·

Direito ·

Ciências Políticas

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creative Commons AtribuiçãoUsoNãoComercialObrasDerivadasProibidas 30 Unported Ideologias partidárias no governo Lula A percepção do eleitor Party ideologies of the Lula government The voters perception Maurício Michel Rebello Resumo O tema de partidos e ideologia foi alvo de muitas discussões nas ciências sociais ao longo do século 20 Entretanto novas tipologias partidárias surgidas no final do século poderiam diminuir a ideia de que organizações partidárias estejam embasadas em um forte conteúdo programático O caso brasileiro é interessante neste sentido uma vez que a chegada de um governo de esquerda pela primeira vez desde a redemocratização representa uma oportunidade de novas percepções dos eleitores frente ao sistema partidário brasileiro Neste artigo analisamos o entendimento das pessoas sobre ideologias e partidos Utilizamos dados do Eseb Estudo Eleitoral Brasileiro 2002 2006 e 2010 para demonstrar como houve uma mudança sobre a percepção ideológica dos eleitores em relação ao sistema partidário Palavraschave ideologia partidos políticos Eseb governo Lula Abstract The theme of party and ideology has been the subject of much discussion in the social sciences throughout the twentieth century However new party types that emerged in the end of the century could reduce the idea that party organizations are grounded in a strong ideology The Brazilian case is interesting in this sense as the arrival of a leftist government for the first time since the return to democracy represents an opportunity for new perceptions of voters regarding the party system This study examines peoples understanding of ideologies and parties We use data from Eseb 2002 2006 and 2010 to demonstrate how there was an ideological shift on the perception of voters about the party system Keywords ideology political parties Eseb Lulas government Agradeço profundamente aos organizadores da edição da Revista Civitas Rafael Madeira e Gabriela Tarouco e aos pareceristas anônimos que contribuíram para a melhora do artigo Bacharel em Ciências Sociais pela Ufrgs mestre e doutorando em Ciência Política pela mesma universidade Bolsista Capes mmrebelloyahoocombr M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 299 Introdução O debate sobre a ideologia e vínculos sociais dos partidos políticos sempre foi muito estimulado na ciência política através de várias perspectivas Downs 1999 Lipset e Rokkan 1967 Manin 1995 No contexto atual após o fim da Guerra Fria é visível uma mudança de eixo no debate e de orientação dos partidos de esquerda por exemplo O fim de uma opção socialista real fez com que várias organizações de esquerda possuam um horizonte mais limitado na tomada de decisão quando ocupam governos em todo mundo Se na primeira metade do século 20 podíamos observar partidos fortes com alto enraizamento social os chamados partidos de massa o restante do século 20 e início do século 21 foram marcados por um alargamento das bases sociais e um afastamento das organizações em relação à sociedade civil nas democracias contemporâneas Atualmente é mais compatível falar em cathall parties ou partidos cartéis Katz Mair 1997 Se as organizações partidárias são alvos de dúvidas em relação as suas orientações ideológicas é possível que quando estas ocupem governos tenhamos uma noção um pouco melhor de seu conteúdo programático Manin Przeworski Stokes 2006 Neste caso governos poderiam sinalizar para o eleitor as ideias e concepções dos partidos que estão no poder entretanto muitas vezes estes governos são compostos por coalizões o que dificulta a clareza de responsabilidade em saber quem é governo por exemplo Powell 2000 No caso brasileiro a eleição de um partido de esquerda desde a redemocratização é uma boa tentativa para averiguar em que medida a ideologia partidária pode ser pensada Em que pese inúmeras perspectivas que podemos adotar neste sentido Kinzo 1993 Mainwaring 2001 Rodrigues 2002 Ranulfo e Nunes 2009 acreditamos que um caminho profícuo seja o de analisar a percepção das pessoas no tocante às ideologias partidárias Se no governo do PSDB Partido da Social Democracia Brasileira havia uma sobreposição entre ser de esquerda e ser de oposição no período de governo de Luís Inácio Lula da Silva Lula qualquer manifestação do governo petista em ser de esquerda é complexa na medida em que a coalizão mantenedora do governo de Lula engloba várias agremiações de matrizes ideológicas distintas A opção do presidente da República entre 20032010 em compartilhar a equipe de governo com partidos como o PMDB PP PL e PTB1 poderia acarretar em uma mudança de percepção ideológica entre os eleitores 1 PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PP Partido Progressista PL Partido Liberal PTB Partido Trabalhista Brasileiro 300 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 Neste sentido buscaremos averiguar em que medida houve uma mudança de percepção sobre as legendas durante o governo Lula Será que apesar de grandes diferenças em termos de coalizão governista o entendimento sobre ideologias continuou o mesmo Será que a própria autoclassificação dos eleitores dos principais partidos políticos ficou imóvel Este artigo está divido em cinco partes Na primeira realizaremos uma breve discussão sobre partidos políticos e ideologia resgatando também algumas visões sobre o sistema partidário brasileiro Logo após discutiremos os procedimentos metodológicos utilizados Em seguida faremos uma breve análise do contexto partidário entre 2002 a 2010 Na quarta parte faremos a análise dos dados Por último lançamos mão de algumas conclusões Partidos e ideologia Ideologia é uma das palavras de mais difícil definição no campo das ciências sociais devido a uma ampla gama de significados Apesar de existirem diversas maneiras em definir o conceito nos parece adequada a separação em que Bobbio distingue o significado fraco e forte de ideologia No significado fraco ideologia designa espécies de sistemas de crenças ou valores Já no significado forte que remonta à teoria de classes de Marx o significado de ideologia está associada a uma falsa consciência das relações de domínio de classe Stopinno 1986 No caso deste artigo bem como a predominância contemporânea na ciência política compreendemos a ideologia pelo seu sentido mais fraco que é mais amplo De certa maneira ideologia pode ser interpretada pelo seu oposto o pragmatismo político Aquele cidadão que segue uma crença muitas vezes de maneira passional e dogmática é visto como o ideológico Aquele no qual se movimenta politicamente sem qualquer vínculo com algum conjunto de valores é o não ideológico O debate sobre o declínio das ideologias já era discutido nos anos 1960 por autores como Aron e Lipset e que atualmente culmina com autores como Fukuyama Portanto neste trabalho definimos a ideologia como um sistema de crenças na qual a ideologia é norteadora de ações e define as decisões dos atores Entre tais definições uma em particular é destaque aqui a vinculação de um indivíduo com alguma organização partidária Partidos políticos têm exercido um grande fascínio a um enorme