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This work is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International License REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 49 O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD THE RELIGIOUS PHENOMENON IN FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS AND SØREN KIERKEGAARD GABRIEL ALMEIDA ASSUMPÇÃO JEAN DOS SANTOS VARGAS Gabriel Almeida Assumpção Bolsista de Pósdoutorado Júnior do CNPq Processo 16287920202 Instituição de Execução Universidade Federal de Ouro Preto UFOP Doutor em Filosofia pela UFMG 2020 Email gabrielchougmailcom Jean dos Santos Vargas Doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais 2021 Email jeansv07hotmailcom Resumo Considerando a relação ainda pouco conhecida entre Søren Kierkegaard 18131855 e Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 o objetivo deste artigo é pensar o horizonte da religião enquanto problema filosófico A hipótese a ser argumentada aqui é que o pensador dinamarquês conheceu e em alguma medida retomou a reflexão do filósofo alemão ora para se juntar a ele ora para se posicionar na contramão de suas perspectivas O artigo contribui tanto para se pensar a relação entre Kierkegaard e Novalis quanto para abordar um pano de fundo que trata da filosofia da religião na medida em que perpassa as discussões de ambos sobre o lugar do sagrado na experiência prática No caso de von Hardenberg a contribuição se dá tanto nesse sentido quanto em um aspecto metodológico uma vez que envolve a consulta a material pouco estudado de sua obra a saber seus textos sobre religião escritos entre 17881790 algumas de suas cartas e diários Palavraschave filosofia Kierkegaard Novalis religião Abstract We will consider the relation still not well known between Søren Kierkegaard 18131855 and Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 The goal of this paper is to think the horizon of religion as a philosophical problem The hypothesis to be argued here is that the Danish thinker was acquainted with the German philosophers reflection and to some extent dealt with it Sometimes he adopted similar ideas and sometimes he thought in an opposite direction The paper is not only a contribution in studies on the relationship between Kierkegaard and Novalis but it also approaches a common background regarding philosophy of religion as it goes through both thinkers discussions on the role of the sacred in practical experience Regarding von Hardenberg the contribution is both in the aforementioned sense and in a methodological sense as it features texts still not much approached in his works ie his texts on religion written between 17881790 along with some of his letters and diaries Keywords philosophy Kierkegaard Novalis religion GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 50 INTRODUÇÃO Pretendemos confrontar as perspectivas de Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 e Søren Kierkegaard 18131855 no que diz respeito ao fenômeno religioso Teremos como base trechos de diário de Novalis e alguns de seus textos teóricos no período de 1788 a 1798 além de uma anotação de diário de 1800 No caso de Kierkegaard a base consiste tanto em seu diário BB quanto em Temor e Tremor 1843 Com isso exploraremos a relevância e originalidade do pensamento destes filósofos sobre o tema da religião além de investigar uma possível influência de Novalis em Kierkegaard Apesar de sabermos que Kierkegaard possuía em sua biblioteca pessoal os volumes I e II dos Novalis Schriften edição de 1826 editados pelos românticos Tieck e F Schlegel graças a uma aquisição feita no dia quatro de janeiro de 1836 na livraria Reitzel STEWART 2016 p 90 nenhum estudo acadêmico aprofundado foi feito para demonstrar se o dinamarquês de fato teria frequentado em seus escritos o pensamento do autor alemão Talvez uma exceção a esta regra seja a obra de Walter Jens e Hans Küng 1988 denominada Dichtung und Religion Pascal Gryphius Lessing Hölderlin Novalis Kierkegaard Dostojewski Kafka Tratase no entanto de um material demasiadamente generalista de modo que se limita a fazer uns poucos apontamentos panorâmicos sem entrar no mérito se de fato houve ou não uma interlocução acentuada entre ambos Em todo o caso é lugar comum na literatura secundária de Kierkegaard a pressuposição de que o pensador dinamarquês tenha sido um leitor assíduo dos autores do primeiro romantismo de Jena Contudo curiosamente em sua dissertação acadêmica cujo objeto da segunda parte é a ironia romântica por algum motivo que ainda nos é desconhecido Novalis sequer é mencionado ao passo que tanto o nome dos primeiros editores de sua obra isto é L Tieck 17731853 e F Schlegel 17721829 quanto o de outros românticos do mesmo ciclo como Karl W F Solger 17801819 transitam por toda a segunda parte do Conceito de Ironia de 1841 Não obstante o que já podemos afirmar agora é que Kierkegaard apesar de não o dizer explicitamente possuía pelo menos uma certa familiaridade com o pensamento de Novalis e seu contexto tal como notou Judith Purver 2016b pp 2728 Além disso o tema da ironia é bem mais desenvolvido por Schlegel que por Hardenberg O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 51 É possível pressupor que tal familiaridade se deva senão meramente ao fato de que o pensador dinamarquês tinha o material de Novalis em sua biblioteca o que por si só não significa mais do que um indício ao menos a que há algumas anotações em seus papéis avulsos Ora mas se não encontramos nenhuma alusão a Novalis em seu trabalho acadêmico os próximos livros que Kierkegaard se propõe a escrever lançam mão do editor pseudônimo Victor Eremita em Ouou II Daí vem a categoria do eremita tal qual aparece em Novalis e também em Tieck recuperando a ideia da literatura medieval como observa mais uma vez Judith Purver Sobretudo a imagem do ermitão que é recorrente na literatura alemã da Idade Média em diante e que se encontra em romances do Primeiro Romantismo como o Franz Sternbald de Tieck e o Heinrich von Ofterdingen de Novalis publicado em 1802 foi acentuada tanto no título original quanto no conteúdo do empreendimento colaborativo de Armin que por sua vez é uma das inspirações para uma figura na obra de Eichendorff identificada em outro lugar nesse volume como a provável fonte do pseudônimo de Kierkegaard Victor Eremita1 PURVER 2016a pp 89 Para além disso é possível notar algumas ressonâncias que podem remeter ao pensamento de Novalis quando por exemplo o pseudônimo A pensa a angústia como categoria da reflexão Esta parte possui tal como observa William Macdonald 2016 p 215 bastante relação com o que Novalis fala sobre sua teoria da música absoluta de modo que permitirá a Kierkegaard nos anos posteriores desenvolver ainda mais a ideia a partir da angústia em sua obra denominada O Conceito de Angústia de 1844 Não bastasse isso há no entanto uma outra possível fonte de contato entre Kierkegaard e o pensamento de Novalis a qual embora não tenha sido muito documentada pode de resto ser útil para o nosso desígnio de propor uma interlocução O filósofo dinamarquês Henrich Steffens 17731845 embora seja pouco conhecido por nós hoje em dia fora bastante familiar aos dinamarqueses dos anos dourados Steffens 1 No original Above all the figure of the hermit which recurs in German literature from the Middle Ages onward and is found in such early Romantic novels as Tiecks Franz Sternbald and Novalis Heinrich von Ofterdingen published 1802 was highlighted both in the original title and the content of Arnims collaborative venture which in its turn is one of the inspirations for a figure in Eichendorffs work identified elsewhere in this volume as the likely source of Kierkegaards pseudonym Victor Eremita Todas as traduções são de nossa responsabilidade exceto as de Pólen Blüthenstaub de Novalis que cotejamos com a segunda edição da tradução de Torres Filho publicada este ano de 2021 e acatamos com eventuais pequenas modificações GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 52 chegou a fazer contato não somente com Hardenberg em Jena mas com todo o ciclo do primeiro romantismo Acontece que após muitos anos por lá retorna à Dinamarca no verão de 1802 de acordo com Bjarne Troelsen 2016 p 258 Além disso de acordo ainda com Andrew J Burgess 2016 p 262 Henrik Steffens teria influenciado não apenas a Kierkegaard de maneira indireta como também alguns intelectuais da primeira geração da Danish Golden Age como Jakob Peter Mynster 17751854 e Adam Oehlenschläger 17791854 Seja como for este pensador em comum entre Novalis e Kierkegaard fomentou o conhecimento sobre o Romantismo alemão na Dinamarca por meio de seus cursos ministrados entre 1802 e 1804 Foi neste momento quase uma década antes do nascimento de Kierkegaard que Steffens teria introduzido os dinamarqueses a várias temáticas românticas ao despertar o interesse no país nórdico pela filosofia que estava na ordem do dia na Alemanha conforme J Burgess 2016 pp 261287 Como se sabe Kierkegaard passou a ter depois uma relação intelectual bastante próxima com o bispo Mynster dedicandose à discussão pública com o clérigo em vários momentos O que possuímos então no que diz respeito ao Kierkegaard leitor de Novalis são apenas aproximações diletantes já que de maneira direta pouca coisa de fato vem à tona em um olhar mais rápido pelo corpus kierkegaardiano O que esta seção propõe entretanto é contribuir para refletirmos sobre esta interlocução na esteira do que se sabe até agora de modo a pensar a discussão filosófica sobre o fenômeno religioso em Novalis e Kierkegaard 1 A FILOSOFIA DA RELIGIÃO DE NOVALIS ENTRE O ILUMINISMO E O ROMANTISMO Quase duas mil páginas da edição das obras de Friedrich von Hardenberg feita por Paul Kluckholn e Richard Samuel consistem em escritos filosóficos de Novalis Infelizmente os próprios amigos de Novalis Ludwig Tieck e Friedrich Schlegel contribuíram para disseminar essa imagem de Hardenberg como figura mítica cuja morte precoce foi lendária sem tanto foco em sua filosofia como pensamento original fruto de labor sério TORRES FILHO 2021 pp 9s Esforço para reconhecer Novalis como O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 53 filósofo tem sido feito em vários estudos inclusive nacionais destacandose Losso 2020 Torres Filho 2021 e Schell 2010 no Brasil e no cenário internacional Beiser 2002 2003 Kluckhohn 1960 Nassar 2014 Samuel 1960 1975 e Uerlings 1991 Richard Samuel coeditor das obras de Friedrich von Hardenberg nota que os estudos desse filósofo muitas vezes concentram em sua obra literária em detrimento de outros aspectos de seu trabalho quando na verdade sua poesia surge ao fim de sua trajetória intelectual e com base em seu trabalho prático e reflexivo SAMUEL 1975 p 12 As cartas e diários3 de Hardenberg auxiliam a compreender a unidade de sua obra conduzindo a um olhar mais detalhado sobre sua formação influências e concepções teóricas passando do mito Novalis à pessoa Hardenberg Em Hardenberg é marcante o papel da experiência religiosa como elementos de pietismo mística catolicismo e devoção com traços medievais em parte por influência das preleções de Schiller sobre história europeia ministradas entre 1790 e 1791 Na vida prática em contraste o pensador estava em constante e incansável atividade prática nas minas de bronze em Leipzig e posteriormente nas salinas em Weissenfels com uma apreensão protestante do trabalho como caminho terrestre rumo a Deus Essa própria relação com a vida religiosa já mostra cisão e dualismo na vida de Novalis KLUCKHOHN 1960 p 5 SAMUEL 1975 p 2 O abandono do absoluto transcendente e a adoção de uma concepção do divino mais próxima ao neoplatonismo não será abordada aqui pois isso tornaria o texto muito abrangente e fugiria ao propósito de um diálogo com Kierkegaard Além disso há planos de trabalhos específicos referentes aos textos estéticos e de filosofia da natureza novalisianos posteriores a 1797 em que a influência neoplatônica se fortalece Recomendamos a respeito os trabalhos de Beiser 2002 2003 e de Nassar 2014 2 O asterisco presente nas numerações de página referentes a SAMUEL 1975 são parte da numeração do estudo introdutório dele ao volume IV das obras de Novalis O uso do asterisco é para diferenciar da paginação dos textos propriamente novalisianos É um uso incomum do asterisco ao invés de algarismos romanos mas mantemos o asterisco por ser a forma da paginação adotada ainda que rara 3 Samuel atenta para a complexidade do conceito de diário Tagebuch em Novalis há passagens nos Estudos sobre Fichte 17951796 e no Esboço geral 17981799 que são muito pessoais e íntimas mais próximas de um diário Por