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A presente obra foi revisada a partir da edição da "Organização Simões", Rio de Janeiro, Brasil, 1953. Tradução Cesar Falcão Revisão do texto e adaptação linguística Robson Achiame e Winter Bastos Capa Gabriel Amorim Kropotkin, Piotr Alexeyevich, 1842-1921 A Conquista do Pão/ Piotr Alexeyevich Kropotkin; tradução Cesar Falcão – Rio de Janeiro: Achiame, 2011. 152 p.; 23 cm. ISBN 978-85-60945-76-4 Tradução de: La Conquête du Pain. 1. Anarquismo e anarquistas I. Título. CDD 320 CDU 321 A RIQUEZA I A humanidade andou bastante desde o tempo em que a pedra lascada lhe servia para fabricar suas armas, para lutar desesperadamente pela existência. Esse período durou milhares e milhares de anos durante os quais o gênero humano acumulou tesouros incomensuráveis. Desbravou o solo, aterrou pântanos, desbastou florestas, abriu estradas, edificou, construiu e raciocinou; arranjou utensílios complicados, arrancou a Natureza os seus segredos, domou o vapor. Hoje, o homem civilizado já ao nascer encontra um capital imenso, acumulado pelos seus antepassados. E é esse capital que lhe permite agora, conjugando o seu trabalho com o dos outros homens, obter tão consideráveis riquezas que deixam a perder de vista os fabulosos tesouros que os orientais sonhavam nos seus contos das Mil e Uma Noites. Parte do solo está pronto para acolher o trabalho do lavrador inteligente e as sementes escolhidas, e enfeitar-se com colheitas deslumbrantes, mais do que o preciso para satisfazer todas as necessidades do homem, pelos meios conhecidos da agricultura. No solo virgem dos prados da América, 100 homens, munidos de máquinas poderosas, produzem em poucos meses o trigo necessário para o sustento de 10.000 pessoas durante um ano inteiro. Quando o homem quer multiplicar o seu rendimento, prepara o solo, dá às plantações cuidados que lhes convêm e obtém colheitas prodigiosas. E enquanto que outrora tinha o selvagem que apropriar-se de 100km² para sustentar a sua família, o civilizado cria, com incomparavelmente menos trabalho e mais segurança, tudo quanto precisa para sustentar os seus na décima milésima parte desse espaço. O clima já não é um obstáculo. Falta o sol? O homem o substitui pelo calor artificial, enquanto não faz também a luz para ativar a vegetação. Com vidro e canalizações de água quente, colhe, em um espaço determinado, 10 vezes maior produção do que antes. Os prodígios efetuados na indústria são mais admiráveis ainda. Com esses seres inteligentes — as máquinas modernas — fruto de três ou quatro gerações de inventores, na maior parte desconhecidos, 100 homens produzem com que vestir 10.000 homens no espaço de dois anos. Nas minas de carvão bem organizadas, 100 homens extraem cada ano o combustível para aquecer 10.000 famílias sob um inverno rigoroso. E viu-se já uma cidade maravilhosa surgir toda inteira em poucos meses no Campo de Marte, sem haver a menor interrupção nos trabalhos normais da nação francesa. E se o trabalho dos nossos maiores não aproveita senão sobretudo ao menor número, é todavia certo que a humanidade podia já permitir-se uma existência de riqueza e de luxo, só com os trabalhadores de ferro de aço que possui. Sim, sem dúvida, somos ricos, muito mais ricos do que julgamos. Ricos pelo que já possuímos; ainda mais ricos pelo que podemos produzir com o material conhecido. Infinitamente mais ricos pelo que poderíamos retirar do solo, das manufaturas, da nossa ciência e do nosso saber técnico, se tudo isso fosse aplicado com vista ao bem-estar de todos. II Nas sociedades civilizadas somos ricos. Como se explica então tanta miséria ao nosso redor? Para que este trabalho pesado que embrutece as massas? Por que a falta de segurança do dia de amanhã? Têm-no dito e repetido a cada momento os socialistas com argumentos colhidos em todas as ciências. Porque tudo o que é necessário à produção: a terra, as minas, as máquinas, as estradas, o alimento, o abrigo, a educação, a ciência foi acamparado por alguns, durante a vasta história de pilhagem, de êxodos, de guerras, de ignorância e de opressão, que a humanidade viveu antes de aprender a dominar as forças da Natureza. Porque à sombra de pretendidos direitos ganhos no passado, usurpam hoje dois terços do trabalho humano, que entregam à mais insensata e