contingente de cientistas políticos há mais de século A sua onipresença percebida em função da sua existência em inúmeros países até mesmo em regimes não competitivos está relacionada ao seu valor instrumental dentro do sistema político LaPalombara 2007 Além de mobilizar agremiações M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 301 canalizam interesses conflitos enfim servem como estruturas de apoio ao sistema político A origem do termo partido político deriva etimologicamente de parte e isto não por acaso afinal ele é compreendido como agente de conflito e instrumento de integração resumo muito bem empreendido por Lipset e Rokkan 1967 p 164 A realidade estudada pelos autores das clivagens sociais expressa um contexto único A partir do paradigma parsoniano de intercâmbio social Lipset e Rokkan focalizam seu estudo na construção de quatro clivagens sociais derivadas de duas revoluções a nacional e a industrial As quatro clivagens percebidas trabalhadores x patrões igreja x governo setor primário x setor secundário e cultura dominada x cultura dominante são responsáveis pela estruturação do sistema partidário dos países europeus após o alargamento do sufrágio estas clivagens expressaramse de modo marcadamente distinto em cada país variando em termos de intensidade de conflito A maneira pela qual determinada clivagem social estruturase no sistema partidário é um desafio para a ciência política Nem todo conflito social entre grupos rivais são canalizados para o sistema partidário como atesta Bartolini 2000 Segundo o autor o conceito de clivagem social é um tanto quanto ambíguo e tem sido usado para expressar todos os tipos de divisões e conflitos Para resolver este problema conceitual Bartolini opta por incorporar três dimensões para identificar a presença de uma clivagem o aspecto sócioestrutural o aspecto de identidade social e o elemento organizacional comportamental De uma forma genérica Bartolini 2000 p 18 compreende que clivagem deve ser considerada primeiramente como uma forma de enclausuramento de relações sociais No entanto devemos prestar atenção no entendimento de que a clivagem social é anterior ela expressa uma configuração na estratificação social e somente depois há uma canalização para uma clivagem política Assim sendo Bartolini da mesma forma que Lipset e Rokkan entendem que o surgimento de uma clivagem social é anterior à configuração da mesma dentro do sistema político O cenário apresentado pelos autores das clivagens sociais é propício para o aparecimento de um tipo partidário que continua sendo o mais clássico da ciência política os partidos de massa Duverger 1970 Este tipo de organização é caracterizado pelo forte vínculo de identidade entre os eleitores e as legendas O voto neste contexto é partidário pessoas votam por se identificarem com a ideologia do partido ou por sua composição social Muitos dos autores que retrataram este período observam que a origem destas agremiações ocorreu em função da mobilização da classe trabalhadora As principais fontes de 302 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 recursos advinham da base eleitoral que contribuía financeiramente com o partido político A percepção de que as organizações partidárias servem como pontes de ligação entre a sociedade civil e o Estado traduz perfeitamente a importância desta organização na articulação do sistema político Katz Mair 1997 Em um contexto mais atual as agremiações são percebidas de forma marcadamente distinta Além dos clássicos partidos de massa existem inúmeras nomenclaturas para outras espécies de organizações partidárias Provavelmente a classificação partidária mais comum após os partidos de massa foram os chamados partidos catchall O termo consagrado por Kirchheimer 1966 retrata um partido distinto daquelas organizações de massa As organizações catchall recrutam pessoas das mais diversas bases sociais e neste contexto o forte vínculo partidário desaparece A partir do surgimento da TV e sua popularização os candidatos apresentamse diretamente aos eleitores diminuindo a importância da intermediação partidária As taxas de volatilidade eleitoral tornamse mais altas pois se antes as pessoas votavam identificadas com a cor de um partido neste outro momento elas votam através de uma escolha mais personalizada Manin 1995 Dialogando com Kirchheimer Panebianco 2005 entende que toda análise do autor alemão contém um elemento central que está implícito na obra sobre o catchall a profissionalização dos partidos políticos Assim sendo Panebianco cria o termo partido profissionaleleitoral Uma observação importante é que Panebianco compreende que qualquer modelo partidário referese a um tipo ideal seja o partido de quadros seja o de massas ou até mesmo o profissionaleleitoral sempre existem características dos modelos que se combinam em organizações de carne e osso Todavia certos ele mentos podem ser distinguíveis quando as agremiações são analisadas na vida real Desta forma o autor indica certas diferenças entre o modelo burocrático de massa e o profissional eleitoral Tais diferenças não são inéditas uma vez que são muito próximas ao que Kirchheimer havia diagnosticado a cen tralização nos profissionais e não mais na burocracia b partidos com ligações organizativas mais fracas e perda de um eleitorado fiel para um de opinião c a escolha de dirigentes é mais personalizada d financiamento eleitoral através de grupos de interesse ao invés do militante e ênfase na liderança e na centralização de carreiristas pessoas mais preocupadas em receber incentivos seletivos status carreira dinheiro do que incentivos coletivos identidades e ideologias como os crentes que formavam o núcleo do partido burocrático de massa M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 303 Além das agremiações catchall ou profissionaiseleitorais outras classificações têm sido dadas aos partidos como os partidos cartéis de Katz e Mair 1997 Portanto é clara a ausência de características de organi zações de massa em várias poliarquias contemporâneas Desse modo sozinhas organizações e ideologias partidárias não mais representam claras referências para o eleitor Todavia partidos integram governos que por sua vez são excelentes fontes de informação assim sendo não há uma perda completa em termos de referência Eleitores não perdem a capacidade de avaliação sobre tais instituições até mesmo porque organizações partidárias se aproximam ou se distanciam de governos que são boas fontes de inform ação para o julgamento retrospectivo eleitoral Manin Przeworski Stokes 2006 Em linhas gerais partidos políticos formam vínculos sociais a partir de dois eixos principais eles constroem vínculos porque representam grupos e porque formam governos Partidos criam identidades rótulos e marcas que possibilitam uma economia no custo de informação Denominações como conservadores liberais democratas republicanos trabalhistas verdes comunistas socialistas progressistas proporcionam ao eleitorado um atalho informacional no qual o eleitor não necessita estar sempre buscando informação Downs 1999 No caso brasileiro inúmeros fatores como a descontinuidade do sistema partidário a complexidade de formação