que nesse caso se põe é o Amor da sua essência e da sua existência procuremos uma definição de comum acordo tentandotêla sempre em mente enquando discutimos e o Amor trata vantagens ou desvantagens dente qual o nome com que se pode designar o desejo a que foi dedicada a explanação acima mesmo que não tenha sido explicitamente referido Todavia importa que me expresse sem ambiguidade fale claramente O desejo que desprovido de razão atrofia a alma e esmaga o prazer do bem e se dirige exclusivamente para os desejos próprios da sua natureza cujo único objetivo é a beleza corporal quando se lança impudicamente sobre ela comportase de tal maneira que se torna irresistível e é dessa irresistibilidade dessa força destemperada que ele recebe a denominação de Eros ou de Amor Portanto meu caro qual seja precisamente o objeto sobre que temos de deliberar já o dissemos e o definimos Com os olhos nesses princípios restanos por conseguinte indagar das vantagens e inconvenientes decorrentes do facto de se concederem favores a quem ama e a quem não ama Obviamente quando somos conduzidos pelo desejo quando nos tornamos escravos da volúpia parece que forçadamente procuraremos conseguir do amado o máximo de prazer Ora uma Inclinação perversa gosta de tudo o que não se lhe opõe mas detesta tudo o que é superior ou igual Por isso o apaixonado não suportará de bom grado qualquer indício de superioridade ou de igualdade no seu amado e tudo fará para que este se torne inferior e menos perfeito Mas este é um aspecto que por tão evidente cumpre esquecer para falarmos do que se lhe segue que vantagem ou inconveniente derivam da convivência com o amante e do acolhimento à sua tutela A resposta é evidente para todos e muito mais ainda para o amante o seu desejo maior é de que o amado seja privado dos bens mais dignos de ambição dos bens divinos pai mãe familiares amigos de tudo isso ele gostaria de vêlo privado Tantos intrusos pensará tantos censores das relações que ele mantém comigo E não é tudo o apaixonado pensará sempre que amado que possui bens próprios que tem fortuna seja ela de que espécie for não é uma presa fácil que se vier a ser conquistado não será fácil de manter prisioneiro Seguese necessariamente que um apaixonado sente ciúmes dos bens que possam ter os seus amados e que em contrapartida sente uma enorme satisfação com as suas penas e misérias Mas há ainda mais o apaixonado não admite que o amado possa contrair matrimônio ou construir família e ter filhos ou possuir um lar e isto durante o tempo que for possível porque na sua condição de apaixonado o seu maior desejo é de conseguir usufruir durante muito tempo da egotista volúpia daquele doce fruto Há muitos outros males e a maior parte deles parece que um deus misturou certo prazer momentâneo Assim o lisonjeiro é um verdadeiro monstro deveras prejudicial embora a natureza lhe tenha concedido também um certo grau de prazer que não deixa de ter o seu atractivo Podemos também tomar uma prostituta como coisa nociva e isto sem falar já de imensas outras criaturas e práticas análogas que têm a propriedade de constituir ainda que sejam apenas uma vez deleitosos prazeres O mesmo não poderemos dizer do apaixonado relativamente aos seus amores pois o apaixonado além de ser prejudicial mantém uma assiduidade que o torna francamente maçador Conforme reza o antigo provérbio cada um gosta de conviver com os sua idade com efeito a mesma idade conduz aos mesmos prazeres e esta similitude dá origem à amizade embora tal motivo não impeça que mesmo nestes casos o desejo exagerado leve à sociedade É igualmente verdade que a coação sempre foi olhada como coisa desagradável por toda a gente e mais desagradável se torna quando a idade constitui motivo para que o amante sinta o afastamento daquele a quem ama pois nas suas relações com um amado mais jovem o homem mais idoso não aceita facilmente o receber nem um só momento quer de dia quer de noite Em casos como este o amante é permanentemente agitado pelo desejo e apenas tem em mente a fonte perpétua do prazer que ambiciona ver ouvir tocar sentir de todas as maneiras tal sendo Não tu jamais entraste na ponte de um barco não jamais entraste no castelo de Tróia É verdadeiramente divino caro Fedro com os teus discursos É verdadeiramente admirável Com efeito durante a tua vida têmse pronunciado muitos discursos mas ninguém conseguiu produzir maior quantidade do que tu quer os tenhas pronunciado quer tenhas induzido outros a efectuálos Sócrates Como então já não pensas que o Amor é filho de Afrodite e por conseguinte um deus daderimamente nobre Não achas que um homem como esse nunca poderia concordar com as censuras que dirigimos a Eros nada Depois delas podemos falar da Sibila Podemos falar de todos os que utilizando o poder divinatório que um deus lhes inspira ditaram a muita gente e em muitas ocasiões o recto caminho a seguir Fazer isso seria perder tempo com o que é evidente para todos nós pondo o que eles participam ao abrigo dos males tanto do presente como do futuro e fazendo com que os homens animados de espírito profético encontrem o meio de protegerse contra aqueles males Há ainda uma terceira espécie de loucura aquela que é inspirada pelas Musas quando ela fecunda uma alma delicada e imaculada esta recebe a inspiração e é lançada em transportes que se exprimem em odes e em outras formas de poesia celebrando as glórias dos Antigos e assim contribuindo para a educação da posteridade Agora que foi demonstrada a imortalidade do que se move por si mesmo não haverá qualquer escrúpulo em afirmar que essa é exatamente a essência da alma que o seu caráter é precisamente este Com efeito todos os corpos movidos por um agente exterior são inanimados enquanto o corpo movido de dentro é animado pois ele é o movimento e natureza da alma O que se move a si mesmo não pode ser outra coisa senão a alma de onde se segue necessariamente que a alma é simultaneamente incriada e imortal No que respeita à imortalidade da alma basta o que dissemos Quanto à natureza é necessário explicála da seguinte forma Caracterizála daria ensejo a um longo e divino discurso mas como se trata apenas de oferecer uma breve imagem bastará um discurso humano de menores proporções e nessa medida tentaremos falar a alma pode compararse a não sei que força exterior como a natureza que unisse um carro a uma parelha de cavalos alados conduzidos por um cocheiro Os cavalos dos deuses são de boa raça mas os outros seres são mestiços Quanto a nós somos os cocheiros de uma atrelagem puxado por dos cavalos sendo um belo e bom de boa raça e sendo o outro precisamente de natureza oposta De onde provém a dificuldade que há em conduzirmos o nosso próprio carro Posto isto de onde derivam as denominações de mortal e de imortal atribuídas aos seres vivos Convém que expliquemos igualmente este ponto É sempre uma alma que rege todos os seres inanimados mas ao circular na totalidade universal revestese aqui e ali de formas diferentes Quando é perfeita e alada paira nos céus e governa o universo e quando perde as asas precipitase no espaço tomando em qualquer corpo sólido onde se estabelece e se reveste com a forma de um corpo terrestre o qual começa a moverse por causa da força que a alma que está nele lhe transmite aleta ou de um médico de quinto grau terá direito a dar a existência