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Texto de pré-visualização
Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Meu nome é Paulo Rogério da Silva Possuo bacharelado em Filosofia 2003 licenciatura em Pedagogia 2009 e em Filosofia 2011 e mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos UFSCar nas linhas de pesquisa de Educação Cultura e Subjetividade e de Teoria Crítica Atuo como professor de Filosofia Sociologia e História na rede pública de São CarlosSP Ensino Médio bem como professor e tutor EaD no Ensino Superior Graduação e Pós Graduação lato sensu Desde 2012 sou membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica e Educação do Departamento de Educação da UFSCar Email paulorogerioclaretianoedubr Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 claretianoedubrbatatais Paulo Rogério da Silva Batatais Claretiano 2021 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ação Educacional Claretiana 2020 Batatais SP Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Gerente de Material Didático Rodrigo Ferreira Daverni Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Simone Rodrigues de Oliveira Revisão Eduardo Henrique Marinheiro Filipi Andrade de Deus Silveira Rafael Antonio Morotti Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Bruno do Carmo Bulgarelli Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami Videoaula André Luís Menari Pereira Bruna Giovanaz Bulgarelli Gustavo Fonseca Luis Gustavo Millan Marilene Baviera Renan de Omote Cardoso Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil 3001 S582f Silva Paulo Rogério da Filosofia das ciências sociais Paulo Rogério da Silva Batatais SP Claretiano 2021 471 p ISBN 9786588553527 1 Liberalismo 2 Sociedade 3 Economia 4 Antropologia 5 Ciência política 6 Sociologia 7 Relações de produção 8 Capitalismo 9 Método sociológico I Filosofia das ciências sociais CDD 3001 INFORMAÇÕES GERAIS Cursos Graduação Título Filosofia das Ciências Sociais Versão dez2021 Formato 15x21 cm Páginas 471 páginas SUMÁRIO CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO 13 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS 20 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE 31 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32 5 EREFERÊNCIA 32 UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO 37 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 38 21 O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A SOCIEDADE COMO PROBLEMA DE PESQUISA 38 22 DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 41 23 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS 65 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 70 31 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA 70 32 ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 71 33 MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 71 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 72 5 CONSIDERAÇÕES 74 6 EREFERÊNCIAS 75 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 76 UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 1 INTRODUÇÃO 83 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 83 21 MANDEVILLE E A FÁBULA DAS ABELHAS 84 22 ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO 94 23 TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO 106 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 125 31 BERNARD MANDEVILLE 125 32 ADAM SMITH 126 33 ALEXIS DE TOCQUEVILLE 127 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 128 5 CONSIDERAÇÕES 129 6 EREFERÊNCIAS 131 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 133 UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 INTRODUÇÃO 139 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 140 21 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 140 22 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA 162 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 191 31 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 191 32 ÉMILE DURKHEIM MÉTODO E PENSAMENTO 193 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 195 5 CONSIDERAÇÕES 197 6 EREFERÊNCIAS 197 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 200 UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 1 INTRODUÇÃO 207 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 214 21 AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX 215 22 TRABALHO COMO ALIENAÇÃO 223 23 O MATERIALISMO HISTÓRICO 229 24 O MATERIALISMO DIALÉTICO 235 25 O CAPITAL E O SEU SISTEMA 252 26 AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUNDO HABERMAS 263 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 267 31 AS ORIGENS DO MATERIALISMO CRÍTICAS 267 32 ALIENAÇÃO DO TRABALHO 268 33 O MATERIALISMO HISTÓRICO 268 34 O MATERIALISMO DIALÉTICO 269 35 O CAPITAL E SEU SISTEMA 270 36 ERROS E ACERTOS DO MARXISMO 270 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 271 5 CONSIDERAÇÕES 273 6 EREFERÊNCIAS 273 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 276 UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 1 INTRODUÇÃO 283 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 284 21 METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX WEBER 284 22 OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO TRADICIONAL CARISMÁTICO E LEGAL 298 23 OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 304 24 OS TIPOS DE RACIONALIDADE 310 25 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR 314 26 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO 330 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 342 31 TIPOS IDEAIS 342 32 TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA 343 33 OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 343 34 TIPOS DE RACIONALIDADE 344 35 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO 344 36 ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO 345 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 345 5 CONSIDERAÇÕES 347 6 EREFERÊNCIAS 348 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 350 UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 1 INTRODUÇÃO 359 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 361 21 TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA 361 22 AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU 391 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 408 31 TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS 408 32 PIERRE BOURDIEU 409 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 411 5 CONSIDERAÇÕES 413 6 EREFERÊNCIAS 414 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 416 UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 1 INTRODUÇÃO 425 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 426 21 DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVERSO POLÍTICO BRASILEIRO 426 22 ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA 432 23 ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO FORMAÇÃO DE UMA ELITE RESTRITA DE UMA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E DE UMA COOPTAÇÃO POLÍTICA 445 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 458 31 COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS 458 32 ESTADO PATRIMONIALISTA 459 33 ELITE RESTRITA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOPTAÇÃO POLÍTICA 460 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 461 5 CONSIDERAÇÕES 463 6 EREFERÊNCIAS 466 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 469 9 CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Conteúdo Contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais Divisão e organiza ção das Ciências Sociais Métodos das Ciências Sociais Liberalismo moral de Mandeville Liberalismo econômico de Adam Smith Divisão do trabalho Lei da oferta e da procura Os perigos das democracias modernas segundo Toc queville Augusto Comte e o positivismo Sociologia como Física Social Leis dos três estágios Estática e dinâmica social Sociologia funcionalista segun do Durkheim Fatos sociais Regras do método sociológico Divisão do traba lho social Sociedade mecânica e sociedade orgânica Alienação do trabalho em Karl Marx Materialismo históricodialético Luta de classes Valor de uso e valor de troca das mercadorias Maisvalia e acúmulo do capital Método compreensivo segundo Weber Os tipos ideais Os três tipos de poder Os ti pos de ação social Racionalização das esferas de mundo Ética protestante e o espírito do capitalismo Horkheimer e o materialismo interdisciplinar A legitimidade e o papel da pesquisa empírica na Teoria Crítica O conceito de campo e os ritos de instituição segundo Bourdieu A relação do conceito de campo com o aspecto discursivo Educação como alquimia social Formação do Estado brasileiro patrimonialista A formação da elite restrita Burocracia centralizadora Cooptação política Bibliografia Básica ARON R As etapas do pensamento sociológico 3 ed São Paulo Martins Fontes 1993 DURKHEIM É As regras do método sociológico Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 2007 MARX K O Capital Crítica da Economia Política Livro primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996 Volume I tomo 1 Os Economistas 10 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Bibliografia Complementar COMTE A Metodologia das Ciências Sociais In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983 p 73103 HORKHEIMER M A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de Pesquisas Sociais Trad Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro Praga Estudos Marxistas São Paulo n 7 p 121132 mar 1999 LEAL V N Coronelismo enxada e voto o município e o regime representativo no Brasil 2 ed São Paulo AlfaOmega 1975 SCHUMPETER J Capitalismo socialismo e democracia Trad Luiz Antônio de Oliveira Araújo São Paulo Unesp 2017 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan Trad Luiz João Baraúna São Paulo Nova Cultural 1996 v 1 Os Economistas WEBER M A ética protestante e o espírito do capitalismo Trad José Marcos Mariani de Macedo São Paulo Companhia das Letras 2004 A objetividade do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política 1904 In Metodologia das Ciências Sociais Parte 1 Trad Augustin Wernet 4 ed São Paulo Cortez EditoraEditora Unicamp 2001 p 107154 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999 v 1 É importante saber Esta obra está dividida para fins didáticos em duas partes Conteúdo Básico de Referência CBR é o referencial teórico e prático que deverá ser assimilado para aquisição das competências habilidades e atitudes necessárias à prática profissional Portanto no CBR estão condensados os principais conceitos os princípios os postulados as teses as regras os procedimentos e o fundamento ontológico o que é e etiológico qual sua origem referentes a um campo de saber Conteúdo Digital Integrador CDI são conteúdos preexistentes previamente se lecionados nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadêmicos confiáveis É chamado Conteúdo Digital Integrador porque é imprescindível para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência Juntos não apenas privilegiam a convergência de mídias vídeos complementares e a leitu ra de navegação hipertexto como também garantem a abrangência a densidade e a profundidade dos temas estudados Portanto são conteúdos de estudo obrigató rios para efeito de avaliação 11 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO EReferências BOURDIEU P As Ciências Sociais e a Filosofia Trad José Luiz Fiorin Educação Linguagem ano 10 n 16 p 1936 juldez 2007 Acesso em httpswww metodistabrrevistasrevistasimsindexphpELarticleviewFile124134 Acesso em 29 nov 2019 CANO I Nas trincheiras do método o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105pdf Acesso em 29 nov 2019 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo clientelismo uma discussão conceitual Dados Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Disponível em httpwwwscielobrscielo phppidS001152581997000200003scriptsciarttext Acesso em 29 nov 2019 KINCAID H Filosofia das Ciências Sociais temas atuais Trad Alexandre Braga Massella Tempo Social e Revista de Sociologia da USP v 26 n 2 p 1937 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv26n2v26n2a02pdf Acesso em 29 nov 2019 12 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 13 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO Bemvindo à obra Filosofia das Ciências Sociais Todos nós vivemos em sociedade independentemente do quanto gosta mos do relacionamento social Até mesmo aquele que optou pelo isolamento um ermitão por exemplo não está separa do da sociedade o isolamento do indivíduo não significa o iso lamento da sociedade É nesse horizonte de compreensão que as palavras do poeta inglês John Donne 15721631 encontram sentido Nenhum homem é uma ilha completa em si mesma todo ho mem é um pedaço do continente uma parte do todo Se um torrão for lavado pelo mar a Europa fica menor A morte de cada homem me diminui porque sou parte da humanidade E por isso nunca perguntes por quem os sinos dobram eles dobram por ti DONNE 1987 p 126 tradução nossa Com essa incursão inicial podemos concluir que viver em sociedade é um dado histórico uma vez que as sociedades aperfeiçoam suas formas de agrupamento social e acima de tudo humano O exercício do pensamento da linguagem da crença das normas e valores etc já compreende atos iminente mente sociais pois todas essas funções decorrem de aprendiza gens socioculturais preestabelecidas pela coletividade A dependência do indivíduo com relação ao grupo está na origem da evolução humana Desde os tempos mais remotos o pertencimento ao grupo apresentase como uma estratégia de sobrevivência dos primeiros seres humanos especialmente mediante situações de vida tão difíceis O ser humano compara do a outras espécies de animais não possui presas garras nem asas ou pelos ou seja está vulnerável e desprotegido Por isso 14 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO o grupo significa a potência do indivíduo frente às ameaças da natureza Com o desenvolvimento da linguagem oral e escrita outras possibilidades de sociabilidade passaram a existir A vida social pedia a sistematização das funções a divisão das tarefas a or ganização da agricultura da caça da pesca e da coleta a admi nistração do excedente a formalização das normas e dos tabus morais o reconhecimento e investidura de representantes polí ticos e religiosos etc A partir dos indivíduos surgem também as instituições e todo o aparato legal e ideológico que as justifica família religião Estado Direito etc Com isso a vida em sociedade passa a desen volver padrões de sociabilidade que funcionam como condições preestabelecidas para as novas inserções sociais O fato é que a vida em sociedade oferece aos cientistas so ciais uma imensidão de situações e fenômenos que precisam ser interpretados para além da superficialidade do senso comum Algumas das questões que guiam essas investigações são por que as pessoas convivem em sociedade Por que desenvolvem padrões de comportamentos parecidos Por que se relacionam umas com as outras de maneira padronizada Quais as estru turas fundamentais de uma sociedade Por que compreender a política e as relações de poder na sociedade Quais motivações levam as sociedades a manter alguns valores e substituir outros Que elementos produzem as diferenças socioculturais As Ciências Sociais nos ajudam a compreender essas e mui tas outras questões que envolvem o cotidiano Em geral com as Ciências Sociais poderemos compreender e explicar as perma nências e as transformações das sociedades bem como oferecer 15 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO pistas hermenêuticas para a superação dos seus dilemas Segun do Bauman Para todos aqueles que acham que viver a vida de maneira mais consciente vale a pena a sociologia é um guia bemvindo Nesse sentido pensar sociologicamente significa entender de um modo um pouco mais completo quem nos cerca tanto em suas esperanças e desejos quanto em suas inquietações e preo cupações Pensar sociologicamente então tem um poten cial para promover a solidariedade entre nós uma solidarieda de fundada em compreensão e respeito mútuos em resistência conjunta ao sofrimento e em partilhada condenação das cruel dades que o causam BAUMAN 2010 p 2526 O pressuposto fundamental das Ciências Sociais reside portanto em um dos seus princípios mais caros de que todo conhecimento é produzido socialmente Nada com relação ao estudo da sociedade pode resultar em uma fonte extrahuma na por isso para conhecer qualquer forma de pensamento de qualquer indivíduo e em qualquer época tornase fundamental compreender o contexto social vivido pois os homens reagem respondem e vivem a partir daquilo que o meio social lhes apre senta como proposta Pensar no conhecimento como uma produção social não implica contudo reduzir as escolhas individuais aos condiciona mentos sociais A oposição interiorexterior precisa ser com preendida dialeticamente isto é como resultado de sínteses sucessivas que levam os indivíduos a optar por permanências ou mudanças em relação àquilo que foi estabelecido socialmente Aliás tanto a manutenção como a transformação do que chamamos de status quo isto é da situação atual de algo apresentamse como ações sociais presentes na maioria das so ciedades Há grupos que se sentem confortáveis com relação ao 16 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO status quo muito provavelmente porque seus interesses são contemplados nesse contexto No entanto existem outros gru pos que pelo fato de não identificarem o vínculo de nenhum interesse seu com a atual situação almejam mudanças signifi cativas Ambos os grupos de acordo com seus respectivos inte resses procuram desenvolver formas de explicação da realidade que justifiquem tanto a permanência como a mudança social Tentar entender as motivações que levam determinados grupos a apoiar o status quo ou almejar sua mudança apresenta se como um grande objetivo das Ciências Sociais O interessante é que para o cumprimento desse objetivo o pensamento socio lógico quando pautado pelo senso crítico e enveredado por uma metodologia correta pode e deve incomodar muitos segmen tos setores e grupos da sociedade uma vez que ele descobre justamente aquilo que deveria ficar camuflado e desnaturaliza aquilo que deveria ser ideologicamente entendido como natural Como diria Bourdieu em sua obra Coisas Ditas O mal da sociologia é que ela descobre o arbitrário a contin gência ali onde as pessoas gostam de ver a necessidade ou a natureza e que descobre a necessidade a coação social ali onde se gostaria de ver a escolha o livrearbítrio Uma característica das realidades históricas é que sempre é possível estabelecer que as coisas poderiam ter sido diferentes que são diferentes em outros lugares em outras condições O que quer dizer que ao historicizar a sociologia desnaturaliza desfataliza BOURDIEU 1990 p 27 Por isso uma grande tarefa das Ciências Sociais é causar o estranhamento da realidade percebendo que esta não é resultado da espontaneidade das relações mas de constantes conflitos e resistências Essa proposta nos ajuda a romper com uma visão sociológica do senso comum com os preconceitos e prénoções enrustidas e ideologias patentes Enfim permite o 17 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO avanço da desmistificação das estruturas sociais e a construção de uma consciência sociológica A obra Filosofia das Ciências Sociais desenvolverá diversos temas compreendendo origem organização método campos e pesquisa da vida em sociedade Na Unidade 1 conheceremos o contexto histórico das Revoluções Industrial e Francesa e as transformações decorrentes delas Com isso conseguiremos en tender que as Ciências Sociais nasceram como resposta a tais mudanças que emergiam na sociedade daquela época Além disso ainda na mesma unidade também estuda remos a organização e divisão das Ciências Sociais normal mente confundidas com a Sociologia e os principais métodos de pesquisa utilizados nessa área ao longo da história méto do comparativofuncionalista compreensivo e materialismo históricodialético Na Unidade 2 abordaremos o ambiente conceitual do li beralismo clássico começando com o pensamento de Bernard Mandeville e sua proposta de autonomização do campo econô mico frente às limitações morais passando pelo de Adam Smith e sua sistematização da Economia como ciência independente até chegar à obra de Alexis de Tocqueville que se preocupou em avaliar a natureza contraditória das democracias modernas Na Unidade 3 voltaremos nossa atenção aos autores Au gusto Comte e Émile Durkheim que transformaram o saber so ciológico nascente em ciência autônoma com objeto de pesqui sa e método específicos Com ambos autores as Ciências Sociais mais especificamente a Sociologia passaram a compor o privilegiado grupo de ciências essenciais para o entendimento e progresso da humanidade Tais contribuições foram fundamen 18 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO tais para captar as novas configurações sociais dos séculos 18 e 19 e propor conceitoschaves para as futuras pesquisas sociais Já nas Unidades 4 e 5 conheceremos as propostas meto dológicas e sociológicas de outros dois autores Karl Marx e Max Weber Enquanto Marx justificou o desenvolvimento das socie dades a partir da luta de classes e da análise históricocrítica dos modos de produção da sociedade em especial do modo de produção capitalista Weber preferiu apresentar o progresso das sociedades modernas como resultado de um longo processo de desencantamento das antigas imagens do mundo medie val em suas mais variadas esferas religiosa política econômica científica estética e ética demonstrando que tal desenvolvi mento não estaria condicionado apenas à esfera da economia mas de muitas outras Noutras palavras se para Marx a dialética materialista é suficiente para entender a transformação das relações de pro dução de uma sociedade para Weber o importante não é ex plicar mas compreender o modo como os indivíduos reagem socialmente Na Unidade 6 conheceremos as propostas metodoló gicas para pesquisa social dos representantes da Teoria Crítica Horkheimer e Adorno e as contribuições do sociólogo Pierre Bourdieu para a área No tocante aos autores da Teoria Crítica abordaremos a tensão existente entre sujeito e objeto teoria e prática como pressuposto para a metodologia das Ciências So ciais é justamente por conta da elasticidade tensional entre os dois polos teoria e prática que se justifica a importância da ob servação empírica cientificidade sem porém perder a visão do todo compreensão filosófica das relações de poder presen tes na sociedade capitalista Com relação a Bourdieu levaremos 19 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO em conta o seu conceito de campo e a importância dele para os chamados ritos de instituição social Enfim na Unidade 7 adentraremos no processo de cons tituição do Estado brasileiro de modo a compreender aqueles princípios históricos e ideológicos que legitimaram a formação de elementos constantemente presentes no ideário político bra sileiro Estado patrimonialista governo pautado em uma elite restrita desenvolvimento de uma burocracia centralizadora e prática de cooptação política Como já observado o estudo desta obra terá como obje tivo promover a desnaturalização ou o estranhamento das estruturas sociais normalmente percebidas como naturais e es táveis isto é detentoras de essências políticas universais e imu táveis Na realidade compreenderemos que no que concerne às Ciências Sociais todo conhecimento é resultado de processo histórico e social maturado por contradições coerções assimi lações e conflitos das mais diversas áreas sistêmicas política e economia e culturais ciência moral e arte Se por um lado cabe às Ciências Sociais oferecer todo o substrato teóricoconceitual para a melhor compreensão da rea lidade social por outro é inteiramente dever do alunocidadão saber posicionarse frente a tais processos sociais de maneira es clarecida e bem fundamentada sociologicamente Não se trata portanto de academicismo vazio mas de uma urgente deman da cidadã que precisa convergir para os objetivos formativos e emancipatórios do futuro profissional da área de Filosofia Boa leitura Bons estudos 20 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitando um bom domí nio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conheci mento dos temas tratados 1 Alienação Situação caracterizada por algum tipo de separação ou fragmentação Em Psicologia a expres são é utilizada como sinônimo de perda da identida de individual que se manifesta na separação entre o indivíduo e a realidade Em Sociologia o conceito de alienação foi estudado particularmente por Karl Marx Segundo este no sistema capitalista o trabalhador se separa do objeto que ajudou a fabricar Esse objeto se transforma em mercadoria e uma vez no mercado passa a dominar o trabalhador Dessa forma este se aliena daquilo que produziu A alienação surge assim em um determinado momento do processo de desen volvimento histórico das sociedades humanas Ela se manifesta também sob a forma de perda de consciên cia e de afastamento do ser humano das atividades co munitárias para encerrarse em si mesmo abandonan do a ação política OLIVEIRA 2010 p 277 2 Autoridade Num plano abstrato é a capacidade de uma pessoa se fazer obedecer por outras sem precisar apelar para a força física Do ponto de vista político é a pessoa ou o grupo que detém a prerrogativa de mandar e se fazer obedecer Pode ser também o re presentante do poder público que tem por finalidade fazer respeitar as normas e leis de um Estado ou de uma comunidade OLIVEIRA 2010 p 278 21 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 3 Burocracia É o conjunto dos funcionários públicos de um Estado administradores da coisa pública A burocracia está sujeita a uma hierarquia a regulamentos rígidos e a uma rotina inflexível Tem influência importante nos rumos adotados por um Estado ou país OLIVEIRA 2010 p 278 4 Capital É todo bem ou conjunto de bens capaz de produzir outros bens Só é capital aquilo que em combinação com o trabalho humano produz riqueza Por exemplo com uma peça de tecido tesouras linha algumas máquinas de costurar e alguns trabalhadores podemos produzir peças de roupa que serão vendidas no mercado Nesse caso tanto o tecido como as má quinas a linha e o salário pago aos trabalhadores fa zem parte do capital pois são bens que criaram outros bens Capital é uma relação social de produção Pode tomar a forma de dinheiro ou de bens mas para que possa produzir necessita do trabalho humano OLI VEIRA 2010 p 278279 5 Capitalismo Modo de produção baseado na proprie dade privada dos meios de produção e distribuição na existência de um mercado onde ocorre a livre con corrência entre as empresas na procura do lucro pelo empresário e no trabalho assalariado O capitalismo só pode existir portanto onde existam capital mercado e trabalho livre OLIVEIRA 2010 p 279 6 Cidadania Conjunto de atributos pelos quais o indiví duo tornase cidadão passando a exercer seus direitos civis e políticos assim como a assumir seus deveres e obrigações diante do Estado e da sociedade OLIVEI RA 2010 p 279 22 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 7 Classe social Grupo relativamente homogêneo de pessoas que desempenham o mesmo papel no pro cesso de produção ou de circulação das riquezas têm profissões assemelhadas e relacionamse da mesma forma com o sistema de propriedade dos meios de produção em uma sociedade No modo de produção capitalista por exemplo a classe operária reúne não apenas categorias profissionais como a dos metalúrgi cos ou a dos têxteis ou mesmo o conjunto dos traba lhadores industriais mas abrange também os assala riados que trabalham em transporte ferroviários por exemplo e trabalhadores de certos serviços como os portuários Esses trabalhadores não têm uma relação de propriedade com os meios de produção Já a classe burguesa ou capitalista é formada pelos detentores da propriedade dos meios de produção e de circulação das riquezas OLIVEIRA 2010 p 279 8 Coerção social O mesmo que pressão social Ação persistente de um grupo que leva o indivíduo a com portarse de determinada maneira sob pena de sofrer sanções sociais OLIVEIRA 2010 p 279 9 Comunismo Para os teóricos marxistas o comunis mo corresponde a uma etapa posterior ao socialismo No comunismo segundo eles acabariam as classes e as diferenças sociais entre as pessoas porque todos teriam tudo em comum e o Estado deixaria de existir É o sistema econômico e social que visa a estabelecer a comunhão de bens com a abolição do direito de pro priedade e a extinção das classes sociais e do Estado OLIVEIRA 2010 p 279 23 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 10 Consciência de classe É a percepção que um indivíduo ou grupo tem de sua situação de classe numa sociedade dividida em classes sociais OLIVEIRA 2010 p 279 11 Democracia Sistema político no qual a soberania emana do povo isto é do conjunto dos cidadãos que podem exercer o governo diretamente como na Gré cia Antiga democracia direta ou por meio de repre sentantes livremente escolhidos de forma periódica democracia representativa moderna A democracia moderna se caracteriza também pelo respeito às li berdades individuais e coletivas pelo respeito aos di reitos humanos pela divisão do poder do Estado em três poderes Executivo Legislativo e Judiciário pela igualdade de todos perante a lei e pela existência de formas de controle das autoridades pelos cidadãos OLIVEIRA 2010 p 280 12 Divisão do trabalho É a distribuição e diferenciação de funções entre indivíduos ou grupos nas atividades produtivas de uma sociedade OLIVEIRA 2010 p 281 13 Economia Ciência social que estuda as atividades humanas ligadas à produção circulação distribuição e consumo de bens e serviços São fenômenos estuda dos pela Economia a produção e a circulação de bens e serviços a industrialização as relações comerciais entre os países a distribuição da renda a política sa larial a produtividade das empresas o crescimento econômico o desenvolvimento etc OLIVEIRA 2010 p 281 14 Estado Conjunto de instituições sociais que consti tuem a organização política de um povo e que detêm o 24 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO monopólio do uso da força legítima É a instituição bá sica de controle social da sociedade Entre as institui ções que o compõem na democracia moderna estão o governo e a administração pública poder Executivo os tribunais e outros órgãos da Justiça poder Judiciá rio e o Congresso nacional ou Parlamento poder Le gislativo OLIVEIRA 2010 p 282 15 Estratificação social É a divisão da sociedade em estratos ou camadas sociais hierarquizadas ou superpostas OLIVEIRA 2010 p 282 16 Estrutura social É o conjunto ordenado de partes encadeadas que formam um todo que mantém estável a sociedade é a totalidade dos status existentes num determinado grupo social ou numa sociedade A estru tura social é o aspecto estático da organização social OLIVEIRA 2010 p 282 17 Etnocentrismo Tendência a privilegiar o grupo étnico ou nacional a que se pertence considerandoo como padrão para julgar as culturas diferentes OLIVEIRA 2010 p 282 18 Fato social São as maneiras coletivas de agir pen sar e sentir que exercem um poder coercitivo sobre as pessoas levandoas a se comportar de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade OLIVEIRA 2010 p 282 19 Força de trabalho É o conjunto de trabalhadores de todas as categorias e profissões empregados ou não disponíveis em certa região empresa ou sociedade A força de trabalho de um país também é chamada de População Economicamente Ativa PEA A expressão 25 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO pode ser utilizada ainda no sentido de capacidade física e intelectual do ser humano para trabalhar OLIVEIRA 2010 p 282 20 Forças produtivas Do ponto de vista da Sociologia e de outras Ciências Sociais o termo força designa um poder de ação inerente aos seres vivos em geral e ao ser humano em particular A expressão forças produti vas indica o potencial produtivo de uma economia Em termos concretos são as forças naturais apropriadas pelo ser humano na produção de sua vida material e social mais os instrumentos de trabalho e as técnicas produtivas Isso inclui a tecnologia e a organização do trabalho A principal força produtiva porém é o pró prio trabalhador OLIVEIRA 2010 p 282 21 Fordismo teoria de produção elaborada por Henry Ford em 1913 tendo como principal elemento a in trodução da linha de montagem com esteira na produ ção de automóveis No entanto mais do que inovação tecnológica o fordismo se caracteriza por ser um siste ma com uma ampla divisão do trabalho produção em massa de bens padronizados sindicatos relativamente fortes e aumentos reais de salários 22 Fundamentalismo Tendência radical religiosa ou po lítica que pretende impor padrões de comportamento baseados na interpretação rigorosa ao pé da letra de crenças e tradições religiosas O fundamentalismo é in tolerante e rejeita o diálogo com aqueles que pensam de forma diferente OLIVEIRA 2010 p 282283 23 Governo Conjunto de pessoas que exercem geral mente de forma temporária o poder Executivo de um Estado OLIVEIRA 2010 p 283 26 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 24 Ideologia Expressão criada no começo do século XIX pelo francês Destutt de Tracy com o significado de ciência que tem por objeto o estudo das ideias Mais tarde Karl Marx e Friedrich Engels deram a ela o senti do de consciência social de uma classe dominante ou conjunto de ideias falsas e enganadoras destinadas a mascarar a realidade social aos olhos das classes do minadas encobrindo as relações de dominação e ex ploração a que estão submetidas essas classes Nessa acepção ideologia teria o mesmo significado de falsa consciência Atualmente o termo é empregado com o sentido de conjunto de ideias dominantes em uma sociedade ou como visão de mundo de uma classe social de uma sociedade ou de uma época OLIVEIRA 2010 p 283 25 Liberalismo Doutrina que defende a mais ampla li berdade individual a democracia representativa o direito inalienável à propriedade a livre iniciativa e a concorrência no mercado entre indivíduos e empre sas O liberalismo surgiu na Europa no decorrer do sé culo XVIII e foi a ideologia dominante sob o capitalismo competitivo vigente sobretudo entre o século XVIII e o fim do século XIX No início polemizou com o mercan tilismo opondose radicalmente à intervenção do Es tado na vida econômica uma de suas propostas políti cas era o Estado mínimo situação na qual caberia ao Estado apenas a manutenção da ordem e da segurança interna e externa da sociedade e a defesa do direito de propriedade OLIVEIRA 2010 p 284 26 Marxismo Doutrina criada a partir da obra e da ação dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels e 27 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO seus seguidores O marxismo foi definido por Vladimir Ilitch Lenin líder da Revolução Russa de outubro de 1917 como um guia para a ação De fato não se pode separar os princípios doutrinários elaborados por Marx e Engels da ação política e social concreta do proleta riado classe vista pelos dois pensadores como destina da a emancipar a humanidade da opressão capitalista A teoria marxista apoiase em dois princípios funda mentais a ideia de que a base material econômica da sociedade é determinante em última instância dos acontecimentos políticos e sociais assim como da or ganização da sociedade teoria dos modos de produ ção e a noção de que a história da humanidade é a história da luta de classes A teoria política de Marx denominada por ele próprio e por Engels socialismo científico considera que a luta de classes é o motor da História cabendo aos trabalhadores classe operária a tarefa de destruir o Estado capitalista e com ele a so ciedade burguesa instaurando primeiro a ditadura do proletariado e mais tarde o socialismo e o comunis mo quando a sociedade não estaria mais dividida em classes nem precisaria mais do Estado como órgão de coerção e repressão OLIVEIRA 2010 p 284 27 Modo de produção Conceito criado por Karl Marx para designar o conjunto formado pelas forças produ tivas e pelas relações de produção de uma sociedade em um período histórico determinado É a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços como os utiliza e como os distribui Segundo Marx te riam existido na História os modos de produção comu nal primitivo escravista asiático feudal e capitalista 28 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Marx previa ainda a formação de um modo de produ ção que superaria o capitalismo seria o modo socialis ta de produção OLIVEIRA 2010 p 285 28 Proletariado Classe social surgida com a formação do modo capitalista de produção e considerada por Karl Marx como uma das classes fundamentais da so ciedade burguesa a outra seria a burguesia É com posto pelos trabalhadores assalariados da indústria do transporte e da agricultura proletariado agrícola Também chamado de classe operária sobretudo quan do se refere aos trabalhadores industriais operários da construção civil pedreiros serventes mestres de obra e dos transportes ferroviários e portuários OLIVEIRA 2010 p 287 29 Socialismo Expressão que designa tanto uma doutri na como um sistema social Como doutrina o socialis mo é uma corrente de ideias que propõe a superação da sociedade capitalista por meio da socialização ou coletivização dos meios de produção que passariam a pertencer à sociedade e não mais a capitalistas priva dos e da entrega do poder político às associações dos trabalhadores Como sistema social o socialismo teve um caráter marcadamente autoritário em países como a antiga União Soviética e a China Ali a propriedade social ou coletiva acabou se transformando em pro priedade do Estado e o governo tornouse monopó lio de uma burocracia privilegiada que nega os ideais igualitários dos fundadores do pensamento socialista OLIVEIRA 2010 p 288 30 Socialização É o processo pelo qual a pessoa se inte gra ao grupo ou à sociedade em que nasceu assimi 29 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO lando seus hábitos valores costumes e outros traços culturais é o ato de transmitir de introjetar na mente do indivíduo os padrões culturais da sociedade pela socialização o indivíduo naturalmente social tornase sociável isto é capaz de viver em sociedade OLIVEI RA 2010 p 288 31 Sociedade Coletividade organizada e estável de pes soas que ocupam um mesmo território falam a mesma língua compartilham a mesma cultura são geridas por instituições políticas e sociais aceitas de forma consen sual e desenvolvem atividades produtivas e culturais voltadas para a manutenção da estrutura que sustenta o todo social A sociedade apresentase geralmente di vidida em classes ou em camadas sociais nem sempre harmônicas Entretanto mesmo quando há oposição e conflito entre essas classes ou camadas verificase também complementaridade entre elas e é essa com plementaridade que mantém de pé a sociedade como um todo OLIVEIRA 2010 p 288 32 Sociologia Ciência social que estuda as relações so ciais e as formas de associação dos seres humanos considerando as interações que ocorrem na vida em sociedade A Sociologia estuda os grupos sociais a di visão da sociedade em camadas ou classes sociais a mobilidade social os processos de mudança coopera ção competição e conflito que ocorrem nas socieda des etc é a ciência social que estuda os fatos sociais OLIVEIRA 2010 p 288 33 Status quo Expressão em latim que significa o estado atual em que se encontram as coisas Em certos con 30 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO textos pode designar também a ordem social estabe lecida OLIVEIRA 2010 p 288 34 Superestrutura Expressão utilizada por Karl Marx para designar a parte superior da estrutura social que é sustentada pela base material econômica denomi nada infraestrutura Na superestrutura se localizam o Estado a vida cultural e o conjunto das ideologias filosofias religiões princípios jurídicos e políticos da sociedade OLIVEIRA 2010 p 288 35 Taylorismo modificações introduzidas por Frederick W Taylor no modo de produzir no final do século 19 sustentadas essencialmente por um estudo de tempos e movimentos O objetivo era controlar e determinar os métodos de trabalho selecionando os trabalhado res e as ferramentas mais adequadas 36 Taylorismofordismo sistema de produção predomi nante até a década de 1960 Ele se caracterizava pela produção em massa e altamente homogeneizada pela utilização do trabalho parcelar e pelo operário visto como um apêndice da máquina executando atividade repetitiva Tal sistema conseguiu reduzir o tempo de produção e aumentar o ritmo Era a mescla da produ ção em série fordista e do cronômetro taylorista A di mensão intelectual do trabalho ficava a cargo de bem poucos pois usavase uma grande massa de trabalha dores pouco ou semiqualificados para o trabalho a ser realizado 37 Totalitarismo Forma extrema de Estado autoritário Estado policial caracterizado pelo monopólio do poder nas mãos de um único grupo que não permite a exis tência de outros partidos pela supressão de todo tipo 31 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO de liberdade pelo controle do Estado sobre os meios de comunicação pelo constante desrespeito aos direi tos humanos pela repressão permanente aos oposito res e pela existência de um aparelho policial todopo deroso São exemplos de totalitarismo o nazismo que governou a Alemanha entre 1939 e 1945 e o stalinis mo que traiu os ideais socialistas e oprimiu o povo da antiga União Soviética 19291953 OLIVEIRA 2010 p 288 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE O Esquema a seguir possibilita uma visão geral dos concei tos mais importantes deste estudo Figura 1 Esquema dos Conceitoschave de Filosofia das Ciências Sociais 32 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN Z Aprendendo a pensar com a Sociologia Rio de Janeiro Jorge Zahar 2010 BOURDIEU P Coisas ditas Trad Cássia Silveira e Denise Pegorin São Paulo Brasiliense 1990 COSTA C Sociologia introdução à ciência da sociedade 4 ed São Paulo Moderna 2010 DONNE J Selected prose Edited with an introduction and notes by Neil Rhodes London Penguin Books 1987 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 5 EREFERÊNCIA CANO I Nas trincheiras do método o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105pdf Acesso em 29 nov 2019 33 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 33 UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Objetivos Compreender o campo de estudo das Ciências Sociais Contextualizar o surgimento das Ciências Sociais como resposta às trans formações culturais políticas e econômicas decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa Promover uma distinção entre Ciências Sociais e Sociologia Apresentar as áreas autônomas que compõem o conjunto das Ciências So ciais Antropologia Ciência Política e Sociologia Conhecer os principais métodos aplicados nas Ciências Sociais méto do comparativofuncionalista método compreensivo e materialismo históricodialético Conteúdos Origem do campo de estudos das Ciências Sociais Divisão e organização das Ciências Sociais Breve introdução das áreas das Ciências Sociais Antropologia Ciência Po lítica e Sociologia Método de pesquisa das Ciências Sociais 34 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Orientações para o Estudo da Unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas compromete rem seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unidade e expanda o seu campo formativo Lembrese a autonomia é a aliada da emancipação 3 Nesta unidade muitos temas demandarão um conhecimento histórico em especial sobre o contexto das Revoluções Industrial e Francesa Para repertoriar o contexto histórico do século 19 indicamos a leitura das obras clássicas Germinal de Émile Zola e Os Miseráveis de Victor Hugo Além disso também indicamos o livro De pernas pro ar a escola do mun do ao avesso de Eduardo Galeano que promove um resgate histórico e uma reflexão interessante acerca de nossa sociedade em seus costumes valores e ideologias 4 Para complementar as informações da unidade a partir de uma lingua gem cinematográfica indicamos alguns filmes Sobre o contexto socioe conômico do século 19 sugerimos Oliver Twist Inglaterra França Itália 2005 Os miseráveis Inglaterra Alemanha EUA 1998 Daens um grito de justiça França Bélgica 1992 A Revolução Francesa França 1989 A Marselhesa França 1938 Danton e o processo de Revolução França 1983 e Germinal França 1993 Sobre os fundamentos da Antropolo gia indicamos A guerra do fogo França Canadá 1981 A missão In glaterra 1986 Brincando nos campos do Senhor Brasil 1991 Baraka EUA 1992 O enigma de Kaspar Hauser Alemanha 1974 O garoto selvagem França 1970 Casa de chá do luar de agosto EUA 1956 e Nome de família EUA 2006 Sobre os fundamentos da Ciência Políti ca sugerimos A língua das mariposas Espanha 1999 Sacco e Vanzetti Itália França 1971 A história oficial Argentina 1985 Batismo de san gue Brasil 2007 A culpa é do Fidel França 2006 As sufragistas EUA 2015 Sobre os fundamentos da Sociologia indicamos Cidadão Kane 1941 Garapa Brasil 2009 Pro dia nascer feliz Brasil 2005 Socie dade do espetáculo França 1973 Histórias cruzadas EUA 2011 Que horas ela volta Brasil 2015 Segundafeira ao sol Espanha 2002 e Os companheiros 1963 35 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 5 Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir COTIAS L E Surgimento da Sociologia Disponível em httpswww youtubecomwatchvQCHIFsMphQ0 Acesso em 13 nov 2019 BBC As Consequências da Revolução Industrial Criando Mara vilhas EP2 2003 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvrW4CRWMAA Acesso em 13 nov 2019 REDE GLOBO Claude LéviStrauss Jornal Nacional Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0y1MSAcEXRw Acesso em 13 nov 2019 ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA EDUCATIONAL CORPORATION A Re volução Industrial Disponível em httpswwwyoutubecom watchvDmvL6vy6Qg Acesso em 13 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO Introdução a Ciência Política 110 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchv9MnsnFBqQKE Acesso em 13 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS UNIVERSIDA DE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO Introdução a Ciência Política 210 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvvtaPOEdEIbs Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte I 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvIVfsFeYKMs Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte II 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvbapuXAqhC8 Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte III 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvLkjFG6Bbno8 Acesso em 13 nov 2019 RENNÓ P Revolução Industrial História Ilustrada 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvIEQ7nQ76trk Acesso em 13 nov 2019 36 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 37 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO Pelo fato de normalmente as pessoas considerarem Ciências Sociais e Sociologia como uma única coisa um dos primeiros objetivos desta unidade é justamente conhecermos as principais áreas que formam o conjunto das Ciências Sociais Antropologia Ciência Política e Sociologia No entanto indepen dentemente de suas especificidades um aspecto permanece como um objeto de estudo comum a elas as sociedades em suas semelhanças e diferenças A vida em sociedade é um elemento que caracteriza a na tureza humana A evolução do gênero humano ocorre numa ín tima relação com o coletivo e consequentemente com o social No entanto coletivo não seria o mesmo que social Não Co letividade é algo próprio da natureza de muitos animais porém sociabilidade enquanto significação e conveniência das normas grupais estabelecidas é próprio da cultura humana O fato é que o ser humano não nasce social mas se torna socializável por meio de um processo de interação com outros indivíduos já socializados Para esse processo damos o nome de socialização Embora qualquer indivíduo em situações adequa das tenha condições razoáveis de aprender qualquer costume essa aprendizagem só ocorre satisfatoriamente a partir do seu contato com o mundo social Por isso estudar os modos de so cialização de uma cultura comparandoos aos padrões sociais de outras tornase um ponto de partida importantíssimo para as Ciências Sociais Nesse sentido a unidade abordará os principais aspectos históricos que acompanharam o processo de surgimento das Ciências Sociais bem como as propostas de intervenção dos 38 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS primeiros autores Em seguida o texto esclarecerá as principais divisões das Ciências Sociais e a sua diferença com relação à So ciologia Por fim estudaremos sobre os principais métodos que se fizeram presentes na pesquisa das Ciências Sociais método comparativofuncionalista método compreensivo e materialis mo históricodialético 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A SOCIEDADE COMO PROBLEMA DE PESQUISA As primeiras análises mais sistemáticas sobre a sociedade ocorreram a partir do momento em que ela passou a demons trar as transformações decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa A Revolução Industrial iniciada por volta de 1750 desem penhou um papel vital para o desenvolvimento de uma nova es trutura econômica capitalista a intensa acumulação de capital e as profundas transformações nas formas de produção signifi caram o advento da indústria e da produção em série Essa con dição afetou a mão de obra e reorganizou o trabalho manufatu reiro de uma maneira radical com a introdução das máquinas a vapor o artesão medieval perdeu o seu espaço tendo que se adaptar às novas formas de divisão e organização da produção 39 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As mudanças provocadas pela revolução científicotecnológica que denominamos Revolução Industrial marcaram profunda mente a organização social alterandoa por completo criando novas formas de organização e causando modificações cultu rais duradouras que perduram até os dias atuais DIAS 2004 p 124 No caso da Revolução Francesa todo o contexto socio político que possibilitou a denúncia dos privilégios da nobreza feudal e favoreceu a ascensão da burguesia no poder também contribuiu para que as mudanças mencionadas se acelerassem e configurassem assim uma nova estrutura social Portanto se a Revolução Industrial foi determinante para uma nova configura ção econômica a Revolução Francesa foi fundamental para uma definição das novas classes sociais e dos seus papéis na política emergente A partir de tais revoluções a sociedade passou a ter no vos grupos sociais dominantes e dominados Por um lado a burguesia que até então sofria com a exclusão de privilégios restritos à nobreza a partir do surgimento do capitalismo pas sou a ter a posse dos meios de produção social e com isso im por novas condições sociais políticas e econômicas Por outro a classe operária e proletária que não detinha a posse dos meios de produção foi obrigada a se submeter à exploração burguesa As condições degradantes do trabalho chegaram ao seu ápice no século 19 com jornadas de trabalho de 14 a 16 horas sem nenhum direito trabalhista descanso remunerado férias aposentadoria etc ou limite de idade para trabalhar uma vez que crianças cumpriam a mesma jornada que os adultos a classe operária estava portanto exposta a péssimas condições de segurança e saneamento básico 40 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As consequências da rápida industrialização e urbanização le vadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas aumento assustador da prostituição do suicídio do alcoolismo do infanticídio da criminalidade da violência de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da po pulação etc MARTINS 1986 p 1314 A partir desse contexto surgiram os diversos movimentos de reivindicação por parte dos trabalhadores que passaram aos poucos a se organizar nos primeiros sindicatos na Inglaterra França e outros países europeus Esses fatos também desenca dearam transformações no modo de vida dos indivíduos de ca madas sociais diferentes alterando o padrão de interações fami liares e de trabalho Aos poucos as próprias normas e os valores vigentes tiveram que reestruturar suas bases o que estimulou por sua vez o desenvolvimento de novos comportamentos e ideias Com o objetivo de procurar entender todas essas transfor mações bem como encontrar meios para a superação de seus problemas diversos pensadores como SaintSimon 17601825 Augusto Comte 17981857 e Karl Marx 18181883 apresen taram teorias explicativas sobre os processos sociais políticos e econômicos que justificam a natureza de tais mudanças na histó ria das sociedades Entre o final do século 19 e início do século 20 a Socio logia consolidouse definitivamente a partir do trabalho de ou tros estudiosos como Herbert Spencer 18201903 Max Weber 18641920 Georg Simmel 18581918 Émile Durkheim 1858 1917 Gabriel Tarde 18431904 Georg Herbert Mead 1863 1931 Charles Wright Mills 19161962 entre outros formando assim as bases sobre as quais a Sociologia se assentaria como ciência autônoma 41 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As leituras indicadas no Tópico 3 1 abordam o contex to histórico Revoluções Industrial e Francesa do surgimento das Ciências Sociais bem como as principais mudanças que acompanharam esse processo e que motivaram os primeiros estudos sobre a sociedade Neste momento você deve reali zar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Como já mencionado uma questão inicial que precisa ser esclarecida é a seguinte Ciências Sociais é sinônimo de Sociolo gia Caso negativo quais as diferenças Para responder a essas perguntas precisamos conhecer o processo de sistematização das chamadas ciências da sociedade O processo de produção do conhecimento sociológico enquanto área autônoma tem início a partir do século 19 Ini cialmente com Comte Durkheim Weber e Marx os esforços convergiram para a criação da Sociologia como ciência dos fatos sociais No entanto com o avanço das descobertas e pesquisas e também por conta do aprimoramento de uma metodologia própria para a pesquisa social houve a necessidade de dividir e sistematizar o conhecimento sociológico em diversas áreas ou ciências específicas Esse conjunto de áreas autônomas volta das para o conhecimento da realidade social ganhou o nome de Ciências Sociais A sistematização das Ciências Sociais portanto resultou na criação de campos de especialização como Antropologia Ciên 42 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS cia Política e Sociologia O desenvolvimento de cada um deles não ocorreu de forma igual e dependeu como qualquer outro tipo de conhecimento do contexto social no qual emergiu No Brasil por exemplo as universidades ofertam cursos es pecíficos de Antropologia bacharelado Ciência Política bacha relado e Sociologia bacharelado e licenciatura ou até como em outros casos o curso de Ciências Sociais bacharelado que englobaria as três áreas No entanto com relação ao exercício profissional desses cursos só a profissão de sociólogo é reco nhecida pelo Estado brasileiro Ou seja segundo o Decreto nº 89531 de 5 de abril de 1984 BRASIL 1984 que regulamenta exercício da profissão de sociólogo todo antropólogo cientista político e sociólogo do ponto de vista do exercício legal da fun ção é enquadrado profissionalmente apenas como sociólogo Por mais que uma pessoa tenha feito o bacharelado em Antropologia na sua carteira de trabalho constará a função de sociólogo Essa questão também justifica por que no currículo do Ensino Médio apesar de constarem temas provenientes das três áreas Antropologia Ciência Política e Sociologia a discipli na acaba recebendo o nome somente de Sociologia Vejamos o que se trabalha em cada uma dessas ciências específicas Antropologia A Antropologia estuda as semelhanças e diferenças cultu rais entre os diversos agrupamentos humanos bem como a ori gem e a evolução das culturas Ou seja se por um lado a Antro pologia busca compreender como os seres humanos em suas respectivas culturas podem levar vidas tão diferentes umas das 43 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS outras por outro no entanto também tem como objeto de pes quisa para além da diversidade cultural compreender aquele ponto comum que liga indivíduos de culturas totalmente distin tas a condição humana Inicialmente no início do século 19 a Antropologia se de dicou a pesquisar a natureza e a estrutura de sociedades tradi cionalmente consideradas como primitivas ou selvagens Um dos pioneiros dessa área foi sem dúvida Lewis Henry Morgan 18181881 antropólogo norteamericano que em sua obra A sociedade antiga 2005 descrevia uma trajetória da humani dade do mais simples e irracional ao mais complexo e racional compreendida em três fases distintas a selvageria a barbárie e a civilização Confira a seguir uma tabela adaptada de Morgan 2005 p 60 com as principais características de cada uma des sas fases de desenvolvimento Tabela 1 Períodos da humanidade segundo Morgan Períodos Condições Características I Período inicial de selvageria Status inferior de selvageria Da infância da raça humana de selvageria até o começo do próximo período II Período intermediário de selvageria Status intermediário de selvageria Da aquisição de uma dieta de subsistência à base de peixes e de um conhecimento do uso do fogo até a invenção do arco e flecha III Período final de selvageria Status superior de selvageria Da invenção do arco e flecha até a invenção da arte da cerâmica IV Período inicial da barbárie Status inferior da barbárie Da invenção da arte da cerâmica até a domesticação de animais no hemisfério oriental e o cultivo irrigado de milho e plantas no hemisfério ocidental juntamente com o uso de tijolos de adobe e pedras para a construção das casas 44 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Períodos Condições Características V Período intermediário de barbárie Status intermediário de barbárie Da domesticação de animais no hemisfério oriental e no ocidental do cultivo irrigado de milho e plantas com o uso de tijolos de adobe e pedras até a invenção de forjar o minério de ferro VI Período final de barbárie Status superior de barbárie Da invenção do processo de fundir minério de ferro com o uso de ferramentas de ferro até a invenção do alfabeto fonético VII Status de civilização Status de civilização Da invenção do alfabeto fonético com o uso da escrita até o tempo presente Fonte adaptada de Morgan 2005 Outros intelectuais também compartilharam esse pressu posto evolucionista na Antropologia como o inglês Edward B Tylor 18321917 e o escocês James G Frazer 18541941 De modo geral todos apresentaram teorias fundamentadas na his tória da evolução sem chegar a um consenso sobre a natureza e a posição das sociedades nessas escalas evolutivas No entan to independentemente dos aspectos particulares desses auto res essa abordagem mostrouse problemática justamente por caracterizar algumas culturas como primitivas e bárbaras a partir de referências típicas da sociedade europeia considerada como civilizada um selvagem está para um homem civilizado assim como uma criança está para um adulto e exatamente como o cres cimento gradual da inteligência de uma criança corresponde ao crescimento gradual da inteligência da espécie assim também um estudo da sociedade selvagem em vários estágios de evolução permitenos seguir aproximadamente embora é claro não exatamente o caminho que os ancestrais das raças mais elevadas devem ter trilhado em seu progresso as cendente através da barbárie até a civilização Em suma a sel vageria é a condição primitiva da humanidade e se quisermos 45 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS entender o que era o homem primitivo temos de saber o que é o homem selvagem hoje FRAZER 2005 p 107108 Essa forma de pensamento é considerada etnocêntrica porque justifica a ideia de progresso com base em critérios que colocam as sociedades europeias como o ápice da evolução Des sa corrente surgem tendências que se apoiam no darwinismo ou evolucionismo social cujas bases teóricas são encontradas em Herbert Spencer 18201903 Já em meados do século 19 por conta da expansão do im perialismo capitalista ou neocolonialismo europeu as socieda des europeias passaram a ter cada vez mais contatos com popu lações asiáticas oceânicas e africanas Isso também promoveu uma expansão da pesquisa antropológica que passou a pesqui sar essas sociedades Tal expansão serviu positivamente para alguns autores questionarem os padrões etnocêntricos que se encontravam ca muflados nos pensadores anteriores O antropólogo Franz Boas 18581942 por exemplo inaugurou uma linha de pensamento que criticou duramente o evolucionismo cultural tese que futu ramente ficaria conhecida como relativismo cultural Segundo Boas pelo fato de as culturas serem diferentes umas das outras uma determinada sociedade só pode ser avaliada a partir dos próprios critérios culturais Para o autor essa seria uma forma de romper com as classificações hierárquicas e também de validar o conceito de cultura numa vertente de crítica ao etnocentrismo De sua permanência entre os esquimós seguem alguns registros do seu diário mais especificamente do dia 23 de dezembro de 1883 46 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Frequentemente me pergunto que vantagens nossa boa so ciedade possui sobre aquela dos selvagens e descubro quanto mais vejo de seus costumes que não temos o direito de olháIas de cima para baixo Onde em nosso povo poder seia encontrar hospitalidade tão verdadeira quanto aqui Nós pessoas altamente educadas somos muito piores relativamente falando Creio que se esta viagem tem para mim como ser pensante uma influência valiosa ela reside no fortalecimento do ponto de vista da relatividade de toda forma ção Bildung e que a maldade bem como o valor de uma pes soa residem na formação do coração Herzensbildung que eu encontro ou não tanto aqui entre os esquimós quanto entre nós BOAS apud CASTRO 2004 p 9 Confira a questão do mito do atraso primitivo e suas rela ções com o etnocentrismo observando o quadrinho da Figura 1 47 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Fonte Henfil 1977 p 3 Figura 1 Etnocentrismo 48 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ainda no final do século 19 e no início do século 20 os estudos antropológicos começaram a perceber que as diferentes culturas eram capazes não apenas de criar hábitos novos mas principalmente de oficializar determinados comportamentos e práticas regulares que se repetiam frequentemente estabe lecendo assim os chamados padrões culturais As antropólogas Margaret Mead 19011978 e Ruth Benedict 18871947 alu nas de Franz Boas fundamentaram suas pesquisas em torno do conceito de padrão cultual De acordo com a autoras os padrões culturais são tão fun damentais para a análise cultural que além de manifestarem comportamentos regulares também condicionavam os indiví duos daquele grupo a ter inclinações semelhantes Segundo Be nedict 2013 p 172 este relacionamento entre grupo e indiví duo é tão estreito que não se pode analisar o padrão de cultura sem levar em consideração especificamente a sua relação com a psicologia individual Isso daria à cultura um papel determinan te na formação das consciências uma vez que ela modelaria as personalidades individuais por meio de tipospadrão de compor tamentos embora fosse sujeita a variações em alguns de seus integrantes Na realidade a sociedade e o indivíduo não são antagonistas A cultura fornece a matériaprima com a qual o indivíduo faz a sua vida Se ela é escassa o indivíduo fica em desvantagem se ela é rica o indivíduo tem a possibilidade de se mostrar à altura de sua oportunidade Todos os interesses particulares dos ho mens e das mulheres beneficiamse do enriquecimento da ba gagem tradicional da sua civilização BENEDICT 2013 p 171 Com a influência direta de Franz Boas a Antropologia do século 20 continuou sua crítica ao evolucionismo e passou a ser vista como referência sobre as reflexões em torno das diferen 49 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ças culturais desempenhando assim um forte papel na defesa dos direitos daqueles agrupamentos minoritários e considerados diferentes Um desses representantes da Antropologia no século 20 foi o polonês Bronislaw Malinowski que na década de 1910 pesquisou as relações de parentesco presentes nas sociedades nativas das Ilhas Trobriand um conjunto de ilhas próximo a PapuaNova Guiné Em sua pesquisa constatou que diferente mente dos padrões de parentesco das sociedades ocidentais o elemento principal de linhagem familiar de tais agrupamentos não era o do pai mas o da mãe Por isso tais culturas foram chamadas de matrilineares uma vez que a mãe não significa va apenas uma progenitora mas também uma pessoa à qual se deve respeito e de quem se espera um determinado compor tamento Nessas formações familiares do tipo matriarcal o pai é caracterizado muito mais como um estranho do que como chefe de família o termo pai tem para o trobriandês uma definição clara ainda que exclusivamente social significa o homem casado com a mãe que vive com ela sob o mesmo teto e se inclui entre os moradores da casa Em todas as discussões sobre parentesco o pai me foi expressamente descrito como um estranho ou mais precisamente um intruso MALINOWSKI 1983 p 32 E mais adiante completa À medida que vai crescendo o filho também pode perceber que o irmão de sua mãe adquire sobre ele uma autoridade cada vez maior reclamando seus serviços concedendolhe ou recusandolhe permissão para realizar certos atos ao passo que a autoridade do pai se apaga aos poucos MALINOWSKI 1983 p 33 50 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Outro representante fundamental da Antropologia no sé culo 20 foi o francês Claude LéviStrauss Em seu texto Raça e História o autor aborda a questão do relativismo cultural e afir ma que os conceitos de interpretação e diversidade divergem de cultura para cultura Para ilustrar essa questão compara a cul tura a um trem cada uma tem uma direção e um destino Logo assim como os trens não caminham todos na mesma direção as culturas também possuem maneiras diferentes de interpretar o mundo LÉVISTRAUSS 2013 E mais assim como cada viajante tem uma noção mais exata da direção do seu vagão os indivíduos de uma determi nada cultura precisam entender que as culturas diferentes por mais estranhas que pareçam também possuem os seus pontos de vista próprios Para um viajante sentado à janela do trem a velocidade e o comprimento dos outros trens variam conforme estes se deslocam no mesmo sentido ou em sentido inverso LÉ VISTRAUSS 2013 p 345 Dessa maneira a concepção de que determinada cultura esteja parada nada mais é do que a falta de noção adequada a respeito da direção em que ela caminha A distinção entre cul turas que se mexem e culturas que não se mexem se explica pela mesma diferença de posição que faz com que para o nos so viajante um trem em movimento se mexa ou não LÉVIS TRAUSS 2013 p 345 E por fim completa Sabemos ser possível acumular muito mais informação sobre um trem que se move paralelamente ao nosso e a uma velo cidade vizinha por exemplo examinar a cabeça dos viajantes contálos etc do que sobre um trem que nos ultrapassa ou que ultrapassamos a grande velocidade ou que nos parece tan to mais curto quando circula noutra direção No limite passa tão depressa que guardamos dele apenas uma impressão con fusa donde os próprios sinais de velocidade estão ausentes 51 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS reduzse a uma perturbação momentânea do campo visual já não é um trem já não significa nada LÉVISTRAUSS 2013 p 346 A partir de meados do século 20 e século 21 com o cres cimento urbano e os eventos decorrentes da Segunda Guerra Mundial a Antropologia procurou compreender também o que acontecia no interior das sociedades ocidentais aproximandose então de uma pesquisa antropológica mais urbana Os antropólogos Marvin Harris 19272001 e Julian Ste ward 19021972 por exemplo resgataram os pressupostos evolucionistas criticados pela Antropologia desde Franz Boas No entanto longe de replicarem um evolucionismo social pre feriram pensar na evolução das sociedades nos termos de uma dialética marxista ou seja a partir do progresso dos sistemas econômicos presentes nas mais diferentes sociedades desde as mais simples até as mais complexas Afirmavam por sua vez que o relativismo defendido por Franz Boas não permitia uma visão global e total das sociedades humanas Portanto o argumento central dos autores se baseia no chamado materialismo cultural a vida social humana é uma resposta aos problemas práticos da sua existência nesta terra Por isso uma visão de progresso cultural apresentase como fun damental as culturas acompanham então os desenvolvimentos econômicos Enfim a Antropologia apresenta ainda hoje uma vasta área de pesquisa Apesar de algumas mudanças conceituais promovi das ao longo do tempo ainda continuam sendo objetos de estu do da Antropologia os tipos de organização familiar os tabus e ritos de iniciação os padrões sociais e as instituições etc 52 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ciência Política A Ciência Política se a tomarmos genericamente como área voltada à reflexão do fazer político antecede o Período Moderno e tem as suas raízes na Antiguidade grega Autores como Platão e Aristóteles por exemplo escreveram obras dedi cadas a esse assunto Na Antiguidade tardia isto é no período romano temos também autores que refletiram sobre aspectos fundamentais da Filosofia Política como Cícero Marco Aurélio Sêneca entre outros Na Idade Média autores como Santo Agos tinho e Tomás de Aquino abordaram questões sobre a relação entre indivíduo e governo político No entanto mesmo existindo um conjunto de teorias já consolidadas na tradição filosófica até o final da Idade Média nenhuma delas se caracterizou especifi camente como Ciência Política Somente com Maquiavel a política ganhou o status de au tônoma podendo enfim ser estudada como área separada de qualquer limitação moral ou religiosa O interesse não está em descrever a prática do governante como resultado de uma mo ral religiosa mas compreender a prática política a partir daquilo que ela representa a administração do poder soberano Esse as pecto inaugura a área da Ciência Política que nos séculos sub sequentes ganhou notabilidade com autores como Jean Bodin Thomas Hobbes John Locke JeanJacques Rousseau Montes quieu e outros Mas afinal do que se ocupa a Ciência Política Qual é o seu objeto de estudo A Ciência Política ocupase em pesqui sar as formas de poder na sociedade bem como a formação e o desenvolvimento das diferentes maneiras de governo Enquanto método sua atuação é variada podendo se constituir a partir da observação de instituições como o Estado até o modo como as 53 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS pessoas interagem segundo seus interesses Logo o poder apre sentase como o objeto central da Ciência Política Na tirinha da Figura 2 podemos perceber essa questão da seguinte forma quem realmente é o dono da fala Fonte Laerte apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 15 Figura 2 O poder político Um dos temas de maior destaque na Ciência Política diz respeito à noção de liberdade e representatividade política que por sua vez está diretamente vinculada ao processo de forma ção e abstração do Estado em sua dimensão racionallegal A re presentatividade política só é possível se ela for compreendida à luz das relações de poder Para tanto três questões apresentam se como fundamentais soberania despersonalização do poder e despatrimonialização do poder Vejamos cada uma em detalhe Soberania Com relação à ideia de soberania do poder como um dos elementos caracterizadores do Estado Moderno tornase impor tante mencionar três pensadores Maquiavel Bodin e Hobbes Maquiavel em sua obra O príncipe tem lugar especial nesse processo justamente por tentado distinguir o exercício da soberania do governante como característica especificamente estratégica e política desligada por sua vez de qualquer mora 54 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS lidade ascética e religiosa O governante deve ser prudente sufi ciente para saber usar a virtude virtù segundo as circunstâncias contingenciais que lhe ocorrem A um príncipe portanto não é necessário ter de fato todas as qualidades mas é indispensável parecer têlas Aliás ou sarei dizer que se as tiver e utilizar sempre serão danosas enquanto se parecer têlas serão úteis Assim deves parecer clemente fiel humano íntegro religioso e sêlo mas com a condição de estares com o ânimo disposto e quando necessá rio não o seres de modo que possas e saibas como tornarte o contrário Precisa portanto ter o espírito preparado para voltarse para onde lhe ordenarem os ventos da fortuna e as va riações das coisas e como disse acima não se afastar do bem mas saber entrar no mal se necessário MAQUIAVEL 2001 p 8485 Todavia a soberania em Maquiavel ainda se concentra num âmbito eminentemente personalizado e reduzido à figura do príncipe Haja vista que o Estado Moderno tende em seu pro cesso a ser abstrato e despersonalizado é preciso que essa deli mitação de soberania passe por uma reforma conceitual Nesse sentido Bodin tenta justamente apresentar uma ideia de sobe rania impessoal e desvinculada da figura do governante Dessa maneira o esforço de Bodin não poderia ser outro o de tentar determinar o que de fato é um Estado ou uma República Para Bodin as sociedades políticas Estados ou repúblicas se formam pela associação e o justo governo de famílias que diferentemente da concepção aristotélica que observa teleolo gicamente nas comunidades familiares a potência da pólis ba seiase na ideia da existência de algo público e impessoal capaz de erguerse contra o particularismo dos interesses privados e unir as partes em vista dos interesses comuns Na opinião de Bo din tal função só pode ser cumprida pela soberania 55 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Do mesmo modo que o navio só é madeira sem forma de em barcação quando lhe é suprimida a quilha que sustenta os la dos a proa a popa e o convés assim também a República sem poder soberano que une todos os membros e partes e todas as famílias corpos e colégios não é República BODIN 1997 p 17 tradução nossa Com isso Bodin chega a uma concepção de soberania des personalizada uma vez que ela não é confundida com a pessoa do monarca mas é tida como uma condição absoluta e perpétua que lhe é concedida cumprindo desse modo apenas o papel de depositário ou guardião dessa mesma soberania Isso quer dizer que o caráter absoluto da soberania não justifica o absolutismo despótico do monarca pois ambas as coisas não transitam no mesmo plano conceitual A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República Tendo dito que a República é um reto governo de várias famílias e daquilo que lhe é comum com poder soberano é preciso agora aclarar o que significa poder soberano Digo que esse poder é perpétuo posto que pode ocorrer que se conce da poder absoluto a um ou a vários por tempo determinado os quais uma vez transcorrido esse tempo não são mais que súditos Portanto não pode se chamar príncipes soberanos quando ostentam o poder já que são apenas seus guardiães ou depositários até que o povo ou o príncipe possa revogálos BODIN 1997 p 4748 tradução nossa Essa noção de soberania também aparece em Hobbes po rém de uma forma mais bemacabada e complexa do que em Bodin não basta despersonalizar a ideia de soberania na rea lidade para Hobbes devese criar uma pessoa artificial repre sentativa e despersonalizada para quem após a formalização do pacto social todos os indivíduos concordam entre si em transfe rir o direito de se autogovernarem 56 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Isto é mais do que consentimento ou concórdia é uma verda deira unidade de todos eles numa só e mesma Pessoa realiza da por um pacto de cada homem com todos os homens de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem Au torizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia de homens com a condição de transferires para ele o teu direito autorizando de uma ma neira semelhante todas as suas ações HOBBES 2003 p 147 grifo do autor Com isso detém a soberania ou ganha o nome de Sobe rano aquele que for o portador dessa Pessoa Representativa constituindo assim definitivamente o Estado ou a Repúbli ca o Leviatã como a multidão unida numa só Pessoa criada artificialmente É esta a geração daquele grande Leviatã ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus mortal ao qual de vemos abaixo do Deus imortal a nossa paz e defesa É nele que consiste a essência da república Àquele que é portador dessa pessoa chamase Soberano e dele se diz que possui po der soberano Todos os demais são súditos HOBBES 2003 p 148 Tudo isso prova que conforme Torres 1989 p 52 não há verdadeiramente Estado ou domínio púbico se não houver poder soberano No entanto a abstração do Estado Moderno não se resolve apenas com a questão da soberania é preciso também que se redimensione outro aspecto muito ligado a este primeiro inclusive já adiantado no próprio texto a questão da despersonalização do poder Despersonalização do poder Para perceber historicamente o processo de despersona lização devese voltar aos Estados absolutistas e entender duas 57 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS temáticas o fundamento da legitimidade dinástica do rei a le gitimidade da propriedade dos bens e direitos reais TORRES 1989 p 69 As duas podem ser resolvidas de modo semelhante por meio da distinção entre Rei e Coroa Para começo de conver sa Esmein em sua obra Curso Elementar da História do Direito Francês traz uma citação interessante de Pierre De LHommeau do texto Máximas Gerais do Direito Francês que diz exatamente o seguinte Os reis da França são herdeiros da coroa e a sucessão do reino da França não é hereditária nem patrimonial mas legal e esta tutária de sorte que os reis de França são simplesmente suces sores à coroa em virtude da lei e do costume geral da França DE LHOMMEAU apud ESMEIN 1912 p 367 tradução nossa Noutras palavras isso quer dizer que na França como também foi possível observar na Inglaterra optouse pela ideia de que a legitimidade da sucessão dinástica e o fundamento do patrimônio real não se encontram reduzidos à livre escolha do rei mas pertencem às leis e aos costumes do reino justamente porque a Coroa não é uma posse exclusiva do rei mas um símbo lo que unifica de modo impessoal no corpo político os súditos o território e o próprio rei Ernst Kantorowicz na obra Os dois corpos do rei citando as teses de Bracton deixa bem clara essa distinção entre rei e Coroa Uma coisa quase sagrada é uma coisa fiscal que não pode ser prescindida ou vendida ou transferida para outra pessoa pelo Príncipe ou rei em exercício e essas coisas fazem da Coroa o que ela é e dizem respeito ao bem comum tais como a paz e a justiça BRACTON apud KANTOROWICZ 1998 p 115 58 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ou seja a autoridade pessoal do rei em seu corpo natural depende da autoridade impessoal da Lei e da Coroa enquanto corpo político Não é preciso dizer que a condição do rei acima da Lei era em si mesma perfeitamente legal e garantida pela Lei Seus direitos supralegais servindo àquelas coisas que pertencem à jurisdição e à paz e sua proteção eram garantidos ao rei pela própria Lei Pertencem a ninguém a não ser apenas à Coroa e à dignidade real nem podem ser separados da Coroa uma vez que fazem da Coroa o que ela é Da mesma forma as má ximas mais famosas de Bracton lex facit regem a lei faz o rei tinham uma outra face e não devem ser lidas exclusivamente no sentido de restrições Afirmações parecidas não eram muito raras durante a Idade Média Regem iura faciunt non persona As leis e não a pessoa fazem o rei era uma afirmação bem conhecida dos canonistas e de acordo com a própria lex digna os imperadores confessam da autoridade da Lei depende nos sa autoridade KANTOROWICZ 1998 p 103 Despatrimonialização do poder Para que a compreensão do processo de abstração do Esta do moderno seja de fato completa tornase necessário elaborar uma pequena reflexão sobre uma terceira temática muito próxi ma da despersonalização do poder a despatrimonialização Para falar desse tema tornase impossível não resgatar al gumas reflexões de Max Weber que entre outras coisas afirma que a despatrimonialização tem seu ponto de identificação com o Estado moderno a partir do momento em que há a completa separação entre patrimônio ou funções estatais e os seus admi nistradores ou titulares O Estado moderno controla os meios totais de organização po lítica que na realidade se agrupam sob um chefe único Nenhu ma autoridade isolada possui pessoalmente o dinheiro que 59 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS paga ou os edifícios armazéns ferramentas e máquinas de guerra que controla No Estado contemporâneo a sepa ração entre o quadro administrativo os funcionários adminis trativos e os trabalhadores em relação aos meios materiais de organização administrativa é completa WEBER 1982 p 102 No entanto para Torres a evolução histórica da ideia de despatrimonialização não aconteceu de modo tão linear e pon tual mas foi permeada por diversos percalços e ambiguidades que remontam inclusive ao retorno do patrimonialismo dos Es tados absolutistas A recusa do patrimonialismo das monarquias feudais como condição fundamental para a criação do Estado burocráticoracional assume num primeiro momento a vesti menta do patrimonialismo das monarquias absolutistas Logo mesmo em vista desses recuos conceituais o fato é que paula tinamente as estruturas estatais despatrimonializadas vão se consolidando de modo inequívoco principalmente no que diz respeito a duas áreas a justiça e as finanças públicas TORRES 1989 No caso da justiça a despatrimonialização do poder é com preendida a partir do esforço de superação da justiça senhorial feudal pela justiça real identificada pelo autor por meio de qua tro linhas de restrições muito bem definidas 1 A doutrina dos casos reais que retira do poder da justiça senhorial todos aqueles casos que envolvam a pessoa o patrimônio o direito real como também questões de paz pública TORRES 1989 p 5961 2 A teoria da prevenção a qual afirma que uma vez dirigido o caso ao rei o processo pode ser realizado na corte real sem interferência dos senhores TORRES 1989 p 5961 60 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 3 O instituto da apelação que fez com que a justiça senhorial perdesse qualitativamente sua soberania ju rídica TORRES 1989 p 5961 4 O conceito de justiça retida o qual afirma que o rei possui de modo retido à sua condição a titularidade originária do poder jurídico podendo julgar processos e conceder privilégios da maneira que achar mais justo TORRES 1989 p 5961 Já no caso das finanças públicas apesar das diferenças existentes entre as monarquias francesa e inglesa a despatrimo nialização do poder se refere ao processo pelo qual as rendas da Coroa vão deixando de ser efetivamente senhoriais e de cará ter excepcional para se tornarem cada vez mais públicas e for malizadas voltadas principalmente para o custeio das despesas reais Segundo Braun na Inglaterra esse fato contribuiu para o amadurecimento da noção de Estado moderno Além disso a vontade dos Estados de partilhar as despesas e de garantir as dívidas dos seus príncipes manifesta um conceito de território como algo ligado a seus próprios interesses um algo comum isto é público oposto aos interesses privados ou patrimoniais de suas casas reinantes Os Estados assim contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência de Estado no sentido moderno contradizendo o conceito tradi cional de uma autoridade e do governo como um patrimônio hereditário pessoal das casas reinantes o que pode ser objeto de venda divisão ou penhor BRAUN 1975 p 254 tradução nossa Com isso a distribuição da renda dos tributos outrora dos feudos para a corte real fez com que os próprios senhores pu dessem ver nas necessidades do rei as suas próprias necessida des promovendo assim a ideia de despesa pública Ou seja essa forma de encarar as despesas reais fez com que especialmente a 61 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS política inglesa por meio do controle parlamentar dos gastos go vernamentais pudesse chegar a estruturas estatais fundamen talmente modernas Sociologia As Ciências Sociais como um todo sempre se mantive ram atentas à tarefa de compreender e interpretar os fenôme nos sociais a partir de uma ótica científica Essa tarefa como já observado foi acompanhada por inúmeras mudanças de ordem cultural política econômica e tecnológica especialmente em decorrência das novas demandas do capitalismo como modo de produção vigente A Sociologia surgiu justamente desse processo de desa gregação do mundo feudal e consolidação do capitalismo com o objetivo de compreender as transformações sociais políticas econômicas e culturais que ocorreram nas sociedades ocidentais entre os séculos 18 e 19 O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia As transformações econômicas políticas e culturais que se ace leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu FERNANDES 1977 p 11 Segundo Lukács 1959 a Sociologia como disciplina au tônoma surgiu na Inglaterra e na França justamente quando a economia política clássica e o socialismo utópico perderam gra dativamente o seu vigor Ambos cada um à sua maneira apre sentavamse como doutrinas que abrangiam a vida social e tra tavam dos problemas essenciais da sociedade a partir dos seus condicionamentos econômicos No entanto com o surgimento 62 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS da Sociologia tais problemas passaram a ser analisados não so mente a partir da base econômica da sociedade Uma suposta independência dos problemas sociais em relação aos econômi cos foi de fato o ponto de partida metodológico da Sociologia A delimitação do campo metodológico da Sociologia vem com profundas crises da economia burguesa clássica nas quais se manifesta claramente a base social da Sociologia de um lado a dissolução da escola do liberalismo clássico na Inglaterra Da vid Ricardo principalmente quando se começava a extrair da teoria do valortrabalho os critérios da crítica marxista de outro a dissolução do socialismo utópico na França que se iniciou com as primeiras tentativas de superação por meio do socialismo que SaintSimon e Fourier não tiveram o cuidado de procurar LUKÁCS 1959 Essas duas crises da economia clássica e do socialismo utópico aliadas à resposta para ambas promovida pelo mate rialismo histórico e pela economia política marxista colocaram um fim na pretensão de que a economia burguesa clássica ain da pudesse ser a ciência fundamental para o conhecimento da sociedade Com o positivismo de Comte e Herbert Spencer a Sociolo gia mantém a pretensão de ser uma ciência universal da socie dade fato esse que porém os levou a buscar seus fundamen tos não na Economia mas nas Ciências Naturais Ou seja já no tempo de Comte e Spencer não era mais possível chegar a esse resultado pelo caminho da Economia Contudo por conta justamente da vinculação à ideia de progresso a Sociologia não conseguiu manterse durante mui to tempo como ciência universal A fundamentação científiconatural e principalmente a biológica não demorou 63 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS para ser enfraquecida em consonância com a trajetória geral políticoeconômica da burguesia por uma ideologia contrária à ideia de progresso As contradições presentes no progresso capi talista anulavam os seus próprios germes evolucionistas LUKÁ CS 1959 De fato a teoria marxista foi a primeira que descobriu o nó dialético na Economia e os elementos constituintes da ideologia capitalista Ao ser fundada como uma ciência universal sobre as ciências naturais a Sociologia positivista inicialmente tratou de eliminar o caráter contraditório do ser social camu flando assim uma crítica profunda do sistema capitalista Ainda que aceitando o ideal de progresso social a Sociologia nascente acabou delineando o conceito de progresso de acordo com os interesses da classe burguesa um progresso sem revolução que conduz a uma sociedade industrial e técnica idealizada na qual se vê o ápice do desenvolvimento da humanidade A proposta marxista apresentouse ao menos inicialmen te como resposta a esse problema resultante da Filosofia da História positivista Para tanto compreende que o progresso dia lético das sociedades só pode ser pleno pelas vias materialistas isto é pela superação das próprias relações de produção vigen tes No entanto essa opção marxista também limitou a proposta de solução a um condicionamento econômico modo de produ ção capitalista Autores posteriores como Durkheim e Weber tentaram propor caminhos alternativos que justificassem influências de outras vertentes na constituição das sociedades modernas En quanto Durkheim apostava em uma coesão orgânica como fun damento das sociedades modernas pensamento esse essen cialmente funcionalista isto é de que cada coisa ou fenômeno 64 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS possui uma função social Weber preferiu compreender as ori gens das sociedades modernas por meio de afinidades eletivas entre o modo de produção capitalista e a criação de uma menta lidade para o lucro Na tirinha da Figura 3 o cartunista Angeli apresenta dois temas fundamentais da Sociologia a saber a desigualdade social e a estratificação das classes Fonte Angeli 2000 Figura 3 Estratificação social Enfim a Sociologia dedicase a entender como a sociedade está estruturada no que diz respeito à produção e distribuição 65 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS de bens e ao modo como esse processo implica concentração de poder Além do mais voltase também à análise das relações de produção e do modo como elas resultam na formação das classes sociais trabalhadores e patrões Por fim também se de dica a estudar a natureza das instituições sociais família Igreja Estado etc e o modo como elas influenciam o processo de so cialização primária e secundária As leituras indicadas no Tópico 3 2 apresentam os prin cipais aspectos históricoculturais que formaram a área de pesquisa das Ciências Sociais especificando suas principais di visões entre Antropologia Ciência Política e Sociologia Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS O método científico como instrumento de análise das so ciedades ao longo da história foi efetivamente utilizado a partir do século 19 As próprias transformações decorrentes das Re voluções Industrial e Francesa trouxeram para os estudiosos da época novos dilemas que exigiam novas respostas Como estan darte das revoluções a autonomia da razão e o avanço da tec nologia motivaram uma conquista humana sem igual mas que foram sobrepujados pela ânsia liberal capitalista que no fim não conseguiu alcançar seus objetivos emancipatórios que se fi zeram presentes na ocasião da vitória sobre a aristocracia feudal 66 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Como já observado foram modificados não apenas os meios técnicos máquinas a vapor e a extensão dos direitos po líticos liberdade igualdade e fraternidade mas a própria estru tura social como um todo Conquistouse portanto uma igual dade jurídica isto é todos são iguais perante a lei mas se manteve uma desigualdade econômica e social que resultou na formalização das novas classes sociais burgueses e proletários e um novo modo de produção capitalismo Esse contexto foi amplamente questionado por intelectuais movimentos sociais e trabalhadores de diferentes setores da sociedade Essa insatis fação generalizada por conta da crescente desigualdade social bem como pela motivação em superála a partir de soluções racionais foi o que levou ao desenvolvimento das Ciências Sociais Comte foi o primeiro autor a definir a Sociologia como uma ciência Física Social que busca compreender as permanências e mudanças presentes nas mais diversas sociedades comparan doas umas às outras O objetivo era portanto compreender a natureza da sociedade industrial e também veicular soluções para as desigualdades vigentes No entanto os métodos especi ficamente traçados para a pesquisa sociológica surgiram a partir das pesquisas de Durkheim Weber e Marx Vertentes metodológicas das Ciências Sociais Historicamente três vertentes metodológicas se fizeram presentes nas pesquisas sociológicas do século 19 os métodos comparativofuncionalista e compreensivo e o materialismo his tórico e dialético 67 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Método comparativofuncionalista Esse método compreende uma adaptação do método ex perimental das Ciências da Natureza para as Ciências Sociais As sim como o método experimental tenta a partir de repetidas observações sob determinadas condições chegar à elaboração de leis que permitem regular e prever a ocorrência de fenôme nos o método comparativo também trabalha com a ideia de que os fenômenos sociais são coisas separadas e independentes das consciências individuais e por isso podem ser observados e pesquisados objetivamente Esse método foi fortemente divulgado pela análise fun cionalista de Émile Durkheim que segundo essa tese afirmava que todas as práticas sociais possuem uma função na sociedade Com isso um fenômeno social só existe na medida em que pos sui alguma função para o coletivo como é o caso por exemplo das instituições sociais que desempenham papéis fundamentais para a coletividade Nessa análise o método sociológico é orga nizado em duas partes primeiramente observa os fenômenos particulares de uma sociedade levando em consideração que podem ser pesquisados depois por meio de comparações con fronta os diferentes sistemas sociais classificandoos de acordo com seu nível de complexidade Método compreensivo Diferentemente de Durkheim que encarava os fenômenos sociais como coisas objetivas e externas passíveis de serem ob servadas Weber afirmava que o fenômeno social depende dos valores subjetivos interiorizados pelos sujeitos Por se tratar de um fenômeno social específico seu estudo exige um método total mente diferente daquele que ocorre nas Ciências da Natureza 68 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Na obra Economia e sociedade fundamentos da Sociologia Compreensiva Weber afirma que enquanto o método experi mental se volta para a explicação dos fenômenos naturais o método compreensivo procura a compreensão dos fenômenos da sociedade Por isso mais do que identificar a objetividade do fenômeno Weber está preocupado em analisar os possíveis sen tidos e significados que os homens atribuem às suas ações em diferentes culturas Cabe portanto à Sociologia interpretar os sentidos e as intenções de tais ações sociais Materialismo histórico e dialético De acordo com Marx essa vertente leva em consideração uma compreensão materialista de história e o progresso dialé tico das relações de produção Para o autor a dinâmica social é explicada por um conjunto de relações de produção que deter minam a forma como os meios de produção e a força de traba lho são organizados Por se tratar de uma relação de produção capitalista a classe que detém a posse dos meios de produção burguesia domina aquela que vende a sua força de trabalho proletariado Essas relações de produção por sua vez condicionam a superestrutura jurídicopolítica leis e relações de poder que re gulam a dinâmica social e ideológica crenças e valores inter nalizadas Enquanto a dimensão jurídicopolítica é responsável por justificar legalmente a produção em qualquer sociedade es cravista feudal ou capitalista a dimensão ideológica promove a coesão social dos membros da sociedade Portanto para Marx o importante não é procurar a obje tividade ou subjetividade dos fenômenos sociais mas as contra dições existentes entre relações materiais de produção e as sub jetividades manipuladas É pela mudança do modo de produção 69 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS que se chega à transformação das consciências Ou seja nem a objetividade nem a subjetividade por elas mesmas mas apenas uma dialética materialista seria capaz de superar o abismo entre teoria e prática sujeito e objeto Importante O liberalismo apresentase como um conjunto de ideias que visa afastar o máximo possível a intervenção do Es tado nas atividades da sociedade civil opondose assim radical mente à concepção social da nobreza feudal Para Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins 2016 o liberalis mo pode ser compreendido a partir de três aspectos ou enfo ques político ético e econômico A leitura indicada no Tópico 3 3 apresenta questões conceituais e históricas sobre a metodologia das Ciências So ciais enquanto área autônoma do conhecimento bem como sobre os desafios da pesquisa social na atualidade Neste mo mento você deve realizar essa leitura para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 70 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA Com o objetivo de contextualizar as mudanças históricas decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa que por sua vez motivaram o surgimento das Ciências Sociais leia os textos indicados a seguir OLIVEIRA E M Transformações no mundo do traba lho da Revolução Industrial aos nossos dias Caminhos de Geografia v 6 n 11 p 8496 fev 2004 Disponível em httpwwwseerufubrindexphpcaminhosde geografiaarticledownload153278626 Acesso em 13 nov 2019 NICOLACIDACOSTA A M Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas Psicologia Teoria e Pesqui sa v 18 n 2 p 193202 maioago 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfptpv18n2a09v18n2 pdf Acesso em 13 nov 2019 VOVELLE M A Revolução Francesa e seu eco Trad Mag da Sento Sé Fonseca Estudos Avançados São Paulo v 3 n 6 p 2545 1989 Disponível em httpwww revistasuspbreavarticleview851910070 Acesso em 13 nov 2019 71 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 32 ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Para conhecer mais sobre a organização das Ciências So ciais Antropologia Ciência Política e Sociologia leia os artigos indicados a seguir OLIVEIRA A O lugar da Antropologia nas Licenciaturas em Ciências Sociais In REUNIÃO BRASILEIRA DE AN TROPOLOGIA 29 ago 2014 Natal Anais 2014 Dis ponível em httpwww29rbaabantorgbrresour cesanais11398393266ARQUIVORBASimposio pdf Acesso em 13 nov 2019 QUIRINO C Departamento de Ciência Política Estudos Avançados São Paulo v 8 n 22 p 337348 1994 Dis ponível em httpwwwjournalsuspbreavarticle download971811290 Acesso em 13 nov 2019 LIMA J C CORTES S M V A Sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas Ciências Sociais Civitas Porto Alegre v 13 n 3 p 416435 setdez 2013 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphp civitasarticledownload1652210872 Acesso em 13 nov 2019 33 MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS A sistematização das Ciências Sociais também contemplou o desenvolvimento de métodos específicos de pesquisa Para co nhecer um pouco sobre o assunto leia o artigo indicado a seguir 72 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CANO I Nas trincheiras do método o ensino da meto dologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Dispo nível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105 pdf Acesso em 13 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Leia o texto a seguir grandes mudanças que ocorreram na história da humanida de aquelas que aconteceram no século XVIII e que se esten deram no século XIX só foram superadas pelas grandes trans formações do final do século XX As mudanças provocadas pela revolução científicotecnológica que denominamos Revolução Industrial marcaram profundamente a organização social alte randoa por completo criando novas formas de organização e causando modificações culturais duradouras que perduram até os dias atuais DIAS 2004 p 124 Percebese que as transformações ocorridas nas sociedades ocidentais permitiram a formação de relações sociais complexas Nesse sentido a Sociologia surgiu com o objetivo de compreender essas relações explican do suas origens e consequências Sobre o surgimento da Sociologia e das mudanças históricas apontadas no texto assinale a alternativa correta a A divisão social do trabalho foi minimizada com as novas tecnologias introduzidas pelas revoluções do século 18 b A grande mecanização das fábricas nas cidades possibilitou o desen volvimento econômico da população rural por meio do aumento de empregos 73 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS c O controle teológico da sociedade foi possível com o emprego sistemá tico da razão e do livre exame da realidade d As atividades rurais do período histórico tratado no texto foram o obje to de estudo que deu origem à Sociologia como ciência e A Sociologia foi uma resposta intelectual aos problemas sociais que surgiram com a Revolução Industrial 2 Leia com atenção o trecho a seguir O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia As transformações econômicas políticas e culturais que se ace leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu FERNANDES 1977 p 11 Sobre a relação entre a Revolução Industrial e o surgimento da Sociologia como ciência assinale a alternativa incorreta a A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande concentração da população no ambiente urbano o qual acabou se constituindo em laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas que essa nova realidade social gerava b A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias do século 19 inserissem sociólogos em seus quadros pro fissionais para atuar no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos c A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades gerou uma série de problemas modernos que passaram a de mandar investigações visando à sua resolução ou minimização d Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos pro vocados pela revolução industrial compartilhavam uma preocupação comum em encontrar critérios objetivos ou leis que explicassem as transformações sociais decorrentes da revolução industrial e do surgi mento do capitalismo e Os conflitos entre capital e trabalho potencializados pela concentra ção dos operários nas fábricas foram tema de pesquisa dos precurso res da Sociologia e continuam inspirando debates científicos relevan tes na atualidade 74 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Em síntese esta unidade apresentou três temas básicos sendo o primeiro o contexto de mudanças culturais políticas e econômicas que ocorrerem nas sociedades ocidentais nos sécu los 18 e 19 e que motivaram o surgimento das Ciências Sociais Após essa etapa a unidade passou a tratar do campo de estudo das Ciências Sociais e as áreas que formam o seu estu do e pesquisa Antropologia Ciência Política e Sociologia Por fim enfatizou os principais métodos sociológicos desenvolvidos pelos principais representantes das Ciências Sociais Durkheim Weber e Marx Esperamos que esta leitura incite outras pesquisas com plementares pois o convite para o aprofundamento de questões relacionadas ao conhecimento da sociedade não é somente uma orientação acadêmica mas um exercício pleno de cidadania 75 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados BBC As Consequências da Revolução Industrial Criando Maravilhas EP2 2003 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvrW4CRWMAA Acesso em 13 nov 2019 BRASIL Decreto 89531 de 5 de abril de 1984 Regulamenta a Lei nº 6888 de 10 de dezembro de 1980 que dispõe sobre o exercício da profissão de sociólogo e dá outras providências Diário Oficial da República Federativa do Brasil Brasília 9 abr 1984 Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddecret19801987decreto 895315abril1984439813retificacao18478pehtml Acesso em 13 nov 2019 CANO I Nas trincheiras do método o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105pdf Acesso em 13 nov 2019 COTIAS L E Surgimento da Sociologia Disponível em httpswwwyoutubecom watchvQCHIFsMphQ0 Acesso em 13 nov 2019 ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA EDUCATIONAL CORPORATION A Revolução Industrial Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvDmvL6vy6Qg Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário History Parte I 2005 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvIVfsFeYKMs Acesso em 13 nov 2019 Revolução Francesa Documentário History Parte II 2005 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvbapuXAqhC8 Acesso em 13 nov 2019 Revolução Francesa Documentário History Parte III 2005 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvLkjFG6Bbno8 Acesso em 13 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO Introdução a Ciência Política 110 Disponível em httpswwwyoutube comwatchv9MnsnFBqQKE Acesso em 13 nov 2019 Introdução a Ciência Política 210 Disponível em httpswwwyoutube comwatchvvtaPOEdEIbs Acesso em 13 nov 2019 LIMA J C CORTES S M V A Sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas Ciências Sociais Civitas Porto Alegre v 13 n 3 p 416435 setdez 2013 76 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpcivitasarticle download1652210872 Acesso em 13 nov 2019 OLIVEIRA A O lugar da Antropologia nas Licenciaturas em Ciências Sociais In REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA 29 ago 2014 Natal Anais 2014 Disponível em httpwww29rbaabantorgbrresourcesanais11398393266ARQUIVORBA Simposiopdf Acesso em 13 nov 2019 QUIRINO C Departamento de Ciência Política Estudos Avançados São Paulo v 8 n 22 p 337348 1994 Disponível em httpwwwjournalsuspbreavarticle download971811290 Acesso em 13 nov 2019 REDE GLOBO Claude LéviStrauss Jornal Nacional Disponível em httpswww youtubecomwatchv0y1MSAcEXRw Acesso em 13 nov 2019 RENNÓ P Revolução Industrial História Ilustrada 2018 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvIEQ7nQ76trk Acesso em 13 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELI Tirinha Folha de SPaulo São Paulo 8 jun 2000 ARANHA M L A MARTINS M H P Filosofando introdução à Filosofia 6 ed São Paulo Moderna 2016 BENEDICT R Padrões de cultura Trad Ricardo A Rosenbusch Petrópolis Vozes 2013 Coleção Antropologia BOAS F Diário de viagem de Franz Boas 23 dez 1883 In CASTRO C Org Antropologia cultural Franz Boas Trad Celso Castro Rio de Janeiro Zahar 2004 p 723 BODIN J Los seis libros de la República Trad Pedro Bravo Gala Madri Tecnos 1997 BRAUN R Taxation sociopolitical structure and statebuilding Great Britain and BrandenburgPrussia In TILLY C Org The formation of national States in Western Europe New Jersey Princeton University Press 1975 p 243327 DIAS R Introdução à Sociologia São Paulo Persons Prentice Hall 2004 ESMEIN A Cours elémentaire DHistoire Du Droit Français 11 ed Paris Librairie de la Société du Recueil Sirey 1912 77 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS FERNANDES F A herança intelectual da Sociologia In FORACHI M MARTINS J S Orgs Sociologia e sociedade leituras de introdução à Sociologia 17 ed Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1977 p 1120 FRAZER J G O escopo da antropologia social In CASTRO C Org Evolucionismo cultural textos de Morgan Tylor e Frazer Rio de Janeiro Zahar 2005 p 101127 HENFIL Fradim Rio de Janeiro Codecri 1977 HOBBES T Leviatã ou matéria forma e poder de uma República Eclesiástica e Civil Trad João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Martins Fontes 2003 KANTOROWICZ E Os dois corpos do rei um estudo sobre a teologia política medieval Trad Cid Knipel Moreira São Paulo Companhia das Letras 1998 LÉVISTRAUSS C Raça e história In Antropologia estrutural dois Trad Beatriz PerroneMoisés São Paulo Cosac Naify 2013 vol 2 pp 357369 LUKÁCS G El asalto a la razón la trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler Trad Wenceslao Roces México Buenos Aires Fondo de Cultura Económica 1959 MACHADO I J R AMORIM H BARROS C R Sociologia hoje São Paulo Ática 2013 MALINOWSKI B A vida sexual dos selvagens Trad Carlos Sussekind Rio de Janeiro Francisco Alves 1983 MAQUIAVEL N O príncipe Trad Maria Júlia Goldwasser São Paulo Martins Fontes 2001 MARTINS C B O que é Sociologia São Paulo Brasiliense 1986 MORGAN L H A sociedade antiga ou investigações sobre as linhas do progresso humano desde a selvageria através da barbárie até a civilização In CASTRO C Org Evolucionismo cultural textos de Morgan Tylor e Frazer Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 p 4165 TORRES J C B Figuras do Estado Moderno elementos para um estudo histórico conceitual das formas fundamentais de representação política no Ocidente São Paulo Brasiliense 1989 WEBER M A política como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Rev Téc Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982 p 97153 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 79 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 79 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Objetivos Compreender a proposta liberal de Bernard Mandeville a partir de sua Fá bula das abelhas Conceituar os principais elementos caracterizadores do liberalismo clássi co de Adam Smith Analisar as críticas traçadas por Alexis de Tocqueville sobre os perigos da centralização do poder nas democracias modernas Conteúdos Mandeville e a Fábula das abelhas Bases sociológicas do liberalismo clássico Liberalismo econômico de Adam Smith Adam Smith e a metáfora da mão invisível A divisão do trabalho Tocqueville e a democracia moderna A centralização do poder nas democracias modernas O despotismo democrático UNIDADE 2 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite ao conteúdo desta obra Após conhecer o conteúdo desta unidade leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie e aprofunde os temas abordados 2 Busque outras informações em sites confiáveis eou nas referências biblio gráficas apresentadas no final de cada unidade Mantenha contato com seu tutor 3 Observe que os autores em questão apresentam ideias e conceitos que possibilitaram futuras reflexões sociológicas Muito embora nenhum deles tenha um pensamento especificamente sociológico é muito importante que os considere como precursores das Ciências Sociais 4 Para complementar os estudos da unidade sugerimos a leitura do livro O que é Economia de Paul Singer da Coleção Primeiros Passos e A Revolu ção dos Bichos de George Orwell 5 Da linguagem cinematográfica recomendamos os filmes Roger e eu EUA 1989 Tempos modernos EUA 1936 Cidadão Kane EUA 1941 O Mercador de Veneza 2004 Trocando as bolas 1983 A Dama de Ferro 2011 Capitalismo uma história de amor 2009 Uma mente brilhante 2002 Danton e o processo de Revolução França 1983 Manderlay Di namarca Suécia França Inglaterra 2005 O homem que matou o facíno ra EUA 1962 6 Como material introdutório também sugerimos que você assista aos se guintes vídeos THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvsToHBs LCNS0 Acesso em 14 nov 2019 UNIVERSITY OF AMSTERDAM A Fábula das Abelhas Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 14 nov 2019 81 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO MACAT Democracia na América Alexis De Tocqueville Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvHYKphUqm1fw Acesso em 14 nov 2019 SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 14 nov 2019 CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisível 2015 Dispo nível em httpswwwyoutubecomwatchvCgoYwzoVNhs Acesso em 14 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão Invisível Descomplican do a Economia Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTs lIsfkx2E8 Acesso em 14 nov 2019 CRISTIANO J Revolução Industrial Divisão do Trabalho e Adam Smi th 2013 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvix5jU Pyx99g Acesso em 14 nov 2019 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 83 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade você terá a oportunidade de conhecer as origens do liberalismo clássico com base em três autores Ber nard Mandeville Adam Smith e Alexis de Tocqueville Enquanto os dois primeiros trabalham com os princípios que orientaram o liberalismo econômico o último autor voltase mais para uma análise das democracias modernas e os perigos que rondam as suas propostas Tratase de autores úteis para compreendermos as origens das áreas que futuramente constituíram as chamadas Ciências Sociais Por mais que as análises dos autores da unidade este jam enviesadas por temas estritamente econômicos ou políticos não podemos no entanto deixar de mencionar que foram justa mente tais áreas Economia e Política que ofereceram as princi pais transformações nos séculos 18 e 19 levando ao surgimento de análise científica e objetiva acerca dos fenômenos sociais Boa leitura 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 84 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 21 MANDEVILLE E A FÁBULA DAS ABELHAS Bernard Mandeville Figura 1 nas ceu em Roterdam em 1670 No tocante a sua biografia o Instituto de Humanidades 2019 aponta Ingressou na Universidade de Leyden muito jovem aos 15 anos formando se em medicina em 1694 quando ti nha apenas 21 anos Seguiu a mesma especialidade de seu pai neurologia e aparelho digestivo Em meados da década esteve na Inglaterra para aperfeiçoar seus conhecimen tos de inglês Segundo seus biógrafos encantouse com o país achando sua maneira de ser muito agradável Em fins do decê nio transferiuse em definitivo para Londres onde viveu até a morte em 1733 aos 63 anos de idade Na capital inglesa viria a ser médico bemsucedido Mandeville é autor de extensa bibliografia embora se haja tor nado famoso pelo livro A fábula das abelhas 1714 que leva o significativo subtítulo de vícios privados virtudes públicas O livro foi refundido e acrescido de novos ensaios primeiro em 1723 para finalmente ser publicado em duas partes em 1732 Figura 1 Bernard Mandeville Sem dúvida alguma A fábula das abelhas foi uma das lei turas mais discutidas ao longo do século 18 tornandose um es tandarte da burguesia nascente Mesmo tendo sofrido inúmeras edições alterações e complementos o núcleo fundamental da mensagem da obra já havia sido publicado anonimamente pela primeira vez em 1705 com o poema intitulado A colmeia des Figura 1 Bernard Mandeville 85 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO contente ou os malandros que se tornaram honestos No entan to somente em 1714 a obra ganhou a sua versão fundamental publicada também de forma anônima sob o título A fábula das abelhas ou vícios privados públicos benefícios Nessa edi ção Mandeville publicou o texto com o acréscimo de vinte Ob servações Remarks nas quais prescreve o sentido filosófico dos principais pontos da fábula O texto sofreu outras complementações durante a vida de Mandeville Em 1723 a obra passou a ser editada em dois volu mes com o acréscimo dos seguintes trabalhos Uma investiga ção sobre a origem da virtude moral Ensaio sobre a caridade e as escolas de caridade Uma investigação sobre a natureza da sociedade e Reinvindicação do livro Diálogos um total de seis textos e Críticas de A fábula das abelhas Todos esses tex tos reunidos formaram portanto a obra A fábula das abelhas que teve a sua edição definitiva em 1732 Conhecendo A fábula das abelhas O cerne da obra gira em torno do poema A colmeia des contente ou os malandros que se tornaram honestos 1705 que conta a história de uma sociedade de abelhas que apesar de estas serem imorais e viciosas prosperava de maneira surpreen dente As abelhas uma metáfora do comportamento humano enquanto permaneciam individualistas e focadas em tirar suas próprias vantagens comportavamse de maneira ativa e produ ziam grandes riquezas coletivas Assim cada parte estava cheia de vício O todo porém era um paraíso Aduladas na paz e temidas nas guerras Eram estimadas pelos estrangeiros 86 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Pródigas na riqueza e no modo como viviam Equilibravam todas as outras colmeias Tais eras as benesses daquele Estado Seus crimes conspiravam para tornálas grandiosas E a virtude que com a política Aprendera milhares de truques ardilosos Foi graças à feliz influência Tornandose amiga do vício desde aquele dia O pior tipo de toda a multidão Para o bem comum contribuía MANDEVILLE 1997 p 1415 tradução nossa A ideia da utilidade pública do vício proposta por Mande ville causou uma grande agitação na sociedade de sua época pois em meio ao caráter contraditório e convencional da moral dos bons costumes descreveu como a desonestidade e o egoís mo podem elevar a prosperidade econômica do coletivo Se por um lado o autor apresenta a imagem imoral dos indivíduos comerciantes advogados médicos ministros do culto juízes estadistas etc por outro lado argumenta o quanto toda essa perversidade é necessária para o benefício público O escândalo do texto não procede do fato de que cada indivíduo busca a sua autoconservação ou seja concretizar aquilo que é objeto de seu desejo e aspirações mas sim por afirmar que uma socieda de próspera é justamente aquela constituída pela união dessas aspirações egoístas Eis a arte do Estado que preservava O todo do qual cada parte se queixava Como a harmonia musical Fazia as dissonâncias concordarem com o principal 87 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Parte diametralmente opostas Ajudavamse mutuamente como que por despeito E a temperança e a sobriedade Serviam à embriaguez e à glutonaria MANDEVILLE 1997 p 15 tradução nossa Na fábula cada parcela da população cada grupo e pro fissão em suas respectivas imoralidades e vícios estimulava se reciprocamente procurando ultrapassar suas diferenças e melhorando assim o corpo social como um todo Enquanto al gumas trabalhavam outras se aproveitavam da situação a desi gualdade existia individualmente mas fortalecia a colmeia cole tivamente Como o próprio subtítulo afirma os vícios privados alavancavam os benefícios públicos ou seja as desigualdades nesse caso constituíam o motor do progresso A sociedade das abelhas prosperava e por isso não havia motivos para reclamar Mas segundo o poema como se trata va de uma colmeia descontente aquelas abelhas hipócritas que não gostam de ver seus vícios misturados à prosperidade coleti va passaram a reclamar da situação moral da coletividade e exi gir dos deuses Júpiter o desejo pela moralidade e honestidade Cansado de ouvir as reclamações das abelhas Júpiter movido por indignação cede inesperadamente à colmeia o seu desejo pela moralidade Um deles que conseguira uma fortuna principesca Enganando seu mestre seu rei assim como os pobres Atreviase a bradar esta nação se arruinará Por todas as suas fraudes Não se admitia nada de errado Nem a menor interferência nos negócios públicos Os tratantes porém descaradamente esbravejavam Pelos deuses tivéssemos ao menos honestidade 88 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Mercúrio sorria em face à imprudência Outros chamavam de insensatez Estar sempre a ralhar contra aquilo que amavam Mas Júpiter tomado de indignação Por fim jurou encolerizado que livraria A zunidora colmeia da fraude e assim o fez Nesse mesmo instante ela desapareceu E a honestidade encheu seus corações Foilhes mostrado qual a árvore da sabedoria Os crimes que tinham vergonha de ver E que agora em silêncio confessam Ruborizandose com sua feiura MANDEVILLE 1997 p 16 tra dução nossa No entanto a partir do momento em que as abelhas se tor nam honestas e morais a colmeia passa a viver de acordo com as consequências da moralidade os benefícios públicos resul tantes dos vícios particulares deixam de existir comprometendo assim a colmeia como um todo Deixem então de se lamentar apenas os tolos se esforçam Para tornar honesta uma grande colmeia Para gozar das comodidades do mundo Afamarse na guerra e viver no conforto Sem grandes vícios é uma vã Utopia inculcada no cérebro A fraude o luxo e o orgulho devem viver Enquanto usufruímos dos benefícios MANDEVILLE 1997 p 21 tradução nossa Por se tornarem justas individualmente os benefícios co letivos diminuem de maneira gradativa à medida que a deso nestidade desaparecia o luxo e a riqueza também cessavam Sem o comércio do supérfluo os artesãos não tinham mais para 89 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO quem fabricar seus itens luxuosos fazendo com que também os mercadores fossem atrás de outros mercados Enfim o triunfo de uma sociedade moral e justa teve seu preço Ao instaurar o reino público da moralidade o incentivo pela superação dos de feitos individuais desapareceu Findaramse as desigualdades mas também o incentivo pessoal que agora se escondia sob o cinzento véu do conformismo Passemos agora para uma análise sociofilosófica do texto e suas relações com o início do pensamento liberal burguês Conexões de A fábula das abelhas com a origem das Ciências Sociais A obra de Mandeville permaneceu como inspiração filosó fica do liberalismo clássico nascente A ascensão da burguesia como classe social e econômica suscitou também a necessi dade de sua afirmação política Em oposição à visão da nobre za feudal o novo estilo de vida burguês ansiava acima de tudo afastar a influência do Estado da vida e das atividades particula res dos indivíduos É importante destacar que o liberalismo apresentase como um conjunto de ideias que visa afastar o máximo possível a intervenção do Estado nas atividades da sociedade civil opondo se radicalmente assim à concepção social da nobreza feudal O liberalismo pode ser entendido de três formas segundo Aranha e Martins 2016 p 273 O liberalismo político constituiuse contra o absolutismo real e buscou nas teorias contratualistas a legitimação do poder que não mais se fundava no direito divino dos reis nem na tradição e herança mas no consentimento dos cidadãos Decorreu dessa maneira de pensar o aperfeiçoamento das instituições do voto e da representação a autonomia dos poderes e a limitação do 90 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO poder central O liberalismo ético supõe o prevalecimento do estado de direito que rejeita o arbítrio as prisões sem culpa formada a tortura as penas cruéis e estimula a tolerância para com as crenças religiosas para tanto defende os direitos indivi duais como liberdade de pensamento expressão e religião O liberalismo econômico opõese inicialmente à intervenção do poder do rei nos negócios que se exercia por meio de proce dimentos típicos da economia mercantilista tais como a con cessão de monopólios e privilégios ARANHA MARTINS 2016 p 273 O fato é que o ambiente socioeconômico proveniente da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra por volta de 1750 deu origem a uma nova estrutura social de classes bem como a um novo modelo econômico o capitalista Com isso nesse con texto Mandeville promove uma reflexão otimista com relação ao individualismo econômico demonstrando como a prospe ridade coletiva está calcada no egoísmo ético e no instinto da autoconservação Nesse sentido A fábula das abelhas apresentase não so mente como uma crítica à sociedade dos bons costumes nobre za mas como uma defesa explícita das bases sociológicas do liberalismo econômico Mandeville mostrava eficazmente em cores vivas o contraste entre uma tese cara à burguesia empreendedora dos negócios inclinada ao lucro e à competição isto é o liberalismo indivi dualista e a tese oposta do coletivismo igualitário sustentada então apenas por reformadores religiosos radicais cátaros fraticelli valdenses anabatistas e mais tarde por extremistas jacobinos antes de encontrar rigorosa expressão no marxismo moderno São os primeiros lampejos para uma reflexão sobre o útil como valor e sobre as leis econômicas como molas do agir humano que a partir da metade do século ocuparão as gera ções sucessivas REALE ANTISERE 2007 p 309 91 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Mas qual seria o fio condutor da obra de Mandeville Inú meras interpretações podem ser extraídas do texto do autor po rém um aspecto comum parece ser afirmado por todas a tese da autonomia econômica ou seja de que as relações econômicas não devem ser reguladas pela moralidade ou por qualquer outra instância limitadora Nesse sentido os elementos conceituais da moralidade tradicional não são compatíveis com a sociabilidade promovida pelas novas relações econômicas Em uma de suas Observações Mandeville afirma o seguinte Podese dizer que a virtude faz amizade com o vício quando pessoas boas e trabalhadoras que apoiam suas famílias e edu cam seus filhos decentemente pagam seus impostos e são de muitas maneiras membros úteis da sociedade ganham a vida com algo que depende principalmente dos vícios dos outros ou que está intimamente relacionado com eles sem que por isso seja culpado ou contribuindo para o seu desenvolvimento MANDEVILLE 1997 p 52 tradução nossa O problema de fundo contido nA fábula das Abelhas gira em torno da ideia de que a sociabilidade políticoeconômica não se organiza necessariamente a partir de uma estrutura mo ral Ao contrário pelo fato de a moralidade não ser algo natural mente dado podese afirmála justamente como um produto da história e uma conquista do esclarecimento Portanto o pensa mento liberal de Mandeville é individual e naturalista uma vez que afirma que o sucesso coletivo depende da administração das paixões provenientes dos indivíduos O princípio de nossa conduta não são deveres e valores postos como fins mas paixões operando como causas eficientes A so ciabilidade contudo só se torna coesa e ordenada no momen to em que nos deixamos seduzir por um discurso que falseia esse dado natural descrevendo nossa conduta por referência a uma suposta nobreza e destinação moral Este autoengano ou esta hipocrisia é portanto necessária ao bom funcionamen 92 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO to da sociabilidade É ela que nos determina o amorpróprio como causa motora no sentido da adesão aos valores reque ridos pela ordem social LIMONGI 2003 p 231 Sobre esse aspecto é significativo o seguinte trecho do poema Assim o vício tornase benefício Quando aparado e limitado pela justiça Ora quando um povo quer engrandecer O vício é tão necessário ao Estado Quanto à fome que nos faz comer A virtude sozinha não pode fazer as nações viverem Em esplendor os que querem reviver A idade do ouro deve libertar Das bolotas de carvalho assim como da honestidade MANDE VILLE 1997 p 21 tradução nossa A fábula das abelhas pode ser portanto entendida como uma defesa da sociedade comercial fundada na distribuição desigual do dinheiro A moral de Mandeville encontrase justa mente na inversão dos valores morais tradicionais aquilo que é considerado mal e nocivo apresentase como o princípio funda mental da nova vida social capitalista Contudo devese notar que por sociedade comercial não compreendemos o âmbito da produção industrial mas sim o da liberdade do consumo Logo Mandeville não é identificado como um defensor do capitalismo mas como idealizador da ideia de autonomia de mercado cuja virtude passa a ser fundamentada pelo conceito de utilidade Além disso nA fábula Mandeville faz uma referência ex plícita à teoria do laissezfaire expressão francesa que signifi ca etimologicamente deixai fazer deixai ir deixai passar O termo faz referência direta ao liberalismo econômico principal mente na fase do capitalismo de mercado ao afirmar o livre 93 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO funcionamento do mercado sem qualquer tipo de interferência apenas regulado por princípios básicos para a proteção dos di reitos de propriedade Essa concepção econômica teve início nos Estados Unidos e nos países da Europa durante o final do século 19 até o início do século 20 dominou o pensamento econômico moderno por mais de um século e atualmente ainda se apresen ta como uma força poderosa De modo geral essa teoria susten ta que as ações comerciais são mais prósperas e favoráveis na medida em que são menos reguladas pelo Estado A ausência do monitoramento político baseiase na crença de que as coisas tendem por si mesmas a encontrar o equilíbrio que melhor lhes convém bem como na ideia de que o indivi dualismo econômico tem condições suficientes para intervir na sociedade em prol do benefício coletivo Essa ideia ficou clara no seguinte trecho dos Diálogos Na mistura de todas as nações os diferentes graus de homens devem ser mais ou menos proporcionais ao todo a fim de que isso seja harmonioso E como essa proporção harmônica é o resultado e a consequência natural das diferenças existentes nos valores que os homens possuem e nas vicissitudes que chegam a eles nunca são alcançados ou preservados melhor do que quando ninguém pretende alterála É por isso que po demos ver até que ponto a sabedoria míope ou talvez as boas intenções nos roubam a felicidade que fluiria espontaneamente da natureza de toda grande sociedade se ninguém desviasse ou obstruísse a corrente MANDEVILLE 1997 p 608 tradução nossa Outra influência de Mandeville para a economia pode ser identificada na famosa teoria da divisão do trabalho ideia siste matizada mais tarde por Adam Smith que se tornou inclusive uma das pedras angulares do pensamento econômico moder no Ou seja podemos afirmar que a obra de Mandeville foi uma antecipação da concepção de divisão do trabalho uma vez que 94 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO indica a necessidade da especialização das funções para a pros peridade coletiva Esse processo provocou muitas mudanças na sociedade como a transformação do processo de produção o crescimento das cidades a concentração de trabalhadores nos bairros indus triais e a degradação das condições de trabalho Importante A ideologia das revoluções do século XVIII pre tendera circunscrever as relações da sociedade ao plano ato mizado do indivíduo e do Estado Destruíra aquelas esferas sagradas da vida social pela destruição dos privilégios de casta e de ordem pela proscrição das corporações de ofício e das bar reiras à economia de lucro e à concorrência pelo novo conceito de educação Cabia entretanto ao lado da demolição da ordem social do passado racionalizar a construção de uma ordem nova e com esta missão nasceu a sociologia COSTA PINTO 1986 p 42 Os materiais indicados no Tópico 3 1 apresentam tanto o poema A colmeia descontente ou os malandros que se tor naram honestos como também as principais concepções so ciofilosóficas do liberalismo econômico de Mandeville Neste momento você deve consultar esses materiais para aprofun dar o tema abordado 22 ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO Ao se mencionar o tema liberalismo econômico sem dúvida alguma tornase imprescindível colocar em destaque o pensamento do Adam Smith Figura 2 Leia o trecho a seguir sobre a vida e as produções do autor 95 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Adam Smith foi um importante filósofo e economista escocês do século XVIII Nasceu na cidade escocesa de Kirkcaldy em 5 de junho de 1723 e faleceu em Edimburgo no dia 17 de julho de 1790 Sua principal obra foi A Riqueza das Nações escrita em 1776 Nesta obra Adam Smith buscou diferenciar a economia política da ciência política a ética e a jurisprudência Fez também duras críticas à política mercantilista e sua intervenção irrestrita na economia Porém a teoria principal defendida por Adam Smith nesta obra é a de que o desenvolvimento e o bemestar de uma nação advêm do crescimento econômico e da divisão do traba lho SUAPESQUISACOM 2019 Seguindo uma esteira da política li beral do inglês John Locke 16321704 e da autonomia econômica proposta por Mandeville Smith defendia a proprieda de privada e a economia de mercado com base na livreiniciativa e na competição Vejamos a seguir algumas das princi pais ideias do pensamento liberal de Adam Smith Adam Smith e a noção de mão invisível O conceito de mão invisível introduzido por Adam Smith em A riqueza das nações apresentase como uma ideia essen cialmente necessária e imprescindível para a compreensão dos processos econômicos próprios da sociedade capitalista cujas características para o autor manifestamse como autorregula res e evolucionárias Figura 2 Adam Smith 96 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Defensor de um liberalismo absoluto o pensamento eco nômico clássico de Adam Smith não somente recebeu influências do liberalismo de Bernard Mandeville como também exerceu influências em teorias futuras como o evolucionismo de Char les Darwin Segundo Smith em A riqueza das nações a esfera econômica não deve ser entendida a partir de um ordenamen to moral mas sim natural Ou seja os indivíduos produzem e negociam por causa de seus interesses pessoais relacionados a livre oferta e procura e competitividade e não por causa de um altruísmo deliberado Dême aquilo que eu quero e você terá isto aqui que você quer esse é o significado de qualquer oferta desse tipo e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos servi ços de que necessitamos Não é da benevolência do açouguei ro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse SMITH 1996a p 74 O fundamento natural da economia pode ser facilmente en contrado no seu próprio funcionamento a ação econômica por si mesma depende das ações egoístas de indivíduos dispersos e heterogêneos que buscam os próprios interesses privados Sem esse pressuposto não existiria a lei da oferta e procura Logo o lucro não é decorrente de uma ação deliberadamente moral e altruísta mas individual e egoísta Nesse caso a luta pela autoconservação das espécies seleção natural é transposta por Smith para o campo da competitividade econômica De fato gostaria de adiantar uma tese mais forte segundo a qual a teoria da seleção natural é em essência a teoria econô mica de Smith transferida para a natureza Os organismos in dividuais empenhados na luta pela existência agem de modo análogo às empresas na competição O sucesso reprodutivo tornase semelhante ao lucro pois ainda mais do que na eco 97 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO nomia do homem não se pode verdadeiramente conserválo na natureza GOULD 2002 p 122123 tradução nossa No entanto apesar de os indivíduos serem dispersos e egoístas suas ações econômicas de acordo com Adam Smith parecem que são guiadas por uma racionalidade para fins uso de meios para a obtenção de fins que não se justifica moralmen te Essa racionalidade primariamente de caráter individualista e gananciosa organiza orienta e canaliza pela lei da oferta e pro cura tais ações para benefício da própria sociedade como uma espécie de mão invisível Portanto já que cada indivíduo procura na medida do possível empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade Ge ralmente na realidade ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo Ao prefe rir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança e orientando sua ativi dade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor visa apenas a seu próprio ganho e neste como em muitos ou tros casos é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções Aliás nem sem pre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo Ao perseguir seus próprios interesses o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade mui to mais eficazmente do que quando tenciona realmente pro movêlo SMITH 1996a p 438 grifo nosso Portanto o conceito de mão invisível cumpre aqui uma função metafórica e pragmática para a argumentação da racio nalidade econômica apesar de não existir nenhuma entidade coordenadora dos interesses particulares na economia de mer cado ao menos no século 18 o modo como ocorre a interação 98 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO entre os indivíduos parece resultar numa determinada ordem como se de fato existisse uma mão invisível que orientasse os desdobramentos da economia Logicamente esse conceito tem uma importância central para o liberalismo econômico clássico por um lado explicita uma independência e autonomia da ação econômica não mais limitada ao campo moral mas administrada por uma lógica evo lucionista autorreguladora e racionalizada como também por outro coíbe qualquer iniciativa intervencionista de outras esfe ras e instituições Igreja Estado exército instituições educacio nais etc A divisão do trabalho Ao pesquisar sobre condições e critérios para o aumento da produtividade Adam Smith chegou à conclusão de que estão intimamente ligados à divisão do trabalho o maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a maior parte da habilidade destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado parecem ter sido resultados da divisão do trabalho SMITH 1996a p 65 Smith já antevê em sua obra A riqueza das nações um as pecto fundamental defendido pelo fordismotaylorismo no sé culo 20 dividir as demandas para produzir com mais eficiência Logo em uma fábrica de alfinetes um operário desenrola o arame um outro o endireita um ter ceiro o corta um quarto faz as pontas um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete para fazer uma cabeça de alfinete requeremse 3 ou 4 operações diferentes montar a cabeça já é uma atividade diferente e alvejar os al finetes é outra a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente SMITH 1996a p 66 99 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Nesse sentido a prática da divisão do trabalho possui van tagens diretas ligadas ao aumento da produção podendo ser identificadas segundo o autor nos aspectos tratados a seguir Aperfeiçoamento da mão de obra Um dos efeitos da divisão do trabalho é justamente possi bilitar aos trabalhadores o treino de uma ação específica A re petição de uma determinada ação no âmbito da produção de coisas faz com que o trabalhador domine profundamente sua função produtiva No entanto quando o trabalhador realiza mais de uma ati vidade no processo de produção tomando conta de todo o pro cesso e não apenas de uma de suas partes a mão de obra não apresentará um bom aperfeiçoamento técnico Logo o aumento da habilidade do trabalhador depende da fragmentação do pro cesso de produção compreendido por Smith como a condição para o crescimento da produtividade Em primeiro lugar vejamos como o aprimoramento da destreza do operário necessariamente aumenta a quantidade de serviço que ele pode realizar a divisão do trabalho reduzindo a ativi dade de cada pessoa a alguma operação simples e fazendo dela o único emprego de sua vida necessariamente aumenta muito a destreza do operário SMITH 1996a p 68 Por exemplo um ferreiro que fez pregos terá um rendi mento médio de 200 ou 300 por dia um ferreiro que já está acostumado a fazer pregos porém que se dedica a outras fun ções terá um rendimento médio de 800 a 1000 por dia no en tanto um ferreiro especializado apenas em fazer pregos terá uma produção média de 2300 pregos por dia SMITH 1996a p 68 Esse princípio praticamente tornouse um dogma para a 100 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO economia clássica o aumento da produtividade está diretamen te ligado à qualificação de habilidades e especialização da função conceitos decorrentes por sua vez do processo de divisão do trabalho Otimização do tempo Uma segunda vantagem decorrente da divisão do trabalho diz respeito ao melhor aproveitamento do tempo de produção Um trabalhador que faz mais de uma função no processo de pro dução além de perder tempo na passagem de uma tarefa para outra retarda o ritmo de produção por simplesmente dividir a sua atenção e foco em mais de uma atividade A vantagem que se aufere economizando o tempo que geralmente se perderia no passar de um tipo de trabalho para o outro é muito maior do que à primeira vista poderíamos imaginar SMITH 1996a p 68 Smith apresenta como exemplo o caso do tecelão que perde muito tempo ao passar frequentemente do tear para o campo e viceversa SMITH 1996a p 6869 A divisão das funções obriga o trabalhador a ter uma maior concentração no próprio ato produtivo diferentemente daquele que a fragmenta em diversas atividades ao começar o novo trabalho raramente ela se dedica logo com entusiasmo sua cabeça está em outra SMITH 1996a p 69 A avaliação do próprio método produtivo é mais bem contemplada nos casos em que há uma atenção vol tada para um único objeto ou ação As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade de coisas SMITH 1996a p 69 101 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO O uso de máquinas Por fim segundo Smith o aumento da produção pode ser maior ainda com a utilização de máquinas adequadas segundo a especialização de cada função em terceiro e último lugar precisamos todos tomar consciência de quanto o trabalho é facilitado e abreviado pela utilização de máquinas adequadas SMITH 1996a p 69 A utilização das máquinas serve para auxiliar o trabalhador no que diz respeito à avaliação de sua própria tarefa De acordo com Smith é comum para aqueles trabalhadores que desempe nham uma única função melhorar cada vez mais seus métodos Como resultado os próprios trabalhadores comuns acabam in ventando máquinas e instrumentos que potencializam mais ain da a produção Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que o trabalho está mais subdividido constituiu originalmente in venções de operários comuns os quais com naturalidade se preocuparam em concentrar sua atenção na procura de méto dos para executar sua função com maior facilidade e rapidez estando cada um deles empregado em alguma operação muito simples SMITH 1996a p 69 Como exemplo Smith cita o caso do operário que conse guiu descobrir uma estratégia para abrir e fechar automatica mente uma válvula de uma bomba de incêndio sem a necessi dade de sua ação manual Para Smith isso só foi possível porque o trabalhador especializado nessa função conseguiu avaliar e melhorar os métodos de produção bem como poupar o seu es forço desnecessário SMITH 1996a p 69 102 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Troca e autointeresse Segundo Adam Smith a divisão do trabalho é um processo lento e gradual da organização socioeconômica humana que em sua origem não se apresenta como um resultado ocasional ou da própria acumulação da riqueza por si mesma Pelo contrário a divisão do trabalho diz respeito a uma necessidade puramente humana a propensão a intercambiar permutar ou trocar uma coisa pela outra SMITH 1996a p 73 Logo a propensão para trocar e permutar o verdadeiro motivo para a divisão do traba lho é próprio da natureza humana De qualquer maneira essa propensão encontrase em todos os homens não se encontrando em nenhuma outra raça de ani mais que não parecem conhecer nem essa nem qualquer ou tra espécie de contratos Ninguém jamais viu um cachorro fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro com um segundo cachorro Ninguém jamais viu um animal dando a entender a outro através de gestos ou gritos naturais isto é meu isto é teu estou disposto a trocar isto por aquilo SMITH 1996a p 73 A troca comercial caracterizase como uma atividade es sencialmente humana e acima tudo coletiva humana porque se trata de uma atividade própria dos seres humanos e coletiva porque a troca comercial só existe na medida em que consegue satisfazer também a propensão de troca de outros indivíduos Por isso por mais que a troca comercial necessite da presença dos outros isso não quer dizer que ela seja motivada por uma benevolência alheia Os homens trocam coisas pelo autointeres se da vantagem e não porque almejam algum objetivo altruísta O homem entretanto tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes e é inútil esperar esta ajuda simples mente da benevolência alheia Ele terá maior probabilidade de obter o que quer se conseguir interessar a seu favor a auto 103 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO estima dos outros mostrandolhes que é vantajoso para eles fazerlhe ou darlhe aquilo de que ele precisa É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra Dirigimonos não à sua humanidade mas à sua autoestima e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades mas das vantagens que advirão para eles SMITH 1996a p 74 grifo nosso Com tais observações Adam Smith consegue transformar a troca comercial em uma das necessidades mais básicas da na tureza humana se o homem não se basta sozinho devendo por tanto esperar do outro uma troca comercial e não afetiva ou moral então negociar tornase uma questão de sobrevivência Nesse sentido a divisão do trabalho é uma forma de aper feiçoamento e potencialização da produção humana cujo objeti vo sempre será a apropriação de um excedente Será justamente por meio da troca desse excedente que o ser humano conseguirá suprir suas necessidades mais básicas Em uma tribo de caçadores ou pastores por exemplo uma de terminada pessoa faz arcos e flechas com mais habilidade e ra pidez do que qualquer outra Muitas vezes trocálosá com seus companheiros por gado ou por carne de caça considera que dessa forma pode conseguir mais gado e mais carne de caça do que conseguiria se ele mesmo fosse à procura deles no campo SMITH 1996a p 50 No final de tudo a troca comercial acaba harmonizando as diferentes necessidades e prioridades a mão invisível da ofer ta e da procura harmoniza as diferenças e faz com que profissões tão distintas sejam aproximadas pela necessidade do câmbio Ou seja para Adam Smith aquilo que o espírito liberal divide o trabalho ao mesmo tempo também se torna pressuposto para a coesão e a unidade social A troca comercial baseiase na diferença porém a torna útil para a vida em sociedade Nesse 104 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO sentido a troca pacífica os conflitos entre habilidades interesses e necessidades diversas Assim como é essa propensão que gera essa diferença de ta lentos tão notável entre pessoas de profissões diferentes da mesma forma é essa mesma propensão que faz com que a di ferença seja útil SMITH 1996a p 75 A riqueza das nações Como já observado o pensamento econômico de Adam Smith participa de uma vanguarda liberal que adotará o livre comércio como elemento fundante Por esse motivo Smith é considerado o fundador da ciência econômica uma vez que seu pensamento busca compreender as leis de mercado para além das noções manifestas pelas vontades individuais Com isso bus cando compreender a lógica da riqueza das nações Smith iden tificou o trabalho produtividade como a grande fonte do valor O trabalho foi o primeiro preço o dinheiro de compra original que foi pago por todas as coisas Não foi por ouro ou por pra ta mas pelo trabalho que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo e o valor dessa riqueza para aqueles que a possuem e desejam trocála por novos produtos é exatamente igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condi ções de comprar ou comandar SMITH 1996a p 8788 Adam Smith poderia ter identificado a riqueza de uma na ção na indústria nascente ou na agricultura mas preferiu atribuir essa função ao trabalho Ou então alguém poderia afirmar que tais riquezas dependeriam acima de tudo da compra e venda de bens necessários e úteis com outras nações Todavia os bens de uma nação só existem porque são produzidos por outra coisa o trabalho 105 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Por isso ao falar do trabalho como critério de valor chegase ao tema central da obra de Adam Smith quanto mais divisão do trabalho e troca comercial maior será a riqueza de uma nação No primeiro parágrafo da obra A riqueza das nações também deixa claro o cerne do seu programa econômico o tra balho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente SMITH 1996a p 58 Essa conclusão faz do pensamento de Adam Smith inova dor especialmente por conta de duas teses básicas O trabalho está na base da produção da riqueza de uma nação ou seja o trabalho é o critério de valor que passa a determinar o preço das mercadorias fica pois evidente que o trabalho é a única medida universal e a única medida precisa de valor ou seja o único padrão através do qual podemos comparar os valores de mercadorias diferen tes em todos os tempos e em todos os lugares SMITH 1996a p 93 A coesão social não decorre de um pacto mas de uma harmonia não intencional de interesses individuais nesse caso Smith contraria a principal tese dos autores contratualistas Hobbes Locke e Rousseau na medida em que não justifica a existência dos vínculos sociais por meio de um contrato social com o Estado mas pelas re lações de troca entre indivíduos Surge então com toda potência o liberalismo de Estado do autor não cabe ao Estado intervir na vida dos indivíduos mas possibilitar aos próprios indivíduos a liberdade suficiente para que eles mesmos encontrem meios para conviver pacifica mente Logo não existe um pacto com o soberano Es 106 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO tado mas uma regulação social promovida pela troca comercial Entre os homens os caracteres e habilidades mais diferentes são úteis uns aos outros as produções diferentes dos respec tivos talentos e habilidades em virtude da capacidade e pro pensão geral do intercâmbio ao escambo e à troca são como que somados em um cabedal comum no qual cada um pode comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos outros de acordo com suas necessidades SMITH 1996a p 51 Em resumo Adam Smith marca uma evolução na economia clássica Não somente delimita os marcos científicos dessa área como também estabelece definitivamente o liberalismo econô mico ao identificar a troca comercial como o ponto central das sociedades modernas capitalistas Tal ideia permaneceu hege mônica durante muito tempo sendo abalada apenas posterior mente com as contribuições do socialismo utópico SaintSimon Fourier e principalmente do materialismo históricodialético Karl Marx que colocou o objeto e método da Economia em outros patamares de discussão Os materiais indicados no Tópico 3 2 abordam concei tos centrais da proposta econômica de Adam Smith enquanto ciência Neste momento você deve acessar esses materiais para aprofundar o tema abordado 23 TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos a sociedade e as instituições políticas consolidavam e celebravam os ideais liberais a França berço da revolução democrática sofria com 107 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO as contradições antidemocráticas impostas pelos governos po líticos posteriores à Revolução Francesa Os ideais de liberdade igualdade e fraternidade estavam cada vez mais distantes daqui lo que a burguesia francesa prometeu Por exemplo o governo revolucionário de Robespierre que se considerava declarada mente democrático foi o responsável pela instauração do cha mado Período do Terror 17921794 Durando de 5 de setembro de 1793 com a queda dos gi rondinos republicanos moderados a 27 de julho de 1794 com a prisão de Robespierre 17581794 líder dos jacobinos esse período foi marcado pela aplicação de várias sanções antidemo cráticas garantias civis foram suspensas e o governo revolucio nário controlado pelo partido jacobino perseguiu e assassinou seus adversários a estimativa é de que tenham sido guilhoti nadas entre 17000 e 40000 pessoas O que inicialmente era uma perseguição destinada apenas aos girondinos acabou se tornando uma perseguição geral a todo e qualquer inimigo da Revolução O exemplo mais conhecido foi a perseguição do integrante do partido jacobino Georges Jacques Danton 17591794 que esteve ao lado de Robespierre no início da Revolução France sa mas foi executado pelo próprio partido sob as acusações de Louis Antoine Léon de SaintJust 17671794 O Comitê de Salva ção Pública liderado por Robespierre era o órgão que conduzia a política do terror e coordenava as execuções Cansada do terror execuções congelamento de preços e do autoritarismo revolucionário a burguesia passou a reivindicar a paz para seus negócios posição defendida pelos jacobinos liderados por Danton Muitos girondinos que sobreviveram à perseguição aliaramse à elite burguesa e articularam um gol pe em 27 de julho de 1794 que derrubou Robespierre e seus 108 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO partidários Sem o apoio dos burgueses e da massa popular os sansculottes Robespierre juntamente com SaintJust e outros dirigentes do partido jacobino foi destituído do cargo de presi dente do Comitê de Salvação Pública e em seguida foi preso e guilhotinado O golpe selou o fechamento da Comuna de Paris e o fim do partido jacobino bem como marcou a volta da burguesia gi rondina ao poder Pouco tempo depois Napoleão Bonaparte foi coroado imperador iniciando um período de forte centralização absolutista Com todas essas discrepâncias democráticas era natural que alguns liberais temessem novas contradições decorrentes da discreta separação entre igualdade e democracia e liberdade e tirania Um dos autores liberais que refletiu sobre os perigos do igualitarismo democrático foi Alexis de Tocqueville 1805 1859 especialmente em sua obra A democracia na América publicada em dois volumes 18351840 na qual se propôs a analisar com sensatez a natureza das incoerências democráticas do seu tempo Tocqueville precursor da democracia moderna Alexis Henri Charles Clérel de Tocque ville 18051859 conhecido como Alexis de Tocqueville Figura 3 nasceu em Paris Fran ça no dia 29 de junho de 1805 Foi um pen sador político e estadista francês considerado um dos grandes teóricos sobre a democracia americana Especulou sobre a natureza essen cial da própria democracia suas vantagens e perigos FRAZÃO 2016 Figura 3 Alexis de Tocqueville 109 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Descendente de família aristocrata formouse em Direito e atuou como juiz Alexis de Tocqueville viveu no período mais crítico da história francesa durante o século XIX Nasceu pouco tempo depois da Revolução Francesa 1789 sobre a qual escre veria uma obra clássica Viajou para os Estados Unidos para es tudar o sistema democrático em funcionamento Ficou impres sionado com a nascente democracia norteamericana De volta à França em 1832 escreveu e publicou sua obraprima A demo cracia na América 18351840 A figura de Alexis de Tocqueville foi fundamental para o início da Sociologia especialmente no que diz respeito a temas relacionados à democracia moderna Influenciado pelas ideias contratualistas de JeanJacques Rousseau 17121778 Tocque ville procurou responder como conciliar na prática os conceitos de igualdade e liberdade o igualitarismo de fato é sinôni mo de liberdade Rousseau já havia dado uma resolução prévia a essa ques tão quando apresentou em sua obra Do contrato social a hi pótese de que a sociedade só pode ser livre se todos formarem com corpo social único e iguais Nesse caso os indivíduos perde riam suas liberdades individuais para ganhar enquanto socieda de uma liberdade civil única prevista pelas leis Todos livres ou melhor igualmente livres Para Tocqueville essa troca não compensou de fato o contrato prevê que todos sejam livres mas ao mesmo tempo todos presos a uma mesma noção de igualdade Na obra A de mocracia na América o autor defende a ideia de que a igualdade oferece naturalmente o desejo pela liberdade e por instituições livres fazendo com que os homens rejeitem todo e qualquer tipo de autoridade os homens que vivem nessas épocas marcham 110 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO pois por um plano inclinado natural que os encaminha para as instituições livres TOCQUEVILLE 1977 p 511 No entanto apesar de a igualdade gerar no homem o amor pela independência ela também abre espaço para o anarquis mo o que para Tocqueville não é o mal maior pois antes de se preocupar com o anarquismo que em sua opinião é mais explícito e identificável seria mais urgente tomar cuidado com outro perigo maior isto é o desejo daquela independência que leva à servidão os povos veem facilmente a primeira anarquia e resistem a ela deixamse arrastar pela outra servidão sem vêla por isso é particularmente importante apontála TOCQUEVILLE 1977 p 512 Com isso está praticamente exposta a preocupação de Tocqueville com as democracias modernas ele tinha consciência de que a constituição das democracias era algo inevitável E não via um problema no projeto democrático em si mas justamente no modo como as democracias são implantadas O seu temor sem dúvida alguma está relacionado à excessiva concentração de poderes no Estado democrático que sob a justificativa da re tirada de poderes da tirania aristocrática passaria a estabelecer um despotismo democrático O resultado seria portanto desas troso o surgimento de uma sociedade de massa que anularia as diferenças individuais e levaria ao conformismo da opinião e à chamada tirania da maioria A centralização do poder nas democracias modernas Em A democracia na América Tocqueville esforçase em argumentar sobre como as ideias dos povos democráticos em matéria de governo são naturalmente favoráveis à centralização 111 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO dos poderes Segundo o autor a ideia de poderes intermediários entre o soberano e o povo é algo próprio de sistemas aristocráti cos que entre outras coisas tendem a nutrir o privilégio de seus familiares ou pessoas que estão em seu círculo de intimidade No caso da democracia de fato ela percorre um caminho oposto que tende a eliminar esses intermediários porém em contrapartida por conta do ideal da igualdade aproximase muito mais de uma perspectiva afeita à centralização do poder Nesse sentido para os sistemas democráticos tornase pratica mente uma necessidade a existência de princípios simples de governabilidade que se concretizam na uniformidade legislativa e centralizadora do poder Noutras palavras a centralização do poder e a legislação uniforme adequamse melhor ao espírito democrático do que ao aristocrático Em política aliás como em filosofia e religião a inteligência dos povos democráticos recebe com prazer as ideias simples e ge rais Os sistemas complicados lhe repugnam e ela se compraz em imaginar uma grande nação cujos cidadãos pareçam todos a um mesmo modelo e são dirigidos por um só poder TOCQUE VILLE 1977 p 512 Ao contrário dos sistemas aristocráticos que tendem a realçar os privilégios individuais a democracia voltase para a tarefa de igualar os homens num só e mesmo povo como ca minho para o progresso da sociedade cada cidadão tendo se tornado semelhante a todos os demais perdese na multidão e não percebe mais senão a imagem vasta e magnífica do próprio povo TOCQUEVILLE 1977 p 512 Para as sociedades democráticas o importante não é o in divíduo mas o povo representado pelo poder o qual tende a ser mais sábio do que o cidadão visto individualmente 112 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO a ideia de um direito inerente a certos indivíduos desaparece rapidamente do espírito dos homens a ideia do direi to todopoderoso e por assim dizer único da sociedade vem preencher seu lugar TOCQUEVILLE 1977 p 512 É por isso que para Tocqueville o povo ou a sociedade antecede o Estado acreditam os americanos que em cada Esta do o poder social deve emanar diretamente do povo TOCQUE VILLE 1977 p 512 Portanto é condição natural e não mera divagação racio nal que os Estados democráticos tenham uma administração simples e centralizada Causas que levam um povo democrático a centralizar o poder ou afastarse Segundo Tocqueville apesar de os povos democráticos sentirem uma natural inclinação à centralização do poder o modo como isso acontece não é o mesmo para todos ou seja depende das circunstâncias particulares que podem desenvolver ou barrar os efeitos naturais do estado social democrático A primeira observação feita pelo autor nesse sentido é o fato de a conquista do estado de igualdade ser distinta de caso para caso para povos que por muito tempo viveram livres o estado de igualdade é mais difícil de ser conquistado do que para nações que nunca foram livres Enquanto no primeiro caso a liberdade está muitas vezes vinculada a interesses particulares que fazem de tudo para manter o status quo no segundo ela está desvinculada do poder despótico que com a sua queda tende também a fazer ruir os interesses particulares daquela nação 113 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Nações que conquistaram a igualdade por meio de revolu ções violentas mostramse mais do que nunca a necessidade de um Estado centralizador na ausência de lideranças locais aris tocráticas ou não que possam reorganizar a nação devastada Com isso Tocqueville quer demonstrar uma seguinte ideia a centralização não se desenvolve entre um povo democrático so mente conforme o progresso da igualdade mas ainda segundo a maneira pela qual se funda essa igualdade TOCQUEVILLE 1977 p 518 Com isso tornamse perfeitamente compreensíveis os mo tivos que afirmam que o poder social deve sempre ser mais forte e o indivíduo mais fraco num povo democrático que chegou ao estágio de igualdade civil e constitucional Esse é o caso dos Es tados Unidos que pegaram da aristocracia inglesa a ideia dos di reitos individuais e o gosto pelas liberdades locais sintetizando as na ideia de igualdade e na necessidade de um poder político central A primeira e de certo modo a única condição necessária para chegar a centralizar o poder público numa sociedade democrá tica é amar a igualdade e fazer com que se creia nesse amor Assim a ciência do despotismo outrora tão complicada se sim plifica ficando por assim dizer reduzida a um princípio único TOCQUEVILLE 1977 p 521 Todavia por centralização do poder não se entende o des potismo do soberano O Estado não deve anteceder o povo mas deve emanar do povo A centralização extrema do poder central acaba por enfraquecer a sociedade o povo e consequentemen te mais tarde o próprio governo No entanto não se pode dei xar de reconhecer que a centralização do poder também pode trazer inúmeros empreendimento para uma nação 114 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Assim a tendência democrática que leva os homens a multi plicar constantemente os privilégios do Estado e a restringir os direitos dos particulares é muito mais rápida e mais contínua entre os povos democráticos sujeitos pela sua posição a gran des e frequentes guerras e cuja existência pode muitas vezes ser posta em perigo do que entre os outros todos TOCQUEVIL LE 1977 p 520 Isso mostra o quanto o desejo pelo bemestar e o temor pela desordem levam os povos democráticos a cada vez mais au mentar as atribuições do governo central e sacrificar seus direi tos em prol da tranquilidade do todo A representatividade política e seu fundamento para a igualda de democrática Uma vez que a igualdade dos homens os faz aceitar um poder central também se torna impossível duvidar dos senti mentos que apoiam essa atitude e convicção Para defender essa afirmação Tocqueville desenvolve o seguinte argumento se os homens são iguais e não há inferiores nem superiores então eles tendem a voltarse para si mesmos individualmente Mas por não terem sensibilidade nem tempo e energia pois a vida democrática impõe ao indivíduo um ativismo frenético eles repassam esse cuidado para uma representatividade visível e permanente dos interesses coletivos Esse sentimento portanto dispõe naturalmente os cidadãos a constantemente abrir mão de novos direitos ou a deixar que os tome o poder central que lhes pareça ter exclusivamente interesse e meios para defen dêlo da anarquia defendendose a si mesmo TOCQUEVILLE 1977 p 515 Com isso Tocqueville tenta provar que quanto maior é a existência de privilégios num sistema democrático mais em evi 115 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO dência fica o desprezo pela diferença e o amor pela igualdade é natural pois que o amor à igualdade cresça constantemente com a própria igualdade ao satisfazêla nós a desenvolvemos E mais adiante completa esse ódio imorredouro e cada vez mais ardente que anima os povos democráticos contra os menores privilégios favorece singularmente a concentração gradual de todos os direitos polí ticos nas mãos de um só representante do Estado TOCQUEVIL LE 1977 p 516 Com a autoridade central do representante soberano não há motivos para a inveja pois todos estão numa situação de igualdade em direitos e deveres e dependência comum em rela ção ao mesmo senhor Isso suscita a exteriorização de um instin to natural de igualdade e uniformidade com relação ao poder de governar criando assim um vínculo indissociável entre cidadão e governo Assim o governo ama o que amam os cidadãos e odeia na turalmente o que eles odeiam Essa comunidade de sentimen tos que entre nações democráticas une continuamente num mesmo pensamento cada indivíduo e o soberano estabelece entre eles uma simpatia secreta e permanente Os povos democráticos muitas vezes odeiam os depositários do poder central mas sempre amam esse poder por ele mesmo A centralização será o governo natural TOCQUEVILLE 1977 p 516 O enfraquecimento das revoluções nas sociedades democráticas Outro tema que merece destaque é o atrofiamento do pa pel das revoluções no contexto das sociedades democráticas Em sua obra A democracia na América Tocqueville indica como na Europa tudo parece concorrer para aumentar indefini 116 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO damente as prerrogativas do poder central e ao mesmo tempo tornar mais fraca a existência da independência individual de todas a revoluções que ocorreram na Europa em suas mais va riadas disseminações ideológicas a única coisa preservada foi a centralização do poder social às custas da eliminação dos pode res secundários de cunho aristocrático Toda essa transferência democrática do poder para o sobe rano cria um contexto sociopolítico específico no qual o sobera no deve estar atento às necessidades individuais dos cidadãos Em algumas nações por exemplo o Estado tem possibilitado tanto a alimentação como a educação para o povo tratando tais assuntos como questões nacionais Segundo Tocqueville até a religião tenderá a ser uma preocupação do Estado e seus repre sentantes religiosos funcionários públicos Já entre os povos aristocráticos essa preocupação era bem específica só tinha interesse para o Estado observar os cidadãos se estes apresentassem questões de interesse nacional de resto tudo ficava a cargo do indivíduo Entre os povos democráticos essa lógica foi invertida o Estado regula à sua maneira mais numerosas ações e ações menores e estabelecese em melhor posição todos os dias ao lado em volta e acima de cada indivíduo para ajudálo aconse lhálo e exercer coerção sobre ele TOCQUEVILLE 1977 p 523 O fato é que o Estado cria cada vez mais técnicas de ad ministração específicas pontuais e centralizadas Esse interven cionismo do Estado pode ser exemplificado segundo o autor a partir de dois casos o econômico e o jurídico No caso econômico o autor apresenta o exemplo das cai xas econômicas do Estado no qual o soberano não se limita a dirigir a fortuna pública pelo contrário introduzse ainda nas 117 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO fortunas privadas ele é o chefe de cada cidadão e não raro seu senhor e mais ainda fazse seu intendente e seu tesoureiro TOCQUEVILLE 1977 p 524 No caso jurídico outro exemplo apresentado é o dos tri bunais judiciários na Europa do século 19 seria comum pensar o tribunal como instituição autônoma para decidir e julgar as querelas entre o indivíduo e o Estado Essa era a singularidade dos tribunais da Europa justamente por possuírem autonomia e privilégio No entanto nos tempos dos povos democráticos a tendência do poder soberano é justamente reduzir a jurisdi ção dos tribunais limitandoos a julgar e decidir querelas apenas no âmbito particular assim não basta que o Estado atraia a si todas as questões mas ele passa a cada vez mais decidir to das elas sozinho sem controle e sem apelação TOCQUEVILLE 1977 p 525 Pelo fato de estar em constantes situações novas e deli cadas segundo Tocqueville a classe que precisa da maior aten ção do Estado é a industrial É fato que ela com o aumento da propriedade tornase mais numerosa e complexa em seus di reitos mas isso não quer dizer que ela seja menos dependente do Estado do que o restante da sociedade O soberano tende a estar próximo das associações industriais e como um grande industriário pois ao se tornar mais complexo tende a produzir utilizar seus próprios produtos industriais ser o patrão de todos os outros e manter sob controle tais associações TOCQUEVILLE 1977 p 527 Com isso segundo Tocqueville por mais que existam mo vimentos anarquistas e revolucionários na Europa que de fato estão constantemente derrubando antigos regimes aristocráti cos em prol da igualdade de direitos ainda assim todos acabam 118 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO se enfraquecendo perante o despotismo velado do igualitaris mo retornando a uma situação pior do que aquela prevista em tempos aristocráticos O projeto político das sociedades democráticas europeias era desestabilizar o potencial do indivíduo por meio da equali zação de direitos Tratase de um duplo esforço por um lado o esforço de enfraquecer as nações despóticas e aristocráticas porém por outro lado o de deixar essas mesmas nações mais fortes ao aumentar o poder social tornandoo mais centralizado TOCQUEVILLE 1977 p 528 Há sem dúvida uma contradição os ideais revolucio nários não conseguem suportar a hipótese de um despotismo aristocrático mas aceitam de braços abertos um despotismo de mocrático Por isso nas sociedades democráticas as revoluções entram em estado de apatia mas não por falta de ações despó ticas e sim por desabilitar os germes revolucionários do âmbito individual subsumidos no conformismo da igualdade As predições de Tocqueville que espécie de despotismo devem temer as nações democráticas Tocqueville também fala explicitamente de um novo tipo de despotismo do qual as nações democráticas devem se afas tar nunca se testemunhou tamanho poder de soberania no pas sado como o que acontece no poder social dos povos democrá ticos ou seja nunca se viu um poder soberano tão absoluto e tão uniforme como o democrático Para o autor nem mesmo no auge do Império Romano houve tamanha soberania e controle administrativo das questões ordinárias e individuais 119 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Isso quer dizer que o Estado democrático tem possibilida de de gerar um despotismo porém muito diferente daquele que se observa em nações aristocráticas e autoritárias O despotismo democrático é diferente possui outras características Não é violento ou evidente os casos de violência explí cita em nações democráticas são exceções pelo con trário o despotismo do Estado democrático é mais am plo e discreto diz respeito não ao aspecto repressivo mas administrativo Depois de ter tomado cada um por sua vez dessa maneira e depois de o ter petrificado sem disfarce o soberano estende o braço sobre a sociedade inteira cobre a sua superfície com uma rede de pequenas regras complicadas minuciosas e uni formes através das quais os espíritos mais originais e as almas mais rigorosas não seriam capazes de vir à luz para ultrapassar a multidão não esmaga as vontades mas as enfraquece cur vaas e as dirige raramente força a agir mas constantemente opõe resistência à ação nunca destrói mas impede de nascer nunca tiraniza mas comprime enfraquece prejudica extingue e desumaniza e afinal reduz cada nação a não ser mais do que rebanho de animais tímidos e diligentes dos quais o governo é o pastor TOCQUEVILLE 1977 p 532 Promove a contradição de duas paixões comuns aos homens a necessidade de ser conduzido e o desejo de permanecer livre Os indivíduos se contentam em ser tutelados porque acreditam que pelo fato de escolher seus tutores conquistariam automaticamente a liber dade Há aqui o fenômeno que o autor identifica como uma espécie de comodismo perante o compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo TOCQUEVILLE 1977 p 532 120 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Promove a apatia política o comodismo decorrente da representatividade que elegeu leva a uma situação de apatia política esse uso tão importante mas tão curto e tão raro do seu livre arbítrio não impedirá que percam pouco a pouco a faculdade de pensar de sentir e de agir por si mesmos e que não venham a cair assim gradualmente abaixo do nível da humanidade TOCQUEVILLE 1977 p 533 Em síntese a democracia subordinou os interesses particu lares ao interesse geral Até aqui para o autor não há problema algum A contradição passa a existir a partir do momento em que a mensagem democrática tornase mal interpretada pelos gover nos que em vez de fazer da igualdade uma virtude deterioram na de modo a impôla como a extensão de um conformismo igualitário tudo ameaça tornarse tão semelhante nas nossas sociedades que a figura particular de cada indivíduo logo se perderá na fisionomia comum TOCQUEVILLE 1977 p 539 Um povo em condições de igualdade portanto num Es tado democrático tem muito mais chance de estabelecer um despotismo do que em outras formas de governo e sociedade Todavia isso não quer dizer que a solução seja retomar um go verno aristocrático o grande problema do despotismo deve ser resolvido dentro das próprias sociedades democráticas A igual dade deve ser concebida como condição para assegurar a inde pendência e dignidade dos semelhantes A questão aristocrática Pela ênfase dada aos temores de Tocqueville quanto aos perigos do igualitarismo alguns autores posteriores procuraram destacar um forte traço aristocrático presente em seu pensa 121 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO mento político Isso se deve não somente por uma opção pessoal em favor dos governos aristocráticos mas por perceber uma cer ta incompatibilidade segundo os moldes das democracias euro peias em conciliar num mesmo plano político os conceitos de igualdade e liberdade Sua argumentação chega ao ápice dessa postura ao afirmar por exemplo que a centralização do poder estaria mais apta a se concretizar em sociedades democráticas do que nas aristocráticas TOCQUEVILLE 1977 E isso se deve pelo menos por dois motivos Porque nas sociedades democráticas as diferenças in dividuais são anuladas em prol da igualdade coletiva Nesse caso trocamse as diferenças individuais da aris tocracia pelo anonimato da igualdade democrática As sim para Tocqueville a centralização do poder estaria de fato mais próxima da democracia os povos democráticos muitas vezes odeiam os depositários do poder central mas sempre amam esse poder por ele mes mo A centralização será o governo natural TOCQUEVILLE 1977 p 516 Porque a centralização do poder pelo soberano se tor nará mais eficaz quanto menos características aristocrá ticas existirem em governo Nesse caso a igualdade das diferenças desabilita a redistribuição do poder entre os iguais sendo por isso integralmente repassado via contrato político a um mesmo soberano nas socie dades democráticas a centralização será sempre tan to maior quanto menos aristocrático for o soberano TOCQUEVILLE 1977 p 520 A propósito dessa tensão de Tocqueville em torno dos con ceitos de liberdade e igualdade Norberto Bobbio 19092004 comenta o seguinte 122 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Dividido como estava entre a admiraçãoinquietude pela de mocracia e a devoçãosolicitude pela liberdade individual Toc queville trazia dentro de si o dissídio entre liberdade e igualda de Lembramse da célebre frase com que ele encerra sua obra maior As nações modernas não podem evitar que as condi ções se tornem iguais mas depende delas que a igualdade as leve à escravidão ou à liberdade à civilização ou à barbárie à prosperidade ou à miséria BOBBIO 2000 p 270271 O que então dizer sobre Tocqueville um democrata con servador ou um crítico aristocrata Questão complexa merece dora de um pouco mais de atenção Apesar de tudo em favor da democracia As mudanças sociopolíticas que acontecem nos Estados democráticos representam uma situação singular e até então impensável por todos os períodos históricos anteriores Na opi nião de Tocqueville não é possível saber o que continuará no presente do velho regime e o que permanecerá no futuro do re gime atual Como o passado já não esclarece o futuro o espírito marcha nas trevas TOCQUEVILLE 1977 p 540 No entanto apesar desse quadro tão vasto e indefinido é possível concluir que o preço pago pela igualdade democráti ca é justificável em prol da liberdade coletiva cada indivíduo é isolado e fraco a sociedade é ativa previdente e forte os parti culares fazem pequenas coisas imensas faz o Estado TOCQUE VILLE 1977 p 540 Para Tocqueville a solução dos desequilíbrios democráticos não se encontra na aristocracia em vez de recorrer ao processo aristocrático para o governo de um povo podemse encontrar por sua vez algumas práticas democráticas que têm capacidade 123 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO de substituir a aristocracia e ao mesmo tempo corrigir os pró prios desmandos democráticos Esse foi o caminho que Tocqueville encontrou ao observar a sociedade americana a descentralização do poder não deveria ocorrer pelas vias da aristocracia mas pela organização da socie dade civil a partir da defesa de seus próprios direitos individuais Movido pelo princípio constitucional da igualdade de direitos não é do interesse do governo democrático realçar as diferenças civis Cabe portanto à organização da sociedade civil encontrar meios para que a anonímia da igualdade seja direcionada para a constituição das liberdades fundamentais Segundo Tocqueville o povo americano nesse caso foi es trategicamente sábio para evitar por meio do estabelecimento de princípios da soberania popular o despotismo democrático Foi justamente por meio da ação de realinhamento democrático promovido pelas instituições políticas e associações civis que a descentralização administrativa de fato ocorreu Nada existe que mereça atrair mais os nossos olhares que as associações intelectuais e morais dos EUA As associações po líticas e industriais dos americanos facilmente são por nós per cebidas mas as outras se nos escapam e se as descobrimos as compreendemos mal porque nunca vimos algo de análogo Devese reconhecer entretanto que são tão necessárias quan to as primeiras ao povo americano e talvez mais Nos países de mocráticos a ciência da associação é a ciência mãe o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela Entre as leis que regem as sociedades humanas existe uma que pare ce mais precisa e mais clara que todas as outras Para que os homens permaneçam civilizados ou assim tornemse é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfei çoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições TOCQUEVILLE 1977 p 394 124 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Devese observar com isso que Tocqueville não é mero pessimista político enquanto muitos preferem fazer uso do ce ticismo democrático previsto pela