das organizações partidárias em função da sua própria fraqueza institucional o sistema eleitoral e também o papel dominante do Estado na formatação de interesses Meneguello 1998 inibiram o desenvolvimento partidário a ponto de constituir algum enraizamento social mais nítido O fraco vínculo social dos partidos políticos brasileiros tem entre suas causas o forte descolamento histórico entre o período caracterizado como democracia de partido e o período de incipiente institucionalização partidária que começa efetivamente a partir de 1945 Diferentemente de outros países o Brasil nunca teve uma grande continuidade nos seus sistemas partidários Desde os Liberais e os Conservadores no período prérepublicano o Brasil teve sete configurações partidárias distintas Assim sendo não é difícil entender o motivo pelo qual o Brasil é visto como um caso notório de subdesenvolvimento partidário Lamounier Meneguello 1986 Kinzo 1993 2001 As organizações partidárias brasileiras mais relevantes quase sempre estiveram relacionadas ao Estado brasileiro e as elites conservadoras ali alojadas A gênese destas organizações ocorreu de cima para baixo na maioria das vezes Mainwaring 2001 No período da redemocratização 304 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 apenas o PT Partido dos Trabalhadores entre as agremiações rele vantes é citado como partido nascido externamente Criado a partir do mo vimento sindical independente de setores progressistas da igreja católica de grande parte da esquerda intelectual e do movimento estudantil o PT resguardava características de organização de massa Kinzo 1993 En tretanto com o tempo a legenda começou a aumentar de tamanho e a realizar coligações cada vez mais heterogêneas Krause Godoi 2010 diminuindo assim as possibilidades de uma maior nitidez de seu conteúdo progra mático Os principais partidos conservadores no Brasil DEM2 PP PTB PR3 praticamente não obtiveram nenhuma penetração social mais enraizada De forma distinta de organizações de centro e de esquerda que por vezes apresentam taxas de identificação partidária razoáveis estes partidos possuem uma baixíssima identificação partidária Mainwaring Meneguello Power 2000 Geralmente a única clivagem percebida entre os partidos de direita é a sua maior penetração em municípios rurais pequenos ou regiões com baixa qualidade de vida Avelar e Walter 2008 Entretanto a relação de causalidade é de cima para baixo onde as organizações do bloco ideológico de direita utilizam recursos clientelísticos para conseguir os votos destes lugares os eleitores conservadores no Brasil nunca criaram um importante partido a partir de bases sociais tampouco os partidos conservadores estabeleceram uma organização estruturada sobre uma base mobilizada Mainwaring et al 2000 p 61 O MDB Movimento Democrático Brasileiro ao longo do regime militar apesar de ter sido uma organização que obtinha votos entre os eleitores de cidades urbanizadas e industrializadas sempre manteve um discurso genérico e amplo o que pode ser explicado pelo seu caráter plebiscitário que expressava o descontentamento com o governo e o regime Kinzo 1993 Além disso depois da reorganização partidária pós1979 o agora PMDB mudou grande parte de sua base eleitoral Um exemplo é que durante o período bipartidário no Estado de São Paulo o então MDB sempre teve uma associação negativa entre municípios com PEA agrícola forte já em 1986 a associação tornase positiva Sadek 1986 apud Kinzo 1993 O outro partido de centro o PSDB surge em função de sua posição contrária ao conteúdo programático do PMDB e apesar de ter a socialdemocracia como uma de suas bandeiras não atinge uma base social clara 2 DEM Democratas 3 PR Partido Progressista M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 305 Outro partido de esquerda relevante nas últimas décadas o PDT Partido Democrático Trabalhista sempre esteve muito ligado à figura de seu exprincipal líder Leonel Brizola Embora a organização partidária seja classificada como de esquerda na maioria das vezes desde o início o PDT não teve uma clivagem social clara e não conseguiu herdar a base social trabalhista do PTB de 194564 Além disso é notável a presença de alianças pedetistas em vários pontos do espectro ideológico O PDT é tão inconsistente programaticamente que 89 dos deputados federais que saíram do partido entre 1998 a 2002 foram para legendas situadas à direita Melo 2004 O vínculo social fraco das instituições partidárias pode ser demonstrado através da alta volatilidade eleitoral brasileira Apesar de haver alguma estabilidade do índice de volatilidade eleitoral Peres 2002 que mede a estabilização do voto do eleitorado para determinado cargo em duas eleições subseqüentes é notável que em termos comparativos mesmo entre países de democracia recente ele é muito alto Kinzo 2005 A identificação partidária que atualmente gira em torno de 40 pode ser mais fraca quando averiguamos que somente uma pequena parte das pessoas com esta identificação vota no mesmo partido para todos os cargos eletivos Nicolau 2006 O pouco vínculo partidárioeleitoral também ocorre em função do pouco conhecimento entre os eleitores sobre o sistema partidário brasileiro Em pesquisa realizada na região metropolitana de São Paulo Kinzo 2005 mostra o baixíssimo nível de informação sobre as legendas É digno de nota por exemplo que o PSDB partido do então presidente Fernando Henrique Cardoso era lembrado por somente 40 das pessoas entrevistadas nesta pesquisa Em suma por uma série de fatores o enraizamento social das organizações partidárias é frágil no caso brasileiro4 A eleição de Lula em 2002 alterou a correlação de forças partidárias que faziam parte do governo anterior Neste sentido percepções públicas sobre as legendas podem ter sido alteradas os sentimentos partidários que estavam altamente correlacionados na clivagem oposição X governo modificaramse a tal ponto que os partidos políticos não estão sendo mais diferenciados Paiva Braga Pimentel 2007 É dentro desta perspectiva que entendemos ser profícua uma análise mais apurada sobre a percepção das pessoas sobre os partidos políticos e suas ideologias no Brasil Será que realmente houve mudanças significativas Procuramos 4 Isto não implica em dizer que os partidos políticos são fracos em nível de governo ou ao nível legislativo Pereira e Mueller 2003 306 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 estabelecer relação sobre como a nova coalizão governista pode ter contri buído para uma mudança do pensamento dos eleitores sobre as organizações partidárias Desenho da pesquisa Para abordamos a percepção eleitoral sobre o sistema partidário uma das melhores opções é o survey Para tanto utilizaremos o Estudo Eleitoral Brasileiro de 2002 2006 e 2010 Todos foram comandados pelo instituto Cesop Centro de Estudos de Opinião da Unicamp O uso destas três ondas permite mapear alterações sobre o pensamento sentimento e voto dos eleitores sendo neste sentido o melhor instrumento disponível para os objetivos deste trabalho Utilizamos neste artigo um complemento de dados do Tribunal Superior Eleitoral TSE para reconhecer a legenda dos votos para deputado federal nas ondas de 2002 