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A QUESTÃO DA PERSONALIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS MULTINACIONAIS Jomara de Carvalho Ribeiro RESUMO A personalidade jurídica é instituto basilar de toda sociedade O ordenamento internacional reconhece como seus sujeitos de direito apenas os Estados sujeitos primários e as Organizações Internacionais sujeitos derivados A emergência de novos participantes nessa sociedade demanda uma atualização de suas regras e instituições para melhor satisfação de suas necessidades A Globalização trouxe a proliferação de Empresas Multinacionais que detêm grande poder econômico por vezes maior que economias de dezenas de países Esse poder econômico acaba se sobrepondo à soberania dos Estados especialmente aqueles menores e vulneráveis Por isso a urgência em estabelecer o alcance dos direitos e deveres dessas empresas no direito internacional moderno PALAVRASCHAVE PERSONALIDADE JURÍDICA EMPRESAS MULTINACIONAIS GLOBALIZAÇÃO ABSTRACT Legal personality is a fundamental institution in every society The international order recognizes as its subjects only States primary subjects and the International Intergovernmental Organizations secondary subjects The emergence of new actors in this society demands a review of its rules and institutions to better satisfy its necessities Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela PUC Minas Professora de Direito Internacional e Pesquisadora da FADOM Professora de Direito Comercial Internacional da UIT 859 Globalization has brought about the proliferation of Multinational Corporations which hold a great deal of economic power sometimes greater than the economies of dozens of States Such economic power ends up superseding the States sovereignty especially the small and vulnerable ones Thus there is urgency in setting the rights and obligations of these corporations according to the modern international law KEY WORDS LEGAL PERSONALITY MULTINATIONAL CORPORATIONS GLOBALIZATION 1 INTRODUÇÃO A personalidade é conceito básico da ordem jurídica e atualmente todos os sistemas jurídicos internos reconhecem as pessoas físicas assim como as pessoas jurídicas de direito público e privado enquanto sujeitos de direito1 Por que então na ordem jurídica internacional a questão da personalidade jurídica permanece embrionária e restrita mesmo sabendose da importância de sua definição para a manutenção dessa mesma ordem2 Após séculos de estudos doutrinários e discussões calorosas sobre o tema os debates ainda persistem Afinal há possibilidade de inclusão de novos sujeitos para o direito internacional Bom já houve a inclusão a despeito de muita resistência das Organizações Internacionais OIs ao hall conquanto até o início do século XX eram apenas os Estados Quais poderiam ser então os demais sujeitos As teses mais preponderantes envolvem a personalidade jurídica internacional dos Indivíduos das Organizações Não Governamentais ONGs e das Empresas Multinacionais 1 SHAW Malcom 2000 p137 DINIZ Maria Helena 2000 p82 2 Sobre a dubiedade do direito internacional no que tange à personalidade jurídica ver CARREAU Dominique 1994 p 395 Et seq 860 Neste estudo deixase os Indivíduos e as ONGs e tomase como alvo de análise as Empresas Multinacionais3 por serem elas capazes até mesmo de sobrepujar o poder decisório de diversos Estados considerados soberanos Adotase como premissa a definição de Empresa Multinacional EM elaborada pelo Instituto de Direito Internacional como sendo aquela organização constituída de um centro de decisão localizado em um país e por centros de atividades dotados ou não de personalidade própria situados em um ou em vários outros países4 Ademais este estudo apresenta outros dois termos controversos além das expressões Personalidade Jurídica Internacional e Empresa Multinacional quais sejam Soberania e Globalização A realização da pesquisa para este artigo compreendeu o exame de bibliografia e jurisprudência pertinentes além de dados obtidos em sítios eletrônicos do Fundo Monetário Internacional FMI e da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento UNCTAD 2 A POLÊMICA QUE CIRCUNSCREVE A PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL Em 1949 a Corte Internacional de Justiça CIJ proferiu a seguinte declaração Os sujeitos de direito em qualquer sistema jurídico não são