escandalosa dissipação; porque não tendo as massas com que se manter um mês, nem mesmo oito dias, só permitem que o homem trabalhe, com a condição de lhes deixar tirar a parte do leão; porque não o deixam produzir quanto é necessário aos outros, mas só o que oferece grandes lucros ao açambarcador. Todo o socialismo consiste nisso! Vejamos um país civilizado. Os bosques que o cobriam antes foram derrubados, os pântanos aterrados, o clima saneado: tornou-se habitável. O solo, que só dava ervas inúteis, está dando ricas culturas. Os rochedos, que sobrecarregavam os vales, estão cortados em planaltos, onde cresce a vinha. Plantas selvagens que davam um fruto amargo, intragável, transforma-se por seleção em legumes suculentos e em árvores carregadas de frutos deliciosos. Milhares de estradas e de vias férreas sulcam a terra, atravessam as montanhas; a locomotiva silva nas gargantas dos Alpes, desde o Cáucaso até o Himalaia; os rios tornaram-se navegáveis; as costas cuidadosamente estudadas, são de fácil acesso; portos artificiais dão refúgio aos navios contra o furor do oceano. Em todos os pontos onde se cruzam as estradas surgiram cidades, engrandeceram-se e no seu seio apareceram os tesouros da indústria, da arte, da ciência. Gerações inteiras, nascidas e mortas na miséria, chegaram esta imensa herança ao século XIX. Em milhares de anos, milhões de homens trabalharam em desbastar as florestas, sanear os pântanos, abrir estradas, erguer diques nos rios. Cada hectare do solo que se cultiva na Europa foi regado pelo suor de diversas raças; cada estrada tem uma história das fadigas do trabalho humano, dos sofrimentos do povo. Cada légua de estrada de ferro, cada metro de túnel recebeu a sua parte de sangue humano. Nas minas podem-se contar os homens mortos na força da idade pelo gás, pelos desabamentos ou pelas inundações, e sabe-se quantas lágrimas, quantas privações e misérias sem nome custou à família que vivia do magro salário do mineiro. Escavai o solo de qualquer cidade e no subsolo encontrareis enterradas outras ruas, casas, teatros, edifícios públicos, tudo devido ao trabalho dos que nela viveram. E mesmo agora, o valor de cada casa, fábrica ou armazém, é feito do trabalho acumulado de milhões de trabalhadores sepultados sob a terra. Milhões de seres humanos trabalharam para criar esta civilização de que hoje nos glorificamos; outros milhões disseminados na superfície da terra trabalharam para a manter. Mesmo o pensamento, mesmo a invenção são fatos coletivos nascidos do passado e do presente. Milhares de inventores mortos na miséria prepararam a invenção de cada uma dessas máquinas, em que o homem admira o seu gênio. Milhares de escritores, poetas e sábios trabalharam na elaboração do conhecimento, para criar a atmosfera do pensamento científico, sem a qual nenhuma das maravilhas do nosso século teria aparecido. Mas todos esses sábios, poetas e filósofos, já tinham sido sustentados pelo trabalho dos séculos anteriores; tinham sido mantidos física e moralmente, por legiões de trabalhadores e artistas de toda a espécie. Os gênios de Séguin, de Meyer e de Grove fizeram mais para lançar a indústria em novas vias que todos os capitalistas do mundo, mas eles mesmos são tão filhos da indústria como da ciência, não foi preciso que milhares de máquinas a vapor transformassem anualmente, à vista de todos, o calor em força dinâmica e esta força em som, luz e eletricidade; e se nós mesmos temos compreendido estas ideias e soubemos aplicá-las, é porque estávamos preparados pela experiência de cada dia. Todas as máquinas têm a mesma história de noites em claro e de miséria, de desilusões e de alegrias; melhoramentos parciais achados por diversas legiões de operários desconhecidos que vinham acrescentar ao invento primitivo esses pequenos nadas, sem os quais a ideia mais fecunda fica estéril. Cada descoberta, cada progresso, cada aumento da riqueza da humanidade tem o seu princípio no conjunto do trabalho manual e cerebral do passado e do presente. Logo, com que direito poderia alguém apossar-se da menor parcela desse imenso patrimônio e dizer: “Isto é meu, não é vosso!” III Mas tudo o que, na série das idades, permite aos homens produzir e aumentar a sua força de produção, foi monopolizado por alguns. Um dia contaremos como isso se passou. Hoje, o solo, que