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84 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 O SERTÃO DA PARAÍBA NO SÉCULO XVIII representações espacial e imagética Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha RESUMO O presente trabalho é integrante da pesquisa em andamento intitulada História Urbana do Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX desenvolvida com estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ em parceria com o Laboratório de Pesquisa História e Memória LPPM da Universidade Federal da Paraíba UFPB que tem por objetivo geral analisar a gênese e estruturação de núcleos urbanos no Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX Assim para cumprir com tal desiderato entendese que o primeiro passo consiste em analisar o que se entendia por Sertão da Paraíba no século XVIII período no qual ocorreu a gênese do urbano Portanto este artigo tem por objetivo compreender as representações espacial e imagética associadas ao Sertão da Paraíba no século XVIII Para tanto recorreuse a dois procedimentos metodológicos essenciais a toda pesquisa em história urbana análise historiográfica e investigação em documentos primários Palavraschave Sertão da Paraíba Representação Espacial Representação Imagética Século XVIII relatos de pesquisa Graduação e Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba UFPB Professora do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ Email msimonemsyahoo combr Doutora em História da Arte pela Universidade do Porto Professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba Docente permanente do PPGAUUFPB Email berthilde16 yahoocombr 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho é integrante da pesquisa em andamento intitulada História Urbana do Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX desenvolvida com estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ em parceria com o Laboratório de Pesquisa História e Memória LPPM da Universidade Federal da Paraíba UFPB que tem por objetivo Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 85 geral analisar a gênese e estruturação de núcleos urbanos no Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX Tal espaço compreende a área banhada pelo Rio Piranhas e seus afluentes cujos principais são Piancó Peixe Seridó Espinharas e Sabugy A delimitação a partir dos referidos rios se faz devido ao fato deles terem sido utilizados como vetores de ocupação pelos agentes de colonização sendo exaustivamente referenciados na documentação do período Sabese que a gênese dos núcleos urbanos no espaço estudado é resultado do povoamento pelos agentes de colonização ou seja a Coroa portuguesa a igreja e os proprietários rurais bem como pelo despovoamento dos povos indígenas existentes no espaço analisado A historiografia paraibana aponta que o referido processo teve início a partir da expulsão dos holandeses do território em 1654 intensificandose durante o século XVIII e XIX diante de uma série de conjunturas econômicas políticas sociais e culturais Diante do exposto apontase que o primeiro problema que gira em torno da pesquisa em desenvolvimento é sem dúvida saber o que era tratado por Sertão da Paraíba no século XVIII quando nele ocorreu a gênese do urbano Porém não se pode responder a essa pergunta sem antes tratar de outra questão o que se entendia pela palavra Sertão no século XVIII Portanto este artigo busca apresentar algumas considerações para elucidar tais questões tendo por objetivo compreender as representações espacial e imagética associadas ao Sertão da Paraíba no século XVIII Para tanto recorreuse a dois procedimentos metodológicos essenciais a toda pesquisa em história urbana análise historiográfica e investigação em documentos primários A análise historiográfica foi feita a partir de obras principais que tratam do conceito de sertão e de suas conotações espacial e imagética Já a investigação documental ocorreu principalmente nos documentos requerimentos cartas ofícios cartas régias cartas de doações de sesmarias entre outros encontrados principalmente nos Manuscritos Avulsos Referentes à Capitania da Paraíba existentes no Arquivo Ultramarino de Lisboa disponível em CDROM no levantamento apresentado por João de Lyra Tavares 1982 presente no livro Apontamentos para a história territorial O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 86 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 da Parahyba o qual contém um inventário de todas as datas de sesmarias relativas ao Sertão de Piranhas no século XVIII Tal análise aponta que as conotações do Sertão no século XVIII são resultantes de um conceito formulado desde o início da colonização do Brasil no século XVI estando relacionada a uma área desconhecida pouco povoada e distante do litoral tido como conhecido e colonizado Além disso associavao aos povos indígenas que habitavam a região caracterizandoo como um ambiente de bárbaros perigosos E por último representavao como lugar para o enriquecimento daquelas pessoas que não encontravam espaço nas zonas de produção da canadeaçúcar 2 REPRESENTAÇÃO ESPACIAL DO SERTÃO DA PARAÍBA NO SÉCULO XVIII Antes de adentrar especificamente sobre o Sertão da Paraíba buscouse o significado da representação espacial da palavra sertão enquanto um espaço físico Tratase de um espaço definível mas não delimitável conforme se demonstrará Definível através da dicotomia relacionada à representação que os portugueses possuíam acerca dele como oposição ao litoral Não delimitável porque não havia limites e fronteiras precisos a ele associados Sabese que as fronteiras e os limites dos territórios administrativos e das regiões do Brasil só foram definidos no século XIX o que leva à indicação da imprecisão desses marcos no Brasil Colonial principalmente se relacionados a espaços como o aqui tratado Assim sendo a representação espacial da totalidade do sertão estava mais relacionada a um conceito e a uma representação simbólica do que a um espaço físico delimitado Esse conceito disseminado desde os primeiros tempos da colonização faz referência a um local desconhecido que se opunha ao litoral e tem sido analisado por pesquisadores principalmente historiadores Eles buscam entendêlo a partir das fontes dos cronistas e viajantes do Período Colonial que a fim de justificar essa acepção citam comumente a Carta de Pero Vaz de Caminha primeiro documento sobre o Brasil escrito em 1500 no qual já aparece o vocábulo como demonstrado no trecho que segue Esta terra Senhor pareceme que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem de que nós Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 87 deste porto houvemos vista será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras umas vermelhas e outras brancas e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos De ponta a ponta é toda praia muito chã e muito formosa Pelo sertão nos pareceu vista do mar muito grande porque a estender olhos não podíamos ver senão terra e arvoredos terra que nos parecia muito extensa CAMINHA 1943 p 239 A observação de Caminha é representativa do olhar de um agente situado no litoral e reluz a ideia de espaço desconhecido Como foi feita no início do século XVI podese afirmar que o colonizador português já utilizava a palavra provavelmente desde a Idade Média como assim atesta Rodrigues a palavra sertão advém do termo latino desertanum desertum no português antigo se falava desertão para designar lugar desconhecido solitário seco e não entrelaçado ao conhecimento imaginouse sertão também como a terra apartada do mar mediterrânea continental no sentido em que se empregava a palavra em portugal no final da idade média era a terra para lá das costas ao longo das quais se navegava rodrigues 2003 p266 O sentido da descrição feita por Rodrigues permaneceu até o século XVIII ora estudado Uma evidência é a definição do vocábulo nos dicionários deste período No primeiro dicionário da língua portuguesa intitulado Vocabulário portuguez e latino datado de 1713 de autoria do Padre Raphael Bluteau 1638 1734 sertão aparece como sendo o interior o coração das terras oppõesse ao marítimo e costa O sertão toma se por mato longe da costa O sertão da calma ie o lugar onde ella He mais ardente BLUTEAU 1713 p 613 A mesma conotação permanece na própria revisão do referido dicionário feita por Antonio de Moraes Silva em 1789 e ainda no início do século XIX no Diccionario da Língua brasileira de Luiz Maria da Silva Pinto 1832 Essa conotação de desconhecido pode ser verificada nas representações cartográficas e iconográficas coloniais principalmente naquelas que buscavam o reconhecimento da costa brasileira nas quais o observador numa posição comparável a de Pero Vaz de Caminha ou seja no litoral representa dois espaços dicotômicos o litoral tido como espaço conhecido delimitado colonizado ou em processo de colonização pontuado pelas vilas e cidades já que a ocupação O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 88 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 do território brasileiro se deu a partir da costa para o interior AMADO 1995 p 145 e o Sertão cujo sentido de desconhecido é expresso nas representações de um horizonte de serras e árvores uma vez que era isso que se via como atesta Caminha porque a estender olhos não podíamos ver senão terra e arvoredos terra que nos parecia muito extensa 1943 p239 A Figura 1 é representativa do exposto Figura 1 Capitania de Itamaracá 1616 Verifica se que o interior ou sertão está representado por desenhos de serras e árvores Fonte REZÃO do Estado do Brasil 1616 1999 Essas representações cartográficas vão mudando ao longo do século XVIII quando se intensifica o processo de ocupação do interior do Brasil e os sertões passam a ser alvo de interesse político e econômico para o Estado Português que precisava controlálos A partir daí o sertão foi melhor cartografado por ser este instrumento de representação uma das vias para o controle a partir do conhecimento As Cartas Sertanistas são exemplos deste fato como aquela denominada de Região compreendida entre o Rio Amazonas e São Paulo de 1722 conforme Figura 2 No Mapa é esboçada a referência a vários sertões inclusive o sertão como área geográfica atualmente institucionalizada e aqui estudada que aparece com o nome de Sertão de Pinhancó conforme destacado na Figura 02 Verificase que os rios da mesma forma que no litoral eram fatores preponderantes para o reconhecimento do território A partir desta cartografia é possível afirmar que embora a conotação do sertão no século XVIII ainda estivesse ligada à sua distinção em relação ao litoral o reconhecimento da área possibilitava em uma escala local delimitálo Pois com a chegada dos agentes coloniais a delimitação passa a ser representada na documentação através das referências a algum componente geográfico importante comumente o rio uma vez que a ocupação se empreendia nas suas proximidades A partir desta observação Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 89 partese para o entendimento do espaço estudado durante o século XVIII Figura 2 Representação dos sertões no Mapa da Região compreendida entre o rio Amazonas e São Paulo 1722 Em destaque referência ao Sertão de Piranhas e Piancó através da expressão Sertão Pinhancó Fonte Fundação Biblioteca Nacional Primeiramente sabese que o Sertão da Paraíba está localizado no extremo oeste do atual Estado antiga Capitania da Paraíba e é chamado na documentação setecentista como sendo Sertão de Piranhas e Piancó Portanto a partir de agora esta será a denominação usada no presente trabalho A justificativa para tal nome decorreu da importância dos Rios Piranhas e Piancó os principais do espaço ora estudado Outros afluentes desses dois rios também foram importantes no processo de colonização sendo assim designaram vários sertões cada qual correspondente a um deles Sertão de Piranhas Sertão de Piancó Sertão do Rio do Peixe Sertão de Sabugy Sertão do Seridó Inicialmente para delimitálos procuraramse evidências na cartografia referente ao período Infelizmente a Capitania da Paraíba do Norte não foi bastante cartografada durante o século XVIII não possibilitando ver de que forma era então delimitado o Sertão de Piranhas e Piancó Porém nos trabalhos historiográficos a delimitação deste espaço é comumente feita através de uma cartografia produzida por Wilson Seixas 1975 na qual o autor representou essencialmente o Sertão de Piranhas e Piancó O documento não é exatamente um mapa histórico mas por seu significado foi tido como ponto de partida Ver Figura 3 Figura 3 Delimitação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó por Seixas Fonte Seixas 1975 p22 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 90 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 A fonte da delimitação de Seixas 1975 bem como as utilizadas nos diversos trabalhos sobre o Sertão de Piranhas e Piancó como o de Guedes 2006 e de Sarmento 2007 é um documento do Arquivo da Torre do Tombo de Lisboa de 1757 no qual se destaca a Relação da Povoação do Piancó e seus distritos extremas e compreensão conforme segue Esta povoação se divide pela parte do nascente com o sertão do Cariri cuja divisão lhe faz a serra chamada Borborema e da parte do poente com o sertão do Jaguaribe e vila do Ico e tem de distancia de uma a outra extrema pouco mais ou menos cinqüenta léguas ficandolhe no meio com pouca diferença a dita povoação de que se trata por detraz da qual da parte do poente corre o rio chamado Piancó que tem seu nascimento na mesma serra da Borborema e em distância de meia légua abaixo da Povoação se une com o rio Piranhas o qual também nasce da serra da Borborema e corre buscando quase o nascente e faz barra no mar donde lhe chama Açu distrito do Rio Grande cidade do Natal cuja capitania se divide do distrito desta Povoação em uma fazenda de gados a beira do dito rio Piranhas chamada Jucurutu do qual a esta Povoação distam vinte e cinco léguas e da mesma Povoação buscando sul pelo rio Piancó acima até o sertão do Pajeu nessa mesma ribeira em distancia de trinta léguas extrema o distrito desta mesma Povoação capitania da cidade da Paraíba com a capitania de Pernambuco RIHGP1953 p6 O referido documento bem como o mapa de Seixas 1975 mostra que o Sertão de Piranhas e Piancó compreendia o extremo oeste da antiga Capitania da Paraíba incluindo parte da região banhada pelo Rio Seridó até a Fazenda Jucurutu no atual território do Rio Grande do Norte e parte da área banhada pelo Rio Pajeú pertencente atualmente a Pernambuco Observase assim que os limites antigos entre as três capitanias principalmente em relação ao Rio Grande do Norte eram imprecisos como atesta Joffily Os limites com o Rio Grande do Norte não são naturaes são convencionaes e em geral incertos e confusos Os dois Estados geographicamente formão uma mesma região aos quaes são communs diversos rios e serras No tempo de colônia as duas capitanias dividiãose por uma linha traçada em rumo quase recto de Este a Oeste do litoral ao mais remoto sertão pertencia então a Parahyba toda a ribeira do rio Seridó JOFFILY 1977 p 91 Os inúmeros documentos de solicitação de sesmaria no Sertão do Seridó atestam ser este pertencente à Capitania da Paraíba O mesmo acontecendo em relação à Pernambuco na área de travessa do Rio Pajeú para o Rio Piancó Estes últimos limites são representados no Mapa da Província da Paraíba Esboço Corográfico de 1888 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 91 levando à consideração de que até fins do século XIX posicionavamse em uma linha acima da atual Cidade de Afogados da Ingazeira conforme mostra a Figura 4 o que denota que esse era o limite aproximado com a Capitania de Pernambuco no Sertão de Piranhas e Piancó A cartografia também evidencia que a região banhada pelo Rio Seridó cujo núcleo principal no período foi a atual Cidade de Caicó já não pertencia ao território da Paraíba Figura 4 Limites da Paraíba no Mapa da Província da Paraíba 1888 O Mapa representa a Província da Paraíba em amarelo em fins do século XIX Nele podese inferir sobre os limites com as Províncias do Rio Grande do Norte e de Pernambuco contribuindo para entendêlos no século XVIII Fonte PROVÍNCIA DA PARAÍBA 1888 Essas questões de limites foram bastante abordadas por Guedes 2006 o qual identifica serem imprecisos não somente entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco mas também com o Ceará Sua constatação se deu a partir das datas de sesmarias solicitadas nas três capitanias ao governo da Paraíba Nesse sentido conclui que eram imprecisos os limites territoriais entre as capitanias da Paraíba e suas vizinhas pelo sertão Pelo que se vê as disputas políticas relacionadas a esses limites só começaram a ter resolução a partir do período imperial sendo este aspecto em particular da formação territorial da Paraíba um interessante objeto de estudo devido às questões econômicas políticas e identitárias que ela envolve GUEDES 2006 p 52 A partir de tais considerações delineouse uma provável delimitação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó mostrada na Figura 5 Figura 5 Limites aproximados do Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII Fonte Sobreposições de bases em CAD da divisão administrativa dos Estados e da Hidrografia do Brasil disponíveis em IBGE 2010 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 92 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 RIHGP 1953 p6 PROVÍNCIA DA PARAÍBA1888 Seixas 1975 p22 3 REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO SERTÃO DE PIRANHAS E PIANCÓ NO SÉCULO XVIII Por representação imagética se compreende um discurso valorativo referente ao espaço que qualifica os lugares segundo a mentalidade reinante e os interesses vigentes MORAES 2002 p 361 362 Dentro do imenso universo bibliográfico sobre o sertão verificase de maneira bastante generalizada que durante o Período Colonial na visão do colonizador o Sertão apresentou principalmente as seguintes representações imagéticas espaço de riquezas espaço habitado por índios Tapuias e espaço sem lei Como espaço de riquezas o sertão era relacionado ao local onde estariam o ouro a prata e os possíveis escravos indígenas Ou seja o Eldorado Assim o interesse da Coroa e também dos colonos em localizar riquezas prevaleceria sobre o medo e sobre as dificuldades impostas à conquista desta área AMANTINO 2003 p82 A partir da visão dos cronistas do Brasil Colonial a autora aponta para os diversos mitos ligados às riquezas no sertão por exemplo o da Lagoa Dourada onde nasceria o Rio São Francisco e se encontraria muito ouro e outras riquezas Para além do ouro e outras matérias preciosas estava a busca por escravos indígenas que motivou inúmeras expedições aos sertões A respeito da Capitania da Paraíba há uma série de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino relatando a descoberta de minas de ouro no Sertão Isso implica dizer que ao longo desse período houve uma preocupação em encontrar tais riquezas Já em relação aos povos indígenas essa busca para escravizálos fez parte da motivação da participação de vários sertanistas nos conflitos indígenas já que na Guerra justa os índios que não se rendiam ao processo estavam passíveis de serem exterminados ou escravizados principalmente na primeira metade daquele século Por sua vez a conotação do Sertão enquanto local associado com os índios Tapuias está relacionada com uma das primeiras tentativas de classificação dos povos indígenas no Brasil que segundo Medeiros fezse Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 93 Principalmente utilizando o critério lingüístico procedimento adotado inicialmente pelos missionários jesuítas desde o início da colonização para distinguir os povos falantes de línguas ligadas ao tronco Tupi e espalhados por quase toda a costa durante o período de contato inicial e os outros chamados genericamente de Tapuias MEDEIROS 2000 p 26 Como já apontou Guedes 2006 tal relação pode ser elucidada a partir da observação da cartografia do século XVIII uma vez que o espaço relativo ao interior principalmente no Nordeste ao invés de ser representado pelo nome Sertão o é pelo termo Tapuia como pode ser verificado nos exemplos das Figuras 6 e 7 Figura 6 Termo Tapuia na Cartografia do século XVIII Fonte Respectivamente HOMANN 1704 e PRÉVOST 1757 Figura 7 Termo Tapuia na Cartografia do século XVIII Fonte Respectivamente HOMANN 1704 e PRÉVOST 1757 As mesmas referências das representações cartográficas podem ser vistas nos textos de cronistas e viajantes do Período Colonial como o exemplo apresentado no Tratado de Terras no Brasil 1576 não se pode numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro GÂNDAVO 1980 p 48 Ou ainda nos Diálogos das Grandezas do Brasil de 1618 Êstes tapuias vivem no sertão e não têm aldeias nem casas ordenadas para viverem nelas nem menos plantam mantimentos para sua sustentação O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 94 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 porque todos vivem pelos campos BRANDÃO 1943 p346 Estas denominações são comumente encontradas na documentação que infere sobre o Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII principalmente por ser um período de intensos conflitos entre os povos indígenas e os colonizadores no que se intitulou de Guerra dos Bárbaros que será bastante importante para a compreensão da formação de espaços urbanos no Sertão paraibano Uma emblemática associação do Sertão da Capitania da Paraíba aos índios Tapuias foi realizada já em 1639 pelo governador holandês Elias Herkmans quando o processo de interiorização ainda não havia se iniciado Assim tratase de umas das referências imagéticas criadas pelo colonizador posicionado no litoral como sugere o trecho abaixo Os tapuias formam um povo que habita no interior para o lado do ocidente sobre os montes e em sua vizinhança em lugares que são os limites os mais afastados das Capitanias ora ocupados pelos brancos assim portugueses como neerlandeses Dividemse em várias nações Alguns habitam transversalmente a Pernambuco são os Cariris que tem como rei Kerioukeiou Uma outra nação reside um pouco mais longe é a dos Caririwasys e o seu rei é Karupoto Há uma terceira nação cujos índios se chamam Cereryjouws Conhecemos particularmente a nação ou Tapuias chamados Tarairyouu Janduwy é o rei de uma das partes dela e Caracará da outra HERKMANS 1982 p211 Partindo dessa observação José Elias Borges 1993 faz uma das primeiras tentativas de cartografar os povos indígenas na Paraíba inclusive aqueles denominados Tapuias nos séculos XVII e XVIII Utilizou como fontes as informações de cronistas coloniais e a documentação burocrática em vista a classificar os povos indígenas nos seguintes grupos Tupi Cariri e Tarairiú O resultado pode ser visto no mapa de distribuição destes povos comumente utilizados nos trabalhos sobre esta temática conforme Figura 8 Figura 8 Povos Indígenas na Paraíba Séculos XVII e XVIII Destacado em amarelo a área correspondente ao Sertão de Piranhas e Piancó Fonte Borges 1993 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 95 Segundo a classificação de Borges 1993 como mostra a parte destacada em amarelo na Figura 8 os povos antes intitulados Tapuias associados ao Sertão de Piranhas e Piancó compreendiam os Pegas os Panatis os Ariús os Palacús integrados à Nação Tarairius os Coremas e Icós da Nação Cariri Porém essa tentativa de classificação foi analisada por Medeiros 2000 o qual apresenta duas críticas A primeira é de que normalmente estes dados são trabalhados de forma sincrônica não privilegiando a perspectiva temporal A segunda é que não é feita uma análise crítica do autor das crônicas e conseqüentemente tendese a desprezar os interesses e a visão de mundo que está por trás destas informações além de questões básicas como por exemplo a maneira como o autor obteve as informações transmitidas MEDEIROS 2000 p36 Essa constatação partiu da crítica das fontes dos cronistas que incidiram sobre os povos indígenas em relação à instituição à qual estava relacionado a sua visão de mundo a sua vivência ou não com os povos descritos e além disso a localização espacial e temporal dos povos indígenas no seu relato MEDEIROS 2000 p 36 Nesse sentido no que concerne aos povos associados ao Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII o autor se refere aos Pegas Icós Panatis e Curemas Esses foram aldeados em missões e por isso há mais informações sobre eles durante o período estudado Por fim a última relação imagética do Sertão se refere a um lugar sem lei Tal fato carrega a ideia de um lugar inculto sem recursos longe das povoações maiores tendo um vago significado de civilização inexistente ou pouco desenvolvida EGLER 1951 p70 Tal definição se faz por oposição a uma ideia de civilização associada à presença do colonizador português e relacionada com o controle e a lei Diante da ausência de agentes ligados ao Estado os sertões propiciavam a presença de criminosos e desordeiros Muitos documentos do AHU do século XVIII atestam essa colocação para o Sertão da Capitania da Paraíba Vejamos alguns exemplos Diz Pedro Barbosa Cordeiro de Albuquerque Tenente Coronel do regimento de Cavalaria auxiliar da Capitania da Parahiba do Norte onde possue dous engenhos em distância de muitas legoas andando continuadamente em jornadas de sendo todos os caminhos desertos cheios de O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 96 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 facinorosos e ladrões que só por meio das armas se pode qualquer milhor livrar delles modo anda a disciplinar a sua vida por este motivo percorre a V Mag Lhe conceda licença para nas jornadas que fizer poder usar de pistolas nos coudres graça esta que V Mag tem concedido a muitos principalmente aos que estão empregados no seu leal serviço como o suplicante REQUERIMENTO 1792 Diz Bento Bandeira de Melo Capitãomor da Cidade da Paraiba do Norte que não só em das diligências é continuamente se lhe incumbem do Real serviço de V Mag mas também por ser senhor de engenho precisa andar viajando por aquelles Certoens impestados de salteadores e criminozos por este motivo exposto a todo o instante tiramlhe a vida motivos estes pelos quais se faz digno de V Magde lhe conceda provizão para poder usar de pistollas nos coudres graça esta que V Mag Tem concedido a outros com iguais circunstâncias REQUERIMENTO 1793 São requerimentos de moradores da Capitania solicitando à Rainha D Maria I permissão para utilizar armas de fogo em seus coldres por circularem em estradas no Sertão Facínorosos ladrões salteadores e criminosos são as referências feitas ao universo do Sertão Paraibano o que corresponde a uma imagem de lugar sem lei disponível para o abrigo de tais grupos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados demonstram que a representação espacial estava vinculada a um espaço definível pois era tida como uma área que se opunha ao litoral contudo não delimitável haja vista a ausência de limites territoriais precisos Nesse sentido a delimitação proposta através da cartografia apresentada é de suma importância para se inferir sobre essa área no passado apresentando possíveis limites do sertão paraibano setecentista Por sua vez a representação imagética demonstra o pensamento reinante a respeito do espaço o qual atribuía imagens de uma região possuidora de riquezas habitada por povos indígenas os bárbaros e ausente de leis o que facilitava a presença de criminosos Em suma a recuperação da representação espacial e imagética do Sertão da Paraíba no século XVIII é importante para delinear os estudos sobre a história urbana pois fundamenta os limites territoriais e o pensamento dominante da sociedade colonial a repeito do espaço estudado Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 97 ABSTRACT The present study is a part of ongoing research entitled Paraibas Urban Backlands in the eighteenth and nineteenth centuries developed with students of Architecture and Urbanism of the University Center of João Pessoa UNIPÊ in partnership with the Research Laboratory of History and Memory LPPM Federal University of Paraíba UFPB which aim is to analyze the genesis and structure of urban nucleus in the backlands of Paraiba in the eighteenth and nineteenth centuries In this context to achieve this aim it is understood that the first step is to understand what is meant by Paraibas Backlands in the eighteenth century a period in which there was the genesis of the urban Therefore this article aims to understand the spatial imagistic and symbolic representations associated with the Paraíbas Backlands in the eighteenth century For this purpose two essential methodological procedures to any research in urban history were used historical analysis and research in primary documents Keywords Paraíbas Backlands Spatial Representation Imagistic Representation Eighteenth Century REFERÊNCIAS AMADO J Região Sertão Nação Estudos Históricos Rio de Janeiro v 8 n 15 1995 AMANTINO M O Sertão Oeste em Minas Gerais um espaço rebelde Varia História Minas Gerais v 29 p 7997 2003 ATLAS do Estado do Brasil coligido das mais sertas noticias q pode aiuntar dõ Ieronimo de Ataide por João Teixeira Albermas cosmographo de Sua Magde anno 1631 Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1997 BLUTEAU Raphael Vocabulário português e latino Lisboa Oficina de Pascoal da Sylva 1713 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrdicionarioedi cao1 Acesso em 24 fev 2013 BORGES J E Índios paraibanos classificação preliminar In MELO J O A RODRIGUEZ G org Paraíba conquista patrimônio e povo João Pessoa Grafset 1993 BRANDÃO A F Diálogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro Dois Mundos 1943 CAMINHA P V Carta de Pero Vaz de Caminha a D Manuel datada de Porto Seguro em 1 de maio de 1500 In CORTESÃO J org A carta de Pero Vaz de Caminha Rio de Janeiro Livros de Portugal 1943 EGLER W A Contribuição ao Estudo da Caatinga Pernambucana Revista Brasileira de Geografia Rio de Janeiro n 4 ano 8 1951 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 98 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 FERES JÚNIOR J A história conceitual do Brasil no mundo iberoamericano In FERES JÚNIOR J Org Léxico da história dos conceitos políticos no Brasil Belo Horizonte Editora UFMG 2009 GAIO G G G Sattelzeit modernidade e história Revista Brasileira de História Ciências Sociais v 1 n 2 2009 GÂNDAVO P M Tratado da Terra do Brasil História da Província de Santa Cruz Belo Horizonte Ed Itatiaia São Paulo Edusp 1980 GUEDES P H Q A colonização do sertão da Paraíba agentes produtores do espaço e contatos interétnicos 16501730 2006 Dissertação Mestrado Programa de Pós Graduação em Geografia Faculdade de Geografia Universidade Federal da Paraíba João Pessoa 2006 HERCKMANS E Descrição geral da capitania da Paraíba João Pessoa A União1982 HOMANN J B Portugalliae et Algarbiae cum finitimis Hispaniae Regnis Sl sn 1704 Disponível em httppurlpt9122indexhtml Acesso em 24 fev 2013 JOFFILY I Notas sobre a Parahyba Brasília Thesaurus 1977 KOSELLECK R Futuro Passado Contribuição à semântica dos tempos históricos tradução Wilma Patrícia Maas Carlos Almeida Pereira revisão César Benjamin Rio de Janeiro ContrapontoEd PUCRio 2006 MORAES A C R O sertão um outro geográfi co In Cadernos de Literatura Brasileira Euclides da Cunha Rio de Janeiro Instituto Moreira Salles 2002 NIEMEYER J Carta Corographica da Parahyba do Norte extraída da Carta Corographica do Império do Brazil Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1850 PINTO L M S Diccionario da Lingua Brasileira Lisboa Typographia de Silva 1832 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrdicionarioedic ao3 Acesso em 24 fev 2013 PIRES M I C Guerra dos bárbaros resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial Recife FUNDARPE 1990 PORTO M E M Jesuítas e missões representações das fronteiras na Capitania do Rio Grande In OLIVEIRA C M S MENEZES M V GONÇALVES R C Org Ensaios sobre a América Portuguesa João Pessoa Editora Universitária UFPB 2009 PRÉVOST A F Carte du Bresil prem partie depuis la Riviere des Amazones jusqua la Baye de Tous les Saints pour servir à lHistoire Generale des Voyages Sl sn 1757 Disponível em httppurlpt1031catalogodigitalregisto 306306html Acesso em 24 fev 2013 PROVÍNCIA da Paraíba Esboço Corográfico Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1888 PUNTONI P A Guerra dos Bárbaros Povos indígenas e a colonização do sertão Nordeste do Brasil 16501720 São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2002 REZÃO do Estado do Brasil c 1616 Lisboa Edições João Sá da Costa 1999 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 99 REQUERIMENTO do tenente coronel Pedro Barbosa Cordeiro de Albuquerque à rainha D Maria I solicitando licença para poder usar pistola nos coldres nas suas jornadas no sertão AHUACLCU014 Cx 31 D 2274 Sl sn 1792 REQUERIMENTO de escrivão da Fazenda Real Bento Bandeira de Melo à rainha D Maria I solicitando licença como senhor de engenho para usar pistolas nos coldres nas jornadas que faz ao sertão AHUACLCU014 Cx 31 D 2285 Sl sn 1793 RODRIGUES A F Os sertões proibidos da Mantiqueira desbravamento ocupação da terra e as observações do governador dom Rodrigo José de Meneses Rev Bras Hist v23 n46 p 253270 2003 SARMENTO C F Povoações Freguesias e vilas na Paraíba Colonial Pombal e Sousa 16971800 2007 Dissertação Mestrado em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2007 SEIXAS W N O Velho Arraial de Piranhas Pombal João Pessoa Gráfica A Imprensa 1962 SILVA A M Diccionario da lingua portugueza Lisboa Typographia 1789 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle19 1800299210 Acesso em 24 fev 2013 TAVARES J L T Apontamentos para a história territorial da Parahyba Sl Coleção Mossoroense 1982 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente 18501890 ÍNDICE Introdução A região As insurreições As revoltas urbanas Conclusão Indicações para leitura INTRODUÇÃO Durante muito tempo a historiografia brasileira refletiu as histórias das elites vitoriosas e dedicouse na maior parte a acompanhar as mudanças do eixo econômico dentro do território nacional Assim temos vasta produção não só sobre o Nordeste colonial como também sobre as Minas Gerais no século XVIII a província fluminense e a Corte no século XIX e São Paulo no século XX Além do interesse pelas mudanças econômicas nesses pontos de atração alguns temas são continuamente pesquisados entre outros a escravidão africana a industrialização etc No conjunto apesar de sua importância estas regiões épocas ou temas com seu poder de atração contribuíram para um relativo esquecimento de outros assuntos e também da história de outras regiões em determinadas épocas Modernamente saímos desse provincialismo intelectual e começamos a escrever as histórias locais das épocas esquecidas Retomamos o fio da meada deixado por historiadores e cronistas regionais que por muito tempo ignorados nas prateleiras das bibliotecas voltam a ter importância ao se escrever a verdadeira história brasileira que não deve ser somente a dos vencedores mas também a dos vencidos a da Corte como a da província a das regiões desenvolvidas como a das empobrecidas e exploradas Aqui neste opúsculo restauramos um pouco da história do Nordeste brasileiro que depois de ter sido uma das mais importantes regiões geoeconômicas da era moderna fornecedora praticamente exclusiva do açúcar consumido no mundo ocidental é deixada à sua própria sorte a partir do século XIX O Nor deste é uma das provas do resultado da exploração predatória dos recursos econômicos de uma região para atender a interesses externos que depois de esgotada é abandonada De região heróica da época áurea da produção açucareira e da vitória contra os holandeses passa a ser acusada de ignorante fanática e indolente quando economicamente não mais interessa No presente trabalho limitarnosemos a escrever sobre a segunda metade do século XIX já que a primeira será objeto da atenção de outros especialistas e que no conjunto contribuirão para dar ao nordestino a consciência de seu passado sempre heróico e glorioso A REGIÃO A Paisagem Quando nos referimos ao Nordeste brasileiro tratamos da área que engloba os atuais Estados do Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe e Bahia Esta vasta região apresentase subdividida em quatro outras consoante seu tipo de solo clima e vegetação São elas a Zona da Mata o Agreste o Sertão e o MeioNorte A Zona da Mata abarca cerca de 182 da área total estendendose do Rio Grande do Norte à Bahia Seu clima é quente e úmido e ali se cultiva principalmente canadeaçúcar cacau e fumo Estendendose mais para o interior está o Agreste Não apresenta clima e vegetação uniformes contendo algumas regiões que se assemelham ao Sertão e outras à Zona da Mata É uma área de transição entre essas duas outras que lhe fazem limites As atividades econômicas são múltiplas destacandose o algodão os gêneros alimentícios e a pecuária O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste abrangendo cerca de 49 do total Seu relevo é mais uniforme e o clima mais seco Em grande parte a vegetação é de caatinga e a ocupação humana mais rarefeita As atividades predominantes são a pecuária e a cultura do algodão Nele existem algumas regiões que são autênticas ilhas onde se pratica uma agricultura variada e há maior concentração populacional São as várzeas dos rios sertanejos as regiões serranas e o vale do Cariri O MeioNorte Maranhão e Piauí é tipicamente uma região de transição entre a floresta equatorial floresta amazônica e o Sertão A paisagem se altera de oeste para leste No extremo oeste do Maranhão a vegetação e as condições climáticas se assemelham à Amazônia e à medida que se avança para leste cada vez mais se parece com o Sertão A pecuária e o extrativismo vegetal predominam na atividade econômica se bem que ali também se desenvolvam a produção de algodão e a de arroz A distribuição da Terra e a Sociedade O elemento principal que atuou na formação da sociedade nordestina foi a posse da terra a partir dela estruturaram se os principais grupos sociais Como se sabe tem predominado ali a grande propriedade cuja origem remonta às doações sesmariais Na Zona da Mata desenvolveuse a cultura da canadeaçúcar no Agreste foi dada maior atenção à pecuária eou à cultura do algodão no Sertão a pecuária extensiva teve grande êxito e na região do Maranhão e Piauí houve grande dedicação tanto ao extrativismo vegetal quanto à pecuária As pequenas propriedades são poucas e dedicamse geralmente à produção de gêneros alimentícios e em alguns casos ao algodão No Agreste estas localizamse nos chamados brejos regiões mais elevadas e portanto beneficiadas por um clima de maior umidade e no Sertão normalmente nas regiões que margeiam os rios Muitas vezes são tão pequenas entre 5 e 10 hectares que obrigam os agricultores a procurar trabalho adicional Por outro lado havia também as terras arrendadas onde se praticava uma agricultura geralmente voltada para gêneros alimentícios Na Zona da Mata cultivavam a canadeaçúcar para fornecimento aos engenhos e no Agreste e no Sertão também o algodão sendo que os grandes proprietários tinham maior interesse na atividade pecuária Comum também era a existência de roças feitas pelos moradores também chamados agregados os quais constituíamse em trabalhadores eventuais que moravam nas fazendas e a quem era permitido cultivar uma pequena área Estas roças eram quase sempre de mandioca milho e feijão alimentos comuns na refeição nordestina Sobre esta divisão e utilização da terra assentavase uma estratificação social também diversificada Em resumo sem querer esgotar o assunto e tendo em vista que nosso propósito é apenas estabelecer o quadro da sociedade nordestina para efeito de melhor compreensão dos temas que serão tratados a região apresentava as seguintes camadas sociais de um lado no ápice da pirâmide social estava o grande proprietário senhor de engenho na Zona da Mata fazendeiro eou criador no Agreste e no Sertão isto é o coronel todopoderoso da Guarda Nacional senhor de fato da região sob sua influência Do outro lado estavam os escravos e os moradores que embora livres gozavam de piores condições de vida que os próprios escravos Entre estes dois grupos situavase uma enorme variedade de tipos sociais que englobavam desde os pequenos e médios proprietários e arrendatários os oficiais assalariados como os mestres de açúcar nos engenhos e o curtidor nas fazendas de criação ou autônomos como alfaiates oficiais de cantaria carpinteiros etc até os profissionais liberais e os funcionários públicos A desigual distribuição da terra iria dicotomizar a população rural na medida em que um número reduzido teria acesso a ela como proprietário ou arrendatário e uma grande massa progressivamente aumentada por força mesmo do crescimento natural teria de se contentar com a condição de moradores ou então perambular de propriedade em propriedade como jornaleiros Estes últimos constituíam mãodeobra barata e abundante vivendo miseravelmente de onde provinham os jagunços os cabras e os cangaceiros Nas cidades o papel da agitação social estava reservado a uma pequena classe média que sofria primeiro os efeitos da carestia e se compunha de artesãos alfaiates mestres carapinas mestresdeobra e seus oficiais e de profissionais liberais imbuídos muitas vezes de idéias de justiça social quando não era tal papel com bastante freqüência representado pelo clero Na longa crise por que passou o Nordeste no século XIX estes grupos não se limitaram a esperar pacificamente pela solução de seus problemas Reagiram a seu modo a curto ou a longo prazo Dos mais pobres ou empobrecidos que não emigraram saíram levas de bandidos que infestavam o Sertão e também os sediciosos que colaboraram na rebeldia dos coronéis ou rebelavamse diretamente contra os que os exploravam Dos setores médios urbanos emergiram os conspiradores que nos clubes políticos ou através de comícios panfletos e jornais não cessavam de fazer a crítica ao regime vigente e lideravam intelectualmente e na prática os motins e revoltas urbanos Dos mais poderosos dos grandes proprietários surgiram as guerras contra seus pares as violências contra seus agregados as contestações ao poder público isoladas ou coletivas estas últimas tomaram os mais variados aspectos desde a explosão coletiva de 1874 quando a crise se apresentou com toda a sua intensidade até a abstenção com relação à sorte da monarquia em 1889 já cansados de esperar a atenção que achavam justa merecer Todavia dada a importância para a compreensão das lutas sociais do papel desempenhado pelos grandes proprietários e pelos homens pobres livres a quem chamaremos genericamente de lavradores consideramos necessário maior detalhamento sobre estes dois grupos Os grandes proprietários Fundamentavam sua dominação no latifúndio e na exploração da mãodeobra sob relações sociais de produção que iam desde o contrato mediante salário até a escravidão conforme suas conveniências e lucratividade Impuseramse socialmente pela violência a qual se caracterizou desde a fase colonial pela expropriação do indígena privandoo de suas terras e em muitos casos de sua liberdade pela privação da liberdade do negro e sua coação ao trabalho pela apropriação da quase totalidade das terras por uma minoria impedindo que uma ampla camada de homens livres cada vez maior se tornasse também proprietária Instalouse portanto uma ordem caracterizada pela violência O grande proprietário o coronel necessitou imporse autoritariamente sobre a população de seu domínio para assegurar a posse dos seus bens ante a maioria que se constituía em trabalhadores livres escravos e jagunços Ele se acastela em sua propriedade e se cerca de um numeroso exército privado com o qual comete toda a sorte de vio lências Deve precaverse contra possíveis traições porque é assim que entende as discordâncias dos que habitam sua área de mando contra seu rival também grande proprietário territorial com o qual disputa a influência e até mesmo as terras e por último contra o Estado monárquico que tentando instalar uma ordem em certa medida racional toma atitudes que contrariam seus interesses Como centro de convergência das lutas sociais e políticas no Nordeste fundamentalmente no meio rural está de fato o coronel Ele é que direta ou indiretamente traçava os rumos do relacionamento social e político Ele era a célula de todo o sistema Enfeixava em suas mãos o poder econômico jurídico político e pela influência sobre o vigário local até mesmo determinava os parâmetros da ação religiosa Qualquer estudo sobre a violência da sociedade local não pode ignorar a ordem social que ali se instalou sob o primado da lei do mais forte regida por um código próprio o código do coronel Sua ética era muito simples Era o divisor de águas e o bem e o mal se definiam a partir de seus interesses privados Bem era tudo que fosse a seu favor e mal tudo que lhe fosse contra Conquistador de suas terras ou herdeiro de conquista organizador da produção local e domador da população aborígene ou adventícia o coronel era muito cioso de suas propriedades e posses e exigia de todos o reconhecimento de seus direitos de mando Na sua lógica nada havia de mais correto e insofismável Ele estava acima do julgamento dos subordinados restando a estes balizar seu comportamento pela fidelidade irrestrita ou então discordar e cair nas suas iras O coronelismo fruto do latifúndio e da omissão ou ausência do poder público encontrarseia entre 1850 e 1889 situado entre dois fogos De um lado a crise do setor exportador que quando não o arruína torna sua situação econômica instável do outro a tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em meio a esses autênticos potentados como os alcunhava Euzébio de Queirós Acostumados ao mando sobre seus vastos domínios numa autoridade adquirida desde os tempos coloniais os coronéis sofreriam os efeitos da centralização monárquica a partir do momento em que os Braganças formaram no Brasil um Império autônomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao gosto das casas reais européias Passado o período regencial durante o qual a obra centralizadora esteve paralisada e em alguns casos retroagiu e vencida a revolta Praieira em 1850 a monarquia recomeça a sua obra de centralização e de instalação de uma estrutura políticoadministrativa mais racional e menos patrimonial Este fato provocaria atritos se bem que na maior parte dos casos estabelecessem o poder público e o poder privado um modus vivendi Mas apesar de tudo os coronéis não cedem na sua autoridade e agem como se fossem o poder maior descaracterizando o poder público na sua área de influência desmoralizando a justiça e oprimindo desapiedadamente os que estão na sua dependência Mesmo assim o relacionamento entre coronéis e Estado nessa época foi podemos dizer harmonioso O coronel entendia o Estado como expressão de seus interesses privados e este adotava uma política dúbia mas lógica dentro dos objetivos nacionais Estávamos muito perto dos movimentos insurrecionais que marcaram a primeira metade do século XIX e ao Império atemorizava a idéia de qualquer convulsão interna Diante da eclosão de algum motim insurreição etc caso partisse das camadas mais pobres a resposta do governo imperial se fazia pronta e enérgica e protelatória e cuidadosa caso partisse dos coronéis Ela foi violenta no caso do Quebraquilos mas aos coronéis não foi aplicado o colete de couro e foram absolvidos ou anistiados O que se depreende desse relacionamento é que foi feito em níveis diversos e de formas diferentes Em nível local houve a submissão quase completa das autoridades ao coronel em nível geral houve uma ação decisiva com alguns recuos táticos para enquadrar os grandes proprietários no Estado racional que se formava Podemos dizer que o Império ciente da importância do coronel como primeira garantia da ordem pública no dizer de Henrique Millet e ciente também da necessidade de organizar o país em bases mais condizentes com o século colocou esta organização como objetivo permanente a longo prazo evitando uma ação imediata que provocaria reações incontroláveis Salvavamse a paz interna e a unidade política em troca da concessão de uma parcela do poder em nível local aos coronéis enquanto a administração pública em nível geral mantinha a independência relativa necessária para alcançar seus objetivos Quando eclodiram os conflitos entre os coronéis e o Império foi porque este ou adotou medidas contrárias aos interesses dos grandes proprietários ou não atendeu às suas reivindicações Tais confrontos quase sempre terminaram com a conciliação geralmente em detrimento do poder estatal Mas se não houve conflitos que jogassem decisivamente os coronéis contra o Estado também não podemos dizer que houve uma ligação bem alicerçada A colaboração existia porque por mais que divergissem tinham interesses comuns que se tradu ziam por exemplo na necessidade de defender a manutenção da ordem numa sociedade com parcela considerável de subempregados marginalizados e escravos Além do mais alimentavam a esperança de auxílio financeiro da parte do Estado à sua economia cada vez mais descapitalizada Ressalte se ainda o fato de que os coronéis jamais se mostraram unidos na oposição ao governo A reforma da Guarda Nacional em 1873 a nova lei do recrutamento militar de 1874 a falta do tão solicitado financiamento estatal e o agravamento dos problemas econômicos à partir da grande seca de 187779 serviram para o distanciamento decisivo entre aquela elite e o regime monárquico Os lavradores Esta parcela da população caracterizase pela heterogeneidade mas qualquer que seja sua condição em termos sócioeconômicos devese ter em mente a imensa distância que os separava dos grandes proprietários e que formavam a maioria da população regional Compunhase esse grupo de pequenos arrendatários pequenos proprietários moradores e jornaleiros Suas condições de vida e trabalho eram precárias Como moradores ou agregados de uma grande propriedade habitavam por favor nas terras do senhor numa situação instável podendo a qualquer momento ser expulsos perdendo as benfeitorias e inclusive a roça Não tinham a necessária liberdade para decidir suas vidas e mesmo a contragosto eram convocados não podendose recusar para realizar tarefas nada legais sob o mando arbitrário do coronel Se não eram moradores constituíamse em força de trabalho disponível conforme as necessidades dos proprietários O fato de serem trabalhadores eventuais geralmente convocados nas épocas de plantio ou colheita sob ínfimas condições de pagamento fazia dessa gente uma população sofrida subnutrida e mendicante muitas vezes migrando de paróquia para paróquia à procura de trabalho e alimentos Após o fim do tráfico negreiro com problemas de reposição de mãodeobra os grandes proprietários tiveram dificuldades em atrair trabalhadores rurais devido entre outros fatores às condições exploratórias que impunham Nos finais dos anos 50 ouvese o clamor dos fazendeiros que exigem das au toridades medidas tendentes a obrigar os homens pobres livres a trabalhar em suas terras Em 1860 a pedido o Arcebispo da Bahia Marquês de Santa Cruz emite uma pastoral onde afirma que a ociosidade era um dos maiores pecados e concita dessa forma os pobres a procurar trabalho Na década de 70 acentuandose o problema os delegados de Polícia são alertados para efetivar a aplicação do 2º do artigo 12 do Código de Processo Criminal e do artigo 111 do Regulamento de 31 de janeiro de 1842 O Chefe de Polícia da Província de Sergipe seria bem claro ao afirmar que devido à fakta de braços para a lavoura não se podia permitir a vadiagem Estes parágrafos e artigos constituíamse em verdadeiras leis contra a pobreza mendicância e ociosidade Os que fossem encontrados sem trabalho teriam o prazo de 30 dias para encontrar ocupação findo o qual poderiam receber três tipos de penas multa até 30 réis prisão até 30 dias e 3 meses de casa de correção ou oficinas públicas Reeditavase no Brasil do século XIX a versão cabocla das famosas poorlaws inglesas do século XVI Estes homens pobres livres viviam praticamente à margem da lei Não recebiam proteção dela pois no seu vasto mundo os coronéis eram a lei suprema Os julgamentos e decisões dos juízesas resoluções das Câmaras Municipais às ações da polícia etc tudo se colocava sob o arbítrio daqueles land lords Não havia recurso diante de seu autoritarismo a não ser abandonar a terra acomodarse ou então transformarse em bandido O banditismo rural foi uma das soluções encontradas por esta população que vivia em condições subumanas A falta de consciência política levouos a reagir instintivamente e a tornaremse bandoleiros também chamados cangaceiros Optar pelo banditismo significava a solução extrema diante da penú ria e de certa forma a liberdade se bem que em termos individuais Embora cometessem toda a sorte de crimes estes homens eram vistos como heróis e olhados com admiração pela população em geral da qual inclusive recebiam ajuda Sua audácia e independência ante o coronel transformavamnos em exemplos vivos de saída possível A partir da década de 70 principalmente após a grande seca de 187779 houve um incremento considerável deste tipo de saída não sendo por coincidência que ocorreu justamente na época em que a crise econômica se mostrava mais aguda e as relações sociais se faziam mais impessoais e menos velado se tornava o aspecto exploratório desse relacionamento A violência gerava a violência e ameaçava explodir de forma imprevisível com sérias conseqüências Os lavradores pobres por seu turno só se revoltavam quando a situação tornavase aflitiva ou quando se aproveitavam de divisões ocorridas na elite dominante e eram insuflados por um dos lados Dessa forma saíram em campo lutando contra seus opressores ou aqueles que identificaram como tais Atacaram as fazendas na revolta de 185152 e entre outros as Câmaras Municipais e Coletorias na de 187475 Em ambas com o mesmo pavor de serem escravizados pois foi assim que entenderam ou foram induzidos a tal os decretos inovadores do registro civil do sistema métrico decimal e da nova lei do recrutamento militar Esta atitude serve para de monstrar o quanto de contas tinham a ajustar com seus senhores Demonstra outrossim que possuíam certa consciência da miserabilidade dependência e opressão em que viviam e não achavam estranha a possibilidade de virem a ser escravizados Os rebeldes derrotados engrossavam as fileiras dos bandidos e os bandos desciam do Sertão quando as rebeliões eclodiam no Agreste ou na Zona da Mata Os matutos viam o banditismo como saída possível para sua situação de penúria e explodiam em rebelião quando a situação atingia seu ponto crítico Se não conseguiram atingir seus objetivos é porque lhes faltaram a necessária conscientização e a liderança saída de seu próprio meio Quando foram conscientizados e alertados contra quem os oprimia pelos radicais ou padres jesuítas não receberam o apoio necessário para a continuação da luta Diante da revolta popular diante da revolta dos homens sem nenhuma importância social e menos política como os chamava certa autoridade as elites se retraíam e se conciliavam A revolta pregada pelas elites quando de dissensões internas ou com o aparelho estatal não era revolução mas sim uma forma de levantar esses proletários para atingir objetivos que lhes interessavam A elite porém não podia admitir perder o controle da situação e se isso era provável as suas facções se conciliavam Como afirma José Honório Rodrigues a conciliação sempre foi feita contra e em detrimento do povo surgia como defesa da classe dominante contra a classe dominada Ao sentir a gravidade do problema os membros da elite que haviam insuflado a revolta popular preferiam esquecer as rivalidades e apoiavam a repressão governamental As últimas décadas do século XIX foram assinaladas no Nordeste pelo incremento do banditismo rural do fanatismo religioso e pelo desânimo dos grandes proprietários que se desinteressaram pela sorte da Monarquia A violência se consolidou como forma de relação natural entre a população nordestina e refletia a acentuada deterioração das condições sociais O desenrolar dos acontecimentos levaria ao confronto a uma autêntica luta de classes caso outros fatores não contribuíssem para esvaziar a tensão Entre estes colocamos como fundamental as migrações internas que deslocaram progressivamente para o litoral para a Amazônia e posteriormente para o Sul grandes levas de nordestinos A situação econômica As revoltas devem ser entendidas sem excluir aspectos particulares e conjunturais a partir da crise econômica que assola a região e que se aprofunda nas décadas finais do século XIX Inicialmente não devemos esquecer que o Nordeste foi colonizado e explorado tendo em vista as necessidades econômicas da expansão comercial européia A procura de metais preciosos especiarias e produtos tropicais havia provocado as grandes navegações dos séculos XV e XVI e colocado à mercê dos homens de negócios da Europa novas áreas muitas das quais praticamente despovoadas Em algumas regiões coloniais encontraram grande densidade populacional e formas de trabalho que souberam adaptar aos objetivos europeus em outras como no caso brasileiro tiveram que montar toda uma infra estrutura de produção trazendo para aqui sua técnica capitais e inclusive mãodeobra forçada De que adiantava terse dinheiro sementes e instrumentos de trabalho se faltava gente para trabalhar A escravidão negra foi uma solução para tornar viável os investimentos e fechar o círculo da economia Não estavam em jogo os direitos humanos mas sim a rentabilidade econômica O Nordeste mostrouse propício à produção de alguns artigos tropicais principalmente a canadeaçúcar cujo consumo aumentava continuadamente no Velho Mundo e posteriormente de outros como o algodão e o arroz Seguindo estas necessidades externas pôde a região durante longo tempo na época colonial entrar no circuito da produção e comércio mundiais cujo centro achavase nos Países Baixos passando evidentemente pelos portos portugueses Em fins do século XVI a Zona da Mata nordestina ocupava o primeiro lugar na produção mundial do açúcar A sua importância fica patenteada quando após o Brasil passar para o domínio espanhol em 1580 e tendo em vista a guerra entre a Holanda e a Espanha os holandeses resolvem conquistar a região para não perder tão importante fonte de lucros Mas tanta importância e riqueza gerada no nordeste brasileiro que fazia a fortuna de muitos comerciantes portugueses e batavos estava assentada sobre base instável que iria ser a responsável pela crise que a região passaria nos fins do século XVIII e todo o século XIX Um ponto fundamental que o leitor deve observar está na própria gênese da economia local nascida a partir de necessidades externas ou seja visando a atender a um consumo que estava milhares de quilômetros distante isto é na Europa Disto advêm problemas sérios 1º o plantador nordestino que assumia todas as despesas e riscos do plantio e colheita da cana e da produção do açúcar não tinha controle sobre o preço e a venda do artigo que ele próprio produzia Afastado da comercialização ficava ao sabor das flutuações dos preços que muitas vezes não chegavam a pagar os custos da produção gerando o seu endivi damento e em alguns casos a ruína 2º não tinha a garantia de que sua produção seria efetivamente adquirida pelos comerciantes estrangeiros Investimentos holandeses ingleses e franceses nas Antilhas fizeram desta região um centro produtor de açúcar concorrente do Brasil e sua proximidade da Europa além de outros fatores fizeram com que o Nordeste perdesse fatia considerável deste importante comércio A isto acrescentese o esforço do continente europeu em extrair com sucesso o açúcar da beterraba 3º na medida em que não tinha possibilidades de influir no comércio internacional o fazendeiro nordestino ao mesmo tempo que via os preços de seus artigos baixarem de forma real era forçado numa autêntica troca desigual a adquirir manufaturados europeus implementos agrícolas objetos de consumo pessoal etc por preços que se elevavam continuamente 4º a utilização do escravo como principal força de trabalho era rentável enquanto o preço do produto no mercado fosse elevado O fazendeiro ao comprar o escravo imobilizava nele um capital dinheiro e tinha que obrigatoriamente fornecer casa comida e roupa Quer produzisse ou não a despesa com esta força de trabalho era relativamente constante Para que se produzisse com mãodeobra escrava não se podia lançar mão de instrumentos de trabalho muito sofisticados e necessário se tornava também que a terra fosse abundante e fértil para que a técnica rudimentar fosse compensada pela natureza Visando a retirar no mais curto espaço de tempo possível o capital investido no escravo o fazendeiro era obrigado a exigir dele cotas de trabalho bem maiores média de 14 horas por dia o que tornava sua vida útil muito curta Portanto além do alto preço do produto da abundância e fertilidade da terra a escravidão para continuar a existir como forma de trabalho exigia reposição continua de mãodeobra 5º tendo sido montada como economia produtora de artigos para exportação a região tendia à monocultura em detrimento da produção de alimentos para o consumo local A importação de muitos alimentos de outras regiões ou países deixava pois as cidades sob a ameaça da escassez e à mercê da alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade 6º tendo em vista que a principal produção da região visava a mercados externos não só no sentido de estrangeiros como de outras regiões do país o fazendeiro não tinha por que pagar bons salários aos trabalhadores livres quando os possuía já que não era entre estes que estavam seus principais consumidores Da mesma forma que agia com os escravos exigia dos homens livres cotas excessivas de trabalho em troca de diárias irrisórias No Nordeste a partir de fins do século XVIII encontramos todos estes problemas que se irão agravar no século XIX Os produtos da região perdem cada vez mais importantes fatias dos mercados tradicionais há uma queda real dos preços desses artigos e observase o esgotamento do solo caindo a pro dutividade A redução dos lucros impede a introdução em forma ampla de uma moderna tecnologia que por certo estava além das posses da grande maioria dos fazendeiros Com o fim do tráfico negreiro a partir de 1850 o fazendeiro nordestino às voltas com esses problemas começa a se desfazer de seus escravos Vendeos para o Sudeste que em fase de expansão pode pagar elevados preços pelos cativos Mas tal fato não significa que a recuperação do capital imobilizado naquela força de trabalho venha resolver seus problemas pelo contrário como sua situação chegara a um ponto crítico na verdade ele estava desfazendose de seus bens para saldar dí vidas Aí está a explicação para o tráfico interprovincial de escravos que nas décadas de 60 e 70 encheu de horror o país A proibição do tráfico internacional não permitira ao Brasil livrarse deste comércio degradante que então passava a ser feito às claras dentro do próprio território nacional Contudo o fim do tráfico e a crise do setor exportador fizeram com que a abolição da escravidão chegasse mais cedo ao Nordeste do que no resto do país O braço escravo foi sendo substituído pelo livre em condições extremas de miserabilidade Na região já havia uma reserva de mãodeobra livre suficiente para assegurar a reprodução daquela economia exportadora sem ter que pagar salários elevados Segundo cronistas que visitaram a região naquela época a situação desses trabalhadores livres era pior do que a dos escravos pois estes últimos pelo menos tinham assegurados vestuário alimentação e moradia Em síntese era esta a situação do Nordeste Perda de mercados tradicionais queda dos preços dos artigos de exportação esgotamento do solo rendimento decrescente do setor agroexportador e uma massa progressivamente aumentada de homens livres vivendo miseravelmente Celso Furtado 1974147149 comparando dados das duas últimas décadas do século XIX diz que enquanto a população nordestina cresceu cerca de 80 a renda real gerada pelo setor exportador não ultrapassou 54 cabendo admitir que houve declínio da renda per capita da região Este declínio no cômputo geral e no nível das classes sociais traduzse no empobrecimento ainda maior dos assalariados arrendatários e meeiros e na concentração de renda em mãos dos grandes proprietários Esta concentração de renda repousa e gera a proletarização de amplas camadas sociais Uma parte considerável dos grandes fazendeiros inicia um processo de ampliação das áreas destinadas ao cultivo dos artigos de exportação às expensas das que produziam gêneros alimentícios Os relatórios dos chefes de Polícia das províncias mostram uma crescente relação de casos de violência praticados pelos fazendeiros contra os moradores de suas terras Estes são expropriados perdendo suas roças Aumenta o número de desocupados e miseráveis A dinâmica e as contradições da acentuada dependência brasileira no marco do capitalismo internacional provocavam a destruição da pequena produção e ampliavam a economia de plantation Eliminavam pouco a pouco a produção de artigos de subsistência em sua quase totalidade feita por esses moradores e forçavam a que todos entrassem em uma economia de mercado num processo que ainda hoje não se completou À pobreza e ociosidade de grande parte da força de trabalho disponível somavamse a escassez e alta dos preços dos artigos básicos da alimentação local Verificaramse violentas insurreições urbanas e casas comerciais foram depredadas e incendiadas O Nordeste estava neste período à beira da efervescência revolucionária Tudo era motivo para revolta e atos de violência Nas principais cidades de tempos em tempos ocorriam motins populares Ás decisões governamentais que não tinham apoio ou compreensão popular não eram acatadas A popu lação revoltavase contra o recrutamento militar contra o aumento de impostos contra o registro civil dos nascimentos e óbitos contra o censo geral da população do Império contra a aplicação dos novos padrões de pesos e medidas etc Não realizava simples passeatas de protestos mas autênticas lutas com mortos e feridos Além disso desde a Praieira 184850 havia uma animosidade latente entre grandes proprietários e trabalhadores rurais A tudo isto somavase a atuação da imprensa e dos políticos radicais bem como a luta entre facções da elite disputando o controle das funções públicas A difícil situação da economia regional ocasionava o rompi mento da precária paz entre as classes sociais e entre estas e o Estado monárquico As insurreições conflitos e violência demonstravam a profundidade das contradições econômicas que ameaçavam transformar a região em um bolsão revolucionário AS INSURREIÇÕES Introdução Denominaremos genericamente de insurreições os violentos movimentos sociais que sacodem o Nordeste nesta segunda metade do século XIX Cabenos no entanto antes de descrevê las distinguir insurreição de revolução seguindo a lógica de Umberto Melotti 19713436 A diferença entre revolução e insurreição consiste em que a primeira tem como objetivo derrubar o sistema existente para substituílo por outro que seja a expressão das transformações sociais ocorridas Insurreição por outro lado constituise em um estágio anterior à revolução e serve para demonstrar que o antigo equilíbrio social foi rompido Os movimentos insurrecionais podem ser dirigidos para atingir objetivos específicos localizados e imediatos tais como oposição a uma lei a impostos considerados extorsivos à alta de preços etc Os participantes dos movimentos insurrecionais descrentes dos aparelhos do Estado perderam a confiança na reclamação por meios legais oficiais mas ainda não chegaram ao ponto de propor a transformação total Em vista disso acusam a autoridade mais próxima atacam os comerciantes enfim aque les que muitas vezes são apenas executores eou sofrem os efeitos dos mesmos problemas Não conseguem ainda relacionar fatos isolados e muitas vezes conjunturais com contradições estruturais Pode ser que com o prolongamento do movimento no tempo e no espaço adquiram esta conscientização mas neste ínterim já estamos nos limites de uma revolução É assim que devemos entender as rebeliões nordestinas Elas anunciavam as transformações que se operavam na sociedade local Apontavam a necessidade de mudanças globais o que pode ser atestado pelo incremento do banditismo rural e do fanatismo religioso com a proliferação de santos e beatos que pregavam o isolamento ante aquela ordem injusta e aguardavam a salvação celeste única esperança que lhes restava Cangaceiros e fanáticos são faces de uma mesma moeda Não é por coincidência que no exato momento em que a crise econômica e a seca agravam os problemas regionais aumenta o número de Chicos Beatos Antônio Conselheiro Jesuíno Brilhante Quirinos Viriatos Calangros etc no rastro de uma herança que daria no século XX os famosos Padre Cícero e Lampião aliás amigos entre si Um dos traços mais fascinantes da história das lutas sociais nordestinas está na própria memória histórica que cultuaram Os líderes revolucionários de 1874 lembraram em panfletos os heróis de todas as revoltas anteriores desde 1817 a 1848 numa prova de que as repressões passadas não haviam conseguido tornálos esquecidos entre a população pela qual morreram O Ronco da abelha 185152 Terminada a Praieira 18481849 grupos remanescentes continuaram agindo no interior do Nordeste principalmente de Pernambuco Paraíba e Alagoas Pedro Ivo um dos líderes mais populares daquele movimento organizou nas matas de Água Preta Pernambuco um dos mais importantes grupos de resistência O próprio Ministro da Justiça Euzébio de Queirós em relatório apresentado em janeiro de 1850 reconhecia a dificuldade em combatêlo É necessário porém acabar quanto antes esse germe de revoltas exclamava enfaticamente o ministro De fato a existência desses pontos rebeldes constituíase numa ameaça à tranqüilidade da região porquanto não só estimulava o aparecimento de outros focos semelhantes como também constituíase num excelente atrativo para que outros descontentes viessem engrossar aquelas fileiras A figura de Pedro Ivo continuava a servir de esperança para a população insatisfeita As notícias que chegavam ao Rio de Janeiro davam conta de que o líder rebelde era visto como o predestinado encarregado de fazer surgir a nova idade do ouro Paralelamente ao auxílio que populares prestavam a Pedro Ivo o governo extremamente preocupado aumentava suas forças para perseguilo Em contraposição em diferentes pontos da região grupos rebeldes se formavam e agiam isoladamente O aparecimento desses focos sediciosos um ato espontâneo de patriotismo no dizer da oposição era visto pelo governo como manobra visando a cansar o governo separar e distrair suas forças e assim manter vivo o espírito revolucionário A prisão de Pedro Ivo não foi suficiente para eliminar os grupos guerrilheiros Em seu relatório de 13 de maio de 1851 Euzébio de Queirós ainda se queixava de que o valhacouto de Serra Negra comarca de Pajeú das Flores Pernambuco apesar de tantas vezes dispersado renasce como ponto azado para tais reuniões Enquanto no interior a situação de certa forma continuava intranqüila o ministro mostravase preocupado com a campanha dos políticos da oposição que exigiam por meios revolucionários reformas radicais nas instituições O clima apresentavase tenso O fim da Praieira não fora o fim do estado de agitação A prisão dos seus principais líderes não significou que os revoltosos tivessem esquecido suas reivindicações Ao mesmo tempo que grupos isolados agiam pelo interior do Nordeste numa flagrante contestação ao governo conservador a oposição continuava sua política de manter vivos os grandes temas liberais e praieiros Formaram se duas facções uma mais moderada pedindo a convocação de uma Constituinte e outra mais radical que organizava sociedades apelando para a agitação e assustando a população no entender do Ministro da Justiça Foi neste ambiente prérevolucionário que nos meses de dezembro de 1851 e janeiro de 1852 as províncias de Pernambuco Paraíba Alagoas com maior intensidade e as do Ceará e Sergipe de forma mais amena foram assoladas por movimentos armados de oposição aos decretos 797 e 798 de 18 de junho de 1851 que instituíam respectivamente o Censo Geral do Império e o Registro Civil dos Nascimentos e Óbitos O decreto 797 determinava que o arrolamento da população para o censo seria feito no dia 15 de julho de 1852 após afixação de editais nas Igrejas matrizes e anúncios nos jornais a partir de 1º de junho daquele ano Quanto ao decreto 798 constava que o registro civil da população a ser feito pelos escrivães dos juízes de Paz dos distritos entraria em vigor impreterivelmente a 1º de janeiro de 1852 Foi na província de Pernambuco que o movimento apareceu com caráter mais grave não só pelo número de grupos que se armaram como por serem mais numerosas as freguesias e os termos em que ele se manifestou Naquela província levantaramse os termos de Pau dAlho Limoeiro Nazaré Goiana Vitória Garanhuns Rio Formoso Igaraçu e as fre guesias de Ipojuca Jaboatão São Lourenço e Munheca Na da Paraíba foram envolvidas as vilas de Ingá Campina Grande Alagoa Nova Alagoa Grande Na de Alagoas as localidades de Laje do Canhoto MundaúMirim Porto Calvo Porto de Pedras Riachão Arrasto Juçara Jacuípe São Brás Salomé e Barra Grande além dos moradores das matas de Cocal e Angelim Nas do Ceará e Sergipe a sedição limitouse às localidades respectivamente de Jiqui e Porto da Folha Em todos os pontos os fatos foram idênticos Ataques às vilas e engenhos fuga das autoridades e grandes proprietários ameaças e reuniões suspeitas feitas por conspiradores que dentro dos engenhos incitavam os moradores a tomarem das armas se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao cativeiro A plebe revoltada clamava contra a declaração da escravidão Espalharase a notícia de que os decretos 797 e 798 visavam a escravizar a todos os recémnascidos e aqueles batizados com as formalidades prescritas por aquela lei que fazia parte de um plano geral para reduzir à escravidão as pessoas livres e para enfim reduzir à escravidão a gente de cor O momento era propício para a exploração política dos decretos apresentandoos como medidas escravizadoras da parte do governo conservador Em 1850 regulamentarase a repressão ao tráfico de escravos e os grandes proprietários reclamavam da falta de braços ao mesmo tempo em que se queixavam da preguiça e resistência ao trabalho por parte dos trabalhadores livres Esta situação tenderia a provocar da parte dos senhores de engenho de um lado a exigência de maiores cotas de trabalho dos moradores e do outro a solicitação de leis repressoras da vadiagem que forçassem os homens ao trabalho Quando em 1851 dois novos decretos determinaram que se fizesse o censo geral da população do Império e que todo nascimento e morte fosse registrado no livro do juízo de Paz segundo a cor da pele como era natural no Brasil até há pouco tempo qualquer argumentação mesmo simples serviria para levantar em sedição a população amedrontada Esta gente de cor estes caboclos na sua simplicidade e ignorância viamse diante de todos esses decretos como alvo da voracidade do senhor de engenho e tenderiam a reagir violentamente Uma reação deste tipo não seria novidade pois por ocasião da Praieira ouvindo a pregação dos radicais do partido da Praia os lavradores haviamse revoltado contra os senhores É o povo mais pobre principalmente moradores e jornaleiros que forma o grosso da revolta A correspondência vinda dos locais amotinados especifica que os revoltosos são o povo mais miúdo são a gente baixa são a maioria da população menos abastada enfim gente da última ralé e sem nenhuma importância social e menos política Tornase claro que as autoridades locais identificadoras da origem social dos revoltosos procuraram taxativamente assinalar que eles não pertenciam à elite da região da mesma forma procederam os presidentes de Província e o próprio Ministro da Justiça Assim fazendo procuravam descaracterizar o movimento visando a não estimular adesões e procurando mantêlo circunscrito às localidades já sublevadas evitando transformálo em outra Praieira ou algo de maior proporção já que sabiam do descontentamento que grassava no Império principalmente da ala mais radical do partido liberal de posto em 1848 O governo conservador expressão do partido da ordem tinha que aparecer perante a nação como o restaurador da paz interna e não o divisor de águas a eclosão de uma nova Praieira demonstraria não só sua debilidade como também a capacidade de resistência e luta do adversário Na verdade à primeira vista a insurreição caracterizava se por ser um movimento da população rural mais pobre moradores proletários etc contra os senhores de engenho e as autoridades nas vilas e cidades Mas teriam esses moradores e proletários sabidamente afastados da cultura da elite condições de por si só julgarem o conteúdo dos decretos 797 e 798 e associaremno ao de repressão ao tráfico negreiro e às atitudes tomadas pelos grandes proprietários Acreditamos que não Stavenhagem 197283 analisando a grande propriedade rural monocultora da América Latina diz que entre o grande proprietário e os trabalhadores existem diferenças muito grandes para ele a classe dominante é muito politizada na proporção em que o campesinato dominado quase não tem atividades nem participação políticas Dessa forma à luz da documentação que consultamos muito embora não haja indicação explícita da participação de outros grupos sociais achamos que ela provavelmente existiu e partiu dos grupos remanescentes do partido da Praia O partido da Praia defendera por ocasião da revolta de 1848 um programa de profundo cunho social seus ataques eram dirigidos contra os senhores de engenho principalmente o poderio do clã feudal e parental dos Cavalcantis e os comerciantes portugueses aqueles por monopolizarem a terra e estes o comércio das cidades Insuflaram os moradores dos engenhos contra seus senhores e distribuíram perto de cinco mil armas entre o povo Assim podemos entender quando Nabuco chama a Praieira de movimento de expansão popular e a vê sem disciplina A disciplina que lhe faltava era a limitação do movimento nos parâmetros do interesse da elite descontente Expansão popular significa neste caso confronto com as elites significa de fato um conflito social na medida em que passa a ser um levante popular ultrapassando os objetivos iniciais Quando as elites percebem as terríveis forças que acionaram retraemse conciliamse e a repressão é feita E é Nabuco que isto observa no caso da revolta da Praia Diante da nova situação os homens abastados tendo em vista que os Praieiros eram indiferentes à sorte de sua propriedade e de suas vidas pensaram em aproximarse uns dos outros Nabuco 1975101111 Por que não poderia ser a sedição de 185152 uma continuação da Praieira Os problemas que levaram à sua eclosão não haviam desaparecido No interior grupos rebeldes continuavam agindo em autêntica guerra de guerrilhas Os matutos continuavam sob o mando incontestado dos poderosos senhores de engenho Os liberais e mais do que nunca os radicais da Praia continuavam na oposição Não estaria aí formado o pano de fundo para a interpretação dos decretos 797 e 798 de forma a exaltar novamente a gente baixa e tentar com nova sublevação a inversão de tudo que havia oficialmente Apesar da preocupação em caracterizar o movimento como da exclusiva responsabilidade do povo mais miúdo as fontes deixam transparecer a participação de elementos de outros grupos sociais Os primeiros as serem apontados são os párocos Alguns párocos imaginando ou fantasiando prejuízos que da execução do decreto lhes devem resultar consentem se não aprovam essas disposições hostis à lei apud Monteiro 1980124 Em segundo lugar na procura dos anarquistas que fomentam a revolta da gente rude apontam os políticos do partido liberal Os conspiradores continuam a fazer reuniões em seus engenhos e a proclamar que tomem as armas se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao cativeiro e que o Partido Liberal é oposto a esse decreto e está pronto a defendêlo apud Monteiro 1980125 De qualquer modo a participação do clero e de elementos identificados com os ideais praieiros deuse de forma velada Procuraram dissimular sua atuação evitando um confronto direto com o governo Prepararam o terreno na esperança de um levante geral a partir do qual quem sabe pudessem retornar à ação os antigos líderes foragidos no sertão ou então presos A revolta de 185152 demonstrava que embora a Praieira tivesse sido sufocada as reivindicações ainda estavam bem vivas nas mentes dos nordestinos e que a repressão que naquela ocasião fora feita não havia sido suficiente para desestimulálos A repressão seguiu uma escala progressiva Inicialmente enviaramse circulares às autoridades do interior no sentido de investigar a verdadeira origem do preconceito contra os decretos e que se empregassem meios suasórios usando todo o legítimo ascendente do cargo que ocupa para desvanecer as impressões desfavoráveis sugeriam também que se encontrasse o melhor modo de coibir a propagação do erro e que se processassem os amotinadores Monteiro 1980125 Além dessas medidas foi mandado às localidade sublevadas o Frei Caetano de Messina capuchinho para organizar santas missões e ver se dessa forma acalmavamse os descontentes Sua pregação seguia uma norma comum nos sermões desse tipo lamentava o erro dos devotos aconselhava o arrependimento e mostravase interessado no bemestar deles ao mesmo tempo que os ameaçava com os piores castigos caso não ouvissem sua exor tação ou concordavam com ele ou seria derramado o sangue dos filhos de Pau dAlho O trabalho do missionário era lento mas a cada dia afluindo de vários outros lugares ia crescendo o número dos que acorriam a Pau dAlho para colocarse sob a proteção do Frei e portanto a salvo da perseguição que começara a ser feita por tropas de primeira linha Estes proletários eram usados sob a direção do capuchinho para a realização de obras públicas em Pau dAlho foram reparadas as igrejas de Santa Teresa do Rosário e do Livramento Os homens fabricando tijolos e telhas conduzindo pedras cortando madeiras e as mulheres conduzindo areia tijolos e telhas andando todos no maior contentamento e alegria como se cada um dia de tanto trabalho fosse para todos a melhor festa Nessa missão recebi trinta e seis clavinotes para entregálos à competente autoridade apud Monteiro 1980126 Entrementes o governo não podia deixar o fim da sedição entregue ao lento trabalho do missionário afinal as propriedades começavam a ser ameaçadas o que exigia pronta repressão Do Recife foi enviado o 4º Batalhão de Artilharia para juntarse ao 9º Batalhão de Infantaria que já havia sido mandado anteriormente para Pau dAlho e que estava acampado no Engenho Cajueiro a pouca distância daquela vila Tendo em vista que a todo momento chegassem notícias desagradáveis de Nazaré Limoeiro Santo Antão Goiana e outros lugares a Guarda Nacional foi convocada Na segunda quinzena de janeiro as autoridades já podiam anunciar a pacificação muito embora apontassem ainda a existência de grupos armados Os lavradores em parte optavam pela guerrilha embrenhandose pelas matas Estes franco atiradores à medida que não se reintegravam nas antigas atividades econômicas preferiam refugiarse no interior no Sertão e transformavamse em bandidos Na verdade as forças governamentais não chegaram a lutar com os sediciosos Da mesma forma que se abateram sobre os engenhos e vilas de surpresa e em ação rápida desapareceram sem deixar vestígios Alguns participantes dos grupos de razia foram reconhecidos por pessoas da localidade ou de fazendas invadidas mas não houve referência posterior sobre abertura de processocrime O governo preferiu a 29 de janeiro de 1852 pelo decreto 907 suspender a execução do Registro dos Nascimentos e Óbitos e do Censo Geral Estando a pouco mais de um ano do início da conciliação o gabinete conservador ao que parece já envolvido pela atmosfera que iria resultar no ministério de 6 de setembro resolve conciliar A suspensão das medidas pretensamente causadoras da revolta e o caráter brando da repressão que mais pareceu uma demonstração de força confirmam esta hipótese Os lavradores revoltados não contaram com uma unidade de ação com uma liderança Incentivados ou não por elementos de outros grupos sociais os registros não assinalam nenhum chefe nenhuma organização Embora em maior