·

Letras ·

Português

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

PROJETO TEMÁTICO E SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS THE MATIC PROJECT AND TEACHING SEQUENCE IN PORTUGUESE LANGUAGE TEACHING APPROACHES AND DISTANCING André Luiz Santos Praxedes 1 Sílvio Nunes da Silva Júnior 2 Resumo Dentro da área reflexiva e problemática da Linguística Aplicada que se inquieta com questões dadas por acabadas em diferentes contextos sociais este estudo busca apresentar por meio da descrição de uma experiência em sala de aula com suas respectivas bases teóricas e metodológicas aproximações e distanciamentos entre as noções de projeto temático e sequência didática No plano teórico trazemos considerações acerca da concepção de língualinguagem numa perspectiva dialógica frisando temas como o papel ativo do sujeito da linguagem e os gêneros discursivos O aparato metodológico traz considerações sobre metodologia de pesquisa qualitativa e de etnografia além de questões vinculadas ao contexto de geração de dados As análises apontam que por serem mais voltadas ao papel do aluno assim reflexivo do aula as sequências didáticas se tornam mais completas pois favorecem ainda o trabalho contextual e ético do professor Os projetos temáticos nesse sentido revelam que caso não exista uma formação de professores eficiente seus resultados não implicam significativamente na aprendizagem concreta da língua portuguesa em sala de aula Palavraschave Contextos Sociais Ensino Língua Portuguesa Abstract Within the reflective and problematizing area of Applied linguistics which is concerned with issues that have ended in different social contexts this study aims to present through the description of an experience in the classroom with its respective theoretical and methodological bases to present approximations and distances between the notions of thematic project and didactic sequence At the theoretical level we outline considerations about the conception of languagelanguage in a dialogical perspective emphasizing themes such as the active role of the subject of language and discursive genres The methodological apparatus brings considerations about qualitative and ethnographic research methodology in addition to issues related to the context of data collection The analyzes show that as they are more focused on the students active and thus reflexive role the didactic sequences become more complete because they also favor the contextual and ethical work of the teacher The thematic projects in this sense reveal that if there is no efficient teacher training the results of static and disconnected initiatives do not significantly imply the concrete learning of the Portuguese language in the classroom Keywords Social Contexts Teaching Portuguese Language Mestrando em Linguística pelo Programa de Pósgraduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas PPGLUFAL Membro do Grupo de Estudos Discurso Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas GEEDALLUFAL Lattes httplattescnpqbr3828404623687878 ORCID httpsorcidorg0000000151634650 Email andrepraxedesgmailcom Doutorando e Mestre em Linguística pelo Programa de Pósgraduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas PPGLUFAL Membro do Grupo de Estudos Discurso Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas GEEDALLUFAL Lattes httplattescnpqbr0787968438252157 ORCID httpsorcidorg000000031753399X Email junyornuneshotmailcom 233 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 Considerações iniciais O campo da Linguísi ca Aplicada tem atuado como um importante infl uenciador de problemai zações referentes às prái cas de ensino de língua portuguesa Por ser uma arena sempre propícia a novos olhares o ensino da linguagem numa perspeci va ampla e nos ter mos de Bakhi n 2003 concreta e dinâmica precisa favorecer prái cas que esi mulem a refl e xão discente assim como a docente uma vez que caso o mediador do processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa não reconheça a relevância de se formar alunos ai vos o trabalho com a língua em sala de aula não vai passar de mera abstração Escolas da rede privada do Brasil sob uma ói ca organizacional e por assim dizer mercadológica adotam sistemas de ensino que em grande parte não se contextualizam à re alidade de cada localidade em que os materiais são ui lizados A esse respeito Silva Júnior 2018 pontua que caso os professores não saibam a real fi nalidade de um material didái co como livro didái co como auxiliares de prái cas de ensino e o conceba como um instrumento ditador a descontextualização das ações pedagógicas