·
Artes Visuais ·
Artes
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
3
Exploração da Arte Abstrata: Técnica e Inspiração na Criação de Obras Visuais
Artes
UNOESTE
1
Análise do Artigo sobre Pesquisa em Artes Visuais
Artes
UNOESTE
1
Questionário sobre Estrutura de Pesquisa em Artes Visuais
Artes
UNOESTE
21
Analise de Livros Didaticos de Arte Indigena-Representacoes e Discursos
Artes
UNOESTE
15
Cenário da Pesquisa em Artes Visuais e Inclusão Social: Análise dos Anais da ANPAP (2004-2011)
Artes
UNOESTE
8
Trajetória da Videoarte no Brasil
Artes
UNOESTE
32
Avaliação III: Exercício de Análise de Obras de Arte
Artes
UFOB
5
Análise da Vida e Obra do Fotógrafo Palê Zupanni
Artes
UNICSUL
Texto de pré-visualização
A Palavra e a Imagem A Moderna Diferença A PALAVRA E A IMAGEM Organização Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Coorganização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Design paginação e arte final Inês Mateus l inesmateusoniduopt Imagem na Capa Maria João Worm 2006 Imagem na Contracapa Maria João Worm 2001 Edição Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Impressão e acabamento COLIBRI Artes Gráficas Tiragem 600 exemplares ISBN 9789728886080 Depósito Legal 262 601 07 2007 PUBLICAÇÃO APOIADA PELA FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Organização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Coorganização A Palavra e a Imagem A MODERNA DIFERENÇA CENTRO DE ESTUDOS ANGLÍSTICOS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA Coordenação Científica de João Almeida Flor Programa de Investigação A MODERNA DIFERENÇA Investigadoras Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Ana Daniela Coelho Ana Rosa Gonçalves Joana Vidigal Luísa Maria Rodrigues Flora Márcia Bessa Marques Maria José Pires Teresa de Ataíde Malafaia AGRADECIMENTOS A equipa organizadora de A Palavra e a Imagem agradece ao Coordenador Cientí fico do Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Univer sidade de Lisboa João Almeida Flor a forma muito construtiva como contribuiu para definir o Programa de Investigação e Intervenção A Moderna Diferença Ao Hugo Xavier da Cavalo de Ferro Editores agradecemos a generosa dispo nibilidade para participar na Mesa Redonda que finalizou o IV Seminário do ciclo A Palavra e a Imagem realizado em Maio de 2006 onde participou também o Professor Jacques Leenhardt e que foi moderada por Alcinda Pinheiro de Sousa e Teresa de Ataíde Malafaia À Luísa Falcão reforçamos os nossos agradecimentos pelo modo profissional e gene roso com que se dispôs a resumir e traduzir as comunicações publicadas em língua inglesa À Salomé Machado agradecemos a colaboração prestada à equipa organizadora A revisão do ensaio de Jacques Leenhardt feita por Silvane Maria Pereira Brandão merecenos também um agradecimento especial Lista de participantes no Ciclo de Seminários A Palavra e a Imagem Maria Salomé Machado Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Alda Correia Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Catherine Bernard Université Paris VII Maria José Pires Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Emily Eells Université Paris X Jacques Leenhardt École des Hautes Études en Sciences Sociales Paris Maria João Worm Alcinda Pinheiro de Sousa Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Márcia Bessa Marques Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Academia de Música de Santa Cecília Ana Rosa Gonçalves Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Secundária 3 Dra Laura Ayres Quarteira Luísa Maria Rodrigues Flora Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Landeg White Universidade Aberta de Lisboa Ana Daniela Coelho Universidade de Lisboa Teresa de Ataíde Malafaia Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Lista de Ilustrações 11 Introdução Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 13 Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos Maria Salomé Machado 25 Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector Alda Correia 33 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction Catherine Bernard 45 Resumo em português 63 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign Maria José Pires 67 Resumo em português 79 The Victorians at Amiens Cathedral Translation and Transposition Emily Eells 83 Resumo em português 99 Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo Jacques Leenhardt 103 Fazer acontecer uma história Maria João Worm 115 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem Só mas a sua Mistura Heterogénea Alcinda Pinheiro de Sousa 123 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth Márcia Bessa Marques 147 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips Ana Rosa Gonçalves 163 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria São Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan Índice Índice 10 Luísa Maria Rodrigues Flora 177 The Word that Says More than a 1000 Images Landeg White 193 Resumo em português 203 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa Teresa de Ataíde Malafaia e Ana Daniela Coelho 207 Ilustrações 221 Sir Joshua Reynolds Lady Caroline Scott as Winter 1777 223 Jan van Eyck Arnolfini Wedding Portrait 1434 223 Frida Kahlo SelfPortrait as a Tehuana Diego in My Thoughts 1943 224 Frida Kahlo SelfPortrait with Cropped Hair 1940 224 Frida Kahlo El Venadito 1946 224 Maria João Worm Técnica mista sobre papel três imagens em dimensões aproximadas do A4 1996 119 Maria João Worm Acrílico sobre tela 2001 120 Maria João Worm Linóleo gravado 2005 120 William Blake The Execution of Breaking on the Rack 1793 140 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 1 The Marriage Settlement 2 The Tête à Tête 3 The Inspection 4 The Toilette 5 The Bagnio 6 The Ladys Death 225227 Dante Gabriel Rossetti The Girlhood of Mary Virgin 1849 228 Dante Gabriel Rossetti Ecce Ancilla Domini 1850 228 Dante Gabriel Rossetti Sketch 1852 229 Dante Gabriel Rossetti Artists Studio c 1849 229 Fotografia de Ana Daniela Coelho Objectos do ateliê Desafiar a Obra Exposição Memória CCB 2006 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Trabalhos do Ateliê O Olho que Tudo Vê Exposição Memória CCB 2006 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Tear de Memórias Exposição Memória CCB 2006 231 Lista de Ilustrações Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Organização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Coorganização ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Introdução A Moderna Diferença é um Programa transdisciplinar do Centro de Estu dos Anglísticos da Universidade de Lisboa CEAUL Foi conce bido ao longo de 2004 a partir da área dos Estudos Ingleses por três investigadoras do Centro Alcinda Pinheiro de Sousa Luísa Flora e Teresa de Ataíde Malafaia O Programa consolidouse com base nas experiên cias adqui ridas durante o funcionamento do Programa de Estudos de Identidade desen volvido também no CEAUL desde 1994 Pretende A Moderna Diferença ser um Programa de Investigação e Interven ção na sociedade construído para pensar informar e agir sobre o problema dos conceitos de igualdade e diferença de identidade e alteridade e sobre o das suas relações na idade moderna e o dos conflitos que radicam nessas problemáticas relações Durante a primeira década do século XXI decor rendo ainda do pensamento individualista forjado ao longo da nossa mo der nidade e também gerador de um indivíduo que interroga o que lhe é parti cu lar tais problemas económicos políticos sociais e culturais agudi zamse com violência através do exercício do poder filtrado pelos média por instituições financeiras industriais científicas educativas religiosas que se servem das novas tecnologias Queremos com o Programa dar ênfase a temas construídos em termos do binómio cultura humanistacultura científica de noções de género e de raça da antítese guerrapaz tal como se materializam em diversas formas de expressão cultural nomeadamente linguística visual literária e ensaística A Moderna Diferença parte ainda do princípio de que os referidos problemas das definições de igualdade e diferença de identidade e alteridade e das suas relações bem como o dos conflitos que radicam nesses problemas definiti vamente se constituem enquanto objecto de análise sistemática desde a segunda metade do século XVIII até à actualidade Num quadro teóricocrítico influenciado por teorias contemporâneas de classe género e etnia vamos considerar os confrontos entre culturas ma teria lizados em diversas práticas discursivas e visuais que estudaremos trans disci plinarmente numa perspectiva formal e como documentos São exem plos das referidas práticas por um lado a escrita jornalística que as novas tecnolo gias estão a desenvolver exponencialmente a ensaística o conto o relato de viagem e biográfico o romance o poema o drama e por outro lado as múl tiplas imagens em suporte digital o design a fotografia o vídeo o cinema a arquitectura a gravura Assentes nestes princípios organizámos em 200506 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa um ciclo de quatro seminários com o título A Palavra e a Imagem cujas comunicações agora se publicam 16 Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia In the first place theory is crucial and inescapable because without theories and hypotheses we would be overwhelmed by a mess of impressions by immense quantities of empirical data Walker Chaplin 1997 58 Uma vez que é imprescindível fundar a investigação no processo de defi nir conceitos começámos por problematizar as acepções de moder ni da de e diferença Quanto ao primeiro conceito em Idade Média Renasci mento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos ensaio inicial da presente colec tânea Maria Salomé Machado defende que a Modernidade já se revela em pleno a partir do século XV sendo exemplar nos trabalhos multi facetados de Leonardo da Vinci 14521519 nos estudos de Copérnico que explanou as teorias heliocêntricas 14731543 e nas teses filosóficas do huma nista Jean Luis Vives 14921540 Assim afirma a conti gui dade entre as formas renas cen tistas e as modernas de conceber o indivíduo o mundo e as suas múltiplas relações ao declarar que Renascimento e Modernidade estão profunda mente ligados ainda que os estudiosos da época Moderna colo quem sempre o seu início na segunda metade do século XVII altura em que a ciên cia se liberta das grilhetas impostas pela religião cristã Maria Salomé refor ça pois a teoria de que devemos fazer radicar o dealbar da Moder ni da de no Renas cimento tal como explica M H Abrams Beginning in the 1940s a number of historians have replaced or else supplemented the term Renaissance with early modern to designate the span from the end of the middle ages until late in the seventeenth century Abrams 1957 1999 2641 Sobre a acepção de diferença Alcinda Pinheiro de Sousa apresen tou uma comunicação ao primeiro do ciclo dos quatro seminários A Palavra e a Imagem Tal comunicação esteve na base do ensaio De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença2 Aí proble ma ti zou o binómio diferençaidentidade fundamentalmente em relação ao con cei to de paradigma como este é definido pelo historiador e filósofo da ciência Thomas Kuhn Além disso alargou a referida problematização consi derando as teorias de Mark Currie que em Difference avalia ensaistica mente o processo de definição de diferença entre meados da década de sessenta do século XX e o início do século XXI partindo do conceito estruturalista de signo linguístico Alcinda concluiu pela necessidade de se considerar hoje criticamente a própria forma de oposição binária para definir diferençaiden tidade forma que em última instância impede a conceptualização do livre proliferar das diferenças Seleccionar e problematizar alguns importantes enquadramentos teó ricos diferenciados em que hoje é viável estudar palavra ou imagem visual ou qualquer das relações diferentes que entre ambas se possa estabe lecer foi também objectivo de Nem uma Palavra Só nem uma Imagem Só mas a sua Mistura Heterogénea Neste trabalho incluído na presente colec tâ nea Alcinda Pinheiro de Sousa ensaiou ainda uma diferenciação dos tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo actual mente quando tal diferenciação está potenciada como antes nunca esteve pelo aceleradíssimo 1 Este problema da definição do conceito de modernidade tem sido constantemente equacio na do e em vários quadros teóricos Como tal damos relevo aqui a John Cannon ed 1997 2002 The Oxford Companion to British History sv Renaissance Peter Childs 2000 Modernism 1217 Raymond Williams 1976 1983 Keywords A Vocabulary of Culture and Society sv Modern Yolton et al 1991 1995 The Blackwell Companion to the Enlightenment sv Ancients and Moderns 2 Este ensaio vai ser publicado em And gladly wolde she lerne and gladly teche Homenagem a Júlia Dias Ferreira No prelo Introdução 17 desenvolvimento das chamadas novas tecnologias Por fim experimentou de modo relativamente limitado mas sistemático e num exem plo apenas utilizar por analogia o conceito químico de mistura no processo do estudo da palavra da imagem e das suas formas de interagirem Deste modo Alcinda procurou demonstrar que as classes de combinações como no exem plo seleccionado do linguístico com o visual do simbólico com o icónico enquanto componentes com identidades próprias se consti tuem como mistu ras que pela interacção de tais componentes potenciam inter pre ta ções diversas das de cada um deles em separado e mais profícuas Os ensaios agora publicados avaliam os estudos da palavra ou da imagem visual ou das formas diferentes como elas interagem em relação a temas cronologicamente localizados entre o século XVIII e o século XXI Assim Lendo Marriage ALAMode de William Hogarth escrito por Márcia Bessa Marques é o primeiro que passamos a considerar Neste ensaio explicase a maneira como face ao tempo dele a primeira metade do século XVIII Hogarth combina imagem e palavra Trabalhando no contexto da sátira gráfica o pintorgravador entra em diálogo com a crítica social cultural e política contemporânea justapondo técnicas e géneros visuais e literários Todavia Márcia já enfatizara antes a teoria então dominante de que a pintura podia transmitir certos momentos narrativos mais eficazmente do que a palavra escrita No caso de Hogarth ela esclarecera ainda que o espaço de uma só tela tornase muito reduzido para desenvolver a sua leitura da comédia humana razão pela qual o pintorgravador concebe a série como forma de trabalhar um enredo quase como se de uma escultura se tratasse aprofundar a caracterização das personagens e contrastar cenários con tem porâ neos que os espectadoresleitores identificassem em que se reconhe ces sem e em cujos destinos se envolvessem Quanto aos seis quadros de Marriage ALAMode em particular Márcia especifica que o projecto de Hogarth parte da leitura de um conjunto de discursos em torno dos casa mentos arranjados e dá os exemplos de a popular tragicomédia homó nima de John Dryden as peças de Aphra Behn The Lucky Chance or An Aldermans Bargain e The Forcd Marriage or The Jealous Bridegroom passando pelos exemplos de o romance de Samuel Richardson Pamela e a respectiva paródia de Henry Fielding Shamela até à peça do actor e amigo David Garrick Lethe or Aesop in the Shades Reconhecendo a importância da catedral de Nossa Senhora de Amiens no intercâmbio cultural entre a GrãBretanha e a França no século XIX em The Victorians at Amiens Translation and Transposition Emily Eells analisa o contributo cultural do guia de viagens Handbook for Travellers in France Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 18 Introdução 19 1843 de John Murray Efectivamente a descrição de Amiens por Murray considera a catedral um modelo da arquitectura gótica tal como Pugin a define em Principles of Pointed or Christian Architecture Salienta todavia Emily que The Bible of Amiens 1884 de John Ruskin é o estudo vitoriano mais conhecido sobre a catedral o que não invalida os estudos de William Morris Shadows of Amiens1856 e Walter Pater NotreDame dAmiens1894 também eles esclarecedores das relações culturais anglo francesas no século XIX Ponderam assim a representação de cenas bíblicas assentes numa linguagem visual que permitia numa transposição de um sistema de signos para outro que as populações da medievalidade as lessem Tal como Ruskin a Bible dAmiens de Proust prova os modos como a tradução negoceia a transmissão dos dados culturais contidos num texto Assumindo o papel de mediador cultural insere longas notas de rodapé para explicar as referências no original inglês transformando The Bible of Amiens aumentando e modificando as suas dimensões ao ponto de a tornar quase irreconhecível quando comparada com La Bible dAmiens Assim as diferenças culturais existentes entre a França medieval e a Inglaterra vitoriana que esta obra de Ruskin evidencia adquiriram outro nível de sentido quando Proust ao traduzir o texto o enriqueceu com a sua subjectividade e referências culturais o que confirma a teoria de Walter Benjamin segundo a qual a tradução assegura maior longevidade ao texto traduzido Partindo em Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she trans cribing from his lips do reconhecer do desfasamento entre o que Christina Rossetti parece representar através do seu papel de modelo de Virgem Maria o arquétipo da feminilidade vitoriana e a sua própria experiência auto ral Ana Rosa Gonçalves salienta várias formas de resistência de Christina às normas culturais da sociedade vitoriana Conduznos por conseguinte a interro garmonos acerca da submissão ou não da Poeta à autoridade do irmão Dante Gabriel nomeadamente através da escolha de desenhos deste que sugerem a tutela intelectual sobre a irmã Acrescentese ainda a reflexão que é proposta sobre as diversas expressões da tradição literária hegemónica masculina e as formas como Christina subverte a sua própria submissão De acordo com Ana Rosa a figura tutelar do irmão impede que o acto de escrita de Christina fosse considerado transgressor tratase de uma constatação alicer çada numa reflexão cuidada que envolve o próprio acto de escrever Uma observação mais atenta das representações relacionandoas com o poema de Christina Rossetti In an Artists Studio 1856 permite que se reconheça por um lado o modo como o pintor dilui a identidade das mode los que posam Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 20 para ele e por outro a sublimação da mulher passiva realizada pela Poeta Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign convida tanto a uma leitura articulada entre o Prefácio de Angela Carter à colecção de postais Images of Frida Kahlo e a vida da artista como a incursões na obra ficcional de Carter Destacase assim o desejo da artista plástica se representar o que implica reflectir sobre o autoretrato e remeter para obras ilustrativas de um percurso no qual as expressões de teor autobiográfico são uma constante Vemos por conseguinte reforçada a especificidade identitária de Kahlo tradu zida principalmente no modo como olha para si própria Da relação que Maria José Pires estabelece entre os registos ficcionais plásticos e críticos emanam várias formas de narrativa nomeadamente a da utilização do sofri mento sentido por Frida nos seus autoretratos Este recriar das experiências de teor emocional encontrase descrito no modo como Carter lê Frida como Frida se lê a si própria e por fim como Maria José propõe que as leiamos Com essa finalidade destaca o papel da dor a criação artística de Frida na sua expres são catártica e também a relação que Carter estabelece com outras mulheres artistas para quem fama e exibição neste caso de mexicanidade coexistiram O ensaio de Luísa Flora A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria são Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan centrase na narrativa e na sua capacidade para interpelar o acto de viver Isto implica interrogar o próprio acto de escrever ficção problematizandoo na sua legitimidade e articulandoo com um dos temas da obra a viagem de auto descoberta da adolescente Briony Tallis Esta que pretende ser escritora verá o mundo em função daquilo que julga servir a sua escrita e agirá na vida real de acordo com essa conjectura O romance é sintonizado com uma linha gem romanesca ocidental que parte essencialmente do realismo mas que remete para múltiplos contributos de uma tradição imensa e plural Luísa Flora servese ainda de entrevistas dadas pelo escritor e de afirmações de Milan Kundera para evocar a concepção de arte romanesca ilustrada por Atonement e para avaliar a prática ficcional de McEwan chamando a atenção para o uso que este faz do experimentalismo e do realismo a ortodoxia que tem vindo sob diversos semblantes a privilegiar o experimentalismo e a desva lorizar o realismo como método literário ilude o fundo do problema e é pelo menos em autores como McEwan uma falsa questão uma não questão A mesma interpelação sobre o acto de viver e o acto de escrever é con substanciada no ensaio Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector de Alda Correia O seu ponto de partida é a reflexão sobre a interpretação do corpo na cultura e pensamento ocidentais e a distinção feita por Molly Hite entre dois tipos de Introdução 21 corpo com representações diferentes o corpo enquadrado em papeis sociais e o corpo visionário que ambas as escritoras exploram A forma conflituosa como a personagem central de Mrs Dalloway encara a sua própria imagem e vivência corporal destacando a alusão ao simbolismo dos quadros é então comparada com a utilização da escrita e da pintura em Água Viva como acto de conhecimento ontológico que constrói e define a personagem e a sua identidade Esta construção parte do corpo da pintura e das palavras como matériaobjecto trazendo aquilo que é representado para a própria represen tação num movimento em que a busca absoluta de significado determina a eliminação de fronteiras entre formas de expressão Os artigos Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction e Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo de Catherine Bernard e Jacques Leenhardt respectivamente propõemse ainda que não perdendo de vista os referentes do modernismo reflectir sobre a pósmoder ni dade analisando a relação da palavra com a imagem e tomando como ponto focal quer o objecto artístico quer a actividade crítica quer a narrativa literária quer a questão cultural A arte intensificou a partir dos anos setenta de um modo mais absoluto do que anteriormente a referência ao seu próprio sistema específico de significados ou ao seu próprio estatuto de artefacto construído configurandose em formas de hiperrealidade ou de uma espécie de autenticidade de sentido negativo Por outro lado verificase uma forte tendência para ignorar a separação entre a arte e outras áreas sociais e culturais o que traz um pluralismo cada vez mais eclético às obras conce bi das que podem agora associarse à vida comum utilizandoa descons truindoa ou parodiandoa sem distinções valorativas O velho sonho de conhecer o mundo e a realidade é agora uma quimera não só porque a verdade é um produto da interpretação individual mas também porque a ficção se confun de muitas vezes com a realidade3 Contudo este conhecimento pode passar presentemente por experiências tão estimulantes como a reapro priação da obra de arte através da exposição no museu onde o visitante é confrontado com os traços da actividade humana a partir dos quais pode construir o seu lugar dentro da história Os ensaios de Catherine Bernard e Jacques Leenhardt ilustram de uma forma interessante o descentramento e a crise de legitimação da pósmoder ni dade O primeiro sublinha o uso que os artistas contemporâneos fazem dos 3 A este respeito consultar Astradur Eysteinsson The Concept of Modernism particularmente o capítulo Reading Modernism through Post modernism 1990103142 Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 22 espaços sociais cegos esquecidos ou excluídos relacionando aquele uso com representações sociais a degradação cultural o papel da arte no espaço urbano e político O exemplo mais notório são as esculturas de Rachel Whiteread moldes de casas em alguns casos expostas junto a um museu ou uma exposição que constituem segundo a artista um elemento de interac ção e questionamento desse espaço artístico convencional visto como uma memória colectiva uma utopia institucionalizada e definida em parte pela economia O segundo ensaio parte de uma reflexão sobre a função da crítica de arte na cultura contemporânea para sublinhar em certa medida o oposto a exposição como uma forma de arte privilegiada na idade da democratização o discurso do curador como um discurso crítico e o olhar do visitante como um campo aberto em que se propõe que ele próprio fabrique a sua história pela mediação simbólica de diferentes artes existentes Em Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa Ana Daniela Coelho e Teresa de Ataíde Malafaia dinamizam leituras a partir das interpretações inerentes à exposição como prática cultural4 Reconhecendo a não neutra lidade dos espaços dedicados ao acto de exibir acompanham o percurso pro posto aos visitantes Com essa finalidade aproveitam os cenários de visua li za ção previamente definidos pela comissária e convidam os leitores a reflec tirem sobre a relação que se estabelece entre os diversos modos de olhar no quadro da globalização que favorece a especificidade transnacional de muitas exposições Se esses modos se traduzem na ancoragem textual comum a vários países que acolheram a exposição e na subdivisão em espaços fecha dos de cores distintas que abordam um percurso dominantemente biográ fico em que as expressões da mexicanidade estão patentes as actividades propostas nos ateliers do Centro Cultural de Belém destinadas aos alunos dos vários níveis de ensino português procuram estimular uma interactividade ausente na exposição Ausência essa que condiciona a possibilidade dos visi tantes construírem a sua visão de Frida Kahlo no tempo compreendido entre 19071954 Revestese a reflexão de potencialidades críticas por pon derar o 4 Vejase a propósito da exibição presente em diversas práticas culturais a reflexão de Bella Dicks displays are no longer confined to galleries museums or other dedicated exhibitionary venues Forms of display today occupy visitable material environments Cultural meanings are literally written into landscapes roads and street furniture seating walls screens objects and artworks Museums represent societies as walkthrough exhibitions of material artifacts 2003 1718 Introdução 23 espaço da exposição como legitimador de uma interpretação condu cente a formas de exibir e articular perspectivas distintas de Ana Daniela e Teresa que leccionam respectivamente nos ensinos secundário e universitário Finalmente o ensaio de Landeg White é poderíamos dizer transversal em relação aos anteriores Defende que a imagem só mantém a sua força dentro da mesma cultura e que logo que se atravessa uma fronteira cultural podem ser necessárias bastantes palavras para lhe dar o mesmo poder Ao reflectir sobre o multiculturalismo e a forma como o Ocidente concebe a própria identidade cultural e a articula com o seu cânone artístico este texto interrogase também sobre o valor das esculturas de Whiteread a relevância da crítica museológica a importância da imagem corporal ou a própria tradição romanesca Num registo entre o crítico e o ficcional o último trabalho que vamos referir Fazer Acontecer uma História de Maria João Worm levanos de volta à necessidade de pensar o sentido da palavra diferença Antes porém devemos explicar que Fazer Acontecer uma História é uma mistura heterogénea combinando imagens e palavras conforme se deduz do que a própria artista declara na Introdução É importante para mim quando faço uma exposição saber que cada imagemtexto faz parte de um todo por isso peguei em imagens que fiz em tempos e contextos diferentes e com o que sei agora escrevi uma história para cada uma delas Nesta mesma Introdução o comunicar de uma história é ensaisticamente definido de forma que pressupõe a crítica da diferença em nome da convergência Uma história é comunicada quando existe um encontro não pela diferença mas no que temos de comum Hoje sinto que são precisas semelhanças destas em que cada um se encontre com a história sem fazer prevalecer uma interpretação Na última história escrita para a última imagem que escolheu Da palavra Reflexo De miM para Mim Maria João tentou recriar por não poder definir o que poderá ser a relação entre palavra e imagem Esta imagem é a de um linóleo onde a artista gravou alguns tigres cujos corpos ao mesmo tempo se diferenciam e convergem Sobre o que é a matriz de uma gravura a artista esclarece O desenho da matriz quando se trabalha em gravura é feito em reflexo Antes de tirar uma prova se se olhar a matriz num espelho temse uma ideia muito aproximada do que vão ser as gravuras Este reflectir da matriz na gravura materializa por analogia o pensar de Maria João sobre a melhor forma de relacionar palavra e imagem A acção física de levar à prensa a matriz reflecte um desenho Um desenho original que pensa e que nos mostra impresso esse pensamento Este é para mim um bom exemplo de relação viva entre palavra e imagem Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 24 Referências Abrams M H 1957 1999 A Glossary of Literary Terms Boston Mass Heinle Heinle Cannon John ed 1997 2002 The Oxford Companion to British History Oxford Oxford University Press Childs Peter 2000 Modernism London and New York Routledge Dicks Bella 2003 Culture on Display The Production of Contemporary Visitability London Open University Press Eysteinsson Astradur 1990 The Concept of Modernism Ithaca and London Cornell University Press Pinheiro de Sousa Alcinda 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença And gladly wolde she lerne and gladly teche Homenagem a Júlia Dias Ferreira Org Comissão Executiva do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Lisboa Colibri No prelo Walker John A Sarah Chaplin 1997 Visual Culture An Introduction Manchester New York Manchester University Press Williams Raymond 1976 1983 Keywords A Vocabulary of Culture and Society London Fontana Press Yolton John W et al eds 1991 1995 The Blackwell Companion to the Enlightenment Introd Lester G Crocker Oxford Blackwell ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos MARIA SALOMÉ MACHADO CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos C onstitui um fenómeno interessante e até irónico que em pleno século XXI quando investigadores e estudiosos têm à sua disposição as tecno lo gias mais sofisticadas que lhes permitem não só pôr em causa e reinventar os resultados das pesquisas dos seus antecessores mas também proceder à divulgação de novas hipóteses eou conclusões o comum dos mortais continue a pautarse por certas ideias antiquadas e preconcebidas acerca das matérias que os especialistas tanto se empenham em difundir Os exemplos mais óbvios remetem para as imagens que se projectam de imediato na mente do presumível público alvo quando confrontado com certas designações que se referem a determinadas épocas históricas Idade Média Renascimento e Modernidade A primeira mantémse irremediavel mente associada ao apodo obscurantismo a segunda ao prestígio de uma mudança que se imagina radical no curso dos saberes a terceira dá origem a juízos vários na sua maioria contraditórios Por isso no intuito de desmitificar velhas teorias obsoletas que teimam em persistir vaise fazer uma tentativa de redifinir parâmetros e contextos Não obstante os conflitos e convulsões o período medievo preserva no seu seio as sementes dos vários saberes que germinariam no Renascimento dando fruto tanto nesta época como nas subsequentes De facto desde os primór dios da incompreendida e mal amada Idade Média e sobretudo após a entronização do Cristianismo como religião oficial por Constantino que todos os mosteiros conventos e abadias possuiam uma biblioteca mais ou menos bem fornecida dispersa pelos vários quadrantes do conhecimento Sobre os manuscritos que nelas se encontravam armazenados debruçavam se os monges frades e outros membros da Igreja não só com o objectivo de proceder ao seu estudo mas também de os perpetuar através de novas cópias de preferência enriquecidas com iluminuras No decurso destes trabalhos embora a Igreja vigiasse com zelo implacável quem tinha acesso aos documen tos mesmo o mais simples dos copistas não ficava imune ao que transcre via benificiando deste modo ínvio da influência do valioso espólio de saberes que o Império Romano desenvolvera Maria Salomé Machado 28 Ainda que o clero fosse o maior veículo de preservação das obras da Antiguidade Clássica também alguns reis e outros senhores da alta nobreza mesmo sendo educados desde a mais tenra infância para se dedicarem quase exclusivamente às técnicas da guerra uma vez que os tempos não eram fáceis propunhamse desde o momento em que se registava um mínimo de tranqui lidade dentro e fora dos seus territórios dedicarse às artes e às letras eou incentivar outros a fazêlo Contamse entre estes patronosprosélitos Carlos Magno no século VIII em França Alfredo no IX em Wessex e os pode rosos aris tocratas dos ducados franceses como a Aquitânia e a Normandia nos X e XI Talvez porque neste último período de duzentos anos os limites territoriais dos grandes senhores gauleses estivessem bem definidos come ça ram a realizarse saraus nos seus castelos senhoriais Entre os muitos diverti mentos que se prati ca vam incluiamse poemas com dois temas básicos O primeiro tinha a ver com os feitos heróicos dos cavaleiros ao serviço de Deus e do rei o segundo com os encómios à senhora enquanto suzerana inatingível que cruel negava os seus favores ao poeta que a cantava As rimas dedicadas à dama podem consi derar se como os primeiros exemplares das cantigas de amor que se foram desenvolvendo em rituais cada vez mais complexos e acabaram por se difun dir por toda a Europa medieva A Inglaterra por seu lado recebeu a influên cia deste elemento lúdico de forma directa quando o duque normando Guilher me se dispôs a impor pela força das armas o seu remoto e duvidoso direito ao trono deste país atravessando o Canal da Mancha juntamente com o seu exército em 1066 A importância que começa a darse às artes e às letras nos círculos das classes mais favorecidas reflectia de certo modo o que se passava nas escolas ligadas às catedrais e às abadias embora dentro destas o fenómeno se passas se noutro contexto e com outro âmbito Assim se formaram centros de estudo que foram progredindo e conseguiram imporse mesmo com o espartilho restri tivo da escolástica com a apropriação pelo Cristianismo das teses de Aristó teles e dos neoplatónicos com o objectivo de emprestar mais força às suas doutrinas e com a persistência das teorias geocêntricas em detrimento de perspectivas mais lógicas e como mais tarde se provou mais conformes à reali dade Estas últimas apoiavamse no discurso e pesquisas da corrente hele nís tica que se mantinha viva e latente apesar de ter sido declarada heré tica e constituir risco de vida para aqueles que ousavam adoptála Estas insti tui ções de certo modo inovadoras deram origem às Universidades A primeira estabeleceuse em Paris durante o século XII entre 1150 e 1170 Nela ponti fica ram desde o seu início alguns mestres famosos entre eles Abelardo que na contemporaneidade é mais conhecido pela história trágica dos seus Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos 29 amores com Heloisa Em Inglaterra parece que Oxford já possuía um núcleo universitário em 1167 tendolhe sido concedida licença para conferir o grau de doutor em 1214 Quanto a Cambridge é possível que existisse desde 1208 ainda que a data oficial da sua fundação seja 1284 Embora até este momento tenham sido referidas as duas classes domi nan tes ou seja clero e nobreza com ênfase na primeira como principais detentoras do saber o povo ainda que na sua maioria iletrado partilhava por estranho que pareça do património de conhecimentos comum às outras duas O acesso a este espólio faziase através da palavra e da imagem e possuía várias vertentes que interagiam entre si Por um lado havia os sermões ineren tes aos actos litúrgicos que emprestavam voz a todo um rico sistema visual simbólico que estava bem patente tanto na estrutura interna como na traça exterior das Igrejas Por outro dispunham das representações teatrais que com início nos próprios lugares de culto e sob a égide do clero possuiam objectivos didácticos No intuito de prender o interesse da assistência e obviar à aridez de certos temas inseriramse desde muito cedo nestas peças de teatro rudimentares episódios cómicos Contudo foi só a partir do instante em que o drama extravasou para fora das paredes dos templos e as guildas passaram a ser responsáveis pelos espectáculos que o mesmo drama adquiriu o carácter que se lhe conhece hoje a difusão da mensagem cristã através do relato da história da humanidade como está consignada tanto no Antigo como no Novo Testamento Eram os ciclos de Mistérios e um pouco mais tarde com o desenvolvimento gradual do pensamento abstracto as Moralidades Mas nem tudo era Cristianismo e a partilha do saber comum faziase muitas vezes por via indirecta e no sentido inverso ou seja da classe menos favorecida para as dominantes De facto o povo tinha as suas próprias crenças que remontavam a tradições pagãs milenares e por muito que o clero se esforçasse não conseguia nem erradicálas nem ficar imune aos seus efeitos Assim nas festividades de cunho popular que coincidiam com as estações do ano para além das peças de cariz cristão havia teatro de rua e cortejos alegóricos com origem em reminiscências de antiquíssimos cultos lendários transmitidos por via oral Neles se projectavam os feitos de seres míticos alguns assustadores e se confirmava o medo supersticioso por criatu ras nocturnas insubstanciais e malévolas cuja tarefa consistia em encher de temor todos aqueles que tinham a pouca sorte de as encontrar no seu cami nho Por outro lado os menestréis cuja entrada nos castelos era permitida marcavam presença nestes festejos cantando as mesmas trovas com que haviam deliciado os senhores Também seria provável que voltassem aos castros senhoriais levando consigo nem que fosse como objecto de gáudio e Maria Salomé Machado 30 troça algumas informações circunstanciadas do que se passava entre o povo Outros visitantes marcavam presença nestes festejos os goliardos ou clérigos vagantes que contribuiam para a diversão geral com poemas de cunho erudito por vezes em latim nos quais se exaltava o amor as mulheres e o vinho e se fazia referência à roda da fortuna que no seu eterno movimento caprichoso e traiçoeiro tanto se dispunha a favorecer como a prejudicar os indefesos seres humanos Mas outras personagens importantes representavam papel de relevo nestas festas os astrólogos que muitas vezes também eram alquimistas e que prediziam o futuro os sinistros físicos ou médicos com promessas de curas milagrosas e os ínvios boticários que propunham poções em equilíbrio precário e instável sobre a linha divisória entre o remédio e o veneno E os aristocratas vinham por vezes consultálos para os mais diversos fins Portanto clero nobreza e povo embora rigidamente separados enquanto classes sociais possuiam a mesma fé básica e as mesmas crendices supersti ciosas Como as épocas não são compartimentos estanques o Renascimento com r maiúsculo porque cada vez que os homens se dedicavam às artes e às letras havia renascimentos com r minúsculo herdou toda esta mentalidade não obstante a abertura de horizontes devida a várias circunstâncias favorá veis todas elas no século XV a invenção da imprensa por William Caxton que permitiu o acesso à palavra escrita e fomentou a prática da leitura a queda de Constantinopla que juntamente com a aprendizagem da língua grega foi determinante para a divulgação de certas obras ainda desconhecidas da Antiguidade Clássica e as viagens por mar com o objectivo de descobrir novos mundos que mostraram a necessidade do estudo da matemática para obter instrumentos exactos que procedessem a quantificações precisas e colmatassem as exigências da arte de marear Todos estes factores deram um novo impulso às mais diversas áreas do pensamento humano promovendo a vontade de aprender e demonstrando que nem só de guerras e conquistas se faz a glória de um rei e de um reino Assim os monarcas passaram a instruirse e o seu exemplo levou os seus súbdi tos a proceder do mesmo modo A poesia embora nela o amor se manti vesse como tema principal tornouse ágil e plástica beneficiando da rica estrutura mitológica grecolatina Quanto ao teatro abandonou pelo menos aparente mente os temas religiosos e a luta do bem e do mal e sob a influên cia da tragédia da comédia e da sátira com origem na Grécia e em Roma ganhou outra dimensão Os restantes saberes que mais tarde se tornariam ciência também auferiram de um novo estímulo com resultados muito proveitosos Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos 31 Face a estes pressupostos parece ser legítimo deduzir que Renascimento e Modernidade estão profundamente ligados entre si Embora os estudiosos da época Moderna coloquem sempre o seu início na segunda metade do século XVII altura em que a ciência se liberta das grilhetas impostas pela reli gião cristã não há dúvida de que o pensamento moderno começou bastan te mais cedo Numa sugestão arrojada e porventura temerária poderseia insinuar que este já se encontrava presente nos estudos e pesquisas dos sábios de Alexandria e que só acabou de vez no Oriente com a queda de Constan tinopla Contudo também é inegável que na Europa devido a circunstâncias várias aliás já enumeradas a Modernidade levou mais tempo a desenvolver se Mas tal como acontece com os surtos renascentistas que eclodem por toda a Idade Média ela é uma presença subterrânea constante e incómoda sempre pronta a manifestarse Assim e correndo o risco de recuar para além das datas tradicionalmente propostas esperase não cometer uma incorrec ção ao sugerir que a Modernidade já se revela em pleno a partir do século XV por exemplo nos trabalhos multifacetados de Leonardo da Vinci 1452 1519 nos estudos de Copérnico que explanou as teorias heliocêntricas 14731543 e nas teses filosóficas do humanista Jean Luis Vives 14921540 Quanto a Galileu que foi o fundador da ciência experimental em Itália e fiel discípulo de Copérnico não está votado ao esquecimento Apesar de a Igreja ainda ter exigido que ele se retractasse ele já está muito próximo das datas oficiais consensualmente aceites 15641642 para o início da Modernidade Por isso só um texto menos ecléctico lhe fará justiça Referências Carter R and J McRae 2001 The Routledge History of Literature in English 2nd ed London and New York Routledge Fox Adam 2002 Oral and Literate Culture in England 15001700 Oxford Oxford University Press Treasure Geoffrey 2000 The Making of Modern Europe 16481780 London and New York Routledge ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector ALDA CORREIA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa O corpo tem sido ao longo da história da cultura e do pensa mento ocidentais frequentemente desvalorizado em relação à mente Enquanto esta é associada ao divino ao imortal e ao transcendente aquele tem sido relacionado com a decadência a morte e a animalidade Com Descartes o homem tornase sujeito e o corpo tornase objecto de interro gações Para este pensador a união entre a alma e o corpo que torna possível a acção recíproca de um sobre o outro ocorre no cérebro precisa mente na glândula pineal a única parte deste que não é dupla e pode por isso unificar a sensações que vêm dos órgãos dos sentidos que são todos duplos Descartes distingue na alma acções e afecções as acções dependem da von ta de as afecções são involuntárias e constituídas por percepções senti mentos ou emoções causadas na alma pelos espíritos vitais isto é pelas forças mecâ ni cas que actuam no corpo Evidentemente a força da alma consiste em vencer as emoções e deter os movimentos do corpo que as acompanham No entanto nem todas as emoções são nocivas algumas são fundamentais para conservar o corpo e tornálo mais perfeito Mais tarde a busca de identidade que o século XIX virá trazer incluirá uma outra forma de reflexão sobre o corpo Se até aí se tentava compreender os seus mecanismos para o tratar educar o espírito e melhorar a sociedade agora ele passa a ser pensado e avaliado como mais um elemento do mundo material ou uma imagem que actua como outras imagens que integram a cultura Na fenomenologia sobretudo em Sartre o corpo é um intermediário privilegiado para falar da realidade humana e a relação do homem com o mundo não pode ser estudada sem o corpo MerleauPonty opõese ao dua lismo mentecorpo ao falar da experiência do corpo como um veículo do ser no mundo algo que está dentro do mundo como o coração no orga nismo porque forma com ele um sistema1 Com Freud o corpo traznos o acesso à problemática psíquica pondo a nu a instabilidade a fragmen tação e a 1 M MerleauPonty Phénomenologie de la Perception Paris Gallimard 1972 235 Alda Correia 36 inconsistência da própria noção de sujeito Também a antropologia contri buirá para pôr fim à visão dualista do corpo Este é agora um produto da interacção permanente entre o cultural e o social tanto no plano das prá ticas como no das representações como refere Florence Braunstein2 António Damásio viria mais tarde a entrelaçar todas as flores deste bouquet ao provar que o cérebro humano se desenvolveu a partir da interacção de mapas corpo rais cerebrais emocionais culturais e volitivos Como ele refere fazia real men te sentido o costume antigo de designar aquilo a que hoje chamamos mente pela palavra psyche que também era utilizada para designar a respiração e o sangue3 Na arte e particularmente na literatura estas transformações traduzem se no desenvolvimento de uma narrativa introvertida que tanto se concentra na exploração das continuidades e descontinuidades da mente das persona gens como nas suas percepções físicas ou na relação entre ambas Este avolumar da vida interior hipertrofia o corpo ao mesmo tempo que o leva a concentrarse em percepções e objectos externos no Outro Pode chegar à deformação e à desestruturação e aí o eu da personagem substitui o seu vazio corporal A pintura ilustra com muita clareza esta evolução do corpo basta pensar nos impressionistas em Les Demoiselles de Avignon de Picasso e no quadro de Bacon Estudos sobre o corpo humano No caso do corpo feminino toda a questão se punha de forma mais flagrante O corpo da mulher tinha sido sacralizado e idealizado no seu papel de mãe e amante tendo para tal contribuído o impedimento de acesso à edu ca ção ao mundo do trabalho e à participação cívica A divisão mentecorpo regressava de novo no caso da mulher Ela era associada ao corpo em oposição ao homem associado à mente Como Patricia Moran refere em Word of Mouth4 as aspirações intelectuais pareciam exigir para muitas mulheres a negação do seu corpo feminino Até as conclusões de Freud sobre a sexualidade da mulher viriam a ser contestadas pelas feministas No texto The Laugh of the Medusa5 Hélène Cixous defende que as 2 Florence Braunstein e JeanFrançois Pépin O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental Lisboa Instituto Piaget 2001 140 3 António Damásio O Sentimento de Si Mem Martins Publ EuropaAmérica 2003 50 4 Patricia Moran Word of Mouth Body Language in Katherine Mansfield and Virginia Woolf Charlottesville Univ Press of Virginia 1996 2 5 Hélène Cixous The Laugh of the Medusa Signs Journal of Women in Culture and Society 14 1976 875893 Ver o Corpo Escrever o Corpo 37 mulhe res devem em primeiro lugar destruir a imagem do corpo que lhes foi imposta pelas estruturas patriarcais como asexuadas histéricas místicas um reflexo do corpo masculino e numa segunda fase depois de redescobertos os seus corpos perdidos devem pensar e escrever através das suas experiências físicas como mulheres Esta formulação implica a existência de dois tipos de corpo com representações diferentes que Molly Hite teoriza como the body for others the body cast in social roles and bound by the laws of social interaction e o visionary body a second physical presence in funda men tal respects different from the gendered body6 que pode trazer novas perspectivas e novas estratégias de representação estética No artigo em que apresenta esta distinção Hite estuda a evolução de um momento a outro nas obras de Virginia Woolf sublinhando a importância do corpo visionário na fase mais madura da escritora evolução que tinha sido aliás já proposta por Katerina KitsiMitakou no seu livro Feminist Readings of the Body in V Woolfs Novels7 Os romances Mrs Dalloway 1925 de Virginia Woolf e Água Viva 1973 de Clarice Lispector exploram com bastante clareza estes dois conceitos de corpo e é disso que aqui nos ocuparemos Mrs Dalloway é uma das obras de Virginia Woolf que aborda com maior amplitude a questão social tanto no que diz respeito ao sistema e às relações entre classes e tipos sociais como no que diz respeito às tensões vividas pela mulher em todo esse contexto A relação de Clarissa com o corpo que reflecte a ansiedade de Virginia Woolf e também muita da ansiedade da época sobre o corpo feminino é na verda de conflituosa se por um lado ela optou por um casamento convencio nal e economicamente seguro por outro não consegue relacionarse fisicamente com o marido acabando por revelar as suas emoções em relação a Sally e a Peter Vejamse as várias referências à sua castidade à frieza no casamento à paixão por Sally Like a nun withdrawing or a child exploring a tower she went upstairs And really she preferred to read of the retreat from Moscow He knew it So the room was an attic the bed narrow and lying there reading for she slept badly she could not dispel a virginity preserved through childbirth which clung to her like a sheet 6 Molly Hite Virginia Woolfs Two Bodies Genders 31 2000 wwwgendersorgg31g31hitehtml 7 Katerina KitsiMitakou Feminist Readings of the Body in Virginia Woolfs Novels Thessaloniki GiahoudiGiapouli 1997 Alda Correia 38 But this question of love this falling in love with women Take Sally Seton Had not that after all been love Sally stopped picked a flower kissed her on the lips The whole world might have turned upside down8 Este conflito corresponde segundo KitsiMitakou à dicotomia contida na imagem da Virgem Maria caracterizada pela vivência dos estados opostos de virgindade e maternidade Woolf teria partido do mito cristão para explorar a imagem da virgindade em Clarissa utilizando comparações frequentes com a vida monástica e descrições físicas que sublinham a forma alongada erecta e fria da protagonista e mesmo a ausência dos seios she felt like a nun who has left the world and feels fold round her the familiar veils and the response to old devotions feeling herself suddenly shrivelled aged breastless9 Esta relação conflituosa com o corpo é reforçada através das duas perso na gens que podem ser consideradas como duplos espiritual e corporal de Clarissa respectivamente Septimus Smith e Doris Kilman Patricia Moran sublinha que tanto Septimus como Doris se relacionam de forma perturbada com a alimentação para ambos esta simboliza a ligação à vivência de um corpo que os limita Septimus could not taste could not feel Even taste had no relish to him10 A impossibilidade de sentir que o levará à morte o pecado pelo qual a natureza humana o tinha condenado estendese a todo o corpo inclusivamente à sexualidade Love between man and woman was repulsive to Shakespeare The business of copulation was filth to him before the end But Rezia said she must have children So there was no excuse nothing whatever the matter except the sin for which human nature had condemned him to death that he did not feel11 A insensibilidade que afecta Septimus no corpo na alma e nas suas relações com os outros é tão redutora quanto a fealdade no corpo de Miss Kilman O seu unlovable body aliado à pobreza afastálaá da possibi li da de de acesso à felicidade conduzindoa ao contrário de Septimus à revol ta contra a marginalização de que era alvo contra a desigualdade perante mulheres como Clarissa contra o sofrimento por que era obrigada a passar e 8 Virginia Woolf Mrs Dalloway ed Shakespeare Head Press Oxford Blackwell 1996 2528 9 Woolf 2325 10 Woolf 66 11 Woolf 67 e 69 Ver o Corpo Escrever o Corpo 39 finalmente a uma certa sublimação do conflito através do gosto pela comida da religiosidade e do conhecimento intelectual She could not help being ugly she could not afford to buy pretty clothes With that violent grudge against the world which had scorned her sneered at her cast her off beginning with this indignity the infliction of her unlovable body which people could nor bear to see Do her hair as she might her forehead remained like an egg bald white No clothes suited her She might buy anything And for a woman of course that meant never meeting the opposite sex Her food was all that she lived for her comforts her dinner her tea her hotwater bottle at night But one must fight vanquish have faith in God But no one knew the agony He said pointing to the crucifix that God knew However she was Doris Kilman She had her degree She was a woman who had made her way in the world Her knowledge of modern history was more than respectable12 O corpo de Clarissa e a sua vida que Miss Kilman inveja não são encarados de uma forma tão positiva pela própria No início ao passear em Bond Street Clarissa diz possuir uma narrow peastick figure e a ridiculous little face beaked like a birds13 Neste momento ao observar uma pintura holandesa acrescenta que o próprio corpo com todas as suas capacidades não parece ser absolutamente nada fazendoa sentir invisível e desconhecida14 O conflito entre a imagem e vivência real da maternidade15 de Clarissa e a imagem e vivência da sua virgindade frieza e sexualidade ambígua é ampliado e revertido pelos pontos de vista de Kilman e Septimus sobre o corpo Para além de várias referências à impenetrabilidade e rigidez de Clarissa16 a alusão à pintura holandesa e à pintura de Reynolds Lady Caroline Scott as Winter acentuam a imagem de um corpo austero sóbrio no primeiro caso ou puramente infantil no segundo A primeira feita durante a tentativa inicial da autora de descrever o corpo de Clarissa é interpretada por 12 Woolf 9699 13 Woolf 10 14 Woolf 10 But often now this body she wore she stopped to look at a Dutch picture this body with all its capacities seemed nothing nothing at all She had the oddest sense of being herself invisible unseen unknown There being no more marrying no more having of children now 15 Esta questão é analisada sob outros pontos de vista através do casal Smith cuja mulher Lucrezia pretende ter um filho de Sally Seaton que é mãe de five enormous boys ou de Bradshaw que fala constantemento do filho em Eton 16 Woolf 29 e 47 That was her self pointed dartlike definite this coldness this woodness something very profound in her an impenetrability Alda Correia 40 KitsiMitakou como mais um sinal de oscilação entre dois conceitos opostos os de apagamento do corpo e valorização das formas físicas ambos implícitos na evolução da pintura holandesa17 A segunda é assinalada pelo olhar observador de Miss Kilman enquanto reflecte sobre o desprezo sentido pelos Dalloway ao chegar lá a casa mas é também recordada por Clarissa quando na festa o pensamento lhe traz a figura da preceptora criandose assim uma espécie de efeito de espelho que relaciona as duas personagens e a visão que cada uma tem do corpo da outra A ligação entre Clarissa e Kilman a simpatia e o ódio que cada uma sente pela outra18 falam do mesmo conflito se pensarmos na relação de ambas com Elizabeth ao contrário do que acontece com Clarissa os sentimentos possessivos e maternais de Kilman por Elizabeth estão presentes num corpo ao qual o sexo foi negado O corpo de Clarissa é ainda claramente o corpo inserido em papéis sociais tradicionalmente atribuídos à mulher mas também já de algum modo por ela rejeitados Descontente com a sua aparência sentindose culpada em relação a Richard e à filha incapaz de enfrentar os seus laços com Sally procura na festa um protagonismo que mais uma vez aceita e promove os padrões sociais tradicionais No final no entanto Peter regista o terror o êxtase e a excitação que sente perante a simples presença de Clarissa For there she was É talvez esse poder misterioso do seu corpo que abrirá a porta ao corpo visionário das obras seguintes de Woolf e que se encontra bem representado em Água Viva Neste texto considerado por Cixous como um exemplo do conceito de écriture féminine como uma das poucas excepções 17 KitsiMitakou 6566 The allusion to the Dutch painting which Clarissa stops to look at while Woolf is defining her body far from being accidental reinforces Clarissas image the severity plainness and asceticism of the figures in fifteenthcentury Flemish paintings harmonize with her wooden ness and uprightness Yet the painting is not defined neither its title nor its painter are specified The obscurity of the picture which may range from a fifteenthcentury Jan van Eyck or Roger van der Weyden to a seventeenth or eighteenthcentury Rubens or Rembrandt allows Woolf to suggest a whole period in painting That is Dutch painting which at its rise in the early Renaissance subtracts the body from its natural characteristics by elongating the figures reducing their depth and rendering them twodimensional inflexible and unapproachable and ends up two centuries later in the apotheosis of the flesh the corpulent spherical and massive bodies The allusion to the whole Dutch period reflects Clarissas oscillation between two antinominal concepts the extinction of her body on the one hand and the redefinition of her body as virginal and breastless on the other hand Dutch painting and Christianity at this point converge and echo Clarissas dichotomized body both take the body away only to give it back defined through patriarchy 18 Miss Kilman diz embora num contexto ambíguo Ugly clumsy Clarissa Dalloway had laughed at her for being that and had revived the fleshly desires for she minded looking as she did beside Clarissa p96 Clarissa refere ao recordar Kilman na festa She hated her she loved her p 130 Ver o Corpo Escrever o Corpo 41 de escrita que inscreve a feminilidade deixamos de ter um corpo condicio na do social e culturalmente para termos um corpo por um lado concentrado na sua essência vital e nos seus impulsos mais primitivos situado na fronteira do corpo físico da protagonista mas por outro em busca de uma compre en são definitiva da ontologia da vida A escrita em paralelo com a pintura vai determinando essa busca através da autodescoberta de uma mulher que num monólogo contínuo fala a um narratário identificado como tu Neste movimento nesta busca do significado para além do significado a persona gem utiliza todos os modos de representação e percepção ao seu alcance escrita pintura música eliminando as fronteiras entre eles É isto mesmo que é dito logo de início Escrevote toda inteira e sinto um sabor em ser e o saborati é abstrato como o instante É também com o corpo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo eu corpoacorpo comigo mesma Não se compreende música ouvese Ouveme então com o teu corpo intei ro Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições já que escrevo tosco e sem ordem Hoje acabei a tela de que te falei linhas redondas que se interpe ne tram em traços finos e negros e tu que tens o hábito de querer saber porquê perguntarás por que os traços negros e finos É por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras Tanto quanto possa ser implícita a palavra muda no som musical19 A pintura é apresentada como uma actividade anterior à experiência da escrita mas ambas pressupõem o corpo e em ambas se procura uma essência que só se pode encontrar no instante Minha pintura não tem palavras fica atrás do pensamento Nesse terreno do ése sou puro êxtase cristalino Ése Soume Tu te és Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas O halo é mais importante que as coisas e as palavras O halo é vertiginoso Tenho que me destituir para alcançar cerne e semente de vida O instante é semente viva20 Este halo das coisas a semente viva do instante atingemse quando a per so nagem narradora nasce aprofundando a sua própria consciência de existir 19 Clarice Lispector Água Viva Rio de Janeiro Francisco Alves Ed 1993 1415 20 Lispector 33 53 e 16 Alda Correia 42 O processo é físico carnal mas todo ele testemunha a procura de algo de visio nário o elemento puro o it vivo das coisas e da matéria Nas referên cias associadas ao nascimento Lispector reduz o corpo a uma matéria inerte primordial a um plasma criador Expressões como estou respirando Para cima e para baixo Como é que a ostra nua respira A impressão é que estou por nascer e não consigo Maravilhoso escândalo nasço It é mole e é ostra e é placenta Estou me fazendo Eu me faço chegar até ao caroço O instante é o vasto ovo de vísceras mornas21 revelam essa identi fi cação a partir da qual a personagemnarradora continua a interrogarse sobre a questão da morte e da vida Ao perguntarse se está no âmago da morte e se para isso está viva a resposta virá através da ferida da carne do doloroso sangue22 o que evoca uma vez mais a vertente visceral e orgânica do corpo como resposta a uma questão existencial O corpo transformase num dom como diz Clarice23 pois só através dele se experimenta a dádiva de existir A pintura e a escrita criadas para ver estritamente o momento deter mi nam em parte a identidade da personagem funcionando assim como actos ontoló gi cos inventados à medida que esta se questiona Toda a proble mática do texto é apresentada partindo do corpo da personagemnarradora como matéria através das linhas que constroem e estruturam os objectos da pintura Mas eu também quero pintar um tema quero criar um objecto E esse objecto será um guardaroupa pois que há de mais concreto Tenho que estudar o guardaroupa antes de pintálo Que vejo Aí posso pintar a essência de um guardaroupa24 e a partir da escrita desta mesma experiência Tudo acaba mas o que te escrevo continua O que te escrevo é um isto25 O corpo é portanto não só o corpo da per so nagem mas o corpo das telas e o corpo escrito do texto com a sua estrutura fragmentária como uma respiração Todos participam num devir comum pro cu ra do e construído à medida que se procura trazendo aquilo que é repre sen tado para a própria representação Esta relação é muito clara se nos recor dar mos que a versão inicial de Água Viva se intitulava Objecto Gritante Carlos Sousa no seu livro Clarice Lispector Figuras da Escrita26 mostra como no dac ti loescrito Clarice substituiu diversas vezes escreverescrita por pintarpintura 21 Lispector 3547 22 Lispector 80 23 Lispector 93 24 Lispector 8788 25 Lispector 100101 26 Carlos Mendes de Sousa Clarice Lispector Figuras da Escrita Braga Univ Minho 2000 301309 Ver o Corpo Escrever o Corpo 43 A reversibilidade entre a palavra e a imagem assim como a ausência de limites corpóreos da personagem evocam a visão que Woolf nos apresenta dos limites da subjectividade e da identidade Visto através do famoso envelope semitransparente o corpo de Clarissa Dalloway revela vertentes muito diferentes é descentrado descontínuo escapanos O seu mistério é que apenas existe O diálogo entre palavra e imagem tendo como ponto de referência o corpo mas dando dele planos diversos que se desdobram e se tornam até antagónicos atravessa ambas as obras de formas diferentes reve lando por detrás de todos esses túneis uma espécie de núcleo de identidade em que a distinção entre o físico e o mental nem sempre é clara Este núcleo resultante do desejo de compreender a verdade comum às duas escritoras é visionário no seu desenraizamento de papeis sociais mas permite um enten di mento mais claro da condição humana Como Lispector escreve num dos últimos parágrafos de Água Viva Eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei Fui ao encontro de mim Calma alegre plenitude sem fulminação Simplesmente eu sou eu Referências Braunstein Florence JeanFrançois Pépin O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental Lisboa Instituto Piaget 2001 Cixous Hélène The Laugh of the Medusa Signs Journal of Women in Culture and Society 14 1976 875893 Damásio António O Sentimento de Si Mem Martins Publ EuropaAmérica 2003 Hite Molly Virginia Woolfs Two Bodies Genders 31 2000 wwwgendersorgg31g31hitehtml 4 Julho 2005 KitsiMitakou Katerina Feminist Readings of the Body in Virginia Woolfs Novels Thessalonoki GiahoudiGiapouli 1997 Lispector Clarice Água Viva Rio de Janeiro Francisco Alves Ed 1993 MerleauPonty M Phénomenologie de la Perception Paris Gallimard 1972 Moran Patricia Word of Mouth Body Language in Katherine Mansfield and Virginia Woolf Charlottesville Univ Press of Virginia 1996 Sousa Carlos Mendes Clarice Lispector Figuras da Escrita Braga Univ Minho 2000 Woolf Virginia Mrs Dalloway Shakespeare Head Press Edition Oxford Blackwell 1996 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction CATHERINE BERNARD Université Paris VII M y intention here is to turn to recent developments in the field of English art and writing which may afford a different form of purchase on the dominant reading of modernity and what is all too often misread under the vast and illdefined notion of postmodernity These recent developments have directed our gaze away from the overexposed common places of affirmative and consensual culture whether they be Frank Gehrys space Odyssey architecture or the mass marketed heritage culture of Hollywood adaptations the facile radicalism of global literature or Bob Wilsons chic and glossy opera productions of Wagner they have in the field of visual arts fiction and documentary writing tried to reappropriate some of the dark corners of culture some of the illlit spaces of the English political unconscious In that respect the title of this paper may just as well have read Looking at the Overlooked in hommage to Norman Brysons remarkable essay on still life painting1 in which he examines the aesthetic hierarchy that until the advent of modern painting in the middle of the 19th century ruled over painting and according to which still life was but the poor and distant relative of the grander and more aristocratic genres historical painting and mythological scenes For Bryson looking at the overlooked implies that with the masters of still life we turn our gazes to the blind spots of our surroundings to the areas of expe rience which remain all too often misrepresented when they are not literally overlooked ignored our trained gaze failing to acknowledge them as meaningful as signs to be deciphered A lot has already been said and written about the subversive and ironical intent of recent English and American fiction on its capacity to upheave canon ical cultural narratives especially in the field of AfricanAmerican fiction or of 1 Norman Bryson Looking at the Overlooked London Reaktion Books 1990 Catherine Bernard 48 feminist writing2 Similarly a lot has been said about the historical turn of recent English fiction and its historiographic potential3 I shall conse quent ly not return to these wellcharted grounds but shall rather turn my attention to the way part of contemporary English art and writing precisely address to redress it maybe the long and ambiguous tradition in English literature especially of the overlooked an overlooked that has been excised altogether from representation or when present has featured under the sign of the repellent and threatening other the alien within to be contained aesthetically These questions have been raised before by both feminist readings of the canon4 and postcolonial or Marxist readings5 My modest contribution to this debate which aims at producing an alternative reading of modernity will 2 The list of studies devoted to these two specific fields would be too long Suffice it to mention the recovery work that has been done by the New modernist studies to reread the Modernist canon and hear the muffled voices of forgotten as often as not women writers See for instance Carola M Kaplan and Anne B Simpson ed Seeing Double Revisioning Edwardian and Modernist Literature New York St Martins Press 1996 Rita Felski The Gender of Modernity Cambridge Mass Harvard University Press 1995 Ann L Ardis Modernism and Cultural Conflict 1880 1922 Cambridge Cambridge University Press 2002 or Stella Dean Challenging Modernism New Readings in Literature and Culture 191445 London Ashgate 2002 3 One may mention Linda Hutcheons now classic essay A Poetics of Postmodernism London Routledge 1988 in which she explores at length Graham Swifts critical rereading of the writing of history in Waterland One may also refer to chapter 4 of Steven Connors The English Novel in History 19501995 London Routledge 1996 to Patrick Swinden The English Novel of History and Society 19401980 Londres Palgrave 1984 David Leon Higdons Shadows of the Past in Contemporary British Fiction Atlanta University of Georgia Press 1985 Margaret Scanlans Traces of Another Time History and Politics in Postwar British Fiction Princeton Princeton University Press 1990 Elisabeth Wesselings Writing History as a Prophet Postmodernist Innovations of the Historical Novel Amsterdam Benjamins199 Susana Onegas Telling Histories Narrativizing History Historicizing Literature Amsterdam Rodopi 1995 Christina Kottes Ethical Dimensions in British Historiographic Metafiction Studies in English Literary and Cultural History Trier Wissenschaftlicher Verlag 2001 Peter Middleton and Tim Woodss Literatures of Memory History Time and Space in Postwar Writing Manchester Manchester UP 2000 Brian Bonds The Unquiet Front Britains Role in Literature and History Cambridge Cambridge University Press 2002 4 I am thinking among other canonical feminist rereadings of the canon of Elizabeth Bronfens Over her Dead Body Death Femininity and the Aesthetic Manchester Manchester University Press 1992 and in the field of visual arts of the work of Griselda Pollock see her Differencing the Canon Feminism and the Writing of Arts Histories London Routledge 1999 or her Generations and Geographies in the Visual Arts Feminist Readings London Routledge 1996 5 One may mention the by now canonical interpretation of Mansfield Park by Edward Saïd in Culture and Emperialism London Chatto Windus 1993 or Terry Eagletons reappraisal of Wuthering Heights in Heathcliff and the Great Hunger Studies in Irish Culture London Verso 1996 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 49 consist in turning to sites places which to my knowldege have so far aroused little interest in the field of English studies More specifically I will turn to the way part of art and literature in England today aim at fostering a reflection about the cultural economy by reinvesting the more humble sites of culture long kept in the wings of representation With the notable exceptions of Dickenss Bleak House Mrs Gaskells North and South and Mary Barton Lawrences Sons and Lovers and in the 50s of the Angry Young Men the actual living space of the working class and a fortiori of the lumpenproletariat rarely features in English fiction As EM Forster puts it in Howards End in one of his epigrammatic formulas that cut to the bone of the cultural body We are not concerned with the very poor They are unthinkable and only to be approached by the statisticial or the poet6The very poor and even more so the vast and illdefined class of those in service are usually kept in the margins of representation They are reduced to being insub stantial silhouettes that are taken for granted by both the social and the fictional economies In Mrs Gaskells North and South Margaret the modern woman the broadminded and generous heroine has the unsettling intuition that There might be toilers and moilers there in London but she never saw them the very servants lived in an underground world of their own of which she knew neither the hopes nor the fears they only seemed to start into existence when some want or whim of their master and mistress needed them7 In her famed 1923 essay Mr Bennett and Mrs Brown Virginia Woolf was to read the emergence of the Leviathanlike Victorian cook out of her netherworld as an index of the changing times In or about December 1910 human character changed In life one can see the change if I may use a comely illustration in the character of ones cook The Victorian cook lived like a leviathan in the lower depths formidable silent obscure inscrutable the Georgian cook is a creature of sunshine and fresh air in and out of the drawing room now to borrow the Daily Herald now to ask advice about a hat Do you ask for more solemn instances of the power of the human race to change8 6 EM Forster Howards End 1910 London Penguin 1989 p 58 7 Mrs Gaskell North and South 18541855 London Penguin 2003 p 364 8 Virginia Woolf Mr Bennett and Mrs Brown 1924 Rachel Bowlby ed A Womans Essays London Penguin 1992 pp 7071 Catherine Bernard 50 A lot could be said about this telltale passage in which the logic of representation inscrutable is revealed to tie in with that of the social and domestic economy and in which a disturbing political unconscious may also be seen at work according to which the lower classes are even if ironically perceived as the home monster the ugly and frightening beast hitherto enslaved but that ominously raises its head and sets itself free of its own accord Already in Culture and Anarchy Matthew Arnold felt the pressure of those he defined as the Populace to be distinguished from the aristocratic Barbarians and the middleclass Philistines As early as the late 1860s the time of Arnolds publication of his essay the populace was felt to be about to burst the circumference of its allotted world to emerge in full light Arnolds description conveying mixed feelings of fear and fascination But that vast portion lastly of the working class which raw and half developed has long lain halfhidden amidst its poverty and squalor and is now issuing from its hidingplace to assert an Englishmans heavenborn privilege of doing as he likes and is beginning to perplex us by marching where it likes meeting where it likes bawling what it likes breaking what it likes to this vast residuum we may with great propriety give the name of Populace9 Throughout Victorian fiction one can feel this teeming populace pressing against the walls of decent society threatening to wreak havoc In Bleak House in which one finds the most disturbing account of the life of the Victorian dispossessed little Jos dwelling in the famed Tom All Alones is caught in the powerful political paradigm of decadence and civil corruption rotting away collapsing and oozing noxious vapours that reach to the heart of a sickening society The social other within only surfaces here under the aegis of a form of neogothic fear and trembling that seems to rule out any possibility of redemption beside sacrifical death the very sort of death visited on Little Jo In the 20th century with the remarkable exceptions of Lawrences Sons and Lovers until John Braine in Room at the Top 1957 and Alan Sillitoe in Saturday Night and Sunday Morning 1958 brought the working class to the forefront of fiction these dark corners of Englands collective house featured essentially as sociological testimonies especially in the works of field pho tographers like Bill Brandt One should also mention in the 50s and 60s the extraordinary project of Jeremy Forsyth on the west end of Newcastle who 9 Matthew Arnold Culture and Anarchy 186769 Cambridge Cambridge University Press 1993 p 107 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 51 painstakingly documented the life in one street of Newcastle and the changes brought on by modernization to workingclass mores Later in the 60s Magnum photographer Don McCullin was also to bring the dispossesed the same attention he brought to the documentation of modern war Such return to of the real to borrow art critic Hal Fosters words10 features larger in more recent developments in art and writing artists finding here another way of blurring the frontier between fiction and fact and of exploring the constructedness of social representation Denouncing the gospel of the autonomization of the artwork expounded by part of the Modernists whether in France or in Britain and Ireland from Mallarmé to Baudelaire from Valéry to Eliot the artist redefines himself herself as ethnographer11 in order to show culture at work and to question the way it naturalizes its ideological premises This may take the concrete form of a shift in the geographical focus as is the case in Peter Ackroyds monumental biography of London London The Biography which relocates the heart of Londons cultural identity in the East End the three maps placed at the beginning of the book the City in 1800 the City in 2000 and Soho and the West End implicitly overlapping with say that of Woolfs upper middle class London in Mrs Dalloway or The Years yet also widening the geographical and sociological range to include the East end Against the glorious narrative of England as it is inscribed in its West end monuments monuments in which Woolf already perceived the deadly spirit of Imperial and reactionary ideology to be fully at work Ackroyd proposes a winding and evershifting history of the under world of London and reclaims the energy of an archaic popular culture that has remained resilent until its eradication by capitalist gentrification see his history of the Docklands in chapter 7 of the biography Fortune not Design As reclaimed by Ackroyd the spirit of London is footloose deeply anarchic centrifugal However Ackroyds celebration is also fraught with the nagging certainty that it may today be retrievable only as a ghostly trace The decade which saw the emergence of the yuppies for example also witnessed the revival of streetbeggars and vagrants sleeping rough upon the streets or within doorways The Strand in 10 Hal Foster The Return of the Real Cambridge Mass The MIT Press 1999 11 Ibid chap 6 Catherine Bernard 52 particular became a great throughfare of the dispossessed Despite civic and government initiatives they are still there They are now part of the recognisable population they are Londoners joining the endless parade Or perhaps by sitting upon the sidelines they remind everyone else that it is a parade12 To countervene this slow degradation the biographer turns antiquarian as he ponders over the textual traces of the past and delves into the archives of a dead culture For all its vigour Ackroyds project is a deeply and sorrowfully bleak and nostalgic one His working class London is a ghostly and as often as not a tragic one to be reconstructed out of shattered human archives fragments shored against the impending ruin of an erstwhile organic culture to paraphrase Eliots famous line It is in that respect only fitting that at the end of the last photographic folio of London The Biography should feature a photo graph by Don McCullin of the homeless of Spitalfieds lost in the help lessness of their insanity and in the squalor of a derelict city Like Graham Swifts elegiac novel Last Orders 1996 which tries to reinvent the very linguistic fabric of the East end working class Ackroyds biogaphical crypt reeks of nostalgia A similar sense of cultural loss also imbues Iain Sinclairs idiosyncratic odyssey around London in Lights Out for the Territory when it conjures up the departed spirit of the city from the broken ruins of scrapeyards and abandoned cemeteries Both Ackroyd and Sinclair celebrate the rambling energy that also fuels many Modernist texts from Joyces Ulysses to Woolfs Mrs Dalloway and which Walter Benjamin was to conceptualize in his seminal image of the modern man as a flâneur harvesting impressions and images as hisher gaze roams haphazardly from shopwindows to billboards from street scenes to historical landmarks However they bring the image up to date in a darker key Far from heralding a new visual economy the postmodern flâneur is seen to be alienated estranged from a sense of organicity that used metonymically to legitimate individual identity The working class culture that for Ackroyd or Sinclair fashioned London has become literally residual consisting of shattered fragments Thus Raymond Williams worst fears when he defined the tensions that oppose a residual and an emergent culture seem eventually confirmed13 12 Peter Ackroyd London The Biography London Chatto Windus 2000 p 767 13 Raymond Williams Base and Superstructure in Marxist Cultural Theory New Left Review New Left Review I82 NovemberDecember 1973 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 53 Quite logically such urban mnemonics needs to posit a departed sense of cultural presence to be opposed to the current economy of simulacra and illusion as is exemplified in Sinclairs violent indictment of the facelift London has been undergoing If the present Temple stands for anything it is a symbol of how the City has lost it corrupted the integrity of its founding greed its pattern of ritual and sacrifice decent human vices by yielding entirely to secrecy cynicism surveillance Unprepared to let the past go the off shore investors and shortterm profit takers have deliberately enslaved every artefacts they can claw out of the ground Walks are permitted only on agreed paths The ancient gates energy sluices have been replaced by tawdry plastic barriers A policy of deliberate misalignment the temple of Mithras London Stone the surviving effigies from Ludgate has violated the integrity of the Citys sacred geometry leaving in the place of wellordered chaos regimented anonymity a climate in which corruption thrives Poisoned weather sick skies confused humans14 Sinclairs ranting against the current degradation of culture against its fraudulent marketing of memory initiates a complex play of negativity in which his apocalyptic vision is of necessity premissed on the construction of a lost sense of presence As in much of Ackroyds fiction in particular Hawksmoor 1985 that nostalgic celebration of a departed experience of presence harnesses a mythical and supernatural sense of magical patterning to the writers moral crusade against the shady traders that have desecrated a formerly hallowed ground Against the degraded hermeneutic economy of the present the text also needs to reinstate a powerful almost authoritarian discursive economy based on the constructioon of an archallegory including nature itself in the final moment of pathetic fallacy Poisoned weather sick skies confused humans a pathetic fallacy that is also central to Martin Amiss allegorical program in London Fields 1989 The Information 1995 or Yellow Dog 2003 In the rediscovery of the vernacular literally of the indigenous culture that also of the suppressed the slave born at home verna in latin nostalgia has become programmatic So doing one cannot help thinking that the process of recollection threatens to fall in the trap of the constructedness it exposes in relation to the dominant culture The frontier is indeed tenuous that distinguishes the necessary recovery of a repressed cultural past and a form of nostalgic 14 Iain Sinclair Lights out for the Territory London Granta 1997 p 116 Catherine Bernard 54 celebration that would convert loss into affirmative identification and thus reassuringly heal the breach Such is the ambiguity at the heart even of Raphael Samuels unrivalled and monumental Theatres of Memory15 which retrieves the broken skeins of popular memory and so doing tries to unravel the very politics of memory It was precisely this contradiction that the sculptor Rachel Whiteread meant to address and foreground when she conceived House the work that won her the 1993 Turner Prize Sollicited by Artangel the groundbreaking English commissioning art trust Whiteread chose to transplant her production outside the consecrated space of the white cube of the art gallery When answering Artangels invitation she did not alter the idiosyncratic aesthetic vocabulary she had first elaborated with her series of resin casts of the under space of chairs and then refined with the production of casts of interiors of unthinkable spaces such as the interior of a drawing room But House took one step further her twofold reflection on the state of art after the end of art to resort to Arthur Dantos terminology and on the role of art in the city after the decline of ideologies and utopias Against the doxa of the demateralization of art heralded by the American art critic Lucy Lippard in relation to the development of non canonical neo dadaist aesthetic gestures in the 60s such as shortlived happenings Whitereads casts flaunted their intractable materiality while symmetrically acknowledging that matter could also prove ghostly and that presence and absence were but the two mirror facets of experience Against the supposed autonomization of modern art she also repositioned the artwork in the very fabric of urban and political space Incidentally she also revisited and revised the canonical history of English modern art generating discrete interaesthetic echoes of the now overlooked works of the painters of the Camden Town Group 1911 and the London Group 1913 who under the influence of Walter Sickert had focused on the less glorious corners of English society as for instance did Harold Gilman in his Tea in a Bedsitter 1916 Against the increasingly abstract agenda of in situ art which tended to depoliticize the relationship between the artwork and its environment Whiteread reasserted the necessity or the artist to reflect on her his insertion within their environment the very fabric that made her his works possible and marketable Her decision to produce a cast of the interior of one of the terraced houses doomed to demolition on Grove Road in the working class 15 Raphael Samuel Theatres of Memory London Verso 1996 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 55 East end borough of Bow16 was more than a metaaesthetic comment on the relative exhaustion of the conventional sites of art whether it be the gallery or the museum It also engaged in a controversial dialogue with the great tradition of monumental and commemorative public sculpture House did not explicitely purport to be any form of cenotaph erected to the memory of a culture soon to be ousted by the irresistible gentrification of East London a gentrification in which ironically artists and galleries had a key role It merely intended to testify to what had once been From the start Whitereads choice of location and object constituted a powerful statement on the violent erasure of a formely deeplyrooted culture As Iain Sinclair himself shows in the essay he devoted to Whitereads Grove Road House was an highly sophisticated work which addressed no less complex issues relating to what the marxist historian EP Thompson analysed as the making of the English working class the mapping of identity its sense of collective rootedness and the necessarily nostalgic dynamics that relate us back to often imaginary collective selves By choosing this time to produce a cast of a whole house instead of focusing on a single room or on pieces of furniture Whiteread also appro priated and thematized one of the seminal tropes of English consciousness ie that of the house as extension of a private and family identity and symmet rically as synecdoche for a whole community and England at large The trope will be familiar to anyone who has read Edmund Burkes Reflections on the Revolution in France in which the founding father of English conservatism elaborates on the image of England as a country estate to be handed down from generation to generation improved yet fundamentally unchanged At the heart of the running metaphor in Burkes antirevolutionary rhetoric lies the central vision of England as a vast portrait gallery lying at the heart of the mansion and recording the stately procession of generations that guarantee the permanence of the patriarchal order17 Jane Austen was to pick up the theme in her idealized vision of Pemberley in Pride and Prejudice to produce her own complex version of the conservative myth18 19th century fiction was to make good use of the same trope to develop a reflection on the exhaustion of the same patriarchal order on the passing of an ancient system and on the 16 House stood from October 25 1993 to January 11 1994 and was then demolished 17 Edmund Burke Reflections of the Revolution in France 1790 London Pelican 1968 pp 119 122 18 On that subject see Alistair Duckworth The Improvement of the Estate Study of Jane Austens Novels Baltimore Johns Hopkins University Press 1972 Catherine Bernard 56 necessity to rebuild the collective mansion from Dickenss Bleak House Great Expectations or Dombey and Son to Charlotte Brontës Jane Eyre The Modernists would avail themselves of the metaphor to meditate once more on the demise of an erstwhile vibrant organicity from Woolfs To the Lighthouse to EM Forsters Howards End and the later variation on the same theme in Evelyn Waughs Brideshead Revisited19 House thus from the start functions as a complex memory site since it necessarily triggers literary associations with other silent houses Mr Dombeys London house whose shuttered windows no longer let the energy of life in Miss Havishams Satis House which has been turned into a neogothic shrine dedicated to a lost love More immediately relevant to us today are the asso ciations with the boarded up houses doomed to demolition or gentrifictaion throughout the eastend districts of our western cities Whiteread was to return obsessively to the same theme in 1996 in a long series of duotone screenprints of council estates soon to be demolished or being demolished or after their demolition when all that remains is a blandly landscaped public park that retains no trace of the lives that were led there of the drama and the trauma of life and its eradication20 She was to continue exploring the theme of com mem oration in her once more much discussed Monument 2001 erected on the only plinth left vacant on Trafalgar Square and which consisted only of an inverted transparent resin cast of the plinth on which it stood a mute and seemingly empty mirror image or our increasingly vacant memories spaces Along with Pierre Bourdieu Whiteread is but too aware that our indi vidual identity dovetails with our cultural identity although it is not entirely subsumed under it We are part of the cultural habitus21 we help fashion We are Whitereads sculptures seem to insist the metonymies we live in and more than any other recent work both House and her series of duotone screenprints tell us the story of an erasure of a suppression the suppression of a complex 19 On the subject see my own Habitations of the Past Of Shrines and Haunted Houses REAL Yearbook of Research in English and American Literature Herbert Grabes ed vol 21 Tübingen Gunter Narr Verlag 2005 pp 161172 20 One should add that the age of the building does not in any radical way alter the gist of the matter as French architects and sociologists have amply shown in recent years the destruction of modern tower blocks may be just as traumatic to the inhabitants as the destruction of houses erected in the middle of the 19th century See Paul Chemetov Vingt mille mots pour la ville Paris Flammarion 1998 21 Pierre Bourdieu Esquisse dune théorie de la pratique 1972 Paris Seuil coll Points 2000 pp 272279 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 57 culture gradually transformed and eventually silenced by a late capitalist culture that symmetrically capitalizes on the museification of the working class memory it eradicates The metonymies that went into making past cultures are now emptied out as House has been emptied out If the political repressed returns it is only as empty allegory as doomed site as the ghostly clichés of a demolished world as mournful fetish No doubt the power of Whitereads works lies to a great extent in their controlled play with negativity this same negativity which Theodor Adorno perceived to be at the very heart of both modern affirmative culture and of Modernisms power of sublation22 Its blank dead walls and the very fact of its programmed demolition turn it into a powerful allegory of the negative turn of collective memory The past can only be preserved as ghost It returns obsessively as empty silent sign23 As Angela Dimitrakaki suggests of House Whitereads casts of working class parlours of terraced houses or her photographs of demolished tower blocks function as phantommemories24 The casts are too anonymous to be identified paradoxically this anonymity also triggers and precipitates the process of identification They are noones and everyones homes index homes for Matthew Arnolds populace Like memories that insisently come back to haunt us they are both absent and painfully present The blank walls of House deny us entry all the better probably to allow our own recollection process to roam freely to penetrate it mentally Its very silence thus functions as some sort of trigger releasing a process of infinite recollection of prolif erating associations Whitereads more recent works also function like Pandora boxes or memory machines which can harness anyones private fragmented and dislocated past to turn it into a vast identity kit that fits all of us and noone that tells of our 22 See his essays collected under the title The Culture Industry London Routledge 1991 and his essay on Samuel Beckett Trying to Understand Endgame Notes to Literature vol 1 1958 New York Columbia University Press 1991 pp 241275 23 In that respect it intends to show up such institutions as the Geffrye Museum which stages a sort of crash course in the history of domestic interior and is also located in East London for what they are affirmative and ultimately alienating exercices in memorial marketing intended to function as nostalgic and soothing echo chambers of a homogeneous culture that never existed as staged 24 Angela Dimitrakaki Gothic Public Art and the Failures of Democracy Reflections on House Interpretation and the Political Unconscious in Chris Townsend ed Rachel Whiteread London Thames Hudson 2004 p 109 Catherine Bernard 58 intimate and collective selves Her casts of the space under and inbetween book shelves conjure memories of the books we have read wish we had read would like to read and of the very mental space these vanished or virtual books open a space to be filled in and that can only exist negatively Similarly her recent series of the casts of filing boxes inspired to her by the boxes she found in her own mothers house turn the sculptures into a complex system of con flict ing signs the boxes are both treasuretroves and ominous slightly threat ening indexes evocative of those bureaucratic panoptical systems of control which we know to have been intrumental to 20th century planned genocides When transplanted and monumentalized as they were in Whitereads installation in Tate Moderns turbine hall in 20052006 private memory the memories of the overlooked are once more seen to interact with the collective memory the great national museums are meant to embody25 Although the monumentalized scale of the Tate installation adds to the defamiliarizing power of Whitereads casts all Whitereads works are lessons in renewed ways of looking at the overlooked at the very fabric of our everyday lives It is no wonder then that at the same time as Magnum photographer Martin Parr produced his uncanny series of photographs of light switches26 each almost obscenely testifying to the taste of the houses owner Whiteread also produced her own version of light switches Anonymous bland purely functional and yet disconnected from their environment unlike Parrs clichés these images make us see this banal object for the first time transcending its mere function while insisting once more allegorically that art must shed light on the overlooked must make us see What made House unique was its capacity to address the pragmatic agenda of contemporary art to force art back onto the public arena to heal the breach between the artwork and society and thus to cancel its autonomiza tion House was one of those anxious objects to borrow Harold Rosenbergs formula which desacralize art by provoking a violent estrangement of our expectations of what art should be The tags on its walls which read Wot for and Homes for all black and white were proof enough that art could still object could still resist its commodification by the culture industry and that its task was also to engage beyond the sheltered precinct of the art world into a 25 The installation was entitled Embankment and was part of the Unilever series of sponsored works commissioned by the Tate It could be seen from 11th October 2005 to 1st May 2006 26 Martin Parr and Nicholas Barker Signs of the Times A Portrait of the Nations Tastes London Cornerhouse Publications 1992 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 59 political dialogue with society at large Whiteread was to take further her ethical and political meditation on arts capacity to speak to our collective memory with the memorial she was commissioned to design in Vienna in hommage to the Austrian Jews extermi nated during the Shoah Her giant cast of the interior of a library on Judenplatz offers an intractable and endless allegory about the logic of public and private memorialization about the accountability of art about the relation between sighting vision and siting the public position of art in the city The memorial conjures up private memories of the intimate and personal experience of reading but is of course an indirect reference to the autosdefé perpretated by the Nazis Like House it is obstinately silent yet seems vibrant with the murmurs of private voices that have been silenced the voices of writers as well as readers It functions both as shrine and as an echo chamber More sinisterly of course its blank walls and closed doors are reminiscent of the death chambers in which a whole culture was gradually eradicated27 By taking her sculptures out of the studio or the impersonal spaces of the art gallery or the museum Whiteread intended to relocate art at the heart of the polis to turn the artist once more into a valid interlocutor She also implicitly meant to make us see how political and cultural the space in which we live has always been Other artists also engaged in a similar dialogue with our everyday space and also intended to make us gaze at the overlooked spaces of our lives anew With his work Semidetached 2004 Michael Landy also revisited the common places of Englands collective memory Installed in the monumental Duveen Galleries of Tate Britain on Millbank Landys work consisted of the painstakingly reconstituted exterior of a semidetached house similar to those to be seen everywhere in Britain and which have become the 27 For an analysis of the dialectics of presence and absence produced by this work see James E Young Rachel Whitereads Judenplatz Memorial in Vienna Memory and Absence in Townsend ed pp 162172 28 It is yet another proof of the paradoxical role of art in todays culture industry that Landys work for all its adversarial stance was from the start processed by the corporate culture of the museum and subsumed under its now institutionalized counterdiscourse as testifies the description of the work still to be found on the Tates web site Semidetached a major sitespecific installation takes as its focus the artists father a former tunnel miner incapacitated by an industrial accident twentyfive years ago Through sculpture video and sound Landy invokes broader questions of value and usefulness employment and purpose 30th October 2006 wwwtateorgukbritainexhibitionslandy Catherine Bernard 60 hallmark of Britains suburbia28 The houses modest demotic vernacular conflicted forcefully with the Galleries neoclassical atemporal architecture The semidetached a house fit for Arnolds populace to live in in its turn defamiliarized the monumental setting in which it seemed both dwarfed and disturbingly intimate In the nations common house the museum is meant to be the little carbuncle of a house struck the visitors as literally out of place yet it also showed up the museums utopian space for what it really is an institutionalized utopia that dictates to our sense of collectiveness and yet which is so central to our common cultural fabric that we tend to forget how it naturalizes its own logic Placed at the heart of the great Galleries meant to function as a hub orienting the visitors towards the various sections of the collections it created all sorts of impediments and blocked the regulated flow of visitors The world of the private intruded in the impersonal