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Economia Monetária

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19/01/2018 - 05:00\nA nova arte de fazer dinheiro\nPor Fernando Torres\n\"Se não existem mais formas de transacionar quantias relevantes no sistema financeiro de forma anônima, novas tecnologias surgem para satisfazer a demanda por anonimato\", diz Gustavo Franco\nO mercado veneziano Marco Polo usou a palavra alquimia para descrever o processo de transformação de cascas de amoreira em dinheiro de papel sem nenhum tipo de lastro, que testemunhou no fim do século XIII, numa China comandada pelo neto de Genghis Khan.\nA mesma estupefação diante da \"arte de fazer dinheiro\" a partir do nada acomete agora a sociedade contemporânea, que viu algumas linhas de código de programação de computador se transformarem em bitcoins e outras criptomoedas com valor em circulação que superou US$ 750 bilhões em questão de meses - cifra que caiu para menos de US$ 450 bilhões após forte queda nos últimos dias, diante da ameaça de aumento da regulação.\nCom a diferença de que, hoje, a adesão de dezenas de milhões de usuários às moedas digitais é voluntária, sem que seja necessária ameaçar alguém de morte para garantir sua aceitação.\nA espetacular popularização do bitcoin em 2017, contudo, não é suficiente para que especialistas em sistema financeiro prevejam a substituição do dinheiro pelas criptomoedas, nem para que se dediquem a entender potenciais consequências que o uso amplo de dinheiro privado poderia ter em termos de política monetária.\nO dinheiro tal como o conhecemos está, sim, com os dias - ou talvez os anos - contados, sentenciou a maioria desses especialistas. Eles vem como prática a criação de moedas privadas por meio próprio, como já secundariamente se observou com a criação da moeda central do século XXI, nomeada pelo banco central da Suécia. Mas somente o futuro do bitcoin ainda interessa.\nAlém de aspectos culturais e tecnológicos, as projeções envolvendo o futuro dos meios de pagamento demonstram que há menos outros fatores relevantes nesse jogo: o crime, o poder dos Estados nacionais e o que o gasto do dinheiro rende hoje aos bancos.\nEstudo de 2017 da Boston Consulting Group (BCG) estima que as instituições financeiras e as empresas do segmento de carteiras tiveram receita de US$ 1,2 trilhão como o sistema de pagamentos global em 2016. A cifra representa entre 20% e 25% do total gerado pela atividade bancária, incluindo taxas cobradas em transferências internacionais, em pagamentos de compras com cartões de crédito e débito, tarifas de manutenção de contas e sobre transferências locais, além do ganho com juros sobre o depósito não remunerado de clientes em contas correntes.\nNada indica que bancos assistirão passivamente a esse segmento ser atacado por entreatos sem reagir, contando ainda com a ajuda de reguladores conservadores que apreciam estabilidade e segurança para o sistema. Tampouco dá para dizer que a digitalização do dinheiro seja algo totalmente novo para os agentes desse mercado, que já viram a invenção das transferências eletrônicas e dos cartões de crédito e débito, embora ninguém subestime o bitcoin e a tecnologia que o tornou possível.\n\"Antes da febre das criptomoedas, ainda no início dos anos 1990, já estava estabelecido que a moeda tinha se tornado, além de abstração, impulso magnético. A fronteira entre o que é moeda propriamente e o que é um ativo acabou ficando mais fluida do que nunca. Foi a época em que os bancos centrais começaram a adotar os sistemas de meta de inflação e abandonaram os pagamentos de guardados monetários, M1, M2, que então perduravam por sentido\", diz ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e co-fundador do Rio Bravo Investimentos.\nA sacada do criador do bitcoin, Satoshi Nakamoto (um pseudônimo, não se sabe se é uma ou mais pessoas), foi impedir que um participante do mercado gastasse o mesmo dinheiro duas vezes, já que, na internet, quando alguém recebe um montante digital, o remetente sempre pode reverter o gasto.