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Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 156 A NOVA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO AFRONTA AOS DIREITOS HUMANOS ANÁLISE CRÍTICA DO DECRETO Nº 105022020 THE NEW SPECIAL EDUCATION POLICY AS AN AFFAIR TO HUMAN RIGHTS CRITICAL ANALYSIS OF DECREE Nº 105022020 LA NUEVA POLÍTICA DE EDUCACIÓN ESPECIAL COMO ASUNTO DE DERECHOS HUMANOS ANÁLISIS CRÍTICO DEL DECRETO Nº 105022020 Élida Cristina da Silva de Lima Santos1 Jefferson da Silva Moreira2 Resumo Neste artigo realizamos problematizações de pressupostos do Decreto nº 105022020 do governo Jair Messias Bolsonaro que institui a Política de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Com efeito o objetivo geral deste estudo consiste em analisar criticamente o conteúdo do Decreto nº 105022020 demonstrando suas incongruências e incompatibilidades com as conquistas da educação em direitos humanos no cenário brasileiro em especial nas duas últimas décadas A seguinte questão nos convida à reflexão quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com implicações na educação especialinclusiva No que concerne aos aspectos metodológicos caracterizase como um estudo qualitativo de abordagem documental e bibliográfica pautado em uma análise crítico interpretativa das disposições gerais princípios objetivos e diretrizes presentes no Decreto nº 105022020 Desse modo realizamos problematizações ponderações e argumentos que corroboram sobre os retrocessos dessa nova política como uma afronta aos direitos humanos e garantias legais conquistados pelo públicoalvo da educação especialinclusiva no cenário educacional nacional Concluise que a nova política instituída pelo governo federal é a materialização do retorno às propostas segregacionistas e excludentes que marcam a história da educação especial no Brasil ainda que revisto de novas roupagens e configurações Palavraschave Educação especial Educação inclusiva Decreto nº 105022020 Direitos humanos Abstract In this article we problematize the assumptions of Decree No 105022020 by the Jair Messias Bolsonaro government which institutes the Special Education Policy equitable 1 Doutoranda em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal da Bahia UFBA Mestra em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da UFBA Licenciada em Pedagogia pela UFBA ORCID httpsorcidorg0000000183597479 Email elida4203gmailcom 2 Doutorando em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo Unifesp Mestre em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS Licenciado em Pedagogia pela UEFS ORCID httporcidorg00000002 5918 7928 Email moreirajefferson92yahoocombr Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 157 inclusive and with lifelong learning Indeed the general objective of this study is to critically analyze the content of Decree No 10502 2020 demonstrating its inconsistencies and incompatibilities with the achievements of Human Rights Education in the Brazilian scenario especially in the last two decades The following question invites us to reflect what political pedagogical intentions are present even if implicitly in Decree nº 105022020 with implications for SpecialInclusive Education With regard to methodological aspects it is characterized as a qualitative study with a documentary and bibliographic approach based on a criticalinterpretative analysis of the general provisions principles objectives and guidelines present in Decree No 105022020 In this way we carried out problematizations considerations and arguments that corroborate the setbacks of this new policy as an affront to human rights and legal guarantees achieved by the target audience of Special Inclusive Education in the national educational scenario It is concluded that the new policy instituted by the Federal Government is the materialization of the return to the segregationist and exclusionary proposals that mark the history of Special Education in Brazil although revised in new guises and configurations Keywords Special Education Inclusive education Decree nº 105022020 Human rights Resumen En este artículo problematizamos los supuestos del Decreto No 10502 2020 del gobierno de Jair Messias Bolsonaro que instituye la Política de Educación Especial equitativa inclusiva y con aprendizaje permanente En efecto el objetivo general de este estudio es analizar críticamente el contenido del Decreto No 10502 2020 demostrando sus inconsistencias e incompatibilidades con los logros de la Educación en Derechos Humanos en el escenario brasileño especialmente en las últimas dos décadas La siguiente pregunta nos invita a reflexionar qué intenciones políticopedagógicas están presentes aunque sea implícitamente en el Decreto nº 10502 2020 con implicaciones para la Educación Especial Inclusiva En cuanto a los aspectos metodológicos se caracteriza por ser un estudio cualitativo con enfoque documental y bibliográfico basado en un análisis crítico interpretativo de las disposiciones generales principios objetivos y lineamientos presentes en el Decreto No 10502 2020 De esta manera realizamos problematizaciones consideraciones y argumentos que corroboran los retrocesos de esta nueva política como una afrenta a los derechos humanos y garantías legales logradas por el público objetivo de la Educación Especial Inclusiva en el escenario educativo nacional Se concluye que la nueva política instituida por el Gobierno Federal es la materialización del retorno a las propuestas segregacionistas y excluyentes que marcan la historia de la Educación Especial en Brasil aunque revisadas en nuevas formas y configuraciones Palabrasclave Educación especial Educación inclusiva Decreto 105022020 Derechos humanos Introdução No dia 1º de outubro de 2020 o governo federal através do presidente da República Jair Messias Bolsonaro publicou no Diário Oficial da União o Decreto nº 10502 de 30 de setembro de 2020 que institui a Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Em linhas gerais a medida mais drástica do citado Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 158 documento consiste na supressão da obrigatoriedade da escola regular em realizar a matrícula de alunos com deficiência permitindo a volta do ensino regular para esses sujeitos em escolas especializadas Com efeito a publicação do Decreto nº 10502 culminou na publicação de manifestos e notas de repúdio de diversos pesquisadores e entidades científicas ligadas à área da educação especial e inclusiva demonstrando as incongruências da proposta com as conquistas e resultados de estudos e pesquisas acadêmicas da área ABPEE ANPED 2020 O documento que passou a ser amplamente denominado de Decreto da exclusão foi alvo de severas críticas e reflexões analíticas contundentes Pesquisadores acadêmicos de diversas regiões do país avaliam a proposta como excludente e ilegal A título de exemplificação colocamos em relevo excertos do manifesto produzido pela Congregação da Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas EFLCH da Universidade Federal de São Paulo Unifesp campus Guarulhos em São Paulo que se posicionou incisivamente contra a efetivação do Decreto nº 10502 Assim a congregação da EFLCH destacou o acúmulo de estudos empreendidos no âmbito da universidade e a publicação de pesquisas ligadas à área da educação especialinclusiva em periódicos de amplo reconhecimento nacional e internacional que oferecem perspectivas atuais e críticas para o complexo tema dos direitos educacionais de pessoas com deficiência UNIFESP 2 DE OUTUBRO DE 2020 O referido manifesto destaca que O documento apresentado esvazia a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PNEEPEI MEC 2008 que resultou de imensos esforços da sociedade brasileira para que o chamado público alvo da educação especial deixasse de ser objeto de segregação escolar Não se trata de uma nova política pois voltamos ao passado A escolarização de pessoas com deficiência volta a ter como foco o trabalho especializado Tratase da descaracterização de uma política nacional que garante direitos São direitos que têm como ponto de partida a Constituição Federal de 1988 ainda em vigor e são assegurados e promovidos pela Lei Brasileira de Inclusão Lei Nº 13146 2015 Tratase também de opção isolacionista pois leva o país a descumprir metas e compromissos internacionais que honrosamente o Estado brasileiro firmou proclamando o privilégio de inscrever o Brasil entre os signatários de documentos historicamente consolidados com propósitos inclusivos e emancipadores Como instituição pública estamos nos posicionando e deliberadamente escolhendo permanecer ao lado de estudantes e famílias que contam com nosso trabalho e que em nossa experiência contrariamente ao que foi argumentado na divulgação do documento não estão clamando pelas mudanças por essa medida instituídas Clamam sim pelo respeito e Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 159 fortalecimento à educação pública UNIFESP 2 DE OUTUBRO DE 2020 Com o objetivo de contribuir com o enriquecimento dessa discussão propondo reflexões críticas sobre as diversidades no contexto de políticas educacionais pautadas por segmentos de extrema direita no Brasil este texto objetiva analisar criticamente o conteúdo do Decreto nº 105022020 demonstrando suas incongruências e incompatibilidades com as conquistas da educação em direitos humanos no cenário brasileiro em especial nas duas últimas décadas Desse modo a seguinte questão nos convida à reflexão sobre as implicações do mencionado decreto quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com consequências na educação especialinclusiva Do ponto de vista metodológico o estudo em tela caracterizase por ser de natureza qualitativa de abordagem documental e bibliográfica pautado em uma análise crítico interpretativa das disposições gerais princípios objetivos e diretrizes presentes no Decreto nº 105022020 Além disso realizamos uma revisão bibliográfica com base em autores de referência da área da educação especial e inclusiva demonstrando os aspectos históricos que envolvem os debates acadêmicos da área Nesse sentido conforme Kripka Scheller e Bonotto 2015 p 59 A pesquisa documental não pode ser confundida com a pesquisa bibliográfica com a qual se assemelha uma vez que ambas utilizam o documento como objeto de investigação O que as diferencia é a fonte ou seja a característica do documento no primeiro caso denominamse de fontes primárias as quais não receberam nenhum tratamento analítico como relatórios de pesquisas ou estudos memorandos atas arquivos escolares autobiografias reportagens cartas diários pessoais filmes gravações fotografias entre outras matérias de divulgação no segundo as fontes são secundárias abrangem toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema Desse modo realizamos problematizações ponderações e argumentos que corroboram sobre os impactos dessa nova política como uma afronta aos direitos humanos e garantias legais conquistados pelo públicoalvo da educação especialinclusiva no cenário educacional nacional O artigo está organizado em três seções Inicialmente recuperamos um debate histórico sobre educação especial e inclusiva demonstrando as conquistas alcançadas pelas pessoas com deficiência nas últimas três décadas Além disso recuperamos o histórico dos modelos de escolarização direcionadas a esse público no contexto da história da educação Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 160 brasileira A segunda seção versa mais especificamente sobre as contradições e retrocessos presentes no Decreto nº 105022020 realizando um cotejamento com referenciais teóricos da área da educação especialinclusiva Por fim apresentamos as considerações finais do texto demonstrando as limitações do presente estudo que poderão ser minimizadas com o empreendimento de novas pesquisas Educação especial e o paradigma da inclusão questões históricas debates atuais Em consonância com as recomendações de documentos oficiais brasileiros a educação especial é uma modalidade de ensino transversal a todos os níveis etapas e modalidades e que realiza o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidadessuperdotação BRASIL 2008 Contudo nem sempre foi concebida dessa maneira pois historicamente a educação especial se constituiu como um sistema paralelo e segregado de ensino BLANCO GLAT 2007 p 15 No contexto geral Mendes 2006 atribui o surgimento da educação especial ao século XVI através do esforço individual de médicos e pedagogos que acreditaram na possibilidade de educar de forma individual alguns sujeitos que eram considerados pela sociedade da