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Link vidio para responder A e B httpsyoutubeqFZkisr6ws Leitura para responder o exercício SEÇÃO TEMÁTICA EDUCAÇÃO E DIFERENÇA DIÁLOGO E PERSPECTIVAS Resumo Este artigo discute formas de representação das práticas artísticas dos povos indígenas em dois livros didáticos de Arte para o ensino médio selecionados para distribuição em escolas públicas por meio do Programa Nacional do Livro Didático de 2015 Sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais em Educação que orienta o presente estudo livros didáticos são vistos como artefatos que constituem e propagam conhecimentos e também promovem uma regulação na cultura à medida que incluem ou excluem aspectos e práticas nesse caso dos povos indígenas A análise mostra que arte indígena é um conceito em disputa sendo flexionada ora por concepções eurocêntricas ora por discursos multiculturalistas quando integrada aos livros didáticos Palavraschave Arte indígena Livro didático Ensino de Arte 1 PALAVRAS INICIAIS Na cena pedagógica contemporânea os discursos em prol das diferenças adquirem relevância mobilizados por um lado pela dissolução de ideais de homogeneização cultural e de fixação de determinadas identidades referenciais e por outro lado por processos de globalização intensificados nas últimas décadas que ampliaram sensivelmente o trânsito de pessoas de produtos de mensagens de tecnologias Dentro desse panorama mais geral a diferença adquire notoriedade e passa a figurar mais explicitamente em produções culturais da atualidade o que amplia também as possibilidades de abordagem em materiais que circulam nas escolas Em parte isso se deve à ação política de movimentos sociais indígenas e indigenistas e às suas reivindicações específicas voltadas para uma radical transformação nas formas de nomear caracterizar representar e posicionar socialmente os povos indígenas em livros didáticos livros de literatura animações filmes programas de TV peças publicitárias entre outros artefatos No que concerne aos currículos escolares uma intensa disputa se trava marcada por novas exigências legais a exemplo da Lei n 116452008 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n 93941996 de modo a contemplar uma antiga reivindicação dos movimentos negros e indígenas O texto da LDB passa a vigorar com o seguinte teor Art 26A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio públicos e privados tornase obrigatório o estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos tais como o estudo da história da África e dos africanos a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional resgatando as suas contribuições nas áreas social econômica e política pertinentes à história do Brasil 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afrobrasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras BRASIL 2008 A promulgação dessa Lei produz importantes efeitos tanto nas propostas curriculares quanto na produção de materiais didáticos em especial para as áreas textualmente referidas Arte Literatura História Podemos observar uma mudança sutil também nos currículos dos cursos de licenciatura conduzidos por diferentes instituições de ensino superior no País Em algumas delas conforme Silva 2015 vem sendo incluída uma cadeira nomeada por Educação Indígena de modo a contemplar a exigência legal mas o autor argumenta que não se trata de educação indígena algo que concerne às práticas educativas dos povos indígenas senão de ensino da temática indígena Com relação aos artefatos escolares a Lei n 116452008 impacta diretamente os critérios de seleção de obras didáticas especialmente aquelas que são selecionadas para distribuição para escolas brasileiras com uso de recursos públicos Mas é preciso reconhecer que a abordagem da história cultura arte indígena por si só não garante que se ampliarão os espaços de discussão sobre os atuais problemas vivenciados por esses povos tampouco assegura uma abordagem qualificada especialmente porque sem uma formação docente condizente com a atual demanda e sem que se expandam as redes de informação nas quais se produzem e se divulgam as histórias culturas nas artes indígenas possivelmente serão mantidas as perspectivas eurocêntricas e pontos de vista estereotipados que permeiam discursos escolares Considerando que é central promovermos uma transformação nos modos de pensar e dar sentido às coisas e aos sujeitos que nos rodeiam neste artigo são analisadas representações das práticas artísticas dos povos indígenas em dois livros didáticos de Arte do ensino médio Por toda Parte dos autores Pascoal Ferrari Solange Utuari Daniela Libâneo e Fábio Sardo publicado em 2013 pela editora FTD e Arte em Interação escrito por Hugo Luiz Barbosa Bozzano Perla Frenda e Tatiane Cristina Gusmão publicado pela editora paulista IBEP no ano de 2013 O principal critério de escolha dos dois livros mencionados foi sua ampla distribuição em escolas públicas de ensino médio feita com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE pois ambos foram selecionados por meio do Programa Nacional do Livro Didático PNLD3 no ano 2015 Vale ressaltar que este foi o primeiro Edital do PNLD a contemplar o ensino de Arte sendo os referidos livros aprovados e distribuídos nos anos 2016 e 2017 para as escolas públicas brasileiras respeitandose a escolha de cada instituição sobre qual entre os dois livros seria adotado Sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais em Educação que orienta este estudo livros didáticos são vistos como artefatos que constituem e propagam conhecimentos e também promovem uma regulação na cultura à medida que incluem ou excluem tópicos de conteúdo e desse modo estabelecem o que seria adequado ensinar e aprender Os livros didáticos integram e colaboram para conformar propostas curriculares e por isso se justifica uma detida análise das representações que neles se constituem e se propagam Conforme salienta Paraíso 2010 p 588 o currículo é um território de multiplicidades de todos os tipos de disseminação de saberes diversos de encontros variados de composições caóticas de disseminações perigosas de contágios incontroláveis de acontecimentos insuspeitados Os currículos relativos ao ensino de Arte também são múltiplos e neles se expressam entendimentos em disputa nunca definitivamente estabelecidos sobre o que integraria efetivamente o artístico povoado por um conjunto seleto de práticas tomadas como relevantes centrais indispensáveis para o desenvolvimento do senso artístico e estético nas novas gerações Currículos disseminam saberes constituem pontos de vista sobre as expressões culturais de grupos sociais distintos produzem seleções interessadas do que sob determinado prisma conta como a verdadeira arte que deve ser ensinada nas escolas Concordamos com Santomé 2009 quando afirma que algumas culturas são silenciadas nos currículos pois os currículos são constituídos a partir de relações de poder que definem o que é considerado socialmente relevante para integrálos Assim quando se rompe o silenciamento e se estabelece a necessária inserção das artes indígenas nos currículos também se busca circunscrever e definir as regas do dizer e do pensar do transitar e do encontrar não é qualquer arte nem qualquer prática que se inscreve então como elemento artístico Como afirma Silva 2009 as narrativas contidas no currículo em textos e imagens validam os conhecimentos que se deseja propagar definem quais formas de conhecer e de se expressar têm prioridade estabelecem o que é belo e o que é feio e poderíamos acrescentar colaboram para o reconhecimento por parte dos sujeitos do que éo que não é arte do que seria integrante de nosso senso artístico com o qual nos identificamos discursos dos quais nos tornamos sujeitos e o que seria o senso artístico dos outros Por isso o currículo é muito mais que uma questão cognitiva é muito mais que construção do conhecimento no sentido psicológico O currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos SILVA 2009 p 196 Discorrendo sobre conhecimento escolar e currículo Moreira e Candau 2007 p 23 argumentam que Ao observarmos com cuidado os livros didáticos podemos verificar que eles não costumam incluir entre os conteúdos selecionados os debates as discordâncias os processos de revisão e de questionamento que marcam os conhecimentos e os saberes em muitos de seus contextos originais Nesse sentido vale a pena indagar em que medida os livros didáticos de arte selecionados para este estudo incorporam práticas plurais dos povos indígenas ainda que as formas de expressão e seus sentidos de arte no contexto cultural de cada etnia confrontem ou contrastem com aqueles que orientam de modo geral o pensamento sobre o que seja ou não arte no mundo ocidental contemporâneo São abundantes os estudos acadêmicos feitos há décadas especialmente nos campos da Antropologia e da Educação que focalizam as formas de representação da vida e das culturas indígenas em livros didáticos Costa 1994 Oliveira 2001 Paes 2008 Bonin e Gomes 2008 Aguiar 2011 e Bonin 2010 são autores que vêm se ocupando desse tema e têm demostrado como se propaga uma visão genérica da vida indígena alicerçada em versões eurocêntricas que operam a conversão de ricas e complexas culturas em meros adendos ou estranhos contrapontos a uma cultura modelar Silva 2015 afirma que um dos mais importantes desafios ao abordar a temática indígena na escola é escapar às imagens exóticas e folclorizadas que se constituem em textos didáticos literários midiáticos Para o autor uma das concepções mais arraigadas ao pensamento pedagógico sobre os índios no Brasil é a noção de que eles supostamente possuem relações intrínsecas com a floresta o campo o mundo rural Contudo os dados estatísticos do Censo IBGE 2010 afirmam a existência de cerca de 40 dos índios vivendo em espaços urbanizados seja porque migraram para cidades de pequeno médio e grande portes por razões pessoais seja porque as cidades avançaram sobre seus territórios dado que confronta a visão mais generalizada de índios vivendo reclusos em ambientes rurais Acrescentaríamos como um outro importante desafio o de produzir disposição política em gestores professores alunos autores de obras didáticas editores para conhecer para além de poucos traços simplificados as singularidades desses mais de 340 povos indígenas que vivem em condições socioculturais bastante diversas na atualidade brasileira e que utilizam cerca de 240 línguas diferentes para a comunicação BONIN RIPOLL AGUIAR 2015 Problematizar representações sobre os povos indígenas propagadas e naturalizadas em discursos didáticos é uma das preocupações de pesquisadores atentos a essa temática que muitas vezes tomam livros didáticos como artefatos para análise por serem eles os mais comuns nas salas de aula além de representarem um tipo de saber especializado validado por instâncias governamentais e no caso dos que estão sendo analisados neste estudo com edições financiadas com recursos públicos para distribuição em escolas das redes municipais e estaduais 2 LIVROS DIDÁTICOS ARTEFATOS ÚTEIS PARA A ANÁLISE DE DISCURSOS ESCOLARES A produção e distribuição de livros didáticos se consolida no Brasil ao longo do século XX e hoje dispõe de larga tradição bem como de alentado número de estudos e pesquisas acadêmicas voltados tanto para aspectos históricos quanto para as transformações nos modos de produção circulação e consumo desses materiais Contudo para o ensino de Arte não tem sido comum a produção de livros didáticos e tal inciativa tem gerado intensos debates Por um lado afirmase a necessidade de sistematização de conhecimentos sobre as artes que deveriam ser trabalhados na educação básica salientase a urgência em promover ajustes ao que se define como conteúdo mínimo para o componente curricular Arte em normativas oficiais e ainda destacase a necessidade de produção de materiais que possam estimular o interesse pelo que chamamos artístico Por outro lado contestase a premissa de padronização do ensino de Arte ou a seleção prévia de determinados conhecimentos uma vez que existem diretrizes para essa disciplina e a publicação de livros didáticos poderia restringir o potencial de criação e de invenção nesse campo disciplinar No Brasil o edital do PNLD de 2015 que previa a seleção de obras para o ensino médio incluiu pela primeira vez o componente curricular Arte conforme já afirmamos O referido edital convocou editores a inscreverem obras didáticas para o ensino de Arte desde que estas fossem organizadas em volumes únicos com uma proposta pedagógica integrada e progressão didática articulada ao currículo dos três anos do ensino médio Sobre a temática indígena o Edital salientava a observância de princípios éticos na sua abordagem como forma de contribuir para a construção da cidadania e de bases solidárias para o convívio social Vedavase explicitamente a presença de estereótipos ou preconceitos ligados a questões socioeconômicas regionais étnicoraciais de gênero de orientação sexual idade linguagem Tais aspectos seriam avaliados ao longo do processo de seleção das obras tanto no que concerne aos textos verbais quanto no tocante às ilustrações figuras gráficos e outros elementos visuais FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO 2015 Sobre a escolha das obras por parte das escolas o edital previa que elas deveriam firmar inicialmente o Termo de Adesão ao Programa respeitando o indicado na Resolução CDFNDE n 42 de 28 de agosto de 2012 Por meio deste e de outros procedimentos obras didáticas aprovadas no PNLD de 2015 puderam ser indicadas pelas escolas participantes e essa escolha deveriam envolver corpo docente e gestores No caso do componente curricular Arte as duas obras Por Toda parte e Arte em Interação foram aprovadas em 2015 e feita a escolha por parte da escola o Ministério da Educação distribuiu um número de exemplares correspondente ao de alunos matriculados Quanto à estruturação dos livros didáticos de Arte que discutimos neste artigo observamos que Por toda Parte possui ao todo 304 páginas e tem o texto organizado em seis capítulos4 divididos em temas Cada capítulo contém seções fixas assim intituladas Detalhes Giro de Ideais Projeto Experimental Conexões Conversa com algum artista Resgatando o que você aprendeu e Expedição cultural nas páginas finais do exemplar do professor No exemplar do docente apresentase uma seção chamada Diálogo com o Professor contendo 112 páginas que assume a forma de manual didático Já a obra Arte em Interação possui 400 páginas sendo acrescentadas na versão para o professor mais 104 relativas ao manual didático São nove capítulos5 e neles são encontradas as seguintes seções fixas Abra a janela Foco na prática Tantas histórias Cápsulas Conexão Enquanto isso e Ideias em fluxo Tomando então os dois livros selecionados para distribuição nas escolas públicas de ensino médio como material empírico propomos neste artigo uma discussão sobre as formas de inserção da arte indígena nos textos didáticos 3 APONTAMENTOS SOBRE AS NORMATIVAS QUE REGULAM O ENSINO DE ARTE Especificamente sobre o ensino do componente curricular Arte consideramos oportuno retomar alguns aspectos legais para traçarmos um pano de fundo sob o qual as artes e as artes dos povos indígenas passam a integrar os currículos de ensino médio Foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971 