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Economia Monetária

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Revista de Economia Política, vol. 14, n\u00ba 4 (56), outubro-dezembro/94\n\nA economia e a pol\u00edtica do Plano Real\n\nLUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA\n\nO Plano Real \u2014 cujas tr\u00eas fases iniciais foram completadas em 1\u00ba de julho de 1994 com a reforma monet\u00e1ria que extinguiu o cruzeiro real e transformou a Unidade Real de Valor (URV) no Real \u2014 \u00e9 certamente, entre os 13 planos de estabiliza\u00e7\u00e3o tentados no Brasil desde que se iniciou a presente crise, em 1979, o melhor concebido.1 N\u00e3o apenas porque d\u00e1 conta de forma adequada das duas causas fundamentais da infla\u00e7\u00e3o brasileira \u2014 a crise fiscal e a in\u00e9rcia inflacion\u00e1ria \u2014, mas principalmente porque, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 in\u00e9rcia a in\u00e9rcia tornou-se algo rigorosamente inovador: a coordena\u00e7\u00e3o pr\u00e9via dos pre\u00e7os relativos atrav\u00e9s da URV. Dessa forma foi poss\u00edvel neutralizar as defasagens nos aumentos de pre\u00e7os que caracterizam a infla\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica ou inercial.\n\nA teoria neo-estruturalista da infla\u00e7\u00e3o inercial, que foi desenvolvida entre 1980 e 1983, foi provavelmente a contribuir para uma pol\u00edtica econ\u00f4mica efetiva (que alcance os resultados almejados) e eficiente (a baixos custos). A efetividade e a efici\u00eancia da pol\u00edtica econ\u00f4mica inercial est\u00e3o agora sendo testadas e comprovadas pelo Plano Real, que, no final de seus primeiros meses de aplica\u00e7\u00e3o, demonstrou ter tido pleno sucesso em neutralizar a in\u00e9rcia inflacion\u00e1ria, ou seja, a indexa\u00e7\u00e3o formal e informal da economia brasileira.\n\nA partir da teoria da infla\u00e7\u00e3o inercial surgiram imediatamente duas propostas alternativas de pol\u00edtica de estabiliza\u00e7\u00e3o, que tinham em comum com-por-se de duas a\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas: a coordena\u00e7\u00e3o dos aumentos defasados de pre\u00e7o, e, em seguida (ou ao mesmo tempo), a interrup\u00e7\u00e3o s\u00fabita (por choque, n\u00e3o gradual) do aumento inicial dos pre\u00e7os, em princ\u00edpio atrav\u00e9s de uma reforma monet\u00e1ria que desindexava a economia. A primeira alternativa foi o congelamento acompanhado de tabelas de convers\u00e3o de pre\u00e7os para a m\u00e9dia. Foi proposta originalmente por Bresser Pereira e Nakano (julho 1984) e por Francisco Lopes (agosto 1984). Nesta alternativa a coordena\u00e7\u00e3o dos reajustes de pre\u00e7os ocorria ao mesmo tempo em que o processo inflacion\u00e1rio era paralisado pelo congelamento transit\u00f3rio dos pre\u00e7os. O choque era constitu\u00eddo pelo pr\u00f3prio congelamento e pela reforma monet\u00e1ria, atrav\u00e9s do quais se desindexava a economia.\n\nA segunda alternativa \u2014 mais engenhosa \u2014 que afinal serviria de base para o Plano Real \u2014 previa o congelamento da economia e a convers\u00e3o do reajuste em pre\u00e7os indexados, com ênfase pela mod\u00e9stia, uma s\u00e9rie de tentativas incompetentes de estabiliza\u00e7\u00e3o, com \u00eanfase nas solu\u00e7\u00f5es ortodoxas.\n\nN\u00e3o obstante, ap\u00f3s seu fracasso, Lara Resende restabelece o debate propondo a cria\u00e7\u00e3o de um currency board e insistindo na coexisten\u00e7a transit\u00f3ria de duas moedas (1992). Em 1987, depois da implementa\u00e7\u00e3o do Plano Bresser, Francisco Lopes e Yoshiaki Nakano consideraram, como uma das alternativas para a segunda fase do plano, a ado\u00e7\u00e3o n\u00e3o de uma segunda moeda, mas de um indexador d\u00edgito \u2014 a OTN \u2014 que funcionaria como um \u00edndice-moeda transit\u00f3rio, nos termos inicialmente sugeridos por Arida. Preferimos, entretanto, prever um segundo congelamento, dados os riscos de acelera\u00e7\u00e3o da infla\u00e7\u00e3o em consequ\u00eancia da otimizac\u00e3o. A segunda fase, por\u00e9m, n\u00e3o chegou a concretizar-se porque a recusa do presidente Sarney de apoiar o ajuste fiscal levou-me a pedir demiss\u00e3o do Minist\u00e9rio. No ano seguinte, Francisco Lopes (1988) apresentou o Plano Real, que propunha a introdu\u00e7\u00e3o da nova moeda, de valor est\u00e1vel \u2014 tamb\u00e9m chamada Real \u2014 logo no in\u00edcio do processo. A velha moeda (na \u00e9poca, o cruzado) deveria desaparecer rapidamente, expuls\u00e1-la pela moeda est\u00e1vel.6 Segue-se uma s\u00e9rie de tentativas incompetentes de estabiliza\u00e7\u00e3o, com \u00eanfase nas solu\u00e7\u00f5es ortodoxas.\n\nN\u00e3o obstante, ap\u00f3s seu fracasso, Lara Resende restabelece o debate propondo a cria\u00e7\u00e3o de um currency board e insistindo na coexisten\u00e7a transit\u00f3ria de duas moedas (1992).\n Dessa forma, o problema da indexa\u00e7\u00e3o salarial foi resolvido com a corre\u00e7\u00e3o ou a inativa\u00e7\u00e3o dos aumentos salariais produzi\u00addos pela anteriormente citada moeda nova. A OTN foi originariamente proposta por Arida e Larissa Resende, que impuseram um tempo transit\u00f3rio onde a moeda nova seria exclu\u00edda no seu modelo. Ao longo do tempo, as expectativas do Plano Real, que previa uma reforms implementada pelo presidente da Rep\u00fablica, sucumbiram. Torna-se evidente que o tempo era muito mais complex do que o toldado, com uma moeda n\u00e3o sendo a solu\u00e7\u00e3o. Também a integra\u00e7\u00e3o deveria ter continuidade por mais tempo, no entendimento, e ser realizada com o m\u00e9todo correto que \u2014 acabaria por surti todas as variantes enganosamente desejadas, para n\u00e3o serem viciadas. Em 1990, tanto ATS como Figueiredo falham, assim como os que implementaram a tapadeira ajustativa da OTN e ingressaram posteriormente com o FIFO, abrindo assim uma linha de dissemina\u00e7\u00f5es insustentadas. O Plano Real adotou uma abordagem rigorosamente de mercado, evitando congelamentos. Todavia, foi realista ao tornar obrigat\u00f3ria a convers\u00e3o dos sal\u00e1rios para a URV no in\u00edcio da segunda fase. Dessa forma o problema da indexa\u00e7\u00e3o salarial foi parcialmente equacionada. ... foi contornado. Por outro lado, através dessa estratégia estabeleceu-se um parâmetro para a conversão dos demais preços. Mesmo assim, nas últimas semanas da fase URV ocorreu uma clara inflação em URVs, demonstrando que muitas empresas converteram seus preços para URVs por valores acima da média dos últimos meses. Esse fato, entretanto, não chegou a comprometer o plano, pois, em seguida à introdução do Real, as empresas reduziram seus preços sob a forma de descontos, seja porque concederam aumentos salariais compensatórios. Apenas nos setores fortemente oligopolistas e pouco organizados sindicalmente o ganho será conservado pelas empresas, provocando um desequilíbrio nos preços relativos.\n\nO Plano Real é o décimo terceiro plano de estabilização tentado no Brasil desde o momento em que a atual crise econômica foi desencadeada em 1979, com o segundo choque do petróleo\". A probabilidade de que tenha êxito e logre afinal estabilizar os preços é alta. Não apenas por sua competência técnica, mas também porque as condições econômicas no momento em que foi lançado lhe são favoráveis: reservas internacionais em um nível que garante a nova moeda; preços relativos equilibrados, embora defasados como é próprio de inércia inflacionária; empresas sólidas e reestruturadas; abertura comercial que protege o mercado interno contra abusos de práticas monopolistas; avanços significativos em matéria fiscal nos anos anteriores ao plano. Por outro lado, as condições políticas são também favoráveis. Há hoje no Brasil um apoio a ajuste fiscal muito maior do que há alguns anos. Por outro lado, os trabalhadores já compreenderam que não poderão ter aumentos reais de salários enquanto a inflação permanecer aos seus reis para cima e inabilizar os investimentos. Uma demonstração foi a de que basta do que aumente o plano. Quando, na segunda fase, os salários foram convertidos para URVs, os sindicatos reagiram. Não tiveram, porém, êxito, mostrando que as condições políticas para um plano de estabilização haviam se tornado melhores do que usualmente se imagina.