outro lado há passagens nos diários que parecem mais fragmentos e reflexões filosóficas que diário SAMUEL 1975 p 40 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 54 Apesar da mudança de direção da filosofia idealista de Kant e de Fichte que desaguou em seu próprio idealismo mágico Hardenberg não perdeu totalmente a ligação com o pensamento do iluminismo4 SAMUEL 1975 p 24 O filósofo romântico possui interesse na origem do sentimento religioso com explicação iluminista vendo a religião como desejo de explicar fenômenos que contradizem o curso da natureza NOVALIS 1960h pp 79 SAMUEL 1960 p 4 Textos póstumos escritos por Hardenberg entre 1788 e 1790 são valiosos ao pesquisador por mostrar o interesse de Novalis em motivos clássicos mitológicos e históricos com influência de Herder e uma tendência iluminista mais acentuada que nos escritos tardios SAMUEL 1960 p 3 Por exemplo no pequeno texto Pode um ateu ser também moralmente virtuoso a partir de princípios escrito entre 1788 e 1790 há defesa da tolerância religiosa e do combate à superstição um traço forte iluminista NOVALIS 1960f p 19 A herança iluminista aparece em textos tardios como Pólen 1798 o ser humano deve ser livre na escolha do que o vincula com o divino NOVALIS 1960b 74 pp 441 445 e a religião é perigosa se cerceadora da liberdade individual como no caso de perseguição religiosa quando não se adere ao pensamento da maioria NOVALIS 1960b 83 p 450 Um elemento digno de nota ainda sob o viés iluminista está nos Estudos sobre Kant e Eschenmayer de 1797 em que Hardenberg se dedica ao estudo de alguns textos kantianos clássicos como a Crítica da razão pura 17811787 os Princípios metafísicos da ciência natural 1786 e a Metafísica dos costumes 1797 Nesse material também há estudos sobre Adam Karl August von Eschenmeyer 17681852 um importante interlocutor de Friedrich W J Schelling 17751854 no que tange à filosofia da natureza e à filosofia da religião mostrando interesse em cientistas da época como Robert Brown 17731858 NOVALIS 1960e p 379385 4 No original Trotz der Hinwendung zur idealistischen Philosophie Kants und Fichtes die in seinem eigenen magischen Idealismus mündete hat Hardenberg die Verbindung mit dem Denken der Aufklärung nie völlig verloren O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 55 No caso de Kant há uma meditação diretamente referida ao prefácio à segunda edição da Crítica da razão pura Na passagem em questão Kant afirma Eu tive que suprimir o saber para abrir espaço à fé KANT 1974 p B XXVI remetendo ao fato de que as grandes questões metafísicas como Deus alma e mundo deveriam ser objeto de fé racional mediada pela razão prática e não pela razão especulativa Hardenberg por sua vez diz Onde cessa o saber inicia a crença NOVALIS 1960e p 387 Menciona também que construções da fé são construções mediante hipóteses captando a ideia kantiana dos juízos reflexivos Novalis já levava em conta os desafios da filosofia kantiana mencionando nos Estudos sobre Fichte 17951796 o esforço prático rumo a Deus só possível mediante existência continuada refletindo a ideia de Kant sobre a imortalidade da alma que é pensável pela razão prática pura com base na ideia de que o tempo de uma vida é muito curto para uma adesão plena à lei moral sendo necessário conceber extensão da personalidade humana Essa discussão envolve conhecimento do sumo Bem kantiano ligação necessária entre virtude como causa e felicidade moralmente condicionada como efeito5 De maneira bem kantiana Novalis resume afirmando A moral se divide em religião e ética6 NOVALIS 1960g 54 p 141 de maneira consistente com a visão kantiana de que a moral conduz à religião não o contrário O viés propriamente romântico de Novalis sob a religião apresenta colorações gnósticas Em uma folha de diário escrita em 1790 em Wiessenfels há reflexões curtas sobre imortalidade e destino e evoca imaginário gnóstico como a temática do estrangeiro7 Frequentemente pareço estar sozinho no mundo sem amigo a vagar 5 Sobre o tema Cf DÜSING 1971 FISCHER 2013 6 No original Moral zerfällt in Religion und Ethik 7 O gnosticismo é a mais radical incorporação do dualismo na história tratandose de uma cisão entre eu e mundo de uma visão da alienação do homem diante da natureza da desvalorização metafísica da natureza JONAS 2001 p xxvi Nos primeiros séculos da era cristã o leste do Mediterrâneo foi acometido por uma profunda explosão de religiosidade e a própria gênese do cristianismo se relaciona com esse período fecundo cuja expressão mais radical foi o gnosticismo Hans Jonas 19031993 observa que as correntes gnósticas são de natureza marcadamente religiosa com dimensão escatológica notandose uma concepção transcendente de Deus e um forte dualismo entre Deus e mundo espírito e matéria alma e corpo luz e trevas bem e mal vida e morte O estrangeiro é atributo constante dado pelos gnósticos à vida que por sua natureza é alheia a esse mundo mesmo quando dentro desse mundo Marcião 85 EC160 EC um dos maiores gnósticos fala de um Deus alheio outro desconhecido inominável O estrangeiro é aquilo que surge de outro lugar e não pertence a esse mundo angústia e nostalgia fazendo parte de sua vida JONAS 2001 pp 3152 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 56 no labirinto de tristes ideias e objetos 8 NOVALIS 1975c p 3 A filosofia antiga segundo Hardenberg dividese em filosofia oriental e grega A filosofia grega é remetida aos présocráticos ao passo que sobre a filosofia oriental é mencionado que dela conhecemos apenas os escritos de Zoroastro e da filosofia gnóstica considerada por Hardenberg filha do zoroastrismo Ele afirma acerca da filosofia oriental Ela era quase sempre especulação profunda sobre a natureza divina a origem do mal e os efeitos de espíritos9 NOVALIS 1960c p 14 Uma herança do dualismo de cunho gnóstico é a temática da morte muitas vezes vinculada ao amor tema central no pensamento novalisiano como na observação de 15 de abril de 1800 Segundo o pensador religião e amor são como flores de origem sobrenatural e divina arautos de uma existência melhor NOVALIS 1975b p 53 Em Pólen publicado em 1798 encontramos O amor pode mediante vontade absoluta passar a religião Só se torna digno do ser supremo por meio da morte Morte de reconciliação10 NOVALIS 1960d 57 p 395 Duas interpretações seriam possíveis uma relação com a figura do Cristo e seu sacrifício ou evocação gnóstica da morte Nossa linha interpretativa tende mais à segunda opção levando em conta os textos novalisianos supracitados e trechos do próprio Pólen A natureza é apresentada com ressonâncias gnósticas em seu caráter hostil e impermanente Uma consequência antropológica disso é que o corpo perece mas algo mais elevado permanece o eu NOVALIS 1960b 13 p 417 O escapismo é salientado quando Hardenberg afirma que a morte é o fim da vida o começo de algo a mais NOVALIS 1960b 14 p 417 Há uma busca de unidade antropológica fugindo ao dualismo mas é pouco desenvolvida na passagem onde se lê A sede da alma é ali onde o mundo interior e mundo exterior se tangenciam11 NOVALIS 1960b 19 p 419 Notase uma busca de conexão entre material e espiritual porém só desenvolvida em outros textos como o Esboço geral 17981799O filósofo logo abandona essa busca de unidade e enfatiza a capacidade do ser humano de transcendência elevando a consciência 8 No original Oft Schein ich mir allen in der Welt zu sein ohne Freund in dem Labyrinth trauriger Ideen und Gegenstände herum zu irren 9 No original Sie war meinstenteils thiefsinnige Spekulatzion über die Natur Gottes den ursprüng des Übels und die Wirckungen der Geister 10 No original Lieben kann durch absoluten willen im Religion übergehen Des höchsten Wesens wird man nur durch Tod werth Versöhnungstod 11 No original Der Sitz der Seele ist da wo sich Innenwelt und Aussenwelt berühren O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 57 além dos sentidos configurandose como ser suprassensível übersinnlisches Wesen Isso diferencia o ser humano de outros animais fazendo dele um cidadão do mundo Weltbürger termo de ressonâncias kantianas e estoicas NOVALIS 1960b 22 p 421 Sem dúvida a clareza de consciência de encontrar a si mesmo nesse estado é muito difícil uma vez que está tão incessantemente e necessariamente vinculado à alternância de nossos demais estados Todavia quanto mais somos capazes de estar conscientes desse estado mais viva potente e satisfatória é a convicção que surge daí a crença em autênticas revelações do espírito12 NOVALIS 1960b 22 p 421 Não se trata de ver ouvir e sentir mas de algo superior aos três indicando um caráter de experiência mística e salientando o caráter esotérico da filosofia remetendo à tradição platônicopitagórica já influente em Novalis NOVALIS 1960b 22 p 421 O lado místico é associado à estética na observação nostálgica de que poeta e sacerdote eram um só e podem voltar a sêlo NOVALIS 1960b 71 p 441 Ainda no viés de um dualismo referente ao ser humano há uma espécie de antropologia química reflexo de seus estudos de ciência natural o mundo terrestre é precipitado da natureza humana ao passo que o mundo dos deuses é uma sublimação da mesma Não há precipitado sem sublimação NOVALIS 1960b 96 p 450 Assim como no 19 há dualismo porém com certa ânsia de unidade Veremos a seguir como Kierkegaard discute o fenômeno religioso de modo a confrontar suas posições com as de Hardenberg 2 KIERKEGAARD LEITOR DE NOVALIS FÉ MORALIDADE E SENTIMENTO No que diz respeito a Kierkegaard pensar a experiência religiosa tendo como fio condutor o lastro histórico que recua até a constelação romântica nos permite verificar em que medida o pensador dinamarquês operou com conceitos que estavam na ordem do dia em seu contexto É lugar comum pensarmos a problemática dos limites da razão diante 12 No original Freylich ist die Besonnenheit Sichselsbtfindeung in diesem Zustande sehr schwer da er so unaufhörlich so nothwendig mit dem Wechsel unsrer übrigen Zustände verbunden ist Je mehr wir uns aber dieses Zustandes bewusst zu sein vermögen desto lebendiger mächtiger genügender ist die Überzeugung die daraus entsteht der Glaube an ächte Offenbarungen des Geistes GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 58 da fé a partir de uma perspectiva que perpassa pelas leituras de Lutero Agostinho e pela experiência pietista O que todavia costuma passar ao largo são as implicações desta temática pensadas a partir do contexto imediato do Romantismo alemão Nesse sentido a diversidade conceitual não remete apenas ao conhecido passado longínquo da história do pensamento mas remete especialmente a um passado mais recentemente introduzido na Dinamarca cuja fonte sinaliza em direção ao pensamento idealista e romântico Observar por esta lente nos possibilita pensar em como os temas clássicos sobre fé razão e moral são ressignificados a partir das considerações dos autores do primeiro romantismo Para nos limitarmos a apenas uma dessas fontes de influência vejamos como Kierkegaard lida com o tema da religião tendo como horizonte imediato as reflexões de Novalis seja a partir de seus diários seja na esteira de sua crítica a Hegel em Temor e Tremor de 1843 Kierkegaard faz três menções em todos os seus escritos ao pensamento de Novalis Uma datada de 01 de agosto de 1835 em seu diário AA quando faz referência a Novalis Schriften mais especificamente no texto Heinrich von Ofterdigen publicado em Berlim no ano de 1826 Há ainda uma anotação rápida sem muita importância em FF1 Mas o que se presta a nossa reflexão sobre o pensamento religioso em Kierkegaard é uma outra ocorrência que aparece em seu diário BB de 1836 Lá Kierkegaard usa uma parte do seguinte fragmento de Novalis A história de Cristo é tanto um poema Gedicht quanto uma história Geschichte e em geral uma história só é história quando também pode ser uma fábula13 1960a 76 p 566 ao passo que Kierkegaard reformula Novalis diz uma história só é uma história quando também pode ser fábula SKS 17 76 BB6 O que Kierkegaard está pensando já em 1836 quer dizer quase uma década antes de seu Temor e Tremor é na história do Cristo não apenas nos moldes da discussão que emergiu com a esquerda hegeliana sobre a busca pelo Jesus histórico a partir de uma abordagem racionalista mas quer pensar a história do Cristo com a potência das fábulas em seu sentido romântico Isto é quer pensar a história de Jesus a partir da 13 No original Novalis diz A história de Cristo é tanto um poema Gedicht quanto uma história Geschichte e em geral uma história só é história quando também pode ser uma fábula Die Gescshichte Xsti ist eben so gewiss ein Gedicht wie eine Geschichte und überhaupt ist nur eine Geschichte Geschichte