que incluiu a Arte no currículo escolar porém não como disciplina mas como atividade educativa expressa por meio do nome de Educação Artística Em 1996 a Lei n 9394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional torna a arte um componente curricular obrigatório respeitando as quatro habilitações da área Música Teatro Dança e Artes Visuais BRASIL 1996 No ano 2008 foi instituída a Lei n 11769 que trata da obrigatoriedade do ensino da Música nas escolas de educação básica A Lei estabelece que a música deve ser trabalhada em todos os níveis e não há exigência de formação específica para a docência A dança se torna obrigatória por meio da Lei n 13278 editada em 2016 que altera o 6odo Art 26 da Lei n 9394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação BRASIL 2016 O ensino de Arte conforme as diretrizes curriculares vigentes deve ser desenvolvido especialmente em suas expressões regionais de forma a promover o desenvolvimento cultural dos estudantes e podese dizer que há uma importante valorização das diferenças culturais nessas normativas Da mesma forma os ensinos da história e da cultura afrobrasileira e indígena também passam a ser considerados conteúdos obrigatórios e como afirmamos anteriormente essa inclusão foi também fruto de mobilizações de professores indígenas organizadas nos Estados de Mato Grosso Mato Grosso do Sul Rondônia Roraima e Acre no final da década de 1980 e nos anos iniciais da década seguinte cuja demanda principal era a autonomia de suas escolas mas também reivindicavam que nas escolas dos nãoíndios será corretamente tratada e veiculada a história e cultura dos povos indígenas brasileiros a fim de acabar com os preconceitos e racismo GRUPIONI 1992 p 483 Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a Arte no ensino médio está inserida na área chamada de Linguagens e suas tecnologias outras disciplinas também compõem essa área do conhecimento que são Língua Portuguesa Literatura Língua Materna para Populações Indígenas Língua Estrangeira Moderna e Educação Física A Arte deve ser trabalhada conforme o referido texto legal em suas expressões cênicas plásticas teatrais e musicais As chamadas linguagens da Arte são reforçadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais que sustentam que tal ensino deve contemplar Música Teatro Dança e Artes Visuais no ensino fundamental e as mesmas habilitações para o ensino médio com a inclusão ainda do audiovisual Os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam ainda que frequentemente a Arte é posicionada à margem nos currículos frente a outras disciplinas que são consideradas mais importantes Avaliase assim que o componente curricular tem sido visto como menos importante em razão do desconhecimento em termos pedagógicos do potencial da imagem do som do movimento e da percepção estética como fontes de conhecimento Nos termos do referido documento Observando a nossa história de ensino e aprendizagem de Arte na Escola Média notase um certo descaso de muitos educadores e organizadores escolares principalmente no que se refere à compreensão da Arte como um conhecimento humano sensívelcognitivo voltado para um fazer e apreciar artísticos e estéticos e para uma reflexão sobre sua história e contextos na sociedade humana Isso tem interferido na presença com qualidade da disciplina Arte no mesmo patamar de igualdade com as demais disciplinas da educação escolar BRASIL 2000 p 46 Vale ressaltar que o documento mencionado promove não apenas uma crítica ao modo de abordagem de arte nas escolas mas também uma abertura para o sentido sociocultural dessa abordagem que parece ter favorecido a valorização de várias expressões e formas de arte e nesse sentido também as artes dos povos indígenas embora não mencionadas literalmente Por fim as discussões acerca da Base Nacional Comum Curricular BNCC também impactam o componente curricular Arte A BNCC é um documento de caráter normativo que deverá nortear os currículos e os Projetos PolíticoPedagógicos das escolas e já está disponível e aprovada a Base para a educação infantil e para o ensino fundamental BRASIL 2018 No que concerne ao ensino médio está disponível apenas um documento norteador já sistematizado pelo Conselho Nacional de Educação BRASIL 2018 mas o texto final não estava até a data de produção deste artigo aprovado em sua forma definitiva pelo Conselho Nacional de Educação Quando aprovado será obrigatório e norteará os currículos das escolas desse nível de ensino No primeiro ano letivo subsequente à data da publicação os sistemas de ensino deverão estabelecer um cronograma iniciando o processo de implementação que ocorrerá a partir do segundo ano letivo No documento preliminar do ensino médio disponível para consulta e discussão elencamse inicialmente problemas que comprometem a qualidade da educação oferecida Identificase por exemplo como problemática a organização curricular atualmente dividida em componentes curriculares em excesso além de uma abordagem pedagógica distante das culturas juvenis e do mercado de trabalho O componente curricular Arte está integrado à área de Linguagem e suas tecnologias e tem foco na apreciação e na participação em diversas manifestações artísticas e culturais e no uso criativo das mídias BRASIL 2018 p 417 Investese em um sentido de arte como componente curricular que possibilita o desenvolvimento da autonomia criativa e expressiva dos estudantes por meio da conexão entre racionalidade sensibilidade intuição e ludicidade BRASIL 2018 p 475 Nessa direção afirmase também que com a aprendizagem em Arte As percepções e compreensões do mundo se ampliam no âmbito da sensibilidade e se interconectam em uma perspectiva poética em relação à vida que permite aos sujeitos estar abertos às percepções e experiências mediante a capacidade de imaginar e ressignificar os cotidianos e rotinas BRASIL 2018 p 475 As linguagens da Arte também são respaldadas pois contemplariam aspectos corporais gestuais teatrais visuais espaciais e sonoros na formação dos estudantes Estimulase a organização sistemática de práticas que suscitem a criatividade bem como de planejamentos interdisciplinares capazes de incorporar estudo pesquisa e referências estéticas poéticas sociais culturais e políticas para criar novas relações entre sujeitos e seus modos de olhar para si e para o mundo BRASIL 2018 p 475 Outro aspecto importante destacado na BNCC para o ensino de Arte no ensino médio é a abordagem das diferentes manifestações culturais populares presentes no contexto de vida dos estudantes Sugerese que o ambiente de aprendizagem não se restrinja ao escolar mas incorpore museus centros culturais e espaços de práticas artísticas musicais teatrais do entorno da escola Indagase no entanto se a visitação a esses outros espaços de arte são suficientes para a problematização de parâmetros de validação das práticas artísticas e para a revisão de pressupostos eurocêntricos que servem de referência para definir o que está incluído ou excluído do que chamamos de arte Passamos a seguir à análise de expressões das artes dos povos indígenas nos dois livros didáticos selecionados para o presente estudo buscando problematizar alguns sentidos cristalizados e reproduzidos em discursos didáticos da atualidade 4 SENSO ESTÉTICO PRÁTICO FUNCIONAL PROBLEMATIZANDO DISCURSOS SOBRE ARTES INDÍGENAS BRASILEIRAS Para a análise que se pretende realizar é relevante discutir ainda que brevemente o que vem sendo chamado de arte indígena brasileira com amparo em teorizações procedidas de antropólogos como Vidal 1992 Lagrou 2009 e Ribeiro 1983 Há grande diversidade de expressões e formas de se manifestar artisticamente entre os indígenas que habitam o território brasileiro Sobre isso estudos da arte dos povos indígenas buscam entender o significado e a relevância desta para os membros de uma dada coletividade dentro do contexto mais amplo que lhe constitui e dá sentido VELTHEN 2003 Nessa perspectiva arte indígena comporia junto a outras expressões de uma coletividade aquilo que constitui sua cultura Assim é dentro dos quadros referenciais de cada cultura que um objeto artístico adquire lugar e relevância singular Vale ressaltar que o esforço em nomear e classificar as artes dos povos indígenas deriva de uma necessidade e preocupação de nossa cultura ocidental moderna e de nosso anseio por imprimir ordem Os povos indígenas não investem em uma definição de arte ou num enquadramento de suas produções dentro de critérios da arte ocidental eles não precisam disso para embasar ou validar suas formas de arte Como salienta Nunes 2011 p 146 somos nós que por alguma razão precisamos incluir seus artefatos canções danças e pintura corporal com seu alto grau de elaboração formal e seus significados culturais específicos no nosso universo artístico É preciso reconhecer que os sentidos de arte são variáveis em diferentes contextos tempos culturas e que entre os povos indígenas os sentidos atribuídos aos objetos que denominamos artísticos são distintos daqueles que reconhecemos na atualidade como verdadeiros Aliás a classificação de elementos em campos disciplinares é uma invenção moderna e ocidental e portanto contextual e localizada e não a expressão de categorias de validade universal Conforme Lagrou 2009 p 11 os povos indígenas são povos que não partilham da nossa arte Para a autora a arte ocidental se distingue das artes indígenas por se destinar principalmente à contemplação estética Entretanto o próprio conceito de estética é ambivalente na cultura ocidental e se modifica constantemente Em se tratando de objetos elaborados pelos indígenas conforme Ribeiro 1983 normalmente são entendidos como tendo fins utilitários mas de igual forma são expressões com fins estéticos dimensões que na vida indígena não se separam O autor prossegue argumentando que Assim é porque a característica distintiva da arte é ser mais um modo do que uma coisa mais forma do que conteúdo mais expressão do que entidade Suas criações se apresentam como um conjunto estilizado de modos de fazer certas coisas de contar uns casos de cantar e de dançar O que caracteriza a arte índia entre as artes é este modo generalizado de fazer todas as coisas com uma preocupação primacialmente estética RIBEIRO 1983 p 30 Esse autor explica ainda que a confecção de objetos de uso pelos indígenas tem alto grau de atenção e de busca da perfeição certas criações conformadas pelos índios de acordo com padrões prescritos geralmente para servir a usos práticos mas buscando alcançar a perfeição RIBEIRO 1983 p 29 o que significaria uma associação entre a função efetiva na vida cotidiana e a função estética dos objetos Como argumenta Nunes 2011 Arte não seria assim um campo particular mas expressão que perpassa a produção material de uma coletividade e teria ao mesmo tempo funções estéticas e práticas Em qualquer livro de história da arte brasileira encontraremos um capítulo dedicado à arte indígena Mas a consideração de certos objetos produzidos por culturas que não possuem o conceito de arte da mesma forma como nós o entendemos como arte apresenta variados problemas Para nós arte no sentido mais tradicional é uma atividade ligada à produção de um certo tipo de objetos que têm como principal função a de serem contemplados esta contemplação ocorre preferencialmente em locais separados e específicos distantes das interferências do mundo cotidiano O museu e a galeria são ambientes limpos silenciosos onde as obras de arte podem ser apreciadas da forma que se considera a mais adequada à sua função maior que é a contemplação estética Quando falamos de arte indígena porém ou de artes indígenas termo mais adequado por atentar para a imensa variedade de estilos e manifestações que cabem na definição as coisas são completamente outras Isso porque se a considerarmos em relação ao seu habitat natural os objetos das assim chamadas artes indígenas não funcionam da mesma forma que a arte com que estamos hoje acostumados ou seja a arte ocidental que nasce a partir da experiência europeia NUNES 2011 p 143 Também parece relevante destacar que conforme Lagrou 2009 em culturas nas quais não há distinção entre objetos para serem contemplados e outros para serem utilizados possivelmente não se investe na construção de um conhecimento específico uma teoria da arte em sentido estrito capaz de circunscrever um mundo da arte Entretanto distintas coletividades possivelmente elaboram outros tipos de diferenciação e de classificação dos objetos edificando assim cadeias de sentido que definem o que é relevante e o que merece atenção por parte dos membros daquela etnia ou grupo de pertença É possível afirmar ainda que a inserção de artefatos indígenas no rol daquilo que classificamos como objetos de arte pode estar vinculada a uma tentativa de conferir valor positivo a produções indígenas e nesse caso o enquadramento atestaria a sua qualidade estética Contudo frequentemente os objetos indígenas passam a ser vistos como artísticos depois que são integrados aos nossos modelos de exposição de arte em museus em galerias em exposições instalações etc Por isso Nunes 2011 p 144 argumenta que considerar as artes indígenas como arte sem maiores problematizações é um reducionismo simplista que esconde uma forma de colonização e domínio benevolente Com base nos argumentos apresentados afirmamos que a incorporação de um capítulo ou seção sobre arte indígena em um livro didático de Arte pode por um lado colaborar para tornar visíveis expressões estéticas variadas e por outro lado incorrer em simplificações e generalizações ou em enquadramentos de base eurocêntrica que não contribuem para uma formação crítica dos estudantes em qualquer nível de ensino 5 METODOLOGIA E ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DAS ARTES DOS POVOS INDÍGENAS NOS LIVROS DIDÁTICOS SELECIONADOS A metodologia do presente estudo consistiu em uma análise das representações que focalizou de modo especial as formas de produção propagação e contestação de certas representações de artes dos povos indígenas Representação é um conceito central na presente pesquisa e segundo Hall 1997b ela se produz na relação entre as coisas os conceitos e os signos através da linguagem O significado surge não das coisas em si a realidade mas a partir dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas O que consideramos fatos naturais são portanto também fenômenos discursivos HALL 1997ª p 10 Há muitas formas de conceber a representação a reflexiva para a qual a representação refletiria algo que existe no mundo real a intencional que focaliza o sujeito autônomo e sua intencionalidade ao representar e a construcionista para a qual as formas de nomear e de atribuir sentido constituem as coisas Hall 1997b p 38 adota essa última perspectiva e afirma que uma vez que nós só podemos ter conhecimento das coisas se elas tiverem sentido é o discurso não as coisas por elas mesmas que produz conhecimento Em relação aos procedimentos metodológicos o exame dos livros didáticos nos conduziu à organização de tabelas para a sistematização das recorrências enunciativas Nessas tabelas foram reunidos fragmentos de textos e de imagens constantes nas duas obras e desse procedimento derivaram duas unidades de análise que são apresentadas e discutidas a seguir A primeira diz respeito à reiteração ou contestação de representações de base