\n\nEscrevi uma série de artigos para os jornais sobre o Plano Real e seus antecedentes, a partir do momento em que Fernando Henrique Cardoso aceitou, em abril de 1993, o Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco. Os artigos iniciais são políticos. São todos favoráveis ao plano, embora contenham eventuais críticas e sugestões. Não publiquei nenhum artigo na imprensa depois do dia 1º de julho, quando a reforma monetária foi realizada, com a extinção do cruzeiro e a transformação da URV em Real. O plano adotou uma combinação flexível de âncora cambial, âncora dos preços públicos e âncora monetária, evitando a rigidez do Plano de Convertibilidade argentino. E valorizou o Real, ao estabelecer uma taxa de câmbio para a compra de dólares de cerca de 92 centavos de Real. Os juros foram mantidos provisoriamente altos, e os preços, rigorosamente livres.\n\nAo escrever esta nota, na primeira semana de agosto de 1994, o êxito do plano parecia evidente. A taxa de inflação de julho, comparando-se os preços em Reais de julho contra os em URV em junho, foi de 6,95% (FIPE). Nessa taxa está incluída a aceleração da inflação na segunda quinzena de junho. A inflação de ponta a ponta em ... julho — o primeiro mês do Real —, tomando-se os primeiros cinco dias de agosto contra os primeiros cinco dias de julho (excluindo-se, portanto, as remarcações pré-plano), foi na verdade uma deflação de 0,69% (FIPE-Estadão). A deflação nos preços industriais foi possibilitada pela conversão acima da média realizada pelas empresas nas últimas semanas de existência da URV.\n\nO plano continua, naturalmente, a enfrentar riscos. As tentações de aumentar o gasto público em um ano eleitoral serão redobradas. Está claro, entretanto, que os custos políticos de um eventual fracasso do plano devido a excesso de gastos são maiores do que os custos de não atender a demandas de gastos do Estado. O risco mais importante que o plano enfrenta, porém, é o da reindexação. A economia não foi totalmente desindexada. Os salários continuam indexados anualmente. Os demais contratos podem ser indexados à base anual. A poupança continua indexada mensalmente. A indexação dos salários é particularmente perigosa para o plano. As empresas, porém, não serão capazes de resistir a pressões por aumentos de salários que deverão ocorrer principalmente em setembro, quando estão com a volta à prática de concordar com os aumentos salariais e, em seguida, repassá-los para os preços. Esta foi uma prática de indexação generalizada no Brasil na última década. Há, contudo, duas diferenças importantes, que tornam arriscada para as empresas da prática. Primeiro, a inércia foi quebrada, de forma que o pressuposto de que os concorrentes de outras regiões concederão aumentos de salário semelhantes é falso. Segundo, a abertura comercial mask a ancoras cambiais transformar as importações em um verdadeiro limite a aumentos de custos.\n\nDada a importância do Plano Real, que inicialmente chamei de Plano Fernando Henrique, pareceu-me válido publicar na Revista de Economia Política estes artigos, estampados por esta nota introdutória e acompanhados por notas de rodapé que esclarecem o momento em que foram escritos. Espero que eles ajudem os futuros analistas do plano a compreenderem-no melhor. ... esse apoio pouco tem melhores condições de nego-1 do que o novo ministro da Fazenda.\n\nApoio político, não significa apoio para o ajuste fiscal e para um acordo social. Sem esses ingredientes difíceis extremamente será possível estabilizar a economia brasileira. O apoio para o ajuste fiscal é hoje muito maior do que há alguns anos. O populismo econômico continua ancorizado na sociedade e na política brasileiras, mas perdeu muita força dada a gravidade da crise fiscal. O mesmo se dá em relação ao acordo social. Há alguns anos os trabalhadores, especialmente os da CUT, eram totalmente contrários a qualquer acordo. Hoje sabem que só têm a perder com a inflação, que todas as tentativas de proteger os salários dos trabalhadores são outro antagonistas enquanto perdura a hiperinflacção indexada. Por isso estão muito mais propensos a um entendimento.\n\nQuanto à competência para realizar a reforma, não há dúvida que Fernando Henrique e sua equipe a têm e de sobra. Embora sociólogo, o ministro conhece muito bem os problemas da inflação brasileira. Em sua equipe conta com economistas de primeira qualidade, como Winston Fritsch e Gustavo Franco, sem falar nos assessores externos, Edmar Bacha, Roberto Mendonga de Barros e André Montoro Filho. Para a Secretaria Geral foi um dos mais competentes administradores que conheço, com ampla experiência no setor público e no setor privado: Clóvis de Barros Carvalho. E o Banco Central continua sendo defendido por Antônio Ximenes.\n\nSerá a competência da equipe e as perspectivas positivas quanto ao apoio político suficientes para garantir o sucesso? Não creio. Além de tudo isso, será preciso coragem e sorte. A crise econômica é tão grave, e Estado brasileiro foi de tal forma destruído, a modesta nacional é de tão forma inexistente, que, além de medidas de política econômica firmes e bem acordadas a reforma fiscal, monetária e da política de rendas, além da virtù, portanto, será necessária a fortuna que o Manuel Que considera a outra condição essencial para o êxito político. A grande esperança que agora ressurgiu baseia-se na virtù da nova equipe econômica. Resta esperar que a fortuna também nos seja benéfica. A HORA E A VEZ\n\nFernando Henrique Cardoso e sua equipe estão enfrentando sua primeira crise. Haviam pensado em um cronograma para a estabilização, que começaria pelo ajuste fiscal em curso, seria seguido pela revisão constitucional e a reforma tributária, no restante semestre, e se completaria no início do próximo ano com o plano de estabilização propriamente dito. Agora, com a crise provocada pela lei de correção salarial, seguida pela decisão do presidente de iniciar um processo de acordo social permanente entre empresários e trabalhadores, este cronograma está sendo atropelado, causando visível irritação, menos no ministro e mais nos membros de sua equipe. Talvez, entretanto, essa possa ser a oportunidade de afinal se celebrar um acordo social sobre a única coisa sobre a qual vale a pena um acordo no Brasil: o fim da inflação.\n\nNestes primeiros meses de administração Fernando Henrique, com sua atitude a favor da verdade e da transparência, conseguiu uma coisa extraordinária. A ilusão de que a hiperinflação indexada existindo no Brasil poderia ser controlada gradualmente desapareceu, e assim como conseguir com toda força a expectativa — senão o desejo da sociedade — de que sejam tomadas medidas mais fortes e radicais no sentido da estabilização. Desde o fracasso do Plano Collor I até a posse de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda formar-se na sociedade um sentimento profundamente contrário a qualquer novo choque. “Cinco choques já fariam no passado”, afirmava-se, “não é razão falar em novo plano e inflação”, acrescentava-se, esquecendo-se que, desde que a crise brasileira começou, em 1979, sete outros planos para a estabilização foram tentados sem sucesso. Através desta atitude, porém, a sociedade reafirmava sua ansiedades, seu sentimento de traumatismo mesmo, diante da violência de alguns choques, principalmente do Plano Collor I, e diante da frustração aquilo que outros planos, principalmente o Cruzado, haviam causado. Essa ilusão gradualista chegou ao auge com o Plano E Luciano Resende, que “compatibilizaria crescimento com inflação”. Uma ilusão que se transformava em uma censura branda sobre muito poucos que tinham a ousadia de falar em choque, “aí você não ouviu falar em choques. Pode até ser que você esteja certo, mas ‘choque’ virou palavra feia neste país”.