a um profeta ou a um adivinho consagrado em qualquer forma de iniciação a de sexto grau será a do poeta ou de qualquer outro criador de imitações a de sétimo grau será a de um artista ou camponês a de oitavo grau será a do sofredor cuja arte consiste em lisonjear o povo a demagogia a de nono grau corresponderá a um tirano Suponhamos que de entre todos estes homens houve um que teve uma existência digna Receberá como recompensa melhor sorte enquanto a pior será atribuída ao que levou uma existência indigna A alma não voltará ao ponto de onde saiu senão passados dez mil anos isto é não receberá as asas antes que este tempo se cumpra com exceção dos filósofos e dos que amam os jovens com amor filosófico De facto as almas destes tendo escolhido três vezes seguidas a vida da filosofia recebem as asas a terceira revolução milenar e afastamse Quanto às outras uma vez terminada a primeira vida são submetidas a juízo e depois de julgadas umas vão cumprilas para as penas por locais de penitência que há abaixo da terra absolvidas pela justiça sobem para um lugar do céu onde desfrutam de uma existência que as recompensas da vida que levaram enquanto tiveram a forma humana como se fosse uma ave Impossibilitada de conseguir negligencia as coisas terrenas assim dando a parecer que não passa de um louco Por isso entre as várias formas de entusiasmo esta revelase como sendo a mais perfeita e a que melhores consequências acarretam tanto para quem a possui como para quem dela participa e por isso se costuma também dizer que os possuídos por este entusiasmo se designam por amantes Conforme disse anteriormente em virtude da essência todas as almas humanas contemplaram a Verdade pois se assim não acontecesse jamais poderiam insuflarse num corpo humano Mas nem todas as almas podem recordarse daquela Verdade perante a simples contemplação das coisas deste mundo com a mesma facilidade pois uma vez sujeitas à queda facilmente são impedidas à prática da injustiça olvidando os augustos mistérios que um dia tinham contemplado Assim poucas são as almas a quem foi dado o dom da reminiscência e estas quando se percebem de qualquer objeto semelhante ao do reino superior como que ficam perturbadas e perdem o poder do autodomínio Mal podem perceberse de si mesmas e são incapazes de se analisar nesta existência se chama o Belo e a que não pode adorar Diversamente tendose entregue ao prazer procede como um quadrúpede entregase ao prazer sensual e à procriação dos filhos e uma vez familiarizado com a intempereança deixase ter medo de se entregar a todos os prazeres incluindo aqueles que são contra a natureza Mas o que foi recentemente iniciado e que outrora teve o dom de contemplar muita coisa esse quando vislumbra um rosto divino ou qualquer outro objeto que traga a recordação da Beleza ou um corpo formoso esse experimenta primeiramente uma espécie de tremor e depois uma certa emoção semelhante à de outra Nessa altura volta o olhar para o objeto belo que assim o desperta e venerao como se de um deus se tratasse Nestas circunstâncias não fosse o receio de ser considerado como um mono maníaco cumularia de homenagens o objeto bemamado como se de um deus se tratasse No momento em que o contempla é percorrido por um estremecimento febril pois que uma vez recebida pelos olhos a emanação da beleza sentese aconchegado essa emanação da vitalidade às asas da sua alma Por sua vez o calor funde os obstáculos que impedem a expansão da vitalidade aquilo que impedia a germinação em virtude da sua dureza O afluxo de alimento provoca uma intumescência 70 PLATÃO e que foi lançada não pode repousar nem de noite nem de dia impelida pela paixão lançase em busca dos lugares onde segundo julga pode encontrar a Beleza Quando a consegue rever e dirigir para ela a força do desejo os poros havia pouco obstruídos começam a abrirse A alma retoma a respiração deixa de sentir o aguilhão da dor e goza nesse instante a volúpia mais deliciosa Esta é uma das coisas de que ela não pode afastarse voluntariamente e nada existe que possa merecerlhe tanta atenção como o objecto amado Nem mãe nem irmãos nem camaradas Tudo isto é esquecido e a perda dos bens materiais por culpa da sua incúria não tem para a alma a menor importância Os bons costumes e as boas maneiras que a alma até aí se coibia em praticar são vistas com o mesmo desdém Está disposta à escravidão a repousar em qualquer parte desde que seja o mais próximo possível do seu amado Efectivamente não contente em venerar o ser que possuiu a Beleza ela encontra nele e só nele o remédio para a sua grande dor Os homens belo jovem a quem dirijo este discurso denominam de amor este estado mas se souberem como é chamado pelos deuses a sua mocidade não deixará reagirte de outro modo senão pelo riso Creio que alguns Homéridas recitam dois versos sobre Eros o FE D R O segundo dos quais não dispõe de uma prosódia muito elegante Eis o que esses versos dizem Amor alado é o seu nome para os mortais Mas para os imortais é Pteros por fazer crescer as asas 1 No que estes dois versos dizem tanto é permitido acreditar como não acreditar mas eles explicam a paixão dos amantes bem como as suas causas e efeitos Mas prossigamos um comparticipante do cortejo de Zeus que se tenha deixado enredar pelo deus alado é capaz de suportar essa provocação com a maior facilidade Quanto aos que fazem parte do cortejo de Ares uma vez possuídos por Eros julgam que são vítimas da ofensa dos amados e deixamse invadir pela raiva assassina dispondose a sacrificarse não somente a eles mesmos mas também aos seus amados O mesmo se verifica em relação aos acompanhantes dos cortejos de cada um dos deuses pois os acompanhantes procuram imitar os seus deuses ou melhor possível e assim procedem enquanto são vivos e como não pode haver contaminação assim vivem depois do primeiro nascimento imitando o seu deus em todos os actos seja nas relações com o objecto amado seja nas relações com os outros homens 74 PLATÃO O primeiro de melhor aspecto tem um corpo harmonioso e bem lançado pescoço activo focinho arrebitado pelo branco olhos negros desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e à sobriedade Como amigo da opinião certa para ser conduzido não precisa de ser esperado pois basta para o fazer trotar uma palavra de comando ou de encorajamento Por sua vez o segundo é torto e disforme Foi criado não sabemos como tem o pescoço baixo a nuca amarrada o focinho achatado a cor negra os olhos cinzentos uma compleição sanguínea Amigo da sobreba e da lascívia as orelhas muito peludas não obedece a ordens a muito custo obedece depois de castigado com o açoite O coiceiro se encontrou um objecto digno de ser amado esse encontra aquecelhe a alma enchea de calor de puridos de desejo O cavalo obediente obedece ao coiceiro enquanto o outro não obedece nem ao frio nem ao castigo e movese a força entre obstáculos embaraçando tanto o coiceiro como o outro corcel e levandoos para onde ele quer para o desejo e para a lascívia Finalmente ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aosbons costumes e ambos acabam por se deixar conduzir sem qualquer espécie de relutância decidindo proceder de acordo com o convite que lhes foi dirigido Eilos no entanto perante o amado Ambos observaram esta aparição ofuscante é o bemamado escorrer sangue Obrigandoo a ir a terra