die auch Fabel seyn kann 1960a 76 p 566 ao passo que Kierkegaard afirma Novalis sagt nur die Geschichte ist eine Geschichte die auch Fabel sein kann O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 59 força dos fragmentos e dos símiles que se capilarizam a partir das fábulas sem o ensejo cientificista e iluminista portanto do que mais tarde passou a ser o intento de desmistificar o Cristo Dito de outro modo o que Kierkegaard pretende pensar é na possibilidade de pelo contrário mistificar o Cristo ainda mais ao tomar a fé como mistério Para tanto o aforismo filosófico dos antigos associado ao poder da fábula e da anedota amplia os repertórios de possibilidades E neste ponto os românticos entre eles Novalis enfraquecem as fronteiras da poesia e da filosofia como argumenta Schell Novalis e Schlegel recriam a partir da leitura sistemática das grandes obras fragmentárias da Antiguidade clássica do aforismo filosófico das máximas anedotas e pensamentos dos moralistas franceses o fragmento textual e lhe ampliam suas potencialidades latentes fazendo surgir o fragmento literário uma forma diversa de escritura crítica um novo modo de desenvolver o pensamento teórico sobre o ato de criação O fragmento literário cria sua própria filosofia da linguagem e seu próprio conceitual crítico SCHELL 2010 p 17 Neste ponto Kierkegaard parece estar lançando mão de Novalis para se contrapor não a Hegel ele mesmo mas aos hegelianos de esquerda mais especificamente ao teólogo David Friedrich Strauss 18081874 com os seus dois livros que causaram escândalo nos meios religiosos germânicos ambos chamados de A vida de Jesus 1835 1836 exatamente no mesmo ano em que o dinamarquês faz a referida anotação em seu diário sobre Novalis Enquanto para Strauss o mito Jesus não passava de uma fábula que precisava ser desmistificado Kierkegaard vai até Novalis para pensar o oposto do teólogo14 Quer pensar o Cristo mistificado E para tanto a fábula é uma boa ferramenta Como temos apenas uma anotação em um diário seria extrapolar demais as nossas conjecturas se ultrapassarmos muito além dessa fronteira exegética já que se trata tão somente de uma anotação em um diário não publicado sem o peso por assim dizer de uma obra publicada Em todo o caso ainda está em tempo de observar que os temas que permeiam as discussões sobre a busca pelo Jesus histórico as quais já haviam se iniciado ainda no século XVIII com Hermann Samuel Reimarus 16941768 perpassam as reflexões de David F Strauss até culminarem com Ernest Renan 18231892 em 1863 14 Sobre Strauss e Hegel Cf Hösle 2003 pp 173177 336337 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 60 e posteriormente nas discussões suscitadas pelo teólogo Albert Schweitzer 18751965 Ao que tudo indica Kierkegaard lida com o início dessa discussão já em 1836 todavia não prossegue o seu contraponto aos seus contemporâneos que discutiam a temática do Jesus histórico a partir tanto de Herman S Reimarus quanto de David F Strauss O que Kierkegaard acaba por fazer mais tarde com um insight semelhante quando escreve o seu Temor e Tremor é retomar indiretamente um ou outro aspecto de suas leituras de Novalis para direcionálo contra os hegelianos prefigurados no texto na figura de Hegel em torno de temas que tangenciam a fé a razão e a moral A reflexão colocada pela problemata II para entrarmos propriamente na análise de Temor e Tremor pode ser assim colocada haveria algo de transcendente na vida humana que implicasse em um dever absoluto para com Deus Ou a moral é ela mesma o divino KIERKEGAARD 2009 p 127 Com essas questões como fio condutor o autor pseudônimo Johannes de Silentio observa que se a resposta à segunda questão for positiva isto é se agir conforme a moral for sagrado se a moral for um deus para o homem então dizer que há o dever de amar a Deus constitui uma tautologia pois o dever de amar a Deus seria no fundo o dever de amar o próprio dever Se a resposta à primeira pergunta se derivar da resposta a esta segunda ou seja se para a pergunta sobre a possibilidade de um dever absoluto para com Deus respondêssemos que tal dever procede porque é antes de tudo um dever moral então Hegel estaria correto em sua concepção de inscrever o divino no âmbito imanente à moral Neste caso o compromisso com a ética seria superior a um dever para com Deus E um dever para com Deus só faria sentido enquanto um dever moral Mas esta não é a conclusão a que chega Johannes de Silentio O dever para com Deus está para além do âmbito da moral situandose no terreno da fé Somente do ponto de vista da fé é possível sustentar um dever absoluto para com Deus Porém se Hegel pretendesse falar sobre fé já não poderia tomar Abraão como exemplo porquanto não há espaço para o pai de Isaque no pensamento do filósofo de Stuttgart Segundo interpreta Silentio para Hegel o exterior é superior ao interior Não é por acaso que de acordo com Hegel conforme denuncia Silentio a criança é o interior enquanto o homem adulto é o exterior Mas a fé a qual Hegel falha em compreender é um paradoxo em que o interior é superior ao exterior Conforme relata Silentio para a O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 61 concepção ética da vida constitui assim tarefa do singular ser ele próprio a despojarse da determinação da interioridade e a exprimila exteriormente KIERKEGAARD 2009 p129 Ora eis aqui um ponto que interessa a Kierkegaard criticar no pensamento hegeliano O Indivíduo singular não precisa se despojar de sua interioridade Pelo contrário fazse necessário chamar a atenção para a dimensão subjetiva tão mal compreendida pelos românticos e simultaneamente na tentativa de corrigilos tão ignorada por Hegel O pensamento de Kierkegaard sobre a constituição da identidade é por conseguinte como uma faca de dois gumes cujo poder de ação atinge ora os hegelianos ora os românticos Nosso autor se posiciona na contramão da cosmovisão romântica como já assinalamos mais especificamente aquela que remete a Schlegel Tieck e Solger pensadores amplamente trabalhados por Kierkegaard em sua dissertação de mestrado15 denominada O Conceito de Ironia constantemente referido a Sócrates de 1841 Para que o indivíduo se torne Indivíduo singular não pode negligenciar a subjetividade embora o subjetivismo seja descartável Aqui há um debate explícito com Hegel mas também há um debate implícito a partir de Novalis A subjetividade remete à tarefa de tornarse si mesmo pois só é possível o êxito no processo de tornarse um eu se for subjetivamente ou seja se o elemento a ser sublinhado for a interioridade Mas Kierkegaard é um crítico de Fichte assim como o era Novalis motivo pelo qual rejeita a ideia bastante influente no romantismo atribuída a Fichte de que o eu é igual a eu Na obra O Conceito de Ironia Kierkegaard com a irreverência que lhe era peculiar já havia criticado com bastante rigor algumas perspectivas românticas O romantismo alemão amplamente lastreado em suas leituras de Fichte sobretudo a partir da concepção de viver poeticamente e da ideia de que o indivíduo pode se autoproduzir visto que a moral estabelecida desemboca em um grande nada acaba por levar ao tédio ao subjetivismo e à relatividade extrema Estas consequências Kierkegaard tem interesse em evitar A forma kierkegaardiana de fazêlo é discutir esses pontos ao modo dos românticos mas contra eles por meio de sua escrita 15 A dissertação de mestrado de Kierkegaard era o título máximo oferecido pela Universidade à época Posteriormente o título passou a equivaler ao de doutor GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 62 pseudonímica Então para Kierkegaard o indivíduo deve se tornar o Indivíduo singular tendo como modelo paradigmático a figura de Abraão Todavia não se trata de se autoproduzir arbitrariamente ou viver como se tudo terminasse em um grande nonsense O indivíduo se torna um singular diante de Deus e para tanto a interioridade é imprescindível Chegamos a outro ponto para o qual Kierkegaard está disposto a medir forças não apenas com Hegel mas agora também com Novalis a identificação entre imediaticidade e fé Para Silentio Hegel supõe erroneamente que as ideias de fé e imediaticidade são intercambiáveis Se isto estivesse correto a fé poderia ser colocada em algum lugar muito próximo a sentimentos voláteis tais como humores idiossincrasias e vapores KIERKEGAARD 2009 p129 Contudo a fé não é índice de um sentimento de eterna dependência para fazermos eco aos românticos Schleiermacher e a Novalis Acontece que ao querer ultrapassar a concepção da religião como sentimento Hegel se excede Pois a fé tal como a vê Silentio é precedida de um movimento da infinitude antes que a fé entre nec inopinate por força do absurdo KIERKEGAARD 2009 pp129130 Caso a fé coubesse assim tão facilmente na definição hegeliana Sócrates teria ido muito além da fé pois a ignorância socrática conforme entende Silentio não é outra coisa senão o ápice da resignação infinita No entanto nem mesmo Sócrates alcançou o nível de Abraão porque ao modo do herói trágico o filósofo grego não extrapola os limites da resignação infinita Mas passar pelo movimento ético da resignação infinita é necessário e inclusive é até mesmo suficiente para quem permanece dentro do âmbito da ética Já esta tarefa é apropriada para as forças humanas apesar de no nosso tempo ser desconsiderada mas só quando é cumprida só quando o singular se esgotou no infinito só então se atingiu o ponto em que a fé pode irromper KIERKEGAARD 2009 p 130 Para Kierkegaard Sócrates é o exemplo mais bemsucedido de êxito humano no cumprimento da tarefa de tornarse si mesmo Por meio da ideia do conheçate a ti mesmo o mestre de Platão teria sido aquele que dentro do estádio da ética mais avançou no processo de tornarse um eu Porém Sócrates esbarra nos limites do estádio ético pois não vai além dele de modo que lhe faltou o salto para a esfera religiosa Dito de outro modo embora o filósofo ateniense tenha muito a ensinar faltoulhe o salto para a O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 63 fé cujo acesso permite ao indivíduo se situar paradoxalmente acima das convenções morais sociais acima portanto do geral Nas palavras de Silentio O paradoxo da fé consiste no facto de o singular ser superior ao universal no facto de o singular recordando uma distinção dogmática agora ainda mais rara determinar a sua relação com o universal através da sua relação com o absoluto e não a sua relação com o absoluto através da sua relação com o universal pois que se este dever é absoluto o ético ficará portanto reduzido ao relativo KIERKEGAARD 2009 p 130 Neste aspecto é preciso observar que o Indivíduo singular está no estádio religioso e através da fé pode se tornar uma exceção à generalidade na medida em que define sua condição especial de relação absoluta para com o Absoluto Desse modo o estádio da ética fica relativizado e mesmo superado quando diante de um dever absoluto para com Deus A fé de sua parte se mostra como o ápice do processo de subjetivação Por isso Silentio não pode concordar com a ideia atribuída a Hegel de que a fé é o primeiro passo a ser superado quando se começa a refletir Abraão foi além da ética mas não além da fé Neste ponto parece que Kierkegaard retoma a reflexão de Novalis qual seja a de que onde cessa o saber inicia a crença e a aplica contra Hegel No entanto o pensador dinamarquês se posiciona em sua reflexão sobre a fé no meio do caminho entre Novalis e Hegel Pois a fé não se limita a um sentimento e tampouco se aloca como uma imediaticidade que precisa ser superada em direção a uma via racional Ao se posicionar contra a perspectiva hegeliana o pensamento de Novalis é retomado A fé não é o ponto de partida antes é o de chegada já que emerge quando cessa a compreensão E por isso mesmo pode estar um passo adiante da moral tal como o personagem bíblico Abraão ajuda a ver CONSIDERAÇÕES FINAIS O confronto entre interpretações do fenômeno religioso propostas por Novalis e Kierkegaard nos mostra que independentemente do grau de influência entre os dois pensadores difícil de se precisar com base textual como dito na introdução ambos fornecem base para um diálogo fecundo Em comum os dois partem de um pano de fundo cristão mais especificamente pietista com variações ligeiras em Novalis que acrescenta GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 64 traços católicos e de uma leitura crítica da filosofia kantiana Tanto o filósofo alemão quanto o dinamarquês se empenham em uma reflexão não só sobre Deus mas em tentar compreender o sentido da experiência religiosa e da fé cristã Novalis possui tendências aparentemente em conflito a saber uma iluminista e outra romântica com traços