world of collective and increasingly corporate culture By showing Semidetached at Tate Britain rather than Tate Modern where its conceptual agenda would have chimed with the museums aesthetic function Landy and the museums curators made it clear that the political and ideological purport of the work was of greater import than its aesthetic intent Thus the work for all its conceptual sophistication proved to be anything but autonomous from its episteme On the contrary the power of its conceptual agenda lay in its healing the breach between polticis and aesthetics Many are the instances of contemporary artists who intend to rehis toricize art to invest the blind spots of society the overlooked with renewed heuristic potential To borrow from Andreas Huyssens analysis of the rein vestment of the blind alleys of the past and the present by discourse in order to defeat amnesia In this search for history the exploration of the noplaces the exclusions the blind spots on the maps of the past is often invested with utopian energies29 I would like precisely to conclude by turning briefly to another artist who also tries to reinvest art with such utopian energies and once more displaces the point of view reinvents that dialectics of dissidence and empathy which forces us to gaze upon the political unconscious of modern high culture Nigerian born and selfstyled post cultural hybrid Yinka Shonibare has also 29 Andreas Huyssen Twilight Memories Marking Time in a Culture of Amnesia London Routledge 1995 p 88 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 61 fashioned an efficient and simple way of encapsulating the concealed tensions at the heart of English high culture Always working with the most vernacular of fabric waxprint cotton Shonibare forces dominant and subaltern cultures to cohabit within installations whose subjects may range from Victoriana Victorian Philanthropists Parlour 1997 to the modern mystique of space travel Vacation 2000 from late Victorian womens fashion Gay Victorians 1999 to colonial sea travels Vasser Ship 2004 The vernacular vocabulary of African traditional print fabric the sort you can of course even today find on every East end open air market functions here as an index of the political unconscious of Victorianism Just as in Austens Mansfield Park Sir Thomas Bertrams prosperity and gentility are directly indexed on the financial returns of his WestIndies plantations manned by slaves30 the triumph of Victorian ethics is also seen to be premised on the domestication of the colonies even in its most philanthropist form as Dickens had already intuited in his satirical portrait of the philanthropist Mrs Jellyby in Bleak House The incongruous cohabitation of the two discursive worlds of subaltern and colonizer brings home with a vengeance the complex and ambiguous relation the Victorians entertained with their colonies Violently updating the Victorian fascination for exotic artifacts the print fabric howls that orientalism exoticism itself may be but an indirect manner of domesticating the other The controlled syntax of imperialist ideology is dislocated by such a howler No longer homely the Victorian parlour for instance becomes the locus of a battle of tastes that itself is allegorical of a tension between dominant and subaltern cultures Elsewhere Shonibare opened his exploration of the politial unconscious of imperialism to a gendered reading of cultural domestication In Three Graces 2001 the containment of the feminine body imposed by Victorian fashion is implictely shown to mesh in with its ancestral aesthetic containment as it was initiated by Greek mythology and then handed down through the history of Western art by painting and sculpture Concomitantly the Western subjection of the dark continent of the feminine to paraphrase Freuds definition of feminine sexuality is also seen to be in keeping with the domination of the dark continents of the British Empire Ultimately Shonibares allegorical analysis of the construction of otherness 30 See Edward Saïds wellknown analysis of this silence at the heart of Austens novel in Culture and Emperialism Catherine Bernard 62 reflects on the constructedeness of dominant ideas of culture on its enduring institutionalization Nowhere is it more blatant than in his probably most famous work to date Mr and Mrs Andrews without their Heads 1998 Beheaded attired in Shonibares trademark print fabric Gainsboroughs famous icons of the English gentry are reduced to being mere mannequins mere fashion plates of a dead culture that for all its effort to naturalize its constructedness can only outlive itself as relics Needless to say that the position of such renowned artists within the market economy of art begs enless questions regarding the actual impact of their dissidence of their critical rereading of the political unconscious Their relentless attempts at shedding light empathetically on the overlooked at the heart of dominant modern culture is nevertheless proof of the iconoclastic impact of art when it chooses to dislocate its own practice Proponhome aqui considerar os desenvolvimentos recentes no âmbito da arte e da literatura inglesas que possam conduzir a uma nova abordagem não só da modernidade mas também da pósmodernidade frequentemente desvirtuada por dela se ter um conceito demasiado lato e pouco claro Ao debru çaremse sobre alguns recantos sombrios da cultura e alguns lugares obscu ros do inconsciente político inglês esses recentes desenvolvimentos levaramnos a desviar a atenção dos lugares comuns e batidos da cultura afirma tiva e consensual no campo das artes visuais da ficção e da literatura documental É assim que esta comunicação poderia ter tido como título Looking at the Overlooked em homenagem ao notável ensaio de Norman Bryson sobre a arte de pintar naturezas mortas Para Bryson olharmos para aquilo a que ninguém dá importância implica aprendermos com os pintores de naturezas mortas a observar o que nos cerca e que nós desconhecemos a prestarmos atenção às áreas experimentais tantas vezes mal interpretadas quando não mesmo votadas ao desprezo e ignoradas nós que com o nosso olhar experiente não somos capazes de reconhecer o valor desses mestres e de ver que eles constituem sinais cujo sentido deveríamos ser capazes de decifrar Volto assim o meu olhar para o que na arte e literatura inglesas constitui a longa e ambígua tradição dos ignorados daqueles a quem foi negado o direito a serem representados ou que quando presentes surgem marcados pelo estigma do outro repelente e ameaçador do que sendo no seu íntimo um estranho tem de ser esteticamente contido De facto a classe trabalhadora e por maioria de razão o proletariado são raramente retratados na ficção inglesa aparecendo apenas como pano de fundo silhuetas sem consistência que as estruturas social e ficcional assumem pacificamente como dado adquirido Resumo em português Empatia e Dissidência na Arte e Ficção Inglesas Contemporâneas Catherine Bernard 64 No século XX estes nichos recônditos e ignorados da vida colectiva inglesa emergiam apenas como testemunhas de uma realidade sociológica especialmente com Bill Brandt e outros fotógrafos que exerciam a sua profis são no terreno nomeadamente Don McCullin que haveria de dedicar aos pobres e desalojados a mesma atenção que consagrava a documentar a guerra moderna Este regresso ao real ou do real para empregar a expressão do crítico de arte Hal Forster tem ultimamente assumido maior preponderância no campo da arte e da escrita De facto os artistas viram aqui uma nova possibilidade de esbater a fronteira entre facto e ficção e de explorar a génese da represen tação da própria sociedade O artista redefinese a si próprio como etnógrafo para poder mostrar a cultura em acção e para questionar o modo como ela dá testemunho das suas premissas ideológicas Dáse assim por vezes uma alteração da perspectiva geográfica em casos como por exemplo o de Peter Ackroyd que na sua obra London The Biography 2000 muda o cerne da identidade cultural de Londres para o East End Tal como Graham Swift que no seu romance elegíaco Last Orders 1996 tenta reinventar a própria tessitura linguística da classe trabalhadora do East End também Ackroyd está imbuído de profunda nostalgia Uma sensação semelhante de perda cultural envolve Lights Out for the Territory 1997 de Iain Sinclair Tanto Ackroyd como Sinclair enaltecem a ener gia anárquica que anima muitos dos textos modernistas desde o Ulisses de Joyce até Mrs Dalloway de Virginia Woolf só que nestes autores a ima gem actualizada do homem moderno é dada em chave mais sombria Como reacção à degradada economia hermenêutica do presente estes textos necessitam também de reinstaurar uma economia discursiva de poder quase de autoritarismo baseada na construção de uma arquialegoria que inclui a própria natureza no derradeiro momento de falácia patética Ao redescobrir o vernáculo literalmente ao redescobrir a cultura indí gena a dos oprimidos dos escravos nascidos em casa verna em latim a nos talgia tornouse programática Não podemos deixar de pensar que o pro ces so de recordar corre o risco de se transformar numa estrutura perfeitamente instalada como a que ele denuncia em relação à cultura dominante É na verdade ténue a fronteira que separa a necessidade de recuperar um passado cultural reprimido de uma forma de celebração nostálgica que transformando a perda em identificação afirmativa desse assim a sensação confortável de colmatar a brecha entre as duas Ao conceber House a obra que em 1993 lhe valeu o Turner Prize a escul tora Rachel Whiteread quis focar precisamente esta contradição trazendo a para primeiro plano Contra a suposta autonomização da arte moderna Empatia e Dissidência na Arte e Ficção Inglesas Contemporâneas 65 também ela reposicionou a obra de arte na própria teia e trama do espaço urbano e político Por outro lado perante a tendência crescente da arte in situ para despolitizar a relação entre a obra de arte e o meio ambiente Whiteread afirmou a necessidade de os artistas reflectirem sobre o modo como se inse rem no ambiente que os envolve pois este constitui a estrutura que possibilita não só a realização dos trabalhos mas a sua comercialização Whiteread tam bém se apropriou tematizandoo de um dos tropos constitutivos do cons cien te inglês a casa como extensão da entidade privada e familiar e sime tri camente como sinédoque da comunidade inglesa vista como um todo Os trabalhos mais recentes de Whiteread funcionam igualmente como máquinas de memórias que conseguem captar o nosso passado fragmentado e disperso e transformálo num grande conjunto de identidades que se adequa a todos e a ninguém que revela as nossas pessoas íntimas e colectivas Ao trazer as suas esculturas para fora do estúdio ou do espaço impessoal das galerias de arte ou dos museus a intenção de Whiteread foi trazer a arte para o coração da polis para nos fazer tomar consciência da realidade política e cultural que caracteriza os locais em que sempre vivemos Outros artistas houve que entraram no mesmo tipo de diálogo com o quotidiano com o fito de nos fazer lançar um olhar novo sobre os espaços das nossas vidas em que habitualmente não reparamos Temos o exemplo de Michael Landy que com a sua obra Semidetached 2004 também revisitou os lugares comuns da memória colectiva da Inglaterra Muitos são os casos de artistas contemporâneos que querem voltar a dar à arte a espessura da história investir nas áreas secundarizadas da sociedade e instilar um novo potencial heurístico naquelas que estão votadas ao esque cimento Para concluir mencionarei outro artista que também tenta reinvestir estas energias utópicas na arte e uma vez mais desloca o ponto de vista e rein ven ta a dialética da dissidência e empatia que leva o nosso olhar a fixarse no inconsciente político da cultura erudita O nigeriano Yinka Shonibare que se considera um produto híbrido póscultural também elaborou um modo simples e eficiente de encapsular as tensões escondidas no íntimo da moderna cultura erudita inglesa Trabalhando sempre com algodão estam pa do de fabri co local Shonibare consegue fazer coabitar as culturas dominante e subalter na em instalações cujos temas vão desde a época vitoriana à mística moderna da conquista do espaço e desde a moda feminina do fim do período vitoriano às viagens por mar dos tempos coloniais A verdade é que a análise alegórica que Shonibare faz da construção da alteridade põe em questão a qualidade das ideias dominantes da cultura e a solidez da sua institucio nalização Catherine Bernard 66 O modo como tais artistas de renome na economia de mercado da arte se posicionam levanta inúmeras questões quanto ao impacto da sua dissidên cia da sua releitura crítica do inconsciente político Contudo as inexoráveis tentativas destes artistas de lançar luz sobre tudo o que está votado ao esque ci mento no interior da moderna cultura dominante constituem prova do impacto iconoclasta da arte quando esta decide exercer a sua actividade noutros locais que não aqueles a que estamos tradicionalmente habituados ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign MARIA JOSÉ PIRES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril W hen reading Angela Carters fiction one clearly finds it to be pungent and powerful mocking or lyrical However one cannot forget her other writings and how they can also be observant and brilliantly entertaining This occurs in her journalism and shorter writings now collected in Shaking a Leg 1997 As a child of the 1960s Carter lived through the extraordinary upheavals which amounted to a revolution in style taste politics in everything from fashion about which she writes brilliantly and funnily to weighty matters like class Smith 1997 xiii Such is the scope of her work Therefore the invitation to write a Preface to the postcards collection Images of Frida Kahlo published in 1989 by Redstone Press is not surprising Thus the questions that in our opinion deserve consideration are the ones about what features does Angela Carter underline in the Preface and how do these reflect her consciousness when writing it as well as her own positions in life The first feature that Carter calls our attention to is Frida Kahlos love to paint her own face and how she did it constantly This genre selfportraiture allowed Frida to penetrate and dissect the very core of her being As we know in 1925 the eighteen yearold Frida was seriously injured in a disastrous accident the impact broke her spine in three places and fractured her right leg collarbone ribs and pelvis Forced to spend most of her time lying down Frida had a specially designed easel that could be attached to her bed so she would be able to paint as well as a mirror placed in the canopy above that allowed her to see herself Carter also stresses how Frida liked to be pho tographed Although Frida could not do that for herself she had other people photograph her This leads Carter to argue that notwithstanding the portrait photographs that resemble the face in Fridas own pictures so closely her eyes seem to have had the power to subvert the camera making it see her as she saw herself as she makes us see what she sees when she paints Immediately after this Carter describes Fridas uniqueness in this process of looking at oneself because the face in the selfportraits is not that of a woman looking at the picture she is not addressing us It is the face of a woman Maria José Pires 70 looking at herself subjecting herself to the most intense scrutiny almost to an interrogation Carter 1998 434 This interrogation reminds us of Carters visit to Japan and Tokyos ritualism both portrayed in Fireworks 1974 and more particularly in Flesh and the Mirror In this short story the first person narrator tries to rebuild a setting according to an imaginary blueprint as a backdrop to the plays in her puppet theatre While doing so she faces herself in a mirror on the ceiling of a hotel room The magic mirror presented me with a hitherto unconsidered notion of myself as I Without any intention of mine I had been defined by the action reflected in the mirror I beset me I was the subject of the sentence written on the mirror I was not watching it There was nothing whatsoever beyond the surface of the glass Mirrors are ambiguous things Women and mirrors are in complicity with one another to evade the action Ishe performs that sheI cannot watch the action with which I break out of the mirror with which I assume my appearance Carter 1988 6465 As Lorna Sage points out this Ishe is purely impersonal as Carter discards her inner life and her act delivers her back to herself her own author Sage 1994 27 This form of disguise is observed by Carter in Fridas urgent selfinterrogation The writer acknowledges Fridas usage of narcissism and exhibitionism in order to fulfil her disguise underlining the fact that what we see is the face of a woman looking into a mirror a mirror we cannot see but one that we must always remember was there Hence Carter presents these selfportrait paintings as a form of selfmonitoring She watches herself watching herself When she does that she is at work Carter 1998 434 Frida confirmed that she portrayed herself because she was alone most of the time and she was the subject she knew best One can even assume that Frida is selfportrait reproduced since she finds in it the possibility of using the pain that afflicts her as a form of narrative Going back to Carters Flesh and the Mirror we notice a similar awareness when the main character becomes perplexed with her changing feelings and considers the creation of a life she had watched herself perform She deals with the situation in a brilliant and funny way I no longer understood the logic of my own performance My script had been scrambled behind my back The cameraman was drunk The director had a crise de nerfs and been taken away to a sanatorium And my costar had picked himself up off the operating table and painfully cobbled himself together again according to his own design All this had taken place while I was looking at the mirror Imagine my affront Carter 1996 68 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 71 The looking into the mirror depicts what Carter later writes in the Preface regarding Fridas emotional experience and her attempt to transform her whole experience in the world into a series of marvellously explicit images She is in the process of remaking herself in another medium than life and is becoming resplendent The flesh made sign And when we ask ourselves What flesh Carter immediately answers The wounded flesh Frida herself was her own raw material In order to show how Carter believed Frida to be ahead of her time in many ways she pinpoints how this artist kept the raw material raw since the wounds never healed over Carter 1998 434 When we go back to Carters short story Flesh and the Mirror and we read the last paragraph The most difficult performance in the world is acting naturally isnt it Everything else is artful Carter 1996 70 we are remembered of André Breton the French surrealist who described Fridas work as a ribbon around a bomb Her paintings transmit in a very powerful way a strong energy a great passion and pain This is probably what led Carter to underline how much pain is contained in her paintings when she quotes Fridas husband Mexicos most celebrated artist Diego Rivera Frida is the only example in the history of art of an artist who tore open her chest and heart to reveal the biological truth of her feelings Moreover Carter believes that the unchanging gaze on the painted face shows an enigmatic stoicism along with martyrdom as Fridas wounds are displayed reckoning the artist as a connoisseur of physical suffering Carter 1998 434 Therefore it makes us believe that when portrayed on canvas that Frida helped herself to resist the pain as if she felt a need to paint in order to endure it physically and psycho logically then becoming more real and confirming her hold on existence The second feature Angela Carter points out to concerns Fridas physical appearance She begins by admiring what Frida did with her hair in the paintings commenting on how the hair of the most sensual of painters hangs in disorder down her back only when she depicts herself in great pain or as a child when traditionally wild flowing hair is associated with sensuality and freedom Regarding Fridas usual hairstyle Carter gives us a complex picture Sometimes her hair is scraped back so tight the sight of it hurts or it is unnaturally twisted into knots plaited with flowers and ribbons and topknots and feathers in any one of fifty different ways arranged in fetishistic architectural composition of braids Carter 1998 435 It isnt hard to imagine the loose hair Carter using terms as the adjective scraped which implies a harshly rub on the verb hurts the expression unnaturally twisted into knots inferring an artificial control implying pain the excessive fifty different ways of plaiting the hair using various accessories Maria José Pires 72 and again the unnatural arranged and composition featured as fetishistic and architectural All these words describe Fridas hairstyle In Fridas 1940 selfportrait after her divorce from Diego Rivera Carter also refers to the cutting of the hair as a relief for a tortured thing in a sarcastic comment as if shed finally got rid of an unpleasant demanding pet Carter 1998 435 Carter adds a brief reference to a phrase from one of the early 1940s popular songs Frida liked to sing at the top of the painting and the artist presents it in an ironic way Look if I loved you it was for your hair Now that you are hairless I love you no more Frida who had felt loved as in the song only for her feminine features decided to put these aside and renounce the feminine image that was expected of her She cut off her hair symbol of the feminine beauty and sensuality as she had already done during her previous separation from Rivera in 193435 She also gave up on her folkloric Mexican finery with which we associate her so much admired by her husband and wore a mans suit much too big billowing voluminous for her that it could have been taken from Riveras wardrobe The only clearly feminine piece left was a pair of earrings However Carter recalls how Frida liked to pose for photographs en travestie even before her accident and questions her choice for this 1940 painting Has she put on her enormous exhusbands clothes in order to comfort herself Or do mens clothes no longer fit her as they once did and concludes One thing is plain whoever no longer loves her like this she certainly does not love herself They were remarried later that year She grew her hair and braided it again Carter 1998 435 Nevertheless lets not forget Fridas fascination with identity and delight in masquerade Her ethnic costumes and braided hairstyles served to please Rivera and to conceal her physical ailments In addition they also implied a political statement in support of an authentic and independent Mexican heritage Only after presenting Frida Kahlo in that way does Carter mention the accident and how it changed the painters life giving her something to paint about Her pain In fact the accident itself horribly turned her into a bloody and involuntary art object Carters reference to the accident and to the fact that all of Fridas clothes came off in the crash and the bag of gold powder carried by another passenger spilled over her creates what Carter believes to be an image from a nightmare more horribly glamorous than any she imagined or recreated Carter 1998 435 Such an assumption reflects most of the dualism Frida portrayed in her paintings either culturally or sentimentally as shown through her search for harmony between dualistic Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 73 principles such as life and death male and female light and dark ancient and modern Another aspect Carter observes in Fridas painting is her straightfor wardness She depicts her body enclosed in one of the plasterofParis corsets prescribed for her crumbling spine her torso stuck with tacks she paints the fresh incision of the surgeons knife her own blood and other peoples too her miscarriage her restless dual nature part European part Mexican her broken heart Carter 1998 436 Despite Carters admiration for this straightforward form with which Frida depicts her reality she also points out to how subtle Frida can be when painting the deer pierced with arrows This painting The Little Deer 1946 is also seen as an example of Fridas interest in Eastern religions and mysticism her head conjoined with the body of a stag shows such complex assimilation of sources since it relates to the artists suffering due to her failing health and turbulent relationship with Rivera as well as it sums up a world view in which different cultures and belief systems combine Thus the word carma inscribed at the bottom of the canvas becomes a reference to the Eastern concept of reincarnation whereas the arrows allude to St Sebastians Christian images On the other hand in Aztec culture the deer is known to symbolise the right foot Fridas injured limb from her childhood and relates to the animal alter ego a subject that fascinated Frida and that is tied to Angela Carters reference to anthropomorphism which in turn raises the question of the meaning of humanity itself topics that can be found in Nights at the Circus 1984 As such Carter recognizes Fridas ability to make of her broken humiliated warring self a series of masterpieces of mutilation like she also did in real life the writer presents these circumstances by concluding that Fridas narcissism becomes triumphant a carnival But she adds within brackets Never forget the black humour in her paintings Carter 1998 436 We can say the same thing of some of Angela Carters work Even in this Preface similarly to her journalism the writing is thoughtful yet immediate concise but not shallow Smith 1997 xiv and still ironic and poignant This is quite evident when Carter focuses on Fridas marriage to Rivera as a monstrously ambiguous couple Frida with her moustache Diego with his fat mans breasts The sexiest couple in Mexico who did not fuck After explain ing how factual her statements are through a parenthesis Carter underlines again their physical differences and how this is so absolutely obvious in their working interests he did the largescale public works the great political murals She did the colour postcards of heightened states of mind the politics of the heart Carter 1998 436 However Carter seems to Maria José Pires 74 acknowledge the originality of this relationship by pointing out that Rivera was Fridas muse alluding to two selfportraits one of 1943 and the other of 1949 which show he of the bullfrog features ensconced upon her forehead in the place where I imagine that Cain was marked For Carter these portray obsession devotion and inspiration Furthermore she stuns us with this remark Muses arent supposed to make you happy after all Then again men are warned against marrying their muses Women sometimes have no option Carter 1998 436 Notwithstanding these assumptions Carter still concludes that Frida became a great painter because of not in spite of all this Carter 1998 437 Such a conclusion seems to reflect the way Carters Nights at the Circus is also built it begins with a young American journalist named Jack Walser who tries to explode the heroine Fevvers reputation as a real woman who also has real wings and in the end he becomes aware of her liberation her emancipation from reallife models of femininity No wonder in the end the spiralling tornado Fevvers laughter began to twist and shudder across the entire globe though her laughter might also be at Walsers credulity It just goes to show theres nothing like confidence Carter 1994 295 In the Preface Carter also underlines the need women painters face of making exhibitions of themselves in order to mount exhibitions She does so by strongly stressing the verb phrase are forced and as a paradigm presents their options Fame notoriety scandal eccentric dress and behaviour Carter 1998 437 as well as their identities Rosa Bonheur the XIX Century French artist considered one of the most renowned animal painters in history whose unconventional lifestyle contributed to the myth that surrounded her during her lifetime as she smoked cigarettes in public rode astride and wore her hair short Meret Oppenheim the Swiss Surrealist painter and sculptor whose youth and beauty free spirit and uninhibited behaviour precarious walks on the ledges of high buildings and the surrealist food she concocted from marzipan in her studio all contributed to the creation of an image of the Surrealist woman as beautiful independent and creative Leonor Fini the Italian artist who always rejected categorization of any kind and whose eccentric persona and flamboyant dress was rivalled only by Dalis Georgia OKeeffe who would test her physical and psychological independence by living beyond the fringe of civilization bucking oppressive social conventions to become one of the first female American artists to lead a professionally successful and emancipated life and finally Frida Kahlo The examples shown by Carter all seem to confirm her idea that Fame is not an end in itself but a strategy As opposed to are forced Carter chooses the same paragraph to Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 75 explain how Being famous means she can stake out her own territory can even determine wholly or in part the way her paintings will be looked at Carter 1998 437 our emphasis Fridas transition to a much mature style and to a public acknowledge ment as a major artist was assisted not hindered by her growing fame as the beautiful wife of the Mexican muralist We know how Frida felt lost and unprotected without Diego but she was still determined to keep herself strong as she grew more independent from him Thus we believe that Fridas higher success and independence was attained at an artistic emotional and financial level the latter she perceived from the moment her first four paintings were bought by Edward G Robinson Similarly Angela Carters second prize the Somerset Maugham Award for her third novel Several Perceptions 1968 brought her the opportunity to spend the money on a visit to Japan where she lived a unique experience 19691972 She then returned to England to get divorced and to build her career with help from journalism As Roland Barthes wrote at the beginning of Empire of Signs 1970 Someday we must write the history of our own obscurity manifest the density of our narcissism Carter seems to have later reflected on the cultural diversity of her own experience when dealing with the Marquis de Sade in The Sadeian Woman in the following passage Flesh comes to us out of history Carter 1979 11 That seems to have been implied in the way Frida Kahlo became famous as a symbol of what Carter names Mexicanness For her Frida used anything and everything from preColumbian jewellery antiques to beads bought from the market turning herself into a folkloric artefact Carter also points out to how different she would be in her contemporary class society since Frida chose to wear the most elaborate Mexican traditional dress at a time when the Mexican bourgeoisie from which she came did not indulge in fancy dress and even high Bohemia to which she now belonged only kept it for parties Carter 1998 437 Nowadays some believe that Frida used this dress option in two ways to make a nationalist political point and to make a statement about her own independence from feminine norms Carters emphasis is then on how such enchantment of disguise a perpectual festival of fancy dress overcame Frida Even after describing some awkward situations Carter stresses the artificiality of Fridas dazzled smile along with her living exposition of the vitality of the peasant culture of Mexico Carter 1998 437 turned into a piece of political theatre an appearance that according to Carter could easily be trapped in the high fashion world Thus she considers the opening of Fridas show in Paris 1938 at which the FrancoItalian designer Elsa Schiaparelli designed a couture line Maria José Pires 76 and a dress that she baptised la robe de Madame Rivera To promote such a style Fridas hand covered with jewels appeared on the monthly cover of the French Vogue magazine It is in a two line paragraph that Carter sums up Fridas choices by comparing them to Walt Whitmans Like Walt Whitman if she contradicted herself it was because she contained multitudes Carter 1998 437 Although we havent found contradictions in Carters choices of lifestyle yet since she considered herself as a feminist writer living her life accordingly to her subversive nature we know that she always acted like a woman to whom nothing was sacred not even feminisms This isnt hard to notice when we are dealing with a writers work that includes novels short stories collections dramatic works for radio theatre and cinema as well as journalism and other writings When mentioning Fridas death in 1954 Carter observes how easy it was for Diego Rivera to turn the blue painted house in Coyoacan into the Museo Frida Kahlo mainly because she believed the artist had already made of their home a shrine dedicated to their entwined if complicated lives This makes sense when Carter considers Frida as a work of art who produced art works inside one another and then shows us how these reflect on the unfinished portrait of Stalin on the easel in her studio with her wheelchair next to it and the mugs with the couples names in the kitchen Albeit Carter considers the magic and artful universe of this house a beautiful and wholly invented life of flowers fruit parrots monkeys and other peoples children she cannot avoid a comment on Riveras conducting guided tours to Hollywood film stars of the work of the Revolution in Mexico Both husband and wife were more than the sum of their contradictions Reflecting on Fridas various facets Carter arrives at an image of a laughing and enchanting woman and then flirts with it in this manner Yes I believe that I believe that she was enchanting Carter 1998 438 In the last paragraph of her Preface to the Frida Kahlos postcards collec tion Carter sums up what one is able to see on a first glance at the artists work she painted the strangeness of the world made visible Her face Her friends A bowl of fruit Flowers The victim of a crime passionel The sun A dead child The curse of love the disasters to which the female body is heir VIVA LA VIDA she scrawled on her last painting when she was about to die Carter 1998 438 Here we get the portrait of a woman who did not submit to any standard of beauty but still defined it a beauty that underlines womens absolute singularity Such strong praise of Life would later be present in Carters last novel Wise Children 1991 when the twin heroines end up their seventyfifth birthday partying along Bard Road promising to go on singing and dancing until we drop in our tracks What a joy it is to dance and sing Carter 1992 232 This ending celebrates Life when Carter already knew she had lung cancer Finally we consider it ironic that Frida herself was unable to escape the same consumerist machine that she so fiercely criticised Deemed as the quintessential icon of Mexican Surrealism her paintings nowadays fetch the highest prices of any Latin American artist1 Similarly we may question ourselves about how Angela Carter who strived to remain outside the canon would react if she ever found out that in the year following her death the British Academy received more requests for doctoral study grants on her work than on the entire eighteenth century Gamble 1997 1 She surely would have found her own canonisation amusing References André María Claudia 2005 Evita and Frida Latin American Items for Export In The Latin American Fashion Reader edited by Regina A Root New York Berg Publishing 247262 Carter Angela 1988 1974 Flesh and the Mirror In Fireworks London Vintage 6170 1979 The Sadeian Woman An Exercise in Cultural History London Virago Press 1994 1984 Nights at the Circus London Vintage first published by Chatto Windus 1992 1991 Wise Children London Chatto Windus Ltd 1998 1997 Frida Kahlo In Shaking a Leg Journalism and Writings London Vintage first published by Chatto Windus 433438 Gamble Sarah 1997 Angela Carter Writing From the Front Line Edinburgh Edinburgh University Press Sage Lorna 1994 Angela Carter Plymouth Northcote House in association with the British Council Smith Joan 1997 Introduction In Shaking a Leg Journalism and Writings London Vintage first published by Chatto Windus xiixiv 1 Such is María Claudia Andrés point of view presented in the article Evita and Frida Latin American Items for Export that can be read online 28th September 2005 httpwwwpalgraveusacompdfs1859738931pdf Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 77 Ao lermos a ficção de Angela Carter facilmente a vemos como lan ci nante poderosa e satírica Contudo também os seus textos jornalísticos e outros breves e tipos vários coligidos em Shaking a Leg 1997 revelam essa vertente aliada a uma capacidade fascinante de observação Como filha dos disruptivos anos sessenta do século XX não é surpreendente o convite para escrever o prefácio à colecção de postais Images of Frida Kahlo 1989 publicada pela Redstone Press Assim colocase a questão do modo como as características do trabalho e da vida de Frida Kahlo evidenciadas por Carter reflectem a sua ideologia O primeiro facto para o qual somos alertados é o prazer e a persistência com que Frida retrata o próprio rosto permitindolhe penetrar no seu cerne e dissecálo Carter salienta ainda o apreço que Frida sente ao ser fotografada e a escritora realça ainda a capacidade do olhar da artista subverter a acção da câmara ao conseguir que a vejamos como ela própria se vê quando se retrata Assim a originalidade de Frida é descrita como o poder que ela tem de impor a forma de se ver a si mesma poder este que lembra a visita de Carter ao Japão e o modo ritualista como nos dá a ver Tóquio ilustrado em Flesh and the Mirror Fireworks 1974 shortstory em que como Frida Carter se autoquestiona constantemente A escritora reconhece o uso feito do narcisismo e da exibição por Frida para esta efectivar o seu disfarce uso feito através do modo como vemos o rosto de uma mulher que olha o espelho espelho que não vemos mas que Resumo em português Frida Kahlo a carne dilacerada feita signo1 1 O título advém do próprio prefácio de Carter The flesh made sign The wounded flesh Maria José Pires 80 não podemos deixar de ter presente É este o sentido de Carter apresentar o autoretrato como forma de automonitorização Pode mesmo assumirse que Frida é a própria reprodução do autoretrato uma vez que é nele que encon tra a possibilidade de usar a dor que a aflige como uma narrativa A experiência emocional de Frida é vista por Carter como uma tentativa de transformar toda a sua vivência numa série de imagens maravilhosamente explícitas num processo de se recriar que não pelo meio da vida O corpo como signo o corpo ferido A artista era a sua própria matériaprima man tendose como tal através de feridas que nunca sararam A pintura dela transmite uma forte energia paixão e dor Carter acredita que o olhar imutável na face pintada revela um estoicismo enigmático coincidente com martírio pela forma como as suas feridas são apresentadas reconhecendoa nela a conhecedora do sofrimento físico Neste contexto Frida faznos acreditar que ao retratarse na tela tal retrato ajudaa a resistir à dor como se dele necessi tasse para a suportar fisica e psicologicamente assegurandose da sua própria existência como pessoa A segunda particularidade apontada por Carter é a aparência física de Frida em especial o cabelo apenas solto quando em grande sofrimento ou quando criança Assim no autoretrato de 1940 após o divórcio de Diego Rivera ao apresentarse de cabelo cortado Frida elimina o símbolo da beleza e sensualidade femininas Não esqueçamos porém o fascínio da artista pela sua identidade nacional mexicana e o deleite pela máscara perpetuados através trajes étnicos e penteados entrançados que agradavam a Rivera e que permitiam esconder problemas físicos servindo ainda de testemunho político a favor de uma herança autêntica e independente do México Neste sentido também o dualismo de Frida retratado no seu trabalho cultural ou sentimentalmente é apontado por Carter a par da procura de harmonia pela artista entre princípios como vida morte masculino feminino luz trevas antigo moderno Não obstante a admiração de Carter pela forma directa como a pintura de Frida retrata a sua realidade a escritora aponta ainda como a artista é subtil ao pintar o veado cravado de flechas The Little Deer 1946 um exemplo do interesse desta pela religião e pelo misticismo Como tal Carter reconhece a capacidade de Frida se transformar enquanto ser numa série de obrasprimas da mutilação como fizera na vida real concluindo a escritora que o narcisismo da artista triunfa carnavalesco Apesar de Carter reconhecer a originalidade da relação de Frida e Diego indicando Rivera como musa de Frida ao aludir a dois autoretratos 1943 1949 para a autora do Prefácio estas pinturas apenas retratam obsessão Resumo em português 81 devoção e inspiração Todavia Carter termina por afirmar que Frida se tornou uma grande pintora devido a todas estas circunstâncias e não apesar delas contribuindo para isso o encanto do seu disfarce um festival perpétuo de vestidos trabalhados Após reflectir sobre as várias facetas de Frida no último parágrafo do prefácio à colecção de postais Carter resume o que pode ser visto em relance inicial do trabalho da artista e alude a VIVA LA VIDA frase inscrita num último quadro de Frida Énos dado assim o retrato de uma mulher que não se submeteu a qualquer padrão de beleza mas que procurou antes redefini la através do seu próprio padrão que evidencia a singularidade absoluta das mulheres Consideramos irónico como a própria Frida Kahlo foi incapaz de iludir o consumismo que tão veemente criticou Tida como um ícone do surrealismo mexicano hoje em dia os seus quadros alcançam os preços mais altos de qualquer artista LatinoAmericano De modo semelhante questionamonos sobre a forma como Angela Carter que tentou permanecer fora do cânone reagiria se descobrisse que no ano após a sua morte a Academia Britânica recebeu mais pedidos para bolsas de estudo sobre a obra dela do que sobre todo o século XVIII Seguramente veria esta canonização com divertimento ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 The Victorians at Amiens Translation and Transposition EMILY EELLS Université Paris X L ocated between Paris and the English Channel Amiens has served as the setting for many of the key events in the drama of AngloFrench history It was in Amiens in the 13th century that the French King Louis the 9th also known as St Louis formalized the reconciliation between his feuding barons and King Henry the 3rd of England Centuries later in March 1802 the Treaty of Amiens was signed in a vain attempt to establish definitive peace between France and the United Kingdom This paper will consider how Amiens1 became a hub of cultural exchange between Britain and France in the 19th century focusing on works signed by three aesthetic theorists namely John Ruskin William Morris and Walter Pater The questions it proposes to address concern translation and transposition and more specifically how the Victorians transformed their experience of Amiens into their own culture The construction of the railway was a defining development for Amiens and its role as centre for AngloFrench cultural exchange in the Victorian period The train line linking Amiens to the French ports of Boulogne and Calais was built by 1848 making it easily accessible to the English traveller and serving as a place of transit on the way between London and Paris The commission to build the railway was entrusted to a British company and the work was carried about by British workers meaning that the British literally built their way to Amiens The 19th century also saw the birth and growth of travel writing as a literary genre The Londonbased publisher John Murray brought out some of the first travel guides publishing his popular Handbook for Travellers in France in 1843 The first route it outlines takes the English traveller from Calais to Paris via Amiens The guidebook accompanies the traveller through his or her encounter with the foreign and unknown literally introducing them to a 1 The name of the town is used here and generally in this paper as a synecdoche to refer to its cathedral NotreDame dAmiens Emily Eells 86 taste of what is different when it points out that duck pâté is a speciality of Amiens Murrays guidebook underscores cultural difference when it also advises the English traveller how to behave abroad which includes the following pointers about etiquette in church Englishmen and Protestants admitted into Roman Catholic churches at times are often inconsiderate in talking loud laughing and stamping with their feet while the service is going on a moments reflection should point out to them that they should regard the feelings of those around them who are engaged in their devotion Above all they should avoid as much as possible turning their backs upon the altar In a church ladies and gentlemen should not walk arm in arm as that is contrary to the usual practice of the people and to their idea of good manners they should avoid talking together during the service2 Murrays handbook presents Amiens in superlative terms as one of the noblest Gothic edifices of Europe It praises the cathedral by comparing it to English architecture for example when it describes the rose window which surpasses every thing of the sort which England can produce Similarly its description of the cathedrals deeply recessed sculpted portals stress that the feature is characteristic of French architecture though it is unusual in English architecture the arches supported by a long array of statues in niches instead of pillars while rows of statuettes supply the place of mouldings so that the whole forms one mass of sculpture an arrangement of constant occurrence in French Gothic though rare in English3 The guidebook sustains the comparison with English cathedrals when it describes the interior of the cathedral whose sense of height is unfamiliar to the English visitor The interior is one of the most magnificent spectacles that architectural skill can ever have produced The mind is filled and elevated by its enormous height 140 feet its lofty and manycoloured clerestory its grand proportions its noble simplicity The proportion of height to breadth is almost double that to which we are accustomed in English cathedrals4 2 Handbook for Travellers in France London John Murray 1843 p xxxviii 3 Handbook for Travellers in France p 5 4 Handbook for Travellers in France p 5 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 87 Those two points about Amiens that the sculpted decoration is integrated into its architectural structure and that its interior cathedral is of inspirational height are two of the tenets of the Gothic Revival movement In the mid nineteenth century that movement was dominated in England by the theory and practice of Augustus Welby Northmore Pugin 18121852 who collab orated on the design of the Houses of Parliament in London undoubt edly one of the most prominently visible examples of the Gothic Revival The description Murrays guidebook makes of Amiens presents it as a model of Gothic architecture as defined by Pugin in his Principles of Pointed or Christian Architecture First that there should be no features about a building which are not necessary for convenience construction or propriety second that all ornament should consist of enrichment of the essential construction of the building5 Pugin cites the flying buttresses of Amiens as a specific example of how an essential support of the building has been made into elegant decoration6 appealing in the following terms to his readers Who can stand among the airy arches of Amiens and not be filled with admiration at the mechanical skill and beautiful combination of form which are united in their construction7 Pugin is also awed by the internal vastness of Amiens and compares it to what he considers to be the deficient internal height8 of English churches He believed that English architecture should adapt that feature of the Gothic cathedral to their own designs taking care to incorporate the foreign without affecting the fundamental characteristics of the English Internal altitude is a feature which would add greatly to the effect of many of our fine English churches and I shall ever advocate its introduction as it is a characteristic of foreign pointed architecture of which we can avail ourselves without violating the principles of our own peculiar style of English Christian architecture 9 The neoGothic churches modelled on the design of Amiens cathedral are the most concrete manifestation of how the British were inspired by Amiens and adapted their impressions of its cathedral into their own work 5 A Welby Pugin The True Principles of Pointed or Christian Architecture 1841 p 1 6 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 5 7 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture pp 56 8 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 75 9 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 75 Emily Eells 88 John Ruskins The Bible of Amiens published in 1884 is without doubt the bestknown Victorian work on Amiens cathedral It is indebted to both Pugin who inspired Ruskins interest in Gothic architecture and John Murray as Ruskin travelled around Northern France in 1848 with his Guidebook in hand10 Ruskins quirky unwieldy text on Amiens owes its renown to its French translator The French version of Ruskins text illustrates the point made by the translation theorist Lawrence Venuti that the translator establishes the monumentality of the foreign text its worthiness of translation but only by showing that it is not a monument that it needs translation to locate and foreground the selfdifference that decides its worthiness11 Prousts objective was precisely to foreground the selfdifference of Amiens by showing his fellow Frenchmen how an Englishman viewed one of their national monuments His translation brings cultural difference into focus as he offers it to his readers as if it were a kind of lookingglass enabling them to view their own culture through the eyes of another Ruskin introduces Amiens in terms which echo Pugin as he stresses that Amiens is an example of the pure Gothic Gothic clear of Roman tradition and of Arabian taint Gothic pure authoritative unsurpassable and unaccusable its proper principles of structure being at once understood and admitted12 The last chapter of Ruskins volume is written as a kind of guide book to the cathedral concentrating on the sculptural program of the western façade which he calls The Bible of Amiens Here the Bible has been translated into visual terms in order to make it accessible to the largely illiterate Medieval population The Word with a capital W has become stone As the chapter title Interpretations suggests Ruskin takes on the role of interpreter translating the sculpted images back into words and identifying their Biblical source in his exegesis Ruskins text thus exemplifies the third category of translation defined by Roman Jakobson in his essay on translation namely intersemiotic translation or the transposition from one sign system into another13 The sculpted images 10 See JC Links The Ruskins in Normandy A Tour in 1848 with Murrays HandBook London John Murray 1968 11 Lawrence Venuti The Translators Invisibility A History of Translation London Routledge 1995 pp 3078 12 John Ruskin The Bible of Amiens London George Allen 1897 p 165 first published 1884 13 See Roman Jakobson Essais de linguistique générale Paris Minuit 1963 p 86 first published 1959 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 89 are even constructed as a narrative as can be seen in the series of events in Marys life in the southern portal of the western façade The sequence of scenes the Annunciation the Visitation and the presentation of Jesus at the Temple is constructed into a kind of pictorial sentence which reads like a medieval comic strip It would have been more legible to a medieval viewer than it is today as the sculptures were originally painted and the figures could be identified thanks to the colour of their clothes Ruskins aim was to make this iconography comprehensible to modern readers and he dedicated his volume explicitly to young Christian tourists from England His text targeting a specific readership clearly illustrates the determining role played by the addressee in the literary exchange of translation As he is writing for a Protestant readership Ruskin feels compelled to take the defence of Catholic Maryolatry especially evident in Notre Dame dAmiens a cathedral dedicated to the Virgin There is a stern moral ring to Ruskins words when he asks his readers to be respectful of Catholic worship of Mary as a saint and when he chastises them for attaching importance to money and ostentatious fashionable headgear denoting social status And now last of all if you care to see it we will go into the Madonnas porch only if you come at all good Protestant feminine reader come civilly and be pleased to recollect that neither Madonna worship nor Ladyworship of any sort ever did any human creature any harm but that Money worship Wigworship Cocked Hat and Featherworship have done and are doing a great deal 14 Ruskins comments here are prompted by the French context but they engage in the contemporaneous debate between English Protestantism and AngloCatholicism Ruskins guidebook to a medieval French cathedral thus contains a layer of commentary on contemporary national issues Ruskins commentary on the various representations of the Madonna can be read as an illustration of how context determines translation a term Im using here to mean the transposition from one sign system into another The point is made by Walter Benjamin in his article entitled The Task of the Translator based on the example of the translation of the word bread which is Brot in German and pain in French although German and French bread each have their distinctive national flavour15 Umberto Eco makes the same 14 Ruskin Bible of Amiens pp 2401 15 Walter Benjamin The Task of the Translator Illuminations trad Harry Zohn New York Schocken Books 1968 p 74 first published 1955 Emily Eells 90 point in his volume on translation entitled Mouse or Rat where he argues that the cultural connotation of language is a necessary complement to the lexical definition of a word He uses the term encyclopedia16 to refer to what David Lodge defines as the complex of emotions associations and ideas which intricately relate a nations language to its culture and tradition17 A study of Amiens cathedral shows how elements from that encyclopedia most obviously the historical period and the geographical location affect the translation of the Bible into image The various representations of the Madonna in Amiens show how the historical period and the geographical location impact on representation Ruskin traces their historical development beginning with the Madonna Dolorosa a Byzantine type which he chooses to illustrate with an example from the Early Italian Renaissance by using his own drawing based on Cimabues Madonna Enthroned with the Child and St Francis18 as the frontispiece of his volume on Amiens cathedral It pictures the face of a forlorn Madonna which he contrasts with the representation of the Madonna on the central column of the southern portal of the cathedrals western façade the Frank and Norman one crowned calm full of power and gentleness19 He designates this Queen Madonna using the French term of Madone Reine20 In Ruskins eyes Amiens is epitomized by the Vierge Dorée gracing the southern transept door In linguistic terms we could say that this statue has a metonymic function using that term metonymy in the sense of a relationship of contiguity as she belongs to Amiens she embodies it Ruskin recognizes her as a good French type and describes her as a Madonna in decadence for all or rather by reason of all her prettiness and her gay soubrettes smile21 The French word soubrette is used in light comedy to refer to the ladys maid so Ruskin employs it here to capture the vivacious radiance of this Madonna who is almost coquettish everybody must like the pretty French Madonna with her head a little aside and her nimbus switched a little aside too like a becoming bonnet22 16 Umberto Eco Mouse or Rat Translation as Negotiation London Phoenix Paperback 2003 pp 1216 17 David Lodge The Argument from Translation in Language of Fiction London Routeledge and Kegan Paul 1966 p 20 18 In the lower church of San Francesco Assisi 19 Ruskin Bible of Amiens p 242 20 Ruskin Bible of Amiens p 242 21 Ruskin Bible of Amiens p 176 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 91 Ruskins use of French terms identifies what the calls the Madone Nourrice with the country where she is represented whereas his French translator went one step further as Proust specifically identified this Madonna as an Amiénoise or native of the town Ruskins guide to the Western façade of the cathedral reveals how the design of the scenes from the Bible and the symbolically decorative features reflect the particular context of Northern France where they were sculpted The sculptures are at their most purely symbolic in the quatrefoils depicting the months of the year and in the series of quatrefoils representing the vices and virtues It was customary for medieval artists to use scenes from peasant life to symbolize the different months and the variations in the agricultural calendars that can be seen on buildings throughout Europe illustrate how the relationship between signifier and signified is defined by context Given climatic differences the words signifying the months of the year have different meanings in different places on the façade of Amiens cathedral the month of August is represented as a peasant hard at work threshing which contrasts with the representation of the same month on the façade of St Marks basilica in Venice where August is synonymous with siesta These contrasting repre sentations of the same month prove that translation can never be the simple transport of a set of signifiers from one language to another as that operation also affects the signified which is transported into a different climate Similarly the symbolic representations of the paired vices and virtues are dependent on cultural context In the bleak area of the Somme the virtue of Charity is depicted as a woman donating a cloak to a poor cold man described in the following terms by Ruskin Charity bearing shield with woolly ram and giving a mantle to a naked beggar The old wool manufacture of Amiens having this notion of its purpose namely to clothe the poor first the rich afterwards No nonsense talked of in those days about the evil consequences of indiscriminate charity23 Ruskin here points to the geographical specificity of this representation the cloak donated is a product of Amiens one of medieval Frances leading textile centres and its donation is an appreciated act of charity in a place known for its windswept chilly climate Ruskins comment equally invites comparison 22 Ruskin Bible of Amiens p 176 23 Ruskin Bible of Amiens p 222 Emily Eells 92 with his own times when indiscriminate charity was discouraged in favour of charity which benefited only those judged morally virtuous Amienss conception of Charity contrasts with the depiction of the same virtue in more clement climes for example in Giottos frescoes in the Arena chapel in Padua In the fertile warmth of Italy Charity is represented by the bounty of the earth her basket is overflowing with corn and flowers and her prosperity is symbolized by the sacks of golden wheat on which she stands to reach up to the hand of God These two representations of Charity again illustrate how context determines representation as they engage in a complex play between signifier and signified The sculpture in Amiens and Giottos fresco use two different signifiers to symbolize the same virtue because what is being signified namely the act of Charity also varies according to context and climate Ruskin tried to make the moral teaching represented on the cathedral wall relevant to his readers by using contemporary references in his commentary on the vices and virtues When he points to the vice of Churlishness repre sented as a woman kicking the servant who brings her a drink he compares that image to the contemporary French cancan dancer pictured in 19th century prints24 In a similar way Ruskin updates the vice Rebellion when he points out that modern French and English men have the same scornful attitude to the church as the figure depicted on the sculpted wall of Amiens cathedral Ruskins comment on this vice draws from English culture and includes a moralizing aside censuring both the French and the English Protestant reader Rebellion a man snapping his fingers at his Bishop As Henry the Eighth at the Pope and the modern French and English cockney at all priests whatever25 These quatrefoils thus show how translation takes into account differences in time and place when establishing the relationship between signifier and signified confirming Venutis point that A translated text should be the site where a different culture emerges where a reader gets a glimpse of a cultural other26 Prousts Bible dAmiens demonstrates how translation negotiates the transmission of the cultural information conveyed by a text He took on the role of cultural mediator or gobetween adding numerous extensive footnotes to explain the references in the English original For example he feared his 24 Ruskin Bible of Amiens p 218 25 Ruskin Bible of Amiens p 219 26 Venuti The Translators Invisibility p 306 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 93 French readers might ignore certain facts about the English Reformation so he annotated Ruskins allusion to Sir Thomas More with the following footnote Beheaded under order of Henry the eighth because he refused to acknowl edge the kings supremacy27 Similarly Ruskins reference to John Bunyans Mr Greatheart28 prompted Proust to identify him as a character from The Pilgrims Progress29 The cultural explanations Proust adds to his translation exemplify Jean Jacques Lecercles theory of Interpretation as Pragmatics30 Lecercle argues that literary exchange is carried out on the ALTER model an acronym based on the first letters of the words author language text encyclopaedia and reader The text is thus in the central position with the author at the start and the reader at the end of the working model The space between them which they share with others comprises language on the one hand and Ecos concept of the encyclopaedia on the other My study of Prousts translation of Ruskin incites me to alter the ALTER model by doubling the t to indicate that the translator shares the central position with the text negotiating its linguistic and cultural aspects for the reader It is fitting that the acronym also suggests that the translator alters the original version making it into a different text as Proust transforms The Bible of Amiens augmenting and modifying its dimensions almost beyond recognition when he makes it into La Bible dAmiens Prousts annotated Bible dAmiens rewrites the original text both in another foreign language and in the personal idiom of the translator It belongs to a different artistic school from Ruskins Bible of Amiens and is coloured with references to the translators native French culture Whereas Ruskin numbers the statues on the western façade and presents them in a catalogue of paratactic notes Proust prefaces his translation with a lengthy preface indulging in impressionism and purple prose He is not concerned with what is set in stone his interest is in how the visitors vision of the cathedral is coloured by their own mood as well as by the mood of the day they see it Prousts affinity is with Monet whose series of paintings of Rouen cathedral he cites when he describes Amiens as blue in the mist dazzling in the morning sundrenched and richly golden in the afternoon pinkish 27 Marcel Proust translator La Bible dAmiens Paris Mercure de France 1904 p 181 My translation 28 Ruskin Bible of Amiens p 31 29 Proust Bible dAmiens p 129 30 JeanJacques Lecercle Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Emily Eells 94 nocturnal and already chilly at sunset31 Prousts reference to Monet reveals his own sensitivity to the atmosphere of the place the quality of the light and the tonality of the colours Monets approach was diametrically opposed to Ruskins his paintings do not replicate the details of the cathedrals sculpted stone surface but rather the diffuse light coming off it He stepped back to absorb and capture the overall impression created by the cathedral whereas Ruskin examined it closely to ensure that no detail escaped his notice Thus Ruskins volume mapping the cultural differences between medieval France and Victorian Britain acquired another layer of meaning when it was translated by Proust who infused the text with his own subjectivity and cultural references Ruskins Bible of Amiens owes its survival to its prominent French translator whose work confirms Walter Benjamins theory that translation ensures what he calls the überleben of the translated text32 Less wellknown but of equal interest in a discussion of Amiens as a place of AngloFrench cultural exchange in the 19th century are the essays on Amiens by William Morris and Walter Pater which show how cultural difference contributed to defining and refining their aesthetic theories Both writers record how the encounter with the other and the impression the cathedral made on them contributed to shaping their work proleptically in the case of Morris who visited Amiens as a young man and analeptically in the case of Pater whose article on Amiens was published the year he died Morriss essay Shadows of Amiens was published when he was only 22 years old in February 1856 meaning that it predates Ruskins Bible of Amiens by thirty years33 It appeared in The Oxford and Cambridge Magazine a journal which he helped to set up while he was a student at Oxford University At the same stage of his life his interest in Gothic architecture was aroused by a reading of Ruskins chapter on The Nature of Gothic in The Stones of Venice 18513 which undoubtedly guided his thoughts during his visit to Amiens His essay on that visit points to Amiens as an inspiration of the Gothic revival in architecture but also hints that it inspired the Arts and Crafts 31 Proust Bible dAmiens p 32 My translation 32 Benjamin Illuminations pp 713 33 William Morris Shadows of Amiens The Oxford and Cambridge Magazine February 1856 pp 99110 For a discussion of this article see Lindsay Smith Victorian Photography Painting and Poetry The Enigma of Visibility in Ruskin Morris and the PreRaphaelites Cambridge Cambridge University Press 1995 pp 8592 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 95 movement he later founded It includes a short section on a Renaissance depiction of the life of St Firmin the patron saint of the cathedral painted on a wooden panel hanging in the ambulatory It depicts the life of St Firmin the patron saint of the cathedral and the panel which arrested Morriss attention represents the finding and the translation of the saints relics He describes the priests bearing the reliquaries with their long vestments girded at the waist and falling over their feet painted too in light colours with golden flowers on them34 The seeds of those Renaissance flowers made a formative impression on Morris and blossomed in his own work when he went on to make a name for himself as designer of decorative patterns The inspiration he felt in Amiens is evident in his spontaneous reaction to the cathedral I think I felt inclined to shout when I first entered Amiens cathedral it is so free and vast and noble I did not feel in the least awestruck or humbled by its size and grandeur35 This French monument seemed to issue Morris with a passport to freedom of speech a means of releasing artistic energy initially in a nonverbal shout of pure feeling with no semantic value That energy is channelled into the measured prose of his essay Shadows of Amiens which recounts two different visits to Amiens and considers how the memories of the first trip triggered the anticipation of the second one Morris uses the term Shadows to refer to the photographs of Amiens which he used to refresh his memory when writing His essay is therefore a reflection on the recent invention of photography and the ways in which it affected the travellers experience both before and after the journey Morris may be referring to view of the south transept door taken by the Amiensbased photographer Kaltenbacher36 whose work is representative of the type of photograph Morris may acquired when he was there all the more so as he describes the scenes sculpted on this portal at length beginning with the central figure of the Virgin holding the baby Jesus Morris recognizes that the photograph could only serve as an objective image of the place devoid of subjective impressions and personal memories Photographs had mnemonic value and can serve as an aidemémoire to recall an outline or a shape but 34 Morris Shadows of Amiens p 102 35 Morris Shadows of Amiens p 101 My emphasis 36 Kaltenbacher did a series of 23 plates commissioned by Ruskin sold as a separate brochure accompanying publication of The Bible of Amiens Emily Eells 96 Morris realises that they dull the memory of personal subjective impressions for the facts of form I have to look at my photographs for facts of colour I have to try and remember the day or two I spent at Amiens and the reference to the former has considerably dulled my memory of the latter37 Morris even suggests that the absence of a photograph better preserves his own impression of the place I remember best the porch into which I first entered namely the northern most probably because I saw most of it coming in and out often by it yet perhaps the fact that I have seen no photograph of this doorway somewhat assists this impression38 His essay therefore traces how he transforms the objective mechanically produced photographs sitting on his desk into blurred recollections of his subjective impressions of Amiens colouring the black and white images with his memories and impressions Morris anticipates Walter Benjamins essay The Work of Art in the Age of Mechanical Representation when he insists that one needs to go to a place to experience its aura His title Shadows of Amiens even foreshadows the very word which Benjamin uses to define the conditions which produce the aura effect If while resting on a summer afternoon you follow with your eyes a mountain range on the horizon or a branch which casts its shadow over you you experience the aura of those mountains of that branch39 Walter Paters article entitled NotreDame dAmiens was published a decade after The Bible of Amiens in 1894 the year of his death Pater seems to echo back to Ruskin in his opening superlative praise of Amiens as the greatest and purest of Gothic cathedrals though nowhere in the article does he cite either Ruskins name or his work He confers on Amiens the title of the queen of Gothic churches40 and echoes Pugin when he admires the integrity of the first design41 which means that at one view the whole is visible intelligible42 Pater confirms that this cathedral complies with Pugins definition 37 Morris Shadows of Amiens p 103 38 Morris Shadows of Amiens p 107 39 Benjamin Illuminations pp 22223 40 Walter Pater NotreDame dAmiens Miscellaneous Studies Macmillan London 1910 p 112 first published in Nineteenth Century March 1894 41 Pater Amiens p 113 42 Pater Amiens p 113 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 97 of the Gothic when he points out that later additions affixed themselves to that first design and rich ornament gathered upon it Paters essay on Amiens counters Ruskins focus on the building as a construction of sculpted stone and makes his main interest its relationship to humanity Pater emphasizes that NotreDame dAmiens was one of those grand and beautiful peoples churches43 built by the commune of Amiens during a period characterized by certain novel humanistic movements of religion44 He refers to the sculptural decorations as translations into stone but stresses that the teaching is popular almost secular45 as they treat the Bible as a book about real men and women He argues that art has at last become acquired a human interest46 and as a result what purport to be lessons based on scripture are in fact the liveliest observations on the lives of men47 Paters particular interest is in how the contemporary viewer sees Amiens cathedral which over the centuries has acquired what Proust calls a fourth dimension that of time48 Pater reflects on the quality of the light inside the cathedral which having been imprisoned there for so long has become almost sub stance of thought one might fancy a mental object or medium49 Paters visit to Amiens prompts him to summarize his aesthetic theory in the pithy question the salt of all aesthetic study is in the question What precisely what is this to me50 As it had done for Morris and Ruskin who feasted there before Pater Amiens flavoured and enriched their contributions to Victorian art 43 Pater Amiens p 110 44 Pater Amiens p 110 45 Pater Amiens p 119 46 Pater Amiens p 120 47 Pater Amiens p 119 48 Marcel Proust A la recherche du temps perdu Paris Gallimard Bibliothèque de la Pléiade 1987 vol 1 p 60 49 Pater Amiens p 117 50 Pater Amiens p 117 Emily Eells 98 References Benjamin Walter The Task of the Translator and The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction In Illuminations trad Harry Zohn New York Schocken Books 1968 First published 1955 Eco Umberto Mouse or Rat Translation as Negotiation London Phoenix Paperback 2003 Handbook for Travellers in France London John Murray 1843 Jakobson Roman Essais de linguistique générale Paris Minuit 1963 First published 1959 Lecercle JeanJacques Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Links JC The Ruskins in Normandy A Tour in 1848 with Murrays HandBook London John Murray 1968 Lodge David The Argument from Translation in Language of Fiction London Routeledge and Kegan Paul 1966 Morris William Shadows of Amiens The Oxford and Cambridge Magazine February 1856 pp 99110 Pater Walter NotreDame dAmiens Miscellaneous Studies Macmillan London 1910 pp 109 125 First published in Nineteenth Century March 1894 Proust Marcel Combray In A la recherche du temps perdu vol1 Paris Gallimard Bibliothèque de la Pléiade 1987 First published 1913 Proust Marcel translator La Bible dAmiens Paris Mercure de France 1904 Pugin A Welby The True Principles of Pointed or Christian Architecture London John Weale 1841 Ruskin John The Bible of Amiens London George Allen 1897 First published 1884 Smith Lindsay Victorian Photography Painting and Poetry The Enigma of Visibility in Ruskin Morris and the PreRaphaelites Cambridge Cambridge University Press 1995 Venuti Lawrence The Translators Invisibility A History of Translation London Routledge 1995 Esta comunicação pretende analisar como Amiens topónimo aqui sempre usado como sinédoque para designar a catedral de Nossa Senhora de Amiens se tornou um centro importante do intercâmbio cultural entre a Grã Bretanha e a França no século XIX Darseá especial atenção a três teóricos da estética John Ruskin William Morris e Walter Pater Os problemas aqui abordados dizem repeito à tradução e à transposição e mais especificamente ao modo como os vitorianos assimilaram culturalmente a sua experiência de Amiens Em 1843 John Murray um editor londrino responsável pela divulgação de alguns dos primeiros guias de viagens publicou o seu bem conhecido Handbook for Travellers in France cujo primeiro itinerário leva o turista de Calais a Paris via Amiens que este guia apresenta em termos superlativos como sendo uma das construções góticas mais célebres da Europa Os dois aspectos de Amiens que Murray sublinha na sua obra por um lado a forma como as esculturas que decoram a catedral se integram na estrutura arquitectónica do edifício e por outro o facto de no seu interior a catedral se elevar numa sugestiva verticalidade são dois dos princípios do movimento do Revivalismo Gótico Em meados do século XIX esse movi mento em Inglaterra era dominado pela teoria e prática de Augustus Welby Northmore Pugin 18121852 que colaborou no desenho arquitectónico das Casas do Parlamento de Londres sem dúvida um dos exemplos mais óbvios do Revivalismo Gótico Também a descrição de Amiens feita no guia de Murray se refere à catedral como um modelo da arquitectura gótica tal como Pugin a define na sua obra Principles of Pointed or Christian Architecture The Bible of Amiens de John Ruskin publicada em 1884 é certamente o trabalho vitoriano mais conhecido sobre a catedral de Amiens Foi muito influ enciado tanto por Pugin que levou Ruskin a interessarse pela arqui tectura gótica como por John Murray cujo guia de viagens acompanhou Ruskin na sua volta pelo norte de França em 1848 O último capítulo da obra de Ruskin é escrito no estilo de um guia da catedral concentrandose no conjunto de esculturas da fachada ocidental a que ele chama A Bíblia de Amiens Aqui a Bíblia foi traduzida para uma Resumo em português Os Vitorianos em Amiens Tradução e Transposição Emily Eells 100 linguagem visual de forma a tornála acessível à população medieval maiori ta riamente iliterata O texto de Ruskin exemplifica assim a terceira categoria da tradução definida por Roman Jakobson no seu ensaio sobre tradução nomea damente a tradução intersemiótica ou a transposição de um sistema de signos para outro As imagens esculpidas seguem mesmo uma lógica narrativa como se pode ver na série de acontecimentos da vida de Maria no portal sul da fachada ocidental A sequência das cenas Anunciação Visita ção e Apre sen tação de Jesus no Templo formam uma espécie de texto em imagens que se lê como uma tira de banda desenhada medieval Nesse tempo teria sido mais fácil de ler do que hoje pois as esculturas eram originalmente pintadas e podiamse identificar as diferentes figuras graças às cores das suas roupas As várias maneiras de representar a Virgem em Amiens mostram como a época histórica e a localização geográfica influenciam a representação O guia de Ruskin para a fachada ocidental da catedral é bem prova de como a repre sentação das cenas da Bíblia e as características da simbologia decora ti va reflectem o contexto particular do Norte da França onde foram esculpidas Estas esculturas atingem o seu nível simbólico mais puro nos quadrifólios que representam os meses do ano e nas séries de quadrifólios que representam os vícios e as virtudes Era habitual os artistas medievais usarem cenas da vida campestre para simbolizar os diferentes meses e as variações nos calendários agrícolas que se podem ver em vários edifícios um pouco por toda a Europa mostram como a relação entre significante e significado é definida pelo con texto De acordo com as variações climáticas as palavras que significam os meses do ano adquirem significados diferentes conforme os locais Na facha da da catedral de Amiens por exemplo o mês de Agosto é represen tado por um camponês em plena debulha o que contrasta com o modo como na fachada da basílica de SMarcos em Veneza ele se encontra simbolizado pela sesta Estas representações contrastantes do mesmo mês provam que a tradu ção nunca pode ser o simples transporte de um conjunto de significantes de uma língua para outra visto que esta operação também afecta o significado que é transportado para um clima diferente Ruskin tentou também que o ensinamento moral representado na fachada da catedral permanecesse relevante para os seus leitores recorrendo para tal a referências contemporâneas nos seus comentários aos vícios e virtudes Estabelece a comparação por exemplo entre a cena esculpida de uma mulher dando pontapés à criada que a serve o vício da grosseria e a imagem contemporânea de uma corista de cancan das gravuras do século XIX Uma vez mais se vê que estes quadrifólios mostram como a tradução ao estabe le cer o laço entre significante e significado leva em linha de conta as diferenças Resumo em português 101 espaciotemporais confirmando assim o ponto de vista de Venuti ao afirmar que um texto traduzido devia ser o espaço onde emerge uma nova cultura e onde o leitor vislumbra uma outra realidade cultural diferente A Bible dAmiens de Proust prova como a tradução negoceia a transmis são dos dados culturais contidos num texto Assumindo o papel de mediador cultural ou intermediário insere longas notas de rodapé para explicar as referências no original inglês Temendo por exemplo que o público leitor francês ignorasse certos factos relativos à Reforma em Inglaterra acrescentou uma nota à alusão de Ruskin a Sir Thomas More onde refere que ele fora mandado decapitar por se recusar a reconhecer a supremacia de Henrique VIII Uma referência de Ruskin a John Bunyans Mr Greatheart leva Proust a inserir outra nota onde esclarece que Mr Greatheart é uma personagem de The Pilgrims Progress As notas contendo explicações culturais que Proust acrescenta à sua tradução exemplificam a teoria de Lecercle da interpretação como pragmática Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Para Lecercle a permu ta literária realizase segundo o modelo ALTER acrónimo para autor língua texto enciclopédia e leitor reader O texto está no centro estando o autor no início e o leitor no fim do modelo operativo O espaço que medeia entre estes e que é partilhado com outros compreende por um lado a língua e por outro o conceito de enciclopédia de Eco Depois do meu estudo da tradução que Proust fez de Ruskin sintome inclinada a alterar o modelo ALTER dobrando o T para indicar que o tradutor ocupa juntamente com o texto a posição central pois ele negoceia os seus aspectos linguísticos e culturais tendo em vista o leitor É de toda a justiça que o acrónimo também sugira que o tradutor altera a versão original transformandoa num texto diferente tal como Proust transforma The Bible of Amiens aumentando e modi ficando as suas dimensões ao ponto de tornála quase irreconhecível quando comparada com La Bible dAmiens Assim as diferenças culturais existentes entre a França medieval e Ingla terra vitoriana que esta obra de Ruskin evidencia adquiriram outro nível de sentido quando Proust ao traduzir o texto o enriqueceu com a sua subjecti vidade e referências culturais De facto a Bible of Amiens sobreviveu graças ao seu eminente tradutor cujo trabalho confirma a teoria de Walter Benjamin segundo a qual a tradução assegura maior longevidade ao texto traduzido Menos conhecidos mas com igual interesse numa discussão sobre as relações culturais anglofrancesas no século XIX são os ensaios de William Morris e Walter Pater que mostram como a diferença cultural contribuiu para a definição e afinação das suas próprias teorias estéticas Ambos os escritores Emily Eells 102 referem como o encontro com o outro e a impressão que lhes causou a cate dral influenciaram o seu trabalho prolepticamente no caso de Morris que visitou a catedral quando era jovem e analepticamente em relação a Pater cujo artigo sobre Amiens foi publicado no ano da sua morte Em Shadows of Amiens o ensaio que Morris escreveu aos 22 anos após a sua visita à catedral o autor considera Amiens como producto do revivalismo gótico na arquitectura mas dá também a entender que ela inspirou o movi mento Arts and Crafts que ele próprio viria a fundar O ensaio inclui uma breve referência a uma pintura renascentista sobre madeira representando S Firmino patrono da catedral e que se encontra no ambulatório A parte do painel que mais atraiu a atenção de Morris foi a que narra a descoberta e a transladação das relíquias do santo Morris usa o termo Shadows para se referir às fotografias que tinha sobre a secretária e que usou como auxiliar de memória quando estava a escrever o seu ensaio Este tornase assim num exercício mental sobre a invenção da fotografia e o modo como esta influenciou a sua experiência de visitante da catedral antes e depois da viagem As palavras que escreve mostram como ele transforma aquelas fotografias objectivas e feitas por meios mecânicos em registo das suas impressões subjectivas de Amiens emprestando às imagens a preto e branco a cor das suas memórias e impressões mostrando assim ter captado com a sua presença no local a atmosfera que o define O artigo de Pater intitulado NotreDame dAmiens foi publicado em 1894 no ano da morte do autor e dez após a publicação de The Bible of Amiens Pater parece fazerse eco de Ruskin ao iniciar a sua descrição de Amiens em tom altamente elogioso chamandolhe a maior e a mais pura das catedrais góticas embora nem o nome nem a obra de Ruskin apareçam citados no artigo Ele dá a Amiens o título de rainha das catedrais góticas e tal como Pugin admira a unidade do plano original que faz com que o todo se torne de imediato visível e inteligível Pater afirma que esta catedral obedece à definição que Pugin dá do gótico sublinhando justamente a existência de elementos que mais tarde foram adicionados ao plano original e a profusa ornamentação que se veio a acumular A visita que Pater faz a Amiens levao a resumir a sua teoria estética na pergunta que está no cerne de todo o estudo da estética Mas afinal o que significa isto para mim Tal como fizera com Morris e Ruskin que antes de Pater já tinham ficado deslumbrados com a catedral Amiens tornou mais variada e rica a contribuição que eles deram à arte vitoriana ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo JACQUES LEENHARDT École des Hautes Études en Sciences Sociales É prudente começar uma reflexão sobre a função da crítica de arte na cultura contemporânea por uma interrogação a respeito da própria defini ção da crítica Para muitos com efeito e os artistas às vezes se encon tram entre eles a crítica é uma atividade parasita Diante de tal opinião é preferível não opor uma defesa em causa própria Do meu ponto de vista somente uma reflexão de caráter histórico permite esclarecer ao mesmo tempo o porquê e o como da crítica Ela deve partir da evolução das próprias artes da atitude dos artistas ou daquilo que se poderia chamar de sua consciência de si como artista e por fim da evolução do público de arte Sabese muito bem que o conjunto desses parâmetros sofreu uma transformação importante na segunda metade do século XVIII depois que na esteira de Shaftesbury e de Baumgarten a questão da sensibi li dade como forma de conhecimento ganhou um lugar na filosofia ao lado da razão sob o nome de estética Século do triunfo da Razão o século XVIII é também aquele que de Diderot a Rousseau dará um lugar à sensibi li dade entre as faculdades humanas do conhecimento A Crítica do Juízo de Kant constitui o ponto culminante dessa reflexão Se perguntamos então por que Diderot inventou um gênero literário que levará o nome de Salões a razão disso é que a arte está em vias de ganhar um público novo relativamente independente dos critérios de gosto elabo rados na Corte e que os próprios artistas pressentindo a autonomia nova que pode lhes garantir esse público deixam sua própria sensibilidade se exprimir mais livremente sobre a tela O Academicismo domina ainda nos Salões e sobre o mercado totalmente novo de arte ilustrado pelo quadro de Watteau Lenseigne de Gersaint mas já a multiplicação do público isto é a coexistên cia de muitos públicos sequiosos de possuir obras de arte abre uma brecha na unicidade do gosto Esse duplo movimento que afeta tanto os artistas quanto o público abre um espaço entre esses diferentes atores daqui para frente desprovido de regras A subjetividade do artista tende a conferir a si mesma curso muito mais livre enquanto que o espectador ainda marcado por normas cada vez mais Jacques Leenhardt 106 obso letas não sabe mais como apreciar aquilo que vê Ele se preocupa em deixar crescer em si mesmo uma liberdade de julgamento até agora não expe rimen ta da procura ainda as muletas de um critério socialmente aceito no qual se fiar Será preciso esperar Baudelaire para que a crítica de arte coloque clara mente seu papel como mediação entre um público qualificado na época de burguês em princípio capaz de reações sensíveis mas insuficientemente livre para deixar que elas se exprimam por si mesmas e os artistas que afirmam cada vez mais a irreprimível transcendência de sua subjetividade Com Baudelaire se estabelecem as categorias fundadoras da prática crítica no domínio da arte Uma comunidade de horizonte reúne o artista o público e o crítico que a emoção do pintor fixa a seu modo sobre a tela Ela se exprime no objeto estético O crítico a reformula por sua vez numa lingua gem em que investe toda a parcialidade de seu olhar e é ficando mais perto de sua paixão que ele consegue ser o mais universal pois essa paixão subjetiva tem o mesmo fundamento que a do artista e potencialmente do público Ele encontra por esse viés um acesso próximo da sensibilidade adormecida e mal exercida do público A reformulação sensível da arte na linguagem leva muito evidentemente uma vantagem considerável sobre a formulação pictórica Utiliza a mediação de uma estrutura de comunicação universal a linguagem perfeitamente exercida em cada um Se os públicos são relativamente cegos àquilo que se passa no quadro é porque sua experiência cotidiana não lhes dá senão rara mente a ocasião de prestar atenção nas diferenças nas quais reside todo o interesse Aprendemos a ler e a escrever não a olhar O crítico da arte sabe ou deveria saber apreciar uma cor uma intensidade uma tonalidade uma linha Deveria achar aí um significado e comunicálo na linguagem verbal Assim transcrito o efeito plástico tornase perceptível para aquele que não está acostumado com ele e o texto crítico funciona por sua vez como uma escola do ver uma pedagogia da sensibilidade Não obstante a própria escrita apresenta estados diferentes Aprender a ler um texto informativo não desenvolve senão uma parte das potencialidades da linguagem e da leitura A escrita é por natureza às vezes descritiva poética e metafísica dito de outra forma ela descreve um objeto referencial evoca as sensações provocadas por esse objeto numa sensibilidade e subsume esse objeto num conceito resgata sua validade universal seu sentido Essas três funções se reencontram na prática da crítica de arte Esta deve desig nar o objeto de seu discurso dentro de sua autonomia um quadro uma insta lação a imagem de um corpo a fotografia de um nevoeiro na contraluz etc Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 107 Sabese entretanto que não existe descrição nem absoluta nem pura men te objetiva A imaginação do crítico é portanto sempre convidada a com ple tar esse referente oferecido a interpretálo isto é a lhe atribuir um sentido a fazêlo entrar enfim num conjunto significativo mais vasto A imaginação crítica toma emprestado da linguagem para fazer sua função poética princi pal mente sua estrutura metafórica No discurso crítico o objeto de arte é sempre além daquilo que parece ser descrito através do modo analógico do como É isto e outra coisa ao mesmo tempo Prestígio e prestidigitação da escrita o de poder manifestar dois estados da coisa ou da idéia no mesmo ato verbal Para quem não vê senão esse ponto de incan des cência poética a escrita entra naturalmente no domínio da filosofia pois se uma coisa é isso e ao mesmo tempo pode ser aquilo somente a imaginação saberá dar conta dessa complexidade Esse estado crepuscular de toda obra de arte sob o olhar do discurso crítico se liga ao caráter movente e efêmero de toda a realidade humana A vida moderna tal como Baudelaire nomeava o estado de movimento browniano permanente da vida do mundo apreendido pela consciência faz da fugaci da de uma característica essencial das coisas e por conseqüência também de sua representação na arte É uma das razões pelas quais o inaca ba mento da obra se tornou uma qualidade metafísica desta Ele deixa abertas as portas da ima gi nação que terá por função atribuir um significado subjetivo àquilo que per manecia na sua essência e na sua objetalidade propriamente indeterminado A determinação do significado não estando jamais assegurada de forma definitiva para a própria obra tornase apanágio do público e eventualmente daquele que é como uma voz provisória deste o crítico Oscar Wilde não dizia no seu estilo irônico preferir um mau artista a um que fosse bom because I can make more of him than he is porque posso fazer dele mais do que ele é Preferir o esboço à obra acabada é dar mais chances ao possí vel é prever o lugar e a importância do crítico e do espectador na realização do significado da obra E isso é verdade tanto da parte dos artistas que podem desejar conceber seu trabalho como uma obra aberta e dizer com Duchamp que são os espectadores que fazem o quadro quanto da parte do público cujo gosto se sabe que vai há um século em direção ao esboço do mesmo modo que em direção à obra terminada Ele também sente prazer com a incompletude da obra com a condição todavia que seu caráter enigmático não seja para ele ocasião de uma renúncia à compreensão O texto crítico nunca deixou desde Diderot até nossos contemporâneos de se colocar na posição de mediação que torna necessária uma arte cujos Jacques Leenhardt 108 códigos estejam constantemente em ruptura com relação ao estado atual do gosto isto é às capacidades espontâneas de compreensão existentes normal mente nos públicos A escrita e o museu Quando se pensa em discurso crítico se imagina um texto impresso nos jornais e nas revistas Contudo a escrita não é mais a única a desempenhar um papel essencial entre obras e públicos a assumir a função crítica e a marcar a difusão social da arte A evolução dos sistemas de difusão social da arte produziu com efeito novas instâncias de mediação A multiplicação dos museus e há alguns decênios dos museus de arte contemporâneos criou uma situação inédita e atores críticos novos Os curadores do museu eram no passado os guardiões do patrimônio isto é de valores socialmente consagrados no domínio da arte São hoje freqüentemente através dos museus de arte contemporâneos as Bienais e as exposições os interventores imediatamente contemporâneos da criação diretamente implicados na avaliação e interpretação das obras pro pos tas pelos artistas O museu veio portanto ocupar um lugar que não existia no tempo dos salões que Diderot e Baudelaire comentavam Os salões eram um lugar de encontro social Todas as imagens que temos deles nos mostram que eles estão mais próximos do bazar do que do templo Ora o museu não conservou quase nada da função de lugar público onde se debate a arte de fórum assumida antigamente pelos salões O público e as obras ali estão separados uns dos outros por uma barreira metafísica que está ligada à função simbólica que nossa sociedade atribuiu à instituição museoló gica Criado no final do século XVIII o museu é o receptáculo cerimonioso de objetos reputados como apresentando a quintessência dos produtos da humanidade considerada de um ponto de vista universal e abstrato Contrariamente às coleções dos príncipes e prelados que significavam o poder material e simbólico de seus proprietários assim como a singularidade das obras que as compunham o museu significa a aparição de uma transcen dência laica que afirma a universalidade do homem conforme a tendência geral de democratização que se manifesta em nossas sociedades De fato o museu se tornou o templo de uma religião da humanidade que tende a substituir a religião cristã enfraquecida O frontispício do Museu Real de Ontário em Toronto traz significativamente esse emblema Os trabalhos de Deus através dos tempos as artes do homem através dos séculos Trabalhos para um Deus assaz homo faber e artes para um homem completamente homo sapiens sapiens Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 109 Funções e finalidades dos museus Essa transcendência laica e democrática colocou questões tremendas à museologia e é no horizonte delas que se organizou o grande debate entre uma concepção sagrada do museu como templo e uma abordagem peda gó gica como espaço de aprendizagem e discussão Instrumento democrático o museu deve ensinar a todos templo do universal ele implica um desvio de toda circunstância particular A descontextualização dos objetos no museu se prende à idéia mesma de museu de coleção de objetos reputados como representando o esquema do mundo Ela não é senão o sintoma daquilo que a função de templo assu miu em relação à de fórum O esquartejamento no qual o museu está preso se liga ao fato de que ele se encontra no presente de suas vitrines e de suas cimalhas exatamente à articulação do passado memórias de coisas verda deiras deposi tadas em suas coleções e do futuro que será cumprido por aqueles que vêm olhar atrás do vidro dos sarcófagos a dinâmica mesma da vida O museu e o Panteão é um museu e não um cemitério é a articulação do morto e do vivo sob o ângulo da humanidade como processo de comuni ca ção transgeracional Lá está o caráter sagrado do museu mas lá está tam bém seu caráter pedagógico pois não podemos projetar um futuro sem nos fundar sobre o passado O museu é uma metáfora do universo sob o ângulo da temporalidade Ele religa como faz a vida porque separa Toca no sagrado tanto quanto religa como queria a religião laica de Augusto Comte é pedagó gico porque ao objetivar o passado permite ao sujeito construir um futuro para si Porque me separa daquilo a que adiro minha terra minha cultura minha família ele me dá às vezes os meios de viver essas determinações cotidianas e de transformálas O dispositivo museológico Assim definido o museu é uma máquina que funciona segundo dois princí pios a visualidade que religa e a vitrine que separa A visualidade é o que define a atividade do espectador A vitrine é o que separa o corpo do espectador da materialidade da coisa o que impede que a mão não venha substituir o olhar Favor não tocar A vitrine radicaliza a abstração do olhar materializa a distância que o constitui como tal A vitrine é um corte episte mo lógico entre pensar e sentir Podese todavia inverter essas proposições exercício que elucida o caráter paradoxal do museu A vitrine é o que introduz todo objeto na ordem do sagra do fabrica um tabernáculo para o objeto mais simples o enobrece e o torna tabu Sem esse distanciamento que Duchamp explorou com mais Jacques Leenhardt 110 ciência que todos os outros instalando o objeto industrial anônimo no museu não há sagrado não há arte Se portanto a vitrine une tanto quanto separa em planos evidentemente diferentes que diremos da visualidade No espaço onde estão dispostas as imagens textos objetos arquiteturas etc a sensibilidade visual opera reagru pa mentos cria liames entre objetos e símbolos dispersos O museu sugere uma coerência através de suas categorizações técnicas habituais pintura escultu ra desenho ou então geográficas e cronológicas arte egípcia pintura do século XVII holandês ou arte contemporânea Em todos esses casos cabe ao especta dor harmonizar para si mesmo a diversidade dos objetos que lhe são apresen tados sob essas categorias bastante imperfeitas naturezas mortas uma cena religiosa um desfile real uma alegoria da paz e uma cena de taverna para o século XVII holandês ou ainda uma instalação um vídeo uma pintura para a arte contemporânea Como se constituirá uma unidade corres pon dente à época ou ao estilo anunciado E tudo isso dentro de uma arquitetura que será talvez do século XIX ou do século XX museológica ou industrial numa mobília também ela variável com um guarda sonolento quarenta turistas e ele ele próprio perdido e tentando encontrar para si um lugar no mundo Detenhamonos um momento nessa experiência da sensibilidade visual Ela reabilita a colagem não somente porque o visitante deve retomar numa só experiência uma variedade de imagens e de conceitos que não são muito harmonizados mas porque há na própria direção museológica uma colagem de diversos discursos uns sobre os outros Uma sala de museu uma exposi ção torna realmente visível e presente bem mais que o silêncio ensurdecedor das obras que apresenta A ela vem se sobrepor o discurso de um curador que se considerará aqui como um discurso crítico A vontade demonstrativa que habita todo organizador de exposição não se choca somente com a evidente má vontade que faz com que toda obra de