e 2006 assim estes bancos de dados possuem mais variáveis que o banco do Eseb O Eseb 2002 é um survey póseleitoral que realizou 2513 entrevistas domiciliares com eleitores em todo o Brasil entre outubro a dezembro de 2002 A amostra nacional de 2513 entrevistas domiciliares é probabilística e representativa da população brasileira adulta a partir de 16 anos Este survey tem uma margem de erro de 3 e um intervalo de confiança de 95 O Eseb 2006 foi realizado no final de 2006 após as eleições A amostra nacional de 1000 entrevistas domiciliares é representativa da população brasileira adulta Este survey tem uma margem de erro aproximada de 32 e um intervalo de confiança de 95 O Eseb 2010 foi realizado em novembro de 2010 após as eleições A amostra nacional de 2000 entrevistas domiciliares é representativa da população brasileira adulta Todas as ondas possibilitaram um conjunto de estudos dentro da ciência política brasileira sendo utilizadas por diversos autores Carreirão 2007 Baquero 2007 Kerbauy 2004 Paiva et al 2007 Paiva e Tarouco 2011 Veiga 2011 O contexto partidárioeleitoral em 2002 2006 e 2010 Antes de começarmos a análise realizaremos uma breve discussão sobre o contexto eleitoral de 2002 e os mandatos do governo Lula A eleição vitoriosa de Lula em 2002 significou tanto pela sua imagem de líder sindical como a de seu partido o PT a primeira oportunidade de o Brasil ter um líder de esquerda como presidente desde a primeira experiência pluripartidária anterior a 1964 O governo de Fernando Henrique Cardoso FHC do PSDB bem avaliado no primeiro mandato 19951998 não conseguiu manter o mesmo M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 307 nível de aprovação no segundo governo 19992002 mantendose quase sempre com uma avaliação positiva inferior à avaliação negativa5 No primeiro governo FHC a coalizão de governo era formada basi camente por PSDB PFL6 PMDB PTB e PPB7 Amorim Neto 2007 No segundo governo com pequenas variações todos estes partidos formavam a base do governo Neste sentido a coalizão era visivelmente de centrodireita8 o que contribui para as chamadas reformas de Estado do governo FHC que tem como seu maior símbolo as privatizações Do lado contrário a oposição formada basicamente por PT PDT PSB9 e PC do B10 unia todo o espetro ideológico da esquerda Esta oposição teve uma forte contraposição a nível discursivo e também com manobras regimentais no Congresso das opções programáticas de FHC em uma clara manifestação de status quo no que tange às privatizações Moritz 2006 A eleição do presidente Lula em 2002 não significou ao nível Legislativo uma grande vitória da esquerda Pelo contrário na Câmara dos Deputados as bancadas de esquerda não chegavam a 30 e no Senado nem mesmo a 20 São perceptíveis aqui os problemas que Lula iria vir a enfrentar No primeiro semestre de governo o único partido governista grande na Câmara dos Deputados era o PT no Senado a situação era muito pior na qual os partidos governistas não chegavam sequer a um terço da casa Foi neste contexto que o PMDB teve de ser chamado para compor o bloco de apoio ao governo obtendo duas pastas ministeriais Amorim Neto 2007 Além do PMDB o PP veio compor mais tardiamente o governo mas o PDT e o PPS11 logo saíram do governo e formaram juntamente com o DEM e o PSDB oposição ao governo petista Após as reconfigurações partidárias é nítida a opção de Lula em formar uma aliança majoritária para dispensar uma negociação com a oposição No final do ano de 2003 Lula já dispunha de cerca de 60 da Câmara dos Deputados Santos 2006 Além de incorporar novos partidos foi visível a grande migração interpartidária que favoreceu o crescimento das bancadas que apoiavam o Executivo Rebello 2008 Desse modo entre as nomeações de 5 Série histórica do Instituto Datafolha Disponível em httpdatafolhafolhauolcombrpo verpophpsession21 Acesso 25102010 6 PFL Partido da Frente Liberal 7 PPB Partido Popular Brasileiro 8 Neste trabalho os partidos foram classificados conforme bibliografia corrente Marenco 2001 Rodrigues 2002 Direita DEM PFL PP PPB PR PRONA PL e PTB Centro PMDB e PSDB Esquerda PT PDT e PSB e PC do B 9 PSB Partido Socialista Brasileiro 10 PCdo B Partido Comunista do Brasil 11 PPS Partido Popular Socialista 308 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 ministérios e outros cargos de menor escalão a coalizão do primeiro governo Lula teve como principais partidos na maior parte do governo12 PT PMDB PP PL PTB PSB e PC do B Uma observação a ser feita é que a coligação presidencial vitoriosa já englobava o PL que tinha a vicepresidência na chapa A inclusão deste partido sinalizou por parte do PT que a vitória de Lula não significaria uma guinada excessivamente à esquerda radical mas sim um governo de união como era o famoso slogan de campanha Lula paz e amor A agregação de novas legendas no primeiro governo Lula trouxe claros conflitos entre o governo e o PT Lula não conseguiu negociar com todas as alas do partido a ponto destas abdicarem de estarem presentes na máquina administrativa No governo FHC por exemplo a taxa de proporcionalidade entre ministérios e Câmara dos Deputados compatibilidade de tamanho entre o número de congressistas de um partido com o número de ministérios ocupados por este partido era muito mais alta do que no governo Lula Houve uma concentração excessiva por parte do PT dos ministérios na qual a legenda chegou a concentrar 60 Amorim Neto 2007 Desta maneira podese dizer que o presidente não fez um governo inicial no sentido de um presidencialismo de coalizão formal Hunter 2007 Pereira Power Raile 2009 Todas estas escolhas de composição governamental culminaram com uma mudança da posição ideológica da coalizão de governo Ao utilizar um survey aplicado aos deputados federais dos principais partidos Ranulfo e Nunes 2009 demonstram através de classificação dos próprios parlamentares como a ideologia das organizações partidárias corresponde em boa medida a classificação usual da ciência política Após realizar as ponderações necessárias os autores mostram como a coalizão do governo Lula no primeiro mandato encontrase essencialmente no centro Esta inclusão de atores ao centro PMDB e à direita do governo Lula PL PTB PP contribuiu para modificar o sentimento partidário no país Em primeiro lugar houve uma queda da identificação partidária favorecida pela imagem negativa dos escândalos de corrupção ocorridos no período de 2003 2007 e também pelo PT que ao aliarse com antigos adversários teve sua congruência ideológica dirimida e foi a legenda que mais perdeu simpatizantes Paiva et al 2007 A diferenciação entre as legendas ficou mais escassa Na associação das imagens partidárias na eleição de 2002 havia uma nítida separação entre governo PSDB PFL PTB e PMDB e oposição PT e PDT por exemplo Já em 2006 após o primeiro governo Lula esta diferenciação 12 A partir de janeiro de 2004 Amorim Neto 2007 M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 309 diminui drasticamente e o PT diferenciouse muito mais em função da sua ligação com a imagem pessoal de Lula Paiva et al 2007 No segundo governo Lula houve poucas mudanças em relação à base de sustentação do governo Na verdade a