tira o seu valor precisamente das necessidades de uma população sempre em aumento, pertence às minorias, que podem impedir e de fato impedem o povo de cultivá-lo segundo as necessidades. As minas que representam o labor de várias gerações, e que não tiram o seu valor senão das necessidades da indústria e da densidade da população, pertencem também a alguns, e estes diminuem a extração do carvão ou proíbem-na totalmente, se encontram melhor colocação para os seus capitais. Se os netos do inventor, que há 100 anos construiu a máquina de rendas, se apresentassem hoje em uma manufatura de Basileia ou de Nottingham e reclamassem seus direitos, gritar-lhes-iam: “Vão-se embora, esta máquina não é sua” – e fuzilá-los-iam, se quisessem tomar posse dela. Se os filhos dos que morreram aos milhares, abrindo as vias e os túneis das estradas de ferro, se apresentassem esfarrapados e famintos a reclamar pão aos acionistas, encontrariam baionetas e metralhadoras para os dispersar e pôr a salvo os direitos adquiridos. Em virtude desta monstruosa organização, o filho do trabalhador, ao entrar na vida, não encontra nenhum campo que possa cultivar, nenhuma máquina que possa manejar, nenhuma mina que possa explorar, sem ceder a um senhor uma boa parte do que produz. Deve vender sua atividade em troca de uma ração diária magra e incerta. Seu pai e seu avô trabalharam, desbravando esse campo, edificando essa oficina, aperfeiçoando as máquinas, trabalharam na medida das suas forças, mas ele, ao vir ao mundo, é mais pobre que o último selvagem. Se lhe consentem que se aplique à cultura de um campo, é com a condição de ceder um quarto do produto ao dono e um quarto ao governo e aos intermediários. Se se entrega à industria, permitem-lhe que trabalhe, aliás nem sempre, mas com a condição de não receber mais que um terço ou metade do produto, devendo o restante ficar com aquele que a lei reconhece como dono da máquina, Gritamos contra o barão feudal que não consentia que lhe mexessem na terra sem lhe deixar metade da colheita; chamamos a isto época da barbárie, mas se as formas mudaram, as relações ficaram as mesmas; e o trabalhador aceita, porque em parte alguma encontra condições melhores. Resulta deste estado de coisas que toda a nossa produção é dirigida insensatamente. A empresa não se preocupa com as necessidades da sociedade, apenas procura aumentar os benefícios do empresário. Daí advêm as flutuações contínuas da indústria, as crises em estado crônico, lançando por terra, cada uma, centenas de milhares de trabalhadores. Não podendo os operários comprar com os seus salários as riquezas que produziram, a indústria procura mercados fora do país, entre os açambarcadores das outras nações. O europeu nestas condições deve aumentar o número dos seus servos. Mas em toda parte encontra concorrentes, visto que todas as nações evoluem no mesmo sentido. E a guerra permanente deve rebentar a favor do direito de primazia nos mercados. Guerras pelas possesões no Oriente, guerras pelo império dos mares, guerra para impor direitos de entrada e ditar condições aos vizinhos; guerras contra os que se revoltaml! Na Europa, o canhão nunca está calado, gerações inteiras são massacradas e os Estados gastam em armamentos um terço das suas receitas — e bem se sabe o que são os impostos e o que custam ao pobre. A educação é um privilégio. Pode-se lá falar em educação, quando o filho do operário é obrigado a descer à mina aos 13 anos e ajudar seu pai na fazenda? Falar de estudos ao trabalhador, que volta à noite, queixado por um dia inteiro de trabalho forçado! As sociedades dividem-se em dois campos contrários e, nestas condições, a liberdade torna-se uma palavra vã. O radical pede uma extensão maior das liberdades políticas, enquanto se apercebe que o sopro da liberdade rapidamente conduz ao levantamento dos proletários; e então recua, muda de opinião, e volta às leis de exceção e ao governo do sabre. Uma legião de autoridades é necessária para manter os privilégios e este mesmo conjunto torna-se a origem de todo um sistema de dela- ções, mentiras, ameaças e corrupção. Por outro lado, este sistema atrasa o desenvolvimento dos senti- mentos sociais. Compreende-se que sem retidão, sem o respeito de si mesmo, sem simpatia e sem auxílio mútuo, a espécie deve definhar, como definham