com a realidade local do aluno é ainda mais efetiva Assim a pari r de uma experiência profi ssional na qual um professor precisou efetuar um projeto temái co as caracterísi cas desse material se aproximavam em alguns aspectos da noção de sequência didática proposta por Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 Entretanto os distanciamentos eram visíveis em relação ao esí mulo à refl exão do aluno dado pela categoria de sequência didái ca quando a perspeci va do projeto temái co se apresentava como algo desconexo socioculturalmente falando Nesse seni do este trabalho busca apresentar por meio da descrição de uma experi ência em sala de aula com suas respeci vas bases teóricas e metodológicas aproximações e distanciamentos entre as noções de projeto temái co e sequência didái ca a pari r de obser vações de cunho etnográfi co e interpretações referentes aos objei vos de cada conceituação Para tanto o texto está estruturado em um tópico teórico tratando de temas como língualin guagem e ensino de língua portuguesa considerações metodológicas de pesquisa e análises de experiências efetuadas no contexto da sala de aula de língua portuguesa Língualinguagem e ensino de Língua Portuguesa Em qualquer que seja o debate a respeito do ensino de Língua Portuguesa pensar na concepção de linguagem que permeia os posicionamentos dos professorespesquisadores é sempre algo peri nente Deixar clara a opção políi ca para se ensinar a língua materna de que trata Geraldi 1984 revela que as prái cas de ensino deixam claras caracterísi cas referentes à formação do professor e sua própria atuação profi ssional O tratamento da linguagem desse modo não pode ser restrito ao estudo linguísi co pois ao se abordar a língua na escola precisa se conhecer os caminhos que favoreçam melhores resultados mediante as diversas difi culda des que os contextos de ensino apresentam principalmente para os professores que precisam lidar com carga horária reduzida uma infi nidade de objetos de ensino dentre outros fatores locais e globais em esferas pública eou privada Tomamos como pressuposto teórico para o tratamento da língualinguagem as dis cussões oriundas do chamado círculo de Bakhi n mais especifi camente as concepções de in teração discursiva pontuada por Volóchinov 2017 de compreensão responsiva ai va e a de gênero do discurso vinculadas à obra de Bakhi n 2003 Tais conceitos permitem que as posi ções defendidas a respeito da linguagem e do ensino de língua portuguesa possam ser compre endidas mais profundamente visto que a variedade de refl exões linguísi cas e fi losófi cas sobre a linguagem expandem os olhares sobre a língua como objeto de pesquisa bem como no seu viés de objeto de ensino Ao apresentar sua críi ca às teorias que defendem o estudo da língua como instru mento e como expressão Volóchinov 2017 p 203 indica o seu modo de pensar a língua linguagem de modo que 234 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 Ao se tornar exterior e expressarse para fora o interior muda de aspecto pois ele é obrigado a dominar o material exterior que possui as suas próprias leis alheias ao interior No processo desse domínio do material da sua superação da sua transformação em um médium obdiente da expressão aquilo que é vivido e expresso muda de aspecto e é forçado a buscar uma espécie de meiotermo O autor defende que não existe o ser consi tuído por apenas experiências internas e sem relação com o lado de fora do sujeito O interior e o exterior estão num coní nuo movi mento de ida e vinda de experiências de vida dadas pelas prái cas discursivas que circulam na vida social Ainda em Volóchinov 2017 destacamos quando o teórico trata da língua viva em contraposição ao estudo da língua como sistema de signos vislumbrado pelo estruturalismo saussuriano A língua viva signifi ca a língua em constante evolução social que refl ete e refrata condições contextuais de cada sujeito da linguagem É pela língua que o sujeito se consi tui e implica a consi tuição de outros sujeitos As sim como sujeitos mediados pelas interações discursivas somos responsáveis pela dinâmica que a língua portuguesa assume e como professores estamos envolvidos também com a questão do ensino dessa língua viva A tradição estrutural do ensino da língua portuguesa o deixou preso a uma concepção de língua morta mesmo que esses termos não fossem ui liza dos Visavase o aprendizado de um sistema estrutural criado no passado sem que houvesse qualquer alteração linguísi cocultural Pensar na língua viva é ir além dessa tradição e buscar favorecer que os alunos ocupem em sala de aula posições ai