\n\nFernando Henrique, ao chegar ao Ministério da Fazenda, sabia muito bem disso. Não afirmou em momento algum que faria um choque. Começou pelo mais importante: o início do ajuste fiscal. Estava, assim, pond o um mínimo de ordem na casa. E o trabalho que já realizou nessa área é admirável, embora necessariamente limitado. Mas deixou claro que o ajuste fiscal não seria suficiente. Que a inflação não cairia em seguida, por obra de graça do Espírito Santo. Que novas medidas seriam oportunamente necessárias.\n\nE que tudo indica sua equipe imaginava que o momento oportuno para o ataque frontal à inflação seria o início do próximo ano, observa-se, da parte da sociedade, uma demanda cada vez maior por medidas mais decididas e imediatas contra a inflação. A Carta Política, que publica regularmente a opinião das elites, mostrou recentemente que a expectativa de um choque mais do que dobrou nos últimos dois meses. Os jornalistas, que são um excelente termômetro da sociedade, há alguns meses perguntavam-me: “O senhor ainda insiste em choque?” Agora a pergunta é diferente: “Mas, professor, existe alguma alternativa ao choque?”\n\nOs analistas também se impacientam. Fernando Pedreira sugere que Fernando Henrique está se esquecendo dos ensinamentos de Maquiavel, imaginando que seja possível converter a sociedade aos bons costumes contra a inflação. Rudigger Dornbusch excede-se ao declarar que Fernando Henrique já fracassou. Como se não houvesse mais tempo. E um número crescente de pessoas preocupa-se com o problema do timing. As perguntas se sucedem: “Não estaria escapando a Fernando Henrique a oportunidade? Não estaria ele já começando a desgastar-se?”\n\nAinda há tempo para Fernando Henrique. Ainda há tempo para o Brasil, porque se o ministro fracassar, não sei o que será do país. É sabido que ele é a última esperança do governo Itamar. Se falar em um ano de caos em meio a uma campanha eleitoral. Há tempo, mas o tempo não é muito. A decisão do governo de patronar um acordo social, ao invés de um mal, talvez seja a oportunidade necessária. No México e Israel, onde a inflação terminou de forma ordenada, a estabilização só foi possível quando empresários e trabalhadores sentaram-se com o governo e aprovaram seu plano de estabilização. Para isto é necessário que haja um plano, e que esse plano contenha uma clara política de rendas, dizendo em que nível deverão ficar os salários reais e os preços nominais. Com as resistências a palavra congelamento continuaram elevadas, o governo poderá, inicialmente, falar em \"prefixação\", que nada é outra coisa senão um congelamento gradual. E falar também em \"âncora cambial\", em independência do Banco Central muita medida provisória, e em um grande acordo com o FMI e os Estados Unidos, além, naturalmente, de medidas adicionais de ajuste fiscal e de pressamento da privatização. Mas, depois de algumas reuniões, que deveriam ser fechadas e limitadas a um número certo de empresários e líderes sindicais, começaria a ficar evidente que a âncora cambial ou a dolarização a Argentina é incompatível com a prefixação gradual. Não há outra alternativa senão compatibilizar dentro de uma faixa — com a prefixação em uma única vez, ou seja com um rapidíssimo congelamento.\n\nEsta é a hora e a vez de Fernando Henrique Cardoso. O momento é difícil. A confusão no país é enorme. Imagino que a situação não seja diferente dentro do regime. Quando a crise é grande, cada cabeça é uma sentença. Só um líder com a mente clara e a vontade firme resolverá esse problema. Fernando Henrique tem tudo para ser essa pessoa. Entretanto, todos sabem que o Estado brasileiro está falido, e que a condição da estabilização é a sua recuperação financeira. Deverão partir do pressuposto de que a situação é muito grave, não permitindo para ninguém. Que a principal função da privatização é garantir o reembolso da dívida mobiliária interna, para isso não podendo ter medidas mais pobres; as dívidas reais e as alíquotas deverão ser consolidadas no plano. Deverão deixar claro que o que se justifica, após a adoção da convertibilidade, deverá ser rigor, dentro da regra de que a única emissão será aquela destinada a cobrir reservas internacionais. Deverão anunciar através da revisão constitucional, serão assegurados os recursos tributários necessários, ao mesmo tempo que o governo continua a aprofundar a campanha contra a sonegação fiscal.\n\nO objetivo será uma inflação inferior a 20% no primeiro ano. Objetivo viável, já que a economia e a sociedade brasileiras estão preparadas para isso. E seu custo será zero ou mesmo negativo. Porque, apesar do aperto fiscal, não haverá recessão. Pelo contrário, em pouco tempo assistiremos a retomada do desenvolvimento, como aconteceu na Argentina. O que não significa que teremos resolvido nossos problemas. Mas, simplesmente, que agora o Brasil enfrentará problemas civilizados, semelhantes aos que uma sociedade civilizada normalmente enfrenta, ao invés de enfrentar a hiperinflação indexada brasileira, que é sinônimo de barbárie. (Folha de S. Paulo, 27/1/93) INDEXADOR DIÁRIO\n\nO noticiário da imprensa a respeito do possível plano de estabilização do governo está deixando a sociedade brasileira perplexa. Não apenas porque as informações são contraditórias, mas também porque algumas medidas anunciadas são tão incompetentes que obviamente não podem estar sendo cogitadas por uma equipe econômica que estão alguns dos melhores economistas brasileiros, que melhor conhecem a natureza inercial da inflação brasileira. A partir da competência da equipe, entretanto, é possível distinguir quais as medidas que podem fazer parte do plano em elaboração que definitivamente não podem.\n\nCertamente não faria parte um plano de estabilização de Fernando Henrique Cardoso e sua equipe a adoção de um indexador único, com um redutor de 2 a 3% em relação à inflação do mês anterior, que poderia a inflação gradualmente. É muito provável, por outro lado, que a primeira fase de um plano de estabilização seja constituída um indexador de diário, baseado nas variações da taxa de inflação, que seria obrigatória para os contratos a prazo, ao mesmo tempo que se proibiriam vendas ou contratos a prazo prefixados.\n\nEmbora se informe que \"o Planalto, assessorado por economistas do PMDB\", preferiu a ideia da prefixação gradual da queda da inflação, através do uso do mercado para a variação da taxa de câmbio dos preços públicos, que serviria de guia para a elevação dos preços privados, estou seguro que os membros da equipe econômica jamais adotarão um plano nessa linha. Por uma razão muito simples: porque não funcionaria, tendo apenas como resultado a valorização da taxa de câmbio e outros preços prefixados, ou seja, o desequilíbrio da balança comercial e o aumento do déficit público. E não funcionaria porque, ao nível em que a inflação está hoje, seria irracional porque arriscado para os empresários aceitar o índice prefixado como guia para o reajuste de seus preços.\n\nSe a inflação, ao invés de 35% ao mês, fosse de 3,5 % ao mês, haveria alguma possibilidade de ter a estratégia gradualista funcionando. O raciocínio é simples. Imaginemos que a ideia fosse de um redutor que zerasse a inflação em cinco meses, reduzindo-se 20% da taxa inicial de inflação cada mês. Com uma inflação de 3,5%, no primeiro mês de funcionamento do esquema o governo sinalizaria que a inflação, no mês seguinte, será de 2,8%. O risco dos empresários que pudessem mesmo reduzir os seus reajustes seria de 0,7 pontos percentuais. Caso a inflação, ao invés disso, 35%, os agentes econômicos deveriam reduzir seus aumentos de preços para 28% no primeiro mês. O risco seria de 7 pontos percentuais. Um empresário com um mínimo de competição não aceitaria assumir esse risco.