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A educação estética em Friedrich Schiller 11 ESTUDOS GERMANÍSTICOS A EDUCAÇÃO ESTÉTICA EM FRIEDRICH SCHILLER Carina Zanelato Silva1 Abstract Friedrich Schillers aesthetic theory 17591805 approached art as a means of educating men for freedom served as the basis for his literary production which aims to accomplish the principles theorized in his philosophy The permeation between literature and philosophy allowed in Schillers theories the idealization of the steps that should be taken by the French Revolution and permitted the opening for a revolution of the spirit which would be essential for the generation of romantics that was on the rise Moreover this theory gave opportunity to a new vision of art which has utility in itself and from that autonomy Schiller established the theater more specifically the tragedy as a moral institution capable of providing the man the ability for freedom Keywords Philosophy literature aesthetics education Friedrich Schiller Resumo A teoria estética de Friedrich Schiller 17591805 abordou a arte como meio de educar o homem para a liberdade e serviu de base para a sua produção literária que busca realizar os princípios teorizados em sua filosofia A permeação entre literatura e filosofia permitiu em Schiller a idealização dos passos que deveriam ser dados pela Revolução Francesa e possibilitou a abertura para uma revolução do espírito que seria primordial para a geração dos românticos que estava em ascensão Além disso essa teoria deu ensejo a uma visão de arte que possui utilidade em si mesma e a partir dessa autonomia Schiller estabeleceu o teatro mais especificamente a tragédia como instituição moral capaz de proporcionar ao homem a aptidão para a liberdade Palavraschave Filosofia literatura educação estética Friedrich Schiller Na arte alemã o período conhecido como Kunstperiode período da arte compreendeu quatro grandes correntes literárias que de certo modo trazem pontos antagônicos entre si mas que também compartilham traços significativos Assim Aufklärung Sturm und Drang Classicismo de Weimar e Romantismo têm seus próprios projetos e ideários mas caracterizamse como movimentos que transfiguraram os 1 Doutoranda UNESP carinazshotmailcom 12 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 valores barrocos e mudaram o foco literário para a investigação do ser humano suas emoções seu caráter sua razão Friedrich Schiller 1759 1805 um dos principais expoentes desse período contribuiu inicialmente para o ímpeto avassalador do Sturm und Drang em especial com sua peça Os bandoleiros 1781 e alguns anos mais tarde integrou o período literário denominado Classicismo de Weimar voltandose para a arte baseada nos valores estéticos da Antiguidade na harmonia na beleza e na perfeição Essa corrente literária geralmente tem seu início marcado pela viagem de Goethe à Itália nos anos 17861788 e pode ser considerada clássica tanto pelo apogeu da produção literária na Alemanha coroada pelas obras de Schiller e Goethe quanto como referência a um estilo pautado nos valores da Antiguidade Clássica cf ROSENFELD 1993 Nesse período os dois autores desenvolveram obras literárias e filosóficas que visam à harmonia à contenção dos ímpetos e que se inspiram no humanismo grego para a conciliação do homem moderno fragmentado Contudo o classicismo presente na teoria estética de Schiller vai muito além de um mero retorno à Antiguidade Clássica e de um simples resgate de valores pois a eles se acrescentam a vivência do Sturm und Drang RÖHL 1986 o contato com Goethe e a filosofia kantiana superando as experiências humanistas anteriores Martin Opitz no Barroco e Johann Christoph Gottsched na Aufklärung e instituindo o caminho da formação do homem rumo à liberdade Este classicismo vem imbuído de um disciplinamento dos violentos impulsos do Sturm und Drang e da procura da harmonização das tensões rumo à serenidade apolínea que por sua vez será fonte de grande crítica entre os românticos que começam a se manifestar por volta de 179717982O Romantismo nascente teve seus horizontes ampliados pelas teorias estéticas de Schiller e Goethe principalmente a teoria do jogo desenvolvida por Schiller que foi segundo Safranski 2010 p 41 o prelúdio da revolução literária romântica em torno de 1800 ainda que os românticos não admitissem tais influências Segundo Peter Szondi em sua Teoria do drama moderno 1956 as primeiras doutrinas do drama Aristóteles tinham a forma como algo pré estabelecido que necessitava de uma matéria adequada para poder 2 Não é raro encontrarmos a classificação de Goethe e Schiller como românticos embora o trabalhos desenvolvidos pelos escritores sejam claramente de cunho clássico Sobre o assunto ver ROSENFELD A Schiller In Teatro moderno São Paulo Perspectiva 2008 p 1941 A educação estética em Friedrich Schiller 13 ESTUDOS GERMANÍSTICOS realizarse Nas relações entre forma e conteúdo a forma nesta concepção não estava ligada à história o que implicava a sua possibilidade em qualquer tempo desde que o conteúdo aplicado a ela fosse condizente Assim o autor cita Goethe e Schiller 2001 p 23 e o seu classicismo como instâncias que tentaram manter essa concepção não dialética de forma e conteúdo A esse tipo de drama Szondi classificou de drama absoluto que se baseia em uma relação pura entre forma e conteúdo ou seja o drama absoluto é desligado de tudo o que lhe é externo Ele não conhece nada além de si SZONDI 2001 p 30 Dessa forma o drama absoluto caracterizase por uma série de normatizações que marcam o seu aspecto nãodialético como por exemplo a relação entre o espectador e o drama que deve manter as duas instâncias dentro dos limites que lhes cabem sem que um interfira no outro SZONDI 2001 p 30 ou a perfeita identidade entre o ator e a personagem que ele representa ou até mesmo a configuração do palco que só deve ser percebido pelo espectador quando o espetáculo começa Porém Hegel em sua Estética segundo Szondi 2001 p 26 Ao colocar em evidência o que precipitou na forma dramática como enunciado sobre a existência humana ele faz de um fenômeno da história literária um documento da história da humanidade Devese mostrar as exigências técnicas do drama como reflexo de exigências existenciais Hegel com este pensamento evidenciou o aniquilamento dessa oposição atemporal entre forma e conteúdo e abriu caminho para uma historicização dos gêneros poéticos o que permitiu a existência da contradição entre forma e conteúdo pois este conteúdo aplicado à forma passou a exigir da mesma um respaldo o que gerou um conflito entre estas duas instâncias SZONDI 2001 p 24 Assim a crise do drama no final do século XIX está intrinsecamente ligada à impossibilidade de se manter os aspectos do drama absoluto o questionamento da velha forma reflete a sua não possibilidade na sociedade moderna Friedrich Schiller portanto foi classificado por Szondi como um dos que tentaram manter essa forma dramática absoluta O autor iniciou seus trabalhos sobre a tragédia no ano de 1790 e os resultados obtidos foram inúmeros ensaios que tentam determinar o lugar e a função da arte dentro de um contexto social e que abordam como a arte trágica pode resultar de grande importância para formação do homem Dentre estes 14 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ensaios estão Sobre graça e dignidade A educação estética do homem Sobre poesia ingênua e sentimental Teoria da tragédia3 a série de cartas Kallias ou sobre a beleza e os Fragmentos das preleções sobre estética do semestre de inverno de 179293 coletados por Christian Friedrich Michaelis que são fundamentais para se entender a obra do autor como mantenedora dessa forma pura dramática mas também como fator evidente de sua tomada de posição diante da obra de Kant da Aufklärung Iluminismo e da Revolução Francesa cf BARBOSA 2004 Impressionados pela grandiosidade com que a Revolução Francesa se mostrou ao mundo no ano de 1789 os intelectuais alemães se viram diante de uma mudança notável que significava o começo de uma nova era Nunca se vira uma revolta popular de tamanha proporção e a imagem da revolução como luz do dia ou alvorada se encontra em quase todos os escritores do início dos anos 1790 SAFRANSKI 2010 p 34 Inicialmente entusiastas do movimento a Revolução deu asas à produção artística na Alemanha e impulsionou o idealismo nascente Surgiram diversas publicações a respeito dos acontecimentos e escritores como Kant Fichte Schlegel e Novalis viam nesses acontecimentos a possibilidade da revolução através do pensamento ou seja através da prática dos ideários filosóficos de igualdade e liberdade que os iluministas haviam teorizado Porém a esse entusiasmo se seguiu o terror e a opressão e logo a liberdade propagada caiu em descrédito A degeneração da Revolução em terror não só atestaria o relativo fracasso da Aufklärung como daria a verdadeira dimensão da tarefa histórica a ser enfrentada a da formação do homem para a liberdade BARBOSA 2004 p 23 Assim como grande parte dos intelectuais alemães Friedrich Schiller sentiuse atraído e repelido pela Revolução e suas obras filosóficas e literárias foram o meio utilizado pelo autor para o debate do 3 O volume Teoria da tragédia é a reunião pela editora EPU dos textos Über den Grund des Vergnügens an tragischen Gegenständen Acerca da razão por que nos entretêm assuntos trágicos Die Schaubühne als eine moralische Anstatt betrachtet O teatro considerado como instituição moral Über das Erhabene Acerca do sublime Über den Gebrauch des Chors in der Tragödie Acerca do uso do coro na tragédia Über die tragische Kunst Acerca da arte trágica e Über das Pathetische Acerca do patético A educação estética em Friedrich Schiller 15 ESTUDOS GERMANÍSTICOS assunto Diante do terror ele tentou incluir a Revolução no mundo da filosofia e propôs em seus ensaios uma revolução estética que tinha o propósito de tornar as pessoas hábeis à liberdade pois como mostravam os acontecimentos ao conquistar a liberdade almejada as pessoas não sabiam como usála e as consequências eram funestas Desse entusiasmo surgiu a teoria do jogo de Schiller que foi de fundamental importância para os desdobramentos de seus estudos estéticos O homem segundo o autor é movido por três instâncias que dele fazem exigências A primeira delas é o sensível o homem como ser físico sofre exigências da natureza A segunda é a razão pois ele é um ser que sente racionalmente SCHILLER 1992 p 117 e por isso não se deve deixar dominar pela natureza mas sim dominála A terceira é o decoro que exige dele respeito pela sociedade e a obrigação de comportarse como um ser civilizado SCHILLER 1992 p 117 A teoria do jogo se baseia nessas instâncias em interação Segundo Schiller 2002 somente no jogo em estado lúdico o homem se desenvolve plenamente pois é neste estado que o sensível e a razão operam conjuntamente recuperandoo da fragmentação que o separou da essência una de que era constituído o seu ser O autor argumenta que o humanismo grego era perfeito porque estas instâncias estavam em completa harmonia no homem e a separação a fragmentação das ciências arte e religião fragmentaram o homem moderno SCHILLER 2002 p 37 Divorciaramse o Estado e a Igreja as leis e os costumes a fruição foi separada do trabalho o meio do fim o esforço da recompensa Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo o homem só pode formarse enquanto fragmento ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona não desenvolve a harmonia de seu ser e em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza tornase mera reprodução de sua ocupação de sua ciência A letra morta substitui o entendimento vivo a memória bem treinada é guia mais seguro que gênio e sensibilidade Ele acredita que a causadora dessa ferida na humanidade moderna foi a própria cultura que ampliou a experiência e o pensamento mais preciso abrindo espaço para a separação destas esferas A fragmentação portanto ocasionou a oposição antes inexistente entre 16 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 o estado sensível e a razão abrir mão da unicidade do ser entretanto foi o caminho necessário e inevitável para a progressão da espécie A ampliação do entendimento e o acúmulo de conhecimento desembocariam inevitavelmente na fragmentação entre o sensível e a razão pois somente colocando em oposição essas duas instâncias conseguese desenvolver as múltiplas potencialidades do homem 2002 p 40 Antes mesmo de Marx Schiller antecipa a alienação que a divisão do trabalho provocou no homem moderno e coloca nesse homem a função de restabelecer em nossa natureza através de uma arte mais elevada essa totalidade que foi destruída pelo artifício 2002 p 41 A revolução do espírito proposta pelo autor buscará então na arte a fonte de aprimoramento dos sentimentos humanos a base para a formação do homem na liberdade Assim a teoria do jogo baseiase na seguinte questão segundo Schiller 2002 o homem somente ratifica a sua humanidade em estado lúdico pois é neste estado que confirmamos ter saído do estado animal e entrado em estado de cultura SCHILLER 2002 p 130 E qual o fenômeno que anuncia no selvagem o advento da humanidade Por muito que indaguemos à história encontramos sempre a mesma resposta para os povos todos que tenham emergido da escravidão do estado animal a alegria com a aparência a inclinação para o enfeite e para o jogo Quando ainda em estado animal o homem utiliza apenas os seus sentidos olfato visão tato audição paladar na fruição A partir do momento em que esses sentidos já não são suficientes e ele busca na fruição um valor autônomo o homem passa deste estado animal para um estado estético despertando assim o impulso lúdico Desse impulso lúdico advém o impulso mimético e o homem se faz capaz de distinguir realidade e aparência e essa passagem do natural do sensível para o estético tem de se dar justamente pela sensibilidade primária pois através SCHILLER 2002 p 137 Desse jogo da livre sequencia das ideias de natureza ainda inteiramente material e explicado por meras leis naturais a imaginação dá o salto em direção do jogo estético na busca de uma forma livre Temse de chamálo salto porque uma força totalmente nova se põe em ação aqui o espírito A educação estética em Friedrich Schiller 17 ESTUDOS GERMANÍSTICOS legislador intervém pela primeira vez nas ações do cego instinto submete o procedimento arbitrário da imaginação à sua unidade eterna e imutável coloca sua espontaneidade no que é mutável e sua infinitude no que é sensível Ao estabelecer