gnósticos Isso poderia soar contraditório mas é consistente com a trajetória do pensador e com seu projeto filosófico fragmentário por natureza privilegiando a multiplicidade de perspectivas filosóficas em detrimento de uma só via de se filosofar nisso Novalis se distancia muito de Fichte e de Hegel sendo bem mais próximo de Schelling especialmente do Schelling tardio Kierkegaard por sua vez engajado no debate com seus contemporâneos recua até a arena onde se situam as discussões e retoma entre outros Hegel e Novalis para ajudar a pensar a religião Sua filosofia da religião pode ser inscrita em sua orientação pietista enquanto seu estilo de escrita recupera a forma romântica tanto com o emprego de pseudônimos quanto com a valorização daquilo que o iluminismo com o seu ensejo de esclarecer teria deixado na penumbra É este o caso do fragmento literário do mistério escondido nas fábulas e da experiência paradoxal da fé por vezes na contramão da moral Este debate parece que veio à tona tendo como pano de fundo o projeto filosófico teológico da busca pelo Jesus histórico Friedrich von Hardenberg mostra tolerância ao ateísmo de um lado algo raro em seu tempo e bem progressista ao passo que seu apego à Idade Média de outro lado mostrao como um pensador conservador e com traços místicos Esse lado de seu pensamento a nosso ver é mais perigoso na atualidade em uma época com fortes tendências fundamentalistas e irracionalistas E no caso da filosofia da religião de Kierkegaard quando nos voltamos particularmente para Temor e Tremor é necessário nos perguntarmos sobre as consequências de um engajamento religioso que esteja disposto a superar a ética Ora não seria este o afã de grupos de fundamentalistas religiosos em nosso tempo que justifica na fé ações que prescindem da ética Mas por outro lado a fé deveria estar sujeita à ética como gostaria Kant Esta é ainda uma discussão em aberto O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 65 Seja como for uma filosofia da religião que enfatiza muito o sentimento possui uma riqueza psicológica e antropológica ao passo que corre o risco de perder o foco na razão e em sua capacidade demonstrativa intersubjetiva e dialógica Consequências possíveis de se enfatizar o sentimento podem ser o fanatismo e o fundamentalismo E estamos cientes de que a influência do fanatismo religioso na política e na sociedade não são poucas16 dado o poder da religião em mobilizar os afetos e o carisma Assim a sina do protestantismo fica em aberto uma religião da razão ou do sentimento REFERÊNCIAS BEISER F 2003 The Romantic Imperative The Concept of Early German Romanticism Cambridge MALondon Harvard University Press BEISER F 2002 German Idealism The struggle against subjectivism 17811801 Cambridge MALondon Harvard University Press BURGESS J 2016 Henrich Steffens Combining Danish Romanticism with Christian Orthodoxy in STEWART J ed Kierkegaard and his Danish Contemporaries Tome I Philosophy Politics and Social Theory volume 07 LondonNew York Routledge 261284 DÜSING K 1971 Das Problem des höchsten Gutes in Kants praktischer Philosophie KantStudien 62 542 FISCHER N 2013 Fé e razão sua relação em Agostinho Mestre Eckhart e Emanuel Kant Síntese Revista de Filosofia 40 128 349382 Disponível em httpwwwfajeedubrperiodicosindexphpSintesearticleview28673002 Acesso em 19 Mai 2021 HÖSLE V 2003 God as Reason Essays in Philosophical Theology Notre Dame University of Notre Dame Press HÖSLE V 2019 Globale Fliehkräfte Eine geschichtphilosophische Kartierung der Gegenwart München Karl Alber Verlag 16 A respeito Cf HÖSLE 2003 pp viiviii 2019 pp 8993 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 66 JONAS H 2001 The gnostic religion The message of the alien God and the beginnings of Christianity 3rd edition Boston Beacon Press KANT I 1974 Kritik der reinen Vernunft Frankfurt am Main Suhrkamp Verlag KIERKEGAARD S 2013 BB 6 SKS 17 76 Journaler notesbøger og papirer in Søren Kierkegaard Skrifter Vol 128 Redação de Niels Jørgen Cappelørn Joakim Garff Johnny Kondrup Jette Knudsen e Alastair McKinnon Copenhagen Søren Kierkegaards Forskningscenteret Livros eletrônicos Disponível em httpsksdkforsideindholdasp Acesso em 26 Jun 2021 KIERKEGAARD S 2009 Temor e Tremor Trad Elisabete M Sousa Lisboa Relógio dágua KLUCKHOHN P 1960 Friedrich von Hardenbergs Entwicklung und Dichtung in Novalis Schriften Erster Band Das dichterische Werk Hrsg P Kluckhohn und R Samuel 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 167 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0001novapagen5mode2up Acesso em 18 Mai 2021 LOSSO EG B 2020 História analogia e natureza em Novalis Pandaemonium Germanicum 23 41 125152 Disponível em httpwwwrevistasuspbrpgarticleview172409162010 Acesso em 31 Jul 2020 MACDONALD W 2016 Music in STEWART J ed Kierkegaards Concepts Tome IV Individual to Novel Volume 15 LondonNew York Routledge 213221 NASSAR D 2014 The Romantic Absolute Being and Knowing in Early German Romantic Philosophy 17951804 ChicagoLondon The University of Chicago Press NOVALIS 2021 Pólen Trad R R Torres Filho 2a ed São Paulo Iluminuras NOVALIS 1975a Betrachtung Freiberg Juli 1798 in Novalis Schriften Vierter Band Tagebücher Briefwechsel Zeitgenössische Zeugnisse Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 50 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0004novapagen7mode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1975b Tagebuch Weissenfels 15 April bis 6 September 1800 in Novalis Schriften Vierter Band Tagebücher Briefwechsel Zeitgenössische Zeugnisse Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 5357 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0004novapagen7mode2up Acesso em 04 Mai 2021 O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 67 NOVALIS 1975c Tagebuchblatt Weissenfels 1790 in Novalis Schriften Vierter Band Tagebücher Briefwechsel Zeitgenössische Zeugnisse Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 45 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0004novapagen7mode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960a Aufzeichnungen vorwiegend naturwissenchaftlicher Art von Agust 1799 bis Februar 1800 in Novalis Schriften Dritter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 595637 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0003novapagen7mode2up Acesso em 29 Jun 2021 NOVALIS 1960b Blüthenstaub in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 415471 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960c Entwurf zu einer Geschichte der alten Philosophie in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 1415 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960d Fragmentblatt in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 395 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960e Kant und EschenmayerStudien in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 379394 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 68 NOVALIS 1960f Kann ein Atheist auch moralisch Tugendhaft aus Grundsätzen seyn in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 1820 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960g Philosophische Studien aus der Jahre 179596 Fichte Studien in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 27296 MØLLER P M Filosofiske Essays og Strøtanker httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960h Über die Ordalien oder Gottesurteile in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 712 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 PURVER J 2016a Kierkegaards encounters with a Heidelberg hermit In STEWART J ed Kierkegaard and his German Contemporaries Tome III Volume 06 Literature and Aesthetics LondonNew York Routledge 124 PURVER J 2016b Kierkegaards reception of a German romantic in STEWART J ed Kierkegaard and his German Contemporaries Tome III Volume 06 Literature and Aesthetics LondonNew York Routledge 2549 SAMUEL R 1975 Einleitung des Herausgebers in Novalis Schriften Vierter Band Tagebücher Briefwechsel Zeitgenössische Zeugnisse Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 147 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0004novapagen7mode2up Acesso em 04 Mai 2021 SAMUEL R 1960 Einleitung in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 36 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 69 SCHELL M 2010 Poética do Romantismo Novalis e o fragmento literário São Paulo Edusp STEWART J ed 2016 Novalis Schriften vols 12 ed by Ludwig Tieck and Friedrich Schlegel 4th enlarged edition Berlin G Reimer 1826 in The auction catalogue of Kierkegaards Library vol 20 LondonNew York Routledge STEWART J ed 2003 Kierkegaard and His Contemporaries The culture of Golden Age Denmark BerlinNew York Walter de Gruyter Monograph series 10 TORRES FILHO R R 2021 Novalis o romantismo estudioso In NOVALIS Pólen Trad R R Torres Filho 2a ed São Paulo Iluminuras 721 TROELSEN B 2016 Adam Oehlenschläger Kierkegaard and the treasure Hunter of immediacy in STEWART Jon ed Kierkegaard and His Danish Contemporaries Tome III Volume 07 Literature Drama and Aesthetics LondonNew York Routledge 257273 UERLINGS H 1991 Friedrich von Hardenberg genannt Novalis Werk und Forschung Stuttgart J B Metzler RESENHA CRÍTICA DO ARTIGO O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD O artigo elaborado por Gabriel Almeida Assumpção e Jean dos Santos Vargas publicado na Revista Brasileira de Filosofia da Religião v 8 n 1 2021 propõese a investigar a relação intelectual entre Friedrich von Hardenberg Novalis e Søren Kierkegaard enfocando suas contribuições à filosofia da religião Logo na introdução os autores destacam o ineditismo do tema e justificam sua pesquisa pela carência de estudos sistemáticos que analisem a possível influência do pensamento de Novalis sobre Kierkegaard A originalidade reside na tentativa de confrontar diretamente os textos dos autores sobretudo os diários e obras teóricas pouco exploradas de Novalis com escritos fundamentais de Kierkegaard como Temor e Tremor O percurso metodológico é bem delimitado Os autores recorrem a fontes primárias como cartas diários e fragmentos filosóficos para traçar a aproximação entre os pensadores Particularmente instigante é a reconstrução bibliográfica que evidencia que Kierkegaard possuía volumes de Novalis em sua biblioteca pessoal Ainda que essa posse não confirme uma leitura aprofundada Assumpção e Vargas lançam mão de pistas contextuais e intertextuais como o uso de pseudônimos eg Victor Eremita e categorias românticas para sustentar uma hipótese de diálogo indireto A abordagem crítica portanto não se limita à exposição de ideias mas busca estabelecer conexões entre fragmentos de universos intelectuais distintos O exame do pensamento religioso de Novalis é extenso e minucioso Os autores ressaltam o caráter ambivalente de sua obra oscilando entre tendências iluministas e românticas sem perder de vista o misticismo e o pietismo Destacam também a incorporação de elementos gnósticos neoplatônicos e cristãos em sua reflexão De maneira acertada os autores apontam para a singularidade de Novalis ao defender uma filosofia fragmentária na qual o religioso se apresenta como um horizonte simbólico e existencial mais do que dogmático Essa dimensão multifacetada confere ao texto uma densidade filosófica ímpar Em contraste a análise kierkegaardiana é construída em torno da ideia de fé como experiência subjetiva e paradoxo existencial O ponto alto da argumentação está na exploração do Temor e Tremor especialmente na figura de Abraão que encarna o paradoxo da fé ao ultrapassar os limites da ética universal Nesse aspecto os autores são precisos ao assinalar o distanciamento de Kierkegaard tanto do racionalismo hegeliano quanto do sentimentalismo romântico O argumento é reforçado pela ideia de que para Kierkegaard a fé não se confunde com sentimento imediato mas resulta de um movimento interior que só é possível mediante a suspensão da ética A tensão entre subjetividade e universalidade um tema central em ambos os autores é bem explorada no artigo Os autores mostram como Kierkegaard critica os limites do romantismo subjetivista ao mesmo tempo que adota suas formas expressivas como o fragmento e o uso de pseudônimos para reformular o debate religioso Essa dualidade do dinamarquês é bem captada e contribui para a riqueza analítica do texto evitando reduções simplistas sobre a posição do autor Ainda que se utilize de recursos do romantismo Kierkegaard não adere a seu conteúdo filosófico de forma acrítica Um ponto particularmente relevante é a crítica que os autores fazem à possibilidade de se colocar a fé acima da moral como proposto por Kierkegaard Na