eurocêntrica e a segunda é concernente à incorporação de uma perspectiva multiculturalista por meio da qual se reforçam alguns discursos naturalizados mas também se contestam outros em especial os estereótipos sobre os povos indígenas 51 REITERAÇÃO OU CONTESTAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES EUROCÊNTRICAS Inicialmente ressaltamos que nos livros didáticos de Arte analisados as expressões artísticas indígenas estão enquadradas dentro das chamadas linguagens da Arte que dizem respeito às artes visuais às artes cênicas música e dança não sendo levadas em consideração as formas como elas são definidas ou classificadas no campo da Antropologia em modalidades como arte plumária cerâmica cestaria entre outras São inseridos nos livros fragmentos de textos e imagens descontextualizadas dentro de quadros de pensamento organizados a partir das referidas linguagens da Arte O caráter não fragmentado das práticas indígenas fica subsumido desse modo em categorias ocidentais de classificação e de enquadramento o que também colabora para a permanência da noção de que seriam simples ou pouco expressivas as artes desses povos Classificar é também uma estratégia de poder e de legitimação do saber Uma importante crítica é formulada pelas antropólogas Aracy Lopes da Silva e Lux Vidal 1998 elas afirmam que muitos livros didáticos inserem informações sobre outras culturas e povos situandoos em uma historiografia de base europeia Observamos pois que de modo geral nas obras didáticas analisadas se constrói uma cronologia baseada em acontecimentos que fazem sentido desde um ponto de vista eurocêntrico conforme destacamos a seguir No livro Por toda Parte há reverências históricas sobre o Brasil e são inseridas duas imagens do Monumento às Bandeiras de Victor Brecheret Tais imagens estão contidas na seção que aborda o tema Lugares para criar e que apresenta diversos espaços que são utilizados pelos artistas para a produção de arte Para exemplificar esse aspecto o livro destaca o ateliê que foi improvisado para que Brecheret produzisse o monumento já referido que levou 17 anos para ser concluído Esse monumento foi inaugurado em 1954 e é constituído por figuras de cavalos e pessoas representações de portugueses negros e indígenas esses últimos trazem cruzes no pescoço e estão puxando uma espécie de barco Essa construção homenageia os colonizadores representando a conquista da terra feita pelos europeus com a ajuda de indígenas e negros Para discutir esse aspecto recorremos ao texto de Martins 1999 p 14 que afirma que o objetivo do monumento às Bandeiras era destacar a força o avanço da massa humana aos sertões às terras desconhecidas como se não fossem também humanos os que habitavam ancestralmente essas terras Além disso as entradas e bandeiras foram expedições financiadas pelo Governo brasileiro iniciandose por São Paulo para capturar indígenas submetêlos à cultura dos colonizadores e assim liberar as terras para empreendimentos de colonização dizimando coletivos inteiros ou tornandoos mão de obra escrava Apesar de o texto do livro não trazer referência explícita aos indígenas pois o foco são os lugares de criação de obras de arte a figura de indígenas integra o monumento colaborando para instituir certos sentidos e certos lugares sociais para esses sujeitos Aliás a figura indígena aparece de forma imponente no referido monumento o que poderia ser visto como elemento positivo mas é posicionada como aquele que aderiu ao projeto colonial que foi cristianizado e que contribui para a propagação de um modelo de integração e desenvolvimento nacional Nesse contexto a figura indígena no monumento e na fotografia do livro didático colabora para estabelecer um sentido de conquista supostamente forjada com o aval e a colaboração dos índios Sobre a construção dos monumentos ligados aos bandeirantes Martins 1999 p 1112 afirma Vetor e produto da ascensão dos paulistas republicanos a construção mítica do bandeirante emergiu desde fins do século XIX numa representação heróica que se prestava a legitimar historicamente a pujança das elites paulistas ligadas aos negócios da cafeicultura e ao governo da própria República e que estivera unida de alguma forma aos momentoschave da nação como início da colonização ou a própria aclamação ao grito do Ipiranga Podese dizer que a ação heroica dos paulistanos e colonizadores contrasta com a dos indígenas e africanos incluídos nessas representações em uma condição servil Grupioni 1992 p 490 também salienta que no período da colonização a figura do índio aparece ligada à do bandeirante que expande o território e resolve o problema da mãodeobra escravizando índios e depois recapturando negros fugidos Dito isso vale ressaltar que uma das poucas ocorrências da palavra indígena no livro Por toda Parte posiciona esses povos a partir de seu passado e está vinculada à catequização conforme o trecho a seguir No Brasil o teatro teve início na época da colonização organizado pelos padres jesuítas Eles usavam as encenações para catequizar os indígenas Nelas misturavam aspectos da vida local com o evangelho e a vida dos santos FERRARI et al 2013 p 226 A inserção desse fragmento ocorre no contexto de discussão dos antecedentes históricos das artes cênicas Conforme Aguiar 2011 nos processos de catequização e cristianização feitos nos primeiros anos da colonização brasileira os padres missionários projetavam um modelo que consideravam adequado para inserir e assim modificar os modos de ser e de pensar dos indígenas E para que ocorressem essas mudanças os corpos indígenas eram submetidos a técnicas de correção e exercícios constantes Dessa forma temse então uma ação que visa transformar e conduzir a potência de vida para uma condição de produtividade orientada não pelo desejo e necessidade do sujeito mas pelo desejo do outro do de fora AGUIAR 2011 p 92 Ainda sobre essa forma de representar os indígenas vinculandoos aos processos de catequização Bonin 2007 afirma que alguns textos teatrais utilizados pelos jesuítas operavam a demonização das crenças indígenas Nestes autos o mau era representado por animais que em geral tinham sentido xamânico para os povos indígenas cobragrande uruburei onça tamanduá Assumindo a forma desses animais o mal se espalharia pela mata penetrando a alma dos homens em rituais de transe e festas pagãs Em muitos desses textos figuravam nomes importantes da cosmologia indígena e líderes de movimentos de resistência à colonização descritos ali como partícipes do reino de Satanás BONIN 2007 p 92 A referência histórica da origem do Teatro no livro didático vinculase assim a um esforço por combater e transformar as práticas dos povos indígenas que não seriam portanto tidas como adequadas ou valorosas É interessante observar em relação ao recorte apresentado no livro que os sujeitos da ação são os jesuítas e não os indígenas estes seriam objetos da ação missionária o que reafirma o sentido de passividade historicamente engendrado em representações sobre esses sujeitos Já no livro Arte em Interação apresentase um box no segundo capítulo dedicado à América PréColombiana O texto inicia da seguinte forma Apesar de estudarmos a história de nosso país somente após a chegada dos portugueses sabemos que muitos povos viviam no Brasil muito antes de isso acontecer O fato de que não possuíam linguagem escrita dificulta os relatos históricos mas resquícios materiais de descobertas arqueológicas nos dão muitas pistas da ocupação do território brasileiro antes de 1500 e de hábitos e costumes de vários povos que aqui viviam BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Desse recorte gostaríamos de salientar em primeiro lugar o reconhecimento de que o evento inicial na cronologia histórica que se registra deste país é a chegada dos portugueses Tratase da legitimação de um olhar eurocêntrico que dá forma ao que é representado e que embora reconheça a existência dos indígenas no território antes da chegada das caravelas portuguesas não reconhece a legitimidade da ocupação indígena afinal não se poderia descobrir uma terra cuja presença humana se considera legítima só se poderia invadila ou conquistála com uso da força O uso da preposição pré seguida do nome do suposto descobridor é um traço visível dessa base cronológica fundamentada em eventos que fizeram e fazem sentido desde uma mirada eurocêntrica Do recorte anterior desejamos discutir ainda uma forma de representação que tem sido recorrente em relação aos povos indígenas e às diferenças em geral qual seja a da falta de algo ou da incompletude O argumento contido no texto didático não possuíam linguagem escrita é exemplar nesse sentido A escrita é para o mundo ocidental moderno um traço icônico e ao marcar o outro com a falta dessa tecnologia marcase uma suposta carência que funciona para limitar suas possibilidades de criação e manutenção das culturas artes ciências etc Sobre a vinculação entre a retórica da falta e a perspectiva eurocêntrica Shohat e Stam 2006 p 2223 explicam Ao fazer o relato dos acontecimentos o discurso eurocêntrico purifica a história ocidental ao passo que trata com condescendência ou mesmo com horror o não ocidental Ele pensa sobre si mesmo com base em suas conquistas mais nobres a ciência o progresso o humanismo e sobre o não ocidental com base em suas deficiências reais ou imaginárias A representação da falta no recorte do livro didático apresentado anteriormente é seguida da afirmação de que resquícios materiais serviriam para entender a forma de ocupação os hábitos e os costumes indígenas Essas afirmações além de representarem os povos indígenas por supostas carências de linguagem escrita nesse caso reforçam a ideia de que são culturas do passado das quais apenas existem ruínas resquícios materiais restos de algo que passou No recorte a seguir extraído do mesmo texto do livro Arte em Interação também se estabelece essa representação Na ilha do Marajó foram encontrados vestígios de uma rica cultura que ocupou a região entre 400 e 1400 BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Sobre essa vinculação entre as culturas tradicionais e os vestígios históricos Bonin e Gomes 2008 p 10 indagam quais significados são produzidos quando fazemos referências a uma civilização destacando suas ruínas Ao que parece o termo ruína é bom para pensarmos nas ricas civilizações que viveram e vivem nessas terras mas ele colabora para o apagamento da atualidade dessas ricas culturas que efetivamente vivem no presente Além do mais o termo ruína parece servir como parâmetro para se estabelecerem comparações entre a cultura material de um povo e outro como se esse fosse um critério confiável e verdadeiro por meio do qual se comprovaria a complexidade do pensamento de uns europeus em relação à simplicidade dos outros ameríndios Contudo nos livros em análise há tentativas de deslocamento de uma visão pretérita da presença indígena Nesse sentido na obra Por toda Parte sugerese que os estudantes construam conhecimentos com a seguinte proposição Pesquise se próximo de onde você mora existe alguma comunidade indígena e como sua população vive e desenvolve sua cultura FERRARI et al 2013 p 158 Também no livro Arte em interação um box intitulado Foco na prática propõe que os estudantes organizem grupos e busquem conhecer as manifestações artísticas atuais dos povos indígenas o que parece indicar uma preocupação em contextualizar e ao mesmo tempo conferir atualidade à presença indígena levando em conta as localidades e especificidades regionais Trazemos a seguir um fragmento desse texto Para conhecer melhor a cultura dos povos indígenas do Brasil você fará uma pesquisa em grupo sobre suas manifestações artísticas atuais Cada grupo será responsável por pesquisar uma nação indígena diferente Para a pesquisa considerem questões como quais as manifestações artísticas atuais dos povos escolhidos A que tradições e costumes estão relacionadas O que ainda há de similar e o que mudou nas manifestações ancestrais dessas culturas e por que isso ocorreu BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Quando Bonin e Gomes 2008 examinaram livros didáticos de história observaram que a maior parte das referências aos indígenas está concentrada nos primeiros séculos da colonização e que há poucas ocorrências no período correspondente ao mundo contemporâneo E eles examinam mais detidamente uma fotografia inserida em uma das obras a única que se localizava no período contemporâneo conforme classificação do livro didático A fotografia é acompanhada de um texto verbal que sugere que muitos povos indígenas teriam sido destruídos e suas culturas teriam sido alteradas pela imposição colonial Na fotografia da década de 1990 apresentase um grupo de homens do povo Kaiapó organizados em semicírculo Eles têm seus corpos pintados de preto cocares na cabeça lanças nas mãos vestem calções vermelhos e calçam sandálias de borracha BONIN GOMES 2008 p 11 Os autores prosseguem afirmando que a fotografia permite ver ao fundo as casas tradicionais dos Kaiapó um grupo de mulheres com corpos ornamentados junto de suas crianças Na legenda da fotografia apresentase a seguinte indagação Quais peças da indumentária dos indígenas acima não são originalmente de sua própria cultura Tomando tal indagação os autores argumentam Mesmo quando as imagens indígenas são contemporâneas elas ilustram um conjunto de informações que fixam os povos indígenas no passado Além disso o convite lançado aos estudantes na legenda reafirma um discurso que entende as culturas indígenas como sendo sempre as mesmas presas a tradições do passado e portanto na medida em que eles transformam suas maneiras de viver e suas práticas agregando a elas elementos de outras culturas como aliás sempre o fizeram o efeito é avaliarmos esse movimento como sinal de perda cultural BONIN GOMES 2008 p 1112 Recuperamos então do recorte do livro Arte em Interação anteriormente apresentado A indagação é O que ainda há de similar e o que mudou nas manifestações ancestrais dessas culturas Podese dizer que também se constrói uma representação das culturas indígenas como estáticas como se devessem corresponder a uma suposta cultura original autêntica verdadeira ancestral A palavra ainda utilizada na indagação remete à noção de que há uma gradativa perda dessa originalidade e leva a pensar que aquilo que não se perdeu gradativamente será perdido Contudo cultura não é substância como afirma Canclini 2007 p 41 cultura abarca o conjunto dos processos sociais de significação sendo que as significações mudam em qualquer grupo social Por isso o autor afirma que a cultura deveria ser pensada mais como processo do que como produto ou seja cultura não é coisa que se ganha ou perde Sob essa conceituação a noção de cultura como acúmulo de conhecimentos e experiências perde a centralidade A cultura passa a ser pensada como processual e portanto dinâmica e aberta a mudanças reformulações contestações hibridações etc O autor afirma a importância de se estudarem nas sociedades contemporâneas a recepção e a apropriação de bens e mensagens bem como a forma como os objetos adquirem novos significados em relações interculturais para evitarmos as armadilhas de pensar cultura como algo fixo natural dado essencial original puro O exemplo apresentado pelo autor é sugestivo Os objetos artesanais costumam produzirse em grupos indígenas ou