os passos do salto estético que o ser humano dá em relação ao seu estado animal Schiller diz que mesmo imerso em cultura o homem ainda possui o seu estado natural e portanto suas necessidades físicas fazem parte de sua humanidade Na distinção destas categorias que começam a emergir no homem de cultura Schiller 2002 caracteriza três impulsos o sensível o formal e o lúdico O impulso sensível constituise da parte física do homem Ele é a matéria que preenche o tempo e que está limitada a ele é a força da natureza que impõe a necessidade que lhe exige realidade na existência Este impulso é o que segundo Schiller 2002 impede ao homem a perfeição a elevação à divindade pois mesmo que por momentos ele consiga driblálo logo a força da natureza retoma seu direito e lhe impõe necessidades Já o impulso formal é a parte racional do homem que não está subjugada ao tempo e que lhe permite a liberdade a ampliação do ser é este impulso que rege as leis morais Ao atuarem conjuntamente impulso sensível e formal o homem consegue recuperar a harmonia perdida e ter liberdade Esta harmonia segundo Schiller 2002 somente é conseguida em estado lúdico que imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo pela supressão de toda contingência ele suprimirá portanto toda necessidade libertando o homem tanto moral quanto fisicamente SCHILLER 2002 p 74 O jogo entre os impulsos determina este estado lúdico e a beleza é a causa e o produto do jogo É ela que faz com que o homem caminhe do sensível ao formal e do formal ao sensível pois liga duas categorias que se opõem não há atritos entre estas instâncias uma se deixa conduzir pela outra A matéria estética SCHILLER 2002 p 109 dessa forma conduz o homem ao ilimitado e lhe permite a humanidade plena como se ele ainda não tivesse sofrido a ruptura a fragmentação Como segunda criadora do homem a beleza capacitao para a humanidade porém o que a diferencia da natureza sua primeira criadora é a abertura para a livre escolha cabe à própria vontade do homem o uso ou não da mesma A liberdade alvo primordial das considerações de Schiller sobre a educação estética do homem advém da oposição dos impulsos fundamentais que agem no homem Ela é expressão da vontade que exerce sobre os impulsos o seu poder Nem impulso formal nem impulso sensível podem 18 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 desempenhar um sobre o outro coação ou imposição através do poder apenas a vontade do homem deve legislar sobre os dois Assim a apreciação estética do belo causa um agrado livre desinteressado livre de propósitos vitais nossos impulsos sensíveis se harmonizam com a razão e é nessa harmonia que a nossa liberdade transparece sentimos no objeto belo a nossa liberdade dentro da natureza Mas a beleza também é o efeito da harmonia entre a natureza e o ideal pois abrange todas as capacidades do ser humano em sua completude deixando livre todas as suas forças Por isso o estado lúdico proporcionado pela arte além de dar ensejo ao entretenimento permite ao homem retomar a liberdade o humanismo perdido na fragmentação A humanidade perdeu sua dignidade mas a arte a salvou e conservou em pedras insignes a verdade subsiste na ilusão da cópia será refeita a imagem original SCHILLER 2002 p 50 Não podemos deixar de mencionar que a teoria do jogo de Schiller parte da teoria de Kant sobre o jogo lúdico livre e em sua maior parte se assemelha a ela KORFMANN 2004 p 2930 Na comunicação com o texto poético experimentamos desprendidos dos sentidos e do intelecto discursivo uma plenitude do mundo impossível de alcançar na vida empírica a experiência estética neutraliza conforme Kant os dois pólos os sentidos e a razão e consegue transformálos num estado de jogo lúdico livre em que a razão retira dos sentidos seu rigoroso caráter imediato Unmittelbarkeit enquanto os sentidos retiram da razão sua obrigatoriedade de atuar em conceitos Begriffszwang Acontece então na experiência estética um balanceamento Ausgleich de sentido e razão O julgamento do belo inicia o mecanismo geral do conhecimento de conceber algo singular sob um conceito geral sem que se fixe o específico num conceito final Julgamentos de gosto não são mais legitimados através de convenções diferenciadas hierarquicamente mas se baseiam num fenômeno humano geral o conjunto das faculdades de conhecimento Em Kant 2002 a neutralização dos polos sensível e racional no homem é iniciada por um objeto belo mas ainda que essa neutralização se dê entre os polos sensível e racional o que garante o jogo lúdico livre é a associação que a imaginação faz com o entendimento duas faculdades A educação estética em Friedrich Schiller 19 ESTUDOS GERMANÍSTICOS de conhecimento das quais é produzida a sensação de prazer ou desprazer Kant portanto caracteriza o jogo naquele espaço em que a imaginação apreende um objeto e transportao ao entendimento que dele fará um conceito indeterminado Já em Schiller o jogo entre os impulsos sensível e racional determina este estado de conciliação e a beleza é a causa e o produto do jogo É ela que faz com que o homem caminhe do sensível ao formal e do formal ao sensível pois liga duas categorias que se opõem não há atritos entre estas instâncias uma se deixa conduzir pela outra unindo a vida do impulso sensível à forma do impulso formal e traduzindo a beleza em forma viva Entretanto esse equilíbrio perfeito dos impulsos opostos somente é possível em um Ideal A realidade não consegue alcançar esta perfeição sobressaindo sempre um impulso sobre o outro enquanto a beleza ideal permanece una e indivisível a beleza na experiência terá a variação dupla de um instinto a outro SCHILLER 2002 p 84 se pode esperar do belo um efeito dissolvente e outro de tensão um dissolvente para manter em seus limites tanto o impulso sensível quanto o formal um tensionante para assegurar os dois a sua força Essas espécies de efeito da beleza contudo devem ser uma só segundo a Idéia Ela deve dissolver quando faz igualmente tensas as duas naturezas e deve dar tensão quando as dissolve por igual O que no belo ideal é distinguido apenas na representação no belo da experiência é diferente segundo a existência Os dois tipos de beleza na experiência acima descritos partem da maneira em que estão dispostos os impulsos no homem O homem que é coagido tanto pelo impulso sensível quanto pelo impulso formal quando se vê dominado por qualquer um destes dois impulsos participa do belo com efeito de tensão ou como denomina Schiller da beleza enérgica pois para ele a dominação de qualquer um dos impulsos caracteriza um estado de violência O homem que é dominado por apenas um dos impulsos participa do belo com efeito dissolvente ou beleza suavizante em que o impulso dominante é dissolvido pela forma no caso do impulso sensível ou pela matéria no caso do impulso formal Mesmo sem a unicidade da beleza Ideal a beleza na experiência partilha dos dois mundos com ela adentramos o mundo das Ideias sem abandonar o mundo sensível Já no acúmulo de conhecimento a 20 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 representação pode se afastar do sensível sem que isso cause prejuízo ao deleite através da verdade Schiller 2202 deixa claro que podemos passar de um estado sensível a um estado racional através do conhecimento mas ao contrário da beleza aquele não comprova a subsistência e a atuação conjunta dos dois estados Excluise do pensamento o sentimento e do sentimento o pensamento ressaltando assim suas características opositivas Portanto a beleza sustenta a possibilidade de liberdade moral na medida em que garante a simultaneidade das duas leis que regem o homem o sensível e o formal Na contemplação SCHILLER 2002 o homem é despertado pela beleza de um objeto que o suspende temporalmente e a forma desse objeto lhe reflete a imagem do infinito A imagem o liberta da mera sensação e o faz ter consciência do exterior ocasionando a reflexão O advento do pensamento faz com que de dominado pela natureza ele passe a ser o seu observador e portanto ela se torna seu objeto de contemplação A escuridão exterior que o atormentava ganha forma e clareza através do pensamento a reflexão ligase tão perfeitamente ao sentimento que parece que sentimos a forma A beleza é portanto forma pois que a contemplamos mas é ao mesmo tempo vida pois que a sentimos Numa palavra é simultaneamente nosso estado e nossa ação SCHILLER 2002 p 127 Diante de tal perspectiva e sendo a tragédia a imitação de uma ação digna de compaixão SCHILLER 1992 p 106 Schiller elege esta forma como a melhor maneira de suscitar no homem o gosto pela liberdade Segundo o autor a tragédia é da categoria de entretenimento que proporciona o deleite moral do homem que somente é alcançado através do uso de meios morais Ela tem o efeito de fazernos sentir na capacidade do personagem a nossa capacidade de imposição da moral diante do impulso natural e ao sustentar a sua autonomia como objeto de entretenimento a tragédia pode exercer a sua função moral e educativa não visando o fim moral em si mesmo mas chegando a ele através da plena liberdade estética Schiller leu a Poética em 1797 e em seus estudos sobre a tragédia ressoam algumas das categorias de que fala Aristóteles porém elas não predominam tanto quanto a filosofia de Kant Através de Kant Schiller segundo Rosenfeld 1992 procura abordar em seus ensaios a relação entre as esferas moral estética e a do mero prazer sensível ROSENFELD 1992 p 9 que de um lado vê a arte como autônoma mas que também a liga à moral A educação estética em Friedrich Schiller 21 ESTUDOS GERMANÍSTICOS Disso resulta que Schiller através do conceito kantiano de Zweckmäßigkeit adequação a fins formula uma concepção de estética em que a natureza é subordinada ao mundo da liberdade Segundo o autor 1992 o ser humano tem como base do seu entretenimento o estado de emoção e predisposto a ser atraído por sentimentos que suscitam horror temor e tristeza a emoção desagradável é a que mais lhe proporciona prazer Mas por que nos sentimos atraídos pelo desagradável A tragédia coloca diante dos nossos olhos um herói que padece mas que ao mesmo tempo nos faz sentir um prazer sublime na disposição moral de seu caráter Esse prazer suscitado provém de um acontecimento carregado de dor e sofrimento e nisso temos uma inadequação que se torna adequada na medida em que a disposição moral do personagem luta contra o sofrimento Somente através da inadequação causada por essa dor é que conseguimos uma adequação moral temos que ferir o sensível para que o suprassensível se manifeste e temos que combater os sofrimentos causados no sensível buscando ajuda na força moral Só a resistência pode tornar visível a força SCHILLER 1992 p 21 e essa resistência ao sofrimento pode ser medida pela intensidade do mesmo Quanto mais intenso for o sofrimento maior é o poder de resistência que deve ser empregado E quando o sofrimento se torna dor muda e intensa tão mais nobre é o resultado que se tem dessa resistência e o entretenimento será tão mais livre quanto o prazer que provier dessa inadequação que é uma adequação a fins Zweckmäßigkeit A tragédia incide em prazer na compaixão e as categorias que produzem essa adequação a fins são o comovente e o sublime Elas causam prazer através do desprazer SCHILLER 1992 p 19 que fere a nossa faculdade sensível mas nos faz tomar consciência de uma faculdade em nós superior que desperta um status de elevação por um bem supremo e que em nada supera o prazer que sentimos nessa inadequação adequada Na tragédia SCHILLER 1992 sentimos esta inadequação quando vemos o herói sofrer uma vez que se trata de um ser virtuoso seu sofrimento comovenos dolorosamente porque contraria a natureza do destino de um homem com tal caráter o que também nos causa sofrimento Porém esse descompasso tornase apropriado visto que o sofrimento é combatido pela força moral a conjunção de sentimentos contrários é a base de nossa independência moral Mais que a harmonização do sensível e do racional proveniente do estado lúdico a tragédia nos faz superar a conciliação entre os impulsos e nos eleva à categoria em que a força moral a vontade prevalece ao sensível e ao 22 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 formal Aqui não há harmonia entre razão e sensibilidade mas sim o triunfo do homem moral sobre o sensível O prazer é proveniente da faculdade moral e por isso é sublime O sublime nos faz sentir livres na medida em que os impulsos sensíveis já não fazem frente à razão que por sua vez se deixa governar por uma instituição suprassensível a vontade somente ela agora prevalece diante dos impulsos O homem segundo Schiller 1992 não se iguala aos animais pois além da necessidade natural há nele uma instância que se chama vontade que não está submetida nem ao sensível nem à razão embora esteja aliada a esta E o sublime é a mescla de dois sentimentos em si contraditórios o estardorido e o estaralegre quando unidos expressam a nossa liberdade moral diante do sensível pois conseguimos mostrar nossa autonomia em relação à natureza Entretanto Schiller nos diz que não devemos confundir o efeito proporcionado pela tragédia com o seu fim Segundo o autor as belas artes têm o fim comum de prodigalizar entretenimento e tornar felizes as pessoas 1992 p 14 porém na tentativa de elevar as belasartes atribuem a ela um fim moral que primordialmente lhe é estranho A arte é da categoria do entretenimento que proporciona o deleite moral do homem e não o contrário Para se chegar a essa categoria o caminho percorrido deve passar pelo da moralidade ou seja a arte deve utilizar meios morais que alcancem o entretenimento Ao afirmar a sua autonomia é que ela pode exercer a sua função moral e educativa não visando a moral mas chegando a ela através da plena liberdade estética da arte porque quando alcança a sua perfeição estética ela atinge indiretamente a sua capacidade moral e educativa Essa capacidade é o efeito da arte e não o seu fim Assim a função da tragédia consiste em ROSENFELD 1992 p 10 representar sensivelmente o suprasensível ou de modo visível o invisível representar portanto em termos cênicos a liberdade do mundo moral mostrando a vontade humana em choque com o despotismo dos instintos Fonte do prazer na dor a tragédia é o deleite que consegue transpor os impulsos sensível e formal proporcionando entretenimento a partir de meios morais só assim ela pode ser considerada como uma instituição que torna oportuna a educação do homem para a liberdade Partindo para a produção literária do autor essa teoria