incompatibilidade aparente entre igualdade e a liberdade Tocqueville prefere condenar a falsidade desse tipo de ceticismo que serve apenas para criar homens fracos e nações pusilânimes O homem não é nem totalmente independente nem total mente escravo é verdade que os homens dependem de limita ções inerentes à sua própria natureza das quais eles não podem fugir porém dentro desse limite estipulado eles não apenas são livres mas também poderosos Portanto depende do homem e não da providência criar nações livres e prósperas TOCQUEVIL LE 1977 p 542 Assim apesar de inúmeras críticas aos desequilíbrios pro vocados pela tirania da maioria especialmente aos modelos eu ropeus Tocqueville ainda afirma a centralidade da democracia para as sociedades ocidentais O caminho não é apenas desen volver mecanismos políticos igualitaristas em favor da centraliza ção do poder mas promover estratégias de restauração dos di reitos individuais da sociedade civil protegendo assim os ideais liberais contra toda e qualquer intervenção estatal Por isso é enorme a importância de leis que garantam as liberdades indi viduais bem como a vigilância constante da aplicabilidade dos direitos e deveres por meio do exercício da cidadania Apesar de tudo então Tocqueville ainda é considerado um entusiasta da democracia Com a transformação do mundo político e dos seus problemas o remédio e as soluções também devem ser atualizados dar aos particulares certos direitos e lhes garantir o gozo in conteste desses direitos conservar o pouco de independência 125 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO de força de originalidade que lhe restam eleválo ao lado da sociedade e apoiálo em face dela tal me parece ser o principal objeto do legislador na época em que estamos entrando TOC QUEVILLE 1977 p 539 As leituras indicadas no Tópico 33 levam em conside ração algumas abordagens críticas sobre a natureza contradi tória das democracias modernas Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 BERNARD MANDEVILLE A fim de relembrar e complementar seus conceitos acerca dos principais conceitos do Liberalismo clássico de Mandeville leia os seguintes textos 126 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO FONSECA E G A fábula das abelhas Braudel Papers São Paulo n 5 p 314 1994 Disponível em http ptbraudelorgbrpublicacoesbraudelpapersdown loadsportuguesbp05ptpdf Acesso em 18 nov 2019 LIMONGI M I Sociabilidade e Moralidade Hume leitor de Mandeville Kriterion Belo Horizonte n 108 p 224 243 dez 2003 Disponível em httpwwwscielobr pdfkrv44n108v44n108a05pdf Acesso em 18 nov 2019 Além dos textos também recomendamos o seguinte vídeo UNIVERSITY OF AMSTERDAM A fábula das abe lhas Disponível em httpswwwyoutubecom watchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 18 nov 2019 32 ADAM SMITH Para conhecer mais sobre a evolução dos conceitos básicos do liberalismo econômico de Adam Smith leia os artigos refe renciados a seguir TIGRE J P A crítica smithiana à concepção individualis ta de Bernard Mandeville Problemata Revista Interna cional de Filosofia v 6 n 2 p 517 2015 Disponível em httpwwwperiodicosufpbbrojsindexphp problemataarticleview2166214022 Acesso em 18 nov 2019 PRADO E F S Uma formalização da mão invisível Es tudos Econômicos São Paulo v 36 n 1 p 4765 jan mar 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdf eev36n1v36n1a02pdf Acesso em 18 nov 2019 127 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO RICKEN G Entre a colmeia murmurante e a mão invi sível analogias entre A fábula das abelhas e A riqueza das nações httpwwwegovufscbrportalsitesde faultfilesanexos31093341641PBpdf Acesso em 18 nov 2019 Além dos textos também recomendamos os seguintes vídeos CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisí vel 2015 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvCgoYwzoVNhs Acesso em 18 nov 2019 THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em https wwwyoutubecomwatchvsToHBsLCNS0 Acesso em 18 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão In visível Disponível em httpswwwyoutubecom watchvTslIsfkx2E8 Acesso em 18 nov 2019 33 ALEXIS DE TOCQUEVILLE Para saber mais sobre A democracia na América bem como sobre a crítica do autor a respeito do despotismo demo crático leia os textos indicados a seguir ROHLING M A igualdade e a liberdade em Tocqueville contribuições para o desenvolvimento da virtude cívica liberal e a tarefa políticopedagógica da democracia Em Tese Florianópolis v 12 n 1 janjul 2015 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesear ticleview180650232015v12n1p8029696 Acesso em 18 nov 2019 128 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO SANTOS K P NUNES M A Alexis Tocqueville os des vios da igualdade Disponível em httpdocplayer combr53286294Alexistocquevilleosdesviosda igualdade1html Acesso em 18 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 FUVEST Um comerciante está acostumado a empregar o seu dinheiro principalmente em projetos lucrativos ao passo que um simples cavalhei ro rural costuma empregar o seu em despesas Um frequentemente vê seu dinheiro afastarse e voltar às suas mãos com lucro o outro quando se se para do dinheiro raramente espera vêlo de novo Esses hábitos diferentes afetam naturalmente os seus temperamentos e disposições em toda espé cie de atividade O comerciante é em geral um empreendedor audacioso o cavalheiro rural um tímido em seus empreendimentos SMITH Adam A Riqueza das Nações Livro III capítulo 4 Neste pequeno trecho Adam Smith a mostra as vantagens do capitalismo comercial em face da estagnação medieval b defende a lucratividade do comércio contra os baixos rendimentos do campo c critica a preocupação dos comerciantes com seus lucros e dos cava lheiros com a ostentação de riquezas d contrapõe lucro à renda pois geram racionalidades e modos de vida distintos e expõe as causas da estagnação da agricultura no final do século 18 2 MUNDO EDUCAÇÃO 2019 Leia o texto a seguir referente ao historiador liberal inglês Lord Acton 18341902 129 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Embora Lord Acton nunca tenha publicado um livro ele escreveu vá rios artigos que refletiram seu apaixonado interesse sobre a história da liberdade tolerância religiosa e governo constitucional De acordo com Acton não podemos entender a história da civilização ocidental se não conseguirmos avaliar o conflito eterno entre a liberdade e o poder A ideia de liberdade ele disse é a unidade a única unidade da história do mundo e o princípio único de uma filosofia da história SMITH George H Lord Acton e a História da Liberdade Portal do Libertarianismo O texto sugere que Lord Acton a defendia que o liberalismo precisava tomar o poder para tornar os ho mens livres b defendia a ideia de liberdade como sendo aquilo que dá unidade e sentido para a história humana c acentuava o combate entre poder e liberdade defendendo que a to mada do poder era o principal objetivo da história da Liberdade d defendia que o poder não poderia corromper o homem já que suas características virtuosas eram inabaláveis e defendia a liberdade apenas no nível político e no nível econômico a intervenção maciça do Estado Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas 1 d 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou alguns aspectos básicos do Libe ralismo clássico desde a sua concepção mais moralizada Man deville e econômica Adam Smith até a sua vertente mais poli tizada Tocqueville 130 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Com Mandeville estudamos as primeiras concepções libe rais que residem no campo do individualismo econômico e da sociabilidade as abelhas os homens precisam se relacionar socialmente por meio de vínculos políticoeconômicos e não es sencialmente morais Mandeville não está afirmando com isso que a moralidade é algo ruim mas que ela não pode ser ele mento de limitação da prática econômica Para o florescimento social levando em consideração todo o otimismo despendido ao capitalismo nascente não basta a vivência da moralidade por ela mesma mas sim a compreensão da lógica de autono mia econômica guiada por referenciais capazes de emancipar os indivíduos Adam Smith demonstrou por sua vez que a análise cientí fica sobre a economia clássica pode ir além do campo das vonta des individuais Por isso com objetivo de compreender a origem da riqueza de uma nação Smith identificou no trabalho o grande motor da riqueza capital uma vez que ele transforma matéria bruta em mercadoria A sociedade para Smith é muito mais do que a soma de individualidades ou seja vivência individual dos interesses para o autor a sociedade é a vivência coletiva de re gras e interesses que se apresentam como totalmente distintos das regras e interesses individuais Smith não está interessado em compreender as posturas econômicas individuais mas os cri térios que potencializam pensar a economia como ciência Enfim Tocqueville demonstrou que a democracia quando instrumentalizada pelo conceito da igualdade equaliza os indi víduos como massa passíveis de serem controlados inclusive despoticamente Não se está afirmando aqui que Tocqueville é contra a democracia mas ao analisála dentro dos padrões re volucionários do que ocorreu com a França observou que facil mente as democracias revolucionárias podem se transformar em 131 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO governos autoritários Pensar um modelo democrático que evite o despotismo da massa e a concentração do poder apresentase como o desafio das democracias modernas 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Bernard Mandeville Disponível em httpwwwzamitbiografiaBernard Mandeville Acesso em 14 nov 2019 Figura 2 Adam Smith Disponível em httpswwwalgosobrecombrbiografias adamsmithhtml Acesso em 14 nov 2019 Figura 3 Alexis de Tocqueville Disponível em httpswwwterracombrnoticias educacaohistoriatocquevilleeofasciniodademocracia883275001e69ccedb5ce15 eff360b29eqxqt6z7ohtml Acesso em 18 nov 2019 Sites pesquisados AMORIM M L A Educação e modernidade uma contribuição às discussões sobre o malestar Revista MalEstar e Subjetividade Fortaleza v 2 n 1 p 1744 mar 2002 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfmalestarv2n103pdf Acesso em 18 nov 2019 BRITO A R T As abelhas egoístas vício e virtude na obra de Bernard Mandeville 2006 Tese Doutorado em Filosofia Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia São Paulo 2006 Disponível em httpfilosofiafflchuspbrsitesfilosofiafflchuspbrfilesposgraduacao defesas2006docs2006tesearitankpdf Acesso em 18 nov 2019 CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisível 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvCgoYwzoVNhs Acesso em 14 nov 2019 Revolução Industrial Divisão do Trabalho e Adam Smith 2013 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvix5jUPyx99g Acesso em 14 nov 2019 FONSECA E G A fábula das abelhas Braudel Papers São Paulo n 5 p 314 1994 Disponível em httpptbraudelorgbrpublicacoesbraudelpapersdownloads portuguesbp05ptpdf Acesso em 18 nov 2019 132 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO FRAZÃO D Biografia de Alexis de Tocqueville 2016 Disponível em httpswww ebiografiacomalexisdetocqueville Acesso em 18 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão Invisível Descomplicando a Economia Disponível em 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RICKEN G Entre a colmeia murmurante e a mão invisível analogias entre A fábula das abelhas e A riqueza das nações httpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfiles anexos31093341641PBpdf Acesso em 18 nov 2019 ROHLING M A igualdade e a liberdade em Tocqueville contribuições para o desenvolvimento da virtude cívica liberal e a tarefa políticopedagógica da democracia Em Tese Florianópolis v 12 n 1 janjul 2015 Disponível em httpsperiodicos ufscbrindexphpemtesearticleview180650232015v12n1p8029696 Acesso em 18 nov 2019 SANTOS K P NUNES M A Alexis Tocqueville os desvios da igualdade Disponível em httpdocplayercombr53286294Alexistocquevilleosdesviosdaigualdade1 html Acesso em 18 nov 2019 SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 14 nov 2019 SUAPESQUISACOM Adam Smith Disponível em httpswwwsuapesquisacom biografiasadamsmithhtm Acesso em 14 nov 2019 133 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvsToHBsLCNS0 Acesso em 14 nov 2019 TIGRE J P A crítica smithiana à concepção individualista de Bernard Mandeville Problemata Revista Internacional de Filosofia v 6 n 2 p 517 2015 Disponível em httpwwwperiodicosufpbbrojsindexphpproblemataarticle view2166214022 Acesso em 18 nov 2019 UNIVERSITY OF AMSTERDAM A Fábula das Abelhas Disponível em httpswww youtubecomwatchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 14 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA M L A MARTINS M H P Filosofando introdução à Filosofia 6 ed São Paulo Moderna 2016 BOBBIO N Teoria Geral da Política a filosofia política e as lições dos clássicos Rio de Janeiro Elsevier 2000 COSTA PINTO L A Sociologia e desenvolvimento temas e problemas de nosso tempo 9 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1986 GOULD S J The structure of evolutionary theory Massachusetts Harvard Press 2002 MANDEVILLE B La fabula de las abejas o los vicios privados hacen la prosperidad pública Trad José Ferrater Mora Madrid Fondo de Cultura Económica 1997 REALE G ANTISERE D História da Filosofia de Spinoza a Kant Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 4 SMITH A A Riqueza das Nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna São Paulo Editora Nova Cultural 1996a v 1 Os Economistas A Riqueza das Nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna São Paulo Editora Nova Cultural 1996b v 2 Os Economistas TOCQUEVILLE A A democracia na América Trad Neil Ribeiro da Silva São Paulo Ed USP 1977 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 135 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 135 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Objetivos Conhecer os fundamentos do positivismo sociológico de Augusto Comte Apresentar as leis dos três estágios de Comte como elemento central da noção de progresso social Compreender o objeto e o método da Sociologia enquanto Física Social Conhecer o modo como Comte organizou a Sociologia estática social e dinâmica social Refletir sobre os fundamentos da sua proposta da religião da humanidade Conhecer a proposta metodológica de Émile Durkheim em especial as re gras que orientam o trabalho do cientista social Caracterizar o que são os fatos sociais Apresentar a divisão do trabalho social como critério demarcador de uma coesão social solidariedade mecânica e orgânica Distinguir a normalidade e a patologia dos fatos sociais Refletir sobre a questão sociológica do suicídio e suas tipologias egoísta altruísta anômico e fatalista segundo Durkheim Conteúdos O positivismo sociológico de Comte As leis dos três estágios em Augusto Comte Sociologia como Física Social Objeto e método da Sociologia UNIDADE 3 Estática e dinâmica social Religião da humanidade Objeto e método da Sociologia segundo Durkheim Características dos fatos sociais Normalidade e patologia dos fatos sociais Divisão do trabalho social Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica Suicídio egoísta altruísta anômico e fatalista Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo Lembrese a autonomia é a aliada da emancipação 3 Esta unidade apresenta autores que pensaram sobre os critérios que de marcaram cientificamente o objeto e o método da Sociologia nascente como área autônoma Nesse sentido para compreender adequadamente esse processo tornase interessante visitar a área de Filosofia da Ciência de modo a conhecer mais detalhadamente as características de um mé todo científico 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros O que é ciência Carlos Lungarzo A construção das ciências Gerard Fourez O que é ciência afinal Alan Francis Chalmers e Um toque de clás sicos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira 5 Como contribuição a partir de uma linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes Umberto D Itália 1952 Dez Irã 2002 O ladrão de bicicletas Itália 1948 Canção da estrada Índia 1955 Não matarás Polônia 1988 Os incompreendidos França 1959 Era uma vez em Tó 137 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER quio Japão 1953 Harakiri Japão 1962 O pagador de promessas Bra sil 1962 Doze anos de escravidão EUA 2013 Manderlay Dinamarca 2005 Todos os filmes abordam questões relacionadas a exterioridade coercitividade e generalidade dos fatos sociais 6 Sobre os autores estudados na unidade e suas respectivas teorias socioló gicas sugerimos que assista aos vídeos indicados a seguir Sobre Augusto Comte FRONTEIRAS DO PENSAMENTO Alain de Botton Comte ordem e progresso 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vobNTlJS4WoU Acesso em 18 nov 2019 SOCIOLOGIA ANIMADA Auguste Comte Lei dos três estados 2018 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchv0bBUri0eC0 Aces so em 18 nov 2019 CANAL FILOSÓFICO O Positivismo de Auguste Comte 2016 Disponí vel em httpswwwyoutubecomwatchvHfLpQ16WauMt15s Acesso em 18 nov 2019 PINTO H A última religião Documentário sobre Positivismo no Bra sil 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvaHpG cr1eMg Acesso em 18 nov 2019 FONSECA J G Positivismo de Auguste Comte 2018 Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvnmhrKDKqgo Acesso em 18 nov 2019 7 Sobre Émile Durkheim UNIVESP Clássicos da Sociologia Émile Durkheim Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvSMaxxNEqk7U Acesso em 18 nov 2019 PINHO A Durkheim Suicídio 2016 Disponível em httpswwwyou tubecomwatchvwj3tdcqLaoA Acesso em 18 nov 2019 RENNÓ P Émile Durkheim fatos sociais e suicídio 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvLA8u46YUss Acesso em 18 nov 2019 UNIVESP Na Íntegra Raquel Weiss Émile Durkheim Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvBeK3FDEIy0 Acesso em 18 nov 2019 138 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER PINHEIRO A Sociologia Émile Durkheim Parte 12 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvq67sUgkLSE Acesso em 18 nov 2019 Sociologia Émile Durkheim Parte 22 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvHm1MnaT2GM Acesso em 18 nov 2019 139 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 INTRODUÇÃO A Sociologia como já observamos na Unidade 1 nasceu como uma resposta às inúmeras transformações culturais políti cas e econômicas a partir do século 18 estabelecendose como área autônoma no século 19 Como qualquer outra ciência a Sociologia também não surgiu do acaso mas precisou ser siste matizada por autores que tiveram o cuidado de formalizar um objeto de estudo e uma metodologia de pesquisa É justamente de tais autores que trataremos nesta unidade Augusto Comte e Émile Durkheim É importante notar neste momento que Comte e Dur kheim utilizam o termo Sociologia e não Ciências Sociais A justificativa é estritamente cronológica como apresentado na primeira unidade o termo Ciências Sociais é recente e tem objetivo não de sufocar áreas de pesquisa social já consolidadas Antropologia Ciência Política e Sociologia mas agregálas em uma macroárea comum com o intuito de possibilitar um diálogo mais profícuo Logo em vista do contexto sociológico de ambos os autores Comte e Durkheim tal sistematização não se apre senta apenas como desconhecida mas também desnecessária A unidade está organizada em duas partes Na primeira apresentaremos a proposta positivista de Augusto Comte e sua preocupação em elaborar uma área de estudo voltada especifi camente para o conhecimento das diversas sociedades ao longo da história Na segunda parte o foco estará nas principais contri buições de Émile Durkheim que dando seguimento ao projeto de Comte estabeleceu solidamente um campo de pesquisa ob jeto e método para a Sociologia Além disso também conhecere mos algumas de suas teorias a respeito dos modos de integração 140 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER social solidariedade mecânica e orgânica e da análise do suicí dio como fenômeno social Bons estudos 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO Isidore Auguste Marie François Xavier Com te Figura 1 filósofo e matemático francês nas ceu em Montpellier em 19 de janeiro de 1798 Fez seus primeiros estudos no Liceu de Montpellier e ingressou depois na Escola Politécnica de Paris Entre 1830 e 1842 publicou sua primeira grande obra na qual expõe os princípios fundamentais de sua filosofia e de sua teoria da História Curso de filosofia positiva A partir de então sua doutrina passou a ser conhecida como po sitivismo Comte foi o criador da expressão Sociologia para de signar a ciência que deveria estudar a sociedade Sua doutrina exerceu forte influência sobre a oficialidade do Exército brasi leiro nas últimas décadas do século 19 Por isso um dos lemas positivistas Ordem e progresso figura na bandeira do Brasil OLIVEIRA 2010 p 273 Figura 1 Augusto Comte 141 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Nascido pouco tempo depois da Revolução Francesa Com te é considerado tradicionalmente o pai da Sociologia entre os muitos motivos para essa afirmação está o fato de ter sido o primeiro a utilizar a palavra sociologia em 1842 no seu Curso de filosofia positiva Na ocasião ele afirmava a necessidade de se fundar uma Física Social capaz de compreender a sociedade como um organismo vivo cujas partes desempenham funções específicas que ajudam a manter o equilíbrio do todo COMTE 1978b Acredito que devo arriscar desde agora este novo termo so ciologia exatamente equivalente à minha expressão já intro duzida de física social a fim de poder designar por um nome único esta parte complementar da filosofia natural que se rela ciona com o estudo positivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos sociais COMTE 1983b p 6162 Em Discurso sobre o espírito positivo compreende a So ciologia como o fim essencial de todo o sistema positivista a harmonia entre a ciência e o bom senso universal termina pela fundação da sociologia e da moral positiva e pela sistematização do conjunto das concepções positivas COMTE 1978c p 43 A doutrina do positivismo tem como fundamentação tanto a extrema valorização do método das ciências positivas isto é ciências baseadas na concretude dos fatos e na experiência em pírica como a recusa dos sistemas metafísicos Por isso para o autor não pode existir nenhum conhecimento válido se este não estiver assentando nos fatos observáveis O pensamento de Comte estruturase em torno de três principais temas 142 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Uma filosofia da história que motivada pela fenome nologia de Hegel propõe uma evolução da humanida de por meio de estágios específicos Uma classificação das ciências baseadas na filosofia positiva Uma fundação da Sociologia como Física Social com o objetivo de permitir a reforma científica e moral das instituições A lei dos três estágios O método positivo de investigação segundo Comte tem como finalidade a elaboração e compreensão das leis gerais que regem os fenômenos da natureza Para ele toda a realidade na tural e humana é concebida como um grande organismo por isso há necessidade de elaboração de leis que ajudem o homem a entender o que se passa ao seu redor O que torna em geral mais sensível ainda a necessidade lógica dessa distinção fundamental entre as duas grandes seções da filosofia natural é que não apenas cada seção da física concreta supõe a cultura prévia da seção correspondente da física abs trata mas exige ainda o conhecimento das leis gerais relativas a todas as ordens de fenômenos COMTE 1978b p 26 Em sua busca por leis gerais capazes de explicar a realida de iniciativa essa influenciada sem dúvida tanto pela Filoso fia da história de Hegel como pelo evolucionismo darwinista e pelos ideais políticos da Revolução Francesa Comte chegou à conclusão de que uma grande lei fundamental regeria toda a dinâmica do progresso humano preocupação que desde a sua juventude já ocupava a sua pesquisa filosófica e científica Ainda aos 14 anos eu já sentia a necessidade fundamental de uma reestruturação universal política e filosófica ao mesmo 143 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER tempo sob o impulso de salutar crise revolucionária cuja fase principal precedera meu nascimento A influência luminosa de uma iniciação matemática recebida na família desenvolvida fe lizmente na École Polytechnique fezme instintivamente pres sentir a única via intelectual que podia realmente conduzir a essa grande renovação COMTE apud REALE ANTISERE 2007 p 291 No entanto será somente em seu Curso de filosofia posi tiva que enfim Comte apresentará a natureza específica de tal lei a saber a de que a natureza humana desde os primórdios passou por sucessivos estágios de evolução histórica e cultural tentando com isso justificar não apenas um dinamismo histórico mas o próprio progresso das ciências modernas Essa teoria ficou conhecida como a lei dos três estágios Estudando assim o desenvolvimento total da inteligência hu mana em suas diversas esferas de atividade desde seu primei ro voo mais simples até nossos dias creio ter descoberto uma grande lei fundamental a que se sujeita por uma necessidade invariável e que me parece poder ser solidamente estabelecida quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa organização quer na base de verificações históricas resultantes dum exame atento do passado Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais cada ramo de nossos conhecimentos passa sucessivamente por três estados históricos diferentes estado teológico ou fictício estado me tafísico ou abstrato estado científico ou positivo Daí três sortes de filosofia ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos que se excluem mutuamente a pri meira é o ponto de partida necessário da inteligência humana a terceira seu estado fixo e definitivo a segunda unicamente destinada a servir de transição COMTE 1978b p 34 Conforme observado os três estágios de evolução da in teligência humana teológico metafísico e positivo prescrevem modos de pensar o mundo e as coisas de formas totalmente 144 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER opostas umas às outras Para compreender a evolução conquis tada pela filosofia positiva há então a necessidade de entender como o espírito humano de fato evoluiu historicamente Estágio teológico representaria o ponto de partida da inteligência humana no qual segundo Comte os fenô menos naturais são compreendidos como resultados de forças e seres sobrenaturais Ou seja nesse estágio o espírito humano apresenta os fenômenos como pro duzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrena turais mais ou menos numerosos cuja intervenção arbi trária explica todas as anomalias aparentes do universo COMTE 1978b p 4 No entanto observase que tal suposição sobrenatural não decorre apenas da falta de recursos técnicos e científicos mas principalmente da imaturidade da inteligência humana ainda não adapta da à total compreensão positiva das leis fenomênicas Estágio metafísico representaria um ponto de transi ção entre a ingenuidade do estágio teológico e a matu ridade do espírito positivo Por conta disso esse estágio promove uma substituição das explicações sobrenatu rais anteriores por essências ou forças abstratas e ab solutas que por se fazerem presentes na matéria e nos seres são capazes de oferecer explicações sobre a ori gem e o destino do universo por exemplo a noção de simpatia da natureza amplamente divulgada no Re nascimento Nas palavras de Comte nesse estágio os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abs tratas verdadeiras entidades inerentes aos diversos seres do mundo e concebidas como capazes de engen drar por elas próprias todos os fenômenos observados COMTE 1978b p 4 145 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Estágio positivo de acordo com Comte representaria o estágio definitivo da evolução racional da humanida de o qual por meio do uso combinado da razão e da observação levaria o ser humano a compreender as leis gerais que geram os fenômenos da natureza Para o autor esse estágio só foi possível após o espírito huma no finalmente reconhecer a impossibilidade de obter noções absolutas renunciando assim à procura pela origem e destino do universo bem como as causas íntimas dos fenômenos COMTE 1978b p 4 A lei dos três estágios se coloca portanto como um ele mento central no pensamento de Comte Sem dúvida alguma é possível perceber nessa teoria traços de uma filosofia da história já apontada por autores como Hegel e Vico sem porém deixar de fazer referência a teorias de natureza evolucionista O método positivista ver para prever Como visto o estágio positivo representa a evolução má xima do espírito humano capaz portanto de superar os deva neios teológicos e metafísicos pelo conhecimento das relações invariáveis dos fatos Em vez de buscar vagas abstrações o espí rito positivo se atém aos dados observáveis passíveis de serem elaborados em forma de leis gerais Por isso mais do que uma hipótese evolucionista o estágio positivo representa um progra ma de reforma geral de nosso sistema de educação COMTE 1978b p 15 No Discurso sobre o espírito positivo afirma Essa longa sucessão de preâmbulos necessários conduz enfim nossa inteligência gradualmente emancipada a seu estado definitivo de positividade racional que deve aqui ser caracteri zado duma maneira mais especial do que os dois estados preli minares estado teológico e estado metafísico A lógica es 146 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER peculativa tinha até então consistido em raciocinar de maneira mais ou menos sutil conforme princípios confusos que não comportando qualquer prova suficiente suscitavam sempre debates sem saída Reconhece de agora em diante como regra fundamental que toda proposição que não seja estritamente redutível ao simples enunciado de um fato particular ou geral não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível COMTE 1978c p 48 A filosofia positiva na compreensão do autor é aquela que por ser capaz de prever os fenômenos naturais tornase apta a agir sobre a realidade de maneira pontual e segura e não mais a partir de indefinidas hipóteses místicas O lema do positivismo passa a ser então o ver para prever que faz do conhecimento científico um instrumento de transformação da realidade para o domínio do homem sobre a natureza Em seu Discurso sobre o espírito positivo afirma o verdadeiro espírito positivo consiste sobretudo em ver para prever em estudar o que é a fim de con cluir disso o que será segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais COMTE 1978c p 50 Na trilha de Descartes Comte retira toda a inspiração me todológica que o leva a reconhecer na ciência a fonte de todas os conhecimentos e técnicas para o domínio da natureza O penso logo existo DESCARTES 1989 p 57 é repensado no âmbito do próprio método positivo em suma ciência logo previsão pre visão logo ação essa é a fórmula simples que expressa de modo exato a relação geral entre a ciência e a arte tomando esses dois termos em sua acepção total COMTE apud REALE ANTISERE 2007 p 293 Além disso retoma de Francis Bacon o ideal de domínio da natureza ciência e poder do homem coincidem pois a natu reza não se vence se não quando se lhe obedece BACON 1999 147 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER p 33 Isso faz do homem não senhor mas ministro e intérprete da natureza aquele que pela observação dos fatos ou pelo tra balho da mente tornase capaz de constatar a ordem da natu reza BACON 1999 p 33 Comte também tem consciência de que não é possível vencer a natureza em poder e grandeza mas com o devido conhecimento de suas regras de funcionamento é concebível prever os seus fenômenos e deles tirar proveito Por isso afirma a preponderância da filosofia positiva se afirmou como tal desde Bacon COMTE 1978b p 13 Este portanto é o ponto crucial do método positivista ele parte de noções inspiradas em Descartes e Bacon porém supera cada uma delas ao apresentar uma proposta que não se resume nem à abstração do cogito muito menos ao puro empirismo O objeto final do positivismo não está na tabulação dos fatos em si mesmos mas na pesquisa de leis que regem os fatos Considerando a destinação constante dessas leis podese di zer sem exagero algum que a verdadeira ciência longe de ser formada por simples observações fatos tende sempre a dis pensar quanto possível a exploração direta substituindoa por essa previsão racional que constitui sob todos os aspectos o principal caráter do espírito positivo COMTE 1978c p 50 Enquanto o empirismo indutivista se limita à erudição dos fatos observáveis o positivismo consiste na busca de leis que uma vez fundamentadas nos fatos podem então interpretar e prever corretamente os fatos tal previsão que se mostra como consequência necessária das relações constantes e descobertas entre os fenômenos não poderá jamais confundir a ciência real com essa vã erudição que acumula maquinalmente fatos sem aspirar a deduzilos uns dos outros COMTE 1978c p 50 Diversamente do método indutivo de Bacon que insiste na reunião e catalogação das experiências por meio de análise da 148 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER experiência hipótese e verificação como se a descoberta da lei resultasse automaticamente da observação o método positivis ta não se encerra na pura e simples percepção das coisas mas faz com que os dados reunidos passem pelo filtro da dedução lógica e se exteriorizem na forma de leis Observase portanto para melhor prever os resultados a ciência conduz à previdên cia e a previdência permite regular a ação COMTE 1983b p 54 A Sociologia como Física Social Comte foi o primeiro autor a definir precisamente o objeto bem como a estabelecer os conceitos e metodologias relaciona dos ao estudo da sociedade enquanto ciência também chama da por ele de Física Social Com isso conseguiu demarcar um campo de estudo próprio o que foi fundamental para o surgi mento da Sociologia como área autônoma do saber O seu ideal metodológico isto é a elaboração de leis ge rais a partir das observações factuais foi levado para o estudo da sociedade Além do reconhecimento dos princípios regulado res do mundo físico também apostava que o mundo social se guia um padrão de funcionamento semelhante Nesse sentido inspirandose no método de investigação das Ciências Naturais procurou demonstrar que assim como a Física pode estabelecer leis que guiam os fenômenos físicos a Sociologia de igual ma neira pode estabelecer leis para os fenômenos sociais Eis a grande mas evidentemente única lacuna que se trata de preencher para constituir a filosofia positiva Já agora que o es pírito humano fundou a física celeste a física terrestre quer mecânica quer química a física orgânica seja vegetal seja ani mal restalhe para terminar o sistema das ciências de observa ção fundar a física social Tal é hoje em várias direções capitais 149 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a maior e mais urgente necessidade de nossa inteligência Tal é ouso dizer o primeiro objetivo deste curso sua meta especial COMTE 1978b p 9 Para dar à Sociologia uma autonomia científica Comte busca então esclarecer três questões preliminares delimitar o objeto de estudo da Sociologia definir um estatuto teórico ade quar à Sociologia um método científico Vejamos como resolveu tais questões Objeto da Sociologia com relação à especificidade do objeto da Sociologia Comte buscou fundamentação nas ciências da natureza tentando distinguir os fenômenos biológicos dos sociais E chegou à seguinte conclusão Entendo por Física Social Sociologia a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos físicos químicos e fisiológicos isto é como submetidos a leis naturais invariáveis cuja descoberta é o objetivo especial de suas pes quisas COMTE 1983b p 53 Definição do estatuto teórico da Sociologia Comte re toma a tradição indutivista de Bacon ao afirmar que o conhecimento verdadeiro está assentado em fatos observáveis e não em silogismos abstratos porém complementa esse raciocínio com o encaminhamento lógico responsável pela elaboração das leis universais nenhuma verdadeira observação é possível sem que seja primeiramente dirigida e finalmente interpretada por uma teoria COMTE 1983a p 75 Isso faz do esta tuto teórico da Sociologia algo mais complexo do que a simples observação empírica Certo é incontestável hoje que a observação dos fatos é a única base sólida dos conhecimentos humanos O empirismo ab soluto porém é impossível por mais que se tenha admitido o 150 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER contrário O homem por sua natureza é incapaz não somente de combinar fatos e deles deduzir algumas consequências mas até simplesmente de observálos com atenção e de retêlos com segurança se não os vincula imediatamente a alguma ex plicação COMTE 1983a p 85 Adequação de um método científico tendo como pon to de partida a observação dos fatos e a indução Comte afirma que a maneira mais segura de adequar um méto do à Sociologia a fim de tornála uma ciência completa é por meio do encadeamento lógico das observações anteriores até conseguir criar um repertório suficiente para a formulação da lei geral é pela vinculação dos fatos precedentes que se aprende verdadeiramente a considerar os fatos seguintes COMTE 1983a p 76 Metodologia da Física Social ou Sociologia Para legitimar esse procedimento metodológico segundo os critérios do positivismo a pesquisa sociológica precisa cum prir as seguintes exigências básicas 1 Abandono das primeiras causas como o objetivo da Sociologia de acordo com o positivismo é submeter os fenômenos às leis invariáveis então cabe ao méto do da Sociologia procurar se afastar das causas e es sências para assim buscar a resposta dessa questão na própria realidade observada o verdadeiro espíri to positivo consiste sobretudo em preferir sempre o estudo das leis invariáveis dos fenômenos ao de suas causas propriamente ditas primárias ou finais numa palavra a determinação do como à do porquê COM TE 1983a p 80 151 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 2 Neutralidade científica de acordo com Comte como a pesquisa sociológica deve ocorrer de acordo com os padrões das ciências da natureza então a experi mentação sociológica precisa estar caracterizada pela neutralidade e imparcialidade do pesquisador que ciência poderia sair do estado nascente mesmo diminuindo excessivamente a extensão das especula ções próprias se cada um só quisesse empregar suas observações pessoais COMTE 1983a p 88 3 Previsão e certeza do método a indução dos fatos e a dedução das leis põem em prática o ideal da certeza e previsão da ciência Nesse sentido a possibilidade da previsão da ciência é a própria legitimação de sua segurança especulativa induzir para deduzir a fim de construir COMTE 1933 p 33 4 Filiação gradual ou gradualismo lógico para a análi se das sociedades ao longo da história Comte atribui ao método da Sociologia o mesmo rigor experimental do método das ciências da natureza porém comple mentado por uma análise comparativa e gradual de possíveis fenômenos análogos Noutras palavras essa filiação gradual nada mais é do que uma comparação gradual de uma série de casos fenômenos semelhan tes ocorridos em sociedades distintas e em épocas diferentes que tendem a tornar a compreensão da sociedade um processo cada vez mais simplificado COMTE 1983a A partir do que foi exposto notase que Comte utiliza uma série de técnicas de pesquisa científica para a formação do mé todo da Sociologia 152 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 Observação empírica tratase dos próprios fatos ob serváveis que se colocam como o material primário para a pesquisa sociológica É incontestável hoje que a observação dos fatos é a única base sólida dos conhecimentos humanos COMTE 1983a p 85 A observação segundo o autor pode ser tanto direta como indireta A observação sociológica voltase mais para a pesquisa sociológica daí a dificuldade de elabo rar uma observação sociológica que tende a ser mais complexa 2 Método classificatório consiste em fazer com que a ordem de generalidade dos diferentes graus de divisão seja tanto quanto possível exatamente conforme à das relações observadas entre os fenômenos que de vem ser classificados COMTE 1983a p 95 Por isso a classificação apresentase como o resultado relevan te dos próprios fatos observados e também oferece as principais categorias de análise para uma análise histó rica mais abrangente 3 Método histórico propõese a analisar a evolução hu mana a partir de seus estágios evolutivos Nada é mais apropriado do que esse procedimento para ca racterizar nitidamente as diversas fases essenciais da evolução humana COMTE 1983a p 9394 Para tan to o método histórico só ganha consistência científica quando complementado pelo método comparativo 4 Método comparativo caracterizase pela habitual comparação científica tanto social quanto individual do homem com os outros animais COMTE 1983a p 93 cujo objetivo é compreender historicamente os diversos estados consecutivos da humanidade bem 153 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER como constituir o principal artifício científico da nova Filosofia Política COMTE 1983a p 97 A partir da comparação sociológica aos moldes da realizada pela Biologia é possível então segundo Comte identificar as leis invariáveis que orientam a vida social O método comparativo utilizado por Comte tem sua ins piração primeira na área da Biologia para o autor a sociedade como um todo deve ser compreendida como um complexo or ganismo social cujas partes devem ser analisadas de uma forma semelhante a como se faz com os membros de um corpo isto é observando as funções de cada uma das partes Nesse caso a única diferença entre Biologia e Sociologia diz respeito à nature za da experimentação enquanto para a Biologia ela acontece de forma direta para a Sociologia ocorre de modo indireto COMTE 1983a Em síntese o método da Sociologia precisa apresentar três passos para a conservação do seu rigor científico que segun do Comte enfatizam não somente a observação mas também a comparação Os dois primeiros passos são puramente expe rimentais e comuns a todas as ciências já o terceiro referese especificamente a uma abordagem metodológica da Sociologia Nossa arte de observar compõese em geral de três processos diferentes 1º a observação propriamente dita isto é o exa me direto do fenômeno tal como se apresenta naturalmente 2º a experiência isto é a contemplação do fenômeno mais ou menos modificado por circunstâncias artificiais que realizamos expressamente visando a uma exploração mais perfeita 3º a comparação isto é a consideração gradual de uma série de ca sos análogos nos quais o fenômeno se simplifica cada vez mais COMTE 1983a 85 154 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Merece destaque especial o terceiro passo comparação que de acordo com Comte é o que mais caracteriza o método da Sociologia e por isso leva à identificação e elaboração das leis invariáveis Apesar de serem especificamente sociológicos os critérios de comparação seguem também os critérios da com paração biológica Confira no Quadro 1 uma relação das seme lhanças e diferenças entre os métodos comparativos biológico e sociológico Quadro 1 Método comparativo semelhanças e diferenças Biologia Sociologia 1º Comparação entre as diversas par tes de cada organismo determinado 1º Comparação das diferenças existen tes entre as partes constitutivas de uma mesma sociedade e identificação das diferenças mais simples de sociedades distintas 2º Comparação entre os sexos 3º Comparação entre as diversas fases do desenvolvimento de um organismo 2º Comparação entre sociedade huma nas em diferentes épocas como a pri mitiva e a moderna 4º Comparação e classificação das di ferentes raças ou variedades de cada espécie 3º Comparação e classificação das di ferentes raças gêneros e etnias de cada sociedade para melhor compreender a evolução humana 5º Comparação entre todos os organis mos da hierarquia biológica 4º Comparação histórica dos diversos estágios consecutivos da humanidade por meio da filiação gradual Fonte adaptado de Comte 1983a p 91 Organização da Sociologia Segundo Comte a Sociologia ou Física Social é com posta por duas partes estática social e dinâmica social Para o autor a Sociologia precisa compreender não somente o proces 155 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER so de transformação das sociedades dinâmica mas também os padrões e modelos institucionalizados de comportamentos que não se modificam e permanecem estáveis estática Deveis conceber esta grande ciência como composta de duas partes essenciais uma estática que constrói a teoria da ordem a outra dinâmica que desenvolve a doutrina do progresso Estas duas metades da sociologia se acham profundamente li gadas entre si em virtude de um princípio geral estabelecido pelo positivismo para religar por toda parte o estudo do mo vimento ao da existência O progresso é o desenvolvimento da ordem COMTE 1978a p 236 Estática social Segundo Comte os elementos da estática social isto é da ordem e coesão das sociedades são pelo menos cinco religião governo linguagem família e propriedade Noutras palavras a estática estudaria justamente aquelas condições de existência e sociabilidade comuns a todas as sociedades e em to dos os tempos Na obra Catecismo positivista Comte argumenta sobre tais elementos da estática social com relação à religião o dogma fundamental da religião universal consiste portanto na existência constatada de uma ordem imutável a que estão sujeitos os acontecimentos de todo gênero COMTE 1978a p 143144 O pressuposto fundamental da estática reside portanto na elaboração de leis que justificariam a existência de elementos de coesão dos diferentes grupos sociais ao longo da história sem os quais se tornaria impossível a conservação de qualquer corpo social Esse aspecto fica evidente no seguinte trecho do Catecis mo positivista 156 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Apesar da íntima simpatia que constitui a simples associação doméstica mesmo reduzida ao par fundamental não está ela nunca isenta de semelhante necessidade É aí que se pode apreciar melhor este grande axioma Não existe sociedade sem governo COMTE 1978a p 255 grifo do autor Dinâmica social Por sua vez a dinâmica social tenta compreender de que forma as sociedades evoluem ao longo da história Ou melhor tenta descobrir de que maneira os cinco elementos da estática religião governo linguagem família e propriedade se desen volvem e evoluem no tempo De acordo com Comte as leis da dinâmica social são basicamente reduzidas a duas a lei da evo lução teórica e a lei do impulso prático Leis dinâmicas parecem dever ser ao número de três a fim de corresponder exatamente aos diversos elementos estáticos da natureza humana o sentimento a inteligência e a atividade No entanto é necessário antes reconhecer que elas se reduzem necessariamente a duas uma para a evolução teórica outra para o impulso prático COMTE 1957 p 78 tradução nossa A primeira lei da dinâmica da evolução teórica baseiase fundamentalmente na teoria dos estágios evolutivos que justi fica a passagem necessária de todas os conhecimentos e práti cas humanas pelas três etapas sucessivas a primeira teológica sempre provisória a segunda metafísica sempre transitória e a terceira positiva enfim sempre definitiva Nessa direção encontrase inclusive o processo de desenvolvimento da con dição humana desde a Antiguidade Segundo Reale e Antisere 2007 p 295 O progresso social segue essa lei Ao estágio teológico corres ponde a supremacia do poder militar é o caso do feudalismo ao estágio metafisico corresponde a revolução que começa 157 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER com a Reforma protestante e termina com a Revolução Fran cesa ao estágio positivo corresponde a sociedade industrial A segunda lei da dinâmica do impulso prático tem o ob jetivo de orientar a prática humana relacionandoa às exigências e necessidades materiais porém não aquelas ligadas ao interes se pessoal mas ao interesse útil da sociedade Ou seja enquanto a estática social tem sua fundamentação na obra Sistema de política positiva na qual analisa os elemen tos de sociabilidade permanentes instituições agrupamentos fatos etc em toda e qualquer sociedade independentemente de suas características próprias ou período histórico a dinâmica social foi analisada com mais profundidade na obra Curso de fi losofia positiva que trata justamente das etapas do progresso humano lei dos três estágios e a classificação das ciências A estática social trouxe à luz a ordem essencial de toda socieda de humana a dinâmica social retraça as vicissitudes pelas quais passou essa ordem fundamental antes de alcançar o termo fi nal do positivismo ARON 1993 p 95 Todavia para Comte a dinâmica social precisa estar subor dinada à estática uma vez que o progresso vem da ordem e não do caos aperfeiçoando assim aqueles elementos constan tes em qualquer sociedade O significado das palavras ordem e progresso portanto nada mais é do que o compromisso com a mudança sem porém deixar de observar os elementos da es tabilidade social Daí o lema positivista o Amor por princípio a Ordem por base e o Progresso por fim COMTE 1978a p 146 A religião da humanidade Apesar de Comte identificar a religião como o estágio mais primário do desenvolvimento da humanidade ele não se con 158 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER siderava avesso ao papel moral e humano desempenhado por ela Em seus escritos da juventude já aparecia essa noção de es piritualidade que não se confundia com a religião tradicional No entanto foi especialmente nas obras Catecismo positivista e Sistema de política positiva que Comte viu a necessidade de refundar a espiritualidade por meio de princípios não teológicos A religião do positivismo seria uma espécie de religião da humanidade capaz de orientar moralmente os indivíduos estabelecer o enquadramento da sociedade e promover a har monia social Por isso havia a convicção de que o positivismo poderia de fato fundamentar uma religião capaz de regenerar ao mesmo tempo a ordem pública e a ordem privada cada vez mais comprometidas por uma situação radicalmente anárquica COMTE 1978d p 107 Completamente resistente a qualquer conhecimento que prescinda dos fatos observáveis e leis invariáveis Comte substi tui portanto o culto a Deus pelo da humanidade que passa a ser o centro de convergência não só de uma ciência mas tam bém da religião fundamentalmente naturalista e imanente Por isso diferentemente das religiões teístas que se voltam para um Ser supremo absoluto e incognoscível O objeto do culto positivista não é como o dos fiéis teológicos um Ser absoluto isolado e incompreensível cuja existência não admite demonstração ou comparação com qualquer coisa real A evidência do Ser aqui apresentado é espontânea e não está envolta em mistério Por isso antes de podermos louvar amar e servir a Humanidade como devemos precisamos conhecer algumas das leis que governam sua existência COMTE 1875a p 267 tradução nossa Ou seja é pela humanidade e não pela imagem de um Deus imaginário que tudo deve ser feito por isso a necessida 159 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER de de compor um verdadeiro catecismo para a religião da huma nidade uma vez que é na imanência da condição humana que se condensa o dogma da religião universal COMTE 1978a p 149 Assim na concepção da Humanidade os três aspectos essen ciais do Positivismo seu princípio subjetivo seu dogma objeti vo e seu objeto prático estão unidos Para a Humanidade que é para nós o único e verdadeiro Grande Ser iremos a partir de agora direcionar todos os aspectos de nossa vida individual ou coletiva Nossos pensamentos serão dedicados ao conheci mento da Humanidade nossas afeições ao seu amor nossas ações ao seu serviço COMTE 1875a p 264 tradução nossa O aspecto específico da religião positivista reside justa mente em sua pretensão universal como síntese entre elemen tos estáticos e dinâmicos a religião da humanidade apresentase como o resultado de um processo de evolução dos estágios da humanidade que vai desde o fetichismo antigo passando pelo politeísmo até o monoteísmo No Sistema de política positiva afirma quando o teologismo substituiu ou preferiu absorver o fetichismo assumiu então sucessivamente duas formas uma politeísta outra monoteísta cuja distinção é inegável COMTE 1876 p 31 tradução nossa Logo fé na humanidade represen ta para Comte o aspecto unificador da religiosidade e da moral humana A sua doutrina não poderia tornarse universal se apesar de seus princípios antiteológicos o seu espírito relativo não lhe ministrasse necessariamente afinidades essenciais com cada crença capaz de dirigir passageiramente uma porção qualquer da humanidade COMTE 1978a p 140 Mas o que Comte compreende por humanidade Para ele ela seria a representatividade espontânea que transcende os indivíduos particulares sejam eles vivos mortos ou que ainda 160 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER nascerão Ou seja a humanidade é o Grande Ser uma espécie de organismo no qual os indivíduos são compreendidos como suas próprias células coparticipantes Por isso a supremacia da humanidade não decorre por ser onipotente por si mesma mas por ser a unidade dos indivíduos reais Logo a humanidade é perfeita e digna de reverência porque seus defeitos podem ser conhecidos e observados A supremacia da humanidade é apenas o resultado da cooperação individual seu poder não é supremo mas apenas superior ao de todos os seres que conhecemos Nosso amor por ela não é manchado por medos degradantes mas sempre acompanhado pela mais sincera reverência Perfeição é agora reivindicada por ela estudamos seus defeitos naturais com cuidado a fim de remediálos tanto quanto possível COMTE 1875a p 274 tradução nossa Mantendo a sua admiração ao cristianismo católico espe cialmente quanto à natureza universal do culto e da moral Com te sustenta que tal religião da humanidade deve estar inspirada no próprio sistema eclesiástico Para melhor compreendêla três elementos são indispensáveis Dogma segundo Comte o dogma da nova religião está circunscrito no próprio pensamento positivista o dog ma geral da invariabilidade das leis naturais COMTE 1978a p 50 Ou seja a fé positivista não está basea da na revelação mas nos anseios direcionados pela e para a humanidade Assim como para todos os assun tos também a religião passa pelos três estágios evoluti vos teológico metafísico e positivo Culto na compreensão de Comte os filósofos deveriam ser os sacerdotes da religião da Humanidade basea da no culto não apenas do Grande Ser humanidade mas também do Grande Meio universo espaço e do 161 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Grande Fetiche Terra formando o que alguns auto res chamaram de trindade da religião positivista REA LE ANTISERE 2007 p 296 Regime diz respeito à parte prática da moral positivis ta Noutras palavras está relacionado às orientações de aplicabilidade da moral positivista que afirma a seguin te subordinação hierárquica do indivíduo à sociedade da sociedade à pátria da pátria à humanidade COMTE 1978a Nesse ponto a religião positivista tem duplo papel regrar a vida pessoal dos indivíduos dimensão interna da fé e conciliar as diversas individualidades em torno de objetivos comuns dimensão externa da fé A religião consiste pois em regular cada nature za individual e em congregar todas as individualidades COMTE 1978a p 139 E mais adiante conclui a fim de constituir uma harmonia completa e duradoura é preciso ligar o interior pelo amor e o religar ao exterior pela fé COMTE 1978a p 141 Quanto aos princípios da moral positivista podemos iden tificálos a partir de duas máximas viver para os outros COM TE 1875a p 312 que indica o predomínio da vivência do al truísmo sobre o egoísmo e viver às claras COMTE 1978a pois uma vez que se age corretamente não há a necessidade de qualquer prática oculta 162 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER As leituras indicadas no Tópico 3 1 apresentam os prin cipais fundamentos do pensamento e do método previsto por Augusto Comte além de sua proposta de religião da humani dade Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA O sociólogo Émile Durkheim Figura 2 nasceu em Épinal França em 15 de abril de 1858 Em 1887 depois de se doutorar em Fi losofia na Escola Normal Superior de Paris as sumiu a cátedra de Sociologia na Universidade de Bordéus a primeira a ser criada na França Aí permaneceu até 1902 quando foi convida do a lecionar Sociologia e Pedagogia na Uni versidade Sorbonne em Paris É considerado o fundador da Sociologia moderna OLIVEIRA 2010 p 273274 Augusto Comte é tradicionalmente considerado o pai da Sociologia no entanto sem dúvida alguma foi com Émile Dur kheim 18581917 que a Sociologia passou a ser considerada como uma ciência autônoma caracterizada tanto por um objeto específico os fatos sociais como por uma metodologia própria Com isso os passos que serão percorridos nesta obra ver sarão sobre os seguintes temas do pensamento de Durkheim objeto e método da Sociologia e a divisão do trabalho social Figura 2 Émile Durkheim 163 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Objeto e método da Sociologia A Sociologia dos séculos 18 e 19 de fato foi marcada por grandes sistemas absolutistas e opostos enquanto o liberalismo clássico de Adam Smith procurava justificar na força de trabalho e não na agricultura ou na indústria o fator econômico essen cial para a autonomia e independência da riqueza das nações o Socialismo utópico de SaintSimon por exemplo já previa a contradição de classes e por isso afirmava que a justiça social só poderia ocorrer quando ela resultasse na eliminação da proprie dade privada e no realinhamento intervencionista na economia agrária e industrial Como tentativa de mediação entre o liberalismo clássico e o socialismo utópico surgiu o positivismo de Augusto Comte que teorizava um sistema absolutista no qual ordem estática so cial e progresso dinâmica social são características específicas de um processo de evolução histórica das sociedades cujo resul tado não poderia ser outro senão o próprio estágio positivo Se por um lado Comte sustenta que a evolução das sociedades em seus respectivos estágios ocorre sem precisar necessariamente de qualquer revolução de classes por outro Karl Marx não ad mite em hipótese alguma qualquer ideia de progresso que não esteja pautada na própria luta e revolução de classes Nesse contexto observase que a Sociologia passou por uma crise ou pelo menos por um estágio estacionário que só foi adequadamente minimizada com as contribuições teóricas de Émile Durkheim que especialmente em sua obra As regras do método sociológico procurou instituir as fronteiras que deli mitam o campo da Sociologia com o das demais ciências Para tanto o esforço de Durkheim foi fazer da Sociologia uma ciência tão racional e objetiva quanto a Física ou a Biologia 164 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Mas como fazer isso com a Sociologia que trabalha justamente a sociedade humana passível de constantes mudanças e altera ções no âmbito de sentimentos emoções e ideias Como estu dar um objeto que possui vontade própria diferentemente dos fenômenos físicos e biológicos Durkheim procura resolver esse problema não apenas afir mando que o objeto de estudo da Sociologia são os fatos so ciais mas sim asseverando que a natureza de tais fatos possui características próprias Logo os fatos sociais precisam ser con siderados como coisas assim como um fato orgânico é uma coisa para um biólogo A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas DURKHEIM 2007 p 15 Por isso nem tudo aquilo que ocorre individualmente ou socialmente pode ser caracterizado como fato social todo indi víduo come bebe dorme raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente no entanto reitera o autor se esses fatos fossem sociais a sociolo gia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia DURKHEIM 2007 p 1 Com o propósito de formular os conceitos da nova ciência Durkheim procura fundamentar duas questões as característi cas próprias de um fato social e as regras do método sociológico que orientam a objetividade da pesquisa sobre os fatos sociais Características dos fatos sociais Os fatos sociais para Durkheim se diferenciam dos fatos naturais orgânicos ou psicológicos justamente por se imporem aos indivíduos como uma poderosa força coercitiva à qual eles 165 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER obrigatoriamente devem se submeter Ou seja os fatos sociais seriam por assim dizer como coisas externas e objetivas que não dependem da aceitação de alguém ou da consciência indivi dual para existir Pelo contrário eles se definem como coisas que possuem existência própria e são capazes de obrigar os indiví duos a se comportarem desta ou daquela forma Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam característi cas muito especiais consistem em maneiras coletivas de agir de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e que são dota das de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele DURKHEIM 2007 p 3 Essa exposição faz dos fatos sociais objetos específicos da Sociologia evitando que sejam confundidos com os fenôme nos biológicos ou psíquicos não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos já que consistem em representações e em ações nem com os fenômenos psíquicos os quais só têm existência na consciência individual e através dela DURKHEIM 2007 p 34 Logo tais fenômenos constituem segundo o autor uma espécie nova de fatos para a qual deve ser dada e reser vada a qualificação de sociais DURKHEIM 2007 p 4 Embora os fatos sociais sejam exteriores eles são inter nalizados pelos indivíduos e exercem sobre eles uma obrigato riedade comportamental Nesse sentido segundo As regras do método sociológico os fatos sociais precisam possuir três carac terísticas básicas que discutiremos a seguir Coercitividade A coercitividade é a força exercida sobre os indivíduos que os obriga por meio do constrangimento ou da lei a seguir um 166 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER determinado comportamento estabelecido normas valores re gras etc Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são ex teriores ao indivíduo como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele quer ele queira quer não DURKHEIM 2007 p 2 A coercitividade dos fatos sociais pode se manifestar tan to por coerções legais leis e normas estabelecidas prescritas pelo Direito ou por meio de coerções espontâneas No primei ro caso o indivíduo é forçado a se comportar de uma determi nada forma por obrigatoriedade da lei que define a infração e caso ela tenha acontecido prescreve uma punição equivalente como acontece por exemplo com multas de trânsito No segun do caso o indivíduo é forçado a se comportar daquele modo por conta de um constrangimento social como ocorre por exem plo com os olhares de reprovação a uma pessoa que está com uma roupa inadequada para um certo local Se tento violar as regras do direito elas reagem contra mim para impedir meu ato se estiver em tempo ou para anulálo e restabelecêlo em sua forma normal se tiver sido efetuado e for reparável ou para fazer com que eu o expie se não puder ser reparado de outro modo Em se tratando de máximas pu ramente morais a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos ci dadãos e das penas especiais de que dispõe DURKHEIM 2007 p 23 Embora nem sempre as coerções espontâneas sejam per cebidas pelos indivíduos elas têm contudo o poder de conduzir o infrator para um comportamento esperado Não são previstas por lei mas isso não significa que sejam menos coercitivas As respostas de negação ou constrangimento da sociedade por ve zes são mais intimidadoras do que a lei Nesses casos 167 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a coerção é menos violenta mas não deixa de existir Se não me submeto às convenções do mundo se ao vestirme não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe o riso que provoco o afastamento em rela ção a mim produzem embora de maneira mais atenuada os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita Ademais a coerção mesmo sendo apenas indireta continua sendo eficaz DURKHEIM 2007 p 3 Exterioridade A exterioridade está relacionada a padrões exteriores aos indivíduos e que por isso existem independentemente de suas vontades ou adesões conscientes Ao nascer o indivíduo já é in serido em um contexto de inúmeras regras leis e normas que é coagido a aceitar para fazer parte da família e da sociedade Inde pendentemente de gostar ou não das regras impostas elas con tinuarão a existir mesmo sem o seu consentimento Como exem plo disso temos os papeis sociais aprendidos pela educação Quando desempenho minha tarefa de irmão de marido ou de cidadão quando executo os compromissos que assumi eu cum pro deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos no direito e nos costumes Do mesmo modo as crenças e as práticas de sua vida religiosa o fiel as encontrou inteiramente prontas ao nascer se elas existiam antes dele é que existem fora dele Eis aí portanto maneiras de agir de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais DURKHEIM 2007 p 12 Isso demonstra que o fato social é externo e separado das vontades pessoais uma vez que ele existe anteriormente a qual quer consentimento individual Mesmo que a pessoa de fato aceite colocar em prática um determinado padrão social ainda 168 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER assim ele é independente e externo porque precede a qualquer juízo de valor ou aceitação Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos pró prios e que eu sinta interiormente a realidade deles esta não deixa de ser objetiva pois não fui eu que os fiz mas os recebi pela educação O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas os instrumentos de crédito que uti lizo em minhas relações comerciais as práticas observadas em minha profissão etc funcionam independentemente do uso que faço deles DURKHEIM 2007 p 2 Generalidade Tal característica diz respeito a situações e fatos que são realizados coletivamente e que são comuns a todos os membros de um grupo ou de sua maioria Por isso além de serem coer civos e externos os fatos sociais precisam também ser gerais isto é envolver os hábitos de muitos indivíduos bem como se difundir e se repetir de maneira satisfatória e assídua Um pensamento que se encontra em todas as consciências par ticulares um movimento que todos os indivíduos repetem nem por isso são fatos sociais Se se contentaram com esse caráter para definilos é que os confundiram erradamente com o que se poderia chamar de suas encarnações individuais O que os constitui são as crenças as tendências e as práticas do grupo tomado coletivamente DURKHEIM 2007 p 67 Observe a tira de Mafalda na Figura 3 e perceba a ocor rência do fato social em suas três características coercitividade exterioridade e generalidade 169 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Fonte Quino 2003 p 4 Figura 3 Fato social Como observado não é o grupo por si mesmo que carac teriza a generalidade de um fato social mas sim a forma como determinadas ações coletivas por conta de sua repetitividade ganham força por si mesmas consolidandose como hábitos co muns frequentes e determinantes para as práticas de um gru po Portanto existe aqui uma diferença entre ações individuais que ocorrem em grupo e ações intrinsecamente realizadas pelo grupo Algumas dessas maneiras de agir ou de pensar adquirem por causa da repetição uma espécie de consistência que as preci pita por assim dizer e as isola dos acontecimentos particula res que as refletem Elas assumem assim um corpo uma forma sensível que lhes é própria e constituem uma realidade sui ge neris muito distinta dos fatos individuais que a manifestam O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina mas se exprime de uma vez por todas numa fórmula que se repete de boca em boca que se transmite pela educação que se fixa através da escrita Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas aplicações que os particulares fazem delas já que elas podem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas DURKHEIM 2007 p 7 170 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Segundo Durkheim a frequência com que um determina do fato social ocorre na sociedade indica o seu grau de importân cia e urgência para a pesquisa É justamente porque não se apre sentam como casos isolados mas como ocorrências gerais de uma determinada coletividade que os fatos sociais podem ser pesquisados e observados com o auxílio de estatísticas e outras ferramentas de pesquisa sejam decorrentes de padrões gerais interiorizados ou de comportamentos coletivos exteriorizados As regras do método sociológico Além de apresentar as características dos fatos sociais Dur kheim também desenvolveu uma metodologia específica para a pesquisa desses fenômenos sociais Seguindo uma tradição car tesiana e positivista sustenta a necessidade de se manter certa distância e neutralidade diante do objeto pesquisado Tratase portanto de uma condição para a prática de uma ciência autô noma e objetiva Para Durkheim a Sociologia não deveria ser uma filosofia da história preocupada em descobrir as leis gerais que orientam o progresso da humanidade muito menos uma espécie de me tafísica capaz de determinar a natureza da sociedade Pelo con trário a Sociologia precisa ser uma ciência autônoma objetiva e diferentes de todas as outras REALE ANTISERE 2007 p 355 No entanto para que ela possa se transformar em uma ciência autônoma o autor sente a necessidade de especificar também as regras do método sociológico O ponto de partida da análise do método em Durkheim consiste em um diagnóstico das teorias sociológicas preceden tes em vez de se voltarem para a materialidade do objeto social fatos sociais preferiram configurálo a partir de especulações 171 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER subjetivas Ou seja os sociólogos precedentes pecaram por se manterem no campo dos conceitos e não no das coisas Em seu livro As regras do método sociológico afirma o seguinte Até o presente a sociologia tratou mais ou menos exclusiva mente não de coisas mas de conceitos Comte é verdade pro clamou que os fenômenos sociais são fatos naturais submissos a leis naturais Deste modo ele implicitamente reconheceu seu caráter de coisas pois na natureza só existem coisas Mas quando saindo dessas generalidades filosóficas ele tenta apli car seu princípio e extrair a ciência nele contida são ideias que ele toma por objeto de estudo Com efeito o que faz a ma téria principal de sua sociologia é o progresso da humanidade no tempo Ora supondo que essa evolução exista só se pode fazer dessa evolução o objeto mesmo da pesquisa se ela for colocada como uma concepção do espírito não como uma coisa E de fato é tão claro que se trata de uma repre sentação inteiramente subjetiva que na prática esse progresso da humanidade não existe O que existe a única coisa dada à observação são sociedades particulares que nascem se desen volvem e morrem independentemente umas das outras DUR KHEIM 2007 p 1920 Portanto o pressuposto fundamental para o tratamento metodológico da Sociologia é considerar os fatos sociais como coisas DURKHEIM 2007 p 15 Isto é da mesma forma como acontece nas Ciências Naturais o cientista social precisa captar a regularidade dos fenômenos sociais sem alterála ou distorcê la com relação aos seus valores preconceitos e interesses pes soais é preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos separados dos sujeitos conscientes que os concebem DURKHEIM 2007 p 28 Por serem fatos sociais Durkheim os encara como coisas exteriores e passíveis de serem observadas e medidas objetiva mente Para preservar as condições da observação sociológica 172 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER o autor apresenta três regras pelas quais os fatos sociais podem ser pesquisados com segurança Desfazerse das noções préconcebidas é preciso descartar sistematicamente todas as prenoções DUR KHEIM 2007 p 32 Para Durkheim essa é a regra bási ca da ciência pois a objetividade da pesquisa depende acima de tudo de que ideias e interesses extracientífi cos interfiram no procedimento científico A dúvida me tódica de Descartes e a destruição dos ídolos em Bacon já afirmavam a necessidade do cientista social se man ter neutro perante o objeto pesquisado Definir as bases referenciais do objeto de pesquisa jamais tomar por objeto de pesquisas senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos carac teres exteriores que lhes são comuns e compreender na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa definição DURKHEIM 2007 p 36 Ou seja o método sociológico precisa definir rigorosamente o objeto que se pretende pesquisar e utilizálo como referência para análise de todos os fenômenos que apresentem carac terísticas comuns Por exemplo ao definir o agrupamento familiar como objeto de pesquisa o cientista social precisa utilizarse dos mesmos critérios referenciais independentemen te da modalidade familiar tribal maternal patriarcal monoparental etc Ao eleger a família patriarcal como modelo e a partir dela analisar comparativamente as outras são alterados os pressupostos de observação para a análise das famílias não patriarcais Não analisar os fatos sociais a partir de manifestações individuais quando portanto o sociólogo empreende 173 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais ele deve esforçarse em considerálos por um lado em que estes se apresentem isolados de suas manifesta ções individuais DURKHEIM 2007 p 46 Tanto a ciência como o senso comum admitem as sen sações como ponto de partida no entanto como as sensações são subjetivas e facilmente confundidas para Durkheim os fatos sociais serão mais bem repre sentados objetivamente quanto mais estiverem livres ou separados dos fatos individuais que os manifestam Se quisermos seguir uma via metódica é preciso abordar o reino social pelos lados onde ele mais se abre à investigação científica DURKHEIM 2007 p 47 isto é pela via da objetividade dos fatos sociais A normalidade ou a patologia dos fatos sociais Para o pensamento de Durkheim a Sociologia não tem como finalidade apenas explicar os fenômenos sociais enquanto objeto e método científico mas também propor soluções e ofe recer remédios para problemas reais que afetariam a saúde da sociedade como um todo Como já observado Durkheim leva em consideração um método funcionalista que compreende a sociedade como um todo organizado ou seja como uma espé cie de organismo no caso social Desse modo assim como em todo organismo biológico a sociedade também pode apresentar estados normais e patológicos DURKHEIM 1999 2007 Todo fenômeno sociológico assim como de resto todo fe nômeno biológico é suscetível de assumir formas diferentes conforme os casos embora permaneça essencialmente ele próprio Ora essas formas podem ser de duas espécies Umas são gerais em toda a extensão da espécie Há outras ao 174 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER contrário que são excepcionais elas não apenas se verificam só na minoria mas também acontece que lá mesmo onde elas se produzem muito frequentemente não duram toda a vida do indivíduo Estamos pois em presença de duas variedades distintas de fenômenos que devem ser designadas por termos diferentes Chamaremos normais os fatos que apresentam as formas mais gerais e daremos aos outros o nome de mórbidos ou patológicos DURKHEIM 2007 p 58 Estado normal Considerase como normal aquele fato social que já se encontra generalizado pela sociedade e por isso desempenha alguma função importante seja para evolução ou para adapta ção da vida social Nesse sentido para o autor a recorrência e a generalidade de um fato social implicam necessariamente uma funcionalidade social Ou seja a finalidade de um fato social im pacta diretamente o consenso coletivo de sua função A função de um fato social não pode ser senão social isto é ela consiste na produção de efeitos socialmente úteis Certamente pode ocorrer e acontece de fato que por via indireta o fato social sirva também ao indivíduo Mas esse resultado feliz não é sua razão de ser imediata Podemos portanto completar a pro posição precedente dizendo A função de um fato social deve sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim social DURKHEIM 2007 p 112 A generalidade de um fato social portanto apresentase como o pressuposto de sua normalidade Isso quer dizer que se considera como normal aquele fato social que é resultado do consenso coletivo e desse modo contribui para a manutenção e harmonia da sociedade Para que a sociologia seja realmente uma ciência de coisas é preciso que a generalidade dos fenôme 175 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER nos seja tomada como critério de sua normalidade DURKHEIM 2007 p 75 Se um fenômeno social mesmo envolto de protestos ain da se mantém de acordo com os critérios de sua origem então há um fato social normal no entanto se tal fenômeno já não corresponde mais às motivações que o causaram e por sua vez não cumpre mais com a harmonia e coesão social então tornase patológico DURKHEIM 2007 Estado patológico Considerase como patológico aquele fato social que põe em risco a harmonia o acordo e o consenso coletivo e por isso se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente Nesse sentido por serem excepcionais temporá rios e observados apenas em uma minoria os fatos patológicos não são consensuais DURKHEIM 2007 Todavia devese notar que o normal ou o patológico não está relacionado à aceitação individual mas ao consenso de uma espécie de consciência coletiva A sociedade é algo externo maior e anterior aos indivíduos Ou seja embora a sociedade seja composta por consciências individuais observase que em todo e qualquer grupo existem formas padronizadas de conduta e pensamento formando assim o tipo psíquico da sociedade DURKHEIM 2007 Há em nós duas consciências uma contém apenas estados que são pessoais a cada um de nós e nos caracterizam ao passo que os estados que a outra compreende são comuns a toda a sociedade A primeira representa apenas nossa personalidade individual e a constitui a segunda representa o tipo coletivo e por conseguinte a sociedade sem a qual ele não existiria DUR KHEIM 1999 p 79 176 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER É a partir dessa consciência coletiva que nada mais é do que a moral vigente que se formarão os critérios delineadores do certo e do errado do moral e do imoral do justo e do criminoso A consciência moral da sociedade se manifes taria por inteiro em todos os indivíduos e com uma vitalidade suficiente para impedir todo ato que a ofendesse tanto as faltas puramente morais como os crimes DURKHEIM 2007 p 70 Não é porque um fato é reprovável que se poderá classificálo como patológico Pelo contrário o crime por exem plo é um fato social considerado normal para Durkheim e isso decorre de dois motivos por conta da sua generalidade ou seja por causa da sua ocorrência em toda e qualquer sociedade o crime é normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta seria inteiramente impossível DURKHEIM 2007 68 por conta da maneira como ele agrega e condiciona os comportamentos das pessoas a determinados valores preestabelecidos uma vez que ao punir o criminoso os integrantes da coletividade reforçam e renovam seus princípios Assim O crime não se observa apenas na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie mas em todas as sociedades de to dos os tipos Não há nenhuma onde não exista uma criminali dade Esta muda de forma os atos assim qualificados não são os mesmos em toda parte mas sempre e em toda parte houve homens que se conduziram de maneira a atrair sobre si a re pressão penal DURKHEIM 2007 6667 Isso não quer dizer que Durkheim aceite o crime como algo positivo mas sim que ele possui uma função social passível de ser pesquisada de forma quantitativa e estatística Esse aspecto retoma uma exigência metodológica já mencionada os fatos so 177 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER ciais por serem normais precisam ser estudados de forma neu tra por parte do sociólogo e não amparados por qualquer tipo de julgamento de valor A divisão do trabalho social As reflexões de Durkheim como já mencionado não fica ram no vazio da cientificidade mas refletiram sobre os dilemas concretos da sociedade Na obra Da divisão do trabalho social ele promove uma análise do desenvolvimento das sociedades até o seu pleno estado capitalista Já apresentamos em outros momentos o quanto a Revo lução Industrial impulsionou a produção e renovou os meios de produção também comentamos o quanto a Revolução Francesa implodiu as bases da velha estratificação feudal dominada pela nobreza O aumento da livreiniciativa e do comércio se expandia de forma rápida Com isso em meados do século 19 Durkheim começou questionar de que forma a sociedade capitalista tão heterogênea e cada vez mais voltada para a especialização das funções poderia garantir algum tipo de coesão social Ou seja como seria possível uma sociedade formada por indivíduos tão diferentes ser integrada socialmente DURKHEIM 1999 Durkheim chegou à conclusão de que o fundamento para a coesão social nas sociedades capitalistas estaria naquilo que lhe é propriamente específico a noção de divisão do trabalho e especialização das funções A divisão do trabalho não serviria apenas para dotar nos sas sociedades de luxo invejável talvez mas supérfluo ela se ria uma condição de existência da sociedade Graças à divisão do trabalho ou pelo menos por seu intermédio se garantiria a coesão social ela determinaria os traços essenciais da cons tituição da sociedade Por isso mesmo caso seja essa real 178 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER mente a função da divisão do trabalho ela deve ter um caráter moral porque as necessidades de ordem de harmonia e de solidariedade social são geralmente consideradas morais DUR KHEIM 2000 p 66 Durkheim observou que em sociedades com uma divisão do trabalho menos desenvolvida como a feudal os indivíduos cumpriam as mesmas funções e por isso não dependiam tanto uns dos outros sendo semelhantes entre si Como a coesão so cial não poderia ser garantida pela interdependência funcional restou a crença e a repressão da consciência como fatores de unidade social DURKHEIM 1999 Figura 4 Solidariedade e consciência Diferentemente desse tipo de coesão social numa socie dade com a divisão do trabalho mais desenvolvida predomina ria uma dinâmica de coesão social baseada na interdependência funcional uma vez que uma função dependeria de outra para o aumento da produtividade Assim quanto mais diferenciados são os indivíduos passam cada vez mais a depender uns dos ou tros Como admite Spencer para que a sociedade possa formar se nessa hipótese é necessário que as unidades primitivas pas sem do estado de independência perfeita ao de dependência mútua DURKHEIM 1999 p 279 179 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Como a sociedade é distinta e maior do que a soma dos indivíduos que a compõem as normas e padrões sociais tendem a determinar as condutas individuais Esse conjunto de relações entre os indivíduos confere a cada sociedade um determinado tipo de coesão social Durkheim chamou tal coesão de solida riedade social É preciso determinar sobretudo em que medida a solidarie dade que ela produz contribui para a integração geral da so ciedade pois somente então saberemos até que ponto essa solidariedade é necessária se é um fator essencial da coesão social ou então ao contrário se nada mais é que uma condição acessória e secundária DURKHEIM 1999 p 30 Com o objetivo de compreender esses modos históricos de coesão social presentes em seus processos de desenvolvimen to Durkheim estabeleceu uma distinção entre duas formas de socialização solidariedade mecânica e solidariedade orgânica Vejamos ambas em detalhe Solidariedade mecânica Segundo Durkheim tratase daquela solidariedade que predominava nas sociedades précapitalistas Nesse tipo de so lidariedade como o nível de divisão do trabalho era baixo o elo de coesão entre os indivíduos ocorria por meio da família da re ligião da tradição e dos costumes permanecendo independen tes e autônomos em relação à divisão do trabalho Como a interdependência mútua não existe pelo fato de os indivíduos exercerem as mesmas funções a estrutura social passa a ser regulada unicamente por uma autoridade moral co letiva consciência coletiva que exerce o seu poder de coerção 180 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER sobre os indivíduos Há aqui um processo que desenvolve por tanto uma heteronomia pessoal Não só de maneira geral a solidariedade mecânica liga os homens menos fortemente do que a solidariedade orgânica como também à medida que avançamos na evolução social ela vai se afrouxando cada vez mais DURKHEIM 1999 p 133 Solidariedade orgânica De acordo com Durkheim seria aquela solidariedade típica das sociedades capitalistas as quais por meio da especialização e divisão do trabalho tornariam os indivíduos mais interdepen dentes A solidariedade depende estreitamente da atividade funcional das partes especializadas DURKHEIM 1999 p 410 É justamente essa interdependência que garante uma coesão social maior substituindo assim os costumes tradições e laços consanguíneos Aqui pois a individualidade do todo aumenta ao mesmo tem po que a das partes a sociedade tornase mais capaz de se mo ver em conjunto ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos próprios Essa solidariedade se assemelha a que observamos entre os animais superiores De fato cada órgão aí tem sua fisionomia especial sua autono mia e contudo a unidade do organismo é tanto maior quan to mais acentuada essa individuação das partes Devido a essa analogia propomos chamar de orgânica a solidariedade devida à divisão do trabalho DURKHEIM 1999 p 108109 Enquanto nas sociedades précapitalistas a consciência coletiva está totalmente direcionada para a coerção dos indiví duos uma vez que a falta de especialização das funções faz com que os indivíduos dependam menos uns dos outros nas socie dades capitalistas a consciência coletiva se afrouxa permitindo assim o desenvolvimento de uma maior autonomia pessoal 181 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Portanto a diferenciação social entre os trabalhadores divisão do trabalho levou ao mesmo tempo a um projeto de adensamento social no qual as partes passaram a depender mais umas das outras do que da coação moral da consciência coletiva Bem diverso da solidariedade mecânica é o caso da solidarie dade produzida pela divisão do trabalho Enquanto a preceden te implica que os indivíduos se assemelham esta supõe que eles diferem uns dos outros A primeira só é possível na medida em que a personalidade individual é absorvida na personali dade coletiva a segunda só é possível se cada um tiver uma esfera de ação própria por conseguinte uma personalidade É necessário pois que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual para que nela se estabe leçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar e quanto mais essa região é extensa mais forte é a coesão que resulta dessa solidariedade DURKHEIM 1999 p 108 Os grupos funcionais e as especializações profissionais tornamse para o autor uma parte imprescindível para a com preensão da estratificação social bem como meios positivos para a questão da sociabilidade funcional interdependência Até mesmo as classes sociais tanto a dos trabalhadores como a dos capitalistas se diferenciam na medida em que cumprem suas funções com relação à divisão do trabalho social Enfim a divisão do trabalho não é compreendida apenas como um modo de organização social voltado para a potencia lização da produtividade como no caso de Adam Smith mas também como um canal de sociabilidade entre os indivíduos en tre si e aproximação dos próprios indivíduos aos padrões estabe lecidos pela moralidade coletiva Portanto podese dizer que a divisão do trabalho é princí pio geral fundamental que motiva a proposta sociológica de Dur 182 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER kheim Em torno dele o autor constrói as bases para uma aná lise acerca do desenvolvimento das sociedades anteriores até o capitalismo e suas respectivas formas de solidariedade coesão social O suicídio egoísta altruísta e anômico Durkheim considera como positivo o processo histórico de divisão do trabalho e especialização das funções uma vez que por meio desse fenômeno a coletividade progrediu de uma soli dariedade mecânica para a orgânica Com isso o autor conseguiu legitimar a existência de uma coesão e uma moralidade social dentro do contexto das sociedades industriais No entanto seu pensamento sociológico também observa elementos de insatis fação especialmente ao abordar a temática do suicídio Na obra O suicídio Durkheim analisou com detalhes esse fenômeno e constatou que este reúne todas as características de um fato social pois além de se fazer presente em toda e qual quer sociedade generalidade apresenta elementos totalmente independentes daquelas motivações pessoais do suicida exte rioridade os quais determinam para os indivíduos as predispo sições psicológicas e sociais que fazem com que o suicida reco nheça a necessidade do suicídio coercitividade Cada um deles realiza seu ato separadamente sem saber que outros fazem o mesmo por seu lado no entanto enquanto a sociedade não muda o número de suicidas é o mesmo Por tanto todas essas manifestações individuais por mais que pareçam independentes umas das outras na verdade devem ser produto de uma mesma causa ou de um mesmo grupo de causas que dominam os indivíduos DURKHEIM 2000 p 391 183 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Essa interpretação de Durkheim propõe uma nova maneira de investigar o suicídio diferentemente da análise conclusiva de outros estudos e teorias Vejamos algumas características Um método de abordagem o tema suicídio não era novidade na época de Durkheim desde o século 17 esse tema vinha sendo estudado porém como objeto moral e não sociológico DURKHEIM 2000 A definição das causas o suicídio era normalmente vin culado a causas particulares relacionadas a tempera mento caráter ou outras condições específicas e não a partir de causas coletivas DURKHEIM 2000 Nesse sentido segundo Durkheim o interesse da Sociolo gia pelo suicídio decorre justamente daquilo que é comum aos suicidas independentemente da sociedade espaço e do perío do tempo O principal objetivo de Durkheim é analisar o suicí dio sociologicamente ou seja explicar a soma de todos os suicí dios em um dado espaço e tempo em termos sociológicos e não por motivações pessoais e autodestrutivas O critério do autor se encontra nas estruturas sociais e não nas razões individuais Se em vez de enxergálos apenas como acontecimentos par ticulares isolados uns dos outros e cada um exigindo um exa me à parte considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante uma determinada uni dade de tempo constataremos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes uma coleção mas que constitui por si mesmo um fato novo e sui generis pe culiar único que tem sua unidade e sua individualidade por conseguinte sua natureza própria e que além do mais essa natureza é eminentemente social DURKHEIM 2000 p 17 Com isso ao analisar a regularidade das taxas de suicídio na França Prússia Inglaterra Saxônia Baviera Dinamarca entre 184 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1841 a 1872 Durkheim concluiu uma invariabilidade de resulta dos para uma mesma sociedade desde que a observação não abranja um período por demais extenso esse número é quase invariável DURKHEIM 2000 p 17 Isso caracteriza para o au tor um fato específico para cada sociedade Cada sociedade tem portanto em cada momento de sua história uma disposi ção definida para o suicídio DURKHEIM 2000 p 19 Será a partir dessa taxa constante e determinada presente em cada sociedade e em determinados períodos que Durkheim enfim expressará a real dimensão sociológica contida no fenô meno do suicídio delimitando assim o seu objeto e método de pesquisa Nossa intenção não é portanto fazer o inventário mais comple to possível de todas as condições que possam entrar na gêne se dos suicídios particulares mas apenas pesquisar aquelas de que depende o fato definido que chamamos de taxa social de suicídios DURKHEIM 2000 p 24 E mais adiante completa Entre os fatores dos suicídios os únicos que lhe concernem isto é ao sociólogo são os que fazem sentir sua ação sobre o conjunto da sociedade A taxa de suicídios é o produto desses fatores Por isso devemos nos deter nelas O fenômeno que se trata de explicar só pode ser devido a causas extrasociais de grande generalidade ou a causas propriamente sociais DUR KHEIM 2000 p 25 Como já observado de acordo com Durkheim o suicídio precisa ser compreendido a partir do processo de integração e regulação que a coletividade promove no indivíduo Ou melhor Durkheim deseja mostrar que as motivações do suicídio não vêm do indivíduo mas da maneira como o coletivo configura suas 185 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER normas de socialização a partir de duas deficiências pela falta ou excesso de integração e regulação social DURKHEIM 2000 Na tentativa de delimitar tais causas sociais excesso e fal tas do suicídio Durkheim distingue três modalidades sociais de suicídio independentemente da sociedade suicídio egoísta sui cídio altruísta e suicídio anômico Vejamos cada uma em detalhe Suicídio egoísta Para Durkheim o suicídio egoísta é aquele resultante de uma integração social frágil Ou seja nesse caso a falta de in tegração social levaria o indivíduo a buscar em si mesmo aquilo que não consegue mais obter na coletividade Ocorre portanto a perda dos princípios ou noções de integração social resultando no reconhecimento de regras de conduta apenas pessoais Mas a sociedade não pode desintegrarse sem que na mesma medida o indivíduo se desligue da vida social sem que seus fins próprios se tornem preponderantes sobre os fins comuns sem que sua personalidade em suma tenda a se colocar acima da personalidade coletiva Quanto mais os grupos a que per tence se enfraquecem menos o indivíduo depende deles e por conseguinte mais depende apenas de si mesmo para não reco nhecer outras regras de conduta que não as que se baseiam em seus interesses privados Se portanto conviermos chamar de egoísmo esse estado em que o eu individual se afirma excessi vamente diante do eu social e às expensas deste último pode remos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta de uma individuação descomedida DURKHEIM 2000 p 258259 De acordo com Durkheim esse tipo de suicídio é comum àquelas pessoas que pelo fato de terem uma ligação menor com o grupo ou instituições dispõem de meios e recursos pessoais para o enfrentamento das crises Para provar essa hipótese Dur 186 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER kheim analisou taxas de suicídios de diferentes lugares comuni dades religiosas famílias agrupamentos profissionais e consta tou que por exemplo no caso das confissões religiosas dentre judeus católicos e protestantes o último grupo foi que apresen tou uma taxa maior de suicídio Por quê Segundo o autor de to das as religiões a protestante é a que mais conserva o chamado individualismo religioso com relação à crença e à hierarquia Tudo o que é variação horroriza o pensamento católico O pro testante é mais autor de sua crença A Bíblia é colocada em suas mãos e nenhuma interpretação lhe é imposta A própria estru tura do culto reformado torna perceptível essa condição de in dividualismo religioso Em nenhum lugar salvo na Inglaterra o clero protestante é hierarquizado o sacerdote só depende de si mesmo e de sua consciência assim como o fiel DURKHEIM 2000 p 185186 Notase que o protestantismo segundo a teoria de Dur kheim possui um livreexame maior da própria crença efeito por sua vez de uma outra causa a falência das crenças tradicio nais DURKHEIM 2000 p 186 Logo o suicídio egoísta ocorre rá na medida que a integração social enfraquecer chegamos portanto à seguinte conclusão geral o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indiví duo faz parte DURKHEIM 2000 p 258 Suicídio altruísta Segundo Durkheim o suicídio altruísta resulta de uma for te integração social Se a causa do suicídio egoísta era a falta de integração social no caso do altruísta o problema é inverso de corre do excesso de integração social Ou seja esse tipo de suicí dio ocorre no interior de grupos coesos nos quais se consideram 187 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER os fins coletivos como superiores aos fins individuais As ações individuais são legítimas somente em função da coletividade A sociedade portanto pesa sobre o indivíduo para leválo a se destruir Assim é em vista de fins sociais que a sociedade impõe esse sacrifício Se o cliente não deve sobreviver a seu chefe ou o servidor a seu príncipe é porque a constituição da sociedade implica entre os vassalos e seus patrões entre os ofi ciais e o rei uma dependência tão íntima que exclui qualquer ideia de separação DURKHEIM 2000 p 273 Esse tipo de suicídio é comum em pessoas que promovem uma absoluta identificação do seu eu com o coletivo a ponto de não mais se considerar como sujeito para além daquilo que o grupo lhe permitiu ser Logo o fundamento de sua existência e conduta vem de fora isto é do grupo do qual participa como é o caso por exemplo de algumas viúvas indianas que aceitam ser queimadas junto com seus maridos ou de idosos de algu mas tribos que aceitam tirar a própria vida para evitar ser um peso para a comunidade Caso semelhante pode ser encontrado também no ritual do haraquiri ou sepukku próprio da cultura japonesa no qual o samurai diante de sua desonra prefere tirar a própria vida do que vivêla de maneira envergonhada Outro exemplo também pode ser identificado no caso de Edward John Smith 18501912 o comandante do navio Titanic que segun do as lendas literárias e biográficas preferiu morrer exercendo a sua função até o fim do que salvar a própria vida Diz Durkheim Em todos esses casos se o homem se mata não é porque se ar roga o direito mas o que é bem diferente porque tem o dever Quando falta a essa obrigação é punido com a desonra e tam bém na maioria das vezes por castigos religiosos Sem dúvida quando nos falam de velhos que se matam num primeiro mo mento somos levados a acreditar que a causa esteja no cansaço ou nos sofrimentos comuns nessa idade Mas se na verdade esses suicídios não tivessem outra origem se o indivíduo se 188 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER matasse unicamente para se desvencilhar de uma vida insupor tável não seria obrigado a fazêlo DURKHEIM 2000 p 272 Suicídio anômico Para o autor o suicídio anômico está relacionado à fraca regulação exercida pela sociedade A anomia do grego a no mos que significa privado de leis diz respeito a uma situação social na qual as leis ou as normas coletivas não são mais eficazes para a regulação da vida dos indivíduos Na anomia os indiví duos perdem portanto as suas referências sociais e por isso decepcionamse com a coletividade resultando em atentados contra a própria vida É preciso que uma força reguladora desempenhe para as necessidades morais o mesmo papel que o organismo para as necessidades físicas Isso significa que essa força só pode ser moral Os homens não consentiriam em limitar seus dese jos se se julgassem no direito de ultrapassar o limite que lhes é designado Só que eles não podem ditar a si mesmos essa lei de justiça pelas razões que mencionamos Portanto devem recebêla de uma autoridade que respeitem e diante da qual se inclinem espontaneamente Só a sociedade seja diretamente e em seu conjunto seja por intermédio de um de seus órgãos está em condições de desempenhar esse papel moderador pois ela é o único poder moral superior ao indivíduo e cuja su perioridade este último aceita DURKHEIM 2000 p 315 Segundo Durkheim a taxa desse tipo de suicídio por exemplo aumenta significativamente em períodos de grandes crises econômicas ou contraditoriamente em momentos de rápida prosperidade Para ilustrar a tese de Durkheim sobre o aumento de suicídios em épocas de crise financeira podemos lembrar da Quebra da Bolsa de Valores em 24 de outubro de 1929 Nessa ocasião milhões em títulos foram desvalorizados e 189 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER inúmeras fortunas desapareceram em questão de poucas horas Historiadores e estudiosos relatam a ocorrência de numerosos casos de suicídio nesses dias Enfim independentemente das causas o fato é que em tais momentos a sociedade se considera incapaz de administrar os desejos individuais gerando assim um desregramento total ou parcial da moral Nos casos de desastres econômicos produzse como que uma desclassificação que empurra bruscamente certos indivíduos para uma situação inferior à que ocupavam até então O resultado é que eles não se ajustam à condição que lhes cabe e que sua própria perspectiva lhes é insuportável daí os sofri mentos que os fazem desapegarse de uma existência reduzida antes mesmo que a tenham experimentado DURKHEIM 2000 p 320 Durkheim também menciona muito rapidamente ape nas em nota de rodapé a existência de um quarto tipo de sui cídio o fatalista Suicídio fatalista Assim como o suicídio egoísta por falta de integração so cial se opõe totalmente ao suicídio altruísta por excesso de in tegração social segundo Durkheim parece existir também po rém nas devidas proporções um outro tipo de suicídio oposto ao anômico chamado pelo autor de fatalista Suas diferenças são perceptíveis enquanto o suicídio anômico se caracteriza pela falta de regulação dos padrões morais o fatalista estaria re lacionado ao excesso de alguma regulação moral praticada pelo indivíduo Ou seja a rigidez e inflexibilidade das normas morais podem em algumas situações causar desconfortos pessoais que motivam inclusive a prática do suicídio 190 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Há um tipo de suicídio que se opõe ao suicídio anômico tal como o suicídio egoísta e o suicídio altruísta opõemse um ao outro É aquele que resulta de um excesso de regulamentação aquele cometido pelos indivíduos cujo futuro está implacavelmente barrado cujas paixões são violentamente reprimidas por uma disciplina opressiva É o suicídio dos homens casados muito jovens da mulher casada sem filhos DURKHEIM 2000 p 353 No entanto pelo fato de ter pouca importância já no sé culo 19 bem como pela dificuldade em encontrar exemplos re correntes Durkheim considera a utilidade desse tipo de suicídio apenas como de valor histórico Para evidenciar esse caráter inevitável e inflexível da regra segundo a qual nada se pode fazer e por oposição à expressão anomia que acabamos de empregar poderíamos chamálo de suicídio fatalista DURKHEIM 2000 p 353 Com o estudo sobre esse tema Durkheim pôde então co locar em prática a sua metodologia funcionalista principalmente ao tentar descrever o suicídio como algo exterior ao suicida Por conta dessas observações podese reconhecer Émile Durkheim como o grande responsável pela autonomia da Sociologia en quanto ciência dos fatos sociais As leituras indicadas no Tópico 32 apresentam tanto as propostas metodológicas de Durkheim como também suas considerações acerca da divisão do trabalho social e de sua análise sociológica sobre o suicídio Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 191 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 3 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO Com o intuito de relembrar alguns conceitos básicos sobre o positivismo sociológico leia os seguintes artigos ALVES C Positivismo no século XIX Disponível em httpenfilneted1conteudoarchivesed001Clau diapdf Acesso em 19 nov 2019 COSTA J C Augusto Comte e as origens do Positi vismo Revista de História São Paulo Universidade de São Paulo v 1 n 3 p 363382 1950 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevhistoriaarticle view3486037598 Acesso em 19 nov 2019 LACERDA G B Augusto Comte e o Positivismo Re descobertos Revista de Sociologia e Política Curitiba v 17 n 34 p 319343 out 2009 Disponível em http 192 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER wwwscielobrpdfrsocpv17n34a21v17n34pdf Acesso em 19 nov 2019 Ainda sobre o pensamento de Augusto Comte estudamos as bases do método positivista e sua importância para o início da Sociologia Para conhecer mais sobre o assunto acesse BRANDÃO A R P A postura do Positivismo com rela ção às Ciências Humanas Theoria Revista Eletrônica de Filosofia v 03 n 6 p 80105 2011 Disponível em httpwwwtheoriacombredicao0611apostura dopositivismopdf Acesso em 19 nov 2019 SCHNEIDER S SCHMITT C J O uso do método compa rativo nas Ciências Sociais Cadernos de Sociologia Por to Alegre v 9 p 4987 1998 Disponível em http ncmoodlefgvbrcursoscentrorecdocsousome todocomparativopdf Acesso em 19 nov 2019 Os conceitos de estática e dinâmica social foram funda mentais para a sistematização da Sociologia como ciência autô noma Para aprofundar seus estudos nessa temática recomen damos os artigos BENOIT L O Comte leitor de Aristóteles considerações relativas à estática social positivista Revista Archai as origens do pensamento ocidental n 4 p 113120 jan 2010 Disponível em httpsdigitalisdspucptbits tream103162245051archai4artigo13pdf Aces so em 19 nov 2019 LACERDA G B Elementos estáticos da teoria política de Augusto Comte as pátrias e o poder temporal Revis ta de Sociologia e Política Curitiba 23 p 6378 nov 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocp n2324622pdf Acesso em 19 nov 2019 193 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Por fim também sugerimos o texto elencado a seguir para aprofundar sua leitura sobre a proposta da religião da humani dade de Augusto Comte AMORIM A M O projeto de uma ciência moral a re ligião em Auguste Comte Dissertação Mestrado em Ciências da Religião Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora 2007 Disponível em httpsreposi torioufjfbrjspuibitstreamufjf31911adrianamon ferrariamorimpdf Acesso em 19 nov 2019 32 ÉMILE DURKHEIM MÉTODO E PENSAMENTO Para complementar as leituras sobre Durkheim mais es pecificamente sobre as características do fato social e as regras do método sociológico sugerimos a leitura dos textos seguintes PAIS J M Das regras do método aos métodos des regrados Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 8 n 1 p 85111 maio 1996 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv8n101032070 ts08010085pdf Acesso em 19 nov 2019 VARES S F Os fatos e as coisas Émile Durkheim e a controversa noção de fato social Ponto e Vírgula São Paulo PUCSP n 20 p 104121 juldez 2016 Dispo nível em httpsrevistaspucspbrindexphppontoe virgulaarticleviewFile3116821605 Acesso em 19 nov 2019 Como observado a questão da divisão do trabalho social segundo Durkheim é fundamental para a compreensão de de terminados tipos de coesão e integração social Nesse sentido 194 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER com o intuito de aprofundar as temáticas da solidariedade me cânica e orgânica leia os artigos indicados a seguir ARAÚJO M S S Solidariedade social as ponderações de Émile Durkheim Revista de Políticas Públicas v 9 n 2 p 5170 juldez 2005 Disponível em httpwww periodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaar ticledownload37851876 Acesso em 19 nov 2019 VARES S F Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Émile Durkheim dois conceitos e um di lema Mediações Londrina v 18 n 2 p 148171 juldez 2013 Disponível em httpwwwuelbr revistasuelindexphpmediacoesarticledown load1731713807 Acesso em 19 nov 2019 Por fim os estudos de Durkheim acerca do suicídio foram essenciais para a aplicação de suas regras metodológicas de pes quisa social Para revisar os tipos de suicídio egoísta altruísta anômico e fatalista acesse NUNES E D O Suicídio reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX Cadernos de Saú de Pública Rio de Janeiro v 14 n 1 p 734 janmar 1998 Disponível em httpwwwscielobrpdfcsp v14n10199pdf Acesso em 19 nov 2019 TEIXEIRA R R Três fórmulas para compreender O suicídio de Durkheim Interface Comunicação Saú de Educação v 6 n 11 p 14352 ago 2002 Dis ponível em httpsrepositorioobservatoriodo cuidadoorgjspuibitstreamhandle1452icse S141432832002000200021pdf Acesso em 19 nov 2019 195 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 A Sociologia surgiu em um período em que o fazer científico encontrava se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século 19 Herbert Spencer Charles Darwin e Auguste Comte por exemplo tiveram grande importância para o pensamento sociológico O primeiro por apli car às Ciências Humanas o evolucionismo mesmo antes das teses revolu cionárias sobre a seleção das espécies do segundo Com relação a Comte houve a influência de seu espírito positivo na formação dos muitos inte lectuais do período Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pensamento sociológico podemos afirmar que a A ideia de progresso apesar de ter grande influência na área das Ciên cias Naturais não teve impacto decisivo na constituição da Sociologia b A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do período mas a Sociologia rejeitou a sua adoção assim como qualquer comparação entre seus efeitos no reino natural e no mundo social c A explicação sociológica procurou desde o seu início afastarse de qualquer forma de determinismos fossem biológicos ou geográficos pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista d Em sua busca por constituirse como disciplina a Sociologia passou pela valorização e incorporação dos métodos das ciências da nature za utilizando metáforas organicistas assim como conferindo ênfase à noção de função e Como tentativa de explicação da sistematização da Sociologia nos sé culos 14 e 15 tais autores buscaram refundar nas ciências um ideal renascentista de sociedade considerando o homem como artífice de si mesmo 2 Solidariedade orgânica e solidariedade mecânica são conceitos pro postos pelo sociólogo francês Émile Durkheim 18581917 para explicar a coesão social em diferentes tipos de sociedade De acordo com as teses desse estudioso nas sociedades ocidentais modernas prevalece a solida 196 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER riedade orgânica na qual os indivíduos se percebem diferentes embora dependentes uns dos outros A lógica do mercado capitalista entretanto baseada na competição individualista em busca do lucro pode corromper os vínculos de solidariedade que asseguram a coesão social e conduzir a uma situação de anomia De acordo com os postulados de Durkheim é correto dizer que o conceito de anomia indica a a necessidade de todos demonstrarem solidariedade com os mais necessitados b a condição na qual os indivíduos não se identificam como membros de um grupo que compartilha as mesmas regras e normas e têm dificulda des para distinguir por exemplo o certo do errado e o justo do injusto c uma situação na qual aqueles indivíduos portadores de um senso mo ral superior devem se colocar como líderes dos grupos dos quais fazem parte d o consumismo exacerbado das novas gerações representado pelo au mento do número de shopping centers nas cidades e a solidariedade que as pessoas demonstram quando entoam cantos nacionalistas e patrióticos em manifestações públicas como os jogos das seleções nacionais de futebol Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 d 2 b 3 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou a origem da Sociologia como área autônoma do pensamento A partir das contribuições de Augus 197 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER to Comte e Émile Durkheim a Sociologia e futuramente as Ciências Sociais conseguiu um estatuto próprio e um espaço específico para a pesquisa científica A preocupação de Comte em considerar a Sociologia nascente como uma Física Social apesar de restrita ao âmbito das Ciências Naturais foi de extre ma importância para a formulação do fato social de Durkheim Nesse sentido por ser uma temática de extrema importân cia para o surgimento das Ciências Sociais é fundamental que você complemente e aprofunde seus estudos por meio das refe rências bibliográficas citadas e das sugestões de leitura presen tes no Conteúdo Digital Integrador Esse aprofundamento será importante inclusive para a continuação do assunto nas duas próximas unidades que adentrarão na obra de dois outros au tores importantíssimos para as Ciências Sociais Karl Marx e Max Weber 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Augusto Comte Disponível em httpswwwinfoescolacombiografias augustecomte Acesso em 18 nov 2019 Figura 2 Émile Durkheim Disponível em httpsbrasilescolauolcombrsociologia durkheimfatosocialhtm Acesso em 18 nov 2019 Figura 4 Solidariedade e Consciência Disponível em httpsdigofreitascomhq outros18solidariedade Acesso em 19 nov 2019 Sites pesquisados ALVES C Positivismo no século XIX Disponível em httpenfilneted1conteudo archivesed001Claudiapdf Acesso em 19 nov 2019 198 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER AMORIM A M O projeto de uma ciência moral a religião em Auguste Comte Dissertação Mestrado em Ciências da Religião Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora 2007 Disponível em httpsrepositorioufjfbrjspuibitstream ufjf31911adrianamonferrariamorimpdf Acesso em 19 nov 2019 ARAÚJO M S S Solidariedade social as ponderações de Émile Durkheim Revista de Políticas Públicas v 9 n 2 p 5170 juldez 2005 Disponível em httpwww periodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaarticledownload37851876 Acesso em 19 nov 2019 BENOIT L O Comte leitor de Aristóteles considerações relativas à estática social positivista Revista Archai as origens do pensamento ocidental n 4 p 113120 jan 2010 Disponível em httpsdigitalisdspucptbitstream103162245051 archai4artigo13pdf Acesso em 19 nov 2019 BRANDÃO A R P A postura do Positivismo com relação às Ciências Humanas Theoria Revista Eletrônica de Filosofia v 03 n 6 p 80105 2011 Disponível em http wwwtheoriacombredicao0611aposturadopositivismopdf Acesso em 19 nov 2019 CANAL FILOSÓFICO O Positivismo de Auguste Comte 2016 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvHfLpQ16WauMt15s Acesso em 18 nov 2019 COSTA J C Augusto Comte e as origens do Positivismo Revista de História São Paulo Universidade de São Paulo v 1 n 3 p 363382 1950 Disponível em httpwww revistasuspbrrevhistoriaarticleview3486037598 Acesso em 19 nov 2019 FONSECA J G Positivismo de Auguste Comte 2018 Disponível em httpswww youtubecomwatchvnmhrKDKqgo Acesso em 18 nov 2019 FRONTEIRAS DO PENSAMENTO Alain de Botton Comte ordem e progresso 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvobNTlJS4WoU Acesso em 18 nov 2019 LACERDA G B Augusto Comte e o Positivismo Redescobertos Revista de Sociologia e Política Curitiba v 17 n 34 p 319343 out 2009 Disponível em httpwww scielobrpdfrsocpv17n34a21v17n34pdf Acesso em 19 nov 2019 Elementos estáticos da teoria política de Augusto Comte as pátrias e o poder temporal Revista de Sociologia e Política Curitiba 23 p 6378 nov 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocpn2324622pdf Acesso em 19 nov 2019 NUNES E D O Suicídio reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX Cadernos de Saúde Pública Rio de Janeiro v 14 n 1 p 734 janmar 1998 Disponível em httpwwwscielobrpdfcspv14n10199pdf Acesso em 19 nov 2019 199 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER PAIS J M Das regras do método aos métodos desregrados Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 8 n 1 p 85111 maio 1996 Disponível em http wwwscielobrpdftsv8n101032070ts08010085pdf Acesso em 19 nov 2019 PINHEIRO A Sociologia Émile Durkheim Parte 12 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvq67sUgkLSE Acesso em 18 nov 2019 Sociologia Émile Durkheim Parte 22 2015 Disponível em httpswww youtubecomwatchvHm1MnaT2GM Acesso em 18 nov 2019 PINHO A Durkheim Suicídio 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvwj3tdcqLaoA Acesso em 18 nov 2019 PINTO H A última religião Documentário sobre Positivismo no Brasil 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvaHpGcr1eMg Acesso em 18 nov 2019 RENNÓ P Émile Durkheim fatos sociais e suicídio 2018 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvLA8u46YUss Acesso em 18 nov 2019 SCHNEIDER S SCHMITT C J O uso do método comparativo nas Ciências Sociais Cadernos de Sociologia Porto Alegre v 9 p 4987 1998 Disponível em http ncmoodlefgvbrcursoscentrorecdocsousometodocomparativopdf Acesso em 19 nov 2019 SOCIOLOGIA ANIMADA Auguste Comte Lei dos três estados 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0bBUri0eC0 Acesso em 18 nov 2019 TEIXEIRA R R Três fórmulas para compreender O suicídio de Durkheim Interface Comunicação Saúde Educação v 6 n 11 p 14352 ago 2002 Disponível em httpsrepositorioobservatoriodocuidadoorgjspuibitstreamhandle1452icse S141432832002000200021pdf Acesso em 19 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Émile Durkheim Disponível em httpswww youtubecomwatchvSMaxxNEqk7U Acesso em 18 nov 2019 Na Íntegra Raquel Weiss Émile Durkheim Disponível em httpswww youtubecomwatchvBeK3FDEIy0 Acesso em 18 nov 2019 VARES S F Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Émile Durkheim dois conceitos e um dilema Mediações Londrina v 18 n 2 p 148171 juldez 2013 Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphpmediacoesarticle download1731713807 Acesso em 19 nov 2019 Os fatos e as coisas Émile Durkheim e a controversa noção de fato social Ponto e Vírgula São Paulo PUCSP n 20 p 104121 juldez 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphppontoevirgulaarticleviewFile3116821605 Acesso em 19 nov 2019 200 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON R As etapas do pensamento sociológico 3 ed São Paulo Martins Fontes 1993 BACON F Novum Organon verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza In Novum Organon Nova Atlântida Trad notas de José Aluysio Reis de Andrade São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores COMTE A Catecismo Positivista In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad Miguel Lemos São Paulo Abril Cultural 1978a p 117318 Os Pensadores Curso de filosofia positiva In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978b p 139 Os Pensadores Discurso sobre o Espírito Positivo In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978c p 4194 Os Pensadores Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978d p 95115 Os Pensadores Introdução Geral ao Estudo da Lógica ou Matemática Extraído da Síntese Subjetiva de Augusto Comte traduzido anotado por Luiz Bueno Horta Barbosa Rio de Janeiro Tipografia Jornal do Commercio 1933 Metodologia das Ciências Sociais In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983a p 73103 Sociologia conceitos gerais e surgimento In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983b p 5372 Sociologie texte choisis Paris Presses Universitaires de France 1957 System of Positive Polity London Longmans Green 1875a v 1 System of Positive Polity London Longmans Green 1875b v 2 System of Positive Polity London Longmans Green 1876 v 3 System of Positive Polity London Longmans Green 1877 v 4 201 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER DESCARTES R Discurso do método Trad Elza M Marcelina Brasília Editora UnB 1989 DURKHEIM É As regras do método sociológico Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 2007 Da divisão do trabalho social Trad Eduardo Brandão 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 O suicídio estudo de Sociologia Trad Monica Stahel São Paulo Martins Fontes 2000 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 QUINO Toda Mafalda da primeira à última tira São Paulo Martins Fontes 2003 REALE G ANTISERE D História da Filosofia do Romantismo ao Empiriocriticismo Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 5 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 203 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 203 UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Objetivos Apresentar as críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano aos eco nomistas clássicos ao socialismo utópico à esquerda hegeliana Compreender as bases filosóficas e sociológicas do materialismo histórico Refletir sobre os conceitos de meios de produção força produtiva modo de produção e relações de produção Contextualizar o materialismo dialético na obra de Marx Apresentar o capital e seu sistema de acumulação Compreender o comunismo e o significado da ditadura do proletariado Conceituar algumas insuficiências das categorias marxistas Conteúdos Críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano aos economistas clás sicos ao socialismo utópico à esquerda hegeliana Materialismo histórico infraestrutura e superestrutura Conceitos de meios de produção força produtiva modo de produção e relações de produção Materialismo dialético A luta de classes como motor da história As contradições presentes em cada modo de produção modelos escravis ta feudal e capitalista Valor de uso e valor de troca das mercadorias O trabalho como mercadoria Conceito de maisvalia e a lógica da acumulação de capital Governo do proletariado e modo de produção comunista Insuficiência de algumas categorias do marxismo Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite ao conteúdo desta obra Após conhecer o conteúdo des ta unidade leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie e aprofunde os temas abordados 2 Busque outras informações em sites confiáveis eou nas referências biblio gráficas apresentadas ao final de cada unidade Mantenha contato com seu tutor 3 A presente unidade leva em consideração um estudo específico sobre o pensamento de Karl Marx e não das centenas de interpretações feitas sobre esse autor na história Antes de tudo é preciso atentarse para o seguinte ponto o pensamento de Marx não se reduz aos socialismos de Estado aplicados pelas nações tipicamente rotuladas como comunistas Por isso antes da leitura tornase essencial colocar de lado as prénoções já existentes sobre marxismo e comunismo para que a sua leitura seja academicamente proveitosa 4 Para complementar os estudos da unidade sugerimos a leitura dos se guintes livros da Coleção Primeiros Passos O que é socialismo Arnaldo Spindel O que é comunismo Arnaldo Spindel O que é marxismo José Paulo Netto O que é capitalismo Afrânio Mendes Catani e Um toque de clássicos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira Por fim reco mendamos dois clássicos sobre o assunto A Revolução dos Bichos George Orwell e Germinal Émile Zola 205 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 5 Para complementar a unidade por meio da linguagem cinematográfica recomendamos alguns filmes Sobre o contexto da obra de Marx Capita lismo uma história de amor EUA 2009 Eles não usam blacktie Brasil 1981 A classe operária vai ao Paraíso Itália 1971 Tempos modernos EUA 1936 Os companheiros Itália 1963 Germinal França 1993 Peões Brasil 2004 O jovem Karl Marx França Alemanha Bélgica 2017 A revolução dos Bichos EUA 1999 Nós que aqui estamos por vós es peramos Brasil 1998 Sobre o contexto do marxismo na história Reds EUA 1981 O assassinato de Trotsky Itália 1974 Stalin EUA 1992 O encouraçado de Potemkin União Soviética 1925 A greve União Sovié tica 1925 6 Como material introdutório também sugerimos que você assista aos se guintes vídeos FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO Adam Smith e Karl Marx Liberalismo e Socialismo Globo Ciência Disponível em httpswwwyoutubecom watchvQOmFyRpTvFMt19s Acesso em 19 nov 2019 RAGO FILHO A A crítica do idealismo em Marx e Engels IV Curso Li vre MarxEngels 2014 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvjuhXSI3Jb7k Acesso em 19 nov 2019 GHIRALDELLI P Chega de ler Marx de modo errado Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvOhyvthbhvWU Acesso em 19 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Karl Marx Disponível em httpswww youtubecomwatchv2DmlHFtTplA Acesso em 19 nov 2019 PRADO E Curso O capital de Marx Aula 01 2017 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchv4uowkYMKs Acesso em 19 nov 2019 PAULANI L Curso O capital de Marx Aula 02 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvT9x0gFHuON4 Acesso em 19 nov 2019 CARCANHOLO M Curso O capital de Marx Aula 03 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv6JYKsqECnoI Acesso em 19 nov 2019 GRESPAN J Curso O capital de Marx Aula 4 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvuYgbuJB7Ckindex1listPLHiE8QPap5vQ kpEnx192YpqOnAdbSY2Cb Acesso em 19 nov 2019 206 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Ideologia em Marx Engels e Lukács 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvPO42EKGODCA Acesso em 19 nov 2019 Adam Smith David Ricardo Karl Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvtaiKSqF0NM Acesso em 19 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Karl Marx documentário Filósofos e a Educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvlG65HHIM6Ws Acesso em 19 nov 2019 BBC RADIO THE OPEN UNIVERSITY Karl Marx Alienação 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgpiZajWS1E Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Obra marxiana x tradição marxista Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvAlYXnBoaRc Acesso em 19 nov 2019 BARROS FILHO C Por que ler Marx 2015 Disponível em httpswww youtubecomwatchvm93ihi0DIgE Acesso em 10 out 2018 207 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 1 INTRODUÇÃO Segundo Oliveira 2010 p 273 o filósofo cientista social economista e re volucionário Karl Heinrich Marx Figura 1 nasceu em Trier Alemanha em 5 de maio de 1818 Estudou na Universidade de Ber lim interessandose principalmente pelas ideias do filósofo Georg Friedrich Hegel Formouse pela Universidade de Jena em 1814 Em 1843 transferiuse para Paris na França Lá conheceu Friedrich Engels um radical alemão de quem se tornaria amigo íntimo e com quem escreveria vários ensaios e livros Influencia do por ideias socialistas de 1845 a 1848 viveu em Bruxelas Bél gica onde participou de organizações clandestinas de operários e exilados OLIVEIRA 2010 p 273 Em 1847 redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comu nista Em 1848 quando eclodiram movimentos revolucionários em vários países europeus Marx voltou à Alemanha onde edi tou a Nova Gazeta Renana primeiro jornal diário francamente socialista e que procurava orientar as ações do proletariado ale mão Com o fracasso da revolução Marx e Engels fugiram para Londres Inglaterra onde viveram pelo resto da vida OLIVEIRA 2010 p 273 Em 1864 fundaram a Associação Internacional dos Tra balhadores depois denominada Primeira Internacional com o objetivo de lutar pelos direitos dos trabalhadores em todo o mundo Em 1867 Marx publicou o primeiro volume de sua obra mais importante O capital no qual faz uma crítica radical ao Figura 1 Karl Marx 208 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO capitalismo e à sociedade burguesa Entre suas principais obras estão Miséria da filosofia 1847 O dezoito brumário de Luís Bo naparte 1852 e O capital 18671894 Em parceria com Engels escreveu A sagrada família 1844 A ideologia alemã 1845 1846 e o Manifesto do Partido Comunista 1847 Sem dúvida alguma estamos diante de um autor que cau sa tanto admiração como incômodo muito por conta do que foi falado sobre ele Mas é justamente esse ponto que merecerá a nossa atenção o que Marx falou e o que falaram sobre ele Para esclarecer essa questão Raymond Aron pensador li beral e inveterado leitor de Marx propõe na obra O marxismo de Marx uma distinção interessante que nos servirá como re flexão inicial há alguma diferença entre aqueles que estudam o que Marx escreveu e entre aqueles que interpretam seus escri tos Para Aron sim e segundo o autor em torno do pensamento de Marx há três grupos de estudiosos Marxistas aqueles que interpretam Marx de maneira radical e ortodoxa porém segundo os seus interesses ou finalidades ARON 2005 Marxianos aqueles que se remetem diretamente ao pensamento de Marx negandose a promover interpre tações secundárias do autor ARON 2005 Marxólogos especialistas sobre o pensamento e sobre a interpretação científica da obra de Marx ARON 2005 Uma das questões básicas para a leitura da obra de Marx é portanto estudála sem preconceitos Seria um erro grotesco reduzir o pensamento do autor aos regimes autointitulados co munistas tal como testemunhamos a partir do século 20 Sobre isso três observações precisam ser pontuadas 209 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Se tomarmos como exemplo a Revolução Russa pode remos perceber alguns distanciamentos do pensamen to de Marx O modelo econômico da antiga Rússia dos czares anterior à Revolução de 1917 era eminente mente rural Levando em consideração o materialismo dialético um modelo econômico só pode ser substituí do por outro quando em seu interior já não conseguir mais superar as crises decorrentes das lutas de classes Ou seja o escravismo e o feudalismo para Marx só foram substituídos quando não conseguiram mais pro mover relações de produção estáveis O problema é que no caso da Rússia prérevolucionária não existia sistema capitalista e industrial e sim rural Portanto perguntase como promover uma revolução comunis ta aos moldes propostos por Marx sem a existência de um sistema econômico capitalista avançado Temos portanto um primeiro empecilho que não nos permite imediatamente identificar todo o projeto da Revolução Russa como obra de Marx A obra de Marx não é anticapitalista mas póscapitalis ta Ou seja por mais que a sua conclusão seja enfim a superação do capitalismo Marx não se nega a avaliar o capitalismo por ele mesmo e partir de sua lógica liberal Ou melhor ele não nega a existência ou a validade do capitalismo como modo de produção mas afirma a pos sibilidade de sua substituição quando não puder mais manter a estabilidade das classes Esse é um ponto cru cial para compreendermos o limite que separa a figura de Marx como sociólogo da de profeta da salvação ou destruição Essa noção separa inclusive um estudo sério sobre Marx de uma leitura fanática Aron 2005 210 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO por exemplo embora liberal e detentor de sérias crí ticas a Marx não economiza vocabulário para falar da importância da obra O capital Por exemplo na obra o Ópio dos intelectuais Aron 1980 argumenta que se a religião é o ópio do povo então o marxismo é o ópio dos intelectuais No entanto em Etapas do pensamento sociológico também diz Uma última palavra na conclusão da primeira parte afirmo pertencer à escola dos sociólogos liberais de Montesquieu Tocqueville Façoo com uma certa ironia descendente retardado que escapou aos críticos deste livro já publicado nos Estados Unidos e na Inglaterra Contudo parece útil acres centar que nada devo à influência de Montesquieu ou de Toc queville cujas obras só estudei com seriedade nos últimos dez anos Por outro lado há trinta e cinco anos que leio e releio as obras de Marx Cheguei a Tocqueville a partir do marxis mo da filosofia alemã e da observação do mundo atual Nunca hesitei entre A democracia na América e O capital Quase que a despeito de mim mesmo continuo a me interessar mais pelos mistérios de O capital do que pela prosa límpida e triste de A democracia na América Minhas conclusões pertencem à escola inglesa minha formação vem sobretudo da escola alemã ARON 2000 p 12 O próprio Marx enfim em determinado momento de sua trajetória já não se considerava mais marxista Essa curiosa informação é repassada por Engels em diversas de suas cartas que testemunham a seguinte frase dita por Marx tudo o que sei é que não sou mar xista Segundo Engels essa afirmação fazia referência a um tipo de marxismo desenvolvido na França e que não estava de acordo com as opiniões do próprio Marx Vejamos um trecho dessa carta que se trata na verda de de um artigo enviado para publicação aos editores 211 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO do Jornal Der Sozialdemokrat O SocialDemocrata em 7 de setembro de 1890 mas que tinha como objetivo ser uma resposta aos editores do Sächsische Arbeiter Zeitung Jornal dos Trabalhadores da Saxônia Teoricamente eu encontrei nele isto é na edição do jornal Sächsische ArbeiterZeitung e isso em geral para o resto da imprensa de oposição um marxismo freneticamente dis torcido marcado por um lado por um considerável malenten dido do ponto de vista que ele afirmava representar por outro por uma ignorância grosseira dos fatos históricos decisivos em todas as ocasiões e em terceiro lugar pelo conhecimento de sua própria superioridade incomensurável que tão vantajosa mente distingue os escritores alemães Marx previu esses dis cípulos quando teve que dizer isto no final dos anos setenta sobre o marxismo entre certos franceses tout ce que je sais cest que moi je ne suis pas marxiste Eu sei apenas que não sou um marxista ENGELS 2010d p 70 tradução nossa Em outras cartas Engels descreve o mesmo fato Em carta de Friedrich Engels a Eduard Bernstein em 23 de novembro de 1882 ele escreve o seguinte Agora o que é conhecido como marxismo na França é na verdade um produto totalmente peculiar tanto que Marx dis se uma vez a Lafargue Ce quil y a de certain cest que moi je ne suis pas Marxiste O que é certo é que eu não sou Marxista ENGELS 2010b p 356 tradução nossa Em carta a Conrad Schimidt em 5 de agosto de 1890 En gels afirma algo semelhante Como disse Marx sobre os marxis tas franceses no final dos anos setenta Tout ce que je sais cest que je ne suis pas Marxiste Tudo o que sei é que não sou mar xista ENGELS 2010a p 7 tradução nossa Por fim em carta de Engels a Paul Lafargue em 27 de agosto de 1890 também diz praticamente a mesma coisa 212 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Esses nobres se interessam pelo marxismo embora do tipo de marxismo que você conheceu na França há dez anos e do qual Marx disse Tudo o que sei é que não sou marxista E ele di ria sem dúvida sobre essa nobreza o que Heine disse sobre seus imitadores Eu semeei dragões e colho pulgas ENGELS 2010c p 22 tradução nossa O pensamento de Marx é tão vasto quanto a sua herança Bárbara Freitag 1993 por exemplo apresenta uma configura ção interessante sobre a herança e a diversidade das correntes marxistas no século 20 demonstrando com isso o quanto se deve evitar reduzir Marx às interpretações marxistas Confira os Quadros 1 e 2 a seguir Quadro 1 Ideólogos do Socialismo de Estado Grupos e represen tantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de Marx I Stalinistas Stalin e outros Negam o caráter revolucionário dos eventos dramáticos acontecidos nas sociedades do Leste a partir da queda do muro de Berlim 1989 e defendem o status quo anterior dessas sociedades socialismo de Estado como a autêntica realização do marxismo II Leninistas Lênin Mikhail Gor bachev e outros Mais realistas que os stalinistas chegam até admitir o caráter revolucionário dos eventos históricos em questão mas lhes atribuem o caráter de uma reforma autocorretiva no interior do próprio processo revolucionário isto é ele continua sendo interpretado em termos ortodoxos como sequência de lutas de classe que necessariamente desem bocariam na sociedade comunista do futuro 213 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Grupos e represen tantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de Marx III Comunistas refor mistas Alexander Dubcek e outros Defendem a teoria da terceira via e criticam toda revolução bolchevista como sendo uma falsificação do verdadeiro socialismo Criticam a estatização e sugerem uma democra tização dos processos políticos que leve a uma socialização democrática dos meios de produção Fonte adaptado de Freitag 1993 p 37 Quadro 2 Representantes do Marxismo Ocidental Grupos e representantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamen to de Marx I Socialistas de Esquerda Pertencem aos marxistas ocidentais que apesar de uma permanente autocrítica continuam fixados em uma interpretação estritamente marxista dos proces sos societários O Estado democrático é desprezado como invenção burguesa II Reformistas socialde mocratas Karl Renner Otto Bauer e outros Reconhecem a validade do Estado democrático como forma política para conquistar a melhoria das con dições de vida de todos os membros da sociedade dentro das condições atuais da produção Abando nam o paradigma da luta de classes e da concepção dogmática da estrutura de classes das sociedades contemporâneas apesar de permanecerem presos ao paradigma da produtividade a todo preço e do crescimento econômico 214 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Grupos e representantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamen to de Marx III Esquerda não comu nista C Offe P Bourdieu C Castoriadis A Touraine J Habermas e outros Representam uma corrente do pensamento que se formou com a absorção de Marx nas universidades fazendo de sua teoria um componente entre outros dos currículos acadêmicos Conduziu a novos esque mas interpretativos que não se atenham simples mente à superfície dos processos de modernização restrita à razão instrumental Fonte adaptado de Freitag 1993 p 38 Portanto a presente unidade é um convite para conhecer mos o pensamento do Marx sociólogo e economista e não do Marx político e politizado Pretendemos extrair de Marx o que foi e ainda é fundamental para as Ciências Sociais e não aquilo que é objeto de culto ou condenação de grupos de esquerda ou de direita Isso não quer dizer que o pensamento sociológico de Marx não tenha limitações pelo contrário autores como Max Weber e Habermas por exemplo derrubam diversos pilares do pensa mento marxista Mas isso não faz de Marx em hipótese algu ma prescindível para a compreensão da sociedade Portanto ler Marx é fundamental 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 215 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 21 AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX De modo geral a filosofia de Karl Marx 18181883 é ma terialista não apenas por conta de sua negação ao transcendente ou à metafísica clássica mas sim por acreditar que a compreen são da sociedade só pode ser realizada de modo imanente isto é levandose em consideração as condições materiais das rela ções produtivas da própria sociedade O pensamento de Marx foi formado por uma série de crí ticas filosóficas dirigidas especialmente ao idealismo de Hegel como também pelo contato das obras dos economistas clássi cos dos críticos da chamada esquerda hegeliana e dos repre sentantes do socialismo utópico Tratemos desses fatores em detalhe Crítica ao idealismo de Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 autor alemão foi o responsável por introduzir na Filosofia uma inovadora no ção de razão ao contrário do cogito cartesiano fechado numa concepção subjetiva e ahistórica ele propõe uma modalidade de razão histórica e construída no tempo Com isso partindo do pressuposto kantiano de que a consciência ou o sujeito inter fere ativamente na construção da realidade o autor apresenta uma filosofia do devir ou como ficou conhecida posterior mente a dialética hegeliana Para Hegel portanto o ser está em constante transfor mação donde surge a necessidade de fundar uma nova lógica que não parta do princípio de identidade A A que é estático mas do princípio de contradição A A para dar conta da dinâ mica do real Essa é a própria dialética que se processa enquan 216 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO to tese antítese e síntese isto é enquanto aspecto relacional Nesse sentido a dialética é o método por excelência do pensa mento de Hegel Segundo Reale e Antisere 2007 p 106 o coração da dialética se torna assim o movimento e precisa mente o movimento circular ou em espiral com ritmo triádico Os três momentos do movimento dialético são 1 a tese que é o momento abstrato ou intelectivo 2 a antítese que é um momento dialético em sentido estrito ou negativamente ra cional 3 a síntese que é o momento especulativo ou positiva mente racional A partir dessa racionalidade dialética Hegel desenvolveu também um novo conceito de história compreendida não como uma simples acumulação ou justaposição de fatos mas como resultado de um processo da Razão cujo motor interno são as contradições presentes na própria história Ou seja o presente é a síntese de um longo processo de contradições do passado Por esse movimento a Razão passa por todos os graus de evolução tese antítese e síntese desde a natureza inorgânica a natureza viva a vida humana individual até a vida social Ao explicar o movimento gerador da realidade Hegel de senvolveu uma dialética idealista a racionalidade não é mais um modelo a se aplicar mas é o próprio tecido do real e do pensa mento O mundo passa a ser então a manifestação da Razão ou seja a verdade deixa de ser um fato para se tornar um resul tado do desenvolvimento do Espírito A Razão nasce portanto quando a consciência adquire a certeza de ser toda a realidade por meio das etapas fenomenológicas desse processo dialético É esta uma contribuição fundamental de Hegel a defesa de uma concepção processual e idealista de tudo o que existe na história Essa tese pode ser muito bem ilustrada pelo conhecido jar gão hegeliano o que é racional ideal é real e o que é real é 217 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO racional ideal HEGEL 1997 Prefácio p XXXVI Com isso não só a realidade mas também a própria história é uma produção ideal e teleológica o único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história é a simples ideia de que a razão governa o mundo e que portanto a história universal é também um processo racional HEGEL 1995 p 17 Marx reconhece a importância da dialética da contradição como motor da realidade é precisamente nisso no entanto que reconhecemos sua profundidade no fato de que ele co mece em toda parte pela oposição das determinações e as acentue em seguida MARX 2010a p 73 No entanto nas obras Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Contribuição à Crí tica da Economia Política promove uma ruptura definitiva com o sistema hegeliano crítica essa que acabou enveredando todo o seu pensamento Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado as relações jurídicas bem como as formas de Estado não podem ser explicadas por si mesmas nem pela chamada evolução ge ral do espírito humano essas relações têm ao contrário suas raízes nas condições materiais de existência em suas tota lidades condições estas que Hegel a exemplo dos ingleses e franceses do século 18 compreendia sob o nome de socieda de civil Cheguei também à conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política MARX 2008 p 47 Como se pode observar Marx nega qualquer forma de ge neralização dos conceitos como forma explicativa da realidade Para ele o erro da dialética de Hegel diz respeito ao modo como ela foi inversamente construída valorizando mais a consciência do real do que o real da consciência Em A ideologia alemã juntamente com Engels afirma o cerne da crítica ao pensamento hegeliano não é a consciência que determina a vida mas a vida 218 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO que determina a consciência MARX ENGELS 2007 p 94 Em trecho do texto Teses sobre Feuerbach Marx dita então qual se ria a nova aplicabilidade da dialética os filósofos apenas inter pretaram o mundo de diferentes maneiras porém o que impor ta é transformálo MARX 2007 p 539 Enfim no posfácio da segunda edição alemã da obra O capital Marx também afirma Meu método dialético não só difere do hegeliano mas é tam bém a sua antítese direta Para Hegel o processo de pensamen to que ele sob o nome de ideia transforma num sujeito au tônomo é o demiurgo do real real que constitui apenas a sua manifestação externa Para mim pelo contrário o ideal não é nada mais que o material transposto e traduzido na cabeça do homem MARX 1996a p 140 De acordo com Marx a filosofia de Hegel interpreta o mun do de maneira invertida como se as instituições sociais Estado religião família universidade representatividades jurídicas etc fossem o resultado de uma evolução da razão que em deter minados momentos históricos ganha consciência e se objetiva na coletividade Nesse sentido para Marx a tese de que a rea lidade social deriva de puras necessidades racionais nada mais é do que uma forma ideológica de legitimação da ordem exis tente Enquanto para Hegel os sujeitos são meros predicados da substância mística universal para Marx os sujeitos reais são os responsáveis pela formação das ideias Do mesmo modo que a religião não cria o homem mas o homem cria a religião assim também não é a constituição que cria o povo mas o povo a cons tituição MARX 2010a p 50 Em síntese na opinião de Marx Hegel não deve ser re provado por tentar descrever as características do Estado mas sim por justificar a formação material do Estado a partir de uma 219 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO essência de Estado predefinida argumentação que se estende para todas as outras instituições Crítica aos economistas clássicos Outra crítica desenvolvida por Marx diz respeito ao méto do dos economistas ingleses do século 18 Adam Smith e David Ricardo que acertaram ao adotar a economia política da socie dade burguesa como chave interpretativa da história antiga mas que erraram ao generalizar o modo de produção burguês como único meio possível para a organização social o que resultou no desaparecimento das diferenças históricas de classes e na com preensão do trabalho como uma categoria independente da his tória concreta A economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc Porém não conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças históricas e veem a forma bur guesa em todas as formas de sociedade MARX 2008 p 264 Ou seja ao universalizar o modo de produção burguês e sua respectiva noção de trabalho trabalho em geral os econo mistas ocultam a alienação inerente à forma de produção exis tente entre trabalho e trabalhador Nesse sentido a Economia Política liberal toma como eternas as leis que ela mesma criou atribuindo como natural e portanto absoluto e imutável um sistema de relações existentes e próprias de um determinado período histórico Logo para Marx tornase ideologia justamen te porque transforma o fato histórico em dogma A economia política parte do fato dado e acabado da proprie dade privada Não nos explica o mesmo Ela percebe o proces so material da propriedade privada que passa na realidade Wirklichkeit por fórmulas gerais abstratas que passam a va ler como leis para ela Não concebe estas leis isto é não mostra 220 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO como têm origem na essência da propriedade privada A eco nomia política não nos dá esclarecimento algum a respeito do fundamento da divisão entre trabalho e capital entre capital e terra MARX 2010b p 79 Marx continua a sua crítica ao demonstrar que segundo o sistema econômico liberal a máxima produção da riqueza equi vale ao empobrecimento máximo do operário em direção opos ta aos economistas clássicos ele inverte a lógica da economia liberal e enfatiza que o trabalho deve ser compreendido a partir do capital e não o contrário Para isso Marx demonstrou que a propriedade privada apesar de central na economia não é uma lei eterna mas um fato histórico decorrente de um processo social de expropriação do operário cujos resultados seriam a alienação e a reificação do trabalhador A pergunta retórica feita por Marx já no início da seção I de Manuscritos econômicofilosóficos diz bastante sobre essa lógica em que se baseia o capital isto é a propriedade privada dos produtos do trabalho alheio MARX 2010b p 39 Fica claro portanto que o autor precisará oferecer outra forma de explicação do processo trabalhocapital Crítica ao socialismo utópico Em Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels mais uma vez dirigem críticas ao conservadorismo econômico desta vez aos representantes do socialismo utópico Babeuf SaintSimon Fourier Owen Marx e Engels reconhecem a importância de tais autores uma vez que os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes assim como a ação dos ele mentos dissolventes na própria sociedade dominante MARX 221 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ENGELS 2005 p 66 No entanto incorreram num gravíssimo erro ao supor que as soluções para tais antagonismos pudessem passar por vias estranhas à classe dos próprios trabalhadores não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica nenhum movimento político que lhes seja peculiar MARX EN GELS 2005 p 66 É nesse sentido que essa modalidade de socialismo desem boca em uma posição utópica pois seus representantes criticam a sociedade capitalista condenam as suas relações de produção afirmam a alienação das classes trabalhadoras mas no final não conseguem propor soluções efetivas para a superação das desigualdades sociais Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acom panha o desenvolvimento da indústria não distinguem tam pouco as condições materiais da emancipação do proletaria do e põemse à procura de uma ciência social leis sociais que permitem criar essas condições Substituem a atividade social por sua própria imaginação pessoal as condições históricas da emancipação por condições fantásticas a organização gradual e espontânea do proletariado em classe por uma organização da sociedade préfabricada por eles MARX ENGELS 2005 p 66 Para Marx e Engels portanto a vacuidade das propostas do Socialismo utópico camuflada por teorias impactantes po rém estéreis também acaba conservando o status quo e a lógica do capitalismo Em contraposição ao socialismo utópico Marx e Engels apresentam o socialismo científico que ao contrário das filosofias anteriores não só descobriu a lei do desenvolvimento do capitalismo como também propõe uma agenda de mudanças sociais pautada na própria ação da classe trabalhadora 222 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Crítica à esquerda hegeliana Tradicionalmente costumouse classificar como esquer da hegeliana ou jovens hegelianos aquele grupo de autores Bruno Bauer Max Stirner Ludwig Feuerbach que inspirados na dialética de Hegel preferiram não justificar o cristianismo e o Estado a partir do idealismo ortodoxo isto é da fenomeno logia ou evolução máxima da racionalidade do Espírito como assim fazia a direita hegeliana Karl F Göschel Kasimir Conra di Georg Gabler Ao contrário procuraram explicar a existência das relações socioeconômicas a partir de questões materiais e humanas Todavia para Marx as posições da esquerda hegeliana eram insuficientes para a explicação da realidade social porque apesar de esses autores se distanciarem do idealismo ortodo xo ainda assim afirmavam que a transformação social dependia de uma mudança de consciência mais humanizada Max Stirner por exemplo deixa claro essa postura ao enfatizar a importân cia de um individualismo anárquico em face de uma sociedade administrada Todas as verdades abaixo de mim me são caras mas não conhe ço nenhuma verdade acima de mim Para mim não existe ver dade porque nada vale mais do que eu Nem a minha essência nem a essência do homem valem mais do que eu STIRNER 2009 p 458459 Nas obras A sagrada família e A ideologia alemã Marx em companhia de Engels direciona críticas diversas a Bruno Bauer Stirner e Feuerbach De modo geral afirmam que a exigência hu manista dos hegelianos de esquerda bem como a crítica político econômica que exercem apesar de eloquente não está direcio nada ao mundo real mas ao combate de ideias Por isso ainda estão limitados ao sistema hegeliano e portanto ideológico 223 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Os jovenshegelianos consequentemente propõem aos ho mens o seu postulado moral de trocar sua consciência atual pela consciência humana crítica ou egoísta e de por meio disso remover suas barreiras Essa exigência de transformar a consciência resulta na exigência de interpretar o existente de outra maneira quer dizer de reconhecêlo por meio de uma outra interpretação Os ideólogos jovenshegelianos apesar de suas fraseologias que têm a pretensão de abalar o mundo são os maiores conservadores MARX ENGELS 2007 p 84 Portanto também os hegelianos de esquerda conservam ao menos indiretamente a ideologia burguesa uma vez que se param a teoria da prática desvinculando as condições da liberta ção social das ideias que defendem É justamente nessa separa ção que reside a manutenção do status quo a libertação é um ato histórico e não um ato de pensamento e é ocasionada por condições históricas pelas condições da indústria do comércio da agricultura do intercâmbio MARX ENGELS 2007 p 29 As leituras indicadas no Tópico 3 1 apresentam as ori gens do pensamento de Marx a partir de diversas críticas de Marx ao idealismo hegeliano aos economistas clássicos ao socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda Neste mo mento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 TRABALHO COMO ALIENAÇÃO O ponto de partida do pensamento marxista concentrase em sua análise do trabalho nas sociedades industriais Como já observado sobre o contexto do surgimento da Sociologia o resplendor técnico e econômico alcançado pela Revolução In 224 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO dustrial não camufla a exploração da classe trabalhadora entre gue às péssimas condições de produção Para construir seu pensamento Marx retoma a concep ção de trabalho proposta por Hegel segundo a qual ele deve ser compreendido como um processo ou atividade peculiar do ser humano Muito mais do que um simples afazer o trabalho é a con dição da superação do desejo animal pela consciência do espíri to Em Filosofia do espírito ainda escrito em sua passagem por Jena Hegel afirma o seguinte o trabalho como tal não é so mente uma atividade mas sim uma atividade reflexionada em si produção HEGEL 2006 p 169 tradução nossa Mais uma vez utilizase da dialética como método explicativo é pelo trabalho que o sujeito racional tese se confronta com a natureza irracio nal antítese e ao mesmo tempo em que a modifica também transforma a si mesmo síntese O verdadeiro ser do homem é a sua operação nela a individualidade é efetiva HEGEL 1992 p 267 Marx por sua vez concorda com Hegel quando caracteriza o trabalho como via de humanização Mais do que uma simples tarefa o trabalho na concepção marxista tornase uma pro jeção da consciência reflexiva na própria ação realizada Por isso trabalhar é próprio do ser humano enquanto os animais ape nas se adaptam ao meio ambiente ou às alterações que nele ocorrem e não o transformam o ser humano ao contrário é capaz de transformar não só o seu próprio comportamento mas também o ambiente ao redor Essa concepção distingue o fazer animal do trabalho humano 225 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a cons trução dos favos de suas colmeias Mas o que distingue de an temão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça antes de construílo em cera No fim do processo de trabalho obtémse um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e portanto ideal mente Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural realiza ao mesmo tempo na matéria natural seu objetivo MARX 1996a p 298 O que caracteriza o trabalho para Marx é justamente o fato de ele não ocorrer de maneira mecânica e sim impulsionado por uma consciência pensante que ao lidar com a natureza confere à própria ação um significado racional de modo que como diria Hegel a cega ação da natureza se converta em uma ação fina lista isto é voltada para um fim HEGEL 2006 p 169 tradução nossa Logo o trabalho é uma via de humanização porque a partir dele o ser humano pode desenvolver sua potência racio nal e criativa ao identificar na matéria inorgânica o resultado de uma finalidade projetada anteriormente na consciência Todavia segundo Marx ao analisar o desenvolvimento das condições de produção na história podese observar que o tra balho deixou de ser há muito uma via de humanização Pelo contrário o trabalho passou a ser uma alienação O termo alienação vem do latim alienare que significa afastar O termo alienus por exemplo quer dizer aquilo que pertence a um outro e alius simplesmente outro Dessa ma neira alienar sob determinado aspecto é tornar alheio transfe rir para outrem o que é seu Esse termo é utilizado tanto no Di reito transferência da propriedade de um bem a outra pessoa 226 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO como também na Psicologia estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si próprio Na linguagem filosófica o termo foi usado pela primeira vez por Hegel para designar justamente o processo pelo qual os indivíduos colocam suas potencialidades nos objetos por eles criados Tratase portanto de uma exterio rização da criatividade humana e de sua capacidade de construir algo Marx por sua vez admite que a alienação é própria do contexto capitalista no qual o indivíduo após transferir sua potencialidade para o seu produto deixa de identificálo como obra sua Nesse caso o operário não se identifica com aquilo que produziu transferindo essa autoria para o dono dos meios de produção COTRIM FERNANDES 2013 Por conta disso Marx se contrapõe à concepção de Hegel ao afirmar que apesar do trabalho desenvolver as potencialida des humanas o modo como a sociedade capitalista o submete ao contexto da propriedade privada acaba transformandoo em algo constritivo e portanto alienado ao trabalhador E afirma Hegel se coloca no ponto de vista dos modernos economistas sociais Ele apreende o trabalho como a essência do homem que se confirma ele vê somente o lado positivo do trabalho não seu lado negativo MARX 2010b p 124 Com isso em vez de potencializar a criatividade do operá rio desumanizao uma vez que o aspecto humanizador do tra balho é reificado transformando o indivíduo em mercadoria nas mãos do capital A partir disso nada para o trabalhador se tor na livre o produto do seu trabalho lhe é arrancado bem como sua criatividade e humanidade Ou seja tudo se torna estranho alienado a ele desde aquilo que produz até mesmo a sua pró pria identidade de trabalhador e ser humano O trabalho nega ao 227 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO trabalhador fadado a trabalhar para sobreviver todas as con dições que o deveriam realizar como humano enfim o trabalho tornase o seu castigo Em que consiste então a exteriorização alienação Entäusse rung do trabalho Primeiro que o trabalho é externo äusser lich ao trabalhador isto é não pertence ao seu ser que ele não se afirma portanto em seu trabalho mas negase nele que não se sente bem mas infeliz que não desenvolve nenhu ma energia física ou espiritual livre mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito O trabalhador só se sente por conse guinte e em primeiro lugar junto a si quando não trabalha e quando trabalha não está em casa O seu trabalho não é por tanto voluntário mas forçado trabalho obrigatório O trabalho não é por isso a satisfação de uma carência mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele Finalmente a externalidade alienação do trabalho aparece para o trabalha dor como se o trabalho não fosse seu próprio mas de um ou tro como se o trabalho não lhe pertencesse como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo mas a um outro MARX 2010b p 8283 Outra questão que contribui para a alienação do trabalha dor é a perda da noção do que está sendo produzido ou seja uma vez que a divisão do trabalho e a fragmentação das funções se tornaram centrais para a produção industrial o trabalhador perdeu a noção do produto em sua totalidade sendo respon sável por apenas parte dele Sobre o assunto observe a tira da Figura 2 de Bob Thaves 228 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Fonte Thaves 1997 Figura 2 Alienação do trabalhador A partir desse cenário Marx concluiu que o ser humano se torna livre apenas em suas funções instintivas comer beber vestirse morar em uma casa procriar etc uma vez que do ponto de vista social é frequentemente reduzido à condição ani mal e alienada Ou seja a alienação do trabalho faz com que o indivíduo se torne mais pobre na mesma proporção em que a riqueza é produzida O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza produz quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria Com a valorização do mundo das coisas Sachenwelt aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens Menschenwelt O trabalho não produz somente mercadorias ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria e isto na medida em que produz de fato mercadorias em geral MARX 2010b p 80 Desse trecho citado decorrem em síntese dois concei tos fundamentais o fetichismo da mercadoria e a reificação do trabalhador Fetichismo da mercadoria diz respeito ao processo pelo qual a mercadoria um objeto inanimado acaba adquirindo mais vida do que quem a produz De acordo 229 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO com Marx isso acontece porque na lógica capitalista os valores de troca se tornam maiores que os valo res de uso determinando assim as relações humanas Ou seja o critério de valor não está no produtor ser humano mas no produto Logo a vivacidade das re lações econômicas não ocorre no polo humano mas no plano das coisas MARX 1996a 2010b Reificação do trabalhador se o fetichismo atribui vida às coisas a reificação do latim res coisa diz res peito ao processo de transformação dos seres humanos em coisas Segundo Marx a venda da força de traba lho faz do trabalhador um produto comercializável no mercado capitalista Nesse sentido o produto não é de quem de fato o produziu mas de quem comprou força de trabalho operária isto é o dono dos meios de pro dução MARX 1996a 2010b As leituras indicadas no Tópico 3 2 apresentam as prin cipais questões acerca do conceito de trabalho para Marx e do diagnóstico sobre as condições alienadoras do trabalhador na sociedade capitalista Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 O MATERIALISMO HISTÓRICO As condições socioeconômicas que identificam a nature za do trabalho alienado ou exteriorizado levam Marx à apre sentação de outra teoria fundamental o materialismo histórico Conforme apresentado anteriormente ao menos de maneira 230 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO indireta especialmente na crítica de Marx a Hegel a teoria do materialismo histórico tem como objetivo compreender a orga nização econômica humana e suas relações produtivas na socie dade capitalista Ao contrário de Hegel para Marx a razão espírito uni versal não condiciona as relações materiais e sociais mas é a própria produção social e econômica que determina o modo de pensar dos homens Conforme já citado em A ideologia ale mã Marx também deixa claro essa inversão das teses hegelia nas em sua Contribuição à crítica da economia política não é a consciência dos homens que determina o seu ser ao contrário é o seu ser social que determina sua consciência MARX 2008 p 47 Portanto objetivamente falando materialismo histórico é a teoria segundo a qual o modo de produção da vida mate rial condiciona o processo de vida social política e intelectual MARX 2008 p 47 Essa concepção materialista de história é tão fundamental para Marx que sem incorrer em equívoco algum podemos caracterizála como o fio condutor de todo o pensamento mar xista embora as relações humanas e sociais sejam geralmente definidas em termos de consciência linguagem ou religião para Marx o que realmente importa é a compreensão das condi ções materiais de existência Ou seja para estudar a sociedade não se deve partir daquilo que os indivíduos pensam mas do modo como produzem os bens materiais A produção de ideias de representações da consciência está em princípio imediatamente entrelaçada com a atividade ma terial e com o intercâmbio material dos homens com a lingua gem da vida real O representar o pensar o intercâmbio espi ritual dos homens ainda aparece aqui como emanação direta de seu comportamento material O mesmo vale para a produ ção espiritual tal como ela se apresenta na linguagem da políti 231 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ca das leis da moral da religião da metafísica etc de um povo MARX ENGELS 2007 p 9394 A partir do trecho citado é possível perceber que Marx menciona que a estrutura da sociedade é formada por dois ní veis infraestrutura e superestrutura A infraestrutura Esse nível está relacionado à base econômica e adminis trativa que reúne e orienta todas as condições materiais da vida social Ou seja significa o modo pelo qual os seres humanos se organizam na divisão do trabalho social para a produção da riqueza condicionando assim produção ideológica da socieda de superestrutura a totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas pela consciência MARX 2008 p 47 Nesse caso Marx caracteriza a infraestrutura a partir de três fatores fundamentais Forças produtivas são as condições materiais de toda a produção que englobam tantos os elementos naturais clima solo água matériasprimas etc como os técni cos ferramentas instrumentos máquinas etc e os hu manos mão de obra trabalhadora sendo estes identi ficados por Marx como o principal elemento das forças produtivas O desenvolvimento da produção dependerá da combinação e do uso desses diversos elementos for mando assim de maneira correspondente uma rela ção de produção específica MARX 1996a 232 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Relações de produção dizem respeito às formas como os seres humanos se organizam para a execução da ati vidade produtiva estabelecendo a divisão do trabalho social Nesse sentido as relações de produção se refe rem aos diversos modos de apropriação e distribuição dos elementos presentes no processo do trabalho isto é das forças produtivas matériaprima instrumen tos técnicas os trabalhadores o produto etc MARX 1996a Modos de produção tratase das formas como tanto as forças produtivas quanto as relações de produção são organizadas e reproduzidas num determinado mo mento histórico Ou seja forças produtivas e relações de produção variam de acordo com o período histórico Dessa forma o modo de produção pode ser escravista como na Antiguidade servil como na Europa Feudal da Idade Média ou capitalista como nas sociedades modernas industriais MARX 1996a Na perspectiva marxista esses três fatores estão interrelacionados forças produtivas e relações de produ ção são resultados das condições naturais e históricas da ativi dade produtiva definindo assim o modo de produção daque la sociedade em determinado momento da história No caso das sociedades europeia industriais tais fatores constituem portan to o modo de produção capitalista Por isso para Marx o estudo do modo de produção é fundamental para compreender como uma sociedade se organiza e funciona Para o autor a passagem de um modo de produção para outro é consequência de uma dialética materialista da luta de classes MARX ENGELS 2005 233 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Superestrutura Nível que constitui o caráter político e ideológico da socie dade condicionado por sua vez pelos modos de produção da infraestrutura os homens são os produtores de suas represen tações de suas ideias e assim por diante mas os homens reais ativos tal como são condicionados por um determinado desen volvimento de suas forças produtivas MARX ENGELS 2007 p 94 Além disso a superestrutura também serve para justificar a conservação do status quo e do modo de produção Por ter justamente essa dupla função a superestrutura é formada basi camente por dois elementos Estrutura políticojurídica representada pelo Estado e pelo Direito leis que na opinião de Marx estariam a serviço da classe dominante as ideias da classe domi nante são em cada época as ideias dominantes isto é a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo sua força espiritual dominante MARX ENGELS 2007 p 47 Estrutura ideológica representada pela forma como os indivíduos se organizam a partir de uma consciência social crenças religiosas literatura artes filosofia teo rias científicas etc Nesse sentido segundo Marx as expressões culturais refletem a ideologia da classe do minante transformandose em instrumentos de domi nação e justificação da ordem social existente A classe que tem à sua disposição os meios da produção mate rial dispõe também dos meios da produção espiritual de forma que a ela estão submetidos aproximada mente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual MARX ENGELS 2007 p 47 234 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Para o materialismo histórico portanto as ideias da cons ciência superestrutura não são eternas autoconscientes e apartadas da realidade material e sim elementos históricos e contingentes cuja razão de ser e pensar depende das relações econômicas infraestrutura pelas quais são condicionadas Em A miséria da filosofia Marx afirma Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com a sua produtividade material produzem também os princípios as ideias as categorias de acordo com suas rela ções sociais Assim estas ideias estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem Elas são produtos históricos e transitórios MARX 1982 p 106 grifo do autor Em síntese o materialismo histórico parte do pressuposto de que o modo de pensar da sociedade reflete a forma como os homens organizam a produção social dos bens e não o inverso totalmente ao contrário da filosofia alemã que desce do céu à terra aqui se eleva da terra ao céu MARX ENGELS 2007 p 94 Por conta disso afirmar que a realidade histórica é moldada pelas ideias nada mais é do que uma explicação ideológica uma vez que camufla os verdadeiros fundamentos da estrutura social Com isso em A ideologia alemã Marx e Engels afirmam O fato é portanto o seguinte indivíduos determinados que são ativos na produção de determinada maneira contraem en tre si estas relações sociais e políticas determinadas A obser vação empírica tem de provar em cada caso particular empi ricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação a conexão entre a estrutura social e política e a produção A estrutura social e o Estado provêm constantemente do proces so de vida de indivíduos determinados mas desses indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia mas sim tal como realmente são quer dizer tal como atuam como produzem materialmente e portanto tal como desen volvem suas atividades sob determinados limites pressupostos 235 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO e condições materiais independentes de seu arbítrio MARX ENGELS 2007 p 93 Logo segundo Marx o ponto sensível para toda e qualquer transformação social não está localizado na superestrutura mas na infraestrutura de uma sociedade forças produtivas relações de produção e modos de produção Ou melhor a solução não se encontra na mudança de consciência mas na alteração das condições econômicas de produção a transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura MARX 2008 p 4748 Será justamente essa ideia que o levará à teoria do ma terialismo dialético e à concepção da luta de classes As leituras indicadas no Tópico 3 3 apresentam as bases conceituais do materialismo histórico de Marx que leva em consideração uma transformação não das ideias mas da rea lidade concreta modos de produção e relações de produção Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 24 O MATERIALISMO DIALÉTICO A análise histórica para Marx apresentase como objeto de pesquisa especial e privilegiado para a compreensão do de senvolvimento dos modos de produção da sociedade Em nota de rodapé de A ideologia alemã os autores afirmam conhe cemos uma única ciência a ciência da história MARX ENGELS 2007 p 86 Como já enfatizado há uma relação de condicio namento entre a infraestrutura econômica e a superestrutura 236 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ideológica cuja finalidade é justificar e manter o status quo No entanto o materialismo histórico de Marx somente se completa em outro materialismo o dialético Sem dúvida alguma Marx retoma de Hegel o seu conceito de dialética e reconhece o esforço da filosofia hegeliana espe cialmente por acentuar um método que tem como pressuposto a oposição das determinações MARX 2010a p 73 No entan to também propõe uma crítica pontual no que diz respeito ao modo como a dialética é colocada em prática conforme exposto em O capital Para Hegel o processo de pensamento que ele sob o nome de ideia transforma num sujeito autônomo é o demiurgo do real real que constitui apenas a sua manifestação externa Para mim pelo contrário o ideal não é nada mais que o material transposto e traduzido na cabeça do homem A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede de modo algum que ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas gerais de movimento de maneira ampla e consciente É neces sário invertêla para descobrir o cerne racional dentro do invó lucro místico MARX 1996a p 140 Como para Marx o ponto de partida de qualquer análise social e histórica não se concentra na esfera das ideias superes trutura mas nos modos de produção material infraestrutura a dialética também precisa ser igualmente invertida de modo a pensar o progresso da sociedade pelas contradições presentes na própria esfera material e econômica Por isso a filosofia idealista segundo Marx apresentase como uma grande ideologia uma vez que pretende entender o mundo real e concreto como uma manifestação de uma razão absoluta Tal premissa não serviria para outra coisa senão a mis tificação das reais condições injustas e desumanas que o capita 237 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO lismo impõe à classe trabalhadora Por isso apesar de Hegel não ter ligação alguma com o capitalismo o seu idealismo pressupõe a existência de uma evolução racional que na visão de alguns liberalistas objetivase na economia capitalista propondo a pro priedade privada como lei eterna e imutável MARX 2008 Segundo Marx e Engels 2007 p 8687 Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbi trários dogmas mas pressupostos reais São os indivíduos reais sua ação e suas condições materiais de vida tanto aque las por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação Esses pressupostos são portanto constatáveis por via puramente empírica Nesse sentido por meio da dialética Marx procurou com preender o desenvolvimento material e econômico das socieda des e de que forma os modos de produção foram concretiza dos em cada momento histórico A dialética marxista permitiu não apenas uma compreensão materialista da história mas prin cipalmente dinâmica na qual cada etapa não é vista como algo estático e definitivo mas transitório e guiado pela transforma ção humana Em sua configuração racional é um incômodo e um horror para a burguesia e para os seus portavozes doutrinários porque no entendimento positivo do existente ela inclui ao mesmo tempo o entendimento da sua negação da sua desaparição inevitável porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento portanto também com seu lado transitório porque não se dei xa impressionar por nada e é em sua essência crítica e revolu cionária MARX 1996a p 141 Portanto de acordo com Marx as grandes transformações históricas ocorrem primeiramente no âmbito da economia cau sadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção Somente a dialética poderia ser a chave de leitura me 238 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO todológica adequada para acolher a contradição como condição para o progresso Enfim o materialismo dialético não concebe uma história guiada por uma razão ou espírito mas organizada por seres hu manos capazes de interferir no processo histórico e com isso transformar a realidade social por meio da alteração dos modos de produção A dialética é portanto o motor da realidade histó rica que incessantemente reinventa novas contradições A saída de Marx a partir de então será identificar quais contradições estão patentes e latentes no modo de produção capitalista para assim justificar a existência de uma inevitável passagem da so ciedade capitalista para uma sociedade comunista A luta de classes Outro conceito importante no pensamento de Marx é o de classes sociais De acordo com Marx os direitos inalienáveis defendidos pelo liberalismo clássico não resistiram às evidências das desigualdades sociais provocadas pelo modo de produção capitalista que dividiu os homens entre proprietários e não pro prietários dos meios de produção Para justificar a transformação dos modos de produção da sociedade capitalista Marx identifica na luta de classes o motor dialético da história das sociedades anteriores A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu senhor feudal e servo mestre de corporação e companheiro em resumo opressores e oprimidos em constante oposição têm vivido numa guerra ininterrupta ora franca ora disfarça da uma guerra que terminou sempre ou por uma transforma ção revolucionária da sociedade inteira ou pela destruição das duas classes em conflito MARX ENGELS 2005 p 40 239 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Como se pode observar a luta de classes é o elemento dia lético que resulta na passagem de um modo de produção para outro E isso acontece exatamente quando as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção Não é a crítica mas a revolução a força motriz da história e também da religião da filosofia e de toda forma de teoria MARX ENGELS 2007 p 43 Ou seja quando há o descompasso entre forças produtivas e relações de produção ocorrem então crises fundamentais que evidenciam a inadequação na produção dos bens Nesse mo mento surgem então as lutas de classes bem como as possibili dades objetivas de substituição do seu modo de produção Isso fica patente no trecho a seguir de A miséria da filosofia As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produ tivas Adquirindo novas forças produtivas os homens transfor mam o seu modo de produção e ao transformálo alterando a maneira de ganhar a vida eles transformam todas as suas relações sociais O moinho movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano o moinho a vapor dános a so ciedade com o capitalista industrial Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com a sua produ tividade material produzem também os princípios as ideias as categorias de acordo com suas relações sociais Assim estas ideias estas categorias são tão pouco