número o levante em grupos esparsos facilitaria a reação da classe dominante e a repressão Evidentemente que essa classe por sua própria posição tinha mais condições de se organizar não só por contar com os aparatos ideológicos que levavam a população em geral a condenar o levante mas também por pertencer à Guarda Nacional que a transformava em classe armada e finalmente pelo apoio que tinha do Estado através das forças de linha exército regular  participação de elementos do Partido Liberal do clero de radicais etc cai de importância ante o problema maior que se apresentava a luta de classes que de latente passava a declarada PROVINCIAS DO NORDESTE Sedição de 187475 MEIO NORTE SERTÃO AGRESTE REGIÃO SUBLEVADA ESC 1 4000000 MATÁ É LITOBAL OCEANO ATLÂNTICO O Quebraquilos 187475 Nos últimos meses de 1874 e princípios de janeiro de 1875 quatro províncias do Nordeste Paraíba Pernambuco Rio Grande do Norte e Alagoas foram assoladas por uma nova rebelião que abalou as principais comarcas da Zona da Mata e Agreste de Pernambuco e Paraíba e várias localidades de Alagoas e Rio Grande do Norte De maneira geral os fatos ocorreram de forma idêntica A cobrança dos impostos provocava protestos e daí partiase para a agressão com a turba descontente quebrando os pesos e medidas do novo sistema métrico decimal e em seguida destruindo os arquivos das Câmaras Municipais Coletorias Cartórios inclusive o de registro de hipotecas civis e cri minais e até mesmo em algumas localidades os papéis dos Correios ou então repentinamente a cidade ou vila era invadida por bandos de homens armados cujo número variou de 60 a 600 que realizavam os mesmos feitos destruição dos novos padrões e incêndio dos arquivos e partiam prometendo voltar a qualquer momento O movimento teve início na vila de Fagundes da comarca do Ingá na Paraíba Por ocasião da feira a 31 de outubro de 1874 o povo que ia à feira para abastecerse de gêneros alimentícios pronunciouse contra o arrematante de impostos que cobrava o denominado imposto do chão A grande quanti dade de pessoas que protestava e o reduzido número da força policial deram vitória aos insurre tos A notícia voou O comandante das forças imperiais na província atribui a rápida propagação da insurreição à vontade de sacudir dos ombros fardos que ele supunha pesados demais à pobreza da população A partir de então uma após outra várias localidades da Paraíba sofreram os efeitos das massas desenfreadas No mês seguinte levantavase Pernambuco e em seguida Alagoas e Rio Grande do Norte Os revoltosos traziam um rosário de queixas Explodiam em rebelião por um acúmulo de problemas que se acentuavam a cada ano Algumas foram comuns a todas as agitações reclamação contra os impostos novos ou aumentados contra a nova lei do recrutamento militar e contra o novo sistema mé trico decimal A queixa contra os impostos era dirigida em primeiro lugar ao aumento do número de taxas cobradas tanto pela fazenda provincial quanto municipal e à elevação de inúmeros deles em segundo lugar ao abuso verificado na cobrança dos mesmos pelos arrematantes Conforme explicamos anteriormente as províncias do Nordeste vinham sofrendo os efeitos da queda dos preços dos seus principais gêneros de exportação o açúcar e o algodão e da contínua perda do mercado mundial O resultado disso no plano financeiro foi a diminuição das rendas provinciais Em tais circunstâncias por solicitação das presidências e Câmaras Municipais as assembléias provinciais foram votando o aumento dos impostos existentes e a criação de novos Dentre os impostos criados estava o que instituiu o imposto de consumo de alguns gêneros alimentícios entre os quais o da carne seca e da farinha que tantos protestos iria causar Explicando esta sobrecarga de taxas dizia o presidente Lucena de Pernambuco convém aqui ponderar que sendo neste segundo período consideravelmente maiores os encargos da Província e demasiadamente escassos os meios de ocorrer a eles NÃO ERA MUITO QUE SE ALTERASSE A TABELA DE IMPOSIÇÕES TANTO QUANTO FOSSE BASTANTE PARA CONSEGUIRSE RENDA SU FICIENTE apud Monteiro 1980132 Tal argumento poderia ser considerado lógico mas não naquelas circunstâncias onde qualquer majoração ou criação de impostos não deixaria de elevar o custo de vida A imprensa liberal vê nessas elevações uma forma de transferir para o povo entre o qual principalmente os mais afetados seriam a gente miúda a responsabilidade de sustentar a burocracia estatal ou seja para fazer viver na opulência a meia dúzia de ladrões Quanto aos arrematadores dos impostos sabemos que tendo arrematado ao município ou à província determinada taxa procuravam eles arrecadar o máximo que pudessem visando a aumentar seus lucros Os expedientes por eles utilizados não têm sido devidamente estudados mas dois dos exemplos citados pelo Comandante das Forças Imperiais na Paraíba são suficientes para terse uma idéia dos motivos por que as populações tinham tanta prevenção contra esses capitalistas Um pobre homem trazia às vezes para a feira uma certa quantidade de farinha no valor de 2000 rs logo que pousesse no chão o saco que trazia pagava imediatamente uma certa quantia porém se por qualquer circunstância ele mudava de lugar tinha que pagar novamente o imposto e pagaria quantas vezes mudasse de lugar de modo que muitas vezes sem ter ainda vendido o que trazia já tinha pago ao exigente arrematador o dobro do valor do que trazia para vender Arquivo 1937120 Em Pedras de Fogo o arrematante vendo que um homem que trazia uma pequena quantidade de frutas no valor de 160 réis não lhe dava lugar a cobrar o imposto no chão por não querer descansar o cesto usou o artifício de entreter com ele conversação e oferecerlhe um cigarro e assim que o homem para acender o cigarro descansou o cesto o arrematante cobralhe 200 réis que aquele lhe era devedor Arquivo 1937 120 A freqüência de fatos como esses transformava a cobrança dos impostos em momentos de grande tensão Os revoltosos de Panelas queixavamse das extorsões dos arrematantes e os de Bom Jardim diziam que o coletor cria impostos para si Assim compreendemos por que em grande número dos casos as agitações têm início com discussões nas feiras sobre a legalidade dos impostos daí partindo para as agressões já citadas Compreendemos também porque nas vilas atacadas um dos alvos quase sempre eram as coletorias A arrecadação de impostos já havia ultrapassado o limite natural que uma população psicologicamente considera como justo Na difícil situação em que se encontravam os senhores de terras se descapitalizando passo a passo e os proletários sofrendo os efeitos da crise da lavoura as novas taxas eram não só um abuso como um cinismo aqueles reclamando da queda dos preços e da perda de mercados pediam financiamento e recebiam aumento de impostos estes sofrendo as agruras do desemprego teriam que pagar mais caro até mesmo pelos ali mentos Realmente como dissera o Presidente Lucena bastava uma faísca A esse problema que consideramos o mais grave acrescente se como já afirmamos a oposição à nova lei do recrutamento militar Lei nº 2556 de 26091874 que espalharam torna o cidadão escravo Era um argumento semelhante ao utilizado em 185152 Curiosa é a preocupação que atemorizava a população geralmente mestiça quanto a ser transformada em escrava Retrata uma certa desconfiança para com as elites ou para com o governo deixa perceber a imagem que as populações mais pobres fazem da burocracia governamental e dos senhores na medida em que não são ouvidas politicamente não têm proteção legal ante os tribunais a não ser com apoio de uma pessoa influente e não têm perspectiva de melhoria de sua situação pois do governo nada mais esperam A escravidão se viesse a cair sobre eles não causaria estranheza mas naturalmente iriam lutar contra tudo que lhes pudesse parecer um caminho para aquela forma de trabalho Além dos pobres a repulsa à nova lei partia também dos senhores Acostumados a substituir os seus parentes recrutados por escravos ou cabras da área de seu domínio ouviam agora dizer que a lei 2556 iria impedir que os recrutados fossem pessoas só de baixa condição ouviam dizer que ela igualaria a todos Era muito para os poderosos senhores de homens e terras A atitude deles passa a ser a de uma ostensiva oposição como no caso do TenenteCoronel Luís Paulino fazendeiro em São Bento comarca de Buíque que contratou o bando de José Cesário para ajudálo a se opor à nova lei ou como aconteceu em Panelas onde o juiz de Direito reclamava não ter encontrado por parte dos cidadãos mais prestáveis e com os quais me hei entendido o menor indício de coadjuvação em qualquer emergência apud Monteiro 1980134 No nosso entender o ato de quebrar os novos padrões do sistema métrico decimal e que dá o nome ao movimento Quebraquilos situase na mesma linha de destruição e incêndio dos arquivos dos municípios tratase da exteriorização de uma revolta contra o governo e seus representantes A revolta do Quebraquilos na verdade tem suas origens na crise por que passava a economia nordestina o problema dos impostos e a nova lei do recrutamento serviram para acionar a sedição A isto acrescentemse também os problemas de ordem política e religiosa a oposição liberal ante um governo conservador e a prisão do Bispo D Vital que não só aproveitaramse da crise econômica como também ajudaram a exaltar os ânimos Para se ter uma exata compreensão desta revolta tornase necessário analisar a participação dos que nela atuaram Os elementos principais que formaram a maioria dos revoltosos foram os grandes proprietários de terra e os indivíduos de baixa condição ora denominados moradores ora proletários Além desses dois grupos dela também participaram os políticos da oposição o clero e os oficiais da Guarda Nacional Houve participação menor geralmente em casos isolados e bem específicos de marchantes negociantes arrematadores de impostos e inspetores de quarteirão Podemos afirmar portanto que a sedição teve como seus principais atores os grandes proprietários de terra os proletários os políticos da oposição e o clero Vamos analisar cada caso em separado A participação dos grandes proprietários de terra caracterizouse pela ação direta chefiando a turba descontente ou como relata o Comandante das Forças Imperiais na Paraíba pela neutralidade comprometedora quando não era indiferença culposa ou uma animação mais culposa ainda Dessa forma temos arrolados como cabeças da sedição entre outros os fazendeiros Virgínio Horácio de Freitas senhor do Engenho Lajes em Itambé Francisco Roma senhor do Engenho Jatobá em Goiana e Antônio José Henriques senhor do Engenho Serra em Bonito Em oficio datado de 13 de dezembro de 1874 o Delegado de Policia de Panelas reclamava que os homens importantes da região negaramlhe auxilio contra os sediciosos dizendo que estavam alcançados não dispondo de meios para reunir o povo isto é estavam endividados A participação direta ou a omissão desses cidadãos que como diz Henrique Millet constituem a primeira garantia da ordem pública pode ser explicada a partir da difícil situação econômica em que se encontravam A produção de suas terras o açúcar e o algodão sofria como já dissemos os efeitos da perda do mercado internacional e da queda dos preços ao mesmo tempo em que a crise financeira restringia o crédito Nesta situação extremamente aflitiva a ponto de terem de começar a se desfazer segundo Millet de parte do seu capital imobilizado compreendemos que possuíam motivos suficientes para rebelaremse ou para ficarem indiferentes à sorte do governo que não olhava por eles Quanto aos proletários foram eles que formaram a massa dos descontentes Foram eles que em grupos que variavam de 60 a 600 invadiram as vilas e destruíram os pesos e medidas e os arquivos Nessa categoria de forma abrangente podemos agrupar os moradores os proletários e os mer cadores das feiras Foram indiciados como cabeças do grupo que atacou a povoação de Vertentes Umbelino de tal morador na Borba Jorge Marques Defensor do Império morador na Tapada e Manuel Francisco da Silva morador no Estreito Em Panelas comunicava o Delegado de Polícia a 13 de dezembro de 1874 que Leôncio morador em Camaratuba andava falando contra os impostos Em todos os pontos de revolta a massa dos sublevados era formada pelos mercadores da feira e por grande número de proletários que se identificavam pela baixa condição ou como disse o Comandante do Batalhão de Panelas são pessoas que não têm o que comer Fica muito difícil distinguir quem exclusivamente pertence a uma destas 3 categorias pois um morador não deixa de ser um proletário e ambos podem ser um mercador de feira Entendase por morador o indivíduo a quem é permitido morar nas terras de um grande proprietário com direito a ter sua roça e eventualmente quando o senhor necessita presta serviços em troca de remuneração Quanto ao termo proletário de acordo com os relatórios da época são os que estão à procura de trabalho conseguem ocupação normalmente na época do plantio e colheita recebendo por jornada isto é são jornaleiros Por conseguinte um jornaleiro pode ser aquele que não tem acesso à terra de forma alguma mas também pode ser o pequeno proprietário um pequeno arrendatário foreiro ou morador que procura no trabalho assalariado a complementação da sua renda para poder adquirir aqueles objetos que não é capaz de produzir Dependem como diz Henrique Millet senão para a subsistência diária que em grande parte tiram diretamente do solo rios e matas pelo menos para todas as mais precisões da vida civilizada dos salários que lhes pagam os agricultores apud Monteiro 1980 136 De qualquer forma tendo acesso à terra ou não estes trabalhadores eventuais podem participar da feira do arraial ou vila próximos vendendo produtos agrícolas que lhes sobraram de sua diminuta produção ou artesanato em madeira couro barro e palha que preparam nas horas de folga Os produtos são vendidos no mercado para produzir uma margem extra de entradas com as quais compram bens que não produzem domesticamente Wolf 197210 Assim sendo estas pessoas que as autoridades locais designam como de baixa condição ignorantes e cheias de preconceitos são as que vivem em condições precaríssimas em épocas normais e em situação extremamente difícil em épocas de crise como essa por que passava a economia nordestina em 187475 Em 1874 não só as possibilidades de trabalho tornaramse muito limitadas devido à crise da economia como também uma série de leis novas havia sido criada como a que mudava o padrão de pesos e medidas a que estabelecia novas regras de recrutamento para o exército e armada entre outras e espe cialmente as que criavam e aumentavam impostos provinciais e municipais todas parecendo uma forma de opressão do Estado É bem sintomático que os movimentos de rebeldia tivessem início por ocasião das feiras no momento em que se dava início à co brança dos impostos Estas imposições novas ou aumentadas provocavam irritação pois constituíam por menor que fosse uma sobrecarga aos já tão sacrificados trabalhadores e pequenos proprietários rurais Não se tratava portanto da simples oposição de população ignorante às leis que não sabiam compreender tratavase isto sim da explosão de revolta de uma população pobre vivendo em condições subumanas reagindo de forma aparentemente irracional contra um estado de coisas cada vez pior e sem perspectivas aparentes de melhoria Quando os senhores de engenho cruzam os braços e deixam a turba livre para agir ou usamna como forma de pressão contra as autoridades constituídas visando a fazêlas olhar para a situação o que se vê são ações isoladas de grupos de proletários que resolvem acertar contas muito antigas em suas aldeias ou regiões Wolf 197268 Ao falarmos em acertar contas podemos ser levados a pensar em luta entre proletários e senhores mas acontece que os trabalhadores rurais neste momento vêem os grandes proprietários não como seus exploradores mas como indivíduos que sofrem os efeitos do mesmo mal De certa forma com eles ficam solidários ou melhor passam a identificar o inimigo real contra o qual devem reagir de imediato o Estado O relacionamento entre grandes proprietários e seus jornaleiros não é uma simples troca de trabalho por salário Além do compadrio que o transforma numa ligação pessoal com traços de afetividade a Casa Grande realiza uma enorme obra de assistência social moral e jurídica de que resulta a per missão de morar gratuitamente nas terras do senhor além de dar conselhos e proteção É evidente que este relacionamento não deve ser entendido no seu sentido puro pois existiram diferenças de acordo com a evolução histórica com as condições econômicas e com as necessidades e nível de entendimento dos grupos envolvidos Assim as secas como a de 1869 que trazem do Sertão para o Agreste ou Mata os vaqueiros foragidos transformandoos em lavradores dão como resultado de certa forma a injeção de idéias de altivez e reação no tradicional ambiente rural Outro ponto que não devemos esquecer é o trabalho de conscientização levado a efeito por grupos políticos e religiosos que tiveram sua primeira expressão na Praieira e na revolta de 185152 nesses movimentos os trabalhadores rurais chegaram mesmo a ignorar os laços afetivos e de submissão atacando as próprias fazendas como demonstramos anteriormente As características da crise econômica e as medidas administrativas governamentais serviram para colocar lado a lado estes dois grupos rurais os trabalhadores e os grandes proprietários contra o Estado que nada faz em benefício deles tratase de uma luta do campo contra a cidade ou melhor como definiu Irineu Jofily contemporâneo ao acon tecimento uma revolta contra o governo que chamavam de doutores ou bacharéis numa clara referência às diferenças de visões e ao divórcio entre a sociedade rural e a burocracia governamental Jofily 1892188 O clero participou da revolta do Quebraquilos e foi um dos mais punidos Os padres foram apontados como instigadores alguns como o vigário Calisto Correia da Nóbrega de Campina Grande na Paraíba e o Padre Manuel de Jesus de Granito em Pernambuco foram acusados de serem cabeças de sedição outros como os jesuítas estrangeiros Mário Arcioni João Batista Royberti Felipe Sottovia Luis Cappuci Vicente Mazzi João Berti Antônio Aragnetti e Onoratti foram expulsos do Império Os governos imperial e provincial ligaram a questão dos bispos e a atuação do clero ao Quebraquilos A atitude dos padres tem uma característica toda especial e deve ser vista sob ângulos diversos Um que merece destaque se refere à conjugação de duas crises uma econômica e outra político religiosa que tem seu desdobramento com a agitação popular desenrolada na mesma época Se acreditarmos nos relatórios oficiais o problema religioso prepondera sobre o econômico e neste caso os padres jesuítas tiveram papel destacado na rebelião Mas não devemos esquecer que atribuindo maior importância à questão da prisão dos bispos desviavamse as atenções do problema mais grave que era a difícil situação da lavoura nordestina O governo assim escondia seus fracassos ante a crise econômica e ao culpar o povo liderado pelos padres jesuítas pela rebelião tirava de si próprio a responsabilidade deixandoa para a idéia vaga de povo ignorante ao mesmo tempo em que tinha nos padres estrangeiros os necessários elementos para sacrificar e justificar a revolta Ao transformar o Quebraquilos num movimento de fundo religioso e de prova da interferência estrangeira da Igreja Romana nos negócios internos do país o governo adquiria o papel de representante da independência e nacionalidade ofendidas pretendendo unir em torno de si o maior número de defensores Distorciamse os fatos para beneficiar politicamente o gabinete conservador que seis meses depois junho de 1875 não resistiria e seria mudado O papel desempenhado pelos padres jesuítas é outro ponto delicado Usaram o púlpito escreveram artigos nos jornais e falaram nas missões contra o Estado Como funcionários públicos e religiosos ao mesmo tempo estavam em situação difícil defendendo o Bispo D Vital colocavamse contra o governo imperial a quem deviam obediência não ficando a seu lado colocarseiam numa posição de rebeldia ante seu pastor Podemos dizer que ficaram do lado de sua consciência e por isso incorreram nas iras do Estado Mas fica uma interrogação até que ponto esta simples disputa de autoridade entre a Igreja e o governo imperial seria motivo para levantar o povo em revolta Se não houvesse a crise econômica com as implicações já vistas os matutos iriam pegar em armas contra o governo somente devido à prisão de D Vital Na nossa opinião o problema era bem mais complexo Em ofício de 25 de dezembro de 1874 o Juiz Municipal de Granito Pernambuco acusava o Padre Manuel de Jesus da paróquia local de incutir no espírito do povo rude e ignorante idéias perigosas e subversivas da ordem social Referindose ao mesmo vigário diz o comandante do destaca mento policial de Granito que não satisfeito com sua jesuítica doutrina na Igreja domingo 19 do corrente dezembro NA FEIRA DESTA VILA PROFERIU PALAVRAS INSTIGANTES AO POVO PARA NÃO SE SUJEITAR A IMPOSIÇÕES COM REFERÊNCIA A ATACAR GÊNEROS ANTES DA HORA MARCADA PELAS POSTURAS DA RESPECTIVA CÂMARA Este era um ponto de suma relevância porque a cobrança de impostos aos feirantes levara à adoção de uma norma pela qual as feiras só teriam início com a chegada do presidente da Câmara Municipal ou seu representante acompanhado pelo coletor de impostos Ora se cada um à medida que fosse chegando atacasse os seus artigos isto é começasse a vendêlos o fisco ficaria prejudicado na cobrança Em carta apreendida pela polícia o professor público de Vertentes Xavier Ribeiro escrevia ao vigário de São Lourenço da Mata Pernambuco dando conta de seu trabalho de conscientização dos matutos Estes povos como já tenho dito detestam o maçonismo mas detestamno por um sentimento vago não é porque eles saibam o que é a maçonaria nem seus modos fins etc etc Há outra pessoa como este seu criado que arrostando as iras da energúmena não cessa de instruir os matutos convenientemente etc etc Eu sei que os cachorros estão danados comigo assim como pareceme que em certas localidades do mato bem entendido eles não ladram apud Monteiro 1980140 A atuação dos padres e seus agentes pelo que a documentação deixa perceber foi de conscientização da população mais pobre alertandoa para as profundas injustiças sociais de que era alvo agora aprofundadas com as instigações contra o Estado algoz de bispo Podese dizer também que na luta contra o Estado que se mostrava inimigo da Igreja postandose ao lado da maçonaria a arregimentação do povo levou à radicalização das prédicas dos religiosos a ponto de ao mesmo tempo que criticavam uma situação política começassem a levantar problemas sociais Aqui o ponto de convergência A crise econômica e a religiosa fornecem reciprocamente razões para a revolta No caso dos padres jesuítas podemos dizer que tiveram na crise da lavoura um aliado de suma importância mas daí atribuir ao movimento um caráter preponderantemente religioso é supervalorizar o confronto entre o Bispo D Vital e o Gabinete Rio Branco é esquecer o sofrimento daqueles proletários atingidos mais diretamente pela crise econômica A revolta de 187475 foi o renascer do espírito liberal radical que já se manifestara em 1817 1824 e 1848 Não foi como na revolta de 185152 onde a participação dos grupos políticoradicais se houve foi marcada pela timidez Agora passados quase trinta anos ouviamse os mesmos gritos de luta pela liberdade O Leão do Norte será sempre o mesmo Sim liberal paraibano não terás glórias nem martírios que não sejam também nossos Patrícios de Nunes Machado abracemos os patrícios de José Peregrino A liberdade é o anel de ouro das núpcias dos patriotas Firmes que Deus é pela liberdade Um pernambucano A fermentação política em todo o Império estava por esta época marcada pela contestação de fato ao regime Desde 1868 quando os liberais foram despejados do governo com a queda de Zacarias a situação a cada ano tornavase mais tensa haviase passado das críticas ao poder moderador responsável por aquela derrubada ao manifesto republicano de 1870 que pregava abertamente a necessidade de se extinguir a monarquia Na revolta de 187475 o que se via era o desembaraço dos radicais que de certa forma estava de acordo com o que se passava em nível nacional A ação política foi feita em vários níveis A imprensa liberal criticou severamente a situação Aproveitandose do momento tomava partido contra tudo que emanava do governo conservador desde as novas leis até o problema da prisão do Bispo D Vital Tudo era motivo para atacar o gabinete e a administração provincial Em ofício datado de 31 de dezembro de 1874 queixavase o Presidente Lucena O partido que se diz liberal em publicações diárias e avulsas difundia doutrinas subversivas com alteração da verdade e deturpação dos fatos na linguagem a mais virulenta e inconveniente apud Monteiro 1980141142 Enviaramse agentes às localidades com o propósito de orientar a resistência Os radicais fundamentaram sua propaganda nos pontos que evidentemente mais sensibilizariam os setores descontentes Colocaramse contra o governo na questão dos bispos chamandoo de maçom e como disse o Presi dente de Pernambuco especulando com o sentimento religioso procurando atrair o clero e sensibilizar a população católica Anunciaram que a nova lei do recrutamento tinha por objetivo escravizar os homens pobres Este argumento havia sido deci sivo na sedição de 185152 e como as circunstâncias o permitiam nada melhor do que usálo outra vez Outro ponto também muito utilizado foi a oposição às leis relativas aos impostos Pregaram a resistência ao pagamento numa argumentação semelhante à que havia sido empregada com êxito na revolta de 1817 Os ataques variavam desde pontos evidentemente corretos às mentiras mais torpes como a futura criação de impostos para estender roupa para secar 100 réis por cada galinha que possuíssem dois milréis para usar óleo no cabelo etc Mas todos os ataques terminavam sempre com o mesmo refrão de que era chegado o tempo de libertarse Não ficaram ao nível dos discursos e conversas ao pé do ouvido imprimiramse manifestos que foram espalhados pela Zona da Mata e Agreste Fizeram como disse o Juiz de Direito de Tacaratu um verdadeiro chuveiro de manifestos Pudemos ler três exemplares que foram apreendidos na ocasião Monteiro 1980165173 O primeiro transcreve um manifesto supostamente redigido por um paraibano onde depois de historiar a ajuda que a Paraíba prestou a Pernambuco nas revoltas de 1817 a 1848 reclama que agora quando a Paraíba precisa de ajuda o que Pernambuco fez foi enviar soldados para sufocar o movimento ali iniciado De fato atendendo ao pedido do Presidente da Paraíba o Presidente Henrique Pereira de Lucena de Pernambuco enviou uma companhia de soldados para auxiliálo na repressão O manifesto aos pernambucanos lembra ainda algumas das atitudes de Lucena reduziu o povo à miséria matou os brios de teus filhos transformandoos em algoz dos paraibanos chamouos de canalha no parlamento especulou com os cadá veres concedendo privilégios de carros fúnebres mandou espaldeirar o povo tingindo de sangue as calçadas das ruas e além de fazêlo passar por todas essas humilhações reduziu a província à condição de feitoria Em resposta um pernambucano fala da identidade entre as duas populações e que os brios dos pernambucanos não devem deixar o rubor subir à face nem estremecer os manes de Nunes Machado O segundo manifesto sob título POVO protesta contra os impostos pesados que absorvem todo o teu trabalho te reduzem à miséria e matam à fome a tua mulher e os teus filhos E pergunta Não tens um cacete uma faca um bacamarte Já estás tão fraco que não possas com uma garrafa de gás para te vingares de quem te rouba e te injuria POVO Os teus irmãos da Parahyba e do centro de Pernambuco já se ergueram para protestar contra os impostos pesados que absorvem todo o teu trabalho te reduz a miséria e matam á fome a tua mulher e os teus filhos Sabes tu para que se fez o imposto do bacalhão da carne secca e da farinha Foi para fazer viver na opulencia a meia duzia de ladrões Antes de morreres á fome esses abutres reduzirão tuas mulheres e tuas filhas á prostituição Não tens um cacete uma faca um bacamartre Já estás tão fraco que não possas com uma garrnfa de gaz para te vingaes de quem te rouba e te injuria Ao lampeão com os que ontem diziam que devias fazer a revoluçãoa ultima ratio dos porcos e hoje te injuriam e te ridicularisam porque foram comprados pelo governo Ao lampeão com os que especulam com o teu nome e no dia em que defendes nobremente a tua propriedade te alcunham deassassino Ao lampeão com os que te espaldeiraram cm 16 de Maio Ao lampeão com os que embolsam o teu dinheiro e além disto te descompõem E preciso um diluvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões e espaldeiradores Unote e serás invencível Manifesto da sedição do QuebraQuilos E numa direta alusão a Lucena que participou da revolta de 184849 e agora defendia os do partido da ordem Ao lampião com os que ontem diziam que devias fazer a revolução e hoje te injuriam e te ridicularizam porque foram comprados pelo governo Finaliza conclamando à luta armada conclamando à revolução É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões e espaldeiradores Unete e serás invencível O terceiro sob o título CIDADÃO GUARDAS NACIONAIS DO RECIFE opõese ao aquartelamento determinado por Lucena objetivando formar batalhões para sufocar a sedição Isto é depois de haver roubado o pão o bacalhau e a carne seca do povo tira os pais de família dos bancos de trabalho acaba a obra de destruição do povo pela miséria e pela fome E sugere a resistência Pede que os cidadãos não se apresentem pois devem deixar correr os acontecimentos Lembra os mártires da liberdade pernambucana citando Nunes Machado Joaquim Nunes Machado morto na revolta de 1848 Caneca Frei Joaquim do Amor Divino participante das revoltas de 1817 e 1824 e executado a 13 de janeiro de 1825 Roma Padre José Inácio de Abreu Lima executado a 29 de março de 1817 Miguelinho Padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro executado a 12 de junho de 1817 Teotônio Domingos Teotônio Jorge Pessoa executado a 10 de julho de 1818 José Peregrino José Peregrino Xavier de Carvalho herói paraibano executado a 21 de agosto de 1817 Pedro Ivo um dos líderes da Praieira 184849 assassinado em 1852 depois de fugir da fortaleza em que se encontrava preso no Rio de Janeiro Finaliza conclamando os pernambucanos a honrar essa sagrada memória e tranqüilizar esses adoráveis manes A repressão foi considerada pela historiografia como extremamente violenta Podemos distinguir nela duas etapas diferentes numa primeira a sugestão do emprego de meios suasórios e brandos com a demonstração da verdade Nesta fase assistimos às tentativas de arregimentar a população local nas próprias vilas atacadas para a defesa o apelo aos senhores de engenho para colaborarem com o Governo arregimentando seus moradores e o envio de missionários capuchinhos para exortálos a não prosseguirem no movimento Os resultados não foram satisfatórios Com a população das vilas não puderam contar de fato de maneira geral as populações apoiaram os revoltosos ou mantiveram uma neutralidade comprometedora Os senhores de engenho como vimos alegavam estar sem condições de reunir povo alguns prestaram auxílio como foi o caso do Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional de Pau dAlho Luís de Albuquerque Maranhão do Barão de Buíque Francisco Alves Cavalcanti Camboim do Barão de Tracunhaém João Cavalcanti Maurício Wanderley que acorreram com seus moradores mas este apoio foi de fato isolado não caracterizando uma atitude generalizada dos senhores de engenho que preferiram omitirse quando não participavam Os padres capuchinhos como sempre colaboraram realizando suas santas missões e indo ao encontro dos revoltosos para tentar demovêlos dos seus intentos Entre outros colaboraram o Frei Venâncio que atuou na região de Itambé e cuja participação mereceu um elogio do Ministro da Justiça no relatório de 01051875 o Frei José que atuou na região do Bom Conselho e Frei Fidélis Maria Fogmano que agiu na região de Panelas Mas também esta atuação não deu os resultados esperados pois as participações que vinham do interior freqüentemente noticiavam que suas exortações não eram atendidas Numa segunda etapa passase ao emprego de medidas enérgicas com a exemplar punição dos autores e coniventes O Presidente da Paraíba solicita auxílio de tropas ao Presidente de Pernambuco no que é atendido o mesmo faz o Presidente do Rio Grande do Norte ao do Ceará Em dezembro de 1874 chegam finalmente à Paraíba as forças enviadas pelo Governo imperial Tratavase de um contingente de 750 praças e 47 oficiais sob o comando do Coronel depois General Severiano da Fonseca que juntamente com a força da polícia local da província formou um efetivo de 1203 praças A Província de Pernambuco contava apenas com uma força policial de 1400 praças espalhados pelas várias comarcas já que a Guarda Nacional havia sido desmobilizada desde setembro do ano anterior A ação das tropas foi de verdadeira selvageria aplicada cegamente contra culpados ou inocentes José Américo de Almeida no seu livro A Paraíba e seus Problemas transcreve depoimento do Deputado João Florentino em 1879 onde se pode ter a idéia do tipo de repressão Fizeramse prisões em massa velhos e moços solteiros casados e viúvos todos acorrentados e alguns metidos em coletes de couro eram remetidos para a capital Alguns desses infelizes cruelmente comprimidos e quase asfixiados caíam sem sentidos pelas estradas deitando sangue pela boca Almeida J Américo 1923 219 O colete de couro segundo consta fora inventado pelo Capitão Longuinho comandante de uma das colunas que seguiu para o interior e consistia em envolver o tórax do indivíduo em couro cru molhado que ao secar comprimia o peito a ponto de provocar vômito de sangue Os que sobreviveram a esse suplício diante do qual se regalava o Capitão Longuinho não escaparam da tuberculose ou das lesões cardíacas que cedo ou tarde os levariam ao túmulo Almeida Horácio 1958145 O clamor contra a selvageria da repressão levou o Coronel Severiano a enviar um ofício circular aos oficiais comandantes dos destacamentos determinando que se atenuasse o rigor das prisões e impedissem roubos e atos de violência por parte dos soldados A esse ofício responde o Capitão Longuinho dizendo que tem usado cordas e correias de couro para prender os criminosos e sediciosos por não ter algemas mas que isto não os magoa tanto Durante muitos anos uma modinha popular cantada no interior nordestino falava da triste sorte dos quebra quilos Sou quebraquilos encoletado em couro Por vil desdouro me trouxe aqui A bofetada minha face mancha À corda à prancha me afligir senti Na cans modesta a tesoura cega De minha enxerga só me resta o pó De esposa e filhos violentam rudes As sãs virtudes seu tesouro só E ao quebraquilo desonrado louco É tudo pouco quanto a infâmia faz Se aqui contempla da família o roubo Ali no dobro o flagelam mais Tiranos vedes que miséria tanta Nem os quebranta meu pungir meus ais Martírios ultrajes de negror fazeime Porém dizeime se também sois pais Andrade 1946203 A Guerra das mulheres 187576 Evidentemente que há um pouco de exagero no título ao chamarmos o movimento de guerra das mulheres Na verdade os homens ali também se achavam mas devese ressaltar a participação preponderante e decidida das mulheres que pela primeira vez na história do Brasil atuaram coletivamente em um movimento insurrecional A revolta decorre da aplicação da Lei nº 2 556 de 26 de setembro de 1874 que alterou a forma do recrutamento de soldados para o Exército e Armada Aliás o recrutamento que sempre fora mal visto pela população gerava conflitos sérios e no que tange à lei de 1874 esta provocou não reclamações ou conflitos isolados mas um movimento coletivo que deuse simultaneamente se bem que em dias e meses diferentes entre agosto de 1875 e julho de 1876 em várias províncias do Império Mas para se entender melhor a Lei 2556 acreditamos ser necessária uma síntese da situação do alistamento militar nos anos anteriores Até 1874 o recrutamento era feito por uma pessoa designada pelo Presidente da Província conforme Decreto 73 de 06041841 para recrutar todos os homens brancos e solteiros e ainda pardos libertos de idade de 18 a 35 anos respeitandose as isenções da Portaria Real de 10 de julho de 1822 A população pobre era a que mais sofria os efeitos do recrutamento pois a Lei nº 45 de 29081837 permitiu que os recrutados pudessem dar substitutos ou serem dispensados mediante o pagamento de quatrocentos milréis numa época em que o salário de um artesão especializado não ultrapassava os trinta milréis mensais Esta forma de recrutamento permitia muitos abusos e transformouse numa arma de perseguição política pois afastava da região indivíduos indesejáveis aos grandes proprietários já que estes tinham influência na indicação dos recrutadores Transformouse portanto o recrutamento em verdadeira caçada A todo instante um elemento podia ser recrutado e preso e caso resistisse ficaria a partir de então sujeito à severa disciplina militar que incluía castigos corporais Era por conseguinte uma ameaça constante que pesava sobre os habitantes Pelo horror que inspirava pelos conflitos que gerou e por retirar homens válidos de pobres famílias de lavradores esta lei ficou conhecida como imposto de sangue Para evitar os abusos do recrutamento constante baixouse o Decreto nº 1089 de 14 de dezembro de 1852 pelo qual se estabeleciam cotas anuais para cada província Ou seja cada uma forneceria um contingente anualmente conforme número determinado por lei Mas cada recruta ou voluntário que conseguisse dava ao recrutador o direito de receber 5 importância que foi alterada pelo Decreto 2171 de 1º de maio de 1858 para 10 por recruta apurado e 20 por voluntário O recrutamento virou negócio Apesar de tudo os abusos e ilegalidades continuaram Os conflitos se sucediam Após a guerra contra o Paraguai o assunto volta a ser discutido e em 1874 aprovavase nova lei que tomou o número 2556 em que se instituíam juntas de alistamento e o sorteio A junta era formada pelo juiz de Paz a autoridade policial mais graduada do local e o pároco A lei deveria no primeiro ano de vigência arrolar todos os solteiros e casados que tivessem entre 19 e 30 anos de idade O sorteio seria feito em data posterior a ser designada As juntas paroquiais se organizaram expediram as proclamas convocando todos os homens válidos naquela faixa etária e começaram os trabalhos em 1875 utilizando geralmente as instalações das igrejas locais Os boatos correram dando conta de que todos os homens dessa idade seriam efetivamente recrutados Outros diziam que era uma nova lei de escravidão para os trabalhadores rurais Como sempre os políticos radicais dela se serviram para atacar o gabinete conservador do Visconde do Rio Branco acirrando ainda mais os ânimos Os grandes proprietários te meram perder o controle desta arma legal que tanto utilizavam As mulheres temeram perder seus maridos e filhos O ambiente já estava propício para mais uma insubordinação Instaladas as juntas e tendose iniciado os trabalhos grupos de mulheres em sua maioria invadem as igrejas rasgam os editais e exemplares da lei destroem móveis e utensílios e partem ameaçando voltar a qualquer momento No Ceará ocorrem distúrbios em Acarape Limoeiro Quixadá Boa Viagem Baturité e Saboeiro No Rio Grande do Norte conflitos em Mossoró São José de Mipibu e Canguaretama Na Paraíba houve oposição nos municípios de Alagoa Grande Alagoa Nova Ingá Campina Grande e Pilar Em Alagoas são atingidas as comarcas de Palmeira dos índios e Penedo e na Bahia a comarca de Camamu Mas conforme assinala Câmara Cascudo de todos os conflitos o que chamou mais atenção foi o que ocorreu em Mossoró O cabeça do movimento foi uma mulher chamada Ana Floriano Ela conseguiu reunir 300 mulheres O cortejo rebelde partiu da atual rua João Urbano indo até à hoje praça Vigário Antônio Joaquim Rodrigues Aí foram rasgados os editais pregados na porta da igreja e despedaçados vários livros Dessa praça dirigiramse as amotinadas à praça da Liberdade passando pela hoje rua Trinta de Setembro Naquele logradouro público achavase disposto um corpo de polícia ali posto com o fim de dominar a sedição Aos gritos de avança logo ficaram confundidos no tumulto da luta soldados e mulheres Cascudo 19557980 A interferência de pessoas importantes evitou que o conflito tivesse maiores conseqüências Mesmo assim a lei continuou em vigor Periodicamente ao se instalar a Junta de Recrutamento em várias regiões do país grupos se organizavam e partiam para a agressão Nos anos finais do Império os relatórios ainda dão notícias se bem que esparsas desses atentados AS REVOLTAS URBANAS Introdução Algumas cidades brasileiras foram durante longo tempo focos de movimentos sediciosos principalmente as capitais que se encontravam mais livres do mandonismo dos grandes proprietários Para esta situação vários fatores contribuíram tais como maior heterogeneidade da sociedade local a situação de refúgio dos que se libertavam da autoridade eou da exploração dos coronéis os contatos mais freqüentes com os progressos e as novas idéias que grassavam na Europa e sua posição intermediária entre a região produtora colonial e o grande centro consumidor europeu sofrendo portanto os reflexos das crises de uma ou outra o que geraria como gerou graves descontentamentos sociais Neste capítulo nos restringiremos apenas aos movimentos que grassaram em Salvador capital da província da Bahia mas o leitor deve compreender que tais movimentos fazem parte de um amplo leque de agitações sociais que abalaram várias cidades do Nordeste brasileiro entre as quais citamos Recife Natal Fortaleza Mossoró Macau Mucuripe São Luís Caxias Alcântara etc Todas estas revoltas têm motivações próprias frutos de situações específicas locais mas de qualquer forma inseremse dentro de um contexto mais amplo que é a crise regional Expressam em nível urbano as contradições da estrutura econômica regional As cenas são semelhantes Repentinamente por motivos aparentemente simples e variados a população irrompe pelas ruas depredando casas de comércio ameaçando edifícios públicos e entrando em luta com as forças policiais Gritam contra a carestia saqueiam e muitas vezes incendeiam os depósitos dos grandes atacadistas e monopolistas do fornecimento dos gêneros alimentícios Ao brado de mata marinheiro voltamse contra os portugueses geralmente comerciantes a quem acusavam de responsáveis pela situação Em excelente trabalho publicado em 1978 Kátia Matoso estuda a cidade de Salvador sua população e as condições de seu mercado abastecimento preços e salários no século XIX Caracteriza a maioria da população da cidade como vivendo em condições precárias e ameaçada de indigência e portanto incapaz de constituir estoques dos gêneros de primeira necessidade carne verde farinha de mandioca feijão e arroz Por outro lado quanto ao abastecimento apresenta quatro pontos que dificultavam o fornecimento e encareciam os preços o primeiro ligado à produção das regiões próximas que não era suficiente para atender à demanda citadina obrigando a a importar de regiões distantes a farinha do Paraná e Rio Grande do Norte arroz do Maranhão feijão de Portugal e de regiões brasileiras e carne de regiões situadas a centenas de quilômetros o segundo ligado à precariedade dos meios de transporte e das vias de comunicação o terceiro à ambivalência da administração que ora liberava os preços ora taxavaos o quarto ao fato de a cidade além de ser um centro importadorexportador ser também distribuidora de gêneros alimentícios para todo o Nordeste brasileiro com base em uma estrutura monopolista e açambarcadora Com efeito bastava que uma necessidade se tornasse premente em alguma área que se achava sob o controle dos comerciantes da Bahia para que a população sofresse na carne as conseqüências Matoso 1978258 Tomando por base o salário de um pedreiro em torno dos 30000 mensais na década de 60 e as variações dos preços dos três artigos básicos farinha feijão e carne verde Kátia Matoso estabelece as percentagens do salário necessárias para adquirilos Ano Percentagem 1845 4136 1854 4727 1858 5847 1866 4489 1873 3593 1878 5877 1885 4110 Matoso 1978 369371 Não é simples coincidência que as três mais sérias revoltas em Salvador tenham ocorrido justamente nos anos em que estas percentagens ficaram mais elevadas 1854 1858 1878 isto é nos anos em que foi necessário utilizar uma parte maior do salário para adquirir os alimentos Devese levar em conta também os aumentos que ocorreram em outros itens como moradia vestuário etc tornando difícil a vida da população soteropolitana Tomando por base os preços unitários de dois produtos mais consumidos chegamos também a conclusões semelhantes Ano Farinha 1 LITRO Carne verdeKg 1845 3040 21710 1854 5071 22100 1858 10194 45942 1866 7194 33538 1873 8661 48771 1878 10338 48000 1885 7734 44791 Matoso 1978 369371 Este é o pano de fundo das revoltas que se verificaram nas cidades nordestinas de uma maneira geral neste período A população em que pese outras variáveis que entraram no acirramento dos ânimos revoltavase contra uma situação que considerava insustentável a alta do custo de vida a depre ciação de suas condições de vida mas que além de ser um problema conjuntural refletia as contradições estruturais daquela região Em resumo podemos citar os cinco grandes problemas que estão por trás das revoltas a queda dos preços dos artigos de exportação e perda de mercados tradicionais no exterior gerando redução na capacidade de acumulação de capital local b redução das áreas destinadas à produção de gêneros alimentícios para o consumo local c precariedade do abastecimento dos centros urbanos d monopolização dos principais gêneros de consumo popular provocando elevação artificial dos preços e problemas climáticos que prejudicavam a produção e o abastecimento As revoltas devido às situações em que ocorriam receberam cognomes interessantes Assim é que a de 1854 ficou conhecida como a do pano do Teatro São João a de 1858 como carne sem osso farinha sem caroço somente a de 1878 não recebeu alcunha específica Trataremos a seguir dessas três revoltas Pano do Teatro São João 1854 No dia 23 de setembro de 1854 a partir de um incidente verificado na inauguração do Teatro São João ocorrem pelas ruas da cidade choques entre a população e a força pública com muitos feridos O quadro no qual se insere esta revolta tem dois componentes básicos O primeiro é o alto custo de vida que alimenta um forte sentimento antilusitano pois os portugueses eram os senhores do comércio atacadista bem como do chamado de retalho Desde 1848 quando foi apresentada na Assembléia Geral do Império proposta de nacionalização do comércio a retalho que tal oposição aos portugueses vinha sendo sustentada por muitos jornais contribuindo para aumentar o sentimento antimarinheiro O segundo componente referese à oposição liberal ao governo conservador de João Maurício Wanderley presidente da província A oposição era encabeçada pelo jornal liberal O Século dirigido por João Barbosa de Oliveira pai de Rui Barbosa A imprensa local juntava os dois elementos em seus ataques Apresentava os conservadores e os comerciantes portugueses como que mancomunados atribuindo à situação conservadora interesses em não frear a alta dos preços Pinho 1937246 Na fala apresentada à Assembléia provincial em 1º de março de 1855 Cotegipe queixavase da imprensa Dizia que nos países cultos ela guia a opinião mas aqui constituise no pelourinho das reputações e o algoz do sacrário das famílias E concluía Se houvesse um inimigo das garantias sociais acharia por certo seus melhores cúmplices nos incansáveis apóstolos dessa licença desmoralizadora que se arreia com o manto da liberdade Wanderley 18554 O estopim seria a pintura encomendada pelo governo para o pano de boca do Teatro Por ordem de Wanderley fora concluída a reforma do prédio e aberta a concorrência para a pintura do pano Foi vitorioso o alemão Bauch que conforme estabelecia o edital pintou uma cena da história do Brasil A cena era a chegada de Tomé de Souza à Bahia nela figuravam os índios depondo os arcos admirados e prostrados ante o governador que empunhava a bandeira portuguesa A oposição viu nisto mais uma prova para seus ataques e recrudesceu a campanha contra o governo e seus aliados portugueses Na véspera do incidente a 22091854 Cotegipe escrevia ao Presidente do Conselho o Marquês de Paraná Escrevem e proclamam que a cena é um insulto à nacionalidade porque estão os brasileiros tupinambás curvados ante os portugueses que foi muito de propósito escolhida para indicar ao povo o plano do absolutismo que o governo quer proclamar Pinho 1937273 Apesar de estar a par dos planos para promoverem uma assuada e depois queimarem o pano no dia da inauguração Cotegipe não recuou E afirmava tenciono pois experimentar a ousadia desses meus senhores e depois de mostrarlhes que não os temo arredarei este pé de cantiga Pinho 1937 273 Assim foi feito Na noite de 23 o teatro achavase lotado Não só de povo como também de autoridades Nos corredores e platéia de espaço em espaço viamse policiais estrategicamente postados à espera de qualquer tumulto Concluída a apresentação como não fosse baixado o aludido pano levantase o alferes reformado do exército João José Alves tio de Castro Alves e dirigindose para o camarote do presidente grita Sr Wanderley mande vir abaixo este pano infame que queremos despedaçálo Abaixo o pano infame Fora o presidente traidor Pinho 1937274 Formase o tumulto O alferes é preso O presidente atingido por uma pedra que lhe feriu uma das mãos retirase Quando a comitiva chega à calçada a multidão vaia Bradam os protestos e uma chuva de pedras cai em direção ao teatro Várias pessoas são feridas A polícia enfrenta a multidão Corre sangue Finalmente os amotinados são contidos pela polícia com a ajuda das tropas de linha muito embora seu comandante o capitão Alexandre Gomes de Argolo Ferrão recusasse a desembainhar a espada contra o povo Wanderley mostrara que não estava disposto a se submeter à oposição Aplicara a força sobre o povo amotinado mas o pano que acionara a revolta nunca mais foi utilizado Novo pano foi encomendado e inaugurado no mesmo ano Representava uma cena neutra Febo conduzindo o carro do Sol tirado por quatro pégasos e circundado de deusas simbolizando as Horas Era denominado Pano da Aurora Bocanera58 Em relatório datado de 15 de maio de 1855 o ministro da Justiça Nabuco de Araújo anunciava à Assembléia Geral que no ano anterior ocorrera em Salvador uma ridícula desordem motivada pela pintura do pano do teatro público Dessa forma omitiamse ao país as condições da população soteropolitana que como diz Kátia Matoso estava à beira da indigência e vivia na dependência de uma estrutura de abastecimento exploradora e monopolista Carne sem osso farinha sem caroço 1858 Nos dias 28 de fevereiro e 1º de março a cidade de Salvador foi novamente palco de violentos choques entre o povo e as forças militares que ficaram conhecidos como a revolta da carne sem osso farinha sem caroço ou ironicamente como revolução dos chinelos Governava a província João Luís Vieira Cansanção de Sinimbu que ocupou o cargo de 19 de agosto de 1856 a 16 de julho de 1858 O presidente um conservador estava sendo asperamente combatido pelas velhas facções políticas que não aceitavam a forma como se fazia na província a política de conciliação iniciada em nível nacional por Paraná O apoio declarado de Sinimbu à candidatura de Nabuco de Araújo ao Senado fez com que as oposições acirrassem os ataques ao presidente Juntamente com este problema de ordem política acrescentavamse a escassez e a alta dos preços da farinha de mandioca e da carne fresca que levaram a Câmara Municipal da capital a entrar em verdadeira guerra com o presidente Este aparece como o defensor dos atacadistas e monopolistas dos gêneros de primeira necessidade e aquela como defensora dos consumidores Aos problemas políticos somavase o da carestia e estava preparado o palco para a cena que se iria desenrolar Ruy 1953220 Os atritos têm início com disputas para definir atribuições a que a Câmara se arvorava e o presidente negava Com o propósito de evitar os constantes aumentos do preço da farinha a Câmara Municipal vota a 16 de janeiro de 1857 uma postura pela qual aquele gênero só poderia ser vendido em lugares determinados por aquele conselho Sinimbu determina a suspensão do ato até que fosse votado pela Assembléia Provincial como esta encerra o período de reuniões sem discutir o problema os vereadores dirigem ao presidente ofício datado de 17 de fevereiro no qual dizem que estavam cansados de esperar e que iriam colocálo em vigor apesar da suspensão presidencial Ruy 1953311312 O ofício historia magnificamente a situação dos gêneros de primeira necessidade em Salvador notadamente da farinha e da carne os principais Acusa a existência de monopólios calculadamente estudado e que no caso daqueles gêneros era exercido por três ou quatro indivíduos somente Dizia que não podia e nem devia cruzar os braços diante de uma crise como a atual consentindo que a população desta capital continue a ser vítima do monopólio e da ambição de alguns homens que não se contentando com razoáveis lucros soem especular com as necessidades do povo de quem somente almejam sugar até a última substância Ruy 1949565567 Em resposta o presidente determina que a polícia garanta os comerciantes de farinha contra os fiscais da Câmara e ordena que a mesma revogue o edital Com efeito em vários pontos da cidade funcionários municipais entravam em choque com a polícia aumentando os ataques ao presidente Sinimbu A Câmara retruca afirmando que uma postura só poderia ser anulada por um corpo legislativo e que nenhuma autoridade em face do Ato Adicional pode revogála sem proposta da respectiva Câmara Diz que a ação da polícia retrata um ato de desobediência às leis municipais e culpa o presidente pelos conflitos que se hão de reproduzir Ruy 1953569 570 Considerando a atitude dos vereadores como rebeldia Sinimbu suspendeos por 160 dias e convoca os suplentes A medida sumamente impopular exalta os ânimos e aumenta o ódio contra o presidente acusado de proteger os atacadistas A oposição acusao também de ter punido os camaristas como manobra política visando a evitar que aqueles vereadores fizessem a apuração dos votos da eleição senatorial marcada para 1 de março Os acontecimentos foram muito habilmente explorados pela oposição Nos principais pontos da cidade oradores incitam o povo contra o presidente Propõem uma grande concentração para impedir a reunião dos suplentes Sinimbu determina a prontidão das tropas e ameaça responsabilizar criminalmente os exaltados O clima eleitoral contribui para aumentar a tensão e criar um ambiente de luta O estopim da revolta coletiva foi o incidente entre as internas do Recolhimento da Misericórdia e as freiras de São Vicente encarregadas de dirigir a casa O Recolhimento funcionava desde 1716 como legado deixado por João de Mattos Aguiar à Santa Casa de Misericórdia com o fim de acolher e educar moças pobres Com o tempo a disciplina foi sendo relaxada e em meados do século XIX a Casa já era famosa por seus escândalos Toda Salvador sabia da intensa vida sexual que ali se travava com as internas recebendo no próprio local os seus amantes Para coibir tais abusos a Santa Casa entrega a direção às freiras de São Vicente As vicentinas encontram as maiores dificuldades para impor a ordem e então a Mesa resolve transferilas para o Convento da Lapa No dia da mudança as moças recebem a direção da Misericórdia com vaias e insultos Algumas chegam à janela pedindo socorro A população concentrada nas imediações resolve invadir o prédio para auxiliálas As irmãs de caridade foram agredidas e se refugiaram nas casas vizinhas e no palácio do governo Também foi atacada a Casa da Providência situada na Baixa do Sapateiro que teve sua porta arrombada a machado Outro grupo dirigiuse ao bairro de Nazareth onde tentou invadir o Colégio de São Vi cente dirigido pelas mesmas freiras mas foi contido por um piquete de cavalaria Ao mesmo tempo populares se agrupavam no largo do Pelourinho e em São José A multidão dirigese à praça do palácio da presidência onde protesta contra a alta dos preços O povo gritava em uníssono queremos carne sem osso e farinha sem caroço em alusão ao problema da carne e da farinha de mandioca Enquanto a Câmara era invadida e tinha seu sino tocado a rebate a multidão apedrejava o palácio Finalmente já era noite quando uma força de linha dispersou os manifestantes No dia seguinte 1º de março a praça do palácio encontravase ocupada por um batalhão da Guarda Nacional Os quartéis estavam de prontidão Mesmo assim populares foram chegando para assistir à sessão da Câmara Municipal marcada para as 10 horas da manhã onde os suplentes convocados deveriam efetuar a verificação de votos para a eleição de um senador Ao iniciar os trabalhos a Câmara foi invadida pelo povo que tumultuou seus trabalhos A tropa evacuou o recinto A multidão voltase contra o palácio cantando rimas espirituosas e algumas até obscenas ridicularizando Sinimbu A repressão que se seguiu foi violenta Piquetes foram colocados nos pontos estratégicos Tropas de infantaria e cavalaria fecham as saídas e invadem a praça do palácio A população foi dispersada a golpes de espada e patas de cavalo Não houve mortos mas os feridos foram muitos No dia seguinte viase a praça coberta por uma infinidade de chinelos daí por ironia veio o nome de revolução dos chinelos No dia 25 de março por ocasião das comemorações do aniversário da Constituição tentaram alvejar o presidente com um tiro A 16 de julho foi designado outro dirigente para a província Para deixar a capital Sinimbu teve que ser escoltado por tropas do exército que o livraram das agressões físicas mas não da chacota dos que foram assistir a sua partida guardado como um prisioneiro A 19 de agosto os vereadores foram reintegrados Ruy 1953 222 A Revolta de 1878 Outra vez a 1º de junho de 1878 os incidentes se repetiram Desde 1877 o Nordeste estava sendo assolado pela grande seca uma das piores de sua história Faltavam alimentos e os retirantes morriam de fome Devido à escassez dos alimentos os preços subiram vertiginosamente Os negociantes de outras províncias notadamente Pernambuco e Piauí enviavam ao Recôncavo baiano emissários com o propósito de adquirir gêneros de primeira necessidade entre os quais a farinha de mandioca Estes compradores dirigiamse aos locais da produção e ofereciam preços mais altos do que os do mercado local Atraídos pela possibilidade de lucros maiores os grandes atacadistas soteropolitanos iniciaram uma prática semelhante Mandavam seus agentes ao interior para a compra da farinha estocavamna na cidade e contratavam a venda para outras províncias especulando com as dificuldades pela qual passa vam Em Salvador obviamente premidos pela especulação e estocagem os preços deste alimento se elevaram muito acima do normal ao mesmo tempo em que praticamente desapareciam das casas comerciais Enquanto isso os atacadistas tinham seus depósitos repletos Ruy 1953313314 A 13 de março de 1878 preocupado com o problema o presidente da província Barão Homem de Melo recomenda à Câmara Municipal providências urgentes A 30 do mesmo mês este órgão submetia ao presidente uma postura na qual se regulamentava a exportação da farinha desde que atendido o consumo local No mesmo dia à noite uma grande multidão se concentrou em frente ao palácio da presidência exigindo uma solução para o problema Mello 18786567 Paralelamente elevamse os preços da carne fresca e seca Evidentemente isto ocorre também ligado ao problema da grande seca bem como aos decorrentes da queda das exportações platinas O presidente diligencia no sentido de que sejam mandados a Salvador navios transportando estes gêneros e na ocasião comunica à população reunida que eles já estavam a caminho As medidas adotadas não produziram os efeitos desejados e a escassez e a alta dos preços continuavam a afligir a população A 1º de junho a cidade acordou sobressaltada com os boatos que anunciavam o saque e incêndio das casas exportadoras de gêneros alimentícios As patrulhas policiais foram reforçadas Uma manifestação popular foi dissolvida pela cavalaria Os populares se concentraram posteriormente em frente à casa do comerciante de farinha atacadista José Re belo Brandão e apedrejamna mas são contidos pelas autoridades A turba já engrossada segue aceleradamente pela ladeira do Taboão aos gritos de ao comércio ao incêndio à farinha Mais uma vez a cavalaria avança e consegue conter os insurretos antes que realizassem seu intento Mello Correspondência A 11 de julho o Barão Homem de Melo sancionava a lei provincial que autorizava o governo a subsidiar a farinha Esta deveria ser vendida ao consumidor pela quantia de 80 réis o litro enquanto seu preço se conservasse acima do ordinário Os anos finais do século XIX mostram um Nordeste descrente das soluções legaisoficiais Abandonado e sofrendo fornece o ambiente ideal para a proliferação de santos beatos e bandidos A elite brasileira em sua quase totalidade assi mila e divulga o problema de forma inversa Transforma causa em efeito Aponta como razões do atraso e pobreza regionais a ignorância o fanatismo e o ócio numa imagem que inclusive hoje muitos acatam Afinal não podia e nem interessava dizer a verdade pois de acusadora passaria a réu A tragédia de Antônio Conselheiro ao mesmo tempo que mostrava cruamente o drama nordestino dava elementos para reforçar as falaciosas explicações da elite A repressão tinha que ser brutal para servir de exemplo Nada de comunidades isoladas produzindo para o autoconsumo Os caboclos do Nordeste tinham que se proletarizar entrando no circuito capitalista ser mãodeobra ocupada ou ser exército de reserva contribuindo de uma forma nova para a reprodução do capital CONCLUSÃO No conjunto o Nordeste era e não deixou de ser o retrato do subdesenvolvimento A exaustão do solo causada pela exploração predatória a propriedade da terra monopolizada por uma minoria e a maioria da população se sujeitando a regimes de trabalho humilhantes ou então permanecendo desempregada miserável e faminta dão uma triste visão do problema A revolução não eclodiu embora condições houvessem As saídas que encontraram foram as migrações e a formação de comunidades milenaristas Mas como tantos especialistas já registraram o termo subdesenvolvimento não deve ser utilizado unicamente para apontar os aspectos negativos de uma região Ele deve servir para mostrar como determinada área chega a tal situação crítica dentro do capitalismo O drama nordestino é brasileiro e também de todos os povos colonizados de forma exploratória O capitalismo destrói a natureza esgota os recursos ignora os direitos humanos mais elementares como o de prover a todos moradia alimentação vestuário e emprego decentes enfim o direito à vida e subordina tudo ao lucro em benefício de poucos O nosso Nordeste não se explica somente em si mesmo mas também no seu processo histórico na história brasileira e ocidental Portanto para se entender de fato o problema nordestino temos que conhecer a sua gênese Esse estudo passa pela expansão e evolução da sociedade européia e podemos dizer ocidental que se entrelaça dialeticamente com os fatores nacionais e locais Assim estaremos desmitificando as teses muitas vezes consagradas que apontam causas absurdas tais como clima e etnia e traremos para o plano real o debate sobre o assunto O tema ainda é atual Ontem tivemos as insurreições o fanatismo religioso e o banditismo rural hoje há a criminalidade urbana as favelas e os alagados e os menores abandonados Ao aceitarmos passivamente explicações simplórias estaremos sendo coniventes e permitiremos continuadamente a reprodução das desigualdades sociais Urge desmascarar os arrazoados mentirosos e dar ao nordestino a base histórica para que se conscientize repila os falsos discursos e atue objetivamente na solução de seus problemas Revisão Argo wwwportaldocriadororg INDICAÇÕES PARA LEITURA Andrade Manuel Corrêa de A Terra e o Homem no Nordeste São Paulo Brasiliense 1973 Esta obra faz uma análise global do Nordeste a partir de seus aspectos geográficos e históricos Expõe muito bem as formas de propriedade da terra e as relações sociais de produção que encontramos na regiaão Eisenberg Peter L Modernização sem Mudança Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Um dos mais importantes trabalhos sobre o Nordeste na segunda metade do séc XIX Analisa a crise econômica e social e a transição do trabalho escravo para o assalariado Monteiro Hamilton de Mattos Crise Agrária e Luta de Classe o Nordeste Brasileiro entre 1850 e 1889 Brasília Horizonte 1980 Estudo da violência na sociedade nordestina Análise dos movimentos sociais enquanto formas de luta de classes a partir da crise da economia local Bibliografia Almeida Horácio de Brejo de Areia Rio de Janeiro MEC 1958 Almeida José Américo de A Paraíba e seus Problemas Paraíba Imp Oficial 1923 Andrade Delmiro Pereira de Evolução Histórica da Paraíba do Norte Rio de Janeiro Minerva 1946 Arquivo Nacional Publicações do Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1937 Vol 34 Bocanera Silio O Teatro na Bahia Salvador sd Cascudo Luís da Câmara História do Rio Grande do Norte Rio de Janeiro MEC 1955 Furtado Celso Formação Econômica do Brasil São Paulo Nacional 1974 Jofily Irineu Ceciliano Pereira Notas sobre a Paraíba Rio de Janeiro Tip do Jornal do Comércio 1892 Mattoso Kátia M de Queirós Bahia a Cidade do Salvador e seu Mercado no Século XIX São Paulo Hucitec 1978 Mello Homem de Correspondência Arquivo Nacional IJ1427 SPEAN Mello Homem de Fala do Presidente da Província da Bahia 1878 Melotti Umberto Revolución y Sociedad México FCE 1971 Monteiro Hamilton de M Crise Agrária e Luta de Classes Brasília Horizonte 1980 Nabuco Joaquim Um Estadista do Império Rio Nova Aguilar 1975 Pinho Wanderley Cotegipe e seu tempo São Paulo Nacional 1937 Ruy Afonso História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador Salvador Câmara Municipal 1953 Ruy Afonso História Política e Administrativa da Cidade do Salvador Salvador Tip Beneditina 1949 Stavenhagen Rodolfo Los Classes Sociales en las Sociedades Agrárias México Siglo XXI 1972 Wanderley João Maurício Fala do Presidente da Província da Bahia 1855 Wolf Eric R Las Luchas Campesinas del Siglo XX México Siglo XXI 1972 Sobre o Autor Hamilton de Mattos Monteiro é Professor de História na Univer sidade de Brasília Doutor em História pela Universidade de São Paulo com a tese Violência no Nordeste 18501889 e autor do livro Crise Agrária e Luta de Classes Brasília Belo Horizonte 1980 COLEÇÃO HUMANIDADES GENTE OPULENTA E DE BOA LINHAGEM FAMÍLIA POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER NA PARAÍBA 18171824 SERIOJA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO EDITORA UNIVERSITÁRIA UFPB CAPÍTULO II UMA REVOLUÇÃO EM E DE FAMÍLIA PODER FAMILIAR E POLÍTICA NO MOVIMENTO DE 1817 21 SAINDO DA PENÚRIA NOVOS VENTOS ESTÃO SOPRANDO O agricultor e o negociante que enriquecem e tem meios de estabelecer seus filhos e propagar famílias abastadas retirarse vendo que não há empregos civis nem militares para os naturaes e levão consigo os haveres que devem fomentar o melhoramento da capitania31 Na primeira década do século XIX a Paraíba atravessou uma série crise que afetou o comércio e a agricultura da capitania em uma situação que vinha piorando desde meados do Setecentos durante o período em que se manteve anexada oficialmente a Pernambuco 17551799 Era um estado de dependência econômicaadministrativa que praticamente se manteve inalterado mesmo após a desanexação32 31 Relatório do governador Fernando Delgado de Castilho sobre a situação da capitania da Paraíba enviado à metrópole em 1799 apud PINTO 1977 32 A pretensa autonomia em relação a Pernambuco só veio de fato com a criação da Junta da Fazenda em 1809 no governo de Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque 67 Um dos fatores que contribuíram para esta situação de penúria fora a criação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba 1759 Instituição criada dentro do modelo racionalista da política pombalina a Companhia detinha com exclusividade os direitos sobre os produtos que saiam da Paraíba em um monopólio que só piorou a situação pela qual passava a capitania Nas palavras de Archimedes Cavalcanti a Companhia levou a capitania à exaustão emprestandolhe capitais com grande usura e tomandolhe os produtos a preço baixo em uma lógica mantida ferreamente durante os cerca de vinte anos de monopólio e exploração 1972 p20 A Companhia do Comércio representava um instrumento de recolonização com o qual a metrópole expropriava as riquezas do Norte33 A população também sofreu com as secas de 1791 1792 e 1793 Esta calamidade afetou principalmente a agricultura que ficou em péssimas condições inclusive com a falta do alimento básico a farinha Através de um relatório enviado à metrópole o governador Fernando Delgado Freire de Castilho ao assumir o cargo em 1798 se mostrou indignado com as condições precárias que encontrou na capitania Reclamava da falta de praticamente tudo rendas esgotadas os engenhos sem a mãodeobra escrava o atraso na agricultura levando a uma situação na qual os produtos eram vendidos a preços ínfimos E para piorar as mercadorias que vinham do sertão passavam direto para o Recife ALMEIDA 1978 p8734 É um relato carregado de sentidos porque o governador queria mostrar a necessidade de sair da dependência de Pernambuco e como a anexação era prejudicial à Coroa que não estava obtendo rendas com a Paraíba Tentando aliviar a situação econômica Castilho promoveu uma série de melhorias no manejo do açúcar e do algodão além de reunir a safra de açúcar e tentar exportála pelo porto da Paraíba em navios solicitados ao 33 A Companhia foi extinta em 1780 34 O governador ficou no cargo até 1802 68 Reino A tentativa não foi bem sucedida pois o porto só voltaria a exportar com um relativo sucesso em 1814 após a chegada de um comerciante inglês Maclachan que dispunha de recursos para competir com os comerciantes de Pernambuco os quais já acostumados com o monopólio da praça do Recife não viam com bons olhos a concorrência do inglês Fizeram até mesmo um requerimento ao governo da Paraíba pedindo a expulsão do comerciante mas não obtiveram êxito e receberam uma resposta negativa Produtos como o tabaco o couro o algodão o açúcar a madeira entre outros eram transportados em navios vindos da Inglaterra Estes subiam o rio Paraíba atracavam no Sanhauá e abasteciam no Varadouro ALMEIDA 1978 p89 Este período de recessão generalizada só foi aliviado com o aumento da exportação do algodão A capitania se recuperou aos poucos com um produto que se destacava no mercado internacional Com a produção e exportação do algodão em alta os produtores da mata sul assumiam um lugar na sociedade que até então era dominada pelos açucarocratas É bem verdade que alguns desses produtores de algodão tinham uma atividade econômica diversificada vendendo o açúcar quando estava com bons preços e no momento que este produto estava em baixa explorando a cultura algodoeira O século XIX já se iniciou com uma grande seca e o preço do alqueire da farinha era vendido pelo valor de 4000 a 6000 na capital e 12000 a 18000 no sertão PINTO 1977 p229 Em 1802 a população da capitania tinha a seguinte composição étnica 35 Foi nesta região mais precisamente em Itabaiana que a insurreição de 1817 eclodiu em primeiro lugar Algumas lideranças do movimento eram oriundas da mata sul onde se discutiam as idéias de fundar uma república e lutar contra o monopólio lusitano 69 Quadro I Composição da População da Parahiba do Norte 1802 Composição Nº habitantes Brancos 15954 3138 Mulatos 18068 3554 Pretos 13469 2649 Índios 3344 657 TOTAL 50835 10000 Fonte Apud LEITE 1987 p40 AHU Lisboa Tabelas Gerais estatísticas da Povoação culturas e importação desta capitania dirigida à Secretaria da Marinha e dos Domínios Ultramarinos manuscrito Maço 4 Paraíba 17031802 Através desse quadro elaborado no governo de Luiz da Mota Feo observase que a população era formada por brancos mulatos negros e índios Um dado revelador é a alta proporção de mulatos livres 3554 em relação ao total da população o que não escapou ao olhar atento do comerciante Henri Koster as pessoas de cor que habitam os trechos da região que visitei são mais numerosas do que previrã 2002 p78 Dez anos após o relatório do governo Feo a população de mulatos e negros livres era ainda maior PINTO 1977 p242 Através de um recenseamento estimase que a população contava em 1812 com os seguintes números na população livre 36002 brancos 3301 índios 7510 negros e 35349 mulatos quanto aos escravizados 2507 mulatos e 10481 negros Em um contexto mais geral a partir de 1808 com a transmigração da Corte portuguesa para o Brasil o Rio de Janeiro se transformou na 70 sede do aparelho governamental a transferência de órgãos administrativos metropolitanos e a criação de todo um aparato típico de uma cidade grande como bibliotecas jardim botânico jornais só para citar alguns exemplos transformaram o Rio na capital do império português Há mudanças e permanências nas instituições de monopólios comerciais e restrições industriais bem de acordo com a lógica do sistema colonial com os tratados assinados com a Inglaterra um de Aliança e Amizade e outro de Comércio e Navegação em 1810 É nesse contexto de perda do exclusivo colonial bem como de saída da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro que Portugal passou a se sentir relegado a um segundo plano com uma situação que ficou conhecida como a inversão brasileira MONTEIRO 1990 p112 Um descontentamento que se agravou em 1815 com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves Decisão tomada no Congresso de Viena que assegurou a permanência da Corte no Rio de Janeiro Outra situação que veio reforçar o peso político do Rio foi o ato de aclamação de D João VI em 6 de fevereiro de 1818 causando uma profunda mágoa entre os lusitanos que moravam em Portugal NEVES e MACHADO 1999 p63 Já em 1817 do outro lado do Atlântico o Império enfrentava o movimento liderado por Gomes Freire de Andrade o que denota a fragilidade da união lusobrasileira Em Lisboa alguns panfletos começaram a ser divulgados contra o governo do marechal Beresford militares se uniram para afastar os oficiais ingleses instalados desde a invasão de Junor e reorganizar a estrutura administrativa do Estado e o comércio O movimento nasceu em abril e era formado basicamente por militares de todos os escalões que já se conheciam do exército Outros segmentos da sociedade também fizeram parte caso o caso da presença de um bacharel e de um arquiteto além de elementos da nobreza representada por um conde e um barão entre outros 71 Conhecido por Gomes Freire de Andrade o movimento logo foi reprimido Na repressão foram apreendidos papéis de uma organização secreta de forte teor maçônico da qual Andrade fazia parte junto com outros membros em oposição ao soberano com a justificativa de que o rei havia esquecido o seu país de origem de Portugal Sobre esse período cabe lembrar a crise pela qual Portugal passava no final do século XVIII e início do XIX no contexto de uma crise geral européia provocada pelas guerras napoleônicas que abalou o sistema colonial Com a invasão de Portugal por tropas francesas a Família Real acompanhada de sua Corte deixou Lisboa em fins de 1807 sob a proteção de navios ingleses chegando ao Brasil em 1808 Como chama a atenção Maria de Lourdes Vianna Lyra a mudança da sede da Corte também significou uma estratégia da política reformista ilustrada no sentido de evitar maiores transtornos com as ideias revolucionárias que circulavam na Europa Dessa forma a instalação da Corte no Rio de Janeiro garantia um fortalecimento do poder monárquico 2000 p1011 Com a política de domínio inglês o general Beresford assumiu o poder após a expulsão dos franceses de Portugal Nesse momento a Corte estava sediada no Rio de Janeiro e o Brasil fazia parte do Reino Unido de Portugal e Algarves Era uma inusitada situação de emancipação dos laços coloniais que política e ideologicamente seguia caminhos diferentes no resto do continente americano com suas tendências republicanas e revolucionárias O Brasil contrariando este movimento mais geral de 36 Segundo Iara Lis Souza o general Gomes Freire de Andrade não teria iniciado o movimento mas como se tratava de um homem da elite maçom altamente graduado e veterano de guerra tinha todos os prérequisitos para ser eleito e considerado líder Um homem com essas qualidades controlaria a revolta mantendo a ordem e limites dessa forma evitando a desordem e a anarquia o grande temor da época 1999 p 64 37 Lyra mostra como a ideia da transferência da Corte para o Brasil não era nova e não foi uma decisão tomada às pressas ao contrário do que geralmente é visto na historiografia é uma hipótese que remonta ao século XVI 72 formação de países politicamente independentes mantevese unido à metrópole mesmo libertandose da subordinação colonial Esses homens que lutaram em Portugal no ano de 1817 se opuseram às más condições do exército com seus baixos salários e novos recrutamentos além de expressarem uma reclamação constante de que os melhores cargos ficavam nas mãos dos ingleses que estavam no poder desde a derrota de Napoleão Bonaparte em 1815 e que deveriam ter sido substituídos por portugueses SOUZA 1999 p65 Semelhantes reivindicações só que em outro contexto faziam parte das solicitações das pessoas que lutaram no Norte do Brasil contra o domínio português em 1817 Mas as comparações cessam por aí Diferente das aspirações dos insurretos das províncias do Norte do Brasil os rebeldes portugueses não queriam fundar uma república e sim uma monarquia constitucional que restaurasse a ordem de um tempo de outrora 22 A CAUSA DA NOSSA PÁTRIA DAS NOSSAS FAMÍLIAS E PROPRIEDADES Nós os comandantes das forças que atualmente há nesta cidade temos acudido desamparada a causa da nossa Pátria das nossas famílias e propriedades e causa por todas as razões comum a todos e em que todos nos devemos interessar38 Naquele mesmo ano de 1817 a partir de março chegavam as primeiras notícias ainda que confusas de que havia muita desordem no Recife Na noite do dia 07 através de portugueses que aportaram na cidade 38 Carta assinada pelo Comandante em chefe da Força Armada Estevão Carneiro da Cunha e pelo Coronel Amaro Gomes Coutinho pedindo auxílio ao Coronel do Regimento de Cavalaria Miliciana Mathias da Garna Cabral Vasconcelos 13031817 Documentos Históricos da Biblioteca Nacional volume CI doc nº 13 p2122 Grifos meus 73 da Parahyba os boatos davam conta de que a província vizinha vivia um estado de anarquia mas não se conhecia ainda o caráter do movimento No entanto temendo uma invasão o governo da Paraíba ordenou aos comandantes do litoral uma atenção redobrada e um patrulhamento ostensivo nas divisas com Pernambuco No dia seguinte o governo recebeu um comunicado do quartel da vila de Goiana informando a necessidade de se evitar que a desordem funesta chegasse até a capital e convocou a população a jurar fidelidade à Coroa PINTO 1977 p25239 A segurança da província ficou a cargo do Tenente Coronel de Infantaria Estevão Carneiro da Cunha e do seu cunhado o Coronel de Milícias de Brancos Amaro Gomes Coutinho A vila do Recife já estava sob um novo governo republicano desde o dia 06 de março com uma ação que representou um passo significativo no processo de descolonização Deflagrado contra a dominação portuguesa o processo atingiu primeiramente a província de maior representatividade políticoeconômica da região Pernambuco espalhandose depois por outras províncias do Norte40 O conflito tinha suas origens no século XVIII e início do XIX devido à crise generalizada que abalou a ordem estabelecida e atingiu diretamente o Império português Pernambuco no final do século XVIII era uma das capitanias que ocupavam uma posição de destaque na exportação do açúcar e do algodão41 As mudanças conjunturais começaram a ocorrer com a invasão das tropas napoleônicas em Portugal e conseqüentemente a transmigração da Família Real para o Brasil trazendo logo em seguida a abertura dos portos ao comércio internacional o que acarretou um prejuízo para a economia 39 O acesso à província só era permitido a pessoas que portassem autorização A defesa se fez presente nas localidades de Tambaú Lucena Cabedelo Alagoa Grande Jacoca vila do Conde e Mata Redonda 40 Segundo Mota a eclosão do movimento estava marcada para o dia 16 de março mas foi antecipada devido ao conflito entre militares brasileiros e portugueses na Fortaleza das Cinco Pontas que resultou na morte do brigadeiro português Barbosa de Castro e de seu ajudante de Ordenas o TenenteCoronel Alexandre Tomás 1972 p51 41 Pernambuco alternava o segundo e terceiro lugar com a Bahia suplantado apenas pelo Rio de Janeiro 74 portuguesa que detinha o monopólio de compra e venda dos produtos da Colônia A partir dessas novas bases passou a ocorrer um intercâmbio comercial intenso não mais lastreado no exclusivismo português mas no tratado de comércio com a Inglaterra 1810 Por outro lado as províncias do Norte passaram a sofrer com as cobranças de altas taxas de impostos enviados ao Rio de Janeiro para manterem o status quo da reorganização social com a vinda da Corte LEITE 1988 Até as primeiras décadas do século XIX o açúcar ocupava o primeiro lugar da pauta de exportações seguido pelo algodão Estes produtos destinavamse tanto ao consumo do Reino quanto de outras regiões européias No que diz respeito à produção algodoeira Pernambuco e Maranhão detinham a primazia na exportação para Portugal que fazia a distribuição para outros mercados como o inglês e o francês A partir de 1814 e 1815 com a retomada e recuperação do comércio português que sofria com os prejuízos desde 1808 teve início uma crise gerada pelos comerciantes lusitanos que queriam reaver os antigos monopólios Havia uma tensão permanente entre produtores e distribuidores entre fazendeiros de açúcar e comerciantes na disputa do usufruto dos lucros da agroexportação Os produtores brasileiros contestavam a retomada dos privilégios dos comerciantes portugueses e a crescente concentração de capital principalmente depois de experimentarem as vantagens do comércio livre a partir do qual se criou a expectativa de estabelecerem vínculos mais estreitos com a economia mundial em expansão Essas contradições econômicas políticas e sociais somadas aos problemas do setor produtivo forjaram as bases da eclosão da insurreição de 1817 COSTA 1988 p71 É sabido pela farta referência na documentação e na literatura que especificamente nos anos de 1790 1793 1798 1800 1803 e 1816 as secas haviam sido violentas aumentando a crise econômica em um período de recessão generalizada Uma crise que atingia em cheio também as camadas menos favorecidas da população com a escassez de alimentos de subsistência como a farinha Essa crise também afetava a Paraíba pois nessa conjuntura de mudanças a província aderiu ao movimento de contestação política que eclodiu em março de 1817 com um lema que deixava claro os interesses e valores dos líderes a pátria a família e a propriedade o que demonstra o caráter elitista da insurreição apesar da presença de um enorme contingente de uma população livre pobre e de escravizados A província era governada desde 1815 por um triunvirato este composto pelo Ouvidor Geral André Alves Pereira Ribeiro e Cirne o Tenente Coronel Adjunto de Ordens Francisco José da Silveira e o mais velho representante da Câmara dos vereadores Manuel José Ribeiro de Almeida em substituição ao falecido governante Antônio Caetano Pereira42 Com o alarme trazido pelas pessoas que saíram às pressas do Recife o governo mandou bloquear as saídas da província e convocou todos os comandantes para ficarem de prontidão com tropa disponível conforme já referido Foi feita uma reunião no Palácio das Audiências em que ficou decidido convidar para comandarem as tropas os oficiais Amaro Gomes Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha Para Archimedes Cavalcanti a incorporação destes dois homens foi importante pois Além de cunhados e abastados proprietários dispondo de muitos trabalhadores dependentes que lhes seriam de grande utilidade