estética é transposta para o plano literário através de obras que possuem um caráter A educação estética em Friedrich Schiller 23 ESTUDOS GERMANÍSTICOS exemplificador Nas tragédias Die Jungfrau von Orleans A donzela de Orleans 1801 e Maria Stuart 1800 o autor elabora estes conceitos através de figuras que nos precisam a ideia de homem clássico ao mesmo tempo em que as heroínas buscam por liberdade elas controlam o ímpeto e reconhecem na conciliação dos impulsos a liberdade que só pode ser alcançada através do equilíbrio Elas ultrapassam a existência para no gozo da morte triunfar a liberdade almejada Para o desenvolvimento dessa capacidade educativa do teatro há que se construir personagens que possibilitem ao leitorespectador uma aproximação de ações e de entendimento e não é ao acaso que a identificação destas duas instâncias é essencial É nessa identificação que sentiremos a dor sensível suscitada no personagem e consequentemente sua elevação moral diante de tal dor O entretenimento de que participa o espectador é livre na medida em que mantém ativas as faculdades espirituais a razão e a imaginação SCHILLER 1992 p 16 o teatro é a forma de arte que dá ao homem sustento a toda faculdade da alma sem sobrecarregar a uma única que seja e unindo ainda à formação do entendimento e do coração o mais sublime entretenimento SCHILLER 1992 p 34 Ainda assim para surtir o efeito esperado essa desgraça cf SCHILLER 1992 p 93 não deve ser proveniente de fontes morais ou de uma vontade depravada mas sim de fatos exteriores que não estão relacionados ou submetidos a uma vontade Nestes casos a compaixão suscitada será mais pura A tragédia Maria Stuart gira em torno do conflito políticoreligioso familiar das rainhas Elizabeth Tudor e Maria Stuart A rainha escocesa criada na França foge do país em busca de asilo na Inglaterra pois matou seu marido Darnley por causa de um amante Quando Maria Stuart chega à Inglaterra Elizabeth se sente ameaçada com a possível contestação de seu trono pela escocesa pois como filha de Henrique VIII com Ana Bolena o casamento dos pais de Elizabeth poderia ser anulado caso a Igreja Católica o considerasse ilegal uma vez que Catarina de Aragão primeira esposa de Henrique VIII ainda estava viva quando ocorreu o casamento Sendo Maria Stuart bisneta de Henrique VII e neta de Margaret Tudor irmã mais velha de Henrique VIII a rainha escocesa poderia ser coroada já que era a seguinte na linha de sucessão ao trono inglês e Elizabeth seria considerada filha bastarda do rei O argumento da peça se dá então pelo encarceramento de Maria Stuart pela rainha inglesa Com medo de cumprir a condenação de morte devido às represálias que seu país protestante poderia sofrer pela Igreja 24 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 Católica à qual Maria estava filiada a peça toda se desenvolve em torno da tensão que se estabelece entre as duas rainhas Porém fica claro ao longo da peça que a intenção de Maria Stuart ao fugir para a Inglaterra era de simplesmente encontrar abrigo na casa de sua prima e não de lhe usurpar o poder Quando condenada à morte pela rainha inglesa ela o é por um fator externo à sua culpa ela seria condenada por ser uma ameaça à rainha da Inglaterra por algo que na verdade não fazia parte de sua vontade A morte é um ato de purificação que traz de volta à personagem a tranquilidade que a culpa não deixa emergir Ela é a forma de expiar a culpa primeira de Maria Stuart a morte de seu marido e não um ato injusto do destino Dessa forma a morte da heroína personifica o triunfo da liberdade sobre a existência pois possibilita a Maria Stuart o ápice da perfeição e harmonia tornando a existência apenas o meio para se atingir o fim moral o sacrifício da vida a serviço de um objetivo moral ganha um alto sentido final porque a vida nunca é importante por si mesma como fim mas tãosó como meio para os fins morais SCHILLER 1991 p 24 Nesta peça não podemos entender a morte como infortúnio a situação trágica da rainha escocesa exige que esta aconteça para se atingir o fim moral Maria Stuart é caracterizada como um ser virtuoso que encontra na adversidade o caminho exato para a sublimação Ela é a representação da culpa que necessita renunciar à natureza para atingir um estado superior e assim alcançar a liberdade moral Sentimos o prazer estético de que fala Schiller no momento em que presenciamos a força e a nobreza da heroína ao abrir mão de lutar por sua existência física e rumar com coragem serenidade e firmeza para a morte Esta inadequação de sentimentos é adequada na media em que sentimos prazer na sublimação que o ser alcança com a morte Sua dignidade e valor mítico se expandem perante o leitorespectador atingindo a formação moral de que fala o autor É o prazer na compaixão que sentimos pela rainha da Escócia que ativa essa faculdade moral que entra em confronto com este sentimento e intensifica nossa apreciação artística da dor da personagem Do mesmo modo a heroína da peça Die Jungfrau von Orleans Johanna abandona sua vida para atingir o fim moral que sua liberdade lhe proporciona diante do sensível De grande êxito à época de sua representação a peça retoma a famosa história da jovem camponesa de 17 anos que no ano de 1429 SAFRANSKI 2006 p 475 resolve partir para Orleans no intuito de ajudar o exército francês que estava sendo massacrado pelos ingleses na Guerra dos Cem Anos Joana dArc ficou conhecida como a donzela que inspirada pelo divino obteve êxito ao A educação estética em Friedrich Schiller 25 ESTUDOS GERMANÍSTICOS libertar a cidade de Orleans do domínio inglês e conduzir o rei Carlos VII vitorioso à sua coroação na cidade de Reims sendo posteriormente capturada pelo exército inglês e queimada como bruxa no ano de 1431 Segundo Safranski 2006 Schiller ficou tão impressionado com o magnetismo dessa história que se empenhou em estudála a fundo fazendo de Joana dArc a sua heroína Schiller segue alguns dados da história oficial e subverte outros resgatando a figura da heroína Joana DArc de forma a santificála A peça também se passa durante a Guerra dos Cem Anos e nos conta a história de uma jovem que segundo seu pai era uma menina peculiar que sempre vivera afastada de todos da sua família passando a maior parte de seu tempo ao lado de uma árvore cuidando dos animais da fazenda como que em um transe profundo Um dia chega à fazenda de seu pai um outro fazendeiro de nome Bertrand com notícias sobre a tomada de Orleans pelos ingleses portando em suas mãos um elmo Johanna ao ver esse objeto fica inquieta e tenta de todas as formas apoderarse dele e quando finalmente consegue e o coloca em sua cabeça é como se um poder mágico fosse incorporado a ela Em um monólogo ela explicita que Deus apareceu para ela em sonho e lhe ordenou que quando tivesse em sua posse um elmo fosse a Orleans para salvar o reino francês de rei Carlos porém para sair vitoriosa do campo de batalha a heroína deveria renunciar a qualquer ato humano que não fosse executado com o pleno consentimento do espírito que a guia Ao chegar à guerra ela move os exércitos com tamanha facilidade que batalha após batalha é garantido aos soldados o ímpeto para a vitória Porém mesmo nesse estado de transe em que apenas o divino se deixa mostrar Johanna já começa a mostrar indícios de enfraquecimento diante de sua consciência moral e ao se deparar com Lionel um comandante inglês Johanna empreende um combate com ele e dominandoo arrancalhe a armadura que lhe cobre o rosto e olha em seus olhos SCHILLER 2011 p 91 ergreift ihn von hinten zu am Helmbusch und reißt ihm den Helm gewaltsam herunter daß sein Gesicht entblößt wird zugleich zückt sie das Schwert mit der Rechten In diesem Augenblick sieht sie ihm ins Gesicht sein Anblick 26 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ergreift sie sie bleibt unbeweglich stehen und läßt dann langsam den Arm sinken4 A indicação de cena no texto mostra que Johanna se comove com a feição de Lionel o que indica que a impetuosidade com que o divino a fazia matar qualquer adversário que lhe fizesse frente é imediatamente substituída por sua humanidade que recobra seus direitos Para Johanna é impossível matar a quem lhe comoveu pelos olhos ela reconhece nos olhos de sua presa a sua própria humanidade e isso faz com que a heroína abandone o impulso divino que a fazia lutar sem piedade Porém ao recobrar a consciência de seus atos Johanna fica extremamente perturbada pois essa comoção por um homem fez com que ela desobedecesse à ordem divina seu lado humano prevaleceu dando ao livre arbítrio espaço suficiente para tomar para si o poder A queda de Johanna e sua descrença na capacidade de continuar sua missão a partir desse momento é evidente a heroína é marcada pela culpa de ter deixado sua humanidade prevalecer à sua destinação divina e se acha indigna de carregar o estandarte sua armadura sua espada e até mesmo de conduzir o rei em sua vitória perante o povo de Reims Porém ela o conduz à festa da vitória mas seu pai que ali estava para desmascará la aparece e diz que ela serve ao demônio O rei estarrecido com a revelação suplica a Johanna que se defenda e que diga que sua motivação partiu do reino dos céus porém a virtude da heroína lhe impede a defesa pois essa punição vem para ela como forma de expiar sua culpa de traição ao divino assim como em Maria Stuart a morte a purifica do homicídio cometido anteriormente Impossibilitado de dar a Johanna uma punição mais severa o rei ordena à heroína que se retire daquele local porém na fuga ela é capturada pelos ingleses Ao ser aprisionada os seus inimigos a inflamam de ódio na medida em que lhe descrevem o quanto seus exércitos estão sendo massacrados sem a sua ajuda e o ápice se dá quando Johanna ouve que seu rei está prestes a ser abatido na batalha Nessa cena já não mais o divino a acompanha e por força de sua vontade Johanna se desfaz das cadeias que a prendiam e consegue partir para o campo de batalha para salvar seus exércitos É nessa batalha que seu poder de encantamento 4 agarrao por trás pela crista do elmo e o arranca com violência deixando seu rosto exposto ao mesmo tempo ela puxa a espada com a mão direita Neste momento em que vai ferilo ela vê seu rosto seu olhar a comove ela permanece imóvel e então baixa lentamente seu braço A educação estética em Friedrich Schiller 27 ESTUDOS GERMANÍSTICOS parte de sua livre vontade e a dignidade da ação se dá por essa imposição da vontade diante da necessidade de auto conservação que se torna adequada moralmente Zweckmäßigkeit Ela morre salvando sua pátria Transpondo para os termos filosóficos utilizados por Schiller 2002 na descrição dos impulsos vemos que Johanna passa por dois impulsos para atingir o suprassensível o primeiro é o impulso formal em que o ser livre de limitações se amplia de tal forma que se torna imutável e eterno por isso a configuração divina dada à personagem o segundo é o impulso sensível em que o ser é limitado e tornase matéria sendo dominado pela sensibilidade quando finalmente estes impulsos são harmonizados a beleza do jogo transparece e através dela os impulsos são dominados pela imposição da categoria suprassensível a vontade O herói trágico segundo Schiller 1992 enfrenta o despotismo dos instintos impondo sua vontade acima de qualquer ato de autoconservação através da representação desse embate vemos a liberdade moral desfilar diante de nossos olhos transparecendo na representação o suprassensível o invisível As personagens Johanna e Maria Stuart personificam esse embate de impulsos em que a vontade prevalece Maria Stuart cai em desgraça porque desequilibrou a harmonia geral ou seja suas ações levaramna a praticar um ato que desestruturou a ordem estabelecida Entretanto para que ela seja reconhecida pelo público como heroína precisa legitimarse como alguém capaz de sentir antes mesmo de aparecer como ser racional Ela precisa demonstrar que sua alma sente o sofrimento intensa e intimamente SCHILLER 1992 p 116 mas que há uma carga de racionalidade que lhe permite não ser subjugada e dominada pelo amor que sente pela vida pois quando o sacrifício dela se faz necessário deverá demonstrar coragem e autodeterminação para submeterse com honra a seu destino trágico Já na personagem Johanna Schiller concilia a selvageria da guerra e a delicadeza bela de uma donzela de dezessete anos que movida por uma instância divina age também de forma divina É interessante notar que a divinização inicial da heroína foge ao status do herói trágico descrito por Schiller Segundo Kant 1992 p 71 nota nº 23 É sem dúvida uma limitação da razão humana que nem sequer dele se háde separar o facto de não podermos pensar valor moral algum de importância nas acções de uma pessoa sem ao mesmo tempo tornar humanamente representável esta pessoa ou a sua manifestação com efeito a fim de para nós tornarmos apreensíveis qualidades 28 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 sobrenaturais precisamos sempre de uma certa analogia com seres naturais Por isso um poeta filósofo atribui ao homem enquanto tem de combater em si uma propensão para o mal e inclusive por si mesmo contanto que a saiba vencer uma posição mais elevada na escala moral dos seres do que aos próprios habitantes do céu os quais em virtude da santidade da sua natureza estão subtraídos a toda sedução possível Para Kant o poetafilósofo ao mesmo tempo em que aproxima seus heróis da figura humana também os diviniza tornandoos todos semelhantes à imagem de Jesus por exemplo que são tentados mas conseguem agir de forma moral buscando alcançar o divino Afora a propensão para o mal da qual Schiller discorda de Kant a elevação do personagem ao divino é para Schiller algo que também necessita de uma aproximação com o humano pois o seu completo afastamento repele a figura do personagem do leitorespectador impedindo uma identificação Para o autor 1992 os heróis muito virtuosos não são recomendados pois quando o são em demasia afastam a participação do espectador na identificação com o mesmo Em contrapartida essa identificação não pode ser exagerada já que é necessário que se mantenha um certo distanciamento para que o espectador não se deixe levar pelo exacerbamento de sentimentos Ele deve conservar a sua plena liberdade para que consiga fruir o prazer que o sublime proporciona e o dramaturgo deve manter uma variação dos sentimentos suscitados pela tragédia para que o distanciamento seja sustentado Dessa forma o poder imaginativo do leitorespectador permanece ativo e não o faz sucumbir pela