\n\nUm indexador único seria, porém, algo muito lógico como primeira etapa da estabilização. O grande problema da inflação inicial está no fato de que esta é uma economia indexada ao índice dolarizada. Sendo indexada, os reajustes de preço ocorrerão de forma Defasada à assimétrica, tornando inviável um esquema com qualquer outra âncora. No dia da aplicação da âncora não haverá mesmos agentes econômicos que com seus preços atrasados, que em seguida, terão de reajustar seus preços, ovalizando o plano. Se a economia fosse dolarizada, os preços estariam sendo aumentados diariamente, de acordo com a variação da taxa de câmbio. Não haveria desajustes em sua assunciona. No momento em que a taxa de câmbio fosse fixa, todos os agentes econômicos teriam seus preços razoavelmente em dia; não haveria desequilíbrio dos preços relativos.\n\nA economia brasileira não é dolarizada, e indexada. Mas, com a adoção de um indexador diário amarrado na variação da taxa de câmbio, e com a exigência de que todos os contratos fossem pós-fixados, teríamos, na prática, as condições de dolarização sem que a economia estivesse dolarizada. Teríamos reajustes diários de preços, que estariam, portanto, sendo amontoadas de forma sincrônica.\n\nA transformação da economia brasileira, de uma economia prefixada para uma economia pós-fixada durará, naturalmente, algum tempo. Será o tempo da primeira fase do plano, durante a qual se constituem os esforços pelo ajuste fiscal. Uma vez alcançada uma razoável pós-fixação, o governo estará em condições de lançar a segunda fase, que provavelmente incluirá uma reforma monetária, a convertibilidade do cruzado em dólar, a fixação dos preços públicos, um acordo com as grandes empresariais para que fixem seus preços por algum tempo, e um acordo com as centrais sindicais para que aceitem um salário real convertido pela média dos últimos meses. Neste momento, so ajuste fiscal for completado, estará estabilizada a economia brasileira de maneira consistente e sólida. (O Estado de S. Paulo, 21/1/93) O RISCO DE INFLAÇÃO EM URVs\n\nO Plano Fernando Henrique é o mais coerente e engenhoso plano para lidar com a inflação inflacionária até hoje concebido no Brasil, mas nele a transição do cruziero para a URV é um momento crucial. Nessas passagens a inflação em URVs poderá ser suficientemente significativa de forma a também inercializar-se. Ora, se isto acontecer o plano estará automaticamente inviabilizado.\n\nA inércia inflacionária deriva da oscilação nos reajustes de preços, que são aumentados desfaçadamente. E precisamente esse é problema que o Plano Fernando Henrique vem resolver ao introduzir, na sua segunda fase, a Unidade Real de Valor. Ao adotá-la o objetivo é permitir que os preços de cada mercadoria aumentem todos os dias, como acontece nas economias dolarizadas, em que o indexador é a variação da taxa de câmbio. Uma vez obtida essa sincronziação dos aumentos de preços, bastará fazer uma reforma monetária, transformar o índice-moeda URV em moeda — que poderíamos chamar de \"Real\" — substituir o cruziero pelo Real, curentibilidade ao real em relação ao dólar, e a inflação estará controlada, desde, naturalmente, que neste momento o defícite público esteja zerado.\n\nO extraordinário deste plano está no fato de que a inércia inflacionária sem quebra de contratos, sem choques, segundo as leis do mercado, a inflação terminará em um dia, abruptamente, na hora que a reforma monetária extinguir o cruziero.\n\nA adoção voluntária da URV ocorrerá rapidamente já que as empresas compradores forçarão nesse sentido. Sabem que não haverá \"tabela\" no dia da reforma monetária, e não poderão arriscar continuar comprando preços-fixados, com a inflação embutida no preço a prazo. Os vendedores, entretanto, poderão hesitar em adotar a, tendo ela subsiste em inflação. A um mercado resultando qualquer, entretanto, é incompatível com o plano Fernando Henrique, como sua equipe sabe muito bem. Já está estabeleecido que a inflação em URV acompanhará a taxa de câmbio. E que a taxa de câmbio acompanhará a inflação em cruzieiros. Qualquer outro alternativa destina a próprio princípio radicado no plano que é o de ter em índice-moeda confiável e preciso, que permita sua transformação em moeda e controle da inflação inercial.\n\nTodavia, se a URV for adotada irracionalmente, se as empresas não confiarem na URV e definirem seus preços em URVs acima do seu valor de equilíbrio, pelo preço e não pela média, teremos imediatamente inflação em URVs e aceleração da inflação em cruzieiros. A inflação de 36%, se a URV fosse adotada hoje, e se, no mês seguinte, a inflação subisse para 40%, a inflação em URVs seria de 4% nesses primeiros meses. Isto seria um desastre. Em pouco tempo teríamos inércia inflacionária também em URVs, e a transformação deste em moeda, no Real. vista levará em conta a periodicidade dos reajustes de cada empresa no momento anterior. Se essa periodicidade for mensal e o reajuste for somente feito no 1º do mês, o preço médio à vista será igual ao preço à vista dividido pela URV do dia 15 do mês. Se a empresa não tem um preço à vista, deverá descontar a inflação embutida no preço a prazo. Para isto uma tabela indicativa, publicada pelo governo, de conversão de preços a prazo em preços à vista, presumindo uma inflação embutida nos preços a prazo igual a inflação corrente no momento da introdução da URV, será muito útil. Uma vez obtido dessa maneira o preço à vista, será necessário convertê-lo ao preço médio à vista.\n\nOs salários, a partir do salário mínimo, também deverão ser convertidos em URVs pela média dos últimos 12 meses. Para isto bastará calcular o valor em URVs do salário, no dia do pagamento, nos últimos 12 meses, e dividir por 12.\n\nO preço em URVs calculado de acordo com as três fórmulas sugeridas (média dos últimos preços pagos, preço médio à vista, e preço a prazo descontada a inflação) deverá coincidir. Por esse preço ninguém ganhará nem perderá. Os salários, também, manterão rigorosamente seu poder aquisitivo. E o flagelo da economia brasileira, que é a inflação, poderá ser derrotado.\n\nRacional será agir dessa forma. Uma racionalidade perversa, no entanto, poderá ter futuro. Líderes sindicais populistas poderão voltar a exigir o preço a nó menor, embora saibam que isto não faz o menor sentido. Os vendedores serão tentados a cobrar o preço à vista de pico. Ou, pior ainda, o preço a prazo como se fosse à vista.\n\nDiante dessa eventualidade, os compradores talvez não tenham tanta firmeza em recusar a manobra, acostumados como estão a repassar os aumentos de preço. Se eles repassam os aumentos de preço em cruzados, imaginarão poder também repassar os aumentos em URVs. Se vendedoressse personerenties nem essa manobra, a inflação em URVs será alta e poderá também inercializar-se. Nesse caso o plano estará condenado: não será possível transformar a URV em moeda real. Só nos restará esperar pela hiperinflacão — ou por outro congelamento de emergência.