arte entre num esquema de sentido elaborado por um crítico Além do mais o comissário da exposição curador é constantemente confrontado por uma instância da qual ele não pode esca par a história da arte Nesse plano o conflito é inevitável porque o crítico comissário não pode escapar da história da arte que é como um superego da crítica ao mesmo tempo que sabe que o princípio mesmo dessa história da arte é contrário àquilo de seu trabalho como comissáriocrítico que não pode senão afirmar sua própria historicidade e fundar sobre essa historici dade partilhada a relação com os públicos que visitarão sua exposição Diante disso o espectador produz quanto a si um terceiro discurso para si mesmo obrigatoriamente diferente em relação aos discursos institucionais A situação museológica apresenta portanto uma particularidade essen Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 111 cial dentro do dispositivo social da crítica de arte Durante a leitura de seu jornal ou de sua revista o futuro espectador está livre para entender um dis cur so crítico que goza de uma autonomia comparável àquela do poema ou do ensaio Quando ele se encontra ao contrário dentro do museu o leitor se transforma em visitante A presença física de espaços e de cimalhas dá então uma forma determinada ao discurso da crítica e da história de arte indepen den temente desse discurso sobre a universalidade que é o da própria institui ção museológica O que esse visitante tem diante dos olhos estabelece uma multiplicidade de relações com aquilo que leu ou poderia ter lido com aquilo que sabe ou poderia saber Enquanto o templo no qual ele penetrou deveria fazêlo sentir a força de uma verdade para além de toda discussão eilo en fren tando uma multidão de dúvidas que a circunstância o impede ainda mais de formular Mesmo o monólogo interior é rarefeito no recinto do museu A exposição contra o museu Há na experiência que o visitante tem dessas multiplicidades de pontos de vista algo que faz com que a visita se pareça com a leitura de um romance Ali também somos confrontados com uma multiplicidade de acontecimentos e de idéias das quais é preciso extrair uma substância única É que o romance é um espaço experimental para o romancistacurador e para o leitorvisitante Seria preciso dizer algo semelhante a respeito disso que chamarei de a exposição para distinguir um acontecimento ligado à exibição de atividades artísticas ou outras do homem própria de nossas democracias modernas e profundamente distinta do museu Do mesmo modo que o romance acompa nha desde a era democrática a construção simbólica e social do cidadão também a exposição a acompanha A exposição seria desse ponto de vista uma forma de arte privilegiada na idade da democratização Digo uma forma de arte e não uma maneira de mostrar a arte Uma forma simbólica como Panofsky dizia da perspectiva Por seu dispositivo espacial pela autonomia que ali conservam todos os objetos pela impossibilidade de construir um discurso sem falhas com os elementos expostos pela pluralidade das correspondências que ela favorece ainda mais que o romance a exposição faz aparecer uma verdade essencial a história da arte ou do homem não constitui uma objetividade diante da qual se encontraria passivamente o espectador mas um campo aberto que se propõe a esse espectador para que construa ele mesmo sua própria história Não sua própria história da arte da literatura ou do cinema pois esta é a tarefa dos curadores dos museus ou dos historiadores da literatura ou do cinema mas sua própria história na arte no interior do mundo da arte e da história pelos meios colocados em obras tão diversas pelos artistas Jacques Leenhardt 112 A exposição é uma ocasião de reapropriação das obras de arte essa memória artística conservada nos museus por parte do visitante a quem seriam dados os meios de fabricar sua história pela mediação simbólica de diferentes artes existentes O visitante desde esse momento não está mais diante do espetáculo de uma história da arte se desenrolando num mundo separado abstrato organizado pela consciência transcendental do univer sa lismo mas é confrontado pelos traços da atividade humana a partir dos quais deve e pode construir o lugar mesmo de sua atividade dentro da história Ao arrancar a obra de arte do museu para colocála em exposição a evolução democrática ainda bem longe de estar concluída romperá com o enclausuramento do templo museológico Já podemos constatar que o museu se abre e sobretudo que os espaços dificilmente sacralizáveis usinas desa tivadas lofts etc servem cada vez mais de locais de exposições Isso que permitem esses locais isso que acompanharia uma cenografia revolucio nária isso seria a renovação do que Tapiès chamava de o jogo de saber olhar Seguindo os preceitos baudelairianos Tapiès quer nos fazer reapren der a construir para nós a exposição Dando como exemplo uma obra de Tapiès Chaise sigamos ao pé da letra os preceitos do pintor catalão 1 essa velha cadeira não parece ser grande coisa Mas pensem em todo o universo que há nela 2 as mãos e o suor de quem cortou essa madeira 3 a árvore robusta de onde foi extraída 4 a energia vital dessa árvore na floresta 5 a densidade das árvores ao lado da montanha 6 o trabalho amoroso do artesão que a construiu 7 o prazer de quem a comprou 8 as fatigas que ela poupou 9 as dores e as alegrias que aí repousaram 10 o grande salão ou a pobre sala de jantar no subúrbio que a acolheram E Tapiès conclui Tudo absolutamente tudo representa a vida e sua importância1 É isso que faz a exposição Olhem olhem atentamente E deixemse levar por tudo aquilo que faz ressoar em vocês seu olhar 1 La pratique de lart Gallimard 1974 Essa ressonância espaço interior das correspondências a exposição pôde reabrila quando o museu tendeu à exclusão tendo privilegiado o fetichis mo do objeto porque considera toda coisa abstrata de seu contexto Nisso isso que chamo de exposição se apresenta como um museu arre ben tado um antimuseu como se dizia antipsiquiatria Ela se torna o lugar privilegiado dessa atividade crítica do despertar parcial contempo rânea ativa e poética que Baudelaire reinvindicava e que é ainda hoje a nobre tarefa da crítica Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 113 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Fazer acontecer uma história MARIA JOÃO WORM Introdução Apesar de hoje existir nas artes plásticas um espaço importante e muito interessante na relação entre palavra e imagem com recurso a novas tecnolo gias o que vos vou apresentar resulta directamente do que faço da minha experiência com a pintura gravura e ilustração Todo o trabalho que tenho feito tem conjugado sempre palavra e imagem Através de cartoon banda desenhada e ilustração mas também nas exposi ções que fiz de pintura e gravura em que parti sempre de textos Este convite para falar sobre imagem e palavra vem especialmente ao encontro do último trabalho que tenho vindo a preparar para expor em Novem bro em que pela primeira vez numa exposição parto de textos meus o que me tem obrigado a reflectir sobre o meu trabalho de um modo diferente e donde resultam muitas perguntas dúvidas e algumas resoluções práticas Uma das coisas a que cheguei na vontade de comunicar exactamente o que sinto é que isso é impossível Mas que através de uma história do acto partilhado de contar uma história talvez possamos aproximarnos do que existe mais parecido com comunicar Uma história é comunicada quando existe um encontro não pela diferen ça mas no que temos de comum Hoje sinto que são precisas seme lhan ças destas em que cada um se encontre com a história sem fazer prevalecer uma interpretação É importante para mim quando faço uma exposição saber que cada imagemtexto faz parte de um todo por isso peguei em imagens que fiz em tempos e contextos diferentes e com o que sei agora escrevi uma história para cada uma delas Escolhi palavras que utilizo várias vezes para a partir delas desenvolver os textos São elas história definição e reflexo Maria João Worm 118 Da palavra história Por vezes a razão de tanto se pensar a si própria esquecese do corpo e da vida Quer aceder a um plano para além dela onde possa permanecer em forma de eterna verdade alcançável que espera pelo pensador Acertar o pensamento com a vida integrálo nela A razão tem servido para sistematizar e ordenar o conhecimento para se poder questionar e reorganizar A história da humanidade está pronta a ser encaixotada por um pensamento racional e vive num grande armazém imaginário num acervo maior do que qualquer pensamento racional A razão tende a ser disciplinada e arrumada O caos é a zona que sobeja depois de se encaixotar o possível E é também curiosamente o nome do armazém onde toda a história se encontra Nós somos culturalmente do grupo de determinada versão da história Ouvimola e partilhamos esse conhecimento que também é uma experiência comum As histórias mais populares quando resistem ao passar do tempo e ficam posteriormente fixadas na escrita se se mantiverem fiéis são suficientemente fantásticas e de preferência vagas a tendência natural é perderem as datas e ficarem acções e mais importante que os nomes são as características dos personagens E tudo isto contribui para que a sua essência seja intemporal São o fio que nos une e prende à origem Quando na história da história as datas e os nomes ficam registados e se sucedem cronologicamente perdese a essência na herança demasiado pesa da de nomes e números Existe uma exigência rigorosa que leva o conhe ci mento para fora da vida Tornandonos espectadores da história em vez de intervenientes Nós somos também o resultado das histórias e da história Genetica mente herdámos de sucessivos antepassados características que foram sendo traba lha das e o mundo existe no estado actual em grande parte resultado de pensa men tos que se tornaram acções Enquanto humanos somos respon sá veis pelo mundo que transformamos Herdámos essa capacidade e estamos condicionados por uma direcção de pensamento Fazer acontecer uma história 119 Da palavra definição Perante um lugar chega um pensador perdido e faz um levan ta mento do lugar Parte do que chama princípio e escreve eu estou aqui prende um fio ao aqui e segue em frente desenrolando a sua linha de pensamento e vai desenhando um mapa Faz isso porque não deseja estar perdido Quando regressa o pen sa dor descansa numa definição Chega outro pensador perdido e cum pri mentamse trocam palavras Através do desenho do mapa o segundo pensador apro veita para des cansar Se adormecerem sonham cada um por si mergu lha dos no mes mo mistério Maria João Worm Técnica mista sobre papel três imagens em dimensões aproximadas do A4 1996 Maria João Worm 120 Da palavra reflexo De miM para Mim O desenho da matriz quando se trabalha em gravura é feito em reflexo Antes de tirar uma prova se se olhar a matriz num espelho temse uma ideia muito aproximada do que vão ser as gravuras Quando nos habituamos a este processo de rebater as imagens desenvolvese uma noção de equilíbrio mais consciente Gosto que seja por reflectir que se chegue a uma ima gem final que em gravura reflectir possa ser um gesto poético A acção física de levar à prensa a ma triz reflec te um dese nho Um desenho ori ginal que pensa e que nos mostra impresso esse pen sa men to Este é para mim um bom exem plo de relação viva entre palavra e imagem Maria João Worm Acrílico sobre tela 2001 Maria João Worm Linóleo gravado 2005 Fazer acontecer uma história 121 Uma espécie de resumo Tanto as palavras como as imagens são o material que se usa para ir construindo um texto ou uma imagem até se atingir a concretização possível onde nada se acrescenta Um texto ao ser construído ou ao ser lido obedece a uma sucessão tem po ral Quem escreve pode ter andado errante a acrescentar ou a tirar palavras mas uma vez fixado o texto segue uma ordem que quem lê partilha como se se estabelecesse uma experiência cúmplice entre escritor e leitor Esta escrita que vai sendo lida palavra a palavra consome o tempo da mesma maneira como nos acontece a vida As imagens porque são construídas por sobreposição apresentamse de uma só vez na sua conclusão Estamos mais perdidos perante uma imagem porque ninguém nos acompanha na experiência do tempo gasto a fazêla que poderia ou deveria ser igual ao tempo necessário que levaria a vêla Na maneira de se apresentar fora do tempo e já feita uma imagem levanta problemas de leitura É desconcertante pensar que uma imagem se define na coincidência da sua forma com o que é de uma só vez isto é contrá rio ao tempo que temos forçosamente que gastar para conhecer Talvez porque me canso a contradizer o que vou pensando tenho este amor especial pelas imagens onde gosto de demorar o olhar Onde perder tempo se confunde com ganhar tempo porque se acede a uma sensação de intemporalidade Perante uma imagem posso encontrar em mim um exercício parecido com o pensar mas descansado porque se encerra nele próprio A imagem está ali inteira delimitada e o seu mistério preso nela E posso ficar simplesmente a olhar ou a ver sem outra exigência Como em geral na poesia as imagens encerram o mistério do paradoxo de se apresentarem inteiras e serem múltiplas em planos que acedemos simultaneamente de um modo indizível Penso que deve haver qualquer coisa comum nas vidas todas que passa ram e na nossa que agora é Uma fonte primeira de natureza anterior à defini ção de definição mas que não é o mesmo que indefinição O que procuro nas imagens e nas palavras é reconhecer o desconhecido e saber que o partilho profundamente Reflectir não é só ser contemporâneo e pensar é espelhar o que se mantém para além do tempo Penso que os registos todos têm em comum a vontade de comunicar esse mistério E essa vontade atravessa o tempo com dedos longos e sem impressões digitais ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea ALCINDA PINHEIRO DE SOUSA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Uma mistura é uma combinação de duas ou mais substân cias em que estas mantêm a sua identidade própria Qualquer mistura seja ela homogénea ou heterogénea pode ser obtida ou desfeita por meios puramente físicos mantendo os seus constituintes a identidade inicial Raymond Chang Química1 U ma palavra ou uma imagem visual ou qualquer das relações dife ren tes que entre ambas se possa estabelecer é hoje analisável em termos de vários quadros teóricos Um desses quadros é o da psico logia no qual nomeada men te se inscreve Ernst Pöppel como especialista em neuro psicologia da percepção interessado em algumas implicações das respectivas teorias no cam po da avaliação estética2 Em Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Fronteiras da Consciência Sobre a Realidade e a Expe riên cia do Mundo Pöppel demonstra que a imagem percebida não decorre exclusivamente do estímulo recebido pelos olhos Para tal sugere ao leitor certas experiências com o conhecido cubo de Necker nome do seu inventor Pöppel 1985 573 1 Esta epígrafe é retirada de Chang 1994 9 2 A propósito do trabalho deste estudioso ver Pöppel 1985 Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung com tradução portuguesa Pöppel 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo Ver ainda Pöppel 1993 Lust und Schmerz Über den Ursprung der Welt im Gehirn Prazer e Dor Sobre o Surgir do Mundo no Cérebro e Pöppel 2003 The Hierarchical Structure of Phenomenal Time and Some Implications for Philosophical Discourse and Aesthetic Appreciation 3 O responsável pela ideia do cubo agora reproduzido foi o cristalógrafo suíço Louis Albert Necker 17861861 Caracterizase este cubo pela possibilidade de ser visto de duas perspec tivas diferentes Entweder sieht man das Quadrat das mehr rechts unten liegt als vorn dann ist das Quadrat das nach links oben liegt die Rückseite des Würfels Oder es ist gerade umgekehrt wobei dann das Quadrat links oben vorne wäre Pöppel 1985 564 Pöppel começa por constatar assim experimentalmente o facto de que o cubo pode ser visualizado em alternativa das duas maneiras diferentes ou de cima para baixo ou de baixo para cima o que nos leva a interpretálo como estando a vêlo de duas perspectivas contrárias O neuropsicólogo da percepção passa depois à segunda fase da experiência pedindonos que con tro lemos e aceleremos a visualização do cubo em sentidos alterna da mente contrários A concluir afirma Dieses sehr einfache Experiment demonstriert uns nebenbei daß wir mit unserer Wahrnehmung offenbar gar nicht hundertprozentig einer Reizsituation ausgeliefert sind Na den Linien auf dem Papier ändert sich nichts nur in unserem Bewußtsein ereignet sich etwas und diese inneren Ereignisse bewirken eine Änderung des Wahrgenommenen Die Willensbefehle zwingen dem einfachen Reiz die Weise auf wie er mir zu erscheinen hat Pöppel 1985 575 Como tal Pöppel não só releva o papel da consciência relativamente ao do estímulo da percepção como dá ênfase à dita consciência no processo gerador do que é percebido 4 Traduzse aqui para português este passo de Grenzen des Bewußtseins assim como se reproduz o cubo de Necker porque tanto a tradução como a reprodução do cubo em Pöppel 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo estão incorrectas Ou se vê o quadrado que está mais à direita e em baixo como estando à frente e então o quadrado que está à esquerda e em cima é o lado de trás do cubo Ou é exactamente o contrário de modo que então o quadrado à esquerda e em cima estaria à frente Tradução minha 5 Traduzse ainda o passo transcrito de Grenzen des Bewußtseins Esta experiência muito simples demonstranos além disso que evidentemente não estamos de modo algum cem por cento entregues com a nossa percepção a uma situação de estímulo Nas linhas sobre o papel nada se altera só na nossa consciência acontece qualquer coisa e estes aconte ci mentos internos causam uma alteração do que é percebido As ordens da vontade impõem ao simples estímulo a maneira como ele tem de me aparecer Tradução minha Alcinda Pinheiro de Sousa 126 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 127 Prosseguindo a análise este cientista evidencia as formas como seme lhantes teorias influenciaram os próprios artistas Es ist von Kunsthistorikern gezeigt worden daß Paul Klee sich intensive mit Fragen der Wahrnehmungspsychologie befaßt hat Besonders der Neckersche Würfel hatte es ihm angetan In vielen Werken von Klee kann man sehen wie er zeischnerisch mit dem Würfel gespielt und seine Doppelperspektive gestalterisch ausgenutzt hat Der Künstler nutzt also die Kreativität des menschlichen Gehirns nicht nur seines eigenen sondern auch das des Betrachters Neuerdings gibt es Hinweise daß sich auch Picasso mit Fragen der visuellen Wahrnehmung auseinandergesetzt hat und daß beispielsweise die Entwicklung des Kubismus ohne diesen Blick über die Grenzen der künstlerischen Welt hinaus kaum möglich gewesen sein dürfte Pöppel 1985 576 Um outro artista cujos trabalhos adquirem especial relevo neste contexto é o gravador holandês M C Escher 18981972 cuja xilogravura Ar e Água I 1938 é aliás sobrecapa da edição de Grenzen des Bewußtseins7 Mas de acordo com as experiências do chamado cubo de Necker é em Belvedere litografia de 1958 que se torna particularmente visível o papel preponderante da consciência relativamente ao do estímulo da percepção durante o processo gerador do que é percebido8 6 Eis a tradução deste outro passo de Grenzen des Bewußtseins agora citado Foi mostrado por historiadores da arte que Paul Klee se ocupou intensamente de questões da psicologia da percepção Em especial impressionouo o cubo de Necker Em muitos trabalhos de Klee pode verse como ele jogou graficamente com o cubo e como aproveitou formalmente a sua dupla perspectiva O artista utiliza portanto a criatividade do cérebro humano não apenas do seu mas também do do observador Recentemente surgiram referências a que Picasso também se debateu com questões da percepção visual e a que por exemplo o desenvolvimento do cubismo sem este olhar para além das fronteiras do mundo da arte dificilmente teria sido possível Tradução minha 7 O principal professor de Maurits Cornelis Escher acabou por ser Samuel Jessurun de Mesquita de origem portuguesa e que ensinava técnicas de gravura o qual veio a ser assassinado juntamente com a família num campo de concentração nazi depois de terem sido levados de casa no final de Janeiro de 1944 8 Quanto a Belvedere esta questão era já observada no catálogo da Exposição Organizada pela Embaixada dos Países Baixos e Apresentada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian em 19811982 A tal propósito ver Escher Dezembro de 1981 Janeiro de 1982 Sobre a análise que Pöppel faz dos trabalhos de Escher e do cubo de Necker ver Pöppel 1993 Kap 16 Gestalt und Hintergrund Die Neugier des Bewußtseins Forma e Fundo A Curiosidade da Consciência passim Alcinda Pinheiro de Sousa 128 Sinteticamente pode afirmarse que Ernst Pöppel está já a explicar em 1985 em Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Fronteiras da Consciência Sobre a Realidade e a Experiência do Mundo e na perspectiva da neuropsicologia da percepção o carácter complexo do que é visualizar um objecto seja ele qual for Ao mesmo tempo Pöppel está a defender a tese do carácter activo do nosso conhecimento Was wir sehen oder hören was wir begreifen ist Ergebnis eines aktiven Erkennens und nicht eines passiven Registrierens Pöppel 1985 669 Muito mais tarde em 1997 John Walker e Sarah Chaplin em Visual Culture An Introduction viriam propor a diferenciação entre as noções de visão e visualidade implicando a primeira um processo físico e fisiológico e a segunda um processo obvia mente activo também mas em função de determinismos sociológicos Subal terni zada parece neste caso a caracterização neuropsicológica da actividade que se constitui como ver Viewers are not merely pairs of eyes they have minds bodies genders personalities and histories Infants rapidly learn to see and to become social beings they learn to speak a language and they acquire knowledge of the world and of previous imagery This knowledge informs and modulates their seeing At this point the difference between the terms vision and visuality can be explained Theorists have argued that the former refers to a physicalphysiological process in which light impacts upon eyes while the latter refers to a social process visuality is vision socialised Walker Chaplin 1997 22 Um outro quadro teórico profícuo para o estudo da palavra da imagem eou das suas relações é o da psicolinguística interdisciplinar e transdis ci plinarmente ligado ao da neuropsicologia da percepção que estivemos a observar Neste caso dou ênfase ao trabalho desenvolvido pela equipa de Isabel Hub Faria cujos primeiros resultados foram objecto de uma comuni cação recente e já publicada com o título Interaction and Competition between Types of Representation An Example from EyeTracking While Processing Written Words and Images10 9 Traduzse por fim o passo de Grenzen des Bewußtseins que se transcreveu O que vemos ou ouvimos o que percebemos é resultado de um apreender activo e não de um registar passivo Tradução minha 10 A referida publicação Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 foi a primeira do projecto de inves tigação Registo e Análise do Movimento dos Olhos durante a Leitura projecto em curso desde Dezembro de 2003 no Laboratório de Psicolinguística OnsetCentro de Estudos de Linguagem Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 129 De acordo com a teoria defendida na parte introdutória de Interaction and Competition Between Types of Representation aquilo que é percebido resulta do processamento do estímulo da percepção desde o olho mais especificamente desde a pupila e da retina até ao cérebro É explicitado assim o carácter cognitivo da análise a empreender International research undertaken over the last few decades has brought empirical support to the theoretical perspective that eye movements produced during reading reflect the cognitive processes that are simultaneously taking place Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 116 Observemos agora as questões que foram objecto da experimentação desenvolvida pela equipa de Isabel Faria sobre as formas de interagirem cognitivamente materiais escritos e visuais 1 May an instance of written material included in an image act selectively over other internal properties of that image while perceiving it processing it storing it and retrieving it from memory 2 Does the processing of written material interact with the visual processing of a scene If so what counts as prominent so that it may be kept as such in our memory 3 Do both types of representation written and iconic operate similarly within working memory short term memory and within semantic memory long term memory Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 117 A experiência concebida pela equipa para responder a estas questões implicava três conjuntos de imagens com e sem legenda que seriam obser vados um a um por cada informante Após a observação o informante devia recordar as imagens acabadas de ver e descrevêlas por escrito com o maior pormenor possível Há que reconhecer o facto de o número de infor man tes envolvidos na experiência ter sido insuficiente como é aliás admitido no pró prio final de Interaction and Competition Between Types of Representation findings should of course be backedup in the near future by studying a larger group of subjects Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 128 Tem de se reconhecer igualmente que a interpretação teórica dos resultados obtidos deveria estar mais desenvolvida Departamento de Linguística Geral e Românica Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Sobre as relações entre palavra e imagem neste mesmo quadro teórico ver ainda Baptista 2005 Para Uma Análise das Interacções entre a Legenda e a Imagem No respeitante ao carácter interdisciplinar da linguística em geral ver Faria 2003 Uma Visão Interdisciplinar da Linguística em Fim de Milénio Alcinda Pinheiro de Sousa 130 São de referir contudo algumas conclusões provisórias da experiência no caso de observação da imagem e da respectiva legenda quanto à forma como estas interagem Although contributing explicitly to categorization and naming we verified that the used captions did not prevent the subjects from accessing other information visually contained in the picture or judged by the subject as implicit A certain unexpected control free nature of the used captions could provide a possible explanation for obtaining similar recalls for a picture from different subjects seen either with or without a caption Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 125 Dirseia pois que a legenda contribuiu para que o informante fizesse uma melhor leitura da imagem mas não o impediu de proceder a uma estrita interpre tação visual dela e relativamente livre Notese por fim que nenhuma das imagens escolhidas pela equipa de Isabel Faria era dada enquanto arte apesar de uma delas ser a de um fonta nário facilmente classificável como peça escultórica da arquitectura urbana É provável que tratandose de imagens de objectos apresentados como artísti cos surgissem problemas suplementares ao conceberse e concretizarse o pro cesso da experimentação os quais decorreriam hipoteticamente de difi cul dades em categorizar e avaliar as imagens tanto pelos autores da experiência como pelos seus informantes11 O estudo da palavra da imagem eou das suas relações que temos estado a problematizar pode fazerse num outro enquadramento teórico ainda o da semiótica Evidencio como tal as teses de Rudi Keller em A Theory of Linguistic Signs Antes porém devo fazer notar que este linguista elege um paradigma de investigação substancialmente diverso dos que considerámos até aqui Assim critica as teorias linguísticas de tipo mentalista sublinhando precisamente a contingência histórica de qualquer língua Já em 1994 no livro On Language Change The Invisible Hand in Language Keller expunha o seu entendimento do objecto de estudo construído por Noam Chomsky Real and interesting is exclusively the individual competence which is represented in the brain of a speaker or what Chomsky has recently called IGrammar internalised grammar Keller 1994 55 A esta construção declaradamente 11 À imagem do fontanário aqui em causa foi atribuída a seguinte legenda Fontanário em pedra com duas bicas adossado ao gradeamento do jardim de S Lázaro Porto Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 126 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 131 mentalista contrapunha logo depois a sua ostensivamente concebida segundo uma teoria histórica the establishment of a conception of language which does justice to the eternal change in language Keller 1994 5712 Especificamente quanto às suas teses em A Theory of Linguistic Signs Keller começa por defender que são três os processos de desenvolvimento dos signos o sintomático o icónico e o simbólico processos sobre os quais se arquitecta a nossa competência semiótica Começando pelos sintomas Keller caracterizaos do seguinte modo Symptons are in a certain sense the simplest and most archaic signs Symptoms play a role in human communication blushing is a sign of embarassment Symptons are signs only in a certain sense for they are not inten tionally used it is their interpretative use that makes them into signs Symptons are therefore more elementary signs than icons and symbols Keller 1998 103 Passando à explicitação do que entende por ícones e sempre em termos de uma estratégia comparativa dos processos de desenvolvimento dos signos este linguista declara natural things or artifacts become icons through their use for the purpose of communication Colloquially one might say that it is through the senders doing that something becomes an iconic sign while symptoms are created exclusively through an interpreters doing Typical iconic signs are for example the stylized man and woman on toilet doors Keller 1998 108 Finalmente Keller chega à descrição muito mais complexa do que as anteriores daquilo que é um símbolo de acordo com a sua teoria Esta é uma das fases da argumentação em que mais insiste nas diferenças entre as teses que defende e as de Charles Sanders Peirce Keller apresenta assim o princípio de que parte para a definição do que é interpretar um símbolo What makes a symbol interpretable is the rule of its use in the language Keller 1998 112 Em seguida procura caracterizar este princípio con cluin do a sua análise através de um exemplo paradigmático 12 A defesa de que a língua é historicamente relativa configura também Keller 2003 The Natural Language An Example of Spontaneous Order and its Sociocultural Evolution Alcinda Pinheiro de Sousa 132 To know what a symbol means is to know under which conditions it is usable for the realization of which intentions The game of chess is appropriate here as a descriptive analogy when someone says Aha he wants to take my bishop with his rook she gives you to understand that she believes she has understood the sense of the move For this she must be familiar with the meaning of the bishop that is she must know which moves may be made with the bishop and which may not Anyone who does not know the rules of use of the bishop will not stand a chance of understanding the sense of the moves involving the bishop Like the sense of an utterance the sense of a move is the end to which that move is undertaken Keller 1998 113 114 De acordo com a sua teoria Keller pretende tornar claro que não é the mental correspondent of the sign Keller 1998 112 como defende Peirce que torna o símbolo interpretável mas a regra do seu uso na língua13 O factor estético embora aludido no quadro desta teoria da comuni cação não é considerado na análise de Keller I have suggested a classification of the factors that are taken into account in our calculations of communication costs and benefits regarding the choice of linguistic means On the benefits side we can hope for informative social and aesthetic benefits I want to tell you something and at the same time cultivate our relationship also I try to express myself eloquently Keller 1998 195 Todavia deve questionarse esta ausência quase completa da menção do factor estético Com efeito tal ausência não se coaduna com a importância implicitamente atribuída ao benefício estético no diagrama de Keller sobre o cálculo dos custos e benefícios da comunicação a que o linguista se refere no passo de A Theory of Linguistic Signs agora citado A palavra a imagem visual e as diversas formas de interagirem podem ser estudadas como verificámos nos quadros teóricos até aqui considerados o da neuropsicologia da percepção o da psicolinguística e o da semiótica Além disso constituem objectos especialmente analisáveis também no âmbito das áreas disciplinares da economia da sociologia da política e da cultura Dois exemplos óbvios são os dos usos da palavra ou da imagem ou 13 Quanto à declaração de Keller sobre o objectivo de contrapor as suas definições de sintoma ícone e símbolo às que Charles Sanders Peirce dá para indício ícone e símbolo ver Keller 1998 100 de ambas em interacção pela publicidade e pela propaganda No enquadra mento do que se designa por Média de Massas e Electrónicos aqueles dois exemplos constam precisamente da legenda do seguinte esquema elaborado para Visual Culture An Introduction por John Walker historiador de arte e design e Sarah Chaplin a trabalhar em teoria da arquitectura e do design esquema modelar neste contexto Walker Chaplin 1997 3314 A concluir salientese que em referência ao esquema acima repro du zido Walker e Chaplin invocam a teorização de Pierre Bourdieu sobre produção cultural exactamente para enfatizarem as condicionantes de ordem Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 133 14 No caso da publicidade e do marketing estes problemas das relações entre o cultural por um lado e o económico o social e o político por outro lado são ponderados por Pinto e Castro 2002 Comunicação de Marketing Field of General Production Field of Cultural Production Fine Arts CraftsDesign Performing Mass and Arts and Arts Electronic of Spectacle Media Field of Visual Culture Alcinda Pinheiro de Sousa 134 económica social e política que determinam aquele tipo de produção Bourdieu maintains that the field of cultural production exists within a larger field of production the field of general manufacturing economics and politics which he sometimes calls the field of power While the field of culture has a relative autonomy its boundaries are permeable and it is subject to influences and determinants from the enclosing field Also what is at stake in the field of culture is compa ra ble to that of the wider field the competition for wealth property power and social status But what distinguishes the cultural field from the field of economics is that power is often symbolic it consists of aesthetic achievements high status peer group recognition and the award of degrees and honours Walker Chaplin 1997 32 Apresentouse aqui uma selecção de alguns importantes enquadra mentos teóricos diferenciados em que hoje é viável estudar palavra ou imagem visual ou qualquer das relações diferentes que entre ambas se possa estabele cer Tal selecção teve dois objectivos primeiramente enfatizar a sua quanti da de e diversidade em seguida mostrar que é defensável agrupálos em duas grandes categorias São elas por um lado a das teorias que privile giam uma concep ção neurológica do conhecimento e por outro lado a das que contrapõem a ne ces sidade de se reconhecer o relativismo histórico dos mecanismos cognitivos Há que proceder agora a uma diferenciação dos tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo actualmente quando tal diferenciação está potenciada como antes nunca esteve pelo aceleradíssimo desenvolvimento das chamadas novas tecnologias Já no ano de 1997 em Visual Culture An Introduction trabalho atrás citado Walker e Chaplin ao defi nirem o que designavam por Área de Estudo da Cultura Visual caracte ri zavam o seu objecto como amplo e heterogéneo Além disso e confor me pode observarse no seu esquema da página trinta e três atrás reproduzido subdividiam esta área recente de estudo em função de quatro classes distintas de cultura visual que intitulavam Belas Artes ArtesDesign Artes Perfor ma tivas e Artes do Espectáculo e Média de Massas e Electrónicos15 Neste contexto limitarmeei a citar uns poucos exemplos apresentados por Walker e Chaplin para cada uma daquelas classes de cultura visual a 15 Relativamente à amplitude e heterogeneidade da cultura visual ver Walker Chaplin 1997 324 Sobre a própria noção de diferença neste caso aplicada aos enquadramentos teóricos em que Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 135 pintura a gravura e os filmes e vídeos de vanguarda para Belas Artes o design urbano a ilustração e o design de jardim para ArtesDesign o teatro a dançaballet e os fogos de artifício para Artes Performativas e Artes do Espectáculo finalmente a fotografia o cinemafilme e a Internet para Média de Massas e Electrónicos Não constitui meu objectivo aqui proble matizar a fluidez epistemológica destas classificações Contudo não posso ignorar que em finais do século XX se torna pelo menos polémico incluir a fotografia nos Média de Massas e Electrónicos sem interrogar a sua hipo té ti ca condição de arte em particular face à pintura Fazêlo pareceme implicar um critério avaliativo cada vez mais contestável como é aliás admitido por Walker e Chaplin16 Na sequência do reconhecimento de que é forçosamente polémico classificar hoje a fotografia não como arte mas como um dos média de massas e electrónicos vou considerar um último enquadramento teórico para a análise da imagem visual ou de qualquer das relações entre esta e a palavra o da história da arte Pelo rigor conceptual e pela eficácia intelectual já instituídos nesta área de conhecimento têmse distinguido os estudos sobre o visual produzidos no seu âmbito Assinalo por isso The Story of Art de E H Gombrich à escolha de cujo título em especial à do uso de Story em lugar de History não é por certo estranha a ênfase implícita no carácter eminentemente subjectivo do juízo estético Este facto pode ser comprovado se observarmos as palavras do próprio Gombrich logo na introdução do seu trabalho As there are no rules to tell us when a picture or statue is right it is usually impossible to explain in words exactly why we feel that it is a great work of art Gombrich 1984 17 A análise da história da arte proposta por Gombrich permitenos reco nhe cer imediatamente a centralidade da imagem visual no quotidiano de todos os povos e desde sempre Um exemplo eloquente que nos apresenta consiste se pode estudar hoje a palavra ou a imagem visual ou qualquer das suas múltiplas relações bem como aplicada aos vários tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo hoje também ver Pinheiro de Sousa 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença Embora posteriormente muito trabalhado o ensaio agora referido teve por base parte da comunicação que apresentei ao primeiro da série de quatro seminários com o título A palavra e a Imagem série organizada em 2005 06 pelo Programa de Investigação A Moderna Diferença do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa CEAUL 16 Quanto aos exemplos das quatro classes de cultura visual e sobre a polémica classificação da fotografia neste enquadramento ver Walker Chaplin 1997 46 Alcinda Pinheiro de Sousa 136 na defesa da existência de pinturas nos primeiros templos cristãos as basíli cas defesa feita pelo papa Gregório o Grande em finais do século VI AD He Pope Gregory the Great reminded the people who were against all paintings that many members of the Church could neither read nor write and that for the purpose of teaching them these images were as useful as the pictures in a picturebook are for children Painting can do for the illiterate what writing does for those who can read he said Gombrich 1984 95 Uma vez que muitos cristãos eram incapazes de interpretar a língua escrita dado ela ser de tipo simbólico o papa Gregório o Grande estava absoluta mente convencido de que o carácter icónico da pintura resolveria o problema de comunicação assim gerado Em seu entender só desta forma é que a igreja cristã poderia ampliar e intensificar o ensino dos seus princípios básicos con for me era necessário ao projecto de fortalecimento e supremacia do cris tia nismo relativamente às outras religiões Julgo pois que em termos do conhecimento da imagem visual e de como interage com a palavra não é produtivo continuarmos a tentar medir a centra lidade dela na cultura ocidental relativamente a culturas diferentes nossas contemporâneas eou do passado Devemos sim considerar o modo como a partir de meados do século XX a qualidade e a rapidez de execução e de reprodução mecânicas das imagens alterou o impacte delas na nossa cultura condicionandoa radicalmente Além disso devemos analisar os processos de manipulação tecnocrata e mercantilista de que as imagens visuais têm sido objecto preferencial nesta viragem do século XX para o século XXI Aparentemente as imagens assim executadas reproduzidas e manipu ladas sobretudo graças às chamadas novas tecnologias foram constituindo o instru mento básico que o ocidente tem vindo a utilizar para impor univer salmente os seus modelos económicos sociais políticos e culturais de funcio na men to Com efeito sendo globalizantes tais modelos estão a eliminar siste ma ticamente os factores de diferenciação entre os vários povos Neste contexto dois objectos de estudo paradigmáticos e atrás referidos são a publicidade e a propaganda quer nos sectores económico e social quer nos da política e da cultura Discriminados alguns dos diversos enquadramentos teóricos do estudo da palavra da imagem e das suas múltiplas formas de interagirem separadas também várias classes de imagens visuais passo à última fase deste ensaio Para tal vou escolher um objecto de análise esteticamente enquadrável A Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 137 palavra estética está entendida aqui basicamente como Marita Sturken e Lisa Cartwright muito bem a definem e de modo sintético em Practices of Looking An Introduction Aesthetics A branch of philosophy that is concerned with beliefs and theories about the value meaning and interpretations of art The aesthetic traditionally referred to concepts of the beautiful but today refers to what is valid and valuable in the arts Sturken and Cartwright 2001 349 itálicos meus Esta definição invoca o que já afirmei atrás a propósito de The Story of Art de Gombrich sobre o carácter subjectivo do juízo estético Isto é o que se infere em especial do uso de beliefs em branch of philosophy Aesthetics that is concerned with beliefs about the value meaning and interpretations of art Além disso Sturken e Cartwright enfatizam com rigor a mudança de objec to e objectivos operada nas teorias estéticas sobretudo nas últimas décadas do século XX Consistiu esta mudança em passar da avalia ção das chamadas obras de arte de acordo com modelos académicos de qualidade estética inquestio na dos e inquestionáveis às interrogações desses modelos e às dos próprios critérios de validação das artes como tais É eviden te que semelhantes interro ga ções tinham de resituar os critérios e os modelos de validação e avaliação estéticas no contexto histórico da sua produção conservação e actuação17 Em breve apontamento e nos termos estéticos assim caracterizados propo nho então que observemos um exemplo apenas de um dos diferentes tipos possíveis de uso da palavra escrita da imagem visual e das formas como interagem Tratase da mistura constituída pela narrativa escrita da execução do negro Neptuno e pelo respectivo desenho a partir do qual veio a ser feita a gravura que mais tarde se publicou em livro combinada com aquela narrativa como sua ilustração Acrescentese que todos estes componentes foram realizados no dealbar definitivo da nossa modernidade ie nas últimas décadas do século XVIII John Gabriel Stedman concretizou a narrativa escrita e os desenhos ilustrativos primeiro no Suriname depois na Holanda e final mente na Inglaterra William Blake produziu em Londres várias gravu ras a partir daqueles desenhos de Stedman tendolhe sido atribuída a do negro Neptuno18 17 Sobre estas questões estéticas ver Gardner 1996 Aesthetics 18 No respeitante à narrativa escrita e aos desenhos de Stedman bem como ao processo da execução das gravuras e da publicação em 1796 pelo radical Joseph Johnson de Narrative of a five years expe dition against the Revolted Negroes of Surinam in Guiana on the Wild Coast of South America from the year 1772 to 1777 ver White 2001 Stedmans Narrative its Origins Transformations Alcinda Pinheiro de Sousa 138 Deve ainda fazerse notar que Stedman escreve Narrative e faz os neces sá rios desenhos no pressuposto do seu carácter estético como pode inferirse do que afirmam Richard e Sally Price em introdução a Stedmans Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society Without question Stedman considered himself a far better artist than writer and his contem poraries seem to have shared his opinion R Price and S Price 1992 xl Além disso sobre o juízo de valor relativo que Stedman faz deste seu trabalho considerese o que ele declara em Narrative a propósito das formas como descreve e desenha dois tipos de macaco que encontra no Suriname In the annexed plate I have delineated both these monkeys the large quata and the small saccawinkee thus trying to correct with my pencil the deficiency that may be in my pen Stedmans Surinam 1992 171 No presente contexto limitome a validar o assim reconhecido pressuposto estético de Narrative que implicitamente avaliarei quanto à narrativa escrita da execução do negro Neptuno e à respectiva ilustração Feitas estas especificações parto da hipótese de que a maioria dos leitores cuja competência linguística em inglês for suficiente lê primeiro a narrativa da execução até porque ela precede espacial e temporalmente no livro a imagem que a ilustra Passo por isso a transcrevêla na íntegra para de modo semelhante ao da maior parte dos leitores começarmos a apreciar tal narrativa e depois a respectiva ilustração e a forma como as duas interagem The third Negro whose name was Neptune was no slave but his own master and a carpenter by trade He was young and handsome but having killed the overseer of the estate Altona in the Para Creek in consequence of some dispute he justly lost his life with his liberty However the particulars are worth relating which briefly were that he having stolen a sheep to entertain some favorite women the overseer had determined to see him hanged to prevent which he shot him dead among the sugar canes This man being sentenced to be broken alive upon the rack without the benefit of the coup de grace or mercy stroke laid himself down deliberately on his back upon a strong cross on which with arms and legs expanded he was fastened by ropes The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field But the prisoner never uttered a groan or a sigh The ropes now being unlashed I imagined him dead and felt happy till the magistrates moving to depart he writhed from the cross till he fell in the grass and damned them all for a pack of barbarous rascals At the same time removing his right hand by the Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 139 help of his teeth he rested his head on part of the timber and asked the bystanders for a pipe of tobacco which was infamously answered by kicking and spitting on him till I with some Americans thought proper to prevent it He then begged that his head might be chopped off but to no purpose At last seeing no end to his misery he declared that though he had deserved death he had not expected to die so many deaths However you Christians said he have missed your aim and I now care not were I to lie here alive a month longer after which he sang two extempore songs with a clear voice taking leave of his living friends and acquainting his deceased relations that in a little more time he should be with them to enjoy their company forever This done he entered into conversation with two gentlemen concerning his trial relating every one particular with uncommon tranquillity but said he abruptly By the sun it must be eight oclock and by any longer discourse I should be sorry to be the cause of your loosing your breakfast Then turning his eyes to a Jew whose name was De Vries Apropos Sir said he wont you please pay me the five shillings you owe me For what to do To buy meat and drink to be sure Dont you perceive that I am to be kept alive which seeing the Jew look like a fool he accompanied with a loud and hearty laugh Next observing the soldier who stood sentinel over him biting occasionally on a piece of dry bread he asked him how it came that he a white man should have no meat to eat along with it Because I am not so rich said the soldier Then I will make you a present First pick my hand that was chopped off clean to the bones Sir Next begin to myself till you be glutted and youll have both bread and meat which best becomes you And which piece of humour was followed by a second laugh and thus he continued when I left him which was about three hours after the execution But to dwell more on this subject my heart Disdains Lo tortures racks whips famine gibbets chains Rise on my mind appall my tearstained eye Attract my rage and draw a soulfelt sigh I blush I shudder at the bloody theme In the adjoining plate 71 see the above dreadful chastisement Stedman 1992 2856 Vou agora reproduzir a imagem destinada a ilustrar o que lemos The Execution of Breaking on the Rack 1793 Gravura a água forte acabada a aguarela sobre papel 177x129 cercadura Atribuída a William Blake Ilustração para John Gabriel Stedman Narrative of a five years expedition against the Revolted Negroes of Surinam London 1796 Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 141 Notese que segundo pudemos ler Stedman remetenos expressamente para esta gravura no final da sua narrativa In the adjoining plate 71 see the above dreadful chastisement Semelhante remissão leva a combinarmos os dois componentes narrativa escrita e ilustração e a obtermos como tal a sua mistura heterogénea Após uma primeira observação da gravura ilustrativa que reproduzi proponho que terminemos a nossa leitura ponderando as considerações mora lizantes finais de Stedman sobre a relatada execução de Neptuno Now how in the name of Heaven human nature can go through so much torture with so much fortitude is truly astonishing without it be a mixture of rage contempt pride and hopes of going to a better place or at least to be relieved from this and worse than which I verily believe some Africans know no other Hell Nay even so late as 1789 on October 30 and 31 at Demerara thirtytwo wretches were exe cuted sixteen of whom in the above shocking manner without so much as a single complaint was heard among them and which days of martyr are absolutely a feast to many planters I should be rather inclined to think that Britain is the standard of humanity by being the first nation whether politically or not that attempted the abolition of the slave trade Stedmans Surinam 1992 2856 Ao analisarmos comparativamente a ilustração e a narrativa escrita o que se evidencia primeiro é o facto de ela dever ser referida a uma fase específica da acção relatada The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field Itálico meu Em termos do tempo da narrativa a imagem fixa deicticamente um gesto um presente now que pressupõe o antes já passado do relato This man being sentenced to be broken alive upon the rack without the benefit of the coup de grace or mercy stroke laid himself down deliberately on his back upon a strong cross on which with arms and legs expanded he was fastened by ropes É contudo difícil antecipar na imagem ou mesmo impossível e contraditório até o devir patético da narração de que sobressai o diálogo seguinte Next observing the soldier who stood sentinel over him biting occa sion ally on a piece of dry bread he asked him how it came that he a Alcinda Pinheiro de Sousa 142 white man should have no meat to eat along with it Because I am not so rich said the soldier Then I will make you a present First pick my hand that was chopped off clean to the bones Sir Next begin to myself till you be glutted and youll have both bread and meat which best becomes you Semelhante forma de figurar visualmente a execução de Neptuno per mite suprimir alguns traços grosseiros da caracterização narrativa escrita dos que nela tomam parte ou dos que a ela assistem e das próprias reacções da vítima Este é um exemplo paradigmático At the same time removing his right hand by the help of his teeth he rested his head on part of the timber and asked the bystanders for a pipe of tobacco which was infamously answered by kicking and spitting on him till I with some Americans thought proper to prevent it Assim e apesar da crucial tragicidade da acção que o negro protagoniza ou preci samente por causa dela dirseia que a imagem pretende firmarlhe a intocada dignidade humana essencial transfigurando Neptuno no verdadeiro herói da narrativa But the prisoner never uttered a groan or a sigh A heroi cidade do negro Neptuno propagandeada visualmente pela imagem da sua execução parece repercutir também as considerações moralizantes com que Stedman termina o relato Now how in the name of Heaven human nature can go through so much torture with so much fortitude is truly astonishing without it be a mixture of rage contempt pride and hopes of going to a better place or at least to be relieved from this and worse than which I verily believe some Africans know no other Hell19 Por fim e quanto ao espaço da acção a narrativa faz até certo ponto sub mergir Neptuno e o seu carrasco no amontoado caótico dos que partici pam na execução e dos que a ela assistem This done he entered into conversation with two gentlemen concern ing his trial relating every one particular with uncommon tranquillity 19 Notese que o carácter sentimental de Stedman próprio da sua época e que de forma latente configura todo o relato aqui em causa encontrase bem apontado por Richard e Sally Price em introdução a Stedmans Surinam Stedman was proud of being unusually sensitive even in an age of pervasive and modish sentimentality He described the intensity of his empathy for all creatures from early childhood which paralleled his troubled reactions to much of what he later witnessed in Surinam R Price and S Price 1992 xv Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 143 but said he abruptly By the sun it must be eight oclock and by any longer discourse I should be sorry to be the cause of your loosing your breakfast Pelo contrário no espaço quase vazio da ilustração agigantamse Neptuno e o carrasco Em primeiro plano os instrumentos da tortura e a parte do corpo muti lado do negro vêm ao encontro do observador Além disso revelasenos a perpendicular que une dois extremos dos instrumentos da tortura a ponta da barra de ferro empunhada pelo carrasco na parte superior da gravura a meio e o machado caído no chão na parte inferior da gravura a meio tam bém Esta perpendicular cruza com a horizontal definida pelo lado direito do corpo jacente de Neptuno estando acentuada pela linha que em paralelo e acima dela o horizonte traça igualmente No espaço da gravura semelhante eixo cruciforme parece determinar a organização do desenho minimalista dos protagonistas da execução e dos respectivos instrumentos o que dirseia visualmente reforça o estoicismo crístico do herói negro20 A expressão mistura heterogénea que figura no título deste ensaio pre tende aludir a um conceito básico da química Mediante a epígrafe esco lhida apontei uma primeira definição desse conceito mistura é uma combinação de duas ou mais substâncias em que estas mantêm a sua identi dade própria Acrescento agora que à mistura em que a composição não é espacialmente uniforme dáse o nome de mistura heterogénea Chang 1994 9 Ao analisar algumas relações entre a narrativa escrita e a respectiva gravura ilustrativa da execução de Neptuno o meu objectivo consistiu em ensaiar de modo relativamente limitado mas sistemático e num exemplo apenas a utilização por analogia do conceito de mistura no processo do estudo da palavra da imagem e das suas formas de interagirem 20 É de evidenciar que a retórica tanto visual como linguística de Narrative of a five years expedi tion against the Revolted Negroes of Surinam in Guiana foi encenada de forma exímia pelos partidários da abolição da escravatura conforme assinalam Richard e Sally Price na mesma introdução a Stedmans Surinam Johnson understood that the Narrative with its numerous chilling eyewitness accounts of barbaric tortures of slaves and its graphic accompanying illustrations would even in its edited form stand as one of the strongest indictments ever to appear against plantation slavery And public reaction bore him out R Price and S Price 1992 lxi Alcinda Pinheiro de Sousa 144 Quanto ao exemplo que escolhi a mistura heterogénea é a do relato escrito que Stedman faz com a ilustração atribuída a Blake e executada a partir do desenho do mesmo Stedman Neste caso entendo por mistura hete ro gé nea a que adquire uma nova identidade a partir da tensa interacção entre os dois componentes detentores de identidades particulares também Recor demos aqueles componentes em concreto o passo do relato que a gravura particularmente ilustra e a própria ilustração atrás reproduzida The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field A gravura separouse há muito do relato de que é ilustração ou seja recuperou a sua identidade visual específica Com frequência tem sido apre ciada isoladamente e no completo desconhecimento dos seus autores e do contexto em que foi produzida Quer isto dizer que fisicamente separados os componentes da mistura a narrativa escrita da execução de Neptuno atrás citada tal como a gravura então reproduzida geram de facto interpretações que são características de cada uma delas O que defendo todavia é que esta combinação do linguístico com o visual do simbólico com o icónico enquanto componentes com identidades próprias se constitui como uma classe de misturas que pela interacção desses componentes potencia interpretações diversas das de cada um deles em separado e mais profícuas O granito enquanto mistura por exemplo identificase pela interacção dos seus compo nentes assim geradora de uma resistência eficaz e de contrastes visualmente apelativos de cores e padrões Por analogia pode considerarse a mistura do relato da execução de Neptuno com a respectiva gravura mesmo na ausência do conhecimento dos autores e do contexto da sua produção intelectual mente muito produtiva e esteticamente bem sugestiva pela tensão estabele cida entre por um lado a forma supostamente realista da figuração escrita e por outro lado a forma que se quer idealizada da figuração visual Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 145 Referências Baptista Maria Adriana da Costa 2005 Para Uma Análise das Interacções entre a Legenda e a Imagem Dissertação de Doutoramento Universidade de Lisboa Chang Raymond 1994 Química Trad de Joaquim J Moura Ramos Mário Nuno Berberan e Santos Anabela C Fernandes Benilde Saramago Eduardo J Nunes Pereira João Filipe Mano 5ª Edição Lisboa Madrid McGrawHill Escher M C Dezembro de 1981 Janeiro de 1982 Exposição Organizada pela Embai xada dos PaísesBaixos e Apresentada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian Porto Lisboa Fundação Engº António de Almeida Fundação Calouste Gulbenkian Faria Isabel Hub 2003 Uma Visão Interdisciplinar da Linguística em Fim de Milénio In Diálogos Disciplinares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 108110 Faria Isabel Hub Adriana Baptista Paula Luegi e Carla Taborda 2006 Interaction and Competition between Types of Representation An Example from EyeTracking While Processing Written Words and Images In Questions on the Linguistic Sign Ed by José Pinto de Lima Maria Clotilde de Almeida Bernd Sieberg Lisboa Edições Colibri Centro de Estudos Alemães e Europeus pp 115129 Gardner Sebastian 1996 Aesthetics In The Blackwell Companion to Philosophy Ed by Nicholas Bunnin and E P TsuiJames Oxford Blackwell pp 229256 Gombrich E H 1950 1984 The Story of Art Fourteenth edition Oxford Phaidon Keller Rudi 1994 On Language Change The Invisible Hand in Language Transl by Brigitte Nerlich London Routledge 1998 A Theory of Linguistic Signs Transl by Kimberly Duenwald Oxford Oxford University Press 2003 The Natural Language An Example of Spontaneous Order and its Sociocultural Evolution In Diálogos Disciplinares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 117121 Pinheiro de Sousa Alcinda 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença In Volume de Homenagem à Professora Doutora Júlia Dias Ferreira Org por Comissão Executiva do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa No prelo Pinto e Castro João 2002 Comunicação de Marketing Lisboa Sílabo Pöppel Ernst 1985 Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Stuttgart Deutsche VerlagsAnstalt Alcinda Pinheiro de Sousa 146 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo Trad de Ana Maria Roltoff Lisboa Edições 70 1993 Lust und Schmerz Über den Ursprung der Welt im Gehirn Berlin Siedler 2003 The Hierarchical Structure of Phenomenal Time and Some Implications for Philosophical Discourse and Aesthetic Appreciation In Diálogos Discipli nares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 6368 Price Richard and Sally Price 1992 Introduction In Stedmans Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society An Abridged Modernized Edition of Narrative of a Five Years Expedition against the Revolted Negroes of Surinam 1790 By John Gabriel Stedman Ed by R Price and S Price Baltimore and London The Johns Hopkins University Press pp xilxxv Stedman John Gabriel 1992 Stedman s Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society An Abridged Modernized Edition of Narrative of a Five Years Expedition against the Revolted Negroes of Surinam 1790 Ed by Richard Price and Sally Price Baltimore and London The Johns Hopkins University Press Sturken Marita and Lisa Cartwright 2001 Practices of Looking An Introduction to Visual Culture Oxford Oxford University Press Walker John A Sarah Chaplin 1997 Visual Culture An Introduction Manchester New York Manchester University Press White Landeg 2001 Stedmans Narrative its Origins Transformations Disserta ção de Doutoramento Universidade Aberta ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth MÁRCIA BESSA MARQUES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Academia de Música de Santa Cecília E mbora sempre tivesse desejado ser reconhecido como pintor William Hogarth Londres 16971764 começou por ser aprendiz de um gra vador de prata mas cedo se cansou do trabalho repetitivo e de imitação a que estava sujeito tendo decidido abrir uma oficina de gravação em cobre onde imprimia ilustrações para romances baratos cartões comer ciais e anún cios de funerais As suas primeiras ilustrações para livros revelam uma preferência por obras com um acentuado pendor satírico de denúncia de vícios humanos institucionais e académicos como New Metarmophosis de Charles Gildon 1724 Hudibras de Samuel Butler 172526 e Don Quixote de Cervantes c 1727 A primeira gravura publicada por iniciativa própria The Taste of the Town or Masquerades and Operas 1724 anuncia uma preo cu pação constante e duradoura com a obediência cega a modelos artísticos estrangeiros e com o desprezo pelo talento autóctone que se reflecte nomeadamente na sua campanha em prol da Lei dos Direitos de Autor dos Gravadores 1735 e que ficou conhecido como Hogarths Act As suas séries de gravuras e quadros mais famosos irão desenvolver este tema a imitação servil de modelos artísticos e sociais viciados e viciosos conduz inevitavel mente à perdição Quer nos anúncios para subscrição das suas gravuras quer nas reflexões teóricas efectuadas mais tarde William Hogarth sempre manifestou a cons ciên cia do facto de a realidade seja como for que se consiga queira definir ser passível de leituras tal como os frutos desse olhar reflectido reflexivo Enquanto pintor dava preferência a um método que explica o reduzido número de esboços existentes partindo da memória de um objecto Hogarth precisava apenas de algumas linhas para traduzir a sua leitura da realidade observada por ter decidido que não devia limitarse a copiála but rather read the language of them and if possible find a grammar to it apud Bindman 1981 30 Embora frequentemente associado à génese do roman ce moderno sobretudo a Henry Fielding devido a referências feitas pelos dois autores e à relação de amizade entre ambos Hogarth confessa parti cu lar mente o sentimento de afinidade com o género dramático sendo a tela inicial Márcia Bessa Marques 150 encarada como um palco imaginário a ser preenchido posterior mente com as figuras os cenários os emblemas e as alusões O próprio artista explicita este processo criativo na seguinte afirmação I have endeavoured to treat my subjects as a dramatic writer my picture is my stage and men and women my players who by means of certain actions and gestures are to exhibit a dumb show apud Craske 2000 36 A noção de que a pintura podia transmitir certos momentos narrativos mais eficazmente do que a palavra escrita era partilhada por outros artistas coevos envolvidos na ilustração de romances como é o caso de Joseph Highmore 16921780 acerca de Pamela de Samuel Richardson such a story is better and more emphatically told in picture than in words because the circumstances that happen at the same time must in narration be successive apud Paulson 1992b 240 No entanto com o talento de Hogarth o espaço de uma só tela torna se muito reduzido para desenvolver a sua leitura da comédia humana surgindo a série como ensejo para trabalhar um enredo quase como se de uma escultura se tratasse aprofundar a caracterização das personagens e contrastar cenários contemporâneos que os espectadores leitores identi ficas sem em que se reconhecessem e em cujos destinos se envolves sem1 Com efeito séries como A Harlots Progress 1731 A Rakes Progress 1735 Industry and Idleness 1747 The Four Stages of Cruelty 1751 e Election 175354 testemunham o carácter narrativo da arte de Hogarth que funciona como uma sucessão de momentos cruciais na vida da personagem ou das personagens principais a qual ultrapassa os limites estreitos da moldura física para suscitar nos receptores a criação imaginária de uma rotina e de hábitos que preencham as ausências os silêncios e o espaço vazio entre imagens e entre quadros gravuras na parede Mark Hallett menciona a produção de reality effect Hallett 2000 121 possível através da interacção pessoal emocional e intelectual do público demonstrada no modo como Hogarth naturalmente assumia o conhecimento de persona lidades notórias da vida pública por exemplo um famoso charlatão ou um cantor de ópera muito requisitado de tipos representativos das várias classes sociais da paisagem social da capital da iconografia grecolatina e cristã um universo de alusões e convenções partilhadas a que os especta do res leitores de hoje apenas 1 Esta estratégia seria adaptada no século seguinte por vários autores entre os quais aquele que mais se identifica com Hogarth Charles Dickens ao publicar grande parte dos seus romances em episódios serialised em jornais e revistas Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 151 podem aceder em segunda mão através de um trabalho cuidadoso e minu cio so de pictorial archaeology Hallett 2000 159 A nossa distância irreme diável do horizonte de expectativas coevo traduzse na quantidade de textos fontes e paralelos visuais e pictóricos necessários para que cada espectador leitor moderno consiga nas palavras de Jenny Uglow tell the tale frame the narrative and fill the gaps Uglow 1997 xv Para assegurar o envolvi mento do público com a obra Hogarth dispensa as inscrições as legendas os comentários mesmo os títulos individuais só aparecem na proposta de venda mas não nos quadros nem nas gravuras No entanto a palavra escrita povoa Marriage AlaMode desde o nome do conde Squanderfield que aparece na árvore genealógica radicada no conquistador normando os ter mos iniciais do contrato de casamento e a hipoteca na primeira imagem The Marriage Settlement passando pelas contas do casal gastador na seguin te The Tête à Tête pelo convite para o baile de máscaras pelo título sugestivo do livro The Sopha que o advogado trouxe e pela enumeração de artigos comprados num leilão num quarto momento em The Toilette e ainda pelo cartão que ostenta o nome do estabelecimento de carácter duvidoso onde os amantes se encon tram na penúltima cena em The Bagnio e finalmente pelo jornal que jaz aos pés da viúva no último quadro The Ladys Death onde descobrimos não só o nome do advogado amante Silvertongue como também o relato da sua execução pelo homicídio do conde Por último sem necessidade de palavras os espectadores leitores coevos sabiam o título de cortesia atribuído ao filho do Conde Visconde e que Squanderfield falece posteriormente porque na quarta imagem The Toilette o quarto da nora ostenta agora o diadema correspondente ao seu novo título Quando no início da década de 1740 William Hogarth começou a trabalhar na série de quadros que se iria intitular Marriage AlaMode usando o termo setecentista que designava os casamentos arranjados para proveito dos pais o seu projecto parte da leitura de um conjunto de discursos em torno dos casamentos arranjados desde a popular tragicomédia homónima de John Dryden estreada em 1671 e reimpressa em 1735 sobre o matri mó nio entre um cortesão e uma jovem da burguesia as peças de Aphra Behn The Lucky Chance or An Aldermans Bargain 16862 e The Forcd Marriage or The Jealous Bridegroom 1670 passando pelo romance de Samuel Richardson 2 Na sequência de uma união indesejada Lady Fulbank queixase amargamente Oh how fatal are forcd marriages How many Ruins one such match pulls on apud Stone 1977 186 Márcia Bessa Marques 152 Pamela 17403 e a respectiva paródia de Henry Fielding Shamela publicado em 1741 denunciando os contratos matrimoniais até à peça do actor e amigo David Garrick Lethe or Aesop in the Shades 17404 Segundo as investigações mais recentes em história social tornase paten te sobretudo desde a Restauração uma tendência crescente para o casa mento baseado no afecto no companheirismo e na amizade No entanto o facto de periódicos como The Review The Tatler e The Spectator incluírem regular mente artigos e cartas de leitores que se manifestavam veementemente contra os casamentos de conveniência comparandoos a uma violação revela a exis tência persistente de um modelo antiquado particularmente entre a aristocra cia conciliando o desejo de preservar o nível social da família e a necessida de de angariar dinheiro para resgatar dívidas ou investir em projectos grandiosos As palavras de Lawrence Stone confirmam o peso do interesse nestas uniões ao caracterizálas da seguinte forma primarily a contract between two families for the exchange of concrete benefits not so much for the married couple as for their parents and kin Stone 1977 182 Nesta perspectiva a publicação em 1742 em Dublin de uma obra como The Irish Register or a List of the Duchess Dowagers Countesses Widow Ladies Maiden Ladies and Misses of Large Fortunes in England Uglow 1997 376 testemunha não só a procura de tal lista pelos futuros noivos e respectivos pais mas também o carácter consumista deste tipo de relação conjugal Se podemos traduzir em importância o espaço ocupado na tela então o grupo que aparece à direita da primeira imagem The Marriage Settlement parece dominar as negociações do contrato o que se torna visível no peso dos documentos do acordo de casamento nas mãos do pai da noiva e da hipoteca mas em que o pai do noivo parece recusar tocar Embora pareça superior a tais considerações ignóbeis o nobre está envolvido numa troca de favores com um representante de uma classe diferente unidos por interesses comparáveis o dinheiro e a posição social 3 A obra apela a um novo código moral e conjugal baseado no afecto e respeito por oposição a um casamento de conveniência whenever for appearancesake they are obliged to be together every one sees that the yawning husband and the vapourish wife are truly insupportable to each other but separate have freer spirits and can be tolerable company Richardson 1740 1985 464 Esta imagem encontrase literalmente espelhada na segunda terceira e quarta imagens da série de Hogarth 4 A certa altura da peça a personagem principal Lord Chalkestone lamenta o seu destino I married for a fortune she for a title When we had both got what we wanted the sooner we parted the better apud Stone 1977 186 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 153 Com o intuito de atrair um público mais refinado e com mais posses económicas5 Hogarth anunciou o tema de Marriage AlaMode como a Variety of Modern Occurrences in High Life6 mas a sua alusão a Decency and Elegancy apud Hallett 2000 167 é minada no decurso do trabalho ao escalpelizar a afectação das duas classes visadas afundadas num lodo de cópias mais ou menos fiéis de obras de arte e comportamentos ultrapassados árvores genealógicas e dinheiro Trabalhando no contexto da sátira gráfica o pintor gravador entra em diálogo com a crítica social cultural e política con temporânea justapondo técnicas e géneros visuais e literários Em Marriage AlaMode o casamento aparece como um espectáculo para exibição como um bem precioso a ser cuidadosamente seleccionado avaliado emol du rado exposto e imitado falsificado como uma obra de arte parte integrante da cultura comercial contemporânea Na primeira imagem The Marriage Settlement os noivos nem sequer estão ao centro mas a um canto relegados para um segundo plano virtual o que traduz a sua relevância isto é nenhuma para as negociações a decorrer no lado oposto da sala A simetria quase perfeita dos corpos acentua a distância e separação um olhando para o seu próprio reflexo no espelho antecipando aquele em frente do qual ele morre e a outra escutando as palavras sedutoras do advogado e futuro amante prefigurando o seu afasta mento físico na segunda imagem The Tête à Tête e o facto de que só se voltarão a encontrar no momento em que ele é mortalmente ferido pelo amante dela em The Bagnio Enquanto símbolos tradicionais da fidelidade conjugal os cães apareciam frequentemente em retratos de casais à frente dos noivos estes dois animais encontramse tão acorrentados e confor mados como eles reflectindo a sujeição abjecta a poderes superiores e inquestio náveis o paterno e o económico7 Na parede ocupando o espaço vazio entre 5 Apesar de Hogarth ter fixado para as gravuras um preço semelhante ao da primeira série A Harlots Progress meio guinéu no momento da subscrição e igual quantia aquando da entrega e inferior ao da segunda A Rakes Progress o pintor teria ficado desiludido com o reduzido sucesso dos quadros originais que só foram vendidos em 1751 pelo montante de 120 guinéus em vez dos desejados 500 6 MR HOGARTH intends to publish by Subscription SIX PRINTS engravd b the best Masters in Paris after his own Paintings the Heads for the better Preservation of the Characters and Expressions to be done by the Author representing a Variety of Modern Occurrences in HighLife and calld MARRIAGE ÀLAMODE The London Daily Post and General Advertiser 29 October 1743 apud Hallett 2000 167 7 A subversão do modelo tradicional seria retomada por John Collett em 1782 num quadro inti tulado Marital Discord Stone 1977 figura 10 onde os cães acorrentados mas virados um para Márcia Bessa Marques 154 os dois surge um retrato de Medusa numa imitação da obra de Caravaggio uma das várias notas aparentemente incongruentes que por um lado petrifica os noivos nesta submissão a modelos perversos e por outro exprime o horror dos espectadores que adivinham o desenlace desta união Entre as algemas da convenção e o temor da vida em comum os noivos perma necem literal e figuradamente emoldurados e presos framed Além de um retrato do Conde Squanderfield junto à janela parecendo vigiar o decurso das obras interrompidas da sua nova mansão ao estilo de Palladio todas as outras obras de arte parecem ser cópias de Velhos Mestres defraudando as expectativas de artistas locais e coevos como o próprio Hogarth Reforçando esta característica a sala escolhida pelo nobre para acolher a celebração do contrato de casamento transborda de imagens de martírio sacrifício e execuções como o sofrimento de S Sebastião perfurado por flechas parodiando as de Cupido S Lourenço torturado num assador cuja forma e cujo calor podem ecoar os de um leito conjugal indesejado e de Santa Inês queimada e decapitada por não se render aos encantos de um aristocrata nem se submeter aos clientes de um bordel ao contrário da noiva os assassínios de Abel por Caim o de Golias por David o de Holo fernes por Judite numa antevisão da morte das três personagens principais longe deste ambiente luxuoso finalmente o castigo de Prometeu continua mente torturado pela sua ousadia Nas palavras de Ronald Paulson the Old Masters have come to represent the evil that is the subject of the series not aspiration but the constriction of old dead customs embodied in both classical and Christian myths Paulson 1992b 222 Entre o fardo dos docu men tos que determinam a sua vida futura e a opressão da arte produto de um passado sujeito a hábitos estrangeiros o destino dos noivos não se afigura nada auspicioso As personagens do triângulo amoroso embrionário con substan cia rão estas imagens de martírio no quinto quadro The Bagnio onde a alusão à iconografia cristã raia a blasfémia ao aproximar as poses dos cônjuges da deposição de Cristo e do sofrimento de sua mãe Apesar da presença de uma tapeçaria retratando o Julgamento de Salomão neste ponto da série já os espectadores leitores perderam as esperanças de que estas crianças possam ainda ser salvas por alguma potência superior Em vez de se debruçar sobre a cerimónia de casamento propriamente dita Hogarth escolhe para a segunda cena The Tête à Tête o período o outro conduzem inevitavelmente o nosso olhar para o casal em questão afastados literal e figuradamente mas tão presos quanto os seus animais Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 155 posterior à luademel em que a desarmonia se torna evidente no pequeno almoço tardio nas poses desajustadas dos noivos na justaposição de quadros de santos com uma tela de que só conseguimos ver um pé nu porque o resto por ser atrevido de mais está tapado por uma cortina a sucessão de espelhos numa clara alusão ao narcisismo dos donos da casa a decoração incon gruen te da lareira incluindo um busto com o nariz partido sugerindo a doença que aflige o jovem8 a agitação de um empregado devido às contas por pagar a espada quebrada sugerindo um duelo e prefigurando aquele em que o futuro Conde vai morrer o lenço que o cão fareja será que é o mesmo que aparece na imagem seguinte The Inspection a ser utilizado numa função não muito higiénica e finalmente o leitmotiv da desordem do caos iminente da aparência prestes a ser perturbada a cadeira derrubada reve lando uma saída intempestiva de alguém que não devia lá estar A mesma imagem irá reapa recer no quinto quadro The Bagnio junto dos emblemas do engano e da luxúria a máscara e as vestes blasfemas de freira e de padre usados pelos amantes no baile de máscaras e no último The Ladys Death em resultado da fúria do cão esfomeado e ou do desinteresse dos empregados face a um patrão mesquinho e miserável A passagem da segunda para a terceira imagem The Inspection confi gura uma mudança abrupta de um ambiente requintado e brilhante apesar das inúmeras notas discordantes para um cenário manifestamente sórdido onde os habitantes parecem ter interiorizado a aliança nada confortável entre a perversidade sexual e a morte simbolizada na ostentação de um símbolo claramente fálico o chifre de uma baleia do Árctico o qual possuiria poderes afrodisíacos Pela primeira vez Hogarth decide não povoar os seus quadros com as obras de outros artistas optando por emblemas fúnebres e os frutos mais obscuros da chamada investigação científica setecentista Entre múmias vítimas de violência física esqueletos atrevidos sanguessugas e instrumentos alegadamente terapêuticos descobrimos o outro lado da vida do jovem esposo Pensase que a rapariga será a sua amante já contaminada pela doença francesa como era conhecida a sífilis tentando aliviar uma ferida com um lenço e segurando uma caixa de medicamentos aparentemente ineficazes tal como o seu companheiro e a mulher ameaçadora que o ladeia provavelmente uma alcoviteira já totalmente marcada pelos efeitos da sua 8 Significativamente o nariz era um dos órgãos desfigurados pela sífilis facto que originou a criação na Londres setecentista de uma associação invulgar No Nosed Club reunindo os doentes assim marcados Peakman 2004 20 Márcia Bessa Marques 156 ocupação A multiplicação de elementos ilustrativos de memento mori anun cia a morte trágica das três personagens principais em locais totalmente afastados da grandeza e da luminosidade da primeira imagem o Conde num estabelecimento de reputação duvidosa em The Bagnio o advogado na forca e a sua amante na miserável casa paterna em The Ladys Death Através das obras de Hogarth sobretudo no quarto quadro The Toilette conseguimos escutar o desempenho do cantor de ópera provavel mente um castrato outro emblema de selvajaria supostamente execu tada em nome da arte os acordes do flautista um dos convidados a sorver chocolate e outro visivelmente deliciado com a interpretação musical constituindo estas figuras um grupo separado do resto particularmente por estar encostado à parede esquerda onde está dependurado o quadro que inequivocamente alude à sua orientação sexual o rapto de Ganimedes por Júpiter em forma de águia Na secção seguinte vemos um convidado aparen te mente desajustado a ressonar ao contrário da sua esposa manifesta mente encantada com o espectáculo mais outro casamento desastroso o empre gado oferecendo bebidas e Silvertongue sussurrando o convite para um baile de máscaras Como Mark Hallett refere even if it is impossible to know exactly what they are all saying to each other the spaces between them can easily be imagined as full of sounds of their carefully modulated voices Hogarth it is clear knew how to provide good pictorial acoustics Hallett 2000 60 Do mesmo modo tornam se ensurdecedores a ausência de conversa os bocejos e os pensa mentos inexprimíveis do casal na segunda imagem The Tête à Tête O espaço que o advogado Silvertongue foi ocupando progressivamente ao longo dos meses do casamento é incontestavelmente testemunhado pela exposição do seu retrato no quarto da Condessa parecendo presidir aos acontecimentos Pelo contrário o espaço conquistado pela filha entretanto nascida tornase manifestamente insuficiente reduzindose a uma minúscula argola para a dentição esquecida na cadeira da mãe o que dificilmente consegue encobrir a ausência flagrante do retrato tradicional comemorando o nascimento de um herdeiro Não é então surpreendente a proliferação de quadros alusivos a temas eróticos da iconografia clássica e cristã colocados estrategicamente na parede atrás dos dois amantes como Io arrebatada por Júpiter em forma de nuvem aludindo à infidelidade que invade este quarto um emblema repetido nas hastes da estátua de Acteon transformado em veado por Ártemis e devorado pelos próprios cães devido à sua concupiscência para que o pequeno escravo aponta divertido e cúmplice e a sedução de Lot pelas duas filhas que ele teria oferecido aos habitantes de Sodoma para proteger dois Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 157 anjos não fosse a intervenção divina Desta forma os quadros dentro do quadro ultrapassam a mera função decorativa tornandose premonitórios objects that condition and shape dominate and form the collector inanimate objects that perversely control human lives Paulson 1992a 268 Não só servem de comentário à obra como também podem apontar para aconte ci mentos passados ou futuros enquanto indícios visuais do discurso que espectadores leitores vão construindo O conjunto apresentado oferece a passagem perfeita para o quadro seguinte The Bagnio que reflecte a degradação a curta distância entre a High Life dos consumidores destes quadros e a Low Life dos clientes dos antecessores dos modernos motéis Como em muitas das suas outras séries de quadros e gravuras Hogarth surpreende as personagens de Marriage AlaMode nos momentos de maior intensidade dramática O amante que parecia refina do e descuidado no quadro anterior The Toilette na expectativa do baile e da ceia agora reduzse a uma figura ridícula em trajes menores a fugir pela janela depois de ferir o seu rival Assim não nos é dado assistir ao baile de máscaras até porque a sua ilustração no biombo da quarta imagem The Toilette parece ser suficientemente fiel mas às suas consequências con tras tando o brilho e a alegria da festa com a escuridão e a mesquinhez deste esta belecimento onde não se fazem perguntas aos hóspedes de curta duração Do mesmo modo somos poupados à execução de Silvertongue reduzida a uma notícia de jornal na última imagem mas não ao suicídio da sua amante o que nos permite ver a filha desta pela primeira vez em The Ladys Death A presen ça desta criança consubstancia todas as marcas de doença que invadem a série desde o início sobretudo no primeiro momento The Marriage Settlement literalmente emoldurado pelos sinais do desregramento alimen tar indicado pela gota do Conde cujo pé aparece enfaixado e sexual na ominosa úlcera no pescoço do noivo que nunca mais nos é permitido igno rar já que ele aparece sempre de perfil Os dois últimos ramos desta dinastia condenada a desaparecer transmitiram à sua herdeira o estigma da enfermi dade e da des figuração corroborando a doutrina do Deus vingativo do Antigo Testamento que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e à quarta geração Êxodo 347 Neste contexto tornase significativa a justificação para os matrimónios tradicionais fornecida pelo autor de um manual de conduta publicado em 1688 mas cuja popula ridade se traduz em dezassete edições até 1791 O marquês de Halifax considera que as mulheres devem respeitar a instituição do casamento mesmo que esta lhes pareça injusta tendo em vista the Preservation of Families from any Mixture which may bring a Blemish to them Halifax 1688 20 Márcia Bessa Marques 158 A degenerescência que desfila perante o nosso olhar tornase igualmente topográfica ao passar da zona ocidental da cidade onde desde o Grande Incêndio de 1666 a aristocracia construíra as suas mansões ao estilo do arquitecto veneziano Palladio numa clara aplicação dos princípios arquitec tónicos da Roma Imperial para a parte central onde estavam instalados os clubes as tabernas coffee houses e estabelecimentos de banhos como Turks Head onde os amantes se encontram no quinto quadro The Bagnio até terminar na zona oriental9 que por seu turno atraía os comerciantes como o pai da Condessa de cuja casa se pode avistar a antiga London Bridge em The Ladys Death A transição efectuase igualmente da opulência da grandio sidade e da abundância da primeira cena The Marriage Settlement não só perceptíveis no vestuário do Conde mas também na decoração da sala mesmo que à custa de uma hipoteca e de um casamento de conve niência para a sordidez a avareza e a mesquinhez da casa do comerciante em The Ladys Death Estas reflectemse no uniforme inadequado do empre gado na voracidade do pai ao retirar o anel da filha moribunda no desespero de um cão esquelético ao devorar a carne mais barata do mercado isto é a cabeça de porco no desinteresse do médico ao abandonar a sala emoldurado pela porta aberta e nos vulgares quadros ao estilo holandês sendo patente a indiferença dos dois companheiros de taberna e o alhea mento de uma outra figura masculina que nos vira as costas para satisfazer uma necessidade fisiológica Nas casas particulares dos clientes de Hogarth e nas inúmeras lojas de gravuras coevas as imagens eram exibidas em duas filas horizontais sendo cada uma constituída por três cenas Na National Gallery em Londres onde os quadros originais estão em exibi ção os especialistas decidiram expôlos de uma forma peculiar que pra ti camente se assemelha a um gráfico permitindo um movimento diacrónico 9 Além disso os ventos predominantes da capital empurravam a sujidade urbana de oeste para leste tornando esta parte da cidade menos desejável para as classes mais abastadas 1 2 3 4 5 6 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 159 Este movimento iniciase em baixo com The Marriage Settlement tradu zindo o início da queda e não a previsível ascensão subindo em diagonal para The Tête à Tête um momento de grande tensão dramática pelo que não expressa ou não pode expressar descendo em seguida sempre em diagonal para The Inspection colocado lado a lado com The Toilette favo re cendo agora uma leitura sincrónica que se assemelha a um díptico da vida do casal e revela a vida escondida por trás do bocejo da mulher e do cansaço do homem num efeito manifestamente cinematográfico The Bagnio surge em cima equipa rado a The Tête à Tête isto é a última vez que os dois aparecem juntos finalmente The Ladys Death está colocado num nível inferior no mesmo plano do primeiro quadro cujos paralelos já foram referi dos apoiando uma leitura moralizante e moralista da passagem do Novo Testamento o salário do pecado é a morte Romanos 62310 Este modo particular de exibição pode ser lido como um desejo de evocação da teoria da beleza desenvolvida por Hogarth baseada numa linha serpenteante Em The Analysis of Beauty 1753 o autor explicita estes princípios consubstanciados na exigência de variedade de irregularidade e de complexidade A noção de que a linha assim idealizada acompanha a maneira como o olhar ocidental viaja da esquerda para a direita de baixo para cima parece desvanecerse se pensarmos que as gravuras invertem a composição e os acontecimentos e as personagens trocam subitamente de lugar alterando as sequências imaginadas pelos espectadores leitores entre imagens da série Por exemplo na primeira gravura os noivos afastados aparecem à direita oferecendo a passagem perfeita para a segunda gravura onde são vistos à esquerda Por outro lado nos quadros a transição da quarta 10 No último ano a forma de exibição foi alterada tendo sido adoptada uma linha horizontal com o primeiro quadro à esquerda e o último à direita existindo uma nota explicativa geral dos dois lados uma vez que a sala tem duas entradas e notas individuais à direita de cada imagem Como se pode constatar também as formas de exibição seleccionadas reflectem modos específicos de leitura da série 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 Márcia Bessa Marques 160 imagem The Toilette para a quinta The Bagnio parece particularmente apropriada uma vez que o biombo com a ilustração de um baile de másca ras à direita colmata o hiato entre as duas cenas oferecendo um desenlace imprevisto Quer o nosso olhar deslize da esquerda para a direita ou se prenda em cores ou pormenores apelativos a nossa liberdade enquanto leitores deste texto fica assegurada através da forma como podemos combinar as reprodu ções usando técnicas narrativas de analepse ou prolepse ou subvertendo a ordem temporal original Outros espectadores leitores artistas aproveitaram essa liberdade como Katherine Mansfield em Marriage à la Mode 1922 e Paula Rego em After Hogarth 2000 Enquanto tempo não finito o gerúndio lendo denota uma acção incompleta e em desenvolvimento pelo que conti nuará a leitura esta e outras verbais e ou pictóricas Referências Bindman David 1981 Hogarth London Thames and Hudson rept 1998 Craske Matthew 2000 William Hogarth London Tate Gallery Halifax Marquis of George Saville 1688 The Ladys New Years Gift or Advice to a Daughter In Vivien Jones Ed 1990 Women in the Eighteenth Century Constructions of Femininity London New York Routledge 1722 Hallett Mark 2000 Hogarth London Phaidon Hogarth William 1753 1997 The Analysis of Beauty Ed Ronald Paulson New Haven London Yale University Press Hogarth William c 1743 Marriage AlaMode National Gallery London In Mark Hallett 2000 Hogarth London Phaidon 168170 172173 175177 Jones Vivien Ed 1990 Women in the Eighteenth Century Constructions of Femininity London New York Routledge Mansfield Katherine 1922 1951 Marriage à la Mode The Garden Party and Other Stories London Penguin Paulson Ronald 1992a Hogarth The Modern Moral Subject 16971732 Vol 1 Cambridge Lutterworth 1992b Hogarth High Art and Low 17321750 Vol 2 Cambridge Lutterworth Peakman Julia 2004 Lascivious Bodies A Sexual History of the Eighteenth Century London Atlantic Books Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 161 Rego Paula 2000 After Hogarth In T G Rosenthal 2003 Paula Rego Obra Gráfica Completa Trad Nuno Batalha Lisboa Cavalo de Ferro 4043 Richardson Samuel 1740 1985 Pamela Or Virtue Rewarded Ed Peter Sabor Introd Margaret A Doody London Penguin Stone Lawrence 1977 The Family Sex and Marriage in England 15001800 London Penguin rept 1990 Uglow Jenny 1997 Hogarth A Life and a World London Faber and Faber ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is She Transcribing from his Lips1 ANA ROSA GONÇALVES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Secundária 3 Dra Laura Ayres T he Girlhood of Mary Virgin Figura I2 e Ecce Ancilla Domini Figura II3 são os quadros para que a escritora Christina Rossetti já com alguns poemas publicados em edição privada posa como modelo do irmão o poetapintor Dante Gabriel Rossetti Data o primeiro de 1849 e o segundo de 1850 Inscritos no movimento artístico do século XIX que ficou conhecido como the PreRaphaelite Brotherhood The Girlhood of Mary Virgin e Ecce Ancilla Domini deram a conhecer a mais nova dos Rossetti Christina sob o olhar fraterno de Dante Gabriel um dos mentores de uma confraria artística à qual a designação de Brotherhood atribuía um carácter exclusivamente masculino4 Se enquanto musa do irmão mais velho Christina parece figurar 1 Título sugerido por um dos versos do poema In an Artists Studio 1856 de Christina Rossetti no qual ela se refere à actividade do irmão Dante Gabriel como poetapintor e que constitui aqui objecto de análise 2 Figura extraída de Marsh 1988 31 3 Figura extraída de Marsh 1988 33 4 Carolyn HaresStryker explica deste modo o início do que ficou conhecido como the Pre Raphaelite Brotherhood To differentiate themselves from the Royal Academy Millais Hunt and Rossetti juxtaposed its august tradition with their own mocking levity They believed that those paintings most favoured by the Academy were awash in false sentimentality contrived murky and trivial The term PreRaphaelite pinpointed well their belief that it was after the great Renaissance master Raphael that art had begun to stagnate Their time had come and a gathering of likeminded comrades began something that Rossetti was particularly keen on They had named their new society but now it needed members and Rossetti putting to a motion that the word Brotherhood be added to the original designation of PreRaphaelite oversaw the induction of four additional members in the winter of 1848 They included Rossettis own brother William Michael Rossetti Thomas Woolner James Collinson F G Stephens Soon two others would become closely associated with the Brotherhood Christina Rossetti and Ford Madox Brown They were never asked however to join the mystical seven because for one thing Christina could hardly be a brother and for another because Rossetti liked the cabalistic quality of the group seven and did not wish to extend the official membership further HaresStryker 1997 1819 Notese que na obra aqui mencionada An Anthology of PreRaphaelite Writings Hares Stryker compila diversos escritos daquele grupo de artistas Ana Rosa Gonçalves 166 por meio da representação da Virgem Maria o arquétipo de uma feminilidade moralmente virtuosa mas submissa e passiva o mesmo não sucede no que ela escreveu Na verdade a autora recusou os limites socioculturais impostos para o sexo feminino na época dela Ainda que por ser mulher nunca a admi tissem formalmente no que se designa por the PreRaphaelite Brotherhood enquanto Rossetti a reputação do irmão dentro daquele grupo de artistas permitiulhe associarse ao mesmo É aqui objectivo questionar em que medida Christina se terá efectivamente submetido à autoridade de Dante Gabriel como escritora num espaço de acção cultural nitidamente contro lado por homens o mercado vitoriano Do objecto de análise fazem parte dois desenhos daquele pintor acerca da irmã que integram a extensa corres pondência epistolar trocada entre ambos Destinados a circularem no espaço familiar apenas estes desenhos são lidos em interacção com o poema In an Artists Studio de Christina The Rossetti family was a remarkable group All its members were endowed with unusual intelligence were equally at home with the languages and literary traditions of both England and Italy and were united among themselves by close ties of affection and mutual understanding The talents and characteristics they shared were combined with creative gifts of a high order New Encyclopaedia Britannica 1998 sv Rossetti De ascendência italiana Christina e Dante Gabriel são talvez os membros mais conhecidos da família culturalmente ilustre dos Rossetti5 Se é verdade conforme nos comprova o excerto acima transcrito que ambos tiveram igual acesso às tradições literárias nas quais foram educados acrescentarseia porém que na forma de acederem ao mercado do século XIX se distinguiram um do outro inúmeras vezes Podia Christina e outras como ela tentar resistir ao paradigma denominador do feminino mas num espaço cultural de inter ven ção masculina que só muito lentamente se entreabria para as Vitorianas escrever anunciava ainda um desejo de ascen são antagónico à tradição de representar a Mulher em casa idealizandoa Por muito que o debate público acerca das desigualdades entre os sexos se tivesse ampliado numa sociedade definida em termos masculinos ser mulher opunhase a ser homem e como era ela a mais nova dos Rossetti Christina estava determinada por um modelo de actuação muito rígido o da ideologia doméstica vitoriana 5 Para um estudo mais aprofundado acerca da importância literária da família Rossetti em particular de Dante Gabriel e Christina ver Cary 1974 em geral Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 167 Insurgindose contra os deveres familiares que lhe eram moralmente impostos foi em vão que procurou ser admitida na confraria artística protago nizada por Dante Gabriel Na verdade a figura da mulherescritora colocava em causa o estereótipo dominante de feminino mesmo no âmbito de um movimento estético considerado dissidente Excluída de the PreRaphaelite Brotherhood por ser mulher e uma temível rival nem assim desistiu Christina de se dar a conhecer no mercado literário vitoriano Referindose ao começo da activi dade dela na poesia conclui Oswald Doughty As a woman she was well aware that deprivation in life might be one of the pressures that produced art Doughty 1949 177 Com efeito é a tensão dialéctica entre a identidade de mulher e a de escritora que potencia desde o início o acto de Christina Rossetti escrever Quando se examina o século XIX os obstáculos erguidos em torno da construção da autoria literária no feminino por oposição à indissociabilidade quase inquestionável entre o masculino e a escrita revelamse significati vos6 De entre os Rossetti Dante Gabriel sobressaía num duplo contexto o estatuto de homem fizera dele o mais prestigiado pela crítica e o único em quem a família se projectava intelectualmente Mas se o início do percurso literário de Christina se não identificava com o do irmão tãopouco podia dele separarse Como as restrições e dificuldades colocadas à entrada das Vitorianas no mercado literário eram muitas a escritora decidiu valerse do sobrenome Com o intuito de promover a aceitação do que escrevia coube a Christina usar a influência de Dante Gabriel junto das editoras Daí em diante era o irmão mais velho quem assumia a função de seu mentor tutelandoa Recordanos Jan Marsh acerca da relação entre ambos He felt protective towards her perhaps newly conscious of her restricted choices Marsh 1999 48 Na perspectiva aqui veiculada o auxílio literário de Rossetti parece inevitável pois dá resposta aos inúmeros limites enfrentados pelas mulheres escritoras durante o processo de publicação dos textos Importa contudo averiguar até que ponto Christina se mostraria vulnerável à autoridade dele 6 É precisamente devido à tradicional hegemonia do masculino enquanto sujeito da escrita por oposição ao feminino quase sempre convertido em objecto de representação que Virginia