conclusão eles problematizam esse posicionamento ao trazer à tona o risco de justificar atitudes fundamentalistas em nome de uma fé incondicional Tal observação é de extrema pertinência contemporânea sobretudo diante de contextos políticos e sociais marcados pelo fanatismo religioso Com isso os autores demonstram responsabilidade ética e atualidade filosófica em seu trabalho Do ponto de vista estilístico o artigo prima pela clareza expositiva e rigor conceitual As citações são bem contextualizadas e traduzidas com precisão e as notas de rodapé complementam a leitura sem dispersar o foco temático A bibliografia é extensa e atualizada incluindo autores relevantes tanto da tradição germânica quanto da pesquisa brasileira como Torres Filho e Losso Isso demonstra o comprometimento dos autores com a profundidade e abrangência da análise No entanto um aspecto que poderia ser mais desenvolvido é a dimensão sistemática da filosofia da religião em Kierkegaard Embora o enfoque sobre a fé como paradoxo seja pertinente o artigo poderia incluir uma discussão mais direta sobre o conceito de Deus ou sobre a experiência religiosa em obras posteriores do filósofo como As obras do amor ou O desespero humano Isso enriqueceria o contraste com Novalis cujo pensamento metafísico e poético sobre o divino é tratado com maior extensão Em suma o artigo de Assumpção e Vargas é uma contribuição relevante à filosofia da religião e aos estudos comparativos entre o idealismo alemão e o pensamento existencial A investigação do vínculo entre Novalis e Kierkegaard ainda que não possa ser comprovada de modo definitivo é feita com erudição criatividade e profundidade analítica A proposta de pensar a fé para além dos limites da razão sem cair em irracionalismos é um convite filosófico instigante A leitura é indispensável para estudiosos do tema e sua pertinência se renova em tempos de crise da razão e do espírito ASSUMPÇÃO Gabriel Almeida VARGAS Jean dos Santos O fenômeno religioso em Friedrich von Hardenberg Novalis e Søren Kierkegaard Revista Brasileira de Filosofia da Religião Brasília v 8 n 1 p 4969 jul 2021 Disponível em httpsperiodicosunbbrindexphprbfrarticleview38689 Acesso em 03 jul 2025

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This work is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International License REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 49 O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD THE RELIGIOUS PHENOMENON IN FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS AND SØREN KIERKEGAARD GABRIEL ALMEIDA ASSUMPÇÃO JEAN DOS SANTOS VARGAS Gabriel Almeida Assumpção Bolsista de Pósdoutorado Júnior do CNPq Processo 16287920202 Instituição de Execução Universidade Federal de Ouro Preto UFOP Doutor em Filosofia pela UFMG 2020 Email gabrielchougmailcom Jean dos Santos Vargas Doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais 2021 Email jeansv07hotmailcom Resumo Considerando a relação ainda pouco conhecida entre Søren Kierkegaard 18131855 e Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 o objetivo deste artigo é pensar o horizonte da religião enquanto problema filosófico A hipótese a ser argumentada aqui é que o pensador dinamarquês conheceu e em alguma medida retomou a reflexão do filósofo alemão ora para se juntar a ele ora para se posicionar na contramão de suas perspectivas O artigo contribui tanto para se pensar a relação entre Kierkegaard e Novalis quanto para abordar um pano de fundo que trata da filosofia da religião na medida em que perpassa as discussões de ambos sobre o lugar do sagrado na experiência prática No caso de von Hardenberg a contribuição se dá tanto nesse sentido quanto em um aspecto metodológico uma vez que envolve a consulta a material pouco estudado de sua obra a saber seus textos sobre religião escritos entre 17881790 algumas de suas cartas e diários Palavraschave filosofia Kierkegaard Novalis religião Abstract We will consider the relation still not well known between Søren Kierkegaard 18131855 and Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 The goal of this paper is to think the horizon of religion as a philosophical problem The hypothesis to be argued here is that the Danish thinker was acquainted with the German philosophers reflection and to some extent dealt with it Sometimes he adopted similar ideas and sometimes he thought in an opposite direction The paper is not only a contribution in studies on the relationship between Kierkegaard and Novalis but it also approaches a common background regarding philosophy of religion as it goes through both thinkers discussions on the role of the sacred in practical experience Regarding von Hardenberg the contribution is both in the aforementioned sense and in a methodological sense as it features texts still not much approached in his works ie his texts on religion written between 17881790 along with some of his letters and diaries Keywords philosophy Kierkegaard Novalis religion GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 50 INTRODUÇÃO Pretendemos confrontar as perspectivas de Friedrich von Hardenberg Novalis 17721801 e Søren Kierkegaard 18131855 no que diz respeito ao fenômeno religioso Teremos como base trechos de diário de Novalis e alguns de seus textos teóricos no período de 1788 a 1798 além de uma anotação de diário de 1800 No caso de Kierkegaard a base consiste tanto em seu diário BB quanto em Temor e Tremor 1843 Com isso exploraremos a relevância e originalidade do pensamento destes filósofos sobre o tema da religião além de investigar uma possível influência de Novalis em Kierkegaard Apesar de sabermos que Kierkegaard possuía em sua biblioteca pessoal os volumes I e II dos Novalis Schriften edição de 1826 editados pelos românticos Tieck e F Schlegel graças a uma aquisição feita no dia quatro de janeiro de 1836 na livraria Reitzel STEWART 2016 p 90 nenhum estudo acadêmico aprofundado foi feito para demonstrar se o dinamarquês de fato teria frequentado em seus escritos o pensamento do autor alemão Talvez uma exceção a esta regra seja a obra de Walter Jens e Hans Küng 1988 denominada Dichtung und Religion Pascal Gryphius Lessing Hölderlin Novalis Kierkegaard Dostojewski Kafka Tratase no entanto de um material demasiadamente generalista de modo que se limita a fazer uns poucos apontamentos panorâmicos sem entrar no mérito se de fato houve ou não uma interlocução acentuada entre ambos Em todo o caso é lugar comum na literatura secundária de Kierkegaard a pressuposição de que o pensador dinamarquês tenha sido um leitor assíduo dos autores do primeiro romantismo de Jena Contudo curiosamente em sua dissertação acadêmica cujo objeto da segunda parte é a ironia romântica por algum motivo que ainda nos é desconhecido Novalis sequer é mencionado ao passo que tanto o nome dos primeiros editores de sua obra isto é L Tieck 17731853 e F Schlegel 17721829 quanto o de outros românticos do mesmo ciclo como Karl W F Solger 17801819 transitam por toda a segunda parte do Conceito de Ironia de 1841 Não obstante o que já podemos afirmar agora é que Kierkegaard apesar de não o dizer explicitamente possuía pelo menos uma certa familiaridade com o pensamento de Novalis e seu contexto tal como notou Judith Purver 2016b pp 2728 Além disso o tema da ironia é bem mais desenvolvido por Schlegel que por Hardenberg O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 51 É possível pressupor que tal familiaridade se deva senão meramente ao fato de que o pensador dinamarquês tinha o material de Novalis em sua biblioteca o que por si só não significa mais do que um indício ao menos a que há algumas anotações em seus papéis avulsos Ora mas se não encontramos nenhuma alusão a Novalis em seu trabalho acadêmico os próximos livros que Kierkegaard se propõe a escrever lançam mão do editor pseudônimo Victor Eremita em Ouou II Daí vem a categoria do eremita tal qual aparece em Novalis e também em Tieck recuperando a ideia da literatura medieval como observa mais uma vez Judith Purver Sobretudo a imagem do ermitão que é recorrente na literatura alemã da Idade Média em diante e que se encontra em romances do Primeiro Romantismo como o Franz Sternbald de Tieck e o Heinrich von Ofterdingen de Novalis publicado em 1802 foi acentuada tanto no título original quanto no conteúdo do empreendimento colaborativo de Armin que por sua vez é uma das inspirações para uma figura na obra de Eichendorff identificada em outro lugar nesse volume como a provável fonte do pseudônimo de Kierkegaard Victor Eremita1 PURVER 2016a pp 89 Para além disso é possível notar algumas ressonâncias que podem remeter ao pensamento de Novalis quando por exemplo o pseudônimo A pensa a angústia como categoria da reflexão Esta parte possui tal como observa William Macdonald 2016 p 215 bastante relação com o que Novalis fala sobre sua teoria da música absoluta de modo que permitirá a Kierkegaard nos anos posteriores desenvolver ainda mais a ideia a partir da angústia em sua obra denominada O Conceito de Angústia de 1844 Não bastasse isso há no entanto uma outra possível fonte de contato entre Kierkegaard e o pensamento de Novalis a qual embora não tenha sido muito documentada pode de resto ser útil para o nosso desígnio de propor uma interlocução O filósofo dinamarquês Henrich Steffens 17731845 embora seja pouco conhecido por nós hoje em dia fora bastante familiar aos dinamarqueses dos anos dourados Steffens 1 No original Above all the figure of the hermit which recurs in German literature from the Middle Ages onward and is found in such early Romantic novels as Tiecks Franz Sternbald and Novalis Heinrich von Ofterdingen published 1802 was highlighted both in the original title and the content of Arnims collaborative venture which in its turn is one of the inspirations for a figure in Eichendorffs work identified elsewhere in this volume as the likely source of Kierkegaards pseudonym Victor Eremita Todas as traduções são de nossa responsabilidade exceto as de Pólen Blüthenstaub de Novalis que cotejamos com a segunda edição da tradução de Torres Filho publicada este ano de 2021 e acatamos com eventuais pequenas modificações GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 52 chegou a fazer contato não somente com Hardenberg em Jena mas com todo o ciclo do primeiro romantismo Acontece que após muitos anos por lá retorna à Dinamarca no verão de 1802 de acordo com Bjarne Troelsen 2016 p 258 Além disso de acordo ainda com Andrew J Burgess 2016 p 262 Henrik Steffens teria influenciado não apenas a Kierkegaard de maneira indireta como também alguns intelectuais da primeira geração da Danish Golden Age como Jakob Peter Mynster 17751854 e Adam Oehlenschläger 17791854 Seja como for este pensador em comum entre Novalis e Kierkegaard fomentou o conhecimento sobre o Romantismo alemão na Dinamarca por meio de seus cursos ministrados entre 1802 e 1804 Foi neste momento quase uma década antes do nascimento de Kierkegaard que Steffens teria introduzido os dinamarqueses a várias temáticas românticas ao despertar o interesse no país nórdico pela filosofia que estava na ordem do dia na Alemanha conforme J Burgess 2016 pp 261287 Como se sabe Kierkegaard passou a ter depois uma relação intelectual bastante próxima com o bispo Mynster dedicandose à discussão pública com o clérigo em vários momentos O que possuímos então no que diz respeito ao Kierkegaard leitor de Novalis são apenas aproximações diletantes já que de maneira direta pouca coisa de fato vem à tona em um olhar mais rápido pelo corpus kierkegaardiano O que esta seção propõe entretanto é contribuir para refletirmos sobre esta interlocução na esteira do que se sabe até agora de modo a pensar a discussão filosófica sobre o fenômeno religioso em Novalis e Kierkegaard 1 A FILOSOFIA DA RELIGIÃO DE NOVALIS ENTRE O ILUMINISMO E O ROMANTISMO Quase duas mil páginas da edição das obras de Friedrich von Hardenberg feita por Paul Kluckholn e Richard Samuel consistem em escritos filosóficos de Novalis Infelizmente os próprios amigos de Novalis Ludwig Tieck e Friedrich Schlegel contribuíram para disseminar essa imagem de Hardenberg como figura mítica cuja morte precoce foi lendária sem tanto foco em sua filosofia como pensamento original fruto de labor sério TORRES FILHO 2021 pp 9s Esforço para reconhecer Novalis como O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 53 filósofo tem sido feito em vários estudos inclusive nacionais destacandose Losso 2020 Torres Filho 2021 e Schell 2010 no Brasil e no cenário internacional Beiser 2002 2003 Kluckhohn 1960 Nassar 2014 Samuel 1960 1975 e Uerlings 1991 Richard Samuel coeditor das obras de Friedrich