época como inelegíveis para a educação Contudo a autora acrescenta que apesar dessas experiências inovadoras o que prevaleceu foi a segregação das pessoas consideradas diferentes em instituições como asilos e manicômios MENDES 2006 Essa segregação justificavase pela modelo adotado na época pois a educação especial se constituiu a partir do modelo clínicomédico centrado na correção do déficit BLANCO GLAT 2007 Esse modelo priorizava o olhar médico e o diagnóstico considerava o inatismo3 e estabilidade da deficiência concebia todos os atendimentos prestados a pessoa com deficiência pelo viés terapêutico e não priorizava o aprendizado acadêmico BLANCO GLAT 2007 MARCHESI 2004 No que se refere a esse modelo Marchesi 2004 destaca a crença de que o problema era inerente à pessoa com deficiência e que a ação educacional não revelaria grandes êxitos pois existia a predominância de uma concepção determinista do desenvolvimento MARCHESI 2004 p 17 No Brasil seguindo o modelo adotado em outros países conforme Kassar 2011 e Mendes 2006 o atendimento educacional oferecido às pessoas com deficiência também teve 3 Crença adotada na primeira metade do século XX de que a deficiência era proveniente de causas orgânicas que se produziam no início do desenvolvimento e cuja modificação posterior era difícil Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 161 sua origem em um ensino separado da educação geral Kassar 2011 p 61 afirma que esta separação materializouse na existência de um sistema paralelo de ensino de modo que o atendimento de alunos com deficiência ocorreu de modo incisivo em locais separados dos outros alunos e com pouca atenção da educação pública Mendes 2010a ao traçar um breve histórico da educação especial no Brasil ressalta que no período colonial predominou a omissão e o descaso do governo destacando a criação do Instituto dos Meninos Cegos em 18544 e do Instituto dos Surdosmudos5 em 1857 localizados no Rio de Janeiro como um marco na história da educação especial brasileira Apesar dessas instituições atuarem de forma segregada na época da criação representaram uma importante iniciativa por parte do governo em relação à educação das pessoas com deficiência Na Primeira República Mendes 2010a pontua o interesse dos médicos no que se refere ao estudo das crianças com deficiências mais graves e a criação de locais junto aos hospitais psiquiátricos para o atendimento a essa clientela Mendes 2010a p 95 acrescenta ainda que Este interesse dos médicos pelas pessoas com deficiências teria maior repercussão após a criação dos serviços de higiene mental e saúde pública que em alguns estados deu origem ao serviço de Inspeção médicoescolar e à preocupação com a identificação e educação dos estados anormais de inteligência Mendes 2010a aborda ainda no período da primeira república a contribuição dos princípios do modelo escolanovista que no Brasil através dos seus representantes defendia que a escola pública laica e gratuita era o meio de combater as desigualdades sociais além de defender uma escola que diferente do que acontecia no modelo tradicional respeitasse a liberdade dos educandos A autora ressalta que o movimento escolanovista incentivou reformas educacionais em alguns estados brasileiros e possibilitou que a psicologia adentrasse as questões educacionais bem como o uso de testes para identificar pessoas com deficiência intelectual o que favoreceu uma preocupação com a educação das pessoas que possuíam deficiências intelectuais consideradas menos severas Ainda sobre o período citado acima cabe destacar a atuação de Francisco Campos adepto da Escola Nova que enquanto secretário de Educação de Minas Gerais foi responsável por algumas reformas educacionais no Estado e trouxe psicólogos para oferecer 4 Atualmente conhecido como Instituto Benjamin Constant 5 Instituto Nacional de Educação dos Surdos INES Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 162 cursos para os professores Dentre os psicólogos que foram trazidos para ministrar os cursos Hellena Antipoff chegou ao Brasil em 1929 se estabeleceu em Minas Gerais sendo considerada uma figura importante na história da educação especial brasileira Dentre as ações realizadas por ela destacamse a organização de classes homogêneas nas escolas primárias b criação de classes especiais para pessoas com deficiência intelectual na escola regular c criação da Sociedade Pestalozzi 1932 d criação de uma escola para crianças excepcionais participou do movimento para a implantação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais em 1954 e influenciou a formação de profissionais na área de educação especial KASSAR 2011 MENDES 2010a Vale ressaltar que embora essas ações fossem realizadas em âmbito local em Minas Gerais elas influenciaram as ações educacionais em todo o país Kassar 2011 ao analisar a legislação de São Paulo e de Minas gerais divulgada em 1930 faz a seguinte constatação na história da educação brasileira a separação foi constituindose como preferência e não exceção Dessa forma a separação de crianças foi e talvez ainda seja uma prática pedagógica proposta para a educação em geral Partindo do pressuposto de adequação dos espaços segregados e com escassas escolas públicas no país durante a primeira metade do século XX pais e profissionais de pessoas com deficiências passaram a se organizar e formar instituições privadas de atendimento especializado KASSAR 2011 p 67 Assim as instituições especializadas foram surgindo em vários estados ocupandose da atenção educativa das pessoas com deficiência e sendo por vezes confundida como instituições públicas e posteriormente exercendo grande influência nas decisões legais relacionadas à educação especial Observase nesse período pouca preocupação governamental com a educação especial Sobre a influência do movimento escolanovista na educação especial Mendes 2010a alerta que ele não produziu mudanças significativas ao contrário serviu para justificar a segregação como um meio de propiciar a atenção educativa aos alunos que não conseguiam se beneficiar do ensino oferecido na escola comum Durante a Segunda República Mendes 2010a informa que entre 1950 e 1959 verificouse um crescimento no número de instituições para pessoas com deficiência intelectual e que a partir de 1958 o Ministério da Educação passou a assessorar as instituições especializadas e as Secretarias de Educação e a promover campanhas nacionais sobre a educação de pessoas com deficiência Em 1961 foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB Lei nº 402461 que é considerada um marco político na história da educação especial pois trata dessa modalidade nos artigos 88 e 89 Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 163 No artigo 88 ressalta que A educação de excepcionais deve no que for possível enquadrarse no sistema geral de educação a fim de integrálos na comunidade BRASIL 1961 É possível perceber que apesar da legislação tratar sobre a educação das pessoas com deficiência ainda admite que aconteça em espaços segregados e no artigo 89 ainda prevê o financiamento de instituições privadas que se ocupem da educação de pessoas com deficiência Após a publicação da LDB em 1961 Mendes 2010a relata o crescimento e fortalecimento da iniciativa privada com o financiamento das instituições especializadas com recursos da área da assistência social A década de 1970 é considerada a institucionalização da educação especial BLANCO GLAT 2007 MENDES 2010a Mendes 2010a p 11 afirma que se verificou nesse período um aumento no número de textos legislativos das associações dos estabelecimentos do financiamento e do envolvimento das instâncias públicas na questão Em 1971 foi promulgada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN Lei nº 56021971 que define o públicoalvo da educação especial como sendo os alunos com deficiência física deficiência intelectual os superdotados e os que apresentavam distorção idadesérie A educação especial passou a ser oficialmente responsável pela educação dos alunos que não se adaptavam às exigências da escola comum Também na década de 1970 em 1973 mais especificamente foi criado o Centro Nacional de Educação Especial Cenesp6 no Ministério da Educação que ficou responsável a nível federal pela política de educação especial Sobre as ações do Cenesp Blanco e Glat 2007 p 21 ressaltam que foram implantados subsistemas de educação Especial nas diversas redes públicas de ensino através da criação de escolas e classes especiais bem como investimentos em projetos cujo foco era a formação de professores especializados prevendo inclusive a realização de formação em nível de pósgraduação fora do país BLANCO GLAT 2007 O investimento na formação de recursos humanos possibilitou o conhecimento de novas abordagens recursos e uma aposta na possibilidade de aprendizagem das pessoas com deficiência Tal aposta baseiase também na questão econômica relação custobenefício pois com base em estudos realizados nos Estados Unidos constatouse que os investimentos em ações que propiciassem cidadãos úteis eram mais lucrativo do que manter essas pessoas em instituições especializadas Diante dos fatores citados acima Nesse momento o CENESP divulga os princípios de normalização e integração das pessoas com deficiências na educação 6 Em 1986 foi transformado na Secretaria de Educação Especial SEESP BLANCO GLAT 2007 Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 164 que passam a marcar a educação especial brasileira KASSAR 2011 p 69 No que se refere ao princípio de normalização Mendes 2006 atribui a sua origem aos países escandinavos principalmente as críticas realizadas nesses países aos impactos da convivência dos espaços segregados para a vida das pessoas com deficiência Blanco e Glat 2007 e Mendes 2006 apontam que o conceito de normalização foi alvo de críticas geradas pela compreensão errônea do mesmo visto que foi concebido por algumas pessoas como normalizar as pessoas com deficiência quando na verdade tratava de normalizar as condições de vida ou seja propiciar as pessoas com deficiência desfrutar de serviços e espaços oferecidos as demais pessoas da sua comunidade Como desdobramento do princípio de normalização Blanco e Glat 2007 p 22 acrescentam que A partir de então seguindo a filosofia da Normalização desenvolveuse o paradigma educacional denominado Integração o qual se propunha a oferecer aos alunos com deficiências o ambiente escolar menos restritivo possível Esse modelo visava preparar alunos das classes e escolas especiais para ingressarem em classes regulares quando recebiam na medida de suas necessidades atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades especializadas Conforme Mendes 2006 a prática da integração se baseou em alguns argumentosfatores a saber a argumentos morais que apontaram os prejuízos das práticas de segregação e consideravam inaceitáveis as ações de marginalização e segregação dos grupos minoritários b os benefícios da convivência conjunta tanto para os alunos com deficiência quanto para os que não possuíam deficiência c os resultados das pesquisas realizadas na área educacional que apontavam que as pessoas com deficiência tinham capacidade de aprender e d fatores econômicos MENDES 2006 O paradigma da integração escolar contribuiu para a revisão e questionamento das práticas de segregação eou exclusão que tradicionalmente foram adotadas pela educação especial e influenciaram os documentos legais publicados posteriormente A Constituição Federal do Brasil de 1988 BRASIL 1988 apresenta reflexos dessas mudanças orientando que a educação das pessoas com deficiência deveria ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino com a garantia do direito ao atendimento educacional especializado BLANCO GLAT 2007 MENDES 2010 Entretanto o movimento pela integração não alcançou os resultados almejados e foi alvo de críticas pois dentre outras coisas exigia uma preparação prévia do sujeito com deficiência para ser inserido na escola regular Além disso o aluno deveria pelos seus Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 165 esforços individuais acompanhar os demais colegas ou seja o foco continuava sendo as aptidões pessoais dos indivíduos e não as práticas as metodologias e os recursos oferecidos pela escola regular Essa postura acabava por comprometer a mobilidade dos educandos com deficiência das escolas e classes especiais para o ensino comum e contraditoriamente aumentar o número de alunos nesses espaços pois para esses locais eram encaminhados aqueles que não conseguiam se adaptar às metodologias e às exigências da escola regular BLANCO GLAT 2007 MENDES 2006 Blanco e Glat 