necessariamente idênticos em sua natureza ou na extensão de seus direitos e sua natureza depende das necessidades da comunidade5 Nesse notório parecer a CIJ se referia à personalidade jurídica das Nações Unidas mais especificamente à sua capacidade de demandar reparações e exercer proteção diplomática em favor de seus funcionários perante tribunais internacionais 3 Segundo Stazjn Empresa é instituição econômica que visa a organização e desenvolvimento de atividades de produção e distribuição de bens e serviços nos mercados criação de riquezas ou utilidades STAZJN Raquel 2004 p177 O termo Multinacional se refere a uma situação na qual uma pessoa que tem laços de ligação com vários Estados quer um laço territorial quer um laço pessoal ou mesmo a ligação devido à escolha voluntária da lei aplicável a uma atividade DALLIER Patrick PELLET Alain QUOC DINH Nguyen 2000 Utilizase como termo sinônimo para Empresa Multinacional a Corporação Transnacional Ver JESSUP Philip C 1956 p 12 e et seq acerca dos termos Transnacional e Internacional 4 DALLIER Patrick PELLET Alain QUOC DINH Nguyen 2000 p 627 5 Opinião Consultiva sobre Reparações de Danos Sofridos a Serviço das Nações Unidas CIJ 1949 174 International Law Reports p 178 861 Entretanto esse entendimento acabou tornandose referência para diversos debates sobre a questão de ser sujeito de direito internacional público6 De fato o tema tem sido alvo de intensas discussões doutrinárias por décadas seguidas e desde a metade do século passado temse verificado a influência de diversos atores no sistema internacional7 o que não significou a inserção desses diversos atores na condição de sujeitos de direito internacional detentores de direitos e deveres jurídicos na ordem internacional Segundo Dixon e McCorquodale quanto mais os Estados são analisados como o centro do direito internacional menor a probabilidade de ampliar a noção de quem são os sujeitos de direito internacional8 Isto porque os Estados são reconhecidamente os sujeitos primários de direito internacional público9 Eles e apenas eles detêm a personalidade jurídica internacional em sua plenitude sendo capazes de celebrar tratados demandar em tribunais de jurisdição internacional adquirir direitos e obrigações na esfera internacional gozar de imunidades e privilégios diplomáticos em jurisdições nacionais participar de organizações internacionais públicas entre outras10 Malanczuk pondera que a consideração dos Estados como sujeitos únicos e originários de direito internacional público decorre do Positivismo Jurídico que predominava no século XIX11 No início do século XX Oppenheim declarava que o Direito das Nações era fundado no consentimento mútuo dos Estados e não de seres humanos portanto os Estados eram exclusivamente os sujeitos de direito internacional12 Obviamente que com o surgimento das Organizações Internacionais OIs13 especialmente após a Segunda Guerra Mundial esse posicionamento tornouse ultrapassado e a noção de sujeito de direito internacional adequouse com fins de 6 TRINDADE Antônio Augusto Cançado 2002 p 1 et seq SOARES Guido Fernando Silva 2002 p149 7 BRONWLIE Ian 1997 p73 CARVALHO Leonardo Arquimino 2003 p 34 Texaco Overseas Petroleum Company v The Libyan Arab Republic 1977 53 International Law Reports p 389 8 DIXON Martin MCCORQUODALE Robert 2003 p 131132 9 REZEK J Francisco 2005 p 151 HIGGINS Rosalyn 2001 p 39 CASSESE Antonio 2001 p69 10 BROWNLIE 1997 p71 SOARES Op cit p 143150 11 MALANCZUK Peter 1999 p91 12 OPPENHEIM L 1961 p 19 13 Temse como Organização Internacional OI as associações voluntárias de Estados criadas a partir de um tratado internacional Portanto organizações intergovernamentais 862 abarcar aqueles organismos cuja relevância para a ordem jurídica internacional mostrouse irrefutável14 Mas quando se considera a extensão da personalidade jurídica das OIs verificase que os Estados ainda continuam sendo os únicos sujeitos plenos Eles concedem uma personalidade limitada às OIs através de tratados internacionais para que elas possam exercer suas competências Bem distante da amplitude das prerrogativas inerentes à personalidade jurídica estatal Daí voltase àquela afirmação da CIJ mencionada alhures e indagase como ocorre a atribuição da personalidade jurídica internacional Através de normas específicas ou de teorias políticas Ou seria através de