obrigao ao sofrimento Depois de assim ter sido submetido aos castigos sucessivos o mau cavalo acaba por renunciar a tendência má A partir de então tornase humilde obedecendo ao cocheiro e sempre que contempla o belo quase morre de medo Só a partir deste momento a alma do amante segue com discrição e pudor o amado Também o jovem que se vê honrado como um deus pelo amante não pode aceitar este facto como se de comédia se tratasse Pelo contrário deseja encarar o facto a sério e sente a necessidade de amar o seu devoto servo Suponhamos que antes disso os seus amigos e outras pessoas denegriram diante dele este sentimento dizendolhe que é vergonhosa a manutenção de relações com um amante e que por esse motivo se deve afastar No caso de se afastar do amante com o andar dos tempos a idade e a necessidade de amar e de se sentir retribuído leváloá a reaproximarse do amante Eis de que maneira Amor recebeste a mais bela a mais excelsa das palinódias que sou capaz de te oferecer em sinal de expiação dos meus pecados Se o meu discurso parecer de uma eloquência maravilhosa muito especialmente pelo vocabulário isso fica a deverse a Fedro que a tanto me obrigou Perdoame pois o meu primeiro discurso e sê indulgente para com este que acabo de proferir Sócrates Pareceme que entendes muito pouco das mudanças devidas à vaidade Não vês que os nossos políticos mais vaidosos são justamente aqueles que fazem muitos discursos que se dedicam à logografia ansiosos de deixarem os seus escritos para a posteridade De tal maneira assim é que sempre que pronunciavam um discurso mostram tal carinho pelos seus aduladores que os citam a todos um por um Sócrates Além disso em que consiste escrever bem e escrever mal Teremos por acaso Fedro de consultar Lisias ou qualquer outro que nunca escreveu nem escreverá jamais sobre este assunto ou mesmo a quem escreva sobre temas políticos quer em prosa como qualquer um Sócrates Procuramos nesse caso reflected sobre o assunto que há momentos estávamos a examinar isto é o de saber o que seja escrever e recitar bem um discurso ou o que seja escrevêlo e recitálo mal Fedro Como o examinaremos Sócrates Suponho por momentos que tento persuadirte a comprar um cavalo para ires combater os teus inimigos mais que tanto tu como eu ignoramos o que seja um cavalo e que entretanto eu chegava à conclusão de que no entender de Fedro o cavalo é o animal doméstico com as orelhas mais compridas Sócrates De acordo assim o reconheço se os argumentos comuns conseguirem provar que a retórica é realmente uma arte pois tenho ouvido algumas pessoas afirmarem o contrário tentando provar que não é uma arte mas sim um negócio que nada tem a ver com a arte Sócrates Pode ser sim mas deixemos esses homens de lado e dizme como procedem esses tribunais os advogados das partes em litígio Não procuraram contradizer as afimações um do outro Ou não será assim mos uns dos outros chegando mesmo a discordar de nós próprios amante poderia dizer ao amado uma vez o amor extinto não é Fedro Sim é como dizes proveniente de uma inspiração divina que atira conosco para fora das regras rotineiras Eu também sou muito dado caro Fedro a esta maneira de reduzir e analisar as ideias pois é o melhor processo de aprender a falar e a pensar e sempre que me convenço de que alguém é capaz de aprender simultaneamente o todo e as partes de um objeto decididome a seguir esse homem como se seguisse as pegadas de um deus Em verdade aos homens que possuem este talento se tenho ou não tenho razão ao dizer isto o deus o sabe sempre os tenho chamado por dialéticos Mas antes de mais dizme como devem ser chamados os que aprendem contigo e com Lísias Talvez seja essa a arte retórica que permitiu a Trasímaco e aos seus pares tornaremse hábeis oradores instruindo igualmente os outros que em sinal de agradecimento lhes oferecerem presentes como se fossem reis E Protágoras caro Sócrates não formulou ele também regras semelhantes questão que virtude advém do exercício dessa arte e em que ensaios essa virtude se patenteia pretente tornarse músico mas isso não impede que um homem tão habilidoso como tu não desconheça por completo a arte da harmonia Conheces de facto os preliminares dessa arte quanto a teoria da própria arte desconhecela por completo Sócrates Parece meu caro amigo que Péricles foi entre todos o que mais se distinguiu na arte da retórica isto é comportar uma pluralidade de formas teremos de as enumerar e depois de as enumerar poderemos proceder como já tínhamos feito para o objecto simples em relação a cada uma dessas formas qual dessas partes é capaz de produzir uma acção e que espécie de acção E qual é a influência dessa acção tomaremos como artistas enquanto não se exprimirem de maneira bem diferente Lísias ou a qualquer outro procura lembrarte e dizêla Sócrates Por Deus Parece então que foi necessário muito talento para descobrir uma arte assim tão misteriosa quer ela tenha sido inventada por Tísias quer por outro qualquer conforme os retóricos apreçam aos quatro ventos Devemos ou não devemos dizerlhe caro amigo Sócrates Pelo menos conheço uma lenda que nos foi transmitida pela tradição antiga Se é verdadeira ou falsa não sei mas se por nós mesmos pudéssemos descobrir a verdade importarianosifamos com o que os homens dizem Sócrates Dizem caro amigo que os primeiros oráculos no templo de Zeus em Dodona foram feitos por um Carvalho É evidente que os homens daquele tempo não eram tão sábios como os da nossa geração e como eram ingênuos o que um Carvalho ou um rochedo dissessem tornavase muito importante embora lhes parecesse verídico Mas para ti talvez interesse saber quem disse determinada coisa sobre o que terra é natural pois não é bastar verificar se essa coisa é verdadeira ou falsa esperaríeis vêlas desenvolvidas tornadas plantas no prazo de oito dias Seria possível que assim acontecesse mas a simples título de culto religioso na altura das festas em honra de Adônis Mas quanto às sementes a que desejei dar um fim útil semeálasá em terreno apropriado utilizando a técnica da agricultura e sentirseá muito feliz se ao oitavo mês colher todas as que se semear Sócrates Aquele que tentámos esclarecer e que nos conduziu até ao ponto a que chegámos à censura que dirigimos a Lisias por causa dos seus discursos escritos o que por sua vez nos levou à classificação dos discursos procurando saber o que tem arte e o que carece de arte Tanto quanto me parece julgo termos distinguido perfeitamente o que é arte do que não é arte Fedro Justamente As tuas palavras encontraram em mim enorme ressonância Sócrates Bem desta maneira nos conseguimos divertir imenso falando de sobre os discursos Agora podes ter com Lisias e dizerlhe que descemos à fonte e ao santuário das Ninfas e aqui fomos ouvintes de discursos tendo sido encarregados da seguinte tarefa dirigirmonos a Lisias bem como a qualquer outro autor de discursos dirigirmonos igualmente a Homero ou a qualquer outro poeta autor de poemas destinados a nunca serem cantados em que agora se exercita de tal maneira que todos os que se dedicam à retórica parecem aprendizes ao pé dele Mas pode acontecer que não se sinta satisfeito com isso e venha a dedicarse por inspiração divina a assuntos mais elevados pois o seu espírito é notavelmente propenso à filosofia Em nome dos deuses que regem este lugar será esta a mensagem