camponeses circulam por distintas sociedades e são apropriados por setores urbanos turistas brancos nãoindígenas com outros perfis socioculturais que lhes atribuem funções distintas daquelas para as quais se fabricam CANCLINI 2007 p 42 No trânsito tais objetos adquirem distintas significações que não correspondem àquelas que lhes atribui o artesão que os fabrica ou a etnia da qual é procedente Os objetos artesanais por sua vez adquirem significados distintos se forem incorporados à decoração de uma residência ou se forem incluídos em coleções museológicas Podem ser presenteados doados comercializados e isso também configura seus sentidos para aqueles que os adquirem De modo análogo podese dizer que os acontecimentos que envolvem uma comunidade um povo uma nação também são entendidos de maneiras muito variáveis dependendo do lugar em que são narrados registrados reelaborados dos sujeitos envolvidos e das relações de poder que permeiam todo esse processo Assim entendese que os sentidos são construídos e ainda mais são disputados por diferentes segmentos sociais em um mesmo tempo e espaço Os livros didáticos participam nessas lutas por imprimirem certos sentidos e por legitimarem certas maneiras de pensar a arte em geral e as artes dos povos indígenas em particular Para finalizar essa discussão argumentamos com Shohat e Stam 2006 que o eurocentrismo que vemos reafirmado em trechos dos livros didáticos discutidos neste artigo é um resíduo discursivo de séculos de dominação europeia que deram forma à uma cultura comum engendrando um sentimento fictício de superioridade natural dos povos europeus aos que a ele aderiram Para os autores SHOHAT STAM 2006 p 21 O eurocentrismo bifurca o mundo em Ocidente e o resto e organiza a linguagem do diaadia em hierarquias binárias que implicitamente favorecem a Europa nossas nações as tribos deles nossas religiões as superstições deles nossa cultura o folclore deles nossa arte o artesanato deles nossas manifestações os tumultos deles nossa defesa o terrorismo deles Nos livros didáticos de arte analisados uma perspectiva eurocêntrica continua a posicionar a Europa como centro da narrativa sobre arte e essa forma de pensar colabora para definir o lugar da arte indígena como uma arte outra Nos dois livros os eventos selecionados para compor os capítulos são em grande medida sustentados em uma visão eurocêntrica da história da arte Assim mesmo promovendo a inclusão das artes dos povos indígenas ainda se reitera um pensamento binário a respeito do o ocidenteo resto Passamos na seção seguinte a discutir as representações multiculturalistas e as contestações feitas a uma noção genérica de índio nos livros didáticos de Arte 52 PERSPECTIVA MULTICULTURALISTA APELO AO DIVERSO E CAPTURA DAS ARTES DOS OUTROS Examinando os dois livros didáticos articuladamente um aspecto que se sobressai é a abordagem da arte indígena como uma arte outra mas nesta seção destacamos que essa outridade é trazida como parte integrante da diversidade cultural a ser valorizada E o apelo à diversidade se expressa de forma direta ou indireta por meio do discurso multiculturalista A perspectiva multiculturalista pode ser vista como parte de uma engrenagem a partir da qual se governam ou administram problemas gerados em sociedades multiculturais Conforme Hall 2008 o multiculturalismo afirma a diversidade e a pluralidade humanas por meio de um apelo à tolerância Entretanto muitas vezes naturaliza as diferenças o que dificulta as lutas específicas de grupos desfavorecidos pois desconsidera as relações de poder implicadas na classificação do lugar social de cada um Desconsidera ainda a tensão existente entre o reconhecimento da diferença e a realização da igualdade O outro cultural seria assim um problema a ser administrado uma vez que sua presença põe em xeque a própria identidade ou a supremacia das práticas culturais e artísticas selecionadas como válidas Os estudos culturais têm problematizado as perspectivas multiculturalistas a partir das quais se celebra uma suposta diversidade constituinte de nossa natureza humana Esses estudos recolocam a perspectiva da diferença conceito que leva a pensar nos processos de produção classificação hierarquização das culturas e nas relações de poder que definem quem seriam os diferentes No espaço acadêmico são muitas as discussões sobre o multiculturalismo e estas têm mobilizado pesquisadores filiados a diferentes perspectivas teóricas Em um dos livros analisados um sentido de unidade por meio da mescla de diferentes matrizes na formação cultural brasileira explicitase no seguinte recorte No Brasil há uma mistura de várias culturas com identidades diferentes Com o processo de colonização buscouse impor a arte e a cultura de origem europeia Isso não impediu a manutenção de outras culturas ancestrais como a indígena e a africana que estão enraizadas em nossa formação cultural BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 58 Apesar de os autores iniciarem criticando a imposição da cultura e da arte europeia reafirmam a ideia da mistura noção que reativa uma representação de unidade formada por partes que se somam e se mesclam formando uma cultura nacional Nesse sentido as culturas dos outros povos são vistas como unidades menores subjugadas a uma totalidade maior A submissão das culturas indígenas e afrobrasileiras a uma cultura modelar ocorre a partir de sua qualificação como ancestrais e enraizadas em nossa formação cultural Desse modo cultura e arte indígena se convertem em raízes ancestrais o que pode impossibilitar pensar nelas como expressões atuais recriadas pelos povos indígenas que compõem nosso País sem necessária vinculação a uma cultura comum Hall 2008 afirma que a invenção dessa totalidade correspondente a uma identidade nacional acontece por diferentes estratégias e seria constituidora de uma ideia de nação miscigenada O uso da noção de miscigenação parece ser comum em discursos multiculturalistas que desse modo tornam visível a diversidade mas também mantêm assimetrias culturais As culturas indígenas figuram como matrizes na formação da sociedade brasileira em diversas produções contemporâneas e são fortemente marcadas como parte de um passado comum e não de um presente comum Em um dos livros didáticos há um box chamado América PréColombiana que informa que a cerâmica seria utilizada muito antes da chegada dos portugueses pelos povos indígenas e teria sido transmitida de geração em geração na mistura entre povos que ocuparam o Brasil BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Naturalizase também nesse livro didático a representação do povo brasileiro originado na mistura entre distintas etnias por atributos culturais de diferentes matrizes justapostas algo que conforme afirma Bernd 1992 p 14 circunscreve a realidade a um único quadro de referências A construção de uma identidade brasileira se dá na literatura e também na literatura didática inicialmente por mecanismos de exclusão que a autora caracteriza como a ocultação ou invenção do outro e de transgressão caracterizada por ações como o resgate dos discursos dos excluídos A autora lembra que as identidades tanto quanto as diferenças precisam ser narradas uma coletividade ou um indivíduo se definiria portanto através das histórias que ela narra a si mesma sobre si mesma e dessas narrativas poderseia extrair a própria essência da sua definição BERND 1992 p 17 A ideia de diversidade ganha expressão em muitos materiais que vemos circular nas escolas hoje assim como em manuais em diretrizes curriculares em pronunciamentos de especialistas da Educação em produções didáticas entre outras Muitos discursos em prol da diversidade não permitem a crítica sobre as condições a partir das quais se define quem seria diferente e também não problematizam as assimetrias nas relações entre os indígenas e a sociedade envolvente Nesse sentido Bauman 2003 afirma que o multiculturalismo promove uma naturalização de aspectos que são disputados no âmbito da cultura Sob a rubrica da igualdade muitas vezes se desconsideram as condições particulares implicadas nas desiguais formas de distribuição dos recursos Em tal perspectiva existiriam formas presumivelmente naturais de ser e dada a diversidade das sociedades teríamos que aprender a conviver e a tolerar as distintas maneiras de ser de pensar e de viver Para o referido autor o sucesso dos discursos multiculturalistas se deve ao desengajamento produzido em uma racionalidade neoliberal e ao excesso de ofertas de mercadorias de imagens de mensagens que nos transformam em sujeitos de escolhas consumidores de serviços e não em sujeitos de direitos Na perspectiva dos estudos culturais existem múltiplas culturas o que indica haver disputas acerca de significados e distintos investimentos na produção de identidades Não se trata apenas de diferentes práticas culturais ligadas a distintas etnias mas de culturas marcadas por diferentes pertencimentos culturas surdas culturas juvenis culturas infantis culturas laborais entre outras Mais uma vez insistimos que as diferenças são constituídas no âmbito da cultura e estabelecidas em relações de poder e assim devem ser abordadas com todas as tensões que decorrem dessa abordagem Alguns estereótipos se mantêm nos livros analisados nesse texto construindo significados para os povos indígenas mas também há um esforço em problematizar representações que empobrecem e desqualificam as culturas indígenas No livro Arte em Interação contestase e deslocase a visão genérica de índio em trechos como Mas apesar dessa forte presença muitos brasileiros desconhecem essas culturas ou as veem somente de um jeito estereotipado BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 58 Em outro recorte se afirma que uma visão europeia a visão dos colonizadores de mundo e da sociedade fezse dominante o que faz com que ainda hoje haja um grande desconhecimento dessas culturas ancestrais das quais somos herdeiros As culturas indígenas no Brasil por mais que se encontrem dentro do território em que vivemos ainda são vistas por muitas pessoas com olhar estereotipado e equivocado De um modo geral não se conhecem seus modos de vida visão de mundo as semelhanças e diferenças entre seus povos Há inclusive uma tendência de se entender os indígenas todos da mesma maneira Dizse o índio no singular sem diferenciar as centenas de povos indígenas que vivem no território brasileiro BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 59 Na sequência do livro didático explicamse os contextos de uso dos termos índio e indígena relacionandoos com outros termos como autóctone e nativo Várias estratégias vão sendo utilizadas para pluralizar o sentido do termo indígena Uma delas é a inserção de dados estatísticos que permitem entender quantos são quantas etnias existem e quantas línguas são faladas No box Cápsulas inserido na mesma página do livro apresentamse dados extraídos de sites de organizações não governamentais e dados do IBGE sobre a presença indígena no País Uma outra estratégia utilizada para deslocar e contestar o sentido genérico do termo índio nos livros analisados é a inserção de exemplos relativos às práticas culturais dos povos indígenas Destacamos aqui os exemplos contextualizados na cultura e arte de um povo indígena específico Nesse sentido entre as páginas 60 e 61 BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 são inseridas fotografias do povo Karajá em distintas situações cotidianas Junto a elas são colocadas questões para orientar o olhar O que caracteriza cada uma das imagens Procure observar os lugares gestos e posturas Que relações você vê entre elas Quais elementos possuem em comum Que materiais você identifica Quais seus usos e relações entre as imagens BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 61 Após esse diálogo direto com o leitor o texto prossegue explicando que o povo Karajá se autodenomina Iny que significa nós sendo Karajá um nome adotado em Língua Portuguesa originado do Tupi O texto explica que esse povo vive em seus territórios tradicionais em uma extensa faixa do Rio Araguaia na Ilha do Bananal e que os Karajá estão presentes nos Estados de Tocantins Goiás e Mato Grosso Há breves informações sobre os mitos desse povo e sua relação com a arte São destacados elementos artísticos que o leitor também pode observar nas fotografias as pinturas corporais a arte plumária entre outros elementos Há informações sobre o processo de produção da cerâmica e das tintas utilizadas para colorir esses objetos e para produzir pinturas corporais Argumentamos pois que o texto expressa um sentido mais abrangente de arte que estaria presente em várias instâncias da vida indígena e discute inclusive padrões e abstração em pinturas corporais de povos como os Karajá e os Munduruku do Alto Tapajós O livro Por toda Parte também faz referência às pinturas corporais dos indígenas Contudo não há a intenção de deslocamento do sentido genérico de índio Na página 157 do referido livro inserese a fotografia de parte do corpo de um homem no qual se expõe uma delicada e densa pintura corporal O texto verbal salienta que as pinturas corporais expressam entendimentos sobre a beleza Essa afirmação é sustentada em uma citação de Ribeiro 1983 apud FERRARI et al 2013 p 157 os indígenas têm uma necessidade de beleza e por essa razão criam adornos de plumas enfeitam seus corpos com pinturas e outros elementos e assim criam a arte indígena Vale ressaltar que adornos corporais incluindo as pinturas são distintos entre povos e também entre clãsfamíliasparcialidades de um mesmo povo e esses aspectos não são mencionados no livro didático Contudo embora não haja referência ao sujeito e ao povo ao qual pertence aquela pintura corporal o livro expande de certo modo o sentido quando afirma que As concepções de beleza e arte estão relacionadas às particularidades culturais de cada nação ou etnia indígena FERRARI et al 2013 p 157 6 PALAVRAS FINAIS Finalizamos o presente texto destacando com Silva e Vidal 1998 que a cultura ocidental cria muitas vezes visões estanques das sociedades indígenas mas a arte para os índios é movimento dinamismo expressão de uma experiência coletiva A análise de artefatos escolares como os livros didáticos é parte de um esforço feito para colocar em movimento visões estanques e para imprimir dinamismo às representações permitindo que alguns referentes sejam problematizados Como permitir que o currículo esteja comprometido com a produção de um pensar que desafie estereótipos e que não esteja capturado pelo pensamento disciplinar Com Paraíso 2010 p 589 podemos dizer que um currículo também não está nunca definitivamente formado Precisamos então rachar os extratos rachar os currículos existentes em seu meio para ver a diferença fazer o seu trabalho Assim parece urgente investirmos em um currículo que se parte e parte os universais as naturalizações as certezas as verdades os procedimentos padronizados os programas estabelecidos os percursos previamente definidos para permitir que prolifere a diferença Investir em um currículo permanentemente aberto a novos acréscimos no qual se possam promover efetivas e produtivas aberturas para podermos apreciar as artes dos povos indígenas com os singulares sentidos que elas podem ter Um currículo assim aberto e receptivo bem pode expandir nossas possibilidades imaginativas e nossas experiências estéticas
