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Economia Monetária

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Norberto Montani Martins 52 Economia e Sociedade Campinas v 31 n 1 74 p 4363 janeiroabril 2022 monetária As falas do presidente na abertura do XIV Seminário de Metas para a Inflação em maio de 2012 são ilustrativas Uma questão central posta pela recente crise tem sido a complexa relação entre estabilidade de preços e estabilidade financeira O sucesso no alcance da primeira não foi suficiente para garantir a observância da segunda Eu falarei sobre o regime de metas para a inflação no póscrise Os debates confirmam o meu entendimento que esse regime continua sendo o melhor arcabouço de política monetária Contudo isso não impede que os elementos que compõem o regime sejam aperfeiçoados com as lições aprendidas na crise BCB 2012 p 1 grifos meus O primeiro ponto da fala de Tombini pode ser diretamente associado à discussão sobre os instrumentos macroprudenciais e sua integração com o regime de metas O BCB adotou uma série de medidas nesta linha entre o final de 2010 e 2012 como por exemplo o aumento dos requerimentos de capital dos financiamentos de veículos e a elevação dos percentuais de recolhimento adicional sobre depósitos à vista e a prazo Notese contudo que a maioria das medidas adotadas antecede a entrada de Tombini e o marco de agosto de 2011 e que declaradamente não visavam ao combate inflacionário6 Entretanto como o próprio BCB reconheceu ao comentar sobre uma das medidas Apesar do caráter macroprudencial da elevação recente dos recolhimentos compulsórios essas ações impactam a atividade e os preços BCB 2011c p 100 A adição das medidas macroprudenciais elevou a complexidade do arcabouço de gestão da política monetária já que os canais de transmissão desta política em particular o canal do crédito seriam diretamente afetados por aquelas medidas Isso só adiciona força à hipótese de que houve uma mudança na gestão monetária antes pautada essencialmente na manipulação das taxas de juros7 Restauração o retorno ao conservadorismo da política monetária 20132014 A experiência ou o ensaio de ruptura no conservadorismo da política monetária durou algo entre um ano e meio e dois anos Em meados de 2013 o BCB inaugurou um período de elevação das taxas de juros que se consolidou no segundo semestre deste mesmo ano e mudou também seu discurso em relação ao comportamento da inflação e das expectativas bem como ao regime de metas de inflação Entre abril de 2013 e abril de 2014 a taxa Selic foi elevada sistematicamente saindo de 725 para 110 aa Com a nova política o Brasil retomou ao topo do ranking internacional de taxas de juros saltou do 16º lugar antes do início da subida dos juros para o 6º lugar junto com Belize em termos de taxas nominais em abril de 2014 segundo dados do Fundo Monetário Internacional para 64 países O processo de elevação dos juros numa ou noutra ocasião não é por si só suficiente para justificar o retorno à rigidez monetária característica O que permite que afirmemos a restauração do padrão vigente desde 1995 é a escalada sistemática das taxas para patamares elevados de forma 6 No caso dos requerimentos de capital consta como objetivo a segurança das operações de crédito de modalidades específicas Objetivando mitigar riscos identificados no mercado de crédito foram editadas em dezembro medidas macroprudenciais visando aumentar a segurança de operações com prazos mais longos em especial nas modalidades aquisição de bens e crédito pessoal BCB 2011c p 52 7 Na prática porém o modus operandi do regime ia além da manipulação dos juros Serrano 2010 Política monetária brasileira nos governos Dilma 20112016 um ensaio de ruptura e a restauração do conservadorismo Economia e Sociedade Campinas v 31 n 1 74 p 4363 janeiroabril 2022 53 sustentada que recolocaram o país na ingrata posição superior do ranking internacional Também é evidência deste processo o desmonte de todas as medidas macroprudenciais antes utilizadas No comunicado que informou a decisão de elevação da taxa em abril o Copom avaliou que o nível elevado da inflação e a dispersão de aumentos de preços entre outros fatores contribuem para que a inflação mostre resistência e ensejam uma