Woolf implora a todas as escritoras no final de A Room of Ones Own Therefore I ask you to write all kinds of books hesitating at no subject however trivial or however vast For I am by no means confining you to fiction If you would please me and there are thousand like me you would write books of travel adventure and research and scholarship and history and biography and criticism and science Woolf 1945 107 Ana Rosa Gonçalves 168 É ao imperativo cultural de a irmã compor sob tutela masculina que Dante Gabriel parece aludir num desenho que ele lhe enviou em 1852 Figura III7 A acompanhar este desenho existe uma carta em cujo verso consta uma longa explicação do mesmo On the opposite page is an attempt to record though faintly that privileged period of your life during which you have sat at the feet of one for whom the ages have been probably waiting The cartoon has that vagueness which attends all true poetry On his countenance is a calm serenity unchangeable unmistakeable In yours I think I read awe mingled however with something of that noble pride which even the companionship of greatness has been known to bestow Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality or rather perpetuating by a sister art the aspect of that brow where poetry has set her throne I know not The expression of Shakespeares genial features is also perhaps ambiguous though doubtless not to him Westminster Abbey I see looms in the distance though with rather an airy character Carta de Dante Gabriel a Christina Agosto de 1852 Rossetti WM 1908 22 Dante Gabriel identifica explicitamente a figura do desenho com a irmã Christina que invoca diversas vezes na segunda pessoa do singular De cabelo apanhado com um vestido simples que lhe cobre o corpo todo e debruçada sobre papel esta é por ele ajoelhada aos pés de Shakespeare A posição do corpo denota sujeição Colocada estrategicamente no canto inferior direito do desenho Christina é submetida à genialidade de Shakespeare e por conseguinte àquele que por se apoiar no seu busto ela contempla talvez com igual reverência também o próprio Dante Gabriel O terse elevado a si mesmo a um plano superior ao dela dá a medida de como o masculino dominava a tradição literária considerada hegemónica A inscri ção na base da estátua que exorta Shakespeare a permanecer eterna mente na memória We neer shall look upon his like again justifica o temor da jovem submissa De rosto erguido e olhar fixo dela transparece no entanto uma certa nobreza orgulhosa que o sobrenome Rossetti elucida talvez Reduzida a aprendiz Christina poderá invocar como exemplo a grandeza do 7 Tanto o desenho como o fragmento da carta que lhe é alusivo foram extraídos da extensa correspondência privada entre Dante Gabriel e Christina cf Rossetti W M 1908 2022 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 169 irmão perpetuandoa no que ela vier a escrever Na verdade espera Dante Gabriel que ela e as outras figuras femininas por ele retratadas em gestos de obediência preservem a sua identidade de poetapintor Absorvida no acto de aprendizagem Christina parece rabiscar algo Eis porque na explicação do desenho Dante Gabriel elabora uma pergunta à qual responde com alguma ironia uma vez que foi ele quem incitou a mais nova dos Rossetti a não prosseguir na arte de desenhar Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality or rather perpetuating by a sister art the aspect of that brow where poetry has set her throne I know not ênfase nossa Apesar de simular incerteza o artista indica a resposta à pergunta trans crita no preciso momento em que a formula É por meio da palavra e não da ima gem que a aprendiz Christina se submete hipoteticamente ao poder daqueles para quem olha Todavia dos seus rivais apenas um possui o poder de se fazer literalmente ouvir Shakespeare está impedido de proferir seja o que for porque o imortaliza a estátua Deduzse assim que é o discurso do irmão que ela regista configurando o desenho tal gesto de transposição para a escrita como prática feminina de vassalagem O mesmo é dizer que a autoria literária no feminino só é reconhecida no espaço público quando se inscreve numa definição muito restrita de feminilidade Conforme Linda H Peterson conclui acerca da parceria entre ambos Rossetti was not without her sense of what a woman artist might legitimately claim as her territory and it was more than Dante Gabriel wanted to allow Peterson 1994 217 Em última análise perante o olhar de Dante Gabriel somente a tutela dele podia impedir que o acto de Christina escrever fosse transgressor Retomando uma vez mais a pergunta da carta atrás citada Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality a escolha lexical de transcribing por Dante Gabriel poderá talvez entenderse no contexto quer do desenho quer da explicação como recusa de qualquer autonomia ou afirmação da identidade da mulhersujeito Para confir mar esta hipótese consideremse alguns significados do verbo transcribe em The New Shorter Oxford English Dictionary make a copy in writing quote or cite from a specified source attribute or ascribe to another copy or imitate a person reproduce 1993 sv Transcribe Qualquer uma das definições aqui apresentadas atribui a outro a origem absoluta do que alguém diz ou escreve De Dante Gabriel a irmã podia aprender tudo mas devia sobretudo imitálo reproduzindoo citandoo Da mesma maneira que num plano sociocultural a desigualdade das circunstân cias em que mulheres e homens vitorianos Ana Rosa Gonçalves 170 escre vem os afasta também aqui existe uma distinção significativa entre o que os dois Rossettis fazem Na perspectiva da ansiada sujeição de Christina ao mestre ideal a menos que ela repita o que ouve a figura da irmã é dada como destituída da capacidade de criar algo verdadeiramente seu A única tarefa que ele lhe concede a do registo e subsequente reprodução do discur so masculino implica que mesmo escrevendo ela não possui nunca poder de o contestar ou superar no espaço do mercado literário Coincidiria porém a verdadeira Christina com a figura feminina ideali za da do desenho Por sua vez terseia ela submetido às convenções e mode los da tradição literária masculina reproduzindoos E por que motivo descreveu Dante Gabriel a irmã assim Definindoa através de um olhar intelectualmente superior logo masculino este mais não fez do que subtraí la a si própria Dirseia que naquela imagem de Mulher está implícita a concepção da actividade literária feminina que foi autorizada pelo para digma patriarcal a Christina e a todas as outras Vitorianas como ela Desde que nas suas vozes se condensassem as normas e padrões estéticos instituí dos eralhes permitido escrever Como John Berger refere a propósito das diferenças culturalmente construídas entre os sexos the social presence of woman is different in kind from that of a man A mans presence is dependent upon the promise of power which he embodies If the promise is large and credible his presence is striking If it is small or incredible he is found to have little presence By contrast a womans presence expresses her own attitude to herself and defines what can and cannot be done to her Her presence is manifest in her gestures voice opinions expressions clothes chosen surroundings taste A woman must continually watch herself She has to survey everything she is and everything she does because how she appears to others and ultimately how she appears to men is of crucial importance for what is normally thought of as the success of her life Berger 1972 4546 Deslocando a reflexão de Berger do contexto em que foi proferida para o contexto do desenho aqui analisado poderseá concluir que a construção assimétrica das categorias de Homem e Mulher se reflecte na perspectiva mediante a qual Dante Gabriel se dá a ver a ele próprio e à irmã Também a esfera de acção de Christina aparece condicionada por aquele de quem ela é objecto de tutela literária Notese como a presença da figura feminina cumpre unicamente o objectivo de o engrandecer Mesmo que ela se aplique muito como aprendiz a mais nova dos Rossetti desempenha uma função muito específica a que serve à realização da glória de Dante Gabriel A capa Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 171 cidade de escrever que lhe é atribuída ligase directamente à sua condição de mulher daí que tutelandoa o irmão pretendesse perscrutar tudo o que ela produzia Relativamente ao modo como Dante Gabriel tentou influenciar Christina relembra Alison Chapman In his revisions and suggested revisions D G Rossetti attempts to mold Christina Rossettis literary persona and poetry to his requirements in an effort to redefine her poetic form style meter and subject matter Chapman 1997 142 Ainda que a autoridade literária do irmão mais velho fosse inquestioná vel a escritora recusoua repetidas vezes Se muitas vezes ela se lhe aproxi mou ou tentou de alguma forma igualálo foi apenas porque num mercado de pro du ção e de consumo controlado por homens não era reconhecida reputação artística a quem não dominasse bem as técnicas de composição e convenções literárias pelas quais se regia a crítica vitoriana Mencionouse até aqui a forma como no desenho Dante Gabriel Rossetti representou a submissão da irmã Christina a ele que é o grande mestre De sobrolho carregado ela fixao atenta com o olhar Só que configurála assim absorvida nos ensinamentos dele não significa que de um outro plano esse olhar continue a ser de reverência E se em vez de se partir do centro do desenho e de cima para baixo se deslocasse a análise em primeiro lugar para o plano inferior onde se situa Christina Diznos Michel Foucault em The Order of Things que sujeito e objecto podem inverter infinitamente as suas posições no gaze is stable or rather in the neutral furrow of the gaze piercing at a right angle through the canvas subject and object the spectator and model reverse their roles to the infinity Foucault 1973 5 De notar que inversamente ao que Dante Gabriel teria convencionado também ele pode assumir a posição de objecto e a irmã de sujeito no contexto do que ele desenhou A verdade é que esta parece já resistirlhe por meio do olhar Centrado nele próprio só é a figura feminina quem contempla o artista e não o contrário Porque no desenho Dante Gabriel se vira narcisicamente para si numa pose meditativa acompanha com um olhar vago o gesto da mão que segura a pena o que a irmã regista deixa por conseguinte de estar no campo visual dele Neste sentido nada permite assegurar que existe uma correspondência efectiva entre o que a figura do mestre dita oralmente e a da aprendiz faz por escrito Em última instância no que ela escreve pode igualmente Christina fazêlo emergir como objecto do discurso que ele Ana Rosa Gonçalves 172 próprio lhe impôs Por muito que Dante Gabriel exercesse sobre a irmã o poder e alcance que a tradição masculina lhe outorgava a autoria literária no feminino era potencialmente subversora Quanto ao acto de a escritora lhe ir resistindo por meio do que escreve a ele Dante Gabriel e a muitos outros homenspoetas e editores relembram Andrew e Catherine Belsey Christina Rossettis story the record of her resistance to the limitations imposed on women and on women as writers illuminates the nature of oppression and resistances to oppression Belsey Belsey 1988 49 Decidida a disputar a autoridade literária do mais ilustre dos Rossetti Christina haveria de escrever sozinha opondose ao que ele lhe fora tute lan do mas sem nunca se insurgir abertamente De forma muito subtil e levandoo sempre a acreditar que aceitava as correcções dele usa o estatuto de mais nova para continuar a assistir de perto ao trabalho do poetapintor É a irmã que Dante Gabriel também incluiu num desenho onde ele se referiu a si próprio enquanto artista Com o título de Artists Studio Figura IV8 Christina aparece de pé ligeiramente debruçada sobre a poltrona onde está sentado o irmão Com as mãos apoiadas no encosto da cadeira configurando impli ci tamente tal gesto o apoio dela àquele que ali se estende olha atenta para a tela onde está retratada uma figura de mulher Uma vez mais aqui a sua presença confirma apenas a grandeza do irmão com as pernas esticadas na parte do cavalete onde se colocam os pincéis e as tintas ele contemplase a si próprio como artista quase em êxtase Para Dante Gabriel à irmã resta apenas observar em silêncio o que ele pintou convertendoa em sua cúmplice Christina interveio contudo E fêlo ousadamente em 1856 com o poema In an Artists Studio no qual interpela Dante Gabriel Rossetti da seguinte forma One face looks out from all his canvasses One selfsame figure sits or walks or leans We found her hidden just behind those screens That mirror gave back all her loveliness A queen in opal or in ruby dress A nameless girl in freshest summer greens A saint an angel every canvass means The same one meaning neither more nor less He feeds upon her face by day and night 8 Figura extraída de Fredeman 1991 56 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 173 And she with true kind eyes looks back on him Fair as the moon and joyful as the light Not wan with waiting not with sorrow dim Not as she is but was when hope shone bright Not as she is but as she fills his dream Rossetti C 1990 264 Apesar de ser uma só One face looks a figura feminina retratada condensa o olhar do artista em relação a todas as outras queen nameless girl saint ou angel Diversas vezes enunciado o desejo quase vampírico do pintor pela figura que ele incessantemente retrata One selfsame figure significa que de certa forma qualquer mulher susceptível de merecer o olhar dele poderia acabar imortalizada da mesma maneira Not as she is but as she fills his dream itálicos nossos A ênfase colocada na aprovação masculina mostra como o pintor anula a identidade e individualidade de todas aquelas que posam para ele Na verdade a descrição do modo como a figura masculina explicitamente identificada com Dante Gabriel por Christina se apropria do feminino indica que para o artista a beleza do corpo se transforma num factor de indiferenciação entre as mulheres Porque na função de musa a Mulher é dada em termos ideais Fair as the moon and joyful as the light nenhuma outra a conseguirá igualar A imagem da musa é porém desconstruída por Christina he feeds upon her face Assim idea lizada a Mulher existe apenas enquanto objecto do desejo masculino Foi aqui objectivo tentar perceber como de entre os Rossetti Dante Gabriel tentou moldar o começo do percurso de Christina no mercado literário vitoriano Da análise delineada concluise que a mesma Christina que se dera a ver como musa do irmão Figuras I e II que fora alvo da troça dele enquanto mulherescritora Figura III ou convertida em sua admiradora Figura IV se insurgiu contra ele Ainda que não abdicasse nunca do prestígio intelectual e artístico do irmão para entrar no mercado daquele tempo Christina fez emergir Dante Gabriel como objecto do que ela própria escrevia no poema In an Artists Studio Cerca de catorze anos depois também este último Rossetti se háde referir a ele próprio enquanto poetapintor no poema Portrait 1870 Her face is made her shrine Let all men note That in all years O Love thy gift is this They that would look on her must come to me Rossetti D G 2003 132 Ana Rosa Gonçalves 174 Na perspectiva de que se constrói o poema a mulhermusa cumpre apenas o objectivo de devolver a grandeza ao artista sublimandoo de modo a que ele permaneça eternamente na memória colectiva O olhar que lhe é devolvido pela irmã nunca coincide porém com o de Dante Gabriel Destes dois Rossettis unicamente Christina sublima a mulhersujeito Referências Belsey Andrew Catherine Belsey 1988 Christina Rossetti Sister to the Brotherhood Textual Practice vol 2 no 1 Spring pp 3050 Berger John 1972 Ways of Seeing London The British Broadcasting Corporation Cary Elisabeth Luther 1974 The Rossettis Dante Gabriel and Christina New York Haskell House Publishers Chapman Alison 1997 Defining the Feminine Subject Dante Gabriel Rossettis Manuscript Revisions to Christina Rossettis Poetry Victorian Poetry Summer pp 139156 Doughty Oswald 1949 A Victorian Romantic Dante Gabriel Rossetti London Frederick Muller Foucault Michel 1973 The Order of Things An Archaeology of the Human Sciences New York Vintage Fredeman William E 1991 A Portfolio of Drawings by Dante Gabriel Rossetti The Journal of PreRaphaelite and Aesthetic Studies Special Issue A Rossetti Edited by William E Fredeman vol II no 2 HaresStryker Carolyn Ed 1997 An Anthology of PreRaphaelite Writings Sheffield Sheffield Academic Press Marsh Jan 1988 PreRaphaelite Women Images of Femininity in PreRaphaelite Art London Phoenix Illustrated 1999 Dante Gabriel Rossetti Painter and Poet London Weidenfeld Nicolson New Encyclopaedia Britannica Micropaedia Ready Reference The 1998 Edited by Jacob E Safra Constantine S Yannias et al vol X Chicago Britannica Inc 1st ed 17681771 pp 192195 New Shorter Oxford English Dictionary The 1993 Edited by Lesley Brown vol II Oxford Clarendon Press 1st ed 1933 p 3367 Peterson Linda H 1994 Restoring the Book The Typological Hermeneutics of Christina Rossetti and the PreRaphaelite Brotherhood Victorian Poetry 32 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 175 Autumn Winter pp 209232 Rossetti Christina 1990 The Complete Poems of Christina Rossetti A Variorum Edition Edited by R W Crump vol III Baton Rouge La Louisiana State University Press Rossetti Dante Gabriel 1991 A Portfolio of Drawings by Dante Gabriel Rossetti The Journal of PreRaphaelite and Aesthetic Studies Special Issue A Rossetti Edited by William E Fredeman vol II no 2 2003 Collected Poetry and Prose Edited by Jerome McGann New Haven London Yale University Press Rossetti William Michael 1908 The Family Letters of Christina Georgina Rossetti With some Supplementary Letters and Appendices Edited and with Preface by William Michael Rossetti New York Charles Scribners Sons Woolf Virginia 1945 A Room of Ones Own London Penguin Books 1st ed 1928 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria São Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan LUÍSA MARIA RODRIGUES FLORA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa A o que tudo indica graças ao empenho de dois alquimistas surge no início do século XVIII pela primeira vez na Europa em Meissen a por ce lana O encanto que ainda hoje mantém decorre da sua indu bi tá vel qualidade fundada na resistência à passagem do tempo e na delicadeza do tra balho manual que sucessivas gerações de artesãos lhe têm devotado garan tindo que cada peça de porcelana de Meissen é única logo insubsti tuível Ao que muito indica graças à ousadia de vários romancistas surge porventura no início do século XVIII pela primeira vez na Europa em parte incerta o romance A sedução que ainda hoje exerce decorre da sua índole única defendido da passagem do tempo pelo desvelo com que sucessivas gerações de artífices vêm garantindo a sua característica abertura à incorpo ra ção plural dos mais distintos registos e pela resistência que o género tem demonstrado perante os que tentam depreciálo Uma porcelana de Meissen quem sabe discreta homenagem ao derradeiro romance de Bruce Chatwin1 adquire em Atonement uma função narrativa primordial É um vaso de Meissen que ao quebrarse suscita o pretexto para o reconhecimento por Cecilia e Robbie da paixão que os transfigura para a ilusão que conduzirá Briony ao seu crime e afinal para toda a situação narrativa a partir da qual se irá moldar este romance Uma situação comum da banalidade quotidiana o não acontecimento que o quebrar de um vaso habitualmente constitui adquire no romance como adiante veremos uma multíplice capacidade de irradiação e um delicado valor simbólico Da oficina da banalidade quotidiana tanto pode surgir o deslumbramento epifânico quanto irromper o horror Em ambos os casos a realidade transcende a expectativa E perante um romance de 2001 bom será lembrar como o recurso ao quotidiano enquanto pretexto e instrumento de 1 Utz 1988 Luísa Maria Rodrigues Flora 180 interpelação e indagação da vivência humana em sociedade é desde o início parte integrante da nossa memória romanesca Em 11 de Setembro de 2001 Ian McEwan entrevistado em Oxford para The Observer a propósito de Atonement prestes a ser publicado declarava Novels are not about teaching people how to live but about showing the possibility of what it is like to be someone else It is the basis of all sympathy empathy and compassion Other people are as alive as you are Cruelty is a failure of imagination Kellaway 11 Estas palavras evocavam de modo breve toda uma concepção da arte romanesca e constituíam desde logo uma reflexão bastante apropriada sobre Atonement Contudo pronunciadas como tinham sido uma ou duas horas antes do ataque às Torres Gémeas bruscamente adquiriram uma maior densidade que nos permite reencontrálas transfiguradas em 15 de Setembro de 2001 Ian McEwan escrevia em The Guardian a respeito dos ataques terroristas que fora convidado a comentar Waking before dawn going about our business during the day we fantasize ourselves into the events What if it was me This is the nature of empathy to think oneself into the minds of others These are the mechanics of compassion you are under the bedclothes unable to sleep and you are crouching in the brushedsteel lavatory at the rear of the plane whispering a final message to your loved one There is only one thing to say and you say it All else is pointless You have very little time before some holy fool who believes in his place in eternity kicks in the door slaps your head and orders you back to your seat 23C Here is your seat belt There is the magazine you were reading before it all began The banality of these details might overwhelm you If the hijackers had been able to imagine themselves into the thoughts and feelings of the passengers they would have been unable to proceed It is hard to be cruel once you permit yourself to enter the mind of your victim Imagining what it is like to be someone other than yourself is at the core of our humanity McEwan 1315 No contexto deste brutal início do século XXI e da leitura de um romance no qual a protagonista Briony Tallis também romancista também autora em tem pos se perguntara was everyone else really as alive as she was For exam ple did her sister really matter to herself was she as valuable to herself as Briony was Was being Cecilia just as vivid an affair as being Briony McEwan Atonement 36 os comentários de McEwan antes citados vêm A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 181 conferir à arte romanesca um peso uma responsabilidade que mais irreflecti damente atri bui ría mos aos rigores vitorianos do que a quaisquer astúcias nossas contemporâneas Consideremos duas destas declarações de McEwan Imagining what it is like to be someone else other than yourself is at the core of our humanity e Novels are about showing what it is like to be someone else Registemos ainda a declaração da banalidade dos pormenores invocados O vínculo esta belecido por McEwan entre estas afirmações compromete a sua arte com a tradição do humanismo liberal tão dominante ao longo dos séculos na ficção de língua inglesa e na aparência tão provocadora durante pelo menos uma boa parte do século XX Estaremos porventura em melhores condições para apreciar o trabalho de Ian McEwan e para entender o seu actual contributo para a arte do romance se recordarmos aquilo que George Levine no sempre admirável The Realistic Imagination 1981 caracterizou como a luta intrín seca a qualquer esforço realista Esta é segundo Levine the struggle to avoid the inevitable conventionality of language in pursuit of the unattainable unmediated reality Realism as a literary method can in these terms be defined as a selfconscious effort usually in the name of some moral enterprise of truth telling and extending the limits of human sympathy to make literature appear to be describing directly not some other language but reality itself whatever that may be taken to be in this effort the writer must selfcontradictorily dismiss previous conventions of representation while in effect establishing new ones Levine 8 Atonement corresponde a uma nova interpretação desta mesma luta na qual a incorporação de múltiplas convenções anteriores as homenageia e põe em causa problematizando no cerne do próprio acto ficcional a sua legiti mi da de sem desistir de transfigurar o fazdeconta em instrumento de interpela ção e indagação da condição humana Ciente da delicadeza que o uso da lingua gem impõe o escritor está também seguro da resistência dos riquís si mos legados que recebeu Em Atonement não é apenas um período histórico e literário que se revisita como foi frequentemente o caso desde que em 1969 John Fowles publicou o magnífico The French Lieutenants Woman Ian McEwan abre o século XXI para o romance inglês2 Se este romance oferece 2 Atonement is less about a novelist harking back to the consoling uncertainties of the past than it is about creatively extending and hauling a defining part of the British literary tradition into the 21st century Dyer 8 Vide também citação Hermione Lee a p 13 deste ensaio Luísa Maria Rodrigues Flora 182 uma pluralidade talvez infinita de abordagens os limites de tempo aqui dispo nível admitem apenas uma parcial e breve apresentação Toda a obra de Ian McEwan tem vindo a promover e perdoemme usar palavras minhas quando em Maio de 2002 na Universidade de Lisboa o acolhi a serious dissection of contemporary morals Tal indagação é efectuada através de um registo quase sempre discreto seco e austero que estabelece incisivo confronto com o desassossego e a violência que lhe atravessam os textos Os pesadelos públicos e privados foram trespassando a experiência do século XX A escrita de McEwan vem cada vez mais cons truindo edifícios romanescos que frequentemente procedem a uma autópsia da vivência contem porânea no acto mesmo de conduzir um renovado exer cí cio de autoobservação da arte ficcional Não se veja neste exercício uma prática narcí sica contraditória com a filiação anteriormente atribuída e a tradição huma nista do romance Tal prática pode e deve ser reconhecida desde o início do género3 As observações de Ian McEwan em 2001 lembram a entrevista que em 1984 o ainda jovem escritor fizera em Paris ao já consagrado Milan Kundera Apresentando Kundera McEwan caracterizavao então de um modo que quanto a mim é hoje cada vez mais adequado ao seu próprio trabalho his achievement has been to bring both private life and political life into one framework and to demonstrate how both take their forms from the same source of human inadequacies An Interview 22 Tal reflexão parecia conforme à obra que Kundera prosseguia no exílio e às circunstâncias de uma arte que recusava anular a complexidade do momento histórico em que ia sendo produzida assumindo uma pluralidade de legados estéticos aos quais até hoje o escritor se mantém dedicado4 Contudo os principais motivos para invocar agora a entrevista de 1984 e em seguida convocar o seu ensaio de 2005 procedem da adequação que encon tro entre alguns dos comentários de Kundera e a actividade de qualquer 3 Como também Levine entre outros sugere Atentese por exemplo nas seguintes palavras Much of the power of nineteenthcentury realist fiction derives from the integrity of its pursuit of possibilities that would paradoxically deprive it of its authority and sever it from its responsibility to reality and audience Levine 9 4 Cf A Cortina 2005 Nova caminhada por considerações antes desenvolvidas sobretudo em A Arte do Romance 1986 e Os Testamentos Traídos 1993 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 183 roman cista no caso Briony Tallis a personagem que é de diversos modos responsável por Atonement Ou o romancista Ian McEwan each of us consciously or unconsciously rewrites our own history We are constantly rewriting our own biographies constantly bringing our own sense the sense we want to events We are selecting and shaping picking out the things that reassure and flatter us while deleting anything that might possibly detract People always see the political and the personal as different worlds as if each had its own logic its own rules But the very horrors that take place on the big stage of politics resemble strangely but insistently the small horrors of our private life An Interview 323 A presente comparação entre as afirmações de Kundera e aspectos centrais ao romance de McEwan não pretende sobrevalorizar as afinidades entre os dois escritores ou iludir às distâncias que os separam Basta referir o enorme elenco das romancistas que reencontramos como presenças tutelares em Atonement Jane Austen George Eliot Virginia Woolf Vera Britain Elizabeth Bowen Rosamond Lehmann entre outras e o sistemático esque cimento por Kundera ao longo dos ensaios sobre a arte do romance de qualquer valorização da escrita feita por mulheres para assinalar diferenças muito pouco insignificantes Contudo a prevalência de um modelo patriarcal na construção de uma memória colectiva e no revisitar de uma tradição literária por Kundera não constitui objectivo deste trabalho Afirmando partir apenas da sua prática como um romancista sem quaisquer ambições teóricas ele promove um conjunto de reflexões sobre uma linhagem do romance No ensaio A Cortina 2005 o escritor torna a Rabelais e Cervantes para identificar uma tradição que terá em Fielding em particular no nosso conhe cido Tom Jones 1749 um primeiro paifundador de uma nova provín cia literária bem ciente do que era escrever um romance Fielding tenta definir essa arte quer dizer tenta determinar a sua razão de ser e delimitar o domínio da realidade que o romance tem para iluminar para explorar e para discernir o alimento que nós propo mos aqui ao nosso leitor não é mais do que a natureza humana naquela altura ninguém teria elevado o romance à categoria de uma reflexão acerca do homem enquanto tal o espanto diante daquilo que é inexplicável nesta estranha criatura que é o homem é para Fielding o primeiro incitamento para escrever um romance a razão para o inventar Ao inventar o seu romance o romancista descobre um aspecto até essa altura desconhecido escondido da natureza humana Para Fielding o romance é definido pela Luísa Maria Rodrigues Flora 184 sua razão de ser e pela extensão da realidade que ele tem para descobrir A sua forma releva de uma liberdade que ninguém poderá limitar e cuja evolução será uma perpétua surpresa Kundera 1455 Esta indagação de um território a desbravar que o novo género promove é muito frequente em Kundera Também McEwan comenta em 1999 all novels have the quality of an investigation and the investigation changes as the material changes Moss 8 Interpelar a condição humana que é também a sua circunstância que não existe fora da história interrogar o acto de viver é também para McEwan interpelar o próprio acto de escrever ficção As humanas inadequações que McEwan descobria em 1984 no cerne da arte de Kundera adquirem em Atonement uma angustiante densi dade e tam bém neste texto a forma é uma perpétua surpresa Prosseguindo no reco nhe cimento de uma linhagem para o romance Kundera atribui um papel decisivo a Flaubert e à sua incorporação na arte romanesca da banalidade quoti diana6 para em seguida incluir Tolstói e o modo como inova ao anteci par Joyce no uso do monólogo interior Não cabe neste ensaio examinar o longo caminho revisitado por Kundera mas apenas sugerir que uma boa parte desta linhagem romanesca que ele traz até aos nossos dias e repetida mente valo riza é em grande medida partilhada por McEwan E talvez a nenhum dos seus anterio res oito romances se aproprie tanto quanto a Atonement a pergunta retórica que Kundera faz no ensaio já referido não será que a arte do romance com o seu sentido da relatividade das verdades humanas exige que a opinião do autor permaneça escon dida e que qualquer reflexão deva ficar reservada unicamente para o leitor Kundera 62 A prática ficcional de Ian McEwan ocupouse desde os primeiros textos publicados da crueldade da perversidade e do sofrimento que se escondem por detrás da vida quotidiana Fálo através de um estilo escorreito e polido cuja transparência ilude quem o toma à letra quem não lhe desvenda a plurivo cidade da linguagem Porém talvez nunca como em Atonement esta característica da sua escrita tenha sido levada até tão fundas consequências 5 cf The Provision then which we have here made is no other than HUMAN NATURE Fielding Tom Jones Book I Chapter I 25 e também Preface to Joseph Andrews 1742 6 Só o romance seria capaz de descobrir o imenso e misterioso poder do fútil Kundera 25 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 185 No texto da contracapa bem resumido o leitor de Atonement encontra o cerne da situação narrativa que molda todo o romance On the hottest day of the summer of 1935 thirteenthyearold Briony Tallis sees her sister Cecilia strip off her clothes and plunge into the fountain in the garden of their country house Watching her is Robbie Turner her childhood friend who like Cecilia has recently come down from Cambridge By the end of that day the lives of all three will have been changed for ever Robbie and Cecilia will have crossed a boundary they had not even imagined at the start and will have become victims of the younger girls imagination Briony will have witnessed mysteries and committed a crime for which she will spend the rest of her life trying to atone O incidente banal em que Robbie e Cecilia disputando entre si quem vai encher de água o vaso de Meissen acabam por quebrar dois pedacinhos da porcelana assume como no início referi um significado determinante na construção da narrativa A valiosa porcelana de Meissen oferta do povo que ele ajudara a salvar a um jovem tenente Tallis que não iria sobreviver aos últimos dias da 1ª Guerra não expressa apenas uma memória acarinhada pelo irmão ou o heroísmo a que em breve toda uma outra geração teria de sujeitarse e que o texto reinventa de modo raro A partir do incidente toda a vida das três personagens principais Briony Robbie e Cecilia se transfigura desencadean do uma sucessão de acontecimentos que acaba por afectar todo o romance ou melhor que acaba por ser o romance Acompanhemos brevemente um excerto da cena junto à fonte A pers pec tiva narrativa principal é aqui como ao longo de quase todo o capítulo 2 da 1ª parte de Cecilia He looked into the water then he looked back at her and simply shook his head as he raised his hand to cover his mouth By this gesture he assumed full responsibility but at that moment she hated him for the inadequacy of the response He glanced towards the basin and sighed For a moment he thought she was about to step backwards onto the vase and he raised his hand and pointed She kicked off her sandals unbuttoned her blouse and removed it unfastened her skirt and stepped out of it and went to the basin wall He stood with his hands on his hips and stared as she climbed into the water in her underwear Denying his help any possibility of making amends was his punishment She held her breath and sank leaving her hair fanned out across the surface Drowning herself would be his punishment Atonement 30 Luísa Maria Rodrigues Flora 186 No 3º capítulo é privilegiado o ponto de vista de Briony que observa o incidente à distância sem ser observada Tratase de uma adolescente com pre ten sões a escritora muito inventiva com muito tempo de ócio e isola mento Incapaz de entender aquilo que acidentalmente testemunha Briony pressente no entanto a tensão sexual que se instalara entre a irmã e o amigo e procura encaixar aquilo que vê nos limites daquilo que conhece De imediato começa a moldar uma história A proposal of marriage Briony would not have been surprised She herself had written a tale in which a humble woodcutter saved a princess from drowning and ended by marrying her What was present ed here fitted well What was less comprehensible however was how Robbie imperiously raised his hand now as though issuing a command which Cecilia dared not disobey It was extraordinary that she was unable to resist him What strange power did he have over her Blackmail Threats Briony raised two hands to her face and stepped back a little way from the window She should shut her eyes she thought and spare herself the sight of her sisters shame But that was impossible because there were further surprises Cecilia mercifully still in her underwear was climbing into the pond was standing waist deep in the water was pinching her nose and then she was gone The sequence was illogical the drowning scene followed by a rescue should have preceded the marriage proposal Atonement 389 A casa da ficção tem de facto muitas janelas Desde o princípio do roman ce ficara claro que a Briony não basta ser espectadora Filha mais jovem de uma daquelas famílias disfuncionais que atravessam o romance inglês dos anos 30 e 40 e à qual se adequa o comentário de Orwell a propósito da classe dirigente do seu país A family with the wrong members in control 401 Briony identifica nas inconsistências que descobre na cena um momento de passagem some kind of revelation occurred Atonement 41 Ainda não sabe interpretar o comportamento da irmã ou o de Robbie mas sente que algo mudou Briony had her first weak intimation that for her now it could no longer be fairytale castles and princesses but the strangeness of the here and now of what passed between people the ordinary people she knew if she had not stood when she did the scene would still have happened for it was not about her at all Only chance had brought her to the window Atonement 39 40 A suspeita que então se instala na futura romancista a suspeita de que a realidade ultrapassa as convenções que a ficção pode descobrir para a interpre tar não inibe Briony de em miniatura imaginar o que virá afinal a A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 187 constituir a forma matriz de todo o romance she could write a scene like the one by the fountain and include a hidden observer like herself She could write the scene three times over from three points of view her excitement was in the prospect of freedom of being delivered from the cumbrous struggle between good and bad heroes and villains None of these three was bad nor were they particularly good She need not judge There did not have to be a moral She need only show separate minds as alive as her own struggling with the idea that other minds were equally alive It wasnt only wickedness and scheming that made people unhappy it was confusion and misunderstanding above all it was the failure to grasp the simple truth that other people are as real as you And only in a story could you enter these different minds and show how they had an equal value Atonement 40 A claridade dos objectivos e as possibilidades ficcionais agora somente pressentidas não impedem Briony de umas horas mais tarde interpretar e julgar erradamente as aparências She trapped herself she marched into the labyrinth of her own construction Atonement 170 A consistência aparente de uma narrativa onde tudo encaixa ilude Briony e nas circunstâncias propí cias que o fim do dia acaba por trazer Briony comete o seu crime ao utilizar toda a sua persuasão para acusar Robbie da agressão sexual de que fora vítima a prima de quinze anos the inspector was careful not to oppress the young girl with probing questions and within this sensitively created space she was able to build and shape her narrative in her own words and establish the key facts Atonement 180 O crime de Briony Tallis pertence a um mundo artificiosamente cons truí do para satisfazer a sua noção imatura de justiça e de harmonia a violên cia da sua imaginação manipula aquilo que aconteceu para violar a realidade manipulandoa para erguer o edifício artístico que acabará por constituir todo o romance Ainda incapaz de aceitar a relatividade das verdades humanas Briony começa por ver o mundo em função daquilo que julga servir a sua escrita Na obsessão de em tudo procurar e descobrir material que possa explorar enquanto escritora tece uma intriga e não se detém perante quais quer dúvidas A realidade da vida humana impõelhe um conhecimento outro do mundo e de si mesma A viagem de autodescoberta que este romance percorre constitui a ficção de Briony em demanda de uma verdade inacessível mas que ao fim e ao cabo somente através da ficção se pode alcançar The truth had become as ghostly as invention Atonement 41 Todo o labor de reparação e de expiação que leva Briony a dedicar a quase totalidade da vida a sucessivas reescritas da sua obra principal impõe Luísa Maria Rodrigues Flora 188 justamente um constante seleccionar e dar forma Leal até ao fim ao control ling demon Atonement 5 que a acompanhara desde o início do romance e da sua carreira como romancista Briony aprende a conhecer reconhecer e aceitar os pequenos horrores da sua existência privada à medida que vai aceitando que a vida é bem mais ampla e complexa do que qualquer ficção pode ambicionar transmitir A realidade da vida humana impõelhe um conhecimento outro do mundo e de si mesma A viagem de autodescoberta que este romance percorre constitui a ficção de Briony em demanda de uma verdade inacessível mas que ao fim e ao cabo somente através da ficção se pode alcançar A delicada resistência da forma que escolhe permitelhe dar a ver múltiplas perspectivas e situações apresentar as figuras que povoam o seu universo ficcional de modo caleidoscópico construir um puzzle de situações que desde o princípio joga com prolepses e analepses avança recua avança de novo constrói narrativas paralelas no tempo e propõe finais alternativos para a cada vez menos idealizada história de amor de Cecilia e Robbie veja se por exemplo as cenas da Parte 2 na fuga de Dunquerque Da adolescente que via o mundo em função daquilo que supunha ser útil à sua arte e recusava qualquer sugestão de desordem por não ser favorável aos enredos que inventava Her wish for a harmonious organised world denied her the reckless possibilities of wrongdoing Mayhem and destruction were too chaotic for her tastes and she did not have it in her to be cruel Atonement 5 o leitor irá em retrospectiva identificar as marcas de uma escrita que forçara a realidade a encaixarse de forma não apenas artificial mas criminosa O romance vaise apresentando à leitura através de diversas persona gens numa desmultiplicação por vezes caleidoscópica que recorre a técni cas convenções e marcas intertextuais recuperadas do passado do género Privilegiando o discurso indirecto livre vai incorporar registos tão diferentes como as cartas de Robbie e Cecilia a descrição pormenorizada de um cenário idílico ou a evocação brutal de um cenário de guerra Manobra com destreza a autoironia de Briony e as suas preocupações como romancista através de comentários que só em retrospectiva em releitura revelam toda a sua vertente metatextual No interior de uma ficção quase perfeitamente circular finalmente enqua drada numa estrutura que obedece ainda a antigos preceitos de harmo nia estética Atonement acabará por acolher a perturbação das pequenas vidas das suas personagens e por revelar o caos e os horrores do palco da 2ª Guerra Mundial Umas e outros se articulam no romance de modo enfim consonante A escrita do romance como arte polifónica que privilegia o mostrar de uma pluralidade de pontos de vista a vocação deste género literário para A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 189 promover um exercício imaginativo que será central à capacidade de nos colo carmos na pele dos outros o recurso à banalidade do quotidiano como instru men to de interpelação da vivência humana em sociedade todas estas carac terísticas integram a tradição romanesca ocidental desde o seu início e todas elas têm sido frequentemente reconhecidas As qualidades agora enun cia das fazem parte de um amplo pacto que com muito engenho alguns sobres saltos e malentendidos constitui o legado dominante da ficção romanesca A ortodoxia que tem vindo sob diversos semblantes a privilegiar o expe ri mentalismo e a desvalorizar o realismo como método literário ilude o fundo do problema e é pelo menos em autores como McEwan uma falsa questão uma nãoquestão Livre para utilizar estratégias e técnicas narrativas recupe ra das de tradições diversas mesclando legados dessa ficção europeia que o fascina desde o início da carreira com a estima que lhe permite saudar não raro de modo paródico figuras incontornáveis da tradição romanesca mais especificamente inglesa McEwan convoca em Atonement múltiplos contribu tos duma tradição imensa e plural Ao fazêlo ultrapassa e muito aquilo que Hermione Lee referiu na recensão a que agora apenas aludimos All through historical layers of English fiction are invoked and rewritten Jane Austens decorums turn to black farce Forsters novels of social misun derstanding the attack on poor Leonard Bast Adela Questeds false charge of rape are ironically echoed Atonement asks what the English novel of the twentiethfirst century has inherited and what it can do now Lee 16 A vida nunca é susceptível de ser encerrada cristalizada numa qualquer narrativa nem mesmo ou porventura nem sobretudo quando se arquitecta uma estrutura bem organizada coerente A força destruidora da ilusão de Briony é também a energia que permite erguer o edifício ficcional como se de um edifício de vida se tratasse e que nos permite através desse processo colocarmonos no lugar dos outros Aprender a escrita no caso de McEwan como no de Briony é ainda e sempre aprender a conhecerse e aprender a conhecer o mundo Como recorda Raymond Tallis no seu insolente provocador e polémico In Defense of Realism 1988 In summary to defend realism does not necessarily imply membership of the arrière garde Nor does it mean that one sees the job of the late twentiethcentury novelist to be to rewrite the nineteenthcentury novel to write in the 1980s as if one were Fontane or Zola or George Eliot or Galdos to revive the Flaubertian or the Dickensian world picture It is entirely possible that modern realism may lead to the Luísa Maria Rodrigues Flora 190 abandonment of the narrative modes characters and themes that nineteenthcentury realists regarded as central The task of letting reality into fiction will always demand a questioning attitude to the language and assumptions of ones own life and of the world one knows and will require the author to be as experimental as any of the more obtrusively experimental antirealists Tallis 197 Na sua delicada resistência quer a porcelana de Meissen quer o roman ce perduram Referências Chatwin Bruce Utz London Picador 1988 Dyer Geoff Whos afraid of influence The Guardian 22 Sept 2001 8 Fielding Henry Preface to The History of the Adventures of Joseph Andrews and of his Friend Mr Abraham Adams and An Apology for the Life of Mrs Shamela Andrews Ed with an introduction by Douglas Brooks London Oxford University 1970 39 Tom Jones The authoritative text contemporary reactions criticism Second ed Ed Sheridan Baker New York Norton 1995 1973 Kellaway Kate At Home with his Worries The Observer 16 Sept 2001 http observerguardiancoukreviewstory0690355241700html 27 Sept06 Kundera Milan A Arte do Romance Trad Luísa Feijó e Maria João Delgado Lisboa Publicações D Quixote 1988 1987 Os Testamentos Traídos Trad Miguel Serras Pereira Porto Asa 1994 1993 A Cortina Ensaio em sete partes Trad Pedro Sousa Pires Porto Asa 2005 Lee Hermione If your memories serve you well The Observer Review 23 Sept 200116 Levine George The Realistic Imagination English Fiction from Frankenstein to Lady Chatterley Chicago The University of Chicago Press 1981 McEwan Ian An Interview with Milan Kundera Trans Ian Patterson Granta 1984 1937 Only love and then oblivion Love was all they had to set against their murderers The Guardian 15 Sept 2001 httpbooksguardiancoukprint042578719993900html 27 Sept06 Atonement London Vintage 2001 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 191 Moss Stephen Forget about the plot find a quiet place to think and buy an A4 notepad The Guardian 23 Dec 1999 httpbooksguardiancoukprint039444949993000html 27 Sept06 Orwell George The Lion and the Unicorn Socialism and English Genius 19 February 1941 The Complete Works of George Orwell Ed Peter Davison assisted by Ian Angus and Sheila Davison Vol12 London Secker Warburg 1998 391434 Tallis Raymond In Defence of Realism London Edward Arnold 1988 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 The Word that Says More than 1000 images LANDEG WHITE Universidade Aberta de Lisboa W hat I want to discuss today is not based on a piece of academic investigation but on my own experience of writing and publishing poetry Ive had and still have an academic career which I value But Im also aware that whatever the merits of my academic writings all my best work these days in terms of thought and feeling is expressed in poetry When a topic is proposed to me my first thought is What does my poetry say about this Whether this is a good thing or a bad thing is not a matter my poetry tells me anything about and I admit it may be debateable But when the title of this Ciclo was first mentioned to me by Professora Alcinda Pinheiro de Sousa I knew immediately what I want to talk about and gave her my own title spontaneously Of course The word that says more than 1000 images is deliberately provocative Im not for one moment denying there are images that say more than 1000 words images of such power that to speak only of photo jour nalism they have changed the course of the world But we live in an age that worships images in a manner amply illustrated by the stock phrase I am parodying and too little attention is paid to just how limited and limiting images can be In certain respects that have been important in my own career images fail To set out why I need to say a little about myself I was born in south Wales but left there just after my third birthday My father was a minister of religion in the Baptist denomination and he kept moving between churches following what they called the Call So my childhood was spent first on the Wirral peninsula in Cheshire then in Rutherglen near Glasgow then in Birkenhead on Merseyside and finally in Boreham Wood in Hertfordshire each move involving a new home new school new sets of friends and so on When I graduated from Liverpool University my first job in 1964 was at the Trinidad campus of the University of the West Indies From there I moved to the University of Malawi from where I was deported in 1970 then to Fourah Bay College in the University of Sierra Leone Africas oldest degreegiving institution then to the University of Zambia and finally after a brief spell at Landeg White 196 the University of Kent at Canterbury to the University of York where I spent fourteen years I moved to Portugal with my family in 1994 and now live in Carapinheira near Mafra and teach at the Universidade Aberta These then are the places where Ive lived worked fell in love raised my sons fought my battles including one of great importance and inevitably therefore these are the places Ive written about both in poetry and in other forms including scholarly work But I write only in English and my audience such as it is is in the Englishspeaking world Most of my smattering of readers have never been to the West Indies or Africa or spent much time in Portugal I as writer stand between them and my subject matter and I would like you to reflect just a moment on the significance of this There are some writers such as Jane Austen or Eça de Queiroz who seem so close to the world of their characters and the characters in turn so close to the world of their readers that they seem as it were to operate in a closed circle Its the modern reader feels a little outside but such is the magic of Austens or Eças style theres little difficulty in gaining entry Jane Austens characters for instance talk a great deal about books they have been reading Pope and Cowper Johnson Scott and Byron If say in Persuasion one of them mentioned she had been reading Sense and Sensibility or Pride and Prejudice we wouldnt be unduly surprised Similarly in Os Maias if mention was made of O Crime de Padre Amaro we might feel Eça was showing off a little but its the sort of book characters like Ega or Carlos would be likely to read with some adjustment to the chronology Compare their situation with that of with the English poet John Clare Clare was born in 1793 in the village of Helpston in Northamptonshire into a peasant family being under his mothers influence the only child in the village able to read and write When he began writing poetry in imitation of Cowper and Goldsmith he was quickly marketed by John Taylor also Keatss publisher as the peasant poet But he found himself writing about people and places in rural Northamptonshire for a middleclass audience in London and the tension between his subject matter and his readers broke him He wanted to write about loss about the enclosure system and agricultural depression the depopulation of the countryside while the few remaining peasants were forced to become underpaid labourers on land they had formerly farmed But his audience wanted poems about happy peasants living in cottages with roses round the door and anything else smacked of Jacobinism So Clare retreated voluntarily to his asylum where he wrote and wrote for the rest of his life It was only in the 1960s that the huge body of work he produced was finally available in scholarly editions and his status as a major poet of the late The Word that Says More than 1000 images 197 Romantic period was affirmed1 Its fair to note he had other sources of personal distress but the unbridgeable gap between his themes and his readers was the prime reason for his choice of silence The Leedsborn poet Tony Harrison illustrates something similar Born into a workingclass family his father a baker he won scholarships to Leeds Grammar school and Oxford University reading Classics When he published his first book of poetry he showed a copy to his mother who as he says turning the pages distastefully and wincing at some of the language commented we didnt bring you up to write mucky books Harrison has always honoured his family and the class he was born in but the gap was always there and in poems like V has become a central theme For writers in English from former British colonies this predicament is even more acute VS Naipaul began his career by writing about Trinidadians for an audience in Britain His situation was doubly complicated in that he was of Indian origin and until he went to India always felt more Indian than West Indian Most of his life has been spent in Britain he is too British for American readers but he has always seemed far more of a Brahmin than an Oxford man Few of the characters he writes about would ever read novels and he cannot avoid being the interpreter of one group of people to another his audience lacking any other touchstone having to trust the integrity of his narrative skills To compare great things with small this is essentially my own situation writing about subjects that are here for an audience that is over there This has many ramifications involving the tactics needed to gain the trust of ones readers and among them is my topic the subject of this presentation on the word that says more than a thousand images The point I want to emphasise is essentially very simple it is that images work best within cultures They dont easily cross cultural boundaries a culture perhaps being the particular sphere where images resonate without requiring further explanation Once an image crosses a cultural boundary however you need words often a awful lot of them to explain whats going on Let me set you a challenge Can you think of any image that is absolutely universal that is understood in the same way across all boundaries of race 1 Definitively in the editions by E Robinson and G Summerfield of The Later Poems of John Clare Manchester 1964 John Clare the Shepherds Calendar Oxford 1964 and Selected Poems and Prose of John Clare Oxford 1966 A bizarre consequence is this history aided by equally bizarre laws is that Robinson claims copyright in Clares works Landeg White 198 culture and creed Ive been trying to answer this question for a couple of years now and so far have failed The first I came up with was the image of a mother nursing a baby After all babies are born in the same way in all parts of the world and despite bottlefeeding and cleavages and bra burning and so on everyone still knows what a womans breasts are really for Leaving aside its Christian implications Madonna and the Holy Child isnt the image of Motherwithbaby the ultimate image of human love and weakness recognisable everywhere without distinction Im afraid the answer is no Throughout southern Africa for example the definitive image of maternal tenderness is of a mother with a baby on her back and a hoe in her right hand working to support her family In Mozambique in 1975 on murals every where this was modified to the silhouette of a woman with a baby on her back a hoe in one hand and a Kalashnikov in the other Of course women may be seen at any time suckling their babies but the image that appeals is not of a woman with the leisure to do this while someone else is perhaps working for her but of the woman ready to produce food I have at home a rather lovely batik of an African woman with a child at breast But it was painted by an English artist called Phyllis McDowall our close neighbour in Lusaka My European friends admire it my African friends even those used to Christian art are a little embarrassed This is not an image to draw attention to And if we move north into the Muslim world of north Africa or the Middle East the image is completely taboo both because it is an image and because no women should expose her in such a manner to male gaze Next I thought of the sun Look on the rising sun said Blake There God does live And gives His light and gives His heat away Isnt some such feeling whatever gods may be invoked recognised universally We all welcome the sun banishing night and cold with the birth of a new day Once again though words became necessary to mediate meaning In Blakes poem the mother and child again are sitting in the shade of a tree deliberately avoiding the suns heat and it is this fact that supplies the mother with the central metaphor of her lesson to her son that his black skin enables him better to bear the beams of Gods love Its not an argument that works in northern Europe where to change the song we leave our troubles on the doorstep and just direct our feet to the sunny side of the street I could give other examples of this hitherto frustrated search but I want instead to illustrate my contention about the word that says more than a thousand images by discussing one of my own poems in which this theme is prominent When I first came to Portugal I lived for a while in Alcabideche in the Conselho de Cascais and I became fascinated by the figure of Abu The Word that Says More than 1000 images 199 Zeide Mohamede Ibne Mucana the Arab poet who lived there in the eleventh century and who is alQabdaqs first named inhabitant Theres only a smattering of his poetry available in English translation but what there is evokes a profoundly sympathetic figure and certainly no fundamentalist ayatollah Heres AJ Arberry for example translating a poem called Dawn Pour the wine and quickly ere Sounds the solemn call to prayer2 What fascinated me about Mucana was to reflect on how different Alcabideche was in his day Geographically for example it lay on the northern border of a polity that extended across the Straits of Gibraltar and as far south as the Senegal River Watching those recent television pictures of boat loads of immigrants setting out from the estuary of the Senegal to try to make it to Europe I reflected this would have been a normal journey in the eleventh century For Mucana it was from the north the threats came for people he would have called Kaffirs or unbelievers those barbarian Christians living beyond Coimbra How did he think of the climate the rotation of the seasons We are so used to the pattern of spring summer autumn and winter yet living in Alcabideche in the early 1990s what I was seeing was a dry season extending from May to October a short rainy season followed by the verão do San Martinho and then further rains until April Peoples activities followed this pattern going out with their hoes in October to plant their legumes and cabbages followed by a second planting season in February and fixing their houses and getting married in July and August in short an Africa division of the year So what then did something like the swallows departure signal to Mucana In English literature it is one of the most profoundly evocative images signaling the end of summer and the slow decline to darkness and cold Presumably for him they signaled the end of the dry season Or those crocuses that spring up everywhere on roadside embankments round Alcabideche are they spring or autumn crocuses or do we need another language to describe them connecting them with the impending rains I think you take my point For me as a poet writing in English images of swallows and crocuses send one kind of signal To explore what they might mean in another culture takes an imaginative leap only to be expressed in words 2 AJ Arberry Moorish Poetry a Translation of The Pennants an anthology compiled in 1243 by the Andalusian Ibn Said Cambridge University Press 1953 p 47 Landeg White 200 In the poem that follows the introduction and the first part are translated from the French of Henri Peres3 Aby Bakr alMuzaffar Prince of Badajoz died in 1068 Octobers Sickle Moon4 for Abu Zeide Mohamede Ibne Mucana The pull of the soil was always very strong for the Andalusian poets who for the most part were of country origin Such was the case of Ibne Mucana alIsbuni Having lived at Seville at the court of the Abbadides then at Grenada at the court of Zirides he knew the inanities of the courtiers life and relin quish ing the bogus fame of the royal salons he returned to his village of Alcabi deche close by Sintra to end his life cultivating his field I saw him said one of his fellow countrymen who recounted to Ibne Bassam his encounter with the old poet now deaf his sickle in his hand I approached him and when I had taken him by the hand he made me sit down to look at the field I asked him to recite some poetry and he improvised 1 Dwellers at alQabdaq husband well your seeds whether of onions or pumpkins A man of purpose needs a windmill turning with the clouds not with water AlQabdaq doesnt produce even in a good year more than twenty sacks of corn Any more than that the wild pigs come down from the forest in regular armies She is meagre with anything good or useful just like me as you know I have a poor ear I abandoned the kings in their finery I refused to attend their processions and parted from them Here you find me at alQabdaq harvesting thorns with my sharp and agile sickle If someone said Is it worth this trouble 3 Henri Peres La Poésie Andalouse en Arabe Classique au Xie Siècle Paris 1953 pp 200201 4 The first part of the poem appeared in The View from the Stockade Dangaroo Press 1981 then both parts in South CEMAR F da Foz 1999 and more accessibly in Where the Angolans are Playing Football Selected and New Poetry Parthian Books 2003 The Word that Says More than 1000 images 201 youd answer The noble mans ensign is freedom Abu Bakr alMuzaffars love and good deeds were my guide so that I left for a garden in springtime 2 We meet the old deaf poet with a sickle crofting The northern border of a country whose south Is the River Senegal He has turned his back on Kings in their finery comparing men of purpose With windmills circling with the clouds not Water though we may be sure these rains after The scorched weeks of houserepairs and weddings This season of the pumpkin and onion seeds he Celebrates in his poem when olives ripen and lamplike Oranges burnish the quick dusk at the Call to Prayers We may be sure Octobers crocuses are a sign He lives when the Straits open on nowhere perilous To sailors pitched west in the inland sea but No border After the drought Octobers rains Then the winds blow from Guinea and heat returns For him this is Morocco and ordinary The world Is neither Europe nor Africa These slopes of heather And copper bracken these drifting winecoloured Leaves as the swallows gather on whatever in his World are telephone wires they speak of the rains Then the golden windfall oranges tumble among Daffodils signalling harvest and another season Building families He has two fears the wild boars From Sintra mountain foraging through his corn In packs and Portugal the kaffir north Rightly For we came and took purchase Today after Autumns virginal crocuses and the swallows flight South our chestnuts blaze every colour of Fall We have baptised his seasons Por São Martinho Prova teu vinho and ceased believing Our cliffs Bristle with immigration patrols His stone windmills Are chic retirement homes for the circling rich Landeg White 202 Yet dawn brings walls of morning glory houses Shining at jigsaw angles the oliveiras feather Light windmill the church on the mound where Water which explains all still springs from the rock All day our houses soak up sun surrendering Colour storing heat in a stunned precision of light And shade Overexposed even the windmill falters Beyond everything the Atlantics razor blade Our dusks are green wine In the windmills spinning Penumbra olive trees smoulder Houses blaze Separate textures The drystone cabbage allotments Glow like skylights where we encounter the old Poet extemporising in strict metre his satires On the wretched soil of his birthplace He has Abandoned processing with kings He has brought To this onion patch Aristotle and Galen turning At each lines end to complete the couplet He husbands seeds He grinds with the wind Spinning the cogwheeled poetry of his freedom In this allmansland neither Europe nor Africa Tonight as Octobers sickle moon sprints Through marbled rain clouds his windmills sigh O título desta comunicação é provocatório Não nego que haja imagens de tal modo poderosas que provocaram alterações profundas no mundo Vivemos numa época que idolatra as imagens sem sequer se preocupar em ver como elas podem ser limitadas e limitantes A verdade é que em certos aspectos as imagens não resultam Há escritores como Jane Austen ou Eça de Queiroz que parecem estar tão perto do mundo das suas personagens e as suas personagens tão perto do mundo dos seus leitores que as imagens mais parecem funcionar em circuito fechado Comparemolas então com o que se passa com John Clare um poeta inglês nascido no seio de uma família do meio rural a única criança a saber ler e escrever na aldeia onde vivia Quando Clare começou a produzir poesia deu consigo a escrever sobre pessoas e locais em Northamptonshire para um público leitor da classe média londrina O seu intento era escrever sobre os prejuízos o sistema de cercas e a depressão na agricultura mas o público leitor queria poemas que falassem da felicidade da vida campestre de casas com trepadeiras de rosas pois tudo o que fosse diferente cheiravalhe a jaco binismo Então Clare resolveu refugiarse na solidão e aí viveu e escreveu a vida toda sem nada publicar Tony Harrison um poeta natural de Leeds ilustra algo de semelhante Oriundo da classe trabalhadora ganhou bolsas que lhe permitiram frequentar tanto a escola secundária como a universidade em Oxford onde cursou estudos clássicos Tendo mostrado à mãe um exemplar do seu primeiro livro ouviu dela o comentário Não te educámos para vires a escrever livros sórdi dos Temos ainda o caso de V S Naipaul que se estreou a escrever sobre a vida em Trinidad para um público britânico situação duplamente compli cada pois ele sempre se sentiu mais indiano do que natural das Antilhas Resumo em português A palavra que diz mais do que 1000 imagens Landeg White 204 Poucas são as suas personagens que lêem romances e ele não consegue deixar de ser o interprépete entre as pessoas dos dois lados A questão que quero aqui sublinhar é o facto de as imagens funcionarem melhor no interior das suas próprias culturas Não lhes é fácil atravessar as fronteiras culturais podendo talvez definirse uma cultura como sendo aquele determinado mundo onde as imagens falam por si sem precisarem de expli ca ção Contudo quando uma imagem atravessa uma fronteira cultural temos de nos socorrer de palavras às vezes até de muitas para explicar o que queremos dizer Haverá alguma imagem que seja entendida do mesmo modo por raças culturas e credos diferentes Tomemos como exemplo uma mãe amamen tando um bébé Não será esta imagem da Mãe e seu filho a imagem universal do amor humano e da fragilidade que todos identificam sem distinções A reposta é Não Em toda as regiões do sul do continente africano a imagem por excelência da ternura maternal é dada por uma mãe transportando uma criança às costas e um sacho na mão direita não por uma mãe que dá calmamente de mamar ao filho enquanto outros trabalham mas uma mãe que trabalha para alimentar a sua família Se formos mais para norte e entrarmos no mundo muçulmano da África do Norte e do Médio Oriente a imagem é tabú não só como imagem mas porque nenhuma mulher se pode assim expor aos olhares masculinos Consideremos o sol Olhai o sol nascente Aí habita Deus Que nos dá a Sua luz e o Seu calor diz Blake Não será tal sentimento quaisquer que sejam os deuses invocados universalmente identificado A verdade é que é preciso de novo recorrer a palavras como mediadoras do sentido No poema de Blake a mãe e a criança estão sentadas à sombra protegidas do calor do sol mas no norte da Europa num outro poemadirigimos os nossos passos para o lado soalheiro da rua Há alguns anos deixeime fascinar por Abu Zeide Mohamede Ibne Mucana poeta árabe do século XI que viveu em Alcabideche o primeiro habitante conhecido pelo nome em alQabdaq Quão diferente era Alcabidche no seu tempo Geograficamente situavase na fronteira norte de um estado que se estendia para sul até ao rio Senegal Para Mucana a ameaça vinha do norte daqueles cristãos bárbaros que viviam para lá de Coimba Que ideia tinha ele do clima da rotação das estações Nós estamos habitua dos à sucessão da primavera verão outono e inverno mas Alcabideche é caracterizada por uma estação seca que vai de Maio a Outubro uma breve estação de chuvas seguida pelo verão de S Martinho e mais chuvas até Resumo em português 205 Abril As pessoas pautavam as suas actividades por este ritmo semeavam hor ta liças e couves em Outubro faziam um segunda semea dura em Fevereiro em Julho e Agosto arranjavam as casas e casavamse em resumo dividiam o ano à maneira africana Que significado tem para Mucana o sinal a que as andorinhas obedecem para emigrarem Na literatura inglesa esta é uma das imagens mais ricas para evocar o fim do verão e a chegada das noites escuras e do frio Presumi velmente para ele tal imagem assinalava o fim da estação seca Ou então aquelas flores de açafrão que nascem por todo o lado nos taludes em redor de Alcabideche serão elas flores de primavera ou de outono ou precisamos de as descrever associandoas ao avizinharse das chuvas Para um poeta de língua inglesa as imagens de andorinhas e do açafão enviam um determinado sinal mas para perceber até ao fundo o significado que elas podem ter numa outra cultura é preciso uma certa agilidade de imaginação que só as palavras conseguem exprimir No poema que se segue a introdução e a primeira parte foram tradu zi dos a partir de uma versão francesa de Henri Peres1 Aby Bark alMuzaffar Príncipe de Badajoz morreu em 1068 1 Henri Peres La Poésie Andalouse en Arabe Classique au Xe Siècle Paris 1953 pp 2002001 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa ANA DANIELA COELHO Universidade de Lisboa TERESA DE ATAÍDE MALAFAIA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa C onviver com os Vitorianos habituounos a considerar as diversas estraté gias de exibição seleccionadas para exporem os objectos que conside ravam arte ou troféus do império O levantamento de registos da Royal Academy ou dos Museus de South Kensington ilustram o cuidado na forma como então se exibia e muitas das exposições exemplificam vários modos de olhar os outros Mitchell 2002 86 nomeadamente as representa ções dos povos colonizados que funcionavam como símbolos da cultura imperialista1 A investigação na British Library em Março de 2006 sobre as brochuras e os catálogos de algumas exposições realizadas durante a segunda metade do século XIX e princípios do século XX permitiu avaliar os modos distintos como os curadores organizavam as colecções a serem expostas Não obstante reconhecermos em muitos casos o reflexo da respectiva autoridade admiti mos que ao serem visitadas as exposições podem corresponder a espaços de contestação ou pelo menos de questionação do poder implícito na medida em que neles convivem ideologias e representações diversas Aí se vê tanto o poder de seleccionar para exibir eou catalogar como de representar o outro tornando visíveis histórias anteriormente invisíveis tal como Tony Bennett afirmou a propósito do British Museum e do Victoria and Albert Museum e das políticas de inclusão e de exclusão determinadas pelas relações de poder inerentes ao acto de exibir Bennett 1995 Se tínhamos na época vitoriana o olhar britânicoeuropeu sobre o outro procurando o exótico a visita à exposição de Frida Kahlo em viagem pela Europa também nos recordou através da forma como foi exibida em Lisboa de 24 de Fevereiro a 21 de Maio de 2006 estratégias de exibição próximas das habitualmente atribuídas aos Vitorianos 1 Cf Imperialism means the practice theory and the attitudes of a dominating metropolitan centre ruling a distant territory Colonialism which is almost always a consequence of imperialism is the implanting of settlements on a distant territory Said 1993 8 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 210 Installation implies interpretation for in the extreme sense display is distortion As soon as a specimen passes through the door of a museum and is placed on exhibition it enters a foreign environment and embarks on a new function The curator assumes the role of chaperone to this specimen introducing a newcomer to a changed sphere and to an unknown circle of acquaintance Thomas 1940 24 Efectivamente museus galerias de arte e exposições não podem ser ava lia dos como locais neutros verdadeiros receptáculos onde estão deposi tados objectos Complementarmente no domínio das estratégias curatoriais assisti mos já há alguns anos ao aumento da vertente transnacional promovendose a dimensão itinerante Deliss 1996 285 na qual a experiência da transcultu ra li dade está frequentemente implícita Neste enquadramento de índole teórica assistimos nos últimos tempos ao aparecimento de novos discursos sobre os modos como museus e galerias exibem as obras de arte começando pela pró pria divulgação nos media e nos respectivos sites oficiais segundo pudemos observar no site do Centro Cultural de Belém em Exposições Tem po rárias FRIDA KAHLO 19071954 Vida e Obra comissariada por Josefina Garciá Hernandez Museu Dolores Olmedo México e apoiada pela Casa da América Latina e pela Embaixada do México2 Ainda que na maior parte dos suportes de divulgação3 estivesse mencionado que depois da Tate Modern Londres e da Fundación Caixa Galicia Santiago de Compostela era a vez de Lisboa rece ber a maior e mais completa exposição sobre Frida Kahlo realizada nas últi mas décadas com obras provenientes do Museu Dolores Olmedo no Méx ico a colecção mais importante que existe no mundo sobre a artista mexi cana de facto as exposições apresentaram dimensões dife rentes consoante os países No caso português a exposição veio estruturada de Espanha e apre sen tava um desdobrável em português e inglês com uma introdução em que Frida Kahlo era sinteticamente apresentada pela comis sá ria um mapa da expo sição e uma cronologia da vida e obra da artista para além de informa ções gerais sobre o centro de exposições nomeadamente sobre os ateliês organiza dos pelo Serviço Educativo Como representações apenas duas A Coluna partida 1944 e Autoretrato com macaco 1945 2 Vejase httpwwwccbptccb A exposição começou a ser anunciada no site oficial do Centro Cultural de Belém cerca de quatro meses antes mas não foi disponibilizada grande informação sobre os conteúdos como aconteceu com o site da Tate Modern 3 Referimos o site oficial do Centro Cultural de Belém o programa das actividades bem como o catálogo e a brochura da exposição excluindo o respectivo cartaz Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 211 ambas a preto e branco O referido desdobrável estava gratuitamente à dispo si ção dos visitantes enquanto o catálogo tinha de ser adquirido Durante a visita não era disponibilizado ao público qualquer apoio tecnológico o que poderia dar aos visitantes a sensa ção de algum controlo sobre os objectos em exibição na medida em que as exposições colocadas num determinado espaço usamno e organizamno De facto à semelhança dos Vitorianos nos últimos anos os museus procuram atrair visitantes através das exposições tem porárias assistindose em muitos casos à expansão das instalações exis ten tes assim como afirma Emma Barker For much of the twentieth century however museums concentrated on their permanent collections rather than on staging exhibitions They played a comparatively minor role in the previous great age of exhibitions from the midnineteenth to the early twentieth centuries exhibitions were then typically held in purposebuilt structures or commercial premises Having become a defining feature of contem porary museum culture they now arguably dominate the public perception of art Barker 1999 103 No entanto relativamente ao Centro Cultural de Belém houve sempre espaços destinados a exposições temporárias bem como distribuição gratuita de folhetos explicativos Neste caso o desdobrável sempre o mesmo durante o período da exposição dava indicações explícitas aos visitantes sobre o percurso a seguir traduzido no mapa da exposição com setas que indicavam uma via de acesso à obra de Frida Kahlo Tal constatação levanos a ponderar pressupostos actualmente postos em causa dado existirem princípios críticos aplicáveis às culturas em exibição que defendem que os visitantes não devem ser obrigados a realizar um percurso prédefinido ainda que se constate que qualquer prática seleccionada pode originar limitações de acessibilidade tanto espaciais como interpretativas Exhibitions limit both the curator and the public to a spatial environment in which a form of visual conceptualisation becomes the prime interpretative activity They succeed best by providing a dynamic form for the exchange of ideas if the installations and subsequently the perspective on the thematics are transient If the constellation of issues raised in the research pertaining to the exhibition itself transforms as a result of the critical debates ensuing from the show and related to it on a wider international scale then the exhibition no longer becomes relevant as an operative site Deliss 1996 284 Convivemos neste caso com quatro espaços rectangulares alicerçados numa sequência definida e institucionalmente legitimada Deliss 1996 277 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 212 que assentavam num percurso cronológico tradicional 4 mostrando a vida e a obra de Frida Kahlo através de uma escolha linear de representações Corres pondiam os referidos espaços por conseguinte à InfânciaJuventude Paixão por Diego Rivera Casa Azul DiárioMorte espaços esses comple men tados por duas instalações intituladas Altar dos Mortos e Trajes bem como final mente pela projecção de vídeos sobre a artista nos quais não vislumbrámos perspectivas críticas Se no desdobrável o mapa era a segunda informação no catálogo da exposição o mapa a cores encontravase na penúltima pági na As indicações quanto ao percurso eram inequívocas ainda que a entrada e a saída da exposição fossem comuns e o espaço de projecção distinto Não obs tante compreendermos que a dimensão cronológica tenha sido a privile giada e fosse coerente com o tema anunciado questionamos até que ponto os sinais vi suais presentes e a fragmentação do espaço enfatizada pelas cores distintas e fortes das diversas salas não estilhaçou o discurso e por con se guinte limitou o olhar dos visitantes mesmo reconhecendo que a insti tuição detém sempre o poder que legitima a proposta de leitura seleccio na da5 Havendo hoje a preocu pação em que as paredes sejam claras encon trá mos na exposição a premissa oposta traduzida na presença de cores fortes certa mente para acentuar não só a ligação afectiva de Frida à cultura mexicana mas também o modo como as referidas práticas a influenciaram Na nossa opinião existiu um excesso de cor não se deve esquecer que toda a estrutura veio já de Santiago de Compostela Fundación Caixa Galicia e no domínio da análise da cor a referida monta gem só teve justificação inquestionável no espaço denominado Casa Azul Os ateliês pedagógicos Na exposição de Frida Kahlo patente em Lisboa havia ainda a possi bi li dade de efectuar uma visita guiada em que sempre com um enquadramento biográfico se propunha a análise tanto do universo plástico da artista como dos motivos recorrentes na sua obra A estas mesmas visitas guiadas desti nadas ao público geral juntavamse outras destinadas ao público escolar ao qual eram também oferecidos vários ateliês Para esta exposição em particular o Serviço Educativo do Centro Cultu ral de Belém propunha três ateliês Máscaras para um rosto destinado ao 1º 4 Vejase a título de exemplo a exposição Gothic Nightmares Fuseli Blake and the Romantic Imagination Tate Britain 15 de Fevereiro a 1 de Maio 2006 onde a perspectiva cronológica foi igualmente favorecida 5 Cf Over the last ten years artists and cultural managers have relied on the institution as the bearer of the legitimising discourse Deliss 1996 277 e 2º ciclos do Ensino Básico Desafiar a obra destinado ao 3º ciclo do Ensino Básico e O olho que tudo vê destinado ao Ensino Secundário Importa aqui dizer que ainda que o Serviço Educativo do Centro Cultural de Belém tivesse destinado um determinado ateliê para cada nível de ensino cabia sempre aos professores a escolha do ateliê a frequentar com os seus alunos No ateliê destinado ao 1º e 2º ciclos do Ensino Básico Máscaras para um rosto era proposto que após a visita guiada cada aluno criasse uma nova más cara para Frida Kahlo intervindo sobre uma fotocópia da fotografia da artista e recuperando motivos da exposição Dos alunos esperavase que filtrassem a informação transmitida durante a visita criando um novo objecto artístico que integrasse elementos relacionados não só com a artista mas também com a cultura mexicana e o ambiente político da época Para tal os alunos dispunham de materiais como lápis de cera papéis coloridos fitas cola etc No final cada aluno guardava a sua máscara como recordação da exposição No ateliê destinado ao 3º ciclo do Ensino Básico Desafiar a obra os alunos eram conduzidos à sala de actividades antes mesmo de verem a exposição e divididos em grupos de três ou quatro A cada grupo era entregue um dos seguintes objectos prego fita écharpe paleta cone açúcar alfinete Cada grupo devia então escrever numa folha três palavras que associasse a esse mesmo objecto Depois desta actividade inicial os alunos seguiam para a exposição levando consigo a folha com as palavras escolhidas Durante a visita guiada sempre que um dos objectos surgisse representado numa das obras o grupo respectivo era chamado a ler as suas três palavras De entre essas três palavras os restantes grupos escolhiam uma e escreviamna na sua folha No final da visita era pedido a cada grupo que construísse uma frase utilizando as várias palavras coleccionadas ao longo da visita com o objec tivo de criar um cadavre exquis6 Pretendiase com esta actividade aproximar 6 Esta actividade deu origem a resultados interessantes e variados com algumas frases a aproxi ma rem se de um cadavre exquis enquanto outras demonstram um esforço para lhes incutir sentido Vejamse alguns exemplos A festa com o pincel a tinta com o pintor branco Ela é vaidosa pequena e pinta com os pincéis A sua natureza era limitada pela dor A beleza de um líquido de Verão doce e amarelo é a moldura de um mistério O olhar o olharem todos os quadros o seu olhar parece que desafia o público a tentar compreender aquilo que ela sente A artista pinta líquidos doces no mistério do círculo redondo No cone da morte prendeu a sua dor como acessório Frida Kahlo expressava a sua dor através da pintura e retratava ainda os acessórios típicos da sua região Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 213 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 214 a obra de Frida Kahlo do Surrealismo movimento ao qual contudo esta sempre se recusou pertencer No ateliê destinado ao Ensino Secundário O olho que tudo vê par tin do da ideia que para Frida Kahlo os olhos são a figuração do seu imagi nário e estados emocionais7 propunhase que após a visita guiada os alunos pro jec tassem a sua visão da exposição num desenho limitado pelos contornos de um olho Os alunos deviam integrar no seu desenho elementos da expo sição mas também mostrar a sua própria experiência da visita Sendo esta também uma actividade plástica diferenciavase da destinada ao 1º e 2º ciclos do Ensino Básico pelo facto de não existir aqui uma prévia delimitação do desenho a criar uma vez que aos alunos era disponibilizada como tela uma folha em branco Para além destes três ateliês todos os alunos podiam ainda participar na realização de um tear gigante intitulado Tear de memórias que pretendia ser um testemunho colectivo construído por emoções e sensações associadas às cores materiais e motivos da exposição Os trabalhos resultantes destes dois últimos ateliês depois de reuni dos e seleccionados bem como o Tear de memórias foram depois integrados numa exposição intitulada Memória inaugurada no dia 18 de Maio de 2006 Dia Internacional dos Museus Esta reunia exemplos de vários trabalhos realizados pelos alunos ao longo do ano em ateliês associados a diversas exposições presentes no Centro Cultural de Belém Complementarmente aos ateliês o Centro Cultural de Belém desen volve também para cada exposição um Caderno do Docente destinado aos pro fessores que visitam a exposição com alunos Este pretende ser um guia dispo ni bilizando informações relativamente à exposição e às actividades a ela associadas Neste caso consistia numa nota biográfica de Frida Kahlo numa breve descrição dos vários núcleos da exposição com informações de carác ter cultural histórico e biográfico bem como destaque para determinadas obras e finalmente em informações relativas às várias actividades pedagó gicas Ainda que se trate de uma iniciativa de louvor por procurar preparar uma primeira visita do professor e formálo para uma eventual visita com os seus alunos é de lamentar o número de erros de impressão e não só dema siado comuns neste e noutros documentos associados a esta exposição No que diz respeito mais concretamente aos ateliês organizados para esta exposição em particular foram muito solicitados pelas escolas e parece ram de um modo geral funcionar bem junto dos alunos Assim na sua maioria os 7 Exposição Memória Centro Cultural de Belém alunos participavam com entusiasmo nas actividades propostas mostrando interesse na actividade em si ao mesmo tempo que procuravam relembrar e integrar elementos observados durante a visita à exposição Dirseia portanto que estes ateliês atingiram os objectivos aos quais se propu nham Se bem que isto possa ser verdade interrogamonos até que ponto estes objectivos seriam os mais desejáveis a atingir Parecenos que a resposta dos alunos às activi da des é de alguma forma aquela que estava planeada e préprogramada No geral as actividades bem como a própria visita guiada não deixavam espaço a uma verdadeira liberdade interpretativa e criativa por parte dos alunos Mesmo que as actividades se propusessem desenvolver a expressão dos alunos quer de uma forma plástica quer de uma forma escrita as suas criações eram guia das por regras de jogo muito bem definidas Esperavase que estas regras fossem escrupulosamente seguidas e que das actividades se obtivessem determinados resultados caso contrário as expec tativas dos moni tores saíam claramente frustradas Ainda que não neguemos a necessi dade de regras orien tadoras e objectivos determinados para as actividades a desenvolver especial mente com alunos destas idades o facto é que se deixou pouco ou nenhum espaço de manobra quer para a adaptação às necessidades e características dos alunos quer para a liberdade e a descoberta princípios pedagógicos de base nos dias de hoje Igualmente no que diz respeito à visita guiada e mesmo que os alunos fossem chamados a dialogar com a monitora se continuava com uma tradição expositiva que transmitia uma determinada interpretação das obras mas falhava na explicitação da organização da própria exposição e que funcio nava também como mais uma comparti mentação a que os nossos alunos já estão habituados em vez de se apostar numa livre ainda que auxiliada interpretação das obras8 De igual modo também aqui se nota que a ausência de materiais tecnológicos a serem utilizados pelo público anulava a possi bi li dade de uma interacção com os objectos de arte expostos deixando os alunos limitados a um olhar distante e orientado pelas informações trans mitidas Assim se conclui que depois de uma atenta observação os ateliês desen volvidos para a exposição de Frida Kahlo em Lisboa partilharam também daquela que é uma determinada estratégia de exibição com a particularidade de que incutiam mais directamente sobre o seu público uma determinada forma de olhar o trabalho desta artista Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 215 8 Não negamos a importância da contextualização histórica cultural e biográfica mas conside ramos que uma maior liberdade interpretativa devia ser dada aos alunos em vez de lhes dizer o que deviam ver em cada obra impondolhes aquela que é a visão de outro Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 216 Ora retomando o tema das estratégias de exibição salientamos ainda a importância do modo como o conteúdo da exposição isto é os objectos estão expostos e no caso em estudo todas as obras obedeciam a uma distri buição sequencial e encontravamse situadas a um nível intermédio de visão Os visitantes dispunham também de alguns painéis informativos de teor domi nan temente biográfico e sociopolítico e de acordo com a concepção actual uma ancoragem textual mínima das obras traduzida no nome doda artista título meios utilizados data encontrandose a maior parte protegida por acríli co A articulação entre fotografia e pintura estava presente com especial ênfase no retratoautoretrato não obstante a primeira forma ter sido privile giada na apresentação da infância e da juventude de Kahlo docu mentando criteriosamente a natureza de Frida Kahlo filha de mãe mexi cana mestiza e de pai alemão Aliás essa expressão multicultural desta cavase como fio condu tor havendo convívio entre tradições europeias e indígenas segundo Retrato de Alicia Galant 1927 e O Autocarro 1929 ilustravam Efectiva mente as manifestações multiculturais eram igualmente visíveis no domínio biográfico nas viagens realizadas nas exposições nos EUA em França em Inglaterra no México e também nas relações mantidas nomea da mente com Diego Rivera Tina Modotti André Breton Leon Trostki Natalia Sedova entre outros A partir da segunda sala subordinada ao tema Paixão por Diego Rivera a pintura e o desenho estavam mais presentes mas a sua relação com o muralista encontravase manifestamente enfatizada na medida em que este teve grande relevância na vida de Frida Não obstante ser evidente que o casamento constituiu o lançamento inicial da carreira de Frida a obra exposta permitiu concluir que esta se consolidou pela sua força e qualidade artística As obras seleccionadas revelavam a expressão emocional da artista nomea da mente as representações desde litografias a pintura a óleo em que a temá tica do aborto é dominante porque causadora da sua maternidade frustrada Quanto a esta temática para além de uma litografia Frida e o aborto 1932 sua única incursão nessa forma de arte destacamos Hospital Henry Ford 1932 em que é evidente a influência dos exvotos mexicanos Na exposição existiam dois espaços não directamente relacionados com Frida Kahlo mas que se revestiam da maior importância para compre en dermos a artista Tratavase do Altar dos Mortos e Trajes Salientamos no âm bito da análise sobre as estratégias escolhidas a apresentação de algumas tradições culturais mexicanas traduzidas nas oferendas aos mortos Nessas práticas culturais por um lado temos presente a herança précolombiana e por outro as alterações decorrentes da colonização espanhola O referido Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 217 pro cesso conduziu a que práticas até então realizadas no espaço público passas sem para o espaço privado onde se colocavam os altares Temos assim a par da expressão plástica de Frida Kahlo artista hoje reconhecida global mente a exposição de elementos da cultura popular mexicana por exemplo dos exvotos que foram determinantes na formação da artista e enformam a respec tiva obra Sugerimos neste contexto A minha ama e eu 1937 obra exposta em Casa Azul Para além de estar representada uma criança Frida com corpo de bebé e rosto de adulta salientamos a figura da ama aparente mente com uma máscara précolombiana A temática do leite é também dominante tanto na ama como na chuva leitosa que beneficia a vegetação É igualmente em Casa Azul que encontramos as duas obras selec cionadas para divulgar a exposição o que faz todo o sentido na medida em que Rivera a dedicou em 1955 ao povo mexicano em homenagem a Frida Complementarmente se encontramos na obra de Kahlo um equilí brio instável em termos de género enquanto construção sociocultural os trajes de Tehuana expostos mostravam a natureza sensual e a beleza das mulheres bem como a energia que tanto Frida Kahlo como Dolores Olmedo quiseram exemplificar ao adoptálos entre 1930 e 1940 A dimensão internacional de Kahlo manifestada em múltiplas exposições reforçou precisamente a expres são do mexicanismo enquanto consciência nacional e o reconhecimento das tradições mexicanas aliás omnipresentes na sua obra Adoptando os trajes tradicionais Kahlo divulgou expressões culturais mexicanas na altura em que depois da revolução o país reencontrava a sua herança Constatámos no entanto que a dimensão revolucionária de Frida Kahlo era a menos patente na exposição Para além disso ao analisarmos as representações disponíveis para venda verificámos que a selecção de postais não correspondia às obras expostas tendo como origem registada o Centro Comercial InterlomasCentro Urbano San Fernando e não o Banco de México Diego Rivera Frida Kahlo Museums Trust A referida constatação permitiu todavia confirmar a dimensão global inicialmente apontada e problematizar questões relacionadas com a ubiquidade da imagem e com as indústrias culturais subjacentes à referida prática Por fim tínhamos o culminar da dimensão biográfica certamente o significado que a exposição pretendeu enfatizar com o Diário em edição facsimilada que oferece aos visitantes um conjunto de reflexões e de símbolos Colocado no último espaço e com algumas páginas projectadas acentuava a inequívoca expressão conclusiva ainda reforçada pela representação O Círculo c 1954 em formato redondo na qual vemos um corpo desinte gra do expressão sem dúvida recorrente na exposição Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 218 Efectivamente de acordo com Stuart Hall é através dos enquadramentos de interpretação que conferimos significado aos objectos pessoas e acontecimen tos Hall 1997 2 Defendemos por conseguinte que no espaço do museu ou da galeria é fundamental que sejam ponderados os modos e as estratégias de exibição e nesse sentido Frida Kahlo em Lisboa tornouse uma manifestação apetecível para os visitantes devido à confluência multicultural que representou A visita atenta à exposição de Frida Kahlo torna deste modo bem claro que se tratava de uma versão sobre a artista produzindo nos visi tan tes um determinado conhecimento De facto o acto de exibir implica tanto a escolha de estratégias para o concretizar como conferir significado aos objectos expostos dandolhes uma visibilidade fundamentada num dis cur so legitimador Complementarmente a cultura em exibição vive igual men te das políticas culturais dos patrocinadores do público e da comunicação social Nos últimos tempos assistese a uma maior ênfase dada ao visitante como consumidor com alteração dos próprios espaços9 o que tem vindo a modificar os modos como opera a produção cultural em que as estruturas selectivas assumem um papel fulcral Concluímos desse modo que a posição institucional do centro de exposições do museu da galeria permite que sejam construídas novas representações e esquecidos frequentemente os contextos de origem Relembramos por exemplo a exposição de arte africana na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa Looking Both Ways Das Esquinas do Olhar em 2005 a exposição de fotografia do Brasil no Musée de la Vie Romantique Maison Renan Scheffer em Paris e depois numa galeria do Palácio da Ajuda As estratégias de exibição escolhidas para a exposição de Frida Kahlo em Lisboa são um bom exemplo da construção mencionada na medida em que ao eleger a fotografia do pai de Frida ou da própria artista como representações autênticas documentos aparentemente rigorosos de um percurso e pretendendo anular o olhar que foca reforçam a escolha e a subjectividade de quem exibe Na articulação entre as estratégias de exibição e as várias práticas de olhar surgem novas interpretações Constroemse por conseguinte novos significados significados esses que a credibilidade do espaço de exibição justifica mesmo que interpretados por jovens alunos que recriam significados e assim avaliam as propostas cultu rais que Frida Kahlo em Lisboa oferece 9 Cf a título de exemplo o Musée du Louvre o British Museum a National Gallery com a Sainsbury Wing inaugurada em 1991 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 219 Referências Barker Emma Ed 1999 Contemporary Cultures of Display New Haven London Yale University Press The Open University Bennett Tony 1995 The Birth of the Museum History theory politics London New York Routledge Caderno do Docente Frida Kahlo Vida e Obra 2006 Lisboa Serviço Educativo do Centro Cultural de Belém Deliss Clémentine 1996 Free Fall Freeze Fame Africa exhibitions artists In Greenberg Reesa Bruce W Ferguson Sandy Nairne Eds 1996 Thinking About Exhibitions London New York Routledge 275294 Lidchi Henrietta 1997 The Poetics and Politics of Exhibiting Other Cultures In Stuart Hall 1997 Representation Culture Representations and Signifying Practices London Sage Mitchell W J T 2002 Showing Seeing A Critique of Visual Culture In Nicholas Mirzoeff Ed The Visual Culture Reader London New York 86101 Said Edward 1993 Culture and Imperialism London Vintage Thomas Trevor 1940 Artists Africans and Installation Parnassus 124 24 Ilustrações ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Ilustrações 223 Sir Joshua Reynolds Lady Caroline Scott as Winter 1777 Jan van Eyck Arnolfini Wedding Portrait 1434 A Palavra e a Imagem 224 Frida Kahlo SelfPortrait as a Tehuana Diego in My Thoughts 1943 Frida Kahlo SelfPortrait with Cropped Hair 1940 Frida Kahlo El Venadito 1946 Ilustrações 225 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Marriage Settlement William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Tête à Tête A Palavra e a Imagem 226 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Inspection William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Toilette Ilustrações 227 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Bagnio William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Ladys Death A Palavra e a Imagem 228 Dante Gabriel Rossetti The Girlhood of Mary Virgin 1849 Dante Gabriel Rossetti Ecce Ancilla Domini 1850 Ilustrações 229 Dante Gabriel Rossetti Sketch 1852 Dante Gabriel Rossetti Artists Studio c 1849 A Palavra e a Imagem 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Objectos do ateliê Desafiar a Obra Exposição Memória CCB 2006 Fotografia de Ana Daniela Coelho Trabalhos do Ateliê O Olho que Tudo Vê Exposição Memória CCB 2006 Ilustrações 231 Fotografia de Ana Daniela Coelho Tear de Memórias Exposição Memória CCB 2006
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
3
Exploração da Arte Abstrata: Técnica e Inspiração na Criação de Obras Visuais
Artes
UNOESTE
1
Análise do Artigo sobre Pesquisa em Artes Visuais
Artes