2007 apontam também a falta de articulação entre os professores especializados e os professores da sala regular como um aspecto que contribuiu para o fracasso da integração escolar pois não havia um diálogo entre esses profissionais sendo os profissionais especializados percebidos como os únicos responsáveis pela aprendizagem dos alunos com deficiência Verificouse que estes continuavam excluídos só que agora dentro das escolas regulares A experiência proporcionada pelo modelo de integração e as críticas realizadas ao mesmo aliadas às transformações econômicas científicas e legais ocorridas no contexto histórico e mundial contribuíram para a abertura de novas perspectivas e possibilidades culminando com a proposta da educação inclusiva Sobre essa proposta Mendes 2010b p 22 afirma O termo educação inclusiva foi uma proposta da aplicação prática ao campo da educação de um movimento mundial denominado Inclusão Social que é proposto como um novo paradigma que implicaria na construção de um processo bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam em parceria efetivar a equiparação de oportunidades para todos É possível perceber que na proposta de inclusão o foco não é exclusivamente na pessoa com deficiência mas deslocase também para o espaço escolar na medida em que este deve oferecer condições adequadas para o acesso participação e aprendizagem das pessoas com deficiência Mittler 2003 p 34 afirma que a inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de currículo avaliação pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula Essa reforma tem como objetivo garantir uma educação de qualidade para todos os alunos Cabe ressaltar que a educação inclusiva adotada no Brasil tem em sua base algumas açõeseventos internacionais que culminaram na publicação ou no compromisso de adotar as diretrizes estabelecidas nesses eventos Dentre as ações internacionais destacase a Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 166 Conferência Mundial sobre Educação para Todos satisfação das necessidades básicas de aprendizagem realizada em 1990 em Jomtien na Tailândia Nesse evento foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Brasil como signatário desse documento se comprometeu a universalizar o direito à educação KASSAR 2011 MENDES 2006 Kassar 2011 p 70 destaca que O movimento de Educação para Todos atinge de certa forma as pessoas com deficiências A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais acesso e qualidade realizada em Salamanca na Espanha em 1994 também foi uma ação de grande importância Essa conferência foi organizada pelo governo da Espanha e pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura Unesco e como fruto desse evento foi publicada a Declaração de Salamanca que teve também o Brasil como signatário Essa declaração proclama que as escolas comuns são meios eficazes para combater atitudes discriminatórias e determina que essas escolas devem acolher todas as crianças dentre elas as crianças com deficiência e as crianças bemdotadas7 Mendes 2010b considera que essa declaração representa um marco na propagação das teorias e práticas da educação inclusiva no Brasil e no mundo A LDBEN nº 939496 BRASIL 1996 é promulgada dois anos após a Declaração de Salamanca e incorpora alguns princípios desse documento como a reestruturação das escolas para atender de maneira efetiva todos os alunos A LDBEN nº 939496 é considerada uma legislação que apresenta avanços na área de educação especial dedicando o capítulo V ao tema conceitua a educação especial como uma modalidade de educação escolar que deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino Essa legislação assegura ainda a oferta da educação especial como um dever constitucional do Estado e que deve ser oferecida desde a educação infantil bem como determina que os sistemas de ensino assegurem dentre outras coisas no artigo 59 I currículos métodos técnicas recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades e professores especializados e do ensino regular capacitados para atender aos alunos com deficiência Tanto a Constituição quando a LDBEN de 1996 afirmam o direito das pessoas com deficiência à educação na escola comum contudo não determinam a obrigatoriedade e de certo modo preveem que essa educação possa acontecer em espaços segregados MENDES 2006 Assim são necessárias publicações de outros documentos na área de educação especial para garantir a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência na escola regular e 7 Nomenclatura utilizada na época para os alunos com altas habilidadessuperdotação Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 167 como precisa ocorrer o suporte da educação especial Esses documentos legais culminam em 2008 com a divulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PNEEEI BRASIL 2008 A PNEEEI afirma logo na introdução que A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos BRASIL 2008 p1 e assegura o direito das pessoas com deficiência ao acesso à escola regular com o suporte do Atendimento Educacional Especializado AEE desde a educação infantil até o ensino superior Verificamos que até o ano de 2015 foram publicados decretos e leis que fortaleciam a proposta da educação inclusiva e orientavam aspectos relacionados à oferta do AEE Embora se reconheça que muitos aspectos precisam ser melhorados para garantia de uma educação de qualidade para todos não tem como negar os avanços do paradigma da educação inclusiva que foi uma construção histórica na garantia do direito à educação das pessoas com deficiência que foram durante muito tempo e alguns até hoje em sua grande maioria excluídos da escola Mendes 2006 p 401 ressalta que não se pode negar a conotação política do movimento pela inclusão escolar como estratégia potencial para ampliar o acesso à escola pública para crianças e jovens com necessidades educacionais especiais e talvez de promover o avanço necessário na educação especial e da educação em geral no país Entretanto apesar desses avanços e quando eram necessárias a promulgação de leis e a efetivação de ações que reafirmassem os princípios de uma educação inclusiva em 2018 foram organizadas pelo Ministério da Educação reuniões com representantes de instituições especializadas e técnicos do MEC que tinham como objetivo atualizar a PNEEEI Posteriormente foi publicada uma minuta8 da nova versão intitulada Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e ao longo da vida Essa minuta e os slides9 apresentados na reunião foram alvo de críticas por dentre outras coisas trazerem a ideia de retorno da educação especial a um modelo clínicomédico e a escolarização das pessoas com deficiência em espaços segregados Mesmo não contando com a aprovação de grande parte das pessoas com deficiência pesquisadores e demais pessoas interessadas na área em 2020 é publicado o Decreto nº 10502 de 30 de setembro de 2020 BRASIL 2020 que instituiu 8 Minuta disponível no endereço eletrônico httpspneemecgovbrintegra 9Tivemos acesso aos slides através da publicação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença LEPED da Universidade Estadual de Campinas Unicamp 2018 Disponível em httpsinclusaojafileswordpresscom201805textodeanc3a1lisedosslidessobreareformadapneepei final1pdf Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 168 oficialmente a Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Essa política tem sido alvo de várias críticas por partes de pesquisadores associação de pais de pessoas com deficiência profissionais da área da educação dentre outros Na próxima seção a partir de uma análise críticointerpretativa apresentamos as principais inconsistências fragilidades e retrocessos dessa nova política para o campo da educação especial e inclusiva A nova política de educação especial do governo Bolsonaro Decreto nº 105022020 desvelando contradições A primeira crítica que se pode fazer ao Decreto nº 10502 é ao seu processo de elaboração antidemocrático visto que este foi elaborado dentro de um governo que desconsidera a opinião das pessoas com deficiência dos movimentos sociais de familiares de pessoas com deficiência e de pesquisadores da área de educação especial O documento foi construído por representantes do Ministério da Educação sem um debate mais profundo com a sociedade civil desconsiderando os argumentos das pessoas interessadas sobre o tema e o acúmulo de estudos e pesquisas acadêmicas da área que apresentam as diferentes fases da educação especial discutidas no tópico anterior a saber exclusão segregação integração e apontam a inclusão educacional como forma mais coerente de oferta educacional às pessoas com deficiência BLANCO GLAT 2007 MARCHESI 2004 A educação inclusiva discutida nas pesquisas e oficializada nos documentos legais brasileiro anterior ao Decreto nº 10502 implica em uma escola de qualidade para todos e exige uma reorganização dessa instituição bem como o esforço coletivo de mudanças de práticas formas de ensinar e avaliar que favoreçam a aprendizagem de todos os alunos e contribuam para a construção de uma sociedade inclusiva Nesse sentido concordamos com a opinião de Mendes 2006 p 401 ao afirmar que não há como melhorar nossas escolas se as diferenças continuarem a ser sistematicamente delas excluídas Percebese que a inclusão dos estudantes com deficiência nas escolas regulares contribui para mudanças Assim o Decreto nº 10502 desconsidera o longo processo de desenvolvimento da educação especial que por meio de pesquisas e leis nacionais e internacionais afirma o direito das pessoas com deficiência à inclusão escolar e à convivência em espaços não segregados Essa postura do atual governo federal é diferente da adotada na ocasião da Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 169 elaboração da PNEEEI BRASIL 2008 que segundo Correia e Baptista 2018 p 723 foi realizada com a participação de um grupo de trabalho tendo o documento síntese sido apreciado e debatido por gestores e pesquisadores da educação especial levando em consideração ainda os documentos legais e as lutas dos movimentos sociais que postulavam a necessidade de uma educação inclusiva ALVES AGUILAR 2018 Cabe ressaltar também que a não participação das pessoas com deficiência na elaboração da nova política contraria a Convenção do Direito das Pessoas com Deficiência BRASIL 2014 que prevê a participação ativa das pessoas com deficiência nas decisões relacionadas a programas e a políticas principalmente nos quais serão afetadas diretamente A convenção citada reconhece ainda a necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência inclusive daquelas que requerem maior apoio BRASIL 2014 p 17 Sendo assim a nova antiga Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida BRASIL 2020 apresenta expressões que já haviam sido superadas nas legislações referentes à educação especial dentre estas destacase preferencialmente a que foi utilizada na nova política no conceito de educação especial que é definida como modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino aos educandos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 2020 p 1 O termo preferencialmente também foi adotado na Constituição Federal de 1988 e na LDBEN 939496 e foi alvo de debates e interpretações variadas sendo utilizado em alguns momentos para justificar a manutenção das pessoas com deficiência em espaços segregados sob alegação de não adequação ou de não se beneficiarem das ações pedagógicas desenvolvidas nas escolas regulares Outra expressão que aparece no decreto e que tem sido alvo de críticas é escolas especializadas que são definidas no documento como instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam em seu desenvolvimento quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos Segundo Kassar 2011 as instituições especializadas foram durante um grande período as principais protagonistas da educação especial baseavamse no modelo clínicomédico e constituíamse em ambientes que forneciam uma educação segregada aos alunos com deficiência Glat e Blanco 2007 acrescentam que nas instituições especializadas a educação escolar não era considerada prioritária Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 170 A perspectiva inclusiva adotada na política anterior BRASIL 2008 rompe com a ideia de espaços segregados pois os serviços de educação especial não são concebidos como substitutivos a escolarização das pessoas com deficiência na escola regular e sim como um suporte para remoção de barreiras que impeçam a plena participação e aprendizagem dessas pessoas O Decreto nº 7611 no artigo 2º apresenta essa concepção quando informa que