que transmitirei ao bem amado Isócrates assim como tu dirás a Lisias o que há pouco te expus Pedro Entendido E agora vamonos embora pois que o calor já abrandou um pouco Sócrates Não achas que devemos rezar aos deuses deste lugar antes de nos irmos embora Pedro Estou de acordo Sócrates Oh Divino Pæ e vós deuses todos da corte celestial deuses deste lugar ajudaime a buscar a beleza interior e fazei com que as coisas exteriores se harmonizem com a beleza espiritual Faça com que o sábio me pareça sempre rico e que eu tenha tanta riqueza quanto um homem sensato for capaz de suportar e bem governar Por acaso teremos algo mais a suplicar Para mim Pedro acho que pedi tudo o que desejo Pedro Pois suplica para mim a mesma coisa já que os amigos tudo devem possuir em comum Sócrates Então vamos COLECÇÃO FILOSOFIA ENSAIOS Álvaro Ribeiro Escola Formal Estudos Gerais Apologia e Filosofia Memórias de um Lettrado António Quadros Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista Portugal Razão e Mistério António Telmo Gramática Secreta da Língua Portuguesa Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões Filosofia e Kabbalah Arte Poética Aristóteles Categorias Organon Auguste Comte Reorganizar a Sociedade Bacon Ensaios Bergson O Riso Claude Bernard Introd à Medicina Experimental Cunha Leão O Enigma Português Ensaio de Psicologia Portuguesa Dália Pereira da Costa Gil Vicente e Sua Época Dante Vida Nova Monarquia O Convívio Descartes Princípios de Filosofia Discurso do Método Erasmo O Elogio da Loucura Eudoro de Souza Mitologia Fidelino de Figueiredo Música e Pensamento Um Homem na Sua Humanidade O Medo da História Diálogo ao Espelho As Duas Espanhas Entre Dois Universos Um Coleccionador de Angústias Freud Moisés e a Religião Monoteísta Goethe Máximas e Reflexões Hegel Estética Princípios de Filosofia do Direito Heidegger Carta sobre o Humanismo Jean Rostand O Homem José de Arriaga A Filosofia Portuguesa José Luís Conceição Silva José Marinho Teoria do Ser e da Verdade Karl Jaspers Iniciação Filosófica Kierkegaard O Banquete Têmor e Têmor Latino Coelho A Ciência na Idade Média Leonardo Coimbra O Pensamento Filosófico de Antero de Quental Lopes Praça História da Filosofia em Portugal Maquiavel O Princípio MerleauPonty Elogio da Filosofia Nicolau Berdiaeff Cinco Meditações sobre a Existência Nietzsche Genealogia da Moral A Origem da Tragédia Anticristo Ecce Homo Assim Falava Zaratustra A Gaia Ciência Para Além de Bem e Mal Crépúsculo Ídolos Ditirambos de Díonísios Correspondência com Wagner Orlando Vitorino Exaltação da Filosofia Derrotada 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COLECÇÃO DE FILOSOFIA ENSAIOS A UTOPIA Tomás Morus ELOGIO DA LOUCURA Erasmo ESTÉTICA Hegel 7 vols A CIDADE DO SOL Campanela O BANQUETE Kierkegaard A CONQUISTA DA FELICIDADE B Russell VIDA NOVA Dante MONARQUIA Dante O PRÍNCIPE Maquiavel ENTRE DOIS UNIVERSOS F Figueiredo UM FERNANDO PESSOA Agostinho da Silva O RISO Bergson PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA Descartes AS APROVAÇÕES Agostinho da Silva OS CAVALEIROS DO AMOR Sampaio Bruno O ENIGMA PORTUGUÊS F da Cunha Leão OPÚSCULOS Pascal ESTUDOS GERAIS Álvaro Ribeiro TEORIA DO SER E DA VERDADE José Marinho INICIAÇÃO FILOSÓFICA K Jaspers ECCEHOMO Nietzsche CINCO MEDITAÇÕES SOBRE A EXISTÊNCIA N Berdiaeff UM COLECCIONADOR DE ANGÚSTIAS F Figueiredo O SIMPÓSIO Platão O HOMEM J Bostand ASSIM FALAVA ZARATUSTRA Nietzsche CONVÍVIO Dante GUAIMARÃES EDITORES LDA ISBN 9726651263 Marcelo Brito Guimarães maio 2004 COLECÇÃO FILOSOFIA ENSAIOS FEDRO OU DA BELEZA OBRAS DE PLATÃO NA COLECÇÃO FILOSOFIA E ENSAIOS SUMÁRIO Prólogo 9 O Discurso de Lísias 21 Crítica do Discurso de Lísias 31 Primeiro Discurso de Sócrates 37 Segundo Discurso de Sócrates 53 Interlúdio 81 Diálogo sobre a Retórica 87 Epílogo 131 PRÓLOGO Sócrates Para onde vais a esta hora meu caro Fedro e de onde vens Fedro Venho de casa de Lísias o filho de Céfalo caro Sócrates e vou dar um passeio até lá fora das muralhas Estive muito tempo com Lísias passei toda a manhã sentado Ora seguindo os conselhos do nosso comum amigo Acímeno costumo dar os meus passeios por caminhos longos porque Platão FEDRO sas explicações tem a sua validade mas para isso tornase necessário muito gênio muito trabalho e aplicação e não encontramos nisso a felicidade Seria necessário interpretar seguidamente a imagem dos Hipocentauros 11 depois a da Quimera 12 e então seríamos submergidos por uma enorme multidão de Gorgônias 13 ou de Pégasos 14 por outras criaturas multidimensionais e bizarras por criaturas imagináveis e por monstros legendários Se por incredulidade se conceder a cada uma destas figuras a medida da verossimilhanca fazendo uso para tanto de não sei que grosseria sabedoria nem sequer teremos um momento de ócio Ora eu não dedico o meu ócio a explicações desse gênero e fica sabendo por que motivo meu caro ainda não consegui até agora conforme recomendo a inscrição délfica conhecerme a mim mesmo por isso vejo quanto seria ridículo eu que não tenho o conhecimento de mim mesmo me dedicarse a estudar coisas que me são plátano a frescura da sua água basta mergulhar nela o pé para o verificar A julgar por estas figuras pelas estátuas dos deuses sem dúvida que ela foi consagrada às Ninfas a Aquêlo Não te encanta o ar puro que se respira aqui não é dele desejável e prodigiosamente agradável Cristalina melodia do verão que faz eco ao canto das cigarras O mais agradável de tudo é no entanto esta relva com a doçura natural da sua densidade que permite que a gente se deite e possa sentir a cabeça como afofada Verifico que um estrangeiro não poderia arranjar melhor guia do que tu meu caro Fedro os amantes respondemse das complexões que tiverem que ti aludem uso de outros text os seus dissentimentos com os familiares De onde se segue que libertos de todos estes condicionalismos nada mais lhes resta do que a preocupação de fazer o que melhor puderem para agradar aos amantes Outra coisa admitamos que se torna necessário dar especial atenção aos amantes quando estes desejam mostrar quanto se encontram presos por uma amizade particularmente forte e por palavras e actos se sujeitam a todas as sevicias só para se tornarem agradáveis aos olhos dos amados É fácil saber até que ponto eles mostram ser verdadeiros quando mais tarde se apaixonam por outro ao passam a conceder maiores complacências do que ao primeiro e todavia a rogo do primeiro podem proceder em desabono do outro Todavia que conveniência haverá na concessão de favores a um homem que sofre de tamanha desdita desdita que ninguém deseja sabendo de antemão que não poderá libertarse dela Vê verdade que os amantes concordam que são mais doentes de espírito do que lúcidos e que estão cientes da falta de bom senso da desordem do seu pensamento e da incapacidade de se dominarem Por conseguinte como poderia esses homens quando conseguem harmonizar o pensamento tornar como um bem os desejos que possuem no estado de delírio Mas há ainda outras coisas mais se desejais escolher o menor apaixonado entre os apaixonados será muito pequeno o número deles para que queirais escolher entre todos o que melhor te convier então terás muito por onde escolher mesmo e convencido de que poderá tirar certos benefícios das tuas relações com os outros Assim este oferece maiores esperanças de conseguir