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Ciências Econômicas ·

Matemática Financeira

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO MOEDAS DIGITAIS IMPACTOS NO SISTEMA FINANCEIRO E O PAPEL DE RESPOSTA DOS BANCOS CENTRAIS Gabriel Correa Barbosa Brun Fausto Matrícula 1711686 Orientador Rafael Guthmann Rio de Janeiro Julho de 2021 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO MOEDAS DIGITAIS IMPACTOS NO SISTEMA FINANCEIRO E O PAPEL DE RESPOSTA DOS BANCOS CENTRAIS Gabriel Correa Barbosa Brun Fausto Matrícula 1711686 Orientador Rafael Guthmann Rio de Janeiro Julho de 2021 Declaro que o presente trabalho é de minha autoria e que não recorri para realizálo a nenhuma forma de ajuda externa exceto quando autorizado pelo professor tutor 3 As opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade única e exclusiva do autor 4 Agradecimentos Aos meus pais pelo apoio incondicional inspiração e compromisso com a minha educação Ao Departamento de Economia da PUCRio todos professores e funcionários pelo suporte e tantos ensinamentos ao longo desses 4 anos e meio Aos meus amigos de curso pela parceria e união durante toda a jornada Ao meu orientador Rafael Guthmann pela disponibilidade mentoria e contribuição para esse trabalho A todos os membros da PUCRio pelas memórias que levarei para o resto da vida 5 SUMÁRIO 1 Introdução 08 2 Motivação 11 3 Método 13 4 Two Tier System O modelo historicamente predominante 14 5 Criptomoedas 20 51 Tecnologia DLT 21 52 Bitcoin e Ethereum 31 6 Stablecoins 44 61 Libra 50 7 CBDCs Moedas digitais emitidas por Bancos Centrais 55 71 Características e modelos 55 72 Projetos e evidências empíricas 60 73 Impactos na política monetária 69 8 Aprimoramento do sistema de pagamentos como política pública 72 81 Sistemas de pagamentos Instantâneos 72 82 BCB e o PIX 73 83 Experiências internacionais 76 9 Conclusão 79 Bibliografia 80 6 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Penetração de pagamentos digitais em diferentes países 18 Tabela 2 Redução do uso de dinheiro físico em diferentes países 18 Tabela 3 Motivação pública para BCs estudarem CBDCs 55 Tabela 4 Projetos e desenhos de CBDCs até 2020 61 Tabela 5 Chaves PIX por instituição financeira 75 Tabela 6 Implementação de pagamentos instantâneos em outros países 76 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Número de terahashes performados por segundo 24 Grafico 2 Métrica de dificuldade de mineração de bitcoins 24 Gráfico 3 Unidades de bitcoin em circulação 31 Gráfico 4 Número total de transações registradas na rede blockchain 32 Gráfico 5 Número total de contas registradas na rede 32 Gráfico 6 Tamanho médio dos blocos de transação em megabytes 32 Gráfico 7 Número médio de transações por bloco 32 Gráfico 8 Valor de uma unidade da criptomoeda bitcoin vis a vis outras moedas 34 Gráfico 9 Capitalização de mercado da criptomoeda bitcoin 34 Gráfico 10 Volatilidade da moeda bitcoin medida em desvios padrões 35 Gráfico 11 Volume de bitcoins negociado 35 Gráfico 12 Interesse pela palavra bitcoin no google 37 Gráfico 13 Taxa real de juros de 10 anos dos países 38 Gráfico 14 Expansão dos balanços dos Bancos Centrais 38 Gráfico 15 Abertura de contratos futuros de bitcoin na CME 38 Gráfico 16 Ether 40 Gráfico 17 XRP 40 Gráfico 18 Volume transacionado na rede Ethereum 42 Gráfico 19 Valor gerado por meio de decentralized finance 43 Gráfico 20 Capitalização de mercado das stablecoins 46 Gráfico 21 Preço de mercado da Tether x US Dollar 46 Gráfico 22 Usuários dos apps do Facebook 51 7 Gráfico 23 Interesse do público e de BCs por CBDCs 55 Gráfico 24 Motivações para se emitir uma CBDC 60 Gráfico 25 Dinheiro físico como do PIB da Suécia 63 Gráfico 26 Perda de importância do papel moeda na Suécia 63 Gráfico 27 Base monetária no Uruguai 65 Gráfico 28 Efeito do FPS em Hong Kong 77 Gráfico 29 Efeito do UPI na Índia 78 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Sistema monetário atual 16 Figura 2 Estrutura de liquidação de pagamentos atual 17 Figura 3 Da transferência até a liquidação 17 Figura 4 Sistemas de registros descentralizados 22 Figura 5 Função criptográfica Hash 23 Figura 6 Tecnologia DLT 25 Figura 7 Governança em tecnologia da informação 29 Figura 8 Blockchain na rede Bitcoin e Ethereum 40 Figura 9 Smart Contracts 41 Figura 10 Empresas envolvidas no projeto Libra 52 Figura 11 Taxonomia do dinheiro 57 Figura 12 CBCD direta 58 Figura 13 CBDC indireta 59 Figura 14 Desenho EKrona 64 Figura 15 Projeto DCEP 67 Figura 16 Funcionamento do PIX 74 8 1 Introdução As transações financeiras sempre tiveram um papel fundamental para o funcionamento de um sistema econômico de modo que ao longo da história a evolução dos meios de pagamento acompanhou o desenvolvimento das civilizações em um processo adaptativo às tecnologias descobertas e aprimoradas Os primeiros meios de troca com valor econômico para calibrar as transações de bens e serviços passaram por animais grãos e conchas até o desenvolvimento do conceito de moeda como reserva de valor e unidade de troca que daria origem ao sistema monetário que conduz as relações econômicas até os dias de hoje Sobre uma ótica contemporânea está em curso um processo muito relevante de digitalização da economia de maneira que estão ocorrendo mudanças estruturais profundas nos meios de pagamento e nas formas de circulação do dinheiro dentro das economias globais Na medida que novas tecnologias são desenvolvidas e compartilhadas passa a ser possível oferecer uma experiência mais conveniente eficiente rápida segura e com menos custos transacionais No contexto da revolução digital indivíduos demandam cada vez mais soluções que se encontrem dentro do novo universo online em que estão imersos e resultem em praticidade e facilidade Dessa forma há um significativo incentivo a inovação impulsionando uma revolução nos meios de pagamento que por um lado gera um imensurável valor a partir de opcionalidades que beneficiam os indivíduos as empresas e a sociedade mas também desafia de forma relevante a arquitetura monetária tradicional e tem impactos que podem alterar a estabilidade do sistema financeiro Como afirmou Gustavo Franco em seu ensaio O futuro do dinheiro publicado em Dezembro de 2020 uma evidência da importância da inovação para o dinheiro e seu futuro é que conceitualmente quando se trata da definição de moeda já se fala em tecnologia de pagamento em vez de meio de pagamento Além disso criouse a expressão inside money para se referir ao dinheiro que surge dentro do sistema e é fruto das interações competitivas entre membros A evolução tecnológica foi além dos mecanismos em que as transações econômicas são feitas de modo que foram criadas as moedas digitais também conhecidas como criptomoedas Esses instrumentos podem servir alternativamente como um meio de transferência monetária de forma direta sem o uso de uma moeda convencional e sem a necessidade da participação de uma instituição financeira como intermediária na transação As criptomoedas têm ganho relevância em termos de volume transacionado 9 fluxo de investimento e adoção entre os agentes apresentando uma solução extremamente inovadora e divergente do sistema tradicional dependente dos bancos mas carrega em si uma série de complexidades e imperfeições no que diz respeito a estabilidade de seu valor e o papel como possível substituto do dinheiro tradicional Além disso existem grandes diferenças entre as classes de criptomoedas que serão debatidas neste trabalho Outro ponto de extrema relevância é que o surgimento das criptomoedas e da tecnologia blockchain ressalta também o papel dos Bancos Centrais que são as grandes autoridades monetárias no novo arcabouço da economia digital Tornase mais desafiador exercer a função de órgão regulador e manter a estabilidade financeira usando os instrumentos tradicionais sem inibir os incentivos à inovação em um ambiente no qual mudanças tecnológicas estão acontecendo de forma exponencial Nesse sentido a proposta deste trabalho é portanto realizar uma análise acerca dos impactos das novas moedas digitais no sistema financeiro que representam um fenômeno transformacional que vai além do processo de digitalização da economia e cria novos paradigmas que serão desvendados por muito tempo em um processo de experimentação Depois de muitas disrupções no caminho de ampliar a utilização de meios eletrônicos nas transações financeiras com moeda corrente e tradicional o possível uso de moedas digitais propriamente ditas podem ter implicações para as políticas públicas dos Bancos Centrais fazendo com que a arquitetura monetária tradicional seja desafiada e consequentemente alterada Desse modo tornase necessário realizar uma análise acerca da evolução e estágio de desenvolvimento das moedas virtuais evidenciando as diferenças entre as criptomoedas com características de ativos financeiros e as stablecoins que tem como objetivo se tornar um meio alternativo para meios de pagamento com estabilidade no seu valor Diante dessas novas possibilidades sendo criadas é relevante analisar por meio de evidências empíricas e revisão da literatura existente sobre o tema os possíveis efeitos da introdução de uma criptomoeda pública na economia e as experiências de Bancos Centrais que estão buscando responder pelo caminho da criação de uma própria moeda digital Autoridades monetárias de diferentes países estão em incessante busca do aperfeiçoamento e modernização dos sistemas de pagamentos nos últimos anos se adaptando a existência de novas inovações financeiras e realizando importantes ajustes regulatórios que irão marcar o ambiente competitivo para as próximas décadas Uma outra forma de resposta das instituições é o desenvolvimento da tecnologia e adoção de meios de pagamentos instantâneos Essa iniciativa realizada em uma série de países como no 10 Brasil também será analisada sob o ponto de vista de que pode oferecer uma infraestrutura para executar transferências de forma rápida segura sem custos transacionais e conveniente de modo que pode afetar o grau de necessidade do uso de moedas digitais com valor estável ou stablecoins 11 2 Motivação O processo de digitalização do ecossistema de meios de pagamentos tem contribuído profundamente para a redução do uso de moeda em espécie na economia Por mais que tais formas tradicionais envolvendo dinheiro físico ainda sejam relevantes principalmente em países menos desenvolvidos é possível imaginar que a tendência secular de uma maior dominância dos meios de pagamento digitais irá se perpetuar por muito tempo visto que os consumidores possuem incentivo para migrar para sistemas que oferecem uma menor fricção na experiência de se efetuar uma transação aderindo a meios mais eficientes rápidos convenientes baratos e flexíveis Logo está se desenvolvendo um novo ambiente competitivo no qual fintechs wallets adquirentes bancos digitais e outros players estão entrando em mercados historicamente caracterizados pela dominância do setor bancário tradicional Dessa forma a incessante busca por ownership do cliente por parte dos players privados tem estimulado o oferecimento de uma variedade de serviços financeiros cada vez mais diversificados em um processo competitivo que estruturalmente resulta em uma queda nos preços dos serviços praticados Também é resultado desse processo uma maior inclusão financeira de modo que indivíduos e comerciantes antes desbancarizados estão passando a fazer parte da rede de economia digital Essas mudanças têm sido muito importantes e a quantidade de instituições financeiras participantes do sistema monetário tem aumentado consideravelmente No entanto é interessante notar que essa parte da revolução financeira digital ainda acontece dentro do sistema monetário tradicional baseado no modelo two tier system definido pela centralização unificação de uma moeda como unidade de conta e meio de troca e participação chave de uma instituição financeira responsável pela intermediação das transações De forma resumida o sistema funciona com os indivíduos obtendo suas contas nos bancos que por sua vez possuem uma conta no Banco Central que é responsável pela liquidação final Assim as transferências entre agentes são realizadas apenas com intermediação de uma instituição financeira com essa função historicamente dominada pelos grandes bancos As moedas digitais se diferenciam fortemente das demais inovações tecnológicas no sistema financeiro e representam uma mudança estrutural muito mais relevante visto que representam uma migração para um modelo que pode ser chamado de one tier system As criptomoedas representam uma unidade de conta alternativa com oferta 12 limitada e o funcionamento do seu sistema de transações leva à descentralização e independência dos agentes intermediários sendo possível realizar pagamentos de forma direta e digital A tecnologia das criptomoedas se baseia na existência de um banco de dados descentralizado no qual os agentes confiam na sua operacionalidade com registro de todas as transações financeiras feitas sendo os dados distribuídos de forma múltipla para os envolvidos na transação sem atuação de uma autoridade central Assim é possível se realizar transferências com uma assinatura digital e estabelecer contratos virtuais devido a segurança promovida pela técnica da criptografia que através de códigos e métodos garante que apenas o destinatário recebe e processa os dados da transação sendo responsável por garantir a sua autenticidade Dessa maneira uma plataforma aberta de dados e possibilidades transacionais supre a necessidade de intermediação financeira garantindo também a segurança e a anonimidade Portanto tornase extremamente desafiador intelectualmente a realização de um estudo para buscar compreender os potenciais impactos do desenvolvimento de tais tecnologias sem precedentes Nesse contexto as criptomoedas possuem enorme potencial para serem transformacionais e se caracterizam como a tecnologia mais moderna e complexa no caminho para alterar de forma significante o sistema financeiro A penetração desses instrumentos ainda é muito baixa o que contribui para uma incerteza acerca dos efeitos de um uso mais difundido de suas funcionalidades e permite que Bancos Centrais tenham espaço de manobra para se antecipar e assumir um papel chave visando garantir a estabilidade do sistema financeiro o funcionamento dos mecanismos de transmissão de política monetária a segurança dos pagamentos inclusão financeira liquidez e eficiência dos meios de pagamento Nesse sentido pode ser introduzida também uma importante discussão técnica e filosófica acerca do papel dos Bancos Centrais diante do processo de emersão das moedas digitais e digitalização dos meios de pagamento de modo que as autoridades monetárias podem optar por um papel central com um objetivo mais regulador cooperador ou tomador de iniciativa Além disso sobre o ponto de vista de políticas públicas é uma importante decisão a ser tomada diante de um tradeoff existente Por um lado o Banco Central pode permitir a autorregulação do mercado mas perderia graus de liberdade no controle da estabilidade financeira o que na maioria dos países está incluso no seu mandato Olhando pela outra ótica agir como órgão regulador de forma excessiva pode acabar restringindo o incentivo à inovação e a competição 13 3 Método Através de uma revisão da extensa literatura sobre o tema e evidências empíricas será realizado um estudo acerca dos impactos observados e potenciais provenientes da introdução de moedas digitais no sistema financeiro Além disso a partir dos mesmos métodos será feita uma análise de possíveis respostas das autoridades monetárias diante das inovações tecnológicas e a presença de moedas digitais abordando a possibilidade de criação de uma própria moeda digital do Banco Central em um modelo diferente no qual a instituição monetária controla uma moeda pública e totalmente digital Paralelamente existem alternativas relevantes a serem discutidas nas quais o método para tornar o arcabouço monetário de um país mais eficiente passa pelo aperfeiçoamento da infraestrutura já existente e introdução de um sistema de pagamentos instantâneos como substituto das moedas digitais 14 4 Two Tier System O modelo historicamente predominante Two Tier System pode ser definido como um sistema de duas camadas no qual o seu funcionamento é resultado da interação e dependência das duas partes Sobre a ótica da arquitetura monetária tradicional a primeira camada seria representada pelos Bancos Centrais enquanto na segunda estariam as instituições financeiras autorizadas a participarem como agentes no sistema financeiro a partir da regulação determinada pela primeira camada O modelo predominante ao longo da história foi baseado no papel de tais instituições financeiras sendo desempenhado pelos grandes bancos por meio da estrutura de depósitos e das contas correntes No entanto para se compreender melhor o funcionamento e a dominância desse sistema é necessário se dar um passo atrás na história para analisar o seu desenvolvimento Charles M Kahn em seu artigo How are payment accounts special 2016 para o Federal Reserve Bank de Chicago define que meios de pagamento podem ser separados em duas categorias sendo determinados por