única alteração relevante em termos de posicionamento partidário foi a do PDT Parceiro de oposição no governo FHC e tendo rompido com o governo em 2003 a legenda volta a ser base de sustentação do governo e assim permanece até o final do segundo mandato Em 2010 houve certa retomada da identificação partidária voltando a um patamar próximo da eleição de 2002 Além disso entre os identificados com algum partido houve uma mudança em relação ao bloco ideológico com perdas de eleitores na esquerda centroesquerda e centro e aumento de eleitores na centrodireita e direita No caso dos petistas apesar de um crescimento de eleitores identificados com o partido entre 20062010 não houve retorno de um eleitor mais vinculado à esquerda ao contrário o nicho à esquerda diminuiu ainda mais do que em 2006 Veiga 2011 Neste sentido podemos nos perguntar até que ponto o PT ainda é considerado um partido de esquerda pelo eleitorado Análise dos dados A alteração da composição partidária entre os governos FHC e Lula poderia mudar a percepção pública sobre a classificação ideológica das legendas Como já salientado anteriormente nos oito anos de governo FHC a coalizão era formada por organizações classificadas na literatura como pertencendo ao campo de centrodireita Aliado a isso a oposição promovia um forte contraponto ao governo e suas reformas de Estado Moritz 2006 fortalecendo uma sobreposição entre ser esquerda e ser de oposição Já no governo Lula pelo contrário a aliança de governo englobava todos os blocos ideológicos elevando à condição de centro à coalizão Ranulfo Nunes 2009 A oposição por seu turno também possuía organizações de blocos ideológicos distintos na direita PFL no centro PSDB e na esquerda PDT pelo menos no primeiro governo As tabelas a seguir verificam em que medida houve uma mudança de percepção eleitoral sobre a ideologia dos principais partidos em 2002 PT PSDB PFL e PMDB Aqui não importa saber se os entrevistados acertaram a classificação ideológica destes quatro atores importa sim conhecer a mudança de pensamento de todos os entrevistados Nas ondas do Eseb foi pedido aos entrevistados que apontassem em uma escala de zero extrema esquerda a dez extrema direita onde se localizavam as principais instituições partidárias A fim de facilitar a visualização realizamos a média de respostas para quem 310 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 apontou os partidos na escala mostrando deste modo o ponto médio destes partidos segundo os entrevistados entre 2002 a 2010 Tabela 1 Classificação ideológica do PT PSDB PFL e PMDB entre 2002 2006 e 2010 Partidos políticos 2002 2006 2010 Média entre 0 a 10 Média entre 0 a 10 Média entre 0 a 10 PT 335 n 1941 404 n 604 462 n 1175 PSDB 626 n 1705 577 n 560 588 n 1094 PFL 626 n 1686 548 n 538 515 n 823 PMDB 616 n 1792 572 n 552 619 n 1054 Fonte Eseb 2002 2006 e 2010 Na Tabela 1 é notável a aproximação de todos os partidos em relação a sua ideologia13 Houve um claro movimento centrípeto segundo os eleitores do sistema partidário brasileiro O PT em 2002 tinha uma clara posição de esquerda dentro do espectro ideológico Seu discurso e posicionamento frente ao governo FHC contribuíram para isso Moritz 2006 Em 2006 depois da aplicação de várias políticas do governo Lula o partido deu uma considerável guinada ao centro segundo os entrevistados Em 2010 houve novo afastamento da esquerda deste modo podemos inferir que existe uma tendência de que a percepção eleitoral aponta para um encaminhamento do PT ao centro Na própria identificação partidária estudos demonstravam como houve certo afastamento de eleitores que se consideram de esquerda em relação à identificação com o PT Veiga 2011 De qualquer maneira no período entre 20022010 a percepção pública aponta em média o PT como pertencendo a uma posição de centroesquerda O PSDB em 2002 não obtinha uma correspondência entre a classificação usual da ciência política organização de centro e a percepção das pessoas direita Muito provavelmente em função das privatizações do governo FHC e 13 Não existe um número médio correto para analisar a classificação das pessoas Neste artigo para apontar os três blocos ideológicos optamos por classificar da seguinte forma entre 0 a 399 esquerda entre 4 a 6 centro entre 601 a 10 direita M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 311 o apontamento por parte da oposição do governo ser de direita ou em termos mais difusos um governo de políticas neoliberais Em 2006 com a oposição ao governo Lula o eleitor médio entende que a legenda se situa no campo do centro embora com certa proximidade com o campo da direita Já em 2010 há pouca diferença em relação a 2006 Entretanto parece cada vez mais claro que o PSDB embora tenha a socialdemocracia no nome não consegue aproximar se de um discurso mais à esquerda A maioria do eleitorado ainda percebe uma razoável diferença entre PSDB e PT em termos ideológicos mas a cada eleição que passa esta diferença vem diminuindo como demonstra a aproximação das médias em 2002 a 2010 O PFL foi a instituição que em 2002 juntamente com o PT obteve correspondência entre a classificação ideológica da literatura e das pessoas ou seja uma organização de direita Em 2006 ocorre uma guinada forte ao centro indicando certa perda de clareza ideológica das pessoas sobre a legenda Em 2010 a tendência de ir ao centro continua deste modo a mudança de nome em 2007 pode ter tido reflexo na percepção das pessoas sobre quem são os democratas Embora não tenhamos meios para corroborar com nosso pensamento ao que tudo indica o PFL atual DEM não se mostrou capaz de ser um partido de oposição com um discurso à direita mais sistematizado Não há em nosso entender uma oposição com um discurso claro à direita que afronte as políticas do governo Lula Até mesmo em função do próprio temor em oporse a um presidente com bons índices de popularidade14 A classificação ideológica eleitoral do PMDB tem um elemento interessante Enquanto principais aliados de FHC em 2002 a legenda era considerada como pertencendo ao campo da direita embora menos do que PSDB e PFL Esta classificação não correspondia a uma classificação usual da ciência política que o considerava como pertencendo ao centro Rodrigues 2002 Já em 2006 o PMDB volta ao centro do espectro político mas ainda está muito mais próximo da direita do que da esquerda segundo os eleitores Poderíamos indicar a ligação com o governo o Lula como sendo a conexão que trouxe o PMDB mais ao centro entretanto tal ligação não foi capaz de evitar que o PMDB fosse considerado o principal partido mais à direita do espectro político em 2010 É instigante pensar que ser base de governo no período Lula aproximou os dois principais partidos para a direita do espectro ideológico entre 2002 e 2010 embora a média de percepção do PMDB permaneceu praticamente estável em 2002 e 2010 14 O índice de avaliação do governo Lula na véspera da eleição de 2006 atingia 47 de ótimo ou bom Já em 2010 girava em torno de 75 Datafolha 312 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 A Tabela 1 demonstra acima de tudo a aproximação das legendas em termos ideológicos para a população entrevistada Neste sentido o ponto