\n\nDada a possibilidade de uma frouxidão perversa do mercado, um infinito de sua espiritualidade pública será reforçado por os agentes econômicos, principalmente os compradores, tiverem tempo para compreender o mecenismo da URV e calcular seu valor verdadeiro. E isso será Frédo Arida afirmou o O Estado de São Paulo no último domingo que o governo não tem pressa em introduzir a URV. Em um primeiro momento introduzida à URV e publicará seus valores retroativos. Em seguida, dará um tempo para que os compradores e vendedores façam seus cálculos. E só então autorizará sua utilização como unidade de compra nas faturas e demais contratos. (O Estado de São Paulo, 21/12/93) CENÁRIOS DA TORRE DE BABEL\n\nNo início de 1994 o Brasil lembra uma torre de Babel. A inflação aproxima-se dos 40%, todos afirmam que ela é o maior mal que aflige o país, mas quando chega o momento de enfrentar a, cada qual pensa nos seus interesses particulares e o acordo social e político necessário não se concretiza. A equipe econômica apresenta um engenhoso plano de estabilização, que tem todas as condições de acabar a inflação abruptamente mas sem sustos nem quebra de contratos, todos elogiando o plano, mas poucos acreditam que a inflação possa terminar. Durante anos o refrão da sociedade é o de que o ajuste fiscal deve ser feito antes pela redução das despesas do Estado do que pelo aumento dos impostos. O governo apresenta um plano que propõe uma forte diminuição nos gastos governamentais em um pequeno aumento dos impostos, mas fala-se imediatamente em \"derrame fiscal\". A concentração de renda é brutal, e pede-se que os impostos sejam progressivos. O governo aumenta a alíquota marginal de imposto de renda para 35 para remunerações acima de 10 mil dollares, e a imprensa grita: \"Taxados os salários da classe média!\".\n\nEste quadro de confusão é decorrente com cenários otimistas para 1994. O primeiro cenário que apresentarei, porém, é catastrófico. O Congresso aprova o ajuste fiscal ainda nestes meses de janeiro, o governo introduz a URV em fevereiro, os empresários e os trabalhadores chegam a um acordo mínimo patrocinado pelo governo e fazem a conversão de seus preços e salários para a URV principalmente pela média, e já no final do mês é feita a reforma monetária, com a extinção do cruziero. O resultado inflacionário na nova moeda é pequeno, e é controlado pelo prosseguimento do ajuste fiscal combinado com uma firme política de juros. Depois de uma pequena recessão, o desenvolvimento é retomado ainda no decorrer do ano.\n\nOs cenearios pessimistas começam pela recusa do ajuste fiscal por parte do Congresso. Nesse caso, é provável que a equipe econômica demita-se. E a inflação, que já estará em 40%, acelerará-se rapidamente, apontando para a hiperinflacão.\n\nEm um terceiro cenário, o Congresso aprova o ajuste, mas a equipe não consegue o apoio do próprio governo para a conversão pela média do salário mínimo. Demite-se, e caminhamos, igualmente, para a hiperinflacação.\n\nDe acordo com um quarto cenário, o problema concentrar-se na conversão dos preços e salários para URVs. Estes são feitos por empresários e trabalhadores mais do que de média. A inflação se acelera ainda na fase dois. Os preços relativos ao indexe serão, se descontrolarem. O custo, em termos absolutos, será. Portanto, na seguinte causada (cenário 4.2), o governo não se entende com condições políticas para revisar além de ajuste fiscal, o plano fraco, e a inflação na nova moeda explode gradualmente. Um terceiro subcenário, em que a inflação explodindo devido ao alto recrudescimento e pouco provável.\n\nOs cenários 1 e 4.1 são semelhantes. A diferença está no resíduo inflacionário, que será maior no segundo caso, exigindo um controle fiscal e monetário maior. Algum resíduo inflacionário, no entanto, sempre existirá, obrigando o governo a manter forte a sua austeridade fiscal e das reformas monetárias. A CANDIDATURA E O PLANO FHC12\n\nSerá Fernando Henrique Cardoso realmente candidato à Presidência da República? E seu plano de estabilização é realmente para valer? Estas são provavelmente as duas perguntas mais insistentes que os brasileiros se colocam desde começo de 1994. São perguntas fundamentais porque põem em causa o próprio destino da nação brasileira. Duas perguntas que podem elas próprias indicar a confusão em que vivemos, mas, na verdade, sugerem uma resposta simples, que provavelmente já está sendo percebida por parcelas ponderáveis da sociedade brasileira: o plano de FHC tem condições de, nos próximos meses, controlar a inflação brasileira, e por isso a candidatura à Presidência do Ministro da Fazenda é muito mais do que uma probabilidade, um fato que primeiro, já que será a forma de consolidar o êxito deste plano.\n\nÉ certo que o saber convencional é outra coisa. Afirma que Fernando Henrique deveria permanecer até o final do mandato de Itamar Franco no ministério para garantir o sucesso de seu plano. Como todo saber convencional, a tese aparentemente faz sentido.\n\nNa verdade, um plano de estabilização de uma economia tão cronicamente inflacionária como a brasileira não alcança êxito em um dia ou mesmo em alguns meses. Primeiro, foi necessário um bom tempo para que a equipe econômica conseguisse formulação. Desde novembro passado em sua primeira fase, a do ajuste fiscal inicial. A segunda, a da introdução da URV, deverá ocorrer em fevereiro e poderá durar dois, no máximo três meses. Em seguida, finalmente, terá a reforma monetária, com a extinção da cruziero, que durará um dia, um fim de semana. Mas será o início de uma longa e difícil terceira fase — a fase da consolidação, que não durará menos mas anos.\n\nOra, no momento da sua desincompatibilização, no início de abril, Fernando Henrique já está formulado o plano e estará no final da segunda fase ou no início da terceira. O seu time continuará, portanto, implementando o plano, sob o comando de um de seus membros. Provavelmente Pedro Malan. O argumento que convence definitivamente Fernando Henrique de que deve ser candidato é óbvio: para o êxito do plano deverá ser candidato-se para, uma vez eleito, poder consolidá-lo. Sua ausência formal do comando da equipe durante alguns meses será muito grave o que a eleição de um candidato sem condições de dar continuidade ao plano.\n\nMas, argumenta ainda o saber convencional, 1994 é um ano de eleições, um ano em que os políticos gastam muito sem serem bem-sucedidos nos pleitos. É, portanto, um momento desfavorável para um plano de estabilização. Este, porém, é novamente um raciocínio insensato no caso presente. Para Itamar ser bem-sucedido como presidente e fazer seu sucessor, o Plano FHC terá de êxito. E para isso será preciso gastar o mínimo possível, combater o déficit público de todas as formas possíveis e imagináveis. Não serão algumas variantes adicionais que garantirá a eleição de Fernando Henrique, mas o fim da inflação.\n\nNa verdade, apesar de todas as dúvidas que cercam o Plano FHC — dúvidas que deveriam em grande parte de desconhecimento de um plano tecnicamente complexo — todos sabem que ele é uma esperança real. É o primeiro plano de estabilização com chances reais de controlar a inflação brasileira desde o Plano Collor I. E um plano muito mais razoável, muito menos violento do que o Plano de Collor e Zélia. Este plano não será bem-sucedido, temos a tentativa do próximo presidente. Mas, não sendo ele Fernando Henrique, seu plano será uma incógnita. E a possibilidade de que seja incompletamente formulado e fracasse é imensa.\n\nA sociedade brasileira, embora desinformada e cética, sabe disso tudo. Sabe que hoje existe uma oportunidade real de estabilização. Uma oportunidade ligada ao plano de estabilização à candidatura Fernando Henrique. Uma oportunidade que se torna mais concreta à medida que o plano for avançando. Por isso pressionará Fernando Henrique a ser candidato. A ser uma alternativa à Lula, o candidato que hoje lidera folgadamente todas as pesquisas, apesar do receio que ainda provoca nas elites brasileiras.\n\nTemos assim, apesar de todas as dificuldades que o Brasil hoje enfrenta, um cenário positivo para 1994. A Presidência será disputada por dois candidatos de melhor qualidade. Lula, à esquerda, continuará sendo favorito, mas Fernando Henrique Cardoso, que é o único político brasileiro em condições de ser uma alternativa real a Lula, ocupará a centro-esquerda e poderá obter amplo apoio da centro-direita. Suas chances de eleger-se serão enormes, caso seu plano de estabilização dê certo.