emoção que lhe tira o prazer da fruição estética A liberdade dos sentidos é essencial Por isso após a divinização inicial da heroína Johanna Schiller nos mostra a fraqueza a emersão da natureza sensível da personagem que em um momento de fúria deixa transparecer sua humanidade Ao verse novamente como alguém que é movida também por necessidades físicas em que o sofrimento alcança o racional quando vê que sua culpa ao matar os inimigos é maior do que essa força divina que penetrou seu corpo ela é abandonada pelos deuses e é nesse abandono que a heroína percebe a sua força a sua liberdade enquanto ser moral pois é a partir da imposição da sua vontade do enfrentamento do sensível por essa vontade que a faz quebrar a ligação com o divino que a limitava e lutar por aquilo que se tornou o seu ideal não mais influenciada pelo divino mas sim A educação estética em Friedrich Schiller 29 ESTUDOS GERMANÍSTICOS livre para a sua decisão moral Ela se torna autônoma É como se ao atuar sob a influência divina a heroína não tivesse liberdade fosse apenas um corpo que se deixa levar pelo divino uma marionete kleistiana que só se movimenta quando o seu Deus se dispõe a emprestarlhe a alma ao recobrar a sua liberdade ela expõe toda a força que o seu caráter possui ou seja a verdadeira liberdade A primeira influência divina acontece do externo para o interno a segunda moral ocorre do interno para o externo e por isso é mais verdadeira Dessa forma as heroínas de Schiller passam por todas as privações e mesmo assim a serenidade e capacidade de liberdade de ambas nos surpreendem devido à nobreza de suas ações Elas renunciam aos interesses vitais através de uma livre opção moral aceitando conscientemente os males que sofrerão É a possibilidade de encontrar no herói essa vontade totalmente livre corajosa e autodeterminada que na visão de Schiller agrada nosso gosto estético o personagem sofre mas resiste bravamente aos instintos de autoconservação porque sua livre vontade dá forças para esta resistência revelando seu lado digno e comprovando que a sua destinação espiritual ultrapassa a transitoriedade da existência O herói sofre mas resiste diante da magnitude de seu caráter moral ele repete sua vida de desgraça no palco e serve de exemplo aos que o assistem Dessa maneira é que Schiller irá caracterizar a tragédia como uma instituição moral O teatro que se utiliza de meios morais para proporcionar o entretenimento pode ser entendido então como um auxiliar da justiça mas mais potente que suas leis pois age no âmago do ser humano Nosso prazer ante o belo o comovente e o sublime fortalece os nossos sentimentos morais SCHILLER 1992 p 16 O palco nos familiariza com os destinos humanos com o acaso e nos dá os meios que fazem com que mantenhamos a nossa vontade diante de imposições Mesmo diante dos males a que são submetidos os heróis trágicos nos entretemos porque a liberdade com que eles enfrentam esses males são superiores ao seu bemestar eles renunciam aos interesses vitais através de uma livre opção moral o que nos faz sentir nessa capacidade de liberdade do herói a nossa própria A desgraça fictícia o patético segundo Schiller 1992 põenos em direta relação com a lei dos espíritos que impera em nosso peito SCHILLER 1992 p 67 Por ser fictícia ela nos encontra preparados pois nos atinge como mero produto da imaginação Ao nos familiarizarmos com esta desgraça através do teatro ganhamos segundo o autor vantagem no mundo sensível pois a partir do momento que ela se torna real estamos preparados para enfrentála O nosso coração na 30 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ficção vivencia esta desgraça mesmo que de forma mais amena Por essa razão pode dizerse que o patético é uma inoculação do destino inevitável pela qual é privado de sua malignidade já que o ataque desta é conduzido contra o lado forte do homem SCHILLER 1992 p 67 Disso depreendemos que o sofrimento para Schiller é a chave da libertação da alma humana e é através dele que conseguimos alcançar o domínio da moral sobre o sensível E a vontade moral só nos agrada na medida em que atinge o objetivo de libertar o homem clamamos pelo entretenimento pelo efeito estético libertador A arte é formadora na medida em que como imitadora consegue atingir o coração do homem livre de limitações Ela o expõe a uma situação que poderia ser real causa nele o efeito sublime através de um personagem que age de forma sublime e lhe garante a vantagem de estar preparado caso o destino funesto se torne real Nesta relação entre realidade e arte a arte por preparar o homem para a realidade se torna superior a esta na formação do homem Safranski 2006 p 478 diz que à época de Schiller a peça Die Jungfrau von Orleans foi recebida com grande entusiasmo e que a esse entusiasmo se mesclaram os primeiros sentimentos patrióticos contrários à expansão do império napoleônico na Alemanha SAFRANSKI 2006 p 478 El público no veía en La doncella de Orleans no sólo una pieza mágica de tipo romántico sino que además percibía en ella un mensaje político En la figura de la mística militante veía el renacimiento nacional de Francia No habría necesidad también en Alemania de semejante figura con dotes de caudillo carismático Schiller había suscitado en el escenario el encanto de una política salvadora Prestes a entrar sob o domínio napoleônico a Alemanha fragmentada da época de Schiller se vê diante de uma força externa que pretende se estabelecer como governante do país assim como na peça vemos Johanna lutar contra forças externas que dominavam a França durante a Guerra dos Cem Anos E o cenário não poderia ser mais propício como um país que lutou para ser governado pelos seus pode querer impor seus domínios sobre outros países A perspicácia com que Schiller abordou o tema e elevou a figura de Joana DArc à categoria de mártir figura essa anteriormente categorizada por Shakespeare como bruxa e satirizada por Voltaire dão o tom da tentativa de Schiller de A educação estética em Friedrich Schiller 31 ESTUDOS GERMANÍSTICOS promover a revolução através da arte A literatura intenta na prática o que a teoria na filosofia propõe Disso resulta que na ótica de Schiller o ponto central é entender como a arte se comporta em relação ao espírito humano e em relação ao seu momento contemporâneo e a Revolução Francesa despertou nos intelectuais da época o interesse em se descobrir o que era realmente a Alemanha Para tanto Schiller 1992 adentra a categoria do histórico e nos diz que na história encontramos cenas patéticas da humanidade em luta com o destino da irresistível fuga da felicidade da segurança burlada da injustiça triunfante e da inocência vencida SCHILLER 1992 p 68 que podem nos fornecer material suficiente para a reflexão do momento contemporâneo Como objeto sublime a história é para Schiller 1992 p 68 um abalo sísmico que destrói reconstrói e destrói novamente configurando a luta da humanidade contra o destino que nos arremessa em direção à felicidade para trazer nos o infortúnio ou viceversa A arte trágica aproveitase dos atos sublimes que provêm da história para imitando instigar a nossa capacidade de sentir o sublime e o referencial histórico funciona dentro da obra artística como um símbolo do real Schiller 1992 parte da premissa aristotélica de que a tragédia não deve reproduzir o fato histórico assim como aconteceu ao invés disso ela deve como forma de alcançar o fim poético reproduzir uma ação que deleite a partir da comoção SCHILLER 1992 p 107 Ao tratar pois de uma dada matéria segundo esse seu fim tornase por isso mesmo livre na imitação Obtém o direito e até a obrigação de subordinar a verdade histórica às leis da arte poética e de trabalhar a matéria dada segundo suas necessidades Daí resulta que não cabe ao poeta aterse ao fato histórico de forma fiel é preciso que os acontecimentos e os personagens sejam moldados de acordo com as necessidades do assunto trágico e da verossimilhança A arte criadora não é limitada pelas amarras da natureza e nisto ganha porque faz com que o espectador seja livre diante do objeto sublime e belo o que é imitação nãorealidade atinge o homem na aparência deixandoo livre do poder devastador da natureza que se torna objeto de livre observação Para Schiller 1992 é esse abandono do real que torna a arte verdadeira e ideal por conseguinte o escritor não deve utilizarse do real neste caso da história tal como o encontra no mundo 32 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 extraliterário mas deve buscar o ideal na produção de todas as partes da arte Exemplos do uso de temas provenientes da história são encontrados facilmente na obra de Schiller Em seus dramas históricos o autor trata de fatos e personagens verídicos que foram importantes para a definição ou para o fortalecimento de seus respectivos países em termos da criação de uma identidade nacional ou sentimento de nação Elizabeth I em relação à Inglaterra na peça Maria Stuart Joana DArc na França Die Jungfrau von Orleans Felipe II na Espanha Dom Carlos etc Como se vê em Maria Stuart o período abordado é o das tensões religiosas entre Igreja Católica Protestantes e Anglicanos em Die Jungfrau von Orleans a época é a da ocupação inglesa em solo francês em Dom Carlos a Espanha redefinia seus laços com as coroas portuguesa e austríaca e tornavase potência econômica mundial Schiller critica em seus dramas o excesso e o abuso de poder e busca através dessa crítica refletir sobre seu próprio contexto Essa identificação dos temas à situação histórica tem como foco a teoria do autor de que é no mundo estético que se dá a formação do homem e é a partir daí que ele se liberta no mundo físico e consegue validar a sua liberdade atingindo assim a capacidade de ser livre e crítico à sua situação atual A teoria estética de Schiller se materializa na produção literária do autor que consegue inserir em suas tragédias o homem percorrendo os três níveis físico estético e moral para chegar à liberdade moral ou seja à sua sublimação Em suas peças sentimos o prazer estético de que fala Schiller no momento em que presenciamos a força e a nobreza de seus personagens que lutam contra os impulsos de autoconservação através da força moral que lhes é própria O herói trágico clássico é aquele que se encontra em uma situaçãolimite e nela expande sua potência de herói superando sua natureza ele atirase ao mundo da liberdade espiritual caracterizando o triunfo da idéia da reflexão sobre o impulso natural As heroínas de Schiller são parâmetro para entendermos essa ideia de homem clássico na medida em que suas ações são permeadas por uma racionalidade que busca controlar os ímpetos e que reconhece na harmonia a liberdade só pode ser alcançada através do equilíbrio Sentimos a inadequação sensível sendo superada pela adequação moral e nos sublimamos a partir da capacidade moral dos personagens Dentro dos moldes do teatro clássico a dignidade de cada herói se expande perante o leitorespectador atingindo a formação moral eles enfrentam seus impulsos para atingir a liberdade moral no suprassensível e partilham A educação estética em Friedrich Schiller 33 ESTUDOS GERMANÍSTICOS essa experiência com o leitorespectador que vê no herói a sua possibilidade de liberdade Se a normatização da forma em Schiller traduzida numa tentativa de manutenção da forma antiga é fortemente marcada por essa característica ideal que a arte carrega em sua teoria estética já é possível notar uma pequena interferência de questões externas históricas no bojo de sua forma dramática A forma trabalha de maneira a proporcionar o efeito estético libertador mas muito embasada ainda nos parâmetros da forma antiga fixa préestabelecida Assim a arte é para Schiller a chave para a educação do homem É em estado lúdico que homem sente a liberdade em que o nobre ou o escravo possuem os mesmos direitos No reino da aparência estética portanto realizase o Ideal da igualdade que o fanático tanto amaria ver realizado também em essência SCHILLER 2002 p 141 ou seja a estética realiza em essência as pretensões de um povo que não soube lidar com a liberdade e que por isso transformou o ideal de igualdade e fraternidade em terror Literatura e filosofia se unem em Schiller com o propósito de proporcionar ao homem a capacidade para a liberdade e o teatro tido como instituição moral instiga essa nossa capacidade de sentir o sublime e nos encaminha para a reflexão diante do mundo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA R Schiller e a cultura estética Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2004 Filosofia Passo a Passo 42 KANT I A religião nos limites da simples razão Tradução de Artur Morão Coimbra Edições 70 1992 Crítica da faculdade do juízo Tradução de Valerio Rohden e António Marques 2ª edição Rio de Janeiro Forense Universitária 2002 KORFMANN M Kant autonomia ou estética compromissada Pandaemonium Germanicum São Paulo v 08 p 2338 2004 RÖHL R Heise E História da literatura alemã São Paulo Ática 1986 ROSENFELD A História da literatura e do teatro alemães São Paulo Perspectiva Edusp Campinas Edunicamp 1993 Debates 255 SAFRANSKI R Schiller o la invención del idealismo alemán Traducción de Raúl Gabás Barcelona Tusquetes 2006 34 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 Romantismo uma questão alemã Tradução de Rita Rios São Paulo Estação Liberdade 2010 SCHILLER F Maria Stuart Tradução de Manuel Bandeira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1955 Teoria da tragédia Introdução e notas Anatol Rosenfeld São Paulo E P U 1992 Biblioteca Pólen A educação estética do homem numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 2002 Die Jungfrau von Orleans eine romantische Tragödie Stuttgart Reclam 2002 Kallias ou sobre a beleza A correspondência entre Schiller e Körner em janeiro e fevereiro de 1793 Tradução e introdução de Ricardo Barbosa Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 Sobre poesia ingênua e sentimental Tradução introdução comentário e glossário de Teresa Rodrigues Cadete Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 2003 Fragmentos das preleções sobre estética do semestre de inverno de 1792 93 Recolhidos por Christian Friedrich Michaelis Tradução e introdução de Ricardo Barbosa Belo Horizonte Editora UFMG 2004 Sobre graça e dignidade Tradução de Ana Resende Porto Alegre Movimento 2008 SZONDI P Teoria do drama moderno 18801950 Trad Luiz Sergio Repa São Paulo Cosac Naify 2001 Recebido em 28 de julho de 2016 Aceito em 10 de dezembro de 2016