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Link vidio para responder A e B httpsyoutubeqFZkisr6ws Leitura para responder o exercício SEÇÃO TEMÁTICA EDUCAÇÃO E DIFERENÇA DIÁLOGO E PERSPECTIVAS Resumo Este artigo discute formas de representação das práticas artísticas dos povos indígenas em dois livros didáticos de Arte para o ensino médio selecionados para distribuição em escolas públicas por meio do Programa Nacional do Livro Didático de 2015 Sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais em Educação que orienta o presente estudo livros didáticos são vistos como artefatos que constituem e propagam conhecimentos e também promovem uma regulação na cultura à medida que incluem ou excluem aspectos e práticas nesse caso dos povos indígenas A análise mostra que arte indígena é um conceito em disputa sendo flexionada ora por concepções eurocêntricas ora por discursos multiculturalistas quando integrada aos livros didáticos Palavraschave Arte indígena Livro didático Ensino de Arte 1 PALAVRAS INICIAIS Na cena pedagógica contemporânea os discursos em prol das diferenças adquirem relevância mobilizados por um lado pela dissolução de ideais de homogeneização cultural e de fixação de determinadas identidades referenciais e por outro lado por processos de globalização intensificados nas últimas décadas que ampliaram sensivelmente o trânsito de pessoas de produtos de mensagens de tecnologias Dentro desse panorama mais geral a diferença adquire notoriedade e passa a figurar mais explicitamente em produções culturais da atualidade o que amplia também as possibilidades de abordagem em materiais que circulam nas escolas Em parte isso se deve à ação política de movimentos sociais indígenas e indigenistas e às suas reivindicações específicas voltadas para uma radical transformação nas formas de nomear caracterizar representar e posicionar socialmente os povos indígenas em livros didáticos livros de literatura animações filmes programas de TV peças publicitárias entre outros artefatos No que concerne aos currículos escolares uma intensa disputa se trava marcada por novas exigências legais a exemplo da Lei n 116452008 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n 93941996 de modo a contemplar uma antiga reivindicação dos movimentos negros e indígenas O texto da LDB passa a vigorar com o seguinte teor Art 26A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio públicos e privados tornase obrigatório o estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos tais como o estudo da história da África e dos africanos a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional resgatando as suas contribuições nas áreas social econômica e política pertinentes à história do Brasil 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afrobrasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras BRASIL 2008 A promulgação dessa Lei produz importantes efeitos tanto nas propostas curriculares quanto na produção de materiais didáticos em especial para as áreas textualmente referidas Arte Literatura História Podemos observar uma mudança sutil também nos currículos dos cursos de licenciatura conduzidos por diferentes instituições de ensino superior no País Em algumas delas conforme Silva 2015 vem sendo incluída uma cadeira nomeada por Educação Indígena de modo a contemplar a exigência legal mas o autor argumenta que não se trata de educação indígena algo que concerne às práticas educativas dos povos indígenas senão de ensino da temática indígena Com relação aos artefatos escolares a Lei n 116452008 impacta diretamente os critérios de seleção de obras didáticas especialmente aquelas que são selecionadas para distribuição para escolas brasileiras com uso de recursos públicos Mas é preciso reconhecer que a abordagem da história cultura arte indígena por si só não garante que se ampliarão os espaços de discussão sobre os atuais problemas vivenciados por esses povos tampouco assegura uma abordagem qualificada especialmente porque sem uma formação docente condizente com a atual demanda e sem que se expandam as redes de informação nas quais se produzem e se divulgam as histórias culturas nas artes indígenas possivelmente serão mantidas as perspectivas eurocêntricas e pontos de vista estereotipados que permeiam discursos escolares Considerando que é central promovermos uma transformação nos modos de pensar e dar sentido às coisas e aos sujeitos que nos rodeiam neste artigo são analisadas representações das práticas artísticas dos povos indígenas em dois livros didáticos de Arte do ensino médio Por toda Parte dos autores Pascoal Ferrari Solange Utuari Daniela Libâneo e Fábio Sardo publicado em 2013 pela editora FTD e Arte em Interação escrito por Hugo Luiz Barbosa Bozzano Perla Frenda e Tatiane Cristina Gusmão publicado pela editora paulista IBEP no ano de 2013 O principal critério de escolha dos dois livros mencionados foi sua ampla distribuição em escolas públicas de ensino médio feita com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE pois ambos foram selecionados por meio do Programa Nacional do Livro Didático PNLD3 no ano 2015 Vale ressaltar que este foi o primeiro Edital do PNLD a contemplar o ensino de Arte sendo os referidos livros aprovados e distribuídos nos anos 2016 e 2017 para as escolas públicas brasileiras respeitandose a escolha de cada instituição sobre qual entre os dois livros seria adotado Sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais em Educação que orienta este estudo livros didáticos são vistos como artefatos que constituem e propagam conhecimentos e também promovem uma regulação na cultura à medida que incluem ou excluem tópicos de conteúdo e desse modo estabelecem o que seria adequado ensinar e aprender Os livros didáticos integram e colaboram para conformar propostas curriculares e por isso se justifica uma detida análise das representações que neles se constituem e se propagam Conforme salienta Paraíso 2010 p 588 o currículo é um território de multiplicidades de todos os tipos de disseminação de saberes diversos de encontros variados de composições caóticas de disseminações perigosas de contágios incontroláveis de acontecimentos insuspeitados Os currículos relativos ao ensino de Arte também são múltiplos e neles se expressam entendimentos em disputa nunca definitivamente estabelecidos sobre o que integraria efetivamente o artístico povoado por um conjunto seleto de práticas tomadas como relevantes centrais indispensáveis para o desenvolvimento do senso artístico e estético nas novas gerações Currículos disseminam saberes constituem pontos de vista sobre as expressões culturais de grupos sociais distintos produzem seleções interessadas do que sob determinado prisma conta como a verdadeira arte que deve ser ensinada nas escolas Concordamos com Santomé 2009 quando afirma que algumas culturas são silenciadas nos currículos pois os currículos são constituídos a partir de relações de poder que definem o que é considerado socialmente relevante para integrálos Assim quando se rompe o silenciamento e se estabelece a necessária inserção das artes indígenas nos currículos também se busca circunscrever e definir as regas do dizer e do pensar do transitar e do encontrar não é qualquer arte nem qualquer prática que se inscreve então como elemento artístico Como afirma Silva 2009 as narrativas contidas no currículo em textos e imagens validam os conhecimentos que se deseja propagar definem quais formas de conhecer e de se expressar têm prioridade estabelecem o que é belo e o que é feio e poderíamos acrescentar colaboram para o reconhecimento por parte dos sujeitos do que éo que não é arte do que seria integrante de nosso senso artístico com o qual nos identificamos discursos dos quais nos tornamos sujeitos e o que seria o senso artístico dos outros Por isso o currículo é muito mais que uma questão cognitiva é muito mais que construção do conhecimento no sentido psicológico O currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos SILVA 2009 p 196 Discorrendo sobre conhecimento escolar e currículo Moreira e Candau 2007 p 23 argumentam que Ao observarmos com cuidado os livros didáticos podemos verificar que eles não costumam incluir entre os conteúdos selecionados os debates as discordâncias os processos de revisão e de questionamento que marcam os conhecimentos e os saberes em muitos de seus contextos originais Nesse sentido vale a pena indagar em que medida os livros didáticos de arte selecionados para este estudo incorporam práticas plurais dos povos indígenas ainda que as formas de expressão e seus sentidos de arte no contexto cultural de cada etnia confrontem ou contrastem com aqueles que orientam de modo geral o pensamento sobre o que seja ou não arte no mundo ocidental contemporâneo São abundantes os estudos acadêmicos feitos há décadas especialmente nos campos da Antropologia e da Educação que focalizam as formas de representação da vida e das culturas indígenas em livros didáticos Costa 1994 Oliveira 2001 Paes 2008 Bonin e Gomes 2008 Aguiar 2011 e Bonin 2010 são autores que vêm se ocupando desse tema e têm demostrado como se propaga uma visão genérica da vida indígena alicerçada em versões eurocêntricas que operam a conversão de ricas e complexas culturas em meros adendos ou estranhos contrapontos a uma cultura modelar Silva 2015 afirma que um dos mais importantes desafios ao abordar a temática indígena na escola é escapar às imagens exóticas e folclorizadas que se constituem em textos didáticos literários midiáticos Para o autor uma das concepções mais arraigadas ao pensamento pedagógico sobre os índios no Brasil é a noção de que eles supostamente possuem relações intrínsecas com a floresta o campo o mundo rural Contudo os dados estatísticos do Censo IBGE 2010 afirmam a existência de cerca de 40 dos índios vivendo em espaços urbanizados seja porque migraram para cidades de pequeno médio e grande portes por razões pessoais seja porque as cidades avançaram sobre seus territórios dado que confronta a visão mais generalizada de índios vivendo reclusos em ambientes rurais Acrescentaríamos como um outro importante desafio o de produzir disposição política em gestores professores alunos autores de obras didáticas editores para conhecer para além de poucos traços simplificados as singularidades desses mais de 340 povos indígenas que vivem em condições socioculturais bastante diversas na atualidade brasileira e que utilizam cerca de 240 línguas diferentes para a comunicação BONIN RIPOLL AGUIAR 2015 Problematizar representações sobre os povos indígenas propagadas e naturalizadas em discursos didáticos é uma das preocupações de pesquisadores atentos a essa temática que muitas vezes tomam livros didáticos como artefatos para análise por serem eles os mais comuns nas salas de aula além de representarem um tipo de saber especializado validado por instâncias governamentais e no caso dos que estão sendo analisados neste estudo com edições financiadas com recursos públicos para distribuição em escolas das redes municipais e estaduais 2 LIVROS DIDÁTICOS ARTEFATOS ÚTEIS PARA A ANÁLISE DE DISCURSOS ESCOLARES A produção e distribuição de livros didáticos se consolida no Brasil ao longo do século XX e hoje dispõe de larga tradição bem como de alentado número de estudos e pesquisas acadêmicas voltados tanto para aspectos históricos quanto para as transformações nos modos de produção circulação e consumo desses materiais Contudo para o ensino de Arte não tem sido comum a produção de livros didáticos e tal inciativa tem gerado intensos debates Por um lado afirmase a necessidade de sistematização de conhecimentos sobre as artes que deveriam ser trabalhados na educação básica salientase a urgência em promover ajustes ao que se define como conteúdo mínimo para o componente curricular Arte em normativas oficiais e ainda destacase a necessidade de produção de materiais que possam estimular o interesse pelo que chamamos artístico Por outro lado contestase a premissa de padronização do ensino de Arte ou a seleção prévia de determinados conhecimentos uma vez que existem diretrizes para essa disciplina e a publicação de livros didáticos poderia restringir o potencial de criação e de invenção nesse campo disciplinar No Brasil o edital do PNLD de 2015 que previa a seleção de obras para o ensino médio incluiu pela primeira vez o componente curricular Arte conforme já afirmamos O referido edital convocou editores a inscreverem obras didáticas para o ensino de Arte desde que estas fossem organizadas em volumes únicos com uma proposta pedagógica integrada e progressão didática articulada ao currículo dos três anos do ensino médio Sobre a temática indígena o Edital salientava a observância de princípios éticos na sua abordagem como forma de contribuir para a construção da cidadania e de bases solidárias para o convívio social Vedavase explicitamente a presença de estereótipos ou preconceitos ligados a questões socioeconômicas regionais étnicoraciais de gênero de orientação sexual idade linguagem Tais aspectos seriam avaliados ao longo do processo de seleção das obras tanto no que concerne aos textos verbais quanto no tocante às ilustrações figuras gráficos e outros elementos visuais FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO 2015 Sobre a escolha das obras por parte das escolas o edital previa que elas deveriam firmar inicialmente o Termo de Adesão ao Programa respeitando o indicado na Resolução CDFNDE n 42 de 28 de agosto de 2012 Por meio deste e de outros procedimentos obras didáticas aprovadas no PNLD de 2015 puderam ser indicadas pelas escolas participantes e essa escolha deveriam envolver corpo docente e gestores No caso do componente curricular Arte as duas obras Por Toda parte e Arte em Interação foram aprovadas em 2015 e feita a escolha por parte da escola o Ministério da Educação distribuiu um número de exemplares correspondente ao de alunos matriculados Quanto à estruturação dos livros didáticos de Arte que discutimos neste artigo observamos que Por toda Parte possui ao todo 304 páginas e tem o texto organizado em seis capítulos4 divididos em temas Cada capítulo contém seções fixas assim intituladas Detalhes Giro de Ideais Projeto Experimental Conexões Conversa com algum artista Resgatando o que você aprendeu e Expedição cultural nas páginas finais do exemplar do professor No exemplar do docente apresentase uma seção chamada Diálogo com o Professor contendo 112 páginas que assume a forma de manual didático Já a obra Arte em Interação possui 400 páginas sendo acrescentadas na versão para o professor mais 104 relativas ao manual didático São nove capítulos5 e neles são encontradas as seguintes seções fixas Abra a janela Foco na prática Tantas histórias Cápsulas Conexão Enquanto isso e Ideias em fluxo Tomando então os dois livros selecionados para distribuição nas escolas públicas de ensino médio como material empírico propomos neste artigo uma discussão sobre as formas de inserção da arte indígena nos textos didáticos 3 APONTAMENTOS SOBRE AS NORMATIVAS QUE REGULAM O ENSINO DE ARTE Especificamente sobre o ensino do componente curricular Arte consideramos oportuno retomar alguns aspectos legais para traçarmos um pano de fundo sob o qual as artes e as artes dos povos indígenas passam a integrar os currículos de ensino médio Foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971 