mais amizades do que inimizades Além disso entre os amantes muitos não curam primeiro de conhecer o carácter do amado deixandose possuir logo de início pelo amor de concupiscência sem atender às condições particulares por conseguinte não podem estar certos de que continuarão a manter esse amor depois de atingidos os fins ou de satisfeito o desejo Os que não se encontram perturbados pelo amor começam por estabelecer uma mútua amizade antes mesmo de concretizarem os seus desígnios e deste modo não é provável que a satisfação do desejo conduza ao alargamento dessa amizade e que bem pelo contrário ela subsista como uma garantia das promessas para o futuro Por outro lado ainda ao cederdes deveis procurar tornarte ainda mais virtuoso do que se cedessem a um outro possuído de paixão porque esses que estão possuídos pela paixão vão ao ponto de exprimir todas as palavras e todos os actos da amizade mesmo que isso vá contra a verdade das cois parte porque receiam tornarse indiferentes em parte também porque o desejo acaba sempre por adulterar a lucidez e o juízo São assim os efeitos manifestados pelo amor uma pequena contrariedade inibiriase aos olhos do amoroso numa grande preocupação um acaso feliz que nem sequer merece nos alegrar um pouco tornase para o amoroso motivo de exagerados louvores Estou convencido de que os amantes carecem mais de piedade do que de inveja Se em contrapartida acederes aos meus desejos não verás em mim apenas a alegria própria da satisfação de uma intimidade nesse preciso momento mas também o desejo de serte prestável no futuro sem que me deixe subjugar pelo amor antes me dominando sem me deixar levar por motivos fúteis para a inimizade antes não me amesquinhand Conserva na memória todas estas palavras e reflecto no significado desta regra os amantes são constantemente criticados pelos seus amigos que vêem na paixão um mal enquanto os que não se apaixonam jamais são reprovados pelos seus familiares pois se conduzem defeituosamente nos assuntos particulares Sócrates O quê achas necessário que ambos elogiemos o discurso aquilo que o autor disse e não disse Que além disso o seu estilo é claro e preciso e que cada palavra se encontra no justo lugar Se efectivamente devemos proceder dessa forma assim procederei mas apenas por consideração para contigo porque a mim nem sequer me ocorreu tal necessidade em virtude da minha ignorância De facto limiteime a prestar atenção às qualidades retóricas do discurso e quanto ao resto creio que nem o próprio Lísias se poderá dar por satisfeito Fedro O que acabas de dizer nada significa caro Sócrates Efectivamente a justa virtude a virtude mestra do discurso consiste em que ele não deixou de referir nenhum dos aspectos que o sujeito implica Por isso me parece que ninguém poderia escrever outro fosse de nível semelhante fosse de nível superior modo diferente do dele Aí está uma coisa que não acontecercia nem sequer ao escritor mais medíocre Mas exemplifiquemos ao defender que se devem conceder favores a quem não ama e nunca a quem ama e ao impedir que se louve a prudência de um e se condene a imprudência do outro questões que em todo o caso se põem que mais haverá depois para dizer Por mim acho que esses temas se devem deixar aos caprichos do orador a quem se devem permitir e que em qualquer caso semelhante a este não é o poder criador mas sim o estilo que deve elogiarse Já o mesmo não sucede com outras coisas menos importantes e cuja necessidade de criação é maior e mais difícil do que o estilo nas quais se deverá eloqüência ou poder de invenção Fedro Aceito as tuas asserções pois me parecem sensatas mas olha para o que vou dizer agora o homem apaixonado é mais doente do que o nãoapixonado esta é a tese que proponho para ponto de partida Quanto ao resto como sejam a diferença de estilo ou a riqueza maior ou menor do teu discurso se comparada com a de Lisias isso é que desejo ver se és capaz de conseguir O prometido é devido ergueime a tua estátua em Olímpia lado a lado com as oferendas dos Cipsélidas Sócrates Não me digas caro Fedro que ficaste aborrecido com as minhas alucinações ao homem que por outro lado mesmo as pessoas que não amam desejam sempre o belo Como podemos nesse caso distinguir entre as pessoas que amam e as que não amam Além disto devemos reflectir no seguinte em cada um de nós existem dois princípios de forma e de conduta que seguimos para onde eles nos conduzem um inato é o desejo do prazer por outro adquirido que aspira sempre ao melhor Por vezes estas duas tendências concordam em nós uma com a outra mas em certas ocasiões verificamos que entram em guerra e que uma vez sai vencedora a primeira outra vez a segunda Posto isto assentemos em que quando sai vencedora a forma orientada pela razão essa forma chamase temperança quando é o desejo que destituído de razão nos arrasta para os prazeres e nos conduz a seu belo talento essa forma chamase gula Se aqui qual for a questão sobre a qual tenhamos de deliberar tornase necessário conhecer aquilo sobre que vai deliberarse meu rapaz pois de outro modo forçadamente nos enganaremos Ora uma das coisas que escapa à maioria dos homens é a coisa na sua essência como julgam conhecêla jamais chegam a encontrar um ponto de acordo para iniciarem uma pesquisa qualquer e à medida que avançam nessa pesquisa colhem o devido castigo pois nem chegam a concordar com eles mesmos nem com as outras pessoas Por este motivo façamos votos para que nem eu nem eu venhamos a incorrer no defeito que ora apontamos aos outros mas bem pelo contrário e uma vez que ambos nos encontramos em face do problema de saber se é melhor conceder a amizade a um homem apaixonado ou a um não apaixonado e o problema que nesse caso se põe é o Amor da sua essência e da sua existência procuremos uma definição de comum acordo tentandotêla sempre em mente enquando discutimos e o Amor trata vantagens ou desvantagens dente qual o nome com que se pode designar o desejo a que foi dedicada a explanação acima mesmo que não tenha sido explicitamente referido Todavia importa que me expresse sem ambiguidade fale claramente O desejo que desprovido de razão atrofia a alma e esmaga o prazer do bem e se dirige exclusivamente para os desejos próprios da sua natureza cujo único objetivo é a beleza corporal quando se lança impudicamente sobre ela comportase de tal maneira que se torna irresistível e é dessa irresistibilidade dessa força destemperada que ele recebe a denominação de Eros ou de Amor Portanto meu caro qual seja precisamente o objeto sobre que temos de deliberar já o dissemos e o definimos Com os olhos nesses princípios restanos por conseguinte indagar das vantagens e inconvenientes decorrentes do facto de se concederem favores a quem ama e a quem não ama Obviamente quando somos conduzidos pelo desejo quando nos tornamos escravos da volúpia parece que forçadamente procuraremos conseguir do amado o máximo de prazer Ora uma Inclinação perversa gosta de tudo o que não se lhe opõe mas detesta tudo o que é superior ou igual Por isso o apaixonado não suportará de bom grado qualquer indício de superioridade ou de igualdade no seu amado e tudo fará para que este se torne inferior e menos perfeito Mas este é um aspecto que por tão evidente cumpre esquecer para falarmos do que se lhe segue que vantagem ou inconveniente derivam da convivência