em semelhante emergência eram fervorosos adeptos dos pleitos emancipaçionistas republicanos de quatro costados amigos íntimos e irmãos em fé democrática do intimorato Silveira 1970 p1943 Portanto foi essencial a solidariedade familiar desses homens de posses para arregimentar trabalhadores dependentes que compunham uma parcela significativa das tropas militares formando verdadeiros exércitos que lutaram nos confrontos mais sangrentos As ideias revolucionárias chegavam à Paraíba através de alguns estudantes que haviam freqüentado as universidades de Coimbra em Portugal e Montpellier na França a exemplo de Manuel de Arruda Câmara NEVES 2003 p3144 que teve o apoio financeiro do pai em seus estudos Essas influências vinham diretamente da França e dos Estados Unidos importadas a partir de meados do século XVIII Era uma atmosfera mental que tinha suas bases na literatura45 e nas constituições francesas de 1791 1793 e 1795 bem como na Constituição norteamericana Foi através desses influxos que os insurretos procuraram modelos para a sua revolução No Brasil o Seminário de Olinda fundado em 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho foi um dos principais divulgadores do germe do liberalismo da cultura das luzes O processo de descolonização e as reivindicações das camadas dominantes iam de acordo com as aspirações de independência dos estudantes grupo formado pelos filhos das elites e liderança intelectual do movimento Na relação dos primeiros alunos do Seminário constam os nomes dos padres José Ferreira Nobre líder da insurreição na vila de Pombal e Antônio Pereira de Albuquerque que liderou em Pilar entre tantos outros Logo depois Estevão Carneiro da Cunha foi matriculado na turma de Geometria enquanto os padres estudavam latim e filosofia Alguns desses estudantes já haviam frequentado o Areópago de Itambé fundado por Manoel de Arruda Câmara lugar conhecido desde o final do século XVIII Um espaço em que os mais letrados se reuniam para debater os novos ideais importados da França e dos Estados Unidos Vale lembrar que foi pela proximidade estratégica da vila de Goiana com Paraíba e Pernambuco que Arruda Câmara escolheu Itambé para a propagação das ideias liberais Nas palavras de Maximiano Lopes Machado o Areópago se constituiu em uma sociedade política secreta frequentada por pessoas salientes de uma ou de outra parte e donde saíam como de um centro para periferia sem ressalto nem arruídos as doutrinas ensinadas Eram homens que teriam feito parte do Areópago de Itambé entre outros André Dias de Figueiredo Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque e o padre João Ribeiro Pessoa homens que lideraram a insurreição em Pernambuco e Paraíba Na Paraíba as vilas do litoral sul foram as primeiras a terem acesso às notícias oficiais da vila do Recife e no dia 09 de março Itabaiana ficou com a incumbência de divulgálas para outras vilas como Pilar Conde e Alhandra que serviram de núcleo de articulação entre Pernambuco e a capital paraibana graças à proximidade territorial Nesse mesmo dia a família Figueiredo e seus agregados partiram para dar a notícia na vila de Pilar de que em Itabaiana as tropas estavam se formando para atacar a capital paraibana Pretendiam defender a pátria com o seu sangue com as suas armas com o seu dinheiro e tudo pois não seriam mais governados por uns poucos marotos que vinham de fora e que daqui adiante haviam de ser governados por homens de cá O documento deixa transparecer o sentimento de indignação dos brasileiros por serem governados por portugueses André Dias de Figueiredo em revista às tropas solicitou a todos que trouxessem seus filhos e suas famílias para lutarem em defesa da pátria Ele próprio dá o exemplo com seus filhos lutando pelo governo republicano o padre Antônio Pereira de Albuquerque José Jerônimo de Lima e Francisco Xavier Este último era Alferes e Comandante da Companhia que marchava para a cidade vindo de Itabaiana com mais de cem homens O exemplo foi seguido nas vilas de Pilar Itabaiana e Pedras de Fogo por José Jerônimo de Lima que solicitava aos pais trazerem seus filhos para a luta Um morador da vila de Pilar Luiz Ferreira ofereceu seu filho de sete anos de idade e convocou a muitos para que sacrificassem seus filhos Com praça montada em Pilar os homens destruíram os símbolos reais e a bandeira foi rasgada deixaram alguns pedaços dispersos pela rua para serem pisados pelo povo segundo o relato de um índio que testemunhou o desacato e horroroso crime Em seguida esperaram que José Jerônimo fosse até Pedras de Fogo notificar ao comandante Joaquim Carneiro passando por Gramame para comparecer juntamente com a sua companhia até a vila de Pilar em combate às tropas realistas As famílias das camadas mais ricas começaram a se armar contra o governo legalista O grupo familiar de André Dias de Figueiredo tivera pleno acesso às ideias discutidas no Areópago Dono do engenho Angico Torto termo da vila de Pilar e chefe de uma grande família Figueiredo vivia cercado de filhos e parentes O desempenho e a união do grupo familiar foram essenciais para a divulgação do movimento O padre Antônio Pereira de Albuquerque filho de André de Figueiredo ensinava latim na vila de Pilar sendo parente e amigo do padre João Ribeiro um dos mentores dos ideais liberais em Pernambuco e discípulo de Arruda Câmara Todos receberam influências da maçonaria As ideias eram propagadas através das sociedades secretas desde o final do século XVIII e as Academias e lojas maçônicas eram pontos de reunião e discussão Em um período de expansão do liberalismo as ideias eram adaptadas às realidades locais nos trópicos adquiriram uma roupagem própria FERRAZ 1996 LEITE 1989 Com um significado mais restrito os princípios liberais no Brasil foram assimilados pelos setores que pertenciam às categorias rurais e sua clientela o que mostra o seu caráter peculiar em relação ao liberalismo europeu em que a burguesia lutava contra os privilégios da aristocracia e da realeza LEITE 1989 p3031 Em Itabaiana levantouse a bandeira da república no dia 12 de março em seguida partiram para Pilar o capitão João Batista do Rego Cavalcanti e Manoel Clemente Cavalcanti lá chegando com um grupo de homens armados gritando pelas ruas que estavam livres do jugo português Nessa Vila assumiram o poder as famílias de André Dias de Figueiredo e Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão De Pilar o grupo seguiu para a cidade da Parahyba Na capital o governo ficou sob a responsabilidade de Amaro Gomes Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha membros da elite e oficiais militares Dono de uma propriedade localizada no Varadouro onde atualmente fica o bairro do Baixo Roger na capital paraibana o Coronel Amaro Gomes Coutinho era comandante da tropa de Linha Regimento de Milícias de Brancos O TenenteCoronel Estevão Carneiro da Cunha era proprietário do engenho Tibiri no local que hoje é parte da cidade de Santa Rita Esses homens mantinham correspondências com Pernambuco e com algumas vilas paraibanas principalmente Pilar e Itabaiana Os dois assumiram o poder provisoriamente para garantir e segundo eles defender as nossas vidas e propriedades bem como para prevenir os insultos o crime o desenfreio e tudo quanto há de pior e que era de esperar em uma cidade desamparada de governo São essas as razões expostas para permanecerem no poder uma ação entre parentes e amigos No dia 12 de março o representante do governo realista Ouvidor Geral Ribeiro Cirne teve sua casa cercada pelos insurretos e resolveu sair da capital passando por Cabedelo e Mamanguape em direção ao sertão Ao chegar à vila de Sousa procurou o chefe local na fazenda Acauã o padre Luiz José Corrêa de Sá que o hospedou em seguida se dirigiu para Piancó Dois dias depois da saída o padre enviou uma carta aos patriotas da vila de Pombal dando ordens para prenderem o Ouvidor e remeteremno à capital bem como ordenovos façais prender a todos os que forem cabeças e não quiserem estar em defesa da nossa amada Pátria Com a saída do Ouvidor algumas famílias temendo a revolução deixaram a capital em direção ao interior No dia 13 de março a notícia espalhouse pela cidade da Parahyba cuja população à época era de cerca de quatro mil habitantes Foi quando os defensores do governo monárquico começaram a se articular para evitar a entrada dos revolucionários No comando dos realistas estava o Major Francisco Inácio do Vale que naquele momento não obteve resultados com os militares Enquanto os comandantes Coutinho e Cunha se reuniam na Rua Nova em um prédio ao lado do Mosteiro de São Bento chegava o ajudante de ordens José Peregrino de Carvalho portando uma arma na mão dizendo estar preparado para experimentar o bacamarte Com a batida dos tambores as pessoas corriam às janelas para ver o desfile das tropas pela cidade da Parahyba O restante da população que ficou na capital recebeu fitas brancas que eram colocadas no braço direito e a bandeira branca do governo provisório Uma nova representação da liturgia do poder começava a aparecer Gomes Coutinho e Carneiro da Cunha seguiram até a Sala das Audiências e comunicaram que era necessário estabelecer um novo governo já que o antigo havia fugido e porque não queremos mais Rei e sim a nossa República apud CAVALCANTI 1970 p 25 Foram redigidos os termos da renúncia do antigo governo e sob gritos de vivas a liberdade a igreja e a pátria a República foi proclamada no dia 13 de março Nessa sessão Gomes Coutinho correu as ruas com vivas à pátria passou pela cadeia com uma bandeira branca com muita gente todos dançando em um ritual Alves Ribeiro e Cirne 270471817 DH v CII doc nº 81 p 200 Essa ordem foi contestada pelo padre Corrêa de Sá à época da Devassa com a alegação de ter sido o único amigo do Ouvidor que lhe dera abrigo com essa justificativa e o testemunho de Ribeiro e Cirne o padre iria garantir a liberação dos seus bens e uma pena mais branda No entanto não era segredo a sua liderança na insurreição Relação nominal e com as culpas dos Réus acusados de terem tomado parte da revolta de 6 de março DH v CVI doc nº 9 p 227 de manifestação social que traz à tona toda uma simbologia do poder na nova ordem que se estabelecia A junta revolucionária era formada pelos filhos das famílias mais abastadas o que frequentemente ocasionava tensões intrafamiliares na medida em que isso se constituía em um desafio ao poder patriarcal Para o padre Muniz Tavares foram escolhidos alguns filhos de família e excluindo os pais destes que aí se achavam presentes os quais estupefatos viram aqueles encerraremse em uma sala 1969 pp789 para a escolha do governo provisório Segundo Tavares os pais que não assumiram o poder mas controlavam as milícias e alguns com o orgulho ferido ficaram esperando que os filhos cometesse um erro para assumirem o controle da situação No dia 15 entrou na capital um exército de cerca de dois mil homens vindos das vilas de Pilar e Itabaiana armados e portando fitas brancas símbolo da liberdade e da república Conseguir arrgimentar todos esses homens denota o poder desses grupos de amigos que se aliaram para defender os seus parentes amigos e suas propriedades Esses homens que compunham as tropas vinham de diversos setores da sociedade eram escravizados trazidos pelos seus donos homens livres pobres libertos e índios A noite foi servido um banquete no convento de São Bento No jantar o entusiasmo da tropa ficava claro com os gritos e saudações patrióticas Estavam presentes Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e vários membros de sua influente família dentre eles Manuel Lobo de Miranda O padre Muniz Tavares foi testemunha ocular em Recife e participou como patriota em 1817 Sempre se discutiu a forte presença dos senhores de engenho em 1801 1817 e 1824 Evaldo Cabral de Mello 2003 analisa a participação desse segmento social na insurreição de 1817 e mostra como os açucarocratas da mata sul da Paraíba que também eram produtores de algodão se envolveram na defesa da liberdade de comércio Na documentação dos autos da devassa pode ser observado o grande número de engenhos situados nessa região depois confiscados devido ao envolvimento de seus proprietários Henriques genro do Tenentecoronel Silveira José Castor e Pedro Barbosa C de Albuquerque Maranhão CAVALCANTI 1970 p99 No dia seguinte realizouse uma reunião no Palácio do Governo com a presença dos líderes de outras vilas bem como eclesiásticos funcionários públicos e militares Após a votação cinco membros formaram a junta dirigente do governo provisório Francisco José da Silveira Francisco Xavier Monteiro da França o padre Antônio Pereira de Albuquerque Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e Augusto Xavier de Carvalho Foram enviadas cartas à população que morava no campo em agradecimento pelo zelo e prontidão com que correm gostosos a uniremse e anunciando as novas medidas do governo provisório Esta medida mostra o caráter rural do movimento na província As novas leis começaram a ser publicadas após a reunião De início foram extintos os cargos de Ouvidor Geral e Juiz de Fora funções que passaram a ser exercidas pelos Juízes Ordinários Criaramse leis para abolir a Ouvidoria e as Câmaras os impostos sobre as carnes verdes lojas e tavernas reduzir pela metade os direitos da alfândega estabelecer igualdade entre 57 58 59 60 estrangeiros e brasileiros suprimir as insígnias reais61 trocar as patentes62 perdoar e soltar os criminosos63 remover o gado para o interior e não mais criálo solto64 perdoar a metade dos direitos de exportação do algodão cunhar uma nova moeda uniformizando a de cobre65 conceder novas sesmarias e regulamentar a administração dos índios Medidas que tinham como propósito romper com a Coroa portuguesa e o sistema colonial Essas leis causaram estranheza ao padre João Ribeiro Pessoa um dos chefes da insurreição em Pernambuco Sobre a lei que abolía as Câmaras66 o padre a considerava um absurdo em toda a extensão da palavra pois como é que a população iria ser representada se vós não tivésseis feito isto por mera ignorância deverieis ter sido apunhalado pelo povo da Paraíba no dia em que promulgastes tão horrível lei que os triunviros de Roma não se atreveriam a promulgar Uma lei que atingia em cheio o sistema administrativo de municipalidade bem como o aspecto de representatividade do poder local Essa medida mostra uma certa confusão ideológica dos líderes do movimento por que abolir as Câmaras Talvez por consideraremnas um símbolo do Antigo Regime O padre João Ribeiro estava correto ao considerar essa lei como sendo absurda e um erro estratégico pois eram nas Câmaras que estavam representadas as elites locais O padre ainda alertava para o cuidado com algumas das dezessete leis tendo em vista que a Parahiba é tão vizinha de Pernambuco os hábitos e costumes dos seus habitantes são tão semelhantes que convierem a uma convívio necessariamente a outra Provincia e sendo assim o governo melhor faria 61 62 63 64 65 66 67 copiandonos do que inventando precipitadamente em risco de errar A mais problemática segundo o padre era a 5ª Lei pois igualava os direitos da alfândega entre as nações estrangeiras reduzindo pela metade o imposto pago Vale lembrar que a 18 de março na Paraíba os portos foram abertos sob o comando de Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão colocando em prática o decreto que considerava no mesmo nível alfandegário nacionais e estrangeiros e a partir desse dia ficava decretado o pagamento de metade somente dos direitos que dantes se cobrava A meta a ser atingida era a ampliação do comércio que sobrevivia em situação precária desde muito cedo vinculado a Pernambuco o escoamento da produção via o porto do Recife e a articulação das vilas do interior com esta província Cabe lembrar o interesse estabelecido de Pernambuco desde a expulsão dos holandeses passando pela anexação e a crise gerada também pelos fatores geográficos como o empecilho natural que era a serra da Borborema como pode ser observado mais adiante no primeiro mapa Isto levou o padre a perguntar com que dinheiro pretende sustentar as tropas da Parahiba E completando o raciocínio apresenta as qualidades dos membros que compõem o governo de Pernambuco como sendo conhecidos por seus talentos e luzes que são habilíssimos negociantes e conhecedores das finanças e das tarifas alfandegárias Por esta razão o padre alerta para que na Paraíba não se fizesse nada sem a consulta de homens tão hábeis como eram os que compunham o seu governo O decreto sobre o perdão da metade dos direitos de exportação do algodão é considerado um desarasoado desperdício esta lei como a outra deve ser revogada já E quando o assunto é a lei que reserva exclusivamente a venda do paubrasil aos governantes locais tirando o monopólio do Estado considera que esta lei foi feita de um muro apud PINTO 1977 p259263 Mas o padre também receu algu 68 69 elogios para as leis de remoção do gado para o interior e a abolição das insígnias reais entre outras Ao final da carta sugere uma só República formada pela união de Pernambuco Paraíba Rio Grande do Norte e Ceará que poderia dar certo pois estas províncias estão tão compenetradas e ligadas em identidade de interesses e relações que não se podem separar Mas era preciso ter uma cidade central que pelo menos diste 30 a 40 léguas da costa do mar para residência do Congresso e do Governo tomai isto em séria consideração um local fértil sadio e abundante de boas agoas para semelhante fundação e cumpria que essa capital fosse na Paraíba apud PINTO 1970 p263 Essa dificuldade de entendimento com relação às leis que deveriam reger a república e às críticas feitas pelas lideranças de Pernambuco ao governo da Paraíba mostra a desarticulação dentro do movimento a sua dimensão localista e a tentativa dos pernambucanos de controlarem a Paraíba No dia 17 de março o governo provisório lançou uma proclamação à população local Ao expor a situação da Paraíba começava mostrando que após passarem por muitos vexames em queixas não atendidas pelo Ministério do Rio de Janeiro resolveram seguir os passos dos pernambucanos levantando a bandeira da paz e da tranqüilidade fazendo tremer a tirania E argumentava que com a ajuda dos habitantes locais os conselhos serão ouvidos com os vossos braços a Pátria o espera com o vosso comércio e agricultura são os sustentáculos da nação Clamava para que a população acordasse do letargo em que nos achávamos e abríssemos os olhos ao pesado jugo a que éramos sujeitos do Rei de Portugal e de seus magistrados que eram déspotas e que fizéssemos uma união de compatriotas e já nos havemos liberto do acérrimo cativeiro de tantos anos somos vassalos da Pátria69 Na construção discursiva e na visão de uma parcela da população do Norte essa proclamação pretendia alertar sobre a situação de letargia em que o governo português lançara o Brasil tendo como consequência o cativeiro Para se libertar desse jugo de centralização da Corte no Rio sobre o Norte só com a união entre os compatriotas Mesmo aludindo a uma pretensa liberdade do jugo português resquícios do velho pensamento permaneciam na ideia de ser vassalo agora não mais do rei e sim do governo republicano e da pátria A referência à vassalagem está presente nos discursos revolucionários mas a diferença é que naquele momento os insurretos queriam ser vassalos de si próprios Com uma nova conotação passavam a ser vassalos de uma pátria Segundo Iara Lis Carvalho de Souza era a ideia de um corpo político baseado na soberania do povo uma pátria como espaço da terra da vivência Era um termo carregado de tradição e permanências de um regime que os revolucionários queriam abolir e não conseguiam É um fato que mostra as contradições e ambigüidades entre a prática de vassalagem e do cidadão na república Por outro lado não se pode esquecer como as pessoas pensavam a mudança muitas vezes com categorias mentais antigas o que acontecia neste caso MOTA 1972 p79 As lideranças do movimento foram responsáveis pela articulação e difusão das ideias Os pais de famílias eram convidados para se alistarem nas tropas e trazerem seus filhos pois todos aqueles que voluntariamente se prestarem a assentar praça servirão somente cinco anos da obrigação a pátria depois estariam isentos de servirem nas tropas de linha Quanto àqueles que não atendessem ao chamado ficariam impossibilitados de ocupar algum posto ou cargo no governo republicano e de gozar prerrogativa de cidadão ou seja a cidadania estava reservada aos que aderissem e apoiassem o movimento70 O aumento do pagamento do soldo fora utilizado como estratégia para garantir um maior número possível de homens nas tropas No Recife o governo republicano pagava a quantia de 100 réis a cada soldado além da ração de carne e farinha para aqueles que se alistassem enquanto os oficiais tiveram um aumento considerável no soldo Essas ofertas eram atrativas e bem vistas principalmente pelas péssimas condições que os soldados enfrentavam uma situação que não era nova pouca comida e um soldo miserável quando o recebiam muitas vezes uma pouca ração era a única fonte de pagamento71 Brancos negros mulatos e índios compunham as tropas somando um total de três mil homens Era uma clientela ativa e predisposta que engrossava as fileiras do movimento Os escravizados eram instigados a se juntarem às tropas com a promessa de alforria pensamento comum entre a pequena ala mais liberal Mas a maioria dos proprietários rurais não tinha a intenção de mudar a estrutura econômica basicamente escravista e temia a enchente escrava Um exemplo foi o caso de Joaquim de Santa Ana um cabraescravo alforriado por Amaro Gomes Coutinho e que lutou ao lado dos patriotas assumindo o posto de tenente da tropa Vale a pena ressaltar aliás que o mesmo preparava sua trincheira com sacas de algodão e ameaçava os soldados brancos que lhes havia de cortar a cabeça72 Nesse ínterim D João VI enviara uma provisão do Rio de Janeiro para o governo interino da Paraíba Nesse documento afirmava ter notícias de uma sedição em Pernambuco com um governo composto de homens rebeldes e que os seus fiéis vassalos deviam manter a tranqüilidade e sossego dos Povos Solicitava o envio de militares de confiança e um official de reconhecido zelo e conhecimentos militares para proteger as divisas e evitar que a sedição se propagasse Para isso era preciso que fosse organizada uma expedição para punir os rebeldes e restituir a ordem na província de Pernambuco Ordenava a nomeação do Coronel Tomas de Sousa Mafra para liderar a contrarevolução e assumir o governo Em Pernambuco foi criada uma nova bandeira Essa bandeira é parte integrante da liturgia do poder com uma composição repleta de significados Amaro Gomes Coutinho assim a definiu O Sol Luminoso Astro que ilumina todos os viventes e muito mais os Iluminados patriotas As três Estrelas a união das três províncias insurgidas que herão Pernambuco Rio Grande do Norte e Paraíba do Norte O Arco Íris significando a paz entre estas três províncias determinada pela união e fraternidade e Maçônica Debaixo de tudo isto estava a Cruz de Christo em vermelho que designava a religião católica porém não Apostólica e Romana como elles mesmos dicerão O Campo da Bandeira era branco e em branco eram todas as insignia Nessa definição Coutinho apresenta a união das três províncias Pernambuco Paraíba e Rio Grande do Norte e a fraternidade baseada nos princípios maçônicos como argumentos que reforçam a preparação das Províncias do Norte para lutarem contra o poder estabelecido o que significava portanto que não temiam o domínio português A intenção era formar um governo provisório especificamente paraibano mas que logo se associaria ao de Pernambuco com a formação de um governo central comum BERBEL 2003 p357 Nas cores da bandeira predominavam o branco e o azul A Igreja que participou ativamente do movimento com uma parcela significativa de padres tinha na cruz vermelha o seu símbolo maior que ficava no meio do espaço branco Fechando a composição da bandeira um sol irradiante símbolos que repersentavam na interpretação de Iara Lis de Souza perspectivas de novos tempos e talvez de uma meta a ser alcançada SOUZA 1999 p7273 A materialização de um novo tempo era representada por exemplo com as mudanças na forma de tratamento e na criação da bandeira Os rituais simbólicos continuaram com a solenidade de apresentação da nova bandeira sagrada em uma cerimônia que contou com a presença dos líderes do movimento e de uma madrinha a filha de Joaquim José da Silveira Fora feito o juramento com a ressalva de que a Paraíba estava adotando a mesma bandeira porém sem a cor azul Portanto a Paraíba igualavase a Pernambuco na defesa da liberdade mas ao preservar o espaço todo branco da bandeira estaria preservando a sua identidade BERBEL 2003 p357 O novo governo precisava inventar uma cena pública um ato inaugural para consagrar os seus símbolos e reforçar as responsabilidades do governo provisório dos patriotas A visibilidade do poder local pode ser observada ao final do evento com um jantar em que estiveram presentes as elites dirigentes do movimento e todos deram vivas à Pátria Religião e Liberdade É bom lembrar que não havia no início do século XIX o sentimento de pátria no sentido de um povo organizado politicamente sob um único governo com a união de todos ou seja a nação O que se tinha eram as chamadas pátrias locais havia pernambucanos paraibanos paulistas entre outros E quanto à liberdade tão ovacionada nos discursos tinha o sentido de uma luta contra o sistema colonial Havia um desentendimento entre europeus como eram chamados os portugueses e brasileiros O grito de mata marinheiros continuava ecoando nas ruas de Pernambuco e Paraíba em represália à opressão presente nos pesados tributos e nos recrutamentos forçados representada pelo absolutismo do governo bragantino TOLLENERE 1978 A imposição de novos impostos sem trazer benefícios para os contribuintes bem como o aumento do custo de vida e a decadência financeira de alguns produtores de gado alimentaram um forte sentimento antilusitano Na Paraíba todas as propriedades dos considerados portugueses foram embargadas para segurança das propriedades dos nossos patriotas que hajam de ser embargadas pelo governo português A perspectiva era de que o embargo durasse enquanto o governo realista não mostrasse que adota medidas de liberalidade e boa fé 75 isto porque as propriedades dos patriotas estavam sendo confiscadas Um conflito típico do momento da descolonização portanto defender a propriedade significava defender a sua pátria explicitandose um antagonismo entre portugueses e patriotas que fica claro no decreto composto por doze artigos assinado pelos líderes do movimento estipulando que o embargo duraria somente enquanto o governo português garantisse a isenção na apreensão das propriedades dos patriotas segundo o artigo 10 de 09 de abril de 181776 A liberalidade do sistema exigida pelos insurretos era uma forma de garantir a propriedade o que mostra que a questão da propriedade estava no cerne dos antagonismos gerados e contra o poder central MOTA 1972 p96 A defesa da pátria local era recorrente nos discursos dos patriotas No momento que chegava a notícia de que os realistas estavam prestes a entrar na capital paraibana o novo tesoureiro das finanças Xavier de Carvalho foi até o porto do Varadouro e fez um discurso animando e elogiando as tropas que iam para o Rio Grande do Norte solicitando mais escravos para a defesa do território Também saiu às ruas pelas casas fazendo assinar pelas famílias em que persuadia as mulheres a prestarse ao serviço da Pátria naquilo que fosse compatível com o seu sexo Era uma fidelidade em defesa da pátria local que exigia a presença de toda a família como aconteceu no Brejo de Areia quando um patriota andava pelas casas com um papel para as mães de famílias se assinarem e obrigarem a prestar a pátria os serviços compatíveis com o seu sexo e isto com a maior atividade muito zeloso do serviço da Pátria Essa iniciativa gerou desconforto às famílias que achavam uma afronta para os moradores locais verem suas mães mulheres e filhas solicitadas para uma tarefa considerada coisa de homem A manifestação de alguns patriotas em defesa da liberdade ou da pátria tornavase agressiva um ativismo revolucionário que mexia com a sociedade doméstica e desafiava a posição das famílias Sob esse aspecto é exemplar o caso de Amaro Gomes Coutinho que se separou da mulher porque esta não gostava da insurreição Há relatos sobre alguém que se dispunha a matar o cunhado porque era europeu português e outro caso do capitão de Henriques Aniceto Ferreira da Conceição este entrou na casa de um homem que não se alistou por se dizer doente e colocou uma faca no seu peito ameaçando matálo por considerálo infiel à pátria Eram homens dispostos a atitudes radicais que preferiam voar sobre um barril 77 Relação nominal e com as culpas dos Réus acusados de terem tomado parte da revolta de 6 de março DH v CVI doc nº 9 p 180181 No governo provisório Xavier de Carvalho ocupou o cargo de Inspetor Tesoureiro das Finanças no entanto no período de Devassa negou qualquer participação voluntária na insurreição inclusive o discurso de sua autoria proferido no Varadouro 78 Idem p178 93 que tornar isto outra vez à mão d ELRei Um perigo que não deixava de fora o patrimônio doméstico no momento em que os patriotas doavam seus bens como engenhos animais mantimentos e dinheiro Para enfrentar as dificuldades os patriotas mais ricos fizeram doações Foi o que aconteceu com Ana Clara de S José Coutinho irmã de Amaro Gomes Coutinho e esposa de Estevão Carneiro da Cunha que ofereceu o seu engenho do Meio com tudo que tinha dentro quarenta escravos quarenta bois e mais utensílios importantes para as despesas Uma mulher considerada poderosa que juntou forças com o seu genro David Leopoldo Targini para apoiar o movimento e conseqüentemente ficar ao lado do seu marido Outra oferta veio do vigário de Mamanguape Veríssimo Machado Freire deixando à disposição dos patriotas um curral com o gado dentro gesto considerado como de tão heróico patriotismo O vigário na época da devassa foi acusado ainda de andar na sua paróquia com espingarda às costas e laço branco no chapéu Uma atitude considerada radical como fora a das pessoas que doaram seus bens para a insurreição 23 FAMÍLIAS CONTRA A ORDEM CONFLITO ARMADO NO INTERIOR DO NORTE Na capitania da Parahiba todas as vilas sem exceção estiveram rebeladas e com grandíssimo entusiasmo pela maldita liberdade 79 Idem p133243 80 Também fizeram doações patriotas que não eram ricos Em Itabaiana eles se juntaram para arrecadar dinheiro e animais bois e vacas no total conseguiram juntar o valor de 1 6625000 e 12 cabeças de gado DH doc nº 109 Rol do dinheiro e modo que se juntou em Itabaiana 81 Carta do Governo Provisório da Paraíba agradecendo vários donativos oferecidos à Causa assinada por António Galdino Alves da Silva Sargentomor das Ordenanças do Pilar 21031817 DH v CI doc n 94 p4546 82 Relação nominal DH v CVI doc n 9 p206 83 Carta de Manuel Inácio Sampaio governador do Ceará ao Conde da Barca relatando a situação das províncias e o êxito das tropas realistas DH v CII doc nº 17 p42 94 O conflito armado no interior da Paraíba não se deu em todas as vilas como afirma a citação acima o que é de se esperar da fala de uma testemunha ligada aos realistas que tinha todo um interesse em relatar de forma exagerada o que estava acontecendo na Província para conseguir mais reforços na luta contra o que a dita testemunha chama de maldita liberdade Mas de fato muitas vilas participaram da insurreição desde o litoral até o sertão Para conseguir braços para a luta armada os dirigentes do movimento cogitaram a possibilidade de aumentar o soldo para aqueles que se alistassem na luta a favor da república e da liberdade Na convocação de pessoas para o alistamento militar os membros do governo provisório reforçaram no discurso os mitos da história de Pernambuco e Paraíba em uma tentativa de atrair os jovens para a luta nas vilas O heroísmo estava tão presente que o próprio Amaro Gomes Coutinho acrescentou Vieira ao seu nome em homenagem ao herói da Restauração de Pernambuco João Fernandes Vieira A partir do dia 25 de março ele passou a se chamar Amaro Gomes Coutinho Vieira numa clara demonstração da simbologia do poder Mocidade paraibana correi voai às bandeiras da liberdade do patriotismo e do heroísmo Alistaivos e deixai os vossos nomes nas páginas das histórias futuras com o distintivo do vosso esforço vejam as nações do universo que os netos dos Vieiras dos Negreiros dos Henrique Dias e dos Camarões imitaram um dia os heróis da Grécia e Roma O novo mundo sabe criar novos heróis 84 Nos Documentos Históricos algumas vilas aparecem com mais frequência Itabaiana Pilar Mamanguape litoral Areia Bananeiras brejo Vila Nova da Rainha atual Campina Grande Sousa Pombal São João sertão 85 Decreto do Governo Provisório concedendo a Amaro Gomes Coutinho o nome de Vieira em louvor a trabalhos prestados à Pátria 25031817 DH v CI doc n 47 p5758 86 Proclamação do Governo Provisório da Paraíba exaltando o povo a pegar em armas pela Causa 22031817 DH vCI doc nº36 p47 95 Nessa liturgia Amaro Gomes Coutinho une os heróis do Norte ao heroísmo clássico de Grécia e Roma e conclama a mocidade paraibana a novos atos de coragem Outra estratégia utilizada para conseguir braços para a luta foi a concessão de patentes a pessoas que não tinham condições financeiras para possuir um cargo já que para ser militar principalmente do alto escalão era necessário ter bens Os que já eram militares podiam subir de posto como no caso do Tenente José Antônio Vila Seca que servia no Regimento de Cavalaria da Ordenança na região do Cariri de Fora e recebeu a patente de Coronel mas não o soldo porém passando a gozar de todos os privilégios e honras militares que lhe competem87 Naquele contexto para um homem da elite que não dependia financeiramente do soldo para sobreviver ter prestígio e status social era muito mais importante pois obter uma patente de Coronel tinha um alto significado na manutenção das bases do poder local Esta era uma herança do Antigo Regime que foi usada pelos insurretos A doação de patentes de oficiais a pessoas que não haviam passado pela hierarquia militar ou seja pelo posto de soldado principalmente aqueles que não se enquadravam no status quo caso citado do exescravo de Coutinho desgostou alguns moradores de Pilar em especial Francisco José de Ávila Bitencourt que preferiu servir em Pernambuco pois considerava a quebra de hierarquia como uma extravagante presunção O militar queixavase reclamando da mudança súbita de posição88 As hierarquias militares nessa nova ordem social que estava se ajustando e em definição foram abaladas o que repercutia diretamente nas estruturas de poder As patentes militares se constituíam em um elemento de prestígio social eram sinônimos de poder e eram frequentes nas famílias abastadas da Paraíba como no caso de Amaro Gomes Coutinho que era Coronel e Comandante da Milícia de Brancos e do seu cunhado Estevão Carneiro da Cunha Comandante da tropa de Linha da capital Ainda como emblema de prestígio social as comendas das ordens de Avis e de Cristo são igualmente representativas pois ter um título como esse conferia uma distinção social bem de acordo com a visão patrimonialista cargos funções comendas e patentes distinguiam aqueles que ocupavam a base do poder local FAORO 1987 Receber esses títulos era para alguns principalmente se fossem portugueses sinônimo de gratidão e lealdade ao rei Veja o que diz José Egídio escrevendo a sua mãe que se encontrava na Bahia eu porém como membro de uma família que por tantos títulos é obrigada ao Nosso Senhor Augusto Monarca tenho rigorosa obrigação de dar mais provas do meu zelo pelo seu Real Serviço89 A lealdade provinha também da parte de brasileiros mas a maioria se considerava abandonada e prejudicada principalmente pelos altos impostos cobrados pela Coroa O descontentamento com os privilégios concedidos aos portugueses e a falta de incentivos às capitaniasprovíncias principalmente com a perda de prestígio do Norte após a transmigração da Família Real gerou um forte sentimento antilusitano até mesmo nas localidades mais longínquas do litoral ou seja nas vilas do sertão Um ponto importante para se entender como o movimento atingiu lugares tão distantes dos centros econômicos e políticos é analisar a ligação das vilas com as capitais das províncias tendo em vista que a notícia do que tinha acontecido no dia 06 de março se espalhou do Recife para o sertão estendendose à Paraíba Ceará e Rio Grande do Norte A comunicação no interior das províncias em alguns casos se fazia através dos caminhos do gado que ajudaram na veiculação e difusão das ideias Há casos de pessoas que iam comercializar e serviam de emissários um comprador de gados vindo da Paraíba foi a casa do próprio sargentomor o qual na verdade nada lhe quis vender mas sempre ficou com o manifesto da insurreição da Paraíba 90 A divulgação neste caso foi feita no caminho da praça de Aracati no Ceará MOTA 1972 p56 Durante os meses de março e abril o comércio de Fortaleza com as outras províncias ficou suspenso A sugestão de Manuel Inácio de Sampaio governador do Ceará era para que os criadores da província não comercializassem seu gado O governador não deu ordens expressas temendo a reação da população mas mandou construir presídios nas principais estradas para embargar a descida do gado caso algum criador quisesse vendêlos para os patriotas91 Havia uma feira de gado muito procurada na vila de Goiana era para lá que muitas mercadorias das províncias vizinhas eram levadas para serem comercializadas Com a vila de Itabaiana sob o comando dos patriotas a efervescência aumentava a cada correspondência que chegava A partir do dia 13 de março momento em que se oficializou a tomada de poder pelos patriotas o sargentomor comandante de Pilar apresentou o decreto do Governo Provisório e ofereceu donativos como milho e farinha e apoio moral aos líderes convocando a população local a pegar em armas em defesa da pátria e da liberdade92 Seguindo as ordens vindas da cidade da Parahyba o comandante de Pilar Antônio Galdino Alves da Silva proibiu o uso de insígnias armas e decorações reais e convidou os oficiais para substituírem as suas patentes por outras passadas pelo governo provisório O prazo para a troca das patentes era de dois meses no máximo para as pessoas que moravam distantes da capital O decreto deixava bem claro que o pagamento dos soldos não sofreria nenhuma mudança Mas no final de março com poucas pessoas se alistando devido às péssimas condições de manutenção dos militares a estratégia do governo para atrair mais braços foi conceder como vantagem o aumento do soldo que foi dobrado O documento continuava apresentando as transformações do novo governo com a substituição do tratamento a perfeita igualdade de cada patriota á respeito dos outros o seguinte como título se porá Patriotas do Governo Provisório e no contexto o tratamento de Vós único que compete aos Patriotas tanto na sua capacidade coletiva como na individual93 A idéia de substituir o tratamento Vossa Mercê por Vós à maneira francesa bem como por Patriota foi pensado para um governo que se pretendia republicano e conseqüentemente buscava romper com qualquer vínculo que lembrasse a Coroa o que estava de acordo com o pensamento liberal do final do século XVIII e início do XIX que tinha como princípio a igualdade jurídica para a população livre Esse patriotismo local ou nativismos para usar um termo empregado por Evaldo Cabral de Mello em seu texto Fabricando a Nação no começo do Oitocentos em que se falava em pátrias e patriotas estava relacionado ao apego a terra ou de lugar onde nasceu Como diria Mello a pátria dos insurretos de 1817 ainda não era o Brasil porquanto para eles a presença do monarca no Rio atava o centrosul à sorte das instituições monárquicas ao menos no curto e no médio prazos caso a república vencesse no norte 2002 p2021 Mas para Márcia Berbel quando os pernambucanos e paraibanos se unem contra o despotismo a Pátria passa a ter uma conotação politicamente definida ou seja pernambucanos e paraibanos parecem ter governos diferentes e pertencerem a uma mesma Pátria e assim buscam uma expressão política para ela na formação de uma única república 2003 p357 93 DH v Cl doc nº 41 p5152 99 Nas proclamações e avisos que circulavam pelas ruas da capital e vilas do interior após a substituição da forma de tratamento usavase o vocativo Patriotas Paraibanos Geralmente ao final dos documentos estava escrito o Primeiro ano da Independência No entanto é bom salientar que o discurso de igualdade esbarrava na escravidão base do regime de trabalho o qual não se tinha intenção de mudar Essa igualdade era válida para os proprietários neste sentido é exemplar o caso da criação da Lei Orgânica94 no Recife quando alguns proprietários indagaram acerca dessa igualdade o que levou imediatamente o governo provisório de Pernambuco a acalmar os ânimos com a seguinte declaração Nutrido em sentimentos generosos não pode jamais acreditar que os homens por mais ou menos tostados degenerassem de original tipo de igualdade Mas está igualmente convencido de que a base de toda a sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade Impelido destas duas forças opostas deseja uma emancipação que não permita mais lavrar entre eles o cancro da escravidão mas desejaa lenta regular e legal apud SOUZA 1999 p7071 grifos meus Percebese no discurso que a igualdade é almejada mesmo que de forma lenta regular e legal mas se fosse para escolher entre igualdade e a propriedade sem sombra de dúvida a segunda era mais respeitada Porém devese lembrar que o direito à propriedade era parte integrante do ideário liberal e não era compatível com a noção de igualdade social Só os cidadãos podiam ser iguais e os escravos não eram considerados cidadãos 94 Criada por Antônio Carlos de Andrada com o intuito de funcionar até a elaboração de uma futura carta provincial a Lei Orgânica pregava a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa 100 A questão da propriedade é complexa A organização política local reflete o padrão da propriedade da terra e os conflitos pela posse e demarcação oficial não eram novos Em 1817 esta situação se agravou a ponto de ser elaborado um decreto ordenando que os proprietários ficassem dentro dos seus limites para evitar que fossem anexadas propriedades alheias o que acontecia com freqüência Portanto a partir do dia 13 de março considerado o 1º da Independência decretavase que não se passariam mais somarias de terras enquanto não estiverem divididas e demarcadas as propriedades atualmente possuídas Os líderes reclamavam que não era o momento para as disputas e questões judiciais sobre as posses e limites de terras pois as mesmas atrapalhavam a insurreição que estava na ordem do dia95 Outro problema antigo a ser resolvido pelos patriotas o gado criado solto que destruía as lavouras Na tentativa de solucionar esse problema ficou definido em edital de 24 de março que os criadores deveriam manter o gado nos pastos do interior evitando assim que a lavoura fosse destruída Manter o gado preso e sob vigilância no interior era mais vantajoso para os criadores que dessa forma evitariam os roubos e sumiços o que era uma prática comum naquele momento Não se cumprindo a ordem o lavrador tinha autorização para matar o gado que estivesse devastando a sua lavoura Contudo os conflitos não cessavam e no dia 1 de abril o governo proclamou um novo decreto com medidas contra o furto de gado e cavalos e determinando que a pessoa flagrada furtando ou matando os animais alheios estaria sujeita a pagar o dobro do valor dos animais e seria presa e castigada96 O argumento era de que o gado a qualquer momento poderia 95 Decreto do Governo provisório29031817 DH v Cl doc nº 54 p 6768 Ver também LEITE 1988 p5153 96 Os castigos foram estendidos para os escravos acusados de roubarem o algodão das lavouras e venderemno para outros sem a permissão do proprietário DH v Cl O decreto nº 63 era sobre penas de furto de gado 01051817 pp801 e o de nº 73 proibindo os escravos de venderem qualquer gênero de lavoura sem licença por escrito do seu senhor 941817 p9697 101 Mapa Nº 01 Domínios de Familias mapa da provincia da parahyba em 1885 de autoria de FREIRE E SÁ MH Coleção Pimenta Bueno 102 ser trazido do sertão onde o pasto era abundante e vasto enquanto com as plantações destruídas as pessoas passariam fome As frutíferas ribeiras do Paraíba Taipu e Mamanguape os brejos valentes em produção esperam que se lhes dê a liberdade de produzir que se desterrem os devastadores das suas lavouras para nos fornecer sempre de pão e encher o nosso porto dos importantes gêneros do comércio Liberdade a terra para produzir o que lhe planta e sustentar enorme peso de gado sempre inimigo de suas produções 97 Essa era uma reclamação comum uma vez que os alimentos estavam cada vez mais escassos principalmente com a saída dos homens do campo estes convocados para o alistamento militar Isto levou o Capitãomor José Antônio Pereira de Carvalho das vilas de Conde e Alhandra a enviar um ofício no dia 13 de abril convocando os agricultores para que voltassem a se dedicar às lavouras sim meus caros e fiéis companheiros eletrizai os vossos espíritos desentranhai do seio da produtora terra o germe necessário para a nossa subsistência sejam os nossos braços infatigáveis98 Sugeria ainda que todos voltassem às lavouras pois a fome estava assolando a província e a farinha base da alimentação de subsistência já faltava em muitos lugares e não chegavam mantimentos da vizinha província de Pernambuco que estava impossibilitada de abastecimento A falta de alimentos era uma reclamação geral das províncias que participavam da insurreição 97 Edital do Governo Provisório aconselhando o povo a conservar o gado solto nos pastos do interior cercando somente as lavouras 26031817 DH v CI docnº 50 p 6163 98 Ofício assinado pelo Capitãomor José Antônio Pereira de Carvalho dirigido aos agricultores das vilas do Conde e da Alhandra a fim de que se dediquem às lavouras 13041817 DH vCI doc nº 85 p 122124 103 Mas a convocação para que os agricultores se dedicassem às lavouras muda de tom a partir do dia 29 de abril de 1817 com um pedido de reforço do governo patriota que alertava para o fato de que a população não deveria esquecer que as nossas vistas olham primeiro que tudo para a defesa da Pátria não devendo consentir que naquelas retiradas se empreguem braços de valorosos patriotas nossos que devem estar prontos a primeira voz da Pátria em sua defesa99 A solicitação se justifica em um momento em que o movimento estava perdendo forças e era necessário o maior número possível de homens lutando ou à disposição para a defesa da pátria Esses homens foram recrutados nos grupos familiares através de redes ricas e poderosas que promoveram a insurreição O poder das familias tem suas raízes em um sistema social antigo que remetia aos primórdios da colonização embora seja claro que ao longo do tempo as os as redes foram se modificando A família é uma instituição que vai se transformando lenta e gradualmente nas suas práticas sociais e era vista como unidade básica da ordem política GRAHAM 1997 p 2735 No século XVIII a centralização portuguesa aumentou e as famílias foram ocupando cargos na burocracia da Colônia formando outras redes de relações Algumas dessas redes e seus espaços de domínio podem ser observados no mapa seguinte 99 Proclamação do Governo Provisório convocando o povo a pegar em armas DH v CI doc nº 114 p 177178 104 Como exemplo apresento o caso da família Albuquerque Maranhão com ramificações em Pernambuco Paraíba e no Rio Grande do Norte Em Pilar a família tinha o controle da situação através de João de Albuquerque Maranhão Júnior dono do engenho Santo Antônio que era um filho de família que só fazia o que seu pai mandava Partiu para Alhandra com o seu tio João Nepomuceno e no dia 14 de março seguiu com seus parentes para a capital100 Era filho do capitãomor João de Albuquerque Maranhão e Josefa Joaquina de Albuquerque Maranhão donos do engenho Cunhaú localizado no Rio Grande do Norte101 As redes de parentesco funcionaram e no Rio Grande do Norte o chefe da insurreição foi André de Albuquerque Maranhão dono da maior fortuna da província com atividades econômicas diversificadas como era comum aos açucarocratas de Pernambuco e Paraíba Também prosperou com o boom algodoeiro e no final do século XVIII e início do XIX possuía fazendas de gado no sertão Com as atividades diversificadas entrou para o comércio e as finanças os quais supriam suas necessidades102 Ora esses Albuquerque Maranh oens todos parentes herão o Tenente Coronel de Milícias de Cavalaria José Castor seo pae o Tenente Coronel de Cavalaria reformado Pedro Barboza Cordeiro de Albuquerque Maranhão Ignácio Leopoldo Albuquerque Maranhão que depois foi hum dos do Governo provisório João Nepomuceno José de Olanda Manoel Lobo de Miranda Henriques casado com a filha de Francisco da Silveira e outros mais que não temos lembrança de seos nomes os quais traziam 100 Autuamento de perguntas feitas ao preso João de Albuquerque Maranhão Júnior 26021818 DH v CIII doc nº84 p 209210 101 Idem São parentes José de Olanda e João de Albuquerque Maranhão de Mereri Pai e filho marcharam até o Rio Grande do Norte e prenderam o governador 102 Segundo Mello dos 37 implicados na insurreição do Rio Grande do Norte 15 eram parentes e aderentes da família Albuquerque Maranhão a maioria era composta de irmãos e tios 2000 p14 105 insígnias brancas de verdadeiros Patriotas e Manoel Lobo trazia huma fita verde na sinta dizendo que a esperança de ser o restaurador da Pátria 103 Nas bases grupais de afiliação o sistema de parentesco determinava o pertencimento e prestígio dentro da rede familiar As famílias tinham suas bases no grupo nuclear em que o casal e seus filhos dominavam a estrutura mas que ao se tornar extensa ampliava suas redes de controle para além dos parentes mais próximos E foi o que aconteceu com a família Albuquerque Maranhão que se expandiu com ramificações nas províncias de Pernambuco Rio Grande do Norte e Paraíba104 Este poder proporcionou à família Albuquerque Maranhão o controle do movimento usando e abusando das relações de parentesco através de um grande senhor rural para decretar a república no Rio Grande do Norte Este era um exemplo de famílias que nas palavras de Richard Graham representavam importante fonte de capital político Naturalmente como em outros lugares elas dedicavamse aumentar sua propriedade e ao longo de várias gerações sucessivas famílias bemsucedidas acumularam recursos significativos 1997 p35 A única oposição que esta família sofreu foi de um outro grupo familiar da vila de Porto Alegre que não ficou satisfeito com a indicação do nome de um dos Albuquerque Maranhão para assumir o cargo de capitãomor da vila um velho rival na disputa pelo poder local na região A atitude do chefe local era o que prevalecia e não os motivos ideológicos Não se percebe aí a influência de ideias do liberalismo em geral desconhecidas ou mal assimiladas embora seja sabido que os parentes de outras províncias ligados à igreja ou à maçonaria as divulgavam Aliás a maioria da 103 A descrição faz parte do documento Diário da Revolução de 1817 pelo Sargentomor Francisco I do Valle publicado em 1912 na RIHGP v 4 p124 104 É o que Lewin 1993 chama de parentela 106 Mapa N 02 Caminhos percorridos pelo movimento mapa da província da parahyba em 1888 de autoria de FREIRE E SÁ MH Coleção Pimenta Bueno 107 população composta de analfabetos não teve acesso às novas doutrinas e entre a elite revolucionária apenas uma pequena parcela lia as obras de autores europeus COSTA 1988 p30 Para ajudar André de Albuquerque Maranhão a fazer a revolução no Rio Grande do Norte foi enviado o militar Peregrino de Carvalho que seguiu com uma tropa composta por cinqüenta homens da infantaria sob o seu comando foram de balsa pelo Rio Sanhauá com o capitãomor João de Albuquerque Maranhão No pedido de socorro o chefe da insurreição no Rio Grande do Norte André de Albuquerque Maranhão alegava que os oficiais portugueses exerciam ali uma influência muito forte deixando os nativos em segundo plano Aliás essa era uma das reclamações mais comuns em todas as províncias que aderiram ao movimento Segundo o diário deixado pelo major realista Francisco Inácio do Vale antes do embarque no dia 23 março Peregrino de Carvalho desfilou com uma bandeira branca pela capital da Paraíba às quatro horas da tarde parando defronte à casa de Francisco José da Silveira na qual estavam à janela a esposa e a filha deste e recitou para elas os seguintes versos Quem vê um brasileiro vê um homem honrado Quem vê um paraibano vê um herói Continuou até a igreja matriz e gritou Viva Nossa Senhora das Neves e viva a nossa Pátria Já em abril enquanto a tropa marchava para o Rio Grande do Norte a vila de Mamanguape fez uma grande festa com bebedeiras que durou toda a noite No outro dia Peregrino de Carvalho seguiu com seus homens armados de espingardas parnaíbas e chuços Os soldados que não eram considerados aliados deveriam entregar as suas armas ao presídio que guardava a povoação Dessa vez com a promessa do soldo dobrado ração de farinha fardamentos e mais a vantagem de voltarem para o seio de suas famílias no fim de cinco anos que não é promessa ilusória garantidos por Estevão Carneiro da Cunha os homens marcharam para a Serra da Raiz e levantaram a bandeira branca Na região do brejo chegaram a Bananeiras e comemoraram queimando pólvora convidando a todos que estivessem felizes para brindarem à República com muito vinho Uma comemoração diferente foi feita no Recife segundo o relato do frei Muniz Tavares as comemorações eram mais ideológicas no sentido de que por exemplo os patriotas proibiram o vinho na mesa que representava o símbolo português e passaram a beber a cachaça como a legítima bebida brasileira numa referência ao patriotismo local No interior ou sertão como era chamada toda a região que ficava depois da Vila Nova da Rainha atual Campina Grande a dificuldade e a demora para chegarem às informações devido às péssimas condições das estradas e às longas distâncias fizeram com que o movimento só fosse conhecido alguns dias após o dia 13 de março As longas distâncias podem ser observadas no mapa 02 Em vila Nova da Rainha o padre Virgínio Rodrigues Campelo que mais tarde seria um dos deputados das Cortes portuguesas foi o responsável juntamente com José Nunes Viana pela tomada do poder e pela explicação à população local sobre o que significava o governo republicano que se instalara na capital No entanto as ideias que chegavam ao interior saíam da praça do Recife e não da cidade da Parahyba devido à ligação comercial direta entre o sertão paraibano e Pernambuco Essa ligação comercial com Recife e não com a capital paraibana fora observada pelo comerciante Henry Koster que esteve na Paraíba em 1810 Existe a regular alfândega raramente aberta Paraíba está fora da estrada que vem do sertão ao Recife quer dizer está arredada do caminho para as cidades situadas no litoral para o norte Os habitantes do sertão do interior vão mais ao Recife por este apresentar pronto mercado para os seus produtos O porto do Recife recebe navios maiores oferecendo facilidades para embarque e desembarque de mercadorias consequentemente obtém a preferência 2002 p133 Economicamente era mais lucrativo enviar as mercadorias para as praças das vilas de Goiana e Recife com os preços maiores e os impostos menores aumentando a possibilidade de se obter melhores transações Para o deslocamento das pessoas durante o tempo em que durou a insurreição dentro ou fora da província era necessário possuir um passaporte autorizando as idas e vindas Dessa forma o governo passou a ter um controle maior sobre a população Os responsáveis pela autorização eram o juiz o comandante ou o capitãomor que davam ordens expressas para prender os que não estivessem portando o passaporte uma autorização prévia e remetêlos à capital Havia ainda guardando as vilas os presídios como eram chamados os postos de defesa ou quartéis Os presídios foram usados pelos patriotas e reutilizados pelos realistas Após a rendição dos chefes do movimento n3 capital paraibana os presídios serviram para precaver o ingresso dos facciosos que dizem fugiram da praça de Pernambuco e outros que andam espalhando notícias agouras 112 A revolução de e em família estava presente também no sertão paraibano O caráter familista na vila de Pombal estava representado por dois irmãos que chefiaram o movimento o vigário José Ferreira Nobre e o seu irmão o Capitãomor Antônio José Nobre e mais Antônio Ferreira de Souza e seu parente José Ferreira de Souza considerados como os nobres do sertão113 aderiram ao movimento pois nesse casofamília que faz revolução unida permanece unida MELLO 2000 p14 A autoridade do capitãomor originouse da sua posição como chefe de um grupo familiar já que a fortuna e o sobrenome eram requisitos determinantes para a escolha bem como a capacidade para formar milícias Assim sua posição era resultado de uma forte base familiar para o seu poder político O vigário José Ferreira Nobre estudara em Pernambuco e recebera influências de Frei Miguelinho e do padre João Ribeiro seus mestres Pregava as ideias liberais no púlpito pedindo aos seus fiéis que aderissem ao governo republicano e proclamou um governo provisório na Câmara Aliás essa é outra particularidade do liberalismo brasileiro a sua ligação com a Igreja e com a religião Isto fica claro com a forte presença de padres o que levou alguns autores a denominarem o movimento de Revolução dos Padres CARVALHO 1980 Nos discursos dos religiosos no púlpito e nos cartazes afixados nas esquinas eram comuns frases do tipo Viva a Pátria Viva Nossa Senhora ou Viva a Santa Religião Católica COSTA 1998p31 112 Carta de Antônio Ferreira Cavalcanti ao capitão Manoel da Cunha Pereira dando informações sobre o boato de que alguns revoltosos queriam tomar um presídio 19061817 DH v CI doc n 165 p 264265 113 Carta de Antônio Bezerra de Souza ao Capitão Manuel da Cunha Pereira oferecendose ao serviço de El Rei 13081817 DH v CI docn 130 p202 111 Após a instalação de um novo governo na vila de Pombal os insurretos partiram para o Rio do Peixe e a Vila Nova de Sousa sob as ordens do chefe local o padre Luís José Corrêa de Sá considerado o homem mais forte do sertão e que deu vivas à liberdade Dono da fazenda Acauã Corrêa de Sá era um homem rico e mantinha sem oposição o controle político e econômico da região Seu prestígio ultrapassava as relações mais íntimas da família possuindo o domínio daquela localidade com seus dependentes e parentela114 Eram todos considerados os magnatas do sertão da Paraíba que são os que por meio de sugestões e ameaças levaram os povos à rebelião DH v CII p42 Os sobrenomes funcionavam como projeção da honra da família como prérequisitos políticos e como sinônimos de status social Os sobrenomes serviam para fixar redes ou ramos de famílias criando uma referência espacial Nomes de famílias eram identificados com determinadas localidades nas quais aquelas famílias tinham maior número de propriedades Nas palavras de Linda Lewin a terra cimentava os laços de identificação mais duradouros entre um grupo de parentes consanguíneos e os seus parentes colaterais mais distantes 1993 p123125115 No livro História da Paraíba Tomo II Horácio de Almeida relata um fato ocorrido com o padre José Martiniano de Alencar chefe da vila do Crato no Ceará Ainda antes que o governo provisório assumisse o poder em Pombal o padre Alencar voltando de uma viagem a Pernambuco visitou Sousa Ali em conversas com o padre Corrêa de Sá amigo e aliado de longos anos sugeriu que fosse organizada uma tropa para marchar até o Ceará começando pelo Crato para derrubar o poder do chefe local Manuel de Inácio Sampaio Este último estrategicamente enviara reforços para 114 Para maiores esclarecimentos sobre o conceito de parentela ver LEWIN 1993 GRAHAM 1997 115 Segundo Teruya essas estratégias são observadas no ramo da família Maia de Catolé do Rocha PB 2002 112 evitar a comunicação entre o Ceará e as províncias vizinhas do Rio Grande do Norte e Paraíba ALMEIDA 1997 p93 MARIZ 1984 p8991 A vila do Crato se constituiu no foco revolucionário do Ceará sob o comando da família Alencar que teve o apoiodos seus numerosos parentes e dependentes que já estavam no poder Funcionava como um sistema avuncular em uma relação na qual os tios maternos tinham grande ascendência sobre os sobrinhos A participação dessa família sob a liderança da matriarca Bárbara Pereira de Alencar ficou conhecida na historiografia local como a República dos Alencar o que denota o poder desse grupo familiar116 Podemos comparar a situação do Crato com a da vila de Aracati que tinha uma relação direta com o Recife mas que não tinha o apoio dessas redes de parentela e que não estava sob o comando da família Alencar o que gerou uma sublevação de pouca profundidade MELLO 2000 p14 As vilas do interior do Ceará como o Crato considerado reduto dos patriotas e Jardim dos realistas ao receberem as notícias vindas da Paraíba entraram na luta contra o domínio metropolitano pois era do interesse dos poderosos daquela região se apropriar dos privilégios como os postos de oficiais militares que estavam nas mãos de portugueses Em Jardim Antônio Gomes está como cabeça de motim porque está induzindo aos negros que se levantem com a bandeira e gritando viva a liberdade relata a carta de André Dias de Figueiredo ao seu filho Antônio De Sousa o padre Luís Corrêa de Sá enviou seu filho o Sargentomor Francisco Antônio Corrêa de Sá para ajudar a montar o novo governo Aproximadamente 1100 homens recrutados seguiram para o Ceará chegando à divisa entre as duas províncias e no dia 04 de abril o padre Martiniano de Alencar que contou também com o apoio do seu parente 116 Acompanhando Bárbara de Alencar estavam seus filhos o padre José Martiniano de Alencar Tristão Gonçalves de Alencar e seu irmão Leonel Pereira de Alencar Vale ressaltar que a matriarca após a retomada de poder pelos legalistas foi presa ficando nos cárceres da Bahia até 1820 PINTO 2001 p277280 113 Patricio José de Alencar capitãomor em Sousa declarou a independência da vila do Crato Em São João do Rio do Peixe os patriotas foram surpreendidos com a notícia de que as tropas realistas haviam derrubado os governos provisórios de Pernambuco e Paraíba Em socorro vieram reforços de Pombal sob o comando de Antônio Pereira de Sousa juntamente com seus irmãos José e Manuel Ferreira todos amigos e parentes do padre Corrêa de Sá para sustentar a Independência Em Catolé do Rocha para a tarefa de levantar a bandeira branca da República e garantir a ordem e o sossego dos parentes foi encarregado José Cavalcanti de Sá Com esta atitude as vilas do sertão ficaram em pé de guerra se organizando em grupos liderados por famílias de prestígio para lutarem em defesa da nova república que se instalara na capital e nas vilas do litoral Antônio Jorge de Siqueira mostrou que os párocos do interior sem amarras canônicas perdidos nos sertões longe das instituições e aparelhos repressivos com autonomia típica do catolicismo brasileiro da colônia estavam presentes no fazer agir e pensar do viver na colônia Siqueira continua o seu raciocínio afirmando que esses padres pais padrinhos e tios saciados nas suas paixões paixões de todo o gênero E nisto os padres da colônia diferem dos padres romanos e tridentinos É que o padre da colônia não escondia o seu penchant pela política pelo poder Paixão pelo dinheiro da carne paixão de toda espécie 1980 p150151 117 A República dos Alencar foi abatida no dia 11 de maio quando as tropas legalistas do Ceará entraram na vila do Crato aprisionaram o padre José Ferreira Nobre do Pombal e o capitãomor Patrício José de Alencar de Sousa 118 Carta de André Dias do Figueiredo a seu filho Antônio dando notícias da rebelião 29031817 DH v Cl doc nº 53 p 6667 Ou seja o envolvimento dos padres inseridos na organização social da comunidade como categoria estamental está vinculado estrutural e tradicionalmente às demais categorias sociais 24 ENTRE A VIDA E A MORTE CONFRONTOS ARMADOS ENTRE REALISTAS E PATRIOTAS De todos os lados tudo era susto confusão alvoroço e desordem e quem sabe o que se seguiria A participação das vilas do sertão mostra como o movimento repercutiu naquela região No litoral a confusão era grande No dia 03 de maio ocorreu o conflito mais sangrento desde o início da proclamação oficial da república na província da Paraíba Os realistas lutavam para restabelecer o poder nas vilas de Itabaiana e Pilar e se chocaram com os patriotas em um lugar chamado Cruz localizado entre as duas vilas Os corpos foram encontrados no domingo dia 04 quando Vicente Ferreira de Souza oficial de justiça estava à procura da bandeira real no engenho Taipu local onde a tropa realista estava agrupada aguardando ordens para seguir até a capital Ao passar pela estrada aquele oficial viu três homens mortos que reconheceu como membros das tropas realistas os quais traziam uma fita vermelha amarrada no braço símbolo cuja cor representava a bandeira real Pelo estado dos corpos conjecturase que o combate foi acirrado o primeiro foi morto com três tiros de espingarda ou bacamarte tendo agonizado com uma ferida no lado esquerdo do peito saindo pelo ombro mortalmente ferido recebeu mais disparos um na coxa que quase decepa a perna um na 119 Carta de Manuel Inácio Sampaio dirigida ao Conde da Barca narrandolhe os fatos do 06 de março 20041817 DH v CI doc nº 98 p 139 mão e por último uma bala no rosto que lhe tirou uma parte da orelha O quadro abaixo apresenta a partir da causa mortis evidências do caráter sangrento do confronto Quadro II Paraíba insurreição de 1817 relação dos mortos em combate NOME IDENTIFICAÇÃO ORIGEM CAUSA MORTIS Luiz de Moura Branco Itabaiana Tiro de espingarda ou bacamarte no peito Antônio Fidelis Pardo Itabaiana Um grande buraco no peito e uma cutilada no ombro José Rodrigues Índio Itabaiana Com um tiro debaixo do braço direito sob as costelas Matias de Tal Índio Itabaiana Com duas cutiladas no rosto e duas no alto da cabeça Faustino Soares Pardo Itabaiana Com dois tiros no meio das costas nas pás e outro na frente que atingiu o pescoço e parte do rosto José Antônio da Penha Pardo Itabaiana Com dois tiros ambos na cabeça que estava esbandalhada Antônio José Quilexe Pardo Pilar Com muitos ferimentos de tiros pela frente que estava todo chumbado desde a cintura até o rosto Luiz de Moura Ferido de tiro desde a virilha até a cabeça Antônio José de Mesquita Com ferimentos de tiros e uma horrenda cutilada no rosto do lado direito que pegava a maçã do rosto partiu a ponta da orelha e veio até o cachaço Francisco Góes Índio Com uma grande ferida na cabeça coberta de pó e sangue Leandro Rodrigues Lima Branco Levou um tiro quando tentava fugir e caiu do cavalo Tomás Francisco da Costa Pardo Pilar Tiro na parte superior da cabeça Estes homens pertenciam às tropas realistas pois traziam um laço de fita vermelha que os identificava Fonte Quadro sistematizado pela autora a partir dos Documentos Históricos Autuamento para apenso dos Autos de exames de vistoria e corpos de delito indiretos do desacato contra as insígnias das Varas da Câmara e Bandeira das Ordenanças e das mortes feitas pelos insurgentes v CII doc nº 78 p182197 No domingo dia 04 nove corpos foram deixados em frente à igreja matriz de Itabaiana Em outro embate no lugar chamado Passagem da Bacuara ou Galhofa foram mortos mais três Estes últimos usavam uma fita branca que os identificava como sendo patriotas Entre os que lutavam para restabelecer a ordem colonial na Passagem da Bacuara encontravamse os pequenos comerciantes que integravam o exército realista O quadro traz informações relevantes para uma maior compreensão da participação das camadas sociais mais pobres formadas por índios e pardos convocados a todo o momento para ingressarem nas tropas A presença significativa dos índios foi pouco estudada pela historiografia salvo no texto de Marcus Carvalho sobre Os Índios de Pernambuco no Ciclo das Insurreições Liberais 18171848 Ideologias e Resistências 1996 que mostra como esta população engrossava as fileiras das tropas nos dois lados tanto pelos patriotas quanto pelos realistas Na perspectiva indígena ficar de um lado ou de outro poderia garantir a posse da terra Este foi o caso dos que lutaram no primeiro momento com os patriotas e receberam a garantia de suas propriedades na vila de Alhandra outras duas léguas de patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos eles têm preferência para as suas moradias e agriculturações Garantia assegurada no documento de reinstalação da Câmara desativada desde a eclosão do movimento 120 Treinados como batalhão de Milícias os índios estavam subordinados aos capitãesmores e oficiais de Ordenanças As tropas milicianas recrutavam os moradores locais sem exceção de nobres plebeus brancos mestiços pretos ingênuos e libertos ficando os postos mais elevados aos principais da terra que exercitavam um maior controle social Esses cargos de oficiais eram dotados de prestígio e poder na sociedade LEONZO 1986 p323328 120 Termo de reinstalação da Câmara da vila de Alhandra Paraíba do Norte tendo a seu cargo o cuidado da arrecadação do rendimento das terras do seu patrimônio que é uma légua e que as duas léguas do patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos índios 27041817 DH v Cl docnº 111 p 166175 117 Durante a repressão os índios empregados a serviço da Coroa causaram medo na população local Na restauração de Pitimbu e Taquara os índios do Conde e Alhandra foram autorizados pelo capitãomor a pegarem todo o gado do acusado Francisco G Amaral e alimentarem a tropa121 A importância do braço do índio nas lutas é visível na documentação principalmente em antigas aldeias como Alhandra Pitimbu Conde Jacumã e Taquara e nas vilas próximas de Pilar e Itabaiana Para o Sargentomor Francisco Inácio do Vale devese muito aos índios dessas vilas a adesão à repressão da Coroa pois eles não quiserão unir aos de Goiana ainda promettendolhes grande soma122 Para alguns índios a melhor forma de resistir à convocaçã era através da fuga em direção ao mato como aconteceu com alguns na vila de Jacoca No sertão os índios armados de arco e flecha foram enviados pelos realistas para a tomada das vilas do Crato e de Sousa Percebese que para o índio não havia uma luta a favor dos realistas ou dos patriotas não importava a luta ideológica mas sim a defesa de seus interesses específicos Em um contexto confuso os índios tentaram se posicionar de forma a garantir melhores condições de vida ou a posse de suas terras já apropriadas pelo colonizador Os escravos por sua vez iam armados de bacamartes pistolas foices e machados Eram convocados com a promessa de ganharem a liberdade e como seja a causa mais agradável para taes homens a palavra liberdade e os malditos chefes se servirão destes nomes para os iludir eles aliciavam todos os cativos de uma e outra cor para ficarem libertos 123 No período da devassa que teve início no mês de maio os documentos apresentam muitas informações sobre a participação dos escravos no movimento De 121 Carta ordenando que proceda logo a devassa sobre a rebelião de 06 de março DH v Cl docnº 125 p194 122 Diário da Revolução de 1817 RIHGP v4 1912 p119158 123 Discurso presente no diário do sargentomor Francisco Inácio do Valle opcit RIHGP 1912 p130 118 acordo com o relato de uma escrava acusada de ser espiã de Amaro Gomes Coutinho os escravos ao serem convocados recebiam a promessa de alforria124 A ideia muito presente na historiografia de apresentar os homens de cor unicamente como escravos que lutavam ao lado dos seus senhores por lealdade ou por obrigação muitas vezes com a promessa de uma pretensa liberdade tem que ser mais matizada Luiz Geraldo Silva chama a atenção para o fato de que uma parte da tropa dos patriotas era composta pelos regimentos de pardos e negros Esses negros livres e patriotas dentro dos corpos militares se socializavam e tinham uma maior politização insurgindose contra o poder da metrópole interiorizada 2003 p498 Vale lembrar que essas pessoas viam também na corporação militar um espaço de ascensão social Mas os escravos que lutavam pela liberdade esbarravam nos limites do liberalismo os quais são visíveis na documentação relativa a 1817 É bom relembrar que os patriotas ao assumirem o governo provisório trataram logo ante a notícia de uma possível liberdade dos escravos de deixar bem claro que a base de toda sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade após explicitarem na Lei Orgânica125 que os proprietários e mesmo os líderes do movimento poderiam ficar tranquilos pois ninguém se aposaria dos seus bens O medo da turba era constante e uma revolta de escravos não estava nos planos dos dirigentes que a todo o momento criavam novas leis para garantir que a estrutura da sociedade permanecesse da forma como estava solidificada havia séculos Na Paraíba este liberalismo trouxe para a arena política do movimento homens que eram proprietários de terras fazendeiros de algodão açúcar 124 Carta do administrador João Teixeira Rabelo ao governador informando que mandou prender Antônio Pedro por insultálo em público 03091817 DH v CII docnº 119 p232 125 Uma lei que garantia alguns direitos como o da liberdade de imprensa de pensamento de religião entre outros esbarrava no comportamento elitista racista e escravocrata de alguns membros do movimento 119 e gado padres militares funcionários e comerciantes126 Homens que assim mostravam os seus limites com relação à propriedade e à escravidão já que os letrados estavam ligados por laços de família ou de dependência com as camadas senhoriais COSTA 1988 p1 Nas palavras de Emília Viotti da Costa não se pretendia reformar a estrutura colonial de produção não se trata de mudar a estrutura da sociedade tanto é assim que em todos os movimentos revolucionários se procurou garantir a propriedade escrava p93 A ideia de liberdade que se constrói com os interesses da elite dominante era a de permanência da mãodeobra escrava como um requisito estrutural para a descolonização Portanto o liberalismo que emergia no Brasil era importado porém ajustado em uma roupagem própria que não ocultava os seus limites seus vínculos com a manutenção da escravidão e com os privilégios econômicos concentrados nas mãos de poucos MOTA 1972 p230 As contradições desse liberalismo podem ser observadas na montagem do governo provisório em que todos os membros da direção eram integrantes das elites como foi visto anteriormente Os exemplos estão presentes nos documentos como foi o caso da formação do governo no Rio Grande do Norte quando o chefe André de Albuquerque Maranhão senhor de engenho abastado convidou todas as classes de homens militares republicanos eclesiásticos e Câmara DH v CIV doc nº 57 p107 Os preconceitos e as discriminações presentes nas categorias sociais eram mais explícitos nas relações entre comerciantes e lojistas Situação que pode ser observada na documentação da defesa dos acusados de crimes de LesaMajestade e AltaTraição quando o advogado Aragão de Vasconcelos se apropriava desse preconceito existente na sociedade para 126 Ver Documentos Históricos v CV p 241 No catálogo do Arquivo Histórico Ultramarino vs 1 e II na versão organizada por Elza Régis é possível observar os cargos públicos exercidos desde o final do século XVIII pela família Monteiro da Franca 120 diferenciar nos discursos os grandes comerciantes dos pequenos como os lojistas e varejistas Para Mota não era pequena a distância social entre o estamento nativo e a classe comercial 1972 p172 No ato da defesa dos insurretos ser rico e nobre fazia a diferença para o sistema ao passo que as testemunhas de acusação eram desqualificadas como insignificantes por serem lojistas Em fins do mês de abril começaram a chegar notícias da contrarrevolução A Bahia sob as ordens do Conde dos Arcos se preparava para atacar Pernambuco e as demais províncias sublevadas Com o movimento desgastado e temendo um ataque sangrento das tropas realistas o governo provisório da Paraíba resolveu se entregar desde que fossem cumpridos os acordos da carta de rendição Os termos de rendição foram assinados no dia 06 de maio no convento de São Bento depois de negociações com os chefes das Forças Unidas Foi elaborado um documento o qual continha sete artigos com destaque para alguns que fosse respeitada a solicitação para aqueles que quisessem retirarse da província dandose a opção de escolherem qualquer outra parte os mesmos não perderiam as honras militares podendo levar seus familiares escravos bagagens e armas este último quesito foi negado não deveriam ser punidos nem molestados os funcionários públicos ou qualquer membro que assumira cargos na administração do governo provisório todas as despesas feitas pelo Tesouro Público seriam abonadas os que resolvessem sair da província teriam o prazo de três meses para vender seus bens e liquidarem seus negócios que fosse aceita a solicitação para que a tropa de Fernando de Noronha que havia desembarcado na baia de São Miguel transitasse pelo território paraibano com suas armas e munições não foi concedida a permissão que houvesse a devolução dos armamentos e mantimentos vindos de Pernambuco também foi negada127 127 Assinaram o documento como representantes das Forças Unidas Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos Manuel da Costa Lima Antônio Galdino Alves da Silva este havia sido patriota Manuel 121 A contrarevolução teve apoio de senhores de engenho da reg ião estes forneceram seus escravos para se aliarem às tropas realistas Depois de uma luta entre os patriotas e o dono do engenho Pacatuba e rico proprietário João Alves Sanches Massa que havia se aliado ao mulato Bastos dono de uma engenhoca em Pilar foi articulado um plano de ataque à capital Patriotas enviados a Santa Rita para defender a capital já estavam aliciados e aderiram aos realistas sob o comando de homens que no dia 13 de março juraram a liberdade à pátria como o senhor do engenho SantaAna Manuel da Costa Lima e o sargentomor das Ordenanças de Pilar Antônio Galdino Alves da Silva filho de Sanches Massa o qual havia anteriormente proibido o uso das insígnias armas e qualquer símbolo que representasse o poder monárquico na vila de Pilar A repressão partiu também das camadas opositoras como os mercadores e os militares colonialistas bem como nacionais sendo estes proprietários e nãoproprietários Para a elite que estava no comando da economia a insurreição já estava demorando muito e não era lucrativo continuar com o movimento visto como um empecilho para o andamento das transações comerciais daí a urgência na repressão MOTA 1972 Outros segmentos da sociedade participaram da contrarevolução um movimento estimulado pelos setores ligados ao comércio responsáveis pela articulação do sistema colonial português o que mais uma vez deixa transparecer um dos antagonismos latentes dentro do complexo processo de relações na província Era importante para essas categorias sociais o retorno à ordem absolutista pois dessa forma poderiam usufruir das benesses oferecidas pelo sistema colonial Vantagens como a dos mercadores Anselmo Coutinho primo de Amaro Gomes Coutinho o padre Manuel Lourenço de Almeida e Bento Luiz da Gama Do lado dos patriotas Francisco José da Silveira Francisco Xavier Monteiro da Franca e Amaro Gomes Coutinho DH v CI doc nº 127 p195197 Ficaram no comando da província os Capitães da Primeira Linha João Soares Neiva e o vereador mais antigo Manoel da Costa Lima No dia 09 de junho assume o governo um triunvirato composto pelo Ouvidor André Ribeiro e Cirne Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos e Manoel José Ribeiro de Almeida 122 Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 78 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal Kleyson Bruno Chaves Barbosa RESUMO Com o intuito de encontrar riquezas no vasto e desconhecido sertão a Coroa concedeu grandes extensões de terras àqueles que se empenharam nessa missão Foi nesse contexto que a Casa da Torre formou seu patrimônio entre os séculos XVI e XVII Mais tarde entretanto essa medida resultou em um grande entrave para a Coroa que desembocou em conflitos por posses de terra durante o século XVIII De um lado observase a Coroa ten tando legalizar o sistema sesmarial por meio da expedição de várias ordens complementares Do outro lado observamse os membros da Casa da Torre entendendose como possuidores da terra de forma inquestionável e os compradores das terras vendidas pela Casa da Torre percebendose como verdadeiros proprietários da sesmaria Portanto este trabalho tem por objetivo demonstrar o processo de venda de sesmarias da Casa da Torre para colonos no ser tão do Piancó e os conflitos que os envolvem no tocante à posse e ao domínio de terras por meio de cartas de sesmarias concedidas entre 17571765 documentos régios e outras fontes Palavraschave Casa da Torre sesmarias capitania da Paraíba América portuguesa Ávila ABSTRACT Aiming at finding riches in the vast and unknown backlands the Portuguese Crown granted large portions of land to those who fulfilled this mission It was in this context that the Casa da Torre amassed its assets between the 16th and 17th centuries Later though the land grants became a problem for the Crown resulting in many conflicts over land possession throughout the eighteenth century On the one hand the Crown was trying to regulate the sesmaria system by issuing many complementary royal orders On the other members of Artigo recebido em 18 de dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 23 de fevereiro de 2014 DOI httpdxdoiorg1015902237101X016030003 Doutora em História pela Johns Hopkins University JHU professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil Email carmenalvealuolcombr Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Bolsista de Iniciação Científica PROPESQUFRN Natal RN Brasil Email kbchavesyahoocombr A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 79 the Casa da Torre saw themselves as unquestionable owners of such land previously granted by the Crown By the same token those who purchased land from the Casa da Torre in the region also believed that they were valid holders of sesmarias Through the registers of sesmarias granted between 17571765 official records and other primary sources this essay intends to describe the process of land sales by the Casa da Torre to colonists in the Piancó backlands It also reveals the involvement of this family in conflicts related to the possession and control of land Keywords Casa da Torre sesmarias Captaincy of Paraíba Portuguese America Ávilas Introdução Este artigo analisa a estratégia utilizada pela Casa da Torre em desfazerse de parte de seu patrimônio à medida que aumentou o controle régio da Coroa portuguesa sobre as terras na sua possessão americana especificamente na segunda metade do século XVIII com base na análise das sesmarias possuídas pela Casa da Torre no sertão do Piancó capitania da Pa raíba Procurarseá compreender como a Casa da Torre conseguiu um suposto patrimônio nessa região e principalmente a consequente diminuição de terras nessa mesma localidade verificada entre os anos de 1757 e 1776 decorrentes de conflitos com moradores da área ci tada Para isso é preciso que se entenda a dinâmica do sistema sesmarial e as estratégias de utilização deste sistema pelos moradores e pelos membros da Casa da Torre observáveis por meio de cartas de sesmarias e ordens régias expedidas referentes à legislação de sesmarias Ao analisar esses conflitos ocorridos esperase demonstrar as relações de poder perceptíveis envolvendo os dois lados no conflito e como o ordenamento jurídico sobre o sistema ses marial ao longo dos tempos na América portuguesa passou a amparar os moradores1 em detrimento dos grandes sesmeiros2 que possuíam extensas terras como era o caso da Casa da Torre Isto era resultado de uma tentativa de controle régio mais efetivo por parte da Co roa e representava uma busca da diminuição de poder desses grandes senhores de terra que formaram seu patrimônio no início da colonização no Brasil Por meio de fontes como cartas de concessão de sesmarias observase que há uma maior concentração de pedidos das mesmas na região mais afastada do litoral na capitania da Paraí ba durante o século XVIII Este foi um século de