que incluiu a Arte no currículo escolar porém não como disciplina mas como atividade educativa expressa por meio do nome de Educação Artística Em 1996 a Lei n 9394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional torna a arte um componente curricular obrigatório respeitando as quatro habilitações da área Música Teatro Dança e Artes Visuais BRASIL 1996 No ano 2008 foi instituída a Lei n 11769 que trata da obrigatoriedade do ensino da Música nas escolas de educação básica A Lei estabelece que a música deve ser trabalhada em todos os níveis e não há exigência de formação específica para a docência A dança se torna obrigatória por meio da Lei n 13278 editada em 2016 que altera o 6odo Art 26 da Lei n 9394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação BRASIL 2016 O ensino de Arte conforme as diretrizes curriculares vigentes deve ser desenvolvido especialmente em suas expressões regionais de forma a promover o desenvolvimento cultural dos estudantes e podese dizer que há uma importante valorização das diferenças culturais nessas normativas Da mesma forma os ensinos da história e da cultura afrobrasileira e indígena também passam a ser considerados conteúdos obrigatórios e como afirmamos anteriormente essa inclusão foi também fruto de mobilizações de professores indígenas organizadas nos Estados de Mato Grosso Mato Grosso do Sul Rondônia Roraima e Acre no final da década de 1980 e nos anos iniciais da década seguinte cuja demanda principal era a autonomia de suas escolas mas também reivindicavam que nas escolas dos nãoíndios será corretamente tratada e veiculada a história e cultura dos povos indígenas brasileiros a fim de acabar com os preconceitos e racismo GRUPIONI 1992 p 483 Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a Arte no ensino médio está inserida na área chamada de Linguagens e suas tecnologias outras disciplinas também compõem essa área do conhecimento que são Língua Portuguesa Literatura Língua Materna para Populações Indígenas Língua Estrangeira Moderna e Educação Física A Arte deve ser trabalhada conforme o referido texto legal em suas expressões cênicas plásticas teatrais e musicais As chamadas linguagens da Arte são reforçadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais que sustentam que tal ensino deve contemplar Música Teatro Dança e Artes Visuais no ensino fundamental e as mesmas habilitações para o ensino médio com a inclusão ainda do audiovisual Os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam ainda que frequentemente a Arte é posicionada à margem nos currículos frente a outras disciplinas que são consideradas mais importantes Avaliase assim que o componente curricular tem sido visto como menos importante em razão do desconhecimento em termos pedagógicos do potencial da imagem do som do movimento e da percepção estética como fontes de conhecimento Nos termos do referido documento Observando a nossa história de ensino e aprendizagem de Arte na Escola Média notase um certo descaso de muitos educadores e organizadores escolares principalmente no que se refere à compreensão da Arte como um conhecimento humano sensívelcognitivo voltado para um fazer e apreciar artísticos e estéticos e para uma reflexão sobre sua história e contextos na sociedade humana Isso tem interferido na presença com qualidade da disciplina Arte no mesmo patamar de igualdade com as demais disciplinas da educação escolar BRASIL 2000 p 46 Vale ressaltar que o documento mencionado promove não apenas uma crítica ao modo de abordagem de arte nas escolas mas também uma abertura para o sentido sociocultural dessa abordagem que parece ter favorecido a valorização de várias expressões e formas de arte e nesse sentido também as artes dos povos indígenas embora não mencionadas literalmente Por fim as discussões acerca da Base Nacional Comum Curricular BNCC também impactam o componente curricular Arte A BNCC é um documento de caráter normativo que deverá nortear os currículos e os Projetos PolíticoPedagógicos das escolas e já está disponível e aprovada a Base para a educação infantil e para o ensino fundamental BRASIL 2018 No que concerne ao ensino médio está disponível apenas um documento norteador já sistematizado pelo Conselho Nacional de Educação BRASIL 2018 mas o texto final não estava até a data de produção deste artigo aprovado em sua forma definitiva pelo Conselho Nacional de Educação Quando aprovado será obrigatório e norteará os currículos das escolas desse nível de ensino No primeiro ano letivo subsequente à data da publicação os sistemas de ensino deverão estabelecer um cronograma iniciando o processo de implementação que ocorrerá a partir do segundo ano letivo No documento preliminar do ensino médio disponível para consulta e discussão elencamse inicialmente problemas que comprometem a qualidade da educação oferecida Identificase por exemplo como problemática a organização curricular atualmente dividida em componentes curriculares em excesso além de uma abordagem pedagógica distante das culturas juvenis e do mercado de trabalho O componente curricular Arte está integrado à área de Linguagem e suas tecnologias e tem foco na apreciação e na participação em diversas manifestações artísticas e culturais e no uso criativo das mídias BRASIL 2018 p 417 Investese em um sentido de arte como componente curricular que possibilita o desenvolvimento da autonomia criativa e expressiva dos estudantes por meio da conexão entre racionalidade sensibilidade intuição e ludicidade BRASIL 2018 p 475 Nessa direção afirmase também que com a aprendizagem em Arte As percepções e compreensões do mundo se ampliam no âmbito da sensibilidade e se interconectam em uma perspectiva poética em relação à vida que permite aos sujeitos estar abertos às percepções e experiências mediante a capacidade de imaginar e ressignificar os cotidianos e rotinas BRASIL 2018 p 475 As linguagens da Arte também são respaldadas pois contemplariam aspectos corporais gestuais teatrais visuais espaciais e sonoros na formação dos estudantes Estimulase a organização sistemática de práticas que suscitem a criatividade bem como de planejamentos interdisciplinares capazes de incorporar estudo pesquisa e referências estéticas poéticas sociais culturais e políticas para criar novas relações entre sujeitos e seus modos de olhar para si e para o mundo BRASIL 2018 p 475 Outro aspecto importante destacado na BNCC para o ensino de Arte no ensino médio é a abordagem das diferentes manifestações culturais populares presentes no contexto de vida dos estudantes Sugerese que o ambiente de aprendizagem não se restrinja ao escolar mas incorpore museus centros culturais e espaços de práticas artísticas musicais teatrais do entorno da escola Indagase no entanto se a visitação a esses outros espaços de arte são suficientes para a problematização de parâmetros de validação das práticas artísticas e para a revisão de pressupostos eurocêntricos que servem de referência para definir o que está incluído ou excluído do que chamamos de arte Passamos a seguir à análise de expressões das artes dos povos indígenas nos dois livros didáticos selecionados para o presente estudo buscando problematizar alguns sentidos cristalizados e reproduzidos em discursos didáticos da atualidade 4 SENSO ESTÉTICO PRÁTICO FUNCIONAL PROBLEMATIZANDO DISCURSOS SOBRE ARTES INDÍGENAS BRASILEIRAS Para a análise que se pretende realizar é relevante discutir ainda que brevemente o que vem sendo chamado de arte indígena brasileira com amparo em teorizações procedidas de antropólogos como Vidal 1992 Lagrou 2009 e Ribeiro 1983 Há grande diversidade de expressões e formas de se manifestar artisticamente entre os indígenas que habitam o território brasileiro Sobre isso estudos da arte dos povos indígenas buscam entender o significado e a relevância desta para os membros de uma dada coletividade dentro do contexto mais amplo que lhe constitui e dá sentido VELTHEN 2003 Nessa perspectiva arte indígena comporia junto a outras expressões de uma coletividade aquilo que constitui sua cultura Assim é dentro dos quadros referenciais de cada cultura que um objeto artístico adquire lugar e relevância singular Vale ressaltar que o esforço em nomear e classificar as artes dos povos indígenas deriva de uma necessidade e preocupação de nossa cultura ocidental moderna e de nosso anseio por imprimir ordem Os povos indígenas não investem em uma definição de arte ou num enquadramento de suas produções dentro de critérios da arte ocidental eles não precisam disso para embasar ou validar suas formas de arte Como salienta Nunes 2011 p 146 somos nós que por alguma razão precisamos incluir seus artefatos canções danças e pintura corporal com seu alto grau de elaboração formal e seus significados culturais específicos no nosso universo artístico É preciso reconhecer que os sentidos de arte são variáveis em diferentes contextos tempos culturas e que entre os povos indígenas os sentidos atribuídos aos objetos que denominamos artísticos são distintos daqueles que reconhecemos na atualidade como verdadeiros Aliás a classificação de elementos em campos disciplinares é uma invenção moderna e ocidental e portanto contextual e localizada e não a expressão de categorias de validade universal Conforme Lagrou 2009 p 11 os povos indígenas são povos que não partilham da nossa arte Para a autora a arte ocidental se distingue das artes indígenas por se destinar principalmente à contemplação estética Entretanto o próprio conceito de estética é ambivalente na cultura ocidental e se modifica constantemente Em se tratando de objetos elaborados pelos indígenas conforme Ribeiro 1983 normalmente são entendidos como tendo fins utilitários mas de igual forma são expressões com fins estéticos dimensões que na vida indígena não se separam O autor prossegue argumentando que Assim é porque a característica distintiva da arte é ser mais um modo do que uma coisa mais forma do que conteúdo mais expressão do que entidade Suas criações se apresentam como um conjunto estilizado de modos de fazer certas coisas de contar uns casos de cantar e de dançar O que caracteriza a arte índia entre as artes é este modo generalizado de fazer todas as coisas com uma preocupação primacialmente estética RIBEIRO 1983 p 30 Esse autor explica ainda que a confecção de objetos de uso pelos indígenas tem alto grau de atenção e de busca da perfeição certas criações conformadas pelos índios de acordo com padrões prescritos geralmente para servir a usos práticos mas buscando alcançar a perfeição RIBEIRO 1983 p 29 o que significaria uma associação entre a função efetiva na vida cotidiana e a função estética dos objetos Como argumenta Nunes 2011 Arte não seria assim um campo particular mas expressão que perpassa a produção material de uma coletividade e teria ao mesmo tempo funções estéticas e práticas Em qualquer livro de história da arte brasileira encontraremos um capítulo dedicado à arte indígena Mas a consideração de certos objetos produzidos por culturas que não possuem o conceito de arte da mesma forma como nós o entendemos como arte apresenta variados problemas Para nós arte no sentido mais tradicional é uma atividade ligada à produção de um certo tipo de objetos que têm como principal função a de serem contemplados esta contemplação ocorre preferencialmente em locais separados e específicos distantes das interferências do mundo cotidiano O museu e a galeria são ambientes limpos silenciosos onde as obras de arte podem ser apreciadas da forma que se considera a mais adequada à sua função maior que é a contemplação estética Quando falamos de arte indígena porém ou de artes indígenas termo mais adequado por atentar para a imensa variedade de estilos e manifestações que cabem na definição as coisas são completamente outras Isso porque se a considerarmos em relação ao seu habitat natural os objetos das assim chamadas artes indígenas não funcionam da mesma forma que a arte com que estamos hoje acostumados ou seja a arte ocidental que nasce a partir da experiência europeia NUNES 2011 p 143 Também parece relevante destacar que conforme Lagrou 2009 em culturas nas quais não há distinção entre objetos para serem contemplados e outros para serem utilizados possivelmente não se investe na construção de um conhecimento específico uma teoria da arte em sentido estrito capaz de circunscrever um mundo da arte Entretanto distintas coletividades possivelmente elaboram outros tipos de diferenciação e de classificação dos objetos edificando assim cadeias de sentido que definem o que é relevante e o que merece atenção por parte dos membros daquela etnia ou grupo de pertença É possível afirmar ainda que a inserção de artefatos indígenas no rol daquilo que classificamos como objetos de arte pode estar vinculada a uma tentativa de conferir valor positivo a produções indígenas e nesse caso o enquadramento atestaria a sua qualidade estética Contudo frequentemente os objetos indígenas passam a ser vistos como artísticos depois que são integrados aos nossos modelos de exposição de arte em museus em galerias em exposições instalações etc Por isso Nunes 2011 p 144 argumenta que considerar as artes indígenas como arte sem maiores problematizações é um reducionismo simplista que esconde uma forma de colonização e domínio benevolente Com base nos argumentos apresentados afirmamos que a incorporação de um capítulo ou seção sobre arte indígena em um livro didático de Arte pode por um lado colaborar para tornar visíveis expressões estéticas variadas e por outro lado incorrer em simplificações e generalizações ou em enquadramentos de base eurocêntrica que não contribuem para uma formação crítica dos estudantes em qualquer nível de ensino 5 METODOLOGIA E ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DAS ARTES DOS POVOS INDÍGENAS NOS LIVROS DIDÁTICOS SELECIONADOS A metodologia do presente estudo consistiu em uma análise das representações que focalizou de modo especial as formas de produção propagação e contestação de certas representações de artes dos povos indígenas Representação é um conceito central na presente pesquisa e segundo Hall 1997b ela se produz na relação entre as coisas os conceitos e os signos através da linguagem O significado surge não das coisas em si a realidade mas a partir dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas O que consideramos fatos naturais são portanto também fenômenos discursivos HALL 1997ª p 10 Há muitas formas de conceber a representação a reflexiva para a qual a representação refletiria algo que existe no mundo real a intencional que focaliza o sujeito autônomo e sua intencionalidade ao representar e a construcionista para a qual as formas de nomear e de atribuir sentido constituem as coisas Hall 1997b p 38 adota essa última perspectiva e afirma que uma vez que nós só podemos ter conhecimento das coisas se elas tiverem sentido é o discurso não as coisas por elas mesmas que produz conhecimento Em relação aos procedimentos metodológicos o exame dos livros didáticos nos conduziu à organização de tabelas para a sistematização das recorrências enunciativas Nessas tabelas foram reunidos fragmentos de textos e de imagens constantes nas duas obras e desse procedimento derivaram duas unidades de análise que são apresentadas e discutidas a seguir A primeira diz respeito à reiteração ou contestação de representações de