UNOESTE
1
Questionário sobre Estrutura de Pesquisa em Artes Visuais
Artes
UNOESTE
21
Analise de Livros Didaticos de Arte Indigena-Representacoes e Discursos
Artes
UNOESTE
15
Cenário da Pesquisa em Artes Visuais e Inclusão Social: Análise dos Anais da ANPAP (2004-2011)
Artes
UNOESTE
8
Trajetória da Videoarte no Brasil
Artes
UNOESTE
32
Avaliação III: Exercício de Análise de Obras de Arte
Artes
UFOB
5
Análise da Vida e Obra do Fotógrafo Palê Zupanni
Artes
UNICSUL
Texto de pré-visualização
A Palavra e a Imagem A Moderna Diferença A PALAVRA E A IMAGEM Organização Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Coorganização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Design paginação e arte final Inês Mateus l inesmateusoniduopt Imagem na Capa Maria João Worm 2006 Imagem na Contracapa Maria João Worm 2001 Edição Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Impressão e acabamento COLIBRI Artes Gráficas Tiragem 600 exemplares ISBN 9789728886080 Depósito Legal 262 601 07 2007 PUBLICAÇÃO APOIADA PELA FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Organização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Coorganização A Palavra e a Imagem A MODERNA DIFERENÇA CENTRO DE ESTUDOS ANGLÍSTICOS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA Coordenação Científica de João Almeida Flor Programa de Investigação A MODERNA DIFERENÇA Investigadoras Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Ana Daniela Coelho Ana Rosa Gonçalves Joana Vidigal Luísa Maria Rodrigues Flora Márcia Bessa Marques Maria José Pires Teresa de Ataíde Malafaia AGRADECIMENTOS A equipa organizadora de A Palavra e a Imagem agradece ao Coordenador Cientí fico do Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Univer sidade de Lisboa João Almeida Flor a forma muito construtiva como contribuiu para definir o Programa de Investigação e Intervenção A Moderna Diferença Ao Hugo Xavier da Cavalo de Ferro Editores agradecemos a generosa dispo nibilidade para participar na Mesa Redonda que finalizou o IV Seminário do ciclo A Palavra e a Imagem realizado em Maio de 2006 onde participou também o Professor Jacques Leenhardt e que foi moderada por Alcinda Pinheiro de Sousa e Teresa de Ataíde Malafaia À Luísa Falcão reforçamos os nossos agradecimentos pelo modo profissional e gene roso com que se dispôs a resumir e traduzir as comunicações publicadas em língua inglesa À Salomé Machado agradecemos a colaboração prestada à equipa organizadora A revisão do ensaio de Jacques Leenhardt feita por Silvane Maria Pereira Brandão merecenos também um agradecimento especial Lista de participantes no Ciclo de Seminários A Palavra e a Imagem Maria Salomé Machado Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Alda Correia Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Catherine Bernard Université Paris VII Maria José Pires Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Emily Eells Université Paris X Jacques Leenhardt École des Hautes Études en Sciences Sociales Paris Maria João Worm Alcinda Pinheiro de Sousa Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Márcia Bessa Marques Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Academia de Música de Santa Cecília Ana Rosa Gonçalves Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Secundária 3 Dra Laura Ayres Quarteira Luísa Maria Rodrigues Flora Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Landeg White Universidade Aberta de Lisboa Ana Daniela Coelho Universidade de Lisboa Teresa de Ataíde Malafaia Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Lista de Ilustrações 11 Introdução Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 13 Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos Maria Salomé Machado 25 Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector Alda Correia 33 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction Catherine Bernard 45 Resumo em português 63 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign Maria José Pires 67 Resumo em português 79 The Victorians at Amiens Cathedral Translation and Transposition Emily Eells 83 Resumo em português 99 Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo Jacques Leenhardt 103 Fazer acontecer uma história Maria João Worm 115 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem Só mas a sua Mistura Heterogénea Alcinda Pinheiro de Sousa 123 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth Márcia Bessa Marques 147 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips Ana Rosa Gonçalves 163 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria São Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan Índice Índice 10 Luísa Maria Rodrigues Flora 177 The Word that Says More than a 1000 Images Landeg White 193 Resumo em português 203 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa Teresa de Ataíde Malafaia e Ana Daniela Coelho 207 Ilustrações 221 Sir Joshua Reynolds Lady Caroline Scott as Winter 1777 223 Jan van Eyck Arnolfini Wedding Portrait 1434 223 Frida Kahlo SelfPortrait as a Tehuana Diego in My Thoughts 1943 224 Frida Kahlo SelfPortrait with Cropped Hair 1940 224 Frida Kahlo El Venadito 1946 224 Maria João Worm Técnica mista sobre papel três imagens em dimensões aproximadas do A4 1996 119 Maria João Worm Acrílico sobre tela 2001 120 Maria João Worm Linóleo gravado 2005 120 William Blake The Execution of Breaking on the Rack 1793 140 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 1 The Marriage Settlement 2 The Tête à Tête 3 The Inspection 4 The Toilette 5 The Bagnio 6 The Ladys Death 225227 Dante Gabriel Rossetti The Girlhood of Mary Virgin 1849 228 Dante Gabriel Rossetti Ecce Ancilla Domini 1850 228 Dante Gabriel Rossetti Sketch 1852 229 Dante Gabriel Rossetti Artists Studio c 1849 229 Fotografia de Ana Daniela Coelho Objectos do ateliê Desafiar a Obra Exposição Memória CCB 2006 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Trabalhos do Ateliê O Olho que Tudo Vê Exposição Memória CCB 2006 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Tear de Memórias Exposição Memória CCB 2006 231 Lista de Ilustrações Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia Organização Ana Daniela Coelho Joana Vidigal Maria José Pires Coorganização ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Introdução A Moderna Diferença é um Programa transdisciplinar do Centro de Estu dos Anglísticos da Universidade de Lisboa CEAUL Foi conce bido ao longo de 2004 a partir da área dos Estudos Ingleses por três investigadoras do Centro Alcinda Pinheiro de Sousa Luísa Flora e Teresa de Ataíde Malafaia O Programa consolidouse com base nas experiên cias adqui ridas durante o funcionamento do Programa de Estudos de Identidade desen volvido também no CEAUL desde 1994 Pretende A Moderna Diferença ser um Programa de Investigação e Interven ção na sociedade construído para pensar informar e agir sobre o problema dos conceitos de igualdade e diferença de identidade e alteridade e sobre o das suas relações na idade moderna e o dos conflitos que radicam nessas problemáticas relações Durante a primeira década do século XXI decor rendo ainda do pensamento individualista forjado ao longo da nossa mo der nidade e também gerador de um indivíduo que interroga o que lhe é parti cu lar tais problemas económicos políticos sociais e culturais agudi zamse com violência através do exercício do poder filtrado pelos média por instituições financeiras industriais científicas educativas religiosas que se servem das novas tecnologias Queremos com o Programa dar ênfase a temas construídos em termos do binómio cultura humanistacultura científica de noções de género e de raça da antítese guerrapaz tal como se materializam em diversas formas de expressão cultural nomeadamente linguística visual literária e ensaística A Moderna Diferença parte ainda do princípio de que os referidos problemas das definições de igualdade e diferença de identidade e alteridade e das suas relações bem como o dos conflitos que radicam nesses problemas definiti vamente se constituem enquanto objecto de análise sistemática desde a segunda metade do século XVIII até à actualidade Num quadro teóricocrítico influenciado por teorias contemporâneas de classe género e etnia vamos considerar os confrontos entre culturas ma teria lizados em diversas práticas discursivas e visuais que estudaremos trans disci plinarmente numa perspectiva formal e como documentos São exem plos das referidas práticas por um lado a escrita jornalística que as novas tecnolo gias estão a desenvolver exponencialmente a ensaística o conto o relato de viagem e biográfico o romance o poema o drama e por outro lado as múl tiplas imagens em suporte digital o design a fotografia o vídeo o cinema a arquitectura a gravura Assentes nestes princípios organizámos em 200506 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa um ciclo de quatro seminários com o título A Palavra e a Imagem cujas comunicações agora se publicam 16 Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia In the first place theory is crucial and inescapable because without theories and hypotheses we would be overwhelmed by a mess of impressions by immense quantities of empirical data Walker Chaplin 1997 58 Uma vez que é imprescindível fundar a investigação no processo de defi nir conceitos começámos por problematizar as acepções de moder ni da de e diferença Quanto ao primeiro conceito em Idade Média Renasci mento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos ensaio inicial da presente colec tânea Maria Salomé Machado defende que a Modernidade já se revela em pleno a partir do século XV sendo exemplar nos trabalhos multi facetados de Leonardo da Vinci 14521519 nos estudos de Copérnico que explanou as teorias heliocêntricas 14731543 e nas teses filosóficas do huma nista Jean Luis Vives 14921540 Assim afirma a conti gui dade entre as formas renas cen tistas e as modernas de conceber o indivíduo o mundo e as suas múltiplas relações ao declarar que Renascimento e Modernidade estão profunda mente ligados ainda que os estudiosos da época Moderna colo quem sempre o seu início na segunda metade do século XVII altura em que a ciên cia se liberta das grilhetas impostas pela religião cristã Maria Salomé refor ça pois a teoria de que devemos fazer radicar o dealbar da Moder ni da de no Renas cimento tal como explica M H Abrams Beginning in the 1940s a number of historians have replaced or else supplemented the term Renaissance with early modern to designate the span from the end of the middle ages until late in the seventeenth century Abrams 1957 1999 2641 Sobre a acepção de diferença Alcinda Pinheiro de Sousa apresen tou uma comunicação ao primeiro do ciclo dos quatro seminários A Palavra e a Imagem Tal comunicação esteve na base do ensaio De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença2 Aí proble ma ti zou o binómio diferençaidentidade fundamentalmente em relação ao con cei to de paradigma como este é definido pelo historiador e filósofo da ciência Thomas Kuhn Além disso alargou a referida problematização consi derando as teorias de Mark Currie que em Difference avalia ensaistica mente o processo de definição de diferença entre meados da década de sessenta do século XX e o início do século XXI partindo do conceito estruturalista de signo linguístico Alcinda concluiu pela necessidade de se considerar hoje criticamente a própria forma de oposição binária para definir diferençaiden tidade forma que em última instância impede a conceptualização do livre proliferar das diferenças Seleccionar e problematizar alguns importantes enquadramentos teó ricos diferenciados em que hoje é viável estudar palavra ou imagem visual ou qualquer das relações diferentes que entre ambas se possa estabe lecer foi também objectivo de Nem uma Palavra Só nem uma Imagem Só mas a sua Mistura Heterogénea Neste trabalho incluído na presente colec tâ nea Alcinda Pinheiro de Sousa ensaiou ainda uma diferenciação dos tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo actual mente quando tal diferenciação está potenciada como antes nunca esteve pelo aceleradíssimo 1 Este problema da definição do conceito de modernidade tem sido constantemente equacio na do e em vários quadros teóricos Como tal damos relevo aqui a John Cannon ed 1997 2002 The Oxford Companion to British History sv Renaissance Peter Childs 2000 Modernism 1217 Raymond Williams 1976 1983 Keywords A Vocabulary of Culture and Society sv Modern Yolton et al 1991 1995 The Blackwell Companion to the Enlightenment sv Ancients and Moderns 2 Este ensaio vai ser publicado em And gladly wolde she lerne and gladly teche Homenagem a Júlia Dias Ferreira No prelo Introdução 17 desenvolvimento das chamadas novas tecnologias Por fim experimentou de modo relativamente limitado mas sistemático e num exem plo apenas utilizar por analogia o conceito químico de mistura no processo do estudo da palavra da imagem e das suas formas de interagirem Deste modo Alcinda procurou demonstrar que as classes de combinações como no exem plo seleccionado do linguístico com o visual do simbólico com o icónico enquanto componentes com identidades próprias se consti tuem como mistu ras que pela interacção de tais componentes potenciam inter pre ta ções diversas das de cada um deles em separado e mais profícuas Os ensaios agora publicados avaliam os estudos da palavra ou da imagem visual ou das formas diferentes como elas interagem em relação a temas cronologicamente localizados entre o século XVIII e o século XXI Assim Lendo Marriage ALAMode de William Hogarth escrito por Márcia Bessa Marques é o primeiro que passamos a considerar Neste ensaio explicase a maneira como face ao tempo dele a primeira metade do século XVIII Hogarth combina imagem e palavra Trabalhando no contexto da sátira gráfica o pintorgravador entra em diálogo com a crítica social cultural e política contemporânea justapondo técnicas e géneros visuais e literários Todavia Márcia já enfatizara antes a teoria então dominante de que a pintura podia transmitir certos momentos narrativos mais eficazmente do que a palavra escrita No caso de Hogarth ela esclarecera ainda que o espaço de uma só tela tornase muito reduzido para desenvolver a sua leitura da comédia humana razão pela qual o pintorgravador concebe a série como forma de trabalhar um enredo quase como se de uma escultura se tratasse aprofundar a caracterização das personagens e contrastar cenários con tem porâ neos que os espectadoresleitores identificassem em que se reconhe ces sem e em cujos destinos se envolvessem Quanto aos seis quadros de Marriage ALAMode em particular Márcia especifica que o projecto de Hogarth parte da leitura de um conjunto de discursos em torno dos casa mentos arranjados e dá os exemplos de a popular tragicomédia homó nima de John Dryden as peças de Aphra Behn The Lucky Chance or An Aldermans Bargain e The Forcd Marriage or The Jealous Bridegroom passando pelos exemplos de o romance de Samuel Richardson Pamela e a respectiva paródia de Henry Fielding Shamela até à peça do actor e amigo David Garrick Lethe or Aesop in the Shades Reconhecendo a importância da catedral de Nossa Senhora de Amiens no intercâmbio cultural entre a GrãBretanha e a França no século XIX em The Victorians at Amiens Translation and Transposition Emily Eells analisa o contributo cultural do guia de viagens Handbook for Travellers in France Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 18 Introdução 19 1843 de John Murray Efectivamente a descrição de Amiens por Murray considera a catedral um modelo da arquitectura gótica tal como Pugin a define em Principles of Pointed or Christian Architecture Salienta todavia Emily que The Bible of Amiens 1884 de John Ruskin é o estudo vitoriano mais conhecido sobre a catedral o que não invalida os estudos de William Morris Shadows of Amiens1856 e Walter Pater NotreDame dAmiens1894 também eles esclarecedores das relações culturais anglo francesas no século XIX Ponderam assim a representação de cenas bíblicas assentes numa linguagem visual que permitia numa transposição de um sistema de signos para outro que as populações da medievalidade as lessem Tal como Ruskin a Bible dAmiens de Proust prova os modos como a tradução negoceia a transmissão dos dados culturais contidos num texto Assumindo o papel de mediador cultural insere longas notas de rodapé para explicar as referências no original inglês transformando The Bible of Amiens aumentando e modificando as suas dimensões ao ponto de a tornar quase irreconhecível quando comparada com La Bible dAmiens Assim as diferenças culturais existentes entre a França medieval e a Inglaterra vitoriana que esta obra de Ruskin evidencia adquiriram outro nível de sentido quando Proust ao traduzir o texto o enriqueceu com a sua subjectividade e referências culturais o que confirma a teoria de Walter Benjamin segundo a qual a tradução assegura maior longevidade ao texto traduzido Partindo em Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she trans cribing from his lips do reconhecer do desfasamento entre o que Christina Rossetti parece representar através do seu papel de modelo de Virgem Maria o arquétipo da feminilidade vitoriana e a sua própria experiência auto ral Ana Rosa Gonçalves salienta várias formas de resistência de Christina às normas culturais da sociedade vitoriana Conduznos por conseguinte a interro garmonos acerca da submissão ou não da Poeta à autoridade do irmão Dante Gabriel nomeadamente através da escolha de desenhos deste que sugerem a tutela intelectual sobre a irmã Acrescentese ainda a reflexão que é proposta sobre as diversas expressões da tradição literária hegemónica masculina e as formas como Christina subverte a sua própria submissão De acordo com Ana Rosa a figura tutelar do irmão impede que o acto de escrita de Christina fosse considerado transgressor tratase de uma constatação alicer çada numa reflexão cuidada que envolve o próprio acto de escrever Uma observação mais atenta das representações relacionandoas com o poema de Christina Rossetti In an Artists Studio 1856 permite que se reconheça por um lado o modo como o pintor dilui a identidade das mode los que posam Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 20 para ele e por outro a sublimação da mulher passiva realizada pela Poeta Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign convida tanto a uma leitura articulada entre o Prefácio de Angela Carter à colecção de postais Images of Frida Kahlo e a vida da artista como a incursões na obra ficcional de Carter Destacase assim o desejo da artista plástica se representar o que implica reflectir sobre o autoretrato e remeter para obras ilustrativas de um percurso no qual as expressões de teor autobiográfico são uma constante Vemos por conseguinte reforçada a especificidade identitária de Kahlo tradu zida principalmente no modo como olha para si própria Da relação que Maria José Pires estabelece entre os registos ficcionais plásticos e críticos emanam várias formas de narrativa nomeadamente a da utilização do sofri mento sentido por Frida nos seus autoretratos Este recriar das experiências de teor emocional encontrase descrito no modo como Carter lê Frida como Frida se lê a si própria e por fim como Maria José propõe que as leiamos Com essa finalidade destaca o papel da dor a criação artística de Frida na sua expres são catártica e também a relação que Carter estabelece com outras mulheres artistas para quem fama e exibição neste caso de mexicanidade coexistiram O ensaio de Luísa Flora A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria são Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan centrase na narrativa e na sua capacidade para interpelar o acto de viver Isto implica interrogar o próprio acto de escrever ficção problematizandoo na sua legitimidade e articulandoo com um dos temas da obra a viagem de auto descoberta da adolescente Briony Tallis Esta que pretende ser escritora verá o mundo em função daquilo que julga servir a sua escrita e agirá na vida real de acordo com essa conjectura O romance é sintonizado com uma linha gem romanesca ocidental que parte essencialmente do realismo mas que remete para múltiplos contributos de uma tradição imensa e plural Luísa Flora servese ainda de entrevistas dadas pelo escritor e de afirmações de Milan Kundera para evocar a concepção de arte romanesca ilustrada por Atonement e para avaliar a prática ficcional de McEwan chamando a atenção para o uso que este faz do experimentalismo e do realismo a ortodoxia que tem vindo sob diversos semblantes a privilegiar o experimentalismo e a desva lorizar o realismo como método literário ilude o fundo do problema e é pelo menos em autores como McEwan uma falsa questão uma não questão A mesma interpelação sobre o acto de viver e o acto de escrever é con substanciada no ensaio Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector de Alda Correia O seu ponto de partida é a reflexão sobre a interpretação do corpo na cultura e pensamento ocidentais e a distinção feita por Molly Hite entre dois tipos de Introdução 21 corpo com representações diferentes o corpo enquadrado em papeis sociais e o corpo visionário que ambas as escritoras exploram A forma conflituosa como a personagem central de Mrs Dalloway encara a sua própria imagem e vivência corporal destacando a alusão ao simbolismo dos quadros é então comparada com a utilização da escrita e da pintura em Água Viva como acto de conhecimento ontológico que constrói e define a personagem e a sua identidade Esta construção parte do corpo da pintura e das palavras como matériaobjecto trazendo aquilo que é representado para a própria represen tação num movimento em que a busca absoluta de significado determina a eliminação de fronteiras entre formas de expressão Os artigos Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction e Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo de Catherine Bernard e Jacques Leenhardt respectivamente propõemse ainda que não perdendo de vista os referentes do modernismo reflectir sobre a pósmoder ni dade analisando a relação da palavra com a imagem e tomando como ponto focal quer o objecto artístico quer a actividade crítica quer a narrativa literária quer a questão cultural A arte intensificou a partir dos anos setenta de um modo mais absoluto do que anteriormente a referência ao seu próprio sistema específico de significados ou ao seu próprio estatuto de artefacto construído configurandose em formas de hiperrealidade ou de uma espécie de autenticidade de sentido negativo Por outro lado verificase uma forte tendência para ignorar a separação entre a arte e outras áreas sociais e culturais o que traz um pluralismo cada vez mais eclético às obras conce bi das que podem agora associarse à vida comum utilizandoa descons truindoa ou parodiandoa sem distinções valorativas O velho sonho de conhecer o mundo e a realidade é agora uma quimera não só porque a verdade é um produto da interpretação individual mas também porque a ficção se confun de muitas vezes com a realidade3 Contudo este conhecimento pode passar presentemente por experiências tão estimulantes como a reapro priação da obra de arte através da exposição no museu onde o visitante é confrontado com os traços da actividade humana a partir dos quais pode construir o seu lugar dentro da história Os ensaios de Catherine Bernard e Jacques Leenhardt ilustram de uma forma interessante o descentramento e a crise de legitimação da pósmoder ni dade O primeiro sublinha o uso que os artistas contemporâneos fazem dos 3 A este respeito consultar Astradur Eysteinsson The Concept of Modernism particularmente o capítulo Reading Modernism through Post modernism 1990103142 Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 22 espaços sociais cegos esquecidos ou excluídos relacionando aquele uso com representações sociais a degradação cultural o papel da arte no espaço urbano e político O exemplo mais notório são as esculturas de Rachel Whiteread moldes de casas em alguns casos expostas junto a um museu ou uma exposição que constituem segundo a artista um elemento de interac ção e questionamento desse espaço artístico convencional visto como uma memória colectiva uma utopia institucionalizada e definida em parte pela economia O segundo ensaio parte de uma reflexão sobre a função da crítica de arte na cultura contemporânea para sublinhar em certa medida o oposto a exposição como uma forma de arte privilegiada na idade da democratização o discurso do curador como um discurso crítico e o olhar do visitante como um campo aberto em que se propõe que ele próprio fabrique a sua história pela mediação simbólica de diferentes artes existentes Em Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa Ana Daniela Coelho e Teresa de Ataíde Malafaia dinamizam leituras a partir das interpretações inerentes à exposição como prática cultural4 Reconhecendo a não neutra lidade dos espaços dedicados ao acto de exibir acompanham o percurso pro posto aos visitantes Com essa finalidade aproveitam os cenários de visua li za ção previamente definidos pela comissária e convidam os leitores a reflec tirem sobre a relação que se estabelece entre os diversos modos de olhar no quadro da globalização que favorece a especificidade transnacional de muitas exposições Se esses modos se traduzem na ancoragem textual comum a vários países que acolheram a exposição e na subdivisão em espaços fecha dos de cores distintas que abordam um percurso dominantemente biográ fico em que as expressões da mexicanidade estão patentes as actividades propostas nos ateliers do Centro Cultural de Belém destinadas aos alunos dos vários níveis de ensino português procuram estimular uma interactividade ausente na exposição Ausência essa que condiciona a possibilidade dos visi tantes construírem a sua visão de Frida Kahlo no tempo compreendido entre 19071954 Revestese a reflexão de potencialidades críticas por pon derar o 4 Vejase a propósito da exibição presente em diversas práticas culturais a reflexão de Bella Dicks displays are no longer confined to galleries museums or other dedicated exhibitionary venues Forms of display today occupy visitable material environments Cultural meanings are literally written into landscapes roads and street furniture seating walls screens objects and artworks Museums represent societies as walkthrough exhibitions of material artifacts 2003 1718 Introdução 23 espaço da exposição como legitimador de uma interpretação condu cente a formas de exibir e articular perspectivas distintas de Ana Daniela e Teresa que leccionam respectivamente nos ensinos secundário e universitário Finalmente o ensaio de Landeg White é poderíamos dizer transversal em relação aos anteriores Defende que a imagem só mantém a sua força dentro da mesma cultura e que logo que se atravessa uma fronteira cultural podem ser necessárias bastantes palavras para lhe dar o mesmo poder Ao reflectir sobre o multiculturalismo e a forma como o Ocidente concebe a própria identidade cultural e a articula com o seu cânone artístico este texto interrogase também sobre o valor das esculturas de Whiteread a relevância da crítica museológica a importância da imagem corporal ou a própria tradição romanesca Num registo entre o crítico e o ficcional o último trabalho que vamos referir Fazer Acontecer uma História de Maria João Worm levanos de volta à necessidade de pensar o sentido da palavra diferença Antes porém devemos explicar que Fazer Acontecer uma História é uma mistura heterogénea combinando imagens e palavras conforme se deduz do que a própria artista declara na Introdução É importante para mim quando faço uma exposição saber que cada imagemtexto faz parte de um todo por isso peguei em imagens que fiz em tempos e contextos diferentes e com o que sei agora escrevi uma história para cada uma delas Nesta mesma Introdução o comunicar de uma história é ensaisticamente definido de forma que pressupõe a crítica da diferença em nome da convergência Uma história é comunicada quando existe um encontro não pela diferença mas no que temos de comum Hoje sinto que são precisas semelhanças destas em que cada um se encontre com a história sem fazer prevalecer uma interpretação Na última história escrita para a última imagem que escolheu Da palavra Reflexo De miM para Mim Maria João tentou recriar por não poder definir o que poderá ser a relação entre palavra e imagem Esta imagem é a de um linóleo onde a artista gravou alguns tigres cujos corpos ao mesmo tempo se diferenciam e convergem Sobre o que é a matriz de uma gravura a artista esclarece O desenho da matriz quando se trabalha em gravura é feito em reflexo Antes de tirar uma prova se se olhar a matriz num espelho temse uma ideia muito aproximada do que vão ser as gravuras Este reflectir da matriz na gravura materializa por analogia o pensar de Maria João sobre a melhor forma de relacionar palavra e imagem A acção física de levar à prensa a matriz reflecte um desenho Um desenho original que pensa e que nos mostra impresso esse pensamento Este é para mim um bom exemplo de relação viva entre palavra e imagem Alcinda Pinheiro de Sousa Alda Correia Teresa de Ataíde Malafaia 24 Referências Abrams M H 1957 1999 A Glossary of Literary Terms Boston Mass Heinle Heinle Cannon John ed 1997 2002 The Oxford Companion to British History Oxford Oxford University Press Childs Peter 2000 Modernism London and New York Routledge Dicks Bella 2003 Culture on Display The Production of Contemporary Visitability London Open University Press Eysteinsson Astradur 1990 The Concept of Modernism Ithaca and London Cornell University Press Pinheiro de Sousa Alcinda 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença And gladly wolde she lerne and gladly teche Homenagem a Júlia Dias Ferreira Org Comissão Executiva do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Lisboa Colibri No prelo Walker John A Sarah Chaplin 1997 Visual Culture An Introduction Manchester New York Manchester University Press Williams Raymond 1976 1983 Keywords A Vocabulary of Culture and Society London Fontana Press Yolton John W et al eds 1991 1995 The Blackwell Companion to the Enlightenment Introd Lester G Crocker Oxford Blackwell ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos MARIA SALOMÉ MACHADO CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos C onstitui um fenómeno interessante e até irónico que em pleno século XXI quando investigadores e estudiosos têm à sua disposição as tecno lo gias mais sofisticadas que lhes permitem não só pôr em causa e reinventar os resultados das pesquisas dos seus antecessores mas também proceder à divulgação de novas hipóteses eou conclusões o comum dos mortais continue a pautarse por certas ideias antiquadas e preconcebidas acerca das matérias que os especialistas tanto se empenham em difundir Os exemplos mais óbvios remetem para as imagens que se projectam de imediato na mente do presumível público alvo quando confrontado com certas designações que se referem a determinadas épocas históricas Idade Média Renascimento e Modernidade A primeira mantémse irremediavel mente associada ao apodo obscurantismo a segunda ao prestígio de uma mudança que se imagina radical no curso dos saberes a terceira dá origem a juízos vários na sua maioria contraditórios Por isso no intuito de desmitificar velhas teorias obsoletas que teimam em persistir vaise fazer uma tentativa de redifinir parâmetros e contextos Não obstante os conflitos e convulsões o período medievo preserva no seu seio as sementes dos vários saberes que germinariam no Renascimento dando fruto tanto nesta época como nas subsequentes De facto desde os primór dios da incompreendida e mal amada Idade Média e sobretudo após a entronização do Cristianismo como religião oficial por Constantino que todos os mosteiros conventos e abadias possuiam uma biblioteca mais ou menos bem fornecida dispersa pelos vários quadrantes do conhecimento Sobre os manuscritos que nelas se encontravam armazenados debruçavam se os monges frades e outros membros da Igreja não só com o objectivo de proceder ao seu estudo mas também de os perpetuar através de novas cópias de preferência enriquecidas com iluminuras No decurso destes trabalhos embora a Igreja vigiasse com zelo implacável quem tinha acesso aos documen tos mesmo o mais simples dos copistas não ficava imune ao que transcre via benificiando deste modo ínvio da influência do valioso espólio de saberes que o Império Romano desenvolvera Maria Salomé Machado 28 Ainda que o clero fosse o maior veículo de preservação das obras da Antiguidade Clássica também alguns reis e outros senhores da alta nobreza mesmo sendo educados desde a mais tenra infância para se dedicarem quase exclusivamente às técnicas da guerra uma vez que os tempos não eram fáceis propunhamse desde o momento em que se registava um mínimo de tranqui lidade dentro e fora dos seus territórios dedicarse às artes e às letras eou incentivar outros a fazêlo Contamse entre estes patronosprosélitos Carlos Magno no século VIII em França Alfredo no IX em Wessex e os pode rosos aris tocratas dos ducados franceses como a Aquitânia e a Normandia nos X e XI Talvez porque neste último período de duzentos anos os limites territoriais dos grandes senhores gauleses estivessem bem definidos come ça ram a realizarse saraus nos seus castelos senhoriais Entre os muitos diverti mentos que se prati ca vam incluiamse poemas com dois temas básicos O primeiro tinha a ver com os feitos heróicos dos cavaleiros ao serviço de Deus e do rei o segundo com os encómios à senhora enquanto suzerana inatingível que cruel negava os seus favores ao poeta que a cantava As rimas dedicadas à dama podem consi derar se como os primeiros exemplares das cantigas de amor que se foram desenvolvendo em rituais cada vez mais complexos e acabaram por se difun dir por toda a Europa medieva A Inglaterra por seu lado recebeu a influên cia deste elemento lúdico de forma directa quando o duque normando Guilher me se dispôs a impor pela força das armas o seu remoto e duvidoso direito ao trono deste país atravessando o Canal da Mancha juntamente com o seu exército em 1066 A importância que começa a darse às artes e às letras nos círculos das classes mais favorecidas reflectia de certo modo o que se passava nas escolas ligadas às catedrais e às abadias embora dentro destas o fenómeno se passas se noutro contexto e com outro âmbito Assim se formaram centros de estudo que foram progredindo e conseguiram imporse mesmo com o espartilho restri tivo da escolástica com a apropriação pelo Cristianismo das teses de Aristó teles e dos neoplatónicos com o objectivo de emprestar mais força às suas doutrinas e com a persistência das teorias geocêntricas em detrimento de perspectivas mais lógicas e como mais tarde se provou mais conformes à reali dade Estas últimas apoiavamse no discurso e pesquisas da corrente hele nís tica que se mantinha viva e latente apesar de ter sido declarada heré tica e constituir risco de vida para aqueles que ousavam adoptála Estas insti tui ções de certo modo inovadoras deram origem às Universidades A primeira estabeleceuse em Paris durante o século XII entre 1150 e 1170 Nela ponti fica ram desde o seu início alguns mestres famosos entre eles Abelardo que na contemporaneidade é mais conhecido pela história trágica dos seus Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos 29 amores com Heloisa Em Inglaterra parece que Oxford já possuía um núcleo universitário em 1167 tendolhe sido concedida licença para conferir o grau de doutor em 1214 Quanto a Cambridge é possível que existisse desde 1208 ainda que a data oficial da sua fundação seja 1284 Embora até este momento tenham sido referidas as duas classes domi nan tes ou seja clero e nobreza com ênfase na primeira como principais detentoras do saber o povo ainda que na sua maioria iletrado partilhava por estranho que pareça do património de conhecimentos comum às outras duas O acesso a este espólio faziase através da palavra e da imagem e possuía várias vertentes que interagiam entre si Por um lado havia os sermões ineren tes aos actos litúrgicos que emprestavam voz a todo um rico sistema visual simbólico que estava bem patente tanto na estrutura interna como na traça exterior das Igrejas Por outro dispunham das representações teatrais que com início nos próprios lugares de culto e sob a égide do clero possuiam objectivos didácticos No intuito de prender o interesse da assistência e obviar à aridez de certos temas inseriramse desde muito cedo nestas peças de teatro rudimentares episódios cómicos Contudo foi só a partir do instante em que o drama extravasou para fora das paredes dos templos e as guildas passaram a ser responsáveis pelos espectáculos que o mesmo drama adquiriu o carácter que se lhe conhece hoje a difusão da mensagem cristã através do relato da história da humanidade como está consignada tanto no Antigo como no Novo Testamento Eram os ciclos de Mistérios e um pouco mais tarde com o desenvolvimento gradual do pensamento abstracto as Moralidades Mas nem tudo era Cristianismo e a partilha do saber comum faziase muitas vezes por via indirecta e no sentido inverso ou seja da classe menos favorecida para as dominantes De facto o povo tinha as suas próprias crenças que remontavam a tradições pagãs milenares e por muito que o clero se esforçasse não conseguia nem erradicálas nem ficar imune aos seus efeitos Assim nas festividades de cunho popular que coincidiam com as estações do ano para além das peças de cariz cristão havia teatro de rua e cortejos alegóricos com origem em reminiscências de antiquíssimos cultos lendários transmitidos por via oral Neles se projectavam os feitos de seres míticos alguns assustadores e se confirmava o medo supersticioso por criatu ras nocturnas insubstanciais e malévolas cuja tarefa consistia em encher de temor todos aqueles que tinham a pouca sorte de as encontrar no seu cami nho Por outro lado os menestréis cuja entrada nos castelos era permitida marcavam presença nestes festejos cantando as mesmas trovas com que haviam deliciado os senhores Também seria provável que voltassem aos castros senhoriais levando consigo nem que fosse como objecto de gáudio e Maria Salomé Machado 30 troça algumas informações circunstanciadas do que se passava entre o povo Outros visitantes marcavam presença nestes festejos os goliardos ou clérigos vagantes que contribuiam para a diversão geral com poemas de cunho erudito por vezes em latim nos quais se exaltava o amor as mulheres e o vinho e se fazia referência à roda da fortuna que no seu eterno movimento caprichoso e traiçoeiro tanto se dispunha a favorecer como a prejudicar os indefesos seres humanos Mas outras personagens importantes representavam papel de relevo nestas festas os astrólogos que muitas vezes também eram alquimistas e que prediziam o futuro os sinistros físicos ou médicos com promessas de curas milagrosas e os ínvios boticários que propunham poções em equilíbrio precário e instável sobre a linha divisória entre o remédio e o veneno E os aristocratas vinham por vezes consultálos para os mais diversos fins Portanto clero nobreza e povo embora rigidamente separados enquanto classes sociais possuiam a mesma fé básica e as mesmas crendices supersti ciosas Como as épocas não são compartimentos estanques o Renascimento com r maiúsculo porque cada vez que os homens se dedicavam às artes e às letras havia renascimentos com r minúsculo herdou toda esta mentalidade não obstante a abertura de horizontes devida a várias circunstâncias favorá veis todas elas no século XV a invenção da imprensa por William Caxton que permitiu o acesso à palavra escrita e fomentou a prática da leitura a queda de Constantinopla que juntamente com a aprendizagem da língua grega foi determinante para a divulgação de certas obras ainda desconhecidas da Antiguidade Clássica e as viagens por mar com o objectivo de descobrir novos mundos que mostraram a necessidade do estudo da matemática para obter instrumentos exactos que procedessem a quantificações precisas e colmatassem as exigências da arte de marear Todos estes factores deram um novo impulso às mais diversas áreas do pensamento humano promovendo a vontade de aprender e demonstrando que nem só de guerras e conquistas se faz a glória de um rei e de um reino Assim os monarcas passaram a instruirse e o seu exemplo levou os seus súbdi tos a proceder do mesmo modo A poesia embora nela o amor se manti vesse como tema principal tornouse ágil e plástica beneficiando da rica estrutura mitológica grecolatina Quanto ao teatro abandonou pelo menos aparente mente os temas religiosos e a luta do bem e do mal e sob a influên cia da tragédia da comédia e da sátira com origem na Grécia e em Roma ganhou outra dimensão Os restantes saberes que mais tarde se tornariam ciência também auferiram de um novo estímulo com resultados muito proveitosos Idade Média Renascimento e o Início da Modernidade Desfazendo Mitos 31 Face a estes pressupostos parece ser legítimo deduzir que Renascimento e Modernidade estão profundamente ligados entre si Embora os estudiosos da época Moderna coloquem sempre o seu início na segunda metade do século XVII altura em que a ciência se liberta das grilhetas impostas pela reli gião cristã não há dúvida de que o pensamento moderno começou bastan te mais cedo Numa sugestão arrojada e porventura temerária poderseia insinuar que este já se encontrava presente nos estudos e pesquisas dos sábios de Alexandria e que só acabou de vez no Oriente com a queda de Constan tinopla Contudo também é inegável que na Europa devido a circunstâncias várias aliás já enumeradas a Modernidade levou mais tempo a desenvolver se Mas tal como acontece com os surtos renascentistas que eclodem por toda a Idade Média ela é uma presença subterrânea constante e incómoda sempre pronta a manifestarse Assim e correndo o risco de recuar para além das datas tradicionalmente propostas esperase não cometer uma incorrec ção ao sugerir que a Modernidade já se revela em pleno a partir do século XV por exemplo nos trabalhos multifacetados de Leonardo da Vinci 1452 1519 nos estudos de Copérnico que explanou as teorias heliocêntricas 14731543 e nas teses filosóficas do humanista Jean Luis Vives 14921540 Quanto a Galileu que foi o fundador da ciência experimental em Itália e fiel discípulo de Copérnico não está votado ao esquecimento Apesar de a Igreja ainda ter exigido que ele se retractasse ele já está muito próximo das datas oficiais consensualmente aceites 15641642 para o início da Modernidade Por isso só um texto menos ecléctico lhe fará justiça Referências Carter R and J McRae 2001 The Routledge History of Literature in English 2nd ed London and New York Routledge Fox Adam 2002 Oral and Literate Culture in England 15001700 Oxford Oxford University Press Treasure Geoffrey 2000 The Making of Modern Europe 16481780 London and New York Routledge ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Ver o Corpo Escrever o Corpo em Mrs Dalloway de Virginia Woolf e Água Viva de Clarice Lispector ALDA CORREIA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa O corpo tem sido ao longo da história da cultura e do pensa mento ocidentais frequentemente desvalorizado em relação à mente Enquanto esta é associada ao divino ao imortal e ao transcendente aquele tem sido relacionado com a decadência a morte e a animalidade Com Descartes o homem tornase sujeito e o corpo tornase objecto de interro gações Para este pensador a união entre a alma e o corpo que torna possível a acção recíproca de um sobre o outro ocorre no cérebro precisa mente na glândula pineal a única parte deste que não é dupla e pode por isso unificar a sensações que vêm dos órgãos dos sentidos que são todos duplos Descartes distingue na alma acções e afecções as acções dependem da von ta de as afecções são involuntárias e constituídas por percepções senti mentos ou emoções causadas na alma pelos espíritos vitais isto é pelas forças mecâ ni cas que actuam no corpo Evidentemente a força da alma consiste em vencer as emoções e deter os movimentos do corpo que as acompanham No entanto nem todas as emoções são nocivas algumas são fundamentais para conservar o corpo e tornálo mais perfeito Mais tarde a busca de identidade que o século XIX virá trazer incluirá uma outra forma de reflexão sobre o corpo Se até aí se tentava compreender os seus mecanismos para o tratar educar o espírito e melhorar a sociedade agora ele passa a ser pensado e avaliado como mais um elemento do mundo material ou uma imagem que actua como outras imagens que integram a cultura Na fenomenologia sobretudo em Sartre o corpo é um intermediário privilegiado para falar da realidade humana e a relação do homem com o mundo não pode ser estudada sem o corpo MerleauPonty opõese ao dua lismo mentecorpo ao falar da experiência do corpo como um veículo do ser no mundo algo que está dentro do mundo como o coração no orga nismo porque forma com ele um sistema1 Com Freud o corpo traznos o acesso à problemática psíquica pondo a nu a instabilidade a fragmen tação e a 1 M MerleauPonty Phénomenologie de la Perception Paris Gallimard 1972 235 Alda Correia 36 inconsistência da própria noção de sujeito Também a antropologia contri buirá para pôr fim à visão dualista do corpo Este é agora um produto da interacção permanente entre o cultural e o social tanto no plano das prá ticas como no das representações como refere Florence Braunstein2 António Damásio viria mais tarde a entrelaçar todas as flores deste bouquet ao provar que o cérebro humano se desenvolveu a partir da interacção de mapas corpo rais cerebrais emocionais culturais e volitivos Como ele refere fazia real men te sentido o costume antigo de designar aquilo a que hoje chamamos mente pela palavra psyche que também era utilizada para designar a respiração e o sangue3 Na arte e particularmente na literatura estas transformações traduzem se no desenvolvimento de uma narrativa introvertida que tanto se concentra na exploração das continuidades e descontinuidades da mente das persona gens como nas suas percepções físicas ou na relação entre ambas Este avolumar da vida interior hipertrofia o corpo ao mesmo tempo que o leva a concentrarse em percepções e objectos externos no Outro Pode chegar à deformação e à desestruturação e aí o eu da personagem substitui o seu vazio corporal A pintura ilustra com muita clareza esta evolução do corpo basta pensar nos impressionistas em Les Demoiselles de Avignon de Picasso e no quadro de Bacon Estudos sobre o corpo humano No caso do corpo feminino toda a questão se punha de forma mais flagrante O corpo da mulher tinha sido sacralizado e idealizado no seu papel de mãe e amante tendo para tal contribuído o impedimento de acesso à edu ca ção ao mundo do trabalho e à participação cívica A divisão mentecorpo regressava de novo no caso da mulher Ela era associada ao corpo em oposição ao homem associado à mente Como Patricia Moran refere em Word of Mouth4 as aspirações intelectuais pareciam exigir para muitas mulheres a negação do seu corpo feminino Até as conclusões de Freud sobre a sexualidade da mulher viriam a ser contestadas pelas feministas No texto The Laugh of the Medusa5 Hélène Cixous defende que as 2 Florence Braunstein e JeanFrançois Pépin O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental Lisboa Instituto Piaget 2001 140 3 António Damásio O Sentimento de Si Mem Martins Publ EuropaAmérica 2003 50 4 Patricia Moran Word of Mouth Body Language in Katherine Mansfield and Virginia Woolf Charlottesville Univ Press of Virginia 1996 2 5 Hélène Cixous The Laugh of the Medusa Signs Journal of Women in Culture and Society 14 1976 875893 Ver o Corpo Escrever o Corpo 37 mulhe res devem em primeiro lugar destruir a imagem do corpo que lhes foi imposta pelas estruturas patriarcais como asexuadas histéricas místicas um reflexo do corpo masculino e numa segunda fase depois de redescobertos os seus corpos perdidos devem pensar e escrever através das suas experiências físicas como mulheres Esta formulação implica a existência de dois tipos de corpo com representações diferentes que Molly Hite teoriza como the body for others the body cast in social roles and bound by the laws of social interaction e o visionary body a second physical presence in funda men tal respects different from the gendered body6 que pode trazer novas perspectivas e novas estratégias de representação estética No artigo em que apresenta esta distinção Hite estuda a evolução de um momento a outro nas obras de Virginia Woolf sublinhando a importância do corpo visionário na fase mais madura da escritora evolução que tinha sido aliás já proposta por Katerina KitsiMitakou no seu livro Feminist Readings of the Body in V Woolfs Novels7 Os romances Mrs Dalloway 1925 de Virginia Woolf e Água Viva 1973 de Clarice Lispector exploram com bastante clareza estes dois conceitos de corpo e é disso que aqui nos ocuparemos Mrs Dalloway é uma das obras de Virginia Woolf que aborda com maior amplitude a questão social tanto no que diz respeito ao sistema e às relações entre classes e tipos sociais como no que diz respeito às tensões vividas pela mulher em todo esse contexto A relação de Clarissa com o corpo que reflecte a ansiedade de Virginia Woolf e também muita da ansiedade da época sobre o corpo feminino é na verda de conflituosa se por um lado ela optou por um casamento convencio nal e economicamente seguro por outro não consegue relacionarse fisicamente com o marido acabando por revelar as suas emoções em relação a Sally e a Peter Vejamse as várias referências à sua castidade à frieza no casamento à paixão por Sally Like a nun withdrawing or a child exploring a tower she went upstairs And really she preferred to read of the retreat from Moscow He knew it So the room was an attic the bed narrow and lying there reading for she slept badly she could not dispel a virginity preserved through childbirth which clung to her like a sheet 6 Molly Hite Virginia Woolfs Two Bodies Genders 31 2000 wwwgendersorgg31g31hitehtml 7 Katerina KitsiMitakou Feminist Readings of the Body in Virginia Woolfs Novels Thessaloniki GiahoudiGiapouli 1997 Alda Correia 38 But this question of love this falling in love with women Take Sally Seton Had not that after all been love Sally stopped picked a flower kissed her on the lips The whole world might have turned upside down8 Este conflito corresponde segundo KitsiMitakou à dicotomia contida na imagem da Virgem Maria caracterizada pela vivência dos estados opostos de virgindade e maternidade Woolf teria partido do mito cristão para explorar a imagem da virgindade em Clarissa utilizando comparações frequentes com a vida monástica e descrições físicas que sublinham a forma alongada erecta e fria da protagonista e mesmo a ausência dos seios she felt like a nun who has left the world and feels fold round her the familiar veils and the response to old devotions feeling herself suddenly shrivelled aged breastless9 Esta relação conflituosa com o corpo é reforçada através das duas perso na gens que podem ser consideradas como duplos espiritual e corporal de Clarissa respectivamente Septimus Smith e Doris Kilman Patricia Moran sublinha que tanto Septimus como Doris se relacionam de forma perturbada com a alimentação para ambos esta simboliza a ligação à vivência de um corpo que os limita Septimus could not taste could not feel Even taste had no relish to him10 A impossibilidade de sentir que o levará à morte o pecado pelo qual a natureza humana o tinha condenado estendese a todo o corpo inclusivamente à sexualidade Love between man and woman was repulsive to Shakespeare The business of copulation was filth to him before the end But Rezia said she must have children So there was no excuse nothing whatever the matter except the sin for which human nature had condemned him to death that he did not feel11 A insensibilidade que afecta Septimus no corpo na alma e nas suas relações com os outros é tão redutora quanto a fealdade no corpo de Miss Kilman O seu unlovable body aliado à pobreza afastálaá da possibi li da de de acesso à felicidade conduzindoa ao contrário de Septimus à revol ta contra a marginalização de que era alvo contra a desigualdade perante mulheres como Clarissa contra o sofrimento por que era obrigada a passar e 8 Virginia Woolf Mrs Dalloway ed Shakespeare Head Press Oxford Blackwell 1996 2528 9 Woolf 2325 10 Woolf 66 11 Woolf 67 e 69 Ver o Corpo Escrever o Corpo 39 finalmente a uma certa sublimação do conflito através do gosto pela comida da religiosidade e do conhecimento intelectual She could not help being ugly she could not afford to buy pretty clothes With that violent grudge against the world which had scorned her sneered at her cast her off beginning with this indignity the infliction of her unlovable body which people could nor bear to see Do her hair as she might her forehead remained like an egg bald white No clothes suited her She might buy anything And for a woman of course that meant never meeting the opposite sex Her food was all that she lived for her comforts her dinner her tea her hotwater bottle at night But one must fight vanquish have faith in God But no one knew the agony He said pointing to the crucifix that God knew However she was Doris Kilman She had her degree She was a woman who had made her way in the world Her knowledge of modern history was more than respectable12 O corpo de Clarissa e a sua vida que Miss Kilman inveja não são encarados de uma forma tão positiva pela própria No início ao passear em Bond Street Clarissa diz possuir uma narrow peastick figure e a ridiculous little face beaked like a birds13 Neste momento ao observar uma pintura holandesa acrescenta que o próprio corpo com todas as suas capacidades não parece ser absolutamente nada fazendoa sentir invisível e desconhecida14 O conflito entre a imagem e vivência real da maternidade15 de Clarissa e a imagem e vivência da sua virgindade frieza e sexualidade ambígua é ampliado e revertido pelos pontos de vista de Kilman e Septimus sobre o corpo Para além de várias referências à impenetrabilidade e rigidez de Clarissa16 a alusão à pintura holandesa e à pintura de Reynolds Lady Caroline Scott as Winter acentuam a imagem de um corpo austero sóbrio no primeiro caso ou puramente infantil no segundo A primeira feita durante a tentativa inicial da autora de descrever o corpo de Clarissa é interpretada por 12 Woolf 9699 13 Woolf 10 14 Woolf 10 But often now this body she wore she stopped to look at a Dutch picture this body with all its capacities seemed nothing nothing at all She had the oddest sense of being herself invisible unseen unknown There being no more marrying no more having of children now 15 Esta questão é analisada sob outros pontos de vista através do casal Smith cuja mulher Lucrezia pretende ter um filho de Sally Seaton que é mãe de five enormous boys ou de Bradshaw que fala constantemento do filho em Eton 16 Woolf 29 e 47 That was her self pointed dartlike definite this coldness this woodness something very profound in her an impenetrability Alda Correia 40 KitsiMitakou como mais um sinal de oscilação entre dois conceitos opostos os de apagamento do corpo e valorização das formas físicas ambos implícitos na evolução da pintura holandesa17 A segunda é assinalada pelo olhar observador de Miss Kilman enquanto reflecte sobre o desprezo sentido pelos Dalloway ao chegar lá a casa mas é também recordada por Clarissa quando na festa o pensamento lhe traz a figura da preceptora criandose assim uma espécie de efeito de espelho que relaciona as duas personagens e a visão que cada uma tem do corpo da outra A ligação entre Clarissa e Kilman a simpatia e o ódio que cada uma sente pela outra18 falam do mesmo conflito se pensarmos na relação de ambas com Elizabeth ao contrário do que acontece com Clarissa os sentimentos possessivos e maternais de Kilman por Elizabeth estão presentes num corpo ao qual o sexo foi negado O corpo de Clarissa é ainda claramente o corpo inserido em papéis sociais tradicionalmente atribuídos à mulher mas também já de algum modo por ela rejeitados Descontente com a sua aparência sentindose culpada em relação a Richard e à filha incapaz de enfrentar os seus laços com Sally procura na festa um protagonismo que mais uma vez aceita e promove os padrões sociais tradicionais No final no entanto Peter regista o terror o êxtase e a excitação que sente perante a simples presença de Clarissa For there she was É talvez esse poder misterioso do seu corpo que abrirá a porta ao corpo visionário das obras seguintes de Woolf e que se encontra bem representado em Água Viva Neste texto considerado por Cixous como um exemplo do conceito de écriture féminine como uma das poucas excepções 17 KitsiMitakou 6566 The allusion to the Dutch painting which Clarissa stops to look at while Woolf is defining her body far from being accidental reinforces Clarissas image the severity plainness and asceticism of the figures in fifteenthcentury Flemish paintings harmonize with her wooden ness and uprightness Yet the painting is not defined neither its title nor its painter are specified The obscurity of the picture which may range from a fifteenthcentury Jan van Eyck or Roger van der Weyden to a seventeenth or eighteenthcentury Rubens or Rembrandt allows Woolf to suggest a whole period in painting That is Dutch painting which at its rise in the early Renaissance subtracts the body from its natural characteristics by elongating the figures reducing their depth and rendering them twodimensional inflexible and unapproachable and ends up two centuries later in the apotheosis of the flesh the corpulent spherical and massive bodies The allusion to the whole Dutch period reflects Clarissas oscillation between two antinominal concepts the extinction of her body on the one hand and the redefinition of her body as virginal and breastless on the other hand Dutch painting and Christianity at this point converge and echo Clarissas dichotomized body both take the body away only to give it back defined through patriarchy 18 Miss Kilman diz embora num contexto ambíguo Ugly clumsy Clarissa Dalloway had laughed at her for being that and had revived the fleshly desires for she minded looking as she did beside Clarissa p96 Clarissa refere ao recordar Kilman na festa She hated her she loved her p 130 Ver o Corpo Escrever o Corpo 41 de escrita que inscreve a feminilidade deixamos de ter um corpo condicio na do social e culturalmente para termos um corpo por um lado concentrado na sua essência vital e nos seus impulsos mais primitivos situado na fronteira do corpo físico da protagonista mas por outro em busca de uma compre en são definitiva da ontologia da vida A escrita em paralelo com a pintura vai determinando essa busca através da autodescoberta de uma mulher que num monólogo contínuo fala a um narratário identificado como tu Neste movimento nesta busca do significado para além do significado a persona gem utiliza todos os modos de representação e percepção ao seu alcance escrita pintura música eliminando as fronteiras entre eles É isto mesmo que é dito logo de início Escrevote toda inteira e sinto um sabor em ser e o saborati é abstrato como o instante É também com o corpo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo eu corpoacorpo comigo mesma Não se compreende música ouvese Ouveme então com o teu corpo intei ro Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições já que escrevo tosco e sem ordem Hoje acabei a tela de que te falei linhas redondas que se interpe ne tram em traços finos e negros e tu que tens o hábito de querer saber porquê perguntarás por que os traços negros e finos É por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras Tanto quanto possa ser implícita a palavra muda no som musical19 A pintura é apresentada como uma actividade anterior à experiência da escrita mas ambas pressupõem o corpo e em ambas se procura uma essência que só se pode encontrar no instante Minha pintura não tem palavras fica atrás do pensamento Nesse terreno do ése sou puro êxtase cristalino Ése Soume Tu te és Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas O halo é mais importante que as coisas e as palavras O halo é vertiginoso Tenho que me destituir para alcançar cerne e semente de vida O instante é semente viva20 Este halo das coisas a semente viva do instante atingemse quando a per so nagem narradora nasce aprofundando a sua própria consciência de existir 19 Clarice Lispector Água Viva Rio de Janeiro Francisco Alves Ed 1993 1415 20 Lispector 33 53 e 16 Alda Correia 42 O processo é físico carnal mas todo ele testemunha a procura de algo de visio nário o elemento puro o it vivo das coisas e da matéria Nas referên cias associadas ao nascimento Lispector reduz o corpo a uma matéria inerte primordial a um plasma criador Expressões como estou respirando Para cima e para baixo Como é que a ostra nua respira A impressão é que estou por nascer e não consigo Maravilhoso escândalo nasço It é mole e é ostra e é placenta Estou me fazendo Eu me faço chegar até ao caroço O instante é o vasto ovo de vísceras mornas21 revelam essa identi fi cação a partir da qual a personagemnarradora continua a interrogarse sobre a questão da morte e da vida Ao perguntarse se está no âmago da morte e se para isso está viva a resposta virá através da ferida da carne do doloroso sangue22 o que evoca uma vez mais a vertente visceral e orgânica do corpo como resposta a uma questão existencial O corpo transformase num dom como diz Clarice23 pois só através dele se experimenta a dádiva de existir A pintura e a escrita criadas para ver estritamente o momento deter mi nam em parte a identidade da personagem funcionando assim como actos ontoló gi cos inventados à medida que esta se questiona Toda a proble mática do texto é apresentada partindo do corpo da personagemnarradora como matéria através das linhas que constroem e estruturam os objectos da pintura Mas eu também quero pintar um tema quero criar um objecto E esse objecto será um guardaroupa pois que há de mais concreto Tenho que estudar o guardaroupa antes de pintálo Que vejo Aí posso pintar a essência de um guardaroupa24 e a partir da escrita desta mesma experiência Tudo acaba mas o que te escrevo continua O que te escrevo é um isto25 O corpo é portanto não só o corpo da per so nagem mas o corpo das telas e o corpo escrito do texto com a sua estrutura fragmentária como uma respiração Todos participam num devir comum pro cu ra do e construído à medida que se procura trazendo aquilo que é repre sen tado para a própria representação Esta relação é muito clara se nos recor dar mos que a versão inicial de Água Viva se intitulava Objecto Gritante Carlos Sousa no seu livro Clarice Lispector Figuras da Escrita26 mostra como no dac ti loescrito Clarice substituiu diversas vezes escreverescrita por pintarpintura 21 Lispector 3547 22 Lispector 80 23 Lispector 93 24 Lispector 8788 25 Lispector 100101 26 Carlos Mendes de Sousa Clarice Lispector Figuras da Escrita Braga Univ Minho 2000 301309 Ver o Corpo Escrever o Corpo 43 A reversibilidade entre a palavra e a imagem assim como a ausência de limites corpóreos da personagem evocam a visão que Woolf nos apresenta dos limites da subjectividade e da identidade Visto através do famoso envelope semitransparente o corpo de Clarissa Dalloway revela vertentes muito diferentes é descentrado descontínuo escapanos O seu mistério é que apenas existe O diálogo entre palavra e imagem tendo como ponto de referência o corpo mas dando dele planos diversos que se desdobram e se tornam até antagónicos atravessa ambas as obras de formas diferentes reve lando por detrás de todos esses túneis uma espécie de núcleo de identidade em que a distinção entre o físico e o mental nem sempre é clara Este núcleo resultante do desejo de compreender a verdade comum às duas escritoras é visionário no seu desenraizamento de papeis sociais mas permite um enten di mento mais claro da condição humana Como Lispector escreve num dos últimos parágrafos de Água Viva Eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei Fui ao encontro de mim Calma alegre plenitude sem fulminação Simplesmente eu sou eu Referências Braunstein Florence JeanFrançois Pépin O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental Lisboa Instituto Piaget 2001 Cixous Hélène The Laugh of the Medusa Signs Journal of Women in Culture and Society 14 1976 875893 Damásio António O Sentimento de Si Mem Martins Publ EuropaAmérica 2003 Hite Molly Virginia Woolfs Two Bodies Genders 31 2000 wwwgendersorgg31g31hitehtml 4 Julho 2005 KitsiMitakou Katerina Feminist Readings of the Body in Virginia Woolfs Novels Thessalonoki GiahoudiGiapouli 1997 Lispector Clarice Água Viva Rio de Janeiro Francisco Alves Ed 1993 MerleauPonty M Phénomenologie de la Perception Paris Gallimard 1972 Moran Patricia Word of Mouth Body Language in Katherine Mansfield and Virginia Woolf Charlottesville Univ Press of Virginia 1996 Sousa Carlos Mendes Clarice Lispector Figuras da Escrita Braga Univ Minho 2000 Woolf Virginia Mrs Dalloway Shakespeare Head Press Edition Oxford Blackwell 1996 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction CATHERINE BERNARD Université Paris VII M y intention here is to turn to recent developments in the field of English art and writing which may afford a different form of purchase on the dominant reading of modernity and what is all too often misread under the vast and illdefined notion of postmodernity These recent developments have directed our gaze away from the overexposed common places of affirmative and consensual culture whether they be Frank Gehrys space Odyssey architecture or the mass marketed heritage culture of Hollywood adaptations the facile radicalism of global literature or Bob Wilsons chic and glossy opera productions of Wagner they have in the field of visual arts fiction and documentary writing tried to reappropriate some of the dark corners of culture some of the illlit spaces of the English political unconscious In that respect the title of this paper may just as well have read Looking at the Overlooked in hommage to Norman Brysons remarkable essay on still life painting1 in which he examines the aesthetic hierarchy that until the advent of modern painting in the middle of the 19th century ruled over painting and according to which still life was but the poor and distant relative of the grander and more aristocratic genres historical painting and mythological scenes For Bryson looking at the overlooked implies that with the masters of still life we turn our gazes to the blind spots of our surroundings to the areas of expe rience which remain all too often misrepresented when they are not literally overlooked ignored our trained gaze failing to acknowledge them as meaningful as signs to be deciphered A lot has already been said and written about the subversive and ironical intent of recent English and American fiction on its capacity to upheave canon ical cultural narratives especially in the field of AfricanAmerican fiction or of 1 Norman Bryson Looking at the Overlooked London Reaktion Books 1990 Catherine Bernard 48 feminist writing2 Similarly a lot has been said about the historical turn of recent English fiction and its historiographic potential3 I shall conse quent ly not return to these wellcharted grounds but shall rather turn my attention to the way part of contemporary English art and writing precisely address to redress it maybe the long and ambiguous tradition in English literature especially of the overlooked an overlooked that has been excised altogether from representation or when present has featured under the sign of the repellent and threatening other the alien within to be contained aesthetically These questions have been raised before by both feminist readings of the canon4 and postcolonial or Marxist readings5 My modest contribution to this debate which aims at producing an alternative reading of modernity will 2 The list of studies devoted to these two specific fields would be too long Suffice it to mention the recovery work that has been done by the New modernist studies to reread the Modernist canon and hear the muffled voices of forgotten as often as not women writers See for instance Carola M Kaplan and Anne B Simpson ed Seeing Double Revisioning Edwardian and Modernist Literature New York St Martins Press 1996 Rita Felski The Gender of Modernity Cambridge Mass Harvard University Press 1995 Ann L Ardis Modernism and Cultural Conflict 1880 1922 Cambridge Cambridge University Press 2002 or Stella Dean Challenging Modernism New Readings in Literature and Culture 191445 London Ashgate 2002 3 One may mention Linda Hutcheons now classic essay A Poetics of Postmodernism London Routledge 1988 in which she explores at length Graham Swifts critical rereading of the writing of history in Waterland One may also refer to chapter 4 of Steven Connors The English Novel in History 19501995 London Routledge 1996 to Patrick Swinden The English Novel of History and Society 19401980 Londres Palgrave 1984 David Leon Higdons Shadows of the Past in Contemporary British Fiction Atlanta University of Georgia Press 1985 Margaret Scanlans Traces of Another Time History and Politics in Postwar British Fiction Princeton Princeton University Press 1990 Elisabeth Wesselings Writing History as a Prophet Postmodernist Innovations of the Historical Novel Amsterdam Benjamins199 Susana Onegas Telling Histories Narrativizing History Historicizing Literature Amsterdam Rodopi 1995 Christina Kottes Ethical Dimensions in British Historiographic Metafiction Studies in English Literary and Cultural History Trier Wissenschaftlicher Verlag 2001 Peter Middleton and Tim Woodss Literatures of Memory History Time and Space in Postwar Writing Manchester Manchester UP 2000 Brian Bonds The Unquiet Front Britains Role in Literature and History Cambridge Cambridge University Press 2002 4 I am thinking among other canonical feminist rereadings of the canon of Elizabeth Bronfens Over her Dead Body Death Femininity and the Aesthetic Manchester Manchester University Press 1992 and in the field of visual arts of the work of Griselda Pollock see her Differencing the Canon Feminism and the Writing of Arts Histories London Routledge 1999 or her Generations and Geographies in the Visual Arts Feminist Readings London Routledge 1996 5 One may mention the by now canonical interpretation of Mansfield Park by Edward Saïd in Culture and Emperialism London Chatto Windus 1993 or Terry Eagletons reappraisal of Wuthering Heights in Heathcliff and the Great Hunger Studies in Irish Culture London Verso 1996 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 49 consist in turning to sites places which to my knowldege have so far aroused little interest in the field of English studies More specifically I will turn to the way part of art and literature in England today aim at fostering a reflection about the cultural economy by reinvesting the more humble sites of culture long kept in the wings of representation With the notable exceptions of Dickenss Bleak House Mrs Gaskells North and South and Mary Barton Lawrences Sons and Lovers and in the 50s of the Angry Young Men the actual living space of the working class and a fortiori of the lumpenproletariat rarely features in English fiction As EM Forster puts it in Howards End in one of his epigrammatic formulas that cut to the bone of the cultural body We are not concerned with the very poor They are unthinkable and only to be approached by the statisticial or the poet6The very poor and even more so the vast and illdefined class of those in service are usually kept in the margins of representation They are reduced to being insub stantial silhouettes that are taken for granted by both the social and the fictional economies In Mrs Gaskells North and South Margaret the modern woman the broadminded and generous heroine has the unsettling intuition that There might be toilers and moilers there in London but she never saw them the very servants lived in an underground world of their own of which she knew neither the hopes nor the fears they only seemed to start into existence when some want or whim of their master and mistress needed them7 In her famed 1923 essay Mr Bennett and Mrs Brown Virginia Woolf was to read the emergence of the Leviathanlike Victorian cook out of her netherworld as an index of the changing times In or about December 1910 human character changed In life one can see the change if I may use a comely illustration in the character of ones cook The Victorian cook lived like a leviathan in the lower depths formidable silent obscure inscrutable the Georgian cook is a creature of sunshine and fresh air in and out of the drawing room now to borrow the Daily Herald now to ask advice about a hat Do you ask for more solemn instances of the power of the human race to change8 6 EM Forster Howards End 1910 London Penguin 1989 p 58 7 Mrs Gaskell North and South 18541855 London Penguin 2003 p 364 8 Virginia Woolf Mr Bennett and Mrs Brown 1924 Rachel Bowlby ed A Womans Essays London Penguin 1992 pp 7071 Catherine Bernard 50 A lot could be said about this telltale passage in which the logic of representation inscrutable is revealed to tie in with that of the social and domestic economy and in which a disturbing political unconscious may also be seen at work according to which the lower classes are even if ironically perceived as the home monster the ugly and frightening beast hitherto enslaved but that ominously raises its head and sets itself free of its own accord Already in Culture and Anarchy Matthew Arnold felt the pressure of those he defined as the Populace to be distinguished from the aristocratic Barbarians and the middleclass Philistines As early as the late 1860s the time of Arnolds publication of his essay the populace was felt to be about to burst the circumference of its allotted world to emerge in full light Arnolds description conveying mixed feelings of fear and fascination But that vast portion lastly of the working class which raw and half developed has long lain halfhidden amidst its poverty and squalor and is now issuing from its hidingplace to assert an Englishmans heavenborn privilege of doing as he likes and is beginning to perplex us by marching where it likes meeting where it likes bawling what it likes breaking what it likes to this vast residuum we may with great propriety give the name of Populace9 Throughout Victorian fiction one can feel this teeming populace pressing against the walls of decent society threatening to wreak havoc In Bleak House in which one finds the most disturbing account of the life of the Victorian dispossessed little Jos dwelling in the famed Tom All Alones is caught in the powerful political paradigm of decadence and civil corruption rotting away collapsing and oozing noxious vapours that reach to the heart of a sickening society The social other within only surfaces here under the aegis of a form of neogothic fear and trembling that seems to rule out any possibility of redemption beside sacrifical death the very sort of death visited on Little Jo In the 20th century with the remarkable exceptions of Lawrences Sons and Lovers until John Braine in Room at the Top 1957 and Alan Sillitoe in Saturday Night and Sunday Morning 1958 brought the working class to the forefront of fiction these dark corners of Englands collective house featured essentially as sociological testimonies especially in the works of field pho tographers like Bill Brandt One should also mention in the 50s and 60s the extraordinary project of Jeremy Forsyth on the west end of Newcastle who 9 Matthew Arnold Culture and Anarchy 186769 Cambridge Cambridge University Press 1993 p 107 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 51 painstakingly documented the life in one street of Newcastle and the changes brought on by modernization to workingclass mores Later in the 60s Magnum photographer Don McCullin was also to bring the dispossesed the same attention he brought to the documentation of modern war Such return to of the real to borrow art critic Hal Fosters words10 features larger in more recent developments in art and writing artists finding here another way of blurring the frontier between fiction and fact and of exploring the constructedness of social representation Denouncing the gospel of the autonomization of the artwork expounded by part of the Modernists whether in France or in Britain and Ireland from Mallarmé to Baudelaire from Valéry to Eliot the artist redefines himself herself as ethnographer11 in order to show culture at work and to question the way it naturalizes its ideological premises This may take the concrete form of a shift in the geographical focus as is the case in Peter Ackroyds monumental biography of London London The Biography which relocates the heart of Londons cultural identity in the East End the three maps placed at the beginning of the book the City in 1800 the City in 2000 and Soho and the West End implicitly overlapping with say that of Woolfs upper middle class London in Mrs Dalloway or The Years yet also widening the geographical and sociological range to include the East end Against the glorious narrative of England as it is inscribed in its West end monuments monuments in which Woolf already perceived the deadly spirit of Imperial and reactionary ideology to be fully at work Ackroyd proposes a winding and evershifting history of the under world of London and reclaims the energy of an archaic popular culture that has remained resilent until its eradication by capitalist gentrification see his history of the Docklands in chapter 7 of the biography Fortune not Design As reclaimed by Ackroyd the spirit of London is footloose deeply anarchic centrifugal However Ackroyds celebration is also fraught with the nagging certainty that it may today be retrievable only as a ghostly trace The decade which saw the emergence of the yuppies for example also witnessed the revival of streetbeggars and vagrants sleeping rough upon the streets or within doorways The Strand in 10 Hal Foster The Return of the Real Cambridge Mass The MIT Press 1999 11 Ibid chap 6 Catherine Bernard 52 particular became a great throughfare of the dispossessed Despite civic and government initiatives they are still there They are now part of the recognisable population they are Londoners joining the endless parade Or perhaps by sitting upon the sidelines they remind everyone else that it is a parade12 To countervene this slow degradation the biographer turns antiquarian as he ponders over the textual traces of the past and delves into the archives of a dead culture For all its vigour Ackroyds project is a deeply and sorrowfully bleak and nostalgic one His working class London is a ghostly and as often as not a tragic one to be reconstructed out of shattered human archives fragments shored against the impending ruin of an erstwhile organic culture to paraphrase Eliots famous line It is in that respect only fitting that at the end of the last photographic folio of London The Biography should feature a photo graph by Don McCullin of the homeless of Spitalfieds lost in the help lessness of their insanity and in the squalor of a derelict city Like Graham Swifts elegiac novel Last Orders 1996 which tries to reinvent the very linguistic fabric of the East end working class Ackroyds biogaphical crypt reeks of nostalgia A similar sense of cultural loss also imbues Iain Sinclairs idiosyncratic odyssey around London in Lights Out for the Territory when it conjures up the departed spirit of the city from the broken ruins of scrapeyards and abandoned cemeteries Both Ackroyd and Sinclair celebrate the rambling energy that also fuels many Modernist texts from Joyces Ulysses to Woolfs Mrs Dalloway and which Walter Benjamin was to conceptualize in his seminal image of the modern man as a flâneur harvesting impressions and images as hisher gaze roams haphazardly from shopwindows to billboards from street scenes to historical landmarks However they bring the image up to date in a darker key Far from heralding a new visual economy the postmodern flâneur is seen to be alienated estranged from a sense of organicity that used metonymically to legitimate individual identity The working class culture that for Ackroyd or Sinclair fashioned London has become literally residual consisting of shattered fragments Thus Raymond Williams worst fears when he defined the tensions that oppose a residual and an emergent culture seem eventually confirmed13 12 Peter Ackroyd London The Biography London Chatto Windus 2000 p 767 13 Raymond Williams Base and Superstructure in Marxist Cultural Theory New Left Review New Left Review I82 NovemberDecember 1973 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 53 Quite logically such urban mnemonics needs to posit a departed sense of cultural presence to be opposed to the current economy of simulacra and illusion as is exemplified in Sinclairs violent indictment of the facelift London has been undergoing If the present Temple stands for anything it is a symbol of how the City has lost it corrupted the integrity of its founding greed its pattern of ritual and sacrifice decent human vices by yielding entirely to secrecy cynicism surveillance Unprepared to let the past go the off shore investors and shortterm profit takers have deliberately enslaved every artefacts they can claw out of the ground Walks are permitted only on agreed paths The ancient gates energy sluices have been replaced by tawdry plastic barriers A policy of deliberate misalignment the temple of Mithras London Stone the surviving effigies from Ludgate has violated the integrity of the Citys sacred geometry leaving in the place of wellordered chaos regimented anonymity a climate in which corruption thrives Poisoned weather sick skies confused humans14 Sinclairs ranting against the current degradation of culture against its fraudulent marketing of memory initiates a complex play of negativity in which his apocalyptic vision is of necessity premissed on the construction of a lost sense of presence As in much of Ackroyds fiction in particular Hawksmoor 1985 that nostalgic celebration of a departed experience of presence harnesses a mythical and supernatural sense of magical patterning to the writers moral crusade against the shady traders that have desecrated a formerly hallowed ground Against the degraded hermeneutic economy of the present the text also needs to reinstate a powerful almost authoritarian discursive economy based on the constructioon of an archallegory including nature itself in the final moment of pathetic fallacy Poisoned weather sick skies confused humans a pathetic fallacy that is also central to Martin Amiss allegorical program in London Fields 1989 The Information 1995 or Yellow Dog 2003 In the rediscovery of the vernacular literally of the indigenous culture that also of the suppressed the slave born at home verna in latin nostalgia has become programmatic So doing one cannot help thinking that the process of recollection threatens to fall in the trap of the constructedness it exposes in relation to the dominant culture The frontier is indeed tenuous that distinguishes the necessary recovery of a repressed cultural past and a form of nostalgic 14 Iain Sinclair Lights out for the Territory London Granta 1997 p 116 Catherine Bernard 54 celebration that would convert loss into affirmative identification and thus reassuringly heal the breach Such is the ambiguity at the heart even of Raphael Samuels unrivalled and monumental Theatres of Memory15 which retrieves the broken skeins of popular memory and so doing tries to unravel the very politics of memory It was precisely this contradiction that the sculptor Rachel Whiteread meant to address and foreground when she conceived House the work that won her the 1993 Turner Prize Sollicited by Artangel the groundbreaking English commissioning art trust Whiteread chose to transplant her production outside the consecrated space of the white cube of the art gallery When answering Artangels invitation she did not alter the idiosyncratic aesthetic vocabulary she had first elaborated with her series of resin casts of the under space of chairs and then refined with the production of casts of interiors of unthinkable spaces such as the interior of a drawing room But House took one step further her twofold reflection on the state of art after the end of art to resort to Arthur Dantos terminology and on the role of art in the city after the decline of ideologies and utopias Against the doxa of the demateralization of art heralded by the American art critic Lucy Lippard in relation to the development of non canonical neo dadaist aesthetic gestures in the 60s such as shortlived happenings Whitereads casts flaunted their intractable materiality while symmetrically acknowledging that matter could also prove ghostly and that presence and absence were but the two mirror facets of experience Against the supposed autonomization of modern art she also repositioned the artwork in the very fabric of urban and political space Incidentally she also revisited and revised the canonical history of English modern art generating discrete interaesthetic echoes of the now overlooked works of the painters of the Camden Town Group 1911 and the London Group 1913 who under the influence of Walter Sickert had focused on the less glorious corners of English society as for instance did Harold Gilman in his Tea in a Bedsitter 1916 Against the increasingly abstract agenda of in situ art which tended to depoliticize the relationship between the artwork and its environment Whiteread reasserted the necessity or the artist to reflect on her his insertion within their environment the very fabric that made her his works possible and marketable Her decision to produce a cast of the interior of one of the terraced houses doomed to demolition on Grove Road in the working class 15 Raphael Samuel Theatres of Memory London Verso 1996 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 55 East end borough of Bow16 was more than a metaaesthetic comment on the relative exhaustion of the conventional sites of art whether it be the gallery or the museum It also engaged in a controversial dialogue with the great tradition of monumental and commemorative public sculpture House did not explicitely purport to be any form of cenotaph erected to the memory of a culture soon to be ousted by the irresistible gentrification of East London a gentrification in which ironically artists and galleries had a key role It merely intended to testify to what had once been From the start Whitereads choice of location and object constituted a powerful statement on the violent erasure of a formely deeplyrooted culture As Iain Sinclair himself shows in the essay he devoted to Whitereads Grove Road House was an highly sophisticated work which addressed no less complex issues relating to what the marxist historian EP Thompson analysed as the making of the English working class the mapping of identity its sense of collective rootedness and the necessarily nostalgic dynamics that relate us back to often imaginary collective selves By choosing this time to produce a cast of a whole house instead of focusing on a single room or on pieces of furniture Whiteread also appro priated and thematized one of the seminal tropes of English consciousness ie that of the house as extension of a private and family identity and symmet rically as synecdoche for a whole community and England at large The trope will be familiar to anyone who has read Edmund Burkes Reflections on the Revolution in France in which the founding father of English conservatism elaborates on the image of England as a country estate to be handed down from generation to generation improved yet fundamentally unchanged At the heart of the running metaphor in Burkes antirevolutionary rhetoric lies the central vision of England as a vast portrait gallery lying at the heart of the mansion and recording the stately procession of generations that guarantee the permanence of the patriarchal order17 Jane Austen was to pick up the theme in her idealized vision of Pemberley in Pride and Prejudice to produce her own complex version of the conservative myth18 19th century fiction was to make good use of the same trope to develop a reflection on the exhaustion of the same patriarchal order on the passing of an ancient system and on the 16 House stood from October 25 1993 to January 11 1994 and was then demolished 17 Edmund Burke Reflections of the Revolution in France 1790 London Pelican 1968 pp 119 122 18 On that subject see Alistair Duckworth The Improvement of the Estate Study of Jane Austens Novels Baltimore Johns Hopkins University Press 1972 Catherine Bernard 56 necessity to rebuild the collective mansion from Dickenss Bleak House Great Expectations or Dombey and Son to Charlotte Brontës Jane Eyre The Modernists would avail themselves of the metaphor to meditate once more on the demise of an erstwhile vibrant organicity from Woolfs To the Lighthouse to EM Forsters Howards End and the later variation on the same theme in Evelyn Waughs Brideshead Revisited19 House thus from the start functions as a complex memory site since it necessarily triggers literary associations with other silent houses Mr Dombeys London house whose shuttered windows no longer let the energy of life in Miss Havishams Satis House which has been turned into a neogothic shrine dedicated to a lost love More immediately relevant to us today are the asso ciations with the boarded up houses doomed to demolition or gentrifictaion throughout the eastend districts of our western cities Whiteread was to return obsessively to the same theme in 1996 in a long series of duotone screenprints of council estates soon to be demolished or being demolished or after their demolition when all that remains is a blandly landscaped public park that retains no trace of the lives that were led there of the drama and the trauma of life and its eradication20 She was to continue exploring the theme of com mem oration in her once more much discussed Monument 2001 erected on the only plinth left vacant on Trafalgar Square and which consisted only of an inverted transparent resin cast of the plinth on which it stood a mute and seemingly empty mirror image or our increasingly vacant memories spaces Along with Pierre Bourdieu Whiteread is but too aware that our indi vidual identity dovetails with our cultural identity although it is not entirely subsumed under it We are part of the cultural habitus21 we help fashion We are Whitereads sculptures seem to insist the metonymies we live in and more than any other recent work both House and her series of duotone screenprints tell us the story of an erasure of a suppression the suppression of a complex 19 On the subject see my own Habitations of the Past Of Shrines and Haunted Houses REAL Yearbook of Research in English and American Literature Herbert Grabes ed vol 21 Tübingen Gunter Narr Verlag 2005 pp 161172 20 One should add that the age of the building does not in any radical way alter the gist of the matter as French architects and sociologists have amply shown in recent years the destruction of modern tower blocks may be just as traumatic to the inhabitants as the destruction of houses erected in the middle of the 19th century See Paul Chemetov Vingt mille mots pour la ville Paris Flammarion 1998 21 Pierre Bourdieu Esquisse dune théorie de la pratique 1972 Paris Seuil coll Points 2000 pp 272279 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 57 culture gradually transformed and eventually silenced by a late capitalist culture that symmetrically capitalizes on the museification of the working class memory it eradicates The metonymies that went into making past cultures are now emptied out as House has been emptied out If the political repressed returns it is only as empty allegory as doomed site as the ghostly clichés of a demolished world as mournful fetish No doubt the power of Whitereads works lies to a great extent in their controlled play with negativity this same negativity which Theodor Adorno perceived to be at the very heart of both modern affirmative culture and of Modernisms power of sublation22 Its blank dead walls and the very fact of its programmed demolition turn it into a powerful allegory of the negative turn of collective memory The past can only be preserved as ghost It returns obsessively as empty silent sign23 As Angela Dimitrakaki suggests of House Whitereads casts of working class parlours of terraced houses or her photographs of demolished tower blocks function as phantommemories24 The casts are too anonymous to be identified paradoxically this anonymity also triggers and precipitates the process of identification They are noones and everyones homes index homes for Matthew Arnolds populace Like memories that insisently come back to haunt us they are both absent and painfully present The blank walls of House deny us entry all the better probably to allow our own recollection process to roam freely to penetrate it mentally Its very silence thus functions as some sort of trigger releasing a process of infinite recollection of prolif erating associations Whitereads more recent works also function like Pandora boxes or memory machines which can harness anyones private fragmented and dislocated past to turn it into a vast identity kit that fits all of us and noone that tells of our 22 See his essays collected under the title The Culture Industry London Routledge 1991 and his essay on Samuel Beckett Trying to Understand Endgame Notes to Literature vol 1 1958 New York Columbia University Press 1991 pp 241275 23 In that respect it intends to show up such institutions as the Geffrye Museum which stages a sort of crash course in the history of domestic interior and is also located in East London for what they are affirmative and ultimately alienating exercices in memorial marketing intended to function as nostalgic and soothing echo chambers of a homogeneous culture that never existed as staged 24 Angela Dimitrakaki Gothic Public Art and the Failures of Democracy Reflections on House Interpretation and the Political Unconscious in Chris Townsend ed Rachel Whiteread London Thames Hudson 2004 p 109 Catherine Bernard 58 intimate and collective selves Her casts of the space under and inbetween book shelves conjure memories of the books we have read wish we had read would like to read and of the very mental space these vanished or virtual books open a space to be filled in and that can only exist negatively Similarly her recent series of the casts of filing boxes inspired to her by the boxes she found in her own mothers house turn the sculptures into a complex system of con flict ing signs the boxes are both treasuretroves and ominous slightly threat ening indexes evocative of those bureaucratic panoptical systems of control which we know to have been intrumental to 20th century planned genocides When transplanted and monumentalized as they were in Whitereads installation in Tate Moderns turbine hall in 20052006 private memory the memories of the overlooked are once more seen to interact with the collective memory the great national museums are meant to embody25 Although the monumentalized scale of the Tate installation adds to the defamiliarizing power of Whitereads casts all Whitereads works are lessons in renewed ways of looking at the overlooked at the very fabric of our everyday lives It is no wonder then that at the same time as Magnum photographer Martin Parr produced his uncanny series of photographs of light switches26 each almost obscenely testifying to the taste of the houses owner Whiteread also produced her own version of light switches Anonymous bland purely functional and yet disconnected from their environment unlike Parrs clichés these images make us see this banal object for the first time transcending its mere function while insisting once more allegorically that art must shed light on the overlooked must make us see What made House unique was its capacity to address the pragmatic agenda of contemporary art to force art back onto the public arena to heal the breach between the artwork and society and thus to cancel its autonomiza tion House was one of those anxious objects to borrow Harold Rosenbergs formula which desacralize art by provoking a violent estrangement of our expectations of what art should be The tags on its walls which read Wot for and Homes for all black and white were proof enough that art could still object could still resist its commodification by the culture industry and that its task was also to engage beyond the sheltered precinct of the art world into a 25 The installation was entitled Embankment and was part of the Unilever series of sponsored works commissioned by the Tate It could be seen from 11th October 2005 to 1st May 2006 26 Martin Parr and Nicholas Barker Signs of the Times A Portrait of the Nations Tastes London Cornerhouse Publications 1992 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 59 political dialogue with society at large Whiteread was to take further her ethical and political meditation on arts capacity to speak to our collective memory with the memorial she was commissioned to design in Vienna in hommage to the Austrian Jews extermi nated during the Shoah Her giant cast of the interior of a library on Judenplatz offers an intractable and endless allegory about the logic of public and private memorialization about the accountability of art about the relation between sighting vision and siting the public position of art in the city The memorial conjures up private memories of the intimate and personal experience of reading but is of course an indirect reference to the autosdefé perpretated by the Nazis Like House it is obstinately silent yet seems vibrant with the murmurs of private voices that have been silenced the voices of writers as well as readers It functions both as shrine and as an echo chamber More sinisterly of course its blank walls and closed doors are reminiscent of the death chambers in which a whole culture was gradually eradicated27 By taking her sculptures out of the studio or the impersonal spaces of the art gallery or the museum Whiteread intended to relocate art at the heart of the polis to turn the artist once more into a valid interlocutor She also implicitly meant to make us see how political and cultural the space in which we live has always been Other artists also engaged in a similar dialogue with our everyday space and also intended to make us gaze at the overlooked spaces of our lives anew With his work Semidetached 2004 Michael Landy also revisited the common places of Englands collective memory Installed in the monumental Duveen Galleries of Tate Britain on Millbank Landys work consisted of the painstakingly reconstituted exterior of a semidetached house similar to those to be seen everywhere in Britain and which have become the 27 For an analysis of the dialectics of presence and absence produced by this work see James E Young Rachel Whitereads Judenplatz Memorial in Vienna Memory and Absence in Townsend ed pp 162172 28 It is yet another proof of the paradoxical role of art in todays culture industry that Landys work for all its adversarial stance was from the start processed by the corporate culture of the museum and subsumed under its now institutionalized counterdiscourse as testifies the description of the work still to be found on the Tates web site Semidetached a major sitespecific installation takes as its focus the artists father a former tunnel miner incapacitated by an industrial accident twentyfive years ago Through sculpture video and sound Landy invokes broader questions of value and usefulness employment and purpose 30th October 2006 wwwtateorgukbritainexhibitionslandy Catherine Bernard 60 hallmark of Britains suburbia28 The houses modest demotic vernacular conflicted forcefully with the Galleries neoclassical atemporal architecture The semidetached a house fit for Arnolds populace to live in in its turn defamiliarized the monumental setting in which it seemed both dwarfed and disturbingly intimate In the nations common house the museum is meant to be the little carbuncle of a house struck the visitors as literally out of place yet it also showed up the museums utopian space for what it really is an institutionalized utopia that dictates to our sense of collectiveness and yet which is so central to our common cultural fabric that we tend to forget how it naturalizes its own logic Placed at the heart of the great Galleries meant to function as a hub orienting the visitors towards the various sections of the collections it created all sorts of impediments and blocked the regulated flow of visitors The world of the private intruded in the impersonal world of collective and increasingly corporate culture By showing Semidetached at Tate Britain rather than Tate