von Hardenberg nota que os estudos desse filósofo muitas vezes concentram em sua obra literária em detrimento de outros aspectos de seu trabalho quando na verdade sua poesia surge ao fim de sua trajetória intelectual e com base em seu trabalho prático e reflexivo SAMUEL 1975 p 12 As cartas e diários3 de Hardenberg auxiliam a compreender a unidade de sua obra conduzindo a um olhar mais detalhado sobre sua formação influências e concepções teóricas passando do mito Novalis à pessoa Hardenberg Em Hardenberg é marcante o papel da experiência religiosa como elementos de pietismo mística catolicismo e devoção com traços medievais em parte por influência das preleções de Schiller sobre história europeia ministradas entre 1790 e 1791 Na vida prática em contraste o pensador estava em constante e incansável atividade prática nas minas de bronze em Leipzig e posteriormente nas salinas em Weissenfels com uma apreensão protestante do trabalho como caminho terrestre rumo a Deus Essa própria relação com a vida religiosa já mostra cisão e dualismo na vida de Novalis KLUCKHOHN 1960 p 5 SAMUEL 1975 p 2 O abandono do absoluto transcendente e a adoção de uma concepção do divino mais próxima ao neoplatonismo não será abordada aqui pois isso tornaria o texto muito abrangente e fugiria ao propósito de um diálogo com Kierkegaard Além disso há planos de trabalhos específicos referentes aos textos estéticos e de filosofia da natureza novalisianos posteriores a 1797 em que a influência neoplatônica se fortalece Recomendamos a respeito os trabalhos de Beiser 2002 2003 e de Nassar 2014 2 O asterisco presente nas numerações de página referentes a SAMUEL 1975 são parte da numeração do estudo introdutório dele ao volume IV das obras de Novalis O uso do asterisco é para diferenciar da paginação dos textos propriamente novalisianos É um uso incomum do asterisco ao invés de algarismos romanos mas mantemos o asterisco por ser a forma da paginação adotada ainda que rara 3 Samuel atenta para a complexidade do conceito de diário Tagebuch em Novalis há passagens nos Estudos sobre Fichte 17951796 e no Esboço geral 17981799 que são muito pessoais e íntimas mais próximas de um diário Por outro lado há passagens nos diários que parecem mais fragmentos e reflexões filosóficas que diário SAMUEL 1975 p 40 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 54 Apesar da mudança de direção da filosofia idealista de Kant e de Fichte que desaguou em seu próprio idealismo mágico Hardenberg não perdeu totalmente a ligação com o pensamento do iluminismo4 SAMUEL 1975 p 24 O filósofo romântico possui interesse na origem do sentimento religioso com explicação iluminista vendo a religião como desejo de explicar fenômenos que contradizem o curso da natureza NOVALIS 1960h pp 79 SAMUEL 1960 p 4 Textos póstumos escritos por Hardenberg entre 1788 e 1790 são valiosos ao pesquisador por mostrar o interesse de Novalis em motivos clássicos mitológicos e históricos com influência de Herder e uma tendência iluminista mais acentuada que nos escritos tardios SAMUEL 1960 p 3 Por exemplo no pequeno texto Pode um ateu ser também moralmente virtuoso a partir de princípios escrito entre 1788 e 1790 há defesa da tolerância religiosa e do combate à superstição um traço forte iluminista NOVALIS 1960f p 19 A herança iluminista aparece em textos tardios como Pólen 1798 o ser humano deve ser livre na escolha do que o vincula com o divino NOVALIS 1960b 74 pp 441 445 e a religião é perigosa se cerceadora da liberdade individual como no caso de perseguição religiosa quando não se adere ao pensamento da maioria NOVALIS 1960b 83 p 450 Um elemento digno de nota ainda sob o viés iluminista está nos Estudos sobre Kant e Eschenmayer de 1797 em que Hardenberg se dedica ao estudo de alguns textos kantianos clássicos como a Crítica da razão pura 17811787 os Princípios metafísicos da ciência natural 1786 e a Metafísica dos costumes 1797 Nesse material também há estudos sobre Adam Karl August von Eschenmeyer 17681852 um importante interlocutor de Friedrich W J Schelling 17751854 no que tange à filosofia da natureza e à filosofia da religião mostrando interesse em cientistas da época como Robert Brown 17731858 NOVALIS 1960e p 379385 4 No original Trotz der Hinwendung zur idealistischen Philosophie Kants und Fichtes die in seinem eigenen magischen Idealismus mündete hat Hardenberg die Verbindung mit dem Denken der Aufklärung nie völlig verloren O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 55 No caso de Kant há uma meditação diretamente referida ao prefácio à segunda edição da Crítica da razão pura Na passagem em questão Kant afirma Eu tive que suprimir o saber para abrir espaço à fé KANT 1974 p B XXVI remetendo ao fato de que as grandes questões metafísicas como Deus alma e mundo deveriam ser objeto de fé racional mediada pela razão prática e não pela razão especulativa Hardenberg por sua vez diz Onde cessa o saber inicia a crença NOVALIS 1960e p 387 Menciona também que construções da fé são construções mediante hipóteses captando a ideia kantiana dos juízos reflexivos Novalis já levava em conta os desafios da filosofia kantiana mencionando nos Estudos sobre Fichte 17951796 o esforço prático rumo a Deus só possível mediante existência continuada refletindo a ideia de Kant sobre a imortalidade da alma que é pensável pela razão prática pura com base na ideia de que o tempo de uma vida é muito curto para uma adesão plena à lei moral sendo necessário conceber extensão da personalidade humana Essa discussão envolve conhecimento do sumo Bem kantiano ligação necessária entre virtude como causa e felicidade moralmente condicionada como efeito5 De maneira bem kantiana Novalis resume afirmando A moral se divide em religião e ética6 NOVALIS 1960g 54 p 141 de maneira consistente com a visão kantiana de que a moral conduz à religião não o contrário O viés propriamente romântico de Novalis sob a religião apresenta colorações gnósticas Em uma folha de diário escrita em 1790 em Wiessenfels há reflexões curtas sobre imortalidade e destino e evoca imaginário gnóstico como a temática do estrangeiro7 Frequentemente pareço estar sozinho no mundo sem amigo a vagar 5 Sobre o tema Cf DÜSING 1971 FISCHER 2013 6 No original Moral zerfällt in Religion und Ethik 7 O gnosticismo é a mais radical incorporação do dualismo na história tratandose de uma cisão entre eu e mundo de uma visão da alienação do homem diante da natureza da desvalorização metafísica da natureza JONAS 2001 p xxvi Nos primeiros séculos da era cristã o leste do Mediterrâneo foi acometido por uma profunda explosão de religiosidade e a própria gênese do cristianismo se relaciona com esse período fecundo cuja expressão mais radical foi o gnosticismo Hans Jonas 19031993 observa que as correntes gnósticas são de natureza marcadamente religiosa com dimensão escatológica notandose uma concepção transcendente de Deus e um forte dualismo entre Deus e mundo espírito e matéria alma e corpo luz e trevas bem e mal vida e morte O estrangeiro é atributo constante dado pelos gnósticos à vida que por sua natureza é alheia a esse mundo mesmo quando dentro desse mundo Marcião 85 EC160 EC um dos maiores gnósticos fala de um Deus alheio outro desconhecido inominável O estrangeiro é aquilo que surge de outro lugar e não pertence a esse mundo angústia e nostalgia fazendo parte de sua vida JONAS 2001 pp 3152 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 56 no labirinto de tristes ideias e objetos 8 NOVALIS 1975c p 3 A filosofia antiga segundo Hardenberg dividese em filosofia oriental e grega A filosofia grega é remetida aos présocráticos ao passo que sobre a filosofia oriental é mencionado que dela conhecemos apenas os escritos de Zoroastro e da filosofia gnóstica considerada por Hardenberg filha do zoroastrismo Ele afirma acerca da filosofia oriental Ela era quase sempre especulação profunda sobre a natureza divina a origem do mal e os efeitos de espíritos9 NOVALIS 1960c p 14 Uma herança do dualismo de cunho gnóstico é a temática da morte muitas vezes vinculada ao amor tema central no pensamento novalisiano como na observação de 15 de abril de 1800 Segundo o pensador religião e amor são como flores de origem sobrenatural e divina arautos de uma existência melhor NOVALIS 1975b p 53 Em Pólen publicado em 1798 encontramos O amor pode mediante vontade absoluta passar a religião Só se torna digno do ser supremo por meio da morte Morte de reconciliação10 NOVALIS 1960d 57 p 395 Duas interpretações seriam possíveis uma relação com a figura do Cristo e seu sacrifício ou evocação gnóstica da morte Nossa linha interpretativa tende mais à segunda opção levando em conta os textos novalisianos supracitados e trechos do próprio Pólen A natureza é apresentada com ressonâncias gnósticas em seu caráter hostil e impermanente Uma consequência antropológica disso é que o corpo perece mas algo mais elevado permanece o eu NOVALIS 1960b 13 p 417 O escapismo é salientado quando Hardenberg afirma que a morte é o fim da vida o começo de algo a mais NOVALIS 1960b 14 p 417 Há uma busca de unidade antropológica fugindo ao dualismo mas é pouco desenvolvida na passagem onde se lê A sede da alma é ali onde o mundo interior e mundo exterior se tangenciam11 NOVALIS 1960b 19 p 419 Notase uma busca de conexão entre material e espiritual porém só desenvolvida em outros textos como o Esboço geral 17981799O filósofo logo abandona essa busca de unidade e enfatiza a capacidade do ser humano de transcendência elevando a consciência 8 No original Oft Schein ich mir allen in der Welt zu sein ohne Freund in dem Labyrinth trauriger Ideen und Gegenstände herum zu irren 9 No original Sie war meinstenteils thiefsinnige Spekulatzion über die Natur Gottes den ursprüng des Übels und die Wirckungen der Geister 10 No original Lieben kann durch absoluten willen im Religion übergehen Des höchsten Wesens wird man nur durch Tod werth Versöhnungstod 11 No original Der Sitz der Seele ist da wo sich Innenwelt und Aussenwelt berühren O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 57 além dos sentidos configurandose como ser suprassensível übersinnlisches Wesen Isso diferencia o ser humano de outros animais fazendo dele um cidadão do mundo Weltbürger termo de ressonâncias kantianas e estoicas NOVALIS 1960b 22 p 421 Sem dúvida a clareza de consciência de encontrar a si mesmo nesse estado é muito difícil uma vez que está tão incessantemente e necessariamente vinculado à alternância de nossos demais estados Todavia quanto mais somos capazes de estar conscientes desse estado mais viva potente e satisfatória é a convicção que surge daí a crença em autênticas revelações do espírito12 NOVALIS 1960b 22 p 421 Não se trata de ver ouvir e sentir mas de algo superior aos três indicando um caráter de experiência mística e salientando o caráter esotérico da filosofia remetendo à tradição platônicopitagórica já influente em Novalis NOVALIS 1960b 22 p 421 O lado místico é associado à estética na observação nostálgica de que poeta e sacerdote eram um só e podem voltar a sêlo NOVALIS 1960b 71 p 441 Ainda no viés de um dualismo referente ao ser humano há uma espécie de antropologia química reflexo de seus estudos de ciência natural o mundo terrestre é precipitado da natureza humana ao passo que o mundo dos deuses é uma sublimação da mesma Não há precipitado sem sublimação NOVALIS 1960b 96 p 450 Assim como no 19 há dualismo porém com certa ânsia de unidade Veremos a seguir como Kierkegaard discute o fenômeno religioso de modo a confrontar suas posições com as de Hardenberg 2 KIERKEGAARD LEITOR DE NOVALIS FÉ MORALIDADE E SENTIMENTO No que diz respeito a Kierkegaard pensar a experiência religiosa tendo como fio condutor o lastro histórico que recua até a constelação romântica nos permite verificar em que medida o pensador dinamarquês operou com conceitos que estavam na ordem do dia em seu contexto É lugar comum pensarmos a problemática dos limites da razão diante 12 No original Freylich ist die Besonnenheit Sichselsbtfindeung in diesem Zustande sehr schwer da er so unaufhörlich so nothwendig mit dem Wechsel unsrer übrigen Zustände verbunden ist Je mehr wir uns aber dieses Zustandes bewusst zu sein vermögen desto lebendiger mächtiger genügender ist die Überzeugung die daraus entsteht der Glaube an ächte Offenbarungen des Geistes GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 58 da fé a partir de uma perspectiva que perpassa pelas leituras de Lutero Agostinho e pela experiência pietista O que todavia costuma passar ao largo são as implicações desta temática pensadas a partir do contexto imediato do Romantismo alemão Nesse sentido a diversidade conceitual