médio da coalizão do governo Lula que segundo a própria classificação dos deputados se encontra no centro Ranulfo Nunes 2009 contribuiu para que houvesse esta percepção ideológica distinta dos partidos políticos Como dissemos anteriormente as organizações partidárias sempre tiveram forte descontinuidade partidária no Brasil carecendo de um vínculo social mais expressivo Meneguello 1998 Desse modo elas dependem da sua relação com governos para formar identidades programáticas seja estando no Poder Executivo e garantindo os benefícios que acompanham os cargos seja se opondo a ele O PT e o PMDB ainda que partam de blocos ideológicos distintos em 2002 aproximamse em 2006 mas não tanto em 2010 e ambos são legendas de sustentação de um mesmo governo O PSDB que esteve vinculado mais à direita na eleição de 2002 com o governo FHC aproximase do centro em 2006 e afastase um pouco em 2010 A classificação do PFL como estando mais ao centro do que o próprio PMDB e PSDB em 2006 e 2010 indica certa perda de clareza ideológica por parte dos eleitores talvez como dissemos anteriormente por não se constituir como uma clara alternativa ao conteúdo programático da esquerda pelo menos não ao nível discursivo para o eleitor médio A aproximação da percepção da ideologia das legendas e a falta de clareza em identificar a ideologia do PFL atual DEM poderia ser um sintoma de algo maior a falha da ideologia como elemento norteador das legendas Esta perda de identidade ideológica diagnosticada por Kirchheimer na década de 1960 e reforçada por Panebianco 2005 e Katz e Mair 1997 posteriormente talvez pudesse ser a responsável por uma falta de clareza em apontar um conjunto de valores aos partidos No caso dos catchall parties como o próprio nome sugere quase nenhum nicho ideológico é desconsiderado no cálculo eleitoral deste modo a suavização do discurso classista Kirchheimer 1966 poderia levar a uma aproximação ideológica de todas as legendas como bem parece ser o caso brasileiro Além da classificação das legendas a própria autoclassificação ideológica das pessoas serve como uma referência importante quando o assunto é ideologia Quando relacionamos o voto com a autoclassificação podemos perceber como elas se situam na disputa políticoideológica Desse modo a seguir reunimos as pessoas que votaram em membros da oposição e membros do governo em 2002 e 2006 para deputado federal M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 313 Tabela 2 Autoclassificação ideológica entre eleitores de partidos governistas e de oposição na Câmara dos Deputados entre 2002 2006 e 201015 Autoclassificação ideológica 2002 2006 2010 Partidos da base aliada FHC Partidos da oposição Partidos da base aliada Lula Partidos da oposição Partidos da base aliada Lula Partidos da oposição 559 n 478 371 n 245 558 n 82 625 n 49 621 n 306 677 n 93 Fonte Eseb 2002 2006 e 2010 Em 2002 é notável a ampla correspondência entre o que a literatura de ciência política entende entre as respectivas classificações ideológicas dos partidos com a autoclassificação de quem vota nestas organizações Aqueles que votaram em partidos aliados ao Executivo se posicionam em média no ponto 559 enquanto cidadãos que votam na oposição colocamse entre 371 na média Desse modo podemos dizer que os eleitores dos deputados federais situacionistas se dizem de centro porém mais próximos da direita já eleitores que votaram em candidatos da oposição ao FHC situamse em uma posição de esquerda Na verdade em relação ao voto da oposição a autoclassificação poderia ser considerada perfeita do ponto de vista da correspondência com a ciência política pois abrange partidos de esquerda PT PSB e PC do B mas também abrange o PDT que já era considerado de centroesquerda por parte da literatura Mainwaring 2001 Em 2006 o fato que chama atenção é quase o mesmo ponto médio daqueles que votaram em partidos governistas de Lula e em partidos gover nistas de FHC em 2002 559 a 558 Destarte entre os mandantes de par tidos governistas na eleição para Câmara dos Deputados não há diferença no ponto médio entre 2002 e 2006 da autoclassificação ideológica Quem votou em alguma das legendas de oposição PSDB PFL PDT se 15 Foram considerados base de governo em 2002 PSDB PFL PMDB e PPB Os parti dos de oposição foram PT PDT PSB e PC do B Em 2006 foram considerados base de sustentação do governo Lula PT PSB PC do B PV Partido Verde PTB PMDB PP PRB Partido Republicano Brasileiro e PL e as legendas principais de oposição foram PSDB PFL PDT Em 2010 a única diferença é a saída do PDT da oposição para a base de susten tação do governo Lula A escala ideológica varia de 0 extrema esquerda a 10 extrema direita 314 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 classificou como pertencendo ao campo da direita embora não muito longe do centro Como a maioria dos mandantes oposicionistas votou no PFL e PSDB eles puxam a média de respostas no entanto há de observar o baixo n um limite da amostra desta tabela que pode aumentar as margens de erro Em 2010 assim como já havia ocorrido em 2006 há nova aproximação entre as médias de governistas e situacionistas Enquanto a diferença das médias em 2002 chega a 188 em 2006 ela passa a 067 e em 2010 fica em 056 É interessante perceber que os eleitores que votaram em deputados federais de partidos de sustentação do governo petista se qualificam em média como pertencendo ao campo da direita embora não longe do centro Os eleitores que votaram em deputados da oposição a cada eleição se posicionam mais à direita do espectro político Houve uma grande diferenciação no período entre as três eleições A inclusão de uma base tão heterogênea na coalizão governamental de Lula contribuiu para uma mudança na autoclassificação das pessoas que votaram em deputados federais que outrora eram oposição e em 2006 e 2010 situação Se antes havia uma sobreposição entre votar no governo e ser de centrodireita e votar na oposição e ser de esquerda nas eleições subsequentes não há entre os entrevistados alguma posição ideológica única que corresponda ao voto para governista ou oposicionista A posição ideológica dos cidadãos também pode ser relacionada com o voto presidencial Poderíamos averiguar se houve mudanças relevantes no que tange aos períodos 2002 2006 e 2010 Assim a tabela a seguir avalia o autoposicionamento dos eleitores que votaram no governo em 2002 representados pela figura de José Serra PSDB e o autoposicionamento daquelas pessoas que votaram em candidatos da oposição Lula PT Antonhy Garotinho PSB e Ciro Gomes PPS Na eleição subsequente o candidato governista é Lula PT e a oposição é composta por Geraldo Alckmin PSDB Heloísa Helena PSOL Partido Socialismo e Liberdade e Cristovam Buarque PDT Em 2010 a candidatura governista é Dilma PT e a oposição é composta por José Serra PSDB e Marina Silva PV16 16 Na eleição de 2002 o resultado da votação do primeiro turno ficou assim Lula 46 Serra 23 Garotinho 17 e Ciro Gomes 11 Em 2006 Lula 48 Alckmin 41 Heloísa Helena 6 e Cristovam Buarque 2 Em 2010 Dilma 47 Serra 33 e Marina 19 TSE M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 315 Tabela 3 Autoclassificação ideológica entre eleitores dos principais