vas em suas construções coní nuas de conhecimentos Ao tratar de compreensão responsiva ai va Bakhi n 2003 destaca que nenhum sujei to está propício a produzir compreensões passivas a pari r de enunciados previamente apre sentados Dessa forma existem níveis de ai vismos que representam de alguma forma o pro cesso de construção de conhecimento sobre a língua Consideramos com isso que os níveis de ai vismo do sujeito alertam o professor nas interações escolares quando o ensino precisa passar por algum i po de reformulação seja em relação aos objetos de ensino determinados ou à adequação da prái ca docente a gêneros do discurso que integrem mais efei vamente a vida social dos alunos Os gêneros do discurso para Bakhi n 2003 são construções relativamente estáveis de enunciados que acompanham as evoluções da língua viva Por serem fortes auxílios no trabalho com a língualinguagem em sala de aula os gêneros precisam ser cautelosamente pensados visando um aprofundamento do aluno no que se propõe nas prái cas de ensino e aprendizagem da língua portuguesa Nesse seni do não é sai sfatório caso o professor queira de alguma maneira obrigar o aluno a dominar determinado gênero que não faça parte do seu coi diano uma vez que na adequação da ação pedagógica ao contexto sociocultural podese construir um aluno responsável e ativo no processo de ensino e de aprendizagem Diante destas considerações teóricas esclarecemos os aspectos metodológicos para que as análises possam ser empreendidas em seguida Abordagem qualitai va de pesquisa e o cunho etnográfi co Por se tratar de uma pesquisa em Linguísi ca Aplicada área epistemológica que bus ca encaminhamentos para contextos de uso da linguagem tendo como foco o processo de seus fenômenos MOITA LOPES 1996 esta pesquisa ui liza como pressuposto metodológico a abordagem qualitai va Para Triviños 1987 conceituar a abordagem qualitai va de pesquisa é uma tarefa dií cil devido à abrangência conceitual do termo Em concordância Chizzoi 2010 exemplifi ca tal premissa demonstrando como o método é regado por diversas correntes epis temológicas tais como a fenomenologia o interacionalismo simbólico a etnometodologia e a dialéi ca CHIZZOTTI 2010 Ainda assim os estudiosos compari lham ao que parece para Triviños 1987 a ideia de que o início dos estudos qualitai vos ocorreu dentro da antropologia quando pesquisadores perceberam que as informações sobre a vida dos povos precisavam 235 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 ser interpretadas de forma mais ampla buscando os signifi cados dados às ações humanas do ponto de vista dos próprios sujeitos em seus contextos reais de vivência o que os dados quan i fi cados não ofereciam TRIVIÑOS 1987 As pesquisas quani tai vas no geral tendem a delimitar um proble ma antes de ser dado início à invesi gação uma vez que fruto da tradição posii vista estão predispostas apenas à aplicação de leis constantes e regulares capazes de validar ou não seu objeto de estudos Diferentemente nas pesquisas qualitai vas o problema é tratado da forma inversa como explica Chizzoi 2010 p 81 O problema decorre antes de tudo de um processo indui vo que se vai defi nindo e se delimitando na exploração dos contextos ecológico e social onde se realiza a pesquisa O problema afi gurase como um obstáculo percebido pelos sujeitos de modo parcial e fragmentado e analisado assistemai camente A ideni fi cação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do pesquisador na vida e no contexto no passado e nas circunstâncias presentes que condicionam o problema Na pesquisa qualitai va os sujeitos de pesquisa não são isolados uns dos outros O pesquisador entra em contato direto com o material fornecido pelo pesquisado porém em função do processo indui vo no qual os problemas são tratados o pesquisador deve preli minarmente despojarse de preconceitos predisposições para assumir uma ai tude aberta a todas as manifestações que observa a fi m de alcançar uma compreensão global dos fenô menos CHIZZOTTI 2010 p 82 Os colaboradores assim são concebidos como sujeitos do tados de conhecimento que orientam suas tomadas de decisões na realidade concreta em que vivem Cabe ao pesquisador perceber essa condição e se deslocar para que a ói ca da solução do problema coni nue nessa perspeci va de olhar o que obrigatoriamente exclui uma visão perpassada por traços externos ao problema Em respeito à máxima da pesquisa qualitai va de valorizar o processo de uma in vesi gação os dados que coletados estão sob desconhecimento dos invesi gadores Não são previstos ou hipotei zados resultados possíveis antes das análises