critérios factuais Ao que tudo indica não há uma determinação objetiva sobre o surgimento dessa personalidade jurídica tratase ainda de uma área nebulosa na ordem jurídica internacional Muito diferente do que ocorre no direito interno dos Estados onde há definições específicas sobre quem são seus sujeitos de direito e previsões sobre a personalidade e a capacidade jurídicas Mas mesmo nos sistemas internos ser reconhecido como sujeito de direito não significa a mesma coisa em todos os casos Sujeitos diferentes terão direitos e deveres diferentes de maneiras diferentes Shaw exemplifica citando que um indivíduo é capaz de cometer um homicídio já uma sociedade empresária não tem essa capacidade15 Sendo a personalidade jurídica crucial a continuar essa visão ortodoxa de que os sujeitos únicos do direito internacional são os Estados soberanos tendo como derivados as OIs mesmo diante do crescimento do número de outros participantes no sistema internacional esse sistema pode estar comprometendo sua própria continuidade Neste ensaio pretendese conduzir a discussão em torno de uma personalidade limitada para as Empresas Multinacionais EMs talvez até mais limitada que a das OIs Não se almeja defender a soberania das EMs nem tampouco crucificalas pelas agruras causadas pela Globalização e sim analisar sua influência no sistema internacional questionar seus direitos e deveres bem como os meios de responsabiliza las por suas condutas 14 MALANCZUK Peter 1997 p 92 15 SHAW Malcom N 2000 p 137139 863 3 GLOBALIZAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DAS EMPRESAS MULTINACIONAIS A expressão Globalização tem sido citada há vários anos e compreende diversas dimensões de conceitos e premissas dependendo da finalidade de sua utilização Segundo o Fundo Monetário Internacional FMI Globalização é a interdependência econômica crescente entre os países do mundo provocada pelo aumento do volume e da variedade das transações transfonteiriças de bens e serviços assim como dos fluxos internacionais de capital ao mesmo tempo que pela difusão acelerada e generalizada da tecnologia 16 Em diversas ocasiões o ex Secretário Geral das Nações Unidas Kofi Annan demonstrou preocupação em relação à dissonância entre a realidade do mundo global em que vivemos atualmente e as instituições nele existentes Segundo Annan essas instituições deveriam ser atualizadas com fins de melhor atenderem às demandas da Globalização 17 A preocupação do ex Secretário Geral da ONU se fundamenta na constatação de que a interdependência econômica crescente não se esgota na economia Ela produz efeitos em todos os demais setores acarretando mudanças sociais políticas e jurídicas Conseqüências positivas por um lado como aceleração do desenvolvimento internacional melhor aproveitamento da produção facilidade no acesso à informação e negativas por outro como aumento das desigualdades sociais e econômicas terrorismo internacional desastres ambientais epidemias mundiais entre outras É possível citar diversos efeitos visíveis ou não desse fenômeno considerado irreversível Entretanto aqui buscarseá verificar um deles a proliferação das Empresas Multinacionais uma vez que dados da UNCTAD apontam que nunca houve presença tão robusta de EMs em tantos países do mundo18 16 IMF World Economic And Financial Surveys World Economic Outlook May 1997 p03 disponível em httpwwwimforgexternalpubsWEOMAYchapter1pdf Acesso em 11072006 17 An Agenda for Peace UNDOC A47277S24111 para 17 1992 disponível em httpwwwunorgDocsSGagpeacehtml Acesso em 11072006 Millennium Report of the SecretaryGeneral A542000 disponível em httpwwwunorgmillenniumsgreport Acesso em 11072006 18 Sobre o crescimento das EMs no mundo ver UNCTAD 2005 p 100150 disponível em httpwwwunctadorgendocsiteiit20059enpdf e UNCTAD 011205 disponível em 864 A multiplicação das EMs é devido à abertura dos mercados ao capital estrangeiro que incentivou as grandes companhias a investirem em economias de outros países19 Na década de 70 quando esse fato iniciouse houve muitas críticas por parte dos países em desenvolvimento por temerem a interferência e a dependência causada por essa invasão20 Ultimamente a questão inverteuse Os governos dos Estados disputam esse investimento acirradamente através de concessões de isenções fiscais garantias trabalhistas e outros benefícios tudo para ganhar as EMs em seus