Modern where its conceptual agenda would have chimed with the museums aesthetic function Landy and the museums curators made it clear that the political and ideological purport of the work was of greater import than its aesthetic intent Thus the work for all its conceptual sophistication proved to be anything but autonomous from its episteme On the contrary the power of its conceptual agenda lay in its healing the breach between polticis and aesthetics Many are the instances of contemporary artists who intend to rehis toricize art to invest the blind spots of society the overlooked with renewed heuristic potential To borrow from Andreas Huyssens analysis of the rein vestment of the blind alleys of the past and the present by discourse in order to defeat amnesia In this search for history the exploration of the noplaces the exclusions the blind spots on the maps of the past is often invested with utopian energies29 I would like precisely to conclude by turning briefly to another artist who also tries to reinvest art with such utopian energies and once more displaces the point of view reinvents that dialectics of dissidence and empathy which forces us to gaze upon the political unconscious of modern high culture Nigerian born and selfstyled post cultural hybrid Yinka Shonibare has also 29 Andreas Huyssen Twilight Memories Marking Time in a Culture of Amnesia London Routledge 1995 p 88 Empathy and Dissidence in Contemporary English Art and Fiction 61 fashioned an efficient and simple way of encapsulating the concealed tensions at the heart of English high culture Always working with the most vernacular of fabric waxprint cotton Shonibare forces dominant and subaltern cultures to cohabit within installations whose subjects may range from Victoriana Victorian Philanthropists Parlour 1997 to the modern mystique of space travel Vacation 2000 from late Victorian womens fashion Gay Victorians 1999 to colonial sea travels Vasser Ship 2004 The vernacular vocabulary of African traditional print fabric the sort you can of course even today find on every East end open air market functions here as an index of the political unconscious of Victorianism Just as in Austens Mansfield Park Sir Thomas Bertrams prosperity and gentility are directly indexed on the financial returns of his WestIndies plantations manned by slaves30 the triumph of Victorian ethics is also seen to be premised on the domestication of the colonies even in its most philanthropist form as Dickens had already intuited in his satirical portrait of the philanthropist Mrs Jellyby in Bleak House The incongruous cohabitation of the two discursive worlds of subaltern and colonizer brings home with a vengeance the complex and ambiguous relation the Victorians entertained with their colonies Violently updating the Victorian fascination for exotic artifacts the print fabric howls that orientalism exoticism itself may be but an indirect manner of domesticating the other The controlled syntax of imperialist ideology is dislocated by such a howler No longer homely the Victorian parlour for instance becomes the locus of a battle of tastes that itself is allegorical of a tension between dominant and subaltern cultures Elsewhere Shonibare opened his exploration of the politial unconscious of imperialism to a gendered reading of cultural domestication In Three Graces 2001 the containment of the feminine body imposed by Victorian fashion is implictely shown to mesh in with its ancestral aesthetic containment as it was initiated by Greek mythology and then handed down through the history of Western art by painting and sculpture Concomitantly the Western subjection of the dark continent of the feminine to paraphrase Freuds definition of feminine sexuality is also seen to be in keeping with the domination of the dark continents of the British Empire Ultimately Shonibares allegorical analysis of the construction of otherness 30 See Edward Saïds wellknown analysis of this silence at the heart of Austens novel in Culture and Emperialism Catherine Bernard 62 reflects on the constructedeness of dominant ideas of culture on its enduring institutionalization Nowhere is it more blatant than in his probably most famous work to date Mr and Mrs Andrews without their Heads 1998 Beheaded attired in Shonibares trademark print fabric Gainsboroughs famous icons of the English gentry are reduced to being mere mannequins mere fashion plates of a dead culture that for all its effort to naturalize its constructedness can only outlive itself as relics Needless to say that the position of such renowned artists within the market economy of art begs enless questions regarding the actual impact of their dissidence of their critical rereading of the political unconscious Their relentless attempts at shedding light empathetically on the overlooked at the heart of dominant modern culture is nevertheless proof of the iconoclastic impact of art when it chooses to dislocate its own practice Proponhome aqui considerar os desenvolvimentos recentes no âmbito da arte e da literatura inglesas que possam conduzir a uma nova abordagem não só da modernidade mas também da pósmodernidade frequentemente desvirtuada por dela se ter um conceito demasiado lato e pouco claro Ao debru çaremse sobre alguns recantos sombrios da cultura e alguns lugares obscu ros do inconsciente político inglês esses recentes desenvolvimentos levaramnos a desviar a atenção dos lugares comuns e batidos da cultura afirma tiva e consensual no campo das artes visuais da ficção e da literatura documental É assim que esta comunicação poderia ter tido como título Looking at the Overlooked em homenagem ao notável ensaio de Norman Bryson sobre a arte de pintar naturezas mortas Para Bryson olharmos para aquilo a que ninguém dá importância implica aprendermos com os pintores de naturezas mortas a observar o que nos cerca e que nós desconhecemos a prestarmos atenção às áreas experimentais tantas vezes mal interpretadas quando não mesmo votadas ao desprezo e ignoradas nós que com o nosso olhar experiente não somos capazes de reconhecer o valor desses mestres e de ver que eles constituem sinais cujo sentido deveríamos ser capazes de decifrar Volto assim o meu olhar para o que na arte e literatura inglesas constitui a longa e ambígua tradição dos ignorados daqueles a quem foi negado o direito a serem representados ou que quando presentes surgem marcados pelo estigma do outro repelente e ameaçador do que sendo no seu íntimo um estranho tem de ser esteticamente contido De facto a classe trabalhadora e por maioria de razão o proletariado são raramente retratados na ficção inglesa aparecendo apenas como pano de fundo silhuetas sem consistência que as estruturas social e ficcional assumem pacificamente como dado adquirido Resumo em português Empatia e Dissidência na Arte e Ficção Inglesas Contemporâneas Catherine Bernard 64 No século XX estes nichos recônditos e ignorados da vida colectiva inglesa emergiam apenas como testemunhas de uma realidade sociológica especialmente com Bill Brandt e outros fotógrafos que exerciam a sua profis são no terreno nomeadamente Don McCullin que haveria de dedicar aos pobres e desalojados a mesma atenção que consagrava a documentar a guerra moderna Este regresso ao real ou do real para empregar a expressão do crítico de arte Hal Forster tem ultimamente assumido maior preponderância no campo da arte e da escrita De facto os artistas viram aqui uma nova possibilidade de esbater a fronteira entre facto e ficção e de explorar a génese da represen tação da própria sociedade O artista redefinese a si próprio como etnógrafo para poder mostrar a cultura em acção e para questionar o modo como ela dá testemunho das suas premissas ideológicas Dáse assim por vezes uma alteração da perspectiva geográfica em casos como por exemplo o de Peter Ackroyd que na sua obra London The Biography 2000 muda o cerne da identidade cultural de Londres para o East End Tal como Graham Swift que no seu romance elegíaco Last Orders 1996 tenta reinventar a própria tessitura linguística da classe trabalhadora do East End também Ackroyd está imbuído de profunda nostalgia Uma sensação semelhante de perda cultural envolve Lights Out for the Territory 1997 de Iain Sinclair Tanto Ackroyd como Sinclair enaltecem a ener gia anárquica que anima muitos dos textos modernistas desde o Ulisses de Joyce até Mrs Dalloway de Virginia Woolf só que nestes autores a ima gem actualizada do homem moderno é dada em chave mais sombria Como reacção à degradada economia hermenêutica do presente estes textos necessitam também de reinstaurar uma economia discursiva de poder quase de autoritarismo baseada na construção de uma arquialegoria que inclui a própria natureza no derradeiro momento de falácia patética Ao redescobrir o vernáculo literalmente ao redescobrir a cultura indí gena a dos oprimidos dos escravos nascidos em casa verna em latim a nos talgia tornouse programática Não podemos deixar de pensar que o pro ces so de recordar corre o risco de se transformar numa estrutura perfeitamente instalada como a que ele denuncia em relação à cultura dominante É na verdade ténue a fronteira que separa a necessidade de recuperar um passado cultural reprimido de uma forma de celebração nostálgica que transformando a perda em identificação afirmativa desse assim a sensação confortável de colmatar a brecha entre as duas Ao conceber House a obra que em 1993 lhe valeu o Turner Prize a escul tora Rachel Whiteread quis focar precisamente esta contradição trazendo a para primeiro plano Contra a suposta autonomização da arte moderna Empatia e Dissidência na Arte e Ficção Inglesas Contemporâneas 65 também ela reposicionou a obra de arte na própria teia e trama do espaço urbano e político Por outro lado perante a tendência crescente da arte in situ para despolitizar a relação entre a obra de arte e o meio ambiente Whiteread afirmou a necessidade de os artistas reflectirem sobre o modo como se inse rem no ambiente que os envolve pois este constitui a estrutura que possibilita não só a realização dos trabalhos mas a sua comercialização Whiteread tam bém se apropriou tematizandoo de um dos tropos constitutivos do cons cien te inglês a casa como extensão da entidade privada e familiar e sime tri camente como sinédoque da comunidade inglesa vista como um todo Os trabalhos mais recentes de Whiteread funcionam igualmente como máquinas de memórias que conseguem captar o nosso passado fragmentado e disperso e transformálo num grande conjunto de identidades que se adequa a todos e a ninguém que revela as nossas pessoas íntimas e colectivas Ao trazer as suas esculturas para fora do estúdio ou do espaço impessoal das galerias de arte ou dos museus a intenção de Whiteread foi trazer a arte para o coração da polis para nos fazer tomar consciência da realidade política e cultural que caracteriza os locais em que sempre vivemos Outros artistas houve que entraram no mesmo tipo de diálogo com o quotidiano com o fito de nos fazer lançar um olhar novo sobre os espaços das nossas vidas em que habitualmente não reparamos Temos o exemplo de Michael Landy que com a sua obra Semidetached 2004 também revisitou os lugares comuns da memória colectiva da Inglaterra Muitos são os casos de artistas contemporâneos que querem voltar a dar à arte a espessura da história investir nas áreas secundarizadas da sociedade e instilar um novo potencial heurístico naquelas que estão votadas ao esque cimento Para concluir mencionarei outro artista que também tenta reinvestir estas energias utópicas na arte e uma vez mais desloca o ponto de vista e rein ven ta a dialética da dissidência e empatia que leva o nosso olhar a fixarse no inconsciente político da cultura erudita O nigeriano Yinka Shonibare que se considera um produto híbrido póscultural também elaborou um modo simples e eficiente de encapsular as tensões escondidas no íntimo da moderna cultura erudita inglesa Trabalhando sempre com algodão estam pa do de fabri co local Shonibare consegue fazer coabitar as culturas dominante e subalter na em instalações cujos temas vão desde a época vitoriana à mística moderna da conquista do espaço e desde a moda feminina do fim do período vitoriano às viagens por mar dos tempos coloniais A verdade é que a análise alegórica que Shonibare faz da construção da alteridade põe em questão a qualidade das ideias dominantes da cultura e a solidez da sua institucio nalização Catherine Bernard 66 O modo como tais artistas de renome na economia de mercado da arte se posicionam levanta inúmeras questões quanto ao impacto da sua dissidên cia da sua releitura crítica do inconsciente político Contudo as inexoráveis tentativas destes artistas de lançar luz sobre tudo o que está votado ao esque ci mento no interior da moderna cultura dominante constituem prova do impacto iconoclasta da arte quando esta decide exercer a sua actividade noutros locais que não aqueles a que estamos tradicionalmente habituados ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign MARIA JOSÉ PIRES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril W hen reading Angela Carters fiction one clearly finds it to be pungent and powerful mocking or lyrical However one cannot forget her other writings and how they can also be observant and brilliantly entertaining This occurs in her journalism and shorter writings now collected in Shaking a Leg 1997 As a child of the 1960s Carter lived through the extraordinary upheavals which amounted to a revolution in style taste politics in everything from fashion about which she writes brilliantly and funnily to weighty matters like class Smith 1997 xiii Such is the scope of her work Therefore the invitation to write a Preface to the postcards collection Images of Frida Kahlo published in 1989 by Redstone Press is not surprising Thus the questions that in our opinion deserve consideration are the ones about what features does Angela Carter underline in the Preface and how do these reflect her consciousness when writing it as well as her own positions in life The first feature that Carter calls our attention to is Frida Kahlos love to paint her own face and how she did it constantly This genre selfportraiture allowed Frida to penetrate and dissect the very core of her being As we know in 1925 the eighteen yearold Frida was seriously injured in a disastrous accident the impact broke her spine in three places and fractured her right leg collarbone ribs and pelvis Forced to spend most of her time lying down Frida had a specially designed easel that could be attached to her bed so she would be able to paint as well as a mirror placed in the canopy above that allowed her to see herself Carter also stresses how Frida liked to be pho tographed Although Frida could not do that for herself she had other people photograph her This leads Carter to argue that notwithstanding the portrait photographs that resemble the face in Fridas own pictures so closely her eyes seem to have had the power to subvert the camera making it see her as she saw herself as she makes us see what she sees when she paints Immediately after this Carter describes Fridas uniqueness in this process of looking at oneself because the face in the selfportraits is not that of a woman looking at the picture she is not addressing us It is the face of a woman Maria José Pires 70 looking at herself subjecting herself to the most intense scrutiny almost to an interrogation Carter 1998 434 This interrogation reminds us of Carters visit to Japan and Tokyos ritualism both portrayed in Fireworks 1974 and more particularly in Flesh and the Mirror In this short story the first person narrator tries to rebuild a setting according to an imaginary blueprint as a backdrop to the plays in her puppet theatre While doing so she faces herself in a mirror on the ceiling of a hotel room The magic mirror presented me with a hitherto unconsidered notion of myself as I Without any intention of mine I had been defined by the action reflected in the mirror I beset me I was the subject of the sentence written on the mirror I was not watching it There was nothing whatsoever beyond the surface of the glass Mirrors are ambiguous things Women and mirrors are in complicity with one another to evade the action Ishe performs that sheI cannot watch the action with which I break out of the mirror with which I assume my appearance Carter 1988 6465 As Lorna Sage points out this Ishe is purely impersonal as Carter discards her inner life and her act delivers her back to herself her own author Sage 1994 27 This form of disguise is observed by Carter in Fridas urgent selfinterrogation The writer acknowledges Fridas usage of narcissism and exhibitionism in order to fulfil her disguise underlining the fact that what we see is the face of a woman looking into a mirror a mirror we cannot see but one that we must always remember was there Hence Carter presents these selfportrait paintings as a form of selfmonitoring She watches herself watching herself When she does that she is at work Carter 1998 434 Frida confirmed that she portrayed herself because she was alone most of the time and she was the subject she knew best One can even assume that Frida is selfportrait reproduced since she finds in it the possibility of using the pain that afflicts her as a form of narrative Going back to Carters Flesh and the Mirror we notice a similar awareness when the main character becomes perplexed with her changing feelings and considers the creation of a life she had watched herself perform She deals with the situation in a brilliant and funny way I no longer understood the logic of my own performance My script had been scrambled behind my back The cameraman was drunk The director had a crise de nerfs and been taken away to a sanatorium And my costar had picked himself up off the operating table and painfully cobbled himself together again according to his own design All this had taken place while I was looking at the mirror Imagine my affront Carter 1996 68 Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 71 The looking into the mirror depicts what Carter later writes in the Preface regarding Fridas emotional experience and her attempt to transform her whole experience in the world into a series of marvellously explicit images She is in the process of remaking herself in another medium than life and is becoming resplendent The flesh made sign And when we ask ourselves What flesh Carter immediately answers The wounded flesh Frida herself was her own raw material In order to show how Carter believed Frida to be ahead of her time in many ways she pinpoints how this artist kept the raw material raw since the wounds never healed over Carter 1998 434 When we go back to Carters short story Flesh and the Mirror and we read the last paragraph The most difficult performance in the world is acting naturally isnt it Everything else is artful Carter 1996 70 we are remembered of André Breton the French surrealist who described Fridas work as a ribbon around a bomb Her paintings transmit in a very powerful way a strong energy a great passion and pain This is probably what led Carter to underline how much pain is contained in her paintings when she quotes Fridas husband Mexicos most celebrated artist Diego Rivera Frida is the only example in the history of art of an artist who tore open her chest and heart to reveal the biological truth of her feelings Moreover Carter believes that the unchanging gaze on the painted face shows an enigmatic stoicism along with martyrdom as Fridas wounds are displayed reckoning the artist as a connoisseur of physical suffering Carter 1998 434 Therefore it makes us believe that when portrayed on canvas that Frida helped herself to resist the pain as if she felt a need to paint in order to endure it physically and psycho logically then becoming more real and confirming her hold on existence The second feature Angela Carter points out to concerns Fridas physical appearance She begins by admiring what Frida did with her hair in the paintings commenting on how the hair of the most sensual of painters hangs in disorder down her back only when she depicts herself in great pain or as a child when traditionally wild flowing hair is associated with sensuality and freedom Regarding Fridas usual hairstyle Carter gives us a complex picture Sometimes her hair is scraped back so tight the sight of it hurts or it is unnaturally twisted into knots plaited with flowers and ribbons and topknots and feathers in any one of fifty different ways arranged in fetishistic architectural composition of braids Carter 1998 435 It isnt hard to imagine the loose hair Carter using terms as the adjective scraped which implies a harshly rub on the verb hurts the expression unnaturally twisted into knots inferring an artificial control implying pain the excessive fifty different ways of plaiting the hair using various accessories Maria José Pires 72 and again the unnatural arranged and composition featured as fetishistic and architectural All these words describe Fridas hairstyle In Fridas 1940 selfportrait after her divorce from Diego Rivera Carter also refers to the cutting of the hair as a relief for a tortured thing in a sarcastic comment as if shed finally got rid of an unpleasant demanding pet Carter 1998 435 Carter adds a brief reference to a phrase from one of the early 1940s popular songs Frida liked to sing at the top of the painting and the artist presents it in an ironic way Look if I loved you it was for your hair Now that you are hairless I love you no more Frida who had felt loved as in the song only for her feminine features decided to put these aside and renounce the feminine image that was expected of her She cut off her hair symbol of the feminine beauty and sensuality as she had already done during her previous separation from Rivera in 193435 She also gave up on her folkloric Mexican finery with which we associate her so much admired by her husband and wore a mans suit much too big billowing voluminous for her that it could have been taken from Riveras wardrobe The only clearly feminine piece left was a pair of earrings However Carter recalls how Frida liked to pose for photographs en travestie even before her accident and questions her choice for this 1940 painting Has she put on her enormous exhusbands clothes in order to comfort herself Or do mens clothes no longer fit her as they once did and concludes One thing is plain whoever no longer loves her like this she certainly does not love herself They were remarried later that year She grew her hair and braided it again Carter 1998 435 Nevertheless lets not forget Fridas fascination with identity and delight in masquerade Her ethnic costumes and braided hairstyles served to please Rivera and to conceal her physical ailments In addition they also implied a political statement in support of an authentic and independent Mexican heritage Only after presenting Frida Kahlo in that way does Carter mention the accident and how it changed the painters life giving her something to paint about Her pain In fact the accident itself horribly turned her into a bloody and involuntary art object Carters reference to the accident and to the fact that all of Fridas clothes came off in the crash and the bag of gold powder carried by another passenger spilled over her creates what Carter believes to be an image from a nightmare more horribly glamorous than any she imagined or recreated Carter 1998 435 Such an assumption reflects most of the dualism Frida portrayed in her paintings either culturally or sentimentally as shown through her search for harmony between dualistic Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 73 principles such as life and death male and female light and dark ancient and modern Another aspect Carter observes in Fridas painting is her straightfor wardness She depicts her body enclosed in one of the plasterofParis corsets prescribed for her crumbling spine her torso stuck with tacks she paints the fresh incision of the surgeons knife her own blood and other peoples too her miscarriage her restless dual nature part European part Mexican her broken heart Carter 1998 436 Despite Carters admiration for this straightforward form with which Frida depicts her reality she also points out to how subtle Frida can be when painting the deer pierced with arrows This painting The Little Deer 1946 is also seen as an example of Fridas interest in Eastern religions and mysticism her head conjoined with the body of a stag shows such complex assimilation of sources since it relates to the artists suffering due to her failing health and turbulent relationship with Rivera as well as it sums up a world view in which different cultures and belief systems combine Thus the word carma inscribed at the bottom of the canvas becomes a reference to the Eastern concept of reincarnation whereas the arrows allude to St Sebastians Christian images On the other hand in Aztec culture the deer is known to symbolise the right foot Fridas injured limb from her childhood and relates to the animal alter ego a subject that fascinated Frida and that is tied to Angela Carters reference to anthropomorphism which in turn raises the question of the meaning of humanity itself topics that can be found in Nights at the Circus 1984 As such Carter recognizes Fridas ability to make of her broken humiliated warring self a series of masterpieces of mutilation like she also did in real life the writer presents these circumstances by concluding that Fridas narcissism becomes triumphant a carnival But she adds within brackets Never forget the black humour in her paintings Carter 1998 436 We can say the same thing of some of Angela Carters work Even in this Preface similarly to her journalism the writing is thoughtful yet immediate concise but not shallow Smith 1997 xiv and still ironic and poignant This is quite evident when Carter focuses on Fridas marriage to Rivera as a monstrously ambiguous couple Frida with her moustache Diego with his fat mans breasts The sexiest couple in Mexico who did not fuck After explain ing how factual her statements are through a parenthesis Carter underlines again their physical differences and how this is so absolutely obvious in their working interests he did the largescale public works the great political murals She did the colour postcards of heightened states of mind the politics of the heart Carter 1998 436 However Carter seems to Maria José Pires 74 acknowledge the originality of this relationship by pointing out that Rivera was Fridas muse alluding to two selfportraits one of 1943 and the other of 1949 which show he of the bullfrog features ensconced upon her forehead in the place where I imagine that Cain was marked For Carter these portray obsession devotion and inspiration Furthermore she stuns us with this remark Muses arent supposed to make you happy after all Then again men are warned against marrying their muses Women sometimes have no option Carter 1998 436 Notwithstanding these assumptions Carter still concludes that Frida became a great painter because of not in spite of all this Carter 1998 437 Such a conclusion seems to reflect the way Carters Nights at the Circus is also built it begins with a young American journalist named Jack Walser who tries to explode the heroine Fevvers reputation as a real woman who also has real wings and in the end he becomes aware of her liberation her emancipation from reallife models of femininity No wonder in the end the spiralling tornado Fevvers laughter began to twist and shudder across the entire globe though her laughter might also be at Walsers credulity It just goes to show theres nothing like confidence Carter 1994 295 In the Preface Carter also underlines the need women painters face of making exhibitions of themselves in order to mount exhibitions She does so by strongly stressing the verb phrase are forced and as a paradigm presents their options Fame notoriety scandal eccentric dress and behaviour Carter 1998 437 as well as their identities Rosa Bonheur the XIX Century French artist considered one of the most renowned animal painters in history whose unconventional lifestyle contributed to the myth that surrounded her during her lifetime as she smoked cigarettes in public rode astride and wore her hair short Meret Oppenheim the Swiss Surrealist painter and sculptor whose youth and beauty free spirit and uninhibited behaviour precarious walks on the ledges of high buildings and the surrealist food she concocted from marzipan in her studio all contributed to the creation of an image of the Surrealist woman as beautiful independent and creative Leonor Fini the Italian artist who always rejected categorization of any kind and whose eccentric persona and flamboyant dress was rivalled only by Dalis Georgia OKeeffe who would test her physical and psychological independence by living beyond the fringe of civilization bucking oppressive social conventions to become one of the first female American artists to lead a professionally successful and emancipated life and finally Frida Kahlo The examples shown by Carter all seem to confirm her idea that Fame is not an end in itself but a strategy As opposed to are forced Carter chooses the same paragraph to Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 75 explain how Being famous means she can stake out her own territory can even determine wholly or in part the way her paintings will be looked at Carter 1998 437 our emphasis Fridas transition to a much mature style and to a public acknowledge ment as a major artist was assisted not hindered by her growing fame as the beautiful wife of the Mexican muralist We know how Frida felt lost and unprotected without Diego but she was still determined to keep herself strong as she grew more independent from him Thus we believe that Fridas higher success and independence was attained at an artistic emotional and financial level the latter she perceived from the moment her first four paintings were bought by Edward G Robinson Similarly Angela Carters second prize the Somerset Maugham Award for her third novel Several Perceptions 1968 brought her the opportunity to spend the money on a visit to Japan where she lived a unique experience 19691972 She then returned to England to get divorced and to build her career with help from journalism As Roland Barthes wrote at the beginning of Empire of Signs 1970 Someday we must write the history of our own obscurity manifest the density of our narcissism Carter seems to have later reflected on the cultural diversity of her own experience when dealing with the Marquis de Sade in The Sadeian Woman in the following passage Flesh comes to us out of history Carter 1979 11 That seems to have been implied in the way Frida Kahlo became famous as a symbol of what Carter names Mexicanness For her Frida used anything and everything from preColumbian jewellery antiques to beads bought from the market turning herself into a folkloric artefact Carter also points out to how different she would be in her contemporary class society since Frida chose to wear the most elaborate Mexican traditional dress at a time when the Mexican bourgeoisie from which she came did not indulge in fancy dress and even high Bohemia to which she now belonged only kept it for parties Carter 1998 437 Nowadays some believe that Frida used this dress option in two ways to make a nationalist political point and to make a statement about her own independence from feminine norms Carters emphasis is then on how such enchantment of disguise a perpectual festival of fancy dress overcame Frida Even after describing some awkward situations Carter stresses the artificiality of Fridas dazzled smile along with her living exposition of the vitality of the peasant culture of Mexico Carter 1998 437 turned into a piece of political theatre an appearance that according to Carter could easily be trapped in the high fashion world Thus she considers the opening of Fridas show in Paris 1938 at which the FrancoItalian designer Elsa Schiaparelli designed a couture line Maria José Pires 76 and a dress that she baptised la robe de Madame Rivera To promote such a style Fridas hand covered with jewels appeared on the monthly cover of the French Vogue magazine It is in a two line paragraph that Carter sums up Fridas choices by comparing them to Walt Whitmans Like Walt Whitman if she contradicted herself it was because she contained multitudes Carter 1998 437 Although we havent found contradictions in Carters choices of lifestyle yet since she considered herself as a feminist writer living her life accordingly to her subversive nature we know that she always acted like a woman to whom nothing was sacred not even feminisms This isnt hard to notice when we are dealing with a writers work that includes novels short stories collections dramatic works for radio theatre and cinema as well as journalism and other writings When mentioning Fridas death in 1954 Carter observes how easy it was for Diego Rivera to turn the blue painted house in Coyoacan into the Museo Frida Kahlo mainly because she believed the artist had already made of their home a shrine dedicated to their entwined if complicated lives This makes sense when Carter considers Frida as a work of art who produced art works inside one another and then shows us how these reflect on the unfinished portrait of Stalin on the easel in her studio with her wheelchair next to it and the mugs with the couples names in the kitchen Albeit Carter considers the magic and artful universe of this house a beautiful and wholly invented life of flowers fruit parrots monkeys and other peoples children she cannot avoid a comment on Riveras conducting guided tours to Hollywood film stars of the work of the Revolution in Mexico Both husband and wife were more than the sum of their contradictions Reflecting on Fridas various facets Carter arrives at an image of a laughing and enchanting woman and then flirts with it in this manner Yes I believe that I believe that she was enchanting Carter 1998 438 In the last paragraph of her Preface to the Frida Kahlos postcards collec tion Carter sums up what one is able to see on a first glance at the artists work she painted the strangeness of the world made visible Her face Her friends A bowl of fruit Flowers The victim of a crime passionel The sun A dead child The curse of love the disasters to which the female body is heir VIVA LA VIDA she scrawled on her last painting when she was about to die Carter 1998 438 Here we get the portrait of a woman who did not submit to any standard of beauty but still defined it a beauty that underlines womens absolute singularity Such strong praise of Life would later be present in Carters last novel Wise Children 1991 when the twin heroines end up their seventyfifth birthday partying along Bard Road promising to go on singing and dancing until we drop in our tracks What a joy it is to dance and sing Carter 1992 232 This ending celebrates Life when Carter already knew she had lung cancer Finally we consider it ironic that Frida herself was unable to escape the same consumerist machine that she so fiercely criticised Deemed as the quintessential icon of Mexican Surrealism her paintings nowadays fetch the highest prices of any Latin American artist1 Similarly we may question ourselves about how Angela Carter who strived to remain outside the canon would react if she ever found out that in the year following her death the British Academy received more requests for doctoral study grants on her work than on the entire eighteenth century Gamble 1997 1 She surely would have found her own canonisation amusing References André María Claudia 2005 Evita and Frida Latin American Items for Export In The Latin American Fashion Reader edited by Regina A Root New York Berg Publishing 247262 Carter Angela 1988 1974 Flesh and the Mirror In Fireworks London Vintage 6170 1979 The Sadeian Woman An Exercise in Cultural History London Virago Press 1994 1984 Nights at the Circus London Vintage first published by Chatto Windus 1992 1991 Wise Children London Chatto Windus Ltd 1998 1997 Frida Kahlo In Shaking a Leg Journalism and Writings London Vintage first published by Chatto Windus 433438 Gamble Sarah 1997 Angela Carter Writing From the Front Line Edinburgh Edinburgh University Press Sage Lorna 1994 Angela Carter Plymouth Northcote House in association with the British Council Smith Joan 1997 Introduction In Shaking a Leg Journalism and Writings London Vintage first published by Chatto Windus xiixiv 1 Such is María Claudia Andrés point of view presented in the article Evita and Frida Latin American Items for Export that can be read online 28th September 2005 httpwwwpalgraveusacompdfs1859738931pdf Frida Kahlo the Wounded Flesh Made Sign 77 Ao lermos a ficção de Angela Carter facilmente a vemos como lan ci nante poderosa e satírica Contudo também os seus textos jornalísticos e outros breves e tipos vários coligidos em Shaking a Leg 1997 revelam essa vertente aliada a uma capacidade fascinante de observação Como filha dos disruptivos anos sessenta do século XX não é surpreendente o convite para escrever o prefácio à colecção de postais Images of Frida Kahlo 1989 publicada pela Redstone Press Assim colocase a questão do modo como as características do trabalho e da vida de Frida Kahlo evidenciadas por Carter reflectem a sua ideologia O primeiro facto para o qual somos alertados é o prazer e a persistência com que Frida retrata o próprio rosto permitindolhe penetrar no seu cerne e dissecálo Carter salienta ainda o apreço que Frida sente ao ser fotografada e a escritora realça ainda a capacidade do olhar da artista subverter a acção da câmara ao conseguir que a vejamos como ela própria se vê quando se retrata Assim a originalidade de Frida é descrita como o poder que ela tem de impor a forma de se ver a si mesma poder este que lembra a visita de Carter ao Japão e o modo ritualista como nos dá a ver Tóquio ilustrado em Flesh and the Mirror Fireworks 1974 shortstory em que como Frida Carter se autoquestiona constantemente A escritora reconhece o uso feito do narcisismo e da exibição por Frida para esta efectivar o seu disfarce uso feito através do modo como vemos o rosto de uma mulher que olha o espelho espelho que não vemos mas que Resumo em português Frida Kahlo a carne dilacerada feita signo1 1 O título advém do próprio prefácio de Carter The flesh made sign The wounded flesh Maria José Pires 80 não podemos deixar de ter presente É este o sentido de Carter apresentar o autoretrato como forma de automonitorização Pode mesmo assumirse que Frida é a própria reprodução do autoretrato uma vez que é nele que encon tra a possibilidade de usar a dor que a aflige como uma narrativa A experiência emocional de Frida é vista por Carter como uma tentativa de transformar toda a sua vivência numa série de imagens maravilhosamente explícitas num processo de se recriar que não pelo meio da vida O corpo como signo o corpo ferido A artista era a sua própria matériaprima man tendose como tal através de feridas que nunca sararam A pintura dela transmite uma forte energia paixão e dor Carter acredita que o olhar imutável na face pintada revela um estoicismo enigmático coincidente com martírio pela forma como as suas feridas são apresentadas reconhecendoa nela a conhecedora do sofrimento físico Neste contexto Frida faznos acreditar que ao retratarse na tela tal retrato ajudaa a resistir à dor como se dele necessi tasse para a suportar fisica e psicologicamente assegurandose da sua própria existência como pessoa A segunda particularidade apontada por Carter é a aparência física de Frida em especial o cabelo apenas solto quando em grande sofrimento ou quando criança Assim no autoretrato de 1940 após o divórcio de Diego Rivera ao apresentarse de cabelo cortado Frida elimina o símbolo da beleza e sensualidade femininas Não esqueçamos porém o fascínio da artista pela sua identidade nacional mexicana e o deleite pela máscara perpetuados através trajes étnicos e penteados entrançados que agradavam a Rivera e que permitiam esconder problemas físicos servindo ainda de testemunho político a favor de uma herança autêntica e independente do México Neste sentido também o dualismo de Frida retratado no seu trabalho cultural ou sentimentalmente é apontado por Carter a par da procura de harmonia pela artista entre princípios como vida morte masculino feminino luz trevas antigo moderno Não obstante a admiração de Carter pela forma directa como a pintura de Frida retrata a sua realidade a escritora aponta ainda como a artista é subtil ao pintar o veado cravado de flechas The Little Deer 1946 um exemplo do interesse desta pela religião e pelo misticismo Como tal Carter reconhece a capacidade de Frida se transformar enquanto ser numa série de obrasprimas da mutilação como fizera na vida real concluindo a escritora que o narcisismo da artista triunfa carnavalesco Apesar de Carter reconhecer a originalidade da relação de Frida e Diego indicando Rivera como musa de Frida ao aludir a dois autoretratos 1943 1949 para a autora do Prefácio estas pinturas apenas retratam obsessão Resumo em português 81 devoção e inspiração Todavia Carter termina por afirmar que Frida se tornou uma grande pintora devido a todas estas circunstâncias e não apesar delas contribuindo para isso o encanto do seu disfarce um festival perpétuo de vestidos trabalhados Após reflectir sobre as várias facetas de Frida no último parágrafo do prefácio à colecção de postais Carter resume o que pode ser visto em relance inicial do trabalho da artista e alude a VIVA LA VIDA frase inscrita num último quadro de Frida Énos dado assim o retrato de uma mulher que não se submeteu a qualquer padrão de beleza mas que procurou antes redefini la através do seu próprio padrão que evidencia a singularidade absoluta das mulheres Consideramos irónico como a própria Frida Kahlo foi incapaz de iludir o consumismo que tão veemente criticou Tida como um ícone do surrealismo mexicano hoje em dia os seus quadros alcançam os preços mais altos de qualquer artista LatinoAmericano De modo semelhante questionamonos sobre a forma como Angela Carter que tentou permanecer fora do cânone reagiria se descobrisse que no ano após a sua morte a Academia Britânica recebeu mais pedidos para bolsas de estudo sobre a obra dela do que sobre todo o século XVIII Seguramente veria esta canonização com divertimento ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 The Victorians at Amiens Translation and Transposition EMILY EELLS Université Paris X L ocated between Paris and the English Channel Amiens has served as the setting for many of the key events in the drama of AngloFrench history It was in Amiens in the 13th century that the French King Louis the 9th also known as St Louis formalized the reconciliation between his feuding barons and King Henry the 3rd of England Centuries later in March 1802 the Treaty of Amiens was signed in a vain attempt to establish definitive peace between France and the United Kingdom This paper will consider how Amiens1 became a hub of cultural exchange between Britain and France in the 19th century focusing on works signed by three aesthetic theorists namely John Ruskin William Morris and Walter Pater The questions it proposes to address concern translation and transposition and more specifically how the Victorians transformed their experience of Amiens into their own culture The construction of the railway was a defining development for Amiens and its role as centre for AngloFrench cultural exchange in the Victorian period The train line linking Amiens to the French ports of Boulogne and Calais was built by 1848 making it easily accessible to the English traveller and serving as a place of transit on the way between London and Paris The commission to build the railway was entrusted to a British company and the work was carried about by British workers meaning that the British literally built their way to Amiens The 19th century also saw the birth and growth of travel writing as a literary genre The Londonbased publisher John Murray brought out some of the first travel guides publishing his popular Handbook for Travellers in France in 1843 The first route it outlines takes the English traveller from Calais to Paris via Amiens The guidebook accompanies the traveller through his or her encounter with the foreign and unknown literally introducing them to a 1 The name of the town is used here and generally in this paper as a synecdoche to refer to its cathedral NotreDame dAmiens Emily Eells 86 taste of what is different when it points out that duck pâté is a speciality of Amiens Murrays guidebook underscores cultural difference when it also advises the English traveller how to behave abroad which includes the following pointers about etiquette in church Englishmen and Protestants admitted into Roman Catholic churches at times are often inconsiderate in talking loud laughing and stamping with their feet while the service is going on a moments reflection should point out to them that they should regard the feelings of those around them who are engaged in their devotion Above all they should avoid as much as possible turning their backs upon the altar In a church ladies and gentlemen should not walk arm in arm as that is contrary to the usual practice of the people and to their idea of good manners they should avoid talking together during the service2 Murrays handbook presents Amiens in superlative terms as one of the noblest Gothic edifices of Europe It praises the cathedral by comparing it to English architecture for example when it describes the rose window which surpasses every thing of the sort which England can produce Similarly its description of the cathedrals deeply recessed sculpted portals stress that the feature is characteristic of French architecture though it is unusual in English architecture the arches supported by a long array of statues in niches instead of pillars while rows of statuettes supply the place of mouldings so that the whole forms one mass of sculpture an arrangement of constant occurrence in French Gothic though rare in English3 The guidebook sustains the comparison with English cathedrals when it describes the interior of the cathedral whose sense of height is unfamiliar to the English visitor The interior is one of the most magnificent spectacles that architectural skill can ever have produced The mind is filled and elevated by its enormous height 140 feet its lofty and manycoloured clerestory its grand proportions its noble simplicity The proportion of height to breadth is almost double that to which we are accustomed in English cathedrals4 2 Handbook for Travellers in France London John Murray 1843 p xxxviii 3 Handbook for Travellers in France p 5 4 Handbook for Travellers in France p 5 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 87 Those two points about Amiens that the sculpted decoration is integrated into its architectural structure and that its interior cathedral is of inspirational height are two of the tenets of the Gothic Revival movement In the mid nineteenth century that movement was dominated in England by the theory and practice of Augustus Welby Northmore Pugin 18121852 who collab orated on the design of the Houses of Parliament in London undoubt edly one of the most prominently visible examples of the Gothic Revival The description Murrays guidebook makes of Amiens presents it as a model of Gothic architecture as defined by Pugin in his Principles of Pointed or Christian Architecture First that there should be no features about a building which are not necessary for convenience construction or propriety second that all ornament should consist of enrichment of the essential construction of the building5 Pugin cites the flying buttresses of Amiens as a specific example of how an essential support of the building has been made into elegant decoration6 appealing in the following terms to his readers Who can stand among the airy arches of Amiens and not be filled with admiration at the mechanical skill and beautiful combination of form which are united in their construction7 Pugin is also awed by the internal vastness of Amiens and compares it to what he considers to be the deficient internal height8 of English churches He believed that English architecture should adapt that feature of the Gothic cathedral to their own designs taking care to incorporate the foreign without affecting the fundamental characteristics of the English Internal altitude is a feature which would add greatly to the effect of many of our fine English churches and I shall ever advocate its introduction as it is a characteristic of foreign pointed architecture of which we can avail ourselves without violating the principles of our own peculiar style of English Christian architecture 9 The neoGothic churches modelled on the design of Amiens cathedral are the most concrete manifestation of how the British were inspired by Amiens and adapted their impressions of its cathedral into their own work 5 A Welby Pugin The True Principles of Pointed or Christian Architecture 1841 p 1 6 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 5 7 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture pp 56 8 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 75 9 Pugin Principles of Pointed or Christian Architecture p 75 Emily Eells 88 John Ruskins The Bible of Amiens published in 1884 is without doubt the bestknown Victorian work on Amiens cathedral It is indebted to both Pugin who inspired Ruskins interest in Gothic architecture and John Murray as Ruskin travelled around Northern France in 1848 with his Guidebook in hand10 Ruskins quirky unwieldy text on Amiens owes its renown to its French translator The French version of Ruskins text illustrates the point made by the translation theorist Lawrence Venuti that the translator establishes the monumentality of the foreign text its worthiness of translation but only by showing that it is not a monument that it needs translation to locate and foreground the selfdifference that decides its worthiness11 Prousts objective was precisely to foreground the selfdifference of Amiens by showing his fellow Frenchmen how an Englishman viewed one of their national monuments His translation brings cultural difference into focus as he offers it to his readers as if it were a kind of lookingglass enabling them to view their own culture through the eyes of another Ruskin introduces Amiens in terms which echo Pugin as he stresses that Amiens is an example of the pure Gothic Gothic clear of Roman tradition and of Arabian taint Gothic pure authoritative unsurpassable and unaccusable its proper principles of structure being at once understood and admitted12 The last chapter of Ruskins volume is written as a kind of guide book to the cathedral concentrating on the sculptural program of the western façade which he calls The Bible of Amiens Here the Bible has been translated into visual terms in order to make it accessible to the largely illiterate Medieval population The Word with a capital W has become stone As the chapter title Interpretations suggests Ruskin takes on the role of interpreter translating the sculpted images back into words and identifying their Biblical source in his exegesis Ruskins text thus exemplifies the third category of translation defined by Roman Jakobson in his essay on translation namely intersemiotic translation or the transposition from one sign system into another13 The sculpted images 10 See JC Links The Ruskins in Normandy A Tour in 1848 with Murrays HandBook London John Murray 1968 11 Lawrence Venuti The Translators Invisibility A History of Translation London Routledge 1995 pp 3078 12 John Ruskin The Bible of Amiens London George Allen 1897 p 165 first published 1884 13 See Roman Jakobson Essais de linguistique générale Paris Minuit 1963 p 86 first published 1959 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 89 are even constructed as a narrative as can be seen in the series of events in Marys life in the southern portal of the western façade The sequence of scenes the Annunciation the Visitation and the presentation of Jesus at the Temple is constructed into a kind of pictorial sentence which reads like a medieval comic strip It would have been more legible to a medieval viewer than it is today as the sculptures were originally painted and the figures could be identified thanks to the colour of their clothes Ruskins aim was to make this iconography comprehensible to modern readers and he dedicated his volume explicitly to young Christian tourists from England His text targeting a specific readership clearly illustrates the determining role played by the addressee in the literary exchange of translation As he is writing for a Protestant readership Ruskin feels compelled to take the defence of Catholic Maryolatry especially evident in Notre Dame dAmiens a cathedral dedicated to the Virgin There is a stern moral ring to Ruskins words when he asks his readers to be respectful of Catholic worship of Mary as a saint and when he chastises them for attaching importance to money and ostentatious fashionable headgear denoting social status And now last of all if you care to see it we will go into the Madonnas porch only if you come at all good Protestant feminine reader come civilly and be pleased to recollect that neither Madonna worship nor Ladyworship of any sort ever did any human creature any harm but that Money worship Wigworship Cocked Hat and Featherworship have done and are doing a great deal 14 Ruskins comments here are prompted by the French context but they engage in the contemporaneous debate between English Protestantism and AngloCatholicism Ruskins guidebook to a medieval French cathedral thus contains a layer of commentary on contemporary national issues Ruskins commentary on the various representations of the Madonna can be read as an illustration of how context determines translation a term Im using here to mean the transposition from one sign system into another The point is made by Walter Benjamin in his article entitled The Task of the Translator based on the example of the translation of the word bread which is Brot in German and pain in French although German and French bread each have their distinctive national flavour15 Umberto Eco makes the same 14 Ruskin Bible of Amiens pp 2401 15 Walter Benjamin The Task of the Translator Illuminations trad Harry Zohn New York Schocken Books 1968 p 74 first published 1955 Emily Eells 90 point in his volume on translation entitled Mouse or Rat where he argues that the cultural connotation of language is a necessary complement to the lexical definition of a word He uses the term encyclopedia16 to refer to what David Lodge defines as the complex of emotions associations and ideas which intricately relate a nations language to its culture and tradition17 A study of Amiens cathedral shows how elements from that encyclopedia most obviously the historical period and the geographical location affect the translation of the Bible into image The various representations of the Madonna in Amiens show how the historical period and the geographical location impact on representation Ruskin traces their historical development beginning with the Madonna Dolorosa a Byzantine type which he chooses to illustrate with an example from the Early Italian Renaissance by using his own drawing based on Cimabues Madonna Enthroned with the Child and St Francis18 as the frontispiece of his volume on Amiens cathedral It pictures the face of a forlorn Madonna which he contrasts with the representation of the Madonna on the central column of the southern portal of the cathedrals western façade the Frank and Norman one crowned calm full of power and gentleness19 He designates this Queen Madonna using the French term of Madone Reine20 In Ruskins eyes Amiens is epitomized by the Vierge Dorée gracing the southern transept door In linguistic terms we could say that this statue has a metonymic function using that term metonymy in the sense of a relationship of contiguity as she belongs to Amiens she embodies it Ruskin recognizes her as a good French type and describes her as a Madonna in decadence for all or rather by reason of all her prettiness and her gay soubrettes smile21 The French word soubrette is used in light comedy to refer to the ladys maid so Ruskin employs it here to capture the vivacious radiance of this Madonna who is almost coquettish everybody must like the pretty French Madonna with her head a little aside and her nimbus switched a little aside too like a becoming bonnet22 16 Umberto Eco Mouse or Rat Translation as Negotiation London Phoenix Paperback 2003 pp 1216 17 David Lodge The Argument from Translation in Language of Fiction London Routeledge and Kegan Paul 1966 p 20 18 In the lower church of San Francesco Assisi 19 Ruskin Bible of Amiens p 242 20 Ruskin Bible of Amiens p 242 21 Ruskin Bible of Amiens p 176 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 91 Ruskins use of French terms identifies what the calls the Madone Nourrice with the country where she is represented whereas his French translator went one step further as Proust specifically identified this Madonna as an Amiénoise or native of the town Ruskins guide to the Western façade of the cathedral reveals how the design of the scenes from the Bible and the symbolically decorative features reflect the particular context of Northern France where they were sculpted The sculptures are at their most purely symbolic in the quatrefoils depicting the months of the year and in the series of quatrefoils representing the vices and virtues It was customary for medieval artists to use scenes from peasant life to symbolize the different months and the variations in the agricultural calendars that can be seen on buildings throughout Europe illustrate how the relationship between signifier and signified is defined by context Given climatic differences the words signifying the months of the year have different meanings in different places on the façade of Amiens cathedral the month of August is represented as a peasant hard at work threshing which contrasts with the representation of the same month on the façade of St Marks basilica in Venice where August is synonymous with siesta These contrasting repre sentations of the same month prove that translation can never be the simple transport of a set of signifiers from one language to another as that operation also affects the signified which is transported into a different climate Similarly the symbolic representations of the paired vices and virtues are dependent on cultural context In the bleak area of the Somme the virtue of Charity is depicted as a woman donating a cloak to a poor cold man described in the following terms by Ruskin Charity bearing shield with woolly ram and giving a mantle to a naked beggar The old wool manufacture of Amiens having this notion of its purpose namely to clothe the poor first the rich afterwards No nonsense talked of in those days about the evil consequences of indiscriminate charity23 Ruskin here points to the geographical specificity of this representation the cloak donated is a product of Amiens one of medieval Frances leading textile centres and its donation is an appreciated act of charity in a place known for its windswept chilly climate Ruskins comment equally invites comparison 22 Ruskin Bible of Amiens p 176 23 Ruskin Bible of Amiens p 222 Emily Eells 92 with his own times when indiscriminate charity was discouraged in favour of charity which benefited only those judged morally virtuous Amienss conception of Charity contrasts with the depiction of the same virtue in more clement climes for example in Giottos frescoes in the Arena chapel in Padua In the fertile warmth of Italy Charity is represented by the bounty of the earth her basket is overflowing with corn and flowers and her prosperity is symbolized by the sacks of golden wheat on which she stands to reach up to the hand of God These two representations of Charity again illustrate how context determines representation as they engage in a complex play between signifier and signified The sculpture in Amiens and Giottos fresco use two different signifiers to symbolize the same virtue because what is being signified namely the act of Charity also varies according to context and climate Ruskin tried to make the moral teaching represented on the cathedral wall relevant to his readers by using contemporary references in his commentary on the vices and virtues When he points to the vice of Churlishness repre sented as a woman kicking the servant who brings her a drink he compares that image to the contemporary French cancan dancer pictured in 19th century prints24 In a similar way Ruskin updates the vice Rebellion when he points out that modern French and English men have the same scornful attitude to the church as the figure depicted on the sculpted wall of Amiens cathedral Ruskins comment on this vice draws from English culture and includes a moralizing aside censuring both the French and the English Protestant reader Rebellion a man snapping his fingers at his Bishop As Henry the Eighth at the Pope and the modern French and English cockney at all priests whatever25 These quatrefoils thus show how translation takes into account differences in time and place when establishing the relationship between signifier and signified confirming Venutis point that A translated text should be the site where a different culture emerges where a reader gets a glimpse of a cultural other26 Prousts Bible dAmiens demonstrates how translation negotiates the transmission of the cultural information conveyed by a text He took on the role of cultural mediator or gobetween adding numerous extensive footnotes to explain the references in the English original For example he feared his 24 Ruskin Bible of Amiens p 218 25 Ruskin Bible of Amiens p 219 26 Venuti The Translators Invisibility p 306 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 93 French readers might ignore certain facts about the English Reformation so he annotated Ruskins allusion to Sir Thomas More with the following footnote Beheaded under order of Henry the eighth because he refused to acknowl edge the kings supremacy27 Similarly Ruskins reference to John Bunyans Mr Greatheart28 prompted Proust to identify him as a character from The Pilgrims Progress29 The cultural explanations Proust adds to his translation exemplify Jean Jacques Lecercles theory of Interpretation as Pragmatics30 Lecercle argues that literary exchange is carried out on the ALTER model an acronym based on the first letters of the words author language text encyclopaedia and reader The text is thus in the central position with the author at the start and the reader at the end of the working model The space between them which they share with others comprises language on the one hand and Ecos concept of the encyclopaedia on the other My study of Prousts translation of Ruskin incites me to alter the ALTER model by doubling the t to indicate that the translator shares the central position with the text negotiating its linguistic and cultural aspects for the reader It is fitting that the acronym also suggests that the translator alters the original version making it into a different text as Proust transforms The Bible of Amiens augmenting and modifying its dimensions almost beyond recognition when he makes it into La Bible dAmiens Prousts annotated Bible dAmiens rewrites the original text both in another foreign language and in the personal idiom of the translator It belongs to a different artistic school from Ruskins Bible of Amiens and is coloured with references to the translators native French culture Whereas Ruskin numbers the statues on the western façade and presents them in a catalogue of paratactic notes Proust prefaces his translation with a lengthy preface indulging in impressionism and purple prose He is not concerned with what is set in stone his interest is in how the visitors vision of the cathedral is coloured by their own mood as well as by the mood of the day they see it Prousts affinity is with Monet whose series of paintings of Rouen cathedral he cites when he describes Amiens as blue in the mist dazzling in the morning sundrenched and richly golden in the afternoon pinkish 27 Marcel Proust translator La Bible dAmiens Paris Mercure de France 1904 p 181 My translation 28 Ruskin Bible of Amiens p 31 29 Proust Bible dAmiens p 129 30 JeanJacques Lecercle Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Emily Eells 94 nocturnal and already chilly at sunset31 Prousts reference to Monet reveals his own sensitivity to the atmosphere of the place the quality of the light and the tonality of the colours Monets approach was diametrically opposed to Ruskins his paintings do not replicate the details of the cathedrals sculpted stone surface but rather the diffuse light coming off it He stepped back to absorb and capture the overall impression created by the cathedral whereas Ruskin examined it closely to ensure that no detail escaped his notice Thus Ruskins volume mapping the cultural differences between medieval France and Victorian Britain acquired another layer of meaning when it was translated by Proust who infused the text with his own subjectivity and cultural references Ruskins Bible of Amiens owes its survival to its prominent French translator whose work confirms Walter Benjamins theory that translation ensures what he calls the überleben of the translated text32 Less wellknown but of equal interest in a discussion of Amiens as a place of AngloFrench cultural exchange in the 19th century are the essays on Amiens by William Morris and Walter Pater which show how cultural difference contributed to defining and refining their aesthetic theories Both writers record how the encounter with the other and the impression the cathedral made on them contributed to shaping their work proleptically in the case of Morris who visited Amiens as a young man and analeptically in the case of Pater whose article on Amiens was published the year he died Morriss essay Shadows of Amiens was published when he was only 22 years old in February 1856 meaning that it predates Ruskins Bible of Amiens by thirty years33 It appeared in The Oxford and Cambridge Magazine a journal which he helped to set up while he was a student at Oxford University At the same stage of his life his interest in Gothic architecture was aroused by a reading of Ruskins chapter on The Nature of Gothic in The Stones of Venice 18513 which undoubtedly guided his thoughts during his visit to Amiens His essay on that visit points to Amiens as an inspiration of the Gothic revival in architecture but also hints that it inspired the Arts and Crafts 31 Proust Bible dAmiens p 32 My translation 32 Benjamin Illuminations pp 713 33 William Morris Shadows of Amiens The Oxford and Cambridge Magazine February 1856 pp 99110 For a discussion of this article see Lindsay Smith Victorian Photography Painting and Poetry The Enigma of Visibility in Ruskin Morris and the PreRaphaelites Cambridge Cambridge University Press 1995 pp 8592 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 95 movement he later founded It includes a short section on a Renaissance depiction of the life of St Firmin the patron saint of the cathedral painted on a wooden panel hanging in the ambulatory It depicts the life of St Firmin the patron saint of the cathedral and the panel which arrested Morriss attention represents the finding and the translation of the saints relics He describes the priests bearing the reliquaries with their long vestments girded at the waist and falling over their feet painted too in light colours with golden flowers on them34 The seeds of those Renaissance flowers made a formative impression on Morris and blossomed in his own work when he went on to make a name for himself as designer of decorative patterns The inspiration he felt in Amiens is evident in his spontaneous reaction to the cathedral I think I felt inclined to shout when I first entered Amiens cathedral it is so free and vast and noble I did not feel in the least awestruck or humbled by its size and grandeur35 This French monument seemed to issue Morris with a passport to freedom of speech a means of releasing artistic energy initially in a nonverbal shout of pure feeling with no semantic value That energy is channelled into the measured prose of his essay Shadows of Amiens which recounts two different visits to Amiens and considers how the memories of the first trip triggered the anticipation of the second one Morris uses the term Shadows to refer to the photographs of Amiens which he used to refresh his memory when writing His essay is therefore a reflection on the recent invention of photography and the ways in which it affected the travellers experience both before and after the journey Morris may be referring to view of the south transept door taken by the Amiensbased photographer Kaltenbacher36 whose work is representative of the type of photograph Morris may acquired when he was there all the more so as he describes the scenes sculpted on this portal at length beginning with the central figure of the Virgin holding the baby Jesus Morris recognizes that the photograph could only serve as an objective image of the place devoid of subjective impressions and personal memories Photographs had mnemonic value and can serve as an aidemémoire to recall an outline or a shape but 34 Morris Shadows of Amiens p 102 35 Morris Shadows of Amiens p 101 My emphasis 36 Kaltenbacher did a series of 23 plates commissioned by Ruskin sold as a separate brochure accompanying publication of The Bible of Amiens Emily Eells 96 Morris realises that they dull the memory of personal subjective impressions for the facts of form I have to look at my photographs for facts of colour I have to try and remember the day or two I spent at Amiens and the reference to the former has considerably dulled my memory of the latter37 Morris even suggests that the absence of a photograph better preserves his own impression of the place I remember best the porch into which I first entered namely the northern most probably because I saw most of it coming in and out often by it yet perhaps the fact that I have seen no photograph of this doorway somewhat assists this impression38 His essay therefore traces how he transforms the objective mechanically produced photographs sitting on his desk into blurred recollections of his subjective impressions of Amiens colouring the black and white images with his memories and impressions Morris anticipates Walter Benjamins essay The Work of Art in the Age of Mechanical Representation when he insists that one needs to go to a place to experience its aura His title Shadows of Amiens even foreshadows the very word which Benjamin uses to define the conditions which produce the aura effect If while resting on a summer afternoon you follow with your eyes a mountain range on the horizon or a branch which casts its shadow over you you experience the aura of those mountains of that branch39 Walter Paters article entitled NotreDame dAmiens was published a decade after The Bible of Amiens in 1894 the year of his death Pater seems to echo back to Ruskin in his opening superlative praise of Amiens as the greatest and purest of Gothic cathedrals though nowhere in the article does he cite either Ruskins name or his work He confers on Amiens the title of the queen of Gothic churches40 and echoes Pugin when he admires the integrity of the first design41 which means that at one view the whole is visible intelligible42 Pater confirms that this cathedral complies with Pugins definition 37 Morris Shadows of Amiens p 103 38 Morris Shadows of Amiens p 107 39 Benjamin Illuminations pp 22223 40 Walter Pater NotreDame dAmiens Miscellaneous Studies Macmillan London 1910 p 112 first published in Nineteenth Century March 1894 41 Pater Amiens p 113 42 Pater Amiens p 113 The Victorians at Amiens Translation and Transposition 97 of the Gothic when he points out that later additions affixed themselves to that first design and rich ornament gathered upon it Paters essay on Amiens counters Ruskins focus on the building as a construction of sculpted stone and makes his main interest its relationship to humanity Pater emphasizes that NotreDame dAmiens was one of those grand and beautiful peoples churches43 built by the commune of Amiens during a period characterized by certain novel humanistic movements of religion44 He refers to the sculptural decorations as translations into stone but stresses that the teaching is popular almost secular45 as they treat the Bible as a book about real men and women He argues that art has at last become acquired a human interest46 and as a result what purport to be lessons based on scripture are in fact the liveliest observations on the lives of men47 Paters particular interest is in how the contemporary viewer sees Amiens cathedral which over the centuries has acquired what Proust calls a fourth dimension that of time48 Pater reflects on the quality of the light inside the cathedral which having been imprisoned there for so long has become almost sub stance of thought one might fancy a mental object or medium49 Paters visit to Amiens prompts him to summarize his aesthetic theory in the pithy question the salt of all aesthetic study is in the question What precisely what is this to me50 As it had done for Morris and Ruskin who feasted there before Pater Amiens flavoured and enriched their contributions to Victorian art 43 Pater Amiens p 110 44 Pater Amiens p 110 45 Pater Amiens p 119 46 Pater Amiens p 120 47 Pater Amiens p 119 48 Marcel Proust A la recherche du temps perdu Paris Gallimard Bibliothèque de la Pléiade 1987 vol 1 p 60 49 Pater Amiens p 117 50 Pater Amiens p 117 Emily Eells 98 References Benjamin Walter The Task of the Translator and The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction In Illuminations trad Harry Zohn New York Schocken Books 1968 First published 1955 Eco Umberto Mouse or Rat Translation as Negotiation London Phoenix Paperback 2003 Handbook for Travellers in France London John Murray 1843 Jakobson Roman Essais de linguistique générale Paris Minuit 1963 First published 1959 Lecercle JeanJacques Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Links JC The Ruskins in Normandy A Tour in 1848 with Murrays HandBook London John Murray 1968 Lodge David The Argument from Translation in Language of Fiction London Routeledge and Kegan Paul 1966 Morris William Shadows of Amiens The Oxford and Cambridge Magazine February 1856 pp 99110 Pater Walter NotreDame dAmiens Miscellaneous Studies Macmillan London 1910 pp 109 125 First published in Nineteenth Century March 1894 Proust Marcel Combray In A la recherche du temps perdu vol1 Paris Gallimard Bibliothèque de la Pléiade 1987 First published 1913 Proust Marcel translator La Bible dAmiens Paris Mercure de France 1904 Pugin A Welby The True Principles of Pointed or Christian Architecture London John Weale 1841 Ruskin John The Bible of Amiens London George Allen 1897 First published 1884 Smith Lindsay Victorian Photography Painting and Poetry The Enigma of Visibility in Ruskin Morris and the PreRaphaelites Cambridge Cambridge University Press 1995 Venuti Lawrence The Translators Invisibility A History of Translation London Routledge 1995 Esta comunicação pretende analisar como Amiens topónimo aqui sempre usado como sinédoque para designar a catedral de Nossa Senhora de Amiens se tornou um centro importante do intercâmbio cultural entre a Grã Bretanha e a França no século XIX Darseá especial atenção a três teóricos da estética John Ruskin William Morris e Walter Pater Os problemas aqui abordados dizem repeito à tradução e à transposição e mais especificamente ao modo como os vitorianos assimilaram culturalmente a sua experiência de Amiens Em 1843 John Murray um editor londrino responsável pela divulgação de alguns dos primeiros guias de viagens publicou o seu bem conhecido Handbook for Travellers in France cujo primeiro itinerário leva o turista de Calais a Paris via Amiens que este guia apresenta em termos superlativos como sendo uma das construções góticas mais célebres da Europa Os dois aspectos de Amiens que Murray sublinha na sua obra por um lado a forma como as esculturas que decoram a catedral se integram na estrutura arquitectónica do edifício e por outro o facto de no seu interior a catedral se elevar numa sugestiva verticalidade são dois dos princípios do movimento do Revivalismo Gótico Em meados do século XIX esse movi mento em Inglaterra era dominado pela teoria e prática de Augustus Welby Northmore Pugin 18121852 que colaborou no desenho arquitectónico das Casas do Parlamento de Londres sem dúvida um dos exemplos mais óbvios do Revivalismo Gótico Também a descrição de Amiens feita no guia de Murray se refere à catedral como um modelo da arquitectura gótica tal como Pugin a define na sua obra Principles of Pointed or Christian Architecture The Bible of Amiens de John Ruskin publicada em 1884 é certamente o trabalho vitoriano mais conhecido sobre a catedral de Amiens Foi muito influ enciado tanto por Pugin que levou Ruskin a interessarse pela arqui tectura gótica como por John Murray cujo guia de viagens acompanhou Ruskin na sua volta pelo norte de França em 1848 O último capítulo da obra de Ruskin é escrito no estilo de um guia da catedral concentrandose no conjunto de esculturas da fachada ocidental a que ele chama A Bíblia de Amiens Aqui a Bíblia foi traduzida para uma Resumo em português Os Vitorianos em Amiens Tradução e Transposição Emily Eells 100 linguagem visual de forma a tornála acessível à população medieval maiori ta riamente iliterata O texto de Ruskin exemplifica assim a terceira categoria da tradução definida por Roman Jakobson no seu ensaio sobre tradução nomea damente a tradução intersemiótica ou a transposição de um sistema de signos para outro As imagens esculpidas seguem mesmo uma lógica narrativa como se pode ver na série de acontecimentos da vida de Maria no portal sul da fachada ocidental A sequência das cenas Anunciação Visita ção e Apre sen tação de Jesus no Templo formam uma espécie de texto em imagens que se lê como uma tira de banda desenhada medieval Nesse tempo teria sido mais fácil de ler do que hoje pois as esculturas eram originalmente pintadas e podiamse identificar as diferentes figuras graças às cores das suas roupas As várias maneiras de representar a Virgem em Amiens mostram como a época histórica e a localização geográfica influenciam a representação O guia de Ruskin para a fachada ocidental da catedral é bem prova de como a repre sentação das cenas da Bíblia e as características da simbologia decora ti va reflectem o contexto particular do Norte da França onde foram esculpidas Estas esculturas atingem o seu nível simbólico mais puro nos quadrifólios que representam os meses do ano e nas séries de quadrifólios que representam os vícios e as virtudes Era habitual os artistas medievais usarem cenas da vida campestre para simbolizar os diferentes meses e as variações nos calendários agrícolas que se podem ver em vários edifícios um pouco por toda a Europa mostram como a relação entre significante e significado é definida pelo con texto De acordo com as variações climáticas as palavras que significam os meses do ano adquirem significados diferentes conforme os locais Na facha da da catedral de Amiens por exemplo o mês de Agosto é represen tado por um camponês em plena debulha o que contrasta com o modo como na fachada da basílica de SMarcos em Veneza ele se encontra simbolizado pela sesta Estas representações contrastantes do mesmo mês provam que a tradu ção nunca pode ser o simples transporte de um conjunto de significantes de uma língua para outra visto que esta operação também afecta o significado que é transportado para um clima diferente Ruskin tentou também que o ensinamento moral representado na fachada da catedral permanecesse relevante para os seus leitores recorrendo para tal a referências contemporâneas nos seus comentários aos vícios e virtudes Estabelece a comparação por exemplo entre a cena esculpida de uma mulher dando pontapés à criada que a serve o vício da grosseria e a imagem contemporânea de uma corista de cancan das gravuras do século XIX Uma vez mais se vê que estes quadrifólios mostram como a tradução ao estabe le cer o laço entre significante e significado leva em linha de conta as diferenças Resumo em português 101 espaciotemporais confirmando assim o ponto de vista de Venuti ao afirmar que um texto traduzido devia ser o espaço onde emerge uma nova cultura e onde o leitor vislumbra uma outra realidade cultural diferente A Bible dAmiens de Proust prova como a tradução negoceia a transmis são dos dados culturais contidos num texto Assumindo o papel de mediador cultural ou intermediário insere longas notas de rodapé para explicar as referências no original inglês Temendo por exemplo que o público leitor francês ignorasse certos factos relativos à Reforma em Inglaterra acrescentou uma nota à alusão de Ruskin a Sir Thomas More onde refere que ele fora mandado decapitar por se recusar a reconhecer a supremacia de Henrique VIII Uma referência de Ruskin a John Bunyans Mr Greatheart leva Proust a inserir outra nota onde esclarece que Mr Greatheart é uma personagem de The Pilgrims Progress As notas contendo explicações culturais que Proust acrescenta à sua tradução exemplificam a teoria de Lecercle da interpretação como pragmática Interpretation as Pragmatics London Macmillan 1999 Para Lecercle a permu ta literária realizase segundo o modelo ALTER acrónimo para autor língua texto enciclopédia e leitor reader O texto está no centro estando o autor no início e o leitor no fim do modelo operativo O espaço que medeia entre estes e que é partilhado com outros compreende por um lado a língua e por outro o conceito de enciclopédia de Eco Depois do meu estudo da tradução que Proust fez de Ruskin sintome inclinada a alterar o modelo ALTER dobrando o T para indicar que o tradutor ocupa juntamente com o texto a posição central pois ele negoceia os seus aspectos linguísticos e culturais tendo em vista o leitor É de toda a justiça que o acrónimo também sugira que o tradutor altera a versão original transformandoa num texto diferente tal como Proust transforma The Bible of Amiens aumentando e modi ficando as suas dimensões ao ponto de tornála quase irreconhecível quando comparada com La Bible dAmiens Assim as diferenças culturais existentes entre a França medieval e Ingla terra vitoriana que esta obra de Ruskin evidencia adquiriram outro nível de sentido quando Proust ao traduzir o texto o enriqueceu com a sua subjecti vidade e referências culturais De facto a Bible of Amiens sobreviveu graças ao seu eminente tradutor cujo trabalho confirma a teoria de Walter Benjamin segundo a qual a tradução assegura maior longevidade ao texto traduzido Menos conhecidos mas com igual interesse numa discussão sobre as relações culturais anglofrancesas no século XIX são os ensaios de William Morris e Walter Pater que mostram como a diferença cultural contribuiu para a definição e afinação das suas próprias teorias estéticas Ambos os escritores Emily Eells 102 referem como o encontro com o outro e a impressão que lhes causou a cate dral influenciaram o seu trabalho prolepticamente no caso de Morris que visitou a catedral quando era jovem e analepticamente em relação a Pater cujo artigo sobre Amiens foi publicado no ano da sua morte Em Shadows of Amiens o ensaio que Morris escreveu aos 22 anos após a sua visita à catedral o autor considera Amiens como producto do revivalismo gótico na arquitectura mas dá também a entender que ela inspirou o movi mento Arts and Crafts que ele próprio viria a fundar O ensaio inclui uma breve referência a uma pintura renascentista sobre madeira representando S Firmino patrono da catedral e que se encontra no ambulatório A parte do painel que mais atraiu a atenção de Morris foi a que narra a descoberta e a transladação das relíquias do santo Morris usa o termo Shadows para se referir às fotografias que tinha sobre a secretária e que usou como auxiliar de memória quando estava a escrever o seu ensaio Este tornase assim num exercício mental sobre a invenção da fotografia e o modo como esta influenciou a sua experiência de visitante da catedral antes e depois da viagem As palavras que escreve mostram como ele transforma aquelas fotografias objectivas e feitas por meios mecânicos em registo das suas impressões subjectivas de Amiens emprestando às imagens a preto e branco a cor das suas memórias e impressões mostrando assim ter captado com a sua presença no local a atmosfera que o define O artigo de Pater intitulado NotreDame dAmiens foi publicado em 1894 no ano da morte do autor e dez após a publicação de The Bible of Amiens Pater parece fazerse eco de Ruskin ao iniciar a sua descrição de Amiens em tom altamente elogioso chamandolhe a maior e a mais pura das catedrais góticas embora nem o nome nem a obra de Ruskin apareçam citados no artigo Ele dá a Amiens o título de rainha das catedrais góticas e tal como Pugin admira a unidade do plano original que faz com que o todo se torne de imediato visível e inteligível Pater afirma que esta catedral obedece à definição que Pugin dá do gótico sublinhando justamente a existência de elementos que mais tarde foram adicionados ao plano original e a profusa ornamentação que se veio a acumular A visita que Pater faz a Amiens levao a resumir a sua teoria estética na pergunta que está no cerne de todo o estudo da estética Mas afinal o que significa isto para mim Tal como fizera com Morris e Ruskin que antes de Pater já tinham ficado deslumbrados com a catedral Amiens tornou mais variada e rica a contribuição que eles deram à arte vitoriana ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo JACQUES LEENHARDT École des Hautes Études en Sciences Sociales É prudente começar uma reflexão sobre a função da crítica de arte na cultura contemporânea por uma interrogação a respeito da própria defini ção da crítica Para muitos com efeito e os artistas às vezes se encon tram entre eles a crítica é uma atividade parasita Diante de tal opinião é preferível não opor uma defesa em causa própria Do meu ponto de vista somente uma reflexão de caráter histórico permite esclarecer ao mesmo tempo o porquê e o como da crítica Ela deve partir da evolução das próprias artes da atitude dos artistas ou daquilo que se poderia chamar de sua consciência de si como artista e por fim da evolução do público de arte Sabese muito bem que o conjunto desses parâmetros sofreu uma transformação importante na segunda metade do século XVIII depois que na esteira de Shaftesbury e de Baumgarten a questão da sensibi li dade como forma de conhecimento ganhou um lugar na filosofia ao lado da razão sob o nome de estética Século do triunfo da Razão o século XVIII é também aquele que de Diderot a Rousseau dará um lugar à sensibi li dade entre as faculdades humanas do conhecimento A Crítica do Juízo de Kant constitui o ponto culminante dessa reflexão Se perguntamos então por que Diderot inventou um gênero literário que levará o nome de Salões a razão disso é que a arte está em vias de ganhar um público novo relativamente independente dos critérios de gosto elabo rados na Corte e que os próprios artistas pressentindo a autonomia nova que pode lhes garantir esse público deixam sua própria sensibilidade se exprimir mais livremente sobre a tela O Academicismo domina ainda nos Salões e sobre o mercado totalmente novo de arte ilustrado pelo quadro de Watteau Lenseigne de Gersaint mas já a multiplicação do público isto é a coexistên cia de muitos públicos sequiosos de possuir obras de arte abre uma brecha na unicidade do gosto Esse duplo movimento que afeta tanto os artistas quanto o público abre um espaço entre esses diferentes atores daqui para frente desprovido de regras A subjetividade do artista tende a conferir a si mesma curso muito mais livre enquanto que o espectador ainda marcado por normas cada vez mais Jacques Leenhardt 106 obso letas não sabe mais como apreciar aquilo que vê Ele se preocupa em deixar crescer em si mesmo uma liberdade de julgamento até agora não expe rimen ta da procura ainda as muletas de um critério socialmente aceito no qual se fiar Será preciso esperar Baudelaire para que a crítica de arte coloque clara mente seu papel como mediação entre um público qualificado na época de burguês em princípio capaz de reações sensíveis mas insuficientemente livre para deixar que elas se exprimam por si mesmas e os artistas que afirmam cada vez mais a irreprimível transcendência de sua subjetividade Com Baudelaire se estabelecem as categorias fundadoras da prática crítica no domínio da arte Uma comunidade de horizonte reúne o artista o público e o crítico que a emoção do pintor fixa a seu modo sobre a tela Ela se exprime no objeto estético O crítico a reformula por sua vez numa lingua gem em que investe toda a parcialidade de seu olhar e é ficando mais perto de sua paixão que ele consegue ser o mais universal pois essa paixão subjetiva tem o mesmo fundamento que a do artista e potencialmente do público Ele encontra por esse viés um acesso próximo da sensibilidade adormecida e mal exercida do público A reformulação sensível da arte na linguagem leva muito evidentemente uma vantagem considerável sobre a formulação pictórica Utiliza a mediação de uma estrutura de comunicação universal a linguagem perfeitamente exercida em cada um Se os públicos são relativamente cegos àquilo que se passa no quadro é porque sua experiência cotidiana não lhes dá senão rara mente a ocasião de prestar atenção nas diferenças nas quais reside todo o interesse Aprendemos a ler e a escrever não a olhar O crítico da arte sabe ou deveria saber apreciar uma cor uma intensidade uma tonalidade uma linha Deveria achar aí um significado e comunicálo na linguagem verbal Assim transcrito o efeito plástico tornase perceptível para aquele que não está acostumado com ele e o texto crítico funciona por sua vez como uma escola do ver uma pedagogia da sensibilidade Não obstante a própria escrita apresenta estados diferentes Aprender a ler um texto informativo não desenvolve senão uma parte das potencialidades da linguagem e da leitura A escrita é por natureza às vezes descritiva poética e metafísica dito de outra forma ela descreve um objeto referencial evoca as sensações provocadas por esse objeto numa sensibilidade e subsume esse objeto num conceito resgata sua validade universal seu sentido Essas três funções se reencontram na prática da crítica de arte Esta deve desig nar o objeto de seu discurso dentro de sua autonomia um quadro uma insta lação a imagem de um corpo a fotografia de um nevoeiro na contraluz etc Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 107 Sabese entretanto que não existe descrição nem absoluta nem pura men te objetiva A imaginação do crítico é portanto sempre convidada a com ple tar esse referente oferecido a interpretálo isto é a lhe atribuir um sentido a fazêlo entrar enfim num conjunto significativo mais vasto A imaginação crítica toma emprestado da linguagem para fazer sua função poética princi pal mente sua estrutura metafórica No discurso crítico o objeto de arte é sempre além daquilo que parece ser descrito através do modo analógico do como É isto e outra coisa ao mesmo tempo Prestígio e prestidigitação da escrita o de poder manifestar dois estados da coisa ou da idéia no mesmo ato verbal Para quem não vê senão esse ponto de incan des cência poética a escrita entra naturalmente no domínio da filosofia pois se uma coisa é isso e ao mesmo tempo pode ser aquilo somente a imaginação saberá dar conta dessa complexidade Esse estado crepuscular de toda obra de arte sob o olhar do discurso crítico se liga ao caráter movente e efêmero de toda a realidade humana A vida moderna tal como Baudelaire nomeava o estado de movimento browniano permanente da vida do mundo apreendido pela consciência faz da fugaci da de uma característica essencial das coisas e por conseqüência também de sua representação na arte É uma das razões pelas quais o inaca ba mento da obra se tornou uma qualidade metafísica desta Ele deixa abertas as portas da ima gi nação que terá por função atribuir um significado subjetivo àquilo que per manecia na sua essência e na sua objetalidade propriamente indeterminado A determinação do significado não estando jamais assegurada de forma definitiva para a própria obra tornase apanágio do público e eventualmente daquele que é como uma voz provisória deste o crítico Oscar Wilde não dizia no seu estilo irônico preferir um mau artista a um que fosse bom because I can make more of him than he is porque posso fazer dele mais do que ele é Preferir o esboço à obra acabada é dar mais chances ao possí vel é prever o lugar e a importância do crítico e do espectador na realização do significado da obra E isso é verdade tanto da parte dos artistas que podem desejar conceber seu trabalho como uma obra aberta e dizer com Duchamp que são os espectadores que fazem o quadro quanto da parte do público cujo gosto se sabe que vai há um século em direção ao esboço do mesmo modo que em direção à obra terminada Ele também sente prazer com a incompletude da obra com a condição todavia que seu caráter enigmático não seja para ele ocasião de uma renúncia à compreensão O texto crítico nunca deixou desde Diderot até nossos contemporâneos de se colocar na posição de mediação que torna necessária uma arte cujos Jacques Leenhardt 108 códigos estejam constantemente em ruptura com relação ao estado atual do gosto isto é às capacidades espontâneas de compreensão existentes normal mente nos públicos A escrita e o museu Quando se pensa em discurso crítico se imagina um texto impresso nos jornais e nas revistas Contudo a escrita não é mais a única a desempenhar um papel essencial entre obras e públicos a assumir a função crítica e a marcar a difusão social da arte A evolução dos sistemas de difusão social da arte produziu com efeito novas instâncias de mediação A multiplicação dos museus e há alguns decênios dos museus de arte contemporâneos criou uma situação inédita e atores críticos novos Os curadores do museu eram no passado os guardiões do patrimônio isto é de valores socialmente consagrados no domínio da arte São hoje freqüentemente através dos museus de arte contemporâneos as Bienais e as exposições os interventores imediatamente contemporâneos da criação diretamente implicados na avaliação e interpretação das obras pro pos tas pelos artistas O museu veio portanto ocupar um lugar que não existia no tempo dos salões que Diderot e Baudelaire comentavam Os salões eram um lugar de encontro social Todas as imagens que temos deles nos mostram que eles estão mais próximos do bazar do que do templo Ora o museu não conservou quase nada da função de lugar público onde se debate a arte de fórum assumida antigamente pelos salões O público e as obras ali estão separados uns dos outros por uma barreira metafísica que está ligada à função simbólica que nossa sociedade atribuiu à instituição museoló gica Criado no final do século XVIII o museu é o receptáculo cerimonioso de objetos reputados como apresentando a quintessência dos produtos da humanidade considerada de um ponto de vista universal e abstrato Contrariamente às coleções dos príncipes e prelados que significavam o poder material e simbólico de seus proprietários assim como a singularidade das obras que as compunham o museu significa a aparição de uma transcen dência laica que afirma a universalidade do homem conforme a tendência geral de democratização que se manifesta em nossas sociedades De fato o museu se tornou o templo de uma religião da humanidade que tende a substituir a religião cristã enfraquecida O frontispício do Museu Real de Ontário em Toronto traz significativamente esse emblema Os trabalhos de Deus através dos tempos as artes do homem através dos séculos Trabalhos para um Deus assaz homo faber e artes para um homem completamente homo sapiens sapiens Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 109 Funções e finalidades dos museus Essa transcendência laica e democrática colocou questões tremendas à museologia e é no horizonte delas que se organizou o grande debate entre uma concepção sagrada do museu como templo e uma abordagem peda gó gica como espaço de aprendizagem e discussão Instrumento democrático o museu deve ensinar a todos templo do universal ele implica um desvio de toda circunstância particular A descontextualização dos objetos no museu se prende à idéia mesma de museu de coleção de objetos reputados como representando o esquema do mundo Ela não é senão o sintoma daquilo que a função de templo assu miu em relação à de fórum O esquartejamento no qual o museu está preso se liga ao fato de que ele se encontra no presente de suas vitrines e de suas cimalhas exatamente à articulação do passado memórias de coisas verda deiras deposi tadas em suas coleções e do futuro que será cumprido por aqueles que vêm olhar atrás do vidro dos sarcófagos a dinâmica mesma da vida O museu e o Panteão é um museu e não um cemitério é a articulação do morto e do vivo sob o ângulo da humanidade como processo de comuni ca ção transgeracional Lá está o caráter sagrado do museu mas lá está tam bém seu caráter pedagógico pois não podemos projetar um futuro sem nos fundar sobre o passado O museu é uma metáfora do universo sob o ângulo da temporalidade Ele religa como faz a vida porque separa Toca no sagrado tanto quanto religa como queria a religião laica de Augusto Comte é pedagó gico porque ao objetivar o passado permite ao sujeito construir um futuro para si Porque me separa daquilo a que adiro minha terra minha cultura minha família ele me dá às vezes os meios de viver essas determinações cotidianas e de transformálas O dispositivo museológico Assim definido o museu é uma máquina que funciona segundo dois princí pios a visualidade que religa e a vitrine que separa A visualidade é o que define a atividade do espectador A vitrine é o que separa o corpo do espectador da materialidade da coisa o que impede que a mão não venha substituir o olhar Favor não tocar A vitrine radicaliza a abstração do olhar materializa a distância que o constitui como tal A vitrine é um corte episte mo lógico entre pensar e sentir Podese todavia inverter essas proposições exercício que elucida o caráter paradoxal do museu A vitrine é o que introduz todo objeto na ordem do sagra do fabrica um tabernáculo para o objeto mais simples o enobrece e o torna tabu Sem esse distanciamento que Duchamp explorou com mais Jacques Leenhardt 110 ciência que todos os outros instalando o objeto industrial anônimo no museu não há sagrado não há arte Se portanto a vitrine une tanto quanto separa em planos evidentemente diferentes que diremos da visualidade No espaço onde estão dispostas as imagens textos objetos arquiteturas etc a sensibilidade visual opera reagru pa mentos cria liames entre objetos e símbolos dispersos O museu sugere uma coerência através de suas categorizações técnicas habituais pintura escultu ra desenho ou então geográficas e cronológicas arte egípcia pintura do século XVII holandês ou arte contemporânea Em todos esses casos cabe ao especta dor harmonizar para si mesmo a diversidade dos objetos que lhe são apresen tados sob essas categorias bastante imperfeitas naturezas mortas uma cena religiosa um desfile real uma alegoria da paz e uma cena de taverna para o século XVII holandês ou ainda uma instalação um vídeo uma pintura para a arte contemporânea Como se constituirá uma unidade corres pon dente à época ou ao estilo anunciado E tudo isso dentro de uma arquitetura que será talvez do século XIX ou do século XX museológica ou industrial numa mobília também ela variável com um guarda sonolento quarenta turistas e ele ele próprio perdido e tentando encontrar para si um lugar no mundo Detenhamonos um momento nessa experiência da sensibilidade visual Ela reabilita a colagem não somente porque o visitante deve retomar numa só experiência uma variedade de imagens e de conceitos que não são muito harmonizados mas porque há na própria direção museológica uma colagem de diversos discursos uns sobre os outros Uma sala de museu uma exposi ção torna realmente visível e presente bem mais que o silêncio ensurdecedor das obras que apresenta A ela vem se sobrepor o discurso de um curador que se considerará aqui como um discurso crítico A vontade demonstrativa que habita todo organizador de exposição não se choca somente com a evidente má vontade que faz com que toda obra de arte entre num esquema de sentido elaborado por um crítico Além do mais o comissário da exposição curador é constantemente