tokens transacionáveis ou pela existência de contas Esses tokens podem ser definidos como símbolos em um modelo no qual o pagamento é validado na ótica do pagador e do recebedor quando um símbolo é reconhecido como unidade de valor por ambas as partes Dessa forma itens podem ser fontes de transferência tais como a própria moeda sendo representada na sua forma física de papel Por outro lado em um sistema baseado em contas a execução de uma transferência monetária é condicionada ao reconhecimento dos indivíduos envolvidos na medida que se identifica a existência de contas com recursos monetários em instituições financeiras que possuem o papel de intermediárias nos pagamentos O mesmo autor afirma que a National Banking Era iniciada durante a guerra civil norteamericana 18611865 teve um papel relevante na transição do modelo baseado nos símbolos para o sistema de contas bancárias nos Estados Unidos sendo esse processo relevante para as mudanças no sistema financeiro do resto do mundo No contexto mencionado os bancos deixaram de formalizar as transações por meio do simbolismo das notas bancárias e passaram a fornecer cheques e possibilidade de realização de saques de papel moeda por meio da criação de contas bancárias Originalmente as organizações financeiras recebiam prata e ouro e trocavam por meio da emissão de notas financeiras como um registro de depósito que poderia ser usado como pagamento O recebedor dessas notas poderia pagar a outra pessoa com as mesmas notas ou resgatálas no banco por seu ouro ou prata Durante a guerra civil o governo federal da parte Norte dos Estados Unidos 15 reconheceu a necessidade de existência de um sistema bancário unificado e nacional com objetivo de estabelecer uma moeda reconhecida por todos Nesse sentido foi instituído o National Banking Act em 1863 que criou o dólar americano e institucionalizou o sistema bancário com bancos privados atuando a partir da existência de bancos federais e estaduais Nesse contexto indivíduos passaram a ter cadastros nos bancos licenciados realizando depósitos e sendo reconhecidos pela sua identidade e montante financeiro Em julho de 2020 o organismo internacional Group of Thirty dedicado a realização de estudos acerca de questões econômicas e financeiras globais publicou o artigo Digital Currencies and Stablecoins que ressaltou a importância das mudanças na economia da Europa no século XVII para a transição de um sistema de pagamentos baseado em tokens para o modelo das contas bancárias Instituições financeiras como o Banco de Amsterdam e os bancos controlados pela tradicional família dos Médici na Itália foram pioneiros na criação de uma estrutura bancária com objetivo de ser armazenamento de recursos introduzindo a possibilidade de realização de depósitos pessoais e iniciando processos de empréstimo e crédito Segundo o paper An early stablecoin The Bank of Amsterdam and the governance of money de Frost Hyun Song Shin e Peter Wierts escrito para o BIS Bank for International Settlements o Banco de Amsterdam foi um dos precursores dos Bancos Centrais O banco foi estabelecido em 1609 em um contexto no qual a estrutura monetária era baseada nas moedas físicas de modo que havia uma série de complicações relacionadas à dificuldade de armazenamento do dinheiro e desafios como a ocorrência de roubos degradação e erosão O banco passou a receber depósitos em moeda local e estrangeira e desenvolveu um sistema de registro contábil que estruturava e liquidava as transações financeiras decorrentes do comércio entre duas partes que fossem titulares de contas Desse modo foi um marco importante na passagem do modelo com base nos símbolos representativos do dinheiro para um modelo de contas e depósitos com presença de uma instituição intermediadora nas transações econômicas No sistema de duas camadas os indivíduos possuem contas nos bancos tradicionais e esses bancos por sua vez têm suas contas nos Bancos Centrais As autoridades possuem o papel regulador do sistema financeiro e autoriza as instituições a fazerem parte o que caracteriza o sistema como uma estrutura centralizada Todo esse arcabouço monetário é lastreado por uma moeda única que pode ser emitida pelos Bancos Centrais por meio de dinheiro ou reservas O dinheiro está disponível para todos em sua forma de papel moeda no entanto para mantêlo na sua forma intangível é necessário se realizar um depósito nos bancos e o valor monetário tornase um passivo do banco com a contraparte que 16 possui os recursos Nos agregados monetários definese M0 como a soma do papel moeda circulante na economia com as reservas que são os depósitos dos bancos no Banco Central O agregado M1 acrescenta os depósitos à vista dos indivíduos que possuem liquidez de curto prazo Figura 1 Sistema monetário atual Fonte European Parliament Essa fração do M1 em forma de recursos depositados no banco representa o montante financeiro que é de fato usado para pagamentos e transferências de modo que os bancos possuem um papel primordial como intermediário na circulação de dinheiro não físico na economia Uma transferência ocorre quando o banco do pagador debita o valor na sua conta e o banco do recebedor credita o valor na sua outra conta Dessa forma há uma redução do passivo do banco do primeiro e aumento no passivo do outro banco com o segundo Portanto as transações são realizadas com a intermediação dos bancos dado que o dinheiro fica sob sua custódia por meio dos depósitos Complementando o two tier system a camada superior representada pelos Bancos Centrais possui o papel fundamental de ajuste e liquidação das transações feitas na economia por meio de instituições financeiras Um Banco Central é responsável por uma rede na qual cada instituição financeira possui uma conta e realiza depósitos na forma de reserva bancária de maneira que no balanço patrimonial das autoridades monetárias tais reservas são um passivo Quando é realizada uma transação o saldo é transferido do balanço de uma instituição financeira no sistema do Banco Central para o balanço da outra e as fontes de transferência são as reservas mencionadas acima O sistema tradicional two tier é caracterizado pela presença de instituições financeiras historicamente os bancos como intermediários nas transações e as 17 autoridades monetárias centrais responsáveis pela liquidação final da transferência O paper Digital Central Bank Money and the Unbundling of the Banking Function 2016 publicado pela instituição IDB InterAmerican Development Bank afirma que os Bancos Centrais historicamente configuram tais sistemas de liquidação de pagamentos centralizados no qual as instituições que possuem participação direta são majoritariamente bancos Dessa maneira os autores Juan Antonio Ketterer e Gabriela Andrade separaram os tais Bancos entre os que possuem conta diretamente no Banco Central e estão na camada superior e as outras instituições que acessam o sistema de forma indireta Abaixo dessa estrutura estariam os consumidores representados por firmas e indivíduos que realizam os depósitos e transações financeiras A figura abaixo resume bem tal estrutura evidenciando que os Bancos Centrais permitem o gerenciamento de contas individuais por parte de bancos comerciais através de um processo de licenciamento Dessa forma para acessar o sistema de pagamentos indivíduos e firmas realizam depósitos de dinheiro em bancos comerciais obtendo em troca a mesma unidade de moeda virtual em forma de um passivo bancário A única forma alternativa para se reter dinheiro seria por meio da sua forma física sendo necessária a retenção de papel moeda Figuras 2 e 3 Estrutura de liquidação de pagamentos atual Fontes InterAmerican Development Bank e Darrell Duffie Digital Currencies and Fast Payment Systems Como mencionado na introdução o desenvolvimento de novas tecnologias permitiu a ocorrência de mudanças profundas nos sistemas de pagamentos das economias modernas Na medida que a regulação passou a reconhecer novos modelos de 18 Instituições Financeiras ou Instituições de pagamentos aumentouse consideravelmente o número de participantes da infraestrutura financeira com o surgimento das fintechs wallets e empresas com modelo de negócio baseado em plataformas que possuem serviços financeiros integrados O próprio desenvolvimento de cartões de crédito e débito foram importantes para ampliar as opcionalidades e a eficiência dos pagamentos O aprimoramento das formas digitais de se realizar transferências financeiras contribuiu para uma digitalização financeira impressionante de modo que o uso do dinheiro físico tem caído de forma relevante Os meios de pagamento eletrônicos oferecem soluções mais convenientes e eficientes estando presentes nos ambientes digitais que a sociedade está constantemente inserida como os telefones celulares Desse modo a transição para uma economia mais digital tornase uma tendência secular na qual os pagamentos realizados por meios tradicionais vão perdendo espaço Apesar de ser uma mudança observada de forma global é importante ressaltar que a sua magnitude e estágio se diferencia muito entre países de maneira que países menos desenvolvidos seguem mais dependentes do uso de papel moeda enquanto países mais ricos se adaptam às novas possibilidades criadas pela tecnologia de forma mais rápida e dinâmica Tabela 1 Penetração de formas de pagamento digitais em diferentes países Tabela 2 Redução no uso de dinheiro na forma de papel moeda em diferentes países Fonte Khiaoranong and Humphrey 2019 e World Bank Global Findex Database Com tantos avanços tecnológicos houve um aprimoramento da infraestrutura de pagamentos No entanto é novamente importante notar que não foi possível se observar um rompimento com o sistema de duas camadas de modo que a intermediação segue extremamente dependente do sistema bancário a liquidação é centralizada nas mãos do Banco Central e a moeda utilizada segue sendo única na economia com controle da autoridade monetária sobre sua oferta Um outro ponto é que transações financeiras 19 internacionais seguem sendo muito complexas e o processo de conversão cambial e liquidação segue com muitos custos transacionais e agentes envolvidos Com o grau de digitalização alcançado é natural que os indivíduos sigam demandando soluções de pagamentos com menos fricção mais baratas eficientes e rápidas Além disso há uma questão muito profunda sobre o valor do dinheiro de modo que há um desejo de romper com a exposição integral do patrimônio dos indivíduos a uma só moeda fiduciária que perde valor diante de muitos contextos possíveis Segundo o artigo The Impact of Digitalisation on the Monetary System de Salomon FIEDLER KlausJürgen GERN e Ulrich STOLZENBURG o dinheiro na sua forma digital e sistemas de pagamento eletrônicos tem ganho cada vez mais importância mas ainda não houve uma mudança substancial na arquitetura monetária tradicional de modo que a existência de moedas digitais privadas ou públicas possuem potencial para serem transformacionais para o sistema de transações na economia O surgimento das criptomoedas é proveniente de uma tecnologia que permite a descentralização da liquidação de pagamentos e rompe com a dependência da intermediação dos agentes monetários tradicionais 20 5 Criptomoedas A primeira moeda digital desenvolvida foi a criptomoeda denominada de Bitcoin em um processo que permitiu a introdução de uma tecnologia completamente inovadora e usada como base para as demais criptomoedas criadas posteriormente Bitcoin tem como sua origem o paper Bitcoin A PeertoPeer Electronic Cash System que foi publicado em 2008 com autoria de Satoshi Nakamoto Um fato curioso é que esse nome é representativo de um pseudônimo visto que o autor manteve sua anonimidade e sua personalidade não é conhecida até os dias de hoje Em sua obra o autor afirma que Bitcoin representaria uma versão de dinheiro eletrônico desenvolvido para ser usado em transações entre dois indivíduos de forma direta e sem necessidade de participação de uma instituição financeira como terceira parte envolvida Isso seria feito por meio de um sistema de pagamentos com verificação baseado na tecnologia criptográfica gerando transações a partir de assinaturas digitais e um sistema único de registro reconhecido por todos os participantes A solução proposta no artigo inclui o desenvolvimento de uma rede formada por blocos nos quais as transações seriam registradas de forma pública e reconhecível A consolidação de tais blocos formaria uma cadeia ou blockchain de informações que conteria o registro de todas as transações e o processo de inclusão de uma nova transferência na rede seria realizado por meio de verificação criptográfica Todas as transações com bitcoins seriam registradas publicamente na rede mas a identidade dos participantes seria mantida de forma anônima de modo que seria reconhecida apenas pelas partes incluídas na transferência Portanto a tecnologia subjacente delineada no artigo de Nakamoto que permite a criação da rede para os pagamentos realizados com Bitcoin foi denominada de Blockchain Posteriormente outras formas de armazenamento e organização de informações e transações foram desenvolvidas e foi criado o termo Distributed Ledger Technology DLT para se referir à categoria mais ampla desse tipo de tecnologia Blockchain seria portanto um tipo específico de estruturação de dados usado em alguns livros de registro e armazenamento dos fluxos com criptomoedas Os desenvolvimentos a partir desse sistema de registros descentralizados permitiu a emersão de outras criptomoedas e a tecnologia é chave para o ganho de relevância das moedas digitais Retornando às definições iniciais as moedas digitais seriam representadas por um token ou símbolo virtual e seriam utilizadas em um one tier system sendo um modelo de transações interpessoais descentralizado A implementação desse sistema resulta em 21 uma disrupção no modelo tradicional visto que o uso das estruturas de pagamentos dos bancos e das autoridades monetárias deixa de ser necessário e os depósitos nos bancos não seriam mais fundamentais pois as transferências poderiam ser realizadas através da rede pública descentralizada da tecnologia DLT Nesse sentido o Bitcoin de forma pioneira resolveu o problema da falta de uma infraestrutura de pagamentos não dependente de intermediários e de forma revolucionária o seu funcionamento pode ocorrer de maneira completamente externa ao sistema tradicional e regulado 51 Tecnologia DLT O artigo Distributed Ledger Technology DLT and Blockchain publicado em 2017 pelo Banco Mundial define a tecnologia DLT como uma abordagem inovadora para se registrar e compartilhar dados em livros virtuais de registro que são mantidos e controlados coletivamente por uma rede distribuída de servidores virtuais Por definição as duas características necessárias para o desenvolvimento de uma tecnologia baseada em DLT seriam i capacidade de armazenar registrar e trocar informações de forma digital e interpessoal sem a necessidade de uma instituição realizando a função de intermediação e centralização dos registros ii Garantir que não ocorram duplas transações com o mesmo ativo ou token sendo enviado a mais de um participante Já o paper Distributed ledger technology in payment clearing and settlement publicado em 2017 pelo BIS Bank for International Settlements define de maneira mais técnica o funcionamento dos sistemas baseados na tecnologia DLT sendo de grande importância compreendêlo devido ao fato de que o grande diferencial das criptomoedas está nessa tecnologia e nas possibilidades oferecidas Segundo o artigo os livrosregistro definidos como ledgers são a base de toda a infraestrutura visto que são responsáveis por reter o histórico de todas as informações das transações realizadas O que torna esse sistema registro descentralizado é o fato de que pode ser atualizado através de múltiplos servidores e não existe um agente responsável por controlar a inclusão de novas transações sendo uma rede compartilhada e distribuída Esses servidores que incorporam novas informações ao sistema de registro são chamados de nós Um nó por definição literária se trata de um enlaçamento de fios de linhas de cordas de cordões fazendo com que suas extremidades passem uma pela outra amarrandoas A metáfora parece fazer todo sentido uma vez que esses nós informacionais se conectam e se consolidam dentro da base da infraestrutura A fonte desses nós são dispositivos amplamente usados 22 como computadores laptops celulares e na medida que eles inserem novos dados eles se conectam e compartilham as informações mais atualizadas entre si Para que uma nova informação ou no caso das criptomoedas uma nova transação seja inserida de fato no sistema de registro compartilhado é necessário um processo inteligente de validação para confirmar a sua legitimidade Nesse ponto reside o fator de maior importância para o ganho de relevância das moedas digitais pois é necessária uma solução capaz de prover segurança proteção e integridade do sistema aos participantes A transição de um sistema tradicional bancário que envolve muita segurança credibilidade e confiança para um novo sistema de uma rede digital composta por participantes anônimos é dependente de que haja confiança na capacidade do sistema