consolidação por parte daqueles ho mens que estavam envolvidos com o projeto de povoamento liderado pelos portugueses do 1 O termo referese àquelas pessoas que estavam fixadas na América portuguesa por meio da relação que possuíam com a terra 2 O termo referese àqueles homens ou famílias que por meio do recebimento de sesmarias possuíam uma quantidade extensa de terras mais de 10 léguas se comparado aos outros sesmeiros no período colonial destacandose por exemplo os Ávila e os Guedes de Brito A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 80 seu domínio nos sertões das capitanias do Norte que vinha sendo realizado desde o século anterior na luta contra o gentio e na integração do mesmo à sociedade colonial Entre os anos de 1757 a 1776 por exemplo foram concedidas pelo menos 279 sesmarias na capitania da Paraíba3 Deste total destacase um conjunto de 31 sesmarias a maioria delas locali zadas na região do Piancó A atenção voltase para a constante referência que o conteúdo dessas cartas fazia à Casa da Torre4 Os requerentes dessas sesmarias concedidas alegavam que a área em que solicitavam suas sesmarias havia sido da Casa da Torre ou então que haviam comprado dessa família as tais terras sem ter recebido um título de sesmaria que comprovasse a sua efetiva posse a não ser uma simples escritura sem mais outro título5 Outros declaravam ser rendeirosposseiros da mesma Casa da Torre e alguns mais ousados denunciavam a Casa da Torre como possuidora indevida das tais terras que se sentia senhora intrusamente de extensas terras nas palavras dos próprios suplicantes Aliás a presença da Casa da Torre nos territórios da capitania da Paraíba é algo notório nas próprias cartas de doação de sesmaria em períodos anteriores Em carta concedida por exemplo ao comissário Teodósio Alves de Figueiredo no ano de 1739 o requerente infor mou que nos pontos cardeais leste e oeste da sesmaria solicitada as confrontações correspon diam a terras da Casa da Torre6 Já a sesmaria concedida ao capitãomor Francisco de Olivei ra Ledo e ao licenciado João dos Santos no ano de 1752 citou a mesma Casa da Torre como confrontação dessa sesmaria nos pontos cardeais norte e oeste7 Outras cartas em períodos anteriores ou posteriores comprovam a presença da Casa da Torre na capitania da Paraíba ora citando a própria Casa da Torre como confrontante das sesmarias solicitadas ora algum membro da família Ávila8 Além dessas cartas as próprias cartas exploradas neste artigo correspondem a concessões de sesmarias nas tais terras ditas pertencentes da Casa da Torre Márcia Motta argumentou que a história do patrimônio dos Garcia do século XVIII parece anunciar um crescente questionamento sobre os limites territoriais da família e sobre 3 Informação obtida na Plataforma SILB A Plataforma SILB Sesmarias do Império LusoBrasileiro é uma base de dados que pretende disponibilizar online as informações das sesmarias concedidas pela Coroa por tuguesa no mundo atlântico Acesso em 4 set 2013 Disponível em httpwwwsilbcchlaufrnbr Das 1146 sesmarias concedidas na capitania da Paraíba registradas na Plataforma SILB 1019 foram concedidas no século XVIII correspondendo a 889 das concessões realizadas 4 A Casa da Torre pertencia à família dos Ávila oriundos da Bahia Possuía um dos maiores patrimônios no período colonial com extensas terras na atual região do Nordeste brasileiro 5 Expressão que aparece nos textos das cartas 6 CARTA de sesmaria doada a Teodósio Alves de Figueiredo em 1o de outubro de 1739 Plataforma SILB PB 0267 7 CARTA de sesmaria doada a Francisco de Oliveira Ledo e Joao dos Santos em 4 de outubro de 1752 Pla taforma SILB PB 0407 8 Outras cartas de sesmaria que atestam por exemplo a presença da Casa da Torre na capitania da Paraíba como confrontações das próprias sesmarias PB 0326 PB 0409 PB 0461 e PB 0508 Para consultar mais cartas acesse httpwwwsilbcchlaufrnbr Plataforma SILB A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 81 as distintas percepções a respeito do direito à terra9 e isto ficará evidente no decorrer deste trabalho Percebese que na segunda metade do século XVIII ocorreu um movimento que atesta a diminuição de terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba Esse processo confundese com a própria dinâmica do sistema sesmarial e a sua transformaçãoadaptação na América portuguesa durante os três séculos de seu funcionamento O entendimento desse processo de perda de terras é possibilitado também pela própria mentalidade dos ses meiros que receberam terras consideradas antes da concessão como pertencentes da Casa da Torre utilizando a legislação sesmarial a seu favor ou seja compraram terras por meio de escrituras de suposta titularidade da Casa da Torre antes da Ordem Régia de 1753 e pos teriormente solicitaram as cartas de sesmarias referentes a essas terras10 Portanto apesar de estarem de posse de escrituras de compra das terras havia o medo dos moradores diante do risco eminente da perda de terras ditas por eles como suas Essa ideia era baseada na prática do cultivo e no costume associado à própria crença deles sobre a propriedade no período colonial e contribui para clarificar o processo aqui discutido A Casa da Torre e a ocupação do sertão da capitania da Paraíba O primeiro Ávila Garcia dÁvila chegou ao Estado do Brasil em 1549 acompanhando a missão de Tomé de Sousa11 Apesar do desconhecimento de sua origem especulase que Garcia dÁvila possuísse alguma relação de parentesco com este governante Sabese que a família dos Ávila formou um grande patrimônio que segundo Ângelo Pessoa correspondia a terras que compreendiam os seguintes estados da atual região Nordeste Bahia Sergipe Alagoas Pernambuco Paraíba Ceará e Piauí12 Conforme Moniz Bandeira a Casa da Tor re em três gerações após a morte de Garcia dÁvila em 1609 aumentara seu domínio de tal forma que era senhora de grande parte dos sertões da Bahia e de Sergipe e em fins do século XVII estendera esse domínio a quase todo vale do rio São Francisco ocupando terras em Pernambuco Piauí e Paraíba e inclusive no Rio Grande do Norte13 9 MOTTA Márcia Maria Menendes Tierra Poder y Privilegio Los mayorazgos coloniales y el ejemplo de la Casa da Torre siglo XVIII In ÁLVAREZ Maria José Pérez GARCÍA Alfredo Martín Org Campos y campesinos en la España Moderna 1 ed v 1 León Fundación Espanõla de História Moderna 2012 p 1422 10 Conforme Paolo Grossi a ideia de propriedade é plural Embora os moradores tivessem o título de escritura de compra e venda e ainda cultivassem a área havia o receio por não terem o título de sesmaria GROSSI Paolo A propriedade e as propriedades na oficina do historiador In História da propriedade e outros ensaios Rio de Janeiro Renovar 2006 11 PESSOA Ângelo Emílio da Silva As ruínas da tradição a Casa da Torre de Garcia DÁvila família e propriedade no Nordeste colonial Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2003 p 74 12 Ibid p 76 13 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz O feudo A Casa da Torre de Garcia dÁvila da conquista dos sertões à independência do Brasil 2 ed revista e ampliada cap VI Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 p 236 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 82 Importantes famílias criaram seus patrimônios nos séculos XVI e XVII devido ao fato de terem sido realizadas grandes concessões de terras pela Coroa àqueles que desbravassem o sertão em busca de riquezas Em meados do século XVII com pequena introdução ao interior grandes extensões de terras eram concedidas sem maiores problemas visto as pos sibilidades econômicas de sua exploração14 Dessa forma a Casa da Torre formou seu patri mônio por meio da concessão de sesmarias obtidas pelos serviços prestados por membros da família à Coroa na contribuição para o desbravamento do sertão travando lutas contra indí genas o que lhes renderam também a conquista de cargos políticos e militares tornandose uma das famílias mais poderosas A conquista dos sertões ligase com a própria trajetória da Casa da Torre A ocupação do sertão da capitania da Paraíba teria primeiramente a presença dos Ávila Moniz Bandeira afirmou que entre 1662 e 1663 os sertões do atual Piauí e a região extrema ocidental da Paraíba haviam sidos penetrados pela Casa da Torre15 Bandeira baseouse em afirmação realizada por Basílio de Magalhães que por sua vez baseouse em uma carta de sesmaria descoberta por Pereira da Costa e reproduzida no seu livro Chronologia histórica do Estado do Piauhy16 Essa carta havia sido concedida pelo governador de Pernambuco Francisco de Castro Moraes em 03 de janeiro de 1705 para 14 pessoas incluindo Dona Jeronyma Car dim Fróes viúva de Domingos Jorge Velho Segundo a mesma carta a sesmaria iniciavase na nascente do rio Poty ou Potengi ao rio Parnahyba no Piauí correspondendo a uma extensa data de sesmaria Os requerentes alegaram que conjuntamente com Domingos Jorge Velho haviam povoado o rio Potingh e o rio Parnahyba enfrentando os tapuias bravos e tendo diversas criações há cerca de 24 ou 25 anos Informaram ainda que povoaram todo o Piauhy e Canindé em companhia da Casa da Torre de Garcia dÁvila além das fronteiras do Maranhão quando Domingos Jorge Velho foi chamado para combater os negros rebelados dos Palmares por volta do ano de 1687 Portanto para Pereira da Costa seria nos anos de 1662 ou 1663 que Domingos Jorge Velho teria começado a desbravar o sertão do Piauí con siderando a literalidade do texto da carta de sesmaria de 1705 pois se em 1687 os requeren tes habitavam há 24 ou 25 anos lutando contra índios e povoando o Piauí conjuntamente com a Casa da Torre tais explorações datariam por volta de 1662 ou 1663 Baseandose no historiador paraibano Wilson Seixas Bandeira enfatizou que a Casa da Torre foi a primeira a ocupar as terras de Piancó Piranhas e rio do Peixe a partir de 1664 quando transpôs o rio S Francisco subiu o Pajeú e daí se comunicou com a bacia 14 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira Converting land into property in the Portuguese Atlantic World 16th18th century 2007 366 f Dissertação Doutorado em Filosofia Johns Hopkins University Baltimore 2007 p 276 15 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz op cit cap V p 194195 16 O autor informou que a carta de sesmaria foi extraída integralmente do livro de registro existente no ar quivo da Secretaria do Governo de Pernambuco COSTA F A Pereira da Chronologia histórica do Estado do Piauí 1 ed Recife Typographia do Jornal do Recife 1909 p 67 2123 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 83 do Piranhas17 Celso Mariz jornalista paraibano ao abordar a expansão territorial na ca pitania da Paraíba informou que primeiramente a ocupação ocorreu no litoral e após a retirada dos holandeses da capitania da Paraíba as explorações no interior recomeçaram Teria sido nesse período pósretirada holandesa que segundo Mariz os baianos e paulis tas18 apareceram nos sertões da região O autor portanto citou Domingos Jorge Velho por parte dos paulistas e a Casa da Torre por parte dos baianos que teriam estado nos sertões da capitania da Paraíba19 Rodrigo Ceballos também confirmou a presença de Domingos Jorge Velho por volta de 1660 a serviço do governador de Pernambuco em compreensões do Piauí Ceará e Paraíba onde teria fundado o arraial de Piranhas antes mesmo da chega da de Oliveira Ledo outra família vinda da Bahia Ceballos fez referência à Casa da Torre como responsável pela conquista do sertão da atual região Nordeste Aliás ressaltou que essas conquistas da Casa da Torre teriam sido realizadas em parceria com Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertão As terras de Piranhas na capitania da Paraíba teriam sido ocupadas para si pelos Ávila juntamente com outros sertanistas após intensas lutas contra indígenas20 A geógrafa Emília de Rodat Fernandes Moreira abordando o processo de ocupação do espaço agrário atual paraibano ressaltou a importância da pecuária tanto bovina quanto equina como propulsora para a conquista do sertão não somente na capitania da Paraí ba mas no território da América portuguesa21 Esta era uma atividade econômica de vital importância para o patrimônio da Casa da Torre e que será exemplificado posteriormente neste trabalho Segundo Moreira foi da capitania da Bahia que a criação de gado teria sido irradiada em direção ao norte seguindo o curso do rio São Francisco passando por Per nambuco e alcançando Piauí e Maranhão22 A Casa da Torre que possuía uma das maiores terras do período colonial participaria diretamente dessa conquista e interiorização do gado bovino e equino nos sertões travando lutas com indígenas colaborando para a expansão portuguesa no Novo Mundo Explicase assim a importância e o acúmulo do seu cabedal 17 Moniz Bandeira baseouse em Wilson Seixas Pesquisas para a história do sertão da Paraíba Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano João Pessoa no 21 1975 p 65 Este por sua vez não citou fonte documental que confirme a sua argumentação Wilson Seixas ainda ressaltou sendo citado por Moniz Ban deira que foi nesse período que a Casa da Torre devassou os campos de várias tribos indígenas estabelecendo uma rede de integração territorial In BANDEIRA Luiz Alberto Moniz op cit cap 5 p 195196 18 Os termos paulista e baiano referenciados pelo próprio autor são no sentido de localizar a procedência geo gráfica dos grupos que ocuparam o sertão do Piancó e não com o intuito de constatar algum pertencimento e identidade a esses mesmos locais 19 MARIZ Celso Expansão territorial I Primeiras aldeias mestiças Os paulistas e baianos no interior In MARIZ Celso Apanhados Históricos da Paraíba 2 ed João Pessoa Editora Universitária UFPB 1980 20 CEBALLOS Rodrigo Veredas sertanejas da Parahiba do Norte a formação das redes sociais políticas e econômicas no arraial de Piranhas século XVIII Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo julho 2011 p 2 21 MOREIRA Emília de Rodat Fernandes Processo de ocupação do espaço agrário paraibano Textos UFPB NDIHR no 24 set1990 p 6 22 Idem A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 84 durante os dois primeiros séculos da colônia e a sua pretensão de se considerar senhora de terras de quase toda atual região do Nordeste contrariando a Coroa e o próprio sistema sesmarial que se tornou restritivo em fins do século XVII Portanto a parte mais ocidental da Paraíba teria sido visitada primeiramente por estes sertanistas na ocupação em nome da Coroa portuguesa O controle efetivo dessa região entretanto deveuse a outra família os Oliveira Ledo Provavelmente alianças entre os Oli veira Ledo Ávila e outros sertanistas teriam contribuído para o tal período de sossego que Mariz descreveu ao abordar o século XVIII na capitania da Paraíba Segundo Mariz em 1685 foi organizada a bandeira de Teodósio de Oliveira Ledo fundamental para o povo amento e a conquista do sertão paraibano marcando o início da busca dos sertões além Borborema chegando às águas do Piancó e Piranhas23 Todavia o autor não apresentou documentação comprovando a bandeira organizada por Teodósio de Oliveira Ledo Mariz supôs que naquela região os chamados paulistas e baianos já se encontravam embora tenha ressaltado que os parentes de Teodósio dominaramna Acreditase haver alguma ligação entre a família Oliveira Ledo e os Ávila Em trabalho defendido em 2012 por Renata Costa a autora levantou a hipótese de que a família dos Oli veira Ledo era provavelmente proveniente de Portugal da região do Douro e do Minho24 Já na tese de Ângelo Pessoa ao formular a possível relação de parentesco do primeiro Garcia dÁvila com Tomé de Sousa o autor informou que este último era de São Pedro de Rates no Minho e provavelmente seria a terra natal também de Garcia dÁvila25 Observase assim uma hipotética ligação entre as duas famílias consideradas pioneiras na conquista do sertão da Paraíba Outros pontos reforçam essa provável ligação entre essas famílias na conquista e domí nio dessa região Pedro Calmon no capítulo Os Procuradores incorporado na segunda edição do seu trabalho sobre a Casa da Torre apresentou um dos meios pelos quais a família Ávila conseguia impor e controlar o seu domínio em territórios tão vastos Segun do Calmon para governar tão largas terras usaram os senhores da Torre o sistema de se associarem aos régulos ou capitães que nomeavam procuradores dandolhes autoridade apoio e força Em troca davamlhes sujeição tributo e homenagem26 Este autor baseou se nos escritos de João da Maia da Gama governador da Paraíba entre 1708 e 1717 e go vernador do Maranhão entre 1722 e 1728 que em seus diários de viagens pelo sertão em 23 MARIZ Celso Expansão territorial II A bandeira de Teodósio Confederação e Guerra dos Tapuias Conquista do Piancó Fundações do interior Últimas entradas op cit 24 A autora baseouse na carta do ouvidor geral da Paraíba Manuel da Fonseca e Silva ao rei D João V 03111724 AHUPB PA Cx 5 Doc 426 In COSTA Renata Assunção da Uma nova conquista A famí lia Oliveira Ledo e o processo de ocupação espacial do sertão do Piancó 16631730 Monografia Graduação em História Departamento de História Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2012 25 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 53 26 CALMON Pedro Os Procuradores In História da Casa da Torre Uma dinastia de pioneiros 2 ed aumentada cap VIII Rio de Janeiro Livraria José Olympio Editora 1958 p 127 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 85 1728 escreveu que havia sido obrigado a notificar o Capitão mor Theodosio de Oliveira Ledo e o coronel Manuel de Araújo de Carvalho e Sargento mor João de Miranda todos Procuradores da Caza da Torre27 Ainda segundo João da Maia da Gama referindose aos procuradores da Casa da Torre descreviaos como os mais poderosos mais facino ros e mais temidos que athé hoje em dia uzarão e uzão destas violências com a maior vexação forssa violência e injustissa feita aos vaçallos de V Magestade28 Para Renata Costa a figura de Teodósio de Oliveira Ledo era bastante respeitada Teodósio era visto como um sujeito de grande valor dotado de práticas militares e com experiência em realizar guerra contra os bárbaros29 O título de capitãomor das Piranhas e Piancó foi concedido pela Coroa portuguesa à família Oliveira Ledo ficando sob seu domínio por muitos anos Assim percebese como a Casa da Torre por meio de alianças com pessoas influentes localmente conseguia preservar o seu domínio criando redes que contribuíam para fortalecer ainda mais sua presença no sertão da capitania da Paraíba A Casa da Torre ligouse portanto a uma família que possuía prestígio e poder práticas militares e experi ência em guerra contra o gentio que era a família Oliveira Ledo A presença da violência é algo que não se descarta ainda mais caso se pense em regiões tão afastadas do controle da Coroa Este era um dos meios utilizados para que o poder desses senhores fosse legitimado e respeitado pelos moradores localizados nessas regiões sertanejas Segundo Renata Costa a família Oliveira Ledo foi fundamental para a conquista do oci dente da capitania da Paraíba mesmo sem saber quem teria chegado primeiro nessa região a Casa da Torre ou os próprios Oliveira Ledo Sua afirmação baseouse no argumento que os Oliveira Ledo souberam relacionarse com o poder central por meio de subsídios para a ocupação territorial como também teriam estabelecido alianças com grupos indígenas possibilitando sua instalação no sertão30 Ainda segundo a autora baseandose em Irineu Pinto a família Oliveira Ledo de Portugal teria vindo inicialmente à Bahia proporcionan do uma relação direta dos membros da família com o governador geral do Brasil e assim estreitando laços com a Coroa portuguesa31 Sabese que a Casa da Torre possuía a sua sede na Bahia em Tatuapara sendo influente também e ocupando cargos políticos e militares na administração colonial Portanto podemos formular uma hipótese na qual a conquista do sertão em análise teria ocorrido por meio de alianças realizadas entre a família dos Ávila e dos Oliveira Ledo além da presença de Domingos Jorge Velho Teriam sido criadas redes que beneficiavam ambos os envolvidos na ocupação das regiões sertanejas Precisase toda 27 MARTINS F A de Oliveira Um herói esquecido João da Maia da Gama Vol II Lisboa Coleção Pelo Império 1944 p 26 28 Ibid p 27 29 COSTA Renata Assunção da op cit cap 3 Baseiase em trechos de Wilson Seixas transcrita no sítio eletrônico do Instituto Histórico Geográfico da Paraíba Disponível em httpwwwihgpnetpb500htm 30 Ibid cap 1 p 2123 31 Ibid cap 1 Baseiase em PINTO Irineu Ferreira Datas e notas para a História da Paraíba v 1 João Pessoa Editora Universitária UFPB 1977 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 86 via de um estudo mais apurado que venha comprovar como essas relações ocorriam entre as tais famílias Para Ângelo Pessoa os procuradores da Casa da Torre eram grandes sócios da Casa O lucro que obtinham nessas relações era a possibilidade de partilharem de grandes sesmarias o que em troca possibilitava para a Casa da Torre que os foros cobrados por pequenos posseiros em terras consideradas suas fossem arrecadadas nos remotos sertões utilizando a violência como costume32 A notável influência da Casa da Torre por meio das suas exten sas sesmarias concedidas no século XVI pode ser sentida portanto quando observamos a família Oliveira Ledo agindo em seu favor no sertão da capitania da Paraíba Distantes os membros da Casa da Torre mantinham o seu controle sobre a região do Piancó Piranhas e rio do Peixe na parte mais ocidental da capitania da Paraíba por meio dos sítios que arrendava tendo como representantes a família Oliveira Ledo que segundo trabalho já mencionado de Renata Costa na conquista de territórios obteve além de um enorme patrimônio com extensas sesmarias um prestígio local33 Entretanto essa ligação inicial apresentou ruptura posteriormente e a própria dinâmica do sistema sesmarial co meçou a ser modificada no avançar dos séculos no período colonial Observase uma dimi nuição das terras por parte da Casa da Torre na capitania da Paraíba a partir da segunda metade do século XVIII Sistema sesmarial e diminuição do patrimônio da Casa da Torre Conforme já explicitado na introdução deste trabalho entre o período de 1757 a 1776 foram concedidas pelo menos 31 sesmarias34 que se sabe pertenciam anteriormente ao pa trimônio da Casa da Torre no sertão da capitania da Paraíba Considerando a dimensão da sesmaria mais usual concedida na época estudada de três léguas de comprimento por uma légua de largura chegase ao cálculo de 93 léguas quadradas35 subtraídas do patrimônio da Casa da Torre em um período curto e sucessivo como se pode constatar no quadro 1 Em menos de vinte anos o patrimônio da Casa da Torre foi reduzido consideravelmente 32 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 173 33 COSTA Renata Assunção da op cit cap 1 p 23 A autora no momento é mestranda e procura enten der as relações entre os Ávilas e os Oliveira Ledo na capitania da Paraíba durante o século XVIII podendo portanto contribuir para um maior esclarecimento sobre as questões aqui elucidadas e discutidas 34 Plataforma SILB PB 0451 PB 0452 PB 0463 PB 0469 PB 0491 PB 0493 PB 0494 PB 0495 PB 0497 PB 0502 PB 0504 PB 0505 PB 0513 PB 0514 PB 0515 PB 0518 PB 0525 PB 0528 PB 0537 PB 0548 PB 0554 PB 0559 PB 0583 PB 0585 PB 0614 PB 0622 PB 0624 PB 0626 PB 0653 PB 0715 e PB 0716 35 Costa Porto ressaltou a dificuldade de definir o que seria a légua possuindo modalidades como ordinárias quadradas em quadro conceitos nem sempre muito bem claros In PORTO Costa Estudo sobre o sistema sesmarial Recife Imprensa Universitária 1965 p 92 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 87 Entretanto uma perda de extensas áreas como essas não seria percebida passivamente pelos membros da Casa da Torre que obtinham recursos principalmente por meio das suas fa zendas de currais Todavia passarseá inicialmente a observar o que há no conteúdo dessas 31 cartas e o que os requerentes argumentaram em seu favor para conseguir os títulos Quadro 1 Sesmarias concedidas em terras ditas pertencentes à Casa da Torre na capitania da Paraíba entre os anos de 17571776 Fonte Elaborado pelos próprios autores baseandose nas cartas de sesmarias contidas na Plataforma SILB Deste total de concessões 26 requerentes de 26 sesmarias alegaram que haviam compra do as terras da Casa da Torre dois alegaram que haviam pago rendas a essa mesma Casa um informou que possuía as terras pagando foro um havia arrematado e outro não informou o meio pelo qual havia obtido as terras requeridas mas assinalou que as terras eram pertencen tes à Casa da Torre Joanna Maia Martins alegou por exemplo que o seu defunto marido comprou à casa da Torre um sitio de terras de crear gados no sertão do Piancó do qual não tinham os vendedores títulos mais do que a sua antiga e quasi immemorial posse o qual recebeu a requerente por sesmaria em 28 de abril de 175736 As justificativas por parte dos requerentes tornamse constantes enfatizandose a questão de eles terem em sua maioria recebidos apenas uma simples escritura de venda da Casa da Torre sem qualquer outro títu lo que comprovasse o domínio e posse das terras requeridas por sesmaria Percebese então a importância atribuída ao título de sesmaria para assegurar a posse desses cultivadores mes mo apesar de terem recebido uma escritura de venda de uma família considerada poderosa Para se sentirem seguros esses povoadores requereram a sesmaria a fim de estarem de posse do justo título O objetivo com isso era estarem legalizados com a própria ordem emana 36 CARTA de sesmaria doada a Joanna Maia Martins em 28 de abril de 1757 Plataforma SILB PB 0452 De acordo com a escritura de venda o marido de Joanna Pedro Velho Barreto havia comprado por 500 mil réis em 1740 do procurador da Casa da Torre João de Miranda as terras que a requerente iria requerer em 1757 enquanto viúva LIVRO de Notas de Pombal século XVIII Doc 39 liv 17381740 fl 45 a fl 46v In CEBALLOS Rodrigo LÔBO Isamarc Gonçalves Procurações líbelos e escrivães fontes manuscritas setecentistas do sertão paraibano Cajazeiras EDUFCG 2012 1 CDROM Encontrouse ainda outra escri tura de venda de uma terra solicitada por Severina Vieira que também corresponde a uma das 31 sesmarias trabalhadas neste artigo PB 04447 doada em 20 de março de 1757 A requerente era viúva do capitão Luiz Mendes de Sá que havia comprado o Sítio Várzea do Ovo no ano de 1742 por meio do capitãomor João de Miranda procurador dos membros da Casa da Torre Consta na escritura de venda que o procurador e vendedor capitãomor João de Miranda em nome dos ditos seos constituintes membros da Casa da Torre vendia como de facto logo vendeo ao dito comprador Luis Mendes de Sá por presso e quantia de oitocentos e sincoenta mil reis que do dito comprador tem recebido o sítio denominado de Varzea do Ovo In LIVRO de Notas de Pombal século XVIII Doc 84 liv 17401742 fl numeração ilegível a fl 84v Sesmarias 1757 1758 1759 1760 1761 1762 1764 1765 1768 1776 Total Quantidade 3 1 12 3 3 2 1 3 1 2 31 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 88 da do reino Por outro lado percebese no discurso dos requerentes a denúncia indireta de que aqueles que venderam tais terras a Casa da Torre encontravamse sem o tal título por não terem entregado a esses compradores Alguns eram mais diretos no texto de suas justificativas denunciando que a Casa da Torre assenhoreavase de terras sem estarem legalizadas de acordo com o sistema sesma rial37 Por conseguinte o alferes Bartolomeu Pereira Dantas recebeu uma sesmaria no ano de 1760 o qual relatou que havia pagado renda à Casa da Torre cultivando a terra há mais de 30 anos quando no ano de 1753 foi lançado fora pelo capitãomor Francisco de Oliveira Ledo sem autoridade judicial a não ser com uma carta de sesmaria38 conseguida de forma ilícita39 Mais uma vez observase a família Oliveira Ledo influente na região e que deve ter utilizado da violência para impor seus interesses O mesmo requerente chegou a acusar o governante da capitania da Paraíba Antônio Borges da Fonseca40 de ter concedido ilicitamente a tal sesmaria para Ledo Portanto o requerente acusou o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo de ocupar as terras indevidamente assim como argumentou que as terras solicitadas por ele menos seria da casa da Torre por esta não ter titulo algum de sesmaria mais que uma intrusa posse nesta ribeira do rio do Peixe41 Inte ressante é que apesar de todos esses argumentos e da concessão realizada um ano e meio depois outra carta de concessão foi deferida na qual o requerente Timóteo Gonçalves da Silva argumentou que possuía terras na mesma localidade do requerente da carta apre sentada anteriormente de Bartolomeu Pereira Dantas as quais teriam sido compradas do capitãomor Francisco de Oliveira Ledo há mais de quatro anos recebendo uma escritura da venda Timóteo Gonçalves da Silva argumentou que as terras eram de posse imemorial do tal capitãomor desde os seus antepassados e que Bartolomeu Pereira Dantas havia agido maliciosamente ao requerer tais terras42 Bartolomeu Pereira Dantas alegou que as terras eram consideradas da Casa da Torre e Timóteo Gonçalves da Silva alegou que eram dos antepassados dos Oliveira Ledo refor çando a ligação entre tais famílias na qual a última como representante administrava o patrimônio da primeira na capitania Eram terras com áreas imensas que por não serem 37 Podese fazer um paralelo com um caso específico de conflito entre a família dos Guedes de Brito e de moradores no qual estes últimos acreditavam que as terras compradas ou arrendadas por eles aos Guedes de Brito eram terras legalizadas mas ao serem informados da lei passaram a justificarse dizendo que eram os verdadeiros possuidores e cultivadores Devese lembrar que o cultivo era um fator legitimador para a conces são da sesmaria ALVEAL Carmen op cit p 288 38 Provavelmente alguma das três cartas registradas na Plataforma SILB concedidas no ano de 1752 pelo governante Antônio Borges da Fonseca para o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo Plataforma SILB PB 0407 PB 0408 ou PB 0409 39 Na carta aparece o termo subrepticiamente que tem o significado de algo ilícito 40 Antônio Borges da Fonseca foi governador da capitania da Paraíba entre 17451753 41 CARTA de sesmaria doada a Bartolomeu Pereira Dantas em 11 de fevereiro de 1760 Plataforma SILB PB 0525 42 CARTA de sesmaria doada a Timóteo Gonçalves da Silva em 17 de julho de 1761 Plataforma SILB PB 0559 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 89 cultivadas totalmente fazia com que pedaços de terras ficassem sem aproveitamento le vando outros a cultivaremnos como fez Bartolomeu Dantas que segundo ele cultivou por mais de 30 anos desde 1730 pelo menos Em 1753 baseandose no discurso das duas cartas citadas o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo teria obtido uma data conforme a lei nas terras cultivadas por Bartolomeu Pereira Dantas o que fez com que este último fi casse impossibilitado de cultivar Demonstrando o conhecimento da lei Bartolomeu Pereira Dantas alegou a seu favor apelando para o princípio do cultivo como forma de concessão de sesmaria o qual lhe foi concedida no ano de 1760 Entretanto nestes setes anos entre 1753 e 1760 o capitãomor com a posse garantida na lei ou mesmo no uso da violência havia vendido as terras a Timóteo Gonçalves da Silva que por sua vez sentindose ameaçado pela concessão realizada a Bartolomeu Pereira Dantas em 1760 requereu para si o título de sesmaria sugerindo ser mais seguro do que o título de venda Amparado pelo próprio capitãomor que lhe havia vendido as terras e que intercedeu junto às autoridades Timóteo Gonçalves da Silva conseguiu obter seu justo título Mesmo com a escritura de venda em suas mãos percebese a importância que o título de sesmaria representava Entretanto Bartolomeu Pereira Dantas que alegou cultivar a terra há mais tempo parece ter perdido a causa talvez pela influência que Francisco de Oliveira Ledo possuía na Paraíba As acusações contra a Casa da Torre recaíam portanto na falta do justo título e os pontos utilizados a favor dos suplicantes eram que eles eram os reais cultivadores Para en tender destarte a concessão realizada a esses povoadores em detrimento dos poderosos da Casa da Torre e as próprias justificativas utilizadas pelos requerentes nas cartas de sesmaria é preciso entender o que era o sistema sesmarial e como se processou na América portuguesa O sesmarialismo nas palavras de Costa Porto permite entender a história de nossa evo lução fundiária43 Este sistema teria sido implantado em Portugal em 1375 por D Fernan do a fim de promover o aproveitamento do solo devido a uma crise de abastecimento que afetava Portugal Costa Porto ressaltou que a legislação de 1375 tinha a cultura do solo como obrigatória tendo em vista o interesse coletivo de abastecimento44 Transposto para o Brasil o objetivo principal inicial do sistema de sesmarias era facilitar o povoamento em um territó rio tão vasto e recémdescoberto além da própria produção que se iniciaria decorrente deste povoamento Mais uma vez entendese o porquê das concessões de extensas sesmarias nos dois primeiros séculos de colonização Com a iniciativa de particulares a Coroa concedia amplas regalias àqueles que se empenhassem na descoberta de novas terras na conquista e no povoamento Como afirmou Costa Porto com poucas pessoas e muitas terras não havia motivo para restringir o tamanho das datas de sesmarias45 43 PORTO Costa op cit p 30 44 Ibid p 3135 45 Ibid p 5860 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 90 Autores como Costa Porto 1965 Laura Beck Varela 2005 Carmen Alveal 2007 e Márcia Motta 2009 ressaltaram o caráter condicional do sistema sesmarial Aqueles que recebiam sesmarias denominados sesmeiros na América portuguesa diferentemente de Portugal que correspondiam àqueles que fiscalizavam as sesmarias recebiam terras e pre cisavam cumprir certas condições para que estas permanecessem em posse deles Virgínia Rau por exemplo em relação à lei de sesmarias ressaltou o seu caráter coercivo RAU 1982 p 42 para aquele que recebesse a sesmaria a cultivasse46 A terra era pertencente à Coroa que poderia requerer para si terras já concedidas caso não fossem cumpridas certas determinações de acordo com a lei Laura Beck Varela afirmou por exemplo em relação ao sistema sesmarial que se tratava de uma forma de apropriação que aqui denominamos propriedade não absoluta condicionada por inúmeros deveres e que se aproxima de uma concessão ou privilégio por oposição ao direito de propriedade da doutrina jurídica libe ral clássica47 Essa apropriação amparavase em uma das condições consideradas essenciais no sistema de sesmarias o cultivo Solo inculto era motivo para que fosse concedida àqueles que tivessem vontade de aproveitálo tornandoo útil Por ser um sistema condicional esperavase que certas cláusulas fossem cumpridas por parte daqueles que recebiam a sesmaria O que se esperava portanto era que as cláusulas fossem cumpridas o que tornava o sistema sesmarial conforme já exposto um sistema con dicional E quais seriam essas cláusulas Costa Porto apresentou as seguintes tornar a sesma ria produtiva no prazo de cinco anos registrar nos livros da Provedoria e nos últimos anos do século XVII foi estabelecida a obrigatoriedade de pedir confirmação régia48 Em relação ao número de confirmações régias efetivadas observase que comparado ao número de con cessões de sesmarias realizadas em território da América portuguesa foi ínfimo resultando em uma grande parte de sesmarias que não atendiam às cláusulas do sistema de sesmarias49 Todas essas exigências foram sendo elaboradas ao longo do tempo com a experiência do sistema sesmarial na colônia Nos dois primeiros séculos de administração portuguesa na América observase certa liberalidade em relação à concessão de sesmarias Na última década do século XVII ordens régias complementares às Ordenações do Reino começaram a restringir seriamente o acesso à terra na colônia afetando os grandes senhores de terras Não havia uma legislação específica quanto à dimensão das sesmarias visto que o texto das Ordenações Filipinas era genérico em relação ao assunto sendo dadas terras que estivessem ao alcance do sesmeiro aproveitálas Uma legislação mais específica surgiu apenas em finais da década de 1690 assim como a obrigatoriedade da confirmação régia para as sesmarias concedidas na América portuguesa e a introdução do foro sobre as sesmarias doadas50 46 RAU Virgínia Sesmarias medievais portuguesas 2 ed Lisboa Presença 1982 47 VARELA Laura Beck Das sesmarias à propriedade moderna Um estudo de História do Direito Brasileiro Rio de Janeiro Renovar 2005 p 86 48 PORTO Costa op cit p 62 49 ALVEAL Carmen op cit 50 Ibid p 276277 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 91 Adentrando o século XVIII as restrições continuaram demonstrando diversas situações conflituosas reflexo dos conflitos entre grandes senhores de terras e os cultivadores efetiva mente do solo Conforme já citado a Casa da Torre possuía um patrimônio enorme além de poder e influência51 Moniz Bandeira baseado nas anotações do padre João Antônio Andre oni em Cultura e opulência do Brasil argumentou que o sertão da Bahia embora tivesse uma dimensão territorial extensa pertencia quase todo a duas das principais famílias da mesma cidade que são a da Torre e a do defunto mestredecampo Antônio Guedes de Brito52 Segundo Pedro Calmon a região do Piauí permanecera despovoada e desconhecida53 até meados do século XVII O seu devassamento teria ocorrido pela pecuária vinda da Bahia com sertanistas como Domingos Jorge Velho os irmãos Sertão Garcia dÁvila da Casa da Torre e os Guedes de Brito Quando conquistavam as terras pediam sesmarias infinitas possuindo muitas léguas54 Além das já citadas terras na capitania da Paraíba vistas nas car tas de concessão de sesmaria deste artigo a mesma Casa da Torre dominava uma extensão de 260 léguas de testada na capitania de Pernambuco à margem do rio São Francisco entre o qual e o Parnaíba apossouse de mais de 80 léguas55 Ao tratar das sesmarias gigantes nas quais algumas estavam com terras ainda a descobrir Ângelo Pessoa argumentou que tal ati tude tinha o objetivo de apropriarse previamente por via jurídica dos potenciais recursos existentes em uma determinada região56 Então com a liberalidade dos dois primeiros sécu los na América portuguesa a Casa da Torre obteve suas extensas sesmarias Essas sesmarias que tinham limites imprecisos davam margem à Casa da Torre de arrogar para si o direito de infinitas terras Percorrendo o rio São Francisco instalando fazendas mantendo alianças com famílias poderosas exigindo foros ou rendas àqueles que se instalassem em terras ditas suas não tardou para que os conflitos com aqueles que não aceitavam essa opressão viessem à tona Aliás era mesmo interesse da Coroa limitar esse poder demonstrada na posição do Conselho Ultramarino nos conflitos que se seguiram no século XVIII Mais uma vez João da Maia da Gama ferrenho opositor da Casa da Torre em suas anotações de viagem registrou a sua indignação contra esta família Ao escrever sobre as sesmarias concedidas nos séculos XVI e XVII o governante registrou o seguinte Gracia de Avilla da Caza da Torre que tendo no tempo dos Fillipes huã conceção de 50 legoas de terra e não se asentando ainda hoje com serteza qual seja a dita cerra principio desta 51 Patrimônio entendido na perspectiva de PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 153154 52 BANDEIRA Moniz op cit p 236 53 Atentar que esta afirmação despovoada representa a falta da presença de ocupação portuguesa pois indí genas lá existiam 54 CALMON Pedro op cit p 87 55 BANDEIRA Moniz op cit p 236 Na Plataforma SILB há o registro de seis extensas sesmarias concedi das pelo governo de Pernambuco a Francisco Dias DÁvila entre 1681 e 1684 Plataforma SILB PE 0353 PE 0375 PE 0377 PE 0379 PE 0380 e PE 0381 56 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 118 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 92 data e não tendo nunca havido medição destas terras sequer Gracia de Avilla com esta data e com outra que ouve de 20 legoas se hir senhorear de todos os certões por mais de trezentas legoas porque quer ser S das terras do certao da Parª nos careris Pinhançô e Peranhos e Rio do Peixe e quer ser S das terras de Jaguaribe aonde entre elle ou seus collonos e Procuradores e athe gados57 Neste pequeno trecho observase a imprecisão do tamanho das sesmarias concedidas o que fazia com que famílias poderosas arrogassem para si o domínio de terras além do que podiam cultivar ou do que na verdade estavam na extensão das sesmarias concedidas Com um maior centralismo da Coroa e uma maior determinação de leis no tocante ao sistema ses marial entretanto começaram a ser impostas novas exigências que se mostraram inviáveis para aqueles que possuíam extensas terras como a demarcação medição e o aproveitamento efetivo da área da sesmaria Evidentemente outras pessoas desbravavam terras que perten ciam a esses grandes senhores e que nem haviam sido descobertas e cultivavamnas Isto pode ser percebido novamente nas palavras de João da Maia da Gama e estando todos estas terras povoadas de gentio e não penetradas nem povoadas e hindo vários descobridores com despesas de suas fazendas e com evidente prigo de vida morrendo muitos e matandolhe o gentio e outros parentes e escravos descobrirão sítios e povoaramnos e defenderamnos do gentio com perigo e depoês de estabelecidos vinhão os Procuradores da Casa da Torre e por forma ou os fazião despejar ou os faziam paçar escritos de arrendamento58 Não se deve descartar o uso da violência utilizada como o próprio João da Maia da Gama relatou por meio dos procuradores da Casa da Torre Segundo o alferes Bartolomeu Pereira Dantas já mencionado ele afirmou que havia pagado rendas à Casa da Torre mas que as terras que solicitava por sesmaria não eram dela por esta não ter titulo algum de sesmaria mais que uma intrusa posse na ribeira do rio do Peixe59 Segundo o dicionário de Raphael Bluteau de 1728 intruso significa que se metteo de posse de hum officio ou dignidade violentamente por meyos illegitimos Intruso por força com violencia In truso com o favor com a authoridade de alguem Portanto mais uma vez observase o discurso da ilegalidade o que demonstra o conhecimento da legislação de sesmarias por parte desses requerentes e ainda há neste discurso o apontamento do uso da violência da força para possuir algo60 57 MARTINS F A de Oliveira op cit p 2526 58 Ibid p 27 59 CARTA de sesmaria doada a Bartolomeu Pereira Dantas 60 BLUTEAU Raphael Brasiliana USP Dicionário online Raphael Bluteau Vocabulário Portuguez Lati no v 4 1728 p 179 Acesso em 19 mar 2013 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrendicionario A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 93 O cultivo como aproveitamento do solo era requisito elementar no sistema sesmarial e foi o fundamento que amparou esses cultivadores encontrando seu apoio legal por meio da carta régia de 20 de outubro de 1753 Esta carta influenciou diretamente a venda de terras na capitania da Paraíba e possibilitou a concessão das sesmarias aos cultivadores Visto um pouco o sistema sesmarial e rapidamente como a Casa da Torre conquistou seu patrimônio e como o administrava poderseá deter novamente nas 31 cartas de sesmarias e tentarseá elucidar uma hipótese para este fenômeno que ocorreu no sertão da capitania da Paraíba relacionandoas com a carta régia de 1753 A carta régia de 20 de outubro de 1753 contrariando a Casa da Torre A carta régia de 20 de outubro de 1753 enviada por D Jose a Luis Correa de Sá gover nador de Pernambuco surgiu como forma de solucionar problemas de posseiros e sesmeiros Resultante de contendas e litígios entre herdeiros de Francisco Dias de Ávila Francisco Bar bosa Leam Bernardo Pereira Gago Domingos Afonso Sertao Francisco de Sousa Fagun dez Antonio Guedes de Brito e Bernardo Vieira Ravasco contra moradores do Piauí sertão da Bahia e Pernambuco certamente do fato de cultivadores e posseiros terem recusadose a pagarem as rendas cobradas pelos herdeiros por meio de seus procuradores Anteriormente João da Maia da Gama já atestava essa situação e propunha uma solução Tão bem entendo e me paresse que de justiça deve V Magestade mandar excluir a Gracia de Avilla todas as datas de terras o obrigallo merdisse e sitados e povoadores mostrar os que por si povoou para que estivessem fora da sua medição e as que elle não povoou por si se deem de novo aos povoadores61 João da Maia da Gama aconselhou ainda que a vossa majestade agradarseia muito de 10 mil réis por ano de cada fazenda os quais os moradores não negariam em oferecer por se livrarem de continuadas violências cometidas pela Casa da Torre Bandeira quando citou Antonil relatou que os senhores da Casa da Torre possuíam currais próprios e outros arren dados em sítio geralmente de uma légua no qual cobravam 10 mil réis de foro cada ano62 A resolução de 11 de abril e 02 de agosto de 1753 porém decidiu anular todas as datas ordens e sentenças da narrativa que culminaria na carta régia de 20 de outubro de 175363 além de limitar a extensão das sesmarias em três léguas de comprimento por uma légua de largura devendo haver uma separação de uma légua entre duas sesmarias para todo o território64 61 MARTINS F A de Oliveira op cit p 27 62 BANDEIRA Moniz op cit p 236 63 Anulava apenas a partir daquelas datas mas as 31 sesmarias foram solicitadas uns 15 anos antes 64 Ordens régias complementares Plataforma SILB In AHUPA PA cx 165 doc11754 AHUPA PA cx 75 doc 6283 AHUPA PA cx 5 doc 321 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 94 Segundo Costa Porto a carta régia de 20 de outubro de 1753 criou a necessidade de uma reavaliação das sesmarias concedidas e entendia que as terras haviam sido doadas para que fossem cultivadas e não para repartirem ou arrendarem e aforarem65 Para Costa Porto depois de 1753 o posseiro obteve vantagem pois a preferência era para quem efetivamente cultivava os sítios66 Logo o apoio ao posseiro contra o grande senhor de terras estava legal mente nas ordens régias complementares desde fins do século XVII até a resolução de 1753 em diante Em tese tudo perfeito mas na prática nenhuma esperança de que funcionasse naquelas distâncias o disciplinamento baixado argumentou Costa Porto67 Apesar dessa afirmação o que se observa na capitania da Paraíba foi que o disciplinamento baixado resul tou em efeito positivo para os cultivadores Após 1753 o número de doações de sesmarias na Paraíba em terras ditas pertencentes à Casa da Torre cresceu significativamente conforme demonstrado no quadro 1 Entre 1757 e 1776 foram 31 sesmarias concedidas em favor dos posseiros em detrimento do grande senhor de terras Podese pensar portanto conforme argumentou Márcia Motta que a provisão de 1753 teria sido uma tentativa de intervir e controlar o processo de ocupação territorial e talvez tenha sido promulgada para solucionar os conflitos oriundos da dinâmica de formação do patrimônio da Casa da Torre68 Os pró prios requerentes das tais cartas de doação utilizavam os princípios contidos na ordem régia de 1753 nas justificativas para concessão das sesmarias compreendendo a ilegitimidade das terras da Casa da Torre e consequentemente compreendendo a ilegalidade que eles mesmos estavam Portanto esses cultivadores requeriam as sesmarias a fim de obter a terra na forma da lei Isto se comprova por exemplo por meio de carta de sesmaria concedida em 6 de março de 1760 na qual o requerente doutor Manoel de Araujo de Carvalho que era cônego da Catedral de Olinda diz que como legitimo herdeiro de seus paes Coronel Manoel de Araujo Carvalho e D Anna da Fonseca Gondim possue a mais de 60 annos um sitio de crear gados chamado Olho dAgua na ribeira do rio do Peixe povoado por seu pae e não obstante pagar foro á casa da Torre que se achava indevidamente senhora de todas as terras que outros descobriram e povoaram e porque S M pela ordem de 20 de Outubro de 1753 annulou aquellas doações e dominios que tinha a casa da Torre e outras mandando dar por nova graça aos cultivadores69 65 PORTO Costa op cit p 90 66 Ibid p 122 67 Ibid p 90 68 MOTTA Márcia Maria Menendes Direito à terra no Brasil a gestação do conflito 17951824 São Paulo Alameda 2009 p 134 69 CARTA de sesmaria doada a Manoel de Araujo de Carvalho em 6 de março de 1760 Plataforma SILB PB 0528 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 95 Anteriormente em 4 de novembro de 1756 Francisco de Oliveira Ledo capitãomor do Piancó pedia ao Conselho Ultramarino que a ordem de 1753 contra os Ávila que queriam ser senhores de infinitas terras fosse executada a fim de que fossem resolvidas as injustiças que sofriam os povoadores70 Observando o nome da pessoa que fez o requerimento Fran cisco de Oliveira Ledo e o conflito resultante entre ele e os membros da Casa da Torre uma pergunta é formulada e a relação entre os Oliveira Ledo e os Ávila O tempo pode ser a resposta para essa questão A possível aliança com Teodósio de Oliveira Ledo como procurador da Casa da Torre na capitania da Paraíba em fins do século XVII e início do século XVIII não teria mais sido reafirmada na geração seguinte com seus descendentes na segunda metade do século XVIII Uma informação interessante apresentase no livro O feu do de Moniz Bandeira sobre a Casa da Torre As terras da Casa da Torre situadas naqueles sertões tão distantes de Tatuapara estavam naturalmente entregues ao mando e desmando de procuradores homens rudes e violentos que pouco a pouco assumiram de fato o seu senhorio71 Moniz continuou argumentando que os procuradores agiam por conta própria e não necessitavam de ordens dos senhores da Torre assim a família de Teodósio de Oliveira Ledo teria passado a ocupar 23 do agreste e da parte ocidental do Cariri72 A Casa da Torre não ficou passiva diante de tais atos que a prejudicavam diretamente D Inácia de Araújo Pereira e seu neto Garcia dÁvila Pereira de Aragão pediram que não tivessem efeito as concessões realizadas pelo governador da Paraíba em terras já povoadas e possuídas pela Casa da Torre73 resultando na carta régia de 26 de setembro de 175774 na qual D José ordenou que fossem revogadas as sesmarias concedidas pelo governador da Pa raíba em terras que fossem por justo título de D Inácia de Araujo Pereira Apesar disto nos anos seguintes conforme demonstrado as concessões na capitania da Paraíba em terras pertencentes à Casa da Torre na verdade intensificaramse entre 1757 a 1776 reconhecen do os requerentes que a Casa da Torre não possuía título das terras Segundo a petição realizada pelos Ávila em 1757 em finais dos anos de 1756 o gover nador da Paraíba Luís Antônio de Lemos Brito por meio de editais ordenou que quem possuísse terras nos sertões do Piancó e rio do Peixe teria o prazo de três meses para solicitar a concessão da sesmaria com o risco de que elas poderiam ser concedidas a quem as pedisse Portanto isto justifica também conforme mostrado no quadro 1 o porquê de que entre 1757 e 1776 foram concedidas pelo menos 31 sesmarias em terras supostamente pertencen tes à Casa da Torre Somente no ano de 1759 concederamse 12 sesmarias nesta situação mostrando que apesar do requerimento de Inácia de Araújo Pereira e seu neto Garcia dÁvila Pereira de Aragão em 1757 as concessões de terras da Casa da Torre foram inevitáveis 70 AHUPB PA cx 19 doc 1507 71 BANDEIRA Moniz op cit p 328 72 Para maior compreensão ver COSTA Renata Assunção da op cit 73 AHUBA PA cx 140 doc 44 74 Ver Ordens Régias Complementares Plataforma SILB A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 96 Com o requerimento enviado por Inácia de Araújo Pereira no ano de 1757 o rei D José solicitou o parecer do governador de Pernambuco por provisão de 26 de setembro de 1757 respondida em carta no dia 16 de fevereiro de 1759 por Luís Diogo Lobo da Silva ao próprio rei O governador de Pernambuco informou que para atender a ordem do rei fora preciso procurar notícias a respeito do assunto que envolvia a disputa de terras em questão na pro vedoria da Paraíba Entretanto o governador foi informado por resposta do sargentomor governador interino do provedor do procurador e do escrivão todos da capitania da Paraí ba que não havia registro que indicasse posse dos senhores da Casa da Torre naquela região ou jus adquirido sobre as ditas terras Luís Diogo Lobo da Silva todavia ressaltou que os senhores da Casa da Torre apresentavam uma certidão na qual constava que André Vidal de Negreiros que havia sido governador da capitania de Pernambuco havia passado em 22 de julho de 1658 sesmarias ao capitão Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira que por sua vez haviam estabelecidose acima do rio São Francisco indo das regiões povoadas até a última aldeia do gentio Moipura e para a parte do norte até a Serra do Araripe75 Portanto uma área extensa e sem limites precisos Luís Diogo Lobo da Silva ainda informou que essa sesmaria não havia sido confirmada pelo rei e que a mesma era entendida pelos senhores da Casa da Torre de acordo com as localidades referenciadas na carta concedida por André Vidal de Negreiros sendo consequentemente o fundamento deles para persuadirem a posse de uma terra tão extensa76 O parecer do governador de Pernambuco era de que a data con cedida foi realizada contra a forma de direito e ordens de Vossa Magestade Apesar do parecer do governador de Pernambuco que apresentava em seus argumentos ser contrário à manutenção dessa extensa sesmaria de terra em 18 de janeiro de 1760 consta uma consulta do Conselho Ultramarino referente à capitania da Bahia na qual foi ordena do por este mesmo órgão que as sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba nas terras dos Ávilas fossem revogadas77 No jogo de relações estabelecidas entre os diversos agentes na colônia e no Reino a influente família Ávila pode ter trabalhado para que o parecer do rei fosse favorável para si Novamente contudo acreditase que este documento não surtiu nenhum efeito sobre as concessões que continuaram ocorrendo em terras do sertão da capitania da Paraíba Em bora se possa pensar que tais terras por serem em sua maioria vendidas aos cultivadores pudessem não corresponder àquelas que a D Inácia de Araújo Pereira pedia a revogação de sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba entendese que as cartas aqui trabalhadas correspondessem realmente às tais reclamadas pela herdeira da Casa da Torre Esta supo sição baseiase no período próximo entre as concessões das 31 sesmarias 17571776 e do requerimento de revogação de D Inácia de Araújo Pereira e do parecer do Conselho Ultra 75 AHUPernambuco Papéis Avulsos cx 88 Doc 7174 76 AHUPernambuco Papéis Avulsos cx 88 Doc 7174 77 AHUBaía cx 143 Doc 11005 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 97 marino 1757 e 1760 além da análise das cartas de sesmarias disponíveis em Lyra Tavares que apresentam um considerável número de cartas de concessão na capitania da Paraíba78 O que se verificou foi que a Casa da Torre perdeu aos poucos seu domínio sobre as terras da capitania da Paraíba e inclusive em outras capitanias79 Em fins do século XVIII e início do século XIX a influência da Casa da Torre continuaria grande embora concentrada na capitania da Bahia80 Esse movimento de concessões comprovase também por meio da alegação feita pelo requerente Francisco de Santa Cruz de Jesus que recebeu uma sesmaria no ano de 1764 O requerente afirmou que possuía um sítio na ribeira do Piancó o qual havia comprado da Casa e porque ouve dizer que as muitas terras que a mesma casa possui se julgão devolutas por não haver tirado data dellas pretendendo o mesmo suplicante obter com justo título o tal sítio por sesmaria81 Os suplicantes teriam utilizado a ordem régia de 20 de outubro de 1753 para requerer o título de sesmaria garantindo a sua posse na forma da lei A simples escritura de venda recebida da Casa da Torre não seria suficiente para que estes cultivadores se sentissem seguros e a clara tendência da Coroa em apoiálos possibilitou que estes legali zassem o seu domínio sobre as terras que haviam ocupado e cultivado Considerações finais Com tudo que foi até aqui observado questionase o porquê de a Casa da Torre ter ven dido tais terras e quando para aqueles que ela vendeu as terras solicitavam uma sesmaria por que a mesma Casa requereu a anulação das concessões se ela mesma as tinha vendido Segundo Moniz Bandeira todo o gado nas Minas Gerais antes da abertura em 1727 do caminho para o Rio Grande de São Pedro no sul da América portuguesa provinha dos campos do Piauí bem como da Paraíba de onde percorriam uma distância de 400 léguas até os centros de consumo82 Sabese que a base fundamental da economia da Casa da Torre era a pecuária possuindo currais nas ribeiras dos sertões exploradas principalmente pelos foreiros ou arrendatários cobrando geralmente a razão de uma légua 10 mil réis por ano83 Para Ângelo Pessoa poderseia pensar na participação dos Ávila no comércio de carnes ver 78 TAVARES Joao de Lyra Apontamentos para a Historia Territorial da Parahyba 2 ed Mossoró Escola Superior de Agricultura de Mossoró 1989 79 BANDEIRA Moniz op cit p 415 80 Ibid p 416 81 CARTA de sesmaria doada a Francisco de Santa Cruz de Jesus em 31 de julho de 1764 Plataforma SILB PB 0614 82 BANDEIRA Moniz op cit p 241 Baseiase em CALMON Pedro História social do Brasil t I 4 ed São Paulo Companhia Editora Nacional Coleção Brasiliana sd p 172 PRADO JÚNIOR Caio História econômica do Brasil 17 ed São Paulo Brasiliense 1974 p 66 83 BANDEIRA Moniz op cit p 241 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 98 des e secas desde a etapa da criação passando pelo transporte das boiadas e revenda na feira de Capuame e outras feiras na Bahia até o abate e venda em açougues ao público em Sal vador criando assim uma rede tentacular que envolvia boa parte das capitanias84 Portanto a superação da pecuária do Rio Grande do Sul durante a segunda metade do século XVIII em detrimento da pecuária desenvolvida no sertão nordestino pode ser uma das chaves para a explicação do porquê tais terras terem sido vendidas ao longo do século XVIII85 Outro fator decisivo que modificou a configuração do patrimônio da Casa da Torre foi a união dos Ávila com os Pires de Carvalho Com esta união o morgado da Casa da Torre uniuse a outra família rica e poderosa86 e pode ter redirecionado o foco para os interesses dos membros da Casa da Torre talvez até mesmo devido ao fato de a pecuária desenvolvida na região estar perdendo espaço para a sulista Portanto percebendo isto os membros da Casa da Torre talvez foram desfazendose das suas terras por meio de vendas Segundo Calmon Francisco Dias dÁvila 3o possuía engenhos de açúcar e duas fábricas de farinha87 Já Ângelo Pessoa relatou que a Casa da Torre fazia outros negócios envolvendose decisiva mente com a produção do açúcar em fins do século XVIII quando a pecuária do norte foi superada pela do sul no início do século XIX e quando ocorreu a passagem do morgado da Casa da Torre para o controle dos Pires de Carvalho88 Aliado a tudo isto apontase a causa que se considera principal para a perda das terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba o próprio sistema sesmarial com suas mudan ças decorrentes de um maior centralismo da Coroa portuguesa durante o século XVIII Segundo Márcia Motta o esforço de disciplinar a ocupação presente no estabelecimento de um limite máximo de concessão revela o reconhecimento de uma história pretérita de ocupação sem limites89 Conforme visto o sistema sesmarial foi tornandose complexo e restritivo por parte da Coroa por meios das diversas ordens régias expedidas por ela ao longo dos anos do período colonial Imposições mais limitativas vistas em fins do século XVII foram expedidas e possibilitaram como a ordem régia de 20 de outubro de 1753 por meio do princípio do cultivo assegurar aos cultivadores diretos da terra a sua posse sobre ela Talvez percebendo que perderiam tais terras visto a impossibilidade de cumprir todas as exigências que foram sendo impostas pela Coroa em territórios tão extensos e com todo o amparo dado aos cultivadores da terra a Casa da Torre vendeu suas terras conseguindo obter alguma vantagem sobre estas vendas pois o sistema de sesmarias não proibia a venda arrendamento ou aforamento de terras concedidas em sesmarias Entretanto o aumento de 84 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 158 85 Ibid p 180 86 BANDEIRA Moniz op cit p 329336 87 CALMON Pedro op cit p 159 Baseiase em Doc In BORGES DE BARROS Francisco Bandeirantes e sertanistas baianos p 110 88 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 180 89 MOTTA Márcia Maria Menendes op cit 134135 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 99 denúncias contra essas práticas que feriam a noção de cultivo como legitimador da posse da terra fez com que a Coroa revisasse sua posição Por conseguinte aqueles que possuíam apenas a escritura de venda solicitaram o título de sesmaria das terras ocupadas para assim estarem legalizados com as novas ordens régias e portanto ficarem mais seguros Referências bibliográficas ALVEAL Carmen Margarida Oliveira Converting land into property in the Portuguese Atlantic World 16th18th century 2007 366 f Dissertação Doutorado em Filosofia Jo hns Hopkins University Baltimore 2007 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz O feudo A Casa da Torre de Garcia dÁvila da conquis ta dos sertões à independência do Brasil 2 ed revista e ampliada cap VI Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 BLUTEAU Raphael Brasiliana USP Dicionário online Raphael Bluteau Vocabulário Portuguez Latino v 4 1728 p 179 Acesso em 19 mar 2013 Disponível em http wwwbrasilianauspbrendicionario CALMON Pedro História social do Brasil t I 4 ed São Paulo Companhia Editora Na cional Coleção Brasiliana sd Os Procuradores In História da Casa da Torre Uma dinastia de pioneiros 2 ed aumentada cap VIII Rio de Janeiro Livraria José Olympio Editora 1958 CEBALLOS Rodrigo Veredas sertanejas da Parahiba do Norte a formação das redes sociais políticas e econômicas no arraial de Piranhas século XVIII Anais do XXVI Simpósio Na cional de História ANPUH São Paulo julho 2011 CEBALLOS Rodrigo LÔBO Isamarc Gonçalves Procurações líbelos e escrivães fontes manuscritas setecentistas do sertão paraibano Cajazeiras EDUFCG 2012 CDROM COSTA F A Pereira da Chronologia histórica do Estado do Piauí 1 ed Recife Typogra phia do Jornal do Recife 1909 COSTA Renata Assunção da Uma nova conquista A família Oliveira Ledo e o processo de ocupação espacial do sertão do Piancó 16631730 Monografia Graduação em História Departamento de História Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2012 GROSSI Paolo A propriedade e as propriedades na oficina do historiador In História da propriedade e outros ensaios Rio de Janeiro Renovar 2006 MARIZ Celso Expansão territorial I Primeiras aldeias mestiças Os paulistas e baia nos no interior In MARIZ Celso Apanhados Históricos da Paraíba 2 ed João Pessoa Editora Universitária UFPB 1980 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 100 MARTINS F A de Oliveira Um herói esquecido João da Maia da Gama Vol II Lisboa Coleção Pelo Império 1944 MOREIRA Emília de Rodat Fernandes Processo de ocupação do espaço agrário paraibano Textos UFPB NDIHR no 24 set1990 MOTTA Márcia Maria Menendes Direito à terra no Brasil a gestação do conflito 1795 1824 São Paulo Alameda 2009 Tierra Poder y Privilegio Los mayorazgos coloniales y el ejemplo de la Casa da Torre siglo XVIII In ÁLVAREZ Maria José Pérez GARCÍA Alfredo Martín Org Campos y campesinos en la España Moderna 1 ed v 1 León Fundación Espanõla de His tória Moderna 2012 PESSOA Ângelo Emílio da Silva As ruínas da tradição a Casa da Torre de Garcia DÁvila família e propriedade no Nordeste colonial Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2003 PINTO Irineu Ferreira Datas e notas para a História da Paraíba v 1 João Pessoa Editora Universitária UFPB 1977 PORTO Costa Estudo sobre o sistema sesmarial Recife Imprensa Universitária 1965 PRADO JÚNIOR Caio História econômica do Brasil 17 ed São Paulo Brasiliense 1974 RAU Virgínia Sesmarias medievais portuguesas 2 ed Lisboa Presença 1982 TAVARES Joao de Lyra Apontamentos para a Historia Territorial da Parahyba 2 ed Mos soró Escola Superior de Agricultura de Mossoró 1989 VARELA Laura Beck Das sesmarias à propriedade moderna Um estudo de História do Di reito Brasileiro Rio de Janeiro Renovar 2005 O texto começa abordando sobre o grande acervo histórico do território nacional e a importância do estudo em relação à região nordeste Iniciase falando da questão paisagística da região que engloba os atuais estados do Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe e Bahia Sendo uma região a qual o solo e a vegetação misturamse entre Sertão e Zona da Mata onde em algumas regiões presenciase uma vegetação mais voltada para o Sertão Em contrapartida uma grande quantidade de vegetação típica da caatinga Além disso as atividades dominantes são a pecuária e a agricultura do algodão mas existem regiões que investem na prática de uma agricultura mais variada onde há também uma maior concentração de pessoas Outro aspecto importante é que de acordo com o tipo de clima influencia na prática econômica por exemplo na região mais ao leste encontramos uma influência do Sertão automaticamente o extrativismo vegetal é dominante O texto também retrata como foi a formação da sociedade na região Nordeste que tem vínculo com a posse de terra bem como a desigualdade na distribuição de terras Além dos aspectos físicos geográficos e sociais o texto explora a figura do coronel e a sua influência na região nordeste O coronel era uma figura autoritária que detinha muito poder sobre as questões políticas econômicas e sociais Os conflitos entre os coronéis e o império ocorreram diante das medidas contrárias aos interesses dos grandes proprietários ou quando não atendiam às suas reivindicações mas os confrontos quase sempre terminavam na reconciliação geralmente em detrimento do Poder estatal Outro grupo social retratado no texto são os lavradores indivíduos pobres que sofreram com autoritarismo dos coronéis principalmente após o final da escravidão e a escassez de mão de obra Na qual leis impunham que as pessoas pobres deveriam em 30 dias estar trabalhando Nesse ponto observamos a influência dos grandes proprietários em relação às pessoas pobres Salientase que diante desse cenário muitos indivíduos encontraram saída por meio da criminalidade que configurou o surgimento do Cangaço Os cangaceiros eram indivíduos que em prol de causas próprias e lutas contra os coronéis cometiam delitos e causavam medos na sociedade A situação econômica resulta nos aspectos relacionados às revoltas principalmente porque a região nordeste era utilizada para atender aos interesses da expansão comercial Europeia A região era adequada para a produção de alguns produtos como a canadeaçúcar que naquela época era muito consumida Mas existiam sérios problemas que influenciaram as crises e revoltas como por exemplo o agricultor que era responsável pelas despesas e os riscos em relação a colheita não tinham o controle sobre o preço e a venda do produto não tinham garantias em relação a compra do produto os produtos tinham baixo custo e os agricultores eram obrigados a adquirir equipamentos europeus causando uma desigualdade no lucro e nos gastos a mão de obra escrava era muito utilizada porém diante da grande demanda de trabalho os escravos tinham pouca perspectiva de vida assim o custo com a mão de obra era cara diante da necessidade de sempre estar repondo novos escravos como existia uma produção para a exportação não tinha muita produção de produtos para consumo local consequentemente era necessário importar produtos de consumo diário o mesmo que acontecia com os escravos também acontecia com os trabalhadores livres que recebiam poucos salários e trabalham muito Outro ponto importantíssimo foi o final da escravidão que afetou o Nordeste mesmo que existia a mão de obra livre o impacto foi acumulado com a perda do mercado externo assim diante da grande crise ou nordeste vivenciou períodos de revoltas Outro tópico abordado no texto é em relação às insurreições primeiramente o texto diferencia as insurreições em relação à revolução e caracteriza o cenário os participantes e os desfechos dos movimentos na região do Sertão como o ronco da abelha que aconteceu por volta de 1851 a 1852 envolvendo grupos remanescentes o quebra grilo que aconteceu por volta dos anos de 1874 e 1875 um movimento que teve início na Vila de Fagundes na Comarca de Ingá Outro movimento que chamou a atenção diante da participação de mulheres foi a Guerra das Mulheres que aconteceu por volta dos anos de 1875 a 1876 que representa pela primeira vez no Brasil a atuação coletiva das mulheres esta revolta ocorre devido à aplicação da lei número 2556 de 26 de setembro de 1874 que alterou a forma de recrutamento dos Soldados para o exército da Força Armada Fofinho o texto destaca as revoltas no âmbito Urbano que envolvia algumas cidades diante da heteronomia da sociedade local a exploração dos coronéis os contratos mais frequentes com os Progressos E as novas ideias que borbulhavam na Europa Como os outros movimentos essas revoltas urbanas figuram as pessoas indo para as ruas destruindo estabelecimentos públicos e entrando em conflito com as forças militares como aconteceu com o movimento denominado comopano do teatro São João que aconteceu em 1854 motivado pelo alto custo de vida Outro movimento que aconteceu em 1858 era chamado carne sem osso farinha sem caroço e por fim a revolta de 1878 Neste artigo analisa os métodos utilizados pela Casa da Torre para adquirir as terras bem como quando se desfez do seu patrimônio diante da instauração do controle da família real portuguesa nas terras doadas para os moradores Ademais o artigo aborda o sistema sesmaria aliança entre as famílias e o que aconteceu nos anos de 1757 e 1776 perante os conflitos dos moradores da área denominada da Casa de Torres Salientase que a coroa interfere isto considerando a concessão de boa parte das terras para os moradores principalmente por meio do sistema adotado na época Além disso destacou uma forma de controle e rigidez Nas cartas de doação de sesmarias nos períodos anteriores observava a grande predominância da Casa de Torres nas regiões das capitanias da Paraíba Na missão de Tomé de Souza por volta de 1549 o primeiro Ávila Garcia de Ávila chegou ao Brasil existem indícios que a família formou um grande patrimônio nas regiões da Bahia Sergipe Alagoas Pernambuco Paraíba Ceará e Piauí Outras importantes famílias instauraram seus patrimônios por volta dos séculos 16 e 17 diante das concessões feitas pela coroa àqueles que vinham à região Nordeste para buscar riquezas O sistema sesmarial foi considerado o responsável pela diminuição do patrimônio da Casa da Torres Esse mecanismo denominado como sesmarial tem origem em Portugal por volta dos anos de 1375 criado por Dom Fernando com o objetivo de promover o máximo aproveitamento do solo devido a uma crise de abastecimento que estava afetando o país na época Chegou ao Brasil com a finalidade de povoar o território que era muito vasto e recém descobertos Deste modo salientase como aconteceu a concessão de vastas sesmarias nos dois primeiros séculos da colonização assim a coroa concedia benefício àqueles que descobriram novas terras e as povoaram Porém considerando ser um sistema condicional era previsto que existiria determinadas cláusulas que deveriam ser cumpridas por parte daqueles que receberam a sesmarias Mas as terras eram de propriedade da coroa assim a qualquer momento a mesma poderia requerêlas de volta caso não fossem cumpridas as determinações estipuladas portanto não eram propriedades absolutas e sim propriedades condicionadas a inúmeros deveres Um desses deveres era tornar as sesmarias produtivas no prazo de cinco anos registrar nos livros da provedoria e posteriormente foi estipulado que deveria ser estabelecido a confirmação da Régia Todavia os deveres exigidos para as sesmarias foram criados no decorrer dos anos perante as necessidades e experiências com o sistema ponto final nos primeiros séculos notas liberalidade da coroa em relação a concessão das sesmarias Em contrapartida nos últimos anos observase um sistema mais rígido que afetará grandes proprietários Um documento importante foi a Carta Régia de 20 de outubro de 1753 enviada por Dom José Correia de Sá que era o atual governador de Pernambuco Além disso notase que a carta implementou a necessidade de uma reavaliação desses Marias pois essas foram doadas para o cultivo e não para repartirem ou arrematarem como estava sendo feito Por outro lado a casa da Torre não ficou satisfeita perante aos atos que estavam prejudicando diretamente assim pediram que não tivessem efeito as concessões realizadas pelo governador em terras já povoadas e possuídas pela casa da Torre que resultou no surgimento da carta Régia de 26 de setembro de 1757 em que Dom José ordenou a revogação da sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba em terras que fossem por justo título de Dom Inácio de Araújo No entanto nos anos seguintes foram intensificando as requisições de que a casa da Torre não tinha título das terras Diante dos documentos feitos por Ávila em 1757 o governador da Paraíba mandou que quem possuísse terras dos Sertões teriam o prazo de três meses para solicitar a concessão da sesmaria com risco de que elas poderiam ser concedidas a quem a pedisse Observase que o patrimônio da Casa da Torre foi perdido diante das modificações ocorridas no sistema sesmarial que foi se tornando complexo e restritivo por parte da coroa Final assim diversas ordens Régias que eram expedidas ao longo do tempo Colonial impunha limitações Além disso foi enviado por Inácio de Araújo Pereira ao Rei uma solicitação do parecer do governador de Pernambuco que informou posteriormente que para atender a ordem do Rei seria necessário procurar notícias a respeito do assunto que envolvia a disputa de terras em questão e na província da Paraíba No entanto mesmo com o desenrolar dessa história observouse que era inevitável a perda das terras da casa Torres e das razões está associada ao próprio sistema conforme já mencionado que foi se intensificando e se tornando mais rígido no decorrer do tempo As questões históricas influenciam os aspectos arquitetônicos dos espaços e o conhecimento desses elementos permite a compreensão da forma como aquela população vivia durante determinado período A região do Nordeste foi marcada pela agricultura da canadeaçúcar o Cangaço as figuras autoritárias dos coronéis e as revoltas em busca de defender a pátria Esse texto aborda um trabalho realizado por alunos do curso de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa em parceria com laboratório de pesquisa histórica e memória da Universidade Federal da Paraíba que analisaram as representações espacial e magnética associadas ao Sertão da Paraíba durante o século XVIII A área que será analisada é banhada pelo rio Piranhas e seus afluentes esse rio era ocupado pelos colonizadores e utilizado pelas atividades econômicas da época De acordo com a história após a expulsão dos Holandeses do território nordestino verificase a elaboração de espaços urbanos resultantes do povoamento pelos colonizadores que eram formados pela coroa portuguesa os membros da igreja bem como as tribos indígenas que existiram no espaço Destacase que os elementos econômicos políticos e sociais influenciaram a conjuntura da época A pesquisa buscou analisar as principais obras vinculadas ao termo Sertão por meio de documentos como requerimentos cartas ofícios cartas Régis carta de doações de sesmarias e no decorrer de todo o texto são abordados esses documentos bem como imagens dos trabalhos cartográficos referentes a época em questão Para mais o artigo informa que a ideia de sertão seria um espaço definível mas não delimitável definível pois através da dicotomia relacionada à representação que os portugueses possuíam acerca do território mas não era delimitável porque não havia limites e fronteiras associadas a eles Além disso a palavra Sertão vem do latim e no português antigo quando se falava em Sertão utilizavase a palavra desertão para designar um lugar que era desconhecido ou solitário e não se tinha conhecimento De acordo com estudos os limites ou fronteiras administrativas no território brasileiro só foram determinadas a partir do século XIX Portanto a ideia de sertão está mais associada com o conceito simbólico do que ele representa no tempos da colonização O texto trabalha com o significado de sertão até mesmo na carta de Pero Vaz de Caminha Além disso o termo era tão desconhecido pois conforme as representações cartográficas da época colonial representava espaços de diferentes Essas representações vão se alterando no decorrer do século XVIII com a grande ocupação do território principalmente da área interior do Brasil com maior conhecimento dos aspectos do Sertão A coroa portuguesa tinha interesses políticos e econômicos e precisava controlar essa região assim os documentos cartográficos eram representações que permitiam esse controle Diante da influência dos Rios Piranhas e Piancó a representação do Sertão da Paraíba teve grande influência dos rios que foram importantes para o processo de colonização e designaram vários Sertões posteriormente O texto informa que a capitania da Paraíba não possui registros cartográficos suficientes da época do século 18 que inviabilizam a delimitação dessa região Outro aspecto importante é que por meio das Crônicas dos Viajantes do período colonial é possível obter informações e referências das representações cartográficas do Sertão da Paraíba Jorge Elias Borges foi um dos primeiros a fazer uma tentativa de cartografar os povos indígenas da Paraíba inclusive aqueles que eram classificados como os Tapuias Nesse caso foram utilizadas como fonte as informações feitas pelos cronistas coloniais e as documentações burocráticas sobre as classificações dos povos indígenas Outro aspecto importante para ser destacado em relação a imagética do Sertão está associado com a ideia de um lugar sem lei Recebeu essa definição diante da Oposição a uma ideia de civilização que era associada a presença do colonizador português e relacionada com o controle e a Lei Salientase que a ideia de limites Foi bastante questionada por Guedes2006 que determinou que essa imprecisão não era restrito a região do Rio Grande do Norte e Pernambuco mas também era característica na região do Ceará ponto final suas observações foram formuladas a partir das informações das datas de sesmarias que foram requeridas nas três capitais do Governo da Paraíba e diante de Tais observações delimitouse um provável determinação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó O capítulo Uma Revolução em e de Família Poder Familiar e Político no Movimento de 1817 aborda inicialmente a situação da Paraíba que enfrentava uma série de crises no comércio e na agricultura De acordo com o texto um dos motivos estaria relacionado com a criação da Companhia de Comércio de Pernambuco que postulava o modelo racionalista de economia na qual os produtos que saíam da Paraíba eram de exclusividade da companhia A situação foi posta pelo Governador Fernando Delgado Freire de Castilho que escreveu um relatório e encaminhou para a Metrópole relatando os problemas encontrados na capitania posteriormente promoveu uma série de melhorias no manejo do açúcar e do algodão no entanto a tentativa não proveu frutos Ocorreu mudanças na capitania devido a influência de um inglês chamado Maclachlanmas sua presença despertou até mesmo a insatisfação dos comerciantes de Recife que eram acostumados com o monopólio da região Além disso o trecho relata qual era o quadro social da população da Paraíba do Norte que demonstrava que nesta região existiam mais mulatos sendo a maioria livres Outro fator em destaque é a chegada da família real ao Brasil diante da invasão francesa liderada por Napoleão Bonaparte retratando que as pessoas que lutaram em prol de Portugal vivenciavam condições precárias No tópico A Causa da Nossa Pátria das Nossas Famílias e Propriedades retrata inicialmente a questão de uma possível revolta na região de Recife e a preocupação sobre as necessidades de fortalecimento das Fronteiras para mais aborda que diante de um novo governo se iniciou um processo de descolonização já que Pernambuco simbolizava uma das capitanias de maior destaque na exportação de açúcar e algodão Principalmente em decorrência das invasões napoleônicas em Portugal consequentemente a chegada da família real no Brasil que proporcionou a abertura dos portos que retirou o monopólio todavia essa atitude ocasionou uma crise no âmbito dos comerciantes lusitanos que queriam o antigo monopólio Outro aspecto importante é a influência das ideias revolucionárias francesas e norteamericanas que foram introduzidas no país por meio de jovens que iam estudar fora e retornavam com a bagagem repleta de influências externas Neste tópico podemos observar os movimentos que propunham a defesa da Pátria e como as informações nas Vilas vizinhas circulavam sobre as invasões que ocorreram na Paraíba e a convocação das pessoas para defender a pátria Assim as famílias ricas começaram a se preparar para lutar contra o governo legalista No decorrer do tópico vai descrevendo como se fomentou o processo de formação dos grupos revolucionários bem como os Defensores do governo se iniciaram para evitar a entrada dos revolucionários Outro aspecto é que algumas famílias começam a deixar a capital em direção ao interior diante do medo da revolução Logo em seguida retrata as leis criadas e a abertura dos portos pelo comando de Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão que colocou em prática o Decreto que considerava o mesmo nível alfandegário nacionais estrangeiros e a partir desse dia ficava decretado o pagamento de metade somente dos direitos que diante de se cobrava Mas as leis mostravam a desarticulação do movimento e uma tendência localista que buscava colocar os pernambucanos sob o controle da Paraíba Um ponto de destaque é a estratégia usada para o alistamento de soldados onde propunha o pagamento de 100 réis a cada soldado além da alimentação que era atrativa diante das péssimas condições que os soldados enfrentavam naquela época Ademais Dom João VI escreveu para a província do Rio de Janeiro informando a situação dos Rebeldes e solicitando envio de soldados para punir e restituir a ordem na Província de Pernambuco Em contrapartida em Pernambuco era criada uma bandeira que representava o poder e a composição que tinha diversos significados Já no tópico Famílias Contra a Ordem Conflito Armado no interior do Norte começa retratando Como ocorreu o conflito no interior da Paraíba que ocorreu em apenas algumas Vilas Além disso retrata como era o sentimento de heroísmo que fortalecia o movimento bem como era feita a comunicação entre as províncias E que os documentos traziam a ideia da Igualdade porém igualdade para os proprietários e não para as questões relacionadas à escravidão e o regime de trabalho Devese ressaltar que os alimentos estavam cada vez mais escassos pois os homens que trabalhavam no campo foram convocados para o alistamento militar Final diante dessa situação no dia 13 de Abril ocorreu uma convocação aos agricultores para que voltassem para as lavouras já que a falta de alimento era uma reclamação constante das províncias A influência da Família Albuquerque amaram sobre as regiões assim o tópico vai descrevendo essa influência e os fatores ligados à igreja ou a Maçonaria No tópico A vida e a morte dos pontos confrontos armados entre realistas e Patriotas neste tópico retrata como ocorreram os conflitos os realistas buscando restabelecer o poder das vilas Por fim O tópico a solidariedade familiar a honra os bens e os parentes demonstra Como ocorreu o processo de Rendição e a tentativa de solidariedade doméstica para salvar os bens dos acusados pela rebelião notase que o papel importante das mulheres que conseguiram manter suas propriedades e receberam auxílio financeiro de parentes e amigos Por fim diante desses movimentos muitos que participaram receberam Anistia da coroa portuguesa e foram soltos