certas espécies animais que vivem de rapina. Mas isto não convém às classes dirigentes, que inventaram, para provar o con- trário, uma ciência absolutamente falsa. Tem-se dito coisas muito bonitas sobre a necessidade de repartir o que se possui pelos que não têm nada. Mas se alguém se lembra de pôr este princípio em prática é logo advertido de que todos estes grandes sentimentos são bons nos livros de poesia, mas não na vida prática. “Mentir é aviltar-se, rebaixar-se”, dizemos nós, e toda a existência civilizada torna-se uma colossal mentira. Hipocrisia e sofisma tornam-se a segunda natureza do homem civilizado. Mas uma sociedade não pode viver assim; precisa voltar à verdade ou desaparecer. Assim o simples fato do acambarcamento estende suas consequên- cias sobre o conjunto da vida social. As sociedades humanas são forçadas a voltar aos princípios fundamentais. Sendo os meios de produção obra coletiva da humanidade, devem regressar à coletividade humana. A apropriação pessoal não é justa nem proveitosa. Tudo é de todos, visto que todos precisam de tudo, visto que todos têm trabalhado na medida das suas forças, e que é materialmente impossível determinar a parte que poderia pertencer a cada um na pro- dução atual das riquezas. Tudo é de todos! Eis um formidável instrumento que o século XIX criou: eis milhões de escravos de ferro, que nós chamamos máquinas, e que aplainam e serram; tecem e fiam para nós; que decompõem a matéria-prima e formam as maravilhas na nossa época. Ninguém tem direito de se apoderar de uma só dessas maquinas e dizer: “É minha, quem quiser servir-se dela há de me pagar um tributo sobre cada um dos seus produtos”, tanto como o senhor da Idade Média não tinha direito de dizer ao cultivador: “Esta colina, este prado são meus e vós pagar-me-eis um tributo sobre os feixes de trigo que colher- des, sobre cada feixe de feno que arrecadardes”. Tudo é de todos e contanto que o homem e a mulher tragam a sua parcela do trabalho, têm direito à sua parcela de tudo quanto for produzido por todo mundo. E esta parte lhes dará o bem-estar. Basta dessas fórmulas ambíguas, tais como: “direito ao trabalho” ou “a cada um o produto integral do seu trabalho”. O que nós pro- clamamos é O DIREITO AO BEM-ESTAR — O BEM-ESTAR PARA TODOS. O BEM-ESTAR PARA TODOS I O bem-estar para todos não é um sonho. É possível, realizável, depois do que os nossos maiores fizeram para tornar fecunda a nossa força de trabalho. Sabemos, com efeito, que os produtores, que apenas constituem um terço dos habitantes nos países civilizados, já produzem o bastante para levar um certo bem-estar ao seio de cada família. Sabemos, por outro lado, que se todos os que hoje esbanjam o fruto do trabalho alheio fossem obrigados a empregar os seus ócios em trabalhos úteis, a nossa riqueza cresceria em proporção múltipla dos braços produtores. E sa- bemos, finalmente, que contra a teoria do pontífice da ciência burgue- sa — Malthus — o homem aumenta a sua força de produção bem mais rapidamente do que a si mesmo se multiplica. Quanto mais apertados estão os homens em um território, mais rápido é o progresso das suas forças produtivas. Com efeito, enquanto a população na Inglaterra só aumentou 62% desde 1844, a sua força de produção cresceu, por baixo, em uma pro- porção dupla, ou seja, 130%. Na França, onde a população aumentou menos, o acréscimo é, entretanto, muito rápido. Apesar da crise em que se debatem a agricultura, a ingerência do Estado, o imposto de sangue, a finança e a indústria, a produção do trigo quadruplicou e a produção industrial mais do que duplicou no correr dos últimos 80 anos. Nos Es- tados Unidos, o progresso é ainda mais prodigioso: apesar da imigração, ou antes precisamente por causa deste acréscimo de trabalhadores da Europa, os Estados Unidos decuplicaram a sua produção. Mas estas cifras dão apenas uma ideia bem fraca do que poderia ser, em melhores condições, a nossa produção. Hoje, à medida que se desenvolve a capacidade de produção, o número dos ociosos e dos in- termediários aumenta prodigiosamente. Ao contrário do que se dizia antes entre socialistas, que o capital chegaria a concentrar-se em um tão pequeno número de mãos que não haveria mais a fazer senão expropriar alguns milionários para entrar na posse das riquezas comuns, o número dos que vivem à