com o amante e do acolhimento à sua tutela A resposta é evidente para todos e muito mais ainda para o amante o seu desejo maior é de que o amado seja privado dos bens mais dignos de ambição dos bens divinos pai mãe familiares amigos de tudo isso ele gostaria de vêlo privado Tantos intrusos pensará tantos censores das relações que ele mantém comigo E não é tudo o apaixonado pensará sempre que amado que possui bens próprios que tem fortuna seja ela de que espécie for não é uma presa fácil que se vier a ser conquistado não será fácil de manter prisioneiro Seguese necessariamente que um apaixonado sente ciúmes dos bens que possam ter os seus amados e que em contrapartida sente uma enorme satisfação com as suas penas e misérias Mas há ainda mais o apaixonado não admite que o amado possa contrair matrimônio ou construir família e ter filhos ou possuir um lar e isto durante o tempo que for possível porque na sua condição de apaixonado o seu maior desejo é de conseguir usufruir durante muito tempo da egotista volúpia daquele doce fruto Há muitos outros males e a maior parte deles parece que um deus misturou certo prazer momentâneo Assim o lisonjeiro é um verdadeiro monstro deveras prejudicial embora a natureza lhe tenha concedido também um certo grau de prazer que não deixa de ter o seu atractivo Podemos também tomar uma prostituta como coisa nociva e isto sem falar já de imensas outras criaturas e práticas análogas que têm a propriedade de constituir ainda que sejam apenas uma vez deleitosos prazeres O mesmo não poderemos dizer do apaixonado relativamente aos seus amores pois o apaixonado além de ser prejudicial mantém uma assiduidade que o torna francamente maçador Conforme reza o antigo provérbio cada um gosta de conviver com os sua idade com efeito a mesma idade conduz aos mesmos prazeres e esta similitude dá origem à amizade embora tal motivo não impeça que mesmo nestes casos o desejo exagerado leve à sociedade É igualmente verdade que a coação sempre foi olhada como coisa desagradável por toda a gente e mais desagradável se torna quando a idade constitui motivo para que o amante sinta o afastamento daquele a quem ama pois nas suas relações com um amado mais jovem o homem mais idoso não aceita facilmente o receber nem um só momento quer de dia quer de noite Em casos como este o amante é permanentemente agitado pelo desejo e apenas tem em mente a fonte perpétua do prazer que ambiciona ver ouvir tocar sentir de todas as maneiras tal sendo Não tu jamais entraste na ponte de um barco não jamais entraste no castelo de Tróia É verdadeiramente divino caro Fedro com os teus discursos É verdadeiramente admirável Com efeito durante a tua vida têmse pronunciado muitos discursos mas ninguém conseguiu produzir maior quantidade do que tu quer os tenhas pronunciado quer tenhas induzido outros a efectuálos Sócrates Como então já não pensas que o Amor é filho de Afrodite e por conseguinte um deus daderimamente nobre Não achas que um homem como esse nunca poderia concordar com as censuras que dirigimos a Eros nada Depois delas podemos falar da Sibila Podemos falar de todos os que utilizando o poder divinatório que um deus lhes inspira ditaram a muita gente e em muitas ocasiões o recto caminho a seguir Fazer isso seria perder tempo com o que é evidente para todos nós pondo o que eles participam ao abrigo dos males tanto do presente como do futuro e fazendo com que os homens animados de espírito profético encontrem o meio de protegerse contra aqueles males Há ainda uma terceira espécie de loucura aquela que é inspirada pelas Musas quando ela fecunda uma alma delicada e imaculada esta recebe a inspiração e é lançada em transportes que se exprimem em odes e em outras formas de poesia celebrando as glórias dos Antigos e assim contribuindo para a educação da posteridade Agora que foi demonstrada a imortalidade do que se move por si mesmo não haverá qualquer escrúpulo em afirmar que essa é exatamente a essência da alma que o seu caráter é precisamente este Com efeito todos os corpos movidos por um agente exterior são inanimados enquanto o corpo movido de dentro é animado pois ele é o movimento e natureza da alma O que se move a si mesmo não pode ser outra coisa senão a alma de onde se segue necessariamente que a alma é simultaneamente incriada e imortal No que respeita à imortalidade da alma basta o que dissemos Quanto à natureza é necessário explicála da seguinte forma Caracterizála daria ensejo a um longo e divino discurso mas como se trata apenas de oferecer uma breve imagem bastará um discurso humano de menores proporções e nessa medida tentaremos falar a alma pode compararse a não sei que força exterior como a natureza que unisse um carro a uma parelha de cavalos alados conduzidos por um cocheiro Os cavalos dos deuses são de boa raça mas os outros seres são mestiços Quanto a nós somos os cocheiros de uma atrelagem puxado por dos cavalos sendo um belo e bom de boa raça e sendo o outro precisamente de natureza oposta De onde provém a dificuldade que há em conduzirmos o nosso próprio carro Posto isto de onde derivam as denominações de mortal e de imortal atribuídas aos seres vivos Convém que expliquemos igualmente este ponto É sempre uma alma que rege todos os seres inanimados mas ao circular na totalidade universal revestese aqui e ali de formas diferentes Quando é perfeita e alada paira nos céus e governa o universo e quando perde as asas precipitase no espaço tomando em qualquer corpo sólido onde se estabelece e se reveste com a forma de um corpo terrestre o qual começa a moverse por causa da força que a alma que está nele lhe transmite aleta ou de um médico de quinto grau terá direito a dar a existência a um profeta ou a um adivinho consagrado em qualquer forma de iniciação a de sexto grau será a do poeta ou de qualquer outro criador de imitações a de sétimo grau será a de um artista ou camponês a de oitavo grau será a do sofredor cuja arte consiste em lisonjear o povo a demagogia a de nono grau corresponderá a um tirano Suponhamos que de entre todos estes homens houve um que teve uma existência digna Receberá como recompensa melhor sorte enquanto a pior será atribuída ao que levou uma existência indigna A alma não voltará ao ponto de onde saiu senão passados dez mil anos isto é não receberá as asas antes que este tempo se cumpra com exceção dos filósofos e dos que amam os jovens com amor filosófico De facto as almas destes tendo escolhido três vezes seguidas a vida da filosofia recebem as asas a terceira revolução milenar e afastamse Quanto às outras uma vez terminada a primeira vida são submetidas a juízo e depois de julgadas umas vão cumprilas para as penas por locais de penitência que há abaixo da terra absolvidas pela justiça sobem para um lugar do céu onde desfrutam de uma existência que as recompensas da vida que levaram enquanto tiveram a forma humana como se fosse uma ave Impossibilitada de conseguir negligencia as coisas terrenas assim dando a parecer que não passa de um louco Por isso entre as várias formas de entusiasmo esta revelase como sendo a mais perfeita e a que melhores consequências acarretam tanto para quem a possui como para quem dela participa e por isso se costuma também dizer que os possuídos por este entusiasmo se designam por amantes Conforme disse anteriormente em virtude da