territórios e assim gerar mais empregos e dividendos para a economia estatal21 Por conseguinte os Estados acabam cedendo aos interesses das EMs tendo sua soberania econômica e financeira diluída e seu poder fragmentado diante da interdependência da Globalização22 A figura abaixo traz uma ilustração de um fenômeno que ocorre com freqüência nos dias atuais Ao observála questionase quem regula a subsidiária da EM estabelecida no Estado B O Estado B o Estado A ou a Matriz do Estado A httpwwwunctadorgendocsiteiit20057enpdf Acesso em 12072006 O sítio eletrônico da UNCTAD apresenta estatísticas com as 100 maiores EMs nãofinanceiras consoante a quantidade de recursos estrangeiros alocados httpwwwunctadorgsectionsditedirdocswir2005top100enpdf há também as 50 maiores EMs financeiras httpwwwunctadorgsectionsditedirdocswir2005top50totalassetsenpdf A tabela com as 50 maiores EMs nãofinanceiras dos países em desenvolvimento consoante os recursos estrangeiros alocados traz 03 empresas brasileiras no ranking a Petrobrás em 8º lugar a Companhia Vale do Rio em 23º e a Metarlugica Gerdau SA em 31º httpwwwunctadorgsectionsditedirdocswir2005top50enpdf Acesso em 12072006 19 Sobre investimentos internacionais diretos e indiretos ver SORNARAJAH M 2004 20 HENKIN Louis 1979 p 207211 21 IMF World Economic And Financial Surveys World Economic April 2005 p129 disponível em httpwwwimforgexternalpubsftweo200501pdfchapter3pdf Acesso em 12072006 22 WILLETS Peter 2005 p 429432 865 Governo do Estado A Matriz da EM Governo do Estado B Subsidiária da EM Figura 1 Conexões de Autoridade Fonte BAYLES John SMITH Steve 2005 p 431 Em um primeiro momento afirmase o Estado B onde a EM está incorporada Porém ao se observar as setas de autoridade concluíse que é muito provável que ocorra choque de soberania entre os Estados A e B visto que a subsidiária da EM tenderá a cumprir as regras estabelecidas pela sua matriz estabelecida no território de um outro Estado Essa é apenas uma circunstância em que os Estados especialmente aqueles em desenvolvimento e os menos desenvolvidos tornamse vulneráveis quando se trata de influência exercida pelas EMs23 Ressaltese que há outros casos verificados pela própria UNCTAD24 e por diversas ONGs25 4 A URGÊNCIA DE UMA REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA PARA AS EMPRESAS MULTINACIONAIS 23 Willets menciona uma situação em que ocorre perda do controle estatal sobre os fluxos financeiros visto que as EMs podem adotar práticas como transferência de preços sem que o Estado sequer tome conhecimento do fato Essa prática consiste na alteração dos preços de importação e exportação de produtos entre as empresas visando à evasão fiscal Assim se um Estado aumenta sua carga de tributos a EM poderá modificar o valor do produto para exportação entre suas subsidiárias para arrecadar menos sem que a intervenção do controle estatal WILLETS Peter 2005 p 430 24 ENDERWICK Peter 2005 Disponível em httpwwwunctadorgendocsiteiit20055a3enpdf Acesso em 11072006 KOBRIN Stephen 2005 Disponível em httpwwwunctadorgendocsiteiit20051a3enpdf Acesso em 11072006 25 Umas das ONGs mais ativas é a International Center for Corporate Accountability cujo sítio eletrônico é httpwwwiccacorporateaccountabilityorg Esta ONG busca conscientizar as EMs a se tornarem cidadãs mundiais e adotarem posturas éticas e códigos de conduta Outras seriam Investor Responsibility Research Center cujo sítio eletrônico é httpwwwirrcorg e Ethical Globalization Initiative sítio eletrônico httpwwweginiativeorg 866 Diante do exposto nos capítulos anteriores é questionável o porquê da não consideração das EMs enquanto sujeitos de direito internacional para fins de regulamentação e controle de suas condutas Stern defende uma regulamentação específica para a Globalização na esfera internacional A autora argumenta que a regulamentação da Globalização não implica na extinção dos Estados muito pelo contrário o direito internacional é criado pelos Estados Portanto para o direito internacional ter legitimidade e força os Estados devem existir e serem efetivos26 Slaughter acredita que a Globalização será regulada por Redes de Contato Governamentais Para ela a visão tradicional do Estado unitário não mais procede O Estado não está desaparecendo mas se desagregando e o corolário dessa desagregação é o surgimento das Redes de Contato Governamentais