presidenciáveis governistas e de oposição 2002 2006 e 201017 Autoclassificação ideológica 2002 2006 2010 Governo PSDB Oposição PT PSB e PPS Governo PT Oposição PSDB PDT e PSOL Governo PT Oposição PSDB e PV 615 n 374 475 n 1222 586 n 321 606 n 178 613 n 483 662 n 510 Fonte Eseb 2002 2006 e 2010 A eleição de 2002 tem uma clara distinção ideológica entre os eleitores de Serra e os concorrentes Enquanto os cidadãos que votaram em José Serra candidato governista se posicionavam em média em uma posição de centrodireita os eleitores que votaram em candidatos de oposição se situam em uma posição de centro com uma leve inclinação à esquerda Naquela eleição então havia dois grupos bem diferenciados de eleitores em relação ao posicionamento ideológico Na eleição de 2006 há uma forte força centrípeta que aproxima os dois grupos de eleitores Enquanto na eleição anterior a diferença entre as médias das respostas era de 14 na reeleição de Lula esta diferença atinge apenas 02 Ainda que os eleitores da oposição puxados principalmente pela candidatura Alckmim estejam mais à direita do espectro político do que aqueles que votaram em Lula os cidadãos que votaram pela continuidade do então presidente petista não se consideram mais à centroesquerda como em 2002 e sim como pertencendo ao campo da centrodireita Na eleição de 2010 existe certo afastamento entre o grupo de eleitores com uma diferença de 049 ainda consideravelmente menor do que a de 2002 Os eleitores de Dilma se situam no campo da direita próximo ao centro e os de oposição mais à direita É visível o crescimento à direita do eleitorado o que após oito anos de um governo petista possa ser paradoxal Do ponto de vista da esquerda é visível a falta de uma oposição considerável à esquerda Em 2006 PSOL e PDT juntos fizeram 8 dos votos entre os presidenciáveis já em 2010 candidatos do PSOL PCB18 PSTU19 e PCO20 reunidos não fizeram nem 2 TSE A Tabela 3 pode indicar então espaço para que uma alternativa à 17 A escala ideológica varia de 0 extrema esquerda a 10 extrema direita 18 PCB Partido Comunista Brasileiro 19 PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado 20 PCO Partido da Causa Operária 316 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 esquerda do governo petista surja Ao nosso entender ainda não há nenhuma manifestação de que possa existir uma alternativa partidária consistente à esquerda na eleição de 2014 Das Tabelas 1 a 3 é perceptível a nítida mudança de classificação ideológica das legendas e da autoclassificação das pessoas em relação ao seu voto Se antes a percepção pública era uma sobreposição entre ser de oposição e ser de esquerda ela se perde por completo em 2006 e 2010 Não há erro nisto uma vez que a oposição ao governo Lula era formada principalmente por partidos de centrodireita O que nos parece mais claramente nestas tabelas é uma forte tendência de crescimento à direita dos eleitores de governo e de oposição Os oito anos de FHC favoreceram uma construção de um discurso de contraposição e de esquerda pelo lado da oposição já Lula ao assumir a Presidência da República optou por incorporar organizações partidárias não só opostas programaticamente ao seu partido mas que compunham o governo anterior no qual faziam oposição A mudança em termos de autoclassificação ideológica das pessoas pode estar relacionada a uma transformação na burocracia partidária No caso dos partidos atuais não existe mais aquela figura central chamada militante como houvera na era das organizações de massa Duverger 1970 Tal militante era um importante intermediário na concessão de incentivos coletivos ideologia e identidade na acepção de Panebianco 2005 Carreiristas ou profissionais partidários mais preocupados com outras formas de incentivos como carreira status e dinheiro retiram a possibilidade de ênfase na ideologia para obter votos A limitação do uso da ideologia na conquista de votos pode ser reforçada quando avaliamos rápidas mudanças em termos de autoposicionamento ideológico na segunda e terceira tabela Ainda que outras pesquisas tivessem de ser realizadas e outros dados como grupos focais agregados o entendimento de ideologia das pessoas parece ser muito volátil bem como sua decisão eleitoral o chamado eleitorado de opinião que Manin 1995 concebe na ideia de democracia do público A compreensão ideológica entre o ser de direita e ser de esquerda envolve um conjunto normativo de questões e envolveria mais espaço do que o presente artigo pretende Para Mair 2003 as funções representativas dos partidos estão em declínio e conjuntamente com isso partidos expressivos ideologicamente também ficaram mais escassos Cada vez mais segundo o autor partidos assumem funções processuais como governar por exemplo Assim o voto fica cada vez mais pragmático mais instrumental onde o bom administrador o bom gerente é o mais votado Destarte o vínculo entre ideologia e partidos M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 317 perde cada vez mais o sentido para o autor Se as ideologias partidárias perderam completamente seu sentido é algo que não podemos identificar com nossos dados no entanto é visível certa aproximação de todos os partidos em termos ideológicos além de alta volatilidade da autoclassificação das pessoas Conclusão Como dissemos anteriormente não existe a possibilidade de que possa mos enquadrar o sistema partidário em um contexto como o dos partidos de massa Duverger 1970 Os sistemas partidários atuais não mais são estruturados a partir de clivagens sociais como havia antes da segunda guerra mundial no contexto europeu Lipset Rokkan 1967 assim elementos como a ideologia tão centrais em uma época já não formam o núcleo do discurso dos partidos Kirchheimer 1966 O fim da democracia de partido em um sentido clássico não significa um impedimento para o desenvolvimento das poliarquias significa isto sim um novo modo de entendermos a relação entre organizações partidárias e os eleitores Manin 1995 No Brasil as legendas nunca tiveram grande vínculo social Mainwaring 2001 Sejam catchall parties ou partidos cartéis o fato é que sempre houve uma falta de um conteúdo programático mais profundo entre os eleitores e as agremiações O PT antes mesmo da eleição de Lula em 2002 já havia sinalizado uma mudança em termos ideológicos ao coligarse com partidos que estavam ao centro e à direita do espectro ideológico Krause Godoi 2010 Neste sentido o governo Lula seria extremamente importante para saber se realmente a ideologia petista foi alterada significativamente Como mostramos em nossos dados a opção do governo petista em chamar para compor a coalizão organizações de centro e de direita alterou a percepção eleitoral em relação às legendas Ao incorporar partidos como PMDB PP PTB e PL o governo Lula conseguiu obter um menor custo de aprovação de agenda governamental do que se tivesse optado por realizar um governo de minoria Todavia esta coalizão heterogênea retirou do governo uma possibilidade de um conteúdo ideológico mais claro situado à esquerda Os próprios eleitores de partidos que anteriormente eram de oposição e posteriormente viraram governo alteraram sua percepção ideológica sobre si mesmos A tabela três