não remete apenas ao conhecido passado longínquo da história do pensamento mas remete especialmente a um passado mais recentemente introduzido na Dinamarca cuja fonte sinaliza em direção ao pensamento idealista e romântico Observar por esta lente nos possibilita pensar em como os temas clássicos sobre fé razão e moral são ressignificados a partir das considerações dos autores do primeiro romantismo Para nos limitarmos a apenas uma dessas fontes de influência vejamos como Kierkegaard lida com o tema da religião tendo como horizonte imediato as reflexões de Novalis seja a partir de seus diários seja na esteira de sua crítica a Hegel em Temor e Tremor de 1843 Kierkegaard faz três menções em todos os seus escritos ao pensamento de Novalis Uma datada de 01 de agosto de 1835 em seu diário AA quando faz referência a Novalis Schriften mais especificamente no texto Heinrich von Ofterdigen publicado em Berlim no ano de 1826 Há ainda uma anotação rápida sem muita importância em FF1 Mas o que se presta a nossa reflexão sobre o pensamento religioso em Kierkegaard é uma outra ocorrência que aparece em seu diário BB de 1836 Lá Kierkegaard usa uma parte do seguinte fragmento de Novalis A história de Cristo é tanto um poema Gedicht quanto uma história Geschichte e em geral uma história só é história quando também pode ser uma fábula13 1960a 76 p 566 ao passo que Kierkegaard reformula Novalis diz uma história só é uma história quando também pode ser fábula SKS 17 76 BB6 O que Kierkegaard está pensando já em 1836 quer dizer quase uma década antes de seu Temor e Tremor é na história do Cristo não apenas nos moldes da discussão que emergiu com a esquerda hegeliana sobre a busca pelo Jesus histórico a partir de uma abordagem racionalista mas quer pensar a história do Cristo com a potência das fábulas em seu sentido romântico Isto é quer pensar a história de Jesus a partir da 13 No original Novalis diz A história de Cristo é tanto um poema Gedicht quanto uma história Geschichte e em geral uma história só é história quando também pode ser uma fábula Die Gescshichte Xsti ist eben so gewiss ein Gedicht wie eine Geschichte und überhaupt ist nur eine Geschichte Geschichte die auch Fabel seyn kann 1960a 76 p 566 ao passo que Kierkegaard afirma Novalis sagt nur die Geschichte ist eine Geschichte die auch Fabel sein kann O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 59 força dos fragmentos e dos símiles que se capilarizam a partir das fábulas sem o ensejo cientificista e iluminista portanto do que mais tarde passou a ser o intento de desmistificar o Cristo Dito de outro modo o que Kierkegaard pretende pensar é na possibilidade de pelo contrário mistificar o Cristo ainda mais ao tomar a fé como mistério Para tanto o aforismo filosófico dos antigos associado ao poder da fábula e da anedota amplia os repertórios de possibilidades E neste ponto os românticos entre eles Novalis enfraquecem as fronteiras da poesia e da filosofia como argumenta Schell Novalis e Schlegel recriam a partir da leitura sistemática das grandes obras fragmentárias da Antiguidade clássica do aforismo filosófico das máximas anedotas e pensamentos dos moralistas franceses o fragmento textual e lhe ampliam suas potencialidades latentes fazendo surgir o fragmento literário uma forma diversa de escritura crítica um novo modo de desenvolver o pensamento teórico sobre o ato de criação O fragmento literário cria sua própria filosofia da linguagem e seu próprio conceitual crítico SCHELL 2010 p 17 Neste ponto Kierkegaard parece estar lançando mão de Novalis para se contrapor não a Hegel ele mesmo mas aos hegelianos de esquerda mais especificamente ao teólogo David Friedrich Strauss 18081874 com os seus dois livros que causaram escândalo nos meios religiosos germânicos ambos chamados de A vida de Jesus 1835 1836 exatamente no mesmo ano em que o dinamarquês faz a referida anotação em seu diário sobre Novalis Enquanto para Strauss o mito Jesus não passava de uma fábula que precisava ser desmistificado Kierkegaard vai até Novalis para pensar o oposto do teólogo14 Quer pensar o Cristo mistificado E para tanto a fábula é uma boa ferramenta Como temos apenas uma anotação em um diário seria extrapolar demais as nossas conjecturas se ultrapassarmos muito além dessa fronteira exegética já que se trata tão somente de uma anotação em um diário não publicado sem o peso por assim dizer de uma obra publicada Em todo o caso ainda está em tempo de observar que os temas que permeiam as discussões sobre a busca pelo Jesus histórico as quais já haviam se iniciado ainda no século XVIII com Hermann Samuel Reimarus 16941768 perpassam as reflexões de David F Strauss até culminarem com Ernest Renan 18231892 em 1863 14 Sobre Strauss e Hegel Cf Hösle 2003 pp 173177 336337 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 60 e posteriormente nas discussões suscitadas pelo teólogo Albert Schweitzer 18751965 Ao que tudo indica Kierkegaard lida com o início dessa discussão já em 1836 todavia não prossegue o seu contraponto aos seus contemporâneos que discutiam a temática do Jesus histórico a partir tanto de Herman S Reimarus quanto de David F Strauss O que Kierkegaard acaba por fazer mais tarde com um insight semelhante quando escreve o seu Temor e Tremor é retomar indiretamente um ou outro aspecto de suas leituras de Novalis para direcionálo contra os hegelianos prefigurados no texto na figura de Hegel em torno de temas que tangenciam a fé a razão e a moral A reflexão colocada pela problemata II para entrarmos propriamente na análise de Temor e Tremor pode ser assim colocada haveria algo de transcendente na vida humana que implicasse em um dever absoluto para com Deus Ou a moral é ela mesma o divino KIERKEGAARD 2009 p 127 Com essas questões como fio condutor o autor pseudônimo Johannes de Silentio observa que se a resposta à segunda questão for positiva isto é se agir conforme a moral for sagrado se a moral for um deus para o homem então dizer que há o dever de amar a Deus constitui uma tautologia pois o dever de amar a Deus seria no fundo o dever de amar o próprio dever Se a resposta à primeira pergunta se derivar da resposta a esta segunda ou seja se para a pergunta sobre a possibilidade de um dever absoluto para com Deus respondêssemos que tal dever procede porque é antes de tudo um dever moral então Hegel estaria correto em sua concepção de inscrever o divino no âmbito imanente à moral Neste caso o compromisso com a ética seria superior a um dever para com Deus E um dever para com Deus só faria sentido enquanto um dever moral Mas esta não é a conclusão a que chega Johannes de Silentio O dever para com Deus está para além do âmbito da moral situandose no terreno da fé Somente do ponto de vista da fé é possível sustentar um dever absoluto para com Deus Porém se Hegel pretendesse falar sobre fé já não poderia tomar Abraão como exemplo porquanto não há espaço para o pai de Isaque no pensamento do filósofo de Stuttgart Segundo interpreta Silentio para Hegel o exterior é superior ao interior Não é por acaso que de acordo com Hegel conforme denuncia Silentio a criança é o interior enquanto o homem adulto é o exterior Mas a fé a qual Hegel falha em compreender é um paradoxo em que o interior é superior ao exterior Conforme relata Silentio para a O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 61 concepção ética da vida constitui assim tarefa do singular ser ele próprio a despojarse da determinação da interioridade e a exprimila exteriormente KIERKEGAARD 2009 p129 Ora eis aqui um ponto que interessa a Kierkegaard criticar no pensamento hegeliano O Indivíduo singular não precisa se despojar de sua interioridade Pelo contrário fazse necessário chamar a atenção para a dimensão subjetiva tão mal compreendida pelos românticos e simultaneamente na tentativa de corrigilos tão ignorada por Hegel O pensamento de Kierkegaard sobre a constituição da identidade é por conseguinte como uma faca de dois gumes cujo poder de ação atinge ora os hegelianos ora os românticos Nosso autor se posiciona na contramão da cosmovisão romântica como já assinalamos mais especificamente aquela que remete a Schlegel Tieck e Solger pensadores amplamente trabalhados por Kierkegaard em sua dissertação de mestrado15 denominada O Conceito de Ironia constantemente referido a Sócrates de 1841 Para que o indivíduo se torne Indivíduo singular não pode negligenciar a subjetividade embora o subjetivismo seja descartável Aqui há um debate explícito com Hegel mas também há um debate implícito a partir de Novalis A subjetividade remete à tarefa de tornarse si mesmo pois só é possível o êxito no processo de tornarse um eu se for subjetivamente ou seja se o elemento a ser sublinhado for a interioridade Mas Kierkegaard é um crítico de Fichte assim como o era Novalis motivo pelo qual rejeita a ideia bastante influente no romantismo atribuída a Fichte de que o eu é igual a eu Na obra O Conceito de Ironia Kierkegaard com a irreverência que lhe era peculiar já havia criticado com bastante rigor algumas perspectivas românticas O romantismo alemão amplamente lastreado em suas leituras de Fichte sobretudo a partir da concepção de viver poeticamente e da ideia de que o indivíduo pode se autoproduzir visto que a moral estabelecida desemboca em um grande nada acaba por levar ao tédio ao subjetivismo e à relatividade extrema Estas consequências Kierkegaard tem interesse em evitar A forma kierkegaardiana de fazêlo é discutir esses pontos ao modo dos românticos mas contra eles por meio de sua escrita 15 A dissertação de mestrado de Kierkegaard era o título máximo oferecido pela Universidade à época Posteriormente o título passou a equivaler ao de doutor GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 62 pseudonímica Então para Kierkegaard o indivíduo deve se tornar o Indivíduo singular tendo como modelo paradigmático a figura de Abraão Todavia não se trata de se autoproduzir arbitrariamente ou viver como se tudo terminasse em um grande nonsense O indivíduo se torna um singular diante de Deus e para tanto a interioridade é imprescindível Chegamos a outro ponto para o qual Kierkegaard está disposto a medir forças não apenas com Hegel mas agora também com Novalis a identificação entre imediaticidade e fé Para Silentio Hegel supõe erroneamente que as ideias de fé e imediaticidade são intercambiáveis Se isto estivesse correto a fé poderia ser colocada em algum lugar muito próximo a sentimentos voláteis tais como humores idiossincrasias e vapores KIERKEGAARD 2009 p129 Contudo a fé não é índice de um sentimento de eterna dependência para fazermos eco aos românticos Schleiermacher e a Novalis Acontece que ao querer ultrapassar a concepção da religião como sentimento Hegel se excede Pois a fé tal como a vê Silentio é precedida de um movimento da infinitude antes que a fé entre nec inopinate por força do absurdo KIERKEGAARD 2009 pp129130 Caso a fé coubesse assim tão facilmente na definição hegeliana Sócrates teria ido muito além da fé pois a ignorância socrática conforme entende Silentio não é outra coisa senão o ápice da resignação infinita No entanto nem mesmo Sócrates alcançou o nível de Abraão porque ao modo do herói trágico o filósofo grego não extrapola os limites da resignação infinita Mas passar pelo movimento ético da resignação infinita é necessário e inclusive é até mesmo suficiente para quem permanece dentro do âmbito da ética Já esta tarefa é apropriada para as forças humanas apesar de no nosso tempo ser desconsiderada mas só quando é cumprida só quando o singular se esgotou no infinito só então se atingiu o ponto em que a fé pode irromper KIERKEGAARD 2009 p 130 Para Kierkegaard Sócrates é o exemplo mais bemsucedido de êxito humano no cumprimento da tarefa de tornarse si mesmo Por meio da ideia do conheçate a ti mesmo o mestre de Platão teria sido aquele que dentro do estádio da ética mais avançou no processo de tornarse um eu Porém Sócrates esbarra nos limites do estádio ético pois não vai além dele de modo que lhe faltou o salto para a esfera religiosa Dito de outro modo embora o filósofo ateniense tenha muito a ensinar faltoulhe o salto para a O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 63 fé cujo acesso permite ao indivíduo se situar paradoxalmente acima das convenções morais sociais acima portanto do geral Nas palavras de Silentio O paradoxo da fé consiste no facto de o singular ser superior ao universal no facto de o singular recordando uma distinção dogmática agora ainda mais rara determinar a sua relação com o universal através da sua relação com o absoluto e não a sua relação com o absoluto através da sua relação com o universal pois que