funcionar de forma estável e segura com os recursos sendo endereçados da forma correta Nesse sentido a tecnologia DLT promove uma solução com base em ferramentas criptográficas responsáveis por identificar e autenticar as chaves virtuais pré estabelecidas pelos participantes realizando uma checagem do histórico de dados e validando sua alteração no livro de registros compartilhado ou não A partir da validação através da identificação criptográfica se inicia um processo de formação de um consenso na rede na qual os participantes concordam com as alterações no estado do registro geral e a rede de nós atualiza de forma sincronizada incluindo a nova informação Diferentes usos da tecnologia DLT exigem diferentes mecanismos de consenso mas sempre com objetivo de garantir o sequenciamento correto das operações e evitar que transações sejam realizadas duas vezes Figura 4 Diferenças entre sistemas de registro centralizados e descentralizados 23 Fonte World Bank A tecnologia Blockchain base para o uso da moeda virtual Bitcoin utiliza um método chamado de proof of work para estabelecer consensos A metodologia consiste em um processo de validação a partir da introdução de um desafio computacional a ser resolvido sempre que um novo bloco de informações vai ser inserido na cadeia geral descentralizada Esse processo consiste em um método da criptografia chamado de função de dispersão criptográfica ou função hash Ao contrário de outros algoritmos criptográficos a função hash não usa necessariamente chaves criptografadas reconhecíveis e realiza uma transformação no conteúdo de um dado criando um conjunto alfanumérico com comprimento padronizado e diferente do original deixando de ser possível revertêlo a partir desse novo código disperso O método garante a integridade do dado e são unidimensionais de modo que depois que o código é criptografado não ocorre uma reversão ou retorno a sua forma inicialvalor de entrada Figura 5 Função criptográfica de dispersão ou Função Hash Fonte Gary K Kesslers blog 24 Na tecnologia Blockchain o processo de geração de novos códigos com a função de dispersão foi popularmente denominado de mineração A segurança da rede é dependente de um número de nós contribuindo para o funcionamento do sistema autorizando as alterações no livro de registros na medida que se são estabelecidos consensos para garantir a validade dos dados A mineração segue acontecendo até que o desafio computacional é concluído quando uma sequência alfanumérica satisfaz as condições prédefinidas de verificação após o sistema inteligente de um computador efetuar milhares de cálculos por segundo para realizar o encontro das combinações permitindo a incorporação de um novo bloco de informações No sistema do Bitcoin é estabelecido que uma mineração de um novo bloco pode ocorrer com espaçamento temporal de dez minutos e foi desenvolvido um mecanismo para gerar alinhamento e incentivo econômico para manter a eficiência do sistema Foi criado um modelo de remuneração em bitcoins para empresas e indivíduos que contribuem com o processo de mineração Na medida que se aumenta o número de processos de mineração o grau de dificuldade vai aumentando tornando o sistema mais eficiente De janeiro de 2018 até dezembro de 2020 o total de terahashes gerados por segundo na plataforma do Bitcoin se multiplicou por 9 vezes passando de 15 milhões para 135 milhões Esse fenômeno é explicado pelo aumento de participantes na rede sendo responsáveis por novos processos de mineração Observando o gráfico 2 é possível inferir que esse crescimento resultou em uma intensificação da dificuldade envolvida nos processos de validação por meio de desafios computacionais por meio da criptografia com base na função hash Portanto ao longo do tempo a tecnologia foi se tornando mais segura e crível na medida que o processo de incorporação de uma nova tecnologia no registro geral se tornou mais complexo Gráfico 1 Número de terahashes por segundo performados na plataforma Bitcoin desde 2018 Gráfico 2 Métrica de dificuldade relacionada à mineração de um novo bloco a ser inserido na rede Blockchain desde 2018 25 Fonte Blockchain O impacto relevante da tecnologia DLT para as criptomoedas se encontra na possibilidade de uso dessa tecnologia para registrar todas as transações executadas com uma moeda virtual O artigo Distributed ledger technology in payment clearing and settlement do BIS resume de forma geral como funciona o processo de liquidação de um pagamento com essa tecnologia na seguinte ordem de fatores i Uma entidade A inicia um pagamento para uma entidade B por meio de ferramentas criptográficas que geram uma assinatura digital e uma proposta de atualização para o registro compartilhado que passaria a contar com a transferência requerida no seu histórico ii Em seguida os nós iriam realizar o papel de autenticação da identidade e iriam decretar com válida a transferência caso o pagador esteja de acordo com as credenciais criptográficas e tenha os recursos disponíveis Após essa primeira validação os nós iniciaram o processo de busca por consenso de que a transferência pode ser incluída na atualização dos registros iii Por fim o sistema é alterado de forma que os ativos ou os recursos transacionados passam a fazer parte da credencial da entidade B e o registro geral inclui essa nova atualização Figura 6 Processo de execução de uma transação na tecnologia de registro descentralizado 26 Fonte BIS Bank for International Settlements Portanto a tecnologia de um Distributed ledger se apresenta como extremamente inovadora sendo completamente digital e baseada em uma interface compartilhada que permite a participação de muitos agentes de forma simultânea e dinâmica Uma vez que tal infraestrutura pode ser utilizada como um sistema para executar transações financeiras apresenta uma alternativa com muitas vantagens em relação ao modelo tradicional centralizado Também é possível se pensar em riscos associados à estabilidade do funcionamento dessa nova tecnologia e questões associadas à segurança principalmente se comparada ao modelo em que o Banco Central possui um papel chave como regulador A principal mudança passa pela desintermediação visto que todas as transações de uma moeda digital processadas por um DLT passam a ser realizadas de forma direta sem a necessidade de uma autoridade central controlando os registros A tecnologia fornece a possibilidade de os próprios participantes executarem as transferências por meio de um registro reconhecido por ambos envolvidos O artigo do BIS ressalta que são gerados ganhos de eficiência relevantes e de diferentes maneiras Uma das fontes seria a possibilidade de executar uma ordem de transação de forma mais rápida sem as fricções envolvidas no envolvimento de um intermediário Além disso há uma redução de custos transacionais dado que não é cobrada nenhum tipo de taxa no sistema excluindo as tradicionais tarifas de intermediação que geram receita em cima de transações e os custos de manutenção da infraestrutura são baixos Reduzse também os custos envolvidos no processo de reconciliação visto que todos os dados de pagamentos na rede já estão 27 reconhecidos pelos participantes e estão em formato comum eliminando a necessidade de integração de todos os dados que estariam em diferentes registros e formatações caso não fosse uma única rede Nesse sentido o paper Distributed Ledger Technology DLT and Blockchain do Banco Mundial afirma que a tecnologia de registro descentralizado pode economizar o setor financeiro cerca de US1520 bilhões por ano segundo estimativas do Banco Santander em 2015 Por ser uma rede descentralizada o sistema tornase mais resiliente diante de possíveis ataques cibernéticos e distorções causadas por hackers visto que não há uma centralização de base de informações o que levaria a existência de um único alvo mais fácil de ser corrompido Outro ponto relevante é a possibilidade de automação e digitalização de funções extremamente úteis para indivíduos e empresas Um exemplo de como isso pode ser aplicado é por meio de contratos inteligentes digitais que podem ser programados e executados dentro da plataforma A partir do momento em que a rede executa a incorporação de diferentes dados financeiros e informações transacionais é possível se escrever linhas de programação em cima do registro geral que permite funcionalidades autoexecutáveis pelos nós da rede Segundo o artigo do Banco Mundial a primeira menção ao termo Smart Contracts foi feita por Nick Szabo que trabalhava com criptografia e publicou um paper em 1997 no qual realizou uma analogia do contrato inteligente sendo relacionado a operação de uma máquina de vender chocolates Na metáfora a máquina possui o ativo chocolates e executa a transferência quando algum mecanismo de entrada é realizado no caso entrada de uma moeda na máquina A máquina por fim realiza uma ação préestabelecida que é entregar o chocolate quando recebe a moeda No universo de um sistema DLT a rede possui as informações sobre transações executadas ativos envolvidos e o saldo dos participantes de maneira pode executar um código préestabelecido usando aquelas informações quando recebe um input A plataforma permite que sejam executados contratos que envolvem transações financeiras e ativos como ações negociadas em bolsas de valores imóveis novamente sem a necessidade de uma terceira parte realizando a intermediação e cobrando uma taxa para realizar as transferências e a custódia Além disso todo o processo de fechamento de um contrato que hoje envolve de forma intensa a interferência humana passaria a se resumir a um código dentro da rede o que levaria a ganhos de eficiência associados à redução de custos e minimização de erros processuais que são inerentes à não digitalização e padronização inteligente 28 São inúmeras as opcionalidades geradas a partir dos contratos inteligentes Alguns exemplos que já são praticados são a possibilidade de executar o pagamento de um contrato de crédito de acordo com o principal juros e data pré acordados pelos agentes envolvidos além de executar chamadas de margem de forma automática no caso de alavancagem relacionada a operações com ativos ou derivativos financeiros Dessa maneira a tecnologia reúne novas possibilidades de automação fim da exposição à interferência de humanos e intermediários centrais além de ganhos de eficiência associados à redução de custos e aumento de velocidade de processamento Muitos dos contratos financeiros funcionam a partir de um modelo de garantia que envolve a implementação de um colateral préestabelecido Nessa linha o artigo do Banco Mundial buscou exemplificar as diferenças entre uma tecnologia de registros descentralizados e os sistemas tradicionais mostrando como ambos executariam um contrato desse tipo Dessa forma realizou um exercício interessante que acabou por evidenciar os ganhos de eficiência da tecnologia DLT A abordagem baseada em DLT permite que não seja necessária a figura de um banco intermediário regularizando o colateral e todos os fatores seriam acordados diretamente entre os dois indivíduos ou empresas envolvidas incluindo as condições contratuais data de pagamento e montante envolvido Além disso a rede teria informações sobre os colaterais e poderiam ser acionados sem qualquer necessidade de mais intervenções externas após a conclusão das condições iniciais Dessa maneira o processo tornase mais rápido e menos custoso sendo possível se abordar necessidades específicas das contrapartes em um processo automatizado O processo de adoção de uma nova tecnologia carrega uma série de incertezas riscos e desafios envolvidos No caso da infraestrutura das criptomoedas baseada em um sistema de registros descentralizado podem ser listados uma série de fatores positivos e ganhos relativos mas ainda persistem questões a serem endereçadas na medida que o seu uso for se tornando mais difundido sendo estas associadas à sua operacionalidade segurança regulação e jurisdição escalabilidade e proteção dos participantes A peça chave para a segurança das transações no sistema DLT é a tecnologia criptográfica que realiza o processo de validação e controle de novas transações e existe uma dependência do seu funcionamento para a estabilidade do sistema Ainda não ocorreu um rompimento do mecanismo da criptografia mas pensando em um horizonte mais longo é possível imaginar que novas tecnologias desenvolvidas serão capazes de desafiar as ferramentas que garantem a segurança hoje se caracterizando como um risco estrutural aos sistemas 29 descentralizados Dessa maneira tornase essencial uma constante evolução das ferramentas de controle de modo que seja possível se proteger de possíveis disrupções tecnológicas que tenham efeitos prejudiciais à rede Existem também preocupações acerca da escalabilidade da plataforma no que se diz respeito ao número de transações que podem ser realizadas em um período e os limites relacionados ao volume financeiro envolvido Por exemplo um bloco de transações na tecnologia do Blockchain possui um limite de tamanho computacional de um megabyte o que leva a uma média de 4 a 7 transações por segundo Um outro ponto de crítica válido gera um contraste com o objetivo estrutural de uma plataforma aberta e descentralizada Há preocupação sobre o funcionamento de uma rede sem uma instituição que centralize para si o controle sobre a infraestrutura e regula o seu uso garantindo a estabilidade financeira em momentos em que se faz necessário A falta de governança central pode dificultar a tomada de decisões cruciais para a evolução da tecnologia compartilhada Para um bom funcionamento em diferentes contextos e possíveis momentos complicados de movimentos não usuais na plataforma é necessário se ter uma compreensão prévia e clara acerca dos arranjos de governança O artigo Governance in the Blockchain Economy A Framework and Research Agenda escrito em Outubro em 2018 por Roman Beck e Christoph MüllerBloch para o instituto de pesquisa da University of Copenhagen realiza uma reflexão sobre como pode ser endereçada a questão de governança em tecnologias como a do Blockchain e propõe alguns métodos que podem ser adotados nesse sentido Figura 7 Estrutura de governança em tecnologia da informação Os 3 vetores fundamentais Fonte Roman Beck Christoph MüllerBloch 30 Primeiramente o artigo afirma que a descentralização das tomadas de decisão suportadas pelo mecanismo de consenso da tecnologia DLT precisa vir acompanhada de um forte alinhamento de interesse por parte dos participantes da rede de modo que continuem contribuindo para o aprimoramento do sistema e do consenso obtido Os acadêmicos afirmam que para o sistema se tornar eficaz é necessário um tipo de ditadura benevolente no qual existe um grau de centralização na tomada de decisão visando garantir a estabilidade e segurança por meio de regras préestabelecidas e demarcadas No entanto ao contrário dos sistemas tradicionais essa liderança seria feita por meio de disponibilidades técnicas da rede se sobrepondo a institucionalidade e centralização das decisões apenas por quesitos organizacionais hierárquicos Tornase um modelo mais horizontal e menos vertical de modo que se afasta do sistema tradicional de duas camadas com os bancos e o Banco Central O envolvimento institucional ocorreria em casos extremos em que prevalecesse a disfuncionalidade Nesse sentido se desenvolveram as DAOs decentralized autonomous organizations com objetivo de estabelecer um novo um modelo de governança específico Essas organizações de acordo com sua definição no artigo de Hsieh et al 2018 se propõe a realizar e registrar tarefas de rotina na rede DLT pública contando com contribuições internas para operar gerenciar e desenvolver a organização por meio de um processo de consulta democrática Para contribuir com a governança do sistema as DAOs formam clusters de servidores e nós para manter o funcionamento Assim um conjunto amplo de nós ganha maior importância no processo de tomada de decisão os desenvolvedores podem oferecer aprimoramento dos códigos e algoritmos e os responsáveis pela mineração podem sugerir mudanças nos protocolos de criptografia É uma plataforma de contribuição aberta com as DAOs organizando em grupos para tomar decisões de forma coletiva Os autores Andrej Zwitter e Jiles Hazenberg em um artigo para a University of Groningen fazem um estudo analítico acerca das possibilidades de governança em sistemas DLT A conclusão é que a melhor alternativa para se manter a segurança e estabilidade de uma rede descentralizada é por meio da formação dos DAOs Segundo os autores a distribuição de tarefas de governança deve seguir critérios de capacidade e poder exercido dando menos peso à identidade dos participantes Muitos participantes realizariam múltiplas funções com dinamismo e flexibilidade sem que haja restrições prévias ao que cada um pode realizar e os papéis seriam variáveis de acordo com a situação específica Uma DAO atua de forma independente a fontes externas e o seu código é transparente de modo que as funcionalidades e regras são mantidas no 31 Blockchain para todos Nesse sentido para os autores um conjunto de DAOs atuando em diferentes níveis da solução Blockchain seria capaz de manter a governança mantendo o