eternas quanto as rela ções que exprimem Elas são produtos históricos e transitórios MARX 1982 p 106 Para Marx na sociedade capitalista a luta de classes ocor re entre burguesia e proletariado que em sua fórmula mais simplificada representa uma luta de classes entre opressores e oprimidos presente em toda a história porém com caracteriza ções diferentes Com o objetivo de justificar a legitimidade da luta de classes de sua época entre burguesia e proletariado 240 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Marx recorre à história e percebe que desde a Antiguidade a luta de classes transforma dialeticamente os seus respectivos modos de produção Com isso conclui que há portanto uma dialética que passa pelas contradições negações e sínteses dos modos de produção dominantes em cada período o escravismo Antiguidade o feudalismo Idade Média e o capitalismo Idade Moderna Vejamos cada uma dessas contradições até a chegada da sociedade capitalista As contradições da sociedade escravista O modo de produção escravista típico das sociedades an tigas grecoromanas estava baseado nas relações de produção existentes entre escravo e aristocrata Por um lado os escravos eram constituídos pela massa de prisioneiros de guerra e indi víduos que não tinham como pagar suas dívidas por outro os aristocratas formavam uma minoria que detinha títulos e privilé gios políticos nas cidades A principal força produtiva era a mão de obra escrava que gerou por muito tempo um ciclo de riqueza nas grandes cidades gregas e romanas No entanto a sociedade romana em razão de uma cres cente crise econômica a partir do século 3º muito por conta inclusive da constante ameaça de invasão dos povos germâni cos entrou em um processo de ruralização em especial por dois motivos a dificuldade de obter trabalho nas cidades devido à diminuição da atividade econômica os saques realizados por bárbaros e assaltantes que tornavam as cidades inseguras VI CENTINO DORIGO 2013 241 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Por conta disso a maior parte da população urbana mu douse para o campo em busca de abrigo trabalho e proteção Além de homens livres muitos escravos livres ou fugitivos tam bém se refugiaram nos campos Como resultado a sociedade efetivamente se ruralizou instaurando um modo de vida em que a condição social das pessoas passou a ser determinada pela re lação que tinham com a terra VICENTINO DORIGO 2013 Além disso notase também a diminuição drástica da quantidade de escravos ocasionada tanto pelas novas políticas de cidadania romana oferecidas a todos os povos conquistados como também pela disseminação da doutrina cristã no mundo romano que fortalecia o ideal de irmandade entre os homens tornando inviável o uso da mão de obra escrava como força pro dutiva da economia Notase portanto que as relações de produção na Anti guidade foram transformadas historicamente gerando contradi ções inconciliáveis com as forças produtivas Como síntese dessa contradição os aristocratas encontraram como saída o sistema do colonato já que muitos proprietários não tinham recursos para manter escravos ou pagar trabalhadores passaram a ad mitir que pessoas se fixassem em suas terras surgindo assim a figura do colono inicialmente um trabalhador livre No final do século 3º o governo romano instituiu o colona to lei que transformou o colono em um camponês preso à terra O colono cuidava de uma pequena parcela das terras de onde tirava o seu sustento e o de sua família Como pagamento devia entregar parte do que produzia ao proprietário VICENTINO DO RIGO 2013 A prática dos proprietários em estabelecer em suas terras trabalhadores dependentes da sua proteção originou a 242 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO servidão sistema de trabalho que predominou depois na Europa Ocidental a partir do século 9º As contradições da sociedade feudal O modo de produção feudal surgiu na Idade Média como síntese das contradições internas do modo de produção escravis ta próprio da Antiguidade Visando restaurar a economia que estava em crise por conta da falta de escravos foram necessá rias novas relações de produção e a base econômica passou a ser o arrendamento da propriedade do senhor feudal em troca da produção do servo que trabalhava um tempo para si e outro para o senhor As relações de produção eram baseadas na co brança de impostos por parte do senhor e por laços de depen dência à terra por parte do servo No entanto a partir do século 10º inovações de parte das forças produtivas técnicas agrícolas e emprego da energia pos sibilitaram o aumento da produção de alimentos e crescimento populacional transformando o feudalismo na Europa Entre as principais inovações técnicas na Idade Média podemos citar 1 Charrua um tipo de arado de roda com uma lâmina de ferro que substituiu o de madeira permitindo arar a terra com mais profundidade 2 Novo sistema de tração com o uso da colhera o atre lamento dos animais passou a ser feito pelo peito e não mais pelo pescoço aumentando assim a força de tração dos animais 3 Moinhos acionados por rodasdágua ou cataventos com os novos moinhos o trigo pôde ser moído com mais rapidez e eficiência 243 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 4 Rotação trienal de culturas cultivo alternado da ter ra ao longo de três anos em uma área dividida em três partes A cada ano enquanto duas áreas forne ciam produtos distintos a terceira permanecia em descanso As melhorias técnicas praticadas a partir do século 10º a redução das guerras feudais e o fim das invasões externas possi bilitaram elevar a produção de alimentos originando assim um excedente agrícola Com isso reduziuse o número de mortes por fome e doenças No século 13 a população europeia saltou de 23 milhões para 55 milhões de habitantes VICENTINO DORI GO 2013 Outra consequência do desenvolvimento de novas técni cas agrícolas foi a redução da necessidade de mão de obra nos campos Com isso muitos camponeses se deslocaram para as cidades em busca de novos meios de sobrevivência As cidades eram chamadas pelo nome de burgos enquanto as pessoas que habitavam as cidades eram chamadas de burgueses Estes dedi cavamse à produção de artigos nas oficinas artesanais à ativida de comercial e ao empréstimo de dinheiro A maioria da população da cidade era formada por traba lhadores das oficinas artesanais e por pequenos comerciantes Abaixo deles estava uma população heterogênea em geral mui to pobre que não tinha trabalho fixo e muitas vezes era obriga da a mendigar Com o aumento da população urbana surgiram novas ocupações profissionais e uma nova forma de organização do trabalho e da produção Entre as várias atividades artesanais a que mais se destacou foi a produção têxtil Na produção artesanal havia os mestres de ofício que eram os donos das oficinas e de todos os instrumentos Os arte 244 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO sãos de um mesmo ofício formavam a corporação de ofício uma associação que controlava a qualidade e o preço dos produtos e protegia os artesãos da concorrência VICENTINO DORIGO 2013 No início da expansão do comércio os mercadores viaja vam de um lugar para outro para vender suas mercadorias ali mentos objetos e peles tanto nas cidades como nas feiras realizadas em locais e datas fixas Entre as feiras destacavamse as da região de Champagne França localizadas entre as duas grandes áreas de comércio internacional o norte da península itálica e a região do Flandres VICENTINO DORIGO 2013 À medida que as cidades se desenvolviam e a atividade co mercial se expandia criaramse nos centros urbanos estruturas mercantis permanentes As trocas em nível local intensificaram se a circulação monetária cresceu e em decorrência disso as grandes feiras declinaram A manufatura deixou então de ser suficiente A organização feudal da indústria em que esta era circunscrita a corporações fechadas já não satisfazia as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados A manufatura a substituiu A pequena burguesia industrial suplantou os mes tres de corporações a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina Todavia os mercados ampliavamse cada vez mais a procura por mercadorias continuava a aumentar A própria manufatura tornouse insuficiente então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial A grande indústria moderna suplantou a manufatura a média burgue sia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria aos chefes de exércitos industriais aos burgueses modernos MARX ENGELS 2005 p 41 245 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO A classe burguesa moderna surge como síntese das con tradições da sociedade feudal Por isso para Marx a sociedade capitalista representa não só a negação do feudalismo como a sua superação a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento de uma série de transfor mações no modo de produção e de circulação MARX ENGELS 2005 p 41 Portanto quando as relações feudais de produção deixa ram de corresponder às expectativas criadas pelas novas forças produtivas da burguesia criouse uma instabilidade econômica que só poderia ser resolvida satisfatoriamente com a mudança do modo de produção A partir de então a classe da burguesia moderna manifestou a sua natureza revolucionária expropriou os privilégios do despotismo feudal e promoveu um novo modo de produção MARX ENGELS 2005 No lugar das relações eco nômicas de troca surgiram enfim livre comércio e concorrên cia tão defendidos pelos autores liberais do século 18 As contradições da sociedade capitalista Levando em consideração a lei da dialética de acordo com Marx assim como o feudalismo o modo de produção capitalista também estaria fadado a fracassar por conta de suas recorrentes crises provocadas pela luta de classes em questão entre os bur gueses capitalistas e os trabalhadores proletários Noutras pala vras assim como a burguesia foi a contradição interna do feuda lismo apresentandose como revolucionária em sua origem o proletariado também seria a contradição interna da burguesia de todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária MARX ENGELS 2005 p 49 246 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO E esse fortalecimento da classe proletária não decorre do simples acaso mas das condições criadas pela própria burguesia pois o desenvolvimento da classe burguesa apropriadora pressu põe o fortalecimento de uma antítese específica materializada na classe proletária expropriada A burguesia porém não limitouse a forjar as armas que lhe trarão a morte produziu também os homens que empunharão essas armas os operários modernos os proletários Com o desenvolvimento da burguesia isto é do capital desenvolvese também o proletariado a classe dos operários modernos os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho en quanto seu trabalho aumenta o capital MARX ENGELS 2005 p 46 Apesar de toda expropriação do trabalhador o que Marx observa com o avanço da indústria não é o total isolamento do operário mas também o crescente progresso da organiza ção da classe trabalhadora Em vez de trabalhadores alienados e submissos o próprio avanço do liberalismo burguês cria uma consciência operária sobre os limites e força de sua missão o progresso da indústria de que a burguesia é agente passivo e involuntário substitui o isolamento dos operários resultante da competição por sua união revolucionária resultante da associa ção MARX ENGELS 2005 p 51 A consciência da exploração não nasce de quem explora mas de quem é explorado Por isso os mesmos recursos que outrora fizeram com que a burguesia depusesse o feudalismo permitirão o proletariado por sua vez fazer o mesmo contra a burguesia as armas que a burguesia utilizou para abater o feu dalismo voltamse hoje contra a própria burguesia MARX EN GELS 2005 p 45 247 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Enfim de acordo com Marx a exploração burguesa produ zirá inevitavelmente a sua própria ruína pois da tese burguesa que promove a expropriação surge uma antítese proletária que se rebela revolucionariamente a tais condições A burguesia produz sobretudo seus próprios coveiros Seu declínio e a vitó ria do proletariado são igualmente inevitáveis MARX ENGELS 2005 p 51 O advento do comunismo e a ditadura do proletariado Como já observado Marx é enfático ao demonstrar segun do as leis do materialismo dialético que a história segue invaria velmente um processo de desenvolvimento e evolução a partir de contradições anteriores o feudalismo produziu a burguesia e esta para sobreviver precisará produzir justamente aquela clas se que a levará à morte o proletariado Não se trata de uma transição moralizadora ou idealista mas de uma passagem tão necessária quanto a dos fenômenos que regem a natureza É o próprio gênero humano que está em jogo tal transformação social significa a libertação não só do proletariado mas do gênero humano que padece sob as atuais condições MARX 2012 p 91 Por isso mais do que agremia ção resultante da vontade proletária o comunismo caracteriza se a princípio como a negação gerada pela própria produção capitalista MARX ENGELS 2005 MARX 2012 Marx concebe o comunismo como uma reforma social au daciosa e exigente que prevê a passagem da sociedade capita lista para o seu total oposto isto é uma sociedade sem proprie dade privada sem divisão do trabalho e classes Na obra Crítica ao programa de Gotha o autor deixa claro algumas condições e etapas para essa passagem para o comunismo 248 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Numa fase superior da sociedade comunista quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divi são do trabalho e com ela a oposição entre trabalho intelec tual e manual quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital quando juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira De cada um segundo suas capacidades a cada um segundo suas necessidades MARX 2012 p 33 Ao contrário do que ocorreu por exemplo com a União Soviética o fundamento do comunismo de Marx concentrase na abolição da propriedade privada e consequentemente na ex tinção do próprio Estado e não na transferência ou na atribui ção da propriedade privada ao Estado Essa questão aparece na obra Manuscritos econômicofilosóficos quando Marx diferencia o seu conceito de comunismo de um comunismo rude de na tureza política democrática ou despótica com uma aparente supressão do Estado mas simultaneamente ainda incompleto sempre ainda com a essência afetada pela propriedade privada MARX 2010b p 105 A tese de Marx consiste na afirmação de que a abolição da propriedade privada incluiria a redução ou o esgotamento gradual do Estado e do poder político Sem propriedade priva da não haveria mais a violência da dominação de uma classe sobre a outra chancelada pelo Estado Onde há Estado há ine vitavelmente dominação e por conseguinte escravidão é im pensável dominação sem escravidão oculta ou camuflada por isso somos inimigos do Estado MARX 2012 p 113 Ou seja sem a propriedade privada o Estado perderia o seu propósito e 249 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO se atrofiaria por si mesmo sobrando apenas nessa situação a possibilidade de um autogoverno do operariado Em Crítica ao programa de Gotha Marx explica o que seria essa extinção do Estado Os alemães são aproximadamente 40 milhões de pessoas Se rão por exemplo todos os 40 milhões membros do governo Certainly Pois a questão começa com o autogoverno da comu na O povo inteiro governará e não haverá nenhum governante Quando um homem governa a si mesmo segundo esse prin cípio ele não governa a si mesmo pois ele é ele mesmo e não outro Então não haverá governo não haverá Estado mas se ele for Estado então haverá também governantes e escravos Isto é resumindo se a dominação de classe desaparecer e não houver Estado no sentido político atual MARX 2012 p 114 De acordo com Marx o comunismo seria uma espécie de retorno à antropologia do trabalho enquanto característica fundamental da natureza humana Uma vez que a propriedade privada é o que estabelece os fundamentos do capitalismo da alienação do trabalhador e do domínio do Estado somente um trabalho exercido fora dos padrões estipulados pela proprieda de poderia ser considerado como verdadeiramente humano e comunista O trabalho é a atividade própria da espécie humana O traba lho é o especificamente humano aquilo que diferencia o ho mem do animal É apenas por meio do trabalho que o homem se torna homem Portanto trabalhador significa homem como homem que atua sobre si mesmo e não nos chamamos Par tido Operário apenas porque reconhecemos o trabalho como única base econômica da sociedade o trabalhador como único membro profícuo da sociedade razão pela qual escrevemos em nossa bandeira a obrigação geral ao trabalho mas tam bém porque reconhecemos o caráter legitimamente humano do trabalho pois o trabalho é o único suporte da civilização e da humanidade MARX 2012 p 99100 250 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Logo o comunismo leva em consideração que homem só é verdadeiramente livre e humano na medida em que o modo de produção da sociedade não estiver mais baseado na propriedade privada nem na dominação estatal Porém para que isso acon teça Marx afirmou ser necessária uma etapa de transição para o comunismo chamada por ele de ditadura do proletariado Entre a sociedade capitalista e a comunista situase o período da transformação revolucionária de uma na outra A ele corres ponde também um período político de transição cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado Mas o programa é alheio ao futuro ordenamento estatal da sociedade comunista MARX 2012 p 43 Essa etapa de transição chamada de socialista usaria do domínio organizado do proletariado para concentrar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado considerando portanto a classe proletária como a dominante O que Marx ten tou dizer é que não há a possibilidade de se chegar a uma socie dade sem classes e sem Estado isto é comunista sem passar pela fase intermediária da ditadura do proletariado O que quer dizer o proletariado organizado como classe do minante Quer dizer que os proletários em vez de combater individualmente as classes economicamente privilegiadas ad quiriram força e organização suficientes para empregar meios comuns de coerção contra elas MARX 2012 p 113 Entre as intervenções do proletariado democráticas e despóticas juntamente com Engels Marx prescreve no Ma nifesto do Partido Comunista uma lista de dez medidas básicas que precisam ser cumpridas como ações de transição para o comunismo 1 Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra para despesas do Estado 2 Imposto fortemente progressivo 251 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 3 Abolição do direito de herança 4 Confisco da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes 5 Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital de Estado e com monopólio exclusivo 6 Centralização de todos os meios de comunicação e transpor te nas mãos do Estado 7 Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção arroteamento da terra incultas e melhoramento das terras cultas segundo um plano geral 8 Unificação do trabalho obrigatório para todos organização de exércitos industriais particularmente para a agricultura 9 Unificação dos trabalhos agrícola e industrial abolição gra dual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais igualitária da população pelo país 10 Educação pública e gratuita a todas as crianças abolição do trabalho das crianças nas fábricas tal como é praticado hoje Combinação da educação com a produção material etc MARX ENGELS 2005 p 58 É óbvio que essa lista apresentada por Marx e Engels é fundamentalmente despótica No entanto levando em consi deração que tais medidas para Marx deveriam ter o caráter de transitórias devese pontuar que do ponto de vista histórico nenhuma nação que promoveu ou tentou uma revolução comu nista conseguiu de fato chegar ao estágio comunista isto é à etapa final da abolição da propriedade privada e extinção do Estado Se pensarmos mesmo que rapidamente sobre a natureza dos Estados intitulados comunistas poderemos perceber que na realidade eles nunca passaram da fase de transição do so cialismo E mais ainda estão na contramão daquilo que Marx 252 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO cogitou como comunismo o que nos leva a pensar que as re voluções comunistas do século 20 não foram essencialmente marxistas I As leituras indicadas no Tópico 3 4 apresentam os prin cipais elementos que justificam a luta de classes como motor da história além de considerar a contradição dialética como método fundamental para a análise sociológica Neste mo mento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 25 O CAPITAL E O SEU SISTEMA A análise do capital foi um dos grandes esforços do pensa mento marxista que não só empreendeu uma crítica ao modo de produção capitalista como também promoveu uma análise sem igual sobre os fundamentos desse sistema que vão desde a definição do valor de equivalência das mercadorias até o proces so de acumulação do capital tendo sempre como pano de fundo a condição do trabalhador no contexto industrial O valor de equivalência das mercadorias Na obra O capital Marx inicia a análise do sistema capita lista pelo conceito de mercadoria Para o autor o que caracte rizaria uma mercadoria seria o fato de ela servir para uma ne cessidade humana e poder ser trocada por outras por meio da equivalência de um valor Temos aqui uma equação muito mais complexa do que se imagina e que pode ser caracterizada se gundo Marx por três elementos valor de uso valor de troca e equivalência de valor 253 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O valor de uso diz respeito às qualidades físicas de uma mercadoria que por conta de sua especificidade satisfazem mais a uma necessidade do que a outras a mercadoria é antes de tudo um objeto externo uma coisa a qual pelas suas pro priedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie MARX 1996a p 165 Por exemplo um chapéu pode ser usado em muitas situações porém seu valor de uso será maior em si tuações nas quais os indivíduos estão expostos ao sol à chuva ou outras condições específicas que tornam esse objeto indispensá vel A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso MARX 1996a p 166 Logo o valor de uso é caracterizado tanto pela necessidade como pela utilidade Todavia de acordo com Marx somente o valor de uso não é suficiente para a compreensão da lógica do mercado uma vez que o valor de uso se realiza somente no uso ou no consumo MARX 1996a p 166 Numa sociedade de autossubsistência a produção de algo não prevê o comércio da mercadoria mas apenas o seu uso imediato Mas numa sociedade produtora de mercadorias como a industrial por exemplo o valor de uso só se torna efetivamente útil na medida em que for orientado por outro tipo de fator o valor de troca Valor de troca segundo Marx é a possibilidade de um produto ser trocado por outro totalmente distinto Por exemplo quando 1 quarter de trigo medida inglesa equivalente a 127 quilos é trocado por x de graxa de sapato ou por y de seda ou por z de ouro etc MARX 1996a p 166 temos então a aplica bilidade de uma troca comercial Nas palavras de Marx O valor de troca aparece de início como a relação quantitativa a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço MARX 1996a p 166 254 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO A partir do que foi exposto é possível concluir duas observações O valor troca tem como pressuposto um valor de uso uma vez que ninguém negociará um produto sem que ele tenha uma devida necessidadeutilidade Ou seja os valores de uso são portadores de qualquer valor de troca Os valores de uso constituem o conteúdo mate rial da riqueza qualquer que seja a forma social desta Eles constituem ao mesmo tempo os portadores materiais do valor de troca MARX 1996a p 166 No valor de troca a diferenciação entre produtos não é apenas quantitativa uma vez que as medidas troca das não são necessariamente as mesmas mas funda mentalmente qualitativa ou seja não são os mesmos produtos muito menos as mesmas unidades de medi da Essa observação abre precedentes que advogam a favor da necessidade de um terceiro elemento que pro mova a equivalência dos distintos valores de uso para que assim seja possível qualquer possibilidade de troca comercial Nesse ponto Marx questiona se o capitalismo está basea do no comércio troca de mercadorias quantitativa e qualitati vamente diferentes o que poderia regular as equações de troca de um modo universal e necessário O que mercadorias tão dife rentes teriam em comum a ponto de poderem ser trocadas Por exemplo trigo graxa e seda são produtos totalmente distintos com medidas diferentes e voltados para necessidades especi ficas o que justificaria então a equivalência de produtos dife rentes para um mesmo valor de troca Sem dúvida existe uma contradição patente entre os dois fatores da mercadoria o va lor de troca parece portanto algo casual e puramente relativo 255 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO um valor de troca imanente intrínseco à mercadoria portanto uma contradictio in adjecto contradição nos próprios termos MARX 1996a p 166 É justamente essa contradição inicial e aparente que Marx deseja dissolver qual elemento comum pode equiparar as pro priedades úteis de produtos distintos Qual seria o critério para a criação de uma lei da equivalência de mercado De resto quando digo que um quarter de trigo se troca por fer ro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa que não é trigo nem ferro pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas dis tintas Portanto cada um desses dois objetos tanto o trigo como o ferro deve poder reduzirse independentemente um do outro àquela terceira coisa que é a medida comum de am bos MARX 1996a p 91 Marx tem noção de que esse problema não pode ser re solvido dentro do campo sensível isto é pela simples troca de produtos que já se mostrou contraditória mas a partir de um terceiro elemento abstrato e não sensível esse algo em comum não pode ser uma propriedade geométrica física química ou qualquer outra propriedade natural das mercadorias MARX 1996a p 167 Pelo contrário o valor de troca só pode ser o modo de expressão a forma de manifestação de um conteúdo dele distinguível MARX 1996a p 166 Ou seja o elemento comum e de equivalência de valor precisa ser abstraído das características materiais presentes nas mercadorias trocadas Isso quer dizer que ele não se fundamen ta nem na necessidade nem na utilidade dos produtos 256 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO É precisamente a abstração de seus valores de uso que caracte riza evidentemente a relação de troca das mercadorias Dentro da mesma um valor de uso vale exatamente tanto como outro qualquer desde que esteja disponível em proporção adequada MARX 1996a p 167 A questão que se impõe neste momento é a seguinte o que restaria da relação de troca quando dela estão prescindidas as qualidades materiais dos produtos trocados Se abstrairmos das mercadorias as suas diferentes qualidades úteis e naturais o que nos sobraria Marx enfim responde deixando de lado en tão o valor de uso dos corpos das mercadorias resta a elas ape nas uma propriedade que é a de serem produtos do trabalho MARX 1996a p 167 Noutras palavras o valor da equivalência da troca das mer cadorias está relacionado ao tempo de trabalho humano des pendido no momento de sua produção Mas Adam Smith já não tinha observado que o valor das mercadorias dependia do tem po de trabalho gasto na produção Qual seria então a novidade de Marx A novidade é que essa equivalência não é o tempo de trabalho por ele mesmo mas o que ele chama de tempo de trabalho socialmente necessário isto é um tempo adequado para produzir um valor de uso qualquer nas condições dadas de produção socialmente normais e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho MARX 1996a p 169 É neste ponto isto é no que diz respeito ao salário e às condições de trabalho que Marx contraria as equações de equi valência econômica dos liberalistas clássicos O intercâmbio das mercadorias precisa ser pensado como uma relação humana de produtores e não de coisas em si mesmas trocadas Por isso só tem sentido falar de valor de troca da mercadoria em si quando se 257 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO atenta para o fato de que ela é resultado da força de trabalho humano O valor das mercadorias é determi nado pelo valor do trabalho ou o que vem a dar no mesmo O valor do trabalho é a medida geral do valor MARX 1996a p 89 Uma vez que o valor das mercadorias é calculado pela quantidade de tempo humano despendido para produ zilas então tornase fundamental pensar nas variáveis que qualificam esse tempo de trabalho o tempo de trabalho pago ao trabalhador é realmente o tempo ne cessário para a produção daquela mercadoria Por isso independentemente de a troca ser realizada de maneira direta ou por meio da moeda o fato é que nenhuma mercadoria pode ser trocada por outra se o trabalho necessário para produzir a primeira não é proporcional ao trabalho necessário que produziu a segunda Marx prossegue Se então a quantidade de trabalho socialmente necessário materializado nas mercadorias é o que determina o valor de troca destas ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu va lor e viceversa diminuindo aquela baixa este Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para produzir as respecti vas mercadorias permanecessem constantes seriam também constantes seus valores relativos isto é seus salários Porém assim não sucede MARX 1996a p 95 Será por meio dessa análise da compra da força de traba lho que Marx enfim chegará a uma derradeira questão funda mental em que medida o sistema capitalista favorece o acúmulo de capital às custas da expropriação do trabalhador 258 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O trabalho como mercadoria e seu valor de troca Como já observado o tempo de trabalho despendido é fundamental para o valor de troca das mercadorias Mas consi derando o caso de o trabalho humano se tornar ele mesmo uma mercadoria o trabalho aparenta ter uma dupla função não ape nas ser o critério de equivalência do valor de troca mas também uma mercadoria passível de ser vendida ao capitalista em troca do salário Se o trabalho é uma mercadoria então ele precisa ter tam bém um valor de uso e um valor de troca Seu valor de uso está relacionado à produção de coisas úteis passíveis de serem co mercializadas e trocadas no mercado capitalista o trabalho cuja utilidade representase assim no valor de uso de seu produto ou no fato de que seu produto é um valor de uso chamamos em resumo trabalho útil MARX 1996a p 171 Já o valor de troca diz respeito ao critério de equivalência de valor para a troca comercial entre trabalhador e patrão Abs traindose da determinação da atividade produtiva e portanto do caráter útil do trabalho resta apenas que ele é um dispêndio de força humana de trabalho MARX 1996a p 173 Vejamos o valor da força de trabalho de um assalariado como de toda mercadoria é estabelecido pelo tempo de trabalho necessário para produzir os bens destinados à sobrevivência do trabalhador como alimentação moradia tempo de descanso etc Portanto o valor de todos esses bens consumidos é o valor de sua força de trabalho MARX 1996a Teoricamente o capitalista deveria pagar de maneira justa por meio do salário a mercadoria força de trabalho que está comprando conforme o valor de troca isto é o salário deveria corresponder ao custo da própria manutenção do trabalhador e 259 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO de sua família No entanto não é isso que ocorre Para explicar esse processo Marx então recorre ao conceito de maisvalia O conceito de maisvalia A questão que orienta o conceito de maisvalia é justa mente a seguinte o que pode efetivamente fazer um capitalista lucrar A princípio alguém poderia supor que o simples aumento de preço de venda do produto poderia responder a essa questão No entanto essa hipótese pode trazer alguns inconvenientes O aumento repentino de um preço de venda aumentará a concorrência uma vez que outros capitalistas também desejarão lucrar com o produto mais caro Isso lotará o mercado com produtos semelhantes e prejudicará a lei da oferta e da procura O resultado será a queda dos preços O aumento repentino de um preço de venda também incentivará o aumento repentino do preço de outros produtos Esse sistema pode funcionar por um tempo mas se persistir pode desorganizar a economia como um todo Por isso segundo Marx o lucro do capitalista não decorre da compra e venda de mercadorias mas da maneira como ex propria o trabalhador no momento da produção É nesse senti do que entra em cena o conceito de maisvalia Observe como Marx descreve esse processo Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro Vimos que para re compor diariamente a sua força de trabalho esse fiandeiro pre cisava reproduzir um valor diário de 3 xelins o que realizava com um trabalho diário de 6 horas Isso porém não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais diariamente Mas o capitalista ao pagar o valor diário ou semanal da força de 260 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO trabalho do fiandeiro adquire o direito de usála durante todo o dia ou toda a semana Fáloá trabalhar portanto digamos 12 horas diárias quer dizer além das 6 horas necessárias para recompor o seu salário ou o valor de sua força de trabalho terá de trabalhar outras 6 horas a que chamarei de horas de so bretrabalho e esse sobretrabalho irá traduzirse em uma mais valia e em um sobreproduto MARX 1996a p 101 Ou seja para garantir a sua sobrevivência e recompor o seu descanso bastariam 6 horas de trabalho No entanto pelo fato de o trabalhador estar disponível para trabalhar mais tem po ele acaba produzindo bem mais do que foi calculado no caso 6 horas a mais O valor desse tempo a mais trabalhado maior do que aquele estipulado inicialmente deixa de ser pago ao trabalhador no caso exemplificado um total de 3 xelins e passa a ser investido para gerar mais capital Esse trabalho exce dente Marx chamou de maisvalia Portanto a maisvalia se trata justamente do valor corres pondente à quantidade de trabalho despendido pelo trabalha dor mas que é reembolsado indevidamente pelo capitalista no decorrer do processo de produção Desse processo Marx pon tua duas observações Confundese o valor da força de trabalho isto é a equi valência daquilo que é necessário para a subsistência do trabalhador pelo preço do trabalho realizado Nesse caso se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins nos quais se materializam 6 horas de trabalho e ele traba lha 12 horas o empregado considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho MARX 1996a p 102 A falta de precisão do valor de troca da força de traba lho encobre a maisvalia e impõe a ingenuidade de que 261 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO todo trabalho realizado de alguma maneira é pago Nesse caso ainda que só se pague uma parte do traba lho diário do operário enquanto a outra parte fica sem remuneração mesmo assim fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago MARX 1996a p 102 Fo nte Astuareg apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 132 Figura 3 Capitalismo 262 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Dessa maneira para Marx a essência do capitalismo con siste justamente na expropriação privada dessa maisvalia dan do origem ao lucro A produção capitalista que é essencialmente produção de maisvalia absorção de maistrabalho produz portanto com o prolongamento da jornada de trabalho não apenas a atrofia da força de trabalho a qual é roubada de suas condições normais morais e físicas de desenvolvimento e atividade Ela produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de tra balho MARX 1996a p 379 A própria alienação do proletariado indica a impossibilida de de reversão desse quadro A maisvalia tornouse para o capi talismo de acordo com Marx o canal de acumulação do capital representado da seguinte forma dinheiro inicialmente investido D utilizado para a aquisição dos meios de produção e da força de trabalho M gera o dinheiro lucrado D às custas da mais valia O ciclo D M D parte do extremo do dinheiro e volta finalmente ao mesmo extremo Seu motivo indutor e sua finalidade determinante é portanto o próprio valor de troca MARX 1996a 270 Com isso observase que o dinheiro produzido é maior que a quantidade de dinheiro inicialmente despendida No capi talismo a classe dominante apropriase da maisvalia mas não a consome para suas necessidades ela é permanentemente in vestida e reinvestida na produção para assim extrair mais ca pital Logo não é todo dinheiro que se transforma em capital para Marx só se transforma em capital aquele dinheiro que é investido de modo a produzir a maisvalia por meio do trabalho assalariado A partir da descrição desse processo de maisvalia Marx caracteriza o caráter exploratório do sistema capitalista cujo 26 AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUNDO HABERMAS Uma das características básicas do contexto atual é a nova forma de organização do sistema políticoeconômico A sociedade de classes e as relações de produção do século 19 não são as mesmas que as de hoje Nesse sentido algumas teses marxistas precisam ser revistas em especial o conceito de infraestrutura econômica e consequentemente o conceito de luta de classes Jürgen Habermas autor alemão e integrante da Escola de Frankfurt na obra Crise de legitimiação do capitalismo tardio afirma que uma das características do capitalismo avançado é a direta intervenção do Estado como princípio regulador das instabilidades do capital HABERMAS 1999 p 4748 1994 p 68 Isso significa que tentar compreender o sistema econômico da atualidade com categorias especificamente marxistas poderá ser insuficiente principalmente em vista do novo caráter de atuação do poder político 264 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Para Marx na base da sociedade encontrase uma infraes trutura econômica que regulando os mecanismos de trabalho capital condiciona as superestruturas política jurídica e cultural MARX 2008 p 4748 Ora segundo Habermas 1994 p 69 pelo fato de que a política já não é apenas um fenômeno su perestrutural mas também elemento regulador infraestrutu ral a tese do condicionamento da base econômica não se aplica mais ao capitalismo avançado Um tipo de análise que isola metodicamente as leis do movi mento econômico da sociedade só pode pretender captar nas suas categorias essenciais o contexto da vida social quando a política depende da base econômica e não inversamente quando essa base se deve considerar já como função da ativi dade do Estado e de conflitos decididos na esfera do político A crítica da economia política era segundo Marx teoria da so ciedade burguesa só como crítica das ideologias Mas quando a ideologia da troca justa se desmorona então não pode criticar se também de forma imediata nas relações de produção o sistema de dominação HABERMAS 1994 p 69 Ou seja levar em consideração o debate sociológico a par tir do conceito de infraestrutura econômica marxista seria incor rer numa contradição entre argumentação e contexto socioeco nômico contemporâneo A crise atual não é apenas econômica isto é advinda de uma ideologia da livre troca de equivalentes trabalho e salário que camufla a dominação de uma classe por outra e por isso assegura uma contradição constante entre acúmulo de capital na exploração do trabalhador extração da maisvalia e perda de capital na venda de mercadoria ausên cia de trabalhadores consumidores Além da crise econômica com suas instabilidades recor rentes e autodestrutivas há também uma crise de racionalida de que apesar de estar relacionada ao sistema político admi 265 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO nistrativo Estado atinge indiretamente o campo sociocultural pois juntamente com outras instituições sofre os reflexos da incapacidade de administração do poder estatal em conciliar os interesses capitais do público e do privado HABERMAS 1999 Para dificultar mais ainda a aplicação ortodoxa do concei to de infraestrutura econômica como tese de condicionamento unilateral há também as crises que estão ligadas ao sistema so ciocultural que atingem diretamente o campo educacional em especial a crise de legitimação A escola sofre sim uma coação mas que não é apenas econômica e sim também políticoadmi nistrativa que se manifesta desde a gestão local até os planeja mentos federais Para Habermas quando o planejamento administrativo transfere seus interesses para o campo das instituições socio culturais a tendência é provocar nestas uma perturbação que se manifesta no gradual crescimento da crise de legitimação No entanto enquanto a reflexão sociológica estiver presa a catego rias economicistas muito provavelmente a lógica da reprodução sistêmica continuará na sociedade sem sofrer nenhum estranha mento o que fará com que as orientações privatistas família e instâncias civis em geral ainda continuem apoiando indiscrimi nadamente as regras sistêmicas Outra categoria que também precisa ser redimensionada é a de luta ou conflito de classes Afinal de contas como funda mentar um discurso economicista se as crises pelas quais passa a luta de classes não são mais legitimadas pela própria ideologia de classes mas sim por uma tendência tecnicista que trabalha com a ideia da despolitização das massas Habermas 1994 p 7677 conclui 266 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Portanto o conflito decorrente da diferença de classes conti nua latente porém o conceito de luta de classes como motor das transformações sociais já não pode ser tão ingenuamente aplicado no contexto atual o capitalismo estatalmente regula do que surgiu de uma reação contra as ameaças aos sistemas geradas pelo antagonismo aberto das classes pacifica o conflito das classes O sistema do capitalismo tardio está a tal ponto determinado por uma política de compensações que assegura a lealdade das massas dependentes do trabalho ou seja por uma política de evitação do conflito que é precisamente este conflito incrustado sem cessar na estrutura da sociedade com a regularização do capital em termos de economia privada o que com a maior probabilidade irá permanecer latente No capitalismo avançado não se tem mais a noção de con flitos de classes mas de uma dominação sistêmicaestatal que aponta tanto para a prevenção de conflitos vistos aqui como algo negativo para o sistema de estabilidade econômica como para mecanismos de internalização de comportamentos que es tão voltados para o progresso do lucro de maneira ordenada com políticas públicas de incentivo ao financiamento e à lógica do consumo As leituras indicadas no Tópico 3 6 apresentam ques tões relacionadas à importância do pensamento marxista para a história bem como os devidos cuidados conceituais para a distinção entre o que foi o pensamento de Marx e o que é a li vre e popular interpretação do mesmo Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 267 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 AS ORIGENS DO MATERIALISMO CRÍTICAS As origens do materialismo levam em consideração diver sas críticas de Marx ao idealismo hegeliano aos economistas clássicos ao Socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda Para complementar a sua leitura leia os artigos indicados BARBA C H Aspectos filosóficos da crítica de Marx à Filosofia do Direito de Hegel Revista Opinião Filosófi ca Porto Alegre v 8 n 2 p 201224 2017 Disponível em httpperiodicoabavarescocombrindexphp opiniaofilosoficaarticledownload802692 Acesso em 22 nov 2019 BIANCHI Á A mundanização da Filosofia Marx e as Origens da Crítica da Política TransFormAção São 268 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Paulo v 29 n 2 p 4364 2006 Disponível em http wwwscielobrpdftransv29n2v29n2a05pdf Acesso 22 nov 2019 GRESPAN J Marx crítico da teoria clássica do valor Crítica Marxista v 1 n 12 p 5976 2001 Disponível em httpswwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivos biblioteca03gresppdf Acesso em 22 nov 2019 32 ALIENAÇÃO DO TRABALHO Para aprofundar as principais questões sobre o conceito de trabalho para Marx bem como as condições alienadoras que tomam conta do trabalhador na sociedade capitalista leia os ar tigos indicados a seguir FRANCO T Alienação do trabalho despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza Caderno CRH Salvador v 24 n especial 1 p 171191 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfccrh v24nspe1a12v24nspe1pdf Acesso em 22 nov 2019 SEMERARO G A concepção de trabalho na filosofia de Hegel e de Marx Educação e Filosofia Uberlândia v 27 n 53 p 87104 janjun 2013 Disponível em httpwwwseerufubrindexphpEducacaoFilosofia articleview1499112680 Acesso em 22 nov 2019 33 O MATERIALISMO HISTÓRICO O materialismo histórico de Marx leva em consideração uma transformação da realidade concreta modos de produção e relações de produção e não das ideias Para saber mais leia os artigos indicados a seguir 269 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO BORDIN R A O caráter históricosocial do conhecimen to no pensamento de Marx TransFormAção Marília v 40 n 2 p 157174 abrjun 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdftransv40n301013173 trans40030157pdf Acesso em 22 nov 2019 COSTA C A S Premissas conceituais sobre a formação do Materialismo de Marx Praxis Filosófica Nueva serie n 31 p 6172 juldez 2010 Disponível em http wwwscieloorgcopdfpafin31n31a04pdf Acesso em 22 nov 2019 34 O MATERIALISMO DIALÉTICO Segundo Marx a luta de classes é o motor da história É pela contradição das classes que as sociedades progridem No entanto para isso é preciso modificar o modo de produção Logo a proposta de Marx é substituir o modo de produção capi talista pelo modo de produção proletário Sobre o assunto leia os artigos indicados a seguir FERLA G B ANDRADE R B A transição do feudalis mo para o capitalismo Synergismus Scyentifica Pato Branco UTFPR n 2 2007 Disponível em httpre vistasutfpredubrpbindexphpSysScyarticleviewFi le24024 Acesso em 22 nov 2019 HIRANO S Política e economia como formas de domi nação o trabalho intelectual em Marx Tempo Social Revisa de Sociologia da USP São Paulo v 13 n 2 p 120 nov 2001 Disponível em httpwwwscielobr pdftsv13n2v13n2a01pdf Acesso em 22 nov 2019 270 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ZAGO L H O método dialético e a análise do real Kri terion Belo Horizonte n 127 p 109124 jun 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfkrv54n127 n127a06pdf Acesso em 22 nov 2019 35 O CAPITAL E SEU SISTEMA Sobre a questão de valor de uso e valor de troca das mer cadorias como também do valor do trabalho como mercadoria leia os artigos indicados a seguir Eles oferecerão um comple mento interessante para as leituras realizadas até então GONTIJO C O valortrabalho como fundamento dos preços Economia e Sociedade Campinas v 18 n 3 37 p 493511 dez 2009 Disponível em http wwwscielobrpdfecosv18n3v18n3a03pdf Acesso em 22 nov 2019 LOYOLA P R G Valor e maisvalia examinando a atuali dade do pensamento econômico de Marx Argumentos ano 1 n 2 p 130138 2009 Disponível em http wwwperiodicosufcbrargumentosarticledown load1893729658 Acesso em 22 nov 2019 36 ERROS E ACERTOS DO MARXISMO Seria um erro gravíssimo julgar todas as interpretações marxistas da história como obra de Karl Marx Sem dúvida algu ma o marxismo inspirou revoluções populares como também revoluções sangrentas Todavia é preciso reconhecer não ape nas erros do marxismo mas também acertos Por isso apesar de tudo Marx ainda continua indispensável para uma crítica eco 271 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO nômica e para o campo das Ciências Sociais Sobre esse assunto leia os artigos indicados a seguir MARTINS M V O marxismo não é um historicismo acertos e limites de uma tese althusseriana Crítica marxista n 34 p 6785 2012 Disponível em https wwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivosbiblio tecaartigo273mergeddocument257pdf Acesso em 22 nov 2019 MUSSE R O legado de Marx no Brasil Estudos Avança dos São Paulo v 22 n 63 p 327333 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdfeav22n63v22n63a26 pdf Acesso em 22 nov 2019 LÖWY M Por um marxismo crítico Lutas sociais n 3 p 1230 1997 Disponível em httpwww4pucspbr neilsdownloadsv3artigomichaelpdf Acesso em 22 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Leia o texto a seguir O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção forma o que Marx chama de a infraestrutura de uma sociedade que por sua vez é a base sobre a qual se constituem as demais instituições sociais Segundo a concepção materialista da história na produção da vida social os homens geram também outra espécie de produtos que não têm forma material e que vêm a ser as ideologias políticas concepções religiosas códigos morais e estéticos sistemas legais de ensino de comunicação o 272 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO conhecimento filosófico e científico representações coletivas etc cujo conjunto é chamado de superestrutura ou supraestrutura QUINTANEIRO BARBOSA OLIVEIRA 2000 p 74 Sobre esse modo de entender e explicar a constituição da sociedade assi nale a alternativa correta a A produção das ideologias o conjunto de pensamentos e os pro dutos para satisfação das necessidades humanas denominamse infraestrutura b A superestrutura corresponde à produção material para que o indiví duo tenha condições de satisfazer às necessidades básicas c Na concepção materialista da história os homens produzem tanto as condições materiais de existência quanto suas ideias ideologias e a própria cultura d O ser humano tem condições de produzir a infraestrutura mas não a superestrutura e Para produzir a infraestrutura é necessário ter conhecimento filosófi co ideológico e científico 2 Leia o trecho a seguir Na produção social que os homens realizam eles entram em determina das relações indispensáveis e independentes de sua vontade tais relações de produção correspondem a um estágio definido de desenvolvimento das suas forças materiais de produção A totalidade dessas relações cons titui a estrutura econômica da sociedade fundamento real sobre o qual se erguem as superestruturas política e jurídica e ao qual correspondem determinadas formas de consciência social MARX 1977 Para o autor a relação entre economia e política estabelecida no sistema capitalista faz com que a o proletariado seja contemplado pelo processo de maisvalia b o trabalho se constitua como o fundamento real da produção material c a consolidação das forças produtivas seja compatível com o progresso humano d a autonomia da sociedade civil seja proporcional ao desenvolvimento econômico e A burguesia revolucione o processo social de formação da consciência de classe 273 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 c 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou algumas categorias fundamentais do pensamento de Marx Tratase de um sistema complexo que merece ser estudado com atenção e foco Por isso sugerimos que sua leitura não pare por aqui que ela continue a partir das referências bibliográficas apresentadas e das sugestões de leitura feitas no decorrer da unidade e no Conteúdo Digital Integrador Na próxima unidade abordaremos o pensamento de outro autor importante Max Weber Com ele poderemos inclusive re finar a nossa crítica ao pensamento marxista de modo a conce ber tanto seus erros como seus acertos 6 EREFERÊNCIAS Figura Figura 1 Karl Marx Disponível em httpswwwinfoescolacombiografiaskarl marx Acesso em 21 nov 2019 Sites consultados ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Karl Marx documentário Filósofos e a Educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvlG65HHIM6Ws Acesso em 19 nov 2019 274 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO BARBA C H Aspectos filosóficos da crítica de Marx à Filosofia do Direito de Hegel Revista Opinião Filosófica Porto Alegre v 8 n 2 p 201224 2017 Disponível em httpperiodicoabavarescocombrindexphpopiniaofilosoficaarticle download802692 Acesso em 22 nov 2019 BARROS FILHO C Por que ler Marx 2015 Disponível em httpswwwyoutube comwatchvm93ihi0DIgE Acesso em 10 out 2018 BBC RADIO THE OPEN UNIVERSITY Karl Marx Alienação 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgpiZajWS1E Acesso em 19 nov 2019 BIANCHI Á A mundanização da Filosofia Marx e as Origens da Crítica da Política TransFormAção São Paulo v 29 n 2 p 4364 2006 Disponível em httpwww scielobrpdftransv29n2v29n2a05pdf Acesso 22 nov 2019 BORDIN R A O caráter históricosocial do conhecimento no pensamento de Marx TransFormAção Marília v 40 n 2 p 157174 abrjun 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdftransv40n301013173trans40030157pdf Acesso em 22 nov 2019 CARCANHOLO M Curso O capital de Marx Aula 03 2017 Disponível em https wwwyoutubecomwatchv6JYKsqECnoI Acesso em 19 nov 2019 COSTA C A S Premissas conceituais sobre a formação do Materialismo de Marx Praxis Filosófica Nueva serie n 31 p 6172 juldez 2010 Disponível em http wwwscieloorgcopdfpafin31n31a04pdf Acesso em 22 nov 2019 FERLA G B ANDRADE R B A transição do feudalismo para o capitalismo Synergismus Scyentifica Pato Branco UTFPR n 2 2007 Disponível em httprevistasutfpredu brpbindexphpSysScyarticleviewFile24024 Acesso em 22 nov 2019 FRANCO T Alienação do trabalho despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza Caderno CRH Salvador v 24 n especial 1 p 171191 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfccrhv24nspe1a12v24nspe1pdf Acesso em 22 nov 2019 FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO Adam Smith e Karl Marx Liberalismo e Socialismo Globo Ciência Disponível em httpswwwyoutubecom watchvQOmFyRpTvFMt19s Acesso em 19 nov 2019 GHIRALDELLI P Chega de ler Marx de modo errado Disponível em httpswww youtubecomwatchvOhyvthbhvWU Acesso em 19 nov 2019 GONTIJO C O valortrabalho como fundamento dos preços Economia e Sociedade Campinas v 18 n 3 37 p 493511 dez 2009 Disponível em httpwwwscielo brpdfecosv18n3v18n3a03pdf Acesso em 22 nov 2019 275 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO GRESPAN J Curso O capital de Marx Aula 4 Disponível em httpswwwyoutube comwatchvuYgbuJB7Ckindex1listPLHiE8QPap5vQkpEnx192YpqOnAdbSY2 Cb Acesso em 19 nov 2019 Marx crítico da teoria clássica do valor Crítica Marxista v 1 n 12 p 59 76 2001 Disponível em httpswwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivos biblioteca03gresppdf Acesso em 22 nov 2019 HIRANO S Política e economia como formas de dominação o trabalho intelectual em Marx Tempo Social Revisa de Sociologia da USP São Paulo v 13 n 2 p 120 nov 2001 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv13n2v13n2a01pdf Acesso em 22 nov 2019 LÖWY M Por um marxismo crítico Lutas sociais n 3 p 1230 1997 Disponível em httpwww4pucspbrneilsdownloadsv3artigomichaelpdf Acesso em 22 nov 2019 LOYOLA P R G Valor e maisvalia examinando a atualidade do pensamento econômico de Marx Argumentos ano 1 n 2 p 130138 2009 Disponível em httpwwwperiodicosufcbrargumentosarticledownload1893729658 Acesso em 22 nov 2019 MARTINS M V O marxismo não é um historicismo acertos e limites de uma tese althusseriana Crítica marxista n 34 p 6785 2012 Disponível em httpswwwifch unicampbrcriticamarxistaarquivosbibliotecaartigo273mergeddocument257 pdf Acesso em 22 nov 2019 MUSSE R O legado de Marx no Brasil Estudos Avançados São Paulo v 22 n 63 p 327333 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdfeav22n63v22n63a26 pdf Acesso em 22 nov 2019 PAULANI L Curso O capital de Marx Aula 02 2017 Disponível em httpswww youtubecomwatchvT9x0gFHuON4 Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Ideologia em Marx Engels e Lukács 2016 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvPO42EKGODCA Acesso em 19 nov 2019 Adam Smith David Ricardo Karl Marx Disponível em httpswwwyoutube comwatchvtaiKSqF0NM Acesso em 19 nov 2019 PRADO E Curso O capital de Marx Aula 01 2017 Disponível em httpswww youtubecomwatchv4uowkYMKs Acesso em 19 nov 2019 RAGO FILHO A A crítica do idealismo em Marx e Engels IV Curso Livre MarxEngels 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvjuhXSI3Jb7k Acesso em 19 nov 2019 276 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 19 nov 2019 SEMERARO G A concepção de trabalho na filosofia de Hegel e de Marx Educação e Filosofia Uberlândia v 27 n 53 p 87104 janjun 2013 Disponível em http wwwseerufubrindexphpEducacaoFilosofiaarticleview1499112680 Acesso em 22 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Karl Marx Disponível em httpswwwyoutube comwatchv2DmlHFtTplA Acesso em 19 nov 2019 ZAGO L H O método dialético e a análise do real Kriterion Belo Horizonte n 127 p 109124 jun 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfkrv54n127n127a06 pdf Acesso em 22 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON R As etapas do pensamento sociológico 5 ed Trad Sérgio Bath São Paulo Martins Fontes 2000 O marxismo de Marx 3 ed Trad Jorge Bastos São Paulo Arx 2005 O ópio dos intelectuais Trad Yvone Jean Brasília Universidade de Brasília 1980 COTRIM G FERNANDES M Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 2013 ENGELS F Engels to Conrad Schmidt in Berlin London 5 August 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 189092 London Lawrence Wishart 2010a v 49 p 69 Engels to Eduard Bernstein in Zurich London 23 November 1882 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 188083 London Lawrence Wishart 2010b v 46 p 353358 Engels to Paul Lafargue at Le Perreux Bellevue Hotel Folkestone 27 August 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 189092 London Lawrence Wishart 2010c v 49 p 2123 Reply to the editors of the Sächsische ArbeiterZeitung To the editors of the Sozialdemokrat London September 7 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Engels 189095 London Lawrence Wishart 2010d v 27 p 6971 FREITAG B Habermas e a Teoria da Modernidade Revista Perspectivas São Paulo n 16 p 3738 1993 277 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO HABERMAS J A crise de legitimação no capitalismo tardio Trad Vamireh Chacon 3 ed Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1999 Técnica e ciência como ideologia Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1994 HEGEL G W F Fenomenologia do espírito Petrópolis Vozes 1992 v 1 Filosofia da História Brasília Editora UnB 1995 Filosofía del Espíritu In Filosofía Real Trad ed José María Ripalda Madrid Fondo de Cultura Económica de España 2006 p 151234 Princípios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino São Paulo Martins Fontes 1997 MACHADO I J R AMORIM H BARROS C R Sociologia hoje São Paulo Ática 2013 MARX K Contribuição à Crítica da Economia Política Trad Introdução de Florestan Fernandes 2 ed São Paulo Expressão Popular 2008 Crítica da Filosofia do Direito de Hegel Trad Rubens Enderle e Leonardo de Deus São Paulo Boitempo 2010a Crítica do Programa de Gotha Trad Rubens Enderle São Paulo Boitempo 2012 Manuscritos econômicofilosóficos Trad São Paulo Boitempo 2010b Miséria da Filosofia resposta à Filosofia da Miséria do Sr Proudhon Trad José Paulo Netto São Paulo Editora Ciências Humanas 1982 O capital Crítica da Economia Política Volume I tomo 1 Livro Primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996a Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume I tomo 2 Livro Primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996b Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume II Livro Segundo o processo de circulação do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1985 Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume III tomo 1 Livro Terceiro o processo global da produção capitalista Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1986a Os Economistas 278 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O capital Crítica da Economia Política Volume III tomo 2 Livro Terceiro o processo global da produção capitalista Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1986b Os Economistas Prefácio à crítica da economia política In Marx K ENGELS F Textos 3 São Paulo Edições Sociais 1977 MARX K ENGELS F A ideologia alemã crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach B Bauer e Stirner e do socialismo alemão em seus diferentes profetas Trad Rubens Enderle Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano São Paulo Boitempo 2007 MARX K ENGELS F Manifesto comunista Trad Álvaro Pina São Paulo Boitempo 2005 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 QUINTANEIRO T BARBOSA M L OLIVEIRA M Um toque de clássicos Durkheim Marx e Weber Belo Horizonte UFMG 2000 REALE G ANTISERE D História da Filosofia do Romantismo ao Empiriocriticismo Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 5 STIRNER M O Único e sua Propriedade São Paulo Martins Fontes 2009 THAVES B Frank e Ernest Jornal do Brasil Rio de Janeiro 19 fev 1997 VICENTINO C DORIGO G História Geral e do Brasil 2 ed São Paulo Scipione 2013 v 1 279 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 279 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Objetivos Compreender a abrangência da metodologia proposta por Max Weber Entender os tipos ideais como síntese metodológica do materialismo mar xista do positivismo comteano e do idealismo hegeliano Conhecer os tipos de dominação legítima e suas especificidades segundo Weber Apresentar o conceito de ação social e as tipologias em torno desse con ceito ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Conceituar os tipos de racionalidade de acordo com Weber Pontuar o desenvolvimento das sociedades modernas como um processo de desencantamento ou racionalização das esferas de valor da sociedade medieval Refletir sobre o surgimento do sistema capitalista como um processo de múltiplas influências que se motivaram mutuamente como no caso da lógica do capital que encontrou refúgio ideológico na moral protestante Conteúdos Metodologias das Ciências Sociais Os tipos ideais como tentativa de superação das limitações de marxismo idealismo e positivismo Tipos de dominação legítima poder tradicional carismático e legal UNIDADE 5 Os quatro tipos de ação social ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Tipos de racionalidade Racionalização ou desencantamento das esferas de valor religiosa econô mica política estética intelectual e erótica Ética protestante e espírito do capitalismo Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite em apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Esta unidade apresentará muitos conceitos complexos Por isso é necessário manter uma leitura focada do começo ao fim Ler Max Weber requer fôlego conceitual Anote suas dúvidas e entre em contato com seu tutor Consulte as referências bibliográficas no final de cada unidade e ex panda o seu campo formativo 3 Para o aprofundamento das principais ideias de Max Weber sugerimos a leitura dos livros Max Weber e a racionalização da vida Carlos Eduardo Sell Max Weber uma introdução Stephen Kalberg Um toque de clássi cos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira 4 Para complementar as informações desta unidade a partir de uma lingua gem cinematográfica indicamos alguns filmes Sobre os tipos de domi nação legítima tradicional carismática e legalburocrática Sociedade dos poetas mortos EUA 1989 Gandhi EUA Índia Inglaterra 1982 O triunfo da vontade 1935 A onda Alemanha 2008 Sobre o conceito de burocracia O terminal EUA 2004 Sobre a racionalização da vida O jardineiro fiel Inglaterra 2001 Nós que aqui estamos por vós esperamos Brasil 1998 Sobre o surgimento do capitalismo Surplus Suécia 2003 Capitalismo uma história de amor EUA 2009 5 Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir 281 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS TV CULTURA A Sociologia de Weber Gabriel Cohn Café Filosófico Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvqUzUBTsILQ Acesso em 22 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Max Weber Disponível em https wwwyoutubecomwatchveasXQ5rwZ4 Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 14 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvwDEVx65oa3s Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 24 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0JZcrxr22wU Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 34 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv6atBXm u0Q Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 44 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchveBFOyMjuQ2I Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 12 2009 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvXeXtOpETjWs Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 22 2009 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvS4wcbAum40I Acesso em 22 nov 2019 TV CULTURA ESPAÇO CULTURAL CPFL Religiosidade racionalização e de sencantamento Antônio Flávio Pierucci Balanço do Século XX Paradig mas do século XXI Sociedade Contemporânea 11 maio 2004 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvF9eR1AwnyU Acesso em 16 jan 2020 GINGA VIDEOAULAS Sociologia Max Weber Parte 12 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvQpUUsTXVwAs Acesso em 22 nov 2019 Sociologia Max Weber Parte 22 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvgH9X40I54pc Acesso em 22 nov 2019 282 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS MUNDO DA ADMINISTRAÇÃO Teoria da Burocracia Max Weber Sur gimento Características Disfunções 2018 Disponível em httpswww youtubecomwatchv76I0IVpuBUU Acesso em 22 nov 2019 CARVALHO M Max Weber A objetividade do conhecimento nas Ciên cias Sociais Parte 11 2017 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvaW3Ce8HcuEt49s Acesso em 22 nov 2019 Max Weber A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais Parte 21 2017 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvm1bIzAlJI Acesso em 22 nov 2019 283 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 1 INTRODUÇÃO Segundo Oliveira 2010 p 273 Nascido em Erfurt na Turíngia Alemanha em abril de 1864 o sociólogo e cientista político Max Emil Maximilian Weber foi professor de Economia nas universidades alemãs de Freiburg e Heidelberg e é considerado um dos fundadores clássicos da Sociologia Dotado de espírito investigativo particularmente aguçado e de grande erudição criou uma nova disciplina a Sociologia da Religião no âmbito da qual desenvolveu estudos comparados entre a história econômica e a história das dou trinas religiosas Weber foi também um dos primeiros cientis tas sociais a chamar a atenção para o fenômeno da burocracia não só no Estado moderno mas também ao longo da História De acordo com ele a Sociologia deveria estudar o sentido da ação humana individual que deve ser buscado pelo método da interpretação e da compreensão Weber preocupavase ainda com a responsabilidade social dos cientistas sociais e defendia a busca da neutralidade na vida acadêmica e na investigação científica As teorias de Weber exerceram grande influência so bre as Ciências Sociais a partir da década de 1920 Em uma de suas obras mais conhecidas procurou demonstrar a existência de uma estreita ligação entre a ética protestante e a ascensão do capitalismo Suas principais obras são A ética protestante e o espírito do capitalismo 1905 e Economia e sociedade publi cada postumamente em 1922 Max Weber Figura 1 é um autor de am pla significação para o cenário das ciências his tóricosociais porque além de apresentar uma teoria sociológica de alto calibre também dei xou como legado considerações importantíssi mas sobre o método adequado para as pesqui sas sociais De cultura vasta e imensa precisão teórica Weber demonstrou ser possível para o Figura 1 Max Weber 284 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS campo das Ciências Sociais aquilo que outros autores como Ga lileu e Newton fizeram com relação às Ciências Naturais e Exa tas apresentar uma base metodológica sólida que possibilitasse uma eficiente aproximação e descrição do objeto de pesquisa no caso dos fenômenos sociais Ultrapassando todo e qualquer tipo de proposta unilateral idealismo marxismo e positivismo Weber constrói um pen samento que se baseia não na simples potencialização de uma esfera da realidade seja do objeto pesquisado ou do sujeito cognoscente mas na combinação de fatores sociais políticos econômicos religiosos culturais e axiológicos que por sua vez formam os inúmeros tecidos da sociedade mais especificamen te no que diz respeito ao conhecimento da sociedade Para tanto esta unidade tem como objetivo apresentar as principais contribuições de Weber com relação aos aspectos que formaram seu método compreensivo e também realçar elemen tos significativos da pesquisa sociológica 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX WEBER Max Weber pode ser considerado um daqueles pensado res complexos na história do pensamento devido entre outras 285 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS coisas a dois aspectos sua vasta bibliografia e a maneira sig nificativamente profunda e refinada com que elabora os seus textos Porém antes de falar sobre alguns aspectos importantes do seu pensamento é de extrema importância esclarecer alguns aspectos metodológicos do seu pensamento sociológico Uma importante fonte interpretativa do pensamento de Max Weber é decididamente Eugène Fleischmann Em seu tex to Weber e Nietzsche Fleischmann adota uma postura por ele mesmo chamada de heterodoxa acerca de uma possível inter pretação de Weber sua tese fundamentase na ideia de que o método sociológico proposto por Weber influenciado sem dú vida pelo materialismo marxista está muito mais próximo do pensamento de Nietzsche do que se imagina O interessante disso é que se trata de uma correlação até então jamais pensada pela crítica como o próprio autor indica propondonos a mostrar a impressionante luta de Weber entre e contra seus contemporâneos luta em cujo decurso ele só se livra da influência de Marx para cair na de Nietzsche FLEISCH MANN 1978 p 140141 Além desse aspecto inovador o au tor também traz uma significativa compreensão da metodologia weberiana apresentandoa a partir de dois aspectos centrais a construção dos tipos ideais e a sua eficácia causal Todavia tomase a liberdade de não se limitar estrita mente a esses dois elementos do roteiro de Fleischmann mas complementálo com outros aspectos que estão implícitos em seu texto Dessa forma sobre a metodologia weberiana o texto seguirá o seguinte fio condutor 1 A crítica ao idealismo histórico de Hegel e a retomada do conceito pelo viés metodológico 286 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 2 A crítica ao aspecto unilateral do materialismo históri co em Marx 3 A mediação entre a objetividade dos fatos e a subjeti vidade dos valores na pesquisa sociológica 4 A síntese entre conceitos objetividade empírica e va lor por meio dos tipos ideais Crítica ao idealismo histórico de Hegel e a importância do conceito Ao contrário do que se pode erroneamente pressupor a introdução dos conhecidíssimos tipos ideais não faz de Weber um integrante do idealismo Seus escritos são claros e diretos com relação a esse assunto dirigindo inclusive uma dura crítica àquele que é considerado o exemplo dos horrores do finalismo histórico FLEISCHMANN 1978 p 150 e pai do idealismo mo derno Hegel Não é de se esperar que o pensamento de Hegel dê conta de caracterizar a singularidade empírica A partir da ideia de Su jeito Transcendental Eu Penso de Kant Hegel chega à conclusão de que a realidade não é uma substância mas sim um sujeito au toconsciente um espírito pensante Essa ideia de identificação ficou conhecida com a frase hegeliana o que é racional ideal é real e o que é real é racional ideal HEGEL 1997 p XXXVI Max Weber tinha consciência das implicações limitantes do idealismo histórico para a pesquisa das Ciências Sociais Para es tabelecer um diálogo do seu pensamento social com as relações causais e factuais que formam o contexto históricosocial seria preciso absterse do idealismo pois como caracterizar a singu laridade dos fenômenos se eles estão subsumidos e esvaziados 287 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS pelos conceitos gerais A ideia tipicamente hegeliana de que o conceito traz em seu bojo também todas as potencialidades do objeto histórico é algo definitivamente excluído por Weber Decerto nada há de mais perigoso que a confusão entre teoria e história nascida dos preconceitos naturalistas Esta confusão pode apresentarse sob a forma da crença na fixação de qua dros conceituais e teóricos do conteúdo propriamente dito ou da sua utilização à maneira de leito de Procusto no qual a História deverá ser introduzida à força e hipostasiando ainda as ideias como se fossem a realidade propriamente dita ou as forças reais que por trás do fluxo dos acontecimentos manifestamse na História WEBER 2001 p 141 Fica clara a postura crítica de Weber sobre a dimensão do idealismo histórico em sua mais cara vertente evolutiva e fina lística é portanto compreensível pelo menos historicamente que Weber não tenha mais querido problemas com essa con cepção ridícula e ultrapassada FLEISCHMANN 1978 p 150 ColliotThélène em seus Ensaios sobre a teoria da ciência evi dencia mais um forte motivo que justifica o distanciamento de Weber do idealismo histórico como forma de conhecimento da realidade Veja A pressuposição metafísica do conteúdo de verdade desse co nhecimento é que os conteúdos conceituais situamse como as realidades metafísicas atrás da realidade e que esta procede necessariamente deles à maneira pela qual as proposições ma temáticas decorrem umas das outras COLLIOTTHÉLÈNE 1995 p 27 No entanto não é possível afirmar que o pensamento me todológico de Weber também não leve em consideração a abs tração conceitual Assim como não é conveniente para a pesqui sa científica generalizar os fenômenos particulares no universal o contrário também procede investigar a realidade levando em 288 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS consideração somente os fatos particulares seria destituílos de toda e qualquer relação significativa isolandoos na empiria O resultado seria uma inexorável fragmentação do objeto de pesquisa que obscureceria o procedimento metodológico do pesquisador e comprometeria as suas análises qualitativas Trag tenberg na introdução à edição brasileira da obra Metodologia das Ciências Sociais de Weber afirma que essa preocupação me todológica acompanha o percurso teórico e desemboca naquilo que será eixo central de sua metodologia de pesquisa os tipos ideais Confira Weber propõe a necessidade de estabelecer novo procedimen to metodológico que garanta a qualificação científica às ciências históricosociais particularmente à sociologia E enfrenta essa tarefa através da construção dos tipos ideais Os tipos ideais são estabelecidos convencional e abstratamente São inteligíveis na medida em que na sua construção se dá a integração entre compreensão e experimentação sinônimo de explicação va lor ou conceito entre o devir e o ser empírico Para ele o tipo ideal constitui a síntese entre o objetivo e o subjetivo o particular e o geral TRAGTENBERG 2001 p XXIVXXV No entanto se Weber também faz uso da abstração con ceitual que aspecto então o diferencia do idealismo hegeliano O que separa ambas as concepções é justamente a ideia de fins especulativos e meios metodológicos o idealismo engendra o conceito como algo que possui um fim em si mesmo fazendo da realidade histórica e objetiva uma extensão do ideal já Weber faz uso do conceito apenas como um instrumento metodológico e comparativo com a realidade particular Crítica ao aspecto unilateral do materialismo histórico de Marx 289 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS É conclusão comum entre os críticos afirmar que num pri meiro momento foi provavelmente Marx quem exerceu a in fluência mais profunda e durável sobre Weber FLEISCHMANN 1978 p 140 De fato a questão do condicionamento da infraes trutura econômica sobre a superestrutura das ideias acompanha o começo da produção literária de Weber FLEISCHMANN 1978 VELHO 2007 Além disso o próprio Weber reconhece a origina lidade dos conceitos do marxismo Como polo contrário da filosofia hegeliana não se espera que Marx tenha por princípio pressupor a generalização dos con ceitos como forma explicativa da realidade Pelo contrário Marx afirma que a dialética de Hegel não alcançou notáveis conside rações porque está construída de maneira inversa Em A ideo logia alemã Marx e Engels alertam que não são as ideias que condicionam a realidade histórica mas as condições históricas que delimitam as ideias não é a consciência que determina a vida mas a vida que determina a consciência MARX ENGELS 2007 p 94 Noutras palavras as ideias da consciência superestrutu ra não são eternas autoconscientes e apartadas da realidade material mas elementos históricos e contingentes cuja razão de ser e pensar depende das relações econômicas infraestrutura pelas quais são condicionadas Dessa concepção surge o mate rialismo histórico totalmente ao contrário da filosofia alemã que desce do céu à terra aqui se eleva da terra ao céu MARX ENGELS 2007 p 94 Weber também tinha noção da abrangência da revolução provocada por Marx No entanto o próprio Weber não se deixa identificar com a teoria marxista Ele considera demasiado sumá rias as relações percebidas por Marx entre Oriente e Ocidente 290 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS FLEISCHMANN 1978 p 141 Isso significa justamente que o reconhecimento de Weber das teses marxistas acontece apenas de modo parcial pois uma de suas críticas dirigese exatamente à unilateralidade e à pretensão à totalidade do condicionamento econômico que ao tentar explicar a causalidade dos fenôme nos acaba por rebaixar a meras causas acidentais e insignifican tes todos aqueles fatores que não se referem ao campo econô mico Confira Às vezes considera tudo aquilo que na realidade histórica não pode ser deduzido a partir de motivos econômicos como algo que por isso mesmo seria acidental e portanto cien tificamente insignificante Às vezes amplia o conceito de eco nômico até o desfigurar de modo que nele encontram lugar todos aqueles interesses humanos que de uma ou de outra forma são ligados aos meios externos ou ao meio ambiente No caso de haver a prova histórica de que em face de duas si tuações idênticas do ponto de vista econômico houve reações diferentes em consequência de diferenças nas determinantes políticas religiosas climáticas ou em quaisquer outras determi nantes nãoeconômicas todos estes fatores são então rebai xados ao nível de condições historicamente acidentais sob as quais os motivos econômicos atuam como causas visan do preservar o predomínio do econômico Uma tentativa muito comum em interpretar as constantes cooperações e inte rações dos diferentes elementos da vida cultural como depen dendo causal ou funcionalmente uns dos outros ou melhor de um único elemento o econômico Deste modo quando uma determinada instituição nãoeconômica realiza também histo ricamente uma determinada função a serviço de quaisquer interesses econômicos de classe essa instituição é apresen tada como expressamente criada para tal função ou em sen tido completamente metafísico como tendo sido moldada por uma tendência de desenvolvimento de caráter econômico WEBER 2001 p 123 291 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dessa maneira em lugar de um condicionamento unilate ral convém falar em Weber de um condicionamento recípro co dos fatores econômicos e culturais FLEISCHMANN 1978 p 142 Ou seja o que está em jogo como elemento condicionador para justificação da realidade históricosocial segundo Weber não é apenas o aspecto econômico mas também a consciente combinação ocorrida entre condicionamentos econômicos e cul turais chamadas pelo próprio Weber de afinidades eletivas sobre as quais Weber afirma Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as bases materiais as formas de organização social e política e o conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma proce deremos tãosó de modo a examinar de perto se e em quais pontos podemos reconhecer determinadas afinidades eleti vas entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética profissional WEBER 2004 p 83 A mediação entre a objetividade dos fatos e subjetividade dos valores Além da crítica ao idealismo hegeliano e à unilateralidade das condições materiais do marxismo há outro elemento impor tante do edifício metodológico de Weber o fato de eleger tanto a objetividade do conhecimento haja vista a radical recu sa ao idealismo hegeliano apresentada anteriormente como a subjetividade axiológica haja vista a postura antipositivista que mais à frente será vista como pressupostos metodológicos indispensáveis para sua pesquisa sociológica Com relação ao primeiro aspecto a objetividade empíri ca sua importância se deve ao fato de que o alcance dos con ceitos só tem sua razão de ser em vista de sua ligação com a validade empírica se não há confronto com o real os conceitos 292 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS tornamse vazios destituídos de história ou seja não passarão de puras ficções e hipóstases da realidade As abstrações conceituais possuem um elevado valor heurís tico para a investigação em enorme valor sistemático para a exposição se apenas forem utilizados como meios conceituais para comparar e medir com relação a eles a realidade Com esta função ambos tornamse mesmo indispensáveis WE BER 2001 p 143 grifo nosso Fleischmann por sua vez está de acordo com essa questão em Weber se não é possível reconstruir uma história universal segundo as leis da causalidade então isso quer dizer que para Weber tornase impossível abstrair a situação concreta ou hipos tasiar a construção histórica dos fatos tal pressuposto só pode ser legitimado necessariamente pelo confronto particular com a realidade FLEISCHMANN 1978 p 143 Todavia isso não faz de Weber um positivista Há diferen ças incompatíveis entre Weber e os positivistas em primeiro lu gar temos o fato de Weber não abrir mão dos conceitos como instrumentos metodológicos de comparação com o particular tipos ideais o que seria um sacrilégio para um positivista pois os tipos ideais não possuem um caráter de lei imutável e univer sal de caráter indutivo Em segundo lugar há o caráter axiológico atribuído ao pró prio ato da pesquisa científica visto pelo positivista como uma regressão do progresso das ciências significa voltar ao estágio de préciência É a partir disso que se justifica a importância do segundo aspecto mencionado a dimensão subjetiva do valor Sobre essa segunda dimensão notase que em Weber a pesquisa empírica não é algo isolado mas está calcada pela questão axiológica Surge então uma aporia como é possível 293 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS primar pela objetividade de pesquisa se ao mesmo tempo há a retomada pela dimensão subjetiva do valor como algo legítimo Essa questão perde seu sentido contraditório a partir do momento em que se esclarece que o conceito de ciência em We ber não está limitado somente à sua ação funcional e neutra se gundo os moldes positivistas mas também à intenção ideológica e política à qual está ligada é tarefa do cientista cumprir o dever científico de encarar a verdade dos fatos como também de fender os próprios ideais WEBER 1991 p 10 Ou melhor na práxis da ciência não fala apenas o cientista dos fatos mas também o homem dos valores De todo modo não será mais a ciência quem fala neste caso e em consequência disso existe um segundo imperativo fun damental qual seja o da imparcialidade científica que consiste no seguinte em tais casos é necessário indicar aos leitores e a nós mesmos em que momento cessa a fala do pesqui sador e começa a fala do homem que está sujeito a intenções e vontades em que momento os argumentos se dirigem ao in telecto e em qual se dirigem ao sentimento WEBER 2001 p 115 Isso quer dizer que durante a pesquisa o cientista é inspi rado pelos seus próprios valores os quais está disposto a defen der Logo não há como fugir desta conclusão a objetividade em pírica da ciência está direcionada tanto pela credulidade advinda das leis e do método científico como pela pressuposição de um critério axiológico presente nas decisões do próprio cientista Esta é enfim a relação existente entre fatos ciência e valores política Hoje falamos habitualmente da ciência como livre de todas as pressuposições Haverá tal coisa Depende do que enten demos por isso Todo trabalho científico pressupõe que as re gras da lógica e do método são válidas são as bases gerais de 294 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nossa orientação no mundo e pelo menos para nossa questão especial essas pressuposições são o aspecto menos proble mático da ciência A ciência pressupõe ainda que o produto do trabalho científico é importante no sentido de que vale a pena conhecêlo Nisto estão encerrados todos os nossos pro blemas evidentemente Pois esta pressuposição não pode ser provada por meios científicos só pode ser interpretada com referência ao seu significado último que devemos rejeitar ou aceitar segundo a nossa posição última em relação à vida WE BER 1982a p 170 Porém devese levar em consideração que a subjetividade do valor não descaracteriza a objetividade do fato pois cada um possui um campo próprio de compreensão Apesar de estarem relacionados fatos e valores devem ser apresentados como ele mentos distintos O próprio Weber afirma juízos de valor não deveriam ser extraídos de maneira nenhuma da análise científica devido ao fato de derivarem em última instância de determinados ideais e de por isso terem origens subjetivas WEBER 2001 p 109 Portanto uma coisa é o saber empírico próprio da ciência outra coisa é o juízo de valor de caráter políticosocial Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer só lhe é dado em certas circunstâncias o que quer fazer É verdade que no setor das nossas atividades científicas continuamente são introduzidos elementos da cosmovisão pes soal bem como na argumentação científica Eles sempre cau sam problemas fazendo com que nós atribuamos pesos dife rentes na elaboração de simples relações causais entre fatos na medida em que o resultado aumenta ou diminui a possibilidade da realização de nossas ideias pessoais Seja como for so mente a partir do pressuposto da fé em valores tem sentido a intenção de defender certos valores publicamente Porém emi tir um juízo sobre a validade de tais valores é assunto da fé e talvez também seja tarefa de uma consideração e interpretação 295 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS especulativa da vida e do mundo no tocante ao seu sentido mas certamente não é tarefa de uma ciência empírica no sen tido como nós a entendemos WEBER 2001 p 111 Enfim a metodologia weberiana própria de sua maturi dade intelectual é tentativa de suprir as dificuldades impostas tanto por hegelianos como por marxistas e positivistas Segundo Fleischmann essa posição filosófica amadurecida ao longo de toda sua atividade valeulhe um isolamento e uma impopula ridade sem igual 1978 p 153 Weber não é hegeliano nem marxista ou positivista seu método de pesquisa transita por en tre tais teorias mas não se fixa em nenhuma Em que residiria então o elemento central que justificaria uma identidade própria do pensamento de Weber Que princípio ou nexo ligaria aspec tos tão contrastantes porém fundamentais na teoria weberia na Buscar por tal princípio tornase uma condição essencial para o atual termo a que se chegou essa pesquisa se se deseja é óbvio primar por uma coerência interna e própria ao método de Weber Os tipos ideais como síntese metodológica A elaboração metodológica dos chamados tipos ideais no pensamento weberiano configura uma etapa de maturidade teórica na produção de Weber Como já citado o esforço me todológico desse autor é ultrapassar três grandes abismos que dilaceraram a realidade a generalização estéril provocada pelo idealismo hegeliano a interpretação unilateral dos condiciona mentos da realidade realizada pelo marxismo que tende a redu zilos apenas a seus aspectos econômicos e a limitação concei tual do indutivismo positivista 296 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Tratase de uma tarefa difícil pois como elaborar uma res posta metodológica que contemplasse as necessidades previs tas por tais modelos teóricos citados sem que com isso corres se o risco de cair ou desembocar em alguma de suas propostas reducionistas e extremas A resposta encontrase justamente nos conhecidos tipos ideais de Weber que como síntese me todológica em grande estilo tenta resolver aqueles elementos contraditórios das teorias totalizantes idealismo marxismo e positivismo e encontrar uma solução metodológica cabível ao contexto de pesquisa das Ciências HistóricoSociais O tipo ideal define o conjunto de conceitos que o sociólogo constrói para fins de pesquisa Weber não aceita a concepção clássica de ciência segundo a qual ela pode abranger a subs tância das coisas integrandoas num sistema totalizante no qual o pensamento abranja a totalidade do real Todo conheci mento é hipotético na medida em que nenhum sistema repro duz a realidade que é infinita O tipo ideal constituise como um momento em que o sujeito cognoscente analisa o real confor me as relações que seu ponto de vista mantém com os valores Essa relação com os valores elimina o que deva ser desconside rado o rigor conceitual dos conceitos ainda está ausente É o papel do tipo ideal O tipo ideal aparece como um método das ciências históricosociais cujo objetivo é captar os fenômenos na sua singularidade TRAGTENBERG 2001 p XXV Dessa maneira os tipos ideais para Weber não são reali dades metafísicas que se pretende alcançar mas devem ser vis tos apenas como um instrumento metodológico para analisar o distanciamento entre o geral e o particular Noutras palavras os tipos ideais não servem para padronizar o universal e a partir deles explicar o particular mas sim para serem contrastados com os fenômenos históricos e particulares a fim de perceber em que sentido eles se aproximam ou não das construções gerais 297 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A fundamental pergunta de Weber nesse sentido é jus tamente esta como é possível conhecer a realidade na sua sin gularidade histórica se não se pode lançar mão ou recorrer a comparações com outras realidades gerais construídas No texto Rejeições religiosas do mundo e suas direções o próprio Weber deixa claro essa vertente metodológica Tais construções possibilitam determinar o local tipológico de um fenômeno histórico Permitemnos ver se em traços parti culares ou em seu caráter total os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente Sob esse aspecto a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas WE BER 1982e p 372 Sem dúvida alguma a partir do que foi até então exposto a posição teórica de Weber é tão somente uma verdadeira aula de método direcionada por uma visível preocupação em como melhor apreender uma pesquisa históricosocial Levar em con sideração somente a especulação seria hipostasiar os resultados em ideias abstratas e distantes da realidade tomar como base apenas a indução empírica seria fragmentar o objeto e obscure cer a visão geral do fenômeno Logo a urgência do momento era pensar num campo ou aspecto intermediário que conseguisse migrar de um polo para o outro do sujeito para o objeto sem maiores comprometimen tos ou complicações teóricas Weber acreditou que tal aspecto poderia ser encontrado pelos tipos ideais criados para fins so ciológicos dos quais a ação real se aproxima mais ou menos WEBER 1999b p 16 e para os quais voltou toda a sua atenção e energia 22 OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO TRADICIONAL CARISMÁTICO E LEGAL No ensaio Política como vocação Weber define o Estado como associação política que tem como meio específico o exercício da força física Hoje temos que dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende com êxito o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território WEBER 1982b p 98 Com isso o autor admite o Estado como fonte do direito de uso da violência No entanto ao afirmar essa premissa Weber também é levado a outra argumentação se o Estado é o detentor legítimo do uso da força física então neste contexto política seria a luta pelo poder ou pela distribuição do poder entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado Logo quem participa da política luta pelo exercício do poder Isso quer dizer que em última análise o Estado é uma relação de homens dominando homens relação mantida por meio da violência legítima WEBER 1982b p 98 Sobre a questão da violência legítima ela pode em alguns casos assumir a figura de uma repressão Sobre esse assunto observe a crítica apresentada por Quino na tira a seguir 299 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Fonte Quino 1999 p 307 Figura 2 Violência legítima Portanto para que exista Estado deve existir também uma relação de obediência entre os dominados e os detentores do poder A pergunta seria o que justificaria essa relação de obe diência ao Estado Quando e por que os homens obedecem Para responder a essas questões Weber utilizase de três tipos puros de dominação que apesar de não se encontrarem como tal na realidade justificam as formas de legitimação do poder e da obediência WEBER 1982b p 98 É na obra Os três tipos puros de dominação legítima 2003 que Weber fala de modo mais específico sobre cada uma dessas três formas de poder São elas poder tradicional poder carismá tico e poder legal Poder tradicional O primeiro tipo de dominação o poder tradicional não está fundamentado na submissão a um superior escolhido pro fissionalmente ou na obediência ao conjunto de regras que re gem uma instituição mas na autoridade patriarcal do senhor e no respeito a valores e costumes tradicionais que o consagraram naquele determinado grupo social 300 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Nesse caso a lógica da submissão acontece pela relação entre senhor e súdito o quadro administrativo é formado pelos súditos que estão submissos ao senhor cuja autoridade é cedida pela tradição A forma hierárquica acontece de um modo mais pessoal e totalmente vinculado pelo aspecto da fidelidade dos próprios súditos Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal A associação dominante é o de caráter comunitário O tipo daquele que or dena é o senhor e os que obedecem são súditos enquanto o quadro administrativo é formado por servidores Obedece se à pessoa em virtude de sua dignidade própria santificada pela tradição por fidelidade O conteúdo das ordens está fi xado pela tradição cuja violação desconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do seu próprio domínio que repousa exclusivamente na santidade delas WEBER 2003 p 131132 Poder carismático Já o segundo tipo de dominação não se concretiza nem pela qualificação profissional poder legal nem pelo status so cial poder tradicional mas pela capacidade do líder por meio de atributos pessoais e excepcionais de despertar nos domina dos sentimentos e empatias que formem uma espécie de devo ção pessoal Nesse caso o processo da submissão acontece entre líder e apóstolo seguidor o quadro administrativo é formado pelos seguidores que perante o arrebatador profetismo heroísmo ou demagogismo do líder sentemse atraídos em seguir suas orien tações A forma hierárquica acontece de modo totalmente pes soal voltada para o poder de convencimento do líder 301 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais carisma e particular mente a faculdades mágicas revelações ou heroísmo poder intelectual ou de oratória O sempre novo o extracotidiano o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam consti tuem aqui a força de devoção pessoal Seus tipos mais puros são a dominação do profeta do herói guerreiro e do grande demagogo A associação dominante é de caráter comunitário na comunidade ou no séquito O tipo que manda é o líder O tipo que obedece é o apóstolo Obedecese exclusivamente à pessoa do líder por suas qualidades excepcionais e não em vir tude de sua posição estatuída ou de sua dignidade tradicional e portanto também somente enquanto essas qualidades lhe são atribuídas ou seja enquanto seu carisma subsiste WEBER 2003 p 134135 Poder legal Por fim o terceiro tipo de dominação tem como carac terística principal a própria burocracia e o estabelecimento da dominação e do poder segundo um conjunto de regras ou leis racionais juridicamente reconhecidas e instituídas Nesse caso o tipo de submissão se dá pelo processo exis tente entre superior chefe e funcionário o quadro administrati vo é formado por funcionários nomeados por um chefe segundo as competências administrativas de cada um A forma hierárqui ca estabelecese de modo impessoal isto é pela obediência não ao superior mas à regra instituída Veja Dominação legal em virtude do estatuto Seu tipo mais puro é a dominação burocrática Sua ideia básica é qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancio nado corretamente quanto à forma A associação dominante é eleita e nomeada e ela própria e todas as suas partes são empresas O quadro administrativo consiste de funcionários 302 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nomeados pelo senhor e os subordinados são membros da as sociação Obedecese não à pessoa em virtude de seu pró prio direito mas à regra estatuída que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer O tipo do funcionário é aquele de formação profissional cujas condi ções de serviço se baseiam num contrato com pagamento fixo graduado segundo a hierarquia do cargo e não do volume de trabalho e direito de ascensão conforme regras fixas Sua admi nistração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo do cargo WEBER 2003 p 128129 Apesar de Weber afirmar que a burocracia não é o único tipo de dominação legal WEBER 2003 p 130 o fato é que como o próprio autor disse ela constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal WEBER 2003 p 130 Em seu texto Burocracia Weber 1982d p 229231 desenvolve seis características da administração da burocracia racionallegal 1 A burocracia trabalha com setores e áreas jurisdicio nais estáveis fixas e oficiais organizadas por meio de leis e normas administrativas 2 A burocracia baseiase na hierarquia de cargos e seto res e também na fiscalização e controle dos superio res em relação aos inferiores 3 A administração burocrática de um cargo moderno tra balha com documentos escritos sob responsabilidade de profissionais de repartição ou de escritório especia lizados na função 4 Para a administração moderna e burocrática dos car gos o indivíduo deve ser o máximo experto e espe cializado possível quanto mais alto é o cargo maior deve ser a especialização 303 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 5 Quanto mais o cargo está desenvolvido burocratica mente mais se exige do indivíduo em termos de fun cionalismo e competência 6 O desempenho do cargo burocrático deve ser orienta do por regras fixas e exaustivas que devem ser dispo nibilizadas para a aprendizagem daqueles indivíduos que desempenharão aquelas determinadas funções Portanto a burocracia racionallegal é a chave de leitura do desenvolvimento da esfera política e econômica da moderni dade assim como a formação do Estado moderno é compreen dida à luz de uma burocracia administrativa legalracional o desenvolvimento da própria economia capitalista é entendido à luz da burocratização das empresas privadas Ao que parece como se pode observar nada escapa do alcance e da influência burocrática Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno par ticularmente identificase com a moderna burocracia e da empresa burocrática da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas As formas de dominação burocrática estão em ascensão em todas as partes WEBER 2003 p 130 É justamente sobre a dominação racionallegal que o Es tado Moderno se baseará sua origem se encontra na separa ção burocrática de um lado do quadro pessoal de funcionários estritamente especializados e do outro dos cargos orientados hierarquicamente pelas normas jurídicas impessoais preestabe lecidas pelo Estado Não é por acaso que a burocracia administrativa moderna implica tanto a necessidade de administradores especializados como também a coerção objetiva impessoal calculista e racio 304 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nal das leis e normas estipuladas de modo a assegurar a dimen são hierárquica do Estado Na tirinha da Figura 3 o cartunista Mauricio Rett apresen ta de maneira bemhumorada alguns aspectos relacionados ao senso comum da burocracia Figura 3 Burocracia As leituras indicadas no Tópico 3 2 abordam o conceito de dominação legítima por meio dos tipos de poder carismá tico tradicional e legal Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 305 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Ao contrário das ciências da natureza que tratavam os fe nômenos sociais como coisas passíveis de serem investigadas objetivamente para Max Weber o método da Sociologia deve ser compreensivo isto é deve levar em consideração os valores subjetivos interiorizados pelos indivíduos ao longo de suas vidas Ou seja enquanto o método funcionalista tenta explicar os fatos sociais para o método weberiano é fundamental com preender os possíveis sentidos decorrentes das ações sociais desempenhadas pelos homens nas mais diferentes sociedades Logo o conceito de ação social para Weber não pode estar dis sociado do conceito de sentido e motivo interessa enfim aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que en volve um motivo sustentado pelo agente como fundamento da sua ação COHN 2003 p 27 grifo nosso Portanto para que a Sociologia cumpra a sua função mais do que identificar os fatos objetivos ela precisa acima de tudo reconstruir o motivo de uma ação desempenhada por alguém Ou melhor é por meio da compressão de uma determinada ação social que se chega a uma interpretação adequada dos fenôme nos sociais Em trecho de Economia e sociedade Weber diz o seguinte Para outros fins de conhecimento talvez possa ser útil ou ne cessário conceber o indivíduo por exemplo como uma associa ção de células ou um complexo de reações químicas ou sua vida psíquica como algo constituído por diversos elementos individuais como quer que sejam qualificados Sem dúvida obtêmse desse modo conhecimentos valiosos regras causais Contudo nós não compreendemos o comportamento expres so em regras desses elementos Também não compreendemos quando se trata de elementos psíquicos e tanto menos quanto maior a precisão no sentido das ciências naturais com que são concebidos jamais é este o caminho certo para chegar a uma 306 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS interpretação que se baseia no sentido visado WEBER 1999b p 89 Mas afinal o que é uma ação social Para responder a essa questão Weber começa com a distinção entre uma ação comum e uma ação tipicamente social se o indivíduo age ou manifesta determinado comportamento motivado por uma necessidade subjetiva seja ela interna ou externa ou pela simples observação existirá apenas uma ação No entanto se o indivíduo se sente motivado a planejar a sua ação por conta daquilo que espera do comportamento dos outros então nesse caso não existirá somente uma ação qualquer mas uma ação social Nem todo tipo de ação também de ação externa é ação social no sentido aqui adotado A ação externa por exemplo não o é quando se orienta exclusivamente pela expectativa de determinado comportamento de objetos materiais O compor tamento interno só é ação social quando se orienta pelas ações dos outros WEBER 1999b p 14 Um detalhe importante para a compreensão de uma ação social diz respeito ao modo como a conduta do agente está orientada significantemente pela conduta de outro ou outros WEBER 1999b p 30 Por outros nesse caso Weber entende uma diversidade de sujeitos que vai desde indivíduos e conhe cidos até uma multiplicidade indeterminada de pessoas com pletamente desconhecidas 1999b p 14 Não se trata apenas de uma replicação de comportamen tos alheios e sim de algo mais complexo o que é fundamental numa ação social não é o que o outro faz mas aquilo que foi representado e significado pelo agente da ação social Logo o que legitima uma ação social é o fato de ela ser pensada e refle tida no âmbito da subjetividade e dos fatos 307 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Conforme já observado a metodologia weberiana parte do pressuposto de que os fenômenos sociais e históricos não devem ser decifrados nem por meio das observações factuais tipicamente positivista muito menos pelo uso de conceitos desvinculados da realidade pelo contrário interpretação da rea lidade social é compreendida através de tipos ideais capazes de oferecer ponto de partida conceitual para a análise do estrita mente factual Nessa direção Weber classificou as ações sociais dos indivíduos em quatro tipos 1 Ação racional referente a fins tratase de uma ação orientada por regras na qual o agente pondera não somente os meios os fins os valores e os efeitos de algo mas também as possibilidades de configuração dos cada um destes elementos Por se basear no cál culo de possibilidades tem uma chance maior de ser compreendida como racional Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins meios e consequências secundárias ponderando racionalmente tanto os meios em relação às consequências secundárias assim como os diferentes fins possíveis entre si WEBER 1999b p 16 2 Ação racional referente a valores diz respeito a uma ação na qual o agente elabora conscientemente os meios os fins e os valores de algo sem porém pon derar os seus diferentes efeitos possíveis pois não age pelo cálculo de possibilidades com relação aos fins mas pela convicção dos valores e crenças que lhe ordenam a aceitação imediata de um determinado efeitovalor Age de maneira puramente racional referente a valores quem sem considerar as consequências previsíveis fins age a ser viço de sua convicção sobre o que parecem ordenarlhe o de 308 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS ver a dignidade a beleza as diretivas religiosas a piedade ou a importância de uma causa de qualquer natureza WEBER 1999b p 15 3 Ação afetiva está relacionada àquela ação na qual o indivíduo age motivado por seus afetos ou por estados emocionais atuais Tratase de uma ação que está além daquilo que se apresenta como ação conscientemente orientada pelo sentido isto é racionalizada uma vez que pode ser uma simples reação desenfreada a um estímulo não cotidiano como também o resulta do de uma sublimação descarga consciente de um estado emocional O sentido da ação não está no resultado que a transcende mas sim na própria ação em sua peculiaridade Age de maneira afe tiva quem satisfaz sua necessidade atual de vingança de gozo de entrega de felicidade contemplativa ou de descarga de afe tos seja de maneira bruta ou sublimada WEBER 1999b p 15 4 Ação tradicional está relacionada à ação na qual o indivíduo age apenas em vista de um costume arrai gado Ou seja tratase de uma ação totalmente roti nizada que não pressupõe uma ação livremente deli berada para além dos padrões aceitos e vigentes O comportamento estritamente tradicional do mesmo modo que a imitação puramente reativa não passa de uma reação surda a estímulos habituais que decorre na direção da atitu de arraigada A grande maioria das ações cotidiana habituais aproximase desse tipo que se inclui na sistemática não apenas como casolimite mas também porque a vinculação ao habitual pode ser mantida conscientemente em diversos graus e senti dos WEBER 1999b p 15 309 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Schluchter apud SELL 2013 propõe uma interpretação interessante das ações sociais weberianas que parte do simples comportamento até a ação da consciência racionalizada e volta da para o alcance de fins Veja O comportamento pode ser reativo motivado por uma reação condicionada interna ou externamente ou significativo motivado por um sentido interno para a caracterização de uma ação comum A ação significativa pode ser rotinizada isto é mo tivada por uma ação tradicional baseada em costumes estabelecidos ou não rotinizada ou seja motivada por ações não delimitadas por costumes preexistentes A ação significativa não rotinizada pode ser espontâ nea isto é como resultado livre dos afetos e outros determinados estados emocionais ou racionalizada ação conscientemente orientada pelo sentido e pelo cálculo de fins Para melhor compreender essa tipologia weberiana ob serve o esquema da Figura 4 apresentado pelo comentador Schluchter 310 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Fonte Schluchter apud SELL 2013 p 16 Figura 4 Tipologia da ação social As leituras indicadas no Tópico 3 3 levam em conside ração os conceitos de ação social como forma de interação do indivíduo com os outros tema que merece um pouco mais da sua atenção Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 24 OS TIPOS DE RACIONALIDADE 311 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A definição do conceito de racionalidade em Weber é algo complexo e pouco consensual entre os comentadores No entanto apesar das inúmeras diferenças interpretativas ora orientadas para o aspecto da racionalidade formal ora para o aspecto da racionalidade prática é possível perceber que os tipos ideais da racionalidade formal e material estruturam satisfatoriamente a compreensão weberiana do processo de racionalização Duas observações preliminares devem ser feitas ao tratar desse assunto Devese observar que Weber não dedicou nenhum texto específico a esses conceitos de racionalidade mas apenas algumas passagens contidas na obra Economia e sociedade O uso de tais racionalidades por Weber está limitado apenas aos campos da Economia e do Direito embora se possa adaptar os tipos ideias de racionalidade para outras situações Para a Economia Weber apresenta dois tipos ideais de racionalidade Racionalidade formal está relacionada à lógica do cál culo impessoal e das formas metódicas próprias dos sis temas econômico e jurídico das sociedades modernas Por conta do seu caráter de impessoalidade a racionali dade formal possui uma relação íntima com as institui ções que se organizam de forma burocrática isto é a partir de uma hierarquia delimitada por regras Chamamos racionalidade formal de uma gestão econô mica o grau de cálculo tecnicamente possível e que ela realmente aplica WEBER 1999b p 52 312 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Racionalidade material ou substantiva também possui uma conduta racional porém que não está di recionada para o cálculo de fins e sim para a escolha e vivência de valores éticos políticos morais etc Ou seja tratase de uma racionalidade que leva em consi deração o contexto social valores em que está inse rida manifestandose como racional na medida em que aplica organiza e dispõe de determinados valores que orientam uma ação específica Chamamos racionalidade material o grau em que o abaste cimento de bens de determinados grupos de pessoas como quer se definam mediante uma ação social economicamente orientada ocorra conforme determinados postulados valorati vos qualquer que seja sua natureza que constituem o ponto de referência pelo qual este estabelecimento é foi ou poderia ser julgado Esses postulados têm significados extremamente variados WEBER 1999b p 52 Já no campo do Direito além de manter os conceitos de ra cionalidade formal e material Weber acrescenta a possibilidade do não racional ou irracional Ou seja a criação e a aplicação do direito podem ser racionais ou irracionais WEBER 1999c p 12 Por isso o Direito pode ser criado e aplicado de acordo com uma racionalidade formal material irracionalidade formal ou irracionalidade material Vejamos Não racional formal ou formalmente irracional possui um caráter impessoal para o julgamento de ca sos porém utilizase de meios que não podem ser racio nalmente justificados Ou seja são formalmente irracionais quando para a regulamentação da criação do direito e dos problemas de aplicação do direito são empregados meios que não podem ser racionalmente contro lados WEBER 1999c p 12 grifo nosso 313 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Como exemplo dessa racionalidade temos a consulta de oráculos ou a sucedâneos destes WEBER 1999c p 12 Não racional material ou materialmente irracional quando se utiliza de valores éticos e culturais em vez de leis para o julgamento de casos Eles são material mente irracionais na medida em que a decisão é de terminada por avaliações totalmente concretas de cada caso sejam estas de natureza ética emocional ou polí tica em vez de depender de normas gerais WEBER 1999c p 12 Vale dizer também que além do formalmente irracional e do materialmente irracional há também a aplicação da ra cionalidade formal e material para o campo do Direito Confira Também a criação e a aplicação racionais do direito podem ter esta qualidade em sentido formal ou material Um direito é racionalmente formal na medida em que se limita a consi derar no direito material e no processo as características gerais e unívocas dos fatos Mas o contraste entre ela e a raciona lidade material tornase com isso ainda mais forte pois esta última significa precisamente que as decisões de problemas jurídicos sofrem influência de normas com dignidade im perativos éticos por exemplo ou regras de conveniência ou máximas políticas que rompem tanto o formalismo das carac terísticas externas quanto da abstração lógica WEBER 1999c p 1213 grifo nosso A leitura indicada no Tópico 3 4 promove um aprofun damento do significado de racionalidade segundo Weber Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 314 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 25 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR A obra de Weber possui uma importância central para a compreensão das sociedades modernas em especial pela aná lise que faz sobre a racionalização ou o desencantamento das esferas de valor das sociedades medievais religiosa econômica política intelectual estética e erótica E isso pode ser afirmado por dois motivos O pensamento sociológico de Max Weber não trata apenas de um estudo isolado da racionalização da es fera religiosa a partir das afinidades eletivas entre protestantismo acético e capitalismo mas também da sua relação com dimensão cultural típica do Ocidente que permitiu tal combinação Ou seja tratase de um estudo comparativo e intercultural do processo de ra cionalização religiosa que desembocou num racionalis mo especificamente ocidental A pesquisa weberiana sobre os processos de raciona lização que deram origem à racionalidade ocidental não fica limitada ao fator religioso e à dimensão in tercultural mas é pensada também em sua dimensão social no âmbito da racionalidade própria ao Ocidente intracultural Nesse sentido a racionalização apresen tada por Weber atinge outras áreas e atividades da so ciedade como a economia a política a ciência a moral e a arte que nesse caso não se configura apenas como racionalização ocidental mas também como racionali zação moderna Como se pode observar a obra de Weber é importante em especial para o contexto da ação comunicativa de Habermas exatamente porque descreve os processos de desenvolvimen 315 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS to da racionalidade ocidental em sua dimensão cultural e da racionalidade moderna e suas esferas em sua dimensão social a partir do desencantamento das antigas imagens religiosas de mundo Essa dupla dimensão do processo de racionalização em Weber está presente nos textos de alguns comentadores Segun do Schluchter 1998 p 35 os processos de racionalização indi cados por Weber seguem duas etapas distintas a primeira era axial período ligada à formação daqueles elementos específi cos que serviram de base à civilização ocidental e a segunda era axial ligada à autonomização das principais esferas sociais que formaram a vida moderna Para Sell 2013 p 277 ao saltar da área religiosa para as demais esferas sociais já estamos tratando de outro âmbito da análise weberiana e além do racionalismo ocidental o que se coloca em tela é a questão do racionalismo moderno Na opinião de Araújo 1996 p 116 esse processo torna se mais evidente até mesmo pela própria diversidade concei tual que o termo racionalidade carrega o processo de raciona lização em Weber não se limita apenas ao desenvolvimento do racionalismo ocidental porque assim como a racionalização de uma determinada sociedade é um evento que pode ser concebi do de inúmeras formas também o desenvolvimento do Ociden te é um caso particular de um fenômeno de múltiplas vertentes Em trecho da Vorbemerkung Observação preliminar o pró prio Weber adverte Por essa palavra racionalidade podemse entender coisas muito distintas como as exposições posteriores irão eviden ciar repetidas vezes Há por exemplo racionalizações da con templação mística ou seja de um comportamento que visto a partir de outros âmbitos da vida é especificamente irracional 316 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS exatamente do mesmo modo como as racionalizações da eco nomia da técnica do trabalho científico da educação da guer ra da justiça e da administração Além disso cada um desses âmbitos pode sob os mais diversos pontos de vista e objetivos últimos racionalizarse e o que é racional de um ponto de vista pode ao ser observado de outro ser irracional WEBER 1988 p 11 tradução nossa Por esse motivo isto é pela diversidade de fatores pre sentes em racionalizações existentes em diferentes culturas e não só na ocidental Weber tem consciência de que só é possí vel especificar as características e direções de uma determinada racionalização quando se tem consciência de quais setores da sociedade no caso a ocidental são passíveis de serem racio nalizados Surge então a sua preocupação em conceituar uma racionalidade moderna Racionalizações têm portanto existido nas mais diversas esfe ras da vida dos mais variados tipos e em todas as culturas O que é característico para sua diferença cultural e histórica é pri meiramente quais esferas e em que direções elas foram racio nalizadas Portanto tratase em primeiro lugar de identificar a peculiaridade específica do racionalismo ocidental e dentro dele do moderno racionalismo ocidental e explicar a sua ori gem WEBER 1988 p 1112 tradução nossa Para apreender uma visão de conjunto sobre a teoria da racionalização da modernidade em Weber ou seja delinear estruturalmente as relações existentes entre protestantismo e racionalidade moderna alguns autores acreditam que o texto Consideração intermediária Zwischenbetrachtung cumpre esse objetivo de modo satisfatório FILIPE 2006 ARAÚJO 1996 A Consideração intermediária é um texto de caráter es trutural presente na coletânea Ensaios sobre Sociologia da Reli gião Gesammelte Aufsätze zur Religiossoziologie A justificati 317 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS va desse texto na Religiossoziologie se dá pelo seguinte motivo depois de estudar as religiões orientais chinesas Weber iniciou sua análise sobre as chamadas religiões de salvação nas quais segundo o autor existe uma relação de tensão com o mundo Justificase então a partir desse ponto a necessidade de uma consideração intermediária que esclareça tanto as dis tinções entre misticismo predominante do mundo oriental e ascetismo predominante no mundo ocidental como tam bém examine as tensões existentes entre a ordem religiosa e as esferas sociais do mundo moderno a economia a política a arte o erotismo e a ciência regidas por sua vez por uma legalidade própria interna Eigengesetzlichkeit Na opinião de Pierucci 2005 p 136 a Consideração in termediária de Weber é o texto mais altamente filosófico de sua vasta produção só comparável em ambição filosófica e pa thos existencial à conferência de 1917 sobre a A Ciência como vocação Sell 2013 p 277 também defende essa ideia ao dizer que a Consideração Intermediária pode ser lida também como um texto de Teoria Social que nos oferece em suma uma das magnas teorizações de Weber sobre a Modernidade Todavia a interpretação desse texto não é consensual Há autores como é o caso de Habermas 2012a que afirmam que as esferas de valor weberianas religiosa econômica políti ca artística erótica e científica devem ser compreendidas ini cialmente a partir de dois sistemas distintos a racionalização das esferas de valor pertencentes ao sistema cultural ciência moral e arte cujos interesses estão pautados em mecanismos de inte ração simbólica e a racionalização das esferas de valor perten centes ao sistema social economia e política cujos interesses 318 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS estão voltados para mecanismos de interação material Da rela ção entre essas duas racionalizações surgiria enfim a racionali zação de cunho motivacional das estruturas da personalidade Em contrapartida existem autores como Schwinn 1998 e Schluchter 2009 que acreditam que essa separação das esferas de valor racionalizadas em dois sistemas distintos não corresponde ao ideário weberiano Para tanto preferem usar outra categorização a partir de níveis da ação social indo do mais básico até o mais abrangente partese da racionalização da conduta de vida nível individual até chegar ao ponto da ins titucionalização social das ordens sociais ou poderes da vida nível social formando assim os contextos culturais e gerais das seis esferas de valor autonomizadas nível cultural As esferas de valor podem ser entendidas como contextos supraindividuais de sentido regidas por um valor dominante Elas são institucionalizadas como ordens da vida e são interna lizadas como orientações da ação Weber não fala só de ordens da vida mas também de poderes da vida SCHLUCHTER 2009 p 308 tradução nossa No entanto independentemente das interpretações apre sentadas o aspecto central da racionalização moderna apre sentado por Weber na Consideração intermediária pode ser identificado no seguinte ponto por meio da racionalização da conduta de vida determinadas ordens sociais se institucionali zaram e passaram a operar segundo leis internas e próprias Eigengesetzlichkeit SELL 2013 p 279 Ou seja é a partir da autonomização das ordens sociais em esferas de valor que se pode configurar o processo de racionalização das sociedades modernas Na verdade a tensão iase tornando tanto mais forte por seu lado quanto mais iam progredindo também por seu lado a 319 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS racionalização e a sublimação da posse exterior e interior dos bens seculares no sentido mais lato Pois a racionalização e a sublimação consciente das relações do homem com as di ferentes esferas de bens de valores exteriores e interiores religiosos e profanos na sua posse levaram a que se tornas sem conhecidas nas suas coerências intrínsecas as leis internas próprias de cada uma das esferas e por via disso se deixassem entrar naquelas tensões entre umas e outras que haviam per manecido ocultas enquanto na época em que a relação com o mundo exterior era pautada pela ingenuidade primordial ou naturalidade originária WEBER 2006a p 323 Para melhor compreender a racionalização das esferas na teoria weberiana a análise procurará identificar esse processo a partir dos seguintes pontos de vista Do ponto de vista da orientação da ação social pre sente em cada uma das esferas Para tanto seguese a tipologia apresentada por Weber em Economia e so ciedade ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Do ponto de vista da forma de organização de cada es fera juntamente com o respectivo valor buscado pelo processo de racionalização Em vista disso seguese as informações contidas na Consideração intermediária Do ponto de vista do tipo de racionalidade predomi nante Para isso tomase como referência uma tipolo gia ideal apresentada em Economia e sociedade e des tinada inicialmente aos âmbitos da Economia formal e material e do Direito formal material e não racional Dessa maneira levando em consideração a sugestão de Sell 2013 e Schluchter 2009 a propos ta é aplicar esses tipos ideais de racionalidade formal 320 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS material e irracional para a análise conjuntural da ra cionalização das esferas de valor Esclarecida a metodologia de análise resta então com preender de que forma segundo Weber cada uma das esferas sociais da vida moderna conseguiu conscientemente concretizar esse processo de autonomização de determinadas ações sociais segundo suas próprias leis internas Eigengesetzlichkeit A esfera religiosa Para Weber a ação social da esfera religiosa implica ao mesmo tempo tanto uma ação racional referente a valores como uma ação afetiva pois ao definir como valor funda mental os bens de salvação tal ação não possibilita apenas a organização da conduta em vista desse benefício exterior mas também uma satisfação interna pela busca por um estado de espírito permanente Do ponto de vista da forma de organização Weber par tindo de uma perspectiva evolutiva observa na esfera religiosa uma dinâmica racional que supera sublima os princípios mági cos da redenção e as políticas de parentesco para alcançar um modelo estrutural de matriz pública e a partir dele chegar a concepções religiosas de caráter éticofraternal Enfim do ponto de vista do tipo de racionalidade a es fera religiosa manifesta um contexto de tensão entre raciona lidade material e formal seguindo a sua própria lógica interna Eigengesetzlichkeit a esfera religiosa passa a ser configurada por uma ética universalista que em conflito com a racionalidade material dos interesses pessoais desenvolve uma racionalidade 321 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS formal e por consequência possibilita o surgimento de uma éti ca da convicção De uma maneira ou de outra a sua exigência ética foi conti nuamente no sentido de uma fraternidade universalista pas sando por cima de todos os limites dos grupos sociais muitas vezes inclusivamente os da própria comunidade confessional Quanto mais essa fraternidade religiosa fosse posta em prática consoante a sua lógica interna tanto mais duramente ela cho cava com as ordens e valores do mundo E de facto quanto mais estes por seu lado eram racionalizados e sublimados de acordo com as suas normas próprias e é isso que importa aqui tanto mais essa discrepância costumavase manifestarse de forma mais irreconciliável WEBER 2006a p 325 A esfera econômica Segundo Weber a ação social da esfera econômica ma nifestase por uma ação racional referente a fins pois seu inte resse se orienta segundo o valor da aquisição e do lucro por meio do cálculo Do ponto de vista da forma de organização a esfera eco nômica é controlada pelo mercado que orientado por uma legalidade própria Eigengesetzlichkeit possibilita um espaço competitivo para a valoração dos preços monetários como tam bém por consequência institucionaliza uma economia racional e uma empresa objetiva Do ponto de vista do tipo de racionalidade percebese o predomínio de uma racionalidade tanto material como for mal ou seja a função do mercado não é apenas negociar e ad quirir o lucro por intermédio de vínculos pessoais mas também institucionalizar meios racionais e impessoais para que o lucro seja cada vez mais eficiente 322 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A economia racional é um exercício objetivo orientado pelos preços monetários que se formam no mercado no quadro da luta de interesses dos homens uns com os outros Sem avalia ção em preços monetários portanto sem essa luta nenhum tipo de cálculo é possível O dinheiro é o que há de mais im pessoal na vida humana Por isso o universo da economia mo derna racional e capitalista quanto mais seguiu suas próprias normas imanentes tanto mais se tornou inacessível a qualquer ação imaginável com uma ética religiosa da fraternidade E na verdade quanto mais se tornou racional e por conseguinte impessoal tanto mais inacessível ficou WEBER 2006a p 326 A esfera política Assim como na esfera econômica a ação social da esfera política também é marcada por uma ação racional referente a fins pois sua principal finalidade é a manutenção ou a reor ganização interna e externa do poder WEBER 2006a p 329 visto aqui como o valor principal pelo aparato político Do ponto de vista da forma de organização a esfera polí tica é controlada pelo Estado uma vez que seguindo suas lega lidades próprias utilizase de meios coercitivos externa e inter namente para manter o monopólio da violência legítima ou seja o êxito do poder por meio de correlações de forças e não do direito ético WEBER 2006a p 329 A esfera política enfim implica racionalidade tanto mate rial como formal material porque está orientada ao campo de determinados interesses no caso a regulação interna e exter na do poder e formal por conta de sua crescente impessoali dade burocrática a máquina burocrática do Estado e o homo politicus racional nela inserido tal como o homo oeconomicus executam as suas tarefas objetivamente sem levar em conta a pessoa sine ira 323 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS et studio sem ódio e portanto sem amor mesmo para punir as ilegalidades WEBER 2006a p 328329 Nesse sentido percebese uma tensão e o predomínio da racionalidade formal sobre a material quanto mais a esfera po lítica é racionalizada mais impessoal e inacessível ela se torna Em virtude da impessoalidade desta ordem o aparelho buro crático é até menos acessível em pontos importantes e apesar da aparência em contrário a uma moralização material do que as ordens patriarcais do passado Com efeito todo o curso das funções políticas internas do aparelho de Estado no campo da justiça e administração acaba sempre por regular inevitavel mente mais uma vez pela pragmática objetiva da razão de Estado ou seja pela absoluta finalidade em si que é a ma nutenção ou a reorganização da repartição interna e externa do poder O apelo à violência nua dos meios de coação dirigidos não só para fora mas também para dentro faz simplesmente parte da essência de todas as formações políticas Neste as pecto a razão de Estado segue as suas próprias normas intrín secas tanto no plano externo como interno WEBER 2006a p 329 A esfera estética A ação social da esfera estética bem como da erótica possui algumas peculiaridades que a distinguem das demais es feras Segundo Weber se a ética religiosa da fraternidade vive em estado de tensão com as regras intrínsecas da ação exercida no mundo com fina lidade racional econômica e política pois a tensão não é me nor em relação àquelas forças intramundanas da vida que por sua natureza são inteiramente de caráter aracional ou anti racional Sobretudo tratandose das esferas estética e erótica WEBER 2006a p 337 324 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dessa maneira para compreender a racionalização da es fera estética a partir de seus próprios critérios normativos Ei gengesetzlichkeit devese considerar sua relação com a esfera religiosa e com as esferas da economia e da política A autonomização da arte com relação à esfera religiosa acompanha o processo evolutivo do caráter mágico das religiões ao ético Se no início a arte era apenas um conjunto de práticas estereotipadas experimentada no âmbito da magia e usada como meio de alcançar o êxtase pela música e dança WEBER 2006a p 337 com sua racionalização acaba se criando uma tensão com a religiosidade de salvação ao tornarse um fim em si mesma transformando os juízos de valor com intenção ética em juízos de gosto WEBER 2006a p 338 Noutras palavras ao racionalizarse a esfera estética substitui os juízos éticos de bom e mau próprios da moral religiosa por juízos autô nomos e estéticos de belo Levando em consideração o tipo de racionalidade perce bese que por um lado a esfera estética exerce sim uma racio nalidade formal justamente por se tornar autônoma em rela ção à esfera religiosa porém por outro lado também expressa um tipo de irracionalidade Para compreender essa dimensão irracional precisase considerála agora em sua relação com as esferas da economia e da política A afirmação de que a arte assume a função de uma reden ção no seio do mundo libertando o homem do quotidiano WEBER 2006a p 338 é uma peçachave que nos dá um ponto de partida Enquanto autonomia em relação à esfera religiosa o caráter extramundano ou extracotidiano da arte posicionase como racionalidade formal mas em relação às esferas da po lítica e da economia essa dimensão colocase como irracional não racional pois não está de acordo com as regularidades 325 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS e condutas habituais próprias da racionalidade cotidiana como estão neste caso a política e economia esferas orientadas pela racionalização e eficiência do cotidiano Portanto pelo fato de implicar uma experiência pessoal extracotidiana de caráter alheio à racionalização do cálculo es tratégico intramundano a ação social da esfera estética refe rese a uma ação afetiva própria da subjetividade cuja forma de organização em sua referência de valor ao belo não está pautada na condução metódica e sistemática da vida mas na estilização da vida segundo o grau de singularidade e vivacida de que a experiência estética adquiriu A arte constituise então como um universo de valores pró prios e autônomos Assume a função de uma redenção no seio do mundo indiferentemente da interpretação que se lhe dê libertando o homem do quotidiano e sobretudo também da pressão crescente do racionalismo teórico e prático A esse tí tulo porém ela entra em concorrência direta com a religião de redenção Qualquer ética religiosa se tem de voltar contra essa redenção intramundana irracional como contra um reino a seu ver de gozo irresponsável e de secreta insensibilidade WEBER 2006a p 338 A esfera erótica De acordo com Weber a ação social da esfera erótica é regida fundamentalmente por uma ação afetiva pois as sim como a esfera estética sua conduta de vida está orientada à satisfação pessoal de caráter extracotidiano isto é alheio à racionalização do cotidiano ou qualquer sistematização ética Dada a sua referida extracotidianidade a esfera erótica propor ciona uma forma de organização baseada em relações sociais efêmeras e instáveis cujo valor buscado é a experiência do prazer 326 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A racionalização que configura a legalidade interna Eigen gesetzlichkeit da esfera erótica consiste no processo de subli mação que transformou a sexualidade em erotismo e por isso fez com que se tornasse uma esfera cultivada de modo cons ciente e extraordinário Nesse sentido percebese uma evolu ção do conceito de erotismo que se expressa pelo processo de racionalização ocidental e cultural desde o mundo antigo até a modernidade Do ponto de vista do tipo de racionalidade levase em consideração o predomínio de uma racionalidade material po rém também irracional Por um lado a racionalidade erótica é material porque se baseia numa conduta normativa passional diferente por sua vez do caráter ascético impessoal do homem profissional a última intensificação do acento posto na esfera erótica no âmbito das culturas intelectualistas acabou por se dar quan do esta esbarrou com o influxo inevitavelmente ascético da humanidade moldada pela vocaçãoprofissão WEBER 2006a p 343 Por outro lado a esfera erótica manifesta um caráter irra cional porque o modo de racionalização do erotismo ao longo da história possui características muito diferentes da racionali zação política e econômica O erotismo foi alcançado para a esfera daquilo que se goza conscientemente Todavia e precisamente por isso ele apareceu como uma porta aberta para o cerne mais irracional e portanto mais real da vida frente aos mecanismos de racio nalização WEBER 2006a p 341 327 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A partir de então foi possível tornar mais evidente ainda a relação de tensão entre a ética religiosa de fraternidade e a maior força irracional da vida o amor sexual WEBER 2006a p 339 Ora essa tensão no caso de a esfera sexual ser sistematica mente transformada numa sensação erótica de alto valor transfigurandoo a todo o elemento animal na relação sexual não podia deixar de tornarse mais aguda e mais inevitável precisamente quando a religiosidade de redenção assumiu o caráter de religiosidade do amor isto é da fraternidade e do amor ao próximo WEBER 2006a p 343344 A esfera intelectual Por fim com relação à ação social da esfera intelectual percebese tanto uma ação referente a fins como uma ação racional referente a valores se por um lado o intelecto criou uma aristocracia não fraternal uma comunidade científica pautada numa lógica de ação para fins no campo da própria ati vidade científica posse da cultura por outro percebese tam bém uma ação orientada a valores pois a dedicação aos bens culturais acabou transformando a tarefa científica numa espécie de missão sagrada numa vocação Do ponto de vista da forma de organização a esfera po lítica orientase por organizações próprias como universidades e laboratórios organizadas sistematicamente a partir de uma distribuição específica de recursos para aqueles que atuam na esfera em vista de uma pretensa verdade decorrente da pos se dos bens culturais WEBER 1968 p 1920 Do ponto de vista do tipo de racionalidade a mesma ten são percebida entre racionalidade material e racionalidade formal nas esferas da economia e da política também integra 328 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS a esfera intelectual Isso pode ser constatado pelo processo de racionalização de uma cultura profana independentemente das pretensões metafísicas e éticas e segundo seus próprios critérios normativos Eigengesetzlichkeit em oposição à religião e seu critério de explicação causal por meio de compensações éticas e extramundanas encontrase uma esfera desencantada do saber que se move agora por explicações intramundanas e inerentes às próprias leis naturais e fenomênicas O conhecimento racional para o qual até a própria religiosida de ética apelara dava forma seguindo as suas próprias normas de maneira autónoma e no plano intramundano a um cosmos de verdades que não só já mesmo nada tinha a ver com os pos tulados sistemáticos da ética religiosa racional O cosmos da causalidade natural e o cosmos postulado da causalidade assente baseada na compensação ética encontravamse em irremediável oposição um ao outro WEBER 2006a p 353 Para ficarem mais claras as características de cada esfera observe o Quadro 1 Quadro 1 Racionalização das esferas de valor das sociedades modernas Esfera Orientação da ação social Forma de organização Valor Racionalidade predominante Religiosa Ação referente a valores e afetiva Comunidade religiosa Salvação Material e formal Econômica Ação referente a fins Mercado Aquisição lucro Material e formal Política Ação referente a fins Estado Poder Material e formal 329 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Esfera Orientação da ação social Forma de organização Valor Racionalidade predominante Estética Ação afetiva Estilização da vida Belo Formal e irracional Erótica Ação afetiva Relações efêmeras Prazer Material e irracional Intelectual Ação referente a fins e racional referente a valores Universidades e laboratórios Verdade Material e formal Fonte adaptado de Weber 2006a p 317358 e Sell 2013 p 288 Com isso percebese na Consideração intermediária de Weber um esforço não somente de racionalização ociden tal mas também da apresentação de uma visão de conjunto do racionalismo moderno por meio da autonomização das distintas esferas de valor segundo suas próprias leis internas Eigengesetzlichkeit As leituras indicadas no Tópico 3 5 abordam as princi pais questões sobre o processo de racionalização das esferas de valor que resultou no desenvolvimento da sociedade mo derna Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 330 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 26 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO A obra A ética protestante e o espírito do capitalismo é um convite para refletir sobre a formação da cultura econômica ocidental e da subjetividade do homem moderno Seu objetivo principal é descrever o jogo de interesses históricos existentes entre o conteúdo doutrinal e ascético do protestantismo ética protestante e o emergente sistema socioeconômico comercial espírito do capitalismo cujo resultado iminente será a consti tuição da então futura sociedade capitalista Para entender do que se trata esse jogo de interesses é preciso compreender também o conceito de afinidades eleti vas Tratase de uma ideia utilizada pelo próprio Weber cujo objetivo é tentar descrever o surgimento de um conjunto de in teresses e combinações ideológicas que num determinado mo mento histórico possibilitou a aproximação e a mútua interação entre duas estruturas que conscientemente elegem uma ou mais afinidades em vista de determinados fins e benefícios próprios Usando a terminologia das ciências biológicas tratase de uma simbiose adaptada se assim é possível dizer ao âmbito das relações socioestruturais Em síntese a ética protestante e o espírito capitalista tiram proveito um do outro encontrando a partir disso elementos comuns Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as bases materiais as formas de organização social e política e o conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma proce deremos tãosó de modo a examinar de perto se e em quais pontos podemos reconhecer determinadas afinidades eleti vas entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética profissional WEBER 2004 p 83 331 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Mas perante esse processo uma importante dúvida emer ge por que tal afinidade eletiva aconteceu justamente naquele determinado momento histórico do Ocidente e não em outras épocas Quais características específicas aquele contexto histó rico continha que permitiram a combinação e adequação de ele mentos que fundiram numa só finalidade interesses espirituais e materiais No primeiro parágrafo da Introdução do texto A ética protestante e o espírito do capitalismo Weber já se pro nuncia sobre essa questão No estudo de qualquer problema da história universal um filho da moderna civilização europeia estará sujeito à indagação de qual combinação de fatores a que se pode atribuir o fato de na Civilização Ocidental e somente na Civilização Ocidental have rem aparecido fenômenos culturais dotados como queremos crer de um desenvolvimento universal em seu valor e significa do WEBER p 1999a p 1 O problema está posto falta por sua vez esclarecêlo com precisão Para isso Weber busca respostas nas origens religio sas do Ocidente e do Oriente descobrindo que diferentemente das religiões orientais que prezavam pela regionalização de suas crenças o culto cristãocatólico foi o primeiro na história que teve a pretensão de se tornar universal Tal tendência não foi apenas um evento histórico ocasional mas fundamental para a futura simbiose entre ascese protestan te e classe comerciante que acabou culminando no surgimento do capitalismo como sistema econômico universal Ou seja foi justamente esse caráter universal na gênese do cristianismo que séculos mais tarde incorporouse na criação da concepção do capitalismo enquanto proposta universal Com isso após demonstrar que o modelo econômico de outras culturas orientais ou ocidentais do passado se baseava 332 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS numa espécie de capitalismo ingênuo 1999a p 4 Weber percebe então a necessidade de confirmar a sua grande hipó tese de que o sistema capitalista potencial é uma característica típica do Ocidente e só dele Para tanto baseado nos estudos de Offenbacher o pon to de partida de Weber foi constatar que na Alemanha gran de parte dos estudantes e profissionais que atuavam na área técnica administrativa e comercial era proveniente de famílias protestantes número esse inclusive superior ao número do restante da população de outras vertentes religiosas que por ventura também atuavam na mesma área Com isso Weber conclui que alguns grupos protestantes possuem uma formação subjetiva e ética mais voltada para a dimensão econômica Daí o argumento da relação entre confissão religiosa e estratificação socioeconômica Está claro que a participação dos protestantes na propriedade do capital na direção e nos postos e trabalho mais elevados das grandes empresas modernas industriais e comerciantes é relativamente mais forte ou seja superior à sua porcentagem na população total e isso se deve em parte por razões históri cas que remontam a um passado distante em que a pertença a uma confissão religiosa não aparece como causa de fenômenos econômicos mas antes até certo ponto como consequência deles WEBER 2004 p 2930 O trecho anterior incomoda justamente porque coloca a confissão religiosa não como elemento primário aos fenômenos econômicos mas como diz o autor até certo ponto como con sequência deles Isso quer dizer que é preciso fazer uma genea logia tanto da economia capitalista como da religiosidade purita na para tentar descobrir o contexto exato e em que medida essas duas realidades se tornaram uma só coisa na subjetividade hu mana um ethos profissional e burguês Para isso Weber sente a 333 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS necessidade de pesquisar tanto a origem do espírito capitalista como da ascese protestante Sobre o termo Ethos Segundo Menezes a palavra grega Ethos possui duas vertentes semânticas no grego um Ëthos com pronúncia fechada e um Éthos com pronúncia aber ta mas que no final das contas estão muito próximos em seus significados Ëthos com pronúncia fechada termo grego que significa mora da residência lugar onde se habita e figurativamente também pode significar caráter personalidade Éthos com pronúncia aberta contudo tem um significado mais usual de costume hábito uso Esses termos estão relacionados entre si uma vez que um Ëthos é o ponto de partida para algumas normas de comportamento enquanto o outro Éthos é o resultado de com portamentos que se transformaram em costumes Um produz o outro que por sua vez é fonte do outro MENEZES 2010 p 6 grifo do autor Daí que no contexto da Ética protestante e o espírito do capitalismo ambos os significados podem ser usados sem maiores problemas como aspecto da personalidade Ëthos e como elemento do comportamento Éthos Por isso fazse a escolha assim como na tradução de preservar a palavra sem qual quer acento Com relação ao espírito capitalista Weber não dá uma de finição formal e acabada de início mas leva em consideração um contexto ideológico que não só divulgou uma escolha econômica pelo capitalismo nascente como também inculcou na subjetivi dade do trabalhador moderno a posse do capital como virtude Na base desse pensamento estão os famosos escritos de Benja min Franklin citados inúmeras vezes por Weber Lembrate que tempo é dinheiro aquele que com seu trabalho pode ganhar dez xelings ao dia e vagabundeia metade do dia ou fica deitado em seu quarto não deve mesmo que gaste ape nas seis pence para se divertir contabilizar só essa despesa na verdade gastou ou melhor jogou fora cinco xelins As mais 334 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS significantes ações que afetam o crédito de um homem devem ser por ele ponderadas As pancadas de teu martelo que teu credor escuta às cinco da manhã ou às oito da noite o deixam seis meses sossegados mas se te vê à mesa de bilhar ou escu ta tua voz numa taberna quando devias estar a trabalhar no dia seguinte vai reclamarte o reembolso e exigir seu dinheiro antes que o tenhas à disposição duma vez só FRANKLIN apud WEBER 2004 p 4244 Esses conselhos de Franklin são emblemáticos por muitos motivos em especial pelo fator da internalização da disciplina do trabalho que tem como pano de fundo o abandono dos praze res e o disciplinamento da conduta Ou seja esse elemento atua como um poderoso molde da subjetividade socioeconômica do homem moderno que pela primeira vez passou a acreditar que por meio do esforço do seu trabalho pode fazer aquilo que na sociedade medieval era impossível flexibilizar os estamentos e ascender nas classes sociais Essa crença exaustivamente pregada pelo espírito capita lista nascente apresentouse no contexto social da época tanto como novidade quanto como ideologia de fato os estamentos sociais foram mobilizados mas isso não quer dizer que o enri quecimento pudesse chegar a todos os trabalhadores que se es forçavam em seus ofícios É nesse sentido que Kürnberg apud WEBER 2004 p 45 satiriza tais máximas de Franklin como pro fissão de fé ianque sintetizandoas na seguinte frase do gado se faz sebo das pessoas dinheiro Essa concepção de zelo pelo trabalho vinculado ao po tencial de lucro foi redimensionada de tamanha maneira no inconsciente simbólico da coletividade que num determinado momento da história mais especificamente a partir de Frank lin não se poderia caracterizála acidentalmente apenas em seu 335 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS aspecto organizacional perspicácia nos negócios mas essen cialmente como ethos social da cultura capitalista amalgamado e constitutivo da subjetividade do trabalhador moderno Aqui não prega simplesmente uma técnica de vida mas uma ética peculiar cuja violação não é tratada apenas como desa tino mas como uma espécie de falta com o dever isso antes de tudo é a essência da coisa O que se ensina aqui não é apenas perspicácia nos negócios algo que de resto se encontra com bastante frequência mas é um ethos que se expressa e é pre cisamente nesta qualidade de que ele nos interessa WEBER 2004 p 45 No entanto Weber não reduz a formação da subjetividade moderna apenas ao condicionamento material do capitalismo como fez Marx Weber tenta também encontrar um campo espi ritual fértil capaz de ratificar esse espírito capitalista como algo digno de ser inculcado Foi esse aspecto que fez com que a cultura econômica ca pitalista fosse vista por Weber como algo próprio do Ocidente moderno pois o capitalismo existiu na China na Índia na Ba bilônia na Antiguidade e na Idade Média mas como veremos faltavalhes precisamente esse ethos peculiar WEBER 2004 p 45 Noutras palavras esse ethos capitalista só pôde ser inte riorizado de forma eticamente aceita por todos a partir do mo mento em que foi legitimado pela ideologia puritana que ba seada na ideia de trabalho como vocação ou chamamento de Deus Beruf transformou o lucro pagão em recompensa divina A partir de então entra em cena o segundo aspecto do processo de formação da subjetividade a ascese protestante Adentrando no campo das vertentes religiosas protestan tes Weber observou que o conceito de profissão carrega em si 336 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS a ideia de vocação como chamado de Deus Beruf Isso se soli dificou de tal forma que tratar o trabalho como uma vocação profissional tornouse tão característico para o trabalhador mo derno como para o empresário a correspondente vocação para o lucro WEBER 2004 p 163 Calvino por exemplo um dos ícones do puritanismo é cla ro em defesa dessa posição quando afirma que se seguirmos fielmente nosso chamamento divino receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus CALVINO 2000 p 77 Em trecho de outra obra As insti tutas ou Tratado da religião cristã também diz Finalmente deve levarse em conta isso que o Senhor a cada um de nós em todas as ações da vida ordena atentar para Sua vocação Pois Ele sabe com quão grande inquietude efervesça o engenho humano de quão inconstante volubilidade seja leva do para cá e para lá quão ávida lhe seja a ambição em abraçar diversas cousas a um só tempo Portanto para que através de nossa estultice e temeridade de cima abaixo se não misturem todas as cousas Deus ordenou a cada um os seus deveres em distintos gêneros de vida E para que não ultrapasse alguém temerariamente os seus limites a essas modalidades de viver chamou vocações Logo para que não sejam levados em volta às cegas pelo curso da vida foi pelo Senhor atribuída a cada um como se fora um posto de serviço sua forma de viver Daqui também insigne consolação surdirá que desde que obe deças à tua vocação nenhuma obra tão ignóbil e vil haverá de ser que diante de Deus não resplandeças e sejas tida por valio síssima CALVINO 1989 p 186187 A grande questão proposta por Weber que direcionará o restante de sua argumentação colocase nos seguintes termos que tipo de ascese essas religiões protestantes colocaram em prática a partir do conceito de Beruf Segundo Weber a ascese 337 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS protestante baseada no aspecto do disciplinamento do traba lho e da internalização da conduta moral amplamente divulgada por Franklin apropriouse de tais conceitos e promoveu em seus fiéis uma espécie de subjetivação do dever por meio da visão de trabalho como vocação divina e missionária do homem na terra Esse aspecto é bem frisado por Weber reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar a moralidade intramundana pela ascese mo nástica mas sim exclusivamente em cumprir com os deveres intramundanos tal como decorrem da posição do indivíduo na vida a qual por isso mesmo se torna sua vocação profissional WEBER 2004 p 72 grifo nosso Com isso o trabalho deixa de ser visto como algo que ex plora o homem mas como instrumento que o dignifica moral mente e o eleva economicamente quanto mais posses tanto mais cresce se a disposição ascé tica assim resistir a essa prova o peso do sentimento da res ponsabilidade não é só de conservála na íntegra mas ainda de multiplicála para a glória de Deus através do trabalho sem descanso WEBER 2004 p 155 Essa é a tese que Weber tenta provar por meio dos pró prios representantes puritanos No discurso de John Wesley por exemplo aparece uma ideia bem interessante não nos é lícito impedir que as pessoas sejam laboriosas e fru gais temos que exortar todos os cristãos a ganhar tudo quanto puderem e poupar tudo quanto puderem e isso na verdade significa enriquecer WESLEY apud WEBER 2004 p 160 Em convergência com tais palavras Richard Baxter tam bém não deixa por menos quando afirma Se Deus vos indica um caminho no qual sem dano para vossa alma ou para outrem possais ganhar nos limites da lei mais do que num outro caminho e vós o rejeitais e seguis o caminho 338 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS que vai trazer ganho menor então estareis obstando um dos fins do vosso chamamento calling estareis vos recusando a ser o administrador de Deus stewart e a receber os seus dons para poderdes empregálos para Ele se Ele assim o exigir Com certeza não para fins da concupiscência da carne e do pecador mas sim para Deus é permitido trabalhar para ficar rico BAX TER apud WEBER 2004 p 148 Como é possível notar acontece aqui uma secularização do chamado vocação que não é mais situado no ambiente monacal e eclesiástico típico do catolicismo mas num contex to laico de confissão puritana que entre outras coisas acaba por promover uma inversão bastante significativa enquanto a purificação católica está voltada a uma prática de mortificação mecânica e externa na ascese protestante a purificação do cor po é internalizada na ideia de vocação do trabalho visto como missão divina que implica o abandono dos prazeres e a vigilância da disciplina Veja O feito propriamente dito da Reforma consistiu simplesmente em ter já no primeiro momento inflado fortemente em con traste com a concepção católica a ênfase moral e o prêmio re ligioso para o trabalho intramundano no quadro das profissões O modo como a ideia de vocação que nomeou esse feito foi posteriormente desenvolvida passou a depender das subse quentes formas de piedade que se desdobraram dali em diante em cada uma das igrejas saídas da Reforma WEBER 2004 p 75 Logo a profissão como dever é a realização dessa missão religiosa no contexto de uma ética intramundana sendo enten dida como uma forma de atualização do chamado de Deus em potência Localizase aqui segundo Weber o germe da consti tuição de uma subjetividade moderna uma coisa antes de mais nada era absolutamente nova a valorização do cumprimento do dever no seio das profissões mundanas como o mais excelso 339 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS conteúdo que a autorrealização moral é capaz de assumir WE BER 2004 p 72 Isso demonstra que o conceito de profissão como vocação colocase como chave interpretativa da ascese protestante e ao mesmo tempo conectiva em relação ao espírito do capita lismo Isso por dois motivos primeiro porque a profissão como vocação legitima o trabalho intramundano como missão religio sa para o qual o homem é chamado a assumir com todas as suas forças segundo porque essa missão traz em si a potencialidade do lucro econômico e capitalista Veja como Weber afirma a exis tência desse processo de expansão do capitalismo pela concep ção ascética protestante Eis porém algo ainda mais importante a valorização religiosa do trabalho profissional mundano sem descanso continuado sistemático como o meio ascético simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da regene ração de um ser humano e da autenticidade de sua fé tinha que ser no fim das contas a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui temos chamado de espírito do capitalismo WEBER 2004 p 156157 Dessa maneira o cenário do nascimento da sociedade capitalista moderna já estava pronto por um lado um sistema econômico próspero e desejoso de mais autonomia e reconhe cimento social por outro uma ideologia ascética e religiosa dis posta a dar justamente mais espaço à prática capitalista Uma perfeita combinação o espírito capitalista só se ex pandiu devido à ascese protestante que lhe abriu caminho de concretização social e a ascese protestante por sua vez só con seguiu internalizar uma moral religiosa intramundana vocação 340 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Beruf porque o espírito capitalista forneceu os elementos do disciplinamento do trabalho e a perspectiva do lucro Weber en xerga nesse ponto o surgimento do ethos profissional burguês fonte primária e alavanca principal para a formação da sociedade capitalista Surgira um ethos profissional especificamente burguês Com a consciência de estar na plena graça de Deus e ser por ele visi velmente abençoado o empresário burguês com a condição de manterse dentro dos limites da correção formal de ter sua conduta moral irrepreensível e de não fazer de sua riqueza um uso escandaloso podia perseguir os seus interesses de lucro e devia fazêlo O poder da ascese religiosa além disso punha à sua disposição trabalhadores sóbrios conscienciosos extraor dinariamente eficientes e aferrados ao trabalho como se finali dade de sua vida querida por Deus WEBER 2004 p 161 Em tese todo esse processo de subjetivação moderna se gundo Weber passa pelo viés das afinidades eletivas entre asce se protestante e economia capitalista que pela formação de um ethos cultural próprio da ideologia burguesa emprestou a essa sociedade moderna um modelo de subjetividade que moldou todo um processo civilizatório do Ocidente Norbert Elias tempos depois identificará nesse desen volvimento um legítimo processo civilizatório da sociedade que de certa maneira não deixa de ser a internalização de um refinamento dos sentidos a prática da etiqueta consiste em ou tras palavras numa autorrepresentação da sociedade de corte Por meio dela cada indivíduo e antes de todos o rei tem o seu prestígio e a sua posição de poder relativa confirmados pelos outros A opinião social que forja o prestígio dos indivíduos se expressa pelo comportamento de cada um em relação ao outro dentro de um desempenho conjunto que segue determinadas regras Ao mesmo tempo nesse desempenho conjunto tornase 341 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS visível imediatamente portanto o vínculo existencial entre os homens singulares e a sociedade na corte Sem a confirmação de seu prestígio por meio do comportamento esse prestígio não é nada A importância conferida à demonstração de prestígio à observância da etiqueta não diz respeito a meras formalida des mas sim ao que é mais necessário e vital para a identidade individual de um cortesão ELIAS 2001 p 117118 É justamente nessa direção que Weber encerra a sua obra perceber a formação de uma subjetividade moderna baseada não apenas por aspectos unilaterais material ou religioso mas a partir da mútua relação beneficente de elementos igualmente possíveis e condicionantes Porquanto embora o homem moderno mesmo com a melhor das boas vontades geralmente não seja capaz de imaginar o efetivo alcance da significação que os conteúdos de consciência religiosos tiveram para a conduta da vida cultura e o caráter de um povo não cabe contudo evidentemente a intenção de substituir uma interpretação causal unilateralmente materialis ta da cultura e da história por uma outra espiritualista tam bém é unilateral Ambas são igualmente possíveis mas uma e outra se tiveram a pretensão de ser não a etapa preliminar mas a conclusão da pesquisa igualmente pouco servem à ver dade histórica WEBER 2004 p 167 A leitura indicada no Tópico 3 6 promove uma reflexão sobre a atualidade de alguns dos conceitos abordados em A ética protestante e o espírito do capitalismo de Max Weber Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 342 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 5 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 TIPOS IDEAIS Sobre a metodologia weberiana e a importância dos tipos ideias como elemento metodológico central confira os artigos indicados a seguir OLIVEIRA C M Método e Sociologia em Weber alguns conceitos fundamentais Revista Eletrônica InterLegere n 3 p 110 juldez 2008 Disponível em httpspe riodicosufrnbrinterlegerearticleview4751 Acesso em 25 nov 2019 CIARALLO G A Sociologia compreensiva e a interpreta ção de individualidades históricas o papel do Verstehen na metodologia das ciências da cultura de Max Weber Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC n 36 p 389406 out 2004 Disponível em https 343 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS periodicosufscbrindexphprevistacfharticledown load2542422339 Acesso em 25 nov 2019 32 TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA Sobre os tipos de dominação legítima sugerimos a leitura tanto de um pequeno texto de Weber como também de um ar tigo sobre o assunto WEBER M Os três tipos puros de dominação legí tima Disponível em httpsedisciplinasuspbr pluginfilephp291528modresourcecontent1 Weber20Os20trC3AAs20tipos20de20 dominaC3A7C3A3o20legC3ADtimapdf Acesso em 25 nov 2019 BARRETO M A dominação de Max Weber pelos seus manuscritos inacabados 19111913 Sociologia An tropologia Rio de Janeiro v 4 n 2 p 587593 out 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfsant v4n222383875sant04020587pdf Acesso em 25 nov 2019 33 OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL Para se aprofundar na teoria da ação social e nos tipos de ação que os indivíduos recorrem em sua interação coletiva leia os textos indicados a seguir WEBER M Ação social e relação social Disponível em httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp203913 modresourcecontent1U320202892920 344 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS MaxWeberAcaoSocialRelacaoSocialpdf Acesso em 25 nov 2019 GARCEZ E F Weber Schutz e a busca de sentido na ação social uma análise comparativa Em Tese Floria nópolis v 11 n 1 p 6390 janjun 2014 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesearti cleviewFile180650232014v11n1p6328682 Aces so em 25 nov 2019 34 TIPOS DE RACIONALIDADE Para uma melhor compreensão dos tipos de racionalidade elaborados por Max Weber acesse o texto indicado a seguir SILVA J M R A racionalidade na teoria da ação social de Max Weber Monografia Bacharelado em Ciências Sociais Universidade Federal de Santa Catarina Flo rianópolis 2015 Disponível em httpsrepositorio ufscbrbitstreamhandle123456789159791TCC20 Julia20Monseffpdfsequence1 Acesso em 25 nov 2019 35 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO O tema da racionalização das esferas de mundo é ampla mente central na explicação de Weber sobre o surgimento das sociedades modernas Por isso sugerimos que leia os seguintes artigos SELL C E Racionalidade e racionalização em Max We ber Revista Brasileira de Ciências Sociais v 27 n 79 345 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS jun 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdf rbcsocv27n79a10pdf Acesso em 25 nov 2019 CARDOSO M R O desencantamento do mundo segun do Max Weber Revista Educ Rio de Janeiro Faculdade de Duque de Caxias v 1 n 2 juldez 2014 Disponí vel em httpuniespedubrsitesbibliotecarevis tas20170608150055pdf Acesso em 25 nov 2019 36 ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO Sobre a atualidade da ética protestante e o espírito do ca pitalismo nos dias atuais leia o artigo indicado a seguir RIESEBRODT M A ética protestante no contexto con temporâneo Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 24 n 1 p 159182 2012 Disponí vel em httpwwwscielobrpdftsv24n110pdf Acesso em 25 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Segundo Max Weber A ação social incluindo omissão ou tolerância orientase pelo compor tamento de outros seja este passado presente ou esperado como futuro 346 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS vingança por ataques anteriores defesa contra ataques presentes ou me didas de defesa para enfrentar ataques futuros WEBER 1999b p 1314 Dessa maneira o sociólogo deve levar em conta o significado intencional que o ator social atribui a sua ação a qual pode nascer da aceitação de um valor por hábito ou tradição ou de impulsos emotivos irracionais Sobre a classificação dos tipos ideais da ação social assinale a alternativa que os caracteriza corretamente a A ação moral é ditada por valores invariáveis a respeito do que é justo e do que não é justo relacionados a critérios de êxito e utilidade b A ação afetiva nasce dos hábitos adquiridos da confiança no que sempre foi como no caso de comportamentos determinados por hábitos consagrados c A ação tradicional expressa uma emoção e por isso se fundamenta em sentimentos e afetos e é impulsionada pelo estado emotivo dos atores d A ação racional com relação a valores é determinada pela crença em valores e princípios absolutos e por meio de um cálculo utilitário or ganiza os meios necessários para realizálos e A ação racional com relação a fins é motivada pelo objetivo prefixado cujos meios para a sua realização são escolhidos racionalmente 2 Leia o texto a seguir a Do ponto de vista do agente o motivo é o fundamento da ação para o sociólogo cuja tarefa é compreender essa ação a reconstrução do mo tivo é fundamental porque da sua perspectiva ele figura como a cau sa da ação Numerosas distinções podem ser estabelecidas e Weber realmente o faz No entanto apenas interessa assinalar que quando se fala de sentido na sua acepção mais importante para a análise não se está cogitando da gênese da ação mas sim daquilo para o que ela aponta para o objetivo visado nela para o seu fim em suma COHN 1979 p 27 A categoria weberiana que melhor explica o texto em evidência está explicitada em b A luta de classes tem sentido porque é o que move a história dos homens 347 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS c Os fatos sociais não são coisas e sim acontecimentos que precisam ser analisados d A ação social possui um sentido que orienta a conduta dos atores sociais e O tipo ideal é uma construção teórica abstrata que permite a análise de casos particulares f O sociólogo deve investigar o sentido das ações que não são orienta das pelas ações de outros Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 c 5 CONSIDERAÇÕES Após toda a reflexão promovida alguns elementos preci sam enfim ser concluídos no tocante a Max Weber O primeiro deles é que a metodologia weberiana de maneira alguma pos sui o status secundário com relação ao seu pensamento teórico Pelo contrário percebese uma íntima correlação conceitual en tre método e teoria em Weber a ponto de ser possível afirmar que só é viável entender os conceitos teóricos weberianos re correndo aos seus critérios metodológicos Emerge então com toda força criativa que convém a sua genial formulação de tipos ideais como viés metodológico por excelência de sua pesquisa O segundo elemento é que o esforço de Max Weber em delinear os tipos ideais demonstra sua inventividade em não re duzir seus conceitos teóricos em máximas totalizantes não há 348 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS dúvidas de que ele percorre vertentes idealistas marxistas e po sitivistas mas tal postura não faz dele um adepto de nenhuma Isso mostra o quanto Weber preocupouse em encontrar um me dium adequado para sua pesquisa que de fato lhe permitisse o trânsito por vezes tensional entre particular e universal sujeito e objeto especulação e empiria Um terceiro aspecto de destaque é sua maneira de en xergar a gênese da sociedade capitalista Weber propõe mais do que uma simples retrospectiva uma legítima genealogia dos conceitos em questão a ascese protestante e o espírito do capi talismo Negando que tais condicionamentos possam advir ape nas das necessidades econômicas como assim fez Marx We ber tenta descobrir em que momentos tais conceitos elegeram afinidades mútuas e também seus reais motivos Essa postura mais do que nunca aproxima Weber de Nietzsche a genealogia os une 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Max Weber Disponível em httpsbrasilescolauolcombrsociologia introducaoteoriamaxweberhtm Acesso em 22 nov 2019 Figura 3 Burocracia Disponível em httpwwwcartunistacombrburocraciagif Acesso em 25 nov 2019 Sites pesquisados BARRETO M A dominação de Max Weber pelos seus manuscritos inacabados 1911 1913 Sociologia Antropologia Rio de Janeiro v 4 n 2 p 587593 out 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfsantv4n222383875sant04020587 pdf Acesso em 25 nov 2019 349 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS CARDOSO M R O desencantamento do mundo segundo Max Weber Revista Educ Rio de Janeiro Faculdade de Duque de Caxias v 1 n 2 juldez 2014 Disponível em httpuniespedubrsitesbibliotecarevistas20170608150055pdf Acesso em 25 nov 2019 CIARALLO G A Sociologia compreensiva e a interpretação de individualidades históricas o papel do Verstehen na metodologia das ciências da cultura de Max Weber Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC n 36 p 389406 out 2004 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphprevistacfharticle download2542422339 Acesso em 25 nov 2019 GARCEZ E F Weber Schutz e a busca de sentido na ação social uma análise comparativa Em Tese Florianópolis v 11 n 1 p 6390 janjun 2014 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesearticleviewFile1806 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Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvwDEVx65oa3s Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 24 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0JZcrxr22wU Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 34 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv6atBXmu0Q Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 44 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchveBFOyMjuQ2I Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 12 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvXeXtOpETjWs Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 22 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvS4wcbAum40I Acesso em 22 nov 2019 WEBER M Ação social e relação social Disponível em httpsedisciplinasuspbr pluginfilephp203913modresourcecontent1U320202892920Max WeberAcaoSocialRelacaoSocialpdf Acesso em 25 nov 2019 Os três tipos puros de dominação legítima Disponível em httpsedisciplinas uspbrpluginfilephp291528modresourcecontent1Weber20Os20 trC3AAs20tipos20de20dominaC3A7C3A3o20legC3ADtimapdf Acesso em 25 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO L B L Religião e Modernidade em Habermas São Paulo Loyola 1996 CALVINO J As Institutas ou Tratado da Religião Cristã Trad Waldyr Carvalho Luz São Paulo Casa Editora Presbiteriana 1989 v 3 A verdadeira vida cristã São Paulo Novo Século 2000 COHN G Crítica e resignação Max Weber e a teoria social São Paulo Martins Fontes 2003 351 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS COHN G Org Max Weber Sociologia São Paulo Ática 1979 COLLIOTTHÉLÈNE C Max Weber e a História São Paulo Brasiliense 1995 ELIAS N A sociedade de corte investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte Trad Pedro Süssekind Rio de Janeiro Zahar 2001 FILIPE R G Apresentação In WEBER M Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006 p 938 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Mariani de Macedo São Paulo Companhia das Letras 2004 A política como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982b p 97153 A Psicologia Social das religiões mundiais In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982c p 309346 Burocracia In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982d p 229282 Ciência e política duas vocações Trad Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota 2 ed São Paulo Cultrix 1968 Consideração intermediária In Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006a p 317358 353 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999b v 1 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999c v 2 Rejeições religiosas do mundo e suas direções In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982e p 371410 Sociologia das religiões tipos de formação comunitária religiosa In Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006b p 39316 Os três tipos puros de dominação legítima In COHN G Org Max Weber Sociologia Trad Amélia Cohn e Gabriel Cohn 7 ed São Paulo Ática 2003 p 128141 Grandes Cientistas Sociais v 13 Textos selecionados Trad São Paulo Nova Cultural 1997 Os Economistas Vorbemerkung In Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I Tübingen Mohr Siebeck 1988 p 116 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 355 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 355 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Objetivos Apresentar as bases metodológicas do materialismo interdisciplinar segun do Max Horkheimer Conceituar o materialismo interdisciplinar como um método dialético e tensional cuja proposta é superar os reducionismos provocados tanto pela Filosofia como pela Ciência Compreender as bases metodológicas da pesquisa social empírica segundo a Teoria Crítica Refletir sobre o papel e a legitimidade da pesquisa empírica na Teoria Crítica Entender o conceito de campo e os seus respectivos ritos de instituição e naturalização das diferenças históricas Compreender o conceito de capital cultural e a maneira como as esco las utilizam a classificação escolar para a oficialização das desigualdades sociais Conteúdos Materialismo interdisciplinar segundo Max Horkheimer Papel e legitimidade da pesquisa empírica para a Teoria Crítica Conceito de campo ritos de instituição e discurso segundo o pensa mento de Pierre Bourdieu Conceito de capital cultural A classificação escolar como meio legitimador da desigualdade social UNIDADE 6 356 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite em apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo 3 Esta unidade tem como objetivo apresentar algumas contribuições de autores do século 20 Horkheimer Adorno e Bourdieu Por isso precisa ser lida com os devidos cuidados conceituais Pesquise suas referências e aprofunde seus temas 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros Capital social Maria Celina DAraújo Bourdieu e a educação Maria Alice Nogueira e Claudio M Martins Nogueira O espelho Machado de Assis O cortiço Aluísio Azevedo 5 No tocante à linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes O gosto dos outros França 2000 Escritores da liberdade EUA 2007 O jardineiro fiel EUA 2005 Histórias cruzadas EUA 2011 Entre os muros da escola França 2008 A voz do coração França 2004 A onda Ale manha 2008 Nenhum a menos China 1999 A peste de Janice Curta Metragem Brasil 2007 6 Enfim para o aprofundamento do tema sugerimos os seguintes vídeos EQUIPE ORGONAUTAS A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica imagens de uma reflexão viva 2008 Disponível em httpswwwyoutubecom watchv0XfrUPWet68 Acesso em 26 nov 2019 TV CULTURA O marxismo da Teoria Crítica Balanço do século XX Funda dores do pensamento 2003 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvonA7KBpkh8U Acesso em 26 nov 2019 357 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 UNIVESP Capital cultural Disponível em httpswwwyoutubecom watchva3eO6D4nHo Acesso em 10 out 2018 BARROS FILHO C Capital social campo social acadêmico e religioso Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvGh4GsAaDiH4 Acesso em 25 nov 2019 UTV Entrevista com Pierre Bourdieu Pensamento contem porâneo 2000 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvF2WXVTdfAOkt260s Acesso em 26 nov 2019 HORKHEIMER M Teoria Crítica e marxismo 1969 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvoWWvteGCWM Acesso em 26 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Pierre Bourdieu e a educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4O7TET2IGHst10s Acesso em 26 nov 2019 CANAL CURTA Quem Foi Pierre Bourdieu 2017 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvVbiA29A4mDk Acesso em 26 nov 2019 358 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 359 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 1 INTRODUÇÃO É evidente que a partir de meados do século 20 o contex to social passou por diversas e sérias transformações em muitos de seus setores como lembrando de Max Weber ciência mo ral arte economia política e por que não também religião Di reito Filosofia etc Enfim é notável uma mudança estrutural do público e do privado permeada por relações administrativas e estratégicas que colonizam focos de cultura e emancipação para fins econômicos No âmbito dessa argumentação de raiz marxista surgiu na década de 30 a chamada Teoria Crítica como proposta de diagnóstico das sociedades por meio do conceito de emancipa ção objetivando com isso superar o que Adorno e Horkheimer chamaram de crise da razão isto é aquele modelo de raciona lidade que não se comportava mais como sinal de esclarecimen to mas como elemento de conformidade e de manutenção do status quo Não restam dúvidas de que a Teoria Crítica