\nPara evitar esse gasto duplo, vem de usar der intermediário único como um banco ou empresa de cartão, que na realidade validava as transações por meio de tecnologia de supervisão pública e descentralizada, disposta em blockchain, ou mais precisamente, por tecnologia de registro descentralizado, do inglês \"distributed ledger technology\" ou DLT. Teoricamente, a tecnologia é capaz de subverter a forma como as pessoas fazem pagamentos de compras, remessas internacionais, adquirindo-se os títulos de dívida e executando contratos - que até então dependiam de intermediário ou do contraparte central para funcionar. \"Essa é uma área muito promissora da DLT, porque ela oferece segurança\", diz ex-presidente do Banco Central e da Gávea Arminio Fraga.\nReconhecer a relevância da nova tecnologia, contudo, não implica considerar que o blockchain será superior a todos os sistemas de pagamento e liquidação que existem hoje.\nUma possível aplicação do blockchain seria substituir câmaras de compensação, como a da área de pós-negociação nas bolsas. \"Ela torna a atividade de clearing possível sem autoridade centralizada. Mas para que mesmo você precisa não ter essa autoridade centralizadora?\", questiona Franco, para quem a DLT, no caso, é uma solução a esperar de um problema.\nDo ponto de vista ética, ele e outros especialistas veem o uso das criptomoedas para abaratar o custo de transferências internacionais, era uma temática que parece se mostrar mais útil até agora. \"Essas operações de transferência internacional de dinheiro têm custos mirabolantes. Embora haja remessas em partes com uma Western Union no mercado de remessas, há custos mirabolantes. É bom saber que, se a tecnologia permitir que você possa fazer o custo mais barato\", diz Franco.\nTambém ex-presidente do Banco Central, Celso de Tadeu Schneider, mudou seu conceito sobre transferências internacionais, à Western Union e mostra confiante no seu modelo de negócios, por meio do qual processou 31 transações por segundo em 2017 e movimentou US$ 150 bilhões. \"Acreditamos que a moeda tradicional como a conhecemos não vão acabar. Dinheiro em espécie é a forma predominante de pagamentos em muitos lugares do mundo, é difícil ver isso mudar em breve\", disse no Felippe Buckup, presidente da Western Union no Brasil, que diz que a taxa média de suas transações fica entre 3% e 4% do principal.\nMas embora o uso das moedas digitais na área de remessas seja visto como provável e viável, há muita dúvida a respeito da adoção do bitcoin (na sua versão atual) como a moeda de uso universal que seus criadores idealizaram.\nPrimeiro, um pouco de perspectiva quantitativa. Os US$ 160 bilhões de valor em circulação podem pôr bitcoin entre as 30 maiores moedas do mundo, o que é um grande feito. Porém, como a pretensão original da moeda é de uso global, e não local, a cifra parece reduzida quando se olha para os US$ 30 trilhões de base monetária mundial no fim de 2016 - no conceito que considera papel-moeda emitido e depósitos em conta bancárias -, conforme dados compilados pela agência de inteligência CIA no World Factbook.\nNo critério ampliado de base monetária, que inclui investimentos de curtíssimo prazo em operações compromissadas e assembleias, estamos falando de mais ainda mais dinheiro, que ocorra de US$ 79 trilhões em 2016. O bitcoin representou 0,2% desse total.\nGuto Schiavon, sócio da Foxbit, uma das maiores corretoras de bitcoin do Brasil, confirma a percepção de que as pessoas que compartilham esse ato fazem mais com intuito de especular como espécie de ouro da era digital, do que para sua como meio de pagamento. Ou mudo, diz ele, é que os últimos seus meses os Para ele, 'é muito ingênuo' achar que os países vão abrir mão do poder de controlar a oferta de dinheiro numa crise econômica numa guerra, por exemplo. 