princípio da descentralização 52 Bitcoin e Ethereum Bitcoin foi a primeira criptomoeda a ser desenvolvida e transacionada com base na tecnologia Blockchain O objetivo primordial declarado por Satoshi Nakamoto era criar uma versão de dinheiro virtual que pudesse ser usado em transações de forma direta sem participação de instituições financeiras Uma característica vital do Bitcoin é que a sua oferta é limitada de modo que não podem ser criadas novas unidades da criptomoeda de forma arbitrária A única forma de gerar mais bitcoins é por meio do processo de mineração Até dezembro de 2020 estão em circulação 185 milhões de bitcoins minerados ao longo dos últimos dez anos e a oferta máxima prédeterminada é de 21 milhões de modo que há espaço para se minerar 25 milhões de unidades Gráfico 3 Unidades de bitcoins em circulação ao longo do tempo Fonte Blockchain O processo de mineração vai se adaptando e o desafio computacional de verificação vai se tornando mais complexo ao longo do tempo De maneira simultânea que se aumenta o número de participantes a oferta de bitcoins como remuneração pela mineração vai caindo de maneira relevante mais especificamente em 50 a cada quatro anos Desse modo existem estimativas de que a oferta de bitcoins irá se esgotar apenas no ano de 2140 32 A criptomoeda ganhou muita relevância nos últimos 10 anos e passou a ser amplamente usada de forma global Até dezembro de 2020 foram registradas aproximadamente 600 milhões de transações lastreadas em Bitcoin na plataforma de Blockchain e foram criadas aproximadamente 60 milhões de wallets digitais para armazenar e transacionar unidades de bitcoins Gráfico 4 Número total de transações registradas na rede Gráfico 5 Número total de contas registradas na rede Fonte Blockchain Os tamanhos dos blocos informacionais também cresceram de forma relevante junto com a quantidade de transações efetuadas e registradas na cadeia blockchain A plataforma foi ganhando notoriedade e escala enquanto a rede comprovou sua efetividade registrando cada vez mais transações e contando cada vez mais com a colaboração dos agentes mineradores Gráfico 6 Tamanho médio dos blocos de transações em megabytes Gráfico 7 Número médio de transações por bloco Fonte Blockchain 33 Dessa forma a criptomoeda Bitcoin foi ganhando popularidade na medida que mais indivíduos e instituições passaram a utilizar a tecnologia blockchain para realizar transações convertendo seu dinheiro lastreado em moeda nacional tradicional em bitcoins Esse efeito foi aumentando a demanda estrutural por Bitcoin desencadeando no aumento do seu preço relativo a outras moedas A valorização do Bitcoin iniciou um processo de caracterização da criptomoeda como uma fonte de reserva de valor dada a sua oferta limitada e aumento de relevância ao longo do tempo contra outras unidades de valor Nesse sentido a moeda digital ganhou características de um ativo financeiro com cotação contra o dólar norteamericano e outras moedas e foi se popularizando cada vez mais diante dessa concepção Tornouse comum especular em cima do preço do Bitcoin buscando comprar e vender para se aproveitar das oscilações do seu preço marcado a mercado A criptomoeda foi perdendo sua função de moeda transacional de modo que não pode ser utilizada como um meio alternativo às grandes moedas fiduciárias visto que o seu valor passou a ser não estável e muito volátil O seu uso é extremamente limitado no que se diz respeito à economia real e ainda não demonstrou características necessárias para se tornar substituta dos meios de pagamento existentes Não há sentido econômico em trocálo por bens e serviços e empresas e indivíduos evitam aceitar Bitcoins como forma de pagamento dado a incerteza acerca do seu valor Essa falta de calibragem e ancoragem torna inviável o uso dessa moeda virtual como meio de pagamento difundido na economia Sobre as perspectivas do papel básico de uma moeda Bitcoin não corresponde à necessidade de ser um meio de troca e unidade de conta amplamente utilizado visto que o seu fluxo transacional é irrelevante comparando com moedas tradicionais Além disso sua função como reserva de valor pode existir mas não é possível garantir um poder de compra estável ao longo do tempo devido as oscilações nos preços de negociação e a volatilidade com que suas variações ocorrem Como muito bem afirmam os autores George Calle e Diana Barrero Zalles no seu artigo Will Businesses Ever Use Stablecoins de Março de 2019 Sua cafeteria local provavelmente não aceita seus bitcoins porque se o fizesse a exposição direcional ao bitcoin se não fosse imediatamente protegida transformaria a loja em um fundo de investimentos arriscados em criptomoeda Portanto grande parte da atratividade do Bitcoin passou a ser o fato de ser um ativo digital completamente novo sem vínculo com sistemas financeiros previamente conhecidos e independente das moedas fiduciárias que 34 são emitidas pelos Bancos Centrais de modo que a criptomoeda passou a ser vista como alternativa de investimento Gráfico 8 Valor de uma unidade da criptomoeda Bitcoin relativo a outras moedas Gráfico 9 Capitalização de mercado Valor de uma unidade x Total de unidades em circulação Fonte Bloomberg Fonte Blockchain A volatilidade do Bitcoin e a falta da estabilidade do seu valor reduziram as possibilidades de se estabelecer como um instrumento amplamente usado de pagamentos mas a moeda seguiu ganhando importância e a tecnologia base para a rede Blockchain passou a ser utilizada para uma série de outras aplicações e outras moedas virtuais 35 Gráfico 10 Volatilidade da criptomoeda Bitcoin medida em desvios padrões Fonte Bloomberg Sobre o ponto de vista de um ativo financeiro uma criptomoeda não possui valor intrínseco de um ativo real pois não gera retornos em termos de fluxos de caixa financeiros sendo o seu valor limitado a sua dinâmica de oferta e demanda Por definição é um ativo escritural sem qualquer lastro Como afirmou Gustavo Franco em seu artigo O futuro do dinheiro de 2020 ao contrário de quando é usada para empresas a métrica de capitalização de mercado quando usada para moedas digitais não é clara dada a dificuldade de quantificar o seu valor Segundo ele o fundamento para o valor da criptomoeda bitcoin se tornou um dos grandes enigmas monetários de nosso tempo No entanto em 2017 houve um movimento muito agressivo de valorização do preço do Bitcoin relativo a outras moedas em um movimento caracterizado por uma entrada muito relevante de fluxo de novos investidores tentando capturar ganhos na oscilação de preço O movimento foi característico de uma bolha de mercado visto que esses investidores especulavam que o preço iria continuar subindo justamente pelo fato que teve uma alta recente e não queriam ficar de fora dos ganhos obtidos até ali A euforia foi acompanhada de uma popularização global da criptomoeda pessoas físicas não queriam deixar de participar dos ganhos financeiros aparentemente espetaculares que a compra da moeda estava gerando e criouse um sentimento comum muito forte de FOMO Fear of missing out Veículos de imprensa e investidores de varejo passaram a especular cada vez mais de modo que a criptomoeda passou a atrair cada vez mais atenção e fluxo financeiro Nessa dinâmica o volume negociado em plataformas de trading de bitcoins chegou a 36 somar US 5 bilhões Acontece que além da mudança de percepção dos investidores não houve alteração nos fundamentos da criptomoeda para justificar tamanha valorização o que levou a uma queda forte do valor do Bitcoin marcado a mercado posteriormente em 2018 o que resultou em um afastamento de muitos investidores do mundo das criptomoedas e perda de relevância do Bitcoin Infelizmente após esses acontecimentos houve um foco generalizado em cima dos aspectos especulativos do preço do Bitcoin sem dar o peso justo para a tecnologia existente por trás e as novas fronteiras de possibilidades sendo criadas a partir dos novos mecanismos desenvolvidos pelos sistemas DLT Gráfico 11 Volume de bitcoins negociados Pico em 2017 Fonte Blockchain Gráfico 12 Interesse pela palavra Bitcoin no google Pico em 2017 37 Fonte Google Em 2020 é possível ver outro movimento de valorização relevante do Bitcoin na linha do ganho de valor de outros ativos reais alternativos como Ouro Desta vez o ativo parece estar andando mais em linha com os fundamentos macroeconômicos que justificam sua existência como alternativa às moedas fiduciárias tradicionais O racional para a maior atratividade do investimento parte da perda de valor relativo de outras moedas tradicionais diante das políticas fiscais e monetárias extraordinariamente expansionistas Tais políticas acentuadas em 2020 com a Crise do Coronavírus aumentaram a oferta de moeda tradicional e a liquidez nas economias por meio da expansão dos balanços dos Bancos Centrais e programas de estímulo fiscal Além disso o nível de taxas de juros nominal está historicamente muito baixo com juros reais majoritariamente em território negativo em países desenvolvidos e até extraordinariamente em países emergentes Nesse contexto o Bitcoin tornase mais competitivo como ativo financeiro visto que apesar de não oferecer retornos intrínsecos oferece uma alternativa à perda de valor das outras moedas que pode ocorrer por meio de aumento da inflação e aumento excessivo da oferta monetária O cenário é de juros globais nominais que em termos de retornos prospectivos não superam tal perda real de valor ao longo do tempo e isso aumenta a atratividade do Bitcoin Além disso o mercado de negociação se tornou mais líquido e estruturado de maneira que mais investidores institucionais passaram a fazer parte ao contrário de 2017 quando eram majoritariamente investidores de varejo negociando bitcoins 38 Gráfico 13 Taxa calculada pela taxa nominal de juros de 10 anos dos países descontada pela inflação esperada no período Gráfico 14 Expansão dos balanços dos Bancos Centrais de países desenvolvidos por meio de programas de compras de títulos Gráfico 15 Abertura de contratos futuros de Bitcoin na CME uma das maiores bolsas de derivativos do mundo Fontes Bloomberg e FED Federal Reserve ECB European Central Bank BoE Bank of England BoJ Bank of Japan Fonte Bloomberg Portanto a ideia de que moedas digitais como o Bitcoin seriam fonte de substituição dos de moedas como meio de pagamento está perdendo força visto que não há estabilidade de valor que permita uma aceitação ampla com a escala necessária para tornar comum como um meio de troca Ainda é preciso um desenvolvimento importante para que se obtenha um diálogo com o sistema financeiro convencional e seus reguladores Em contrapartida a popularização dessas criptomoedas como ativo financeiro está sendo cada vez mais aprofundada de modo que está se criando todo um ecossistema que pode 39 consolidar o crescimento desse mercado Estão sendo criados fundos passivos indexados a criptomoedas fundos ativos com mandato especializado em encontrar bons investimentos no mundo cripto corretoras especializadas na negociação dessa classe de ativos e muitos instrumentos financeiros inovadores que permitem o acesso para pessoas físicas e jurídicas Paralelamente o número de contribuintes por meio da participação no processo de mineração está crescendo de forma relevante e está se desenvolvendo uma variedade de novas criptomoedas que estão se adaptando à realidade encontrada pelas antecessoras De 2014 a 2018 foram realizados 453 processos de emissão de uma nova criptomoeda no mercado chamados de ICOs Inicial Coin Oferring movimentando US 18 bilhões Novas tecnologias e oportunidades vão sendo integradas e a tendência é de fato o crescimento da indústria de investimento em cripto No entanto em termos de cumprimento das funções básicas de uma moeda a falta de estabilidade de valor inibe a possibilidade de criptomoedas privadas e usadas como classe de investimento serem substitutas da moeda fiduciária tradicional Depois da moeda Bitcoin as duas que possuem maior capitalização de mercado são Ether e XRP Ambas também possuem valor de mercado bem volátil e não possuem as características necessárias para serem amplamente usadas na estrutura das economias como uma fonte de valor que pode ser transferida amplamente para todos os agentes No entanto o caso da infraestrutura de registros descentralizados da rede Ethereum é interessante de ser analisado pois exemplifica algumas das diferenças entre as criptomoedas e funcionalidades que podem ser exploradas por meio da sua tecnologia Dentro do ecossistema Ethereum das aplicações dos contratos inteligentes foi desenvolvida a criptomoeda Ether que é usada como i um token fazer pagamentos internamente referentes à realização as aplicações e ii moeda digital negociada e usada para fins especulativos e de investimento como se tornou Bitcoin 40 Gráficos 16 e 17 Moeda digital do sistema Ether e moeda XRP Valor de mercado e volatilidade Fonte Bloomberg A infraestrutura computacional da rede Ethereum é baseada nos smart contracts e permite que aplicações descentralizadas sejam registradas na cadeia digital de blocos informacionais A proposta de valor primordial da rede Ethereum não é definir uma moeda digital que será usada como meio de troca em transações entre duas partes se distanciando nesse sentido da idealização do que seria Bitcoin e a rede se propõe a gerar acessibilidade segurança transparência e infraestrutura para a execução de contratos inteligentes Nesse sentido a interseção entre Ethereum e Bitcoin se restringe ao uso da tecnologia descentralizada de registros e aos mecanismos de validação por meio da criptografia e do sistema proofofwork Figura 8 Funcionamento do Blockchain na rede Ethereum e Bitcoin 41 Fonte Bernstein Research Figura 9 Smart Contracts Fonte Master the Crypto A rede se caracteriza por ser uma plataforma de aplicações descentralizadas que são funcionalidades que podem executar contratos inteligentes auto programáveis Na infraestrutura Ethereum foram transacionados US 15 trilhões no primeiro trimestre de 2021 de modo que o volume multiplicou por 12x em um ano comparando com o registrado no 1º trimestre de 2020 O valor chegou a uma marca impressionante ao bater 42 50 do TPV Total Payments Volume transacionado pela bandeira da Visa globalmente Tal crescimento evidencia o ganho de relevância do uso da tecnologia e reflete o aumento do uso das funcionalidades inovadoras dentro da rede Gráfico 18 Volume transacionado trimestralmente na rede Ethereum Fonte Messari O maior exemplo passa pela tecnologia DeFi Decentralized Finance que permite com que sejam realizadas operações financeiras de forma descentralizada sem a necessidade da participação de um banco ou corretora no processo Serviços Financeiros como empréstimos transferências negociação de ativos estruturação de garantias vendas de imóveis e outros podem ser realizados dentro de uma plataforma de registros de contratos inteligentes entre partes Todas as aplicações compartilham a rede de blockchain Ethereum como o mesmo banco de dados e isso facilita muito a transferência financeira e com os protocolos programados para cada contrato a execução tornase muito mais eficiente No sistema descentralizado há uma importante eliminação do risco de contraparte e de crédito visto que os usuários sempre possuem a custódia dos seus ativos e não cedem para algum operador centralizado como no sistema tradicional Esse modelo de auto custódia permite que deixe de existir o risco institucional de inadimplência e de não cumprimento de obrigações em uma negociação ou em um empréstimo 43 Gráfico 19 Valor gerado por meio do mecanismo de Decentralized Finance Fonte Bernstein 44 6 Stablecoins As stablecoins são moedas digitais desenvolvidas com o objetivo comum de manter a estabilidade de seu valor tornandose um instrumento de troca viável e eficiente Dessa forma eliminase o problema da volatilidade de preço de mercado de outras criptomoedas e as stablecoins possuem potencial para se tornarem substitutos perfeitos das moedas tradicionais e um meio de pagamento difundido na medida que podem ser transacionadas na economia e o seu poder de compra é mantido constante ao longo do tempo Essa classe de moedas também é baseada nas tecnologias descentralizadas de registro de modo que se caracterizam por tokens criptográficos transacionáveis Nesse sentido possuem as vantagens de um sistema descentralizado sem necessidade de intermediação central mas o seu funcionamento não é igual ao de outras criptomoedas como Bitcoin pois possuem um mecanismo de lastro em ativos com valor real que permite que o componente volátil das criptomoedas seja eliminado Podese afirmar que as stablecoins fazem parte de um ponto de interseção entre o mundo cripto e o sistema financeiro convencional Dado o objetivo de ser um instrumento substituto das moedas fiduciárias as stablecoins apresentam uma série de vantagens O seu uso pode ir além de fronteiras e stablecoins podem ser transacionadas internacionalmente como evidenciam Calle e Zalles em seu paper Will Businesses Ever Use Stablecoins de 2019 exemplificando uma stablecoin associada ao dólar americano que poderia ampliar o acesso a dólares americanos de forma global sem a necessidade de se abrir uma conta em um banco dos Estados Unidos