tornouse co nhecida tanto no Brasil como no mundo Mas apesar da sua po pularidade especialmente com relação àquelas temáticas que giram em torno dos conceitos de razão instrumental e indús tria cultural observase que a questão da pesquisa empírica tem sido frequentemente relegada a um plano secundário nas atuais produções sobre a Teoria Crítica Isso é um fenômeno interessante considerando a centra lidade da pesquisa social empírica para Horkheimer já presente no seguinte trecho do seu discurso inicial de tomada de posse como diretor do Instituto de Pesquisa Social em 1931 Tendo em vista essa possibilidade igualmente importante para a filosofia e para a pesquisa empírica e não porque me pro 360 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ponho a fazer desta última uma ancilla philosophie serva da filosofia é que aceitei o compromisso de dirigir este Instituto de Pesquisa na qualidade de filósofo HORKHEIMER 1999 p 129 Dessa forma tendo como referência a centralidade e a im portância que Horkheimer e Adorno deram à pesquisa empírica já no início da década de 30 podese questionar sobre o espaço que essa temática infelizmente perdeu ao longo das últimas dé cadas bem como retomar quais foram as bases da metodologia da pesquisa social segundo tais autores No entanto esta unidade não apresentará somente as contribuições da Teoria Crítica mas também as de outro autor que apesar de não pertencer ao grupo de Frankfurt também desempenhou notável contribuição para a área das Ciências So ciais Pierre Bourdieu Com isso a unidade está dividida em duas partes Contribuições da Teoria Crítica Adorno e Horkheimer para a metodologia das Ciências Sociais Para tanto o texto está disposto da seguinte maneira no início con siderando o diagnóstico unilateral do esclarecimento moderno que amparado pela técnica e pelo método científico clássico favoreceu no âmbito da pesquisa social muito mais os interesses econômicos do que os culturais apresentaremos uma pequena análise de Horkheimer sobre a necessidade de um programa me todológico dialético e interdisciplinar como instrumen to de investigação da realidade social Em seguida pas saremos a uma breve reflexão sobre a importância da pesquisa empírica na Teoria Crítica quando vista sob a ótica de um método tensional entre sujeito e objeto Fi losofia e dados empíricos 361 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Contribuições de Pierre Bourdieu sobre os conceitos de campo capital cultural e exclusão escolar Para isso abordaremos inicialmente as contribuições sociológi cas sobre a noção de campo e seus ritos de instituição cultural que transformam algo culturalmente construí do em naturalmente dado Depois apresentaremos as formas de legitimação da exclusão social por meio da classificação escolar que tem como objetivo oficializar os devidos segmentos hierárquicos para o bom anda mento da sociedade 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA Nas últimas décadas em especial no Brasil muito se tem discutido sobre a Teoria Crítica e a importância dessa tradição ao longo da história A grande quantidade de livros artigos confe rências e textos em geral que povoam universidades grupos de pesquisa escolas e outras instituições de ensino mostra o quan to a Teoria Crítica se tornou conhecida Porém apesar da sua popularidade há um assunto que ainda não é consenso entre os pesquisadores da área o papel e a importância da pesquisa empírica na sua trajetória histórica 362 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A trajetória da pesquisa empírica na Teoria Crítica en quanto método passou por muitas mudanças Inicialmente durante a década de 1930 principalmente a partir de 1931 com a tomada de posse de Max Hor kheimer como diretor do Instituto de Pesquisa Social a Teoria Crítica apresentou como metodologia o chamado materialismo interdisciplinar com o qual tentava me diar um programa aberto às várias contribuições entre as ciências e a Filosofia O Instituto de Pesquisa Social Institut für Sozialfors chung foi criado oficialmente em 3 de fevereiro de 1923 por inciativa de Felix Weil 18981975 e do soció logo e intelectual Kurt Albert Gerlach 18861922 Com sede em Frankfurt Alemanha o Instituto foi dirigido por Max Horkheimer de 1931 até 1951 Em 1933 com a ascensão do nazismo o Instituto foi transferido para Nova York onde ficou até 1951 Após o retorno passou a ser dirigido por Friedrich Pollock O Instituto foi e ainda é um centro de pesquisa que tem como objetivo promover pesquisas sociais a partir de uma agenda in terdisciplinar congregando não somente cientistas so ciais e filósofos mas também psicólogos economistas e cientistas políticos Do seu grupo inicial de integrantes Leo Löwenthal Friedrich Pollock Henryk Grossmann Max Horkheimer Theodor Adorno Herbert Marcuse Erich Fromm entre outros surgiu o nome que futura mente foi denominado de Escola de Frankfurt No entanto com a ocorrência de diversos fenômenos a partir da década de 40 como o surgimento do fascis mo na Europa e de todo o processo políticoeconômico que desencadeou a Segunda Guerra Mundial e a frus 363 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 trada esperança com relação à revolução socialista da classe trabalhadora que gradualmente foi integrada ao capitalismo por meio da cultura de massa e anula da pela considerável melhoria nas condições de vida Horkheimer e Adorno buscaram um novo diagnóstico que substituísse a ultrapassada teoria marxista e assim pudesse analisar a realidade social vigente de um modo mais pontual Desse esforço surgiu a conhecida Dialéti ca do Esclarecimento Por conta disso não raro diversos autores assinalam a tese da relativização ou até abandono do programa do materialismo interdisciplinar isto é de uma pesquisa empírica orientada fi losoficamente em prol de uma pesquisa de natureza teórica e especulativa claramente expressa a partir da década de 40 Essa mudança de eixo na década de 40 não se tratava po rém de uma simples recusa ao marxismo transposto no mate rialismo interdisciplinar mas de um diagnóstico cada vez mais evidente de que as transformações dos problemas sociais detec tados na década de 30 se tornavam cada vez mais inconciliáveis com a solução marxista Dessa maneira na opinião de Jay 1989 p 410 à medida que a realidade concreta se transformava também deveriam ser modificadas as construções teóricas necessárias para compreen dêla abandonando assim uma postura economicista e enfati zando uma análise mais crítica com relação à política No entanto será que todas essas mudanças sinalizadas a partir da década de 40 realmente fizeram a Teoria Crítica abrir mão da pesquisa empírica Compreender portanto a fase do materialismo interdisciplinar e também os aspectos concei tuais que envolveram a questão da mediação entre teoria e 364 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 pesquisa empírica nas obras da década de 40 em diante apre sentase como fundamental para identificarmos a abrangência e profundidade da pesquisa social empírica para a Teoria Crítica Horkheimer e a proposta do materialismo interdisciplinar Antes de passarmos às especificidades do pensamento que pauta a Teoria Crítica cabe fazer uma breve apresentação de seus mais destacados representantes Theodor W Adorno e Max Horkheimer Theodor W Adorno Figura 1 nasceu em Frankfurt Alemanha em 11 de setem bro de 1903 Segundo Machado Amorim e Barros 2013 p 319 De origem judaica foi um dos expoen tes da Escola de Frankfurt que contri buiu para o renascimento intelectual da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial Estudou Filosofia Sociologia Psicologia e Música na Universidade de Frankfurt Trabalhou no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt então dirigido por Max Horkheimer onde elaborou a teoria da impor tância do desenvolvimento estético para a evolução histórica Em 1934 imigrou para a Inglaterra fugindo da perseguição na zista e durante três anos ensinou Filosofia em Oxford Mudou se para os Estados Unidos e entre 1938 e 1941 foi diretor mu sical do setor de pesquisa da Rádio Princeton e depois o de vicediretor do Projeto de Pesquisas sobre Discriminação Social da Universidade da Califórnia em Berkeley Em 1953 retornou ao seu país natal onde reassumiu seu posto no Instituto de Pes quisa Social de Frankfurt Faleceu em 6 de agosto de 1969 Figura 1 Theodor Adorno 365 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Nascido em Stuttgart Alemanha em 14 de fevereiro de 1895 Max Horkheimer Figura 2 juntamente com Theodor Adorno e Herbert Marcuse compôs o coração da Escola de Frankfurt Sobre sua obra Machado Amorim e Barros afirmam 2013 p 315 Doutorouse em Filosofia em 1922 na Universidade de Frank furt e em 1926 tornouse docente na mesma instituição onde criou com Adorno o Instituto de Pesquisas Sociais que se tor nou conhecido como Escola de Frankfurt Com a ascensão do nazismo refugiouse nos Estados Unidos onde passou a lecio nar na Universidade de Columbia Em 1949 de volta à Frank furt reabriu o Instituto de Pesquisas Sociais Como participante da construção da teoria crítica conjunto de ideias e conceitos sobre cultura contemporânea fortemente influenciado pelo marxismo produziu livros de grande importância para a histó ria da sociologia como Teoria tradicional e teoria crítica 1937 Eclipse da razão 1955 e Dialética do esclarecimento em par ceria com Adorno em 1940 Faleceu em Nuremberg em 7 de julho de 1973 Na década de 1930 Horkheimer pu blicou inúmeros textos que historiadores e filósofos afirmam ser o núcleo do mate rialismo interdisciplinar o qual mais tarde compôs o que ficou conhecido como Teoria Crítica A partir desses textos surgiu a ins piração de um programa de pesquisa social empírica que ficou conhecido como mate rialismo interdisciplinar que se manteve como o método de pesquisa principal do Instituto de Pesquisa Social até meados da década de 40 com a publicação da Dialética do esclarecimen to que definitivamente reorientou metodologicamente as novas produções do Instituto Figura 2 Max Horkheimer 366 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Já preparando o terreno para a maturação de algumas ideias da Dialética do esclarecimento que em parceria com Adorno viria a ser publicada em 1944 várias afirmações de Horkheimer antecipam uma possível insatisfação do projeto de esclarecimento que em vez de livrar os homens pelo desencan tamento do mito e pela manipulação da natureza promoveu na realidade uma nova forma de terror e barbárie A proposta do materialismo interdisciplinar parte do diag nóstico de uma dupla insatisfação por conta de um processo histórico de supervalorização da técnica tanto a ciência como a Filosofia estariam passando por uma profunda crise que as impedia de cumprir adequadamente suas funções No seu tex to Observações sobre ciência e crise publicado em 1932 ele afirma o seguinte Mais ou menos desde a passagem do século apontase na ciên cia e na filosofia para a deficiência e inadequação dos méto dos puramente mecanicistas Esta crítica suscitou discussões de princípio relativas a importantes fundamentos da pesquisa de modo que hoje se pode falar também de uma crise interna da ciência HORKHEIMER 2008g p 9 De acordo com Horkheimer 2008g a ciência moderna promoveu um novo modo de pesquisa do mundo exterior ba seado num conhecimento racional destituído de qualquer refe rência religiosa da Idade Média Obviamente com a inauguração de um novo modo de conhecimento surgiu também uma nova relação epistemológica entre sujeito e mundo no qual o primei ro toma consciência de si como ser totalmente independente do segundo considerado aqui apenas como elemento objetivo e factual passível portanto de manipulação e controle por meio de métodos registros e experimentações sistemáticas 367 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Entra em cena então o real motivo da crise da ciência que em tese não diz respeito à própria racionalidade científica mas ao seu estreitamento ou estrangulamento metodológico voltado para fins econômicos que em tom positivista prescinde da realidade material e histórica fragmentando assim a dinâmi ca das relações sociais De fato a ciência das décadas anteriores à guerra mostra uma série de deficiências que todavia não resultam do exagero mas antes do estrangulamento da sua racionalidade condicio nado pelo crescente endurecimento das condições humanas HORKHEIMER 2008g p 8 Isso quer dizer que para Horkheimer e conforme a teoria marxista da sociedade a ciência também prefigura as forças produtivas do homem HORKHEIMER 2008g p 8 sob a tutela da manipulação da infraestrutura capitalista Se assim é então compreender a crise pela qual passa a ciência coincide com en tender as condições sociais e econômicas nas quais se encon tram o desenvolvimento do método científico e que entram em conflito com os elementos racionais imanentes à própria racio nalidade da ciência Desse modo a dimensão da crise científica jamais poderá ser compreendida com os padrões repetitivos e classificatórios da ciência clássica e positivista mas com uma visão crítica e so cial de um pensamento voltado também para a totalidade e sig nificância dos eventos sociais Mas a realidade social o desenvolvimento dos homens histo ricamente atuantes contém uma estrutura cuja compreensão requer a imagem teórica de decorrências radicalmente trans formadoras e revolucionárias de todas as condições culturais estrutura que de modo nenhum pode ser dominada pelo pro cedimento das ciências naturais mais antigas orientado para o registro de ocorrências repetidas HORKHEIMER 2008g p 9 368 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Horkheimer coloca em evidência portanto que a ciência como qualquer outra forma de conhecimento nunca estará to talmente livre dos contextos históricos e sociais em que está in serida noutras palavras a ciência também é condicionada pelas mudanças e transformações sociais No entanto isso não auto riza justificar a existência de um conhecimento científico prag matista relativista e utilitarista se por um lado a ciência está ligada aos condicionamentos sociais por outro ela também não pode em vista de seus próprios critérios normativos limitarse à produção de conhecimentos reduzidos aos interesses do status quo O fato de a ciência como força produtiva e meio de produção cooperar para o processo de vida da sociedade não justifica de forma alguma uma teoria pragmática do conhecimento Na medida em que fecundidade de um conhecimento desempenha um papel no tocante à sua enunciação da verdade cabe enten der no caso uma fecundidade imanente à ciência e não uma conformidade a considerações extrínsecas O exame da veraci dade de um juízo é algo diferente do exame de sua importân cia vital Em nenhum caso os interesses sociais têm de decidir sobre uma verdade mas valem os critérios desenvolvidos em conexão com o progresso teórico Sem dúvida a própria ciência se modifica no processo histórico mas a referência a isso nunca pode valer como argumento para a aplicação de outros critérios de verdade que não aqueles que correspondem ao nível de co nhecimento no grau de desenvolvimento alcançado Ainda que a ciência esteja compreendida na dinâmica histórica ela não deve ser destituída do seu caráter próprio e utilitariamente mal interpretada Decerto as razões que condicionam a recusa da teoria pragmatista do conhecimento e do relativismo em geral não conduzem de modo algum à separação positivista entre teoria e prática HORKHEIMER 2008g p 78 Para Horkheimer a tentativa positivista de dar ao méto do científico um caráter de neutralidade e estabelecer uma la 369 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 cuna estratégica entre sujeito cognoscente e realidade objetiva implica justamente mascarar o caráter ideológico dos interesses instrumentais e econômicos que sob o mito do progresso técni co acabam promovendo um mundo reificado e um conceito de ciência esclerosada incapaz de ser autorreflexiva e autocrítica Por mais que se fale com razão de uma crise da ciência ela não pode separarse da crise geral O processo histórico trouxe con sigo um aprisionamento da ciência como força produtiva que atua em suas partes conforme seu conteúdo e forma sua ma téria e método Além disso a ciência como meio de produção não está sendo devidamente aplicada A compreensão da crise da ciência depende da teoria correta sobre a situação social atual pois a ciência como função social reflete no presente as contradições da sociedade HORKHEIMER 2008g p 12 Com o fracasso do projeto científico aliado aos interesses capitalistas as transformações humanas e sociais tornaramse atrofiadas e mistificadas Em vista dessa crise científica para Horkheimer a solução seria justamente tentar conter o caráter fragmentador e o afã positivista das pesquisas sociais e trazer para as ciências empíricas um questionamento filosófico cujos pressupostos favoreçam uma intervenção teórica e crítica dos eventos sociais vistos em sua totalidade Tal parceria poderia ser uma resposta imediata à crise cien tífica se não fosse por um detalhe muito específico assim como a ciência também a Filosofia estaria enfrentando uma crise se melhante nesse caso presa a uma metafísica especulativa sem qualquer relação e cooperação com as pesquisas empíricas Veja Nasceu uma antropologia filosófica que se sentindo indepen dente estabeleceu como absolutos certos traços no homem Com isso esta metafísica se desvia das causas da crise so cial e desvaloriza até os meios de investigála Cria uma confu são especial quando hipostasia o indivíduo encarado abstrata 370 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 mente e assim minimiza a importância de um entendimento teórico dos processos sociais HORKHEIMER 2008g p 10 E qual seria a origem dessa crise pela qual passava a Filo sofia Qual seria a sua atual situação e como fazer para superar essa hipóstase do real Como tentativa de resposta no seu texto A presente situação da filosofia social e as tarefas de um Insti tuto de Pesquisas Sociais escrito em 1931 por ocasião da sua tomada de posse como diretor do Instituto Horkheimer tenta compreender quais seriam as legítimas funções de uma filosofia que estivesse direcionada à dinâmica social Já no primeiro parágrafo do texto o autor deixa algumas dicas uma filosofia social deve ter como objetivo principal a interpretação filosófica do destino dos homens enquanto não são meros indivíduos mas membros de uma comunidade preo cupandose acima de tudo com aqueles fenômenos que so mente podem ser entendidos em conexão com a vida social dos homens no Estado no Direito na Economia na Religião ou seja em toda a cultura material e espiritual da humanidade em geral HORKHEIMER 1999 p 121 Fica claro para Horkheimer em seu discurso inaugural que uma legítima Filosofia social deve lidar não com questões indi viduais mas sociais e coletivas E para fundamentar historica mente sua afirmação retoma o conceito de filosofia social do idealismo alemão identificando em Hegel o grande responsável por libertar pela primeira vez na história a autoconsciência das delimitações introspectivas e individuais do sistema kantiano abrindoa para dimensões totalizantes não mais justificadas pela análise transcendental das decisões particulares mas pela lógica universal do espírito objetivo isto é da manifestação ob 371 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 jetiva e histórica do espírito absoluto na forma dos conteúdos culturais que dirige a vida coletiva à qual pertencem os povos Entretanto Hegel liberou essa autorreflexão dos grilhões da in trospecção em cujas bases estava arraigada e remeteu à histó ria a questão da nossa própria essência o problema do sujeito autônomo criador de cultura é no trabalho da história que ele se dá uma forma objetiva Para Hegel a estrutura do espírito objetivo que realiza na história os conteúdos culturais do espí rito absoluto ou seja a arte a religião e a filosofia não emerge mais da análise crítica da personalidade mas da lógica dialética universal seu curso e suas obras não são frutos de decisões livres do sujeito mas do espírito dos povos dominantes que se sucedem através das lutas da história HORKHEIMER 1999 p 122 Ao analisar a transformação do idealismo hegeliano em fi losofia social Horkheimer adentra no cerne da crise da Filosofia e seu afastamento do factual de raiz essencialmente hegeliana ao longo da história a filosofia social só poderia entrar em po lêmica com o positivismo indutivista enquanto ela consideraria como mais autênticas as ideias as essências universais totali dades especulativas identidades nacionais etc em detrimento dos dados empíricos e particulares o positivismo consideraria como verdadeiros apenas os fatos verificáveis as observações particulares e individuais em detrimento da especulação filosó fica HORKHEIMER 1999 p 126 Além disso Horkheimer ressalta que a crise da Filosofia se agra va mais ainda com a variada e simultânea existência de con cepções de realidade num campo pouco unificado e definido de objetos e métodos Para Horkheimer o desconcerto central reside no seguinte ponto para nós essa perplexidade da filosofia social representa uma carência que precisa ser superada na medida em que a induz a falar de seu objeto da vida cultural dos homens unicamente 372 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 em termos de visão de mundo de tese de profissão de fé isto é em termos ideológicos HORKHEIMER 1999 p 127 E como essa crise poderia ser superada A resposta a essa questão é o motivo do materialismo interdisciplinar aqui o cor retivo é dado pelo trabalho de pesquisa concreto sobre o obje to HORKHEIMER 1999 p 127 Contra a clássica e tradicional visão filosófica da separação entre especulação teórica e prática empírica Horkheimer defende um modelo de filosofia social que tenha como base a interação e tensão entre questões filosóficas e investigação empírica entre qualitativo e quantitativo entre sujeito e objeto Essa concepção segundo a qual por um lado o pesquisador social deve considerar a filosofia talvez como um belo exer cício mas cientificamente infrutífero porque inverificável isto é fora do controle experimental enquanto por outro lado o filósofo deve se emancipar da pesquisa particular acreditando que mesmo as mais importantes decisões não podem esperar os seus resultados está superada atualmente pela ideia de uma contínua interpenetração de desenvolvimentos dialéticos entre a teoria filosófica e a prática da ciência particular especializa da HORKHEIMER 1999 p 128 Com essa afirmação Horkheimer tenta dar uma resposta alternativa à crise que afetava tanto a ciência como a Filosofia promovendo um programa dialético materialista e tensional de pesquisa interdisciplinar cuja finalidade é fazer com que a ciên cia empírica responda à crise filosófica e a filosofia social por sua vez responda à crise científica Por um lado Horkheimer tenta salvaguardar um programa científico antipositivista sem porém abrir mão da investigação empírica por outro mantém uma perspectiva de totalidade sem contudo cair nas mãos da especulação hipostática e metafísica 373 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos resultados empreendidos pela pesquisa especializada enquan to de outro lado o objetivo de uma empiria imparcial não pode ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a nada o ele mento teórico ocorre ao invés disso que a filosofia ou seja a intenção teórica dirigida ao universal ao essencial deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particu lares e ao mesmo tempo ser suficientemente aberta para se deixar por sua vez influenciar e transformar pelo progresso dos estudos concretos HORKHEIMER 1999 p 128 Em 1937 Horkheimer escreve enfim Teoria tradicional e Teoria Crítica texto que inaugura definitivamente uma nova tomada de consciência de formas e métodos da investigação social empírica A tese central que atravessa todo o texto con siste no seguinte ponto a ciência e toda a sua produção não deve ser vista como constituída de relações eternas ou naturais ahistóricas mas de relações que emergem do modo de pro dução em formas determinadas de sociedade Tratase pois de um momento do processo de produção social Esse é o limite de consciência que separa a Teoria Crítica de uma teoria tradicional Todavia a ciência natural matemática que aparece como logos eterno não é a que constitui atualmente o autoconhecimento do homem mas a teoria crítica da sociedade atual teoria que está impregnada do interesse por um estado racional A consi deração que isola as atividades particulares e os ramos de ati vidade juntamente com os seus conteúdos e objetos necessita para ser verdadeira da consciência concreta dessa limitação É preciso passar para uma concepção que elimine a parcialida de que resulta necessariamente do fato de retirar os processos parciais da totalidade da práxis social HORKHEIMER 1975b p 132 A Teoria Crítica ao contrário de uma teoria tradicional de cunho cartesiano e positivista é uma abordagem que propõe a 374 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 teoria como lugar da autocrítica do esclarecimento e da visua lização das ações ideológicas de dominação social almejando uma transformação da sociedade via emancipação e sem frag mentações metodológicas isto é sem cair no cego empirismo nem na estéril especulação na medida em que o conceito de teoria é independentizado como que saindo da essência interna da gnose ou possuindo uma fundamentação ahistórica ele se transforma em uma ca tegoria coisificada e por isso ideológica HORKHEIMER 1975b p 129 Como se pode notar não é possível concretizar os esforços do materialismo interdisciplinar senão por um método de pes quisa social que pudesse transitar dialeticamente entre investi gação empírica e questionamento filosófico Aliás as palavras de Horkheimer em seu discurso de posse traduzem exatamente essa preocupação em formar um método dialético e interdisciplinar Parecenos que a solução das mencionadas carências da filo sofia social não pode ser encontrada nem na profissão de fé numa interpretação mais ou menos construtiva da vida cultu ral nem no estabelecimento de um novo sentido da sociedade do Estado do direito etc Hoje isto depende antes de tudo de organizar baseados nos problemas filosóficos atuais o que certamente é compartilhado com todos pesquisas em que deveriam participar filósofos sociólogos economistas historia dores psicólogos que numa comunidade de trabalho duradou ra se unissem e fizessem em conjunto o que em outros campos um indivíduo pode fazer sozinho num laboratório e que todos os verdadeiros pesquisadores sempre têm feito a saber procu rar acompanhar a amplitude das suas questões filosoficamente orientadas com a ajuda dos métodos científicos mais refinados transformandoas e precisandoas ao longo do trabalho em tor no do objeto descobrindo novos métodos sem todavia perder de vista o universal HORKHEIMER 1999 p 128 375 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Dessa maneira para o materialismo interdisciplinar e para a própria Teoria Crítica futura uma pesquisa social em pírica que se restringe apenas ao dado empírico e estatístico em si já manifesta um duplo reducionismo primeiro porque reduz a realidade social a uma série de números e porcentagens pro movendo assim a padronização e homogeneização de relações e elementos que por si mesmos são variados e heterogêneos segundo porque prescinde de abordagens totalitárias por julgá las metafísicas demais para a pesquisa científica fragmentando assim o objeto de estudo o que acaba por sua vez desabilitan do a construção de análises globais em torno da realidade social muitas vezes vinculada a interesses econômicos que conflitam com os próprios critérios normativos da ciência ADORNO HOR KHEIMER 1978 Como consequência ocorre então o fenômeno metodológico já mencionado por Adorno e Horkheimer 1978 no processo de investigação impõese ao objeto a obrigação de se adaptar cegamente aos métodos quando na verdade deveria ser o con trário isto é promover uma tensão ou mediação dialética dos métodos de caráter ora filosóficoqualitativo ora empírico quantitativo em vista de cada objeto ou realidade pesquisada A legitimidade e o lugar da pesquisa social empírica para a Teo ria Crítica Tornouse lugarcomum caracterizar como prescindível a questão da pesquisa empírica na trajetória intelectual dos repre sentantes da Teoria Crítica chegando ao limiar do menosprezo na opinião de alguns comentadores DUARTE 2001 Tratase no mínimo de uma questão polêmica seja por conta do constante rótulo que acompanha a produção de Adorno e Horkheimer vistos como autores essencialmente teóricos seja por causa 376 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 das inúmeras aplicações mecanizadas de alguns conceitos extraí dos do ideário da Teoria Crítica como razão instrumental in dústria cultural etc e que ganham espaço em pesquisas empí ricas que desconhecem a relação entre os conceitos empregados e o modo como foram investigados empiricamente ANTUNES 2014 Todo esse processo somado aos inúmeros estereótipos criados a partir do relato de Adorno acerca de suas dificuldades de adaptação à pesquisa empírica nos Estados Unidos ADORNO 2005a erroneamente generalizado por diversos comentadores levou a uma interpretação minimalista do papel da pesquisa empírica pósdécada de 40 compreendendoa como uma mera complementação das matrizes conceituais apresentadas na Dialética do Esclarecimento e outros textos teóricos Ziege 2009 por exemplo em seu livro Antisemitismus und Gesellschaftstheorie ao propor uma comparação entre duas pesquisas empíricas do Instituto de Pesquisa Social a sa ber Antisemitism among American Labor Antissemitismo entre Trabalhadores Americanos e The Authoritarian Personality A Personalidade Autoritária ao mesmo tempo em que afirma que a primeira está muito mais próxima da Dialética do esclare cimento também atribui à segunda um caráter heterogêneo e portanto dissidente daquilo que seria o cerne original da Teoria Crítica Observe o trecho The Authoritarian Personality foi ocasionalmente interpretada como uma saída radical da Teoria Crítica Porém com relação aos pressupostos filosóficos o Antisemitism among American Labor está muito mais próximo da Dialética do Esclarecimento de 1944 do que The Authoritarian Personality E isso ocorre de vido ao heterogêneo grupo de autores Somente Adorno está envolvido em ambos os estudos no entanto o último apresenta uma equipe repleta de colaboradores diversos Os três coauto 377 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 res mais importantes de The Authoritarian Personality não são sequer representantes da Teoria Crítica e trazem elementos diferentes da psicologia behaviorista americana da psicologia austríaca da Escola Buhler e do positivismo lógico do Círculo de Viena para a Teoria Crítica ZIEGE 2009 p 1112 tradução nossa Outra questão a ser levada em conta é a própria populari zação das obras especulativas e teóricas que sem dúvida algu ma são muito mais divulgadas do que aquelas de caráter empí rico fenômeno que acabou determinando para o público leitor qual deveria ser o pensamento oficial da Teoria Crítica em de trimento da própria pesquisa empírica amiúde observada como uma questão importante para a história do Instituto porém se cundária para a consolidação da Teoria Crítica DUARTE 2001 Sobre isso conforme nos relata Antunes 2014 é interes sante observar o caso da tradução parcial de Studien über Au torität und Familie Estudos sobre Autoridade e Família HOR KHEIMER et al 1987 pesquisa empírica de grande porte e fundamentalmente marcante na trajetória da Teoria Crítica rea lizada pelo Instituto de Pesquisa Social antes do exílio nos EUA mas que até o momento jamais ganhou uma tradução comple ta em qualquer língua De toda a obra com quase 950 páginas foram realizadas traduções apenas da parte teóricogeral de Horkheimer 2008a que apesar de importante não é suficiente para oferecer uma compreensão exata de todo o processo empí rico que envolveu o projeto Como resultado a obra frequentemente passou a ser conside rada pelos comentadores a partir de um enfoque estritamente teórico Até mesmo quando as obras de pesquisas empíricas são traduzidas causam estranheza justamente por estarem associa 378 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 das aos principais nomes da Teoria Crítica que geralmente são reconhecidos por seus projetos teóricos Perrin e Olick 2011 por exemplo responsáveis pela tradução inglesa de Gruppene xperiment ein Studienbericht Experiência em Grupo um rela tório de estudo apontam que apesar de a obra ser o primeiro grande projeto de pesquisa empírica após o exílio ainda assim a realização da tradução foi observada por muitos como uma sur presa uma vez que para o público leitor os integrantes do grupo especialmente Adorno Horkheimer Marcuse e Löwenthal não são reconhecidos como cientistas sociais Para muitos leitores a própria existência deste volume a pri meira tradução em inglês do Gruppenexperiment o primeiro grande projeto da Escola de Frankfurt após o retorno do exílio pode parecer surpreendente Os teóricos críticos da Escola de Frankfurt principalmente Theodor W Adorno Max Horkhei mer Herbert Marcuse e Leo Löwenthal não são conhecidos como um grupo empiricamente atuante de cientistas sociais PERRIN OLICK 2011 p XV tradução nossa O fato é que a trajetória da pesquisa empírica recebeu nas últimas décadas inúmeras interpretações Wiggershaus 2002 observa que a passagem do projeto empírico interdisciplinar vislumbrado por Horkheimer em seu discurso inaugural de posse do Instituto de Pesquisa Social em 1931 para a redação da Dialética do esclarecimento não deve ser compreendida como abandono da empiria mas como uma opção metodológica de Horkheimer isto é uma escolha de um terceiro caminho entre os extremos da especulação filosófica solitária e o trabalho em pírico em grupo No texto The Frankfurt School in exile Jay 1985 chama a atenção para o fato de na verdade essa disparidade nada mais ser do que a tensão entre duas vertentes que desde sempre coexistiram na Teoria Crítica uma de tendência interdisciplinar 379 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 e coletiva que tinha como objetivo harmonizar as asperezas existentes entre trabalho teórico e empírico e outra de caráter mais crítico voltado à reflexão das condições filosóficas e socio culturais que antecediam o próprio dado empírico Nesse senti do para o autor a mudança de eixo na Teoria Crítica a partir da Dialética do Esclarecimento seria o resultado da predominância de uma pesquisa orientada pelo impulso da segunda vertente Todavia apesar dos esforços de Wiggershaus 2002 e Jay 1985 1989 nenhum deles apresentou de que modo ocorreu a mediação entre teoria e empiria no Instituto de Pesquisa Social isto é entre o núcleo especulativo da Dialética do Esclarecimen to e as pesquisas empíricas pósdécada de 40 por exemplo Antisemitism among American Labor 19441945 The Autho ritarian Personality 1950 Gruppenexperiment 1955 e outros trabalhos De acordo com Duarte 2001 o Research Project on Anti Semitism Projeto de Pesquisa sobre o Antissemitismo poderia no entanto oferecer uma pista interessante sobre essa questão da mediação não só porque retoma o trabalho de pesquisa em pírica iniciado ainda na Alemanha Studien über Autorität und Familie como também teria servido de ponto de partida para os trabalhos posteriores dos Studies in Prejudice em especial The Authoritarian Personality O Projeto de pesquisa sobre o antissemitismo foi oficial mente lançado em 1941 na publicação nº 9 da revista Studies in Philosophy and Social Science Tratase da mesma revista Zei tschrift für Sozialforschung Revista de Pesquisas Sociais criada pelo Instituto de Pesquisa Social na Alemanha em 1932 e que a partir da edição nº 8 19391940 em decorrência do exílio nos Estados Unidos também passou a ser editada como Studies in 380 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Philosophy and Social Science Estudos em Filosofia e Ciências Sociais No trecho a seguir de Experiências científicas nos Estados Unidos Adorno descreve justamente a importância do projeto sobre o antissemitismo para as atividades do Instituto e para ou tros estudos posteriores Ainda no período em que estivemos em Nova York Horkhei mer havia empreendido em vista dos horríveis acontecimentos ocorridos na Europa investigações sobre o problema do anti semitismo Havíamos traçado e publicado em comum com ou tros membros do nosso Instituto o programa de um projeto de pesquisa ao qual recorreríamos depois com frequência Con tinha entre outras coisas uma tipologia de antisemitas que amplamente modificada reapareceria nos trabalhos posterio res ADORNO 2005a p 159 Em publicação de época mais especificamente na introdu ção do Research Project on AntiSemitism de 1941 Horkheimer ressalta a centralidade da temática do antissemitismo para pes quisas passadas e futuras Como publicado aqui o projeto contém não apenas problemas de pesquisa mas concepções teóricas que foram em parte realizadas por meio de pesquisas anteriores e que em certa medida deveriam ser comprovadas por outras investigações HORKHEIMER 1941 p 121 tradução nossa De fato se há algum tema mediador que aproxima o tex to da Dialética do esclarecimento obra emblemática que para muitos autores significou a despedida da pesquisa empírica para a Teoria Crítica dos projetos de pesquisas futuros do Instituto por exemplo The Authoritarian Personality publicado em 1950 sem dúvida alguma ele pode ser encontrado na questão do antissemitismo 381 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A pertinência dessa tese decorre do fato de que tanto para a Dialética do esclarecimento como para The Authoritarian Per sonality a presença do antissemitismo enquanto tema de pes quisa estruturante apresentase como algo incontestável Na seção Elementos do antissemitismo limites do esclarecimen to apresentada na Dialética do esclarecimento o tema aparece como componente fundamental no processo do esclarecimen to enquanto mistificação das massas Embora para os autores a psicologia antissemita não exista segundo os moldes do Ter ceiro Reich ela foi em grande parte substituída por um simples sim dado ao ticket fascista adesão acrítica de estereótipos so ciais ao inventário de slogans da grande indústria militante Quando as massas aceitam o ticket reacionário contendo o ele mento antissemita elas obedecem a mecanismos sociais ADOR NO HORKHEIMER 2006 p 165 Em diversos trechos de The Authoritarian Personality Adorno e outros expõem abertamente essa ideia do antissemi tismo como tema estruturante para as pesquisas relacionadas ao preconceito e ao caráter autoritário A presente investiga ção sobre a natureza do indivíduo potencialmente fascista teve o antissemitismo como foco de atenção ADORNO et al 1969 p 2 tradução nossa Ou ainda Uma das formas de ideologia social mais claramente antidemocrática é o preconceito e nesse contexto o antissemitismo constitui o ponto de partida frutífero para um estudo psicossocial ADORNO et al 1969 p 57 tra dução nossa Do ponto de vista geral fica evidente uma aproximação entre a Dialética do esclarecimento e The Authoritarian Perso nality por meio da discussão do antissemitismo No entanto do ponto de vista específico que conceitos poderiam mediar a discussão desses dois projetos de pesquisa considerados por 382 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 muitos como obras aparentemente inconciliáveis Levando em consideração o diferenciado contexto metodológico das obras é possível traçar ao menos um paralelo a partir dos conceitos de Eu e projeção DUARTE 2001 Na Dialética do esclarecimento mais especificamente em Elementos do antissemitismo esses conceitos estão relacio nados à imaturidade psíquica do indivíduo que não consegue estabelecer conscientemente um equilíbrio adequado entre as proibições do Superego e os impulsos do Id Dessa maneira para poder se livrar dessa agressividade interna o Eu acaba projetan do no mundo exterior pessoas e situações tais repressões por meio de reações violentas seja pela identificação imaginária vilão seja como pretexto de legítima defesa autoconserva ção Por isso tratase de uma falsa projeção ADORNO HOR KHEIMER 2006 O conceito de falsa projeção implica logicamente a exis tência de uma projeção normal De fato para Adorno e Hor kheimer a projeção está automatizada nos homens assim como as outras funções de ataque e proteção que se tornaram reflexo 2006 p 155 A partir de uma concepção antropológica kantiana os autores afirmam a necessidade de uma projeção es pontânea como instrumento de orientação prática e adaptativa no mundo No entanto quando se trata da sociedade humana o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorála e inibila ADORNO HORKHEIMER 2006 p 155 Logo a projeção falsa ou patológica que pertence à essência do antissemitismo carac terizaria justamente a perda da reflexão como componente de mediação consciente entre os impulsos internos e os estímulos externos 383 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O antissemitismo baseiase numa falsa projeção Ele é o reverso da mimese genuína profundamente aparentada à mimese que foi recalcada talvez o traço caracterial patológico em que esta se sedimenta Só a mimese se torna semelhante ao mundo am biente a falsa projeção torna o mundo ambiente semelhante a ela Se o exterior se torna para a primeira mimese o modelo ao qual o interior se ajusta o estranho tornandose o familiar a segunda falsa projeção transpõe o interior prestes a saltar para o exterior e caracteriza o mais familiar como algo de hos til Os impulsos que o sujeito não admite como seus e que no entanto lhe pertencem são atribuídos ao objeto a vítima em potencial Para o paranoico usual sua escolha não é livre mas obedece às leis de sua doença No fascismo esse comporta mento é adotado pela política o objeto da doença é determi nado realisticamente o sistema alucinatório tornase a norma racional no mundo e o desvio a neurose ADORNO HORKHEI MER 2006 p 154 Nesse sentido para Adorno e Horkheimer o patológico do antissemitismo não é o comportamento projetivo enquanto tal mas a ausência de reflexão que o caracteriza 2006 p 156 Com isso aquilo que se apresentava como fundamental para a adaptação prática do eu no mundo por conta da perda da cons ciência de si e de tudo aquilo que compõe a sua subjetividade acaba resultando numa experiência danificada e agressiva Ou seja a agressão projetiva ocorre justamente porque sujeitos alienados de sua própria subjetividade encontram em padrões estereotipados preestabelecidos pelos movimentos de massa pensamento em bloco do ticket uma maneira de adap tação ao mundo O comportamento do antissemita é desenca deado em situações em que os indivíduos obcecados e privados de sua subjetividade se veem soltos como sujeitos ADORNO HORKHEIMER 2006 p 141 384 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Em The Authoritarian Personality os conceitos de Eu e projeção também estão presentes De modo geral os autores concebem que na medida em que o Eu toma consciência de suas pulsões irracionais decorrentes da natureza ele pode adminis trar racionalmente tais debilidades no âmbito da personalidade No entanto o contrário também procede ou seja na me dida em que o Eu fracassa na síntese dos impulsos do Id e das proibições do Superego ele tende a projetar tal insatisfação ex teriormente grupos pessoas ou situações A dependência da exteriorização ou do deslocamento como condição sine qua non para a decisão moral cria no indivíduo uma couraça de autopro teção que o leva a encarar o exogrupo o grupo do outro como um rival a ser batido Há motivos para acreditar que o fracasso de internalização do Superego é devido a uma fraqueza do Eu e sua incapacidade de realizar uma síntese necessária ou seja integrar o Supere go consigo mesmo Seja ou não isso a fraqueza do Eu parece ser um concomitante do convencionalismo e do autoritarismo A fraqueza do Eu é expressa na incapacidade de construir um conjunto consistente e duradouro de valores morais dentro da personalidade e aparentemente é esse estado de coisas que condiciona o indivíduo a procurar um agente organizador e coordenador fora de si mesmo Quando se depende de tais agentes exteriores para tomar decisões morais podese en tão dizer que a consciência está externalizada ADORNO et al 1969 p 234 tradução nossa A projeção é entendida em The Authoritarian Personality portanto justamente como o evento psíquico comum que liga a debilidade do Eu e a exteriorização da agressividade por parte do sujeito fascista Esse evento isto é a projeção não so mente desloca os impulsos do Id deixandoos fora do alcance da função autocrítica do Eu como também demonstra a própria 385 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 alienação do Eu com relação à consciência dessas mesmas pul sões internas condenáveis que por conta do deslocamento de alvo do eu para o outro são abonadas em função da atitude agressiva O mecanismo de projeção foi mencionado em conexão com a agressão autoritária os impulsos reprimidos do caráter autori tário tendem a ser projetados para outras pessoas as quais são culpadas de imediato A projeção é portanto um dispositivo para manter as pulsões do Id alheias ao Eu e pode ser consi derada como um sinal da incapacidade do Eu em desempenhar sua função ADORNO et al 1969 p 240 tradução nossa Do ponto de vista metodológico em Research Project on AntiSemitism Horkheimer também apresenta considerações valiosas sobre o tratamento metodológico da pesquisa empíri ca nesse período do Instituto de Pesquisa Social Mais do que fazer uso positivista dos fatos ou achar que a simples descri ção da pesquisa empírica com vocabulário filosófico resolveria o abismo entre teoria e prática o interesse de Horkheimer é chamar a atenção para o pressuposto de que a formação dos conceitos não decorre unicamente da coleta empírica mas de um processo histórico para o qual é imprescindível uma análise essencialmente crítica O conceito geral universal não é portanto dissolvido em uma multidão de fatos empíricos mas é concretizado na análise teó rica de uma dada configuração social e relacionada à totalidade do processo histórico do qual é uma parte indissolúvel Essa análise é essencialmente crítica HORKHEIMER 1941 p 122 tradução nossa Como já enfatizado em outros textos como Teoria tradi cional e Teoria Crítica 1937 e Filosofia e Teoria Crítica 1937 Horkheimer esforçase por reconfigurar o papel da pesquisa empírica aliado ao processo especulativo e crítico ou seja de 386 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 fender o voltarse para os fatos porém sem perder a noção da totalidade históricosocial que os possibilita Nesse caso a in dução não é simplesmente um salto lógico do particular para o universal mas a interpretação cada vez mais aprofundada do universal no particular As categorias devem ser formadas através de um processo de indução que é o inverso do método indutivo tradicional no qual a verificação de suas hipóteses ocorre pela coleta de experiên cias individuais até atingir o peso das leis universais A indução na teoria social ao contrário deve buscar o universal dentro do particular não acima ou além dele e em vez de se mudar de um particular para outro e depois para as alturas da abstração deve aprofundar e aprofundar cada vez mais o particular e des cobrir a lei universal nele contida HORKHEIMER 1941 p 122 tradução nossa Dessa maneira em contraste com a tese apontada ante riormente por Habermas 2012a 2002 a vocação para a pesqui sa empírica do Instituto de Pesquisa Social não foi extinta mas inserida em um contexto de análise mais abrangente conforme exigiam os novos eventos históricos pósdécada de 1940 Por sua vez o uso da pesquisa empírica também não foi implementado como se fosse a contraparte da teoria e vice versa pelo contrário a partir dos trabalhos da década de 40 o projeto do materialismo interdisciplinar foi redimensionado pelo Instituto com o objetivo de integrar a relação entre empiria e crítica filosófica de maneira constitutiva e não apenas mutua mente complementar No texto Sobre la situación actual de la investigación so cial empírica en Alemania escrito em 1952 Adorno reitera o lugar e a importância da pesquisa empírica para a Teoria Crítica Assim como sem teoria não é possível constatar nada do mes 387 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 mo modo toda constatação culmina na teoria ADORNO 2001 p 51 tradução nossa Duarte 2001 p 40 menciona no tocante à ação metodo lógica dos projetos de pesquisa do Instituto a existência de uma indução especulativa justamente porque para o campo de ação da Teoria Crítica a formação dos conceitos sociais não seria resultado da apropriação empírica dos fatos e seriam sim esta belecidos a partir da totalidade histórica que lhes corresponde O aspecto singular dessa metodologia não é a quantifica ção dos resultados particulares muito menos digressões sinuo sas por entre categorias universais mas a maneira como modi fica a formação dos conceitos sociais em um processo empírico capaz de integrar dialeticamente a abrangência dos conceitos e a peculiaridade dos fatos num contexto histórico dinâmico Muitas vezes no detalhe está contido algo que é decisivo sobre o universal e que escapa à mera generalização Daí a necessi dade fundamental de completar as pesquisas estatísticas por meio de estudos de caso O objetivo dos métodos sociológicos quantitativos deveria ser da maneira formal o entendimento qualitativo a quantificação não é um fim em si mas um meio para esse fim ADORNO 1973a p 5152 tradução nossa Não somente o trecho citado de Adorno da Introdução escrita para a coletânea de La disputa de positivismo en la socio logía alemana publicada em 1969 mas também outros textos publicados entre as décadas de 1950 e 70 apresentam uma ten dência que converge para o mesmo pressuposto metodológico a tensão dialética entre o particular e o universal A constatação dessa semelhança metodológica é signi ficativa porque em certa medida oferece uma compreensão razoável sobre o tratamento metodológico para o trabalho do Instituto nesse período e também desconstrói a tese do cará 388 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ter prescindível da pesquisa empírica para a Teoria Crítica pós década de 40 Em trecho do capítulo Sociologia e investigação social em pírica publicado na obra Temas básicos de Sociologia de 1956 Adorno e Horkheimer são pontuais quanto ao que seria um legí timo projeto metodológico e dialético no âmbito das pesquisas sociais quem sente uma responsabilidade teórica deve fazer frente sem meios termos às aporias da teoricidade e à insuficiência do simples empirismo e o fato de se atirar alegremente nos braços da especulação só poderá servir para agravar a situação atual ADORNO HORKHEIMER 1978 p 122 É justamente o que Adorno tenta dizer em Experiências científicas nos Estados Unidos As investigações empíricas parecemme legítimas e necessárias também no âmbito dos fenômenos culturais Mas não é lícito hipostasiálas nem considerálas como chave universal Sobre tudo elas próprias devem culminar em conhecimento teórico A teoria não é mero veículo que se tornaria supérfluo tão pron to se possuíssem os dados ADORNO 2005a p 156 Nos textos Sobre o sujeito e objeto e Notas marginais sobre teoria e práxis ambos publicados em 1969 no livro Pa lavras e sinais modelos críticos 2 Adorno apresenta um con ceito de pesquisa que se identifica como crítico porque tenta evitar justamente a polarização entre sujeito e objeto teoria e práxis Como afirma em Sujeito e objeto só há legitimidade do conhecimento do sujeito quando ele é preenchido de objetivida de isto é quando contextualizado à luz de uma crítica da socie dade e viceversa 389 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 somente a tomada de consciência do social proporciona ao co nhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquan to obedece às forças sociais que o governam sem refletir sobre elas Crítica da sociedade é crítica do conhecimento e viceversa ADORNO 2005c p 189 E em Notas marginais sobre teoria e práxis complemen ta quando se simula que o objeto é pura e simplesmente in comensurável em relação ao sujeito um cego destino captura a comunicação entre ambos ADORNO 2005b p 205 O que fica em evidência é o caráter da mediação metodo lógica entre sujeito e objeto teoria e prática reflexão e empiria Quando se tenta separar a teoria do dado empírico ou o sujeito do método perdese a compreensão do objeto estudado em sua amplitude caindo assim ou na vazia especulação metafísica ou na cega e fragmentada investigação positivista Em Sociología e investigación empírica de 1957 afirma A investigação social empírica é corretiva não só na medida em que impede constru ções cegas de cima para baixo mas também quanto à relação entre fenômeno e essência ADORNO 1973b p 97 tradução nossa Enveredar a pesquisa empírica social nos moldes metodo lógicos apresentados pela Teoria Crítica é trazer portanto em sua base uma perspectiva interdisciplinar e mediacional entre fatos empíricos e questionamentos filosóficos enquanto o pri meiro elemento oferece à Filosofia a verificação empírica e fac tual evitando assim a hipóstase do real e a especulação dogmá tica o segundo possibilita aos dados empíricos o caráter crítico da totalidade e sua relação com o tecido social esquivandose da fragmentação do objeto e da mistificação ideológica voltada para fins instrumentais 390 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O fato é que nenhum dos projetos esteve à margem do programa de pesquisa do Instituto de Pesquisa Social No entan to isso não quer dizer que em momentos específicos da trajetó ria da Teoria Crítica não tenha existido uma maior demanda por determinados projetos Segundo Duarte 2001 as próprias condições institucio nais do Instituto nas décadas de 1940 e 50 justificam um cer to paralelismo entre a Dialética do esclarecimento e as pesqui sas empíricas uma vez que estes últimos trabalhos como os Studies in Prejudice foram financiados pela American Jewish Commitee entidade que por conta de seu objetivo operacional quanto ao combate do antissemitismo não estava nem um pou co interessada em reflexões totalizantes sobre o fracasso da ra cionalidade moderna Enfim a convergência de alguns conceitos com relação ao antissemitismo presentes tanto na Dialética do esclarecimento e como em The Authoritarian Personality revela que apesar de projetos metodologicamente distintos ambos receberam o mesmo alinhamento teórico desvelar o caráter autoritário seja pelo viés da compreensão dialética de uma racionalidade instru mental seja pelo entendimento dos pressupostos psicossociais que formam o indivíduo fascista Além disso a preocupação acerca da pesquisa empírica social que aparece de maneira recorrente em diversos textos posteriores à década de 40 também é um sinal do quanto essa temática continuou presente nos projetos da Teoria Crítica 391 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 As leituras indicadas no Tópico 3 1 tratam de um tema interessante para as Ciências Sociais no século 20 a possibili dade de uma metodologia interdisciplinar e dialética capaz de transitar entre a reflexão filosófica e a análise empírica socio lógica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU O sociólogo antropólogo e filósofo Pierre Bourdieu Figura 3 nasceu em Den guin França em 1º de agosto de 1930 Se gundo Machado Amorim e Barros 2013 p 316317 Partindo do papel do capital econô mico como determinante da posição social Bourdieu fez investigações pioneiras referentes ao capital cul tural social e simbólico ao conceito de habitus e de violência simbólica de modo a revelar as dinâmicas das relações de poder na vida social Seu trabalho enfatizou o papel da prática e incorporação de formas na dinâmica social e na construção da visão de mun do Autor de grande influência na Sociologia e Antropologia contemporâneas publicou entre vários outros livros O poder simbólico 1992 As regras da arte gênese e estrutura do cam po literário 1999 Esboço de uma teoria da prática precedido de três estudos de etnologia cabila 2002 e A distinção crítica social do julgamento 2007 Faleceu em Paris França em 23 de janeiro de 2002 Figura 3 Pierre Bourdieu 392 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Certamente são dois os objetivos de trazer Bourdieu para a discussão desta obra compreender os fenômenos sociológi cos presentes na sociedade e na cultura e identificar como esses elementos se configuram no pensamento do autor Com base em algumas leituras de Pierre Bourdieu o texto está organizado em duas partes uma mais voltada aos aspectos da cultura e da subje tividade na qual Bourdieu apresenta os conceitos de campo e discurso outra mais direcionada ao campo da cultura educa ção principalmente no que tange à ideia da alquimia social promovida pelos mecanismos classificatórios da escola O conceito de campo e os ritos de instituição Entre os conceitos mais conhecidos de Pierre Bourdieu sem dúvida um dos mais significativos é o de campo Aliás a ideia de campo é tão fundamental no quadro teórico do autor que adentrar no seu pensamento sem recorrer àqueles elemen tos que formam tal ideia configuraria um esforço reflexivo estéril e sem pretensões de entendimento da realidade haja vista que a maior parte dos seus aspectos teóricos de uma maneira ou de outra estão profundamente ligados à gênese do conceito Em que consiste exatamente o conceito de campo para Bourdieu Para compreendêlo é indispensável retomar outro conceito o de rito não como fenômeno de passagem mas como fenômeno de instituição que entre outras coisas pro move três ações básicas institui uma diferença legitima um as pecto arbitrário e naturaliza oposições historicamente construí das Vejamos essas características em detalhe 393 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O rito como instituição da diferença Ao falar de rito normalmente fazse uma estreita liga ção com aqueles fenômenos sociais de grande importância que indicam uma passagem temporal de etapas a serem cumpridas ou realizadas por um indivíduo numa determinada cultura fenô menos mais conhecidos como ritos de passagem No entanto para Bourdieu os ritos não servem tanto para indicar a passa gem do indivíduo para outra etapa social mas para separar e classificar aqueles que já passaram daqueles que ainda passarão e consequentemente instituir e legitimar uma constante dife rença com relação àqueles que nunca poderão passar por tais rituais Na verdade é caso de perguntar se ao enfatizar a passagem temporal por exemplo da infância à vida adulta essa teoria não estaria mascarando um dos efeitos essenciais do rito qual seja o de separar aqueles que já passaram por ele daqueles que ainda não o fizeram e assim instituir uma diferença duradoura entre os que foram e os que não foram afetados Eis por que em lugar da expressão ritos de passagem talvez fosse mais apro priado dizer ritos de legitimação ou simplesmente ritos de ins tituição BOURDIEU 1998 p 97 Legitimação do aspecto arbitrário Assim não estaria incorreto afirmar que para o rito não importa o conjunto de indivíduos que passaram ou passarão por determinado ritual mas sim a diferenciação desse grupo com relação àquele conjunto oculto de indivíduos que nunca terão a chance de passar por tais ritos Tratase de um processo de de limitação de lugares tão bem realizado que perante a situação não resta alternativa senão reafirmar a legitimidade de tal ação 394 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Nesses termos podese dizer que para Bourdieu o rito pra ticamente consagra a arbitrariedade e a diferença ao delimitar um campo específico com linhas demarcatórias por exemplo que separam gêneros sexuais etnias credos religiosos etc Nou tras palavras percebese a legitimação ou consagração de ele mentos arbitrários que instauram dicotomicamente a diferença entre um conjunto instituído em face de um conjunto oculto Veja Falar em rito de instituição é indicar que o rito tende a reco nhecer como legítimo e natural um limite arbitrário ou melhor operar solenemente de maneira lícita e extraordinária uma transgressão dos limites constitutivos da ordem social e da or dem mental a serem salvaguardadas a qualquer preço como no caso da divisão entre sexos por ocasião dos rituais de casamen to A marcar solenemente a passagem de uma linha que ins taura uma divisão fundamental da ordem social o rito chama a atenção do observador para a passagem quando na verda de o que importa é a linha Existe portanto um conjunto oculto em relação ao qual se define o grupo instituído O prin cipal efeito do rito é o que passa quase sempre completamente despercebido ao tratar diferentemente homens e mulheres o rito consagra a diferença ele institui BOURDIEU 1998 p 98 Naturalização das oposições historicamente construídas Para compreender essa função do rito tornase funda mental compreender os termos natureza e cultura Segundo Chauí 2010 a natureza é constituída por estruturas e processos necessários existentes em si e por si mesmos que independem das ações humanas para existir já a cultura nasce da maneira como os indivíduos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza acrescentandolhe sentidos novos alterandoa por meio do trabalho e da técnica e dandolhe significados sim bólicos e valores 395 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 No entanto o problema é que pelo fato de os indivíduos não terem consciência da distinção entre natureza e cultura ob viamente porque são educados dentro de uma cultura acredi tam que tudo o que é social existiu desde sempre como algo na tural Com isso para garantir a manutenção dos padrões sociais ao longo do tempo padrões esses amplamente baseados nas oposições e diferenças grupais o rito destitui o caráter histórico e cultural das diferenças e tende a naturalizálas como se fossem elementos de mútua complementação existentes em si e por si mesmos Assim como a instituição consiste em atribuir propriedades de natureza social como se fossem propriedades de natureza na tural o rito de instituição tende logicamente a integrar as oposições cosmológicas estabelecendo relações do tipo o homem está para a mulher assim como o Sol está para a Lua o que representa uma maneira bastante eficaz de naturalizá las Desse modo ritos diferenciados sexualmente consagram a diferença entre os sexos ou melhor constituem uma distinção legítima em instituição uma simples diferença de fato BOUR DIEU 1998 p 9899 Com isso instituir passa a ser o cerne do conceito de cam po cujo funcionamento está baseado por regras específicas e linhas demarcatórias que estabelecem a autoridade poder a disposição e o status de cada um dos seus participantes Em Questões de Sociologia Bourdieu identifica o conceito de campo como aqueles espaços estruturados de posições ou de postos cujas propriedades dependem das posições nestes espaços po dendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes em parte determinadas por elas BOURDIEU 1983c p 89 Na obra Coisas ditas Bourdieu esclarece mais ain da a noção de campo 396 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Em termos analíticos um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes agen tes ou instituições por sua situação situs atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e ao mesmo tempo por suas re lações objetivas com as outras posições dominação subordi nação homologia etc BOURDIEU 1990 p 72 Em síntese campo definese como um espaço estruturado de posições no qual seus participantes a partir de regras espe cíficas do jogo estão em constante disputa pelo poder nas pa lavras do autor um espaço o que eu chamaria de campo no interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo BOURDIEU 1990 p 119 Isso quer dizer que o campo institui quem está dentro e quem está fora de suas linhas demarcatórias quem não está dentro não está portanto autorizado a fazer parte das regras específicas daquele campo cada campo impõe um preço de en trada tácito que não entre aqui quem não for geômetra isto é que ninguém entre aqui se não estiver pronto a morrer por um teorema BOURDIEU 1997 p 141 Portanto só há campo quando as posições dos sujeitos es tiverem bem definidas e institucionalizadas pelo espaço social Isso pode ser claramente observado pelo exemplo de uma sim ples transferência de emprego em princípio nesse novo local de trabalho o indivíduo é considerado um herege isto é um no vato que pelo fato de não conhecer as regras específicas daque le campo ainda não está plenamente instituído Para conseguir uma posição definida nesse campo esse sujeito deverá então 397 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 começar a observar as regras que formam a sua estrutura e agir de acordo com elas Isso equivale a dizer que os sujeitos carregam em si mes mos as estruturas porque são as estruturas que configuram es truturam a mente das pessoas Nesse sentido surge um duplo aspecto acerca da estrutura por um lado ela é estruturada pelo discurso históricoideológico de poder que por sua vez institucionaliza as posições dos indivíduos no campo por outro lado contudo ela também é estruturante da subjetividade do sujeito que age de acordo com tais regras de institucionalização Portanto o campo é um locus constituído não apenas pelo aspecto espacial mas também temporal e sociolinguístico pode ser identificado como um local uma datação histórica e uma modalidade de interação discursiva entre sujeitos A partir desse aspecto entra em questão outro elemento importantíssi mo para a compreensão de campo o discurso Relação do conceito de campo com o aspecto discursivo Tornase muito difícil compreender o conceito de campo desligado do entendimento e do discurso A noção de discurso para Bourdieu toma uma direção bem diferente daquela tomada pela Linguística tradicional de Saussure e Chomsky pois evita acima de qualquer coisa admitir a hipótese de que a língua é um sistema abstrato Segundo Saussure no Curso de Linguística Geral a língua não propõe fazer qualquer tipo de relação com a realidade mas apenas entre os próprios signos ou seja a relação arbitrária entre as unidades linguísticas não é uma arbitrariedade da lin guagem com as coisas como proposta da semântica mas sim 398 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 uma arbitrariedade semiológica reduzida apenas ao âmbito dos signos Veja O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra mas um conceito significado e uma imagem acústica significante O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece clara mente quando observamos nossa própria linguagem Sem mo vermos os lábios nem a língua podemos falar conosco ou reci tar mentalmente um poema SAUSSURE 2006 p 80 Já para Chomsky como observado em sua obra Estruturas sintácticas qualquer indivíduo que possui a faculdade de falar é portanto capaz de expressarse adequadamente em sua própria língua e também de compreender o que outros indivíduos es tão dizendo fenômeno esse chamado de competência linguís tica Tratase de uma competência interiorizada presente nos atos internos de cada indivíduo mas que segundo Chomsky se exterioriza a cada ato linguístico como uma espécie de mecanis mo que tem o potencial de formar frases Dessa maneira o seu interesse é pesquisar a chamada gramática gerativa como um recurso gerador de frases mas que deve ser estudada de modo apartado da semântica A questão é a de saber se a informação semântica é ou não ne cessária para a descoberta ou para a seleção de uma gramática Talvez seja possível esclarecer melhor este problema atra vés de uma discussão puramente negativa quanto à possibilida de de obter uma base semântica para a teoria sintáctica Po deria com idêntico cabimento perguntarse como é possível construir uma gramática sem conhecimento da cor do cabelo dos falantes A pergunta que deve ser feita é esta Como é possível construir uma gramática Não tenho conhecimento de qualquer tentativa pormenorizada de desenvolvimento da teoria da estrutura gramatical em termos parcialmente semânticos ou de qualquer proposta específica e rigorosa de utilização de informação semântica na construção ou avaliação de gramática CHOMSKY 1987 p 102103 399 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Contrário às propostas tanto de Saussure como de Chomsky Bourdieu afirma que os indivíduos não fazem uso da língua apenas para o domínio prático da linguagem enquanto apropriação psíquica dos signos e da gramática mas principal mente para terem um domínio prático das situações que per mitem produzir um discurso adequado numa situação determi nada BOURDIEU 1983a p 158 Noutras palavras Bourdieu afirma o seguinte O habitus linguístico se distingue de uma competência do tipo chomskyano pelo fato de ser produto das condições sociais e pelo fato de não ser uma simples produção de discursos mas uma produção de discursos ajustados a uma situação ou de preferência ajustados a um mercado ou a um campo BOUR DIEU 1983b p 95 Mas o que o discurso tem a ver com o conceito de campo Só há um discurso quando há um campo instituinte que demar que e institucionalize uma modalização de poder em seus parti cipantes pressupondo uma lógica de autoridade circunscrita à sua correspondente posição A partir dessa definição posicional no campo delimitamse também as vozes de um discurso e a ins tituição de uma verdade específica e ideologicamente politizada Ou seja o campo é como uma espécie de arena na qual os sujeitos se digladiam com posições e vozes muito bem definidas e em vista de determinados fins estratégicos todo ato de interação toda comunicação linguística mesmo entre duas pessoas entre dois companheiros entre um rapaz e sua namorada todas as interações linguísticas são espécies de micromercados sempre dominados por estruturas globais BOURDIEU 1983b p 97 Outro aspecto interessante é que o discurso do campo nunca se constitui como um simples monólogo sempre have 400 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 rá um endereço e um interesse específico para qualquer ato discursivo sempre que alguém produz um discurso para recep tores capazes de avaliálo e de darlhe um preço BOURDIEU 1983b p 96 É nesse aspecto que se percebe que todo discurso é ideoló gico ou seja constituído por interesses das mais variadas fontes que coordenam a intensidade e a direção do discurso em favor da conservação das regras e dos mecanismos de poder do cam po Nas palavras de Bakhtin o domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos são mutuamente correspondentes Ali onde o signo se encontra encontrase também o ideológico Tudo que é ideológico possui um valor semiótico 1999 p 32 Com relação a esse aspecto percebese uma semelhança muito grande de Bakhtin com Bourdieu principalmente em vista de sua crítica à Linguística tradicional objetivismo abstrato que acabou separando a língua da realidade conteúdo ideológico A separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato Assim a lín gua para a consciência dos indivíduos que a falam de maneira alguma se apresenta como um sistema de formas normativas O sistema linguístico tal como é constituído pelo objetivismo abstrato não é diretamente acessível à consciência do sujeito falante definido por sua prática viva de comunicação social BAKHTIN 1999 p 96 Assim como para Bakhtin para Bourdieu o discurso é ne cessariamente embasado por um poder cuja função é rearranjar os mecanismos estruturais e demarcatórios do campo Percebe se aqui uma dinâmica discursiva que envolve muda e abriga as estratégias de manutenção do campo do mesmo modo que ao nível dos grupos tomados em seu conjunto uma língua vale o que valem aqueles que a falam ao 401 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 nível das interações entre indivíduos o discurso deve sempre uma parte muito importante de seu valor ao valor daquele que o domina BOURDIEU 1983a p 166 A conservação da estrutura do campo é formada justa mente pelo desejo de conservação do campo viabilizado e ex ternalizado pelo discurso do grupo que detém o poder O polo dominante é a ortodoxia do campo ou seja o conjunto majori tário que por meio da memória do campo conservao em suas regras específicas palimpsesto Já o polo dominado é a heterodoxia que não possui autori dade suficiente para reorganizar as regras mas apenas seguilas em vista da conservação da disposição ideológica e política do campo Todavia ambos ortodoxia e heterodoxia reconhecem veladamente a existência das regras do campo obviamente a primeira para conserválas e a segunda para substituílas Eles heterodoxos podem querer inverter as relações de força no campo mas por isso mesmo reconhecem alvos não são in diferentes Querer fazer a revolução em um campo é concordar com o essencial do que é tacitamente exigido por esse campo a saber que ele é importante que o que está em jogo aí é tão importante a ponto de se desejar aí fazer a revolução Entre pessoas que ocupam posições opostas em um campo e que parecem radicalmente opostas em tudo observase que há um acordo oculto e tácito a respeito do fato de que vale a pena lutar a respeito das coisas que estão em jogo no campo BOUR DIEU 1997 p 140141 As regras de funcionamento do campo dizem respeito às disposições e posições hierárquicas dos sujeitos no campo Quem está mais próximo do centro tem o poder de falar mais alto ou seja veicula com mais autoridade a vontade de verdade do campo Na falta do sujeito que detenha o poder há a disputa de outros pelo espaço de poder Isso quer dizer que o campo só 402 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 se estrutura em vista de uma disputa interna as circunstâncias de poder e suas relações sociolinguísticas reorganizam as dispo sições dos sujeitos no campo Na base desse processo encontra se o poder simbólico do discurso O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enun ciação de fazer ver e fazer crer de confirmar ou de transformar a visão do mundo e deste modo a acção sobre o mundo por tanto o mundo poder quase mágico que permite obter o equi valente daquilo que é obtido pela força física ou económica graças ao efeito específico de mobilização só se exerce se for reconhecido quer dizer ignorado como arbitrário BOURDIEU 1989 p 14 Outro aspecto interessante é que a estrutura não possui um caráter permanente Pelo contrário o caráter da estrutura do campo diz respeito a algo que foi previamente pensado ma quinado e construído Logo se a estrutura do campo é construí da isso significa que o discurso instrumento do campo também possui a mesma natureza histórica e contextual No entanto a fabricação da estrutura do campo é algo per manente pois sempre haverá um discurso que estruturará as re gras do campo seja em favor de sua conservação seja em favor de sua transformação O que pode ser dito e a maneira de dizêlo numa circunstância determinada dependem da estrutura da relação objetiva entre as posições que o emissor e o receptor ocupam na estrutura de distribuição do capital linguístico e de outras espécies de capital BOURDIEU 1983a p 173 Com isso Bourdieu propõe uma modalidade de discurso encarnada nas relações estruturais do campo capaz de fazer com que o sujeito não só entenda as regras do jogo como tam bém possibilite uma intervenção na realidade o habitus linguís tico incita o indivíduo a utilizar as possibilidades oferecidas pela 403 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 língua e para avaliar praticamente as condições de utilizálas 1983a p 182 Ou seja o conceito de discurso para Bourdieu contempla não só os fatores intralinguísticos e extralinguísticos como tam bém as possíveis condições ideológicas e estruturais do campo tanto objetivas como subjetivas que estão ligadas ao discurso e que por isso interferem na própria interação linguística A verdade da relação de comunicação nunca está inteiramen te no discurso nem mesmo nas relações de comunicação mas também fora dele nas condições sociais de produção e de reprodução dos produtores e receptores e da relação entre eles BOURDIEU 1983a p 162 Os ritos de classificação escolar Outro aspecto muito interessante no pensamento de Bour dieu é o relacionado à educação Em seu livro Escrito de educa ção mais especificamente no texto As categorias do juízo pro fessoral Bourdieu propõe a seguinte questão submeter à análise as classificações que os professores pro duzem cotidianamente tanto em seus julgamentos sobre seus alunos ou seus colegas atuais ou potenciais como em sua pro dução específica manuais teses e obras eruditas e em toda sua prática BOURDIEU 1999 p 187188 Baseado num conjunto de 154 fichas individuais de alunos redigidas por volta de 1960 Bourdieu apresenta como os profes sores exerciam classificações arbitrárias e adjetivações taxonô micas diferenciadas muito mais em função da origem social da família capital social a partir do hexis corporal do estudante o conjunto de propriedades associadas ao uso do corpo no qual é possível exteriorizar a posição de classe de uma pessoa do que em relação à própria nota dos alunos 404 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 os considerados julgamentos aparecem mais fortemente liga dos à origem social do que a nota que se exprime isto sem dú vida porque eles traem mais diretamente a representação que o professor faz das alunas a partir do conhecimento que tem de antemão do hexis corporal BOURDIEU 1999 p 192 Para provar mais ainda essa parcialidade avaliativa Bour dieu afirma que as alunas provenientes das frações da classe dominante mais rica em capital cultural escapam quase totalmente aos julgamentos mais negativos mesmo eufemizados assim como às virtudes pequenoburguesas e lhes são atribuídas com insistência as qua lidades mais procuradas BOURDIEU 1999 p 191 Noutra passagem também diz os qualificativos mais favo ráveis aparecem com uma frequência cada vez maior na medida em que a origem social das alunas é mais elevada BOURDIEU 1999 p 191 Mas qual a relevância dessas descobertas O processo des crito por Bourdieu levanta um grave problema no âmbito peda gógico há um tipo de classificação de taxonomia ocorrendo na escola que tende a cumprir as exigências da estrutura econômi ca dominante cuja finalidade é definir a posição do indivíduo no campo isto é colocar a pessoa no seu devido lugar nou tras palavras uma ideologia que tende a estabilizar as origens sociais dominantes como dominantes e as dominadas como dominadas Ideologia em estado prático produzindo efeitos lógicos que são inseparavelmente efeitos políticos a taxonomia escolar encerra uma definição implícita de excelência que constituindo como excelentes as qualidades apropriadas por aqueles que são so cialmente dominantes consagra sua maneira de ser e seu esta do BOURDIEU 1999 p 196 Segundo Bourdieu o problema está justamente no modo como as classificações sociais acabam se transformando em clas 405 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 sificações escolares É evidente a existência de uma classificação social que separa classes dominantes de dominadas segundo as relações de poder e regras específicas dos mais diversos cam pos Essa classificação colocase como um sistema que seleciona e determina a posição do indivíduo dentro do campo No entanto tal classificação precisa ser oficializada ou ins titucionalizada pois caso contrário poderá se tornar uma es trutura cujas regras tornamse demasiadamente injustas e ina ceitáveis principalmente para a classe dominada instituir é consagrar ou seja sancionar e santificar um estado de coisas uma ordem estabelecida a exemplo precisamente do que faz uma constituição no sentido jurídicopolítico do termo BOUR DIEU 1998 p 99 Neste sentido oficializar ou instituir as classes dominan tes significa dar a elas uma identidade demarcar seus limites e linhas de autoridade oferecerlhes uma definição social torne se o que você é eis a fórmula que subtende a magia performa tiva de todos os atos de instituição BOURDIEU 1998 p 103 Noutra passagem Bourdieu é ainda mais claro quando afirma que o sistema da instituição tem como estratégia fazer com que as diferenças arbitrárias e históricoculturais sejam vistas e incul cadas como naturais e eternas O trabalho de inculcação através do qual se realiza a imposição duradoura do limite arbitrário visa naturalizar as rupturas deci sórias constitutivas de um arbitrário cultural sob a forma do sentido dos limites fazendo com que alguns mantenham sua posição ou se conservem à distância enquanto outros se man têm em seu lugar e se contentam com o que são a serem o que têm de ser privandoos assim da própria privação BOURDIEU 1998 p 103 Dessa maneira a classificação social precisa do auxílio da classificação escolar ao passar pela classificação escolar as di 406 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ferenças sociais são institucionalizadas como naturais e oficiais cujas relações de dominação e poder ditadas pelo capital não são mais vistas como injustas mas como estruturas legitimadas Bourdieu chama esse processo de alquimia social A transmutação da verdade social em verdade escolar de você é um pequeno burguês em você é trabalhador mas não é brilhante não é um simples jogo de escrita sem conse quência mas uma operação de alquimia social que confere às palavras sua eficácia simbólica seu poder de agir durável BOUR DIEU 1999 p 199 grifo nosso Fonte Watterson 1995 p 58 Figura 4 Classificação escolar alquimia social Ou seja o processo de transformação das verdades so ciais condenáveis em verdades sociais institucionalizadas pre cisa passar pelo sistema escolar para que assim elas se tornem aceitas pela coletividade De acordo com o autor é sem dúvida por intermédio das classificações sucessivas que fizeram delas classes sociais o que elas são que os produtos classificados do sistema escolar alunos e professores adquiriram em graus dife rentes segundo sua posição nessas estruturas o domínio prático de sistemas de classificação segundo taxonomias escolares des tinadas a cumprir determinadas funções BOURDIEU 1999 p 199 E complementa ao acrescentar que a escola é uma máqui 407 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 na de transformar classificações sociais em classificações esco lares como classificações sociais reconhecidasirreconhecidas BOURDIEU 1999 p 199 Portanto fica claro que em Bourdieu o campo da educação organiza um processo educativo de tal modo que possa amoldar se aos interesses externos A neutralidade da escola não passa na verdade dessa extraor dinária denegação coletiva que faz por exemplo com que o professor possa em nome da autoridade que lhe delega a ins tituição escolar condenar como escolares as produções e as expressões que apenas são o que a instituição escolar produz e exige BOURDIEU 1999 p 197 Com isso tornase então justificável tendo em vista esse conchavo de interesses entre educação e políticas públicas a forma como as diferenças sociais são formalizadas pela escola com o intuito de naturalizar e ressignificar as diferenças de clas ses na sociedade As leituras indicadas no Tópico 3 2 tratam das contri buições de Bourdieu para a Sociologia e para a educação es pecialmente com os conceitos de campo e discurso Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 6 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 408 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS Com o objetivo de relembrar o método dialético e interdis ciplinar da Teoria Crítica cuja fundamentação se assenta tanto na reflexão filosófica quanto na pesquisa empírica sugerimos que leia os textos indicados a seguir ANTUNES D C De Frankfurt à Califórnia há conti nuidade nas pesquisas empíricas da Escola de Frank furt entre 1929 e 1950 In SEMINÁRIO DE PÓSGRA DUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFSCAR 6 São Carlos set 2010 Anais 2010 Disponível em httpwww ufscarbrsemppgfilwpcontentuploads201205 DeborahChristinaAntunesDeFrankfurtC3A0 CalifC3B3rniahC3A1continuidadenaspes quisasempC3ADricasdaEscoladeFrankfurten tre1929e1950pdf Acesso em 26 set 2019 Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The authorita rian personality Tese Doutorado em Filosofia Centro de Educação e Ciências Humanas Universidade Federal de São Carlos São Carlos 2012 Disponível em https repositorioufscarbrbitstreamhandleufscar4791 Retidopdfsequence1 Acesso em 27 nov 2019 GONÇALVES A S Do materialismo interdisciplinar à crítica à razão instrumental um estudo sobre o desen 409 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 volvimento da Filosofia de Max Horkheimer Disserta ção Mestrado em Filosofia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2016 Disponível em https repositorioufubrbitstream123456789184261Ma terialismoInterdisciplinarCriticapdf Acesso em 27 nov 2019 MARANHÃO C M S A VILELA J R P X Teoria Crítica e pesquisa empírica um estudo sobre Theodor Adorno In ENCONTRO DA ANPAD 34 jan 2010 Rio de Janeiro Anais 2010 Disponível em httpwwwanpadorg bradminpdfeor1044pdf Acesso em 27 nov 2019 SILVA F M S P Sobre a investigação social empírica considerações iniciais baseadas no pensamento de Adorno e Horkheimer InterAção Revista da Faculda de de Educação da UFG v 29 n 1 p 131143 jan jun 2004 Disponível em httpswwwrevistasufgbr interacaoarticleviewFile13351371 Acesso em 27 nov 2019 VOIROL O Teoria Crítica e pesquisa social da dialética à reconstrução Trad Bruno Simões Novos Estudos Cebrap Dossiê Teoria Crítica n 93 p 8199 jul 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfnecn93 n93a07pdf Acesso em 27 nov 2019 32 PIERRE BOURDIEU Para se aprofundar nos conceitos de campo discurso e sua relação com a classificação escolar leia os artigos indicados a seguir 410 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 BOURDIEU P As Ciências Sociais e a Filosofia Educação Linguagem ano 10 n 16 p 1936 juldez 2007 Disponível em httpswwwmetodistabrrevistas revistasimsindexphpELarticleviewFile124134 Acesso em 27 nov 2019 Capital simbólico e classes sociais Novos Es tudos CEBRAP n 96 p 105115 jul 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfnecn96a08n96pdf Acesso em 27 nov 2019 CARVALHO K F Os conceitos de habitus e campo na teoria de Pierre Bourdieu Cadernos de Campo Revista de Ciências Sociais Araraquara Faculdade de Ciência e Letras da Unesp n 9 p 101111 2003 Disponível em httpsperiodicosfclarunespbrcadernosarticle view105106830 Acesso em 27 nov 2019 CATANI A M A sociologia de Pierre Bourdieu ou como um autor se torna indispensável ao nosso regime de lei turas Educação Sociedade ano 23 n 78 p 5775 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdf esv23n78a05v2378pdf Acesso em 27 nov 2019 NOGUEIRA C M M NOGUEIRA M A A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu limites e contribuições Educação Sociedade ano 23 n 78 p 1536 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfes v23n78a03v2378 Acesso em 27 nov 2019 PEREIRA E A T O conceito de campo de Pierre Bour dieu possibilidade de análise para pesquisas em histó ria da educação brasileira Revista Linhas Florianópolis v 16 n 32 p 337356 setdez 2015 Disponível em httpwwwrevistasudescbrindexphplinhasarti 411 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 cleviewFile1984723816322015337pdf97 Acesso em 27 nov 2019 THIRYCHERQUES H R Pierre Bourdieu a teoria na prá tica RAP Revista de Administração Pública Rio de Ja neiro v 40 n 1 p 2755 janfev 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdfrapv40n1v40n1a03pdf Acesso em 27 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Observe com atenção o trecho a seguir A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos resultados empreendidos pela pesquisa especializada enquanto de outro lado o ob jetivo de uma empiria imparcial não pode ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a nada o elemento teórico ocorre ao invés disso que a filosofia ou seja a intenção teórica dirigida ao universal ao essencial deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particulares e ao mesmo tempo ser suficientemente aberta para se deixar por sua vez influenciar e transformar pelo progresso dos estudos concretos HOR KHEIMER 1999 p 128 A preocupação com o método das Ciências Sociais por parte Escola de Frankfurt especialmente por Adorno e Horkheimer resultou em muitos projetos de pesquisas que levaram em consideração uma visão dialética da realidade Foi nesse sentido que Horkheimer apresentou uma metodo logia que mais tarde ficou conhecida como materialismo interdisciplinar Sobre o assunto assinale a alternativa correta a O materialismo interdisciplinar leva em consideração uma visão espe cializada das áreas que devem servir aos interesses da Filosofia 412 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 b De acordo com Horkheimer o materialismo interdisciplinar seria uma retomada do materialismo dialético de Marx afirmando a luta de clas ses como motor da sociedade c A proposta do materialismo interdisciplinar fundamentase no cientifi cismo social que agregaria em si a metodologia das Ciências da Natu reza e Humanas afirmando a tese de que os fenômenos da sociedade precisam ser estudados como coisas d O materialismo interdisciplinar como o próprio nome diz fundamen tase na proposta de utilização das diversas teorias filosóficas para ser vir aos interesses das Ciências Sociais e Em vista de inúmeras carências e fragilidades por parte da ciência e da filosofia o materialismo interdisciplinar leva em consideração uma metodologia dialética e tensional amparandose tanto na visão filosó fica do todo como na análise concreta científica 2 Leia com atenção o texto a seguir A escola exclui como sempre mas ela exclui agora de forma continuada a todos os níveis de curso e mantém no próprio âmago daqueles que ela exclui simplesmente marginalizandoos nas ramificações mais ou menos desvalorizadas Esses marginalizados por dentro estão condenados a os cilar entre a adesão maravilhada à ilusão proposta e a resignação aos seus veredictos entre a submissão ansiosa e a revolta impotente BOURDIEU 1993 p 485 Considerando a citação e as abordagens sociológicas de Pierre Bourdieu com relação ao contemporâneo processo de escolarização assinale a al ternativa correta a O melhor desempenho escolar de certas pessoas está ligado ao dom natural para os estudos que é despertado logo no nascimento pois as aptidões intelectuais facilitam o aprendizado e permitem conseguir notas mais altas b Historicamente a escola tem sido uma instituição democrática que respeita as diferenças econômicas sociais e culturais da sociedade e garante oportunidades iguais para as pessoas que se esforçam nos estudos c A escola cumpre uma função social importante uma vez que ela con diciona os alunos a optar por si mesmos pelas escolhas de suas vidas superando assim as diferenças sociais alienantes 413 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 d Ao ocultar seu papel na legitimação e na reprodução dos saberes dos valores e das experiências dos grupos dominantes a instituição esco lar esconde também os seus mecanismos sutis de exclusão dos gru pos marginalizados e A baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas no Brasil está diretamente relacionada ao grande número de pessoas pobres que ela inclui pois a condição econômica determina o desempenho escolar Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 d 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou aspectos básicos das Ciências So ciais na ótica de alguns autores do século 20 Horkheimer Ador no e Bourdieu Os dois primeiros compartilham uma abordagem semelhante sendo conhecidos como representantes da Teoria Crítica Já o terceiro diverge dessa abordagem apresentando ou tros conceitos No entanto o que todos esses autores têm em comum é a maneira como se mantêm aptos no tratamento metodológico das Ciências Sociais É evidente que em muitos momentos todos eles escreveram sobre filosofia política educação antropologia etc porém ao abordar questões sociológicas pesquisaramnas no âmbito próprio das Ciências Sociais Por esse motivo as con tribuições de Adorno Horkheimer e Bourdieu são importantes não são palavras apenas de filósofos que prestam serviços às 414 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Ciências Sociais mas de autores que além de filósofos também são cientistas sociais Esperamos que a leitura desta unidade tenha contribuído para alargar a sua formação sociológica e também para desper tar o seu aprofundamento a partir da pesquisa de outros auto res como Georg Simmel 18581919 Norbert Elias 18971990 Charles Wright Mills 19161962 Nicos Poulantzas 19361979 Jürgen Habermas 1929 Jean Baudrillard 19292007 Zyg munt Bauman 19252017 entre outros Fica o convite 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Theodor Adorno Disponível em httpswwwescritasorgptestante theodorwadorno Acesso em 26 nov 2019 Figura 2 Max Horkheimer Disponível em httpseducacaouolcombrbiografias maxhorkheimerhtm Acesso em 15 out 2018 Figura 3 Pierre Bourdieu Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombr autorphpcodigo00054 Acesso em 27 nov 2019 Sites pesquisados ANTUNES D C De Frankfurt à Califórnia há continuidade nas pesquisas empíricas da Escola de Frankfurt entre 1929 e 1950 In SEMINÁRIO DE PÓSGRADUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFSCAR 6 São Carlos set 2010 Anais 2010 Disponível em httpwwwufscarbrsemppgfilwpcontentuploads201205DeborahChristina AntunesDeFrankfurtC3A0CalifC3B3rniahC3A1continuidadenas pesquisasempC3ADricasdaEscoladeFrankfurtentre1929e1950pdf Acesso em 26 set 2019 Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The authoritarian personality Tese Doutorado em Filosofia Centro de Educação e Ciências Humanas Universidade Federal de São Carlos São Carlos 2012 415 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Disponível em httpsrepositorioufscarbrbitstreamhandleufscar4791Retido pdfsequence1 Acesso em 27 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Pierre Bourdieu e a educação Disponível em https wwwyoutubecomwatchv4O7TET2IGHst10s Acesso em 26 nov 2019 BARROS FILHO C Capital social campo social acadêmico e religioso Disponível em 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httpwwwscielobrpdfesv23n78a05v2378pdf Acesso em 27 nov 2019 EQUIPE ORGONAUTAS A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica imagens de uma reflexão viva 2008 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0XfrUPWet68 Acesso em 26 nov 2019 GONÇALVES A S Do materialismo interdisciplinar à crítica à razão instrumental um estudo sobre o desenvolvimento da Filosofia de Max Horkheimer Dissertação Mestrado em Filosofia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2016 Disponível em httpsrepositorioufubrbitstream123456789184261 MaterialismoInterdisciplinarCriticapdf Acesso em 27 nov 2019 HORKHEIMER M Teoria Crítica e marxismo 1969 Disponível em httpswww youtubecomwatchvoWWvteGCWM Acesso em 26 nov 2019 MARANHÃO C M S A VILELA J R P X Teoria Crítica e pesquisa empírica um estudo sobre Theodor Adorno In ENCONTRO DA ANPAD 34 jan 2010 Rio de Janeiro Anais 2010 Disponível em httpwwwanpadorgbradminpdfeor1044pdf Acesso em 27 nov 2019 416 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 NOGUEIRA C M M NOGUEIRA M A A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu limites e contribuições Educação Sociedade ano 23 n 78 p 1536 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfesv23n78a03v2378 Acesso em 27 nov 2019 PEREIRA E A T O conceito de campo de Pierre Bourdieu possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira Revista Linhas Florianópolis v 16 n 32 p 337356 setdez 2015 Disponível em httpwwwrevistasudescbrindexphp linhasarticleviewFile1984723816322015337pdf97 Acesso em 27 nov 2019 SILVA F M S P Sobre a investigação social empírica considerações iniciais baseadas no pensamento de Adorno e Horkheimer InterAção Revista da Faculdade de Educação da UFG v 29 n 1 p 131143 janjun 2004 Disponível em httpswwwrevistas ufgbrinteracaoarticleviewFile13351371 Acesso em 27 nov 2019 THIRYCHERQUES H R Pierre Bourdieu a teoria na prática RAP Revista de Administração Pública Rio de Janeiro v 40 n 1 p 2755 janfev 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdfrapv40n1v40n1a03pdf Acesso em 27 nov 2019 TV CULTURA O marxismo da Teoria Crítica Balanço do século XX Fundadores do pensamento 2003 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvonA7KBpkh8U Acesso em 26 nov 2019 UNIVESP Capital cultural Disponível em httpswwwyoutubecomwatchva3eO6 D4nHo Acesso em 10 out 2018 UTV Entrevista com Pierre Bourdieu Pensamento contemporâneo 2000 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvF2WXVTdfAOkt260s Acesso em 26 nov 2019 VOIROL O Teoria Crítica e pesquisa social da dialética à reconstrução Trad Bruno Simões Novos Estudos Cebrap Dossiê Teoria Crítica n 93 p 8199 jul 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfnecn93n93a07pdf Acesso em 27 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO T W Experiências científicas nos Estados Unidos In Palavras e sinais modelos críticos 2 Trad Maria Helena Ruschel Petrópolis Vozes 2005a p 137178 Introducción In ADORNO T W et al la disputa del positivismo en la sociología alemana Trad Jacobo Muñoz Barcelona Grijalbo 1973a p 1180 417 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Notas marginais sobre teoria e práxis In Palavras e sinais modelos críticos 2 Trad Maria Helena Ruschel Petrópolis Vozes 2005c p 202229 Research project on antisemitism idea of the project Studies in Philosophy and Social Science Institute Social Research New York v IX n 1 p 124143 1941 Research project on antisemitism idea of the project In The stars down to Earth and other essays on the irrational in culture New York Routledge 1994 p 135161 Sobre la situación actual de la investigación social empírica en Alemania In Epistemología y Ciencias Sociales Trad Vicente Gómez Madrid Frónesis Ediciones Cátedra 2001 p 4558 Sobre sujeito e objeto In Palavras e sinais modelos críticos 2 Trad Maria Helena Ruschel Petrópolis Vozes 2005b p 181201 Sociología e investigación empírica In ADORNO T W et al La disputa del Positivismo en la Sociología alemana Trad Jacobo Muñoz Barcelona Grijalbo 1973b p 8199 ADORNO T W et al The authoritarian personality New York WW Norton 1969 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do Esclarecimento Trad Guido Antônio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 2006 ADORNO T W HORKHEIMER M Sociologia e investigação social empírica In ADORNO T W HORKHEIMER M Textos básicos de Sociologia Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1978 p 120131 ANTUNES D C Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The Authoritarian Personality Jundiaí Paco Editorial 2014 BAKHTIN M Marxismo e filosofia da linguagem Trad Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira 9 ed São Paulo Hucitec 1999 BOURDIEU P A economia das trocas linguísticas o que falar quer dizer São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1998 Coisas ditas Trad Cássia Silveira e Denise Pegorin Revisão Técnica de Paula Montero São Paulo Brasiliense 1990 Economia das trocas linguísticas Trad Paula Montero In ORTIZ R org Bourdieu Sociologia São Paulo Ática 1983a p 156183 Escritos de educação 2 ed Petrópolis Vozes 1999 O mercado linguístico In Questões de Sociologia Trad Jeni Vaitsman Rio de Janeiro Marco Zero 1983b p 95107 418 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O poder simbólico Trad Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 Questões de Sociologia Trad Jeni Vaitsman Rio de Janeiro Marco Zero 1983c Razões práticas sobre a teoria da ação Trad Marisa Corrêa Campinas Papirus 1997 BOURDIEU P Org A miséria do mundo Petrópolis Vozes 1993 CHAUÍ M Iniciação à Filosofia São Paulo Ática 2010 CHOMSKY N Estruturas sintácticas Trad Madalena Cruz Ferreira Lisboa Edições 70 1987 DUARTE R À procura de uma indução especulativa Filosofia e pesquisa empírica Psicologia Sociedade v 13 n 2 p 3448 juldez 2001 HABERMAS J Teoria do agir comunicativo racionalidade da ação e racionalidade social Trad Flávio Beno Siebeneichler São Paulo Martins Fontes 2012a v 1 Teoria do agir comunicativo sobre a crítica da razão funcionalista Trad Flávio Beno Siebeneichler São Paulo Martins Fontes 2012b v 2 O discurso filosófico da modernidade doze lições Tradução de Luiz Sergio Repa e Rodnei Nascimento São Paulo Martins Fontes 2002 HORKHEIMER M A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de Pesquisas Sociais Trad Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro Praga Estudos Marxistas São Paulo n 7 p 121132 mar 1999 Autoridade e família In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008h p 175236 Da discussão do Racionalismo na Filosofia Contemporânea In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008f p 95137 Do problema da previsão nas Ciências Sociais In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008e p 8994 Filosofia e Teoria Crítica In BENJAMIN W et al Textos escolhidos Trad Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha São Paulo Abril Cultural 1975a p 163169 Os Pensadores História e Psicologia In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008b p 1329 419 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 La función social de la Filosofía In Teoría Crítica Trad Edgardo Albizu y Carlos Luis Buenos Aires Amorrortu 2003 p 272289 Materialismo e Metafísica In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008c p 3158 Materialismo e moral In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008d p 5988 Notes on Institute Activities Studies in Philosophy and Social Science Institute Social Research New York v IX n 1 p 121123 1941 Observações sobre ciência e crise In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008a p 712 Sobre o problema da verdade In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008g p 139174 Teoria tradicional e Teoria Crítica In BENJAMIN W et al Textos escolhidos Trad Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha São Paulo Abril Cultural 1975b p 125162 Os Pensadores HORKHEIMER M et al Studien über Autorität und Familie Forschungsberichte aus dem Institut für Sozialforschung Lüneburg Dietrich zu Klampen 1987 INSTITUTE OF SOCIAL RESEARCH Antisemitism among american labor report on a research project conducted by the Institute of Social Research Columbia University in 19441945 Texto datilografado não publicado maio 1945 4v JAY M La imaginación dialéctica historia de la Escuela de Frankfurt y el Instituto de Investigación Social 19231950 Versão castelhana por Juan Carlos Curutchet Madrid Taurus 1989 The Frankfurt School in Exile In Permanent exiles essays on the intellectual migration from Germany to America New York Columbia University Press 1985 p 3133 MACHADO I J de R AMORIM H BARROS C R Sociologia Hoje São Paulo Ática 2013 PERRIN A J OLICK J K Translators Introduction before the public sphere In POLLOCK F et al Group experiment and other writings the Frankfurt School on public in Postwar Germany Trad Jeffrey K Olick e Andrew J Perrin CambridgeLondon Harvard University Press 2011 pp XVXXXVIII POLLOCK F Ed Gruppenexperiment ein Studienbericht Pref Franz Böhm Frankfurt am Main Europäische Verlagsanstalt 1955 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS POLLOCK F et al Group experiment and other writings The Frankfurt School on public opinion in postwar Germany Trad Andrew J Perrin e Jeffrey K Olick Cambridge London Harvard University Press 2011 SAUSSURE F Curso de Linguística Geral Organizado por Charles Bally e Albert Sechehaye Trad Antônio Chelini José Paulo Paes e Izidoro Blikstein 27 ed São Paulo Cultrix 2006 WATTERSON B Os dias estão simplesmente lotados São Paulo Best News 1995 v 1 WIGGERSHAUS R A Escola de Frankfurt história desenvolvimento teórico significação política Trad Lilyane DerocheGurgel e Vera de Azambuja Harvey Rio de Janeiro Difel 2002 ZIEGE EM Antisemitismus und Gesellschaftstheorie Die Frankfurter Schule im amerikanischen Exil Frankfurt Suhrkamp 2009 421 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 421 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Objetivos Compreender a formação do Estado brasileiro como episódio singular e próprio à experiência da colonização portuguesa Esclarecer dois equívocos que precisam ser evitados a comparação da de mocracia brasileira com a democracia grega antiga e a comparação entre as formações dos Estados brasileiro e europeu Traçar algumas características do Estado patrimonialista Apresentar alguns aspectos do patrimonialismo segundo Max Weber e au tores brasileiros Promover uma reflexão sobre o processo de formação do Estado brasileiro a partir de uma elite restrita Conhecer aspectos relevantes da burocracia centralizadora do Estado brasileiro Apresentar o fenômeno da cooptação política do coronelismo e outros aspectos relacionados voto de cabresto e mandonismo presentes na his tória do Brasil Conteúdos Diferenças entre a democracia grega antiga e a moderna Distinções entre a formação do Estado brasileiro e o modelo de Estado europeu Conceito de patrimonialismo e sua aplicação no Brasil Função das elites na formação do Estado brasileiro Cooptação política e coronelismo Mandonismo e voto de cabresto UNIDADE 7 422 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a ler apenas esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo 3 Esta unidade apresenta diversos autores brasileiros Para compreender melhor o contexto de suas obras tornase fundamental ter noção da his tória do Brasil Nesse sentido consulte os vídeos sugeridos a seguir e ou tros para inteirarse do assunto 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros Os Bruzundangas Lima Barreto Minha vida de menina Helena Morley São Bernardo Graciliano Ramos Sujese gordo Machado de Assis e Fogo morto José Lins do Rego 5 No tocante à linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes O Auto da Compadecida Brasil 2000 Mauá o imperador e o rei Brasil 1999 Deus e o diabo na terra do Sol Brasil 1964 Guerra de Canudos Brasil 1997 Abril despedaçado Brasil 2001 Baile perfumado Brasil 1996 São Bernardo Brasil 1972 Fogo morto Brasil 1976 Vida de me nina Brasil 2003 6 Enfim para o aprofundamento do tema sugerimos os seguintes vídeos JACKSON A M O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 1 2010 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvafIM8L5h0t21s Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasi leira parte 2 2010 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvrflaiLqJNms Acesso em 27 nov 2019 423 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO TORQUATO L et al Coronelismo e clientelismo 2013 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvFbHCcrvSs4wt171s Acesso em 27 nov 2019 LU LIVROS Coronelismo Enxada e Voto Victor Nunes Leal 2017 Disponí vel em httpswwwyoutubecomwatchvpwqE1SKcWsE Acesso em 27 nov 2019 UNIVERSITÁRIO Coronelismo 2014 Disponível em httpswwwyoutu becomwatchvoFjxluZ0cg Acesso em 27 nov 2019 TV CULTURA ACM Neto Cultura Retrô 23 fev 2012 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvdGtUIoF3sCwindex2listRDQM Wkg2mbykds Acesso em 27 nov 2019 Coronelismo Telecurso Cultura Retrô 23 fev 2012 Dispo nível em httpswwwyoutubecomwatchvCjcxVvPbfVostart radio1listRDQMWkg2mbykds Acesso em 29 nov 2019 RÁDIO UNISINOS O patrimonialismo brasileiro Bloco 1 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv2psviZrAkhI Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 2 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvALAp9eg53mo Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 3 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTYDJ4j4eQEI Aces so em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 4 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvPbK9KBmkJc Acesso em 27 nov 2019 CANAL FUTURA Patrimonialismo André Botelho Entrevista 2016 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvgA0u77bLIo0 Acesso em 10 out 2018 OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL Raymundo Faoro diá logo pela democracia Disponível em httpswwwyoutubecom watchvgfgb4knxJXQ Acesso em 27 nov 2019 VALENÇA E M República Oligárquica Brasileira 18941930 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4v5jv2mNlAt2s Acesso em 27 nov 2019 424 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ZANON M A Revisão de texto Capitulo 03 Os donos do poder Ray mundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvqbXBrg1eRq8 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 04 Os donos do poder Ray mundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvmkQBvB8rty0 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 05 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvOdGBy 1xw1M Acesso em 27 nov 2019 425 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 1 INTRODUÇÃO Uma das melhores maneiras de compreender a estrutura nevrálgica de um determinado Estado é questionando no que se baseia sua soberania política No entanto temos aqui um dilema pois para isso tornase imprescindível lançar mão dos processos históricosociais e políticos que de fato constituíram a soberania daquele Estado Nesse sentido o objetivo desta unidade é esclarecer o complexo processo que formou o Estado brasileiro cujo desen volvimento não foi claro e ainda não o é para muitos brasilei ros que ao falar sobre o assunto cometem frequentes e graves equívocos que comprometem ou reduzem a singularidade políti ca do país a meros conjuntos de frases veiculadas Nesse sentido a unidade tentará percorrer três etapas Em primeiro lugar procuraremos desmistificar dois equívocos sobre a natureza do Estado brasileiro a com paração da democracia brasileira com a democracia grega antiga e a comparação do Estado brasileiro com o europeu Em segundo lugar caracterizaremos o estilo burocrático patrimonialista que se fez presente no processo de for mação do Estado brasileiro Em terceiro lugar abordaremos aspectos pontuais da política brasileira como a formação de elite restrita bu rocracia centralizadora e cooptação política Bom estudo 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVERSO POLÍTICO BRASILEIRO Neste primeiro momento abordaremos duas questões equivocadas a respeito da formação da Estado brasileiro a saber a comparação da democracia moderna ocidental e brasileira como uma cópia da democracia grega antiga e a concepção do Estado brasileiro como extensão do processo de abstração do Estado europeu Somente a partir da demolição destes dois equívocos poderemos enfim começar a compreender a formação do Estado brasileiro como um processo singular resultado das práticas de poder e das opções políticas tomadas ao longo do tempo A equivalência entre a democracia moderna brasileira e a antiga O primeiro e mais ingênuo de todos os equívocos é considerar a política brasileira como uma extensão ou evolução linear do conceito de dignidade democrática da polis grega retoricamente engrandecida em discursos ufanistas de palanque desprovidos de sentido cujos efeitos agradam o senso comum mas tendem a descaracterizar a realidade política brasileira No entanto o que pouco se comenta é que a distância entre políti 427 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ca brasileira e ideais democráticos da Antiguidade grega é muito grande Dois pontos podem ser analisados para referenciar essa distinção o conceito de liberdade e a dependência do indivíduo em relação à polis Sobre o conceito de liberdade Benjamin Constant 1985 no texto Da liberdade dos an tigos comparada à dos modernos discorre de modo objetivo sobre as singularidades políticas de cada época Sua tese é a de que o conceito de liberdade grecoromano não é mais adequado aos modelos de liberdade de seu tempo isto é da modernidade Segundo Constant a liberdade dos antigos baseiase no exercício da soberania pública igualmente distribuída entre to dos os cidadãos homem público que diretamente discutem e decidem sobre o que é melhor ou não para a polis com o obje tivo de assegurar o máximo possível o direito e a partilha do po der social Já o conceito de liberdade para os modernos estaria fundado na possibilidade de atuação do indivíduo de modo indi reto e representativo homem particular por meio de pessoas e instituições reconhecidas e eleitas dentro da esfera pública dos mecanismos estatais com o objetivo de garantir a propriedade e as necessidades privadas O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre to dos os cidadãos de uma mesma pátria Era isso o que eles de nominavam liberdade O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios privados e eles chamam liberdade às garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios CONSTANT 1985 p 1516 428 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Dependência do indivíduo em relação à polis A primeira diferença citada oferece margem para com preender a segunda enquanto para a política moderna a ques tão da representatividade política é algo imprescindível para os antigos a política precisa ser o exercício direto do cidadão em relação à polis o que elimina por sua vez os representantes intermediários De fato o cidadão antigo jamais cogitaria a hipótese do isolamento público afastarse do público era o mesmo que trair o próprio sentido da natureza do indivíduo Nas palavras de Ruby era o chamado idiota chamam de idiotés o cidadão so litário que não se envolve nos negócios da Cidade dito também indivíduo isolado insignificante daí deriva idiota incapaz de oferecer alguma coisa aos outros e de deixar traços 1998 p 14 Hannah Arendt na obra A condição humana também faz algumas afirmações a respeito Historicamente é importante notar a diferença entre o despre zo com que nas Cidadesestado gregas eram vistas todas as ocupações nãopolíticas resultantes do fato de que os cidadãos dedicavam quase todo seu tempo e energia à polis e o des prezo anterior mais original e mais antigo pelas atividades que serviam apenas à subsistência ARENDT 2007 p 93 Ou seja na Antiguidade clássica existiu uma radical de pendência do cidadão com relação à polis uma vez que a parti cipação na vida pública era considerada o ápice do agrupamento da vida privada Na política moderna pelo contrário a política da individualidade dos direitos implode as bases fundamentais do ideal de coletividade clássica O que diferencia de modo radical a situação política da mo dernidade relativamente à polis grega é o surgimento da indi vidualidade moderna determinante último da desaparição da 429 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO unidade imediata e transparente dos indivíduos com a vida co munitária TORRES 1989 p 26 Além disso nada mais anacrônico do que tentar comparar a formação democrática do Brasil às premissas da democracia grega o que se percebeu na formação histórica e política do Bra sil não foi uma soberania igualmente distribuída aos cidadãos brasileiros muito menos um esforço de descentralização dessa mesma soberania Para Simon Schwartzman na obra As bases do autorita rismo brasileiro numa tentativa de analisar as ações políticas patrimonialistas e autoritaristas o aspecto básico da formação política brasileira é exatamente a centralização do governo Efetivamente o processo de centralização e crescimento do go verno central se dava em um contexto de conflitos e pressões de todo tipo e grande parte da história política do Brasil gira exatamente em torno do tema centralização vs descentraliza ção SCHWARTZMAN 1988 p 71 A equivalência entre Estado brasileiro e europeu O segundo equívoco de caráter mais técnico é acreditar que a política brasileira pode ser construída apenas com peças retiradas do processo de formação do Estado moderno europeu Segundo Torres 1989 a noção de liberdade e representativida de política está diretamente vinculada ao processo de abstração do Estado que se formalizou definitivamente com o amadureci mento de três características básicas Soberania enquanto a formação da soberania do Es tado moderno se desenvolve do mais particular para o mais abstrato a soberania brasileira tende a se en carnar cada vez mais em elites específicas Ou seja o 430 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO desenvolvimento da ideia de soberania do Estado eu ropeu parte da ideia do Príncipe Maquiavel enquanto representante pessoal do poder até chegar ao Leviatã Hobbes enquanto representante abstrato do poder Na política brasileira a soberania sempre foi individua lizada Na opinião de Carvalho a pessoalidade da sobe rania política brasileira encontrase na elite Os limites de seu poder de decisão eram os limites do poder do governo 1996 p 48 Despersonalização do poder enquanto na formação do Estado europeu a despersonalização do governan te é algo indiscutível Segundo Kantorowicz 1998 a noção dos dois corpos do rei corpo natural e corpo político tornouse um consenso na política moderna europeia Apesar de não ser possível a dissociação uma coisa é o rei enquanto pessoa outra é a Coroa enquanto a lei do reino KANTOROWICZ 1998 A autoridade não está portanto na pessoa do rei mas na Coroa que a ele foi investida Por isso não cabe ao rei ter a posse da Coroa mas administrála Já a formação do Estado brasileiro foi amplamente in fluenciada por processos de personalização com a indi ferenciação entre público e privado sendo uma das marcas mais constantes na história do Brasil uma vez que a posse do que é público parece ser uma necessida de política individual Despatrimonialização do poder enquanto a formação do Estado europeu foi aos poucos assumindo um ca ráter não patrimonialista burocráticoracional a partir das monarquias absolutistas o Estado brasileiro foi in versamente formado sobre a base patrimonial Segundo 431 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Torres 1989 as estruturas estatais despatrimonializa das se consolidaram no Estado europeu principalmente nas áreas da justiça e das finanças públicas No caso da justiça o esforço de superar os julgamentos parciais dos senhores feudais por meio de leis gerais foi um dos progressos do Estado moderno europeu Já no caso das finanças públicas a separação entre a receita pessoal do rei e o cofre do reino oficializou definitiva mente a noção de Estado despatrimonializado 1989 Para o Estado brasileiro a distância entre cofres pes soais e públicos praticamente não existiu em seu pro cesso de formação Na charge da Figura 1 observase uma crítica do cartunista Angeli ao fazer referência ao Leviatã de Hobbes porém compos to não por cidadãos mas por políticos corruptos Fonte Angeli 2007 Figura 1 Corrupção a cara da besta 432 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO As leituras indicadas no Tópico 3 1 tratam da singula ridade do Estado brasileiro que necessita ser compreendido a partir da experiência brasileira e não em comparação a padrões políticos de outros lugares e épocas Neste momen to você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA Após várias delimitações ideológicas podese traçar al gumas características da formação do Estado brasileiro A ideia defendida desde o começo da unidade é justamente a de que a política brasileira possui um status singular inimitável decorren te de uma peculiar formação políticoeconômica cultural e ideo lógica própria da colonização iberoamericana particularmente a de matriz portuguesa Um dos aspectos relevantes para a análise da política bra sileira é a retomada da história da colonização portuguesa ten tando perceber nela quais elementos são fundamentais para a compreensão do processo de formação da política brasileira imperial e republicana De modo geral para os autores que se debruçaram sobre o assunto a colonização portuguesa influen ciou diretamente o tipo de formação política e cidadã da então colônia brasileira Holanda em seu Raízes do Brasil afirma o seguinte No caso brasileiro a verdade por menos sedutora que possa parecer a alguns dos nossos patriotas é que ainda nos associa à península Ibérica a Portugal especialmente uma tradição lon ga e viva bastante viva para nutrir até hoje uma alma comum a despeito de tudo o quanto nos separa Podemos dizer que de 433 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO lá nos veio a forma atual da nossa cultura o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma HOLANDA 2005 p 40 Schwartzman tentando descrever as origens das ações centralizadoras neopatrimonialistas herdadas de Portugal afirma O processo de ocupação espacial do Brasil deve ser visto a par tir do entendimento da própria história portuguesa que parece jamais ter apresentado a estrutura descentralizada característi ca do tipo europeu clássico de organização feudal SCHWARTZ MAN 1988 p 40 Faoro por sua vez buscando responder se de fato existe ou não um pensamento político no Brasil fala abertamente O pensamento político brasileiro na sua origem é o pensamen to político português A colônia a conquista como se dizia nos documentos oficiais prolonga a metrópole interiorizada geograficamente a partir de 1808 culturalmente em cada ato político desde a integração da primeira à última FAORO 1994 p 23 Fernando Uricoechea em seu O minotauro imperial tem uma posição semelhante Historicamente as classes dominantes e as instituições polí ticas brasileiras têm uma textura e uma qualidade tão singu lares quanto a sociedade a que pertenceram Esta sociedade portuguesa ajudou a moldar sua identidade e essência e ao fazêlo deixou sua impressão no comportamento organização e cultura típico delas Assim a gênese delas não é fortuita mas tem uma história longa dilatada secular necessária a história colonial que precedeu o período monárquico do século XIX cujas raízes nativas remontam aos anos de 1520 URICOECHEA 1978 p 23 434 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Enfim a tese de que a colonização portuguesa alterou o ideário político do Brasil prémonárquico é um dado incontestá vel No entanto o que nem todos concordam é se essa influência ajudou ou atrapalhou a formação política brasileira Num extre mo há opiniões que tentam observar aspectos positivos na colo nização portuguesa iberoamericana Richard Morse no outro extremo temos opiniões que julgam que a colonização portu guesa obscureceu os futuros promissores do Brasil Raymundo Faoro e por fim num plano intermediário em diferentes pro porções opiniões que apontam tanto aspectos positivos como negativos nesse processo Vianna Holanda Uricoechea Sch wartzman Carvalho e outros Richard Morse em seu Espelho de Próspero tem como ob jetivo fazer uma análise diferenciada da história e situação da colonização da América confrontando a origem de dois mundos ou de duas formações ideológicas distintas a IberoAmérica de origem espanhola e portuguesa e a AngloAmérica de origem predominantemente inglesa MORSE 1988 Na opinião do autor a colonização iberoamericana não pode ser considerada atrasada subjugada a uma condição de inferioridade e dependência à AngloAmérica A tese de Morse é justamente compreender que a IberoAmérica e a AngloAmé rica tiveram fundações e colonizações diferentes e singulares em vista de determinadas opções e escolhas realizadas em sua préhistória Leituras recentes de A Tempestade de Shakespeare sugerem que Próspero não era um intelectual benevolente e sagaz mas sim o colonizador paranoico de uma ilha encantada a quem o dramaturgo teria profeticamente identificado na aurora e na expansão europeia do ultramar Seguindo essa interpreta ção Próspero se torna no meu ensaio os prósperos Estados Unidos Resguardandome tanto quanto possível do tom re 435 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO criminatório que domina o diálogo nortesul de ambos os la dos pretendo considerar as Américas do Sul não como vítima paciente ou problema mas como uma imagem especular na qual a AngloAmérica poderá reconhecer as suas próprias en fermidades e os seus problemas É sabido que um espelho dá uma imagem invertida Embora as Américas do Norte e do Sul se alimentem de fontes da civilização ocidental que são fa miliares a ambas seus legados específicos correspondem a um anverso e um reverso Assim a metáfora do espelho pareceme apropriada ao caso MORSE 1988 p 13 Dessa forma não haveria motivos para se falar em inferio ridade ou atraso Pelo contrário no processo evolutivo da histó ria das duas colonizações Morse afirma que na préhistória do Novo Mundo a colonização iberoamericana estava num estágio mais avançado do que o da angloamericana a préhistória europeia completamente achatada tornase o pano de fundo para o importante século da colonização do Novo Mundo que revelou que a Espanha e Portugal estavam no outono e a Inglaterra na primavera do poder mundial MORSE 1988 p 21 Já para Faoro 1994 2001 a colonização portuguesa foi responsável por transferir para a colônia as consequências de suas opções políticas e econômicas que desembocaram num es trutural atraso para ambas as nações Na obra Existe um pensa mento político brasileiro Faoro inicia sua reflexão tendo como ponto de partida a Revolução da Dinastia de Avis 1385 que entre tantos elementos importantes trouxe em seu bojo as raí zes da revolução burguesa fundada na política marítima o ger me da descoberta do globo e da expansão do mercado FAORO 1994 p 19 No entanto Faoro observa a frustração de um projeto bur guês e renascentista pósRevolução de Avis perante o tradicio 436 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO nalismo político que acabou predominando no reino e que em vez de incentivar uma revolução burguesa optou em financiar novas descobertas marítimas A partir de então Faoro passa a descrever as escolhas políticas do pensamento português que em seu processo de formação tinha dois caminhos à sua frente um deles prescindiria da cultura marítima e o levaria ao pensa mento moderno europeu de vertente industrial e burguesa o outro o caminho do tradicionalismo político que prescindiria da cultura renascentista europeia e da burguesia local e o levaria ao reino cadaveroso O problema é que Portugal optou pelo segundo caminho sepultando de uma vez por todas o seu futuro e o futuro do Brasil FAORO 1994 p 2425 Com isso segundo Faoro o Reino de Portugal passou a se isolar cada vez mais do restante da Europa em virtude de suas escolhas políticas Pelo fato de não ter constituído uma econo mia interna consistente de iniciativa privada que na verdade foi constantemente barrada pelos interesses públicos da Coroa Portugal começou a ter dificuldades financeiras a partir do momento em que o negócio com as Índias entrou em crise Para agravar mais ainda a situação e decretar a definitiva vitória do reino cadaveroso o tradicionalismo político ganhou cada vez mais força barrando assim qualquer esforço humanista no reino FAORO p 1994 p 28 Na obra Os donos do poder Faoro continua com seu tom pessimista afirmando que após um curto momento de euforia promovida pela Revolução de Avis aos poucos o progresso eco nômico foi se incrustando no reino Ao ferir a iniciativa privada e redimensionar uma burocracia estamental e não racionallegal a Coroa acabou barrando o crescimento e a revolução industrial burguesa no reino formando um capitalismo nacional e patri monialista que se voltou à subsistência da corte e não à circu 437 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO lação do capital fadado assim a agonizar ao longo dos próximos séculos Para o autor nem o açúcar do Brasil nem o ouro de Mi nas Gerais ou os escravos africanos poderiam salvar um sistema econômico que já estava comprometido e fadado a fracassar em suas bases Confira um trecho significativo Esta realidade impedindo a calculabilidade e a racionalidade tem efeito estabilizador sobre a economia Dela com seu ar bítrio e seu desperdício de consumo não flui o capitalismo in dustrial nem com este se compatibiliza O capitalismo possível será o politicamente orientado a empresa do príncipe para alegria da corte e do estadomaior de domínio que a aprisiona A indústria a agricultura a produção a colonização será obra do soberano por ele orientada evocada estimulada do alto em benefício nominal da nação Todo o influxo externo de produção de bens ou de aquisição de técnicas sofre o efeito triturador e nacionalizador do estamento que retarda a mo dernização do país A árvore submetida ao oxigênio viciado de estufa não perece produz sempre os mesmos frutos cada vez mais pecos sem polpa amarelos Enquanto o mundo corre o seu destino a Península Ibérica mesmo túrgida com as colô nias americanas para as quais transferirá sua herança política e administrativa esfria e se congela A nobreza funcionária pobre de horizontes mais amplos teimosamente empenhada em viver o seu estilo de vida amortalhase nas roupas de con quista mumificase com a própria carne O mercantilismo que arrastara o Estado a mercadejar devoravase a si próprio comendo a cauda impedindo o setor particular de florescer ele submete a fidalguia a uma perigosa dieta entre a fome e a morte A crise atingindo a nobreza fere todo o reino sobre o qual ela incrusta suas unhas envenenadas Nem o açúcar do Brasil nem o escravo africano nem o ouro de Minas Gerais nada salvará este mundo condenado à mansa agonia de mui tos séculos FAORO 2001 p 9697 Com isso fica claro para Faoro 2001 que na história do Brasil houve a formação de uma herança estamental que aca 438 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO bou concentrando o poder nas mãos de uma minoria Tratase portanto de uma herança encrustada que se projetou numa ca mada institucional atrasada e numa elite aristocrática sem auto nomia Logo as nações e colônias que estiveram presas a esse estamento congelado português foram impedidas de uma mo dernização adequada E isso pelos seguintes motivos porque o Estado brasileiro historicamente passou por um tipo de modernização imposta do alto e pelos in teresses da minoria que não têm noção do atraso que estão atraindo para si FAORO 2001 porque o Estado brasileiro sempre optou por uma mo dernização alternativa e aquém daquela que redimen sionou as sociedades europeias nos séculos 18 e 19 FAORO 2001 porque o Estado brasileiro passou por uma moderni zação sem burguesia ou seja pelo viés da adaptação de um Iluminismo pombalino ausente de luzes liberais para assim promover um projeto de progresso amorfo e sepultado nos ideais estéreis de um patrimonialismo absolutista FAORO 2001 439 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Figura 2 Os donos do poder Vianna 1987 Uricoechea 1978 e Schwartzman 1988 também demonstram reflexões interessantes sobre esse aspec to que em geral e guardadas as devidas proporções acabam afirmando a existência de uma espécie de hibridismo como re sultado da síntese de elementos racionais e tradicionais decor rentes da colonização portuguesa e do processo de formação da política brasileira Segundo Vianna 1987 a colonização portuguesa legou para o Brasil uma combinação de patriarcalismo não tão iden tificado nos aspectos urbanos da metrópole e sim de cunho ru ralista porém despótico que transformou a estável e potencial 440 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO hierarquia feudal numa forma de feudalismo malacabado re mendado cujas consequências mais marcantes foram a crença na onipotência do Estado a ausência de uma consciência nacio nal a criação de clãs e a cultura da patronagem e do clientelismo Eis aí a particularidade nossa a particularidade da nossa orga nização social todas essas classes rurais que vemos no ponto de vista dos interesses econômicos separadas desarticuladas pulverizadas integramse na mais íntima independência para os efeitos políticos O que nem o meio físico nem o meio eco nômico podem criar de uma forma estável à semelhança do que acontece no Ocidente criao a patronagem política a soli dariedade entre as classes inferiores e a nobreza rural VIANNA 1987 p 144 Fernando Uricoechea na obra O minotauro imperial tam bém afirma uma ideia semelhante ao defender a tese do hibri dismo político do Estado brasileiro a grande peculiaridade da formação política do Brasil na realidade é ter conseguido fun dir no seu processo de formação tanto elementos modernos e ao mesmo tempo formas de governo tradicionais por meio de cooptações administrativas com o poder local URICOECHEA 1978 Noutras palavras a política brasileira adaptou o legado bu rocrático português a elementos próprios da administração lo cal constituindo assim uma formação híbrida própria tal qual a figura mítica do Minotauro metade homem metade quadrú pede Com isso tendo como base teórica Max Weber Uricoe chea afirma que esse processo conteria o surgimento de uma burocracia patrimonial Ao final da era colonial o estado brasileiro num modo tipica mente patrimonial exibia uma combinação de por um lado uma autoridade altamente centralizada em cujo topo estava o monarca português e as camadas mais elevadas burocratiza 441 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO das da administração real e de outro lado um poder altamen te descentralizado monopolizado pelos senhores da terra na sua capacidade de autoridades delegatórias de funções patri moniais URICOECHEA 1978 p 49 Para Uricoechea essa ideia de burocracia patrimonial con segue representar a formação política brasileira de forma mais adequada do que os conceitos de estamento burocrático de Raymundo Faoro e de clã de Oliveira Vianna O próprio We ber no texto A psicologia social das religiões sociais admite que em determinados contextos há sim a possibilidade de um hibridismo racionaltradicional Seremos forçados repetidamente a criar expressões como bu rocracia patrimonial para deixar bem claro que os traços carac terísticos do respectivo fenômeno pertencem em parte à forma racional de domínio ao passo que outros traços pertencem à forma tradicionalista de domínio neste caso à dos estamentos WEBER 1982b p 344 Já as considerações de Schwartzman em seu livro As bases do autoritarismo brasileiro têm como ponto de partida a tese levantada por Raymundo Faoro procurando entender a forma ção histórica do Brasil a partir de uma polarização estrutural e política na qual há de um lado a existência do Estado patrimo nial e de sua burocracia estatal asfixiante e de outro a socie dade civil coagida dominada e intimidada pela máquina estatal centralizadora É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil fraca e pouco articulada Não se trata de afirmar que no Brasil o Estado é tudo e a sociedade nada O que se trata é de entender os padrões de relacionamento entre 442 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Estado e sociedade que no Brasil tem se caracterizado através dos séculos por uma burocracia estatal pesada todopodero sa mas ineficiente e pouco ágil e uma sociedade acovardada submetida mas por isto mesmo fugidia e frequentemente re belde SCHWARTZMAN 1988 p 14 Segundo o autor esse padrão de predomínio do Estado fez com que se estabelecessem historicamente duas características predominantes com base na ideia de estamentos burocráticos de Fao ro o Estado ganha um status de sistema burocrático e administrativo chamado de neopatrimonialista SCH WARTZMAN 1988 p 14 a partir do momento em que se moderniza essa estru tura burocrática estamental surge então uma segunda característica o despotismo burocrático SCHWARTZ MAN 1988 p 14 O grande objetivo de Schwartzman é tentar justamente fa zer uma reflexão sobre a ideia de Estado neopatrimonial da atua lidade levando em consideração todo seu aparato burocrático e poder centralizador O objetivo é discutir essas questões em nível conceitual para aplainar o caminho à análise posterior Nele chegaremos à conclusão de que a análise política contemporânea deve recu perar o conceito de patrimonialismo que embora utilizado por Max Weber sobretudo para se referir a sociedades tradicionais de determinado tipo parecenos de grande atualidade e impor tância A expressão neopatrimonialismo talvez seja adequa da para aplicarse ao sentido atual do conceito como veremos mais adiante SCHWARTZMAN 1988 p 53 Schwartzman apresenta o conceito de patrimonialismo partindo da concepção weberiana O termo patrimonialismo 443 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO um conceito fundamental na sociologia de Max Weber é usado para se referir a formas de dominação política em que não exis tem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e pri vada 1988 p 57 Dessa maneira para o autor o conceito de Estado Patrimonial definese como aquele que procura dominar todos os setores civis da sociedade como se fossem extensões estatais centralizando assim suas ações e impedindo com isso o aparecimento de forças autônomas No entanto adverte Schwartzman apesar de semelhan tes não se pode confundir patrimonialismo com feudalismo Nesse sentido duas diferenças se apresentam primeiro a maior concentração do poder discricionário que se faz presente nos sis temas patrimoniais e segundo o vínculo de dependência que se cria com a dominação patriarcal e patrimonial dependência radical essa que não se observa entre rei e senhores feudais É precisamente neste sentido que os estados modernos que se formaram à margem da revolução burguesa podem ser considerados patrimoniais Este patrimonialismo moderno ou neopatrimonialismo não é simplesmente uma forma de sobre vivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâ neas mas uma forma bastante atual de dominação política por um estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio ou seja pela burocracia e a chamada classe política SCHWARTZMAN 1988 p 59 Portanto ao falar de patrimonialismo moderno o autor substitui o seu caráter tradicional e medievo por uma caracteri zação burocráticolegalracional própria de uma sociedade que aderiu apenas em partes ao processo de formação dos Estados modernos Ou seja em tais sociedades como a brasileira a re lação de poder ainda continua sendo absoluta e patrimonialista porém agora sintetizada nos padrões burocráticos das socieda 444 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO des europeias Mais uma vez observase um hibridismo decor rente da colonização portuguesa Parece razoavelmente claro que o patrimonialismo do tipo europeu ocidental no período dos regimes absolutistas era bastante diferente das outras versões A principal diferença consiste no fato de que o patrimonialismo europeu ocidental se apoiava no surgimento da burguesia no final do processo o sistema de dominação legal herdeiro dos regimes absolutis tas era fortemente contratual e bem apropriado ao capitalismo moderno Esses Estados brasileiros são é certo capazes de se modernizar e racionalizar sua burocracia mas sua base de poder e seus sistemas políticos serão necessariamente bem diferentes dos das democracias ocidentais SCHWARTZMAN 1988 p 6465 Com isso fica evidente a impossibilidade de compreensão do Estado brasileiro a partir de matrizes europeias e modernas tipicamente de vertente inglesa ou francesa A revolução política pela qual passou o Brasil apesar das características burocráticas presentes em sua formação patrimonialista não consegue tra duzir nem uma formação estatal feudalista nem uma formação estatal abstrata racionallegal Como no entanto o Estado de hoje não é a mesma coisa do que o Estado do século XVIII da mesma forma que o Estado brasileiro é profundamente distinto do Estado francês ou so viético tornase necessário deixar de lado essa tradição do pensamento liberal e partir para uma perspectiva que tome em conta essas variações SCHWARTZMAN 1988 p 59 O que há no ideário político brasileiro é uma formação amalgamada de características maquiavélicas inerentes a um Leviatã soberano sem pacto personalizado até as últimas conse quências e bem focado nos interesses burocráticos que melhor representam os interesses de uma pequena elite privilegiada da 23 ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO FORMAÇÃO DE UMA ELITE RESTRITA DE UMA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E DE UMA COOPTAÇÃO POLÍTICA O objetivo aqui não é comparar matrizes políticas europeias e brasileiras pois como diz Morse 1988 o que se deve promover é a singularidade das escolhas políticas iberoamericana e angloamericana e não a sua hierarquização ou confronto Dessa maneira com o intuito de melhor compreender a singularidade política brasileira algumas correlações serão realizadas Foram apresentadas anteriormente quatro características do processo de formação do Estado moderno europeu a soberania a burocracia racionallegal a despersonalização e a despatrimonialização Levando em consideração esses elementos é possível encontrar alguns aspectos esclarecedores do contexto político brasileiro Com relação ao primeiro aspecto não há dúvida alguma de que o Estado brasileiro é soberano E qual seria então a diferença O contraste ideológico como o modelo de soberania veiculado na Europa reside justamente no caráter pessoal e passional das lideranças que assumem os cargos soberanos A ideia de sobera 446 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO nia como algo público despersonalizado em caráter de investi dura que faz dos governantes apenas representantes e adminis tradores do poder e não os seus donos durante muito tempo foi mal compreendido na política brasileira O poder a soberania nominalmente popular tem donos que não emanam da nação da sociedade da plebe ignara e pobre FAORO 2001 p 379 Podese dizer que a soberania política brasileira está muito mais próxima da autoridade do Príncipe de Maquiavel que reduz ao governante a autoridade que deveria ser impessoal do que da soberania do Leviatã que abstrai a personificação natural particular e pessoal e a torna artificial universal e impessoal Segundo Carvalho 1996 a soberania representativa do Brasil em especial no período imperial ficou reduzida a um clu be de elite que durante muito tempo manteve o poder em suas mãos Para o autor a circulação por cargos era uma forma de manter o poder do clube nas mãos das mesmas pessoas e com isso não correr o risco de fragmentar os ideais políticos do Esta do imperial Para se ter uma ideia da seletividade do clube e da mobilidade interna basta dizer que durante os 67 anos que durou o Impé rio elegeramse 235 senadores e foram nomeados 219 minis tros e 72 conselheiros de Estado contando apenas o segundo Conselho num total de 526 posições que foram preenchidas por apenas 342 pessoas CARVALHO 1996 p 112 Segundo Carvalho o itinerário daquele que aspirava à car reira política imperial tinha como ponto de partida o diploma em cursos superiores de preferência Direito Assim com a titulação adequada o apoio da família e a indicação de um patrono de destaque no cenário nacional ou provincial aos poucos o indiví duo ia progredindo no cenário político imperial 447 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO O fato é que a carreira política da elite imperial não era fácil mas uma vez dentro do clube era também muito difícil sair dele CARVALHO 1996 Com isso o que o autor percebeu foi um projeto de formação de uma elite restrita cuja soberania pudesse estar nas mãos de poucos e se possível dos mesmos em consonância com a velha tática centralizadora da coloniza ção portuguesa privilegiar o centro e abafar a autonomia das periferias Os dados apresentados sobre educação ocupação e carreira política permitemnos concluir que existiu no Brasil um gru po especial de políticos distinto do que se formou nos outros países da América Latina A especificidade desse grupo muito provavelmente não era devida à origem social Ela se prendia à socialização e treinamento deliberadamente introduzidos para garantir determinada concepção de Estado e capacidade de governo Tanto liberais como conservadores nos períodos turbulentos de consolidação do poder quando várias alternati vas se colocavam como viáveis politicamente concordavam em alguns pontos básicos referentes à manutenção da unidade do país à condenação de governos militares de estilo caudilhesco e absolutista à defesa do sistema representativo à manuten ção da monarquia e sem dúvida também à necessidade de preservar a escravidão CARVALHO 1996 p 124 No tocante a burocracia despersonalização e despatri monialização do poder não poderia haver elemento mais im pactante para entender essas questões do que lançar mão dos processos estratégicos do Estado patrimonial a cooptação o clientelismo o coronelismo e o mandonismo Tratase de proces sos de vertente amplamente patrimonial que como o próprio nome já diz ao contrário do processo de despatrimonialização e despersonalização tende a confundir ou a não separar rigoro samente as esferas de atividades públicas e privadas Com isso a ideia da formação de um Estado abstrato fica comprometida 448 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pois boa parte dos esforços burocráticos da administração esta tal passava pelo viés dos interesses pessoais Schwartzman para falar da cooptação e do clientelismo faz alguns comentários sobre as contradições estruturais e bu rocráticas do Estado patrimonial moderno a estrutura patrimo nial moderna pelo fato de ser também amplamente burocrática tende a crescer no entanto ao crescer e se tornar mais comple xa tende a se subdividir tornandose assim uma ameaça cons tante para o poder central e seu caráter autoritarista À medida que cresce o domínio patrimonial também cresce a necessidade de se delegar poderes e autoridade ao mesmo tempo que se reduz a factibilidade do controle central Além disso os mantenedores da delegação patrimonial tendem a re ceber seus postos como prebendas políticas e a usálos como propriedade particular SCHWARTZMAN 1988 p 6364 Logo como já apresentado a forma de o Estado neopatri monial evitar essa subdivisão e uma eventual descentralização de sua autoridade é a cooptação política um recurso estratégico que por meio de favores prestações de serviços empregos etc visa anular possíveis forças autônomas ou até impedir que elas se afirmem perante o poder central No caso brasileiro a coexistência de um Estado com fortes ca racterísticas neopatrimoniais levou no passado à tentativa de organização da sociedade em termos corporativos tradicionais criando uma estrutura legal de enquadramento e represen tação de classes que perdura até hoje Ao mesmo tempo no entanto o mercado se expandia a sociedade se tornava mais complexa e formas autônomas de organização e participação política eram criadas O termo cooptação política utilizado neste livro busca captar o tipo de relacionamento entre estes dois sistemas de participação ou seja o processo pelo qual o Estado tratava e ainda trata de submeter à sua tutela formas autônomas de participação SCHWARTZMAN 1988 p 67 449 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Como exemplos históricos de cooptação Schwartzman cita os casos do Ministério do Trabalho do Sistema Previdenciário e do PTB uma parte importante do sistema de cooptação criado a partir do regime Vargas foi o Ministério do Trabalho e o siste ma previdenciário mais tarde transformados em capital político do Partido Trabalhista Brasileiro SCHWARTZMAN 1988 p 67 Com isso fica evidente para o autor a existência de um Estado forte e soberano centralizador patrimonialista cerceador das autonomias populares cuja estratégia é acordo cooptativo entre a burocracia administrativa e as lideranças locais A existência de Estado forte centralizado e de tipo patrimonial impediu a emergência de grupos políticos autônomos não permitiu o estabelecimento de mecanismos de disputa política através de negociações diretas e estimulou a criação de rela ções de dependência entre o Estado central e os diversos gru pos sociais cada qual buscando seus privilégios especiais em um contexto de dependência e subordinação SCHWARTZMAN 1988 p 6768 Carvalho segue um itinerário semelhante a Schwartzman ao tentar apresentar a cooptação política como forma de ma nutenção da burocracia e centralização do poder Apesar de patrimonial o Estado brasileiro imperial possuía uma estrutura burocrática muito complexa Aliás para Carvalho a burocracia era a forma mais legítima da vocação das elites imperiais a elite política imperial tinha um relacionamento tão estreito com a bu rocracia estatal que Joaquim Nabuco desenvolve o argumento de que a escravidão ao fechar alternativas econômicas para grande parte da popu lação livre fazia com que o funcionalismo público se tornasse a vocação de todos CARVALHO 1996 p 129 Isso quer dizer que só tinha perspectiva de futuro aquele que adentrasse na burocracia estatal 450 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Na observação de Carvalho o corpo burocrático da elite imperial poderia ser compreendido de dois modos verticalmen te por estratificação de funções e horizontalmente por estra tificação salarial hierárquica e social Tanto no caso da estra tificação vertical como na horizontal Carvalho apresenta uma divisão por setores o civil o eclesiástico e o militar Cada setor possui uma estratificação própria que depende do grau de pro fissionalização e do grau da natureza política das atribuições do indivíduo Para melhor compreender essa estratificação interna de cada setor Carvalho organiza níveis hierárquicos distintos para o corpo burocrático burocracia política burocracia diretorial bu rocracia auxiliar e burocracia proletária As conclusões do autor são as seguintes alguns setores como o militar o judiciário parte do civil e eclesiástico conseguiram maior unidade insti tucional fornecendo portanto mais membros à elite política quanto mais se desce nos níveis da burocracia menor é o salário quanto mais se sobe nos níveis da burocracia menor é a quantidade de pessoas nos cargos ou seja poucos ga nham muito e muitos ganham pouco CARVALHO 1996 p 130133 No entanto para Carvalho a divisão burocrática também poderia acontecer ocorrer em níveis geográficos central pro vincial e local Para melhor compreender como acontecia esse processo o autor analisa as burocracias que giravam em torno de três funções básicas do Estado controle realizado pelos apa relhos judicial policial e militar extração de recursos realizada 451 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pelo Ministério da Fazenda e distribuição dos recursos realiza da Ministério do Império e da Agricultura e Obras Públicas O autor chamou o primeiro tipo de ação de burocracia coercitiva o segundo de burocracia extrativa e o terceiro de burocracia distri butiva CARVALHO 1996 p 134136 Analisando esse processo burocrático Carvalho percebeu uma espécie de acúmulo excessivo no nível nacional da burocra cia distributiva porém praticamente nenhum cargo representa tivo no nível local Com a ausência de um poder executivo mu nicipal independente do legislativo a ação distributiva ficava na dependência da iniciativa dos líderes locais Isso mostra o quanto o sistema político brasileiro ao contrário do governo americano depende da centralização do funcionalismo público As afirmações de Uruguai têm validade plena no que se refe re às tarefas distributivas ligadas ao desenvolvimento social à promoção da educação e da saúde e do desenvolvimento eco nômico como a construção de obras públicas a assistência téc nica e creditícia etc Para tais tarefas a ação do governo cen tral parava nas capitais das províncias com as únicas exceções dos serviços de correios e das incipientes estradas de ferro Os únicos agentes do governo central no nível local eram os pá rocos que no entanto se limitavam às tarefas de registro de nascimentos casamentos e óbitos A ação dos párocos era mais importante na área políticaeleitoral do que na administrativa Os próprios municípios aliás não possuíam um Executivo inde pendente do Legislativo Daí ficar a ação distributiva na depen dência da iniciativa dos poderosos locais CARVALHO 1996 p 138 Carvalho fala então dos compromissos e cooptações que o Estado brasileiro se via forçado a fazer com os poderosos locais para manter essa estrutura burocrática complexa do nacional ao local Para tanto faz referência a Weber mais especificamente aos tipos de administração que o autor chamou de litúrgicos 452 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO na ausência de suficiente capacidade controladora própria os governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos em geral proprietários rurais em troca da confirmação ou con cessão de privilégios CARVALHO 1996 p 142 Em consonân cia com Uricoechea 1978 Carvalho 1996 cita o exemplo da Guarda Nacional e a nomeação de inspetores e delegados de po lícia em troca de apoio político Uma argumentação clássica com relação à cooptação e ao clientelismo é realizada por Victor Nunes Leal ao apresentar os conceitos de coronelismo e mandonismo Segundo Leal 1975 o termo coronelismo vem da ex tinta Guarda Nacional do Império que lutou nas Guerras do Pa raguai 1851 e Uruguai 1870 e com a Proclamação da Repú blica foi abolida durante a República Velha A Guarda Nacional era comum em toda cidade e o posto de coronel era dedicado ao chefe político do município que poderia ser algum rico fazen deiro ou comerciante Com o tempo mesmo após a extinção da Guarda Imperial 1922 o termo coronel ainda continuou sen do usado para designar aquele indivíduo poderoso que coordena e manda na política da cidade Em sua obra Coronelismo enxada e voto Leal tenta com preender e expor a relação existente entre o regime político representativo e as lideranças locais cooptadas por privilégios políticos em troca de eleitores locais Para Leal o coronelismo é basicamente a troca de favores entre poder público e chefes locais cuja referência primeira é prestar serviços para a política local dos coronéis em troca de seus eleitores cativos Por isso mesmo o coronelismo é sobretudo um compromis so uma troca de proveitos entre o poder público progressiva mente fortalecido e a decadente influência social dos chefes locais notadamente dos senhores da terra Não é possível 453 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pois compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutu ra agrária que fornece base de sustentação das manifestações do poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil LEAL 1975 p 20 O aspecto fundamental que predomina na figura do co ronel é o da liderança Entra aqui um aspecto até então não falado o eleitorado de cabresto Nesse contexto o coronel é aquele que garante a votação e a eleição dos seus candidatos protegidos voto de cabresto os quais por sua vez têm a função de apoiar os interesses do coronel no poder central recebendo assim dos seus candidatos eleitos cargos novas cooptações verbas melhorias locais como estradas escolas obras públicas etc Quanto maior é o lote de votos de cabresto isto é quanto maior é o grupo de eleitores que o coronel domina maior é o seu prestígio político no poder central Qualquer que seja entretanto o chefe municipal o elemento primário desse tipo de liderança é o coronel que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto A força eleitoral emprestalhe prestígio político natural coroa mento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras LEAL 1975 p 23 O coronel é muito mais do que um simples representante político ele é a figura paternalista e patrimonialista da liderança local por meio de serviços assistenciais remédios alimentação trabalho etc ele faz a mediação com o poder público central que se encontra ausente atuando assim como autoridade e conselheiro local Portanto não obedecer às ordens do coronel é perder a segurança de todos os benefícios que ele traz para a cidade Exerce por exemplo uma ampla jurisdição sobre seus dependentes compondo rixas e desavenças e proferindo às ve 454 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO zes verdadeiros arbitramentos que os interessados respeitam LEAL 1975 p 23 A figura do coronel é de extrema importância para a popu lação pobre e ignorante dos seus direitos políticos o sertanejo tem medo de cogitar a hipótese da falta do coronel afinal tudo depende dele Para quem nada tem receber inúmeros benefí cios públicos faz dele um herói A escola a estrada o correio o telégrafo a ferrovia a igreja o posto de saúde o hospital o clube o campo de football a linha de tiro a luz elétrica e rede de esgotos a água encanada tudo exige o seu esforço às vezes um penoso esforço que che ga ao heroísmo É com essas realizações de utilidade pública algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio político enquanto outras podem requerer contribuições pes soais suas e dos seus amigos é com elas que em grande parte o chefe municipal constrói ou conserva sua liderança política LEAL 1975 p 37 Outro elemento de grande destaque no coronelismo são os favores pessoais de toda ordem que refletem justamente a incapacidade administrativa do município pois grande parte desses favores se concretizava em indicações de cargos públicos Dessa forma o apoio político do coronel é um fato crucial tanto para ganhar uma eleição como para perseguir os adversários e inimigos da oposição relações essas que raramente eram cor diais e amigáveis a outra face do filhotismo é o mandonismo que se manifesta na perseguição aos adversários para os ami gos pão para os inimigos pau LEAL 1975 p 39 O compromisso da palavra com o coronel é regra geral a regra é ser honrado o compromisso que no município se firma de homem para homem e a quebra de sua palavra repugna tan 455 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO to ao chefe local quanto o exaspera a traição de companheiros LEAL 1975 p 41 O fato é que a ausência do poder público no município au menta cada vez mais o poder do coronel haja vista que é ele quem faz o papel de mediador com os poderes públicos Além disso a ausência de grupos políticos que representem os interes ses dos trabalhadores deixa para o coronel a responsabilidade de coletar os votos a rarefação do poder público em nosso país contribui muito para preservar a ascendência dos coronéis já que por esse motivo estão em condições de exercer extraoficialmente grande número de funções do Estado em relação aos seus de pendentes LEAL 1975 p 42 Há uma espécie de reciprocidade entre coronel e poder público um elemento precisa do outro o coronel oferece votos aos candidatos eleitos e os políticos eleitos oferecem empregos obras benefícios públicos ao coronel Se o coronel não tem vo tos para oferecer o governo não retribui os favores se o gover no não retribui os favores o coronel não tem como manter seu prestígio e consequentemente a sua quantidade de votos É claro portanto que os dois aspectos o prestígio próprio dos coronéis e o prestígio de empréstimos que o poder público lhe outorga são mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tempo como determinantes e determinados Sem a li derança do coronel formada na estrutura agrária do país o governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reci procidade e sem essa reciprocidade a liderança do coronel ficaria sensivelmente diminuída LEAL 1975 p 43 O objetivo do coronel é fazer com que a quantidade dos seus votos seja alta o bastante para o Governo ter em sua lista de prioridades tanto a concretização de favores pessoais nomea ção de cargos estaduais e federais como de favores públicos 456 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO obras para o município LEAL 1975 p 4445 Entre os cargos mais importantes para o coronel está o de delegado e de sub delegado pois ter a polícia sob sua tutela é sempre um ótimo negócio LEAL 1975 p 47 É nesse sentido que tendo inclusive a polícia e outros cargos administrativos sob sua tutela há uma falta de autonomia do município o que fortalece a autonomia do coronel em termos extralegais Ao lado da falta de autonomia legal os chefes muni cipais governistas sempre gozaram de uma ampla autonomia extralegal É justamente nessa autonomia extralegal que consiste a cartabranca que o governo estadual outorga aos cor religionários locais em cumprimento da sua prestação no com promisso típico do coronelismo LEAL 1975 p 51 A consequência mais lógica é portanto o cego apoio ou o simples fechamento de olhos por parte das autoridades es taduais com relação às ações do coronel Para Leal o coronelis mo é fruto de uma decadência evidente pois não passa de uma mesquinha forma de sobrevivência tanto da pobreza das famílias que dele dependem como também do constante sacrifício da autonomia municipal que padece em seus representantes le gais Em síntese segundo o autor a melhor prova da decadência do coronelismo consiste neste fato é do sacrifício da autono mia municipal que ele tem se alimentado para sobreviver LEAL 1975 p 56 457 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Fonte Laerte apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 300 Figura 3 Consciência coletiva do voto Enfim percebese perante os aspectos apresentados uma forte marca burocrática sem dúvida alguma de vertente racio nal weberiana porém também uma evidente força patrimonia lista elemento inerente ao âmbito da autoridade tradicional Retomando os discursos de Schwartzman Vianna e Uricoechea podese perceber de fato uma tendência híbrida de elementos modernos e tradicionais 458 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO As leituras indicadas no Tópico 3 3 tratam das temáticas da elite restrita da burocracia centralizadora e da cooptação política no processo de formação do Estado brasileiro Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 7 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS Para relembrar as questões relacionadas à formação sin gular do Estado brasileiro e aos equívocos ao comparálo com padrões políticos de outros tempos e lugares democracia grega antiga e Estado europeu leia os seguintes artigos CABRAL NETO A Democracia velhas e novas controvér sias Estudos de Psicologia v 2 n 2 p 287312 1997 459 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Disponível em httpwwwscielobrpdfepsicv2n2 a05v02n2pdf Acesso em 28 nov 2019 CONSTANT B Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Disponível em httpwwwfafich ufmgbrluarnautConstantliberdadepdf Acesso em 28 nov 2019 VILANI C Democracia antiga e democracia moder na Cadernos de História Belo Horizonte v 4 n 5 p 3741 dez 1999 Disponível em httpperiodi cospucminasbrindexphpcadernoshistoriaarticle view16971821 Acesso em 28 nov 2019 32 ESTADO PATRIMONIALISTA Para conhecer mais sobre as características do Estado pa trimonialista brasileiro acesse os artigos referenciados a seguir CAMPANTE R G O patrimonialismo em Faoro e We ber e a Sociologia brasileira Dados Revista de Ciên cias Sociais Rio de Janeiro v 46 n 1 p 153193 2003 Disponível em httpwwwufjfbrvirgiliooliveira files201410Texto04Campante2003pdf Acesso em 28 nov 2019 COUTO E P As raízes do patrimonialismo de Estado no Brasil Revista Habitus Revista da Graduação em Ciên cias Sociais do IFCSUFRJ Rio de Janeiro v 14 n 1 p 100112 nov 2016 Disponível em httpsrevistas ufrjbrindexphphabitusarticleview114798429 Acesso em 28 nov 2019 PORTELA JUNIOR A Florestan Fernandes e o conceito de patrimonialismo na compreensão do Brasil Plural Revista do Programa de PósGradução em Sociologia da USP São Paulo v 19 n 2 p 927 2012 Disponível em wwwre vistasuspbrpluralarticledownload7443378054 Acesso em 28 nov 2019 SILVEIRA D B Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro uma reinterpretação do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda Raymundo Faoro e Oliveira Vianna Disponível em httpwwwpublicadireitocombrconpediman ausarquivosanaisXIVCongresso081pdf Acesso em 28 nov 2019 TAVARES P V FONSECA P C D Estamento burocrático e intencionalidade Raymundo Faoro Florestan Fernandes Revista de Economia Política e História Econômica n 16 p 5674 jan 2009 Disponível em httpprofessorufrgsbrpedrofonsecafilesestamentoburocraticopdf Acesso em 28 nov 2019 33 ELITE RESTRITA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOPTAÇÃO POLÍTICA Por fim para compreender e aprofundar temáticas como elite restrita burocracia centralizadora e coopt ação política no processo de formação do Estado brasileiro sugerimos as leituras dos seguintes artigos ARRUDA L G L Apontamentos sobre mandonismo coronelismo e clientelismo continuando o debate conceitual In SÍMPO SIO NACIONAL DE HISTÓRIA CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIALÓGO SOCIAL 27 jul 2013 Natal Anais 2013 Disponível em httpsnh2013 461 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO anpuhorgresourcesanais271390337697ARQUI VOApontamentospdf Acesso em 28 nov 2019 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo cliente lismo uma discussão conceitual Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Dispo nível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS001152581997000200003lngennrm isotlngpt Acesso em 28 nov 2019 MARTINS P E M MOURA L S IMASATO T Corone lismo um referente anacrônico no espaço organizacio nal brasileiro contemporâneo Revista OS Salvador v 18 n 58 p 389402 julset 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfosocv18n58a03v18n58 pdf Acesso em 28 nov 2019 OLIVEIRA J F Origens desenvolvimento e aspectos do coronelismo Revista Sem Aspas Araraquara v 6 n 1 p 7484 janjun 2017 Disponível em httpsdial netuniriojaesdescargaarticulo6263040pdf Aces so em 28 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Observe com atenção o texto abaixo Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa independen tes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica 462 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO entre os indivíduos tenham sido quase sempre os mais decisivos As agre gações e relações pessoais embora por vezes precárias e de outro lado as lutas entre facções entre famílias entre regionalismos faziam dela um todo incoerente e amorfo O peculiar da vida brasileira parece ter sido por essa época uma acentuação singularmente enérgica do afetivo do irracional do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia corres pondente das qualidades ordenadoras disciplinadoras racionalizadoras HOLANDA 2005 p 61 Um traço formador da vida pública brasileira expressase segundo a aná lise do historiador pela a rigidez das normas jurídicas b prevalência dos interesses privados c solidez da organização institucional d legitimidade das ações burocráticas e estabilidade das estruturas políticas 2 Leia o trecho a seguir Completamente analfabeto ou quase sem assistência médica não lendo jornais nem revistas nas quais se limita a ver as figuras o trabalhador rural a não ser em casos esporádicos tem o patrão na conta de benfeitor No plano político ele luta com o coronel e pelo coronel Aí estão os votos de cabresto que resultam em grande parte da nossa organização econômica rural LEAL 1975 O coronelismo fenômeno político da Primeira República 18891930 ti nha como uma de suas principais características o controle do voto o que limitava portanto o exercício da cidadania Nesse período essa prática estava vinculada a uma estrutura social a igualitária com um nível satisfatório de distribuição da renda b estagnada com uma relativa harmonia entre as classes c tradicional com a manutenção da escravidão nos engenhos como for ma produtiva típica d ditatorial perturbada por um constante clima de opressão mantido pelo exército e polícia e agrária marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional 463 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 b 2 e 5 CONSIDERAÇÕES A grande pergunta que se pode fazer é a seguinte o que se pode esperar de uma formação política com tais qualidades e características A impressão que se tem é a de que o Estado brasileiro é fruto de um determinismo cuja origem se encontra nas caravelas portuguesas No entanto acreditar que tudo já estava resolvido e traçado na préhistória do Estado brasileiro é sem dúvida algu ma empobrecer o processo de formação política do Brasil É evidente que as influências foram em parte determi nantes para a formação de uma elite restrita e de caráter cen tralizador e patrimonialista no entanto afirmar que o Brasil está fadado ao fracasso e ao atraso porque a colonização portugue sa num determinado momento de sua história não celebrou o pacto das revoluções burguesas e por isso não desenvolveu um Estado racionallegal aos moldes da Inglaterra e da França sem dúvida alguma é optar por um discurso reducionista Quem garante que a matriz racionallegal europeia neces sariamente deve ser considerada a única alternativa capaz de oferecer uma solução adequada à construção de um Estado polí tico Obviamente a política burocráticopatrimonialista também não é a melhor opção porém querer compreender os fracassos 464 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO políticos do Brasil como consequência da não aceitação de um itinerário burguês de vertente racionallegal é assumir velada mente um discurso neoliberal e de grande ênfase economicista Além disso em contraposição àqueles que afirmam que o atraso político do Brasil é consequência da ausência de uma ideologia nacional hegemônica e de uma tardia concretização da consciência de identidade nacional podese muito bem aos moldes da tese de Morse encontrar nesse elemento alguns as pectos que também podem ser positivos como uma maior fle xibilidade e plasticidade pois apesar da política brasileira ser hierárquica e altamente conservadora a ausência de hegemo nias ideológicas impede o extremo engessamento de estruturas políticas e sociais que em épocas de inúmeras transformações e crises mundiais acaba conquistando uma maior resiliência e probabilidade de adaptação a um futuro incerto O que se poderia então esperar de promissor na política brasileira quando se tem consciência de um histórico de apa tia política por parte daqueles que deveriam exercer o papel de cidadania Para responder a esse questionamento adotamos a argumentação de José Murilo de Carvalho apresentada no livro Os bestializados Seria a população brasileira alheia e bestiali zada apática politicamente e desarticulada Ou essa aparente apatia política da população não seria apenas uma reação de malandragem em vista de uma potencial abertura política nunca proporcionada Bestializado ou bilontra Fazendo uso de algumas referências de Carvalho 1997 certamente pelo modo como a população se comportou por exemplo na Revolta da Vacina com inúmeras manifestações de grupos distintos em torno de um objetivo comum as falas de Aristides Lobo cidadão inativo de Couty não havia povo no 465 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Brasil e de Raul Pompéia o povo fluminense não existia pa recem não fazer muito sentido pois ao mesmo tempo em que a população carioca do início da República estava à margem da vida eleitoral também revelava uma grande iniciativa para a re volta popular O fato é que ainda hoje o povo nem sempre es colhe vias formais e consagradas para participar politicamente Portanto a população não é tão apática e bestializada quanto se pensa No final do seu livro Schwartzman afirma duas possibilida des de representação do quadro político brasileiro uma primeira liberal e antiestatal que defende a legitimação do Estado por um sistema democrático de representação de interesses tornandose capaz tanto de incentivar a iniciativa privada e o capitalismo com petitivo como também de se opor ao autoritarismo po lítico fruto da política do clientelismo e do favoritismo pessoal uma segunda intervencionista e centralizadora que diametralmente oposta à primeira defende a le gitimação do Estado por meio de uma política de maxi mização de objetivos coletivos e nacionais tornandose capaz de utilizar as técnicas mais avançadas de planeja mento econômico e também se opor à política repre sentativa que defende os interesses privados e particu laristas e a livreiniciativa comercial como uma espécie mascarada de manutenção das desigualdades sociais SCHWARTZMAN 1988 p 159 A conclusão apresentada pelo autor parecenos sóbria apesar de abrangente Optar por um modelo político misto con servando como quadro político aquilo que for positivo para a 466 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO realidade brasileira um Estado eficiente e moderno de ampla sustentação social e de realização de projetos a longo prazo que para tanto deixe de ser por um lado patrimonialista e preocu pado com sua sobrevivência e por outro lado esteio de coopta ção dos interesses privados Enfim mais do que nunca precisamse realçar políticas de inserção e participação popular a começar pelos bairros e comu nidades menores com abertura e divulgação de centros cultu rais etc e por mais utópico que pareça uma séria reforma na consciência coletiva que nos ajude a olhar com mais otimismo nossa situação contexto e história e também nos auxilie a pas sar do estado de tutelados para uma condição de inconformismo social Não importa saber se o brasileiro incorpora ou não a ma triz de cidadania europeia o que importa é que ele tenha cons ciência do seu lugar e espaço na política brasileira E conhecêla evidentemente já é um primeiro passo importante 6 EREFERÊNCIAS Figura Figura 2 Os donos do poder Disponível em httpwww2uolcombrlaerte Acesso em 30 out 2018 Sites pesquisados ARRUDA L G L Apontamentos sobre mandonismo coronelismo e clientelismo continuando o debate conceitual In SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL 27 jul 2013 Natal Anais 2013 Disponível em httpsnh2013anpuhorgresourcesanais271390337697 ARQUIVOApontamentospdf Acesso em 28 nov 2019 467 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO CABRAL NETO A Democracia velhas e novas controvérsias Estudos de Psicologia v 2 n 2 p 287312 1997 Disponível em httpwwwscielobrpdfepsicv2n2 a05v02n2pdf Acesso em 28 nov 2019 CAMPANTE R G O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 46 n 1 p 153193 2003 Disponível em httpwwwufjfbrvirgiliooliveirafiles201410Texto04Campante2003 pdf Acesso em 28 nov 2019 CANAL FUTURA Patrimonialismo André Botelho Entrevista 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgA0u77bLIo0 Acesso em 16 jan 2020 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo clientelismo uma discussão conceitual Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0011 52581997000200003lngennrmisotlngpt Acesso em 28 nov 2019 CONSTANT B Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Disponível em httpwwwfafichufmgbrluarnautConstantliberdadepdf Acesso em 28 nov 2019 COUTO E P As raízes do patrimonialismo de Estado no Brasil Revista Habitus Revista da Graduação em Ciências Sociais do IFCSUFRJ Rio de Janeiro v 14 n 1 p 100 112 nov 2016 Disponível em httpsrevistasufrjbrindexphphabitusarticle view114798429 Acesso em 28 nov 2019 ESMEIN A Cours elémentaire DHistoire du Droit français 11 ed Paris Librairie de la Société du Recueil Sirey 1912 Disponível em httparchiveorgdetails courslmenta00esme Acesso em 28 nov 2019 JACKSON A M O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 1 2010 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvafIM8L5h0t21s Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 2 2010 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvrflaiLqJNms Acesso em 27 nov 2019 LU LIVROS Coronelismo Enxada e Voto Victor Nunes Leal 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvpwqE1SKcWsE Acesso em 27 nov 2019 MARTINS P E M MOURA L S IMASATO T Coronelismo um referente anacrônico no espaço organizacional brasileiro contemporâneo Revista OS Salvador v 18 n 58 p 389402 julset 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfosoc v18n58a03v18n58pdf Acesso em 28 nov 2019 468 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL Raymundo Faoro diálogo pela democracia Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgfgb4knxJXQ Acesso em 27 nov 2019 OLIVEIRA J F Origens desenvolvimento e aspectos do coronelismo Revista Sem Aspas Araraquara v 6 n 1 p 7484 janjun 2017 Disponível em httpsdialnet uniriojaesdescargaarticulo6263040pdf Acesso em 28 nov 2019 PORTELA JUNIOR A Florestan Fernandes e o conceito de patrimonialismo na compreensão do Brasil Plural Revista do Programa de PósGraduação em Sociologia da USP São Paulo v 19 n 2 p 927 2012 Disponível em wwwrevistasuspbr pluralarticledownload7443378054 Acesso em 28 nov 2019 RÁDIO UNISINOS O patrimonialismo brasileiro Bloco 1 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv2psviZrAkhI Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 2 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvALAp9eg53mo Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 3 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTYDJ4j4eQEI Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 4 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvPbK9KBmkJc Acesso em 27 nov 2019 SILVEIRA D B Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro uma releitura do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda Raymundo Faoro e Oliveira Vianna Disponível em httpwwwpublicadireitocombrconpedimanausarquivosanais XIVCongresso081pdf Acesso em 28 nov 2019 TAVARES P V FONSECA P C D Estamento burocrático e intencionalidade Raymundo Faoro Florestan Fernandes Revista de Economia Política e História Econômica n 16 p 5674 jan 2009 Disponível em httpprofessorufrgsbrpedrofonsecafiles estamentoburocraticopdf Acesso em 28 nov 2019 TORQUATO L et al Coronelismo e clientelismo 2013 Disponível em httpswww youtubecomwatchvFbHCcrvSs4wt171s Acesso em 27 nov 2019 TV CULTURA ACM Neto Cultura Retrô 23 fev 2012 Disponível em httpswww youtubecomwatchvdGtUIoF3sCwindex2listRDQMWkg2mbykds Acesso em 27 nov 2019 Coronelismo Telecurso Cultura Retrô 23 fev 2012 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvCjcxVvPbfVostartradio1listRDQMWkg2mbykds Acesso em 29 nov 2019 469 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO UNIVERSITÁRIO Coronelismo 2014 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvoFjxluZ0cg Acesso em 27 nov 2019 VILANI C Democracia antiga e democracia moderna Cadernos de História Belo Horizonte v 4 n 5 p 3741 dez 1999 Disponível em httpperiodicospucminas brindexphpcadernoshistoriaarticleview16971821 Acesso em 28 nov 2019 VALENÇA E M República Oligárquica Brasileira 18941930 Disponível em https wwwyoutubecomwatchv4v5jv2mNlAt2s Acesso em 27 nov 2019 ZANON M A Revisão de texto Capitulo 03 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvqbXBrg1eRq8 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 04 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvmkQBvB8rty0 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 05 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvOdGBy1xw1M Acesso em 27 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELI Tirinha Folha de SPaulo São Paulo 26 maio 2007 ARENDT H A condição humana Trad Roberto Raposo Posfácio de Celso Lafer 10 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2007 BODIN J Los seis libros de la República Trad Pedro Bravo Gala Madri Tecnos 1997 BRAUN R Taxation sociopolitical structure and StateBuilding Great Britain and BrandenburgPrussia In TILLY C Org The formation of national States in Western Europe New Jersey Princeton University Press 1975 p 243327 CARVALHO J M A construção da ordem a elite política imperial Rio de Janeiro Editora UFRJ 1996 A formação das almas o imaginário da República no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1990 Entre a liberdade dos antigos e a dos modernos a República no Brasil In Pontos e bordados Belo Horizonte Ed UFMG 1998a p 83106 Mandonismo coronelismo e clientelismo uma discussão conceitual In Pontos e bordados Belo Horizonte Ed UFMG 1998b p 130150 470 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1997 CONSTANT B Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Trad Loura Silveira Revista de Filosofia Política Porto Alegre n 2 p 925 1985 FAORO R Existe um pensamento político brasileiro São Paulo Ática 1994 Os donos do poder formação do patronato político brasileiro 3 ed rev São Paulo Globo 2001 HOBBES T Leviatã ou matéria forma e poder de uma República Eclesiástica e Civil Trad João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Martins Fontes 2003 HOLANDA S B Raízes do Brasil 26 ed São Paulo Companhia das Letras 2005 KANTOROWICZ E Os dois corpos do rei um estudo sobre a teologia política medieval Trad Cid Knipel Moreira São Paulo Companhia das Letras 1998 LEAL V N Coronelismo enxada e voto o município e o regime representativo no Brasil 2 ed São Paulo AlfaOmega 1975 MACHADO I J R AMORIM H BARROS C R Sociologia hoje São Paulo Ática 2013 MORSE R M O espelho de próspero cultura e idéias nas Américas Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 1988 RUBY C Introdução à Filosofia Política Trad Maria Leonor F R Loureiro São Paulo Editora Unesp 1998 SCHWARTZMAN S As bases do autoritarismo brasileiro 3 ed Rio de Janeiro Campus 1988 TORRES J C B Figuras do Estado moderno elementos para um estudo histórico conceitual das formas fundamentais de representação política no Ocidente São Paulo Brasiliense 1989 URICOECHEA F O minotauro imperial a burocratização do Estado patrimonial brasileiro no século XIX Rio de Janeiro Difel 1978 VIANNA O Populações meridionais do Brasil populações rurais do CentroSul Niterói EDUFF 1987 v 1 WEBER M A política como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982a p 97153 471 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO A psicologia social das religiões mundiais In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982b p 309346 Burocracia In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982c p 229282 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999a v 1 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999b v 2 Os três tipos puros de dominação legítima In COHN G Org Max Weber Sociologia Trad Amélia Cohn e Gabriel Cohn 7 ed São Paulo Ática 2003 p 128141 Grandes Cientistas Sociais v 13