Por isso muito mais eficaz do que criar instituições formais para controlar a Globalização deverseia concentrar e incentivar o incremento dessas Redes de Contato uma vez que estamos na Era da Informação27 Dallier et al expõem objetivamente sobre as EMs e explicam que não se trata de impor a essas empresas o respeito a um direito preexistente mas de conscientizar os sujeitos de direito internacional das insuficiências do direito positivo tanto interno como internacional28 Acrescem os autores que a permanecer como está a possibilidade para as EMs manipularem as legislações nacionais é considerável e o direito internacional não às atinge pois tratamse de entidades de direito interno Por isso a importância do reconhecimento da personalidade jurídica de direito internacional de tais entidades29 Há atitudes sendo tomadas dentre elas destacase o trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE em conjunto com diversas ONGs e EMs para a elaboração de Códigos de Conduta aplicáveis a essas empresas30 Esses Códigos consistem em um conjunto de diretivas e princípios inspirados no 26 STERN Brigitte 2001 p247268 27 SLAUGHTER AnneMarie 2001 177205 28 DALLIER Patrick PELLET Alain QUOC DINH Nguyen Op Cit p 628 29 Ibidem p 628 30 UNCTAD 2005 Disponível em httpwwwunctadorgendocsiteiit20059enpdf Acesso em 10072006 867 Global Compact criado pela ONU31 que devem ser observados tanto pela matriz quanto pelas subsidiárias espalhadas pelos países Contudo têm caráter recomendatório isto é sua observância não é exigida A partir da OCDE também houve a negociação de um Acordo Multilateral sobre Investimentos que todavia não foi aprovado pelo número necessário de Estados Os críticos apontam que esse acordo beneficia apenas os Estados desenvolvidos e se olvida das demandas dos menos desenvolvidos32 Nos Estados Unidos o Judiciário tem conhecido ações apresentadas por cidadãos de outros países contra EMs Eles pleiteiam reparações de danos causados por violações de direitos humanos perpetrados por subsidiárias de EMs americanas em outros Estados utilizando como fundamento jurídico o Alien Torts Claim Act ATCA33 O Órgão Judicante entende que o ATCA pode ser aplicado para situações em que os agentes não são entes estatais desde que esses agentes tenham agido como se os fossem34 Essa linha de raciocínio é mesmo interessante mesmo que não seja o Estado desde que esteja agindo como se o fosse Ainda que empresas multinacionais sejam consideradas como entes privados elas podem agir como se fossem entidades públicas A questão é que diversas EMs possuem um poder econômico muito maior do que o de muitos Estados35 Por isso acabam interferindo na condução dos assuntos estatais ainda que de maneira disfarçada Acobertadas pelo Governo agem sem que possam ser responsabilizadas na esfera internacional pois não são sujeitos de direito internacional Aguirre assevera que os status das EMs no ordenamento internacional deve mudar Mesmo sendo entes privados elas possuem deveres a serem cumpridos Esses 31 O Global Compact da ONU é um projeto que surgiu em 1999 constituído de 10 princípios e que busca unir os empresários mundiais à organização suas agências e à sociedade civil na busca por uma responsabilidade social corporativa Ver sítio eletrônico wwwunglobalcompactorg 32 KWAKWA Edward 2001 227246 33 DHOOGE Lucien J Georgetown Journal of International Law Fall 2003 p3 et seq 34 ACEVES William JAmerican Journal of International Law April 1998 309 et seq 35 A ONG Global Policy apresenta em seu sítio eletrônico artigos científicos e dados estatísticos sobre as EMs wwwglobalpolicyorgsocecontncs Sobre a relação PIB Estatal e Lucro de EMs ver httpwwwglobalpolicyorgsocecontncstncstathtm Em 2000 os rendimentos da General Motors só não ultrapassavam os rendimentos de 7 países do mundo EUA Alemanha Itália Reino Unido Japão França e Holanda 868 deveres estão dispostos no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais36 Em que pese a intenção dos Estados principalmente os desenvolvidos na mudança desse status não haverá mudança alguma A impressão é de que os Estados temem a inclusão de novos sujeitos para o direito internacional por causa da soberania que lhes é peculiar37 Será mesmo que eles perderiam soberania ao reconhecer as EMs como sujeitos derivados de direito internacional e lhes criasse um estatuto próprio E