Além disso o funcionamento da rede das stablecoins funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana Para se manter o valor de uma moeda estável é criado um lastro com algum outro ativo ou moeda fiduciária tradicional Darrell Duffle 2020 afirma que fatores idiossincráticos da proposta de colateralização podem garantir que uma stablecoin possua um valor de mercado estável aplicando o princípio básico da arbitragem O autor supõe que uma stablecoin é criada atrelada ao dólar de modo que uma unidade equivale a US1 Se o valor de mercado da moeda caísse para baixo de 1 em algum local de compra e venda seria possível se comprar stablecoins e trocálas em uma instituição financeira por um dólar cada unidade de modo que essa operação geraria um lucro Se todos os agentes realizassem essa operação a demanda por stablecoins na casa de troca iria aumentar o seu preço convergindo para US1 Da mesma maneira caso a moeda ficasse disponível a uma cotação superior a um dólar seria possível resgatar no banco valendo exatamente 45 o valor referência para posteriormente vendêlos no mercado com lucro na operação Por esse sistema de incentivos o preço não irá divergir do valor referência Além disso o valor estável de mercado depende da eficiência e segurança da tecnologia DLT envolvida Portanto os mecanismos de formação de preço são diferentes de outras criptomoedas e são necessários métodos para que stablecoins mantenham o seu valor estável ao longo do tempo Dirk Bullmann 2019 aprofundou a descrição das stablecoins e descreveu diferentes formas que podem ser lastreadas para manter o seu valor estável A primeira forma seria por meio da colateralização usando moedas fiduciárias tradicionais como o dólar ou euro Seria mantida a paridade 11 por meio de uma integração com o sistema bancário por meio do reconhecimento dos tokens em trocas recursos em forma de dinheiro tradicional presente nos balanços dos bancos comerciais Calle e Zalles 2019 separam o uso dos bancos comerciais em dois modelos diferentes definidos como bankcoin e trustcoin Uma stablecoin inserida no primeiro modelo seria substituta perfeita de um depósito bancário tradicional visto que seria emitida por um banco em troca de um depósito se tornando um passivo do banco com o agente garantido pela carteira de ativos do banco emissor de maneira que o colateral passa a ser o balanço do banco e a credibilidade acerca de sua solvência A diferença nesse caso é que o processo de registro armazenamento e atribuição de propriedade é realizado pela tecnologia Blockchain ao invés de depender da infraestrutura bancária para conduzir as transações e os pagamentos Assim o banco é responsável pela emissão e coloca os tokens em circulação para serem usados como meio de transação financeira pelos agentes que possuem conta e um saldo O banco precisa portanto registrar as informações de pagamentos realizados por meio um histórico de dados internos mas também deve obter acesso a rede de blockchain na qual estão ocorrendo as trocas Já no modelo de trustcoin há presença de um intermediário a mais realizando o papel de emissor das stablecoins já que esse papel não é realizado pelos bancos A emissão é realizada por essa terceira parte via o dinheiro que possui nos bancos de modo que o colateral se caracteriza pelos depósitos do emissor em instituições financeiras Tether a stablecoin com o maior volume negociado e transacionado além de maior capitalização de mercado se utiliza desse modelo trustcoin Em abril de 2021 a stablecoin possui valor de mercado de aproximadamente US 50 bilhões sendo dominante na categoria de moedas com valor estável chegando a um volume de US 34 bilhões que representa 95 do negociado em stablecoins O objetivo da moeda é manter paridade 11 com o dólar nacional americano Além das transferências internacionais a 46 Theter se propõe a ser fonte de caixa criando o lastro para criptomoedas com moedas convencionais Gráfico 20 Capitalização de mercado das stablecoins Tether em verde Gráfico 21 Preço da stablecoin Tether vs US dollar Bitcoin e Ethereum Fonte Tether Na proposta da solução da stablecoin Tether as moedas são tokens chamados de tethers e inicialmente emitidas no Blockchain de Bitcoin por meio do protocolo Omni Layer que possui aplicações open source para que se crie e negocie novas moedas digitais Omni é uma tecnologia fundamental que pode conceder e revogar tokens digitais representados como metadados incorporados no Blockchain Bitcoin rastrear e relatar a circulação de tethers além de permitir que os usuários transacionem e armazenem tethers Para cada tether emitida é criado uma relação de um para um com US dólar por meio de uma unidade de moeda fiduciária correspondente mantida em depósito pela Tether Limited sediada em Hong Kong Uma vez que as stablecoins são emitidas podem ser 47 transferidas armazenadas gastas ou resgatadas A Tether Limited é uma entidade comercial responsável por aceitar os depósitos fiduciários e emitir os tokens correspondentes e executar os resgates fiduciários controlando todo o processo de custódia das tethers em circulação Nesse sentido é possível se afirmar que essa forma de implementação não é perfeitamente descentralizada visto que a Tether Limited deve atuar como um custodiante centralizado de ativos de reserva mas a sua atuação se limita somente a custódia e as transações podem ser feitas por meio de registros descentralizados e sem interferência externa Assim facilitase o pagamento móvel entre usuários e outras partes de maneira que a transferência de valor fiduciário é instantânea entre partes descentralizadas Portanto surgiram três modelos principais de design de uma moeda com valor estável No primeiro a stablecoin é emitido com valor atrelado a uma unidade de conta comumente usada como as moedas tradicionais de modo que o usuário e dono da moeda possui direito de posse direta sobre o emissor É o modelo mais semelhante aos depósitos bancários tradicionais visto que o emissor se compromete a resgatar o valor em moeda na qual a stablecoin foi comprada transformando em dólares via resgate em dinheiro físico por exemplo Fazendo uma analogia é como se realizasse o depósito em stablecoins pudesse utilizar como meio de transação e pagamento e por fim tivesse a possibilidade de trocar por moeda fiduciária Em um outro modelo a stablecoin não é emitido com um valor de face especificado como o dólar e possui seu valor baseado em uma carteira de ativos subjacentes sendo uma cesta semelhante a um fundo passivo negociado em bolsa de valores ETF Na terceira possibilidade a criptomoeda é atrelada a um título emitido pela instituição emissora de modo que o valor da moeda está enraizado na confiança do público e do mercado em tal instituição que pode ser um banco regulamentado cujas operações bancárias tradicionais se beneficiam de apoios públicos como seguros de depósitos junto ao Banco Central e presença de um credor de último instância que pode ajudar em momentos de maior iliquidez e isso torna tal lastro de valor mais seguro O paper Investigating the impact of global stablecoins publicado pelo BIS Bank of International Settlements em 2019 ilustra algumas das funções que podem ser exercidas pelas stablecoins no sentido de gerar maior eficiência para as transações e para o sistema de pagamentos como um todo Na concepção descrita teria uma melhora no acesso a serviços financeiros e as transações usando moeda digital poderiam ser uma porta de entrada para o oferecimento de outros serviços financeiros que levariam a uma maior inclusão Além disso as stablecoins tem o potencial de aumentar a competição por meio 48 de um desafio ao domínio do mercado por parte de instituições financeiras estabelecidas e incumbentes Ao apresentar uma estabilidade de valor a partir do lastro com ativos reais ou moedas fiduciárias as stablecoins se apresentam como uma alternativa viável de meio de pagamento ou reserva de valor Nesse sentido podem ser utilizadas para transações financeiras globais visto que a facilidade de sua transferência digital resulta em uma redução abrupta das fricções e custos transacionais presentes no processamento de pagamentos internacionais entre diferentes países Apesar do relevante desenvolvimento nos sistemas de pagamentos por meio dos avanços tecnológicos que abriram fronteiras para a maior eficiência e conveniência podese observar que a melhoria dos processos está consideravelmente concentrada nos meios de transação domésticos de modo que as redes de transferências internacionais ainda apresentam uma série de ineficiências que devem ser endereçadas sendo as stablecoins e suas ferramentas candidatas a serem grandes disruptores nesse sentido Alguns dos custos transacionais envolvidos são as taxas de banco correspondente custos de câmbio custos de telecomunicações custos legais e regulatórios além de taxas de intercâmbio Na comunidade internacional foram criados padrões legais que devem ser implementados por órgãos públicos nos países que participam do sistema financeiro global de comércio e transferências Se instituiu a necessidade de um controle para evitar o financiamento ao terrorismo e a prática de lavagem de dinheiro de modo que por meio da AML AntiMoneyLaundering CFT Combating Financing of Terrorism foram criados marcos regulatórios que tem impacto sobre como ocorrem as transferências internacionais No Brasil por exemplo a organização responsável pelo controle é o Banco Central do Brasil BCB por meio da COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras com autonomia técnica e operacional Dessa maneira a existência de tais práticas é fundamental para manter a integridade financeira no entanto podem também adicionar mais custos de intercâmbio entre países especialmente se houver diferenças nas regras ou requisitos entre as jurisdições envolvidas e se as medidas preventivas forem realizadas em diferentes etapas da cadeia de transações Outro ponto é que existem dificuldades devido à falta de padronização regulatória e processual de cada jurisdição geográfica e as stablecoins podem ser essenciais nesse ponto na medida que oferecem a conversão em apenas uma moeda que será transacionada por meio de apenas um sistema integrado e descentralizado Todo o tempo de diligência efetuação e registro de uma transação poderia ser reduzido se fosse registrada na rede compartilhada e reconhecida pelo método 49 criptográfico de validação Dessa forma tais transferências de valor monetário poderiam ser realizadas de forma mais barata e mais rápida A plataforma das stablecoins também funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana de forma que acabamse os problemas relacionados ao horário de funcionamento de bancos e casas de câmbio de diferentes países e fusohorários Em um encontro em julho de 2019 os ministros das finanças do grupo de países G7 e membros dos bancos centrais se reuniram e concordaram que apesar dos benefícios sociais e econômicos o desenvolvimento de stablecoins traz consigo importantes reflexões regulatórias no sentido que deveriam estar sujeitos a procedimentos de supervisão diante de riscos sistêmicos Debateuse a necessidade de se desenhar um novo modelo regulatório apropriado para as stablecoins e endereçar questões específicas do seu uso para que o funcionamento não tenha impactos negativos no sistema financeiro Torna se relevante portanto um estudo sobre esses riscos e como podem ser endereçados Como argumentaram os ministros o risco jurídico é bem relevante visto que os modelos de stablecoins podem diferenciar entre si e não é trivial conseguir endereçar todas as possíveis contingências legalmente Elas podem ter o seu emissor identificado ou não e podem estar vinculados a uma moeda fiduciária ou a ativos Além disso essa questão é intensificada na medida em que uma moeda global transita em diferentes regimes legais e reguladores têm o papel de decidir quais as leis de jurisdição aplicáveis e quais tribunais de jurisdição têm competência Uma stablecoin deve ser sustentada por termos legais claros que definem e regem com certeza e previsibilidade porque os usuários devem ter a confiança de que será um ativo com estabilização do valor e quando as transações dependem dos registros na tecnologia devese realizar uma diligência com objetivo de garantir a robustez do sistema de forma que devem sempre estar transparentes e claros os direitos e obrigações dos participantes das transações e como ocorre a liquidação Também existem riscos associados a fraudes e a segurança de produtos oferecidos como os custodiantes podem se utilizar dos dados dos usuários sendo duas questões que só podem ser endereçadas por meio de uma governança bem definida para promover segurança Uma outra discussão importante é sobre os efeitos nos mecanismos de transmissão de política monetária a partir da introdução de stablecoins Caso uma moeda digital com escala global seja amplamente usada como reserva de valor poderia ter importante impacto nos fluxos monetários cambiais e enfraquecer o efeito da política de taxas de juros visto que os ativos denominados na stablecoin permaneceriam nas finanças das famílias e das 50 empresas e isso reduz a capacidade da taxa de juros doméstica nortear os retornos sobre a parte dos ativos mantidos na moeda digital Os efeitos na transmissão da política monetária passariam a depender de duas novas variáveis uma possível remuneração em forma de stablecoin e o diferencial de juros com a taxa básica da economia Tais criptomoedas com valor estável estão em patamar inicial de desenvolvimento de modo que os arranjos de governança e a estrutura regulatória ainda não estão bem definidos de modo que se torna uma questão muito relevante para os próximos anos quando forem ganhando notoriedade É claro que as estruturas regulatórias existentes para integridade financeira proteção de dados e a proteção do consumidor e do investidor será aplicada as stablecoins no entanto será necessário criar padrões para se adaptar às especificidades da relacionadas a resiliência operacional segurança cibernética proteção aos consumidores e investidores proteção de dados e conformidade tributária Em termos globais as empresas que possuem maior escala e alcance são as grandes plataformas digitais controladas pelas big techs como Facebook Google Amazon Apple Mais especificamente dentro do universo de pagamentos destacamse PayPal Visa e Mastercard Tais empresas possuem uma combinação única de extensa quantidade de dados dos clientes e efeitos de rede da plataforma imbatíveis com enormes opcionalidades em seus modelos de negócio para muitos anos à frente Uma das diversificações tem sido oferecer serviços de pagamentos a um custo relativamente baixo de modo que passam a ter acesso a mais dados transacionais mais interações recorrentes com os clientes maior percepção de essencialidade daqueles serviços e oportunidade para entrar em mais serviços financeiros além dos pagamentos As big tech podem portanto alavancar sua rede de usuários ativos oferecendo serviços de pagamento em escala global e naturalmente são candidatos para serem responsáveis pela internacionalização de moedas digitais 61 Libra Os 28 bilhões de usuários ativos das plataformas sociais do Facebook incluindo o seu Facebook Blue App Whatsapp e Instagram garantem uma escala e alcance incomparável para a empresa Seus efeitos de rede são sem precedentes e esse posicionamento motivou a empresa a uma estratégia ousada implementando o projeto Libra com o objetivo de idealizar e criar a primeira moeda digital global Devido ao tamanho do potencial e do poder que a empresa possui em ditar as tendências globais de 51 comportamento social chamou muita atenção de Bancos Centrais e órgãos reguladores que se sentiram na obrigação de agir diante de um movimento que poderia ser extremamente transformacional para o sistema financeiro internacional Desde 2019 quando o Facebook anunciou o novo projeto o ritmo de discussão e análise acelerou substancialmente Gráfico 22 Usuários dos aplicativos Facebook worldwide Fonte Facebook O projeto inicial lançado em junho de 2019 tinha como objetivo facilitar as transações financeiras visando aumentar a inclusão financeira de pessoas que não possuem contas bancárias mas possuem smartphones O projeto foi oficialmente lançado 52 pelo Facebook mas havia uma base de 28 empresas e organizações ao redor do mundo que se juntaram em um consórcio chamado de Libra Association para contribuir com o desenvolvimento do novo ecossistema A organização não teria fins lucrativos e seriam realizadas convenções em sua base em Genebra nas quais cada instituição teria um voto além de uma função de mineração para contribuir com o sistema descentralizado da moeda digital O sistema seria seguro projetado para usuários comuns e baseado em blockchain apoiado por ativos sólidos O Facebook criaria subsidiária regulada chamada Calibra que lançaria sua própria wallet potencialmente usada para estocar e transacionar libras Figura 10 Empresas envolvidas no projeto Libra Fonte Libra project Como afirma Gustavo Franco em seu texto O futuro do dinheiro publicado em 2020 a Libra surgiu em busca de um equilíbrio muito difícil entre as mecânicas e ideais libertários do mundo cripto e os requisitos