A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 2011 p1 Ao retomar a ideia de escolarização das pessoas com deficiência em classes e escolas especializadas o decreto acaba indo também de encontro à Declaração de Salamanca da qual o Brasil foi signatário que convocava a todos os governos participantes a priorizar política e financeiramente o aperfeiçoamento dos sistemas de ensino com o objetivo de garantir a inclusão de todas as crianças independente das suas necessidades e diferenças BRASIL 1997 A possibilidade da escolarização em espaços segregados retoma ainda que implicitamente o conceito de deficiência dentro de uma perspectiva unicamente biológica centrado na pessoa não considerando as barreiras sociais atitudinais arquitetônicas dentre outras que na maioria das vezes são as principais responsáveis pela não aprendizagem ou a não adequação dos alunos com deficiência na escola regular O Decreto nº 105022020 não leva em consideração o modelo social da deficiência que adota um conceito de deficiência que não ignora os impedimentos de ordem biológica mas considera as barreiras sociais como limites a plena participação das pessoas com deficiência DINIZ BARBOSA SANTOS 2009 Assim a ideia de não adaptação acaba de certa forma atribuindo a culpa à pessoa com deficiência e isentando a escola regular do seu papel de promover uma educação de qualidade para todos Ao sugerir a escolarização das pessoas com deficiência em espaços segregados a nova política de educação especial fere os princípios e diretrizes trazidos na Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência que reconhecem o direito da pessoa com deficiência à educação sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades Para garantir o direito à educação os Estados partes se comprometem a assegurar que Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 171 a As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário sob alegação de deficiência b As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem c Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas d As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação e Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena BRASIL 2014 p 5354 É possível perceber que o direito a uma educação de qualidade e sem discriminação conquistado pelas pessoas com deficiência e trazido acima na transcrição do texto da convenção é desconsiderado na atual política de educação especial quando esta propõe a escolarização em escolas e classes especializadas Outra consequência que poderia decorrer do Decreto nº 105022020 é o financiamento de instituições especializadas privadas como ocorreu conforme Mendes 2010a após a publicação da LDB de 1961 BRASIL 1961 e diminuição de investimentos financeiros nas escolas públicas para garantia de acessibilidade aos alunos com deficiência como diminuição de recursos para implantação de novas salas de recursos multifuncionais aquisição de recursosserviços de tecnologia assistiva para compra de aparelhos contratação de profissionais de apoio cuidadores professores de AEE e para o investimento na formação de professores e outros profissionais que atuam nas escolas públicas Investimentos esses que fortaleceriam a educação pública e a inclusão educacional das pessoas com deficiência A prática do investimento em instituições filantrópicas já fez parte da história da educação especial no Brasil e contribuiu para que o poder público não se ocupasse de forma efetiva da educação das pessoas com deficiência delegando ao setor privado uma atribuição que deveria ser pública JANUZZZI 2012 Em que pese a breve análise desenvolvida neste texto os argumentos aqui explicitados são suficientes para demonstrar a inconsistência e incompatibilidade da nova política de educação especialinclusiva do governo Jair Messias Bolsonaro com as conquistas das pessoas com deficiência em especial nas últimas duas décadas no Brasil Ousamos afirmar que essa política faz parte das ações de um projeto maior de sociedade em ascensão no Brasil marcado pelas desigualdades preconceitos discursos anticientíficos e conservadores Felizmente no mês de dezembro do ano de 2020 fora anunciada a suspensão da Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 172 eficácia da nova política de educação especial pelo ministro do Supremo Tribunal Federal STF Dias Toffoli A decisão liminar foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 6590 e será submetida a referendo do plenário Ao deferir a liminar Dias Toffoli acentuou que o projeto poderá fundamentar políticas públicas que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino PORTAL STF 2020 No dia 21 de dezembro de 2020 após o julgamento da ADI nº 6590 o STF publicou a seguinte decisão O Tribunal por maioria referendou a decisão liminar para suspender a eficácia do Decreto nº 105022020 nos termos do voto do Relator vencidos os Ministros Marco Aurélio e Nunes Marques PORTAL STF 2020 Em nossas análises a decisão de Dias Toffoli e do julgamento do STF está baseada em princípios constitucionais legais brasileiros que acentuam a necessidade de inclusão e luta contra a segregação e exclusão dos sujeitos independente de suas crenças orientação sexual de gênero deficiência entre outras Certamente esse e qualquer outro decreto que vise retroceder as conquistas alcançadas pelo públicoalvo da educação especial serão fruto de amplas discussões reflexões e calorosos debates entre a sociedade civil os movimentos sociais e o públicoalvo da educação especial sujeitos que experimentam cotidianamente a sutil exclusão nos mais diversos espaços sociais Considerações Finais Neste artigo buscamos realizar problematizações de pressupostos do Decreto nº 105022020 do governo Jair Messias Bolsonaro que institui a Política de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Assim remotamos a questão norteadora que subsidiou nossas reflexões a fim de realizarmos uma síntese das principais conclusões realizadas quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com implicações na educação especialinclusiva Destarte a análise crítica do Decreto nº 105022020 revela que este se constitui um retorno a um conjunto de propostas de natureza segregacionistas e excludentes que historicamente demarcam a educação especial no Brasil ainda que revestida de novas configurações Nesse sentido ressaltamos que a possibilidade da escolarização em espaços Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 173 segregados retoma ainda que implicitamente o conceito de deficiência dentro de uma perspectiva unicamente biológica centrado na pessoa não considerando as barreiras sociais atitudinais arquitetônicas dentre outras que na maioria das vezes são as principais responsáveis pela não aprendizagem ou a não adequação dos alunos com deficiência na escola regular O Decreto nº 105022020 não leva em consideração o modelo social da deficiência que não ignora as limitações biológicas mas enfatiza as barreiras sociais como fatores que limitam a plena participação da pessoa com deficiência DINIZ BARBOSA SANTOS 2009 Assim a ideia de não adaptação acaba de certa forma culpabilizando a pessoa deficiente e isentando a escola regular do seu papel de promover modificações que propiciem uma educação de qualidade para todos Os aspectos acima citados são suficientes para demonstrar as fragilidades presentes no Decreto nº 105022020 em relação às conquistas da área da educação especialinclusiva em que pese a materialização a se efetivar Nesse sentido o Decreto nº 105022020 tornase de fato excludente e não contribui para o avanço da área e nem a configuração de políticas públicas que possam aperfeiçoar o primado da inclusão nas escolas regulares Desse modo consideramos nesse momento a urgente necessidade de investimentos públicos na formação dos profissionais da educação na infraestrutura das escolas e em materiais didáticos que sejam efetivamente voltados para inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares Além disso tornase necessário a configuração de campanhas que façam valer a diferença como eixo nodal de uma sociedade marcada pela diversidade Por fim avaliamos que antes da promulgação de qualquer decreto tornase condição sine qua non o diálogo com a sociedade civil os movimentos sociais e especialmente o públicoalvo da educação especial sob o risco do direcionamento de políticas e ações institucionais que verdadeiramente não representem os anseios e necessidades dos sujeitos Referências ALVES Denise Soares da Silva AGUILAR Luis Enrique A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva em Jundiaí uma análise do processo de implementação Revista Brasileira Educação Especial Marília v24 n3 p373388 julset 2018 ANPED ABPEE ANPED e ABPEE denunciam retrocessos em nova política de educação especial lançada pelo governo Portal da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 174 Graduação em Educação ANPEd Rio de Janeiro 05102020 Disponível em encurtadorcombrrvEX8 Acesso em 30122020 BLANCO Leila de Macedo Varela GLAT Rosana Educação especial no contexto de uma educação inclusiva In GLAT ROSANA Org Educação inclusiva cultura e cotidiano escolar Rio de Janeiro 7 Letras 2007 BRASIL Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais Brasília DF Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência Disponível em httpportalmecgovbrseesparquivospdfsalamancapdf Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Congresso Nacional 1961 Lei 4024 de 20 de dezembro de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 1961 Disponível em httpspresrepublicajusbrasilcombrlegislacao108164leidediretrizesebasede1961lei 402461 Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado FederalSecretaria Especial de Editoração e Publicações 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Brasília setembro de 2007 Disponível em encurtadorcombrgoNP7 Acesso em 2 jan 2021 BRASIL Decreto nº 10502 de 30 de setembro de 2020 Institui a política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida BRASILIA DF 30 set 2020 Disponível em httpswwwingovbrenwebdoudecreton10502de 30desetembrode2020280529948 Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 5692 de 11 de agosto de 1971 fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências Disponível em encurtadorcombrehMO5 Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Lei nº 939496 de 20 de dezembro de 1996 Fixa Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasília DF MEC 1996 Disponível em httpportalmecgovbrseesparquivospdflei9394ldbn1pdf Acesso em 8 jul 2017 BRASIL Secretaria de Educação Especial Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva Brasília DF 2008 Disponível em portalmecgovbrseesparquivospdfpoliticapdf Acesso em 8 jul 2017 BRASIL Secretaria de Educação Especial Decreto 7611 de 17 de novembro de 2011 Dispõe sobre a educação especial o atendimento educacional especializado e dá outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03Ato2011 20142011DecretoD7611htm Acesso em 8 nov 2016 CORREIA Gilvane Belem BAPTISTA Claudio Roberto Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 quais origens e quais trajetórias Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 175 RPGE Revista on line de Política e Gestão Educacional Araraquara v 22 n esp 2 p 716731 dez 2018 DINIZ Debora BARBOSA Lívia SANTOS Wederson Rufino dos Deficiência Direitos Humanos e Justiça SUR Revista Internacional de Direitos Humanos v 6 n 11 p 65 77 dez 2009 JANNUZZI Gilberta S de M A Educação do deficiente no Brasil dos primórdios ao início do século XXI 3 ed Campinas SP Autores Associados 2012 KASSAR Mônica de Carvalho Magalhães Educação especial na perspectiva da educação inclusiva desafios da implantação de uma política nacional Educar em Revista Curitiba Brasil n 41 p 6179 julset 2011 MARCHESI Álvaro Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas In COLL CÉSAR MARCHESI ÁLVARO PALACIOS JÉSUS Orgs Desenvolvimento psicológico e educação 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 MENDES Enicéia Gonçalves A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil Revista Brasileira de Educação v 11 n 33 setdez 2006 MENDES Enicéia Gonçalves Breve histórico da educação especial no Brasil Revista Educación y Pedagogía v 22 n 57 mayoagosto 2010a MENDES Enicéia Gonçalves Inclusão marco zero começando pelas creches São Paulo Junqueira Marin 2010b MITTLER Peter Da exclusão à inclusão In MITTLER PETER Org Educação inclusiva contextos sociais Tradução de Windyz Brazão Ferreira Porto Alegre Artmed 2003 KRIPKA R M L K SCHELLER M BONOTTO D L Pesquisa documental considerações sobre conceitos e características na pesquisa qualitativa Revista de investigaciones UNAD Bogotá Colombia nº 14 juliodiciembre 2015 STF Suspensa eficácia de decreto que instituiu a política nacional de educação especial Portal do Supremo Tribunal Federal Brasília 1º de dezembro de 2020 Disponível em httpnoticiasstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo456419 Acesso em 30 de dez 2020 UNIFESP Congregação da EFLCH campus Guarulhos da UNIFESP manifestase em defesa da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva Portal da EFLCH Guarulhos 2 de outubro de 2020 Disponível em encurtadorcombrackDN Acesso em 30 de dez 2020 Recebido em 02 de janeiro de 2021 Aprovado em 20 de março de 2021