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84 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 O SERTÃO DA PARAÍBA NO SÉCULO XVIII representações espacial e imagética Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha RESUMO O presente trabalho é integrante da pesquisa em andamento intitulada História Urbana do Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX desenvolvida com estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ em parceria com o Laboratório de Pesquisa História e Memória LPPM da Universidade Federal da Paraíba UFPB que tem por objetivo geral analisar a gênese e estruturação de núcleos urbanos no Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX Assim para cumprir com tal desiderato entendese que o primeiro passo consiste em analisar o que se entendia por Sertão da Paraíba no século XVIII período no qual ocorreu a gênese do urbano Portanto este artigo tem por objetivo compreender as representações espacial e imagética associadas ao Sertão da Paraíba no século XVIII Para tanto recorreuse a dois procedimentos metodológicos essenciais a toda pesquisa em história urbana análise historiográfica e investigação em documentos primários Palavraschave Sertão da Paraíba Representação Espacial Representação Imagética Século XVIII relatos de pesquisa Graduação e Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba UFPB Professora do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ Email msimonemsyahoo combr Doutora em História da Arte pela Universidade do Porto Professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba Docente permanente do PPGAUUFPB Email berthilde16 yahoocombr 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho é integrante da pesquisa em andamento intitulada História Urbana do Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX desenvolvida com estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ em parceria com o Laboratório de Pesquisa História e Memória LPPM da Universidade Federal da Paraíba UFPB que tem por objetivo Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 85 geral analisar a gênese e estruturação de núcleos urbanos no Sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX Tal espaço compreende a área banhada pelo Rio Piranhas e seus afluentes cujos principais são Piancó Peixe Seridó Espinharas e Sabugy A delimitação a partir dos referidos rios se faz devido ao fato deles terem sido utilizados como vetores de ocupação pelos agentes de colonização sendo exaustivamente referenciados na documentação do período Sabese que a gênese dos núcleos urbanos no espaço estudado é resultado do povoamento pelos agentes de colonização ou seja a Coroa portuguesa a igreja e os proprietários rurais bem como pelo despovoamento dos povos indígenas existentes no espaço analisado A historiografia paraibana aponta que o referido processo teve início a partir da expulsão dos holandeses do território em 1654 intensificandose durante o século XVIII e XIX diante de uma série de conjunturas econômicas políticas sociais e culturais Diante do exposto apontase que o primeiro problema que gira em torno da pesquisa em desenvolvimento é sem dúvida saber o que era tratado por Sertão da Paraíba no século XVIII quando nele ocorreu a gênese do urbano Porém não se pode responder a essa pergunta sem antes tratar de outra questão o que se entendia pela palavra Sertão no século XVIII Portanto este artigo busca apresentar algumas considerações para elucidar tais questões tendo por objetivo compreender as representações espacial e imagética associadas ao Sertão da Paraíba no século XVIII Para tanto recorreuse a dois procedimentos metodológicos essenciais a toda pesquisa em história urbana análise historiográfica e investigação em documentos primários A análise historiográfica foi feita a partir de obras principais que tratam do conceito de sertão e de suas conotações espacial e imagética Já a investigação documental ocorreu principalmente nos documentos requerimentos cartas ofícios cartas régias cartas de doações de sesmarias entre outros encontrados principalmente nos Manuscritos Avulsos Referentes à Capitania da Paraíba existentes no Arquivo Ultramarino de Lisboa disponível em CDROM no levantamento apresentado por João de Lyra Tavares 1982 presente no livro Apontamentos para a história territorial O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 86 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 da Parahyba o qual contém um inventário de todas as datas de sesmarias relativas ao Sertão de Piranhas no século XVIII Tal análise aponta que as conotações do Sertão no século XVIII são resultantes de um conceito formulado desde o início da colonização do Brasil no século XVI estando relacionada a uma área desconhecida pouco povoada e distante do litoral tido como conhecido e colonizado Além disso associavao aos povos indígenas que habitavam a região caracterizandoo como um ambiente de bárbaros perigosos E por último representavao como lugar para o enriquecimento daquelas pessoas que não encontravam espaço nas zonas de produção da canadeaçúcar 2 REPRESENTAÇÃO ESPACIAL DO SERTÃO DA PARAÍBA NO SÉCULO XVIII Antes de adentrar especificamente sobre o Sertão da Paraíba buscouse o significado da representação espacial da palavra sertão enquanto um espaço físico Tratase de um espaço definível mas não delimitável conforme se demonstrará Definível através da dicotomia relacionada à representação que os portugueses possuíam acerca dele como oposição ao litoral Não delimitável porque não havia limites e fronteiras precisos a ele associados Sabese que as fronteiras e os limites dos territórios administrativos e das regiões do Brasil só foram definidos no século XIX o que leva à indicação da imprecisão desses marcos no Brasil Colonial principalmente se relacionados a espaços como o aqui tratado Assim sendo a representação espacial da totalidade do sertão estava mais relacionada a um conceito e a uma representação simbólica do que a um espaço físico delimitado Esse conceito disseminado desde os primeiros tempos da colonização faz referência a um local desconhecido que se opunha ao litoral e tem sido analisado por pesquisadores principalmente historiadores Eles buscam entendêlo a partir das fontes dos cronistas e viajantes do Período Colonial que a fim de justificar essa acepção citam comumente a Carta de Pero Vaz de Caminha primeiro documento sobre o Brasil escrito em 1500 no qual já aparece o vocábulo como demonstrado no trecho que segue Esta terra Senhor pareceme que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem de que nós Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 87 deste porto houvemos vista será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras umas vermelhas e outras brancas e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos De ponta a ponta é toda praia muito chã e muito formosa Pelo sertão nos pareceu vista do mar muito grande porque a estender olhos não podíamos ver senão terra e arvoredos terra que nos parecia muito extensa CAMINHA 1943 p 239 A observação de Caminha é representativa do olhar de um agente situado no litoral e reluz a ideia de espaço desconhecido Como foi feita no início do século XVI podese afirmar que o colonizador português já utilizava a palavra provavelmente desde a Idade Média como assim atesta Rodrigues a palavra sertão advém do termo latino desertanum desertum no português antigo se falava desertão para designar lugar desconhecido solitário seco e não entrelaçado ao conhecimento imaginouse sertão também como a terra apartada do mar mediterrânea continental no sentido em que se empregava a palavra em portugal no final da idade média era a terra para lá das costas ao longo das quais se navegava rodrigues 2003 p266 O sentido da descrição feita por Rodrigues permaneceu até o século XVIII ora estudado Uma evidência é a definição do vocábulo nos dicionários deste período No primeiro dicionário da língua portuguesa intitulado Vocabulário portuguez e latino datado de 1713 de autoria do Padre Raphael Bluteau 1638 1734 sertão aparece como sendo o interior o coração das terras oppõesse ao marítimo e costa O sertão toma se por mato longe da costa O sertão da calma ie o lugar onde ella He mais ardente BLUTEAU 1713 p 613 A mesma conotação permanece na própria revisão do referido dicionário feita por Antonio de Moraes Silva em 1789 e ainda no início do século XIX no Diccionario da Língua brasileira de Luiz Maria da Silva Pinto 1832 Essa conotação de desconhecido pode ser verificada nas representações cartográficas e iconográficas coloniais principalmente naquelas que buscavam o reconhecimento da costa brasileira nas quais o observador numa posição comparável a de Pero Vaz de Caminha ou seja no litoral representa dois espaços dicotômicos o litoral tido como espaço conhecido delimitado colonizado ou em processo de colonização pontuado pelas vilas e cidades já que a ocupação O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 88 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 do território brasileiro se deu a partir da costa para o interior AMADO 1995 p 145 e o Sertão cujo sentido de desconhecido é expresso nas representações de um horizonte de serras e árvores uma vez que era isso que se via como atesta Caminha porque a estender olhos não podíamos ver senão terra e arvoredos terra que nos parecia muito extensa 1943 p239 A Figura 1 é representativa do exposto Figura 1 Capitania de Itamaracá 1616 Verifica se que o interior ou sertão está representado por desenhos de serras e árvores Fonte REZÃO do Estado do Brasil 1616 1999 Essas representações cartográficas vão mudando ao longo do século XVIII quando se intensifica o processo de ocupação do interior do Brasil e os sertões passam a ser alvo de interesse político e econômico para o Estado Português que precisava controlálos A partir daí o sertão foi melhor cartografado por ser este instrumento de representação uma das vias para o controle a partir do conhecimento As Cartas Sertanistas são exemplos deste fato como aquela denominada de Região compreendida entre o Rio Amazonas e São Paulo de 1722 conforme Figura 2 No Mapa é esboçada a referência a vários sertões inclusive o sertão como área geográfica atualmente institucionalizada e aqui estudada que aparece com o nome de Sertão de Pinhancó conforme destacado na Figura 02 Verificase que os rios da mesma forma que no litoral eram fatores preponderantes para o reconhecimento do território A partir desta cartografia é possível afirmar que embora a conotação do sertão no século XVIII ainda estivesse ligada à sua distinção em relação ao litoral o reconhecimento da área possibilitava em uma escala local delimitálo Pois com a chegada dos agentes coloniais a delimitação passa a ser representada na documentação através das referências a algum componente geográfico importante comumente o rio uma vez que a ocupação se empreendia nas suas proximidades A partir desta observação Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 89 partese para o entendimento do espaço estudado durante o século XVIII Figura 2 Representação dos sertões no Mapa da Região compreendida entre o rio Amazonas e São Paulo 1722 Em destaque referência ao Sertão de Piranhas e Piancó através da expressão Sertão Pinhancó Fonte Fundação Biblioteca Nacional Primeiramente sabese que o Sertão da Paraíba está localizado no extremo oeste do atual Estado antiga Capitania da Paraíba e é chamado na documentação setecentista como sendo Sertão de Piranhas e Piancó Portanto a partir de agora esta será a denominação usada no presente trabalho A justificativa para tal nome decorreu da importância dos Rios Piranhas e Piancó os principais do espaço ora estudado Outros afluentes desses dois rios também foram importantes no processo de colonização sendo assim designaram vários sertões cada qual correspondente a um deles Sertão de Piranhas Sertão de Piancó Sertão do Rio do Peixe Sertão de Sabugy Sertão do Seridó Inicialmente para delimitálos procuraramse evidências na cartografia referente ao período Infelizmente a Capitania da Paraíba do Norte não foi bastante cartografada durante o século XVIII não possibilitando ver de que forma era então delimitado o Sertão de Piranhas e Piancó Porém nos trabalhos historiográficos a delimitação deste espaço é comumente feita através de uma cartografia produzida por Wilson Seixas 1975 na qual o autor representou essencialmente o Sertão de Piranhas e Piancó O documento não é exatamente um mapa histórico mas por seu significado foi tido como ponto de partida Ver Figura 3 Figura 3 Delimitação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó por Seixas Fonte Seixas 1975 p22 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 90 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 A fonte da delimitação de Seixas 1975 bem como as utilizadas nos diversos trabalhos sobre o Sertão de Piranhas e Piancó como o de Guedes 2006 e de Sarmento 2007 é um documento do Arquivo da Torre do Tombo de Lisboa de 1757 no qual se destaca a Relação da Povoação do Piancó e seus distritos extremas e compreensão conforme segue Esta povoação se divide pela parte do nascente com o sertão do Cariri cuja divisão lhe faz a serra chamada Borborema e da parte do poente com o sertão do Jaguaribe e vila do Ico e tem de distancia de uma a outra extrema pouco mais ou menos cinqüenta léguas ficandolhe no meio com pouca diferença a dita povoação de que se trata por detraz da qual da parte do poente corre o rio chamado Piancó que tem seu nascimento na mesma serra da Borborema e em distância de meia légua abaixo da Povoação se une com o rio Piranhas o qual também nasce da serra da Borborema e corre buscando quase o nascente e faz barra no mar donde lhe chama Açu distrito do Rio Grande cidade do Natal cuja capitania se divide do distrito desta Povoação em uma fazenda de gados a beira do dito rio Piranhas chamada Jucurutu do qual a esta Povoação distam vinte e cinco léguas e da mesma Povoação buscando sul pelo rio Piancó acima até o sertão do Pajeu nessa mesma ribeira em distancia de trinta léguas extrema o distrito desta mesma Povoação capitania da cidade da Paraíba com a capitania de Pernambuco RIHGP1953 p6 O referido documento bem como o mapa de Seixas 1975 mostra que o Sertão de Piranhas e Piancó compreendia o extremo oeste da antiga Capitania da Paraíba incluindo parte da região banhada pelo Rio Seridó até a Fazenda Jucurutu no atual território do Rio Grande do Norte e parte da área banhada pelo Rio Pajeú pertencente atualmente a Pernambuco Observase assim que os limites antigos entre as três capitanias principalmente em relação ao Rio Grande do Norte eram imprecisos como atesta Joffily Os limites com o Rio Grande do Norte não são naturaes são convencionaes e em geral incertos e confusos Os dois Estados geographicamente formão uma mesma região aos quaes são communs diversos rios e serras No tempo de colônia as duas capitanias dividiãose por uma linha traçada em rumo quase recto de Este a Oeste do litoral ao mais remoto sertão pertencia então a Parahyba toda a ribeira do rio Seridó JOFFILY 1977 p 91 Os inúmeros documentos de solicitação de sesmaria no Sertão do Seridó atestam ser este pertencente à Capitania da Paraíba O mesmo acontecendo em relação à Pernambuco na área de travessa do Rio Pajeú para o Rio Piancó Estes últimos limites são representados no Mapa da Província da Paraíba Esboço Corográfico de 1888 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 91 levando à consideração de que até fins do século XIX posicionavamse em uma linha acima da atual Cidade de Afogados da Ingazeira conforme mostra a Figura 4 o que denota que esse era o limite aproximado com a Capitania de Pernambuco no Sertão de Piranhas e Piancó A cartografia também evidencia que a região banhada pelo Rio Seridó cujo núcleo principal no período foi a atual Cidade de Caicó já não pertencia ao território da Paraíba Figura 4 Limites da Paraíba no Mapa da Província da Paraíba 1888 O Mapa representa a Província da Paraíba em amarelo em fins do século XIX Nele podese inferir sobre os limites com as Províncias do Rio Grande do Norte e de Pernambuco contribuindo para entendêlos no século XVIII Fonte PROVÍNCIA DA PARAÍBA 1888 Essas questões de limites foram bastante abordadas por Guedes 2006 o qual identifica serem imprecisos não somente entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco mas também com o Ceará Sua constatação se deu a partir das datas de sesmarias solicitadas nas três capitanias ao governo da Paraíba Nesse sentido conclui que eram imprecisos os limites territoriais entre as capitanias da Paraíba e suas vizinhas pelo sertão Pelo que se vê as disputas políticas relacionadas a esses limites só começaram a ter resolução a partir do período imperial sendo este aspecto em particular da formação territorial da Paraíba um interessante objeto de estudo devido às questões econômicas políticas e identitárias que ela envolve GUEDES 2006 p 52 A partir de tais considerações delineouse uma provável delimitação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó mostrada na Figura 5 Figura 5 Limites aproximados do Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII Fonte Sobreposições de bases em CAD da divisão administrativa dos Estados e da Hidrografia do Brasil disponíveis em IBGE 2010 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 92 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 RIHGP 1953 p6 PROVÍNCIA DA PARAÍBA1888 Seixas 1975 p22 3 REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO SERTÃO DE PIRANHAS E PIANCÓ NO SÉCULO XVIII Por representação imagética se compreende um discurso valorativo referente ao espaço que qualifica os lugares segundo a mentalidade reinante e os interesses vigentes MORAES 2002 p 361 362 Dentro do imenso universo bibliográfico sobre o sertão verificase de maneira bastante generalizada que durante o Período Colonial na visão do colonizador o Sertão apresentou principalmente as seguintes representações imagéticas espaço de riquezas espaço habitado por índios Tapuias e espaço sem lei Como espaço de riquezas o sertão era relacionado ao local onde estariam o ouro a prata e os possíveis escravos indígenas Ou seja o Eldorado Assim o interesse da Coroa e também dos colonos em localizar riquezas prevaleceria sobre o medo e sobre as dificuldades impostas à conquista desta área AMANTINO 2003 p82 A partir da visão dos cronistas do Brasil Colonial a autora aponta para os diversos mitos ligados às riquezas no sertão por exemplo o da Lagoa Dourada onde nasceria o Rio São Francisco e se encontraria muito ouro e outras riquezas Para além do ouro e outras matérias preciosas estava a busca por escravos indígenas que motivou inúmeras expedições aos sertões A respeito da Capitania da Paraíba há uma série de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino relatando a descoberta de minas de ouro no Sertão Isso implica dizer que ao longo desse período houve uma preocupação em encontrar tais riquezas Já em relação aos povos indígenas essa busca para escravizálos fez parte da motivação da participação de vários sertanistas nos conflitos indígenas já que na Guerra justa os índios que não se rendiam ao processo estavam passíveis de serem exterminados ou escravizados principalmente na primeira metade daquele século Por sua vez a conotação do Sertão enquanto local associado com os índios Tapuias está relacionada com uma das primeiras tentativas de classificação dos povos indígenas no Brasil que segundo Medeiros fezse Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 93 Principalmente utilizando o critério lingüístico procedimento adotado inicialmente pelos missionários jesuítas desde o início da colonização para distinguir os povos falantes de línguas ligadas ao tronco Tupi e espalhados por quase toda a costa durante o período de contato inicial e os outros chamados genericamente de Tapuias MEDEIROS 2000 p 26 Como já apontou Guedes 2006 tal relação pode ser elucidada a partir da observação da cartografia do século XVIII uma vez que o espaço relativo ao interior principalmente no Nordeste ao invés de ser representado pelo nome Sertão o é pelo termo Tapuia como pode ser verificado nos exemplos das Figuras 6 e 7 Figura 6 Termo Tapuia na Cartografia do século XVIII Fonte Respectivamente HOMANN 1704 e PRÉVOST 1757 Figura 7 Termo Tapuia na Cartografia do século XVIII Fonte Respectivamente HOMANN 1704 e PRÉVOST 1757 As mesmas referências das representações cartográficas podem ser vistas nos textos de cronistas e viajantes do Período Colonial como o exemplo apresentado no Tratado de Terras no Brasil 1576 não se pode numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro GÂNDAVO 1980 p 48 Ou ainda nos Diálogos das Grandezas do Brasil de 1618 Êstes tapuias vivem no sertão e não têm aldeias nem casas ordenadas para viverem nelas nem menos plantam mantimentos para sua sustentação O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 94 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 porque todos vivem pelos campos BRANDÃO 1943 p346 Estas denominações são comumente encontradas na documentação que infere sobre o Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII principalmente por ser um período de intensos conflitos entre os povos indígenas e os colonizadores no que se intitulou de Guerra dos Bárbaros que será bastante importante para a compreensão da formação de espaços urbanos no Sertão paraibano Uma emblemática associação do Sertão da Capitania da Paraíba aos índios Tapuias foi realizada já em 1639 pelo governador holandês Elias Herkmans quando o processo de interiorização ainda não havia se iniciado Assim tratase de umas das referências imagéticas criadas pelo colonizador posicionado no litoral como sugere o trecho abaixo Os tapuias formam um povo que habita no interior para o lado do ocidente sobre os montes e em sua vizinhança em lugares que são os limites os mais afastados das Capitanias ora ocupados pelos brancos assim portugueses como neerlandeses Dividemse em várias nações Alguns habitam transversalmente a Pernambuco são os Cariris que tem como rei Kerioukeiou Uma outra nação reside um pouco mais longe é a dos Caririwasys e o seu rei é Karupoto Há uma terceira nação cujos índios se chamam Cereryjouws Conhecemos particularmente a nação ou Tapuias chamados Tarairyouu Janduwy é o rei de uma das partes dela e Caracará da outra HERKMANS 1982 p211 Partindo dessa observação José Elias Borges 1993 faz uma das primeiras tentativas de cartografar os povos indígenas na Paraíba inclusive aqueles denominados Tapuias nos séculos XVII e XVIII Utilizou como fontes as informações de cronistas coloniais e a documentação burocrática em vista a classificar os povos indígenas nos seguintes grupos Tupi Cariri e Tarairiú O resultado pode ser visto no mapa de distribuição destes povos comumente utilizados nos trabalhos sobre esta temática conforme Figura 8 Figura 8 Povos Indígenas na Paraíba Séculos XVII e XVIII Destacado em amarelo a área correspondente ao Sertão de Piranhas e Piancó Fonte Borges 1993 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 95 Segundo a classificação de Borges 1993 como mostra a parte destacada em amarelo na Figura 8 os povos antes intitulados Tapuias associados ao Sertão de Piranhas e Piancó compreendiam os Pegas os Panatis os Ariús os Palacús integrados à Nação Tarairius os Coremas e Icós da Nação Cariri Porém essa tentativa de classificação foi analisada por Medeiros 2000 o qual apresenta duas críticas A primeira é de que normalmente estes dados são trabalhados de forma sincrônica não privilegiando a perspectiva temporal A segunda é que não é feita uma análise crítica do autor das crônicas e conseqüentemente tendese a desprezar os interesses e a visão de mundo que está por trás destas informações além de questões básicas como por exemplo a maneira como o autor obteve as informações transmitidas MEDEIROS 2000 p36 Essa constatação partiu da crítica das fontes dos cronistas que incidiram sobre os povos indígenas em relação à instituição à qual estava relacionado a sua visão de mundo a sua vivência ou não com os povos descritos e além disso a localização espacial e temporal dos povos indígenas no seu relato MEDEIROS 2000 p 36 Nesse sentido no que concerne aos povos associados ao Sertão de Piranhas e Piancó no século XVIII o autor se refere aos Pegas Icós Panatis e Curemas Esses foram aldeados em missões e por isso há mais informações sobre eles durante o período estudado Por fim a última relação imagética do Sertão se refere a um lugar sem lei Tal fato carrega a ideia de um lugar inculto sem recursos longe das povoações maiores tendo um vago significado de civilização inexistente ou pouco desenvolvida EGLER 1951 p70 Tal definição se faz por oposição a uma ideia de civilização associada à presença do colonizador português e relacionada com o controle e a lei Diante da ausência de agentes ligados ao Estado os sertões propiciavam a presença de criminosos e desordeiros Muitos documentos do AHU do século XVIII atestam essa colocação para o Sertão da Capitania da Paraíba Vejamos alguns exemplos Diz Pedro Barbosa Cordeiro de Albuquerque Tenente Coronel do regimento de Cavalaria auxiliar da Capitania da Parahiba do Norte onde possue dous engenhos em distância de muitas legoas andando continuadamente em jornadas de sendo todos os caminhos desertos cheios de O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 96 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 facinorosos e ladrões que só por meio das armas se pode qualquer milhor livrar delles modo anda a disciplinar a sua vida por este motivo percorre a V Mag Lhe conceda licença para nas jornadas que fizer poder usar de pistolas nos coudres graça esta que V Mag tem concedido a muitos principalmente aos que estão empregados no seu leal serviço como o suplicante REQUERIMENTO 1792 Diz Bento Bandeira de Melo Capitãomor da Cidade da Paraiba do Norte que não só em das diligências é continuamente se lhe incumbem do Real serviço de V Mag mas também por ser senhor de engenho precisa andar viajando por aquelles Certoens impestados de salteadores e criminozos por este motivo exposto a todo o instante tiramlhe a vida motivos estes pelos quais se faz digno de V Magde lhe conceda provizão para poder usar de pistollas nos coudres graça esta que V Mag Tem concedido a outros com iguais circunstâncias REQUERIMENTO 1793 São requerimentos de moradores da Capitania solicitando à Rainha D Maria I permissão para utilizar armas de fogo em seus coldres por circularem em estradas no Sertão Facínorosos ladrões salteadores e criminosos são as referências feitas ao universo do Sertão Paraibano o que corresponde a uma imagem de lugar sem lei disponível para o abrigo de tais grupos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados demonstram que a representação espacial estava vinculada a um espaço definível pois era tida como uma área que se opunha ao litoral contudo não delimitável haja vista a ausência de limites territoriais precisos Nesse sentido a delimitação proposta através da cartografia apresentada é de suma importância para se inferir sobre essa área no passado apresentando possíveis limites do sertão paraibano setecentista Por sua vez a representação imagética demonstra o pensamento reinante a respeito do espaço o qual atribuía imagens de uma região possuidora de riquezas habitada por povos indígenas os bárbaros e ausente de leis o que facilitava a presença de criminosos Em suma a recuperação da representação espacial e imagética do Sertão da Paraíba no século XVIII é importante para delinear os estudos sobre a história urbana pois fundamenta os limites territoriais e o pensamento dominante da sociedade colonial a repeito do espaço estudado Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 97 ABSTRACT The present study is a part of ongoing research entitled Paraibas Urban Backlands in the eighteenth and nineteenth centuries developed with students of Architecture and Urbanism of the University Center of João Pessoa UNIPÊ in partnership with the Research Laboratory of History and Memory LPPM Federal University of Paraíba UFPB which aim is to analyze the genesis and structure of urban nucleus in the backlands of Paraiba in the eighteenth and nineteenth centuries In this context to achieve this aim it is understood that the first step is to understand what is meant by Paraibas Backlands in the eighteenth century a period in which there was the genesis of the urban Therefore this article aims to understand the spatial imagistic and symbolic representations associated with the Paraíbas Backlands in the eighteenth century For this purpose two essential methodological procedures to any research in urban history were used historical analysis and research in primary documents Keywords Paraíbas Backlands Spatial Representation Imagistic Representation Eighteenth Century REFERÊNCIAS AMADO J Região Sertão Nação Estudos Históricos Rio de Janeiro v 8 n 15 1995 AMANTINO M O Sertão Oeste em Minas Gerais um espaço rebelde Varia História Minas Gerais v 29 p 7997 2003 ATLAS do Estado do Brasil coligido das mais sertas noticias q pode aiuntar dõ Ieronimo de Ataide por João Teixeira Albermas cosmographo de Sua Magde anno 1631 Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1997 BLUTEAU Raphael Vocabulário português e latino Lisboa Oficina de Pascoal da Sylva 1713 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrdicionarioedi cao1 Acesso em 24 fev 2013 BORGES J E Índios paraibanos classificação preliminar In MELO J O A RODRIGUEZ G org Paraíba conquista patrimônio e povo João Pessoa Grafset 1993 BRANDÃO A F Diálogos das grandezas do Brasil Rio de Janeiro Dois Mundos 1943 CAMINHA P V Carta de Pero Vaz de Caminha a D Manuel datada de Porto Seguro em 1 de maio de 1500 In CORTESÃO J org A carta de Pero Vaz de Caminha Rio de Janeiro Livros de Portugal 1943 EGLER W A Contribuição ao Estudo da Caatinga Pernambucana Revista Brasileira de Geografia Rio de Janeiro n 4 ano 8 1951 O Sertão da Paraíba no século XVIII representações espacial e imagética 98 InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 FERES JÚNIOR J A história conceitual do Brasil no mundo iberoamericano In FERES JÚNIOR J Org Léxico da história dos conceitos políticos no Brasil Belo Horizonte Editora UFMG 2009 GAIO G G G Sattelzeit modernidade e história Revista Brasileira de História Ciências Sociais v 1 n 2 2009 GÂNDAVO P M Tratado da Terra do Brasil História da Província de Santa Cruz Belo Horizonte Ed Itatiaia São Paulo Edusp 1980 GUEDES P H Q A colonização do sertão da Paraíba agentes produtores do espaço e contatos interétnicos 16501730 2006 Dissertação Mestrado Programa de Pós Graduação em Geografia Faculdade de Geografia Universidade Federal da Paraíba João Pessoa 2006 HERCKMANS E Descrição geral da capitania da Paraíba João Pessoa A União1982 HOMANN J B Portugalliae et Algarbiae cum finitimis Hispaniae Regnis Sl sn 1704 Disponível em httppurlpt9122indexhtml Acesso em 24 fev 2013 JOFFILY I Notas sobre a Parahyba Brasília Thesaurus 1977 KOSELLECK R Futuro Passado Contribuição à semântica dos tempos históricos tradução Wilma Patrícia Maas Carlos Almeida Pereira revisão César Benjamin Rio de Janeiro ContrapontoEd PUCRio 2006 MORAES A C R O sertão um outro geográfi co In Cadernos de Literatura Brasileira Euclides da Cunha Rio de Janeiro Instituto Moreira Salles 2002 NIEMEYER J Carta Corographica da Parahyba do Norte extraída da Carta Corographica do Império do Brazil Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1850 PINTO L M S Diccionario da Lingua Brasileira Lisboa Typographia de Silva 1832 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrdicionarioedic ao3 Acesso em 24 fev 2013 PIRES M I C Guerra dos bárbaros resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial Recife FUNDARPE 1990 PORTO M E M Jesuítas e missões representações das fronteiras na Capitania do Rio Grande In OLIVEIRA C M S MENEZES M V GONÇALVES R C Org Ensaios sobre a América Portuguesa João Pessoa Editora Universitária UFPB 2009 PRÉVOST A F Carte du Bresil prem partie depuis la Riviere des Amazones jusqua la Baye de Tous les Saints pour servir à lHistoire Generale des Voyages Sl sn 1757 Disponível em httppurlpt1031catalogodigitalregisto 306306html Acesso em 24 fev 2013 PROVÍNCIA da Paraíba Esboço Corográfico Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1888 PUNTONI P A Guerra dos Bárbaros Povos indígenas e a colonização do sertão Nordeste do Brasil 16501720 São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2002 REZÃO do Estado do Brasil c 1616 Lisboa Edições João Sá da Costa 1999 Maria Simone Morais Soares Maria Berthilde Moura Filha InterScientia João Pessoa v1 n2 p 8499 maioago 2013 99 REQUERIMENTO do tenente coronel Pedro Barbosa Cordeiro de Albuquerque à rainha D Maria I solicitando licença para poder usar pistola nos coldres nas suas jornadas no sertão AHUACLCU014 Cx 31 D 2274 Sl sn 1792 REQUERIMENTO de escrivão da Fazenda Real Bento Bandeira de Melo à rainha D Maria I solicitando licença como senhor de engenho para usar pistolas nos coldres nas jornadas que faz ao sertão AHUACLCU014 Cx 31 D 2285 Sl sn 1793 RODRIGUES A F Os sertões proibidos da Mantiqueira desbravamento ocupação da terra e as observações do governador dom Rodrigo José de Meneses Rev Bras Hist v23 n46 p 253270 2003 SARMENTO C F Povoações Freguesias e vilas na Paraíba Colonial Pombal e Sousa 16971800 2007 Dissertação Mestrado em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2007 SEIXAS W N O Velho Arraial de Piranhas Pombal João Pessoa Gráfica A Imprensa 1962 SILVA A M Diccionario da lingua portugueza Lisboa Typographia 1789 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle19 1800299210 Acesso em 24 fev 2013 TAVARES J L T Apontamentos para a história territorial da Parahyba Sl Coleção Mossoroense 1982 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente 18501890 ÍNDICE Introdução A região As insurreições As revoltas urbanas Conclusão Indicações para leitura INTRODUÇÃO Durante muito tempo a historiografia brasileira refletiu as histórias das elites vitoriosas e dedicouse na maior parte a acompanhar as mudanças do eixo econômico dentro do território nacional Assim temos vasta produção não só sobre o Nordeste colonial como também sobre as Minas Gerais no século XVIII a província fluminense e a Corte no século XIX e São Paulo no século XX Além do interesse pelas mudanças econômicas nesses pontos de atração alguns temas são continuamente pesquisados entre outros a escravidão africana a industrialização etc No conjunto apesar de sua importância estas regiões épocas ou temas com seu poder de atração contribuíram para um relativo esquecimento de outros assuntos e também da história de outras regiões em determinadas épocas Modernamente saímos desse provincialismo intelectual e começamos a escrever as histórias locais das épocas esquecidas Retomamos o fio da meada deixado por historiadores e cronistas regionais que por muito tempo ignorados nas prateleiras das bibliotecas voltam a ter importância ao se escrever a verdadeira história brasileira que não deve ser somente a dos vencedores mas também a dos vencidos a da Corte como a da província a das regiões desenvolvidas como a das empobrecidas e exploradas Aqui neste opúsculo restauramos um pouco da história do Nordeste brasileiro que depois de ter sido uma das mais importantes regiões geoeconômicas da era moderna fornecedora praticamente exclusiva do açúcar consumido no mundo ocidental é deixada à sua própria sorte a partir do século XIX O Nor deste é uma das provas do resultado da exploração predatória dos recursos econômicos de uma região para atender a interesses externos que depois de esgotada é abandonada De região heróica da época áurea da produção açucareira e da vitória contra os holandeses passa a ser acusada de ignorante fanática e indolente quando economicamente não mais interessa No presente trabalho limitarnosemos a escrever sobre a segunda metade do século XIX já que a primeira será objeto da atenção de outros especialistas e que no conjunto contribuirão para dar ao nordestino a consciência de seu passado sempre heróico e glorioso A REGIÃO A Paisagem Quando nos referimos ao Nordeste brasileiro tratamos da área que engloba os atuais Estados do Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe e Bahia Esta vasta região apresentase subdividida em quatro outras consoante seu tipo de solo clima e vegetação São elas a Zona da Mata o Agreste o Sertão e o MeioNorte A Zona da Mata abarca cerca de 182 da área total estendendose do Rio Grande do Norte à Bahia Seu clima é quente e úmido e ali se cultiva principalmente canadeaçúcar cacau e fumo Estendendose mais para o interior está o Agreste Não apresenta clima e vegetação uniformes contendo algumas regiões que se assemelham ao Sertão e outras à Zona da Mata É uma área de transição entre essas duas outras que lhe fazem limites As atividades econômicas são múltiplas destacandose o algodão os gêneros alimentícios e a pecuária O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste abrangendo cerca de 49 do total Seu relevo é mais uniforme e o clima mais seco Em grande parte a vegetação é de caatinga e a ocupação humana mais rarefeita As atividades predominantes são a pecuária e a cultura do algodão Nele existem algumas regiões que são autênticas ilhas onde se pratica uma agricultura variada e há maior concentração populacional São as várzeas dos rios sertanejos as regiões serranas e o vale do Cariri O MeioNorte Maranhão e Piauí é tipicamente uma região de transição entre a floresta equatorial floresta amazônica e o Sertão A paisagem se altera de oeste para leste No extremo oeste do Maranhão a vegetação e as condições climáticas se assemelham à Amazônia e à medida que se avança para leste cada vez mais se parece com o Sertão A pecuária e o extrativismo vegetal predominam na atividade econômica se bem que ali também se desenvolvam a produção de algodão e a de arroz A distribuição da Terra e a Sociedade O elemento principal que atuou na formação da sociedade nordestina foi a posse da terra a partir dela estruturaram se os principais grupos sociais Como se sabe tem predominado ali a grande propriedade cuja origem remonta às doações sesmariais Na Zona da Mata desenvolveuse a cultura da canadeaçúcar no Agreste foi dada maior atenção à pecuária eou à cultura do algodão no Sertão a pecuária extensiva teve grande êxito e na região do Maranhão e Piauí houve grande dedicação tanto ao extrativismo vegetal quanto à pecuária As pequenas propriedades são poucas e dedicamse geralmente à produção de gêneros alimentícios e em alguns casos ao algodão No Agreste estas localizamse nos chamados brejos regiões mais elevadas e portanto beneficiadas por um clima de maior umidade e no Sertão normalmente nas regiões que margeiam os rios Muitas vezes são tão pequenas entre 5 e 10 hectares que obrigam os agricultores a procurar trabalho adicional Por outro lado havia também as terras arrendadas onde se praticava uma agricultura geralmente voltada para gêneros alimentícios Na Zona da Mata cultivavam a canadeaçúcar para fornecimento aos engenhos e no Agreste e no Sertão também o algodão sendo que os grandes proprietários tinham maior interesse na atividade pecuária Comum também era a existência de roças feitas pelos moradores também chamados agregados os quais constituíamse em trabalhadores eventuais que moravam nas fazendas e a quem era permitido cultivar uma pequena área Estas roças eram quase sempre de mandioca milho e feijão alimentos comuns na refeição nordestina Sobre esta divisão e utilização da terra assentavase uma estratificação social também diversificada Em resumo sem querer esgotar o assunto e tendo em vista que nosso propósito é apenas estabelecer o quadro da sociedade nordestina para efeito de melhor compreensão dos temas que serão tratados a região apresentava as seguintes camadas sociais de um lado no ápice da pirâmide social estava o grande proprietário senhor de engenho na Zona da Mata fazendeiro eou criador no Agreste e no Sertão isto é o coronel todopoderoso da Guarda Nacional senhor de fato da região sob sua influência Do outro lado estavam os escravos e os moradores que embora livres gozavam de piores condições de vida que os próprios escravos Entre estes dois grupos situavase uma enorme variedade de tipos sociais que englobavam desde os pequenos e médios proprietários e arrendatários os oficiais assalariados como os mestres de açúcar nos engenhos e o curtidor nas fazendas de criação ou autônomos como alfaiates oficiais de cantaria carpinteiros etc até os profissionais liberais e os funcionários públicos A desigual distribuição da terra iria dicotomizar a população rural na medida em que um número reduzido teria acesso a ela como proprietário ou arrendatário e uma grande massa progressivamente aumentada por força mesmo do crescimento natural teria de se contentar com a condição de moradores ou então perambular de propriedade em propriedade como jornaleiros Estes últimos constituíam mãodeobra barata e abundante vivendo miseravelmente de onde provinham os jagunços os cabras e os cangaceiros Nas cidades o papel da agitação social estava reservado a uma pequena classe média que sofria primeiro os efeitos da carestia e se compunha de artesãos alfaiates mestres carapinas mestresdeobra e seus oficiais e de profissionais liberais imbuídos muitas vezes de idéias de justiça social quando não era tal papel com bastante freqüência representado pelo clero Na longa crise por que passou o Nordeste no século XIX estes grupos não se limitaram a esperar pacificamente pela solução de seus problemas Reagiram a seu modo a curto ou a longo prazo Dos mais pobres ou empobrecidos que não emigraram saíram levas de bandidos que infestavam o Sertão e também os sediciosos que colaboraram na rebeldia dos coronéis ou rebelavamse diretamente contra os que os exploravam Dos setores médios urbanos emergiram os conspiradores que nos clubes políticos ou através de comícios panfletos e jornais não cessavam de fazer a crítica ao regime vigente e lideravam intelectualmente e na prática os motins e revoltas urbanos Dos mais poderosos dos grandes proprietários surgiram as guerras contra seus pares as violências contra seus agregados as contestações ao poder público isoladas ou coletivas estas últimas tomaram os mais variados aspectos desde a explosão coletiva de 1874 quando a crise se apresentou com toda a sua intensidade até a abstenção com relação à sorte da monarquia em 1889 já cansados de esperar a atenção que achavam justa merecer Todavia dada a importância para a compreensão das lutas sociais do papel desempenhado pelos grandes proprietários e pelos homens pobres livres a quem chamaremos genericamente de lavradores consideramos necessário maior detalhamento sobre estes dois grupos Os grandes proprietários Fundamentavam sua dominação no latifúndio e na exploração da mãodeobra sob relações sociais de produção que iam desde o contrato mediante salário até a escravidão conforme suas conveniências e lucratividade Impuseramse socialmente pela violência a qual se caracterizou desde a fase colonial pela expropriação do indígena privandoo de suas terras e em muitos casos de sua liberdade pela privação da liberdade do negro e sua coação ao trabalho pela apropriação da quase totalidade das terras por uma minoria impedindo que uma ampla camada de homens livres cada vez maior se tornasse também proprietária Instalouse portanto uma ordem caracterizada pela violência O grande proprietário o coronel necessitou imporse autoritariamente sobre a população de seu domínio para assegurar a posse dos seus bens ante a maioria que se constituía em trabalhadores livres escravos e jagunços Ele se acastela em sua propriedade e se cerca de um numeroso exército privado com o qual comete toda a sorte de vio lências Deve precaverse contra possíveis traições porque é assim que entende as discordâncias dos que habitam sua área de mando contra seu rival também grande proprietário territorial com o qual disputa a influência e até mesmo as terras e por último contra o Estado monárquico que tentando instalar uma ordem em certa medida racional toma atitudes que contrariam seus interesses Como centro de convergência das lutas sociais e políticas no Nordeste fundamentalmente no meio rural está de fato o coronel Ele é que direta ou indiretamente traçava os rumos do relacionamento social e político Ele era a célula de todo o sistema Enfeixava em suas mãos o poder econômico jurídico político e pela influência sobre o vigário local até mesmo determinava os parâmetros da ação religiosa Qualquer estudo sobre a violência da sociedade local não pode ignorar a ordem social que ali se instalou sob o primado da lei do mais forte regida por um código próprio o código do coronel Sua ética era muito simples Era o divisor de águas e o bem e o mal se definiam a partir de seus interesses privados Bem era tudo que fosse a seu favor e mal tudo que lhe fosse contra Conquistador de suas terras ou herdeiro de conquista organizador da produção local e domador da população aborígene ou adventícia o coronel era muito cioso de suas propriedades e posses e exigia de todos o reconhecimento de seus direitos de mando Na sua lógica nada havia de mais correto e insofismável Ele estava acima do julgamento dos subordinados restando a estes balizar seu comportamento pela fidelidade irrestrita ou então discordar e cair nas suas iras O coronelismo fruto do latifúndio e da omissão ou ausência do poder público encontrarseia entre 1850 e 1889 situado entre dois fogos De um lado a crise do setor exportador que quando não o arruína torna sua situação econômica instável do outro a tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em meio a esses autênticos potentados como os alcunhava Euzébio de Queirós Acostumados ao mando sobre seus vastos domínios numa autoridade adquirida desde os tempos coloniais os coronéis sofreriam os efeitos da centralização monárquica a partir do momento em que os Braganças formaram no Brasil um Império autônomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao gosto das casas reais européias Passado o período regencial durante o qual a obra centralizadora esteve paralisada e em alguns casos retroagiu e vencida a revolta Praieira em 1850 a monarquia recomeça a sua obra de centralização e de instalação de uma estrutura políticoadministrativa mais racional e menos patrimonial Este fato provocaria atritos se bem que na maior parte dos casos estabelecessem o poder público e o poder privado um modus vivendi Mas apesar de tudo os coronéis não cedem na sua autoridade e agem como se fossem o poder maior descaracterizando o poder público na sua área de influência desmoralizando a justiça e oprimindo desapiedadamente os que estão na sua dependência Mesmo assim o relacionamento entre coronéis e Estado nessa época foi podemos dizer harmonioso O coronel entendia o Estado como expressão de seus interesses privados e este adotava uma política dúbia mas lógica dentro dos objetivos nacionais Estávamos muito perto dos movimentos insurrecionais que marcaram a primeira metade do século XIX e ao Império atemorizava a idéia de qualquer convulsão interna Diante da eclosão de algum motim insurreição etc caso partisse das camadas mais pobres a resposta do governo imperial se fazia pronta e enérgica e protelatória e cuidadosa caso partisse dos coronéis Ela foi violenta no caso do Quebraquilos mas aos coronéis não foi aplicado o colete de couro e foram absolvidos ou anistiados O que se depreende desse relacionamento é que foi feito em níveis diversos e de formas diferentes Em nível local houve a submissão quase completa das autoridades ao coronel em nível geral houve uma ação decisiva com alguns recuos táticos para enquadrar os grandes proprietários no Estado racional que se formava Podemos dizer que o Império ciente da importância do coronel como primeira garantia da ordem pública no dizer de Henrique Millet e ciente também da necessidade de organizar o país em bases mais condizentes com o século colocou esta organização como objetivo permanente a longo prazo evitando uma ação imediata que provocaria reações incontroláveis Salvavamse a paz interna e a unidade política em troca da concessão de uma parcela do poder em nível local aos coronéis enquanto a administração pública em nível geral mantinha a independência relativa necessária para alcançar seus objetivos Quando eclodiram os conflitos entre os coronéis e o Império foi porque este ou adotou medidas contrárias aos interesses dos grandes proprietários ou não atendeu às suas reivindicações Tais confrontos quase sempre terminaram com a conciliação geralmente em detrimento do poder estatal Mas se não houve conflitos que jogassem decisivamente os coronéis contra o Estado também não podemos dizer que houve uma ligação bem alicerçada A colaboração existia porque por mais que divergissem tinham interesses comuns que se tradu ziam por exemplo na necessidade de defender a manutenção da ordem numa sociedade com parcela considerável de subempregados marginalizados e escravos Além do mais alimentavam a esperança de auxílio financeiro da parte do Estado à sua economia cada vez mais descapitalizada Ressalte se ainda o fato de que os coronéis jamais se mostraram unidos na oposição ao governo A reforma da Guarda Nacional em 1873 a nova lei do recrutamento militar de 1874 a falta do tão solicitado financiamento estatal e o agravamento dos problemas econômicos à partir da grande seca de 187779 serviram para o distanciamento decisivo entre aquela elite e o regime monárquico Os lavradores Esta parcela da população caracterizase pela heterogeneidade mas qualquer que seja sua condição em termos sócioeconômicos devese ter em mente a imensa distância que os separava dos grandes proprietários e que formavam a maioria da população regional Compunhase esse grupo de pequenos arrendatários pequenos proprietários moradores e jornaleiros Suas condições de vida e trabalho eram precárias Como moradores ou agregados de uma grande propriedade habitavam por favor nas terras do senhor numa situação instável podendo a qualquer momento ser expulsos perdendo as benfeitorias e inclusive a roça Não tinham a necessária liberdade para decidir suas vidas e mesmo a contragosto eram convocados não podendose recusar para realizar tarefas nada legais sob o mando arbitrário do coronel Se não eram moradores constituíamse em força de trabalho disponível conforme as necessidades dos proprietários O fato de serem trabalhadores eventuais geralmente convocados nas épocas de plantio ou colheita sob ínfimas condições de pagamento fazia dessa gente uma população sofrida subnutrida e mendicante muitas vezes migrando de paróquia para paróquia à procura de trabalho e alimentos Após o fim do tráfico negreiro com problemas de reposição de mãodeobra os grandes proprietários tiveram dificuldades em atrair trabalhadores rurais devido entre outros fatores às condições exploratórias que impunham Nos finais dos anos 50 ouvese o clamor dos fazendeiros que exigem das au toridades medidas tendentes a obrigar os homens pobres livres a trabalhar em suas terras Em 1860 a pedido o Arcebispo da Bahia Marquês de Santa Cruz emite uma pastoral onde afirma que a ociosidade era um dos maiores pecados e concita dessa forma os pobres a procurar trabalho Na década de 70 acentuandose o problema os delegados de Polícia são alertados para efetivar a aplicação do 2º do artigo 12 do Código de Processo Criminal e do artigo 111 do Regulamento de 31 de janeiro de 1842 O Chefe de Polícia da Província de Sergipe seria bem claro ao afirmar que devido à fakta de braços para a lavoura não se podia permitir a vadiagem Estes parágrafos e artigos constituíamse em verdadeiras leis contra a pobreza mendicância e ociosidade Os que fossem encontrados sem trabalho teriam o prazo de 30 dias para encontrar ocupação findo o qual poderiam receber três tipos de penas multa até 30 réis prisão até 30 dias e 3 meses de casa de correção ou oficinas públicas Reeditavase no Brasil do século XIX a versão cabocla das famosas poorlaws inglesas do século XVI Estes homens pobres livres viviam praticamente à margem da lei Não recebiam proteção dela pois no seu vasto mundo os coronéis eram a lei suprema Os julgamentos e decisões dos juízesas resoluções das Câmaras Municipais às ações da polícia etc tudo se colocava sob o arbítrio daqueles land lords Não havia recurso diante de seu autoritarismo a não ser abandonar a terra acomodarse ou então transformarse em bandido O banditismo rural foi uma das soluções encontradas por esta população que vivia em condições subumanas A falta de consciência política levouos a reagir instintivamente e a tornaremse bandoleiros também chamados cangaceiros Optar pelo banditismo significava a solução extrema diante da penú ria e de certa forma a liberdade se bem que em termos individuais Embora cometessem toda a sorte de crimes estes homens eram vistos como heróis e olhados com admiração pela população em geral da qual inclusive recebiam ajuda Sua audácia e independência ante o coronel transformavamnos em exemplos vivos de saída possível A partir da década de 70 principalmente após a grande seca de 187779 houve um incremento considerável deste tipo de saída não sendo por coincidência que ocorreu justamente na época em que a crise econômica se mostrava mais aguda e as relações sociais se faziam mais impessoais e menos velado se tornava o aspecto exploratório desse relacionamento A violência gerava a violência e ameaçava explodir de forma imprevisível com sérias conseqüências Os lavradores pobres por seu turno só se revoltavam quando a situação tornavase aflitiva ou quando se aproveitavam de divisões ocorridas na elite dominante e eram insuflados por um dos lados Dessa forma saíram em campo lutando contra seus opressores ou aqueles que identificaram como tais Atacaram as fazendas na revolta de 185152 e entre outros as Câmaras Municipais e Coletorias na de 187475 Em ambas com o mesmo pavor de serem escravizados pois foi assim que entenderam ou foram induzidos a tal os decretos inovadores do registro civil do sistema métrico decimal e da nova lei do recrutamento militar Esta atitude serve para de monstrar o quanto de contas tinham a ajustar com seus senhores Demonstra outrossim que possuíam certa consciência da miserabilidade dependência e opressão em que viviam e não achavam estranha a possibilidade de virem a ser escravizados Os rebeldes derrotados engrossavam as fileiras dos bandidos e os bandos desciam do Sertão quando as rebeliões eclodiam no Agreste ou na Zona da Mata Os matutos viam o banditismo como saída possível para sua situação de penúria e explodiam em rebelião quando a situação atingia seu ponto crítico Se não conseguiram atingir seus objetivos é porque lhes faltaram a necessária conscientização e a liderança saída de seu próprio meio Quando foram conscientizados e alertados contra quem os oprimia pelos radicais ou padres jesuítas não receberam o apoio necessário para a continuação da luta Diante da revolta popular diante da revolta dos homens sem nenhuma importância social e menos política como os chamava certa autoridade as elites se retraíam e se conciliavam A revolta pregada pelas elites quando de dissensões internas ou com o aparelho estatal não era revolução mas sim uma forma de levantar esses proletários para atingir objetivos que lhes interessavam A elite porém não podia admitir perder o controle da situação e se isso era provável as suas facções se conciliavam Como afirma José Honório Rodrigues a conciliação sempre foi feita contra e em detrimento do povo surgia como defesa da classe dominante contra a classe dominada Ao sentir a gravidade do problema os membros da elite que haviam insuflado a revolta popular preferiam esquecer as rivalidades e apoiavam a repressão governamental As últimas décadas do século XIX foram assinaladas no Nordeste pelo incremento do banditismo rural do fanatismo religioso e pelo desânimo dos grandes proprietários que se desinteressaram pela sorte da Monarquia A violência se consolidou como forma de relação natural entre a população nordestina e refletia a acentuada deterioração das condições sociais O desenrolar dos acontecimentos levaria ao confronto a uma autêntica luta de classes caso outros fatores não contribuíssem para esvaziar a tensão Entre estes colocamos como fundamental as migrações internas que deslocaram progressivamente para o litoral para a Amazônia e posteriormente para o Sul grandes levas de nordestinos A situação econômica As revoltas devem ser entendidas sem excluir aspectos particulares e conjunturais a partir da crise econômica que assola a região e que se aprofunda nas décadas finais do século XIX Inicialmente não devemos esquecer que o Nordeste foi colonizado e explorado tendo em vista as necessidades econômicas da expansão comercial européia A procura de metais preciosos especiarias e produtos tropicais havia provocado as grandes navegações dos séculos XV e XVI e colocado à mercê dos homens de negócios da Europa novas áreas muitas das quais praticamente despovoadas Em algumas regiões coloniais encontraram grande densidade populacional e formas de trabalho que souberam adaptar aos objetivos europeus em outras como no caso brasileiro tiveram que montar toda uma infra estrutura de produção trazendo para aqui sua técnica capitais e inclusive mãodeobra forçada De que adiantava terse dinheiro sementes e instrumentos de trabalho se faltava gente para trabalhar A escravidão negra foi uma solução para tornar viável os investimentos e fechar o círculo da economia Não estavam em jogo os direitos humanos mas sim a rentabilidade econômica O Nordeste mostrouse propício à produção de alguns artigos tropicais principalmente a canadeaçúcar cujo consumo aumentava continuadamente no Velho Mundo e posteriormente de outros como o algodão e o arroz Seguindo estas necessidades externas pôde a região durante longo tempo na época colonial entrar no circuito da produção e comércio mundiais cujo centro achavase nos Países Baixos passando evidentemente pelos portos portugueses Em fins do século XVI a Zona da Mata nordestina ocupava o primeiro lugar na produção mundial do açúcar A sua importância fica patenteada quando após o Brasil passar para o domínio espanhol em 1580 e tendo em vista a guerra entre a Holanda e a Espanha os holandeses resolvem conquistar a região para não perder tão importante fonte de lucros Mas tanta importância e riqueza gerada no nordeste brasileiro que fazia a fortuna de muitos comerciantes portugueses e batavos estava assentada sobre base instável que iria ser a responsável pela crise que a região passaria nos fins do século XVIII e todo o século XIX Um ponto fundamental que o leitor deve observar está na própria gênese da economia local nascida a partir de necessidades externas ou seja visando a atender a um consumo que estava milhares de quilômetros distante isto é na Europa Disto advêm problemas sérios 1º o plantador nordestino que assumia todas as despesas e riscos do plantio e colheita da cana e da produção do açúcar não tinha controle sobre o preço e a venda do artigo que ele próprio produzia Afastado da comercialização ficava ao sabor das flutuações dos preços que muitas vezes não chegavam a pagar os custos da produção gerando o seu endivi damento e em alguns casos a ruína 2º não tinha a garantia de que sua produção seria efetivamente adquirida pelos comerciantes estrangeiros Investimentos holandeses ingleses e franceses nas Antilhas fizeram desta região um centro produtor de açúcar concorrente do Brasil e sua proximidade da Europa além de outros fatores fizeram com que o Nordeste perdesse fatia considerável deste importante comércio A isto acrescentese o esforço do continente europeu em extrair com sucesso o açúcar da beterraba 3º na medida em que não tinha possibilidades de influir no comércio internacional o fazendeiro nordestino ao mesmo tempo que via os preços de seus artigos baixarem de forma real era forçado numa autêntica troca desigual a adquirir manufaturados europeus implementos agrícolas objetos de consumo pessoal etc por preços que se elevavam continuamente 4º a utilização do escravo como principal força de trabalho era rentável enquanto o preço do produto no mercado fosse elevado O fazendeiro ao comprar o escravo imobilizava nele um capital dinheiro e tinha que obrigatoriamente fornecer casa comida e roupa Quer produzisse ou não a despesa com esta força de trabalho era relativamente constante Para que se produzisse com mãodeobra escrava não se podia lançar mão de instrumentos de trabalho muito sofisticados e necessário se tornava também que a terra fosse abundante e fértil para que a técnica rudimentar fosse compensada pela natureza Visando a retirar no mais curto espaço de tempo possível o capital investido no escravo o fazendeiro era obrigado a exigir dele cotas de trabalho bem maiores média de 14 horas por dia o que tornava sua vida útil muito curta Portanto além do alto preço do produto da abundância e fertilidade da terra a escravidão para continuar a existir como forma de trabalho exigia reposição continua de mãodeobra 5º tendo sido montada como economia produtora de artigos para exportação a região tendia à monocultura em detrimento da produção de alimentos para o consumo local A importação de muitos alimentos de outras regiões ou países deixava pois as cidades sob a ameaça da escassez e à mercê da alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade 6º tendo em vista que a principal produção da região visava a mercados externos não só no sentido de estrangeiros como de outras regiões do país o fazendeiro não tinha por que pagar bons salários aos trabalhadores livres quando os possuía já que não era entre estes que estavam seus principais consumidores Da mesma forma que agia com os escravos exigia dos homens livres cotas excessivas de trabalho em troca de diárias irrisórias No Nordeste a partir de fins do século XVIII encontramos todos estes problemas que se irão agravar no século XIX Os produtos da região perdem cada vez mais importantes fatias dos mercados tradicionais há uma queda real dos preços desses artigos e observase o esgotamento do solo caindo a pro dutividade A redução dos lucros impede a introdução em forma ampla de uma moderna tecnologia que por certo estava além das posses da grande maioria dos fazendeiros Com o fim do tráfico negreiro a partir de 1850 o fazendeiro nordestino às voltas com esses problemas começa a se desfazer de seus escravos Vendeos para o Sudeste que em fase de expansão pode pagar elevados preços pelos cativos Mas tal fato não significa que a recuperação do capital imobilizado naquela força de trabalho venha resolver seus problemas pelo contrário como sua situação chegara a um ponto crítico na verdade ele estava desfazendose de seus bens para saldar dí vidas Aí está a explicação para o tráfico interprovincial de escravos que nas décadas de 60 e 70 encheu de horror o país A proibição do tráfico internacional não permitira ao Brasil livrarse deste comércio degradante que então passava a ser feito às claras dentro do próprio território nacional Contudo o fim do tráfico e a crise do setor exportador fizeram com que a abolição da escravidão chegasse mais cedo ao Nordeste do que no resto do país O braço escravo foi sendo substituído pelo livre em condições extremas de miserabilidade Na região já havia uma reserva de mãodeobra livre suficiente para assegurar a reprodução daquela economia exportadora sem ter que pagar salários elevados Segundo cronistas que visitaram a região naquela época a situação desses trabalhadores livres era pior do que a dos escravos pois estes últimos pelo menos tinham assegurados vestuário alimentação e moradia Em síntese era esta a situação do Nordeste Perda de mercados tradicionais queda dos preços dos artigos de exportação esgotamento do solo rendimento decrescente do setor agroexportador e uma massa progressivamente aumentada de homens livres vivendo miseravelmente Celso Furtado 1974147149 comparando dados das duas últimas décadas do século XIX diz que enquanto a população nordestina cresceu cerca de 80 a renda real gerada pelo setor exportador não ultrapassou 54 cabendo admitir que houve declínio da renda per capita da região Este declínio no cômputo geral e no nível das classes sociais traduzse no empobrecimento ainda maior dos assalariados arrendatários e meeiros e na concentração de renda em mãos dos grandes proprietários Esta concentração de renda repousa e gera a proletarização de amplas camadas sociais Uma parte considerável dos grandes fazendeiros inicia um processo de ampliação das áreas destinadas ao cultivo dos artigos de exportação às expensas das que produziam gêneros alimentícios Os relatórios dos chefes de Polícia das províncias mostram uma crescente relação de casos de violência praticados pelos fazendeiros contra os moradores de suas terras Estes são expropriados perdendo suas roças Aumenta o número de desocupados e miseráveis A dinâmica e as contradições da acentuada dependência brasileira no marco do capitalismo internacional provocavam a destruição da pequena produção e ampliavam a economia de plantation Eliminavam pouco a pouco a produção de artigos de subsistência em sua quase totalidade feita por esses moradores e forçavam a que todos entrassem em uma economia de mercado num processo que ainda hoje não se completou À pobreza e ociosidade de grande parte da força de trabalho disponível somavamse a escassez e alta dos preços dos artigos básicos da alimentação local Verificaramse violentas insurreições urbanas e casas comerciais foram depredadas e incendiadas O Nordeste estava neste período à beira da efervescência revolucionária Tudo era motivo para revolta e atos de violência Nas principais cidades de tempos em tempos ocorriam motins populares Ás decisões governamentais que não tinham apoio ou compreensão popular não eram acatadas A popu lação revoltavase contra o recrutamento militar contra o aumento de impostos contra o registro civil dos nascimentos e óbitos contra o censo geral da população do Império contra a aplicação dos novos padrões de pesos e medidas etc Não realizava simples passeatas de protestos mas autênticas lutas com mortos e feridos Além disso desde a Praieira 184850 havia uma animosidade latente entre grandes proprietários e trabalhadores rurais A tudo isto somavase a atuação da imprensa e dos políticos radicais bem como a luta entre facções da elite disputando o controle das funções públicas A difícil situação da economia regional ocasionava o rompi mento da precária paz entre as classes sociais e entre estas e o Estado monárquico As insurreições conflitos e violência demonstravam a profundidade das contradições econômicas que ameaçavam transformar a região em um bolsão revolucionário AS INSURREIÇÕES Introdução Denominaremos genericamente de insurreições os violentos movimentos sociais que sacodem o Nordeste nesta segunda metade do século XIX Cabenos no entanto antes de descrevê las distinguir insurreição de revolução seguindo a lógica de Umberto Melotti 19713436 A diferença entre revolução e insurreição consiste em que a primeira tem como objetivo derrubar o sistema existente para substituílo por outro que seja a expressão das transformações sociais ocorridas Insurreição por outro lado constituise em um estágio anterior à revolução e serve para demonstrar que o antigo equilíbrio social foi rompido Os movimentos insurrecionais podem ser dirigidos para atingir objetivos específicos localizados e imediatos tais como oposição a uma lei a impostos considerados extorsivos à alta de preços etc Os participantes dos movimentos insurrecionais descrentes dos aparelhos do Estado perderam a confiança na reclamação por meios legais oficiais mas ainda não chegaram ao ponto de propor a transformação total Em vista disso acusam a autoridade mais próxima atacam os comerciantes enfim aque les que muitas vezes são apenas executores eou sofrem os efeitos dos mesmos problemas Não conseguem ainda relacionar fatos isolados e muitas vezes conjunturais com contradições estruturais Pode ser que com o prolongamento do movimento no tempo e no espaço adquiram esta conscientização mas neste ínterim já estamos nos limites de uma revolução É assim que devemos entender as rebeliões nordestinas Elas anunciavam as transformações que se operavam na sociedade local Apontavam a necessidade de mudanças globais o que pode ser atestado pelo incremento do banditismo rural e do fanatismo religioso com a proliferação de santos e beatos que pregavam o isolamento ante aquela ordem injusta e aguardavam a salvação celeste única esperança que lhes restava Cangaceiros e fanáticos são faces de uma mesma moeda Não é por coincidência que no exato momento em que a crise econômica e a seca agravam os problemas regionais aumenta o número de Chicos Beatos Antônio Conselheiro Jesuíno Brilhante Quirinos Viriatos Calangros etc no rastro de uma herança que daria no século XX os famosos Padre Cícero e Lampião aliás amigos entre si Um dos traços mais fascinantes da história das lutas sociais nordestinas está na própria memória histórica que cultuaram Os líderes revolucionários de 1874 lembraram em panfletos os heróis de todas as revoltas anteriores desde 1817 a 1848 numa prova de que as repressões passadas não haviam conseguido tornálos esquecidos entre a população pela qual morreram O Ronco da abelha 185152 Terminada a Praieira 18481849 grupos remanescentes continuaram agindo no interior do Nordeste principalmente de Pernambuco Paraíba e Alagoas Pedro Ivo um dos líderes mais populares daquele movimento organizou nas matas de Água Preta Pernambuco um dos mais importantes grupos de resistência O próprio Ministro da Justiça Euzébio de Queirós em relatório apresentado em janeiro de 1850 reconhecia a dificuldade em combatêlo É necessário porém acabar quanto antes esse germe de revoltas exclamava enfaticamente o ministro De fato a existência desses pontos rebeldes constituíase numa ameaça à tranqüilidade da região porquanto não só estimulava o aparecimento de outros focos semelhantes como também constituíase num excelente atrativo para que outros descontentes viessem engrossar aquelas fileiras A figura de Pedro Ivo continuava a servir de esperança para a população insatisfeita As notícias que chegavam ao Rio de Janeiro davam conta de que o líder rebelde era visto como o predestinado encarregado de fazer surgir a nova idade do ouro Paralelamente ao auxílio que populares prestavam a Pedro Ivo o governo extremamente preocupado aumentava suas forças para perseguilo Em contraposição em diferentes pontos da região grupos rebeldes se formavam e agiam isoladamente O aparecimento desses focos sediciosos um ato espontâneo de patriotismo no dizer da oposição era visto pelo governo como manobra visando a cansar o governo separar e distrair suas forças e assim manter vivo o espírito revolucionário A prisão de Pedro Ivo não foi suficiente para eliminar os grupos guerrilheiros Em seu relatório de 13 de maio de 1851 Euzébio de Queirós ainda se queixava de que o valhacouto de Serra Negra comarca de Pajeú das Flores Pernambuco apesar de tantas vezes dispersado renasce como ponto azado para tais reuniões Enquanto no interior a situação de certa forma continuava intranqüila o ministro mostravase preocupado com a campanha dos políticos da oposição que exigiam por meios revolucionários reformas radicais nas instituições O clima apresentavase tenso O fim da Praieira não fora o fim do estado de agitação A prisão dos seus principais líderes não significou que os revoltosos tivessem esquecido suas reivindicações Ao mesmo tempo que grupos isolados agiam pelo interior do Nordeste numa flagrante contestação ao governo conservador a oposição continuava sua política de manter vivos os grandes temas liberais e praieiros Formaram se duas facções uma mais moderada pedindo a convocação de uma Constituinte e outra mais radical que organizava sociedades apelando para a agitação e assustando a população no entender do Ministro da Justiça Foi neste ambiente prérevolucionário que nos meses de dezembro de 1851 e janeiro de 1852 as províncias de Pernambuco Paraíba Alagoas com maior intensidade e as do Ceará e Sergipe de forma mais amena foram assoladas por movimentos armados de oposição aos decretos 797 e 798 de 18 de junho de 1851 que instituíam respectivamente o Censo Geral do Império e o Registro Civil dos Nascimentos e Óbitos O decreto 797 determinava que o arrolamento da população para o censo seria feito no dia 15 de julho de 1852 após afixação de editais nas Igrejas matrizes e anúncios nos jornais a partir de 1º de junho daquele ano Quanto ao decreto 798 constava que o registro civil da população a ser feito pelos escrivães dos juízes de Paz dos distritos entraria em vigor impreterivelmente a 1º de janeiro de 1852 Foi na província de Pernambuco que o movimento apareceu com caráter mais grave não só pelo número de grupos que se armaram como por serem mais numerosas as freguesias e os termos em que ele se manifestou Naquela província levantaramse os termos de Pau dAlho Limoeiro Nazaré Goiana Vitória Garanhuns Rio Formoso Igaraçu e as fre guesias de Ipojuca Jaboatão São Lourenço e Munheca Na da Paraíba foram envolvidas as vilas de Ingá Campina Grande Alagoa Nova Alagoa Grande Na de Alagoas as localidades de Laje do Canhoto MundaúMirim Porto Calvo Porto de Pedras Riachão Arrasto Juçara Jacuípe São Brás Salomé e Barra Grande além dos moradores das matas de Cocal e Angelim Nas do Ceará e Sergipe a sedição limitouse às localidades respectivamente de Jiqui e Porto da Folha Em todos os pontos os fatos foram idênticos Ataques às vilas e engenhos fuga das autoridades e grandes proprietários ameaças e reuniões suspeitas feitas por conspiradores que dentro dos engenhos incitavam os moradores a tomarem das armas se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao cativeiro A plebe revoltada clamava contra a declaração da escravidão Espalharase a notícia de que os decretos 797 e 798 visavam a escravizar a todos os recémnascidos e aqueles batizados com as formalidades prescritas por aquela lei que fazia parte de um plano geral para reduzir à escravidão as pessoas livres e para enfim reduzir à escravidão a gente de cor O momento era propício para a exploração política dos decretos apresentandoos como medidas escravizadoras da parte do governo conservador Em 1850 regulamentarase a repressão ao tráfico de escravos e os grandes proprietários reclamavam da falta de braços ao mesmo tempo em que se queixavam da preguiça e resistência ao trabalho por parte dos trabalhadores livres Esta situação tenderia a provocar da parte dos senhores de engenho de um lado a exigência de maiores cotas de trabalho dos moradores e do outro a solicitação de leis repressoras da vadiagem que forçassem os homens ao trabalho Quando em 1851 dois novos decretos determinaram que se fizesse o censo geral da população do Império e que todo nascimento e morte fosse registrado no livro do juízo de Paz segundo a cor da pele como era natural no Brasil até há pouco tempo qualquer argumentação mesmo simples serviria para levantar em sedição a população amedrontada Esta gente de cor estes caboclos na sua simplicidade e ignorância viamse diante de todos esses decretos como alvo da voracidade do senhor de engenho e tenderiam a reagir violentamente Uma reação deste tipo não seria novidade pois por ocasião da Praieira ouvindo a pregação dos radicais do partido da Praia os lavradores haviamse revoltado contra os senhores É o povo mais pobre principalmente moradores e jornaleiros que forma o grosso da revolta A correspondência vinda dos locais amotinados especifica que os revoltosos são o povo mais miúdo são a gente baixa são a maioria da população menos abastada enfim gente da última ralé e sem nenhuma importância social e menos política Tornase claro que as autoridades locais identificadoras da origem social dos revoltosos procuraram taxativamente assinalar que eles não pertenciam à elite da região da mesma forma procederam os presidentes de Província e o próprio Ministro da Justiça Assim fazendo procuravam descaracterizar o movimento visando a não estimular adesões e procurando mantêlo circunscrito às localidades já sublevadas evitando transformálo em outra Praieira ou algo de maior proporção já que sabiam do descontentamento que grassava no Império principalmente da ala mais radical do partido liberal de posto em 1848 O governo conservador expressão do partido da ordem tinha que aparecer perante a nação como o restaurador da paz interna e não o divisor de águas a eclosão de uma nova Praieira demonstraria não só sua debilidade como também a capacidade de resistência e luta do adversário Na verdade à primeira vista a insurreição caracterizava se por ser um movimento da população rural mais pobre moradores proletários etc contra os senhores de engenho e as autoridades nas vilas e cidades Mas teriam esses moradores e proletários sabidamente afastados da cultura da elite condições de por si só julgarem o conteúdo dos decretos 797 e 798 e associaremno ao de repressão ao tráfico negreiro e às atitudes tomadas pelos grandes proprietários Acreditamos que não Stavenhagem 197283 analisando a grande propriedade rural monocultora da América Latina diz que entre o grande proprietário e os trabalhadores existem diferenças muito grandes para ele a classe dominante é muito politizada na proporção em que o campesinato dominado quase não tem atividades nem participação políticas Dessa forma à luz da documentação que consultamos muito embora não haja indicação explícita da participação de outros grupos sociais achamos que ela provavelmente existiu e partiu dos grupos remanescentes do partido da Praia O partido da Praia defendera por ocasião da revolta de 1848 um programa de profundo cunho social seus ataques eram dirigidos contra os senhores de engenho principalmente o poderio do clã feudal e parental dos Cavalcantis e os comerciantes portugueses aqueles por monopolizarem a terra e estes o comércio das cidades Insuflaram os moradores dos engenhos contra seus senhores e distribuíram perto de cinco mil armas entre o povo Assim podemos entender quando Nabuco chama a Praieira de movimento de expansão popular e a vê sem disciplina A disciplina que lhe faltava era a limitação do movimento nos parâmetros do interesse da elite descontente Expansão popular significa neste caso confronto com as elites significa de fato um conflito social na medida em que passa a ser um levante popular ultrapassando os objetivos iniciais Quando as elites percebem as terríveis forças que acionaram retraemse conciliamse e a repressão é feita E é Nabuco que isto observa no caso da revolta da Praia Diante da nova situação os homens abastados tendo em vista que os Praieiros eram indiferentes à sorte de sua propriedade e de suas vidas pensaram em aproximarse uns dos outros Nabuco 1975101111 Por que não poderia ser a sedição de 185152 uma continuação da Praieira Os problemas que levaram à sua eclosão não haviam desaparecido No interior grupos rebeldes continuavam agindo em autêntica guerra de guerrilhas Os matutos continuavam sob o mando incontestado dos poderosos senhores de engenho Os liberais e mais do que nunca os radicais da Praia continuavam na oposição Não estaria aí formado o pano de fundo para a interpretação dos decretos 797 e 798 de forma a exaltar novamente a gente baixa e tentar com nova sublevação a inversão de tudo que havia oficialmente Apesar da preocupação em caracterizar o movimento como da exclusiva responsabilidade do povo mais miúdo as fontes deixam transparecer a participação de elementos de outros grupos sociais Os primeiros as serem apontados são os párocos Alguns párocos imaginando ou fantasiando prejuízos que da execução do decreto lhes devem resultar consentem se não aprovam essas disposições hostis à lei apud Monteiro 1980124 Em segundo lugar na procura dos anarquistas que fomentam a revolta da gente rude apontam os políticos do partido liberal Os conspiradores continuam a fazer reuniões em seus engenhos e a proclamar que tomem as armas se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao cativeiro e que o Partido Liberal é oposto a esse decreto e está pronto a defendêlo apud Monteiro 1980125 De qualquer modo a participação do clero e de elementos identificados com os ideais praieiros deuse de forma velada Procuraram dissimular sua atuação evitando um confronto direto com o governo Prepararam o terreno na esperança de um levante geral a partir do qual quem sabe pudessem retornar à ação os antigos líderes foragidos no sertão ou então presos A revolta de 185152 demonstrava que embora a Praieira tivesse sido sufocada as reivindicações ainda estavam bem vivas nas mentes dos nordestinos e que a repressão que naquela ocasião fora feita não havia sido suficiente para desestimulálos A repressão seguiu uma escala progressiva Inicialmente enviaramse circulares às autoridades do interior no sentido de investigar a verdadeira origem do preconceito contra os decretos e que se empregassem meios suasórios usando todo o legítimo ascendente do cargo que ocupa para desvanecer as impressões desfavoráveis sugeriam também que se encontrasse o melhor modo de coibir a propagação do erro e que se processassem os amotinadores Monteiro 1980125 Além dessas medidas foi mandado às localidade sublevadas o Frei Caetano de Messina capuchinho para organizar santas missões e ver se dessa forma acalmavamse os descontentes Sua pregação seguia uma norma comum nos sermões desse tipo lamentava o erro dos devotos aconselhava o arrependimento e mostravase interessado no bemestar deles ao mesmo tempo que os ameaçava com os piores castigos caso não ouvissem sua exor tação ou concordavam com ele ou seria derramado o sangue dos filhos de Pau dAlho O trabalho do missionário era lento mas a cada dia afluindo de vários outros lugares ia crescendo o número dos que acorriam a Pau dAlho para colocarse sob a proteção do Frei e portanto a salvo da perseguição que começara a ser feita por tropas de primeira linha Estes proletários eram usados sob a direção do capuchinho para a realização de obras públicas em Pau dAlho foram reparadas as igrejas de Santa Teresa do Rosário e do Livramento Os homens fabricando tijolos e telhas conduzindo pedras cortando madeiras e as mulheres conduzindo areia tijolos e telhas andando todos no maior contentamento e alegria como se cada um dia de tanto trabalho fosse para todos a melhor festa Nessa missão recebi trinta e seis clavinotes para entregálos à competente autoridade apud Monteiro 1980126 Entrementes o governo não podia deixar o fim da sedição entregue ao lento trabalho do missionário afinal as propriedades começavam a ser ameaçadas o que exigia pronta repressão Do Recife foi enviado o 4º Batalhão de Artilharia para juntarse ao 9º Batalhão de Infantaria que já havia sido mandado anteriormente para Pau dAlho e que estava acampado no Engenho Cajueiro a pouca distância daquela vila Tendo em vista que a todo momento chegassem notícias desagradáveis de Nazaré Limoeiro Santo Antão Goiana e outros lugares a Guarda Nacional foi convocada Na segunda quinzena de janeiro as autoridades já podiam anunciar a pacificação muito embora apontassem ainda a existência de grupos armados Os lavradores em parte optavam pela guerrilha embrenhandose pelas matas Estes franco atiradores à medida que não se reintegravam nas antigas atividades econômicas preferiam refugiarse no interior no Sertão e transformavamse em bandidos Na verdade as forças governamentais não chegaram a lutar com os sediciosos Da mesma forma que se abateram sobre os engenhos e vilas de surpresa e em ação rápida desapareceram sem deixar vestígios Alguns participantes dos grupos de razia foram reconhecidos por pessoas da localidade ou de fazendas invadidas mas não houve referência posterior sobre abertura de processocrime O governo preferiu a 29 de janeiro de 1852 pelo decreto 907 suspender a execução do Registro dos Nascimentos e Óbitos e do Censo Geral Estando a pouco mais de um ano do início da conciliação o gabinete conservador ao que parece já envolvido pela atmosfera que iria resultar no ministério de 6 de setembro resolve conciliar A suspensão das medidas pretensamente causadoras da revolta e o caráter brando da repressão que mais pareceu uma demonstração de força confirmam esta hipótese Os lavradores revoltados não contaram com uma unidade de ação com uma liderança Incentivados ou não por elementos de outros grupos sociais os registros não assinalam nenhum chefe nenhuma organização Embora em maior número o levante em grupos esparsos facilitaria a