mínimos da boa cidadania regulatória para um projeto de escala global mas contando com um ingrediente explosivo o proponente era uma big tech com uma reputação meio abalada talvez mesmo meio tóxica e cercada de controvérsias Intensificouse a discussão acerca de riscos prudenciais e complexidades 53 concorrenciais que poderiam ser gerados na medida em que fosse amplamente usada a moeda da empresa com a maior escala global Do lado mais positivo reconheceuse as novas fronteiras da inovação e os possíveis ganhos de eficiência em transações domésticas e principalmente internacionais somandose a uma possível inclusão financeira Em seu white paper inicial a empresa mencionou o objetivo de atingir 17 bilhões de indivíduos desbancarizados e que poderiam se digitalizar financeiramente por meio da Libra com o acesso já existente à internet Um ponto que Gustavo Franco levanta é que não é possível encarar o projeto como meramente não lucrativo e benéfico apenas socialmente Enquanto a Libra Association representava uma união entre empresas em uma iniciativa positiva com objetivo de construir a moeda global simplificada e uma infraestrutura financeira nova wallet Calibra seria subsidiária exclusiva do Facebook e tinha um objetivo implícito de explorar financeiramente as remessas internacionais que representam um mercado endereçável de 700 bilhões com taxas cobradas altíssimas de aproximadamente 7 se caracterizando como uma grande oportunidade em termos de retorno financeiro Diante dessa modelagem houve uma enorme contestação pública expressada em um discurso político e preocupações regulatórias Tal reação levou a uma reformulação da arquitetura Libra que foi expressa em um artigo de abril de 2020 a fim de melhor satisfazer as preocupações dos reguladores Foram adotados ajustes para atender demandas regulatórias e introduzidas mudanças importantes de modo que a moeda passaria a oferecer uma variedade de stablecoins uma estrutura única garantindo um lastro mais robusto Houve um afastamento significativo da idealização inicial pois o sistema abandonaria a ideia de ser aberto por meio blockchain Do ponto de vista da tecnologia a criptomoeda continuaria verticalmente integrada com a subsidiária independente do Facebook Novi anteriormente Calibra gerenciando carteiras digitais com uma nova Fundação Libra supervisionando a linguagem de programação subjacente e as aplicações O processo de mudanças no projeto de funcionamento da LIBRA afastou muitos desenvolvedores e idealizadores do mundo cripto e se aproximou de uma solução similar ao que oferece uma carteira digital não se diferenciando em relação a soluções já existentes na medida que o desenho passou a ser focado em oferecer infraestrutura e acessibilidade aos usuários a meios de pagamentos universais Visa Mastercard eBay Stripe e Mercado Pago eram membros importantes da associação Libra e se desligaram seguidos por PayPal e Vodafone Dessa forma a própria descrição do objetivo do projeto 54 também deixou de lado o conceito de uma nova moeda global como substituta das moedas convencionais Depois da mudança de rumo depois dos debates regulatórios e da divulgação de novos papers mudando o framework do projeto o último movimento foi de mudança no nome do objeto central que é o token transacionado passando de Libra para Diem Criouse então a Diem Association que pretende lançar um piloto com uma única moeda estável atrelada ao dólar americano ao longo do ano de 2021 e iniciará em escala limitada com foco inicialmente nas transações entre consumidores individuais e posteriormente adicionando opções de comercialização de bens com a moeda digital Apesar do acontecimento importante o projeto saiu bastante do radar ao mesmo tempo que o mundo cripto ganhou muita notoriedade com o desenvolvimento de tecnologias infraestrutura e todo um mercado em volta das moedas digitais Não está havendo grande alarde em cima dos próximos movimentos mas poderão ser relevantes devido ao efeito de rede do Facebook e consequências caso ganhe tração entre os usuários e consumidores Apesar do rumo que a Libra tomou podese afirmar que foi fundamental para alimentar a discussão sobre criptomoedas e futuro do sistema financeiro globalmente contribuindo para uma corrida global entre os bancos centrais para descobrir sua própria estratégia em relação ao dinheiro digital Como afirmou Gustavo Franco todo o debate serviu para colocar a libra agora diem as criptomoedas e suas novas ideias em um novo patamar de consideração e sobretudo para atiçar os bancos centrais a refletir mais profundamente sobre sistemas de pagamentos e suas inovações Talvez tenha sido inclusive esse debate o que impulsionou reguladores mundo afora a cogitar mais abertamente a adoção de CBDCs central bank digital currencies 55 7 Stablecoins digitais emitidas por Bancos Centrais 71 Características e modelos A partir do surgimento das criptomoedas expandiuse a fronteira de possibilidades no que diz respeito à digitalização monetária e desde 2017 muitos bancos centrais vem estudando possíveis formas de resposta a tais inovações tecnológicas Nesse sentido as autoridades monetárias estão realizando grandes esforços na direção de encontrar uma resposta inovadora em que possam controlar a emissão e circulação do novo dinheiro digital A solução que estão buscando implementar passa pela introdução de moedas digitais próprias do Banco Central sendo lastreadas de forma que possam substituir a moeda fiduciária tradicional como meio de transação financeira Até o momento existem muitas pesquisas e projetos preliminares além de casos reais que podem ser estudados empiricamente a partir da observação dos efeitos das políticas realizadas nesse sentido Essas moedas foram denominadas de CBDCs Central Bank Digital Currencies e diferentes modelos vêm sendo objetos de estudo e testados mas primordialmente o objetivo é digitalizar as moedas tradicionais se utilizando da tecnologia da criptografia e de um sistema de registros descentralizado O tema ganhou muita atenção globalmente e segundo uma pesquisa do BIS Bank of International Settlements em Agosto de 2020 80 dos Bancos Centrais estavam engajados em pesquisa experimentação ou desenvolvimento de moedas digitais próprias Como em muitos campos que envolvem digitalização e tecnologia a pandemia teve um papel chave na intensificação da busca por soluções de moedas digitais visto que a conjuntura contribiu para uma redução muito significativa nas transações com dinheiro físico e as experiências superiores com meios digitais causaram efeitos estruturais fazendo com que a penetração de pagamentos eletrônicos aumentasse de forma permanente Além disso foi um período que as criptomoedas privadas como Bitcoin e Ethereum ganharam notoriedade e relevância gerando um senso de urgência para os Bancos Centrais diante da necessidade de evitar ficar behind of the curve e perder controle sobre os mecanismos de transmissão de política monetária diante das novas inovações 56 Gráfico 23 Interesse do público e do BC por CBDCs Tabela 3 Motivação pública para BCs estudarem CBDCs Fonte BIS Bank of International Settlements No mandato dos Bancos Centrais o objetivo final é a estabilidade monetária e financeira em suas jurisdições e nessa definição está incluso o esforço para promover amplo acesso a meios de pagamentos seguros e eficientes O dinheiro tradicional dos BCs além de um meio de pagamento é uma unidade de conta e reserva de valor para um país 57 Para se pensar nas fronteiras de possibilidades do uso de uma CBDC é necessário voltar para a definição do que é dinheiro moeda e qual o papel dos Bancos Centrais como responsáveis pelo controle da emissão de moeda nas economias Para delinear o que seria esse novo tipo de moeda o paper Central bank cryptocurrencies publicado em 2017 pelo BIS formulou uma interessante representação do que seria uma taxonomia do dinheiro Os autores definem as quatro propriedades mais importantes do dinheiro como i Emissor Banco Central ou outra instituição ii Forma física ou eletrônica iii Acessibilidade universal ou limitada e iv Mecanismo de transmissão centralizado ou descentralizado Nesse sentido uma CBDC seria uma forma eletrônica do dinheiro tradicional emitido pelos Bancos Centrais que pode ser transferida em um modelo peer topeer do pagador para o recebedor de forma descentralizada Figura 11 Taxonomia do dinheiro Fonte BIS Bank of International Settlements As CBDCs podem ser separadas em duas categorias distintas A primeira seria uma moeda emitida para o público geral de modo que é chamada de moeda digital do varejo Pensando em pagamentos individuais normalmente o seu valor unitário é baixo mas o volume total é gigantesco se amplamente usada a forma digital Os registros seriam feitos por meio do sistema descentralizado sem a necessidade de uma conta corrente em um 58 banco para ter posse da moeda garantindo uma inclusão financeira de forma digital Além disso outros participantes do processamento tradicional de um pagamento não seriam mais necessários com o sistema internalizado Esse tipo de criptomoeda seria de fato uma nova forma de moeda emitida pelo Banco Central que seria responsável também pela sua oferta por meio dos instrumentos de política monetária Seu lastro seria 11 com a moeda fiduciária local sendo um tipo de passivo no balanço dos BCs Dentro da moeda digital disponível para o varejo uma das possibilidades é a implementação de um modelo direto no qual indivíduos e comerciantes registrariam uma conta direta no Banco Central e haveria exclusão completa dos agentes intermediários Qualquer pessoa que tenha posse de um smartphone poderia se registrar no BC e criar uma carteira digital própria obtendo acesso à possibilidade de ter uma fonte de reserva de valor e transacionar o seu dinheiro digitalmente Claramente é uma possibilidade que teria impacto profundo no sistema financeiro por meio da alteração do papel dos bancos tradicionais como intermediários nas transações visto que passariam a ser realizadas diretamente no sistema do Banco Central migrando do modelo de duas camadas para uma camada É um modelo diferente das formas existentes de dinheiro eletrônico como depósitos e reservas visto que não dependeria mais das contas dos bancos no Banco Central Um ponto importante nessa transformação é aumento da acessibilidade que pode ocorrer com moedas digitais em que os BCs são responsáveis em um caminho de democratização a partir do alcance da parcela relevante da população global principalmente em países em desenvolvimento que ainda é desbancarizada e não tem acesso a serviços financeiros básicos Hoje para realizar transações de forma eletrônica é necessário obter dinheiro em forma de depósito em uma conta corrente em uma instituição que seja registrada no Banco Central tornando seu patrimônio um passivo do banco comercial As CBDCs oferecem uma forma segura de se transacionar digitalmente com a maior segurança possível em um sistema regulado e controlado pela autoridade monetária onde o seu registro seria feito de forma direta No entanto não é claro se dentro do seu regime de atuação os Bancos Centrais desejam aumentar substancialmente a sua responsabilidade como instituição a partir do estabelecimento de uma relação financeira direta com indivíduos Dessa maneira a maioria dos projetos que estão surgindo envolvem outras instituições que seguiriam como intermediadores Figura 12 CBDC direta 59 Fonte Riksbank Outro desenho pode ser caracterizado como um modelo híbrido A emissão do dinheiro digital dependeria de intermediários financeiros responsáveis pela oferta das unidades monetárias para indivíduos e comerciantes Seria muito parecido com a estrutura tradicional de pagamentos no qual os bancos assumem o papel de relacionamento com o varejo e ao enviar pagamentos para outras instituições registram no Banco Central para que seja liquidada a operação No entanto paralelamente o dinheiro seria mantido no BC e em caso de insolvência por parte de uma instituição financeira o Banco Central poderia honrar as obrigações em cima do volume financeiro e poderia transferir os fundos para uma outra instituição Figura 13 CBDC indireta Fonte Riksbank A outra infraestrutura de uma CBDC possui mais restrições no que diz respeito a quem pode participar do sistema e transacionar a moeda digital É um modelo chamado 60 de Wholesale CBDC podendo ser definido como a unidade monetária usada em transações no atacado O seu uso tem como objetivo reduzir riscos de crédito e liquidez além de aumentar a eficiência na liquidação de transações A liquidação das transações seria feita por meio da transferência de tokens entre as instituições financeiras participantes de forma instantânea Não se caracteriza pela criação de algo muito novo visto que os bancos tradicionais já têm acesso direto digitalmente ao sistema do Banco Central mas pode melhorar em termos de eficiência com o uso de tokens além do aumento da acessibilidade com a entrada de novas instituições Além disso seria permitido a troca de tokens em mais plataformas além do sistema da autoridade monetária de forma que se aumentaria a concorrência e diversificação Gráfico 24 Motivações para se emitir uma CBDC Fonte BIS Bank of International Settlements 72 Projetos e evidências empíricas Em 2014 O Banco Central do Equador realizou um movimento inovador e lançou um projeto chamado de Dinero Eletrônico incentivando indivíduos a abrirem contas diretamente no Banco Central desintermediando os serviços financeiros de uma conta corrente bancária O projeto teve seu fim precoce em 2016 devido a baixa adoção e número de usuários do sistema mas foi uma iniciativa importante principalmente por ter partido de uma economia não muito desenvolvida De 2016 a 2020 muitos Bancos Centrais embarcaram em novas iniciativas e se encontram em diferentes estágios A tabela 61 abaixo do paper de Gustavo Franco é muito interessante e mostra os diferentes modelos arquiteturas e estágio de desenvolvimento dos projetos dos Bancos Centrais Usando as definições da terceira coluna da tabela o Estágio 1 seria apenas um projeto na fase de pesquisa o Estágio 2 seria um projeto com um piloto já implementado e o Estágio 3 seria uma CBDC já em funcionamento Vale notar que dos trinta e um projetos apenas nove estão no 2º estágio no qual já foi possível se observar empiricamente uma experimentação com um piloto sendo aplicado se distanciando do campo das ideias Os outros 70 estão em fase inicial de pesquisa e ainda não há nenhum BC no 3º estágio com o projeto em funcionamento e a moeda em circulação Essa observação é fundamental para verificar o estágio preliminar em que está a implementação de moedas digitais de Bancos Centrais de maneira que é fundamental o estudo acerca dos possíveis efeitos de sua introdução no sistema financeiro e o acompanhamento dos próximos passos no caminho da implementação efetiva no formato de políticas públicas Sobre a arquitetura no modelo direto o Banco Central é responsável pela interface e tecnologia além do relacionamento direto com os indivíduos de forma que se aproxima de um modelo em que as pessoas teriam contas diretas no BC Em um modelo híbrido seria mantido o papel fundamental dos bancos comerciais como intermediários visto que tais instituições seriam responsáveis pelo relacionamento com o cliente e as unidades monetárias digitais passariam pelos seus balanços em formas de depósitos e posteriormente em reservas no Banco Central em um modelo mais parecido com o tradicional somandose a introdução da digitalização completa do dinheiro Além dessas definições a infraestrutura varia entre um sistema descentralizado de registro e um modelo convencional no qual o BC é responsável pela custódia e liquidação nos moldes tradicionais enquanto o acesso para os indivíduos pode ser gerado por meio de contas correntes ou via tokens Tabela 4 Projetos e desenhos de CBDCs até 2020 62 Fonte Gustavo Franco em O futuro do dinheiro Um dos projetos mais avançados no qual foi possível se tirar conclusões mais concretas acerca dos impactos da adoção de uma CBDC ocorreu na Suécia O país tem características bem específicas no que diz respeito a digitalização financeira e desenvolvimento de infraestrutura tecnológica O uso de dinheiro na sua forma física caiu de forma impressionante na região o valor financeiro de papel moeda em circulação caiu 50 em 10 anos e chegou a menos a aproximadamente 15 do PIB do país em 2018 Ao longo do tempo muitos comerciantes foram deixando de aceitar pagamento em dinheiro físico e a economia foi caminhando de forma acelerada na direção da digitalização Esse processo incentivou o Banco Central a intensificar os estudos com o objetivo de realizar uma adaptação para um sistema financeiro e estrutura monetária completamente digital Em Outubro de 2018 o Banco Central Sueco Riksbank publicou o paper The Riksbanks ekrona project apresentando os resultados de seus estudos e um projeto de moeda digital para o país visando garantir a acessibilidade a meios de pagamento eletrônico para todos os indivíduos por meio da infraestrutura tecnológica do BC O paper afirma que não devese deixar a população dependente dos sistemas privados e os entes financeiros públicos deveriam agir para