confrontado por uma instância da qual ele não pode esca par a história da arte Nesse plano o conflito é inevitável porque o crítico comissário não pode escapar da história da arte que é como um superego da crítica ao mesmo tempo que sabe que o princípio mesmo dessa história da arte é contrário àquilo de seu trabalho como comissáriocrítico que não pode senão afirmar sua própria historicidade e fundar sobre essa historici dade partilhada a relação com os públicos que visitarão sua exposição Diante disso o espectador produz quanto a si um terceiro discurso para si mesmo obrigatoriamente diferente em relação aos discursos institucionais A situação museológica apresenta portanto uma particularidade essen Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 111 cial dentro do dispositivo social da crítica de arte Durante a leitura de seu jornal ou de sua revista o futuro espectador está livre para entender um dis cur so crítico que goza de uma autonomia comparável àquela do poema ou do ensaio Quando ele se encontra ao contrário dentro do museu o leitor se transforma em visitante A presença física de espaços e de cimalhas dá então uma forma determinada ao discurso da crítica e da história de arte indepen den temente desse discurso sobre a universalidade que é o da própria institui ção museológica O que esse visitante tem diante dos olhos estabelece uma multiplicidade de relações com aquilo que leu ou poderia ter lido com aquilo que sabe ou poderia saber Enquanto o templo no qual ele penetrou deveria fazêlo sentir a força de uma verdade para além de toda discussão eilo en fren tando uma multidão de dúvidas que a circunstância o impede ainda mais de formular Mesmo o monólogo interior é rarefeito no recinto do museu A exposição contra o museu Há na experiência que o visitante tem dessas multiplicidades de pontos de vista algo que faz com que a visita se pareça com a leitura de um romance Ali também somos confrontados com uma multiplicidade de acontecimentos e de idéias das quais é preciso extrair uma substância única É que o romance é um espaço experimental para o romancistacurador e para o leitorvisitante Seria preciso dizer algo semelhante a respeito disso que chamarei de a exposição para distinguir um acontecimento ligado à exibição de atividades artísticas ou outras do homem própria de nossas democracias modernas e profundamente distinta do museu Do mesmo modo que o romance acompa nha desde a era democrática a construção simbólica e social do cidadão também a exposição a acompanha A exposição seria desse ponto de vista uma forma de arte privilegiada na idade da democratização Digo uma forma de arte e não uma maneira de mostrar a arte Uma forma simbólica como Panofsky dizia da perspectiva Por seu dispositivo espacial pela autonomia que ali conservam todos os objetos pela impossibilidade de construir um discurso sem falhas com os elementos expostos pela pluralidade das correspondências que ela favorece ainda mais que o romance a exposição faz aparecer uma verdade essencial a história da arte ou do homem não constitui uma objetividade diante da qual se encontraria passivamente o espectador mas um campo aberto que se propõe a esse espectador para que construa ele mesmo sua própria história Não sua própria história da arte da literatura ou do cinema pois esta é a tarefa dos curadores dos museus ou dos historiadores da literatura ou do cinema mas sua própria história na arte no interior do mundo da arte e da história pelos meios colocados em obras tão diversas pelos artistas Jacques Leenhardt 112 A exposição é uma ocasião de reapropriação das obras de arte essa memória artística conservada nos museus por parte do visitante a quem seriam dados os meios de fabricar sua história pela mediação simbólica de diferentes artes existentes O visitante desde esse momento não está mais diante do espetáculo de uma história da arte se desenrolando num mundo separado abstrato organizado pela consciência transcendental do univer sa lismo mas é confrontado pelos traços da atividade humana a partir dos quais deve e pode construir o lugar mesmo de sua atividade dentro da história Ao arrancar a obra de arte do museu para colocála em exposição a evolução democrática ainda bem longe de estar concluída romperá com o enclausuramento do templo museológico Já podemos constatar que o museu se abre e sobretudo que os espaços dificilmente sacralizáveis usinas desa tivadas lofts etc servem cada vez mais de locais de exposições Isso que permitem esses locais isso que acompanharia uma cenografia revolucio nária isso seria a renovação do que Tapiès chamava de o jogo de saber olhar Seguindo os preceitos baudelairianos Tapiès quer nos fazer reapren der a construir para nós a exposição Dando como exemplo uma obra de Tapiès Chaise sigamos ao pé da letra os preceitos do pintor catalão 1 essa velha cadeira não parece ser grande coisa Mas pensem em todo o universo que há nela 2 as mãos e o suor de quem cortou essa madeira 3 a árvore robusta de onde foi extraída 4 a energia vital dessa árvore na floresta 5 a densidade das árvores ao lado da montanha 6 o trabalho amoroso do artesão que a construiu 7 o prazer de quem a comprou 8 as fatigas que ela poupou 9 as dores e as alegrias que aí repousaram 10 o grande salão ou a pobre sala de jantar no subúrbio que a acolheram E Tapiès conclui Tudo absolutamente tudo representa a vida e sua importância1 É isso que faz a exposição Olhem olhem atentamente E deixemse levar por tudo aquilo que faz ressoar em vocês seu olhar 1 La pratique de lart Gallimard 1974 Essa ressonância espaço interior das correspondências a exposição pôde reabrila quando o museu tendeu à exclusão tendo privilegiado o fetichis mo do objeto porque considera toda coisa abstrata de seu contexto Nisso isso que chamo de exposição se apresenta como um museu arre ben tado um antimuseu como se dizia antipsiquiatria Ela se torna o lugar privilegiado dessa atividade crítica do despertar parcial contempo rânea ativa e poética que Baudelaire reinvindicava e que é ainda hoje a nobre tarefa da crítica Crítica de Arte e Cultura no Mundo Contemporâneo 113 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Fazer acontecer uma história MARIA JOÃO WORM Introdução Apesar de hoje existir nas artes plásticas um espaço importante e muito interessante na relação entre palavra e imagem com recurso a novas tecnolo gias o que vos vou apresentar resulta directamente do que faço da minha experiência com a pintura gravura e ilustração Todo o trabalho que tenho feito tem conjugado sempre palavra e imagem Através de cartoon banda desenhada e ilustração mas também nas exposi ções que fiz de pintura e gravura em que parti sempre de textos Este convite para falar sobre imagem e palavra vem especialmente ao encontro do último trabalho que tenho vindo a preparar para expor em Novem bro em que pela primeira vez numa exposição parto de textos meus o que me tem obrigado a reflectir sobre o meu trabalho de um modo diferente e donde resultam muitas perguntas dúvidas e algumas resoluções práticas Uma das coisas a que cheguei na vontade de comunicar exactamente o que sinto é que isso é impossível Mas que através de uma história do acto partilhado de contar uma história talvez possamos aproximarnos do que existe mais parecido com comunicar Uma história é comunicada quando existe um encontro não pela diferen ça mas no que temos de comum Hoje sinto que são precisas seme lhan ças destas em que cada um se encontre com a história sem fazer prevalecer uma interpretação É importante para mim quando faço uma exposição saber que cada imagemtexto faz parte de um todo por isso peguei em imagens que fiz em tempos e contextos diferentes e com o que sei agora escrevi uma história para cada uma delas Escolhi palavras que utilizo várias vezes para a partir delas desenvolver os textos São elas história definição e reflexo Maria João Worm 118 Da palavra história Por vezes a razão de tanto se pensar a si própria esquecese do corpo e da vida Quer aceder a um plano para além dela onde possa permanecer em forma de eterna verdade alcançável que espera pelo pensador Acertar o pensamento com a vida integrálo nela A razão tem servido para sistematizar e ordenar o conhecimento para se poder questionar e reorganizar A história da humanidade está pronta a ser encaixotada por um pensamento racional e vive num grande armazém imaginário num acervo maior do que qualquer pensamento racional A razão tende a ser disciplinada e arrumada O caos é a zona que sobeja depois de se encaixotar o possível E é também curiosamente o nome do armazém onde toda a história se encontra Nós somos culturalmente do grupo de determinada versão da história Ouvimola e partilhamos esse conhecimento que também é uma experiência comum As histórias mais populares quando resistem ao passar do tempo e ficam posteriormente fixadas na escrita se se mantiverem fiéis são suficientemente fantásticas e de preferência vagas a tendência natural é perderem as datas e ficarem acções e mais importante que os nomes são as características dos personagens E tudo isto contribui para que a sua essência seja intemporal São o fio que nos une e prende à origem Quando na história da história as datas e os nomes ficam registados e se sucedem cronologicamente perdese a essência na herança demasiado pesa da de nomes e números Existe uma exigência rigorosa que leva o conhe ci mento para fora da vida Tornandonos espectadores da história em vez de intervenientes Nós somos também o resultado das histórias e da história Genetica mente herdámos de sucessivos antepassados características que foram sendo traba lha das e o mundo existe no estado actual em grande parte resultado de pensa men tos que se tornaram acções Enquanto humanos somos respon sá veis pelo mundo que transformamos Herdámos essa capacidade e estamos condicionados por uma direcção de pensamento Fazer acontecer uma história 119 Da palavra definição Perante um lugar chega um pensador perdido e faz um levan ta mento do lugar Parte do que chama princípio e escreve eu estou aqui prende um fio ao aqui e segue em frente desenrolando a sua linha de pensamento e vai desenhando um mapa Faz isso porque não deseja estar perdido Quando regressa o pen sa dor descansa numa definição Chega outro pensador perdido e cum pri mentamse trocam palavras Através do desenho do mapa o segundo pensador apro veita para des cansar Se adormecerem sonham cada um por si mergu lha dos no mes mo mistério Maria João Worm Técnica mista sobre papel três imagens em dimensões aproximadas do A4 1996 Maria João Worm 120 Da palavra reflexo De miM para Mim O desenho da matriz quando se trabalha em gravura é feito em reflexo Antes de tirar uma prova se se olhar a matriz num espelho temse uma ideia muito aproximada do que vão ser as gravuras Quando nos habituamos a este processo de rebater as imagens desenvolvese uma noção de equilíbrio mais consciente Gosto que seja por reflectir que se chegue a uma ima gem final que em gravura reflectir possa ser um gesto poético A acção física de levar à prensa a ma triz reflec te um dese nho Um desenho ori ginal que pensa e que nos mostra impresso esse pen sa men to Este é para mim um bom exem plo de relação viva entre palavra e imagem Maria João Worm Acrílico sobre tela 2001 Maria João Worm Linóleo gravado 2005 Fazer acontecer uma história 121 Uma espécie de resumo Tanto as palavras como as imagens são o material que se usa para ir construindo um texto ou uma imagem até se atingir a concretização possível onde nada se acrescenta Um texto ao ser construído ou ao ser lido obedece a uma sucessão tem po ral Quem escreve pode ter andado errante a acrescentar ou a tirar palavras mas uma vez fixado o texto segue uma ordem que quem lê partilha como se se estabelecesse uma experiência cúmplice entre escritor e leitor Esta escrita que vai sendo lida palavra a palavra consome o tempo da mesma maneira como nos acontece a vida As imagens porque são construídas por sobreposição apresentamse de uma só vez na sua conclusão Estamos mais perdidos perante uma imagem porque ninguém nos acompanha na experiência do tempo gasto a fazêla que poderia ou deveria ser igual ao tempo necessário que levaria a vêla Na maneira de se apresentar fora do tempo e já feita uma imagem levanta problemas de leitura É desconcertante pensar que uma imagem se define na coincidência da sua forma com o que é de uma só vez isto é contrá rio ao tempo que temos forçosamente que gastar para conhecer Talvez porque me canso a contradizer o que vou pensando tenho este amor especial pelas imagens onde gosto de demorar o olhar Onde perder tempo se confunde com ganhar tempo porque se acede a uma sensação de intemporalidade Perante uma imagem posso encontrar em mim um exercício parecido com o pensar mas descansado porque se encerra nele próprio A imagem está ali inteira delimitada e o seu mistério preso nela E posso ficar simplesmente a olhar ou a ver sem outra exigência Como em geral na poesia as imagens encerram o mistério do paradoxo de se apresentarem inteiras e serem múltiplas em planos que acedemos simultaneamente de um modo indizível Penso que deve haver qualquer coisa comum nas vidas todas que passa ram e na nossa que agora é Uma fonte primeira de natureza anterior à defini ção de definição mas que não é o mesmo que indefinição O que procuro nas imagens e nas palavras é reconhecer o desconhecido e saber que o partilho profundamente Reflectir não é só ser contemporâneo e pensar é espelhar o que se mantém para além do tempo Penso que os registos todos têm em comum a vontade de comunicar esse mistério E essa vontade atravessa o tempo com dedos longos e sem impressões digitais ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea ALCINDA PINHEIRO DE SOUSA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa Uma mistura é uma combinação de duas ou mais substân cias em que estas mantêm a sua identidade própria Qualquer mistura seja ela homogénea ou heterogénea pode ser obtida ou desfeita por meios puramente físicos mantendo os seus constituintes a identidade inicial Raymond Chang Química1 U ma palavra ou uma imagem visual ou qualquer das relações dife ren tes que entre ambas se possa estabelecer é hoje analisável em termos de vários quadros teóricos Um desses quadros é o da psico logia no qual nomeada men te se inscreve Ernst Pöppel como especialista em neuro psicologia da percepção interessado em algumas implicações das respectivas teorias no cam po da avaliação estética2 Em Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Fronteiras da Consciência Sobre a Realidade e a Expe riên cia do Mundo Pöppel demonstra que a imagem percebida não decorre exclusivamente do estímulo recebido pelos olhos Para tal sugere ao leitor certas experiências com o conhecido cubo de Necker nome do seu inventor Pöppel 1985 573 1 Esta epígrafe é retirada de Chang 1994 9 2 A propósito do trabalho deste estudioso ver Pöppel 1985 Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung com tradução portuguesa Pöppel 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo Ver ainda Pöppel 1993 Lust und Schmerz Über den Ursprung der Welt im Gehirn Prazer e Dor Sobre o Surgir do Mundo no Cérebro e Pöppel 2003 The Hierarchical Structure of Phenomenal Time and Some Implications for Philosophical Discourse and Aesthetic Appreciation 3 O responsável pela ideia do cubo agora reproduzido foi o cristalógrafo suíço Louis Albert Necker 17861861 Caracterizase este cubo pela possibilidade de ser visto de duas perspec tivas diferentes Entweder sieht man das Quadrat das mehr rechts unten liegt als vorn dann ist das Quadrat das nach links oben liegt die Rückseite des Würfels Oder es ist gerade umgekehrt wobei dann das Quadrat links oben vorne wäre Pöppel 1985 564 Pöppel começa por constatar assim experimentalmente o facto de que o cubo pode ser visualizado em alternativa das duas maneiras diferentes ou de cima para baixo ou de baixo para cima o que nos leva a interpretálo como estando a vêlo de duas perspectivas contrárias O neuropsicólogo da percepção passa depois à segunda fase da experiência pedindonos que con tro lemos e aceleremos a visualização do cubo em sentidos alterna da mente contrários A concluir afirma Dieses sehr einfache Experiment demonstriert uns nebenbei daß wir mit unserer Wahrnehmung offenbar gar nicht hundertprozentig einer Reizsituation ausgeliefert sind Na den Linien auf dem Papier ändert sich nichts nur in unserem Bewußtsein ereignet sich etwas und diese inneren Ereignisse bewirken eine Änderung des Wahrgenommenen Die Willensbefehle zwingen dem einfachen Reiz die Weise auf wie er mir zu erscheinen hat Pöppel 1985 575 Como tal Pöppel não só releva o papel da consciência relativamente ao do estímulo da percepção como dá ênfase à dita consciência no processo gerador do que é percebido 4 Traduzse aqui para português este passo de Grenzen des Bewußtseins assim como se reproduz o cubo de Necker porque tanto a tradução como a reprodução do cubo em Pöppel 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo estão incorrectas Ou se vê o quadrado que está mais à direita e em baixo como estando à frente e então o quadrado que está à esquerda e em cima é o lado de trás do cubo Ou é exactamente o contrário de modo que então o quadrado à esquerda e em cima estaria à frente Tradução minha 5 Traduzse ainda o passo transcrito de Grenzen des Bewußtseins Esta experiência muito simples demonstranos além disso que evidentemente não estamos de modo algum cem por cento entregues com a nossa percepção a uma situação de estímulo Nas linhas sobre o papel nada se altera só na nossa consciência acontece qualquer coisa e estes aconte ci mentos internos causam uma alteração do que é percebido As ordens da vontade impõem ao simples estímulo a maneira como ele tem de me aparecer Tradução minha Alcinda Pinheiro de Sousa 126 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 127 Prosseguindo a análise este cientista evidencia as formas como seme lhantes teorias influenciaram os próprios artistas Es ist von Kunsthistorikern gezeigt worden daß Paul Klee sich intensive mit Fragen der Wahrnehmungspsychologie befaßt hat Besonders der Neckersche Würfel hatte es ihm angetan In vielen Werken von Klee kann man sehen wie er zeischnerisch mit dem Würfel gespielt und seine Doppelperspektive gestalterisch ausgenutzt hat Der Künstler nutzt also die Kreativität des menschlichen Gehirns nicht nur seines eigenen sondern auch das des Betrachters Neuerdings gibt es Hinweise daß sich auch Picasso mit Fragen der visuellen Wahrnehmung auseinandergesetzt hat und daß beispielsweise die Entwicklung des Kubismus ohne diesen Blick über die Grenzen der künstlerischen Welt hinaus kaum möglich gewesen sein dürfte Pöppel 1985 576 Um outro artista cujos trabalhos adquirem especial relevo neste contexto é o gravador holandês M C Escher 18981972 cuja xilogravura Ar e Água I 1938 é aliás sobrecapa da edição de Grenzen des Bewußtseins7 Mas de acordo com as experiências do chamado cubo de Necker é em Belvedere litografia de 1958 que se torna particularmente visível o papel preponderante da consciência relativamente ao do estímulo da percepção durante o processo gerador do que é percebido8 6 Eis a tradução deste outro passo de Grenzen des Bewußtseins agora citado Foi mostrado por historiadores da arte que Paul Klee se ocupou intensamente de questões da psicologia da percepção Em especial impressionouo o cubo de Necker Em muitos trabalhos de Klee pode verse como ele jogou graficamente com o cubo e como aproveitou formalmente a sua dupla perspectiva O artista utiliza portanto a criatividade do cérebro humano não apenas do seu mas também do do observador Recentemente surgiram referências a que Picasso também se debateu com questões da percepção visual e a que por exemplo o desenvolvimento do cubismo sem este olhar para além das fronteiras do mundo da arte dificilmente teria sido possível Tradução minha 7 O principal professor de Maurits Cornelis Escher acabou por ser Samuel Jessurun de Mesquita de origem portuguesa e que ensinava técnicas de gravura o qual veio a ser assassinado juntamente com a família num campo de concentração nazi depois de terem sido levados de casa no final de Janeiro de 1944 8 Quanto a Belvedere esta questão era já observada no catálogo da Exposição Organizada pela Embaixada dos Países Baixos e Apresentada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian em 19811982 A tal propósito ver Escher Dezembro de 1981 Janeiro de 1982 Sobre a análise que Pöppel faz dos trabalhos de Escher e do cubo de Necker ver Pöppel 1993 Kap 16 Gestalt und Hintergrund Die Neugier des Bewußtseins Forma e Fundo A Curiosidade da Consciência passim Alcinda Pinheiro de Sousa 128 Sinteticamente pode afirmarse que Ernst Pöppel está já a explicar em 1985 em Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Fronteiras da Consciência Sobre a Realidade e a Experiência do Mundo e na perspectiva da neuropsicologia da percepção o carácter complexo do que é visualizar um objecto seja ele qual for Ao mesmo tempo Pöppel está a defender a tese do carácter activo do nosso conhecimento Was wir sehen oder hören was wir begreifen ist Ergebnis eines aktiven Erkennens und nicht eines passiven Registrierens Pöppel 1985 669 Muito mais tarde em 1997 John Walker e Sarah Chaplin em Visual Culture An Introduction viriam propor a diferenciação entre as noções de visão e visualidade implicando a primeira um processo físico e fisiológico e a segunda um processo obvia mente activo também mas em função de determinismos sociológicos Subal terni zada parece neste caso a caracterização neuropsicológica da actividade que se constitui como ver Viewers are not merely pairs of eyes they have minds bodies genders personalities and histories Infants rapidly learn to see and to become social beings they learn to speak a language and they acquire knowledge of the world and of previous imagery This knowledge informs and modulates their seeing At this point the difference between the terms vision and visuality can be explained Theorists have argued that the former refers to a physicalphysiological process in which light impacts upon eyes while the latter refers to a social process visuality is vision socialised Walker Chaplin 1997 22 Um outro quadro teórico profícuo para o estudo da palavra da imagem eou das suas relações é o da psicolinguística interdisciplinar e transdis ci plinarmente ligado ao da neuropsicologia da percepção que estivemos a observar Neste caso dou ênfase ao trabalho desenvolvido pela equipa de Isabel Hub Faria cujos primeiros resultados foram objecto de uma comuni cação recente e já publicada com o título Interaction and Competition between Types of Representation An Example from EyeTracking While Processing Written Words and Images10 9 Traduzse por fim o passo de Grenzen des Bewußtseins que se transcreveu O que vemos ou ouvimos o que percebemos é resultado de um apreender activo e não de um registar passivo Tradução minha 10 A referida publicação Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 foi a primeira do projecto de inves tigação Registo e Análise do Movimento dos Olhos durante a Leitura projecto em curso desde Dezembro de 2003 no Laboratório de Psicolinguística OnsetCentro de Estudos de Linguagem Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 129 De acordo com a teoria defendida na parte introdutória de Interaction and Competition Between Types of Representation aquilo que é percebido resulta do processamento do estímulo da percepção desde o olho mais especificamente desde a pupila e da retina até ao cérebro É explicitado assim o carácter cognitivo da análise a empreender International research undertaken over the last few decades has brought empirical support to the theoretical perspective that eye movements produced during reading reflect the cognitive processes that are simultaneously taking place Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 116 Observemos agora as questões que foram objecto da experimentação desenvolvida pela equipa de Isabel Faria sobre as formas de interagirem cognitivamente materiais escritos e visuais 1 May an instance of written material included in an image act selectively over other internal properties of that image while perceiving it processing it storing it and retrieving it from memory 2 Does the processing of written material interact with the visual processing of a scene If so what counts as prominent so that it may be kept as such in our memory 3 Do both types of representation written and iconic operate similarly within working memory short term memory and within semantic memory long term memory Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 117 A experiência concebida pela equipa para responder a estas questões implicava três conjuntos de imagens com e sem legenda que seriam obser vados um a um por cada informante Após a observação o informante devia recordar as imagens acabadas de ver e descrevêlas por escrito com o maior pormenor possível Há que reconhecer o facto de o número de infor man tes envolvidos na experiência ter sido insuficiente como é aliás admitido no pró prio final de Interaction and Competition Between Types of Representation findings should of course be backedup in the near future by studying a larger group of subjects Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 128 Tem de se reconhecer igualmente que a interpretação teórica dos resultados obtidos deveria estar mais desenvolvida Departamento de Linguística Geral e Românica Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Sobre as relações entre palavra e imagem neste mesmo quadro teórico ver ainda Baptista 2005 Para Uma Análise das Interacções entre a Legenda e a Imagem No respeitante ao carácter interdisciplinar da linguística em geral ver Faria 2003 Uma Visão Interdisciplinar da Linguística em Fim de Milénio Alcinda Pinheiro de Sousa 130 São de referir contudo algumas conclusões provisórias da experiência no caso de observação da imagem e da respectiva legenda quanto à forma como estas interagem Although contributing explicitly to categorization and naming we verified that the used captions did not prevent the subjects from accessing other information visually contained in the picture or judged by the subject as implicit A certain unexpected control free nature of the used captions could provide a possible explanation for obtaining similar recalls for a picture from different subjects seen either with or without a caption Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 125 Dirseia pois que a legenda contribuiu para que o informante fizesse uma melhor leitura da imagem mas não o impediu de proceder a uma estrita interpre tação visual dela e relativamente livre Notese por fim que nenhuma das imagens escolhidas pela equipa de Isabel Faria era dada enquanto arte apesar de uma delas ser a de um fonta nário facilmente classificável como peça escultórica da arquitectura urbana É provável que tratandose de imagens de objectos apresentados como artísti cos surgissem problemas suplementares ao conceberse e concretizarse o pro cesso da experimentação os quais decorreriam hipoteticamente de difi cul dades em categorizar e avaliar as imagens tanto pelos autores da experiência como pelos seus informantes11 O estudo da palavra da imagem eou das suas relações que temos estado a problematizar pode fazerse num outro enquadramento teórico ainda o da semiótica Evidencio como tal as teses de Rudi Keller em A Theory of Linguistic Signs Antes porém devo fazer notar que este linguista elege um paradigma de investigação substancialmente diverso dos que considerámos até aqui Assim critica as teorias linguísticas de tipo mentalista sublinhando precisamente a contingência histórica de qualquer língua Já em 1994 no livro On Language Change The Invisible Hand in Language Keller expunha o seu entendimento do objecto de estudo construído por Noam Chomsky Real and interesting is exclusively the individual competence which is represented in the brain of a speaker or what Chomsky has recently called IGrammar internalised grammar Keller 1994 55 A esta construção declaradamente 11 À imagem do fontanário aqui em causa foi atribuída a seguinte legenda Fontanário em pedra com duas bicas adossado ao gradeamento do jardim de S Lázaro Porto Faria Baptista Luegi e Taborda 2006 126 Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 131 mentalista contrapunha logo depois a sua ostensivamente concebida segundo uma teoria histórica the establishment of a conception of language which does justice to the eternal change in language Keller 1994 5712 Especificamente quanto às suas teses em A Theory of Linguistic Signs Keller começa por defender que são três os processos de desenvolvimento dos signos o sintomático o icónico e o simbólico processos sobre os quais se arquitecta a nossa competência semiótica Começando pelos sintomas Keller caracterizaos do seguinte modo Symptons are in a certain sense the simplest and most archaic signs Symptoms play a role in human communication blushing is a sign of embarassment Symptons are signs only in a certain sense for they are not inten tionally used it is their interpretative use that makes them into signs Symptons are therefore more elementary signs than icons and symbols Keller 1998 103 Passando à explicitação do que entende por ícones e sempre em termos de uma estratégia comparativa dos processos de desenvolvimento dos signos este linguista declara natural things or artifacts become icons through their use for the purpose of communication Colloquially one might say that it is through the senders doing that something becomes an iconic sign while symptoms are created exclusively through an interpreters doing Typical iconic signs are for example the stylized man and woman on toilet doors Keller 1998 108 Finalmente Keller chega à descrição muito mais complexa do que as anteriores daquilo que é um símbolo de acordo com a sua teoria Esta é uma das fases da argumentação em que mais insiste nas diferenças entre as teses que defende e as de Charles Sanders Peirce Keller apresenta assim o princípio de que parte para a definição do que é interpretar um símbolo What makes a symbol interpretable is the rule of its use in the language Keller 1998 112 Em seguida procura caracterizar este princípio con cluin do a sua análise através de um exemplo paradigmático 12 A defesa de que a língua é historicamente relativa configura também Keller 2003 The Natural Language An Example of Spontaneous Order and its Sociocultural Evolution Alcinda Pinheiro de Sousa 132 To know what a symbol means is to know under which conditions it is usable for the realization of which intentions The game of chess is appropriate here as a descriptive analogy when someone says Aha he wants to take my bishop with his rook she gives you to understand that she believes she has understood the sense of the move For this she must be familiar with the meaning of the bishop that is she must know which moves may be made with the bishop and which may not Anyone who does not know the rules of use of the bishop will not stand a chance of understanding the sense of the moves involving the bishop Like the sense of an utterance the sense of a move is the end to which that move is undertaken Keller 1998 113 114 De acordo com a sua teoria Keller pretende tornar claro que não é the mental correspondent of the sign Keller 1998 112 como defende Peirce que torna o símbolo interpretável mas a regra do seu uso na língua13 O factor estético embora aludido no quadro desta teoria da comuni cação não é considerado na análise de Keller I have suggested a classification of the factors that are taken into account in our calculations of communication costs and benefits regarding the choice of linguistic means On the benefits side we can hope for informative social and aesthetic benefits I want to tell you something and at the same time cultivate our relationship also I try to express myself eloquently Keller 1998 195 Todavia deve questionarse esta ausência quase completa da menção do factor estético Com efeito tal ausência não se coaduna com a importância implicitamente atribuída ao benefício estético no diagrama de Keller sobre o cálculo dos custos e benefícios da comunicação a que o linguista se refere no passo de A Theory of Linguistic Signs agora citado A palavra a imagem visual e as diversas formas de interagirem podem ser estudadas como verificámos nos quadros teóricos até aqui considerados o da neuropsicologia da percepção o da psicolinguística e o da semiótica Além disso constituem objectos especialmente analisáveis também no âmbito das áreas disciplinares da economia da sociologia da política e da cultura Dois exemplos óbvios são os dos usos da palavra ou da imagem ou 13 Quanto à declaração de Keller sobre o objectivo de contrapor as suas definições de sintoma ícone e símbolo às que Charles Sanders Peirce dá para indício ícone e símbolo ver Keller 1998 100 de ambas em interacção pela publicidade e pela propaganda No enquadra mento do que se designa por Média de Massas e Electrónicos aqueles dois exemplos constam precisamente da legenda do seguinte esquema elaborado para Visual Culture An Introduction por John Walker historiador de arte e design e Sarah Chaplin a trabalhar em teoria da arquitectura e do design esquema modelar neste contexto Walker Chaplin 1997 3314 A concluir salientese que em referência ao esquema acima repro du zido Walker e Chaplin invocam a teorização de Pierre Bourdieu sobre produção cultural exactamente para enfatizarem as condicionantes de ordem Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 133 14 No caso da publicidade e do marketing estes problemas das relações entre o cultural por um lado e o económico o social e o político por outro lado são ponderados por Pinto e Castro 2002 Comunicação de Marketing Field of General Production Field of Cultural Production Fine Arts CraftsDesign Performing Mass and Arts and Arts Electronic of Spectacle Media Field of Visual Culture Alcinda Pinheiro de Sousa 134 económica social e política que determinam aquele tipo de produção Bourdieu maintains that the field of cultural production exists within a larger field of production the field of general manufacturing economics and politics which he sometimes calls the field of power While the field of culture has a relative autonomy its boundaries are permeable and it is subject to influences and determinants from the enclosing field Also what is at stake in the field of culture is compa ra ble to that of the wider field the competition for wealth property power and social status But what distinguishes the cultural field from the field of economics is that power is often symbolic it consists of aesthetic achievements high status peer group recognition and the award of degrees and honours Walker Chaplin 1997 32 Apresentouse aqui uma selecção de alguns importantes enquadra mentos teóricos diferenciados em que hoje é viável estudar palavra ou imagem visual ou qualquer das relações diferentes que entre ambas se possa estabele cer Tal selecção teve dois objectivos primeiramente enfatizar a sua quanti da de e diversidade em seguida mostrar que é defensável agrupálos em duas grandes categorias São elas por um lado a das teorias que privile giam uma concep ção neurológica do conhecimento e por outro lado a das que contrapõem a ne ces sidade de se reconhecer o relativismo histórico dos mecanismos cognitivos Há que proceder agora a uma diferenciação dos tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo actualmente quando tal diferenciação está potenciada como antes nunca esteve pelo aceleradíssimo desenvolvimento das chamadas novas tecnologias Já no ano de 1997 em Visual Culture An Introduction trabalho atrás citado Walker e Chaplin ao defi nirem o que designavam por Área de Estudo da Cultura Visual caracte ri zavam o seu objecto como amplo e heterogéneo Além disso e confor me pode observarse no seu esquema da página trinta e três atrás reproduzido subdividiam esta área recente de estudo em função de quatro classes distintas de cultura visual que intitulavam Belas Artes ArtesDesign Artes Perfor ma tivas e Artes do Espectáculo e Média de Massas e Electrónicos15 Neste contexto limitarmeei a citar uns poucos exemplos apresentados por Walker e Chaplin para cada uma daquelas classes de cultura visual a 15 Relativamente à amplitude e heterogeneidade da cultura visual ver Walker Chaplin 1997 324 Sobre a própria noção de diferença neste caso aplicada aos enquadramentos teóricos em que Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 135 pintura a gravura e os filmes e vídeos de vanguarda para Belas Artes o design urbano a ilustração e o design de jardim para ArtesDesign o teatro a dançaballet e os fogos de artifício para Artes Performativas e Artes do Espectáculo finalmente a fotografia o cinemafilme e a Internet para Média de Massas e Electrónicos Não constitui meu objectivo aqui proble matizar a fluidez epistemológica destas classificações Contudo não posso ignorar que em finais do século XX se torna pelo menos polémico incluir a fotografia nos Média de Massas e Electrónicos sem interrogar a sua hipo té ti ca condição de arte em particular face à pintura Fazêlo pareceme implicar um critério avaliativo cada vez mais contestável como é aliás admitido por Walker e Chaplin16 Na sequência do reconhecimento de que é forçosamente polémico classificar hoje a fotografia não como arte mas como um dos média de massas e electrónicos vou considerar um último enquadramento teórico para a análise da imagem visual ou de qualquer das relações entre esta e a palavra o da história da arte Pelo rigor conceptual e pela eficácia intelectual já instituídos nesta área de conhecimento têmse distinguido os estudos sobre o visual produzidos no seu âmbito Assinalo por isso The Story of Art de E H Gombrich à escolha de cujo título em especial à do uso de Story em lugar de History não é por certo estranha a ênfase implícita no carácter eminentemente subjectivo do juízo estético Este facto pode ser comprovado se observarmos as palavras do próprio Gombrich logo na introdução do seu trabalho As there are no rules to tell us when a picture or statue is right it is usually impossible to explain in words exactly why we feel that it is a great work of art Gombrich 1984 17 A análise da história da arte proposta por Gombrich permitenos reco nhe cer imediatamente a centralidade da imagem visual no quotidiano de todos os povos e desde sempre Um exemplo eloquente que nos apresenta consiste se pode estudar hoje a palavra ou a imagem visual ou qualquer das suas múltiplas relações bem como aplicada aos vários tipos de imagem visual a que podemos estar a referirnos sobretudo hoje também ver Pinheiro de Sousa 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença Embora posteriormente muito trabalhado o ensaio agora referido teve por base parte da comunicação que apresentei ao primeiro da série de quatro seminários com o título A palavra e a Imagem série organizada em 2005 06 pelo Programa de Investigação A Moderna Diferença do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa CEAUL 16 Quanto aos exemplos das quatro classes de cultura visual e sobre a polémica classificação da fotografia neste enquadramento ver Walker Chaplin 1997 46 Alcinda Pinheiro de Sousa 136 na defesa da existência de pinturas nos primeiros templos cristãos as basíli cas defesa feita pelo papa Gregório o Grande em finais do século VI AD He Pope Gregory the Great reminded the people who were against all paintings that many members of the Church could neither read nor write and that for the purpose of teaching them these images were as useful as the pictures in a picturebook are for children Painting can do for the illiterate what writing does for those who can read he said Gombrich 1984 95 Uma vez que muitos cristãos eram incapazes de interpretar a língua escrita dado ela ser de tipo simbólico o papa Gregório o Grande estava absoluta mente convencido de que o carácter icónico da pintura resolveria o problema de comunicação assim gerado Em seu entender só desta forma é que a igreja cristã poderia ampliar e intensificar o ensino dos seus princípios básicos con for me era necessário ao projecto de fortalecimento e supremacia do cris tia nismo relativamente às outras religiões Julgo pois que em termos do conhecimento da imagem visual e de como interage com a palavra não é produtivo continuarmos a tentar medir a centra lidade dela na cultura ocidental relativamente a culturas diferentes nossas contemporâneas eou do passado Devemos sim considerar o modo como a partir de meados do século XX a qualidade e a rapidez de execução e de reprodução mecânicas das imagens alterou o impacte delas na nossa cultura condicionandoa radicalmente Além disso devemos analisar os processos de manipulação tecnocrata e mercantilista de que as imagens visuais têm sido objecto preferencial nesta viragem do século XX para o século XXI Aparentemente as imagens assim executadas reproduzidas e manipu ladas sobretudo graças às chamadas novas tecnologias foram constituindo o instru mento básico que o ocidente tem vindo a utilizar para impor univer salmente os seus modelos económicos sociais políticos e culturais de funcio na men to Com efeito sendo globalizantes tais modelos estão a eliminar siste ma ticamente os factores de diferenciação entre os vários povos Neste contexto dois objectos de estudo paradigmáticos e atrás referidos são a publicidade e a propaganda quer nos sectores económico e social quer nos da política e da cultura Discriminados alguns dos diversos enquadramentos teóricos do estudo da palavra da imagem e das suas múltiplas formas de interagirem separadas também várias classes de imagens visuais passo à última fase deste ensaio Para tal vou escolher um objecto de análise esteticamente enquadrável A Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 137 palavra estética está entendida aqui basicamente como Marita Sturken e Lisa Cartwright muito bem a definem e de modo sintético em Practices of Looking An Introduction Aesthetics A branch of philosophy that is concerned with beliefs and theories about the value meaning and interpretations of art The aesthetic traditionally referred to concepts of the beautiful but today refers to what is valid and valuable in the arts Sturken and Cartwright 2001 349 itálicos meus Esta definição invoca o que já afirmei atrás a propósito de The Story of Art de Gombrich sobre o carácter subjectivo do juízo estético Isto é o que se infere em especial do uso de beliefs em branch of philosophy Aesthetics that is concerned with beliefs about the value meaning and interpretations of art Além disso Sturken e Cartwright enfatizam com rigor a mudança de objec to e objectivos operada nas teorias estéticas sobretudo nas últimas décadas do século XX Consistiu esta mudança em passar da avalia ção das chamadas obras de arte de acordo com modelos académicos de qualidade estética inquestio na dos e inquestionáveis às interrogações desses modelos e às dos próprios critérios de validação das artes como tais É eviden te que semelhantes interro ga ções tinham de resituar os critérios e os modelos de validação e avaliação estéticas no contexto histórico da sua produção conservação e actuação17 Em breve apontamento e nos termos estéticos assim caracterizados propo nho então que observemos um exemplo apenas de um dos diferentes tipos possíveis de uso da palavra escrita da imagem visual e das formas como interagem Tratase da mistura constituída pela narrativa escrita da execução do negro Neptuno e pelo respectivo desenho a partir do qual veio a ser feita a gravura que mais tarde se publicou em livro combinada com aquela narrativa como sua ilustração Acrescentese que todos estes componentes foram realizados no dealbar definitivo da nossa modernidade ie nas últimas décadas do século XVIII John Gabriel Stedman concretizou a narrativa escrita e os desenhos ilustrativos primeiro no Suriname depois na Holanda e final mente na Inglaterra William Blake produziu em Londres várias gravu ras a partir daqueles desenhos de Stedman tendolhe sido atribuída a do negro Neptuno18 17 Sobre estas questões estéticas ver Gardner 1996 Aesthetics 18 No respeitante à narrativa escrita e aos desenhos de Stedman bem como ao processo da execução das gravuras e da publicação em 1796 pelo radical Joseph Johnson de Narrative of a five years expe dition against the Revolted Negroes of Surinam in Guiana on the Wild Coast of South America from the year 1772 to 1777 ver White 2001 Stedmans Narrative its Origins Transformations Alcinda Pinheiro de Sousa 138 Deve ainda fazerse notar que Stedman escreve Narrative e faz os neces sá rios desenhos no pressuposto do seu carácter estético como pode inferirse do que afirmam Richard e Sally Price em introdução a Stedmans Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society Without question Stedman considered himself a far better artist than writer and his contem poraries seem to have shared his opinion R Price and S Price 1992 xl Além disso sobre o juízo de valor relativo que Stedman faz deste seu trabalho considerese o que ele declara em Narrative a propósito das formas como descreve e desenha dois tipos de macaco que encontra no Suriname In the annexed plate I have delineated both these monkeys the large quata and the small saccawinkee thus trying to correct with my pencil the deficiency that may be in my pen Stedmans Surinam 1992 171 No presente contexto limitome a validar o assim reconhecido pressuposto estético de Narrative que implicitamente avaliarei quanto à narrativa escrita da execução do negro Neptuno e à respectiva ilustração Feitas estas especificações parto da hipótese de que a maioria dos leitores cuja competência linguística em inglês for suficiente lê primeiro a narrativa da execução até porque ela precede espacial e temporalmente no livro a imagem que a ilustra Passo por isso a transcrevêla na íntegra para de modo semelhante ao da maior parte dos leitores começarmos a apreciar tal narrativa e depois a respectiva ilustração e a forma como as duas interagem The third Negro whose name was Neptune was no slave but his own master and a carpenter by trade He was young and handsome but having killed the overseer of the estate Altona in the Para Creek in consequence of some dispute he justly lost his life with his liberty However the particulars are worth relating which briefly were that he having stolen a sheep to entertain some favorite women the overseer had determined to see him hanged to prevent which he shot him dead among the sugar canes This man being sentenced to be broken alive upon the rack without the benefit of the coup de grace or mercy stroke laid himself down deliberately on his back upon a strong cross on which with arms and legs expanded he was fastened by ropes The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field But the prisoner never uttered a groan or a sigh The ropes now being unlashed I imagined him dead and felt happy till the magistrates moving to depart he writhed from the cross till he fell in the grass and damned them all for a pack of barbarous rascals At the same time removing his right hand by the Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 139 help of his teeth he rested his head on part of the timber and asked the bystanders for a pipe of tobacco which was infamously answered by kicking and spitting on him till I with some Americans thought proper to prevent it He then begged that his head might be chopped off but to no purpose At last seeing no end to his misery he declared that though he had deserved death he had not expected to die so many deaths However you Christians said he have missed your aim and I now care not were I to lie here alive a month longer after which he sang two extempore songs with a clear voice taking leave of his living friends and acquainting his deceased relations that in a little more time he should be with them to enjoy their company forever This done he entered into conversation with two gentlemen concerning his trial relating every one particular with uncommon tranquillity but said he abruptly By the sun it must be eight oclock and by any longer discourse I should be sorry to be the cause of your loosing your breakfast Then turning his eyes to a Jew whose name was De Vries Apropos Sir said he wont you please pay me the five shillings you owe me For what to do To buy meat and drink to be sure Dont you perceive that I am to be kept alive which seeing the Jew look like a fool he accompanied with a loud and hearty laugh Next observing the soldier who stood sentinel over him biting occasionally on a piece of dry bread he asked him how it came that he a white man should have no meat to eat along with it Because I am not so rich said the soldier Then I will make you a present First pick my hand that was chopped off clean to the bones Sir Next begin to myself till you be glutted and youll have both bread and meat which best becomes you And which piece of humour was followed by a second laugh and thus he continued when I left him which was about three hours after the execution But to dwell more on this subject my heart Disdains Lo tortures racks whips famine gibbets chains Rise on my mind appall my tearstained eye Attract my rage and draw a soulfelt sigh I blush I shudder at the bloody theme In the adjoining plate 71 see the above dreadful chastisement Stedman 1992 2856 Vou agora reproduzir a imagem destinada a ilustrar o que lemos The Execution of Breaking on the Rack 1793 Gravura a água forte acabada a aguarela sobre papel 177x129 cercadura Atribuída a William Blake Ilustração para John Gabriel Stedman Narrative of a five years expedition against the Revolted Negroes of Surinam London 1796 Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 141 Notese que segundo pudemos ler Stedman remetenos expressamente para esta gravura no final da sua narrativa In the adjoining plate 71 see the above dreadful chastisement Semelhante remissão leva a combinarmos os dois componentes narrativa escrita e ilustração e a obtermos como tal a sua mistura heterogénea Após uma primeira observação da gravura ilustrativa que reproduzi proponho que terminemos a nossa leitura ponderando as considerações mora lizantes finais de Stedman sobre a relatada execução de Neptuno Now how in the name of Heaven human nature can go through so much torture with so much fortitude is truly astonishing without it be a mixture of rage contempt pride and hopes of going to a better place or at least to be relieved from this and worse than which I verily believe some Africans know no other Hell Nay even so late as 1789 on October 30 and 31 at Demerara thirtytwo wretches were exe cuted sixteen of whom in the above shocking manner without so much as a single complaint was heard among them and which days of martyr are absolutely a feast to many planters I should be rather inclined to think that Britain is the standard of humanity by being the first nation whether politically or not that attempted the abolition of the slave trade Stedmans Surinam 1992 2856 Ao analisarmos comparativamente a ilustração e a narrativa escrita o que se evidencia primeiro é o facto de ela dever ser referida a uma fase específica da acção relatada The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field Itálico meu Em termos do tempo da narrativa a imagem fixa deicticamente um gesto um presente now que pressupõe o antes já passado do relato This man being sentenced to be broken alive upon the rack without the benefit of the coup de grace or mercy stroke laid himself down deliberately on his back upon a strong cross on which with arms and legs expanded he was fastened by ropes É contudo difícil antecipar na imagem ou mesmo impossível e contraditório até o devir patético da narração de que sobressai o diálogo seguinte Next observing the soldier who stood sentinel over him biting occa sion ally on a piece of dry bread he asked him how it came that he a Alcinda Pinheiro de Sousa 142 white man should have no meat to eat along with it Because I am not so rich said the soldier Then I will make you a present First pick my hand that was chopped off clean to the bones Sir Next begin to myself till you be glutted and youll have both bread and meat which best becomes you Semelhante forma de figurar visualmente a execução de Neptuno per mite suprimir alguns traços grosseiros da caracterização narrativa escrita dos que nela tomam parte ou dos que a ela assistem e das próprias reacções da vítima Este é um exemplo paradigmático At the same time removing his right hand by the help of his teeth he rested his head on part of the timber and asked the bystanders for a pipe of tobacco which was infamously answered by kicking and spitting on him till I with some Americans thought proper to prevent it Assim e apesar da crucial tragicidade da acção que o negro protagoniza ou preci samente por causa dela dirseia que a imagem pretende firmarlhe a intocada dignidade humana essencial transfigurando Neptuno no verdadeiro herói da narrativa But the prisoner never uttered a groan or a sigh A heroi cidade do negro Neptuno propagandeada visualmente pela imagem da sua execução parece repercutir também as considerações moralizantes com que Stedman termina o relato Now how in the name of Heaven human nature can go through so much torture with so much fortitude is truly astonishing without it be a mixture of rage contempt pride and hopes of going to a better place or at least to be relieved from this and worse than which I verily believe some Africans know no other Hell19 Por fim e quanto ao espaço da acção a narrativa faz até certo ponto sub mergir Neptuno e o seu carrasco no amontoado caótico dos que partici pam na execução e dos que a ela assistem This done he entered into conversation with two gentlemen concern ing his trial relating every one particular with uncommon tranquillity 19 Notese que o carácter sentimental de Stedman próprio da sua época e que de forma latente configura todo o relato aqui em causa encontrase bem apontado por Richard e Sally Price em introdução a Stedmans Surinam Stedman was proud of being unusually sensitive even in an age of pervasive and modish sentimentality He described the intensity of his empathy for all creatures from early childhood which paralleled his troubled reactions to much of what he later witnessed in Surinam R Price and S Price 1992 xv Nem uma Palavra Só mas a sua Mistura Heterogénea 143 but said he abruptly By the sun it must be eight oclock and by any longer discourse I should be sorry to be the cause of your loosing your breakfast Pelo contrário no espaço quase vazio da ilustração agigantamse Neptuno e o carrasco Em primeiro plano os instrumentos da tortura e a parte do corpo muti lado do negro vêm ao encontro do observador Além disso revelasenos a perpendicular que une dois extremos dos instrumentos da tortura a ponta da barra de ferro empunhada pelo carrasco na parte superior da gravura a meio e o machado caído no chão na parte inferior da gravura a meio tam bém Esta perpendicular cruza com a horizontal definida pelo lado direito do corpo jacente de Neptuno estando acentuada pela linha que em paralelo e acima dela o horizonte traça igualmente No espaço da gravura semelhante eixo cruciforme parece determinar a organização do desenho minimalista dos protagonistas da execução e dos respectivos instrumentos o que dirseia visualmente reforça o estoicismo crístico do herói negro20 A expressão mistura heterogénea que figura no título deste ensaio pre tende aludir a um conceito básico da química Mediante a epígrafe esco lhida apontei uma primeira definição desse conceito mistura é uma combinação de duas ou mais substâncias em que estas mantêm a sua identi dade própria Acrescento agora que à mistura em que a composição não é espacialmente uniforme dáse o nome de mistura heterogénea Chang 1994 9 Ao analisar algumas relações entre a narrativa escrita e a respectiva gravura ilustrativa da execução de Neptuno o meu objectivo consistiu em ensaiar de modo relativamente limitado mas sistemático e num exemplo apenas a utilização por analogia do conceito de mistura no processo do estudo da palavra da imagem e das suas formas de interagirem 20 É de evidenciar que a retórica tanto visual como linguística de Narrative of a five years expedi tion against the Revolted Negroes of Surinam in Guiana foi encenada de forma exímia pelos partidários da abolição da escravatura conforme assinalam Richard e Sally Price na mesma introdução a Stedmans Surinam Johnson understood that the Narrative with its numerous chilling eyewitness accounts of barbaric tortures of slaves and its graphic accompanying illustrations would even in its edited form stand as one of the strongest indictments ever to appear against plantation slavery And public reaction bore him out R Price and S Price 1992 lxi Alcinda Pinheiro de Sousa 144 Quanto ao exemplo que escolhi a mistura heterogénea é a do relato escrito que Stedman faz com a ilustração atribuída a Blake e executada a partir do desenho do mesmo Stedman Neste caso entendo por mistura hete ro gé nea a que adquire uma nova identidade a partir da tensa interacção entre os dois componentes detentores de identidades particulares também Recor demos aqueles componentes em concreto o passo do relato que a gravura particularmente ilustra e a própria ilustração atrás reproduzida The executioner also a black having now with a hatchet chopped off his left hand next took up a heavy iron crow or bar with which blow after blow he broke to shivers every bone in his body till the splinters blood and marrow flew about the field A gravura separouse há muito do relato de que é ilustração ou seja recuperou a sua identidade visual específica Com frequência tem sido apre ciada isoladamente e no completo desconhecimento dos seus autores e do contexto em que foi produzida Quer isto dizer que fisicamente separados os componentes da mistura a narrativa escrita da execução de Neptuno atrás citada tal como a gravura então reproduzida geram de facto interpretações que são características de cada uma delas O que defendo todavia é que esta combinação do linguístico com o visual do simbólico com o icónico enquanto componentes com identidades próprias se constitui como uma classe de misturas que pela interacção desses componentes potencia interpretações diversas das de cada um deles em separado e mais profícuas O granito enquanto mistura por exemplo identificase pela interacção dos seus compo nentes assim geradora de uma resistência eficaz e de contrastes visualmente apelativos de cores e padrões Por analogia pode considerarse a mistura do relato da execução de Neptuno com a respectiva gravura mesmo na ausência do conhecimento dos autores e do contexto da sua produção intelectual mente muito produtiva e esteticamente bem sugestiva pela tensão estabele cida entre por um lado a forma supostamente realista da figuração escrita e por outro lado a forma que se quer idealizada da figuração visual Nem uma Palavra Só nem uma Imagem só mas a sua Mistura Heterogénea 145 Referências Baptista Maria Adriana da Costa 2005 Para Uma Análise das Interacções entre a Legenda e a Imagem Dissertação de Doutoramento Universidade de Lisboa Chang Raymond 1994 Química Trad de Joaquim J Moura Ramos Mário Nuno Berberan e Santos Anabela C Fernandes Benilde Saramago Eduardo J Nunes Pereira João Filipe Mano 5ª Edição Lisboa Madrid McGrawHill Escher M C Dezembro de 1981 Janeiro de 1982 Exposição Organizada pela Embai xada dos PaísesBaixos e Apresentada em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian Porto Lisboa Fundação Engº António de Almeida Fundação Calouste Gulbenkian Faria Isabel Hub 2003 Uma Visão Interdisciplinar da Linguística em Fim de Milénio In Diálogos Disciplinares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 108110 Faria Isabel Hub Adriana Baptista Paula Luegi e Carla Taborda 2006 Interaction and Competition between Types of Representation An Example from EyeTracking While Processing Written Words and Images In Questions on the Linguistic Sign Ed by José Pinto de Lima Maria Clotilde de Almeida Bernd Sieberg Lisboa Edições Colibri Centro de Estudos Alemães e Europeus pp 115129 Gardner Sebastian 1996 Aesthetics In The Blackwell Companion to Philosophy Ed by Nicholas Bunnin and E P TsuiJames Oxford Blackwell pp 229256 Gombrich E H 1950 1984 The Story of Art Fourteenth edition Oxford Phaidon Keller Rudi 1994 On Language Change The Invisible Hand in Language Transl by Brigitte Nerlich London Routledge 1998 A Theory of Linguistic Signs Transl by Kimberly Duenwald Oxford Oxford University Press 2003 The Natural Language An Example of Spontaneous Order and its Sociocultural Evolution In Diálogos Disciplinares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 117121 Pinheiro de Sousa Alcinda 2006 De Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions às Questões de Diferença In Volume de Homenagem à Professora Doutora Júlia Dias Ferreira Org por Comissão Executiva do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa No prelo Pinto e Castro João 2002 Comunicação de Marketing Lisboa Sílabo Pöppel Ernst 1985 Grenzen des Bewußtseins Über Wirklichkeit und Welterfahrung Stuttgart Deutsche VerlagsAnstalt Alcinda Pinheiro de Sousa 146 1989 Fronteiras da Consciência A Realidade e a Experiência do Mundo Trad de Ana Maria Roltoff Lisboa Edições 70 1993 Lust und Schmerz Über den Ursprung der Welt im Gehirn Berlin Siedler 2003 The Hierarchical Structure of Phenomenal Time and Some Implications for Philosophical Discourse and Aesthetic Appreciation In Diálogos Discipli nares As Ciências e as Artes na Viragem do Milénio Ed por Alcinda Pinheiro de Sousa Teresa de Ataíde Malafaia Lisboa IST Press pp 6368 Price Richard and Sally Price 1992 Introduction In Stedmans Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society An Abridged Modernized Edition of Narrative of a Five Years Expedition against the Revolted Negroes of Surinam 1790 By John Gabriel Stedman Ed by R Price and S Price Baltimore and London The Johns Hopkins University Press pp xilxxv Stedman John Gabriel 1992 Stedman s Surinam Life in an EighteenthCentury Slave Society An Abridged Modernized Edition of Narrative of a Five Years Expedition against the Revolted Negroes of Surinam 1790 Ed by Richard Price and Sally Price Baltimore and London The Johns Hopkins University Press Sturken Marita and Lisa Cartwright 2001 Practices of Looking An Introduction to Visual Culture Oxford Oxford University Press Walker John A Sarah Chaplin 1997 Visual Culture An Introduction Manchester New York Manchester University Press White Landeg 2001 Stedmans Narrative its Origins Transformations Disserta ção de Doutoramento Universidade Aberta ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth MÁRCIA BESSA MARQUES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Academia de Música de Santa Cecília E mbora sempre tivesse desejado ser reconhecido como pintor William Hogarth Londres 16971764 começou por ser aprendiz de um gra vador de prata mas cedo se cansou do trabalho repetitivo e de imitação a que estava sujeito tendo decidido abrir uma oficina de gravação em cobre onde imprimia ilustrações para romances baratos cartões comer ciais e anún cios de funerais As suas primeiras ilustrações para livros revelam uma preferência por obras com um acentuado pendor satírico de denúncia de vícios humanos institucionais e académicos como New Metarmophosis de Charles Gildon 1724 Hudibras de Samuel Butler 172526 e Don Quixote de Cervantes c 1727 A primeira gravura publicada por iniciativa própria The Taste of the Town or Masquerades and Operas 1724 anuncia uma preo cu pação constante e duradoura com a obediência cega a modelos artísticos estrangeiros e com o desprezo pelo talento autóctone que se reflecte nomeadamente na sua campanha em prol da Lei dos Direitos de Autor dos Gravadores 1735 e que ficou conhecido como Hogarths Act As suas séries de gravuras e quadros mais famosos irão desenvolver este tema a imitação servil de modelos artísticos e sociais viciados e viciosos conduz inevitavel mente à perdição Quer nos anúncios para subscrição das suas gravuras quer nas reflexões teóricas efectuadas mais tarde William Hogarth sempre manifestou a cons ciên cia do facto de a realidade seja como for que se consiga queira definir ser passível de leituras tal como os frutos desse olhar reflectido reflexivo Enquanto pintor dava preferência a um método que explica o reduzido número de esboços existentes partindo da memória de um objecto Hogarth precisava apenas de algumas linhas para traduzir a sua leitura da realidade observada por ter decidido que não devia limitarse a copiála but rather read the language of them and if possible find a grammar to it apud Bindman 1981 30 Embora frequentemente associado à génese do roman ce moderno sobretudo a Henry Fielding devido a referências feitas pelos dois autores e à relação de amizade entre ambos Hogarth confessa parti cu lar mente o sentimento de afinidade com o género dramático sendo a tela inicial Márcia Bessa Marques 150 encarada como um palco imaginário a ser preenchido posterior mente com as figuras os cenários os emblemas e as alusões O próprio artista explicita este processo criativo na seguinte afirmação I have endeavoured to treat my subjects as a dramatic writer my picture is my stage and men and women my players who by means of certain actions and gestures are to exhibit a dumb show apud Craske 2000 36 A noção de que a pintura podia transmitir certos momentos narrativos mais eficazmente do que a palavra escrita era partilhada por outros artistas coevos envolvidos na ilustração de romances como é o caso de Joseph Highmore 16921780 acerca de Pamela de Samuel Richardson such a story is better and more emphatically told in picture than in words because the circumstances that happen at the same time must in narration be successive apud Paulson 1992b 240 No entanto com o talento de Hogarth o espaço de uma só tela torna se muito reduzido para desenvolver a sua leitura da comédia humana surgindo a série como ensejo para trabalhar um enredo quase como se de uma escultura se tratasse aprofundar a caracterização das personagens e contrastar cenários contemporâneos que os espectadores leitores identi ficas sem em que se reconhecessem e em cujos destinos se envolves sem1 Com efeito séries como A Harlots Progress 1731 A Rakes Progress 1735 Industry and Idleness 1747 The Four Stages of Cruelty 1751 e Election 175354 testemunham o carácter narrativo da arte de Hogarth que funciona como uma sucessão de momentos cruciais na vida da personagem ou das personagens principais a qual ultrapassa os limites estreitos da moldura física para suscitar nos receptores a criação imaginária de uma rotina e de hábitos que preencham as ausências os silêncios e o espaço vazio entre imagens e entre quadros gravuras na parede Mark Hallett menciona a produção de reality effect Hallett 2000 121 possível através da interacção pessoal emocional e intelectual do público demonstrada no modo como Hogarth naturalmente assumia o conhecimento de persona lidades notórias da vida pública por exemplo um famoso charlatão ou um cantor de ópera muito requisitado de tipos representativos das várias classes sociais da paisagem social da capital da iconografia grecolatina e cristã um universo de alusões e convenções partilhadas a que os especta do res leitores de hoje apenas 1 Esta estratégia seria adaptada no século seguinte por vários autores entre os quais aquele que mais se identifica com Hogarth Charles Dickens ao publicar grande parte dos seus romances em episódios serialised em jornais e revistas Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 151 podem aceder em segunda mão através de um trabalho cuidadoso e minu cio so de pictorial archaeology Hallett 2000 159 A nossa distância irreme diável do horizonte de expectativas coevo traduzse na quantidade de textos fontes e paralelos visuais e pictóricos necessários para que cada espectador leitor moderno consiga nas palavras de Jenny Uglow tell the tale frame the narrative and fill the gaps Uglow 1997 xv Para assegurar o envolvi mento do público com a obra Hogarth dispensa as inscrições as legendas os comentários mesmo os títulos individuais só aparecem na proposta de venda mas não nos quadros nem nas gravuras No entanto a palavra escrita povoa Marriage AlaMode desde o nome do conde Squanderfield que aparece na árvore genealógica radicada no conquistador normando os ter mos iniciais do contrato de casamento e a hipoteca na primeira imagem The Marriage Settlement passando pelas contas do casal gastador na seguin te The Tête à Tête pelo convite para o baile de máscaras pelo título sugestivo do livro The Sopha que o advogado trouxe e pela enumeração de artigos comprados num leilão num quarto momento em The Toilette e ainda pelo cartão que ostenta o nome do estabelecimento de carácter duvidoso onde os amantes se encon tram na penúltima cena em The Bagnio e finalmente pelo jornal que jaz aos pés da viúva no último quadro The Ladys Death onde descobrimos não só o nome do advogado amante Silvertongue como também o relato da sua execução pelo homicídio do conde Por último sem necessidade de palavras os espectadores leitores coevos sabiam o título de cortesia atribuído ao filho do Conde Visconde e que Squanderfield falece posteriormente porque na quarta imagem The Toilette o quarto da nora ostenta agora o diadema correspondente ao seu novo título Quando no início da década de 1740 William Hogarth começou a trabalhar na série de quadros que se iria intitular Marriage AlaMode usando o termo setecentista que designava os casamentos arranjados para proveito dos pais o seu projecto parte da leitura de um conjunto de discursos em torno dos casamentos arranjados desde a popular tragicomédia homónima de John Dryden estreada em 1671 e reimpressa em 1735 sobre o matri mó nio entre um cortesão e uma jovem da burguesia as peças de Aphra Behn The Lucky Chance or An Aldermans Bargain 16862 e The Forcd Marriage or The Jealous Bridegroom 1670 passando pelo romance de Samuel Richardson 2 Na sequência de uma união indesejada Lady Fulbank queixase amargamente Oh how fatal are forcd marriages How many Ruins one such match pulls on apud Stone 1977 186 Márcia Bessa Marques 152 Pamela 17403 e a respectiva paródia de Henry Fielding Shamela publicado em 1741 denunciando os contratos matrimoniais até à peça do actor e amigo David Garrick Lethe or Aesop in the Shades 17404 Segundo as investigações mais recentes em história social tornase paten te sobretudo desde a Restauração uma tendência crescente para o casa mento baseado no afecto no companheirismo e na amizade No entanto o facto de periódicos como The Review The Tatler e The Spectator incluírem regular mente artigos e cartas de leitores que se manifestavam veementemente contra os casamentos de conveniência comparandoos a uma violação revela a exis tência persistente de um modelo antiquado particularmente entre a aristocra cia conciliando o desejo de preservar o nível social da família e a necessida de de angariar dinheiro para resgatar dívidas ou investir em projectos grandiosos As palavras de Lawrence Stone confirmam o peso do interesse nestas uniões ao caracterizálas da seguinte forma primarily a contract between two families for the exchange of concrete benefits not so much for the married couple as for their parents and kin Stone 1977 182 Nesta perspectiva a publicação em 1742 em Dublin de uma obra como The Irish Register or a List of the Duchess Dowagers Countesses Widow Ladies Maiden Ladies and Misses of Large Fortunes in England Uglow 1997 376 testemunha não só a procura de tal lista pelos futuros noivos e respectivos pais mas também o carácter consumista deste tipo de relação conjugal Se podemos traduzir em importância o espaço ocupado na tela então o grupo que aparece à direita da primeira imagem The Marriage Settlement parece dominar as negociações do contrato o que se torna visível no peso dos documentos do acordo de casamento nas mãos do pai da noiva e da hipoteca mas em que o pai do noivo parece recusar tocar Embora pareça superior a tais considerações ignóbeis o nobre está envolvido numa troca de favores com um representante de uma classe diferente unidos por interesses comparáveis o dinheiro e a posição social 3 A obra apela a um novo código moral e conjugal baseado no afecto e respeito por oposição a um casamento de conveniência whenever for appearancesake they are obliged to be together every one sees that the yawning husband and the vapourish wife are truly insupportable to each other but separate have freer spirits and can be tolerable company Richardson 1740 1985 464 Esta imagem encontrase literalmente espelhada na segunda terceira e quarta imagens da série de Hogarth 4 A certa altura da peça a personagem principal Lord Chalkestone lamenta o seu destino I married for a fortune she for a title When we had both got what we wanted the sooner we parted the better apud Stone 1977 186 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 153 Com o intuito de atrair um público mais refinado e com mais posses económicas5 Hogarth anunciou o tema de Marriage AlaMode como a Variety of Modern Occurrences in High Life6 mas a sua alusão a Decency and Elegancy apud Hallett 2000 167 é minada no decurso do trabalho ao escalpelizar a afectação das duas classes visadas afundadas num lodo de cópias mais ou menos fiéis de obras de arte e comportamentos ultrapassados árvores genealógicas e dinheiro Trabalhando no contexto da sátira gráfica o pintor gravador entra em diálogo com a crítica social cultural e política con temporânea justapondo técnicas e géneros visuais e literários Em Marriage AlaMode o casamento aparece como um espectáculo para exibição como um bem precioso a ser cuidadosamente seleccionado avaliado emol du rado exposto e imitado falsificado como uma obra de arte parte integrante da cultura comercial contemporânea Na primeira imagem The Marriage Settlement os noivos nem sequer estão ao centro mas a um canto relegados para um segundo plano virtual o que traduz a sua relevância isto é nenhuma para as negociações a decorrer no lado oposto da sala A simetria quase perfeita dos corpos acentua a distância e separação um olhando para o seu próprio reflexo no espelho antecipando aquele em frente do qual ele morre e a outra escutando as palavras sedutoras do advogado e futuro amante prefigurando o seu afasta mento físico na segunda imagem The Tête à Tête e o facto de que só se voltarão a encontrar no momento em que ele é mortalmente ferido pelo amante dela em The Bagnio Enquanto símbolos tradicionais da fidelidade conjugal os cães apareciam frequentemente em retratos de casais à frente dos noivos estes dois animais encontramse tão acorrentados e confor mados como eles reflectindo a sujeição abjecta a poderes superiores e inquestio náveis o paterno e o económico7 Na parede ocupando o espaço vazio entre 5 Apesar de Hogarth ter fixado para as gravuras um preço semelhante ao da primeira série A Harlots Progress meio guinéu no momento da subscrição e igual quantia aquando da entrega e inferior ao da segunda A Rakes Progress o pintor teria ficado desiludido com o reduzido sucesso dos quadros originais que só foram vendidos em 1751 pelo montante de 120 guinéus em vez dos desejados 500 6 MR HOGARTH intends to publish by Subscription SIX PRINTS engravd b the best Masters in Paris after his own Paintings the Heads for the better Preservation of the Characters and Expressions to be done by the Author representing a Variety of Modern Occurrences in HighLife and calld MARRIAGE ÀLAMODE The London Daily Post and General Advertiser 29 October 1743 apud Hallett 2000 167 7 A subversão do modelo tradicional seria retomada por John Collett em 1782 num quadro inti tulado Marital Discord Stone 1977 figura 10 onde os cães acorrentados mas virados um para Márcia Bessa Marques 154 os dois surge um retrato de Medusa numa imitação da obra de Caravaggio uma das várias notas aparentemente incongruentes que por um lado petrifica os noivos nesta submissão a modelos perversos e por outro exprime o horror dos espectadores que adivinham o desenlace desta união Entre as algemas da convenção e o temor da vida em comum os noivos perma necem literal e figuradamente emoldurados e presos framed Além de um retrato do Conde Squanderfield junto à janela parecendo vigiar o decurso das obras interrompidas da sua nova mansão ao estilo de Palladio todas as outras obras de arte parecem ser cópias de Velhos Mestres defraudando as expectativas de artistas locais e coevos como o próprio Hogarth Reforçando esta característica a sala escolhida pelo nobre para acolher a celebração do contrato de casamento transborda de imagens de martírio sacrifício e execuções como o sofrimento de S Sebastião perfurado por flechas parodiando as de Cupido S Lourenço torturado num assador cuja forma e cujo calor podem ecoar os de um leito conjugal indesejado e de Santa Inês queimada e decapitada por não se render aos encantos de um aristocrata nem se submeter aos clientes de um bordel ao contrário da noiva os assassínios de Abel por Caim o de Golias por David o de Holo fernes por Judite numa antevisão da morte das três personagens principais longe deste ambiente luxuoso finalmente o castigo de Prometeu continua mente torturado pela sua ousadia Nas palavras de Ronald Paulson the Old Masters have come to represent the evil that is the subject of the series not aspiration but the constriction of old dead customs embodied in both classical and Christian myths Paulson 1992b 222 Entre o fardo dos docu men tos que determinam a sua vida futura e a opressão da arte produto de um passado sujeito a hábitos estrangeiros o destino dos noivos não se afigura nada auspicioso As personagens do triângulo amoroso embrionário con substan cia rão estas imagens de martírio no quinto quadro The Bagnio onde a alusão à iconografia cristã raia a blasfémia ao aproximar as poses dos cônjuges da deposição de Cristo e do sofrimento de sua mãe Apesar da presença de uma tapeçaria retratando o Julgamento de Salomão neste ponto da série já os espectadores leitores perderam as esperanças de que estas crianças possam ainda ser salvas por alguma potência superior Em vez de se debruçar sobre a cerimónia de casamento propriamente dita Hogarth escolhe para a segunda cena The Tête à Tête o período o outro conduzem inevitavelmente o nosso olhar para o casal em questão afastados literal e figuradamente mas tão presos quanto os seus animais Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 155 posterior à luademel em que a desarmonia se torna evidente no pequeno almoço tardio nas poses desajustadas dos noivos na justaposição de quadros de santos com uma tela de que só conseguimos ver um pé nu porque o resto por ser atrevido de mais está tapado por uma cortina a sucessão de espelhos numa clara alusão ao narcisismo dos donos da casa a decoração incon gruen te da lareira incluindo um busto com o nariz partido sugerindo a doença que aflige o jovem8 a agitação de um empregado devido às contas por pagar a espada quebrada sugerindo um duelo e prefigurando aquele em que o futuro Conde vai morrer o lenço que o cão fareja será que é o mesmo que aparece na imagem seguinte The Inspection a ser utilizado numa função não muito higiénica e finalmente o leitmotiv da desordem do caos iminente da aparência prestes a ser perturbada a cadeira derrubada reve lando uma saída intempestiva de alguém que não devia lá estar A mesma imagem irá reapa recer no quinto quadro The Bagnio junto dos emblemas do engano e da luxúria a máscara e as vestes blasfemas de freira e de padre usados pelos amantes no baile de máscaras e no último The Ladys Death em resultado da fúria do cão esfomeado e ou do desinteresse dos empregados face a um patrão mesquinho e miserável A passagem da segunda para a terceira imagem The Inspection confi gura uma mudança abrupta de um ambiente requintado e brilhante apesar das inúmeras notas discordantes para um cenário manifestamente sórdido onde os habitantes parecem ter interiorizado a aliança nada confortável entre a perversidade sexual e a morte simbolizada na ostentação de um símbolo claramente fálico o chifre de uma baleia do Árctico o qual possuiria poderes afrodisíacos Pela primeira vez Hogarth decide não povoar os seus quadros com as obras de outros artistas optando por emblemas fúnebres e os frutos mais obscuros da chamada investigação científica setecentista Entre múmias vítimas de violência física esqueletos atrevidos sanguessugas e instrumentos alegadamente terapêuticos descobrimos o outro lado da vida do jovem esposo Pensase que a rapariga será a sua amante já contaminada pela doença francesa como era conhecida a sífilis tentando aliviar uma ferida com um lenço e segurando uma caixa de medicamentos aparentemente ineficazes tal como o seu companheiro e a mulher ameaçadora que o ladeia provavelmente uma alcoviteira já totalmente marcada pelos efeitos da sua 8 Significativamente o nariz era um dos órgãos desfigurados pela sífilis facto que originou a criação na Londres setecentista de uma associação invulgar No Nosed Club reunindo os doentes assim marcados Peakman 2004 20 Márcia Bessa Marques 156 ocupação A multiplicação de elementos ilustrativos de memento mori anun cia a morte trágica das três personagens principais em locais totalmente afastados da grandeza e da luminosidade da primeira imagem o Conde num estabelecimento de reputação duvidosa em The Bagnio o advogado na forca e a sua amante na miserável casa paterna em The Ladys Death Através das obras de Hogarth sobretudo no quarto quadro The Toilette conseguimos escutar o desempenho do cantor de ópera provavel mente um castrato outro emblema de selvajaria supostamente execu tada em nome da arte os acordes do flautista um dos convidados a sorver chocolate e outro visivelmente deliciado com a interpretação musical constituindo estas figuras um grupo separado do resto particularmente por estar encostado à parede esquerda onde está dependurado o quadro que inequivocamente alude à sua orientação sexual o rapto de Ganimedes por Júpiter em forma de águia Na secção seguinte vemos um convidado aparen te mente desajustado a ressonar ao contrário da sua esposa manifesta mente encantada com o espectáculo mais outro casamento desastroso o empre gado oferecendo bebidas e Silvertongue sussurrando o convite para um baile de máscaras Como Mark Hallett refere even if it is impossible to know exactly what they are all saying to each other the spaces between them can easily be imagined as full of sounds of their carefully modulated voices Hogarth it is clear knew how to provide good pictorial acoustics Hallett 2000 60 Do mesmo modo tornam se ensurdecedores a ausência de conversa os bocejos e os pensa mentos inexprimíveis do casal na segunda imagem The Tête à Tête O espaço que o advogado Silvertongue foi ocupando progressivamente ao longo dos meses do casamento é incontestavelmente testemunhado pela exposição do seu retrato no quarto da Condessa parecendo presidir aos acontecimentos Pelo contrário o espaço conquistado pela filha entretanto nascida tornase manifestamente insuficiente reduzindose a uma minúscula argola para a dentição esquecida na cadeira da mãe o que dificilmente consegue encobrir a ausência flagrante do retrato tradicional comemorando o nascimento de um herdeiro Não é então surpreendente a proliferação de quadros alusivos a temas eróticos da iconografia clássica e cristã colocados estrategicamente na parede atrás dos dois amantes como Io arrebatada por Júpiter em forma de nuvem aludindo à infidelidade que invade este quarto um emblema repetido nas hastes da estátua de Acteon transformado em veado por Ártemis e devorado pelos próprios cães devido à sua concupiscência para que o pequeno escravo aponta divertido e cúmplice e a sedução de Lot pelas duas filhas que ele teria oferecido aos habitantes de Sodoma para proteger dois Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 157 anjos não fosse a intervenção divina Desta forma os quadros dentro do quadro ultrapassam a mera função decorativa tornandose premonitórios objects that condition and shape dominate and form the collector inanimate objects that perversely control human lives Paulson 1992a 268 Não só servem de comentário à obra como também podem apontar para aconte ci mentos passados ou futuros enquanto indícios visuais do discurso que espectadores leitores vão construindo O conjunto apresentado oferece a passagem perfeita para o quadro seguinte The Bagnio que reflecte a degradação a curta distância entre a High Life dos consumidores destes quadros e a Low Life dos clientes dos antecessores dos modernos motéis Como em muitas das suas outras séries de quadros e gravuras Hogarth surpreende as personagens de Marriage AlaMode nos momentos de maior intensidade dramática O amante que parecia refina do e descuidado no quadro anterior The Toilette na expectativa do baile e da ceia agora reduzse a uma figura ridícula em trajes menores a fugir pela janela depois de ferir o seu rival Assim não nos é dado assistir ao baile de máscaras até porque a sua ilustração no biombo da quarta imagem The Toilette parece ser suficientemente fiel mas às suas consequências con tras tando o brilho e a alegria da festa com a escuridão e a mesquinhez deste esta belecimento onde não se fazem perguntas aos hóspedes de curta duração Do mesmo modo somos poupados à execução de Silvertongue reduzida a uma notícia de jornal na última imagem mas não ao suicídio da sua amante o que nos permite ver a filha desta pela primeira vez em The Ladys Death A presen ça desta criança consubstancia todas as marcas de doença que invadem a série desde o início sobretudo no primeiro momento The Marriage Settlement literalmente emoldurado pelos sinais do desregramento alimen tar indicado pela gota do Conde cujo pé aparece enfaixado e sexual na ominosa úlcera no pescoço do noivo que nunca mais nos é permitido igno rar já que ele aparece sempre de perfil Os dois últimos ramos desta dinastia condenada a desaparecer transmitiram à sua herdeira o estigma da enfermi dade e da des figuração corroborando a doutrina do Deus vingativo do Antigo Testamento que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e à quarta geração Êxodo 347 Neste contexto tornase significativa a justificação para os matrimónios tradicionais fornecida pelo autor de um manual de conduta publicado em 1688 mas cuja popula ridade se traduz em dezassete edições até 1791 O marquês de Halifax considera que as mulheres devem respeitar a instituição do casamento mesmo que esta lhes pareça injusta tendo em vista the Preservation of Families from any Mixture which may bring a Blemish to them Halifax 1688 20 Márcia Bessa Marques 158 A degenerescência que desfila perante o nosso olhar tornase igualmente topográfica ao passar da zona ocidental da cidade onde desde o Grande Incêndio de 1666 a aristocracia construíra as suas mansões ao estilo do arquitecto veneziano Palladio numa clara aplicação dos princípios arquitec tónicos da Roma Imperial para a parte central onde estavam instalados os clubes as tabernas coffee houses e estabelecimentos de banhos como Turks Head onde os amantes se encontram no quinto quadro The Bagnio até terminar na zona oriental9 que por seu turno atraía os comerciantes como o pai da Condessa de cuja casa se pode avistar a antiga London Bridge em The Ladys Death A transição efectuase igualmente da opulência da grandio sidade e da abundância da primeira cena The Marriage Settlement não só perceptíveis no vestuário do Conde mas também na decoração da sala mesmo que à custa de uma hipoteca e de um casamento de conve niência para a sordidez a avareza e a mesquinhez da casa do comerciante em The Ladys Death Estas reflectemse no uniforme inadequado do empre gado na voracidade do pai ao retirar o anel da filha moribunda no desespero de um cão esquelético ao devorar a carne mais barata do mercado isto é a cabeça de porco no desinteresse do médico ao abandonar a sala emoldurado pela porta aberta e nos vulgares quadros ao estilo holandês sendo patente a indiferença dos dois companheiros de taberna e o alhea mento de uma outra figura masculina que nos vira as costas para satisfazer uma necessidade fisiológica Nas casas particulares dos clientes de Hogarth e nas inúmeras lojas de gravuras coevas as imagens eram exibidas em duas filas horizontais sendo cada uma constituída por três cenas Na National Gallery em Londres onde os quadros originais estão em exibi ção os especialistas decidiram expôlos de uma forma peculiar que pra ti camente se assemelha a um gráfico permitindo um movimento diacrónico 9 Além disso os ventos predominantes da capital empurravam a sujidade urbana de oeste para leste tornando esta parte da cidade menos desejável para as classes mais abastadas 1 2 3 4 5 6 Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 159 Este movimento iniciase em baixo com The Marriage Settlement tradu zindo o início da queda e não a previsível ascensão subindo em diagonal para The Tête à Tête um momento de grande tensão dramática pelo que não expressa ou não pode expressar descendo em seguida sempre em diagonal para The Inspection colocado lado a lado com The Toilette favo re cendo agora uma leitura sincrónica que se assemelha a um díptico da vida do casal e revela a vida escondida por trás do bocejo da mulher e do cansaço do homem num efeito manifestamente cinematográfico The Bagnio surge em cima equipa rado a The Tête à Tête isto é a última vez que os dois aparecem juntos finalmente The Ladys Death está colocado num nível inferior no mesmo plano do primeiro quadro cujos paralelos já foram referi dos apoiando uma leitura moralizante e moralista da passagem do Novo Testamento o salário do pecado é a morte Romanos 62310 Este modo particular de exibição pode ser lido como um desejo de evocação da teoria da beleza desenvolvida por Hogarth baseada numa linha serpenteante Em The Analysis of Beauty 1753 o autor explicita estes princípios consubstanciados na exigência de variedade de irregularidade e de complexidade A noção de que a linha assim idealizada acompanha a maneira como o olhar ocidental viaja da esquerda para a direita de baixo para cima parece desvanecerse se pensarmos que as gravuras invertem a composição e os acontecimentos e as personagens trocam subitamente de lugar alterando as sequências imaginadas pelos espectadores leitores entre imagens da série Por exemplo na primeira gravura os noivos afastados aparecem à direita oferecendo a passagem perfeita para a segunda gravura onde são vistos à esquerda Por outro lado nos quadros a transição da quarta 10 No último ano a forma de exibição foi alterada tendo sido adoptada uma linha horizontal com o primeiro quadro à esquerda e o último à direita existindo uma nota explicativa geral dos dois lados uma vez que a sala tem duas entradas e notas individuais à direita de cada imagem Como se pode constatar também as formas de exibição seleccionadas reflectem modos específicos de leitura da série 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 Márcia Bessa Marques 160 imagem The Toilette para a quinta The Bagnio parece particularmente apropriada uma vez que o biombo com a ilustração de um baile de másca ras à direita colmata o hiato entre as duas cenas oferecendo um desenlace imprevisto Quer o nosso olhar deslize da esquerda para a direita ou se prenda em cores ou pormenores apelativos a nossa liberdade enquanto leitores deste texto fica assegurada através da forma como podemos combinar as reprodu ções usando técnicas narrativas de analepse ou prolepse ou subvertendo a ordem temporal original Outros espectadores leitores artistas aproveitaram essa liberdade como Katherine Mansfield em Marriage à la Mode 1922 e Paula Rego em After Hogarth 2000 Enquanto tempo não finito o gerúndio lendo denota uma acção incompleta e em desenvolvimento pelo que conti nuará a leitura esta e outras verbais e ou pictóricas Referências Bindman David 1981 Hogarth London Thames and Hudson rept 1998 Craske Matthew 2000 William Hogarth London Tate Gallery Halifax Marquis of George Saville 1688 The Ladys New Years Gift or Advice to a Daughter In Vivien Jones Ed 1990 Women in the Eighteenth Century Constructions of Femininity London New York Routledge 1722 Hallett Mark 2000 Hogarth London Phaidon Hogarth William 1753 1997 The Analysis of Beauty Ed Ronald Paulson New Haven London Yale University Press Hogarth William c 1743 Marriage AlaMode National Gallery London In Mark Hallett 2000 Hogarth London Phaidon 168170 172173 175177 Jones Vivien Ed 1990 Women in the Eighteenth Century Constructions of Femininity London New York Routledge Mansfield Katherine 1922 1951 Marriage à la Mode The Garden Party and Other Stories London Penguin Paulson Ronald 1992a Hogarth The Modern Moral Subject 16971732 Vol 1 Cambridge Lutterworth 1992b Hogarth High Art and Low 17321750 Vol 2 Cambridge Lutterworth Peakman Julia 2004 Lascivious Bodies A Sexual History of the Eighteenth Century London Atlantic Books Lendo Marriage ALaMode de William Hogarth 161 Rego Paula 2000 After Hogarth In T G Rosenthal 2003 Paula Rego Obra Gráfica Completa Trad Nuno Batalha Lisboa Cavalo de Ferro 4043 Richardson Samuel 1740 1985 Pamela Or Virtue Rewarded Ed Peter Sabor Introd Margaret A Doody London Penguin Stone Lawrence 1977 The Family Sex and Marriage in England 15001800 London Penguin rept 1990 Uglow Jenny 1997 Hogarth A Life and a World London Faber and Faber ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is She Transcribing from his Lips1 ANA ROSA GONÇALVES CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Escola Secundária 3 Dra Laura Ayres T he Girlhood of Mary Virgin Figura I2 e Ecce Ancilla Domini Figura II3 são os quadros para que a escritora Christina Rossetti já com alguns poemas publicados em edição privada posa como modelo do irmão o poetapintor Dante Gabriel Rossetti Data o primeiro de 1849 e o segundo de 1850 Inscritos no movimento artístico do século XIX que ficou conhecido como the PreRaphaelite Brotherhood The Girlhood of Mary Virgin e Ecce Ancilla Domini deram a conhecer a mais nova dos Rossetti Christina sob o olhar fraterno de Dante Gabriel um dos mentores de uma confraria artística à qual a designação de Brotherhood atribuía um carácter exclusivamente masculino4 Se enquanto musa do irmão mais velho Christina parece figurar 1 Título sugerido por um dos versos do poema In an Artists Studio 1856 de Christina Rossetti no qual ela se refere à actividade do irmão Dante Gabriel como poetapintor e que constitui aqui objecto de análise 2 Figura extraída de Marsh 1988 31 3 Figura extraída de Marsh 1988 33 4 Carolyn HaresStryker explica deste modo o início do que ficou conhecido como the Pre Raphaelite Brotherhood To differentiate themselves from the Royal Academy Millais Hunt and Rossetti juxtaposed its august tradition with their own mocking levity They believed that those paintings most favoured by the Academy were awash in false sentimentality contrived murky and trivial The term PreRaphaelite pinpointed well their belief that it was after the great Renaissance master Raphael that art had begun to stagnate Their time had come and a gathering of likeminded comrades began something that Rossetti was particularly keen on They had named their new society but now it needed members and Rossetti putting to a motion that the word Brotherhood be added to the original designation of PreRaphaelite oversaw the induction of four additional members in the winter of 1848 They included Rossettis own brother William Michael Rossetti Thomas Woolner James Collinson F G Stephens Soon two others would become closely associated with the Brotherhood Christina Rossetti and Ford Madox Brown They were never asked however to join the mystical seven because for one thing Christina could hardly be a brother and for another because Rossetti liked the cabalistic quality of the group seven and did not wish to extend the official membership further HaresStryker 1997 1819 Notese que na obra aqui mencionada An Anthology of PreRaphaelite Writings Hares Stryker compila diversos escritos daquele grupo de artistas Ana Rosa Gonçalves 166 por meio da representação da Virgem Maria o arquétipo de uma feminilidade moralmente virtuosa mas submissa e passiva o mesmo não sucede no que ela escreveu Na verdade a autora recusou os limites socioculturais impostos para o sexo feminino na época dela Ainda que por ser mulher nunca a admi tissem formalmente no que se designa por the PreRaphaelite Brotherhood enquanto Rossetti a reputação do irmão dentro daquele grupo de artistas permitiulhe associarse ao mesmo É aqui objectivo questionar em que medida Christina se terá efectivamente submetido à autoridade de Dante Gabriel como escritora num espaço de acção cultural nitidamente contro lado por homens o mercado vitoriano Do objecto de análise fazem parte dois desenhos daquele pintor acerca da irmã que integram a extensa corres pondência epistolar trocada entre ambos Destinados a circularem no espaço familiar apenas estes desenhos são lidos em interacção com o poema In an Artists Studio de Christina The Rossetti family was a remarkable group All its members were endowed with unusual intelligence were equally at home with the languages and literary traditions of both England and Italy and were united among themselves by close ties of affection and mutual understanding The talents and characteristics they shared were combined with creative gifts of a high order New Encyclopaedia Britannica 1998 sv Rossetti De ascendência italiana Christina e Dante Gabriel são talvez os membros mais conhecidos da família culturalmente ilustre dos Rossetti5 Se é verdade conforme nos comprova o excerto acima transcrito que ambos tiveram igual acesso às tradições literárias nas quais foram educados acrescentarseia porém que na forma de acederem ao mercado do século XIX se distinguiram um do outro inúmeras vezes Podia Christina e outras como ela tentar resistir ao paradigma denominador do feminino mas num espaço cultural de inter ven ção masculina que só muito lentamente se entreabria para as Vitorianas escrever anunciava ainda um desejo de ascen são antagónico à tradição de representar a Mulher em casa idealizandoa Por muito que o debate público acerca das desigualdades entre os sexos se tivesse ampliado numa sociedade definida em termos masculinos ser mulher opunhase a ser homem e como era ela a mais nova dos Rossetti Christina estava determinada por um modelo de actuação muito rígido o da ideologia doméstica vitoriana 5 Para um estudo mais aprofundado acerca da importância literária da família Rossetti em particular de Dante Gabriel e Christina ver Cary 1974 em geral Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 167 Insurgindose contra os deveres familiares que lhe eram moralmente impostos foi em vão que procurou ser admitida na confraria artística protago nizada por Dante Gabriel Na verdade a figura da mulherescritora colocava em causa o estereótipo dominante de feminino mesmo no âmbito de um movimento estético considerado dissidente Excluída de the PreRaphaelite Brotherhood por ser mulher e uma temível rival nem assim desistiu Christina de se dar a conhecer no mercado literário vitoriano Referindose ao começo da activi dade dela na poesia conclui Oswald Doughty As a woman she was well aware that deprivation in life might be one of the pressures that produced art Doughty 1949 177 Com efeito é a tensão dialéctica entre a identidade de mulher e a de escritora que potencia desde o início o acto de Christina Rossetti escrever Quando se examina o século XIX os obstáculos erguidos em torno da construção da autoria literária no feminino por oposição à indissociabilidade quase inquestionável entre o masculino e a escrita revelamse significati vos6 De entre os Rossetti Dante Gabriel sobressaía num duplo contexto o estatuto de homem fizera dele o mais prestigiado pela crítica e o único em quem a família se projectava intelectualmente Mas se o início do percurso literário de Christina se não identificava com o do irmão tãopouco podia dele separarse Como as restrições e dificuldades colocadas à entrada das Vitorianas no mercado literário eram muitas a escritora decidiu valerse do sobrenome Com o intuito de promover a aceitação do que escrevia coube a Christina usar a influência de Dante Gabriel junto das editoras Daí em diante era o irmão mais velho quem assumia a função de seu mentor tutelandoa Recordanos Jan Marsh acerca da relação entre ambos He felt protective towards her perhaps newly conscious of her restricted choices Marsh 1999 48 Na perspectiva aqui veiculada o auxílio literário de Rossetti parece inevitável pois dá resposta aos inúmeros limites enfrentados pelas mulheres escritoras durante o processo de publicação dos textos Importa contudo averiguar até que ponto Christina se mostraria vulnerável à autoridade