resposta da política monetária BCB 2013a Na ata da reunião o Comitê esclarece que vê maior aceleração da demanda agregada o que pressionaria preços através dos salários A justificativa é sintetizada a seguir O Copom ressalta que o cenário central contempla ritmo de atividade doméstica mais intenso neste e no próximo ano Nesse contexto o Comitê destaca a estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho apesar dos sinais de moderação nesse mercado e pondera que em tais circunstâncias um risco significativo reside na possibilidade de concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade e suas repercussões negativas sobre a dinâmica da inflação BCB 2013b A persistência de um ambiente de demanda mais aquecida é vista pelo BCB como resultado das próprias ações anteriores de política monetária cujos efeitos seriam defasados e cumulativos Contudo o regresso à operação mais estrita do regime de metas para inflação coincide com o insucesso da agenda Fiesp implantada pelo governo em reestabelecer uma trajetória de crescimento sustentada Se o segundo trimestre de 2013 indicou alguma recuperação na taxa de crescimento do investimento o terceiro e o quatro trimestres do ano já confirmavam uma desaceleração mais acentuada da economia que viria a se transformar numa trajetória de retração a partir do segundo trimestre de 2014 Gráfico 2 A elevação das taxas de juros contudo se manteve como orientação de política Gráfico 2 PIB a preços de mercado Variação real trimestral sobre mesmo trimestre do ano anterior aa Fonte IBGE Ipeadata 8 6 4 2 0 2 4 6 Norberto Montani Martins 54 Economia e Sociedade Campinas v 31 n 1 74 p 4363 janeiroabril 2022 O que ocorreu em termos de inflação foi que houve uma aceleração inflacionária ligada ao processo de desvalorização cambial que tomou curso no biênio 20132014 Se no final de 2012 a taxa de câmbio Realdólar era de 195 no final de 2013 ela alcançou 216 e no final de 2014 o patamar de 235 A elevação da taxa Selic seria uma forma de mitigar os efeitos do câmbio entretanto com pouco sucesso Em 2013 a inflação se encerra em 591 e em 2014 em 641 próximo ao teto da meta Ou seja a despeito da política restritiva e de uma demanda vacilante a inflação pouco cedeu A justificativa para retomar o conservadorismo da política monetária ainda que insuficiente para explicar o que ocorreu na prática marca um retorno do BCB ao núcleo do pensamento por trás do regime de metas de inflação O discurso oficial do BCB e principalmente em suas ações conforme ilustram as decisões de política monetária parecem resgatar os anos mais restritos da gestão monetária de Meirelles Contudo é importante não responsabilizar exclusivamente o BCB pelo regresso ao conservadorismo na gestão monetária se o governo teve influência ainda que parcial no que chamamos de ruptura também o teve na restauração da rigidez A via direta pela qual a administração de Dilma poderia influenciar a gestão monetária era o momento de definição das metas para inflação a serem perseguidas pelo BCB Na institucionalidade do regime o proponente destas metas é o Ministro da Fazenda Em teoria ainda que o BCB fosse reticente quanto a um aumento na meta para inflação o governo contaria com os votos do Ministro do Planejamento e da Fazenda para elevar a meta em alguns pontos percentuais Uma meta maior seria justificável dentro da nova concepção de política econômica do governo Dilma como forma de acomodar a desvalorização cambial e seus impactos sobre os demais preços domésticos almejada pela equipe econômica para promover a competitividade da indústria É notável a predominância dos efeitos cambiais na explicação do comportamento da inflação brasileira na literatura empírica Vernengo 2008 Serrano 2010 Modenesi e Araújo 2010 Summa e Macrini 2014 e Pimentel et al 2016 Prevendo uma transição para uma taxa de câmbio mais desvalorizada o governo poderia ter elevado a meta para 60 em 2013 e 2014 o que daria fôlego à ruptura Entretanto não houve qualquer sinalização neste sentido Posen 1995 p 271 argumentou que a política dos bancos centrais depende do estabelecimento de uma coalizão de interesses e que o conservadorismo antiinflacionário é produto desta coalização O caso brasileiro parece indicar que para além