promover uma infraestrutura segura 63 Gráficos 25 e 26 Declínio do uso de dinheiro físico na Suécia Fonte Riskbank Nesse contexto o BC sueco apresentou a moeda digital EKrona que seria uma CBDC disponível para o público geral em um modelo híbrido Uma unidade de EKrona representaria um direito fiduciário que os indivíduos e comerciantes teriam diretamente perante o Banco Central Riksbank enquanto os pagamentos e transações seriam realizados por operadores de sistemas de pagamento e a implementação técnica passa por uma estrutura baseada em DLT O BC iria emitir a moeda mas elas seriam retidas nas carteiras digitais dos clientes nas instituições intermediárias que seriam responsáveis pela 64 relação direta com os clientes realizando o trabalho de diligência No entanto no piloto desenvolvido também há a possibilidade de o público geral criar contas diretas no BC No paper o Riksbank argumenta que o fato de indivíduos possuírem ativos monetários diretamente reduz significantemente o risco de liquidez e de crédito do sistema visto que passa a ser um passivo governamental e Bancos Centrais sempre irão cumprir suas obrigações pelo simples fato de terem capacidade ilimitada de criar moeda e controlar sua oferta Nesse sentido o dinheiro digital de um BC seria um ativo livre de risco e um meio de pagamento seguro O desenho técnico do sistema passa por uma infraestrutura tecnológica elaborada pelo Banco Central com uma plataforma para a possibilidade de contas diretas e também com conectividade com sistemas e aplicações de outras instituições A plataforma E Krona representaria o local do sistema de registros de transações e quem possui unidades monetárias e quanto A interface para usuários parte da disponibilidade de formas de armazenamento e de transferência nos meios que são utilizados como smartphones internet e cartões Em maio de 2021 o Riksbank anunciou uma nova parceria com o banco comercial Handelsbanken para começar a testar o projeto da EKrona na prática Dessa forma o projeto ganha maior notoriedade ao passar da fase de simulações para testes práticos com participantes externos Figura 14 Desenho da EKrona Fonte Riskbank Outro Banco Central que chegou a avançar no caminho de implementação de um piloto de uma moeda digital foi o BCU do Uruguai O projeto idealizado partiu de uma nova moeda digital substituta do peso uruguaio que se chamaria EPeso O projeto fez parte de uma série de medidas do governo e BC iniciadas em 2011 visando aumentar a 65 inclusão financeira e a digitalização da economia Para se utilizar da moeda como meio de pagamento era preciso baixar um aplicativo para celulares acessar a carteira digital e se cadastrar Foi lançado um teste de seis meses para avaliação dos resultados que permitisse a implementação mais efetiva Os participantes da primeira fase de teste piloto em novembro de 2017 foram o BCU emissor ANTEL provedor da rede telefônica RGC provedor do sistema IBM armazenamento circulação e suporte de controle IN Switch gerenciamento de usuários e transferências e RedPagos carregamento de notas Todas as instituições ajudaram com o suporte tecnológico e desenho da infraestrutura do modelo Foram emitidos 20 milhões de EPesos o máximo que uma pessoa física ou uma empresa poderiam era 30 mil A CBDC uruguaia também se encaixa em um modelo destinado para o público geral com o objetivo de aumentar a inclusão financeira de desbancarizados e a iniciativa do visava abordar o declínio do uso de dinheiro físico na economia doméstica e alimentar a imagem do país como líder financeiro e inovador principalmente na região da América Latina Uma iniciativa interessante foi a de oferecer a possibilidade de utilização da moeda digital para indivíduos sem smartphone com conexão à internet por meio da distribuição de uma rede que funcionaria offline permitindo o acesso de qualquer hardware Gráfico 27 Base monetária no Uruguai Fonte BIS Bank of International Settlements O BCU buscou usar um sistema de pagamento proprietário em vez de um modelo como Blockchain baseado na tecnologia DLT Os tokens em unidades da moeda EPeso 66 seriam armazenados nas carteiras digitais e o processamento das transações seguiria o padrão tradicional usando intermediários e o BC teria acesso a todas transações mas centralizando no seu sistema de dados Os resultados foram positivos e ao final dos seis meses a utilização do token foi relevante e foi crescendo em magnitude a cada mês entre usuários Não foram registradas falhas técnicas relevantes ou problemas associados à segurança na rede de pagamentos na rede de pagamentos Em abril de 2018 o projeto foi descontinuado e quase 4 anos depois do teste piloto o BCU não seguiu de forma contundente com a agenda e a implementação de um sistema de tokens estagnou O projeto passou para a etapa de avaliação no entanto já foi provado o sucesso do ecossistema do CBDC e novas iniciativas devem ser adotadas na medida em que outros países também concretizem o lançamento de suas soluções na direção de uma CBDC Com o grau de digitalização da economia que atingiu principalmente no que se diz respeito a rede de pagamentos a China não poderia estar para trás no desenvolvimento da sua moeda digital É um tema bem ativo no país há muitos anos com a rede privada de comunicação e pagamentos sendo dominada pelo duopólio das empresas Tencent por meio do aplicativo WeChat e da Alibaba com a plataforma do Alipay Juntas as duas empresas são responsáveis por 94 do volume transacionado de forma online no país segundo o FSB Financial Stability Board O Banco Central chinês PBOC People Bank of China tem feito esforços para também ter a própria rede de transações usando tokens digitais e avançou bastante nesse sentido Em 2019 foi oficialmente anunciado um estudo piloto sobre uma possível moeda digital de varejo para o público geral junto com um iniciativas para tratar de meios eletrônicos de pagamento O projeto foi chamado de DCEP Digital Currencies and Eletronic Payments e em abril de 2020 no auge da pandemia do Coronavírus globalmente a autoridade monetária começou a testar o projeto em grandes cidades como Shenzhen Suzhou Chengdu Xiongan e Beijing lançando a moeda digital eCNY O seu desenho se baseia na ideia de uma moeda digital híbrida de forma que há a possibilidade de indivíduos possuírem contas diretas no PBC e transacionarem com a moeda dentro dessa rede além do sistema com presença de intermediários que seriam operadores autorizados pelo BC chinês Na segunda opção descrita o PBC ofereceria toda a infraestrutura que seria uma plataforma mista com base de dados transacionais convencional e uma opção via DLT O PBC afirma em papers que não acredita que as soluções descentralizadas tenham atingido nível de desenvolvimento e confiabilidade tecnológica e de controle e segurança para a liquidação de 300 mil transações por segundo nas transações de varejo da China Assim para maior parte da 67 solução os bancos comerciais lidariam com a relação direta com indivíduos e empresários Outro ponto importante é que as transferências poderiam ser registradas de forma anônima entre os participantes como em um modelo blockchain mas o PBC teria acesso a esses dados por meio da identificação dos usuários e assim pode intervir em caso de alguma irregularidade ou questionar acerca de uma prática incomum Figura 15 Projeto DCEP Fonte Auer and Bohme 2020 No discurso do PBC o objetivo da moeda e da infraestrutura é substituir os depósitos bancários e a base monetária M0 de forma que não haveria uma taxa de juros de remuneração pela posse dos tokens O pagamento seria liquidado de forma instantânea aumentando a eficiência e poderia ser feito offline sem a necessidade de conexão com alguma rede de internet o que contribuiria para uma maior inclusão financeira por meio da possibilidade do acesso a serviços financeiros como um bem público promovendo a participação de indivíduos desbancarizados e sem conexão Já o FED banco central dos Estados Unidos vem sendo cada vez mais enfático em relação ao desenvolvimento de um US Dollar digital nos seus discursos No último discurso após a decisão de política monetária em Maio de 2021 o chairman do board Jerome Powell anunciou um comunicado acerca do estágio de estudo sobre CBDCs e a possibilidade de implementação na economia americana Powell mencionou a revolução 68 tecnológica que está em andamento impactando profundamente a estrutura financeira e a forma que as pessoas realizam pagamentos e é fundamental estudar e entender as novas fronteiras da inovação dado que a promoção de um sistema de pagamentos eficiente e seguro está no mandato do FED Mencionou que o desenvolvimento do sistema DLT criou novas possibilidades e formas de se promover serviços financeiros mas que as criptomoedas privadas não podem ser usadas como meio de troca pois a alteração significativa no seu valor não permite a estabilidade que seria necessária O foco dos estudos é se e como as CBDCs podem melhorar a dinâmica do sistema de pagamentos doméstico de forma que o dólar americano digital controlado pelo FED deveria ser complementar às formas tradicionais do dinheiro circulante na economia dinheiro físico e via depósitos em bancos comerciais O BC norte americano ainda não oficializou uma decisão sobre a emissão de um CBDC no sistema de pagamento dos EUA no entanto dado o importante papel do dólar globalmente o BC ratificou que é essencial que permaneça totalmente engajado na pesquisa e no desenvolvimento de políticas associadas a CBDC Powell afirmou que o FED vai publicar um paper de discussão no verão americano de 2021 focando nos benefícios e riscos associados à introdução de uma CBDC no sistema de pagamentos da economia americana e possíveis desenhos de política Portanto o BC mais importante do mundo ainda se encontra em fase de estudos mas já bem avançados e a partir da 2ª metade do ano artigos mais concretos devem ser publicados Tal posicionamento resulta em uma não unicidade no discurso dos membros do FED acerca do tema permitindo que se desenvolva um debate saudável de ideias acerca dos novos paradigmas acerca do dinheiro Na primeira semana de Junho de 2021 a diretora e membro do board Lael Brainard afirmou que o FED deve ter papel ativo diante das mudanças nas tendências tecnológicas e deve liderar o processo de digitalização de pagamentos garantindo que norteamericanos tenham acesso ao dinheiro seguro do banco central Além disso reforçou a importância de uma CBDC que pudesse ser transacionada entre fronteiras de diferentes países de modo que fosse gerada eficiência aos pagamentos internacionais Em contrapartida Randal K Quarles ex membro do board de diretores do FED e atual presidente do FSB Financial Stability Board participou da 113ª Convenção Anual da Associação de Banqueiros de Utah e publicou uma nota no dia 28 de junho na qual pontuou uma série de riscos associados à implementação de CBDCs e explicou o racional da necessidade de se manter a cautela no desenvolvimento dessas novas tecnologias Para ele os Estados Unidos possuem 69 culturalmente uma obsessão por narrativas referentes a novidades o que leva a inúmeras externalidades positivas para a criação de um espírito empreendedor e inovador mas muitas vezes leva a tomada de decisão viesada com um fear of missing out em detrimento ao pensamento racional crítico que deveria nortear os rumos do país O economista estrutura seu pensamento a partir da definição do que seria uma nova moeda digital no sistema financeiro e como é o funcionamento do sistema hoje para refletir sobre a real necessidade da introdução desse componente novo Nesse sentido ele observa que o público em geral já transaciona maior parte do seu dinheiro de forma digital por meio de suas contas nos bancos comerciais e em valores até US 250 mil a liquidez do dinheiro é garantida pelo FED de modo que indiretamente já existe um passivo do FED com os indivíduos Na argumentação o dólar americano já é extremamente digitalizado e o FED é o grande centro do desenho da estrutura monetária de maneira que melhorias iminentes no sistema existente de pagamentos doméstico somadas a eficiência em pagamentos internacionais de moedas estáveis privadas devidamente estruturadas e reguladas poderiam tornar supérfluo e desnecessário qualquer esforço para desenvolver uma CBDC Do lado dos riscos Quarles menciona a mudança estrutural no sistema bancário retirando funções chave dos bancos além do risco de exposição a ataques cibernéticos e atividades financeiras ilegais sendo chanceladas com o dinheiro digital do BC além do processo de implantação ser muito custoso 73 Impactos na Política Monetária Na discussão sobre moedas digitais emitidas por Bancos Centrais é fundamental uma análise acerca dos possíveis efeitos sobre a política monetária Dois componentes na formulação do desenho de uma CBDC calibram os impactos sobre os mecanismos de transmissão de política monetária i se tem remuneração de juros no dinheiro digital do BC ii papel dos bancos e das contas correntes Naturalmente as consequências de uma CBDC para política monetária e estabilidade financeira também são condicionadas a sua adoção e depende de quão grande será a demanda pela moeda digital Pensando em um modelo direto unidades de dinheiro digital poderiam ser remuneradas diretamente pelo BC de acordo com a taxa básica definida pela autoridade monetária em seu framework decisório Poderiam ser repassadas diretamente sem a participação de bancos e consequentemente spreads as alterações das taxas de juros imediatamente aos titulares 70 Esse processo criaria um incentivo benéfico para que os bancos repassem as taxas mais rapidamente também O paper Broadening narrow money monetary policy with a central bank digital currency assinado em 2018 por Jack Meaning Ben Dyson James Barker e Emily Clayton desenha um cenário mais extremo para se pensar as ramificações de CBDCs na política monetária Segundo os autores é possível se pensar em um cenário que testaria significativamente os canais de transmissão padrão partindo de um modelo direto no qual os bancos tradicionais não fossem mais peça chave na na intermediação de pagamentos e as transferências de valor na economia seriam integralmente feitas com moedas digitais Nesse caso a demanda por reservas bancárias desapareceria de modo que seria possível se continuar obtendo controle perfeito sobre as taxas overnight por meio de ajustes da taxa paga sobre os saldos do banco central em forma de CBDC Se criaria de fato o piso implícito nas taxas de juros da economia visto que nenhum agente financeiro com acesso a CBDC emprestaria a uma taxa inferior comparativamente à oferecida pela CBDC que continuaria a ser o ativo mais seguro e líquido disponível A presença de um com retorno CBDC atraente pressionaria os bancos comerciais a serem mais competitivos pelos depósitos de varejo oferecendo taxas de remuneração mais altas em seus títulos privados e reduzindo taxas de financiamento com o objetivo de evitar a perda de sua base de cliente visto que é fundamental para o financiamento do capital do banco Nesse sentido as CBDCs poderiam ser um instrumento para facilitar a política monetária com taxa de juros negativa em um modelo no qual os usuários pagariam uma remuneração para o banco central armazenar sua moeda visando estimular a economia por meio da substituição da poupança por consumo Seria mais fácil executar essa política sem os bancos comerciais como intermediários Programas de transferência direta de renda para a população seriam também facilitadas por meio da conexão direta de um BC com os indivíduos de modo que a distribuição do dinheiro poderia passar de uma política de expansão fiscal para o arcabouço de política monetária e com os dados dos usuários armazenados poderia ser feito de forma mais eficiente e seletiva de acordo com o objetivo da política Outro ponto importante é que na medida em que o CBDC promove mais inclusão financeira poderia se aumentar a amplitude dos impactos dos mecanismos de transmissão da política monetária via taxa de juros básica de modo que indivíduos que antes não teriam acesso a serviços financeiros poderiam passar a tomar suas decisões de financiamento e consumo sendo balizados pela política monetária do BC Segundo o paper do BOE mencionado acima uma CBDC atrativamente remunerada em comparação 71 ao custo de oportunidade ajustado ao risco de outros ativos poderia afetar a participação de investidores institucionais de outros instrumentos líquidos de baixo risco principalmente no que se diz respeito a instrumentos de financiamento da dívida administrados pelo tesouro nacional 72 8 Aprimoramento do sistema de pagamentos como política pública 81 Sistemas de pagamentos Instantâneos Alternativamente a emissão de moedas digitais existem outras alternativas para alcançar maior eficiência e inclusão no sistema financeiro É possível observar que os projetos relacionados a CBDCs ainda são incipientes e apesar do potencial transformador que possui uma política nesse sentido as iniciativas ainda se encontram em estágio inicial Em contrapartida governo e bancos centrais elaboraram e desenvolveram muitas políticas com o objetivo de aprimorar a infraestrutura dos meios de pagamento dos países norteados pelo objetivo de