\n\nDar certo? É possível garantir. Sabemos que tecnicamente consistente, na medida em que dá conta da crise fiscal e da inércia inflacionária. Estamos vendo que o plano vem contando com um razoável apoio político. É fácil prever que esse apoio aumentará a partir do momento em que a reforma monetária reduzir para próximo de zero a inflação na nova moeda, e deverá subir para dois setores conservadores, quando estes perceberem que seu êxito depende da vitória sobre Lula. Mas, nada garante que o Plano FHC seja bem-sucedido. Nos próximos meses teremos um teste crucial, que será o da conversão dos preços para URV. A continuidade do ajuste fiscal será sempre um desafio permanente.\n\nEstátística cada vez mais clara, entretanto, que o êxito do plano e a candidatura Fernando Henrique são dois fatos que mutuamente se referenciam. Não é apenas a candidatura que depende do sucesso do plano, mas este, para se consolidar, dependerá também do êxito da candidatura. Quando, recentemente, Fernando Henrique decidiu escapar que estava considerando sua candidatura à Presidência, ele não estava manifestando apenas uma questão pessoal. Estava também refletindo um anseio da sociedade, que deseja mais do que qualquer outra coisa ver a inflação consolidar seu vitória. (O Estado de S. Paulo, 30/1/94) AS OBJECÇÕES À FASE-URV13\n\nOs jornais informam que, depois das advertências de alguns economistas respeitáveis, como Mário Henrique Simonsen, Francisco Lopes e Yoshiaki Nakano, a equipe econômica estaria rediscutindo a idéia da Unidade Réal de Valor. Alguns de seus membros estariam mesmo dispostos a saltá-la, passando diretamente ao ajuste fiscal a reforma monetária com âncora cambial. As dificuldades jurídicas e operacionais relacionadas com a introdução da URV reforçariam essa posição. Ora, não obstante as advertências sejam compreensíveis, não faz sentido suprimi-la a fase-URV.\n\nFazê-lo significaria o desdizer de ter de estabilizar a economia este ano, já que uma simples âncora cambial não precedida da fase-URV é inviável no Brasil dadas as defasagens nos aumentos de preços, ou então tentar a sorte através do congelamento acompanhado de tabita — solução hoje politicamente inviável.\n\nVejamos em primeiro lugar a advertência teórica dos três economistas. O que eles nos dizem é que os adotar um índice de preços diário e, portanto, ao se indexarem instantaneamente todos os preços, existe o perigo de uma explosão — ou um \"deslizze\", como prefere Mário Henrique — no sentido da hiperinflacion. Creio que esse temor é infudado.\n\nTeoricamente, uma indexação instantânea é explosiva. Qualquer pequeno choque implica em uma espiral inflacionária que levaria a taxa de inflação ao infinito. Na prática, porém, a indexação nunca é instantânea. E os choques são sempre parcialmente absorvidos. Na verdade, uma explosão hiperinflacionária só ocorrer quando há um ataque especulativo bem-sucedido contra a moeda, o que, por sua vez, se pode ocorrer se as reservas internacionais forem baixas — o que não é verdade — e o governo resolver atrasar a URV — o que obviamente a equipe econômica não fará.\n\nNão há dúvida que haverá uma aceleração inflacionária com a introdução da URV, já que haverá conversões do cruzeiro para a URV acima do preço médio efetivamente pago ou recebido. Existe, no entanto, um receio exagerado de que os agentes econômicos façam um grande mal a conversão pelo pico. Ao se fazer essa pressuposição está-se raciocinando como se os agentes econômicos fossem todos monopolistas. Ou então como se as regras que prevalecem nos próprios setores competitivos para indexar preços, prevalecerão também na conversão do cruzeiro para a URV.\n\nNa inflação inercial os vendedores podem agir como se fossem monopólios ao corrigirem seus preços de acordo com a inflação passada, sem se importam com a demanda, porque assumem que seus concentres também terão de fazer o mesmo, e porque seus compradores, por sua vez, também assumem que poderão repassar o aumento nominal dos custos para seus preços já que seus concorrentes também o farão. No caso da conversão para a URV, a situação é curta, limitada a, no máximo, dois meses. Esse período não será suficiente para que todos os concorrentes também aceitem a regra de conversão. Ao fazê-lo le estará evitando um aumento de custos real, que só não se confirmará se, afinal, o poder do seu fornecedor prevenirse sobre todo o mercado. Ora, não há razão para sustentá essa pressuposição radical.\n\nHaverá, de qualquer forma, um aumento acelerado inflacionário em cruzieros no período em que a conversão para a URV vico indec-mede. No entanto, o conveniente é que, mesmo que tenha sido sua intenção de criar uma redução da inflacão, o governo não irá. É provavelmente OS SALÁRIOS E A URV\nDiante da iminência do início da segunda fase do Plano FHC — fase URV — os temas em relação aos salários tornam-se dominantes na sociedade. Há uma pergunta partilhada por quase todos: O que vai acontecer com os salários, se estes forem convertidos para a URV pela média? Ou então: Quanto vou perder os salários com a conversão para a URV?\nA resposta a esta segunda pergunta, supondo-se que use como base o salário médio real dos últimos 12 meses, é simples: Não vai haver perda alguma (1) desde que a inflação que assegura a reforma monetária seja próxima de zero; ou, não o sendo, desde que a inflação sobrevivente seja compensada por reajustes salariais que mantenham, a partir daí, o salário médio real; e (2) desde que não tenha havido imediatamente antes do plano uma aceleração da inflação que torne a média de 12 meses inferior aos últimos meses; ou, caso isto tenha acontecido, que não seja previsto uma compensação para o fato.\nO plano de estabilização foi plenamente bem-sucedido e a inflação zerou, os salários nada sofreram em seguida. Se a inflação retornara na nova moeda, será realmente necessário que os salários também voltem a ser corrigidos. Por algum tempo, desde que a inflação sobrevivente seja baixa, será razoável que, graças a um acordo social, os salários não sejam mantidos constantes. A pequena perda decorrente poderá ser compensada pela retomada do desenvolvimento.\nO salário real em URVs deverá ser obtido dividindo-se o salário no dia do pagamento (conceito casa, portanto) pelo valor da URV nesse dia. Para se obter o salário médio real de 12 meses, considerando-se que o trabalhador recebe seus salários em duas parcelas, será necessário dela e dos valores pagos, dividir pela correspondente URV do dia, somar e dividir por 4.\nFeita a conversão de cruzeiros para URVs nesses termos, se houver ocorrido uma redução do salário real nos últimos meses devido à aceleração da inflação ocorrida a partir de dezembro último, será necessário estabelecer um fator de correção. Ou seja, o conversão deverá ser feita por um valor um pouco acima da média dos últimos 12 meses. A aceleração da inflação, portanto, apenas sugere uma correção da média, não o abandonado do critério em favor do pico.\nMas, se as conversões dos preços das mercadorias e serviços foram feitas principalmente pelo pico e não pela média? Nesse caso, como não foi possível levar em consideração este fato no cálculo dos salários dos últimos 12 meses, será necessário que o governo ou que instituições de pesquisa confiáveis façam imediatamente um levantamento de quanto as conversões se afastaram da média. Esse afastamento será transformado pelas partes que negociam em um fator de correção, de modo, que eventualmente, deve ser usado para corrigir o salário médio dos últimos 12 meses.\nNesse caso, a conversão estará sendo feita por um valor intermediário entre a média e o pico. Tem-se afirmado que tal fato inviabilizaria o plano. Sem dúvida, o ideal seria que todas as conversões fossem feitas pela média, mas se não o forem, o plano ainda poderá ter êxito.