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Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 156 A NOVA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO AFRONTA AOS DIREITOS HUMANOS ANÁLISE CRÍTICA DO DECRETO Nº 105022020 THE NEW SPECIAL EDUCATION POLICY AS AN AFFAIR TO HUMAN RIGHTS CRITICAL ANALYSIS OF DECREE Nº 105022020 LA NUEVA POLÍTICA DE EDUCACIÓN ESPECIAL COMO ASUNTO DE DERECHOS HUMANOS ANÁLISIS CRÍTICO DEL DECRETO Nº 105022020 Élida Cristina da Silva de Lima Santos1 Jefferson da Silva Moreira2 Resumo Neste artigo realizamos problematizações de pressupostos do Decreto nº 105022020 do governo Jair Messias Bolsonaro que institui a Política de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Com efeito o objetivo geral deste estudo consiste em analisar criticamente o conteúdo do Decreto nº 105022020 demonstrando suas incongruências e incompatibilidades com as conquistas da educação em direitos humanos no cenário brasileiro em especial nas duas últimas décadas A seguinte questão nos convida à reflexão quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com implicações na educação especialinclusiva No que concerne aos aspectos metodológicos caracterizase como um estudo qualitativo de abordagem documental e bibliográfica pautado em uma análise crítico interpretativa das disposições gerais princípios objetivos e diretrizes presentes no Decreto nº 105022020 Desse modo realizamos problematizações ponderações e argumentos que corroboram sobre os retrocessos dessa nova política como uma afronta aos direitos humanos e garantias legais conquistados pelo públicoalvo da educação especialinclusiva no cenário educacional nacional Concluise que a nova política instituída pelo governo federal é a materialização do retorno às propostas segregacionistas e excludentes que marcam a história da educação especial no Brasil ainda que revisto de novas roupagens e configurações Palavraschave Educação especial Educação inclusiva Decreto nº 105022020 Direitos humanos Abstract In this article we problematize the assumptions of Decree No 105022020 by the Jair Messias Bolsonaro government which institutes the Special Education Policy equitable 1 Doutoranda em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal da Bahia UFBA Mestra em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da UFBA Licenciada em Pedagogia pela UFBA ORCID httpsorcidorg0000000183597479 Email elida4203gmailcom 2 Doutorando em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo Unifesp Mestre em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS Licenciado em Pedagogia pela UEFS ORCID httporcidorg00000002 5918 7928 Email moreirajefferson92yahoocombr Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 157 inclusive and with lifelong learning Indeed the general objective of this study is to critically analyze the content of Decree No 10502 2020 demonstrating its inconsistencies and incompatibilities with the achievements of Human Rights Education in the Brazilian scenario especially in the last two decades The following question invites us to reflect what political pedagogical intentions are present even if implicitly in Decree nº 105022020 with implications for SpecialInclusive Education With regard to methodological aspects it is characterized as a qualitative study with a documentary and bibliographic approach based on a criticalinterpretative analysis of the general provisions principles objectives and guidelines present in Decree No 105022020 In this way we carried out problematizations considerations and arguments that corroborate the setbacks of this new policy as an affront to human rights and legal guarantees achieved by the target audience of Special Inclusive Education in the national educational scenario It is concluded that the new policy instituted by the Federal Government is the materialization of the return to the segregationist and exclusionary proposals that mark the history of Special Education in Brazil although revised in new guises and configurations Keywords Special Education Inclusive education Decree nº 105022020 Human rights Resumen En este artículo problematizamos los supuestos del Decreto No 10502 2020 del gobierno de Jair Messias Bolsonaro que instituye la Política de Educación Especial equitativa inclusiva y con aprendizaje permanente En efecto el objetivo general de este estudio es analizar críticamente el contenido del Decreto No 10502 2020 demostrando sus inconsistencias e incompatibilidades con los logros de la Educación en Derechos Humanos en el escenario brasileño especialmente en las últimas dos décadas La siguiente pregunta nos invita a reflexionar qué intenciones políticopedagógicas están presentes aunque sea implícitamente en el Decreto nº 10502 2020 con implicaciones para la Educación Especial Inclusiva En cuanto a los aspectos metodológicos se caracteriza por ser un estudio cualitativo con enfoque documental y bibliográfico basado en un análisis crítico interpretativo de las disposiciones generales principios objetivos y lineamientos presentes en el Decreto No 10502 2020 De esta manera realizamos problematizaciones consideraciones y argumentos que corroboran los retrocesos de esta nueva política como una afrenta a los derechos humanos y garantías legales logradas por el público objetivo de la Educación Especial Inclusiva en el escenario educativo nacional Se concluye que la nueva política instituida por el Gobierno Federal es la materialización del retorno a las propuestas segregacionistas y excluyentes que marcan la historia de la Educación Especial en Brasil aunque revisadas en nuevas formas y configuraciones Palabrasclave Educación especial Educación inclusiva Decreto 105022020 Derechos humanos Introdução No dia 1º de outubro de 2020 o governo federal através do presidente da República Jair Messias Bolsonaro publicou no Diário Oficial da União o Decreto nº 10502 de 30 de setembro de 2020 que institui a Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Em linhas gerais a medida mais drástica do citado Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 158 documento consiste na supressão da obrigatoriedade da escola regular em realizar a matrícula de alunos com deficiência permitindo a volta do ensino regular para esses sujeitos em escolas especializadas Com efeito a publicação do Decreto nº 10502 culminou na publicação de manifestos e notas de repúdio de diversos pesquisadores e entidades científicas ligadas à área da educação especial e inclusiva demonstrando as incongruências da proposta com as conquistas e resultados de estudos e pesquisas acadêmicas da área ABPEE ANPED 2020 O documento que passou a ser amplamente denominado de Decreto da exclusão foi alvo de severas críticas e reflexões analíticas contundentes Pesquisadores acadêmicos de diversas regiões do país avaliam a proposta como excludente e ilegal A título de exemplificação colocamos em relevo excertos do manifesto produzido pela Congregação da Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas EFLCH da Universidade Federal de São Paulo Unifesp campus Guarulhos em São Paulo que se posicionou incisivamente contra a efetivação do Decreto nº 10502 Assim a congregação da EFLCH destacou o acúmulo de estudos empreendidos no âmbito da universidade e a publicação de pesquisas ligadas à área da educação especialinclusiva em periódicos de amplo reconhecimento nacional e internacional que oferecem perspectivas atuais e críticas para o complexo tema dos direitos educacionais de pessoas com deficiência UNIFESP 2 DE OUTUBRO DE 2020 O referido manifesto destaca que O documento apresentado esvazia a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PNEEPEI MEC 2008 que resultou de imensos esforços da sociedade brasileira para que o chamado público alvo da educação especial deixasse de ser objeto de segregação escolar Não se trata de uma nova política pois voltamos ao passado A escolarização de pessoas com deficiência volta a ter como foco o trabalho especializado Tratase da descaracterização de uma política nacional que garante direitos São direitos que têm como ponto de partida a Constituição Federal de 1988 ainda em vigor e são assegurados e promovidos pela Lei Brasileira de Inclusão Lei Nº 13146 2015 Tratase também de opção isolacionista pois leva o país a descumprir metas e compromissos internacionais que honrosamente o Estado brasileiro firmou proclamando o privilégio de inscrever o Brasil entre os signatários de documentos historicamente consolidados com propósitos inclusivos e emancipadores Como instituição pública estamos nos posicionando e deliberadamente escolhendo permanecer ao lado de estudantes e famílias que contam com nosso trabalho e que em nossa experiência contrariamente ao que foi argumentado na divulgação do documento não estão clamando pelas mudanças por essa medida instituídas Clamam sim pelo respeito e Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 159 fortalecimento à educação pública UNIFESP 2 DE OUTUBRO DE 2020 Com o objetivo de contribuir com o enriquecimento dessa discussão propondo reflexões críticas sobre as diversidades no contexto de políticas educacionais pautadas por segmentos de extrema direita no Brasil este texto objetiva analisar criticamente o conteúdo do Decreto nº 105022020 demonstrando suas incongruências e incompatibilidades com as conquistas da educação em direitos humanos no cenário brasileiro em especial nas duas últimas décadas Desse modo a seguinte questão nos convida à reflexão sobre as implicações do mencionado decreto quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com consequências na educação especialinclusiva Do ponto de vista metodológico o estudo em tela caracterizase por ser de natureza qualitativa de abordagem documental e bibliográfica pautado em uma análise crítico interpretativa das disposições gerais princípios objetivos e diretrizes presentes no Decreto nº 105022020 Além disso realizamos uma revisão bibliográfica com base em autores de referência da área da educação especial e inclusiva demonstrando os aspectos históricos que envolvem os debates acadêmicos da área Nesse sentido conforme Kripka Scheller e Bonotto 2015 p 59 A pesquisa documental não pode ser confundida com a pesquisa bibliográfica com a qual se assemelha uma vez que ambas utilizam o documento como objeto de investigação O que as diferencia é a fonte ou seja a característica do documento no primeiro caso denominamse de fontes primárias as quais não receberam nenhum tratamento analítico como relatórios de pesquisas ou estudos memorandos atas arquivos escolares autobiografias reportagens cartas diários pessoais filmes gravações fotografias entre outras matérias de divulgação no segundo as fontes são secundárias abrangem toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema Desse modo realizamos problematizações ponderações e argumentos que corroboram sobre os impactos dessa nova política como uma afronta aos direitos humanos e garantias legais conquistados pelo públicoalvo da educação especialinclusiva no cenário educacional nacional O artigo está organizado em três seções Inicialmente recuperamos um debate histórico sobre educação especial e inclusiva demonstrando as conquistas alcançadas pelas pessoas com deficiência nas últimas três décadas Além disso recuperamos o histórico dos modelos de escolarização direcionadas a esse público no contexto da história da educação Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 160 brasileira A segunda seção versa mais especificamente sobre as contradições e retrocessos presentes no Decreto nº 105022020 realizando um cotejamento com referenciais teóricos da área da educação especialinclusiva Por fim apresentamos as considerações finais do texto demonstrando as limitações do presente estudo que poderão ser minimizadas com o empreendimento de novas pesquisas Educação especial e o paradigma da inclusão questões históricas debates atuais Em consonância com as recomendações de