promover uma solução pública que garantisse acessibilidade segurança eficiência conveniência e praticidade Nesse sentido muitos países buscaram aprimorar a infraestrutura já existente e introduzir novos meios de pagamentos instantâneos como a recente experiência do Brasil com o PIX arranjo para pagamentos instantâneos idealizado e desenvolvido pelo BCB para o público geral Dependendo da adoção e do funcionamento das soluções elas podem reduzir de forma significante a necessidade dos bancos centrais desenvolverem suas moedas digitais visto que as transações passariam a ser executadas de forma completamente digital em um modelo que fomenta a competitividade entre bancos instituições financeiras e instituições de pagamentos além de colaborar com conectividade e integração do sistema financeiro Uma arquitetura que provém a tecnologia que garante a digitalização e instantaneidade das transações não se diferencia de um modelo de CBDC indireto e os ganhos de eficiência e inclusão para economia são comparáveis Um modelo direto com certeza se diferencia mais mas o mandato da maioria dos bancos centrais do mundo não prevê uma relação direta com o indivíduo de modo que é muito mais factível se pensar em um modelo no qual as instituições financeiras continuam fazendo parte de um ecossistema mais integrado digitalizado competitivo e por consequência eficiente Usando o exemplo da experiência inicial mas muito bem sucedida do Brasil com o PIX Gustavo Franco no seu texto O Futuro do Dinheiro afirma que pagamentos instantâneos podem funcionar como cartão de débito para as contas de depósito à vista ou de pagamentos de forma que pagamentos executados via PIX são indistinguíveis de transferências de titularidade de fundos com lastro no Banco Central e o modelo se assemelha profundamente a uma CBDC indireta com participação de outras instituições financeiras além do BC 73 82 BCB e o PIX O PIX foi o sistema de pagamentos instantâneos com adesão mais rápida no mundo segundo o Banco Central do Brasil O objetivo de um arranjo de pagamentos com essa estrutura é garantir transações extremamente rápidas e eficientes tanto no P2P peer topeer que são as transferências interpessoais quanto no P2M peertomerchant como é descrito os pagamentos para empresas e comerciantes A tecnologia foi desenvolvida pelo Banco Central do Brasil que também possui o papel de regulamentar o sistema As transferências serão liquidadas pelo Sistema de Pagamento Instantâneo SPI que se caracteriza como uma infraestrutura única e centralizada para pagamentos Nas palavras do presidente do BCB Roberto Campos Neto o sistema de pagamento instantâneo foi projetado para ser flexível aberto e acolhedor para novos entrantes bancos fintechs provedores de serviços financeiros vinculados a varejistas etc Um dos principais participantes é o Provedor de Serviços de Pagamento PSP papel que pode ser exercido por qualquer instituição financeira ou de pagamento que fornece uma conta transacional para o usuário final Todas as instituições financeiras ou de pagamento regulada pelo BCB e com mais de 500000 contas ativas são obrigadas a aderirem à plataforma PIX e os participantes podem ser divididos entre Diretos e Indiretos O participante direto tem uma conexão direta com o SPI por meio de uma conta e é também responsável por liquidar a transação Bancos comerciais e múltiplos obrigatoriamente se enquadram nessa categoria Já um participante indireto não tem uma conexão direta com o SPI e sua participação é viabilizada por um participante direto atuando como intermediário que o cadastra no sistema e atua como liquidante para o player indireto Nesse modelo a taxa que o participante indireto posteriormente paga ao direto é negociada entre as duas partes e não é regulamentado pelo Banco Central Portanto a atuação do Banco Central concentrase nas atividades de regulação geral do sistema e criação das regras do jogo além da liquidação e reconhecimento de conta sendo atividades realizadas pelo SPI Figura 16 Funcionamento do PIX 74 Fonte BCB No desenho do PIX as transações no P2P não envolvem custos de transação são liquidadas em menos de 10 segundos e o sistema funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana Os usuários registram suas chaves que podem ser o seu telefone celular CPF ou email em uma instituição financeira de modo que essa chave pode realizar e receber transferências via PIX de qualquer outra instituição financeira ou de pagamentos nos moldes descritos acima O processo de criação de chaves impulsionou um movimento competitivo muito positivo visto que bancos e fintechs não pouparam esforços para tentar fazer com que as pessoas cadastrassem as chaves nas próprias instituições Uma vez que o cliente cadastra a chave na instituição é garantida uma fidelidade visto que existe fricção em um possível movimento de troca Nesse sentido estrategicamente faz sentido para os players gerar incentivos para o uso do PIX dentro da plataforma visto que é uma relevante fonte de recorrência de uso dos serviços dentro do site ou aplicativo A gestora de investimentos Encore estima que no Bradesco a linha de TED e DOC representa um volume relevante no faturamento do banco algo em torno de R500 milhões de receita anual Para os outros bancos também é uma realidade e o PIX com certeza afeta significantemente essas linhas ao oferecer um serviço superior a custo zero No entanto nos primeiros meses foi possível observar que os grandes bancos incentivaram muito o uso do PIX com um racional de que é mais rentável reter o cliente e perder essas linhas de receita do que vêlos migrando para outros bancos digitais e fintechs que oferecem melhores benefícios e serviços com taxas zeradas ou bem mais baixas Dez dias após o início dos cadastros aproximadamente 34 milhões de chaves foram registradas e o BC divulgou um ranking que expõe muito bem o grau de distribuição das chaves entre bancos tradicionais bancos digitais fintechs e carteiras digitais É um retrato muito claro do nível de competitividade saudável no mercado de 75 serviços financeiros no Brasil que tem passado por um período importante de disrupção impulsionado pelo desenvolvimento de novos modelos de negócio com maior uso de tecnologia e também pelas iniciativas do BCB visando promover maior competitividade do sistema financeiro por meio da Agenda BC e adoção de políticas públicas que beneficiam a entrada de novos competidores e descentralização estrutural que no fim beneficia os consumidores clientes e usuários Sete meses após o lançamento no início de junho de 2021 o BCB anunciou que em termos de número de transferências a quantidade de PIX superou a soma da quantidade de TEDs DOCs cheques e boletos somados no Brasil Pela estimativa do BCB 73 milhões de brasileiros ou 46 da população adulta do país já usaram a opção Já são 2543 milhões de chaves cadastradas com a participação de 878 milhões de pessoas físicas e 58 milhões de empresas O PIX já superou a marca de R 1 trilhão em transações No segundo semestre de 2021 devem ser lançadas novas funcionalidades como o Pix Saque e o Pix Troco que possuem potencial para transformar também a atividade de resgate de dinheiro físico também contribuindo para a redução de taxas e aumento da eficiência Tabela 5 Chaves PIX por instituição financeira Fonte Encore Asset Management A atividade de transferências P2M via PIX teve um início menos impactante mas está ganhando tração O motivo é o ajuste um pouco mais longo para um modelo em que 76 empresas e comerciantes tenham incentivos a preferir aceitar PIX em relação a outras modalidades de pagamento Esse é um movimento que deve acontecer naturalmente visto que as taxas envolvidas na transação são significativamente inferiores às taxas praticadas usualmente como taxa de MDR Merchant Discount Rate cobradas pelas adquirentes Na medida que ocorra uma adaptação das ferramentas para os pagamentos via PIX como criação de mecanismos de pagamento por QR Code e inclusão da funcionalidade nas maquininhas o uso do PIX no P2M deve acelerar bem também O processamento de transações online vai se beneficiar muito do sistema de pagamentos instantâneos e sites e marketplaces de Ecommerce poderão oferecer uma nova forma de pagamento para seus clientes As transações poderão ser feitas no débito via PIX e não só mais no crédito o que é muito positivo para o recebimento do valor transacionado Além disso pode ser reduzido o número de fraudes e de operações não concluídas dentro das plataformas Será possível realizar a compra com menor fricção na experiência do consumidor por meio de um QR Code no celular eliminando a necessidade de preenchimento dos dados do cartão em todas as transações 83 Experiências internacionais Historicamente a experiência de implementação de sistemas de pagamentos instantâneos tem se mostrado um sucesso não somente no Brasil mas globalmente também São notáveis os ganhos em termos de aumento de acessibilidade a serviços financeiros e bancários sendo amplamente usados por indivíduos e grandes instituições financeiras além da melhora operacional da estrutura com maior velocidade e melhora na usabilidade Além do Brasil países como México UK Índia Suécia Hong Kong passaram por recentes mudanças importantes na arquitetura nacional de pagamentos Tabela 6 Pagamentos instantâneos em outros países Fonte Accenture 77 Em Hong Kong o Banco Central local lançou o projeto FPS Faster Payment System em 2018 com o objetivo desenvolver uma solução centralizada capaz de promover a integração entre instituições financeiras do país como bancos tradicionais carteiras digitais operadoras de pagamentos eletrônicos e todos os tipos de fintechs O sistema funciona com transferências sem custos no modelo P2P e para transações P2M o serviço é fornecido a uma taxa muito baixa As transações são executadas por meio da leitura de um QR Code ou inserção do número de telefone ou endereço de email do destinatário de modo que o modelo é realmente muito parecido com o brasileiro Como são duas economias muito integradas o sistema foi desenhado para suportar pagamentos tanto em dólares de Hong Kong HKD como em yuan chinês CNY O sistema de pagamentos ganhou tração e passou a ser amplamente usado pela população De janeiro a julho de 2020 mais da metade da população de Hong Kong chegou a usar ao menos uma vez o FPS e o ecossistema bateu a marca de processamento do volume de US 100 bilhões em transações Gráfico 28 Efeitos do FPS em Hong Kong Fonte Itaú research A implementação na Índia também é um exemplo interessante visto que é um país com extensão territorial continental que ainda possui grande parte da população desbancarizada Ainda há uma dependência muito grande da circulação de dinheiro físico e grande parte dos pagamentos ainda são executados dessa maneira de modo que o processo de digitalização nascente e crescente pode ser muito importante para o país Visando modernizar o sistema de pagamentos nacional o governo lançou em 2016 o UPI Unified Payment Interface e foi disponibilizado para todos usuários nas plataformas presentes nos celulares da população O sistema UPI permite que sejam feitos pagamentos P2P P2B e B2B sem custo por meio do registro do número do seguro social número de 78 celular ou endereço de email Assim como em Hong Kong e no Brasil a partir de 2018 foi adicionado o recurso para criar a possibilidade da efetuação de pagamentos via QR Code também O UPI cresceu muito alcançando 15 bilhão de transações por mês e processando US 38 bilhões até julho de 2020 Gráfico 29 Efeitos do UPI na Índia Fonte Itaú research No México o primeiro sistema de pagamentos instantâneos foi lançado em 2004 com a implementação do SPEI Sistema de Pagamento Eletrônico Interbancário Ao longo dos últimos anos o serviço foi amplamente utilizado para transferências de dinheiro P2P Em 2019 foi desenvolvido um novo projeto com o objetivo de introduzir um sistema inovador e eficiente com estrutura para permitir pagamentos eletrônicos nos pontos de venda visando a digitalização também das transações P2M O governo mexicano então formulou e introduziu o Cobro Digital CoDi desenvolvendo uma tecnologia para permitir pagamentos P2M usando QR Code As transações usando CoDi não envolveriam comissões para todos os titulares de uma conta bancária nas instituições registradas no sistema No entanto de 2019 a 2020 mesmo com a digitalização acelerada pela pandemia da Covid19 a adoção foi modesta A justificativa das autoridades locais passou pelo acesso limitado a contas bancárias por parte da população mexicana somado à aderência dos mexicanos em pagamentos em dinheiro por razões culturais e históricas Outra hipótese é que o uso da solução por parte dos comerciantes não cresceu de forma significativa pela falta de incentivos ao uso do sistema vis a vis outras soluções já existentes e conhecidas Até julho de 2020 o CoDi atingiu 43 milhões de contas validadas e processou no total US 26 milhões 79 9 Conclusão O objetivo central deste trabalho é identificar as implicações no sistema financeiro global a partir do surgimento de moedas digitais e a tecnologia blockchain analisando como o sistema tradicional de transações intermediadas por bancos tradicionais está sendo desafiado Nesse sentido concluise que as primeiras criptomoedas privadas ainda não possuem as características necessárias para se tornarem substitutas perfeitas das moedas tradicionais visto que a falta de escala com a baixa penetração na economia global e a falta de estabilidade em seu preço resultam em um não cumprimento das funções básicas de uma moeda as quais podem ser definidas como funcionamento como meio de troca reserva de valor e unidade de conta Além disso há extrema dependência da confiabilidade acerca do funcionamento da infraestrutura e segurança dos bancos de dados de registro das transações financeiras por meio das moedas digitais uma vez que esse papel sempre foi desempenhado pelos bancos com muita credibilidade Outra barreira está associada ao nível de intrinsecidade das moedas tradicionais na economia visto que praticamente todas as transações possuem o seu lastro já são reconhecidas como reserva de valor e possuem toda liquidez necessária para o sistema financeiro de forma que se torna extremamente difícil alterar as estruturas já existentes e incumbentes No entanto a tecnologia de registros descentralizados que está por trás das criptomoedas possui um potencial transformacional e suas funcionalidades podem causar mudanças estruturais em muitos serviços financeiros As stablecoins se apresentam como uma solução para o problema da extrema volatilidade das outras criptomoedas que ganharam características de um ativo financeiro arriscado As moedas digitais e estáveis por possuírem um lastro em moeda tradicional parecem ser realmente uma alternativa mais conveniente para os indivíduos realizarem suas transações de forma direta instantânea sem custos e a qualquer momento Nesse contexto e diante do cenário de mudanças profundas no sistema financeiro e meios de pagamento através de inovações tecnológicas os Bancos Centrais possuem papel fundamental e estão buscando ter uma atuação mais incisiva por meio da originação de uma moeda digital própria do Banco Central que traria uma série de consequências positivas a partir de uma unificação do sistema gerando maior eficiência nas transações segurança e eliminação de riscos institucionais Os projetos estão se desenvolvendo rapidamente mas dada a complexidade do tema ainda se encontram estágio inicial Os Bancos Centrais que avançaram tiveram respostas positivas da população diante do 80 objetivo de promover maior eficiência no sistema de pagamentos e maior inclusão financeira No entanto a criação de uma moeda paralela pode resultar em uma série de complexidades ainda não observadas associadas a política monetária e estrutura operacional dos Bancos Centrais que teriam que se reposicionar de forma a terem uma relação direta com os indivíduos Além disso essa política causaria efeitos profundos sobre o papel dos bancos privados como intermediários na economia com riscos sobre a estabilidade do sistema financeiro e isso aumenta a cautela e prudência dos Bancos Centrais visto que é um desafio enorme se pensar no papel dos bancos nesse possível novo desenho de arquitetura monetária Concluise portanto através de evidências empíricas e análise de possíveis impactos na estrutura monetária que uma política pública focada no aprimoramento da infraestrutura do sistema de pagamentos já existente com a inclusão de um sistema de pagamentos instantâneos pode ser mais eficiente no sentido de estimular maior inovação e competição no mercado de pagamentos resultando em um modelo mais barato eficiente e conveniente além de promover uma maior inclusão financeira Além disso a função do Banco Central como iniciador e cooperador das novas tecnologias cria a possibilidade de se obter um sistema mais seguro com maior transparência acerca das transações na economia 10 Referências Bibliográficas Barontini C and H Holden 2019 Proceeding with caution A survey on central bank digital currency BIS paper Basel Barrdear J and M Kumhof 2016 The macroeconomics of central bank issued digital 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