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A educação estética em Friedrich Schiller 11 ESTUDOS GERMANÍSTICOS A EDUCAÇÃO ESTÉTICA EM FRIEDRICH SCHILLER Carina Zanelato Silva1 Abstract Friedrich Schillers aesthetic theory 17591805 approached art as a means of educating men for freedom served as the basis for his literary production which aims to accomplish the principles theorized in his philosophy The permeation between literature and philosophy allowed in Schillers theories the idealization of the steps that should be taken by the French Revolution and permitted the opening for a revolution of the spirit which would be essential for the generation of romantics that was on the rise Moreover this theory gave opportunity to a new vision of art which has utility in itself and from that autonomy Schiller established the theater more specifically the tragedy as a moral institution capable of providing the man the ability for freedom Keywords Philosophy literature aesthetics education Friedrich Schiller Resumo A teoria estética de Friedrich Schiller 17591805 abordou a arte como meio de educar o homem para a liberdade e serviu de base para a sua produção literária que busca realizar os princípios teorizados em sua filosofia A permeação entre literatura e filosofia permitiu em Schiller a idealização dos passos que deveriam ser dados pela Revolução Francesa e possibilitou a abertura para uma revolução do espírito que seria primordial para a geração dos românticos que estava em ascensão Além disso essa teoria deu ensejo a uma visão de arte que possui utilidade em si mesma e a partir dessa autonomia Schiller estabeleceu o teatro mais especificamente a tragédia como instituição moral capaz de proporcionar ao homem a aptidão para a liberdade Palavraschave Filosofia literatura educação estética Friedrich Schiller Na arte alemã o período conhecido como Kunstperiode período da arte compreendeu quatro grandes correntes literárias que de certo modo trazem pontos antagônicos entre si mas que também compartilham traços significativos Assim Aufklärung Sturm und Drang Classicismo de Weimar e Romantismo têm seus próprios projetos e ideários mas caracterizamse como movimentos que transfiguraram os 1 Doutoranda UNESP carinazshotmailcom 12 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 valores barrocos e mudaram o foco literário para a investigação do ser humano suas emoções seu caráter sua razão Friedrich Schiller 1759 1805 um dos principais expoentes desse período contribuiu inicialmente para o ímpeto avassalador do Sturm und Drang em especial com sua peça Os bandoleiros 1781 e alguns anos mais tarde integrou o período literário denominado Classicismo de Weimar voltandose para a arte baseada nos valores estéticos da Antiguidade na harmonia na beleza e na perfeição Essa corrente literária geralmente tem seu início marcado pela viagem de Goethe à Itália nos anos 17861788 e pode ser considerada clássica tanto pelo apogeu da produção literária na Alemanha coroada pelas obras de Schiller e Goethe quanto como referência a um estilo pautado nos valores da Antiguidade Clássica cf ROSENFELD 1993 Nesse período os dois autores desenvolveram obras literárias e filosóficas que visam à harmonia à contenção dos ímpetos e que se inspiram no humanismo grego para a conciliação do homem moderno fragmentado Contudo o classicismo presente na teoria estética de Schiller vai muito além de um mero retorno à Antiguidade Clássica e de um simples resgate de valores pois a eles se acrescentam a vivência do Sturm und Drang RÖHL 1986 o contato com Goethe e a filosofia kantiana superando as experiências humanistas anteriores Martin Opitz no Barroco e Johann Christoph Gottsched na Aufklärung e instituindo o caminho da formação do homem rumo à liberdade Este classicismo vem imbuído de um disciplinamento dos violentos impulsos do Sturm und Drang e da procura da harmonização das tensões rumo à serenidade apolínea que por sua vez será fonte de grande crítica entre os românticos que começam a se manifestar por volta de 179717982O Romantismo nascente teve seus horizontes ampliados pelas teorias estéticas de Schiller e Goethe principalmente a teoria do jogo desenvolvida por Schiller que foi segundo Safranski 2010 p 41 o prelúdio da revolução literária romântica em torno de 1800 ainda que os românticos não admitissem tais influências Segundo Peter Szondi em sua Teoria do drama moderno 1956 as primeiras doutrinas do drama Aristóteles tinham a forma como algo pré estabelecido que necessitava de uma matéria adequada para poder 2 Não é raro encontrarmos a classificação de Goethe e Schiller como românticos embora o trabalhos desenvolvidos pelos escritores sejam claramente de cunho clássico Sobre o assunto ver ROSENFELD A Schiller In Teatro moderno São Paulo Perspectiva 2008 p 1941 A educação estética em Friedrich Schiller 13 ESTUDOS GERMANÍSTICOS realizarse Nas relações entre forma e conteúdo a forma nesta concepção não estava ligada à história o que implicava a sua possibilidade em qualquer tempo desde que o conteúdo aplicado a ela fosse condizente Assim o autor cita Goethe e Schiller 2001 p 23 e o seu classicismo como instâncias que tentaram manter essa concepção não dialética de forma e conteúdo A esse tipo de drama Szondi classificou de drama absoluto que se baseia em uma relação pura entre forma e conteúdo ou seja o drama absoluto é desligado de tudo o que lhe é externo Ele não conhece nada além de si SZONDI 2001 p 30 Dessa forma o drama absoluto caracterizase por uma série de normatizações que marcam o seu aspecto nãodialético como por exemplo a relação entre o espectador e o drama que deve manter as duas instâncias dentro dos limites que lhes cabem sem que um interfira no outro SZONDI 2001 p 30 ou a perfeita identidade entre o ator e a personagem que ele representa ou até mesmo a configuração do palco que só deve ser percebido pelo espectador quando o espetáculo começa Porém Hegel em sua Estética segundo Szondi 2001 p 26 Ao colocar em evidência o que precipitou na forma dramática como enunciado sobre a existência humana ele faz de um fenômeno da história literária um documento da história da humanidade Devese mostrar as exigências técnicas do drama como reflexo de exigências existenciais Hegel com este pensamento evidenciou o aniquilamento dessa oposição atemporal entre forma e conteúdo e abriu caminho para uma historicização dos gêneros poéticos o que permitiu a existência da contradição entre forma e conteúdo pois este conteúdo aplicado à forma passou a exigir da mesma um respaldo o que gerou um conflito entre estas duas instâncias SZONDI 2001 p 24 Assim a crise do drama no final do século XIX está intrinsecamente ligada à impossibilidade de se manter os aspectos do drama absoluto o questionamento da velha forma reflete a sua não possibilidade na sociedade moderna Friedrich Schiller portanto foi classificado por Szondi como um dos que tentaram manter essa forma dramática absoluta O autor iniciou seus trabalhos sobre a tragédia no ano de 1790 e os resultados obtidos foram inúmeros ensaios que tentam determinar o lugar e a função da arte dentro de um contexto social e que abordam como a arte trágica pode resultar de grande importância para formação do homem Dentre estes 14 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ensaios estão Sobre graça e dignidade A educação estética do homem Sobre poesia ingênua e sentimental Teoria da tragédia3 a série de cartas Kallias ou sobre a beleza e os Fragmentos das preleções sobre estética do semestre de inverno de 179293 coletados por Christian Friedrich Michaelis que são fundamentais para se entender a obra do autor como mantenedora dessa forma pura dramática mas também como fator evidente de sua tomada de posição diante da obra de Kant da Aufklärung Iluminismo e da Revolução Francesa cf BARBOSA 2004 Impressionados pela grandiosidade com que a Revolução Francesa se mostrou ao mundo no ano de 1789 os intelectuais alemães se viram diante de uma mudança notável que significava o começo de uma nova era Nunca se vira uma revolta popular de tamanha proporção e a imagem da revolução como luz do dia ou alvorada se encontra em quase todos os escritores do início dos anos 1790 SAFRANSKI 2010 p 34 Inicialmente entusiastas do movimento a Revolução deu asas à produção artística na Alemanha e impulsionou o idealismo nascente Surgiram diversas publicações a respeito dos acontecimentos e escritores como Kant Fichte Schlegel e Novalis viam nesses acontecimentos a possibilidade da revolução através do pensamento ou seja através da prática dos ideários filosóficos de igualdade e liberdade que os iluministas haviam teorizado Porém a esse entusiasmo se seguiu o terror e a opressão e logo a liberdade propagada caiu em descrédito A degeneração da Revolução em terror não só atestaria o relativo fracasso da Aufklärung como daria a verdadeira dimensão da tarefa histórica a ser enfrentada a da formação do homem para a liberdade BARBOSA 2004 p 23 Assim como grande parte dos intelectuais alemães Friedrich Schiller sentiuse atraído e repelido pela Revolução e suas obras filosóficas e literárias foram o meio utilizado pelo autor para o debate do 3 O volume Teoria da tragédia é a reunião pela editora EPU dos textos Über den Grund des Vergnügens an tragischen Gegenständen Acerca da razão por que nos entretêm assuntos trágicos Die Schaubühne als eine moralische Anstatt betrachtet O teatro considerado como instituição moral Über das Erhabene Acerca do sublime Über den Gebrauch des Chors in der Tragödie Acerca do uso do coro na tragédia Über die tragische Kunst Acerca da arte trágica e Über das Pathetische Acerca do patético A educação estética em Friedrich Schiller 15 ESTUDOS GERMANÍSTICOS assunto Diante do terror ele tentou incluir a Revolução no mundo da filosofia e propôs em seus ensaios uma revolução estética que tinha o propósito de tornar as pessoas hábeis à liberdade pois como mostravam os acontecimentos ao conquistar a liberdade almejada as pessoas não sabiam como usála e as consequências eram funestas Desse entusiasmo surgiu a teoria do jogo de Schiller que foi de fundamental importância para os desdobramentos de seus estudos estéticos O homem segundo o autor é movido por três instâncias que dele fazem exigências A primeira delas é o sensível o homem como ser físico sofre exigências da natureza A segunda é a razão pois ele é um ser que sente racionalmente SCHILLER 1992 p 117 e por isso não se deve deixar dominar pela natureza mas sim dominála A terceira é o decoro que exige dele respeito pela sociedade e a obrigação de comportarse como um ser civilizado SCHILLER 1992 p 117 A teoria do jogo se baseia nessas instâncias em interação Segundo Schiller 2002 somente no jogo em estado lúdico o homem se desenvolve plenamente pois é neste estado que o sensível e a razão operam conjuntamente recuperandoo da fragmentação que o separou da essência una de que era constituído o seu ser O autor argumenta que o humanismo grego era perfeito porque estas instâncias estavam em completa harmonia no homem e a separação a fragmentação das ciências arte e religião fragmentaram o homem moderno SCHILLER 2002 p 37 Divorciaramse o Estado e a Igreja as leis e os costumes a fruição foi separada do trabalho o meio do fim o esforço da recompensa Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo o homem só pode formarse enquanto fragmento ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona não desenvolve a harmonia de seu ser e em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza tornase mera reprodução de sua ocupação de sua ciência A letra morta substitui o entendimento vivo a memória bem treinada é guia mais seguro que gênio e sensibilidade Ele acredita que a causadora dessa ferida na humanidade moderna foi a própria cultura que ampliou a experiência e o pensamento mais preciso abrindo espaço para a separação destas esferas A fragmentação portanto ocasionou a oposição antes inexistente entre 16 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 o estado sensível e a razão abrir mão da unicidade do ser entretanto foi o caminho necessário e inevitável para a progressão da espécie A ampliação do entendimento e o acúmulo de conhecimento desembocariam inevitavelmente na fragmentação entre o sensível e a razão pois somente colocando em oposição essas duas instâncias conseguese desenvolver as múltiplas potencialidades do homem 2002 p 40 Antes mesmo de Marx Schiller antecipa a alienação que a divisão do trabalho provocou no homem moderno e coloca nesse homem a função de restabelecer em nossa natureza através de uma arte mais elevada essa totalidade que foi destruída pelo artifício 2002 p 41 A revolução do espírito proposta pelo autor buscará então na arte a fonte de aprimoramento dos sentimentos humanos a base para a formação do homem na liberdade Assim a teoria do jogo baseiase na seguinte questão segundo Schiller 2002 o homem somente ratifica a sua humanidade em estado lúdico pois é neste estado que confirmamos ter saído do estado animal e entrado em estado de cultura SCHILLER 2002 p 130 E qual o fenômeno que anuncia no selvagem o advento da humanidade Por muito que indaguemos à história encontramos sempre a mesma resposta para os povos todos que tenham emergido da escravidão do estado animal a alegria com a aparência a inclinação para o enfeite e para o jogo Quando ainda em estado animal o homem utiliza apenas os seus sentidos olfato visão tato audição paladar na fruição A partir do momento em que esses sentidos já não são suficientes e ele busca na fruição um valor autônomo o homem passa deste estado animal para um estado estético despertando assim o impulso lúdico Desse impulso lúdico advém o impulso mimético e o homem se faz capaz de distinguir realidade e aparência e essa passagem do natural do sensível para o estético tem de se dar justamente pela sensibilidade primária pois através SCHILLER 2002 p 137 Desse jogo da livre sequencia das ideias de natureza ainda inteiramente material e explicado por meras leis naturais a imaginação dá o salto em direção do jogo estético na busca de uma forma livre Temse de chamálo salto porque uma força totalmente nova se põe em ação aqui o espírito A educação estética em Friedrich Schiller 17 ESTUDOS GERMANÍSTICOS legislador intervém pela primeira vez nas ações do cego instinto submete o procedimento arbitrário da imaginação à sua unidade eterna e imutável coloca sua espontaneidade no que é mutável e sua infinitude no que é sensível Ao estabelecer os passos do salto estético