'É difícil achar que você vai ganhar um jogo do governo quando ele pode mudar as regras continuamente até ele ganhar. No longo prazo, você não pode usar a moeda para nada, ela terá um valor muito baixo.' Em recente entrevista, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, disse que trabalhar com o G 20 para evitar que criptomoedas sejam as novas 'contas numeradas da Suíça'. Segundo ele, nos EUA, qualquer empresa que fornece carteira eletrônica de bitcoins e as corretoras de moedas digitais sujeitas às mesmas leis contra lavagem de dinheiro e precisam aplicar as políticas de 'know your client' dos bancos. Mas em outros países não funciona assim e o Tesouro americano conta com a cooperação internacional para fechar essa brecha. No Brasil, onde não há regulamentação, as principais corretoras da área afirmam que fazem esse controle voluntariamente, embora não haja supervisão para assegurar a prática. Rogoff, que criticou a não circulação de notas ao valor, reconheceu que dinheiro em espécie viabiliza transações criminosas como anônimas. Mas afirma que as criptomoedas mudam totalmente a escala do setor financeiro. Assim como a alternativa ao dinheiro físico para transferir, US$ 2 bilhões de forma anônima para um novo sistema baseado em um novo sistema. O dinheiro pelo mesmo pode, portanto, 'roubar', carregar. Para Loyola, embora a emissão de dinheiro privado não seja uma novidade histórica, é muito difícil os bancos centrais perderem o controle sobre a moeda. 'Eu duvido. Exceto os Estados perderem totalmente a credibilidade.' Já a criação de uma moeda digital por bancos centrais, possivelmente com a tecnologia do blockchain, à vista não só é como possível, como provável pelos especialistas, que veem a comodidade que traria como imbatível ante a concorrência. 'É melhor você usar uma moeda que pertença a um sistema de pagamentos eficiente, que seja aceitável, que seja relativamente estável, que possa até pagar um juro. Em vez de ficar tocando sua vida em cima de ativo difícil de se analisar e de alta volatilidade', diz Arminio. Embora uma inovação como essa permita, teoricamente, a abertura de conta diretamente no Banco Central, não está claro se os reguladores vão querer isso. 'Seria como se houvesse 100% de compulsão, com zero alavancagem. É uma ideia antiga, aventada por Irving Fisher no início do século passado. Uma moeda digital assim diminuiria o escopo da atividade bancária. Mas não sei se isso é bom', diz Franco, questionando ainda a papel do crédito exercido pelo banco central. Steven Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA, disse que vai trabalhar com os países do G-20 para evitar que as criptomoedas sejam as novas 'contas numeradas da Suíça'. Mas se o bitcoin tem todas as preocupações para ser usado na prática, porque ainda assim atrai tanta atenção e demanda? Além de argumentos que apontam a moeda e até a espetacular 1,500% de valorização em 2017 - e a queda que veio a seguir - não existem mais formas de transacionar quantias relevantes no sistema financeiro de forma anônima, novas tecnologias surgem para satisfazer a demanda por anonimato', diz o sócio da Rio Bravo. Sem falar no uso para atividades tipicamente criminosas, como tráfico de armas e drogas, Franco diz que há motivações tributárias grandes para algumas pessoas quererem esconder dinheiro não declarado. Contrapontuivamente, é por causa do aparente apelo do anonimato que as criptomoedas não terão futuro de longo prazo como meio de pagamento, mesmo que problemas tecnológicos e de flutuação de preço sejam resolvidos, diz Kenneth Rogoff, professor de Harvard e especialista na área. 'Não sei de que forma se dará a regulação. Mas uma coisa que eu posso assegurar: os governos não vão tolerar formas de pagamento anônimas em grande escala, porque isso pode ser usado para evasão fiscal, corrupção, lavagem de dinheiro e terrorismo. Os governos não vão aceitar isso', disse Rogoff em entrevista por telefone ao Valor. Numa tentativa de inibir episódios semelhantes, Banco Central e Receita Federal baixaram dois normativos no ano passado. O primeiro reduziu de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor máximo a ser sacado em banco, sendo que agora são necessários três dias de antecedência, e não mais um. Já o Fisco criou uma declaração eletrônica que deve ser preenchida por qualquer pessoa ou empresa que receba pagamentos acima de R$ 30 mil em espécie.\n\nRogoff diz que não tem pretensões de acabar com o crime ao defender o fim da circulação das notas de alto valor. \"Você não vai mudar natureza humana ou mudando sistema de pagamentos. Mas se houver uma redução de 5% a 10% na atividade criminosa já seria uma boa política.\"