Assim como o processo de signifi cação realizado pelos sujeitos de pesquisa está sujeito a modifi cações decorrentes do conhecimento de mundo adquirido por eles durante a pesquisa os dados também podem ser modifi cados Problemai zar e propor transformações são ações vitais para a pesquisa qualita i va uma vez que os dados se dão em um contexto fl uente de relações são fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes mas se manifestam em uma complexidade de oposições de revelações e de ocultamentos É preciso ultrapassar sua aparência imediata para descobrir sua essência CHIZZOTTI 2010 p84 A essência que Chizzoi 2010 se refere é atribuída à razão de as problemái cas sur girem dos dados Ela revela da própria ói ca do produtor dos dados o que a invesi gação se propõe a descobrir Em função do seu caráter descrii vo a pesquisa qualitai va busca usar de procedimentos de coleta de dados que garantem a fi delidade de sua retratação pois o afasta mento dos dados da realidade concreta da pesquisa criaria uma margem de erro consideravel mente perigosa na interpretação dos fenômenos Sobre esse papel do pesquisador em função dos dados Chizzoi 2010 p 85 considera que A pesquisa é uma criação que mobiliza a acuidade inveni va do pesquisador sua habilidade artesanal e sua perspicácia para elaborar a metodologia adequada ao campo de pesquisa aos problemas que ele enfrenta com as pessoas que pari cipam da invesi gação 236 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 Cabe ao pesquisador portanto garani r a validade dos dados sua cieni fi cidade sem afastálos da realidade Diante disso o desenvolvimento de pesquisas qualitai vas em Linguís i ca Aplicada como no caso abordado neste trabalho requer um compromisso éi co por parte dos pesquisadores Para a delimitação minuciosa do objeto de pesquisa em tela ui lizamos a vertente de cunho etnográfi co discui da por alguns autores tanto da Linguísi ca Aplicada PAIVA 2019 como da pesquisa em educação ANDRÉ 2008 MATTOS 2011 dentre outras Num breve apanhado histórico a pesquisa etnográfi ca fundada nas ciências sociais e mais especifi camente na antropologia diz respeito a um estudo denso das crenças ideologias e costumes de um povo ANDRÉ 2008 A invesi gação etnográfica requer do pesquisador uma convivência altamente efetiva na qual o pesquisador vivencia na pele a realidade estudada aprende a língua falada e escrita pelos sujeitos colaboradores e se agrega aos costumes referentes a eles A pesquisa em Linguísi ca Aplicada dessa maneira por trabalhar com a lín gualinguagem como prái ca social numa perspeci va sincrônica isto é de língua em um dado momento sóciohistórico não se atém no desenvolvimento de pesquisas etnográfi cas propria mente ditas mas sim de cunho etnográfi co O cunho etnográfi co na pesquisa em Linguísi ca Aplicada possibilita que pesquisado res desenvolvam observações críi cas de uma realidade compari lhada com seus sujeitos de pesquisa Nesse seni do em contextos de ensino e aprendizagem o professor pode aprimorar as suas ações pedagógicas por intermédio da sua própria observação O conhecimento teórico mobilizado com procedimentos metodológicos de pesquisa pode contribuir em grande escala para o estudo e a transformação social de contextos que apresentem tópicos a serem aprimo rados como no contexto de pesquisa que estaremos apresentando a seguir Contexto de coleta de dados A caracterização dos estudantes e da Escola que fi zeram parte desta pesquisa é rele vante para as prái cas de análise uma vez que tais esclarecimentos oferecem pistas acerca das questões internas e externas que permeiam as formações dos alunos colaboradores Pari ci pam desta pesquisa alunos de uma turma de 9º ano de uma escola da rede privada de ensino de Maceió localizada em um bairro próximo ao centro e à orla maríi ma da cidade cujo valor comercial do metro quadrado é o mais alto do Estado chegando a R 5800 segundo a Fun dação do Insi tuto de Pesquisas Econômicas FIPE e cuja economia é baseada em turismo e comércio independente A turma tem assiduidade média de 29 vinte e nove estudantes com faixa etária que varia entre 14 quatorze e 15 quinze anos de idade residentes nas redondezas da escola ou em bairros circunvizinhos O número de estudantes matriculados na turma entretanto é um pouco maior totalizando 32 estudantes sendo a maioria do sexo feminino A escola é dotada em sua infraestrutura por água fi ltrada energia e esgoto da rede pública coleta de lixo peri ódica acesso à internet banda larga salas de aulas cerca de 30 trinta funcionários salas de diretoria professores secretaria coordenação e