documentos oficiais brasileiros a educação especial é uma modalidade de ensino transversal a todos os níveis etapas e modalidades e que realiza o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidadessuperdotação BRASIL 2008 Contudo nem sempre foi concebida dessa maneira pois historicamente a educação especial se constituiu como um sistema paralelo e segregado de ensino BLANCO GLAT 2007 p 15 No contexto geral Mendes 2006 atribui o surgimento da educação especial ao século XVI através do esforço individual de médicos e pedagogos que acreditaram na possibilidade de educar de forma individual alguns sujeitos que eram considerados pela sociedade da época como inelegíveis para a educação Contudo a autora acrescenta que apesar dessas experiências inovadoras o que prevaleceu foi a segregação das pessoas consideradas diferentes em instituições como asilos e manicômios MENDES 2006 Essa segregação justificavase pela modelo adotado na época pois a educação especial se constituiu a partir do modelo clínicomédico centrado na correção do déficit BLANCO GLAT 2007 Esse modelo priorizava o olhar médico e o diagnóstico considerava o inatismo3 e estabilidade da deficiência concebia todos os atendimentos prestados a pessoa com deficiência pelo viés terapêutico e não priorizava o aprendizado acadêmico BLANCO GLAT 2007 MARCHESI 2004 No que se refere a esse modelo Marchesi 2004 destaca a crença de que o problema era inerente à pessoa com deficiência e que a ação educacional não revelaria grandes êxitos pois existia a predominância de uma concepção determinista do desenvolvimento MARCHESI 2004 p 17 No Brasil seguindo o modelo adotado em outros países conforme Kassar 2011 e Mendes 2006 o atendimento educacional oferecido às pessoas com deficiência também teve 3 Crença adotada na primeira metade do século XX de que a deficiência era proveniente de causas orgânicas que se produziam no início do desenvolvimento e cuja modificação posterior era difícil Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 161 sua origem em um ensino separado da educação geral Kassar 2011 p 61 afirma que esta separação materializouse na existência de um sistema paralelo de ensino de modo que o atendimento de alunos com deficiência ocorreu de modo incisivo em locais separados dos outros alunos e com pouca atenção da educação pública Mendes 2010a ao traçar um breve histórico da educação especial no Brasil ressalta que no período colonial predominou a omissão e o descaso do governo destacando a criação do Instituto dos Meninos Cegos em 18544 e do Instituto dos Surdosmudos5 em 1857 localizados no Rio de Janeiro como um marco na história da educação especial brasileira Apesar dessas instituições atuarem de forma segregada na época da criação representaram uma importante iniciativa por parte do governo em relação à educação das pessoas com deficiência Na Primeira República Mendes 2010a pontua o interesse dos médicos no que se refere ao estudo das crianças com deficiências mais graves e a criação de locais junto aos hospitais psiquiátricos para o atendimento a essa clientela Mendes 2010a p 95 acrescenta ainda que Este interesse dos médicos pelas pessoas com deficiências teria maior repercussão após a criação dos serviços de higiene mental e saúde pública que em alguns estados deu origem ao serviço de Inspeção médicoescolar e à preocupação com a identificação e educação dos estados anormais de inteligência Mendes 2010a aborda ainda no período da primeira república a contribuição dos princípios do modelo escolanovista que no Brasil através dos seus representantes defendia que a escola pública laica e gratuita era o meio de combater as desigualdades sociais além de defender uma escola que diferente do que acontecia no modelo tradicional respeitasse a liberdade dos educandos A autora ressalta que o movimento escolanovista incentivou reformas educacionais em alguns estados brasileiros e possibilitou que a psicologia adentrasse as questões educacionais bem como o uso de testes para identificar pessoas com deficiência intelectual o que favoreceu uma preocupação com a educação das pessoas que possuíam deficiências intelectuais consideradas menos severas Ainda sobre o período citado acima cabe destacar a atuação de Francisco Campos adepto da Escola Nova que enquanto secretário de Educação de Minas Gerais foi responsável por algumas reformas educacionais no Estado e trouxe psicólogos para oferecer 4 Atualmente conhecido como Instituto Benjamin Constant 5 Instituto Nacional de Educação dos Surdos INES Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 162 cursos para os professores Dentre os psicólogos que foram trazidos para ministrar os cursos Hellena Antipoff chegou ao Brasil em 1929 se estabeleceu em Minas Gerais sendo considerada uma figura importante na história da educação especial brasileira Dentre as ações realizadas por ela destacamse a organização de classes homogêneas nas escolas primárias b criação de classes especiais para pessoas com deficiência intelectual na escola regular c criação da Sociedade Pestalozzi 1932 d criação de uma escola para crianças excepcionais participou do movimento para a implantação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais em 1954 e influenciou a formação de profissionais na área de educação especial KASSAR 2011 MENDES 2010a Vale ressaltar que embora essas ações fossem realizadas em âmbito local em Minas Gerais elas influenciaram as ações educacionais em todo o país Kassar 2011 ao analisar a legislação de São Paulo e de Minas gerais divulgada em 1930 faz a seguinte constatação na história da educação brasileira a separação foi constituindose como preferência e não exceção Dessa forma a separação de crianças foi e talvez ainda seja uma prática pedagógica proposta para a educação em geral Partindo do pressuposto de adequação dos espaços segregados e com escassas escolas públicas no país durante a primeira metade do século XX pais e profissionais de pessoas com deficiências passaram a se organizar e formar instituições privadas de atendimento especializado KASSAR 2011 p 67 Assim as instituições especializadas foram surgindo em vários estados ocupandose da atenção educativa das pessoas com deficiência e sendo por vezes confundida como instituições públicas e posteriormente exercendo grande influência nas decisões legais relacionadas à educação especial Observase nesse período pouca preocupação governamental com a educação especial Sobre a influência do movimento escolanovista na educação especial Mendes 2010a alerta que ele não produziu mudanças significativas ao contrário serviu para justificar a segregação como um meio de propiciar a atenção educativa aos alunos que não conseguiam se beneficiar do ensino oferecido na escola comum Durante a Segunda República Mendes 2010a informa que entre 1950 e 1959 verificouse um crescimento no número de instituições para pessoas com deficiência intelectual e que a partir de 1958 o Ministério da Educação passou a assessorar as instituições especializadas e as Secretarias de Educação e a promover campanhas nacionais sobre a educação de pessoas com deficiência Em 1961 foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB Lei nº 402461 que é considerada um marco político na história da educação especial pois trata dessa modalidade nos artigos 88 e 89 Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 163 No artigo 88 ressalta que A educação de excepcionais deve no que for possível enquadrarse no sistema geral de educação a fim de integrálos na comunidade BRASIL 1961 É possível perceber que apesar da legislação tratar sobre a educação das pessoas com deficiência ainda admite que aconteça em espaços segregados e no artigo 89 ainda prevê o financiamento de instituições privadas que se ocupem da educação de pessoas com deficiência Após a publicação da LDB em 1961 Mendes 2010a relata o crescimento e fortalecimento da iniciativa privada com o financiamento das instituições especializadas com recursos da área da assistência social A década de 1970 é considerada a institucionalização da educação especial BLANCO GLAT 2007 MENDES 2010a Mendes 2010a p 11 afirma que se verificou nesse período um aumento no número de textos legislativos das associações dos estabelecimentos do financiamento e do envolvimento das instâncias públicas na questão Em 1971 foi promulgada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN Lei nº 56021971 que define o públicoalvo da educação especial como sendo os alunos com deficiência física deficiência intelectual os superdotados e os que apresentavam distorção idadesérie A educação especial passou a ser oficialmente responsável pela educação dos alunos que não se adaptavam às exigências da escola comum Também na década de 1970 em 1973 mais especificamente foi criado o Centro Nacional de Educação Especial Cenesp6 no Ministério da Educação que ficou responsável a nível federal pela política de educação especial Sobre as ações do Cenesp Blanco e Glat 2007 p 21 ressaltam que foram implantados subsistemas de educação Especial nas diversas redes públicas de ensino através da criação de escolas e classes especiais bem como investimentos em projetos cujo foco era a formação de professores especializados prevendo inclusive a realização de formação em nível de pósgraduação fora do país BLANCO GLAT 2007 O investimento na formação de recursos humanos possibilitou o conhecimento de novas abordagens recursos e uma aposta na possibilidade de aprendizagem das pessoas com deficiência Tal aposta baseiase também na questão econômica relação custobenefício pois com base em estudos realizados nos Estados Unidos constatouse que os investimentos em ações que propiciassem cidadãos úteis eram mais lucrativo do que manter essas pessoas em instituições especializadas Diante dos fatores citados acima Nesse momento o CENESP divulga os princípios de normalização e integração das pessoas com deficiências na educação 6 Em 1986 foi transformado na Secretaria de Educação Especial SEESP BLANCO GLAT 2007 Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 164 que passam a marcar a educação especial brasileira KASSAR 2011 p 69 No que se refere ao princípio de normalização Mendes 2006 atribui a sua origem aos países escandinavos principalmente as críticas realizadas nesses países aos impactos da convivência dos espaços segregados para a vida das pessoas com deficiência Blanco e Glat 2007 e Mendes 2006 apontam que o conceito de normalização foi alvo de críticas geradas pela compreensão errônea do mesmo visto que foi concebido por algumas pessoas como normalizar as pessoas com deficiência quando na verdade tratava de normalizar as condições de vida ou seja propiciar as pessoas com deficiência desfrutar de serviços e espaços oferecidos as demais pessoas da sua comunidade Como desdobramento do princípio de normalização Blanco e Glat 2007 p 22 acrescentam que A partir de então seguindo a filosofia da Normalização desenvolveuse o paradigma educacional denominado Integração o qual se propunha a oferecer aos alunos com deficiências o ambiente escolar menos restritivo possível Esse modelo visava preparar alunos das classes e escolas especiais para ingressarem em classes regulares quando recebiam na medida de suas necessidades atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades especializadas Conforme Mendes 2006 a prática da integração se baseou em alguns argumentosfatores a saber a argumentos morais que apontaram os prejuízos das práticas de segregação e consideravam inaceitáveis as ações de marginalização e segregação dos grupos minoritários b os benefícios da convivência conjunta tanto para os alunos com deficiência quanto para os que não possuíam deficiência c os resultados das pesquisas realizadas na área educacional que apontavam que as pessoas com deficiência tinham capacidade de aprender e d fatores econômicos MENDES 2006 O paradigma da integração escolar contribuiu para a revisão e questionamento das práticas de segregação eou exclusão que tradicionalmente foram adotadas pela educação especial e influenciaram os documentos legais publicados posteriormente A Constituição Federal do Brasil de 1988 BRASIL 1988 apresenta reflexos dessas mudanças orientando que a educação das pessoas com deficiência deveria ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino com a garantia do direito ao atendimento educacional especializado BLANCO GLAT 2007 MENDES 2010 Entretanto o movimento pela integração não alcançou os resultados almejados e foi alvo de críticas pois dentre outras coisas exigia uma preparação prévia do sujeito com deficiência para ser inserido na escola regular