\nA principal conseqüência negativa será uma aceleração da inflação imediatamente em seguida às conversões, o que obrigará o governo a adiar um pouco a reforma monetária, para que a aceleração da inflação fique ainda em cruzeiros e não na nova moeda. As conversões, entretanto, terão o resultado principal desejado de eliminar os desajustes nos aumentos de preços— desajustes que desequilibram os preços relativos e inviabilizam hoje uma âncora cambial. O segundo fator do desequilíbrio dos preços relativos que uma conversão pela média neutralizaria — a variação no prazo de reajustes de preços das empresas — não seria neutralizado pela conversão fora da média, mas é razoável admitir que essas variações hoje são pequenas: a maioria das empresas ajusta seus preços mensalmente.\nEm qualquer hipótese, porém, é essencial que a reforma monetária gere o passado. A partir dela e de uma conversão cujo objetivo fundamental será garantir a manutenção do salário médio real, é necessário esquecer não apenas perdas passadas, mas também o sistema de datas-base. Condenou observar Hélcio Tokeshi em artigo desta Folha (10/12/93), para o devido plano é necessário que a partir da reforma monetária os trabalhadores fiquem livres para negociar seus salários, não podendo valer acordos ou normas anteriores, que previnam, por exemplo, que na data-base os salários seriam corrigidos por toda a inflação do último ano. Se isto ocorrer, todo o processo neutro, sem ganhadores nem perdedores, de conversão estará prejudicado.\nEscrevo este artigo de maneira mais clara possível pensando nas negociações que terão ser iniciadas em breve entre trabalhadores e empresários intermediados pelo governo. Nelas, o governo terá um objetivo claro: preservar o poder aquisitivo dos salários, garantindo a neutralidade distributiva ao longo. As considerações acima levam nessa direção. Mas estas ideias precisarão ser amplamente discutidas e negociadas. Para isso é necessário um debate público, como estou fazendo aqui, e também um debate formal e razoavelmente reservado (não secreto) entre lideranças sindicais e empresariais sob a égide do governo.\nO Plano FHC é a primeira tentativa séria, em quatro anos, de acabar com o mais grave da crise da economia brasileira em nível. Ele prevê um mecanismo basicamente de rede de garantir o equilíbrio dos preços relativos no momento da estabilização — a URV. Mas os mecanismos de mercado jamais são teóricos. Por isso, além de controlar os monopólios obrigatórios, como está, o governo já está se preparando para fazer, um acordo social mínimo é necessário. A SUPERIORIDADE DO PLANO FHC\nO Plano FHC, cuja segunda fase está sendo lançada, tem amplas possibilidades de êxito. Se o compararmos com os planos de estabilização anteriores, este é claramente um plano superior na sua concepção, porque enfrenta de forma coerente as duas questões fundamentais da inflação: a inércia inflacionária e a crise fiscal. Por outro lado, embora tenha contra si o fato de estarmos em um ano eleitoral, conta com um ambiente político mais favorável do que os planos anteriores, na medida em que a sociedade brasileira hoje tem uma noção muito mais clara do que tinha há alguns anos da gravidade da crise, da necessidade de ajuste fiscal, e da inviabilidade de conversões de salários ou preços pelo pico. Essa última mudança, entretanto, ainda não foi completa. Hoje os líderes sindicais sabem que a conversão dos salários deve ser pela média. Abandonaram a idéia de que o pico é o \"verdadeiro\" salário e que qualquer conversão abaixo do pico significa perda para os trabalhadores. Por motivos políticos, todavia, conservam uma métrica populista, que poderá ser fatal para o Plano FHC. Depois do ajuste fiscal, já aprovado, agora será a conversão do salário mínimo que o teste fundamental do plano. Se o Congresso aprovar a conversão dos salários pela média (em torno de 65 dólares), o plano terá amplas condições de êxito. Os preços também serão convertidos próximo da média. E não haverá perdedores ou ganhadores, que necessitarão aumentar seus preços em seguida para se compensar. Caso, entretanto, se decida por uma conversão por um valor maior, os demais salários seguirão o exemplo, os custos das empresas aumentarão, esses repassaram esses custos para os preços e a inflação residual — ou seja, a inflação logo em seguida à reforma monetária que zerará a inflação — será elevada. Em consequência, o plano fracassará. Estaremos condenados a mais alguns anos de inflação e estagnação.\nO Plano FHC é o décimo quarto plano de estabilização implementado no Brasil desde que a atual crise, que mantém o Brasil estagnado desde então, foi desencadeada em 1979, com o segundo choque do petróleo e o choque da taxa de juros internacional. Os planos anteriores fracassaram, ou porque não tiveram apoio político e não puderam ser completados, ou porque foram incompetentes, não tendo levado em conta adequadamente a inércia inflacionária (o caráter formal e informalmente indexado da economia) e a necessidade de ajuste fiscal. Podemos, assim, comparar os principais planos, usando esses dois critérios. O quadro abaixo é um resumo comparativo, não apenas dos principais planos foram colocados.\nPlano Ano Ajuste fiscal Enfrenta Inércia\nDelfim III 1983 Sim Não\nCruzado 1986 Não Sim\nColor I 1990 Sim Não\nFHC 1994 Sim Sim\nO Plano Delfim III foi um plano ortodoxo, patrocinado pelo FMI, e baseado no ajuste fiscal. Fracassou porque ignorou a inércia inflacionária. O Plano Cruzado foi um plano heterodoxo, deu um conjunto de medidas de inércia, fazendo as conversões dos preços pela média, mas não produziu sucesso. O Plano Color foi um plano ortodoxo, abandonando uma rápida congelamento. Sua estratégia era fundamentalmente monetária. Fracassou porque ignorou a inércia inflacionária ao não acompanhar o congelamento por formalidades de conversão (\"tablitas\") e não levar adiante as estratégias de política de rendas, essencial quando há inércia, no momento em que uma inflação residual de 3% surpreendeu seus autores.\nPara dar fim à inércia e à inércia, entretanto, o Plano FHC também inova. Quando foi desenvolvida a teoria da inflação recorreu, no início dos anos 80, Nakano, eu e Chico Lopes propuseram, como forma de enfrentar-la, o congelamento acompanhado de tabelas de conversão no momento da reforma monetária. André Lara Resende e Pérsio Arida propuseram uma alternativa: um processo de convivência de duas moedas durante um certo período, para permitir as conversões antes da reforma monetária. Esta, em qualquer das duas hipóteses, deveria incluir uma âncora cambial, ou seja, a fixação da taxa de câmbio. Com congelamento, a convertibilidade em relação ao dólar pode dispensar; sem ele, é necessária. Depois do êxito do Plano Cavallo, a idéia da convertibilidade ganhou naturalmente força.\nComo o congelamento é uma estratégia mais simples, foi adotado no Plano Cruzado. Foi também adotado no Plano Bresser, que não chegou a completar-se por total falta de apoio político, e no Plano Verão. Agora, no Plano FHC, adota-se a alternativa da dupla moeda, com a diferença que a nova moeda, durante uma certa fase, não é realmente uma moeda, mas um índice-moda (a URV), que permitirá as necessárias conversões (que neutralizam a inércia, ou seja os aumentos desfasados de preços), mas não tem poder liberatório.\nEsta é uma alternativa mais complexa. Por isso existem ainda economistas confusos dizendo que o Plano FHC ainda não está definido, quando já o está. Se não está plenamente definido porque é um plano em três fases. A primeira e a segunda estão claras. A terceira só o estará dentro de aproximadamente dois meses, quando implementada a reforma monetária. Certamente, porém, contará a convertibilidade da nova moeda para o dólar.