que o ser humano dá em relação ao seu estado animal Schiller diz que mesmo imerso em cultura o homem ainda possui o seu estado natural e portanto suas necessidades físicas fazem parte de sua humanidade Na distinção destas categorias que começam a emergir no homem de cultura Schiller 2002 caracteriza três impulsos o sensível o formal e o lúdico O impulso sensível constituise da parte física do homem Ele é a matéria que preenche o tempo e que está limitada a ele é a força da natureza que impõe a necessidade que lhe exige realidade na existência Este impulso é o que segundo Schiller 2002 impede ao homem a perfeição a elevação à divindade pois mesmo que por momentos ele consiga driblálo logo a força da natureza retoma seu direito e lhe impõe necessidades Já o impulso formal é a parte racional do homem que não está subjugada ao tempo e que lhe permite a liberdade a ampliação do ser é este impulso que rege as leis morais Ao atuarem conjuntamente impulso sensível e formal o homem consegue recuperar a harmonia perdida e ter liberdade Esta harmonia segundo Schiller 2002 somente é conseguida em estado lúdico que imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo pela supressão de toda contingência ele suprimirá portanto toda necessidade libertando o homem tanto moral quanto fisicamente SCHILLER 2002 p 74 O jogo entre os impulsos determina este estado lúdico e a beleza é a causa e o produto do jogo É ela que faz com que o homem caminhe do sensível ao formal e do formal ao sensível pois liga duas categorias que se opõem não há atritos entre estas instâncias uma se deixa conduzir pela outra A matéria estética SCHILLER 2002 p 109 dessa forma conduz o homem ao ilimitado e lhe permite a humanidade plena como se ele ainda não tivesse sofrido a ruptura a fragmentação Como segunda criadora do homem a beleza capacitao para a humanidade porém o que a diferencia da natureza sua primeira criadora é a abertura para a livre escolha cabe à própria vontade do homem o uso ou não da mesma A liberdade alvo primordial das considerações de Schiller sobre a educação estética do homem advém da oposição dos impulsos fundamentais que agem no homem Ela é expressão da vontade que exerce sobre os impulsos o seu poder Nem impulso formal nem impulso sensível podem 18 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 desempenhar um sobre o outro coação ou imposição através do poder apenas a vontade do homem deve legislar sobre os dois Assim a apreciação estética do belo causa um agrado livre desinteressado livre de propósitos vitais nossos impulsos sensíveis se harmonizam com a razão e é nessa harmonia que a nossa liberdade transparece sentimos no objeto belo a nossa liberdade dentro da natureza Mas a beleza também é o efeito da harmonia entre a natureza e o ideal pois abrange todas as capacidades do ser humano em sua completude deixando livre todas as suas forças Por isso o estado lúdico proporcionado pela arte além de dar ensejo ao entretenimento permite ao homem retomar a liberdade o humanismo perdido na fragmentação A humanidade perdeu sua dignidade mas a arte a salvou e conservou em pedras insignes a verdade subsiste na ilusão da cópia será refeita a imagem original SCHILLER 2002 p 50 Não podemos deixar de mencionar que a teoria do jogo de Schiller parte da teoria de Kant sobre o jogo lúdico livre e em sua maior parte se assemelha a ela KORFMANN 2004 p 2930 Na comunicação com o texto poético experimentamos desprendidos dos sentidos e do intelecto discursivo uma plenitude do mundo impossível de alcançar na vida empírica a experiência estética neutraliza conforme Kant os dois pólos os sentidos e a razão e consegue transformálos num estado de jogo lúdico livre em que a razão retira dos sentidos seu rigoroso caráter imediato Unmittelbarkeit enquanto os sentidos retiram da razão sua obrigatoriedade de atuar em conceitos Begriffszwang Acontece então na experiência estética um balanceamento Ausgleich de sentido e razão O julgamento do belo inicia o mecanismo geral do conhecimento de conceber algo singular sob um conceito geral sem que se fixe o específico num conceito final Julgamentos de gosto não são mais legitimados através de convenções diferenciadas hierarquicamente mas se baseiam num fenômeno humano geral o conjunto das faculdades de conhecimento Em Kant 2002 a neutralização dos polos sensível e racional no homem é iniciada por um objeto belo mas ainda que essa neutralização se dê entre os polos sensível e racional o que garante o jogo lúdico livre é a associação que a imaginação faz com o entendimento duas faculdades A educação estética em Friedrich Schiller 19 ESTUDOS GERMANÍSTICOS de conhecimento das quais é produzida a sensação de prazer ou desprazer Kant portanto caracteriza o jogo naquele espaço em que a imaginação apreende um objeto e transportao ao entendimento que dele fará um conceito indeterminado Já em Schiller o jogo entre os impulsos sensível e racional determina este estado de conciliação e a beleza é a causa e o produto do jogo É ela que faz com que o homem caminhe do sensível ao formal e do formal ao sensível pois liga duas categorias que se opõem não há atritos entre estas instâncias uma se deixa conduzir pela outra unindo a vida do impulso sensível à forma do impulso formal e traduzindo a beleza em forma viva Entretanto esse equilíbrio perfeito dos impulsos opostos somente é possível em um Ideal A realidade não consegue alcançar esta perfeição sobressaindo sempre um impulso sobre o outro enquanto a beleza ideal permanece una e indivisível a beleza na experiência terá a variação dupla de um instinto a outro SCHILLER 2002 p 84 se pode esperar do belo um efeito dissolvente e outro de tensão um dissolvente para manter em seus limites tanto o impulso sensível quanto o formal um tensionante para assegurar os dois a sua força Essas espécies de efeito da beleza contudo devem ser uma só segundo a Idéia Ela deve dissolver quando faz igualmente tensas as duas naturezas e deve dar tensão quando as dissolve por igual O que no belo ideal é distinguido apenas na representação no belo da experiência é diferente segundo a existência Os dois tipos de beleza na experiência acima descritos partem da maneira em que estão dispostos os impulsos no homem O homem que é coagido tanto pelo impulso sensível quanto pelo impulso formal quando se vê dominado por qualquer um destes dois impulsos participa do belo com efeito de tensão ou como denomina Schiller da beleza enérgica pois para ele a dominação de qualquer um dos impulsos caracteriza um estado de violência O homem que é dominado por apenas um dos impulsos participa do belo com efeito dissolvente ou beleza suavizante em que o impulso dominante é dissolvido pela forma no caso do impulso sensível ou pela matéria no caso do impulso formal Mesmo sem a unicidade da beleza Ideal a beleza na experiência partilha dos dois mundos com ela adentramos o mundo das Ideias sem abandonar o mundo sensível Já no acúmulo de conhecimento a 20 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 representação pode se afastar do sensível sem que isso cause prejuízo ao deleite através da verdade Schiller 2202 deixa claro que podemos passar de um estado sensível a um estado racional através do conhecimento mas ao contrário da beleza aquele não comprova a subsistência e a atuação conjunta dos dois estados Excluise do pensamento o sentimento e do sentimento o pensamento ressaltando assim suas características opositivas Portanto a beleza sustenta a possibilidade de liberdade moral na medida em que garante a simultaneidade das duas leis que regem o homem o sensível e o formal Na contemplação SCHILLER 2002 o homem é despertado pela beleza de um objeto que o suspende temporalmente e a forma desse objeto lhe reflete a imagem do infinito A imagem o liberta da mera sensação e o faz ter consciência do exterior ocasionando a reflexão O advento do pensamento faz com que de dominado pela natureza ele passe a ser o seu observador e portanto ela se torna seu objeto de contemplação A escuridão exterior que o atormentava ganha forma e clareza através do pensamento a reflexão ligase tão perfeitamente ao sentimento que parece que sentimos a forma A beleza é portanto forma pois que a contemplamos mas é ao mesmo tempo vida pois que a sentimos Numa palavra é simultaneamente nosso estado e nossa ação SCHILLER 2002 p 127 Diante de tal perspectiva e sendo a tragédia a imitação de uma ação digna de compaixão SCHILLER 1992 p 106 Schiller elege esta forma como a melhor maneira de suscitar no homem o gosto pela liberdade Segundo o autor a tragédia é da categoria de entretenimento que proporciona o deleite moral do homem que somente é alcançado através do uso de meios morais Ela tem o efeito de fazernos sentir na capacidade do personagem a nossa capacidade de imposição da moral diante do impulso natural e ao sustentar a sua autonomia como objeto de entretenimento a tragédia pode exercer a sua função moral e educativa não visando o fim moral em si mesmo mas chegando a ele através da plena liberdade estética Schiller leu a Poética em 1797 e em seus estudos sobre a tragédia ressoam algumas das categorias de que fala Aristóteles porém elas não predominam tanto quanto a filosofia de Kant Através de Kant Schiller segundo Rosenfeld 1992 procura abordar em seus ensaios a relação entre as esferas moral estética e a do mero prazer sensível ROSENFELD 1992 p 9 que de um lado vê a arte como autônoma mas que também a liga à moral A educação estética em Friedrich Schiller 21 ESTUDOS GERMANÍSTICOS Disso resulta que Schiller através do conceito kantiano de Zweckmäßigkeit adequação a fins formula uma concepção de estética em que a natureza é subordinada ao mundo da liberdade Segundo o autor 1992 o ser humano tem como base do seu entretenimento o estado de emoção e predisposto a ser atraído por sentimentos que suscitam horror temor e tristeza a emoção desagradável é a que mais lhe proporciona prazer Mas por que nos sentimos atraídos pelo desagradável A tragédia coloca diante dos nossos olhos um herói que padece mas que ao mesmo tempo nos faz sentir um prazer sublime na disposição moral de seu caráter Esse prazer suscitado provém de um acontecimento carregado de dor e sofrimento e nisso temos uma inadequação que se torna adequada na medida em que a disposição moral do personagem luta contra o sofrimento Somente através da inadequação causada por essa dor é que conseguimos uma adequação moral temos que ferir o sensível para que o suprassensível se manifeste e temos que combater os sofrimentos causados no sensível buscando ajuda na força moral Só a resistência pode tornar visível a força SCHILLER 1992 p 21 e essa resistência ao sofrimento pode ser medida pela intensidade do mesmo Quanto mais intenso for o sofrimento maior é o poder de resistência que deve ser empregado E quando o sofrimento se torna dor muda e intensa tão mais nobre é o resultado que se tem dessa resistência e o entretenimento será tão mais livre quanto o prazer que provier dessa inadequação que é uma adequação a fins Zweckmäßigkeit A tragédia incide em prazer na compaixão e as categorias que produzem essa adequação a fins são o comovente e o sublime Elas causam prazer através do desprazer SCHILLER 1992 p 19 que fere a nossa faculdade sensível mas nos faz tomar consciência de uma faculdade em nós superior que desperta um status de elevação por um bem supremo e que em nada supera o prazer que sentimos nessa inadequação adequada Na tragédia SCHILLER 1992 sentimos esta inadequação quando vemos o herói sofrer uma vez que se trata de um ser virtuoso seu sofrimento comovenos dolorosamente porque contraria a natureza do destino de um homem com tal caráter o que também nos causa sofrimento Porém esse descompasso tornase apropriado visto que o sofrimento é combatido pela força moral a conjunção de sentimentos contrários é a base de nossa independência moral Mais que a harmonização do sensível e do racional proveniente do estado lúdico a tragédia nos faz superar a conciliação entre os impulsos e nos eleva à categoria em que a força moral a vontade prevalece ao sensível e ao 22 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 formal Aqui não há harmonia entre razão e sensibilidade mas sim o triunfo do homem moral sobre o sensível O prazer é proveniente da faculdade moral e por isso é sublime O sublime nos faz sentir livres na medida em que os impulsos sensíveis já não fazem frente à razão que por sua vez se deixa governar por uma instituição suprassensível a vontade somente ela agora prevalece diante dos impulsos O homem segundo Schiller 1992 não se iguala aos animais pois além da necessidade natural há nele uma instância que se chama vontade que não está submetida nem ao sensível nem à razão embora esteja aliada a esta E o sublime é a mescla de dois sentimentos em si contraditórios o estardorido e o estaralegre quando unidos expressam a nossa liberdade moral diante do sensível pois conseguimos mostrar nossa autonomia em relação à natureza Entretanto Schiller nos diz que não devemos confundir o efeito proporcionado pela tragédia com o seu fim Segundo o autor as belas artes têm o fim comum de prodigalizar entretenimento e tornar felizes as pessoas 1992 p 14 porém na tentativa de elevar as belasartes atribuem a ela um fim moral que primordialmente lhe é estranho A arte é da categoria do entretenimento que proporciona o deleite moral do homem e não o contrário Para se chegar a essa categoria o caminho percorrido deve passar pelo da moralidade ou seja a arte deve utilizar meios morais que alcancem o entretenimento Ao afirmar a sua autonomia é que ela pode exercer a sua função moral e educativa não visando a moral mas chegando a ela através da plena liberdade estética da arte porque quando alcança a sua perfeição estética ela atinge indiretamente a sua capacidade moral e educativa Essa capacidade é o efeito da arte e não o seu fim Assim a função da tragédia consiste em ROSENFELD 1992 p 10 representar sensivelmente o suprasensível ou de modo visível o invisível representar portanto em termos cênicos a liberdade do mundo moral mostrando a vontade humana em choque com o despotismo dos instintos Fonte do prazer na dor a tragédia é o deleite que consegue transpor os impulsos sensível e formal proporcionando entretenimento a partir de meios morais só assim ela pode ser considerada como uma instituição que torna oportuna a educação do homem para a liberdade Partindo para a produção literária do autor essa teoria estética é transposta para