dele 6 É precisamente devido à tradicional hegemonia do masculino enquanto sujeito da escrita por oposição ao feminino quase sempre convertido em objecto de representação que Virginia Woolf implora a todas as escritoras no final de A Room of Ones Own Therefore I ask you to write all kinds of books hesitating at no subject however trivial or however vast For I am by no means confining you to fiction If you would please me and there are thousand like me you would write books of travel adventure and research and scholarship and history and biography and criticism and science Woolf 1945 107 Ana Rosa Gonçalves 168 É ao imperativo cultural de a irmã compor sob tutela masculina que Dante Gabriel parece aludir num desenho que ele lhe enviou em 1852 Figura III7 A acompanhar este desenho existe uma carta em cujo verso consta uma longa explicação do mesmo On the opposite page is an attempt to record though faintly that privileged period of your life during which you have sat at the feet of one for whom the ages have been probably waiting The cartoon has that vagueness which attends all true poetry On his countenance is a calm serenity unchangeable unmistakeable In yours I think I read awe mingled however with something of that noble pride which even the companionship of greatness has been known to bestow Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality or rather perpetuating by a sister art the aspect of that brow where poetry has set her throne I know not The expression of Shakespeares genial features is also perhaps ambiguous though doubtless not to him Westminster Abbey I see looms in the distance though with rather an airy character Carta de Dante Gabriel a Christina Agosto de 1852 Rossetti WM 1908 22 Dante Gabriel identifica explicitamente a figura do desenho com a irmã Christina que invoca diversas vezes na segunda pessoa do singular De cabelo apanhado com um vestido simples que lhe cobre o corpo todo e debruçada sobre papel esta é por ele ajoelhada aos pés de Shakespeare A posição do corpo denota sujeição Colocada estrategicamente no canto inferior direito do desenho Christina é submetida à genialidade de Shakespeare e por conseguinte àquele que por se apoiar no seu busto ela contempla talvez com igual reverência também o próprio Dante Gabriel O terse elevado a si mesmo a um plano superior ao dela dá a medida de como o masculino dominava a tradição literária considerada hegemónica A inscri ção na base da estátua que exorta Shakespeare a permanecer eterna mente na memória We neer shall look upon his like again justifica o temor da jovem submissa De rosto erguido e olhar fixo dela transparece no entanto uma certa nobreza orgulhosa que o sobrenome Rossetti elucida talvez Reduzida a aprendiz Christina poderá invocar como exemplo a grandeza do 7 Tanto o desenho como o fragmento da carta que lhe é alusivo foram extraídos da extensa correspondência privada entre Dante Gabriel e Christina cf Rossetti W M 1908 2022 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 169 irmão perpetuandoa no que ela vier a escrever Na verdade espera Dante Gabriel que ela e as outras figuras femininas por ele retratadas em gestos de obediência preservem a sua identidade de poetapintor Absorvida no acto de aprendizagem Christina parece rabiscar algo Eis porque na explicação do desenho Dante Gabriel elabora uma pergunta à qual responde com alguma ironia uma vez que foi ele quem incitou a mais nova dos Rossetti a não prosseguir na arte de desenhar Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality or rather perpetuating by a sister art the aspect of that brow where poetry has set her throne I know not ênfase nossa Apesar de simular incerteza o artista indica a resposta à pergunta trans crita no preciso momento em que a formula É por meio da palavra e não da ima gem que a aprendiz Christina se submete hipoteticamente ao poder daqueles para quem olha Todavia dos seus rivais apenas um possui o poder de se fazer literalmente ouvir Shakespeare está impedido de proferir seja o que for porque o imortaliza a estátua Deduzse assim que é o discurso do irmão que ela regista configurando o desenho tal gesto de transposição para a escrita como prática feminina de vassalagem O mesmo é dizer que a autoria literária no feminino só é reconhecida no espaço público quando se inscreve numa definição muito restrita de feminilidade Conforme Linda H Peterson conclui acerca da parceria entre ambos Rossetti was not without her sense of what a woman artist might legitimately claim as her territory and it was more than Dante Gabriel wanted to allow Peterson 1994 217 Em última análise perante o olhar de Dante Gabriel somente a tutela dele podia impedir que o acto de Christina escrever fosse transgressor Retomando uma vez mais a pergunta da carta atrás citada Are you transcribing from his very lips the titledeeds of his immortality a escolha lexical de transcribing por Dante Gabriel poderá talvez entenderse no contexto quer do desenho quer da explicação como recusa de qualquer autonomia ou afirmação da identidade da mulhersujeito Para confir mar esta hipótese consideremse alguns significados do verbo transcribe em The New Shorter Oxford English Dictionary make a copy in writing quote or cite from a specified source attribute or ascribe to another copy or imitate a person reproduce 1993 sv Transcribe Qualquer uma das definições aqui apresentadas atribui a outro a origem absoluta do que alguém diz ou escreve De Dante Gabriel a irmã podia aprender tudo mas devia sobretudo imitálo reproduzindoo citandoo Da mesma maneira que num plano sociocultural a desigualdade das circunstân cias em que mulheres e homens vitorianos Ana Rosa Gonçalves 170 escre vem os afasta também aqui existe uma distinção significativa entre o que os dois Rossettis fazem Na perspectiva da ansiada sujeição de Christina ao mestre ideal a menos que ela repita o que ouve a figura da irmã é dada como destituída da capacidade de criar algo verdadeiramente seu A única tarefa que ele lhe concede a do registo e subsequente reprodução do discur so masculino implica que mesmo escrevendo ela não possui nunca poder de o contestar ou superar no espaço do mercado literário Coincidiria porém a verdadeira Christina com a figura feminina ideali za da do desenho Por sua vez terseia ela submetido às convenções e mode los da tradição literária masculina reproduzindoos E por que motivo descreveu Dante Gabriel a irmã assim Definindoa através de um olhar intelectualmente superior logo masculino este mais não fez do que subtraí la a si própria Dirseia que naquela imagem de Mulher está implícita a concepção da actividade literária feminina que foi autorizada pelo para digma patriarcal a Christina e a todas as outras Vitorianas como ela Desde que nas suas vozes se condensassem as normas e padrões estéticos instituí dos eralhes permitido escrever Como John Berger refere a propósito das diferenças culturalmente construídas entre os sexos the social presence of woman is different in kind from that of a man A mans presence is dependent upon the promise of power which he embodies If the promise is large and credible his presence is striking If it is small or incredible he is found to have little presence By contrast a womans presence expresses her own attitude to herself and defines what can and cannot be done to her Her presence is manifest in her gestures voice opinions expressions clothes chosen surroundings taste A woman must continually watch herself She has to survey everything she is and everything she does because how she appears to others and ultimately how she appears to men is of crucial importance for what is normally thought of as the success of her life Berger 1972 4546 Deslocando a reflexão de Berger do contexto em que foi proferida para o contexto do desenho aqui analisado poderseá concluir que a construção assimétrica das categorias de Homem e Mulher se reflecte na perspectiva mediante a qual Dante Gabriel se dá a ver a ele próprio e à irmã Também a esfera de acção de Christina aparece condicionada por aquele de quem ela é objecto de tutela literária Notese como a presença da figura feminina cumpre unicamente o objectivo de o engrandecer Mesmo que ela se aplique muito como aprendiz a mais nova dos Rossetti desempenha uma função muito específica a que serve à realização da glória de Dante Gabriel A capa Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 171 cidade de escrever que lhe é atribuída ligase directamente à sua condição de mulher daí que tutelandoa o irmão pretendesse perscrutar tudo o que ela produzia Relativamente ao modo como Dante Gabriel tentou influenciar Christina relembra Alison Chapman In his revisions and suggested revisions D G Rossetti attempts to mold Christina Rossettis literary persona and poetry to his requirements in an effort to redefine her poetic form style meter and subject matter Chapman 1997 142 Ainda que a autoridade literária do irmão mais velho fosse inquestioná vel a escritora recusoua repetidas vezes Se muitas vezes ela se lhe aproxi mou ou tentou de alguma forma igualálo foi apenas porque num mercado de pro du ção e de consumo controlado por homens não era reconhecida reputação artística a quem não dominasse bem as técnicas de composição e convenções literárias pelas quais se regia a crítica vitoriana Mencionouse até aqui a forma como no desenho Dante Gabriel Rossetti representou a submissão da irmã Christina a ele que é o grande mestre De sobrolho carregado ela fixao atenta com o olhar Só que configurála assim absorvida nos ensinamentos dele não significa que de um outro plano esse olhar continue a ser de reverência E se em vez de se partir do centro do desenho e de cima para baixo se deslocasse a análise em primeiro lugar para o plano inferior onde se situa Christina Diznos Michel Foucault em The Order of Things que sujeito e objecto podem inverter infinitamente as suas posições no gaze is stable or rather in the neutral furrow of the gaze piercing at a right angle through the canvas subject and object the spectator and model reverse their roles to the infinity Foucault 1973 5 De notar que inversamente ao que Dante Gabriel teria convencionado também ele pode assumir a posição de objecto e a irmã de sujeito no contexto do que ele desenhou A verdade é que esta parece já resistirlhe por meio do olhar Centrado nele próprio só é a figura feminina quem contempla o artista e não o contrário Porque no desenho Dante Gabriel se vira narcisicamente para si numa pose meditativa acompanha com um olhar vago o gesto da mão que segura a pena o que a irmã regista deixa por conseguinte de estar no campo visual dele Neste sentido nada permite assegurar que existe uma correspondência efectiva entre o que a figura do mestre dita oralmente e a da aprendiz faz por escrito Em última instância no que ela escreve pode igualmente Christina fazêlo emergir como objecto do discurso que ele Ana Rosa Gonçalves 172 próprio lhe impôs Por muito que Dante Gabriel exercesse sobre a irmã o poder e alcance que a tradição masculina lhe outorgava a autoria literária no feminino era potencialmente subversora Quanto ao acto de a escritora lhe ir resistindo por meio do que escreve a ele Dante Gabriel e a muitos outros homenspoetas e editores relembram Andrew e Catherine Belsey Christina Rossettis story the record of her resistance to the limitations imposed on women and on women as writers illuminates the nature of oppression and resistances to oppression Belsey Belsey 1988 49 Decidida a disputar a autoridade literária do mais ilustre dos Rossetti Christina haveria de escrever sozinha opondose ao que ele lhe fora tute lan do mas sem nunca se insurgir abertamente De forma muito subtil e levandoo sempre a acreditar que aceitava as correcções dele usa o estatuto de mais nova para continuar a assistir de perto ao trabalho do poetapintor É a irmã que Dante Gabriel também incluiu num desenho onde ele se referiu a si próprio enquanto artista Com o título de Artists Studio Figura IV8 Christina aparece de pé ligeiramente debruçada sobre a poltrona onde está sentado o irmão Com as mãos apoiadas no encosto da cadeira configurando impli ci tamente tal gesto o apoio dela àquele que ali se estende olha atenta para a tela onde está retratada uma figura de mulher Uma vez mais aqui a sua presença confirma apenas a grandeza do irmão com as pernas esticadas na parte do cavalete onde se colocam os pincéis e as tintas ele contemplase a si próprio como artista quase em êxtase Para Dante Gabriel à irmã resta apenas observar em silêncio o que ele pintou convertendoa em sua cúmplice Christina interveio contudo E fêlo ousadamente em 1856 com o poema In an Artists Studio no qual interpela Dante Gabriel Rossetti da seguinte forma One face looks out from all his canvasses One selfsame figure sits or walks or leans We found her hidden just behind those screens That mirror gave back all her loveliness A queen in opal or in ruby dress A nameless girl in freshest summer greens A saint an angel every canvass means The same one meaning neither more nor less He feeds upon her face by day and night 8 Figura extraída de Fredeman 1991 56 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 173 And she with true kind eyes looks back on him Fair as the moon and joyful as the light Not wan with waiting not with sorrow dim Not as she is but was when hope shone bright Not as she is but as she fills his dream Rossetti C 1990 264 Apesar de ser uma só One face looks a figura feminina retratada condensa o olhar do artista em relação a todas as outras queen nameless girl saint ou angel Diversas vezes enunciado o desejo quase vampírico do pintor pela figura que ele incessantemente retrata One selfsame figure significa que de certa forma qualquer mulher susceptível de merecer o olhar dele poderia acabar imortalizada da mesma maneira Not as she is but as she fills his dream itálicos nossos A ênfase colocada na aprovação masculina mostra como o pintor anula a identidade e individualidade de todas aquelas que posam para ele Na verdade a descrição do modo como a figura masculina explicitamente identificada com Dante Gabriel por Christina se apropria do feminino indica que para o artista a beleza do corpo se transforma num factor de indiferenciação entre as mulheres Porque na função de musa a Mulher é dada em termos ideais Fair as the moon and joyful as the light nenhuma outra a conseguirá igualar A imagem da musa é porém desconstruída por Christina he feeds upon her face Assim idea lizada a Mulher existe apenas enquanto objecto do desejo masculino Foi aqui objectivo tentar perceber como de entre os Rossetti Dante Gabriel tentou moldar o começo do percurso de Christina no mercado literário vitoriano Da análise delineada concluise que a mesma Christina que se dera a ver como musa do irmão Figuras I e II que fora alvo da troça dele enquanto mulherescritora Figura III ou convertida em sua admiradora Figura IV se insurgiu contra ele Ainda que não abdicasse nunca do prestígio intelectual e artístico do irmão para entrar no mercado daquele tempo Christina fez emergir Dante Gabriel como objecto do que ela própria escrevia no poema In an Artists Studio Cerca de catorze anos depois também este último Rossetti se háde referir a ele próprio enquanto poetapintor no poema Portrait 1870 Her face is made her shrine Let all men note That in all years O Love thy gift is this They that would look on her must come to me Rossetti D G 2003 132 Ana Rosa Gonçalves 174 Na perspectiva de que se constrói o poema a mulhermusa cumpre apenas o objectivo de devolver a grandeza ao artista sublimandoo de modo a que ele permaneça eternamente na memória colectiva O olhar que lhe é devolvido pela irmã nunca coincide porém com o de Dante Gabriel Destes dois Rossettis unicamente Christina sublima a mulhersujeito Referências Belsey Andrew Catherine Belsey 1988 Christina Rossetti Sister to the Brotherhood Textual Practice vol 2 no 1 Spring pp 3050 Berger John 1972 Ways of Seeing London The British Broadcasting Corporation Cary Elisabeth Luther 1974 The Rossettis Dante Gabriel and Christina New York Haskell House Publishers Chapman Alison 1997 Defining the Feminine Subject Dante Gabriel Rossettis Manuscript Revisions to Christina Rossettis Poetry Victorian Poetry Summer pp 139156 Doughty Oswald 1949 A Victorian Romantic Dante Gabriel Rossetti London Frederick Muller Foucault Michel 1973 The Order of Things An Archaeology of the Human Sciences New York Vintage Fredeman William E 1991 A Portfolio of Drawings by Dante Gabriel Rossetti The Journal of PreRaphaelite and Aesthetic Studies Special Issue A Rossetti Edited by William E Fredeman vol II no 2 HaresStryker Carolyn Ed 1997 An Anthology of PreRaphaelite Writings Sheffield Sheffield Academic Press Marsh Jan 1988 PreRaphaelite Women Images of Femininity in PreRaphaelite Art London Phoenix Illustrated 1999 Dante Gabriel Rossetti Painter and Poet London Weidenfeld Nicolson New Encyclopaedia Britannica Micropaedia Ready Reference The 1998 Edited by Jacob E Safra Constantine S Yannias et al vol X Chicago Britannica Inc 1st ed 17681771 pp 192195 New Shorter Oxford English Dictionary The 1993 Edited by Lesley Brown vol II Oxford Clarendon Press 1st ed 1933 p 3367 Peterson Linda H 1994 Restoring the Book The Typological Hermeneutics of Christina Rossetti and the PreRaphaelite Brotherhood Victorian Poetry 32 Dois Rossettis Christina e Dante Gabriel Is she transcribing from his lips 175 Autumn Winter pp 209232 Rossetti Christina 1990 The Complete Poems of Christina Rossetti A Variorum Edition Edited by R W Crump vol III Baton Rouge La Louisiana State University Press Rossetti Dante Gabriel 1991 A Portfolio of Drawings by Dante Gabriel Rossetti The Journal of PreRaphaelite and Aesthetic Studies Special Issue A Rossetti Edited by William E Fredeman vol II no 2 2003 Collected Poetry and Prose Edited by Jerome McGann New Haven London Yale University Press Rossetti William Michael 1908 The Family Letters of Christina Georgina Rossetti With some Supplementary Letters and Appendices Edited and with Preface by William Michael Rossetti New York Charles Scribners Sons Woolf Virginia 1945 A Room of Ones Own London Penguin Books 1st ed 1928 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou Desta Matéria São Feitos os Romances Atonement de Ian McEwan LUÍSA MARIA RODRIGUES FLORA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa A o que tudo indica graças ao empenho de dois alquimistas surge no início do século XVIII pela primeira vez na Europa em Meissen a por ce lana O encanto que ainda hoje mantém decorre da sua indu bi tá vel qualidade fundada na resistência à passagem do tempo e na delicadeza do tra balho manual que sucessivas gerações de artesãos lhe têm devotado garan tindo que cada peça de porcelana de Meissen é única logo insubsti tuível Ao que muito indica graças à ousadia de vários romancistas surge porventura no início do século XVIII pela primeira vez na Europa em parte incerta o romance A sedução que ainda hoje exerce decorre da sua índole única defendido da passagem do tempo pelo desvelo com que sucessivas gerações de artífices vêm garantindo a sua característica abertura à incorpo ra ção plural dos mais distintos registos e pela resistência que o género tem demonstrado perante os que tentam depreciálo Uma porcelana de Meissen quem sabe discreta homenagem ao derradeiro romance de Bruce Chatwin1 adquire em Atonement uma função narrativa primordial É um vaso de Meissen que ao quebrarse suscita o pretexto para o reconhecimento por Cecilia e Robbie da paixão que os transfigura para a ilusão que conduzirá Briony ao seu crime e afinal para toda a situação narrativa a partir da qual se irá moldar este romance Uma situação comum da banalidade quotidiana o não acontecimento que o quebrar de um vaso habitualmente constitui adquire no romance como adiante veremos uma multíplice capacidade de irradiação e um delicado valor simbólico Da oficina da banalidade quotidiana tanto pode surgir o deslumbramento epifânico quanto irromper o horror Em ambos os casos a realidade transcende a expectativa E perante um romance de 2001 bom será lembrar como o recurso ao quotidiano enquanto pretexto e instrumento de 1 Utz 1988 Luísa Maria Rodrigues Flora 180 interpelação e indagação da vivência humana em sociedade é desde o início parte integrante da nossa memória romanesca Em 11 de Setembro de 2001 Ian McEwan entrevistado em Oxford para The Observer a propósito de Atonement prestes a ser publicado declarava Novels are not about teaching people how to live but about showing the possibility of what it is like to be someone else It is the basis of all sympathy empathy and compassion Other people are as alive as you are Cruelty is a failure of imagination Kellaway 11 Estas palavras evocavam de modo breve toda uma concepção da arte romanesca e constituíam desde logo uma reflexão bastante apropriada sobre Atonement Contudo pronunciadas como tinham sido uma ou duas horas antes do ataque às Torres Gémeas bruscamente adquiriram uma maior densidade que nos permite reencontrálas transfiguradas em 15 de Setembro de 2001 Ian McEwan escrevia em The Guardian a respeito dos ataques terroristas que fora convidado a comentar Waking before dawn going about our business during the day we fantasize ourselves into the events What if it was me This is the nature of empathy to think oneself into the minds of others These are the mechanics of compassion you are under the bedclothes unable to sleep and you are crouching in the brushedsteel lavatory at the rear of the plane whispering a final message to your loved one There is only one thing to say and you say it All else is pointless You have very little time before some holy fool who believes in his place in eternity kicks in the door slaps your head and orders you back to your seat 23C Here is your seat belt There is the magazine you were reading before it all began The banality of these details might overwhelm you If the hijackers had been able to imagine themselves into the thoughts and feelings of the passengers they would have been unable to proceed It is hard to be cruel once you permit yourself to enter the mind of your victim Imagining what it is like to be someone other than yourself is at the core of our humanity McEwan 1315 No contexto deste brutal início do século XXI e da leitura de um romance no qual a protagonista Briony Tallis também romancista também autora em tem pos se perguntara was everyone else really as alive as she was For exam ple did her sister really matter to herself was she as valuable to herself as Briony was Was being Cecilia just as vivid an affair as being Briony McEwan Atonement 36 os comentários de McEwan antes citados vêm A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 181 conferir à arte romanesca um peso uma responsabilidade que mais irreflecti damente atri bui ría mos aos rigores vitorianos do que a quaisquer astúcias nossas contemporâneas Consideremos duas destas declarações de McEwan Imagining what it is like to be someone else other than yourself is at the core of our humanity e Novels are about showing what it is like to be someone else Registemos ainda a declaração da banalidade dos pormenores invocados O vínculo esta belecido por McEwan entre estas afirmações compromete a sua arte com a tradição do humanismo liberal tão dominante ao longo dos séculos na ficção de língua inglesa e na aparência tão provocadora durante pelo menos uma boa parte do século XX Estaremos porventura em melhores condições para apreciar o trabalho de Ian McEwan e para entender o seu actual contributo para a arte do romance se recordarmos aquilo que George Levine no sempre admirável The Realistic Imagination 1981 caracterizou como a luta intrín seca a qualquer esforço realista Esta é segundo Levine the struggle to avoid the inevitable conventionality of language in pursuit of the unattainable unmediated reality Realism as a literary method can in these terms be defined as a selfconscious effort usually in the name of some moral enterprise of truth telling and extending the limits of human sympathy to make literature appear to be describing directly not some other language but reality itself whatever that may be taken to be in this effort the writer must selfcontradictorily dismiss previous conventions of representation while in effect establishing new ones Levine 8 Atonement corresponde a uma nova interpretação desta mesma luta na qual a incorporação de múltiplas convenções anteriores as homenageia e põe em causa problematizando no cerne do próprio acto ficcional a sua legiti mi da de sem desistir de transfigurar o fazdeconta em instrumento de interpela ção e indagação da condição humana Ciente da delicadeza que o uso da lingua gem impõe o escritor está também seguro da resistência dos riquís si mos legados que recebeu Em Atonement não é apenas um período histórico e literário que se revisita como foi frequentemente o caso desde que em 1969 John Fowles publicou o magnífico The French Lieutenants Woman Ian McEwan abre o século XXI para o romance inglês2 Se este romance oferece 2 Atonement is less about a novelist harking back to the consoling uncertainties of the past than it is about creatively extending and hauling a defining part of the British literary tradition into the 21st century Dyer 8 Vide também citação Hermione Lee a p 13 deste ensaio Luísa Maria Rodrigues Flora 182 uma pluralidade talvez infinita de abordagens os limites de tempo aqui dispo nível admitem apenas uma parcial e breve apresentação Toda a obra de Ian McEwan tem vindo a promover e perdoemme usar palavras minhas quando em Maio de 2002 na Universidade de Lisboa o acolhi a serious dissection of contemporary morals Tal indagação é efectuada através de um registo quase sempre discreto seco e austero que estabelece incisivo confronto com o desassossego e a violência que lhe atravessam os textos Os pesadelos públicos e privados foram trespassando a experiência do século XX A escrita de McEwan vem cada vez mais cons truindo edifícios romanescos que frequentemente procedem a uma autópsia da vivência contem porânea no acto mesmo de conduzir um renovado exer cí cio de autoobservação da arte ficcional Não se veja neste exercício uma prática narcí sica contraditória com a filiação anteriormente atribuída e a tradição huma nista do romance Tal prática pode e deve ser reconhecida desde o início do género3 As observações de Ian McEwan em 2001 lembram a entrevista que em 1984 o ainda jovem escritor fizera em Paris ao já consagrado Milan Kundera Apresentando Kundera McEwan caracterizavao então de um modo que quanto a mim é hoje cada vez mais adequado ao seu próprio trabalho his achievement has been to bring both private life and political life into one framework and to demonstrate how both take their forms from the same source of human inadequacies An Interview 22 Tal reflexão parecia conforme à obra que Kundera prosseguia no exílio e às circunstâncias de uma arte que recusava anular a complexidade do momento histórico em que ia sendo produzida assumindo uma pluralidade de legados estéticos aos quais até hoje o escritor se mantém dedicado4 Contudo os principais motivos para invocar agora a entrevista de 1984 e em seguida convocar o seu ensaio de 2005 procedem da adequação que encon tro entre alguns dos comentários de Kundera e a actividade de qualquer 3 Como também Levine entre outros sugere Atentese por exemplo nas seguintes palavras Much of the power of nineteenthcentury realist fiction derives from the integrity of its pursuit of possibilities that would paradoxically deprive it of its authority and sever it from its responsibility to reality and audience Levine 9 4 Cf A Cortina 2005 Nova caminhada por considerações antes desenvolvidas sobretudo em A Arte do Romance 1986 e Os Testamentos Traídos 1993 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 183 roman cista no caso Briony Tallis a personagem que é de diversos modos responsável por Atonement Ou o romancista Ian McEwan each of us consciously or unconsciously rewrites our own history We are constantly rewriting our own biographies constantly bringing our own sense the sense we want to events We are selecting and shaping picking out the things that reassure and flatter us while deleting anything that might possibly detract People always see the political and the personal as different worlds as if each had its own logic its own rules But the very horrors that take place on the big stage of politics resemble strangely but insistently the small horrors of our private life An Interview 323 A presente comparação entre as afirmações de Kundera e aspectos centrais ao romance de McEwan não pretende sobrevalorizar as afinidades entre os dois escritores ou iludir às distâncias que os separam Basta referir o enorme elenco das romancistas que reencontramos como presenças tutelares em Atonement Jane Austen George Eliot Virginia Woolf Vera Britain Elizabeth Bowen Rosamond Lehmann entre outras e o sistemático esque cimento por Kundera ao longo dos ensaios sobre a arte do romance de qualquer valorização da escrita feita por mulheres para assinalar diferenças muito pouco insignificantes Contudo a prevalência de um modelo patriarcal na construção de uma memória colectiva e no revisitar de uma tradição literária por Kundera não constitui objectivo deste trabalho Afirmando partir apenas da sua prática como um romancista sem quaisquer ambições teóricas ele promove um conjunto de reflexões sobre uma linhagem do romance No ensaio A Cortina 2005 o escritor torna a Rabelais e Cervantes para identificar uma tradição que terá em Fielding em particular no nosso conhe cido Tom Jones 1749 um primeiro paifundador de uma nova provín cia literária bem ciente do que era escrever um romance Fielding tenta definir essa arte quer dizer tenta determinar a sua razão de ser e delimitar o domínio da realidade que o romance tem para iluminar para explorar e para discernir o alimento que nós propo mos aqui ao nosso leitor não é mais do que a natureza humana naquela altura ninguém teria elevado o romance à categoria de uma reflexão acerca do homem enquanto tal o espanto diante daquilo que é inexplicável nesta estranha criatura que é o homem é para Fielding o primeiro incitamento para escrever um romance a razão para o inventar Ao inventar o seu romance o romancista descobre um aspecto até essa altura desconhecido escondido da natureza humana Para Fielding o romance é definido pela Luísa Maria Rodrigues Flora 184 sua razão de ser e pela extensão da realidade que ele tem para descobrir A sua forma releva de uma liberdade que ninguém poderá limitar e cuja evolução será uma perpétua surpresa Kundera 1455 Esta indagação de um território a desbravar que o novo género promove é muito frequente em Kundera Também McEwan comenta em 1999 all novels have the quality of an investigation and the investigation changes as the material changes Moss 8 Interpelar a condição humana que é também a sua circunstância que não existe fora da história interrogar o acto de viver é também para McEwan interpelar o próprio acto de escrever ficção As humanas inadequações que McEwan descobria em 1984 no cerne da arte de Kundera adquirem em Atonement uma angustiante densi dade e tam bém neste texto a forma é uma perpétua surpresa Prosseguindo no reco nhe cimento de uma linhagem para o romance Kundera atribui um papel decisivo a Flaubert e à sua incorporação na arte romanesca da banalidade quoti diana6 para em seguida incluir Tolstói e o modo como inova ao anteci par Joyce no uso do monólogo interior Não cabe neste ensaio examinar o longo caminho revisitado por Kundera mas apenas sugerir que uma boa parte desta linhagem romanesca que ele traz até aos nossos dias e repetida mente valo riza é em grande medida partilhada por McEwan E talvez a nenhum dos seus anterio res oito romances se aproprie tanto quanto a Atonement a pergunta retórica que Kundera faz no ensaio já referido não será que a arte do romance com o seu sentido da relatividade das verdades humanas exige que a opinião do autor permaneça escon dida e que qualquer reflexão deva ficar reservada unicamente para o leitor Kundera 62 A prática ficcional de Ian McEwan ocupouse desde os primeiros textos publicados da crueldade da perversidade e do sofrimento que se escondem por detrás da vida quotidiana Fálo através de um estilo escorreito e polido cuja transparência ilude quem o toma à letra quem não lhe desvenda a plurivo cidade da linguagem Porém talvez nunca como em Atonement esta característica da sua escrita tenha sido levada até tão fundas consequências 5 cf The Provision then which we have here made is no other than HUMAN NATURE Fielding Tom Jones Book I Chapter I 25 e também Preface to Joseph Andrews 1742 6 Só o romance seria capaz de descobrir o imenso e misterioso poder do fútil Kundera 25 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 185 No texto da contracapa bem resumido o leitor de Atonement encontra o cerne da situação narrativa que molda todo o romance On the hottest day of the summer of 1935 thirteenthyearold Briony Tallis sees her sister Cecilia strip off her clothes and plunge into the fountain in the garden of their country house Watching her is Robbie Turner her childhood friend who like Cecilia has recently come down from Cambridge By the end of that day the lives of all three will have been changed for ever Robbie and Cecilia will have crossed a boundary they had not even imagined at the start and will have become victims of the younger girls imagination Briony will have witnessed mysteries and committed a crime for which she will spend the rest of her life trying to atone O incidente banal em que Robbie e Cecilia disputando entre si quem vai encher de água o vaso de Meissen acabam por quebrar dois pedacinhos da porcelana assume como no início referi um significado determinante na construção da narrativa A valiosa porcelana de Meissen oferta do povo que ele ajudara a salvar a um jovem tenente Tallis que não iria sobreviver aos últimos dias da 1ª Guerra não expressa apenas uma memória acarinhada pelo irmão ou o heroísmo a que em breve toda uma outra geração teria de sujeitarse e que o texto reinventa de modo raro A partir do incidente toda a vida das três personagens principais Briony Robbie e Cecilia se transfigura desencadean do uma sucessão de acontecimentos que acaba por afectar todo o romance ou melhor que acaba por ser o romance Acompanhemos brevemente um excerto da cena junto à fonte A pers pec tiva narrativa principal é aqui como ao longo de quase todo o capítulo 2 da 1ª parte de Cecilia He looked into the water then he looked back at her and simply shook his head as he raised his hand to cover his mouth By this gesture he assumed full responsibility but at that moment she hated him for the inadequacy of the response He glanced towards the basin and sighed For a moment he thought she was about to step backwards onto the vase and he raised his hand and pointed She kicked off her sandals unbuttoned her blouse and removed it unfastened her skirt and stepped out of it and went to the basin wall He stood with his hands on his hips and stared as she climbed into the water in her underwear Denying his help any possibility of making amends was his punishment She held her breath and sank leaving her hair fanned out across the surface Drowning herself would be his punishment Atonement 30 Luísa Maria Rodrigues Flora 186 No 3º capítulo é privilegiado o ponto de vista de Briony que observa o incidente à distância sem ser observada Tratase de uma adolescente com pre ten sões a escritora muito inventiva com muito tempo de ócio e isola mento Incapaz de entender aquilo que acidentalmente testemunha Briony pressente no entanto a tensão sexual que se instalara entre a irmã e o amigo e procura encaixar aquilo que vê nos limites daquilo que conhece De imediato começa a moldar uma história A proposal of marriage Briony would not have been surprised She herself had written a tale in which a humble woodcutter saved a princess from drowning and ended by marrying her What was present ed here fitted well What was less comprehensible however was how Robbie imperiously raised his hand now as though issuing a command which Cecilia dared not disobey It was extraordinary that she was unable to resist him What strange power did he have over her Blackmail Threats Briony raised two hands to her face and stepped back a little way from the window She should shut her eyes she thought and spare herself the sight of her sisters shame But that was impossible because there were further surprises Cecilia mercifully still in her underwear was climbing into the pond was standing waist deep in the water was pinching her nose and then she was gone The sequence was illogical the drowning scene followed by a rescue should have preceded the marriage proposal Atonement 389 A casa da ficção tem de facto muitas janelas Desde o princípio do roman ce ficara claro que a Briony não basta ser espectadora Filha mais jovem de uma daquelas famílias disfuncionais que atravessam o romance inglês dos anos 30 e 40 e à qual se adequa o comentário de Orwell a propósito da classe dirigente do seu país A family with the wrong members in control 401 Briony identifica nas inconsistências que descobre na cena um momento de passagem some kind of revelation occurred Atonement 41 Ainda não sabe interpretar o comportamento da irmã ou o de Robbie mas sente que algo mudou Briony had her first weak intimation that for her now it could no longer be fairytale castles and princesses but the strangeness of the here and now of what passed between people the ordinary people she knew if she had not stood when she did the scene would still have happened for it was not about her at all Only chance had brought her to the window Atonement 39 40 A suspeita que então se instala na futura romancista a suspeita de que a realidade ultrapassa as convenções que a ficção pode descobrir para a interpre tar não inibe Briony de em miniatura imaginar o que virá afinal a A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 187 constituir a forma matriz de todo o romance she could write a scene like the one by the fountain and include a hidden observer like herself She could write the scene three times over from three points of view her excitement was in the prospect of freedom of being delivered from the cumbrous struggle between good and bad heroes and villains None of these three was bad nor were they particularly good She need not judge There did not have to be a moral She need only show separate minds as alive as her own struggling with the idea that other minds were equally alive It wasnt only wickedness and scheming that made people unhappy it was confusion and misunderstanding above all it was the failure to grasp the simple truth that other people are as real as you And only in a story could you enter these different minds and show how they had an equal value Atonement 40 A claridade dos objectivos e as possibilidades ficcionais agora somente pressentidas não impedem Briony de umas horas mais tarde interpretar e julgar erradamente as aparências She trapped herself she marched into the labyrinth of her own construction Atonement 170 A consistência aparente de uma narrativa onde tudo encaixa ilude Briony e nas circunstâncias propí cias que o fim do dia acaba por trazer Briony comete o seu crime ao utilizar toda a sua persuasão para acusar Robbie da agressão sexual de que fora vítima a prima de quinze anos the inspector was careful not to oppress the young girl with probing questions and within this sensitively created space she was able to build and shape her narrative in her own words and establish the key facts Atonement 180 O crime de Briony Tallis pertence a um mundo artificiosamente cons truí do para satisfazer a sua noção imatura de justiça e de harmonia a violên cia da sua imaginação manipula aquilo que aconteceu para violar a realidade manipulandoa para erguer o edifício artístico que acabará por constituir todo o romance Ainda incapaz de aceitar a relatividade das verdades humanas Briony começa por ver o mundo em função daquilo que julga servir a sua escrita Na obsessão de em tudo procurar e descobrir material que possa explorar enquanto escritora tece uma intriga e não se detém perante quais quer dúvidas A realidade da vida humana impõelhe um conhecimento outro do mundo e de si mesma A viagem de autodescoberta que este romance percorre constitui a ficção de Briony em demanda de uma verdade inacessível mas que ao fim e ao cabo somente através da ficção se pode alcançar The truth had become as ghostly as invention Atonement 41 Todo o labor de reparação e de expiação que leva Briony a dedicar a quase totalidade da vida a sucessivas reescritas da sua obra principal impõe Luísa Maria Rodrigues Flora 188 justamente um constante seleccionar e dar forma Leal até ao fim ao control ling demon Atonement 5 que a acompanhara desde o início do romance e da sua carreira como romancista Briony aprende a conhecer reconhecer e aceitar os pequenos horrores da sua existência privada à medida que vai aceitando que a vida é bem mais ampla e complexa do que qualquer ficção pode ambicionar transmitir A realidade da vida humana impõelhe um conhecimento outro do mundo e de si mesma A viagem de autodescoberta que este romance percorre constitui a ficção de Briony em demanda de uma verdade inacessível mas que ao fim e ao cabo somente através da ficção se pode alcançar A delicada resistência da forma que escolhe permitelhe dar a ver múltiplas perspectivas e situações apresentar as figuras que povoam o seu universo ficcional de modo caleidoscópico construir um puzzle de situações que desde o princípio joga com prolepses e analepses avança recua avança de novo constrói narrativas paralelas no tempo e propõe finais alternativos para a cada vez menos idealizada história de amor de Cecilia e Robbie veja se por exemplo as cenas da Parte 2 na fuga de Dunquerque Da adolescente que via o mundo em função daquilo que supunha ser útil à sua arte e recusava qualquer sugestão de desordem por não ser favorável aos enredos que inventava Her wish for a harmonious organised world denied her the reckless possibilities of wrongdoing Mayhem and destruction were too chaotic for her tastes and she did not have it in her to be cruel Atonement 5 o leitor irá em retrospectiva identificar as marcas de uma escrita que forçara a realidade a encaixarse de forma não apenas artificial mas criminosa O romance vaise apresentando à leitura através de diversas persona gens numa desmultiplicação por vezes caleidoscópica que recorre a técni cas convenções e marcas intertextuais recuperadas do passado do género Privilegiando o discurso indirecto livre vai incorporar registos tão diferentes como as cartas de Robbie e Cecilia a descrição pormenorizada de um cenário idílico ou a evocação brutal de um cenário de guerra Manobra com destreza a autoironia de Briony e as suas preocupações como romancista através de comentários que só em retrospectiva em releitura revelam toda a sua vertente metatextual No interior de uma ficção quase perfeitamente circular finalmente enqua drada numa estrutura que obedece ainda a antigos preceitos de harmo nia estética Atonement acabará por acolher a perturbação das pequenas vidas das suas personagens e por revelar o caos e os horrores do palco da 2ª Guerra Mundial Umas e outros se articulam no romance de modo enfim consonante A escrita do romance como arte polifónica que privilegia o mostrar de uma pluralidade de pontos de vista a vocação deste género literário para A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 189 promover um exercício imaginativo que será central à capacidade de nos colo carmos na pele dos outros o recurso à banalidade do quotidiano como instru men to de interpelação da vivência humana em sociedade todas estas carac terísticas integram a tradição romanesca ocidental desde o seu início e todas elas têm sido frequentemente reconhecidas As qualidades agora enun cia das fazem parte de um amplo pacto que com muito engenho alguns sobres saltos e malentendidos constitui o legado dominante da ficção romanesca A ortodoxia que tem vindo sob diversos semblantes a privilegiar o expe ri mentalismo e a desvalorizar o realismo como método literário ilude o fundo do problema e é pelo menos em autores como McEwan uma falsa questão uma nãoquestão Livre para utilizar estratégias e técnicas narrativas recupe ra das de tradições diversas mesclando legados dessa ficção europeia que o fascina desde o início da carreira com a estima que lhe permite saudar não raro de modo paródico figuras incontornáveis da tradição romanesca mais especificamente inglesa McEwan convoca em Atonement múltiplos contribu tos duma tradição imensa e plural Ao fazêlo ultrapassa e muito aquilo que Hermione Lee referiu na recensão a que agora apenas aludimos All through historical layers of English fiction are invoked and rewritten Jane Austens decorums turn to black farce Forsters novels of social misun derstanding the attack on poor Leonard Bast Adela Questeds false charge of rape are ironically echoed Atonement asks what the English novel of the twentiethfirst century has inherited and what it can do now Lee 16 A vida nunca é susceptível de ser encerrada cristalizada numa qualquer narrativa nem mesmo ou porventura nem sobretudo quando se arquitecta uma estrutura bem organizada coerente A força destruidora da ilusão de Briony é também a energia que permite erguer o edifício ficcional como se de um edifício de vida se tratasse e que nos permite através desse processo colocarmonos no lugar dos outros Aprender a escrita no caso de McEwan como no de Briony é ainda e sempre aprender a conhecerse e aprender a conhecer o mundo Como recorda Raymond Tallis no seu insolente provocador e polémico In Defense of Realism 1988 In summary to defend realism does not necessarily imply membership of the arrière garde Nor does it mean that one sees the job of the late twentiethcentury novelist to be to rewrite the nineteenthcentury novel to write in the 1980s as if one were Fontane or Zola or George Eliot or Galdos to revive the Flaubertian or the Dickensian world picture It is entirely possible that modern realism may lead to the Luísa Maria Rodrigues Flora 190 abandonment of the narrative modes characters and themes that nineteenthcentury realists regarded as central The task of letting reality into fiction will always demand a questioning attitude to the language and assumptions of ones own life and of the world one knows and will require the author to be as experimental as any of the more obtrusively experimental antirealists Tallis 197 Na sua delicada resistência quer a porcelana de Meissen quer o roman ce perduram Referências Chatwin Bruce Utz London Picador 1988 Dyer Geoff Whos afraid of influence The Guardian 22 Sept 2001 8 Fielding Henry Preface to The History of the Adventures of Joseph Andrews and of his Friend Mr Abraham Adams and An Apology for the Life of Mrs Shamela Andrews Ed with an introduction by Douglas Brooks London Oxford University 1970 39 Tom Jones The authoritative text contemporary reactions criticism Second ed Ed Sheridan Baker New York Norton 1995 1973 Kellaway Kate At Home with his Worries The Observer 16 Sept 2001 http observerguardiancoukreviewstory0690355241700html 27 Sept06 Kundera Milan A Arte do Romance Trad Luísa Feijó e Maria João Delgado Lisboa Publicações D Quixote 1988 1987 Os Testamentos Traídos Trad Miguel Serras Pereira Porto Asa 1994 1993 A Cortina Ensaio em sete partes Trad Pedro Sousa Pires Porto Asa 2005 Lee Hermione If your memories serve you well The Observer Review 23 Sept 200116 Levine George The Realistic Imagination English Fiction from Frankenstein to Lady Chatterley Chicago The University of Chicago Press 1981 McEwan Ian An Interview with Milan Kundera Trans Ian Patterson Granta 1984 1937 Only love and then oblivion Love was all they had to set against their murderers The Guardian 15 Sept 2001 httpbooksguardiancoukprint042578719993900html 27 Sept06 Atonement London Vintage 2001 A Delicada Resistência de uma Porcelana ou 191 Moss Stephen Forget about the plot find a quiet place to think and buy an A4 notepad The Guardian 23 Dec 1999 httpbooksguardiancoukprint039444949993000html 27 Sept06 Orwell George The Lion and the Unicorn Socialism and English Genius 19 February 1941 The Complete Works of George Orwell Ed Peter Davison assisted by Ian Angus and Sheila Davison Vol12 London Secker Warburg 1998 391434 Tallis Raymond In Defence of Realism London Edward Arnold 1988 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 The Word that Says More than 1000 images LANDEG WHITE Universidade Aberta de Lisboa W hat I want to discuss today is not based on a piece of academic investigation but on my own experience of writing and publishing poetry Ive had and still have an academic career which I value But Im also aware that whatever the merits of my academic writings all my best work these days in terms of thought and feeling is expressed in poetry When a topic is proposed to me my first thought is What does my poetry say about this Whether this is a good thing or a bad thing is not a matter my poetry tells me anything about and I admit it may be debateable But when the title of this Ciclo was first mentioned to me by Professora Alcinda Pinheiro de Sousa I knew immediately what I want to talk about and gave her my own title spontaneously Of course The word that says more than 1000 images is deliberately provocative Im not for one moment denying there are images that say more than 1000 words images of such power that to speak only of photo jour nalism they have changed the course of the world But we live in an age that worships images in a manner amply illustrated by the stock phrase I am parodying and too little attention is paid to just how limited and limiting images can be In certain respects that have been important in my own career images fail To set out why I need to say a little about myself I was born in south Wales but left there just after my third birthday My father was a minister of religion in the Baptist denomination and he kept moving between churches following what they called the Call So my childhood was spent first on the Wirral peninsula in Cheshire then in Rutherglen near Glasgow then in Birkenhead on Merseyside and finally in Boreham Wood in Hertfordshire each move involving a new home new school new sets of friends and so on When I graduated from Liverpool University my first job in 1964 was at the Trinidad campus of the University of the West Indies From there I moved to the University of Malawi from where I was deported in 1970 then to Fourah Bay College in the University of Sierra Leone Africas oldest degreegiving institution then to the University of Zambia and finally after a brief spell at Landeg White 196 the University of Kent at Canterbury to the University of York where I spent fourteen years I moved to Portugal with my family in 1994 and now live in Carapinheira near Mafra and teach at the Universidade Aberta These then are the places where Ive lived worked fell in love raised my sons fought my battles including one of great importance and inevitably therefore these are the places Ive written about both in poetry and in other forms including scholarly work But I write only in English and my audience such as it is is in the Englishspeaking world Most of my smattering of readers have never been to the West Indies or Africa or spent much time in Portugal I as writer stand between them and my subject matter and I would like you to reflect just a moment on the significance of this There are some writers such as Jane Austen or Eça de Queiroz who seem so close to the world of their characters and the characters in turn so close to the world of their readers that they seem as it were to operate in a closed circle Its the modern reader feels a little outside but such is the magic of Austens or Eças style theres little difficulty in gaining entry Jane Austens characters for instance talk a great deal about books they have been reading Pope and Cowper Johnson Scott and Byron If say in Persuasion one of them mentioned she had been reading Sense and Sensibility or Pride and Prejudice we wouldnt be unduly surprised Similarly in Os Maias if mention was made of O Crime de Padre Amaro we might feel Eça was showing off a little but its the sort of book characters like Ega or Carlos would be likely to read with some adjustment to the chronology Compare their situation with that of with the English poet John Clare Clare was born in 1793 in the village of Helpston in Northamptonshire into a peasant family being under his mothers influence the only child in the village able to read and write When he began writing poetry in imitation of Cowper and Goldsmith he was quickly marketed by John Taylor also Keatss publisher as the peasant poet But he found himself writing about people and places in rural Northamptonshire for a middleclass audience in London and the tension between his subject matter and his readers broke him He wanted to write about loss about the enclosure system and agricultural depression the depopulation of the countryside while the few remaining peasants were forced to become underpaid labourers on land they had formerly farmed But his audience wanted poems about happy peasants living in cottages with roses round the door and anything else smacked of Jacobinism So Clare retreated voluntarily to his asylum where he wrote and wrote for the rest of his life It was only in the 1960s that the huge body of work he produced was finally available in scholarly editions and his status as a major poet of the late The Word that Says More than 1000 images 197 Romantic period was affirmed1 Its fair to note he had other sources of personal distress but the unbridgeable gap between his themes and his readers was the prime reason for his choice of silence The Leedsborn poet Tony Harrison illustrates something similar Born into a workingclass family his father a baker he won scholarships to Leeds Grammar school and Oxford University reading Classics When he published his first book of poetry he showed a copy to his mother who as he says turning the pages distastefully and wincing at some of the language commented we didnt bring you up to write mucky books Harrison has always honoured his family and the class he was born in but the gap was always there and in poems like V has become a central theme For writers in English from former British colonies this predicament is even more acute VS Naipaul began his career by writing about Trinidadians for an audience in Britain His situation was doubly complicated in that he was of Indian origin and until he went to India always felt more Indian than West Indian Most of his life has been spent in Britain he is too British for American readers but he has always seemed far more of a Brahmin than an Oxford man Few of the characters he writes about would ever read novels and he cannot avoid being the interpreter of one group of people to another his audience lacking any other touchstone having to trust the integrity of his narrative skills To compare great things with small this is essentially my own situation writing about subjects that are here for an audience that is over there This has many ramifications involving the tactics needed to gain the trust of ones readers and among them is my topic the subject of this presentation on the word that says more than a thousand images The point I want to emphasise is essentially very simple it is that images work best within cultures They dont easily cross cultural boundaries a culture perhaps being the particular sphere where images resonate without requiring further explanation Once an image crosses a cultural boundary however you need words often a awful lot of them to explain whats going on Let me set you a challenge Can you think of any image that is absolutely universal that is understood in the same way across all boundaries of race 1 Definitively in the editions by E Robinson and G Summerfield of The Later Poems of John Clare Manchester 1964 John Clare the Shepherds Calendar Oxford 1964 and Selected Poems and Prose of John Clare Oxford 1966 A bizarre consequence is this history aided by equally bizarre laws is that Robinson claims copyright in Clares works Landeg White 198 culture and creed Ive been trying to answer this question for a couple of years now and so far have failed The first I came up with was the image of a mother nursing a baby After all babies are born in the same way in all parts of the world and despite bottlefeeding and cleavages and bra burning and so on everyone still knows what a womans breasts are really for Leaving aside its Christian implications Madonna and the Holy Child isnt the image of Motherwithbaby the ultimate image of human love and weakness recognisable everywhere without distinction Im afraid the answer is no Throughout southern Africa for example the definitive image of maternal tenderness is of a mother with a baby on her back and a hoe in her right hand working to support her family In Mozambique in 1975 on murals every where this was modified to the silhouette of a woman with a baby on her back a hoe in one hand and a Kalashnikov in the other Of course women may be seen at any time suckling their babies but the image that appeals is not of a woman with the leisure to do this while someone else is perhaps working for her but of the woman ready to produce food I have at home a rather lovely batik of an African woman with a child at breast But it was painted by an English artist called Phyllis McDowall our close neighbour in Lusaka My European friends admire it my African friends even those used to Christian art are a little embarrassed This is not an image to draw attention to And if we move north into the Muslim world of north Africa or the Middle East the image is completely taboo both because it is an image and because no women should expose her in such a manner to male gaze Next I thought of the sun Look on the rising sun said Blake There God does live And gives His light and gives His heat away Isnt some such feeling whatever gods may be invoked recognised universally We all welcome the sun banishing night and cold with the birth of a new day Once again though words became necessary to mediate meaning In Blakes poem the mother and child again are sitting in the shade of a tree deliberately avoiding the suns heat and it is this fact that supplies the mother with the central metaphor of her lesson to her son that his black skin enables him better to bear the beams of Gods love Its not an argument that works in northern Europe where to change the song we leave our troubles on the doorstep and just direct our feet to the sunny side of the street I could give other examples of this hitherto frustrated search but I want instead to illustrate my contention about the word that says more than a thousand images by discussing one of my own poems in which this theme is prominent When I first came to Portugal I lived for a while in Alcabideche in the Conselho de Cascais and I became fascinated by the figure of Abu The Word that Says More than 1000 images 199 Zeide Mohamede Ibne Mucana the Arab poet who lived there in the eleventh century and who is alQabdaqs first named inhabitant Theres only a smattering of his poetry available in English translation but what there is evokes a profoundly sympathetic figure and certainly no fundamentalist ayatollah Heres AJ Arberry for example translating a poem called Dawn Pour the wine and quickly ere Sounds the solemn call to prayer2 What fascinated me about Mucana was to reflect on how different Alcabideche was in his day Geographically for example it lay on the northern border of a polity that extended across the Straits of Gibraltar and as far south as the Senegal River Watching those recent television pictures of boat loads of immigrants setting out from the estuary of the Senegal to try to make it to Europe I reflected this would have been a normal journey in the eleventh century For Mucana it was from the north the threats came for people he would have called Kaffirs or unbelievers those barbarian Christians living beyond Coimbra How did he think of the climate the rotation of the seasons We are so used to the pattern of spring summer autumn and winter yet living in Alcabideche in the early 1990s what I was seeing was a dry season extending from May to October a short rainy season followed by the verão do San Martinho and then further rains until April Peoples activities followed this pattern going out with their hoes in October to plant their legumes and cabbages followed by a second planting season in February and fixing their houses and getting married in July and August in short an Africa division of the year So what then did something like the swallows departure signal to Mucana In English literature it is one of the most profoundly evocative images signaling the end of summer and the slow decline to darkness and cold Presumably for him they signaled the end of the dry season Or those crocuses that spring up everywhere on roadside embankments round Alcabideche are they spring or autumn crocuses or do we need another language to describe them connecting them with the impending rains I think you take my point For me as a poet writing in English images of swallows and crocuses send one kind of signal To explore what they might mean in another culture takes an imaginative leap only to be expressed in words 2 AJ Arberry Moorish Poetry a Translation of The Pennants an anthology compiled in 1243 by the Andalusian Ibn Said Cambridge University Press 1953 p 47 Landeg White 200 In the poem that follows the introduction and the first part are translated from the French of Henri Peres3 Aby Bakr alMuzaffar Prince of Badajoz died in 1068 Octobers Sickle Moon4 for Abu Zeide Mohamede Ibne Mucana The pull of the soil was always very strong for the Andalusian poets who for the most part were of country origin Such was the case of Ibne Mucana alIsbuni Having lived at Seville at the court of the Abbadides then at Grenada at the court of Zirides he knew the inanities of the courtiers life and relin quish ing the bogus fame of the royal salons he returned to his village of Alcabi deche close by Sintra to end his life cultivating his field I saw him said one of his fellow countrymen who recounted to Ibne Bassam his encounter with the old poet now deaf his sickle in his hand I approached him and when I had taken him by the hand he made me sit down to look at the field I asked him to recite some poetry and he improvised 1 Dwellers at alQabdaq husband well your seeds whether of onions or pumpkins A man of purpose needs a windmill turning with the clouds not with water AlQabdaq doesnt produce even in a good year more than twenty sacks of corn Any more than that the wild pigs come down from the forest in regular armies She is meagre with anything good or useful just like me as you know I have a poor ear I abandoned the kings in their finery I refused to attend their processions and parted from them Here you find me at alQabdaq harvesting thorns with my sharp and agile sickle If someone said Is it worth this trouble 3 Henri Peres La Poésie Andalouse en Arabe Classique au Xie Siècle Paris 1953 pp 200201 4 The first part of the poem appeared in The View from the Stockade Dangaroo Press 1981 then both parts in South CEMAR F da Foz 1999 and more accessibly in Where the Angolans are Playing Football Selected and New Poetry Parthian Books 2003 The Word that Says More than 1000 images 201 youd answer The noble mans ensign is freedom Abu Bakr alMuzaffars love and good deeds were my guide so that I left for a garden in springtime 2 We meet the old deaf poet with a sickle crofting The northern border of a country whose south Is the River Senegal He has turned his back on Kings in their finery comparing men of purpose With windmills circling with the clouds not Water though we may be sure these rains after The scorched weeks of houserepairs and weddings This season of the pumpkin and onion seeds he Celebrates in his poem when olives ripen and lamplike Oranges burnish the quick dusk at the Call to Prayers We may be sure Octobers crocuses are a sign He lives when the Straits open on nowhere perilous To sailors pitched west in the inland sea but No border After the drought Octobers rains Then the winds blow from Guinea and heat returns For him this is Morocco and ordinary The world Is neither Europe nor Africa These slopes of heather And copper bracken these drifting winecoloured Leaves as the swallows gather on whatever in his World are telephone wires they speak of the rains Then the golden windfall oranges tumble among Daffodils signalling harvest and another season Building families He has two fears the wild boars From Sintra mountain foraging through his corn In packs and Portugal the kaffir north Rightly For we came and took purchase Today after Autumns virginal crocuses and the swallows flight South our chestnuts blaze every colour of Fall We have baptised his seasons Por São Martinho Prova teu vinho and ceased believing Our cliffs Bristle with immigration patrols His stone windmills Are chic retirement homes for the circling rich Landeg White 202 Yet dawn brings walls of morning glory houses Shining at jigsaw angles the oliveiras feather Light windmill the church on the mound where Water which explains all still springs from the rock All day our houses soak up sun surrendering Colour storing heat in a stunned precision of light And shade Overexposed even the windmill falters Beyond everything the Atlantics razor blade Our dusks are green wine In the windmills spinning Penumbra olive trees smoulder Houses blaze Separate textures The drystone cabbage allotments Glow like skylights where we encounter the old Poet extemporising in strict metre his satires On the wretched soil of his birthplace He has Abandoned processing with kings He has brought To this onion patch Aristotle and Galen turning At each lines end to complete the couplet He husbands seeds He grinds with the wind Spinning the cogwheeled poetry of his freedom In this allmansland neither Europe nor Africa Tonight as Octobers sickle moon sprints Through marbled rain clouds his windmills sigh O título desta comunicação é provocatório Não nego que haja imagens de tal modo poderosas que provocaram alterações profundas no mundo Vivemos numa época que idolatra as imagens sem sequer se preocupar em ver como elas podem ser limitadas e limitantes A verdade é que em certos aspectos as imagens não resultam Há escritores como Jane Austen ou Eça de Queiroz que parecem estar tão perto do mundo das suas personagens e as suas personagens tão perto do mundo dos seus leitores que as imagens mais parecem funcionar em circuito fechado Comparemolas então com o que se passa com John Clare um poeta inglês nascido no seio de uma família do meio rural a única criança a saber ler e escrever na aldeia onde vivia Quando Clare começou a produzir poesia deu consigo a escrever sobre pessoas e locais em Northamptonshire para um público leitor da classe média londrina O seu intento era escrever sobre os prejuízos o sistema de cercas e a depressão na agricultura mas o público leitor queria poemas que falassem da felicidade da vida campestre de casas com trepadeiras de rosas pois tudo o que fosse diferente cheiravalhe a jaco binismo Então Clare resolveu refugiarse na solidão e aí viveu e escreveu a vida toda sem nada publicar Tony Harrison um poeta natural de Leeds ilustra algo de semelhante Oriundo da classe trabalhadora ganhou bolsas que lhe permitiram frequentar tanto a escola secundária como a universidade em Oxford onde cursou estudos clássicos Tendo mostrado à mãe um exemplar do seu primeiro livro ouviu dela o comentário Não te educámos para vires a escrever livros sórdi dos Temos ainda o caso de V S Naipaul que se estreou a escrever sobre a vida em Trinidad para um público britânico situação duplamente compli cada pois ele sempre se sentiu mais indiano do que natural das Antilhas Resumo em português A palavra que diz mais do que 1000 imagens Landeg White 204 Poucas são as suas personagens que lêem romances e ele não consegue deixar de ser o interprépete entre as pessoas dos dois lados A questão que quero aqui sublinhar é o facto de as imagens funcionarem melhor no interior das suas próprias culturas Não lhes é fácil atravessar as fronteiras culturais podendo talvez definirse uma cultura como sendo aquele determinado mundo onde as imagens falam por si sem precisarem de expli ca ção Contudo quando uma imagem atravessa uma fronteira cultural temos de nos socorrer de palavras às vezes até de muitas para explicar o que queremos dizer Haverá alguma imagem que seja entendida do mesmo modo por raças culturas e credos diferentes Tomemos como exemplo uma mãe amamen tando um bébé Não será esta imagem da Mãe e seu filho a imagem universal do amor humano e da fragilidade que todos identificam sem distinções A reposta é Não Em toda as regiões do sul do continente africano a imagem por excelência da ternura maternal é dada por uma mãe transportando uma criança às costas e um sacho na mão direita não por uma mãe que dá calmamente de mamar ao filho enquanto outros trabalham mas uma mãe que trabalha para alimentar a sua família Se formos mais para norte e entrarmos no mundo muçulmano da África do Norte e do Médio Oriente a imagem é tabú não só como imagem mas porque nenhuma mulher se pode assim expor aos olhares masculinos Consideremos o sol Olhai o sol nascente Aí habita Deus Que nos dá a Sua luz e o Seu calor diz Blake Não será tal sentimento quaisquer que sejam os deuses invocados universalmente identificado A verdade é que é preciso de novo recorrer a palavras como mediadoras do sentido No poema de Blake a mãe e a criança estão sentadas à sombra protegidas do calor do sol mas no norte da Europa num outro poemadirigimos os nossos passos para o lado soalheiro da rua Há alguns anos deixeime fascinar por Abu Zeide Mohamede Ibne Mucana poeta árabe do século XI que viveu em Alcabideche o primeiro habitante conhecido pelo nome em alQabdaq Quão diferente era Alcabidche no seu tempo Geograficamente situavase na fronteira norte de um estado que se estendia para sul até ao rio Senegal Para Mucana a ameaça vinha do norte daqueles cristãos bárbaros que viviam para lá de Coimba Que ideia tinha ele do clima da rotação das estações Nós estamos habitua dos à sucessão da primavera verão outono e inverno mas Alcabideche é caracterizada por uma estação seca que vai de Maio a Outubro uma breve estação de chuvas seguida pelo verão de S Martinho e mais chuvas até Resumo em português 205 Abril As pessoas pautavam as suas actividades por este ritmo semeavam hor ta liças e couves em Outubro faziam um segunda semea dura em Fevereiro em Julho e Agosto arranjavam as casas e casavamse em resumo dividiam o ano à maneira africana Que significado tem para Mucana o sinal a que as andorinhas obedecem para emigrarem Na literatura inglesa esta é uma das imagens mais ricas para evocar o fim do verão e a chegada das noites escuras e do frio Presumi velmente para ele tal imagem assinalava o fim da estação seca Ou então aquelas flores de açafrão que nascem por todo o lado nos taludes em redor de Alcabideche serão elas flores de primavera ou de outono ou precisamos de as descrever associandoas ao avizinharse das chuvas Para um poeta de língua inglesa as imagens de andorinhas e do açafão enviam um determinado sinal mas para perceber até ao fundo o significado que elas podem ter numa outra cultura é preciso uma certa agilidade de imaginação que só as palavras conseguem exprimir No poema que se segue a introdução e a primeira parte foram tradu zi dos a partir de uma versão francesa de Henri Peres1 Aby Bark alMuzaffar Príncipe de Badajoz morreu em 1068 1 Henri Peres La Poésie Andalouse en Arabe Classique au Xe Siècle Paris 1953 pp 2002001 ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa ANA DANIELA COELHO Universidade de Lisboa TERESA DE ATAÍDE MALAFAIA CEAULCentro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Universidade de Lisboa C onviver com os Vitorianos habituounos a considerar as diversas estraté gias de exibição seleccionadas para exporem os objectos que conside ravam arte ou troféus do império O levantamento de registos da Royal Academy ou dos Museus de South Kensington ilustram o cuidado na forma como então se exibia e muitas das exposições exemplificam vários modos de olhar os outros Mitchell 2002 86 nomeadamente as representa ções dos povos colonizados que funcionavam como símbolos da cultura imperialista1 A investigação na British Library em Março de 2006 sobre as brochuras e os catálogos de algumas exposições realizadas durante a segunda metade do século XIX e princípios do século XX permitiu avaliar os modos distintos como os curadores organizavam as colecções a serem expostas Não obstante reconhecermos em muitos casos o reflexo da respectiva autoridade admiti mos que ao serem visitadas as exposições podem corresponder a espaços de contestação ou pelo menos de questionação do poder implícito na medida em que neles convivem ideologias e representações diversas Aí se vê tanto o poder de seleccionar para exibir eou catalogar como de representar o outro tornando visíveis histórias anteriormente invisíveis tal como Tony Bennett afirmou a propósito do British Museum e do Victoria and Albert Museum e das políticas de inclusão e de exclusão determinadas pelas relações de poder inerentes ao acto de exibir Bennett 1995 Se tínhamos na época vitoriana o olhar britânicoeuropeu sobre o outro procurando o exótico a visita à exposição de Frida Kahlo em viagem pela Europa também nos recordou através da forma como foi exibida em Lisboa de 24 de Fevereiro a 21 de Maio de 2006 estratégias de exibição próximas das habitualmente atribuídas aos Vitorianos 1 Cf Imperialism means the practice theory and the attitudes of a dominating metropolitan centre ruling a distant territory Colonialism which is almost always a consequence of imperialism is the implanting of settlements on a distant territory Said 1993 8 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 210 Installation implies interpretation for in the extreme sense display is distortion As soon as a specimen passes through the door of a museum and is placed on exhibition it enters a foreign environment and embarks on a new function The curator assumes the role of chaperone to this specimen introducing a newcomer to a changed sphere and to an unknown circle of acquaintance Thomas 1940 24 Efectivamente museus galerias de arte e exposições não podem ser ava lia dos como locais neutros verdadeiros receptáculos onde estão deposi tados objectos Complementarmente no domínio das estratégias curatoriais assisti mos já há alguns anos ao aumento da vertente transnacional promovendose a dimensão itinerante Deliss 1996 285 na qual a experiência da transcultu ra li dade está frequentemente implícita Neste enquadramento de índole teórica assistimos nos últimos tempos ao aparecimento de novos discursos sobre os modos como museus e galerias exibem as obras de arte começando pela pró pria divulgação nos media e nos respectivos sites oficiais segundo pudemos observar no site do Centro Cultural de Belém em Exposições Tem po rárias FRIDA KAHLO 19071954 Vida e Obra comissariada por Josefina Garciá Hernandez Museu Dolores Olmedo México e apoiada pela Casa da América Latina e pela Embaixada do México2 Ainda que na maior parte dos suportes de divulgação3 estivesse mencionado que depois da Tate Modern Londres e da Fundación Caixa Galicia Santiago de Compostela era a vez de Lisboa rece ber a maior e mais completa exposição sobre Frida Kahlo realizada nas últi mas décadas com obras provenientes do Museu Dolores Olmedo no Méx ico a colecção mais importante que existe no mundo sobre a artista mexi cana de facto as exposições apresentaram dimensões dife rentes consoante os países No caso português a exposição veio estruturada de Espanha e apre sen tava um desdobrável em português e inglês com uma introdução em que Frida Kahlo era sinteticamente apresentada pela comis sá ria um mapa da expo sição e uma cronologia da vida e obra da artista para além de informa ções gerais sobre o centro de exposições nomeadamente sobre os ateliês organiza dos pelo Serviço Educativo Como representações apenas duas A Coluna partida 1944 e Autoretrato com macaco 1945 2 Vejase httpwwwccbptccb A exposição começou a ser anunciada no site oficial do Centro Cultural de Belém cerca de quatro meses antes mas não foi disponibilizada grande informação sobre os conteúdos como aconteceu com o site da Tate Modern 3 Referimos o site oficial do Centro Cultural de Belém o programa das actividades bem como o catálogo e a brochura da exposição excluindo o respectivo cartaz Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 211 ambas a preto e branco O referido desdobrável estava gratuitamente à dispo si ção dos visitantes enquanto o catálogo tinha de ser adquirido Durante a visita não era disponibilizado ao público qualquer apoio tecnológico o que poderia dar aos visitantes a sensa ção de algum controlo sobre os objectos em exibição na medida em que as exposições colocadas num determinado espaço usamno e organizamno De facto à semelhança dos Vitorianos nos últimos anos os museus procuram atrair visitantes através das exposições tem porárias assistindose em muitos casos à expansão das instalações exis ten tes assim como afirma Emma Barker For much of the twentieth century however museums concentrated on their permanent collections rather than on staging exhibitions They played a comparatively minor role in the previous great age of exhibitions from the midnineteenth to the early twentieth centuries exhibitions were then typically held in purposebuilt structures or commercial premises Having become a defining feature of contem porary museum culture they now arguably dominate the public perception of art Barker 1999 103 No entanto relativamente ao Centro Cultural de Belém houve sempre espaços destinados a exposições temporárias bem como distribuição gratuita de folhetos explicativos Neste caso o desdobrável sempre o mesmo durante o período da exposição dava indicações explícitas aos visitantes sobre o percurso a seguir traduzido no mapa da exposição com setas que indicavam uma via de acesso à obra de Frida Kahlo Tal constatação levanos a ponderar pressupostos actualmente postos em causa dado existirem princípios críticos aplicáveis às culturas em exibição que defendem que os visitantes não devem ser obrigados a realizar um percurso prédefinido ainda que se constate que qualquer prática seleccionada pode originar limitações de acessibilidade tanto espaciais como interpretativas Exhibitions limit both the curator and the public to a spatial environment in which a form of visual conceptualisation becomes the prime interpretative activity They succeed best by providing a dynamic form for the exchange of ideas if the installations and subsequently the perspective on the thematics are transient If the constellation of issues raised in the research pertaining to the exhibition itself transforms as a result of the critical debates ensuing from the show and related to it on a wider international scale then the exhibition no longer becomes relevant as an operative site Deliss 1996 284 Convivemos neste caso com quatro espaços rectangulares alicerçados numa sequência definida e institucionalmente legitimada Deliss 1996 277 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 212 que assentavam num percurso cronológico tradicional 4 mostrando a vida e a obra de Frida Kahlo através de uma escolha linear de representações Corres pondiam os referidos espaços por conseguinte à InfânciaJuventude Paixão por Diego Rivera Casa Azul DiárioMorte espaços esses comple men tados por duas instalações intituladas Altar dos Mortos e Trajes bem como final mente pela projecção de vídeos sobre a artista nos quais não vislumbrámos perspectivas críticas Se no desdobrável o mapa era a segunda informação no catálogo da exposição o mapa a cores encontravase na penúltima pági na As indicações quanto ao percurso eram inequívocas ainda que a entrada e a saída da exposição fossem comuns e o espaço de projecção distinto Não obs tante compreendermos que a dimensão cronológica tenha sido a privile giada e fosse coerente com o tema anunciado questionamos até que ponto os sinais vi suais presentes e a fragmentação do espaço enfatizada pelas cores distintas e fortes das diversas salas não estilhaçou o discurso e por con se guinte limitou o olhar dos visitantes mesmo reconhecendo que a insti tuição detém sempre o poder que legitima a proposta de leitura seleccio na da5 Havendo hoje a preocu pação em que as paredes sejam claras encon trá mos na exposição a premissa oposta traduzida na presença de cores fortes certa mente para acentuar não só a ligação afectiva de Frida à cultura mexicana mas também o modo como as referidas práticas a influenciaram Na nossa opinião existiu um excesso de cor não se deve esquecer que toda a estrutura veio já de Santiago de Compostela Fundación Caixa Galicia e no domínio da análise da cor a referida monta gem só teve justificação inquestionável no espaço denominado Casa Azul Os ateliês pedagógicos Na exposição de Frida Kahlo patente em Lisboa havia ainda a possi bi li dade de efectuar uma visita guiada em que sempre com um enquadramento biográfico se propunha a análise tanto do universo plástico da artista como dos motivos recorrentes na sua obra A estas mesmas visitas guiadas desti nadas ao público geral juntavamse outras destinadas ao público escolar ao qual eram também oferecidos vários ateliês Para esta exposição em particular o Serviço Educativo do Centro Cultu ral de Belém propunha três ateliês Máscaras para um rosto destinado ao 1º 4 Vejase a título de exemplo a exposição Gothic Nightmares Fuseli Blake and the Romantic Imagination Tate Britain 15 de Fevereiro a 1 de Maio 2006 onde a perspectiva cronológica foi igualmente favorecida 5 Cf Over the last ten years artists and cultural managers have relied on the institution as the bearer of the legitimising discourse Deliss 1996 277 e 2º ciclos do Ensino Básico Desafiar a obra destinado ao 3º ciclo do Ensino Básico e O olho que tudo vê destinado ao Ensino Secundário Importa aqui dizer que ainda que o Serviço Educativo do Centro Cultural de Belém tivesse destinado um determinado ateliê para cada nível de ensino cabia sempre aos professores a escolha do ateliê a frequentar com os seus alunos No ateliê destinado ao 1º e 2º ciclos do Ensino Básico Máscaras para um rosto era proposto que após a visita guiada cada aluno criasse uma nova más cara para Frida Kahlo intervindo sobre uma fotocópia da fotografia da artista e recuperando motivos da exposição Dos alunos esperavase que filtrassem a informação transmitida durante a visita criando um novo objecto artístico que integrasse elementos relacionados não só com a artista mas também com a cultura mexicana e o ambiente político da época Para tal os alunos dispunham de materiais como lápis de cera papéis coloridos fitas cola etc No final cada aluno guardava a sua máscara como recordação da exposição No ateliê destinado ao 3º ciclo do Ensino Básico Desafiar a obra os alunos eram conduzidos à sala de actividades antes mesmo de verem a exposição e divididos em grupos de três ou quatro A cada grupo era entregue um dos seguintes objectos prego fita écharpe paleta cone açúcar alfinete Cada grupo devia então escrever numa folha três palavras que associasse a esse mesmo objecto Depois desta actividade inicial os alunos seguiam para a exposição levando consigo a folha com as palavras escolhidas Durante a visita guiada sempre que um dos objectos surgisse representado numa das obras o grupo respectivo era chamado a ler as suas três palavras De entre essas três palavras os restantes grupos escolhiam uma e escreviamna na sua folha No final da visita era pedido a cada grupo que construísse uma frase utilizando as várias palavras coleccionadas ao longo da visita com o objec tivo de criar um cadavre exquis6 Pretendiase com esta actividade aproximar 6 Esta actividade deu origem a resultados interessantes e variados com algumas frases a aproxi ma rem se de um cadavre exquis enquanto outras demonstram um esforço para lhes incutir sentido Vejamse alguns exemplos A festa com o pincel a tinta com o pintor branco Ela é vaidosa pequena e pinta com os pincéis A sua natureza era limitada pela dor A beleza de um líquido de Verão doce e amarelo é a moldura de um mistério O olhar o olharem todos os quadros o seu olhar parece que desafia o público a tentar compreender aquilo que ela sente A artista pinta líquidos doces no mistério do círculo redondo No cone da morte prendeu a sua dor como acessório Frida Kahlo expressava a sua dor através da pintura e retratava ainda os acessórios típicos da sua região Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 213 Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 214 a obra de Frida Kahlo do Surrealismo movimento ao qual contudo esta sempre se recusou pertencer No ateliê destinado ao Ensino Secundário O olho que tudo vê par tin do da ideia que para Frida Kahlo os olhos são a figuração do seu imagi nário e estados emocionais7 propunhase que após a visita guiada os alunos pro jec tassem a sua visão da exposição num desenho limitado pelos contornos de um olho Os alunos deviam integrar no seu desenho elementos da expo sição mas também mostrar a sua própria experiência da visita Sendo esta também uma actividade plástica diferenciavase da destinada ao 1º e 2º ciclos do Ensino Básico pelo facto de não existir aqui uma prévia delimitação do desenho a criar uma vez que aos alunos era disponibilizada como tela uma folha em branco Para além destes três ateliês todos os alunos podiam ainda participar na realização de um tear gigante intitulado Tear de memórias que pretendia ser um testemunho colectivo construído por emoções e sensações associadas às cores materiais e motivos da exposição Os trabalhos resultantes destes dois últimos ateliês depois de reuni dos e seleccionados bem como o Tear de memórias foram depois integrados numa exposição intitulada Memória inaugurada no dia 18 de Maio de 2006 Dia Internacional dos Museus Esta reunia exemplos de vários trabalhos realizados pelos alunos ao longo do ano em ateliês associados a diversas exposições presentes no Centro Cultural de Belém Complementarmente aos ateliês o Centro Cultural de Belém desen volve também para cada exposição um Caderno do Docente destinado aos pro fessores que visitam a exposição com alunos Este pretende ser um guia dispo ni bilizando informações relativamente à exposição e às actividades a ela associadas Neste caso consistia numa nota biográfica de Frida Kahlo numa breve descrição dos vários núcleos da exposição com informações de carác ter cultural histórico e biográfico bem como destaque para determinadas obras e finalmente em informações relativas às várias actividades pedagó gicas Ainda que se trate de uma iniciativa de louvor por procurar preparar uma primeira visita do professor e formálo para uma eventual visita com os seus alunos é de lamentar o número de erros de impressão e não só dema siado comuns neste e noutros documentos associados a esta exposição No que diz respeito mais concretamente aos ateliês organizados para esta exposição em particular foram muito solicitados pelas escolas e parece ram de um modo geral funcionar bem junto dos alunos Assim na sua maioria os 7 Exposição Memória Centro Cultural de Belém alunos participavam com entusiasmo nas actividades propostas mostrando interesse na actividade em si ao mesmo tempo que procuravam relembrar e integrar elementos observados durante a visita à exposição Dirseia portanto que estes ateliês atingiram os objectivos aos quais se propu nham Se bem que isto possa ser verdade interrogamonos até que ponto estes objectivos seriam os mais desejáveis a atingir Parecenos que a resposta dos alunos às activi da des é de alguma forma aquela que estava planeada e préprogramada No geral as actividades bem como a própria visita guiada não deixavam espaço a uma verdadeira liberdade interpretativa e criativa por parte dos alunos Mesmo que as actividades se propusessem desenvolver a expressão dos alunos quer de uma forma plástica quer de uma forma escrita as suas criações eram guia das por regras de jogo muito bem definidas Esperavase que estas regras fossem escrupulosamente seguidas e que das actividades se obtivessem determinados resultados caso contrário as expec tativas dos moni tores saíam claramente frustradas Ainda que não neguemos a necessi dade de regras orien tadoras e objectivos determinados para as actividades a desenvolver especial mente com alunos destas idades o facto é que se deixou pouco ou nenhum espaço de manobra quer para a adaptação às necessidades e características dos alunos quer para a liberdade e a descoberta princípios pedagógicos de base nos dias de hoje Igualmente no que diz respeito à visita guiada e mesmo que os alunos fossem chamados a dialogar com a monitora se continuava com uma tradição expositiva que transmitia uma determinada interpretação das obras mas falhava na explicitação da organização da própria exposição e que funcio nava também como mais uma comparti mentação a que os nossos alunos já estão habituados em vez de se apostar numa livre ainda que auxiliada interpretação das obras8 De igual modo também aqui se nota que a ausência de materiais tecnológicos a serem utilizados pelo público anulava a possi bi li dade de uma interacção com os objectos de arte expostos deixando os alunos limitados a um olhar distante e orientado pelas informações trans mitidas Assim se conclui que depois de uma atenta observação os ateliês desen volvidos para a exposição de Frida Kahlo em Lisboa partilharam também daquela que é uma determinada estratégia de exibição com a particularidade de que incutiam mais directamente sobre o seu público uma determinada forma de olhar o trabalho desta artista Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 215 8 Não negamos a importância da contextualização histórica cultural e biográfica mas conside ramos que uma maior liberdade interpretativa devia ser dada aos alunos em vez de lhes dizer o que deviam ver em cada obra impondolhes aquela que é a visão de outro Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 216 Ora retomando o tema das estratégias de exibição salientamos ainda a importância do modo como o conteúdo da exposição isto é os objectos estão expostos e no caso em estudo todas as obras obedeciam a uma distri buição sequencial e encontravamse situadas a um nível intermédio de visão Os visitantes dispunham também de alguns painéis informativos de teor domi nan temente biográfico e sociopolítico e de acordo com a concepção actual uma ancoragem textual mínima das obras traduzida no nome doda artista título meios utilizados data encontrandose a maior parte protegida por acríli co A articulação entre fotografia e pintura estava presente com especial ênfase no retratoautoretrato não obstante a primeira forma ter sido privile giada na apresentação da infância e da juventude de Kahlo docu mentando criteriosamente a natureza de Frida Kahlo filha de mãe mexi cana mestiza e de pai alemão Aliás essa expressão multicultural desta cavase como fio condu tor havendo convívio entre tradições europeias e indígenas segundo Retrato de Alicia Galant 1927 e O Autocarro 1929 ilustravam Efectiva mente as manifestações multiculturais eram igualmente visíveis no domínio biográfico nas viagens realizadas nas exposições nos EUA em França em Inglaterra no México e também nas relações mantidas nomea da mente com Diego Rivera Tina Modotti André Breton Leon Trostki Natalia Sedova entre outros A partir da segunda sala subordinada ao tema Paixão por Diego Rivera a pintura e o desenho estavam mais presentes mas a sua relação com o muralista encontravase manifestamente enfatizada na medida em que este teve grande relevância na vida de Frida Não obstante ser evidente que o casamento constituiu o lançamento inicial da carreira de Frida a obra exposta permitiu concluir que esta se consolidou pela sua força e qualidade artística As obras seleccionadas revelavam a expressão emocional da artista nomea da mente as representações desde litografias a pintura a óleo em que a temá tica do aborto é dominante porque causadora da sua maternidade frustrada Quanto a esta temática para além de uma litografia Frida e o aborto 1932 sua única incursão nessa forma de arte destacamos Hospital Henry Ford 1932 em que é evidente a influência dos exvotos mexicanos Na exposição existiam dois espaços não directamente relacionados com Frida Kahlo mas que se revestiam da maior importância para compre en dermos a artista Tratavase do Altar dos Mortos e Trajes Salientamos no âm bito da análise sobre as estratégias escolhidas a apresentação de algumas tradições culturais mexicanas traduzidas nas oferendas aos mortos Nessas práticas culturais por um lado temos presente a herança précolombiana e por outro as alterações decorrentes da colonização espanhola O referido Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 217 pro cesso conduziu a que práticas até então realizadas no espaço público passas sem para o espaço privado onde se colocavam os altares Temos assim a par da expressão plástica de Frida Kahlo artista hoje reconhecida global mente a exposição de elementos da cultura popular mexicana por exemplo dos exvotos que foram determinantes na formação da artista e enformam a respec tiva obra Sugerimos neste contexto A minha ama e eu 1937 obra exposta em Casa Azul Para além de estar representada uma criança Frida com corpo de bebé e rosto de adulta salientamos a figura da ama aparente mente com uma máscara précolombiana A temática do leite é também dominante tanto na ama como na chuva leitosa que beneficia a vegetação É igualmente em Casa Azul que encontramos as duas obras selec cionadas para divulgar a exposição o que faz todo o sentido na medida em que Rivera a dedicou em 1955 ao povo mexicano em homenagem a Frida Complementarmente se encontramos na obra de Kahlo um equilí brio instável em termos de género enquanto construção sociocultural os trajes de Tehuana expostos mostravam a natureza sensual e a beleza das mulheres bem como a energia que tanto Frida Kahlo como Dolores Olmedo quiseram exemplificar ao adoptálos entre 1930 e 1940 A dimensão internacional de Kahlo manifestada em múltiplas exposições reforçou precisamente a expres são do mexicanismo enquanto consciência nacional e o reconhecimento das tradições mexicanas aliás omnipresentes na sua obra Adoptando os trajes tradicionais Kahlo divulgou expressões culturais mexicanas na altura em que depois da revolução o país reencontrava a sua herança Constatámos no entanto que a dimensão revolucionária de Frida Kahlo era a menos patente na exposição Para além disso ao analisarmos as representações disponíveis para venda verificámos que a selecção de postais não correspondia às obras expostas tendo como origem registada o Centro Comercial InterlomasCentro Urbano San Fernando e não o Banco de México Diego Rivera Frida Kahlo Museums Trust A referida constatação permitiu todavia confirmar a dimensão global inicialmente apontada e problematizar questões relacionadas com a ubiquidade da imagem e com as indústrias culturais subjacentes à referida prática Por fim tínhamos o culminar da dimensão biográfica certamente o significado que a exposição pretendeu enfatizar com o Diário em edição facsimilada que oferece aos visitantes um conjunto de reflexões e de símbolos Colocado no último espaço e com algumas páginas projectadas acentuava a inequívoca expressão conclusiva ainda reforçada pela representação O Círculo c 1954 em formato redondo na qual vemos um corpo desinte gra do expressão sem dúvida recorrente na exposição Ana Daniela Coelho Teresa de Ataíde Malafaia 218 Efectivamente de acordo com Stuart Hall é através dos enquadramentos de interpretação que conferimos significado aos objectos pessoas e acontecimen tos Hall 1997 2 Defendemos por conseguinte que no espaço do museu ou da galeria é fundamental que sejam ponderados os modos e as estratégias de exibição e nesse sentido Frida Kahlo em Lisboa tornouse uma manifestação apetecível para os visitantes devido à confluência multicultural que representou A visita atenta à exposição de Frida Kahlo torna deste modo bem claro que se tratava de uma versão sobre a artista produzindo nos visi tan tes um determinado conhecimento De facto o acto de exibir implica tanto a escolha de estratégias para o concretizar como conferir significado aos objectos expostos dandolhes uma visibilidade fundamentada num dis cur so legitimador Complementarmente a cultura em exibição vive igual men te das políticas culturais dos patrocinadores do público e da comunicação social Nos últimos tempos assistese a uma maior ênfase dada ao visitante como consumidor com alteração dos próprios espaços9 o que tem vindo a modificar os modos como opera a produção cultural em que as estruturas selectivas assumem um papel fulcral Concluímos desse modo que a posição institucional do centro de exposições do museu da galeria permite que sejam construídas novas representações e esquecidos frequentemente os contextos de origem Relembramos por exemplo a exposição de arte africana na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa Looking Both Ways Das Esquinas do Olhar em 2005 a exposição de fotografia do Brasil no Musée de la Vie Romantique Maison Renan Scheffer em Paris e depois numa galeria do Palácio da Ajuda As estratégias de exibição escolhidas para a exposição de Frida Kahlo em Lisboa são um bom exemplo da construção mencionada na medida em que ao eleger a fotografia do pai de Frida ou da própria artista como representações autênticas documentos aparentemente rigorosos de um percurso e pretendendo anular o olhar que foca reforçam a escolha e a subjectividade de quem exibe Na articulação entre as estratégias de exibição e as várias práticas de olhar surgem novas interpretações Constroemse por conseguinte novos significados significados esses que a credibilidade do espaço de exibição justifica mesmo que interpretados por jovens alunos que recriam significados e assim avaliam as propostas cultu rais que Frida Kahlo em Lisboa oferece 9 Cf a título de exemplo o Musée du Louvre o British Museum a National Gallery com a Sainsbury Wing inaugurada em 1991 Estratégias de Exibição Frida Kahlo em Lisboa 219 Referências Barker Emma Ed 1999 Contemporary Cultures of Display New Haven London Yale University Press The Open University Bennett Tony 1995 The Birth of the Museum History theory politics London New York Routledge Caderno do Docente Frida Kahlo Vida e Obra 2006 Lisboa Serviço Educativo do Centro Cultural de Belém Deliss Clémentine 1996 Free Fall Freeze Fame Africa exhibitions artists In Greenberg Reesa Bruce W Ferguson Sandy Nairne Eds 1996 Thinking About Exhibitions London New York Routledge 275294 Lidchi Henrietta 1997 The Poetics and Politics of Exhibiting Other Cultures In Stuart Hall 1997 Representation Culture Representations and Signifying Practices London Sage Mitchell W J T 2002 Showing Seeing A Critique of Visual Culture In Nicholas Mirzoeff Ed The Visual Culture Reader London New York 86101 Said Edward 1993 Culture and Imperialism London Vintage Thomas Trevor 1940 Artists Africans and Installation Parnassus 124 24 Ilustrações ISBN 9789728886080 A PALAVRA E A IMAGEM CEAUL ULICES 2007 Ilustrações 223 Sir Joshua Reynolds Lady Caroline Scott as Winter 1777 Jan van Eyck Arnolfini Wedding Portrait 1434 A Palavra e a Imagem 224 Frida Kahlo SelfPortrait as a Tehuana Diego in My Thoughts 1943 Frida Kahlo SelfPortrait with Cropped Hair 1940 Frida Kahlo El Venadito 1946 Ilustrações 225 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Marriage Settlement William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Tête à Tête A Palavra e a Imagem 226 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Inspection William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Toilette Ilustrações 227 William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Bagnio William Hogarth Marriage ALaMode c 1743 The Ladys Death A Palavra e a Imagem 228 Dante Gabriel Rossetti The Girlhood of Mary Virgin 1849 Dante Gabriel Rossetti Ecce Ancilla Domini 1850 Ilustrações 229 Dante Gabriel Rossetti Sketch 1852 Dante Gabriel Rossetti Artists Studio c 1849 A Palavra e a Imagem 230 Fotografia de Ana Daniela Coelho Objectos do ateliê Desafiar a Obra Exposição Memória CCB 2006 Fotografia de Ana Daniela Coelho Trabalhos do Ateliê O Olho que Tudo Vê Exposição Memória CCB 2006 Ilustrações 231 Fotografia de Ana Daniela Coelho Tear de Memórias Exposição Memória CCB 2006