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Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Meu nome é Paulo Rogério da Silva Possuo bacharelado em Filosofia 2003 licenciatura em Pedagogia 2009 e em Filosofia 2011 e mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos UFSCar nas linhas de pesquisa de Educação Cultura e Subjetividade e de Teoria Crítica Atuo como professor de Filosofia Sociologia e História na rede pública de São CarlosSP Ensino Médio bem como professor e tutor EaD no Ensino Superior Graduação e Pós Graduação lato sensu Desde 2012 sou membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica e Educação do Departamento de Educação da UFSCar Email paulorogerioclaretianoedubr Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 claretianoedubrbatatais Paulo Rogério da Silva Batatais Claretiano 2021 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ação Educacional Claretiana 2020 Batatais SP Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Gerente de Material Didático Rodrigo Ferreira Daverni Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Simone Rodrigues de Oliveira Revisão Eduardo Henrique Marinheiro Filipi Andrade de Deus Silveira Rafael Antonio Morotti Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Bruno do Carmo Bulgarelli Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami Videoaula André Luís Menari Pereira Bruna Giovanaz Bulgarelli Gustavo Fonseca Luis Gustavo Millan Marilene Baviera Renan de Omote Cardoso Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil 3001 S582f Silva Paulo Rogério da Filosofia das ciências sociais Paulo Rogério da Silva Batatais SP Claretiano 2021 471 p ISBN 9786588553527 1 Liberalismo 2 Sociedade 3 Economia 4 Antropologia 5 Ciência política 6 Sociologia 7 Relações de produção 8 Capitalismo 9 Método sociológico I Filosofia das ciências sociais CDD 3001 INFORMAÇÕES GERAIS Cursos Graduação Título Filosofia das Ciências Sociais Versão dez2021 Formato 15x21 cm Páginas 471 páginas SUMÁRIO CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO 13 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS 20 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE 31 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32 5 EREFERÊNCIA 32 UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO 37 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 38 21 O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A SOCIEDADE COMO PROBLEMA DE PESQUISA 38 22 DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 41 23 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS 65 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 70 31 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA 70 32 ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 71 33 MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 71 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 72 5 CONSIDERAÇÕES 74 6 EREFERÊNCIAS 75 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 76 UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 1 INTRODUÇÃO 83 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 83 21 MANDEVILLE E A FÁBULA DAS ABELHAS 84 22 ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO 94 23 TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO 106 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 125 31 BERNARD MANDEVILLE 125 32 ADAM SMITH 126 33 ALEXIS DE TOCQUEVILLE 127 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 128 5 CONSIDERAÇÕES 129 6 EREFERÊNCIAS 131 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 133 UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 INTRODUÇÃO 139 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 140 21 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 140 22 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA 162 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 191 31 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 191 32 ÉMILE DURKHEIM MÉTODO E PENSAMENTO 193 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 195 5 CONSIDERAÇÕES 197 6 EREFERÊNCIAS 197 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 200 UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 1 INTRODUÇÃO 207 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 214 21 AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX 215 22 TRABALHO COMO ALIENAÇÃO 223 23 O MATERIALISMO HISTÓRICO 229 24 O MATERIALISMO DIALÉTICO 235 25 O CAPITAL E O SEU SISTEMA 252 26 AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUNDO HABERMAS 263 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 267 31 AS ORIGENS DO MATERIALISMO CRÍTICAS 267 32 ALIENAÇÃO DO TRABALHO 268 33 O MATERIALISMO HISTÓRICO 268 34 O MATERIALISMO DIALÉTICO 269 35 O CAPITAL E SEU SISTEMA 270 36 ERROS E ACERTOS DO MARXISMO 270 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 271 5 CONSIDERAÇÕES 273 6 EREFERÊNCIAS 273 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 276 UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 1 INTRODUÇÃO 283 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 284 21 METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX WEBER 284 22 OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO TRADICIONAL CARISMÁTICO E LEGAL 298 23 OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 304 24 OS TIPOS DE RACIONALIDADE 310 25 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR 314 26 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO 330 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 342 31 TIPOS IDEAIS 342 32 TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA 343 33 OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 343 34 TIPOS DE RACIONALIDADE 344 35 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO 344 36 ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO 345 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 345 5 CONSIDERAÇÕES 347 6 EREFERÊNCIAS 348 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 350 UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 1 INTRODUÇÃO 359 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 361 21 TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA 361 22 AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU 391 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 408 31 TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS 408 32 PIERRE BOURDIEU 409 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 411 5 CONSIDERAÇÕES 413 6 EREFERÊNCIAS 414 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 416 UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 1 INTRODUÇÃO 425 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 426 21 DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVERSO POLÍTICO BRASILEIRO 426 22 ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA 432 23 ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO FORMAÇÃO DE UMA ELITE RESTRITA DE UMA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E DE UMA COOPTAÇÃO POLÍTICA 445 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 458 31 COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS 458 32 ESTADO PATRIMONIALISTA 459 33 ELITE RESTRITA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOPTAÇÃO POLÍTICA 460 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 461 5 CONSIDERAÇÕES 463 6 EREFERÊNCIAS 466 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 469 9 CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Conteúdo Contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais Divisão e organiza ção das Ciências Sociais Métodos das Ciências Sociais Liberalismo moral de Mandeville Liberalismo econômico de Adam Smith Divisão do trabalho Lei da oferta e da procura Os perigos das democracias modernas segundo Toc queville Augusto Comte e o positivismo Sociologia como Física Social Leis dos três estágios Estática e dinâmica social Sociologia funcionalista segun do Durkheim Fatos sociais Regras do método sociológico Divisão do traba lho social Sociedade mecânica e sociedade orgânica Alienação do trabalho em Karl Marx Materialismo históricodialético Luta de classes Valor de uso e valor de troca das mercadorias Maisvalia e acúmulo do capital Método compreensivo segundo Weber Os tipos ideais Os três tipos de poder Os ti pos de ação social Racionalização das esferas de mundo Ética protestante e o espírito do capitalismo Horkheimer e o materialismo interdisciplinar A legitimidade e o papel da pesquisa empírica na Teoria Crítica O conceito de campo e os ritos de instituição segundo Bourdieu A relação do conceito de campo com o aspecto discursivo Educação como alquimia social Formação do Estado brasileiro patrimonialista A formação da elite restrita Burocracia centralizadora Cooptação política Bibliografia Básica ARON R As etapas do pensamento sociológico 3 ed São Paulo Martins Fontes 1993 DURKHEIM É As regras do método sociológico Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 2007 MARX K O Capital Crítica da Economia Política Livro primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996 Volume I tomo 1 Os Economistas 10 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Bibliografia Complementar COMTE A Metodologia das Ciências Sociais In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983 p 73103 HORKHEIMER M A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de Pesquisas Sociais Trad Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro Praga Estudos Marxistas São Paulo n 7 p 121132 mar 1999 LEAL V N Coronelismo enxada e voto o município e o regime representativo no Brasil 2 ed São Paulo AlfaOmega 1975 SCHUMPETER J Capitalismo socialismo e democracia Trad Luiz Antônio de Oliveira Araújo São Paulo Unesp 2017 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan Trad Luiz João Baraúna São Paulo Nova Cultural 1996 v 1 Os Economistas WEBER M A ética protestante e o espírito do capitalismo Trad José Marcos Mariani de Macedo São Paulo Companhia das Letras 2004 A objetividade do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política 1904 In Metodologia das Ciências Sociais Parte 1 Trad Augustin Wernet 4 ed São Paulo Cortez EditoraEditora Unicamp 2001 p 107154 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999 v 1 É importante saber Esta obra está dividida para fins didáticos em duas partes Conteúdo Básico de Referência CBR é o referencial teórico e prático que deverá ser assimilado para aquisição das competências habilidades e atitudes necessárias à prática profissional Portanto no CBR estão condensados os principais conceitos os princípios os postulados as teses as regras os procedimentos e o fundamento ontológico o que é e etiológico qual sua origem referentes a um campo de saber Conteúdo Digital Integrador CDI são conteúdos preexistentes previamente se lecionados nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadêmicos confiáveis É chamado Conteúdo Digital Integrador porque é imprescindível para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência Juntos não apenas privilegiam a convergência de mídias vídeos complementares e a leitu ra de navegação hipertexto como também garantem a abrangência a densidade e a profundidade dos temas estudados Portanto são conteúdos de estudo obrigató rios para efeito de avaliação 11 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO EReferências BOURDIEU P As Ciências Sociais e a Filosofia Trad José Luiz Fiorin Educação Linguagem ano 10 n 16 p 1936 juldez 2007 Acesso em httpswww metodistabrrevistasrevistasimsindexphpELarticleviewFile124134 Acesso em 29 nov 2019 CANO I Nas trincheiras do método o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105pdf Acesso em 29 nov 2019 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo clientelismo uma discussão conceitual Dados Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Disponível em httpwwwscielobrscielo phppidS001152581997000200003scriptsciarttext Acesso em 29 nov 2019 KINCAID H Filosofia das Ciências Sociais temas atuais Trad Alexandre Braga Massella Tempo Social e Revista de Sociologia da USP v 26 n 2 p 1937 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv26n2v26n2a02pdf Acesso em 29 nov 2019 12 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 13 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO Bemvindo à obra Filosofia das Ciências Sociais Todos nós vivemos em sociedade independentemente do quanto gosta mos do relacionamento social Até mesmo aquele que optou pelo isolamento um ermitão por exemplo não está separa do da sociedade o isolamento do indivíduo não significa o iso lamento da sociedade É nesse horizonte de compreensão que as palavras do poeta inglês John Donne 15721631 encontram sentido Nenhum homem é uma ilha completa em si mesma todo ho mem é um pedaço do continente uma parte do todo Se um torrão for lavado pelo mar a Europa fica menor A morte de cada homem me diminui porque sou parte da humanidade E por isso nunca perguntes por quem os sinos dobram eles dobram por ti DONNE 1987 p 126 tradução nossa Com essa incursão inicial podemos concluir que viver em sociedade é um dado histórico uma vez que as sociedades aperfeiçoam suas formas de agrupamento social e acima de tudo humano O exercício do pensamento da linguagem da crença das normas e valores etc já compreende atos iminente mente sociais pois todas essas funções decorrem de aprendiza gens socioculturais preestabelecidas pela coletividade A dependência do indivíduo com relação ao grupo está na origem da evolução humana Desde os tempos mais remotos o pertencimento ao grupo apresentase como uma estratégia de sobrevivência dos primeiros seres humanos especialmente mediante situações de vida tão difíceis O ser humano compara do a outras espécies de animais não possui presas garras nem asas ou pelos ou seja está vulnerável e desprotegido Por isso 14 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO o grupo significa a potência do indivíduo frente às ameaças da natureza Com o desenvolvimento da linguagem oral e escrita outras possibilidades de sociabilidade passaram a existir A vida social pedia a sistematização das funções a divisão das tarefas a or ganização da agricultura da caça da pesca e da coleta a admi nistração do excedente a formalização das normas e dos tabus morais o reconhecimento e investidura de representantes polí ticos e religiosos etc A partir dos indivíduos surgem também as instituições e todo o aparato legal e ideológico que as justifica família religião Estado Direito etc Com isso a vida em sociedade passa a desen volver padrões de sociabilidade que funcionam como condições preestabelecidas para as novas inserções sociais O fato é que a vida em sociedade oferece aos cientistas so ciais uma imensidão de situações e fenômenos que precisam ser interpretados para além da superficialidade do senso comum Algumas das questões que guiam essas investigações são por que as pessoas convivem em sociedade Por que desenvolvem padrões de comportamentos parecidos Por que se relacionam umas com as outras de maneira padronizada Quais as estru turas fundamentais de uma sociedade Por que compreender a política e as relações de poder na sociedade Quais motivações levam as sociedades a manter alguns valores e substituir outros Que elementos produzem as diferenças socioculturais As Ciências Sociais nos ajudam a compreender essas e mui tas outras questões que envolvem o cotidiano Em geral com as Ciências Sociais poderemos compreender e explicar as perma nências e as transformações das sociedades bem como oferecer 15 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO pistas hermenêuticas para a superação dos seus dilemas Segun do Bauman Para todos aqueles que acham que viver a vida de maneira mais consciente vale a pena a sociologia é um guia bemvindo Nesse sentido pensar sociologicamente significa entender de um modo um pouco mais completo quem nos cerca tanto em suas esperanças e desejos quanto em suas inquietações e preo cupações Pensar sociologicamente então tem um poten cial para promover a solidariedade entre nós uma solidarieda de fundada em compreensão e respeito mútuos em resistência conjunta ao sofrimento e em partilhada condenação das cruel dades que o causam BAUMAN 2010 p 2526 O pressuposto fundamental das Ciências Sociais reside portanto em um dos seus princípios mais caros de que todo conhecimento é produzido socialmente Nada com relação ao estudo da sociedade pode resultar em uma fonte extrahuma na por isso para conhecer qualquer forma de pensamento de qualquer indivíduo e em qualquer época tornase fundamental compreender o contexto social vivido pois os homens reagem respondem e vivem a partir daquilo que o meio social lhes apre senta como proposta Pensar no conhecimento como uma produção social não implica contudo reduzir as escolhas individuais aos condiciona mentos sociais A oposição interiorexterior precisa ser com preendida dialeticamente isto é como resultado de sínteses sucessivas que levam os indivíduos a optar por permanências ou mudanças em relação àquilo que foi estabelecido socialmente Aliás tanto a manutenção como a transformação do que chamamos de status quo isto é da situação atual de algo apresentamse como ações sociais presentes na maioria das so ciedades Há grupos que se sentem confortáveis com relação ao 16 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO status quo muito provavelmente porque seus interesses são contemplados nesse contexto No entanto existem outros gru pos que pelo fato de não identificarem o vínculo de nenhum interesse seu com a atual situação almejam mudanças signifi cativas Ambos os grupos de acordo com seus respectivos inte resses procuram desenvolver formas de explicação da realidade que justifiquem tanto a permanência como a mudança social Tentar entender as motivações que levam determinados grupos a apoiar o status quo ou almejar sua mudança apresenta se como um grande objetivo das Ciências Sociais O interessante é que para o cumprimento desse objetivo o pensamento socio lógico quando pautado pelo senso crítico e enveredado por uma metodologia correta pode e deve incomodar muitos segmen tos setores e grupos da sociedade uma vez que ele descobre justamente aquilo que deveria ficar camuflado e desnaturaliza aquilo que deveria ser ideologicamente entendido como natural Como diria Bourdieu em sua obra Coisas Ditas O mal da sociologia é que ela descobre o arbitrário a contin gência ali onde as pessoas gostam de ver a necessidade ou a natureza e que descobre a necessidade a coação social ali onde se gostaria de ver a escolha o livrearbítrio Uma característica das realidades históricas é que sempre é possível estabelecer que as coisas poderiam ter sido diferentes que são diferentes em outros lugares em outras condições O que quer dizer que ao historicizar a sociologia desnaturaliza desfataliza BOURDIEU 1990 p 27 Por isso uma grande tarefa das Ciências Sociais é causar o estranhamento da realidade percebendo que esta não é resultado da espontaneidade das relações mas de constantes conflitos e resistências Essa proposta nos ajuda a romper com uma visão sociológica do senso comum com os preconceitos e prénoções enrustidas e ideologias patentes Enfim permite o 17 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO avanço da desmistificação das estruturas sociais e a construção de uma consciência sociológica A obra Filosofia das Ciências Sociais desenvolverá diversos temas compreendendo origem organização método campos e pesquisa da vida em sociedade Na Unidade 1 conheceremos o contexto histórico das Revoluções Industrial e Francesa e as transformações decorrentes delas Com isso conseguiremos en tender que as Ciências Sociais nasceram como resposta a tais mudanças que emergiam na sociedade daquela época Além disso ainda na mesma unidade também estuda remos a organização e divisão das Ciências Sociais normal mente confundidas com a Sociologia e os principais métodos de pesquisa utilizados nessa área ao longo da história méto do comparativofuncionalista compreensivo e materialismo históricodialético Na Unidade 2 abordaremos o ambiente conceitual do li beralismo clássico começando com o pensamento de Bernard Mandeville e sua proposta de autonomização do campo econô mico frente às limitações morais passando pelo de Adam Smith e sua sistematização da Economia como ciência independente até chegar à obra de Alexis de Tocqueville que se preocupou em avaliar a natureza contraditória das democracias modernas Na Unidade 3 voltaremos nossa atenção aos autores Au gusto Comte e Émile Durkheim que transformaram o saber so ciológico nascente em ciência autônoma com objeto de pesqui sa e método específicos Com ambos autores as Ciências Sociais mais especificamente a Sociologia passaram a compor o privilegiado grupo de ciências essenciais para o entendimento e progresso da humanidade Tais contribuições foram fundamen 18 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO tais para captar as novas configurações sociais dos séculos 18 e 19 e propor conceitoschaves para as futuras pesquisas sociais Já nas Unidades 4 e 5 conheceremos as propostas meto dológicas e sociológicas de outros dois autores Karl Marx e Max Weber Enquanto Marx justificou o desenvolvimento das socie dades a partir da luta de classes e da análise históricocrítica dos modos de produção da sociedade em especial do modo de produção capitalista Weber preferiu apresentar o progresso das sociedades modernas como resultado de um longo processo de desencantamento das antigas imagens do mundo medie val em suas mais variadas esferas religiosa política econômica científica estética e ética demonstrando que tal desenvolvi mento não estaria condicionado apenas à esfera da economia mas de muitas outras Noutras palavras se para Marx a dialética materialista é suficiente para entender a transformação das relações de pro dução de uma sociedade para Weber o importante não é ex plicar mas compreender o modo como os indivíduos reagem socialmente Na Unidade 6 conheceremos as propostas metodoló gicas para pesquisa social dos representantes da Teoria Crítica Horkheimer e Adorno e as contribuições do sociólogo Pierre Bourdieu para a área No tocante aos autores da Teoria Crítica abordaremos a tensão existente entre sujeito e objeto teoria e prática como pressuposto para a metodologia das Ciências So ciais é justamente por conta da elasticidade tensional entre os dois polos teoria e prática que se justifica a importância da ob servação empírica cientificidade sem porém perder a visão do todo compreensão filosófica das relações de poder presen tes na sociedade capitalista Com relação a Bourdieu levaremos 19 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO em conta o seu conceito de campo e a importância dele para os chamados ritos de instituição social Enfim na Unidade 7 adentraremos no processo de cons tituição do Estado brasileiro de modo a compreender aqueles princípios históricos e ideológicos que legitimaram a formação de elementos constantemente presentes no ideário político bra sileiro Estado patrimonialista governo pautado em uma elite restrita desenvolvimento de uma burocracia centralizadora e prática de cooptação política Como já observado o estudo desta obra terá como obje tivo promover a desnaturalização ou o estranhamento das estruturas sociais normalmente percebidas como naturais e es táveis isto é detentoras de essências políticas universais e imu táveis Na realidade compreenderemos que no que concerne às Ciências Sociais todo conhecimento é resultado de processo histórico e social maturado por contradições coerções assimi lações e conflitos das mais diversas áreas sistêmicas política e economia e culturais ciência moral e arte Se por um lado cabe às Ciências Sociais oferecer todo o substrato teóricoconceitual para a melhor compreensão da rea lidade social por outro é inteiramente dever do alunocidadão saber posicionarse frente a tais processos sociais de maneira es clarecida e bem fundamentada sociologicamente Não se trata portanto de academicismo vazio mas de uma urgente deman da cidadã que precisa convergir para os objetivos formativos e emancipatórios do futuro profissional da área de Filosofia Boa leitura Bons estudos 20 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitando um bom domí nio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conheci mento dos temas tratados 1 Alienação Situação caracterizada por algum tipo de separação ou fragmentação Em Psicologia a expres são é utilizada como sinônimo de perda da identida de individual que se manifesta na separação entre o indivíduo e a realidade Em Sociologia o conceito de alienação foi estudado particularmente por Karl Marx Segundo este no sistema capitalista o trabalhador se separa do objeto que ajudou a fabricar Esse objeto se transforma em mercadoria e uma vez no mercado passa a dominar o trabalhador Dessa forma este se aliena daquilo que produziu A alienação surge assim em um determinado momento do processo de desen volvimento histórico das sociedades humanas Ela se manifesta também sob a forma de perda de consciên cia e de afastamento do ser humano das atividades co munitárias para encerrarse em si mesmo abandonan do a ação política OLIVEIRA 2010 p 277 2 Autoridade Num plano abstrato é a capacidade de uma pessoa se fazer obedecer por outras sem precisar apelar para a força física Do ponto de vista político é a pessoa ou o grupo que detém a prerrogativa de mandar e se fazer obedecer Pode ser também o re presentante do poder público que tem por finalidade fazer respeitar as normas e leis de um Estado ou de uma comunidade OLIVEIRA 2010 p 278 21 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 3 Burocracia É o conjunto dos funcionários públicos de um Estado administradores da coisa pública A burocracia está sujeita a uma hierarquia a regulamentos rígidos e a uma rotina inflexível Tem influência importante nos rumos adotados por um Estado ou país OLIVEIRA 2010 p 278 4 Capital É todo bem ou conjunto de bens capaz de produzir outros bens Só é capital aquilo que em combinação com o trabalho humano produz riqueza Por exemplo com uma peça de tecido tesouras linha algumas máquinas de costurar e alguns trabalhadores podemos produzir peças de roupa que serão vendidas no mercado Nesse caso tanto o tecido como as má quinas a linha e o salário pago aos trabalhadores fa zem parte do capital pois são bens que criaram outros bens Capital é uma relação social de produção Pode tomar a forma de dinheiro ou de bens mas para que possa produzir necessita do trabalho humano OLI VEIRA 2010 p 278279 5 Capitalismo Modo de produção baseado na proprie dade privada dos meios de produção e distribuição na existência de um mercado onde ocorre a livre con corrência entre as empresas na procura do lucro pelo empresário e no trabalho assalariado O capitalismo só pode existir portanto onde existam capital mercado e trabalho livre OLIVEIRA 2010 p 279 6 Cidadania Conjunto de atributos pelos quais o indiví duo tornase cidadão passando a exercer seus direitos civis e políticos assim como a assumir seus deveres e obrigações diante do Estado e da sociedade OLIVEI RA 2010 p 279 22 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 7 Classe social Grupo relativamente homogêneo de pessoas que desempenham o mesmo papel no pro cesso de produção ou de circulação das riquezas têm profissões assemelhadas e relacionamse da mesma forma com o sistema de propriedade dos meios de produção em uma sociedade No modo de produção capitalista por exemplo a classe operária reúne não apenas categorias profissionais como a dos metalúrgi cos ou a dos têxteis ou mesmo o conjunto dos traba lhadores industriais mas abrange também os assala riados que trabalham em transporte ferroviários por exemplo e trabalhadores de certos serviços como os portuários Esses trabalhadores não têm uma relação de propriedade com os meios de produção Já a classe burguesa ou capitalista é formada pelos detentores da propriedade dos meios de produção e de circulação das riquezas OLIVEIRA 2010 p 279 8 Coerção social O mesmo que pressão social Ação persistente de um grupo que leva o indivíduo a com portarse de determinada maneira sob pena de sofrer sanções sociais OLIVEIRA 2010 p 279 9 Comunismo Para os teóricos marxistas o comunis mo corresponde a uma etapa posterior ao socialismo No comunismo segundo eles acabariam as classes e as diferenças sociais entre as pessoas porque todos teriam tudo em comum e o Estado deixaria de existir É o sistema econômico e social que visa a estabelecer a comunhão de bens com a abolição do direito de pro priedade e a extinção das classes sociais e do Estado OLIVEIRA 2010 p 279 23 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 10 Consciência de classe É a percepção que um indivíduo ou grupo tem de sua situação de classe numa sociedade dividida em classes sociais OLIVEIRA 2010 p 279 11 Democracia Sistema político no qual a soberania emana do povo isto é do conjunto dos cidadãos que podem exercer o governo diretamente como na Gré cia Antiga democracia direta ou por meio de repre sentantes livremente escolhidos de forma periódica democracia representativa moderna A democracia moderna se caracteriza também pelo respeito às li berdades individuais e coletivas pelo respeito aos di reitos humanos pela divisão do poder do Estado em três poderes Executivo Legislativo e Judiciário pela igualdade de todos perante a lei e pela existência de formas de controle das autoridades pelos cidadãos OLIVEIRA 2010 p 280 12 Divisão do trabalho É a distribuição e diferenciação de funções entre indivíduos ou grupos nas atividades produtivas de uma sociedade OLIVEIRA 2010 p 281 13 Economia Ciência social que estuda as atividades humanas ligadas à produção circulação distribuição e consumo de bens e serviços São fenômenos estuda dos pela Economia a produção e a circulação de bens e serviços a industrialização as relações comerciais entre os países a distribuição da renda a política sa larial a produtividade das empresas o crescimento econômico o desenvolvimento etc OLIVEIRA 2010 p 281 14 Estado Conjunto de instituições sociais que consti tuem a organização política de um povo e que detêm o 24 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO monopólio do uso da força legítima É a instituição bá sica de controle social da sociedade Entre as institui ções que o compõem na democracia moderna estão o governo e a administração pública poder Executivo os tribunais e outros órgãos da Justiça poder Judiciá rio e o Congresso nacional ou Parlamento poder Le gislativo OLIVEIRA 2010 p 282 15 Estratificação social É a divisão da sociedade em estratos ou camadas sociais hierarquizadas ou superpostas OLIVEIRA 2010 p 282 16 Estrutura social É o conjunto ordenado de partes encadeadas que formam um todo que mantém estável a sociedade é a totalidade dos status existentes num determinado grupo social ou numa sociedade A estru tura social é o aspecto estático da organização social OLIVEIRA 2010 p 282 17 Etnocentrismo Tendência a privilegiar o grupo étnico ou nacional a que se pertence considerandoo como padrão para julgar as culturas diferentes OLIVEIRA 2010 p 282 18 Fato social São as maneiras coletivas de agir pen sar e sentir que exercem um poder coercitivo sobre as pessoas levandoas a se comportar de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade OLIVEIRA 2010 p 282 19 Força de trabalho É o conjunto de trabalhadores de todas as categorias e profissões empregados ou não disponíveis em certa região empresa ou sociedade A força de trabalho de um país também é chamada de População Economicamente Ativa PEA A expressão 25 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO pode ser utilizada ainda no sentido de capacidade física e intelectual do ser humano para trabalhar OLIVEIRA 2010 p 282 20 Forças produtivas Do ponto de vista da Sociologia e de outras Ciências Sociais o termo força designa um poder de ação inerente aos seres vivos em geral e ao ser humano em particular A expressão forças produti vas indica o potencial produtivo de uma economia Em termos concretos são as forças naturais apropriadas pelo ser humano na produção de sua vida material e social mais os instrumentos de trabalho e as técnicas produtivas Isso inclui a tecnologia e a organização do trabalho A principal força produtiva porém é o pró prio trabalhador OLIVEIRA 2010 p 282 21 Fordismo teoria de produção elaborada por Henry Ford em 1913 tendo como principal elemento a in trodução da linha de montagem com esteira na produ ção de automóveis No entanto mais do que inovação tecnológica o fordismo se caracteriza por ser um siste ma com uma ampla divisão do trabalho produção em massa de bens padronizados sindicatos relativamente fortes e aumentos reais de salários 22 Fundamentalismo Tendência radical religiosa ou po lítica que pretende impor padrões de comportamento baseados na interpretação rigorosa ao pé da letra de crenças e tradições religiosas O fundamentalismo é in tolerante e rejeita o diálogo com aqueles que pensam de forma diferente OLIVEIRA 2010 p 282283 23 Governo Conjunto de pessoas que exercem geral mente de forma temporária o poder Executivo de um Estado OLIVEIRA 2010 p 283 26 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 24 Ideologia Expressão criada no começo do século XIX pelo francês Destutt de Tracy com o significado de ciência que tem por objeto o estudo das ideias Mais tarde Karl Marx e Friedrich Engels deram a ela o senti do de consciência social de uma classe dominante ou conjunto de ideias falsas e enganadoras destinadas a mascarar a realidade social aos olhos das classes do minadas encobrindo as relações de dominação e ex ploração a que estão submetidas essas classes Nessa acepção ideologia teria o mesmo significado de falsa consciência Atualmente o termo é empregado com o sentido de conjunto de ideias dominantes em uma sociedade ou como visão de mundo de uma classe social de uma sociedade ou de uma época OLIVEIRA 2010 p 283 25 Liberalismo Doutrina que defende a mais ampla li berdade individual a democracia representativa o direito inalienável à propriedade a livre iniciativa e a concorrência no mercado entre indivíduos e empre sas O liberalismo surgiu na Europa no decorrer do sé culo XVIII e foi a ideologia dominante sob o capitalismo competitivo vigente sobretudo entre o século XVIII e o fim do século XIX No início polemizou com o mercan tilismo opondose radicalmente à intervenção do Es tado na vida econômica uma de suas propostas políti cas era o Estado mínimo situação na qual caberia ao Estado apenas a manutenção da ordem e da segurança interna e externa da sociedade e a defesa do direito de propriedade OLIVEIRA 2010 p 284 26 Marxismo Doutrina criada a partir da obra e da ação dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels e 27 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO seus seguidores O marxismo foi definido por Vladimir Ilitch Lenin líder da Revolução Russa de outubro de 1917 como um guia para a ação De fato não se pode separar os princípios doutrinários elaborados por Marx e Engels da ação política e social concreta do proleta riado classe vista pelos dois pensadores como destina da a emancipar a humanidade da opressão capitalista A teoria marxista apoiase em dois princípios funda mentais a ideia de que a base material econômica da sociedade é determinante em última instância dos acontecimentos políticos e sociais assim como da or ganização da sociedade teoria dos modos de produ ção e a noção de que a história da humanidade é a história da luta de classes A teoria política de Marx denominada por ele próprio e por Engels socialismo científico considera que a luta de classes é o motor da História cabendo aos trabalhadores classe operária a tarefa de destruir o Estado capitalista e com ele a so ciedade burguesa instaurando primeiro a ditadura do proletariado e mais tarde o socialismo e o comunis mo quando a sociedade não estaria mais dividida em classes nem precisaria mais do Estado como órgão de coerção e repressão OLIVEIRA 2010 p 284 27 Modo de produção Conceito criado por Karl Marx para designar o conjunto formado pelas forças produ tivas e pelas relações de produção de uma sociedade em um período histórico determinado É a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços como os utiliza e como os distribui Segundo Marx te riam existido na História os modos de produção comu nal primitivo escravista asiático feudal e capitalista 28 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Marx previa ainda a formação de um modo de produ ção que superaria o capitalismo seria o modo socialis ta de produção OLIVEIRA 2010 p 285 28 Proletariado Classe social surgida com a formação do modo capitalista de produção e considerada por Karl Marx como uma das classes fundamentais da so ciedade burguesa a outra seria a burguesia É com posto pelos trabalhadores assalariados da indústria do transporte e da agricultura proletariado agrícola Também chamado de classe operária sobretudo quan do se refere aos trabalhadores industriais operários da construção civil pedreiros serventes mestres de obra e dos transportes ferroviários e portuários OLIVEIRA 2010 p 287 29 Socialismo Expressão que designa tanto uma doutri na como um sistema social Como doutrina o socialis mo é uma corrente de ideias que propõe a superação da sociedade capitalista por meio da socialização ou coletivização dos meios de produção que passariam a pertencer à sociedade e não mais a capitalistas priva dos e da entrega do poder político às associações dos trabalhadores Como sistema social o socialismo teve um caráter marcadamente autoritário em países como a antiga União Soviética e a China Ali a propriedade social ou coletiva acabou se transformando em pro priedade do Estado e o governo tornouse monopó lio de uma burocracia privilegiada que nega os ideais igualitários dos fundadores do pensamento socialista OLIVEIRA 2010 p 288 30 Socialização É o processo pelo qual a pessoa se inte gra ao grupo ou à sociedade em que nasceu assimi 29 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO lando seus hábitos valores costumes e outros traços culturais é o ato de transmitir de introjetar na mente do indivíduo os padrões culturais da sociedade pela socialização o indivíduo naturalmente social tornase sociável isto é capaz de viver em sociedade OLIVEI RA 2010 p 288 31 Sociedade Coletividade organizada e estável de pes soas que ocupam um mesmo território falam a mesma língua compartilham a mesma cultura são geridas por instituições políticas e sociais aceitas de forma consen sual e desenvolvem atividades produtivas e culturais voltadas para a manutenção da estrutura que sustenta o todo social A sociedade apresentase geralmente di vidida em classes ou em camadas sociais nem sempre harmônicas Entretanto mesmo quando há oposição e conflito entre essas classes ou camadas verificase também complementaridade entre elas e é essa com plementaridade que mantém de pé a sociedade como um todo OLIVEIRA 2010 p 288 32 Sociologia Ciência social que estuda as relações so ciais e as formas de associação dos seres humanos considerando as interações que ocorrem na vida em sociedade A Sociologia estuda os grupos sociais a di visão da sociedade em camadas ou classes sociais a mobilidade social os processos de mudança coopera ção competição e conflito que ocorrem nas socieda des etc é a ciência social que estuda os fatos sociais OLIVEIRA 2010 p 288 33 Status quo Expressão em latim que significa o estado atual em que se encontram as coisas Em certos con 30 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO textos pode designar também a ordem social estabe lecida OLIVEIRA 2010 p 288 34 Superestrutura Expressão utilizada por Karl Marx para designar a parte superior da estrutura social que é sustentada pela base material econômica denomi nada infraestrutura Na superestrutura se localizam o Estado a vida cultural e o conjunto das ideologias filosofias religiões princípios jurídicos e políticos da sociedade OLIVEIRA 2010 p 288 35 Taylorismo modificações introduzidas por Frederick W Taylor no modo de produzir no final do século 19 sustentadas essencialmente por um estudo de tempos e movimentos O objetivo era controlar e determinar os métodos de trabalho selecionando os trabalhado res e as ferramentas mais adequadas 36 Taylorismofordismo sistema de produção predomi nante até a década de 1960 Ele se caracterizava pela produção em massa e altamente homogeneizada pela utilização do trabalho parcelar e pelo operário visto como um apêndice da máquina executando atividade repetitiva Tal sistema conseguiu reduzir o tempo de produção e aumentar o ritmo Era a mescla da produ ção em série fordista e do cronômetro taylorista A di mensão intelectual do trabalho ficava a cargo de bem poucos pois usavase uma grande massa de trabalha dores pouco ou semiqualificados para o trabalho a ser realizado 37 Totalitarismo Forma extrema de Estado autoritário Estado policial caracterizado pelo monopólio do poder nas mãos de um único grupo que não permite a exis tência de outros partidos pela supressão de todo tipo 31 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO de liberdade pelo controle do Estado sobre os meios de comunicação pelo constante desrespeito aos direi tos humanos pela repressão permanente aos oposito res e pela existência de um aparelho policial todopo deroso São exemplos de totalitarismo o nazismo que governou a Alemanha entre 1939 e 1945 e o stalinis mo que traiu os ideais socialistas e oprimiu o povo da antiga União Soviética 19291953 OLIVEIRA 2010 p 288 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE O Esquema a seguir possibilita uma visão geral dos concei tos mais importantes deste estudo Figura 1 Esquema dos Conceitoschave de Filosofia das Ciências Sociais 32 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN Z Aprendendo a pensar com a Sociologia Rio de Janeiro Jorge Zahar 2010 BOURDIEU P Coisas ditas Trad Cássia Silveira e Denise Pegorin São Paulo Brasiliense 1990 COSTA C Sociologia introdução à ciência da sociedade 4 ed São Paulo Moderna 2010 DONNE J Selected prose Edited with an introduction and notes by Neil Rhodes London Penguin Books 1987 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 5 EREFERÊNCIA CANO I Nas trincheiras do método o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105pdf Acesso em 29 nov 2019 33 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 33 UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Objetivos Compreender o campo de estudo das Ciências Sociais Contextualizar o surgimento das Ciências Sociais como resposta às trans formações culturais políticas e econômicas decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa Promover uma distinção entre Ciências Sociais e Sociologia Apresentar as áreas autônomas que compõem o conjunto das Ciências So ciais Antropologia Ciência Política e Sociologia Conhecer os principais métodos aplicados nas Ciências Sociais méto do comparativofuncionalista método compreensivo e materialismo históricodialético Conteúdos Origem do campo de estudos das Ciências Sociais Divisão e organização das Ciências Sociais Breve introdução das áreas das Ciências Sociais Antropologia Ciência Po lítica e Sociologia Método de pesquisa das Ciências Sociais 34 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Orientações para o Estudo da Unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas compromete rem seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unidade e expanda o seu campo formativo Lembrese a autonomia é a aliada da emancipação 3 Nesta unidade muitos temas demandarão um conhecimento histórico em especial sobre o contexto das Revoluções Industrial e Francesa Para repertoriar o contexto histórico do século 19 indicamos a leitura das obras clássicas Germinal de Émile Zola e Os Miseráveis de Victor Hugo Além disso também indicamos o livro De pernas pro ar a escola do mun do ao avesso de Eduardo Galeano que promove um resgate histórico e uma reflexão interessante acerca de nossa sociedade em seus costumes valores e ideologias 4 Para complementar as informações da unidade a partir de uma lingua gem cinematográfica indicamos alguns filmes Sobre o contexto socioe conômico do século 19 sugerimos Oliver Twist Inglaterra França Itália 2005 Os miseráveis Inglaterra Alemanha EUA 1998 Daens um grito de justiça França Bélgica 1992 A Revolução Francesa França 1989 A Marselhesa França 1938 Danton e o processo de Revolução França 1983 e Germinal França 1993 Sobre os fundamentos da Antropolo gia indicamos A guerra do fogo França Canadá 1981 A missão In glaterra 1986 Brincando nos campos do Senhor Brasil 1991 Baraka EUA 1992 O enigma de Kaspar Hauser Alemanha 1974 O garoto selvagem França 1970 Casa de chá do luar de agosto EUA 1956 e Nome de família EUA 2006 Sobre os fundamentos da Ciência Políti ca sugerimos A língua das mariposas Espanha 1999 Sacco e Vanzetti Itália França 1971 A história oficial Argentina 1985 Batismo de san gue Brasil 2007 A culpa é do Fidel França 2006 As sufragistas EUA 2015 Sobre os fundamentos da Sociologia indicamos Cidadão Kane 1941 Garapa Brasil 2009 Pro dia nascer feliz Brasil 2005 Socie dade do espetáculo França 1973 Histórias cruzadas EUA 2011 Que horas ela volta Brasil 2015 Segundafeira ao sol Espanha 2002 e Os companheiros 1963 35 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 5 Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir COTIAS L E Surgimento da Sociologia Disponível em httpswww youtubecomwatchvQCHIFsMphQ0 Acesso em 13 nov 2019 BBC As Consequências da Revolução Industrial Criando Mara vilhas EP2 2003 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvrW4CRWMAA Acesso em 13 nov 2019 REDE GLOBO Claude LéviStrauss Jornal Nacional Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0y1MSAcEXRw Acesso em 13 nov 2019 ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA EDUCATIONAL CORPORATION A Re volução Industrial Disponível em httpswwwyoutubecom watchvDmvL6vy6Qg Acesso em 13 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO Introdução a Ciência Política 110 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchv9MnsnFBqQKE Acesso em 13 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS UNIVERSIDA DE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO Introdução a Ciência Política 210 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvvtaPOEdEIbs Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte I 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvIVfsFeYKMs Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte II 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvbapuXAqhC8 Acesso em 13 nov 2019 HISTORY CHANNEL Revolução Francesa Documentário His tory Parte III 2005 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvLkjFG6Bbno8 Acesso em 13 nov 2019 RENNÓ P Revolução Industrial História Ilustrada 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvIEQ7nQ76trk Acesso em 13 nov 2019 36 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 37 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO Pelo fato de normalmente as pessoas considerarem Ciências Sociais e Sociologia como uma única coisa um dos primeiros objetivos desta unidade é justamente conhecermos as principais áreas que formam o conjunto das Ciências Sociais Antropologia Ciência Política e Sociologia No entanto indepen dentemente de suas especificidades um aspecto permanece como um objeto de estudo comum a elas as sociedades em suas semelhanças e diferenças A vida em sociedade é um elemento que caracteriza a na tureza humana A evolução do gênero humano ocorre numa ín tima relação com o coletivo e consequentemente com o social No entanto coletivo não seria o mesmo que social Não Co letividade é algo próprio da natureza de muitos animais porém sociabilidade enquanto significação e conveniência das normas grupais estabelecidas é próprio da cultura humana O fato é que o ser humano não nasce social mas se torna socializável por meio de um processo de interação com outros indivíduos já socializados Para esse processo damos o nome de socialização Embora qualquer indivíduo em situações adequa das tenha condições razoáveis de aprender qualquer costume essa aprendizagem só ocorre satisfatoriamente a partir do seu contato com o mundo social Por isso estudar os modos de so cialização de uma cultura comparandoos aos padrões sociais de outras tornase um ponto de partida importantíssimo para as Ciências Sociais Nesse sentido a unidade abordará os principais aspectos históricos que acompanharam o processo de surgimento das Ciências Sociais bem como as propostas de intervenção dos 38 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS primeiros autores Em seguida o texto esclarecerá as principais divisões das Ciências Sociais e a sua diferença com relação à So ciologia Por fim estudaremos sobre os principais métodos que se fizeram presentes na pesquisa das Ciências Sociais método comparativofuncionalista método compreensivo e materialis mo históricodialético 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A SOCIEDADE COMO PROBLEMA DE PESQUISA As primeiras análises mais sistemáticas sobre a sociedade ocorreram a partir do momento em que ela passou a demons trar as transformações decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa A Revolução Industrial iniciada por volta de 1750 desem penhou um papel vital para o desenvolvimento de uma nova es trutura econômica capitalista a intensa acumulação de capital e as profundas transformações nas formas de produção signifi caram o advento da indústria e da produção em série Essa con dição afetou a mão de obra e reorganizou o trabalho manufatu reiro de uma maneira radical com a introdução das máquinas a vapor o artesão medieval perdeu o seu espaço tendo que se adaptar às novas formas de divisão e organização da produção 39 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As mudanças provocadas pela revolução científicotecnológica que denominamos Revolução Industrial marcaram profunda mente a organização social alterandoa por completo criando novas formas de organização e causando modificações cultu rais duradouras que perduram até os dias atuais DIAS 2004 p 124 No caso da Revolução Francesa todo o contexto socio político que possibilitou a denúncia dos privilégios da nobreza feudal e favoreceu a ascensão da burguesia no poder também contribuiu para que as mudanças mencionadas se acelerassem e configurassem assim uma nova estrutura social Portanto se a Revolução Industrial foi determinante para uma nova configura ção econômica a Revolução Francesa foi fundamental para uma definição das novas classes sociais e dos seus papéis na política emergente A partir de tais revoluções a sociedade passou a ter no vos grupos sociais dominantes e dominados Por um lado a burguesia que até então sofria com a exclusão de privilégios restritos à nobreza a partir do surgimento do capitalismo pas sou a ter a posse dos meios de produção social e com isso im por novas condições sociais políticas e econômicas Por outro a classe operária e proletária que não detinha a posse dos meios de produção foi obrigada a se submeter à exploração burguesa As condições degradantes do trabalho chegaram ao seu ápice no século 19 com jornadas de trabalho de 14 a 16 horas sem nenhum direito trabalhista descanso remunerado férias aposentadoria etc ou limite de idade para trabalhar uma vez que crianças cumpriam a mesma jornada que os adultos a classe operária estava portanto exposta a péssimas condições de segurança e saneamento básico 40 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As consequências da rápida industrialização e urbanização le vadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas aumento assustador da prostituição do suicídio do alcoolismo do infanticídio da criminalidade da violência de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da po pulação etc MARTINS 1986 p 1314 A partir desse contexto surgiram os diversos movimentos de reivindicação por parte dos trabalhadores que passaram aos poucos a se organizar nos primeiros sindicatos na Inglaterra França e outros países europeus Esses fatos também desenca dearam transformações no modo de vida dos indivíduos de ca madas sociais diferentes alterando o padrão de interações fami liares e de trabalho Aos poucos as próprias normas e os valores vigentes tiveram que reestruturar suas bases o que estimulou por sua vez o desenvolvimento de novos comportamentos e ideias Com o objetivo de procurar entender todas essas transfor mações bem como encontrar meios para a superação de seus problemas diversos pensadores como SaintSimon 17601825 Augusto Comte 17981857 e Karl Marx 18181883 apresen taram teorias explicativas sobre os processos sociais políticos e econômicos que justificam a natureza de tais mudanças na histó ria das sociedades Entre o final do século 19 e início do século 20 a Socio logia consolidouse definitivamente a partir do trabalho de ou tros estudiosos como Herbert Spencer 18201903 Max Weber 18641920 Georg Simmel 18581918 Émile Durkheim 1858 1917 Gabriel Tarde 18431904 Georg Herbert Mead 1863 1931 Charles Wright Mills 19161962 entre outros formando assim as bases sobre as quais a Sociologia se assentaria como ciência autônoma 41 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS As leituras indicadas no Tópico 3 1 abordam o contex to histórico Revoluções Industrial e Francesa do surgimento das Ciências Sociais bem como as principais mudanças que acompanharam esse processo e que motivaram os primeiros estudos sobre a sociedade Neste momento você deve reali zar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Como já mencionado uma questão inicial que precisa ser esclarecida é a seguinte Ciências Sociais é sinônimo de Sociolo gia Caso negativo quais as diferenças Para responder a essas perguntas precisamos conhecer o processo de sistematização das chamadas ciências da sociedade O processo de produção do conhecimento sociológico enquanto área autônoma tem início a partir do século 19 Ini cialmente com Comte Durkheim Weber e Marx os esforços convergiram para a criação da Sociologia como ciência dos fatos sociais No entanto com o avanço das descobertas e pesquisas e também por conta do aprimoramento de uma metodologia própria para a pesquisa social houve a necessidade de dividir e sistematizar o conhecimento sociológico em diversas áreas ou ciências específicas Esse conjunto de áreas autônomas volta das para o conhecimento da realidade social ganhou o nome de Ciências Sociais A sistematização das Ciências Sociais portanto resultou na criação de campos de especialização como Antropologia Ciên 42 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS cia Política e Sociologia O desenvolvimento de cada um deles não ocorreu de forma igual e dependeu como qualquer outro tipo de conhecimento do contexto social no qual emergiu No Brasil por exemplo as universidades ofertam cursos es pecíficos de Antropologia bacharelado Ciência Política bacha relado e Sociologia bacharelado e licenciatura ou até como em outros casos o curso de Ciências Sociais bacharelado que englobaria as três áreas No entanto com relação ao exercício profissional desses cursos só a profissão de sociólogo é reco nhecida pelo Estado brasileiro Ou seja segundo o Decreto nº 89531 de 5 de abril de 1984 BRASIL 1984 que regulamenta exercício da profissão de sociólogo todo antropólogo cientista político e sociólogo do ponto de vista do exercício legal da fun ção é enquadrado profissionalmente apenas como sociólogo Por mais que uma pessoa tenha feito o bacharelado em Antropologia na sua carteira de trabalho constará a função de sociólogo Essa questão também justifica por que no currículo do Ensino Médio apesar de constarem temas provenientes das três áreas Antropologia Ciência Política e Sociologia a discipli na acaba recebendo o nome somente de Sociologia Vejamos o que se trabalha em cada uma dessas ciências específicas Antropologia A Antropologia estuda as semelhanças e diferenças cultu rais entre os diversos agrupamentos humanos bem como a ori gem e a evolução das culturas Ou seja se por um lado a Antro pologia busca compreender como os seres humanos em suas respectivas culturas podem levar vidas tão diferentes umas das 43 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS outras por outro no entanto também tem como objeto de pes quisa para além da diversidade cultural compreender aquele ponto comum que liga indivíduos de culturas totalmente distin tas a condição humana Inicialmente no início do século 19 a Antropologia se de dicou a pesquisar a natureza e a estrutura de sociedades tradi cionalmente consideradas como primitivas ou selvagens Um dos pioneiros dessa área foi sem dúvida Lewis Henry Morgan 18181881 antropólogo norteamericano que em sua obra A sociedade antiga 2005 descrevia uma trajetória da humani dade do mais simples e irracional ao mais complexo e racional compreendida em três fases distintas a selvageria a barbárie e a civilização Confira a seguir uma tabela adaptada de Morgan 2005 p 60 com as principais características de cada uma des sas fases de desenvolvimento Tabela 1 Períodos da humanidade segundo Morgan Períodos Condições Características I Período inicial de selvageria Status inferior de selvageria Da infância da raça humana de selvageria até o começo do próximo período II Período intermediário de selvageria Status intermediário de selvageria Da aquisição de uma dieta de subsistência à base de peixes e de um conhecimento do uso do fogo até a invenção do arco e flecha III Período final de selvageria Status superior de selvageria Da invenção do arco e flecha até a invenção da arte da cerâmica IV Período inicial da barbárie Status inferior da barbárie Da invenção da arte da cerâmica até a domesticação de animais no hemisfério oriental e o cultivo irrigado de milho e plantas no hemisfério ocidental juntamente com o uso de tijolos de adobe e pedras para a construção das casas 44 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Períodos Condições Características V Período intermediário de barbárie Status intermediário de barbárie Da domesticação de animais no hemisfério oriental e no ocidental do cultivo irrigado de milho e plantas com o uso de tijolos de adobe e pedras até a invenção de forjar o minério de ferro VI Período final de barbárie Status superior de barbárie Da invenção do processo de fundir minério de ferro com o uso de ferramentas de ferro até a invenção do alfabeto fonético VII Status de civilização Status de civilização Da invenção do alfabeto fonético com o uso da escrita até o tempo presente Fonte adaptada de Morgan 2005 Outros intelectuais também compartilharam esse pressu posto evolucionista na Antropologia como o inglês Edward B Tylor 18321917 e o escocês James G Frazer 18541941 De modo geral todos apresentaram teorias fundamentadas na his tória da evolução sem chegar a um consenso sobre a natureza e a posição das sociedades nessas escalas evolutivas No entan to independentemente dos aspectos particulares desses auto res essa abordagem mostrouse problemática justamente por caracterizar algumas culturas como primitivas e bárbaras a partir de referências típicas da sociedade europeia considerada como civilizada um selvagem está para um homem civilizado assim como uma criança está para um adulto e exatamente como o cres cimento gradual da inteligência de uma criança corresponde ao crescimento gradual da inteligência da espécie assim também um estudo da sociedade selvagem em vários estágios de evolução permitenos seguir aproximadamente embora é claro não exatamente o caminho que os ancestrais das raças mais elevadas devem ter trilhado em seu progresso as cendente através da barbárie até a civilização Em suma a sel vageria é a condição primitiva da humanidade e se quisermos 45 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS entender o que era o homem primitivo temos de saber o que é o homem selvagem hoje FRAZER 2005 p 107108 Essa forma de pensamento é considerada etnocêntrica porque justifica a ideia de progresso com base em critérios que colocam as sociedades europeias como o ápice da evolução Des sa corrente surgem tendências que se apoiam no darwinismo ou evolucionismo social cujas bases teóricas são encontradas em Herbert Spencer 18201903 Já em meados do século 19 por conta da expansão do im perialismo capitalista ou neocolonialismo europeu as socieda des europeias passaram a ter cada vez mais contatos com popu lações asiáticas oceânicas e africanas Isso também promoveu uma expansão da pesquisa antropológica que passou a pesqui sar essas sociedades Tal expansão serviu positivamente para alguns autores questionarem os padrões etnocêntricos que se encontravam ca muflados nos pensadores anteriores O antropólogo Franz Boas 18581942 por exemplo inaugurou uma linha de pensamento que criticou duramente o evolucionismo cultural tese que futu ramente ficaria conhecida como relativismo cultural Segundo Boas pelo fato de as culturas serem diferentes umas das outras uma determinada sociedade só pode ser avaliada a partir dos próprios critérios culturais Para o autor essa seria uma forma de romper com as classificações hierárquicas e também de validar o conceito de cultura numa vertente de crítica ao etnocentrismo De sua permanência entre os esquimós seguem alguns registros do seu diário mais especificamente do dia 23 de dezembro de 1883 46 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Frequentemente me pergunto que vantagens nossa boa so ciedade possui sobre aquela dos selvagens e descubro quanto mais vejo de seus costumes que não temos o direito de olháIas de cima para baixo Onde em nosso povo poder seia encontrar hospitalidade tão verdadeira quanto aqui Nós pessoas altamente educadas somos muito piores relativamente falando Creio que se esta viagem tem para mim como ser pensante uma influência valiosa ela reside no fortalecimento do ponto de vista da relatividade de toda forma ção Bildung e que a maldade bem como o valor de uma pes soa residem na formação do coração Herzensbildung que eu encontro ou não tanto aqui entre os esquimós quanto entre nós BOAS apud CASTRO 2004 p 9 Confira a questão do mito do atraso primitivo e suas rela ções com o etnocentrismo observando o quadrinho da Figura 1 47 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Fonte Henfil 1977 p 3 Figura 1 Etnocentrismo 48 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ainda no final do século 19 e no início do século 20 os estudos antropológicos começaram a perceber que as diferentes culturas eram capazes não apenas de criar hábitos novos mas principalmente de oficializar determinados comportamentos e práticas regulares que se repetiam frequentemente estabe lecendo assim os chamados padrões culturais As antropólogas Margaret Mead 19011978 e Ruth Benedict 18871947 alu nas de Franz Boas fundamentaram suas pesquisas em torno do conceito de padrão cultual De acordo com a autoras os padrões culturais são tão fun damentais para a análise cultural que além de manifestarem comportamentos regulares também condicionavam os indiví duos daquele grupo a ter inclinações semelhantes Segundo Be nedict 2013 p 172 este relacionamento entre grupo e indiví duo é tão estreito que não se pode analisar o padrão de cultura sem levar em consideração especificamente a sua relação com a psicologia individual Isso daria à cultura um papel determinan te na formação das consciências uma vez que ela modelaria as personalidades individuais por meio de tipospadrão de compor tamentos embora fosse sujeita a variações em alguns de seus integrantes Na realidade a sociedade e o indivíduo não são antagonistas A cultura fornece a matériaprima com a qual o indivíduo faz a sua vida Se ela é escassa o indivíduo fica em desvantagem se ela é rica o indivíduo tem a possibilidade de se mostrar à altura de sua oportunidade Todos os interesses particulares dos ho mens e das mulheres beneficiamse do enriquecimento da ba gagem tradicional da sua civilização BENEDICT 2013 p 171 Com a influência direta de Franz Boas a Antropologia do século 20 continuou sua crítica ao evolucionismo e passou a ser vista como referência sobre as reflexões em torno das diferen 49 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ças culturais desempenhando assim um forte papel na defesa dos direitos daqueles agrupamentos minoritários e considerados diferentes Um desses representantes da Antropologia no século 20 foi o polonês Bronislaw Malinowski que na década de 1910 pesquisou as relações de parentesco presentes nas sociedades nativas das Ilhas Trobriand um conjunto de ilhas próximo a PapuaNova Guiné Em sua pesquisa constatou que diferente mente dos padrões de parentesco das sociedades ocidentais o elemento principal de linhagem familiar de tais agrupamentos não era o do pai mas o da mãe Por isso tais culturas foram chamadas de matrilineares uma vez que a mãe não significa va apenas uma progenitora mas também uma pessoa à qual se deve respeito e de quem se espera um determinado compor tamento Nessas formações familiares do tipo matriarcal o pai é caracterizado muito mais como um estranho do que como chefe de família o termo pai tem para o trobriandês uma definição clara ainda que exclusivamente social significa o homem casado com a mãe que vive com ela sob o mesmo teto e se inclui entre os moradores da casa Em todas as discussões sobre parentesco o pai me foi expressamente descrito como um estranho ou mais precisamente um intruso MALINOWSKI 1983 p 32 E mais adiante completa À medida que vai crescendo o filho também pode perceber que o irmão de sua mãe adquire sobre ele uma autoridade cada vez maior reclamando seus serviços concedendolhe ou recusandolhe permissão para realizar certos atos ao passo que a autoridade do pai se apaga aos poucos MALINOWSKI 1983 p 33 50 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Outro representante fundamental da Antropologia no sé culo 20 foi o francês Claude LéviStrauss Em seu texto Raça e História o autor aborda a questão do relativismo cultural e afir ma que os conceitos de interpretação e diversidade divergem de cultura para cultura Para ilustrar essa questão compara a cul tura a um trem cada uma tem uma direção e um destino Logo assim como os trens não caminham todos na mesma direção as culturas também possuem maneiras diferentes de interpretar o mundo LÉVISTRAUSS 2013 E mais assim como cada viajante tem uma noção mais exata da direção do seu vagão os indivíduos de uma determi nada cultura precisam entender que as culturas diferentes por mais estranhas que pareçam também possuem os seus pontos de vista próprios Para um viajante sentado à janela do trem a velocidade e o comprimento dos outros trens variam conforme estes se deslocam no mesmo sentido ou em sentido inverso LÉ VISTRAUSS 2013 p 345 Dessa maneira a concepção de que determinada cultura esteja parada nada mais é do que a falta de noção adequada a respeito da direção em que ela caminha A distinção entre cul turas que se mexem e culturas que não se mexem se explica pela mesma diferença de posição que faz com que para o nos so viajante um trem em movimento se mexa ou não LÉVIS TRAUSS 2013 p 345 E por fim completa Sabemos ser possível acumular muito mais informação sobre um trem que se move paralelamente ao nosso e a uma velo cidade vizinha por exemplo examinar a cabeça dos viajantes contálos etc do que sobre um trem que nos ultrapassa ou que ultrapassamos a grande velocidade ou que nos parece tan to mais curto quando circula noutra direção No limite passa tão depressa que guardamos dele apenas uma impressão con fusa donde os próprios sinais de velocidade estão ausentes 51 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS reduzse a uma perturbação momentânea do campo visual já não é um trem já não significa nada LÉVISTRAUSS 2013 p 346 A partir de meados do século 20 e século 21 com o cres cimento urbano e os eventos decorrentes da Segunda Guerra Mundial a Antropologia procurou compreender também o que acontecia no interior das sociedades ocidentais aproximandose então de uma pesquisa antropológica mais urbana Os antropólogos Marvin Harris 19272001 e Julian Ste ward 19021972 por exemplo resgataram os pressupostos evolucionistas criticados pela Antropologia desde Franz Boas No entanto longe de replicarem um evolucionismo social pre feriram pensar na evolução das sociedades nos termos de uma dialética marxista ou seja a partir do progresso dos sistemas econômicos presentes nas mais diferentes sociedades desde as mais simples até as mais complexas Afirmavam por sua vez que o relativismo defendido por Franz Boas não permitia uma visão global e total das sociedades humanas Portanto o argumento central dos autores se baseia no chamado materialismo cultural a vida social humana é uma resposta aos problemas práticos da sua existência nesta terra Por isso uma visão de progresso cultural apresentase como fun damental as culturas acompanham então os desenvolvimentos econômicos Enfim a Antropologia apresenta ainda hoje uma vasta área de pesquisa Apesar de algumas mudanças conceituais promovi das ao longo do tempo ainda continuam sendo objetos de estu do da Antropologia os tipos de organização familiar os tabus e ritos de iniciação os padrões sociais e as instituições etc 52 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ciência Política A Ciência Política se a tomarmos genericamente como área voltada à reflexão do fazer político antecede o Período Moderno e tem as suas raízes na Antiguidade grega Autores como Platão e Aristóteles por exemplo escreveram obras dedi cadas a esse assunto Na Antiguidade tardia isto é no período romano temos também autores que refletiram sobre aspectos fundamentais da Filosofia Política como Cícero Marco Aurélio Sêneca entre outros Na Idade Média autores como Santo Agos tinho e Tomás de Aquino abordaram questões sobre a relação entre indivíduo e governo político No entanto mesmo existindo um conjunto de teorias já consolidadas na tradição filosófica até o final da Idade Média nenhuma delas se caracterizou especifi camente como Ciência Política Somente com Maquiavel a política ganhou o status de au tônoma podendo enfim ser estudada como área separada de qualquer limitação moral ou religiosa O interesse não está em descrever a prática do governante como resultado de uma mo ral religiosa mas compreender a prática política a partir daquilo que ela representa a administração do poder soberano Esse as pecto inaugura a área da Ciência Política que nos séculos sub sequentes ganhou notabilidade com autores como Jean Bodin Thomas Hobbes John Locke JeanJacques Rousseau Montes quieu e outros Mas afinal do que se ocupa a Ciência Política Qual é o seu objeto de estudo A Ciência Política ocupase em pesqui sar as formas de poder na sociedade bem como a formação e o desenvolvimento das diferentes maneiras de governo Enquanto método sua atuação é variada podendo se constituir a partir da observação de instituições como o Estado até o modo como as 53 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS pessoas interagem segundo seus interesses Logo o poder apre sentase como o objeto central da Ciência Política Na tirinha da Figura 2 podemos perceber essa questão da seguinte forma quem realmente é o dono da fala Fonte Laerte apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 15 Figura 2 O poder político Um dos temas de maior destaque na Ciência Política diz respeito à noção de liberdade e representatividade política que por sua vez está diretamente vinculada ao processo de forma ção e abstração do Estado em sua dimensão racionallegal A re presentatividade política só é possível se ela for compreendida à luz das relações de poder Para tanto três questões apresentam se como fundamentais soberania despersonalização do poder e despatrimonialização do poder Vejamos cada uma em detalhe Soberania Com relação à ideia de soberania do poder como um dos elementos caracterizadores do Estado Moderno tornase impor tante mencionar três pensadores Maquiavel Bodin e Hobbes Maquiavel em sua obra O príncipe tem lugar especial nesse processo justamente por tentado distinguir o exercício da soberania do governante como característica especificamente estratégica e política desligada por sua vez de qualquer mora 54 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS lidade ascética e religiosa O governante deve ser prudente sufi ciente para saber usar a virtude virtù segundo as circunstâncias contingenciais que lhe ocorrem A um príncipe portanto não é necessário ter de fato todas as qualidades mas é indispensável parecer têlas Aliás ou sarei dizer que se as tiver e utilizar sempre serão danosas enquanto se parecer têlas serão úteis Assim deves parecer clemente fiel humano íntegro religioso e sêlo mas com a condição de estares com o ânimo disposto e quando necessá rio não o seres de modo que possas e saibas como tornarte o contrário Precisa portanto ter o espírito preparado para voltarse para onde lhe ordenarem os ventos da fortuna e as va riações das coisas e como disse acima não se afastar do bem mas saber entrar no mal se necessário MAQUIAVEL 2001 p 8485 Todavia a soberania em Maquiavel ainda se concentra num âmbito eminentemente personalizado e reduzido à figura do príncipe Haja vista que o Estado Moderno tende em seu pro cesso a ser abstrato e despersonalizado é preciso que essa deli mitação de soberania passe por uma reforma conceitual Nesse sentido Bodin tenta justamente apresentar uma ideia de sobe rania impessoal e desvinculada da figura do governante Dessa maneira o esforço de Bodin não poderia ser outro o de tentar determinar o que de fato é um Estado ou uma República Para Bodin as sociedades políticas Estados ou repúblicas se formam pela associação e o justo governo de famílias que diferentemente da concepção aristotélica que observa teleolo gicamente nas comunidades familiares a potência da pólis ba seiase na ideia da existência de algo público e impessoal capaz de erguerse contra o particularismo dos interesses privados e unir as partes em vista dos interesses comuns Na opinião de Bo din tal função só pode ser cumprida pela soberania 55 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Do mesmo modo que o navio só é madeira sem forma de em barcação quando lhe é suprimida a quilha que sustenta os la dos a proa a popa e o convés assim também a República sem poder soberano que une todos os membros e partes e todas as famílias corpos e colégios não é República BODIN 1997 p 17 tradução nossa Com isso Bodin chega a uma concepção de soberania des personalizada uma vez que ela não é confundida com a pessoa do monarca mas é tida como uma condição absoluta e perpétua que lhe é concedida cumprindo desse modo apenas o papel de depositário ou guardião dessa mesma soberania Isso quer dizer que o caráter absoluto da soberania não justifica o absolutismo despótico do monarca pois ambas as coisas não transitam no mesmo plano conceitual A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República Tendo dito que a República é um reto governo de várias famílias e daquilo que lhe é comum com poder soberano é preciso agora aclarar o que significa poder soberano Digo que esse poder é perpétuo posto que pode ocorrer que se conce da poder absoluto a um ou a vários por tempo determinado os quais uma vez transcorrido esse tempo não são mais que súditos Portanto não pode se chamar príncipes soberanos quando ostentam o poder já que são apenas seus guardiães ou depositários até que o povo ou o príncipe possa revogálos BODIN 1997 p 4748 tradução nossa Essa noção de soberania também aparece em Hobbes po rém de uma forma mais bemacabada e complexa do que em Bodin não basta despersonalizar a ideia de soberania na rea lidade para Hobbes devese criar uma pessoa artificial repre sentativa e despersonalizada para quem após a formalização do pacto social todos os indivíduos concordam entre si em transfe rir o direito de se autogovernarem 56 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Isto é mais do que consentimento ou concórdia é uma verda deira unidade de todos eles numa só e mesma Pessoa realiza da por um pacto de cada homem com todos os homens de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem Au torizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia de homens com a condição de transferires para ele o teu direito autorizando de uma ma neira semelhante todas as suas ações HOBBES 2003 p 147 grifo do autor Com isso detém a soberania ou ganha o nome de Sobe rano aquele que for o portador dessa Pessoa Representativa constituindo assim definitivamente o Estado ou a Repúbli ca o Leviatã como a multidão unida numa só Pessoa criada artificialmente É esta a geração daquele grande Leviatã ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus mortal ao qual de vemos abaixo do Deus imortal a nossa paz e defesa É nele que consiste a essência da república Àquele que é portador dessa pessoa chamase Soberano e dele se diz que possui po der soberano Todos os demais são súditos HOBBES 2003 p 148 Tudo isso prova que conforme Torres 1989 p 52 não há verdadeiramente Estado ou domínio púbico se não houver poder soberano No entanto a abstração do Estado Moderno não se resolve apenas com a questão da soberania é preciso também que se redimensione outro aspecto muito ligado a este primeiro inclusive já adiantado no próprio texto a questão da despersonalização do poder Despersonalização do poder Para perceber historicamente o processo de despersona lização devese voltar aos Estados absolutistas e entender duas 57 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS temáticas o fundamento da legitimidade dinástica do rei a le gitimidade da propriedade dos bens e direitos reais TORRES 1989 p 69 As duas podem ser resolvidas de modo semelhante por meio da distinção entre Rei e Coroa Para começo de conver sa Esmein em sua obra Curso Elementar da História do Direito Francês traz uma citação interessante de Pierre De LHommeau do texto Máximas Gerais do Direito Francês que diz exatamente o seguinte Os reis da França são herdeiros da coroa e a sucessão do reino da França não é hereditária nem patrimonial mas legal e esta tutária de sorte que os reis de França são simplesmente suces sores à coroa em virtude da lei e do costume geral da França DE LHOMMEAU apud ESMEIN 1912 p 367 tradução nossa Noutras palavras isso quer dizer que na França como também foi possível observar na Inglaterra optouse pela ideia de que a legitimidade da sucessão dinástica e o fundamento do patrimônio real não se encontram reduzidos à livre escolha do rei mas pertencem às leis e aos costumes do reino justamente porque a Coroa não é uma posse exclusiva do rei mas um símbo lo que unifica de modo impessoal no corpo político os súditos o território e o próprio rei Ernst Kantorowicz na obra Os dois corpos do rei citando as teses de Bracton deixa bem clara essa distinção entre rei e Coroa Uma coisa quase sagrada é uma coisa fiscal que não pode ser prescindida ou vendida ou transferida para outra pessoa pelo Príncipe ou rei em exercício e essas coisas fazem da Coroa o que ela é e dizem respeito ao bem comum tais como a paz e a justiça BRACTON apud KANTOROWICZ 1998 p 115 58 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Ou seja a autoridade pessoal do rei em seu corpo natural depende da autoridade impessoal da Lei e da Coroa enquanto corpo político Não é preciso dizer que a condição do rei acima da Lei era em si mesma perfeitamente legal e garantida pela Lei Seus direitos supralegais servindo àquelas coisas que pertencem à jurisdição e à paz e sua proteção eram garantidos ao rei pela própria Lei Pertencem a ninguém a não ser apenas à Coroa e à dignidade real nem podem ser separados da Coroa uma vez que fazem da Coroa o que ela é Da mesma forma as má ximas mais famosas de Bracton lex facit regem a lei faz o rei tinham uma outra face e não devem ser lidas exclusivamente no sentido de restrições Afirmações parecidas não eram muito raras durante a Idade Média Regem iura faciunt non persona As leis e não a pessoa fazem o rei era uma afirmação bem conhecida dos canonistas e de acordo com a própria lex digna os imperadores confessam da autoridade da Lei depende nos sa autoridade KANTOROWICZ 1998 p 103 Despatrimonialização do poder Para que a compreensão do processo de abstração do Esta do moderno seja de fato completa tornase necessário elaborar uma pequena reflexão sobre uma terceira temática muito próxi ma da despersonalização do poder a despatrimonialização Para falar desse tema tornase impossível não resgatar al gumas reflexões de Max Weber que entre outras coisas afirma que a despatrimonialização tem seu ponto de identificação com o Estado moderno a partir do momento em que há a completa separação entre patrimônio ou funções estatais e os seus admi nistradores ou titulares O Estado moderno controla os meios totais de organização po lítica que na realidade se agrupam sob um chefe único Nenhu ma autoridade isolada possui pessoalmente o dinheiro que 59 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS paga ou os edifícios armazéns ferramentas e máquinas de guerra que controla No Estado contemporâneo a sepa ração entre o quadro administrativo os funcionários adminis trativos e os trabalhadores em relação aos meios materiais de organização administrativa é completa WEBER 1982 p 102 No entanto para Torres a evolução histórica da ideia de despatrimonialização não aconteceu de modo tão linear e pon tual mas foi permeada por diversos percalços e ambiguidades que remontam inclusive ao retorno do patrimonialismo dos Es tados absolutistas A recusa do patrimonialismo das monarquias feudais como condição fundamental para a criação do Estado burocráticoracional assume num primeiro momento a vesti menta do patrimonialismo das monarquias absolutistas Logo mesmo em vista desses recuos conceituais o fato é que paula tinamente as estruturas estatais despatrimonializadas vão se consolidando de modo inequívoco principalmente no que diz respeito a duas áreas a justiça e as finanças públicas TORRES 1989 No caso da justiça a despatrimonialização do poder é com preendida a partir do esforço de superação da justiça senhorial feudal pela justiça real identificada pelo autor por meio de qua tro linhas de restrições muito bem definidas 1 A doutrina dos casos reais que retira do poder da justiça senhorial todos aqueles casos que envolvam a pessoa o patrimônio o direito real como também questões de paz pública TORRES 1989 p 5961 2 A teoria da prevenção a qual afirma que uma vez dirigido o caso ao rei o processo pode ser realizado na corte real sem interferência dos senhores TORRES 1989 p 5961 60 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 3 O instituto da apelação que fez com que a justiça senhorial perdesse qualitativamente sua soberania ju rídica TORRES 1989 p 5961 4 O conceito de justiça retida o qual afirma que o rei possui de modo retido à sua condição a titularidade originária do poder jurídico podendo julgar processos e conceder privilégios da maneira que achar mais justo TORRES 1989 p 5961 Já no caso das finanças públicas apesar das diferenças existentes entre as monarquias francesa e inglesa a despatrimo nialização do poder se refere ao processo pelo qual as rendas da Coroa vão deixando de ser efetivamente senhoriais e de cará ter excepcional para se tornarem cada vez mais públicas e for malizadas voltadas principalmente para o custeio das despesas reais Segundo Braun na Inglaterra esse fato contribuiu para o amadurecimento da noção de Estado moderno Além disso a vontade dos Estados de partilhar as despesas e de garantir as dívidas dos seus príncipes manifesta um conceito de território como algo ligado a seus próprios interesses um algo comum isto é público oposto aos interesses privados ou patrimoniais de suas casas reinantes Os Estados assim contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência de Estado no sentido moderno contradizendo o conceito tradi cional de uma autoridade e do governo como um patrimônio hereditário pessoal das casas reinantes o que pode ser objeto de venda divisão ou penhor BRAUN 1975 p 254 tradução nossa Com isso a distribuição da renda dos tributos outrora dos feudos para a corte real fez com que os próprios senhores pu dessem ver nas necessidades do rei as suas próprias necessida des promovendo assim a ideia de despesa pública Ou seja essa forma de encarar as despesas reais fez com que especialmente a 61 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS política inglesa por meio do controle parlamentar dos gastos go vernamentais pudesse chegar a estruturas estatais fundamen talmente modernas Sociologia As Ciências Sociais como um todo sempre se mantive ram atentas à tarefa de compreender e interpretar os fenôme nos sociais a partir de uma ótica científica Essa tarefa como já observado foi acompanhada por inúmeras mudanças de ordem cultural política econômica e tecnológica especialmente em decorrência das novas demandas do capitalismo como modo de produção vigente A Sociologia surgiu justamente desse processo de desa gregação do mundo feudal e consolidação do capitalismo com o objetivo de compreender as transformações sociais políticas econômicas e culturais que ocorreram nas sociedades ocidentais entre os séculos 18 e 19 O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia As transformações econômicas políticas e culturais que se ace leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu FERNANDES 1977 p 11 Segundo Lukács 1959 a Sociologia como disciplina au tônoma surgiu na Inglaterra e na França justamente quando a economia política clássica e o socialismo utópico perderam gra dativamente o seu vigor Ambos cada um à sua maneira apre sentavamse como doutrinas que abrangiam a vida social e tra tavam dos problemas essenciais da sociedade a partir dos seus condicionamentos econômicos No entanto com o surgimento 62 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS da Sociologia tais problemas passaram a ser analisados não so mente a partir da base econômica da sociedade Uma suposta independência dos problemas sociais em relação aos econômi cos foi de fato o ponto de partida metodológico da Sociologia A delimitação do campo metodológico da Sociologia vem com profundas crises da economia burguesa clássica nas quais se manifesta claramente a base social da Sociologia de um lado a dissolução da escola do liberalismo clássico na Inglaterra Da vid Ricardo principalmente quando se começava a extrair da teoria do valortrabalho os critérios da crítica marxista de outro a dissolução do socialismo utópico na França que se iniciou com as primeiras tentativas de superação por meio do socialismo que SaintSimon e Fourier não tiveram o cuidado de procurar LUKÁCS 1959 Essas duas crises da economia clássica e do socialismo utópico aliadas à resposta para ambas promovida pelo mate rialismo histórico e pela economia política marxista colocaram um fim na pretensão de que a economia burguesa clássica ain da pudesse ser a ciência fundamental para o conhecimento da sociedade Com o positivismo de Comte e Herbert Spencer a Sociolo gia mantém a pretensão de ser uma ciência universal da socie dade fato esse que porém os levou a buscar seus fundamen tos não na Economia mas nas Ciências Naturais Ou seja já no tempo de Comte e Spencer não era mais possível chegar a esse resultado pelo caminho da Economia Contudo por conta justamente da vinculação à ideia de progresso a Sociologia não conseguiu manterse durante mui to tempo como ciência universal A fundamentação científiconatural e principalmente a biológica não demorou 63 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS para ser enfraquecida em consonância com a trajetória geral políticoeconômica da burguesia por uma ideologia contrária à ideia de progresso As contradições presentes no progresso capi talista anulavam os seus próprios germes evolucionistas LUKÁ CS 1959 De fato a teoria marxista foi a primeira que descobriu o nó dialético na Economia e os elementos constituintes da ideologia capitalista Ao ser fundada como uma ciência universal sobre as ciências naturais a Sociologia positivista inicialmente tratou de eliminar o caráter contraditório do ser social camu flando assim uma crítica profunda do sistema capitalista Ainda que aceitando o ideal de progresso social a Sociologia nascente acabou delineando o conceito de progresso de acordo com os interesses da classe burguesa um progresso sem revolução que conduz a uma sociedade industrial e técnica idealizada na qual se vê o ápice do desenvolvimento da humanidade A proposta marxista apresentouse ao menos inicialmen te como resposta a esse problema resultante da Filosofia da História positivista Para tanto compreende que o progresso dia lético das sociedades só pode ser pleno pelas vias materialistas isto é pela superação das próprias relações de produção vigen tes No entanto essa opção marxista também limitou a proposta de solução a um condicionamento econômico modo de produ ção capitalista Autores posteriores como Durkheim e Weber tentaram propor caminhos alternativos que justificassem influências de outras vertentes na constituição das sociedades modernas En quanto Durkheim apostava em uma coesão orgânica como fun damento das sociedades modernas pensamento esse essen cialmente funcionalista isto é de que cada coisa ou fenômeno 64 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS possui uma função social Weber preferiu compreender as ori gens das sociedades modernas por meio de afinidades eletivas entre o modo de produção capitalista e a criação de uma menta lidade para o lucro Na tirinha da Figura 3 o cartunista Angeli apresenta dois temas fundamentais da Sociologia a saber a desigualdade social e a estratificação das classes Fonte Angeli 2000 Figura 3 Estratificação social Enfim a Sociologia dedicase a entender como a sociedade está estruturada no que diz respeito à produção e distribuição 65 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS de bens e ao modo como esse processo implica concentração de poder Além do mais voltase também à análise das relações de produção e do modo como elas resultam na formação das classes sociais trabalhadores e patrões Por fim também se de dica a estudar a natureza das instituições sociais família Igreja Estado etc e o modo como elas influenciam o processo de so cialização primária e secundária As leituras indicadas no Tópico 3 2 apresentam os prin cipais aspectos históricoculturais que formaram a área de pesquisa das Ciências Sociais especificando suas principais di visões entre Antropologia Ciência Política e Sociologia Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS O método científico como instrumento de análise das so ciedades ao longo da história foi efetivamente utilizado a partir do século 19 As próprias transformações decorrentes das Re voluções Industrial e Francesa trouxeram para os estudiosos da época novos dilemas que exigiam novas respostas Como estan darte das revoluções a autonomia da razão e o avanço da tec nologia motivaram uma conquista humana sem igual mas que foram sobrepujados pela ânsia liberal capitalista que no fim não conseguiu alcançar seus objetivos emancipatórios que se fi zeram presentes na ocasião da vitória sobre a aristocracia feudal 66 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Como já observado foram modificados não apenas os meios técnicos máquinas a vapor e a extensão dos direitos po líticos liberdade igualdade e fraternidade mas a própria estru tura social como um todo Conquistouse portanto uma igual dade jurídica isto é todos são iguais perante a lei mas se manteve uma desigualdade econômica e social que resultou na formalização das novas classes sociais burgueses e proletários e um novo modo de produção capitalismo Esse contexto foi amplamente questionado por intelectuais movimentos sociais e trabalhadores de diferentes setores da sociedade Essa insatis fação generalizada por conta da crescente desigualdade social bem como pela motivação em superála a partir de soluções racionais foi o que levou ao desenvolvimento das Ciências Sociais Comte foi o primeiro autor a definir a Sociologia como uma ciência Física Social que busca compreender as permanências e mudanças presentes nas mais diversas sociedades comparan doas umas às outras O objetivo era portanto compreender a natureza da sociedade industrial e também veicular soluções para as desigualdades vigentes No entanto os métodos especi ficamente traçados para a pesquisa sociológica surgiram a partir das pesquisas de Durkheim Weber e Marx Vertentes metodológicas das Ciências Sociais Historicamente três vertentes metodológicas se fizeram presentes nas pesquisas sociológicas do século 19 os métodos comparativofuncionalista e compreensivo e o materialismo his tórico e dialético 67 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Método comparativofuncionalista Esse método compreende uma adaptação do método ex perimental das Ciências da Natureza para as Ciências Sociais As sim como o método experimental tenta a partir de repetidas observações sob determinadas condições chegar à elaboração de leis que permitem regular e prever a ocorrência de fenôme nos o método comparativo também trabalha com a ideia de que os fenômenos sociais são coisas separadas e independentes das consciências individuais e por isso podem ser observados e pesquisados objetivamente Esse método foi fortemente divulgado pela análise fun cionalista de Émile Durkheim que segundo essa tese afirmava que todas as práticas sociais possuem uma função na sociedade Com isso um fenômeno social só existe na medida em que pos sui alguma função para o coletivo como é o caso por exemplo das instituições sociais que desempenham papéis fundamentais para a coletividade Nessa análise o método sociológico é orga nizado em duas partes primeiramente observa os fenômenos particulares de uma sociedade levando em consideração que podem ser pesquisados depois por meio de comparações con fronta os diferentes sistemas sociais classificandoos de acordo com seu nível de complexidade Método compreensivo Diferentemente de Durkheim que encarava os fenômenos sociais como coisas objetivas e externas passíveis de serem ob servadas Weber afirmava que o fenômeno social depende dos valores subjetivos interiorizados pelos sujeitos Por se tratar de um fenômeno social específico seu estudo exige um método total mente diferente daquele que ocorre nas Ciências da Natureza 68 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Na obra Economia e sociedade fundamentos da Sociologia Compreensiva Weber afirma que enquanto o método experi mental se volta para a explicação dos fenômenos naturais o método compreensivo procura a compreensão dos fenômenos da sociedade Por isso mais do que identificar a objetividade do fenômeno Weber está preocupado em analisar os possíveis sen tidos e significados que os homens atribuem às suas ações em diferentes culturas Cabe portanto à Sociologia interpretar os sentidos e as intenções de tais ações sociais Materialismo histórico e dialético De acordo com Marx essa vertente leva em consideração uma compreensão materialista de história e o progresso dialé tico das relações de produção Para o autor a dinâmica social é explicada por um conjunto de relações de produção que deter minam a forma como os meios de produção e a força de traba lho são organizados Por se tratar de uma relação de produção capitalista a classe que detém a posse dos meios de produção burguesia domina aquela que vende a sua força de trabalho proletariado Essas relações de produção por sua vez condicionam a superestrutura jurídicopolítica leis e relações de poder que re gulam a dinâmica social e ideológica crenças e valores inter nalizadas Enquanto a dimensão jurídicopolítica é responsável por justificar legalmente a produção em qualquer sociedade es cravista feudal ou capitalista a dimensão ideológica promove a coesão social dos membros da sociedade Portanto para Marx o importante não é procurar a obje tividade ou subjetividade dos fenômenos sociais mas as contra dições existentes entre relações materiais de produção e as sub jetividades manipuladas É pela mudança do modo de produção 69 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS que se chega à transformação das consciências Ou seja nem a objetividade nem a subjetividade por elas mesmas mas apenas uma dialética materialista seria capaz de superar o abismo entre teoria e prática sujeito e objeto Importante O liberalismo apresentase como um conjunto de ideias que visa afastar o máximo possível a intervenção do Es tado nas atividades da sociedade civil opondose assim radical mente à concepção social da nobreza feudal Para Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins 2016 o liberalis mo pode ser compreendido a partir de três aspectos ou enfo ques político ético e econômico A leitura indicada no Tópico 3 3 apresenta questões conceituais e históricas sobre a metodologia das Ciências So ciais enquanto área autônoma do conhecimento bem como sobre os desafios da pesquisa social na atualidade Neste mo mento você deve realizar essa leitura para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 70 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA Com o objetivo de contextualizar as mudanças históricas decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa que por sua vez motivaram o surgimento das Ciências Sociais leia os textos indicados a seguir OLIVEIRA E M Transformações no mundo do traba lho da Revolução Industrial aos nossos dias Caminhos de Geografia v 6 n 11 p 8496 fev 2004 Disponível em httpwwwseerufubrindexphpcaminhosde geografiaarticledownload153278626 Acesso em 13 nov 2019 NICOLACIDACOSTA A M Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas Psicologia Teoria e Pesqui sa v 18 n 2 p 193202 maioago 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfptpv18n2a09v18n2 pdf Acesso em 13 nov 2019 VOVELLE M A Revolução Francesa e seu eco Trad Mag da Sento Sé Fonseca Estudos Avançados São Paulo v 3 n 6 p 2545 1989 Disponível em httpwww revistasuspbreavarticleview851910070 Acesso em 13 nov 2019 71 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 32 ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Para conhecer mais sobre a organização das Ciências So ciais Antropologia Ciência Política e Sociologia leia os artigos indicados a seguir OLIVEIRA A O lugar da Antropologia nas Licenciaturas em Ciências Sociais In REUNIÃO BRASILEIRA DE AN TROPOLOGIA 29 ago 2014 Natal Anais 2014 Dis ponível em httpwww29rbaabantorgbrresour cesanais11398393266ARQUIVORBASimposio pdf Acesso em 13 nov 2019 QUIRINO C Departamento de Ciência Política Estudos Avançados São Paulo v 8 n 22 p 337348 1994 Dis ponível em httpwwwjournalsuspbreavarticle download971811290 Acesso em 13 nov 2019 LIMA J C CORTES S M V A Sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas Ciências Sociais Civitas Porto Alegre v 13 n 3 p 416435 setdez 2013 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphp civitasarticledownload1652210872 Acesso em 13 nov 2019 33 MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS A sistematização das Ciências Sociais também contemplou o desenvolvimento de métodos específicos de pesquisa Para co nhecer um pouco sobre o assunto leia o artigo indicado a seguir 72 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CANO I Nas trincheiras do método o ensino da meto dologia das Ciências Sociais no Brasil Sociologias Porto Alegre ano 14 n 31 p 94119 setdez 2012 Dispo nível em httpwwwscielobrpdfsocv14n3105 pdf Acesso em 13 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Leia o texto a seguir grandes mudanças que ocorreram na história da humanida de aquelas que aconteceram no século XVIII e que se esten deram no século XIX só foram superadas pelas grandes trans formações do final do século XX As mudanças provocadas pela revolução científicotecnológica que denominamos Revolução Industrial marcaram profundamente a organização social alte randoa por completo criando novas formas de organização e causando modificações culturais duradouras que perduram até os dias atuais DIAS 2004 p 124 Percebese que as transformações ocorridas nas sociedades ocidentais permitiram a formação de relações sociais complexas Nesse sentido a Sociologia surgiu com o objetivo de compreender essas relações explican do suas origens e consequências Sobre o surgimento da Sociologia e das mudanças históricas apontadas no texto assinale a alternativa correta a A divisão social do trabalho foi minimizada com as novas tecnologias introduzidas pelas revoluções do século 18 b A grande mecanização das fábricas nas cidades possibilitou o desen volvimento econômico da população rural por meio do aumento de empregos 73 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS c O controle teológico da sociedade foi possível com o emprego sistemá tico da razão e do livre exame da realidade d As atividades rurais do período histórico tratado no texto foram o obje to de estudo que deu origem à Sociologia como ciência e A Sociologia foi uma resposta intelectual aos problemas sociais que surgiram com a Revolução Industrial 2 Leia com atenção o trecho a seguir O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia As transformações econômicas políticas e culturais que se ace leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu FERNANDES 1977 p 11 Sobre a relação entre a Revolução Industrial e o surgimento da Sociologia como ciência assinale a alternativa incorreta a A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande concentração da população no ambiente urbano o qual acabou se constituindo em laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas que essa nova realidade social gerava b A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias do século 19 inserissem sociólogos em seus quadros pro fissionais para atuar no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos c A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades gerou uma série de problemas modernos que passaram a de mandar investigações visando à sua resolução ou minimização d Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos pro vocados pela revolução industrial compartilhavam uma preocupação comum em encontrar critérios objetivos ou leis que explicassem as transformações sociais decorrentes da revolução industrial e do surgi mento do capitalismo e Os conflitos entre capital e trabalho potencializados pela concentra ção dos operários nas fábricas foram tema de pesquisa dos precurso res da Sociologia e continuam inspirando debates científicos relevan tes na atualidade 74 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Em síntese esta unidade apresentou três temas básicos sendo o primeiro o contexto de mudanças culturais políticas e econômicas que ocorrerem nas sociedades ocidentais nos sécu los 18 e 19 e que motivaram o surgimento das Ciências Sociais Após essa etapa a unidade passou a tratar do campo de estudo das Ciências Sociais e as áreas que formam o seu estu do e pesquisa Antropologia Ciência Política e Sociologia Por fim enfatizou os principais métodos sociológicos desenvolvidos pelos principais representantes das Ciências Sociais Durkheim Weber e Marx Esperamos que esta leitura incite outras pesquisas com plementares pois o convite para o aprofundamento de questões relacionadas ao conhecimento da sociedade não é somente uma orientação acadêmica mas um exercício pleno de cidadania 75 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 1 ORIGEM CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados BBC As Consequências da Revolução Industrial Criando Maravilhas EP2 2003 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvrW4CRWMAA Acesso em 13 nov 2019 BRASIL Decreto 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cultural textos de Morgan Tylor e Frazer Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 p 4165 TORRES J C B Figuras do Estado Moderno elementos para um estudo histórico conceitual das formas fundamentais de representação política no Ocidente São Paulo Brasiliense 1989 WEBER M A política como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Rev Téc Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982 p 97153 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 79 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 79 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Objetivos Compreender a proposta liberal de Bernard Mandeville a partir de sua Fá bula das abelhas Conceituar os principais elementos caracterizadores do liberalismo clássi co de Adam Smith Analisar as críticas traçadas por Alexis de Tocqueville sobre os perigos da centralização do poder nas democracias modernas Conteúdos Mandeville e a Fábula das abelhas Bases sociológicas do liberalismo clássico Liberalismo econômico de Adam Smith Adam Smith e a metáfora da mão invisível A divisão do trabalho Tocqueville e a democracia moderna A centralização do poder nas democracias modernas O despotismo democrático UNIDADE 2 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite ao conteúdo desta obra Após conhecer o conteúdo desta unidade leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie e aprofunde os temas abordados 2 Busque outras informações em sites confiáveis eou nas referências biblio gráficas apresentadas no final de cada unidade Mantenha contato com seu tutor 3 Observe que os autores em questão apresentam ideias e conceitos que possibilitaram futuras reflexões sociológicas Muito embora nenhum deles tenha um pensamento especificamente sociológico é muito importante que os considere como precursores das Ciências Sociais 4 Para complementar os estudos da unidade sugerimos a leitura do livro O que é Economia de Paul Singer da Coleção Primeiros Passos e A Revolu ção dos Bichos de George Orwell 5 Da linguagem cinematográfica recomendamos os filmes Roger e eu EUA 1989 Tempos modernos EUA 1936 Cidadão Kane EUA 1941 O Mercador de Veneza 2004 Trocando as bolas 1983 A Dama de Ferro 2011 Capitalismo uma história de amor 2009 Uma mente brilhante 2002 Danton e o processo de Revolução França 1983 Manderlay Di namarca Suécia França Inglaterra 2005 O homem que matou o facíno ra EUA 1962 6 Como material introdutório também sugerimos que você assista aos se guintes vídeos THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvsToHBs LCNS0 Acesso em 14 nov 2019 UNIVERSITY OF AMSTERDAM A Fábula das Abelhas Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 14 nov 2019 81 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO MACAT Democracia na América Alexis De Tocqueville Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvHYKphUqm1fw Acesso em 14 nov 2019 SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 14 nov 2019 CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisível 2015 Dispo nível em httpswwwyoutubecomwatchvCgoYwzoVNhs Acesso em 14 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão Invisível Descomplican do a Economia Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTs lIsfkx2E8 Acesso em 14 nov 2019 CRISTIANO J Revolução Industrial Divisão do Trabalho e Adam Smi th 2013 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvix5jU Pyx99g Acesso em 14 nov 2019 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 83 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade você terá a oportunidade de conhecer as origens do liberalismo clássico com base em três autores Ber nard Mandeville Adam Smith e Alexis de Tocqueville Enquanto os dois primeiros trabalham com os princípios que orientaram o liberalismo econômico o último autor voltase mais para uma análise das democracias modernas e os perigos que rondam as suas propostas Tratase de autores úteis para compreendermos as origens das áreas que futuramente constituíram as chamadas Ciências Sociais Por mais que as análises dos autores da unidade este jam enviesadas por temas estritamente econômicos ou políticos não podemos no entanto deixar de mencionar que foram justa mente tais áreas Economia e Política que ofereceram as princi pais transformações nos séculos 18 e 19 levando ao surgimento de análise científica e objetiva acerca dos fenômenos sociais Boa leitura 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 84 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO 21 MANDEVILLE E A FÁBULA DAS ABELHAS Bernard Mandeville Figura 1 nas ceu em Roterdam em 1670 No tocante a sua biografia o Instituto de Humanidades 2019 aponta Ingressou na Universidade de Leyden muito jovem aos 15 anos formando se em medicina em 1694 quando ti nha apenas 21 anos Seguiu a mesma especialidade de seu pai neurologia e aparelho digestivo Em meados da década esteve na Inglaterra para aperfeiçoar seus conhecimen tos de inglês Segundo seus biógrafos encantouse com o país achando sua maneira de ser muito agradável Em fins do decê nio transferiuse em definitivo para Londres onde viveu até a morte em 1733 aos 63 anos de idade Na capital inglesa viria a ser médico bemsucedido Mandeville é autor de extensa bibliografia embora se haja tor nado famoso pelo livro A fábula das abelhas 1714 que leva o significativo subtítulo de vícios privados virtudes públicas O livro foi refundido e acrescido de novos ensaios primeiro em 1723 para finalmente ser publicado em duas partes em 1732 Figura 1 Bernard Mandeville Sem dúvida alguma A fábula das abelhas foi uma das lei turas mais discutidas ao longo do século 18 tornandose um es tandarte da burguesia nascente Mesmo tendo sofrido inúmeras edições alterações e complementos o núcleo fundamental da mensagem da obra já havia sido publicado anonimamente pela primeira vez em 1705 com o poema intitulado A colmeia des Figura 1 Bernard Mandeville 85 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO contente ou os malandros que se tornaram honestos No entan to somente em 1714 a obra ganhou a sua versão fundamental publicada também de forma anônima sob o título A fábula das abelhas ou vícios privados públicos benefícios Nessa edi ção Mandeville publicou o texto com o acréscimo de vinte Ob servações Remarks nas quais prescreve o sentido filosófico dos principais pontos da fábula O texto sofreu outras complementações durante a vida de Mandeville Em 1723 a obra passou a ser editada em dois volu mes com o acréscimo dos seguintes trabalhos Uma investiga ção sobre a origem da virtude moral Ensaio sobre a caridade e as escolas de caridade Uma investigação sobre a natureza da sociedade e Reinvindicação do livro Diálogos um total de seis textos e Críticas de A fábula das abelhas Todos esses tex tos reunidos formaram portanto a obra A fábula das abelhas que teve a sua edição definitiva em 1732 Conhecendo A fábula das abelhas O cerne da obra gira em torno do poema A colmeia des contente ou os malandros que se tornaram honestos 1705 que conta a história de uma sociedade de abelhas que apesar de estas serem imorais e viciosas prosperava de maneira surpreen dente As abelhas uma metáfora do comportamento humano enquanto permaneciam individualistas e focadas em tirar suas próprias vantagens comportavamse de maneira ativa e produ ziam grandes riquezas coletivas Assim cada parte estava cheia de vício O todo porém era um paraíso Aduladas na paz e temidas nas guerras Eram estimadas pelos estrangeiros 86 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Pródigas na riqueza e no modo como viviam Equilibravam todas as outras colmeias Tais eras as benesses daquele Estado Seus crimes conspiravam para tornálas grandiosas E a virtude que com a política Aprendera milhares de truques ardilosos Foi graças à feliz influência Tornandose amiga do vício desde aquele dia O pior tipo de toda a multidão Para o bem comum contribuía MANDEVILLE 1997 p 1415 tradução nossa A ideia da utilidade pública do vício proposta por Mande ville causou uma grande agitação na sociedade de sua época pois em meio ao caráter contraditório e convencional da moral dos bons costumes descreveu como a desonestidade e o egoís mo podem elevar a prosperidade econômica do coletivo Se por um lado o autor apresenta a imagem imoral dos indivíduos comerciantes advogados médicos ministros do culto juízes estadistas etc por outro lado argumenta o quanto toda essa perversidade é necessária para o benefício público O escândalo do texto não procede do fato de que cada indivíduo busca a sua autoconservação ou seja concretizar aquilo que é objeto de seu desejo e aspirações mas sim por afirmar que uma socieda de próspera é justamente aquela constituída pela união dessas aspirações egoístas Eis a arte do Estado que preservava O todo do qual cada parte se queixava Como a harmonia musical Fazia as dissonâncias concordarem com o principal 87 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Parte diametralmente opostas Ajudavamse mutuamente como que por despeito E a temperança e a sobriedade Serviam à embriaguez e à glutonaria MANDEVILLE 1997 p 15 tradução nossa Na fábula cada parcela da população cada grupo e pro fissão em suas respectivas imoralidades e vícios estimulava se reciprocamente procurando ultrapassar suas diferenças e melhorando assim o corpo social como um todo Enquanto al gumas trabalhavam outras se aproveitavam da situação a desi gualdade existia individualmente mas fortalecia a colmeia cole tivamente Como o próprio subtítulo afirma os vícios privados alavancavam os benefícios públicos ou seja as desigualdades nesse caso constituíam o motor do progresso A sociedade das abelhas prosperava e por isso não havia motivos para reclamar Mas segundo o poema como se trata va de uma colmeia descontente aquelas abelhas hipócritas que não gostam de ver seus vícios misturados à prosperidade coleti va passaram a reclamar da situação moral da coletividade e exi gir dos deuses Júpiter o desejo pela moralidade e honestidade Cansado de ouvir as reclamações das abelhas Júpiter movido por indignação cede inesperadamente à colmeia o seu desejo pela moralidade Um deles que conseguira uma fortuna principesca Enganando seu mestre seu rei assim como os pobres Atreviase a bradar esta nação se arruinará Por todas as suas fraudes Não se admitia nada de errado Nem a menor interferência nos negócios públicos Os tratantes porém descaradamente esbravejavam Pelos deuses tivéssemos ao menos honestidade 88 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Mercúrio sorria em face à imprudência Outros chamavam de insensatez Estar sempre a ralhar contra aquilo que amavam Mas Júpiter tomado de indignação Por fim jurou encolerizado que livraria A zunidora colmeia da fraude e assim o fez Nesse mesmo instante ela desapareceu E a honestidade encheu seus corações Foilhes mostrado qual a árvore da sabedoria Os crimes que tinham vergonha de ver E que agora em silêncio confessam Ruborizandose com sua feiura MANDEVILLE 1997 p 16 tra dução nossa No entanto a partir do momento em que as abelhas se tor nam honestas e morais a colmeia passa a viver de acordo com as consequências da moralidade os benefícios públicos resul tantes dos vícios particulares deixam de existir comprometendo assim a colmeia como um todo Deixem então de se lamentar apenas os tolos se esforçam Para tornar honesta uma grande colmeia Para gozar das comodidades do mundo Afamarse na guerra e viver no conforto Sem grandes vícios é uma vã Utopia inculcada no cérebro A fraude o luxo e o orgulho devem viver Enquanto usufruímos dos benefícios MANDEVILLE 1997 p 21 tradução nossa Por se tornarem justas individualmente os benefícios co letivos diminuem de maneira gradativa à medida que a deso nestidade desaparecia o luxo e a riqueza também cessavam Sem o comércio do supérfluo os artesãos não tinham mais para 89 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO quem fabricar seus itens luxuosos fazendo com que também os mercadores fossem atrás de outros mercados Enfim o triunfo de uma sociedade moral e justa teve seu preço Ao instaurar o reino público da moralidade o incentivo pela superação dos de feitos individuais desapareceu Findaramse as desigualdades mas também o incentivo pessoal que agora se escondia sob o cinzento véu do conformismo Passemos agora para uma análise sociofilosófica do texto e suas relações com o início do pensamento liberal burguês Conexões de A fábula das abelhas com a origem das Ciências Sociais A obra de Mandeville permaneceu como inspiração filosó fica do liberalismo clássico nascente A ascensão da burguesia como classe social e econômica suscitou também a necessi dade de sua afirmação política Em oposição à visão da nobre za feudal o novo estilo de vida burguês ansiava acima de tudo afastar a influência do Estado da vida e das atividades particula res dos indivíduos É importante destacar que o liberalismo apresentase como um conjunto de ideias que visa afastar o máximo possível a intervenção do Estado nas atividades da sociedade civil opondo se radicalmente assim à concepção social da nobreza feudal O liberalismo pode ser entendido de três formas segundo Aranha e Martins 2016 p 273 O liberalismo político constituiuse contra o absolutismo real e buscou nas teorias contratualistas a legitimação do poder que não mais se fundava no direito divino dos reis nem na tradição e herança mas no consentimento dos cidadãos Decorreu dessa maneira de pensar o aperfeiçoamento das instituições do voto e da representação a autonomia dos poderes e a limitação do 90 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO poder central O liberalismo ético supõe o prevalecimento do estado de direito que rejeita o arbítrio as prisões sem culpa formada a tortura as penas cruéis e estimula a tolerância para com as crenças religiosas para tanto defende os direitos indivi duais como liberdade de pensamento expressão e religião O liberalismo econômico opõese inicialmente à intervenção do poder do rei nos negócios que se exercia por meio de proce dimentos típicos da economia mercantilista tais como a con cessão de monopólios e privilégios ARANHA MARTINS 2016 p 273 O fato é que o ambiente socioeconômico proveniente da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra por volta de 1750 deu origem a uma nova estrutura social de classes bem como a um novo modelo econômico o capitalista Com isso nesse con texto Mandeville promove uma reflexão otimista com relação ao individualismo econômico demonstrando como a prospe ridade coletiva está calcada no egoísmo ético e no instinto da autoconservação Nesse sentido A fábula das abelhas apresentase não so mente como uma crítica à sociedade dos bons costumes nobre za mas como uma defesa explícita das bases sociológicas do liberalismo econômico Mandeville mostrava eficazmente em cores vivas o contraste entre uma tese cara à burguesia empreendedora dos negócios inclinada ao lucro e à competição isto é o liberalismo indivi dualista e a tese oposta do coletivismo igualitário sustentada então apenas por reformadores religiosos radicais cátaros fraticelli valdenses anabatistas e mais tarde por extremistas jacobinos antes de encontrar rigorosa expressão no marxismo moderno São os primeiros lampejos para uma reflexão sobre o útil como valor e sobre as leis econômicas como molas do agir humano que a partir da metade do século ocuparão as gera ções sucessivas REALE ANTISERE 2007 p 309 91 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Mas qual seria o fio condutor da obra de Mandeville Inú meras interpretações podem ser extraídas do texto do autor po rém um aspecto comum parece ser afirmado por todas a tese da autonomia econômica ou seja de que as relações econômicas não devem ser reguladas pela moralidade ou por qualquer outra instância limitadora Nesse sentido os elementos conceituais da moralidade tradicional não são compatíveis com a sociabilidade promovida pelas novas relações econômicas Em uma de suas Observações Mandeville afirma o seguinte Podese dizer que a virtude faz amizade com o vício quando pessoas boas e trabalhadoras que apoiam suas famílias e edu cam seus filhos decentemente pagam seus impostos e são de muitas maneiras membros úteis da sociedade ganham a vida com algo que depende principalmente dos vícios dos outros ou que está intimamente relacionado com eles sem que por isso seja culpado ou contribuindo para o seu desenvolvimento MANDEVILLE 1997 p 52 tradução nossa O problema de fundo contido nA fábula das Abelhas gira em torno da ideia de que a sociabilidade políticoeconômica não se organiza necessariamente a partir de uma estrutura mo ral Ao contrário pelo fato de a moralidade não ser algo natural mente dado podese afirmála justamente como um produto da história e uma conquista do esclarecimento Portanto o pensa mento liberal de Mandeville é individual e naturalista uma vez que afirma que o sucesso coletivo depende da administração das paixões provenientes dos indivíduos O princípio de nossa conduta não são deveres e valores postos como fins mas paixões operando como causas eficientes A so ciabilidade contudo só se torna coesa e ordenada no momen to em que nos deixamos seduzir por um discurso que falseia esse dado natural descrevendo nossa conduta por referência a uma suposta nobreza e destinação moral Este autoengano ou esta hipocrisia é portanto necessária ao bom funcionamen 92 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO to da sociabilidade É ela que nos determina o amorpróprio como causa motora no sentido da adesão aos valores reque ridos pela ordem social LIMONGI 2003 p 231 Sobre esse aspecto é significativo o seguinte trecho do poema Assim o vício tornase benefício Quando aparado e limitado pela justiça Ora quando um povo quer engrandecer O vício é tão necessário ao Estado Quanto à fome que nos faz comer A virtude sozinha não pode fazer as nações viverem Em esplendor os que querem reviver A idade do ouro deve libertar Das bolotas de carvalho assim como da honestidade MANDE VILLE 1997 p 21 tradução nossa A fábula das abelhas pode ser portanto entendida como uma defesa da sociedade comercial fundada na distribuição desigual do dinheiro A moral de Mandeville encontrase justa mente na inversão dos valores morais tradicionais aquilo que é considerado mal e nocivo apresentase como o princípio funda mental da nova vida social capitalista Contudo devese notar que por sociedade comercial não compreendemos o âmbito da produção industrial mas sim o da liberdade do consumo Logo Mandeville não é identificado como um defensor do capitalismo mas como idealizador da ideia de autonomia de mercado cuja virtude passa a ser fundamentada pelo conceito de utilidade Além disso nA fábula Mandeville faz uma referência ex plícita à teoria do laissezfaire expressão francesa que signifi ca etimologicamente deixai fazer deixai ir deixai passar O termo faz referência direta ao liberalismo econômico principal mente na fase do capitalismo de mercado ao afirmar o livre 93 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO funcionamento do mercado sem qualquer tipo de interferência apenas regulado por princípios básicos para a proteção dos di reitos de propriedade Essa concepção econômica teve início nos Estados Unidos e nos países da Europa durante o final do século 19 até o início do século 20 dominou o pensamento econômico moderno por mais de um século e atualmente ainda se apresen ta como uma força poderosa De modo geral essa teoria susten ta que as ações comerciais são mais prósperas e favoráveis na medida em que são menos reguladas pelo Estado A ausência do monitoramento político baseiase na crença de que as coisas tendem por si mesmas a encontrar o equilíbrio que melhor lhes convém bem como na ideia de que o indivi dualismo econômico tem condições suficientes para intervir na sociedade em prol do benefício coletivo Essa ideia ficou clara no seguinte trecho dos Diálogos Na mistura de todas as nações os diferentes graus de homens devem ser mais ou menos proporcionais ao todo a fim de que isso seja harmonioso E como essa proporção harmônica é o resultado e a consequência natural das diferenças existentes nos valores que os homens possuem e nas vicissitudes que chegam a eles nunca são alcançados ou preservados melhor do que quando ninguém pretende alterála É por isso que po demos ver até que ponto a sabedoria míope ou talvez as boas intenções nos roubam a felicidade que fluiria espontaneamente da natureza de toda grande sociedade se ninguém desviasse ou obstruísse a corrente MANDEVILLE 1997 p 608 tradução nossa Outra influência de Mandeville para a economia pode ser identificada na famosa teoria da divisão do trabalho ideia siste matizada mais tarde por Adam Smith que se tornou inclusive uma das pedras angulares do pensamento econômico moder no Ou seja podemos afirmar que a obra de Mandeville foi uma antecipação da concepção de divisão do trabalho uma vez que 94 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO indica a necessidade da especialização das funções para a pros peridade coletiva Esse processo provocou muitas mudanças na sociedade como a transformação do processo de produção o crescimento das cidades a concentração de trabalhadores nos bairros indus triais e a degradação das condições de trabalho Importante A ideologia das revoluções do século XVIII pre tendera circunscrever as relações da sociedade ao plano ato mizado do indivíduo e do Estado Destruíra aquelas esferas sagradas da vida social pela destruição dos privilégios de casta e de ordem pela proscrição das corporações de ofício e das bar reiras à economia de lucro e à concorrência pelo novo conceito de educação Cabia entretanto ao lado da demolição da ordem social do passado racionalizar a construção de uma ordem nova e com esta missão nasceu a sociologia COSTA PINTO 1986 p 42 Os materiais indicados no Tópico 3 1 apresentam tanto o poema A colmeia descontente ou os malandros que se tor naram honestos como também as principais concepções so ciofilosóficas do liberalismo econômico de Mandeville Neste momento você deve consultar esses materiais para aprofun dar o tema abordado 22 ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO Ao se mencionar o tema liberalismo econômico sem dúvida alguma tornase imprescindível colocar em destaque o pensamento do Adam Smith Figura 2 Leia o trecho a seguir sobre a vida e as produções do autor 95 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Adam Smith foi um importante filósofo e economista escocês do século XVIII Nasceu na cidade escocesa de Kirkcaldy em 5 de junho de 1723 e faleceu em Edimburgo no dia 17 de julho de 1790 Sua principal obra foi A Riqueza das Nações escrita em 1776 Nesta obra Adam Smith buscou diferenciar a economia política da ciência política a ética e a jurisprudência Fez também duras críticas à política mercantilista e sua intervenção irrestrita na economia Porém a teoria principal defendida por Adam Smith nesta obra é a de que o desenvolvimento e o bemestar de uma nação advêm do crescimento econômico e da divisão do traba lho SUAPESQUISACOM 2019 Seguindo uma esteira da política li beral do inglês John Locke 16321704 e da autonomia econômica proposta por Mandeville Smith defendia a proprieda de privada e a economia de mercado com base na livreiniciativa e na competição Vejamos a seguir algumas das princi pais ideias do pensamento liberal de Adam Smith Adam Smith e a noção de mão invisível O conceito de mão invisível introduzido por Adam Smith em A riqueza das nações apresentase como uma ideia essen cialmente necessária e imprescindível para a compreensão dos processos econômicos próprios da sociedade capitalista cujas características para o autor manifestamse como autorregula res e evolucionárias Figura 2 Adam Smith 96 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Defensor de um liberalismo absoluto o pensamento eco nômico clássico de Adam Smith não somente recebeu influências do liberalismo de Bernard Mandeville como também exerceu influências em teorias futuras como o evolucionismo de Char les Darwin Segundo Smith em A riqueza das nações a esfera econômica não deve ser entendida a partir de um ordenamen to moral mas sim natural Ou seja os indivíduos produzem e negociam por causa de seus interesses pessoais relacionados a livre oferta e procura e competitividade e não por causa de um altruísmo deliberado Dême aquilo que eu quero e você terá isto aqui que você quer esse é o significado de qualquer oferta desse tipo e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos servi ços de que necessitamos Não é da benevolência do açouguei ro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse SMITH 1996a p 74 O fundamento natural da economia pode ser facilmente en contrado no seu próprio funcionamento a ação econômica por si mesma depende das ações egoístas de indivíduos dispersos e heterogêneos que buscam os próprios interesses privados Sem esse pressuposto não existiria a lei da oferta e procura Logo o lucro não é decorrente de uma ação deliberadamente moral e altruísta mas individual e egoísta Nesse caso a luta pela autoconservação das espécies seleção natural é transposta por Smith para o campo da competitividade econômica De fato gostaria de adiantar uma tese mais forte segundo a qual a teoria da seleção natural é em essência a teoria econô mica de Smith transferida para a natureza Os organismos in dividuais empenhados na luta pela existência agem de modo análogo às empresas na competição O sucesso reprodutivo tornase semelhante ao lucro pois ainda mais do que na eco 97 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO nomia do homem não se pode verdadeiramente conserválo na natureza GOULD 2002 p 122123 tradução nossa No entanto apesar de os indivíduos serem dispersos e egoístas suas ações econômicas de acordo com Adam Smith parecem que são guiadas por uma racionalidade para fins uso de meios para a obtenção de fins que não se justifica moralmen te Essa racionalidade primariamente de caráter individualista e gananciosa organiza orienta e canaliza pela lei da oferta e pro cura tais ações para benefício da própria sociedade como uma espécie de mão invisível Portanto já que cada indivíduo procura na medida do possível empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo valor possível cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade Ge ralmente na realidade ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo Ao prefe rir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança e orientando sua ativi dade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor visa apenas a seu próprio ganho e neste como em muitos ou tros casos é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções Aliás nem sem pre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo Ao perseguir seus próprios interesses o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade mui to mais eficazmente do que quando tenciona realmente pro movêlo SMITH 1996a p 438 grifo nosso Portanto o conceito de mão invisível cumpre aqui uma função metafórica e pragmática para a argumentação da racio nalidade econômica apesar de não existir nenhuma entidade coordenadora dos interesses particulares na economia de mer cado ao menos no século 18 o modo como ocorre a interação 98 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO entre os indivíduos parece resultar numa determinada ordem como se de fato existisse uma mão invisível que orientasse os desdobramentos da economia Logicamente esse conceito tem uma importância central para o liberalismo econômico clássico por um lado explicita uma independência e autonomia da ação econômica não mais limitada ao campo moral mas administrada por uma lógica evo lucionista autorreguladora e racionalizada como também por outro coíbe qualquer iniciativa intervencionista de outras esfe ras e instituições Igreja Estado exército instituições educacio nais etc A divisão do trabalho Ao pesquisar sobre condições e critérios para o aumento da produtividade Adam Smith chegou à conclusão de que estão intimamente ligados à divisão do trabalho o maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a maior parte da habilidade destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado parecem ter sido resultados da divisão do trabalho SMITH 1996a p 65 Smith já antevê em sua obra A riqueza das nações um as pecto fundamental defendido pelo fordismotaylorismo no sé culo 20 dividir as demandas para produzir com mais eficiência Logo em uma fábrica de alfinetes um operário desenrola o arame um outro o endireita um ter ceiro o corta um quarto faz as pontas um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete para fazer uma cabeça de alfinete requeremse 3 ou 4 operações diferentes montar a cabeça já é uma atividade diferente e alvejar os al finetes é outra a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente SMITH 1996a p 66 99 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Nesse sentido a prática da divisão do trabalho possui van tagens diretas ligadas ao aumento da produção podendo ser identificadas segundo o autor nos aspectos tratados a seguir Aperfeiçoamento da mão de obra Um dos efeitos da divisão do trabalho é justamente possi bilitar aos trabalhadores o treino de uma ação específica A re petição de uma determinada ação no âmbito da produção de coisas faz com que o trabalhador domine profundamente sua função produtiva No entanto quando o trabalhador realiza mais de uma ati vidade no processo de produção tomando conta de todo o pro cesso e não apenas de uma de suas partes a mão de obra não apresentará um bom aperfeiçoamento técnico Logo o aumento da habilidade do trabalhador depende da fragmentação do pro cesso de produção compreendido por Smith como a condição para o crescimento da produtividade Em primeiro lugar vejamos como o aprimoramento da destreza do operário necessariamente aumenta a quantidade de serviço que ele pode realizar a divisão do trabalho reduzindo a ativi dade de cada pessoa a alguma operação simples e fazendo dela o único emprego de sua vida necessariamente aumenta muito a destreza do operário SMITH 1996a p 68 Por exemplo um ferreiro que fez pregos terá um rendi mento médio de 200 ou 300 por dia um ferreiro que já está acostumado a fazer pregos porém que se dedica a outras fun ções terá um rendimento médio de 800 a 1000 por dia no en tanto um ferreiro especializado apenas em fazer pregos terá uma produção média de 2300 pregos por dia SMITH 1996a p 68 Esse princípio praticamente tornouse um dogma para a 100 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO economia clássica o aumento da produtividade está diretamen te ligado à qualificação de habilidades e especialização da função conceitos decorrentes por sua vez do processo de divisão do trabalho Otimização do tempo Uma segunda vantagem decorrente da divisão do trabalho diz respeito ao melhor aproveitamento do tempo de produção Um trabalhador que faz mais de uma função no processo de pro dução além de perder tempo na passagem de uma tarefa para outra retarda o ritmo de produção por simplesmente dividir a sua atenção e foco em mais de uma atividade A vantagem que se aufere economizando o tempo que geralmente se perderia no passar de um tipo de trabalho para o outro é muito maior do que à primeira vista poderíamos imaginar SMITH 1996a p 68 Smith apresenta como exemplo o caso do tecelão que perde muito tempo ao passar frequentemente do tear para o campo e viceversa SMITH 1996a p 6869 A divisão das funções obriga o trabalhador a ter uma maior concentração no próprio ato produtivo diferentemente daquele que a fragmenta em diversas atividades ao começar o novo trabalho raramente ela se dedica logo com entusiasmo sua cabeça está em outra SMITH 1996a p 69 A avaliação do próprio método produtivo é mais bem contemplada nos casos em que há uma atenção vol tada para um único objeto ou ação As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade de coisas SMITH 1996a p 69 101 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO O uso de máquinas Por fim segundo Smith o aumento da produção pode ser maior ainda com a utilização de máquinas adequadas segundo a especialização de cada função em terceiro e último lugar precisamos todos tomar consciência de quanto o trabalho é facilitado e abreviado pela utilização de máquinas adequadas SMITH 1996a p 69 A utilização das máquinas serve para auxiliar o trabalhador no que diz respeito à avaliação de sua própria tarefa De acordo com Smith é comum para aqueles trabalhadores que desempe nham uma única função melhorar cada vez mais seus métodos Como resultado os próprios trabalhadores comuns acabam in ventando máquinas e instrumentos que potencializam mais ain da a produção Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que o trabalho está mais subdividido constituiu originalmente in venções de operários comuns os quais com naturalidade se preocuparam em concentrar sua atenção na procura de méto dos para executar sua função com maior facilidade e rapidez estando cada um deles empregado em alguma operação muito simples SMITH 1996a p 69 Como exemplo Smith cita o caso do operário que conse guiu descobrir uma estratégia para abrir e fechar automatica mente uma válvula de uma bomba de incêndio sem a necessi dade de sua ação manual Para Smith isso só foi possível porque o trabalhador especializado nessa função conseguiu avaliar e melhorar os métodos de produção bem como poupar o seu es forço desnecessário SMITH 1996a p 69 102 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Troca e autointeresse Segundo Adam Smith a divisão do trabalho é um processo lento e gradual da organização socioeconômica humana que em sua origem não se apresenta como um resultado ocasional ou da própria acumulação da riqueza por si mesma Pelo contrário a divisão do trabalho diz respeito a uma necessidade puramente humana a propensão a intercambiar permutar ou trocar uma coisa pela outra SMITH 1996a p 73 Logo a propensão para trocar e permutar o verdadeiro motivo para a divisão do traba lho é próprio da natureza humana De qualquer maneira essa propensão encontrase em todos os homens não se encontrando em nenhuma outra raça de ani mais que não parecem conhecer nem essa nem qualquer ou tra espécie de contratos Ninguém jamais viu um cachorro fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro com um segundo cachorro Ninguém jamais viu um animal dando a entender a outro através de gestos ou gritos naturais isto é meu isto é teu estou disposto a trocar isto por aquilo SMITH 1996a p 73 A troca comercial caracterizase como uma atividade es sencialmente humana e acima tudo coletiva humana porque se trata de uma atividade própria dos seres humanos e coletiva porque a troca comercial só existe na medida em que consegue satisfazer também a propensão de troca de outros indivíduos Por isso por mais que a troca comercial necessite da presença dos outros isso não quer dizer que ela seja motivada por uma benevolência alheia Os homens trocam coisas pelo autointeres se da vantagem e não porque almejam algum objetivo altruísta O homem entretanto tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes e é inútil esperar esta ajuda simples mente da benevolência alheia Ele terá maior probabilidade de obter o que quer se conseguir interessar a seu favor a auto 103 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO estima dos outros mostrandolhes que é vantajoso para eles fazerlhe ou darlhe aquilo de que ele precisa É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra Dirigimonos não à sua humanidade mas à sua autoestima e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades mas das vantagens que advirão para eles SMITH 1996a p 74 grifo nosso Com tais observações Adam Smith consegue transformar a troca comercial em uma das necessidades mais básicas da na tureza humana se o homem não se basta sozinho devendo por tanto esperar do outro uma troca comercial e não afetiva ou moral então negociar tornase uma questão de sobrevivência Nesse sentido a divisão do trabalho é uma forma de aper feiçoamento e potencialização da produção humana cujo objeti vo sempre será a apropriação de um excedente Será justamente por meio da troca desse excedente que o ser humano conseguirá suprir suas necessidades mais básicas Em uma tribo de caçadores ou pastores por exemplo uma de terminada pessoa faz arcos e flechas com mais habilidade e ra pidez do que qualquer outra Muitas vezes trocálosá com seus companheiros por gado ou por carne de caça considera que dessa forma pode conseguir mais gado e mais carne de caça do que conseguiria se ele mesmo fosse à procura deles no campo SMITH 1996a p 50 No final de tudo a troca comercial acaba harmonizando as diferentes necessidades e prioridades a mão invisível da ofer ta e da procura harmoniza as diferenças e faz com que profissões tão distintas sejam aproximadas pela necessidade do câmbio Ou seja para Adam Smith aquilo que o espírito liberal divide o trabalho ao mesmo tempo também se torna pressuposto para a coesão e a unidade social A troca comercial baseiase na diferença porém a torna útil para a vida em sociedade Nesse 104 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO sentido a troca pacífica os conflitos entre habilidades interesses e necessidades diversas Assim como é essa propensão que gera essa diferença de ta lentos tão notável entre pessoas de profissões diferentes da mesma forma é essa mesma propensão que faz com que a di ferença seja útil SMITH 1996a p 75 A riqueza das nações Como já observado o pensamento econômico de Adam Smith participa de uma vanguarda liberal que adotará o livre comércio como elemento fundante Por esse motivo Smith é considerado o fundador da ciência econômica uma vez que seu pensamento busca compreender as leis de mercado para além das noções manifestas pelas vontades individuais Com isso bus cando compreender a lógica da riqueza das nações Smith iden tificou o trabalho produtividade como a grande fonte do valor O trabalho foi o primeiro preço o dinheiro de compra original que foi pago por todas as coisas Não foi por ouro ou por pra ta mas pelo trabalho que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo e o valor dessa riqueza para aqueles que a possuem e desejam trocála por novos produtos é exatamente igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condi ções de comprar ou comandar SMITH 1996a p 8788 Adam Smith poderia ter identificado a riqueza de uma na ção na indústria nascente ou na agricultura mas preferiu atribuir essa função ao trabalho Ou então alguém poderia afirmar que tais riquezas dependeriam acima de tudo da compra e venda de bens necessários e úteis com outras nações Todavia os bens de uma nação só existem porque são produzidos por outra coisa o trabalho 105 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Por isso ao falar do trabalho como critério de valor chegase ao tema central da obra de Adam Smith quanto mais divisão do trabalho e troca comercial maior será a riqueza de uma nação No primeiro parágrafo da obra A riqueza das nações também deixa claro o cerne do seu programa econômico o tra balho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente SMITH 1996a p 58 Essa conclusão faz do pensamento de Adam Smith inova dor especialmente por conta de duas teses básicas O trabalho está na base da produção da riqueza de uma nação ou seja o trabalho é o critério de valor que passa a determinar o preço das mercadorias fica pois evidente que o trabalho é a única medida universal e a única medida precisa de valor ou seja o único padrão através do qual podemos comparar os valores de mercadorias diferen tes em todos os tempos e em todos os lugares SMITH 1996a p 93 A coesão social não decorre de um pacto mas de uma harmonia não intencional de interesses individuais nesse caso Smith contraria a principal tese dos autores contratualistas Hobbes Locke e Rousseau na medida em que não justifica a existência dos vínculos sociais por meio de um contrato social com o Estado mas pelas re lações de troca entre indivíduos Surge então com toda potência o liberalismo de Estado do autor não cabe ao Estado intervir na vida dos indivíduos mas possibilitar aos próprios indivíduos a liberdade suficiente para que eles mesmos encontrem meios para conviver pacifica mente Logo não existe um pacto com o soberano Es 106 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO tado mas uma regulação social promovida pela troca comercial Entre os homens os caracteres e habilidades mais diferentes são úteis uns aos outros as produções diferentes dos respec tivos talentos e habilidades em virtude da capacidade e pro pensão geral do intercâmbio ao escambo e à troca são como que somados em um cabedal comum no qual cada um pode comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos outros de acordo com suas necessidades SMITH 1996a p 51 Em resumo Adam Smith marca uma evolução na economia clássica Não somente delimita os marcos científicos dessa área como também estabelece definitivamente o liberalismo econô mico ao identificar a troca comercial como o ponto central das sociedades modernas capitalistas Tal ideia permaneceu hege mônica durante muito tempo sendo abalada apenas posterior mente com as contribuições do socialismo utópico SaintSimon Fourier e principalmente do materialismo históricodialético Karl Marx que colocou o objeto e método da Economia em outros patamares de discussão Os materiais indicados no Tópico 3 2 abordam concei tos centrais da proposta econômica de Adam Smith enquanto ciência Neste momento você deve acessar esses materiais para aprofundar o tema abordado 23 TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos a sociedade e as instituições políticas consolidavam e celebravam os ideais liberais a França berço da revolução democrática sofria com 107 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO as contradições antidemocráticas impostas pelos governos po líticos posteriores à Revolução Francesa Os ideais de liberdade igualdade e fraternidade estavam cada vez mais distantes daqui lo que a burguesia francesa prometeu Por exemplo o governo revolucionário de Robespierre que se considerava declarada mente democrático foi o responsável pela instauração do cha mado Período do Terror 17921794 Durando de 5 de setembro de 1793 com a queda dos gi rondinos republicanos moderados a 27 de julho de 1794 com a prisão de Robespierre 17581794 líder dos jacobinos esse período foi marcado pela aplicação de várias sanções antidemo cráticas garantias civis foram suspensas e o governo revolucio nário controlado pelo partido jacobino perseguiu e assassinou seus adversários a estimativa é de que tenham sido guilhoti nadas entre 17000 e 40000 pessoas O que inicialmente era uma perseguição destinada apenas aos girondinos acabou se tornando uma perseguição geral a todo e qualquer inimigo da Revolução O exemplo mais conhecido foi a perseguição do integrante do partido jacobino Georges Jacques Danton 17591794 que esteve ao lado de Robespierre no início da Revolução France sa mas foi executado pelo próprio partido sob as acusações de Louis Antoine Léon de SaintJust 17671794 O Comitê de Salva ção Pública liderado por Robespierre era o órgão que conduzia a política do terror e coordenava as execuções Cansada do terror execuções congelamento de preços e do autoritarismo revolucionário a burguesia passou a reivindicar a paz para seus negócios posição defendida pelos jacobinos liderados por Danton Muitos girondinos que sobreviveram à perseguição aliaramse à elite burguesa e articularam um gol pe em 27 de julho de 1794 que derrubou Robespierre e seus 108 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO partidários Sem o apoio dos burgueses e da massa popular os sansculottes Robespierre juntamente com SaintJust e outros dirigentes do partido jacobino foi destituído do cargo de presi dente do Comitê de Salvação Pública e em seguida foi preso e guilhotinado O golpe selou o fechamento da Comuna de Paris e o fim do partido jacobino bem como marcou a volta da burguesia gi rondina ao poder Pouco tempo depois Napoleão Bonaparte foi coroado imperador iniciando um período de forte centralização absolutista Com todas essas discrepâncias democráticas era natural que alguns liberais temessem novas contradições decorrentes da discreta separação entre igualdade e democracia e liberdade e tirania Um dos autores liberais que refletiu sobre os perigos do igualitarismo democrático foi Alexis de Tocqueville 1805 1859 especialmente em sua obra A democracia na América publicada em dois volumes 18351840 na qual se propôs a analisar com sensatez a natureza das incoerências democráticas do seu tempo Tocqueville precursor da democracia moderna Alexis Henri Charles Clérel de Tocque ville 18051859 conhecido como Alexis de Tocqueville Figura 3 nasceu em Paris Fran ça no dia 29 de junho de 1805 Foi um pen sador político e estadista francês considerado um dos grandes teóricos sobre a democracia americana Especulou sobre a natureza essen cial da própria democracia suas vantagens e perigos FRAZÃO 2016 Figura 3 Alexis de Tocqueville 109 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Descendente de família aristocrata formouse em Direito e atuou como juiz Alexis de Tocqueville viveu no período mais crítico da história francesa durante o século XIX Nasceu pouco tempo depois da Revolução Francesa 1789 sobre a qual escre veria uma obra clássica Viajou para os Estados Unidos para es tudar o sistema democrático em funcionamento Ficou impres sionado com a nascente democracia norteamericana De volta à França em 1832 escreveu e publicou sua obraprima A demo cracia na América 18351840 A figura de Alexis de Tocqueville foi fundamental para o início da Sociologia especialmente no que diz respeito a temas relacionados à democracia moderna Influenciado pelas ideias contratualistas de JeanJacques Rousseau 17121778 Tocque ville procurou responder como conciliar na prática os conceitos de igualdade e liberdade o igualitarismo de fato é sinôni mo de liberdade Rousseau já havia dado uma resolução prévia a essa ques tão quando apresentou em sua obra Do contrato social a hi pótese de que a sociedade só pode ser livre se todos formarem com corpo social único e iguais Nesse caso os indivíduos perde riam suas liberdades individuais para ganhar enquanto socieda de uma liberdade civil única prevista pelas leis Todos livres ou melhor igualmente livres Para Tocqueville essa troca não compensou de fato o contrato prevê que todos sejam livres mas ao mesmo tempo todos presos a uma mesma noção de igualdade Na obra A de mocracia na América o autor defende a ideia de que a igualdade oferece naturalmente o desejo pela liberdade e por instituições livres fazendo com que os homens rejeitem todo e qualquer tipo de autoridade os homens que vivem nessas épocas marcham 110 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO pois por um plano inclinado natural que os encaminha para as instituições livres TOCQUEVILLE 1977 p 511 No entanto apesar de a igualdade gerar no homem o amor pela independência ela também abre espaço para o anarquis mo o que para Tocqueville não é o mal maior pois antes de se preocupar com o anarquismo que em sua opinião é mais explícito e identificável seria mais urgente tomar cuidado com outro perigo maior isto é o desejo daquela independência que leva à servidão os povos veem facilmente a primeira anarquia e resistem a ela deixamse arrastar pela outra servidão sem vêla por isso é particularmente importante apontála TOCQUEVILLE 1977 p 512 Com isso está praticamente exposta a preocupação de Tocqueville com as democracias modernas ele tinha consciência de que a constituição das democracias era algo inevitável E não via um problema no projeto democrático em si mas justamente no modo como as democracias são implantadas O seu temor sem dúvida alguma está relacionado à excessiva concentração de poderes no Estado democrático que sob a justificativa da re tirada de poderes da tirania aristocrática passaria a estabelecer um despotismo democrático O resultado seria portanto desas troso o surgimento de uma sociedade de massa que anularia as diferenças individuais e levaria ao conformismo da opinião e à chamada tirania da maioria A centralização do poder nas democracias modernas Em A democracia na América Tocqueville esforçase em argumentar sobre como as ideias dos povos democráticos em matéria de governo são naturalmente favoráveis à centralização 111 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO dos poderes Segundo o autor a ideia de poderes intermediários entre o soberano e o povo é algo próprio de sistemas aristocráti cos que entre outras coisas tendem a nutrir o privilégio de seus familiares ou pessoas que estão em seu círculo de intimidade No caso da democracia de fato ela percorre um caminho oposto que tende a eliminar esses intermediários porém em contrapartida por conta do ideal da igualdade aproximase muito mais de uma perspectiva afeita à centralização do poder Nesse sentido para os sistemas democráticos tornase pratica mente uma necessidade a existência de princípios simples de governabilidade que se concretizam na uniformidade legislativa e centralizadora do poder Noutras palavras a centralização do poder e a legislação uniforme adequamse melhor ao espírito democrático do que ao aristocrático Em política aliás como em filosofia e religião a inteligência dos povos democráticos recebe com prazer as ideias simples e ge rais Os sistemas complicados lhe repugnam e ela se compraz em imaginar uma grande nação cujos cidadãos pareçam todos a um mesmo modelo e são dirigidos por um só poder TOCQUE VILLE 1977 p 512 Ao contrário dos sistemas aristocráticos que tendem a realçar os privilégios individuais a democracia voltase para a tarefa de igualar os homens num só e mesmo povo como ca minho para o progresso da sociedade cada cidadão tendo se tornado semelhante a todos os demais perdese na multidão e não percebe mais senão a imagem vasta e magnífica do próprio povo TOCQUEVILLE 1977 p 512 Para as sociedades democráticas o importante não é o in divíduo mas o povo representado pelo poder o qual tende a ser mais sábio do que o cidadão visto individualmente 112 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO a ideia de um direito inerente a certos indivíduos desaparece rapidamente do espírito dos homens a ideia do direi to todopoderoso e por assim dizer único da sociedade vem preencher seu lugar TOCQUEVILLE 1977 p 512 É por isso que para Tocqueville o povo ou a sociedade antecede o Estado acreditam os americanos que em cada Esta do o poder social deve emanar diretamente do povo TOCQUE VILLE 1977 p 512 Portanto é condição natural e não mera divagação racio nal que os Estados democráticos tenham uma administração simples e centralizada Causas que levam um povo democrático a centralizar o poder ou afastarse Segundo Tocqueville apesar de os povos democráticos sentirem uma natural inclinação à centralização do poder o modo como isso acontece não é o mesmo para todos ou seja depende das circunstâncias particulares que podem desenvolver ou barrar os efeitos naturais do estado social democrático A primeira observação feita pelo autor nesse sentido é o fato de a conquista do estado de igualdade ser distinta de caso para caso para povos que por muito tempo viveram livres o estado de igualdade é mais difícil de ser conquistado do que para nações que nunca foram livres Enquanto no primeiro caso a liberdade está muitas vezes vinculada a interesses particulares que fazem de tudo para manter o status quo no segundo ela está desvinculada do poder despótico que com a sua queda tende também a fazer ruir os interesses particulares daquela nação 113 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Nações que conquistaram a igualdade por meio de revolu ções violentas mostramse mais do que nunca a necessidade de um Estado centralizador na ausência de lideranças locais aris tocráticas ou não que possam reorganizar a nação devastada Com isso Tocqueville quer demonstrar uma seguinte ideia a centralização não se desenvolve entre um povo democrático so mente conforme o progresso da igualdade mas ainda segundo a maneira pela qual se funda essa igualdade TOCQUEVILLE 1977 p 518 Com isso tornamse perfeitamente compreensíveis os mo tivos que afirmam que o poder social deve sempre ser mais forte e o indivíduo mais fraco num povo democrático que chegou ao estágio de igualdade civil e constitucional Esse é o caso dos Es tados Unidos que pegaram da aristocracia inglesa a ideia dos di reitos individuais e o gosto pelas liberdades locais sintetizando as na ideia de igualdade e na necessidade de um poder político central A primeira e de certo modo a única condição necessária para chegar a centralizar o poder público numa sociedade democrá tica é amar a igualdade e fazer com que se creia nesse amor Assim a ciência do despotismo outrora tão complicada se sim plifica ficando por assim dizer reduzida a um princípio único TOCQUEVILLE 1977 p 521 Todavia por centralização do poder não se entende o des potismo do soberano O Estado não deve anteceder o povo mas deve emanar do povo A centralização extrema do poder central acaba por enfraquecer a sociedade o povo e consequentemen te mais tarde o próprio governo No entanto não se pode dei xar de reconhecer que a centralização do poder também pode trazer inúmeros empreendimento para uma nação 114 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Assim a tendência democrática que leva os homens a multi plicar constantemente os privilégios do Estado e a restringir os direitos dos particulares é muito mais rápida e mais contínua entre os povos democráticos sujeitos pela sua posição a gran des e frequentes guerras e cuja existência pode muitas vezes ser posta em perigo do que entre os outros todos TOCQUEVIL LE 1977 p 520 Isso mostra o quanto o desejo pelo bemestar e o temor pela desordem levam os povos democráticos a cada vez mais au mentar as atribuições do governo central e sacrificar seus direi tos em prol da tranquilidade do todo A representatividade política e seu fundamento para a igualda de democrática Uma vez que a igualdade dos homens os faz aceitar um poder central também se torna impossível duvidar dos senti mentos que apoiam essa atitude e convicção Para defender essa afirmação Tocqueville desenvolve o seguinte argumento se os homens são iguais e não há inferiores nem superiores então eles tendem a voltarse para si mesmos individualmente Mas por não terem sensibilidade nem tempo e energia pois a vida democrática impõe ao indivíduo um ativismo frenético eles repassam esse cuidado para uma representatividade visível e permanente dos interesses coletivos Esse sentimento portanto dispõe naturalmente os cidadãos a constantemente abrir mão de novos direitos ou a deixar que os tome o poder central que lhes pareça ter exclusivamente interesse e meios para defen dêlo da anarquia defendendose a si mesmo TOCQUEVILLE 1977 p 515 Com isso Tocqueville tenta provar que quanto maior é a existência de privilégios num sistema democrático mais em evi 115 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO dência fica o desprezo pela diferença e o amor pela igualdade é natural pois que o amor à igualdade cresça constantemente com a própria igualdade ao satisfazêla nós a desenvolvemos E mais adiante completa esse ódio imorredouro e cada vez mais ardente que anima os povos democráticos contra os menores privilégios favorece singularmente a concentração gradual de todos os direitos polí ticos nas mãos de um só representante do Estado TOCQUEVIL LE 1977 p 516 Com a autoridade central do representante soberano não há motivos para a inveja pois todos estão numa situação de igualdade em direitos e deveres e dependência comum em rela ção ao mesmo senhor Isso suscita a exteriorização de um instin to natural de igualdade e uniformidade com relação ao poder de governar criando assim um vínculo indissociável entre cidadão e governo Assim o governo ama o que amam os cidadãos e odeia na turalmente o que eles odeiam Essa comunidade de sentimen tos que entre nações democráticas une continuamente num mesmo pensamento cada indivíduo e o soberano estabelece entre eles uma simpatia secreta e permanente Os povos democráticos muitas vezes odeiam os depositários do poder central mas sempre amam esse poder por ele mesmo A centralização será o governo natural TOCQUEVILLE 1977 p 516 O enfraquecimento das revoluções nas sociedades democráticas Outro tema que merece destaque é o atrofiamento do pa pel das revoluções no contexto das sociedades democráticas Em sua obra A democracia na América Tocqueville indica como na Europa tudo parece concorrer para aumentar indefini 116 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO damente as prerrogativas do poder central e ao mesmo tempo tornar mais fraca a existência da independência individual de todas a revoluções que ocorreram na Europa em suas mais va riadas disseminações ideológicas a única coisa preservada foi a centralização do poder social às custas da eliminação dos pode res secundários de cunho aristocrático Toda essa transferência democrática do poder para o sobe rano cria um contexto sociopolítico específico no qual o sobera no deve estar atento às necessidades individuais dos cidadãos Em algumas nações por exemplo o Estado tem possibilitado tanto a alimentação como a educação para o povo tratando tais assuntos como questões nacionais Segundo Tocqueville até a religião tenderá a ser uma preocupação do Estado e seus repre sentantes religiosos funcionários públicos Já entre os povos aristocráticos essa preocupação era bem específica só tinha interesse para o Estado observar os cidadãos se estes apresentassem questões de interesse nacional de resto tudo ficava a cargo do indivíduo Entre os povos democráticos essa lógica foi invertida o Estado regula à sua maneira mais numerosas ações e ações menores e estabelecese em melhor posição todos os dias ao lado em volta e acima de cada indivíduo para ajudálo aconse lhálo e exercer coerção sobre ele TOCQUEVILLE 1977 p 523 O fato é que o Estado cria cada vez mais técnicas de ad ministração específicas pontuais e centralizadas Esse interven cionismo do Estado pode ser exemplificado segundo o autor a partir de dois casos o econômico e o jurídico No caso econômico o autor apresenta o exemplo das cai xas econômicas do Estado no qual o soberano não se limita a dirigir a fortuna pública pelo contrário introduzse ainda nas 117 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO fortunas privadas ele é o chefe de cada cidadão e não raro seu senhor e mais ainda fazse seu intendente e seu tesoureiro TOCQUEVILLE 1977 p 524 No caso jurídico outro exemplo apresentado é o dos tri bunais judiciários na Europa do século 19 seria comum pensar o tribunal como instituição autônoma para decidir e julgar as querelas entre o indivíduo e o Estado Essa era a singularidade dos tribunais da Europa justamente por possuírem autonomia e privilégio No entanto nos tempos dos povos democráticos a tendência do poder soberano é justamente reduzir a jurisdi ção dos tribunais limitandoos a julgar e decidir querelas apenas no âmbito particular assim não basta que o Estado atraia a si todas as questões mas ele passa a cada vez mais decidir to das elas sozinho sem controle e sem apelação TOCQUEVILLE 1977 p 525 Pelo fato de estar em constantes situações novas e deli cadas segundo Tocqueville a classe que precisa da maior aten ção do Estado é a industrial É fato que ela com o aumento da propriedade tornase mais numerosa e complexa em seus di reitos mas isso não quer dizer que ela seja menos dependente do Estado do que o restante da sociedade O soberano tende a estar próximo das associações industriais e como um grande industriário pois ao se tornar mais complexo tende a produzir utilizar seus próprios produtos industriais ser o patrão de todos os outros e manter sob controle tais associações TOCQUEVILLE 1977 p 527 Com isso segundo Tocqueville por mais que existam mo vimentos anarquistas e revolucionários na Europa que de fato estão constantemente derrubando antigos regimes aristocráti cos em prol da igualdade de direitos ainda assim todos acabam 118 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO se enfraquecendo perante o despotismo velado do igualitaris mo retornando a uma situação pior do que aquela prevista em tempos aristocráticos O projeto político das sociedades democráticas europeias era desestabilizar o potencial do indivíduo por meio da equali zação de direitos Tratase de um duplo esforço por um lado o esforço de enfraquecer as nações despóticas e aristocráticas porém por outro lado o de deixar essas mesmas nações mais fortes ao aumentar o poder social tornandoo mais centralizado TOCQUEVILLE 1977 p 528 Há sem dúvida uma contradição os ideais revolucio nários não conseguem suportar a hipótese de um despotismo aristocrático mas aceitam de braços abertos um despotismo de mocrático Por isso nas sociedades democráticas as revoluções entram em estado de apatia mas não por falta de ações despó ticas e sim por desabilitar os germes revolucionários do âmbito individual subsumidos no conformismo da igualdade As predições de Tocqueville que espécie de despotismo devem temer as nações democráticas Tocqueville também fala explicitamente de um novo tipo de despotismo do qual as nações democráticas devem se afas tar nunca se testemunhou tamanho poder de soberania no pas sado como o que acontece no poder social dos povos democrá ticos ou seja nunca se viu um poder soberano tão absoluto e tão uniforme como o democrático Para o autor nem mesmo no auge do Império Romano houve tamanha soberania e controle administrativo das questões ordinárias e individuais 119 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Isso quer dizer que o Estado democrático tem possibilida de de gerar um despotismo porém muito diferente daquele que se observa em nações aristocráticas e autoritárias O despotismo democrático é diferente possui outras características Não é violento ou evidente os casos de violência explí cita em nações democráticas são exceções pelo con trário o despotismo do Estado democrático é mais am plo e discreto diz respeito não ao aspecto repressivo mas administrativo Depois de ter tomado cada um por sua vez dessa maneira e depois de o ter petrificado sem disfarce o soberano estende o braço sobre a sociedade inteira cobre a sua superfície com uma rede de pequenas regras complicadas minuciosas e uni formes através das quais os espíritos mais originais e as almas mais rigorosas não seriam capazes de vir à luz para ultrapassar a multidão não esmaga as vontades mas as enfraquece cur vaas e as dirige raramente força a agir mas constantemente opõe resistência à ação nunca destrói mas impede de nascer nunca tiraniza mas comprime enfraquece prejudica extingue e desumaniza e afinal reduz cada nação a não ser mais do que rebanho de animais tímidos e diligentes dos quais o governo é o pastor TOCQUEVILLE 1977 p 532 Promove a contradição de duas paixões comuns aos homens a necessidade de ser conduzido e o desejo de permanecer livre Os indivíduos se contentam em ser tutelados porque acreditam que pelo fato de escolher seus tutores conquistariam automaticamente a liber dade Há aqui o fenômeno que o autor identifica como uma espécie de comodismo perante o compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo TOCQUEVILLE 1977 p 532 120 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Promove a apatia política o comodismo decorrente da representatividade que elegeu leva a uma situação de apatia política esse uso tão importante mas tão curto e tão raro do seu livre arbítrio não impedirá que percam pouco a pouco a faculdade de pensar de sentir e de agir por si mesmos e que não venham a cair assim gradualmente abaixo do nível da humanidade TOCQUEVILLE 1977 p 533 Em síntese a democracia subordinou os interesses particu lares ao interesse geral Até aqui para o autor não há problema algum A contradição passa a existir a partir do momento em que a mensagem democrática tornase mal interpretada pelos gover nos que em vez de fazer da igualdade uma virtude deterioram na de modo a impôla como a extensão de um conformismo igualitário tudo ameaça tornarse tão semelhante nas nossas sociedades que a figura particular de cada indivíduo logo se perderá na fisionomia comum TOCQUEVILLE 1977 p 539 Um povo em condições de igualdade portanto num Es tado democrático tem muito mais chance de estabelecer um despotismo do que em outras formas de governo e sociedade Todavia isso não quer dizer que a solução seja retomar um go verno aristocrático o grande problema do despotismo deve ser resolvido dentro das próprias sociedades democráticas A igual dade deve ser concebida como condição para assegurar a inde pendência e dignidade dos semelhantes A questão aristocrática Pela ênfase dada aos temores de Tocqueville quanto aos perigos do igualitarismo alguns autores posteriores procuraram destacar um forte traço aristocrático presente em seu pensa 121 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO mento político Isso se deve não somente por uma opção pessoal em favor dos governos aristocráticos mas por perceber uma cer ta incompatibilidade segundo os moldes das democracias euro peias em conciliar num mesmo plano político os conceitos de igualdade e liberdade Sua argumentação chega ao ápice dessa postura ao afirmar por exemplo que a centralização do poder estaria mais apta a se concretizar em sociedades democráticas do que nas aristocráticas TOCQUEVILLE 1977 E isso se deve pelo menos por dois motivos Porque nas sociedades democráticas as diferenças in dividuais são anuladas em prol da igualdade coletiva Nesse caso trocamse as diferenças individuais da aris tocracia pelo anonimato da igualdade democrática As sim para Tocqueville a centralização do poder estaria de fato mais próxima da democracia os povos democráticos muitas vezes odeiam os depositários do poder central mas sempre amam esse poder por ele mes mo A centralização será o governo natural TOCQUEVILLE 1977 p 516 Porque a centralização do poder pelo soberano se tor nará mais eficaz quanto menos características aristocrá ticas existirem em governo Nesse caso a igualdade das diferenças desabilita a redistribuição do poder entre os iguais sendo por isso integralmente repassado via contrato político a um mesmo soberano nas socie dades democráticas a centralização será sempre tan to maior quanto menos aristocrático for o soberano TOCQUEVILLE 1977 p 520 A propósito dessa tensão de Tocqueville em torno dos con ceitos de liberdade e igualdade Norberto Bobbio 19092004 comenta o seguinte 122 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Dividido como estava entre a admiraçãoinquietude pela de mocracia e a devoçãosolicitude pela liberdade individual Toc queville trazia dentro de si o dissídio entre liberdade e igualda de Lembramse da célebre frase com que ele encerra sua obra maior As nações modernas não podem evitar que as condi ções se tornem iguais mas depende delas que a igualdade as leve à escravidão ou à liberdade à civilização ou à barbárie à prosperidade ou à miséria BOBBIO 2000 p 270271 O que então dizer sobre Tocqueville um democrata con servador ou um crítico aristocrata Questão complexa merece dora de um pouco mais de atenção Apesar de tudo em favor da democracia As mudanças sociopolíticas que acontecem nos Estados democráticos representam uma situação singular e até então impensável por todos os períodos históricos anteriores Na opi nião de Tocqueville não é possível saber o que continuará no presente do velho regime e o que permanecerá no futuro do re gime atual Como o passado já não esclarece o futuro o espírito marcha nas trevas TOCQUEVILLE 1977 p 540 No entanto apesar desse quadro tão vasto e indefinido é possível concluir que o preço pago pela igualdade democráti ca é justificável em prol da liberdade coletiva cada indivíduo é isolado e fraco a sociedade é ativa previdente e forte os parti culares fazem pequenas coisas imensas faz o Estado TOCQUE VILLE 1977 p 540 Para Tocqueville a solução dos desequilíbrios democráticos não se encontra na aristocracia em vez de recorrer ao processo aristocrático para o governo de um povo podemse encontrar por sua vez algumas práticas democráticas que têm capacidade 123 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO de substituir a aristocracia e ao mesmo tempo corrigir os pró prios desmandos democráticos Esse foi o caminho que Tocqueville encontrou ao observar a sociedade americana a descentralização do poder não deveria ocorrer pelas vias da aristocracia mas pela organização da socie dade civil a partir da defesa de seus próprios direitos individuais Movido pelo princípio constitucional da igualdade de direitos não é do interesse do governo democrático realçar as diferenças civis Cabe portanto à organização da sociedade civil encontrar meios para que a anonímia da igualdade seja direcionada para a constituição das liberdades fundamentais Segundo Tocqueville o povo americano nesse caso foi es trategicamente sábio para evitar por meio do estabelecimento de princípios da soberania popular o despotismo democrático Foi justamente por meio da ação de realinhamento democrático promovido pelas instituições políticas e associações civis que a descentralização administrativa de fato ocorreu Nada existe que mereça atrair mais os nossos olhares que as associações intelectuais e morais dos EUA As associações po líticas e industriais dos americanos facilmente são por nós per cebidas mas as outras se nos escapam e se as descobrimos as compreendemos mal porque nunca vimos algo de análogo Devese reconhecer entretanto que são tão necessárias quan to as primeiras ao povo americano e talvez mais Nos países de mocráticos a ciência da associação é a ciência mãe o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela Entre as leis que regem as sociedades humanas existe uma que pare ce mais precisa e mais clara que todas as outras Para que os homens permaneçam civilizados ou assim tornemse é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfei çoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições TOCQUEVILLE 1977 p 394 124 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Devese observar com isso que Tocqueville não é mero pessimista político enquanto muitos preferem fazer uso do ce ticismo democrático previsto pela incompatibilidade aparente entre igualdade e a liberdade Tocqueville prefere condenar a falsidade desse tipo de ceticismo que serve apenas para criar homens fracos e nações pusilânimes O homem não é nem totalmente independente nem total mente escravo é verdade que os homens dependem de limita ções inerentes à sua própria natureza das quais eles não podem fugir porém dentro desse limite estipulado eles não apenas são livres mas também poderosos Portanto depende do homem e não da providência criar nações livres e prósperas TOCQUEVIL LE 1977 p 542 Assim apesar de inúmeras críticas aos desequilíbrios pro vocados pela tirania da maioria especialmente aos modelos eu ropeus Tocqueville ainda afirma a centralidade da democracia para as sociedades ocidentais O caminho não é apenas desen volver mecanismos políticos igualitaristas em favor da centraliza ção do poder mas promover estratégias de restauração dos di reitos individuais da sociedade civil protegendo assim os ideais liberais contra toda e qualquer intervenção estatal Por isso é enorme a importância de leis que garantam as liberdades indi viduais bem como a vigilância constante da aplicabilidade dos direitos e deveres por meio do exercício da cidadania Apesar de tudo então Tocqueville ainda é considerado um entusiasta da democracia Com a transformação do mundo político e dos seus problemas o remédio e as soluções também devem ser atualizados dar aos particulares certos direitos e lhes garantir o gozo in conteste desses direitos conservar o pouco de independência 125 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO de força de originalidade que lhe restam eleválo ao lado da sociedade e apoiálo em face dela tal me parece ser o principal objeto do legislador na época em que estamos entrando TOC QUEVILLE 1977 p 539 As leituras indicadas no Tópico 33 levam em conside ração algumas abordagens críticas sobre a natureza contradi tória das democracias modernas Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 