Além disso o aluno deveria pelos seus Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 165 esforços individuais acompanhar os demais colegas ou seja o foco continuava sendo as aptidões pessoais dos indivíduos e não as práticas as metodologias e os recursos oferecidos pela escola regular Essa postura acabava por comprometer a mobilidade dos educandos com deficiência das escolas e classes especiais para o ensino comum e contraditoriamente aumentar o número de alunos nesses espaços pois para esses locais eram encaminhados aqueles que não conseguiam se adaptar às metodologias e às exigências da escola regular BLANCO GLAT 2007 MENDES 2006 Blanco e Glat 2007 apontam também a falta de articulação entre os professores especializados e os professores da sala regular como um aspecto que contribuiu para o fracasso da integração escolar pois não havia um diálogo entre esses profissionais sendo os profissionais especializados percebidos como os únicos responsáveis pela aprendizagem dos alunos com deficiência Verificouse que estes continuavam excluídos só que agora dentro das escolas regulares A experiência proporcionada pelo modelo de integração e as críticas realizadas ao mesmo aliadas às transformações econômicas científicas e legais ocorridas no contexto histórico e mundial contribuíram para a abertura de novas perspectivas e possibilidades culminando com a proposta da educação inclusiva Sobre essa proposta Mendes 2010b p 22 afirma O termo educação inclusiva foi uma proposta da aplicação prática ao campo da educação de um movimento mundial denominado Inclusão Social que é proposto como um novo paradigma que implicaria na construção de um processo bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam em parceria efetivar a equiparação de oportunidades para todos É possível perceber que na proposta de inclusão o foco não é exclusivamente na pessoa com deficiência mas deslocase também para o espaço escolar na medida em que este deve oferecer condições adequadas para o acesso participação e aprendizagem das pessoas com deficiência Mittler 2003 p 34 afirma que a inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de currículo avaliação pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula Essa reforma tem como objetivo garantir uma educação de qualidade para todos os alunos Cabe ressaltar que a educação inclusiva adotada no Brasil tem em sua base algumas açõeseventos internacionais que culminaram na publicação ou no compromisso de adotar as diretrizes estabelecidas nesses eventos Dentre as ações internacionais destacase a Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 166 Conferência Mundial sobre Educação para Todos satisfação das necessidades básicas de aprendizagem realizada em 1990 em Jomtien na Tailândia Nesse evento foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Brasil como signatário desse documento se comprometeu a universalizar o direito à educação KASSAR 2011 MENDES 2006 Kassar 2011 p 70 destaca que O movimento de Educação para Todos atinge de certa forma as pessoas com deficiências A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais acesso e qualidade realizada em Salamanca na Espanha em 1994 também foi uma ação de grande importância Essa conferência foi organizada pelo governo da Espanha e pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura Unesco e como fruto desse evento foi publicada a Declaração de Salamanca que teve também o Brasil como signatário Essa declaração proclama que as escolas comuns são meios eficazes para combater atitudes discriminatórias e determina que essas escolas devem acolher todas as crianças dentre elas as crianças com deficiência e as crianças bemdotadas7 Mendes 2010b considera que essa declaração representa um marco na propagação das teorias e práticas da educação inclusiva no Brasil e no mundo A LDBEN nº 939496 BRASIL 1996 é promulgada dois anos após a Declaração de Salamanca e incorpora alguns princípios desse documento como a reestruturação das escolas para atender de maneira efetiva todos os alunos A LDBEN nº 939496 é considerada uma legislação que apresenta avanços na área de educação especial dedicando o capítulo V ao tema conceitua a educação especial como uma modalidade de educação escolar que deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino Essa legislação assegura ainda a oferta da educação especial como um dever constitucional do Estado e que deve ser oferecida desde a educação infantil bem como determina que os sistemas de ensino assegurem dentre outras coisas no artigo 59 I currículos métodos técnicas recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades e professores especializados e do ensino regular capacitados para atender aos alunos com deficiência Tanto a Constituição quando a LDBEN de 1996 afirmam o direito das pessoas com deficiência à educação na escola comum contudo não determinam a obrigatoriedade e de certo modo preveem que essa educação possa acontecer em espaços segregados MENDES 2006 Assim são necessárias publicações de outros documentos na área de educação especial para garantir a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência na escola regular e 7 Nomenclatura utilizada na época para os alunos com altas habilidadessuperdotação Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 167 como precisa ocorrer o suporte da educação especial Esses documentos legais culminam em 2008 com a divulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PNEEEI BRASIL 2008 A PNEEEI afirma logo na introdução que A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos BRASIL 2008 p1 e assegura o direito das pessoas com deficiência ao acesso à escola regular com o suporte do Atendimento Educacional Especializado AEE desde a educação infantil até o ensino superior Verificamos que até o ano de 2015 foram publicados decretos e leis que fortaleciam a proposta da educação inclusiva e orientavam aspectos relacionados à oferta do AEE Embora se reconheça que muitos aspectos precisam ser melhorados para garantia de uma educação de qualidade para todos não tem como negar os avanços do paradigma da educação inclusiva que foi uma construção histórica na garantia do direito à educação das pessoas com deficiência que foram durante muito tempo e alguns até hoje em sua grande maioria excluídos da escola Mendes 2006 p 401 ressalta que não se pode negar a conotação política do movimento pela inclusão escolar como estratégia potencial para ampliar o acesso à escola pública para crianças e jovens com necessidades educacionais especiais e talvez de promover o avanço necessário na educação especial e da educação em geral no país Entretanto apesar desses avanços e quando eram necessárias a promulgação de leis e a efetivação de ações que reafirmassem os princípios de uma educação inclusiva em 2018 foram organizadas pelo Ministério da Educação reuniões com representantes de instituições especializadas e técnicos do MEC que tinham como objetivo atualizar a PNEEEI Posteriormente foi publicada uma minuta8 da nova versão intitulada Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e ao longo da vida Essa minuta e os slides9 apresentados na reunião foram alvo de críticas por dentre outras coisas trazerem a ideia de retorno da educação especial a um modelo clínicomédico e a escolarização das pessoas com deficiência em espaços segregados Mesmo não contando com a aprovação de grande parte das pessoas com deficiência pesquisadores e demais pessoas interessadas na área em 2020 é publicado o Decreto nº 10502 de 30 de setembro de 2020 BRASIL 2020 que instituiu 8 Minuta disponível no endereço eletrônico httpspneemecgovbrintegra 9Tivemos acesso aos slides através da publicação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença LEPED da Universidade Estadual de Campinas Unicamp 2018 Disponível em httpsinclusaojafileswordpresscom201805textodeanc3a1lisedosslidessobreareformadapneepei final1pdf Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 168 oficialmente a Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Essa política tem sido alvo de várias críticas por partes de pesquisadores associação de pais de pessoas com deficiência profissionais da área da educação dentre outros Na próxima seção a partir de uma análise críticointerpretativa apresentamos as principais inconsistências fragilidades e retrocessos dessa nova política para o campo da educação especial e inclusiva A nova política de educação especial do governo Bolsonaro Decreto nº 105022020 desvelando contradições A primeira crítica que se pode fazer ao Decreto nº 10502 é ao seu processo de elaboração antidemocrático visto que este foi elaborado dentro de um governo que desconsidera a opinião das pessoas com deficiência dos movimentos sociais de familiares de pessoas com deficiência e de pesquisadores da área de educação especial O documento foi construído por representantes do Ministério da Educação sem um debate mais profundo com a sociedade civil desconsiderando os argumentos das pessoas interessadas sobre o tema e o acúmulo de estudos e pesquisas acadêmicas da área que apresentam as diferentes fases da educação especial discutidas no tópico anterior a saber exclusão segregação integração e apontam a inclusão educacional como forma mais coerente de oferta educacional às pessoas com deficiência BLANCO GLAT 2007 MARCHESI 2004 A educação inclusiva discutida nas pesquisas e oficializada nos documentos legais brasileiro anterior ao Decreto nº 10502 implica em uma escola de qualidade para todos e exige uma reorganização dessa instituição bem como o esforço coletivo de mudanças de práticas formas de ensinar e avaliar que favoreçam a aprendizagem de todos os alunos e contribuam para a construção de uma sociedade inclusiva Nesse sentido concordamos com a opinião de Mendes 2006 p 401 ao afirmar que não há como melhorar nossas escolas se as diferenças continuarem a ser sistematicamente delas excluídas Percebese que a inclusão dos estudantes com deficiência nas escolas regulares contribui para mudanças Assim o Decreto nº 10502 desconsidera o longo processo de desenvolvimento da educação especial que por meio de pesquisas e leis nacionais e internacionais afirma o direito das pessoas com deficiência à inclusão escolar e à convivência em espaços não segregados Essa postura do atual governo federal é diferente da adotada na ocasião da Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 169 elaboração da PNEEEI BRASIL 2008 que segundo Correia e Baptista 2018 p 723 foi realizada com a participação de um grupo de trabalho tendo o documento síntese sido apreciado e debatido por gestores e pesquisadores da educação especial levando em consideração ainda os documentos legais e as lutas dos movimentos sociais que postulavam a necessidade de uma educação inclusiva ALVES AGUILAR 2018 Cabe ressaltar também que a não participação das pessoas com deficiência na elaboração da nova política contraria a Convenção do Direito das Pessoas com Deficiência BRASIL 2014 que prevê a participação ativa das pessoas com deficiência nas decisões relacionadas a programas e a políticas principalmente nos quais serão afetadas diretamente A convenção citada reconhece ainda a necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência inclusive daquelas que requerem maior apoio BRASIL 2014 p 17 Sendo assim a nova antiga Política nacional de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida BRASIL 2020 apresenta expressões que já haviam sido superadas nas legislações referentes à educação especial dentre estas destacase preferencialmente a que foi utilizada na nova política no conceito de educação especial que é definida como modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino aos educandos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 2020 p 1 O termo preferencialmente também foi adotado na Constituição Federal de 1988 e na LDBEN 939496 e foi alvo de debates e interpretações variadas sendo utilizado em alguns momentos para justificar a manutenção das pessoas com deficiência em espaços segregados sob alegação de não adequação ou de não se beneficiarem das ações pedagógicas desenvolvidas nas escolas regulares Outra expressão que aparece no decreto e que tem sido alvo de críticas é escolas especializadas que são definidas no documento como instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam em seu desenvolvimento quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos Segundo Kassar 2011 as instituições especializadas foram durante um grande período as principais protagonistas da educação especial baseavamse no modelo clínicomédico e constituíamse em ambientes que