o plano literário através de obras que possuem um caráter A educação estética em Friedrich Schiller 23 ESTUDOS GERMANÍSTICOS exemplificador Nas tragédias Die Jungfrau von Orleans A donzela de Orleans 1801 e Maria Stuart 1800 o autor elabora estes conceitos através de figuras que nos precisam a ideia de homem clássico ao mesmo tempo em que as heroínas buscam por liberdade elas controlam o ímpeto e reconhecem na conciliação dos impulsos a liberdade que só pode ser alcançada através do equilíbrio Elas ultrapassam a existência para no gozo da morte triunfar a liberdade almejada Para o desenvolvimento dessa capacidade educativa do teatro há que se construir personagens que possibilitem ao leitorespectador uma aproximação de ações e de entendimento e não é ao acaso que a identificação destas duas instâncias é essencial É nessa identificação que sentiremos a dor sensível suscitada no personagem e consequentemente sua elevação moral diante de tal dor O entretenimento de que participa o espectador é livre na medida em que mantém ativas as faculdades espirituais a razão e a imaginação SCHILLER 1992 p 16 o teatro é a forma de arte que dá ao homem sustento a toda faculdade da alma sem sobrecarregar a uma única que seja e unindo ainda à formação do entendimento e do coração o mais sublime entretenimento SCHILLER 1992 p 34 Ainda assim para surtir o efeito esperado essa desgraça cf SCHILLER 1992 p 93 não deve ser proveniente de fontes morais ou de uma vontade depravada mas sim de fatos exteriores que não estão relacionados ou submetidos a uma vontade Nestes casos a compaixão suscitada será mais pura A tragédia Maria Stuart gira em torno do conflito políticoreligioso familiar das rainhas Elizabeth Tudor e Maria Stuart A rainha escocesa criada na França foge do país em busca de asilo na Inglaterra pois matou seu marido Darnley por causa de um amante Quando Maria Stuart chega à Inglaterra Elizabeth se sente ameaçada com a possível contestação de seu trono pela escocesa pois como filha de Henrique VIII com Ana Bolena o casamento dos pais de Elizabeth poderia ser anulado caso a Igreja Católica o considerasse ilegal uma vez que Catarina de Aragão primeira esposa de Henrique VIII ainda estava viva quando ocorreu o casamento Sendo Maria Stuart bisneta de Henrique VII e neta de Margaret Tudor irmã mais velha de Henrique VIII a rainha escocesa poderia ser coroada já que era a seguinte na linha de sucessão ao trono inglês e Elizabeth seria considerada filha bastarda do rei O argumento da peça se dá então pelo encarceramento de Maria Stuart pela rainha inglesa Com medo de cumprir a condenação de morte devido às represálias que seu país protestante poderia sofrer pela Igreja 24 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 Católica à qual Maria estava filiada a peça toda se desenvolve em torno da tensão que se estabelece entre as duas rainhas Porém fica claro ao longo da peça que a intenção de Maria Stuart ao fugir para a Inglaterra era de simplesmente encontrar abrigo na casa de sua prima e não de lhe usurpar o poder Quando condenada à morte pela rainha inglesa ela o é por um fator externo à sua culpa ela seria condenada por ser uma ameaça à rainha da Inglaterra por algo que na verdade não fazia parte de sua vontade A morte é um ato de purificação que traz de volta à personagem a tranquilidade que a culpa não deixa emergir Ela é a forma de expiar a culpa primeira de Maria Stuart a morte de seu marido e não um ato injusto do destino Dessa forma a morte da heroína personifica o triunfo da liberdade sobre a existência pois possibilita a Maria Stuart o ápice da perfeição e harmonia tornando a existência apenas o meio para se atingir o fim moral o sacrifício da vida a serviço de um objetivo moral ganha um alto sentido final porque a vida nunca é importante por si mesma como fim mas tãosó como meio para os fins morais SCHILLER 1991 p 24 Nesta peça não podemos entender a morte como infortúnio a situação trágica da rainha escocesa exige que esta aconteça para se atingir o fim moral Maria Stuart é caracterizada como um ser virtuoso que encontra na adversidade o caminho exato para a sublimação Ela é a representação da culpa que necessita renunciar à natureza para atingir um estado superior e assim alcançar a liberdade moral Sentimos o prazer estético de que fala Schiller no momento em que presenciamos a força e a nobreza da heroína ao abrir mão de lutar por sua existência física e rumar com coragem serenidade e firmeza para a morte Esta inadequação de sentimentos é adequada na media em que sentimos prazer na sublimação que o ser alcança com a morte Sua dignidade e valor mítico se expandem perante o leitorespectador atingindo a formação moral de que fala o autor É o prazer na compaixão que sentimos pela rainha da Escócia que ativa essa faculdade moral que entra em confronto com este sentimento e intensifica nossa apreciação artística da dor da personagem Do mesmo modo a heroína da peça Die Jungfrau von Orleans Johanna abandona sua vida para atingir o fim moral que sua liberdade lhe proporciona diante do sensível De grande êxito à época de sua representação a peça retoma a famosa história da jovem camponesa de 17 anos que no ano de 1429 SAFRANSKI 2006 p 475 resolve partir para Orleans no intuito de ajudar o exército francês que estava sendo massacrado pelos ingleses na Guerra dos Cem Anos Joana dArc ficou conhecida como a donzela que inspirada pelo divino obteve êxito ao A educação estética em Friedrich Schiller 25 ESTUDOS GERMANÍSTICOS libertar a cidade de Orleans do domínio inglês e conduzir o rei Carlos VII vitorioso à sua coroação na cidade de Reims sendo posteriormente capturada pelo exército inglês e queimada como bruxa no ano de 1431 Segundo Safranski 2006 Schiller ficou tão impressionado com o magnetismo dessa história que se empenhou em estudála a fundo fazendo de Joana dArc a sua heroína Schiller segue alguns dados da história oficial e subverte outros resgatando a figura da heroína Joana DArc de forma a santificála A peça também se passa durante a Guerra dos Cem Anos e nos conta a história de uma jovem que segundo seu pai era uma menina peculiar que sempre vivera afastada de todos da sua família passando a maior parte de seu tempo ao lado de uma árvore cuidando dos animais da fazenda como que em um transe profundo Um dia chega à fazenda de seu pai um outro fazendeiro de nome Bertrand com notícias sobre a tomada de Orleans pelos ingleses portando em suas mãos um elmo Johanna ao ver esse objeto fica inquieta e tenta de todas as formas apoderarse dele e quando finalmente consegue e o coloca em sua cabeça é como se um poder mágico fosse incorporado a ela Em um monólogo ela explicita que Deus apareceu para ela em sonho e lhe ordenou que quando tivesse em sua posse um elmo fosse a Orleans para salvar o reino francês de rei Carlos porém para sair vitoriosa do campo de batalha a heroína deveria renunciar a qualquer ato humano que não fosse executado com o pleno consentimento do espírito que a guia Ao chegar à guerra ela move os exércitos com tamanha facilidade que batalha após batalha é garantido aos soldados o ímpeto para a vitória Porém mesmo nesse estado de transe em que apenas o divino se deixa mostrar Johanna já começa a mostrar indícios de enfraquecimento diante de sua consciência moral e ao se deparar com Lionel um comandante inglês Johanna empreende um combate com ele e dominandoo arrancalhe a armadura que lhe cobre o rosto e olha em seus olhos SCHILLER 2011 p 91 ergreift ihn von hinten zu am Helmbusch und reißt ihm den Helm gewaltsam herunter daß sein Gesicht entblößt wird zugleich zückt sie das Schwert mit der Rechten In diesem Augenblick sieht sie ihm ins Gesicht sein Anblick 26 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ergreift sie sie bleibt unbeweglich stehen und läßt dann langsam den Arm sinken4 A indicação de cena no texto mostra que Johanna se comove com a feição de Lionel o que indica que a impetuosidade com que o divino a fazia matar qualquer adversário que lhe fizesse frente é imediatamente substituída por sua humanidade que recobra seus direitos Para Johanna é impossível matar a quem lhe comoveu pelos olhos ela reconhece nos olhos de sua presa a sua própria humanidade e isso faz com que a heroína abandone o impulso divino que a fazia lutar sem piedade Porém ao recobrar a consciência de seus atos Johanna fica extremamente perturbada pois essa comoção por um homem fez com que ela desobedecesse à ordem divina seu lado humano prevaleceu dando ao livre arbítrio espaço suficiente para tomar para si o poder A queda de Johanna e sua descrença na capacidade de continuar sua missão a partir desse momento é evidente a heroína é marcada pela culpa de ter deixado sua humanidade prevalecer à sua destinação divina e se acha indigna de carregar o estandarte sua armadura sua espada e até mesmo de conduzir o rei em sua vitória perante o povo de Reims Porém ela o conduz à festa da vitória mas seu pai que ali estava para desmascará la aparece e diz que ela serve ao demônio O rei estarrecido com a revelação suplica a Johanna que se defenda e que diga que sua motivação partiu do reino dos céus porém a virtude da heroína lhe impede a defesa pois essa punição vem para ela como forma de expiar sua culpa de traição ao divino assim como em Maria Stuart a morte a purifica do homicídio cometido anteriormente Impossibilitado de dar a Johanna uma punição mais severa o rei ordena à heroína que se retire daquele local porém na fuga ela é capturada pelos ingleses Ao ser aprisionada os seus inimigos a inflamam de ódio na medida em que lhe descrevem o quanto seus exércitos estão sendo massacrados sem a sua ajuda e o ápice se dá quando Johanna ouve que seu rei está prestes a ser abatido na batalha Nessa cena já não mais o divino a acompanha e por força de sua vontade Johanna se desfaz das cadeias que a prendiam e consegue partir para o campo de batalha para salvar seus exércitos É nessa batalha que seu poder de encantamento 4 agarrao por trás pela crista do elmo e o arranca com violência deixando seu rosto exposto ao mesmo tempo ela puxa a espada com a mão direita Neste momento em que vai ferilo ela vê seu rosto seu olhar a comove ela permanece imóvel e então baixa lentamente seu braço A educação estética em Friedrich Schiller 27 ESTUDOS GERMANÍSTICOS parte de sua livre vontade e a dignidade da ação se dá por essa imposição da vontade diante da necessidade de auto conservação que se torna adequada moralmente Zweckmäßigkeit Ela morre salvando sua pátria Transpondo para os termos filosóficos utilizados por Schiller 2002 na descrição dos impulsos vemos que Johanna passa por dois impulsos para atingir o suprassensível o primeiro é o impulso formal em que o ser livre de limitações se amplia de tal forma que se torna imutável e eterno por isso a configuração divina dada à personagem o segundo é o impulso sensível em que o ser é limitado e tornase matéria sendo dominado pela sensibilidade quando finalmente estes impulsos são harmonizados a beleza do jogo transparece e através dela os impulsos são dominados pela imposição da categoria suprassensível a vontade O herói trágico segundo Schiller 1992 enfrenta o despotismo dos instintos impondo sua vontade acima de qualquer ato de autoconservação através da representação desse embate vemos a liberdade moral desfilar diante de nossos olhos transparecendo na representação o suprassensível o invisível As personagens Johanna e Maria Stuart personificam esse embate de impulsos em que a vontade prevalece Maria Stuart cai em desgraça porque desequilibrou a harmonia geral ou seja suas ações levaramna a praticar um ato que desestruturou a ordem estabelecida Entretanto para que ela seja reconhecida pelo público como heroína precisa legitimarse como alguém capaz de sentir antes mesmo de aparecer como ser racional Ela precisa demonstrar que sua alma sente o sofrimento intensa e intimamente SCHILLER 1992 p 116 mas que há uma carga de racionalidade que lhe permite não ser subjugada e dominada pelo amor que sente pela vida pois quando o sacrifício dela se faz necessário deverá demonstrar coragem e autodeterminação para submeterse com honra a seu destino trágico Já na personagem Johanna Schiller concilia a selvageria da guerra e a delicadeza bela de uma donzela de dezessete anos que movida por uma instância divina age também de forma divina É interessante notar que a divinização inicial da heroína foge ao status do herói trágico descrito por Schiller Segundo Kant 1992 p 71 nota nº 23 É sem dúvida uma limitação da razão humana que nem sequer dele se háde separar o facto de não podermos pensar valor moral algum de importância nas acções de uma pessoa sem ao mesmo tempo tornar humanamente representável esta pessoa ou a sua manifestação com efeito a fim de para nós tornarmos apreensíveis qualidades 28 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 sobrenaturais precisamos sempre de uma certa analogia com seres naturais Por isso um poeta filósofo atribui ao homem enquanto tem de combater em si uma propensão para o mal e inclusive por si mesmo contanto que a saiba vencer uma posição mais elevada na escala moral dos seres do que aos próprios habitantes do céu os quais em virtude da santidade da sua natureza estão subtraídos a toda sedução possível Para Kant o poetafilósofo ao mesmo tempo em que aproxima seus heróis da figura humana também os diviniza tornandoos todos semelhantes à imagem de Jesus por exemplo que são tentados mas conseguem agir de forma moral buscando alcançar o divino Afora a propensão para o mal da qual Schiller discorda de Kant a elevação do personagem ao divino é para Schiller algo que também necessita de uma aproximação com o humano pois o seu completo afastamento repele a figura do personagem do leitorespectador impedindo uma identificação Para o autor 1992 os heróis muito virtuosos não são recomendados pois quando o são em demasia afastam a participação do espectador na identificação com o mesmo Em contrapartida essa identificação não pode ser exagerada já que é necessário que se mantenha um certo distanciamento para que o espectador não se deixe levar pelo exacerbamento de sentimentos Ele deve conservar a sua plena liberdade para que consiga fruir o prazer que o sublime proporciona e o dramaturgo deve manter uma variação dos sentimentos suscitados pela tragédia para que o distanciamento seja sustentado Dessa forma o poder imaginativo do leitorespectador permanece ativo e não o faz sucumbir pela emoção que lhe tira o prazer da