do mercado financeiro e dos rentistas que naturalmente se beneficiam de uma política monetária mais conservadora a própria equipe econômica de Dilma formou a coalização que deu suporte à restauração da rigidez na gestão monetária O que cabe perguntar é o que se alterou na correlação de forças na sociedade brasileira que tenha justificado tal mudança Que o governo do Partido dos Trabalhadores tenha compactuado com a rigidez monetária não é novidade já que os anos de Meirelles à frente do BCB provêm base empírica para esta proposição Algo mudou no primeiro governo Dilma mas durou pouco Uma hipótese é que a cruzada para os juros baixos foi um tiro que saiu pela culatra do próprio setor industrial A revisão deste aspecto da agenda Fiesp seguiu naturalmente Uma vez que os lucros começaram a cair em função da retração na demanda agregada a rentabilidade em termos Política monetária brasileira nos governos Dilma 20112016 um ensaio de ruptura e a restauração do conservadorismo Economia e Sociedade Campinas v 31 n 1 74 p 4363 janeiroabril 2022 55 percentuais pode até ter aumentado mas a massa de lucros caiu em resposta à queda na atividade os ganhos financeiros se tornaram um porto seguro para restaurar a lucratividade do setor Como explicitado numa matéria intitulada Empresários explicam por que defendem a saída de Dilma veiculada no jornal Valor Econômico em 15 de abril de 2016 A indústria que historicamente pediu redução dos juros hoje tem parte de seu capital nas mãos do setor financeiro Além disso pondera um economista o lucro financeiro é parte importante do resultado das empresas produtivas Neumann 2016 Tomando por referência as 500 maiores empresas nãofinanceiras brasileiras a rentabilidade média sobre o patrimônio cai de 107 em 2010 ou 101 no segundo governo Lula para 41 em 2012 53 em 2013 e 35 em 2014 segundo dados da Revista Exame Maiores e Melhores Pinto et al 2019 É notável que o movimento de financeirização das empresas brasileiras já é anterior ao primeiro governo Dilma como mostram Bruno et al 2011 e Araújo Bruno e Pimentel 2012 mas parece se acentuar então como resposta à queda na lucratividade no período Segundo dados do IBGE referentes às contas financeiras e de patrimônio financeiro os ativos financeiros das empresas não financeiras brasileiras subiram de R 468 trilhões em 2011 para R 579 trilhões em 2013 Neste último ano a aquisição líquida de ativos financeiros por este segmento foi da ordem de R 530 bilhões É este processo de aquisição de ativos que pode ter evitado uma depressão ainda maior da lucratividade Se considerarmos que o efeito da desvalorização da taxa de câmbio sobre a competitividade das empresas brasileiras foi também ambíguo por um lado barateou o produto de exportadoras mas por outro lado encareceu os insumos importados podemos ver elementos para uma rejeição à agenda Fiesp originalmente traçada A restauração da política de rigidez monetária do BCB pareceu assim encontrar respaldo nos anseios dos principais grupos de interesse da sociedade brasileiro Reeleição assimetrias e expectativas 20152016 A reeleição da presidenta Dilma e a reformulação da equipe econômica com a instituição de um viés conservador ratificou o conservadorismo da política monetária restaurado no biênio 20134 O BCB incorporou em seu discurso menos elementos críticos e mais aspectos estritos da condução do regime de metas de inflação Em particular ganhou peso na discussão sobre a dinâmica de funcionamento do modelo sob este arcabouço a preocupação relativa à condução das expectativas inflacionárias Coincidiu com o período póseleitoral a decisão do Copom de optar por novos aumentos sucessivos da meta para a taxa Selic refletindo uma preocupação maior com a dinâmica inflacionária independente do contexto de política fiscal contracionista O Gráfico 1 que mostramos anteriormente mostra uma elevação de 325 pontos percentuais da taxa entre outubro de 2014 e setembro de 2015 Em geral os aumentos das taxas de juros no Brasil coincidem com períodos de elevação das taxas internacionais mas neste mesmo período as taxas básicas americana europeia e inglesa foram mantidas inalteradas mantidas respectivamente em 0025 aa FED funds 005 aa main refinancing operations e 05 official bank rate