despensa quadra de esportes e banheiros adequados às pessoas com defi ciência ou mobilidade reduzida almoxarifado e pái o coberto computadores administrai vos impressoras e aparelhos de muli mídia como TV som e proje tor disponíveis a professores e estudantes O professor que medeia as aulas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Redação da turma desenvolve ai vidades pedagógicas com o intuito de possibilitar o aprimoramento de prái cas de ensino que ampliem a capacidade de apropriação da produção e compreensão de gêneros discursivos que possibilitem aos alunos uma atuação refl exiva nas prái cas sociais As ai vidades desenvolvidas na escola são organizadas em projetos temái cos compari lhados por todas as disciplinas ofertadas que são preestabelecidas pelo sistema de ensino do qual a escola faz parte sistema esse desenvolvido na região sul do país em um contexto totalmente diferen te do vivenciado desde os aspectos ecológicos e geográfi cos até os econômicos e políi cos Analisando as prái cas de sala de aula O projeto temái co segundo os manuais de orientação do sistema de ensino já anun 237 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 ciado consiste em um sistema organizacional de trabalho de ensino e de aprendizagem que possibilita ao educador planejar e antecipar ações pedagógicas de qualidade com o grupo de alunos e envolvêlos nas produções e compromissos A proposta do projeto consiste numa situação discursiva inicial seguida de ai vidades que propiciam a apreensão de conhecimentos necessários para a elaboração de uma produção oral ou escrita e fi nalizada por mais ai vidades cujo intuito é revisar o acúmulo de conhecimento que se infere ter sido construído As úli mas ai vidades integram a culminância de um ciclo de construção de saberes diversos pautadas nos eixos estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular BNCC homologada no fi nal do ano 2018 O projeto temái co é organizado segundo o esquema a seguir Figura 1 Esquema do projeto temái co Fonte elaborado pelos autores O projeto temái co construído pelo sistema de ensino parece ser inspirado no que Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 conceituam como sequência didái ca caracterizada como um conjunto de ai vidades escolares organizadas de maneira sistemái ca em torno de um gênero textual1 oral ou escrito Segundo os mesmos autores uma sequência didái ca pode ser esquemai zada por meio de um outro esquema Figura 2 Esquema da sequência didái ca Fonte Dolz Noverraz Schneuwly 2004 p 97 Na sequência didái ca a apresentação da situação é a etapa em que os alunos se debruçam detalhadamente sobre uma tarefa oral ou escrita e elaboram um texto inicial oral ou escrito chamado de produção inicial A pari r do texto inicial o professor avalia o material produzido e consi tui módulos momentos de refl exão que proporcionam ao aluno ideni fi car os instrumentos necessários para elaborar uma produção i nal que serve como objeto de aná lise do professor cujo o intuito é avaliar o conhecimento construído pelo aluno ao longo da sequência didái ca A s aulas do projeto temái co foram analisadas por meio de resgate das memórias do professor sobre o processo de ensino e de suas descrições das aulas presentes em diários de 1 Por pertencerem ao campo chamado Linguísi ca Textual os autores optam pela denominação gênero textual enquanto nós na Linguísi ca Aplicada preferimos ui lizar gênero do discurso assim como sugere Bakhi n 2003 238 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 campo elaborados Cada aula teve em média duração de cinquenta minutos e foram divididas em seis dias entre os meses de fevereiro e março do ano 2019 O objei vo préestabelecido pelo projeto temái co foi refl ei r sobre o gênero receita por meio da apreciação de exemplares desse gênero associando isso a refl exões sobre variação linguísi ca com o intuito de caracteri zar a língua como um elemento vivo e dinâmico maleável e adaptável a situações de uso A primeira ai vidade proposta foi a leitura da receita de um bolo de cenoura seguida de um quesi onário com perguntas estritamente superfi ciais com a proposta de caracterizar o gênero em questão em seu uso mais comum A ai vidade salientava a todo o momento o uso denotai vo da linguagem Na sequência foi apresentado o texto de Carlos Drummond de Andrade ini tulado Receita de ano novo com o intuito de comparar os textos lidos para inserir uma discussão sobre dinamicidade linguísi ca e fl exibilidade dos gêneros O texto se trata de um poema que faz usos de caracterísi cas do gênero receita para ensinar a como conseguir mudar