base eurocêntrica e a segunda é concernente à incorporação de uma perspectiva multiculturalista por meio da qual se reforçam alguns discursos naturalizados mas também se contestam outros em especial os estereótipos sobre os povos indígenas 51 REITERAÇÃO OU CONTESTAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES EUROCÊNTRICAS Inicialmente ressaltamos que nos livros didáticos de Arte analisados as expressões artísticas indígenas estão enquadradas dentro das chamadas linguagens da Arte que dizem respeito às artes visuais às artes cênicas música e dança não sendo levadas em consideração as formas como elas são definidas ou classificadas no campo da Antropologia em modalidades como arte plumária cerâmica cestaria entre outras São inseridos nos livros fragmentos de textos e imagens descontextualizadas dentro de quadros de pensamento organizados a partir das referidas linguagens da Arte O caráter não fragmentado das práticas indígenas fica subsumido desse modo em categorias ocidentais de classificação e de enquadramento o que também colabora para a permanência da noção de que seriam simples ou pouco expressivas as artes desses povos Classificar é também uma estratégia de poder e de legitimação do saber Uma importante crítica é formulada pelas antropólogas Aracy Lopes da Silva e Lux Vidal 1998 elas afirmam que muitos livros didáticos inserem informações sobre outras culturas e povos situandoos em uma historiografia de base europeia Observamos pois que de modo geral nas obras didáticas analisadas se constrói uma cronologia baseada em acontecimentos que fazem sentido desde um ponto de vista eurocêntrico conforme destacamos a seguir No livro Por toda Parte há reverências históricas sobre o Brasil e são inseridas duas imagens do Monumento às Bandeiras de Victor Brecheret Tais imagens estão contidas na seção que aborda o tema Lugares para criar e que apresenta diversos espaços que são utilizados pelos artistas para a produção de arte Para exemplificar esse aspecto o livro destaca o ateliê que foi improvisado para que Brecheret produzisse o monumento já referido que levou 17 anos para ser concluído Esse monumento foi inaugurado em 1954 e é constituído por figuras de cavalos e pessoas representações de portugueses negros e indígenas esses últimos trazem cruzes no pescoço e estão puxando uma espécie de barco Essa construção homenageia os colonizadores representando a conquista da terra feita pelos europeus com a ajuda de indígenas e negros Para discutir esse aspecto recorremos ao texto de Martins 1999 p 14 que afirma que o objetivo do monumento às Bandeiras era destacar a força o avanço da massa humana aos sertões às terras desconhecidas como se não fossem também humanos os que habitavam ancestralmente essas terras Além disso as entradas e bandeiras foram expedições financiadas pelo Governo brasileiro iniciandose por São Paulo para capturar indígenas submetêlos à cultura dos colonizadores e assim liberar as terras para empreendimentos de colonização dizimando coletivos inteiros ou tornandoos mão de obra escrava Apesar de o texto do livro não trazer referência explícita aos indígenas pois o foco são os lugares de criação de obras de arte a figura de indígenas integra o monumento colaborando para instituir certos sentidos e certos lugares sociais para esses sujeitos Aliás a figura indígena aparece de forma imponente no referido monumento o que poderia ser visto como elemento positivo mas é posicionada como aquele que aderiu ao projeto colonial que foi cristianizado e que contribui para a propagação de um modelo de integração e desenvolvimento nacional Nesse contexto a figura indígena no monumento e na fotografia do livro didático colabora para estabelecer um sentido de conquista supostamente forjada com o aval e a colaboração dos índios Sobre a construção dos monumentos ligados aos bandeirantes Martins 1999 p 1112 afirma Vetor e produto da ascensão dos paulistas republicanos a construção mítica do bandeirante emergiu desde fins do século XIX numa representação heróica que se prestava a legitimar historicamente a pujança das elites paulistas ligadas aos negócios da cafeicultura e ao governo da própria República e que estivera unida de alguma forma aos momentoschave da nação como início da colonização ou a própria aclamação ao grito do Ipiranga Podese dizer que a ação heroica dos paulistanos e colonizadores contrasta com a dos indígenas e africanos incluídos nessas representações em uma condição servil Grupioni 1992 p 490 também salienta que no período da colonização a figura do índio aparece ligada à do bandeirante que expande o território e resolve o problema da mãodeobra escravizando índios e depois recapturando negros fugidos Dito isso vale ressaltar que uma das poucas ocorrências da palavra indígena no livro Por toda Parte posiciona esses povos a partir de seu passado e está vinculada à catequização conforme o trecho a seguir No Brasil o teatro teve início na época da colonização organizado pelos padres jesuítas Eles usavam as encenações para catequizar os indígenas Nelas misturavam aspectos da vida local com o evangelho e a vida dos santos FERRARI et al 2013 p 226 A inserção desse fragmento ocorre no contexto de discussão dos antecedentes históricos das artes cênicas Conforme Aguiar 2011 nos processos de catequização e cristianização feitos nos primeiros anos da colonização brasileira os padres missionários projetavam um modelo que consideravam adequado para inserir e assim modificar os modos de ser e de pensar dos indígenas E para que ocorressem essas mudanças os corpos indígenas eram submetidos a técnicas de correção e exercícios constantes Dessa forma temse então uma ação que visa transformar e conduzir a potência de vida para uma condição de produtividade orientada não pelo desejo e necessidade do sujeito mas pelo desejo do outro do de fora AGUIAR 2011 p 92 Ainda sobre essa forma de representar os indígenas vinculandoos aos processos de catequização Bonin 2007 afirma que alguns textos teatrais utilizados pelos jesuítas operavam a demonização das crenças indígenas Nestes autos o mau era representado por animais que em geral tinham sentido xamânico para os povos indígenas cobragrande uruburei onça tamanduá Assumindo a forma desses animais o mal se espalharia pela mata penetrando a alma dos homens em rituais de transe e festas pagãs Em muitos desses textos figuravam nomes importantes da cosmologia indígena e líderes de movimentos de resistência à colonização descritos ali como partícipes do reino de Satanás BONIN 2007 p 92 A referência histórica da origem do Teatro no livro didático vinculase assim a um esforço por combater e transformar as práticas dos povos indígenas que não seriam portanto tidas como adequadas ou valorosas É interessante observar em relação ao recorte apresentado no livro que os sujeitos da ação são os jesuítas e não os indígenas estes seriam objetos da ação missionária o que reafirma o sentido de passividade historicamente engendrado em representações sobre esses sujeitos Já no livro Arte em Interação apresentase um box no segundo capítulo dedicado à América PréColombiana O texto inicia da seguinte forma Apesar de estudarmos a história de nosso país somente após a chegada dos portugueses sabemos que muitos povos viviam no Brasil muito antes de isso acontecer O fato de que não possuíam linguagem escrita dificulta os relatos históricos mas resquícios materiais de descobertas arqueológicas nos dão muitas pistas da ocupação do território brasileiro antes de 1500 e de hábitos e costumes de vários povos que aqui viviam BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Desse recorte gostaríamos de salientar em primeiro lugar o reconhecimento de que o evento inicial na cronologia histórica que se registra deste país é a chegada dos portugueses Tratase da legitimação de um olhar eurocêntrico que dá forma ao que é representado e que embora reconheça a existência dos indígenas no território antes da chegada das caravelas portuguesas não reconhece a legitimidade da ocupação indígena afinal não se poderia descobrir uma terra cuja presença humana se considera legítima só se poderia invadila ou conquistála com uso da força O uso da preposição pré seguida do nome do suposto descobridor é um traço visível dessa base cronológica fundamentada em eventos que fizeram e fazem sentido desde uma mirada eurocêntrica Do recorte anterior desejamos discutir ainda uma forma de representação que tem sido recorrente em relação aos povos indígenas e às diferenças em geral qual seja a da falta de algo ou da incompletude O argumento contido no texto didático não possuíam linguagem escrita é exemplar nesse sentido A escrita é para o mundo ocidental moderno um traço icônico e ao marcar o outro com a falta dessa tecnologia marcase uma suposta carência que funciona para limitar suas possibilidades de criação e manutenção das culturas artes ciências etc Sobre a vinculação entre a retórica da falta e a perspectiva eurocêntrica Shohat e Stam 2006 p 2223 explicam Ao fazer o relato dos acontecimentos o discurso eurocêntrico purifica a história ocidental ao passo que trata com condescendência ou mesmo com horror o não ocidental Ele pensa sobre si mesmo com base em suas conquistas mais nobres a ciência o progresso o humanismo e sobre o não ocidental com base em suas deficiências reais ou imaginárias A representação da falta no recorte do livro didático apresentado anteriormente é seguida da afirmação de que resquícios materiais serviriam para entender a forma de ocupação os hábitos e os costumes indígenas Essas afirmações além de representarem os povos indígenas por supostas carências de linguagem escrita nesse caso reforçam a ideia de que são culturas do passado das quais apenas existem ruínas resquícios materiais restos de algo que passou No recorte a seguir extraído do mesmo texto do livro Arte em Interação também se estabelece essa representação Na ilha do Marajó foram encontrados vestígios de uma rica cultura que ocupou a região entre 400 e 1400 BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Sobre essa vinculação entre as culturas tradicionais e os vestígios históricos Bonin e Gomes 2008 p 10 indagam quais significados são produzidos quando fazemos referências a uma civilização destacando suas ruínas Ao que parece o termo ruína é bom para pensarmos nas ricas civilizações que viveram e vivem nessas terras mas ele colabora para o apagamento da atualidade dessas ricas culturas que efetivamente vivem no presente Além do mais o termo ruína parece servir como parâmetro para se estabelecerem comparações entre a cultura material de um povo e outro como se esse fosse um critério confiável e verdadeiro por meio do qual se comprovaria a complexidade do pensamento de uns europeus em relação à simplicidade dos outros ameríndios Contudo nos livros em análise há tentativas de deslocamento de uma visão pretérita da presença indígena Nesse sentido na obra Por toda Parte sugerese que os estudantes construam conhecimentos com a seguinte proposição Pesquise se próximo de onde você mora existe alguma comunidade indígena e como sua população vive e desenvolve sua cultura FERRARI et al 2013 p 158 Também no livro Arte em interação um box intitulado Foco na prática propõe que os estudantes organizem grupos e busquem conhecer as manifestações artísticas atuais dos povos indígenas o que parece indicar uma preocupação em contextualizar e ao mesmo tempo conferir atualidade à presença indígena levando em conta as localidades e especificidades regionais Trazemos a seguir um fragmento desse texto Para conhecer melhor a cultura dos povos indígenas do Brasil você fará uma pesquisa em grupo sobre suas manifestações artísticas atuais Cada grupo será responsável por pesquisar uma nação indígena diferente Para a pesquisa considerem questões como quais as manifestações artísticas atuais dos povos escolhidos A que tradições e costumes estão relacionadas O que ainda há de similar e o que mudou nas manifestações ancestrais dessas culturas e por que isso ocorreu BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Quando Bonin e Gomes 2008 examinaram livros didáticos de história observaram que a maior parte das referências aos indígenas está concentrada nos primeiros séculos da colonização e que há poucas ocorrências no período correspondente ao mundo contemporâneo E eles examinam mais detidamente uma fotografia inserida em uma das obras a única que se localizava no período contemporâneo conforme classificação do livro didático A fotografia é acompanhada de um texto verbal que sugere que muitos povos indígenas teriam sido destruídos e suas culturas teriam sido alteradas pela imposição colonial Na fotografia da década de 1990 apresentase um grupo de homens do povo Kaiapó organizados em semicírculo Eles têm seus corpos pintados de preto cocares na cabeça lanças nas mãos vestem calções vermelhos e calçam sandálias de borracha BONIN GOMES 2008 p 11 Os autores prosseguem afirmando que a fotografia permite ver ao fundo as casas tradicionais dos Kaiapó um grupo de mulheres com corpos ornamentados junto de suas crianças Na legenda da fotografia apresentase a seguinte indagação Quais peças da indumentária dos indígenas acima não são originalmente de sua própria cultura Tomando tal indagação os autores argumentam Mesmo quando as imagens indígenas são contemporâneas elas ilustram um conjunto de informações que fixam os povos indígenas no passado Além disso o convite lançado aos estudantes na legenda reafirma um discurso que entende as culturas indígenas como sendo sempre as mesmas presas a tradições do passado e portanto na medida em que eles transformam suas maneiras de viver e suas práticas agregando a elas elementos de outras culturas como aliás sempre o fizeram o efeito é avaliarmos esse movimento como sinal de perda cultural BONIN GOMES 2008 p 1112 Recuperamos então do recorte do livro Arte em Interação anteriormente apresentado A indagação é O que ainda há de similar e o que mudou nas manifestações ancestrais dessas culturas Podese dizer que também se constrói uma representação das culturas indígenas como estáticas como se devessem corresponder a uma suposta cultura original autêntica verdadeira ancestral A palavra ainda utilizada na indagação remete à noção de que há uma gradativa perda dessa originalidade e leva a pensar que aquilo que não se perdeu gradativamente será perdido Contudo cultura não é substância como afirma Canclini 2007 p 41 cultura abarca o conjunto dos processos sociais de significação sendo que as significações mudam em qualquer grupo social Por isso o autor afirma que a cultura deveria ser pensada mais como processo do que como produto ou seja cultura não é coisa que se ganha ou perde Sob essa conceituação a noção de cultura como acúmulo de conhecimentos e experiências perde a centralidade A cultura passa a ser pensada como processual e portanto dinâmica e aberta a mudanças reformulações contestações hibridações etc O autor afirma a importância de se estudarem nas sociedades contemporâneas a recepção e a apropriação de bens e mensagens bem como a forma como os objetos adquirem novos significados em relações interculturais para evitarmos as armadilhas de pensar cultura como algo fixo natural dado essencial original puro O exemplo apresentado pelo autor é sugestivo Os objetos artesanais costumam produzirse em grupos