BERNARD MANDEVILLE A fim de relembrar e complementar seus conceitos acerca dos principais conceitos do Liberalismo clássico de Mandeville leia os seguintes textos 126 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO FONSECA E G A fábula das abelhas Braudel Papers São Paulo n 5 p 314 1994 Disponível em http ptbraudelorgbrpublicacoesbraudelpapersdown loadsportuguesbp05ptpdf Acesso em 18 nov 2019 LIMONGI M I Sociabilidade e Moralidade Hume leitor de Mandeville Kriterion Belo Horizonte n 108 p 224 243 dez 2003 Disponível em httpwwwscielobr pdfkrv44n108v44n108a05pdf Acesso em 18 nov 2019 Além dos textos também recomendamos o seguinte vídeo UNIVERSITY OF AMSTERDAM A fábula das abe lhas Disponível em httpswwwyoutubecom watchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 18 nov 2019 32 ADAM SMITH Para conhecer mais sobre a evolução dos conceitos básicos do liberalismo econômico de Adam Smith leia os artigos refe renciados a seguir TIGRE J P A crítica smithiana à concepção individualis ta de Bernard Mandeville Problemata Revista Interna cional de Filosofia v 6 n 2 p 517 2015 Disponível em httpwwwperiodicosufpbbrojsindexphp problemataarticleview2166214022 Acesso em 18 nov 2019 PRADO E F S Uma formalização da mão invisível Es tudos Econômicos São Paulo v 36 n 1 p 4765 jan mar 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdf eev36n1v36n1a02pdf Acesso em 18 nov 2019 127 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO RICKEN G Entre a colmeia murmurante e a mão invi sível analogias entre A fábula das abelhas e A riqueza das nações httpwwwegovufscbrportalsitesde faultfilesanexos31093341641PBpdf Acesso em 18 nov 2019 Além dos textos também recomendamos os seguintes vídeos CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisí vel 2015 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvCgoYwzoVNhs Acesso em 18 nov 2019 THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em https wwwyoutubecomwatchvsToHBsLCNS0 Acesso em 18 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão In visível Disponível em httpswwwyoutubecom watchvTslIsfkx2E8 Acesso em 18 nov 2019 33 ALEXIS DE TOCQUEVILLE Para saber mais sobre A democracia na América bem como sobre a crítica do autor a respeito do despotismo demo crático leia os textos indicados a seguir ROHLING M A igualdade e a liberdade em Tocqueville contribuições para o desenvolvimento da virtude cívica liberal e a tarefa políticopedagógica da democracia Em Tese Florianópolis v 12 n 1 janjul 2015 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesear ticleview180650232015v12n1p8029696 Acesso em 18 nov 2019 128 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO SANTOS K P NUNES M A Alexis Tocqueville os des vios da igualdade Disponível em httpdocplayer combr53286294Alexistocquevilleosdesviosda igualdade1html Acesso em 18 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 FUVEST Um comerciante está acostumado a empregar o seu dinheiro principalmente em projetos lucrativos ao passo que um simples cavalhei ro rural costuma empregar o seu em despesas Um frequentemente vê seu dinheiro afastarse e voltar às suas mãos com lucro o outro quando se se para do dinheiro raramente espera vêlo de novo Esses hábitos diferentes afetam naturalmente os seus temperamentos e disposições em toda espé cie de atividade O comerciante é em geral um empreendedor audacioso o cavalheiro rural um tímido em seus empreendimentos SMITH Adam A Riqueza das Nações Livro III capítulo 4 Neste pequeno trecho Adam Smith a mostra as vantagens do capitalismo comercial em face da estagnação medieval b defende a lucratividade do comércio contra os baixos rendimentos do campo c critica a preocupação dos comerciantes com seus lucros e dos cava lheiros com a ostentação de riquezas d contrapõe lucro à renda pois geram racionalidades e modos de vida distintos e expõe as causas da estagnação da agricultura no final do século 18 2 MUNDO EDUCAÇÃO 2019 Leia o texto a seguir referente ao historiador liberal inglês Lord Acton 18341902 129 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Embora Lord Acton nunca tenha publicado um livro ele escreveu vá rios artigos que refletiram seu apaixonado interesse sobre a história da liberdade tolerância religiosa e governo constitucional De acordo com Acton não podemos entender a história da civilização ocidental se não conseguirmos avaliar o conflito eterno entre a liberdade e o poder A ideia de liberdade ele disse é a unidade a única unidade da história do mundo e o princípio único de uma filosofia da história SMITH George H Lord Acton e a História da Liberdade Portal do Libertarianismo O texto sugere que Lord Acton a defendia que o liberalismo precisava tomar o poder para tornar os ho mens livres b defendia a ideia de liberdade como sendo aquilo que dá unidade e sentido para a história humana c acentuava o combate entre poder e liberdade defendendo que a to mada do poder era o principal objetivo da história da Liberdade d defendia que o poder não poderia corromper o homem já que suas características virtuosas eram inabaláveis e defendia a liberdade apenas no nível político e no nível econômico a intervenção maciça do Estado Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas 1 d 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou alguns aspectos básicos do Libe ralismo clássico desde a sua concepção mais moralizada Man deville e econômica Adam Smith até a sua vertente mais poli tizada Tocqueville 130 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO Com Mandeville estudamos as primeiras concepções libe rais que residem no campo do individualismo econômico e da sociabilidade as abelhas os homens precisam se relacionar socialmente por meio de vínculos políticoeconômicos e não es sencialmente morais Mandeville não está afirmando com isso que a moralidade é algo ruim mas que ela não pode ser ele mento de limitação da prática econômica Para o florescimento social levando em consideração todo o otimismo despendido ao capitalismo nascente não basta a vivência da moralidade por ela mesma mas sim a compreensão da lógica de autono mia econômica guiada por referenciais capazes de emancipar os indivíduos Adam Smith demonstrou por sua vez que a análise cientí fica sobre a economia clássica pode ir além do campo das vonta des individuais Por isso com objetivo de compreender a origem da riqueza de uma nação Smith identificou no trabalho o grande motor da riqueza capital uma vez que ele transforma matéria bruta em mercadoria A sociedade para Smith é muito mais do que a soma de individualidades ou seja vivência individual dos interesses para o autor a sociedade é a vivência coletiva de re gras e interesses que se apresentam como totalmente distintos das regras e interesses individuais Smith não está interessado em compreender as posturas econômicas individuais mas os cri térios que potencializam pensar a economia como ciência Enfim Tocqueville demonstrou que a democracia quando instrumentalizada pelo conceito da igualdade equaliza os indi víduos como massa passíveis de serem controlados inclusive despoticamente Não se está afirmando aqui que Tocqueville é contra a democracia mas ao analisála dentro dos padrões re volucionários do que ocorreu com a França observou que facil mente as democracias revolucionárias podem se transformar em 131 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO governos autoritários Pensar um modelo democrático que evite o despotismo da massa e a concentração do poder apresentase como o desafio das democracias modernas 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Bernard Mandeville Disponível em httpwwwzamitbiografiaBernard Mandeville Acesso em 14 nov 2019 Figura 2 Adam Smith Disponível em httpswwwalgosobrecombrbiografias adamsmithhtml Acesso em 14 nov 2019 Figura 3 Alexis de Tocqueville Disponível em httpswwwterracombrnoticias educacaohistoriatocquevilleeofasciniodademocracia883275001e69ccedb5ce15 eff360b29eqxqt6z7ohtml Acesso em 18 nov 2019 Sites pesquisados AMORIM M L A Educação e modernidade uma contribuição às discussões sobre o malestar Revista MalEstar e Subjetividade Fortaleza v 2 n 1 p 1744 mar 2002 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfmalestarv2n103pdf Acesso em 18 nov 2019 BRITO A R T As abelhas egoístas vício e virtude na obra de Bernard Mandeville 2006 Tese Doutorado em Filosofia Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia São Paulo 2006 Disponível em httpfilosofiafflchuspbrsitesfilosofiafflchuspbrfilesposgraduacao defesas2006docs2006tesearitankpdf Acesso em 18 nov 2019 CRISTIANO J Iluminismo Adam Smith e a mão invisível 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvCgoYwzoVNhs Acesso em 14 nov 2019 Revolução Industrial Divisão do Trabalho e Adam Smith 2013 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvix5jUPyx99g Acesso em 14 nov 2019 FONSECA E G A fábula das abelhas Braudel Papers São Paulo n 5 p 314 1994 Disponível em httpptbraudelorgbrpublicacoesbraudelpapersdownloads portuguesbp05ptpdf Acesso em 18 nov 2019 132 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO FRAZÃO D Biografia de Alexis de Tocqueville 2016 Disponível em httpswww ebiografiacomalexisdetocqueville Acesso em 18 nov 2019 ILB INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO Mão Invisível Descomplicando a Economia Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTslIsfkx2E8 Acesso em 14 nov 2019 INSTITUTO DE HUMANIDADES Bernard Mandeville Disponível em httpwww institutodehumanidadescombrindexphpm306mandevillebernard Acesso em 14 nov 2019 LIMONGI M I Sociabilidade e moralidade Hume leitor de Mandeville Kriterion Belo Horizonte n 108 p 224243 dez 2003 Disponível em httpwwwscielobrpdf krv44n108v44n108a05pdf Acesso em 14 nov 2019 MACAT Democracia na América Alexis De Tocqueville Disponível em httpswww youtubecomwatchvHYKphUqm1fw Acesso em 14 nov 2019 MANDEVILLE B A fábula das abelhas 2014 Disponível em httpwwwieufrjbrri intranetarquivosafabuladasabelhasdocx Acesso em 18 nov 2019 MUNDO EDUCAÇÃO Exercícios sobre Liberalismo Disponível em httpsexercicios mundoeducacaoboluolcombrexercicioshistoriaexerciciossobreliberalismo htm Acesso em 18 nov 2019 PRADO E F S Uma formalização da mão invisível Estudos Econômicos São Paulo v 36 n 1 p 4765 janmar 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdfee v36n1v36n1a02pdf Acesso em 18 nov 2019 RICKEN G Entre a colmeia murmurante e a mão invisível analogias entre A fábula das abelhas e A riqueza das nações httpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfiles anexos31093341641PBpdf Acesso em 18 nov 2019 ROHLING M A igualdade e a liberdade em Tocqueville contribuições para o desenvolvimento da virtude cívica liberal e a tarefa políticopedagógica da democracia Em Tese Florianópolis v 12 n 1 janjul 2015 Disponível em httpsperiodicos ufscbrindexphpemtesearticleview180650232015v12n1p8029696 Acesso em 18 nov 2019 SANTOS K P NUNES M A Alexis Tocqueville os desvios da igualdade Disponível em httpdocplayercombr53286294Alexistocquevilleosdesviosdaigualdade1 html Acesso em 18 nov 2019 SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 14 nov 2019 SUAPESQUISACOM Adam Smith Disponível em httpswwwsuapesquisacom biografiasadamsmithhtm Acesso em 14 nov 2019 133 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 2 OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO THE OPEN UNIVERSITY 60 segundos de aventuras na economia A mão invisível Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvsToHBsLCNS0 Acesso em 14 nov 2019 TIGRE J P A crítica smithiana à concepção individualista de Bernard Mandeville Problemata Revista Internacional de Filosofia v 6 n 2 p 517 2015 Disponível em httpwwwperiodicosufpbbrojsindexphpproblemataarticle view2166214022 Acesso em 18 nov 2019 UNIVERSITY OF AMSTERDAM A Fábula das Abelhas Disponível em httpswww youtubecomwatchreload9v2x2bqa4jKs Acesso em 14 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA M L A MARTINS M H P Filosofando introdução à Filosofia 6 ed São Paulo Moderna 2016 BOBBIO N Teoria Geral da Política a filosofia política e as lições dos clássicos Rio de Janeiro Elsevier 2000 COSTA PINTO L A Sociologia e desenvolvimento temas e problemas de nosso tempo 9 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1986 GOULD S J The structure of evolutionary theory Massachusetts Harvard Press 2002 MANDEVILLE B La fabula de las abejas o los vicios privados hacen la prosperidad pública Trad José Ferrater Mora Madrid Fondo de Cultura Económica 1997 REALE G ANTISERE D História da Filosofia de Spinoza a Kant Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 4 SMITH A A Riqueza das Nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna São Paulo Editora Nova Cultural 1996a v 1 Os Economistas A Riqueza das Nações investigação sobre a sua natureza e suas causas Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna São Paulo Editora Nova Cultural 1996b v 2 Os Economistas TOCQUEVILLE A A democracia na América Trad Neil Ribeiro da Silva São Paulo Ed USP 1977 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 135 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 135 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Objetivos Conhecer os fundamentos do positivismo sociológico de Augusto Comte Apresentar as leis dos três estágios de Comte como elemento central da noção de progresso social Compreender o objeto e o método da Sociologia enquanto Física Social Conhecer o modo como Comte organizou a Sociologia estática social e dinâmica social Refletir sobre os fundamentos da sua proposta da religião da humanidade Conhecer a proposta metodológica de Émile Durkheim em especial as re gras que orientam o trabalho do cientista social Caracterizar o que são os fatos sociais Apresentar a divisão do trabalho social como critério demarcador de uma coesão social solidariedade mecânica e orgânica Distinguir a normalidade e a patologia dos fatos sociais Refletir sobre a questão sociológica do suicídio e suas tipologias egoísta altruísta anômico e fatalista segundo Durkheim Conteúdos O positivismo sociológico de Comte As leis dos três estágios em Augusto Comte Sociologia como Física Social Objeto e método da Sociologia UNIDADE 3 Estática e dinâmica social Religião da humanidade Objeto e método da Sociologia segundo Durkheim Características dos fatos sociais Normalidade e patologia dos fatos sociais Divisão do trabalho social Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica Suicídio egoísta altruísta anômico e fatalista Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo Lembrese a autonomia é a aliada da emancipação 3 Esta unidade apresenta autores que pensaram sobre os critérios que de marcaram cientificamente o objeto e o método da Sociologia nascente como área autônoma Nesse sentido para compreender adequadamente esse processo tornase interessante visitar a área de Filosofia da Ciência de modo a conhecer mais detalhadamente as características de um mé todo científico 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros O que é ciência Carlos Lungarzo A construção das ciências Gerard Fourez O que é ciência afinal Alan Francis Chalmers e Um toque de clás sicos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira 5 Como contribuição a partir de uma linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes Umberto D Itália 1952 Dez Irã 2002 O ladrão de bicicletas Itália 1948 Canção da estrada Índia 1955 Não matarás Polônia 1988 Os incompreendidos França 1959 Era uma vez em Tó 137 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER quio Japão 1953 Harakiri Japão 1962 O pagador de promessas Bra sil 1962 Doze anos de escravidão EUA 2013 Manderlay Dinamarca 2005 Todos os filmes abordam questões relacionadas a exterioridade coercitividade e generalidade dos fatos sociais 6 Sobre os autores estudados na unidade e suas respectivas teorias socioló gicas sugerimos que assista aos vídeos indicados a seguir Sobre Augusto Comte FRONTEIRAS DO PENSAMENTO Alain de Botton Comte ordem e progresso 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vobNTlJS4WoU Acesso em 18 nov 2019 SOCIOLOGIA ANIMADA Auguste Comte Lei dos três estados 2018 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchv0bBUri0eC0 Aces so em 18 nov 2019 CANAL FILOSÓFICO O Positivismo de Auguste Comte 2016 Disponí vel em httpswwwyoutubecomwatchvHfLpQ16WauMt15s Acesso em 18 nov 2019 PINTO H A última religião Documentário sobre Positivismo no Bra sil 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvaHpG cr1eMg Acesso em 18 nov 2019 FONSECA J G Positivismo de Auguste Comte 2018 Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvnmhrKDKqgo Acesso em 18 nov 2019 7 Sobre Émile Durkheim UNIVESP Clássicos da Sociologia Émile Durkheim Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvSMaxxNEqk7U Acesso em 18 nov 2019 PINHO A Durkheim Suicídio 2016 Disponível em httpswwwyou tubecomwatchvwj3tdcqLaoA Acesso em 18 nov 2019 RENNÓ P Émile Durkheim fatos sociais e suicídio 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvLA8u46YUss Acesso em 18 nov 2019 UNIVESP Na Íntegra Raquel Weiss Émile Durkheim Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvBeK3FDEIy0 Acesso em 18 nov 2019 138 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER PINHEIRO A Sociologia Émile Durkheim Parte 12 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvq67sUgkLSE Acesso em 18 nov 2019 Sociologia Émile Durkheim Parte 22 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvHm1MnaT2GM Acesso em 18 nov 2019 139 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 INTRODUÇÃO A Sociologia como já observamos na Unidade 1 nasceu como uma resposta às inúmeras transformações culturais políti cas e econômicas a partir do século 18 estabelecendose como área autônoma no século 19 Como qualquer outra ciência a Sociologia também não surgiu do acaso mas precisou ser siste matizada por autores que tiveram o cuidado de formalizar um objeto de estudo e uma metodologia de pesquisa É justamente de tais autores que trataremos nesta unidade Augusto Comte e Émile Durkheim É importante notar neste momento que Comte e Dur kheim utilizam o termo Sociologia e não Ciências Sociais A justificativa é estritamente cronológica como apresentado na primeira unidade o termo Ciências Sociais é recente e tem objetivo não de sufocar áreas de pesquisa social já consolidadas Antropologia Ciência Política e Sociologia mas agregálas em uma macroárea comum com o intuito de possibilitar um diálogo mais profícuo Logo em vista do contexto sociológico de ambos os autores Comte e Durkheim tal sistematização não se apre senta apenas como desconhecida mas também desnecessária A unidade está organizada em duas partes Na primeira apresentaremos a proposta positivista de Augusto Comte e sua preocupação em elaborar uma área de estudo voltada especifi camente para o conhecimento das diversas sociedades ao longo da história Na segunda parte o foco estará nas principais contri buições de Émile Durkheim que dando seguimento ao projeto de Comte estabeleceu solidamente um campo de pesquisa ob jeto e método para a Sociologia Além disso também conhecere mos algumas de suas teorias a respeito dos modos de integração 140 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER social solidariedade mecânica e orgânica e da análise do suicí dio como fenômeno social Bons estudos 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO Isidore Auguste Marie François Xavier Com te Figura 1 filósofo e matemático francês nas ceu em Montpellier em 19 de janeiro de 1798 Fez seus primeiros estudos no Liceu de Montpellier e ingressou depois na Escola Politécnica de Paris Entre 1830 e 1842 publicou sua primeira grande obra na qual expõe os princípios fundamentais de sua filosofia e de sua teoria da História Curso de filosofia positiva A partir de então sua doutrina passou a ser conhecida como po sitivismo Comte foi o criador da expressão Sociologia para de signar a ciência que deveria estudar a sociedade Sua doutrina exerceu forte influência sobre a oficialidade do Exército brasi leiro nas últimas décadas do século 19 Por isso um dos lemas positivistas Ordem e progresso figura na bandeira do Brasil OLIVEIRA 2010 p 273 Figura 1 Augusto Comte 141 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Nascido pouco tempo depois da Revolução Francesa Com te é considerado tradicionalmente o pai da Sociologia entre os muitos motivos para essa afirmação está o fato de ter sido o primeiro a utilizar a palavra sociologia em 1842 no seu Curso de filosofia positiva Na ocasião ele afirmava a necessidade de se fundar uma Física Social capaz de compreender a sociedade como um organismo vivo cujas partes desempenham funções específicas que ajudam a manter o equilíbrio do todo COMTE 1978b Acredito que devo arriscar desde agora este novo termo so ciologia exatamente equivalente à minha expressão já intro duzida de física social a fim de poder designar por um nome único esta parte complementar da filosofia natural que se rela ciona com o estudo positivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos sociais COMTE 1983b p 6162 Em Discurso sobre o espírito positivo compreende a So ciologia como o fim essencial de todo o sistema positivista a harmonia entre a ciência e o bom senso universal termina pela fundação da sociologia e da moral positiva e pela sistematização do conjunto das concepções positivas COMTE 1978c p 43 A doutrina do positivismo tem como fundamentação tanto a extrema valorização do método das ciências positivas isto é ciências baseadas na concretude dos fatos e na experiência em pírica como a recusa dos sistemas metafísicos Por isso para o autor não pode existir nenhum conhecimento válido se este não estiver assentando nos fatos observáveis O pensamento de Comte estruturase em torno de três principais temas 142 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Uma filosofia da história que motivada pela fenome nologia de Hegel propõe uma evolução da humanida de por meio de estágios específicos Uma classificação das ciências baseadas na filosofia positiva Uma fundação da Sociologia como Física Social com o objetivo de permitir a reforma científica e moral das instituições A lei dos três estágios O método positivo de investigação segundo Comte tem como finalidade a elaboração e compreensão das leis gerais que regem os fenômenos da natureza Para ele toda a realidade na tural e humana é concebida como um grande organismo por isso há necessidade de elaboração de leis que ajudem o homem a entender o que se passa ao seu redor O que torna em geral mais sensível ainda a necessidade lógica dessa distinção fundamental entre as duas grandes seções da filosofia natural é que não apenas cada seção da física concreta supõe a cultura prévia da seção correspondente da física abs trata mas exige ainda o conhecimento das leis gerais relativas a todas as ordens de fenômenos COMTE 1978b p 26 Em sua busca por leis gerais capazes de explicar a realida de iniciativa essa influenciada sem dúvida tanto pela Filoso fia da história de Hegel como pelo evolucionismo darwinista e pelos ideais políticos da Revolução Francesa Comte chegou à conclusão de que uma grande lei fundamental regeria toda a dinâmica do progresso humano preocupação que desde a sua juventude já ocupava a sua pesquisa filosófica e científica Ainda aos 14 anos eu já sentia a necessidade fundamental de uma reestruturação universal política e filosófica ao mesmo 143 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER tempo sob o impulso de salutar crise revolucionária cuja fase principal precedera meu nascimento A influência luminosa de uma iniciação matemática recebida na família desenvolvida fe lizmente na École Polytechnique fezme instintivamente pres sentir a única via intelectual que podia realmente conduzir a essa grande renovação COMTE apud REALE ANTISERE 2007 p 291 No entanto será somente em seu Curso de filosofia posi tiva que enfim Comte apresentará a natureza específica de tal lei a saber a de que a natureza humana desde os primórdios passou por sucessivos estágios de evolução histórica e cultural tentando com isso justificar não apenas um dinamismo histórico mas o próprio progresso das ciências modernas Essa teoria ficou conhecida como a lei dos três estágios Estudando assim o desenvolvimento total da inteligência hu mana em suas diversas esferas de atividade desde seu primei ro voo mais simples até nossos dias creio ter descoberto uma grande lei fundamental a que se sujeita por uma necessidade invariável e que me parece poder ser solidamente estabelecida quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa organização quer na base de verificações históricas resultantes dum exame atento do passado Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais cada ramo de nossos conhecimentos passa sucessivamente por três estados históricos diferentes estado teológico ou fictício estado me tafísico ou abstrato estado científico ou positivo Daí três sortes de filosofia ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos que se excluem mutuamente a pri meira é o ponto de partida necessário da inteligência humana a terceira seu estado fixo e definitivo a segunda unicamente destinada a servir de transição COMTE 1978b p 34 Conforme observado os três estágios de evolução da in teligência humana teológico metafísico e positivo prescrevem modos de pensar o mundo e as coisas de formas totalmente 144 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER opostas umas às outras Para compreender a evolução conquis tada pela filosofia positiva há então a necessidade de entender como o espírito humano de fato evoluiu historicamente Estágio teológico representaria o ponto de partida da inteligência humana no qual segundo Comte os fenô menos naturais são compreendidos como resultados de forças e seres sobrenaturais Ou seja nesse estágio o espírito humano apresenta os fenômenos como pro duzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrena turais mais ou menos numerosos cuja intervenção arbi trária explica todas as anomalias aparentes do universo COMTE 1978b p 4 No entanto observase que tal suposição sobrenatural não decorre apenas da falta de recursos técnicos e científicos mas principalmente da imaturidade da inteligência humana ainda não adapta da à total compreensão positiva das leis fenomênicas Estágio metafísico representaria um ponto de transi ção entre a ingenuidade do estágio teológico e a matu ridade do espírito positivo Por conta disso esse estágio promove uma substituição das explicações sobrenatu rais anteriores por essências ou forças abstratas e ab solutas que por se fazerem presentes na matéria e nos seres são capazes de oferecer explicações sobre a ori gem e o destino do universo por exemplo a noção de simpatia da natureza amplamente divulgada no Re nascimento Nas palavras de Comte nesse estágio os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abs tratas verdadeiras entidades inerentes aos diversos seres do mundo e concebidas como capazes de engen drar por elas próprias todos os fenômenos observados COMTE 1978b p 4 145 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Estágio positivo de acordo com Comte representaria o estágio definitivo da evolução racional da humanida de o qual por meio do uso combinado da razão e da observação levaria o ser humano a compreender as leis gerais que geram os fenômenos da natureza Para o autor esse estágio só foi possível após o espírito huma no finalmente reconhecer a impossibilidade de obter noções absolutas renunciando assim à procura pela origem e destino do universo bem como as causas íntimas dos fenômenos COMTE 1978b p 4 A lei dos três estágios se coloca portanto como um ele mento central no pensamento de Comte Sem dúvida alguma é possível perceber nessa teoria traços de uma filosofia da história já apontada por autores como Hegel e Vico sem porém deixar de fazer referência a teorias de natureza evolucionista O método positivista ver para prever Como visto o estágio positivo representa a evolução má xima do espírito humano capaz portanto de superar os deva neios teológicos e metafísicos pelo conhecimento das relações invariáveis dos fatos Em vez de buscar vagas abstrações o espí rito positivo se atém aos dados observáveis passíveis de serem elaborados em forma de leis gerais Por isso mais do que uma hipótese evolucionista o estágio positivo representa um progra ma de reforma geral de nosso sistema de educação COMTE 1978b p 15 No Discurso sobre o espírito positivo afirma Essa longa sucessão de preâmbulos necessários conduz enfim nossa inteligência gradualmente emancipada a seu estado definitivo de positividade racional que deve aqui ser caracteri zado duma maneira mais especial do que os dois estados preli minares estado teológico e estado metafísico A lógica es 146 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER peculativa tinha até então consistido em raciocinar de maneira mais ou menos sutil conforme princípios confusos que não comportando qualquer prova suficiente suscitavam sempre debates sem saída Reconhece de agora em diante como regra fundamental que toda proposição que não seja estritamente redutível ao simples enunciado de um fato particular ou geral não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível COMTE 1978c p 48 A filosofia positiva na compreensão do autor é aquela que por ser capaz de prever os fenômenos naturais tornase apta a agir sobre a realidade de maneira pontual e segura e não mais a partir de indefinidas hipóteses místicas O lema do positivismo passa a ser então o ver para prever que faz do conhecimento científico um instrumento de transformação da realidade para o domínio do homem sobre a natureza Em seu Discurso sobre o espírito positivo afirma o verdadeiro espírito positivo consiste sobretudo em ver para prever em estudar o que é a fim de con cluir disso o que será segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais COMTE 1978c p 50 Na trilha de Descartes Comte retira toda a inspiração me todológica que o leva a reconhecer na ciência a fonte de todas os conhecimentos e técnicas para o domínio da natureza O penso logo existo DESCARTES 1989 p 57 é repensado no âmbito do próprio método positivo em suma ciência logo previsão pre visão logo ação essa é a fórmula simples que expressa de modo exato a relação geral entre a ciência e a arte tomando esses dois termos em sua acepção total COMTE apud REALE ANTISERE 2007 p 293 Além disso retoma de Francis Bacon o ideal de domínio da natureza ciência e poder do homem coincidem pois a natu reza não se vence se não quando se lhe obedece BACON 1999 147 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER p 33 Isso faz do homem não senhor mas ministro e intérprete da natureza aquele que pela observação dos fatos ou pelo tra balho da mente tornase capaz de constatar a ordem da natu reza BACON 1999 p 33 Comte também tem consciência de que não é possível vencer a natureza em poder e grandeza mas com o devido conhecimento de suas regras de funcionamento é concebível prever os seus fenômenos e deles tirar proveito Por isso afirma a preponderância da filosofia positiva se afirmou como tal desde Bacon COMTE 1978b p 13 Este portanto é o ponto crucial do método positivista ele parte de noções inspiradas em Descartes e Bacon porém supera cada uma delas ao apresentar uma proposta que não se resume nem à abstração do cogito muito menos ao puro empirismo O objeto final do positivismo não está na tabulação dos fatos em si mesmos mas na pesquisa de leis que regem os fatos Considerando a destinação constante dessas leis podese di zer sem exagero algum que a verdadeira ciência longe de ser formada por simples observações fatos tende sempre a dis pensar quanto possível a exploração direta substituindoa por essa previsão racional que constitui sob todos os aspectos o principal caráter do espírito positivo COMTE 1978c p 50 Enquanto o empirismo indutivista se limita à erudição dos fatos observáveis o positivismo consiste na busca de leis que uma vez fundamentadas nos fatos podem então interpretar e prever corretamente os fatos tal previsão que se mostra como consequência necessária das relações constantes e descobertas entre os fenômenos não poderá jamais confundir a ciência real com essa vã erudição que acumula maquinalmente fatos sem aspirar a deduzilos uns dos outros COMTE 1978c p 50 Diversamente do método indutivo de Bacon que insiste na reunião e catalogação das experiências por meio de análise da 148 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER experiência hipótese e verificação como se a descoberta da lei resultasse automaticamente da observação o método positivis ta não se encerra na pura e simples percepção das coisas mas faz com que os dados reunidos passem pelo filtro da dedução lógica e se exteriorizem na forma de leis Observase portanto para melhor prever os resultados a ciência conduz à previdên cia e a previdência permite regular a ação COMTE 1983b p 54 A Sociologia como Física Social Comte foi o primeiro autor a definir precisamente o objeto bem como a estabelecer os conceitos e metodologias relaciona dos ao estudo da sociedade enquanto ciência também chama da por ele de Física Social Com isso conseguiu demarcar um campo de estudo próprio o que foi fundamental para o surgi mento da Sociologia como área autônoma do saber O seu ideal metodológico isto é a elaboração de leis ge rais a partir das observações factuais foi levado para o estudo da sociedade Além do reconhecimento dos princípios regulado res do mundo físico também apostava que o mundo social se guia um padrão de funcionamento semelhante Nesse sentido inspirandose no método de investigação das Ciências Naturais procurou demonstrar que assim como a Física pode estabelecer leis que guiam os fenômenos físicos a Sociologia de igual ma neira pode estabelecer leis para os fenômenos sociais Eis a grande mas evidentemente única lacuna que se trata de preencher para constituir a filosofia positiva Já agora que o es pírito humano fundou a física celeste a física terrestre quer mecânica quer química a física orgânica seja vegetal seja ani mal restalhe para terminar o sistema das ciências de observa ção fundar a física social Tal é hoje em várias direções capitais 149 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a maior e mais urgente necessidade de nossa inteligência Tal é ouso dizer o primeiro objetivo deste curso sua meta especial COMTE 1978b p 9 Para dar à Sociologia uma autonomia científica Comte busca então esclarecer três questões preliminares delimitar o objeto de estudo da Sociologia definir um estatuto teórico ade quar à Sociologia um método científico Vejamos como resolveu tais questões Objeto da Sociologia com relação à especificidade do objeto da Sociologia Comte buscou fundamentação nas ciências da natureza tentando distinguir os fenômenos biológicos dos sociais E chegou à seguinte conclusão Entendo por Física Social Sociologia a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos físicos químicos e fisiológicos isto é como submetidos a leis naturais invariáveis cuja descoberta é o objetivo especial de suas pes quisas COMTE 1983b p 53 Definição do estatuto teórico da Sociologia Comte re toma a tradição indutivista de Bacon ao afirmar que o conhecimento verdadeiro está assentado em fatos observáveis e não em silogismos abstratos porém complementa esse raciocínio com o encaminhamento lógico responsável pela elaboração das leis universais nenhuma verdadeira observação é possível sem que seja primeiramente dirigida e finalmente interpretada por uma teoria COMTE 1983a p 75 Isso faz do esta tuto teórico da Sociologia algo mais complexo do que a simples observação empírica Certo é incontestável hoje que a observação dos fatos é a única base sólida dos conhecimentos humanos O empirismo ab soluto porém é impossível por mais que se tenha admitido o 150 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER contrário O homem por sua natureza é incapaz não somente de combinar fatos e deles deduzir algumas consequências mas até simplesmente de observálos com atenção e de retêlos com segurança se não os vincula imediatamente a alguma ex plicação COMTE 1983a p 85 Adequação de um método científico tendo como pon to de partida a observação dos fatos e a indução Comte afirma que a maneira mais segura de adequar um méto do à Sociologia a fim de tornála uma ciência completa é por meio do encadeamento lógico das observações anteriores até conseguir criar um repertório suficiente para a formulação da lei geral é pela vinculação dos fatos precedentes que se aprende verdadeiramente a considerar os fatos seguintes COMTE 1983a p 76 Metodologia da Física Social ou Sociologia Para legitimar esse procedimento metodológico segundo os critérios do positivismo a pesquisa sociológica precisa cum prir as seguintes exigências básicas 1 Abandono das primeiras causas como o objetivo da Sociologia de acordo com o positivismo é submeter os fenômenos às leis invariáveis então cabe ao méto do da Sociologia procurar se afastar das causas e es sências para assim buscar a resposta dessa questão na própria realidade observada o verdadeiro espíri to positivo consiste sobretudo em preferir sempre o estudo das leis invariáveis dos fenômenos ao de suas causas propriamente ditas primárias ou finais numa palavra a determinação do como à do porquê COM TE 1983a p 80 151 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 2 Neutralidade científica de acordo com Comte como a pesquisa sociológica deve ocorrer de acordo com os padrões das ciências da natureza então a experi mentação sociológica precisa estar caracterizada pela neutralidade e imparcialidade do pesquisador que ciência poderia sair do estado nascente mesmo diminuindo excessivamente a extensão das especula ções próprias se cada um só quisesse empregar suas observações pessoais COMTE 1983a p 88 3 Previsão e certeza do método a indução dos fatos e a dedução das leis põem em prática o ideal da certeza e previsão da ciência Nesse sentido a possibilidade da previsão da ciência é a própria legitimação de sua segurança especulativa induzir para deduzir a fim de construir COMTE 1933 p 33 4 Filiação gradual ou gradualismo lógico para a análi se das sociedades ao longo da história Comte atribui ao método da Sociologia o mesmo rigor experimental do método das ciências da natureza porém comple mentado por uma análise comparativa e gradual de possíveis fenômenos análogos Noutras palavras essa filiação gradual nada mais é do que uma comparação gradual de uma série de casos fenômenos semelhan tes ocorridos em sociedades distintas e em épocas diferentes que tendem a tornar a compreensão da sociedade um processo cada vez mais simplificado COMTE 1983a A partir do que foi exposto notase que Comte utiliza uma série de técnicas de pesquisa científica para a formação do mé todo da Sociologia 152 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1 Observação empírica tratase dos próprios fatos ob serváveis que se colocam como o material primário para a pesquisa sociológica É incontestável hoje que a observação dos fatos é a única base sólida dos conhecimentos humanos COMTE 1983a p 85 A observação segundo o autor pode ser tanto direta como indireta A observação sociológica voltase mais para a pesquisa sociológica daí a dificuldade de elabo rar uma observação sociológica que tende a ser mais complexa 2 Método classificatório consiste em fazer com que a ordem de generalidade dos diferentes graus de divisão seja tanto quanto possível exatamente conforme à das relações observadas entre os fenômenos que de vem ser classificados COMTE 1983a p 95 Por isso a classificação apresentase como o resultado relevan te dos próprios fatos observados e também oferece as principais categorias de análise para uma análise histó rica mais abrangente 3 Método histórico propõese a analisar a evolução hu mana a partir de seus estágios evolutivos Nada é mais apropriado do que esse procedimento para ca racterizar nitidamente as diversas fases essenciais da evolução humana COMTE 1983a p 9394 Para tan to o método histórico só ganha consistência científica quando complementado pelo método comparativo 4 Método comparativo caracterizase pela habitual comparação científica tanto social quanto individual do homem com os outros animais COMTE 1983a p 93 cujo objetivo é compreender historicamente os diversos estados consecutivos da humanidade bem 153 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER como constituir o principal artifício científico da nova Filosofia Política COMTE 1983a p 97 A partir da comparação sociológica aos moldes da realizada pela Biologia é possível então segundo Comte identificar as leis invariáveis que orientam a vida social O método comparativo utilizado por Comte tem sua ins piração primeira na área da Biologia para o autor a sociedade como um todo deve ser compreendida como um complexo or ganismo social cujas partes devem ser analisadas de uma forma semelhante a como se faz com os membros de um corpo isto é observando as funções de cada uma das partes Nesse caso a única diferença entre Biologia e Sociologia diz respeito à nature za da experimentação enquanto para a Biologia ela acontece de forma direta para a Sociologia ocorre de modo indireto COMTE 1983a Em síntese o método da Sociologia precisa apresentar três passos para a conservação do seu rigor científico que segun do Comte enfatizam não somente a observação mas também a comparação Os dois primeiros passos são puramente expe rimentais e comuns a todas as ciências já o terceiro referese especificamente a uma abordagem metodológica da Sociologia Nossa arte de observar compõese em geral de três processos diferentes 1º a observação propriamente dita isto é o exa me direto do fenômeno tal como se apresenta naturalmente 2º a experiência isto é a contemplação do fenômeno mais ou menos modificado por circunstâncias artificiais que realizamos expressamente visando a uma exploração mais perfeita 3º a comparação isto é a consideração gradual de uma série de ca sos análogos nos quais o fenômeno se simplifica cada vez mais COMTE 1983a 85 154 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Merece destaque especial o terceiro passo comparação que de acordo com Comte é o que mais caracteriza o método da Sociologia e por isso leva à identificação e elaboração das leis invariáveis Apesar de serem especificamente sociológicos os critérios de comparação seguem também os critérios da com paração biológica Confira no Quadro 1 uma relação das seme lhanças e diferenças entre os métodos comparativos biológico e sociológico Quadro 1 Método comparativo semelhanças e diferenças Biologia Sociologia 1º Comparação entre as diversas par tes de cada organismo determinado 1º Comparação das diferenças existen tes entre as partes constitutivas de uma mesma sociedade e identificação das diferenças mais simples de sociedades distintas 2º Comparação entre os sexos 3º Comparação entre as diversas fases do desenvolvimento de um organismo 2º Comparação entre sociedade huma nas em diferentes épocas como a pri mitiva e a moderna 4º Comparação e classificação das di ferentes raças ou variedades de cada espécie 3º Comparação e classificação das di ferentes raças gêneros e etnias de cada sociedade para melhor compreender a evolução humana 5º Comparação entre todos os organis mos da hierarquia biológica 4º Comparação histórica dos diversos estágios consecutivos da humanidade por meio da filiação gradual Fonte adaptado de Comte 1983a p 91 Organização da Sociologia Segundo Comte a Sociologia ou Física Social é com posta por duas partes estática social e dinâmica social Para o autor a Sociologia precisa compreender não somente o proces 155 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER so de transformação das sociedades dinâmica mas também os padrões e modelos institucionalizados de comportamentos que não se modificam e permanecem estáveis estática Deveis conceber esta grande ciência como composta de duas partes essenciais uma estática que constrói a teoria da ordem a outra dinâmica que desenvolve a doutrina do progresso Estas duas metades da sociologia se acham profundamente li gadas entre si em virtude de um princípio geral estabelecido pelo positivismo para religar por toda parte o estudo do mo vimento ao da existência O progresso é o desenvolvimento da ordem COMTE 1978a p 236 Estática social Segundo Comte os elementos da estática social isto é da ordem e coesão das sociedades são pelo menos cinco religião governo linguagem família e propriedade Noutras palavras a estática estudaria justamente aquelas condições de existência e sociabilidade comuns a todas as sociedades e em to dos os tempos Na obra Catecismo positivista Comte argumenta sobre tais elementos da estática social com relação à religião o dogma fundamental da religião universal consiste portanto na existência constatada de uma ordem imutável a que estão sujeitos os acontecimentos de todo gênero COMTE 1978a p 143144 O pressuposto fundamental da estática reside portanto na elaboração de leis que justificariam a existência de elementos de coesão dos diferentes grupos sociais ao longo da história sem os quais se tornaria impossível a conservação de qualquer corpo social Esse aspecto fica evidente no seguinte trecho do Catecis mo positivista 156 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Apesar da íntima simpatia que constitui a simples associação doméstica mesmo reduzida ao par fundamental não está ela nunca isenta de semelhante necessidade É aí que se pode apreciar melhor este grande axioma Não existe sociedade sem governo COMTE 1978a p 255 grifo do autor Dinâmica social Por sua vez a dinâmica social tenta compreender de que forma as sociedades evoluem ao longo da história Ou melhor tenta descobrir de que maneira os cinco elementos da estática religião governo linguagem família e propriedade se desen volvem e evoluem no tempo De acordo com Comte as leis da dinâmica social são basicamente reduzidas a duas a lei da evo lução teórica e a lei do impulso prático Leis dinâmicas parecem dever ser ao número de três a fim de corresponder exatamente aos diversos elementos estáticos da natureza humana o sentimento a inteligência e a atividade No entanto é necessário antes reconhecer que elas se reduzem necessariamente a duas uma para a evolução teórica outra para o impulso prático COMTE 1957 p 78 tradução nossa A primeira lei da dinâmica da evolução teórica baseiase fundamentalmente na teoria dos estágios evolutivos que justi fica a passagem necessária de todas os conhecimentos e práti cas humanas pelas três etapas sucessivas a primeira teológica sempre provisória a segunda metafísica sempre transitória e a terceira positiva enfim sempre definitiva Nessa direção encontrase inclusive o processo de desenvolvimento da con dição humana desde a Antiguidade Segundo Reale e Antisere 2007 p 295 O progresso social segue essa lei Ao estágio teológico corres ponde a supremacia do poder militar é o caso do feudalismo ao estágio metafisico corresponde a revolução que começa 157 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER com a Reforma protestante e termina com a Revolução Fran cesa ao estágio positivo corresponde a sociedade industrial A segunda lei da dinâmica do impulso prático tem o ob jetivo de orientar a prática humana relacionandoa às exigências e necessidades materiais porém não aquelas ligadas ao interes se pessoal mas ao interesse útil da sociedade Ou seja enquanto a estática social tem sua fundamentação na obra Sistema de política positiva na qual analisa os elemen tos de sociabilidade permanentes instituições agrupamentos fatos etc em toda e qualquer sociedade independentemente de suas características próprias ou período histórico a dinâmica social foi analisada com mais profundidade na obra Curso de fi losofia positiva que trata justamente das etapas do progresso humano lei dos três estágios e a classificação das ciências A estática social trouxe à luz a ordem essencial de toda socieda de humana a dinâmica social retraça as vicissitudes pelas quais passou essa ordem fundamental antes de alcançar o termo fi nal do positivismo ARON 1993 p 95 Todavia para Comte a dinâmica social precisa estar subor dinada à estática uma vez que o progresso vem da ordem e não do caos aperfeiçoando assim aqueles elementos constan tes em qualquer sociedade O significado das palavras ordem e progresso portanto nada mais é do que o compromisso com a mudança sem porém deixar de observar os elementos da es tabilidade social Daí o lema positivista o Amor por princípio a Ordem por base e o Progresso por fim COMTE 1978a p 146 A religião da humanidade Apesar de Comte identificar a religião como o estágio mais primário do desenvolvimento da humanidade ele não se con 158 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER siderava avesso ao papel moral e humano desempenhado por ela Em seus escritos da juventude já aparecia essa noção de es piritualidade que não se confundia com a religião tradicional No entanto foi especialmente nas obras Catecismo positivista e Sistema de política positiva que Comte viu a necessidade de refundar a espiritualidade por meio de princípios não teológicos A religião do positivismo seria uma espécie de religião da humanidade capaz de orientar moralmente os indivíduos estabelecer o enquadramento da sociedade e promover a har monia social Por isso havia a convicção de que o positivismo poderia de fato fundamentar uma religião capaz de regenerar ao mesmo tempo a ordem pública e a ordem privada cada vez mais comprometidas por uma situação radicalmente anárquica COMTE 1978d p 107 Completamente resistente a qualquer conhecimento que prescinda dos fatos observáveis e leis invariáveis Comte substi tui portanto o culto a Deus pelo da humanidade que passa a ser o centro de convergência não só de uma ciência mas tam bém da religião fundamentalmente naturalista e imanente Por isso diferentemente das religiões teístas que se voltam para um Ser supremo absoluto e incognoscível O objeto do culto positivista não é como o dos fiéis teológicos um Ser absoluto isolado e incompreensível cuja existência não admite demonstração ou comparação com qualquer coisa real A evidência do Ser aqui apresentado é espontânea e não está envolta em mistério Por isso antes de podermos louvar amar e servir a Humanidade como devemos precisamos conhecer algumas das leis que governam sua existência COMTE 1875a p 267 tradução nossa Ou seja é pela humanidade e não pela imagem de um Deus imaginário que tudo deve ser feito por isso a necessida 159 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER de de compor um verdadeiro catecismo para a religião da huma nidade uma vez que é na imanência da condição humana que se condensa o dogma da religião universal COMTE 1978a p 149 Assim na concepção da Humanidade os três aspectos essen ciais do Positivismo seu princípio subjetivo seu dogma objeti vo e seu objeto prático estão unidos Para a Humanidade que é para nós o único e verdadeiro Grande Ser iremos a partir de agora direcionar todos os aspectos de nossa vida individual ou coletiva Nossos pensamentos serão dedicados ao conheci mento da Humanidade nossas afeições ao seu amor nossas ações ao seu serviço COMTE 1875a p 264 tradução nossa O aspecto específico da religião positivista reside justa mente em sua pretensão universal como síntese entre elemen tos estáticos e dinâmicos a religião da humanidade apresentase como o resultado de um processo de evolução dos estágios da humanidade que vai desde o fetichismo antigo passando pelo politeísmo até o monoteísmo No Sistema de política positiva afirma quando o teologismo substituiu ou preferiu absorver o fetichismo assumiu então sucessivamente duas formas uma politeísta outra monoteísta cuja distinção é inegável COMTE 1876 p 31 tradução nossa Logo fé na humanidade represen ta para Comte o aspecto unificador da religiosidade e da moral humana A sua doutrina não poderia tornarse universal se apesar de seus princípios antiteológicos o seu espírito relativo não lhe ministrasse necessariamente afinidades essenciais com cada crença capaz de dirigir passageiramente uma porção qualquer da humanidade COMTE 1978a p 140 Mas o que Comte compreende por humanidade Para ele ela seria a representatividade espontânea que transcende os indivíduos particulares sejam eles vivos mortos ou que ainda 160 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER nascerão Ou seja a humanidade é o Grande Ser uma espécie de organismo no qual os indivíduos são compreendidos como suas próprias células coparticipantes Por isso a supremacia da humanidade não decorre por ser onipotente por si mesma mas por ser a unidade dos indivíduos reais Logo a humanidade é perfeita e digna de reverência porque seus defeitos podem ser conhecidos e observados A supremacia da humanidade é apenas o resultado da cooperação individual seu poder não é supremo mas apenas superior ao de todos os seres que conhecemos Nosso amor por ela não é manchado por medos degradantes mas sempre acompanhado pela mais sincera reverência Perfeição é agora reivindicada por ela estudamos seus defeitos naturais com cuidado a fim de remediálos tanto quanto possível COMTE 1875a p 274 tradução nossa Mantendo a sua admiração ao cristianismo católico espe cialmente quanto à natureza universal do culto e da moral Com te sustenta que tal religião da humanidade deve estar inspirada no próprio sistema eclesiástico Para melhor compreendêla três elementos são indispensáveis Dogma segundo Comte o dogma da nova religião está circunscrito no próprio pensamento positivista o dog ma geral da invariabilidade das leis naturais COMTE 1978a p 50 Ou seja a fé positivista não está basea da na revelação mas nos anseios direcionados pela e para a humanidade Assim como para todos os assun tos também a religião passa pelos três estágios evoluti vos teológico metafísico e positivo Culto na compreensão de Comte os filósofos deveriam ser os sacerdotes da religião da Humanidade basea da no culto não apenas do Grande Ser humanidade mas também do Grande Meio universo espaço e do 161 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Grande Fetiche Terra formando o que alguns auto res chamaram de trindade da religião positivista REA LE ANTISERE 2007 p 296 Regime diz respeito à parte prática da moral positivis ta Noutras palavras está relacionado às orientações de aplicabilidade da moral positivista que afirma a seguin te subordinação hierárquica do indivíduo à sociedade da sociedade à pátria da pátria à humanidade COMTE 1978a Nesse ponto a religião positivista tem duplo papel regrar a vida pessoal dos indivíduos dimensão interna da fé e conciliar as diversas individualidades em torno de objetivos comuns dimensão externa da fé A religião consiste pois em regular cada nature za individual e em congregar todas as individualidades COMTE 1978a p 139 E mais adiante conclui a fim de constituir uma harmonia completa e duradoura é preciso ligar o interior pelo amor e o religar ao exterior pela fé COMTE 1978a p 141 Quanto aos princípios da moral positivista podemos iden tificálos a partir de duas máximas viver para os outros COM TE 1875a p 312 que indica o predomínio da vivência do al truísmo sobre o egoísmo e viver às claras COMTE 1978a pois uma vez que se age corretamente não há a necessidade de qualquer prática oculta 162 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER As leituras indicadas no Tópico 3 1 apresentam os prin cipais fundamentos do pensamento e do método previsto por Augusto Comte além de sua proposta de religião da humani dade Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA O sociólogo Émile Durkheim Figura 2 nasceu em Épinal França em 15 de abril de 1858 Em 1887 depois de se doutorar em Fi losofia na Escola Normal Superior de Paris as sumiu a cátedra de Sociologia na Universidade de Bordéus a primeira a ser criada na França Aí permaneceu até 1902 quando foi convida do a lecionar Sociologia e Pedagogia na Uni versidade Sorbonne em Paris É considerado o fundador da Sociologia moderna OLIVEIRA 2010 p 273274 Augusto Comte é tradicionalmente considerado o pai da Sociologia no entanto sem dúvida alguma foi com Émile Dur kheim 18581917 que a Sociologia passou a ser considerada como uma ciência autônoma caracterizada tanto por um objeto específico os fatos sociais como por uma metodologia própria Com isso os passos que serão percorridos nesta obra ver sarão sobre os seguintes temas do pensamento de Durkheim objeto e método da Sociologia e a divisão do trabalho social Figura 2 Émile Durkheim 163 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Objeto e método da Sociologia A Sociologia dos séculos 18 e 19 de fato foi marcada por grandes sistemas absolutistas e opostos enquanto o liberalismo clássico de Adam Smith procurava justificar na força de trabalho e não na agricultura ou na indústria o fator econômico essen cial para a autonomia e independência da riqueza das nações o Socialismo utópico de SaintSimon por exemplo já previa a contradição de classes e por isso afirmava que a justiça social só poderia ocorrer quando ela resultasse na eliminação da proprie dade privada e no realinhamento intervencionista na economia agrária e industrial Como tentativa de mediação entre o liberalismo clássico e o socialismo utópico surgiu o positivismo de Augusto Comte que teorizava um sistema absolutista no qual ordem estática so cial e progresso dinâmica social são características específicas de um processo de evolução histórica das sociedades cujo resul tado não poderia ser outro senão o próprio estágio positivo Se por um lado Comte sustenta que a evolução das sociedades em seus respectivos estágios ocorre sem precisar necessariamente de qualquer revolução de classes por outro Karl Marx não ad mite em hipótese alguma qualquer ideia de progresso que não esteja pautada na própria luta e revolução de classes Nesse contexto observase que a Sociologia passou por uma crise ou pelo menos por um estágio estacionário que só foi adequadamente minimizada com as contribuições teóricas de Émile Durkheim que especialmente em sua obra As regras do método sociológico procurou instituir as fronteiras que deli mitam o campo da Sociologia com o das demais ciências Para tanto o esforço de Durkheim foi fazer da Sociologia uma ciência tão racional e objetiva quanto a Física ou a Biologia 164 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Mas como fazer isso com a Sociologia que trabalha justamente a sociedade humana passível de constantes mudanças e altera ções no âmbito de sentimentos emoções e ideias Como estu dar um objeto que possui vontade própria diferentemente dos fenômenos físicos e biológicos Durkheim procura resolver esse problema não apenas afir mando que o objeto de estudo da Sociologia são os fatos so ciais mas sim asseverando que a natureza de tais fatos possui características próprias Logo os fatos sociais precisam ser con siderados como coisas assim como um fato orgânico é uma coisa para um biólogo A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas DURKHEIM 2007 p 15 Por isso nem tudo aquilo que ocorre individualmente ou socialmente pode ser caracterizado como fato social todo indi víduo come bebe dorme raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente no entanto reitera o autor se esses fatos fossem sociais a sociolo gia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia DURKHEIM 2007 p 1 Com o propósito de formular os conceitos da nova ciência Durkheim procura fundamentar duas questões as característi cas próprias de um fato social e as regras do método sociológico que orientam a objetividade da pesquisa sobre os fatos sociais Características dos fatos sociais Os fatos sociais para Durkheim se diferenciam dos fatos naturais orgânicos ou psicológicos justamente por se imporem aos indivíduos como uma poderosa força coercitiva à qual eles 165 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER obrigatoriamente devem se submeter Ou seja os fatos sociais seriam por assim dizer como coisas externas e objetivas que não dependem da aceitação de alguém ou da consciência indivi dual para existir Pelo contrário eles se definem como coisas que possuem existência própria e são capazes de obrigar os indiví duos a se comportarem desta ou daquela forma Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam característi cas muito especiais consistem em maneiras coletivas de agir de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e que são dota das de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele DURKHEIM 2007 p 3 Essa exposição faz dos fatos sociais objetos específicos da Sociologia evitando que sejam confundidos com os fenôme nos biológicos ou psíquicos não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos já que consistem em representações e em ações nem com os fenômenos psíquicos os quais só têm existência na consciência individual e através dela DURKHEIM 2007 p 34 Logo tais fenômenos constituem segundo o autor uma espécie nova de fatos para a qual deve ser dada e reser vada a qualificação de sociais DURKHEIM 2007 p 4 Embora os fatos sociais sejam exteriores eles são inter nalizados pelos indivíduos e exercem sobre eles uma obrigato riedade comportamental Nesse sentido segundo As regras do método sociológico os fatos sociais precisam possuir três carac terísticas básicas que discutiremos a seguir Coercitividade A coercitividade é a força exercida sobre os indivíduos que os obriga por meio do constrangimento ou da lei a seguir um 166 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER determinado comportamento estabelecido normas valores re gras etc Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são ex teriores ao indivíduo como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele quer ele queira quer não DURKHEIM 2007 p 2 A coercitividade dos fatos sociais pode se manifestar tan to por coerções legais leis e normas estabelecidas prescritas pelo Direito ou por meio de coerções espontâneas No primei ro caso o indivíduo é forçado a se comportar de uma determi nada forma por obrigatoriedade da lei que define a infração e caso ela tenha acontecido prescreve uma punição equivalente como acontece por exemplo com multas de trânsito No segun do caso o indivíduo é forçado a se comportar daquele modo por conta de um constrangimento social como ocorre por exem plo com os olhares de reprovação a uma pessoa que está com uma roupa inadequada para um certo local Se tento violar as regras do direito elas reagem contra mim para impedir meu ato se estiver em tempo ou para anulálo e restabelecêlo em sua forma normal se tiver sido efetuado e for reparável ou para fazer com que eu o expie se não puder ser reparado de outro modo Em se tratando de máximas pu ramente morais a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos ci dadãos e das penas especiais de que dispõe DURKHEIM 2007 p 23 Embora nem sempre as coerções espontâneas sejam per cebidas pelos indivíduos elas têm contudo o poder de conduzir o infrator para um comportamento esperado Não são previstas por lei mas isso não significa que sejam menos coercitivas As respostas de negação ou constrangimento da sociedade por ve zes são mais intimidadoras do que a lei Nesses casos 167 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a coerção é menos violenta mas não deixa de existir Se não me submeto às convenções do mundo se ao vestirme não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe o riso que provoco o afastamento em rela ção a mim produzem embora de maneira mais atenuada os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita Ademais a coerção mesmo sendo apenas indireta continua sendo eficaz DURKHEIM 2007 p 3 Exterioridade A exterioridade está relacionada a padrões exteriores aos indivíduos e que por isso existem independentemente de suas vontades ou adesões conscientes Ao nascer o indivíduo já é in serido em um contexto de inúmeras regras leis e normas que é coagido a aceitar para fazer parte da família e da sociedade Inde pendentemente de gostar ou não das regras impostas elas con tinuarão a existir mesmo sem o seu consentimento Como exem plo disso temos os papeis sociais aprendidos pela educação Quando desempenho minha tarefa de irmão de marido ou de cidadão quando executo os compromissos que assumi eu cum pro deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos no direito e nos costumes Do mesmo modo as crenças e as práticas de sua vida religiosa o fiel as encontrou inteiramente prontas ao nascer se elas existiam antes dele é que existem fora dele Eis aí portanto maneiras de agir de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais DURKHEIM 2007 p 12 Isso demonstra que o fato social é externo e separado das vontades pessoais uma vez que ele existe anteriormente a qual quer consentimento individual Mesmo que a pessoa de fato aceite colocar em prática um determinado padrão social ainda 168 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER assim ele é independente e externo porque precede a qualquer juízo de valor ou aceitação Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos pró prios e que eu sinta interiormente a realidade deles esta não deixa de ser objetiva pois não fui eu que os fiz mas os recebi pela educação O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas os instrumentos de crédito que uti lizo em minhas relações comerciais as práticas observadas em minha profissão etc funcionam independentemente do uso que faço deles DURKHEIM 2007 p 2 Generalidade Tal característica diz respeito a situações e fatos que são realizados coletivamente e que são comuns a todos os membros de um grupo ou de sua maioria Por isso além de serem coer civos e externos os fatos sociais precisam também ser gerais isto é envolver os hábitos de muitos indivíduos bem como se difundir e se repetir de maneira satisfatória e assídua Um pensamento que se encontra em todas as consciências par ticulares um movimento que todos os indivíduos repetem nem por isso são fatos sociais Se se contentaram com esse caráter para definilos é que os confundiram erradamente com o que se poderia chamar de suas encarnações individuais O que os constitui são as crenças as tendências e as práticas do grupo tomado coletivamente DURKHEIM 2007 p 67 Observe a tira de Mafalda na Figura 3 e perceba a ocor rência do fato social em suas três características coercitividade exterioridade e generalidade 169 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Fonte Quino 2003 p 4 Figura 3 Fato social Como observado não é o grupo por si mesmo que carac teriza a generalidade de um fato social mas sim a forma como determinadas ações coletivas por conta de sua repetitividade ganham força por si mesmas consolidandose como hábitos co muns frequentes e determinantes para as práticas de um gru po Portanto existe aqui uma diferença entre ações individuais que ocorrem em grupo e ações intrinsecamente realizadas pelo grupo Algumas dessas maneiras de agir ou de pensar adquirem por causa da repetição uma espécie de consistência que as preci pita por assim dizer e as isola dos acontecimentos particula res que as refletem Elas assumem assim um corpo uma forma sensível que lhes é própria e constituem uma realidade sui ge neris muito distinta dos fatos individuais que a manifestam O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina mas se exprime de uma vez por todas numa fórmula que se repete de boca em boca que se transmite pela educação que se fixa através da escrita Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas aplicações que os particulares fazem delas já que elas podem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas DURKHEIM 2007 p 7 170 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Segundo Durkheim a frequência com que um determina do fato social ocorre na sociedade indica o seu grau de importân cia e urgência para a pesquisa É justamente porque não se apre sentam como casos isolados mas como ocorrências gerais de uma determinada coletividade que os fatos sociais podem ser pesquisados e observados com o auxílio de estatísticas e outras ferramentas de pesquisa sejam decorrentes de padrões gerais interiorizados ou de comportamentos coletivos exteriorizados As regras do método sociológico Além de apresentar as características dos fatos sociais Dur kheim também desenvolveu uma metodologia específica para a pesquisa desses fenômenos sociais Seguindo uma tradição car tesiana e positivista sustenta a necessidade de se manter certa distância e neutralidade diante do objeto pesquisado Tratase portanto de uma condição para a prática de uma ciência autô noma e objetiva Para Durkheim a Sociologia não deveria ser uma filosofia da história preocupada em descobrir as leis gerais que orientam o progresso da humanidade muito menos uma espécie de me tafísica capaz de determinar a natureza da sociedade Pelo con trário a Sociologia precisa ser uma ciência autônoma objetiva e diferentes de todas as outras REALE ANTISERE 2007 p 355 No entanto para que ela possa se transformar em uma ciência autônoma o autor sente a necessidade de especificar também as regras do método sociológico O ponto de partida da análise do método em Durkheim consiste em um diagnóstico das teorias sociológicas preceden tes em vez de se voltarem para a materialidade do objeto social fatos sociais preferiram configurálo a partir de especulações 171 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER subjetivas Ou seja os sociólogos precedentes pecaram por se manterem no campo dos conceitos e não no das coisas Em seu livro As regras do método sociológico afirma o seguinte Até o presente a sociologia tratou mais ou menos exclusiva mente não de coisas mas de conceitos Comte é verdade pro clamou que os fenômenos sociais são fatos naturais submissos a leis naturais Deste modo ele implicitamente reconheceu seu caráter de coisas pois na natureza só existem coisas Mas quando saindo dessas generalidades filosóficas ele tenta apli car seu princípio e extrair a ciência nele contida são ideias que ele toma por objeto de estudo Com efeito o que faz a ma téria principal de sua sociologia é o progresso da humanidade no tempo Ora supondo que essa evolução exista só se pode fazer dessa evolução o objeto mesmo da pesquisa se ela for colocada como uma concepção do espírito não como uma coisa E de fato é tão claro que se trata de uma repre sentação inteiramente subjetiva que na prática esse progresso da humanidade não existe O que existe a única coisa dada à observação são sociedades particulares que nascem se desen volvem e morrem independentemente umas das outras DUR KHEIM 2007 p 1920 Portanto o pressuposto fundamental para o tratamento metodológico da Sociologia é considerar os fatos sociais como coisas DURKHEIM 2007 p 15 Isto é da mesma forma como acontece nas Ciências Naturais o cientista social precisa captar a regularidade dos fenômenos sociais sem alterála ou distorcê la com relação aos seus valores preconceitos e interesses pes soais é preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos separados dos sujeitos conscientes que os concebem DURKHEIM 2007 p 28 Por serem fatos sociais Durkheim os encara como coisas exteriores e passíveis de serem observadas e medidas objetiva mente Para preservar as condições da observação sociológica 172 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER o autor apresenta três regras pelas quais os fatos sociais podem ser pesquisados com segurança Desfazerse das noções préconcebidas é preciso descartar sistematicamente todas as prenoções DUR KHEIM 2007 p 32 Para Durkheim essa é a regra bási ca da ciência pois a objetividade da pesquisa depende acima de tudo de que ideias e interesses extracientífi cos interfiram no procedimento científico A dúvida me tódica de Descartes e a destruição dos ídolos em Bacon já afirmavam a necessidade do cientista social se man ter neutro perante o objeto pesquisado Definir as bases referenciais do objeto de pesquisa jamais tomar por objeto de pesquisas senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos carac teres exteriores que lhes são comuns e compreender na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa definição DURKHEIM 2007 p 36 Ou seja o método sociológico precisa definir rigorosamente o objeto que se pretende pesquisar e utilizálo como referência para análise de todos os fenômenos que apresentem carac terísticas comuns Por exemplo ao definir o agrupamento familiar como objeto de pesquisa o cientista social precisa utilizarse dos mesmos critérios referenciais independentemen te da modalidade familiar tribal maternal patriarcal monoparental etc Ao eleger a família patriarcal como modelo e a partir dela analisar comparativamente as outras são alterados os pressupostos de observação para a análise das famílias não patriarcais Não analisar os fatos sociais a partir de manifestações individuais quando portanto o sociólogo empreende 173 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais ele deve esforçarse em considerálos por um lado em que estes se apresentem isolados de suas manifesta ções individuais DURKHEIM 2007 p 46 Tanto a ciência como o senso comum admitem as sen sações como ponto de partida no entanto como as sensações são subjetivas e facilmente confundidas para Durkheim os fatos sociais serão mais bem repre sentados objetivamente quanto mais estiverem livres ou separados dos fatos individuais que os manifestam Se quisermos seguir uma via metódica é preciso abordar o reino social pelos lados onde ele mais se abre à investigação científica DURKHEIM 2007 p 47 isto é pela via da objetividade dos fatos sociais A normalidade ou a patologia dos fatos sociais Para o pensamento de Durkheim a Sociologia não tem como finalidade apenas explicar os fenômenos sociais enquanto objeto e método científico mas também propor soluções e ofe recer remédios para problemas reais que afetariam a saúde da sociedade como um todo Como já observado Durkheim leva em consideração um método funcionalista que compreende a sociedade como um todo organizado ou seja como uma espé cie de organismo no caso social Desse modo assim como em todo organismo biológico a sociedade também pode apresentar estados normais e patológicos DURKHEIM 1999 2007 Todo fenômeno sociológico assim como de resto todo fe nômeno biológico é suscetível de assumir formas diferentes conforme os casos embora permaneça essencialmente ele próprio Ora essas formas podem ser de duas espécies Umas são gerais em toda a extensão da espécie Há outras ao 174 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER contrário que são excepcionais elas não apenas se verificam só na minoria mas também acontece que lá mesmo onde elas se produzem muito frequentemente não duram toda a vida do indivíduo Estamos pois em presença de duas variedades distintas de fenômenos que devem ser designadas por termos diferentes Chamaremos normais os fatos que apresentam as formas mais gerais e daremos aos outros o nome de mórbidos ou patológicos DURKHEIM 2007 p 58 Estado normal Considerase como normal aquele fato social que já se encontra generalizado pela sociedade e por isso desempenha alguma função importante seja para evolução ou para adapta ção da vida social Nesse sentido para o autor a recorrência e a generalidade de um fato social implicam necessariamente uma funcionalidade social Ou seja a finalidade de um fato social im pacta diretamente o consenso coletivo de sua função A função de um fato social não pode ser senão social isto é ela consiste na produção de efeitos socialmente úteis Certamente pode ocorrer e acontece de fato que por via indireta o fato social sirva também ao indivíduo Mas esse resultado feliz não é sua razão de ser imediata Podemos portanto completar a pro posição precedente dizendo A função de um fato social deve sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim social DURKHEIM 2007 p 112 A generalidade de um fato social portanto apresentase como o pressuposto de sua normalidade Isso quer dizer que se considera como normal aquele fato social que é resultado do consenso coletivo e desse modo contribui para a manutenção e harmonia da sociedade Para que a sociologia seja realmente uma ciência de coisas é preciso que a generalidade dos fenôme 175 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER nos seja tomada como critério de sua normalidade DURKHEIM 2007 p 75 Se um fenômeno social mesmo envolto de protestos ain da se mantém de acordo com os critérios de sua origem então há um fato social normal no entanto se tal fenômeno já não corresponde mais às motivações que o causaram e por sua vez não cumpre mais com a harmonia e coesão social então tornase patológico DURKHEIM 2007 Estado patológico Considerase como patológico aquele fato social que põe em risco a harmonia o acordo e o consenso coletivo e por isso se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente Nesse sentido por serem excepcionais temporá rios e observados apenas em uma minoria os fatos patológicos não são consensuais DURKHEIM 2007 Todavia devese notar que o normal ou o patológico não está relacionado à aceitação individual mas ao consenso de uma espécie de consciência coletiva A sociedade é algo externo maior e anterior aos indivíduos Ou seja embora a sociedade seja composta por consciências individuais observase que em todo e qualquer grupo existem formas padronizadas de conduta e pensamento formando assim o tipo psíquico da sociedade DURKHEIM 2007 Há em nós duas consciências uma contém apenas estados que são pessoais a cada um de nós e nos caracterizam ao passo que os estados que a outra compreende são comuns a toda a sociedade A primeira representa apenas nossa personalidade individual e a constitui a segunda representa o tipo coletivo e por conseguinte a sociedade sem a qual ele não existiria DUR KHEIM 1999 p 79 176 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER É a partir dessa consciência coletiva que nada mais é do que a moral vigente que se formarão os critérios delineadores do certo e do errado do moral e do imoral do justo e do criminoso A consciência moral da sociedade se manifes taria por inteiro em todos os indivíduos e com uma vitalidade suficiente para impedir todo ato que a ofendesse tanto as faltas puramente morais como os crimes DURKHEIM 2007 p 70 Não é porque um fato é reprovável que se poderá classificálo como patológico Pelo contrário o crime por exem plo é um fato social considerado normal para Durkheim e isso decorre de dois motivos por conta da sua generalidade ou seja por causa da sua ocorrência em toda e qualquer sociedade o crime é normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta seria inteiramente impossível DURKHEIM 2007 68 por conta da maneira como ele agrega e condiciona os comportamentos das pessoas a determinados valores preestabelecidos uma vez que ao punir o criminoso os integrantes da coletividade reforçam e renovam seus princípios Assim O crime não se observa apenas na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie mas em todas as sociedades de to dos os tipos Não há nenhuma onde não exista uma criminali dade Esta muda de forma os atos assim qualificados não são os mesmos em toda parte mas sempre e em toda parte houve homens que se conduziram de maneira a atrair sobre si a re pressão penal DURKHEIM 2007 6667 Isso não quer dizer que Durkheim aceite o crime como algo positivo mas sim que ele possui uma função social passível de ser pesquisada de forma quantitativa e estatística Esse aspecto retoma uma exigência metodológica já mencionada os fatos so 177 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER ciais por serem normais precisam ser estudados de forma neu tra por parte do sociólogo e não amparados por qualquer tipo de julgamento de valor A divisão do trabalho social As reflexões de Durkheim como já mencionado não fica ram no vazio da cientificidade mas refletiram sobre os dilemas concretos da sociedade Na obra Da divisão do trabalho social ele promove uma análise do desenvolvimento das sociedades até o seu pleno estado capitalista Já apresentamos em outros momentos o quanto a Revo lução Industrial impulsionou a produção e renovou os meios de produção também comentamos o quanto a Revolução Francesa implodiu as bases da velha estratificação feudal dominada pela nobreza O aumento da livreiniciativa e do comércio se expandia de forma rápida Com isso em meados do século 19 Durkheim começou questionar de que forma a sociedade capitalista tão heterogênea e cada vez mais voltada para a especialização das funções poderia garantir algum tipo de coesão social Ou seja como seria possível uma sociedade formada por indivíduos tão diferentes ser integrada socialmente DURKHEIM 1999 Durkheim chegou à conclusão de que o fundamento para a coesão social nas sociedades capitalistas estaria naquilo que lhe é propriamente específico a noção de divisão do trabalho e especialização das funções A divisão do trabalho não serviria apenas para dotar nos sas sociedades de luxo invejável talvez mas supérfluo ela se ria uma condição de existência da sociedade Graças à divisão do trabalho ou pelo menos por seu intermédio se garantiria a coesão social ela determinaria os traços essenciais da cons tituição da sociedade Por isso mesmo caso seja essa real 178 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER mente a função da divisão do trabalho ela deve ter um caráter moral porque as necessidades de ordem de harmonia e de solidariedade social são geralmente consideradas morais DUR KHEIM 2000 p 66 Durkheim observou que em sociedades com uma divisão do trabalho menos desenvolvida como a feudal os indivíduos cumpriam as mesmas funções e por isso não dependiam tanto uns dos outros sendo semelhantes entre si Como a coesão so cial não poderia ser garantida pela interdependência funcional restou a crença e a repressão da consciência como fatores de unidade social DURKHEIM 1999 Figura 4 Solidariedade e consciência Diferentemente desse tipo de coesão social numa socie dade com a divisão do trabalho mais desenvolvida predomina ria uma dinâmica de coesão social baseada na interdependência funcional uma vez que uma função dependeria de outra para o aumento da produtividade Assim quanto mais diferenciados são os indivíduos passam cada vez mais a depender uns dos ou tros Como admite Spencer para que a sociedade possa formar se nessa hipótese é necessário que as unidades primitivas pas sem do estado de independência perfeita ao de dependência mútua DURKHEIM 1999 p 279 179 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Como a sociedade é distinta e maior do que a soma dos indivíduos que a compõem as normas e padrões sociais tendem a determinar as condutas individuais Esse conjunto de relações entre os indivíduos confere a cada sociedade um determinado tipo de coesão social Durkheim chamou tal coesão de solida riedade social É preciso determinar sobretudo em que medida a solidarie dade que ela produz contribui para a integração geral da so ciedade pois somente então saberemos até que ponto essa solidariedade é necessária se é um fator essencial da coesão social ou então ao contrário se nada mais é que uma condição acessória e secundária DURKHEIM 1999 p 30 Com o objetivo de compreender esses modos históricos de coesão social presentes em seus processos de desenvolvimen to Durkheim estabeleceu uma distinção entre duas formas de socialização solidariedade mecânica e solidariedade orgânica Vejamos ambas em detalhe Solidariedade mecânica Segundo Durkheim tratase daquela solidariedade que predominava nas sociedades précapitalistas Nesse tipo de so lidariedade como o nível de divisão do trabalho era baixo o elo de coesão entre os indivíduos ocorria por meio da família da re ligião da tradição e dos costumes permanecendo independen tes e autônomos em relação à divisão do trabalho Como a interdependência mútua não existe pelo fato de os indivíduos exercerem as mesmas funções a estrutura social passa a ser regulada unicamente por uma autoridade moral co letiva consciência coletiva que exerce o seu poder de coerção 180 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER sobre os indivíduos Há aqui um processo que desenvolve por tanto uma heteronomia pessoal Não só de maneira geral a solidariedade mecânica liga os homens menos fortemente do que a solidariedade orgânica como também à medida que avançamos na evolução social ela vai se afrouxando cada vez mais DURKHEIM 1999 p 133 Solidariedade orgânica De acordo com Durkheim seria aquela solidariedade típica das sociedades capitalistas as quais por meio da especialização e divisão do trabalho tornariam os indivíduos mais interdepen dentes A solidariedade depende estreitamente da atividade funcional das partes especializadas DURKHEIM 1999 p 410 É justamente essa interdependência que garante uma coesão social maior substituindo assim os costumes tradições e laços consanguíneos Aqui pois a individualidade do todo aumenta ao mesmo tem po que a das partes a sociedade tornase mais capaz de se mo ver em conjunto ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos próprios Essa solidariedade se assemelha a que observamos entre os animais superiores De fato cada órgão aí tem sua fisionomia especial sua autono mia e contudo a unidade do organismo é tanto maior quan to mais acentuada essa individuação das partes Devido a essa analogia propomos chamar de orgânica a solidariedade devida à divisão do trabalho DURKHEIM 1999 p 108109 Enquanto nas sociedades précapitalistas a consciência coletiva está totalmente direcionada para a coerção dos indiví duos uma vez que a falta de especialização das funções faz com que os indivíduos dependam menos uns dos outros nas socie dades capitalistas a consciência coletiva se afrouxa permitindo assim o desenvolvimento de uma maior autonomia pessoal 181 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Portanto a diferenciação social entre os trabalhadores divisão do trabalho levou ao mesmo tempo a um projeto de adensamento social no qual as partes passaram a depender mais umas das outras do que da coação moral da consciência coletiva Bem diverso da solidariedade mecânica é o caso da solidarie dade produzida pela divisão do trabalho Enquanto a preceden te implica que os indivíduos se assemelham esta supõe que eles diferem uns dos outros A primeira só é possível na medida em que a personalidade individual é absorvida na personali dade coletiva a segunda só é possível se cada um tiver uma esfera de ação própria por conseguinte uma personalidade É necessário pois que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual para que nela se estabe leçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar e quanto mais essa região é extensa mais forte é a coesão que resulta dessa solidariedade DURKHEIM 1999 p 108 Os grupos funcionais e as especializações profissionais tornamse para o autor uma parte imprescindível para a com preensão da estratificação social bem como meios positivos para a questão da sociabilidade funcional interdependência Até mesmo as classes sociais tanto a dos trabalhadores como a dos capitalistas se diferenciam na medida em que cumprem suas funções com relação à divisão do trabalho social Enfim a divisão do trabalho não é compreendida apenas como um modo de organização social voltado para a potencia lização da produtividade como no caso de Adam Smith mas também como um canal de sociabilidade entre os indivíduos en tre si e aproximação dos próprios indivíduos aos padrões estabe lecidos pela moralidade coletiva Portanto podese dizer que a divisão do trabalho é princí pio geral fundamental que motiva a proposta sociológica de Dur 182 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER kheim Em torno dele o autor constrói as bases para uma aná lise acerca do desenvolvimento das sociedades anteriores até o capitalismo e suas respectivas formas de solidariedade coesão social O suicídio egoísta altruísta e anômico Durkheim considera como positivo o processo histórico de divisão do trabalho e especialização das funções uma vez que por meio desse fenômeno a coletividade progrediu de uma soli dariedade mecânica para a orgânica Com isso o autor conseguiu legitimar a existência de uma coesão e uma moralidade social dentro do contexto das sociedades industriais No entanto seu pensamento sociológico também observa elementos de insatis fação especialmente ao abordar a temática do suicídio Na obra O suicídio Durkheim analisou com detalhes esse fenômeno e constatou que este reúne todas as características de um fato social pois além de se fazer presente em toda e qual quer sociedade generalidade apresenta elementos totalmente independentes daquelas motivações pessoais do suicida exte rioridade os quais determinam para os indivíduos as predispo sições psicológicas e sociais que fazem com que o suicida reco nheça a necessidade do suicídio coercitividade Cada um deles realiza seu ato separadamente sem saber que outros fazem o mesmo por seu lado no entanto enquanto a sociedade não muda o número de suicidas é o mesmo Por tanto todas essas manifestações individuais por mais que pareçam independentes umas das outras na verdade devem ser produto de uma mesma causa ou de um mesmo grupo de causas que dominam os indivíduos DURKHEIM 2000 p 391 183 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Essa interpretação de Durkheim propõe uma nova maneira de investigar o suicídio diferentemente da análise conclusiva de outros estudos e teorias Vejamos algumas características Um método de abordagem o tema suicídio não era novidade na época de Durkheim desde o século 17 esse tema vinha sendo estudado porém como objeto moral e não sociológico DURKHEIM 2000 A definição das causas o suicídio era normalmente vin culado a causas particulares relacionadas a tempera mento caráter ou outras condições específicas e não a partir de causas coletivas DURKHEIM 2000 Nesse sentido segundo Durkheim o interesse da Sociolo gia pelo suicídio decorre justamente daquilo que é comum aos suicidas independentemente da sociedade espaço e do perío do tempo O principal objetivo de Durkheim é analisar o suicí dio sociologicamente ou seja explicar a soma de todos os suicí dios em um dado espaço e tempo em termos sociológicos e não por motivações pessoais e autodestrutivas O critério do autor se encontra nas estruturas sociais e não nas razões individuais Se em vez de enxergálos apenas como acontecimentos par ticulares isolados uns dos outros e cada um exigindo um exa me à parte considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante uma determinada uni dade de tempo constataremos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes uma coleção mas que constitui por si mesmo um fato novo e sui generis pe culiar único que tem sua unidade e sua individualidade por conseguinte sua natureza própria e que além do mais essa natureza é eminentemente social DURKHEIM 2000 p 17 Com isso ao analisar a regularidade das taxas de suicídio na França Prússia Inglaterra Saxônia Baviera Dinamarca entre 184 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 1841 a 1872 Durkheim concluiu uma invariabilidade de resulta dos para uma mesma sociedade desde que a observação não abranja um período por demais extenso esse número é quase invariável DURKHEIM 2000 p 17 Isso caracteriza para o au tor um fato específico para cada sociedade Cada sociedade tem portanto em cada momento de sua história uma disposi ção definida para o suicídio DURKHEIM 2000 p 19 Será a partir dessa taxa constante e determinada presente em cada sociedade e em determinados períodos que Durkheim enfim expressará a real dimensão sociológica contida no fenô meno do suicídio delimitando assim o seu objeto e método de pesquisa Nossa intenção não é portanto fazer o inventário mais comple to possível de todas as condições que possam entrar na gêne se dos suicídios particulares mas apenas pesquisar aquelas de que depende o fato definido que chamamos de taxa social de suicídios DURKHEIM 2000 p 24 E mais adiante completa Entre os fatores dos suicídios os únicos que lhe concernem isto é ao sociólogo são os que fazem sentir sua ação sobre o conjunto da sociedade A taxa de suicídios é o produto desses fatores Por isso devemos nos deter nelas O fenômeno que se trata de explicar só pode ser devido a causas extrasociais de grande generalidade ou a causas propriamente sociais DUR KHEIM 2000 p 25 Como já observado de acordo com Durkheim o suicídio precisa ser compreendido a partir do processo de integração e regulação que a coletividade promove no indivíduo Ou melhor Durkheim deseja mostrar que as motivações do suicídio não vêm do indivíduo mas da maneira como o coletivo configura suas 185 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER normas de socialização a partir de duas deficiências pela falta ou excesso de integração e regulação social DURKHEIM 2000 Na tentativa de delimitar tais causas sociais excesso e fal tas do suicídio Durkheim distingue três modalidades sociais de suicídio independentemente da sociedade suicídio egoísta sui cídio altruísta e suicídio anômico Vejamos cada uma em detalhe Suicídio egoísta Para Durkheim o suicídio egoísta é aquele resultante de uma integração social frágil Ou seja nesse caso a falta de in tegração social levaria o indivíduo a buscar em si mesmo aquilo que não consegue mais obter na coletividade Ocorre portanto a perda dos princípios ou noções de integração social resultando no reconhecimento de regras de conduta apenas pessoais Mas a sociedade não pode desintegrarse sem que na mesma medida o indivíduo se desligue da vida social sem que seus fins próprios se tornem preponderantes sobre os fins comuns sem que sua personalidade em suma tenda a se colocar acima da personalidade coletiva Quanto mais os grupos a que per tence se enfraquecem menos o indivíduo depende deles e por conseguinte mais depende apenas de si mesmo para não reco nhecer outras regras de conduta que não as que se baseiam em seus interesses privados Se portanto conviermos chamar de egoísmo esse estado em que o eu individual se afirma excessi vamente diante do eu social e às expensas deste último pode remos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta de uma individuação descomedida DURKHEIM 2000 p 258259 De acordo com Durkheim esse tipo de suicídio é comum àquelas pessoas que pelo fato de terem uma ligação menor com o grupo ou instituições dispõem de meios e recursos pessoais para o enfrentamento das crises Para provar essa hipótese Dur 186 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER kheim analisou taxas de suicídios de diferentes lugares comuni dades religiosas famílias agrupamentos profissionais e consta tou que por exemplo no caso das confissões religiosas dentre judeus católicos e protestantes o último grupo foi que apresen tou uma taxa maior de suicídio Por quê Segundo o autor de to das as religiões a protestante é a que mais conserva o chamado individualismo religioso com relação à crença e à hierarquia Tudo o que é variação horroriza o pensamento católico O pro testante é mais autor de sua crença A Bíblia é colocada em suas mãos e nenhuma interpretação lhe é imposta A própria estru tura do culto reformado torna perceptível essa condição de in dividualismo religioso Em nenhum lugar salvo na Inglaterra o clero protestante é hierarquizado o sacerdote só depende de si mesmo e de sua consciência assim como o fiel DURKHEIM 2000 p 185186 Notase que o protestantismo segundo a teoria de Dur kheim possui um livreexame maior da própria crença efeito por sua vez de uma outra causa a falência das crenças tradicio nais DURKHEIM 2000 p 186 Logo o suicídio egoísta ocorre rá na medida que a integração social enfraquecer chegamos portanto à seguinte conclusão geral o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indiví duo faz parte DURKHEIM 2000 p 258 Suicídio altruísta Segundo Durkheim o suicídio altruísta resulta de uma for te integração social Se a causa do suicídio egoísta era a falta de integração social no caso do altruísta o problema é inverso de corre do excesso de integração social Ou seja esse tipo de suicí dio ocorre no interior de grupos coesos nos quais se consideram 187 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER os fins coletivos como superiores aos fins individuais As ações individuais são legítimas somente em função da coletividade A sociedade portanto pesa sobre o indivíduo para leválo a se destruir Assim é em vista de fins sociais que a sociedade impõe esse sacrifício Se o cliente não deve sobreviver a seu chefe ou o servidor a seu príncipe é porque a constituição da sociedade implica entre os vassalos e seus patrões entre os ofi ciais e o rei uma dependência tão íntima que exclui qualquer ideia de separação DURKHEIM 2000 p 273 Esse tipo de suicídio é comum em pessoas que promovem uma absoluta identificação do seu eu com o coletivo a ponto de não mais se considerar como sujeito para além daquilo que o grupo lhe permitiu ser Logo o fundamento de sua existência e conduta vem de fora isto é do grupo do qual participa como é o caso por exemplo de algumas viúvas indianas que aceitam ser queimadas junto com seus maridos ou de idosos de algu mas tribos que aceitam tirar a própria vida para evitar ser um peso para a comunidade Caso semelhante pode ser encontrado também no ritual do haraquiri ou sepukku próprio da cultura japonesa no qual o samurai diante de sua desonra prefere tirar a própria vida do que vivêla de maneira envergonhada Outro exemplo também pode ser identificado no caso de Edward John Smith 18501912 o comandante do navio Titanic que segun do as lendas literárias e biográficas preferiu morrer exercendo a sua função até o fim do que salvar a própria vida Diz Durkheim Em todos esses casos se o homem se mata não é porque se ar roga o direito mas o que é bem diferente porque tem o dever Quando falta a essa obrigação é punido com a desonra e tam bém na maioria das vezes por castigos religiosos Sem dúvida quando nos falam de velhos que se matam num primeiro mo mento somos levados a acreditar que a causa esteja no cansaço ou nos sofrimentos comuns nessa idade Mas se na verdade esses suicídios não tivessem outra origem se o indivíduo se 188 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER matasse unicamente para se desvencilhar de uma vida insupor tável não seria obrigado a fazêlo DURKHEIM 2000 p 272 Suicídio anômico Para o autor o suicídio anômico está relacionado à fraca regulação exercida pela sociedade A anomia do grego a no mos que significa privado de leis diz respeito a uma situação social na qual as leis ou as normas coletivas não são mais eficazes para a regulação da vida dos indivíduos Na anomia os indiví duos perdem portanto as suas referências sociais e por isso decepcionamse com a coletividade resultando em atentados contra a própria vida É preciso que uma força reguladora desempenhe para as necessidades morais o mesmo papel que o organismo para as necessidades físicas Isso significa que essa força só pode ser moral Os homens não consentiriam em limitar seus dese jos se se julgassem no direito de ultrapassar o limite que lhes é designado Só que eles não podem ditar a si mesmos essa lei de justiça pelas razões que mencionamos Portanto devem recebêla de uma autoridade que respeitem e diante da qual se inclinem espontaneamente Só a sociedade seja diretamente e em seu conjunto seja por intermédio de um de seus órgãos está em condições de desempenhar esse papel moderador pois ela é o único poder moral superior ao indivíduo e cuja su perioridade este último aceita DURKHEIM 2000 p 315 Segundo Durkheim a taxa desse tipo de suicídio por exemplo aumenta significativamente em períodos de grandes crises econômicas ou contraditoriamente em momentos de rápida prosperidade Para ilustrar a tese de Durkheim sobre o aumento de suicídios em épocas de crise financeira podemos lembrar da Quebra da Bolsa de Valores em 24 de outubro de 1929 Nessa ocasião milhões em títulos foram desvalorizados e 189 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER inúmeras fortunas desapareceram em questão de poucas horas Historiadores e estudiosos relatam a ocorrência de numerosos casos de suicídio nesses dias Enfim independentemente das causas o fato é que em tais momentos a sociedade se considera incapaz de administrar os desejos individuais gerando assim um desregramento total ou parcial da moral Nos casos de desastres econômicos produzse como que uma desclassificação que empurra bruscamente certos indivíduos para uma situação inferior à que ocupavam até então O resultado é que eles não se ajustam à condição que lhes cabe e que sua própria perspectiva lhes é insuportável daí os sofri mentos que os fazem desapegarse de uma existência reduzida antes mesmo que a tenham experimentado DURKHEIM 2000 p 320 Durkheim também menciona muito rapidamente ape nas em nota de rodapé a existência de um quarto tipo de sui cídio o fatalista Suicídio fatalista Assim como o suicídio egoísta por falta de integração so cial se opõe totalmente ao suicídio altruísta por excesso de in tegração social segundo Durkheim parece existir também po rém nas devidas proporções um outro tipo de suicídio oposto ao anômico chamado pelo autor de fatalista Suas diferenças são perceptíveis enquanto o suicídio anômico se caracteriza pela falta de regulação dos padrões morais o fatalista estaria re lacionado ao excesso de alguma regulação moral praticada pelo indivíduo Ou seja a rigidez e inflexibilidade das normas morais podem em algumas situações causar desconfortos pessoais que motivam inclusive a prática do suicídio 190 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Há um tipo de suicídio que se opõe ao suicídio anômico tal como o suicídio egoísta e o suicídio altruísta opõemse um ao outro É aquele que resulta de um excesso de regulamentação aquele cometido pelos indivíduos cujo futuro está implacavelmente barrado cujas paixões são violentamente reprimidas por uma disciplina opressiva É o suicídio dos homens casados muito jovens da mulher casada sem filhos DURKHEIM 2000 p 353 No entanto pelo fato de ter pouca importância já no sé culo 19 bem como pela dificuldade em encontrar exemplos re correntes Durkheim considera a utilidade desse tipo de suicídio apenas como de valor histórico Para evidenciar esse caráter inevitável e inflexível da regra segundo a qual nada se pode fazer e por oposição à expressão anomia que acabamos de empregar poderíamos chamálo de suicídio fatalista DURKHEIM 2000 p 353 Com o estudo sobre esse tema Durkheim pôde então co locar em prática a sua metodologia funcionalista principalmente ao tentar descrever o suicídio como algo exterior ao suicida Por conta dessas observações podese reconhecer Émile Durkheim como o grande responsável pela autonomia da Sociologia en quanto ciência dos fatos sociais As leituras indicadas no Tópico 32 apresentam tanto as propostas metodológicas de Durkheim como também suas considerações acerca da divisão do trabalho social e de sua análise sociológica sobre o suicídio Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 191 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 3 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO Com o intuito de relembrar alguns conceitos básicos sobre o positivismo sociológico leia os seguintes artigos ALVES C Positivismo no século XIX Disponível em httpenfilneted1conteudoarchivesed001Clau diapdf Acesso em 19 nov 2019 COSTA J C Augusto Comte e as origens do Positi vismo Revista de História São Paulo Universidade de São Paulo v 1 n 3 p 363382 1950 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevhistoriaarticle view3486037598 Acesso em 19 nov 2019 LACERDA G B Augusto Comte e o Positivismo Re descobertos Revista de Sociologia e Política Curitiba v 17 n 34 p 319343 out 2009 Disponível em http 192 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER wwwscielobrpdfrsocpv17n34a21v17n34pdf Acesso em 19 nov 2019 Ainda sobre o pensamento de Augusto Comte estudamos as bases do método positivista e sua importância para o início da Sociologia Para conhecer mais sobre o assunto acesse BRANDÃO A R P A postura do Positivismo com rela ção às Ciências Humanas Theoria Revista Eletrônica de Filosofia v 03 n 6 p 80105 2011 Disponível em httpwwwtheoriacombredicao0611apostura dopositivismopdf Acesso em 19 nov 2019 SCHNEIDER S SCHMITT C J O uso do método compa rativo nas Ciências Sociais Cadernos de Sociologia Por to Alegre v 9 p 4987 1998 Disponível em http ncmoodlefgvbrcursoscentrorecdocsousome todocomparativopdf Acesso em 19 nov 2019 Os conceitos de estática e dinâmica social foram funda mentais para a sistematização da Sociologia como ciência autô noma Para aprofundar seus estudos nessa temática recomen damos os artigos BENOIT L O Comte leitor de Aristóteles considerações relativas à estática social positivista Revista Archai as origens do pensamento ocidental n 4 p 113120 jan 2010 Disponível em httpsdigitalisdspucptbits tream103162245051archai4artigo13pdf Aces so em 19 nov 2019 LACERDA G B Elementos estáticos da teoria política de Augusto Comte as pátrias e o poder temporal Revis ta de Sociologia e Política Curitiba 23 p 6378 nov 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocp n2324622pdf Acesso em 19 nov 2019 193 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER Por fim também sugerimos o texto elencado a seguir para aprofundar sua leitura sobre a proposta da religião da humani dade de Augusto Comte AMORIM A M O projeto de uma ciência moral a re ligião em Auguste Comte Dissertação Mestrado em Ciências da Religião Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora 2007 Disponível em httpsreposi torioufjfbrjspuibitstreamufjf31911adrianamon ferrariamorimpdf Acesso em 19 nov 2019 32 ÉMILE DURKHEIM MÉTODO E PENSAMENTO Para complementar as leituras sobre Durkheim mais es pecificamente sobre as características do fato social e as regras do método sociológico sugerimos a leitura dos textos seguintes PAIS J M Das regras do método aos métodos des regrados Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 8 n 1 p 85111 maio 1996 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv8n101032070 ts08010085pdf Acesso em 19 nov 2019 VARES S F Os fatos e as coisas Émile Durkheim e a controversa noção de fato social Ponto e Vírgula São Paulo PUCSP n 20 p 104121 juldez 2016 Dispo nível em httpsrevistaspucspbrindexphppontoe virgulaarticleviewFile3116821605 Acesso em 19 nov 2019 Como observado a questão da divisão do trabalho social segundo Durkheim é fundamental para a compreensão de de terminados tipos de coesão e integração social Nesse sentido 194 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER com o intuito de aprofundar as temáticas da solidariedade me cânica e orgânica leia os artigos indicados a seguir ARAÚJO M S S Solidariedade social as ponderações de Émile Durkheim Revista de Políticas Públicas v 9 n 2 p 5170 juldez 2005 Disponível em httpwww periodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaar ticledownload37851876 Acesso em 19 nov 2019 VARES S F Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Émile Durkheim dois conceitos e um di lema Mediações Londrina v 18 n 2 p 148171 juldez 2013 Disponível em httpwwwuelbr revistasuelindexphpmediacoesarticledown load1731713807 Acesso em 19 nov 2019 Por fim os estudos de Durkheim acerca do suicídio foram essenciais para a aplicação de suas regras metodológicas de pes quisa social Para revisar os tipos de suicídio egoísta altruísta anômico e fatalista acesse NUNES E D O Suicídio reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX Cadernos de Saú de Pública Rio de Janeiro v 14 n 1 p 734 janmar 1998 Disponível em httpwwwscielobrpdfcsp v14n10199pdf Acesso em 19 nov 2019 TEIXEIRA R R Três fórmulas para compreender O suicídio de Durkheim Interface Comunicação Saú de Educação v 6 n 11 p 14352 ago 2002 Dis ponível em httpsrepositorioobservatoriodo cuidadoorgjspuibitstreamhandle1452icse S141432832002000200021pdf Acesso em 19 nov 2019 195 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 A Sociologia surgiu em um período em que o fazer científico encontrava se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século 19 Herbert Spencer Charles Darwin e Auguste Comte por exemplo tiveram grande importância para o pensamento sociológico O primeiro por apli car às Ciências Humanas o evolucionismo mesmo antes das teses revolu cionárias sobre a seleção das espécies do segundo Com relação a Comte houve a influência de seu espírito positivo na formação dos muitos inte lectuais do período Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pensamento sociológico podemos afirmar que a A ideia de progresso apesar de ter grande influência na área das Ciên cias Naturais não teve impacto decisivo na constituição da Sociologia b A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do período mas a Sociologia rejeitou a sua adoção assim como qualquer comparação entre seus efeitos no reino natural e no mundo social c A explicação sociológica procurou desde o seu início afastarse de qualquer forma de determinismos fossem biológicos ou geográficos pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista d Em sua busca por constituirse como disciplina a Sociologia passou pela valorização e incorporação dos métodos das ciências da nature za utilizando metáforas organicistas assim como conferindo ênfase à noção de função e Como tentativa de explicação da sistematização da Sociologia nos sé culos 14 e 15 tais autores buscaram refundar nas ciências um ideal renascentista de sociedade considerando o homem como artífice de si mesmo 2 Solidariedade orgânica e solidariedade mecânica são conceitos pro postos pelo sociólogo francês Émile Durkheim 18581917 para explicar a coesão social em diferentes tipos de sociedade De acordo com as teses desse estudioso nas sociedades ocidentais modernas prevalece a solida 196 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER riedade orgânica na qual os indivíduos se percebem diferentes embora dependentes uns dos outros A lógica do mercado capitalista entretanto baseada na competição individualista em busca do lucro pode corromper os vínculos de solidariedade que asseguram a coesão social e conduzir a uma situação de anomia De acordo com os postulados de Durkheim é correto dizer que o conceito de anomia indica a a necessidade de todos demonstrarem solidariedade com os mais necessitados b a condição na qual os indivíduos não se identificam como membros de um grupo que compartilha as mesmas regras e normas e têm dificulda des para distinguir por exemplo o certo do errado e o justo do injusto c uma situação na qual aqueles indivíduos portadores de um senso mo ral superior devem se colocar como líderes dos grupos dos quais fazem parte d o consumismo exacerbado das novas gerações representado pelo au mento do número de shopping centers nas cidades e a solidariedade que as pessoas demonstram quando entoam cantos nacionalistas e patrióticos em manifestações públicas como os jogos das seleções nacionais de futebol Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 d 2 b 3 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou a origem da Sociologia como área autônoma do pensamento A partir das contribuições de Augus 197 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER to Comte e Émile Durkheim a Sociologia e futuramente as Ciências Sociais conseguiu um estatuto próprio e um espaço específico para a pesquisa científica A preocupação de Comte em considerar a Sociologia nascente como uma Física Social apesar de restrita ao âmbito das Ciências Naturais foi de extre ma importância para a formulação do fato social de Durkheim Nesse sentido por ser uma temática de extrema importân cia para o surgimento das Ciências Sociais é fundamental que você complemente e aprofunde seus estudos por meio das refe rências bibliográficas citadas e das sugestões de leitura presen tes no Conteúdo Digital Integrador Esse aprofundamento será importante inclusive para a continuação do assunto nas duas próximas unidades que adentrarão na obra de dois outros au tores importantíssimos para as Ciências Sociais Karl Marx e Max Weber 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Augusto Comte Disponível em httpswwwinfoescolacombiografias augustecomte Acesso em 18 nov 2019 Figura 2 Émile Durkheim Disponível em httpsbrasilescolauolcombrsociologia durkheimfatosocialhtm Acesso em 18 nov 2019 Figura 4 Solidariedade e Consciência Disponível em httpsdigofreitascomhq outros18solidariedade Acesso em 19 nov 2019 Sites pesquisados ALVES C Positivismo no século XIX Disponível em httpenfilneted1conteudo archivesed001Claudiapdf Acesso em 19 nov 2019 198 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER AMORIM A M O projeto de uma ciência moral a religião em Auguste Comte Dissertação Mestrado em Ciências da Religião Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora 2007 Disponível em httpsrepositorioufjfbrjspuibitstream ufjf31911adrianamonferrariamorimpdf Acesso em 19 nov 2019 ARAÚJO M S S Solidariedade social as ponderações de Émile Durkheim Revista de Políticas Públicas v 9 n 2 p 5170 juldez 2005 Disponível em httpwww periodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaarticledownload37851876 Acesso em 19 nov 2019 BENOIT L O Comte leitor de Aristóteles considerações relativas à estática social positivista Revista Archai as origens do pensamento ocidental n 4 p 113120 jan 2010 Disponível em httpsdigitalisdspucptbitstream103162245051 archai4artigo13pdf Acesso em 19 nov 2019 BRANDÃO A R P A postura do Positivismo com relação às Ciências Humanas Theoria Revista Eletrônica de Filosofia v 03 n 6 p 80105 2011 Disponível em http wwwtheoriacombredicao0611aposturadopositivismopdf Acesso em 19 nov 2019 CANAL FILOSÓFICO O Positivismo de Auguste Comte 2016 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvHfLpQ16WauMt15s Acesso em 18 nov 2019 COSTA J C Augusto Comte e as origens do Positivismo Revista de História São Paulo Universidade de São Paulo v 1 n 3 p 363382 1950 Disponível em httpwww revistasuspbrrevhistoriaarticleview3486037598 Acesso em 19 nov 2019 FONSECA J G Positivismo de Auguste Comte 2018 Disponível em httpswww youtubecomwatchvnmhrKDKqgo Acesso em 18 nov 2019 FRONTEIRAS DO PENSAMENTO Alain de Botton Comte ordem e progresso 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvobNTlJS4WoU Acesso em 18 nov 2019 LACERDA G B Augusto Comte e o Positivismo Redescobertos Revista de Sociologia e Política Curitiba v 17 n 34 p 319343 out 2009 Disponível em httpwww scielobrpdfrsocpv17n34a21v17n34pdf Acesso em 19 nov 2019 Elementos estáticos da teoria política de Augusto Comte as pátrias e o poder temporal Revista de Sociologia e Política Curitiba 23 p 6378 nov 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocpn2324622pdf Acesso em 19 nov 2019 NUNES E D O Suicídio reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX Cadernos de Saúde Pública Rio de Janeiro v 14 n 1 p 734 janmar 1998 Disponível em httpwwwscielobrpdfcspv14n10199pdf Acesso em 19 nov 2019 199 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER PAIS J M Das regras do método aos métodos desregrados Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 8 n 1 p 85111 maio 1996 Disponível em http wwwscielobrpdftsv8n101032070ts08010085pdf Acesso em 19 nov 2019 PINHEIRO A Sociologia Émile Durkheim Parte 12 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvq67sUgkLSE Acesso em 18 nov 2019 Sociologia Émile Durkheim Parte 22 2015 Disponível em httpswww youtubecomwatchvHm1MnaT2GM Acesso em 18 nov 2019 PINHO A Durkheim Suicídio 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvwj3tdcqLaoA Acesso em 18 nov 2019 PINTO H A última religião Documentário sobre Positivismo no Brasil 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvaHpGcr1eMg Acesso em 18 nov 2019 RENNÓ P Émile Durkheim fatos sociais e suicídio 2018 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvLA8u46YUss Acesso em 18 nov 2019 SCHNEIDER S SCHMITT C J O uso do método comparativo nas Ciências Sociais Cadernos de Sociologia Porto Alegre v 9 p 4987 1998 Disponível em http ncmoodlefgvbrcursoscentrorecdocsousometodocomparativopdf Acesso em 19 nov 2019 SOCIOLOGIA ANIMADA Auguste Comte Lei dos três estados 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0bBUri0eC0 Acesso em 18 nov 2019 TEIXEIRA R R Três fórmulas para compreender O suicídio de Durkheim Interface Comunicação Saúde Educação v 6 n 11 p 14352 ago 2002 Disponível em httpsrepositorioobservatoriodocuidadoorgjspuibitstreamhandle1452icse S141432832002000200021pdf Acesso em 19 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Émile Durkheim Disponível em httpswww youtubecomwatchvSMaxxNEqk7U Acesso em 18 nov 2019 Na Íntegra Raquel Weiss Émile Durkheim Disponível em httpswww youtubecomwatchvBeK3FDEIy0 Acesso em 18 nov 2019 VARES S F Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Émile Durkheim dois conceitos e um dilema Mediações Londrina v 18 n 2 p 148171 juldez 2013 Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphpmediacoesarticle download1731713807 Acesso em 19 nov 2019 Os fatos e as coisas Émile Durkheim e a controversa noção de fato social Ponto e Vírgula São Paulo PUCSP n 20 p 104121 juldez 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphppontoevirgulaarticleviewFile3116821605 Acesso em 19 nov 2019 200 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON R As etapas do pensamento sociológico 3 ed São Paulo Martins Fontes 1993 BACON F Novum Organon verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza In Novum Organon Nova Atlântida Trad notas de José Aluysio Reis de Andrade São Paulo Nova Cultural 1999 Os Pensadores COMTE A Catecismo Positivista In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad Miguel Lemos São Paulo Abril Cultural 1978a p 117318 Os Pensadores Curso de filosofia positiva In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978b p 139 Os Pensadores Discurso sobre o Espírito Positivo In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978c p 4194 Os Pensadores Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo In Curso de filosofia positiva Discurso sobre o Espírito Positivo Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Catecismo Positivista Trad José Arthur Giannotti São Paulo Abril Cultural 1978d p 95115 Os Pensadores Introdução Geral ao Estudo da Lógica ou Matemática Extraído da Síntese Subjetiva de Augusto Comte traduzido anotado por Luiz Bueno Horta Barbosa Rio de Janeiro Tipografia Jornal do Commercio 1933 Metodologia das Ciências Sociais In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983a p 73103 Sociologia conceitos gerais e surgimento In MORAES FILHO E Org Comte Sociologia São Paulo Ática 1983b p 5372 Sociologie texte choisis Paris Presses Universitaires de France 1957 System of Positive Polity London Longmans Green 1875a v 1 System of Positive Polity London Longmans Green 1875b v 2 System of Positive Polity London Longmans Green 1876 v 3 System of Positive Polity London Longmans Green 1877 v 4 201 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 3 A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER DESCARTES R Discurso do método Trad Elza M Marcelina Brasília Editora UnB 1989 DURKHEIM É As regras do método sociológico Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 2007 Da divisão do trabalho social Trad Eduardo Brandão 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 O suicídio estudo de Sociologia Trad Monica Stahel São Paulo Martins Fontes 2000 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 QUINO Toda Mafalda da primeira à última tira São Paulo Martins Fontes 2003 REALE G ANTISERE D História da Filosofia do Romantismo ao Empiriocriticismo Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 5 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 203 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 203 UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Objetivos Apresentar as críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano aos eco nomistas clássicos ao socialismo utópico à esquerda hegeliana Compreender as bases filosóficas e sociológicas do materialismo histórico Refletir sobre os conceitos de meios de produção força produtiva modo de produção e relações de produção Contextualizar o materialismo dialético na obra de Marx Apresentar o capital e seu sistema de acumulação Compreender o comunismo e o significado da ditadura do proletariado Conceituar algumas insuficiências das categorias marxistas Conteúdos Críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano aos economistas clás sicos ao socialismo utópico à esquerda hegeliana Materialismo histórico infraestrutura e superestrutura Conceitos de meios de produção força produtiva modo de produção e relações de produção Materialismo dialético A luta de classes como motor da história As contradições presentes em cada modo de produção modelos escravis ta feudal e capitalista Valor de uso e valor de troca das mercadorias O trabalho como mercadoria Conceito de maisvalia e a lógica da acumulação de capital Governo do proletariado e modo de produção comunista Insuficiência de algumas categorias do marxismo Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite ao conteúdo desta obra Após conhecer o conteúdo des ta unidade leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie e aprofunde os temas abordados 2 Busque outras informações em sites confiáveis eou nas referências biblio gráficas apresentadas ao final de cada unidade Mantenha contato com seu tutor 3 A presente unidade leva em consideração um estudo específico sobre o pensamento de Karl Marx e não das centenas de interpretações feitas sobre esse autor na história Antes de tudo é preciso atentarse para o seguinte ponto o pensamento de Marx não se reduz aos socialismos de Estado aplicados pelas nações tipicamente rotuladas como comunistas Por isso antes da leitura tornase essencial colocar de lado as prénoções já existentes sobre marxismo e comunismo para que a sua leitura seja academicamente proveitosa 4 Para complementar os estudos da unidade sugerimos a leitura dos se guintes livros da Coleção Primeiros Passos O que é socialismo Arnaldo Spindel O que é comunismo Arnaldo Spindel O que é marxismo José Paulo Netto O que é capitalismo Afrânio Mendes Catani e Um toque de clássicos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira Por fim reco mendamos dois clássicos sobre o assunto A Revolução dos Bichos George Orwell e Germinal Émile Zola 205 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 5 Para complementar a unidade por meio da linguagem cinematográfica recomendamos alguns filmes Sobre o contexto da obra de Marx Capita lismo uma história de amor EUA 2009 Eles não usam blacktie Brasil 1981 A classe operária vai ao Paraíso Itália 1971 Tempos modernos EUA 1936 Os companheiros Itália 1963 Germinal França 1993 Peões Brasil 2004 O jovem Karl Marx França Alemanha Bélgica 2017 A revolução dos Bichos EUA 1999 Nós que aqui estamos por vós es peramos Brasil 1998 Sobre o contexto do marxismo na história Reds EUA 1981 O assassinato de Trotsky Itália 1974 Stalin EUA 1992 O encouraçado de Potemkin União Soviética 1925 A greve União Sovié tica 1925 6 Como material introdutório também sugerimos que você assista aos se guintes vídeos FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO Adam Smith e Karl Marx Liberalismo e Socialismo Globo Ciência Disponível em httpswwwyoutubecom watchvQOmFyRpTvFMt19s Acesso em 19 nov 2019 RAGO FILHO A A crítica do idealismo em Marx e Engels IV Curso Li vre MarxEngels 2014 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvjuhXSI3Jb7k Acesso em 19 nov 2019 GHIRALDELLI P Chega de ler Marx de modo errado Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvOhyvthbhvWU Acesso em 19 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Karl Marx Disponível em httpswww youtubecomwatchv2DmlHFtTplA Acesso em 19 nov 2019 PRADO E Curso O capital de Marx Aula 01 2017 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchv4uowkYMKs Acesso em 19 nov 2019 PAULANI L Curso O capital de Marx Aula 02 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvT9x0gFHuON4 Acesso em 19 nov 2019 CARCANHOLO M Curso O capital de Marx Aula 03 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv6JYKsqECnoI Acesso em 19 nov 2019 GRESPAN J Curso O capital de Marx Aula 4 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvuYgbuJB7Ckindex1listPLHiE8QPap5vQ kpEnx192YpqOnAdbSY2Cb Acesso em 19 nov 2019 206 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Ideologia em Marx Engels e Lukács 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvPO42EKGODCA Acesso em 19 nov 2019 Adam Smith David Ricardo Karl Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvtaiKSqF0NM Acesso em 19 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Karl Marx documentário Filósofos e a Educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvlG65HHIM6Ws Acesso em 19 nov 2019 BBC RADIO THE OPEN UNIVERSITY Karl Marx Alienação 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgpiZajWS1E Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Obra marxiana x tradição marxista Disponível em ht tpswwwyoutubecomwatchvAlYXnBoaRc Acesso em 19 nov 2019 BARROS FILHO C Por que ler Marx 2015 Disponível em httpswww youtubecomwatchvm93ihi0DIgE Acesso em 10 out 2018 207 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 1 INTRODUÇÃO Segundo Oliveira 2010 p 273 o filósofo cientista social economista e re volucionário Karl Heinrich Marx Figura 1 nasceu em Trier Alemanha em 5 de maio de 1818 Estudou na Universidade de Ber lim interessandose principalmente pelas ideias do filósofo Georg Friedrich Hegel Formouse pela Universidade de Jena em 1814 Em 1843 transferiuse para Paris na França Lá conheceu Friedrich Engels um radical alemão de quem se tornaria amigo íntimo e com quem escreveria vários ensaios e livros Influencia do por ideias socialistas de 1845 a 1848 viveu em Bruxelas Bél gica onde participou de organizações clandestinas de operários e exilados OLIVEIRA 2010 p 273 Em 1847 redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comu nista Em 1848 quando eclodiram movimentos revolucionários em vários países europeus Marx voltou à Alemanha onde edi tou a Nova Gazeta Renana primeiro jornal diário francamente socialista e que procurava orientar as ações do proletariado ale mão Com o fracasso da revolução Marx e Engels fugiram para Londres Inglaterra onde viveram pelo resto da vida OLIVEIRA 2010 p 273 Em 1864 fundaram a Associação Internacional dos Tra balhadores depois denominada Primeira Internacional com o objetivo de lutar pelos direitos dos trabalhadores em todo o mundo Em 1867 Marx publicou o primeiro volume de sua obra mais importante O capital no qual faz uma crítica radical ao Figura 1 Karl Marx 208 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO capitalismo e à sociedade burguesa Entre suas principais obras estão Miséria da filosofia 1847 O dezoito brumário de Luís Bo naparte 1852 e O capital 18671894 Em parceria com Engels escreveu A sagrada família 1844 A ideologia alemã 1845 1846 e o Manifesto do Partido Comunista 1847 Sem dúvida alguma estamos diante de um autor que cau sa tanto admiração como incômodo muito por conta do que foi falado sobre ele Mas é justamente esse ponto que merecerá a nossa atenção o que Marx falou e o que falaram sobre ele Para esclarecer essa questão Raymond Aron pensador li beral e inveterado leitor de Marx propõe na obra O marxismo de Marx uma distinção interessante que nos servirá como re flexão inicial há alguma diferença entre aqueles que estudam o que Marx escreveu e entre aqueles que interpretam seus escri tos Para Aron sim e segundo o autor em torno do pensamento de Marx há três grupos de estudiosos Marxistas aqueles que interpretam Marx de maneira radical e ortodoxa porém segundo os seus interesses ou finalidades ARON 2005 Marxianos aqueles que se remetem diretamente ao pensamento de Marx negandose a promover interpre tações secundárias do autor ARON 2005 Marxólogos especialistas sobre o pensamento e sobre a interpretação científica da obra de Marx ARON 2005 Uma das questões básicas para a leitura da obra de Marx é portanto estudála sem preconceitos Seria um erro grotesco reduzir o pensamento do autor aos regimes autointitulados co munistas tal como testemunhamos a partir do século 20 Sobre isso três observações precisam ser pontuadas 209 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Se tomarmos como exemplo a Revolução Russa pode remos perceber alguns distanciamentos do pensamen to de Marx O modelo econômico da antiga Rússia dos czares anterior à Revolução de 1917 era eminente mente rural Levando em consideração o materialismo dialético um modelo econômico só pode ser substituí do por outro quando em seu interior já não conseguir mais superar as crises decorrentes das lutas de classes Ou seja o escravismo e o feudalismo para Marx só foram substituídos quando não conseguiram mais pro mover relações de produção estáveis O problema é que no caso da Rússia prérevolucionária não existia sistema capitalista e industrial e sim rural Portanto perguntase como promover uma revolução comunis ta aos moldes propostos por Marx sem a existência de um sistema econômico capitalista avançado Temos portanto um primeiro empecilho que não nos permite imediatamente identificar todo o projeto da Revolução Russa como obra de Marx A obra de Marx não é anticapitalista mas póscapitalis ta Ou seja por mais que a sua conclusão seja enfim a superação do capitalismo Marx não se nega a avaliar o capitalismo por ele mesmo e partir de sua lógica liberal Ou melhor ele não nega a existência ou a validade do capitalismo como modo de produção mas afirma a pos sibilidade de sua substituição quando não puder mais manter a estabilidade das classes Esse é um ponto cru cial para compreendermos o limite que separa a figura de Marx como sociólogo da de profeta da salvação ou destruição Essa noção separa inclusive um estudo sério sobre Marx de uma leitura fanática Aron 2005 210 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO por exemplo embora liberal e detentor de sérias crí ticas a Marx não economiza vocabulário para falar da importância da obra O capital Por exemplo na obra o Ópio dos intelectuais Aron 1980 argumenta que se a religião é o ópio do povo então o marxismo é o ópio dos intelectuais No entanto em Etapas do pensamento sociológico também diz Uma última palavra na conclusão da primeira parte afirmo pertencer à escola dos sociólogos liberais de Montesquieu Tocqueville Façoo com uma certa ironia descendente retardado que escapou aos críticos deste livro já publicado nos Estados Unidos e na Inglaterra Contudo parece útil acres centar que nada devo à influência de Montesquieu ou de Toc queville cujas obras só estudei com seriedade nos últimos dez anos Por outro lado há trinta e cinco anos que leio e releio as obras de Marx Cheguei a Tocqueville a partir do marxis mo da filosofia alemã e da observação do mundo atual Nunca hesitei entre A democracia na América e O capital Quase que a despeito de mim mesmo continuo a me interessar mais pelos mistérios de O capital do que pela prosa límpida e triste de A democracia na América Minhas conclusões pertencem à escola inglesa minha formação vem sobretudo da escola alemã ARON 2000 p 12 O próprio Marx enfim em determinado momento de sua trajetória já não se considerava mais marxista Essa curiosa informação é repassada por Engels em diversas de suas cartas que testemunham a seguinte frase dita por Marx tudo o que sei é que não sou mar xista Segundo Engels essa afirmação fazia referência a um tipo de marxismo desenvolvido na França e que não estava de acordo com as opiniões do próprio Marx Vejamos um trecho dessa carta que se trata na verda de de um artigo enviado para publicação aos editores 211 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO do Jornal Der Sozialdemokrat O SocialDemocrata em 7 de setembro de 1890 mas que tinha como objetivo ser uma resposta aos editores do Sächsische Arbeiter Zeitung Jornal dos Trabalhadores da Saxônia Teoricamente eu encontrei nele isto é na edição do jornal Sächsische ArbeiterZeitung e isso em geral para o resto da imprensa de oposição um marxismo freneticamente dis torcido marcado por um lado por um considerável malenten dido do ponto de vista que ele afirmava representar por outro por uma ignorância grosseira dos fatos históricos decisivos em todas as ocasiões e em terceiro lugar pelo conhecimento de sua própria superioridade incomensurável que tão vantajosa mente distingue os escritores alemães Marx previu esses dis cípulos quando teve que dizer isto no final dos anos setenta sobre o marxismo entre certos franceses tout ce que je sais cest que moi je ne suis pas marxiste Eu sei apenas que não sou um marxista ENGELS 2010d p 70 tradução nossa Em outras cartas Engels descreve o mesmo fato Em carta de Friedrich Engels a Eduard Bernstein em 23 de novembro de 1882 ele escreve o seguinte Agora o que é conhecido como marxismo na França é na verdade um produto totalmente peculiar tanto que Marx dis se uma vez a Lafargue Ce quil y a de certain cest que moi je ne suis pas Marxiste O que é certo é que eu não sou Marxista ENGELS 2010b p 356 tradução nossa Em carta a Conrad Schimidt em 5 de agosto de 1890 En gels afirma algo semelhante Como disse Marx sobre os marxis tas franceses no final dos anos setenta Tout ce que je sais cest que je ne suis pas Marxiste Tudo o que sei é que não sou mar xista ENGELS 2010a p 7 tradução nossa Por fim em carta de Engels a Paul Lafargue em 27 de agosto de 1890 também diz praticamente a mesma coisa 212 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Esses nobres se interessam pelo marxismo embora do tipo de marxismo que você conheceu na França há dez anos e do qual Marx disse Tudo o que sei é que não sou marxista E ele di ria sem dúvida sobre essa nobreza o que Heine disse sobre seus imitadores Eu semeei dragões e colho pulgas ENGELS 2010c p 22 tradução nossa O pensamento de Marx é tão vasto quanto a sua herança Bárbara Freitag 1993 por exemplo apresenta uma configura ção interessante sobre a herança e a diversidade das correntes marxistas no século 20 demonstrando com isso o quanto se deve evitar reduzir Marx às interpretações marxistas Confira os Quadros 1 e 2 a seguir Quadro 1 Ideólogos do Socialismo de Estado Grupos e represen tantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de Marx I Stalinistas Stalin e outros Negam o caráter revolucionário dos eventos dramáticos acontecidos nas sociedades do Leste a partir da queda do muro de Berlim 1989 e defendem o status quo anterior dessas sociedades socialismo de Estado como a autêntica realização do marxismo II Leninistas Lênin Mikhail Gor bachev e outros Mais realistas que os stalinistas chegam até admitir o caráter revolucionário dos eventos históricos em questão mas lhes atribuem o caráter de uma reforma autocorretiva no interior do próprio processo revolucionário isto é ele continua sendo interpretado em termos ortodoxos como sequência de lutas de classe que necessariamente desem bocariam na sociedade comunista do futuro 213 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Grupos e represen tantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de Marx III Comunistas refor mistas Alexander Dubcek e outros Defendem a teoria da terceira via e criticam toda revolução bolchevista como sendo uma falsificação do verdadeiro socialismo Criticam a estatização e sugerem uma democra tização dos processos políticos que leve a uma socialização democrática dos meios de produção Fonte adaptado de Freitag 1993 p 37 Quadro 2 Representantes do Marxismo Ocidental Grupos e representantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamen to de Marx I Socialistas de Esquerda Pertencem aos marxistas ocidentais que apesar de uma permanente autocrítica continuam fixados em uma interpretação estritamente marxista dos proces sos societários O Estado democrático é desprezado como invenção burguesa II Reformistas socialde mocratas Karl Renner Otto Bauer e outros Reconhecem a validade do Estado democrático como forma política para conquistar a melhoria das con dições de vida de todos os membros da sociedade dentro das condições atuais da produção Abando nam o paradigma da luta de classes e da concepção dogmática da estrutura de classes das sociedades contemporâneas apesar de permanecerem presos ao paradigma da produtividade a todo preço e do crescimento econômico 214 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Grupos e representantes Interpretações e atitudes com relação ao pensamen to de Marx III Esquerda não comu nista C Offe P Bourdieu C Castoriadis A Touraine J Habermas e outros Representam uma corrente do pensamento que se formou com a absorção de Marx nas universidades fazendo de sua teoria um componente entre outros dos currículos acadêmicos Conduziu a novos esque mas interpretativos que não se atenham simples mente à superfície dos processos de modernização restrita à razão instrumental Fonte adaptado de Freitag 1993 p 38 Portanto a presente unidade é um convite para conhecer mos o pensamento do Marx sociólogo e economista e não do Marx político e politizado Pretendemos extrair de Marx o que foi e ainda é fundamental para as Ciências Sociais e não aquilo que é objeto de culto ou condenação de grupos de esquerda ou de direita Isso não quer dizer que o pensamento sociológico de Marx não tenha limitações pelo contrário autores como Max Weber e Habermas por exemplo derrubam diversos pilares do pensa mento marxista Mas isso não faz de Marx em hipótese algu ma prescindível para a compreensão da sociedade Portanto ler Marx é fundamental 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 215 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 21 AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX De modo geral a filosofia de Karl Marx 18181883 é ma terialista não apenas por conta de sua negação ao transcendente ou à metafísica clássica mas sim por acreditar que a compreen são da sociedade só pode ser realizada de modo imanente isto é levandose em consideração as condições materiais das rela ções produtivas da própria sociedade O pensamento de Marx foi formado por uma série de crí ticas filosóficas dirigidas especialmente ao idealismo de Hegel como também pelo contato das obras dos economistas clássi cos dos críticos da chamada esquerda hegeliana e dos repre sentantes do socialismo utópico Tratemos desses fatores em detalhe Crítica ao idealismo de Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 autor alemão foi o responsável por introduzir na Filosofia uma inovadora no ção de razão ao contrário do cogito cartesiano fechado numa concepção subjetiva e ahistórica ele propõe uma modalidade de razão histórica e construída no tempo Com isso partindo do pressuposto kantiano de que a consciência ou o sujeito inter fere ativamente na construção da realidade o autor apresenta uma filosofia do devir ou como ficou conhecida posterior mente a dialética hegeliana Para Hegel portanto o ser está em constante transfor mação donde surge a necessidade de fundar uma nova lógica que não parta do princípio de identidade A A que é estático mas do princípio de contradição A A para dar conta da dinâ mica do real Essa é a própria dialética que se processa enquan 216 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO to tese antítese e síntese isto é enquanto aspecto relacional Nesse sentido a dialética é o método por excelência do pensa mento de Hegel Segundo Reale e Antisere 2007 p 106 o coração da dialética se torna assim o movimento e precisa mente o movimento circular ou em espiral com ritmo triádico Os três momentos do movimento dialético são 1 a tese que é o momento abstrato ou intelectivo 2 a antítese que é um momento dialético em sentido estrito ou negativamente ra cional 3 a síntese que é o momento especulativo ou positiva mente racional A partir dessa racionalidade dialética Hegel desenvolveu também um novo conceito de história compreendida não como uma simples acumulação ou justaposição de fatos mas como resultado de um processo da Razão cujo motor interno são as contradições presentes na própria história Ou seja o presente é a síntese de um longo processo de contradições do passado Por esse movimento a Razão passa por todos os graus de evolução tese antítese e síntese desde a natureza inorgânica a natureza viva a vida humana individual até a vida social Ao explicar o movimento gerador da realidade Hegel de senvolveu uma dialética idealista a racionalidade não é mais um modelo a se aplicar mas é o próprio tecido do real e do pensa mento O mundo passa a ser então a manifestação da Razão ou seja a verdade deixa de ser um fato para se tornar um resul tado do desenvolvimento do Espírito A Razão nasce portanto quando a consciência adquire a certeza de ser toda a realidade por meio das etapas fenomenológicas desse processo dialético É esta uma contribuição fundamental de Hegel a defesa de uma concepção processual e idealista de tudo o que existe na história Essa tese pode ser muito bem ilustrada pelo conhecido jar gão hegeliano o que é racional ideal é real e o que é real é 217 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO racional ideal HEGEL 1997 Prefácio p XXXVI Com isso não só a realidade mas também a própria história é uma produção ideal e teleológica o único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história é a simples ideia de que a razão governa o mundo e que portanto a história universal é também um processo racional HEGEL 1995 p 17 Marx reconhece a importância da dialética da contradição como motor da realidade é precisamente nisso no entanto que reconhecemos sua profundidade no fato de que ele co mece em toda parte pela oposição das determinações e as acentue em seguida MARX 2010a p 73 No entanto nas obras Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Contribuição à Crí tica da Economia Política promove uma ruptura definitiva com o sistema hegeliano crítica essa que acabou enveredando todo o seu pensamento Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado as relações jurídicas bem como as formas de Estado não podem ser explicadas por si mesmas nem pela chamada evolução ge ral do espírito humano essas relações têm ao contrário suas raízes nas condições materiais de existência em suas tota lidades condições estas que Hegel a exemplo dos ingleses e franceses do século 18 compreendia sob o nome de socieda de civil Cheguei também à conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política MARX 2008 p 47 Como se pode observar Marx nega qualquer forma de ge neralização dos conceitos como forma explicativa da realidade Para ele o erro da dialética de Hegel diz respeito ao modo como ela foi inversamente construída valorizando mais a consciência do real do que o real da consciência Em A ideologia alemã juntamente com Engels afirma o cerne da crítica ao pensamento hegeliano não é a consciência que determina a vida mas a vida 218 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO que determina a consciência MARX ENGELS 2007 p 94 Em trecho do texto Teses sobre Feuerbach Marx dita então qual se ria a nova aplicabilidade da dialética os filósofos apenas inter pretaram o mundo de diferentes maneiras porém o que impor ta é transformálo MARX 2007 p 539 Enfim no posfácio da segunda edição alemã da obra O capital Marx também afirma Meu método dialético não só difere do hegeliano mas é tam bém a sua antítese direta Para Hegel o processo de pensamen to que ele sob o nome de ideia transforma num sujeito au tônomo é o demiurgo do real real que constitui apenas a sua manifestação externa Para mim pelo contrário o ideal não é nada mais que o material transposto e traduzido na cabeça do homem MARX 1996a p 140 De acordo com Marx a filosofia de Hegel interpreta o mun do de maneira invertida como se as instituições sociais Estado religião família universidade representatividades jurídicas etc fossem o resultado de uma evolução da razão que em deter minados momentos históricos ganha consciência e se objetiva na coletividade Nesse sentido para Marx a tese de que a rea lidade social deriva de puras necessidades racionais nada mais é do que uma forma ideológica de legitimação da ordem exis tente Enquanto para Hegel os sujeitos são meros predicados da substância mística universal para Marx os sujeitos reais são os responsáveis pela formação das ideias Do mesmo modo que a religião não cria o homem mas o homem cria a religião assim também não é a constituição que cria o povo mas o povo a cons tituição MARX 2010a p 50 Em síntese na opinião de Marx Hegel não deve ser re provado por tentar descrever as características do Estado mas sim por justificar a formação material do Estado a partir de uma 219 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO essência de Estado predefinida argumentação que se estende para todas as outras instituições Crítica aos economistas clássicos Outra crítica desenvolvida por Marx diz respeito ao méto do dos economistas ingleses do século 18 Adam Smith e David Ricardo que acertaram ao adotar a economia política da socie dade burguesa como chave interpretativa da história antiga mas que erraram ao generalizar o modo de produção burguês como único meio possível para a organização social o que resultou no desaparecimento das diferenças históricas de classes e na com preensão do trabalho como uma categoria independente da his tória concreta A economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc Porém não conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças históricas e veem a forma bur guesa em todas as formas de sociedade MARX 2008 p 264 Ou seja ao universalizar o modo de produção burguês e sua respectiva noção de trabalho trabalho em geral os econo mistas ocultam a alienação inerente à forma de produção exis tente entre trabalho e trabalhador Nesse sentido a Economia Política liberal toma como eternas as leis que ela mesma criou atribuindo como natural e portanto absoluto e imutável um sistema de relações existentes e próprias de um determinado período histórico Logo para Marx tornase ideologia justamen te porque transforma o fato histórico em dogma A economia política parte do fato dado e acabado da proprie dade privada Não nos explica o mesmo Ela percebe o proces so material da propriedade privada que passa na realidade Wirklichkeit por fórmulas gerais abstratas que passam a va ler como leis para ela Não concebe estas leis isto é não mostra 220 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO como têm origem na essência da propriedade privada A eco nomia política não nos dá esclarecimento algum a respeito do fundamento da divisão entre trabalho e capital entre capital e terra MARX 2010b p 79 Marx continua a sua crítica ao demonstrar que segundo o sistema econômico liberal a máxima produção da riqueza equi vale ao empobrecimento máximo do operário em direção opos ta aos economistas clássicos ele inverte a lógica da economia liberal e enfatiza que o trabalho deve ser compreendido a partir do capital e não o contrário Para isso Marx demonstrou que a propriedade privada apesar de central na economia não é uma lei eterna mas um fato histórico decorrente de um processo social de expropriação do operário cujos resultados seriam a alienação e a reificação do trabalhador A pergunta retórica feita por Marx já no início da seção I de Manuscritos econômicofilosóficos diz bastante sobre essa lógica em que se baseia o capital isto é a propriedade privada dos produtos do trabalho alheio MARX 2010b p 39 Fica claro portanto que o autor precisará oferecer outra forma de explicação do processo trabalhocapital Crítica ao socialismo utópico Em Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels mais uma vez dirigem críticas ao conservadorismo econômico desta vez aos representantes do socialismo utópico Babeuf SaintSimon Fourier Owen Marx e Engels reconhecem a importância de tais autores uma vez que os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes assim como a ação dos ele mentos dissolventes na própria sociedade dominante MARX 221 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ENGELS 2005 p 66 No entanto incorreram num gravíssimo erro ao supor que as soluções para tais antagonismos pudessem passar por vias estranhas à classe dos próprios trabalhadores não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica nenhum movimento político que lhes seja peculiar MARX EN GELS 2005 p 66 É nesse sentido que essa modalidade de socialismo desem boca em uma posição utópica pois seus representantes criticam a sociedade capitalista condenam as suas relações de produção afirmam a alienação das classes trabalhadoras mas no final não conseguem propor soluções efetivas para a superação das desigualdades sociais Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acom panha o desenvolvimento da indústria não distinguem tam pouco as condições materiais da emancipação do proletaria do e põemse à procura de uma ciência social leis sociais que permitem criar essas condições Substituem a atividade social por sua própria imaginação pessoal as condições históricas da emancipação por condições fantásticas a organização gradual e espontânea do proletariado em classe por uma organização da sociedade préfabricada por eles MARX ENGELS 2005 p 66 Para Marx e Engels portanto a vacuidade das propostas do Socialismo utópico camuflada por teorias impactantes po rém estéreis também acaba conservando o status quo e a lógica do capitalismo Em contraposição ao socialismo utópico Marx e Engels apresentam o socialismo científico que ao contrário das filosofias anteriores não só descobriu a lei do desenvolvimento do capitalismo como também propõe uma agenda de mudanças sociais pautada na própria ação da classe trabalhadora 222 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Crítica à esquerda hegeliana Tradicionalmente costumouse classificar como esquer da hegeliana ou jovens hegelianos aquele grupo de autores Bruno Bauer Max Stirner Ludwig Feuerbach que inspirados na dialética de Hegel preferiram não justificar o cristianismo e o Estado a partir do idealismo ortodoxo isto é da fenomeno logia ou evolução máxima da racionalidade do Espírito como assim fazia a direita hegeliana Karl F Göschel Kasimir Conra di Georg Gabler Ao contrário procuraram explicar a existência das relações socioeconômicas a partir de questões materiais e humanas Todavia para Marx as posições da esquerda hegeliana eram insuficientes para a explicação da realidade social porque apesar de esses autores se distanciarem do idealismo ortodo xo ainda assim afirmavam que a transformação social dependia de uma mudança de consciência mais humanizada Max Stirner por exemplo deixa claro essa postura ao enfatizar a importân cia de um individualismo anárquico em face de uma sociedade administrada Todas as verdades abaixo de mim me são caras mas não conhe ço nenhuma verdade acima de mim Para mim não existe ver dade porque nada vale mais do que eu Nem a minha essência nem a essência do homem valem mais do que eu STIRNER 2009 p 458459 Nas obras A sagrada família e A ideologia alemã Marx em companhia de Engels direciona críticas diversas a Bruno Bauer Stirner e Feuerbach De modo geral afirmam que a exigência hu manista dos hegelianos de esquerda bem como a crítica político econômica que exercem apesar de eloquente não está direcio nada ao mundo real mas ao combate de ideias Por isso ainda estão limitados ao sistema hegeliano e portanto ideológico 223 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Os jovenshegelianos consequentemente propõem aos ho mens o seu postulado moral de trocar sua consciência atual pela consciência humana crítica ou egoísta e de por meio disso remover suas barreiras Essa exigência de transformar a consciência resulta na exigência de interpretar o existente de outra maneira quer dizer de reconhecêlo por meio de uma outra interpretação Os ideólogos jovenshegelianos apesar de suas fraseologias que têm a pretensão de abalar o mundo são os maiores conservadores MARX ENGELS 2007 p 84 Portanto também os hegelianos de esquerda conservam ao menos indiretamente a ideologia burguesa uma vez que se param a teoria da prática desvinculando as condições da liberta ção social das ideias que defendem É justamente nessa separa ção que reside a manutenção do status quo a libertação é um ato histórico e não um ato de pensamento e é ocasionada por condições históricas pelas condições da indústria do comércio da agricultura do intercâmbio MARX ENGELS 2007 p 29 As leituras indicadas no Tópico 3 1 apresentam as ori gens do pensamento de Marx a partir de diversas críticas de Marx ao idealismo hegeliano aos economistas clássicos ao socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda Neste mo mento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 TRABALHO COMO ALIENAÇÃO O ponto de partida do pensamento marxista concentrase em sua análise do trabalho nas sociedades industriais Como já observado sobre o contexto do surgimento da Sociologia o resplendor técnico e econômico alcançado pela Revolução In 224 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO dustrial não camufla a exploração da classe trabalhadora entre gue às péssimas condições de produção Para construir seu pensamento Marx retoma a concep ção de trabalho proposta por Hegel segundo a qual ele deve ser compreendido como um processo ou atividade peculiar do ser humano Muito mais do que um simples afazer o trabalho é a con dição da superação do desejo animal pela consciência do espíri to Em Filosofia do espírito ainda escrito em sua passagem por Jena Hegel afirma o seguinte o trabalho como tal não é so mente uma atividade mas sim uma atividade reflexionada em si produção HEGEL 2006 p 169 tradução nossa Mais uma vez utilizase da dialética como método explicativo é pelo trabalho que o sujeito racional tese se confronta com a natureza irracio nal antítese e ao mesmo tempo em que a modifica também transforma a si mesmo síntese O verdadeiro ser do homem é a sua operação nela a individualidade é efetiva HEGEL 1992 p 267 Marx por sua vez concorda com Hegel quando caracteriza o trabalho como via de humanização Mais do que uma simples tarefa o trabalho na concepção marxista tornase uma pro jeção da consciência reflexiva na própria ação realizada Por isso trabalhar é próprio do ser humano enquanto os animais ape nas se adaptam ao meio ambiente ou às alterações que nele ocorrem e não o transformam o ser humano ao contrário é capaz de transformar não só o seu próprio comportamento mas também o ambiente ao redor Essa concepção distingue o fazer animal do trabalho humano 225 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a cons trução dos favos de suas colmeias Mas o que distingue de an temão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça antes de construílo em cera No fim do processo de trabalho obtémse um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e portanto ideal mente Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural realiza ao mesmo tempo na matéria natural seu objetivo MARX 1996a p 298 O que caracteriza o trabalho para Marx é justamente o fato de ele não ocorrer de maneira mecânica e sim impulsionado por uma consciência pensante que ao lidar com a natureza confere à própria ação um significado racional de modo que como diria Hegel a cega ação da natureza se converta em uma ação fina lista isto é voltada para um fim HEGEL 2006 p 169 tradução nossa Logo o trabalho é uma via de humanização porque a partir dele o ser humano pode desenvolver sua potência racio nal e criativa ao identificar na matéria inorgânica o resultado de uma finalidade projetada anteriormente na consciência Todavia segundo Marx ao analisar o desenvolvimento das condições de produção na história podese observar que o tra balho deixou de ser há muito uma via de humanização Pelo contrário o trabalho passou a ser uma alienação O termo alienação vem do latim alienare que significa afastar O termo alienus por exemplo quer dizer aquilo que pertence a um outro e alius simplesmente outro Dessa ma neira alienar sob determinado aspecto é tornar alheio transfe rir para outrem o que é seu Esse termo é utilizado tanto no Di reito transferência da propriedade de um bem a outra pessoa 226 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO como também na Psicologia estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si próprio Na linguagem filosófica o termo foi usado pela primeira vez por Hegel para designar justamente o processo pelo qual os indivíduos colocam suas potencialidades nos objetos por eles criados Tratase portanto de uma exterio rização da criatividade humana e de sua capacidade de construir algo Marx por sua vez admite que a alienação é própria do contexto capitalista no qual o indivíduo após transferir sua potencialidade para o seu produto deixa de identificálo como obra sua Nesse caso o operário não se identifica com aquilo que produziu transferindo essa autoria para o dono dos meios de produção COTRIM FERNANDES 2013 Por conta disso Marx se contrapõe à concepção de Hegel ao afirmar que apesar do trabalho desenvolver as potencialida des humanas o modo como a sociedade capitalista o submete ao contexto da propriedade privada acaba transformandoo em algo constritivo e portanto alienado ao trabalhador E afirma Hegel se coloca no ponto de vista dos modernos economistas sociais Ele apreende o trabalho como a essência do homem que se confirma ele vê somente o lado positivo do trabalho não seu lado negativo MARX 2010b p 124 Com isso em vez de potencializar a criatividade do operá rio desumanizao uma vez que o aspecto humanizador do tra balho é reificado transformando o indivíduo em mercadoria nas mãos do capital A partir disso nada para o trabalhador se tor na livre o produto do seu trabalho lhe é arrancado bem como sua criatividade e humanidade Ou seja tudo se torna estranho alienado a ele desde aquilo que produz até mesmo a sua pró pria identidade de trabalhador e ser humano O trabalho nega ao 227 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO trabalhador fadado a trabalhar para sobreviver todas as con dições que o deveriam realizar como humano enfim o trabalho tornase o seu castigo Em que consiste então a exteriorização alienação Entäusse rung do trabalho Primeiro que o trabalho é externo äusser lich ao trabalhador isto é não pertence ao seu ser que ele não se afirma portanto em seu trabalho mas negase nele que não se sente bem mas infeliz que não desenvolve nenhu ma energia física ou espiritual livre mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito O trabalhador só se sente por conse guinte e em primeiro lugar junto a si quando não trabalha e quando trabalha não está em casa O seu trabalho não é por tanto voluntário mas forçado trabalho obrigatório O trabalho não é por isso a satisfação de uma carência mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele Finalmente a externalidade alienação do trabalho aparece para o trabalha dor como se o trabalho não fosse seu próprio mas de um ou tro como se o trabalho não lhe pertencesse como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo mas a um outro MARX 2010b p 8283 Outra questão que contribui para a alienação do trabalha dor é a perda da noção do que está sendo produzido ou seja uma vez que a divisão do trabalho e a fragmentação das funções se tornaram centrais para a produção industrial o trabalhador perdeu a noção do produto em sua totalidade sendo respon sável por apenas parte dele Sobre o assunto observe a tira da Figura 2 de Bob Thaves 228 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Fonte Thaves 1997 Figura 2 Alienação do trabalhador A partir desse cenário Marx concluiu que o ser humano se torna livre apenas em suas funções instintivas comer beber vestirse morar em uma casa procriar etc uma vez que do ponto de vista social é frequentemente reduzido à condição ani mal e alienada Ou seja a alienação do trabalho faz com que o indivíduo se torne mais pobre na mesma proporção em que a riqueza é produzida O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza produz quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria Com a valorização do mundo das coisas Sachenwelt aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens Menschenwelt O trabalho não produz somente mercadorias ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria e isto na medida em que produz de fato mercadorias em geral MARX 2010b p 80 Desse trecho citado decorrem em síntese dois concei tos fundamentais o fetichismo da mercadoria e a reificação do trabalhador Fetichismo da mercadoria diz respeito ao processo pelo qual a mercadoria um objeto inanimado acaba adquirindo mais vida do que quem a produz De acordo 229 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO com Marx isso acontece porque na lógica capitalista os valores de troca se tornam maiores que os valo res de uso determinando assim as relações humanas Ou seja o critério de valor não está no produtor ser humano mas no produto Logo a vivacidade das re lações econômicas não ocorre no polo humano mas no plano das coisas MARX 1996a 2010b Reificação do trabalhador se o fetichismo atribui vida às coisas a reificação do latim res coisa diz res peito ao processo de transformação dos seres humanos em coisas Segundo Marx a venda da força de traba lho faz do trabalhador um produto comercializável no mercado capitalista Nesse sentido o produto não é de quem de fato o produziu mas de quem comprou força de trabalho operária isto é o dono dos meios de pro dução MARX 1996a 2010b As leituras indicadas no Tópico 3 2 apresentam as prin cipais questões acerca do conceito de trabalho para Marx e do diagnóstico sobre as condições alienadoras do trabalhador na sociedade capitalista Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 O MATERIALISMO HISTÓRICO As condições socioeconômicas que identificam a nature za do trabalho alienado ou exteriorizado levam Marx à apre sentação de outra teoria fundamental o materialismo histórico Conforme apresentado anteriormente ao menos de maneira 230 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO indireta especialmente na crítica de Marx a Hegel a teoria do materialismo histórico tem como objetivo compreender a orga nização econômica humana e suas relações produtivas na socie dade capitalista Ao contrário de Hegel para Marx a razão espírito uni versal não condiciona as relações materiais e sociais mas é a própria produção social e econômica que determina o modo de pensar dos homens Conforme já citado em A ideologia ale mã Marx também deixa claro essa inversão das teses hegelia nas em sua Contribuição à crítica da economia política não é a consciência dos homens que determina o seu ser ao contrário é o seu ser social que determina sua consciência MARX 2008 p 47 Portanto objetivamente falando materialismo histórico é a teoria segundo a qual o modo de produção da vida mate rial condiciona o processo de vida social política e intelectual MARX 2008 p 47 Essa concepção materialista de história é tão fundamental para Marx que sem incorrer em equívoco algum podemos caracterizála como o fio condutor de todo o pensamento mar xista embora as relações humanas e sociais sejam geralmente definidas em termos de consciência linguagem ou religião para Marx o que realmente importa é a compreensão das condi ções materiais de existência Ou seja para estudar a sociedade não se deve partir daquilo que os indivíduos pensam mas do modo como produzem os bens materiais A produção de ideias de representações da consciência está em princípio imediatamente entrelaçada com a atividade ma terial e com o intercâmbio material dos homens com a lingua gem da vida real O representar o pensar o intercâmbio espi ritual dos homens ainda aparece aqui como emanação direta de seu comportamento material O mesmo vale para a produ ção espiritual tal como ela se apresenta na linguagem da políti 231 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ca das leis da moral da religião da metafísica etc de um povo MARX ENGELS 2007 p 9394 A partir do trecho citado é possível perceber que Marx menciona que a estrutura da sociedade é formada por dois ní veis infraestrutura e superestrutura A infraestrutura Esse nível está relacionado à base econômica e adminis trativa que reúne e orienta todas as condições materiais da vida social Ou seja significa o modo pelo qual os seres humanos se organizam na divisão do trabalho social para a produção da riqueza condicionando assim produção ideológica da socieda de superestrutura a totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas pela consciência MARX 2008 p 47 Nesse caso Marx caracteriza a infraestrutura a partir de três fatores fundamentais Forças produtivas são as condições materiais de toda a produção que englobam tantos os elementos naturais clima solo água matériasprimas etc como os técni cos ferramentas instrumentos máquinas etc e os hu manos mão de obra trabalhadora sendo estes identi ficados por Marx como o principal elemento das forças produtivas O desenvolvimento da produção dependerá da combinação e do uso desses diversos elementos for mando assim de maneira correspondente uma rela ção de produção específica MARX 1996a 232 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Relações de produção dizem respeito às formas como os seres humanos se organizam para a execução da ati vidade produtiva estabelecendo a divisão do trabalho social Nesse sentido as relações de produção se refe rem aos diversos modos de apropriação e distribuição dos elementos presentes no processo do trabalho isto é das forças produtivas matériaprima instrumen tos técnicas os trabalhadores o produto etc MARX 1996a Modos de produção tratase das formas como tanto as forças produtivas quanto as relações de produção são organizadas e reproduzidas num determinado mo mento histórico Ou seja forças produtivas e relações de produção variam de acordo com o período histórico Dessa forma o modo de produção pode ser escravista como na Antiguidade servil como na Europa Feudal da Idade Média ou capitalista como nas sociedades modernas industriais MARX 1996a Na perspectiva marxista esses três fatores estão interrelacionados forças produtivas e relações de produ ção são resultados das condições naturais e históricas da ativi dade produtiva definindo assim o modo de produção daque la sociedade em determinado momento da história No caso das sociedades europeia industriais tais fatores constituem portan to o modo de produção capitalista Por isso para Marx o estudo do modo de produção é fundamental para compreender como uma sociedade se organiza e funciona Para o autor a passagem de um modo de produção para outro é consequência de uma dialética materialista da luta de classes MARX ENGELS 2005 233 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Superestrutura Nível que constitui o caráter político e ideológico da socie dade condicionado por sua vez pelos modos de produção da infraestrutura os homens são os produtores de suas represen tações de suas ideias e assim por diante mas os homens reais ativos tal como são condicionados por um determinado desen volvimento de suas forças produtivas MARX ENGELS 2007 p 94 Além disso a superestrutura também serve para justificar a conservação do status quo e do modo de produção Por ter justamente essa dupla função a superestrutura é formada basi camente por dois elementos Estrutura políticojurídica representada pelo Estado e pelo Direito leis que na opinião de Marx estariam a serviço da classe dominante as ideias da classe domi nante são em cada época as ideias dominantes isto é a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo sua força espiritual dominante MARX ENGELS 2007 p 47 Estrutura ideológica representada pela forma como os indivíduos se organizam a partir de uma consciência social crenças religiosas literatura artes filosofia teo rias científicas etc Nesse sentido segundo Marx as expressões culturais refletem a ideologia da classe do minante transformandose em instrumentos de domi nação e justificação da ordem social existente A classe que tem à sua disposição os meios da produção mate rial dispõe também dos meios da produção espiritual de forma que a ela estão submetidos aproximada mente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual MARX ENGELS 2007 p 47 234 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Para o materialismo histórico portanto as ideias da cons ciência superestrutura não são eternas autoconscientes e apartadas da realidade material e sim elementos históricos e contingentes cuja razão de ser e pensar depende das relações econômicas infraestrutura pelas quais são condicionadas Em A miséria da filosofia Marx afirma Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com a sua produtividade material produzem também os princípios as ideias as categorias de acordo com suas rela ções sociais Assim estas ideias estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem Elas são produtos históricos e transitórios MARX 1982 p 106 grifo do autor Em síntese o materialismo histórico parte do pressuposto de que o modo de pensar da sociedade reflete a forma como os homens organizam a produção social dos bens e não o inverso totalmente ao contrário da filosofia alemã que desce do céu à terra aqui se eleva da terra ao céu MARX ENGELS 2007 p 94 Por conta disso afirmar que a realidade histórica é moldada pelas ideias nada mais é do que uma explicação ideológica uma vez que camufla os verdadeiros fundamentos da estrutura social Com isso em A ideologia alemã Marx e Engels afirmam O fato é portanto o seguinte indivíduos determinados que são ativos na produção de determinada maneira contraem en tre si estas relações sociais e políticas determinadas A obser vação empírica tem de provar em cada caso particular empi ricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação a conexão entre a estrutura social e política e a produção A estrutura social e o Estado provêm constantemente do proces so de vida de indivíduos determinados mas desses indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia mas sim tal como realmente são quer dizer tal como atuam como produzem materialmente e portanto tal como desen volvem suas atividades sob determinados limites pressupostos 235 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO e condições materiais independentes de seu arbítrio MARX ENGELS 2007 p 93 Logo segundo Marx o ponto sensível para toda e qualquer transformação social não está localizado na superestrutura mas na infraestrutura de uma sociedade forças produtivas relações de produção e modos de produção Ou melhor a solução não se encontra na mudança de consciência mas na alteração das condições econômicas de produção a transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura MARX 2008 p 4748 Será justamente essa ideia que o levará à teoria do ma terialismo dialético e à concepção da luta de classes As leituras indicadas no Tópico 3 3 apresentam as bases conceituais do materialismo histórico de Marx que leva em consideração uma transformação não das ideias mas da rea lidade concreta modos de produção e relações de produção Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 24 O MATERIALISMO DIALÉTICO A análise histórica para Marx apresentase como objeto de pesquisa especial e privilegiado para a compreensão do de senvolvimento dos modos de produção da sociedade Em nota de rodapé de A ideologia alemã os autores afirmam conhe cemos uma única ciência a ciência da história MARX ENGELS 2007 p 86 Como já enfatizado há uma relação de condicio namento entre a infraestrutura econômica e a superestrutura 236 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ideológica cuja finalidade é justificar e manter o status quo No entanto o materialismo histórico de Marx somente se completa em outro materialismo o dialético Sem dúvida alguma Marx retoma de Hegel o seu conceito de dialética e reconhece o esforço da filosofia hegeliana espe cialmente por acentuar um método que tem como pressuposto a oposição das determinações MARX 2010a p 73 No entan to também propõe uma crítica pontual no que diz respeito ao modo como a dialética é colocada em prática conforme exposto em O capital Para Hegel o processo de pensamento que ele sob o nome de ideia transforma num sujeito autônomo é o demiurgo do real real que constitui apenas a sua manifestação externa Para mim pelo contrário o ideal não é nada mais que o material transposto e traduzido na cabeça do homem A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede de modo algum que ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas gerais de movimento de maneira ampla e consciente É neces sário invertêla para descobrir o cerne racional dentro do invó lucro místico MARX 1996a p 140 Como para Marx o ponto de partida de qualquer análise social e histórica não se concentra na esfera das ideias superes trutura mas nos modos de produção material infraestrutura a dialética também precisa ser igualmente invertida de modo a pensar o progresso da sociedade pelas contradições presentes na própria esfera material e econômica Por isso a filosofia idealista segundo Marx apresentase como uma grande ideologia uma vez que pretende entender o mundo real e concreto como uma manifestação de uma razão absoluta Tal premissa não serviria para outra coisa senão a mis tificação das reais condições injustas e desumanas que o capita 237 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO lismo impõe à classe trabalhadora Por isso apesar de Hegel não ter ligação alguma com o capitalismo o seu idealismo pressupõe a existência de uma evolução racional que na visão de alguns liberalistas objetivase na economia capitalista propondo a pro priedade privada como lei eterna e imutável MARX 2008 Segundo Marx e Engels 2007 p 8687 Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbi trários dogmas mas pressupostos reais São os indivíduos reais sua ação e suas condições materiais de vida tanto aque las por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação Esses pressupostos são portanto constatáveis por via puramente empírica Nesse sentido por meio da dialética Marx procurou com preender o desenvolvimento material e econômico das socieda des e de que forma os modos de produção foram concretiza dos em cada momento histórico A dialética marxista permitiu não apenas uma compreensão materialista da história mas prin cipalmente dinâmica na qual cada etapa não é vista como algo estático e definitivo mas transitório e guiado pela transforma ção humana Em sua configuração racional é um incômodo e um horror para a burguesia e para os seus portavozes doutrinários porque no entendimento positivo do existente ela inclui ao mesmo tempo o entendimento da sua negação da sua desaparição inevitável porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento portanto também com seu lado transitório porque não se dei xa impressionar por nada e é em sua essência crítica e revolu cionária MARX 1996a p 141 Portanto de acordo com Marx as grandes transformações históricas ocorrem primeiramente no âmbito da economia cau sadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção Somente a dialética poderia ser a chave de leitura me 238 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO todológica adequada para acolher a contradição como condição para o progresso Enfim o materialismo dialético não concebe uma história guiada por uma razão ou espírito mas organizada por seres hu manos capazes de interferir no processo histórico e com isso transformar a realidade social por meio da alteração dos modos de produção A dialética é portanto o motor da realidade histó rica que incessantemente reinventa novas contradições A saída de Marx a partir de então será identificar quais contradições estão patentes e latentes no modo de produção capitalista para assim justificar a existência de uma inevitável passagem da so ciedade capitalista para uma sociedade comunista A luta de classes Outro conceito importante no pensamento de Marx é o de classes sociais De acordo com Marx os direitos inalienáveis defendidos pelo liberalismo clássico não resistiram às evidências das desigualdades sociais provocadas pelo modo de produção capitalista que dividiu os homens entre proprietários e não pro prietários dos meios de produção Para justificar a transformação dos modos de produção da sociedade capitalista Marx identifica na luta de classes o motor dialético da história das sociedades anteriores A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu senhor feudal e servo mestre de corporação e companheiro em resumo opressores e oprimidos em constante oposição têm vivido numa guerra ininterrupta ora franca ora disfarça da uma guerra que terminou sempre ou por uma transforma ção revolucionária da sociedade inteira ou pela destruição das duas classes em conflito MARX ENGELS 2005 p 40 239 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Como se pode observar a luta de classes é o elemento dia lético que resulta na passagem de um modo de produção para outro E isso acontece exatamente quando as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção Não é a crítica mas a revolução a força motriz da história e também da religião da filosofia e de toda forma de teoria MARX ENGELS 2007 p 43 Ou seja quando há o descompasso entre forças produtivas e relações de produção ocorrem então crises fundamentais que evidenciam a inadequação na produção dos bens Nesse mo mento surgem então as lutas de classes bem como as possibili dades objetivas de substituição do seu modo de produção Isso fica patente no trecho a seguir de A miséria da filosofia As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produ tivas Adquirindo novas forças produtivas os homens transfor mam o seu modo de produção e ao transformálo alterando a maneira de ganhar a vida eles transformam todas as suas relações sociais O moinho movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano o moinho a vapor dános a so ciedade com o capitalista industrial Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com a sua produ tividade material produzem também os princípios as ideias as categorias de acordo com suas relações sociais Assim estas ideias estas categorias são tão pouco eternas quanto as rela ções que exprimem Elas são produtos históricos e transitórios MARX 1982 p 106 Para Marx na sociedade capitalista a luta de classes ocor re entre burguesia e proletariado que em sua fórmula mais simplificada representa uma luta de classes entre opressores e oprimidos presente em toda a história porém com caracteriza ções diferentes Com o objetivo de justificar a legitimidade da luta de classes de sua época entre burguesia e proletariado 240 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Marx recorre à história e percebe que desde a