afinal o que vem a ser soberania em um mundo global Pois é sabido que não há no direito internacional um termo mais embaraçoso que soberania38 Koskenniemi expõe que no direito internacional moderno soberania desempenha uma função análoga àquela da liberdade no discurso liberal interno Porém segundo ele é impossível definir soberania de uma maneira que caiba na atual percepção de completa liberdade subjetiva do Estado e ao mesmo tempo em sua submissão objetiva aos limites de tal liberdade39 Se a soberania consiste em liberdade e limitação para o Estado então é perfeitamente cabível o reconhecimento de personalidade jurídica às empresas multinacionais na medida em que a atribuição dessa personalidade permitirá ao Estado exercer sua soberania com liberdade e limitação Perante todas as observações aqui apresentadas findase com o clamor por mudança na concepção da personalidade jurídica internacional Mudança compatível aos tempos em que vivemos e que possibilite a conjugação liberdade econômica com responsabilidade social 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do crescimento do número de participantes na sociedade internacional o direito internacional ainda persiste em considerar como seus sujeitos apenas os Estados sujeitos primários e as OIs sujeitos derivados 36 AGUIRRE D 35 California Western International Law Journal Fall 2004 p 53 et seq 37 DALLIER Patrick PELLET Alain QUOC DINH Nguyen 2000 p 629 38 KAPLAN Morton AKATZENBACH Nicholas de B1964 p 149 A respeito de soberania no direito internacional moderno ver FERRAJOLI Luigi 2002 e JACKSON John 2006 p5778 39 KOSKENNIEMI Martti 2005 p300302 869 O temor em perder sua soberania leva o Estado a ignorar a urgência de uma regulamentação específica para as Empresas Multinacionais Fenômeno conseqüente à Globalização e que se prolifera a cada dia Por que esse temor do Estado Por que a insistência na manutenção de um conceito hermético de personalidade jurídica internacional diante de uma sociedade dinâmica Como afirma Ferrajoli O Estado já é demasiado grande para as coisas pequenas e demasiado pequeno para as coisas grandes40 A criação de um estatuto próprio para as EMs e sua elevação à condição de sujeitos de direito internacional não tornariam os Estados menos soberanos mas lhes dariam força e eficácia REFERÊNCIAS ACEVES William JDoe v Unocal 963 F Supp 880 US District Court CD Cal March 25 1997 American Journal of International Law April 1998 AGUIRRE D Multinational corporations and the realisation of economic social and cultural rights 35 California Western International Law Journal Fall 2004 An Agenda for Peace Preventive Diplomacy Peacemaking and PeaceKeeping Report of the SecretaryGeneral UNDOC A47277S24111 para 17 1992 Disponível em httpwwwunorgDocsSGagpeacehtml Acesso em 11072006 BRONWLIE Ian Princípios de direito internacional público Lisboa fundação Calouste Gulbekian 1997 CARREAU Dominique Droit international 4 ed Paris Pedone 1994 CARVALHO Leonardo Arquimino Introdução ao estudo das relações internacionais Porto Alegre Síntese 2003 CASSESE Antonio International law Oxford Oxford University Press 2001 Corte Internacional de Justiça Opinião Consultiva sobre Reparações de Danos Sofridos a Serviço das Nações Unidas CIJ 1949 174 International Law Reports DALLIER Patrick PELLET Alain QUOC DINH Nguyen Direito internacional público Lisboa Fundação Calouste Gulbekian 2000 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro 1º V São Paulo Saraiva 2000 40 FERRAJOLI Luigi 2002 p50 870 DIXONMartin MCCORQUODALE Robert Cases materials on international law 4th Edition Oxford University Press 2003 DHOOGE Lucien J The alien tort claims act and the modern transnational enterprise deconstructing the mythology of judicial activism 35 Georgetown Journal of International Law Fall 2003 ENDERWICK Peter Attracting desirable FDI theory and evidence In UNCTAD Transnational corporations journal Volume 14 Number 2 August 2005 Disponível em httpwwwunctadorgendocsiteiit20055a3enpdf Acesso em 11072006 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno São Paulo Martins Fontes 2002 HENKIN Louis How nations behave Law and Foreign Policy Nova Iorque Council on Foreign Relations 1979 HIGGINS Rosalyn Process and problems London Oxford 2001 IMF World Economic And Financial Surveys 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