demonstra isto nos quais os eleitores da oposição à candidatura governista em 2002 estavam situados em campo de centro esquerda e em 2006 estes eleitores situavamse basicamente na centrodireita Além disso em 2010 é visível a aproximação de eleitores do governo petista para o campo da direita 318 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 Este artigo procurou apurar se houve mudanças significativas ideológicas após a eleição de um partido de esquerda para a Presidência da República Acreditamos que a opção de formar uma coalizão tão heterogênea por parte de Lula tenha contribuído para que a percepção de boa parte dos eleitores tenha sido modificada em relação aos partidos e suas ideologias Se as legendas ainda possuem ideologias distintas elas parecem não estar demonstrando isto de forma nítida aos representados fortalecendo a ideia de que nossas organizações estejam situadas no que a ciência política entende como partidos pegatudo Referências AMORIM NETO Octávio O Poder Executivo centro de gravidade do sistema político brasileiro In AVELAR Lúcia CINTRA Antônio Sistema político brasileiro uma introdução São Paulo Editora Unesp 2007 AVELAR Lúcia WALTER Maria Inez Lentas mudanças o voto e a política tradicional Opinião Pública Campínas v 14 n 1 p 96122 2008 BAQUERO Marcello Eleições e capital social uma análise das eleições presidenciais no Brasil 20022006 Opinião Pública Campinas v 13 n 2 p 231259 2007 BARTOLINI Stefano The political mobilization of the european left 18601980 the class cleavage Cambridge University Press 2000 CARREIRÃO Yan Identificação ideológica partidos e voto na eleição presidencial de 2006 Opinião Pública Campinas v 13 n 2 p 307339 2007 DOWNS Anthony Uma teoria econômica da democracia São Paulo Editora da USP 1999 1956 DUVERGER Maurice Os partidos políticos Rio de Janeiro Zahar 1970 HUNTER Wendy Corrupção no Partido dos Trabalhadores o dilema do sistema In NICOLAU Jairo POWER Timothy Instituições representativas no Brasil balanço e reforma Belo Horizonte Editora da UFMG 2007 KATZ Richard MAIR Peter Party organization party democracy and the emergence of the cartel party In MAIR Peter Party system change Clarendon Press Oxford 1997 KERBAUY Maria Associativismo e comportamento eleitoral na eleição de 2002 Opinião Pública Campinas v 10 n 2 p 254267 2004 KINZO Maria A democratização brasileira um balanço do processo político desde a transição São Paulo em perspectiva v 15 n 4 p 312 2001 Os Partidos no eleitorado percepções públicas e laços partidários no Brasil Revista Brasileira de Ciências Sociais São Paulo v 20 n 57 p 65 81 2005 Radiografia do quadro partidário brasileiro São Paulo Fundação Konrad AdenauerStiftung 1993 KIRCHHEIMER Otto The transformation of the western european party systems In LAPALOMBARA Joseph WEINER Myron Political parties and political development New Jersey Princeton University Press 1966 M M Rebello Ideologias partidárias no governo Lula 319 KRAUSE Silvana GODOI Paulo Coligações eleitorais para os executivos estaduais 19862006 padrões e tendências In KRAUSE Silvana DANTAS Humberto MIGUEL Luis Felipe Coligações partidárias na nova democracia brasileira perfis e tendências São Paulo Editora da Unesp 2010 LAPALOMBARA Joseph Reflections on political parties and political development four decades later Party Politics v 13 n 2 p 141154 2007 LAMOUNIER Bolívar MENEGUELLO Rachel Partidos políticos e consolidação democrática o caso brasileiro São Paulo Editora Brasiliense 1986 LIPSET Seymour ROKKAN Stein Clevage structures party systems and voter alignments an introduction In LIPSET Seymour ROKKAN Stein Party systems and voter alignments crossnational perspectives New York Free Press 1967 MAINWARING Scott Sistemas partidários em novas democracias o caso do Brasil Rio de Janeiro FGV 2001 MAINWARING Scott MENEGUELLO Rachel POWER Timothy Partidos conservadores no Brasil contemporâneo São Paulo Editora Paz e Terra 2000 MAIR Peter Os partidos políticos e a democracia Análise Social Lisboa v 28 n 167 p 277293 2003 MANIN Bernard As metamorfoses do governo representativo Revista Brasileira de Ciências Sociais São Paulo n 29 p 534 1995 MANIN Bernard PRZEWORSKI Adam STOKES Susan Eleições e representação Lua Nova São Paulo n 67 p 105138 2006 MARENCO André Sedimentação de lealdades partidárias no Brasil Revista Brasileira de Ciências Sociais São Paulo v 16 n 45 p 6983 2001 MELO Carlos Retirando as cadeiras do lugar migração partidária na Câmara dos Deputados 19852002 Belo Horizonte Editora UFMG 2004 MENEGUELLO Rachel Partidos e governos no Brasil contemporâneo 19851997 São Paulo Paz e Terra 1998 MORITZ Maria Vozes da oposição os partidos de esquerda e o primeiro governo Fernando Henrique 19951999 Tese Doutorado em Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2006 NICOLAU Jairo Lista Aberta Lista Fechada In AVRITZER Leonardo ANASTASIA Fátima Orgs Reforma política no Brasil Belo Horizonte Editora UFMG 2006 PAIVA Denise BRAGA Maria PIMENTEL JR Jairo Eleitorado e partidos políticos no Brasil Opinião Pública Campinas v 14 n 2 p 388408 2007 PAIVA Denise TAROUCO Gabriela Voto e identificação partidária os partidos brasileiros e a preferência dos eleitores Opinião Pública Campinas v 17 n 2 p 426451 2011 PANEBIANCO Angelo Modelos de partido organização e poder nos partidos políticos São Paulo Martins Fontes 2005 PEREIRA Carlos MULLER Bernardo Partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes na arena legislativa a conexão eleitoral no Brasil Dados Rio de Janeiro v 46 n 4 p 735771 2003 320 Civitas Porto Alegre v 12 n 2 p 298320 maioago 2012 PEREIRA Carlos POWER Timothy RAILE Eric Presidencialismo de coalizão e recompensas paralelas explicando o escândalo do mensalão In RENNÓ Lúcio INACIO Magna Legislativo brasileiro em perspectiva Comparada Belo Horizonte Editora da UFMG 2009 PERES Paulo Sistema partidário e instabilidade eleitoral no Brasil In PINTO Céli MARENCO André Orgs Partidos no Cone Sul novos ângulos de pesquisa Rio de Janeiro Fundação Konrad Adenauer 2002 POWELL Bingham Elections as instruments of democracy majoritarian and proportional visions Londres Yale University Press 2000 RANULFO Carlos NUNES Felipe Ideologia e distância de preferências uma comparação dos governos Lagos e Nunes In RENNÓ Lúcio INACIO Magna Orgs Legislativo brasileiro em perspectiva comparada Belo Horizonte Editora da UFMG 2009 REBELLO Maurício A relação ExecutivoLegislativo e a sua influência na migração partidária In Democracia em debate Seminário Nacional de Ciência Política da Ufrgs Porto Alegre Nova Prova v 1 2008 RODRIGUES Leôncio Partidos ideologia e composição social um estudo das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados São Paulo Editora da USP 2002 SANTOS Fabiano Em defesa do presidencialismo de coalizão In SOARES Gláucio RENNÓ Lúcio Orgs Reforma política lições da história recente Rio de Janeiro Editora da FGV 2006 STOPPINO Mario Ideologia In BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Dicionário de Política Brasília Editora de Brasília 1986 VEIGA Luciana O partidarismo no Brasil 20022010 Opinião Pública Campinas v 17 n 2 p 400425 2011 Data de recebimento 10072011 Data de aprovação 20112011