fruição estética A liberdade dos sentidos é essencial Por isso após a divinização inicial da heroína Johanna Schiller nos mostra a fraqueza a emersão da natureza sensível da personagem que em um momento de fúria deixa transparecer sua humanidade Ao verse novamente como alguém que é movida também por necessidades físicas em que o sofrimento alcança o racional quando vê que sua culpa ao matar os inimigos é maior do que essa força divina que penetrou seu corpo ela é abandonada pelos deuses e é nesse abandono que a heroína percebe a sua força a sua liberdade enquanto ser moral pois é a partir da imposição da sua vontade do enfrentamento do sensível por essa vontade que a faz quebrar a ligação com o divino que a limitava e lutar por aquilo que se tornou o seu ideal não mais influenciada pelo divino mas sim A educação estética em Friedrich Schiller 29 ESTUDOS GERMANÍSTICOS livre para a sua decisão moral Ela se torna autônoma É como se ao atuar sob a influência divina a heroína não tivesse liberdade fosse apenas um corpo que se deixa levar pelo divino uma marionete kleistiana que só se movimenta quando o seu Deus se dispõe a emprestarlhe a alma ao recobrar a sua liberdade ela expõe toda a força que o seu caráter possui ou seja a verdadeira liberdade A primeira influência divina acontece do externo para o interno a segunda moral ocorre do interno para o externo e por isso é mais verdadeira Dessa forma as heroínas de Schiller passam por todas as privações e mesmo assim a serenidade e capacidade de liberdade de ambas nos surpreendem devido à nobreza de suas ações Elas renunciam aos interesses vitais através de uma livre opção moral aceitando conscientemente os males que sofrerão É a possibilidade de encontrar no herói essa vontade totalmente livre corajosa e autodeterminada que na visão de Schiller agrada nosso gosto estético o personagem sofre mas resiste bravamente aos instintos de autoconservação porque sua livre vontade dá forças para esta resistência revelando seu lado digno e comprovando que a sua destinação espiritual ultrapassa a transitoriedade da existência O herói sofre mas resiste diante da magnitude de seu caráter moral ele repete sua vida de desgraça no palco e serve de exemplo aos que o assistem Dessa maneira é que Schiller irá caracterizar a tragédia como uma instituição moral O teatro que se utiliza de meios morais para proporcionar o entretenimento pode ser entendido então como um auxiliar da justiça mas mais potente que suas leis pois age no âmago do ser humano Nosso prazer ante o belo o comovente e o sublime fortalece os nossos sentimentos morais SCHILLER 1992 p 16 O palco nos familiariza com os destinos humanos com o acaso e nos dá os meios que fazem com que mantenhamos a nossa vontade diante de imposições Mesmo diante dos males a que são submetidos os heróis trágicos nos entretemos porque a liberdade com que eles enfrentam esses males são superiores ao seu bemestar eles renunciam aos interesses vitais através de uma livre opção moral o que nos faz sentir nessa capacidade de liberdade do herói a nossa própria A desgraça fictícia o patético segundo Schiller 1992 põenos em direta relação com a lei dos espíritos que impera em nosso peito SCHILLER 1992 p 67 Por ser fictícia ela nos encontra preparados pois nos atinge como mero produto da imaginação Ao nos familiarizarmos com esta desgraça através do teatro ganhamos segundo o autor vantagem no mundo sensível pois a partir do momento que ela se torna real estamos preparados para enfrentála O nosso coração na 30 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 ficção vivencia esta desgraça mesmo que de forma mais amena Por essa razão pode dizerse que o patético é uma inoculação do destino inevitável pela qual é privado de sua malignidade já que o ataque desta é conduzido contra o lado forte do homem SCHILLER 1992 p 67 Disso depreendemos que o sofrimento para Schiller é a chave da libertação da alma humana e é através dele que conseguimos alcançar o domínio da moral sobre o sensível E a vontade moral só nos agrada na medida em que atinge o objetivo de libertar o homem clamamos pelo entretenimento pelo efeito estético libertador A arte é formadora na medida em que como imitadora consegue atingir o coração do homem livre de limitações Ela o expõe a uma situação que poderia ser real causa nele o efeito sublime através de um personagem que age de forma sublime e lhe garante a vantagem de estar preparado caso o destino funesto se torne real Nesta relação entre realidade e arte a arte por preparar o homem para a realidade se torna superior a esta na formação do homem Safranski 2006 p 478 diz que à época de Schiller a peça Die Jungfrau von Orleans foi recebida com grande entusiasmo e que a esse entusiasmo se mesclaram os primeiros sentimentos patrióticos contrários à expansão do império napoleônico na Alemanha SAFRANSKI 2006 p 478 El público no veía en La doncella de Orleans no sólo una pieza mágica de tipo romántico sino que además percibía en ella un mensaje político En la figura de la mística militante veía el renacimiento nacional de Francia No habría necesidad también en Alemania de semejante figura con dotes de caudillo carismático Schiller había suscitado en el escenario el encanto de una política salvadora Prestes a entrar sob o domínio napoleônico a Alemanha fragmentada da época de Schiller se vê diante de uma força externa que pretende se estabelecer como governante do país assim como na peça vemos Johanna lutar contra forças externas que dominavam a França durante a Guerra dos Cem Anos E o cenário não poderia ser mais propício como um país que lutou para ser governado pelos seus pode querer impor seus domínios sobre outros países A perspicácia com que Schiller abordou o tema e elevou a figura de Joana DArc à categoria de mártir figura essa anteriormente categorizada por Shakespeare como bruxa e satirizada por Voltaire dão o tom da tentativa de Schiller de A educação estética em Friedrich Schiller 31 ESTUDOS GERMANÍSTICOS promover a revolução através da arte A literatura intenta na prática o que a teoria na filosofia propõe Disso resulta que na ótica de Schiller o ponto central é entender como a arte se comporta em relação ao espírito humano e em relação ao seu momento contemporâneo e a Revolução Francesa despertou nos intelectuais da época o interesse em se descobrir o que era realmente a Alemanha Para tanto Schiller 1992 adentra a categoria do histórico e nos diz que na história encontramos cenas patéticas da humanidade em luta com o destino da irresistível fuga da felicidade da segurança burlada da injustiça triunfante e da inocência vencida SCHILLER 1992 p 68 que podem nos fornecer material suficiente para a reflexão do momento contemporâneo Como objeto sublime a história é para Schiller 1992 p 68 um abalo sísmico que destrói reconstrói e destrói novamente configurando a luta da humanidade contra o destino que nos arremessa em direção à felicidade para trazer nos o infortúnio ou viceversa A arte trágica aproveitase dos atos sublimes que provêm da história para imitando instigar a nossa capacidade de sentir o sublime e o referencial histórico funciona dentro da obra artística como um símbolo do real Schiller 1992 parte da premissa aristotélica de que a tragédia não deve reproduzir o fato histórico assim como aconteceu ao invés disso ela deve como forma de alcançar o fim poético reproduzir uma ação que deleite a partir da comoção SCHILLER 1992 p 107 Ao tratar pois de uma dada matéria segundo esse seu fim tornase por isso mesmo livre na imitação Obtém o direito e até a obrigação de subordinar a verdade histórica às leis da arte poética e de trabalhar a matéria dada segundo suas necessidades Daí resulta que não cabe ao poeta aterse ao fato histórico de forma fiel é preciso que os acontecimentos e os personagens sejam moldados de acordo com as necessidades do assunto trágico e da verossimilhança A arte criadora não é limitada pelas amarras da natureza e nisto ganha porque faz com que o espectador seja livre diante do objeto sublime e belo o que é imitação nãorealidade atinge o homem na aparência deixandoo livre do poder devastador da natureza que se torna objeto de livre observação Para Schiller 1992 é esse abandono do real que torna a arte verdadeira e ideal por conseguinte o escritor não deve utilizarse do real neste caso da história tal como o encontra no mundo 32 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 extraliterário mas deve buscar o ideal na produção de todas as partes da arte Exemplos do uso de temas provenientes da história são encontrados facilmente na obra de Schiller Em seus dramas históricos o autor trata de fatos e personagens verídicos que foram importantes para a definição ou para o fortalecimento de seus respectivos países em termos da criação de uma identidade nacional ou sentimento de nação Elizabeth I em relação à Inglaterra na peça Maria Stuart Joana DArc na França Die Jungfrau von Orleans Felipe II na Espanha Dom Carlos etc Como se vê em Maria Stuart o período abordado é o das tensões religiosas entre Igreja Católica Protestantes e Anglicanos em Die Jungfrau von Orleans a época é a da ocupação inglesa em solo francês em Dom Carlos a Espanha redefinia seus laços com as coroas portuguesa e austríaca e tornavase potência econômica mundial Schiller critica em seus dramas o excesso e o abuso de poder e busca através dessa crítica refletir sobre seu próprio contexto Essa identificação dos temas à situação histórica tem como foco a teoria do autor de que é no mundo estético que se dá a formação do homem e é a partir daí que ele se liberta no mundo físico e consegue validar a sua liberdade atingindo assim a capacidade de ser livre e crítico à sua situação atual A teoria estética de Schiller se materializa na produção literária do autor que consegue inserir em suas tragédias o homem percorrendo os três níveis físico estético e moral para chegar à liberdade moral ou seja à sua sublimação Em suas peças sentimos o prazer estético de que fala Schiller no momento em que presenciamos a força e a nobreza de seus personagens que lutam contra os impulsos de autoconservação através da força moral que lhes é própria O herói trágico clássico é aquele que se encontra em uma situaçãolimite e nela expande sua potência de herói superando sua natureza ele atirase ao mundo da liberdade espiritual caracterizando o triunfo da idéia da reflexão sobre o impulso natural As heroínas de Schiller são parâmetro para entendermos essa ideia de homem clássico na medida em que suas ações são permeadas por uma racionalidade que busca controlar os ímpetos e que reconhece na harmonia a liberdade só pode ser alcançada através do equilíbrio Sentimos a inadequação sensível sendo superada pela adequação moral e nos sublimamos a partir da capacidade moral dos personagens Dentro dos moldes do teatro clássico a dignidade de cada herói se expande perante o leitorespectador atingindo a formação moral eles enfrentam seus impulsos para atingir a liberdade moral no suprassensível e partilham A educação estética em Friedrich Schiller 33 ESTUDOS GERMANÍSTICOS essa experiência com o leitorespectador que vê no herói a sua possibilidade de liberdade Se a normatização da forma em Schiller traduzida numa tentativa de manutenção da forma antiga é fortemente marcada por essa característica ideal que a arte carrega em sua teoria estética já é possível notar uma pequena interferência de questões externas históricas no bojo de sua forma dramática A forma trabalha de maneira a proporcionar o efeito estético libertador mas muito embasada ainda nos parâmetros da forma antiga fixa préestabelecida Assim a arte é para Schiller a chave para a educação do homem É em estado lúdico que homem sente a liberdade em que o nobre ou o escravo possuem os mesmos direitos No reino da aparência estética portanto realizase o Ideal da igualdade que o fanático tanto amaria ver realizado também em essência SCHILLER 2002 p 141 ou seja a estética realiza em essência as pretensões de um povo que não soube lidar com a liberdade e que por isso transformou o ideal de igualdade e fraternidade em terror Literatura e filosofia se unem em Schiller com o propósito de proporcionar ao homem a capacidade para a liberdade e o teatro tido como instituição moral instiga essa nossa capacidade de sentir o sublime e nos encaminha para a reflexão diante do mundo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA R Schiller e a cultura estética Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2004 Filosofia Passo a Passo 42 KANT I A religião nos limites da simples razão Tradução de Artur Morão Coimbra Edições 70 1992 Crítica da faculdade do juízo Tradução de Valerio Rohden e António Marques 2ª edição Rio de Janeiro Forense Universitária 2002 KORFMANN M Kant autonomia ou estética compromissada Pandaemonium Germanicum São Paulo v 08 p 2338 2004 RÖHL R Heise E História da literatura alemã São Paulo Ática 1986 ROSENFELD A História da literatura e do teatro alemães São Paulo Perspectiva Edusp Campinas Edunicamp 1993 Debates 255 SAFRANSKI R Schiller o la invención del idealismo alemán Traducción de Raúl Gabás Barcelona Tusquetes 2006 34 Carina Zanelato Silva Caderno de Letras nº 29 JulDez 2017 ISSN 01029576 Romantismo uma questão alemã Tradução de Rita Rios São Paulo Estação Liberdade 2010 SCHILLER F Maria Stuart Tradução de Manuel Bandeira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1955 Teoria da tragédia Introdução e notas Anatol Rosenfeld São Paulo E P U 1992 Biblioteca Pólen A educação estética do homem numa série de cartas Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki São Paulo Iluminuras 2002 Die Jungfrau von Orleans eine romantische Tragödie Stuttgart Reclam 2002 Kallias ou sobre a beleza A correspondência entre Schiller e Körner em janeiro e fevereiro de 1793 Tradução e introdução de Ricardo Barbosa Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 Sobre poesia ingênua e sentimental Tradução introdução comentário e glossário de Teresa Rodrigues Cadete Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 2003 Fragmentos das preleções sobre estética do semestre de inverno de 1792 93 Recolhidos por Christian Friedrich Michaelis Tradução e introdução de Ricardo Barbosa Belo Horizonte Editora UFMG 2004 Sobre graça e dignidade Tradução de Ana Resende Porto Alegre Movimento 2008 SZONDI P Teoria do drama moderno 18801950 Trad Luiz Sergio Repa São Paulo Cosac Naify 2001 Recebido em 28 de julho de 2016 Aceito em 10 de dezembro de 2016