reação da classe dominante e a repressão Evidentemente que essa classe por sua própria posição tinha mais condições de se organizar não só por contar com os aparatos ideológicos que levavam a população em geral a condenar o levante mas também por pertencer à Guarda Nacional que a transformava em classe armada e finalmente pelo apoio que tinha do Estado através das forças de linha exército regular  participação de elementos do Partido Liberal do clero de radicais etc cai de importância ante o problema maior que se apresentava a luta de classes que de latente passava a declarada PROVINCIAS DO NORDESTE Sedição de 187475 MEIO NORTE SERTÃO AGRESTE REGIÃO SUBLEVADA ESC 1 4000000 MATÁ É LITOBAL OCEANO ATLÂNTICO O Quebraquilos 187475 Nos últimos meses de 1874 e princípios de janeiro de 1875 quatro províncias do Nordeste Paraíba Pernambuco Rio Grande do Norte e Alagoas foram assoladas por uma nova rebelião que abalou as principais comarcas da Zona da Mata e Agreste de Pernambuco e Paraíba e várias localidades de Alagoas e Rio Grande do Norte De maneira geral os fatos ocorreram de forma idêntica A cobrança dos impostos provocava protestos e daí partiase para a agressão com a turba descontente quebrando os pesos e medidas do novo sistema métrico decimal e em seguida destruindo os arquivos das Câmaras Municipais Coletorias Cartórios inclusive o de registro de hipotecas civis e cri minais e até mesmo em algumas localidades os papéis dos Correios ou então repentinamente a cidade ou vila era invadida por bandos de homens armados cujo número variou de 60 a 600 que realizavam os mesmos feitos destruição dos novos padrões e incêndio dos arquivos e partiam prometendo voltar a qualquer momento O movimento teve início na vila de Fagundes da comarca do Ingá na Paraíba Por ocasião da feira a 31 de outubro de 1874 o povo que ia à feira para abastecerse de gêneros alimentícios pronunciouse contra o arrematante de impostos que cobrava o denominado imposto do chão A grande quanti dade de pessoas que protestava e o reduzido número da força policial deram vitória aos insurre tos A notícia voou O comandante das forças imperiais na província atribui a rápida propagação da insurreição à vontade de sacudir dos ombros fardos que ele supunha pesados demais à pobreza da população A partir de então uma após outra várias localidades da Paraíba sofreram os efeitos das massas desenfreadas No mês seguinte levantavase Pernambuco e em seguida Alagoas e Rio Grande do Norte Os revoltosos traziam um rosário de queixas Explodiam em rebelião por um acúmulo de problemas que se acentuavam a cada ano Algumas foram comuns a todas as agitações reclamação contra os impostos novos ou aumentados contra a nova lei do recrutamento militar e contra o novo sistema mé trico decimal A queixa contra os impostos era dirigida em primeiro lugar ao aumento do número de taxas cobradas tanto pela fazenda provincial quanto municipal e à elevação de inúmeros deles em segundo lugar ao abuso verificado na cobrança dos mesmos pelos arrematantes Conforme explicamos anteriormente as províncias do Nordeste vinham sofrendo os efeitos da queda dos preços dos seus principais gêneros de exportação o açúcar e o algodão e da contínua perda do mercado mundial O resultado disso no plano financeiro foi a diminuição das rendas provinciais Em tais circunstâncias por solicitação das presidências e Câmaras Municipais as assembléias provinciais foram votando o aumento dos impostos existentes e a criação de novos Dentre os impostos criados estava o que instituiu o imposto de consumo de alguns gêneros alimentícios entre os quais o da carne seca e da farinha que tantos protestos iria causar Explicando esta sobrecarga de taxas dizia o presidente Lucena de Pernambuco convém aqui ponderar que sendo neste segundo período consideravelmente maiores os encargos da Província e demasiadamente escassos os meios de ocorrer a eles NÃO ERA MUITO QUE SE ALTERASSE A TABELA DE IMPOSIÇÕES TANTO QUANTO FOSSE BASTANTE PARA CONSEGUIRSE RENDA SU FICIENTE apud Monteiro 1980132 Tal argumento poderia ser considerado lógico mas não naquelas circunstâncias onde qualquer majoração ou criação de impostos não deixaria de elevar o custo de vida A imprensa liberal vê nessas elevações uma forma de transferir para o povo entre o qual principalmente os mais afetados seriam a gente miúda a responsabilidade de sustentar a burocracia estatal ou seja para fazer viver na opulência a meia dúzia de ladrões Quanto aos arrematadores dos impostos sabemos que tendo arrematado ao município ou à província determinada taxa procuravam eles arrecadar o máximo que pudessem visando a aumentar seus lucros Os expedientes por eles utilizados não têm sido devidamente estudados mas dois dos exemplos citados pelo Comandante das Forças Imperiais na Paraíba são suficientes para terse uma idéia dos motivos por que as populações tinham tanta prevenção contra esses capitalistas Um pobre homem trazia às vezes para a feira uma certa quantidade de farinha no valor de 2000 rs logo que pousesse no chão o saco que trazia pagava imediatamente uma certa quantia porém se por qualquer circunstância ele mudava de lugar tinha que pagar novamente o imposto e pagaria quantas vezes mudasse de lugar de modo que muitas vezes sem ter ainda vendido o que trazia já tinha pago ao exigente arrematador o dobro do valor do que trazia para vender Arquivo 1937120 Em Pedras de Fogo o arrematante vendo que um homem que trazia uma pequena quantidade de frutas no valor de 160 réis não lhe dava lugar a cobrar o imposto no chão por não querer descansar o cesto usou o artifício de entreter com ele conversação e oferecerlhe um cigarro e assim que o homem para acender o cigarro descansou o cesto o arrematante cobralhe 200 réis que aquele lhe era devedor Arquivo 1937 120 A freqüência de fatos como esses transformava a cobrança dos impostos em momentos de grande tensão Os revoltosos de Panelas queixavamse das extorsões dos arrematantes e os de Bom Jardim diziam que o coletor cria impostos para si Assim compreendemos por que em grande número dos casos as agitações têm início com discussões nas feiras sobre a legalidade dos impostos daí partindo para as agressões já citadas Compreendemos também porque nas vilas atacadas um dos alvos quase sempre eram as coletorias A arrecadação de impostos já havia ultrapassado o limite natural que uma população psicologicamente considera como justo Na difícil situação em que se encontravam os senhores de terras se descapitalizando passo a passo e os proletários sofrendo os efeitos da crise da lavoura as novas taxas eram não só um abuso como um cinismo aqueles reclamando da queda dos preços e da perda de mercados pediam financiamento e recebiam aumento de impostos estes sofrendo as agruras do desemprego teriam que pagar mais caro até mesmo pelos ali mentos Realmente como dissera o Presidente Lucena bastava uma faísca A esse problema que consideramos o mais grave acrescente se como já afirmamos a oposição à nova lei do recrutamento militar Lei nº 2556 de 26091874 que espalharam torna o cidadão escravo Era um argumento semelhante ao utilizado em 185152 Curiosa é a preocupação que atemorizava a população geralmente mestiça quanto a ser transformada em escrava Retrata uma certa desconfiança para com as elites ou para com o governo deixa perceber a imagem que as populações mais pobres fazem da burocracia governamental e dos senhores na medida em que não são ouvidas politicamente não têm proteção legal ante os tribunais a não ser com apoio de uma pessoa influente e não têm perspectiva de melhoria de sua situação pois do governo nada mais esperam A escravidão se viesse a cair sobre eles não causaria estranheza mas naturalmente iriam lutar contra tudo que lhes pudesse parecer um caminho para aquela forma de trabalho Além dos pobres a repulsa à nova lei partia também dos senhores Acostumados a substituir os seus parentes recrutados por escravos ou cabras da área de seu domínio ouviam agora dizer que a lei 2556 iria impedir que os recrutados fossem pessoas só de baixa condição ouviam dizer que ela igualaria a todos Era muito para os poderosos senhores de homens e terras A atitude deles passa a ser a de uma ostensiva oposição como no caso do TenenteCoronel Luís Paulino fazendeiro em São Bento comarca de Buíque que contratou o bando de José Cesário para ajudálo a se opor à nova lei ou como aconteceu em Panelas onde o juiz de Direito reclamava não ter encontrado por parte dos cidadãos mais prestáveis e com os quais me hei entendido o menor indício de coadjuvação em qualquer emergência apud Monteiro 1980134 No nosso entender o ato de quebrar os novos padrões do sistema métrico decimal e que dá o nome ao movimento Quebraquilos situase na mesma linha de destruição e incêndio dos arquivos dos municípios tratase da exteriorização de uma revolta contra o governo e seus representantes A revolta do Quebraquilos na verdade tem suas origens na crise por que passava a economia nordestina o problema dos impostos e a nova lei do recrutamento serviram para acionar a sedição A isto acrescentemse também os problemas de ordem política e religiosa a oposição liberal ante um governo conservador e a prisão do Bispo D Vital que não só aproveitaramse da crise econômica como também ajudaram a exaltar os ânimos Para se ter uma exata compreensão desta revolta tornase necessário analisar a participação dos que nela atuaram Os elementos principais que formaram a maioria dos revoltosos foram os grandes proprietários de terra e os indivíduos de baixa condição ora denominados moradores ora proletários Além desses dois grupos dela também participaram os políticos da oposição o clero e os oficiais da Guarda Nacional Houve participação menor geralmente em casos isolados e bem específicos de marchantes negociantes arrematadores de impostos e inspetores de quarteirão Podemos afirmar portanto que a sedição teve como seus principais atores os grandes proprietários de terra os proletários os políticos da oposição e o clero Vamos analisar cada caso em separado A participação dos grandes proprietários de terra caracterizouse pela ação direta chefiando a turba descontente ou como relata o Comandante das Forças Imperiais na Paraíba pela neutralidade comprometedora quando não era indiferença culposa ou uma animação mais culposa ainda Dessa forma temos arrolados como cabeças da sedição entre outros os fazendeiros Virgínio Horácio de Freitas senhor do Engenho Lajes em Itambé Francisco Roma senhor do Engenho Jatobá em Goiana e Antônio José Henriques senhor do Engenho Serra em Bonito Em oficio datado de 13 de dezembro de 1874 o Delegado de Policia de Panelas reclamava que os homens importantes da região negaramlhe auxilio contra os sediciosos dizendo que estavam alcançados não dispondo de meios para reunir o povo isto é estavam endividados A participação direta ou a omissão desses cidadãos que como diz Henrique Millet constituem a primeira garantia da ordem pública pode ser explicada a partir da difícil situação econômica em que se encontravam A produção de suas terras o açúcar e o algodão sofria como já dissemos os efeitos da perda do mercado internacional e da queda dos preços ao mesmo tempo em que a crise financeira restringia o crédito Nesta situação extremamente aflitiva a ponto de terem de começar a se desfazer segundo Millet de parte do seu capital imobilizado compreendemos que possuíam motivos suficientes para rebelaremse ou para ficarem indiferentes à sorte do governo que não olhava por eles Quanto aos proletários foram eles que formaram a massa dos descontentes Foram eles que em grupos que variavam de 60 a 600 invadiram as vilas e destruíram os pesos e medidas e os arquivos Nessa categoria de forma abrangente podemos agrupar os moradores os proletários e os mer cadores das feiras Foram indiciados como cabeças do grupo que atacou a povoação de Vertentes Umbelino de tal morador na Borba Jorge Marques Defensor do Império morador na Tapada e Manuel Francisco da Silva morador no Estreito Em Panelas comunicava o Delegado de Polícia a 13 de dezembro de 1874 que Leôncio morador em Camaratuba andava falando contra os impostos Em todos os pontos de revolta a massa dos sublevados era formada pelos mercadores da feira e por grande número de proletários que se identificavam pela baixa condição ou como disse o Comandante do Batalhão de Panelas são pessoas que não têm o que comer Fica muito difícil distinguir quem exclusivamente pertence a uma destas 3 categorias pois um morador não deixa de ser um proletário e ambos podem ser um mercador de feira Entendase por morador o indivíduo a quem é permitido morar nas terras de um grande proprietário com direito a ter sua roça e eventualmente quando o senhor necessita presta serviços em troca de remuneração Quanto ao termo proletário de acordo com os relatórios da época são os que estão à procura de trabalho conseguem ocupação normalmente na época do plantio e colheita recebendo por jornada isto é são jornaleiros Por conseguinte um jornaleiro pode ser aquele que não tem acesso à terra de forma alguma mas também pode ser o pequeno proprietário um pequeno arrendatário foreiro ou morador que procura no trabalho assalariado a complementação da sua renda para poder adquirir aqueles objetos que não é capaz de produzir Dependem como diz Henrique Millet senão para a subsistência diária que em grande parte tiram diretamente do solo rios e matas pelo menos para todas as mais precisões da vida civilizada dos salários que lhes pagam os agricultores apud Monteiro 1980 136 De qualquer forma tendo acesso à terra ou não estes trabalhadores eventuais podem participar da feira do arraial ou vila próximos vendendo produtos agrícolas que lhes sobraram de sua diminuta produção ou artesanato em madeira couro barro e palha que preparam nas horas de folga Os produtos são vendidos no mercado para produzir uma margem extra de entradas com as quais compram bens que não produzem domesticamente Wolf 197210 Assim sendo estas pessoas que as autoridades locais designam como de baixa condição ignorantes e cheias de preconceitos são as que vivem em condições precaríssimas em épocas normais e em situação extremamente difícil em épocas de crise como essa por que passava a economia nordestina em 187475 Em 1874 não só as possibilidades de trabalho tornaramse muito limitadas devido à crise da economia como também uma série de leis novas havia sido criada como a que mudava o padrão de pesos e medidas a que estabelecia novas regras de recrutamento para o exército e armada entre outras e espe cialmente as que criavam e aumentavam impostos provinciais e municipais todas parecendo uma forma de opressão do Estado É bem sintomático que os movimentos de rebeldia tivessem início por ocasião das feiras no momento em que se dava início à co brança dos impostos Estas imposições novas ou aumentadas provocavam irritação pois constituíam por menor que fosse uma sobrecarga aos já tão sacrificados trabalhadores e pequenos proprietários rurais Não se tratava portanto da simples oposição de população ignorante às leis que não sabiam compreender tratavase isto sim da explosão de revolta de uma população pobre vivendo em condições subumanas reagindo de forma aparentemente irracional contra um estado de coisas cada vez pior e sem perspectivas aparentes de melhoria Quando os senhores de engenho cruzam os braços e deixam a turba livre para agir ou usamna como forma de pressão contra as autoridades constituídas visando a fazêlas olhar para a situação o que se vê são ações isoladas de grupos de proletários que resolvem acertar contas muito antigas em suas aldeias ou regiões Wolf 197268 Ao falarmos em acertar contas podemos ser levados a pensar em luta entre proletários e senhores mas acontece que os trabalhadores rurais neste momento vêem os grandes proprietários não como seus exploradores mas como indivíduos que sofrem os efeitos do mesmo mal De certa forma com eles ficam solidários ou melhor passam a identificar o inimigo real contra o qual devem reagir de imediato o Estado O relacionamento entre grandes proprietários e seus jornaleiros não é uma simples troca de trabalho por salário Além do compadrio que o transforma numa ligação pessoal com traços de afetividade a Casa Grande realiza uma enorme obra de assistência social moral e jurídica de que resulta a per missão de morar gratuitamente nas terras do senhor além de dar conselhos e proteção É evidente que este relacionamento não deve ser entendido no seu sentido puro pois existiram diferenças de acordo com a evolução histórica com as condições econômicas e com as necessidades e nível de entendimento dos grupos envolvidos Assim as secas como a de 1869 que trazem do Sertão para o Agreste ou Mata os vaqueiros foragidos transformandoos em lavradores dão como resultado de certa forma a injeção de idéias de altivez e reação no tradicional ambiente rural Outro ponto que não devemos esquecer é o trabalho de conscientização levado a efeito por grupos políticos e religiosos que tiveram sua primeira expressão na Praieira e na revolta de 185152 nesses movimentos os trabalhadores rurais chegaram mesmo a ignorar os laços afetivos e de submissão atacando as próprias fazendas como demonstramos anteriormente As características da crise econômica e as medidas administrativas governamentais serviram para colocar lado a lado estes dois grupos rurais os trabalhadores e os grandes proprietários contra o Estado que nada faz em benefício deles tratase de uma luta do campo contra a cidade ou melhor como definiu Irineu Jofily contemporâneo ao acon tecimento uma revolta contra o governo que chamavam de doutores ou bacharéis numa clara referência às diferenças de visões e ao divórcio entre a sociedade rural e a burocracia governamental Jofily 1892188 O clero participou da revolta do Quebraquilos e foi um dos mais punidos Os padres foram apontados como instigadores alguns como o vigário Calisto Correia da Nóbrega de Campina Grande na Paraíba e o Padre Manuel de Jesus de Granito em Pernambuco foram acusados de serem cabeças de sedição outros como os jesuítas estrangeiros Mário Arcioni João Batista Royberti Felipe Sottovia Luis Cappuci Vicente Mazzi João Berti Antônio Aragnetti e Onoratti foram expulsos do Império Os governos imperial e provincial ligaram a questão dos bispos e a atuação do clero ao Quebraquilos A atitude dos padres tem uma característica toda especial e deve ser vista sob ângulos diversos Um que merece destaque se refere à conjugação de duas crises uma econômica e outra político religiosa que tem seu desdobramento com a agitação popular desenrolada na mesma época Se acreditarmos nos relatórios oficiais o problema religioso prepondera sobre o econômico e neste caso os padres jesuítas tiveram papel destacado na rebelião Mas não devemos esquecer que atribuindo maior importância à questão da prisão dos bispos desviavamse as atenções do problema mais grave que era a difícil situação da lavoura nordestina O governo assim escondia seus fracassos ante a crise econômica e ao culpar o povo liderado pelos padres jesuítas pela rebelião tirava de si próprio a responsabilidade deixandoa para a idéia vaga de povo ignorante ao mesmo tempo em que tinha nos padres estrangeiros os necessários elementos para sacrificar e justificar a revolta Ao transformar o Quebraquilos num movimento de fundo religioso e de prova da interferência estrangeira da Igreja Romana nos negócios internos do país o governo adquiria o papel de representante da independência e nacionalidade ofendidas pretendendo unir em torno de si o maior número de defensores Distorciamse os fatos para beneficiar politicamente o gabinete conservador que seis meses depois junho de 1875 não resistiria e seria mudado O papel desempenhado pelos padres jesuítas é outro ponto delicado Usaram o púlpito escreveram artigos nos jornais e falaram nas missões contra o Estado Como funcionários públicos e religiosos ao mesmo tempo estavam em situação difícil defendendo o Bispo D Vital colocavamse contra o governo imperial a quem deviam obediência não ficando a seu lado colocarseiam numa posição de rebeldia ante seu pastor Podemos dizer que ficaram do lado de sua consciência e por isso incorreram nas iras do Estado Mas fica uma interrogação até que ponto esta simples disputa de autoridade entre a Igreja e o governo imperial seria motivo para levantar o povo em revolta Se não houvesse a crise econômica com as implicações já vistas os matutos iriam pegar em armas contra o governo somente devido à prisão de D Vital Na nossa opinião o problema era bem mais complexo Em ofício de 25 de dezembro de 1874 o Juiz Municipal de Granito Pernambuco acusava o Padre Manuel de Jesus da paróquia local de incutir no espírito do povo rude e ignorante idéias perigosas e subversivas da ordem social Referindose ao mesmo vigário diz o comandante do destaca mento policial de Granito que não satisfeito com sua jesuítica doutrina na Igreja domingo 19 do corrente dezembro NA FEIRA DESTA VILA PROFERIU PALAVRAS INSTIGANTES AO POVO PARA NÃO SE SUJEITAR A IMPOSIÇÕES COM REFERÊNCIA A ATACAR GÊNEROS ANTES DA HORA MARCADA PELAS POSTURAS DA RESPECTIVA CÂMARA Este era um ponto de suma relevância porque a cobrança de impostos aos feirantes levara à adoção de uma norma pela qual as feiras só teriam início com a chegada do presidente da Câmara Municipal ou seu representante acompanhado pelo coletor de impostos Ora se cada um à medida que fosse chegando atacasse os seus artigos isto é começasse a vendêlos o fisco ficaria prejudicado na cobrança Em carta apreendida pela polícia o professor público de Vertentes Xavier Ribeiro escrevia ao vigário de São Lourenço da Mata Pernambuco dando conta de seu trabalho de conscientização dos matutos Estes povos como já tenho dito detestam o maçonismo mas detestamno por um sentimento vago não é porque eles saibam o que é a maçonaria nem seus modos fins etc etc Há outra pessoa como este seu criado que arrostando as iras da energúmena não cessa de instruir os matutos convenientemente etc etc Eu sei que os cachorros estão danados comigo assim como pareceme que em certas localidades do mato bem entendido eles não ladram apud Monteiro 1980140 A atuação dos padres e seus agentes pelo que a documentação deixa perceber foi de conscientização da população mais pobre alertandoa para as profundas injustiças sociais de que era alvo agora aprofundadas com as instigações contra o Estado algoz de bispo Podese dizer também que na luta contra o Estado que se mostrava inimigo da Igreja postandose ao lado da maçonaria a arregimentação do povo levou à radicalização das prédicas dos religiosos a ponto de ao mesmo tempo que criticavam uma situação política começassem a levantar problemas sociais Aqui o ponto de convergência A crise econômica e a religiosa fornecem reciprocamente razões para a revolta No caso dos padres jesuítas podemos dizer que tiveram na crise da lavoura um aliado de suma importância mas daí atribuir ao movimento um caráter preponderantemente religioso é supervalorizar o confronto entre o Bispo D Vital e o Gabinete Rio Branco é esquecer o sofrimento daqueles proletários atingidos mais diretamente pela crise econômica A revolta de 187475 foi o renascer do espírito liberal radical que já se manifestara em 1817 1824 e 1848 Não foi como na revolta de 185152 onde a participação dos grupos políticoradicais se houve foi marcada pela timidez Agora passados quase trinta anos ouviamse os mesmos gritos de luta pela liberdade O Leão do Norte será sempre o mesmo Sim liberal paraibano não terás glórias nem martírios que não sejam também nossos Patrícios de Nunes Machado abracemos os patrícios de José Peregrino A liberdade é o anel de ouro das núpcias dos patriotas Firmes que Deus é pela liberdade Um pernambucano A fermentação política em todo o Império estava por esta época marcada pela contestação de fato ao regime Desde 1868 quando os liberais foram despejados do governo com a queda de Zacarias a situação a cada ano tornavase mais tensa haviase passado das críticas ao poder moderador responsável por aquela derrubada ao manifesto republicano de 1870 que pregava abertamente a necessidade de se extinguir a monarquia Na revolta de 187475 o que se via era o desembaraço dos radicais que de certa forma estava de acordo com o que se passava em nível nacional A ação política foi feita em vários níveis A imprensa liberal criticou severamente a situação Aproveitandose do momento tomava partido contra tudo que emanava do governo conservador desde as novas leis até o problema da prisão do Bispo D Vital Tudo era motivo para atacar o gabinete e a administração provincial Em ofício datado de 31 de dezembro de 1874 queixavase o Presidente Lucena O partido que se diz liberal em publicações diárias e avulsas difundia doutrinas subversivas com alteração da verdade e deturpação dos fatos na linguagem a mais virulenta e inconveniente apud Monteiro 1980141142 Enviaramse agentes às localidades com o propósito de orientar a resistência Os radicais fundamentaram sua propaganda nos pontos que evidentemente mais sensibilizariam os setores descontentes Colocaramse contra o governo na questão dos bispos chamandoo de maçom e como disse o Presi dente de Pernambuco especulando com o sentimento religioso procurando atrair o clero e sensibilizar a população católica Anunciaram que a nova lei do recrutamento tinha por objetivo escravizar os homens pobres Este argumento havia sido deci sivo na sedição de 185152 e como as circunstâncias o permitiam nada melhor do que usálo outra vez Outro ponto também muito utilizado foi a oposição às leis relativas aos impostos Pregaram a resistência ao pagamento numa argumentação semelhante à que havia sido empregada com êxito na revolta de 1817 Os ataques variavam desde pontos evidentemente corretos às mentiras mais torpes como a futura criação de impostos para estender roupa para secar 100 réis por cada galinha que possuíssem dois milréis para usar óleo no cabelo etc Mas todos os ataques terminavam sempre com o mesmo refrão de que era chegado o tempo de libertarse Não ficaram ao nível dos discursos e conversas ao pé do ouvido imprimiramse manifestos que foram espalhados pela Zona da Mata e Agreste Fizeram como disse o Juiz de Direito de Tacaratu um verdadeiro chuveiro de manifestos Pudemos ler três exemplares que foram apreendidos na ocasião Monteiro 1980165173 O primeiro transcreve um manifesto supostamente redigido por um paraibano onde depois de historiar a ajuda que a Paraíba prestou a Pernambuco nas revoltas de 1817 a 1848 reclama que agora quando a Paraíba precisa de ajuda o que Pernambuco fez foi enviar soldados para sufocar o movimento ali iniciado De fato atendendo ao pedido do Presidente da Paraíba o Presidente Henrique Pereira de Lucena de Pernambuco enviou uma companhia de soldados para auxiliálo na repressão O manifesto aos pernambucanos lembra ainda algumas das atitudes de Lucena reduziu o povo à miséria matou os brios de teus filhos transformandoos em algoz dos paraibanos chamouos de canalha no parlamento especulou com os cadá veres concedendo privilégios de carros fúnebres mandou espaldeirar o povo tingindo de sangue as calçadas das ruas e além de fazêlo passar por todas essas humilhações reduziu a província à condição de feitoria Em resposta um pernambucano fala da identidade entre as duas populações e que os brios dos pernambucanos não devem deixar o rubor subir à face nem estremecer os manes de Nunes Machado O segundo manifesto sob título POVO protesta contra os impostos pesados que absorvem todo o teu trabalho te reduzem à miséria e matam à fome a tua mulher e os teus filhos E pergunta Não tens um cacete uma faca um bacamarte Já estás tão fraco que não possas com uma garrafa de gás para te vingares de quem te rouba e te injuria POVO Os teus irmãos da Parahyba e do centro de Pernambuco já se ergueram para protestar contra os impostos pesados que absorvem todo o teu trabalho te reduz a miséria e matam á fome a tua mulher e os teus filhos Sabes tu para que se fez o imposto do bacalhão da carne secca e da farinha Foi para fazer viver na opulencia a meia duzia de ladrões Antes de morreres á fome esses abutres reduzirão tuas mulheres e tuas filhas á prostituição Não tens um cacete uma faca um bacamartre Já estás tão fraco que não possas com uma garrnfa de gaz para te vingaes de quem te rouba e te injuria Ao lampeão com os que ontem diziam que devias fazer a revoluçãoa ultima ratio dos porcos e hoje te injuriam e te ridicularisam porque foram comprados pelo governo Ao lampeão com os que especulam com o teu nome e no dia em que defendes nobremente a tua propriedade te alcunham deassassino Ao lampeão com os que te espaldeiraram cm 16 de Maio Ao lampeão com os que embolsam o teu dinheiro e além disto te descompõem E preciso um diluvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões e espaldeiradores Unote e serás invencível Manifesto da sedição do QuebraQuilos E numa direta alusão a Lucena que participou da revolta de 184849 e agora defendia os do partido da ordem Ao lampião com os que ontem diziam que devias fazer a revolução e hoje te injuriam e te ridicularizam porque foram comprados pelo governo Finaliza conclamando à luta armada conclamando à revolução É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões e espaldeiradores Unete e serás invencível O terceiro sob o título CIDADÃO GUARDAS NACIONAIS DO RECIFE opõese ao aquartelamento determinado por Lucena objetivando formar batalhões para sufocar a sedição Isto é depois de haver roubado o pão o bacalhau e a carne seca do povo tira os pais de família dos bancos de trabalho acaba a obra de destruição do povo pela miséria e pela fome E sugere a resistência Pede que os cidadãos não se apresentem pois devem deixar correr os acontecimentos Lembra os mártires da liberdade pernambucana citando Nunes Machado Joaquim Nunes Machado morto na revolta de 1848 Caneca Frei Joaquim do Amor Divino participante das revoltas de 1817 e 1824 e executado a 13 de janeiro de 1825 Roma Padre José Inácio de Abreu Lima executado a 29 de março de 1817 Miguelinho Padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro executado a 12 de junho de 1817 Teotônio Domingos Teotônio Jorge Pessoa executado a 10 de julho de 1818 José Peregrino José Peregrino Xavier de Carvalho herói paraibano executado a 21 de agosto de 1817 Pedro Ivo um dos líderes da Praieira 184849 assassinado em 1852 depois de fugir da fortaleza em que se encontrava preso no Rio de Janeiro Finaliza conclamando os pernambucanos a honrar essa sagrada memória e tranqüilizar esses adoráveis manes A repressão foi considerada pela historiografia como extremamente violenta Podemos distinguir nela duas etapas diferentes numa primeira a sugestão do emprego de meios suasórios e brandos com a demonstração da verdade Nesta fase assistimos às tentativas de arregimentar a população local nas próprias vilas atacadas para a defesa o apelo aos senhores de engenho para colaborarem com o Governo arregimentando seus moradores e o envio de missionários capuchinhos para exortálos a não prosseguirem no movimento Os resultados não foram satisfatórios Com a população das vilas não puderam contar de fato de maneira geral as populações apoiaram os revoltosos ou mantiveram uma neutralidade comprometedora Os senhores de engenho como vimos alegavam estar sem condições de reunir povo alguns prestaram auxílio como foi o caso do Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional de Pau dAlho Luís de Albuquerque Maranhão do Barão de Buíque Francisco Alves Cavalcanti Camboim do Barão de Tracunhaém João Cavalcanti Maurício Wanderley que acorreram com seus moradores mas este apoio foi de fato isolado não caracterizando uma atitude generalizada dos senhores de engenho que preferiram omitirse quando não participavam Os padres capuchinhos como sempre colaboraram realizando suas santas missões e indo ao encontro dos revoltosos para tentar demovêlos dos seus intentos Entre outros colaboraram o Frei Venâncio que atuou na região de Itambé e cuja participação mereceu um elogio do Ministro da Justiça no relatório de 01051875 o Frei José que atuou na região do Bom Conselho e Frei Fidélis Maria Fogmano que agiu na região de Panelas Mas também esta atuação não deu os resultados esperados pois as participações que vinham do interior freqüentemente noticiavam que suas exortações não eram atendidas Numa segunda etapa passase ao emprego de medidas enérgicas com a exemplar punição dos autores e coniventes O Presidente da Paraíba solicita auxílio de tropas ao Presidente de Pernambuco no que é atendido o mesmo faz o Presidente do Rio Grande do Norte ao do Ceará Em dezembro de 1874 chegam finalmente à Paraíba as forças enviadas pelo Governo imperial Tratavase de um contingente de 750 praças e 47 oficiais sob o comando do Coronel depois General Severiano da Fonseca que juntamente com a força da polícia local da província formou um efetivo de 1203 praças A Província de Pernambuco contava apenas com uma força policial de 1400 praças espalhados pelas várias comarcas já que a Guarda Nacional havia sido desmobilizada desde setembro do ano anterior A ação das tropas foi de verdadeira selvageria aplicada cegamente contra culpados ou inocentes José Américo de Almeida no seu livro A Paraíba e seus Problemas transcreve depoimento do Deputado João Florentino em 1879 onde se pode ter a idéia do tipo de repressão Fizeramse prisões em massa velhos e moços solteiros casados e viúvos todos acorrentados e alguns metidos em coletes de couro eram remetidos para a capital Alguns desses infelizes cruelmente comprimidos e quase asfixiados caíam sem sentidos pelas estradas deitando sangue pela boca Almeida J Américo 1923 219 O colete de couro segundo consta fora inventado pelo Capitão Longuinho comandante de uma das colunas que seguiu para o interior e consistia em envolver o tórax do indivíduo em couro cru molhado que ao secar comprimia o peito a ponto de provocar vômito de sangue Os que sobreviveram a esse suplício diante do qual se regalava o Capitão Longuinho não escaparam da tuberculose ou das lesões cardíacas que cedo ou tarde os levariam ao túmulo Almeida Horácio 1958145 O clamor contra a selvageria da repressão levou o Coronel Severiano a enviar um ofício circular aos oficiais comandantes dos destacamentos determinando que se atenuasse o rigor das prisões e impedissem roubos e atos de violência por parte dos soldados A esse ofício responde o Capitão Longuinho dizendo que tem usado cordas e correias de couro para prender os criminosos e sediciosos por não ter algemas mas que isto não os magoa tanto Durante muitos anos uma modinha popular cantada no interior nordestino falava da triste sorte dos quebra quilos Sou quebraquilos encoletado em couro Por vil desdouro me trouxe aqui A bofetada minha face mancha À corda à prancha me afligir senti Na cans modesta a tesoura cega De minha enxerga só me resta o pó De esposa e filhos violentam rudes As sãs virtudes seu tesouro só E ao quebraquilo desonrado louco É tudo pouco quanto a infâmia faz Se aqui contempla da família o roubo Ali no dobro o flagelam mais Tiranos vedes que miséria tanta Nem os quebranta meu pungir meus ais Martírios ultrajes de negror fazeime Porém dizeime se também sois pais Andrade 1946203 A Guerra das mulheres 187576 Evidentemente que há um pouco de exagero no título ao chamarmos o movimento de guerra das mulheres Na verdade os homens ali também se achavam mas devese ressaltar a participação preponderante e decidida das mulheres que pela primeira vez na história do Brasil atuaram coletivamente em um movimento insurrecional A revolta decorre da aplicação da Lei nº 2 556 de 26 de setembro de 1874 que alterou a forma do recrutamento de soldados para o Exército e Armada Aliás o recrutamento que sempre fora mal visto pela população gerava conflitos sérios e no que tange à lei de 1874 esta provocou não reclamações ou conflitos isolados mas um movimento coletivo que deuse simultaneamente se bem que em dias e meses diferentes entre agosto de 1875 e julho de 1876 em várias províncias do Império Mas para se entender melhor a Lei 2556 acreditamos ser necessária uma síntese da situação do alistamento militar nos anos anteriores Até 1874 o recrutamento era feito por uma pessoa designada pelo Presidente da Província conforme Decreto 73 de 06041841 para recrutar todos os homens brancos e solteiros e ainda pardos libertos de idade de 18 a 35 anos respeitandose as isenções da Portaria Real de 10 de julho de 1822 A população pobre era a que mais sofria os efeitos do recrutamento pois a Lei nº 45 de 29081837 permitiu que os recrutados pudessem dar substitutos ou serem dispensados mediante o pagamento de quatrocentos milréis numa época em que o salário de um artesão especializado não ultrapassava os trinta milréis mensais Esta forma de recrutamento permitia muitos abusos e transformouse numa arma de perseguição política pois afastava da região indivíduos indesejáveis aos grandes proprietários já que estes tinham influência na indicação dos recrutadores Transformouse portanto o recrutamento em verdadeira caçada A todo instante um elemento podia ser recrutado e preso e caso resistisse ficaria a partir de então sujeito à severa disciplina militar que incluía castigos corporais Era por conseguinte uma ameaça constante que pesava sobre os habitantes Pelo horror que inspirava pelos conflitos que gerou e por retirar homens válidos de pobres famílias de lavradores esta lei ficou conhecida como imposto de sangue Para evitar os abusos do recrutamento constante baixouse o Decreto nº 1089 de 14 de dezembro de 1852 pelo qual se estabeleciam cotas anuais para cada província Ou seja cada uma forneceria um contingente anualmente conforme número determinado por lei Mas cada recruta ou voluntário que conseguisse dava ao recrutador o direito de receber 5 importância que foi alterada pelo Decreto 2171 de 1º de maio de 1858 para 10 por recruta apurado e 20 por voluntário O recrutamento virou negócio Apesar de tudo os abusos e ilegalidades continuaram Os conflitos se sucediam Após a guerra contra o Paraguai o assunto volta a ser discutido e em 1874 aprovavase nova lei que tomou o número 2556 em que se instituíam juntas de alistamento e o sorteio A junta era formada pelo juiz de Paz a autoridade policial mais graduada do local e o pároco A lei deveria no primeiro ano de vigência arrolar todos os solteiros e casados que tivessem entre 19 e 30 anos de idade O sorteio seria feito em data posterior a ser designada As juntas paroquiais se organizaram expediram as proclamas convocando todos os homens válidos naquela faixa etária e começaram os trabalhos em 1875 utilizando geralmente as instalações das igrejas locais Os boatos correram dando conta de que todos os homens dessa idade seriam efetivamente recrutados Outros diziam que era uma nova lei de escravidão para os trabalhadores rurais Como sempre os políticos radicais dela se serviram para atacar o gabinete conservador do Visconde do Rio Branco acirrando ainda mais os ânimos Os grandes proprietários te meram perder o controle desta arma legal que tanto utilizavam As mulheres temeram perder seus maridos e filhos O ambiente já estava propício para mais uma insubordinação Instaladas as juntas e tendose iniciado os trabalhos grupos de mulheres em sua maioria invadem as igrejas rasgam os editais e exemplares da lei destroem móveis e utensílios e partem ameaçando voltar a qualquer momento No Ceará ocorrem distúrbios em Acarape Limoeiro Quixadá Boa Viagem Baturité e Saboeiro No Rio Grande do Norte conflitos em Mossoró São José de Mipibu e Canguaretama Na Paraíba houve oposição nos municípios de Alagoa Grande Alagoa Nova Ingá Campina Grande e Pilar Em Alagoas são atingidas as comarcas de Palmeira dos índios e Penedo e na Bahia a comarca de Camamu Mas conforme assinala Câmara Cascudo de todos os conflitos o que chamou mais atenção foi o que ocorreu em Mossoró O cabeça do movimento foi uma mulher chamada Ana Floriano Ela conseguiu reunir 300 mulheres O cortejo rebelde partiu da atual rua João Urbano indo até à hoje praça Vigário Antônio Joaquim Rodrigues Aí foram rasgados os editais pregados na porta da igreja e despedaçados vários livros Dessa praça dirigiramse as amotinadas à praça da Liberdade passando pela hoje rua Trinta de Setembro Naquele logradouro público achavase disposto um corpo de polícia ali posto com o fim de dominar a sedição Aos gritos de avança logo ficaram confundidos no tumulto da luta soldados e mulheres Cascudo 19557980 A interferência de pessoas importantes evitou que o conflito tivesse maiores conseqüências Mesmo assim a lei continuou em vigor Periodicamente ao se instalar a Junta de Recrutamento em várias regiões do país grupos se organizavam e partiam para a agressão Nos anos finais do Império os relatórios ainda dão notícias se bem que esparsas desses atentados AS REVOLTAS URBANAS Introdução Algumas cidades brasileiras foram durante longo tempo focos de movimentos sediciosos principalmente as capitais que se encontravam mais livres do mandonismo dos grandes proprietários Para esta situação vários fatores contribuíram tais como maior heterogeneidade da sociedade local a situação de refúgio dos que se libertavam da autoridade eou da exploração dos coronéis os contatos mais freqüentes com os progressos e as novas idéias que grassavam na Europa e sua posição intermediária entre a região produtora colonial e o grande centro consumidor europeu sofrendo portanto os reflexos das crises de uma ou outra o que geraria como gerou graves descontentamentos sociais Neste capítulo nos restringiremos apenas aos movimentos que grassaram em Salvador capital da província da Bahia mas o leitor deve compreender que tais movimentos fazem parte de um amplo leque de agitações sociais que abalaram várias cidades do Nordeste brasileiro entre as quais citamos Recife Natal Fortaleza Mossoró Macau Mucuripe São Luís Caxias Alcântara etc Todas estas revoltas têm motivações próprias frutos de situações específicas locais mas de qualquer forma inseremse dentro de um contexto mais amplo que é a crise regional Expressam em nível urbano as contradições da estrutura econômica regional As cenas são semelhantes Repentinamente por motivos aparentemente simples e variados a população irrompe pelas ruas depredando casas de comércio ameaçando edifícios públicos e entrando em luta com as forças policiais Gritam contra a carestia saqueiam e muitas vezes incendeiam os depósitos dos grandes atacadistas e monopolistas do fornecimento dos gêneros alimentícios Ao brado de mata marinheiro voltamse contra os portugueses geralmente comerciantes a quem acusavam de responsáveis pela situação Em excelente trabalho publicado em 1978 Kátia Matoso estuda a cidade de Salvador sua população e as condições de seu mercado abastecimento preços e salários no século XIX Caracteriza a maioria da população da cidade como vivendo em condições precárias e ameaçada de indigência e portanto incapaz de constituir estoques dos gêneros de primeira necessidade carne verde farinha de mandioca feijão e arroz Por outro lado quanto ao abastecimento apresenta quatro pontos que dificultavam o fornecimento e encareciam os preços o primeiro ligado à produção das regiões próximas que não era suficiente para atender à demanda citadina obrigando a a importar de regiões distantes a farinha do Paraná e Rio Grande do Norte arroz do Maranhão feijão de Portugal e de regiões brasileiras e carne de regiões situadas a centenas de quilômetros o segundo ligado à precariedade dos meios de transporte e das vias de comunicação o terceiro à ambivalência da administração que ora liberava os preços ora taxavaos o quarto ao fato de a cidade além de ser um centro importadorexportador ser também distribuidora de gêneros alimentícios para todo o Nordeste brasileiro com base em uma estrutura monopolista e açambarcadora Com efeito bastava que uma necessidade se tornasse premente em alguma área que se achava sob o controle dos comerciantes da Bahia para que a população sofresse na carne as conseqüências Matoso 1978258 Tomando por base o salário de um pedreiro em torno dos 30000 mensais na década de 60 e as variações dos preços dos três artigos básicos farinha feijão e carne verde Kátia Matoso estabelece as percentagens do salário necessárias para adquirilos Ano Percentagem 1845 4136 1854 4727 1858 5847 1866 4489 1873 3593 1878 5877 1885 4110 Matoso 1978 369371 Não é simples coincidência que as três mais sérias revoltas em Salvador tenham ocorrido justamente nos anos em que estas percentagens ficaram mais elevadas 1854 1858 1878 isto é nos anos em que foi necessário utilizar uma parte maior do salário para adquirir os alimentos Devese levar em conta também os aumentos que ocorreram em outros itens como moradia vestuário etc tornando difícil a vida da população soteropolitana Tomando por base os preços unitários de dois produtos mais consumidos chegamos também a conclusões semelhantes Ano Farinha 1 LITRO Carne verdeKg 1845 3040 21710 1854 5071 22100 1858 10194 45942 1866 7194 33538 1873 8661 48771 1878 10338 48000 1885 7734 44791 Matoso 1978 369371 Este é o pano de fundo das revoltas que se verificaram nas cidades nordestinas de uma maneira geral neste período A população em que pese outras variáveis que entraram no acirramento dos ânimos revoltavase contra uma situação que considerava insustentável a alta do custo de vida a depre ciação de suas condições de vida mas que além de ser um problema conjuntural refletia as contradições estruturais daquela região Em resumo podemos citar os cinco grandes problemas que estão por trás das revoltas a queda dos preços dos artigos de exportação e perda de mercados tradicionais no exterior gerando redução na capacidade de acumulação de capital local b redução das áreas destinadas à produção de gêneros alimentícios para o consumo local c precariedade do abastecimento dos centros urbanos d monopolização dos principais gêneros de consumo popular provocando elevação artificial dos preços e problemas climáticos que prejudicavam a produção e o abastecimento As revoltas devido às situações em que ocorriam receberam cognomes interessantes Assim é que a de 1854 ficou conhecida como a do pano do Teatro São João a de 1858 como carne sem osso farinha sem caroço somente a de 1878 não recebeu alcunha específica Trataremos a seguir dessas três revoltas Pano do Teatro São João 1854 No dia 23 de setembro de 1854 a partir de um incidente verificado na inauguração do Teatro São João ocorrem pelas ruas da cidade choques entre a população e a força pública com muitos feridos O quadro no qual se insere esta revolta tem dois componentes básicos O primeiro é o alto custo de vida que alimenta um forte sentimento antilusitano pois os portugueses eram os senhores do comércio atacadista bem como do chamado de retalho Desde 1848 quando foi apresentada na Assembléia Geral do Império proposta de nacionalização do comércio a retalho que tal oposição aos portugueses vinha sendo sustentada por muitos jornais contribuindo para aumentar o sentimento antimarinheiro O segundo componente referese à oposição liberal ao governo conservador de João Maurício Wanderley presidente da província A oposição era encabeçada pelo jornal liberal O Século dirigido por João Barbosa de Oliveira pai de Rui Barbosa A imprensa local juntava os dois elementos em seus ataques Apresentava os conservadores e os comerciantes portugueses como que mancomunados atribuindo à situação conservadora interesses em não frear a alta dos preços Pinho 1937246 Na fala apresentada à Assembléia provincial em 1º de março de 1855 Cotegipe queixavase da imprensa Dizia que nos países cultos ela guia a opinião mas aqui constituise no pelourinho das reputações e o algoz do sacrário das famílias E concluía Se houvesse um inimigo das garantias sociais acharia por certo seus melhores cúmplices nos incansáveis apóstolos dessa licença desmoralizadora que se arreia com o manto da liberdade Wanderley 18554 O estopim seria a pintura encomendada pelo governo para o pano de boca do Teatro Por ordem de Wanderley fora concluída a reforma do prédio e aberta a concorrência para a pintura do pano Foi vitorioso o alemão Bauch que conforme estabelecia o edital pintou uma cena da história do Brasil A cena era a chegada de Tomé de Souza à Bahia nela figuravam os índios depondo os arcos admirados e prostrados ante o governador que empunhava a bandeira portuguesa A oposição viu nisto mais uma prova para seus ataques e recrudesceu a campanha contra o governo e seus aliados portugueses Na véspera do incidente a 22091854 Cotegipe escrevia ao Presidente do Conselho o Marquês de Paraná Escrevem e proclamam que a cena é um insulto à nacionalidade porque estão os brasileiros tupinambás curvados ante os portugueses que foi muito de propósito escolhida para indicar ao povo o plano do absolutismo que o governo quer proclamar Pinho 1937273 Apesar de estar a par dos planos para promoverem uma assuada e depois queimarem o pano no dia da inauguração Cotegipe não recuou E afirmava tenciono pois experimentar a ousadia desses meus senhores e depois de mostrarlhes que não os temo arredarei este pé de cantiga Pinho 1937 273 Assim foi feito Na noite de 23 o teatro achavase lotado Não só de povo como também de autoridades Nos corredores e platéia de espaço em espaço viamse policiais estrategicamente postados à espera de qualquer tumulto Concluída a apresentação como não fosse baixado o aludido pano levantase o alferes reformado do exército João José Alves tio de Castro Alves e dirigindose para o camarote do presidente grita Sr Wanderley mande vir abaixo este pano infame que queremos despedaçálo Abaixo o pano infame Fora o presidente traidor Pinho 1937274 Formase o tumulto O alferes é preso O presidente atingido por uma pedra que lhe feriu uma das mãos retirase Quando a comitiva chega à calçada a multidão vaia Bradam os protestos e uma chuva de pedras cai em direção ao teatro Várias pessoas são feridas A polícia enfrenta a multidão Corre sangue Finalmente os amotinados são contidos pela polícia com a ajuda das tropas de linha muito embora seu comandante o capitão Alexandre Gomes de Argolo Ferrão recusasse a desembainhar a espada contra o povo Wanderley mostrara que não estava disposto a se submeter à oposição Aplicara a força sobre o povo amotinado mas o pano que acionara a revolta nunca mais foi utilizado Novo pano foi encomendado e inaugurado no mesmo ano Representava uma cena neutra Febo conduzindo o carro do Sol tirado por quatro pégasos e circundado de deusas simbolizando as Horas Era denominado Pano da Aurora Bocanera58 Em relatório datado de 15 de maio de 1855 o ministro da Justiça Nabuco de Araújo anunciava à Assembléia Geral que no ano anterior ocorrera em Salvador uma ridícula desordem motivada pela pintura do pano do teatro público Dessa forma omitiamse ao país as condições da população soteropolitana que como diz Kátia Matoso estava à beira da indigência e vivia na dependência de uma estrutura de abastecimento exploradora e monopolista Carne sem osso farinha sem caroço 1858 Nos dias 28 de fevereiro e 1º de março a cidade de Salvador foi novamente palco de violentos choques entre o povo e as forças militares que ficaram conhecidos como a revolta da carne sem osso farinha sem caroço ou ironicamente como revolução dos chinelos Governava a província João Luís Vieira Cansanção de Sinimbu que ocupou o cargo de 19 de agosto de 1856 a 16 de julho de 1858 O presidente um conservador estava sendo asperamente combatido pelas velhas facções políticas que não aceitavam a forma como se fazia na província a política de conciliação iniciada em nível nacional por Paraná O apoio declarado de Sinimbu à candidatura de Nabuco de Araújo ao Senado fez com que as oposições acirrassem os ataques ao presidente Juntamente com este problema de ordem política acrescentavamse a escassez e a alta dos preços da farinha de mandioca e da carne fresca que levaram a Câmara Municipal da capital a entrar em verdadeira guerra com o presidente Este aparece como o defensor dos atacadistas e monopolistas dos gêneros de primeira necessidade e aquela como defensora dos consumidores Aos problemas políticos somavase o da carestia e estava preparado o palco para a cena que se iria desenrolar Ruy 1953220 Os atritos têm início com disputas para definir atribuições a que a Câmara se arvorava e o presidente negava Com o propósito de evitar os constantes aumentos do preço da farinha a Câmara Municipal vota a 16 de janeiro de 1857 uma postura pela qual aquele gênero só poderia ser vendido em lugares determinados por aquele conselho Sinimbu determina a suspensão do ato até que fosse votado pela Assembléia Provincial como esta encerra o período de reuniões sem discutir o problema os vereadores dirigem ao presidente ofício datado de 17 de fevereiro no qual dizem que estavam cansados de esperar e que iriam colocálo em vigor apesar da suspensão presidencial Ruy 1953311312 O ofício historia magnificamente a situação dos gêneros de primeira necessidade em Salvador notadamente da farinha e da carne os principais Acusa a existência de monopólios calculadamente estudado e que no caso daqueles gêneros era exercido por três ou quatro indivíduos somente Dizia que não podia e nem devia cruzar os braços diante de uma crise como a atual consentindo que a população desta capital continue a ser vítima do monopólio e da ambição de alguns homens que não se contentando com razoáveis lucros soem especular com as necessidades do povo de quem somente almejam sugar até a última substância Ruy 1949565567 Em resposta o presidente determina que a polícia garanta os comerciantes de farinha contra os fiscais da Câmara e ordena que a mesma revogue o edital Com efeito em vários pontos da cidade funcionários municipais entravam em choque com a polícia aumentando os ataques ao presidente Sinimbu A Câmara retruca afirmando que uma postura só poderia ser anulada por um corpo legislativo e que nenhuma autoridade em face do Ato Adicional pode revogála sem proposta da respectiva Câmara Diz que a ação da polícia retrata um ato de desobediência às leis municipais e culpa o presidente pelos conflitos que se hão de reproduzir Ruy 1953569 570 Considerando a atitude dos vereadores como rebeldia Sinimbu suspendeos por 160 dias e convoca os suplentes A medida sumamente impopular exalta os ânimos e aumenta o ódio contra o presidente acusado de proteger os atacadistas A oposição acusao também de ter punido os camaristas como manobra política visando a evitar que aqueles vereadores fizessem a apuração dos votos da eleição senatorial marcada para 1 de março Os acontecimentos foram muito habilmente explorados pela oposição Nos principais pontos da cidade oradores incitam o povo contra o presidente Propõem uma grande concentração para impedir a reunião dos suplentes Sinimbu determina a prontidão das tropas e ameaça responsabilizar criminalmente os exaltados O clima eleitoral contribui para aumentar a tensão e criar um ambiente de luta O estopim da revolta coletiva foi o incidente entre as internas do Recolhimento da Misericórdia e as freiras de São Vicente encarregadas de dirigir a casa O Recolhimento funcionava desde 1716 como legado deixado por João de Mattos Aguiar à Santa Casa de Misericórdia com o fim de acolher e educar moças pobres Com o tempo a disciplina foi sendo relaxada e em meados do século XIX a Casa já era famosa por seus escândalos Toda Salvador sabia da intensa vida sexual que ali se travava com as internas recebendo no próprio local os seus amantes Para coibir tais abusos a Santa Casa entrega a direção às freiras de São Vicente As vicentinas encontram as maiores dificuldades para impor a ordem e então a Mesa resolve transferilas para o Convento da Lapa No dia da mudança as moças recebem a direção da Misericórdia com vaias e insultos Algumas chegam à janela pedindo socorro A população concentrada nas imediações resolve invadir o prédio para auxiliálas As irmãs de caridade foram agredidas e se refugiaram nas casas vizinhas e no palácio do governo Também foi atacada a Casa da Providência situada na Baixa do Sapateiro que teve sua porta arrombada a machado Outro grupo dirigiuse ao bairro de Nazareth onde tentou invadir o Colégio de São Vi cente dirigido pelas mesmas freiras mas foi contido por um piquete de cavalaria Ao mesmo tempo populares se agrupavam no largo do Pelourinho e em São José A multidão dirigese à praça do palácio da presidência onde protesta contra a alta dos preços O povo gritava em uníssono queremos carne sem osso e farinha sem caroço em alusão ao problema da carne e da farinha de mandioca Enquanto a Câmara era invadida e tinha seu sino tocado a rebate a multidão apedrejava o palácio Finalmente já era noite quando uma força de linha dispersou os manifestantes No dia seguinte 1º de março a praça do palácio encontravase ocupada por um batalhão da Guarda Nacional Os quartéis estavam de prontidão Mesmo assim populares foram chegando para assistir à sessão da Câmara Municipal marcada para as 10 horas da manhã onde os suplentes convocados deveriam efetuar a verificação de votos para a eleição de um senador Ao iniciar os trabalhos a Câmara foi invadida pelo povo que tumultuou seus trabalhos A tropa evacuou o recinto A multidão voltase contra o palácio cantando rimas espirituosas e algumas até obscenas ridicularizando Sinimbu A repressão que se seguiu foi violenta Piquetes foram colocados nos pontos estratégicos Tropas de infantaria e cavalaria fecham as saídas e invadem a praça do palácio A população foi dispersada a golpes de espada e patas de cavalo Não houve mortos mas os feridos foram muitos No dia seguinte viase a praça coberta por uma infinidade de chinelos daí por ironia veio o nome de revolução dos chinelos No dia 25 de março por ocasião das comemorações do aniversário da Constituição tentaram alvejar o presidente com um tiro A 16 de julho foi designado outro dirigente para a província Para deixar a capital Sinimbu teve que ser escoltado por tropas do exército que o livraram das agressões físicas mas não da chacota dos que foram assistir a sua partida guardado como um prisioneiro A 19 de agosto os vereadores foram reintegrados Ruy 1953 222 A Revolta de 1878 Outra vez a 1º de junho de 1878 os incidentes se repetiram Desde 1877 o Nordeste estava sendo assolado pela grande seca uma das piores de sua história Faltavam alimentos e os retirantes morriam de fome Devido à escassez dos alimentos os preços subiram vertiginosamente Os negociantes de outras províncias notadamente Pernambuco e Piauí enviavam ao Recôncavo baiano emissários com o propósito de adquirir gêneros de primeira necessidade entre os quais a farinha de mandioca Estes compradores dirigiamse aos locais da produção e ofereciam preços mais altos do que os do mercado local Atraídos pela possibilidade de lucros maiores os grandes atacadistas soteropolitanos iniciaram uma prática semelhante Mandavam seus agentes ao interior para a compra da farinha estocavamna na cidade e contratavam a venda para outras províncias especulando com as dificuldades pela qual passa vam Em Salvador obviamente premidos pela especulação e estocagem os preços deste alimento se elevaram muito acima do normal ao mesmo tempo em que praticamente desapareciam das casas comerciais Enquanto isso os atacadistas tinham seus depósitos repletos Ruy 1953313314 A 13 de março de 1878 preocupado com o problema o presidente da província Barão Homem de Melo recomenda à Câmara Municipal providências urgentes A 30 do mesmo mês este órgão submetia ao presidente uma postura na qual se regulamentava a exportação da farinha desde que atendido o consumo local No mesmo dia à noite uma grande multidão se concentrou em frente ao palácio da presidência exigindo uma solução para o problema Mello 18786567 Paralelamente elevamse os preços da carne fresca e seca Evidentemente isto ocorre também ligado ao problema da grande seca bem como aos decorrentes da queda das exportações platinas O presidente diligencia no sentido de que sejam mandados a Salvador navios transportando estes gêneros e na ocasião comunica à população reunida que eles já estavam a caminho As medidas adotadas não produziram os efeitos desejados e a escassez e a alta dos preços continuavam a afligir a população A 1º de junho a cidade acordou sobressaltada com os boatos que anunciavam o saque e incêndio das casas exportadoras de gêneros alimentícios As patrulhas policiais foram reforçadas Uma manifestação popular foi dissolvida pela cavalaria Os populares se concentraram posteriormente em frente à casa do comerciante de farinha atacadista José Re belo Brandão e apedrejamna mas são contidos pelas autoridades A turba já engrossada segue aceleradamente pela ladeira do Taboão aos gritos de ao comércio ao incêndio à farinha Mais uma vez a cavalaria avança e consegue conter os insurretos antes que realizassem seu intento Mello Correspondência A 11 de julho o Barão Homem de Melo sancionava a lei provincial que autorizava o governo a subsidiar a farinha Esta deveria ser vendida ao consumidor pela quantia de 80 réis o litro enquanto seu preço se conservasse acima do ordinário Os anos finais do século XIX mostram um Nordeste descrente das soluções legaisoficiais Abandonado e sofrendo fornece o ambiente ideal para a proliferação de santos beatos e bandidos A elite brasileira em sua quase totalidade assi mila e divulga o problema de forma inversa Transforma causa em efeito Aponta como razões do atraso e pobreza regionais a ignorância o fanatismo e o ócio numa imagem que inclusive hoje muitos acatam Afinal não podia e nem interessava dizer a verdade pois de acusadora passaria a réu A tragédia de Antônio Conselheiro ao mesmo tempo que mostrava cruamente o drama nordestino dava elementos para reforçar as falaciosas explicações da elite A repressão tinha que ser brutal para servir de exemplo Nada de comunidades isoladas produzindo para o autoconsumo Os caboclos do Nordeste tinham que se proletarizar entrando no circuito capitalista ser mãodeobra ocupada ou ser exército de reserva contribuindo de uma forma nova para a reprodução do capital CONCLUSÃO No conjunto o Nordeste era e não deixou de ser o retrato do subdesenvolvimento A exaustão do solo causada pela exploração predatória a propriedade da terra monopolizada por uma minoria e a maioria da população se sujeitando a regimes de trabalho humilhantes ou então permanecendo desempregada miserável e faminta dão uma triste visão do problema A revolução não eclodiu embora condições houvessem As saídas que encontraram foram as migrações e a formação de comunidades milenaristas Mas como tantos especialistas já registraram o termo subdesenvolvimento não deve ser utilizado unicamente para apontar os aspectos negativos de uma região Ele deve servir para mostrar como determinada área chega a tal situação crítica dentro do capitalismo O drama nordestino é brasileiro e também de todos os povos colonizados de forma exploratória O capitalismo destrói a natureza esgota os recursos ignora os direitos humanos mais elementares como o de prover a todos moradia alimentação vestuário e emprego decentes enfim o direito à vida e subordina tudo ao lucro em benefício de poucos O nosso Nordeste não se explica somente em si mesmo mas também no seu processo histórico na história brasileira e ocidental Portanto para se entender de fato o problema nordestino temos que conhecer a sua gênese Esse estudo passa pela expansão e evolução da sociedade européia e podemos dizer ocidental que se entrelaça dialeticamente com os fatores nacionais e locais Assim estaremos desmitificando as teses muitas vezes consagradas que apontam causas absurdas tais como clima e etnia e traremos para o plano real o debate sobre o assunto O tema ainda é atual Ontem tivemos as insurreições o fanatismo religioso e o banditismo rural hoje há a criminalidade urbana as favelas e os alagados e os menores abandonados Ao aceitarmos passivamente explicações simplórias estaremos sendo coniventes e permitiremos continuadamente a reprodução das desigualdades sociais Urge desmascarar os arrazoados mentirosos e dar ao nordestino a base histórica para que se conscientize repila os falsos discursos e atue objetivamente na solução de seus problemas Revisão Argo wwwportaldocriadororg INDICAÇÕES PARA LEITURA Andrade Manuel Corrêa de A Terra e o Homem no Nordeste São Paulo Brasiliense 1973 Esta obra faz uma análise global do Nordeste a partir de seus aspectos geográficos e históricos Expõe muito bem as formas de propriedade da terra e as relações sociais de produção que encontramos na regiaão Eisenberg Peter L Modernização sem Mudança Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Um dos mais importantes trabalhos sobre o Nordeste na segunda metade do séc XIX Analisa a crise econômica e social e a transição do trabalho escravo para o assalariado Monteiro Hamilton de Mattos Crise Agrária e Luta de Classe o Nordeste Brasileiro entre 1850 e 1889 Brasília Horizonte 1980 Estudo da violência na sociedade nordestina Análise dos movimentos sociais enquanto formas de luta de classes a partir da crise da economia local Bibliografia Almeida Horácio de Brejo de Areia Rio de Janeiro MEC 1958 Almeida José Américo de A Paraíba e seus Problemas Paraíba Imp Oficial 1923 Andrade Delmiro Pereira de Evolução Histórica da Paraíba do Norte Rio de Janeiro Minerva 1946 Arquivo Nacional Publicações do Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1937 Vol 34 Bocanera Silio O Teatro na Bahia Salvador sd Cascudo Luís da Câmara História do Rio Grande do Norte Rio de Janeiro MEC 1955 Furtado Celso Formação Econômica do Brasil São Paulo Nacional 1974 Jofily Irineu Ceciliano Pereira Notas sobre a Paraíba Rio de Janeiro Tip do Jornal do Comércio 1892 Mattoso Kátia M de Queirós Bahia a Cidade do Salvador e seu Mercado no Século XIX São Paulo Hucitec 1978 Mello Homem de Correspondência Arquivo Nacional IJ1427 SPEAN Mello Homem de Fala do Presidente da Província da Bahia 1878 Melotti Umberto Revolución y Sociedad México FCE 1971 Monteiro Hamilton de M Crise Agrária e Luta de Classes Brasília Horizonte 1980 Nabuco Joaquim Um Estadista do Império Rio Nova Aguilar 1975 Pinho Wanderley Cotegipe e seu tempo São Paulo Nacional 1937 Ruy Afonso História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador Salvador Câmara Municipal 1953 Ruy Afonso História Política e Administrativa da Cidade do Salvador Salvador Tip Beneditina 1949 Stavenhagen Rodolfo Los Classes Sociales en las Sociedades Agrárias México Siglo XXI 1972 Wanderley João Maurício Fala do Presidente da Província da Bahia 1855 Wolf Eric R Las Luchas Campesinas del Siglo XX México Siglo XXI 1972 Sobre o Autor Hamilton de Mattos Monteiro é Professor de História na Univer sidade de Brasília Doutor em História pela Universidade de São Paulo com a tese Violência no Nordeste 18501889 e autor do livro Crise Agrária e Luta de Classes Brasília Belo Horizonte 1980 COLEÇÃO HUMANIDADES GENTE OPULENTA E DE BOA LINHAGEM FAMÍLIA POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER NA PARAÍBA 18171824 SERIOJA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO EDITORA UNIVERSITÁRIA UFPB CAPÍTULO II UMA REVOLUÇÃO EM E DE FAMÍLIA PODER FAMILIAR E POLÍTICA NO MOVIMENTO DE 1817 21 SAINDO DA PENÚRIA NOVOS VENTOS ESTÃO SOPRANDO O agricultor e o negociante que enriquecem e tem meios de estabelecer seus filhos e propagar famílias abastadas retirarse vendo que não há empregos civis nem militares para os naturaes e levão consigo os haveres que devem fomentar o melhoramento da capitania31 Na primeira década do século XIX a Paraíba atravessou uma série crise que afetou o comércio e a agricultura da capitania em uma situação que vinha piorando desde meados do Setecentos durante o período em que se manteve anexada oficialmente a Pernambuco 17551799 Era um estado de dependência econômicaadministrativa que praticamente se manteve inalterado mesmo após a desanexação32 31 Relatório do governador Fernando Delgado de Castilho sobre a situação da capitania da Paraíba enviado à metrópole em 1799 apud PINTO 1977 32 A pretensa autonomia em relação a Pernambuco só veio de fato com a criação da Junta da Fazenda em 1809 no governo de Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque 67 Um dos fatores que contribuíram para esta situação de penúria fora a criação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba 1759 Instituição criada dentro do modelo racionalista da política pombalina a Companhia detinha com exclusividade os direitos sobre os produtos que saiam da Paraíba em um monopólio que só piorou a situação pela qual passava a capitania Nas palavras de Archimedes Cavalcanti a Companhia levou a capitania à exaustão emprestandolhe capitais com grande usura e tomandolhe os produtos a preço baixo em uma lógica mantida ferreamente durante os cerca de vinte anos de monopólio e exploração 1972 p20 A Companhia do Comércio representava um instrumento de recolonização com o qual a metrópole expropriava as riquezas do Norte33 A população também sofreu com as secas de 1791 1792 e 1793 Esta calamidade afetou principalmente a agricultura que ficou em péssimas condições inclusive com a falta do alimento básico a farinha Através de um relatório enviado à metrópole o governador Fernando Delgado Freire de Castilho ao assumir o cargo em 1798 se mostrou indignado com as condições precárias que encontrou na capitania Reclamava da falta de praticamente tudo rendas esgotadas os engenhos sem a mãodeobra escrava o atraso na agricultura levando a uma situação na qual os produtos eram vendidos a preços ínfimos E para piorar as mercadorias que vinham do sertão passavam direto para o Recife ALMEIDA 1978 p8734 É um relato carregado de sentidos porque o governador queria mostrar a necessidade de sair da dependência de Pernambuco e como a anexação era prejudicial à Coroa que não estava obtendo rendas com a Paraíba Tentando aliviar a situação econômica Castilho promoveu uma série de melhorias no manejo do açúcar e do algodão além de reunir a safra de açúcar e tentar exportála pelo porto da Paraíba em navios solicitados ao 33 A Companhia foi extinta em 1780 34 O governador ficou no cargo até 1802 68 Reino A tentativa não foi bem sucedida pois o porto só voltaria a exportar com um relativo sucesso em 1814 após a chegada de um comerciante inglês Maclachan que dispunha de recursos para competir com os comerciantes de Pernambuco os quais já acostumados com o monopólio da praça do Recife não viam com bons olhos a concorrência do inglês Fizeram até mesmo um requerimento ao governo da Paraíba pedindo a expulsão do comerciante mas não obtiveram êxito e receberam uma resposta negativa Produtos como o tabaco o couro o algodão o açúcar a madeira entre outros eram transportados em navios vindos da Inglaterra Estes subiam o rio Paraíba atracavam no Sanhauá e abasteciam no Varadouro ALMEIDA 1978 p89 Este período de recessão generalizada só foi aliviado com o aumento da exportação do algodão A capitania se recuperou aos poucos com um produto que se destacava no mercado internacional Com a produção e exportação do algodão em alta os produtores da mata sul assumiam um lugar na sociedade que até então era dominada pelos açucarocratas É bem verdade que alguns desses produtores de algodão tinham uma atividade econômica diversificada vendendo o açúcar quando estava com bons preços e no momento que este produto estava em baixa explorando a cultura algodoeira O século XIX já se iniciou com uma grande seca e o preço do alqueire da farinha era vendido pelo valor de 4000 a 6000 na capital e 12000 a 18000 no sertão PINTO 1977 p229 Em 1802 a população da capitania tinha a seguinte composição étnica 35 Foi nesta região mais precisamente em Itabaiana que a insurreição de 1817 eclodiu em primeiro lugar Algumas lideranças do movimento eram oriundas da mata sul onde se discutiam as idéias de fundar uma república e lutar contra o monopólio lusitano 69 Quadro I Composição da População da Parahiba do Norte 1802 Composição Nº habitantes Brancos 15954 3138 Mulatos 18068 3554 Pretos 13469 2649 Índios 3344 657 TOTAL 50835 10000 Fonte Apud LEITE 1987 p40 AHU Lisboa Tabelas Gerais estatísticas da Povoação culturas e importação desta capitania dirigida à Secretaria da Marinha e dos Domínios Ultramarinos manuscrito Maço 4 Paraíba 17031802 Através desse quadro elaborado no governo de Luiz da Mota Feo observase que a população era formada por brancos mulatos negros e índios Um dado revelador é a alta proporção de mulatos livres 3554 em relação ao total da população o que não escapou ao olhar atento do comerciante Henri Koster as pessoas de cor que habitam os trechos da região que visitei são mais numerosas do que previrã 2002 p78 Dez anos após o relatório do governo Feo a população de mulatos e negros livres era ainda maior PINTO 1977 p242 Através de um recenseamento estimase que a população contava em 1812 com os seguintes números na população livre 36002 brancos 3301 índios 7510 negros e 35349 mulatos quanto aos escravizados 2507 mulatos e 10481 negros Em um contexto mais geral a partir de 1808 com a transmigração da Corte portuguesa para o Brasil o Rio de Janeiro se transformou na 70 sede do aparelho governamental a transferência de órgãos administrativos metropolitanos e a criação de todo um aparato típico de uma cidade grande como bibliotecas jardim botânico jornais só para citar alguns exemplos transformaram o Rio na capital do império português Há mudanças e permanências nas instituições de monopólios comerciais e restrições industriais bem de acordo com a lógica do sistema colonial com os tratados assinados com a Inglaterra um de Aliança e Amizade e outro de Comércio e Navegação em 1810 É nesse contexto de perda do exclusivo colonial bem como de saída da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro que Portugal passou a se sentir relegado a um segundo plano com uma situação que ficou conhecida como a inversão brasileira MONTEIRO 1990 p112 Um descontentamento que se agravou em 1815 com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves Decisão tomada no Congresso de Viena que assegurou a permanência da Corte no Rio de Janeiro Outra situação que veio reforçar o peso político do Rio foi o ato de aclamação de D João VI em 6 de fevereiro de 1818 causando uma profunda mágoa entre os lusitanos que moravam em Portugal NEVES e MACHADO 1999 p63 Já em 1817 do outro lado do Atlântico o Império enfrentava o movimento liderado por Gomes Freire de Andrade o que denota a fragilidade da união lusobrasileira Em Lisboa alguns panfletos começaram a ser divulgados contra o governo do marechal Beresford militares se uniram para afastar os oficiais ingleses instalados desde a invasão de Junor e reorganizar a estrutura administrativa do Estado e o comércio O movimento nasceu em abril e era formado basicamente por militares de todos os escalões que já se conheciam do exército Outros segmentos da sociedade também fizeram parte caso o caso da presença de um bacharel e de um arquiteto além de elementos da nobreza representada por um conde e um barão entre outros 71 Conhecido por Gomes Freire de Andrade o movimento logo foi reprimido Na repressão foram apreendidos papéis de uma organização secreta de forte teor maçônico da qual Andrade fazia parte junto com outros membros em oposição ao soberano com a justificativa de que o rei havia esquecido o seu país de origem de Portugal Sobre esse período cabe lembrar a crise pela qual Portugal passava no final do século XVIII e início do XIX no contexto de uma crise geral européia provocada pelas guerras napoleônicas que abalou o sistema colonial Com a invasão de Portugal por tropas francesas a Família Real acompanhada de sua Corte deixou Lisboa em fins de 1807 sob a proteção de navios ingleses chegando ao Brasil em 1808 Como chama a atenção Maria de Lourdes Vianna Lyra a mudança da sede da Corte também significou uma estratégia da política reformista ilustrada no sentido de evitar maiores transtornos com as ideias revolucionárias que circulavam na Europa Dessa forma a instalação da Corte no Rio de Janeiro garantia um fortalecimento do poder monárquico 2000 p1011 Com a política de domínio inglês o general Beresford assumiu o poder após a expulsão dos franceses de Portugal Nesse momento a Corte estava sediada no Rio de Janeiro e o Brasil fazia parte do Reino Unido de Portugal e Algarves Era uma inusitada situação de emancipação dos laços coloniais que política e ideologicamente seguia caminhos diferentes no resto do continente americano com suas tendências republicanas e revolucionárias O Brasil contrariando este movimento mais geral de 36 Segundo Iara Lis Souza o general Gomes Freire de Andrade não teria iniciado o movimento mas como se tratava de um homem da elite maçom altamente graduado e veterano de guerra tinha todos os prérequisitos para ser eleito e considerado líder Um homem com essas qualidades controlaria a revolta mantendo a ordem e limites dessa forma evitando a desordem e a anarquia o grande temor da época 1999 p 64 37 Lyra mostra como a ideia da transferência da Corte para o Brasil não era nova e não foi uma decisão tomada às pressas ao contrário do que geralmente é visto na historiografia é uma hipótese que remonta ao século XVI 72 formação de países politicamente independentes mantevese unido à metrópole mesmo libertandose da subordinação colonial Esses homens que lutaram em Portugal no ano de 1817 se opuseram às más condições do exército com seus baixos salários e novos recrutamentos além de expressarem uma reclamação constante de que os melhores cargos ficavam nas mãos dos ingleses que estavam no poder desde a derrota de Napoleão Bonaparte em 1815 e que deveriam ter sido substituídos por portugueses SOUZA 1999 p65 Semelhantes reivindicações só que em outro contexto faziam parte das solicitações das pessoas que lutaram no Norte do Brasil contra o domínio português em 1817 Mas as comparações cessam por aí Diferente das aspirações dos insurretos das províncias do Norte do Brasil os rebeldes portugueses não queriam fundar uma república e sim uma monarquia constitucional que restaurasse a ordem de um tempo de outrora 22 A CAUSA DA NOSSA PÁTRIA DAS NOSSAS FAMÍLIAS E PROPRIEDADES Nós os comandantes das forças que atualmente há nesta cidade temos acudido desamparada a causa da nossa Pátria das nossas famílias e propriedades e causa por todas as razões comum a todos e em que todos nos devemos interessar38 Naquele mesmo ano de 1817 a partir de março chegavam as primeiras notícias ainda que confusas de que havia muita desordem no Recife Na noite do dia 07 através de portugueses que aportaram na cidade 38 Carta assinada pelo Comandante em chefe da Força Armada Estevão Carneiro da Cunha e pelo Coronel Amaro Gomes Coutinho pedindo auxílio ao Coronel do Regimento de Cavalaria Miliciana Mathias da Garna Cabral Vasconcelos 13031817 Documentos Históricos da Biblioteca Nacional volume CI doc nº 13 p2122 Grifos meus 73 da Parahyba os boatos davam conta de que a província vizinha vivia um estado de anarquia mas não se conhecia ainda o caráter do movimento No entanto temendo uma invasão o governo da Paraíba ordenou aos comandantes do litoral uma atenção redobrada e um patrulhamento ostensivo nas divisas com Pernambuco No dia seguinte o governo recebeu um comunicado do quartel da vila de Goiana informando a necessidade de se evitar que a desordem funesta chegasse até a capital e convocou a população a jurar fidelidade à Coroa PINTO 1977 p25239 A segurança da província ficou a cargo do Tenente Coronel de Infantaria Estevão Carneiro da Cunha e do seu cunhado o Coronel de Milícias de Brancos Amaro Gomes Coutinho A vila do Recife já estava sob um novo governo republicano desde o dia 06 de março com uma ação que representou um passo significativo no processo de descolonização Deflagrado contra a dominação portuguesa o processo atingiu primeiramente a província de maior representatividade políticoeconômica da região Pernambuco espalhandose depois por outras províncias do Norte40 O conflito tinha suas origens no século XVIII e início do XIX devido à crise generalizada que abalou a ordem estabelecida e atingiu diretamente o Império português Pernambuco no final do século XVIII era uma das capitanias que ocupavam uma posição de destaque na exportação do açúcar e do algodão41 As mudanças conjunturais começaram a ocorrer com a invasão das tropas napoleônicas em Portugal e conseqüentemente a transmigração da Família Real para o Brasil trazendo logo em seguida a abertura dos portos ao comércio internacional o que acarretou um prejuízo para a economia 39 O acesso à província só era permitido a pessoas que portassem autorização A defesa se fez presente nas localidades de Tambaú Lucena Cabedelo Alagoa Grande Jacoca vila do Conde e Mata Redonda 40 Segundo Mota a eclosão do movimento estava marcada para o dia 16 de março mas foi antecipada devido ao conflito entre militares brasileiros e portugueses na Fortaleza das Cinco Pontas que resultou na morte do brigadeiro português Barbosa de Castro e de seu ajudante de Ordenas o TenenteCoronel Alexandre Tomás 1972 p51 41 Pernambuco alternava o segundo e terceiro lugar com a Bahia suplantado apenas pelo Rio de Janeiro 74 portuguesa que detinha o monopólio de compra e venda dos produtos da Colônia A partir dessas novas bases passou a ocorrer um intercâmbio comercial intenso não mais lastreado no exclusivismo português mas no tratado de comércio com a Inglaterra 1810 Por outro lado as províncias do Norte passaram a sofrer com as cobranças de altas taxas de impostos enviados ao Rio de Janeiro para manterem o status quo da reorganização social com a vinda da Corte LEITE 1988 Até as primeiras décadas do século XIX o açúcar ocupava o primeiro lugar da pauta de exportações seguido pelo algodão Estes produtos destinavamse tanto ao consumo do Reino quanto de outras regiões européias No que diz respeito à produção algodoeira Pernambuco e Maranhão detinham a primazia na exportação para Portugal que fazia a distribuição para outros mercados como o inglês e o francês A partir de 1814 e 1815 com a retomada e recuperação do comércio português que sofria com os prejuízos desde 1808 teve início uma crise gerada pelos comerciantes lusitanos que queriam reaver os antigos monopólios Havia uma tensão permanente entre produtores e distribuidores entre fazendeiros de açúcar e comerciantes na disputa do usufruto dos lucros da agroexportação Os produtores brasileiros contestavam a retomada dos privilégios dos comerciantes portugueses e a crescente concentração de capital principalmente depois de experimentarem as vantagens do comércio livre a partir do qual se criou a expectativa de estabelecerem vínculos mais estreitos com a economia mundial em expansão Essas contradições econômicas políticas e sociais somadas aos problemas do setor produtivo forjaram as bases da eclosão da insurreição de 1817 COSTA 1988 p71 É sabido pela farta referência na documentação e na literatura que especificamente nos anos de 1790 1793 1798 1800 1803 e 1816 as secas haviam sido violentas aumentando a crise econômica em um período de recessão generalizada Uma crise que atingia em cheio também as camadas menos favorecidas da população com a escassez de alimentos de subsistência como a farinha Essa crise também afetava a Paraíba pois nessa conjuntura de mudanças a província aderiu ao movimento de contestação política que eclodiu em março de 1817 com um lema que deixava claro os interesses e valores dos líderes a pátria a família e a propriedade o que demonstra o caráter elitista da insurreição apesar da presença de um enorme contingente de uma população livre pobre e de escravizados A província era governada desde 1815 por um triunvirato este composto pelo Ouvidor Geral André Alves Pereira Ribeiro e Cirne o Tenente Coronel Adjunto de Ordens Francisco José da Silveira e o mais velho representante da Câmara dos vereadores Manuel José Ribeiro de Almeida em substituição ao falecido governante Antônio Caetano Pereira42 Com o alarme trazido pelas pessoas que saíram às pressas do Recife o governo mandou bloquear as saídas da província e convocou todos os comandantes para ficarem de prontidão com tropa disponível conforme já referido Foi feita uma reunião no Palácio das Audiências em que ficou decidido convidar para comandarem as tropas os oficiais Amaro Gomes Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha Para Archimedes Cavalcanti a incorporação destes dois homens foi importante pois Além de cunhados e abastados proprietários dispondo de muitos trabalhadores dependentes que lhes seriam de grande utilidade em semelhante emergência eram fervorosos adeptos