indígenas ou camponeses circulam por distintas sociedades e são apropriados por setores urbanos turistas brancos nãoindígenas com outros perfis socioculturais que lhes atribuem funções distintas daquelas para as quais se fabricam CANCLINI 2007 p 42 No trânsito tais objetos adquirem distintas significações que não correspondem àquelas que lhes atribui o artesão que os fabrica ou a etnia da qual é procedente Os objetos artesanais por sua vez adquirem significados distintos se forem incorporados à decoração de uma residência ou se forem incluídos em coleções museológicas Podem ser presenteados doados comercializados e isso também configura seus sentidos para aqueles que os adquirem De modo análogo podese dizer que os acontecimentos que envolvem uma comunidade um povo uma nação também são entendidos de maneiras muito variáveis dependendo do lugar em que são narrados registrados reelaborados dos sujeitos envolvidos e das relações de poder que permeiam todo esse processo Assim entendese que os sentidos são construídos e ainda mais são disputados por diferentes segmentos sociais em um mesmo tempo e espaço Os livros didáticos participam nessas lutas por imprimirem certos sentidos e por legitimarem certas maneiras de pensar a arte em geral e as artes dos povos indígenas em particular Para finalizar essa discussão argumentamos com Shohat e Stam 2006 que o eurocentrismo que vemos reafirmado em trechos dos livros didáticos discutidos neste artigo é um resíduo discursivo de séculos de dominação europeia que deram forma à uma cultura comum engendrando um sentimento fictício de superioridade natural dos povos europeus aos que a ele aderiram Para os autores SHOHAT STAM 2006 p 21 O eurocentrismo bifurca o mundo em Ocidente e o resto e organiza a linguagem do diaadia em hierarquias binárias que implicitamente favorecem a Europa nossas nações as tribos deles nossas religiões as superstições deles nossa cultura o folclore deles nossa arte o artesanato deles nossas manifestações os tumultos deles nossa defesa o terrorismo deles Nos livros didáticos de arte analisados uma perspectiva eurocêntrica continua a posicionar a Europa como centro da narrativa sobre arte e essa forma de pensar colabora para definir o lugar da arte indígena como uma arte outra Nos dois livros os eventos selecionados para compor os capítulos são em grande medida sustentados em uma visão eurocêntrica da história da arte Assim mesmo promovendo a inclusão das artes dos povos indígenas ainda se reitera um pensamento binário a respeito do o ocidenteo resto Passamos na seção seguinte a discutir as representações multiculturalistas e as contestações feitas a uma noção genérica de índio nos livros didáticos de Arte 52 PERSPECTIVA MULTICULTURALISTA APELO AO DIVERSO E CAPTURA DAS ARTES DOS OUTROS Examinando os dois livros didáticos articuladamente um aspecto que se sobressai é a abordagem da arte indígena como uma arte outra mas nesta seção destacamos que essa outridade é trazida como parte integrante da diversidade cultural a ser valorizada E o apelo à diversidade se expressa de forma direta ou indireta por meio do discurso multiculturalista A perspectiva multiculturalista pode ser vista como parte de uma engrenagem a partir da qual se governam ou administram problemas gerados em sociedades multiculturais Conforme Hall 2008 o multiculturalismo afirma a diversidade e a pluralidade humanas por meio de um apelo à tolerância Entretanto muitas vezes naturaliza as diferenças o que dificulta as lutas específicas de grupos desfavorecidos pois desconsidera as relações de poder implicadas na classificação do lugar social de cada um Desconsidera ainda a tensão existente entre o reconhecimento da diferença e a realização da igualdade O outro cultural seria assim um problema a ser administrado uma vez que sua presença põe em xeque a própria identidade ou a supremacia das práticas culturais e artísticas selecionadas como válidas Os estudos culturais têm problematizado as perspectivas multiculturalistas a partir das quais se celebra uma suposta diversidade constituinte de nossa natureza humana Esses estudos recolocam a perspectiva da diferença conceito que leva a pensar nos processos de produção classificação hierarquização das culturas e nas relações de poder que definem quem seriam os diferentes No espaço acadêmico são muitas as discussões sobre o multiculturalismo e estas têm mobilizado pesquisadores filiados a diferentes perspectivas teóricas Em um dos livros analisados um sentido de unidade por meio da mescla de diferentes matrizes na formação cultural brasileira explicitase no seguinte recorte No Brasil há uma mistura de várias culturas com identidades diferentes Com o processo de colonização buscouse impor a arte e a cultura de origem europeia Isso não impediu a manutenção de outras culturas ancestrais como a indígena e a africana que estão enraizadas em nossa formação cultural BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 58 Apesar de os autores iniciarem criticando a imposição da cultura e da arte europeia reafirmam a ideia da mistura noção que reativa uma representação de unidade formada por partes que se somam e se mesclam formando uma cultura nacional Nesse sentido as culturas dos outros povos são vistas como unidades menores subjugadas a uma totalidade maior A submissão das culturas indígenas e afrobrasileiras a uma cultura modelar ocorre a partir de sua qualificação como ancestrais e enraizadas em nossa formação cultural Desse modo cultura e arte indígena se convertem em raízes ancestrais o que pode impossibilitar pensar nelas como expressões atuais recriadas pelos povos indígenas que compõem nosso País sem necessária vinculação a uma cultura comum Hall 2008 afirma que a invenção dessa totalidade correspondente a uma identidade nacional acontece por diferentes estratégias e seria constituidora de uma ideia de nação miscigenada O uso da noção de miscigenação parece ser comum em discursos multiculturalistas que desse modo tornam visível a diversidade mas também mantêm assimetrias culturais As culturas indígenas figuram como matrizes na formação da sociedade brasileira em diversas produções contemporâneas e são fortemente marcadas como parte de um passado comum e não de um presente comum Em um dos livros didáticos há um box chamado América PréColombiana que informa que a cerâmica seria utilizada muito antes da chegada dos portugueses pelos povos indígenas e teria sido transmitida de geração em geração na mistura entre povos que ocuparam o Brasil BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 60 Naturalizase também nesse livro didático a representação do povo brasileiro originado na mistura entre distintas etnias por atributos culturais de diferentes matrizes justapostas algo que conforme afirma Bernd 1992 p 14 circunscreve a realidade a um único quadro de referências A construção de uma identidade brasileira se dá na literatura e também na literatura didática inicialmente por mecanismos de exclusão que a autora caracteriza como a ocultação ou invenção do outro e de transgressão caracterizada por ações como o resgate dos discursos dos excluídos A autora lembra que as identidades tanto quanto as diferenças precisam ser narradas uma coletividade ou um indivíduo se definiria portanto através das histórias que ela narra a si mesma sobre si mesma e dessas narrativas poderseia extrair a própria essência da sua definição BERND 1992 p 17 A ideia de diversidade ganha expressão em muitos materiais que vemos circular nas escolas hoje assim como em manuais em diretrizes curriculares em pronunciamentos de especialistas da Educação em produções didáticas entre outras Muitos discursos em prol da diversidade não permitem a crítica sobre as condições a partir das quais se define quem seria diferente e também não problematizam as assimetrias nas relações entre os indígenas e a sociedade envolvente Nesse sentido Bauman 2003 afirma que o multiculturalismo promove uma naturalização de aspectos que são disputados no âmbito da cultura Sob a rubrica da igualdade muitas vezes se desconsideram as condições particulares implicadas nas desiguais formas de distribuição dos recursos Em tal perspectiva existiriam formas presumivelmente naturais de ser e dada a diversidade das sociedades teríamos que aprender a conviver e a tolerar as distintas maneiras de ser de pensar e de viver Para o referido autor o sucesso dos discursos multiculturalistas se deve ao desengajamento produzido em uma racionalidade neoliberal e ao excesso de ofertas de mercadorias de imagens de mensagens que nos transformam em sujeitos de escolhas consumidores de serviços e não em sujeitos de direitos Na perspectiva dos estudos culturais existem múltiplas culturas o que indica haver disputas acerca de significados e distintos investimentos na produção de identidades Não se trata apenas de diferentes práticas culturais ligadas a distintas etnias mas de culturas marcadas por diferentes pertencimentos culturas surdas culturas juvenis culturas infantis culturas laborais entre outras Mais uma vez insistimos que as diferenças são constituídas no âmbito da cultura e estabelecidas em relações de poder e assim devem ser abordadas com todas as tensões que decorrem dessa abordagem Alguns estereótipos se mantêm nos livros analisados nesse texto construindo significados para os povos indígenas mas também há um esforço em problematizar representações que empobrecem e desqualificam as culturas indígenas No livro Arte em Interação contestase e deslocase a visão genérica de índio em trechos como Mas apesar dessa forte presença muitos brasileiros desconhecem essas culturas ou as veem somente de um jeito estereotipado BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 58 Em outro recorte se afirma que uma visão europeia a visão dos colonizadores de mundo e da sociedade fezse dominante o que faz com que ainda hoje haja um grande desconhecimento dessas culturas ancestrais das quais somos herdeiros As culturas indígenas no Brasil por mais que se encontrem dentro do território em que vivemos ainda são vistas por muitas pessoas com olhar estereotipado e equivocado De um modo geral não se conhecem seus modos de vida visão de mundo as semelhanças e diferenças entre seus povos Há inclusive uma tendência de se entender os indígenas todos da mesma maneira Dizse o índio no singular sem diferenciar as centenas de povos indígenas que vivem no território brasileiro BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 59 Na sequência do livro didático explicamse os contextos de uso dos termos índio e indígena relacionandoos com outros termos como autóctone e nativo Várias estratégias vão sendo utilizadas para pluralizar o sentido do termo indígena Uma delas é a inserção de dados estatísticos que permitem entender quantos são quantas etnias existem e quantas línguas são faladas No box Cápsulas inserido na mesma página do livro apresentamse dados extraídos de sites de organizações não governamentais e dados do IBGE sobre a presença indígena no País Uma outra estratégia utilizada para deslocar e contestar o sentido genérico do termo índio nos livros analisados é a inserção de exemplos relativos às práticas culturais dos povos indígenas Destacamos aqui os exemplos contextualizados na cultura e arte de um povo indígena específico Nesse sentido entre as páginas 60 e 61 BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 são inseridas fotografias do povo Karajá em distintas situações cotidianas Junto a elas são colocadas questões para orientar o olhar O que caracteriza cada uma das imagens Procure observar os lugares gestos e posturas Que relações você vê entre elas Quais elementos possuem em comum Que materiais você identifica Quais seus usos e relações entre as imagens BOZZANO FRENDA GUSMÃO 2013 p 61 Após esse diálogo direto com o leitor o texto prossegue explicando que o povo Karajá se autodenomina Iny que significa nós sendo Karajá um nome adotado em Língua Portuguesa originado do Tupi O texto explica que esse povo vive em seus territórios tradicionais em uma extensa faixa do Rio Araguaia na Ilha do Bananal e que os Karajá estão presentes nos Estados de Tocantins Goiás e Mato Grosso Há breves informações sobre os mitos desse povo e sua relação com a arte São destacados elementos artísticos que o leitor também pode observar nas fotografias as pinturas corporais a arte plumária entre outros elementos Há informações sobre o processo de produção da cerâmica e das tintas utilizadas para colorir esses objetos e para produzir pinturas corporais Argumentamos pois que o texto expressa um sentido mais abrangente de arte que estaria presente em várias instâncias da vida indígena e discute inclusive padrões e abstração em pinturas corporais de povos como os Karajá e os Munduruku do Alto Tapajós O livro Por toda Parte também faz referência às pinturas corporais dos indígenas Contudo não há a intenção de deslocamento do sentido genérico de índio Na página 157 do referido livro inserese a fotografia de parte do corpo de um homem no qual se expõe uma delicada e densa pintura corporal O texto verbal salienta que as pinturas corporais expressam entendimentos sobre a beleza Essa afirmação é sustentada em uma citação de Ribeiro 1983 apud FERRARI et al 2013 p 157 os indígenas têm uma necessidade de beleza e por essa razão criam adornos de plumas enfeitam seus corpos com pinturas e outros elementos e assim criam a arte indígena Vale ressaltar que adornos corporais incluindo as pinturas são distintos entre povos e também entre clãsfamíliasparcialidades de um mesmo povo e esses aspectos não são mencionados no livro didático Contudo embora não haja referência ao sujeito e ao povo ao qual pertence aquela pintura corporal o livro expande de certo modo o sentido quando afirma que As concepções de beleza e arte estão relacionadas às particularidades culturais de cada nação ou etnia indígena FERRARI et al 2013 p 157 6 PALAVRAS FINAIS Finalizamos o presente texto destacando com Silva e Vidal 1998 que a cultura ocidental cria muitas vezes visões estanques das sociedades indígenas mas a arte para os índios é movimento dinamismo expressão de uma experiência coletiva A análise de artefatos escolares como os livros didáticos é parte de um esforço feito para colocar em movimento visões estanques e para imprimir dinamismo às representações permitindo que alguns referentes sejam problematizados Como permitir que o currículo esteja comprometido com a produção de um pensar que desafie estereótipos e que não esteja capturado pelo pensamento disciplinar Com Paraíso 2010 p 589 podemos dizer que um currículo também não está nunca definitivamente formado Precisamos então rachar os extratos rachar os currículos existentes em seu meio para ver a diferença fazer o seu trabalho Assim parece urgente investirmos em um currículo que se parte e parte os universais as naturalizações as certezas as verdades os procedimentos padronizados os programas estabelecidos os percursos previamente definidos para permitir que prolifere a diferença Investir em um currículo permanentemente aberto a novos acréscimos no qual se possam promover efetivas e produtivas aberturas para podermos apreciar as artes dos povos indígenas com os singulares sentidos que elas podem ter Um currículo assim aberto e receptivo bem pode expandir nossas possibilidades imaginativas e nossas experiências estéticas