\n\nApesar da alta probabilidade de êxito do Plano FHC, desde que a conversão do salário mínimo seja correta, há uma grande descrença na sociedade. Descreve que derivada dos fracassos anteriores, da complexidade do plano, e do fato de que este só apresentará resultados concretos no momento da reforma monetária. Enquanto isso a inflação não cairá, sofrerá alguma aceleração. No momento da reforma, entretanto, a inflação inicial desaparecerá na nova moeda. E se a inflação residual for pequena, como se espera, será possível a médio prazo consolidar a estabilização. (Folha de S. Paulo, 28/2/94)\n\nO REAL E O CICLO POLÍTICO\n\nDe acordo com bom-senso e a teoria do ciclo político, no momento em que se aproximam as eleições o governo federal, que apóia Fernando Henrique, deveria procurar expandir a economia ou pelo menos evitar de todas as formas uma recessão. O próprio candidato deveria se opor a quaisquer medidas de aperto monetário e fiscal, que aumentariam o desemprego e dificultariam sua eleição. Este bom-senso eleitoral, no entanto, é essencialmente equivocado, por uma razão muito simples: a vitória de Fernando Henrique nas eleições presidenciais será assegurada pelo êxito do Plano Real (que é o seu plano), e este, por sua vez, será poderá ser vitorioso graças a estar disciplina fiscal e monetária no segundo semestre deste ano.\n\nÉ claro que os populistas de todos os matizes, que dominam a campanha dos destinado candidatos, estão também presentes na de Fernando Henrique e no Palácio do Planalto. Todos brandindo a teoria do ciclo político, segundo a qual os governantes tendem a apertar os cintos e a economia em andamento nos primeiros dois ou três anos de governo, para, no final, poder soltar as amarras e expandir a economia. Ora, essa característica nacional de pressões para baixo e a inflação, quando o dirigente político assume o governo, é falaciosa (digamos, de 6% ao ano). Durante os dois primeiros anos o governo日志 baixa de 4%, para, no final do seu mandato, deixa-lá subir para algo em torno de 5% e assim assegura sua reeleição. Quando, entretanto, a inflação é de 45% ao mês, a situação muda de figura. A teoria do ciclo político deixa de funcionar, por que agora a melhor forma para o governante assegurar a sua reeleição ou a eleição de seus candidatos é combater e controlar a inflação. No entanto que esse combate implique algum desemprego adicional. O custo de continuar a empurrar com a barriga a crise é tão maior, que os dividendos eleitorais tendem a controlar a inflação se tornem maiores do que o prejuízo político decorrente da recessão.\n\nO governo ainda poderia ainda hesitar se não dispusesse de meios para controlar a inflação. Mas este não é o caso. Através de um plano extremamente competente como é o Plano Real, temos condições efetivas de zerar a inflação nos próximos dias, já que o ajuste fiscal é tão satisfatório para o momento, e a forma encontrada para se lidar com a inércia inflacionária — através da URV seguida de uma reforma monetária e de uma âncora cambial — é extremamente engenhosa. Através do mecanismo da URV foi possível evitar congelamentos de tabelas de conversão, e ao mesmo tempo permitir que, no dia 1º de julho, ocasião da reforma, os preços relativos estejam razoavelmente equilibrados, sem ninguém com seus preços adiantaados ou atrasados.\n\nPor outro lado, a economia durante a fase URV está se comportando de maneira muito favorável. Minha previsão pessoal era de que, nessa fase, a inflação se aceleraria moderadamente, na medida em que as empresas procurariam converter seus preços para valores ainda da medida. Não foi, entretanto, o que ocorreu, de forma que a inflação permanece, nestes últimos três meses, praticamente estável. A magnitude a patama\n\n— de 40% para 45% — ocorreu logo após o anúncio do plano em novembro passado, antes, portanto, dos conversores pela URV, que foram autorizados a partir de abril. Esta estabilidade da inflação é uma indicação segura de que os preços relativos estão equilibrados. Os eventuais desequilíbrios em nível de varejo ocorrem hoje tanto para cima quanto para baixo, e apenas refletem as dificuldades das empresas do setor em se adaptar a um novo sistema em que as margens reais devem ficar constantes, refletindo a alta competitividade das lojas, mas o lucro financeiro desaparece, sendo substituído por margens realistas.\n\nDentro desse quadro, seria absolutamente irracional do ponto de vista político pretender aplicar a teoria do ciclo político às atuais eleições. Na verdade, seria suicida. Fernando Henrique sabe muito bem disso, e é exatamente por essa razão que, na última semana, circulou a ideia de que não era hora de sua candidatura depender do êxito do plano, mas sim o inverso também é verdadeiro. Ou seja, que Fernando Henrique terá tanto maior capacidade de evitar iniciativas populistas provenientes do Planalto ou de seus próprios companheiros de campanha no PSDB, no PFL e no PTB, quanto maior for sua força eleitoral pessoal nas próximas semanas.\n\nEsta ideia supõe que um certo grau de irracionalidade existe em nível do governo federal e dos partidos da coaligação que apoia Fernando Henrique. Irracionalidade que se baseia na recusa populista em admitir trade-offs — ou seja, situações em que se perde alguma coisa para ganhar outra. Segundo este tipo de raciocínio, que pretende ganhar de ambos os lados, seria possível obter êxito no Plano Real sem se manter a taxa de juros em níveis muito altos nos meses imediatamente após a reforma monetária. O combate ao déficit público também não teria de ser radical, já que o período de uma bolha do consumo não existiria de fato, e algum déficit sempre poderá ser financiado.\n\nFelizmente, entretanto, semelhantes sandices não são majoritárias nem no governo, nem na campanha. E Fernando Henrique tem a liderança necessária para evitar que esse tipo de raciocínio prevaleça. É preciso, porém, que a sociedade civil fique atenta. E que não hesite em manifestar seu apoio a políticas fiscais e monetárias muito rígidas nos próximos anos. A nação está hoje face a uma extraordinária oportunidade de alcançar a estabilização através do Plano Real. A equipe econômica é competente, o plano de estabilização é o melhor que fomos a apoiar, e que a equipe está recebendo de a sociedade, impressionante. Muitos estados diferentes — tenha certeza de compreender e comunicar isso através do qual a estabilização ocorrerá, mas todos estão esperançosos. E ninguém perdoará aqueles que, opondo-se ao plano por motivos políticos, possam eventualmente inviabilizá-lo, estejam eles no governo ou na oposição. (Folha de S. Paulo, 19/6/94) REFERÊNCIAS\n\nARIDA, Pérsio. \"Neutralizar a inflação, uma ideia promissora\". Economia e Especativa (Conselho Regional de Economia de São Paulo), junho de 1993.\n\nARIDA, Pérsio. \"A QRTN serve apenas para zerar a inflação inercial\". Gazeta Mercantil, 19 de outubro de 1984.\n\nARIDA, P. e RESENDE, A. L. \"Inertial inflation and monetary reform\". In J. Williamson (org.): Inflation and Indexation: Argentina, Brazil and Israel. Washington: Institute for International Economics, 1985. Originalmente apresentado em uma conferência em Washington, novembro de 1984.\n\nARIDA, Pérsio. \"Nota sobre esquemas de desindexação e ancoragem\". São Paulo, 1993, cópia.\n\nBRESSER PEREIRA, L. C. \"The failure to stabilize\". In Institute of Latin American Studies, Brazil: The Struggle for Modernization. Londres: Institute of Latin American Studies of the University of London. Versão atualizada deste trabalho será publicada no livro Economic Crisis and the State in Brazil. Boulder, Lynne Rienner Publishers, 1995.\n\nLARA RESENDE, A. \"A moeda indexada: uma proposta para eliminar a inflação inercial\", Gazeta Mercantil, 26, 27 e 28 de setembro de 1984.\n\nLOPES, F. L. \"Só um choque heterodoxo pode derrubar a inflação\". Economia em Perspectiva (Conselho Regional de Economia de São Paulo), agosto de 1984.\n\nLOPES, F. L. \"Inflação inercial, hiperinflação e desinflação\". Revista da ANPEC, nº 7, dezembro de 1984. Republicado em Lopes, F. L. Choque Heterodoxo: Combate à Inflação e Reforma Monetária. Rio de Janeiro, Campus, 1986.\n\nLOPES, F. L. O Plano Real — projeto de lei e suas implicações. Macrométrica, outubro de 1988.\n\nLOPES, F. L. O Desafio da Hiperinflação. Rio de Janeiro, Campus, 1989.\n\nPAZOS, Felipe. Chronic Inflation. Nova York, Praeger, 1972.\n\nSIMONSEN, M. H. Gradualismo X Tratamento de Choque. Rio de Janeiro, ANPEC, 1970.