dos pleitos emancipaçionistas republicanos de quatro costados amigos íntimos e irmãos em fé democrática do intimorato Silveira 1970 p1943 Portanto foi essencial a solidariedade familiar desses homens de posses para arregimentar trabalhadores dependentes que compunham uma parcela significativa das tropas militares formando verdadeiros exércitos que lutaram nos confrontos mais sangrentos As ideias revolucionárias chegavam à Paraíba através de alguns estudantes que haviam freqüentado as universidades de Coimbra em Portugal e Montpellier na França a exemplo de Manuel de Arruda Câmara NEVES 2003 p3144 que teve o apoio financeiro do pai em seus estudos Essas influências vinham diretamente da França e dos Estados Unidos importadas a partir de meados do século XVIII Era uma atmosfera mental que tinha suas bases na literatura45 e nas constituições francesas de 1791 1793 e 1795 bem como na Constituição norteamericana Foi através desses influxos que os insurretos procuraram modelos para a sua revolução No Brasil o Seminário de Olinda fundado em 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho foi um dos principais divulgadores do germe do liberalismo da cultura das luzes O processo de descolonização e as reivindicações das camadas dominantes iam de acordo com as aspirações de independência dos estudantes grupo formado pelos filhos das elites e liderança intelectual do movimento Na relação dos primeiros alunos do Seminário constam os nomes dos padres José Ferreira Nobre líder da insurreição na vila de Pombal e Antônio Pereira de Albuquerque que liderou em Pilar entre tantos outros Logo depois Estevão Carneiro da Cunha foi matriculado na turma de Geometria enquanto os padres estudavam latim e filosofia Alguns desses estudantes já haviam frequentado o Areópago de Itambé fundado por Manoel de Arruda Câmara lugar conhecido desde o final do século XVIII Um espaço em que os mais letrados se reuniam para debater os novos ideais importados da França e dos Estados Unidos Vale lembrar que foi pela proximidade estratégica da vila de Goiana com Paraíba e Pernambuco que Arruda Câmara escolheu Itambé para a propagação das ideias liberais Nas palavras de Maximiano Lopes Machado o Areópago se constituiu em uma sociedade política secreta frequentada por pessoas salientes de uma ou de outra parte e donde saíam como de um centro para periferia sem ressalto nem arruídos as doutrinas ensinadas Eram homens que teriam feito parte do Areópago de Itambé entre outros André Dias de Figueiredo Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque e o padre João Ribeiro Pessoa homens que lideraram a insurreição em Pernambuco e Paraíba Na Paraíba as vilas do litoral sul foram as primeiras a terem acesso às notícias oficiais da vila do Recife e no dia 09 de março Itabaiana ficou com a incumbência de divulgálas para outras vilas como Pilar Conde e Alhandra que serviram de núcleo de articulação entre Pernambuco e a capital paraibana graças à proximidade territorial Nesse mesmo dia a família Figueiredo e seus agregados partiram para dar a notícia na vila de Pilar de que em Itabaiana as tropas estavam se formando para atacar a capital paraibana Pretendiam defender a pátria com o seu sangue com as suas armas com o seu dinheiro e tudo pois não seriam mais governados por uns poucos marotos que vinham de fora e que daqui adiante haviam de ser governados por homens de cá O documento deixa transparecer o sentimento de indignação dos brasileiros por serem governados por portugueses André Dias de Figueiredo em revista às tropas solicitou a todos que trouxessem seus filhos e suas famílias para lutarem em defesa da pátria Ele próprio dá o exemplo com seus filhos lutando pelo governo republicano o padre Antônio Pereira de Albuquerque José Jerônimo de Lima e Francisco Xavier Este último era Alferes e Comandante da Companhia que marchava para a cidade vindo de Itabaiana com mais de cem homens O exemplo foi seguido nas vilas de Pilar Itabaiana e Pedras de Fogo por José Jerônimo de Lima que solicitava aos pais trazerem seus filhos para a luta Um morador da vila de Pilar Luiz Ferreira ofereceu seu filho de sete anos de idade e convocou a muitos para que sacrificassem seus filhos Com praça montada em Pilar os homens destruíram os símbolos reais e a bandeira foi rasgada deixaram alguns pedaços dispersos pela rua para serem pisados pelo povo segundo o relato de um índio que testemunhou o desacato e horroroso crime Em seguida esperaram que José Jerônimo fosse até Pedras de Fogo notificar ao comandante Joaquim Carneiro passando por Gramame para comparecer juntamente com a sua companhia até a vila de Pilar em combate às tropas realistas As famílias das camadas mais ricas começaram a se armar contra o governo legalista O grupo familiar de André Dias de Figueiredo tivera pleno acesso às ideias discutidas no Areópago Dono do engenho Angico Torto termo da vila de Pilar e chefe de uma grande família Figueiredo vivia cercado de filhos e parentes O desempenho e a união do grupo familiar foram essenciais para a divulgação do movimento O padre Antônio Pereira de Albuquerque filho de André de Figueiredo ensinava latim na vila de Pilar sendo parente e amigo do padre João Ribeiro um dos mentores dos ideais liberais em Pernambuco e discípulo de Arruda Câmara Todos receberam influências da maçonaria As ideias eram propagadas através das sociedades secretas desde o final do século XVIII e as Academias e lojas maçônicas eram pontos de reunião e discussão Em um período de expansão do liberalismo as ideias eram adaptadas às realidades locais nos trópicos adquiriram uma roupagem própria FERRAZ 1996 LEITE 1989 Com um significado mais restrito os princípios liberais no Brasil foram assimilados pelos setores que pertenciam às categorias rurais e sua clientela o que mostra o seu caráter peculiar em relação ao liberalismo europeu em que a burguesia lutava contra os privilégios da aristocracia e da realeza LEITE 1989 p3031 Em Itabaiana levantouse a bandeira da república no dia 12 de março em seguida partiram para Pilar o capitão João Batista do Rego Cavalcanti e Manoel Clemente Cavalcanti lá chegando com um grupo de homens armados gritando pelas ruas que estavam livres do jugo português Nessa Vila assumiram o poder as famílias de André Dias de Figueiredo e Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão De Pilar o grupo seguiu para a cidade da Parahyba Na capital o governo ficou sob a responsabilidade de Amaro Gomes Coutinho e Estevão Carneiro da Cunha membros da elite e oficiais militares Dono de uma propriedade localizada no Varadouro onde atualmente fica o bairro do Baixo Roger na capital paraibana o Coronel Amaro Gomes Coutinho era comandante da tropa de Linha Regimento de Milícias de Brancos O TenenteCoronel Estevão Carneiro da Cunha era proprietário do engenho Tibiri no local que hoje é parte da cidade de Santa Rita Esses homens mantinham correspondências com Pernambuco e com algumas vilas paraibanas principalmente Pilar e Itabaiana Os dois assumiram o poder provisoriamente para garantir e segundo eles defender as nossas vidas e propriedades bem como para prevenir os insultos o crime o desenfreio e tudo quanto há de pior e que era de esperar em uma cidade desamparada de governo São essas as razões expostas para permanecerem no poder uma ação entre parentes e amigos No dia 12 de março o representante do governo realista Ouvidor Geral Ribeiro Cirne teve sua casa cercada pelos insurretos e resolveu sair da capital passando por Cabedelo e Mamanguape em direção ao sertão Ao chegar à vila de Sousa procurou o chefe local na fazenda Acauã o padre Luiz José Corrêa de Sá que o hospedou em seguida se dirigiu para Piancó Dois dias depois da saída o padre enviou uma carta aos patriotas da vila de Pombal dando ordens para prenderem o Ouvidor e remeteremno à capital bem como ordenovos façais prender a todos os que forem cabeças e não quiserem estar em defesa da nossa amada Pátria Com a saída do Ouvidor algumas famílias temendo a revolução deixaram a capital em direção ao interior No dia 13 de março a notícia espalhouse pela cidade da Parahyba cuja população à época era de cerca de quatro mil habitantes Foi quando os defensores do governo monárquico começaram a se articular para evitar a entrada dos revolucionários No comando dos realistas estava o Major Francisco Inácio do Vale que naquele momento não obteve resultados com os militares Enquanto os comandantes Coutinho e Cunha se reuniam na Rua Nova em um prédio ao lado do Mosteiro de São Bento chegava o ajudante de ordens José Peregrino de Carvalho portando uma arma na mão dizendo estar preparado para experimentar o bacamarte Com a batida dos tambores as pessoas corriam às janelas para ver o desfile das tropas pela cidade da Parahyba O restante da população que ficou na capital recebeu fitas brancas que eram colocadas no braço direito e a bandeira branca do governo provisório Uma nova representação da liturgia do poder começava a aparecer Gomes Coutinho e Carneiro da Cunha seguiram até a Sala das Audiências e comunicaram que era necessário estabelecer um novo governo já que o antigo havia fugido e porque não queremos mais Rei e sim a nossa República apud CAVALCANTI 1970 p 25 Foram redigidos os termos da renúncia do antigo governo e sob gritos de vivas a liberdade a igreja e a pátria a República foi proclamada no dia 13 de março Nessa sessão Gomes Coutinho correu as ruas com vivas à pátria passou pela cadeia com uma bandeira branca com muita gente todos dançando em um ritual Alves Ribeiro e Cirne 270471817 DH v CII doc nº 81 p 200 Essa ordem foi contestada pelo padre Corrêa de Sá à época da Devassa com a alegação de ter sido o único amigo do Ouvidor que lhe dera abrigo com essa justificativa e o testemunho de Ribeiro e Cirne o padre iria garantir a liberação dos seus bens e uma pena mais branda No entanto não era segredo a sua liderança na insurreição Relação nominal e com as culpas dos Réus acusados de terem tomado parte da revolta de 6 de março DH v CVI doc nº 9 p 227 de manifestação social que traz à tona toda uma simbologia do poder na nova ordem que se estabelecia A junta revolucionária era formada pelos filhos das famílias mais abastadas o que frequentemente ocasionava tensões intrafamiliares na medida em que isso se constituía em um desafio ao poder patriarcal Para o padre Muniz Tavares foram escolhidos alguns filhos de família e excluindo os pais destes que aí se achavam presentes os quais estupefatos viram aqueles encerraremse em uma sala 1969 pp789 para a escolha do governo provisório Segundo Tavares os pais que não assumiram o poder mas controlavam as milícias e alguns com o orgulho ferido ficaram esperando que os filhos cometesse um erro para assumirem o controle da situação No dia 15 entrou na capital um exército de cerca de dois mil homens vindos das vilas de Pilar e Itabaiana armados e portando fitas brancas símbolo da liberdade e da república Conseguir arrgimentar todos esses homens denota o poder desses grupos de amigos que se aliaram para defender os seus parentes amigos e suas propriedades Esses homens que compunham as tropas vinham de diversos setores da sociedade eram escravizados trazidos pelos seus donos homens livres pobres libertos e índios A noite foi servido um banquete no convento de São Bento No jantar o entusiasmo da tropa ficava claro com os gritos e saudações patrióticas Estavam presentes Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e vários membros de sua influente família dentre eles Manuel Lobo de Miranda O padre Muniz Tavares foi testemunha ocular em Recife e participou como patriota em 1817 Sempre se discutiu a forte presença dos senhores de engenho em 1801 1817 e 1824 Evaldo Cabral de Mello 2003 analisa a participação desse segmento social na insurreição de 1817 e mostra como os açucarocratas da mata sul da Paraíba que também eram produtores de algodão se envolveram na defesa da liberdade de comércio Na documentação dos autos da devassa pode ser observado o grande número de engenhos situados nessa região depois confiscados devido ao envolvimento de seus proprietários Henriques genro do Tenentecoronel Silveira José Castor e Pedro Barbosa C de Albuquerque Maranhão CAVALCANTI 1970 p99 No dia seguinte realizouse uma reunião no Palácio do Governo com a presença dos líderes de outras vilas bem como eclesiásticos funcionários públicos e militares Após a votação cinco membros formaram a junta dirigente do governo provisório Francisco José da Silveira Francisco Xavier Monteiro da França o padre Antônio Pereira de Albuquerque Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e Augusto Xavier de Carvalho Foram enviadas cartas à população que morava no campo em agradecimento pelo zelo e prontidão com que correm gostosos a uniremse e anunciando as novas medidas do governo provisório Esta medida mostra o caráter rural do movimento na província As novas leis começaram a ser publicadas após a reunião De início foram extintos os cargos de Ouvidor Geral e Juiz de Fora funções que passaram a ser exercidas pelos Juízes Ordinários Criaramse leis para abolir a Ouvidoria e as Câmaras os impostos sobre as carnes verdes lojas e tavernas reduzir pela metade os direitos da alfândega estabelecer igualdade entre 57 58 59 60 estrangeiros e brasileiros suprimir as insígnias reais61 trocar as patentes62 perdoar e soltar os criminosos63 remover o gado para o interior e não mais criálo solto64 perdoar a metade dos direitos de exportação do algodão cunhar uma nova moeda uniformizando a de cobre65 conceder novas sesmarias e regulamentar a administração dos índios Medidas que tinham como propósito romper com a Coroa portuguesa e o sistema colonial Essas leis causaram estranheza ao padre João Ribeiro Pessoa um dos chefes da insurreição em Pernambuco Sobre a lei que abolía as Câmaras66 o padre a considerava um absurdo em toda a extensão da palavra pois como é que a população iria ser representada se vós não tivésseis feito isto por mera ignorância deverieis ter sido apunhalado pelo povo da Paraíba no dia em que promulgastes tão horrível lei que os triunviros de Roma não se atreveriam a promulgar Uma lei que atingia em cheio o sistema administrativo de municipalidade bem como o aspecto de representatividade do poder local Essa medida mostra uma certa confusão ideológica dos líderes do movimento por que abolir as Câmaras Talvez por consideraremnas um símbolo do Antigo Regime O padre João Ribeiro estava correto ao considerar essa lei como sendo absurda e um erro estratégico pois eram nas Câmaras que estavam representadas as elites locais O padre ainda alertava para o cuidado com algumas das dezessete leis tendo em vista que a Parahiba é tão vizinha de Pernambuco os hábitos e costumes dos seus habitantes são tão semelhantes que convierem a uma convívio necessariamente a outra Provincia e sendo assim o governo melhor faria 61 62 63 64 65 66 67 copiandonos do que inventando precipitadamente em risco de errar A mais problemática segundo o padre era a 5ª Lei pois igualava os direitos da alfândega entre as nações estrangeiras reduzindo pela metade o imposto pago Vale lembrar que a 18 de março na Paraíba os portos foram abertos sob o comando de Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão colocando em prática o decreto que considerava no mesmo nível alfandegário nacionais e estrangeiros e a partir desse dia ficava decretado o pagamento de metade somente dos direitos que dantes se cobrava A meta a ser atingida era a ampliação do comércio que sobrevivia em situação precária desde muito cedo vinculado a Pernambuco o escoamento da produção via o porto do Recife e a articulação das vilas do interior com esta província Cabe lembrar o interesse estabelecido de Pernambuco desde a expulsão dos holandeses passando pela anexação e a crise gerada também pelos fatores geográficos como o empecilho natural que era a serra da Borborema como pode ser observado mais adiante no primeiro mapa Isto levou o padre a perguntar com que dinheiro pretende sustentar as tropas da Parahiba E completando o raciocínio apresenta as qualidades dos membros que compõem o governo de Pernambuco como sendo conhecidos por seus talentos e luzes que são habilíssimos negociantes e conhecedores das finanças e das tarifas alfandegárias Por esta razão o padre alerta para que na Paraíba não se fizesse nada sem a consulta de homens tão hábeis como eram os que compunham o seu governo O decreto sobre o perdão da metade dos direitos de exportação do algodão é considerado um desarasoado desperdício esta lei como a outra deve ser revogada já E quando o assunto é a lei que reserva exclusivamente a venda do paubrasil aos governantes locais tirando o monopólio do Estado considera que esta lei foi feita de um muro apud PINTO 1977 p259263 Mas o padre também receu algu 68 69 elogios para as leis de remoção do gado para o interior e a abolição das insígnias reais entre outras Ao final da carta sugere uma só República formada pela união de Pernambuco Paraíba Rio Grande do Norte e Ceará que poderia dar certo pois estas províncias estão tão compenetradas e ligadas em identidade de interesses e relações que não se podem separar Mas era preciso ter uma cidade central que pelo menos diste 30 a 40 léguas da costa do mar para residência do Congresso e do Governo tomai isto em séria consideração um local fértil sadio e abundante de boas agoas para semelhante fundação e cumpria que essa capital fosse na Paraíba apud PINTO 1970 p263 Essa dificuldade de entendimento com relação às leis que deveriam reger a república e às críticas feitas pelas lideranças de Pernambuco ao governo da Paraíba mostra a desarticulação dentro do movimento a sua dimensão localista e a tentativa dos pernambucanos de controlarem a Paraíba No dia 17 de março o governo provisório lançou uma proclamação à população local Ao expor a situação da Paraíba começava mostrando que após passarem por muitos vexames em queixas não atendidas pelo Ministério do Rio de Janeiro resolveram seguir os passos dos pernambucanos levantando a bandeira da paz e da tranqüilidade fazendo tremer a tirania E argumentava que com a ajuda dos habitantes locais os conselhos serão ouvidos com os vossos braços a Pátria o espera com o vosso comércio e agricultura são os sustentáculos da nação Clamava para que a população acordasse do letargo em que nos achávamos e abríssemos os olhos ao pesado jugo a que éramos sujeitos do Rei de Portugal e de seus magistrados que eram déspotas e que fizéssemos uma união de compatriotas e já nos havemos liberto do acérrimo cativeiro de tantos anos somos vassalos da Pátria69 Na construção discursiva e na visão de uma parcela da população do Norte essa proclamação pretendia alertar sobre a situação de letargia em que o governo português lançara o Brasil tendo como consequência o cativeiro Para se libertar desse jugo de centralização da Corte no Rio sobre o Norte só com a união entre os compatriotas Mesmo aludindo a uma pretensa liberdade do jugo português resquícios do velho pensamento permaneciam na ideia de ser vassalo agora não mais do rei e sim do governo republicano e da pátria A referência à vassalagem está presente nos discursos revolucionários mas a diferença é que naquele momento os insurretos queriam ser vassalos de si próprios Com uma nova conotação passavam a ser vassalos de uma pátria Segundo Iara Lis Carvalho de Souza era a ideia de um corpo político baseado na soberania do povo uma pátria como espaço da terra da vivência Era um termo carregado de tradição e permanências de um regime que os revolucionários queriam abolir e não conseguiam É um fato que mostra as contradições e ambigüidades entre a prática de vassalagem e do cidadão na república Por outro lado não se pode esquecer como as pessoas pensavam a mudança muitas vezes com categorias mentais antigas o que acontecia neste caso MOTA 1972 p79 As lideranças do movimento foram responsáveis pela articulação e difusão das ideias Os pais de famílias eram convidados para se alistarem nas tropas e trazerem seus filhos pois todos aqueles que voluntariamente se prestarem a assentar praça servirão somente cinco anos da obrigação a pátria depois estariam isentos de servirem nas tropas de linha Quanto àqueles que não atendessem ao chamado ficariam impossibilitados de ocupar algum posto ou cargo no governo republicano e de gozar prerrogativa de cidadão ou seja a cidadania estava reservada aos que aderissem e apoiassem o movimento70 O aumento do pagamento do soldo fora utilizado como estratégia para garantir um maior número possível de homens nas tropas No Recife o governo republicano pagava a quantia de 100 réis a cada soldado além da ração de carne e farinha para aqueles que se alistassem enquanto os oficiais tiveram um aumento considerável no soldo Essas ofertas eram atrativas e bem vistas principalmente pelas péssimas condições que os soldados enfrentavam uma situação que não era nova pouca comida e um soldo miserável quando o recebiam muitas vezes uma pouca ração era a única fonte de pagamento71 Brancos negros mulatos e índios compunham as tropas somando um total de três mil homens Era uma clientela ativa e predisposta que engrossava as fileiras do movimento Os escravizados eram instigados a se juntarem às tropas com a promessa de alforria pensamento comum entre a pequena ala mais liberal Mas a maioria dos proprietários rurais não tinha a intenção de mudar a estrutura econômica basicamente escravista e temia a enchente escrava Um exemplo foi o caso de Joaquim de Santa Ana um cabraescravo alforriado por Amaro Gomes Coutinho e que lutou ao lado dos patriotas assumindo o posto de tenente da tropa Vale a pena ressaltar aliás que o mesmo preparava sua trincheira com sacas de algodão e ameaçava os soldados brancos que lhes havia de cortar a cabeça72 Nesse ínterim D João VI enviara uma provisão do Rio de Janeiro para o governo interino da Paraíba Nesse documento afirmava ter notícias de uma sedição em Pernambuco com um governo composto de homens rebeldes e que os seus fiéis vassalos deviam manter a tranqüilidade e sossego dos Povos Solicitava o envio de militares de confiança e um official de reconhecido zelo e conhecimentos militares para proteger as divisas e evitar que a sedição se propagasse Para isso era preciso que fosse organizada uma expedição para punir os rebeldes e restituir a ordem na província de Pernambuco Ordenava a nomeação do Coronel Tomas de Sousa Mafra para liderar a contrarevolução e assumir o governo Em Pernambuco foi criada uma nova bandeira Essa bandeira é parte integrante da liturgia do poder com uma composição repleta de significados Amaro Gomes Coutinho assim a definiu O Sol Luminoso Astro que ilumina todos os viventes e muito mais os Iluminados patriotas As três Estrelas a união das três províncias insurgidas que herão Pernambuco Rio Grande do Norte e Paraíba do Norte O Arco Íris significando a paz entre estas três províncias determinada pela união e fraternidade e Maçônica Debaixo de tudo isto estava a Cruz de Christo em vermelho que designava a religião católica porém não Apostólica e Romana como elles mesmos dicerão O Campo da Bandeira era branco e em branco eram todas as insignia Nessa definição Coutinho apresenta a união das três províncias Pernambuco Paraíba e Rio Grande do Norte e a fraternidade baseada nos princípios maçônicos como argumentos que reforçam a preparação das Províncias do Norte para lutarem contra o poder estabelecido o que significava portanto que não temiam o domínio português A intenção era formar um governo provisório especificamente paraibano mas que logo se associaria ao de Pernambuco com a formação de um governo central comum BERBEL 2003 p357 Nas cores da bandeira predominavam o branco e o azul A Igreja que participou ativamente do movimento com uma parcela significativa de padres tinha na cruz vermelha o seu símbolo maior que ficava no meio do espaço branco Fechando a composição da bandeira um sol irradiante símbolos que repersentavam na interpretação de Iara Lis de Souza perspectivas de novos tempos e talvez de uma meta a ser alcançada SOUZA 1999 p7273 A materialização de um novo tempo era representada por exemplo com as mudanças na forma de tratamento e na criação da bandeira Os rituais simbólicos continuaram com a solenidade de apresentação da nova bandeira sagrada em uma cerimônia que contou com a presença dos líderes do movimento e de uma madrinha a filha de Joaquim José da Silveira Fora feito o juramento com a ressalva de que a Paraíba estava adotando a mesma bandeira porém sem a cor azul Portanto a Paraíba igualavase a Pernambuco na defesa da liberdade mas ao preservar o espaço todo branco da bandeira estaria preservando a sua identidade BERBEL 2003 p357 O novo governo precisava inventar uma cena pública um ato inaugural para consagrar os seus símbolos e reforçar as responsabilidades do governo provisório dos patriotas A visibilidade do poder local pode ser observada ao final do evento com um jantar em que estiveram presentes as elites dirigentes do movimento e todos deram vivas à Pátria Religião e Liberdade É bom lembrar que não havia no início do século XIX o sentimento de pátria no sentido de um povo organizado politicamente sob um único governo com a união de todos ou seja a nação O que se tinha eram as chamadas pátrias locais havia pernambucanos paraibanos paulistas entre outros E quanto à liberdade tão ovacionada nos discursos tinha o sentido de uma luta contra o sistema colonial Havia um desentendimento entre europeus como eram chamados os portugueses e brasileiros O grito de mata marinheiros continuava ecoando nas ruas de Pernambuco e Paraíba em represália à opressão presente nos pesados tributos e nos recrutamentos forçados representada pelo absolutismo do governo bragantino TOLLENERE 1978 A imposição de novos impostos sem trazer benefícios para os contribuintes bem como o aumento do custo de vida e a decadência financeira de alguns produtores de gado alimentaram um forte sentimento antilusitano Na Paraíba todas as propriedades dos considerados portugueses foram embargadas para segurança das propriedades dos nossos patriotas que hajam de ser embargadas pelo governo português A perspectiva era de que o embargo durasse enquanto o governo realista não mostrasse que adota medidas de liberalidade e boa fé 75 isto porque as propriedades dos patriotas estavam sendo confiscadas Um conflito típico do momento da descolonização portanto defender a propriedade significava defender a sua pátria explicitandose um antagonismo entre portugueses e patriotas que fica claro no decreto composto por doze artigos assinado pelos líderes do movimento estipulando que o embargo duraria somente enquanto o governo português garantisse a isenção na apreensão das propriedades dos patriotas segundo o artigo 10 de 09 de abril de 181776 A liberalidade do sistema exigida pelos insurretos era uma forma de garantir a propriedade o que mostra que a questão da propriedade estava no cerne dos antagonismos gerados e contra o poder central MOTA 1972 p96 A defesa da pátria local era recorrente nos discursos dos patriotas No momento que chegava a notícia de que os realistas estavam prestes a entrar na capital paraibana o novo tesoureiro das finanças Xavier de Carvalho foi até o porto do Varadouro e fez um discurso animando e elogiando as tropas que iam para o Rio Grande do Norte solicitando mais escravos para a defesa do território Também saiu às ruas pelas casas fazendo assinar pelas famílias em que persuadia as mulheres a prestarse ao serviço da Pátria naquilo que fosse compatível com o seu sexo Era uma fidelidade em defesa da pátria local que exigia a presença de toda a família como aconteceu no Brejo de Areia quando um patriota andava pelas casas com um papel para as mães de famílias se assinarem e obrigarem a prestar a pátria os serviços compatíveis com o seu sexo e isto com a maior atividade muito zeloso do serviço da Pátria Essa iniciativa gerou desconforto às famílias que achavam uma afronta para os moradores locais verem suas mães mulheres e filhas solicitadas para uma tarefa considerada coisa de homem A manifestação de alguns patriotas em defesa da liberdade ou da pátria tornavase agressiva um ativismo revolucionário que mexia com a sociedade doméstica e desafiava a posição das famílias Sob esse aspecto é exemplar o caso de Amaro Gomes Coutinho que se separou da mulher porque esta não gostava da insurreição Há relatos sobre alguém que se dispunha a matar o cunhado porque era europeu português e outro caso do capitão de Henriques Aniceto Ferreira da Conceição este entrou na casa de um homem que não se alistou por se dizer doente e colocou uma faca no seu peito ameaçando matálo por considerálo infiel à pátria Eram homens dispostos a atitudes radicais que preferiam voar sobre um barril 77 Relação nominal e com as culpas dos Réus acusados de terem tomado parte da revolta de 6 de março DH v CVI doc nº 9 p 180181 No governo provisório Xavier de Carvalho ocupou o cargo de Inspetor Tesoureiro das Finanças no entanto no período de Devassa negou qualquer participação voluntária na insurreição inclusive o discurso de sua autoria proferido no Varadouro 78 Idem p178 93 que tornar isto outra vez à mão d ELRei Um perigo que não deixava de fora o patrimônio doméstico no momento em que os patriotas doavam seus bens como engenhos animais mantimentos e dinheiro Para enfrentar as dificuldades os patriotas mais ricos fizeram doações Foi o que aconteceu com Ana Clara de S José Coutinho irmã de Amaro Gomes Coutinho e esposa de Estevão Carneiro da Cunha que ofereceu o seu engenho do Meio com tudo que tinha dentro quarenta escravos quarenta bois e mais utensílios importantes para as despesas Uma mulher considerada poderosa que juntou forças com o seu genro David Leopoldo Targini para apoiar o movimento e conseqüentemente ficar ao lado do seu marido Outra oferta veio do vigário de Mamanguape Veríssimo Machado Freire deixando à disposição dos patriotas um curral com o gado dentro gesto considerado como de tão heróico patriotismo O vigário na época da devassa foi acusado ainda de andar na sua paróquia com espingarda às costas e laço branco no chapéu Uma atitude considerada radical como fora a das pessoas que doaram seus bens para a insurreição 23 FAMÍLIAS CONTRA A ORDEM CONFLITO ARMADO NO INTERIOR DO NORTE Na capitania da Parahiba todas as vilas sem exceção estiveram rebeladas e com grandíssimo entusiasmo pela maldita liberdade 79 Idem p133243 80 Também fizeram doações patriotas que não eram ricos Em Itabaiana eles se juntaram para arrecadar dinheiro e animais bois e vacas no total conseguiram juntar o valor de 1 6625000 e 12 cabeças de gado DH doc nº 109 Rol do dinheiro e modo que se juntou em Itabaiana 81 Carta do Governo Provisório da Paraíba agradecendo vários donativos oferecidos à Causa assinada por António Galdino Alves da Silva Sargentomor das Ordenanças do Pilar 21031817 DH v CI doc n 94 p4546 82 Relação nominal DH v CVI doc n 9 p206 83 Carta de Manuel Inácio Sampaio governador do Ceará ao Conde da Barca relatando a situação das províncias e o êxito das tropas realistas DH v CII doc nº 17 p42 94 O conflito armado no interior da Paraíba não se deu em todas as vilas como afirma a citação acima o que é de se esperar da fala de uma testemunha ligada aos realistas que tinha todo um interesse em relatar de forma exagerada o que estava acontecendo na Província para conseguir mais reforços na luta contra o que a dita testemunha chama de maldita liberdade Mas de fato muitas vilas participaram da insurreição desde o litoral até o sertão Para conseguir braços para a luta armada os dirigentes do movimento cogitaram a possibilidade de aumentar o soldo para aqueles que se alistassem na luta a favor da república e da liberdade Na convocação de pessoas para o alistamento militar os membros do governo provisório reforçaram no discurso os mitos da história de Pernambuco e Paraíba em uma tentativa de atrair os jovens para a luta nas vilas O heroísmo estava tão presente que o próprio Amaro Gomes Coutinho acrescentou Vieira ao seu nome em homenagem ao herói da Restauração de Pernambuco João Fernandes Vieira A partir do dia 25 de março ele passou a se chamar Amaro Gomes Coutinho Vieira numa clara demonstração da simbologia do poder Mocidade paraibana correi voai às bandeiras da liberdade do patriotismo e do heroísmo Alistaivos e deixai os vossos nomes nas páginas das histórias futuras com o distintivo do vosso esforço vejam as nações do universo que os netos dos Vieiras dos Negreiros dos Henrique Dias e dos Camarões imitaram um dia os heróis da Grécia e Roma O novo mundo sabe criar novos heróis 84 Nos Documentos Históricos algumas vilas aparecem com mais frequência Itabaiana Pilar Mamanguape litoral Areia Bananeiras brejo Vila Nova da Rainha atual Campina Grande Sousa Pombal São João sertão 85 Decreto do Governo Provisório concedendo a Amaro Gomes Coutinho o nome de Vieira em louvor a trabalhos prestados à Pátria 25031817 DH v CI doc n 47 p5758 86 Proclamação do Governo Provisório da Paraíba exaltando o povo a pegar em armas pela Causa 22031817 DH vCI doc nº36 p47 95 Nessa liturgia Amaro Gomes Coutinho une os heróis do Norte ao heroísmo clássico de Grécia e Roma e conclama a mocidade paraibana a novos atos de coragem Outra estratégia utilizada para conseguir braços para a luta foi a concessão de patentes a pessoas que não tinham condições financeiras para possuir um cargo já que para ser militar principalmente do alto escalão era necessário ter bens Os que já eram militares podiam subir de posto como no caso do Tenente José Antônio Vila Seca que servia no Regimento de Cavalaria da Ordenança na região do Cariri de Fora e recebeu a patente de Coronel mas não o soldo porém passando a gozar de todos os privilégios e honras militares que lhe competem87 Naquele contexto para um homem da elite que não dependia financeiramente do soldo para sobreviver ter prestígio e status social era muito mais importante pois obter uma patente de Coronel tinha um alto significado na manutenção das bases do poder local Esta era uma herança do Antigo Regime que foi usada pelos insurretos A doação de patentes de oficiais a pessoas que não haviam passado pela hierarquia militar ou seja pelo posto de soldado principalmente aqueles que não se enquadravam no status quo caso citado do exescravo de Coutinho desgostou alguns moradores de Pilar em especial Francisco José de Ávila Bitencourt que preferiu servir em Pernambuco pois considerava a quebra de hierarquia como uma extravagante presunção O militar queixavase reclamando da mudança súbita de posição88 As hierarquias militares nessa nova ordem social que estava se ajustando e em definição foram abaladas o que repercutia diretamente nas estruturas de poder As patentes militares se constituíam em um elemento de prestígio social eram sinônimos de poder e eram frequentes nas famílias abastadas da Paraíba como no caso de Amaro Gomes Coutinho que era Coronel e Comandante da Milícia de Brancos e do seu cunhado Estevão Carneiro da Cunha Comandante da tropa de Linha da capital Ainda como emblema de prestígio social as comendas das ordens de Avis e de Cristo são igualmente representativas pois ter um título como esse conferia uma distinção social bem de acordo com a visão patrimonialista cargos funções comendas e patentes distinguiam aqueles que ocupavam a base do poder local FAORO 1987 Receber esses títulos era para alguns principalmente se fossem portugueses sinônimo de gratidão e lealdade ao rei Veja o que diz José Egídio escrevendo a sua mãe que se encontrava na Bahia eu porém como membro de uma família que por tantos títulos é obrigada ao Nosso Senhor Augusto Monarca tenho rigorosa obrigação de dar mais provas do meu zelo pelo seu Real Serviço89 A lealdade provinha também da parte de brasileiros mas a maioria se considerava abandonada e prejudicada principalmente pelos altos impostos cobrados pela Coroa O descontentamento com os privilégios concedidos aos portugueses e a falta de incentivos às capitaniasprovíncias principalmente com a perda de prestígio do Norte após a transmigração da Família Real gerou um forte sentimento antilusitano até mesmo nas localidades mais longínquas do litoral ou seja nas vilas do sertão Um ponto importante para se entender como o movimento atingiu lugares tão distantes dos centros econômicos e políticos é analisar a ligação das vilas com as capitais das províncias tendo em vista que a notícia do que tinha acontecido no dia 06 de março se espalhou do Recife para o sertão estendendose à Paraíba Ceará e Rio Grande do Norte A comunicação no interior das províncias em alguns casos se fazia através dos caminhos do gado que ajudaram na veiculação e difusão das ideias Há casos de pessoas que iam comercializar e serviam de emissários um comprador de gados vindo da Paraíba foi a casa do próprio sargentomor o qual na verdade nada lhe quis vender mas sempre ficou com o manifesto da insurreição da Paraíba 90 A divulgação neste caso foi feita no caminho da praça de Aracati no Ceará MOTA 1972 p56 Durante os meses de março e abril o comércio de Fortaleza com as outras províncias ficou suspenso A sugestão de Manuel Inácio de Sampaio governador do Ceará era para que os criadores da província não comercializassem seu gado O governador não deu ordens expressas temendo a reação da população mas mandou construir presídios nas principais estradas para embargar a descida do gado caso algum criador quisesse vendêlos para os patriotas91 Havia uma feira de gado muito procurada na vila de Goiana era para lá que muitas mercadorias das províncias vizinhas eram levadas para serem comercializadas Com a vila de Itabaiana sob o comando dos patriotas a efervescência aumentava a cada correspondência que chegava A partir do dia 13 de março momento em que se oficializou a tomada de poder pelos patriotas o sargentomor comandante de Pilar apresentou o decreto do Governo Provisório e ofereceu donativos como milho e farinha e apoio moral aos líderes convocando a população local a pegar em armas em defesa da pátria e da liberdade92 Seguindo as ordens vindas da cidade da Parahyba o comandante de Pilar Antônio Galdino Alves da Silva proibiu o uso de insígnias armas e decorações reais e convidou os oficiais para substituírem as suas patentes por outras passadas pelo governo provisório O prazo para a troca das patentes era de dois meses no máximo para as pessoas que moravam distantes da capital O decreto deixava bem claro que o pagamento dos soldos não sofreria nenhuma mudança Mas no final de março com poucas pessoas se alistando devido às péssimas condições de manutenção dos militares a estratégia do governo para atrair mais braços foi conceder como vantagem o aumento do soldo que foi dobrado O documento continuava apresentando as transformações do novo governo com a substituição do tratamento a perfeita igualdade de cada patriota á respeito dos outros o seguinte como título se porá Patriotas do Governo Provisório e no contexto o tratamento de Vós único que compete aos Patriotas tanto na sua capacidade coletiva como na individual93 A idéia de substituir o tratamento Vossa Mercê por Vós à maneira francesa bem como por Patriota foi pensado para um governo que se pretendia republicano e conseqüentemente buscava romper com qualquer vínculo que lembrasse a Coroa o que estava de acordo com o pensamento liberal do final do século XVIII e início do XIX que tinha como princípio a igualdade jurídica para a população livre Esse patriotismo local ou nativismos para usar um termo empregado por Evaldo Cabral de Mello em seu texto Fabricando a Nação no começo do Oitocentos em que se falava em pátrias e patriotas estava relacionado ao apego a terra ou de lugar onde nasceu Como diria Mello a pátria dos insurretos de 1817 ainda não era o Brasil porquanto para eles a presença do monarca no Rio atava o centrosul à sorte das instituições monárquicas ao menos no curto e no médio prazos caso a república vencesse no norte 2002 p2021 Mas para Márcia Berbel quando os pernambucanos e paraibanos se unem contra o despotismo a Pátria passa a ter uma conotação politicamente definida ou seja pernambucanos e paraibanos parecem ter governos diferentes e pertencerem a uma mesma Pátria e assim buscam uma expressão política para ela na formação de uma única república 2003 p357 93 DH v Cl doc nº 41 p5152 99 Nas proclamações e avisos que circulavam pelas ruas da capital e vilas do interior após a substituição da forma de tratamento usavase o vocativo Patriotas Paraibanos Geralmente ao final dos documentos estava escrito o Primeiro ano da Independência No entanto é bom salientar que o discurso de igualdade esbarrava na escravidão base do regime de trabalho o qual não se tinha intenção de mudar Essa igualdade era válida para os proprietários neste sentido é exemplar o caso da criação da Lei Orgânica94 no Recife quando alguns proprietários indagaram acerca dessa igualdade o que levou imediatamente o governo provisório de Pernambuco a acalmar os ânimos com a seguinte declaração Nutrido em sentimentos generosos não pode jamais acreditar que os homens por mais ou menos tostados degenerassem de original tipo de igualdade Mas está igualmente convencido de que a base de toda a sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade Impelido destas duas forças opostas deseja uma emancipação que não permita mais lavrar entre eles o cancro da escravidão mas desejaa lenta regular e legal apud SOUZA 1999 p7071 grifos meus Percebese no discurso que a igualdade é almejada mesmo que de forma lenta regular e legal mas se fosse para escolher entre igualdade e a propriedade sem sombra de dúvida a segunda era mais respeitada Porém devese lembrar que o direito à propriedade era parte integrante do ideário liberal e não era compatível com a noção de igualdade social Só os cidadãos podiam ser iguais e os escravos não eram considerados cidadãos 94 Criada por Antônio Carlos de Andrada com o intuito de funcionar até a elaboração de uma futura carta provincial a Lei Orgânica pregava a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa 100 A questão da propriedade é complexa A organização política local reflete o padrão da propriedade da terra e os conflitos pela posse e demarcação oficial não eram novos Em 1817 esta situação se agravou a ponto de ser elaborado um decreto ordenando que os proprietários ficassem dentro dos seus limites para evitar que fossem anexadas propriedades alheias o que acontecia com freqüência Portanto a partir do dia 13 de março considerado o 1º da Independência decretavase que não se passariam mais somarias de terras enquanto não estiverem divididas e demarcadas as propriedades atualmente possuídas Os líderes reclamavam que não era o momento para as disputas e questões judiciais sobre as posses e limites de terras pois as mesmas atrapalhavam a insurreição que estava na ordem do dia95 Outro problema antigo a ser resolvido pelos patriotas o gado criado solto que destruía as lavouras Na tentativa de solucionar esse problema ficou definido em edital de 24 de março que os criadores deveriam manter o gado nos pastos do interior evitando assim que a lavoura fosse destruída Manter o gado preso e sob vigilância no interior era mais vantajoso para os criadores que dessa forma evitariam os roubos e sumiços o que era uma prática comum naquele momento Não se cumprindo a ordem o lavrador tinha autorização para matar o gado que estivesse devastando a sua lavoura Contudo os conflitos não cessavam e no dia 1 de abril o governo proclamou um novo decreto com medidas contra o furto de gado e cavalos e determinando que a pessoa flagrada furtando ou matando os animais alheios estaria sujeita a pagar o dobro do valor dos animais e seria presa e castigada96 O argumento era de que o gado a qualquer momento poderia 95 Decreto do Governo provisório29031817 DH v Cl doc nº 54 p 6768 Ver também LEITE 1988 p5153 96 Os castigos foram estendidos para os escravos acusados de roubarem o algodão das lavouras e venderemno para outros sem a permissão do proprietário DH v Cl O decreto nº 63 era sobre penas de furto de gado 01051817 pp801 e o de nº 73 proibindo os escravos de venderem qualquer gênero de lavoura sem licença por escrito do seu senhor 941817 p9697 101 Mapa Nº 01 Domínios de Familias mapa da provincia da parahyba em 1885 de autoria de FREIRE E SÁ MH Coleção Pimenta Bueno 102 ser trazido do sertão onde o pasto era abundante e vasto enquanto com as plantações destruídas as pessoas passariam fome As frutíferas ribeiras do Paraíba Taipu e Mamanguape os brejos valentes em produção esperam que se lhes dê a liberdade de produzir que se desterrem os devastadores das suas lavouras para nos fornecer sempre de pão e encher o nosso porto dos importantes gêneros do comércio Liberdade a terra para produzir o que lhe planta e sustentar enorme peso de gado sempre inimigo de suas produções 97 Essa era uma reclamação comum uma vez que os alimentos estavam cada vez mais escassos principalmente com a saída dos homens do campo estes convocados para o alistamento militar Isto levou o Capitãomor José Antônio Pereira de Carvalho das vilas de Conde e Alhandra a enviar um ofício no dia 13 de abril convocando os agricultores para que voltassem a se dedicar às lavouras sim meus caros e fiéis companheiros eletrizai os vossos espíritos desentranhai do seio da produtora terra o germe necessário para a nossa subsistência sejam os nossos braços infatigáveis98 Sugeria ainda que todos voltassem às lavouras pois a fome estava assolando a província e a farinha base da alimentação de subsistência já faltava em muitos lugares e não chegavam mantimentos da vizinha província de Pernambuco que estava impossibilitada de abastecimento A falta de alimentos era uma reclamação geral das províncias que participavam da insurreição 97 Edital do Governo Provisório aconselhando o povo a conservar o gado solto nos pastos do interior cercando somente as lavouras 26031817 DH v CI docnº 50 p 6163 98 Ofício assinado pelo Capitãomor José Antônio Pereira de Carvalho dirigido aos agricultores das vilas do Conde e da Alhandra a fim de que se dediquem às lavouras 13041817 DH vCI doc nº 85 p 122124 103 Mas a convocação para que os agricultores se dedicassem às lavouras muda de tom a partir do dia 29 de abril de 1817 com um pedido de reforço do governo patriota que alertava para o fato de que a população não deveria esquecer que as nossas vistas olham primeiro que tudo para a defesa da Pátria não devendo consentir que naquelas retiradas se empreguem braços de valorosos patriotas nossos que devem estar prontos a primeira voz da Pátria em sua defesa99 A solicitação se justifica em um momento em que o movimento estava perdendo forças e era necessário o maior número possível de homens lutando ou à disposição para a defesa da pátria Esses homens foram recrutados nos grupos familiares através de redes ricas e poderosas que promoveram a insurreição O poder das familias tem suas raízes em um sistema social antigo que remetia aos primórdios da colonização embora seja claro que ao longo do tempo as os as redes foram se modificando A família é uma instituição que vai se transformando lenta e gradualmente nas suas práticas sociais e era vista como unidade básica da ordem política GRAHAM 1997 p 2735 No século XVIII a centralização portuguesa aumentou e as famílias foram ocupando cargos na burocracia da Colônia formando outras redes de relações Algumas dessas redes e seus espaços de domínio podem ser observados no mapa seguinte 99 Proclamação do Governo Provisório convocando o povo a pegar em armas DH v CI doc nº 114 p 177178 104 Como exemplo apresento o caso da família Albuquerque Maranhão com ramificações em Pernambuco Paraíba e no Rio Grande do Norte Em Pilar a família tinha o controle da situação através de João de Albuquerque Maranhão Júnior dono do engenho Santo Antônio que era um filho de família que só fazia o que seu pai mandava Partiu para Alhandra com o seu tio João Nepomuceno e no dia 14 de março seguiu com seus parentes para a capital100 Era filho do capitãomor João de Albuquerque Maranhão e Josefa Joaquina de Albuquerque Maranhão donos do engenho Cunhaú localizado no Rio Grande do Norte101 As redes de parentesco funcionaram e no Rio Grande do Norte o chefe da insurreição foi André de Albuquerque Maranhão dono da maior fortuna da província com atividades econômicas diversificadas como era comum aos açucarocratas de Pernambuco e Paraíba Também prosperou com o boom algodoeiro e no final do século XVIII e início do XIX possuía fazendas de gado no sertão Com as atividades diversificadas entrou para o comércio e as finanças os quais supriam suas necessidades102 Ora esses Albuquerque Maranh oens todos parentes herão o Tenente Coronel de Milícias de Cavalaria José Castor seo pae o Tenente Coronel de Cavalaria reformado Pedro Barboza Cordeiro de Albuquerque Maranhão Ignácio Leopoldo Albuquerque Maranhão que depois foi hum dos do Governo provisório João Nepomuceno José de Olanda Manoel Lobo de Miranda Henriques casado com a filha de Francisco da Silveira e outros mais que não temos lembrança de seos nomes os quais traziam 100 Autuamento de perguntas feitas ao preso João de Albuquerque Maranhão Júnior 26021818 DH v CIII doc nº84 p 209210 101 Idem São parentes José de Olanda e João de Albuquerque Maranhão de Mereri Pai e filho marcharam até o Rio Grande do Norte e prenderam o governador 102 Segundo Mello dos 37 implicados na insurreição do Rio Grande do Norte 15 eram parentes e aderentes da família Albuquerque Maranhão a maioria era composta de irmãos e tios 2000 p14 105 insígnias brancas de verdadeiros Patriotas e Manoel Lobo trazia huma fita verde na sinta dizendo que a esperança de ser o restaurador da Pátria 103 Nas bases grupais de afiliação o sistema de parentesco determinava o pertencimento e prestígio dentro da rede familiar As famílias tinham suas bases no grupo nuclear em que o casal e seus filhos dominavam a estrutura mas que ao se tornar extensa ampliava suas redes de controle para além dos parentes mais próximos E foi o que aconteceu com a família Albuquerque Maranhão que se expandiu com ramificações nas províncias de Pernambuco Rio Grande do Norte e Paraíba104 Este poder proporcionou à família Albuquerque Maranhão o controle do movimento usando e abusando das relações de parentesco através de um grande senhor rural para decretar a república no Rio Grande do Norte Este era um exemplo de famílias que nas palavras de Richard Graham representavam importante fonte de capital político Naturalmente como em outros lugares elas dedicavamse aumentar sua propriedade e ao longo de várias gerações sucessivas famílias bemsucedidas acumularam recursos significativos 1997 p35 A única oposição que esta família sofreu foi de um outro grupo familiar da vila de Porto Alegre que não ficou satisfeito com a indicação do nome de um dos Albuquerque Maranhão para assumir o cargo de capitãomor da vila um velho rival na disputa pelo poder local na região A atitude do chefe local era o que prevalecia e não os motivos ideológicos Não se percebe aí a influência de ideias do liberalismo em geral desconhecidas ou mal assimiladas embora seja sabido que os parentes de outras províncias ligados à igreja ou à maçonaria as divulgavam Aliás a maioria da 103 A descrição faz parte do documento Diário da Revolução de 1817 pelo Sargentomor Francisco I do Valle publicado em 1912 na RIHGP v 4 p124 104 É o que Lewin 1993 chama de parentela 106 Mapa N 02 Caminhos percorridos pelo movimento mapa da província da parahyba em 1888 de autoria de FREIRE E SÁ MH Coleção Pimenta Bueno 107 população composta de analfabetos não teve acesso às novas doutrinas e entre a elite revolucionária apenas uma pequena parcela lia as obras de autores europeus COSTA 1988 p30 Para ajudar André de Albuquerque Maranhão a fazer a revolução no Rio Grande do Norte foi enviado o militar Peregrino de Carvalho que seguiu com uma tropa composta por cinqüenta homens da infantaria sob o seu comando foram de balsa pelo Rio Sanhauá com o capitãomor João de Albuquerque Maranhão No pedido de socorro o chefe da insurreição no Rio Grande do Norte André de Albuquerque Maranhão alegava que os oficiais portugueses exerciam ali uma influência muito forte deixando os nativos em segundo plano Aliás essa era uma das reclamações mais comuns em todas as províncias que aderiram ao movimento Segundo o diário deixado pelo major realista Francisco Inácio do Vale antes do embarque no dia 23 março Peregrino de Carvalho desfilou com uma bandeira branca pela capital da Paraíba às quatro horas da tarde parando defronte à casa de Francisco José da Silveira na qual estavam à janela a esposa e a filha deste e recitou para elas os seguintes versos Quem vê um brasileiro vê um homem honrado Quem vê um paraibano vê um herói Continuou até a igreja matriz e gritou Viva Nossa Senhora das Neves e viva a nossa Pátria Já em abril enquanto a tropa marchava para o Rio Grande do Norte a vila de Mamanguape fez uma grande festa com bebedeiras que durou toda a noite No outro dia Peregrino de Carvalho seguiu com seus homens armados de espingardas parnaíbas e chuços Os soldados que não eram considerados aliados deveriam entregar as suas armas ao presídio que guardava a povoação Dessa vez com a promessa do soldo dobrado ração de farinha fardamentos e mais a vantagem de voltarem para o seio de suas famílias no fim de cinco anos que não é promessa ilusória garantidos por Estevão Carneiro da Cunha os homens marcharam para a Serra da Raiz e levantaram a bandeira branca Na região do brejo chegaram a Bananeiras e comemoraram queimando pólvora convidando a todos que estivessem felizes para brindarem à República com muito vinho Uma comemoração diferente foi feita no Recife segundo o relato do frei Muniz Tavares as comemorações eram mais ideológicas no sentido de que por exemplo os patriotas proibiram o vinho na mesa que representava o símbolo português e passaram a beber a cachaça como a legítima bebida brasileira numa referência ao patriotismo local No interior ou sertão como era chamada toda a região que ficava depois da Vila Nova da Rainha atual Campina Grande a dificuldade e a demora para chegarem às informações devido às péssimas condições das estradas e às longas distâncias fizeram com que o movimento só fosse conhecido alguns dias após o dia 13 de março As longas distâncias podem ser observadas no mapa 02 Em vila Nova da Rainha o padre Virgínio Rodrigues Campelo que mais tarde seria um dos deputados das Cortes portuguesas foi o responsável juntamente com José Nunes Viana pela tomada do poder e pela explicação à população local sobre o que significava o governo republicano que se instalara na capital No entanto as ideias que chegavam ao interior saíam da praça do Recife e não da cidade da Parahyba devido à ligação comercial direta entre o sertão paraibano e Pernambuco Essa ligação comercial com Recife e não com a capital paraibana fora observada pelo comerciante Henry Koster que esteve na Paraíba em 1810 Existe a regular alfândega raramente aberta Paraíba está fora da estrada que vem do sertão ao Recife quer dizer está arredada do caminho para as cidades situadas no litoral para o norte Os habitantes do sertão do interior vão mais ao Recife por este apresentar pronto mercado para os seus produtos O porto do Recife recebe navios maiores oferecendo facilidades para embarque e desembarque de mercadorias consequentemente obtém a preferência 2002 p133 Economicamente era mais lucrativo enviar as mercadorias para as praças das vilas de Goiana e Recife com os preços maiores e os impostos menores aumentando a possibilidade de se obter melhores transações Para o deslocamento das pessoas durante o tempo em que durou a insurreição dentro ou fora da província era necessário possuir um passaporte autorizando as idas e vindas Dessa forma o governo passou a ter um controle maior sobre a população Os responsáveis pela autorização eram o juiz o comandante ou o capitãomor que davam ordens expressas para prender os que não estivessem portando o passaporte uma autorização prévia e remetêlos à capital Havia ainda guardando as vilas os presídios como eram chamados os postos de defesa ou quartéis Os presídios foram usados pelos patriotas e reutilizados pelos realistas Após a rendição dos chefes do movimento n3 capital paraibana os presídios serviram para precaver o ingresso dos facciosos que dizem fugiram da praça de Pernambuco e outros que andam espalhando notícias agouras 112 A revolução de e em família estava presente também no sertão paraibano O caráter familista na vila de Pombal estava representado por dois irmãos que chefiaram o movimento o vigário José Ferreira Nobre e o seu irmão o Capitãomor Antônio José Nobre e mais Antônio Ferreira de Souza e seu parente José Ferreira de Souza considerados como os nobres do sertão113 aderiram ao movimento pois nesse casofamília que faz revolução unida permanece unida MELLO 2000 p14 A autoridade do capitãomor originouse da sua posição como chefe de um grupo familiar já que a fortuna e o sobrenome eram requisitos determinantes para a escolha bem como a capacidade para formar milícias Assim sua posição era resultado de uma forte base familiar para o seu poder político O vigário José Ferreira Nobre estudara em Pernambuco e recebera influências de Frei Miguelinho e do padre João Ribeiro seus mestres Pregava as ideias liberais no púlpito pedindo aos seus fiéis que aderissem ao governo republicano e proclamou um governo provisório na Câmara Aliás essa é outra particularidade do liberalismo brasileiro a sua ligação com a Igreja e com a religião Isto fica claro com a forte presença de padres o que levou alguns autores a denominarem o movimento de Revolução dos Padres CARVALHO 1980 Nos discursos dos religiosos no púlpito e nos cartazes afixados nas esquinas eram comuns frases do tipo Viva a Pátria Viva Nossa Senhora ou Viva a Santa Religião Católica COSTA 1998p31 112 Carta de Antônio Ferreira Cavalcanti ao capitão Manoel da Cunha Pereira dando informações sobre o boato de que alguns revoltosos queriam tomar um presídio 19061817 DH v CI doc n 165 p 264265 113 Carta de Antônio Bezerra de Souza ao Capitão Manuel da Cunha Pereira oferecendose ao serviço de El Rei 13081817 DH v CI docn 130 p202 111 Após a instalação de um novo governo na vila de Pombal os insurretos partiram para o Rio do Peixe e a Vila Nova de Sousa sob as ordens do chefe local o padre Luís José Corrêa de Sá considerado o homem mais forte do sertão e que deu vivas à liberdade Dono da fazenda Acauã Corrêa de Sá era um homem rico e mantinha sem oposição o controle político e econômico da região Seu prestígio ultrapassava as relações mais íntimas da família possuindo o domínio daquela localidade com seus dependentes e parentela114 Eram todos considerados os magnatas do sertão da Paraíba que são os que por meio de sugestões e ameaças levaram os povos à rebelião DH v CII p42 Os sobrenomes funcionavam como projeção da honra da família como prérequisitos políticos e como sinônimos de status social Os sobrenomes serviam para fixar redes ou ramos de famílias criando uma referência espacial Nomes de famílias eram identificados com determinadas localidades nas quais aquelas famílias tinham maior número de propriedades Nas palavras de Linda Lewin a terra cimentava os laços de identificação mais duradouros entre um grupo de parentes consanguíneos e os seus parentes colaterais mais distantes 1993 p123125115 No livro História da Paraíba Tomo II Horácio de Almeida relata um fato ocorrido com o padre José Martiniano de Alencar chefe da vila do Crato no Ceará Ainda antes que o governo provisório assumisse o poder em Pombal o padre Alencar voltando de uma viagem a Pernambuco visitou Sousa Ali em conversas com o padre Corrêa de Sá amigo e aliado de longos anos sugeriu que fosse organizada uma tropa para marchar até o Ceará começando pelo Crato para derrubar o poder do chefe local Manuel de Inácio Sampaio Este último estrategicamente enviara reforços para 114 Para maiores esclarecimentos sobre o conceito de parentela ver LEWIN 1993 GRAHAM 1997 115 Segundo Teruya essas estratégias são observadas no ramo da família Maia de Catolé do Rocha PB 2002 112 evitar a comunicação entre o Ceará e as províncias vizinhas do Rio Grande do Norte e Paraíba ALMEIDA 1997 p93 MARIZ 1984 p8991 A vila do Crato se constituiu no foco revolucionário do Ceará sob o comando da família Alencar que teve o apoiodos seus numerosos parentes e dependentes que já estavam no poder Funcionava como um sistema avuncular em uma relação na qual os tios maternos tinham grande ascendência sobre os sobrinhos A participação dessa família sob a liderança da matriarca Bárbara Pereira de Alencar ficou conhecida na historiografia local como a República dos Alencar o que denota o poder desse grupo familiar116 Podemos comparar a situação do Crato com a da vila de Aracati que tinha uma relação direta com o Recife mas que não tinha o apoio dessas redes de parentela e que não estava sob o comando da família Alencar o que gerou uma sublevação de pouca profundidade MELLO 2000 p14 As vilas do interior do Ceará como o Crato considerado reduto dos patriotas e Jardim dos realistas ao receberem as notícias vindas da Paraíba entraram na luta contra o domínio metropolitano pois era do interesse dos poderosos daquela região se apropriar dos privilégios como os postos de oficiais militares que estavam nas mãos de portugueses Em Jardim Antônio Gomes está como cabeça de motim porque está induzindo aos negros que se levantem com a bandeira e gritando viva a liberdade relata a carta de André Dias de Figueiredo ao seu filho Antônio De Sousa o padre Luís Corrêa de Sá enviou seu filho o Sargentomor Francisco Antônio Corrêa de Sá para ajudar a montar o novo governo Aproximadamente 1100 homens recrutados seguiram para o Ceará chegando à divisa entre as duas províncias e no dia 04 de abril o padre Martiniano de Alencar que contou também com o apoio do seu parente 116 Acompanhando Bárbara de Alencar estavam seus filhos o padre José Martiniano de Alencar Tristão Gonçalves de Alencar e seu irmão Leonel Pereira de Alencar Vale ressaltar que a matriarca após a retomada de poder pelos legalistas foi presa ficando nos cárceres da Bahia até 1820 PINTO 2001 p277280 113 Patricio José de Alencar capitãomor em Sousa declarou a independência da vila do Crato Em São João do Rio do Peixe os patriotas foram surpreendidos com a notícia de que as tropas realistas haviam derrubado os governos provisórios de Pernambuco e Paraíba Em socorro vieram reforços de Pombal sob o comando de Antônio Pereira de Sousa juntamente com seus irmãos José e Manuel Ferreira todos amigos e parentes do padre Corrêa de Sá para sustentar a Independência Em Catolé do Rocha para a tarefa de levantar a bandeira branca da República e garantir a ordem e o sossego dos parentes foi encarregado José Cavalcanti de Sá Com esta atitude as vilas do sertão ficaram em pé de guerra se organizando em grupos liderados por famílias de prestígio para lutarem em defesa da nova república que se instalara na capital e nas vilas do litoral Antônio Jorge de Siqueira mostrou que os párocos do interior sem amarras canônicas perdidos nos sertões longe das instituições e aparelhos repressivos com autonomia típica do catolicismo brasileiro da colônia estavam presentes no fazer agir e pensar do viver na colônia Siqueira continua o seu raciocínio afirmando que esses padres pais padrinhos e tios saciados nas suas paixões paixões de todo o gênero E nisto os padres da colônia diferem dos padres romanos e tridentinos É que o padre da colônia não escondia o seu penchant pela política pelo poder Paixão pelo dinheiro da carne paixão de toda espécie 1980 p150151 117 A República dos Alencar foi abatida no dia 11 de maio quando as tropas legalistas do Ceará entraram na vila do Crato aprisionaram o padre José Ferreira Nobre do Pombal e o capitãomor Patrício José de Alencar de Sousa 118 Carta de André Dias do Figueiredo a seu filho Antônio dando notícias da rebelião 29031817 DH v Cl doc nº 53 p 6667 Ou seja o envolvimento dos padres inseridos na organização social da comunidade como categoria estamental está vinculado estrutural e tradicionalmente às demais categorias sociais 24 ENTRE A VIDA E A MORTE CONFRONTOS ARMADOS ENTRE REALISTAS E PATRIOTAS De todos os lados tudo era susto confusão alvoroço e desordem e quem sabe o que se seguiria A participação das vilas do sertão mostra como o movimento repercutiu naquela região No litoral a confusão era grande No dia 03 de maio ocorreu o conflito mais sangrento desde o início da proclamação oficial da república na província da Paraíba Os realistas lutavam para restabelecer o poder nas vilas de Itabaiana e Pilar e se chocaram com os patriotas em um lugar chamado Cruz localizado entre as duas vilas Os corpos foram encontrados no domingo dia 04 quando Vicente Ferreira de Souza oficial de justiça estava à procura da bandeira real no engenho Taipu local onde a tropa realista estava agrupada aguardando ordens para seguir até a capital Ao passar pela estrada aquele oficial viu três homens mortos que reconheceu como membros das tropas realistas os quais traziam uma fita vermelha amarrada no braço símbolo cuja cor representava a bandeira real Pelo estado dos corpos conjecturase que o combate foi acirrado o primeiro foi morto com três tiros de espingarda ou bacamarte tendo agonizado com uma ferida no lado esquerdo do peito saindo pelo ombro mortalmente ferido recebeu mais disparos um na coxa que quase decepa a perna um na 119 Carta de Manuel Inácio Sampaio dirigida ao Conde da Barca narrandolhe os fatos do 06 de março 20041817 DH v CI doc nº 98 p 139 mão e por último uma bala no rosto que lhe tirou uma parte da orelha O quadro abaixo apresenta a partir da causa mortis evidências do caráter sangrento do confronto Quadro II Paraíba insurreição de 1817 relação dos mortos em combate NOME IDENTIFICAÇÃO ORIGEM CAUSA MORTIS Luiz de Moura Branco Itabaiana Tiro de espingarda ou bacamarte no peito Antônio Fidelis Pardo Itabaiana Um grande buraco no peito e uma cutilada no ombro José Rodrigues Índio Itabaiana Com um tiro debaixo do braço direito sob as costelas Matias de Tal Índio Itabaiana Com duas cutiladas no rosto e duas no alto da cabeça Faustino Soares Pardo Itabaiana Com dois tiros no meio das costas nas pás e outro na frente que atingiu o pescoço e parte do rosto José Antônio da Penha Pardo Itabaiana Com dois tiros ambos na cabeça que estava esbandalhada Antônio José Quilexe Pardo Pilar Com muitos ferimentos de tiros pela frente que estava todo chumbado desde a cintura até o rosto Luiz de Moura Ferido de tiro desde a virilha até a cabeça Antônio José de Mesquita Com ferimentos de tiros e uma horrenda cutilada no rosto do lado direito que pegava a maçã do rosto partiu a ponta da orelha e veio até o cachaço Francisco Góes Índio Com uma grande ferida na cabeça coberta de pó e sangue Leandro Rodrigues Lima Branco Levou um tiro quando tentava fugir e caiu do cavalo Tomás Francisco da Costa Pardo Pilar Tiro na parte superior da cabeça Estes homens pertenciam às tropas realistas pois traziam um laço de fita vermelha que os identificava Fonte Quadro sistematizado pela autora a partir dos Documentos Históricos Autuamento para apenso dos Autos de exames de vistoria e corpos de delito indiretos do desacato contra as insígnias das Varas da Câmara e Bandeira das Ordenanças e das mortes feitas pelos insurgentes v CII doc nº 78 p182197 No domingo dia 04 nove corpos foram deixados em frente à igreja matriz de Itabaiana Em outro embate no lugar chamado Passagem da Bacuara ou Galhofa foram mortos mais três Estes últimos usavam uma fita branca que os identificava como sendo patriotas Entre os que lutavam para restabelecer a ordem colonial na Passagem da Bacuara encontravamse os pequenos comerciantes que integravam o exército realista O quadro traz informações relevantes para uma maior compreensão da participação das camadas sociais mais pobres formadas por índios e pardos convocados a todo o momento para ingressarem nas tropas A presença significativa dos índios foi pouco estudada pela historiografia salvo no texto de Marcus Carvalho sobre Os Índios de Pernambuco no Ciclo das Insurreições Liberais 18171848 Ideologias e Resistências 1996 que mostra como esta população engrossava as fileiras das tropas nos dois lados tanto pelos patriotas quanto pelos realistas Na perspectiva indígena ficar de um lado ou de outro poderia garantir a posse da terra Este foi o caso dos que lutaram no primeiro momento com os patriotas e receberam a garantia de suas propriedades na vila de Alhandra outras duas léguas de patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos eles têm preferência para as suas moradias e agriculturações Garantia assegurada no documento de reinstalação da Câmara desativada desde a eclosão do movimento 120 Treinados como batalhão de Milícias os índios estavam subordinados aos capitãesmores e oficiais de Ordenanças As tropas milicianas recrutavam os moradores locais sem exceção de nobres plebeus brancos mestiços pretos ingênuos e libertos ficando os postos mais elevados aos principais da terra que exercitavam um maior controle social Esses cargos de oficiais eram dotados de prestígio e poder na sociedade LEONZO 1986 p323328 120 Termo de reinstalação da Câmara da vila de Alhandra Paraíba do Norte tendo a seu cargo o cuidado da arrecadação do rendimento das terras do seu patrimônio que é uma légua e que as duas léguas do patrimônio dos índios serão ocupadas pelos mesmos índios 27041817 DH v Cl docnº 111 p 166175 117 Durante a repressão os índios empregados a serviço da Coroa causaram medo na população local Na restauração de Pitimbu e Taquara os índios do Conde e Alhandra foram autorizados pelo capitãomor a pegarem todo o gado do acusado Francisco G Amaral e alimentarem a tropa121 A importância do braço do índio nas lutas é visível na documentação principalmente em antigas aldeias como Alhandra Pitimbu Conde Jacumã e Taquara e nas vilas próximas de Pilar e Itabaiana Para o Sargentomor Francisco Inácio do Vale devese muito aos índios dessas vilas a adesão à repressão da Coroa pois eles não quiserão unir aos de Goiana ainda promettendolhes grande soma122 Para alguns índios a melhor forma de resistir à convocaçã era através da fuga em direção ao mato como aconteceu com alguns na vila de Jacoca No sertão os índios armados de arco e flecha foram enviados pelos realistas para a tomada das vilas do Crato e de Sousa Percebese que para o índio não havia uma luta a favor dos realistas ou dos patriotas não importava a luta ideológica mas sim a defesa de seus interesses específicos Em um contexto confuso os índios tentaram se posicionar de forma a garantir melhores condições de vida ou a posse de suas terras já apropriadas pelo colonizador Os escravos por sua vez iam armados de bacamartes pistolas foices e machados Eram convocados com a promessa de ganharem a liberdade e como seja a causa mais agradável para taes homens a palavra liberdade e os malditos chefes se servirão destes nomes para os iludir eles aliciavam todos os cativos de uma e outra cor para ficarem libertos 123 No período da devassa que teve início no mês de maio os documentos apresentam muitas informações sobre a participação dos escravos no movimento De 121 Carta ordenando que proceda logo a devassa sobre a rebelião de 06 de março DH v Cl docnº 125 p194 122 Diário da Revolução de 1817 RIHGP v4 1912 p119158 123 Discurso presente no diário do sargentomor Francisco Inácio do Valle opcit RIHGP 1912 p130 118 acordo com o relato de uma escrava acusada de ser espiã de Amaro Gomes Coutinho os escravos ao serem convocados recebiam a promessa de alforria124 A ideia muito presente na historiografia de apresentar os homens de cor unicamente como escravos que lutavam ao lado dos seus senhores por lealdade ou por obrigação muitas vezes com a promessa de uma pretensa liberdade tem que ser mais matizada Luiz Geraldo Silva chama a atenção para o fato de que uma parte da tropa dos patriotas era composta pelos regimentos de pardos e negros Esses negros livres e patriotas dentro dos corpos militares se socializavam e tinham uma maior politização insurgindose contra o poder da metrópole interiorizada 2003 p498 Vale lembrar que essas pessoas viam também na corporação militar um espaço de ascensão social Mas os escravos que lutavam pela liberdade esbarravam nos limites do liberalismo os quais são visíveis na documentação relativa a 1817 É bom relembrar que os patriotas ao assumirem o governo provisório trataram logo ante a notícia de uma possível liberdade dos escravos de deixar bem claro que a base de toda sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade após explicitarem na Lei Orgânica125 que os proprietários e mesmo os líderes do movimento poderiam ficar tranquilos pois ninguém se aposaria dos seus bens O medo da turba era constante e uma revolta de escravos não estava nos planos dos dirigentes que a todo o momento criavam novas leis para garantir que a estrutura da sociedade permanecesse da forma como estava solidificada havia séculos Na Paraíba este liberalismo trouxe para a arena política do movimento homens que eram proprietários de terras fazendeiros de algodão açúcar 124 Carta do administrador João Teixeira Rabelo ao governador informando que mandou prender Antônio Pedro por insultálo em público 03091817 DH v CII docnº 119 p232 125 Uma lei que garantia alguns direitos como o da liberdade de imprensa de pensamento de religião entre outros esbarrava no comportamento elitista racista e escravocrata de alguns membros do movimento 119 e gado padres militares funcionários e comerciantes126 Homens que assim mostravam os seus limites com relação à propriedade e à escravidão já que os letrados estavam ligados por laços de família ou de dependência com as camadas senhoriais COSTA 1988 p1 Nas palavras de Emília Viotti da Costa não se pretendia reformar a estrutura colonial de produção não se trata de mudar a estrutura da sociedade tanto é assim que em todos os movimentos revolucionários se procurou garantir a propriedade escrava p93 A ideia de liberdade que se constrói com os interesses da elite dominante era a de permanência da mãodeobra escrava como um requisito estrutural para a descolonização Portanto o liberalismo que emergia no Brasil era importado porém ajustado em uma roupagem própria que não ocultava os seus limites seus vínculos com a manutenção da escravidão e com os privilégios econômicos concentrados nas mãos de poucos MOTA 1972 p230 As contradições desse liberalismo podem ser observadas na montagem do governo provisório em que todos os membros da direção eram integrantes das elites como foi visto anteriormente Os exemplos estão presentes nos documentos como foi o caso da formação do governo no Rio Grande do Norte quando o chefe André de Albuquerque Maranhão senhor de engenho abastado convidou todas as classes de homens militares republicanos eclesiásticos e Câmara DH v CIV doc nº 57 p107 Os preconceitos e as discriminações presentes nas categorias sociais eram mais explícitos nas relações entre comerciantes e lojistas Situação que pode ser observada na documentação da defesa dos acusados de crimes de LesaMajestade e AltaTraição quando o advogado Aragão de Vasconcelos se apropriava desse preconceito existente na sociedade para 126 Ver Documentos Históricos v CV p 241 No catálogo do Arquivo Histórico Ultramarino vs 1 e II na versão organizada por Elza Régis é possível observar os cargos públicos exercidos desde o final do século XVIII pela família Monteiro da Franca 120 diferenciar nos discursos os grandes comerciantes dos pequenos como os lojistas e varejistas Para Mota não era pequena a distância social entre o estamento nativo e a classe comercial 1972 p172 No ato da defesa dos insurretos ser rico e nobre fazia a diferença para o sistema ao passo que as testemunhas de acusação eram desqualificadas como insignificantes por serem lojistas Em fins do mês de abril começaram a chegar notícias da contrarrevolução A Bahia sob as ordens do Conde dos Arcos se preparava para atacar Pernambuco e as demais províncias sublevadas Com o movimento desgastado e temendo um ataque sangrento das tropas realistas o governo provisório da Paraíba resolveu se entregar desde que fossem cumpridos os acordos da carta de rendição Os termos de rendição foram assinados no dia 06 de maio no convento de São Bento depois de negociações com os chefes das Forças Unidas Foi elaborado um documento o qual continha sete artigos com destaque para alguns que fosse respeitada a solicitação para aqueles que quisessem retirarse da província dandose a opção de escolherem qualquer outra parte os mesmos não perderiam as honras militares podendo levar seus familiares escravos bagagens e armas este último quesito foi negado não deveriam ser punidos nem molestados os funcionários públicos ou qualquer membro que assumira cargos na administração do governo provisório todas as despesas feitas pelo Tesouro Público seriam abonadas os que resolvessem sair da província teriam o prazo de três meses para vender seus bens e liquidarem seus negócios que fosse aceita a solicitação para que a tropa de Fernando de Noronha que havia desembarcado na baia de São Miguel transitasse pelo território paraibano com suas armas e munições não foi concedida a permissão que houvesse a devolução dos armamentos e mantimentos vindos de Pernambuco também foi negada127 127 Assinaram o documento como representantes das Forças Unidas Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos Manuel da Costa Lima Antônio Galdino Alves da Silva este havia sido patriota Manuel 121 A contrarevolução teve apoio de senhores de engenho da reg ião estes forneceram seus escravos para se aliarem às tropas realistas Depois de uma luta entre os patriotas e o dono do engenho Pacatuba e rico proprietário João Alves Sanches Massa que havia se aliado ao mulato Bastos dono de uma engenhoca em Pilar foi articulado um plano de ataque à capital Patriotas enviados a Santa Rita para defender a capital já estavam aliciados e aderiram aos realistas sob o comando de homens que no dia 13 de março juraram a liberdade à pátria como o senhor do engenho SantaAna Manuel da Costa Lima e o sargentomor das Ordenanças de Pilar Antônio Galdino Alves da Silva filho de Sanches Massa o qual havia anteriormente proibido o uso das insígnias armas e qualquer símbolo que representasse o poder monárquico na vila de Pilar A repressão partiu também das camadas opositoras como os mercadores e os militares colonialistas bem como nacionais sendo estes proprietários e nãoproprietários Para a elite que estava no comando da economia a insurreição já estava demorando muito e não era lucrativo continuar com o movimento visto como um empecilho para o andamento das transações comerciais daí a urgência na repressão MOTA 1972 Outros segmentos da sociedade participaram da contrarevolução um movimento estimulado pelos setores ligados ao comércio responsáveis pela articulação do sistema colonial português o que mais uma vez deixa transparecer um dos antagonismos latentes dentro do complexo processo de relações na província Era importante para essas categorias sociais o retorno à ordem absolutista pois dessa forma poderiam usufruir das benesses oferecidas pelo sistema colonial Vantagens como a dos mercadores Anselmo Coutinho primo de Amaro Gomes Coutinho o padre Manuel Lourenço de Almeida e Bento Luiz da Gama Do lado dos patriotas Francisco José da Silveira Francisco Xavier Monteiro da Franca e Amaro Gomes Coutinho DH v CI doc nº 127 p195197 Ficaram no comando da província os Capitães da Primeira Linha João Soares Neiva e o vereador mais antigo Manoel da Costa Lima No dia 09 de junho assume o governo um triunvirato composto pelo Ouvidor André Ribeiro e Cirne Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos e Manoel José Ribeiro de Almeida 122 Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 78 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal Kleyson Bruno Chaves Barbosa RESUMO Com o intuito de encontrar riquezas no vasto e desconhecido sertão a Coroa concedeu grandes extensões de terras àqueles que se empenharam nessa missão Foi nesse contexto que a Casa da Torre formou seu patrimônio entre os séculos XVI e XVII Mais tarde entretanto essa medida resultou em um grande entrave para a Coroa que desembocou em conflitos por posses de terra durante o século XVIII De um lado observase a Coroa ten tando legalizar o sistema sesmarial por meio da expedição de várias ordens complementares Do outro lado observamse os membros da Casa da Torre entendendose como possuidores da terra de forma inquestionável e os compradores das terras vendidas pela Casa da Torre percebendose como verdadeiros proprietários da sesmaria Portanto este trabalho tem por objetivo demonstrar o processo de venda de sesmarias da Casa da Torre para colonos no ser tão do Piancó e os conflitos que os envolvem no tocante à posse e ao domínio de terras por meio de cartas de sesmarias concedidas entre 17571765 documentos régios e outras fontes Palavraschave Casa da Torre sesmarias capitania da Paraíba América portuguesa Ávila ABSTRACT Aiming at finding riches in the vast and unknown backlands the Portuguese Crown granted large portions of land to those who fulfilled this mission It was in this context that the Casa da Torre amassed its assets between the 16th and 17th centuries Later though the land grants became a problem for the Crown resulting in many conflicts over land possession throughout the eighteenth century On the one hand the Crown was trying to regulate the sesmaria system by issuing many complementary royal orders On the other members of Artigo recebido em 18 de dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 23 de fevereiro de 2014 DOI httpdxdoiorg1015902237101X016030003 Doutora em História pela Johns Hopkins University JHU professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil Email carmenalvealuolcombr Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Bolsista de Iniciação Científica PROPESQUFRN Natal RN Brasil Email kbchavesyahoocombr A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 79 the Casa da Torre saw themselves as unquestionable owners of such land previously granted by the Crown By the same token those who purchased land from the Casa da Torre in the region also believed that they were valid holders of sesmarias Through the registers of sesmarias granted between 17571765 official records and other primary sources this essay intends to describe the process of land sales by the Casa da Torre to colonists in the Piancó backlands It also reveals the involvement of this family in conflicts related to the possession and control of land Keywords Casa da Torre sesmarias Captaincy of Paraíba Portuguese America Ávilas Introdução Este artigo analisa a estratégia utilizada pela Casa da Torre em desfazerse de parte de seu patrimônio à medida que aumentou o controle régio da Coroa portuguesa sobre as terras na sua possessão americana especificamente na segunda metade do século XVIII com base na análise das sesmarias possuídas pela Casa da Torre no sertão do Piancó capitania da Pa raíba Procurarseá compreender como a Casa da Torre conseguiu um suposto patrimônio nessa região e principalmente a consequente diminuição de terras nessa mesma localidade verificada entre os anos de 1757 e 1776 decorrentes de conflitos com moradores da área ci tada Para isso é preciso que se entenda a dinâmica do sistema sesmarial e as estratégias de utilização deste sistema pelos moradores e pelos membros da Casa da Torre observáveis por meio de cartas de sesmarias e ordens régias expedidas referentes à legislação de sesmarias Ao analisar esses conflitos ocorridos esperase demonstrar as relações de poder perceptíveis envolvendo os dois lados no conflito e como o ordenamento jurídico sobre o sistema ses marial ao longo dos tempos na América portuguesa passou a amparar os moradores1 em detrimento dos grandes sesmeiros2 que possuíam extensas terras como era o caso da Casa da Torre Isto era resultado de uma tentativa de controle régio mais efetivo por parte da Co roa e representava uma busca da diminuição de poder desses grandes senhores de terra que formaram seu patrimônio no início da colonização no Brasil Por meio de fontes como cartas de concessão de sesmarias observase que há uma maior concentração de pedidos das mesmas na região mais afastada do litoral na capitania da Paraí ba durante o século XVIII Este foi um século de consolidação por parte daqueles ho mens que estavam envolvidos com o projeto de