essência todas as almas humanas contemplaram a Verdade pois se assim não acontecesse jamais poderiam insuflarse num corpo humano Mas nem todas as almas podem recordarse daquela Verdade perante a simples contemplação das coisas deste mundo com a mesma facilidade pois uma vez sujeitas à queda facilmente são impedidas à prática da injustiça olvidando os augustos mistérios que um dia tinham contemplado Assim poucas são as almas a quem foi dado o dom da reminiscência e estas quando se percebem de qualquer objeto semelhante ao do reino superior como que ficam perturbadas e perdem o poder do autodomínio Mal podem perceberse de si mesmas e são incapazes de se analisar nesta existência se chama o Belo e a que não pode adorar Diversamente tendose entregue ao prazer procede como um quadrúpede entregase ao prazer sensual e à procriação dos filhos e uma vez familiarizado com a intempereança deixase ter medo de se entregar a todos os prazeres incluindo aqueles que são contra a natureza Mas o que foi recentemente iniciado e que outrora teve o dom de contemplar muita coisa esse quando vislumbra um rosto divino ou qualquer outro objeto que traga a recordação da Beleza ou um corpo formoso esse experimenta primeiramente uma espécie de tremor e depois uma certa emoção semelhante à de outra Nessa altura volta o olhar para o objeto belo que assim o desperta e venerao como se de um deus se tratasse Nestas circunstâncias não fosse o receio de ser considerado como um mono maníaco cumularia de homenagens o objeto bemamado como se de um deus se tratasse No momento em que o contempla é percorrido por um estremecimento febril pois que uma vez recebida pelos olhos a emanação da beleza sentese aconchegado essa emanação da vitalidade às asas da sua alma Por sua vez o calor funde os obstáculos que impedem a expansão da vitalidade aquilo que impedia a germinação em virtude da sua dureza O afluxo de alimento provoca uma intumescência 70 PLATÃO e que foi lançada não pode repousar nem de noite nem de dia impelida pela paixão lançase em busca dos lugares onde segundo julga pode encontrar a Beleza Quando a consegue rever e dirigir para ela a força do desejo os poros havia pouco obstruídos começam a abrirse A alma retoma a respiração deixa de sentir o aguilhão da dor e goza nesse instante a volúpia mais deliciosa Esta é uma das coisas de que ela não pode afastarse voluntariamente e nada existe que possa merecerlhe tanta atenção como o objecto amado Nem mãe nem irmãos nem camaradas Tudo isto é esquecido e a perda dos bens materiais por culpa da sua incúria não tem para a alma a menor importância Os bons costumes e as boas maneiras que a alma até aí se coibia em praticar são vistas com o mesmo desdém Está disposta à escravidão a repousar em qualquer parte desde que seja o mais próximo possível do seu amado Efectivamente não contente em venerar o ser que possuiu a Beleza ela encontra nele e só nele o remédio para a sua grande dor Os homens belo jovem a quem dirijo este discurso denominam de amor este estado mas se souberem como é chamado pelos deuses a sua mocidade não deixará reagirte de outro modo senão pelo riso Creio que alguns Homéridas recitam dois versos sobre Eros o FE D R O segundo dos quais não dispõe de uma prosódia muito elegante Eis o que esses versos dizem Amor alado é o seu nome para os mortais Mas para os imortais é Pteros por fazer crescer as asas 1 No que estes dois versos dizem tanto é permitido acreditar como não acreditar mas eles explicam a paixão dos amantes bem como as suas causas e efeitos Mas prossigamos um comparticipante do cortejo de Zeus que se tenha deixado enredar pelo deus alado é capaz de suportar essa provocação com a maior facilidade Quanto aos que fazem parte do cortejo de Ares uma vez possuídos por Eros julgam que são vítimas da ofensa dos amados e deixamse invadir pela raiva assassina dispondose a sacrificarse não somente a eles mesmos mas também aos seus amados O mesmo se verifica em relação aos acompanhantes dos cortejos de cada um dos deuses pois os acompanhantes procuram imitar os seus deuses ou melhor possível e assim procedem enquanto são vivos e como não pode haver contaminação assim vivem depois do primeiro nascimento imitando o seu deus em todos os actos seja nas relações com o objecto amado seja nas relações com os outros homens 74 PLATÃO O primeiro de melhor aspecto tem um corpo harmonioso e bem lançado pescoço activo focinho arrebitado pelo branco olhos negros desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e à sobriedade Como amigo da opinião certa para ser conduzido não precisa de ser esperado pois basta para o fazer trotar uma palavra de comando ou de encorajamento Por sua vez o segundo é torto e disforme Foi criado não sabemos como tem o pescoço baixo a nuca amarrada o focinho achatado a cor negra os olhos cinzentos uma compleição sanguínea Amigo da sobreba e da lascívia as orelhas muito peludas não obedece a ordens a muito custo obedece depois de castigado com o açoite O coiceiro se encontrou um objecto digno de ser amado esse encontra aquecelhe a alma enchea de calor de puridos de desejo O cavalo obediente obedece ao coiceiro enquanto o outro não obedece nem ao frio nem ao castigo e movese a força entre obstáculos embaraçando tanto o coiceiro como o outro corcel e levandoos para onde ele quer para o desejo e para a lascívia Finalmente ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aosbons costumes e ambos acabam por se deixar conduzir sem qualquer espécie de relutância decidindo proceder de acordo com o convite que lhes foi dirigido Eilos no entanto perante o amado Ambos observaram esta aparição ofuscante é o bemamado escorrer sangue Obrigandoo a ir a terra obrigao ao sofrimento Depois de assim ter sido submetido aos castigos sucessivos o mau cavalo acaba por renunciar a tendência má A partir de então tornase humilde obedecendo ao cocheiro e sempre que contempla o belo quase morre de medo Só a partir deste momento a alma do amante segue com discrição e pudor o amado Também o jovem que se vê honrado como um deus pelo amante não pode aceitar este facto como se de comédia se tratasse Pelo contrário deseja encarar o facto a sério e sente a necessidade de amar o seu devoto servo Suponhamos que antes disso os seus amigos e outras pessoas denegriram diante dele este sentimento dizendolhe que é vergonhosa a manutenção de relações com um amante e que por esse motivo se deve afastar No caso de se afastar do amante com o andar dos tempos a idade e a necessidade de amar e de se sentir retribuído leváloá a reaproximarse do amante Eis de que maneira Amor recebeste a mais bela a mais excelsa das palinódias que sou capaz de te oferecer em sinal de expiação dos meus pecados Se o meu discurso parecer de uma eloquência maravilhosa muito especialmente pelo vocabulário isso fica a deverse a Fedro que a tanto me obrigou Perdoame pois o meu primeiro discurso e sê indulgente para com este que acabo de proferir Sócrates Pareceme que entendes muito pouco das mudanças devidas à vaidade Não vês que os nossos políticos mais vaidosos são justamente aqueles que fazem muitos discursos que se dedicam à logografia ansiosos de deixarem os seus escritos para a posteridade De tal maneira assim é que sempre que pronunciavam um discurso mostram tal carinho pelos seus aduladores que os citam a todos um