Antiguidade a luta de classes transforma dialeticamente os seus respectivos modos de produção Com isso conclui que há portanto uma dialética que passa pelas contradições negações e sínteses dos modos de produção dominantes em cada período o escravismo Antiguidade o feudalismo Idade Média e o capitalismo Idade Moderna Vejamos cada uma dessas contradições até a chegada da sociedade capitalista As contradições da sociedade escravista O modo de produção escravista típico das sociedades an tigas grecoromanas estava baseado nas relações de produção existentes entre escravo e aristocrata Por um lado os escravos eram constituídos pela massa de prisioneiros de guerra e indi víduos que não tinham como pagar suas dívidas por outro os aristocratas formavam uma minoria que detinha títulos e privilé gios políticos nas cidades A principal força produtiva era a mão de obra escrava que gerou por muito tempo um ciclo de riqueza nas grandes cidades gregas e romanas No entanto a sociedade romana em razão de uma cres cente crise econômica a partir do século 3º muito por conta inclusive da constante ameaça de invasão dos povos germâni cos entrou em um processo de ruralização em especial por dois motivos a dificuldade de obter trabalho nas cidades devido à diminuição da atividade econômica os saques realizados por bárbaros e assaltantes que tornavam as cidades inseguras VI CENTINO DORIGO 2013 241 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Por conta disso a maior parte da população urbana mu douse para o campo em busca de abrigo trabalho e proteção Além de homens livres muitos escravos livres ou fugitivos tam bém se refugiaram nos campos Como resultado a sociedade efetivamente se ruralizou instaurando um modo de vida em que a condição social das pessoas passou a ser determinada pela re lação que tinham com a terra VICENTINO DORIGO 2013 Além disso notase também a diminuição drástica da quantidade de escravos ocasionada tanto pelas novas políticas de cidadania romana oferecidas a todos os povos conquistados como também pela disseminação da doutrina cristã no mundo romano que fortalecia o ideal de irmandade entre os homens tornando inviável o uso da mão de obra escrava como força pro dutiva da economia Notase portanto que as relações de produção na Anti guidade foram transformadas historicamente gerando contradi ções inconciliáveis com as forças produtivas Como síntese dessa contradição os aristocratas encontraram como saída o sistema do colonato já que muitos proprietários não tinham recursos para manter escravos ou pagar trabalhadores passaram a ad mitir que pessoas se fixassem em suas terras surgindo assim a figura do colono inicialmente um trabalhador livre No final do século 3º o governo romano instituiu o colona to lei que transformou o colono em um camponês preso à terra O colono cuidava de uma pequena parcela das terras de onde tirava o seu sustento e o de sua família Como pagamento devia entregar parte do que produzia ao proprietário VICENTINO DO RIGO 2013 A prática dos proprietários em estabelecer em suas terras trabalhadores dependentes da sua proteção originou a 242 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO servidão sistema de trabalho que predominou depois na Europa Ocidental a partir do século 9º As contradições da sociedade feudal O modo de produção feudal surgiu na Idade Média como síntese das contradições internas do modo de produção escravis ta próprio da Antiguidade Visando restaurar a economia que estava em crise por conta da falta de escravos foram necessá rias novas relações de produção e a base econômica passou a ser o arrendamento da propriedade do senhor feudal em troca da produção do servo que trabalhava um tempo para si e outro para o senhor As relações de produção eram baseadas na co brança de impostos por parte do senhor e por laços de depen dência à terra por parte do servo No entanto a partir do século 10º inovações de parte das forças produtivas técnicas agrícolas e emprego da energia pos sibilitaram o aumento da produção de alimentos e crescimento populacional transformando o feudalismo na Europa Entre as principais inovações técnicas na Idade Média podemos citar 1 Charrua um tipo de arado de roda com uma lâmina de ferro que substituiu o de madeira permitindo arar a terra com mais profundidade 2 Novo sistema de tração com o uso da colhera o atre lamento dos animais passou a ser feito pelo peito e não mais pelo pescoço aumentando assim a força de tração dos animais 3 Moinhos acionados por rodasdágua ou cataventos com os novos moinhos o trigo pôde ser moído com mais rapidez e eficiência 243 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 4 Rotação trienal de culturas cultivo alternado da ter ra ao longo de três anos em uma área dividida em três partes A cada ano enquanto duas áreas forne ciam produtos distintos a terceira permanecia em descanso As melhorias técnicas praticadas a partir do século 10º a redução das guerras feudais e o fim das invasões externas possi bilitaram elevar a produção de alimentos originando assim um excedente agrícola Com isso reduziuse o número de mortes por fome e doenças No século 13 a população europeia saltou de 23 milhões para 55 milhões de habitantes VICENTINO DORI GO 2013 Outra consequência do desenvolvimento de novas técni cas agrícolas foi a redução da necessidade de mão de obra nos campos Com isso muitos camponeses se deslocaram para as cidades em busca de novos meios de sobrevivência As cidades eram chamadas pelo nome de burgos enquanto as pessoas que habitavam as cidades eram chamadas de burgueses Estes dedi cavamse à produção de artigos nas oficinas artesanais à ativida de comercial e ao empréstimo de dinheiro A maioria da população da cidade era formada por traba lhadores das oficinas artesanais e por pequenos comerciantes Abaixo deles estava uma população heterogênea em geral mui to pobre que não tinha trabalho fixo e muitas vezes era obriga da a mendigar Com o aumento da população urbana surgiram novas ocupações profissionais e uma nova forma de organização do trabalho e da produção Entre as várias atividades artesanais a que mais se destacou foi a produção têxtil Na produção artesanal havia os mestres de ofício que eram os donos das oficinas e de todos os instrumentos Os arte 244 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO sãos de um mesmo ofício formavam a corporação de ofício uma associação que controlava a qualidade e o preço dos produtos e protegia os artesãos da concorrência VICENTINO DORIGO 2013 No início da expansão do comércio os mercadores viaja vam de um lugar para outro para vender suas mercadorias ali mentos objetos e peles tanto nas cidades como nas feiras realizadas em locais e datas fixas Entre as feiras destacavamse as da região de Champagne França localizadas entre as duas grandes áreas de comércio internacional o norte da península itálica e a região do Flandres VICENTINO DORIGO 2013 À medida que as cidades se desenvolviam e a atividade co mercial se expandia criaramse nos centros urbanos estruturas mercantis permanentes As trocas em nível local intensificaram se a circulação monetária cresceu e em decorrência disso as grandes feiras declinaram A manufatura deixou então de ser suficiente A organização feudal da indústria em que esta era circunscrita a corporações fechadas já não satisfazia as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados A manufatura a substituiu A pequena burguesia industrial suplantou os mes tres de corporações a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina Todavia os mercados ampliavamse cada vez mais a procura por mercadorias continuava a aumentar A própria manufatura tornouse insuficiente então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial A grande indústria moderna suplantou a manufatura a média burgue sia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria aos chefes de exércitos industriais aos burgueses modernos MARX ENGELS 2005 p 41 245 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO A classe burguesa moderna surge como síntese das con tradições da sociedade feudal Por isso para Marx a sociedade capitalista representa não só a negação do feudalismo como a sua superação a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento de uma série de transfor mações no modo de produção e de circulação MARX ENGELS 2005 p 41 Portanto quando as relações feudais de produção deixa ram de corresponder às expectativas criadas pelas novas forças produtivas da burguesia criouse uma instabilidade econômica que só poderia ser resolvida satisfatoriamente com a mudança do modo de produção A partir de então a classe da burguesia moderna manifestou a sua natureza revolucionária expropriou os privilégios do despotismo feudal e promoveu um novo modo de produção MARX ENGELS 2005 No lugar das relações eco nômicas de troca surgiram enfim livre comércio e concorrên cia tão defendidos pelos autores liberais do século 18 As contradições da sociedade capitalista Levando em consideração a lei da dialética de acordo com Marx assim como o feudalismo o modo de produção capitalista também estaria fadado a fracassar por conta de suas recorrentes crises provocadas pela luta de classes em questão entre os bur gueses capitalistas e os trabalhadores proletários Noutras pala vras assim como a burguesia foi a contradição interna do feuda lismo apresentandose como revolucionária em sua origem o proletariado também seria a contradição interna da burguesia de todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária MARX ENGELS 2005 p 49 246 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO E esse fortalecimento da classe proletária não decorre do simples acaso mas das condições criadas pela própria burguesia pois o desenvolvimento da classe burguesa apropriadora pressu põe o fortalecimento de uma antítese específica materializada na classe proletária expropriada A burguesia porém não limitouse a forjar as armas que lhe trarão a morte produziu também os homens que empunharão essas armas os operários modernos os proletários Com o desenvolvimento da burguesia isto é do capital desenvolvese também o proletariado a classe dos operários modernos os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho en quanto seu trabalho aumenta o capital MARX ENGELS 2005 p 46 Apesar de toda expropriação do trabalhador o que Marx observa com o avanço da indústria não é o total isolamento do operário mas também o crescente progresso da organiza ção da classe trabalhadora Em vez de trabalhadores alienados e submissos o próprio avanço do liberalismo burguês cria uma consciência operária sobre os limites e força de sua missão o progresso da indústria de que a burguesia é agente passivo e involuntário substitui o isolamento dos operários resultante da competição por sua união revolucionária resultante da associa ção MARX ENGELS 2005 p 51 A consciência da exploração não nasce de quem explora mas de quem é explorado Por isso os mesmos recursos que outrora fizeram com que a burguesia depusesse o feudalismo permitirão o proletariado por sua vez fazer o mesmo contra a burguesia as armas que a burguesia utilizou para abater o feu dalismo voltamse hoje contra a própria burguesia MARX EN GELS 2005 p 45 247 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Enfim de acordo com Marx a exploração burguesa produ zirá inevitavelmente a sua própria ruína pois da tese burguesa que promove a expropriação surge uma antítese proletária que se rebela revolucionariamente a tais condições A burguesia produz sobretudo seus próprios coveiros Seu declínio e a vitó ria do proletariado são igualmente inevitáveis MARX ENGELS 2005 p 51 O advento do comunismo e a ditadura do proletariado Como já observado Marx é enfático ao demonstrar segun do as leis do materialismo dialético que a história segue invaria velmente um processo de desenvolvimento e evolução a partir de contradições anteriores o feudalismo produziu a burguesia e esta para sobreviver precisará produzir justamente aquela clas se que a levará à morte o proletariado Não se trata de uma transição moralizadora ou idealista mas de uma passagem tão necessária quanto a dos fenômenos que regem a natureza É o próprio gênero humano que está em jogo tal transformação social significa a libertação não só do proletariado mas do gênero humano que padece sob as atuais condições MARX 2012 p 91 Por isso mais do que agremia ção resultante da vontade proletária o comunismo caracteriza se a princípio como a negação gerada pela própria produção capitalista MARX ENGELS 2005 MARX 2012 Marx concebe o comunismo como uma reforma social au daciosa e exigente que prevê a passagem da sociedade capita lista para o seu total oposto isto é uma sociedade sem proprie dade privada sem divisão do trabalho e classes Na obra Crítica ao programa de Gotha o autor deixa claro algumas condições e etapas para essa passagem para o comunismo 248 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Numa fase superior da sociedade comunista quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divi são do trabalho e com ela a oposição entre trabalho intelec tual e manual quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital quando juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira De cada um segundo suas capacidades a cada um segundo suas necessidades MARX 2012 p 33 Ao contrário do que ocorreu por exemplo com a União Soviética o fundamento do comunismo de Marx concentrase na abolição da propriedade privada e consequentemente na ex tinção do próprio Estado e não na transferência ou na atribui ção da propriedade privada ao Estado Essa questão aparece na obra Manuscritos econômicofilosóficos quando Marx diferencia o seu conceito de comunismo de um comunismo rude de na tureza política democrática ou despótica com uma aparente supressão do Estado mas simultaneamente ainda incompleto sempre ainda com a essência afetada pela propriedade privada MARX 2010b p 105 A tese de Marx consiste na afirmação de que a abolição da propriedade privada incluiria a redução ou o esgotamento gradual do Estado e do poder político Sem propriedade priva da não haveria mais a violência da dominação de uma classe sobre a outra chancelada pelo Estado Onde há Estado há ine vitavelmente dominação e por conseguinte escravidão é im pensável dominação sem escravidão oculta ou camuflada por isso somos inimigos do Estado MARX 2012 p 113 Ou seja sem a propriedade privada o Estado perderia o seu propósito e 249 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO se atrofiaria por si mesmo sobrando apenas nessa situação a possibilidade de um autogoverno do operariado Em Crítica ao programa de Gotha Marx explica o que seria essa extinção do Estado Os alemães são aproximadamente 40 milhões de pessoas Se rão por exemplo todos os 40 milhões membros do governo Certainly Pois a questão começa com o autogoverno da comu na O povo inteiro governará e não haverá nenhum governante Quando um homem governa a si mesmo segundo esse prin cípio ele não governa a si mesmo pois ele é ele mesmo e não outro Então não haverá governo não haverá Estado mas se ele for Estado então haverá também governantes e escravos Isto é resumindo se a dominação de classe desaparecer e não houver Estado no sentido político atual MARX 2012 p 114 De acordo com Marx o comunismo seria uma espécie de retorno à antropologia do trabalho enquanto característica fundamental da natureza humana Uma vez que a propriedade privada é o que estabelece os fundamentos do capitalismo da alienação do trabalhador e do domínio do Estado somente um trabalho exercido fora dos padrões estipulados pela proprieda de poderia ser considerado como verdadeiramente humano e comunista O trabalho é a atividade própria da espécie humana O traba lho é o especificamente humano aquilo que diferencia o ho mem do animal É apenas por meio do trabalho que o homem se torna homem Portanto trabalhador significa homem como homem que atua sobre si mesmo e não nos chamamos Par tido Operário apenas porque reconhecemos o trabalho como única base econômica da sociedade o trabalhador como único membro profícuo da sociedade razão pela qual escrevemos em nossa bandeira a obrigação geral ao trabalho mas tam bém porque reconhecemos o caráter legitimamente humano do trabalho pois o trabalho é o único suporte da civilização e da humanidade MARX 2012 p 99100 250 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Logo o comunismo leva em consideração que homem só é verdadeiramente livre e humano na medida em que o modo de produção da sociedade não estiver mais baseado na propriedade privada nem na dominação estatal Porém para que isso acon teça Marx afirmou ser necessária uma etapa de transição para o comunismo chamada por ele de ditadura do proletariado Entre a sociedade capitalista e a comunista situase o período da transformação revolucionária de uma na outra A ele corres ponde também um período político de transição cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado Mas o programa é alheio ao futuro ordenamento estatal da sociedade comunista MARX 2012 p 43 Essa etapa de transição chamada de socialista usaria do domínio organizado do proletariado para concentrar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado considerando portanto a classe proletária como a dominante O que Marx ten tou dizer é que não há a possibilidade de se chegar a uma socie dade sem classes e sem Estado isto é comunista sem passar pela fase intermediária da ditadura do proletariado O que quer dizer o proletariado organizado como classe do minante Quer dizer que os proletários em vez de combater individualmente as classes economicamente privilegiadas ad quiriram força e organização suficientes para empregar meios comuns de coerção contra elas MARX 2012 p 113 Entre as intervenções do proletariado democráticas e despóticas juntamente com Engels Marx prescreve no Ma nifesto do Partido Comunista uma lista de dez medidas básicas que precisam ser cumpridas como ações de transição para o comunismo 1 Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra para despesas do Estado 2 Imposto fortemente progressivo 251 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO 3 Abolição do direito de herança 4 Confisco da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes 5 Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital de Estado e com monopólio exclusivo 6 Centralização de todos os meios de comunicação e transpor te nas mãos do Estado 7 Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção arroteamento da terra incultas e melhoramento das terras cultas segundo um plano geral 8 Unificação do trabalho obrigatório para todos organização de exércitos industriais particularmente para a agricultura 9 Unificação dos trabalhos agrícola e industrial abolição gra dual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais igualitária da população pelo país 10 Educação pública e gratuita a todas as crianças abolição do trabalho das crianças nas fábricas tal como é praticado hoje Combinação da educação com a produção material etc MARX ENGELS 2005 p 58 É óbvio que essa lista apresentada por Marx e Engels é fundamentalmente despótica No entanto levando em consi deração que tais medidas para Marx deveriam ter o caráter de transitórias devese pontuar que do ponto de vista histórico nenhuma nação que promoveu ou tentou uma revolução comu nista conseguiu de fato chegar ao estágio comunista isto é à etapa final da abolição da propriedade privada e extinção do Estado Se pensarmos mesmo que rapidamente sobre a natureza dos Estados intitulados comunistas poderemos perceber que na realidade eles nunca passaram da fase de transição do so cialismo E mais ainda estão na contramão daquilo que Marx 252 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO cogitou como comunismo o que nos leva a pensar que as re voluções comunistas do século 20 não foram essencialmente marxistas I As leituras indicadas no Tópico 3 4 apresentam os prin cipais elementos que justificam a luta de classes como motor da história além de considerar a contradição dialética como método fundamental para a análise sociológica Neste mo mento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 25 O CAPITAL E O SEU SISTEMA A análise do capital foi um dos grandes esforços do pensa mento marxista que não só empreendeu uma crítica ao modo de produção capitalista como também promoveu uma análise sem igual sobre os fundamentos desse sistema que vão desde a definição do valor de equivalência das mercadorias até o proces so de acumulação do capital tendo sempre como pano de fundo a condição do trabalhador no contexto industrial O valor de equivalência das mercadorias Na obra O capital Marx inicia a análise do sistema capita lista pelo conceito de mercadoria Para o autor o que caracte rizaria uma mercadoria seria o fato de ela servir para uma ne cessidade humana e poder ser trocada por outras por meio da equivalência de um valor Temos aqui uma equação muito mais complexa do que se imagina e que pode ser caracterizada se gundo Marx por três elementos valor de uso valor de troca e equivalência de valor 253 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O valor de uso diz respeito às qualidades físicas de uma mercadoria que por conta de sua especificidade satisfazem mais a uma necessidade do que a outras a mercadoria é antes de tudo um objeto externo uma coisa a qual pelas suas pro priedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie MARX 1996a p 165 Por exemplo um chapéu pode ser usado em muitas situações porém seu valor de uso será maior em si tuações nas quais os indivíduos estão expostos ao sol à chuva ou outras condições específicas que tornam esse objeto indispensá vel A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso MARX 1996a p 166 Logo o valor de uso é caracterizado tanto pela necessidade como pela utilidade Todavia de acordo com Marx somente o valor de uso não é suficiente para a compreensão da lógica do mercado uma vez que o valor de uso se realiza somente no uso ou no consumo MARX 1996a p 166 Numa sociedade de autossubsistência a produção de algo não prevê o comércio da mercadoria mas apenas o seu uso imediato Mas numa sociedade produtora de mercadorias como a industrial por exemplo o valor de uso só se torna efetivamente útil na medida em que for orientado por outro tipo de fator o valor de troca Valor de troca segundo Marx é a possibilidade de um produto ser trocado por outro totalmente distinto Por exemplo quando 1 quarter de trigo medida inglesa equivalente a 127 quilos é trocado por x de graxa de sapato ou por y de seda ou por z de ouro etc MARX 1996a p 166 temos então a aplica bilidade de uma troca comercial Nas palavras de Marx O valor de troca aparece de início como a relação quantitativa a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço MARX 1996a p 166 254 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO A partir do que foi exposto é possível concluir duas observações O valor troca tem como pressuposto um valor de uso uma vez que ninguém negociará um produto sem que ele tenha uma devida necessidadeutilidade Ou seja os valores de uso são portadores de qualquer valor de troca Os valores de uso constituem o conteúdo mate rial da riqueza qualquer que seja a forma social desta Eles constituem ao mesmo tempo os portadores materiais do valor de troca MARX 1996a p 166 No valor de troca a diferenciação entre produtos não é apenas quantitativa uma vez que as medidas troca das não são necessariamente as mesmas mas funda mentalmente qualitativa ou seja não são os mesmos produtos muito menos as mesmas unidades de medi da Essa observação abre precedentes que advogam a favor da necessidade de um terceiro elemento que pro mova a equivalência dos distintos valores de uso para que assim seja possível qualquer possibilidade de troca comercial Nesse ponto Marx questiona se o capitalismo está basea do no comércio troca de mercadorias quantitativa e qualitati vamente diferentes o que poderia regular as equações de troca de um modo universal e necessário O que mercadorias tão dife rentes teriam em comum a ponto de poderem ser trocadas Por exemplo trigo graxa e seda são produtos totalmente distintos com medidas diferentes e voltados para necessidades especi ficas o que justificaria então a equivalência de produtos dife rentes para um mesmo valor de troca Sem dúvida existe uma contradição patente entre os dois fatores da mercadoria o va lor de troca parece portanto algo casual e puramente relativo 255 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO um valor de troca imanente intrínseco à mercadoria portanto uma contradictio in adjecto contradição nos próprios termos MARX 1996a p 166 É justamente essa contradição inicial e aparente que Marx deseja dissolver qual elemento comum pode equiparar as pro priedades úteis de produtos distintos Qual seria o critério para a criação de uma lei da equivalência de mercado De resto quando digo que um quarter de trigo se troca por fer ro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa que não é trigo nem ferro pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas dis tintas Portanto cada um desses dois objetos tanto o trigo como o ferro deve poder reduzirse independentemente um do outro àquela terceira coisa que é a medida comum de am bos MARX 1996a p 91 Marx tem noção de que esse problema não pode ser re solvido dentro do campo sensível isto é pela simples troca de produtos que já se mostrou contraditória mas a partir de um terceiro elemento abstrato e não sensível esse algo em comum não pode ser uma propriedade geométrica física química ou qualquer outra propriedade natural das mercadorias MARX 1996a p 167 Pelo contrário o valor de troca só pode ser o modo de expressão a forma de manifestação de um conteúdo dele distinguível MARX 1996a p 166 Ou seja o elemento comum e de equivalência de valor precisa ser abstraído das características materiais presentes nas mercadorias trocadas Isso quer dizer que ele não se fundamen ta nem na necessidade nem na utilidade dos produtos 256 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO É precisamente a abstração de seus valores de uso que caracte riza evidentemente a relação de troca das mercadorias Dentro da mesma um valor de uso vale exatamente tanto como outro qualquer desde que esteja disponível em proporção adequada MARX 1996a p 167 A questão que se impõe neste momento é a seguinte o que restaria da relação de troca quando dela estão prescindidas as qualidades materiais dos produtos trocados Se abstrairmos das mercadorias as suas diferentes qualidades úteis e naturais o que nos sobraria Marx enfim responde deixando de lado en tão o valor de uso dos corpos das mercadorias resta a elas ape nas uma propriedade que é a de serem produtos do trabalho MARX 1996a p 167 Noutras palavras o valor da equivalência da troca das mer cadorias está relacionado ao tempo de trabalho humano des pendido no momento de sua produção Mas Adam Smith já não tinha observado que o valor das mercadorias dependia do tem po de trabalho gasto na produção Qual seria então a novidade de Marx A novidade é que essa equivalência não é o tempo de trabalho por ele mesmo mas o que ele chama de tempo de trabalho socialmente necessário isto é um tempo adequado para produzir um valor de uso qualquer nas condições dadas de produção socialmente normais e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho MARX 1996a p 169 É neste ponto isto é no que diz respeito ao salário e às condições de trabalho que Marx contraria as equações de equi valência econômica dos liberalistas clássicos O intercâmbio das mercadorias precisa ser pensado como uma relação humana de produtores e não de coisas em si mesmas trocadas Por isso só tem sentido falar de valor de troca da mercadoria em si quando se 257 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO atenta para o fato de que ela é resultado da força de trabalho humano O valor das mercadorias é determi nado pelo valor do trabalho ou o que vem a dar no mesmo O valor do trabalho é a medida geral do valor MARX 1996a p 89 Uma vez que o valor das mercadorias é calculado pela quantidade de tempo humano despendido para produ zilas então tornase fundamental pensar nas variáveis que qualificam esse tempo de trabalho o tempo de trabalho pago ao trabalhador é realmente o tempo ne cessário para a produção daquela mercadoria Por isso independentemente de a troca ser realizada de maneira direta ou por meio da moeda o fato é que nenhuma mercadoria pode ser trocada por outra se o trabalho necessário para produzir a primeira não é proporcional ao trabalho necessário que produziu a segunda Marx prossegue Se então a quantidade de trabalho socialmente necessário materializado nas mercadorias é o que determina o valor de troca destas ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu va lor e viceversa diminuindo aquela baixa este Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para produzir as respecti vas mercadorias permanecessem constantes seriam também constantes seus valores relativos isto é seus salários Porém assim não sucede MARX 1996a p 95 Será por meio dessa análise da compra da força de traba lho que Marx enfim chegará a uma derradeira questão funda mental em que medida o sistema capitalista favorece o acúmulo de capital às custas da expropriação do trabalhador 258 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O trabalho como mercadoria e seu valor de troca Como já observado o tempo de trabalho despendido é fundamental para o valor de troca das mercadorias Mas consi derando o caso de o trabalho humano se tornar ele mesmo uma mercadoria o trabalho aparenta ter uma dupla função não ape nas ser o critério de equivalência do valor de troca mas também uma mercadoria passível de ser vendida ao capitalista em troca do salário Se o trabalho é uma mercadoria então ele precisa ter tam bém um valor de uso e um valor de troca Seu valor de uso está relacionado à produção de coisas úteis passíveis de serem co mercializadas e trocadas no mercado capitalista o trabalho cuja utilidade representase assim no valor de uso de seu produto ou no fato de que seu produto é um valor de uso chamamos em resumo trabalho útil MARX 1996a p 171 Já o valor de troca diz respeito ao critério de equivalência de valor para a troca comercial entre trabalhador e patrão Abs traindose da determinação da atividade produtiva e portanto do caráter útil do trabalho resta apenas que ele é um dispêndio de força humana de trabalho MARX 1996a p 173 Vejamos o valor da força de trabalho de um assalariado como de toda mercadoria é estabelecido pelo tempo de trabalho necessário para produzir os bens destinados à sobrevivência do trabalhador como alimentação moradia tempo de descanso etc Portanto o valor de todos esses bens consumidos é o valor de sua força de trabalho MARX 1996a Teoricamente o capitalista deveria pagar de maneira justa por meio do salário a mercadoria força de trabalho que está comprando conforme o valor de troca isto é o salário deveria corresponder ao custo da própria manutenção do trabalhador e 259 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO de sua família No entanto não é isso que ocorre Para explicar esse processo Marx então recorre ao conceito de maisvalia O conceito de maisvalia A questão que orienta o conceito de maisvalia é justa mente a seguinte o que pode efetivamente fazer um capitalista lucrar A princípio alguém poderia supor que o simples aumento de preço de venda do produto poderia responder a essa questão No entanto essa hipótese pode trazer alguns inconvenientes O aumento repentino de um preço de venda aumentará a concorrência uma vez que outros capitalistas também desejarão lucrar com o produto mais caro Isso lotará o mercado com produtos semelhantes e prejudicará a lei da oferta e da procura O resultado será a queda dos preços O aumento repentino de um preço de venda também incentivará o aumento repentino do preço de outros produtos Esse sistema pode funcionar por um tempo mas se persistir pode desorganizar a economia como um todo Por isso segundo Marx o lucro do capitalista não decorre da compra e venda de mercadorias mas da maneira como ex propria o trabalhador no momento da produção É nesse senti do que entra em cena o conceito de maisvalia Observe como Marx descreve esse processo Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro Vimos que para re compor diariamente a sua força de trabalho esse fiandeiro pre cisava reproduzir um valor diário de 3 xelins o que realizava com um trabalho diário de 6 horas Isso porém não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais diariamente Mas o capitalista ao pagar o valor diário ou semanal da força de 260 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO trabalho do fiandeiro adquire o direito de usála durante todo o dia ou toda a semana Fáloá trabalhar portanto digamos 12 horas diárias quer dizer além das 6 horas necessárias para recompor o seu salário ou o valor de sua força de trabalho terá de trabalhar outras 6 horas a que chamarei de horas de so bretrabalho e esse sobretrabalho irá traduzirse em uma mais valia e em um sobreproduto MARX 1996a p 101 Ou seja para garantir a sua sobrevivência e recompor o seu descanso bastariam 6 horas de trabalho No entanto pelo fato de o trabalhador estar disponível para trabalhar mais tem po ele acaba produzindo bem mais do que foi calculado no caso 6 horas a mais O valor desse tempo a mais trabalhado maior do que aquele estipulado inicialmente deixa de ser pago ao trabalhador no caso exemplificado um total de 3 xelins e passa a ser investido para gerar mais capital Esse trabalho exce dente Marx chamou de maisvalia Portanto a maisvalia se trata justamente do valor corres pondente à quantidade de trabalho despendido pelo trabalha dor mas que é reembolsado indevidamente pelo capitalista no decorrer do processo de produção Desse processo Marx pon tua duas observações Confundese o valor da força de trabalho isto é a equi valência daquilo que é necessário para a subsistência do trabalhador pelo preço do trabalho realizado Nesse caso se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins nos quais se materializam 6 horas de trabalho e ele traba lha 12 horas o empregado considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho MARX 1996a p 102 A falta de precisão do valor de troca da força de traba lho encobre a maisvalia e impõe a ingenuidade de que 261 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO todo trabalho realizado de alguma maneira é pago Nesse caso ainda que só se pague uma parte do traba lho diário do operário enquanto a outra parte fica sem remuneração mesmo assim fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago MARX 1996a p 102 Fo nte Astuareg apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 132 Figura 3 Capitalismo 262 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Dessa maneira para Marx a essência do capitalismo con siste justamente na expropriação privada dessa maisvalia dan do origem ao lucro A produção capitalista que é essencialmente produção de maisvalia absorção de maistrabalho produz portanto com o prolongamento da jornada de trabalho não apenas a atrofia da força de trabalho a qual é roubada de suas condições normais morais e físicas de desenvolvimento e atividade Ela produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de tra balho MARX 1996a p 379 A própria alienação do proletariado indica a impossibilida de de reversão desse quadro A maisvalia tornouse para o capi talismo de acordo com Marx o canal de acumulação do capital representado da seguinte forma dinheiro inicialmente investido D utilizado para a aquisição dos meios de produção e da força de trabalho M gera o dinheiro lucrado D às custas da mais valia O ciclo D M D parte do extremo do dinheiro e volta finalmente ao mesmo extremo Seu motivo indutor e sua finalidade determinante é portanto o próprio valor de troca MARX 1996a 270 Com isso observase que o dinheiro produzido é maior que a quantidade de dinheiro inicialmente despendida No capi talismo a classe dominante apropriase da maisvalia mas não a consome para suas necessidades ela é permanentemente in vestida e reinvestida na produção para assim extrair mais ca pital Logo não é todo dinheiro que se transforma em capital para Marx só se transforma em capital aquele dinheiro que é investido de modo a produzir a maisvalia por meio do trabalho assalariado A partir da descrição desse processo de maisvalia Marx caracteriza o caráter exploratório do sistema capitalista cujo 26 AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUNDO HABERMAS Uma das características básicas do contexto atual é a nova forma de organização do sistema políticoeconômico A sociedade de classes e as relações de produção do século 19 não são as mesmas que as de hoje Nesse sentido algumas teses marxistas precisam ser revistas em especial o conceito de infraestrutura econômica e consequentemente o conceito de luta de classes Jürgen Habermas autor alemão e integrante da Escola de Frankfurt na obra Crise de legitimiação do capitalismo tardio afirma que uma das características do capitalismo avançado é a direta intervenção do Estado como princípio regulador das instabilidades do capital HABERMAS 1999 p 4748 1994 p 68 Isso significa que tentar compreender o sistema econômico da atualidade com categorias especificamente marxistas poderá ser insuficiente principalmente em vista do novo caráter de atuação do poder político 264 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Para Marx na base da sociedade encontrase uma infraes trutura econômica que regulando os mecanismos de trabalho capital condiciona as superestruturas política jurídica e cultural MARX 2008 p 4748 Ora segundo Habermas 1994 p 69 pelo fato de que a política já não é apenas um fenômeno su perestrutural mas também elemento regulador infraestrutu ral a tese do condicionamento da base econômica não se aplica mais ao capitalismo avançado Um tipo de análise que isola metodicamente as leis do movi mento econômico da sociedade só pode pretender captar nas suas categorias essenciais o contexto da vida social quando a política depende da base econômica e não inversamente quando essa base se deve considerar já como função da ativi dade do Estado e de conflitos decididos na esfera do político A crítica da economia política era segundo Marx teoria da so ciedade burguesa só como crítica das ideologias Mas quando a ideologia da troca justa se desmorona então não pode criticar se também de forma imediata nas relações de produção o sistema de dominação HABERMAS 1994 p 69 Ou seja levar em consideração o debate sociológico a par tir do conceito de infraestrutura econômica marxista seria incor rer numa contradição entre argumentação e contexto socioeco nômico contemporâneo A crise atual não é apenas econômica isto é advinda de uma ideologia da livre troca de equivalentes trabalho e salário que camufla a dominação de uma classe por outra e por isso assegura uma contradição constante entre acúmulo de capital na exploração do trabalhador extração da maisvalia e perda de capital na venda de mercadoria ausên cia de trabalhadores consumidores Além da crise econômica com suas instabilidades recor rentes e autodestrutivas há também uma crise de racionalida de que apesar de estar relacionada ao sistema político admi 265 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO nistrativo Estado atinge indiretamente o campo sociocultural pois juntamente com outras instituições sofre os reflexos da incapacidade de administração do poder estatal em conciliar os interesses capitais do público e do privado HABERMAS 1999 Para dificultar mais ainda a aplicação ortodoxa do concei to de infraestrutura econômica como tese de condicionamento unilateral há também as crises que estão ligadas ao sistema so ciocultural que atingem diretamente o campo educacional em especial a crise de legitimação A escola sofre sim uma coação mas que não é apenas econômica e sim também políticoadmi nistrativa que se manifesta desde a gestão local até os planeja mentos federais Para Habermas quando o planejamento administrativo transfere seus interesses para o campo das instituições socio culturais a tendência é provocar nestas uma perturbação que se manifesta no gradual crescimento da crise de legitimação No entanto enquanto a reflexão sociológica estiver presa a catego rias economicistas muito provavelmente a lógica da reprodução sistêmica continuará na sociedade sem sofrer nenhum estranha mento o que fará com que as orientações privatistas família e instâncias civis em geral ainda continuem apoiando indiscrimi nadamente as regras sistêmicas Outra categoria que também precisa ser redimensionada é a de luta ou conflito de classes Afinal de contas como funda mentar um discurso economicista se as crises pelas quais passa a luta de classes não são mais legitimadas pela própria ideologia de classes mas sim por uma tendência tecnicista que trabalha com a ideia da despolitização das massas Habermas 1994 p 7677 conclui 266 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Portanto o conflito decorrente da diferença de classes conti nua latente porém o conceito de luta de classes como motor das transformações sociais já não pode ser tão ingenuamente aplicado no contexto atual o capitalismo estatalmente regula do que surgiu de uma reação contra as ameaças aos sistemas geradas pelo antagonismo aberto das classes pacifica o conflito das classes O sistema do capitalismo tardio está a tal ponto determinado por uma política de compensações que assegura a lealdade das massas dependentes do trabalho ou seja por uma política de evitação do conflito que é precisamente este conflito incrustado sem cessar na estrutura da sociedade com a regularização do capital em termos de economia privada o que com a maior probabilidade irá permanecer latente No capitalismo avançado não se tem mais a noção de con flitos de classes mas de uma dominação sistêmicaestatal que aponta tanto para a prevenção de conflitos vistos aqui como algo negativo para o sistema de estabilidade econômica como para mecanismos de internalização de comportamentos que es tão voltados para o progresso do lucro de maneira ordenada com políticas públicas de incentivo ao financiamento e à lógica do consumo As leituras indicadas no Tópico 3 6 apresentam ques tões relacionadas à importância do pensamento marxista para a história bem como os devidos cuidados conceituais para a distinção entre o que foi o pensamento de Marx e o que é a li vre e popular interpretação do mesmo Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 267 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 AS ORIGENS DO MATERIALISMO CRÍTICAS As origens do materialismo levam em consideração diver sas críticas de Marx ao idealismo hegeliano aos economistas clássicos ao Socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda Para complementar a sua leitura leia os artigos indicados BARBA C H Aspectos filosóficos da crítica de Marx à Filosofia do Direito de Hegel Revista Opinião Filosófi ca Porto Alegre v 8 n 2 p 201224 2017 Disponível em httpperiodicoabavarescocombrindexphp opiniaofilosoficaarticledownload802692 Acesso em 22 nov 2019 BIANCHI Á A mundanização da Filosofia Marx e as Origens da Crítica da Política TransFormAção São 268 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Paulo v 29 n 2 p 4364 2006 Disponível em http wwwscielobrpdftransv29n2v29n2a05pdf Acesso 22 nov 2019 GRESPAN J Marx crítico da teoria clássica do valor Crítica Marxista v 1 n 12 p 5976 2001 Disponível em httpswwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivos biblioteca03gresppdf Acesso em 22 nov 2019 32 ALIENAÇÃO DO TRABALHO Para aprofundar as principais questões sobre o conceito de trabalho para Marx bem como as condições alienadoras que tomam conta do trabalhador na sociedade capitalista leia os ar tigos indicados a seguir FRANCO T Alienação do trabalho despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza Caderno CRH Salvador v 24 n especial 1 p 171191 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfccrh v24nspe1a12v24nspe1pdf Acesso em 22 nov 2019 SEMERARO G A concepção de trabalho na filosofia de Hegel e de Marx Educação e Filosofia Uberlândia v 27 n 53 p 87104 janjun 2013 Disponível em httpwwwseerufubrindexphpEducacaoFilosofia articleview1499112680 Acesso em 22 nov 2019 33 O MATERIALISMO HISTÓRICO O materialismo histórico de Marx leva em consideração uma transformação da realidade concreta modos de produção e relações de produção e não das ideias Para saber mais leia os artigos indicados a seguir 269 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO BORDIN R A O caráter históricosocial do conhecimen to no pensamento de Marx TransFormAção Marília v 40 n 2 p 157174 abrjun 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdftransv40n301013173 trans40030157pdf Acesso em 22 nov 2019 COSTA C A S Premissas conceituais sobre a formação do Materialismo de Marx Praxis Filosófica Nueva serie n 31 p 6172 juldez 2010 Disponível em http wwwscieloorgcopdfpafin31n31a04pdf Acesso em 22 nov 2019 34 O MATERIALISMO DIALÉTICO Segundo Marx a luta de classes é o motor da história É pela contradição das classes que as sociedades progridem No entanto para isso é preciso modificar o modo de produção Logo a proposta de Marx é substituir o modo de produção capi talista pelo modo de produção proletário Sobre o assunto leia os artigos indicados a seguir FERLA G B ANDRADE R B A transição do feudalis mo para o capitalismo Synergismus Scyentifica Pato Branco UTFPR n 2 2007 Disponível em httpre vistasutfpredubrpbindexphpSysScyarticleviewFi le24024 Acesso em 22 nov 2019 HIRANO S Política e economia como formas de domi nação o trabalho intelectual em Marx Tempo Social Revisa de Sociologia da USP São Paulo v 13 n 2 p 120 nov 2001 Disponível em httpwwwscielobr pdftsv13n2v13n2a01pdf Acesso em 22 nov 2019 270 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO ZAGO L H O método dialético e a análise do real Kri terion Belo Horizonte n 127 p 109124 jun 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfkrv54n127 n127a06pdf Acesso em 22 nov 2019 35 O CAPITAL E SEU SISTEMA Sobre a questão de valor de uso e valor de troca das mer cadorias como também do valor do trabalho como mercadoria leia os artigos indicados a seguir Eles oferecerão um comple mento interessante para as leituras realizadas até então GONTIJO C O valortrabalho como fundamento dos preços Economia e Sociedade Campinas v 18 n 3 37 p 493511 dez 2009 Disponível em http wwwscielobrpdfecosv18n3v18n3a03pdf Acesso em 22 nov 2019 LOYOLA P R G Valor e maisvalia examinando a atuali dade do pensamento econômico de Marx Argumentos ano 1 n 2 p 130138 2009 Disponível em http wwwperiodicosufcbrargumentosarticledown load1893729658 Acesso em 22 nov 2019 36 ERROS E ACERTOS DO MARXISMO Seria um erro gravíssimo julgar todas as interpretações marxistas da história como obra de Karl Marx Sem dúvida algu ma o marxismo inspirou revoluções populares como também revoluções sangrentas Todavia é preciso reconhecer não ape nas erros do marxismo mas também acertos Por isso apesar de tudo Marx ainda continua indispensável para uma crítica eco 271 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO nômica e para o campo das Ciências Sociais Sobre esse assunto leia os artigos indicados a seguir MARTINS M V O marxismo não é um historicismo acertos e limites de uma tese althusseriana Crítica marxista n 34 p 6785 2012 Disponível em https wwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivosbiblio tecaartigo273mergeddocument257pdf Acesso em 22 nov 2019 MUSSE R O legado de Marx no Brasil Estudos Avança dos São Paulo v 22 n 63 p 327333 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdfeav22n63v22n63a26 pdf Acesso em 22 nov 2019 LÖWY M Por um marxismo crítico Lutas sociais n 3 p 1230 1997 Disponível em httpwww4pucspbr neilsdownloadsv3artigomichaelpdf Acesso em 22 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Leia o texto a seguir O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção forma o que Marx chama de a infraestrutura de uma sociedade que por sua vez é a base sobre a qual se constituem as demais instituições sociais Segundo a concepção materialista da história na produção da vida social os homens geram também outra espécie de produtos que não têm forma material e que vêm a ser as ideologias políticas concepções religiosas códigos morais e estéticos sistemas legais de ensino de comunicação o 272 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO conhecimento filosófico e científico representações coletivas etc cujo conjunto é chamado de superestrutura ou supraestrutura QUINTANEIRO BARBOSA OLIVEIRA 2000 p 74 Sobre esse modo de entender e explicar a constituição da sociedade assi nale a alternativa correta a A produção das ideologias o conjunto de pensamentos e os pro dutos para satisfação das necessidades humanas denominamse infraestrutura b A superestrutura corresponde à produção material para que o indiví duo tenha condições de satisfazer às necessidades básicas c Na concepção materialista da história os homens produzem tanto as condições materiais de existência quanto suas ideias ideologias e a própria cultura d O ser humano tem condições de produzir a infraestrutura mas não a superestrutura e Para produzir a infraestrutura é necessário ter conhecimento filosófi co ideológico e científico 2 Leia o trecho a seguir Na produção social que os homens realizam eles entram em determina das relações indispensáveis e independentes de sua vontade tais relações de produção correspondem a um estágio definido de desenvolvimento das suas forças materiais de produção A totalidade dessas relações cons titui a estrutura econômica da sociedade fundamento real sobre o qual se erguem as superestruturas política e jurídica e ao qual correspondem determinadas formas de consciência social MARX 1977 Para o autor a relação entre economia e política estabelecida no sistema capitalista faz com que a o proletariado seja contemplado pelo processo de maisvalia b o trabalho se constitua como o fundamento real da produção material c a consolidação das forças produtivas seja compatível com o progresso humano d a autonomia da sociedade civil seja proporcional ao desenvolvimento econômico e A burguesia revolucione o processo social de formação da consciência de classe 273 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 c 2 b 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou algumas categorias fundamentais do pensamento de Marx Tratase de um sistema complexo que merece ser estudado com atenção e foco Por isso sugerimos que sua leitura não pare por aqui que ela continue a partir das referências bibliográficas apresentadas e das sugestões de leitura feitas no decorrer da unidade e no Conteúdo Digital Integrador Na próxima unidade abordaremos o pensamento de outro autor importante Max Weber Com ele poderemos inclusive re finar a nossa crítica ao pensamento marxista de modo a conce ber tanto seus erros como seus acertos 6 EREFERÊNCIAS Figura Figura 1 Karl Marx Disponível em httpswwwinfoescolacombiografiaskarl marx Acesso em 21 nov 2019 Sites consultados ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Karl Marx documentário Filósofos e a Educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvlG65HHIM6Ws Acesso em 19 nov 2019 274 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO BARBA C H Aspectos filosóficos da crítica de Marx à Filosofia do Direito de Hegel Revista Opinião Filosófica Porto Alegre v 8 n 2 p 201224 2017 Disponível em httpperiodicoabavarescocombrindexphpopiniaofilosoficaarticle download802692 Acesso em 22 nov 2019 BARROS FILHO C Por que ler Marx 2015 Disponível em httpswwwyoutube comwatchvm93ihi0DIgE Acesso em 10 out 2018 BBC RADIO THE OPEN UNIVERSITY Karl Marx Alienação 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgpiZajWS1E Acesso em 19 nov 2019 BIANCHI Á A mundanização da Filosofia Marx e as Origens da Crítica da Política TransFormAção São Paulo v 29 n 2 p 4364 2006 Disponível em httpwww scielobrpdftransv29n2v29n2a05pdf Acesso 22 nov 2019 BORDIN R A O caráter históricosocial do conhecimento no pensamento de Marx TransFormAção Marília v 40 n 2 p 157174 abrjun 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdftransv40n301013173trans40030157pdf Acesso em 22 nov 2019 CARCANHOLO M Curso O capital de Marx Aula 03 2017 Disponível em https wwwyoutubecomwatchv6JYKsqECnoI Acesso em 19 nov 2019 COSTA C A S Premissas conceituais sobre a formação do Materialismo de Marx Praxis Filosófica Nueva serie n 31 p 6172 juldez 2010 Disponível em http wwwscieloorgcopdfpafin31n31a04pdf Acesso em 22 nov 2019 FERLA G B ANDRADE R B A transição do feudalismo para o capitalismo Synergismus Scyentifica Pato Branco UTFPR n 2 2007 Disponível em httprevistasutfpredu brpbindexphpSysScyarticleviewFile24024 Acesso em 22 nov 2019 FRANCO T Alienação do trabalho despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza Caderno CRH Salvador v 24 n especial 1 p 171191 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfccrhv24nspe1a12v24nspe1pdf Acesso em 22 nov 2019 FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO Adam Smith e Karl Marx Liberalismo e Socialismo Globo Ciência Disponível em httpswwwyoutubecom watchvQOmFyRpTvFMt19s Acesso em 19 nov 2019 GHIRALDELLI P Chega de ler Marx de modo errado Disponível em httpswww youtubecomwatchvOhyvthbhvWU Acesso em 19 nov 2019 GONTIJO C O valortrabalho como fundamento dos preços Economia e Sociedade Campinas v 18 n 3 37 p 493511 dez 2009 Disponível em httpwwwscielo brpdfecosv18n3v18n3a03pdf Acesso em 22 nov 2019 275 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO GRESPAN J Curso O capital de Marx Aula 4 Disponível em httpswwwyoutube comwatchvuYgbuJB7Ckindex1listPLHiE8QPap5vQkpEnx192YpqOnAdbSY2 Cb Acesso em 19 nov 2019 Marx crítico da teoria clássica do valor Crítica Marxista v 1 n 12 p 59 76 2001 Disponível em httpswwwifchunicampbrcriticamarxistaarquivos biblioteca03gresppdf Acesso em 22 nov 2019 HIRANO S Política e economia como formas de dominação o trabalho intelectual em Marx Tempo Social Revisa de Sociologia da USP São Paulo v 13 n 2 p 120 nov 2001 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv13n2v13n2a01pdf Acesso em 22 nov 2019 LÖWY M Por um marxismo crítico Lutas sociais n 3 p 1230 1997 Disponível em httpwww4pucspbrneilsdownloadsv3artigomichaelpdf Acesso em 22 nov 2019 LOYOLA P R G Valor e maisvalia examinando a atualidade do pensamento econômico de Marx Argumentos ano 1 n 2 p 130138 2009 Disponível em httpwwwperiodicosufcbrargumentosarticledownload1893729658 Acesso em 22 nov 2019 MARTINS M V O marxismo não é um historicismo acertos e limites de uma tese althusseriana Crítica marxista n 34 p 6785 2012 Disponível em httpswwwifch unicampbrcriticamarxistaarquivosbibliotecaartigo273mergeddocument257 pdf Acesso em 22 nov 2019 MUSSE R O legado de Marx no Brasil Estudos Avançados São Paulo v 22 n 63 p 327333 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdfeav22n63v22n63a26 pdf Acesso em 22 nov 2019 PAULANI L Curso O capital de Marx Aula 02 2017 Disponível em httpswww youtubecomwatchvT9x0gFHuON4 Acesso em 19 nov 2019 PAULO NETTO J Ideologia em Marx Engels e Lukács 2016 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvPO42EKGODCA Acesso em 19 nov 2019 Adam Smith David Ricardo Karl Marx Disponível em httpswwwyoutube comwatchvtaiKSqF0NM Acesso em 19 nov 2019 PRADO E Curso O capital de Marx Aula 01 2017 Disponível em httpswww youtubecomwatchv4uowkYMKs Acesso em 19 nov 2019 RAGO FILHO A A crítica do idealismo em Marx e Engels IV Curso Livre MarxEngels 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvjuhXSI3Jb7k Acesso em 19 nov 2019 276 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO SÃO PAULO Estado Encontro do século Smith e Marx Disponível em https wwwyoutubecomwatchvWnZs9xrDM0k Acesso em 19 nov 2019 SEMERARO G A concepção de trabalho na filosofia de Hegel e de Marx Educação e Filosofia Uberlândia v 27 n 53 p 87104 janjun 2013 Disponível em http wwwseerufubrindexphpEducacaoFilosofiaarticleview1499112680 Acesso em 22 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Karl Marx Disponível em httpswwwyoutube comwatchv2DmlHFtTplA Acesso em 19 nov 2019 ZAGO L H O método dialético e a análise do real Kriterion Belo Horizonte n 127 p 109124 jun 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfkrv54n127n127a06 pdf Acesso em 22 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON R As etapas do pensamento sociológico 5 ed Trad Sérgio Bath São Paulo Martins Fontes 2000 O marxismo de Marx 3 ed Trad Jorge Bastos São Paulo Arx 2005 O ópio dos intelectuais Trad Yvone Jean Brasília Universidade de Brasília 1980 COTRIM G FERNANDES M Fundamentos da Filosofia São Paulo Saraiva 2013 ENGELS F Engels to Conrad Schmidt in Berlin London 5 August 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 189092 London Lawrence Wishart 2010a v 49 p 69 Engels to Eduard Bernstein in Zurich London 23 November 1882 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 188083 London Lawrence Wishart 2010b v 46 p 353358 Engels to Paul Lafargue at Le Perreux Bellevue Hotel Folkestone 27 August 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Letters 189092 London Lawrence Wishart 2010c v 49 p 2123 Reply to the editors of the Sächsische ArbeiterZeitung To the editors of the Sozialdemokrat London September 7 1890 In MARX K ENGELS F Collected Works Engels 189095 London Lawrence Wishart 2010d v 27 p 6971 FREITAG B Habermas e a Teoria da Modernidade Revista Perspectivas São Paulo n 16 p 3738 1993 277 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO HABERMAS J A crise de legitimação no capitalismo tardio Trad Vamireh Chacon 3 ed Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1999 Técnica e ciência como ideologia Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1994 HEGEL G W F Fenomenologia do espírito Petrópolis Vozes 1992 v 1 Filosofia da História Brasília Editora UnB 1995 Filosofía del Espíritu In Filosofía Real Trad ed José María Ripalda Madrid Fondo de Cultura Económica de España 2006 p 151234 Princípios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino São Paulo Martins Fontes 1997 MACHADO I J R AMORIM H BARROS C R Sociologia hoje São Paulo Ática 2013 MARX K Contribuição à Crítica da Economia Política Trad Introdução de Florestan Fernandes 2 ed São Paulo Expressão Popular 2008 Crítica da Filosofia do Direito de Hegel Trad Rubens Enderle e Leonardo de Deus São Paulo Boitempo 2010a Crítica do Programa de Gotha Trad Rubens Enderle São Paulo Boitempo 2012 Manuscritos econômicofilosóficos Trad São Paulo Boitempo 2010b Miséria da Filosofia resposta à Filosofia da Miséria do Sr Proudhon Trad José Paulo Netto São Paulo Editora Ciências Humanas 1982 O capital Crítica da Economia Política Volume I tomo 1 Livro Primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996a Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume I tomo 2 Livro Primeiro o processo de produção do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Nova Cultural 1996b Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume II Livro Segundo o processo de circulação do capital Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1985 Os Economistas O capital Crítica da Economia Política Volume III tomo 1 Livro Terceiro o processo global da produção capitalista Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1986a Os Economistas 278 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 4 KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO O capital Crítica da Economia Política Volume III tomo 2 Livro Terceiro o processo global da produção capitalista Trad Regis Barbosa e Flávio R Kothe 2 ed São Paulo Abril Cultural 1986b Os Economistas Prefácio à crítica da economia política In Marx K ENGELS F Textos 3 São Paulo Edições Sociais 1977 MARX K ENGELS F A ideologia alemã crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach B Bauer e Stirner e do socialismo alemão em seus diferentes profetas Trad Rubens Enderle Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano São Paulo Boitempo 2007 MARX K ENGELS F Manifesto comunista Trad Álvaro Pina São Paulo Boitempo 2005 OLIVEIRA P S Introdução à Sociologia São Paulo Ática 2010 QUINTANEIRO T BARBOSA M L OLIVEIRA M Um toque de clássicos Durkheim Marx e Weber Belo Horizonte UFMG 2000 REALE G ANTISERE D História da Filosofia do Romantismo ao Empiriocriticismo Trad Ivo Storniolo São Paulo Paulus 2007 v 5 STIRNER M O Único e sua Propriedade São Paulo Martins Fontes 2009 THAVES B Frank e Ernest Jornal do Brasil Rio de Janeiro 19 fev 1997 VICENTINO C DORIGO G História Geral e do Brasil 2 ed São Paulo Scipione 2013 v 1 279 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 279 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Objetivos Compreender a abrangência da metodologia proposta por Max Weber Entender os tipos ideais como síntese metodológica do materialismo mar xista do positivismo comteano e do idealismo hegeliano Conhecer os tipos de dominação legítima e suas especificidades segundo Weber Apresentar o conceito de ação social e as tipologias em torno desse con ceito ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Conceituar os tipos de racionalidade de acordo com Weber Pontuar o desenvolvimento das sociedades modernas como um processo de desencantamento ou racionalização das esferas de valor da sociedade medieval Refletir sobre o surgimento do sistema capitalista como um processo de múltiplas influências que se motivaram mutuamente como no caso da lógica do capital que encontrou refúgio ideológico na moral protestante Conteúdos Metodologias das Ciências Sociais Os tipos ideais como tentativa de superação das limitações de marxismo idealismo e positivismo Tipos de dominação legítima poder tradicional carismático e legal UNIDADE 5 Os quatro tipos de ação social ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Tipos de racionalidade Racionalização ou desencantamento das esferas de valor religiosa econô mica política estética intelectual e erótica Ética protestante e espírito do capitalismo Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite em apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Esta unidade apresentará muitos conceitos complexos Por isso é necessário manter uma leitura focada do começo ao fim Ler Max Weber requer fôlego conceitual Anote suas dúvidas e entre em contato com seu tutor Consulte as referências bibliográficas no final de cada unidade e ex panda o seu campo formativo 3 Para o aprofundamento das principais ideias de Max Weber sugerimos a leitura dos livros Max Weber e a racionalização da vida Carlos Eduardo Sell Max Weber uma introdução Stephen Kalberg Um toque de clássi cos Marx Durkheim e Weber Tania Quintaneiro Maria Ligia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira 4 Para complementar as informações desta unidade a partir de uma lingua gem cinematográfica indicamos alguns filmes Sobre os tipos de domi nação legítima tradicional carismática e legalburocrática Sociedade dos poetas mortos EUA 1989 Gandhi EUA Índia Inglaterra 1982 O triunfo da vontade 1935 A onda Alemanha 2008 Sobre o conceito de burocracia O terminal EUA 2004 Sobre a racionalização da vida O jardineiro fiel Inglaterra 2001 Nós que aqui estamos por vós esperamos Brasil 1998 Sobre o surgimento do capitalismo Surplus Suécia 2003 Capitalismo uma história de amor EUA 2009 5 Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir 281 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS TV CULTURA A Sociologia de Weber Gabriel Cohn Café Filosófico Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvqUzUBTsILQ Acesso em 22 nov 2019 UNIVESP Clássicos da Sociologia Max Weber Disponível em https wwwyoutubecomwatchveasXQ5rwZ4 Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 14 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvwDEVx65oa3s Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 24 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0JZcrxr22wU Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 34 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv6atBXm u0Q Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Antônio Flávio Pierucci Max Weber Parte 44 2009 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchveBFOyMjuQ2I Acesso em 10 out 2018 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 12 2009 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvXeXtOpETjWs Acesso em 22 nov 2019 Na Íntegra Gabriel Cohn Max Weber Parte 22 2009 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvS4wcbAum40I Acesso em 22 nov 2019 TV CULTURA ESPAÇO CULTURAL CPFL Religiosidade racionalização e de sencantamento Antônio Flávio Pierucci Balanço do Século XX Paradig mas do século XXI Sociedade Contemporânea 11 maio 2004 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvF9eR1AwnyU Acesso em 16 jan 2020 GINGA VIDEOAULAS Sociologia Max Weber Parte 12 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvQpUUsTXVwAs Acesso em 22 nov 2019 Sociologia Max Weber Parte 22 2015 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvgH9X40I54pc Acesso em 22 nov 2019 282 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS MUNDO DA ADMINISTRAÇÃO Teoria da Burocracia Max Weber Sur gimento Características Disfunções 2018 Disponível em httpswww youtubecomwatchv76I0IVpuBUU Acesso em 22 nov 2019 CARVALHO M Max Weber A objetividade do conhecimento nas Ciên cias Sociais Parte 11 2017 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvaW3Ce8HcuEt49s Acesso em 22 nov 2019 Max Weber A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais Parte 21 2017 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvm1bIzAlJI Acesso em 22 nov 2019 283 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 1 INTRODUÇÃO Segundo Oliveira 2010 p 273 Nascido em Erfurt na Turíngia Alemanha em abril de 1864 o sociólogo e cientista político Max Emil Maximilian Weber foi professor de Economia nas universidades alemãs de Freiburg e Heidelberg e é considerado um dos fundadores clássicos da Sociologia Dotado de espírito investigativo particularmente aguçado e de grande erudição criou uma nova disciplina a Sociologia da Religião no âmbito da qual desenvolveu estudos comparados entre a história econômica e a história das dou trinas religiosas Weber foi também um dos primeiros cientis tas sociais a chamar a atenção para o fenômeno da burocracia não só no Estado moderno mas também ao longo da História De acordo com ele a Sociologia deveria estudar o sentido da ação humana individual que deve ser buscado pelo método da interpretação e da compreensão Weber preocupavase ainda com a responsabilidade social dos cientistas sociais e defendia a busca da neutralidade na vida acadêmica e na investigação científica As teorias de Weber exerceram grande influência so bre as Ciências Sociais a partir da década de 1920 Em uma de suas obras mais conhecidas procurou demonstrar a existência de uma estreita ligação entre a ética protestante e a ascensão do capitalismo Suas principais obras são A ética protestante e o espírito do capitalismo 1905 e Economia e sociedade publi cada postumamente em 1922 Max Weber Figura 1 é um autor de am pla significação para o cenário das ciências his tóricosociais porque além de apresentar uma teoria sociológica de alto calibre também dei xou como legado considerações importantíssi mas sobre o método adequado para as pesqui sas sociais De cultura vasta e imensa precisão teórica Weber demonstrou ser possível para o Figura 1 Max Weber 284 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS campo das Ciências Sociais aquilo que outros autores como Ga lileu e Newton fizeram com relação às Ciências Naturais e Exa tas apresentar uma base metodológica sólida que possibilitasse uma eficiente aproximação e descrição do objeto de pesquisa no caso dos fenômenos sociais Ultrapassando todo e qualquer tipo de proposta unilateral idealismo marxismo e positivismo Weber constrói um pen samento que se baseia não na simples potencialização de uma esfera da realidade seja do objeto pesquisado ou do sujeito cognoscente mas na combinação de fatores sociais políticos econômicos religiosos culturais e axiológicos que por sua vez formam os inúmeros tecidos da sociedade mais especificamen te no que diz respeito ao conhecimento da sociedade Para tanto esta unidade tem como objetivo apresentar as principais contribuições de Weber com relação aos aspectos que formaram seu método compreensivo e também realçar elemen tos significativos da pesquisa sociológica 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX WEBER Max Weber pode ser considerado um daqueles pensado res complexos na história do pensamento devido entre outras 285 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS coisas a dois aspectos sua vasta bibliografia e a maneira sig nificativamente profunda e refinada com que elabora os seus textos Porém antes de falar sobre alguns aspectos importantes do seu pensamento é de extrema importância esclarecer alguns aspectos metodológicos do seu pensamento sociológico Uma importante fonte interpretativa do pensamento de Max Weber é decididamente Eugène Fleischmann Em seu tex to Weber e Nietzsche Fleischmann adota uma postura por ele mesmo chamada de heterodoxa acerca de uma possível inter pretação de Weber sua tese fundamentase na ideia de que o método sociológico proposto por Weber influenciado sem dú vida pelo materialismo marxista está muito mais próximo do pensamento de Nietzsche do que se imagina O interessante disso é que se trata de uma correlação até então jamais pensada pela crítica como o próprio autor indica propondonos a mostrar a impressionante luta de Weber entre e contra seus contemporâneos luta em cujo decurso ele só se livra da influência de Marx para cair na de Nietzsche FLEISCH MANN 1978 p 140141 Além desse aspecto inovador o au tor também traz uma significativa compreensão da metodologia weberiana apresentandoa a partir de dois aspectos centrais a construção dos tipos ideais e a sua eficácia causal Todavia tomase a liberdade de não se limitar estrita mente a esses dois elementos do roteiro de Fleischmann mas complementálo com outros aspectos que estão implícitos em seu texto Dessa forma sobre a metodologia weberiana o texto seguirá o seguinte fio condutor 1 A crítica ao idealismo histórico de Hegel e a retomada do conceito pelo viés metodológico 286 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 2 A crítica ao aspecto unilateral do materialismo históri co em Marx 3 A mediação entre a objetividade dos fatos e a subjeti vidade dos valores na pesquisa sociológica 4 A síntese entre conceitos objetividade empírica e va lor por meio dos tipos ideais Crítica ao idealismo histórico de Hegel e a importância do conceito Ao contrário do que se pode erroneamente pressupor a introdução dos conhecidíssimos tipos ideais não faz de Weber um integrante do idealismo Seus escritos são claros e diretos com relação a esse assunto dirigindo inclusive uma dura crítica àquele que é considerado o exemplo dos horrores do finalismo histórico FLEISCHMANN 1978 p 150 e pai do idealismo mo derno Hegel Não é de se esperar que o pensamento de Hegel dê conta de caracterizar a singularidade empírica A partir da ideia de Su jeito Transcendental Eu Penso de Kant Hegel chega à conclusão de que a realidade não é uma substância mas sim um sujeito au toconsciente um espírito pensante Essa ideia de identificação ficou conhecida com a frase hegeliana o que é racional ideal é real e o que é real é racional ideal HEGEL 1997 p XXXVI Max Weber tinha consciência das implicações limitantes do idealismo histórico para a pesquisa das Ciências Sociais Para es tabelecer um diálogo do seu pensamento social com as relações causais e factuais que formam o contexto históricosocial seria preciso absterse do idealismo pois como caracterizar a singu laridade dos fenômenos se eles estão subsumidos e esvaziados 287 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS pelos conceitos gerais A ideia tipicamente hegeliana de que o conceito traz em seu bojo também todas as potencialidades do objeto histórico é algo definitivamente excluído por Weber Decerto nada há de mais perigoso que a confusão entre teoria e história nascida dos preconceitos naturalistas Esta confusão pode apresentarse sob a forma da crença na fixação de qua dros conceituais e teóricos do conteúdo propriamente dito ou da sua utilização à maneira de leito de Procusto no qual a História deverá ser introduzida à força e hipostasiando ainda as ideias como se fossem a realidade propriamente dita ou as forças reais que por trás do fluxo dos acontecimentos manifestamse na História WEBER 2001 p 141 Fica clara a postura crítica de Weber sobre a dimensão do idealismo histórico em sua mais cara vertente evolutiva e fina lística é portanto compreensível pelo menos historicamente que Weber não tenha mais querido problemas com essa con cepção ridícula e ultrapassada FLEISCHMANN 1978 p 150 ColliotThélène em seus Ensaios sobre a teoria da ciência evi dencia mais um forte motivo que justifica o distanciamento de Weber do idealismo histórico como forma de conhecimento da realidade Veja A pressuposição metafísica do conteúdo de verdade desse co nhecimento é que os conteúdos conceituais situamse como as realidades metafísicas atrás da realidade e que esta procede necessariamente deles à maneira pela qual as proposições ma temáticas decorrem umas das outras COLLIOTTHÉLÈNE 1995 p 27 No entanto não é possível afirmar que o pensamento me todológico de Weber também não leve em consideração a abs tração conceitual Assim como não é conveniente para a pesqui sa científica generalizar os fenômenos particulares no universal o contrário também procede investigar a realidade levando em 288 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS consideração somente os fatos particulares seria destituílos de toda e qualquer relação significativa isolandoos na empiria O resultado seria uma inexorável fragmentação do objeto de pesquisa que obscureceria o procedimento metodológico do pesquisador e comprometeria as suas análises qualitativas Trag tenberg na introdução à edição brasileira da obra Metodologia das Ciências Sociais de Weber afirma que essa preocupação me todológica acompanha o percurso teórico e desemboca naquilo que será eixo central de sua metodologia de pesquisa os tipos ideais Confira Weber propõe a necessidade de estabelecer novo procedimen to metodológico que garanta a qualificação científica às ciências históricosociais particularmente à sociologia E enfrenta essa tarefa através da construção dos tipos ideais Os tipos ideais são estabelecidos convencional e abstratamente São inteligíveis na medida em que na sua construção se dá a integração entre compreensão e experimentação sinônimo de explicação va lor ou conceito entre o devir e o ser empírico Para ele o tipo ideal constitui a síntese entre o objetivo e o subjetivo o particular e o geral TRAGTENBERG 2001 p XXIVXXV No entanto se Weber também faz uso da abstração con ceitual que aspecto então o diferencia do idealismo hegeliano O que separa ambas as concepções é justamente a ideia de fins especulativos e meios metodológicos o idealismo engendra o conceito como algo que possui um fim em si mesmo fazendo da realidade histórica e objetiva uma extensão do ideal já Weber faz uso do conceito apenas como um instrumento metodológico e comparativo com a realidade particular Crítica ao aspecto unilateral do materialismo histórico de Marx 289 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS É conclusão comum entre os críticos afirmar que num pri meiro momento foi provavelmente Marx quem exerceu a in fluência mais profunda e durável sobre Weber FLEISCHMANN 1978 p 140 De fato a questão do condicionamento da infraes trutura econômica sobre a superestrutura das ideias acompanha o começo da produção literária de Weber FLEISCHMANN 1978 VELHO 2007 Além disso o próprio Weber reconhece a origina lidade dos conceitos do marxismo Como polo contrário da filosofia hegeliana não se espera que Marx tenha por princípio pressupor a generalização dos con ceitos como forma explicativa da realidade Pelo contrário Marx afirma que a dialética de Hegel não alcançou notáveis conside rações porque está construída de maneira inversa Em A ideo logia alemã Marx e Engels alertam que não são as ideias que condicionam a realidade histórica mas as condições históricas que delimitam as ideias não é a consciência que determina a vida mas a vida que determina a consciência MARX ENGELS 2007 p 94 Noutras palavras as ideias da consciência superestrutu ra não são eternas autoconscientes e apartadas da realidade material mas elementos históricos e contingentes cuja razão de ser e pensar depende das relações econômicas infraestrutura pelas quais são condicionadas Dessa concepção surge o mate rialismo histórico totalmente ao contrário da filosofia alemã que desce do céu à terra aqui se eleva da terra ao céu MARX ENGELS 2007 p 94 Weber também tinha noção da abrangência da revolução provocada por Marx No entanto o próprio Weber não se deixa identificar com a teoria marxista Ele considera demasiado sumá rias as relações percebidas por Marx entre Oriente e Ocidente 290 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS FLEISCHMANN 1978 p 141 Isso significa justamente que o reconhecimento de Weber das teses marxistas acontece apenas de modo parcial pois uma de suas críticas dirigese exatamente à unilateralidade e à pretensão à totalidade do condicionamento econômico que ao tentar explicar a causalidade dos fenôme nos acaba por rebaixar a meras causas acidentais e insignifican tes todos aqueles fatores que não se referem ao campo econô mico Confira Às vezes considera tudo aquilo que na realidade histórica não pode ser deduzido a partir de motivos econômicos como algo que por isso mesmo seria acidental e portanto cien tificamente insignificante Às vezes amplia o conceito de eco nômico até o desfigurar de modo que nele encontram lugar todos aqueles interesses humanos que de uma ou de outra forma são ligados aos meios externos ou ao meio ambiente No caso de haver a prova histórica de que em face de duas si tuações idênticas do ponto de vista econômico houve reações diferentes em consequência de diferenças nas determinantes políticas religiosas climáticas ou em quaisquer outras determi nantes nãoeconômicas todos estes fatores são então rebai xados ao nível de condições historicamente acidentais sob as quais os motivos econômicos atuam como causas visan do preservar o predomínio do econômico Uma tentativa muito comum em interpretar as constantes cooperações e inte rações dos diferentes elementos da vida cultural como depen dendo causal ou funcionalmente uns dos outros ou melhor de um único elemento o econômico Deste modo quando uma determinada instituição nãoeconômica realiza também histo ricamente uma determinada função a serviço de quaisquer interesses econômicos de classe essa instituição é apresen tada como expressamente criada para tal função ou em sen tido completamente metafísico como tendo sido moldada por uma tendência de desenvolvimento de caráter econômico WEBER 2001 p 123 291 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dessa maneira em lugar de um condicionamento unilate ral convém falar em Weber de um condicionamento recípro co dos fatores econômicos e culturais FLEISCHMANN 1978 p 142 Ou seja o que está em jogo como elemento condicionador para justificação da realidade históricosocial segundo Weber não é apenas o aspecto econômico mas também a consciente combinação ocorrida entre condicionamentos econômicos e cul turais chamadas pelo próprio Weber de afinidades eletivas sobre as quais Weber afirma Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as bases materiais as formas de organização social e política e o conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma proce deremos tãosó de modo a examinar de perto se e em quais pontos podemos reconhecer determinadas afinidades eleti vas entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética profissional WEBER 2004 p 83 A mediação entre a objetividade dos fatos e subjetividade dos valores Além da crítica ao idealismo hegeliano e à unilateralidade das condições materiais do marxismo há outro elemento impor tante do edifício metodológico de Weber o fato de eleger tanto a objetividade do conhecimento haja vista a radical recu sa ao idealismo hegeliano apresentada anteriormente como a subjetividade axiológica haja vista a postura antipositivista que mais à frente será vista como pressupostos metodológicos indispensáveis para sua pesquisa sociológica Com relação ao primeiro aspecto a objetividade empíri ca sua importância se deve ao fato de que o alcance dos con ceitos só tem sua razão de ser em vista de sua ligação com a validade empírica se não há confronto com o real os conceitos 292 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS tornamse vazios destituídos de história ou seja não passarão de puras ficções e hipóstases da realidade As abstrações conceituais possuem um elevado valor heurís tico para a investigação em enorme valor sistemático para a exposição se apenas forem utilizados como meios conceituais para comparar e medir com relação a eles a realidade Com esta função ambos tornamse mesmo indispensáveis WE BER 2001 p 143 grifo nosso Fleischmann por sua vez está de acordo com essa questão em Weber se não é possível reconstruir uma história universal segundo as leis da causalidade então isso quer dizer que para Weber tornase impossível abstrair a situação concreta ou hipos tasiar a construção histórica dos fatos tal pressuposto só pode ser legitimado necessariamente pelo confronto particular com a realidade FLEISCHMANN 1978 p 143 Todavia isso não faz de Weber um positivista Há diferen ças incompatíveis entre Weber e os positivistas em primeiro lu gar temos o fato de Weber não abrir mão dos conceitos como instrumentos metodológicos de comparação com o particular tipos ideais o que seria um sacrilégio para um positivista pois os tipos ideais não possuem um caráter de lei imutável e univer sal de caráter indutivo Em segundo lugar há o caráter axiológico atribuído ao pró prio ato da pesquisa científica visto pelo positivista como uma regressão do progresso das ciências significa voltar ao estágio de préciência É a partir disso que se justifica a importância do segundo aspecto mencionado a dimensão subjetiva do valor Sobre essa segunda dimensão notase que em Weber a pesquisa empírica não é algo isolado mas está calcada pela questão axiológica Surge então uma aporia como é possível 293 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS primar pela objetividade de pesquisa se ao mesmo tempo há a retomada pela dimensão subjetiva do valor como algo legítimo Essa questão perde seu sentido contraditório a partir do momento em que se esclarece que o conceito de ciência em We ber não está limitado somente à sua ação funcional e neutra se gundo os moldes positivistas mas também à intenção ideológica e política à qual está ligada é tarefa do cientista cumprir o dever científico de encarar a verdade dos fatos como também de fender os próprios ideais WEBER 1991 p 10 Ou melhor na práxis da ciência não fala apenas o cientista dos fatos mas também o homem dos valores De todo modo não será mais a ciência quem fala neste caso e em consequência disso existe um segundo imperativo fun damental qual seja o da imparcialidade científica que consiste no seguinte em tais casos é necessário indicar aos leitores e a nós mesmos em que momento cessa a fala do pesqui sador e começa a fala do homem que está sujeito a intenções e vontades em que momento os argumentos se dirigem ao in telecto e em qual se dirigem ao sentimento WEBER 2001 p 115 Isso quer dizer que durante a pesquisa o cientista é inspi rado pelos seus próprios valores os quais está disposto a defen der Logo não há como fugir desta conclusão a objetividade em pírica da ciência está direcionada tanto pela credulidade advinda das leis e do método científico como pela pressuposição de um critério axiológico presente nas decisões do próprio cientista Esta é enfim a relação existente entre fatos ciência e valores política Hoje falamos habitualmente da ciência como livre de todas as pressuposições Haverá tal coisa Depende do que enten demos por isso Todo trabalho científico pressupõe que as re gras da lógica e do método são válidas são as bases gerais de 294 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nossa orientação no mundo e pelo menos para nossa questão especial essas pressuposições são o aspecto menos proble mático da ciência A ciência pressupõe ainda que o produto do trabalho científico é importante no sentido de que vale a pena conhecêlo Nisto estão encerrados todos os nossos pro blemas evidentemente Pois esta pressuposição não pode ser provada por meios científicos só pode ser interpretada com referência ao seu significado último que devemos rejeitar ou aceitar segundo a nossa posição última em relação à vida WE BER 1982a p 170 Porém devese levar em consideração que a subjetividade do valor não descaracteriza a objetividade do fato pois cada um possui um campo próprio de compreensão Apesar de estarem relacionados fatos e valores devem ser apresentados como ele mentos distintos O próprio Weber afirma juízos de valor não deveriam ser extraídos de maneira nenhuma da análise científica devido ao fato de derivarem em última instância de determinados ideais e de por isso terem origens subjetivas WEBER 2001 p 109 Portanto uma coisa é o saber empírico próprio da ciência outra coisa é o juízo de valor de caráter políticosocial Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer só lhe é dado em certas circunstâncias o que quer fazer É verdade que no setor das nossas atividades científicas continuamente são introduzidos elementos da cosmovisão pes soal bem como na argumentação científica Eles sempre cau sam problemas fazendo com que nós atribuamos pesos dife rentes na elaboração de simples relações causais entre fatos na medida em que o resultado aumenta ou diminui a possibilidade da realização de nossas ideias pessoais Seja como for so mente a partir do pressuposto da fé em valores tem sentido a intenção de defender certos valores publicamente Porém emi tir um juízo sobre a validade de tais valores é assunto da fé e talvez também seja tarefa de uma consideração e interpretação 295 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS especulativa da vida e do mundo no tocante ao seu sentido mas certamente não é tarefa de uma ciência empírica no sen tido como nós a entendemos WEBER 2001 p 111 Enfim a metodologia weberiana própria de sua maturi dade intelectual é tentativa de suprir as dificuldades impostas tanto por hegelianos como por marxistas e positivistas Segundo Fleischmann essa posição filosófica amadurecida ao longo de toda sua atividade valeulhe um isolamento e uma impopula ridade sem igual 1978 p 153 Weber não é hegeliano nem marxista ou positivista seu método de pesquisa transita por en tre tais teorias mas não se fixa em nenhuma Em que residiria então o elemento central que justificaria uma identidade própria do pensamento de Weber Que princípio ou nexo ligaria aspec tos tão contrastantes porém fundamentais na teoria weberia na Buscar por tal princípio tornase uma condição essencial para o atual termo a que se chegou essa pesquisa se se deseja é óbvio primar por uma coerência interna e própria ao método de Weber Os tipos ideais como síntese metodológica A elaboração metodológica dos chamados tipos ideais no pensamento weberiano configura uma etapa de maturidade teórica na produção de Weber Como já citado o esforço me todológico desse autor é ultrapassar três grandes abismos que dilaceraram a realidade a generalização estéril provocada pelo idealismo hegeliano a interpretação unilateral dos condiciona mentos da realidade realizada pelo marxismo que tende a redu zilos apenas a seus aspectos econômicos e a limitação concei tual do indutivismo positivista 296 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Tratase de uma tarefa difícil pois como elaborar uma res posta metodológica que contemplasse as necessidades previs tas por tais modelos teóricos citados sem que com isso corres se o risco de cair ou desembocar em alguma de suas propostas reducionistas e extremas A resposta encontrase justamente nos conhecidos tipos ideais de Weber que como síntese me todológica em grande estilo tenta resolver aqueles elementos contraditórios das teorias totalizantes idealismo marxismo e positivismo e encontrar uma solução metodológica cabível ao contexto de pesquisa das Ciências HistóricoSociais O tipo ideal define o conjunto de conceitos que o sociólogo constrói para fins de pesquisa Weber não aceita a concepção clássica de ciência segundo a qual ela pode abranger a subs tância das coisas integrandoas num sistema totalizante no qual o pensamento abranja a totalidade do real Todo conheci mento é hipotético na medida em que nenhum sistema repro duz a realidade que é infinita O tipo ideal constituise como um momento em que o sujeito cognoscente analisa o real confor me as relações que seu ponto de vista mantém com os valores Essa relação com os valores elimina o que deva ser desconside rado o rigor conceitual dos conceitos ainda está ausente É o papel do tipo ideal O tipo ideal aparece como um método das ciências históricosociais cujo objetivo é captar os fenômenos na sua singularidade TRAGTENBERG 2001 p XXV Dessa maneira os tipos ideais para Weber não são reali dades metafísicas que se pretende alcançar mas devem ser vis tos apenas como um instrumento metodológico para analisar o distanciamento entre o geral e o particular Noutras palavras os tipos ideais não servem para padronizar o universal e a partir deles explicar o particular mas sim para serem contrastados com os fenômenos históricos e particulares a fim de perceber em que sentido eles se aproximam ou não das construções gerais 297 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A fundamental pergunta de Weber nesse sentido é jus tamente esta como é possível conhecer a realidade na sua sin gularidade histórica se não se pode lançar mão ou recorrer a comparações com outras realidades gerais construídas No texto Rejeições religiosas do mundo e suas direções o próprio Weber deixa claro essa vertente metodológica Tais construções possibilitam determinar o local tipológico de um fenômeno histórico Permitemnos ver se em traços parti culares ou em seu caráter total os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente Sob esse aspecto a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas WE BER 1982e p 372 Sem dúvida alguma a partir do que foi até então exposto a posição teórica de Weber é tão somente uma verdadeira aula de método direcionada por uma visível preocupação em como melhor apreender uma pesquisa históricosocial Levar em con sideração somente a especulação seria hipostasiar os resultados em ideias abstratas e distantes da realidade tomar como base apenas a indução empírica seria fragmentar o objeto e obscure cer a visão geral do fenômeno Logo a urgência do momento era pensar num campo ou aspecto intermediário que conseguisse migrar de um polo para o outro do sujeito para o objeto sem maiores comprometimen tos ou complicações teóricas Weber acreditou que tal aspecto poderia ser encontrado pelos tipos ideais criados para fins so ciológicos dos quais a ação real se aproxima mais ou menos WEBER 1999b p 16 e para os quais voltou toda a sua atenção e energia 22 OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO TRADICIONAL CARISMÁTICO E LEGAL No ensaio Política como vocação Weber define o Estado como associação política que tem como meio específico o exercício da força física Hoje temos que dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende com êxito o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território WEBER 1982b p 98 Com isso o autor admite o Estado como fonte do direito de uso da violência No entanto ao afirmar essa premissa Weber também é levado a outra argumentação se o Estado é o detentor legítimo do uso da força física então neste contexto política seria a luta pelo poder ou pela distribuição do poder entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado Logo quem participa da política luta pelo exercício do poder Isso quer dizer que em última análise o Estado é uma relação de homens dominando homens relação mantida por meio da violência legítima WEBER 1982b p 98 Sobre a questão da violência legítima ela pode em alguns casos assumir a figura de uma repressão Sobre esse assunto observe a crítica apresentada por Quino na tira a seguir 299 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Fonte Quino 1999 p 307 Figura 2 Violência legítima Portanto para que exista Estado deve existir também uma relação de obediência entre os dominados e os detentores do poder A pergunta seria o que justificaria essa relação de obe diência ao Estado Quando e por que os homens obedecem Para responder a essas questões Weber utilizase de três tipos puros de dominação que apesar de não se encontrarem como tal na realidade justificam as formas de legitimação do poder e da obediência WEBER 1982b p 98 É na obra Os três tipos puros de dominação legítima 2003 que Weber fala de modo mais específico sobre cada uma dessas três formas de poder São elas poder tradicional poder carismá tico e poder legal Poder tradicional O primeiro tipo de dominação o poder tradicional não está fundamentado na submissão a um superior escolhido pro fissionalmente ou na obediência ao conjunto de regras que re gem uma instituição mas na autoridade patriarcal do senhor e no respeito a valores e costumes tradicionais que o consagraram naquele determinado grupo social 300 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Nesse caso a lógica da submissão acontece pela relação entre senhor e súdito o quadro administrativo é formado pelos súditos que estão submissos ao senhor cuja autoridade é cedida pela tradição A forma hierárquica acontece de um modo mais pessoal e totalmente vinculado pelo aspecto da fidelidade dos próprios súditos Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal A associação dominante é o de caráter comunitário O tipo daquele que or dena é o senhor e os que obedecem são súditos enquanto o quadro administrativo é formado por servidores Obedece se à pessoa em virtude de sua dignidade própria santificada pela tradição por fidelidade O conteúdo das ordens está fi xado pela tradição cuja violação desconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do seu próprio domínio que repousa exclusivamente na santidade delas WEBER 2003 p 131132 Poder carismático Já o segundo tipo de dominação não se concretiza nem pela qualificação profissional poder legal nem pelo status so cial poder tradicional mas pela capacidade do líder por meio de atributos pessoais e excepcionais de despertar nos domina dos sentimentos e empatias que formem uma espécie de devo ção pessoal Nesse caso o processo da submissão acontece entre líder e apóstolo seguidor o quadro administrativo é formado pelos seguidores que perante o arrebatador profetismo heroísmo ou demagogismo do líder sentemse atraídos em seguir suas orien tações A forma hierárquica acontece de modo totalmente pes soal voltada para o poder de convencimento do líder 301 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais carisma e particular mente a faculdades mágicas revelações ou heroísmo poder intelectual ou de oratória O sempre novo o extracotidiano o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam consti tuem aqui a força de devoção pessoal Seus tipos mais puros são a dominação do profeta do herói guerreiro e do grande demagogo A associação dominante é de caráter comunitário na comunidade ou no séquito O tipo que manda é o líder O tipo que obedece é o apóstolo Obedecese exclusivamente à pessoa do líder por suas qualidades excepcionais e não em vir tude de sua posição estatuída ou de sua dignidade tradicional e portanto também somente enquanto essas qualidades lhe são atribuídas ou seja enquanto seu carisma subsiste WEBER 2003 p 134135 Poder legal Por fim o terceiro tipo de dominação tem como carac terística principal a própria burocracia e o estabelecimento da dominação e do poder segundo um conjunto de regras ou leis racionais juridicamente reconhecidas e instituídas Nesse caso o tipo de submissão se dá pelo processo exis tente entre superior chefe e funcionário o quadro administrati vo é formado por funcionários nomeados por um chefe segundo as competências administrativas de cada um A forma hierárqui ca estabelecese de modo impessoal isto é pela obediência não ao superior mas à regra instituída Veja Dominação legal em virtude do estatuto Seu tipo mais puro é a dominação burocrática Sua ideia básica é qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancio nado corretamente quanto à forma A associação dominante é eleita e nomeada e ela própria e todas as suas partes são empresas O quadro administrativo consiste de funcionários 302 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nomeados pelo senhor e os subordinados são membros da as sociação Obedecese não à pessoa em virtude de seu pró prio direito mas à regra estatuída que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer O tipo do funcionário é aquele de formação profissional cujas condi ções de serviço se baseiam num contrato com pagamento fixo graduado segundo a hierarquia do cargo e não do volume de trabalho e direito de ascensão conforme regras fixas Sua admi nistração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo do cargo WEBER 2003 p 128129 Apesar de Weber afirmar que a burocracia não é o único tipo de dominação legal WEBER 2003 p 130 o fato é que como o próprio autor disse ela constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal WEBER 2003 p 130 Em seu texto Burocracia Weber 1982d p 229231 desenvolve seis características da administração da burocracia racionallegal 1 A burocracia trabalha com setores e áreas jurisdicio nais estáveis fixas e oficiais organizadas por meio de leis e normas administrativas 2 A burocracia baseiase na hierarquia de cargos e seto res e também na fiscalização e controle dos superio res em relação aos inferiores 3 A administração burocrática de um cargo moderno tra balha com documentos escritos sob responsabilidade de profissionais de repartição ou de escritório especia lizados na função 4 Para a administração moderna e burocrática dos car gos o indivíduo deve ser o máximo experto e espe cializado possível quanto mais alto é o cargo maior deve ser a especialização 303 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 5 Quanto mais o cargo está desenvolvido burocratica mente mais se exige do indivíduo em termos de fun cionalismo e competência 6 O desempenho do cargo burocrático deve ser orienta do por regras fixas e exaustivas que devem ser dispo nibilizadas para a aprendizagem daqueles indivíduos que desempenharão aquelas determinadas funções Portanto a burocracia racionallegal é a chave de leitura do desenvolvimento da esfera política e econômica da moderni dade assim como a formação do Estado moderno é compreen dida à luz de uma burocracia administrativa legalracional o desenvolvimento da própria economia capitalista é entendido à luz da burocratização das empresas privadas Ao que parece como se pode observar nada escapa do alcance e da influência burocrática Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno par ticularmente identificase com a moderna burocracia e da empresa burocrática da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas As formas de dominação burocrática estão em ascensão em todas as partes WEBER 2003 p 130 É justamente sobre a dominação racionallegal que o Es tado Moderno se baseará sua origem se encontra na separa ção burocrática de um lado do quadro pessoal de funcionários estritamente especializados e do outro dos cargos orientados hierarquicamente pelas normas jurídicas impessoais preestabe lecidas pelo Estado Não é por acaso que a burocracia administrativa moderna implica tanto a necessidade de administradores especializados como também a coerção objetiva impessoal calculista e racio 304 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS nal das leis e normas estipuladas de modo a assegurar a dimen são hierárquica do Estado Na tirinha da Figura 3 o cartunista Mauricio Rett apresen ta de maneira bemhumorada alguns aspectos relacionados ao senso comum da burocracia Figura 3 Burocracia As leituras indicadas no Tópico 3 2 abordam o conceito de dominação legítima por meio dos tipos de poder carismá tico tradicional e legal Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL 305 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Ao contrário das ciências da natureza que tratavam os fe nômenos sociais como coisas passíveis de serem investigadas objetivamente para Max Weber o método da Sociologia deve ser compreensivo isto é deve levar em consideração os valores subjetivos interiorizados pelos indivíduos ao longo de suas vidas Ou seja enquanto o método funcionalista tenta explicar os fatos sociais para o método weberiano é fundamental com preender os possíveis sentidos decorrentes das ações sociais desempenhadas pelos homens nas mais diferentes sociedades Logo o conceito de ação social para Weber não pode estar dis sociado do conceito de sentido e motivo interessa enfim aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que en volve um motivo sustentado pelo agente como fundamento da sua ação COHN 2003 p 27 grifo nosso Portanto para que a Sociologia cumpra a sua função mais do que identificar os fatos objetivos ela precisa acima de tudo reconstruir o motivo de uma ação desempenhada por alguém Ou melhor é por meio da compressão de uma determinada ação social que se chega a uma interpretação adequada dos fenôme nos sociais Em trecho de Economia e sociedade Weber diz o seguinte Para outros fins de conhecimento talvez possa ser útil ou ne cessário conceber o indivíduo por exemplo como uma associa ção de células ou um complexo de reações químicas ou sua vida psíquica como algo constituído por diversos elementos individuais como quer que sejam qualificados Sem dúvida obtêmse desse modo conhecimentos valiosos regras causais Contudo nós não compreendemos o comportamento expres so em regras desses elementos Também não compreendemos quando se trata de elementos psíquicos e tanto menos quanto maior a precisão no sentido das ciências naturais com que são concebidos jamais é este o caminho certo para chegar a uma 306 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS interpretação que se baseia no sentido visado WEBER 1999b p 89 Mas afinal o que é uma ação social Para responder a essa questão Weber começa com a distinção entre uma ação comum e uma ação tipicamente social se o indivíduo age ou manifesta determinado comportamento motivado por uma necessidade subjetiva seja ela interna ou externa ou pela simples observação existirá apenas uma ação No entanto se o indivíduo se sente motivado a planejar a sua ação por conta daquilo que espera do comportamento dos outros então nesse caso não existirá somente uma ação qualquer mas uma ação social Nem todo tipo de ação também de ação externa é ação social no sentido aqui adotado A ação externa por exemplo não o é quando se orienta exclusivamente pela expectativa de determinado comportamento de objetos materiais O compor tamento interno só é ação social quando se orienta pelas ações dos outros WEBER 1999b p 14 Um detalhe importante para a compreensão de uma ação social diz respeito ao modo como a conduta do agente está orientada significantemente pela conduta de outro ou outros WEBER 1999b p 30 Por outros nesse caso Weber entende uma diversidade de sujeitos que vai desde indivíduos e conhe cidos até uma multiplicidade indeterminada de pessoas com pletamente desconhecidas 1999b p 14 Não se trata apenas de uma replicação de comportamen tos alheios e sim de algo mais complexo o que é fundamental numa ação social não é o que o outro faz mas aquilo que foi representado e significado pelo agente da ação social Logo o que legitima uma ação social é o fato de ela ser pensada e refle tida no âmbito da subjetividade e dos fatos 307 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Conforme já observado a metodologia weberiana parte do pressuposto de que os fenômenos sociais e históricos não devem ser decifrados nem por meio das observações factuais tipicamente positivista muito menos pelo uso de conceitos desvinculados da realidade pelo contrário interpretação da rea lidade social é compreendida através de tipos ideais capazes de oferecer ponto de partida conceitual para a análise do estrita mente factual Nessa direção Weber classificou as ações sociais dos indivíduos em quatro tipos 1 Ação racional referente a fins tratase de uma ação orientada por regras na qual o agente pondera não somente os meios os fins os valores e os efeitos de algo mas também as possibilidades de configuração dos cada um destes elementos Por se basear no cál culo de possibilidades tem uma chance maior de ser compreendida como racional Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins meios e consequências secundárias ponderando racionalmente tanto os meios em relação às consequências secundárias assim como os diferentes fins possíveis entre si WEBER 1999b p 16 2 Ação racional referente a valores diz respeito a uma ação na qual o agente elabora conscientemente os meios os fins e os valores de algo sem porém pon derar os seus diferentes efeitos possíveis pois não age pelo cálculo de possibilidades com relação aos fins mas pela convicção dos valores e crenças que lhe ordenam a aceitação imediata de um determinado efeitovalor Age de maneira puramente racional referente a valores quem sem considerar as consequências previsíveis fins age a ser viço de sua convicção sobre o que parecem ordenarlhe o de 308 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS ver a dignidade a beleza as diretivas religiosas a piedade ou a importância de uma causa de qualquer natureza WEBER 1999b p 15 3 Ação afetiva está relacionada àquela ação na qual o indivíduo age motivado por seus afetos ou por estados emocionais atuais Tratase de uma ação que está além daquilo que se apresenta como ação conscientemente orientada pelo sentido isto é racionalizada uma vez que pode ser uma simples reação desenfreada a um estímulo não cotidiano como também o resulta do de uma sublimação descarga consciente de um estado emocional O sentido da ação não está no resultado que a transcende mas sim na própria ação em sua peculiaridade Age de maneira afe tiva quem satisfaz sua necessidade atual de vingança de gozo de entrega de felicidade contemplativa ou de descarga de afe tos seja de maneira bruta ou sublimada WEBER 1999b p 15 4 Ação tradicional está relacionada à ação na qual o indivíduo age apenas em vista de um costume arrai gado Ou seja tratase de uma ação totalmente roti nizada que não pressupõe uma ação livremente deli berada para além dos padrões aceitos e vigentes O comportamento estritamente tradicional do mesmo modo que a imitação puramente reativa não passa de uma reação surda a estímulos habituais que decorre na direção da atitu de arraigada A grande maioria das ações cotidiana habituais aproximase desse tipo que se inclui na sistemática não apenas como casolimite mas também porque a vinculação ao habitual pode ser mantida conscientemente em diversos graus e senti dos WEBER 1999b p 15 309 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Schluchter apud SELL 2013 propõe uma interpretação interessante das ações sociais weberianas que parte do simples comportamento até a ação da consciência racionalizada e volta da para o alcance de fins Veja O comportamento pode ser reativo motivado por uma reação condicionada interna ou externamente ou significativo motivado por um sentido interno para a caracterização de uma ação comum A ação significativa pode ser rotinizada isto é mo tivada por uma ação tradicional baseada em costumes estabelecidos ou não rotinizada ou seja motivada por ações não delimitadas por costumes preexistentes A ação significativa não rotinizada pode ser espontâ nea isto é como resultado livre dos afetos e outros determinados estados emocionais ou racionalizada ação conscientemente orientada pelo sentido e pelo cálculo de fins Para melhor compreender essa tipologia weberiana ob serve o esquema da Figura 4 apresentado pelo comentador Schluchter 310 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Fonte Schluchter apud SELL 2013 p 16 Figura 4 Tipologia da ação social As leituras indicadas no Tópico 3 3 levam em conside ração os conceitos de ação social como forma de interação do indivíduo com os outros tema que merece um pouco mais da sua atenção Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 24 OS TIPOS DE RACIONALIDADE 311 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A definição do conceito de racionalidade em Weber é algo complexo e pouco consensual entre os comentadores No entanto apesar das inúmeras diferenças interpretativas ora orientadas para o aspecto da racionalidade formal ora para o aspecto da racionalidade prática é possível perceber que os tipos ideais da racionalidade formal e material estruturam satisfatoriamente a compreensão weberiana do processo de racionalização Duas observações preliminares devem ser feitas ao tratar desse assunto Devese observar que Weber não dedicou nenhum texto específico a esses conceitos de racionalidade mas apenas algumas passagens contidas na obra Economia e sociedade O uso de tais racionalidades por Weber está limitado apenas aos campos da Economia e do Direito embora se possa adaptar os tipos ideias de racionalidade para outras situações Para a Economia Weber apresenta dois tipos ideais de racionalidade Racionalidade formal está relacionada à lógica do cál culo impessoal e das formas metódicas próprias dos sis temas econômico e jurídico das sociedades modernas Por conta do seu caráter de impessoalidade a racionali dade formal possui uma relação íntima com as institui ções que se organizam de forma burocrática isto é a partir de uma hierarquia delimitada por regras Chamamos racionalidade formal de uma gestão econô mica o grau de cálculo tecnicamente possível e que ela realmente aplica WEBER 1999b p 52 312 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Racionalidade material ou substantiva também possui uma conduta racional porém que não está di recionada para o cálculo de fins e sim para a escolha e vivência de valores éticos políticos morais etc Ou seja tratase de uma racionalidade que leva em consi deração o contexto social valores em que está inse rida manifestandose como racional na medida em que aplica organiza e dispõe de determinados valores que orientam uma ação específica Chamamos racionalidade material o grau em que o abaste cimento de bens de determinados grupos de pessoas como quer se definam mediante uma ação social economicamente orientada ocorra conforme determinados postulados valorati vos qualquer que seja sua natureza que constituem o ponto de referência pelo qual este estabelecimento é foi ou poderia ser julgado Esses postulados têm significados extremamente variados WEBER 1999b p 52 Já no campo do Direito além de manter os conceitos de ra cionalidade formal e material Weber acrescenta a possibilidade do não racional ou irracional Ou seja a criação e a aplicação do direito podem ser racionais ou irracionais WEBER 1999c p 12 Por isso o Direito pode ser criado e aplicado de acordo com uma racionalidade formal material irracionalidade formal ou irracionalidade material Vejamos Não racional formal ou formalmente irracional possui um caráter impessoal para o julgamento de ca sos porém utilizase de meios que não podem ser racio nalmente justificados Ou seja são formalmente irracionais quando para a regulamentação da criação do direito e dos problemas de aplicação do direito são empregados meios que não podem ser racionalmente contro lados WEBER 1999c p 12 grifo nosso 313 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Como exemplo dessa racionalidade temos a consulta de oráculos ou a sucedâneos destes WEBER 1999c p 12 Não racional material ou materialmente irracional quando se utiliza de valores éticos e culturais em vez de leis para o julgamento de casos Eles são material mente irracionais na medida em que a decisão é de terminada por avaliações totalmente concretas de cada caso sejam estas de natureza ética emocional ou polí tica em vez de depender de normas gerais WEBER 1999c p 12 Vale dizer também que além do formalmente irracional e do materialmente irracional há também a aplicação da ra cionalidade formal e material para o campo do Direito Confira Também a criação e a aplicação racionais do direito podem ter esta qualidade em sentido formal ou material Um direito é racionalmente formal na medida em que se limita a consi derar no direito material e no processo as características gerais e unívocas dos fatos Mas o contraste entre ela e a raciona lidade material tornase com isso ainda mais forte pois esta última significa precisamente que as decisões de problemas jurídicos sofrem influência de normas com dignidade im perativos éticos por exemplo ou regras de conveniência ou máximas políticas que rompem tanto o formalismo das carac terísticas externas quanto da abstração lógica WEBER 1999c p 1213 grifo nosso A leitura indicada no Tópico 3 4 promove um aprofun damento do significado de racionalidade segundo Weber Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 314 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 25 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR A obra de Weber possui uma importância central para a compreensão das sociedades modernas em especial pela aná lise que faz sobre a racionalização ou o desencantamento das esferas de valor das sociedades medievais religiosa econômica política intelectual estética e erótica E isso pode ser afirmado por dois motivos O pensamento sociológico de Max Weber não trata apenas de um estudo isolado da racionalização da es fera religiosa a partir das afinidades eletivas entre protestantismo acético e capitalismo mas também da sua relação com dimensão cultural típica do Ocidente que permitiu tal combinação Ou seja tratase de um estudo comparativo e intercultural do processo de ra cionalização religiosa que desembocou num racionalis mo especificamente ocidental A pesquisa weberiana sobre os processos de raciona lização que deram origem à racionalidade ocidental não fica limitada ao fator religioso e à dimensão in tercultural mas é pensada também em sua dimensão social no âmbito da racionalidade própria ao Ocidente intracultural Nesse sentido a racionalização apresen tada por Weber atinge outras áreas e atividades da so ciedade como a economia a política a ciência a moral e a arte que nesse caso não se configura apenas como racionalização ocidental mas também como racionali zação moderna Como se pode observar a obra de Weber é importante em especial para o contexto da ação comunicativa de Habermas exatamente porque descreve os processos de desenvolvimen 315 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS to da racionalidade ocidental em sua dimensão cultural e da racionalidade moderna e suas esferas em sua dimensão social a partir do desencantamento das antigas imagens religiosas de mundo Essa dupla dimensão do processo de racionalização em Weber está presente nos textos de alguns comentadores Segun do Schluchter 1998 p 35 os processos de racionalização indi cados por Weber seguem duas etapas distintas a primeira era axial período ligada à formação daqueles elementos específi cos que serviram de base à civilização ocidental e a segunda era axial ligada à autonomização das principais esferas sociais que formaram a vida moderna Para Sell 2013 p 277 ao saltar da área religiosa para as demais esferas sociais já estamos tratando de outro âmbito da análise weberiana e além do racionalismo ocidental o que se coloca em tela é a questão do racionalismo moderno Na opinião de Araújo 1996 p 116 esse processo torna se mais evidente até mesmo pela própria diversidade concei tual que o termo racionalidade carrega o processo de raciona lização em Weber não se limita apenas ao desenvolvimento do racionalismo ocidental porque assim como a racionalização de uma determinada sociedade é um evento que pode ser concebi do de inúmeras formas também o desenvolvimento do Ociden te é um caso particular de um fenômeno de múltiplas vertentes Em trecho da Vorbemerkung Observação preliminar o pró prio Weber adverte Por essa palavra racionalidade podemse entender coisas muito distintas como as exposições posteriores irão eviden ciar repetidas vezes Há por exemplo racionalizações da con templação mística ou seja de um comportamento que visto a partir de outros âmbitos da vida é especificamente irracional 316 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS exatamente do mesmo modo como as racionalizações da eco nomia da técnica do trabalho científico da educação da guer ra da justiça e da administração Além disso cada um desses âmbitos pode sob os mais diversos pontos de vista e objetivos últimos racionalizarse e o que é racional de um ponto de vista pode ao ser observado de outro ser irracional WEBER 1988 p 11 tradução nossa Por esse motivo isto é pela diversidade de fatores pre sentes em racionalizações existentes em diferentes culturas e não só na ocidental Weber tem consciência de que só é possí vel especificar as características e direções de uma determinada racionalização quando se tem consciência de quais setores da sociedade no caso a ocidental são passíveis de serem racio nalizados Surge então a sua preocupação em conceituar uma racionalidade moderna Racionalizações têm portanto existido nas mais diversas esfe ras da vida dos mais variados tipos e em todas as culturas O que é característico para sua diferença cultural e histórica é pri meiramente quais esferas e em que direções elas foram racio nalizadas Portanto tratase em primeiro lugar de identificar a peculiaridade específica do racionalismo ocidental e dentro dele do moderno racionalismo ocidental e explicar a sua ori gem WEBER 1988 p 1112 tradução nossa Para apreender uma visão de conjunto sobre a teoria da racionalização da modernidade em Weber ou seja delinear estruturalmente as relações existentes entre protestantismo e racionalidade moderna alguns autores acreditam que o texto Consideração intermediária Zwischenbetrachtung cumpre esse objetivo de modo satisfatório FILIPE 2006 ARAÚJO 1996 A Consideração intermediária é um texto de caráter es trutural presente na coletânea Ensaios sobre Sociologia da Reli gião Gesammelte Aufsätze zur Religiossoziologie A justificati 317 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS va desse texto na Religiossoziologie se dá pelo seguinte motivo depois de estudar as religiões orientais chinesas Weber iniciou sua análise sobre as chamadas religiões de salvação nas quais segundo o autor existe uma relação de tensão com o mundo Justificase então a partir desse ponto a necessidade de uma consideração intermediária que esclareça tanto as dis tinções entre misticismo predominante do mundo oriental e ascetismo predominante no mundo ocidental como tam bém examine as tensões existentes entre a ordem religiosa e as esferas sociais do mundo moderno a economia a política a arte o erotismo e a ciência regidas por sua vez por uma legalidade própria interna Eigengesetzlichkeit Na opinião de Pierucci 2005 p 136 a Consideração in termediária de Weber é o texto mais altamente filosófico de sua vasta produção só comparável em ambição filosófica e pa thos existencial à conferência de 1917 sobre a A Ciência como vocação Sell 2013 p 277 também defende essa ideia ao dizer que a Consideração Intermediária pode ser lida também como um texto de Teoria Social que nos oferece em suma uma das magnas teorizações de Weber sobre a Modernidade Todavia a interpretação desse texto não é consensual Há autores como é o caso de Habermas 2012a que afirmam que as esferas de valor weberianas religiosa econômica políti ca artística erótica e científica devem ser compreendidas ini cialmente a partir de dois sistemas distintos a racionalização das esferas de valor pertencentes ao sistema cultural ciência moral e arte cujos interesses estão pautados em mecanismos de inte ração simbólica e a racionalização das esferas de valor perten centes ao sistema social economia e política cujos interesses 318 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS estão voltados para mecanismos de interação material Da rela ção entre essas duas racionalizações surgiria enfim a racionali zação de cunho motivacional das estruturas da personalidade Em contrapartida existem autores como Schwinn 1998 e Schluchter 2009 que acreditam que essa separação das esferas de valor racionalizadas em dois sistemas distintos não corresponde ao ideário weberiano Para tanto preferem usar outra categorização a partir de níveis da ação social indo do mais básico até o mais abrangente partese da racionalização da conduta de vida nível individual até chegar ao ponto da ins titucionalização social das ordens sociais ou poderes da vida nível social formando assim os contextos culturais e gerais das seis esferas de valor autonomizadas nível cultural As esferas de valor podem ser entendidas como contextos supraindividuais de sentido regidas por um valor dominante Elas são institucionalizadas como ordens da vida e são interna lizadas como orientações da ação Weber não fala só de ordens da vida mas também de poderes da vida SCHLUCHTER 2009 p 308 tradução nossa No entanto independentemente das interpretações apre sentadas o aspecto central da racionalização moderna apre sentado por Weber na Consideração intermediária pode ser identificado no seguinte ponto por meio da racionalização da conduta de vida determinadas ordens sociais se institucionali zaram e passaram a operar segundo leis internas e próprias Eigengesetzlichkeit SELL 2013 p 279 Ou seja é a partir da autonomização das ordens sociais em esferas de valor que se pode configurar o processo de racionalização das sociedades modernas Na verdade a tensão iase tornando tanto mais forte por seu lado quanto mais iam progredindo também por seu lado a 319 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS racionalização e a sublimação da posse exterior e interior dos bens seculares no sentido mais lato Pois a racionalização e a sublimação consciente das relações do homem com as di ferentes esferas de bens de valores exteriores e interiores religiosos e profanos na sua posse levaram a que se tornas sem conhecidas nas suas coerências intrínsecas as leis internas próprias de cada uma das esferas e por via disso se deixassem entrar naquelas tensões entre umas e outras que haviam per manecido ocultas enquanto na época em que a relação com o mundo exterior era pautada pela ingenuidade primordial ou naturalidade originária WEBER 2006a p 323 Para melhor compreender a racionalização das esferas na teoria weberiana a análise procurará identificar esse processo a partir dos seguintes pontos de vista Do ponto de vista da orientação da ação social pre sente em cada uma das esferas Para tanto seguese a tipologia apresentada por Weber em Economia e so ciedade ação racional referente a fins ação racional referente a valores ação afetiva e ação tradicional Do ponto de vista da forma de organização de cada es fera juntamente com o respectivo valor buscado pelo processo de racionalização Em vista disso seguese as informações contidas na Consideração intermediária Do ponto de vista do tipo de racionalidade predomi nante Para isso tomase como referência uma tipolo gia ideal apresentada em Economia e sociedade e des tinada inicialmente aos âmbitos da Economia formal e material e do Direito formal material e não racional Dessa maneira levando em consideração a sugestão de Sell 2013 e Schluchter 2009 a propos ta é aplicar esses tipos ideais de racionalidade formal 320 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS material e irracional para a análise conjuntural da ra cionalização das esferas de valor Esclarecida a metodologia de análise resta então com preender de que forma segundo Weber cada uma das esferas sociais da vida moderna conseguiu conscientemente concretizar esse processo de autonomização de determinadas ações sociais segundo suas próprias leis internas Eigengesetzlichkeit A esfera religiosa Para Weber a ação social da esfera religiosa implica ao mesmo tempo tanto uma ação racional referente a valores como uma ação afetiva pois ao definir como valor funda mental os bens de salvação tal ação não possibilita apenas a organização da conduta em vista desse benefício exterior mas também uma satisfação interna pela busca por um estado de espírito permanente Do ponto de vista da forma de organização Weber par tindo de uma perspectiva evolutiva observa na esfera religiosa uma dinâmica racional que supera sublima os princípios mági cos da redenção e as políticas de parentesco para alcançar um modelo estrutural de matriz pública e a partir dele chegar a concepções religiosas de caráter éticofraternal Enfim do ponto de vista do tipo de racionalidade a es fera religiosa manifesta um contexto de tensão entre raciona lidade material e formal seguindo a sua própria lógica interna Eigengesetzlichkeit a esfera religiosa passa a ser configurada por uma ética universalista que em conflito com a racionalidade material dos interesses pessoais desenvolve uma racionalidade 321 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS formal e por consequência possibilita o surgimento de uma éti ca da convicção De uma maneira ou de outra a sua exigência ética foi conti nuamente no sentido de uma fraternidade universalista pas sando por cima de todos os limites dos grupos sociais muitas vezes inclusivamente os da própria comunidade confessional Quanto mais essa fraternidade religiosa fosse posta em prática consoante a sua lógica interna tanto mais duramente ela cho cava com as ordens e valores do mundo E de facto quanto mais estes por seu lado eram racionalizados e sublimados de acordo com as suas normas próprias e é isso que importa aqui tanto mais essa discrepância costumavase manifestarse de forma mais irreconciliável WEBER 2006a p 325 A esfera econômica Segundo Weber a ação social da esfera econômica ma nifestase por uma ação racional referente a fins pois seu inte resse se orienta segundo o valor da aquisição e do lucro por meio do cálculo Do ponto de vista da forma de organização a esfera eco nômica é controlada pelo mercado que orientado por uma legalidade própria Eigengesetzlichkeit possibilita um espaço competitivo para a valoração dos preços monetários como tam bém por consequência institucionaliza uma economia racional e uma empresa objetiva Do ponto de vista do tipo de racionalidade percebese o predomínio de uma racionalidade tanto material como for mal ou seja a função do mercado não é apenas negociar e ad quirir o lucro por intermédio de vínculos pessoais mas também institucionalizar meios racionais e impessoais para que o lucro seja cada vez mais eficiente 322 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A economia racional é um exercício objetivo orientado pelos preços monetários que se formam no mercado no quadro da luta de interesses dos homens uns com os outros Sem avalia ção em preços monetários portanto sem essa luta nenhum tipo de cálculo é possível O dinheiro é o que há de mais im pessoal na vida humana Por isso o universo da economia mo derna racional e capitalista quanto mais seguiu suas próprias normas imanentes tanto mais se tornou inacessível a qualquer ação imaginável com uma ética religiosa da fraternidade E na verdade quanto mais se tornou racional e por conseguinte impessoal tanto mais inacessível ficou WEBER 2006a p 326 A esfera política Assim como na esfera econômica a ação social da esfera política também é marcada por uma ação racional referente a fins pois sua principal finalidade é a manutenção ou a reor ganização interna e externa do poder WEBER 2006a p 329 visto aqui como o valor principal pelo aparato político Do ponto de vista da forma de organização a esfera polí tica é controlada pelo Estado uma vez que seguindo suas lega lidades próprias utilizase de meios coercitivos externa e inter namente para manter o monopólio da violência legítima ou seja o êxito do poder por meio de correlações de forças e não do direito ético WEBER 2006a p 329 A esfera política enfim implica racionalidade tanto mate rial como formal material porque está orientada ao campo de determinados interesses no caso a regulação interna e exter na do poder e formal por conta de sua crescente impessoali dade burocrática a máquina burocrática do Estado e o homo politicus racional nela inserido tal como o homo oeconomicus executam as suas tarefas objetivamente sem levar em conta a pessoa sine ira 323 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS et studio sem ódio e portanto sem amor mesmo para punir as ilegalidades WEBER 2006a p 328329 Nesse sentido percebese uma tensão e o predomínio da racionalidade formal sobre a material quanto mais a esfera po lítica é racionalizada mais impessoal e inacessível ela se torna Em virtude da impessoalidade desta ordem o aparelho buro crático é até menos acessível em pontos importantes e apesar da aparência em contrário a uma moralização material do que as ordens patriarcais do passado Com efeito todo o curso das funções políticas internas do aparelho de Estado no campo da justiça e administração acaba sempre por regular inevitavel mente mais uma vez pela pragmática objetiva da razão de Estado ou seja pela absoluta finalidade em si que é a ma nutenção ou a reorganização da repartição interna e externa do poder O apelo à violência nua dos meios de coação dirigidos não só para fora mas também para dentro faz simplesmente parte da essência de todas as formações políticas Neste as pecto a razão de Estado segue as suas próprias normas intrín secas tanto no plano externo como interno WEBER 2006a p 329 A esfera estética A ação social da esfera estética bem como da erótica possui algumas peculiaridades que a distinguem das demais es feras Segundo Weber se a ética religiosa da fraternidade vive em estado de tensão com as regras intrínsecas da ação exercida no mundo com fina lidade racional econômica e política pois a tensão não é me nor em relação àquelas forças intramundanas da vida que por sua natureza são inteiramente de caráter aracional ou anti racional Sobretudo tratandose das esferas estética e erótica WEBER 2006a p 337 324 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Dessa maneira para compreender a racionalização da es fera estética a partir de seus próprios critérios normativos Ei gengesetzlichkeit devese considerar sua relação com a esfera religiosa e com as esferas da economia e da política A autonomização da arte com relação à esfera religiosa acompanha o processo evolutivo do caráter mágico das religiões ao ético Se no início a arte era apenas um conjunto de práticas estereotipadas experimentada no âmbito da magia e usada como meio de alcançar o êxtase pela música e dança WEBER 2006a p 337 com sua racionalização acaba se criando uma tensão com a religiosidade de salvação ao tornarse um fim em si mesma transformando os juízos de valor com intenção ética em juízos de gosto WEBER 2006a p 338 Noutras palavras ao racionalizarse a esfera estética substitui os juízos éticos de bom e mau próprios da moral religiosa por juízos autô nomos e estéticos de belo Levando em consideração o tipo de racionalidade perce bese que por um lado a esfera estética exerce sim uma racio nalidade formal justamente por se tornar autônoma em rela ção à esfera religiosa porém por outro lado também expressa um tipo de irracionalidade Para compreender essa dimensão irracional precisase considerála agora em sua relação com as esferas da economia e da política A afirmação de que a arte assume a função de uma reden ção no seio do mundo libertando o homem do quotidiano WEBER 2006a p 338 é uma peçachave que nos dá um ponto de partida Enquanto autonomia em relação à esfera religiosa o caráter extramundano ou extracotidiano da arte posicionase como racionalidade formal mas em relação às esferas da po lítica e da economia essa dimensão colocase como irracional não racional pois não está de acordo com as regularidades 325 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS e condutas habituais próprias da racionalidade cotidiana como estão neste caso a política e economia esferas orientadas pela racionalização e eficiência do cotidiano Portanto pelo fato de implicar uma experiência pessoal extracotidiana de caráter alheio à racionalização do cálculo es tratégico intramundano a ação social da esfera estética refe rese a uma ação afetiva própria da subjetividade cuja forma de organização em sua referência de valor ao belo não está pautada na condução metódica e sistemática da vida mas na estilização da vida segundo o grau de singularidade e vivacida de que a experiência estética adquiriu A arte constituise então como um universo de valores pró prios e autônomos Assume a função de uma redenção no seio do mundo indiferentemente da interpretação que se lhe dê libertando o homem do quotidiano e sobretudo também da pressão crescente do racionalismo teórico e prático A esse tí tulo porém ela entra em concorrência direta com a religião de redenção Qualquer ética religiosa se tem de voltar contra essa redenção intramundana irracional como contra um reino a seu ver de gozo irresponsável e de secreta insensibilidade WEBER 2006a p 338 A esfera erótica De acordo com Weber a ação social da esfera erótica é regida fundamentalmente por uma ação afetiva pois as sim como a esfera estética sua conduta de vida está orientada à satisfação pessoal de caráter extracotidiano isto é alheio à racionalização do cotidiano ou qualquer sistematização ética Dada a sua referida extracotidianidade a esfera erótica propor ciona uma forma de organização baseada em relações sociais efêmeras e instáveis cujo valor buscado é a experiência do prazer 326 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A racionalização que configura a legalidade interna Eigen gesetzlichkeit da esfera erótica consiste no processo de subli mação que transformou a sexualidade em erotismo e por isso fez com que se tornasse uma esfera cultivada de modo cons ciente e extraordinário Nesse sentido percebese uma evolu ção do conceito de erotismo que se expressa pelo processo de racionalização ocidental e cultural desde o mundo antigo até a modernidade Do ponto de vista do tipo de racionalidade levase em consideração o predomínio de uma racionalidade material po rém também irracional Por um lado a racionalidade erótica é material porque se baseia numa conduta normativa passional diferente por sua vez do caráter ascético impessoal do homem profissional a última intensificação do acento posto na esfera erótica no âmbito das culturas intelectualistas acabou por se dar quan do esta esbarrou com o influxo inevitavelmente ascético da humanidade moldada pela vocaçãoprofissão WEBER 2006a p 343 Por outro lado a esfera erótica manifesta um caráter irra cional porque o modo de racionalização do erotismo ao longo da história possui características muito diferentes da racionali zação política e econômica O erotismo foi alcançado para a esfera daquilo que se goza conscientemente Todavia e precisamente por isso ele apareceu como uma porta aberta para o cerne mais irracional e portanto mais real da vida frente aos mecanismos de racio nalização WEBER 2006a p 341 327 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS A partir de então foi possível tornar mais evidente ainda a relação de tensão entre a ética religiosa de fraternidade e a maior força irracional da vida o amor sexual WEBER 2006a p 339 Ora essa tensão no caso de a esfera sexual ser sistematica mente transformada numa sensação erótica de alto valor transfigurandoo a todo o elemento animal na relação sexual não podia deixar de tornarse mais aguda e mais inevitável precisamente quando a religiosidade de redenção assumiu o caráter de religiosidade do amor isto é da fraternidade e do amor ao próximo WEBER 2006a p 343344 A esfera intelectual Por fim com relação à ação social da esfera intelectual percebese tanto uma ação referente a fins como uma ação racional referente a valores se por um lado o intelecto criou uma aristocracia não fraternal uma comunidade científica pautada numa lógica de ação para fins no campo da própria ati vidade científica posse da cultura por outro percebese tam bém uma ação orientada a valores pois a dedicação aos bens culturais acabou transformando a tarefa científica numa espécie de missão sagrada numa vocação Do ponto de vista da forma de organização a esfera po lítica orientase por organizações próprias como universidades e laboratórios organizadas sistematicamente a partir de uma distribuição específica de recursos para aqueles que atuam na esfera em vista de uma pretensa verdade decorrente da pos se dos bens culturais WEBER 1968 p 1920 Do ponto de vista do tipo de racionalidade a mesma ten são percebida entre racionalidade material e racionalidade formal nas esferas da economia e da política também integra 328 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS a esfera intelectual Isso pode ser constatado pelo processo de racionalização de uma cultura profana independentemente das pretensões metafísicas e éticas e segundo seus próprios critérios normativos Eigengesetzlichkeit em oposição à religião e seu critério de explicação causal por meio de compensações éticas e extramundanas encontrase uma esfera desencantada do saber que se move agora por explicações intramundanas e inerentes às próprias leis naturais e fenomênicas O conhecimento racional para o qual até a própria religiosida de ética apelara dava forma seguindo as suas próprias normas de maneira autónoma e no plano intramundano a um cosmos de verdades que não só já mesmo nada tinha a ver com os pos tulados sistemáticos da ética religiosa racional O cosmos da causalidade natural e o cosmos postulado da causalidade assente baseada na compensação ética encontravamse em irremediável oposição um ao outro WEBER 2006a p 353 Para ficarem mais claras as características de cada esfera observe o Quadro 1 Quadro 1 Racionalização das esferas de valor das sociedades modernas Esfera Orientação da ação social Forma de organização Valor Racionalidade predominante Religiosa Ação referente a valores e afetiva Comunidade religiosa Salvação Material e formal Econômica Ação referente a fins Mercado Aquisição lucro Material e formal Política Ação referente a fins Estado Poder Material e formal 329 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Esfera Orientação da ação social Forma de organização Valor Racionalidade predominante Estética Ação afetiva Estilização da vida Belo Formal e irracional Erótica Ação afetiva Relações efêmeras Prazer Material e irracional Intelectual Ação referente a fins e racional referente a valores Universidades e laboratórios Verdade Material e formal Fonte adaptado de Weber 2006a p 317358 e Sell 2013 p 288 Com isso percebese na Consideração intermediária de Weber um esforço não somente de racionalização ociden tal mas também da apresentação de uma visão de conjunto do racionalismo moderno por meio da autonomização das distintas esferas de valor segundo suas próprias leis internas Eigengesetzlichkeit As leituras indicadas no Tópico 3 5 abordam as princi pais questões sobre o processo de racionalização das esferas de valor que resultou no desenvolvimento da sociedade mo derna Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 330 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS 26 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO A obra A ética protestante e o espírito do capitalismo é um convite para refletir sobre a formação da cultura econômica ocidental e da subjetividade do homem moderno Seu objetivo principal é descrever o jogo de interesses históricos existentes entre o conteúdo doutrinal e ascético do protestantismo ética protestante e o emergente sistema socioeconômico comercial espírito do capitalismo cujo resultado iminente será a consti tuição da então futura sociedade capitalista Para entender do que se trata esse jogo de interesses é preciso compreender também o conceito de afinidades eleti vas Tratase de uma ideia utilizada pelo próprio Weber cujo objetivo é tentar descrever o surgimento de um conjunto de in teresses e combinações ideológicas que num determinado mo mento histórico possibilitou a aproximação e a mútua interação entre duas estruturas que conscientemente elegem uma ou mais afinidades em vista de determinados fins e benefícios próprios Usando a terminologia das ciências biológicas tratase de uma simbiose adaptada se assim é possível dizer ao âmbito das relações socioestruturais Em síntese a ética protestante e o espírito capitalista tiram proveito um do outro encontrando a partir disso elementos comuns Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as bases materiais as formas de organização social e política e o conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma proce deremos tãosó de modo a examinar de perto se e em quais pontos podemos reconhecer determinadas afinidades eleti vas entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética profissional WEBER 2004 p 83 331 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Mas perante esse processo uma importante dúvida emer ge por que tal afinidade eletiva aconteceu justamente naquele determinado momento histórico do Ocidente e não em outras épocas Quais características específicas aquele contexto histó rico continha que permitiram a combinação e adequação de ele mentos que fundiram numa só finalidade interesses espirituais e materiais No primeiro parágrafo da Introdução do texto A ética protestante e o espírito do capitalismo Weber já se pro nuncia sobre essa questão No estudo de qualquer problema da história universal um filho da moderna civilização europeia estará sujeito à indagação de qual combinação de fatores a que se pode atribuir o fato de na Civilização Ocidental e somente na Civilização Ocidental have rem aparecido fenômenos culturais dotados como queremos crer de um desenvolvimento universal em seu valor e significa do WEBER p 1999a p 1 O problema está posto falta por sua vez esclarecêlo com precisão Para isso Weber busca respostas nas origens religio sas do Ocidente e do Oriente descobrindo que diferentemente das religiões orientais que prezavam pela regionalização de suas crenças o culto cristãocatólico foi o primeiro na história que teve a pretensão de se tornar universal Tal tendência não foi apenas um evento histórico ocasional mas fundamental para a futura simbiose entre ascese protestan te e classe comerciante que acabou culminando no surgimento do capitalismo como sistema econômico universal Ou seja foi justamente esse caráter universal na gênese do cristianismo que séculos mais tarde incorporouse na criação da concepção do capitalismo enquanto proposta universal Com isso após demonstrar que o modelo econômico de outras culturas orientais ou ocidentais do passado se baseava 332 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS numa espécie de capitalismo ingênuo 1999a p 4 Weber percebe então a necessidade de confirmar a sua grande hipó tese de que o sistema capitalista potencial é uma característica típica do Ocidente e só dele Para tanto baseado nos estudos de Offenbacher o pon to de partida de Weber foi constatar que na Alemanha gran de parte dos estudantes e profissionais que atuavam na área técnica administrativa e comercial era proveniente de famílias protestantes número esse inclusive superior ao número do restante da população de outras vertentes religiosas que por ventura também atuavam na mesma área Com isso Weber conclui que alguns grupos protestantes possuem uma formação subjetiva e ética mais voltada para a dimensão econômica Daí o argumento da relação entre confissão religiosa e estratificação socioeconômica Está claro que a participação dos protestantes na propriedade do capital na direção e nos postos e trabalho mais elevados das grandes empresas modernas industriais e comerciantes é relativamente mais forte ou seja superior à sua porcentagem na população total e isso se deve em parte por razões históri cas que remontam a um passado distante em que a pertença a uma confissão religiosa não aparece como causa de fenômenos econômicos mas antes até certo ponto como consequência deles WEBER 2004 p 2930 O trecho anterior incomoda justamente porque coloca a confissão religiosa não como elemento primário aos fenômenos econômicos mas como diz o autor até certo ponto como con sequência deles Isso quer dizer que é preciso fazer uma genea logia tanto da economia capitalista como da religiosidade purita na para tentar descobrir o contexto exato e em que medida essas duas realidades se tornaram uma só coisa na subjetividade hu mana um ethos profissional e burguês Para isso Weber sente a 333 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS necessidade de pesquisar tanto a origem do espírito capitalista como da ascese protestante Sobre o termo Ethos Segundo Menezes a palavra grega Ethos possui duas vertentes semânticas no grego um Ëthos com pronúncia fechada e um Éthos com pronúncia aber ta mas que no final das contas estão muito próximos em seus significados Ëthos com pronúncia fechada termo grego que significa mora da residência lugar onde se habita e figurativamente também pode significar caráter personalidade Éthos com pronúncia aberta contudo tem um significado mais usual de costume hábito uso Esses termos estão relacionados entre si uma vez que um Ëthos é o ponto de partida para algumas normas de comportamento enquanto o outro Éthos é o resultado de com portamentos que se transformaram em costumes Um produz o outro que por sua vez é fonte do outro MENEZES 2010 p 6 grifo do autor Daí que no contexto da Ética protestante e o espírito do capitalismo ambos os significados podem ser usados sem maiores problemas como aspecto da personalidade Ëthos e como elemento do comportamento Éthos Por isso fazse a escolha assim como na tradução de preservar a palavra sem qual quer acento Com relação ao espírito capitalista Weber não dá uma de finição formal e acabada de início mas leva em consideração um contexto ideológico que não só divulgou uma escolha econômica pelo capitalismo nascente como também inculcou na subjetivi dade do trabalhador moderno a posse do capital como virtude Na base desse pensamento estão os famosos escritos de Benja min Franklin citados inúmeras vezes por Weber Lembrate que tempo é dinheiro aquele que com seu trabalho pode ganhar dez xelings ao dia e vagabundeia metade do dia ou fica deitado em seu quarto não deve mesmo que gaste ape nas seis pence para se divertir contabilizar só essa despesa na verdade gastou ou melhor jogou fora cinco xelins As mais 334 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS significantes ações que afetam o crédito de um homem devem ser por ele ponderadas As pancadas de teu martelo que teu credor escuta às cinco da manhã ou às oito da noite o deixam seis meses sossegados mas se te vê à mesa de bilhar ou escu ta tua voz numa taberna quando devias estar a trabalhar no dia seguinte vai reclamarte o reembolso e exigir seu dinheiro antes que o tenhas à disposição duma vez só FRANKLIN apud WEBER 2004 p 4244 Esses conselhos de Franklin são emblemáticos por muitos motivos em especial pelo fator da internalização da disciplina do trabalho que tem como pano de fundo o abandono dos praze res e o disciplinamento da conduta Ou seja esse elemento atua como um poderoso molde da subjetividade socioeconômica do homem moderno que pela primeira vez passou a acreditar que por meio do esforço do seu trabalho pode fazer aquilo que na sociedade medieval era impossível flexibilizar os estamentos e ascender nas classes sociais Essa crença exaustivamente pregada pelo espírito capita lista nascente apresentouse no contexto social da época tanto como novidade quanto como ideologia de fato os estamentos sociais foram mobilizados mas isso não quer dizer que o enri quecimento pudesse chegar a todos os trabalhadores que se es forçavam em seus ofícios É nesse sentido que Kürnberg apud WEBER 2004 p 45 satiriza tais máximas de Franklin como pro fissão de fé ianque sintetizandoas na seguinte frase do gado se faz sebo das pessoas dinheiro Essa concepção de zelo pelo trabalho vinculado ao po tencial de lucro foi redimensionada de tamanha maneira no inconsciente simbólico da coletividade que num determinado momento da história mais especificamente a partir de Frank lin não se poderia caracterizála acidentalmente apenas em seu 335 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS aspecto organizacional perspicácia nos negócios mas essen cialmente como ethos social da cultura capitalista amalgamado e constitutivo da subjetividade do trabalhador moderno Aqui não prega simplesmente uma técnica de vida mas uma ética peculiar cuja violação não é tratada apenas como desa tino mas como uma espécie de falta com o dever isso antes de tudo é a essência da coisa O que se ensina aqui não é apenas perspicácia nos negócios algo que de resto se encontra com bastante frequência mas é um ethos que se expressa e é pre cisamente nesta qualidade de que ele nos interessa WEBER 2004 p 45 No entanto Weber não reduz a formação da subjetividade moderna apenas ao condicionamento material do capitalismo como fez Marx Weber tenta também encontrar um campo espi ritual fértil capaz de ratificar esse espírito capitalista como algo digno de ser inculcado Foi esse aspecto que fez com que a cultura econômica ca pitalista fosse vista por Weber como algo próprio do Ocidente moderno pois o capitalismo existiu na China na Índia na Ba bilônia na Antiguidade e na Idade Média mas como veremos faltavalhes precisamente esse ethos peculiar WEBER 2004 p 45 Noutras palavras esse ethos capitalista só pôde ser inte riorizado de forma eticamente aceita por todos a partir do mo mento em que foi legitimado pela ideologia puritana que ba seada na ideia de trabalho como vocação ou chamamento de Deus Beruf transformou o lucro pagão em recompensa divina A partir de então entra em cena o segundo aspecto do processo de formação da subjetividade a ascese protestante Adentrando no campo das vertentes religiosas protestan tes Weber observou que o conceito de profissão carrega em si 336 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS a ideia de vocação como chamado de Deus Beruf Isso se soli dificou de tal forma que tratar o trabalho como uma vocação profissional tornouse tão característico para o trabalhador mo derno como para o empresário a correspondente vocação para o lucro WEBER 2004 p 163 Calvino por exemplo um dos ícones do puritanismo é cla ro em defesa dessa posição quando afirma que se seguirmos fielmente nosso chamamento divino receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus CALVINO 2000 p 77 Em trecho de outra obra As insti tutas ou Tratado da religião cristã também diz Finalmente deve levarse em conta isso que o Senhor a cada um de nós em todas as ações da vida ordena atentar para Sua vocação Pois Ele sabe com quão grande inquietude efervesça o engenho humano de quão inconstante volubilidade seja leva do para cá e para lá quão ávida lhe seja a ambição em abraçar diversas cousas a um só tempo Portanto para que através de nossa estultice e temeridade de cima abaixo se não misturem todas as cousas Deus ordenou a cada um os seus deveres em distintos gêneros de vida E para que não ultrapasse alguém temerariamente os seus limites a essas modalidades de viver chamou vocações Logo para que não sejam levados em volta às cegas pelo curso da vida foi pelo Senhor atribuída a cada um como se fora um posto de serviço sua forma de viver Daqui também insigne consolação surdirá que desde que obe deças à tua vocação nenhuma obra tão ignóbil e vil haverá de ser que diante de Deus não resplandeças e sejas tida por valio síssima CALVINO 1989 p 186187 A grande questão proposta por Weber que direcionará o restante de sua argumentação colocase nos seguintes termos que tipo de ascese essas religiões protestantes colocaram em prática a partir do conceito de Beruf Segundo Weber a ascese 337 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS protestante baseada no aspecto do disciplinamento do traba lho e da internalização da conduta moral amplamente divulgada por Franklin apropriouse de tais conceitos e promoveu em seus fiéis uma espécie de subjetivação do dever por meio da visão de trabalho como vocação divina e missionária do homem na terra Esse aspecto é bem frisado por Weber reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar a moralidade intramundana pela ascese mo nástica mas sim exclusivamente em cumprir com os deveres intramundanos tal como decorrem da posição do indivíduo na vida a qual por isso mesmo se torna sua vocação profissional WEBER 2004 p 72 grifo nosso Com isso o trabalho deixa de ser visto como algo que ex plora o homem mas como instrumento que o dignifica moral mente e o eleva economicamente quanto mais posses tanto mais cresce se a disposição ascé tica assim resistir a essa prova o peso do sentimento da res ponsabilidade não é só de conservála na íntegra mas ainda de multiplicála para a glória de Deus através do trabalho sem descanso WEBER 2004 p 155 Essa é a tese que Weber tenta provar por meio dos pró prios representantes puritanos No discurso de John Wesley por exemplo aparece uma ideia bem interessante não nos é lícito impedir que as pessoas sejam laboriosas e fru gais temos que exortar todos os cristãos a ganhar tudo quanto puderem e poupar tudo quanto puderem e isso na verdade significa enriquecer WESLEY apud WEBER 2004 p 160 Em convergência com tais palavras Richard Baxter tam bém não deixa por menos quando afirma Se Deus vos indica um caminho no qual sem dano para vossa alma ou para outrem possais ganhar nos limites da lei mais do que num outro caminho e vós o rejeitais e seguis o caminho 338 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS que vai trazer ganho menor então estareis obstando um dos fins do vosso chamamento calling estareis vos recusando a ser o administrador de Deus stewart e a receber os seus dons para poderdes empregálos para Ele se Ele assim o exigir Com certeza não para fins da concupiscência da carne e do pecador mas sim para Deus é permitido trabalhar para ficar rico BAX TER apud WEBER 2004 p 148 Como é possível notar acontece aqui uma secularização do chamado vocação que não é mais situado no ambiente monacal e eclesiástico típico do catolicismo mas num contex to laico de confissão puritana que entre outras coisas acaba por promover uma inversão bastante significativa enquanto a purificação católica está voltada a uma prática de mortificação mecânica e externa na ascese protestante a purificação do cor po é internalizada na ideia de vocação do trabalho visto como missão divina que implica o abandono dos prazeres e a vigilância da disciplina Veja O feito propriamente dito da Reforma consistiu simplesmente em ter já no primeiro momento inflado fortemente em con traste com a concepção católica a ênfase moral e o prêmio re ligioso para o trabalho intramundano no quadro das profissões O modo como a ideia de vocação que nomeou esse feito foi posteriormente desenvolvida passou a depender das subse quentes formas de piedade que se desdobraram dali em diante em cada uma das igrejas saídas da Reforma WEBER 2004 p 75 Logo a profissão como dever é a realização dessa missão religiosa no contexto de uma ética intramundana sendo enten dida como uma forma de atualização do chamado de Deus em potência Localizase aqui segundo Weber o germe da consti tuição de uma subjetividade moderna uma coisa antes de mais nada era absolutamente nova a valorização do cumprimento do dever no seio das profissões mundanas como o mais excelso 339 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS conteúdo que a autorrealização moral é capaz de assumir WE BER 2004 p 72 Isso demonstra que o conceito de profissão como vocação colocase como chave interpretativa da ascese protestante e ao mesmo tempo conectiva em relação ao espírito do capita lismo Isso por dois motivos primeiro porque a profissão como vocação legitima o trabalho intramundano como missão religio sa para o qual o homem é chamado a assumir com todas as suas forças segundo porque essa missão traz em si a potencialidade do lucro econômico e capitalista Veja como Weber afirma a exis tência desse processo de expansão do capitalismo pela concep ção ascética protestante Eis porém algo ainda mais importante a valorização religiosa do trabalho profissional mundano sem descanso continuado sistemático como o meio ascético simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da regene ração de um ser humano e da autenticidade de sua fé tinha que ser no fim das contas a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui temos chamado de espírito do capitalismo WEBER 2004 p 156157 Dessa maneira o cenário do nascimento da sociedade capitalista moderna já estava pronto por um lado um sistema econômico próspero e desejoso de mais autonomia e reconhe cimento social por outro uma ideologia ascética e religiosa dis posta a dar justamente mais espaço à prática capitalista Uma perfeita combinação o espírito capitalista só se ex pandiu devido à ascese protestante que lhe abriu caminho de concretização social e a ascese protestante por sua vez só con seguiu internalizar uma moral religiosa intramundana vocação 340 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Beruf porque o espírito capitalista forneceu os elementos do disciplinamento do trabalho e a perspectiva do lucro Weber en xerga nesse ponto o surgimento do ethos profissional burguês fonte primária e alavanca principal para a formação da sociedade capitalista Surgira um ethos profissional especificamente burguês Com a consciência de estar na plena graça de Deus e ser por ele visi velmente abençoado o empresário burguês com a condição de manterse dentro dos limites da correção formal de ter sua conduta moral irrepreensível e de não fazer de sua riqueza um uso escandaloso podia perseguir os seus interesses de lucro e devia fazêlo O poder da ascese religiosa além disso punha à sua disposição trabalhadores sóbrios conscienciosos extraor dinariamente eficientes e aferrados ao trabalho como se finali dade de sua vida querida por Deus WEBER 2004 p 161 Em tese todo esse processo de subjetivação moderna se gundo Weber passa pelo viés das afinidades eletivas entre asce se protestante e economia capitalista que pela formação de um ethos cultural próprio da ideologia burguesa emprestou a essa sociedade moderna um modelo de subjetividade que moldou todo um processo civilizatório do Ocidente Norbert Elias tempos depois identificará nesse desen volvimento um legítimo processo civilizatório da sociedade que de certa maneira não deixa de ser a internalização de um refinamento dos sentidos a prática da etiqueta consiste em ou tras palavras numa autorrepresentação da sociedade de corte Por meio dela cada indivíduo e antes de todos o rei tem o seu prestígio e a sua posição de poder relativa confirmados pelos outros A opinião social que forja o prestígio dos indivíduos se expressa pelo comportamento de cada um em relação ao outro dentro de um desempenho conjunto que segue determinadas regras Ao mesmo tempo nesse desempenho conjunto tornase 341 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS visível imediatamente portanto o vínculo existencial entre os homens singulares e a sociedade na corte Sem a confirmação de seu prestígio por meio do comportamento esse prestígio não é nada A importância conferida à demonstração de prestígio à observância da etiqueta não diz respeito a meras formalida des mas sim ao que é mais necessário e vital para a identidade individual de um cortesão ELIAS 2001 p 117118 É justamente nessa direção que Weber encerra a sua obra perceber a formação de uma subjetividade moderna baseada não apenas por aspectos unilaterais material ou religioso mas a partir da mútua relação beneficente de elementos igualmente possíveis e condicionantes Porquanto embora o homem moderno mesmo com a melhor das boas vontades geralmente não seja capaz de imaginar o efetivo alcance da significação que os conteúdos de consciência religiosos tiveram para a conduta da vida cultura e o caráter de um povo não cabe contudo evidentemente a intenção de substituir uma interpretação causal unilateralmente materialis ta da cultura e da história por uma outra espiritualista tam bém é unilateral Ambas são igualmente possíveis mas uma e outra se tiveram a pretensão de ser não a etapa preliminar mas a conclusão da pesquisa igualmente pouco servem à ver dade histórica WEBER 2004 p 167 A leitura indicada no Tópico 3 6 promove uma reflexão sobre a atualidade de alguns dos conceitos abordados em A ética protestante e o espírito do capitalismo de Max Weber Neste momento você deve realizar essas leituras para apro fundar o tema abordado 342 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 5 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 TIPOS IDEAIS Sobre a metodologia weberiana e a importância dos tipos ideias como elemento metodológico central confira os artigos indicados a seguir OLIVEIRA C M Método e Sociologia em Weber alguns conceitos fundamentais Revista Eletrônica InterLegere n 3 p 110 juldez 2008 Disponível em httpspe riodicosufrnbrinterlegerearticleview4751 Acesso em 25 nov 2019 CIARALLO G A Sociologia compreensiva e a interpreta ção de individualidades históricas o papel do Verstehen na metodologia das ciências da cultura de Max Weber Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC n 36 p 389406 out 2004 Disponível em https 343 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS periodicosufscbrindexphprevistacfharticledown load2542422339 Acesso em 25 nov 2019 32 TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA Sobre os tipos de dominação legítima sugerimos a leitura tanto de um pequeno texto de Weber como também de um ar tigo sobre o assunto WEBER M Os três tipos puros de dominação legí tima Disponível em httpsedisciplinasuspbr pluginfilephp291528modresourcecontent1 Weber20Os20trC3AAs20tipos20de20 dominaC3A7C3A3o20legC3ADtimapdf Acesso em 25 nov 2019 BARRETO M A dominação de Max Weber pelos seus manuscritos inacabados 19111913 Sociologia An tropologia Rio de Janeiro v 4 n 2 p 587593 out 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfsant v4n222383875sant04020587pdf Acesso em 25 nov 2019 33 OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL Para se aprofundar na teoria da ação social e nos tipos de ação que os indivíduos recorrem em sua interação coletiva leia os textos indicados a seguir WEBER M Ação social e relação social Disponível em httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp203913 modresourcecontent1U320202892920 344 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS MaxWeberAcaoSocialRelacaoSocialpdf Acesso em 25 nov 2019 GARCEZ E F Weber Schutz e a busca de sentido na ação social uma análise comparativa Em Tese Floria nópolis v 11 n 1 p 6390 janjun 2014 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesearti cleviewFile180650232014v11n1p6328682 Aces so em 25 nov 2019 34 TIPOS DE RACIONALIDADE Para uma melhor compreensão dos tipos de racionalidade elaborados por Max Weber acesse o texto indicado a seguir SILVA J M R A racionalidade na teoria da ação social de Max Weber Monografia Bacharelado em Ciências Sociais Universidade Federal de Santa Catarina Flo rianópolis 2015 Disponível em httpsrepositorio ufscbrbitstreamhandle123456789159791TCC20 Julia20Monseffpdfsequence1 Acesso em 25 nov 2019 35 RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO O tema da racionalização das esferas de mundo é ampla mente central na explicação de Weber sobre o surgimento das sociedades modernas Por isso sugerimos que leia os seguintes artigos SELL C E Racionalidade e racionalização em Max We ber Revista Brasileira de Ciências Sociais v 27 n 79 345 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS jun 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdf rbcsocv27n79a10pdf Acesso em 25 nov 2019 CARDOSO M R O desencantamento do mundo segun do Max Weber Revista Educ Rio de Janeiro Faculdade de Duque de Caxias v 1 n 2 juldez 2014 Disponí vel em httpuniespedubrsitesbibliotecarevis tas20170608150055pdf Acesso em 25 nov 2019 36 ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO Sobre a atualidade da ética protestante e o espírito do ca pitalismo nos dias atuais leia o artigo indicado a seguir RIESEBRODT M A ética protestante no contexto con temporâneo Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 24 n 1 p 159182 2012 Disponí vel em httpwwwscielobrpdftsv24n110pdf Acesso em 25 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Segundo Max Weber A ação social incluindo omissão ou tolerância orientase pelo compor tamento de outros seja este passado presente ou esperado como futuro 346 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS vingança por ataques anteriores defesa contra ataques presentes ou me didas de defesa para enfrentar ataques futuros WEBER 1999b p 1314 Dessa maneira o sociólogo deve levar em conta o significado intencional que o ator social atribui a sua ação a qual pode nascer da aceitação de um valor por hábito ou tradição ou de impulsos emotivos irracionais Sobre a classificação dos tipos ideais da ação social assinale a alternativa que os caracteriza corretamente a A ação moral é ditada por valores invariáveis a respeito do que é justo e do que não é justo relacionados a critérios de êxito e utilidade b A ação afetiva nasce dos hábitos adquiridos da confiança no que sempre foi como no caso de comportamentos determinados por hábitos consagrados c A ação tradicional expressa uma emoção e por isso se fundamenta em sentimentos e afetos e é impulsionada pelo estado emotivo dos atores d A ação racional com relação a valores é determinada pela crença em valores e princípios absolutos e por meio de um cálculo utilitário or ganiza os meios necessários para realizálos e A ação racional com relação a fins é motivada pelo objetivo prefixado cujos meios para a sua realização são escolhidos racionalmente 2 Leia o texto a seguir a Do ponto de vista do agente o motivo é o fundamento da ação para o sociólogo cuja tarefa é compreender essa ação a reconstrução do mo tivo é fundamental porque da sua perspectiva ele figura como a cau sa da ação Numerosas distinções podem ser estabelecidas e Weber realmente o faz No entanto apenas interessa assinalar que quando se fala de sentido na sua acepção mais importante para a análise não se está cogitando da gênese da ação mas sim daquilo para o que ela aponta para o objetivo visado nela para o seu fim em suma COHN 1979 p 27 A categoria weberiana que melhor explica o texto em evidência está explicitada em b A luta de classes tem sentido porque é o que move a história dos homens 347 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS c Os fatos sociais não são coisas e sim acontecimentos que precisam ser analisados d A ação social possui um sentido que orienta a conduta dos atores sociais e O tipo ideal é uma construção teórica abstrata que permite a análise de casos particulares f O sociólogo deve investigar o sentido das ações que não são orienta das pelas ações de outros Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 c 5 CONSIDERAÇÕES Após toda a reflexão promovida alguns elementos preci sam enfim ser concluídos no tocante a Max Weber O primeiro deles é que a metodologia weberiana de maneira alguma pos sui o status secundário com relação ao seu pensamento teórico Pelo contrário percebese uma íntima correlação conceitual en tre método e teoria em Weber a ponto de ser possível afirmar que só é viável entender os conceitos teóricos weberianos re correndo aos seus critérios metodológicos Emerge então com toda força criativa que convém a sua genial formulação de tipos ideais como viés metodológico por excelência de sua pesquisa O segundo elemento é que o esforço de Max Weber em delinear os tipos ideais demonstra sua inventividade em não re duzir seus conceitos teóricos em máximas totalizantes não há 348 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS dúvidas de que ele percorre vertentes idealistas marxistas e po sitivistas mas tal postura não faz dele um adepto de nenhuma Isso mostra o quanto Weber preocupouse em encontrar um me dium adequado para sua pesquisa que de fato lhe permitisse o trânsito por vezes tensional entre particular e universal sujeito e objeto especulação e empiria Um terceiro aspecto de destaque é sua maneira de en xergar a gênese da sociedade capitalista Weber propõe mais do que uma simples retrospectiva uma legítima genealogia dos conceitos em questão a ascese protestante e o espírito do capi talismo Negando que tais condicionamentos possam advir ape nas das necessidades econômicas como assim fez Marx We ber tenta descobrir em que momentos tais conceitos elegeram afinidades mútuas e também seus reais motivos Essa postura mais do que nunca aproxima Weber de Nietzsche a genealogia os une 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Max Weber Disponível em httpsbrasilescolauolcombrsociologia introducaoteoriamaxweberhtm Acesso em 22 nov 2019 Figura 3 Burocracia Disponível em httpwwwcartunistacombrburocraciagif Acesso em 25 nov 2019 Sites pesquisados BARRETO M A dominação de Max Weber pelos seus manuscritos inacabados 1911 1913 Sociologia Antropologia Rio de Janeiro v 4 n 2 p 587593 out 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfsantv4n222383875sant04020587 pdf Acesso em 25 nov 2019 349 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS CARDOSO M R O desencantamento do mundo segundo Max Weber Revista Educ Rio de Janeiro Faculdade de Duque de Caxias v 1 n 2 juldez 2014 Disponível em httpuniespedubrsitesbibliotecarevistas20170608150055pdf Acesso em 25 nov 2019 CIARALLO G A Sociologia compreensiva e a interpretação de individualidades históricas o papel do Verstehen na metodologia das ciências da cultura de Max Weber Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC n 36 p 389406 out 2004 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphprevistacfharticle download2542422339 Acesso em 25 nov 2019 GARCEZ E F Weber Schutz e a busca de sentido na ação social uma análise comparativa Em Tese Florianópolis v 11 n 1 p 6390 janjun 2014 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpemtesearticleviewFile1806 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uspbrpluginfilephp291528modresourcecontent1Weber20Os20 trC3AAs20tipos20de20dominaC3A7C3A3o20legC3ADtimapdf Acesso em 25 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO L B L Religião e Modernidade em Habermas São Paulo Loyola 1996 CALVINO J As Institutas ou Tratado da Religião Cristã Trad Waldyr Carvalho Luz São Paulo Casa Editora Presbiteriana 1989 v 3 A verdadeira vida cristã São Paulo Novo Século 2000 COHN G Crítica e resignação Max Weber e a teoria social São Paulo Martins Fontes 2003 351 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS COHN G Org Max Weber Sociologia São Paulo Ática 1979 COLLIOTTHÉLÈNE C Max Weber e a História São Paulo Brasiliense 1995 ELIAS N A sociedade de corte investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte Trad Pedro Süssekind Rio de Janeiro Zahar 2001 FILIPE R G Apresentação In WEBER M Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006 p 938 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Metodologia das Ciências Sociais Parte 1 Trad Augustin Wernet 4 ed São Paulo Cortez EditoraEditora Unicamp 2001 p XIL VELHO O Mais realistas do que o rei ocidentalismo religião e modernidades alternativas Rio de Janeiro Topbooks 2007 WEBER M A objetividade do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política 1904 In Metodologia das Ciências Sociais Parte 1 Trad Augustin Wernet 4 ed São Paulo Cortez EditoraEditora Unicamp 2001 p 107154 A objetividade do conhecimento nas Ciências Políticas e Sociais In Sobre a Teoria das Ciências Sociais São Paulo Editora Moraes 1991 p 174 A ciência como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982a p 154183 A ética protestante e o espírito do capitalismo Trad M Irene de Q F Szmrecsányi e Tomás J M K Szmrecsányi 14 ed São Paulo Pioneira 1999a A ética protestante e o espírito do capitalismo Trad José Marcos Mariani de Macedo São Paulo Companhia das Letras 2004 A política como vocação In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982b p 97153 A Psicologia Social das religiões mundiais In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982c p 309346 Burocracia In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982d p 229282 Ciência e política duas vocações Trad Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota 2 ed São Paulo Cultrix 1968 Consideração intermediária In Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006a p 317358 353 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 5 MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICOSOCIAIS Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999b v 1 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999c v 2 Rejeições religiosas do mundo e suas direções In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982e p 371410 Sociologia das religiões tipos de formação comunitária religiosa In Sociologia das religiões e Consideração intermediária Trad Paulo Osório de Castro Lisboa Relógio DÁgua 2006b p 39316 Os três tipos puros de dominação legítima In COHN G Org Max Weber Sociologia Trad Amélia Cohn e Gabriel Cohn 7 ed São Paulo Ática 2003 p 128141 Grandes Cientistas Sociais v 13 Textos selecionados Trad São Paulo Nova Cultural 1997 Os Economistas Vorbemerkung In Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I Tübingen Mohr Siebeck 1988 p 116 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 355 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 355 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Objetivos Apresentar as bases metodológicas do materialismo interdisciplinar segun do Max Horkheimer Conceituar o materialismo interdisciplinar como um método dialético e tensional cuja proposta é superar os reducionismos provocados tanto pela Filosofia como pela Ciência Compreender as bases metodológicas da pesquisa social empírica segundo a Teoria Crítica Refletir sobre o papel e a legitimidade da pesquisa empírica na Teoria Crítica Entender o conceito de campo e os seus respectivos ritos de instituição e naturalização das diferenças históricas Compreender o conceito de capital cultural e a maneira como as esco las utilizam a classificação escolar para a oficialização das desigualdades sociais Conteúdos Materialismo interdisciplinar segundo Max Horkheimer Papel e legitimidade da pesquisa empírica para a Teoria Crítica Conceito de campo ritos de instituição e discurso segundo o pensa mento de Pierre Bourdieu Conceito de capital cultural A classificação escolar como meio legitimador da desigualdade social UNIDADE 6 356 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite em apenas ler esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo 3 Esta unidade tem como objetivo apresentar algumas contribuições de autores do século 20 Horkheimer Adorno e Bourdieu Por isso precisa ser lida com os devidos cuidados conceituais Pesquise suas referências e aprofunde seus temas 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros Capital social Maria Celina DAraújo Bourdieu e a educação Maria Alice Nogueira e Claudio M Martins Nogueira O espelho Machado de Assis O cortiço Aluísio Azevedo 5 No tocante à linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes O gosto dos outros França 2000 Escritores da liberdade EUA 2007 O jardineiro fiel EUA 2005 Histórias cruzadas EUA 2011 Entre os muros da escola França 2008 A voz do coração França 2004 A onda Ale manha 2008 Nenhum a menos China 1999 A peste de Janice Curta Metragem Brasil 2007 6 Enfim para o aprofundamento do tema sugerimos os seguintes vídeos EQUIPE ORGONAUTAS A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica imagens de uma reflexão viva 2008 Disponível em httpswwwyoutubecom watchv0XfrUPWet68 Acesso em 26 nov 2019 TV CULTURA O marxismo da Teoria Crítica Balanço do século XX Funda dores do pensamento 2003 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvonA7KBpkh8U Acesso em 26 nov 2019 357 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 UNIVESP Capital cultural Disponível em httpswwwyoutubecom watchva3eO6D4nHo Acesso em 10 out 2018 BARROS FILHO C Capital social campo social acadêmico e religioso Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvGh4GsAaDiH4 Acesso em 25 nov 2019 UTV Entrevista com Pierre Bourdieu Pensamento contem porâneo 2000 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvF2WXVTdfAOkt260s Acesso em 26 nov 2019 HORKHEIMER M Teoria Crítica e marxismo 1969 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvoWWvteGCWM Acesso em 26 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Pierre Bourdieu e a educação Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4O7TET2IGHst10s Acesso em 26 nov 2019 CANAL CURTA Quem Foi Pierre Bourdieu 2017 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvVbiA29A4mDk Acesso em 26 nov 2019 358 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 359 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 1 INTRODUÇÃO É evidente que a partir de meados do século 20 o contex to social passou por diversas e sérias transformações em muitos de seus setores como lembrando de Max Weber ciência mo ral arte economia política e por que não também religião Di reito Filosofia etc Enfim é notável uma mudança estrutural do público e do privado permeada por relações administrativas e estratégicas que colonizam focos de cultura e emancipação para fins econômicos No âmbito dessa argumentação de raiz marxista surgiu na década de 30 a chamada Teoria Crítica como proposta de diagnóstico das sociedades por meio do conceito de emancipa ção objetivando com isso superar o que Adorno e Horkheimer chamaram de crise da razão isto é aquele modelo de raciona lidade que não se comportava mais como sinal de esclarecimen to mas como elemento de conformidade e de manutenção do status quo Não restam dúvidas de que a Teoria Crítica tornouse co nhecida tanto no Brasil como no mundo Mas