povoamento liderado pelos portugueses do 1 O termo referese àquelas pessoas que estavam fixadas na América portuguesa por meio da relação que possuíam com a terra 2 O termo referese àqueles homens ou famílias que por meio do recebimento de sesmarias possuíam uma quantidade extensa de terras mais de 10 léguas se comparado aos outros sesmeiros no período colonial destacandose por exemplo os Ávila e os Guedes de Brito A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 80 seu domínio nos sertões das capitanias do Norte que vinha sendo realizado desde o século anterior na luta contra o gentio e na integração do mesmo à sociedade colonial Entre os anos de 1757 a 1776 por exemplo foram concedidas pelo menos 279 sesmarias na capitania da Paraíba3 Deste total destacase um conjunto de 31 sesmarias a maioria delas locali zadas na região do Piancó A atenção voltase para a constante referência que o conteúdo dessas cartas fazia à Casa da Torre4 Os requerentes dessas sesmarias concedidas alegavam que a área em que solicitavam suas sesmarias havia sido da Casa da Torre ou então que haviam comprado dessa família as tais terras sem ter recebido um título de sesmaria que comprovasse a sua efetiva posse a não ser uma simples escritura sem mais outro título5 Outros declaravam ser rendeirosposseiros da mesma Casa da Torre e alguns mais ousados denunciavam a Casa da Torre como possuidora indevida das tais terras que se sentia senhora intrusamente de extensas terras nas palavras dos próprios suplicantes Aliás a presença da Casa da Torre nos territórios da capitania da Paraíba é algo notório nas próprias cartas de doação de sesmaria em períodos anteriores Em carta concedida por exemplo ao comissário Teodósio Alves de Figueiredo no ano de 1739 o requerente infor mou que nos pontos cardeais leste e oeste da sesmaria solicitada as confrontações correspon diam a terras da Casa da Torre6 Já a sesmaria concedida ao capitãomor Francisco de Olivei ra Ledo e ao licenciado João dos Santos no ano de 1752 citou a mesma Casa da Torre como confrontação dessa sesmaria nos pontos cardeais norte e oeste7 Outras cartas em períodos anteriores ou posteriores comprovam a presença da Casa da Torre na capitania da Paraíba ora citando a própria Casa da Torre como confrontante das sesmarias solicitadas ora algum membro da família Ávila8 Além dessas cartas as próprias cartas exploradas neste artigo correspondem a concessões de sesmarias nas tais terras ditas pertencentes da Casa da Torre Márcia Motta argumentou que a história do patrimônio dos Garcia do século XVIII parece anunciar um crescente questionamento sobre os limites territoriais da família e sobre 3 Informação obtida na Plataforma SILB A Plataforma SILB Sesmarias do Império LusoBrasileiro é uma base de dados que pretende disponibilizar online as informações das sesmarias concedidas pela Coroa por tuguesa no mundo atlântico Acesso em 4 set 2013 Disponível em httpwwwsilbcchlaufrnbr Das 1146 sesmarias concedidas na capitania da Paraíba registradas na Plataforma SILB 1019 foram concedidas no século XVIII correspondendo a 889 das concessões realizadas 4 A Casa da Torre pertencia à família dos Ávila oriundos da Bahia Possuía um dos maiores patrimônios no período colonial com extensas terras na atual região do Nordeste brasileiro 5 Expressão que aparece nos textos das cartas 6 CARTA de sesmaria doada a Teodósio Alves de Figueiredo em 1o de outubro de 1739 Plataforma SILB PB 0267 7 CARTA de sesmaria doada a Francisco de Oliveira Ledo e Joao dos Santos em 4 de outubro de 1752 Pla taforma SILB PB 0407 8 Outras cartas de sesmaria que atestam por exemplo a presença da Casa da Torre na capitania da Paraíba como confrontações das próprias sesmarias PB 0326 PB 0409 PB 0461 e PB 0508 Para consultar mais cartas acesse httpwwwsilbcchlaufrnbr Plataforma SILB A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 81 as distintas percepções a respeito do direito à terra9 e isto ficará evidente no decorrer deste trabalho Percebese que na segunda metade do século XVIII ocorreu um movimento que atesta a diminuição de terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba Esse processo confundese com a própria dinâmica do sistema sesmarial e a sua transformaçãoadaptação na América portuguesa durante os três séculos de seu funcionamento O entendimento desse processo de perda de terras é possibilitado também pela própria mentalidade dos ses meiros que receberam terras consideradas antes da concessão como pertencentes da Casa da Torre utilizando a legislação sesmarial a seu favor ou seja compraram terras por meio de escrituras de suposta titularidade da Casa da Torre antes da Ordem Régia de 1753 e pos teriormente solicitaram as cartas de sesmarias referentes a essas terras10 Portanto apesar de estarem de posse de escrituras de compra das terras havia o medo dos moradores diante do risco eminente da perda de terras ditas por eles como suas Essa ideia era baseada na prática do cultivo e no costume associado à própria crença deles sobre a propriedade no período colonial e contribui para clarificar o processo aqui discutido A Casa da Torre e a ocupação do sertão da capitania da Paraíba O primeiro Ávila Garcia dÁvila chegou ao Estado do Brasil em 1549 acompanhando a missão de Tomé de Sousa11 Apesar do desconhecimento de sua origem especulase que Garcia dÁvila possuísse alguma relação de parentesco com este governante Sabese que a família dos Ávila formou um grande patrimônio que segundo Ângelo Pessoa correspondia a terras que compreendiam os seguintes estados da atual região Nordeste Bahia Sergipe Alagoas Pernambuco Paraíba Ceará e Piauí12 Conforme Moniz Bandeira a Casa da Tor re em três gerações após a morte de Garcia dÁvila em 1609 aumentara seu domínio de tal forma que era senhora de grande parte dos sertões da Bahia e de Sergipe e em fins do século XVII estendera esse domínio a quase todo vale do rio São Francisco ocupando terras em Pernambuco Piauí e Paraíba e inclusive no Rio Grande do Norte13 9 MOTTA Márcia Maria Menendes Tierra Poder y Privilegio Los mayorazgos coloniales y el ejemplo de la Casa da Torre siglo XVIII In ÁLVAREZ Maria José Pérez GARCÍA Alfredo Martín Org Campos y campesinos en la España Moderna 1 ed v 1 León Fundación Espanõla de História Moderna 2012 p 1422 10 Conforme Paolo Grossi a ideia de propriedade é plural Embora os moradores tivessem o título de escritura de compra e venda e ainda cultivassem a área havia o receio por não terem o título de sesmaria GROSSI Paolo A propriedade e as propriedades na oficina do historiador In História da propriedade e outros ensaios Rio de Janeiro Renovar 2006 11 PESSOA Ângelo Emílio da Silva As ruínas da tradição a Casa da Torre de Garcia DÁvila família e propriedade no Nordeste colonial Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2003 p 74 12 Ibid p 76 13 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz O feudo A Casa da Torre de Garcia dÁvila da conquista dos sertões à independência do Brasil 2 ed revista e ampliada cap VI Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 p 236 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 82 Importantes famílias criaram seus patrimônios nos séculos XVI e XVII devido ao fato de terem sido realizadas grandes concessões de terras pela Coroa àqueles que desbravassem o sertão em busca de riquezas Em meados do século XVII com pequena introdução ao interior grandes extensões de terras eram concedidas sem maiores problemas visto as pos sibilidades econômicas de sua exploração14 Dessa forma a Casa da Torre formou seu patri mônio por meio da concessão de sesmarias obtidas pelos serviços prestados por membros da família à Coroa na contribuição para o desbravamento do sertão travando lutas contra indí genas o que lhes renderam também a conquista de cargos políticos e militares tornandose uma das famílias mais poderosas A conquista dos sertões ligase com a própria trajetória da Casa da Torre A ocupação do sertão da capitania da Paraíba teria primeiramente a presença dos Ávila Moniz Bandeira afirmou que entre 1662 e 1663 os sertões do atual Piauí e a região extrema ocidental da Paraíba haviam sidos penetrados pela Casa da Torre15 Bandeira baseouse em afirmação realizada por Basílio de Magalhães que por sua vez baseouse em uma carta de sesmaria descoberta por Pereira da Costa e reproduzida no seu livro Chronologia histórica do Estado do Piauhy16 Essa carta havia sido concedida pelo governador de Pernambuco Francisco de Castro Moraes em 03 de janeiro de 1705 para 14 pessoas incluindo Dona Jeronyma Car dim Fróes viúva de Domingos Jorge Velho Segundo a mesma carta a sesmaria iniciavase na nascente do rio Poty ou Potengi ao rio Parnahyba no Piauí correspondendo a uma extensa data de sesmaria Os requerentes alegaram que conjuntamente com Domingos Jorge Velho haviam povoado o rio Potingh e o rio Parnahyba enfrentando os tapuias bravos e tendo diversas criações há cerca de 24 ou 25 anos Informaram ainda que povoaram todo o Piauhy e Canindé em companhia da Casa da Torre de Garcia dÁvila além das fronteiras do Maranhão quando Domingos Jorge Velho foi chamado para combater os negros rebelados dos Palmares por volta do ano de 1687 Portanto para Pereira da Costa seria nos anos de 1662 ou 1663 que Domingos Jorge Velho teria começado a desbravar o sertão do Piauí con siderando a literalidade do texto da carta de sesmaria de 1705 pois se em 1687 os requeren tes habitavam há 24 ou 25 anos lutando contra índios e povoando o Piauí conjuntamente com a Casa da Torre tais explorações datariam por volta de 1662 ou 1663 Baseandose no historiador paraibano Wilson Seixas Bandeira enfatizou que a Casa da Torre foi a primeira a ocupar as terras de Piancó Piranhas e rio do Peixe a partir de 1664 quando transpôs o rio S Francisco subiu o Pajeú e daí se comunicou com a bacia 14 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira Converting land into property in the Portuguese Atlantic World 16th18th century 2007 366 f Dissertação Doutorado em Filosofia Johns Hopkins University Baltimore 2007 p 276 15 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz op cit cap V p 194195 16 O autor informou que a carta de sesmaria foi extraída integralmente do livro de registro existente no ar quivo da Secretaria do Governo de Pernambuco COSTA F A Pereira da Chronologia histórica do Estado do Piauí 1 ed Recife Typographia do Jornal do Recife 1909 p 67 2123 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 83 do Piranhas17 Celso Mariz jornalista paraibano ao abordar a expansão territorial na ca pitania da Paraíba informou que primeiramente a ocupação ocorreu no litoral e após a retirada dos holandeses da capitania da Paraíba as explorações no interior recomeçaram Teria sido nesse período pósretirada holandesa que segundo Mariz os baianos e paulis tas18 apareceram nos sertões da região O autor portanto citou Domingos Jorge Velho por parte dos paulistas e a Casa da Torre por parte dos baianos que teriam estado nos sertões da capitania da Paraíba19 Rodrigo Ceballos também confirmou a presença de Domingos Jorge Velho por volta de 1660 a serviço do governador de Pernambuco em compreensões do Piauí Ceará e Paraíba onde teria fundado o arraial de Piranhas antes mesmo da chega da de Oliveira Ledo outra família vinda da Bahia Ceballos fez referência à Casa da Torre como responsável pela conquista do sertão da atual região Nordeste Aliás ressaltou que essas conquistas da Casa da Torre teriam sido realizadas em parceria com Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertão As terras de Piranhas na capitania da Paraíba teriam sido ocupadas para si pelos Ávila juntamente com outros sertanistas após intensas lutas contra indígenas20 A geógrafa Emília de Rodat Fernandes Moreira abordando o processo de ocupação do espaço agrário atual paraibano ressaltou a importância da pecuária tanto bovina quanto equina como propulsora para a conquista do sertão não somente na capitania da Paraí ba mas no território da América portuguesa21 Esta era uma atividade econômica de vital importância para o patrimônio da Casa da Torre e que será exemplificado posteriormente neste trabalho Segundo Moreira foi da capitania da Bahia que a criação de gado teria sido irradiada em direção ao norte seguindo o curso do rio São Francisco passando por Per nambuco e alcançando Piauí e Maranhão22 A Casa da Torre que possuía uma das maiores terras do período colonial participaria diretamente dessa conquista e interiorização do gado bovino e equino nos sertões travando lutas com indígenas colaborando para a expansão portuguesa no Novo Mundo Explicase assim a importância e o acúmulo do seu cabedal 17 Moniz Bandeira baseouse em Wilson Seixas Pesquisas para a história do sertão da Paraíba Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano João Pessoa no 21 1975 p 65 Este por sua vez não citou fonte documental que confirme a sua argumentação Wilson Seixas ainda ressaltou sendo citado por Moniz Ban deira que foi nesse período que a Casa da Torre devassou os campos de várias tribos indígenas estabelecendo uma rede de integração territorial In BANDEIRA Luiz Alberto Moniz op cit cap 5 p 195196 18 Os termos paulista e baiano referenciados pelo próprio autor são no sentido de localizar a procedência geo gráfica dos grupos que ocuparam o sertão do Piancó e não com o intuito de constatar algum pertencimento e identidade a esses mesmos locais 19 MARIZ Celso Expansão territorial I Primeiras aldeias mestiças Os paulistas e baianos no interior In MARIZ Celso Apanhados Históricos da Paraíba 2 ed João Pessoa Editora Universitária UFPB 1980 20 CEBALLOS Rodrigo Veredas sertanejas da Parahiba do Norte a formação das redes sociais políticas e econômicas no arraial de Piranhas século XVIII Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo julho 2011 p 2 21 MOREIRA Emília de Rodat Fernandes Processo de ocupação do espaço agrário paraibano Textos UFPB NDIHR no 24 set1990 p 6 22 Idem A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 84 durante os dois primeiros séculos da colônia e a sua pretensão de se considerar senhora de terras de quase toda atual região do Nordeste contrariando a Coroa e o próprio sistema sesmarial que se tornou restritivo em fins do século XVII Portanto a parte mais ocidental da Paraíba teria sido visitada primeiramente por estes sertanistas na ocupação em nome da Coroa portuguesa O controle efetivo dessa região entretanto deveuse a outra família os Oliveira Ledo Provavelmente alianças entre os Oli veira Ledo Ávila e outros sertanistas teriam contribuído para o tal período de sossego que Mariz descreveu ao abordar o século XVIII na capitania da Paraíba Segundo Mariz em 1685 foi organizada a bandeira de Teodósio de Oliveira Ledo fundamental para o povo amento e a conquista do sertão paraibano marcando o início da busca dos sertões além Borborema chegando às águas do Piancó e Piranhas23 Todavia o autor não apresentou documentação comprovando a bandeira organizada por Teodósio de Oliveira Ledo Mariz supôs que naquela região os chamados paulistas e baianos já se encontravam embora tenha ressaltado que os parentes de Teodósio dominaramna Acreditase haver alguma ligação entre a família Oliveira Ledo e os Ávila Em trabalho defendido em 2012 por Renata Costa a autora levantou a hipótese de que a família dos Oli veira Ledo era provavelmente proveniente de Portugal da região do Douro e do Minho24 Já na tese de Ângelo Pessoa ao formular a possível relação de parentesco do primeiro Garcia dÁvila com Tomé de Sousa o autor informou que este último era de São Pedro de Rates no Minho e provavelmente seria a terra natal também de Garcia dÁvila25 Observase assim uma hipotética ligação entre as duas famílias consideradas pioneiras na conquista do sertão da Paraíba Outros pontos reforçam essa provável ligação entre essas famílias na conquista e domí nio dessa região Pedro Calmon no capítulo Os Procuradores incorporado na segunda edição do seu trabalho sobre a Casa da Torre apresentou um dos meios pelos quais a família Ávila conseguia impor e controlar o seu domínio em territórios tão vastos Segun do Calmon para governar tão largas terras usaram os senhores da Torre o sistema de se associarem aos régulos ou capitães que nomeavam procuradores dandolhes autoridade apoio e força Em troca davamlhes sujeição tributo e homenagem26 Este autor baseou se nos escritos de João da Maia da Gama governador da Paraíba entre 1708 e 1717 e go vernador do Maranhão entre 1722 e 1728 que em seus diários de viagens pelo sertão em 23 MARIZ Celso Expansão territorial II A bandeira de Teodósio Confederação e Guerra dos Tapuias Conquista do Piancó Fundações do interior Últimas entradas op cit 24 A autora baseouse na carta do ouvidor geral da Paraíba Manuel da Fonseca e Silva ao rei D João V 03111724 AHUPB PA Cx 5 Doc 426 In COSTA Renata Assunção da Uma nova conquista A famí lia Oliveira Ledo e o processo de ocupação espacial do sertão do Piancó 16631730 Monografia Graduação em História Departamento de História Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2012 25 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 53 26 CALMON Pedro Os Procuradores In História da Casa da Torre Uma dinastia de pioneiros 2 ed aumentada cap VIII Rio de Janeiro Livraria José Olympio Editora 1958 p 127 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 85 1728 escreveu que havia sido obrigado a notificar o Capitão mor Theodosio de Oliveira Ledo e o coronel Manuel de Araújo de Carvalho e Sargento mor João de Miranda todos Procuradores da Caza da Torre27 Ainda segundo João da Maia da Gama referindose aos procuradores da Casa da Torre descreviaos como os mais poderosos mais facino ros e mais temidos que athé hoje em dia uzarão e uzão destas violências com a maior vexação forssa violência e injustissa feita aos vaçallos de V Magestade28 Para Renata Costa a figura de Teodósio de Oliveira Ledo era bastante respeitada Teodósio era visto como um sujeito de grande valor dotado de práticas militares e com experiência em realizar guerra contra os bárbaros29 O título de capitãomor das Piranhas e Piancó foi concedido pela Coroa portuguesa à família Oliveira Ledo ficando sob seu domínio por muitos anos Assim percebese como a Casa da Torre por meio de alianças com pessoas influentes localmente conseguia preservar o seu domínio criando redes que contribuíam para fortalecer ainda mais sua presença no sertão da capitania da Paraíba A Casa da Torre ligouse portanto a uma família que possuía prestígio e poder práticas militares e experi ência em guerra contra o gentio que era a família Oliveira Ledo A presença da violência é algo que não se descarta ainda mais caso se pense em regiões tão afastadas do controle da Coroa Este era um dos meios utilizados para que o poder desses senhores fosse legitimado e respeitado pelos moradores localizados nessas regiões sertanejas Segundo Renata Costa a família Oliveira Ledo foi fundamental para a conquista do oci dente da capitania da Paraíba mesmo sem saber quem teria chegado primeiro nessa região a Casa da Torre ou os próprios Oliveira Ledo Sua afirmação baseouse no argumento que os Oliveira Ledo souberam relacionarse com o poder central por meio de subsídios para a ocupação territorial como também teriam estabelecido alianças com grupos indígenas possibilitando sua instalação no sertão30 Ainda segundo a autora baseandose em Irineu Pinto a família Oliveira Ledo de Portugal teria vindo inicialmente à Bahia proporcionan do uma relação direta dos membros da família com o governador geral do Brasil e assim estreitando laços com a Coroa portuguesa31 Sabese que a Casa da Torre possuía a sua sede na Bahia em Tatuapara sendo influente também e ocupando cargos políticos e militares na administração colonial Portanto podemos formular uma hipótese na qual a conquista do sertão em análise teria ocorrido por meio de alianças realizadas entre a família dos Ávila e dos Oliveira Ledo além da presença de Domingos Jorge Velho Teriam sido criadas redes que beneficiavam ambos os envolvidos na ocupação das regiões sertanejas Precisase toda 27 MARTINS F A de Oliveira Um herói esquecido João da Maia da Gama Vol II Lisboa Coleção Pelo Império 1944 p 26 28 Ibid p 27 29 COSTA Renata Assunção da op cit cap 3 Baseiase em trechos de Wilson Seixas transcrita no sítio eletrônico do Instituto Histórico Geográfico da Paraíba Disponível em httpwwwihgpnetpb500htm 30 Ibid cap 1 p 2123 31 Ibid cap 1 Baseiase em PINTO Irineu Ferreira Datas e notas para a História da Paraíba v 1 João Pessoa Editora Universitária UFPB 1977 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 86 via de um estudo mais apurado que venha comprovar como essas relações ocorriam entre as tais famílias Para Ângelo Pessoa os procuradores da Casa da Torre eram grandes sócios da Casa O lucro que obtinham nessas relações era a possibilidade de partilharem de grandes sesmarias o que em troca possibilitava para a Casa da Torre que os foros cobrados por pequenos posseiros em terras consideradas suas fossem arrecadadas nos remotos sertões utilizando a violência como costume32 A notável influência da Casa da Torre por meio das suas exten sas sesmarias concedidas no século XVI pode ser sentida portanto quando observamos a família Oliveira Ledo agindo em seu favor no sertão da capitania da Paraíba Distantes os membros da Casa da Torre mantinham o seu controle sobre a região do Piancó Piranhas e rio do Peixe na parte mais ocidental da capitania da Paraíba por meio dos sítios que arrendava tendo como representantes a família Oliveira Ledo que segundo trabalho já mencionado de Renata Costa na conquista de territórios obteve além de um enorme patrimônio com extensas sesmarias um prestígio local33 Entretanto essa ligação inicial apresentou ruptura posteriormente e a própria dinâmica do sistema sesmarial co meçou a ser modificada no avançar dos séculos no período colonial Observase uma dimi nuição das terras por parte da Casa da Torre na capitania da Paraíba a partir da segunda metade do século XVIII Sistema sesmarial e diminuição do patrimônio da Casa da Torre Conforme já explicitado na introdução deste trabalho entre o período de 1757 a 1776 foram concedidas pelo menos 31 sesmarias34 que se sabe pertenciam anteriormente ao pa trimônio da Casa da Torre no sertão da capitania da Paraíba Considerando a dimensão da sesmaria mais usual concedida na época estudada de três léguas de comprimento por uma légua de largura chegase ao cálculo de 93 léguas quadradas35 subtraídas do patrimônio da Casa da Torre em um período curto e sucessivo como se pode constatar no quadro 1 Em menos de vinte anos o patrimônio da Casa da Torre foi reduzido consideravelmente 32 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 173 33 COSTA Renata Assunção da op cit cap 1 p 23 A autora no momento é mestranda e procura enten der as relações entre os Ávilas e os Oliveira Ledo na capitania da Paraíba durante o século XVIII podendo portanto contribuir para um maior esclarecimento sobre as questões aqui elucidadas e discutidas 34 Plataforma SILB PB 0451 PB 0452 PB 0463 PB 0469 PB 0491 PB 0493 PB 0494 PB 0495 PB 0497 PB 0502 PB 0504 PB 0505 PB 0513 PB 0514 PB 0515 PB 0518 PB 0525 PB 0528 PB 0537 PB 0548 PB 0554 PB 0559 PB 0583 PB 0585 PB 0614 PB 0622 PB 0624 PB 0626 PB 0653 PB 0715 e PB 0716 35 Costa Porto ressaltou a dificuldade de definir o que seria a légua possuindo modalidades como ordinárias quadradas em quadro conceitos nem sempre muito bem claros In PORTO Costa Estudo sobre o sistema sesmarial Recife Imprensa Universitária 1965 p 92 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 87 Entretanto uma perda de extensas áreas como essas não seria percebida passivamente pelos membros da Casa da Torre que obtinham recursos principalmente por meio das suas fa zendas de currais Todavia passarseá inicialmente a observar o que há no conteúdo dessas 31 cartas e o que os requerentes argumentaram em seu favor para conseguir os títulos Quadro 1 Sesmarias concedidas em terras ditas pertencentes à Casa da Torre na capitania da Paraíba entre os anos de 17571776 Fonte Elaborado pelos próprios autores baseandose nas cartas de sesmarias contidas na Plataforma SILB Deste total de concessões 26 requerentes de 26 sesmarias alegaram que haviam compra do as terras da Casa da Torre dois alegaram que haviam pago rendas a essa mesma Casa um informou que possuía as terras pagando foro um havia arrematado e outro não informou o meio pelo qual havia obtido as terras requeridas mas assinalou que as terras eram pertencen tes à Casa da Torre Joanna Maia Martins alegou por exemplo que o seu defunto marido comprou à casa da Torre um sitio de terras de crear gados no sertão do Piancó do qual não tinham os vendedores títulos mais do que a sua antiga e quasi immemorial posse o qual recebeu a requerente por sesmaria em 28 de abril de 175736 As justificativas por parte dos requerentes tornamse constantes enfatizandose a questão de eles terem em sua maioria recebidos apenas uma simples escritura de venda da Casa da Torre sem qualquer outro títu lo que comprovasse o domínio e posse das terras requeridas por sesmaria Percebese então a importância atribuída ao título de sesmaria para assegurar a posse desses cultivadores mes mo apesar de terem recebido uma escritura de venda de uma família considerada poderosa Para se sentirem seguros esses povoadores requereram a sesmaria a fim de estarem de posse do justo título O objetivo com isso era estarem legalizados com a própria ordem emana 36 CARTA de sesmaria doada a Joanna Maia Martins em 28 de abril de 1757 Plataforma SILB PB 0452 De acordo com a escritura de venda o marido de Joanna Pedro Velho Barreto havia comprado por 500 mil réis em 1740 do procurador da Casa da Torre João de Miranda as terras que a requerente iria requerer em 1757 enquanto viúva LIVRO de Notas de Pombal século XVIII Doc 39 liv 17381740 fl 45 a fl 46v In CEBALLOS Rodrigo LÔBO Isamarc Gonçalves Procurações líbelos e escrivães fontes manuscritas setecentistas do sertão paraibano Cajazeiras EDUFCG 2012 1 CDROM Encontrouse ainda outra escri tura de venda de uma terra solicitada por Severina Vieira que também corresponde a uma das 31 sesmarias trabalhadas neste artigo PB 04447 doada em 20 de março de 1757 A requerente era viúva do capitão Luiz Mendes de Sá que havia comprado o Sítio Várzea do Ovo no ano de 1742 por meio do capitãomor João de Miranda procurador dos membros da Casa da Torre Consta na escritura de venda que o procurador e vendedor capitãomor João de Miranda em nome dos ditos seos constituintes membros da Casa da Torre vendia como de facto logo vendeo ao dito comprador Luis Mendes de Sá por presso e quantia de oitocentos e sincoenta mil reis que do dito comprador tem recebido o sítio denominado de Varzea do Ovo In LIVRO de Notas de Pombal século XVIII Doc 84 liv 17401742 fl numeração ilegível a fl 84v Sesmarias 1757 1758 1759 1760 1761 1762 1764 1765 1768 1776 Total Quantidade 3 1 12 3 3 2 1 3 1 2 31 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 88 da do reino Por outro lado percebese no discurso dos requerentes a denúncia indireta de que aqueles que venderam tais terras a Casa da Torre encontravamse sem o tal título por não terem entregado a esses compradores Alguns eram mais diretos no texto de suas justificativas denunciando que a Casa da Torre assenhoreavase de terras sem estarem legalizadas de acordo com o sistema sesma rial37 Por conseguinte o alferes Bartolomeu Pereira Dantas recebeu uma sesmaria no ano de 1760 o qual relatou que havia pagado renda à Casa da Torre cultivando a terra há mais de 30 anos quando no ano de 1753 foi lançado fora pelo capitãomor Francisco de Oliveira Ledo sem autoridade judicial a não ser com uma carta de sesmaria38 conseguida de forma ilícita39 Mais uma vez observase a família Oliveira Ledo influente na região e que deve ter utilizado da violência para impor seus interesses O mesmo requerente chegou a acusar o governante da capitania da Paraíba Antônio Borges da Fonseca40 de ter concedido ilicitamente a tal sesmaria para Ledo Portanto o requerente acusou o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo de ocupar as terras indevidamente assim como argumentou que as terras solicitadas por ele menos seria da casa da Torre por esta não ter titulo algum de sesmaria mais que uma intrusa posse nesta ribeira do rio do Peixe41 Inte ressante é que apesar de todos esses argumentos e da concessão realizada um ano e meio depois outra carta de concessão foi deferida na qual o requerente Timóteo Gonçalves da Silva argumentou que possuía terras na mesma localidade do requerente da carta apre sentada anteriormente de Bartolomeu Pereira Dantas as quais teriam sido compradas do capitãomor Francisco de Oliveira Ledo há mais de quatro anos recebendo uma escritura da venda Timóteo Gonçalves da Silva argumentou que as terras eram de posse imemorial do tal capitãomor desde os seus antepassados e que Bartolomeu Pereira Dantas havia agido maliciosamente ao requerer tais terras42 Bartolomeu Pereira Dantas alegou que as terras eram consideradas da Casa da Torre e Timóteo Gonçalves da Silva alegou que eram dos antepassados dos Oliveira Ledo refor çando a ligação entre tais famílias na qual a última como representante administrava o patrimônio da primeira na capitania Eram terras com áreas imensas que por não serem 37 Podese fazer um paralelo com um caso específico de conflito entre a família dos Guedes de Brito e de moradores no qual estes últimos acreditavam que as terras compradas ou arrendadas por eles aos Guedes de Brito eram terras legalizadas mas ao serem informados da lei passaram a justificarse dizendo que eram os verdadeiros possuidores e cultivadores Devese lembrar que o cultivo era um fator legitimador para a conces são da sesmaria ALVEAL Carmen op cit p 288 38 Provavelmente alguma das três cartas registradas na Plataforma SILB concedidas no ano de 1752 pelo governante Antônio Borges da Fonseca para o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo Plataforma SILB PB 0407 PB 0408 ou PB 0409 39 Na carta aparece o termo subrepticiamente que tem o significado de algo ilícito 40 Antônio Borges da Fonseca foi governador da capitania da Paraíba entre 17451753 41 CARTA de sesmaria doada a Bartolomeu Pereira Dantas em 11 de fevereiro de 1760 Plataforma SILB PB 0525 42 CARTA de sesmaria doada a Timóteo Gonçalves da Silva em 17 de julho de 1761 Plataforma SILB PB 0559 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 89 cultivadas totalmente fazia com que pedaços de terras ficassem sem aproveitamento le vando outros a cultivaremnos como fez Bartolomeu Dantas que segundo ele cultivou por mais de 30 anos desde 1730 pelo menos Em 1753 baseandose no discurso das duas cartas citadas o capitãomor Francisco de Oliveira Ledo teria obtido uma data conforme a lei nas terras cultivadas por Bartolomeu Pereira Dantas o que fez com que este último fi casse impossibilitado de cultivar Demonstrando o conhecimento da lei Bartolomeu Pereira Dantas alegou a seu favor apelando para o princípio do cultivo como forma de concessão de sesmaria o qual lhe foi concedida no ano de 1760 Entretanto nestes setes anos entre 1753 e 1760 o capitãomor com a posse garantida na lei ou mesmo no uso da violência havia vendido as terras a Timóteo Gonçalves da Silva que por sua vez sentindose ameaçado pela concessão realizada a Bartolomeu Pereira Dantas em 1760 requereu para si o título de sesmaria sugerindo ser mais seguro do que o título de venda Amparado pelo próprio capitãomor que lhe havia vendido as terras e que intercedeu junto às autoridades Timóteo Gonçalves da Silva conseguiu obter seu justo título Mesmo com a escritura de venda em suas mãos percebese a importância que o título de sesmaria representava Entretanto Bartolomeu Pereira Dantas que alegou cultivar a terra há mais tempo parece ter perdido a causa talvez pela influência que Francisco de Oliveira Ledo possuía na Paraíba As acusações contra a Casa da Torre recaíam portanto na falta do justo título e os pontos utilizados a favor dos suplicantes eram que eles eram os reais cultivadores Para en tender destarte a concessão realizada a esses povoadores em detrimento dos poderosos da Casa da Torre e as próprias justificativas utilizadas pelos requerentes nas cartas de sesmaria é preciso entender o que era o sistema sesmarial e como se processou na América portuguesa O sesmarialismo nas palavras de Costa Porto permite entender a história de nossa evo lução fundiária43 Este sistema teria sido implantado em Portugal em 1375 por D Fernan do a fim de promover o aproveitamento do solo devido a uma crise de abastecimento que afetava Portugal Costa Porto ressaltou que a legislação de 1375 tinha a cultura do solo como obrigatória tendo em vista o interesse coletivo de abastecimento44 Transposto para o Brasil o objetivo principal inicial do sistema de sesmarias era facilitar o povoamento em um territó rio tão vasto e recémdescoberto além da própria produção que se iniciaria decorrente deste povoamento Mais uma vez entendese o porquê das concessões de extensas sesmarias nos dois primeiros séculos de colonização Com a iniciativa de particulares a Coroa concedia amplas regalias àqueles que se empenhassem na descoberta de novas terras na conquista e no povoamento Como afirmou Costa Porto com poucas pessoas e muitas terras não havia motivo para restringir o tamanho das datas de sesmarias45 43 PORTO Costa op cit p 30 44 Ibid p 3135 45 Ibid p 5860 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 90 Autores como Costa Porto 1965 Laura Beck Varela 2005 Carmen Alveal 2007 e Márcia Motta 2009 ressaltaram o caráter condicional do sistema sesmarial Aqueles que recebiam sesmarias denominados sesmeiros na América portuguesa diferentemente de Portugal que correspondiam àqueles que fiscalizavam as sesmarias recebiam terras e pre cisavam cumprir certas condições para que estas permanecessem em posse deles Virgínia Rau por exemplo em relação à lei de sesmarias ressaltou o seu caráter coercivo RAU 1982 p 42 para aquele que recebesse a sesmaria a cultivasse46 A terra era pertencente à Coroa que poderia requerer para si terras já concedidas caso não fossem cumpridas certas determinações de acordo com a lei Laura Beck Varela afirmou por exemplo em relação ao sistema sesmarial que se tratava de uma forma de apropriação que aqui denominamos propriedade não absoluta condicionada por inúmeros deveres e que se aproxima de uma concessão ou privilégio por oposição ao direito de propriedade da doutrina jurídica libe ral clássica47 Essa apropriação amparavase em uma das condições consideradas essenciais no sistema de sesmarias o cultivo Solo inculto era motivo para que fosse concedida àqueles que tivessem vontade de aproveitálo tornandoo útil Por ser um sistema condicional esperavase que certas cláusulas fossem cumpridas por parte daqueles que recebiam a sesmaria O que se esperava portanto era que as cláusulas fossem cumpridas o que tornava o sistema sesmarial conforme já exposto um sistema con dicional E quais seriam essas cláusulas Costa Porto apresentou as seguintes tornar a sesma ria produtiva no prazo de cinco anos registrar nos livros da Provedoria e nos últimos anos do século XVII foi estabelecida a obrigatoriedade de pedir confirmação régia48 Em relação ao número de confirmações régias efetivadas observase que comparado ao número de con cessões de sesmarias realizadas em território da América portuguesa foi ínfimo resultando em uma grande parte de sesmarias que não atendiam às cláusulas do sistema de sesmarias49 Todas essas exigências foram sendo elaboradas ao longo do tempo com a experiência do sistema sesmarial na colônia Nos dois primeiros séculos de administração portuguesa na América observase certa liberalidade em relação à concessão de sesmarias Na última década do século XVII ordens régias complementares às Ordenações do Reino começaram a restringir seriamente o acesso à terra na colônia afetando os grandes senhores de terras Não havia uma legislação específica quanto à dimensão das sesmarias visto que o texto das Ordenações Filipinas era genérico em relação ao assunto sendo dadas terras que estivessem ao alcance do sesmeiro aproveitálas Uma legislação mais específica surgiu apenas em finais da década de 1690 assim como a obrigatoriedade da confirmação régia para as sesmarias concedidas na América portuguesa e a introdução do foro sobre as sesmarias doadas50 46 RAU Virgínia Sesmarias medievais portuguesas 2 ed Lisboa Presença 1982 47 VARELA Laura Beck Das sesmarias à propriedade moderna Um estudo de História do Direito Brasileiro Rio de Janeiro Renovar 2005 p 86 48 PORTO Costa op cit p 62 49 ALVEAL Carmen op cit 50 Ibid p 276277 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 91 Adentrando o século XVIII as restrições continuaram demonstrando diversas situações conflituosas reflexo dos conflitos entre grandes senhores de terras e os cultivadores efetiva mente do solo Conforme já citado a Casa da Torre possuía um patrimônio enorme além de poder e influência51 Moniz Bandeira baseado nas anotações do padre João Antônio Andre oni em Cultura e opulência do Brasil argumentou que o sertão da Bahia embora tivesse uma dimensão territorial extensa pertencia quase todo a duas das principais famílias da mesma cidade que são a da Torre e a do defunto mestredecampo Antônio Guedes de Brito52 Segundo Pedro Calmon a região do Piauí permanecera despovoada e desconhecida53 até meados do século XVII O seu devassamento teria ocorrido pela pecuária vinda da Bahia com sertanistas como Domingos Jorge Velho os irmãos Sertão Garcia dÁvila da Casa da Torre e os Guedes de Brito Quando conquistavam as terras pediam sesmarias infinitas possuindo muitas léguas54 Além das já citadas terras na capitania da Paraíba vistas nas car tas de concessão de sesmaria deste artigo a mesma Casa da Torre dominava uma extensão de 260 léguas de testada na capitania de Pernambuco à margem do rio São Francisco entre o qual e o Parnaíba apossouse de mais de 80 léguas55 Ao tratar das sesmarias gigantes nas quais algumas estavam com terras ainda a descobrir Ângelo Pessoa argumentou que tal ati tude tinha o objetivo de apropriarse previamente por via jurídica dos potenciais recursos existentes em uma determinada região56 Então com a liberalidade dos dois primeiros sécu los na América portuguesa a Casa da Torre obteve suas extensas sesmarias Essas sesmarias que tinham limites imprecisos davam margem à Casa da Torre de arrogar para si o direito de infinitas terras Percorrendo o rio São Francisco instalando fazendas mantendo alianças com famílias poderosas exigindo foros ou rendas àqueles que se instalassem em terras ditas suas não tardou para que os conflitos com aqueles que não aceitavam essa opressão viessem à tona Aliás era mesmo interesse da Coroa limitar esse poder demonstrada na posição do Conselho Ultramarino nos conflitos que se seguiram no século XVIII Mais uma vez João da Maia da Gama ferrenho opositor da Casa da Torre em suas anotações de viagem registrou a sua indignação contra esta família Ao escrever sobre as sesmarias concedidas nos séculos XVI e XVII o governante registrou o seguinte Gracia de Avilla da Caza da Torre que tendo no tempo dos Fillipes huã conceção de 50 legoas de terra e não se asentando ainda hoje com serteza qual seja a dita cerra principio desta 51 Patrimônio entendido na perspectiva de PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 153154 52 BANDEIRA Moniz op cit p 236 53 Atentar que esta afirmação despovoada representa a falta da presença de ocupação portuguesa pois indí genas lá existiam 54 CALMON Pedro op cit p 87 55 BANDEIRA Moniz op cit p 236 Na Plataforma SILB há o registro de seis extensas sesmarias concedi das pelo governo de Pernambuco a Francisco Dias DÁvila entre 1681 e 1684 Plataforma SILB PE 0353 PE 0375 PE 0377 PE 0379 PE 0380 e PE 0381 56 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 118 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 92 data e não tendo nunca havido medição destas terras sequer Gracia de Avilla com esta data e com outra que ouve de 20 legoas se hir senhorear de todos os certões por mais de trezentas legoas porque quer ser S das terras do certao da Parª nos careris Pinhançô e Peranhos e Rio do Peixe e quer ser S das terras de Jaguaribe aonde entre elle ou seus collonos e Procuradores e athe gados57 Neste pequeno trecho observase a imprecisão do tamanho das sesmarias concedidas o que fazia com que famílias poderosas arrogassem para si o domínio de terras além do que podiam cultivar ou do que na verdade estavam na extensão das sesmarias concedidas Com um maior centralismo da Coroa e uma maior determinação de leis no tocante ao sistema ses marial entretanto começaram a ser impostas novas exigências que se mostraram inviáveis para aqueles que possuíam extensas terras como a demarcação medição e o aproveitamento efetivo da área da sesmaria Evidentemente outras pessoas desbravavam terras que perten ciam a esses grandes senhores e que nem haviam sido descobertas e cultivavamnas Isto pode ser percebido novamente nas palavras de João da Maia da Gama e estando todos estas terras povoadas de gentio e não penetradas nem povoadas e hindo vários descobridores com despesas de suas fazendas e com evidente prigo de vida morrendo muitos e matandolhe o gentio e outros parentes e escravos descobrirão sítios e povoaramnos e defenderamnos do gentio com perigo e depoês de estabelecidos vinhão os Procuradores da Casa da Torre e por forma ou os fazião despejar ou os faziam paçar escritos de arrendamento58 Não se deve descartar o uso da violência utilizada como o próprio João da Maia da Gama relatou por meio dos procuradores da Casa da Torre Segundo o alferes Bartolomeu Pereira Dantas já mencionado ele afirmou que havia pagado rendas à Casa da Torre mas que as terras que solicitava por sesmaria não eram dela por esta não ter titulo algum de sesmaria mais que uma intrusa posse na ribeira do rio do Peixe59 Segundo o dicionário de Raphael Bluteau de 1728 intruso significa que se metteo de posse de hum officio ou dignidade violentamente por meyos illegitimos Intruso por força com violencia In truso com o favor com a authoridade de alguem Portanto mais uma vez observase o discurso da ilegalidade o que demonstra o conhecimento da legislação de sesmarias por parte desses requerentes e ainda há neste discurso o apontamento do uso da violência da força para possuir algo60 57 MARTINS F A de Oliveira op cit p 2526 58 Ibid p 27 59 CARTA de sesmaria doada a Bartolomeu Pereira Dantas 60 BLUTEAU Raphael Brasiliana USP Dicionário online Raphael Bluteau Vocabulário Portuguez Lati no v 4 1728 p 179 Acesso em 19 mar 2013 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrendicionario A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 93 O cultivo como aproveitamento do solo era requisito elementar no sistema sesmarial e foi o fundamento que amparou esses cultivadores encontrando seu apoio legal por meio da carta régia de 20 de outubro de 1753 Esta carta influenciou diretamente a venda de terras na capitania da Paraíba e possibilitou a concessão das sesmarias aos cultivadores Visto um pouco o sistema sesmarial e rapidamente como a Casa da Torre conquistou seu patrimônio e como o administrava poderseá deter novamente nas 31 cartas de sesmarias e tentarseá elucidar uma hipótese para este fenômeno que ocorreu no sertão da capitania da Paraíba relacionandoas com a carta régia de 1753 A carta régia de 20 de outubro de 1753 contrariando a Casa da Torre A carta régia de 20 de outubro de 1753 enviada por D Jose a Luis Correa de Sá gover nador de Pernambuco surgiu como forma de solucionar problemas de posseiros e sesmeiros Resultante de contendas e litígios entre herdeiros de Francisco Dias de Ávila Francisco Bar bosa Leam Bernardo Pereira Gago Domingos Afonso Sertao Francisco de Sousa Fagun dez Antonio Guedes de Brito e Bernardo Vieira Ravasco contra moradores do Piauí sertão da Bahia e Pernambuco certamente do fato de cultivadores e posseiros terem recusadose a pagarem as rendas cobradas pelos herdeiros por meio de seus procuradores Anteriormente João da Maia da Gama já atestava essa situação e propunha uma solução Tão bem entendo e me paresse que de justiça deve V Magestade mandar excluir a Gracia de Avilla todas as datas de terras o obrigallo merdisse e sitados e povoadores mostrar os que por si povoou para que estivessem fora da sua medição e as que elle não povoou por si se deem de novo aos povoadores61 João da Maia da Gama aconselhou ainda que a vossa majestade agradarseia muito de 10 mil réis por ano de cada fazenda os quais os moradores não negariam em oferecer por se livrarem de continuadas violências cometidas pela Casa da Torre Bandeira quando citou Antonil relatou que os senhores da Casa da Torre possuíam currais próprios e outros arren dados em sítio geralmente de uma légua no qual cobravam 10 mil réis de foro cada ano62 A resolução de 11 de abril e 02 de agosto de 1753 porém decidiu anular todas as datas ordens e sentenças da narrativa que culminaria na carta régia de 20 de outubro de 175363 além de limitar a extensão das sesmarias em três léguas de comprimento por uma légua de largura devendo haver uma separação de uma légua entre duas sesmarias para todo o território64 61 MARTINS F A de Oliveira op cit p 27 62 BANDEIRA Moniz op cit p 236 63 Anulava apenas a partir daquelas datas mas as 31 sesmarias foram solicitadas uns 15 anos antes 64 Ordens régias complementares Plataforma SILB In AHUPA PA cx 165 doc11754 AHUPA PA cx 75 doc 6283 AHUPA PA cx 5 doc 321 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 94 Segundo Costa Porto a carta régia de 20 de outubro de 1753 criou a necessidade de uma reavaliação das sesmarias concedidas e entendia que as terras haviam sido doadas para que fossem cultivadas e não para repartirem ou arrendarem e aforarem65 Para Costa Porto depois de 1753 o posseiro obteve vantagem pois a preferência era para quem efetivamente cultivava os sítios66 Logo o apoio ao posseiro contra o grande senhor de terras estava legal mente nas ordens régias complementares desde fins do século XVII até a resolução de 1753 em diante Em tese tudo perfeito mas na prática nenhuma esperança de que funcionasse naquelas distâncias o disciplinamento baixado argumentou Costa Porto67 Apesar dessa afirmação o que se observa na capitania da Paraíba foi que o disciplinamento baixado resul tou em efeito positivo para os cultivadores Após 1753 o número de doações de sesmarias na Paraíba em terras ditas pertencentes à Casa da Torre cresceu significativamente conforme demonstrado no quadro 1 Entre 1757 e 1776 foram 31 sesmarias concedidas em favor dos posseiros em detrimento do grande senhor de terras Podese pensar portanto conforme argumentou Márcia Motta que a provisão de 1753 teria sido uma tentativa de intervir e controlar o processo de ocupação territorial e talvez tenha sido promulgada para solucionar os conflitos oriundos da dinâmica de formação do patrimônio da Casa da Torre68 Os pró prios requerentes das tais cartas de doação utilizavam os princípios contidos na ordem régia de 1753 nas justificativas para concessão das sesmarias compreendendo a ilegitimidade das terras da Casa da Torre e consequentemente compreendendo a ilegalidade que eles mesmos estavam Portanto esses cultivadores requeriam as sesmarias a fim de obter a terra na forma da lei Isto se comprova por exemplo por meio de carta de sesmaria concedida em 6 de março de 1760 na qual o requerente doutor Manoel de Araujo de Carvalho que era cônego da Catedral de Olinda diz que como legitimo herdeiro de seus paes Coronel Manoel de Araujo Carvalho e D Anna da Fonseca Gondim possue a mais de 60 annos um sitio de crear gados chamado Olho dAgua na ribeira do rio do Peixe povoado por seu pae e não obstante pagar foro á casa da Torre que se achava indevidamente senhora de todas as terras que outros descobriram e povoaram e porque S M pela ordem de 20 de Outubro de 1753 annulou aquellas doações e dominios que tinha a casa da Torre e outras mandando dar por nova graça aos cultivadores69 65 PORTO Costa op cit p 90 66 Ibid p 122 67 Ibid p 90 68 MOTTA Márcia Maria Menendes Direito à terra no Brasil a gestação do conflito 17951824 São Paulo Alameda 2009 p 134 69 CARTA de sesmaria doada a Manoel de Araujo de Carvalho em 6 de março de 1760 Plataforma SILB PB 0528 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 95 Anteriormente em 4 de novembro de 1756 Francisco de Oliveira Ledo capitãomor do Piancó pedia ao Conselho Ultramarino que a ordem de 1753 contra os Ávila que queriam ser senhores de infinitas terras fosse executada a fim de que fossem resolvidas as injustiças que sofriam os povoadores70 Observando o nome da pessoa que fez o requerimento Fran cisco de Oliveira Ledo e o conflito resultante entre ele e os membros da Casa da Torre uma pergunta é formulada e a relação entre os Oliveira Ledo e os Ávila O tempo pode ser a resposta para essa questão A possível aliança com Teodósio de Oliveira Ledo como procurador da Casa da Torre na capitania da Paraíba em fins do século XVII e início do século XVIII não teria mais sido reafirmada na geração seguinte com seus descendentes na segunda metade do século XVIII Uma informação interessante apresentase no livro O feu do de Moniz Bandeira sobre a Casa da Torre As terras da Casa da Torre situadas naqueles sertões tão distantes de Tatuapara estavam naturalmente entregues ao mando e desmando de procuradores homens rudes e violentos que pouco a pouco assumiram de fato o seu senhorio71 Moniz continuou argumentando que os procuradores agiam por conta própria e não necessitavam de ordens dos senhores da Torre assim a família de Teodósio de Oliveira Ledo teria passado a ocupar 23 do agreste e da parte ocidental do Cariri72 A Casa da Torre não ficou passiva diante de tais atos que a prejudicavam diretamente D Inácia de Araújo Pereira e seu neto Garcia dÁvila Pereira de Aragão pediram que não tivessem efeito as concessões realizadas pelo governador da Paraíba em terras já povoadas e possuídas pela Casa da Torre73 resultando na carta régia de 26 de setembro de 175774 na qual D José ordenou que fossem revogadas as sesmarias concedidas pelo governador da Pa raíba em terras que fossem por justo título de D Inácia de Araujo Pereira Apesar disto nos anos seguintes conforme demonstrado as concessões na capitania da Paraíba em terras pertencentes à Casa da Torre na verdade intensificaramse entre 1757 a 1776 reconhecen do os requerentes que a Casa da Torre não possuía título das terras Segundo a petição realizada pelos Ávila em 1757 em finais dos anos de 1756 o gover nador da Paraíba Luís Antônio de Lemos Brito por meio de editais ordenou que quem possuísse terras nos sertões do Piancó e rio do Peixe teria o prazo de três meses para solicitar a concessão da sesmaria com o risco de que elas poderiam ser concedidas a quem as pedisse Portanto isto justifica também conforme mostrado no quadro 1 o porquê de que entre 1757 e 1776 foram concedidas pelo menos 31 sesmarias em terras supostamente pertencen tes à Casa da Torre Somente no ano de 1759 concederamse 12 sesmarias nesta situação mostrando que apesar do requerimento de Inácia de Araújo Pereira e seu neto Garcia dÁvila Pereira de Aragão em 1757 as concessões de terras da Casa da Torre foram inevitáveis 70 AHUPB PA cx 19 doc 1507 71 BANDEIRA Moniz op cit p 328 72 Para maior compreensão ver COSTA Renata Assunção da op cit 73 AHUBA PA cx 140 doc 44 74 Ver Ordens Régias Complementares Plataforma SILB A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 96 Com o requerimento enviado por Inácia de Araújo Pereira no ano de 1757 o rei D José solicitou o parecer do governador de Pernambuco por provisão de 26 de setembro de 1757 respondida em carta no dia 16 de fevereiro de 1759 por Luís Diogo Lobo da Silva ao próprio rei O governador de Pernambuco informou que para atender a ordem do rei fora preciso procurar notícias a respeito do assunto que envolvia a disputa de terras em questão na pro vedoria da Paraíba Entretanto o governador foi informado por resposta do sargentomor governador interino do provedor do procurador e do escrivão todos da capitania da Paraí ba que não havia registro que indicasse posse dos senhores da Casa da Torre naquela região ou jus adquirido sobre as ditas terras Luís Diogo Lobo da Silva todavia ressaltou que os senhores da Casa da Torre apresentavam uma certidão na qual constava que André Vidal de Negreiros que havia sido governador da capitania de Pernambuco havia passado em 22 de julho de 1658 sesmarias ao capitão Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira que por sua vez haviam estabelecidose acima do rio São Francisco indo das regiões povoadas até a última aldeia do gentio Moipura e para a parte do norte até a Serra do Araripe75 Portanto uma área extensa e sem limites precisos Luís Diogo Lobo da Silva ainda informou que essa sesmaria não havia sido confirmada pelo rei e que a mesma era entendida pelos senhores da Casa da Torre de acordo com as localidades referenciadas na carta concedida por André Vidal de Negreiros sendo consequentemente o fundamento deles para persuadirem a posse de uma terra tão extensa76 O parecer do governador de Pernambuco era de que a data con cedida foi realizada contra a forma de direito e ordens de Vossa Magestade Apesar do parecer do governador de Pernambuco que apresentava em seus argumentos ser contrário à manutenção dessa extensa sesmaria de terra em 18 de janeiro de 1760 consta uma consulta do Conselho Ultramarino referente à capitania da Bahia na qual foi ordena do por este mesmo órgão que as sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba nas terras dos Ávilas fossem revogadas77 No jogo de relações estabelecidas entre os diversos agentes na colônia e no Reino a influente família Ávila pode ter trabalhado para que o parecer do rei fosse favorável para si Novamente contudo acreditase que este documento não surtiu nenhum efeito sobre as concessões que continuaram ocorrendo em terras do sertão da capitania da Paraíba Em bora se possa pensar que tais terras por serem em sua maioria vendidas aos cultivadores pudessem não corresponder àquelas que a D Inácia de Araújo Pereira pedia a revogação de sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba entendese que as cartas aqui trabalhadas correspondessem realmente às tais reclamadas pela herdeira da Casa da Torre Esta supo sição baseiase no período próximo entre as concessões das 31 sesmarias 17571776 e do requerimento de revogação de D Inácia de Araújo Pereira e do parecer do Conselho Ultra 75 AHUPernambuco Papéis Avulsos cx 88 Doc 7174 76 AHUPernambuco Papéis Avulsos cx 88 Doc 7174 77 AHUBaía cx 143 Doc 11005 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 97 marino 1757 e 1760 além da análise das cartas de sesmarias disponíveis em Lyra Tavares que apresentam um considerável número de cartas de concessão na capitania da Paraíba78 O que se verificou foi que a Casa da Torre perdeu aos poucos seu domínio sobre as terras da capitania da Paraíba e inclusive em outras capitanias79 Em fins do século XVIII e início do século XIX a influência da Casa da Torre continuaria grande embora concentrada na capitania da Bahia80 Esse movimento de concessões comprovase também por meio da alegação feita pelo requerente Francisco de Santa Cruz de Jesus que recebeu uma sesmaria no ano de 1764 O requerente afirmou que possuía um sítio na ribeira do Piancó o qual havia comprado da Casa e porque ouve dizer que as muitas terras que a mesma casa possui se julgão devolutas por não haver tirado data dellas pretendendo o mesmo suplicante obter com justo título o tal sítio por sesmaria81 Os suplicantes teriam utilizado a ordem régia de 20 de outubro de 1753 para requerer o título de sesmaria garantindo a sua posse na forma da lei A simples escritura de venda recebida da Casa da Torre não seria suficiente para que estes cultivadores se sentissem seguros e a clara tendência da Coroa em apoiálos possibilitou que estes legali zassem o seu domínio sobre as terras que haviam ocupado e cultivado Considerações finais Com tudo que foi até aqui observado questionase o porquê de a Casa da Torre ter ven dido tais terras e quando para aqueles que ela vendeu as terras solicitavam uma sesmaria por que a mesma Casa requereu a anulação das concessões se ela mesma as tinha vendido Segundo Moniz Bandeira todo o gado nas Minas Gerais antes da abertura em 1727 do caminho para o Rio Grande de São Pedro no sul da América portuguesa provinha dos campos do Piauí bem como da Paraíba de onde percorriam uma distância de 400 léguas até os centros de consumo82 Sabese que a base fundamental da economia da Casa da Torre era a pecuária possuindo currais nas ribeiras dos sertões exploradas principalmente pelos foreiros ou arrendatários cobrando geralmente a razão de uma légua 10 mil réis por ano83 Para Ângelo Pessoa poderseia pensar na participação dos Ávila no comércio de carnes ver 78 TAVARES Joao de Lyra Apontamentos para a Historia Territorial da Parahyba 2 ed Mossoró Escola Superior de Agricultura de Mossoró 1989 79 BANDEIRA Moniz op cit p 415 80 Ibid p 416 81 CARTA de sesmaria doada a Francisco de Santa Cruz de Jesus em 31 de julho de 1764 Plataforma SILB PB 0614 82 BANDEIRA Moniz op cit p 241 Baseiase em CALMON Pedro História social do Brasil t I 4 ed São Paulo Companhia Editora Nacional Coleção Brasiliana sd p 172 PRADO JÚNIOR Caio História econômica do Brasil 17 ed São Paulo Brasiliense 1974 p 66 83 BANDEIRA Moniz op cit p 241 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 98 des e secas desde a etapa da criação passando pelo transporte das boiadas e revenda na feira de Capuame e outras feiras na Bahia até o abate e venda em açougues ao público em Sal vador criando assim uma rede tentacular que envolvia boa parte das capitanias84 Portanto a superação da pecuária do Rio Grande do Sul durante a segunda metade do século XVIII em detrimento da pecuária desenvolvida no sertão nordestino pode ser uma das chaves para a explicação do porquê tais terras terem sido vendidas ao longo do século XVIII85 Outro fator decisivo que modificou a configuração do patrimônio da Casa da Torre foi a união dos Ávila com os Pires de Carvalho Com esta união o morgado da Casa da Torre uniuse a outra família rica e poderosa86 e pode ter redirecionado o foco para os interesses dos membros da Casa da Torre talvez até mesmo devido ao fato de a pecuária desenvolvida na região estar perdendo espaço para a sulista Portanto percebendo isto os membros da Casa da Torre talvez foram desfazendose das suas terras por meio de vendas Segundo Calmon Francisco Dias dÁvila 3o possuía engenhos de açúcar e duas fábricas de farinha87 Já Ângelo Pessoa relatou que a Casa da Torre fazia outros negócios envolvendose decisiva mente com a produção do açúcar em fins do século XVIII quando a pecuária do norte foi superada pela do sul no início do século XIX e quando ocorreu a passagem do morgado da Casa da Torre para o controle dos Pires de Carvalho88 Aliado a tudo isto apontase a causa que se considera principal para a perda das terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba o próprio sistema sesmarial com suas mudan ças decorrentes de um maior centralismo da Coroa portuguesa durante o século XVIII Segundo Márcia Motta o esforço de disciplinar a ocupação presente no estabelecimento de um limite máximo de concessão revela o reconhecimento de uma história pretérita de ocupação sem limites89 Conforme visto o sistema sesmarial foi tornandose complexo e restritivo por parte da Coroa por meios das diversas ordens régias expedidas por ela ao longo dos anos do período colonial Imposições mais limitativas vistas em fins do século XVII foram expedidas e possibilitaram como a ordem régia de 20 de outubro de 1753 por meio do princípio do cultivo assegurar aos cultivadores diretos da terra a sua posse sobre ela Talvez percebendo que perderiam tais terras visto a impossibilidade de cumprir todas as exigências que foram sendo impostas pela Coroa em territórios tão extensos e com todo o amparo dado aos cultivadores da terra a Casa da Torre vendeu suas terras conseguindo obter alguma vantagem sobre estas vendas pois o sistema de sesmarias não proibia a venda arrendamento ou aforamento de terras concedidas em sesmarias Entretanto o aumento de 84 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 158 85 Ibid p 180 86 BANDEIRA Moniz op cit p 329336 87 CALMON Pedro op cit p 159 Baseiase em Doc In BORGES DE BARROS Francisco Bandeirantes e sertanistas baianos p 110 88 PESSOA Ângelo Emílio da Silva op cit p 180 89 MOTTA Márcia Maria Menendes op cit 134135 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 99 denúncias contra essas práticas que feriam a noção de cultivo como legitimador da posse da terra fez com que a Coroa revisasse sua posição Por conseguinte aqueles que possuíam apenas a escritura de venda solicitaram o título de sesmaria das terras ocupadas para assim estarem legalizados com as novas ordens régias e portanto ficarem mais seguros Referências bibliográficas ALVEAL Carmen Margarida Oliveira Converting land into property in the Portuguese Atlantic World 16th18th century 2007 366 f Dissertação Doutorado em Filosofia Jo hns Hopkins University Baltimore 2007 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz O feudo A Casa da Torre de Garcia dÁvila da conquis ta dos sertões à independência do Brasil 2 ed revista e ampliada cap VI Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 BLUTEAU Raphael Brasiliana USP Dicionário online Raphael Bluteau Vocabulário Portuguez Latino v 4 1728 p 179 Acesso em 19 mar 2013 Disponível em http wwwbrasilianauspbrendicionario CALMON Pedro História social do Brasil t I 4 ed São Paulo Companhia Editora Na cional Coleção Brasiliana sd Os Procuradores In História da Casa da Torre Uma dinastia de pioneiros 2 ed aumentada cap VIII Rio de Janeiro Livraria José Olympio Editora 1958 CEBALLOS Rodrigo Veredas sertanejas da Parahiba do Norte a formação das redes sociais políticas e econômicas no arraial de Piranhas século XVIII Anais do XXVI Simpósio Na cional de História ANPUH São Paulo julho 2011 CEBALLOS Rodrigo LÔBO Isamarc Gonçalves Procurações líbelos e escrivães fontes manuscritas setecentistas do sertão paraibano Cajazeiras EDUFCG 2012 CDROM COSTA F A Pereira da Chronologia histórica do Estado do Piauí 1 ed Recife Typogra phia do Jornal do Recife 1909 COSTA Renata Assunção da Uma nova conquista A família Oliveira Ledo e o processo de ocupação espacial do sertão do Piancó 16631730 Monografia Graduação em História Departamento de História Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2012 GROSSI Paolo A propriedade e as propriedades na oficina do historiador In História da propriedade e outros ensaios Rio de Janeiro Renovar 2006 MARIZ Celso Expansão territorial I Primeiras aldeias mestiças Os paulistas e baia nos no interior In MARIZ Celso Apanhados Históricos da Paraíba 2 ed João Pessoa Editora Universitária UFPB 1980 A legitimidade da graça os impactos da tentativa de reforço da política sesmarial sobre as terras da Casa da Torre na capitania da Paraíba século XVIII Carmen Margarida Oliveira Alveal e Kleyson Bruno Chaves Barbosa Topoi Rio J Rio de Janeiro v 16 n 30 p 78100 janjun 2015 wwwrevistatopoiorg 100 MARTINS F A de Oliveira Um herói esquecido João da Maia da Gama Vol II Lisboa Coleção Pelo Império 1944 MOREIRA Emília de Rodat Fernandes Processo de ocupação do espaço agrário paraibano Textos UFPB NDIHR no 24 set1990 MOTTA Márcia Maria Menendes Direito à terra no Brasil a gestação do conflito 1795 1824 São Paulo Alameda 2009 Tierra Poder y Privilegio Los mayorazgos coloniales y el ejemplo de la Casa da Torre siglo XVIII In ÁLVAREZ Maria José Pérez GARCÍA Alfredo Martín Org Campos y campesinos en la España Moderna 1 ed v 1 León Fundación Espanõla de His tória Moderna 2012 PESSOA Ângelo Emílio da Silva As ruínas da tradição a Casa da Torre de Garcia DÁvila família e propriedade no Nordeste colonial Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2003 PINTO Irineu Ferreira Datas e notas para a História da Paraíba v 1 João Pessoa Editora Universitária UFPB 1977 PORTO Costa Estudo sobre o sistema sesmarial Recife Imprensa Universitária 1965 PRADO JÚNIOR Caio História econômica do Brasil 17 ed São Paulo Brasiliense 1974 RAU Virgínia Sesmarias medievais portuguesas 2 ed Lisboa Presença 1982 TAVARES Joao de Lyra Apontamentos para a Historia Territorial da Parahyba 2 ed Mos soró Escola Superior de Agricultura de Mossoró 1989 VARELA Laura Beck Das sesmarias à propriedade moderna Um estudo de História do Di reito Brasileiro Rio de Janeiro Renovar 2005 O texto começa abordando sobre o grande acervo histórico do território nacional e a importância do estudo em relação à região nordeste Iniciase falando da questão paisagística da região que engloba os atuais estados do Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe e Bahia Sendo uma região a qual o solo e a vegetação misturamse entre Sertão e Zona da Mata onde em algumas regiões presenciase uma vegetação mais voltada para o Sertão Em contrapartida uma grande quantidade de vegetação típica da caatinga Além disso as atividades dominantes são a pecuária e a agricultura do algodão mas existem regiões que investem na prática de uma agricultura mais variada onde há também uma maior concentração de pessoas Outro aspecto importante é que de acordo com o tipo de clima influencia na prática econômica por exemplo na região mais ao leste encontramos uma influência do Sertão automaticamente o extrativismo vegetal é dominante O texto também retrata como foi a formação da sociedade na região Nordeste que tem vínculo com a posse de terra bem como a desigualdade na distribuição de terras Além dos aspectos físicos geográficos e sociais o texto explora a figura do coronel e a sua influência na região nordeste O coronel era uma figura autoritária que detinha muito poder sobre as questões políticas econômicas e sociais Os conflitos entre os coronéis e o império ocorreram diante das medidas contrárias aos interesses dos grandes proprietários ou quando não atendiam às suas reivindicações mas os confrontos quase sempre terminavam na reconciliação geralmente em detrimento do Poder estatal Outro grupo social retratado no texto são os lavradores indivíduos pobres que sofreram com autoritarismo dos coronéis principalmente após o final da escravidão e a escassez de mão de obra Na qual leis impunham que as pessoas pobres deveriam em 30 dias estar trabalhando Nesse ponto observamos a influência dos grandes proprietários em relação às pessoas pobres Salientase que diante desse cenário muitos indivíduos encontraram saída por meio da criminalidade que configurou o surgimento do Cangaço Os cangaceiros eram indivíduos que em prol de causas próprias e lutas contra os coronéis cometiam delitos e causavam medos na sociedade A situação econômica resulta nos aspectos relacionados às revoltas principalmente porque a região nordeste era utilizada para atender aos interesses da expansão comercial Europeia A região era adequada para a produção de alguns produtos como a canadeaçúcar que naquela época era muito consumida Mas existiam sérios problemas que influenciaram as crises e revoltas como por exemplo o agricultor que era responsável pelas despesas e os riscos em relação a colheita não tinham o controle sobre o preço e a venda do produto não tinham garantias em relação a compra do produto os produtos tinham baixo custo e os agricultores eram obrigados a adquirir equipamentos europeus causando uma desigualdade no lucro e nos gastos a mão de obra escrava era muito utilizada porém diante da grande demanda de trabalho os escravos tinham pouca perspectiva de vida assim o custo com a mão de obra era cara diante da necessidade de sempre estar repondo novos escravos como existia uma produção para a exportação não tinha muita produção de produtos para consumo local consequentemente era necessário importar produtos de consumo diário o mesmo que acontecia com os escravos também acontecia com os trabalhadores livres que recebiam poucos salários e trabalham muito Outro ponto importantíssimo foi o final da escravidão que afetou o Nordeste mesmo que existia a mão de obra livre o impacto foi acumulado com a perda do mercado externo assim diante da grande crise ou nordeste vivenciou períodos de revoltas Outro tópico abordado no texto é em relação às insurreições primeiramente o texto diferencia as insurreições em relação à revolução e caracteriza o cenário os participantes e os desfechos dos movimentos na região do Sertão como o ronco da abelha que aconteceu por volta de 1851 a 1852 envolvendo grupos remanescentes o quebra grilo que aconteceu por volta dos anos de 1874 e 1875 um movimento que teve início na Vila de Fagundes na Comarca de Ingá Outro movimento que chamou a atenção diante da participação de mulheres foi a Guerra das Mulheres que aconteceu por volta dos anos de 1875 a 1876 que representa pela primeira vez no Brasil a atuação coletiva das mulheres esta revolta ocorre devido à aplicação da lei número 2556 de 26 de setembro de 1874 que alterou a forma de recrutamento dos Soldados para o exército da Força Armada Fofinho o texto destaca as revoltas no âmbito Urbano que envolvia algumas cidades diante da heteronomia da sociedade local a exploração dos coronéis os contratos mais frequentes com os Progressos E as novas ideias que borbulhavam na Europa Como os outros movimentos essas revoltas urbanas figuram as pessoas indo para as ruas destruindo estabelecimentos públicos e entrando em conflito com as forças militares como aconteceu com o movimento denominado comopano do teatro São João que aconteceu em 1854 motivado pelo alto custo de vida Outro movimento que aconteceu em 1858 era chamado carne sem osso farinha sem caroço e por fim a revolta de 1878 Neste artigo analisa os métodos utilizados pela Casa da Torre para adquirir as terras bem como quando se desfez do seu patrimônio diante da instauração do controle da família real portuguesa nas terras doadas para os moradores Ademais o artigo aborda o sistema sesmaria aliança entre as famílias e o que aconteceu nos anos de 1757 e 1776 perante os conflitos dos moradores da área denominada da Casa de Torres Salientase que a coroa interfere isto considerando a concessão de boa parte das terras para os moradores principalmente por meio do sistema adotado na época Além disso destacou uma forma de controle e rigidez Nas cartas de doação de sesmarias nos períodos anteriores observava a grande predominância da Casa de Torres nas regiões das capitanias da Paraíba Na missão de Tomé de Souza por volta de 1549 o primeiro Ávila Garcia de Ávila chegou ao Brasil existem indícios que a família formou um grande patrimônio nas regiões da Bahia Sergipe Alagoas Pernambuco Paraíba Ceará e Piauí Outras importantes famílias instauraram seus patrimônios por volta dos séculos 16 e 17 diante das concessões feitas pela coroa àqueles que vinham à região Nordeste para buscar riquezas O sistema sesmarial foi considerado o responsável pela diminuição do patrimônio da Casa da Torres Esse mecanismo denominado como sesmarial tem origem em Portugal por volta dos anos de 1375 criado por Dom Fernando com o objetivo de promover o máximo aproveitamento do solo devido a uma crise de abastecimento que estava afetando o país na época Chegou ao Brasil com a finalidade de povoar o território que era muito vasto e recém descobertos Deste modo salientase como aconteceu a concessão de vastas sesmarias nos dois primeiros séculos da colonização assim a coroa concedia benefício àqueles que descobriram novas terras e as povoaram Porém considerando ser um sistema condicional era previsto que existiria determinadas cláusulas que deveriam ser cumpridas por parte daqueles que receberam a sesmarias Mas as terras eram de propriedade da coroa assim a qualquer momento a mesma poderia requerêlas de volta caso não fossem cumpridas as determinações estipuladas portanto não eram propriedades absolutas e sim propriedades condicionadas a inúmeros deveres Um desses deveres era tornar as sesmarias produtivas no prazo de cinco anos registrar nos livros da provedoria e posteriormente foi estipulado que deveria ser estabelecido a confirmação da Régia Todavia os deveres exigidos para as sesmarias foram criados no decorrer dos anos perante as necessidades e experiências com o sistema ponto final nos primeiros séculos notas liberalidade da coroa em relação a concessão das sesmarias Em contrapartida nos últimos anos observase um sistema mais rígido que afetará grandes proprietários Um documento importante foi a Carta Régia de 20 de outubro de 1753 enviada por Dom José Correia de Sá que era o atual governador de Pernambuco Além disso notase que a carta implementou a necessidade de uma reavaliação desses Marias pois essas foram doadas para o cultivo e não para repartirem ou arrematarem como estava sendo feito Por outro lado a casa da Torre não ficou satisfeita perante aos atos que estavam prejudicando diretamente assim pediram que não tivessem efeito as concessões realizadas pelo governador em terras já povoadas e possuídas pela casa da Torre que resultou no surgimento da carta Régia de 26 de setembro de 1757 em que Dom José ordenou a revogação da sesmarias concedidas pelo governador da Paraíba em terras que fossem por justo título de Dom Inácio de Araújo No entanto nos anos seguintes foram intensificando as requisições de que a casa da Torre não tinha título das terras Diante dos documentos feitos por Ávila em 1757 o governador da Paraíba mandou que quem possuísse terras dos Sertões teriam o prazo de três meses para solicitar a concessão da sesmaria com risco de que elas poderiam ser concedidas a quem a pedisse Observase que o patrimônio da Casa da Torre foi perdido diante das modificações ocorridas no sistema sesmarial que foi se tornando complexo e restritivo por parte da coroa Final assim diversas ordens Régias que eram expedidas ao longo do tempo Colonial impunha limitações Além disso foi enviado por Inácio de Araújo Pereira ao Rei uma solicitação do parecer do governador de Pernambuco que informou posteriormente que para atender a ordem do Rei seria necessário procurar notícias a respeito do assunto que envolvia a disputa de terras em questão e na província da Paraíba No entanto mesmo com o desenrolar dessa história observouse que era inevitável a perda das terras da casa Torres e das razões está associada ao próprio sistema conforme já mencionado que foi se intensificando e se tornando mais rígido no decorrer do tempo As questões históricas influenciam os aspectos arquitetônicos dos espaços e o conhecimento desses elementos permite a compreensão da forma como aquela população vivia durante determinado período A região do Nordeste foi marcada pela agricultura da canadeaçúcar o Cangaço as figuras autoritárias dos coronéis e as revoltas em busca de defender a pátria Esse texto aborda um trabalho realizado por alunos do curso de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa em parceria com laboratório de pesquisa histórica e memória da Universidade Federal da Paraíba que analisaram as representações espacial e magnética associadas ao Sertão da Paraíba durante o século XVIII A área que será analisada é banhada pelo rio Piranhas e seus afluentes esse rio era ocupado pelos colonizadores e utilizado pelas atividades econômicas da época De acordo com a história após a expulsão dos Holandeses do território nordestino verificase a elaboração de espaços urbanos resultantes do povoamento pelos colonizadores que eram formados pela coroa portuguesa os membros da igreja bem como as tribos indígenas que existiram no espaço Destacase que os elementos econômicos políticos e sociais influenciaram a conjuntura da época A pesquisa buscou analisar as principais obras vinculadas ao termo Sertão por meio de documentos como requerimentos cartas ofícios cartas Régis carta de doações de sesmarias e no decorrer de todo o texto são abordados esses documentos bem como imagens dos trabalhos cartográficos referentes a época em questão Para mais o artigo informa que a ideia de sertão seria um espaço definível mas não delimitável definível pois através da dicotomia relacionada à representação que os portugueses possuíam acerca do território mas não era delimitável porque não havia limites e fronteiras associadas a eles Além disso a palavra Sertão vem do latim e no português antigo quando se falava em Sertão utilizavase a palavra desertão para designar um lugar que era desconhecido ou solitário e não se tinha conhecimento De acordo com estudos os limites ou fronteiras administrativas no território brasileiro só foram determinadas a partir do século XIX Portanto a ideia de sertão está mais associada com o conceito simbólico do que ele representa no tempos da colonização O texto trabalha com o significado de sertão até mesmo na carta de Pero Vaz de Caminha Além disso o termo era tão desconhecido pois conforme as representações cartográficas da época colonial representava espaços de diferentes Essas representações vão se alterando no decorrer do século XVIII com a grande ocupação do território principalmente da área interior do Brasil com maior conhecimento dos aspectos do Sertão A coroa portuguesa tinha interesses políticos e econômicos e precisava controlar essa região assim os documentos cartográficos eram representações que permitiam esse controle Diante da influência dos Rios Piranhas e Piancó a representação do Sertão da Paraíba teve grande influência dos rios que foram importantes para o processo de colonização e designaram vários Sertões posteriormente O texto informa que a capitania da Paraíba não possui registros cartográficos suficientes da época do século 18 que inviabilizam a delimitação dessa região Outro aspecto importante é que por meio das Crônicas dos Viajantes do período colonial é possível obter informações e referências das representações cartográficas do Sertão da Paraíba Jorge Elias Borges foi um dos primeiros a fazer uma tentativa de cartografar os povos indígenas da Paraíba inclusive aqueles que eram classificados como os Tapuias Nesse caso foram utilizadas como fonte as informações feitas pelos cronistas coloniais e as documentações burocráticas sobre as classificações dos povos indígenas Outro aspecto importante para ser destacado em relação a imagética do Sertão está associado com a ideia de um lugar sem lei Recebeu essa definição diante da Oposição a uma ideia de civilização que era associada a presença do colonizador português e relacionada com o controle e a Lei Salientase que a ideia de limites Foi bastante questionada por Guedes2006 que determinou que essa imprecisão não era restrito a região do Rio Grande do Norte e Pernambuco mas também era característica na região do Ceará ponto final suas observações foram formuladas a partir das informações das datas de sesmarias que foram requeridas nas três capitais do Governo da Paraíba e diante de Tais observações delimitouse um provável determinação espacial do Sertão de Piranhas e Piancó O capítulo Uma Revolução em e de Família Poder Familiar e Político no Movimento de 1817 aborda inicialmente a situação da Paraíba que enfrentava uma série de crises no comércio e na agricultura De acordo com o texto um dos motivos estaria relacionado com a criação da Companhia de Comércio de Pernambuco que postulava o modelo racionalista de economia na qual os produtos que saíam da Paraíba eram de exclusividade da companhia A situação foi posta pelo Governador Fernando Delgado Freire de Castilho que escreveu um relatório e encaminhou para a Metrópole relatando os problemas encontrados na capitania posteriormente promoveu uma série de melhorias no manejo do açúcar e do algodão no entanto a tentativa não proveu frutos Ocorreu mudanças na capitania devido a influência de um inglês chamado Maclachlanmas sua presença despertou até mesmo a insatisfação dos comerciantes de Recife que eram acostumados com o monopólio da região Além disso o trecho relata qual era o quadro social da população da Paraíba do Norte que demonstrava que nesta região existiam mais mulatos sendo a maioria livres Outro fator em destaque é a chegada da família real ao Brasil diante da invasão francesa liderada por Napoleão Bonaparte retratando que as pessoas que lutaram em prol de Portugal vivenciavam condições precárias No tópico A Causa da Nossa Pátria das Nossas Famílias e Propriedades retrata inicialmente a questão de uma possível revolta na região de Recife e a preocupação sobre as necessidades de fortalecimento das Fronteiras para mais aborda que diante de um novo governo se iniciou um processo de descolonização já que Pernambuco simbolizava uma das capitanias de maior destaque na exportação de açúcar e algodão Principalmente em decorrência das invasões napoleônicas em Portugal consequentemente a chegada da família real no Brasil que proporcionou a abertura dos portos que retirou o monopólio todavia essa atitude ocasionou uma crise no âmbito dos comerciantes lusitanos que queriam o antigo monopólio Outro aspecto importante é a influência das ideias revolucionárias francesas e norteamericanas que foram introduzidas no país por meio de jovens que iam estudar fora e retornavam com a bagagem repleta de influências externas Neste tópico podemos observar os movimentos que propunham a defesa da Pátria e como as informações nas Vilas vizinhas circulavam sobre as invasões que ocorreram na Paraíba e a convocação das pessoas para defender a pátria Assim as famílias ricas começaram a se preparar para lutar contra o governo legalista No decorrer do tópico vai descrevendo como se fomentou o processo de formação dos grupos revolucionários bem como os Defensores do governo se iniciaram para evitar a entrada dos revolucionários Outro aspecto é que algumas famílias começam a deixar a capital em direção ao interior diante do medo da revolução Logo em seguida retrata as leis criadas e a abertura dos portos pelo comando de Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão que colocou em prática o Decreto que considerava o mesmo nível alfandegário nacionais estrangeiros e a partir desse dia ficava decretado o pagamento de metade somente dos direitos que diante de se cobrava Mas as leis mostravam a desarticulação do movimento e uma tendência localista que buscava colocar os pernambucanos sob o controle da Paraíba Um ponto de destaque é a estratégia usada para o alistamento de soldados onde propunha o pagamento de 100 réis a cada soldado além da alimentação que era atrativa diante das péssimas condições que os soldados enfrentavam naquela época Ademais Dom João VI escreveu para a província do Rio de Janeiro informando a situação dos Rebeldes e solicitando envio de soldados para punir e restituir a ordem na Província de Pernambuco Em contrapartida em Pernambuco era criada uma bandeira que representava o poder e a composição que tinha diversos significados Já no tópico Famílias Contra a Ordem Conflito Armado no interior do Norte começa retratando Como ocorreu o conflito no interior da Paraíba que ocorreu em apenas algumas Vilas Além disso retrata como era o sentimento de heroísmo que fortalecia o movimento bem como era feita a comunicação entre as províncias E que os documentos traziam a ideia da Igualdade porém igualdade para os proprietários e não para as questões relacionadas à escravidão e o regime de trabalho Devese ressaltar que os alimentos estavam cada vez mais escassos pois os homens que trabalhavam no campo foram convocados para o alistamento militar Final diante dessa situação no dia 13 de Abril ocorreu uma convocação aos agricultores para que voltassem para as lavouras já que a falta de alimento era uma reclamação constante das províncias A influência da Família Albuquerque amaram sobre as regiões assim o tópico vai descrevendo essa influência e os fatores ligados à igreja ou a Maçonaria No tópico A vida e a morte dos pontos confrontos armados entre realistas e Patriotas neste tópico retrata como ocorreram os conflitos os realistas buscando restabelecer o poder das vilas Por fim O tópico a solidariedade familiar a honra os bens e os parentes demonstra Como ocorreu o processo de Rendição e a tentativa de solidariedade doméstica para salvar os bens dos acusados pela rebelião notase que o papel importante das mulheres que conseguiram manter suas propriedades e receberam auxílio financeiro de parentes e amigos Por fim diante desses movimentos muitos que participaram receberam Anistia da coroa portuguesa e foram soltos