por um Sócrates Além disso em que consiste escrever bem e escrever mal Teremos por acaso Fedro de consultar Lisias ou qualquer outro que nunca escreveu nem escreverá jamais sobre este assunto ou mesmo a quem escreva sobre temas políticos quer em prosa como qualquer um Sócrates Procuramos nesse caso reflected sobre o assunto que há momentos estávamos a examinar isto é o de saber o que seja escrever e recitar bem um discurso ou o que seja escrevêlo e recitálo mal Fedro Como o examinaremos Sócrates Suponho por momentos que tento persuadirte a comprar um cavalo para ires combater os teus inimigos mais que tanto tu como eu ignoramos o que seja um cavalo e que entretanto eu chegava à conclusão de que no entender de Fedro o cavalo é o animal doméstico com as orelhas mais compridas Sócrates De acordo assim o reconheço se os argumentos comuns conseguirem provar que a retórica é realmente uma arte pois tenho ouvido algumas pessoas afirmarem o contrário tentando provar que não é uma arte mas sim um negócio que nada tem a ver com a arte Sócrates Pode ser sim mas deixemos esses homens de lado e dizme como procedem esses tribunais os advogados das partes em litígio Não procuraram contradizer as afimações um do outro Ou não será assim mos uns dos outros chegando mesmo a discordar de nós próprios amante poderia dizer ao amado uma vez o amor extinto não é Fedro Sim é como dizes proveniente de uma inspiração divina que atira conosco para fora das regras rotineiras Eu também sou muito dado caro Fedro a esta maneira de reduzir e analisar as ideias pois é o melhor processo de aprender a falar e a pensar e sempre que me convenço de que alguém é capaz de aprender simultaneamente o todo e as partes de um objeto decididome a seguir esse homem como se seguisse as pegadas de um deus Em verdade aos homens que possuem este talento se tenho ou não tenho razão ao dizer isto o deus o sabe sempre os tenho chamado por dialéticos Mas antes de mais dizme como devem ser chamados os que aprendem contigo e com Lísias Talvez seja essa a arte retórica que permitiu a Trasímaco e aos seus pares tornaremse hábeis oradores instruindo igualmente os outros que em sinal de agradecimento lhes oferecerem presentes como se fossem reis E Protágoras caro Sócrates não formulou ele também regras semelhantes questão que virtude advém do exercício dessa arte e em que ensaios essa virtude se patenteia pretente tornarse músico mas isso não impede que um homem tão habilidoso como tu não desconheça por completo a arte da harmonia Conheces de facto os preliminares dessa arte quanto a teoria da própria arte desconhecela por completo Sócrates Parece meu caro amigo que Péricles foi entre todos o que mais se distinguiu na arte da retórica isto é comportar uma pluralidade de formas teremos de as enumerar e depois de as enumerar poderemos proceder como já tínhamos feito para o objecto simples em relação a cada uma dessas formas qual dessas partes é capaz de produzir uma acção e que espécie de acção E qual é a influência dessa acção tomaremos como artistas enquanto não se exprimirem de maneira bem diferente Lísias ou a qualquer outro procura lembrarte e dizêla Sócrates Por Deus Parece então que foi necessário muito talento para descobrir uma arte assim tão misteriosa quer ela tenha sido inventada por Tísias quer por outro qualquer conforme os retóricos apreçam aos quatro ventos Devemos ou não devemos dizerlhe caro amigo Sócrates Pelo menos conheço uma lenda que nos foi transmitida pela tradição antiga Se é verdadeira ou falsa não sei mas se por nós mesmos pudéssemos descobrir a verdade importarianosifamos com o que os homens dizem Sócrates Dizem caro amigo que os primeiros oráculos no templo de Zeus em Dodona foram feitos por um Carvalho É evidente que os homens daquele tempo não eram tão sábios como os da nossa geração e como eram ingênuos o que um Carvalho ou um rochedo dissessem tornavase muito importante embora lhes parecesse verídico Mas para ti talvez interesse saber quem disse determinada coisa sobre o que terra é natural pois não é bastar verificar se essa coisa é verdadeira ou falsa esperaríeis vêlas desenvolvidas tornadas plantas no prazo de oito dias Seria possível que assim acontecesse mas a simples título de culto religioso na altura das festas em honra de Adônis Mas quanto às sementes a que desejei dar um fim útil semeálasá em terreno apropriado utilizando a técnica da agricultura e sentirseá muito feliz se ao oitavo mês colher todas as que se semear Sócrates Aquele que tentámos esclarecer e que nos conduziu até ao ponto a que chegámos à censura que dirigimos a Lisias por causa dos seus discursos escritos o que por sua vez nos levou à classificação dos discursos procurando saber o que tem arte e o que carece de arte Tanto quanto me parece julgo termos distinguido perfeitamente o que é arte do que não é arte Fedro Justamente As tuas palavras encontraram em mim enorme ressonância Sócrates Bem desta maneira nos conseguimos divertir imenso falando de sobre os discursos Agora podes ter com Lisias e dizerlhe que descemos à fonte e ao santuário das Ninfas e aqui fomos ouvintes de discursos tendo sido encarregados da seguinte tarefa dirigirmonos a Lisias bem como a qualquer outro autor de discursos dirigirmonos igualmente a Homero ou a qualquer outro poeta autor de poemas destinados a nunca serem cantados em que agora se exercita de tal maneira que todos os que se dedicam à retórica parecem aprendizes ao pé dele Mas pode acontecer que não se sinta satisfeito com isso e venha a dedicarse por inspiração divina a assuntos mais elevados pois o seu espírito é notavelmente propenso à filosofia Em nome dos deuses que regem este lugar será esta a mensagem que transmitirei ao bem amado Isócrates assim como tu dirás a Lisias o que há pouco te expus Pedro Entendido E agora vamonos embora pois que o calor já abrandou um pouco Sócrates Não achas que devemos rezar aos deuses deste lugar antes de nos irmos embora Pedro Estou de acordo Sócrates Oh Divino Pæ e vós deuses todos da corte celestial deuses deste lugar ajudaime a buscar a beleza interior e fazei com que as coisas exteriores se harmonizem com a beleza espiritual Faça com que o sábio me pareça sempre rico e que eu tenha tanta riqueza quanto um homem sensato for capaz de suportar e bem governar Por acaso teremos algo mais a suplicar Para mim Pedro acho que pedi tudo o que desejo Pedro Pois suplica para mim a mesma coisa já que os amigos tudo devem possuir em comum Sócrates Então vamos COLECÇÃO FILOSOFIA ENSAIOS Álvaro Ribeiro Escola Formal Estudos Gerais Apologia e Filosofia Memórias de um Lettrado António Quadros Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista Portugal Razão e Mistério António Telmo Gramática Secreta da Língua Portuguesa Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões Filosofia e Kabbalah Arte Poética Aristóteles Categorias Organon Auguste Comte Reorganizar a Sociedade Bacon Ensaios Bergson O Riso Claude Bernard Introd à Medicina Experimental Cunha Leão O Enigma Português Ensaio de Psicologia Portuguesa Dália Pereira da Costa Gil Vicente e Sua Época Dante Vida Nova Monarquia O Convívio Descartes Princípios de Filosofia Discurso do Método Erasmo O Elogio da Loucura Eudoro de Souza Mitologia Fidelino de Figueiredo Música e 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