sua vida para melhor Também foi proposto um quesi onário com perguntas estritamente superfi ciais cuja proposta era caracterizar o gênero textual poema assim como feito anteriormente com a receita de bolo A ai vidade seguinte proposta no projeto temái co foi uma discussão comparando os dois textos propostos A discussão promovia refl exões sobre o caráter relai vamente estável dos gêneros do discurso BAKHTIN 2003 uma vez que apesar de ambos os textos serem re ceitas um a receita de bolo possui uma rigidez maior em relação aos seus recursos e o outro o poema de Drummond é fl exibilizado a medida que se apropria de traços de outro gênero para causar estranhamento aos leitores Essa tônica dada ao debate foi ui lizada pelo projeto para caracterizar a língua como um elemento vivo e dinâmico maleável e adaptável a situações de uso O ápice do projeto foi marcado por uma atividade intitulada revisão que propunha a elaboração a partir das reflexões produzidas anteriormente de uma receita diferente um texto no gênero receita cuja temái ca fosse diferenciada e causasse estranhamento A ai vidade sugeriu a abordagem de um dos seguintes tópicos receita para ser um bom fi lho receita pare ter uma vida feliz receita para ter muitos amigos receita para ser inteligente e receita para alegrar o dia de alguém Era também sugerido lembrar de usar as partes essenciais de uma receita tais como ingredientes e modo de preparo ui lizar linguagem simples e conotai va empregar verbos no modo imperai vo e ser criai vo A ai vidade fi nal consisi a na revisão da produção elaborada a pari r da resolução das seguintes indagações fui criai vo ao escrever minha receita diferente meu texto apresenta a estrutura do gênero indicado a linguagem foi bem aplicada os verbos em sua maioria es tão no imperai vo e o texto está ortografi camente bem elaborado Essas indagações foram debai das oralmente em sala de aula Cada aluno refl ei u sobre as questões levantadas de for ma aberta ao grupo sendo feitas sugestões de aprimoramento do conhecimento gerado pela ai vidade Ao fi nal os estudantes passaram para o papel as refl exões produzidas oralmente Considerações Finais Visamos pontuar nesta discussão teóricoprái ca aproximações e distanciamentos entre as noções de projeto temático e sequência didática a partir de experiências efetuadas em sala de aula numa perspectiva autônoma e reflexiva do professor O projeto temático aqui definido como um sistema organizacional de trabalho em sala de aula que possibilita ao professor planejar e antecipar ações pedagógicas de qualidade com o seu grupo de alunos e envolvêlos nas produções e compromissos revelouse como um instrumento de ensino e aprendizagem relai vamente próximo ao que Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 conceituam como sequência didái ca Entretanto ambos os conceitos projeto temái co e sequência didá i ca apesar de possuírem congruências metodológicas uma situação inicial geradora de refl e xões e produções escritas ou orais resultantes da situação inicial apresentam peculiaridades bastante disi ntas No projeto temái co temos a apresentação de um gênero discursivo como situação inicial na sequência didái ca temos uma situação discursiva inicial Enquanto no projeto há a inserção mecânica de um gênero quando o segundo apresenta de forma orgânica um projeto 239 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 de interação que pode ser reproduzido na produção fi nal Em ambos existe uma representação interacional embora haja uma diferença crucial no que diz respeito à organicidade da situa ção criada A etapa seguinte da sequência didái ca é a produção inicial visto que no primeiro momento é previsto que os aspectos linguísi codiscursivos do gênero escolhido já tenha sido objeto de refl exão e aprendizagem No projeto temái co nessa mesma etapa os estudantes são submei dos a quesi onários voltados à caracterização do gênero A ai vidade se demonstra maçante por se tornar repei i va visto que a discussão inicial já apresentava aos estudantes os aspectos caracterísi cos do gênero O projeto temái co tem como etapa sucessiva à produção inicial enquanto a sequên cia didái ca propõe os módulos os momentos de refl exão sobre os problemas comuns aos textos produzidos inicialmente A sequência didái ca sugere refl exões sobre a produção inicial para com isso proceder a uma produção fi nal já o projeto temái co comporta a elaboração de sínteses conceituais dos temas abordados com o intuito de arremate do conhecimento que se infere ter sido construído pelo aluno Uma diferença signifi cai va entre a sequência didái ca e