custa do trabalho alheio é cada vez mais considerável. Na França, não há 10 produtores diretos em 30 habitantes. Toda a riqueza agrícola do país é obra de menos de 7.000.000 de homens e nas duas grandes indústrias, minas e tecidos, contam-se menos de 2.500.000 de operários. Ainda mais. Os detentores do capital reduzem constantemente a produção, não deixando que se produza. Não falemos já dos tonéis de ostras tiradas da mar, para impedir que a ostra passe a ser alimento da plebe e deixe de ser a guloseima da gente de posses; não falemos já dos milhares e milhares de objetos de luxo: estofos, alimentos etc. etc., tratados do mesmo modo que as ostras. Lembremos somente a maneira como se limita a produção das coisas necessárias a todos. Exércitos de mineiros desejam trabalhar para mandarem carvão aos que tremem de frio; mas a maior parte do tempo um ou dois terços são impedidos de trabalhar mais de três dias por semana, para manter os altos preços. Milhares de tecelões não podem bater os seus teares, enquanto as mu- Iheres e os filhos só têm farrapos para se cobrirern e três quartas partes dos europeus não têm uma roupa que mereça esse nome. Das centenas de altos fornos milhares de manufaturas ficam cons- tantemente paradas e nas nações civilizadas há permanentemente uma população de 2.000.000 de indivíduos que não pedem senão trabalho. Milhões de homens seriam felizes transformando os espaços in- cultos ou mal cultivados em campos cobertos de ricas searas. Um ao- de trabalho inteligente bastaria para levar ao quíntuplo o produto de terras que hoje não dão mais de oito hectolitros de trigo por hectare; mas têm que estar ociosos, porque os donos da terra preferem entregar os seus capitais, roubados à comunidade, em especulações financeiras. É a limitação direta da produção, mas há também a limitação in- direta que consiste em gastar o trabalho humano em objetos absoluta- mente inúteis e destinados a favorecer a tola vaidade humana. Nem se poderia avaliar em números a que ponto é reduzida a produtividade pelo esbanjamento das forças que poderiam servir para preparar e construir os aparelhos necessários a essa produção. Basta citar os milhões gastos pela Europa em armamentos, sem outro objetivo maior que conquistar mercados para impor a lei econômica aos vizi- hos e facilitar a exploração no interior; os milhões pagos por ano aos funcionários de toda a espécie; os milhões pagos aos juízes, às prisões, para propagar pela imprensa ideias nocivas, notícias falsas no interesse de um partido, de um personagem político ou de uma companhia de especuladores. Ainda mais: mais trabalho se despende ainda em pura perda, em manter a estrebaria, o canil, a criadagem do rico, aqui para corresponder aos caprichos das mundanas, ao luxo depravado da alta sociedade, ali, para impor um artigo de má qualidade. O que estraga deste modo bas- taria para duplicar a produção útil ou para guarnecer manufaturas e ofi- cinas que em pouco inundariam os armazéns de tudo o necessário para o abastecimento de tudo quanto carecem duas terças partes da nação. Disso resulta ainda que, dos que se aplicam aos trabalhos produtivos, uma quarta parte está sem trabalho de três a quatro meses por ano. Assim, se tomarmos em consideração, por um lado, a rapidez com que as nações civilizadas aumentam sua força produtiva e, por outro lado, os limites traçados a essa produção, conclui-se que seria necessária uma organização econômica que permitisse às nações civilizadas amon- toar em poucos anos tantos produtos úteis que chegariam fartamente para toda a gente. Não, o bem-estar para todos não é um sonho... Não é um sonho desde que o homem inventou o motor que, com um pouco de ferro e uns quilos de carvão, lhe dá a força de um cavalo, capaz de pôr em movimento a máquina mais complicada. Mas para que o bem-estar seja uma realidade é necessário que esse imenso capital: cidades, casas, campos, oficinas, vias de comunicação, deixe de ser considerado propriedade privada de que o açambarcador dispõe ao seu bel-prazer. É preciso que tudo isso, obtido com tanto tra- balho, se torne propriedade comum. É preciso uma EXPROPRIAÇÃO. II Expropriação, tal é, pois, o problema que a história colocou diante de nós: homens do fim do século XIX. Que retorne à comunidade tudo o que servir para se obter o bem-estar. 27