se este dever é absoluto o ético ficará portanto reduzido ao relativo KIERKEGAARD 2009 p 130 Neste aspecto é preciso observar que o Indivíduo singular está no estádio religioso e através da fé pode se tornar uma exceção à generalidade na medida em que define sua condição especial de relação absoluta para com o Absoluto Desse modo o estádio da ética fica relativizado e mesmo superado quando diante de um dever absoluto para com Deus A fé de sua parte se mostra como o ápice do processo de subjetivação Por isso Silentio não pode concordar com a ideia atribuída a Hegel de que a fé é o primeiro passo a ser superado quando se começa a refletir Abraão foi além da ética mas não além da fé Neste ponto parece que Kierkegaard retoma a reflexão de Novalis qual seja a de que onde cessa o saber inicia a crença e a aplica contra Hegel No entanto o pensador dinamarquês se posiciona em sua reflexão sobre a fé no meio do caminho entre Novalis e Hegel Pois a fé não se limita a um sentimento e tampouco se aloca como uma imediaticidade que precisa ser superada em direção a uma via racional Ao se posicionar contra a perspectiva hegeliana o pensamento de Novalis é retomado A fé não é o ponto de partida antes é o de chegada já que emerge quando cessa a compreensão E por isso mesmo pode estar um passo adiante da moral tal como o personagem bíblico Abraão ajuda a ver CONSIDERAÇÕES FINAIS O confronto entre interpretações do fenômeno religioso propostas por Novalis e Kierkegaard nos mostra que independentemente do grau de influência entre os dois pensadores difícil de se precisar com base textual como dito na introdução ambos fornecem base para um diálogo fecundo Em comum os dois partem de um pano de fundo cristão mais especificamente pietista com variações ligeiras em Novalis que acrescenta GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 64 traços católicos e de uma leitura crítica da filosofia kantiana Tanto o filósofo alemão quanto o dinamarquês se empenham em uma reflexão não só sobre Deus mas em tentar compreender o sentido da experiência religiosa e da fé cristã Novalis possui tendências aparentemente em conflito a saber uma iluminista e outra romântica com traços gnósticos Isso poderia soar contraditório mas é consistente com a trajetória do pensador e com seu projeto filosófico fragmentário por natureza privilegiando a multiplicidade de perspectivas filosóficas em detrimento de uma só via de se filosofar nisso Novalis se distancia muito de Fichte e de Hegel sendo bem mais próximo de Schelling especialmente do Schelling tardio Kierkegaard por sua vez engajado no debate com seus contemporâneos recua até a arena onde se situam as discussões e retoma entre outros Hegel e Novalis para ajudar a pensar a religião Sua filosofia da religião pode ser inscrita em sua orientação pietista enquanto seu estilo de escrita recupera a forma romântica tanto com o emprego de pseudônimos quanto com a valorização daquilo que o iluminismo com o seu ensejo de esclarecer teria deixado na penumbra É este o caso do fragmento literário do mistério escondido nas fábulas e da experiência paradoxal da fé por vezes na contramão da moral Este debate parece que veio à tona tendo como pano de fundo o projeto filosófico teológico da busca pelo Jesus histórico Friedrich von Hardenberg mostra tolerância ao ateísmo de um lado algo raro em seu tempo e bem progressista ao passo que seu apego à Idade Média de outro lado mostrao como um pensador conservador e com traços místicos Esse lado de seu pensamento a nosso ver é mais perigoso na atualidade em uma época com fortes tendências fundamentalistas e irracionalistas E no caso da filosofia da religião de Kierkegaard quando nos voltamos particularmente para Temor e Tremor é necessário nos perguntarmos sobre as consequências de um engajamento religioso que esteja disposto a superar a ética Ora não seria este o afã de grupos de fundamentalistas religiosos em nosso tempo que justifica na fé ações que prescindem da ética Mas por outro lado a fé deveria estar sujeita à ética como gostaria Kant Esta é ainda uma discussão em aberto O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 65 Seja como for uma filosofia da religião que enfatiza muito o sentimento possui uma riqueza psicológica e antropológica ao passo que corre o risco de perder o foco na razão e em sua capacidade demonstrativa intersubjetiva e dialógica Consequências possíveis de se enfatizar o sentimento podem ser o fanatismo e o fundamentalismo E estamos cientes de que a influência do fanatismo religioso na política e na sociedade não são poucas16 dado o poder da religião em mobilizar os afetos e o carisma Assim a sina do protestantismo fica em aberto uma religião da razão ou do sentimento REFERÊNCIAS BEISER F 2003 The Romantic Imperative The Concept of Early German Romanticism Cambridge MALondon Harvard University Press BEISER F 2002 German Idealism The struggle against subjectivism 17811801 Cambridge MALondon Harvard University Press BURGESS J 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em 04 Mai 2021 GABRIEL A ASSUMPÇÃO JEAN S VARGAS REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 68 NOVALIS 1960f Kann ein Atheist auch moralisch Tugendhaft aus Grundsätzen seyn in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 1820 Disponível em httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960g Philosophische Studien aus der Jahre 179596 Fichte Studien in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer Verlag 27296 MØLLER P M Filosofiske Essays og Strøtanker httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 NOVALIS 1960h Über die Ordalien oder Gottesurteile in Novalis Schriften Zweiter Band Das philosophische Werk II Hrsg R Samuel HJ Malh und G Schulz 2e Aufl Stuttgart W Kohlhammer 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httpsarchiveorgdetailsnovalisschriften0002novamode2up Acesso em 04 Mai 2021 O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 1 JUL 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ KIERKEGAARD E A FILOSOFIA DA RELIGIÃO 69 SCHELL M 2010 Poética do Romantismo Novalis e o fragmento literário São Paulo Edusp STEWART J ed 2016 Novalis Schriften vols 12 ed by Ludwig Tieck and Friedrich Schlegel 4th enlarged edition Berlin G Reimer 1826 in The auction catalogue of Kierkegaards Library vol 20 LondonNew York Routledge STEWART J ed 2003 Kierkegaard and His Contemporaries The culture of Golden Age Denmark BerlinNew York Walter de Gruyter Monograph series 10 TORRES FILHO R R 2021 Novalis o romantismo estudioso In NOVALIS Pólen Trad R R Torres Filho 2a ed São Paulo Iluminuras 721 TROELSEN B 2016 Adam Oehlenschläger Kierkegaard and the treasure Hunter of immediacy in STEWART Jon ed Kierkegaard and His Danish Contemporaries Tome III Volume 07 Literature Drama and Aesthetics LondonNew York Routledge 257273 UERLINGS H 1991 Friedrich von Hardenberg genannt Novalis Werk und Forschung Stuttgart J B Metzler RESENHA CRÍTICA DO ARTIGO O FENÔMENO RELIGIOSO EM FRIEDRICH VON HARDENBERG NOVALIS E SØREN KIERKEGAARD O artigo elaborado por Gabriel Almeida Assumpção e Jean dos Santos Vargas publicado na Revista Brasileira de Filosofia da Religião v 8 n 1 2021 propõese a investigar a relação intelectual entre Friedrich von Hardenberg Novalis e Søren Kierkegaard enfocando suas contribuições à filosofia da religião Logo na introdução os autores destacam o ineditismo do tema e justificam sua pesquisa pela carência de estudos sistemáticos que analisem a possível influência do pensamento de Novalis sobre Kierkegaard A originalidade reside na tentativa de confrontar diretamente os textos dos autores sobretudo os diários e obras teóricas pouco exploradas de Novalis com escritos fundamentais de Kierkegaard como Temor e Tremor O percurso metodológico é bem delimitado Os autores recorrem a fontes primárias como cartas diários e fragmentos filosóficos para traçar a aproximação entre os pensadores Particularmente instigante é a reconstrução bibliográfica que evidencia que Kierkegaard possuía volumes de Novalis em sua biblioteca pessoal Ainda que essa posse não confirme uma leitura aprofundada Assumpção e Vargas lançam mão de pistas contextuais e intertextuais como o uso de pseudônimos eg Victor Eremita e categorias românticas para sustentar uma hipótese de diálogo indireto A abordagem crítica portanto não se limita à exposição de ideias mas busca estabelecer conexões entre fragmentos de universos intelectuais distintos O exame do pensamento religioso de Novalis é extenso e minucioso Os autores ressaltam o caráter ambivalente de sua obra oscilando entre tendências iluministas e românticas sem perder de vista o misticismo e o pietismo Destacam também a incorporação de elementos gnósticos neoplatônicos e cristãos em sua reflexão De maneira acertada os autores apontam para a singularidade de Novalis ao defender uma filosofia fragmentária na qual o religioso se apresenta como um horizonte simbólico e existencial mais do que dogmático Essa dimensão multifacetada confere ao texto uma densidade filosófica ímpar Em contraste a análise kierkegaardiana é construída em torno da ideia de fé como experiência subjetiva e paradoxo existencial O ponto alto da argumentação está na exploração do Temor e Tremor especialmente na figura de Abraão que encarna o paradoxo da fé ao ultrapassar os limites da ética universal Nesse aspecto os autores são precisos ao assinalar o distanciamento de Kierkegaard tanto do racionalismo hegeliano quanto do sentimentalismo romântico O argumento é reforçado pela ideia de que para Kierkegaard a fé não se confunde com sentimento imediato mas resulta de um movimento interior que só é possível mediante a suspensão da ética A tensão entre subjetividade e universalidade um tema central em ambos os autores é bem explorada no artigo Os autores mostram como Kierkegaard critica os limites do romantismo subjetivista ao mesmo tempo que adota suas formas expressivas como o fragmento e o uso de pseudônimos para reformular o debate religioso Essa dualidade do dinamarquês é bem captada e contribui para a riqueza analítica do texto evitando reduções simplistas sobre a posição do autor Ainda que se utilize de recursos do romantismo Kierkegaard não adere a seu conteúdo filosófico de forma acrítica Um ponto particularmente relevante é a crítica que os autores fazem à possibilidade de se colocar a fé acima da moral como proposto por Kierkegaard Na conclusão eles problematizam esse posicionamento ao trazer à tona o risco de justificar atitudes fundamentalistas em nome de uma fé incondicional Tal observação é de extrema pertinência contemporânea sobretudo diante de contextos políticos e sociais marcados pelo fanatismo religioso Com isso os autores demonstram responsabilidade ética e atualidade filosófica em seu trabalho Do ponto de vista estilístico o artigo prima pela clareza expositiva e rigor conceitual As citações são bem contextualizadas e traduzidas com precisão e as notas de rodapé complementam a leitura sem dispersar o foco temático A bibliografia é extensa e atualizada incluindo autores relevantes tanto da tradição germânica quanto da pesquisa brasileira como Torres Filho e Losso Isso demonstra o comprometimento dos autores com a profundidade e abrangência da análise No entanto um aspecto que poderia ser mais desenvolvido é a dimensão sistemática da filosofia da religião em Kierkegaard Embora o enfoque sobre a fé como paradoxo seja pertinente o artigo poderia incluir uma discussão mais direta sobre o conceito de Deus ou sobre a experiência religiosa em obras posteriores do filósofo como As obras do amor ou O desespero humano Isso enriqueceria o contraste com Novalis cujo pensamento metafísico e poético sobre o divino é tratado com maior extensão Em suma o artigo de Assumpção e Vargas é uma contribuição relevante à filosofia da religião e aos estudos comparativos entre o idealismo alemão e o pensamento existencial A investigação do vínculo entre Novalis e Kierkegaard ainda que não possa ser comprovada de modo definitivo é feita com erudição criatividade e profundidade analítica A proposta de pensar a fé para além dos limites da razão sem cair em irracionalismos é um convite filosófico instigante A leitura é indispensável para estudiosos do tema e sua pertinência se renova em tempos de crise da razão e do espírito ASSUMPÇÃO Gabriel Almeida VARGAS Jean dos Santos O fenômeno religioso em Friedrich von Hardenberg Novalis e Søren Kierkegaard Revista Brasileira de Filosofia da Religião Brasília v 8 n 1 p 4969 jul 2021 Disponível em httpsperiodicosunbbrindexphprbfrarticleview38689 Acesso em 03 jul 2025

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