o projeto temái co é que nesse não há produção fi nal pois a produção feita inicialmente já é concebida como um objeto subsidiado em sua totalidade pelos temas abordados em aula aspecto este que implica em tratar o estudante como sujeito concebido diretamente pela rea lidade social em uma relação somente de causa e efeito de forma totalmente oposta ao que defende as vertentes de estudo compromei das com as condições de produção do dizer A exemplo desse compromei mento têmse as evidências dessas vertentes nos pres supostos teóricometodológicos que subsidiam as refl exões sobre sequência didái ca Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 revelam preocupações psicológicas pedagógicas e linguísi cas tomadas na elaboração das sequências didái cas Na área psicológica o trato com a linguagem demonstra preocupação com a tomada de consciência das esferas sociais de uso da linguagem À medida que os diferentes instrumentos da linguagem são vinculados às ai vidades de apren dizagem um trabalho paralelo de igual importância sobre os seus usos sociais é dado como substancial para o uso refl exivo e críi co As ai vidades linguísi cas portanto são pensadas em função de seu uso social concreto Pedagogicamente a necessidade de se realizar avaliações que observem o conhecimento produzido e trabalhar em função de eliminar ou diminuir as difi culdades surgidas é tomada como prioridade A análise interpretai vista do projeto temái co apesar de suas congruências com a sequência didái ca permite considerar que seus aspectos teóricometodológicos não são tão compromei dos quanto com as condições de produção do dizer Quando se fala nessas condi ções percebemos que o projeto temái co as deixou de lado por vários fatores As ai vidades propostas tomaram seu início sem que houvesse uma necessidade concreta o que permite concluir que a linguagem não foi concebida enquanto um fator dialogicamente estruturante da sociedade e sim uma operação exclusivamente de construção da expressão As ai vidades seguintes igualmente em virtude do trato da linguagem respaldam o ensino descompromissado com as condições de produção do dizer uma vez que priorizam ai vidades de reprodução acríi ca quesi onários de aspectos textuais anteriormente oraliza dos não desvencilhando o ensino de prái cas desnecessárias As refl exões provenientes dessas considerações permitem pensar que a responsabilidade por tal problemái ca incorre das con dições de trabalho do professor que o impedem de problemai zar sua própria prái ca à medida que os fenômenos situacionais sejam construídos As prái cas pedagógicas adotadas assumem riscos psicológicos e sociais ao despresi giar os processos de ensino e aprendizagem em função do uso mecânico e infl exível de metodologias de ensino despreocupadas com a função social da linguagem Referências ANDRÉ M Etnografi a da Prái ca Escolar Campinas Papirus 2008 BAKHTIN M M Estéi ca da criação verbal Trad P Bezerra 4 ed São Paulo Mari ns Fontes 2003 240 Revista Humanidades e Inovação v7 n16 2020 CHIZZOTTI A Pesquisa qualitai va em ciências humanas e sociais 3 ed Petrópolis Vozes 2010 DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Seqüências didái cas para o oral e a escrita apresen tação de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Orgs Gêneros orais e escritos na escola Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro CampinasSP Mercado de Letras 2004 GERALDI J W Org O texto na sala de aula leitura e produção Cascavel Assoeste 1984 MATTOS C L G Estudos Etnográfi cos em Educação uma revisão de tendências no Brasil In MATTOS C L G CASTRO P A Org Etnografi a e Educação conceitos e usos Campina Gran de EDUEPB 2011 p 1942 MOITA LOPES L P Ofi cina de lingüísi ca aplicada a natureza social e educacional dos proces sos de ensinoaprendizagem de línguas Campinas Mercado de Letras 1996 PAIVA V L M O Manual de pesquisa em estudos linguísi cos São Paulo Parábola 2019 SILVA JÚNIOR S N O uso de tái cas no trabalho com o livro didái co de língua portuguesa consi tuindo prái cas refl exivas de letramento In PAIVA F J O SILVEIRA E L Org O ensino na educação básica diálogos entre sujeitos saberes e experiências docentes São Carlos Pe dro e João Editores 2018 p 3760 TRIVIÑOS A N S Introdução à pesquisa em ciências sociais a pesquisa qualitai va em edu cação São Paulo Atlas 1987 VOLÓCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem Problemas fundamentais do método so ciológico na ciência da linguagem Trad Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo São Paulo Editora 34 2017 Recebido em 18 de abril d e 2020 Aceito em 13 de julho de 2020