apesar da sua po pularidade especialmente com relação àquelas temáticas que giram em torno dos conceitos de razão instrumental e indús tria cultural observase que a questão da pesquisa empírica tem sido frequentemente relegada a um plano secundário nas atuais produções sobre a Teoria Crítica Isso é um fenômeno interessante considerando a centra lidade da pesquisa social empírica para Horkheimer já presente no seguinte trecho do seu discurso inicial de tomada de posse como diretor do Instituto de Pesquisa Social em 1931 Tendo em vista essa possibilidade igualmente importante para a filosofia e para a pesquisa empírica e não porque me pro 360 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ponho a fazer desta última uma ancilla philosophie serva da filosofia é que aceitei o compromisso de dirigir este Instituto de Pesquisa na qualidade de filósofo HORKHEIMER 1999 p 129 Dessa forma tendo como referência a centralidade e a im portância que Horkheimer e Adorno deram à pesquisa empírica já no início da década de 30 podese questionar sobre o espaço que essa temática infelizmente perdeu ao longo das últimas dé cadas bem como retomar quais foram as bases da metodologia da pesquisa social segundo tais autores No entanto esta unidade não apresentará somente as contribuições da Teoria Crítica mas também as de outro autor que apesar de não pertencer ao grupo de Frankfurt também desempenhou notável contribuição para a área das Ciências So ciais Pierre Bourdieu Com isso a unidade está dividida em duas partes Contribuições da Teoria Crítica Adorno e Horkheimer para a metodologia das Ciências Sociais Para tanto o texto está disposto da seguinte maneira no início con siderando o diagnóstico unilateral do esclarecimento moderno que amparado pela técnica e pelo método científico clássico favoreceu no âmbito da pesquisa social muito mais os interesses econômicos do que os culturais apresentaremos uma pequena análise de Horkheimer sobre a necessidade de um programa me todológico dialético e interdisciplinar como instrumen to de investigação da realidade social Em seguida pas saremos a uma breve reflexão sobre a importância da pesquisa empírica na Teoria Crítica quando vista sob a ótica de um método tensional entre sujeito e objeto Fi losofia e dados empíricos 361 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Contribuições de Pierre Bourdieu sobre os conceitos de campo capital cultural e exclusão escolar Para isso abordaremos inicialmente as contribuições sociológi cas sobre a noção de campo e seus ritos de instituição cultural que transformam algo culturalmente construí do em naturalmente dado Depois apresentaremos as formas de legitimação da exclusão social por meio da classificação escolar que tem como objetivo oficializar os devidos segmentos hierárquicos para o bom anda mento da sociedade 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma su cinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú do Digital Integrador 21 TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA Nas últimas décadas em especial no Brasil muito se tem discutido sobre a Teoria Crítica e a importância dessa tradição ao longo da história A grande quantidade de livros artigos confe rências e textos em geral que povoam universidades grupos de pesquisa escolas e outras instituições de ensino mostra o quan to a Teoria Crítica se tornou conhecida Porém apesar da sua popularidade há um assunto que ainda não é consenso entre os pesquisadores da área o papel e a importância da pesquisa empírica na sua trajetória histórica 362 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A trajetória da pesquisa empírica na Teoria Crítica en quanto método passou por muitas mudanças Inicialmente durante a década de 1930 principalmente a partir de 1931 com a tomada de posse de Max Hor kheimer como diretor do Instituto de Pesquisa Social a Teoria Crítica apresentou como metodologia o chamado materialismo interdisciplinar com o qual tentava me diar um programa aberto às várias contribuições entre as ciências e a Filosofia O Instituto de Pesquisa Social Institut für Sozialfors chung foi criado oficialmente em 3 de fevereiro de 1923 por inciativa de Felix Weil 18981975 e do soció logo e intelectual Kurt Albert Gerlach 18861922 Com sede em Frankfurt Alemanha o Instituto foi dirigido por Max Horkheimer de 1931 até 1951 Em 1933 com a ascensão do nazismo o Instituto foi transferido para Nova York onde ficou até 1951 Após o retorno passou a ser dirigido por Friedrich Pollock O Instituto foi e ainda é um centro de pesquisa que tem como objetivo promover pesquisas sociais a partir de uma agenda in terdisciplinar congregando não somente cientistas so ciais e filósofos mas também psicólogos economistas e cientistas políticos Do seu grupo inicial de integrantes Leo Löwenthal Friedrich Pollock Henryk Grossmann Max Horkheimer Theodor Adorno Herbert Marcuse Erich Fromm entre outros surgiu o nome que futura mente foi denominado de Escola de Frankfurt No entanto com a ocorrência de diversos fenômenos a partir da década de 40 como o surgimento do fascis mo na Europa e de todo o processo políticoeconômico que desencadeou a Segunda Guerra Mundial e a frus 363 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 trada esperança com relação à revolução socialista da classe trabalhadora que gradualmente foi integrada ao capitalismo por meio da cultura de massa e anula da pela considerável melhoria nas condições de vida Horkheimer e Adorno buscaram um novo diagnóstico que substituísse a ultrapassada teoria marxista e assim pudesse analisar a realidade social vigente de um modo mais pontual Desse esforço surgiu a conhecida Dialéti ca do Esclarecimento Por conta disso não raro diversos autores assinalam a tese da relativização ou até abandono do programa do materialismo interdisciplinar isto é de uma pesquisa empírica orientada fi losoficamente em prol de uma pesquisa de natureza teórica e especulativa claramente expressa a partir da década de 40 Essa mudança de eixo na década de 40 não se tratava po rém de uma simples recusa ao marxismo transposto no mate rialismo interdisciplinar mas de um diagnóstico cada vez mais evidente de que as transformações dos problemas sociais detec tados na década de 30 se tornavam cada vez mais inconciliáveis com a solução marxista Dessa maneira na opinião de Jay 1989 p 410 à medida que a realidade concreta se transformava também deveriam ser modificadas as construções teóricas necessárias para compreen dêla abandonando assim uma postura economicista e enfati zando uma análise mais crítica com relação à política No entanto será que todas essas mudanças sinalizadas a partir da década de 40 realmente fizeram a Teoria Crítica abrir mão da pesquisa empírica Compreender portanto a fase do materialismo interdisciplinar e também os aspectos concei tuais que envolveram a questão da mediação entre teoria e 364 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 pesquisa empírica nas obras da década de 40 em diante apre sentase como fundamental para identificarmos a abrangência e profundidade da pesquisa social empírica para a Teoria Crítica Horkheimer e a proposta do materialismo interdisciplinar Antes de passarmos às especificidades do pensamento que pauta a Teoria Crítica cabe fazer uma breve apresentação de seus mais destacados representantes Theodor W Adorno e Max Horkheimer Theodor W Adorno Figura 1 nasceu em Frankfurt Alemanha em 11 de setem bro de 1903 Segundo Machado Amorim e Barros 2013 p 319 De origem judaica foi um dos expoen tes da Escola de Frankfurt que contri buiu para o renascimento intelectual da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial Estudou Filosofia Sociologia Psicologia e Música na Universidade de Frankfurt Trabalhou no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt então dirigido por Max Horkheimer onde elaborou a teoria da impor tância do desenvolvimento estético para a evolução histórica Em 1934 imigrou para a Inglaterra fugindo da perseguição na zista e durante três anos ensinou Filosofia em Oxford Mudou se para os Estados Unidos e entre 1938 e 1941 foi diretor mu sical do setor de pesquisa da Rádio Princeton e depois o de vicediretor do Projeto de Pesquisas sobre Discriminação Social da Universidade da Califórnia em Berkeley Em 1953 retornou ao seu país natal onde reassumiu seu posto no Instituto de Pes quisa Social de Frankfurt Faleceu em 6 de agosto de 1969 Figura 1 Theodor Adorno 365 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Nascido em Stuttgart Alemanha em 14 de fevereiro de 1895 Max Horkheimer Figura 2 juntamente com Theodor Adorno e Herbert Marcuse compôs o coração da Escola de Frankfurt Sobre sua obra Machado Amorim e Barros afirmam 2013 p 315 Doutorouse em Filosofia em 1922 na Universidade de Frank furt e em 1926 tornouse docente na mesma instituição onde criou com Adorno o Instituto de Pesquisas Sociais que se tor nou conhecido como Escola de Frankfurt Com a ascensão do nazismo refugiouse nos Estados Unidos onde passou a lecio nar na Universidade de Columbia Em 1949 de volta à Frank furt reabriu o Instituto de Pesquisas Sociais Como participante da construção da teoria crítica conjunto de ideias e conceitos sobre cultura contemporânea fortemente influenciado pelo marxismo produziu livros de grande importância para a histó ria da sociologia como Teoria tradicional e teoria crítica 1937 Eclipse da razão 1955 e Dialética do esclarecimento em par ceria com Adorno em 1940 Faleceu em Nuremberg em 7 de julho de 1973 Na década de 1930 Horkheimer pu blicou inúmeros textos que historiadores e filósofos afirmam ser o núcleo do mate rialismo interdisciplinar o qual mais tarde compôs o que ficou conhecido como Teoria Crítica A partir desses textos surgiu a ins piração de um programa de pesquisa social empírica que ficou conhecido como mate rialismo interdisciplinar que se manteve como o método de pesquisa principal do Instituto de Pesquisa Social até meados da década de 40 com a publicação da Dialética do esclarecimen to que definitivamente reorientou metodologicamente as novas produções do Instituto Figura 2 Max Horkheimer 366 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Já preparando o terreno para a maturação de algumas ideias da Dialética do esclarecimento que em parceria com Adorno viria a ser publicada em 1944 várias afirmações de Horkheimer antecipam uma possível insatisfação do projeto de esclarecimento que em vez de livrar os homens pelo desencan tamento do mito e pela manipulação da natureza promoveu na realidade uma nova forma de terror e barbárie A proposta do materialismo interdisciplinar parte do diag nóstico de uma dupla insatisfação por conta de um processo histórico de supervalorização da técnica tanto a ciência como a Filosofia estariam passando por uma profunda crise que as impedia de cumprir adequadamente suas funções No seu tex to Observações sobre ciência e crise publicado em 1932 ele afirma o seguinte Mais ou menos desde a passagem do século apontase na ciên cia e na filosofia para a deficiência e inadequação dos méto dos puramente mecanicistas Esta crítica suscitou discussões de princípio relativas a importantes fundamentos da pesquisa de modo que hoje se pode falar também de uma crise interna da ciência HORKHEIMER 2008g p 9 De acordo com Horkheimer 2008g a ciência moderna promoveu um novo modo de pesquisa do mundo exterior ba seado num conhecimento racional destituído de qualquer refe rência religiosa da Idade Média Obviamente com a inauguração de um novo modo de conhecimento surgiu também uma nova relação epistemológica entre sujeito e mundo no qual o primei ro toma consciência de si como ser totalmente independente do segundo considerado aqui apenas como elemento objetivo e factual passível portanto de manipulação e controle por meio de métodos registros e experimentações sistemáticas 367 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Entra em cena então o real motivo da crise da ciência que em tese não diz respeito à própria racionalidade científica mas ao seu estreitamento ou estrangulamento metodológico voltado para fins econômicos que em tom positivista prescinde da realidade material e histórica fragmentando assim a dinâmi ca das relações sociais De fato a ciência das décadas anteriores à guerra mostra uma série de deficiências que todavia não resultam do exagero mas antes do estrangulamento da sua racionalidade condicio nado pelo crescente endurecimento das condições humanas HORKHEIMER 2008g p 8 Isso quer dizer que para Horkheimer e conforme a teoria marxista da sociedade a ciência também prefigura as forças produtivas do homem HORKHEIMER 2008g p 8 sob a tutela da manipulação da infraestrutura capitalista Se assim é então compreender a crise pela qual passa a ciência coincide com en tender as condições sociais e econômicas nas quais se encon tram o desenvolvimento do método científico e que entram em conflito com os elementos racionais imanentes à própria racio nalidade da ciência Desse modo a dimensão da crise científica jamais poderá ser compreendida com os padrões repetitivos e classificatórios da ciência clássica e positivista mas com uma visão crítica e so cial de um pensamento voltado também para a totalidade e sig nificância dos eventos sociais Mas a realidade social o desenvolvimento dos homens histo ricamente atuantes contém uma estrutura cuja compreensão requer a imagem teórica de decorrências radicalmente trans formadoras e revolucionárias de todas as condições culturais estrutura que de modo nenhum pode ser dominada pelo pro cedimento das ciências naturais mais antigas orientado para o registro de ocorrências repetidas HORKHEIMER 2008g p 9 368 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Horkheimer coloca em evidência portanto que a ciência como qualquer outra forma de conhecimento nunca estará to talmente livre dos contextos históricos e sociais em que está in serida noutras palavras a ciência também é condicionada pelas mudanças e transformações sociais No entanto isso não auto riza justificar a existência de um conhecimento científico prag matista relativista e utilitarista se por um lado a ciência está ligada aos condicionamentos sociais por outro ela também não pode em vista de seus próprios critérios normativos limitarse à produção de conhecimentos reduzidos aos interesses do status quo O fato de a ciência como força produtiva e meio de produção cooperar para o processo de vida da sociedade não justifica de forma alguma uma teoria pragmática do conhecimento Na medida em que fecundidade de um conhecimento desempenha um papel no tocante à sua enunciação da verdade cabe enten der no caso uma fecundidade imanente à ciência e não uma conformidade a considerações extrínsecas O exame da veraci dade de um juízo é algo diferente do exame de sua importân cia vital Em nenhum caso os interesses sociais têm de decidir sobre uma verdade mas valem os critérios desenvolvidos em conexão com o progresso teórico Sem dúvida a própria ciência se modifica no processo histórico mas a referência a isso nunca pode valer como argumento para a aplicação de outros critérios de verdade que não aqueles que correspondem ao nível de co nhecimento no grau de desenvolvimento alcançado Ainda que a ciência esteja compreendida na dinâmica histórica ela não deve ser destituída do seu caráter próprio e utilitariamente mal interpretada Decerto as razões que condicionam a recusa da teoria pragmatista do conhecimento e do relativismo em geral não conduzem de modo algum à separação positivista entre teoria e prática HORKHEIMER 2008g p 78 Para Horkheimer a tentativa positivista de dar ao méto do científico um caráter de neutralidade e estabelecer uma la 369 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 cuna estratégica entre sujeito cognoscente e realidade objetiva implica justamente mascarar o caráter ideológico dos interesses instrumentais e econômicos que sob o mito do progresso técni co acabam promovendo um mundo reificado e um conceito de ciência esclerosada incapaz de ser autorreflexiva e autocrítica Por mais que se fale com razão de uma crise da ciência ela não pode separarse da crise geral O processo histórico trouxe con sigo um aprisionamento da ciência como força produtiva que atua em suas partes conforme seu conteúdo e forma sua ma téria e método Além disso a ciência como meio de produção não está sendo devidamente aplicada A compreensão da crise da ciência depende da teoria correta sobre a situação social atual pois a ciência como função social reflete no presente as contradições da sociedade HORKHEIMER 2008g p 12 Com o fracasso do projeto científico aliado aos interesses capitalistas as transformações humanas e sociais tornaramse atrofiadas e mistificadas Em vista dessa crise científica para Horkheimer a solução seria justamente tentar conter o caráter fragmentador e o afã positivista das pesquisas sociais e trazer para as ciências empíricas um questionamento filosófico cujos pressupostos favoreçam uma intervenção teórica e crítica dos eventos sociais vistos em sua totalidade Tal parceria poderia ser uma resposta imediata à crise cien tífica se não fosse por um detalhe muito específico assim como a ciência também a Filosofia estaria enfrentando uma crise se melhante nesse caso presa a uma metafísica especulativa sem qualquer relação e cooperação com as pesquisas empíricas Veja Nasceu uma antropologia filosófica que se sentindo indepen dente estabeleceu como absolutos certos traços no homem Com isso esta metafísica se desvia das causas da crise so cial e desvaloriza até os meios de investigála Cria uma confu são especial quando hipostasia o indivíduo encarado abstrata 370 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 mente e assim minimiza a importância de um entendimento teórico dos processos sociais HORKHEIMER 2008g p 10 E qual seria a origem dessa crise pela qual passava a Filo sofia Qual seria a sua atual situação e como fazer para superar essa hipóstase do real Como tentativa de resposta no seu texto A presente situação da filosofia social e as tarefas de um Insti tuto de Pesquisas Sociais escrito em 1931 por ocasião da sua tomada de posse como diretor do Instituto Horkheimer tenta compreender quais seriam as legítimas funções de uma filosofia que estivesse direcionada à dinâmica social Já no primeiro parágrafo do texto o autor deixa algumas dicas uma filosofia social deve ter como objetivo principal a interpretação filosófica do destino dos homens enquanto não são meros indivíduos mas membros de uma comunidade preo cupandose acima de tudo com aqueles fenômenos que so mente podem ser entendidos em conexão com a vida social dos homens no Estado no Direito na Economia na Religião ou seja em toda a cultura material e espiritual da humanidade em geral HORKHEIMER 1999 p 121 Fica claro para Horkheimer em seu discurso inaugural que uma legítima Filosofia social deve lidar não com questões indi viduais mas sociais e coletivas E para fundamentar historica mente sua afirmação retoma o conceito de filosofia social do idealismo alemão identificando em Hegel o grande responsável por libertar pela primeira vez na história a autoconsciência das delimitações introspectivas e individuais do sistema kantiano abrindoa para dimensões totalizantes não mais justificadas pela análise transcendental das decisões particulares mas pela lógica universal do espírito objetivo isto é da manifestação ob 371 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 jetiva e histórica do espírito absoluto na forma dos conteúdos culturais que dirige a vida coletiva à qual pertencem os povos Entretanto Hegel liberou essa autorreflexão dos grilhões da in trospecção em cujas bases estava arraigada e remeteu à histó ria a questão da nossa própria essência o problema do sujeito autônomo criador de cultura é no trabalho da história que ele se dá uma forma objetiva Para Hegel a estrutura do espírito objetivo que realiza na história os conteúdos culturais do espí rito absoluto ou seja a arte a religião e a filosofia não emerge mais da análise crítica da personalidade mas da lógica dialética universal seu curso e suas obras não são frutos de decisões livres do sujeito mas do espírito dos povos dominantes que se sucedem através das lutas da história HORKHEIMER 1999 p 122 Ao analisar a transformação do idealismo hegeliano em fi losofia social Horkheimer adentra no cerne da crise da Filosofia e seu afastamento do factual de raiz essencialmente hegeliana ao longo da história a filosofia social só poderia entrar em po lêmica com o positivismo indutivista enquanto ela consideraria como mais autênticas as ideias as essências universais totali dades especulativas identidades nacionais etc em detrimento dos dados empíricos e particulares o positivismo consideraria como verdadeiros apenas os fatos verificáveis as observações particulares e individuais em detrimento da especulação filosó fica HORKHEIMER 1999 p 126 Além disso Horkheimer ressalta que a crise da Filosofia se agra va mais ainda com a variada e simultânea existência de con cepções de realidade num campo pouco unificado e definido de objetos e métodos Para Horkheimer o desconcerto central reside no seguinte ponto para nós essa perplexidade da filosofia social representa uma carência que precisa ser superada na medida em que a induz a falar de seu objeto da vida cultural dos homens unicamente 372 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 em termos de visão de mundo de tese de profissão de fé isto é em termos ideológicos HORKHEIMER 1999 p 127 E como essa crise poderia ser superada A resposta a essa questão é o motivo do materialismo interdisciplinar aqui o cor retivo é dado pelo trabalho de pesquisa concreto sobre o obje to HORKHEIMER 1999 p 127 Contra a clássica e tradicional visão filosófica da separação entre especulação teórica e prática empírica Horkheimer defende um modelo de filosofia social que tenha como base a interação e tensão entre questões filosóficas e investigação empírica entre qualitativo e quantitativo entre sujeito e objeto Essa concepção segundo a qual por um lado o pesquisador social deve considerar a filosofia talvez como um belo exer cício mas cientificamente infrutífero porque inverificável isto é fora do controle experimental enquanto por outro lado o filósofo deve se emancipar da pesquisa particular acreditando que mesmo as mais importantes decisões não podem esperar os seus resultados está superada atualmente pela ideia de uma contínua interpenetração de desenvolvimentos dialéticos entre a teoria filosófica e a prática da ciência particular especializa da HORKHEIMER 1999 p 128 Com essa afirmação Horkheimer tenta dar uma resposta alternativa à crise que afetava tanto a ciência como a Filosofia promovendo um programa dialético materialista e tensional de pesquisa interdisciplinar cuja finalidade é fazer com que a ciên cia empírica responda à crise filosófica e a filosofia social por sua vez responda à crise científica Por um lado Horkheimer tenta salvaguardar um programa científico antipositivista sem porém abrir mão da investigação empírica por outro mantém uma perspectiva de totalidade sem contudo cair nas mãos da especulação hipostática e metafísica 373 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos resultados empreendidos pela pesquisa especializada enquan to de outro lado o objetivo de uma empiria imparcial não pode ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a nada o ele mento teórico ocorre ao invés disso que a filosofia ou seja a intenção teórica dirigida ao universal ao essencial deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particu lares e ao mesmo tempo ser suficientemente aberta para se deixar por sua vez influenciar e transformar pelo progresso dos estudos concretos HORKHEIMER 1999 p 128 Em 1937 Horkheimer escreve enfim Teoria tradicional e Teoria Crítica texto que inaugura definitivamente uma nova tomada de consciência de formas e métodos da investigação social empírica A tese central que atravessa todo o texto con siste no seguinte ponto a ciência e toda a sua produção não deve ser vista como constituída de relações eternas ou naturais ahistóricas mas de relações que emergem do modo de pro dução em formas determinadas de sociedade Tratase pois de um momento do processo de produção social Esse é o limite de consciência que separa a Teoria Crítica de uma teoria tradicional Todavia a ciência natural matemática que aparece como logos eterno não é a que constitui atualmente o autoconhecimento do homem mas a teoria crítica da sociedade atual teoria que está impregnada do interesse por um estado racional A consi deração que isola as atividades particulares e os ramos de ati vidade juntamente com os seus conteúdos e objetos necessita para ser verdadeira da consciência concreta dessa limitação É preciso passar para uma concepção que elimine a parcialida de que resulta necessariamente do fato de retirar os processos parciais da totalidade da práxis social HORKHEIMER 1975b p 132 A Teoria Crítica ao contrário de uma teoria tradicional de cunho cartesiano e positivista é uma abordagem que propõe a 374 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 teoria como lugar da autocrítica do esclarecimento e da visua lização das ações ideológicas de dominação social almejando uma transformação da sociedade via emancipação e sem frag mentações metodológicas isto é sem cair no cego empirismo nem na estéril especulação na medida em que o conceito de teoria é independentizado como que saindo da essência interna da gnose ou possuindo uma fundamentação ahistórica ele se transforma em uma ca tegoria coisificada e por isso ideológica HORKHEIMER 1975b p 129 Como se pode notar não é possível concretizar os esforços do materialismo interdisciplinar senão por um método de pes quisa social que pudesse transitar dialeticamente entre investi gação empírica e questionamento filosófico Aliás as palavras de Horkheimer em seu discurso de posse traduzem exatamente essa preocupação em formar um método dialético e interdisciplinar Parecenos que a solução das mencionadas carências da filo sofia social não pode ser encontrada nem na profissão de fé numa interpretação mais ou menos construtiva da vida cultu ral nem no estabelecimento de um novo sentido da sociedade do Estado do direito etc Hoje isto depende antes de tudo de organizar baseados nos problemas filosóficos atuais o que certamente é compartilhado com todos pesquisas em que deveriam participar filósofos sociólogos economistas historia dores psicólogos que numa comunidade de trabalho duradou ra se unissem e fizessem em conjunto o que em outros campos um indivíduo pode fazer sozinho num laboratório e que todos os verdadeiros pesquisadores sempre têm feito a saber procu rar acompanhar a amplitude das suas questões filosoficamente orientadas com a ajuda dos métodos científicos mais refinados transformandoas e precisandoas ao longo do trabalho em tor no do objeto descobrindo novos métodos sem todavia perder de vista o universal HORKHEIMER 1999 p 128 375 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Dessa maneira para o materialismo interdisciplinar e para a própria Teoria Crítica futura uma pesquisa social em pírica que se restringe apenas ao dado empírico e estatístico em si já manifesta um duplo reducionismo primeiro porque reduz a realidade social a uma série de números e porcentagens pro movendo assim a padronização e homogeneização de relações e elementos que por si mesmos são variados e heterogêneos segundo porque prescinde de abordagens totalitárias por julgá las metafísicas demais para a pesquisa científica fragmentando assim o objeto de estudo o que acaba por sua vez desabilitan do a construção de análises globais em torno da realidade social muitas vezes vinculada a interesses econômicos que conflitam com os próprios critérios normativos da ciência ADORNO HOR KHEIMER 1978 Como consequência ocorre então o fenômeno metodológico já mencionado por Adorno e Horkheimer 1978 no processo de investigação impõese ao objeto a obrigação de se adaptar cegamente aos métodos quando na verdade deveria ser o con trário isto é promover uma tensão ou mediação dialética dos métodos de caráter ora filosóficoqualitativo ora empírico quantitativo em vista de cada objeto ou realidade pesquisada A legitimidade e o lugar da pesquisa social empírica para a Teo ria Crítica Tornouse lugarcomum caracterizar como prescindível a questão da pesquisa empírica na trajetória intelectual dos repre sentantes da Teoria Crítica chegando ao limiar do menosprezo na opinião de alguns comentadores DUARTE 2001 Tratase no mínimo de uma questão polêmica seja por conta do constante rótulo que acompanha a produção de Adorno e Horkheimer vistos como autores essencialmente teóricos seja por causa 376 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 das inúmeras aplicações mecanizadas de alguns conceitos extraí dos do ideário da Teoria Crítica como razão instrumental in dústria cultural etc e que ganham espaço em pesquisas empí ricas que desconhecem a relação entre os conceitos empregados e o modo como foram investigados empiricamente ANTUNES 2014 Todo esse processo somado aos inúmeros estereótipos criados a partir do relato de Adorno acerca de suas dificuldades de adaptação à pesquisa empírica nos Estados Unidos ADORNO 2005a erroneamente generalizado por diversos comentadores levou a uma interpretação minimalista do papel da pesquisa empírica pósdécada de 40 compreendendoa como uma mera complementação das matrizes conceituais apresentadas na Dialética do Esclarecimento e outros textos teóricos Ziege 2009 por exemplo em seu livro Antisemitismus und Gesellschaftstheorie ao propor uma comparação entre duas pesquisas empíricas do Instituto de Pesquisa Social a sa ber Antisemitism among American Labor Antissemitismo entre Trabalhadores Americanos e The Authoritarian Personality A Personalidade Autoritária ao mesmo tempo em que afirma que a primeira está muito mais próxima da Dialética do esclare cimento também atribui à segunda um caráter heterogêneo e portanto dissidente daquilo que seria o cerne original da Teoria Crítica Observe o trecho The Authoritarian Personality foi ocasionalmente interpretada como uma saída radical da Teoria Crítica Porém com relação aos pressupostos filosóficos o Antisemitism among American Labor está muito mais próximo da Dialética do Esclarecimento de 1944 do que The Authoritarian Personality E isso ocorre de vido ao heterogêneo grupo de autores Somente Adorno está envolvido em ambos os estudos no entanto o último apresenta uma equipe repleta de colaboradores diversos Os três coauto 377 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 res mais importantes de The Authoritarian Personality não são sequer representantes da Teoria Crítica e trazem elementos diferentes da psicologia behaviorista americana da psicologia austríaca da Escola Buhler e do positivismo lógico do Círculo de Viena para a Teoria Crítica ZIEGE 2009 p 1112 tradução nossa Outra questão a ser levada em conta é a própria populari zação das obras especulativas e teóricas que sem dúvida algu ma são muito mais divulgadas do que aquelas de caráter empí rico fenômeno que acabou determinando para o público leitor qual deveria ser o pensamento oficial da Teoria Crítica em de trimento da própria pesquisa empírica amiúde observada como uma questão importante para a história do Instituto porém se cundária para a consolidação da Teoria Crítica DUARTE 2001 Sobre isso conforme nos relata Antunes 2014 é interes sante observar o caso da tradução parcial de Studien über Au torität und Familie Estudos sobre Autoridade e Família HOR KHEIMER et al 1987 pesquisa empírica de grande porte e fundamentalmente marcante na trajetória da Teoria Crítica rea lizada pelo Instituto de Pesquisa Social antes do exílio nos EUA mas que até o momento jamais ganhou uma tradução comple ta em qualquer língua De toda a obra com quase 950 páginas foram realizadas traduções apenas da parte teóricogeral de Horkheimer 2008a que apesar de importante não é suficiente para oferecer uma compreensão exata de todo o processo empí rico que envolveu o projeto Como resultado a obra frequentemente passou a ser conside rada pelos comentadores a partir de um enfoque estritamente teórico Até mesmo quando as obras de pesquisas empíricas são traduzidas causam estranheza justamente por estarem associa 378 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 das aos principais nomes da Teoria Crítica que geralmente são reconhecidos por seus projetos teóricos Perrin e Olick 2011 por exemplo responsáveis pela tradução inglesa de Gruppene xperiment ein Studienbericht Experiência em Grupo um rela tório de estudo apontam que apesar de a obra ser o primeiro grande projeto de pesquisa empírica após o exílio ainda assim a realização da tradução foi observada por muitos como uma sur presa uma vez que para o público leitor os integrantes do grupo especialmente Adorno Horkheimer Marcuse e Löwenthal não são reconhecidos como cientistas sociais Para muitos leitores a própria existência deste volume a pri meira tradução em inglês do Gruppenexperiment o primeiro grande projeto da Escola de Frankfurt após o retorno do exílio pode parecer surpreendente Os teóricos críticos da Escola de Frankfurt principalmente Theodor W Adorno Max Horkhei mer Herbert Marcuse e Leo Löwenthal não são conhecidos como um grupo empiricamente atuante de cientistas sociais PERRIN OLICK 2011 p XV tradução nossa O fato é que a trajetória da pesquisa empírica recebeu nas últimas décadas inúmeras interpretações Wiggershaus 2002 observa que a passagem do projeto empírico interdisciplinar vislumbrado por Horkheimer em seu discurso inaugural de posse do Instituto de Pesquisa Social em 1931 para a redação da Dialética do esclarecimento não deve ser compreendida como abandono da empiria mas como uma opção metodológica de Horkheimer isto é uma escolha de um terceiro caminho entre os extremos da especulação filosófica solitária e o trabalho em pírico em grupo No texto The Frankfurt School in exile Jay 1985 chama a atenção para o fato de na verdade essa disparidade nada mais ser do que a tensão entre duas vertentes que desde sempre coexistiram na Teoria Crítica uma de tendência interdisciplinar 379 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 e coletiva que tinha como objetivo harmonizar as asperezas existentes entre trabalho teórico e empírico e outra de caráter mais crítico voltado à reflexão das condições filosóficas e socio culturais que antecediam o próprio dado empírico Nesse senti do para o autor a mudança de eixo na Teoria Crítica a partir da Dialética do Esclarecimento seria o resultado da predominância de uma pesquisa orientada pelo impulso da segunda vertente Todavia apesar dos esforços de Wiggershaus 2002 e Jay 1985 1989 nenhum deles apresentou de que modo ocorreu a mediação entre teoria e empiria no Instituto de Pesquisa Social isto é entre o núcleo especulativo da Dialética do Esclarecimen to e as pesquisas empíricas pósdécada de 40 por exemplo Antisemitism among American Labor 19441945 The Autho ritarian Personality 1950 Gruppenexperiment 1955 e outros trabalhos De acordo com Duarte 2001 o Research Project on Anti Semitism Projeto de Pesquisa sobre o Antissemitismo poderia no entanto oferecer uma pista interessante sobre essa questão da mediação não só porque retoma o trabalho de pesquisa em pírica iniciado ainda na Alemanha Studien über Autorität und Familie como também teria servido de ponto de partida para os trabalhos posteriores dos Studies in Prejudice em especial The Authoritarian Personality O Projeto de pesquisa sobre o antissemitismo foi oficial mente lançado em 1941 na publicação nº 9 da revista Studies in Philosophy and Social Science Tratase da mesma revista Zei tschrift für Sozialforschung Revista de Pesquisas Sociais criada pelo Instituto de Pesquisa Social na Alemanha em 1932 e que a partir da edição nº 8 19391940 em decorrência do exílio nos Estados Unidos também passou a ser editada como Studies in 380 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Philosophy and Social Science Estudos em Filosofia e Ciências Sociais No trecho a seguir de Experiências científicas nos Estados Unidos Adorno descreve justamente a importância do projeto sobre o antissemitismo para as atividades do Instituto e para ou tros estudos posteriores Ainda no período em que estivemos em Nova York Horkhei mer havia empreendido em vista dos horríveis acontecimentos ocorridos na Europa investigações sobre o problema do anti semitismo Havíamos traçado e publicado em comum com ou tros membros do nosso Instituto o programa de um projeto de pesquisa ao qual recorreríamos depois com frequência Con tinha entre outras coisas uma tipologia de antisemitas que amplamente modificada reapareceria nos trabalhos posterio res ADORNO 2005a p 159 Em publicação de época mais especificamente na introdu ção do Research Project on AntiSemitism de 1941 Horkheimer ressalta a centralidade da temática do antissemitismo para pes quisas passadas e futuras Como publicado aqui o projeto contém não apenas problemas de pesquisa mas concepções teóricas que foram em parte realizadas por meio de pesquisas anteriores e que em certa medida deveriam ser comprovadas por outras investigações HORKHEIMER 1941 p 121 tradução nossa De fato se há algum tema mediador que aproxima o tex to da Dialética do esclarecimento obra emblemática que para muitos autores significou a despedida da pesquisa empírica para a Teoria Crítica dos projetos de pesquisas futuros do Instituto por exemplo The Authoritarian Personality publicado em 1950 sem dúvida alguma ele pode ser encontrado na questão do antissemitismo 381 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 A pertinência dessa tese decorre do fato de que tanto para a Dialética do esclarecimento como para The Authoritarian Per sonality a presença do antissemitismo enquanto tema de pes quisa estruturante apresentase como algo incontestável Na seção Elementos do antissemitismo limites do esclarecimen to apresentada na Dialética do esclarecimento o tema aparece como componente fundamental no processo do esclarecimen to enquanto mistificação das massas Embora para os autores a psicologia antissemita não exista segundo os moldes do Ter ceiro Reich ela foi em grande parte substituída por um simples sim dado ao ticket fascista adesão acrítica de estereótipos so ciais ao inventário de slogans da grande indústria militante Quando as massas aceitam o ticket reacionário contendo o ele mento antissemita elas obedecem a mecanismos sociais ADOR NO HORKHEIMER 2006 p 165 Em diversos trechos de The Authoritarian Personality Adorno e outros expõem abertamente essa ideia do antissemi tismo como tema estruturante para as pesquisas relacionadas ao preconceito e ao caráter autoritário A presente investiga ção sobre a natureza do indivíduo potencialmente fascista teve o antissemitismo como foco de atenção ADORNO et al 1969 p 2 tradução nossa Ou ainda Uma das formas de ideologia social mais claramente antidemocrática é o preconceito e nesse contexto o antissemitismo constitui o ponto de partida frutífero para um estudo psicossocial ADORNO et al 1969 p 57 tra dução nossa Do ponto de vista geral fica evidente uma aproximação entre a Dialética do esclarecimento e The Authoritarian Perso nality por meio da discussão do antissemitismo No entanto do ponto de vista específico que conceitos poderiam mediar a discussão desses dois projetos de pesquisa considerados por 382 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 muitos como obras aparentemente inconciliáveis Levando em consideração o diferenciado contexto metodológico das obras é possível traçar ao menos um paralelo a partir dos conceitos de Eu e projeção DUARTE 2001 Na Dialética do esclarecimento mais especificamente em Elementos do antissemitismo esses conceitos estão relacio nados à imaturidade psíquica do indivíduo que não consegue estabelecer conscientemente um equilíbrio adequado entre as proibições do Superego e os impulsos do Id Dessa maneira para poder se livrar dessa agressividade interna o Eu acaba projetan do no mundo exterior pessoas e situações tais repressões por meio de reações violentas seja pela identificação imaginária vilão seja como pretexto de legítima defesa autoconserva ção Por isso tratase de uma falsa projeção ADORNO HOR KHEIMER 2006 O conceito de falsa projeção implica logicamente a exis tência de uma projeção normal De fato para Adorno e Hor kheimer a projeção está automatizada nos homens assim como as outras funções de ataque e proteção que se tornaram reflexo 2006 p 155 A partir de uma concepção antropológica kantiana os autores afirmam a necessidade de uma projeção es pontânea como instrumento de orientação prática e adaptativa no mundo No entanto quando se trata da sociedade humana o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorála e inibila ADORNO HORKHEIMER 2006 p 155 Logo a projeção falsa ou patológica que pertence à essência do antissemitismo carac terizaria justamente a perda da reflexão como componente de mediação consciente entre os impulsos internos e os estímulos externos 383 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O antissemitismo baseiase numa falsa projeção Ele é o reverso da mimese genuína profundamente aparentada à mimese que foi recalcada talvez o traço caracterial patológico em que esta se sedimenta Só a mimese se torna semelhante ao mundo am biente a falsa projeção torna o mundo ambiente semelhante a ela Se o exterior se torna para a primeira mimese o modelo ao qual o interior se ajusta o estranho tornandose o familiar a segunda falsa projeção transpõe o interior prestes a saltar para o exterior e caracteriza o mais familiar como algo de hos til Os impulsos que o sujeito não admite como seus e que no entanto lhe pertencem são atribuídos ao objeto a vítima em potencial Para o paranoico usual sua escolha não é livre mas obedece às leis de sua doença No fascismo esse comporta mento é adotado pela política o objeto da doença é determi nado realisticamente o sistema alucinatório tornase a norma racional no mundo e o desvio a neurose ADORNO HORKHEI MER 2006 p 154 Nesse sentido para Adorno e Horkheimer o patológico do antissemitismo não é o comportamento projetivo enquanto tal mas a ausência de reflexão que o caracteriza 2006 p 156 Com isso aquilo que se apresentava como fundamental para a adaptação prática do eu no mundo por conta da perda da cons ciência de si e de tudo aquilo que compõe a sua subjetividade acaba resultando numa experiência danificada e agressiva Ou seja a agressão projetiva ocorre justamente porque sujeitos alienados de sua própria subjetividade encontram em padrões estereotipados preestabelecidos pelos movimentos de massa pensamento em bloco do ticket uma maneira de adap tação ao mundo O comportamento do antissemita é desenca deado em situações em que os indivíduos obcecados e privados de sua subjetividade se veem soltos como sujeitos ADORNO HORKHEIMER 2006 p 141 384 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Em The Authoritarian Personality os conceitos de Eu e projeção também estão presentes De modo geral os autores concebem que na medida em que o Eu toma consciência de suas pulsões irracionais decorrentes da natureza ele pode adminis trar racionalmente tais debilidades no âmbito da personalidade No entanto o contrário também procede ou seja na me dida em que o Eu fracassa na síntese dos impulsos do Id e das proibições do Superego ele tende a projetar tal insatisfação ex teriormente grupos pessoas ou situações A dependência da exteriorização ou do deslocamento como condição sine qua non para a decisão moral cria no indivíduo uma couraça de autopro teção que o leva a encarar o exogrupo o grupo do outro como um rival a ser batido Há motivos para acreditar que o fracasso de internalização do Superego é devido a uma fraqueza do Eu e sua incapacidade de realizar uma síntese necessária ou seja integrar o Supere go consigo mesmo Seja ou não isso a fraqueza do Eu parece ser um concomitante do convencionalismo e do autoritarismo A fraqueza do Eu é expressa na incapacidade de construir um conjunto consistente e duradouro de valores morais dentro da personalidade e aparentemente é esse estado de coisas que condiciona o indivíduo a procurar um agente organizador e coordenador fora de si mesmo Quando se depende de tais agentes exteriores para tomar decisões morais podese en tão dizer que a consciência está externalizada ADORNO et al 1969 p 234 tradução nossa A projeção é entendida em The Authoritarian Personality portanto justamente como o evento psíquico comum que liga a debilidade do Eu e a exteriorização da agressividade por parte do sujeito fascista Esse evento isto é a projeção não so mente desloca os impulsos do Id deixandoos fora do alcance da função autocrítica do Eu como também demonstra a própria 385 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 alienação do Eu com relação à consciência dessas mesmas pul sões internas condenáveis que por conta do deslocamento de alvo do eu para o outro são abonadas em função da atitude agressiva O mecanismo de projeção foi mencionado em conexão com a agressão autoritária os impulsos reprimidos do caráter autori tário tendem a ser projetados para outras pessoas as quais são culpadas de imediato A projeção é portanto um dispositivo para manter as pulsões do Id alheias ao Eu e pode ser consi derada como um sinal da incapacidade do Eu em desempenhar sua função ADORNO et al 1969 p 240 tradução nossa Do ponto de vista metodológico em Research Project on AntiSemitism Horkheimer também apresenta considerações valiosas sobre o tratamento metodológico da pesquisa empíri ca nesse período do Instituto de Pesquisa Social Mais do que fazer uso positivista dos fatos ou achar que a simples descri ção da pesquisa empírica com vocabulário filosófico resolveria o abismo entre teoria e prática o interesse de Horkheimer é chamar a atenção para o pressuposto de que a formação dos conceitos não decorre unicamente da coleta empírica mas de um processo histórico para o qual é imprescindível uma análise essencialmente crítica O conceito geral universal não é portanto dissolvido em uma multidão de fatos empíricos mas é concretizado na análise teó rica de uma dada configuração social e relacionada à totalidade do processo histórico do qual é uma parte indissolúvel Essa análise é essencialmente crítica HORKHEIMER 1941 p 122 tradução nossa Como já enfatizado em outros textos como Teoria tradi cional e Teoria Crítica 1937 e Filosofia e Teoria Crítica 1937 Horkheimer esforçase por reconfigurar o papel da pesquisa empírica aliado ao processo especulativo e crítico ou seja de 386 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 fender o voltarse para os fatos porém sem perder a noção da totalidade históricosocial que os possibilita Nesse caso a in dução não é simplesmente um salto lógico do particular para o universal mas a interpretação cada vez mais aprofundada do universal no particular As categorias devem ser formadas através de um processo de indução que é o inverso do método indutivo tradicional no qual a verificação de suas hipóteses ocorre pela coleta de experiên cias individuais até atingir o peso das leis universais A indução na teoria social ao contrário deve buscar o universal dentro do particular não acima ou além dele e em vez de se mudar de um particular para outro e depois para as alturas da abstração deve aprofundar e aprofundar cada vez mais o particular e des cobrir a lei universal nele contida HORKHEIMER 1941 p 122 tradução nossa Dessa maneira em contraste com a tese apontada ante riormente por Habermas 2012a 2002 a vocação para a pesqui sa empírica do Instituto de Pesquisa Social não foi extinta mas inserida em um contexto de análise mais abrangente conforme exigiam os novos eventos históricos pósdécada de 1940 Por sua vez o uso da pesquisa empírica também não foi implementado como se fosse a contraparte da teoria e vice versa pelo contrário a partir dos trabalhos da década de 40 o projeto do materialismo interdisciplinar foi redimensionado pelo Instituto com o objetivo de integrar a relação entre empiria e crítica filosófica de maneira constitutiva e não apenas mutua mente complementar No texto Sobre la situación actual de la investigación so cial empírica en Alemania escrito em 1952 Adorno reitera o lugar e a importância da pesquisa empírica para a Teoria Crítica Assim como sem teoria não é possível constatar nada do mes 387 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 mo modo toda constatação culmina na teoria ADORNO 2001 p 51 tradução nossa Duarte 2001 p 40 menciona no tocante à ação metodo lógica dos projetos de pesquisa do Instituto a existência de uma indução especulativa justamente porque para o campo de ação da Teoria Crítica a formação dos conceitos sociais não seria resultado da apropriação empírica dos fatos e seriam sim esta belecidos a partir da totalidade histórica que lhes corresponde O aspecto singular dessa metodologia não é a quantifica ção dos resultados particulares muito menos digressões sinuo sas por entre categorias universais mas a maneira como modi fica a formação dos conceitos sociais em um processo empírico capaz de integrar dialeticamente a abrangência dos conceitos e a peculiaridade dos fatos num contexto histórico dinâmico Muitas vezes no detalhe está contido algo que é decisivo sobre o universal e que escapa à mera generalização Daí a necessi dade fundamental de completar as pesquisas estatísticas por meio de estudos de caso O objetivo dos métodos sociológicos quantitativos deveria ser da maneira formal o entendimento qualitativo a quantificação não é um fim em si mas um meio para esse fim ADORNO 1973a p 5152 tradução nossa Não somente o trecho citado de Adorno da Introdução escrita para a coletânea de La disputa de positivismo en la socio logía alemana publicada em 1969 mas também outros textos publicados entre as décadas de 1950 e 70 apresentam uma ten dência que converge para o mesmo pressuposto metodológico a tensão dialética entre o particular e o universal A constatação dessa semelhança metodológica é signi ficativa porque em certa medida oferece uma compreensão razoável sobre o tratamento metodológico para o trabalho do Instituto nesse período e também desconstrói a tese do cará 388 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ter prescindível da pesquisa empírica para a Teoria Crítica pós década de 40 Em trecho do capítulo Sociologia e investigação social em pírica publicado na obra Temas básicos de Sociologia de 1956 Adorno e Horkheimer são pontuais quanto ao que seria um legí timo projeto metodológico e dialético no âmbito das pesquisas sociais quem sente uma responsabilidade teórica deve fazer frente sem meios termos às aporias da teoricidade e à insuficiência do simples empirismo e o fato de se atirar alegremente nos braços da especulação só poderá servir para agravar a situação atual ADORNO HORKHEIMER 1978 p 122 É justamente o que Adorno tenta dizer em Experiências científicas nos Estados Unidos As investigações empíricas parecemme legítimas e necessárias também no âmbito dos fenômenos culturais Mas não é lícito hipostasiálas nem considerálas como chave universal Sobre tudo elas próprias devem culminar em conhecimento teórico A teoria não é mero veículo que se tornaria supérfluo tão pron to se possuíssem os dados ADORNO 2005a p 156 Nos textos Sobre o sujeito e objeto e Notas marginais sobre teoria e práxis ambos publicados em 1969 no livro Pa lavras e sinais modelos críticos 2 Adorno apresenta um con ceito de pesquisa que se identifica como crítico porque tenta evitar justamente a polarização entre sujeito e objeto teoria e práxis Como afirma em Sujeito e objeto só há legitimidade do conhecimento do sujeito quando ele é preenchido de objetivida de isto é quando contextualizado à luz de uma crítica da socie dade e viceversa 389 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 somente a tomada de consciência do social proporciona ao co nhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquan to obedece às forças sociais que o governam sem refletir sobre elas Crítica da sociedade é crítica do conhecimento e viceversa ADORNO 2005c p 189 E em Notas marginais sobre teoria e práxis complemen ta quando se simula que o objeto é pura e simplesmente in comensurável em relação ao sujeito um cego destino captura a comunicação entre ambos ADORNO 2005b p 205 O que fica em evidência é o caráter da mediação metodo lógica entre sujeito e objeto teoria e prática reflexão e empiria Quando se tenta separar a teoria do dado empírico ou o sujeito do método perdese a compreensão do objeto estudado em sua amplitude caindo assim ou na vazia especulação metafísica ou na cega e fragmentada investigação positivista Em Sociología e investigación empírica de 1957 afirma A investigação social empírica é corretiva não só na medida em que impede constru ções cegas de cima para baixo mas também quanto à relação entre fenômeno e essência ADORNO 1973b p 97 tradução nossa Enveredar a pesquisa empírica social nos moldes metodo lógicos apresentados pela Teoria Crítica é trazer portanto em sua base uma perspectiva interdisciplinar e mediacional entre fatos empíricos e questionamentos filosóficos enquanto o pri meiro elemento oferece à Filosofia a verificação empírica e fac tual evitando assim a hipóstase do real e a especulação dogmá tica o segundo possibilita aos dados empíricos o caráter crítico da totalidade e sua relação com o tecido social esquivandose da fragmentação do objeto e da mistificação ideológica voltada para fins instrumentais 390 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O fato é que nenhum dos projetos esteve à margem do programa de pesquisa do Instituto de Pesquisa Social No entan to isso não quer dizer que em momentos específicos da trajetó ria da Teoria Crítica não tenha existido uma maior demanda por determinados projetos Segundo Duarte 2001 as próprias condições institucio nais do Instituto nas décadas de 1940 e 50 justificam um cer to paralelismo entre a Dialética do esclarecimento e as pesqui sas empíricas uma vez que estes últimos trabalhos como os Studies in Prejudice foram financiados pela American Jewish Commitee entidade que por conta de seu objetivo operacional quanto ao combate do antissemitismo não estava nem um pou co interessada em reflexões totalizantes sobre o fracasso da ra cionalidade moderna Enfim a convergência de alguns conceitos com relação ao antissemitismo presentes tanto na Dialética do esclarecimento e como em The Authoritarian Personality revela que apesar de projetos metodologicamente distintos ambos receberam o mesmo alinhamento teórico desvelar o caráter autoritário seja pelo viés da compreensão dialética de uma racionalidade instru mental seja pelo entendimento dos pressupostos psicossociais que formam o indivíduo fascista Além disso a preocupação acerca da pesquisa empírica social que aparece de maneira recorrente em diversos textos posteriores à década de 40 também é um sinal do quanto essa temática continuou presente nos projetos da Teoria Crítica 391 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 As leituras indicadas no Tópico 3 1 tratam de um tema interessante para as Ciências Sociais no século 20 a possibili dade de uma metodologia interdisciplinar e dialética capaz de transitar entre a reflexão filosófica e a análise empírica socio lógica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU O sociólogo antropólogo e filósofo Pierre Bourdieu Figura 3 nasceu em Den guin França em 1º de agosto de 1930 Se gundo Machado Amorim e Barros 2013 p 316317 Partindo do papel do capital econô mico como determinante da posição social Bourdieu fez investigações pioneiras referentes ao capital cul tural social e simbólico ao conceito de habitus e de violência simbólica de modo a revelar as dinâmicas das relações de poder na vida social Seu trabalho enfatizou o papel da prática e incorporação de formas na dinâmica social e na construção da visão de mun do Autor de grande influência na Sociologia e Antropologia contemporâneas publicou entre vários outros livros O poder simbólico 1992 As regras da arte gênese e estrutura do cam po literário 1999 Esboço de uma teoria da prática precedido de três estudos de etnologia cabila 2002 e A distinção crítica social do julgamento 2007 Faleceu em Paris França em 23 de janeiro de 2002 Figura 3 Pierre Bourdieu 392 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Certamente são dois os objetivos de trazer Bourdieu para a discussão desta obra compreender os fenômenos sociológi cos presentes na sociedade e na cultura e identificar como esses elementos se configuram no pensamento do autor Com base em algumas leituras de Pierre Bourdieu o texto está organizado em duas partes uma mais voltada aos aspectos da cultura e da subje tividade na qual Bourdieu apresenta os conceitos de campo e discurso outra mais direcionada ao campo da cultura educa ção principalmente no que tange à ideia da alquimia social promovida pelos mecanismos classificatórios da escola O conceito de campo e os ritos de instituição Entre os conceitos mais conhecidos de Pierre Bourdieu sem dúvida um dos mais significativos é o de campo Aliás a ideia de campo é tão fundamental no quadro teórico do autor que adentrar no seu pensamento sem recorrer àqueles elemen tos que formam tal ideia configuraria um esforço reflexivo estéril e sem pretensões de entendimento da realidade haja vista que a maior parte dos seus aspectos teóricos de uma maneira ou de outra estão profundamente ligados à gênese do conceito Em que consiste exatamente o conceito de campo para Bourdieu Para compreendêlo é indispensável retomar outro conceito o de rito não como fenômeno de passagem mas como fenômeno de instituição que entre outras coisas pro move três ações básicas institui uma diferença legitima um as pecto arbitrário e naturaliza oposições historicamente construí das Vejamos essas características em detalhe 393 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O rito como instituição da diferença Ao falar de rito normalmente fazse uma estreita liga ção com aqueles fenômenos sociais de grande importância que indicam uma passagem temporal de etapas a serem cumpridas ou realizadas por um indivíduo numa determinada cultura fenô menos mais conhecidos como ritos de passagem No entanto para Bourdieu os ritos não servem tanto para indicar a passa gem do indivíduo para outra etapa social mas para separar e classificar aqueles que já passaram daqueles que ainda passarão e consequentemente instituir e legitimar uma constante dife rença com relação àqueles que nunca poderão passar por tais rituais Na verdade é caso de perguntar se ao enfatizar a passagem temporal por exemplo da infância à vida adulta essa teoria não estaria mascarando um dos efeitos essenciais do rito qual seja o de separar aqueles que já passaram por ele daqueles que ainda não o fizeram e assim instituir uma diferença duradoura entre os que foram e os que não foram afetados Eis por que em lugar da expressão ritos de passagem talvez fosse mais apro priado dizer ritos de legitimação ou simplesmente ritos de ins tituição BOURDIEU 1998 p 97 Legitimação do aspecto arbitrário Assim não estaria incorreto afirmar que para o rito não importa o conjunto de indivíduos que passaram ou passarão por determinado ritual mas sim a diferenciação desse grupo com relação àquele conjunto oculto de indivíduos que nunca terão a chance de passar por tais ritos Tratase de um processo de de limitação de lugares tão bem realizado que perante a situação não resta alternativa senão reafirmar a legitimidade de tal ação 394 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Nesses termos podese dizer que para Bourdieu o rito pra ticamente consagra a arbitrariedade e a diferença ao delimitar um campo específico com linhas demarcatórias por exemplo que separam gêneros sexuais etnias credos religiosos etc Nou tras palavras percebese a legitimação ou consagração de ele mentos arbitrários que instauram dicotomicamente a diferença entre um conjunto instituído em face de um conjunto oculto Veja Falar em rito de instituição é indicar que o rito tende a reco nhecer como legítimo e natural um limite arbitrário ou melhor operar solenemente de maneira lícita e extraordinária uma transgressão dos limites constitutivos da ordem social e da or dem mental a serem salvaguardadas a qualquer preço como no caso da divisão entre sexos por ocasião dos rituais de casamen to A marcar solenemente a passagem de uma linha que ins taura uma divisão fundamental da ordem social o rito chama a atenção do observador para a passagem quando na verda de o que importa é a linha Existe portanto um conjunto oculto em relação ao qual se define o grupo instituído O prin cipal efeito do rito é o que passa quase sempre completamente despercebido ao tratar diferentemente homens e mulheres o rito consagra a diferença ele institui BOURDIEU 1998 p 98 Naturalização das oposições historicamente construídas Para compreender essa função do rito tornase funda mental compreender os termos natureza e cultura Segundo Chauí 2010 a natureza é constituída por estruturas e processos necessários existentes em si e por si mesmos que independem das ações humanas para existir já a cultura nasce da maneira como os indivíduos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza acrescentandolhe sentidos novos alterandoa por meio do trabalho e da técnica e dandolhe significados sim bólicos e valores 395 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 No entanto o problema é que pelo fato de os indivíduos não terem consciência da distinção entre natureza e cultura ob viamente porque são educados dentro de uma cultura acredi tam que tudo o que é social existiu desde sempre como algo na tural Com isso para garantir a manutenção dos padrões sociais ao longo do tempo padrões esses amplamente baseados nas oposições e diferenças grupais o rito destitui o caráter histórico e cultural das diferenças e tende a naturalizálas como se fossem elementos de mútua complementação existentes em si e por si mesmos Assim como a instituição consiste em atribuir propriedades de natureza social como se fossem propriedades de natureza na tural o rito de instituição tende logicamente a integrar as oposições cosmológicas estabelecendo relações do tipo o homem está para a mulher assim como o Sol está para a Lua o que representa uma maneira bastante eficaz de naturalizá las Desse modo ritos diferenciados sexualmente consagram a diferença entre os sexos ou melhor constituem uma distinção legítima em instituição uma simples diferença de fato BOUR DIEU 1998 p 9899 Com isso instituir passa a ser o cerne do conceito de cam po cujo funcionamento está baseado por regras específicas e linhas demarcatórias que estabelecem a autoridade poder a disposição e o status de cada um dos seus participantes Em Questões de Sociologia Bourdieu identifica o conceito de campo como aqueles espaços estruturados de posições ou de postos cujas propriedades dependem das posições nestes espaços po dendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes em parte determinadas por elas BOURDIEU 1983c p 89 Na obra Coisas ditas Bourdieu esclarece mais ain da a noção de campo 396 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Em termos analíticos um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes agen tes ou instituições por sua situação situs atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e ao mesmo tempo por suas re lações objetivas com as outras posições dominação subordi nação homologia etc BOURDIEU 1990 p 72 Em síntese campo definese como um espaço estruturado de posições no qual seus participantes a partir de regras espe cíficas do jogo estão em constante disputa pelo poder nas pa lavras do autor um espaço o que eu chamaria de campo no interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo BOURDIEU 1990 p 119 Isso quer dizer que o campo institui quem está dentro e quem está fora de suas linhas demarcatórias quem não está dentro não está portanto autorizado a fazer parte das regras específicas daquele campo cada campo impõe um preço de en trada tácito que não entre aqui quem não for geômetra isto é que ninguém entre aqui se não estiver pronto a morrer por um teorema BOURDIEU 1997 p 141 Portanto só há campo quando as posições dos sujeitos es tiverem bem definidas e institucionalizadas pelo espaço social Isso pode ser claramente observado pelo exemplo de uma sim ples transferência de emprego em princípio nesse novo local de trabalho o indivíduo é considerado um herege isto é um no vato que pelo fato de não conhecer as regras específicas daque le campo ainda não está plenamente instituído Para conseguir uma posição definida nesse campo esse sujeito deverá então 397 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 começar a observar as regras que formam a sua estrutura e agir de acordo com elas Isso equivale a dizer que os sujeitos carregam em si mes mos as estruturas porque são as estruturas que configuram es truturam a mente das pessoas Nesse sentido surge um duplo aspecto acerca da estrutura por um lado ela é estruturada pelo discurso históricoideológico de poder que por sua vez institucionaliza as posições dos indivíduos no campo por outro lado contudo ela também é estruturante da subjetividade do sujeito que age de acordo com tais regras de institucionalização Portanto o campo é um locus constituído não apenas pelo aspecto espacial mas também temporal e sociolinguístico pode ser identificado como um local uma datação histórica e uma modalidade de interação discursiva entre sujeitos A partir desse aspecto entra em questão outro elemento importantíssi mo para a compreensão de campo o discurso Relação do conceito de campo com o aspecto discursivo Tornase muito difícil compreender o conceito de campo desligado do entendimento e do discurso A noção de discurso para Bourdieu toma uma direção bem diferente daquela tomada pela Linguística tradicional de Saussure e Chomsky pois evita acima de qualquer coisa admitir a hipótese de que a língua é um sistema abstrato Segundo Saussure no Curso de Linguística Geral a língua não propõe fazer qualquer tipo de relação com a realidade mas apenas entre os próprios signos ou seja a relação arbitrária entre as unidades linguísticas não é uma arbitrariedade da lin guagem com as coisas como proposta da semântica mas sim 398 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 uma arbitrariedade semiológica reduzida apenas ao âmbito dos signos Veja O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra mas um conceito significado e uma imagem acústica significante O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece clara mente quando observamos nossa própria linguagem Sem mo vermos os lábios nem a língua podemos falar conosco ou reci tar mentalmente um poema SAUSSURE 2006 p 80 Já para Chomsky como observado em sua obra Estruturas sintácticas qualquer indivíduo que possui a faculdade de falar é portanto capaz de expressarse adequadamente em sua própria língua e também de compreender o que outros indivíduos es tão dizendo fenômeno esse chamado de competência linguís tica Tratase de uma competência interiorizada presente nos atos internos de cada indivíduo mas que segundo Chomsky se exterioriza a cada ato linguístico como uma espécie de mecanis mo que tem o potencial de formar frases Dessa maneira o seu interesse é pesquisar a chamada gramática gerativa como um recurso gerador de frases mas que deve ser estudada de modo apartado da semântica A questão é a de saber se a informação semântica é ou não ne cessária para a descoberta ou para a seleção de uma gramática Talvez seja possível esclarecer melhor este problema atra vés de uma discussão puramente negativa quanto à possibilida de de obter uma base semântica para a teoria sintáctica Po deria com idêntico cabimento perguntarse como é possível construir uma gramática sem conhecimento da cor do cabelo dos falantes A pergunta que deve ser feita é esta Como é possível construir uma gramática Não tenho conhecimento de qualquer tentativa pormenorizada de desenvolvimento da teoria da estrutura gramatical em termos parcialmente semânticos ou de qualquer proposta específica e rigorosa de utilização de informação semântica na construção ou avaliação de gramática CHOMSKY 1987 p 102103 399 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Contrário às propostas tanto de Saussure como de Chomsky Bourdieu afirma que os indivíduos não fazem uso da língua apenas para o domínio prático da linguagem enquanto apropriação psíquica dos signos e da gramática mas principal mente para terem um domínio prático das situações que per mitem produzir um discurso adequado numa situação determi nada BOURDIEU 1983a p 158 Noutras palavras Bourdieu afirma o seguinte O habitus linguístico se distingue de uma competência do tipo chomskyano pelo fato de ser produto das condições sociais e pelo fato de não ser uma simples produção de discursos mas uma produção de discursos ajustados a uma situação ou de preferência ajustados a um mercado ou a um campo BOUR DIEU 1983b p 95 Mas o que o discurso tem a ver com o conceito de campo Só há um discurso quando há um campo instituinte que demar que e institucionalize uma modalização de poder em seus parti cipantes pressupondo uma lógica de autoridade circunscrita à sua correspondente posição A partir dessa definição posicional no campo delimitamse também as vozes de um discurso e a ins tituição de uma verdade específica e ideologicamente politizada Ou seja o campo é como uma espécie de arena na qual os sujeitos se digladiam com posições e vozes muito bem definidas e em vista de determinados fins estratégicos todo ato de interação toda comunicação linguística mesmo entre duas pessoas entre dois companheiros entre um rapaz e sua namorada todas as interações linguísticas são espécies de micromercados sempre dominados por estruturas globais BOURDIEU 1983b p 97 Outro aspecto interessante é que o discurso do campo nunca se constitui como um simples monólogo sempre have 400 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 rá um endereço e um interesse específico para qualquer ato discursivo sempre que alguém produz um discurso para recep tores capazes de avaliálo e de darlhe um preço BOURDIEU 1983b p 96 É nesse aspecto que se percebe que todo discurso é ideoló gico ou seja constituído por interesses das mais variadas fontes que coordenam a intensidade e a direção do discurso em favor da conservação das regras e dos mecanismos de poder do cam po Nas palavras de Bakhtin o domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos são mutuamente correspondentes Ali onde o signo se encontra encontrase também o ideológico Tudo que é ideológico possui um valor semiótico 1999 p 32 Com relação a esse aspecto percebese uma semelhança muito grande de Bakhtin com Bourdieu principalmente em vista de sua crítica à Linguística tradicional objetivismo abstrato que acabou separando a língua da realidade conteúdo ideológico A separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato Assim a lín gua para a consciência dos indivíduos que a falam de maneira alguma se apresenta como um sistema de formas normativas O sistema linguístico tal como é constituído pelo objetivismo abstrato não é diretamente acessível à consciência do sujeito falante definido por sua prática viva de comunicação social BAKHTIN 1999 p 96 Assim como para Bakhtin para Bourdieu o discurso é ne cessariamente embasado por um poder cuja função é rearranjar os mecanismos estruturais e demarcatórios do campo Percebe se aqui uma dinâmica discursiva que envolve muda e abriga as estratégias de manutenção do campo do mesmo modo que ao nível dos grupos tomados em seu conjunto uma língua vale o que valem aqueles que a falam ao 401 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 nível das interações entre indivíduos o discurso deve sempre uma parte muito importante de seu valor ao valor daquele que o domina BOURDIEU 1983a p 166 A conservação da estrutura do campo é formada justa mente pelo desejo de conservação do campo viabilizado e ex ternalizado pelo discurso do grupo que detém o poder O polo dominante é a ortodoxia do campo ou seja o conjunto majori tário que por meio da memória do campo conservao em suas regras específicas palimpsesto Já o polo dominado é a heterodoxia que não possui autori dade suficiente para reorganizar as regras mas apenas seguilas em vista da conservação da disposição ideológica e política do campo Todavia ambos ortodoxia e heterodoxia reconhecem veladamente a existência das regras do campo obviamente a primeira para conserválas e a segunda para substituílas Eles heterodoxos podem querer inverter as relações de força no campo mas por isso mesmo reconhecem alvos não são in diferentes Querer fazer a revolução em um campo é concordar com o essencial do que é tacitamente exigido por esse campo a saber que ele é importante que o que está em jogo aí é tão importante a ponto de se desejar aí fazer a revolução Entre pessoas que ocupam posições opostas em um campo e que parecem radicalmente opostas em tudo observase que há um acordo oculto e tácito a respeito do fato de que vale a pena lutar a respeito das coisas que estão em jogo no campo BOUR DIEU 1997 p 140141 As regras de funcionamento do campo dizem respeito às disposições e posições hierárquicas dos sujeitos no campo Quem está mais próximo do centro tem o poder de falar mais alto ou seja veicula com mais autoridade a vontade de verdade do campo Na falta do sujeito que detenha o poder há a disputa de outros pelo espaço de poder Isso quer dizer que o campo só 402 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 se estrutura em vista de uma disputa interna as circunstâncias de poder e suas relações sociolinguísticas reorganizam as dispo sições dos sujeitos no campo Na base desse processo encontra se o poder simbólico do discurso O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enun ciação de fazer ver e fazer crer de confirmar ou de transformar a visão do mundo e deste modo a acção sobre o mundo por tanto o mundo poder quase mágico que permite obter o equi valente daquilo que é obtido pela força física ou económica graças ao efeito específico de mobilização só se exerce se for reconhecido quer dizer ignorado como arbitrário BOURDIEU 1989 p 14 Outro aspecto interessante é que a estrutura não possui um caráter permanente Pelo contrário o caráter da estrutura do campo diz respeito a algo que foi previamente pensado ma quinado e construído Logo se a estrutura do campo é construí da isso significa que o discurso instrumento do campo também possui a mesma natureza histórica e contextual No entanto a fabricação da estrutura do campo é algo per manente pois sempre haverá um discurso que estruturará as re gras do campo seja em favor de sua conservação seja em favor de sua transformação O que pode ser dito e a maneira de dizêlo numa circunstância determinada dependem da estrutura da relação objetiva entre as posições que o emissor e o receptor ocupam na estrutura de distribuição do capital linguístico e de outras espécies de capital BOURDIEU 1983a p 173 Com isso Bourdieu propõe uma modalidade de discurso encarnada nas relações estruturais do campo capaz de fazer com que o sujeito não só entenda as regras do jogo como tam bém possibilite uma intervenção na realidade o habitus linguís tico incita o indivíduo a utilizar as possibilidades oferecidas pela 403 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 língua e para avaliar praticamente as condições de utilizálas 1983a p 182 Ou seja o conceito de discurso para Bourdieu contempla não só os fatores intralinguísticos e extralinguísticos como tam bém as possíveis condições ideológicas e estruturais do campo tanto objetivas como subjetivas que estão ligadas ao discurso e que por isso interferem na própria interação linguística A verdade da relação de comunicação nunca está inteiramen te no discurso nem mesmo nas relações de comunicação mas também fora dele nas condições sociais de produção e de reprodução dos produtores e receptores e da relação entre eles BOURDIEU 1983a p 162 Os ritos de classificação escolar Outro aspecto muito interessante no pensamento de Bour dieu é o relacionado à educação Em seu livro Escrito de educa ção mais especificamente no texto As categorias do juízo pro fessoral Bourdieu propõe a seguinte questão submeter à análise as classificações que os professores pro duzem cotidianamente tanto em seus julgamentos sobre seus alunos ou seus colegas atuais ou potenciais como em sua pro dução específica manuais teses e obras eruditas e em toda sua prática BOURDIEU 1999 p 187188 Baseado num conjunto de 154 fichas individuais de alunos redigidas por volta de 1960 Bourdieu apresenta como os profes sores exerciam classificações arbitrárias e adjetivações taxonô micas diferenciadas muito mais em função da origem social da família capital social a partir do hexis corporal do estudante o conjunto de propriedades associadas ao uso do corpo no qual é possível exteriorizar a posição de classe de uma pessoa do que em relação à própria nota dos alunos 404 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 os considerados julgamentos aparecem mais fortemente liga dos à origem social do que a nota que se exprime isto sem dú vida porque eles traem mais diretamente a representação que o professor faz das alunas a partir do conhecimento que tem de antemão do hexis corporal BOURDIEU 1999 p 192 Para provar mais ainda essa parcialidade avaliativa Bour dieu afirma que as alunas provenientes das frações da classe dominante mais rica em capital cultural escapam quase totalmente aos julgamentos mais negativos mesmo eufemizados assim como às virtudes pequenoburguesas e lhes são atribuídas com insistência as qua lidades mais procuradas BOURDIEU 1999 p 191 Noutra passagem também diz os qualificativos mais favo ráveis aparecem com uma frequência cada vez maior na medida em que a origem social das alunas é mais elevada BOURDIEU 1999 p 191 Mas qual a relevância dessas descobertas O processo des crito por Bourdieu levanta um grave problema no âmbito peda gógico há um tipo de classificação de taxonomia ocorrendo na escola que tende a cumprir as exigências da estrutura econômi ca dominante cuja finalidade é definir a posição do indivíduo no campo isto é colocar a pessoa no seu devido lugar nou tras palavras uma ideologia que tende a estabilizar as origens sociais dominantes como dominantes e as dominadas como dominadas Ideologia em estado prático produzindo efeitos lógicos que são inseparavelmente efeitos políticos a taxonomia escolar encerra uma definição implícita de excelência que constituindo como excelentes as qualidades apropriadas por aqueles que são so cialmente dominantes consagra sua maneira de ser e seu esta do BOURDIEU 1999 p 196 Segundo Bourdieu o problema está justamente no modo como as classificações sociais acabam se transformando em clas 405 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 sificações escolares É evidente a existência de uma classificação social que separa classes dominantes de dominadas segundo as relações de poder e regras específicas dos mais diversos cam pos Essa classificação colocase como um sistema que seleciona e determina a posição do indivíduo dentro do campo No entanto tal classificação precisa ser oficializada ou ins titucionalizada pois caso contrário poderá se tornar uma es trutura cujas regras tornamse demasiadamente injustas e ina ceitáveis principalmente para a classe dominada instituir é consagrar ou seja sancionar e santificar um estado de coisas uma ordem estabelecida a exemplo precisamente do que faz uma constituição no sentido jurídicopolítico do termo BOUR DIEU 1998 p 99 Neste sentido oficializar ou instituir as classes dominan tes significa dar a elas uma identidade demarcar seus limites e linhas de autoridade oferecerlhes uma definição social torne se o que você é eis a fórmula que subtende a magia performa tiva de todos os atos de instituição BOURDIEU 1998 p 103 Noutra passagem Bourdieu é ainda mais claro quando afirma que o sistema da instituição tem como estratégia fazer com que as diferenças arbitrárias e históricoculturais sejam vistas e incul cadas como naturais e eternas O trabalho de inculcação através do qual se realiza a imposição duradoura do limite arbitrário visa naturalizar as rupturas deci sórias constitutivas de um arbitrário cultural sob a forma do sentido dos limites fazendo com que alguns mantenham sua posição ou se conservem à distância enquanto outros se man têm em seu lugar e se contentam com o que são a serem o que têm de ser privandoos assim da própria privação BOURDIEU 1998 p 103 Dessa maneira a classificação social precisa do auxílio da classificação escolar ao passar pela classificação escolar as di 406 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 ferenças sociais são institucionalizadas como naturais e oficiais cujas relações de dominação e poder ditadas pelo capital não são mais vistas como injustas mas como estruturas legitimadas Bourdieu chama esse processo de alquimia social A transmutação da verdade social em verdade escolar de você é um pequeno burguês em você é trabalhador mas não é brilhante não é um simples jogo de escrita sem conse quência mas uma operação de alquimia social que confere às palavras sua eficácia simbólica seu poder de agir durável BOUR DIEU 1999 p 199 grifo nosso Fonte Watterson 1995 p 58 Figura 4 Classificação escolar alquimia social Ou seja o processo de transformação das verdades so ciais condenáveis em verdades sociais institucionalizadas pre cisa passar pelo sistema escolar para que assim elas se tornem aceitas pela coletividade De acordo com o autor é sem dúvida por intermédio das classificações sucessivas que fizeram delas classes sociais o que elas são que os produtos classificados do sistema escolar alunos e professores adquiriram em graus dife rentes segundo sua posição nessas estruturas o domínio prático de sistemas de classificação segundo taxonomias escolares des tinadas a cumprir determinadas funções BOURDIEU 1999 p 199 E complementa ao acrescentar que a escola é uma máqui 407 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 na de transformar classificações sociais em classificações esco lares como classificações sociais reconhecidasirreconhecidas BOURDIEU 1999 p 199 Portanto fica claro que em Bourdieu o campo da educação organiza um processo educativo de tal modo que possa amoldar se aos interesses externos A neutralidade da escola não passa na verdade dessa extraor dinária denegação coletiva que faz por exemplo com que o professor possa em nome da autoridade que lhe delega a ins tituição escolar condenar como escolares as produções e as expressões que apenas são o que a instituição escolar produz e exige BOURDIEU 1999 p 197 Com isso tornase então justificável tendo em vista esse conchavo de interesses entre educação e políticas públicas a forma como as diferenças sociais são formalizadas pela escola com o intuito de naturalizar e ressignificar as diferenças de clas ses na sociedade As leituras indicadas no Tópico 3 2 tratam das contri buições de Bourdieu para a Sociologia e para a educação es pecialmente com os conceitos de campo e discurso Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 6 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 408 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS Com o objetivo de relembrar o método dialético e interdis ciplinar da Teoria Crítica cuja fundamentação se assenta tanto na reflexão filosófica quanto na pesquisa empírica sugerimos que leia os textos indicados a seguir ANTUNES D C De Frankfurt à Califórnia há conti nuidade nas pesquisas empíricas da Escola de Frank furt entre 1929 e 1950 In SEMINÁRIO DE PÓSGRA DUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFSCAR 6 São Carlos set 2010 Anais 2010 Disponível em httpwww ufscarbrsemppgfilwpcontentuploads201205 DeborahChristinaAntunesDeFrankfurtC3A0 CalifC3B3rniahC3A1continuidadenaspes quisasempC3ADricasdaEscoladeFrankfurten tre1929e1950pdf Acesso em 26 set 2019 Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The authorita rian personality Tese Doutorado em Filosofia Centro de Educação e Ciências Humanas Universidade Federal de São Carlos São Carlos 2012 Disponível em https repositorioufscarbrbitstreamhandleufscar4791 Retidopdfsequence1 Acesso em 27 nov 2019 GONÇALVES A S Do materialismo interdisciplinar à crítica à razão instrumental um estudo sobre o desen 409 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 volvimento da Filosofia de Max Horkheimer Disserta ção Mestrado em Filosofia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2016 Disponível em https repositorioufubrbitstream123456789184261Ma terialismoInterdisciplinarCriticapdf Acesso em 27 nov 2019 MARANHÃO C M S A VILELA J R P X Teoria Crítica e pesquisa empírica um estudo sobre Theodor Adorno In ENCONTRO DA ANPAD 34 jan 2010 Rio de Janeiro Anais 2010 Disponível em httpwwwanpadorg bradminpdfeor1044pdf Acesso em 27 nov 2019 SILVA F M S P Sobre a investigação social empírica considerações iniciais baseadas no pensamento de Adorno e Horkheimer InterAção Revista da Faculda de de Educação da UFG v 29 n 1 p 131143 jan jun 2004 Disponível em httpswwwrevistasufgbr interacaoarticleviewFile13351371 Acesso em 27 nov 2019 VOIROL O Teoria Crítica e pesquisa social da dialética à reconstrução Trad Bruno Simões Novos Estudos Cebrap Dossiê Teoria Crítica n 93 p 8199 jul 2012 Disponível em httpwwwscielobrpdfnecn93 n93a07pdf Acesso em 27 nov 2019 32 PIERRE BOURDIEU Para se aprofundar nos conceitos de campo discurso e sua relação com a classificação escolar leia os artigos indicados a seguir 410 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 BOURDIEU P As Ciências Sociais e a Filosofia Educação Linguagem ano 10 n 16 p 1936 juldez 2007 Disponível em httpswwwmetodistabrrevistas revistasimsindexphpELarticleviewFile124134 Acesso em 27 nov 2019 Capital simbólico e classes sociais Novos Es tudos CEBRAP n 96 p 105115 jul 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfnecn96a08n96pdf Acesso em 27 nov 2019 CARVALHO K F Os conceitos de habitus e campo na teoria de Pierre Bourdieu Cadernos de Campo Revista de Ciências Sociais Araraquara Faculdade de Ciência e Letras da Unesp n 9 p 101111 2003 Disponível em httpsperiodicosfclarunespbrcadernosarticle view105106830 Acesso em 27 nov 2019 CATANI A M A sociologia de Pierre Bourdieu ou como um autor se torna indispensável ao nosso regime de lei turas Educação Sociedade ano 23 n 78 p 5775 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdf esv23n78a05v2378pdf Acesso em 27 nov 2019 NOGUEIRA C M M NOGUEIRA M A A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu limites e contribuições Educação Sociedade ano 23 n 78 p 1536 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfes v23n78a03v2378 Acesso em 27 nov 2019 PEREIRA E A T O conceito de campo de Pierre Bour dieu possibilidade de análise para pesquisas em histó ria da educação brasileira Revista Linhas Florianópolis v 16 n 32 p 337356 setdez 2015 Disponível em httpwwwrevistasudescbrindexphplinhasarti 411 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 cleviewFile1984723816322015337pdf97 Acesso em 27 nov 2019 THIRYCHERQUES H R Pierre Bourdieu a teoria na prá tica RAP Revista de Administração Pública Rio de Ja neiro v 40 n 1 p 2755 janfev 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdfrapv40n1v40n1a03pdf Acesso em 27 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Observe com atenção o trecho a seguir A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos resultados empreendidos pela pesquisa especializada enquanto de outro lado o ob jetivo de uma empiria imparcial não pode ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a nada o elemento teórico ocorre ao invés disso que a filosofia ou seja a intenção teórica dirigida ao universal ao essencial deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particulares e ao mesmo tempo ser suficientemente aberta para se deixar por sua vez influenciar e transformar pelo progresso dos estudos concretos HOR KHEIMER 1999 p 128 A preocupação com o método das Ciências Sociais por parte Escola de Frankfurt especialmente por Adorno e Horkheimer resultou em muitos projetos de pesquisas que levaram em consideração uma visão dialética da realidade Foi nesse sentido que Horkheimer apresentou uma metodo logia que mais tarde ficou conhecida como materialismo interdisciplinar Sobre o assunto assinale a alternativa correta a O materialismo interdisciplinar leva em consideração uma visão espe cializada das áreas que devem servir aos interesses da Filosofia 412 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 b De acordo com Horkheimer o materialismo interdisciplinar seria uma retomada do materialismo dialético de Marx afirmando a luta de clas ses como motor da sociedade c A proposta do materialismo interdisciplinar fundamentase no cientifi cismo social que agregaria em si a metodologia das Ciências da Natu reza e Humanas afirmando a tese de que os fenômenos da sociedade precisam ser estudados como coisas d O materialismo interdisciplinar como o próprio nome diz fundamen tase na proposta de utilização das diversas teorias filosóficas para ser vir aos interesses das Ciências Sociais e Em vista de inúmeras carências e fragilidades por parte da ciência e da filosofia o materialismo interdisciplinar leva em consideração uma metodologia dialética e tensional amparandose tanto na visão filosó fica do todo como na análise concreta científica 2 Leia com atenção o texto a seguir A escola exclui como sempre mas ela exclui agora de forma continuada a todos os níveis de curso e mantém no próprio âmago daqueles que ela exclui simplesmente marginalizandoos nas ramificações mais ou menos desvalorizadas Esses marginalizados por dentro estão condenados a os cilar entre a adesão maravilhada à ilusão proposta e a resignação aos seus veredictos entre a submissão ansiosa e a revolta impotente BOURDIEU 1993 p 485 Considerando a citação e as abordagens sociológicas de Pierre Bourdieu com relação ao contemporâneo processo de escolarização assinale a al ternativa correta a O melhor desempenho escolar de certas pessoas está ligado ao dom natural para os estudos que é despertado logo no nascimento pois as aptidões intelectuais facilitam o aprendizado e permitem conseguir notas mais altas b Historicamente a escola tem sido uma instituição democrática que respeita as diferenças econômicas sociais e culturais da sociedade e garante oportunidades iguais para as pessoas que se esforçam nos estudos c A escola cumpre uma função social importante uma vez que ela con diciona os alunos a optar por si mesmos pelas escolhas de suas vidas superando assim as diferenças sociais alienantes 413 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 d Ao ocultar seu papel na legitimação e na reprodução dos saberes dos valores e das experiências dos grupos dominantes a instituição esco lar esconde também os seus mecanismos sutis de exclusão dos gru pos marginalizados e A baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas no Brasil está diretamente relacionada ao grande número de pessoas pobres que ela inclui pois a condição econômica determina o desempenho escolar Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 e 2 d 5 CONSIDERAÇÕES Esta unidade apresentou aspectos básicos das Ciências So ciais na ótica de alguns autores do século 20 Horkheimer Ador no e Bourdieu Os dois primeiros compartilham uma abordagem semelhante sendo conhecidos como representantes da Teoria Crítica Já o terceiro diverge dessa abordagem apresentando ou tros conceitos No entanto o que todos esses autores têm em comum é a maneira como se mantêm aptos no tratamento metodológico das Ciências Sociais É evidente que em muitos momentos todos eles escreveram sobre filosofia política educação antropologia etc porém ao abordar questões sociológicas pesquisaramnas no âmbito próprio das Ciências Sociais Por esse motivo as con tribuições de Adorno Horkheimer e Bourdieu são importantes não são palavras apenas de filósofos que prestam serviços às 414 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Ciências Sociais mas de autores que além de filósofos também são cientistas sociais Esperamos que a leitura desta unidade tenha contribuído para alargar a sua formação sociológica e também para desper tar o seu aprofundamento a partir da pesquisa de outros auto res como Georg Simmel 18581919 Norbert Elias 18971990 Charles Wright Mills 19161962 Nicos Poulantzas 19361979 Jürgen Habermas 1929 Jean Baudrillard 19292007 Zyg munt Bauman 19252017 entre outros Fica o convite 6 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Theodor Adorno Disponível em httpswwwescritasorgptestante theodorwadorno Acesso em 26 nov 2019 Figura 2 Max Horkheimer Disponível em httpseducacaouolcombrbiografias maxhorkheimerhtm Acesso em 15 out 2018 Figura 3 Pierre Bourdieu Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombr autorphpcodigo00054 Acesso em 27 nov 2019 Sites pesquisados ANTUNES D C De Frankfurt à Califórnia há continuidade nas pesquisas empíricas da Escola de Frankfurt entre 1929 e 1950 In SEMINÁRIO DE PÓSGRADUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFSCAR 6 São Carlos set 2010 Anais 2010 Disponível em httpwwwufscarbrsemppgfilwpcontentuploads201205DeborahChristina AntunesDeFrankfurtC3A0CalifC3B3rniahC3A1continuidadenas pesquisasempC3ADricasdaEscoladeFrankfurtentre1929e1950pdf Acesso em 26 set 2019 Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The authoritarian personality Tese Doutorado em Filosofia Centro de Educação e Ciências Humanas Universidade Federal de São Carlos São Carlos 2012 415 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Disponível em httpsrepositorioufscarbrbitstreamhandleufscar4791Retido pdfsequence1 Acesso em 27 nov 2019 ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO Pierre Bourdieu e a educação Disponível em https wwwyoutubecomwatchv4O7TET2IGHst10s Acesso em 26 nov 2019 BARROS FILHO C Capital social campo social acadêmico e religioso Disponível em 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httpwwwscielobrpdfesv23n78a05v2378pdf Acesso em 27 nov 2019 EQUIPE ORGONAUTAS A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica imagens de uma reflexão viva 2008 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0XfrUPWet68 Acesso em 26 nov 2019 GONÇALVES A S Do materialismo interdisciplinar à crítica à razão instrumental um estudo sobre o desenvolvimento da Filosofia de Max Horkheimer Dissertação Mestrado em Filosofia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2016 Disponível em httpsrepositorioufubrbitstream123456789184261 MaterialismoInterdisciplinarCriticapdf Acesso em 27 nov 2019 HORKHEIMER M Teoria Crítica e marxismo 1969 Disponível em httpswww youtubecomwatchvoWWvteGCWM Acesso em 26 nov 2019 MARANHÃO C M S A VILELA J R P X Teoria Crítica e pesquisa empírica um estudo sobre Theodor Adorno In ENCONTRO DA ANPAD 34 jan 2010 Rio de Janeiro Anais 2010 Disponível em httpwwwanpadorgbradminpdfeor1044pdf Acesso em 27 nov 2019 416 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 NOGUEIRA C M M NOGUEIRA M A A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu limites e contribuições Educação Sociedade ano 23 n 78 p 1536 abr 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdfesv23n78a03v2378 Acesso em 27 nov 2019 PEREIRA E A T O conceito de campo de Pierre Bourdieu possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira Revista Linhas Florianópolis v 16 n 32 p 337356 setdez 2015 Disponível em httpwwwrevistasudescbrindexphp linhasarticleviewFile1984723816322015337pdf97 Acesso em 27 nov 2019 SILVA F M S P Sobre a investigação social empírica considerações iniciais baseadas no pensamento de Adorno e Horkheimer InterAção Revista da Faculdade de Educação da UFG v 29 n 1 p 131143 janjun 2004 Disponível em httpswwwrevistas ufgbrinteracaoarticleviewFile13351371 Acesso em 27 nov 2019 THIRYCHERQUES H R Pierre Bourdieu a teoria na prática RAP Revista de Administração Pública Rio de Janeiro v 40 n 1 p 2755 janfev 2006 Disponível em httpwwwscielobrpdfrapv40n1v40n1a03pdf Acesso 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6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 Notas marginais sobre teoria e práxis In Palavras e sinais modelos críticos 2 Trad Maria Helena Ruschel Petrópolis Vozes 2005c p 202229 Research project on antisemitism idea of the project Studies in Philosophy and Social Science Institute Social Research New York v IX n 1 p 124143 1941 Research project on antisemitism idea of the project In The stars down to Earth and other essays on the irrational in culture New York Routledge 1994 p 135161 Sobre la situación actual de la investigación social empírica en Alemania In Epistemología y Ciencias Sociales Trad Vicente Gómez Madrid Frónesis Ediciones Cátedra 2001 p 4558 Sobre sujeito e objeto In Palavras e sinais modelos críticos 2 Trad Maria Helena Ruschel Petrópolis Vozes 2005b p 181201 Sociología e investigación empírica In ADORNO T W et al La disputa del Positivismo en la Sociología alemana Trad Jacobo Muñoz Barcelona Grijalbo 1973b p 8199 ADORNO T W et al The authoritarian personality New York WW Norton 1969 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do Esclarecimento Trad Guido Antônio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 2006 ADORNO T W HORKHEIMER M Sociologia e investigação social empírica In ADORNO T W HORKHEIMER M Textos básicos de Sociologia Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1978 p 120131 ANTUNES D C Por um conhecimento sincero no mundo falso Teoria Crítica pesquisa social empírica e The Authoritarian Personality Jundiaí Paco Editorial 2014 BAKHTIN M Marxismo e filosofia da linguagem Trad Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira 9 ed São Paulo Hucitec 1999 BOURDIEU P A economia das trocas linguísticas o que falar quer dizer São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1998 Coisas ditas Trad Cássia Silveira e Denise Pegorin Revisão Técnica de Paula Montero São Paulo Brasiliense 1990 Economia das trocas linguísticas Trad Paula Montero In ORTIZ R org Bourdieu Sociologia São Paulo Ática 1983a p 156183 Escritos de educação 2 ed Petrópolis Vozes 1999 O mercado linguístico In Questões de Sociologia Trad Jeni Vaitsman Rio de Janeiro Marco Zero 1983b p 95107 418 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 O poder simbólico Trad Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 Questões de Sociologia Trad Jeni Vaitsman Rio de Janeiro Marco Zero 1983c Razões práticas sobre a teoria da ação Trad Marisa Corrêa Campinas Papirus 1997 BOURDIEU P Org A miséria do mundo Petrópolis Vozes 1993 CHAUÍ M Iniciação à Filosofia São Paulo Ática 2010 CHOMSKY N Estruturas sintácticas Trad Madalena Cruz Ferreira Lisboa Edições 70 1987 DUARTE R À procura de uma indução especulativa Filosofia e pesquisa empírica Psicologia Sociedade v 13 n 2 p 3448 juldez 2001 HABERMAS J Teoria do agir comunicativo racionalidade da ação e racionalidade social Trad Flávio Beno Siebeneichler São Paulo Martins Fontes 2012a v 1 Teoria do agir comunicativo sobre a crítica da razão funcionalista Trad Flávio Beno Siebeneichler São Paulo Martins Fontes 2012b v 2 O discurso filosófico da modernidade doze lições Tradução de Luiz Sergio Repa e Rodnei Nascimento São Paulo Martins Fontes 2002 HORKHEIMER M A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de Pesquisas Sociais Trad Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro Praga Estudos Marxistas São Paulo n 7 p 121132 mar 1999 Autoridade e família In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008h p 175236 Da discussão do Racionalismo na Filosofia Contemporânea In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008f p 95137 Do problema da previsão nas Ciências Sociais In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008e p 8994 Filosofia e Teoria Crítica In BENJAMIN W et al Textos escolhidos Trad Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha São Paulo Abril Cultural 1975a p 163169 Os Pensadores História e Psicologia In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008b p 1329 419 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 6 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20 La función social de la Filosofía In Teoría Crítica Trad Edgardo Albizu y Carlos Luis Buenos Aires Amorrortu 2003 p 272289 Materialismo e Metafísica In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008c p 3158 Materialismo e moral In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008d p 5988 Notes on Institute Activities Studies in Philosophy and Social Science Institute Social Research New York v IX n 1 p 121123 1941 Observações sobre ciência e crise In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008a p 712 Sobre o problema da verdade In Teoria Crítica uma documentação Trad Hilde Cohn São Paulo Perspectiva 2008g p 139174 Teoria tradicional e Teoria Crítica In BENJAMIN W et al Textos escolhidos Trad Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha São Paulo Abril Cultural 1975b p 125162 Os Pensadores HORKHEIMER M et al Studien über Autorität und Familie Forschungsberichte aus dem Institut für Sozialforschung Lüneburg Dietrich zu Klampen 1987 INSTITUTE OF SOCIAL RESEARCH Antisemitism among american labor report on a research project conducted by the Institute of Social Research Columbia University in 19441945 Texto datilografado não publicado maio 1945 4v JAY M La imaginación dialéctica historia de la Escuela de Frankfurt y el Instituto de Investigación Social 19231950 Versão castelhana por Juan Carlos Curutchet Madrid Taurus 1989 The Frankfurt School in Exile In Permanent exiles essays on the intellectual migration from Germany to America New York Columbia University Press 1985 p 3133 MACHADO I J de R AMORIM H BARROS C R Sociologia Hoje São Paulo Ática 2013 PERRIN A J OLICK J K Translators Introduction before the public sphere In POLLOCK F et al Group experiment and other writings the Frankfurt School on public in Postwar Germany Trad Jeffrey K Olick e Andrew J Perrin CambridgeLondon Harvard University Press 2011 pp XVXXXVIII POLLOCK F Ed Gruppenexperiment ein Studienbericht Pref Franz Böhm Frankfurt am Main Europäische Verlagsanstalt 1955 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS POLLOCK F et al Group experiment and other writings The Frankfurt School on public opinion in postwar Germany Trad Andrew J Perrin e Jeffrey K Olick Cambridge London Harvard University Press 2011 SAUSSURE F Curso de Linguística Geral Organizado por Charles Bally e Albert Sechehaye Trad Antônio Chelini José Paulo Paes e Izidoro Blikstein 27 ed São Paulo Cultrix 2006 WATTERSON B Os dias estão simplesmente lotados São Paulo Best News 1995 v 1 WIGGERSHAUS R A Escola de Frankfurt história desenvolvimento teórico significação política Trad Lilyane DerocheGurgel e Vera de Azambuja Harvey Rio de Janeiro Difel 2002 ZIEGE EM Antisemitismus und Gesellschaftstheorie Die Frankfurter Schule im amerikanischen Exil Frankfurt Suhrkamp 2009 421 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 421 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Objetivos Compreender a formação do Estado brasileiro como episódio singular e próprio à experiência da colonização portuguesa Esclarecer dois equívocos que precisam ser evitados a comparação da de mocracia brasileira com a democracia grega antiga e a comparação entre as formações dos Estados brasileiro e europeu Traçar algumas características do Estado patrimonialista Apresentar alguns aspectos do patrimonialismo segundo Max Weber e au tores brasileiros Promover uma reflexão sobre o processo de formação do Estado brasileiro a partir de uma elite restrita Conhecer aspectos relevantes da burocracia centralizadora do Estado brasileiro Apresentar o fenômeno da cooptação política do coronelismo e outros aspectos relacionados voto de cabresto e mandonismo presentes na his tória do Brasil Conteúdos Diferenças entre a democracia grega antiga e a moderna Distinções entre a formação do Estado brasileiro e o modelo de Estado europeu Conceito de patrimonialismo e sua aplicação no Brasil Função das elites na formação do Estado brasileiro Cooptação política e coronelismo Mandonismo e voto de cabresto UNIDADE 7 422 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 Não se limite a ler apenas esta obra Pesquise e busque em sites livros e revistas materiais complementares sobre os temas abordados 2 Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem o seu estudo Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida de e expanda o seu campo formativo 3 Esta unidade apresenta diversos autores brasileiros Para compreender melhor o contexto de suas obras tornase fundamental ter noção da his tória do Brasil Nesse sentido consulte os vídeos sugeridos a seguir e ou tros para inteirarse do assunto 4 Para complementar seus estudos recomendamos a leitura dos seguintes livros Os Bruzundangas Lima Barreto Minha vida de menina Helena Morley São Bernardo Graciliano Ramos Sujese gordo Machado de Assis e Fogo morto José Lins do Rego 5 No tocante à linguagem cinematográfica sugerimos os seguintes filmes O Auto da Compadecida Brasil 2000 Mauá o imperador e o rei Brasil 1999 Deus e o diabo na terra do Sol Brasil 1964 Guerra de Canudos Brasil 1997 Abril despedaçado Brasil 2001 Baile perfumado Brasil 1996 São Bernardo Brasil 1972 Fogo morto Brasil 1976 Vida de me nina Brasil 2003 6 Enfim para o aprofundamento do tema sugerimos os seguintes vídeos JACKSON A M O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 1 2010 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvafIM8L5h0t21s Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasi leira parte 2 2010 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvrflaiLqJNms Acesso em 27 nov 2019 423 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO TORQUATO L et al Coronelismo e clientelismo 2013 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvFbHCcrvSs4wt171s Acesso em 27 nov 2019 LU LIVROS Coronelismo Enxada e Voto Victor Nunes Leal 2017 Disponí vel em httpswwwyoutubecomwatchvpwqE1SKcWsE Acesso em 27 nov 2019 UNIVERSITÁRIO Coronelismo 2014 Disponível em httpswwwyoutu becomwatchvoFjxluZ0cg Acesso em 27 nov 2019 TV CULTURA ACM Neto Cultura Retrô 23 fev 2012 Disponível em htt pswwwyoutubecomwatchvdGtUIoF3sCwindex2listRDQM Wkg2mbykds Acesso em 27 nov 2019 Coronelismo Telecurso Cultura Retrô 23 fev 2012 Dispo nível em httpswwwyoutubecomwatchvCjcxVvPbfVostart radio1listRDQMWkg2mbykds Acesso em 29 nov 2019 RÁDIO UNISINOS O patrimonialismo brasileiro Bloco 1 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv2psviZrAkhI Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 2 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvALAp9eg53mo Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 3 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvTYDJ4j4eQEI Aces so em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 4 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvPbK9KBmkJc Acesso em 27 nov 2019 CANAL FUTURA Patrimonialismo André Botelho Entrevista 2016 Dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchvgA0u77bLIo0 Acesso em 10 out 2018 OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL Raymundo Faoro diá logo pela democracia Disponível em httpswwwyoutubecom watchvgfgb4knxJXQ Acesso em 27 nov 2019 VALENÇA E M República Oligárquica Brasileira 18941930 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4v5jv2mNlAt2s Acesso em 27 nov 2019 424 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ZANON M A Revisão de texto Capitulo 03 Os donos do poder Ray mundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvqbXBrg1eRq8 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 04 Os donos do poder Ray mundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvmkQBvB8rty0 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 05 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvOdGBy 1xw1M Acesso em 27 nov 2019 425 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 1 INTRODUÇÃO Uma das melhores maneiras de compreender a estrutura nevrálgica de um determinado Estado é questionando no que se baseia sua soberania política No entanto temos aqui um dilema pois para isso tornase imprescindível lançar mão dos processos históricosociais e políticos que de fato constituíram a soberania daquele Estado Nesse sentido o objetivo desta unidade é esclarecer o complexo processo que formou o Estado brasileiro cujo desen volvimento não foi claro e ainda não o é para muitos brasilei ros que ao falar sobre o assunto cometem frequentes e graves equívocos que comprometem ou reduzem a singularidade políti ca do país a meros conjuntos de frases veiculadas Nesse sentido a unidade tentará percorrer três etapas Em primeiro lugar procuraremos desmistificar dois equívocos sobre a natureza do Estado brasileiro a com paração da democracia brasileira com a democracia grega antiga e a comparação do Estado brasileiro com o europeu Em segundo lugar caracterizaremos o estilo burocrático patrimonialista que se fez presente no processo de for mação do Estado brasileiro Em terceiro lugar abordaremos aspectos pontuais da política brasileira como a formação de elite restrita bu rocracia centralizadora e cooptação política Bom estudo 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVERSO POLÍTICO BRASILEIRO Neste primeiro momento abordaremos duas questões equivocadas a respeito da formação da Estado brasileiro a saber a comparação da democracia moderna ocidental e brasileira como uma cópia da democracia grega antiga e a concepção do Estado brasileiro como extensão do processo de abstração do Estado europeu Somente a partir da demolição destes dois equívocos poderemos enfim começar a compreender a formação do Estado brasileiro como um processo singular resultado das práticas de poder e das opções políticas tomadas ao longo do tempo A equivalência entre a democracia moderna brasileira e a antiga O primeiro e mais ingênuo de todos os equívocos é considerar a política brasileira como uma extensão ou evolução linear do conceito de dignidade democrática da polis grega retoricamente engrandecida em discursos ufanistas de palanque desprovidos de sentido cujos efeitos agradam o senso comum mas tendem a descaracterizar a realidade política brasileira No entanto o que pouco se comenta é que a distância entre políti 427 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ca brasileira e ideais democráticos da Antiguidade grega é muito grande Dois pontos podem ser analisados para referenciar essa distinção o conceito de liberdade e a dependência do indivíduo em relação à polis Sobre o conceito de liberdade Benjamin Constant 1985 no texto Da liberdade dos an tigos comparada à dos modernos discorre de modo objetivo sobre as singularidades políticas de cada época Sua tese é a de que o conceito de liberdade grecoromano não é mais adequado aos modelos de liberdade de seu tempo isto é da modernidade Segundo Constant a liberdade dos antigos baseiase no exercício da soberania pública igualmente distribuída entre to dos os cidadãos homem público que diretamente discutem e decidem sobre o que é melhor ou não para a polis com o obje tivo de assegurar o máximo possível o direito e a partilha do po der social Já o conceito de liberdade para os modernos estaria fundado na possibilidade de atuação do indivíduo de modo indi reto e representativo homem particular por meio de pessoas e instituições reconhecidas e eleitas dentro da esfera pública dos mecanismos estatais com o objetivo de garantir a propriedade e as necessidades privadas O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre to dos os cidadãos de uma mesma pátria Era isso o que eles de nominavam liberdade O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios privados e eles chamam liberdade às garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios CONSTANT 1985 p 1516 428 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Dependência do indivíduo em relação à polis A primeira diferença citada oferece margem para com preender a segunda enquanto para a política moderna a ques tão da representatividade política é algo imprescindível para os antigos a política precisa ser o exercício direto do cidadão em relação à polis o que elimina por sua vez os representantes intermediários De fato o cidadão antigo jamais cogitaria a hipótese do isolamento público afastarse do público era o mesmo que trair o próprio sentido da natureza do indivíduo Nas palavras de Ruby era o chamado idiota chamam de idiotés o cidadão so litário que não se envolve nos negócios da Cidade dito também indivíduo isolado insignificante daí deriva idiota incapaz de oferecer alguma coisa aos outros e de deixar traços 1998 p 14 Hannah Arendt na obra A condição humana também faz algumas afirmações a respeito Historicamente é importante notar a diferença entre o despre zo com que nas Cidadesestado gregas eram vistas todas as ocupações nãopolíticas resultantes do fato de que os cidadãos dedicavam quase todo seu tempo e energia à polis e o des prezo anterior mais original e mais antigo pelas atividades que serviam apenas à subsistência ARENDT 2007 p 93 Ou seja na Antiguidade clássica existiu uma radical de pendência do cidadão com relação à polis uma vez que a parti cipação na vida pública era considerada o ápice do agrupamento da vida privada Na política moderna pelo contrário a política da individualidade dos direitos implode as bases fundamentais do ideal de coletividade clássica O que diferencia de modo radical a situação política da mo dernidade relativamente à polis grega é o surgimento da indi vidualidade moderna determinante último da desaparição da 429 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO unidade imediata e transparente dos indivíduos com a vida co munitária TORRES 1989 p 26 Além disso nada mais anacrônico do que tentar comparar a formação democrática do Brasil às premissas da democracia grega o que se percebeu na formação histórica e política do Bra sil não foi uma soberania igualmente distribuída aos cidadãos brasileiros muito menos um esforço de descentralização dessa mesma soberania Para Simon Schwartzman na obra As bases do autorita rismo brasileiro numa tentativa de analisar as ações políticas patrimonialistas e autoritaristas o aspecto básico da formação política brasileira é exatamente a centralização do governo Efetivamente o processo de centralização e crescimento do go verno central se dava em um contexto de conflitos e pressões de todo tipo e grande parte da história política do Brasil gira exatamente em torno do tema centralização vs descentraliza ção SCHWARTZMAN 1988 p 71 A equivalência entre Estado brasileiro e europeu O segundo equívoco de caráter mais técnico é acreditar que a política brasileira pode ser construída apenas com peças retiradas do processo de formação do Estado moderno europeu Segundo Torres 1989 a noção de liberdade e representativida de política está diretamente vinculada ao processo de abstração do Estado que se formalizou definitivamente com o amadureci mento de três características básicas Soberania enquanto a formação da soberania do Es tado moderno se desenvolve do mais particular para o mais abstrato a soberania brasileira tende a se en carnar cada vez mais em elites específicas Ou seja o 430 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO desenvolvimento da ideia de soberania do Estado eu ropeu parte da ideia do Príncipe Maquiavel enquanto representante pessoal do poder até chegar ao Leviatã Hobbes enquanto representante abstrato do poder Na política brasileira a soberania sempre foi individua lizada Na opinião de Carvalho a pessoalidade da sobe rania política brasileira encontrase na elite Os limites de seu poder de decisão eram os limites do poder do governo 1996 p 48 Despersonalização do poder enquanto na formação do Estado europeu a despersonalização do governan te é algo indiscutível Segundo Kantorowicz 1998 a noção dos dois corpos do rei corpo natural e corpo político tornouse um consenso na política moderna europeia Apesar de não ser possível a dissociação uma coisa é o rei enquanto pessoa outra é a Coroa enquanto a lei do reino KANTOROWICZ 1998 A autoridade não está portanto na pessoa do rei mas na Coroa que a ele foi investida Por isso não cabe ao rei ter a posse da Coroa mas administrála Já a formação do Estado brasileiro foi amplamente in fluenciada por processos de personalização com a indi ferenciação entre público e privado sendo uma das marcas mais constantes na história do Brasil uma vez que a posse do que é público parece ser uma necessida de política individual Despatrimonialização do poder enquanto a formação do Estado europeu foi aos poucos assumindo um ca ráter não patrimonialista burocráticoracional a partir das monarquias absolutistas o Estado brasileiro foi in versamente formado sobre a base patrimonial Segundo 431 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Torres 1989 as estruturas estatais despatrimonializa das se consolidaram no Estado europeu principalmente nas áreas da justiça e das finanças públicas No caso da justiça o esforço de superar os julgamentos parciais dos senhores feudais por meio de leis gerais foi um dos progressos do Estado moderno europeu Já no caso das finanças públicas a separação entre a receita pessoal do rei e o cofre do reino oficializou definitiva mente a noção de Estado despatrimonializado 1989 Para o Estado brasileiro a distância entre cofres pes soais e públicos praticamente não existiu em seu pro cesso de formação Na charge da Figura 1 observase uma crítica do cartunista Angeli ao fazer referência ao Leviatã de Hobbes porém compos to não por cidadãos mas por políticos corruptos Fonte Angeli 2007 Figura 1 Corrupção a cara da besta 432 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO As leituras indicadas no Tópico 3 1 tratam da singula ridade do Estado brasileiro que necessita ser compreendido a partir da experiência brasileira e não em comparação a padrões políticos de outros lugares e épocas Neste momen to você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA Após várias delimitações ideológicas podese traçar al gumas características da formação do Estado brasileiro A ideia defendida desde o começo da unidade é justamente a de que a política brasileira possui um status singular inimitável decorren te de uma peculiar formação políticoeconômica cultural e ideo lógica própria da colonização iberoamericana particularmente a de matriz portuguesa Um dos aspectos relevantes para a análise da política bra sileira é a retomada da história da colonização portuguesa ten tando perceber nela quais elementos são fundamentais para a compreensão do processo de formação da política brasileira imperial e republicana De modo geral para os autores que se debruçaram sobre o assunto a colonização portuguesa influen ciou diretamente o tipo de formação política e cidadã da então colônia brasileira Holanda em seu Raízes do Brasil afirma o seguinte No caso brasileiro a verdade por menos sedutora que possa parecer a alguns dos nossos patriotas é que ainda nos associa à península Ibérica a Portugal especialmente uma tradição lon ga e viva bastante viva para nutrir até hoje uma alma comum a despeito de tudo o quanto nos separa Podemos dizer que de 433 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO lá nos veio a forma atual da nossa cultura o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma HOLANDA 2005 p 40 Schwartzman tentando descrever as origens das ações centralizadoras neopatrimonialistas herdadas de Portugal afirma O processo de ocupação espacial do Brasil deve ser visto a par tir do entendimento da própria história portuguesa que parece jamais ter apresentado a estrutura descentralizada característi ca do tipo europeu clássico de organização feudal SCHWARTZ MAN 1988 p 40 Faoro por sua vez buscando responder se de fato existe ou não um pensamento político no Brasil fala abertamente O pensamento político brasileiro na sua origem é o pensamen to político português A colônia a conquista como se dizia nos documentos oficiais prolonga a metrópole interiorizada geograficamente a partir de 1808 culturalmente em cada ato político desde a integração da primeira à última FAORO 1994 p 23 Fernando Uricoechea em seu O minotauro imperial tem uma posição semelhante Historicamente as classes dominantes e as instituições polí ticas brasileiras têm uma textura e uma qualidade tão singu lares quanto a sociedade a que pertenceram Esta sociedade portuguesa ajudou a moldar sua identidade e essência e ao fazêlo deixou sua impressão no comportamento organização e cultura típico delas Assim a gênese delas não é fortuita mas tem uma história longa dilatada secular necessária a história colonial que precedeu o período monárquico do século XIX cujas raízes nativas remontam aos anos de 1520 URICOECHEA 1978 p 23 434 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Enfim a tese de que a colonização portuguesa alterou o ideário político do Brasil prémonárquico é um dado incontestá vel No entanto o que nem todos concordam é se essa influência ajudou ou atrapalhou a formação política brasileira Num extre mo há opiniões que tentam observar aspectos positivos na colo nização portuguesa iberoamericana Richard Morse no outro extremo temos opiniões que julgam que a colonização portu guesa obscureceu os futuros promissores do Brasil Raymundo Faoro e por fim num plano intermediário em diferentes pro porções opiniões que apontam tanto aspectos positivos como negativos nesse processo Vianna Holanda Uricoechea Sch wartzman Carvalho e outros Richard Morse em seu Espelho de Próspero tem como ob jetivo fazer uma análise diferenciada da história e situação da colonização da América confrontando a origem de dois mundos ou de duas formações ideológicas distintas a IberoAmérica de origem espanhola e portuguesa e a AngloAmérica de origem predominantemente inglesa MORSE 1988 Na opinião do autor a colonização iberoamericana não pode ser considerada atrasada subjugada a uma condição de inferioridade e dependência à AngloAmérica A tese de Morse é justamente compreender que a IberoAmérica e a AngloAmé rica tiveram fundações e colonizações diferentes e singulares em vista de determinadas opções e escolhas realizadas em sua préhistória Leituras recentes de A Tempestade de Shakespeare sugerem que Próspero não era um intelectual benevolente e sagaz mas sim o colonizador paranoico de uma ilha encantada a quem o dramaturgo teria profeticamente identificado na aurora e na expansão europeia do ultramar Seguindo essa interpreta ção Próspero se torna no meu ensaio os prósperos Estados Unidos Resguardandome tanto quanto possível do tom re 435 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO criminatório que domina o diálogo nortesul de ambos os la dos pretendo considerar as Américas do Sul não como vítima paciente ou problema mas como uma imagem especular na qual a AngloAmérica poderá reconhecer as suas próprias en fermidades e os seus problemas É sabido que um espelho dá uma imagem invertida Embora as Américas do Norte e do Sul se alimentem de fontes da civilização ocidental que são fa miliares a ambas seus legados específicos correspondem a um anverso e um reverso Assim a metáfora do espelho pareceme apropriada ao caso MORSE 1988 p 13 Dessa forma não haveria motivos para se falar em inferio ridade ou atraso Pelo contrário no processo evolutivo da histó ria das duas colonizações Morse afirma que na préhistória do Novo Mundo a colonização iberoamericana estava num estágio mais avançado do que o da angloamericana a préhistória europeia completamente achatada tornase o pano de fundo para o importante século da colonização do Novo Mundo que revelou que a Espanha e Portugal estavam no outono e a Inglaterra na primavera do poder mundial MORSE 1988 p 21 Já para Faoro 1994 2001 a colonização portuguesa foi responsável por transferir para a colônia as consequências de suas opções políticas e econômicas que desembocaram num es trutural atraso para ambas as nações Na obra Existe um pensa mento político brasileiro Faoro inicia sua reflexão tendo como ponto de partida a Revolução da Dinastia de Avis 1385 que entre tantos elementos importantes trouxe em seu bojo as raí zes da revolução burguesa fundada na política marítima o ger me da descoberta do globo e da expansão do mercado FAORO 1994 p 19 No entanto Faoro observa a frustração de um projeto bur guês e renascentista pósRevolução de Avis perante o tradicio 436 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO nalismo político que acabou predominando no reino e que em vez de incentivar uma revolução burguesa optou em financiar novas descobertas marítimas A partir de então Faoro passa a descrever as escolhas políticas do pensamento português que em seu processo de formação tinha dois caminhos à sua frente um deles prescindiria da cultura marítima e o levaria ao pensa mento moderno europeu de vertente industrial e burguesa o outro o caminho do tradicionalismo político que prescindiria da cultura renascentista europeia e da burguesia local e o levaria ao reino cadaveroso O problema é que Portugal optou pelo segundo caminho sepultando de uma vez por todas o seu futuro e o futuro do Brasil FAORO 1994 p 2425 Com isso segundo Faoro o Reino de Portugal passou a se isolar cada vez mais do restante da Europa em virtude de suas escolhas políticas Pelo fato de não ter constituído uma econo mia interna consistente de iniciativa privada que na verdade foi constantemente barrada pelos interesses públicos da Coroa Portugal começou a ter dificuldades financeiras a partir do momento em que o negócio com as Índias entrou em crise Para agravar mais ainda a situação e decretar a definitiva vitória do reino cadaveroso o tradicionalismo político ganhou cada vez mais força barrando assim qualquer esforço humanista no reino FAORO p 1994 p 28 Na obra Os donos do poder Faoro continua com seu tom pessimista afirmando que após um curto momento de euforia promovida pela Revolução de Avis aos poucos o progresso eco nômico foi se incrustando no reino Ao ferir a iniciativa privada e redimensionar uma burocracia estamental e não racionallegal a Coroa acabou barrando o crescimento e a revolução industrial burguesa no reino formando um capitalismo nacional e patri monialista que se voltou à subsistência da corte e não à circu 437 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO lação do capital fadado assim a agonizar ao longo dos próximos séculos Para o autor nem o açúcar do Brasil nem o ouro de Mi nas Gerais ou os escravos africanos poderiam salvar um sistema econômico que já estava comprometido e fadado a fracassar em suas bases Confira um trecho significativo Esta realidade impedindo a calculabilidade e a racionalidade tem efeito estabilizador sobre a economia Dela com seu ar bítrio e seu desperdício de consumo não flui o capitalismo in dustrial nem com este se compatibiliza O capitalismo possível será o politicamente orientado a empresa do príncipe para alegria da corte e do estadomaior de domínio que a aprisiona A indústria a agricultura a produção a colonização será obra do soberano por ele orientada evocada estimulada do alto em benefício nominal da nação Todo o influxo externo de produção de bens ou de aquisição de técnicas sofre o efeito triturador e nacionalizador do estamento que retarda a mo dernização do país A árvore submetida ao oxigênio viciado de estufa não perece produz sempre os mesmos frutos cada vez mais pecos sem polpa amarelos Enquanto o mundo corre o seu destino a Península Ibérica mesmo túrgida com as colô nias americanas para as quais transferirá sua herança política e administrativa esfria e se congela A nobreza funcionária pobre de horizontes mais amplos teimosamente empenhada em viver o seu estilo de vida amortalhase nas roupas de con quista mumificase com a própria carne O mercantilismo que arrastara o Estado a mercadejar devoravase a si próprio comendo a cauda impedindo o setor particular de florescer ele submete a fidalguia a uma perigosa dieta entre a fome e a morte A crise atingindo a nobreza fere todo o reino sobre o qual ela incrusta suas unhas envenenadas Nem o açúcar do Brasil nem o escravo africano nem o ouro de Minas Gerais nada salvará este mundo condenado à mansa agonia de mui tos séculos FAORO 2001 p 9697 Com isso fica claro para Faoro 2001 que na história do Brasil houve a formação de uma herança estamental que aca 438 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO bou concentrando o poder nas mãos de uma minoria Tratase portanto de uma herança encrustada que se projetou numa ca mada institucional atrasada e numa elite aristocrática sem auto nomia Logo as nações e colônias que estiveram presas a esse estamento congelado português foram impedidas de uma mo dernização adequada E isso pelos seguintes motivos porque o Estado brasileiro historicamente passou por um tipo de modernização imposta do alto e pelos in teresses da minoria que não têm noção do atraso que estão atraindo para si FAORO 2001 porque o Estado brasileiro sempre optou por uma mo dernização alternativa e aquém daquela que redimen sionou as sociedades europeias nos séculos 18 e 19 FAORO 2001 porque o Estado brasileiro passou por uma moderni zação sem burguesia ou seja pelo viés da adaptação de um Iluminismo pombalino ausente de luzes liberais para assim promover um projeto de progresso amorfo e sepultado nos ideais estéreis de um patrimonialismo absolutista FAORO 2001 439 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Figura 2 Os donos do poder Vianna 1987 Uricoechea 1978 e Schwartzman 1988 também demonstram reflexões interessantes sobre esse aspec to que em geral e guardadas as devidas proporções acabam afirmando a existência de uma espécie de hibridismo como re sultado da síntese de elementos racionais e tradicionais decor rentes da colonização portuguesa e do processo de formação da política brasileira Segundo Vianna 1987 a colonização portuguesa legou para o Brasil uma combinação de patriarcalismo não tão iden tificado nos aspectos urbanos da metrópole e sim de cunho ru ralista porém despótico que transformou a estável e potencial 440 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO hierarquia feudal numa forma de feudalismo malacabado re mendado cujas consequências mais marcantes foram a crença na onipotência do Estado a ausência de uma consciência nacio nal a criação de clãs e a cultura da patronagem e do clientelismo Eis aí a particularidade nossa a particularidade da nossa orga nização social todas essas classes rurais que vemos no ponto de vista dos interesses econômicos separadas desarticuladas pulverizadas integramse na mais íntima independência para os efeitos políticos O que nem o meio físico nem o meio eco nômico podem criar de uma forma estável à semelhança do que acontece no Ocidente criao a patronagem política a soli dariedade entre as classes inferiores e a nobreza rural VIANNA 1987 p 144 Fernando Uricoechea na obra O minotauro imperial tam bém afirma uma ideia semelhante ao defender a tese do hibri dismo político do Estado brasileiro a grande peculiaridade da formação política do Brasil na realidade é ter conseguido fun dir no seu processo de formação tanto elementos modernos e ao mesmo tempo formas de governo tradicionais por meio de cooptações administrativas com o poder local URICOECHEA 1978 Noutras palavras a política brasileira adaptou o legado bu rocrático português a elementos próprios da administração lo cal constituindo assim uma formação híbrida própria tal qual a figura mítica do Minotauro metade homem metade quadrú pede Com isso tendo como base teórica Max Weber Uricoe chea afirma que esse processo conteria o surgimento de uma burocracia patrimonial Ao final da era colonial o estado brasileiro num modo tipica mente patrimonial exibia uma combinação de por um lado uma autoridade altamente centralizada em cujo topo estava o monarca português e as camadas mais elevadas burocratiza 441 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO das da administração real e de outro lado um poder altamen te descentralizado monopolizado pelos senhores da terra na sua capacidade de autoridades delegatórias de funções patri moniais URICOECHEA 1978 p 49 Para Uricoechea essa ideia de burocracia patrimonial con segue representar a formação política brasileira de forma mais adequada do que os conceitos de estamento burocrático de Raymundo Faoro e de clã de Oliveira Vianna O próprio We ber no texto A psicologia social das religiões sociais admite que em determinados contextos há sim a possibilidade de um hibridismo racionaltradicional Seremos forçados repetidamente a criar expressões como bu rocracia patrimonial para deixar bem claro que os traços carac terísticos do respectivo fenômeno pertencem em parte à forma racional de domínio ao passo que outros traços pertencem à forma tradicionalista de domínio neste caso à dos estamentos WEBER 1982b p 344 Já as considerações de Schwartzman em seu livro As bases do autoritarismo brasileiro têm como ponto de partida a tese levantada por Raymundo Faoro procurando entender a forma ção histórica do Brasil a partir de uma polarização estrutural e política na qual há de um lado a existência do Estado patrimo nial e de sua burocracia estatal asfixiante e de outro a socie dade civil coagida dominada e intimidada pela máquina estatal centralizadora É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil fraca e pouco articulada Não se trata de afirmar que no Brasil o Estado é tudo e a sociedade nada O que se trata é de entender os padrões de relacionamento entre 442 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Estado e sociedade que no Brasil tem se caracterizado através dos séculos por uma burocracia estatal pesada todopodero sa mas ineficiente e pouco ágil e uma sociedade acovardada submetida mas por isto mesmo fugidia e frequentemente re belde SCHWARTZMAN 1988 p 14 Segundo o autor esse padrão de predomínio do Estado fez com que se estabelecessem historicamente duas características predominantes com base na ideia de estamentos burocráticos de Fao ro o Estado ganha um status de sistema burocrático e administrativo chamado de neopatrimonialista SCH WARTZMAN 1988 p 14 a partir do momento em que se moderniza essa estru tura burocrática estamental surge então uma segunda característica o despotismo burocrático SCHWARTZ MAN 1988 p 14 O grande objetivo de Schwartzman é tentar justamente fa zer uma reflexão sobre a ideia de Estado neopatrimonial da atua lidade levando em consideração todo seu aparato burocrático e poder centralizador O objetivo é discutir essas questões em nível conceitual para aplainar o caminho à análise posterior Nele chegaremos à conclusão de que a análise política contemporânea deve recu perar o conceito de patrimonialismo que embora utilizado por Max Weber sobretudo para se referir a sociedades tradicionais de determinado tipo parecenos de grande atualidade e impor tância A expressão neopatrimonialismo talvez seja adequa da para aplicarse ao sentido atual do conceito como veremos mais adiante SCHWARTZMAN 1988 p 53 Schwartzman apresenta o conceito de patrimonialismo partindo da concepção weberiana O termo patrimonialismo 443 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO um conceito fundamental na sociologia de Max Weber é usado para se referir a formas de dominação política em que não exis tem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e pri vada 1988 p 57 Dessa maneira para o autor o conceito de Estado Patrimonial definese como aquele que procura dominar todos os setores civis da sociedade como se fossem extensões estatais centralizando assim suas ações e impedindo com isso o aparecimento de forças autônomas No entanto adverte Schwartzman apesar de semelhan tes não se pode confundir patrimonialismo com feudalismo Nesse sentido duas diferenças se apresentam primeiro a maior concentração do poder discricionário que se faz presente nos sis temas patrimoniais e segundo o vínculo de dependência que se cria com a dominação patriarcal e patrimonial dependência radical essa que não se observa entre rei e senhores feudais É precisamente neste sentido que os estados modernos que se formaram à margem da revolução burguesa podem ser considerados patrimoniais Este patrimonialismo moderno ou neopatrimonialismo não é simplesmente uma forma de sobre vivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâ neas mas uma forma bastante atual de dominação política por um estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio ou seja pela burocracia e a chamada classe política SCHWARTZMAN 1988 p 59 Portanto ao falar de patrimonialismo moderno o autor substitui o seu caráter tradicional e medievo por uma caracteri zação burocráticolegalracional própria de uma sociedade que aderiu apenas em partes ao processo de formação dos Estados modernos Ou seja em tais sociedades como a brasileira a re lação de poder ainda continua sendo absoluta e patrimonialista porém agora sintetizada nos padrões burocráticos das socieda 444 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO des europeias Mais uma vez observase um hibridismo decor rente da colonização portuguesa Parece razoavelmente claro que o patrimonialismo do tipo europeu ocidental no período dos regimes absolutistas era bastante diferente das outras versões A principal diferença consiste no fato de que o patrimonialismo europeu ocidental se apoiava no surgimento da burguesia no final do processo o sistema de dominação legal herdeiro dos regimes absolutis tas era fortemente contratual e bem apropriado ao capitalismo moderno Esses Estados brasileiros são é certo capazes de se modernizar e racionalizar sua burocracia mas sua base de poder e seus sistemas políticos serão necessariamente bem diferentes dos das democracias ocidentais SCHWARTZMAN 1988 p 6465 Com isso fica evidente a impossibilidade de compreensão do Estado brasileiro a partir de matrizes europeias e modernas tipicamente de vertente inglesa ou francesa A revolução política pela qual passou o Brasil apesar das características burocráticas presentes em sua formação patrimonialista não consegue tra duzir nem uma formação estatal feudalista nem uma formação estatal abstrata racionallegal Como no entanto o Estado de hoje não é a mesma coisa do que o Estado do século XVIII da mesma forma que o Estado brasileiro é profundamente distinto do Estado francês ou so viético tornase necessário deixar de lado essa tradição do pensamento liberal e partir para uma perspectiva que tome em conta essas variações SCHWARTZMAN 1988 p 59 O que há no ideário político brasileiro é uma formação amalgamada de características maquiavélicas inerentes a um Leviatã soberano sem pacto personalizado até as últimas conse quências e bem focado nos interesses burocráticos que melhor representam os interesses de uma pequena elite privilegiada da 23 ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO FORMAÇÃO DE UMA ELITE RESTRITA DE UMA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E DE UMA COOPTAÇÃO POLÍTICA O objetivo aqui não é comparar matrizes políticas europeias e brasileiras pois como diz Morse 1988 o que se deve promover é a singularidade das escolhas políticas iberoamericana e angloamericana e não a sua hierarquização ou confronto Dessa maneira com o intuito de melhor compreender a singularidade política brasileira algumas correlações serão realizadas Foram apresentadas anteriormente quatro características do processo de formação do Estado moderno europeu a soberania a burocracia racionallegal a despersonalização e a despatrimonialização Levando em consideração esses elementos é possível encontrar alguns aspectos esclarecedores do contexto político brasileiro Com relação ao primeiro aspecto não há dúvida alguma de que o Estado brasileiro é soberano E qual seria então a diferença O contraste ideológico como o modelo de soberania veiculado na Europa reside justamente no caráter pessoal e passional das lideranças que assumem os cargos soberanos A ideia de sobera 446 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO nia como algo público despersonalizado em caráter de investi dura que faz dos governantes apenas representantes e adminis tradores do poder e não os seus donos durante muito tempo foi mal compreendido na política brasileira O poder a soberania nominalmente popular tem donos que não emanam da nação da sociedade da plebe ignara e pobre FAORO 2001 p 379 Podese dizer que a soberania política brasileira está muito mais próxima da autoridade do Príncipe de Maquiavel que reduz ao governante a autoridade que deveria ser impessoal do que da soberania do Leviatã que abstrai a personificação natural particular e pessoal e a torna artificial universal e impessoal Segundo Carvalho 1996 a soberania representativa do Brasil em especial no período imperial ficou reduzida a um clu be de elite que durante muito tempo manteve o poder em suas mãos Para o autor a circulação por cargos era uma forma de manter o poder do clube nas mãos das mesmas pessoas e com isso não correr o risco de fragmentar os ideais políticos do Esta do imperial Para se ter uma ideia da seletividade do clube e da mobilidade interna basta dizer que durante os 67 anos que durou o Impé rio elegeramse 235 senadores e foram nomeados 219 minis tros e 72 conselheiros de Estado contando apenas o segundo Conselho num total de 526 posições que foram preenchidas por apenas 342 pessoas CARVALHO 1996 p 112 Segundo Carvalho o itinerário daquele que aspirava à car reira política imperial tinha como ponto de partida o diploma em cursos superiores de preferência Direito Assim com a titulação adequada o apoio da família e a indicação de um patrono de destaque no cenário nacional ou provincial aos poucos o indiví duo ia progredindo no cenário político imperial 447 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO O fato é que a carreira política da elite imperial não era fácil mas uma vez dentro do clube era também muito difícil sair dele CARVALHO 1996 Com isso o que o autor percebeu foi um projeto de formação de uma elite restrita cuja soberania pudesse estar nas mãos de poucos e se possível dos mesmos em consonância com a velha tática centralizadora da coloniza ção portuguesa privilegiar o centro e abafar a autonomia das periferias Os dados apresentados sobre educação ocupação e carreira política permitemnos concluir que existiu no Brasil um gru po especial de políticos distinto do que se formou nos outros países da América Latina A especificidade desse grupo muito provavelmente não era devida à origem social Ela se prendia à socialização e treinamento deliberadamente introduzidos para garantir determinada concepção de Estado e capacidade de governo Tanto liberais como conservadores nos períodos turbulentos de consolidação do poder quando várias alternati vas se colocavam como viáveis politicamente concordavam em alguns pontos básicos referentes à manutenção da unidade do país à condenação de governos militares de estilo caudilhesco e absolutista à defesa do sistema representativo à manuten ção da monarquia e sem dúvida também à necessidade de preservar a escravidão CARVALHO 1996 p 124 No tocante a burocracia despersonalização e despatri monialização do poder não poderia haver elemento mais im pactante para entender essas questões do que lançar mão dos processos estratégicos do Estado patrimonial a cooptação o clientelismo o coronelismo e o mandonismo Tratase de proces sos de vertente amplamente patrimonial que como o próprio nome já diz ao contrário do processo de despatrimonialização e despersonalização tende a confundir ou a não separar rigoro samente as esferas de atividades públicas e privadas Com isso a ideia da formação de um Estado abstrato fica comprometida 448 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pois boa parte dos esforços burocráticos da administração esta tal passava pelo viés dos interesses pessoais Schwartzman para falar da cooptação e do clientelismo faz alguns comentários sobre as contradições estruturais e bu rocráticas do Estado patrimonial moderno a estrutura patrimo nial moderna pelo fato de ser também amplamente burocrática tende a crescer no entanto ao crescer e se tornar mais comple xa tende a se subdividir tornandose assim uma ameaça cons tante para o poder central e seu caráter autoritarista À medida que cresce o domínio patrimonial também cresce a necessidade de se delegar poderes e autoridade ao mesmo tempo que se reduz a factibilidade do controle central Além disso os mantenedores da delegação patrimonial tendem a re ceber seus postos como prebendas políticas e a usálos como propriedade particular SCHWARTZMAN 1988 p 6364 Logo como já apresentado a forma de o Estado neopatri monial evitar essa subdivisão e uma eventual descentralização de sua autoridade é a cooptação política um recurso estratégico que por meio de favores prestações de serviços empregos etc visa anular possíveis forças autônomas ou até impedir que elas se afirmem perante o poder central No caso brasileiro a coexistência de um Estado com fortes ca racterísticas neopatrimoniais levou no passado à tentativa de organização da sociedade em termos corporativos tradicionais criando uma estrutura legal de enquadramento e represen tação de classes que perdura até hoje Ao mesmo tempo no entanto o mercado se expandia a sociedade se tornava mais complexa e formas autônomas de organização e participação política eram criadas O termo cooptação política utilizado neste livro busca captar o tipo de relacionamento entre estes dois sistemas de participação ou seja o processo pelo qual o Estado tratava e ainda trata de submeter à sua tutela formas autônomas de participação SCHWARTZMAN 1988 p 67 449 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Como exemplos históricos de cooptação Schwartzman cita os casos do Ministério do Trabalho do Sistema Previdenciário e do PTB uma parte importante do sistema de cooptação criado a partir do regime Vargas foi o Ministério do Trabalho e o siste ma previdenciário mais tarde transformados em capital político do Partido Trabalhista Brasileiro SCHWARTZMAN 1988 p 67 Com isso fica evidente para o autor a existência de um Estado forte e soberano centralizador patrimonialista cerceador das autonomias populares cuja estratégia é acordo cooptativo entre a burocracia administrativa e as lideranças locais A existência de Estado forte centralizado e de tipo patrimonial impediu a emergência de grupos políticos autônomos não permitiu o estabelecimento de mecanismos de disputa política através de negociações diretas e estimulou a criação de rela ções de dependência entre o Estado central e os diversos gru pos sociais cada qual buscando seus privilégios especiais em um contexto de dependência e subordinação SCHWARTZMAN 1988 p 6768 Carvalho segue um itinerário semelhante a Schwartzman ao tentar apresentar a cooptação política como forma de ma nutenção da burocracia e centralização do poder Apesar de patrimonial o Estado brasileiro imperial possuía uma estrutura burocrática muito complexa Aliás para Carvalho a burocracia era a forma mais legítima da vocação das elites imperiais a elite política imperial tinha um relacionamento tão estreito com a bu rocracia estatal que Joaquim Nabuco desenvolve o argumento de que a escravidão ao fechar alternativas econômicas para grande parte da popu lação livre fazia com que o funcionalismo público se tornasse a vocação de todos CARVALHO 1996 p 129 Isso quer dizer que só tinha perspectiva de futuro aquele que adentrasse na burocracia estatal 450 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Na observação de Carvalho o corpo burocrático da elite imperial poderia ser compreendido de dois modos verticalmen te por estratificação de funções e horizontalmente por estra tificação salarial hierárquica e social Tanto no caso da estra tificação vertical como na horizontal Carvalho apresenta uma divisão por setores o civil o eclesiástico e o militar Cada setor possui uma estratificação própria que depende do grau de pro fissionalização e do grau da natureza política das atribuições do indivíduo Para melhor compreender essa estratificação interna de cada setor Carvalho organiza níveis hierárquicos distintos para o corpo burocrático burocracia política burocracia diretorial bu rocracia auxiliar e burocracia proletária As conclusões do autor são as seguintes alguns setores como o militar o judiciário parte do civil e eclesiástico conseguiram maior unidade insti tucional fornecendo portanto mais membros à elite política quanto mais se desce nos níveis da burocracia menor é o salário quanto mais se sobe nos níveis da burocracia menor é a quantidade de pessoas nos cargos ou seja poucos ga nham muito e muitos ganham pouco CARVALHO 1996 p 130133 No entanto para Carvalho a divisão burocrática também poderia acontecer ocorrer em níveis geográficos central pro vincial e local Para melhor compreender como acontecia esse processo o autor analisa as burocracias que giravam em torno de três funções básicas do Estado controle realizado pelos apa relhos judicial policial e militar extração de recursos realizada 451 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pelo Ministério da Fazenda e distribuição dos recursos realiza da Ministério do Império e da Agricultura e Obras Públicas O autor chamou o primeiro tipo de ação de burocracia coercitiva o segundo de burocracia extrativa e o terceiro de burocracia distri butiva CARVALHO 1996 p 134136 Analisando esse processo burocrático Carvalho percebeu uma espécie de acúmulo excessivo no nível nacional da burocra cia distributiva porém praticamente nenhum cargo representa tivo no nível local Com a ausência de um poder executivo mu nicipal independente do legislativo a ação distributiva ficava na dependência da iniciativa dos líderes locais Isso mostra o quanto o sistema político brasileiro ao contrário do governo americano depende da centralização do funcionalismo público As afirmações de Uruguai têm validade plena no que se refe re às tarefas distributivas ligadas ao desenvolvimento social à promoção da educação e da saúde e do desenvolvimento eco nômico como a construção de obras públicas a assistência téc nica e creditícia etc Para tais tarefas a ação do governo cen tral parava nas capitais das províncias com as únicas exceções dos serviços de correios e das incipientes estradas de ferro Os únicos agentes do governo central no nível local eram os pá rocos que no entanto se limitavam às tarefas de registro de nascimentos casamentos e óbitos A ação dos párocos era mais importante na área políticaeleitoral do que na administrativa Os próprios municípios aliás não possuíam um Executivo inde pendente do Legislativo Daí ficar a ação distributiva na depen dência da iniciativa dos poderosos locais CARVALHO 1996 p 138 Carvalho fala então dos compromissos e cooptações que o Estado brasileiro se via forçado a fazer com os poderosos locais para manter essa estrutura burocrática complexa do nacional ao local Para tanto faz referência a Weber mais especificamente aos tipos de administração que o autor chamou de litúrgicos 452 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO na ausência de suficiente capacidade controladora própria os governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos em geral proprietários rurais em troca da confirmação ou con cessão de privilégios CARVALHO 1996 p 142 Em consonân cia com Uricoechea 1978 Carvalho 1996 cita o exemplo da Guarda Nacional e a nomeação de inspetores e delegados de po lícia em troca de apoio político Uma argumentação clássica com relação à cooptação e ao clientelismo é realizada por Victor Nunes Leal ao apresentar os conceitos de coronelismo e mandonismo Segundo Leal 1975 o termo coronelismo vem da ex tinta Guarda Nacional do Império que lutou nas Guerras do Pa raguai 1851 e Uruguai 1870 e com a Proclamação da Repú blica foi abolida durante a República Velha A Guarda Nacional era comum em toda cidade e o posto de coronel era dedicado ao chefe político do município que poderia ser algum rico fazen deiro ou comerciante Com o tempo mesmo após a extinção da Guarda Imperial 1922 o termo coronel ainda continuou sen do usado para designar aquele indivíduo poderoso que coordena e manda na política da cidade Em sua obra Coronelismo enxada e voto Leal tenta com preender e expor a relação existente entre o regime político representativo e as lideranças locais cooptadas por privilégios políticos em troca de eleitores locais Para Leal o coronelismo é basicamente a troca de favores entre poder público e chefes locais cuja referência primeira é prestar serviços para a política local dos coronéis em troca de seus eleitores cativos Por isso mesmo o coronelismo é sobretudo um compromis so uma troca de proveitos entre o poder público progressiva mente fortalecido e a decadente influência social dos chefes locais notadamente dos senhores da terra Não é possível 453 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO pois compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutu ra agrária que fornece base de sustentação das manifestações do poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil LEAL 1975 p 20 O aspecto fundamental que predomina na figura do co ronel é o da liderança Entra aqui um aspecto até então não falado o eleitorado de cabresto Nesse contexto o coronel é aquele que garante a votação e a eleição dos seus candidatos protegidos voto de cabresto os quais por sua vez têm a função de apoiar os interesses do coronel no poder central recebendo assim dos seus candidatos eleitos cargos novas cooptações verbas melhorias locais como estradas escolas obras públicas etc Quanto maior é o lote de votos de cabresto isto é quanto maior é o grupo de eleitores que o coronel domina maior é o seu prestígio político no poder central Qualquer que seja entretanto o chefe municipal o elemento primário desse tipo de liderança é o coronel que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto A força eleitoral emprestalhe prestígio político natural coroa mento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras LEAL 1975 p 23 O coronel é muito mais do que um simples representante político ele é a figura paternalista e patrimonialista da liderança local por meio de serviços assistenciais remédios alimentação trabalho etc ele faz a mediação com o poder público central que se encontra ausente atuando assim como autoridade e conselheiro local Portanto não obedecer às ordens do coronel é perder a segurança de todos os benefícios que ele traz para a cidade Exerce por exemplo uma ampla jurisdição sobre seus dependentes compondo rixas e desavenças e proferindo às ve 454 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO zes verdadeiros arbitramentos que os interessados respeitam LEAL 1975 p 23 A figura do coronel é de extrema importância para a popu lação pobre e ignorante dos seus direitos políticos o sertanejo tem medo de cogitar a hipótese da falta do coronel afinal tudo depende dele Para quem nada tem receber inúmeros benefí cios públicos faz dele um herói A escola a estrada o correio o telégrafo a ferrovia a igreja o posto de saúde o hospital o clube o campo de football a linha de tiro a luz elétrica e rede de esgotos a água encanada tudo exige o seu esforço às vezes um penoso esforço que che ga ao heroísmo É com essas realizações de utilidade pública algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio político enquanto outras podem requerer contribuições pes soais suas e dos seus amigos é com elas que em grande parte o chefe municipal constrói ou conserva sua liderança política LEAL 1975 p 37 Outro elemento de grande destaque no coronelismo são os favores pessoais de toda ordem que refletem justamente a incapacidade administrativa do município pois grande parte desses favores se concretizava em indicações de cargos públicos Dessa forma o apoio político do coronel é um fato crucial tanto para ganhar uma eleição como para perseguir os adversários e inimigos da oposição relações essas que raramente eram cor diais e amigáveis a outra face do filhotismo é o mandonismo que se manifesta na perseguição aos adversários para os ami gos pão para os inimigos pau LEAL 1975 p 39 O compromisso da palavra com o coronel é regra geral a regra é ser honrado o compromisso que no município se firma de homem para homem e a quebra de sua palavra repugna tan 455 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO to ao chefe local quanto o exaspera a traição de companheiros LEAL 1975 p 41 O fato é que a ausência do poder público no município au menta cada vez mais o poder do coronel haja vista que é ele quem faz o papel de mediador com os poderes públicos Além disso a ausência de grupos políticos que representem os interes ses dos trabalhadores deixa para o coronel a responsabilidade de coletar os votos a rarefação do poder público em nosso país contribui muito para preservar a ascendência dos coronéis já que por esse motivo estão em condições de exercer extraoficialmente grande número de funções do Estado em relação aos seus de pendentes LEAL 1975 p 42 Há uma espécie de reciprocidade entre coronel e poder público um elemento precisa do outro o coronel oferece votos aos candidatos eleitos e os políticos eleitos oferecem empregos obras benefícios públicos ao coronel Se o coronel não tem vo tos para oferecer o governo não retribui os favores se o gover no não retribui os favores o coronel não tem como manter seu prestígio e consequentemente a sua quantidade de votos É claro portanto que os dois aspectos o prestígio próprio dos coronéis e o prestígio de empréstimos que o poder público lhe outorga são mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tempo como determinantes e determinados Sem a li derança do coronel formada na estrutura agrária do país o governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reci procidade e sem essa reciprocidade a liderança do coronel ficaria sensivelmente diminuída LEAL 1975 p 43 O objetivo do coronel é fazer com que a quantidade dos seus votos seja alta o bastante para o Governo ter em sua lista de prioridades tanto a concretização de favores pessoais nomea ção de cargos estaduais e federais como de favores públicos 456 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO obras para o município LEAL 1975 p 4445 Entre os cargos mais importantes para o coronel está o de delegado e de sub delegado pois ter a polícia sob sua tutela é sempre um ótimo negócio LEAL 1975 p 47 É nesse sentido que tendo inclusive a polícia e outros cargos administrativos sob sua tutela há uma falta de autonomia do município o que fortalece a autonomia do coronel em termos extralegais Ao lado da falta de autonomia legal os chefes muni cipais governistas sempre gozaram de uma ampla autonomia extralegal É justamente nessa autonomia extralegal que consiste a cartabranca que o governo estadual outorga aos cor religionários locais em cumprimento da sua prestação no com promisso típico do coronelismo LEAL 1975 p 51 A consequência mais lógica é portanto o cego apoio ou o simples fechamento de olhos por parte das autoridades es taduais com relação às ações do coronel Para Leal o coronelis mo é fruto de uma decadência evidente pois não passa de uma mesquinha forma de sobrevivência tanto da pobreza das famílias que dele dependem como também do constante sacrifício da autonomia municipal que padece em seus representantes le gais Em síntese segundo o autor a melhor prova da decadência do coronelismo consiste neste fato é do sacrifício da autono mia municipal que ele tem se alimentado para sobreviver LEAL 1975 p 56 457 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Fonte Laerte apud MACHADO AMORIM BARROS 2013 p 300 Figura 3 Consciência coletiva do voto Enfim percebese perante os aspectos apresentados uma forte marca burocrática sem dúvida alguma de vertente racio nal weberiana porém também uma evidente força patrimonia lista elemento inerente ao âmbito da autoridade tradicional Retomando os discursos de Schwartzman Vianna e Uricoechea podese perceber de fato uma tendência híbrida de elementos modernos e tradicionais 458 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO As leituras indicadas no Tópico 3 3 tratam das temáticas da elite restrita da burocracia centralizadora e da cooptação política no processo de formação do Estado brasileiro Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 7 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte integrante do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in dispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS Para relembrar as questões relacionadas à formação sin gular do Estado brasileiro e aos equívocos ao comparálo com padrões políticos de outros tempos e lugares democracia grega antiga e Estado europeu leia os seguintes artigos CABRAL NETO A Democracia velhas e novas controvér sias Estudos de Psicologia v 2 n 2 p 287312 1997 459 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Disponível em httpwwwscielobrpdfepsicv2n2 a05v02n2pdf Acesso em 28 nov 2019 CONSTANT B Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Disponível em httpwwwfafich ufmgbrluarnautConstantliberdadepdf Acesso em 28 nov 2019 VILANI C Democracia antiga e democracia moder na Cadernos de História Belo Horizonte v 4 n 5 p 3741 dez 1999 Disponível em httpperiodi cospucminasbrindexphpcadernoshistoriaarticle view16971821 Acesso em 28 nov 2019 32 ESTADO PATRIMONIALISTA Para conhecer mais sobre as características do Estado pa trimonialista brasileiro acesse os artigos referenciados a seguir CAMPANTE R G O patrimonialismo em Faoro e We ber e a Sociologia brasileira Dados Revista de Ciên cias Sociais Rio de Janeiro v 46 n 1 p 153193 2003 Disponível em httpwwwufjfbrvirgiliooliveira files201410Texto04Campante2003pdf Acesso em 28 nov 2019 COUTO E P As raízes do patrimonialismo de Estado no Brasil Revista Habitus Revista da Graduação em Ciên cias Sociais do IFCSUFRJ Rio de Janeiro v 14 n 1 p 100112 nov 2016 Disponível em httpsrevistas ufrjbrindexphphabitusarticleview114798429 Acesso em 28 nov 2019 PORTELA JUNIOR A Florestan Fernandes e o conceito de patrimonialismo na compreensão do Brasil Plural Revista do Programa de PósGradução em Sociologia da USP São Paulo v 19 n 2 p 927 2012 Disponível em wwwre vistasuspbrpluralarticledownload7443378054 Acesso em 28 nov 2019 SILVEIRA D B Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro uma reinterpretação do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda Raymundo Faoro e Oliveira Vianna Disponível em httpwwwpublicadireitocombrconpediman ausarquivosanaisXIVCongresso081pdf Acesso em 28 nov 2019 TAVARES P V FONSECA P C D Estamento burocrático e intencionalidade Raymundo Faoro Florestan Fernandes Revista de Economia Política e História Econômica n 16 p 5674 jan 2009 Disponível em httpprofessorufrgsbrpedrofonsecafilesestamentoburocraticopdf Acesso em 28 nov 2019 33 ELITE RESTRITA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOPTAÇÃO POLÍTICA Por fim para compreender e aprofundar temáticas como elite restrita burocracia centralizadora e coopt ação política no processo de formação do Estado brasileiro sugerimos as leituras dos seguintes artigos ARRUDA L G L Apontamentos sobre mandonismo coronelismo e clientelismo continuando o debate conceitual In SÍMPO SIO NACIONAL DE HISTÓRIA CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIALÓGO SOCIAL 27 jul 2013 Natal Anais 2013 Disponível em httpsnh2013 461 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO anpuhorgresourcesanais271390337697ARQUI VOApontamentospdf Acesso em 28 nov 2019 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo cliente lismo uma discussão conceitual Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Dispo nível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS001152581997000200003lngennrm isotlngpt Acesso em 28 nov 2019 MARTINS P E M MOURA L S IMASATO T Corone lismo um referente anacrônico no espaço organizacio nal brasileiro contemporâneo Revista OS Salvador v 18 n 58 p 389402 julset 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfosocv18n58a03v18n58 pdf Acesso em 28 nov 2019 OLIVEIRA J F Origens desenvolvimento e aspectos do coronelismo Revista Sem Aspas Araraquara v 6 n 1 p 7484 janjun 2017 Disponível em httpsdial netuniriojaesdescargaarticulo6263040pdf Aces so em 28 nov 2019 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteú dos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Observe com atenção o texto abaixo Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa independen tes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica 462 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO entre os indivíduos tenham sido quase sempre os mais decisivos As agre gações e relações pessoais embora por vezes precárias e de outro lado as lutas entre facções entre famílias entre regionalismos faziam dela um todo incoerente e amorfo O peculiar da vida brasileira parece ter sido por essa época uma acentuação singularmente enérgica do afetivo do irracional do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia corres pondente das qualidades ordenadoras disciplinadoras racionalizadoras HOLANDA 2005 p 61 Um traço formador da vida pública brasileira expressase segundo a aná lise do historiador pela a rigidez das normas jurídicas b prevalência dos interesses privados c solidez da organização institucional d legitimidade das ações burocráticas e estabilidade das estruturas políticas 2 Leia o trecho a seguir Completamente analfabeto ou quase sem assistência médica não lendo jornais nem revistas nas quais se limita a ver as figuras o trabalhador rural a não ser em casos esporádicos tem o patrão na conta de benfeitor No plano político ele luta com o coronel e pelo coronel Aí estão os votos de cabresto que resultam em grande parte da nossa organização econômica rural LEAL 1975 O coronelismo fenômeno político da Primeira República 18891930 ti nha como uma de suas principais características o controle do voto o que limitava portanto o exercício da cidadania Nesse período essa prática estava vinculada a uma estrutura social a igualitária com um nível satisfatório de distribuição da renda b estagnada com uma relativa harmonia entre as classes c tradicional com a manutenção da escravidão nos engenhos como for ma produtiva típica d ditatorial perturbada por um constante clima de opressão mantido pelo exército e polícia e agrária marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional 463 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 b 2 e 5 CONSIDERAÇÕES A grande pergunta que se pode fazer é a seguinte o que se pode esperar de uma formação política com tais qualidades e características A impressão que se tem é a de que o Estado brasileiro é fruto de um determinismo cuja origem se encontra nas caravelas portuguesas No entanto acreditar que tudo já estava resolvido e traçado na préhistória do Estado brasileiro é sem dúvida algu ma empobrecer o processo de formação política do Brasil É evidente que as influências foram em parte determi nantes para a formação de uma elite restrita e de caráter cen tralizador e patrimonialista no entanto afirmar que o Brasil está fadado ao fracasso e ao atraso porque a colonização portugue sa num determinado momento de sua história não celebrou o pacto das revoluções burguesas e por isso não desenvolveu um Estado racionallegal aos moldes da Inglaterra e da França sem dúvida alguma é optar por um discurso reducionista Quem garante que a matriz racionallegal europeia neces sariamente deve ser considerada a única alternativa capaz de oferecer uma solução adequada à construção de um Estado polí tico Obviamente a política burocráticopatrimonialista também não é a melhor opção porém querer compreender os fracassos 464 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO políticos do Brasil como consequência da não aceitação de um itinerário burguês de vertente racionallegal é assumir velada mente um discurso neoliberal e de grande ênfase economicista Além disso em contraposição àqueles que afirmam que o atraso político do Brasil é consequência da ausência de uma ideologia nacional hegemônica e de uma tardia concretização da consciência de identidade nacional podese muito bem aos moldes da tese de Morse encontrar nesse elemento alguns as pectos que também podem ser positivos como uma maior fle xibilidade e plasticidade pois apesar da política brasileira ser hierárquica e altamente conservadora a ausência de hegemo nias ideológicas impede o extremo engessamento de estruturas políticas e sociais que em épocas de inúmeras transformações e crises mundiais acaba conquistando uma maior resiliência e probabilidade de adaptação a um futuro incerto O que se poderia então esperar de promissor na política brasileira quando se tem consciência de um histórico de apa tia política por parte daqueles que deveriam exercer o papel de cidadania Para responder a esse questionamento adotamos a argumentação de José Murilo de Carvalho apresentada no livro Os bestializados Seria a população brasileira alheia e bestiali zada apática politicamente e desarticulada Ou essa aparente apatia política da população não seria apenas uma reação de malandragem em vista de uma potencial abertura política nunca proporcionada Bestializado ou bilontra Fazendo uso de algumas referências de Carvalho 1997 certamente pelo modo como a população se comportou por exemplo na Revolta da Vacina com inúmeras manifestações de grupos distintos em torno de um objetivo comum as falas de Aristides Lobo cidadão inativo de Couty não havia povo no 465 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Brasil e de Raul Pompéia o povo fluminense não existia pa recem não fazer muito sentido pois ao mesmo tempo em que a população carioca do início da República estava à margem da vida eleitoral também revelava uma grande iniciativa para a re volta popular O fato é que ainda hoje o povo nem sempre es colhe vias formais e consagradas para participar politicamente Portanto a população não é tão apática e bestializada quanto se pensa No final do seu livro Schwartzman afirma duas possibilida des de representação do quadro político brasileiro uma primeira liberal e antiestatal que defende a legitimação do Estado por um sistema democrático de representação de interesses tornandose capaz tanto de incentivar a iniciativa privada e o capitalismo com petitivo como também de se opor ao autoritarismo po lítico fruto da política do clientelismo e do favoritismo pessoal uma segunda intervencionista e centralizadora que diametralmente oposta à primeira defende a le gitimação do Estado por meio de uma política de maxi mização de objetivos coletivos e nacionais tornandose capaz de utilizar as técnicas mais avançadas de planeja mento econômico e também se opor à política repre sentativa que defende os interesses privados e particu laristas e a livreiniciativa comercial como uma espécie mascarada de manutenção das desigualdades sociais SCHWARTZMAN 1988 p 159 A conclusão apresentada pelo autor parecenos sóbria apesar de abrangente Optar por um modelo político misto con servando como quadro político aquilo que for positivo para a 466 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO realidade brasileira um Estado eficiente e moderno de ampla sustentação social e de realização de projetos a longo prazo que para tanto deixe de ser por um lado patrimonialista e preocu pado com sua sobrevivência e por outro lado esteio de coopta ção dos interesses privados Enfim mais do que nunca precisamse realçar políticas de inserção e participação popular a começar pelos bairros e comu nidades menores com abertura e divulgação de centros cultu rais etc e por mais utópico que pareça uma séria reforma na consciência coletiva que nos ajude a olhar com mais otimismo nossa situação contexto e história e também nos auxilie a pas sar do estado de tutelados para uma condição de inconformismo social Não importa saber se o brasileiro incorpora ou não a ma triz de cidadania europeia o que importa é que ele tenha cons ciência do seu lugar e espaço na política brasileira E conhecêla evidentemente já é um primeiro passo importante 6 EREFERÊNCIAS Figura Figura 2 Os donos do poder Disponível em httpwww2uolcombrlaerte Acesso em 30 out 2018 Sites pesquisados ARRUDA L G L Apontamentos sobre mandonismo coronelismo e clientelismo continuando o debate conceitual In SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL 27 jul 2013 Natal Anais 2013 Disponível em httpsnh2013anpuhorgresourcesanais271390337697 ARQUIVOApontamentospdf Acesso em 28 nov 2019 467 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO CABRAL NETO A Democracia velhas e novas controvérsias Estudos de Psicologia v 2 n 2 p 287312 1997 Disponível em httpwwwscielobrpdfepsicv2n2 a05v02n2pdf Acesso em 28 nov 2019 CAMPANTE R G O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 46 n 1 p 153193 2003 Disponível em httpwwwufjfbrvirgiliooliveirafiles201410Texto04Campante2003 pdf Acesso em 28 nov 2019 CANAL FUTURA Patrimonialismo André Botelho Entrevista 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgA0u77bLIo0 Acesso em 16 jan 2020 CARVALHO J M Mandonismo coronelismo clientelismo uma discussão conceitual Dados Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro v 40 n 2 1997 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0011 52581997000200003lngennrmisotlngpt Acesso em 28 nov 2019 CONSTANT B Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Disponível em httpwwwfafichufmgbrluarnautConstantliberdadepdf Acesso em 28 nov 2019 COUTO E P As raízes do patrimonialismo de Estado no Brasil Revista Habitus Revista da Graduação em Ciências Sociais do IFCSUFRJ Rio de Janeiro v 14 n 1 p 100 112 nov 2016 Disponível em httpsrevistasufrjbrindexphphabitusarticle view114798429 Acesso em 28 nov 2019 ESMEIN A Cours elémentaire DHistoire du Droit français 11 ed Paris Librairie de la Société du Recueil Sirey 1912 Disponível em httparchiveorgdetails courslmenta00esme Acesso em 28 nov 2019 JACKSON A M O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 1 2010 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvafIM8L5h0t21s Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira parte 2 2010 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvrflaiLqJNms Acesso em 27 nov 2019 LU LIVROS Coronelismo Enxada e Voto Victor Nunes Leal 2017 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvpwqE1SKcWsE Acesso em 27 nov 2019 MARTINS P E M MOURA L S IMASATO T Coronelismo um referente anacrônico no espaço organizacional brasileiro contemporâneo Revista OS Salvador v 18 n 58 p 389402 julset 2011 Disponível em httpwwwscielobrpdfosoc v18n58a03v18n58pdf Acesso em 28 nov 2019 468 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL Raymundo Faoro diálogo pela democracia Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgfgb4knxJXQ Acesso em 27 nov 2019 OLIVEIRA J F Origens desenvolvimento e aspectos do coronelismo Revista Sem Aspas Araraquara v 6 n 1 p 7484 janjun 2017 Disponível em httpsdialnet uniriojaesdescargaarticulo6263040pdf Acesso em 28 nov 2019 PORTELA JUNIOR A Florestan Fernandes e o conceito de patrimonialismo na compreensão do Brasil Plural Revista do Programa de PósGraduação em Sociologia da USP São Paulo v 19 n 2 p 927 2012 Disponível em wwwrevistasuspbr pluralarticledownload7443378054 Acesso em 28 nov 2019 RÁDIO UNISINOS O patrimonialismo brasileiro Bloco 1 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv2psviZrAkhI Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 2 Direito e Literatura 2014 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvALAp9eg53mo Acesso em 27 nov 2019 O patrimonialismo brasileiro Bloco 3 Direito e Literatura 2014 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nov 2019 Coronelismo Telecurso Cultura Retrô 23 fev 2012 Disponível em https wwwyoutubecomwatchvCjcxVvPbfVostartradio1listRDQMWkg2mbykds Acesso em 29 nov 2019 469 FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO UNIVERSITÁRIO Coronelismo 2014 Disponível em httpswwwyoutubecom watchvoFjxluZ0cg Acesso em 27 nov 2019 VILANI C Democracia antiga e democracia moderna Cadernos de História Belo Horizonte v 4 n 5 p 3741 dez 1999 Disponível em httpperiodicospucminas brindexphpcadernoshistoriaarticleview16971821 Acesso em 28 nov 2019 VALENÇA E M República Oligárquica Brasileira 18941930 Disponível em https wwwyoutubecomwatchv4v5jv2mNlAt2s Acesso em 27 nov 2019 ZANON M A Revisão de texto Capitulo 03 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvqbXBrg1eRq8 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 04 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvmkQBvB8rty0 Acesso em 27 nov 2019 Revisão de texto Capitulo 05 Os donos do poder Raymundo Faoro 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvOdGBy1xw1M Acesso em 27 nov 2019 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELI Tirinha Folha de SPaulo São Paulo 26 maio 2007 ARENDT H A condição humana Trad Roberto Raposo Posfácio de Celso Lafer 10 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2007 BODIN J Los seis libros de la República Trad Pedro Bravo Gala Madri Tecnos 1997 BRAUN R Taxation sociopolitical structure and StateBuilding Great Britain and BrandenburgPrussia In TILLY C Org The formation of national States in Western Europe New Jersey Princeton University Press 1975 p 243327 CARVALHO J M A construção da ordem a elite política imperial Rio de Janeiro Editora UFRJ 1996 A formação das almas o imaginário da República no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1990 Entre a liberdade dos antigos e a dos modernos a República no Brasil In Pontos e bordados Belo Horizonte Ed UFMG 1998a p 83106 Mandonismo coronelismo e clientelismo uma discussão conceitual In Pontos e bordados 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CIÊNCIAS SOCIAIS UNIDADE 7 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO A psicologia social das religiões mundiais In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982b p 309346 Burocracia In Ensaios de Sociologia Introdução e organização de Hans H Gerth e C Wright Mills Trad Waltensir Dutra Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso 5 ed Rio de Janeiro LTC 1982c p 229282 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999a v 1 Economia e sociedade fundamentos da Sociologia compreensiva Trad Régis Barbosa e Karen Elsebe Barbosa Brasília Universidade de Brasília 1999b v 2 Os três tipos puros de dominação legítima In COHN G Org Max Weber Sociologia Trad Amélia Cohn e Gabriel Cohn 7 ed São Paulo Ática 2003 p 128141 Grandes Cientistas Sociais v 13