forneciam uma educação segregada aos alunos com deficiência Glat e Blanco 2007 acrescentam que nas instituições especializadas a educação escolar não era considerada prioritária Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 170 A perspectiva inclusiva adotada na política anterior BRASIL 2008 rompe com a ideia de espaços segregados pois os serviços de educação especial não são concebidos como substitutivos a escolarização das pessoas com deficiência na escola regular e sim como um suporte para remoção de barreiras que impeçam a plena participação e aprendizagem dessas pessoas O Decreto nº 7611 no artigo 2º apresenta essa concepção quando informa que A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 2011 p1 Ao retomar a ideia de escolarização das pessoas com deficiência em classes e escolas especializadas o decreto acaba indo também de encontro à Declaração de Salamanca da qual o Brasil foi signatário que convocava a todos os governos participantes a priorizar política e financeiramente o aperfeiçoamento dos sistemas de ensino com o objetivo de garantir a inclusão de todas as crianças independente das suas necessidades e diferenças BRASIL 1997 A possibilidade da escolarização em espaços segregados retoma ainda que implicitamente o conceito de deficiência dentro de uma perspectiva unicamente biológica centrado na pessoa não considerando as barreiras sociais atitudinais arquitetônicas dentre outras que na maioria das vezes são as principais responsáveis pela não aprendizagem ou a não adequação dos alunos com deficiência na escola regular O Decreto nº 105022020 não leva em consideração o modelo social da deficiência que adota um conceito de deficiência que não ignora os impedimentos de ordem biológica mas considera as barreiras sociais como limites a plena participação das pessoas com deficiência DINIZ BARBOSA SANTOS 2009 Assim a ideia de não adaptação acaba de certa forma atribuindo a culpa à pessoa com deficiência e isentando a escola regular do seu papel de promover uma educação de qualidade para todos Ao sugerir a escolarização das pessoas com deficiência em espaços segregados a nova política de educação especial fere os princípios e diretrizes trazidos na Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência que reconhecem o direito da pessoa com deficiência à educação sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades Para garantir o direito à educação os Estados partes se comprometem a assegurar que Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 171 a As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário sob alegação de deficiência b As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem c Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas d As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação e Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena BRASIL 2014 p 5354 É possível perceber que o direito a uma educação de qualidade e sem discriminação conquistado pelas pessoas com deficiência e trazido acima na transcrição do texto da convenção é desconsiderado na atual política de educação especial quando esta propõe a escolarização em escolas e classes especializadas Outra consequência que poderia decorrer do Decreto nº 105022020 é o financiamento de instituições especializadas privadas como ocorreu conforme Mendes 2010a após a publicação da LDB de 1961 BRASIL 1961 e diminuição de investimentos financeiros nas escolas públicas para garantia de acessibilidade aos alunos com deficiência como diminuição de recursos para implantação de novas salas de recursos multifuncionais aquisição de recursosserviços de tecnologia assistiva para compra de aparelhos contratação de profissionais de apoio cuidadores professores de AEE e para o investimento na formação de professores e outros profissionais que atuam nas escolas públicas Investimentos esses que fortaleceriam a educação pública e a inclusão educacional das pessoas com deficiência A prática do investimento em instituições filantrópicas já fez parte da história da educação especial no Brasil e contribuiu para que o poder público não se ocupasse de forma efetiva da educação das pessoas com deficiência delegando ao setor privado uma atribuição que deveria ser pública JANUZZZI 2012 Em que pese a breve análise desenvolvida neste texto os argumentos aqui explicitados são suficientes para demonstrar a inconsistência e incompatibilidade da nova política de educação especialinclusiva do governo Jair Messias Bolsonaro com as conquistas das pessoas com deficiência em especial nas últimas duas décadas no Brasil Ousamos afirmar que essa política faz parte das ações de um projeto maior de sociedade em ascensão no Brasil marcado pelas desigualdades preconceitos discursos anticientíficos e conservadores Felizmente no mês de dezembro do ano de 2020 fora anunciada a suspensão da Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 172 eficácia da nova política de educação especial pelo ministro do Supremo Tribunal Federal STF Dias Toffoli A decisão liminar foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 6590 e será submetida a referendo do plenário Ao deferir a liminar Dias Toffoli acentuou que o projeto poderá fundamentar políticas públicas que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino PORTAL STF 2020 No dia 21 de dezembro de 2020 após o julgamento da ADI nº 6590 o STF publicou a seguinte decisão O Tribunal por maioria referendou a decisão liminar para suspender a eficácia do Decreto nº 105022020 nos termos do voto do Relator vencidos os Ministros Marco Aurélio e Nunes Marques PORTAL STF 2020 Em nossas análises a decisão de Dias Toffoli e do julgamento do STF está baseada em princípios constitucionais legais brasileiros que acentuam a necessidade de inclusão e luta contra a segregação e exclusão dos sujeitos independente de suas crenças orientação sexual de gênero deficiência entre outras Certamente esse e qualquer outro decreto que vise retroceder as conquistas alcançadas pelo públicoalvo da educação especial serão fruto de amplas discussões reflexões e calorosos debates entre a sociedade civil os movimentos sociais e o públicoalvo da educação especial sujeitos que experimentam cotidianamente a sutil exclusão nos mais diversos espaços sociais Considerações Finais Neste artigo buscamos realizar problematizações de pressupostos do Decreto nº 105022020 do governo Jair Messias Bolsonaro que institui a Política de educação especial equitativa inclusiva e com aprendizado ao longo da vida Assim remotamos a questão norteadora que subsidiou nossas reflexões a fim de realizarmos uma síntese das principais conclusões realizadas quais intencionalidades políticopedagógicas manifestamse presentes ainda que implicitamente no Decreto nº 105022020 com implicações na educação especialinclusiva Destarte a análise crítica do Decreto nº 105022020 revela que este se constitui um retorno a um conjunto de propostas de natureza segregacionistas e excludentes que historicamente demarcam a educação especial no Brasil ainda que revestida de novas configurações Nesse sentido ressaltamos que a possibilidade da escolarização em espaços Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 173 segregados retoma ainda que implicitamente o conceito de deficiência dentro de uma perspectiva unicamente biológica centrado na pessoa não considerando as barreiras sociais atitudinais arquitetônicas dentre outras que na maioria das vezes são as principais responsáveis pela não aprendizagem ou a não adequação dos alunos com deficiência na escola regular O Decreto nº 105022020 não leva em consideração o modelo social da deficiência que não ignora as limitações biológicas mas enfatiza as barreiras sociais como fatores que limitam a plena participação da pessoa com deficiência DINIZ BARBOSA SANTOS 2009 Assim a ideia de não adaptação acaba de certa forma culpabilizando a pessoa deficiente e isentando a escola regular do seu papel de promover modificações que propiciem uma educação de qualidade para todos Os aspectos acima citados são suficientes para demonstrar as fragilidades presentes no Decreto nº 105022020 em relação às conquistas da área da educação especialinclusiva em que pese a materialização a se efetivar Nesse sentido o Decreto nº 105022020 tornase de fato excludente e não contribui para o avanço da área e nem a configuração de políticas públicas que possam aperfeiçoar o primado da inclusão nas escolas regulares Desse modo consideramos nesse momento a urgente necessidade de investimentos públicos na formação dos profissionais da educação na infraestrutura das escolas e em materiais didáticos que sejam efetivamente voltados para inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares Além disso tornase necessário a configuração de campanhas que façam valer a diferença como eixo nodal de uma sociedade marcada pela diversidade Por fim avaliamos que antes da promulgação de qualquer decreto tornase condição sine qua non o diálogo com a sociedade civil os movimentos sociais e especialmente o públicoalvo da educação especial sob o risco do direcionamento de políticas e ações institucionais que verdadeiramente não representem os anseios e necessidades dos sujeitos Referências ALVES Denise Soares da Silva AGUILAR Luis Enrique A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva em Jundiaí uma análise do processo de implementação Revista Brasileira Educação Especial Marília v24 n3 p373388 julset 2018 ANPED ABPEE ANPED e ABPEE denunciam retrocessos em nova política de educação especial lançada pelo governo Portal da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Revista de Estudos em Educação e Diversidade v 2 n 3 p 156175 janmar 2021 Disponível em httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 174 Graduação em Educação ANPEd Rio de Janeiro 05102020 Disponível em encurtadorcombrrvEX8 Acesso em 30122020 BLANCO Leila de Macedo Varela GLAT Rosana Educação especial no contexto de uma educação inclusiva In GLAT ROSANA Org Educação inclusiva cultura e cotidiano escolar Rio de Janeiro 7 Letras 2007 BRASIL Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais Brasília DF Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência Disponível em httpportalmecgovbrseesparquivospdfsalamancapdf Acesso em 29 nov 2020 BRASIL Congresso Nacional 1961 Lei 4024 de 20 de dezembro de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 1961 Disponível em 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httpperiodicos2uesbbrindexphpreed ISSN 26756889 175 RPGE Revista on line de Política e Gestão Educacional Araraquara v 22 n esp 2 p 716731 dez 2018 DINIZ Debora BARBOSA Lívia SANTOS Wederson Rufino dos Deficiência Direitos Humanos e Justiça SUR Revista Internacional de Direitos Humanos v 6 n 11 p 65 77 dez 2009 JANNUZZI Gilberta S de M A Educação do deficiente no Brasil dos primórdios ao início do século XXI 3 ed Campinas SP Autores Associados 2012 KASSAR Mônica de Carvalho Magalhães Educação especial na perspectiva da educação inclusiva desafios da implantação de uma política nacional Educar em Revista Curitiba Brasil n 41 p 6179 julset 2011 MARCHESI Álvaro Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas In COLL CÉSAR MARCHESI ÁLVARO PALACIOS JÉSUS Orgs Desenvolvimento psicológico e educação 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 MENDES Enicéia Gonçalves A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil Revista Brasileira de Educação v 11 n 33 setdez 2006 MENDES Enicéia Gonçalves Breve histórico da educação especial no Brasil Revista Educación y Pedagogía v 22 n 57 mayoagosto 2010a MENDES Enicéia Gonçalves Inclusão marco zero começando pelas creches São Paulo Junqueira Marin 2010b MITTLER Peter Da exclusão à inclusão In MITTLER PETER Org Educação inclusiva contextos sociais Tradução de Windyz Brazão Ferreira Porto Alegre Artmed 2003 KRIPKA R M L K SCHELLER M BONOTTO D L Pesquisa documental considerações sobre conceitos e características na pesquisa qualitativa Revista de investigaciones UNAD Bogotá Colombia nº 14 juliodiciembre 2015 STF Suspensa eficácia de decreto que instituiu a política nacional de educação especial Portal do Supremo Tribunal Federal Brasília 1º de dezembro de 2020 Disponível em httpnoticiasstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo456419 Acesso em 30 de dez 2020 UNIFESP Congregação da EFLCH campus Guarulhos da UNIFESP manifestase em defesa da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva Portal da EFLCH Guarulhos 2 de outubro de 2020 Disponível em encurtadorcombrackDN Acesso em 30 de dez 2020 Recebido em 02 de janeiro de 2021 Aprovado em 20 de março de 2021